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fiscalidade

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Administração, n.o 30, Vol. VIII, 1995-3.o, 827-850

ALGUNS ASPECTOS DA SITUAÇÃO


TRIBUTÁRIA DA FAMÍLIA
NO SISTEMA FISCAL DE MACAU*
José Hermínio Paulo Rato Rainha **

1. A fiscalidade e a família
2. Princípios constitucionais e estatutários
3. A família na legislação fiscal de Macau
3.1. Contribuição de registo
3.1.1. Sisa
3.1.2. Imposto sobre as sucessões e doações
3.2. Imposto complementar de rendimentos
3.2.1. Chefe de família e agregado familiar
3.2.2. Deduções
4. Conclusões

1. A FISCALIDADE E A FAMÍLIA
Tendo como referência o Ano Internacional da Família (l 994), pa-
rece interessante fazer-se uma breve análise do modo como o sistema
fiscal de Macau tem tratado alguns aspectos da situação tributária da
família, já que a família e o imposto são duas das mais importantes
instituições que, desde sempre, se têm reconhecido como elementos
primários de qualquer sociedade politicamente organizada1. Em rela-

* Trabalho elaborado em Abril de 1995.


** Economista.
1
De acordo com a legislação de Macau, a família é reconhecida como ele-
mento fundamental da sociedade, transmissora de valores e veículo de estreita-
mento das relações de solidariedade entre as gerações (cf. Lei n.° 6/94/M, de l de
Agosto, artigo 3.°).
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cão à situação tributária da família, diversas questões se podem pôr tendo
em atenção os diversos impostos, desde a carga fiscal suportada como
unidade de consumo, a eventual protecção da transmissão do património
familiar ou os problemas suscitados no âmbito dos impostos sobre o
rendimento, em que se destaca a determinação da unidade de tributação
ou contribuinte e o seu tratamento2.
No âmbito da fiscalidade, o enquadramento da família começa logo
pela legitimidade ou fundamento legal do imposto, pois a família e os
cidadãos em geral devem ser os destinatários das acções públicas para as
quais se necessitam as receitas financeiras derivadas do imposto. Se a
satisfação das necessidades colectivas fundamenta o imposto, então as
necessidades familiares de natureza colectiva aparecem como causa da
criação de receitas públicas, como elemento de avaliação da estrutura das
receitas fiscais e ainda como determinantes da programação das despesas
públicas e da graduação da sua ordem na escala de prioridade, entre as
despesas necessárias e as despesas possíveis de cada período financeiro.
A tributação do património familiar e da sucessão entre herdeiros ou
o estabelecimento de taxas superiores às tradicionais ou às reconhecidas
como razoáveis ou convenientes numa certa ordem político-fa-miliar
podem ser utilizados como instrumentos para a alteração da própria
estrutura familiar e das suas funções, através da supressão do estímulo à
formação do património ou da redução directa dos meios económicos de
que a família tenha de dispor para a plena realização das suas funções3.
Relativamente aos impostos sobre o rendimento, um aspecto prático
muito importante na análise das formas de tributação ou da composição
das unidades de tributação (contribuinte) deriva do facto de que o
montante do imposto, a pagar pelos diferentes contribuintes não
pertencentes aos mesmos escalões de rendimento, não de-
2
A tributação dos rendimentos ou do património dos agregados familiares
tem sido objecto de análise de congressos internacionais da especialidade — 9.° e
26.° Congressos da International Fiscal Association, nos anos de 1955 em
Amsterdam (Holanda) e em 1972 em Madrid (Espanha); e, IX Jornadas Luso-
-Hispano-Americanas de Estudos Tributários, ano de 1980, no Porto e Póvoa de
Varzim (Portugal) —, cujos estudos se encontram publicados, respectivamente,
em «The commom assessment of income tax for members of one household» em
Cahiers de droit fiscal international, Volume 28, International Fiscal Association
(I.F.A.), Rotterdam, 1955; em «The income, fortune and estate tax treatment of
household units», em Cahiers de droit fiscal international, Volume 57, International
Fiscal Association (I.F.A.), Rotterdam, 1972; e em (só os estudos dos participan
tes portugueses) «A unidade familiar como sujeito fiscal», em Cadernos de Ciên
cia e Técnica Fiscal, n.° 123, Lisboa, 1982. A Organização de Cooperação e
Desenvolvimento Económico (OCDE) também tem estudado estas matérias: La
situation des unites familiales de l’impôt et des transferis sociaux dans les pays
membres de l’OCDE, Paris, 1977.
3
Cf. Vitor António Duarte Faveiro, «Família, Estado e Imposto», em Ca-
dernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.° 123, Lisboa, 1982, pgs. 115/197 (pag.
129).

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pende somente da escolha da composição da unidade de tributação, mas
também da sua interacção com outros elementos da estrutura do imposto:
taxas e escalões de rendimento, abatimentos fiscais e créditos de
imposto.
De uma maneira geral, não obstante a interacção dos diferentes
elementos da estrutura do imposto sobre o rendimento, a discussão pú-
blica assenta principalmente sobre a composição da unidade de tribu-
tação, mostrando este facto, para além de diversas considerações
só-cio-políticas relacionadas com a noção de família, a maior facilidade
de apreensão, pelo público em geral, da sua influência na tributação sobre
as unidades familiares, já que lhe escapa um pouco as diferentes
concepções técnicas que o imposto pode apresentar, podendo partir de
princípios, à primeira vista, diferentes e chegar a resultados sensivel-
mente semelhantes. As soluções encontradas para a formulação do conceito
de unidade de tributação e dos restantes elementos da estrutura do
imposto sobre o rendimento são condicionadas pelos valores sociais
prevalecentes no espaço fiscal em relação às diferentes formas de cons-
tituição dos agregados familiares e pelo desenvolvimento
económico-social e políticas demográficas, não se podendo também
esquecer os problemas administrativos resultantes da aplicação de uma
determinada forma de tributação.

2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E ESTATUTÁRIOS


O Estatuto Orgânico de Macau (EOM), que é a lei básica da orga-
nização político-administrativa de Macau, não indica qualquer finalidade
financeira (ou outra) aos impostos4, contrariamente ao estabelecido na
Constituição da República Portuguesa de 1976 (CRP), onde se determina
que «o sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do
Estado e outras entidades públicas (...)» (CRP, artigo 106.°, n.° 1). Este
princípio tem-se designado da eficiência funcional do sistema fiscal e
está associado à ideia de neutralidade do sistema fiscal, conceito
nuclear dos sistemas financeiros clássicos e correspondente à ideia de
que os recursos a utilizar, pelas sociedades politicamente organizadas,
devem ser apenas os quantitativamente suficientes para suportar as
respectivas necessidades financeiras, sem interferir na afectação dos
recursos económicos à satisfação das necessidades privadas nem
perturbar o funcionamento normal do mercado.
Actualmente este princípio não se limita à finalidade financeira,
como de resto se prevê na norma constitucional referida ao acrescentar
«(...) e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza» ou que «o

4
A Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República
Popular da China também não refere qualquer finalidade especial ao sistema fiscal
regional, embora estabeleça finanças e um sistema fiscal independentes e indique
que o governo popular central não arrecada quaisquer impostos em Macau
(cf. artigos 104.° e 106.°).
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imposto sobre o rendimento pessoal visará a diminuição das desigual-
dades (...), tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agre-
gado familiar» (CRP, artigo 107.°, n.° 1), o que lhe dá também uma
finalidade qualitativa5. Com o mesmo sentido de satisfação das neces-
sidades financeiras com alguma final idade qualitativa está formulado,
nos princípios de carácter geral a que obedeceu, em Macau, a reforma
fiscal de 1978, o objectivo de «captação de um volume de receitas públicas
que permita cobrir as necessidades de alargamento da acção ad-
ministrativa e dos benefícios sociais, bem como acelerar o investimento
público6».
O diploma fundamental sobre a organização político-administra-
tiva de Macau também não faz qualquer referência à família, embora
se possa admitir que os princípios gerais constantes da Constituição da
República Portuguesa sobre esta matéria se encontram integrados no
Estatuto Orgânico de Macau7, o que não invalida a necessidade de
explicitação dos princípios aplicáveis a Macau de forma a ficarem in-
tegrados na legislação a vigorar após a data da transmissão, para a Re-
pública Popular da China, do exercício da soberania sobre o território.
Deste modo, tornando-se necessário explicitar e estabelecer os princí-
pios gerais que devem basear as políticas governamentais a seguir no
Território, a Assembleia Legislativa de Macau emitiu uma lei de bases
da política familiar8 onde se estabelecem os princípios fundamentais
sobre a família, a protecção da comunidade familiar, o associativismo
familiar e a promoção social, económica e cultural da família.
Como referência expressa à tributação encontra-se definido neste
diploma que «o regime fiscal deve ser adequado ao princípio da pro-
tecção da família, tendo em atenção a formação e manutenção do seu património
e os respectivos consumos essenciais» e que «em caso algum a
constituição da família pode ser motivo de desigualdade injusta ou
agravamento fiscal» (artigo 22.°, n.08 l e 2)9. Nesta lei de bases da
5
António L. de Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Coim-
bra,1987, pg. 626 (ou edição de 1992, volume II, pg. 198), define «eficiência
fiscalcomo medida em que o sistema fiscal (ou cada uma das suas espécies) é
adequado às finalidades que por ele haveriam de ser prosseguidas, relativamente
àactuação sobre a estrutura e a conjuntura económico-social (eficiência políti-
ca)».
6
Cf. preâmbulo da Lei n.° 15/77/M, de 31 de Dezembro, que aprovou o
Regulamento da Contribuição Industrial (RCI).
7
O território de Macau constitui uma pessoa colectiva de direito público
interno e goza, com ressalva dos princípios e no respeito dos direitos, liberdades
egarantias estabelecidos na Constituição da República e no presente Estatuto,
deautonomia administrativa, económica, financeira e legislativa (EOM, artigo
2.°).
8
Lei n.° 6/94/M, de l de Agosto.
9
A Região Administrativa Especial de Macau protege, em conformidade
com a lei, o direito das pessoas singulares e colectivas à aquisição, uso, disposi
ção e sucessão por herança da propriedade e o direito à sua compensação em caso
de expropriação legal (Lei Básica, artigo 103.°).
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política familiar podemos encontrar outras disposições influenciadoras da
forma ou das técnicas de tributação do rendimento ou de outra tribu-tação
específica, como as que definem os objectivos da política fami-liar (artigo
5.°), a protecção e integração de pessoas idosas e deficien-tes (artigo 11.°),
os direitos e deveres dos pais à educação dos filhos (artigo 15.°) e as
condições de habitação e ambiente (artigo 20.°).
Quando se fala de família ou de agregado familiar pode-se colocar
previamente a questão de que conceito está a ser referido, pois, tanto
em sociologia como em política ou ainda em direito, reconhece-se a
existência e, por vezes, a conjunção entre si das características de vários tipos
ou elementos identificadores de comunidades familiares como o tipo
filial, o conjugal, o de parentesco, o tipo económico, etc. Também nesta
lei parece reflectir-se esta multiplicidade e variedade de tipos fa-
miliares socialmente existentes, ao se estabelecer que «a instituição
familiar assenta na unidade, estabilidade, igual dignidade de todos os
membros (...)» (artigo 2.°, n.° 1) e que «os cônjuges têm iguais direitos e
deveres quanto a capacidade civil e política e à manutenção e educação dos
filhos» (artigo 2.°, n.° 2), sendo ainda objectivo da política familiar
«favorecer a integração e a participação na vida familiar das pessoas
idosas e incentivar a solidariedade e o apoio mútuo das gerações»
[artigo 5.0, f)].
Tendo em atenção os princípios consagrados em lei relativamente à
política familiar deve-se analisar a situação da legislação fiscal de Macau
em relação ao desenvolvimento e aplicação dos mesmos princípios10. Deste
modo, torna-se necessário fazer uma descrição das disposições fiscais
específicas sobre o enquadramento da tributação dos agregados familiares
ou da família, para eventualmente se poder concluir pela necessidade
da sua alteração ou aperfeiçoamento para corresponderem à
aplicação desejada daqueles princípios.

3. A FAMÍLIA NA LEGISLAÇÃO FISCAL DE MACAU


O sistema fiscal de Macau é formado por diferentes impostos so-
bre o rendimento, sobre o património ou riqueza e sobre a despesa ou
bens e serviços, não existindo um imposto sobre o rendimento global,
que dê a perspectiva unitária do rendimento de forma a permitir a dis-
tribuição da carga fiscal em consonância com a capacidade contributi-va.
Como impostos sobre o rendimento, apresenta o imposto profissio-nal
incidente sobre os rendimentos de trabalho independente derivados do
exercício de actividades constantes em tabela de profissões liberais e
técnicas e sobre os rendimentos de trabalho dependente; o imposto

10
Para além de uma análise essencialmente jurídica, também a legislação
fiscal pode ser observada segundo um ponto de vista económico, em conexão com
os reconhecidos propósitos de neutralidade e equidade de qualquer sistema fiscal,
ou de acordo com um ponto de vista social, tendo em vista a sua harmonia com os
valores que se vão impondo ou renovando.
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complementar de rendimentos incidente sobre os rendimentos deriva-
dos do exercício directo ou da participação de actividades comerciais e
industriais e os rendimentos de trabalho; e, a contribuição predial ur-
bana incidente sobre as rendas de prédios urbanos arrendados ou o seu
valor locativo, quando não declarados como arrendados.
O imposto profissional, incidente sobre o rendimento de traba-
lho de pessoas físicas, não tem características de imposto pessoal, pois
não atende, entre outras situações, à composição e condições económicas
do agregado familiar do trabalhador, embora considere que não
constituem matéria colectável os subsídios de família e de nascimento,
atribuídos em conformidade com a lei, até aos limites dos
quantitativos fixados para os funcionários e agentes da Admi-
nistração Pública". Este imposto apresenta como elemento de
subjectivação uma isenção de base12 e uma tabela de taxas progressivas
com taxa máxima de 15 por cento13, cuja aplicação implica uma certa
injustiça resultante da situação de tributação parcelar do rendimento,
em relação a contribuintes com rendimentos de outras fontes, pois o
total da carga fiscal sobre o rendimento global depende do tipo de
rendimento que aufere o respectivo titular.
O imposto complementar de rendimentos, embora seja desig-
nado de complementar é essencialmente um imposto parcelar pois
tributa os rendimentos derivados do exercício directo de actividade
comercial ou industrial — imposto da empresa — e os derivados
das mesmas actividades correspondentes a dividendos ou lucros —
imposto sobre a remuneração do factor capital —,
independen-temente da totalidade ou globalidade dos rendimentos
dos contri-buintes. Este imposto só é complementar em relação à
tributação dos rendimentos de trabalho, nas situações em que os
contribuin-tes — pessoas singulares — com rendimentos
derivados de actividades comerciais e industriais exercem
simultaneamente uma actividade da qual auferem rendimentos
sujeitos a imposto profissional.
Para efeitos deste imposto, o rendimento das pessoas singula-
res é a soma dos rendimentos da actividade comercial ou industrial
e dos rendimentos de trabalho, mas, quando o rendimento global é
constituído exclusivamente por rendimentos de trabalho está isen-
to de imposto complementar de rendimentos e excluem-se sempre
do englobamento os rendimentos de prédios urbanos. Neste impos-
to aplica-se também uma tabela de taxas progressivas com taxa máxi-

11
Cf. Regulamento do Imposto Profissional (RIP), artigo 4.°, c).
12
Esta isenção de base é de $ 70 000,00 para os rendimentos de 1993 e se
guintes. As referências monetárias expressas neste texto correspondem à unidade
monetária de Macau (pataca = MOP), em que HK $ 1,00 = MOP $ 1,032 ou
US $ l,00 = MOP $ 7,96.
13
Aplicando-se sobre o valor do imposto um adicional de 5 por cento, a taxa
máxima acumulada corresponde a 15,75 por cento.
832
ma de 1514 por cento e as características de natureza pessoal resultam
de se tributarem os rendimentos do agregado familiar e de se conside-
rarem, como deduções ao rendimento, determinados valores fixos como
correspondentes a encargos do contribuinte e dos componentes do agre-
gado familiar.
A contribuição predial urbana incide sobre o rendimento dos pré-
dios urbanos situados no Território [cf. Regulamento da Contribuição
Predial Urbana (RCPU), artigo 2.°], considerando-se como tal o valor
da respectiva renda, quanto aos prédios arrendados, e, quando o não
estejam, a utilidade económica que deles obtiver, ou tiver possibilidade
de obter, quem os possa usar ou fruir (cf. RCPU, artigo 4.°). Há assim
dois conceitos jurídicos de rendimento — a renda e a utilidade
económica —, sendo a utilidade económica determinada através de ava-
liação para se encontrar o valor locativo correspondente à justa renda
pelo período de um ano em regime de liberdade contratual (cf. RCPU,
artigo 25.°, n.° 2).
A regulamentação deste imposto não tem disposições contemplan-do
especificamente a tributação da família, embora existam alguns be-nefícios
fiscais correspondentes à concessão de isenção temporária ou de redução de
taxas da contribuição predial urbana respeitante a rendi-mentos (valor
locativo) de prédios afectos a habitação própria15. Ou-tros benefícios
fiscais similares respeitantes a casas económicas para arrendamento ou a
contratos de desenvolvimento para habitação tam-bém se podem
considerar como destinados a dar alguma protecção à família.
No sistema fiscal de Macau não existe um imposto geral de tran-
sacções e encontra-se um imposto de consumo que tributa quatro gru
pos especiais de produtos importados (ou produzidos no Território)
destinados a consumo: vinhos e outras bebidas alcoólicas; tabaco; au-
tomóveis e outros veículos; e, outros produtos (cimento, gasolina, óleos
e gases combustíveis, etc.). Na definição e regulamentação de todos
estes impostos sobre a despesa não há qualquer consideração ou refe-
rência ao agregado familiar ou existência de algum elemento de técni-
ca discriminativa com essa finalidade.

14
Veja-se a nota anterior. A taxa de 15 por cento incide sobre os rendimen
tos superiores a $ 300 000,00 (sobre a forma de aplicação da taxa veja-se J. H.
Paulo Rato Rainha, «Reflexões sobre o sistema fiscal de Macau: evolução e pers
pectiva», em Administração — Revista de Administração Pública de Macau, n.° 15,
Maio de 1992, nota 40, pg. 80.
15
A contribuição predial urbana, como os outros impostos sobre o rendi
mento, é de base anual e aplica-se à taxa de 16 por cento sobre os rendimentos ou
valor locativo determinado antes de l de Julho de 1988 e à taxa de 10 por cento
sobre os valores locativos determinados após aquela data (com adicional de 5 por
cento). As taxas inicialmente tinham um carácter progressivo e aplicavam-se ao
rendimento anualmente atribuído a cada contribuinte, independentemente do nú
mero de prédios a que respeitassem (veja-se J. H. Paulo Rato Rainha, «Reflexões
...», em Administração..., pg. 92).

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Entre os impostos sobre o património ou riqueza existe a contri-
buição de registo sobre a tributação de transferências de bens entre
vivos a título oneroso respeitante a imóveis, correspondente à sisa, ou
a título gratuito entre vivos ou por morte no que respeita a quaisquer
bens, correspondente ao imposto sobre as sucessões e doações, em que
existe uma tabela de taxas progressivas diferenciada de acordo com o
grau de parentesco dos beneficiários do doador ou do «de cujus». Estes
dois impostos são dos mais antigos do sistema fiscal de Macau e tribu-
tam apenas a transmissão do património, não existindo qualquer im-
posto periódico sobre o património, entendido, quer, como tributação
do rendimento através do património, quer, como tributação do próprio
património.
Na legislação fiscal de Macau, que se encontra num estado de pouco
desenvolvimento e aplicação16 só se encontram disposições com carác-
ter específico sobre a tributação do rendimento e do património do agre-
gado familiar na contribuição de registo e no imposto complementar
de rendimentos. Neste texto é desenvolvida um pouco mais a análise
respeitante à tributação do rendimento, dada a sua maior importância nos
planos doutrinário e legislativo referentes às diversas formas como se
tem feito o enquadramento da tributação e definição do agregado
familiar.

3.1. CONTRIBUIÇÃO DE REGISTO


A legislação que regulamenta a sisa e o imposto sobre as suces-
sões e doações remonta a 1901, em que ambos os impostos são desig-
nados por contribuição de registo por título oneroso e por título gratui-
to. Em alguns casos, na aplicação desta legislação, mesmo numa inter-
pretação actualista, encontram-se algumas dificuldades, dada a altera-
ção de conceitos e do enquadramento legislativo geral.
A contribuição de registo desdobra-se em contribuição de registo
por título oneroso, que se passou a designar por sisa, e em contribui-
ção de registo por título gratuito cuja designação passou a ser de im-
posto sobre as sucessões e doações. Estes dois impostos, com natureza
comum de impostos sobre o património regulados pelo mesmo diplo-
ma legal — Regulamento para a Liquidação e Cobrança da Contribui-
ção de Registo na Província de Macau, de 29 de Agosto de 1901 (RCR)
—, incidem sobre o património e não sobre rendimentos, sendo a sua
matéria colectável correspondente a um património transmitido.
A contribuição de registo incide, em geral, sobre os actos que
importam transmissão perpétua, ou temporária de propriedade imobi-

16
As receitas fiscais, como fonte de receitas públicas de Macau, têm tido
uma importância muito secundária, pelo que a matéria da fiscalidade territorial
não se tem apresentado merecedora de grande análise e estudo aos académicos e
de aplicação aos políticos.
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liaria situada no Território, de qualquer valor, espécie ou natureza, por
título gratuito ou oneroso, qualquer que seja a denominação ou forma
de título (cf. RCR, artigo 1.°). Compreendem-se nestes actos, entre
outros, os contratos de compra e venda, de escambo ou troca e as trans-
missões de propriedade perpétua ou temporária, por título oneroso ou
título gratuito, das concessões públicas para a exploração de empresas
industriais de qualquer natureza (cf. RCR, artigo 1.°, n.08 l e 2).

3.1.1. SISA
A sisa ou contribuição de registo a título oneroso incide sobre a
transmissão da propriedade imobiliária a título oneroso, consideran-
do-se como transmissão, para efeitos deste imposto, certos actos (cf.
RCR, artigo 2.°) que, como tais, não são qualificados pela lei civil. A
sisa é devida por aqueles para quem se transmitem os bens e incide
sobre o valor por que estes são transmitidos, o qual, de um modo geral,
é o preço convencionado pelos contratantes ou o designado nos títulos,
mas quando se presuma que os valores declarados são inferiores ao
valor real dos prédios, o valor para efeitos fiscais é fixado administra-
tivamente e do qual o contribuinte pode reclamar e recorrer.
A sua taxa é de 6 por cento ou de 4 por cento incidente sobre o
valor da transmissão do imóvel, consoante este esteja situado no Muni-
cípio de Macau ou no Município das Ilhas (Taipa e Coloane). Estas
taxas são deduzidas de 2 por cento nos casos de transmissão de imóveis
que beneficiem da isenção de contribuição predial urbana (cf. RCR, artigo
7.°, na redacção dada pela Lei n.° 13/88/M, de 20 de Junho), o que se
verifica durante quatro (Macau) ou seis anos (Ilhas) para os prédios
construídos de novo ou melhorados e ampliados, desde que o valor das
respectivas obras corresponda, pelo menos, a 50 por cento do valor
actualizado do prédio (cf. RCPU, artigo 9.°).
Como forma de benefício fiscal à protecção da família através de
aquisição de habitação própria verifica-se que, na segunda e nas posteriores
transmissões das casas económicas efectuadas dentro do prazo de
quinze anos, contados do primeiro dia do mês seguinte ao da emissão da
licença de habitação, a taxa da sisa é reduzida a metade (cf. Lei n.°
13/80/M, de 6 de Setembro, artigo 30.°). Com finalidade idêntica,
encontram-se as isenções das transmissões de terreno destinado à cons-
trução de casas económicas e da primeira transmissão do edifício ou casas
económicas em propriedade horizontal (cf. Lei n.° 13/80/M, de 6 de
Setembro, artigo 30.°), da aquisição de habitação e da transmissão do
direito ao arrendamento do respectivo terreno ou da sua compra res-
peitante a prédios alienados pelo Território aos seus arrendatários (cf. Lei
n.° 4/83/M, de 11 de Julho, artigo 14.°).
De acordo com a lei de bases da política familiar «devem ser criadas,
progressivamente, condições para que cada família possa dispor de uma
habitação que, pelas suas dimensões e demais requisitos, corresponda
adequadamente às exigências de uma vida familiar nor-
835
mal, preservada na sua intimidade e privacidade» (artigo 20.°, n.° 1). A
sisa ao incidir sobre a transmissão onerosa da propriedade é um encar-
go a adicionar ao custo da habitação dos agregados familiares, o que
agrava o seu custo, pelo que alguns defendem a sua eliminação por se
apresentar como factor negativo na aquisição de habitação própria.
A sisa, sendo um dos impostos mais antigos do sistema fiscal de
Macau, apresenta-se, pela simplicidade administrativa da sua aplica-
ção, como um elemento estrutural importante das receitas fiscais e
compensador da deficiente tributação do rendimento, pelo que se deve
analisar se esta. função, como fonte de receitas fiscais, é compatível com
aquela disposição programática da lei de bases da política familiar
respeitante à habitação e ambiente17. O valor do imposto é calculado
através de dois elementos essenciais — a taxa e a matéria tributável —
podendo chegar-se ao mesmo resultado fazendo variar inversamente
estes dois elementos, pelo que uma melhor fiscalização tributária ou
adequação da quantificação da matéria tributável, de modo a aproxi-
mar-se dos valores reais das transmissões, pode ser acompanhada de
uma redução da taxa.
Na manutenção da simplicidade da aplicação deste imposto, é pre-
ferível uma redução de taxa em todas as situações de aquisição da ha-
bitação, do que diferenciar a tributação entre habitação própria e habi-
tação para arrendamento, pois a existir esta discriminação tributária
haverá tendência para a correspondente fraude fiscal18. Não se devem
criar situações propícias à fraude fiscal, que não podem ser combatidas
com facilidade, pois não é possível organizar e suportar financeiramente
a fiscalização tributária necessária para tal efeito.

3.1.2. IMPOSTO SOBRE AS SUCESSÕES E DOAÇÕES


São sujeitas a imposto sobre as sucessões e doações ou contribui-
ção de registo por título gratuito as transmissões gratuitas de bens
mobiliários ou imobiliários, localizados ou existentes no Território, de
qualquer espécie ou natureza, compreendendo dinheiro, títulos de dívi-
da pública, acções e obrigações de bancos, companhias ou sociedades
anónimas, o direito a habitação por ser equiparado ao usufruto, etc. (cf.
RCR, artigo 3.°). São sujeitas à contribuição de registo, em parte por

17
As receitas fiscais representam globalmente nos anos de 1991/94 cerca de
18,9 por cento das receitas públicas (do Território), correspondendo a sisa, só por
si, a cerca de 19,5 por cento das receitas fiscais. Destes valores, pode concluir-se
que este imposto se apresenta como um instrumento importante de captação de
receitas públicas, proporcionando ao Território meios financeiros para o prosse
guimento e desenvolvimento das diferentes políticas sociais constantes na lei de
bases da política familiar.
18
Em contrapartida, a diferenciação de taxas de acordo com a localização
geográfica das habitações parece, cada vez mais, não se justificar, atendendo à
dimensão das novas áreas habitacionais disponíveis na cidade de Macau.
836
título gratuito e em parte por título oneroso, ao mesmo tempo, as trans-
missões de bens imobiliários por doação, sucessão testamentária, quando
acompanhadas do encargo de pagamento de dívidas, por meio de
doa-ção com entradas, por meio de compra e venda de direitos ilíquidos
ou de bens não especificados no respectivo contrato, assim como
quais-quer outras transmissões desta natureza (cf. RCR, artigo 4.°).
O sujeito passivo da relação jurídica da contribuição de registo é o
adquirente dos bens móveis ou imóveis (mobiliários ou imobiliários na
linguagem do legislador), por transmissão a título gratuito, inter vivos ou
mortis causa. Deste modo, pagam imposto sobre as sucessões e doações
todas as pessoas a favor de quem foram transmitidos, por sucessão
legítima ou testamentária ou por doação, bens mobiliários ou imobiliários
de valor superior aos mínimos estabelecidos na tabela de taxas (cf. RCR,
artigo 8.°).
As taxas do imposto sobre as sucessões e doações são progressivas e
variam entre 5 por cento e 36 por cento (imposto e adicionamento de 3
por cento) consoante o parentesco dos intervenientes na transmis-são e
o valor dos bens transmitidos para cada um dos donatários ou herdeiros19.
A posição da sucessão para efeitos tributários é a seguinte: descendentes
(com taxas entre 5 por cento e 12 por cento), ascendentes (entre 7 por
cento e 15,5 por cento), cônjuges (entre 7 por cento e 15,5 por cento),
irmãos (entre 9 por cento e 19 por cento), colaterais no 3.° grau (entre
12 por cento e 24 por cento) e outras quaisquer pessoas (entre 22 por
cento e 36 por cento) (cf. RCR, artigo 8.0)20.
Uma questão prévia que se pode pôr antes da análise da actual
legislação territorial sobre este imposto é a sua eventual compatibilidade
com a regra de que «o regime fiscal deve ser adequado ao princípio da
protecção da família, tendo em atenção a formação e manutenção do seu
património (...)». Na realidade, uma interpretação jurídica demasiada
literal da expressão manutenção do seu património pode levar a concluir
não dever existir este imposto incidente sobre a transmissão do
património da família, especialmente, no caso de família tipo filial, para
os descendentes.

19
As taxas, que se aplicam às transmissões respeitantes a cada beneficiário,
foram estabelecidas pelo Diploma Legislativo n.° l 793, de 7 de Junho de 1969,
havendo ainda uma taxa de 3 por cento incidente sobre o quantitativo global da
herança, líquido dos encargos.
20
Nos termos da lei civil, o parentesco determina-se pelas gerações que vin
culam os parentes um ao outro: cada geração forma um grau e a série dos graus
constitui a linha de parentesco. A linha diz-se recta quando um dos parentes des
cende do outro; diz-se colateral quando nenhum dos parentes descende do outro,
mas ambos procedem de um progenitor comum (Código Civil, artigo l 580.°).
Na linha recta há tantos graus quantas as pessoas que formam a linha de
parentesco, excluindo o progenitor. Na linha colateral os graus contam-se pela
mesma forma, subindo por um dos ramos e descendo pelo outro, mas sem contar
o progenitor comum (Código Civil, artigo l 581.°).
837
Outra interpretação a ser feita é a de que a tributação sobre a trans-
missão do património da família não deve ser efectivada a taxas superiores
às tradicionais ou às reconhecidas como razoáveis ou convenientes21 que
desincentivem a sua formação ou impliquem uma demasiada redução
directa e impeditiva da sua manutenção. De acordo com esta
interpretação, se a tabela de taxas progressivas actualmente aplicável
pode ser considerada razoável tendo também em conta a ordem de
sucessão para efeitos tributários (e civis), já os escalões dos valores das
transmissões, para aplicação das taxas, estão totalmente desactualizados,
pois o limite de isenção é de $ l 000,00 (ou de $ 2 500,00) e o limite
inferior do escalão a que se aplica a taxa máxima é de l milhão de
patacas22.
Se estas transmissões são tributadas por valores próximos dos efec-
tivos ou reais, pode-se falar de uma excessiva tributação que não está em
conformidade com a regra da manutenção do património familiar,
prevista na lei de bases da política familiar. De acordo com esta regra,
há efectivamente necessidade de serem revistos os limites de isenção e de
escalões dos valores das transmissões, para evitar que a evasão e fraude
fiscais se transformem em normas de comportamento seguidas neste
imposto23.
Em relação à ordem de sucessão tributária, uma particularidade digna
de atenção é a posição dos cônjuges na relação tributária, bem como na
relação sucessória de direito civil, que nem sempre andaram a par: na
legislação tributária, embora não estivesse de acordo com a lei civil, as
transmissões entre cônjuges já precediam as transmissões entre irmãos,
pois a prioridade dos irmãos em relação aos cônjuges man-teve-se no
Código Civil (1966)24 até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 497/77
de 25 de Novembro25, que veio alterar a ordem de su-

21
Num regime democrático os problemas de equidade e de razoabilidade
terminam por resolver-se através de um consenso colectivo sobre os valores da
sociedade, podendo dizer-se ser este o supremo critério para a sua resolução e,
assim, o sistema fiscal deve estar de acordo com esses valores.
22
São isentas de imposto sobre as sucessões e doações as transmissões de
bens de valor não superior a $ l 000,00 por cada adquirente, sendo este valor de
$ 2 500,00, quando os beneficiários forem descendentes do autor da transmissão
(cf. RCR, artigo 8.°).
23
Relativamente aos últimos anos, as receitas fiscais representadas pelo
imposto sobre as sucessões e doações são as seguintes: 1991 — 8,7 milhões de
patacas; 1992 — 9,1 milhões de patacas; 1993 — 22,6 milhões de patacas; e,
1994 — 14,3 milhões de patacas.
24
Aprovado pelo Decreto-Lei n.° 47 344, de 25 de Novembro de 1966 e tornado
extensivo a Macau pela Portaria n.° 22 869, de 4 de Outubro de 1967, publicados no 2.°
Suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.° 46, de 23 de Novembro de 1967, tendo
entrado em vigor em l de Janeiro de 1968.
25
Tornado extensivo a Macau pelo Despacho Normativo n.° 79/78, de 14 de Fe-
vereiro, publicados no Suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.° 14, de 13 de Abril
de 1978.
838
cessão26. Este diploma alterou profundamente o direito de família e o direito
sucessório, atribuindo ao cônjuge do autor da herança a qualidade de
herdeiro, em pé de igualdade com os descendentes, por vezes, com mais
direitos, e, ainda, a qualidade de herdeiro legitimário27.
Não parecendo que deva haver desfasamento nesta matéria entre o
direito civil e o direito fiscal, ao se estabelecer o consenso sobre o tipo de
família considerada tradicional em Macau e a ser consagrada na lei civil,
deve a lei fiscal adaptar-se a essa ordem de sucessão e adequar a tabela de
taxas do imposto sobre as sucessões e doações. A legislação fiscal que re-
gulamenta este imposto (e a sisa) encontra-se muito desactualizada, haven-
do necessidades de a rever totalmente, mas caso, no plano político, conti-
nue a não ser considerado oportuno realizar tal revisão, pelo menos, devem
ser revistos os limites de isenção e os escalões dos valores das transmis-
sões28.

3.2. IMPOSTO COMPLEMENTAR DE RENDIMENTOS


O imposto complementar de rendimentos foi instituído em 1964, ten-do
sido reformulado na reforma fiscal de 1978, designada de revisão global do
regime da tributação directa sobre o rendimento. Para efeitos de simplicidade
analítica, neste texto só se apresenta o enquadramento tributário do
rendimento e definição do agregado familiar constantes no Regulamento

26
A ordem por que são chamados os herdeiros, sem prejuízo, do disposto sobre a
adopção, é a seguinte: a) cônjuge e descendentes; b) cônjuge e ascendentes; c) irmãos e
seus descendentes; d) outros colaterais até ao quarto grau; e e) Estado (cf. Código
Civil, artigo 2 133.°, n.° 1).
27
A partilha entre o cônjuge e os filhos faz-se por cabeça, dividindo-se a herança
em tantas partes quantos forem os herdeiros; a quota do cônjuge, porém, não pode ser
inferior a uma quarta parte da herança (Código Civil, artigo 2 139.°, n.° 1). São herdei
ros legitimários o cônjuge, os descendentes e os ascendentes, pela ordem e segundo as
regras estabelecidas para a sucessão legítima (Código Civil, artigo 2 157.°).
28
Nas Linhas de Acção Governativa de 1985, aprovadas pela Assembleia Legis
lativa, já se indica, entre as medidas a tomar no domínio da política fiscal, aliteração
da legislação deste imposto, tendo sido encomendado a um jurista português, especia
lista destas matérias, um projecto de regulamento, que foi apresentado em início de
1986. Este projecto, depois de analisado e aperfeiçoado pela Direcção dos Serviços de
Finanças, foi apreciado em Conselho Consultivo em meados de 1987 e, após diversas
recomendações e sugestões de melhoria do texto, foi aprovado em Conselho Consulti
vo e apresentado como proposta à Assembleia Legislativa.
Com as alterações governamentais verificadas em 1987 no Território e com o
anúncio publicitado de uma reforma fiscai, ficaram suspensos os trabalhos de tradução a
realizar para efeitos de apreciação e aprovação deste diploma na Assembleia Legislativa.
Dada a necessidade sentida, na gestão destes impostos, de serem resolvidas algumas
questões pontuais, foram elaborados, pela Direcção dos Serviços de Finanças, dois
projectos de diploma, que, tendo sido aprovados pelos órgãos políticos competentes,
entraram em vigor em l de Julho de 1988 (Lei n.° 13/88/M, de 20 de Junho, e
Decreto-Lei n.° 48/88/M, de 20 de Junho), pelo que foi retirado da Assembleia Legis-
lativa a proposta de projecto de lei com o novo Regulamento da Sisa e do Imposto
sobre as Sucessões e Doações.
839
do Imposto Complementar de Rendimentos (RICR), aprovado pela Lei
n.° 21/78/M, de 9 de Setembro.
«O imposto complementar incide sobre o rendimento global (...) que
as pessoas singulares ou colectivas, qualquer que seja a sua residência ou
sede, aufiram no Território» (RICR, artigo 2.°). Este conceito de rendimento
global tem dois sentidos — rendimento global das pessoas singulares e
rendimento global das pessoas colectivas — e da sua definição são excluídos
os rendimentos de prédios urbanos (cf. RICR, artigo 3.°), sendo o
ren-dimento global das pessoas singulares a soma dos rendimentos da
actividade comercial ou industrial e dos rendimentos do trabalho deduzida
dos competentes encargos (cf. RICR, artigo 3.°, n.° 1).

3.2.1. CHEFE DE FAMÍLIA E AGREGADO FAMILIAR


A regra de incidência pessoal ou subjectiva das pessoas singulares
tem a particularidade de ser atribuído ao chefe de família o conjunto de
rendimentos pertencentes ao agregado familiar definido para esta finalida-
de. Para efeitos da unificação dos rendimentos sujeitos a imposto comple-
mentar de rendimentos, o agregado familiar é constituído pelo chefe de
família, pelo cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens, pelos
filhos e enteados menores, que não tenham rendimentos ou que, tendo-os,
a administração pertence ao chefe de família ou ao seu cônjuge não separa-do
judicialmente de pessoas e bens (cf. RICR, artigo 5.°, n.08 l e 2),
esten-dendo-se este conceito ainda aos pais e sogros para o cálculo de
deduções ao rendimento (cf. RICR, artigo 6.°, n.0s l e 2).
A lei não considerou tantas obrigações de imposto quantos os titulares
de rendimentos que se inserem no agregado familiar, pois através de uma
ficção jurídica imputou ou atribuiu ao chefe de família os rendimentos dos
membros que o compõem, que não são considerados sujeitos passivos do
imposto. O agregado familiar não tem personalidade jurídica, visto a lei não
lhe conferir direitos e deveres fiscais, limitando-se a desempenhar as
funções de unidade de determinação da matéria tributável, através do
englobamento dos rendimentos e das deduções fixas de encargos familiares
(cf. RICR, artigos 5.° e 6.°), sendo o chefe de família o sujeito passivo da
relação jurídica fiscal competindo-lhe também cumprir os deveres acessórios,
como o de apresentar declarações (cf. RICR, artigo 12.o)29.
No ordenamento jurídico-fiscal português havia uma situação se-
melhante para efeitos do imposto complementar, mas tendo sido julga-
da inconstitucional a figura do chefe de família em razão da igualdade
entre os cônjuges (cf. CRP, artigo 36.°, n.° 3)30, foi alterada a legislação
29
No caso dos cônjuges estarem separados de facto, embora a legislação
fiscal não preveja a personalidade tributária distinta, a administração fiscal tem
vindo a admitir a apresentação de declarações separadas respeitantes aos rendi
mentos individualizados.
30
Veja-se Diogo Leite de Campos, Da lnconstituctonalidade do Imposto
Complementar, Coimbra, 1979, e Tributação da Família: Carga Fiscal e
Inconstitucionalidade, Coimbra, 1980; e, Carlos Pamplona Corte Real, «Refle-
840
e ambos os cônjuges passaram a ser considerados sujeitos passivos nas
relações jurídicas fiscais deste imposto. Na actual legislação fiscal por-
tuguesa, para efeitos de imposto sobre o rendimento das pessoas singu-
lares (IRS), «existindo agregado familiar, o imposto é devido pelo con-
junto dos rendimentos das pessoas que o constituem, considerando-se
como sujeitos passivos aquelas a quem incumbe a sua direcção» (Código
do IRS, artigo 14.°, n.°2).
Relativamente à figura de chefe de família, embora se possam in-
vocar os princípios constantes da Constituição da República Portuguesa de
1976 para a justificação da sua inconstitucionalidade, verifica-se
também a sua falta de adequação à lei de bases da política familiar, onde
se estabelece que «os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à
capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos» (artigo 2.°,
n.° 2)31. Uma solução simples de adequação da legislação fiscal a esta lei de
bases é a de se considerar, em relação aos rendimentos do agregado
familiar, como sujeitos passivo do imposto ou contribuintes, ambos os
cônjuges desde que não separados judicialmente de pessoas e bens, ou
aquelas pessoas a quem incumbe a direcção do agregado familiar, de
acordo com a definição prevista de agregado familiar (cf. Código do IRS,
artigo 14.°).
Esta fórmula legislativa para a definição de sujeito passivo do
imposto ou contribuinte, acrescida da consideração de iguais deduções ao
rendimento para cada um dos cônjuges, adequa-se ao princípio da
igualdade de ambos os cônjuges previsto na lei de bases da política
familiar. Embora se possam incluir estas alterações na legislação fiscal,
há ainda que verificar se o resultado derivado do englobamento do
rendimento está de acordo com o princípio a que deve obedecer o regime
fiscal referido na mesma lei, pois «em caso algum a constituição da
família pode ser motivo de desigualdade injusta ou agravamento fiscal»
(artigo 22.°, n.° 2).
Dado o carácter de progressividade das taxas do imposto comple-
mentar de rendimentos, na tributação da matéria tributável resultante do
englobamento de rendimentos do casal, sem aplicação de qualquer outra
técnica de atenuação da progressividade, há sempre um agravamento
fiscal quando ambos os cônjuges aufiram rendimentos sujeitos a
englobamento para efeitos deste imposto. Na realidade, só na situação de
um dos cônjuges não auferir esse tipo de rendimentos é que não existe
agravamento fiscal, em relação à sua tributação em separado32,

xões Críticas sobre ( . . . ) Matéria de Tributação da Família em Portugal», em Cadernos


de Ciência e Técnica Fiscal, n.° 123, Lisboa, 1982, pgs. 61/114, nomea-damente pgs.
69/76.
31
Esta disposição tem redacção igual à constante na Constituição da Repú
blica Portuguesa, artigo 36.° (família, casamento e filiação), n.° 3.
32
De acordo com a actual legislação, como o contribuinte beneficia de uma
dedução ao rendimento de $ 6000,00, por parte do cônjuge, existe um agrava-
mento fiscal sempre que o rendimento pertencente ao cônjuge, a englobar para
efeitos deste imposto, ultrapasse este valor. Há que notar que o agravamento fis-
841
pelo que se pode concluir que a aplicação do imposto complementar de
rendimentos não está adequada à lei de bases da política familiar.
As soluções legislativas para se evitar o agravamento fiscal resul-
tante do englobamento dos rendimentos do casal são diversas, pois,
numa perspectiva de tributação destes rendimentos, para além da tribu-
tação conjunta, podem-se colocar as seguintes vias: tributação separada de
cada cônjuge, de acordo com o seu rendimento, ou divisão do
rendimento total por dois para aplicação da taxa (splitting). As tributa-
ções separadas ou divididas podem ser integrais ou confinadas a certos
rendimentos e ainda obrigatórias ou optativas, do mesmo modo que a
tributação conjunta pode ser por opção e ser integral ou só acima de certo
montante33,34.
As questões respeitantes à tributação do rendimento do agregado
familiar não se limitam à consideração da tributação ser conjunta ou
separada de ambos os cônjuges pois outras se colocam: «tipo de dedu-
ções (fixas, percentuais, créditos de imposto), delimitação do agregado
familiar, âmbito da sua tramitação, consideração dos parentes (ou pessoas)
a cargo, situação tributária das uniões de facto e de outras comunidades
económicas familiares, relevância fiscal da separação de facto, definição
dos sujeitos passivos do imposto, tratamento para efeitos fiscais do
trabalho da mulher no lar e fora dele, etc.» «Outro problema que se
prende com a tributação da família relaciona-se naturalmente com a
conceptualização de agregado familiar para efeitos fiscais e, mais
concretamente, com a indicação precisa das pessoas a cargo dos
contribuintes que justificam o reconhecimento do direito a uma ate-

cal resulta de se considerar tributação conjunta em relação à tributação separada de


ambos os cônjuges e que, no caso de tributação separada, cada cônjuge passa a ter
uma dedução pessoal de $ 12 000,00 ao rendimento.
33
Em relação à unidade de tributação colocam-se ainda outras questões
fundamentais: a unidade de tributação deve ser o indivíduo, o casal, a família
ou o lar?; no caso de a família ou o lar ser a unidade de tributação, qual a respec
tiva dimensão?; se se adoptar a tributação da unidade que não seja o indivíduo,
deve eliminar-se ou atenuar-se o agravamento do imposto decorrente da
cumulação?; no caso afirmativo a esta última questão, deve ser feito através do
fraccionamento ou divisão do rendimento, de deduções, de créditos de imposto
ou de diversas tabelas de taxas? (Para maior desenvolvimento veja-se Manuel
Pires, «A Unidade Familiar como Sujeito Fiscal (Relatório Nacional de Portu
gal», em Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa, 1982, pgs. 5/60, nomea
damente pgs. 44/59).
34
A defesa da tributação conjunta é feita, de uma maneira geral, numa base
económica que considera a família como unidade sócio-económica fundamental e
tem em atenção a formação de economias de escala ou economias internas. Na
defesa da tributação separada ou tributação individual a óptica já não se apre
senta como sendo, essencialmente, de base económica, pois a análise é feita mais
de acordo com uma concepção generalizada de igualdade, pela qual qualquer pes
soa tem direito a ser considerada independente pela administração fiscal, do mes
mo modo que nos planos jurídico e sócio-económico.
842
nuação da respectiva carga fiscal, dentro da ideia de uma personalização dos
impostos sobre o rendimento»35.
Numa acepção corrente de agregado familiar pode considerar-se
este, numa noção de base nuclear, como correspondendo aos pais e aos
filhos ou equiparados dependentes, mas o conceito de dependente já
não é óbvio, e pode também estender-se este conceito de modo a abranger
outras pessoas a cargo do contribuinte, como os ascendentes, igual-
mente incapazes de angariarem meios de subsistência, num propósito de
protecção às gerações mais velhas. Por outro lado, a tributação não deve
apresentar-se como penalizadora ao aparecimento no mercado de
trabalho de ambos os cônjuges, pelo que a adopção da tributação em
separado é uma forma prática de se atender a esse objectivo e à ideia
bastante generalizada de dever ser dado tratamento preferencial aos
rendimentos de trabalho, em comparação com o concedido aos rendi-
mentos de outras fontes.
Para a aplicação do imposto ser efectiva de acordo com a sua re-
gulamentação há que ter em atenção a organização administrativa necessária
ou possível para esse efeito, pelo que, em relação a Macau, tem de ser
escolhida uma solução de fácil gestão pela administração fiscal e de fácil
compreensão pelos contribuintes. De acordo com este princípio de
simplicidade administrativa do imposto tem-se considerado36 que a
tributação do rendimento do agregado familiar só se justifica se for
possível obter o rendimento global, pelo que, em Macau, dado não
existir a tributação do rendimento global e a dificuldade sentida pela
administração fiscal de obter os rendimentos (parcelares) dos con-
tribuintes e dos seus agregados familiares, parece poder considerar-se
uma hipocrisia fiscal a legislação existente com tributação conjunta, cuja
aplicação é demasiado deficiente para que a filosofia conducente à
progressividade37 e à cumulação de rendimentos represente algum valor,
pois, na prática, de uma maneira geral, a tributação não abrange os
rendimentos do agregado familiar.
De uma maneira geral, nos diferentes ordenamentos
jurídico-fis-cais, não existe o agregado familiar como sujeito passivo de
relações tributárias, pois a base económica familiar tem sido utilizada
pelos legisladores apenas como base de determinação de uma matéria
colectável global, o que, conjugado com a progressividade das taxas, se
pode traduzir em alguma penalização dos contribuintes casados, se não
forem aplicados outros meios de atenuação do agravamento fiscal deri-

35
Carlos Pamplona Corte Real, «Reflexões Críticas ...», em Cadernos...,
pgs. 65 e 99.
36
Cf. J. H. Paulo Rato Rainha, Apontamentos de Direito Fiscal, Universida-
de de Macau, 1994, pg. 167.
37
Tem-se considerado a progressividade no imposto sobre o rendimento como
um dos meios mais eficazes da personalização do imposto, baseando-se na teoria
da utilidade marginal e, mais ainda, numa ideia generalizada da redistribuição
social dos rendimentos através do imposto.
843
vado da progressividade sobre o rendimento conjunto. Actualmente
existe uma tendência para uma tributação individual dos membros do
agregado familiar38, solução que o legislador português não quis adoptar
coqforme consta no preâmbulo do Código do Imposto sobre Rendimentos
das Pessoas Singulares (n.° 18), por considerar uma mudança
demasiado radical em relação ao que vinha sendo praticado e suscitar
dificuldades em face de regimes matrimoniais resultantes de situações
de comunhão de bens39.

3.2.2. DEDUÇÕES
Relativamente às pessoa singulares residentes no Território existem
diversas deduções à matéria colectável (rendimento global)
respeitantes a uma dedução de base (mínimo de existência) correspondente
ao chefe de família, deduções familiares, dedução de base aos rendimentos
de trabalho dependente (20%) e dedução da contribuição industrial (cf.
RICR, artigo 6.o)40. As taxas aplicáveis, para efeitos de tributação das
pessoas singulares, são determinadas com base no rendimento global
antes destas deduções (cf. RICR, artigo 7.°, n.° 2), que apresentam os
seguintes valores:

1. Dedução pessoal de $ 12 000,00 e de $ 6 000,00 pelo cônjuge;


2. Dedução de 20 por cento dos rendimentos de trabalho prove
nientes do exercício de actividade por conta de outrem;
3. Deduções relativas aos familiares residentes no Território;
a) Por cada filho ou tutelado até aos 21 anos ou de mais de 21
anos sendo inapto para o trabalho e que não seja contribuinte
do imposto complementar de rendimentos:

- De mais de 16 anos $ 3 000,00


- De mais de 11 a 16 anos $ 2 500,00

38
Veja-se «Comparing Individual Income Tax Reforms», The International
Bureau of Fiscal Documentation (IBFD), Holland.
39
Na tributação do rendimento, a legislação fiscal portuguesa tomou como
critério de base a tributação do agregado familiar, por o considerar mais conforme
com as normas constitucionais, com a aplicação de um método de correcção cor
respondente à técnica do quociente conjugal ou splitting (que restringe a divisão
do total dos rendimentos familiares aos dois membros a quem incumbe a direcção
do agregado), «(...) optou-se pelo sistema de splitting, por consideração de justi
ça fiscal (atenuação da progressividade resultante do englobamento dos rendi
mentos), de respeito por uma posição de igualdade dos cônjuges (que contribuem,
qualquer que seja o regime matrimonial de bens, para a conservação e valorização
do património familiar) e de aproximação no tratamento dos agregados familiares
assentes no casamento e de uniões de facto, em que a tributação será naturalmente
separada (Preâmbulo do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Sin
gulares (n.° 18).
40
A contribuição industrial é um imposto anual com taxas de montante fixo
por cada estabelecimento industrial ou comercial do contribuinte.
844
- De mais de 7 a 11 anos $ 2 000,00
- Até 7 anos $ l 500,00
b) Dedução por cada filho até à idade de 26 anos frequentando
curso no exterior, sem bolsa de estudo $ 6 000,00
c) Dedução por cada um dos ascendentes dos contribuintes com
idade superior a 65 anos e não sejam contribuintes do im
posto complementar de rendimentos41 $ l 500,00.
Efectuada a liquidação e obtido o montante da colecta do imposto
respeitante às pessoas singulares deduz-se ainda, a esse montante, o valor
do imposto profissional relativo aos rendimentos de trabalho englobados
para efeitos de imposto complementar de rendimentos (cf. RICR, artigo
51.°). Esta técnica denomina-se de dedução de colecta a colecta e destina-se a
evitar as tributações sucessivas em imposto profissional e imposto
complementar de rendimentos, acabando os rendimentos de trabalho
en-globados por serem tributados pelas taxas deste último imposto.
Como se acaba de indicar, no imposto complementar de rendimentos,
como elementos da técnica de personalização do imposto, têm-se utilizado as
deduções à matéria tributável de montantes fixos correspondentes aos
membros do agregado familiar42. Os valores correspondentes a estas dedu-
ções mantêm-se fixos desde a reformulação do imposto em 1978, pelo que,
dada a desvalorização monetária do poder de aquisição verificada ao longo do
tempo entretanto decorrido, o valor destas deduções ao rendimento deixou
de ter qualquer significado na estrutura do imposto, se é que alguma vez
o teve.

41
A dedução de $ l 500,00 é «por cada um dos pais e sogros do contribuinte
que com este vivam em economia comum e a título inteiramente gratuito, desde
que tais familiares, não sendo eles próprios contribuintes de qualquer imposto
nem possuindo quaisquer meios de subsistência, tenham pelo menos 65 anos de
idade ou, com idade inferior, estejam absolutamente incapacitados para o traba
lho» [RICR, artigo 6.°, n.° l, c), IV]. «As deduções para os sogros do contribuinte
só serão efectuadas se, para efeitos do imposto complementar, forem atribuídos
ao chefe de família rendimentos próprios do seu cônjuge, não separado judicial
mente de pessoas e bens» (RICR, artigo 6.°, n.° 2). Dado o valor insignificante da
dedução e a dificuldade de prova da situação referida, pois a dedução só pode ser
considerada com atestado de incapacidade (cf. RICR, artigo 6.°, n.° 3), na prática,
os contribuintes não beneficiam deste tipo de dedução.
42
Para efeitos da técnica de personalização do imposto em outros
ordenamentos jurídico-fiscais, como elementos alternativos às deduções à maté
ria tributável, usam-se créditos de imposto, que são somas fixas deduzidas ao
montante do imposto calculado pela aplicação da taxa ao rendimento tributável,
não dependendo o seu valor, geralmente, do montante de imposto calculado. O
uso alternativo de um destes instrumentos num imposto de taxas progressivas não
é indiferente, pois, normalmente, o valor monetário resultante da utilização das
deduções ou abatimentos à base de tributação depende da taxa marginal aplicá
vel, sendo tanto maior quanto maior for o escalão de rendimento em que se en
contrar o contribuinte, enquanto os derivados dos créditos de imposto, de uma
maneira geral, são iguais, em termos monetários, para todos os contribuintes, in
dependentemente do nível do seu rendimento.
845
As estatísticas disponíveis de Macau sobre impostos não permi-
tem analisar a decomposição dos contribuintes entre agregados familia
res e contribuintes individuais, do mesmo modo que também não se
conhece a composição do agregado familiar ou, pelo menos, o montante
das deduções relativas ao cônjuge e familiares do chefe de família43.
Analisando-se as deduções verifica-se que há uma diferente dedução para
o chefe de família ($ 12 000,00) e para o cônjuge ($ 6 000,00), o que,
como já foi referido, não está de acordo com o princípio de igualdade de
ambos os cônjuges estabelecido na lei de bases da política familiar.
O montante a pagar de imposto complementar de rendimentos é
ligeiramente influenciado pela existência de filhos, dado que, na deter-
minação da matéria tributável deste imposto, podem ser feitas deduções
ao rendimento por cada filho ou equiparado menor, não emancipado ou
inapto para o trabalho e para angariar meios de subsistência, que não
sejam contribuintes deste imposto44. O legislador de Macau não tem
referido qual o sentido ou finalidade destas deduções, podendo
eventualmente ser o simples reconhecimento de maiores encargos nos
agregados familiares com filhos e procurar-se definir um mínimo de
rendimento isento de imposto45.
Embora existam justificações teóricas ou doutrinárias para a con-
cessão destes tipos de desagravamento fiscal, relativos aos familiares a
cargo do contribuinte, num imposto incidente sobre o rendimento glo-
bal resultante das diversas fontes de rendimento do contribuinte (ou
unidade de tributação)46, não parece justificar-se a sua inclusão num
imposto que só tributa rendimentos parcelares47. Por outro lado, os ren-
dimentos declarados ou fixados para efeitos do imposto complementar
de rendimentos que não derivam do trabalho dependente têm, de uma
maneira geral, pouca aderência à realidade, pois não há elementos
contabilísticos fidedignos dos contribuintes para a determinação dos

43
O imposto complementar de rendimentos incide também sobre o rendi
mento das sociedades e outras pessoas colectivas que, sendo em menor número
do que os restantes contribuintes (pessoas singulares), representam uma maior
percentagem do valor cobrado do imposto apresentado nas estatísticas globais.
44
O sistema de deduções está longe de atenuar, face aos quantitativos esta
belecidos, a sobretributação do agregado familiar quando ou filhos ou equipara
dos possuam rendimentos englobados para efeitos de tributação.
45
A utilização de deduções deste tipo, como já foi indicado, faz com que o
benefício resultante para o contribuinte seja tanto maior quanto maior for o rendi-
mento e o número de filhos, visto não haver qualquer limite ao valor das deduções,
cujo total depende da idade dos filhos e do seu número.
46
Veja-se José Hermínio Paulo Rato Rainha, «Algumas notas relativas à
estrutura do imposto sobre o rendimento», em Cadernos de Ciência e Técnica
Fiscal, n.° 123, Lisboa, 1982, pgs. 199/245, nomeadamente pgs. 211/216 e 223/225.
47
O imposto complementar de rendimentos apresenta-se essencialmente
como um imposto incidente sobre os rendimentos da actividade comercial e in-
dustrial e os rendimentos de trabalho, ao serem englobados, passam a ser tributa-

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rendimentos reais, sendo â presunção de rendimento a forma normal da
administração fiscal de fixar estes rendimentos para efeitos fiscais, pelo
que não faz grande sentido presumir rendimentos aos quais são deduzidos
outros valores reais48.
Dadas estas dificuldades e da progressividade existente ser quase
irrelevante, uma forma de simplificação administrativa e uma menos
injusta'tributação é a de todos os rendimentos passarem a ser tributados
em separado e a taxa proporcional, pois a progressividade não se
justifica para economias com o baixo nível de tributação de Macau.
«Numa tributação proporcional deixam de ter sentido os problemas com a
tributação conjunta ou em separado dos membros dos agregados fa-
miliares, a integração ou não dos lucros ou dividendos distribuídos no
rendimento das pessoas singulares ou se os benefícios fiscais por en-
cargos familiares (caso se mantenham) devem ser atribuídos por dedu-
ções ao rendimento ou à colecta do imposto»49.
Em conformidade com um princípio genérico de protecção à fa-mília,
a estrutura dos impostos não deve penalizar a família, mas deve ser
deixado a outros instrumentos de política o papel de apoio directo e
eficaz à família em consonância com a satisfação das suas necessidades
básicas efectivas, de modo a poder manter-se um sistema fiscal de
simples administração e de fácil compreensão pelos contribuintes. «Os
mecanismos tributários, deve ter-se consciência disso, porque actuam já
de si num plano secundário, pressupondo uma dada estrutura
sócio-económica e visando corrigir distorções mais flagrantes na
distribui-ção dos rendimentos, terão certamente uma eficácia muito
relativa na concretização dos objectivos de equidade fiscal»50.

dos, de urna maneira geral, com um agravamento fiscal, devido, não só, à
progressividade aplicada à cumulação de rendimentos, como também, pela isenção
de base do imposto profissional ($ 70 000,00) poder não ser compensada pelas
deduções existentes no imposto complementar, pelo que aquela isenção pode acabar
por ser tributada. Para atenuar este agravamento fiscal, em relação aos rendimentos
de trabalho provenientes do exercício de actividades por conta de outrem, há uma
dedução de 20 por cento desses rendimentos, que deixou de ter qualquer limite,
embora também se possa considerar que o valor percentual desta dedução procura
corresponder à evasão fiscal praticada normalmente pelos contribuintes com outras
origens de rendimentos, pelo que se repõe assim a igualdade perante a evasão
fiscal (veja-se J. H. Paulo Rato Rainha, «Reflexões ...», em Administração, pg. 107.
48
Também a justificação teórica das deduções por encargos familiares no sistema
fiscal de Macau perde muito do seu peso perante as baixas taxas do imposto e
acabam por só ter efeito psicológico e dar trabalho administrativo. A manutenção
destas deduções na tributação em separado implica ainda trabalho administrativo
adicional para se evitar a sua atribuição a ambos os cônjuges.
49
J. H. Paulo Rainha, «Reflexões ...», em Administração , pgs. 107 e 108.
50
Carlos Pamplona Corte Real, «Reflexões Críticas ...», em Cadernos..., pg.
62.

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4. CONCLUSÕES
Considerando-se as normas que devem enquadrar o sistema
fiscal de Macau, verifica-se que:

1. As leis básicas da organização político-administrativa de Macau


(Estatuto Orgânico de Macau e Lei Básica da Região Administra-
tiva Especial) não indicam qualquer finalidades financeira ou outra ao
sistema fiscal.
2. A lei de bases da política familiar estabelece os princípios fun-
damentais sobre a família, a protecção da comunidade familiar, o
associativismo familiar e a promoção social, económica e cultural da
família com referência expressa à tributação.
3. «O regime fiscal deve ser adequado ao princípio da protecção da
família, tendo em atenção a formação e manutenção do seu património e os
respectivos consumos essenciais» e que «em caso algum a
constituição da família pode ser motivo de desigualdade injusta ou agra-
vamento fiscal».

Da descrição das disposições fiscais de Macau sobre o enqua-


dramento legislativo da tributação dos agregados familiares ou da família,
constata-se que:

4. Só se encontram disposições de carácter específico sobre a tributação


do rendimento e do património do agregado familiar na contri-buição de registo e
no imposto complementar de rendimentos.
5. Não existe um imposto sobre o rendimento global, que dê a
perspectiva unitária do rendimento de forma a permitir a distribuição da
carga fiscal em consonância com a capacidade contributiva.

Na análise da tributação específica sobre a transmissão do patri-


mónio a título oneroso ou a título gratuito, indica-se que:

6. A sisa, incidente sobre as transmissões a título oneroso,


pelasimplicidade administrativa da sua aplicação, é um instrumento impor
tante de captação de receitas públicas e elemento compensador da
deficiente tributação do rendimento, proporcionando meios financeiros
parao prosseguimento e desenvolvimento das diferentes políticas
sociais constantes na lei de bases da política familiar.
7. A tributação sobre a transmissão a título gratuito do património
da família não deve ser efectivada a taxas superiores às tradicionais
ou às reconhecidas como razoáveis ou convenientes, que
desincentivem a sua formação ou impliquem uma demasiada redução directa
e impeditiva da sua manutenção.
8. A tabela em vigor de taxas progressivas do imposto sobre as
sucessões e doações pode ser considerada razoável tendo também em
conta a ordem de sucessão para efeitos tributários (e civis), mas os
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limites de isenção e os escalões dos valores das transmissões, para apli-
cação das taxas, estão totalmente desactualizados.
9. Se as transmissões são tributadas por valores próximos dos
efectivos ou reais, pode-se falar de uma excessiva tributação não
conforme com a regra da manutenção do património familiar, havendo
necessidade de serem revistos os limites de isenção e de escalões dos
valores das transmissões, para evitar que a evasão e fraude fiscais se
tornem normas de comportamento no imposto sobre as sucessões
e doações.
10. Não deve haver desfasamento, entre o direito civil e o direito
fiscal, na ordem de sucessão pelo que, estabelecido e consagrado em
lei civil o consenso sobre o tipo de família considerada tradicional em
Macau, deve adaptar-se a lei fiscal a essa ordem de sucessão e adequar
a tabela de taxas do imposto sobre as sucessões e doações.

Da análise do imposto complementar de rendimentos que incide


sobre os rendimentos das actividades comerciais e industriais e
com-plementarmente sobre os rendimentos de trabalho, verifica-se que:

11. A regra de incidência pessoal ou subjectiva das pessoas singulares tem


a particularidade de ser atribuído ao chefe de família o conjunto de
rendimentos pertencentes ao agregado familiar definido para esta
finalidade.
12. A lei não considerou tantas obrigações de imposto quantos
os titulares de rendimentos que se inserem no agregado familiar, pois
através de uma ficção jurídica imputou ou atribuiu ao chefe de família os
rendimentos dos membros que o compõem, que não são considerados
sujeitos passivos do imposto.
13. Relativamente às pessoas singulares residentes no território
existem diversas deduções à matéria colectável (rendimento global)
respeitantes a uma dedução de base (mínimo de existência) correspond-
ente ao chefe de família, deduções por encargos familiares e dedução res-
peitante aos rendimentos de trabalho dependente (20 por cento).

Comparando a regulamentação da estrutura do imposto comple-


mentar de rendimentos com a lei de bases da política familiar, consta-
ta-se que:

14. A figura de chefe de família não está adequada à lei de bases da


política familiar, onde se estabelece que «os cônjuges têm iguais direitos
e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e ducação dos
filhos».
15. Há uma diferente dedução para o chefe de família e para
o cônjuge, o que não está de acordo com o princípio de igualdade de
ambos os cônjuges estabelecido na lei de bases da política familiar.
16. Dado o carácter de progressividade das taxas do imposto
complementar de rendimentos, na tributação dos rendimentos do casal
há sempre um agravamento fiscai quando ambos os cônjuges aufiram ren-
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dimentos sujeitos a englobamento para efeitos deste imposto, o que
contraria a lei de bases da política familiar.

Para a aplicação dos impostos ser efectiva, de acordo com a


suaregulamentação, há que ter em atenção a organização administrativa
necessária ou possível para esse efeito, pelo que, em relação a Macau:
17. Tem de ser escolhida uma solução de fácil gestão
pelaadministração fiscal e de fácil compreensão pelos contribuintes,
apresentando-se a tributação separada do rendimento dos membros do
agregado familiar, que já ocorre na prática, como uma alteração a
integrar no sistema fiscal.
18. Não se justifica a inclusão de deduções por encargos familiares
num imposto que só tributa rendimentos parcelares e pouco aderentes
à realidade ou derivados de presunção de rendimentos, pelo que devem
ser eliminadas.
19. Deve ser adoptada uma tributação proporcional sobre todos
os rendimentos, pois deixam de ter sentido os problemas com a tributa-
ção conjunta ou em separado dos membros dos agregados familiares, a
integração ou não dos lucros ou dividendos distribuídos tributados a
taxas diferentes no rendimento das pessoas singulares ou se os
benefícios fiscais por encargos familiares (caso se mantenham) devem
ser atribuídos por deduções ao rendimento ou à colecta do imposto.
20. De acordo com um princípio genérico de protecção à família,
aestrutura dos impostos não deve penalizar a família, mas deve ser
deixado a outros instrumentos de política o papel de apoio directo e
eficaz à família, em consonância com a satisfação das suas necessida des
básicas efectivas.

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