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SABADELL, Ana Lúcia – Manual de Sociologia Jurídica

Lição 2: Abordagem sociológica do sistema jurídico – 47 ao 69.

Por Yolanda Campbell

Sabadell inicia o capítulo discorrendo sobre Durkheim e Weber, dois dos maiores nomes da Sociologia,
que voltavam seus olhos para os fenômenos jurídicos já no século XIX. Contudo, a despeito da
inegável contribuição destes dois estudiosos, é preciso ressalvar que suas análises sobre o direito foram
feitas dentro de pesquisas acerca de um amplo conjunto de fatos sociais, como religião, economia,
Estado, etc. Ou seja: não houve um estudo especializado por parte destes autores sobre o mundo do
Direito em si. Dessa forma, a gênese da Sociologia Jurídica, enquanto ramo do conhecimento dotado de
autonomia, deu-se no século XX, com Nardi-Greco. Esse autor italiano, estudioso da área da
Sociologia e do Direito, publica um livro com título igual ao nome da recém-formada ciência,
discutindo a influência econômica nos sistemas jurídicos, influenciado por visões marxistas.

Outra contribuição importante para a emergente área foi a de Ehrlich, na Alemanha, que sustentava a
existência de vários ordenamentos jurídicos em uma só sociedade, caracterizando assim um pluralismo
do fenômeno em questão. É fundamental ter em mente que o objeto da Sociologia do Direito é o
Direito enquanto fato social, ou seja, como realidade observável na sociedade (ubi societas ibi jus).
Além disso, considera-se que as normas jurídicas surgem como resultado de um processo, de um jogo
de forças, entre as partes do todo social, de forma que é papel da ciência em discussão investigar sobre
a vida do Direito, isto é, seu surgimento, vigência e fim (ou transformação).

É nesse contexto em que se desenvolvem duas abordagens: a externa, da Sociologia do Direito, e a


interna, da Sociologia no Direito. A primeira defende uma autonomia da área do Direito frente a da
Sociologia, de modo que o papel desta seria apenas analisar aquela, nada mais que isso. É justamente
tal não intervenção o ponto de discordância, posto que a segunda defende nitidamente um papel mais
ativo para a Sociologia Jurídica dentro do conjunto das ciências jurídicas. O exemplo bastante didático
dado por Sabadell é o do médico-legista e do cirurgião. Enquanto o primeiro se assemelharia à
perspectiva da Sociologia do Direito, por apenas identificar o problema (ou causa), mas não resolvê-lo
(já que é desnecessário), o segundo tem por dever identificar a causa e sanar o problema, interferindo
diretamente em seu objeto, o que se aproximaria da perspectiva da Sociologia no Direito.

Após essa breve análise das duas abordagens preponderantes, Sabadell aprofunda o estudo sobre cada
uma delas, iniciando pela externa, positivista, a Sociologia do Direito. É defendida fortemente aqui a
autonomia do método jurídico e da área do direito, que não deve ser influenciada pelas demais ciências
sociais nem por seus respectivos métodos. As raízes dessa concepção podem ser encontradas na obra de
Weber, que buscava uma “neutralidade axiológica do pesquisador” na sociologia. Há influência
também do purismo de Kelsen, que afirmava que a ciência jurídica não deveria se misturar ou receber
“distorções” de campos sociológicos ou filosóficos. Dessa maneira, a Sociologia até poderia estudar o
fenômeno jurídico, mas não interferir ou participar dele. “O direito é norma”, todo resto seria impureza.
A tarefa do estudioso da Sociologia do Direito seria, portanto, a de ser ou buscar ser um observador
neutro, imparcial, do sistema jurídico.

Essa abordagem positivista do Direito costuma excluir não só a Sociologia, mas também as demais
ciências sociais e humanas, como a história do direito, criminologia, etc. Além disso, é defendida por
essa postura uma neutralidade axiológica por parte do aplicador do direito, que deve ser imparcial em
seu ofício, o que, em última instância, constituiria uma garantia aos cidadãos. O defensor dessa
concepção acredita que é perigoso confundir o trabalho do Juiz com o do Legislador. Assim, a carga de
subjetividade durante a aplicação do direito, a qual os evolucionistas dizem ser benéfica, traz, na
verdade, incertezas e arbitrariedades. Não se deve, pois, confundir a criação e a aplicação da norma,
nem deixar as convicções políticas do Juiz influenciarem na decisão. Então, por mais interessantes que
as análises sociológicas possam ser para o direito, não devemos dar espaço para a ação da sociologia no
campo jurídico.

Posterior ao estudo da perspectiva externa, da sociologia do direito, é iniciada a elucubração acerca do


posicionamento oposto ao primeiro, da “Sociologia no Direito”, uma visão interna, evolucionista. Aqui,
é essa perspectiva a responsável por questionar a autonomia do Direito e do método dele, bradando por
uma maior intervenção da Sociologia na elaboração, estudo e aplicação do Direito, que, enquanto
ciência social, não está tão apartado das demais e dos métodos próprios da área. Duvida do
normativismo keseniano e da suposta neutralidade do jurista. Defende abertamente um Jurista-
Sociólogo, que poderia influenciar no processo de elaboração da norma ou na doutrina. Não obstante,
pode ser necessário recorrer a estudos ou auxílio especializado de sociólogos para esclarecimento de
fatos sociais ou da opinião do coletivo, como vem se mostrado frequente nas audiências públicas
realizadas nas cortes e tribunais do nosso país.

Todavia, a principal polêmica entre as duas abordagens está na pretensão existente na interna de o
sociólogo participar, por meio das contribuições da sociologia, da aplicação da lex, algo inconcebível e
inaceitável para os defensores da externa. O que a perspectiva interna defende é que o Juiz deve
interpretar e aplicar o Direito, levando em conta análises sociológicas. O argumento é o de que não
existe aplicação desprovida de interpretação no campo jurídico, não há “pureza” na transferência da
letra do código para a decisão judicial, pois sempre se coloca certa carga de subjetividade nesta ação.
Assim, por que não usar dos conhecimentos da Sociologia a fim de uma aplicação mais justa da lei?

Uma possível conciliação entre os dois entendimentos sobre a relação entre a sociologia e o direito
parece não existir. Eles são incompatíveis entre si, ambos apresentam argumentos plausíveis, de peso,
impedindo assim uma escolha tranquila por parte do jurista, sobretudo face aos complexos casos que
chegam a sua mesa. Dessa forma, ninguém é adepto absoluto dessa ou daquela abordagem. Numa
tentativa de abrandar ou fazer dialogar os opostos, há quem defenda uma visão “externa moderada” ou
que as duas abordagens coexistem, sendo dever do jurista utilizar as duas concomitantemente.

Há ainda quem defenda abordagens realmente diferentes das duas polarizadas até aqui, afirmando a
necessidade de discutir sob qual ótica deseja-se trabalhar, se como jurista ou sociólogo, alegando que
essa simples escolha esclareceria muito o empasse. Assim, a Sociologia do direito seria incumbência do
sociólogo, que externamente investiga o fenômeno jurídico, ao passo que a Sociologia do direito
caberia ao jurista, que internamente buscaria sua melhora. Não existe restrição ao desenvolvimento
paralelo de cada abordagem, muito embora seja certo que elas chegarão à conclusões diferentes.
Outrossim, é certo afirmar que, terminologicamente, muitos autores usam “Sociologia jurídica” e
“Sociologia do Direito” como sinônimos. A mensagem final de Sabadell, em relação ao embate até aqui
discutido, é a seguinte: “sensibilizar e influenciar o processo de elaboração das leis e participar
ativamente do debate dogmático é um dever da sociologia jurídica, pelo menos enquanto existir
direito”.

Por último, este segundo capítulo do livro de Sabadell nos dá um esclarecimento sobre a “definição da
sociologia jurídica”: “A sociologia jurídica examina a influência dos fatores sociais sobre o direito e as
incidências deste último na sociedade, ou seja, os elementos de interdependência entre o social e o
jurídico, realizando uma leitura externa do sistema jurídico.” Isto quer dizer que a função da
sociologia do direito é investigar os pontos em comum entre a sociologia e o direito, buscando ainda
um estudo sobre as influências bilaterais existentes entre a sociedade e seu sistema normativo jurídico,
mas também as causas e efeitos sociais da norma jurídica. A análise do jurista sociólogo pretende, em
última instância, investigar a norma em três momentos-chave: sua gênese, aplicação e extinção.

É justamente como necessidade dessa investigação que surge o elemento da “leitura externa” feita do
direito pelo pesquisador. Frisamos aqui que “externa” não significa neutralidade, como visto antes, mas
sim desvinculação teórica, desligamento de correntes ou dogmáticas jurídicas, ainda que sofra atração
por outros campos, como o político, econômico, etc. Contudo, não se prenuncia a descoberta do sujeito
desligado de dogmática (mas ligado ao direito e inserido numa sociedade) como sendo a “verdade
última e incontestável”, reconhece-se apenas que o desligamento é necessário para uma análise
“sociológica” do objeto em questão, com ferramentas próprias da sociologia. Portanto, a visão externa
realizada pelo sociólogo não é melhor ou pior que a interna, feita por um jurista. Admite-se apenas que
são diferentes, lançando mão de métodos distintos e chegando a conclusões igualmente distintas.

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