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1º CAFÉ TEOLÓGICO VAYCRA

TEMA:

LEI, GRAÇA OU OS DOIS?

PASTOR MÁRCIO AMORIM

PASTOR VICTOR SANTÓRIO

DEZEMBRO DE 2017
Sumário

LEI MOSAICA.......................................................................................................................3
A Lei e a Graça...............................................................................................................3
Jesus Cristo e a Lei de Moisés...................................................................................5
A Igreja de Jesus deve cumprir a Lei?.....................................................................10
O Concílio de Jerusalém....................................................................................................18
Considerações Finais..........................................................................................................25

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LEI MOSAICA

Cristãos renascidos precisam obedecer à Lei de Moisés ou estão


dispensados de cumpri-la?

Há algum tempo fomos questionados por que escrevemos tão


pouco sobre o cumprimento dos Dez Mandamentos, que seria muito
importante para receber a bênção de Deus. Perguntas assim
confirmam a insegurança que existe entre os crentes em relação à
observância da Lei de Moisés.

Na Igreja de Jesus surgem perguntas como: “Ainda devo


guardar a Lei?” “Os Dez Mandamentos são obrigatórios?” “Devo
guardar o domingo?”, etc. Existem muitas dúvidas em relação à Lei e
nossa posição diante de suas exigências.

C.H. Mackintosh diz acertadamente em seu livro “Estudos Sobre o


Livro de Êxodo” (da Série de Notas Sobre o Pentateuco):

A Lei e a Graça
É da maior importância compreender o verdadeiro caráter e o
objeto da lei moral, como nos é apresentada neste capítulo [Êx 20].
Existe uma tendência do homem para confundir os princípios da lei
com graça, de sorte que nem a lei nem a graça podem ser
perfeitamente compreendidas. A lei é despojada da sua austera e
inflexível majestade, e a graça é privada de todos os seus atrativos
divinos. As santas exigências de Deus ficam sem resposta, e as
profundas e múltiplas necessidades do pecador permanecem
insolúveis pelo sistema anômalo criado por aqueles que tentam
confundir a lei com a graça. Com efeito, nunca podem confundir-se,
visto que são tão distintas quanto o podem ser duas coisas. A lei
mostra-nos o que o homem deveria ser; enquanto que a graça
demonstra o que Deus é. Como poderão, pois, ser unidas num
mesmo sistema? Como poderia o pecador ser salvo por meio de um

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sistema formado em parte pela lei e em parte pela graça?
Impossível: ele tem de ser salvo por uma ou por outra. (página 203)

Em que consiste a Lei de Moisés?

Quando se faz referência à Lei de Moisés nas igrejas, geralmente está


se falando dos Dez Mandamentos. Mas esse é um engano, pois
cumprir a Lei Mosaica é muito mais: ela é composta de todo o código
de leis formado por 613 disposições, ordens e proibições. Em
hebraico a Lei é chamada de Torá, que pode significar lei como
também instrução ou doutrina. O conteúdo da Torá são os cinco
livros de Moisés, mas o termo Torá é aplicado igualmente ao Antigo
Testamento como um todo.

Neste artigo usaremos o termo Torá para designar os cinco livros de


Moisés, especialmente a compilação das leis mosaicas, as 613
disposições, ordens e proibições que mencionamos.

• A Lei pode ser dividida em Dez Mandamentos , que no hebraico são


chamadas simplesmente de As Dez Palavras. Eles regulamentam a
relação do ser humano com Deus e com seu próximo.

• No código mosaico encontramos também o Livro da Aliança das


Ordenanças Civis e Religiosas, que explica e expõe detalhadamente o
significado dos Dez Mandamentos para Israel.

• O código mosaico ainda contém as leis cerimoniais, que regulavam


o ministério no santuário do Tabernáculo e, posteriormente, no
Templo. Elas tratavam também da vida e do serviço dos sacerdotes.

Em conjunto, todas essas disposições, ordens e proibições


formam a Lei Mosaica. No judaísmo ortodoxo, além dessas 613
ordenanças, há ainda as leis do Talmude, a transmissão oral dos
preceitos religiosos e jurídicos compilados por escrito entre os séculos
III-VI d.C. A Torá e o Talmude são o centro da devoção judaica.

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Jesus Cristo e a Lei de Moisés

É interessante observar que Jesus posicionou-se claramente a


favor do código legal mosaico, pois disse: “Não penseis que vim
revogar a Lei ou os profetas; não vim para revogar, vim para
cumprir” (Mt 5.17). Entretanto, Ele rejeitou com veemência as
ordenanças humanas e as obrigações impostas apenas pela tradição
judaica (compiladas, posteriormente, no Talmude),
afirmando: “Negligenciando o mandamento de Deus, guardais a
tradição dos homens. E disse-lhes ainda: Jeitosamente rejeitais o
preceito de Deus para guardardes a vossa própria tradição. Pois
Moisés disse: Honra a teu pai e a tua mãe; e: Quem maldisser a seu
pai ou a sua mãe seja punido de morte. Vós, porém, dizeis: Se um
homem disser a seu pai ou a sua mãe: Aquilo que podereis
aproveitar de mim é Corbã, isto é, oferta para o Senhor, então, o
dispensais de fazer qualquer coisa em favor de seu pai ou de sua
mãe, invalidando a palavra de Deus pela vossa própria tradição, que
vós mesmos transmitistes; e fazeis muitas outras coisas
semelhantes” (Mc 7.8-13).

Jesus defendeu firmemente a Palavra de Deus. Ele considerava


o Pentateuco como realmente escrito por Moisés, inspirado por Deus
e normativo para Sua própria vida e Seu ministério, pois
afirmou: “Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra
passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se
cumpra. Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que
dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo
no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse
será considerado grande no reino dos céus” (Mt 5.18-19).

A quem foi dada a Lei de Moisés?

As passagens bíblicas seguintes documentam que a Lei de


Moisés foi dada ao povo judeu, ou seja, a Israel:

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– “E que grande nação há que tenha estatutos e juízos tão
justos como toda esta lei que hoje vos proponho?” (Dt 4.8).

– “Mostra a sua palavra a Jacó, as suas leis e os seus preceitos,


a Israel. Não fez assim a nenhuma outra nação; todas ignoram os
seus preceitos. Aleluia!” (Sl 147.19-20).

– “São estes os estatutos, juízos e leis que deu o Senhor entre


si e os filhos de Israel, no monte Sinai, pela mão de Moisés” (Lv
26.46).

– “São israelitas. Pertence-lhes a adoção e também a glória, as


alianças, a legislação, o culto e as promessas” (Rm 9.4).

A Lei de Moisés foi entregue a Israel

A Lei fez de Israel algo especial, transformando-o em


parâmetro para todos os outros povos. A Bíblia exprime essa verdade
da seguinte maneira: “Porque tu és povo santo ao Senhor, teu Deus;
o Senhor, teu Deus, te escolheu, para que lhe fosses o seu povo
próprio, de todos os povos que há sobre a terra” (Dt 7.6). Por
conseqüência, o Israel do Antigo Testamento era a única nação cuja
legislação, jurisdição e jurisprudência tinham sua origem na pessoa
do Deus vivo.

Hoje não é essa a situação de Israel, pois o povo continua incrédulo e


não está sob o governo do Messias. No futuro, quando Israel tiver se
convertido a Jesus, a Lei divina será seguida por todo o povo judeu.
O próprio Deus estabelecerá a teocracia como forma de governo,
definirá a legislação e executará justiça em Israel. Sobre a situação
vigente quando o Messias estiver reinando, a Bíblia diz: “Deleitar-se-
á no temor do Senhor; não julgará segundo a vista dos seus olhos,
nem repreenderá segundo o ouvir dos seus ouvidos; mas julgará com
justiça os pobres e decidirá com eqüidade a favor dos mansos da
terra; ferirá a terra com a vara de sua boca e com o sopro dos seus
lábios matará o perverso” (Is 11.3-4).

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A situação futura das nações será como descreve Isaías 2.3: “Irão
muitas nações e dirão: Vinde, e subamos ao monte do Senhor e à
casa do Deus de Jacó, para que nos ensine os seus caminhos, e
andemos pelas suas veredas; porque de Sião sairá a lei, e a palavra
do Senhor, de Jerusalém”. Deus está preparando o cumprimento
dessa profecia. Por isso, não devemos nos admirar quando todo o
poder das trevas se levanta para atrapalhar, pois o que está em jogo
é o domínio divino sobre o mundo, domínio que virá acompanhado de
todas as suas abençoadas conseqüências! Quando o Senhor reinar,
pecado será pecado, injustiça e mentira serão chamadas pelos seus
nomes e acontecerá o que está escrito em Jeremias 25.30-31: “O
Senhor lá do alto rugirá e da sua santa morada fará ouvir a sua voz;
rugirá fortemente contra a sua malhada, com brados contra todos os
moradores da terra, como o eia! dos que pisam as uvas. Chegará o
estrondo até à extremidade da terra, porque o Senhor tem contenda
com as nações, entrará em juízo contra toda a carne; os perversos
entregará à espada, diz o Senhor”. A oração de Jesus também se
cumprirá: “Pai nosso que estás nos céus, santificado seja o teu
nome; venha o teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como
no céu” (Mt 6.9-10).

Até que ponto as nações têm o dever de seguir a Lei Mosaica?

Provérbios 29.18 diz a respeito: “Não havendo profecia, o povo se


corrompe; mas o que guarda a lei, esse é feliz”. Toda nação que
seguir esse conselho se dará bem!

A Lei de Moisés foi entregue ao povo de Israel com a seguinte


finalidade: “Porque o mandamento é lâmpada, e a instrução, luz; e
as repreensões da disciplina são o caminho da vida” (Pv 6.23). Deus
queria que Israel fosse uma clara luz no meio da escuridão espiritual
em que viviam os povos e um contraponto às trevas do pecado. Por
essa razão Balaão, o profeta gentio, foi compelido a proclamar: “...eis
que é povo que habita só e não será reputado entre as nações. Que

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boas são as tuas tendas, ó Jacó! Que boas são as tuas moradas, ó
Israel!” (Nm 23.9; 24.5). Balaão reconheceu que Deus era com
Israel, que Ele velava sobre esse povo, morava no meio dos israelitas
e lhes dava segurança e estabelecia a ordem através da Lei.

Mesmo a meretriz Raabe, que vivia na cidade ímpia de Jericó,


sentiu-se obrigada a declarar aos dois espias judeus: “Bem sei que o
Senhor vos deu esta terra, e que o pavor que infundis caiu sobre nós,
e que todos os moradores da terra estão desmaiados. Porque temos
ouvido que o Senhor secou as águas do mar Vermelho diante de vós,
quando saíeis do Egito; e também o que fizestes aos dois reis dos
amorreus, Seom e Ogue, que estavam além do Jordão, os quais
destruístes” (Js 2.9-11).

Quando a rainha de Sabá (atual Iêmen) visitou o rei Salomão,


exclamou admirada: “Foi verdade a palavra que a teu respeito ouvi
na minha terra e a respeito da tua sabedoria. Eu, contudo, não cria
no que se falava, até que vim e vi com meus próprios olhos. Eis que
não me contaram a metade da tua sabedoria; sobrepujas a fama que
ouvi. Felizes os teus homens, felizes estes teus servos que estão
sempre diante de ti e ouvem a tua sabedoria! Bendito seja o Senhor,
teu Deus, que se agradou de ti para te colocar no seu trono como rei
para o Senhor, teu Deus; porque o teu Deus ama a Israel para o
estabelecer para sempre; por isso, te constituiu rei sobre ele, para
executares juízo e justiça” (2 Cr 9.5-8).

O nome de Deus era conhecido muito além das fronteiras de


Israel. As nações reconheciam que Israel era singular, admiravam
seu maravilhoso Templo e vinham para louvar seu Deus. Assim era
respondida a oração que Salomão fizera por ocasião da inauguração
do Templo: “Também ao estrangeiro, que não for do teu povo de
Israel, porém vier de terras remotas, por amor do teu nome (porque
ouvirão do teu grande nome, e da tua mão poderosa, e do teu braço
estendido), e orar, voltado para esta casa, ouve tu nos céus, e faze

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tudo o que o estrangeiro te pedir, a fim de que todos os povos da
terra conheçam o teu nome, para te temerem como o teu povo de
Israel e para saberem que esta casa, que eu edifiquei, é chamada
pelo teu nome” (1 Rs 8.41-43).

Até que ponto, então, as nações do mundo têm o compromisso


de obedecer à Lei de Moisés? Bem, na verdade ninguém tem a
obrigação de cumprir lei alguma. Nenhuma nação é obrigada a se
orientar pelo código de leis divinas. Mas quando, de livre e
espontânea vontade, ela se sujeita às ordens de Deus, essa é a
melhor escolha, com os melhores resultados práticos. Cada povo que
segue as orientações do Senhor experimenta o que diz o Salmo 19.8-
11: “Os preceitos do Senhor são retos e alegram o coração; o
mandamento do Senhor é puro e ilumina os olhos. O temor do
Senhor é límpido e permanece para sempre; os juízos do Senhor são
verdadeiros e todos igualmente, justos. São mais desejáveis que o
ouro, mais do que muito ouro depurado; e são mais doces do que o
mel e o destilar dos favos. Além disso, por eles se admoesta o teu
servo; em os guardar, há grande recompensa”.

A História nos ensina que os povos que desprezaram as leis


divinas de maneira consciente, que as pisotearam, cedo ou tarde
desapareceram de cena. Basta pensar na ex-República Democrática
Alemã ou na União Soviética, que não existem mais. Mas os povos
que estabelecem sua legislação e fundamentam sua constituição
sobre as leis divinas, mesmo que seja de maneira imperfeita, são
povos abençoados. A Bíblia diz: “Bem-aventurado o povo a quem
assim sucede! Sim, bem-aventurado é o povo cujo Deus é o Senhor!”
(Sl 144.15).

Será que hoje vivemos estressados, emocionalmente doentes e


desorientados porque deixamos de obedecer à Palavra de Deus? Será
que os líderes da economia mundial e os políticos tomam tantas
decisões equivocadas por negligenciarem a Palavra do Senhor? Será

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que hoje as pessoas andam insatisfeitas e infelizes porque desprezam
as ordens divinas? Com toda a certeza, pois o desprezo pelos
decretos divinos sempre acaba conduzindo à ruína – espiritual,
emocional e financeira.

A Igreja de Jesus deve cumprir a Lei?

O Senhor Jesus, cabeça da Igreja (Ef 5.23), validou toda a Lei


Mosaica, inclusive as 613 disposições, ordens e proibições, ao
afirmar: “É mais fácil passar o céu e a terra do que cair um til sequer
da Lei” (Lc 16.17). Ele avançou mais um passo, dizendo: “Não
penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar,
vim para cumprir” (Mt 5.17).Jesus, ao nascer, também foi colocado
sob a Lei: “vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu
Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei” (Gl 4.4). Ele foi criado e
educado segundo os preceitos da Lei, pois cumpria suas exigências.

O Senhor Jesus, porém, não apenas se ateve pessoalmente a


toda a Lei de Moisés. Foi essa mesma Lei que O condenou à morte.
Quando tomou sobre Si todos os nossos pecados, teve de morrer por
eles, pois a Lei assim o exige. Vemos que a Lei foi cumprida e vivida
por Jesus, e através dEle ela alcançou seu objetivo. Por isso está
escrito que “...o fim da Lei é Cristo” (Rm 10.4).

Quando sou confrontado com a Lei Mosaica, ela me apresenta


uma exigência que devo cumprir. Deus diz em Sua Lei : “...eu sou
santo...” e exige de nós: “...vós sereis santos...” (Lv 11.44-
45). Assim, a Lei me coloca diante do problema do pecado, que não
posso resolver sozinho. O apóstolo Paulo escreve: “...eu, todavia, sou
carnal, vendido à escravidão do pecado” (Rm 7.14).

A lei expõe e revela nossa incapacidade de atender às


exigências divinas, pois ela nos confronta com o padrão de Deus. Ela
nos mostra a verdadeira maneira de adorá-lO, estabelece as
diretrizes segundo as quais devemos viver e regulamenta nossas

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relações com nosso próximo. Além disso, a Lei é o fundamento que
um dia norteará a sentença que receberemos quando nossa vida for
julgada por Deus. Pela Lei, reconhecemos quem é Deus e como nós
devemos ser e nos portar. Mas existe uma coisa que a Lei não pode:
ela não consegue nos salvar. Ela nos expõe diante de Deus e mostra
que somos pecadores culpados. Essa é sua função.

Lembremos que Jesus disse: “Não penseis que vim revogar a


Lei ou os profetas; não vim para revogar, vim para cumprir” (Mt
5.17). O Filho de Deus está afirmando que veio a este mundo para
cumprir a Lei com todas as suas 613 disposições, ordenanças e
proibições. Ele realmente cumpriu todas elas, pelo que está
escrito: “...o fim da lei é Cristo” (Rm 10.4). Ele conduziu a Lei ao seu
final; ela está cumprida. Por que Ele o fez? Encontramos a resposta
quando lemos o versículo inteiro: “Porque o fim da lei é Cristo, para
justiça de todo aquele que crê” (Rm 10.4). Jesus cumpriu a Lei para
todos, mas Sua obra é eficaz apenas para todo aquele que
crê. Segundo a Bíblia, que tipo de fé é essa? É a fé que sabe...

...que pessoa alguma é capaz de cumprir a Lei e que ninguém


consegue satisfazer as exigências divinas.

... que para isso o Filho de Deus, Jesus Cristo, veio ao mundo,
cumprindo as exigências da Lei até nos mínimos detalhes.

...que Jesus Cristo tomou sobre Si, em meu lugar, o castigo da


Lei, que é a morte.

Agora, talvez, muitos perguntem: Não estamos removendo a


base que sustenta uma ética comprometida ao dizermos que a Lei
não vale mais para os cristãos renascidos? Será que saberemos como
nos comportar e o que é certo ou errado se dissermos que não é
preciso cumprir a Lei de Moisés?

Jesus estabeleceu uma ética muito superior...

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...à ética da Lei de Moisés. Ela exige: “Não adulterarás” (Êx
20.14). Mas Jesus disse: “qualquer que olhar para uma mulher com
intenção impura, no coração, já adulterou com ela” (Mt 5.28). A lei
de Moisés impõe: “Não matarás” (Êx 20.13). Mas Jesus ensina: “Eu,
porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos
perseguem” (Mt 5.44).

A ética estabelecida por Jesus Cristo supera tudo que já houve


em matéria de lei moral e toda e qualquer possibilidade dentro da
ética humana. Jesus exige que cumpramos normas diametralmente
opostas ao nosso comportamento natural. Essa ética estabelecida por
Jesus só pode ser seguida por pessoas que nasceram de novo, que
entregaram todo o seu ser ao Senhor: “Porei no seu coração as
minhas leis e sobre a sua mente as inscreverei” (Hb 10.16). A Bíblia
diz, ainda, acerca dos renascidos: Deus “...nos habilitou para sermos
ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do espírito; porque
a letra mata, mas o espírito vivifica” (2 Co 3.6).

Curiosamente, Paulo escreveu essas palavras justamente à


igreja que tinha mais problemas com ira, ciúme, imoralidade,
libertinagem e impureza espiritual entre seus membros. Mas, ao
admoestá-los, ele estava dizendo aos crentes de Corinto – e, por
extensão, a todos nós – que é possível ter uma ética superior e viver
segundo os elevados preceitos de Jesus quando nascemos de novo.
Com isso os cristãos não estão rejeitando a ética da Lei de Moisés
mas estabelecem uma ética muito superior, a ética do Espírito Santo,
do qual a Bíblia diz: “Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz,
longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio
próprio. Contra estas coisas não há lei” (Gl 5.22-23).

Como, porém, colocamos isso em prática? Simplesmente vivendo um


relacionamento íntimo e autêntico com Jesus Cristo. O que
pensamos, o que falamos, o que fazemos ou deixamos de fazer deve
ser determinado somente por Jesus: “E tudo o que fizerdes, seja em

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palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por
ele graças a Deus” (Cl 3.17). Na prática, devemos nos comportar
como se tudo o que fizermos levasse a assinatura de Jesus. Somente
quando nos entregarmos completamente ao Senhor Jesus poderemos
produzir fruto espiritual. Quando submetermos nosso ser ao Senhor,
o fruto do Espírito poderá crescer em nós em todos os seus nove
aspectos. Talvez nós mesmos nem o percebamos, mas certamente as
pessoas que nos cercam perceberão que o Espírito está frutificando
em nós. Que seja assim na vida de todos nós!

As opiniões expressas nos artigos assinados são de


responsabilidade dos seus autores.

A Bíblia apresenta diversas leis, com destaque para a lei de


Deus - constituída por Dez Mandamentos estritamente morais e
escritos em duas tábuas de pedra. As demais, foram agrupadas em
um livro e disciplinam diversos assuntos. E esta questão básica não é
compreendida pela maioria dos cristãos, ocasionando inúmeras
contradições e severos erros doutrinários.

Na lei de Deus (Romanos 7:22; Romanos 8:7), conhecida


também como a "lei da Liberdade", "lei Perfeita", "lei Régia" ou "lei
Real" (Tiago 1:25 cf. Salmos 19:7; Tiago 2:8), não existe orientações
sobre alimentação, higiene, procedimentos litúrgicos, processos
jurídicos, penais e etc; nela, encontra-se unicamente princípios
morais e éticos universais reunidos em dez preceitos escritos
diretamente por Deus, e os quais são usados como norma de justiça
em Seu juízo(a).1

Após proclamar Sua lei no monte Sinai, Deus orientou Moisés a


escrever um livro contendo diversas leis civis, levíticas, sanitárias,
tributárias, militares, judiciais, e etc. (Êxodo 24:1-7 cf. Deuteronômio
4:13-14, Deuteronômio 31:24-26). E este livro é identificado como:
livro de Moisés, livro da Aliança, livro da Lei, livro da lei de Moisés e,
lei de Moisés.2 Embora Moisés tenha sido o responsável por escrevê-

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lo, os israelitas tinham plena convicção de que todas as suas
instruções eram provenientes de Deus, e isso os motivaram a chamá-
lo também de: "livro da lei do Senhor" e "livro da lei de
Deus".3 Assim, por este meio literário, a nação israelita obtinha
direcionamento tanto nas questões políticas-administrativas quanto
nas questões religiosas. Nota-se ainda que o seu vasto conteúdo
guiava, direta ou indiretamente, os israelitas aos princípios exigidos
pela lei de Deus (Dez Mandamentos). Deste modo, eles poderiam
aprender, vivenciar e ensinar os propósitos de Deus para a
humanidade.4

Deve-se observar também que, apesar de Moisés ter transcrito


a lei de Deus para o mencionado livro, isso não significa que ela
passou a ser considerada de mesma finalidade, importância e
validade em relação as demais. Ele tão somente transcreveu o
conteúdo desta lei que, após a sua entrega, passou a ser guardada
dentro da arca da aliança;5 e o acesso às duas tábuas de pedra que
formavam a lei de Deus era extremamente restrito devido a
santidade delas e do local onde estavam alojadas. Então, para que a
nação tivesse a sua disposição uma leitura fiel dos Dez Mandamentos,
Deus ordenara que Moisés os transcrevessem para o livro.

Preceitos temporários e perpétuos

A lei de Deus é a base da lei de Moisés. Todos os preceitos


morais da lei mosaica estão fundamentados na lei de Deus; várias
leis civis presentes na lei de Moisés são norteadas também pelos
princípios de justiça que a lei de Deus estabelece. O respeito pelo o
que é santo, e a dedicação nos serviços cerimoniais que eram
exercidos no santuário terrestre, não teriam sentido algum se a lei de
Deus não distinguisse e condenasse o pecado. 6 Excluindo-se os Dez
Mandamentos defendidos por esta lei, automaticamente extingui-se
tudo aquilo que conduz a uma vida de retidão. Estes são alguns dos
motivos pelas quais as duas tábuas de pedra estavam guardadas

14
exclusivamente dentro da arca da aliança e nenhum outro sistema
legislativo encontrava-se ali.

Sobre as orientações contidas na lei de Moisés, várias normas


cerimoniais (especialmente aquelas que simbolizavam a Cristo e Seu
sacrifício) cessaram na cruz do Calvário. 7 Diferentemente, isso não
ocorre com as normas morais e éticas presentes na lei de Moisés que
procedem da lei de Deus, como por exemplo, as registradas
em Êxodo 23:1-9; Levítico capítulo 18 e, Levítico 19:13-18.
Igualmente, permanece as leis sobre saúde (ex.: Levítico capítulo 11)
e alguns princípios jurídicos (observando os procedimentos atuais e
locais).8 No geral, ao analisar a lei de Moisés, deve-se observar quais
orientações são aplicáveis na nova aliança, e destas, quais são de
aplicabilidade universal, pois existem instruções destinadas
exclusivamente ao povo de Israel.

A enorme confusão que assola o cristianismo em relação ao


tema "lei", decorre do desprezo dessas questões básicas e essenciais.
O uso da palavra "lei" na Bíblia é diversificado e complexo, não se
obtém o verdadeiro entendimento, em cada caso, isolando versos de
seus respectivos contextos. A falta de discernimento e de interesse
sobre esses assuntos vem acarretando deturpadas interpretações
bíblicas, e de maneira mais acentuada nos escritos do apóstolo Paulo.

As Escrituras relatam que alguns judeus convertidos ao


cristianismo defendiam que as práticas cerimoniais da lei de Moisés,
que tinham perdido utilidade na nova aliança, fossem seguidas. E
esta situação conduziu Paulo a rebatê-los, o que proporcionou
diversos conflitos, como àqueles registrados em II Coríntios capítulo
3; Gálatas capítulo 2 e Colossenses capítulo 2. Motivado por estes
transtornos, Paulo foi impulsionado a dizer aos gálatas: "Sabendo,
contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, e sim
mediante a fé em Cristo Jesus (...)" (Gálatas 2:16 RA cf. Gálatas
3:11). E censurou-os dizendo: "Não anulo a graça de Deus; pois, se a

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justiça é mediante a lei, segue-se que morreu Cristo em vão."
(Gálatas 2:21 RA). Ele demonstrava que seguir as prescrições
cerimoniais da lei de Moisés pertinentes a antiga aliança, sobretudo
aquelas que representavam o sacrifício de Cristo, era desprezar o Seu
sangue ofertado para perdoar os pecados; era anular a Sua graça.

Diferentemente do ocorrido nas igrejas de Corinto, Galácia e


Colossos, Paulo não teve esses problemas nas igrejas de Roma. Aos
romanos ele exortava referindo-se não as ordenanças da lei de
Moisés que expiraram com a nova aliança, mas, aos mandamentos da
lei de Deus: "Porque os simples ouvidores da lei não são justos diante
de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser
justificados."(c) (Romanos 2:13 RA cf. Isaías 51:4-5). "Anulamos,
pois, a lei pela fé? Não, de maneira nenhuma! Antes, confirmamos a
lei." (Romanos 3:31 RA). Claramente nota-se a exorbitante diferença
entre Romanos 2:13 e Gálatas 2:16.

O apóstolo Pedro, responsável pelo ensino do evangelho aos


judeus, após ser alertado por Paulo a não permitir que as errôneas
doutrinas dos cristãos judaizantes fossem mantidas (Gálatas 2:11-
14), escreveu a seguinte exortação:

"(...) e tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor,


como igualmente o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo
a sabedoria que lhe foi dada, ao falar acerca destes assuntos, como,
de fato, costuma fazer em todas as suas epístolas, nas quais há
certas coisas difíceis de entender, que os ignorantes e instáveis
deturpam, como também deturpam as demais Escrituras, para a
própria destruição deles." (II Pedro 3:14-16 RA).

E o próprio Paulo auxilia a esclarecer quais preceitos estão


atuantes e quais foram revogados ao dizer: "Foi alguém chamado
sendo já circunciso? Não desfaça a sua circuncisão. Foi alguém
chamado sendo incircunciso? Não se circuncide. A circuncisão não
significa nada, e a incircuncisão também nada é; o que importa

16
é obedecer aos mandamentos de Deus." (I Coríntios 7:18-19 NVI). E
a circuncisão é um procedimento descrito na lei de Moisés, apesar de
ter sido instituída na época de Abraão (Gênesis 21:4; Atos 7:8),
enquanto os mandamentos de Deus que Paulo exorta para serem
obedecidos encontram-se nas duas tábuas de pedra (cf. Romanos
13:8-10).

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O Concílio de Jerusalém

Atos capítulo 15 apresenta a primeira controvérsia de grande


relevância na igreja cristã, e caso não tivesse sido resolvida
urgentemente, aumentaria a medida que o cristianismo avançasse
além das fronteiras da antiga Palestina. Os primeiros cristãos eram
judeus e várias práticas das quais estavam habituados foram
conservadas. Muitos mantinham até mesmo o preconceito contra
outras nações; para eles a entrada dos gentios na igreja, sem adotar
os costumes judaicos e todas as orientações divinas presentes
na Torah (lei de Moisés), sobretudo as cerimoniais, causaria
transtornos e instabilidade ao cristianismo. Então, alguns passaram a
exigir que os cristãos gentios aplicassem o estilo de vida e as leis
específicas do judaísmo, como por exemplo, a lei da circuncisão. Eles
acreditavam que tais atitudes, além de estarem relacionadas com a
salvação (Atos 15:1-6), preservariam a integridade da igreja.

A reivindicação dos judaizantes(a) de impor todas as normas


prescritas na lei de Moisés, condenava diretamente o trabalho que
Paulo e Barnabé faziam em favor dos gentios (Atos 13:44-52). Eles
proclamavam a salvação por meio da fé em Cristo sem as exigências
defendidas pelos fariseus convertidos ao cristianismo (Atos 15:5).
Esta controvérsia gerou o debate sobre o vínculo dos cristãos com a
lei mosaica. Este era o principal problema a ser resolvido no concílio
de Jerusalém.

Judeus e Gentios

A igreja de Antioquia temendo que o assunto da circuncisão


resultasse em divisão entre seus membros, enviou à Jerusalém, Paulo
e Barnabé a fim de resolverem a questão perante os apóstolos e
anciãos (Atos 15:1-2). E, na presença destes, relataram o sucesso do
ministério entre os gentios e os atritos doutrinários ocasionados pelos
judaizantes (Atos 15:4-6).

18
Além da circuncisão havia outros assuntos conflitantes
envolvendo judeus e gentios, como o consumo de carne sacrificada
aos ídolos. Muitos dos gentios convertidos ao cristianismo, viviam
entre pessoas que faziam frequentes sacrifícios e ofertas aos deuses
pagãos, e os sacerdotes desses cultos comercializavam as ofertas.
Isso ocasionava nos judeus, o receio de que os cristãos gentios
promovessem descrédito à igreja ao comprar aquilo que tinha sido
sacrificado aos ídolos; o que de certa forma seria uma aprovação aos
costumes idólatras.

Ademais, os gentios estavam acostumados a comer a carne de


animais estrangulados(b) e usavam com frequência o sangue no
preparo do alimento. Diferentemente, os judeus foram instruídos por
Deus a retirar e descartar o sangue do animal destinado à
alimentação, caso contrário não seria adequado para o consumo
(Levítico 17:10-16; Deuteronômio 12:15-16). Portanto, se um judeu
se assentassem à mesa para uma refeição preparada por um gentio,
sem essas orientações divinas, ele se consideraria ofendido e
ultrajado.

Outra questão envolvia a promiscuidade. Os gentios


(especialmente os gregos) eram extremamente licenciosos, e havia o
perigo de que alguns fizessem uma confissão de fé cristã sem
renunciar as suas más atitudes. Deste modo, os judaizantes
consideravam que a circuncisão, acompanhada das demais normas
da lei, deveriam ser praticadas pelos conversos gentios como prova
de sinceridade e devoção.

A lei de Moisés e os gentios

"Que se abstenham de comida sacrificada aos ídolos, do


sangue, da carne de animais estrangulados e da imoralidade sexual.
Vocês farão bem em evitar essas coisas. 'Que tudo lhes vá bem'. Uma
vez despedidos, os homens desceram para Antioquia, onde reuniram
a igreja e entregaram a carta." (Atos 15:29-30 NVI cf. Atos 21:25).

19
Diante desses conflitos, o concílio decidiu que os gentios
deveriam evitar as práticas listadas nos versos acima, e serem
alertados de que a obrigatoriedade da circuncisão não tinha o
consentimento dos apóstolos (cf. Romanos 2:25-29). Não houve
orientação para que os cristãos (principalmente os gentios)
descumprissem inteiramente a lei de Moisés. O concílio não foi
convocado para decidir se a lei era ou não aplicável para os gentios, e
o próprio veredito confirma isso: dentre as quatro proibições
enfatizadas, duas (idolatria e promiscuidade) estão
ligadas diretamente ao segundo e sétimo mandamentos das "tábuas
de pedra" (lei de Deus), que posteriormente foram transcritas para a
lei de Moisés(c). As demais proibições estão vinculadas aos preceitos
éticos e salutares, também encontradas na lei mosaica (Levítico
7:26-27 cf. Gênesis 9:4, Levítico 19:26).

Portanto, percebe-se claramente que o concílio de Jerusalém


não revogou a lei, mas direcionou os cristãos quanto as normas que
deveriam seguir, e quais não teriam aplicabilidade na nova aliança,
como por exemplo, a regra da circuncisão: "Foi alguém chamado
sendo já circunciso? Não desfaça a sua circuncisão. Foi alguém
chamado sendo incircunciso? Não se circuncide. A circuncisão não
significa nada, e a incircuncisão também nada é; o que importa é
obedecer aos mandamentos de Deus." (I Coríntios 7:18-19 NVI).
Paulo em suas epístolas repassa esta orientação e destaca aos
cristãos judeus que diversos preceitos cerimoniais da lei,
especialmente àqueles vinculados a Cristo e Seu sacrifício na Cruz,
chegaram ao fim devido ao cumprimento de suas funções.1 Estas
questões básicas que não estavam sendo discernidas pela primitiva
igreja cristã.

Jugo insuportável

Quando Pedro disse na reunião: "Então, por que agora vocês


estão querendo tentar a Deus, pondo sobre os discípulos um jugo que

20
nem nós nem nossos antepassados conseguimos suportar?" (Atos
15:10 NVI), ele não estava declarando que a lei de Moisés era
insuportável e que não era mais necessária. Por acaso Deus
estabeleceria uma lei intolerável e impossível de ser obedecida pelo
homem, e em seguida, o alertaria das severas punições caso não
fosse obedecida?2 De modo algum, isso seria uma situação ridícula,
desleal e maldosa. A declaração de Deus quanto à lei é:

"O que hoje lhes estou ordenando não é difícil fazer, nem está


além do seu alcance. Não está lá em cima no céu, de modo que vocês
tenham que perguntar: 'Quem subirá ao céu para trazê-lo e
proclamá-lo a nós a fim de que lhe obedeçamos?' Nem está além do
mar, de modo que vocês tenham que perguntar: 'Quem atravessará o
mar para trazê-lo e, voltando, proclamá-lo a nós a fim de que lhe
obedeçamos?' Nada disso! A palavra está bem próxima de vocês;
está em sua boca e em seu coração; por isso
vocês poderão obedecer-lhe." (Deuteronômio 30:11 14 cf. Neemias
9:13).

O jugo mencionado por Pedro corresponde as tradições criadas


pelos próprios judeus que foram associadas à lei e,
a dívida (cf. Colossenses 2:14) que os israelitas geraram por
negligencia-la, principalmente após reafirmarem que iriam praticar e
ensinar os preceitos dela a outros povos.3 Deus não elaborou uma lei
onerosa e desagradável. Ela tornou-se um jugo sufocante porque os
judeus perderam o seu verdadeiro propósito e a transformaram numa
rotina mecanizada na qual tentavam obter a salvação (Romanos
9:30-33 cf. Gálatas 2:14-21), soma-se a isso a atitude dos rabinos de
criar diversas regras com base em suas próprias exigências e
adicioná-las à lei (Mateus 23:4-7 cf. Marcos 7:1-13); eles idealizaram
que por esta ação os seus mandamentos não seriam transgredidos.
Assim, a lei de Moisés foi transformada em um "julgo opressivo e
insuportável" (Lucas 11:46), e isso contrastava sobremaneira com o

21
"julgo suave" dos ensinos de Jesus sobre a lei (Mateus 11:28-
30 cf. Gálatas 5:1; I João 5:1-4).

"Coisas essenciais"

"Pois pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos


impor maior encargo além destas coisas essenciais: que vos
abstenhais das coisas sacrificadas a ídolos, bem como do sangue, da
carne de animais sufocados e das relações sexuais ilícitas (...)" (Atos
15:28-29 RA).

O concílio de Jerusalém redigiu quatro proibições específicas e,


uma disposição geral de "não impor maior encargo" aos cristãos
gentios, liberando-os das exigências judaizantes de cumprirem os
regimentos cerimoniais pertencentes a lei mosaica, como a
circuncisão. Os procedimentos civis e culturais judaicos não
deveriam, igualmente, ser imposto aos gentios. A intenção de Deus
era que a igreja ficasse livre da liturgia atrelada à antiga aliança que
foi cessada na cruz do Calvário(d), e também dos costumes
estritamente judaicos. Nunca foi o Seu objetivo desviar a igreja dos
princípios morais e éticos ensinados na lei de Moisés, especialmente
aqueles transmitidos pelos Dez Mandamentos.

Os pontos escolhidos no concílio destacaram as coisas nas quais


um gentio convertido tinha maiores probabilidades de errar e que
poderiam ser tratas com indiferença devido a cultura que tinha
herdado. Porém, isso não significa que outros deveres exigidos pela
lei são desnecessários, ideia infelizmente sustentada por muitos
cristãos da atualidade. As "coisas essenciais" na vida de um cristão
seriam apenas evitar promiscuidade, idolatria, consumo de sangue e
de carne sufocada? E os princípios que defendem a honra de Deus,
que exigem obediência e adoração unicamente a Ele, que proíbem
matar, roubar, caluniar, desonrar os pais, que preservam a saúde,
que promovem o bem estar coletivo e etc., não são essenciais? Nada

22
destas coisas constam na lista do concílio, por isso devem ser
descartadas?

O parecer final do concílio objetivou direcionar aos ensinos da


lei sem distorções, e promover a comunhão entre os cristãos judeus e
gentios. Este convívio pacífico não dependia unicamente
de restrições, mas também das atitudes que eles praticavam
e, especialmente, defendiam. Por exemplo, o quarto mandamento do
Decálogo deveria ter sido uma questão de extrema desavença no
concílio de Jerusalém, se dois dias de guarda estivesse sendo
observados pela igreja; teria-se de um lado os cristãos judeus
guardando o sábado, e de outro os cristãos gentios observando o
domingo(e) - de acordo com as alegações dominguistas e
anoministas. No entanto, não há nenhum registro no Novo
Testamento sobre esta questão, ao contrário, judeus e gentios são
citados constantemente reunidos aos sábados estudando as
Escrituras, louvando e orando a Deus(f). Tampouco existe alguma
referência bíblica indicando que eles exerciam atividades seculares
nas horas sabáticas. Os apóstolos que eram judeus e observadores
do sábado (assim como Jesus),4 não deveriam ter se manifestado a
este respeito se tal conflito existisse?

Na verdade, as fábulas em torno de Atos capítulo 15 que são


difundidas entre os cristão da atualidade, decorrem por causa do
quarto mandamento. Geralmente este capítulo é interpretado
premeditadamente de forma distorcida para "justificar" a
transgressão contra o sábado. Alguns apresentam tanta aversão
contra ele, que o caracterizam como sendo penoso e impossível de
ser obedecido, contrariando diretamente as palavras de Deus
em Isaías 58:13-14 (cf. Isaías 56:6-7, Marcos 2:27). A lei apresenta
única e exclusivamente a guarda do sétimo dia da semana como
sendo o sábado pertencente ao Eterno Deus. E o quarto mandamento

23
que o descreve está indivisivelmente interligado aos demais preceitos
do Decálogo.

24
Considerações Finais
A lei de Deus é distinta por: ter sido pronunciada e escrita pelo
próprio Criador; ter sido guardada dentro da arca da aliança; pela
função de revelar o pecado; e, por ser constituída unicamente de
mandamentos morais, todos inalteráveis, inseparáveis, infindáveis e
universais.9 Enquanto a lei de Moisés caracteriza-se por: ter sido
divulgada e escrita pelo profeta Moisés; ter sido depositada ao lado
da arca da aliança; pelas prescrições de ofertas por causa do pecado;
e, por possuir mandamentos variados, restritos e temporais.

Pode-se destacar ainda que a lei de Deus existia antes da


queda do homem(d) (cf. Romanos 4:15), e não possui regras punitivas
para os seus transgressores. Por sua vez, a lei de Moisés foi
estabelecida após a entrada do pecado neste mundo, e contém
normas penais que foram seguidas até a época de reforma. 10 Antes
do sacrifício de Cristo, aquele que aceitasse o pacto da antiga aliança
e, posteriormente, violasse as ordenanças contidas na lei de Moisés
e/ou transgredisse os mandamentos da lei de Deus era punido de
forma imediata, e em alguns casos com a morte, dependendo do
crime.

Embora os procedimentos penais da antiga aliança estejam


invalidados(e), isso não significa que a lei de Deus, reafirmada na nova
aliança (Hebreus 8:10-13; Hebreus 10:15-17 cf. Mateus 5:17-19),
perdera valor e que, as transgressões cometidas contra ela não
sofrerão o devido castigo. Pecado continua sendo transgressão contra
a lei de Deus, e cada infração não perdoada(f) será punida quando
Cristo retornar; Ele retribuirá a cada um conforme as suas obras
(Apocalipse 22:10-15; Hebreus 4:12-13).

Acreditar que as Sagradas Escrituras utilizam sempre a palavra


"lei" como referência a todos os mandamentos, estatutos e juízos
divinos, sem distinção, é tratá-las como um amontoado de
contradições. É afirmar que havia discordância doutrinária entre os

25
discípulos; é declarar que Paulo era instável em seus ensinos ao
comparar, por exemplo, Romanos 2:13 e Gálatas 2:16; é
obrigatoriamente assumir que os Dez Mandamentos foram abolidos
na cruz do Calvário, e assim, apoiar um dos maiores sofismas de
Satanás contra eles (Apocalipse 12:17 cf. João 14:30-31, João
15:10). Diversos textos bíblicos são interpretados grosseiramente às
avessas com o intuito de sustentar a fictícia ideia de que todas as
coisas vinculadas a palavra "lei" foram revogadas. E os mais
utilizados com este propósito são: Efésios 2:14-16; Colossenses
2:14 e Hebreus 10:1.

"Lei dos mandamentos na forma de ordenanças"

"Porque Ele é a nossa paz, o qual de ambos fez um; e, tendo


derribado a parede da separação que estava no meio, a inimizade,
aboliu, na Sua carne, a lei dos mandamentos na forma de
ordenanças, para que dos dois criasse, em Si mesmo, um novo
homem, fazendo a paz, e reconciliasse ambos em um só corpo com
Deus, por intermédio da cruz, destruindo por ela a inimizade."
(Efésios 2:14-16 RA).

O tema central da carta aos efésios é a unidade da igreja (na


época formada por judeus e gentios, Atos 13:43-48). E esta unidade
estava ameaçada por: interpretações equivocadas da lei de Moisés
(Tito 1:12-14 cf. Marcos 7:7-9); exigências feitas aos gentios para
que seguissem integralmente a lei mosaica (a) (cf. Atos 15:1-5); e,
pelo comportamento exclusivista e hostil de alguns judeus
(cf. Gálatas 2:12). Estes fatores foram os responsáveis pelas
desavenças e separação entre judeus e gentios, não a lei de Moisés.
Esta lei não foi estabelecida por Deus para proporcionar essa
desunião(b), ao contrário, embora ela possua regimentos restritos a
Israel, o seu conteúdo foi elaborado para beneficiar a todos os povos.

As mudanças no sacerdócio levítico, que era orientado pela lei


(Hebreus capítulo 7), não foram compreendidas de imediato após a

26
morte de Cristo, isso ocorreu gradativamente e com fortes conflitos
ideológicos. Quase todas as desavenças que desencadearam a divisão
("parede da separação") entre judeus e gentios originavam-se de
questões litúrgicas da lei de Moisés. E Cristo destruiu essa "parede"
ao encerrar em Si mesmo o conjunto de regras cerimoniais ("lei dos
mandamentos na forma de ordenanças") que simbolizavam a Ele e
Seu sacrifício. Esta é a questão tratada em Efésios 2:14-16.
Ressaltando que essas cerimônias foram cessadas devido o
cumprimento de suas funções e não por causa da turbulência entre
judeus e gentios. A destruição da "parede de separação" foi um
benefício adicional proporcionado pela cruz.

A palavra "ordenança" usada em Efésios 2:15 provém do grego


"dogma", e significa: doutrina; regulamento; ordem civil ou
cerimonial; requerimento da lei de Moisés. 2 Estas definições reforçam
o entendimento de que não houve revogação integral da lei mosaica,
mas, de sua parte cerimonial; visto que muitos ensinos trazidos nesta
lei são indispensáveis, sobretudo os Dez Mandamentos transcritos
das tábuas de pedra(c). Adiante alguns comentários que seguem este
posicionamento bíblico:

João Calvino, considerado o personagem mais importante da


segunda geração da Reforma, afirma:

"O que havia sido metaforicamente compreendido pela palavra


'parede', é agora mais claramente expresso. As cerimônias, pelas
quais a divergência foi mencionada, foram abolidas por meio de
Cristo (...). Quando uma obrigação é revogada, a escrita é destruída;
uma metáfora que Paulo utiliza, neste assunto, [encontra-se] em
outra epístola (Colossenses 2:14). (...) Esta é a habitual frase de
Paulo para descrever a lei cerimonial, a qual o Senhor não ordenou
aos judeus meramente como uma simples conduta de vida, pois
ligava-os a vários estatutos. É evidente, também, que Paulo está
tratando aqui exclusivamente da lei cerimonial, visto que a lei moral

27
não é um muro de divisão que nos separa dos judeus, mas
estabelece instruções nas quais os judeus não eram menos
interessados em relação a nós mesmos."

John Wesley, fundador da igreja Metodista, declara:

"Tendo abolido pelo Seu sofrimento na carne, a causa da


inimizade entre judeus e gentios, como a lei de
mandamentos cerimoniais e todos os decretos dela. Com isso oferece
misericórdia a todos; ver Colossenses 2:14."

Adam Clarke, teólogo metodista, esclarece:

"A inimizade de que fala o apóstolo era recíproca entre judeus e


gentios. O primeiro detestava os gentios, e dificilmente admitia
classificá-los de homens; e o segundo tinha o maior desprezo pelos
judeus por causa da peculiaridade de
seus ritos e cerimônias religiosas, que diferenciavam de todas as
demais nações da Terra."

Albert Barnes, escritor e ministro presbiteriano, sustenta:

"(...) A ideia é, que a lei cerimonial dos judeus, que eles tanto


orgulhavam-se, foi a causa da hostilidade existente entre eles. (...)
Quando Cristo veio e aboliu através de Sua morte a peculiar
lei cerimonial, naturalmente que a causa desse afastamento cessou.
(...) Isto não se refere à lei moral, que não era a causa da separação,
e que não foi abolida pela morte de Cristo, mas às leis
que determinam sacrifícios, festivais, jejuns e etc.; que constituem as
particularidades do sistema judaico. (...) A palavra 'ordenança'
significa: decreto, edito, regra (Lucas 2:1; Atos 16:4; Atos
17:7; Colossenses 2:14)."

John MacArthur, escritor e pastor batista, assevera:

"(...) Agora, qual foi o maior obstáculo, a maior e genuína


barreira entre um judeu e um gentio? O que era ela? Basicamente,
a lei cerimonial, não foi? No geral, as questões judaicas. O conjunto

28
cerimonial: festa religiosa, jejum, vestimenta, comida, circuncisão;
todas as coisas que tinham. (...) ele [Paulo] não está falando sobre a
lei moral. Permita-me antecipar isto. Deus tem uma lei moral, e a lei
moral de Deus nunca muda. Nunca. Ela jamais mudou. A lei moral de
Deus não foi abolida. Romanos 1 e 2 dizem que ela está escrita no
coração de cada homem. A lei moral de Deus foi formalizada nos Dez
Mandamentos em Êxodo 20. A lei moral de Deus está resumida
em Mateus 22, onde há um grande mandamento."

Geneva Bible(d), primeira tradução da Bíblia em inglês baseada


diretamente de fontes hebraica e grega, traz em suas notas de
rodapé o seguinte comentário:

"Cristo ofereceu em Seu próprio corpo o sacrifício definitivo, do


qual os sacrifícios do templo eram apenas sinal [simbolismo]. As
leis cerimoniais do Antigo Testamento que separavam judeus dos
gentios não têm mais razão de ser após o seu cumprimento em
Cristo."

"Escrito de dívida"

"Tendo cancelado o escrito de dívida", que era contra nós e que


constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o
inteiramente, encravando-o na cruz." (Colossenses 2:14 RA).

A expressão "escrito de dívida" de Colossenses 2:14 é traduzida


do grego "cheirographon", que significa: manuscrito (formalmente
estabelecido); nota manuscrita; nota promissória; dívida a ser
restituída. "Escrito de dívida" não é sinônimo de lei. A palavra "lei"
nem ao menos é usada na carta aos colossenses.

Deus estabeleceu uma lei justa para direcionar o proceder


individual e coletivo, e não para ser um conjunto de regras
"prejudiciais". Prejudicial, no verso em questão, é a punição
destinada ao violador da lei. E esta punição auxilia na integridade e
respeito da própria lei. A dívida mencionada em Colossenses

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2:14 existia (subsistia) por causa das transgressões contra o
regimento da lei, como por exemplo, as violações cometidas contra
as ordenanças. Por isso a afirmativa: "cancelou a escrita de dívida,
que consistia em ordenanças [dogma]" (Colossenses 2:14 NVI).

Certamente que houve preceitos cerimoniais da lei de Moisés


que foram revogados devido ao cumprimento de seus propósitos, e
Paulo menciona isso em Efésios 2:14-16. Contudo, Colossenses 2:13-
14 volve-se especificamente sobre o cancelamento do débito ("escrito
de dívida") gerado pelo desrespeito à lei. Pois, assim como a lei
prescreve bênçãos aos que lhe obedecem, ela também determina
maldições e penalidades aos que se desviam de suas orientações. 10 E
existia uma dívida a ser paga por aqueles que a transgrediram;
porém, ela foi quitada ("removida") pelo sacrifício de Cristo.

Embora a cruz do Calvário seja o ponto de referência


para Efésios 2:15 e Colossenses 2:14, há um contraste entre eles,
visto que existe diferença entre: revogar algo após a sua função ter
sido concluída, como ocorreu com as ordenanças cerimoniais da
lei(e) citadas em Efésios 2:15; e, revogar algo motivado pelo perdão,
como ocorreu com a "dívida" mencionada em Colossenses 2:14, que
foi gerada pela transgressão da lei. Outra interpretação atribuída
a Colossenses 2:14, afirma que o "escrito de dívida" refere-se aos
preceitos cerimoniais da lei mosaica, e entre os adeptos deste
posicionamento estão: Adam Clarke,11 Albert Barnes,12 John
Calvin,13 John Gill14 e Matthew Henry15.

"Sombras dos bens vindouros"

"Ora, visto que a lei tem sombra dos bens vindouros, não a


imagem real das coisas, nunca jamais pode tornar perfeitos os
ofertantes, com os mesmos sacrifícios que, ano após ano,
perpetuamente, eles oferecem." (Hebreus 10:1 RA).

30
A lei de Moisés possui normas cerimoniais que orientavam os
simbolismos, as prefigurações de Jesus Cristo e Seu sacrifício em
oferta pelos pecados da humanidade (Hebreus capítulo 9); normas
que tratavam das questões litúrgicas do santuário terrestre, tais
como: ofertas, holocaustos, abluções, festividades e etc. E estas
liturgias são chamadas por Paulo de "sombra dos bens vindouros" ou
"sombra dos benefícios que hão de vir" (NVI).

A lei mosaica não é constituída integralmente de preceitos


cerimoniais(f). O verso de Hebreus 10:1 afirma que esta lei "tem", e
não que ela é a "sombra dos bens vindouros". A flexão verbal "tem"
origina-se do verbo grego "echo", que significa: possuir; conter;
incluir; manter; reter algo e utilizá-lo. É até ridículo considerar a lei
de Moisés, em sua totalidade, uma "sombra de benefícios futuros",
pois a mesma possui mandamentos morais e éticos que promovem
benefícios imediatos quando obedecidos.

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