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Alberto Tassinari

1/2/1997

"Gestar, justapor, aludir, duplicar são quatro modos que Nuno Ramos encontrou para salientar e
problematizar a invenção na arte. É através deles que construiu, para além das variações estilísticas ou
de aparência visual mais imediata, um invariante poético. O artista nunca se afastou de uma poética
que, para onde quer que se desvie, sempre buscou dar continuidade ao descontínuo e, nesse
movimento, expor a tensão entre ambos. É assim que ao investigar o fazer pelo gesto procura continuá-
lo como tal na pintura apesar da descontinuidade intransponível entre um gesto e a marca que ele
deixa. Ou que, ao destacar o fazer por justaposição, não cria colagens com elementos discretos, mas
amálgamas ou fusões das mais diversas coisas, em que há um contínuo ato de agregar. Do mesmo
modo, quando alude a potências cósmicas como criadoras das obras, garante uma continuidade entre
elas e seus vestígios sensíveis através de um hábil contraponto entre o evidente e o enigmático. Já,
quando aborda o fazer pela relação entre modelo e cópia, as diferentes escalas ganham fluidez e
continuidade no jogo da imaginação que é oferecido ao espectador. Mas, se a fórmula 'dar continuidade
ao descontínuo' soar abstrata - como se fosse um problema matemático, filosófico -, talvez baste, para
torná-la concreta, olhar uma de suas obras, em que qualquer destroço, fragmento, resto, no fim das
contas, mas só no fim das contas, é salvo de seu naufrágio. E quem sabe mesmo experimentar o
sentimento único, próprio da arte e de não muito mais, de que os retalhos, a descontinuidade e a
finitude da vida deságuam num curso maior, ininterrupto e contínuo como o suceder das gerações".

TASSINARI, Alberto. Gestar, justapor, aludir, duplicar. In: TASSINARI, Alberto; MAMMÌ, Lorenzo; NAVES, Rodrigo. Nuno
Ramos. São Paulo: Ática, 1997, p. 16-29.

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