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Dir-me-ás então: “Por que se queixa ele ainda?

Pois quem tem resistido à


sua vontade?”. Mas quem é você, ó homem, para questionar a Deus?
Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: “Por que me fizeste
assim?” Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa
fazer um vaso para honra e outro para desonra? (Rm 9.19-21, ESV)
Paulo havia demonstrado nos versículos anteriores que se um homem alcança salvação
através de Jesus Cristo, isso não depende da vontade ou decisão da pessoa, mas de Deus, que
escolhe mostrar misericórdia a ela. Assim, um homem mostra incredulidade ou mesmo se opõe a
Deus não porque decide isso por si mesmo, mas porque Deus escolheu endurecê-lo para uma
finalidade que ele próprio tem. O apóstolo conclui: “Logo, pois, compadece-se de quem quer, e
endurece a quem quer” (v. 18).

Um homem crê em Jesus porque Deus o faz crer em Jesus. Outro homem é endurecido
contra o evangelho porque Deus o torna endurecido. O caminho de cada pessoa é determinado
antes de seu nascimento, mesmo na eternidade, antes da criação do mundo. As decisões de uma
pessoa não determinam seu caminho, mas seu caminho preordenado determina essas decisões. O
destino de um homem não é determinado, mas sim revelado por suas escolhas, isto é, por aquilo
que Deus faz o homem decidir de acordo com o propósito divino.

Esta é uma das doutrinas bíblicas mais simples e explícitas. No entanto, é também a
doutrina mais detestada, pois da forma mais clara possível revela Deus como sendo Deus, e até
mesmo os cristãos que não gostam muito de Deus. Nesta doutrina ficamos frente a frente com o que
significa ser Deus, e somos compelidos a mostrar se, de fato, reconhecemos Deus como o total
soberano ou se buscamos manter controle sobre alguns aspectos de nós mesmos e acalentar a
ilusão de que de fato é possível agirmos assim. Mesmo entre crentes e teólogos que professam a
soberania de Deus da boca para fora, muito poucos recebem essa doutrina da causação divina
direta e total de todas as coisas sem tentar criar por si mesmos uma saída para escapar disso. Ou
eles podem condenar essa versão genuína de Deus e então resgatar Deus reduzindo-o a algo
inferior.

Assim, Paulo antecipa a divergência. Ele espera que alguém lhe diga: “Então, por que Deus
ainda nos culpa? Pois, quem resiste à sua vontade?” (NVI). Em outras palavras, se é Deus quem
endurece uma pessoa para ela não poder buscar a justiça ou crer na verdade, por que Deus ainda
condena ou pune o pecador? A objeção não faz sentido a menos que seja assumido que
responsabilidade pressupõe liberdade, no sentido de que uma pessoa deveria ser livre para tomar
as suas próprias decisões se tivesse de ser responsabilizada por elas. Mas Deus não concorda com
essa suposição; na verdade, todos os versículos anteriores repudiam essa ideia. Uma pessoa é
condenada e punida por seus pecados porque transgrediu os mandamentos de Deus. A causa de
suas transgressões é irrelevante. Se ela transgrediu, é uma transgressora.

Paulo passa a responder ao desafio e no processo revela insights adicionais na doutrina.


Declara que o oleiro tem o direito de fazer do mesmo barro um vaso para honra e outro para
desonra. O apóstolo está fazendo contraste entre dois tipos de pessoas — os eleitos, aqueles que
Deus predeterminou para se tornarem cristãos, e os réprobos, aqueles que Deus predeterminou
para continuarem não cristãos. Assim, o vaso para honra representa o cristão e o vaso para desonra
representa o não cristão. Provavelmente, o vaso para honra seria representado no ambiente
doméstico como um testemunho da riqueza e requinte do proprietário. Por outro lado, o vaso para
desonra seria provavelmente relacionado a uma lata de lixo ou até mesmo ao banheiro. Assim,
Deus entende que os réprobos são as latas de lixo e os banheiros deste mundo. Sabemos do que
são cheios os banheiros — de algo que fede a incredulidade, ciência e religião não cristãs.

A Bíblia contradiz o ponto de vista quase unânime de teólogos cristãos no fato de que a
exposição que ela faz da doutrina não deixa espaço em nenhum sentido para a liberdade e a
autodeterminação, ou à noção de que a soberania divina é compatível com essas coisas. Por que
importa se o controle do oleiro sobre o barro é compatível com os desejos do barro? Porventura a
coisa formada dirá ao que a formou: “Por que me fizeste assim?”. O homem não é representado
como dizendo de uma forma ou de outra: “Por que passivamente ordenaste que eu deveria usar
meu poder de autodeterminação para eu concorrentemente decidir me tornar o que decretaste para
eu ser?”. Não, ele diz: “Por que me fizeste assim?”. Tu. Tu me fizeste. Tu me fizeste assim.

Por contato direto e com suas próprias mãos, o oleiro molda o barro no vaso que ele quer
que venha a se tornar. Embora isso se aplique tanto ao vaso para honra como ao vaso para
desonra, a objeção se refere àqueles a quem Deus “culpa” — a objeção está essencialmente
interessada em como o vaso para desonra é fabricado. A resposta de Paulo significa que Deus é
ativo em fazer do homem perverso aquilo que ele é. Deus faz isso usando “da mesma massa” da
qual faz os vasos para honra e não de algum material com traços desonráveis já presentes. Em
outras palavras, as características do réprobo vêm diretamente e totalmente das mãos de Deus e de
nenhum outro lugar. Paulo não vê nada de errado nisso. Deus tem o direito de fazer de um homem
a sua obra-prima e de outro o seu banheiro. Quem disse que um oleiro mestre não deve fazer um
banheiro se ele assim o deseja? E quem é o banheiro para dizer ao oleiro: “Por que me fizeste
assim?”. Mas até um banheiro queixoso pode fazer mais do que apenas lamuriar “Tenho livre-
arbítrio!” ou mesmo “Eu não sou coagido!”.

A verdade da fé cristã é simples e óbvia. Nunca há uma boa objeção contra ela; ela deve
ser reverentemente aceita. E porque a verdade é simples e óbvia, toda objeção à fé cristã é sempre
estúpida e má. Porque toda objeção à fé cristã é estúpida e má, devemos atacar toda objeção, e
para que não se alegue que evitamos o problema, devemos também respondê-lo. Mas, mais do que
isso, é característica da Bíblia atacar a pessoa que faz a objeção. Isso ocorre porque sempre que
uma pessoa questiona a fé cristã, necessariamente significa que há algo de errado com a pessoa.

Paulo não diz: “Ó homem inteligente e maravilhoso, por que faz uma objeção tão ultrajante
contra Deus?”. Não, o apóstolo ataca o homem diretamente — “Mas quem é você, ó homem, para
questionar a Deus?” É uma pergunta retórica — quer dizer que o homem não é ninguém e deve
fechar a boca. Paulo não é estúpido como os nossos pregadores e teólogos. Eles nos dizem que os
não cristãos podem ser sinceros e inteligentes, e mesmo assim fazer objeções contra Deus. De
onde veio esse absurdo? Talvez eles aprenderam isso dos não cristãos, que estão sempre
desesperados para afirmar a sua sinceridade e inteligência. Ou talvez os pregadores e teólogos
querem saudar a sua própria rebeldia contra Deus. Mas Jesus disse que a boca fala do que está
cheio o coração. O não cristão faz objeções porque é um pecador, um rebelde — ele não apenas
age como um, mas é um. Qualquer cristão que faz uma contribuição significativa em pregações ou
debates deve criticar e depreciar a pessoa — o próprio não cristão — e não apenas seus
argumentos e suas ações.

Quem é você, ó não cristão, para desafiar a verdade de Deus, quando a Bíblia declara que
você já sabe sobre ele? Como um covarde, como uma criancinha assustada, você reprime esse
conhecimento para que não precise lidar com a realidade. Quem é você para rejeitar um veredito de
culpado quando a Bíblia mostra que todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus? Você
retruca: “Quem é você para me julgar?”. Bem, quem é você para dizer que não devo declarar o
julgamento de Deus sobre você? Quem é você para recusar o evangelho? Você não é ninguém.
Você não é nada.

Quem é você, ó legalista, ó religioso hipócrita, para recusar a Jesus Cristo, quando a
própria Lei diz a você para abandonar seus próprios esforços e depender de Jesus como seu
mediador e defensor? Quem é você para pensar que pode ser seu igual ou superior? Quem é você
para dizer que pode alcançar o céu com o que considera boas obras, quando Deus as rejeita como
trapos de imundícia? Você não é ninguém. Você não é nada.

Quem é você, ó arminiano, para dizer que Deus não decreta e causa todas as coisas
unicamente por sua própria vontade e para o seu próprio propósito, e sem considerar a fé e a
decisão do homem, pois Deus causa a fé e a decisão do homem por causa de seu decreto eterno?
Quem é você para pensar que o homem tem poder de escolher, até mesmo para decidir o seu
destino eterno? Quem é você para dizer que Cristo poderia pagar o preço para redimir um homem e,
contudo, perder o homem para a ira de Deus? E quem é você para dizer que um homem, uma vez
apreendido por Deus, pode livrar a si mesmo das mãos de Cristo? Você não é ninguém. Você não é
nada.

Quem é você, ó calvinista, para dizer que Deus não pode ser o autor do pecado e aquele
que diretamente cria e endurece homens perversos? Quem é você para dizer que Deus meramente
ignora os réprobos, quando as Escrituras afirmam que Deus forma eles por suas próprias mãos
como um oleiro molda barro para fazer latas de lixo e banheiros? Seu hipócrita! Finge defender a
justiça e a santidade de Deus, quando a questão apenas surge porque você julga Deus pelo padrão
do homem. Com uma mão você rouba de Deus a sua soberania, e com a outra o indeniza com
justiça humana. Quem é você, ó homem, para pensar que pode ir longe com isso? Você não é
ninguém. Você não é nada.

Quem é você, ó teólogo reformado? Você é muito melhor que o arminiano? Repetidamente,
ao firmar um pé na ortodoxia e um pé na blasfêmia, você gera inúmeros paradoxos e contradições e
chama isso de grande mistério de Deus! Ó vaidade das vaidades, uma teologia de sistemática
futilidade!

Fora com todos vocês! Deus exerce controle completo e imediato sobre todas as coisas,
incluindo as decisões e destinos de todos os homens. Assim como molda seus escolhidos em suas
obras-primas, ele molda os réprobos em recipientes de lixo e fezes. Ao contrário dos nossos
pregadores e teólogos, o oponente de Paulo ao menos entende a doutrina: Deus endurece a quem
quer (v. 18), para que eles não creiam e sejam salvos. Ele faz isso por seu poder ativo e direto,
assim como um oleiro que molda o barro (v. 21). Esses homens são preparados para destruição (v.
22). Eles não podem resistir à vontade de Deus, mas mesmo assim ele os culpa e pune (v. 19). Ele
pode fazer isso porque é Deus, e ninguém pode dizer uma palavra contra ele (v. 20).

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