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CENTRO UNIVERSITÁRIO FUNDAÇÃO SANTO ANDRÉ

FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS E ADMINISTRATIVAS

LYS RODRIGUES RIBEIRO

A RELEVÂNCIA DA UNASUL PARA A BUSCA DE AUTONOMIA DA REGIÃO


SUL-AMERICANA

UMA ANÁLISE DAS ATUAÇÕES DO COSIPLAN, BANCO DO SUL E CDS NA BUSCA


DE SOLUÇÕES AUTÓCTONES PARA A REGIÃO

SANTO ANDRÉ – SP
2018
LYS RODRIGUES RIBEIRO

A RELEVÂNCIA DA UNASUL PARA A BUSCA DE AUTONOMIA DA REGIÃO


SUL-AMERICANA

UMA ANÁLISE DAS ATUAÇÕES DO COSIPLAN, BANCO DO SUL E CDS NA BUSCA


DE SOLUÇÕES AUTÓCTONES PARA A REGIÃO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado na


Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas
do Centro Universitário Fundação Santo André como
requisito básico para a conclusão do Curso de Relações
Internacionais.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Antonia Dias Martins

SANTO ANDRÉ-SP
2018
TERMO DE APROVAÇÃO

LYS RODRIGUES RIBEIRO

A RELEVÂNCIA DA UNASUL PARA A BUSCA DE AUTONOMIA DA REGIÃO


SUL-AMERICANA

UMA ANÁLISE DAS ATUAÇÕES DO COSIPLAN, BANCO DO SUL E CDS NA BUSCA


DE SOLUÇÕES AUTÓCTONES PARA A REGIÃO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado na Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas


do Centro Universitário Fundação Santo André como requisito básico para a obtenção do grau de
Bacharelado em Relações Internacionais, pela seguinte banca examinadora:

_____________________________________
Profa. Dra. Maria Antonia Dias Martins
Orientadora

__________________________________
Prof. Dr. Sérgio Godoy

__________________________________
Prof. Dr. Gilberto Lopes Teixeira

Santo André, _____ de novembro de 2018


À minha família, Bia, Ernane, Marlei e
Renan, pelos infindáveis atos diários de
amor e suporte. Ao Gonzalo Berrón, pela
sólida e generosa amizade, certamente um
dos pilares que me mantém em pé e
caminhando.
RESUMO

A América Latina em geral, e do Sul, em particular, são regiões do globo que tiveram seus
desenvolvimentos fragmentados, marcados pela dependência econômica em relação aos centros
de poder vigentes e vulnerabilidades externas desde as formações dos Estados Nacionais. Ao
longo do tempo, os países que compõem a América do Sul intentaram, em diversas ocasiões
desde o advento das tradições latino-americanistas, superar tal condição através do
estreitamento de relações políticas, econômicas, sociais e culturais. Apesar dos esforços, a baixa
capacidade dos países sul-americanos de projetar e implementar planos e políticas públicas que
alterem as condições estruturais de vulnerabilidades externas permanece. Neste sentido, uma
das mais recentes tentativas de autonomização da região ocorreu com a construção da União
Sul-Americana de Nações (UNASUL). Esta pesquisa, portanto, procura descrever e analisar os
aspectos singulares propostos pela UNASUL em termos de regionalismo e, em que medida a
instituição e três das organizações que conformam seu arcabouço (COSIPLAN, CDS e Banco
do Sul) conferiram um ganho de autonomia concreto para a América do Sul.

Palavras-chave: autonomia, regionalismos, América do Sul, Unasul, Cosiplan, Banco do Sul,


Conselho de Defesa Sul-Americano
ABSTRACT

Latin America in general, and South America, in particular, are regions of the globe whose
developments have been marked by economic dependence and external vulnerabilities towards
the central capitalist countries. Throughout time, south american countries have tried, in many
occasions since the arise of latin-americanist ideas, to overcome this lack of autonomy through
political, economical, social and cultural integration. Nevertheless, south american countries
enjoy low levels of autonomous action in the international system, having difficulties to conduct
public policies that would change the structural conditions causing these countries external
vulnerabilities, or at any rate, free from constraints imposed by more powerful countries. Thus,
this paper aims to describe and analyse the particular aspects proposed by Unasur when it comes
to regionalism and, in which degree this institution and three of its organizations (South
American Infrastructure and Planning Council (COSIPLAN), Bank of the South and Council
of South American Defense (CDS) have contributed to increase autonomy in South America.

Key-words: autonomy, regionalisms, South America, Union of South American Nations


(UNASUL), South American Infrastructure and Planning Council (COSIPLAN), Bank of the
South, Council of South American Defense (CDS)
LISTA DE SIGLAS

AIC Agenda de Implementação Consensuada.

ALADI Associação Latino-Americana de Integração.

ALALC Associação Latino-Americana de Livre Comércio.

ALBA Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América.

ALBA-TCP Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América – Tratado de Comércio dos
Povos.

ALCA Área de Livre Comércio das Américas.

ALCSA Área de Livre Comércio Sul-Americana.

ALPRO Aliança para o Progresso.

APEC Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico.

API Agenda de Projetos Prioritários para a Integração.

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento.

BID Base Industrial de Defesa.

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.

BRICS Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

CAF Corporação Andina de Fomento.

CALC Cúpula da América Latina e do Caribe.

CAN Comunidade Andina de Nações.

CASA Comunidade Sul-Americana de Nações.

CCT da IIRSA Comitê de Coordenação Técnica Integração da Infraestrutura Regional da


América do Sul.

CDS Conselho de Defesa Sul-Americano.

CEED-CDS Centro de Estudos Estratégicos em Defesa do Conselho de Defesa Sul-


Americano.
CELAC Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos.

CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e Caribe.

COSIPLAN Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento.

CSN Comunidade Sul-Americana de Nações.

EID Eixo de Integração e Desenvolvimento

END Estratégia Nacional de Defesa.

ESUDE Escola Sul-Americana de Defesa.

EUA Estados Unidos da América.

FARC Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.

FCCP Foro Sul-americano de Consulta e Coordenação Política.

FLAR Fundo Latino-Americano de Reservas.

FMI Fundo Monetário Internacional.

FOCEM Fundo para a Convergência Estrutural.

FONPLATA Fondo Financiero para el desarrollo de la Cuenca del Plata.

GATT Acordo Geral de Tarifas e Comércio.

IIRSA Integração da Infraestrutura Regional da América do Sul.

JID Junta Interamericana de Defesa.

LBDN Livro Branco de Defesa Nacional.

MCCA Mercado Comum Centro-Americano

MERCOSUL Mercado Comum do Sul.

NAFR Nova Arquitetura Financeira Regional.

NAFTA Acordo Norte – Americano de Livre Comércio.

OEA Organização dos Estados Americanos.

OMC Organização Mundial do Comércio.


ONU Organização das Nações Unidas.

OPA Operação Pan-Americana.

OTCA Organização do Tratado de Cooperação Amazônica.

PAE Plano de Ação Estratégico.

PAN Partido de Ação Nacional.

PDVSA Petróleos de Venezuela.

PSI Projeto Setorial de Integração.

RESIM Registro Suramericano de Inventarios Militares.

RSGD Registro Suramericano de Gastos de Defensa.

SIECA Secretariado Permanente para Integração Econômica.

SUCRE Sistema Único de Compensação Regional.

OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte.

PND Política Nacional de Defesa.

TEC Tarifa Externa Comum.

TIAR Tratado Interamericano de Assistência Recíproca.

TLC Tratado de Livre Comércio.

UNASUL União das Nações Sul-Americanas.

URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 1

1 REGIONALISMOS, DAS INDEPENDÊNCIAS AOS ANOS 2000 ................................. 4

1.1 O Pan-Americanismo e a Política Externa dos Estados Unidos para a América Latina 10

1.2 CEPAL e a ascensão do regionalismo desenvolvimentista na América Latina ............. 23

1.3 Década perdida, regionalismo aberto e inserção da América Latina na globalização dos
90 .......................................................................................................................................... 29

2 REGIONALISMO PÓS-LIBERAL, PÓS-HEGEMÔNICO OU AUTONOMISTA .... 34

2.1 A Onda Progressista........................................................................................................ 38

2.2 Nasce o regionalismo pós-liberal, pós-hegemônico ou autonomista .............................. 42

3 A UNIÃO DAS NAÇÕES SUL-AMERICANAS: GANHO DE AUTONOMIA? ......... 48

3.1 Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento ........................................... 53

3.2 Conselho Sul-Americano de Economia e Finanças, Nova Arquitetura Financeira Regional


(NAFR) e o Banco do Sul ..................................................................................................... 57

3.3 Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS).................................................................... 62

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 69

REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 75
1

INTRODUÇÃO

A unipolaridade dos Estados Unidos nas relações de poder globais, a adoção do


Consenso de Washington e a propagação do regionalismo aberto recomendado pela Comissão
Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) marcaram o pós-Guerra Fria das nações
sul-americanas. Ao longo da década de 90, os países do subcontinente adotaram as políticas
neoliberais recomendadas pelos centros de poder, baseadas em desregulamentações,
privatizações e abertura comercial. O principal exemplo de consolidação de tais tendências em
termos de integração fez-se na proposição, em 1994, da Área de Livre Comércio das Américas
(ALCA), posteriormente desdobrada em tratados bilaterais de comércio entre Estados Unidos
e diversos países da região.

No entanto, este processo de inserção na ordem mundial através de liberalização


econômica e redução do papel do Estado resultou desastroso para os países da América do Sul.
Entre o final do século XX e meados do século XXI foi possível observar uma substancial piora
dos índices de desenvolvimento econômico e social ao passo que a vulnerabilidade regional
aumentava o que, por sua vez, desencadeou um acirramento das demandas sociais e um
ambiente propício para a subida ao poder das estratégias neodesenvolvimentistas e de aspectos
redistributivos ancoradas na agência estatal, apresentadas nos planos de governos dos partidos
progressistas sul-americanos.

O malogro das políticas neoliberais, o aumento da dependência externa e o cenário


internacional dos noventa, marcado por crises econômicas, protecionismo dos países centrais e
um modelo de globalização assimétrica, impulsionaram a mudança de percepção dos países da
América do Sul em relação às vantagens do livre comércio mesmo antes da eleição de fato da
maior parte dos partidos progressistas. Desta maneira, quando, em setembro de 2000, ocorreu
a realização da Primeira Reunião de Cúpula dos Presidentes da América do Sul em Brasília,
dos líderes do ciclo progressista sul-americano apenas Hugo Chávez havia sido eleito.

As mudanças sinalizadas pela Primeira Cúpula de Presidentes são notáveis e o processo


iniciado nesta reunião, convocada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, culminaria
na formação da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) cerca de uma década depois.
Dentre os indicativos da importância desta reunião está o fato inédito de reunir todos os Chefes
de Estado dos países sul-americanos, sem participação de nenhuma potência externa à região.
O que denota, em primeiro lugar, uma proposta de consolidação da identidade particular da
2

América do Sul enquanto região ao mesmo tempo em que marca um fortalecimento da


autonomia regional frente aos Estados Unidos e aos demais centros de poder. Isto porque, ao
tomar para os próprios países sul-americanos a responsabilidade de identificar, propor soluções
e executar ações concretas para superar os crescentes desafios internos, as nações da região
demonstram determinação política para gerir seu próprio desenvolvimento, afastando ou
diminuindo a ingerência de articulações como a Organização dos Estados Americanos (OEA).
Ademais, o exercício de autonomia também se expressa de dentro para fora, na medida em que,
através de uma voz concertada politicamente, a América do Sul iniciava uma atuação em
conjunto, ao menos no que tange às questões que lhe são próprias, no contexto das relações
assimétricas do sistema internacional.

Não obstante seu processo ter sido iniciado em um cenário de esgotamento neoliberal,
a UNASUL, dentre uma série de organizações, consolida-se ao longo da denominada ‘onda
progressista’ na América do Sul. Para além das alterações em termos de políticas públicas
domésticas, a ascensão majoritariamente simultânea dos governos de esquerda no
subcontinente propugnaram, igualmente, um novo tipo de regionalismo: pós-liberal, pós-
hegemônico ou autonomista, de características amplamente diversas dos tipos de regionalismos
pensados e implementados pelos países sul-americanos até então. Dentre as organizações que
floresceram durante tal período, a União das Nações Sul-Americanas figura entre uma das
expressões mais representativas deste processo ao passo que congrega a totalidade de países
sul-americanos e baseia-se em esforços para consolidação de uma identidade regional, respeito
a pluralidade ideológica e ênfase na multidimensionalidade dos processos cooperativos e de
integração. Ao concretamente ampliar o sentido de integração para além dos processos
econômico-comerciais historicamente adotados no subcontinente, a constituição formal da
União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), em 2008, estabelece um marco, ao mesmo
tempo fundamental e inédito, no âmbito das estratégias para a ampliação da autonomia dos
países integrantes do bloco.

Neste sentido, esta pesquisa procura descrever e analisar os aspectos singulares


propostos pela UNASUL em termos de regionalismo, cooperação e integração e, em que
medida conferiram um ganho de autonomia para a região, nos moldes de aumento de margem
de manobra colocados por Jaguaribe. Para tal, daremos destaque aos projetos que apresentaram
uma evolução notadamente sólida nas áreas de integração física (Cosiplan), financiamento
(Banco do Sul) e segurança e defesa (Conselho de Defesa Sul-Americano).
3

Contudo, este movimento para elevação da autonomia através do fortalecimento dos


laços locais na América Latina em geral, e do Sul, em particular, não configura fenômeno
propriamente novo ou exclusivo do início do século XXI. Longe disso, a importância atribuída
à integração regional na América do Sul, como instrumento de busca por um desenvolvimento
autóctone para os países integrantes do subcontinente, pode ser considerada uma variável
constante, que remonta aos processos das independências e constituições dos Estados-nacionais
latino-americanos.

Assim, a construção desta pesquisa envolve a ideia de, no primeiro capítulo, traçar um
breve histórico, partindo das independências até meados dos anos 2000, da utilização da
integração regional como ferramenta de autonomia para as relações exteriores dos Estados sul-
americanos frente ao cenário internacional, detalhando as instituições criadas no âmbito
regional, as visões de mundo correntes que fundamentaram a construção de tais organizações,
bem como sua estrutura, principais sucessos e malogros.

A onda progressista no América do Sul e a consequente virada conceitual em termos de


regionalismo, cooperação e integração implementada pelos governos eleitos e refletida também
na criação da Unasul em meados do século XXI, serão focos do segundo capítulo. A ideia é
traçar um perfil básico das principais características e divergências dos governos de esquerda
alçados ao poder nos países sul-americanos, descrevendo suas similaridades e divergências
domésticas. Igualmente, no aspecto internacional, pretende-se identificar os principais pontos
que caracterizam o novo tipo de regionalismo implementado na América do Sul e as
organizações intergovernamentais construídas ou reformuladas ao longo deste período.

Por fim, o terceiro capítulo visa traçar e analisar um breve histórico de constituição da
Unasul, bem como sua estrutura e principais pontos de inovação que a separam, como
experiência, das tentativas de organização regional implementadas historicamente na América
do Sul. Ademais, através do estudo do andamento nos anos iniciais dos projetos materializados
na Cosiplan, Banco do Sul e Conselho de Defesa, também procura-se pesquisar em que medida
a constituição e atuação da União de Nações Sul-Americanas efetivamente corroborou para o
avanço do projeto de autonomização política da América do Sul e para a redução da assimetria
de poder da região em relação ao sistema internacional.
4

1 REGIONALISMOS, DAS INDEPENDÊNCIAS AOS ANOS 2000

Em que pese as diferenças entre os domínios português, espanhol e das demais


metrópoles que se aventuraram por terras da América entre os séculos XV e XIX e a diversidade
de caminhos trilhados no que tange às formações econômico-sociais, o desenvolvimento das
nações latino-americanas possui traços comuns. Maria Ligia Prado aponta que todos os países
latino-americanos passaram pela situação colonial antes de adquirir independência política ao
longo do século XIX, se viram sob o jugo inglês e, posteriormente, estadunidense (p.4, 1986).
Além disso, sublinha que a formação dos Estados Nacionais se deu concomitante ao avanço
capitalista na região. Tal avanço tinha como principal característica, desde os primórdios, ser
voltado para “fora”, com o objetivo de abastecer as metrópoles ou, no pós-independências, as
potências hegemônicas de cada período. Assim, antes dos processos independentistas, algumas
manufaturas e cultivos eram proibidos por lei, bem como o comércio com outras nações e, em
alguns casos, mesmo o comércio intercolonial.

As nações e nacionalidades latino-americanas, grosso modo, floresceram à parte umas


das outras. As províncias criollas foram formadas, em termos geográficos-espaciais, a partir
das unidades administrativas coloniais transformadas em agrupamentos econômicos diversos e
sem grandes laços entre si, que remontam ao século XVI. As elites destas províncias eram
compostas pelos criollos, descendentes de espanhóis nascidos no Novo Mundo que, não
obstante deterem o poder econômico através de atividades comerciárias e produtoras nas
colônias espanholas, encontravam limitações para alçar o poder político, exercido nas mais altas
patentes burocráticas, eclesiásticas e militares por peninsulares. Com isto, a própria expansão
dos seus negócios sofria restrições e, a partir da disseminação do ideário liberal na América,
das revoluções na França e nos Estados Unidos e, não menos importante, da ascensão inglesa
como potência hegemônica no século XIX – e simultânea decadência de Portugal e Espanha -,
tais classes dirigentes encontraram terreno fértil para iniciar as lutas de libertação nacionais
levando, com exceção do caso haitiano, as massas populares a reboque.

Observaram-se variadas lutas de libertação porque, ao longo do tempo, tais unidades


administrativas criam significado, simbolismo e um senso de comunidade que acabam por
desembocar nos vários nacionalismos observados nas Américas. Benedict Anderson sublinha
dois fatores fundamentais para explicar o motivo dos vários ‘nacionalismos’ em detrimento de
um ‘nacionalismo único’ que compreendesse toda a América Hispânica. Em primeiro lugar,
5

aponta a imobilidade vertical e horizontal das elites políticas americanas, em todo o continente
numericamente maiores em relação aos peninsulares (p.97, 2008):

(...) o crioulo ‘mexicano’ ou ‘chileno’ geralmente servia apenas nos


territórios coloniais do México ou do Chile. (...) Assim, o auge da sua
carreira, o centro administrativo mais elevado para o qual ele poderia
ser designado, era a capital da unidade administrativa imperial em que
ele se encontrava.

E, em segundo lugar e principalmente, o desenvolvimento insuficiente, geograficamente


esparso e lento da imprensa e do capitalismo tipográfico nas cidades hispano-americanas,
essenciais para a geração de um sentimento de comunidade intra unidades administrativas.
Anderson discorre sobre (p.103, 2008):

As primeiras gazetas traziam – além de notícias sobre a metrópole –


informações comerciais (datas de chegada e de partida dos navios,
preços vigentes de tais e tais mercadorias em tais e tais portos),
casamentos de pessoas ricas, e assim por diante. Em outras palavras, o
que unia, na mesma página, este casamento e aquele navio, este preço
e aquele bispo era a própria estrutura da administração colonial e do
sistema mercantil. Assim, o jornal de Caracas criava muito
naturalmente, e até apoliticamente, uma comunidade imaginada entre
um conjunto específico de leitores, a quem pertenciam estes navios,
bispos, noivas e preços. Claro que seria apenas uma questão de tempo
até aparecerem os elementos políticos.

Estes elementos que possibilitavam o estreitamento de laços econômico-comerciais,


sociais e políticos, no entanto, ficavam cerrados nas cidades mesmas, não estendendo seu
alcance para outros pontos do continente de maneira contínua ou rápida o suficiente para criar
um sólido sentimento de pertencimento entre os americanos. Assim, o desenvolvimento das
nacionalidades de maneira fragmentada também impulsionou diversas independências e
impossibilitou, na prática, a união efetiva das colônias, mesmo frente a um inimigo comum – o
Império Espanhol – e mesmo, ademais, que os líderes dos movimentos independentistas
estivessem imbuídos, grosso modo, das mesmas ideologias – iluministas, liberais -, e tenham
sido influenciados pelas mesmas referências de revoluções – americana, francesa.

Isto não significa a ausência absoluta de movimentos em direção a alguma união. Ao


contrário, é possível identificar as origens do ideário integracionista na América Latina a partir
de meados do século XIX, quando, no contexto das lutas pelas independências na América
6

Espanhola, Simón Bolívar publicou a Carta da Jamaica (1815). Como declarou o próprio
Bolívar no documento (p.31, 2015):

Yo diré á Usted lo que puede ponernos en aptitud de espulsar á los


Españoles y de fundar un Gobierno libre. Es la union, ciertamente; mas
ésta union no nos vendrá por prodigios divinos, sino por efectos
sensibles y esfuerzos bien dirijidos.

Esta Carta defendia a união confederativa de parte das colônias espanholas com o
objetivo de lograr e manter a liberdade destes Estados frente à metrópole. Constrói-se, então, a
imagem de um sistema internacional americano, fundamentado em raízes realistas e liberais,
cujos principais traços eram guiados “pela manutenção da paz, pela força do direito
internacional, pela solução negociada de controvérsias, pela aliança política que proscrevesse
o exercício da potência” (Saraiva, p.59, 2008). As diretrizes autóctones podem ser percebidas
nas propostas de criação de uma política externa comum, da responsabilidade pela arbitragem
e resolução de conflitos internos e, ademais, pela institucionalização de uma força armada
própria dos Estados confederados. No entanto, o ideário de Bolívar apresentava limitações
quanto à extensão da integração – excluindo Brasil, Chile e Províncias Unidas do Rio da Prata
-, bem como o alcance da autonomia regional em relação à Coroa Espanhola ao passo que
associaria o Reino Unido a esta nova confederação. De acordo do Stersi dos Santos (p.182,
2008):

Bolívar idealizava uma Comunidade de Estados embasada em normas


comuns e universais, devidamente codificadas, e que deveriam garantir
a aplicação dos princípios da liberdade, da autodeterminação dos povos,
da igualdade, do equilíbrio dos Estados e do poder de inserção dessa
Comunidade nas decisões da Sociedade Internacional.

No entanto, o projeto bolivariano integrativo da América Latina não logrou


consolidação, e tal fato pode ser atribuído ao próprio processo de independência e formação
dos Estados latino-americanos, descrito de maneira breve acima. Ainda que figuras históricas
como Bolívar e San Martín tivessem participado de múltiplos processos independentistas e a
ânsia pela liberalização comercial e inserção nas novas relações internacionais ditadas pela
Inglaterra1 fossem pontos em comum, o sentido geral foi o da desagregação territorial seguindo
objetivos localistas.

1
Ainda que as independências políticas tivessem sido alcançadas pelos países latinos durante o século XIX, os
mecanismos de atraso e dependência econômica foram mantidos, ocorrendo apenas uma espécie de aggionarmento
7

Deste modo, desmembrou-se o rico Vice-Reinado da Nova Espanha, que abrangia


territórios nos atuais Estados Unidos, México e países da América Central; o Vice-Reino do
Peru, constituído sobre a conquista do império incaico, conformava regiões desde o Equador
até o atual Chile; Nova Granada separou-se principalmente nos modernos Estados do Panamá,
Colômbia, Equador e Venezuela. E, o Vice-Reino do Rio da Prata, nos atuais Argentina,
Bolívia, Paraguai, Uruguai. No caso argentino, especificamente, os interesses regionais eram
mais fragmentados ainda, e a nação surgiu apenas em 1862 após um processo de agregação
altamente conflituoso entre três regiões distintas. Para além das formações socioeconômicas
altamente localistas, ou provavelmente consequência direta desta estruturação voltada ao
atendimento das metrópoles, os latino-americanos viam-se uns aos outros quase como
estrangeiros, em que pese os laços culturais em comum, reconhecendo apenas o fato de serem
“americanos” e a situação de opressão originada na Península Ibérica como os elementos que
os uniam mais fortemente. Portanto, o sentido da autonomia destas regiões era também pensado
de maneira local e fragmentada. Segundo Anderson (p.91, 2008):

A própria imensidão do Império Hispano-americano a enorme


variedade de solos e climas e, sobretudo, a tremenda dificuldade de
comunicação numa época pré-industrial contribuíram para dar um
caráter autossuficiente a essas unidades. (...) Além disso, a política
comercial de Madri fez com que as unidades administrativas se
transformassem em zonas econômicas distintas. "Qualquer
concorrência com a metrópole estava vedada aos americanos, e mesmo
as partes individuais do continente não podiam comerciar entre si.
Mercadorias americanas partindo de uma ponta da América a outra
tinham de seguir o circuito passando por portos espanhóis, e a
navegação espanhola tinha o monopólio do comércio com as colônias".
Esses fenômenos ajudam a explicar por que "um dos princípios básicos
da revolução americana" foi o do “utis possidetis”, pelo qual cada
nação preservaria o status quo territorial de 1810, ano em que se iniciou
o movimento pela independência".

Assim, antes mesmo de caminhar o processo de independência político-jurídica e a


definição das fronteiras dos atuais Estados da América Latina, consolidavam-se as
consciências, nas palavras de Bushnell, ‘protonacionais’ “peruanas”, “chilenas”, “mexicanas”,
etc., das capitais do império espanhol em detrimento de um “todo” hispânico. Essas
consciências estavam assentadas “en un sentimiento de diferenciación no sólo respecto a la

dos processos exploratórios que passaram do arcabouço mercantilista para o liberalismo comercial impulsionado
pelos ingleses. De acordo com Saraiva (p.61, 2008), “Os malefícios do esquema eram unilaterais, latino-
americanos. O sistema produtivo manter-se-ia voltado para o exterior, as populações locais teriam acesso restrito
aos produtos importados e dissuadia-se a produção para o mercado interno; a baixa renda do trabalho incitava ao
regime servil ou escravista.”
8

madre patria, sino entre ellas mismas.” (Bushnell, p. 116, 1990). De acordo com Anderson
(p.104, 2008):

Nesse sentido, o "malogro" da experiência hispano-americana em criar


um nacionalismo permanente em toda a região reflete tanto o nível geral
do desenvolvimento capitalista e tecnológico no final do século XVIII
quanto o atraso "local" do capitalismo e da tecnologia espanhóis em
relação à extensão administrativa do império.

Ainda que o ideal de integração para a América Latina tenha sofrido impeditivos que
remontam ao formato mesmo de colonização, o pensamento e as tentativas de união são
recorrentes na história do continente. O bolivarianismo clássico, por exemplo, não se reduziu
ao pensamento de unidade regional do próprio Bolívar, mas foi contribuído, no contexto do
ideário latino-americanista, por outros pensadores regionais ao longo do tempo. É o que ilustra
a criação e propagação, no século XIX, do conceito de América Latina como uma região
específica do ‘Novo Mundo’ atribuída geralmente, de acordo com o autor, a José María Torres
Caicedo, quem publicou em 1857 poema intitulado Las dos Americas fazendo “referências à
América del Sur e à América Española e termina com um apelo dramático pela unidade dos
Pueblos del Sur contra a América en el Norte” (Bethell, p.290, 2009)2; o ensaísta chileno
Francisco Bilbao também é apontado como responsável do primeiro uso do termo ‘América
Latina’ tendo sido autor de obras como Iniciativa de la América. Idea de un Congresso Federal
de las repúblicas (Paris, 1856), La América en peligro (1862), Emancipación del espíritu en
América (1863) e El evangelio americano (1864); igualmente, discursos e artigos de Justo
Arosemena, no mesmo período, utilizam o termo ‘América Latina’. Bethell discorre sobre a
corrente de pensamento latino-americanista do século XIX (p. 292, 2009):

Apesar da fragmentação da América Espanhola em dez repúblicas no


momento de sua independência (até meados do século já havia 16),
esses políticos, intelectuais e escritores, nos anos 1850 e 1860,
mantinham a ideia (anteriormente propagada não só por Simón Bolívar,
mas mais notavelmente por Andrés Bello) de que existe uma
consciência e identidade hispano-americana/latino-americana comum
que supera os “nacionalismos” locais e regionais. E (...) eles
argumentavam que a “América Latina” era fundamentalmente distinta
dos Estados Unidos, a “outra” América. Acima de tudo, também
acreditavam que os Estados Unidos eram seu inimigo.

2
Ainda de acordo com Bethell, Torres Caicedo era um entusiasta da união latino-americana. Para além das
declarações a favor, publica dois livros sobre o tema na década de 1860. A saber: Bases para la formación de una
Liga Latinoamericana (Paris, 1861) e Unión latinoamericana, pensamiento de Bolívar para formar una liga
americana, su orígen y desarrollo (Paris, 1865; 2ª ed. 1875).
9

Foi também neste espírito de afirmação da América Espanhola ou Latina como espaço
geopolítico frente às metrópoles ibéricas e resistência em relação ao expansionismo norte-
americano observado pelos intelectuais da época3 que Bolívar, então presidente da Grã-
Colômbia (1819-1830), realiza uma convocação, em 1824, para o Congresso do Panamá.
Ocorrido entre junho e julho de 1826, o congresso teve a própria Grã-Colômbia, o Peru, o
México e a confederação da América Central como participantes e seu objetivo principal era
articular uma tentativa de convergência entre as nações latino-americanas, ainda em processo
de consolidação dos Estados, frente aos movimentos de recolonização da Coroa Espanhola e ao
pensamento da Santa Aliança4, bem como às investidas francesas5 no continente e às pretensões
hegemônicas estadunidenses delineadas na Doutrina Monroe (1823).

Apesar do insucesso do objetivo inicial de união política e da prevalência dos interesses


regionais particulares em detrimento dos interesses do conjunto da América Latina, o encontro
obteve avanços no sentido de estabelecer mecanismos de cooperação entre os seus membros, o
que viria, posteriormente, a compor as ideias precursoras da integração latino-americana.
Seguiram-se daí dois Congressos em Lima (1847-48 e 1864-65); o Congresso de Santiago
(1856); alguns esforços de integração na América do Sul em 1867 com a assinatura de um
Tratado Tripartite e outro Tratado da Amizade, Comércio e Navegação e, por fim, o intento da
criação de uma República da América Central entre 1896 e 1898. Apesar dos avanços e recuos,
é possível delinear o objetivo, nestes encontros, de promover a colaboração dos Estados para
as questões econômicas e sociais comuns sob a influência, além da figura de Bolívar, de
pensadores como o venezuelano Andrés de Jesús María y José Bello López, e o argentino Juan
Bautista Alberdi, principalmente no que tange aos congressos em Lima e em Santiago.

Ainda que tenha havido ausência de resultados efetivos para uma união latino-americana
nas denominadas conferências bolivarianas dos anos 1800, é forçoso reconhecer que o ideário
de intelectuais do período em questão constitui importância ímpar, e suas obras repercutem até

3
Foram variadas as ações dos norte-americanos que permitiram tal observação ao longo do século XIX, entre a
anexação do Texas em 1845 e a política externa agressiva em relação a Cuba, dentre outros fatos, os latino-
americanistas viam indicações de que os Estados Unidos estavam colocando o arcabouço ideológico do Destino
Manifesto em prática ao sul do Rio Bravo.
4
A Santa Aliança e o Concerto Europeu, no entanto, não constituíam ameaça séria no sentido de uma ação
concertada de reconquista dos territórios independentes politicamente nas Américas. Ocorreram, sim, tentativas
localizadas de intervenção com objetivos pontuais, a exemplo da intervenção na Argentina para assegurar livre
comércio e navegação na Bacia do Prata no início da década de 1850.
5
Maximiliano de Habsburgo-Lorena foi convidado por Napoleão III a ocupar o trono mexicano, dois anos após a
invasão francesa ao país em 1861 e a queda de Benito Juárez. O curto Segundo Império Mexicano (1863–1867)
liderado por Maximiliano entrou em declínio após as reações dos Estados Unidos e a retirada do apoio dos países
europeus.
10

os dias atuais entre os defensores de uma América Latina autônoma e unida. Entre eles, o
cubano José Martí e sua obra mais famosa, “Nuestra América (1891), [que] trata de dar sentido
à noção de identidade latino-americana e busca valorizar o autóctone, o genuíno” (PINTO,
p.347, 2012).

Neste sentido, durante o século XIX ensaiou-se uma integração enquanto ferramenta de
fortalecimento da região nos processos de lutas independentistas, a fim de conquistar e manter
a liberdade política em partes da América Latina. Uma vez afastado o controle administrativo
europeu e consolidados os Estados-nacionais, contudo, as elites locais e o pensamento regional
voltaram-se para formas de relacionamento menos integrativas e mais cooperativas, que não
implicassem perda de soberania para os Estados recém-formados. A passagem do século XIX
para o XX, desta maneira, é caracterizada pelo fortalecimento do período pan-americanista, em
detrimento da diretriz bolivariana, e com forte influência dos Estados Unidos, cujas diretrizes
dominaram a natureza das relações interamericanas até os anos de 1950.

1.1 O Pan-Americanismo e a Política Externa dos Estados Unidos para a América


Latina
É possível compreender o movimento pan-americano como uma iniciativa de integração
política continental para a América Latina. Encabeçada pelos Estados Unidos, o movimento
possuía como mecanismo principal a diplomacia de conferências e reuniões de consultas, que
vigorou até 1954 quando da ratificação da Carta da Organização dos Estados Americanos
(OEA).

De acordo com Albuquerque (p.43, 2017), “a elaboração do pan-


americanismo/interamericanismo remonta aos anos de 1880, como desenvolvimento da
doutrina continental apresentada pelo presidente James Monroe em sua mensagem ao congresso
de 1823, em que defendeu a ideia de ‘América para os americanos’ (...)”. No entanto, a ideia
de pan-americanismo, tal como concebida por sua figura de maior destaque, James G. Blaine,
ressurge concretamente apenas na convocatória e realização da Conferência de Washington nos
últimos anos do século XIX, tornando-se corrente nas primeiras décadas do século XX.

O Pan-Americanismo pode ser compreendido, ademais, dentro da lógica dos


imperialismos, desde a perspectiva do cenário de balança de poder e competição multinacional
das relações internacionais entre 1880 e 1990 e, simultaneamente, a partir da expansão da
economia dos Estados Unidos, cuja indústria urgia a abertura de novos mercados para
11

penetração dos capitais e interesses comerciais norte-americanos. Neste sentido, foi


corroborado ideologicamente pela atualização do monroísmo e da doutrina do Destino
Manifesto, cujas aplicações práticas serviriam para alijar os europeus do mercado latino-
americano e abrir espaço para intervenções diretas (os casos cubano e nicaraguense sendo os
mais explícitos) e indiretas no cenário regional sob a justificativa de garantir a paz no
continente. No último quartel do século XIX, com o término da Guerra Hispano-Americana
(1898), consolidados grosso modo os limites territoriais, superadas as questões separatistas e
conformados seus interesses capitalistas, os Estados Unidos começam a agir mais incisivamente
sobre a América Latina. De acordo com Bueno (p.3, 2004):

A jovem nação, já com a maior economia do planeta, reivindicou sua


integração no rol das grandes potências e procurou formar sua esfera de
influência. O comércio e a grande finança passaram a informar a
política externa dos Estados Unidos. A América Latina passou a ser
vista pelos norte-americanos como uma área naturalmente destinada à
expansão econômica do seu país, tanto por razões geográficas quanto
históricas, pois americanos latinos e americanos anglo-saxônios tinham
em comum o passado colonial.

Associado a outras políticas externas dos Estados Unidos ao longo de sua vigência, o
pan-americanismo, impulsionado principalmente pelas elites do norte e nordeste do país6,
passou por nuances, embora sua orientação geral no sentido de estabelecer o domínio do
hemisfério por meio da imposição de uma agenda voltada fortemente para temas comerciais,
econômicos e financeiros tenha sido mantida. Assim ocorreu, com maior ou menor intensidade,
durante as onze conferências pan-americanas em diversas cidades do continente, desde a
primeira, entre 1889 e 1890, na cidade de Washington, que marca oficialmente o início do pan-
americanismo. Foram elas: a Conferência do México (1901-1902); a Conferência do Rio de
Janeiro (1903); a Conferência de Buenos Aires (1910); a Conferência de Santiago (1923); a
Conferência de Havana (1928); a Conferência de Montevidéu (1933); a Conferência de Lima
(1938); a Conferência de Bogotá (1948) e a Conferência de Caracas (1954).

Tais conferências, denominadas também por Conferências de Estados Americanos,


Congressos ou Conferências Internacionais Americanos ou Assembleias Diplomáticas
Americanas constituíam, na prática, fóruns de discussão multissetoriais balizados em termos

6
Ávidas por escoar seus bens industriais, estas elites viam nas conferências uma oportunidade para exercer
influência política e econômica sobre a América Latina. Ao contrário, os produtores ao sul dos Estados Unidos
tinham ressalvas quanto às iniciativas de união, pois a produção agrícola dos países latino-americanos poderia
competir diretamente com a sua própria.
12

teóricos no instrumental da Doutrina Monroe. As assembleias, de cunho diplomático,


possibilitavam a reunião de enviados dos países do continente americano, salvo o recém criado
Canadá, com o auto declarado objetivo final de fortalecer política e comercialmente os laços
entre os tais países.

Apesar de todos os Estados latino-americanos - salvo a República Dominicana - terem


aceitado o convite dos Estados Unidos para atender à Primeira Conferência de Washington,
entre 1889 e 1890, os encontros foram marcados por embates que explicitaram as contradições
de interesses entre norte e latino-americanos, com destaque para a oposição ferrenha dos
delegados argentinos, postura que seria repetida até, pelo menos, a Conferência de Havana.
Desta maneira, nenhum dos oito pontos contidos na agenda do encontro aprovada previamente
no Congresso dos Estados Unidos logrou acordo, inclusive a proposição central de uma união
alfandegária, e "o único resultado prático que deixou a Conferência foi a criação de um
Escritório Comercial das Repúblicas Americanas, um órgão para coletar e distribuir informação
comercial, e uma recomendação para a assinatura de acordos de reciprocidade" (Loguercio,
p.73, 2007).

Não obstante o extenso programa em preparação para a II Conferência Pan-Americana


realizada na Cidade do México (1901-1902), que compreendia questões comerciais, de direito
internacional e relativas à administração do próprio organismo, foram poucos os resultados
efetivos para os dezenove países que atenderam aos debates. A terceira conferência, no Rio de
Janeiro (1906-1907), teve como condutores o Barão de Rio Branco e Joaquim Nabuco, e
resultou na inauguração da sede da União das Repúblicas Americanas, além de diversos tratados
de reciprocidade comercial entre os países americanos e a criação de uma “junta que se
encarregaria da organização de um código de Direito Internacional Público e de outro de Direito
Internacional Privado” (Lobo, p.68, 1939). Em Buenos Aires (1910), a IV Conferência Pan-
Americana destacou-se pela “transformação do Bureau das Repúblicas Americanas em União
Pan-Americana (UPA), contribuindo para uma melhor organização das futuras conferências”
(Dulci, p.31, 2008).

A Conferência Pan-americana realizada imediatamente após a I Guerra Mundial


(Santiago, 1923) contou com três ausências (México, Peru e Bolívia) um número expressivo de
temas tratados, indo de assuntos políticos a condições sanitárias e de higiene no continente, mas
o que acabou por dominar os debates foram as questões de desarmamento e a assinatura do
Pacto Gondra, cujo propósito era prevenir ou evitar conflitos entre os Estados americanos.
Cinco anos depois e contando com todas as 21 repúblicas americanas presentes, na Conferência
13

de Havana, o destaque foi para o tom de crítica recebido pelos EUA devido às crescentes
intervenções nos países centro-americanos e caribenhos e a aprovação do Código Bustamante
ou Convenção de Havana, que “pretendeu estabelecer uma normativa comum para a América
sobre o Direito Internacional Privado” (Dulci, 2008, p.33).

No pós-crash de 1929, interregno entre as duas grandes guerras mundiais, as 21


repúblicas do continente voltaram a ser reunir na VII Conferência Pan-Americana de
Montevidéu (3 a 26 de dezembro de 1933). Dentre os assuntos tratados, destaque deve ser feito
às questões concernentes à política comercial, que tiveram encaminhamentos efetivos em
convenções, tratados e resoluções firmados, e a solução pacífica de conflitos7 que, salvo
pudesse ser mediada pela diplomacia brasileira, principalmente quando necessária na extensão
da América do Sul, seria tratada no âmbito das Liga das Nações em detrimento do regional. A
principal implicação para a América Latina deu-se pela aprovação do princípio de não-
intervenção8, ao menos não direta e/ou ostensiva, dos Estados Unidos nos demais países do
continente.

Se na sétima conferência, o Itamaraty despontava, com o apoio dos EUA, para uma
posição de mediador de conflitos na América do Sul, tal posição consolida-se em duas frentes
na VIII Conferência, em Lima (1938): nas relações com a Argentina e de conflitos sub-
regionais. O cenário no qual se deu o encontro era o da ameaça latente do nazismo, que permeou
as discussões na capital peruana. Por um lado, os Estados Unidos entendiam que a sua
segurança nacional dependia de uma segurança que abrangesse todo o hemisfério e não apenas
fosse capaz de consensuar no que diz respeito ao reconhecimento do estado de beligerância pela
qual passavam as relações internacionais naquele momento mas, igualmente, articular uma
resposta coletiva para uma eventual agressão externa. Portanto, a aplicação do conceito de
‘solidariedade continental’ foi defendida pelos Estados Unidos, com total adesão brasileira,
conforme declaração do nosso Ministro das Relações Exteriores de então, Oswaldo Aranha
(Lobo, p.140-141, 1939):

No princípio de solidariedade está implícito o reconhecimento de outro


princípio, o da unidade da América. Da combinação desses dois

7
Embora dois sérios conflitos na América do Sul estivessem ocorrendo concomitantemente à VII Conferência
Pan-Americana, a ponto da Argentina solicitar o adiamento do encontro, a questão de Letícia (1933 a 1934) e a
Guerra do Chaco (1932 a 1935) não foram tratados diretamente durante o encontro hemisférico, tendo a diplomacia
americana preferido deixar uma atuação efetiva de mediação para o governo brasileiro.
8
A Política da Boa Vizinhança posta em prática no governo Roosevelt diferia ‘não-intervenção’ de ‘não-
interferência’. Assim, mesmo que um controle direto, sobretudo nos países da América Central e Caribe tenha sido
gradativamente deixado de lado, os EUA ainda assim faziam valer sua posição incontestável de hegemonia na
América Latina.
14

postulados resulta como consequência lógica a coincidência de nossos


critérios na precisão da origem e procedência dos perigos que podem
nos atacar. Esses perigos, na verdade, são de procedência estranha ao
continente e nos ameaçam por igual; daí nosso dever de assistência
mútua, cujo fundamento é o próprio princípio de solidariedade
continental.

Por outro lado, a Argentina propugnava uma espécie de neutralidade continental, devido
às suas relações comerciais com a Europa, inclusive com a Alemanha sob Hitler, e também
cientes de que a perspectiva de uma guerra seria mais uma justificativa para pressão dos Estados
Unidos sobre a América Latina. Os Estados Unidos, no entanto, saíram vitoriosos na proposição
de ‘solidariedade continental’ sob sua liderança tendo, também, excluído os debates em torno
da criação de um foro político multilateral no continente (Liga das Nações Americanas, no
projeto dominicano, ou Associação Internacional Americana, na proposição colombiana) que,
na prática, limitaria o controle estadunidense sobre as demais repúblicas das Américas.

Como explicitado acima, as reações latino-americanas às conferências pan-americanas


foram diversas. Enquanto alguns setores da oligarquia agroexportadora dos países da América
Latina faziam coro ao liberalismo econômico contido nas propostas estadunidenses, e políticos
e intelectuais de alta relevância, a exemplo de Joaquim Nabuco no Brasil, viam com bons olhos
este estreitamento multilateral de relações com os Estados Unidos, outros, como José Martí,
Rodríguez del Busto, Manuel Ugarte e até mesmo o representante argentino quando da I
Conferência Internacional Americana (e depois presidente), Roque Sáenz Pena9, percebiam a
clara disposição hegemônica destas conferências. Este receio pode ser percebido desde a
criação do embrião da União Pan-Americana10, fruto da Primeira Conferência de Washington
e sediada na mesma cidade que, apesar de constituir uma “organização frouxa, destinada a
compilar e distribuir dados relativos ao comércio continental” (Bueno, 2004, p.4), era vista por
alguns intelectuais latino-americanos como um instrumento de influência indireta pois, como
explica Clodoaldo Bueno (p.4, 2004):

Vivia-se o momento dos “panismos”, que acobertavam desejos de


hegemonia, como por exemplo, pan-germanismo e pan-eslavismo, atrás
dos quais estavam, respectivamente, Alemanha e Rússia. O
aparecimento, neste lado do Atlântico, de um pan-americanismo
patrocinado pelos Estados Unidos, provocava nos latinoamericanos a

9
No espectro da diplomacia argentina, Roque Sáenz Pena é o precursor de uma tradição de desconfiança em
relação aos Estados Unidos, pois defendia a ideia de que o continente deveria se voltar para o mundo, ou seja,
“América para a humanidade”. Isto é, não se posicionava a favor de uma liderança estadunidense face ao restante
do continente.
10
A União Pan-Americana, bem como sua Constituição, surgiria oficialmente apenas em 1910.
15

sensação de que este país apenas procurava exercer sua hegemonia


sobre o hemisfério, por meio da busca de uma união continental,
transformada em palavra de ordem.

Desde o ponto de vista do desenvolvimento das correntes de comércio entre os países


latino-americanos e do declarado objetivo dos Estados Unidos em integrar as nações do
continente, o predomínio do pan-americanismo resultou um enorme fracasso. Se considerarmos
os resultados em termos de expansão econômica estadunidense e consolidação política de sua
hegemonia no continente, no entanto, é possível afirmar que o desfecho foi enormemente
satisfatório, ao menos para a então nova potência global, os Estados Unidos. Na prática,
aprofundou as relações assimétricas entre latino-americanos e Estados Unidos, além de retardar
um projeto latino-americanista autônomo de integração. As relações assimétricas, de acordo
com Connell-Smith, se fizeram notar especialmente após a II Guerra Mundo, conflito do qual
os Estados saíram como a grande potência mundial. As distância entre “el uno” e “los veinte”,
como reforça o autor, puderam ser observadas sob variados aspectos das relações internacionais
do continente, mas principalmente em termos de segurança, economia e direito internacional.

Nas questões de segurança, tanto as capacidades materiais e bélicas com as quais


contavam os EUA no pós-guerra quanto os esforços de contenção do comunismo tiveram
implicações para a América Latina. Por um lado, havia um apoio palpável dos Estados Unidos
para qualquer governo de linha anticomunista que se apresentasse no continente, o que, por sua
vez, favoreceria o aparecimento de ditaduras militares. Por outro, “(...) los países latino-
americanos dependen de los Estados Unidos para su seguridad – su poder para resguardarlos
de ataques extracontinentales y su freno para asegurarlos contra agresiones de ese mismo
país.” (Connell-Smith, p.44, 1971).

No âmbito econômico, Connell-Smith aponta tanto uma divergência de interesses


quanto de filosofias. Enquanto o objetivo dos EUA, como país mais industrializado do globo,
era assegurar no restante dos países condições favoráveis para a expansão dos seus
investimentos privados, as repúblicas latino-americanas buscavam preços altos e estáveis para
seus produtos, bem como empréstimos e bens de capital para desenvolver suas indústrias, o que
convergia substancialmente, nas perspectivas latinas, para um conjunto de políticas
semelhantes ao Plano Marshall, aplicado na reconstrução europeia no fim da década de 40, em
detrimento aos esforços de construção de um arcabouço institucional propício para as inversões
privadas almejadas pelos Estados Unidos.
16

No que diz respeito à filosofia econômica, havia, segundo o autor, um choque de base
cultural entre o capitalismo privado – em que pese as intervenções governamentais -
propugnado pelos Estados Unidos e o modelo de empresa estatal predominante na América
Latina como ponto central das economias. Esta disparidade de poder é refletida no espectro do
direito internacional interamericano. “Los veinte”, cientes das debilidades frente aos Estados
Unidos, se esforçavam para aprovar códigos que restringissem a atuação deste, como
salvaguardas jurídicas. No entanto, não lograram grandes feitos nesta matéria exceto o princípio
de não intervenção e, mesmo este, diversas vezes desrespeitado e/ou interpretado de maneira
ambígua conforme os cenários apresentados no continente.

Apesar da resistência e críticas dos países latino-americanos em relação ao projeto


encarnado no pan-americanismo e, posteriormente, no interamericanismo particular no
contexto do início da Guerra Fria, é possível identificar enfrentamentos dispersos e em questões
pontuais, em detrimento de uma ação coordenada da América Latina como bloco. Segundo
Connell-Smith (p.48, 1971):

Pareceria legítimo hablar de los “veinte” enfrentándose a los Estados


Unidos sobre ciertos problemas fundamentales en el sistema
interamericano, como bloque latino-americano. Pero existen límites
estrictos para usar el término, aun en este contexto. Totalmente aparte
de diferencias evidentes entre las repúblicas latinoamericanas por lo que
respecta a tamaño, recursos, composición étnica de su población,
estructura social, formas políticas y grados de desarrollo económico, las
relaciones entre ellas no han sido íntimas. Los obstáculos físicos, tales
como grandes cordilleras montanhosas, desiertos y selvas han
constituído un importante factor limitativo del crecimiento de la unidad
latino-americana y el comercio entre esos países solo alcanza un 10 por
ciento de su comercio exterior total. Las disputas entre países latino-
americanos individuales, constituídas esencialmente por fronteras, han
impedido uma mayor cooperación para obtener concessiones de los
Estados Unidos.

O ideário pan-americano foi progressivamente sendo redefinido no sistema


interamericano, movimento que ganhou força após a Segunda Guerra Mundial, cujos marcos
são a criação, durante a IX Conferência Pan-Americana de Bogotá, da Organização dos Estados
Americanos (OEA) em 1948, suplantando a União Pan-Americana, e a assinatura do Tratado
Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR) em Petrópolis no ano de 1947. O TIAR
retomava os princípios da Ata de Chapultepec (1945)11 e é considerado um mecanismo de

11
Cuja declaração principal provinha do acordo de que uma agressão a um Estado americano seria uma agressão
a todos os Estados do hemisfério.
17

segurança continental, pois previa ajuda recíproca frente às possíveis agressões a quaisquer
Estados americanos. Na prática, para os Estados Unidos, constituía ferramenta de contenção do
comunismo na América Latina. Era o início de um novo Sistema Interamericano, que ao visar
prioritariamente a segurança hemisférica face ao comunismo, atualizava os interesses norte-
americanos para o contexto da Guerra Fria. De acordo com Alvino (2016, p.50 apud Lorenzo,
Salazar, p. 89):

A Nona Conferência Pan-Americana, a IV Reunião de Consulta e a


Décima Conferência Pan-Americana (1948, 1951 e 1954,
respectivamente), coincidiram com os anos iniciais da Guerra Fria. (...)
Durante o período que vai de 1945 a 1954, a Doutrina Truman de
contenção ao comunismo torna-se o elemento articulador da política
interna, internacional e hemisférica dos Estados Unidos.

Neste cenário, não houve nenhuma grande iniciativa endógena à América Latina de
destaque, exceto as conversações entre Argentina, Brasil e Chile no início do século XX com o
para concertar uma aliança de poder entre os três países com o objetivo de assegurar a paz na
região sul-americana (não incluindo questões econômicas ou comerciais), ainda deflagrada por
contendas de resolução de fronteiras. E mesmo tal iniciativa foi compreendida pela
historiografia como uma espécie de ampliação da política externa brasileira alinhada aos
Estados Unidos, visto que defendia a ideia de um condomínio oligárquico de poder constituído
por dois polos: um ao Sul (Argentina, Brasil e Chile) e outro ao Norte (Estados Unidos), o que
caracterizava um complemento da hegemonia norte-americana ao invés de qualquer ideia de
contrabalanço de poder em relação ao grande irmão do Norte. Chegou-se a assinar um tratado
em 1915 mas, mesmo estando em conformidade com o status quo, a tentativa de construir um
poder tripartite na América do Sul não teve continuidade. Como afirma Clodoaldo Bueno
(2012, p.53):

Cumpre reforçar que o Tratado de 1915 nada tinha de resistência à


penetração política e econômica dos Estados Unidos ou mesmo da
Europa. A aliança informal do ABC não fora acolhida com hostilidade
pelos Estados Unidos, que estariam mudando sua forma de tutela sobre
os vizinhos do sul. A Primeira Guerra levou a uma crise total da ordem
internacional na qual se inseria o ABC que, em consequência,
desapareceu sem encontrar condições para ressurgir no entre-guerras.
No começo de 1923 seu colapso foi definitivo, pois a chancelaria
argentina recusou a proposta brasileira de uma reunião prévia dos três
em Valparaíso, para tratar do relativo aos armamentos navais, antes da
realização da V Conferência Pan-americana de Santiago.
18

Neste primeiro período de formações nacionais e tentativas de integração, portanto, a


política externa dos Estados Unidos, também em processo de construção, apresenta algumas
tradições que, segundo Cristina Pecequilo, permanecem através dos séculos como basilares para
a atuação internacional do país, inclusive em relação à América Latina. Esta fase foi
denominada pela autora de Padrão Histórico, e abrange desde a independência dos Estados
Unidos até a final da Segunda Guerra Mundial12. Tradições como o experimento americano,
isolacionismo e multilateralismo, destino manifesto, bem como a ideia de um sistema
americano e esfera regional consolidada no conceito de Hemisfério Ocidental que pautou a
atuação dos Estados Unidos para a América Latina estão, de acordo com a autora, presentes nos
conceitos e engajamentos da política externa estadunidense até os dias atuais.

Dentro destas tradições é possível entender as já referidas Doutrina Monroe (1823), cuja
aplicação se deu ao final do século XIX quando os Estados Unidos despontam como potência
econômica e militar e o cenário internacional configurava uma transição de hegemonia dos
europeus para os norte-americanos. Neste momento, após a Guerra Hispano-Americana,
iniciam sua atuação na América Latina com o objetivo de manter os europeus afastados mas,
igualmente, como uma expressão prática do destino manifesto e expansão das fronteiras. A
tradição do experimento americano e seu consequente ‘dever de disseminar a democracia e
liberdade’ forjada dentro de suas fronteiras pode, igualmente, ser associada ao Corolário
Roosevelt para a Doutrina Monroe, empregada durante a presidência de Theodore Roosevelt
(1901 – 1904), e guiada pelas ideias de atraso latino-americano e missão civilizadora dos
Estados Unidos.

A missão civilizadora, no entanto, nem sempre se apresentava de forma pacífica, haja


vista a conjugação do binômio Diplomacia do Dólar e Política do Big Stick, posta em marcha
no mesmo período no continente latino-americano, “que procurara torná-lo zona de segurança,
trampolim militar e região econômica aberta para investidores e exportadores estadunidenses”
(Bastos, p.70, 2015) e culminou com intervenções diretas em vários países da América Central
e Caribe, cujos exemplos mais notórios foram a Emenda Platt (1902) e a aquisição por parte
dos Estados Unidos em 1903 para a construção de uma base em Guantánamo, que basicamente
transformaram Cuba em um protetorado dos primeiros; a atuação dos Estados Unidos na
desintegração da Colômbia e o acesso privilegiado à zona do Canal do Panamá e, em 1905, a
tomada da administração das aduanas da República Dominicana. O cerne de caracterização

12
Ver PECEQUILO, C. S. A política externa dos Estados Unidos. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2005.
19

deste período é o de uma intensificação das “intervenções armadas visando forçar países
inadimplentes a pagar suas dívidas e/ou oferecer compensações, como redução de tarifas e
controle externo de alfândegas ou do próprio Tesouro Nacional” (Bastos, p. 63, 2015). Contudo,
esta atuação da política externa dos Estados Unidos arrefece com a crise do capitalismo em
1929 e a ascensão do nazi-fascismo na Europa, dando lugar à Política da Boa Vizinhança (1934)
que visava, entre outros, afastar a projeção alemã da América Latina. De acordo com Milani
(p.71, 2011):

No entanto, a grande depressão de 1929, a instabilidade na Europa e a


insatisfação dos países da América Latina com a política dos Estados
Unidos para a região, entre outros fatores, levaram a algumas mudanças
na postura dos Estados Unidos sobre a América Latina a partir de 1930.
Franklin D. Roosevelt mudou o discurso oficial, destacando a política
de boa vizinhança e a necessidade de reforçar os projetos de cooperação
econômica e financeira.

Em um primeiro momento, a Política da Boa Vizinhança priorizou, como afirmou


Milani, objetivos de cooperação econômica e financeiras em detrimento das intervenções
diretas que caracterizaram fortemente os primeiros vinte anos do século XX. Neste novo cenário
pós-crash de 192913, a América Latina desponta simultaneamente como fornecedora de
matérias-primas estratégicas – em que pese a queda dos preços destes bens - e destino de
exportações dos Estados Unidos, o que é um importante fator explicativo para a prioridade às
relações comerciais estabelecida pela política externa daqueles. Isto se deu principalmente, de
acordo com Pedro Zaluth Bastos (p.72, 2015), por meio do estímulo a negociações de tratados
comerciais, facilitação da oferta de créditos aos países latino-americanos com a criação do
Export and Import Bank em 1934 e adoção de descontos para com as dívidas externas latino-
americanos e, além disso, foi corroborado pela sinalização da diminuição da tomada de decisão
unilateral e do uso da força nas relações interamericanas exemplificados pela revogação da
Emenda Platt em 1934 e o encerramento da ocupação militar no Haiti no mesmo ano e o fim
do direito à intervenção militar no Canal do Panamá na mesma década, restringindo o acesso
militar unicamente ao canal. Outro exemplo que denota a diminuição da agressividade da

13
Para esclarecer o alcance do que foi o fenômeno, Moreira, Quinteiros e Silva (2010) discorrem resumidamente
sobre a natureza catastrófica e o efeito devastador daquela quebra da Bolsa de valores de Nova York em 24 de
outubro de 1929: “O crash daquela quinta-feira negra colocou a real dimensão e vulnerabilidade da
internacionalização das economias regionais. A venda desenfreada de ações diminuiu abruptamente o seu valor.
Os bancos perderam seus ativos e deixaram de outorgar créditos. As indústrias, diante da falta de créditos e da
impossibilidade de vender seus produtos, fecharam. O desemprego foi geral e, em poucos meses, a crise tinha
tomado conta dos Estados Unidos. A produção industrial estadunidense reduziu-se quase pela metade, enquanto o
comércio exterior diminuiu em 70%” (p. 167)
20

político exterior dos EUA frente à América Latina neste ínterim é a reação cautelosa à
expropriação e nacionalização das companhias petrolíferas no México em 1938, sob o governo
Cárdenas. Ainda que a aproximação da II Guerra Mundial tenha realimentado a importância da
segurança hemisférica para a política externa dos Estados Unidos posteriormente, é possível
afirmar que a forma de pressão sobre os países latino-americanos sofreu uma mudança de
métodos a fim de manter a influência dos EUA sobre a região, privilegiando o diálogo
diplomático e a barganha econômica. Este movimento estende-se até o final da Segunda Guerra
Mundial quando, após um interregno de dois anos no qual a política externa estadunidense passa
por um momento de transição em seus rumos, surge a Doutrina Truman de contenção
hemisférica (1947), respondendo ao novo contexto de Guerra Fria nas relações internacionais.
O advento da Guerra Fria modifica brutalmente o padrão das relações entre os países no cenário
internacional. De acordo com Ayerbe (p. 65, 2002):

Os Estados Unidos, como líderes do mundo capitalista, e a União


Soviética, do mundo socialista, aparecem como protagonistas
principais da disputa pela hegemonia mundial. Inglaterra, França,
Alemanha e Japão perdem importância na política internacional,
alinhando-se sob a liderança norte-americana. Paralelamente ao
enfraquecimento desses países, dá-se o processo de descolonização da
Ásia e da África. Surgem novas nações com peso político específico
nas relações internacionais, aumentando as preocupações das grandes
potências com seus alinhamentos nos blocos de poder e suas políticas
internas em relação à exploração dos recursos naturais e ao tratamento
do capital estrangeiro.

Enquanto num primeiro momento, a URSS volta sua atenção à reconstrução do país, os
Estados Unidos iniciam uma política de contenção do socialismo e construção de uma
hegemonia mundial baseadas na simbiose entre economia, política e ideologia. Como afirmam
Amado Luiz Cervo, Sombra Saraiva, Almeida e Döpcke, em História das Relações
Internacionais Contemporâneas (2012, p. 200):

A formulação de doutrinas políticas para a contenção dos soviéticos na


esfera global, os planos econômicos de reconstrução das áreas atingidas
pela guerra mundial e consideradas vulneráveis à influência soviética,
assim como a constituição de uma grande aliança militar ocidental,
foram, assim, partes constitutivas de um único objetivo dos Estados
Unidos. Liderando um dos lados do condomínio, a superpotência
ocidental procurava assenhorear-se de mais espaços econômicos,
políticos e ideológicos no cenário internacional do pós-guerra.
21

O primeiro grande exemplo é a adoção do multilateralismo político e econômico,


traduzido na criação da Organização das Nações Unidas (ONU), aliado à formulação política
da Doutrina Truman, que por sua vez, era orientada pela noção de liderança estadunidense de
alcance global na cruzada pelo liberalismo econômico e liberdades individuais. A partir destes
conceitos os Estados Unidos reorganizam a ordem mundial, pois “Truman via nos
nacionalismos a raiz das crises econômicas e bélicas do século XX, e entendia que uma abertura
econômica mundial garantiria a sobrevivência do capitalismo, superando as dificuldades”
(Moreira, Quinteiros e Silva, p. 198, 2010). Esta noção é particularmente forte quando da
consecução da reconstrução da Europa Ocidental através do Plano Marshall e, antes ainda do
final da Segunda Guerra, pelo matiz tomado na Conferência de Bretton Woods, ilustrado pela
criação de instituições asseguradoras da reconstrução do capitalismo, como por exemplo, o
Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Nota-se aqui a conjugação entre os
interesses industriais e comerciais estadunidenses e a busca pela hegemonia em plano
internacional intermediados pela imagem coletiva da superioridade do desenvolvimento
capitalista propugnada pelas instituições então criadas.

Se em direção à Europa a Doutrina Truman apresenta um aspecto de contenção em


relação ao socialismo através de pesados investimentos para a reconstrução da parte Ocidental
do Velho Continente14 e, no que tange ao mundo, a constituição de um arcabouço institucional
que impulsionasse a nova ordem em seus traços políticos (ONU), econômicos (FMI, Banco
Mundial) e militares (OTAN15) ganhou destaque, na América Latina tal contenção foi
primordialmente policial. Os receios norte-americanos estavam, grosso modo, colocados nas
posturas nacionalistas de alguns governos e movimentos cujas ideias para o desenvolvimento
eram guiadas por políticas de autônomas e de afirmação nacional. Segundo Moreira, Quinteros
e Silva (p.202, 2010):

14
A contenção soviética na Europa Ocidental se deu através de investimentos maciços de capitais norte-americanos
e fundos públicos dos EUA, compreendidos dentro da estratégia do Plano Marshall (1947 - 1951), que
possibilitaram uma reconstrução acelerada dos países atingidos diretamente pela Guerra. A ideia era evitar que tais
países recorressem ao arcabouço ideológico socialista para buscar soluções às suas questões políticas e econômicas
ao passo que funcionava como uma grande propaganda do sistema capitalista propugnado pelos Estados Unidos.
15
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) foi criada em 1949, uma aliança militar de defesa coletiva
integrada originalmente por Bélgica, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, França, Islândia, Itália, Luxemburgo,
Noruega, Países Baixos, Portugal e Reino Unido. O Tratado do Atlântico Norte, que cria a organização, foi
largamente inspirado no TIAR (1947), o que pode ser facilmente observado em seu artigo 5: " The Parties agree
that an armed attack against one or more of them in Europe or North America shall be considered an attack
against them all and consequently they agree that, if such an armed attack occurs, each of them, in exercise of the
right of individual or collective self-defence recognised by Article 51 of the Charter of the United Nations, will
assist the Party or Parties so attacked by taking forthwith, individually and in concert with the other Parties, such
action as it deems necessary, including the use of armed force, to restore and maintain the security of the North
Atlantic area."
22

A doutrina anticomunista começou a tomar corpo no início da década


de 1950, com os Estados Unidos interpretando que a América Latina
era o alvo favorito da União Soviética. Como parte da segurança
continental, a política externa norte-americana desenhou uma atuação
intransigente, que não admitiria governo nenhum suspeito de implantar
políticas socialistas.

A prioridade à agenda de segurança contra uma possível penetração comunista na região


era clara. No governo Truman, durante o qual foram assinados o Tratado Interamericano de
Assistência Recíproca (TIAR) e a Carta da Organização dos Estados Americanos, que cria a
Organização dos Estados Americanos (OEA), dando início, respectivamente a um programa de
cooperação militar no continente e a um estreitamento político-jurídico na região. Já no governo
Einsenhower, a contenção ao comunismo assume traços de intervenções diretas com
investimentos nos recursos de repressão internos aos Estados. Tanto assim que entre fins da
década de 1940 e início dos anos 1950, iniciam o apoio a golpes no Peru, Venezuela, Cuba e
Guatemala, por exemplo.

Desta maneira, investimento públicos de auxílio ao desenvolvimento econômico,


fornecimento de acesso à tecnologia e o aumento da capacidade de obtenção de capital
financeiro possuíam pouca ou nenhuma relevância para a diplomacia estadunidense em relação
à América Latina. Os Estados Unidos não podiam ou não estavam dispostos a destinar recursos
públicos para a ajuda ao desenvolvimento na América Latina, tal qual os latinos esperavam
devido, principalmente, ao esforço conjunto de guerra do qual haviam participado nos anos
1940. Segundo Ayerbe (p. 78, 2002 apud Pollard, p.201, 1990):

A prova mais clara do desencontro entre as metas anunciadas e a


vontade política de implementá-las está nos recursos de ajuda à
América Latina solicitados ao Congresso: 45 milhões de dólares, dos
quais apenas foram autorizados 34,5 milhões de dólares. Para os
primeiros quinze meses de aplicação do Plano Marshall, o presidente
Truman solicitou ao Congresso 6,8 bilhões de dólares, que foram
autorizados.

A Doutrina Truman, neste sentido, não respondia aos anseios latino-americanos, cujas
economias e sociedades haviam sido profundamente transformadas ao longo da primeira parte
do século, especialmente após o início do processo de substituição de importações16. Em

16
O processo de substituição de importações foi um movimento econômico que se deu em graus variados na
América Latina a parte dos anos 1930, quando as condições postas pela crise de 1929 e, posteriormente, a 2ª Guerra
Mundial, ocasionaram uma ruptura do modelo primário-exportador. Houve, então, principalmente no Brasil,
Argentina e México, um impulso a industrialização tutelada pelo Estado e voltada ao mercado interno. A relevância
do Estado também se dá a medida em que assume o papel de controle da exploração dos recursos naturais
nacionais.
23

meados dos anos 50, o cenário é modificado com a consolidação de um novo modelo de relações
internacionais na América Latina, derivada da prática de intervenção estatal nas economias
latino-americanas como resposta ao crash de 1929. Contribuiu, igualmente, a construção da
ordem mundial no pós Segunda Guerra, seu arcabouço institucional baseado nos organismos
criados em Bretton Woods em 1944 e os novos termos de bipolaridade colocados pela Guerra
Fria. A intensificação do poder político e econômico dos Estados Unidos sobre a América
Latina – e o mundo – e a reforma do Sistema Interamericano incentivaram, ademais, a
construção de um pensamento crítico latino-americano e o retorno, em certo grau, das diretrizes
latino-americanistas.

1.2 CEPAL e a ascensão do regionalismo desenvolvimentista na América Latina


A Organização dos Estados Americanos, sediada em Washington, fora criada com o
intuito de prover uma entidade jurídica nas Américas e “baseava-se sobre quatro princípios
jurídicos: a não intervenção, a igualdade jurídica entre os Estados, a resolução pacífica das
diferenças e a defesa coletiva contra uma agressão externa” (Moreira, Quinteros e Silva, p. 218,
2010). Se à época de seu surgimento os latino-americanos pudessem considerar a organização
como uma ferramenta para balancear o poder dos Estados Unidos na região pois estabelecia
igualdade jurídica entre os Estados, na prática puderam observar a instrumentalização política
e jurídica que a OEA provia ao possibilitar uma interface ‘democrática’ ao cumprimento dos
interesses dos Estados Unidos que, naquela época, correspondiam quase que exclusivamente
ao combate à penetração comunista no continente, como elucidado na progressão que culmina
com a expulsão de Cuba da instituição em 1962. Portanto, não atendia, na esfera política, as
demandas dos países latino-americanos, que careciam de outras perspectivas e iniciativas senão
as contidas na agenda de segurança então imposta para avançar com a solução dos entraves ao
desenvolvimento.

Fundamental para o surgimento de uma nova visão de mundo desde a América Latina
foi a reunião de intelectuais da região na Comissão Econômica para a América Latina e Caribe
(CEPAL, 1948). A Comissão, “vinculada às Nações Unidas, [foi criada] com a função de
promover estudos e de auxiliar os governos na elaboração de projetos de desenvolvimento.”
(Vidigal, 2012, p.63).

Tanto a visão original Prebisch-Cepal, quanto as ramificações posteriores como a Teoria


do Desenvolvimento (Celso Furtado, Osvaldo Sunkel), a Teoria da Dependência (Fernando
24

Henrique Cardoso, Hélio Jaguaribe e Osvaldo Sunkel), a percepção contida na Autonomia


Heterodoxa (Juan Carlos Puig) e as contribuições de Aldo Ferrer sobre as questões latino-
americanas colocava, grosso modo, desenvolvimento e subdesenvolvimento como partes de um
mesmo processo global de avanço do capitalismo no qual a relação centro - periferia se daria
de acordo com estratégias de exploração das nações que, especializadas na exportação de
matérias-primas, mantinham a condição de atraso produtivo e tecnológico. Deste modo, o
caminho apontado para a superação do subdesenvolvimento, vulnerabilidade externa e
dependência estrutural da região era a industrialização via substituição de importações com
forte atuação das burguesias industriais regionais e dirigida pelo Estado, que adquiriria um
perfil intervencionista e desenvolvimentista. Desta perspectiva, a integração regional ou latino-
americana tornava-se essencial para a consecução dos objetivos industrializantes ao promover
a necessária ampliação dos mercados internos para uma escala regional e a complementaridade
econômica dos países da América Latina a fim de lograr um reposicionamento dos países
periféricos frente aos centrais. De acordo com Albuquerque (p.48, 2017 apud Bernal-Meza e
Masera, 2008):

As análises da CEPAL detectaram diversos fatores críticos presentes


nos sistemas socioeconômicos dos países latino-americanos, tais como:
insuficiência da estrutura produtiva, capacidades institucionais
inadequadas, atraso e estancamento da economia rural e excessiva
concentração da estrutura fundiária, carência de uma base tecnológica
dinâmica, extrema desigualdade na distribuição de renda, pobreza,
exclusão, etc. Esta situação, juntamente com a dependência externa,
impossibilitava a recuperação dos termos de troca no sistema
importador-exportador.

A construção de um ideário estruturalista original latino-americano, a junção da


ascensão de governos desenvolvimentistas ao poder, a política externa estadunidense que
privilegiava a segurança hemisférica em detrimento das necessidades de desenvolvimento dos
países na região e, por fim, a experiência europeia com a assinatura do Tratado de Roma e
criação da Comunidade Econômica Europeia (1957), corroboraram para a difusão entre
tomadores de decisão, empresários, formuladores de políticas públicas e acadêmicos da
indispensabilidade da integração regional. Assim, entre os anos sessenta e setenta, surgem
organizações de natureza autônoma em relação ao centro do capitalismo em geral, e Estados
Unidos em particular, com o objetivo de promover a superação dos desafios identificados no
pensamento estruturalista cepalino, bem como suas soluções propostas. A natureza autônoma
destas organizações são claras, pois “apresentavam forte ethos anti-hegemônico ou pelo menos
25

o desiderato da constituição de um espaço político-econômico integrado na região sem a


presença dos Estados Unidos” (Lima, p.179, 2013).

As iniciativas, primordialmente de cunho governamental, contudo, são díspares e


heterogêneas, o que per se representa a diversidade das situações políticas e econômicas da
região e, igualmente, de interesses das elites e coalizões que ocupam o governo dos países. São
exemplos em destaque a Operação Pan-Americana (OPA)17, a Associação Latino-Americana
de Livre Comércio (ALALC, 1960), o Mercado Comum Centro-Americano (MCCA, 1960) e
o Pacto Andino (1969).

Após tentativas de atuação internacional bilateral-hemisférica, isto é, de alinhamento


automático aos Estados Unidos, o governo de Juscelino Kubitschek retoma, de forma bastante
preliminar, ensaios de multilateralização das relações internacionais brasileiras, ao menos no
que tange à América Latina, com o lançamento da Operação Pan-Americana (OPA) em 1958.
Caracterizada como uma maneira de alinhamento pragmático aos Estados Unidos, cujo papel
atribuído seria uma espécie de reprodução do Plano Marshall para a América Latina, com a
destinação de financiamento público para apoio ao desenvolvimento, bem como transferência
de tecnologia, e, ainda, sob a tutela do chanceler brasileiro Augusto Frederico Schmidt, a OPA
“(...) consistiu em uma tentativa de multilateralização do pan-americanismo, que permitiria uma
ampla coordenação dos países americanos em favor do desenvolvimento.”(Vidigal, 2012, p.
54). Segundo Clodoaldo Bueno (p.55, 2012):

As relações do Brasil com a América Latina voltaram a ganhar ênfase


na gestão de Juscelino Kubitschek de Oliveira (1955-1960) com o
lançamento da Operação Pan-americana (OPA) em 1958 como
proposta de cooperação internacional de âmbito hemisférico com vistas
a banir da América Latina a miséria e o subdesenvolvimento, vistos
como portas de entrada para ideologias antidemocráticas. A
apresentação da OPA aproveitava o momento de recrudescimento do
anti norte-americanismo que criava dificuldades nas relações dos
Estados Unidos com as nações do sul hemisférico que não receberam
os benefícios da cooperação econômica prestada por aqueles a outras
áreas do mundo.

17
Ainda que conserve o caráter de alinhamento pragmático aos EUA em detrimento de uma visão autônoma de
desenvolvimento latino-americano, torna-se relevante discorrer sobre os desdobramentos da Operação Pan-
Americana ao lado de outras iniciativas tidas como mais alinhadas ao ideário cepalino (ALALC, Pacto Andino)
porque apresenta uma visão de mundo frontalmente destoante daquela do Departamento de Estado ao, ao lado de
outros países da América Latina, defender a aplicação de investimentos públicos para a superação do
subdesenvolvimento no continente, ao invés de medidas de caráter policial.
26

Embora a concepção de integracionismo da OPA tenha girado em torno da aproximação


Brasil-Estados Unidos no contexto de um alinhamento pragmático, no qual os últimos
traduziriam a solidariedade política em econômica através de financiamento público com o
objetivo de estabilizar social, econômica e politicamente a América Latina, a iniciativa alcançou
poucos resultados palpáveis. Geralmente aponta-se como único resultado concreto da OPA a
criação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em 1959, cuja meta centrava na
promoção e redução de desigualdades em termos de desenvolvimento entre os países na
América Latina e Caribe. Considera-se, igualmente, a proposição da Aliança para o Progresso
(ALPRO) durante o governo de John Kennedy como uma resposta tardia à Operação Pan-
Americana, embora a maior parte dos autores sublinhem a Revolução Cubana (1959) como
ocasionadora principal da proposta. Contudo, o estreitamento de relações e confiança entre os
países latino-americanos pode ser considerado, também, um ganho importante. De acordo com
Cristina Soreanu Pecequilo e Corival Alves do Carmo (p. 12, 2015):

Em contrapartida, a OPA teve como subproduto a maior aproximação


do Brasil com a América Latina, fortalecendo a percepção de que a
região deveria começar a buscar saídas autóctones para suas questões
de desenvolvimento e incrementar suas parcerias externas (...) A
proposta também contribui para minimizar a avaliação de que a
presença do Brasil na região estava somente condicionada à relação
bilateral com os norte-americanos. Ainda que não reduzisse plenamente
os temores de um subimperialismo brasileiro, a OPA sinalizava a
possibilidade de construção de uma nova estrutura de parcerias.

A Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), que surge a partir da


assinatura do Tratado de Montevidéu originalmente por Argentina, Brasil, Chile, México,
Paraguai e Uruguai18, desponta como “como una nueva forma de encontrar caminos de
cooperación sin la participación de los Estados Unidos” (Torres, p.231, 2011). A ALALC
possuía objetivos primordialmente econômico-comerciais, pois “visava o aprofundamento da
cooperação econômica regional, por meio da promoção do livre comércio, com a redução e
eliminação de tarifas.” (Pecequilo; Carmo, p. 12, 2015) cuja realização ocorreu de maneira que
abarcava um produto por vez, em negociações bilaterais. A meta final, a criação de uma zona
de livre comércio, posteriormente união aduaneira e mercado comum, em conformidade com
as teorias irradiadas a partir da CEPAL, não foi alcançada e, ao fim da década, a organização
sofre um esvaziamento. Não obstante a adesão de todos os países da região e o fato de ter
efetivamente favorecido o intercâmbio comercial entre os países latino-americanos durante sua

18
A ALALC obteve adesão de Colômbia e Equador em 1961, Venezuela em 1966 e Bolívia em 1967.
27

existência, as assimetrias regionais acabaram pendendo em favor dos três países mais
industrializados – Brasil, Argentina e México – o que propiciou o declínio do projeto,
juntamente com a falta de consenso em relação aos moldes da integração entre “comercialistas”
(Argentina, Brasil e México) e “integracionistas”19 (Bolívia, Colômbia, Chile, Equador,
Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela) e ao fato da pouca relevância atribuída por parte das elites
aos processos de integração regional.

Outra iniciativa de relevância foi a construção do Pacto Andino, Grupo ou Comunidade


Andina em 1969 por Bolívia, Chile, Equador e Peru inicialmente, e posteriormente a Venezuela
em 1973, signatários do Acordo de Cartagena, cujo objetivo era estabelecer um organismo de
funcionamento complementar à ALALC. Composto por países médios sul-americanos, o Pacto
Andino manifestou-se como uma resposta aos obstáculos não superados pela ALALC,
especialmente no que tange às questões das assimetrias regionais e previa a formação gradual
de um mercado comum latino-americano de maneira equilibrada, que respeitasse as evoluções
dos países-membros. O propósito de agrupar um conjunto de países com graus de
desenvolvimento mais similares para que lograssem efetivamente uma distribuição equitativa
dos benefícios advindos do processo de integração pode ser observado desde o começo do
projeto, e (Carvalho, p.76, 2013):

Para isso, as matérias tratadas pelo acordo inicial ultrapassavam a


harmonização de políticas econômicas, a tarifa externa comum, a
liberação do intercâmbio comercial e a integração física e atingiam a
questão agropecuária, a ciência e tecnologia, a integração fronteiriça, o
desenvolvimento do turismo, o aproveitamento e conservação dos
recursos naturais, os programas de desenvolvimento e a comunicação
social.

No entanto, de maneira similar à ALALC, o Pacto Andino esbarrou na ampliação das


diferenças socioeconômicas entre seus membros. Além do mais, a conjuntura da década de
1970 apresentava entraves relevantes, a exemplo da crise do petróleo em 1973 e o golpe militar
no Chile, para a continuidade deste intento de integração, o que resultou em momentos de crise
do bloco. Segundo César Augusto Bermúdez Torres (p.234-5, 2011):

Durante la década de los setenta el Pacto generó muchas expectativas,


pero años más adelante entró en crisis, primero con la salida de Chile
en 1976 (país que abrió su economía a los parámetros del

19
Gomes, Kelly da Rocha (p.58, 2012): “Os primeiros visualizavam o acordo como um mecanismo de
liberalização econômica enquanto os segundos defendiam o bloco como instrumento de desenvolvimento regional,
o que comportava a interconexão industrial, a complementaridade econômica e a promoção de investimentos”.
28

neoliberalismo), y después cuando a los síntomas de estancamiento


económico se sumó el abandono de prácticas que favorecían a los
capitales andinos sobre los externos.
E complementa (p.235):

En realidad, la compleja planeación del desarrollo industrial, aunada a


la crisis de los años ochenta, detuvo este proceso de integración
subregional, a pesar de su infraestructura administrativa, que no pudo
conseguir la realización de los objetivos debido a las diferencias
económicas y políticas que se ampliaban entre los países miembros.

A respeito do Mercado Comum Centro-Americano (MCCA, 1960), compreendia um


organismo que “avançava na perspectiva de criação de um mercado comum e uma união
aduaneira em um prazo de cinco anos” (Carvalho, p.73, 2013). Composto por Costa Rica,
Guatemala, Honduras, Nicarágua e El Salvador, o MCCA conquistou resultados satisfatórios
ao longo da década de 1960, como mostra o aumento expressivo do comércio intrarregional e
também da participação de produtos manufaturados no total do Produto Interno Bruto dos
países integrantes. Além disso, contou com um conjunto de instituições que impulsionavam a
consolidação da integração para além do aspecto comercial. De acordo com Costa (p. 96, 2005):

Iniciava-se assim o processo de integração regional, sob a égide da


Comissão Econômica para América Latina (Cepal). Com esse objetivo,
criaram-se várias instituições: o Banco Centro-Americano para
Integração Econômica, o Instituto Centro-Americano para Pesquisas
Industriais e Tecnológicas, localizado na Guatemala, o Instituto Centro-
Americano de Administração Pública, sediado em Costa Rica, o
Secretariado Permanente para Integração Econômica (Sieca), o
Conselho Executivo, um Conselho Monetário composto pelos diretores
do Banco Central, Conselho Econômico Centro-Americano reunindo os
ministros de Economia de todos os países, etc.

Os fatores de esvaziamento do MCCA, nos anos 1970, compreendem as dificuldades


comuns aos países latino-americanos de então, como o choque do petróleo, o início do
esgotamento do modelo de substituição de importações, problemas de dívida externa e
retraimento do comércio. Contudo, foram agravados devido às tensões sociais na Guatemala,
Honduras, El Salvador e Nicarágua, bem como aos “confrontos militares [que] afetaram
negativamente a economia da região e contribuíram para o desmantelamento do Mercado
Comum” (Costa, p. 97, 2005).
29

Tais intentos traduziam em certa escala o ideário da CEPAL, como estratégias de


desenvolvimento autônomo e inserção internacional latino-americanos, com forte caráter de
identidade regional.

Em que pese a transformação das economias regionais, que passaram de essencialmente


agroexportadoras para industriais em maior ou menor grau de acordo com o país, e um real
incremento das relações comerciais impulsionadas por meio de medidas de redução de tarifas
alfandegárias e criação de linhas de crédito, as tentativas integracionistas esbarraram em
diversas dificuldades ao longo dos anos setenta. Assim, alterações no cenário internacional
ocasionadas, como anteriormente mencionado, pelos choques de petróleo e dos juros, bem
como questões intrarregionais de desequilíbrio das balanças comerciais, forte instabilidade
interna, sobreendividamento dos países e proliferação dos golpes militares com forte apoio dos
Estados Unidos (a fim de evitar “novas Cubas” na região) arrefeceram os esforços integrativos
e abriram caminho para planos particulares de cada país para alçar desenvolvimento interno.
Soma-se a isso as limitações e críticas às próprias construções dos blocos, que, via de regra,
não ultrapassaram a natureza economicista e comercial, além de aprofundarem as assimetrias
regionais.

1.3 Década perdida, regionalismo aberto e inserção da América Latina na globalização


dos 90
A denominada década perdida inicia com os países latino-americanos mergulhados em
regimes autoritários em decadência e instabilidades econômicas, políticas e sociais. A América
Central, particularmente, passava por anos de extrema violência. Na América do Sul, as
condições observadas eram mais amenas, mas também difíceis. O crescimento sustentado por
empréstimos exteriores de alguns países latino-americanos durante os anos 1970 somado à
queda dos preços dos principais artigos de exportação e à fuga de capitais estrangeiros e
nacionais desembocou em estagnação econômica e crises da dívida. Os dois grandes exemplos
de tais crises foram as declarações de moratória da dívida externa por parte do governo
mexicano em 1982 e brasileiro (parcial) em 1987. As condições de negociação, no contexto de
ascensão do ideário neoliberal, eram igualmente complexas – para ter acesso a renegociações e
novos empréstimos, a maioria dos governos latino-americanos aceita ajustes estruturais que, ao
promover a abertura desenfreada de seus mercados, medidas austeras contra a inflação e a
redução do papel do Estado na economia, acabam por piorar as condições de vida das
populações, que já pressionavam por abertura política. Desta maneira, processos de transição
30

democrática ocorrem pela região, com a redemocratização de Argentina (1983), Uruguai


(1985), Brasil (1986), Paraguai (1989) e Chile (1990).

As alterações no cenário mundial, com a queda do Muro de Berlim e o fim da União


Soviética e, portanto, da Guerra Fria, levaram a consolidação do regime liberal-democrático
característico do modo capitalista de produção e à reafirmação dos Estados Unidos como única
superpotência mundial, exercendo supremacia econômica, política e militar sobre o globo. Era
o início de uma nova etapa nas relações internacionais associada às ideias da interdependência
e da globalização. Por conseguinte, configurou uma etapa de novos modelos de integração,
baseados na ideia de livre-comércio, que se refletiram na criação ou atualização de diretrizes e
instituições no âmbito latino-americano. Contribui, igualmente a orientação ao regionalismo
aberto por parte da própria CEPAL, cuja meta consistia em garantir acesso das economias
nacionais aos mercados globais através da liberalização do comércio regional intra e extra
continente. Isto é, a “lógica do regionalismo aberto era comercial na década do noventa.
Regionalismo se entendia como livre comércio, simplesmente, para se inserir com eficiência
num mundo globalizado” (Briceño Ruiz, p. 17 2016).

A Associação Latino-Americana de Integração (ALADI)20, o processo de aproximação


entre Brasil e Argentina que culminou na criação do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL),
o Acordo de Cartagena, que atualiza o modelo integrativo da Comunidade Andina de Nações21
e a proposta de constituição da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) foram os
exemplos mais consolidados de aplicação da visão de regionalismo aberto, fortemente baseado
nas relações bilaterais de comércio e diminuição do papel estatal nas economias, que dominou
o cenário latino e sul-americano durante as décadas de oitenta e noventa e configurou o retorno
a uma inserção regional subordinada e passiva face ao centro do capitalismo, com o abandono
majoritário do viés autonomista dos anos anteriores.

Este retorno dos países latino-americanos a um alinhamento subordinado no pós Guerra


Fria era guiado pela percepção de que não haveria alternativa senão aderir às prescrições da
‘nova ordem mundial’. Isto é, não haveria caminho fora daquele indicado no receituário do

20
Sucessora da ALALC, a ALADI fora criada em 1980 a partir do Tratado de Montevidéu. A associação funciona,
desde então, como uma espécie de organização guarda-chuva de facilitação de comércio intra América Latina ao
fornecer as bases e simultaneamente flexibilidade para celebração de tratados na região.
21
A Comunidade Andina de Nações é herdeira do Pacto Andino, cujo instrumento de formalização, o Acordo de
Cartagena, foi assinado em 1969. O processo de reestruturação ocorre a partir de 1991, mas uma área de livre
comércio entre os integrantes é consolidada apenas em 2006. Atualmente conta com Bolívia, Colômbia, Equador
e Peru entre seus membros plenos, somados a outros sete países latino-americanos na categoria de membros
associados e/ou observadores.
31

Consenso de Washington22. Nos anos 1990, praticamente todos os países latino-americanos


contavam com governos neoliberais, que aderiram ao Consenso de Washington: Menem
(Argentina), Lozada (Bolívia), Collor de Mello (Brasil), Fujimori (Peru), Gortari (México),
estão entre alguns deles. De acordo com Cristina Pecequilo e Corival Alves do Carmo (p. 36,
2015):

Estas prescrições foram sistematizadas nas agendas político-


econômicos liberais da democracia e do Consenso de Washington que
defendia a diminuição do papel do Estado na economia, a redução dos
gastos sociais e de infraestrutura, abertura comercial, a privatização e a
desregulamentação. Além desta opção de “alinhamento por escolha”, a
“opção” era “facilitada” pela pressão das organizações internacionais
governamentais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), GATT
e o Banco Mundial. Nas negociações havia a apresentação desta pauta
como condicional à concessão de ajuda às nações do Terceiro Mundo,
pressionadas pela crise da dívida e as tensões sociais derivadas da
hiperinflação, da estagnação e do desemprego.

Fruto da aproximação Brasil-Argentina durante os governos Sarney-Alfonsín em 1985,


o Mercado Comum do Sul surge oficialmente como organização intergovernamental em 1991
com a assinatura do Tratado de Assunção por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. O bloco
adquire nuances diversas desde o início das conversações, em meados da década de 1980. Com
efeito, se no período Collor/Menem fora utilizado no sentido de impulsionar as reformas
liberalizantes e como expressão de alinhamento automático do Cone Sul aos Estados Unidos,
no governo de Itamar Franco – e ao tempo da assinatura do Tratado de Assunção -, as linhas
tendem para um “esforço de construção do espaço econômico comum aos países da Bacia do
Prata” (Moniz Bandeira, p.449, 2014) capaz de diluir os possíveis efeitos das propostas dentro
da Iniciativa para as Américas, da Área de Livre Comércio das Américas e da criação do North
American Free Trade Agreement (NAFTA23) na América do Sul, bem como consolidar as
democracias em processo de instauração na região e estabelecer posições comuns dos seus

22
O Consenso de Washington foi um plano, proposto pelo economista John Wilhiamson em 1990, durante uma
conferência que contou com a participação oito países latino-americanos. A proposição continha dez medidas de
ajuste estrutural para a superação da crise latino-americana. A saber: 1. disciplina fiscal; 2. mudanças das
prioridades no gasto público; 3. reforma tributária; 4. taxas de juros positivas; 5. taxas de câmbio de acordo com
as lei do mercado; 6. liberalização do comércio; 7. fim das restrições aos investimentos estrangeiros; 8. privatização
das empresas estatais; 9. desregulamentação das atividades econômicas; 10. garantia dos direitos de propriedade.
(Moniz Bandeira, p.441, 2014)
23
De acordo com Maria Regina Soares de Lima, a adesão mexicana ao Nafta, organização primordialmente
voltada para a integração econômica e a liberalização comercial sob a égide dos Estados Unidos, teve um peso
simbólico de afastamento do México em relação ao restante da América Latina, o que, por sua vez, impulsionou a
ideia de que a região a ser integrada deveria ser a sul-americana.
32

países-membro em fóruns e organizações multilaterais e face a outros Estados, o que elevaria


suas capacidades de negociação.

Frente às proposições de integração hemisférica livre-cambistas advindas dos Estados


Unidos, o viés autônomo do MERCOSUL foi aprofundado nos anos iniciais da presidência de
Fernando Henrique Cardoso (1994 – 2002) no Brasil, com destaque para a assinatura do
Protocolo de Ouro Preto que, ao estabelecer personalidade jurídica ao bloco, entre outras
medidas, ampliou o alcance da integração na região, de comercial-financeira para política-
estratégica (Pecequilo e Carmo, p. 45-46, 2015). Não obstante ter incrementado os níveis
comerciais intrarregionais por meio da adoção de uma Tarifa Externa Comum (TEC) e da
incipiente harmonização de políticas macroeconômicas entre seus integrantes, o MERCOSUL
enfrentou obstáculos que desembocaram na sua paralisia ao final do século XX.

O primeiro deles, foi a resistência dos Estados Unidos ao projeto, pois o considerava uma
ameaça à consolidação da sua hegemonia no hemisfério. Por meio de atração bilateral de
acordos de comércio, acenos de elevação para Argentina24 de aliado preferencial na América
do Sul e da proposta da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), em 1994, tentaram
dificultar a iniciativa. Ao passo que para o governo argentino as vantagens de um
relacionamento especial com os EUA não tenham evoluído para além da retórica com a
exceção, talvez, da obtenção do status de aliado extra-OTAN, a proposição para a ALCA
também enfrentou resistências latino-americanas. Isto se deu primordialmente porque o plano
da zona de livre comércio proposto por Bill Clinton, na prática, não oferecia acesso irrestrito
ao mercado norte-americano, principal interesse dos países primário-exportadores da região.
De acordo com Moniz Bandeira (p.461, 2014):

Como José Serra, ex-ministro do Planejamento no governo Fernando


Henrique Cardoso, ressaltou, o mercado norte-americano era bem mais
importante para a América Latina do que o mercado da América Latina
para os EUA, que absorviam 15% das exportações do Mercosul e 38,5
dos demais países, exceto o México. Tais números evidenciavam que
os interesses econômicos dos EUA na constituição da Alca revestiam,
na realidade, objetivos essencialmente políticos e estratégicos. A Alca
formalizaria a Doutrina Monroe em sua dimensão econômica e
permitiria aos EUA não só expandir o domínio sobre o mercado da
América do Sul como subordinar os Estados da sub-região às suas

24
A política externa argentina, à época, apresentou movimentos pendulares em relação ao Mercosul devido a
perspectiva de realismo periférico e relaciones carnales adotada quando da presidência de Menem e mesmo
posteriormente. Segundo esta visão, cunhada pelo cientista político e assessor de Menem Carlos Escudé, o país
lograria desenvolvimento por meio de alinhamento automático aos Estados Unidos, em uma tentativa de
reprodução dos benefícios observados ao final do século XIX quando figurava como aliado importante da potência
hegemônica do período, a Inglaterra.
33

diretrizes político-militares, mediante a redução dos armamentos


convencionais e a reformulação das tarefas das Forças Armadas.

Contudo, o congelamento do MERCOSUL ocorreu de fato como consequência das


crises financeiras ao redor do globo, que começaram primeiro com o México25, em 1994, e
depois irradiaram por outros países da América Latina – notadamente Brasil e Argentina - e
pela Ásia e Rússia antes dos anos 2000. Desregulamentadas nos âmbitos produtivo, comercial
e financeiro e, fragilizadas pelos demais ajustes do Consenso de Washington, as repúblicas
latino-americanas enfrentaram um período crises, estagnação econômica e piora dos quadros
internos em termos de desenvolvimento social.

Em suma, a unipolaridade dos Estados Unidos nas relações de poder globais, a adoção
do Consenso de Washington, a propagação do regionalismo aberto recomendado pela Comissão
Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL)26 e a sucessão de crises financeiras
indicativas de esgotamento do neoliberalismo marcaram o pós-Guerra Fria das nações sul-
americanas. Ao longo da década de 90, os países do subcontinente adotaram as políticas
neoliberais recomendadas pelos centros de poder, baseadas em desregulamentações,
privatizações e abertura comercial. O principal exemplo de consolidação de tais tendências em
termos de integração fez-se na proposição, em 1994, da Área de Livre Comércio das Américas
(ALCA), posteriormente desdobrada em tratados bilaterais de comércio entre Estados Unidos
e diversos países da região.

No entanto, este processo de inserção na ordem mundial através de liberalização


econômica e redução do papel do Estado resultou desastroso para os países da América do Sul.
Tanto que, para além da década de 1980, os anos 1990 também podem ser considerados ‘década
perdida’, segundo Pecequilo e Carmo (p. 57, 2015). Entre o final do século XX e meados do
século XXI foi possível observar uma substancial piora dos índices de desenvolvimento
econômico e social ao passo que a vulnerabilidade regional aumentava o que, por sua vez,
desencadeou um acirramento das demandas sociais e um ambiente propício para a subida ao
poder das estratégias neodesenvolvimentistas e de aspectos redistributivos ancoradas na
agência estatal, apresentadas nos planos de governos dos partidos progressistas sul-americanos.

25
O México foi o epicentro de uma crise financeira, em 1994, que impactou a economia mundial no denominado
Efeito Tequila. Consistiu, resumidamente, em uma crise cambial seguida de ataque especulativo e fuga de capitais,
resolvida apenas após intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI).
26
Em 1994, a CEPAL produz uma publicação denominada "Regionalismo aberto na América Latina: a integração
regional a serviço da transformação produtiva com equidade".
34

2 REGIONALISMO PÓS-LIBERAL, PÓS-HEGEMÔNICO OU AUTONOMISTA

A profunda crise econômica na região, com as instabilidades financeiras que


acometeram os países da América do Sul e Latina entre 1999 e 2001, a redução das
possibilidades de atuação internacional para o cenário extrarregional, bem como o baixo perfil
da política externa estadunidense27 para a região, voltada para uma tentativa de reanimação pan-
americanista do binômio economia – pressão para aplicação das medidas derivadas do
Consenso de Washington e para o livre-comércio em âmbito hemisférico – e segurança –
através da expansão da Guerra Global Contra o Terror aos países latino-americanos –
precipitaram, antes da consolidação do fenômeno conhecido como “onda rosa” ou “onda
progressista”, críticas aos efeitos deletérios da denominada globalização assimétrica e
iniciativas caracterizadas pela retomada de um viés autóctone em termos de regionalismo e
integração. A resposta ao esgotamento do modelo neoliberal na maior parte dos Estados da
América do Sul foi, neste sentido, o acirramento do regionalismo e da integração regional em
um cenário no qual "ampliaram-se as possibilidades de exercício de políticas externas com
maior grau de autonomia em relação ao centro e mesmo algumas de natureza claramente anti-
hegemônicas" (Lima, p.167, 2013).

Ainda que seja possível remontar uma incipiência de autonomia aos planos
compreendidos na proposição da Área de Livre Comércio Sul-Americana (ALCSA), uma
“propuesta de libre comercio [que], sin embargo, avanzó con dificultades y se fue concretando
en una “red” de acuerdos bilaterales y plurilaterales de libre comercio en el marco de la
ALADI” (Sanahuja, p. 31, 2009) durante o governo Itamar Franco em 199328, no sentido de
fornecer uma inserção comercial menos prejudicial para os países sul-americanos vis-à-vis a
Iniciativa para as Américas, o NAFTA, e a ALCA, é no segundo governo de Fernando Henrique
Cardoso (1998 - 2002) que se consolida o conceito de América do Sul como espaço prioritário

27
Mesmo antes dos ataques de 11 de setembro, que marcaram uma guinada definitiva da prioridade dos Estados
Unidos para a atuação no Oriente Médio e Ásia e o lançamento da Guerra Global contra o Terror, a agenda de
política externa para a América Latina ao final dos anos Clinton revelou baixa importância atribuída aos países
latino-americanos. Aponta-se os processos de impeachment e a proximidade da corrida eleitoral como fatores de
peso neste perfil de atuação do país nas relações hemisféricas. Após o 11/09, no entanto, notou-se um reforço na
agenda de segurança na América Latina previamente em curso, a exemplo dos Planos Dignidade (Bolívia-1997),
Colômbia – Iniciativa Andina (1999) e Puebla-Panamá (1999), principalmente no que tange ao combate aos
movimentos classificados como ‘narcoterroristas’ e aos Estados ‘bandidos e falidos’ (Cuba, Venezuela) pelo
Departamento de Estado.
28
De acordo com Barros e Calixtre (2011), foi, durante o processo da ALCSA, que a diplomacia brasileira migrou
do conceito de América Latina para o de América do Sul em seus discursos, o que acarretou um importante ponto
de inflexão aos países da região ao passo que estabeleceu uma identidade regional auto atribuída.
35

de concertação política, onde seria aberto um horizonte para busca de soluções das questões
comuns concernentes ao desenvolvimento dos países sul-americanos. De acordo com Amado
Luiz Cervo (p. 28, 2002):

Cardoso relançou a idéia da ALCSA a construir por acordos de


comércio entre Mercosul e Comunidade Andina, com adesão do Chile.
Convocou para Brasília os doze presidentes e realizou em 2000 a
primeira Cúpula da América do Sul, com o objetivo de aprofundar os
vínculos políticos e de acelerar a criação da zona de livre comércio pela
fusão do Mercosul com a Comunidade Andina e a adesão plena do Chile
ao primeiro. Por ocasião da mediação bem sucedida do conflito
fronteiriço entre Peru e Equador, Cardoso afirmou em 1998 que a
América do Sul resolve seus problemas, mesmo os militares, por si e
sem intervenção externa de qualquer natureza. Influiu depois na
contenção da ação militar norte-americana que se presumia intensa por
meio do Plano Colômbia de combate às drogas.

Desta maneira, a convocação da reunião de cúpula dos chefes de Estados da América


do Sul que seria realizada em agosto de 2000, implicou um marco de autonomia para a região
em dois sentidos principais. Em primeiro lugar, refutava um alinhamento automático aos
interesses dos Estados Unidos na região ao relegar a integração hemisférica baseada em
paradigmas neoliberais a segundo plano, marcadamente pela resistência à ALCA. Em segundo
lugar, chamava a atenção para uma afirmação da identidade regional sul-americana “para
dentro” e “para fora”. No quesito interno, afirmava a sua capacidade para, como região, gerir e
buscar soluções relativas às suas questões internas, configuradas em uma agenda própria e
comum. Em relação ao cenário internacional, a “consolidação de uma postura conjunta
autônoma na região para estas relações e negociações representa também um salto qualitativo
no âmbito da política externa local diante da hegemonia” (Pecequilo e Carmo, p.60, 2015). No
limite, a realização da Cúpula de Brasília constitui um marco da tomada de consciência sul-
americana. De acordo com Carrión Mena (p. 5, 2013):

En el contexto latinoamericano, América del Sur, en particular, ha tomado


conciencia en la última década de su progreso, de sus potencialidades, de su
desarrollo económico, político, democrático, de sus enormes recursos naturales,
de sus dimensiones geográficas, demográficas, de su importante mercado, de
los cambios producidos en el escenario internacional –globalización incluida–
y de su inclusión en él, de su excesiva dependencia de los Estados Unidos y de
la necesidad de sacudirse de ella y del mayor o menor fracaso de ensayos de
políticas y fórmulas impuestas desde fuera en el pasado. Como resultado de esa
toma de conciencia, ha emprendido, de cara al futuro, en propuestas
innovadoras de integración regional.
36

Nas palavras do próprio presidente Fernando Henrique Cardoso, a Cúpula de Brasília


era “o momento de reafirmação da identidade própria da América do Sul como região onde a
democracia e a paz abrem a perspectiva de uma integração cada vez mais intensa entre países
que convivem em um mesmo espaço de vizinhança” (Moniz Bandeira, p.18, 2008). Neste
espírito e de maneira inédita, a totalidade dos doze países integrantes da América do Sul, agora
caracterizada “como uma região com características específicas que a distinguiam no cenário
internacional e [cujas] peculiaridades e a contiguidade geográficas criavam uma agenda comum
de desafios e oportunidades” (Moniz Bandeira, p.18, 2008) compareceram à I Reunião de
Presidentes da América do Sul, entre 31 de agosto e 1º de setembro de 2000. Estiveram
representados na figura dos chefes de Estado da Argentina, Fernando De la Rúa; Bolívia, Hugo
Bánzer Suárez; Chile, Ricardo Lagos Escobar; Colômbia, Andrés Pastrana Arango; Equador,
Gustavo Noboa; Guiana, Bharrat Jagdeo; Paraguai, Luís Angel González Macchi; Peru, Alberto
Fujimori Fujimori; Suriname, Runaldo Ronald Venetiaan; Uruguai, Jorge Batlle Ibañez; e
Venezuela, Hugo Chávez.

Não obstante a perspectiva de aproximação entre Mercosul Ampliado29, Comunidade


Andina e ALCSA ter sido considerada, então, a espinha dorsal da aglutinação entre os países
no espaço econômico da América do Sul, na Cúpula de Brasília os esforços de integração
ganharam conotação para além da comercial, com a reafirmação de um ‘compromisso
democrático’ ao resgatar a importância da assinatura do Protocolo de Ushuaia, no âmbito do
MERCOSUL, e do Protocolo Adicional ao Acordo de Cartagena sobre o “Compromisso da
Comunidade Andina com a Democracia” no espaço da Comunidade Andina de Nações (CAN).
Ademais, temas como erradicação da pobreza, cidadania e combate às desigualdades sociais
por meio de ações afirmativas compreenderam igualmente o espectro de preocupações dos
representantes sul-americanos que, ao longo do encontro, buscaram alternativas autóctones para
superação dos desafios socioeconômicos. Prevaleceu, desta maneira, a ideia de que a construção
da identidade sul-americana e os mecanismos para avançar no desenvolvimentos dos países
seria realizado por meio do aprofundamento da integração e que, neste sentido, esta deveria
abranger inevitavelmente a eliminação gradual dos obstáculos infraestruturais (físicos,
energéticos, locomotivos e de comunicações), historicamente constantes na região, como forma

29
A ideia de Mercosul ampliado refere-se à atuação de países sul-americanos que não são membros plenos da
organização. Atualmente, o Mercosul conta com cinco Estados Partes, a saber: Argentina, Bolívia (em processo
de adesão), Brasil, Paraguai, e Uruguai e Venezuela (suspensa). Por sua vez, o Mercosul ampliado compreende
membros plenos e associados. Os associados são, no momento: Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e
Suriname.
37

de gerar condições materiais básicas para a integração econômica. Como consta no ponto 36
do Comunicado de Brasília:

Os Chefes de Estado observaram que o impulso da integração


transfronteiriça se fortalece porque decorre, entre outros fatores, da
proximidade geográfica, da identidade cultural e da consolidação de
valores comuns. As fronteiras sul-americanas devem deixar de
constituir um elemento de isolamento e separação para tornar-se um elo
de ligação para a circulação de bens e pessoas, conformando-se assim
um espaço privilegiado de cooperação.

Assim, o principal resultado concreto da reunião foi o lançamento da Iniciativa para a


Integração da Infraestrutura Regional da América do Sul (IIRSA). Em dezembro do mesmo
ano, durante a Reunião Ministerial de Montevidéu, seria instaurado o seu Plano de Ação e da
Visão Estratégica da América do Sul. O Plano, que reinstaurava o retorno da centralidade do
Estado em termos de liderança de iniciativas em políticas públicas com financiamento misto,
enfatizava a “preocupação com o desenvolvimento regional a partir de suas bases físicas, com
foco em setores estratégicos de facilitação da mobilidade, produtividade, desenvolvimento e
interligação dos países locais” (Pecequilo e Carmo, p.64, 2015).

O Plano de Ação compreendia os Projetos Setoriais de Integração (PSIs) e os Eixos de


Integração e Desenvolvimento (EIDs). O Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e
Planejamento (COSIPLAN) classifica os EIDs “como faixas multinacionais de território nas
quais se concentram espaços naturais, assentamentos humanos, zonas produtivas e fluxos
comerciais (...) representam uma referência territorial para o desenvolvimento sustentável da
região” (Agenda de Projetos Prioritários para a Integração, p.9, 2011). Os Eixos foram
geograficamente separados como: Andino; Andino do Sul; Hidrovia Paraguai – Paraná;
Capricórnio; Amazonas; Escudo das Guianas; do Sul; Interoceânico central; Mercosul – Chile;
e Peru – Brasil – Bolívia. Ao passo que identifica os Eixos, abre espaço simultaneamente para
a consecução de uma infinidade projetos estruturantes e integrativos nas searas do transporte,
energia e comunicações. Segundo Barros e Calixtre, “na etapa inicial, a IIRSA identificou 293
estudos e projetos de investimento propostos pelos governos, dos quais um primeiro grupo de
162 foi sugerido como uma primeira geração de projeto” (p. 456, 2010).

Em meio a graves instabilidades políticas e econômicas no cenário mundial e ao colapso


argentino, ocorre a II Reunião de Presidentes Sul-americanos ou Cúpula de Guayaquil
(Equador, 2002), que deu continuidade às linhas delineadas dois anos antes com o
38

aprofundamento dos planos no escopo da IIRSA e reafirmação da América do Sul como zona
de paz através da assinatura do “Consenso de Guayaquil sobre Integração, Segurança e Infra-
Estrutura para o Desenvolvimento”. Ademais, outras iniciativas de perfil institucional
marcaram positivamente o ano de 2002, a exemplo do reforço em cooperação com os vizinhos
amazônicos por meio da reestruturação e inauguração de sede da Organização do Tratado de
Cooperação Amazônica (OTCA) e a assinatura do Protocolo de Olivos30 durante a Cúpula de
Buenos Aires.

Neste ínterim, a América do Sul contava com apenas um governo que pode ser
considerado progressista; o de Hugo Chávez, eleito em 1998 na Venezuela31. Da Cúpula de
Guayaquil até o encontro em Cusco, houve uma guinada inédita na orientação ideológica dos
representantes eleitos na América do Sul: era o início da denominada ‘onda rosa’ ou ‘onda
progressista’ da região.

2.1 A Onda Progressista


Aos governos alinhados à esquerda ou centro-esquerda que subiram ao poder no
período, é constantemente atribuído o adjetivo ‘progressista’, cujo valor relaciona-se com
transformação e contrapõe-se à conservação ou retrocesso do status quo, de acordo com Pereira
da Silva (p.6, 2015). Progressismo e esquerda vinculam-se na medida em que esta alteração do
status quo direcionou-se fundamentalmente para uma busca, em muitos casos latino-
americanos expandidas por movimentos e pautas identitárias, da justiça social que, de acordo
com a definição clássica de Bobbio, constitui o elemento basilar da categorização ‘esquerda’
dentro do espectro político. De acordo com Bobbio (p.110, 2001):

“(...) o elemento que melhor caracteriza as doutrinas e os movimentos


que se chamam de "esquerda", e como tais têm sido reconhecidos, é o
igualitarismo, desde que entendido (...) como tendência, de um lado, a
exaltar mais o que faz os homens iguais do que os faz desiguais e, de
outro, em termos práticos, a favorecer as políticas que objetivam tornar
mais iguais os desiguais.

30
O Protocolo de Olivos deu origem ao Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul, com o objetivo de
implementar mecanismos de solução de controvérsias entre os Estados-parte. Passou a vigorar a partir do ano de
2004.
31
Ricardo Lagos, do Partido Socialista do Chile, havia sido eleito em 2000 e alguns autores consideraram sua
eleição como uma inflexão à esquerda no Concertación, que domina a política chilena desde a queda de Pinochet.
No entanto, uma aproximação para com o restante da América do Sul e sinais, ainda que pendulares, de políticas
consideradas progressistas viriam apenas com a subida de Michelle Bachelet ao poder, em 2007.
39

Com efeito, justiça social esteve no cerne das propostas dos governos que alçaram o
poder no subcontinente em meados do século XXI, ao que se desdobram ou somam outras seis
características principais comuns, segundo Fuser. Em primeiro lugar, a resposta visível (salvo
Colômbia e Chile) nas urnas às políticas neoliberais aplicadas ao longo dos governos em
exercício durante os anos 1990, que desembocaram em "baixos índices de crescimento,
desindustrialização, aumento do desemprego e da exclusão social, agravamento das
desigualdades e desmanche das estruturas de proteção social, que já eram precárias" (Fuser,
p.72, 2018)32. A eleição de partidos progressistas ao posto Executivo máximo dos países sul-
americano se deu, desta maneira, dentro das regras da democracia representativa: em eleições
livres, pela vontade popular. Assim exemplificado pela vitória na corrida eleitoral de Luiz
Inácio Lula da Silva no Brasil (2002), Néstor Kirchner (2002) na Argentina, Tabaré Vazquez
no Uruguai (2004), Evo Morales na Bolívia (2005), Rafael Correa no Equador (2006) e
Fernando Lugo no Paraguai (2008). A persistência de governos de orientação neoliberal se deu
no Chile com a eleição de Ricardo Lagos (2000), Peru com Alejandro Toledo (2001) e
posteriormente Alan García (2006), e Colômbia com André Pastrana (1998) e Álvaro Uribe
(2002). Saindo da América do Sul, esta onda acabou por irradiar pelo restante da América
Latina, a exemplo da eleição de Daniel Ortega (Nicarágua, 2006). Conforme Maira (p.18,
2010):

Restou somente uma minoria de governos conservadores. Se em 2007


– 2008 eram coloridos no mapa da região os espaços cobertos pelos
governos denominados “progressistas” (tudo o que não era
neoconservador), ficavam de fora só pequenas ilhotas. Nesta lista
estavam o governo conservador de Elías Saca, em El Salvador, o de Fox
depois de Calderón com o PAN no México, e o governo primeiro de
Uribe e depois de Santos, na Colômbia. O resto estava conformado com
governos de diversos matizes de centro, centro-esquerda e esquerda.

A origem popular ou vínculo com representações de demandas populares dos líderes


políticos eleitos neste processo, a votação expressiva por parte do eleitorado das camadas menos
favorecidas em termos de distribuição de renda e riqueza das suas sociedades e as campanhas
sistemáticas da opinião pública de seus países contra as medidas reformistas e/ou
reestruturantes das políticas públicas adotadas constituem o terceiro, quarto e quinto pontos em
comum apresentados no texto de Fuser. No sexto, o autor converge com a historiografia que
aborda a onda progressista ao sublinhar a retomada de uma forte agência estatal com o objetivo

32
De acordo com Maira (p.31, 2010), 44% dos latino-americanos estavam abaixo da linha da pobreza em 2002.
40

de conduzir o desenvolvimento econômico e social das suas respectivas sociedades. Desta


maneira, a atuação do Estado é perceptível no controle dos recursos naturais de valor
estratégico, na promoção de políticas públicas com interesse em distribuição mais equitativa de
renda, bem como programas voltados ao atendimento de necessidades básicas como segurança
alimentar, saúde, educação e moradia. Ademais, observou-se uma postura mais autóctone no
âmbito das suas relações extrarregionais, salientada pela rechaço à ALCA em Mar del Plata
(2005) e pela aproximação a outras potências globais (China, Rússia).

Por último, os laços entre um maior controle dos recursos minerais e petrolíferos –sob
a bandeira do ‘nacionalismo’ - e a promoção de políticas públicas de combate à pobreza extrema
foram tecidos pelo impulso e ressignificação do extrativismo, numa percepção de modelo de
Estado que Eduardo Gudynas classificou como “Estado compensador”. As atividades
extrativistas incluem, originalmente, a exploração de recursos naturais na esfera mineral,
petrolífera e a monocultura intensiva, que são exportados como commodities. No início dos
anos 2000, observou-se um boom no preço destas commodities no mercado internacional33, bem
como uma maior demanda asiática por tal gênero de artigos. Isto encorajou os governos
progressistas recém-eleitos da região, em detrimento de seu histórico de combate à este tipo de
exploração, a embraçarem o setor extrativista da economia com o objetivo de financiar políticas
públicas de justiça social. Desde os governos com características mais contra-hegemônicas, a
exemplo da Venezuela, àqueles com uma postura mais moderada em relação ao capitalismo e
aos centros de poder mundial, como o Brasil, na América do Sul esta prática foi generalizada.

Gudynas a classificou como “neoextrativismo progressista”, identificando que, nesta


modalidade o “Estado articula um papel muito mais ativo (...) seja por sua participação direta
(por meio de empresas estatais como a petrolífera venezuelana PDVSA, por exemplo) ou
indireta (assistência financeira, subsídios, apoio para a infraestrutura, etc.).” (Gudynas, p.62-
63, 2013). Por sua vez, esta atividade estatal possibilita uma maior arrecadação de renda,
utilizada para programas de bem-estar social responsáveis, em grande parte, pela continuidade
destes governos progressistas no poder, a exemplo do Bolsa Família no Brasil. Daí o “Estado
compensador”, pois equilibra-se entre o incentivo e controle de uma atividade altamente
prejudicial em termos de impactos ambientais e sociais e uma compensação financeira posterior

33
O período entre 2003 e o primeiro semestre de 2008 é usualmente classificado como o mais vantajoso em termos
econômicos para a América Latina nos últimos cinquenta anos. O Produto Interno Bruto da região obteve uma
média de 4,5% e, pela primeira vez desde a constatação do deterioração dos termos de intercâmbio pela CEPAL,
os preços das commodities lançadas pela região ao comércio internacional possuíram um aumento maior em
relação aos industrializados importados.
41

que, grosso modo, limita-se aos programas redistribuição de renda. Isto, segundo o autor, gera
uma situação duplamente delicada para os governos. Em primeiro lugar porque gera um ciclo
vicioso: “os planos contra a pobreza requerem novos projetos extrativistas; estes, por sua vez,
produzem novos impactos sociais e ambientais que vão demandar futuras compensações”
(Gudynas, p.68-69, 2013). E, em segundo lugar, porque a origem e volume da renda dependem
quase que exclusivamente do preço e índices de exportação de tais commodities, isto é,
dependem de circunstâncias no mercado internacional fora do controle dos governos
progressistas, aumentando a vulnerabilidade externa e os riscos na progressão de seus projetos.

É possível, a partir dos traços comuns verificados nas experiências nacionais,


sistematizar como processo sociopolítico ou ciclo político, a onda progressista (onda ou maré
rosa e/ou ciclo progressista, e mais uma miríade de expressões utilizadas pelos pesquisadores
ao analisar as ascensões das esquerdas) que viveu a América do Sul em meados do século XXI,
como discorrido brevemente acima. Todavia, os processos foram igualmente marcados por
especificidades locais, com alguns analistas das relações internacionais latino-americanas
apontando para a distinção entre governos ‘refundadores’ e ‘renovadores’ ao reflexionar sobre
práticas políticas domésticas em termos de configuração das relações de poder, estratégias
econômicas e institucionalidades. Em todo caso, um dos pontos de destaques dentre as
convergências é a aproximação das linhas de atuação internacional destes governos. De acordo
com Pereira da Silva (p.15, 2015):

Em certo sentido, eles buscaram uma maior autonomia em relação a


organismos internacionais – como o Fundo Monetário Internacional
(FMI) –, e em alguns casos uma maior inserção nas discussões em torno
da regulação global. Nas relações internacionais, buscaram alternativas
econômicas e políticas ao peso da influência norte-americana,
incrementando suas relações com a União Europeia, os países
“emergentes” e a periferia global.

No âmbito da atuação internacional, em particular, o retraimento da hegemonia


estadunidense no contexto das relações hemisféricas regionais, o boom das commodities, a
ascensão da multipolaridade no cenário internacional e a convergência de governos
progressistas no poder – conscientes da necessidade de articular outras formas cooperativas e
integracionistas para lograr desenvolvimento e justiça social nos seus respectivos países -
abriram espaço de manobra para as políticas externas latino e sul-americanas, propulsionando
um tipo pioneiro de regionalismo e integração regional.
42

2.2 Nasce o regionalismo pós-liberal, pós-hegemônico ou autonomista


Assim, mesmo que os processos compreendidos na onda progressista na região tenham
sido marcados pela heterogeneidade de respostas domésticas em detrimento da
homogeneização das políticas dos anos 1990, verificando-se, a depender do país, desde a
persistência de um conjunto de medidas neoliberalizantes, passando pela esquerda moderada –
que atua dentro das regras do sistema vigente - até a adoção daquelas que praticamente
refundam os Estados e suas Constituições – Venezuela, Bolívia, Equador –, os traços
convergentes da guinada à esquerda da América do Sul têm como consequência possibilitar
também uma redefinição do regionalismo e da integração no subcontinente, seguindo-se uma
espécie de convergência na diversidade. Assim, mesmo com iniciativas díspares34 como o
NAFTA, MERCOSUL, ALBA, e a preferência por Tratados de Livre Comércio (TLCs) de
Chile, Peru e Colômbia, foi possível consolidar alguns pontos de consenso na região, em um
movimento “em que a dinâmica dos modelos de integração se descola dos processos de
regionalização, que enfatizam a dimensão sub-regional” (Lima, p. 181, 2013).

Aqui, ressalta-se a importância de discorrer sobre os conceitos de integração e


regionalismo. Apesar de muitas vezes serem usados como sinônimos, principalmente em
publicações sem compromisso acadêmico no espectro da mídia, são termos bem diferenciados.
Briceño Ruiz considera regionalismo como um conjunto de “processos de integração ou
cooperação econômica e política que ocorrem em um ambiente geográfico específico (...)
especialmente quando é o resultado de acordos formais entre os Estados” (p.16, 2016). Já sob
a luz do pensamento de Maria Regina Soares de Lima (p.178-179, 2013):

Do ponto de vista conceitual, integração implica redução ou eliminação


de restrições à livre troca de bens, serviços, capitais e pessoas e, em
alguns casos, delegação de soberania a uma autoridade supranacional.
Em suma, integração pressupõe a formação de um espaço econômico
integrado e coordenação regional de políticas públicas. O regionalismo,
por outro lado, implica processos de cooperação em áreas diversas,
militar, política, econômica, energia, técnica, e reflete prioridades de
política externa, sendo relevante a dimensão geoestratégica. O
regionalismo, ao contrário dos processos de integração, tem objetivos
bem menos ambiciosos e, por ser uma dinâmica majoritariamente
intergovernamental, envolve graus muito variados de coordenação de
políticas governamentais e quase nenhuma delegação de soberania, a
não ser no que diz respeito à coordenação específica das questões em
negociação.

34
Maria Regina Soares de Lima aponta que “essa heterogeneidade é resultado das diferenças nos modelos de
integração, regimes produtivos, modelos de democracia e opções de política externa entre os países latino-
americanos, bem como de suas respectivas agendas bilaterais com os Estados Unidos.” (p. 171, 2013)
43

Isto posto, o adensamento de relações entre os sul e latino-americanos do início do


século XXI compreende, para além da centralidade do Estado, três fenômenos pioneiros: a
supressão dos Estados Unidos e Canadá, a multidimensionalidade da cooperação e a busca de
um ‘mínimo denominador comum’ não pautado pela homogeneização dos regimes comerciais.
Ao contrário, incluiu “factores estratégicos como la seguridad, la solución de conflictos, la
defensa de los derechos humanos, la vigencia de la democracia, el desarrollo socio económico
integral y equitativo, la protección del ambiente, la integración física, los recursos
energéticos” (Carrión Mena, p.3, 2013).

Em que pese a origem do regionalismo pós-liberal (autonomista ou pós-hegemônico)


ser constantemente atribuída apenas à ampliação das tendências semelhantes verificadas nas
agendas domésticas e/ou pela iniciativa de soluções conjuntas para questões comuns, outros
pesquisadores propõem uma análise mais dialética ao entender que “(...) o regionalismo
autonomista do início do século foi ao encontro das posições nacionalistas dos governos
progressistas. Isso implica que as políticas regionais e as políticas domésticas se
retroalimentam, e não que as primeiras resumam-se a um reflexo ou amplificação das segundas”
(Albuquerque, p. 62, 2017 apud Perrotta, 2010; Calixtre e Barros, 2011).

Na historiografia sobre o assunto, Preciado y Uc consideram esta modalidade sob o


nome de integração pós-liberal, que “se ha convertido en una alternativa específica que
combina producción espacial y reivindicaciones de autonomía geopolítica, ideológica y
económica, con una apuesta (en pleno debate) por un tipo de modelo de desarrollo
'alternativo'” (Preciado y UC, p. 73, 2010). Na mesma linha, Sanahuja (p. 22, 2009) aponta
oito aspectos principais do regionalismo então emergente na América Latina: primazia da
agenda política, retorno da agenda do desenvolvimento – em acepção ampla, protagonismo
estatal, ênfase na agenda da integração para além do âmbito comercial, relevância para a
dimensão social na integração, superação dos gargalos estruturais, segurança energética e
participação cidadã.

Já Briceño Ruiz (p.18, 2016) está entre os autores que privilegiam a denominação ‘pós-
hegemônico’ para o tipo de regionalismo observado na região a partir de 2003, defendendo que
este possui um conteúdo explicativo maior em relação à alcunha ‘pós-liberal’ porque “reflete o
fato do período anterior ter sido dominado por uma hegemonia específica. No momento pós
2003, portanto, se tem uma variedade de concepções sobre regionalismo, significando o
rompimento com a hegemonia anterior.”
44

Independentemente da denominação do fenômeno, pós-hegemônico, autonomista ou


pós-liberal, há concordância de que é perpassado de maneira importante pela acepção de
autonomia como um dos eixos explicativos centrais das iniciativas de adensamento de relações
entre os países sul e latino-americanos neste início do século XXI. Desta maneira, autores como
Samuel Pinheiro Guimarães, Raúl Bernal-Meza, Luiz Alberto Bandeira e Amado Cervo35
resgatam as Teorias da Autonomia, desenvolvidas por Puig e Jaguaribe36 no arcabouço dos
debates teóricos cepalinos, para a análise e compreensão das relações internacionais recentes
na América Latina, isto é, do regionalismo autonomista.

É possível argumentar, sob a luz de autores como Briceño Ruiz, que o debate sobre
autonomia esteve presente na América Latina desde as independências. De acordo com o autor,
“(...) la expresión «unidad regional», como un mecanismo para promover la autonomía, estuvo
presente en líderes como Francisco de Miranda, Simón Bolívar, Bernardo Monteagudo o José
Cecilio del Valle (p.10, 2014). E, mesmo que o assunto tenha ganhado certo destaque quando
da construção do arcabouço teórico cepalino nos anos 1950, “(...) fueron en los años setenta y
ochenta del siglo XX cuando se produjo un debate académico sobre el concepto de autonomía,
conjuntamente con un intenso activismo de intelectuales y formuladores de política exterior”
(Granato, Oddone e Battaglia, p.155, 2016). Retomar a Teoria da Autonomia de Puig e
Jaguaribe para a compreensão dos debates atuais em termos de integração, regionalismo e
desenvolvimento é justificado pelo fato de que muitas das questões e recomendações abordadas
continuam relevantes atualmente. De acordo com Granato, Oddone e Battaglia (p.155, 2016
apud Ferrer, p.13, 2006):

(...) los preceptos autonomistas que apuntaban a la ampliación de los márgenes


de acción o de maniobra de los países periféricos en relación a las imposiciones
de los países centrales, no podían ser escindidos de la búsqueda del desarrollo
económico a partir del diseño e implementación de planes y de políticas
públicas tendientes a la realización de tal fin. De esta forma, los modelos de
inserción internacional y de desarrollo económico se entrelazan y
retroalimentan toda vez que la autonomía contribuirá para que los países
latinoamericanos puedan proyectar y ejecutar proyectos nacionales de
desarrollo desafiantes de la división internacional del trabajo que impide su

35
E, igualmente, outros acadêmicos latino-americanos como Eduardo Devés-Valdés, Nahuel Oddone, Luciano
Tomassini, Leonardo Granato e Arlene Tickner.
36
Em que pesem as diferenças entre os postulados de Puig e Jaguaribe, alguns pontos de contato tornam-se
relevantes, especialmente quando tais formulações são trazidas para a análise dos regionalismos dos primeiros
quinze anos do século XXI. Para fins deste trabalho, destaca-se como semelhanças o entendimento sobre
autonomia como grau de liberdade dos Estados para perseguirem seus respectivos desenvolvimentos internos e
posicionamentos externos, e o papel dos regionalismos, cooperação e integração como estratégias imprescindíveis
para ampliação das capacidades estatais em busca de autonomia e desenvolvimento.
45

industrialización, favoreciéndose, de esta manera, una participación activa y no


subordinada en el sistema interestatal capitalista y en la globalización

Os governos que ascenderam ao poder ao longo da onda progressista apresentaram


traços marcantes que podem ser reportados às tradições autonomistas de Puig, Jaguaribe e até
mesmo anteriores a tais intelectuais. Se no aspecto doméstico o fortalecimento das democracias,
a busca por justiça social e o dirigismo estatal baseado em determinada visão de interesse
nacional fazem esta ponte, no âmbito do regionalismo a correlação é excepcionalmente mais
sólida. As propostas que fazem convergir as ideias autonomistas e as iniciativas destes governos
são inúmeras: busca por integração solidária e alianças estratégicas; pilares estruturantes
voltados para os valores histórico-culturais compartilhados na região; cooperação em políticas
de vieses setoriais específicos, para além do âmbito econômico; e respeito às assimetrias entre
os países ilustram algumas delas. Especialmente nestas tradições, o regionalismo é visto como
instrumental para fortalecer o poder de negociação dos Estados frente ao cenário internacional,
ampliando assim as respectivas margens de manobra (e, por conseguinte, graus de autonomia)
frente às hegemonias. Segundo Briceño-Ruiz, os novos regionalismos observados na América
Latina são reconhecidos pelo próprio Jaguaribe como tal (p.36, 2014):

Cuando se inicia el proceso de construcción de un regionalismo


suramericano ampliado, primero a través de la CSN y luego con la
UNASUR, Jaguaribe lo vincula con sus ideas autonomistas. Para el
autor, la integración puede ser un mecanismo para mantener el mayor
margen de autonomía interna. Esta sería la mayor contribución del
Mercosur y de la Comunidad Sudamericana y de la UNASUR, que
Jaguaribe concebía como las bases de un sistema suramericano en el
que «los países dispondrán de condiciones para un desarrollo
satisfactoriamente autónomo y de mecanismos para generar y
perfeccionar sectores productivos que alcancen competitividad
internacional.

Neste cenário de redefinição do papel dos países latino-americanos na arquitetura


política e econômica dentro e fora da região, permeada pelo adensamento do diálogo entre os
governos, a influência da Organização dos Estados Americanos ainda fazia-se notar, mas de
maneira enfraquecida e/ou com clara divergência entre as correntes de visões de mundo
observadas nas Américas. Ao longo da ‘onda progressista’ os países latino-americanos ainda
marcaram presença nas Cúpulas e reuniões da OEA realizadas em Miami (2003), de Monterrey
(2004), Mar Del Plata (2005), Port of Spain (2009) e Cartagena (2012). A Cúpula de Mar del
Plata, em especial, é um dos maiores e melhores exemplos do fortalecimento de relações entre
os governos progressistas da região. Isto porque enterrou o projeto da ALCA através da
46

aproximação das posições lideradas por Venezuela – de absoluta contrariedade37 – e do


MERCOSUL, que propugnava uma ‘Alca Light’ e a eliminação dos subsídios agrícolas por
parte dos Estados Unidos como condição para a continuidade das negociações.

De substancial importância é a compreensão da maior parte destes governos de que o


isolamento e a inserção unilateral nas relações de poder globais não apenas no aspecto
comercial, mas também nos políticos, sociais, culturais e estratégicos, não bastam para lograr
um desenvolvimento nacional sustentável e autóctone na região. E, assim, a construção de
instrumentos políticos para dar seguimento aos processos de integração e regionalismo tornam-
se imprescindíveis. Surgem, então, dentro do marco pós-liberal, pós-hegemônico ou
autonomista, reformulações de instituições harmonizadas com os novos tempos, a exemplo do
redirecionamento do Mercosul após o Consenso de Buenos Aires38 e também, novas propostas
de cooperação, integração e regionalismos, a exemplo da criação da Aliança Bolivariana para
os Povos da Nossa América (ALBA)39 por iniciativa venezuelana, da Comunidade de Estados
Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC)40 e da União de Nações Sul-Americanas
(UNASUL).

Na prática, estes projetos marcam concretamente o fim das possibilidades de integração


do Western Hemisphere focadas no âmbito multilateral, isto é, no privilégio das relações
comerciais hemisféricas tendo nos Estados Unidos o epicentro. Ao contrário, constituem
iniciativas de cooperação regional endógenas à América Latina “buscando projetar maior

37
Discursando para mais de 30 mil pessoas provenientes de movimentos sociais anti-globalização neoliberal e
partidos políticos do espectro de esquerda durante a contra-cúpula em Mar del Plata, Hugo Chávez proferiu, de
maneira entusiasta, a posição venezuelana em relação ao projeto da Alca. Disse o ex-presidente: “¿Quién enterró
al ALCA? Los pueblos de América enterramos al ALCA, hoy, aquí en Mar del Plata (…) Pero eso no quiere decir
que el capitalismo esté muerto, insisto en esa idea, al próximo que vamos a enterrar es al capitalismo, ese es el
próximo (…) ¡Unidad, unidad, unidad y más unidad! para tener Patria, para lograr nuestros sueños, para hacer
posible la utopía, para lograr la salvación de nuestros pueblos.”
38
Conforme explica Briceño Ruiz (p.20, 2016) o Mercosul, adquire traços de um projeto revisionista, pois ao
passo que agrega “políticas típicas de governos de esquerda em matéria social, produtiva e de cooperação política”,
preserva seu enfoque inicial livre cambista. A ampliação de objetivos pode ser exemplificada por meio da criação
do Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM) em 2004, do Instituto Social do Mercosul em
2007 e, em 2009, do Instituto de Políticas Públicas e Direitos Humanos.
39
Classificada como uma espécie de regionalismo anti-imperialista e surgida a partir de acordo celebrado entre
Venezuela e Cuba em 2004, a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América – Tratado de Comércio dos
Povos (ALBA-TCP) atualmente é composta também por Bolívia (2006), Nicarágua (2007), Dominica (2008),
Antígua e Barbuda, e São Vicente e Granadinas (2009).
40
Herdeira do Grupo do Rio, inicia sua atuação como CALC (Cúpula da América Latina e do Caribe) em 2010 e,
no ano seguinte, promove sua primeira reunião de cúpula como Celac. Inclui a totalidade dos países latino-
americanos e caribenhos da região, atuando como um bloco intergovernamental de cooperação regional para o
desenvolvimento e concertação política. É interessante notar que, por meio da CELAC, o Brasil extrapola sua área
de influência, até então circunscrita à América do Sul, em direção a um campo tradicionalmente dominado pelos
Estados Unidos.
47

autonomia na relação com os Estados Unidos, inserindo-se no movimento mais geral visando
uma ordem internacional multipolar [e articulação de] um espaço econômico e político latino e
sul-americano” (Ramanzini Júnior, p.44, 2012). A respeito da Alba, Sanahuja (p.25, 2009)
resume suas linhas principais:

(...) promover una “integración alternativa” que trascienda la


concepción “neoliberal” o “mercantil” de la integración, funcional a los
intereses de las burguesías nacionales y las empresas transnacionales.
Esa integración alternativa promoverá el “comercio justo” eliminando
las asimetrías y buscando el equilibrio de las partes; y estará basada en
los principios de cooperación, complementariedad, solidaridad y
reciprocidad, así como en el respeto de la soberanía de cada país.
(...)Finalmente, el proyecto bolivariano busca promover la “Diplomacia
de los Pueblos”. Este concepto, lanzado en la contra-cumbre de Mar del
Plata (Argentina), en noviembre de 2005, alude a la incorporación de
los movimientos sociales a la integración, como complemento, más que
como sustituto de la diplomacia tradicional, evitando el “elitismo” que
los ha caracterizado.

Neste sentido, diversos pesquisadores provenientes do campo das Relações


Internacionais concordam que a instituição conhecida atualmente como União de Nações Sul-
Americanas constitui referência no espectro dos regionalismos dos anos 2000. De acordo com
Carrión Mena, o “(...) más representativo y avanzado exponente de este nuevo regionalismo
latinoamericano es sin duda alguna la Unasur a pesar de que su nacimiento es reciente, no fue
sencillo y de que su consolidación no ha terminado” (p.3, 2013). Abarcando todos os países
sul-americanos, caracteriza-se por uma proposta que transcende a integração comercial,
permitindo modalidades de “cooperação política, militar, promoção da infraestrutura, criação
de um Banco do Sul (cooperação financeira) e cooperação na área da saúde” (Briceño Ruiz,
p.18, 2016).

A criação da Unasul possibilitou o estabelecimento de um fórum de concertação política


não apenas para além dos diferentes regimes comerciais adotados, mas muitas vezes apesar
deles. É o que exemplifica a atuação chilena pois, se nas questões comerciais apresenta uma
continuidade dentro da opção por tratados bilaterais e inserção em instituições propositivas do
livre comércio41, no quesito coordenação política desempenhou papel de destaque no âmbito
da Unasul, chegando a ocupar a presidência da instituição entre 2008 e 2009.

41
Haja vista a participação da CAN e, posteriormente, na Aliança do Pacífico (2012). Estas e outras inserções do
Chile, como a participação na Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico (APEC), derivam do seu grau de
abertura econômica, considerado um dos maiores do mundo.
48

3 A UNIÃO DAS NAÇÕES SUL-AMERICANAS: GANHO DE AUTONOMIA?

Contando com uma área total de 17,8 milhões de km2, cerca de 400 milhões de
habitantes e abundantes recursos naturais estratégicos como petróleo e gás, a UNASUL nasce
robusta. A instituição tem suas origens na assinatura das Declarações de Cusco e Ayacucho 42,
que formalizam a criação da Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA ou CSN) durante
a Cúpula de Cusco ou III Reunião dos Chefes de Estado da América do Sul, em dezembro de
2004. Observa-se, nos documentos, uma clara retomada da tradição latino-americanista do
continente, conforme os primeiros parágrafos da Declaração de Cusco:

Os Presidentes dos países da América do Sul, reunidos na cidade de


Cusco, por ocasião da celebração das façanhas libertadoras de Junín e
Ayacucho e da convocação do Congresso Anfictiônico do Panamá,
seguindo o exemplo do Libertador Simón Bolívar, do Grande Marechal
de Ayacucho, Antonio José de Sucre, do Libertador José de San Martín,
de nossos povos e heróis independentistas que construíram, sem
fronteiras, a grande Pátria Americana e interpretando as aspirações e
anseios de seus povos a favor da integração, unidade e construção de
um futuro comum, decidimos formar a Comunidade Sul-americana de
Nações. (...) O pensamento político e filosófico nascido de sua tradição,
que, reconhecendo a primazia do ser humano, de sua dignidade e
direitos, a pluralidade de povos e culturas, consolidou uma identidade
sul-americana compartilhada e valores comuns, tais como: a
democracia, a solidariedade, os direitos humanos, a liberdade, a justiça
social, o respeito à integridade territorial e à diversidade, a não-
discriminação e a afirmação de sua autonomia, a igualdade soberana
dos Estados e a solução pacífica de controvérsias.

A criação da Comunidade Sul-Americana de Nações, nesta lógica, é a concretização da


redefinição de um regionalismo desde o espaço sul-americano baseada no resgate da identidade
e valores comuns aos países da região. Este movimento demonstrou que o esforço de
estreitamento das relações na região ultrapassava o sentido discursivo ao fornecer contrapartida
material e consolidar o compromisso político-estratégico, “pois exprimia o empenho dos países
da região em superar as distâncias que ainda os separavam” (Moniz Bandeira, p.24, 2008). Por
seu turno, a incontestável vocação política da organização traduz-se, desde então, nos seus três
pilares de ‘mínimo denominador comum’: concertação e coordenação das políticas exteriores,
convergência assentada no espaço geopolítico e econômico compreendido na ALCSA, e
integração em termos de infraestrutura nas diretrizes da IIRSA. “A ello se le sumó el

42
Os documentos foram assinados pelos doze países da região, congregando membros do Mercosul, da
Comunidade Andina, bem como o Chile, Suriname e Guiana.
49

compromiso de intensificar la cooperación una “cesta” amplia de materias, y alentar la


participación del empresariado y la sociedad civil.” (Sanahuja, p.31 2009).

Em 2005, a I Cúpula e a I Cúpula Extraordinária da CASA, realizadas no Brasil e


Uruguai, respectivamente, não apenas aprofundaram as conversações em torno das bases
conceituais do regionalismo sob o marco do novo organismo, mas também adotaram
prosseguimentos assertivos para a continuidade dos projetos em desenvolvimento, como ilustra
o estabelecimento de uma Agenda Prioritária e um Programa de Ação.

A Agenda Prioritária estabeleceu ações de coordenação técnico-política, bem como uma


seleção de temas relevantes para a integração regional. Assim, destacou-se a importância de
esforços de coordenações: entre os órgãos técnicos pertencentes à CAN e ao MERCOSUL; das
Chancelarias dos países envolvidos; para o estabelecimento de cronogramas de reuniões de
Chefes de Estados, Ministros e Vice-Ministros das Relações Exteriores, assim como Reuniões
Ministeriais Setoriais. As iniciativas de articulação setorial possuíam, como uma das
prioridades, a área de infraestrutura com o objetivo de implementar projetos no âmbito da
IIRSA. Além disso, trabalhou-se na formação de uma Secretaria Pro Tempore.

Para além do aspecto organizativo, a composição das áreas prioritárias da Comunidade


Sul-Americana de Nações foram igualmente acordadas: o diálogo político; a integração física;
o meio ambiente; a integração energética; os mecanismos financeiros sul-americanos; as
assimetrias; a promoção da coesão social, da inclusão social e da justiça social; e, as
telecomunicações. Já dentre as iniciativas previstas no Programa de Ação constam: a criação
de um foro sul-americano de consulta e coordenação política, constituído pelo FCCP do
Mercosul; a articulação entre órgãos e secretarias do MERCOSUL, CAN, Chile, Guiana e
Suriname; facilitação burocrática para o trânsito de pessoas entre os países sul-americanos;
delineamento de atividades de estudos, seminários, intercâmbios e projetos para rodadas de
negócio sobre a convergência de acordos de complementação econômica (redução de
assimetrias comerciais); conversações para a criação de um programa sul-americano de
conexão aérea; e, iniciativas conjuntas no âmbito de desenvolvimento social e combate à
pobreza.

No entanto, planos mais concretos são observados no que tange aos esforços de
infraestrutura de transporte, energia e comunicações no marco da IIRSA, que culminou em uma
“interdependência entre dois processos de identificação de prioridades, formulação de políticas
e implementação de ações: o Portfólio de Projetos IIRSA (2005/2010) e a Agenda de
50

Implementação Consensuada (2005/2010)” (Pecequilo e Carmo, p.75, 2015). Na arena


energética, ilustram tais linhas estratégicas e planos concretos a Iniciativa Petroamérica, a
ênfase para os estudos de acordo complementação energética regional e a Rede de Gasodutos
do Sul.

A segunda Cúpula Presidencial, ocorrida em Cochabamba em fins de 2006, deu


prosseguimento aos processos da reunião anterior, consolidados na Declaração de
Cochabamba, cujo objetivo principal deu-se no sentido de “colocar la piedra fundamental de
este proceso de integración sudamericano” através do favorecimento de “(...) um desarrollo
más equitativo, armónico e integral de América del Sur” (Unasur, Declaración de Cochabamba,
2006) nos marcos de um modelo alternativo de integração: baseado em identidade própria ao
passo que reconhece as pluralidades políticas, ideológicas e democráticas dos países sul-
americanos. O objetivo principal desdobra-se, ainda segundo acordo firmado na Declaração de
Cochabamba, em outras treze metas específicas. A saber: superação das assimetrias;
desenvolvimento social; integração energética; infraestrutura conectiva; cooperação econômica
e comercial; integração financeira sul-americana; integração industrial e produtiva; cidadania
sul-americana; migrações; identidade cultural; cooperação em matéria ambiental; participação
cidadã; e cooperação em matéria de defesa.

Em paralelo às reuniões de cúpulas entre Chefes de Estados, ocorreram diversas outras


de temáticas e enfoques setoriais variados. Dentre elas e com o objetivo de estruturar uma
matriz energética regional, realizou-se em abril de 2007 a II Reunião Extraordinária da CASA,
na Venezuela. Para além da criação de um Conselho Energético Sul-Americano com vistas a
desenvolver um parque energético regional, a importância da reunião reside também na
identificação dos presentes da necessidade de aceleração e aprofundamento geopolítico e
estratégico do processo integrativo, representado simbolicamente na alteração da nomenclatura
da organização: de Comunidade de Nações Sul-Americanas passou a ser denominada União de
Nações Sul-Americanas/UNASUL. Mais do que isso, Nery aponta que tal modificação
“significou a transformação de um fórum de concertação política em uma organização
internacional” (p.69, 2016).

Contudo, é o ano posterior, 2008, aquele considerado como o de formação de fato da


organização tal como compreendida atualmente, pois é quando se constrói e aprova seu Tratado
Constitutivo, durante a Reunião Extraordinária de Chefes de Estado e Governo da União de
Nações Sul-Americanas, realizada em Brasília. O Tratado Constitutivo da UNASUL, que entra
em vigor a partir de 2011, foi redigido e assinado por Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia,
51

Chile, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela. Baseado nas prévias
Declarações de Cusco, Brasília e Cochabamba, o Tratado “destaca a determinação dos países
signatários de construir uma identidade e uma cidadania sul-americanas e desenvolver um
espaço regional integrado (...) [e] o compromisso de combater a exclusão e as desigualdades
sociais e de reduzir as assimetrias” (Nery, 2016 apud Botelho, 2013; Unasul, 2008). A partir
do entendimento de que a “América Latina sigue siendo la más inequitativa región en materia
de distribución de la riqueza” (Carrión, p.3, 2013), o objetivo principal da organização,
estabelecido no Artigo 2 do documento, enfatiza a necessidade de atacar a questão:

La Unión de Naciones Suramericanas tiene como objetivo construir, de


manera participativa y consensuada, un espacio de integración y unión
en lo cultural, social, económico y político entre sus pueblos, otorgando
prioridad al diálogo político, las políticas sociales, la educación, la
energía, la infraestructura, el financiamiento y el medio ambiente, entre
otros, con miras a eliminar la desigualdad socioeconómica, lograr la
inclusión social y la participación ciudadana, fortalecer la democracia
y reducir las asimetrías en el marco del fortalecimiento de la soberanía
e independencia de los estados.

De acordo com Moniz Bandeira, a “celebração do Tratado Constitutivo da União de


Nações Sul-americanas (UNASUL) foi um fato de grande significação histórica. A UNASUL
passou a ter uma personalidade jurídica, com a forma de uma organização internacional (...)”
(p.29, 2008) pautada na consolidação de seu desenho institucional. Tal desenho compreende43:
o Conselho de Chefas e Chefes de Estado e de Governo, órgão máximo da organização cujas
atribuições incluem decisões sobre delineamentos políticos, planos de ação, programas/projetos
e suas respectivas implementações, além da convocação de Reuniões Ministeriais e criação de
Conselhos; o Conselho de Ministras e Ministros das Relações Exteriores, cujas
responsabilidades englobam proposição de projetos, coordenação de diálogo político e
encaminhamento prático das decisões tomadas no âmbito do Conselho de Chefes e Chefas de
Estado e Governo; Conselho de Delegadas e Delegados, composto por representantes indicados
por cada Estado parte; e a Secretaria Geral, de caráter rotativo, “es el órgano que, bajo la
conducción del Secretario General, ejecuta los mandatos que le confieren los órganos de
UNASUR y ejerce su representación por delegación expresa de los mismos” (Unasul, Tratado

43
Esta institucionalidade da Unasul tem recebido críticas diversas, desde a formulação tradicional do próprio
Estatuto da organização, passando pela baixíssima prioridade relegada às questões comerciais (particularmente os
mecanismos de articulação entre MERCOSUL e CAN), até o funcionamento débil (meramente administrativo e
temporalmente insuficiente no que tange à elaboração e implementação de políticas de médio e longo prazo) da
sua Secretaria Geral e a profusão de órgãos e mecanismos em arenas específicas.
52

Constitutivo, 2008). Por fim, instituiu-se a Presidência Pro Tempore44, “ejercida sucesivamente
por cada uno de los Estados Miembros, en orden alfabético, por períodos anuales” (Unasul,
Tratado Constitutivo, 2008).

Além destas quatro instâncias, o arcabouço institucional da Unasul conta, ainda, com
doze conselhos temáticos45 integrados por ministros das respectivas áreas e órgãos internos de
apoio para pesquisa, assessoramento e implementação de iniciativas em suas respectivas linhas
de atuação. De acordo com Maria Regina Soares de Lima, (p.183, 2013):

Além de estabelecer um arcabouço institucional para a ampliação da


cooperação em quantidade razoável de políticas públicas regionais, os
conselhos induzem à criação de constituencies domésticas variadas, nos
respectivos países participantes, envolvendo atores políticos e
econômicos também diversificados e dessa forma criando, dentro das
respectivas sociedades civis, atores comprometidos com a
regionalização em suas múltiplas facetas.

Os conselhos temáticos ilustram uma das características principais e também fator de


ineditismo da Unasul, que reside exatamente no seu foco para além das questões comerciais, o
que, por sua vez, possibilita sobrepujar “as restrições geradas pela existência dos respectivos
regimes comerciais existentes na região” (Lima, p.182, 2013) através de um modo de operação
baseado em eixos transversais. Os conselhos constituídos ou adicionados ao âmbito da Unasul
são a expressão mais efetiva do ganho de autonomia ‘para dentro’. Isto porque, é durante o
processo da tomada de ciência dos desafios, até o encaminhamento e resolução dos mesmos, é
que a América do Sul toma consciência e responsabilidade sobre si mesma. Dentre os conselhos
mais relevantes, é possível destacar o COSIPLAN (Conselho Sul-Americano de Infraestrutura
e Planejamento), Conselho Sul-Americano de Economia e Finanças e o CDS (Conselho de
Defesa Sul-Americano).

44
Até o fechamento deste trabalho, ocuparam a Presidência Pro Tempore: Michelle Bachelet (Chile), Rafael
Correa (Equador), Bharrat Jagdeo (Guiana), Fernando Lugo (Paraguai), Ollanta Humala (Peru), Dési Bouterse
(Suriname), Pepe Mujica e Tabaré Vazquez (Uruguai), Nicolás Maduro (Venezuela), Mauricio Macri (Argentina)
e Evo Morales (Bolívia).
45
Os Conselhos foram instituídos ou incorporados à estrutura da Unasul entre 2007 e 2012. A saber: Defesa;
Saúde; Eleitoral; Energético; Ciência, Tecnologia e Inovação; Cultura; Desenvolvimento Social; Economia e
Finanças; Educação; Infraestrutura e Planejamento; Drogas; Segurança Cidadã, Justiça e Coordenação de Ações
contra a Deliquência Organizada Transnacional.
53

3.1 Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento


Um dos principais entraves para a evolução dos processos integrativos na América do
Sul têm sido a distribuição dispersa dos centros dinâmicos - econômicos, populacionais,
culturais, etc. - de seus países, que, como visto, remontam à própria evolução histórica desde
os tempos coloniais. Desde então, as estruturas foram estabelecidas a partir de uma lógica
voltada para o atendimento a interesses externos em termos de recursos e mercados. Neste
sentido, a arquitetura de conexões viárias, energéticas e de comunicações da América do Sul
têm refletido a ausência de preocupação das elites com desenvolvimentos endógenos, tendo em
vista a articulação predominantemente voltada para os portos, ou para fora. “Esta escassez de
integração física pode ser considerada obstáculo relativamente maior que os sistemas tarifários
a uma efetiva integração produtiva e comercial do continente.” (Padula, p. 305, 2014). Para
além disso, a “América do Sul é uma região rica em recursos estratégicos e, portanto, está
inevitavelmente inserida na disputa competitiva global entre as grandes potências, tradicionais
e emergentes.” (Padula, p. 294, 2014). É neste sentido que a construção de uma integração da
infraestrutura continental própria à América do Sul cumpre papel mister no que tange ao
desenvolvimento socioeconômico, projeção de poder e autonomia para os países da região.
Como afirma Budini (p. 22, 2010):

A construção de estradas, portos, aeroportos, de um corredor bi-


oceânico e de uma infraestrutura energética mais integrada mostram-se
fundamentais pra garantir o fluxo de produtos e pessoas entre os países,
de modo a contribuir para a integração produtiva, para a construção de
uma identidade regional e, além disso, para o escoamento dos produtos
da região para o resto do mundo. Destacam-se as obras nos marcos da
IIRSA, que trazem consigo o desafio da sustentabilidade ambiental e da
proteção a comunidades tradicionais.

A IIRSA, criada no ano 2000 durante a Cúpula de Brasília, é produto da constatação da


relevância da integração física sul-americana para um desenvolvimento autóctone dos países
da região. Contudo, a escolha dispersa dos projetos a serem implementados, o malogro da
atração do investimento privado (haja vista que a implementação das obras foi principalmente
bancada pelos tesouros nacionais dos países sul-americanos) e a ênfase em corredores de
exportação acabaram por ter efeito contrário. De acordo com Padula (p.322-323, 2014):

O desenho de infraestrutura de transportes impulsionado pela Iirsa –


cruzando os países, mas voltado ao mercado global – promove de forma
eficiente as exportações dos países da região, predominantemente
direcionadas para os países centrais e baseadas em recursos naturais e
commodities industriais de baixo valor agregado. Assim, a Iirsa
54

favorece principalmente os países desenvolvidos e as empresas


transnacionais que terão acesso às infraestruturas, criando renda,
acumulação de riqueza e empregos fora da região. O modelo da
iniciativa tende a aperfeiçoar a característica histórica da região de
especialização comercial internacional baseada em commodities,
dependente da demanda dos países centrais e com deficit de oferta de
infraestrutura de integração física entre os países da região. Aprofunda,
portanto, a vulnerabilidade externa e a inserção política subordinada da
região no sistema internacional.

A “partir de 2010, a IIRSA foi incorporada ao COSIPLAN46 e tornou-se um órgão


técnico do conselho, passando a receber diretrizes políticas dos governos pertencentes à
UNASUL” (Nery, p.70, 2016). A passagem da IIRSA para um braço técnico do COSIPLAN
assinalou a alteração de um organismo harmonizado com políticas liberalizantes e cujos
enfoques davam-se primordialmente nos aspectos comerciais de integração, e interligação com
o Norte por meio de corredores de exportação, para “instâncias de planejamento da integração
da infraestrutura regional [que] ganharam uma diretriz política concreta, potencializando seus
efeitos práticos e a superação de seu principal obstáculo, o financiamento” (Barros e Calixtre,
p.457, 2010). Além disso, dentre as metas figurava o envolvimento de atores domésticos no
consenso sobre os planos para infraestrutura da região. Conforme seu Estatuto (2010), o
COSIPLAN possui quatro objetivos principais, a saber:

Desenvolver uma infraestrutura para a integração regional,


reconhecendo e proporcionando continuidade aos êxitos e progressos
da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-
Americana (IIRSA), incorporando os a seu marco de trabalho;
Incentivar a cooperação regional na planificação e na infraestrutura,
mediante alianças estratégicas entre os Estados Membros da UNASUL;
Promover a compatibilização dos marcos normativos existentes nos
países Membros da UNASUL que regulam o desenvolvimento e a
operação da infraestrutura na região; Identificar e estimular a execução
de projetos prioritários para a integração e avaliar alternativas para seu
financiamento.

Outros seis objetivos específicos são delineados no Estatuto do Conselho.


Resumidamente, tratam do desenvolvimento da conectividade; enfoque na qualidade de vida
das populações; planificação estratégica de projetos; consolidação da Carteira de Projetos para
a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana; e a superação das barreiras geográficas

46
O Cosiplan foi estabelecido em 2009, durante a III Reunião Ordinária de Chefes de Estado e de Governo da
Unasul.
55

e operacionais. Os objetivos são perpassados pelo respeito ao desenvolvimento sustentável e


aos ecossistemas, bem como a previsão do uso intensivo da tecnologia da informação e
comunicação para alçar os objetivos de integração em infraestrutura.

O COSIPLAN inicia seu funcionamento a partir de 2011, quando da seleção de projetos


contidos na Agenda de Projetos Prioritários de Integração (API) e do Plano de Ação Estratégico
2012-2022 (PAE), que “estabeleceu os objetivos e as ações a serem desenvolvidos neste período
pelo Cosiplan, assim como seus desafios” (Padula, p. 327, 2014). Conforme o próprio sítio web
do Conselho:

El PAE 2012-2022 tiene como fundamento el Tratado Constitutivo de la


UNASUR y el Estatuto y el Reglamento del COSIPLAN. De esta manera, el
COSIPLAN pretende implementar metodologías y herramientas con el objetivo
de ejecutar y concluir proyectos; incorporar mecanismos de participación
social; concentrar la atención en el financiamiento de proyectos de alto impacto
socioeconómico en la región; perfeccionar herramientas de seguimiento y
evaluación y avanzar en la compatibilización de los marcos normativos e
institucionales.

De acordo com Padula (2014), a API contém 31 projetos47 cujos delineamentos


geográficos repousam sobre os eixos (EIDs) identificados sob a vigência da IIRSA. A maior
parte dos projetos tratam de modais rodoviários de transporte, com atenção aos corredores
interoceânicos, mas também foram incluídos – mesmo que de maneira incipiente - modais
aéreos, hidroviários e ferroviários, a exemplo dos corredores Santos-Arica e Paranaguá-
Antofagasta, Paita-Tarapoto-Yurimaguas, e projetos no âmbito do eixo Mercosul-Chile. Os
projetos verificados na API foram selecionados a partir do primeiro portfólio de projetos da
Carteira de Projetos do Cosiplan que, atualmente, contém “un total de 562 proyectos con una
inversión estimada de US$ 198.901 millones”, de acordo com o informe de 201748.

A inovação da Agenda de Projetos Prioritários de Integração em relação à Agenda de


Implementação Consensuada (AIC) elaborada nos marcos da IIRSA reside na preferência clara
por “projetos estruturados”, no sentido de consolidação de “redes de conectividade física com
abrangência regional”, visando “potencializar sinergias existentes e solucionar as deficiências

47
Dentro destes 31 projetos, a API conforma 88 projetos individuais “por un valor estimado em US$17.260,7
millones”, dos quais 11 estão concluídos, conforme reporte do Cosiplan (API, 2017). O relatório, aponta, ainda
“catorce conectividades de las treinta y una priorizadas en 2011 que estarán concluidas antes de 2022. Estos
proyectos estructurados incluyen 42 obras o proyectos individuales, que implican una inversión estimada de US$
11.087 millones.”
48
Cartera de Proyetos COSIPLAN de dezembro de 2017.
56

da infraestrutura implantada”, bem como a seleção de projetos multi ou bilaterais49 que


“consigam demonstrar sua sustentabilidade não apenas econômica, mas também social e
ambiental” (Oliveira, p. 146, 2016 apud Cosiplan, 2011).

Já o Plano de Ação Estratégico 2012-2022 (PAE), apresentado em Brasília na II Reunião


de Ministros do COSIPLAN, em 2011, fornece planos e ações concretos de implementação e
financiamento50 dos cinco Objetivos Específicos do COSIPLAN, conforme consta em seu
Estatuto. “No total, o PAE aponta vinte e cinco ações que o COSIPLAN deverá desenvolver
para atender cada um de seus cinco Objetivos Específicos” (Oliveira, p.151, 2016).

O fato de identificar a necessidade de construir uma infraestrutura física em termos de


transportes, comunicações e energia na América do Sul e a regularidade e continuidade deste
esforço primeiro através da IIRSA e, depois, seu aprofundamento e aprimoramento por meio
do COSIPLAN são, em si, fatores positivos e indicativos de um novo tipo de regionalismo e
integração na América do Sul. Não apenas observa-se um esforço a longo prazo de articulação
e formação técnica acumulativa de estudos, pesquisas e soluções para a infraestrutura física
levado adiante pelos Grupos de Trabalho do COSIPLAN, tem existido, ademais, esforço de
consenso político quando da eleição dos projetos prioritários de envergadura regional por parte
dos países sul-americanos. Esta combinação produziu resultados efetivos: dos 335 projetos
previstos no âmbito da IIRSA em meados dos anos 2000, 33 foram finalizados até 2010; a partir
de 2011, após a constituição do COSIPLAN, foram ao todo 76 projetos concluídos até 201551.

Contudo, existem igualmente críticas a respeito do tipo de integração impulsionado pelo


COSIPLAN. A primeira delas reside geralmente no tipo de financiamento pois, o Comitê de
Coordenação Técnica da IIRSA, que posteriormente formou o Foro Técnico do Cosiplan, é
composto pelas mesmas agências financeiras multilaterais (Fonplata, BID e CAF) promotoras
da Alca, estritamente associadas à lógica mercantil. A título de ilustração e de acordo com
Padula (p. 245, 2014), “os Estados Unidos têm peso de 30% no total de votos nas decisões do
BID, provenientes de sua participação no fundo”. Provavelmente em algum grau concatenado

49
A priorização de projetos de caráter transfronteiriço, de maior impacto para a integração, é uma diferença
relevante em comparação aos moldes observados nas Carteiras da IIRSA. Segundo Oliveira (p.149, 2016), 74,1 %
dos projetos compreendidos na API são bilaterais ou multinacionais e os 25.9% restantes possuem algum tipo de
impacto regional.
50
O financiamento delineado no PAE é atribuído, em menor medida, às instituições que conformam o CCT da
IIRSA (Banco Interamericano de Desenvolvimento/BID, Corporação Andina de Fomento/CAF e O Fondo
Financiero para el desarrollo de la Cuenca del Plata/FONPLATA) e em maior medida ao financiamento público
dos próprios Estados-membros da UNASUL.
51
Ver Luigi, p.195, 2017.
57

à primeira crítica, ainda que não caiba neste trabalho uma investigação apropriada desta ligação,
está a preferência sobre os projetos: de transportes, em detrimento das ações em
telecomunicações e energia. Desta prioridade em transporte destaca-se a expressiva quantidade
de projetos no modal rodoviário (em comparação aos modais ferroviários, aéreos e hidroviários)
e, finalmente, o destaque para os corredores bioceânicos de exportação ligando as costas
pacífica e atlântica da América do Sul. A lógica implícita destes corredores acaba por reforçar
a inserção subordinada e dependente de commodities dos países sul-americanos pois (Padula,
p.345, 2014):

Tais corredores podem funcionar para exportar recursos naturais e bens


de baixo valor agregado e importar bens industriais de maior valor
agregado e intensidade tecnológica de outros países e continentes.
Podem também servir para a penetração política de potências externas
à região, buscando acessar, influenciar e controlar territórios e recursos
estratégicos dos países da região, inclusive no seu interior, com
destaque para os recursos da Amazônia e da bacia do Prata.

De fato, os corredores de exportação Pacífico-Atlântico se distanciam do discurso do


COSIPLAN e da própria UNASUL no sentido de não atender objetivos relacionados ao
aumento do valor agregado da produção regional e tampouco ao esforço de alçar
complementaridade entre as economias da América do Sul. Um terceiro elemento discrepante
entre retórica e prática no caso dos corredores é a ausência ou baixa importância atribuída aos
aspectos de sustentabilidade social e ambiental dos projetos. O próprio presidente Evo Morales,
baseado em demandas de movimentos sociais, refletiu sobre os efeitos deletérios de tais projetos
em sua carta “Construyamos una verdadera Comunidad Sudamericana de Naciones para
‘Vivir bien’” de 2006, na qual argumenta que “a integração física deve se traduzir em benefício
efetivo para os povos sul-americanos e não apenas [servir] para impulsionar exportações através
de ‘corredores de miséria’” (Oliveira p.155-156, 2016).

3.2 Conselho Sul-Americano de Economia e Finanças, Nova Arquitetura Financeira


Regional (NAFR) e o Banco do Sul
O Artigo 3º do Tratado Constitutivo da Unasul traz, dentre os objetivos específicos da
nova organização, a seguinte alínea: “La integración financiera mediante la adopción de
mecanismos compatibles con las políticas económicas y fiscales de los Estados Miembros;”
(Unasul, 2011). Conselho temático formado pelos ministros de economia e finanças e
58

presidentes dos bancos centrais dos países membros, o Conselho Sul-Americano de Economia
e Finanças, segundo seu sítio web,“se creó en la IV Reunión Ordinaria del Consejo de Jefas y
Jefes de Estado y de Gobierno, el 26 de noviembre de 2010 en Georgetown, Guyana”. Para
além daquele redigido no Estatuto da UNASUL, o Estatuto do Conselho conta ainda com outros
3 objetivos gerais em destaque - dentre os vinte e um objetivos gerais e específicos tratados ao
longo das alíneas – (Conselho Sul-Americano de Economia e Finanças, 2011):

i) EI desarrollo social y humano con equidad e inclusión para erradicar


la pobreza y superar las desigualdades de la región; ii) La construcción
de un sistema económico con equidad, justicia social y en armonía en
la naturaleza para un desarrollo sustentable; iii) EI crecimiento y el
desarrollo económico que supere las asimetrías mediante mecanismos
concretos y efectivos de complementación económica.

Principal órgão incumbido de estudar, propor e aprimorar soluções autóctones na seara


econômico-financeira, a formalização do Conselho, em realidade, é posterior ao entendimento
dos países sul-americanos sobre a indispensabilidade de uma nova arquitetura financeira
regional52, bem como mecanismos e organismos próprios de financiamento e fomento ao
desenvolvimento. Conforme Gomes, p.168, 2012 apud Carcanholo, 2011, p.259:

A Nova Arquitetura Financeira Regional começa a ser discutida, no


âmbito da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), no momento
em que mais uma crise da economia mundial se apresenta (2007-2008),
como uma forma de diminuir a dependência da região dos fluxos
financeiros internacionais, reduzir os custos, facilitar a obtenção de
divisas para o comércio e financiar de maneira autônoma o
desenvolvimento na região.

A discussão sobre autonomia regional na esfera econômico-financeira é, ainda, anterior


à crise deflagrada em 2008 e remonta aos efeitos corrosivos “que marcam a ordem monetária e
financeira internacional característica da globalização, na forma das crises cambiais (...) e que
afetam particularmente as economias periféricas da região” (Alves e Biancareli, p. 718, 2015),
a exemplo das crises mexicana e argentina do final dos anos 1990 e início dos anos 2000,
tratadas no primeiro capítulo deste trabalho.

A autonomia adviria, neste sentido, da criação de mecanismos de defesa frente às


possíveis crises internacionais, e do financiamento articulado em âmbito multipolar, livre de

52
Carvalho (2012) ressalta que os termos ‘arquitetura’ ou ‘integração’ financeira para designar os instrumentos de
aproximação criados ao longo da primeira década do século XXI são exagerados devido ao baixo
comprometimento efetivo dos governos à questão, preferindo utilizar-se da expressão ‘cooperação financeira’.
59

condicionalidades fiscais e de ajustes estruturais, práticas constantes aos órgãos financiadores


tradicionais, a exemplo do Fundo Monetário Internacional, do Banco Interamericano de
Desenvolvimento e do Banco Mundial. É neste contexto que “surgiram iniciativas novas, como
o Banco do Sul e os sistemas de pagamentos em moedas locais, e cresceu o interesse por
mecanismos e instrumentos já existentes, como o FLAR, a CAF e fundos de cooperação”
(Carvalho, p.77, 2012). De acordo com Pérez (p. 144, 2014), a NAFR é baseada em três
características fundamentais: i) institucionalidade democrática, isto é, rompimento com o
modelo no qual o peso de voto de cada país é relacionado ao volume de aporte que este fornece
à organização; ii) sustentabilidade do financiamento, incluindo mecanismos de avaliação
permanente e ênfase na redução de assimetrias entre os países e; integralidade do projeto, que
deve conter três linhas fundamentais – banco de fomento, fundo de reservas e sistema de
compensação de pagamentos53.

Herdeiro de um processo que remonta às iniciativas de Hugo Chávez com o Sistema


Único de Compensação Regional (SUCRE) no espectro da ALBA, que ganhou ampliação em
escala global seguindo a atuação do então presidente equatoriano Rafael Correa, o Banco do
Sul teve seu tratado constitutivo (ou Ata de Fundação) formalizado em 200754 por Argentina,
Bolívia, Brasil, Equador, Paraguai, Venezuela e Uruguai, embora a assinatura do Convênio
Constitutivo do Banco do Sul55 fosse ocorrer apenas em 2009 (aquisição do status de entidade
financeira), e a ratificação56 deste pelas legislaturas da Venezuela, do Equador, da Bolívia, da
Argentina e do Uruguai apenas ao final de 2011. A principal meta do Banco do Sul é prover
recursos endógenos à região para a implementação de iniciativas de desenvolvimento, mas a
inovação do Banco não se restringe a este elemento. Segundo Pérez, o Banco do Sul deve ser

53
Embora o tema relativo à arquitetura financeira regional exija análise mais aprofundada dos três itens citados,
devido ao escopo deste trabalho nos concentraremos em descrever brevemente e em linhas gerais as atribuições
do Banco do Sul e os obstáculos encontrados durante seu processo de debate e implementação.
54
De acordo com Alves e Biancareli (2015), o processo de construção do Banco do Sul passou por inúmeros
pontos de conflito sobre seu papel, funcionamento e alcance, principalmente entre os vieses brasileiro e
venezuelano. Estes pontos refletiam o pano de fundo dos três diferentes projetos de arquitetura financeira para a
região: estadunidense, calcado na tradição liberal das instituições financeiras internacionais; o venezuelano, cujo
objetivo, de maneira geral, era guiado pela estatização do sistema bancário regional e; o brasileiro, visto como
moderado, que somava o fortalecimento do setor público à manutenção da lógica usual do mercado privado de
capitais.
55
O artigo 2 do Convênio Constitutivo do Banco do Sul (2009) versa sobre seu objeto, a saber: 2.1 El Banco tiene
por objeto financiar el desarrollo económico, social y ambiental de "Países Miembros", en forma equilibrada y
estable haciendo uso del ahorro intra y extra regional; fortalecer la integración; reducir las asimetrías y promover
Ia equitativa distribución de las inversiones entre los Países Miembros. 2.2 El Banco prestará asistencia crediticia
únicamente en los Países Miembros para la ejecución de proyectos en el ámbito territorial de UNASUR.
56
Apenas Argentina, Bolívia, Equador, Uruguai e Venezuela constam atualmente como membros do Banco do
Sul, pois o Convênio Constitutivo não chegou a ser aprovado pelos legisladores do Paraguai ou Brasil. No caso
brasileiro, o instrumento encontrou barreira no plenário da Câmara dos Deputados, não sendo aprovado ou
arquivado. A última tentativa de trâmite do Convênio Constitutivo ocorreu em 2015.
60

compreendido “como o coração da transformação da existente rede de bancos de fomento na


América Latina” (p. 145, 2014). Isto porque, conforme explica o próprio Pérez (p.146, 2014):

Esse banco, em vez de apoiar o processo de construção de infraestrutura


para o nicho na divisão internacional do trabalho primário exportador
mencionado, está chamado a ser a coluna vertebral de um processo
virtuoso que articule, de maneira diferente, a partir dos territórios das
comunidades, as potencialidades de produção e produtividade entre a
economia popular, a economia privada empresarial e a economia do
Estado. Ao mesmo tempo, como operador financeiro dos Conselhos de
Ministros da Unasul, o Banco do Sul torna-se a alavanca de
transformação da submissão do passado à tirania dos interesses
financeiros transnacionais para uma instância de construção de
soberania, permitindo uma negociação das autoridades democráticas
com as diferentes fontes de financiamento sem que estas possam impor
suas prioridades e condicionalidades.

O Banco do Sul foi constituído como uma alternativa de financiamento, fundo de


reserva, e banco de fomento ao desenvolvimento57, com atenção a temas como "soberania
alimentaria, energética, de la salud, de los recursos naturales y del conocimiento (...) proyectos
orientados a la lucha contra la pobreza y la exclusión social (Convénio Constitutivo del Banco
del Sur, 2009). Além disso, e principalmente, um mecanismo de financiamento da integração
regional pensado a partir da UNASUL, com recursos próprios da América do Sul, poderia, se
saído do papel, assegurar um grau substancial de autonomia financeira para a região como um
todo. Esta linha de pensamento foi endossada, inclusive, pelo Nobel de Economia Joseph
Stiglitz, ao afirmar que “one of the advantages of having a Bank of the South is that it would
reflect the perspectives of those in the south, (...) It would boost Latin America's development
and provide a useful alternative to the World Bank and the International Monetary Fund”
(Stiglitz, 2007). O sentido de autonomização58 financeira regional era evidente, conforme
discurso do então presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, quando da cerimônia de
assinatura da Ata de Fundação em 2007:

Hoje compartilhamos da convicção de que o futuro de cada um dos


países da região depende do futuro dos demais. É com esse espírito que
fundamos a União de Nações Sul-Americanas, a Unasul. O Banco do
Sul será fundamental para viabilizar as iniciativas de que necessitamos
para integrar a nossa região e consolidar a Unasul. Com ele, vamos
superar limitações de acesso a financiamentos junto a bancos
multilaterais de fomento e bancos privados. Vamos dar passo

57
Com peso claro à última atribuição citada.
58
Em que pese o debate sobre o papel do Banco do Sul, defendido por Venezuela como substitutivo às instituições
componentes do Sistema Financeiro Internacional e, por outro lado, do Brasil, que considera-o complementar
àquelas.
61

importante para fortalecer a autonomia financeira da América do Sul.


Este será o primeiro banco internacional verdadeiramente controlado
pelos países de nosso continente.

Entretanto, o projeto não alçou campo concreto. Passada mais de uma década desde seus
passos iniciais com Chávez e Correa, o Banco do Sul ainda não iniciou suas operações. Isto se
deve, segundo pesquisadores como Barros, Calixtre e Carvalho devido à heterogeneidade de
composição e estratégias dos países sul-americanos no que tange à arena financeira e à ausência
de vontade política por parte do Brasil59.

Em relação a heterogeneidade na região, leva inevitavelmente a complicações no


sentido de lograr acordo também na seara financeira (haja vista a morosidade do andamento
para a constituição do Banco). Carvalho (p.79-80, 2012)60 ao realizar esquematização da
variedade das estruturas financeiras, e igualmente, do curso de ações dos países latino-
americanos nos âmbitos financeiro e monetário, classifica os Estados gradativamente entre
aqueles que dispõem de estruturas complexas (Brasil, Chile); avançadas, em que pese a
vulnerabilidade a crises (Argentina, México); atrofiadas (Bolívia, Equador e Peru);
insuficientes (Venezuela) e; formal ou informalmente dolarizadas (Equador, Bolívia e Peru). A
respeito das iniciativas cita os diferentes processos brasileiro e venezuelano, bem como a opção
chilena, peruana e colombiana "na formação de uma área de abertura financeira ampla aos
mercados internacionais".

Quanto ao segundo elemento, a vontade política por parte do Executivo e Legislativo


brasileiros é elemento fundamental, por ser o Brasil, inserido na tríade com Venezuela e
Argentina, um dos ‘puxadores’ dos processos de regionalismo, cooperação e integração. A
opção explícita do Poder Executivo brasileiro pelo Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) como principal instrumento financiador regional, somado à
articulação internacional mais intensa junto a mecanismos internacionais, como o Novo Banco
de Desenvolvimento e o Acordo Contingente de Reservas do BRICS, bem como aos
organismos preestabelecidos no âmbito sul-americano, como a Corporação Andina de

59
Embora questões como a baixa do preço das commodities, as limitações impostas pela arquitetura financeira
global e os encadeamentos provenientes da crise de 2008 sejam igualmente relevantes para completar a análise,
optou-se por selecionar questões oriundas da América do Sul.
60
Ver Carvalho, Carlos Eduardo. Arquitetura financeira, integração, cooperação: reflexões sobre os processos em
curso na América Latina (2012).
62

Fomento/CAF acabou por relegar baixíssima prioridade à implementação do Banco do Sul e,


por conseguinte, a autonomização financeira em espectro regional.

3.3 Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS)


O Conselho de Defesa Sul-Americano foi criado em 200861 a partir da expansão da
estratégia brasileira em defesa62 e é a primeira iniciativa nesta arena que reúne todos os doze
países da região sul-americana, em uma proposta para a paz, embora com a ausência de
conteúdo bélico ou demonstrações militares agressivas, e permeada pela busca da construção
de uma identidade regional e autóctone no setor de defesa.

Desta maneira, a criação do CDS reflete “otra manifestación de esta nueva América del
Sur que surge con identidad y fuerza propias es la de haber asumido como propias y sin
tutelajes extrarregionales, la políticas de seguridad y defensa” (Carrión Mena, p.5, 2013).
Calixtre e Barros discorrem sobre o pioneirismo da iniciativa e o elevado grau de autonomia
que esta representa para a região ao afirmar que “países de outras regiões não podem ingressar
no conselho nem mesmo com este status [de associado], tal como prevê o Artigo 17 do Estatuto
do CDS, combinado com o Artigo 19 do Tratado Constitutivo da Unasul” (p.461, 2010). Ainda,
e diferentemente de outras propostas no âmbito da Unasul, as quais possuem sentido claro de
complementaridade e alternância em relação a outras instituições internacionais, o Conselho de
Defesa Sul-Americano possui a característica fundamental de substituição da maneira pela qual
segurança e defesa vinham sendo manejadas no subcontinente: através das relações
hemisféricas herdadas da Guerra Fria, sob a tutela dos Estados Unidos e com a prevalência de
instrumentos como o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), de 1948, a
Junta Interamericana de Defesa (JID)63, e a Organização dos Estados Americanos (OEA). De
acordo com Barros e Calixtre (p.461, 2010):

Ainda durante a campanha presidencial, quando o então candidato


apresentou propostas referentes às Forças Armadas, afirmou que o seu

61
Após dois anos de articulação bilateral, o Conselho de Defesa Sul-Americano foi formalizado e anunciado
durante a Reunião Extraordinária do Conselho de Chefes de Estado e de Governo da UNASUL em dezembro
2008, na Bahia.
62
Maria Regina Soares de Lima (2013) sublinha que o CDS é a contraparte para a América do Sul do conteúdo da
Estratégia Nacional de Defesa e da Política de Defesa brasileiras tendo, inclusive, a END notáveis convergências
de ideias com o próprio Plano de Ação do CDS. Fuccille (2018), por sua vez, ressalta que ambas iniciativas faziam
parte da busca brasileira pelo alargamento da articulação sul-americana em matéria de defesa, parte de substancial
importância da Política Externa Ativa e Altiva.
63
A Junta Interamericana de Defesa (JID) é uma organização militar internacional atuante desde 1942 e
conformada por militares e civis das Américas.
63

governo buscaria substituir o Tratado Interamericano de Assistência


Recíproca (TIAR) por um acordo regional na área de segurança, e que
o Brasil buscaria liderar iniciativas voltadas para a cooperação militar
(WINAND e SAINT-PIERRE, 2004, p. 4). Procurava-se superar o
formato de hub-and-spoke no campo da segurança, conceito assim
definido por Celso Amorim: “É o centro e o aro de uma roda. Ou seja,
(...) só se integra com o outro passando pela grande potência. Em suma,
se tiver de haver uma integração entre o Uruguai e a Guiana, teria de
passar pelos Estados Unidos, entre o Brasil e a Argentina, também teria
de passar pelos Estados Unidos” (AMORIM, 2009, p. 9).

Para além da confluência dos governos progressistas na região que, apesar das
dissonâncias em termos do papel e funcionamento do que viria a ser o novo Conselho –
notadamente Venezuela, propugnando uma aliança militar semelhante à OTAN e Colômbia e
Chile, por outro lado, na defesa de um modelo mais flexível de ‘comunidade estratégica’
fundamentada na construção de laços de confiança mútua, refutando construções de caráter
vinculante –, Battaglino aponta igualmente a militarização da agenda estadunidense na região
e a escalada da tensão andina como fatores de origem do CDS. Segundo o autor, o
“fortalecimento do Comando Sul, no Plano Colômbia, na reativação da IV Frota64 e no envio
de tropas e equipamentos militares a bases colombianas65 (...) e o efeito de transbordamento do
conflito colombiano66” (p. 80, 2009) propulsionaram o governo brasileiro a tomar liderança
também neste âmbito67. Lima (p.184-5, 2013), por sua vez, adiciona aos fatores originários uma
espécie de tentativa brasileira de assegurar suas pretensões pacíficas aos vizinhos,
especialmente Argentina. Sendo um conselho setorial, à maneira dos demais conselhos
pertencentes à UNASUL, o CDS é composto por Ministros e Ministras da Defesa dos países
sul-americanos, ou seus correlatos, para avançar na promoção de um fórum de diálogo e
cooperação. De acordo com seu Estatuto (2008), os objetivos gerais68 envolvem:

64
Inativa desde 1950, as forças navais estadunidenses de patrulha dos mares do Atlântico Sul latino-americano,
foram reativadas em 2008 por decisão unilateral do presidente George W. Bush sob a justificativa de constituir um
ato administrativo para facilitar atuação em operações de paz, de assistência humanitária e de socorro em caso de
desastres naturais.
66
O conflito teve como epicentro a ação das forças oficiais colombianas, que adentraram em território equatoriano
para combate com às FARC, e culminou com o assassinato do líder do grupo, Raúl Reyes. Esse evento de conflito
levou ao acirramento dos ânimos entre Colômbia, Equador e Venezuela, com ruptura de relações diplomáticas e
reforço militar nas fronteiras, como uma reação imediata à violação territorial do governo colombiano. O então
ministro da Defesa colombiano Juan Manuel Santos chegou a ser processado no Equador por conta da ação militar.
67
Para uma análise mais minuciosa das motivações brasileiras para o impulsionamento do CDS ver Fuccille, 2018.
68
Adicionados, segundo o Artigo 5 do Estatuto do CDS, por mais onze objetivos específicos, a saber: (a) Avançar
gradualmente na análise e discussão dos elementos comuns de uma visão conjunta em matéria de defesa; (b)
Promover o intercâmbio de informação e análise sobre a situação regional e internacional, com o propósito de
identificar os fatores de risco e ameaça que possam afetar a paz regional e mundial; (c) Contribuir para a articulação
64

a) Consolidar a América do Sul como uma zona de paz, base para a


estabilidade democrática e o desenvolvimento integral de nossos povos
e como contribuição para a paz mundial; b) Construir uma identidade
sul-americana em matéria de defesa, que leve em conta as
características sub-regionais e nacionais e que contribua para o
fortalecimento da unidade da América Latina e o Caribe; c) Gerar
consensos para fortalecer a cooperação regional em matéria de defesa.

Grosso modo, podem ser delineadas três frentes de esforços principais empreendidos
pelo CDS. Primeiro, propor soluções conjuntas e atuação para a resolução pacífica de conflitos
regionais ou no espectro de crises domésticas evidenciadas nos países integrantes da UNASUL.
O segundo tópico seria construir identidade regional em torno de pensamento e estratégias de
defesa, bem como alargar a transparência na área e promover trocas de informação. Por fim,
incentivar a indústria de armamentos e criar um complexo industrial regional, no qual as cadeias
produtivas fossem orientadas por uma lógica sul-americana, com o objetivo de “ampliar a
autonomia da região com relação às fontes externas de abastecimento de armamento e
tecnologia” (Battaglino, p.81, 2009)

O Conselho de Defesa Sul-americano demonstrou, logo de início, resultados concretos


em termos de solução pacífica e conjunta de conflitos e crises. Imediatamente após seu
surgimento, corroborou de maneira determinante para a solução da crise separatista boliviana
na qual, como reação à Lei de Hidrocarbonetos aprovada no país, ricos departamentos
produtores de gás e petróleo da região da Meia Lua (Santa Cruz, Pando, Tarija, Beni e
Chuquisaca) rebelaram-se contra a capital, inclusive com a criação do Movimento Libertação
da Nação Camba, gerando conflitos e episódios de violência que culminaram em dezenas de
mortos, a exemplo do chamado Massacre de Porvenir, em Pando. No mesmo ano, a UNASUL
convocou reunião extraordinária em Santiago do Chile, na qual compareceram os chefes de
Estado de Argentina, Chile, Equador, Paraguai, Uruguai e Venezuela e que teve como resultante

de posições conjuntas da região em foros multilaterais sobre defesa, no marco do artigo 14 do Tratado Constitutivo
da Unasul; (d) Avançar na construção de uma visão compartilhada a respeito das tarefas de defesa e promover o
diálogo e a cooperação preferencial com outros países da América Latina e do Caribe; (e) Fortalecer a adoção de
medidas de fomento da confiança e difundir as lições aprendidas; (f) Promover o intercâmbio e a cooperação no
âmbito da indústria de defesa; (g) Fomentar o intercâmbio em matéria de formação e capacitação militar, facilitar
processos de treinamento entre as Forças Armadas e promover a cooperação acadêmica dos centros de estudo de
defesa; (h) Compartilhar experiências e apoiar ações humanitárias como desminagem, prevenção, mitigação e
assistência às vítimas de desastres naturais; (i) Compartilhar experiências em operações de manutenção de paz das
Nações Unidas; (j) Intercambiar experiências sobre os processos de modernização dos Ministérios de Defesa e das
Forças Armadas; (k) Promover a incorporação da perspectiva de gênero no âmbito da defesa. Para maiores
esclarecimentos sobre os princípios, estrutura e funcionamento que norteiam o CDS, cf.
https://www.defesa.gov.br/arquivos/relacoes_internacionais/unasul/normativa_unasul_2017.pdf (acesso em 12
nov. 2018).
65

a emissão da “Declaração de La Moneda, na qual manifestaram apoio ao colega boliviano,


rechaçaram os atos violentos e advertiram que não reconheceriam um governo originado de um
golpe de Estado ou ação separatista” (Nery, p.73, 2016).

No ano seguinte, Colômbia e Estados Unidos assinaram acordo bilateral que previa a
implementação de sete bases militares norte-americanas em território colombiano, como parte
das operações do Plano Colômbia. A aproximação com os EUA se deu em um contexto de
guerra interna na Colômbia, que foi ampliada e igualmente causa de seguidas tensões com
Venezuela e Equador. O impasse alçou o nível preocupante de fechamento de fronteira e
rompimento de laços diplomáticos entre Venezuela e Colômbia. Os integrantes da UNASUL
encararam esta movimentação – e o consequente escalonamento das tensões - como uma
ameaça à soberania e auto determinação dos países sul-americanos, bem como uma ação
perigosamente próxima à ingerência estadunidense na região e uma séria ameaça à estabilidade
do subcontinente. A gravidade é ilustrada pelo fato de que “mesmo países mais moderados,
como o Brasil e o Chile, solicitassem garantias formais de que a inviolabilidade e a integridade
territorial dos países sul-americanos seria respeitada” (Nascimento, p.59, 2013). Após a
assinatura do acordo entre EUA e Colômbia, reuniram-se em Reunião Extraordinária, da qual
resultou a Declaração de Bariloche em agosto do mesmo ano. Segundo Monteiro (p.215, 2014):

A Declaração teve como finalidade dar uma resposta institucional dos


países sul-americanos à presença militar norte-americana na região com
as novas bases em território colombiano. Por um lado, a declaração
reafirmava alguns princípios e compromissos dos países com a paz, a
soberania e a inviolabilidade territorial. De maneira explícita, indicava
que “a presença de forças militares estrangeiras não pode, com seus
meios e recursos vinculados a objetivos próprios, ameaçar a soberania
e a integridade de qualquer nação sul-americana” e que se deveriam
estabelecer “mecanismos concretos de implementação e garantias para
todos os países aplicáveis aos acordos existentes com países da região
e extra-regionais” (UNASUL 2009a: 2). Por outro lado, reafirmava o
compromisso de luta e cooperação contra o terrorismo, a delinquência
transnacional, os tráficos ilegais e a ação de grupos armados à margem
da lei, o que de certa forma contemplava as condições colocadas pela
Colômbia para se manter no âmbito da UNASUL após as críticas
recebidas por conta do acordo com os Estados Unidos.

Apesar de ter havido uma espécie de ‘acomodação’ da UNASUL/CDS em relação à


opção unilateral colombiana com a manutenção das bases militares pertencentes aos Estados
Unidos, a própria reação conjunta, a Declaração de Bariloche e o estabelecimento do
mecanismo de Medidas de Fomento da Confiança e Segurança, em si mesmos, constituíram
66

avanços na cooperação e avanço de consensos políticos na área de defesa. Além disso, o CDS
possuiu, ainda, importante papel de mediação e demonstrou atuação conjunta em outras
ocasiões, a exemplo da tentativa de golpe de Estado ocorrida no Equador, em 2010, que
desembocou na adoção do Protocolo Adicional ao Tratado Constitutivo para tratar de situações
da ruptura na ordem democrática e ameaças ao Estado de Direito; quando da deposição de
Fernando Lugo no Paraguai (2012) que resultou na suspensão do país do bloco até o
reestabelecimento da ordem democrática, seguindo a aplicação da cláusula democrática firmada
no Protocolo Adicional da Unasul sobre o Compromisso Democrático. Outro episódio
compreendeu a crise política instaurada na Venezuela após o falecimento de Chávez em 2013
e a conturbada transição de mandato para Maduro. “Nicolás Maduro aceitou a mediação do
conflito por parte da UNASUL que criou por meio de uma resolução do Conselho de Ministras
e Ministros (...), uma comissão para monitoramento do país venezuelano” (Melo, p. 462, 2015
apud Itamaraty 2014, Nota nº 65).

A consolidação de identidade própria, o cuidado com a transparência das políticas


públicas e a criação de uma unidade regional de pensamento estratégico em defesa, previstos
no próprio Estatuto do CDS, são desafios significativos quando considera-se o histórico
regional e, mesmo, a polissemia que ronda os próprios conceitos adotados na arena de segurança
e defesa. Além disso, as realidades materiais dos países também apresentam desafios
diferentes. Se por um lado, a região andina é marcada por "desafios à segurança protagonizados
particularmente pelas atividades do tráfico de drogas, pela insurgência ou pela atividade armada
de grupos paramilitares (...) [e] tensões interestatais decorrentes de disputas de fronteiras", o
Cone Sul apresenta um contexto mais estável, ainda que enfrente "fenômenos do crime
organizado, como o tráfico de drogas, crimes cibernéticos, tráfico de pessoas e órgãos,
sequestro, lavagem de dinheiro, tráfico de bens e recursos naturais, e ações de grupos armados"
(Fontoura, p.10, 2017)69.

Entretanto, tais desafios ganharam concretude em termos de superação, por meio de


iniciativas como a do Centro de Estudos Estratégicos de Defesa (CEED)70, com sede na cidade

69
Contudo, estas questões encaixam-se melhor no Conselho Sul-Americano em matéria de Segurança Cidadã,
Justiça e Coordenação de Ações contra a Deliquência Organizada Transnacional, criado posteriormente, uma vez
que o foco do CDS reside na integração das Forças Armadas, na articulação de uma base industrial de defesa e
também de uma identidade sul-americana.
70
Segundo o Artigo 2 de seu Estatuto: “CEED-CDS terá como missão contribuir à consolidação dos princípios e
objetivos estabelecidos no Estatuto do CDS, a partir da geração de conhecimento e difusão de um pensamento
estratégico sul-americano em termos de defesa e segurança regional e internacional, sempre por iniciativa do CDS.
67

de Buenos Aires; com a instituição da Escola Sul-Americana de Defesa (ESUDE), com sede
em Quito; além da elaboração majoritariamente regular entre 2009 e 2017 de Planos de Ação.
Nestes últimos, observa-se a preocupação em “avanzar en la identificación de los factores de
riesgo y amenazas que puedan afectar la paz regional y mundial, así como la definición de
enfoques conceptuales” (Ugarte, p.504, 2013) em quatro eixos basilares: Políticas de Defesa,
Cooperação militar e ações humanitárias, Indústria e tecnologia para a defesa, e Formação e
capacitação.

Embora o Conselho de Defesa Sul-Americano tenha concentrado esforços no que diz


respeito ao fomento da transparência em torno de “medidas de confianza mutua en la
elaboración del Registro Suramericano de Gastos de Defensa (RSGD) y del Registro
Suramericano de Inventarios Militares (Resim) a través de su Centro de Estudios Estratégicos”
(Guyer, p.18, 2017), a publicação dos livros brancos de defesa71 por parte de diversos países
sul-americanos tem sido um dos principais indicativos de ações governamentais em termos de
transparência e fomento da confiança mútua entre os países. Embora algumas iniciativas
tenham ocorrido anteriormente à consolidação do CDS, é possível notar uma intensificação dos
lançamentos dos livros brancos ao longo da onda progressista, como exemplificado por Chile
(1997, 2002, 2010), Argentina (1999, 2010, 2015), Bolívia (2004), Brasil (2012, 2017),
Equador (2002, 2006), Peru (2005). Ademais, Paraguai, Suriname, Uruguai e Colômbia
lançaram outros documentos públicos de bases e políticas para defesa de seus Estados.

O terceiro elemento destacado, qual seja, a consolidação de um complexo industrial de


defesa na região, encontra-se nos fundamentos da criação do CDS, desde as primeiras
articulações em 2006. Consta que, em reunião da tríade Argentina, Brasil e Venezuela naquele
ano, foi aventado que “o novo órgão teria por objetivo facilitar a recuperação das indústrias de
defesa sul-americanas e o desenvolvimento de capacidades tecnológicas, por meio do
atendimento das demandas do mercado regional” (Nascimento, p.55, 2013 apud Integração,
2006). Chegou-se a aprovar, durante a IV Reunião Ordinária do CDS (2012) a necessidade de
políticas relativas ao desenvolvimento da Indústria de Defesa Sul-americana, bem como
estudos técnicos para “a produção conjunta regional de um avião de treinamento primário-
básico e de um veículo aéreo não tripulado” (Nascimento, p.64, 2013).

Nesse contexto, o CEED-CDS terá o propósito de avançar na definição e identificação dos interesses regionais,
concebidos como o conjunto dos fatores comuns, compatíveis e/ou complementares do interesse nacional dos
países da UNASUL.” (Normativa Unasul CDS- CEED - ESUDE, 2017)
71
Barros e Calixtre definem livro branco de defesa como documentos nos quais são “são expostos os objetivos e
as dimensões das forças armadas nacionais, com a intenção de ampliar a transparência” (p.460, 2011).
68

Conjugando-se com a rearticulação da Base Industrial de Defesa (BID), ampliada para


nível regional, o avivamento da indústria de defesa no âmbito sul-americano se daria a partir de
uma dupla base: “a criação de um mercado consumidor para exportações sul-americanas e a
cooperação em matéria de pesquisa e desenvolvimento (P&D) militar” (Abdul-Hak, p. 223,
2013). No entanto, tal integração não promoveu, ainda, seu estabelecimento em pilares sólidos.
Isto, entre outros, devido à baixa intensidade tecnológica da produção sul-americana, a
desarticulação das atividades das construtoras brasileiras que alavancavam a produção nesta
arena, enredadas na Operação Lava Jato, bem como as limitações imbricadas na fusão Embraer-
Boeing no que diz respeito ao desenvolvimento da indústria militar aérea.

Em suma, se do ponto de vista de mediação de crises domésticas e interestatais e,


também, do impulso para a criação de uma identidade e pensamento estratégicos no âmbito da
defesa, o Conselho de Defesa Sul-Americano apresentou, ao longo da última década, resultados
profícuos, por outro lado a construção de uma institucionalidade sólida, que permaneça ativa
independentemente dos governos de ocasião, resulta de processos e esforços de longo prazo.

Os conselhos temáticos da UNASUL constituem o traço principal de pioneirismo e


autonomização da organização. Isto devido a três motivos: i) operam baseados na criação de
consensos e diálogo político; ii) aprofundam a integração através da cooperação setorial; iii)
constroem e reforçam a identidade regional sul-americana. Neste sentido, possuem coerência
para com os objetivos iniciais da UNASUL, formalizadas em seu Tratado Constitutivo, que
buscavam erigir de maneira consensuada um espaço de integração e união, em diversas esferas,
entre os povos sul-americanos. Embora um grande passo tenha sido dado ao cumprir estes três
propósitos citados acima, uma visão levemente minuciosa no que diz respeito à atuação dos
conselhos examinados neste trabalho apontam para muitos desafios adiante. Para o
COSIPLAN, “el desarrollo de una infraestructura para la interconexión de la región y entre
nuestros pueblos de acuerdo a criterios de desarrollo social y económico sustentables”
(Estatuto Unasul, 2008). Isto é, uma interconexão da região, entre os povos em detrimento de
uma interconexão que atravesse a região e os povos, como constatado nos projetos elencados
como prioridade na API e no PAE. No que diz respeito ao Banco do Sul, seria, se saído do
papel, o cumpridor da “integración financiera mediante la adopción de mecanismos
compatibles con las políticas económicas y fiscales de los Estados Miembros” (Estatuto da
Unasul, 2008). E, por fim, o Conselho de Defesa que, se por um lado obteve importantes
sucessos nos quesitos de mediação, concertação e intercâmbio de informações, ainda deve
trabalhar para a autonomização da região no que concerne aos recursos materiais e tecnológicos.
69

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através do histórico das relações internacionais regionais é possível observar uma gama
abundante de iniciativas voltadas à consolidação das relações intra-regionais, de efetividade
variável de acordo com suas propostas, situações domésticas e, também, levando em
consideração o grau de permissibilidade do contexto internacional. A esmagadora maioria,
porém, concentrou esforços nas relações comerciais como ponto de partida para o estreitamento
de vínculos entre os países sul-americanos.

Ao longo do processo, não apenas as visões de mundo como também as estratégias de


como alcançar o desenvolvimento econômico e social foram se alterando, configurando ênfases
variadas e em escalas diferentes à noção de autonomia nacional e regional. Desta maneira, se
no processo das independências o foco estabelecido de autonomia era em relação às ex-
metrópoles, ao passo que privilegiava livre-comércio com a potência da época, a Inglaterra, no
início do século XX, a relação preferencial dos países latino-americanos deu-se com os Estados
Unidos, fazendo praticamente desaparecer as referências autônomas sob o manto do pan-
americanismo. No entanto, o ideário latino-americanista, que incluía a noção de autonomia
através do fortalecimento de laços entre as nações latino-americanas permanece nas obras de
diversos intelectuais, políticos e movimentos sociais, frequentemente retomada ao longo do
tempo.

É possível encontrar traços do ideário latino-americanista, por exemplo, no pensamento


cepalino, que floresce em meados dos anos 1950, fundamental para o surgimento de uma nova
visão de mundo desde a América Latina. Os pensamentos inclusos no arcabouço da CEPAL
contribuíram para a criação de uma identidade regional latino-americana, de dependência
estrutural, mas também apontaram caminhos para a superação. Novamente, percebe-se que a
integração seria fundamental, desde esta perspectiva, para que os países latino-americanos
elevassem suas condições em termos de desenvolvimento e autonomia. E, de fato, foi a partir
desta perspectiva que surgiram organizações de natureza autônoma em relação ao centro do
capitalismo que traduziam, em certa escala, o pensamento cepalino. São exemplos, a
Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC, 1960), o Mercado Comum Centro-
Americano (MCCA, 1960) e o Pacto Andino (1969). Apesar de conquistas pontuais e do claro
sentido para a constituição autóctone de um espaço político-econômico integrado nas regiões
abrangidas por tais propostas, a maioria não logrou os objetivos postos de integração,
autonomia e desenvolvimento. Isso devido às limitações apresentadas no cenário internacional
70

somadas às das próprias construções dos blocos que, via de regra, não ultrapassaram a natureza
economicista e comercial.

Nas décadas de oitenta e noventa, o entendimento centro-periferia e de desenvolvimento


autônomo é deixado de lado com a ofensiva do arcabouço ideológico e institucional neoliberal
e do regionalismo aberto recomendados pelo Consenso de Washington e defendido pela própria
CEPAL, que primava pela competitividade internacional das iniciativas privadas nacionais e
locais. Foi neste cenário que surgiram instituições para integração regional alinhadas com os
novos tempos, a exemplo da ALADI, do MERCOSUL e da CAN. Em que pese algumas
iniciativas no âmbito do Mercosul para fazer frente à Iniciativa para as Américas proposta pelos
EUA, esta situação configurou o retorno a uma inserção regional subordinada e passiva face ao
centro do capitalismo, com o abandono majoritário do viés autonomista dos anos anteriores.
Assim, a América Latina enfrentou duas décadas perdidas de estagnação econômica, crises da
dívida e crises financeiras, chegando aos anos 2000 em um contexto de esgotamento do modelo
neoliberal e piora dos quadros internos em termos de desenvolvimento econômico e social.

Ainda que iniciativas de autonomia incipiente puderam ser observadas por meio da Área
de Livre Comércio Sul-Americana (ALCSA) e algumas proposições no âmbito do Mercosul, o
grande salto qualitativo ocorreu no segundo governo Fernando Henrique Cardoso, quando a
América do Sul passou a figurar como espaço prioritário para a ação externa brasileira e foi
realizada a I Cúpula dos Chefes de Estado da América do Sul, em agosto de 2000. É o momento
de tomada de consciência sul-americana, quando as graves questões políticas, sociais e
econômicas do subcontinente seriam abordadas por meio do conjunto dos países sul-americanos
em uma agenda própria e comum, evidenciando um acirramento do regionalismo e da
integração regional.

Entretanto, a ideia da relevância da construção de uma identidade sul-americana


associada à criação de mecanismos que promovessem mais desenvolvimento e autonomia para
os países da América do Sul e, que estes objetivos seriam logrados apenas através do
estreitamento de laços para além do aspecto comercial, foi solidamente estabelecida apenas
após a ascensão ao poder dos governos de esquerda na região, isto é, com a onda progressista.
Estes governos que chegaram ao poder em eleições livres e por meio da vontade popular,
possuíam como cerne das suas propostas a justiça social que, por sua vez, seria alcançada
utilizando-se medidas reformistas/reestruturantes e de forte agência estatal para conduzir o
desenvolvimento econômico e social dos países. Esta convergência de governos progressistas
na América do Sul no início dos anos 2000 desembocou, igualmente, na elaboração de um tipo
71

pioneiro de regionalismo e integração regional, no qual percebia-se a necessidade de articular


outras formas cooperativas e integracionistas para lograr desenvolvimento e justiça social nos
seus respectivos países, bem como aumentar a margem de manobra destes frente aos centros
hegemônicos.

Desta maneira surgiram, no espectro do marco pós-liberal, pós-hegemônico ou


autonomista, reformulações de instituições harmonizadas com o período, a exemplo do
redirecionamento do MERCOSUL após o Consenso de Buenos Aires e, também, novas
propostas de cooperação, integração e regionalismos, a exemplo da criação da Aliança
Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA) por iniciativa venezuelana, e da
Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC). O ponto de encontro entre
essas instituições traduz-se na supressão dos Estados Unidos e Canadá, a
multidimensionalidade da cooperação e a busca de um ‘mínimo denominador comum’ não
pautado pela homogeneização dos regimes comerciais. Além disso, estas iniciativas regionais
guardam relações próximas às tradições de Puig e Jaguaribe, especialmente quando são
consideradas características como a busca por integração solidária e alianças estratégicas;
pilares estruturantes voltados para os valores histórico-culturais compartilhados na região;
cooperação em políticas de vieses setoriais específicos, para além do âmbito econômico; e
respeito às assimetrias entre os países. E por último, mas não menos importante, especialmente
nestas tradições, o regionalismo é visto como instrumental para fortalecer o poder de
negociação dos Estados frente ao cenário internacional, ampliando assim as respectivas
margens de manobra (e, por conseguinte, graus de autonomia).

Neste cenário, a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) é a instituição mais


representativa da busca por autonomia e desenvolvimento dos países da América do Sul,
constituindo um conjunto de iniciativas inédito para alcançar tais objetivos. A UNASUL,
herdeira do processo iniciado com a Cúpula de Brasília, em 2000, foi formalizada como
instituição em 2008, mas seu tratado constitutivo entrou em vigência apenas em 2011. A
organização nasceu com o nome de Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA) em 2004,
já contando com uma saliente retomada da tradição latino-americanista, conforme suas
declarações constitutivas iniciais.

A própria formação da UNASUL e, mesmo apenas considerando o aspecto discursivo


da organização, já configura um processo pioneiro. Isto porque: baseia-se na identidade e
valores comuns aos países sul-americanos; faz parte da organização a totalidade dos países sul-
americanos; ao privilegiar o diálogo e o consenso político, subverte as etapas clássicas de
72

integração; sua estrutura, composta também por conselhos temáticos, amplia os temas de
cooperação e integração para outros espectros que não o comercial; e promove maior
envolvimento de atores políticos domésticos.

Neste sentido, apenas ao identificar uma agenda própria e comum, mobilizar todos os
países da América do Sul no sentido de buscar soluções, impulsionar um modelo de
regionalismo e integração diverso daquele importado da Europa e, por fim, constituir um polo
de poder geopolítico na região, poderíamos considerar que houve, de fato, ganho de autonomia.
Por outro lado, deve-se considerar que a elevação ocorreu prioritariamente no espectro da
expansão das margens de manobra nacionais frente aos centros globais de poder pois, para
estabelecer uma elevação da autonomia regional deveria haver, primeiro, um conjunto definido
de interesse regional onde existem apenas pontos de consenso. Estes pontos de convergência
são construídos pacientemente, em respeito à prerrogativa principal da organização (e também
a que possibilita uma participação ampliada de países), que consiste no respeito às pluralidades
ideológicas, políticas e democráticas.

De maneira mais concreta, e analisando o aumento de autonomia para dentro,


principalmente no que toca à busca endógena de soluções para questões sociais, econômicas e
políticas em comum, podemos destacar as atuações do COSIPLAN, Banco do Sul e Conselho
de Defesa Sul-Americano, em que pesem seus avanços, recuos e percalços, naturais em todo e
qualquer processo de cooperação. Em quais sentidos tais organizações, que conformam parte
do arcabouço institucional da UNASUL, conferiram ganho palpável de autonomia para a
região, historicamente marcada pela dependência externa?

Sobre o COSIPLAN, que inicia seu funcionamento em 2011, embora configure


continuação dos desenvolvimentos da IIRSA, o aspecto retórico ressalta uma visão autóctone
da integração em infraestrutura física, ao contrário das realizações práticas do Conselho.
Identificar a necessidade de construir conexões físicas em termos de transportes, comunicações
e energia na América do Sul, dado seu histórico de desenvolvimento disperso dos centros
dinâmicos e voltados ao atendimento ao exterior dos países, são em si fatores positivos e
indicativos de uma visão autônoma de desenvolvimento. Igualmente configura fator positivo o
empreendimento em esforços a longo prazo de articulação e formação técnica acumulativa de
estudos, pesquisas e soluções para a infraestrutura física. Contudo, a preferência por corredores
bioceânicos de exportação ligando as costas pacífica e atlântica da América do Sul acabam por
reforçar a inserção subordinada e dependente dos países sul-americanos no sistema
internacional. Isto porque, na criação de tais corredores, perde-se a chance de buscar um
73

desenvolvimento voltado para dentro da região, agregando valor às produções sul-americanas


e complementando as economias. Em realidade, ocorreu, nos projetos do IIRSA/COSIPLAN,
uma repetição atualizada dos moldes econômicos que fundamentam a dependência e
vulnerabilidade externas da América do Sul.

Com relação ao Banco do Sul, novamente a retórica é composta por elementos


autóctones, embora a prática não tenha logrado realizações neste sentido. Inserido no arcabouço
institucional do Conselho de Economia e Finanças que, por sua vez, adota as linhas atribuídas
à necessidade de constituição de uma Nova Arquitetura Financeira Regional, o Banco do Sul
foi idealizado para conferir autonomia financeira à região através da realização de suas funções:
alternativa de financiamento, fundo de reserva, e banco de fomento ao desenvolvimento.
Entretanto, passada mais de uma década da assinatura de sua Ata de Fundação, o Banco ainda
não saiu do papel devido, principalmente, às limitações estruturais das variadas composições
financeiras existentes na América do Sul e, igualmente, à ausência de vontade política
brasileira, que optou pela preferência ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES) como principal instrumento financiador regional. Isto faz com que, na prática,
os países sul-americanos continuem obrigatoriamente a recorrer às tradicionais instituições
internacionais de financiamento (ou a instituições regionais primordialmente ligadas aos países
integrantes dos centros de poder), com todas as variáveis e restrições impostas, que incorrem
na continuidade da situação de fragilidade frente às crises financeiras internacionais e, também,
configuram obstáculo ao desenvolvimento regional.

Dos três casos apresentados, certamente o Conselho de Defesa Sul-Americano foi o que
mais produziu resultados concretos relevantes para o ganho de autonomia na região. A
tangibilidade desta autonomia é patente, primeiro, pela própria formação do Conselho que
restringe a participação, mesmo para o status de associado, aos países sul-americanos. Isto
significa o rompimento, em discurso e prática, da ingerência em termos de defesa característica
das articulações hemisféricas herdadas da Guerra Fria e sob a tutela dos Estados Unidos. Desta
maneira, procurou-se consolidar um espaço autóctone nesta seara em três eixos principais:
mediação de crises domésticas e regionais; construção de pensamento e estratégias próprios e
condizentes com a formação de uma identidade sul-americana nesta arena e; impulso ao
desenvolvimento de um complexo industrial de defesa que aproximasse cadeias produtivas,
valorizasse os processos econômicos regionais e diminuísse a dependência de importação de
artigos provenientes dos ambientes externos à região. Embora o terceiro objetivo tenha
esbarrado em limitações estruturais e conjunturais, o primeiro e o segundo contam com logros
74

substanciais. Diversos contenciosos foram, de fato, mediados pacificamente pelos países


integrantes do Conselho, a exemplo da crise separatista boliviana em 2008, a Declaração de
Bariloche, resultado de conversações em torno dos conflitos andinos envolvendo Colômbia,
Equador e Bolívia somados à ingerência estadunidense da região, a tentativa de golpe de Estado
ocorrida no Equador em 2010, a deposição de Fernando Lugo no Paraguai no ano de 2012 e a
crise venezuelana decorrente do falecimento de Chávez e a transição conturbada de poder para
Maduro. No que diz respeito à identidade e pensamento estratégico próprios, iniciativas como
a do Centro de Estudos Estratégicos de Defesa (CEED), a instituição da Escola Sul-Americana
de Defesa (ESUDE), e a elaboração majoritariamente regular dos Planos de Ação do CDS
cumpriram satisfatoriamente os anseios por autonomia nesta arena.

Contudo, a fragilidade e limitações conjunturais dos processos envolvidos na busca por


autonomia e desenvolvimento regional tornaram-se claros a partir dos retrocessos impostos pela
onda conservadora que tem atingido a região recentemente. Muitas das iniciativas e a própria
existência da UNASUL encontram-se em risco de virtual desaparecimento sob a mudança de
perspectiva dos governos eleitos, que privilegiam relações Norte-Sul, majoritariamente de
alinhamento automático, e reduzem as perspectivas de regionalismo, no mais positivo dos
casos, a meras trocas bilaterais de comércio.
75

REFERÊNCIAS

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