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ANÁLISE
10.jan.2021 às 16h00
Nos últimos dias, um vídeo voltou a circular nas redes sociais. Ele mostra o
encontro dos rappers Tyler the Creator e Earl Sweatshirt, estrelas do
coletivo Odd Future, adolescentes, assistindo a um show de MF Doom. Como
duas crianças eufóricas, eles acompanham o MC pulando e cantando suas
músicas favoritas, logo antes de conhecerem o mestre mascarado que tanto
veneram.
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11/01/2021 Quem foi o rapper mascarado MF Doom, enigmático até na morte - 10/01/2021 - Ilustrada - Folha
Capa do disco 'Madvillainy', do duo Madvillain, formado pelo rapper MF Doom e o produtor
Madlib - Divulgação
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A morte de Dumile foi anunciada na virada do ano, mas, mesmo dias depois,
artigos sobre sua relevância se multiplicam, e o hip-hop continua de luto.
Não é à toa. Dumile teve uma trajetória tão improvável quanto suas
sequências de rimas aparentemente desconexas, um empilhado de frases
que funcionam separadas, mas com um sentido transcendente quando
empilhadas em suas músicas.
“Tudo que a gente faz é no estilo vilão”, ele disse sobre a atitude em
entrevista à Rolling Stone. Na verdade, ele encarnou a figura do vilão. Nos
anos 1990, quando o hip-hop vivia sua era de ouro, despontando no
mainstream com Jay-Z, Tupac, Snoop Dogg, Notorious B.I.G. e Nas, entre
muitos outros, Dumile usava o nome Zevlove X e rimava no grupo KMD com
o irmão, o DJ Subroc.
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Nos anos 2000, ele lançou diversos discos, incluindo “MM… Food”, de 2004,
em que fala de tudo como se estivesse falando de comida —ou o contrário.
Mas sua obra-prima é um clássico do underground que envolve um pouco de
tudo o que faz de Doom uma lenda.
Seu apelido, “the unseen”, ou aquele que não se vê, revelava que o produtor
era tão difícil de encontrar quanto o parceiro. É também o nome de um disco
do Quasimoto, projeto em que Madlib rima com voz de gás hélio adotando o
ponto de vista de um alienígena que chega à Terra.
Peanut Butter Wolf, chefe do selo, contou que ficou entretendo a empresária
enquanto Doom e Madlib fumavam um baseado no estúdio. Wolf estava
crente de que a demora garantiria que os efeitos da erva e das batidas de
Madlib saindo das caixas de som seriam mais convincentes para Doom do
que qualquer proposta formal à sua agente.
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Madlib passou duas semanas em São Paulo, visitando toda lojinha de discos
que conseguiu e captando todo tipo de sample de música brasileira —
principalmente da tropicália— que foi capaz. Entre as dezenas de samples
envolvidos, há segundos de músicas de Maria Bethânia e Gal Costa nas
tramas sonoras complexas e refinadas do produtor.
“Eu estava na sintonia do Brasil, sentando no meu quarto fumando uma erva
péssima e sampleando, enquanto todo mundo estava saindo para festas e
enchendo a cara”, disse Madlib ao Pitchfork. (https://pitchfork.com/features/article/9478-
searching-for-tomorrow-the-story-of-madlib-and-dooms-madvillainy/?page=1)
Doom regravou as vozes para soar mais tranquilo. Um artesão das palavras,
também refez parte de suas letras, forjando frases que rimam não só uma
com a outra, mas com palavras que rimam entre si, em poemas sem ganchos
ou refrães e uma estrutura de estrofes nada convencionais.
Madlib até tentou refinar as bases, mas perdeu duas caixas com os discos
brasileiros que havia sampleado na viagem de volta aos Estados Unidos. Nem
sequer sabia de onde havia retirado os sons. “Madvillainy” é sensível e
provocador, um encontro entre dois ermitões que parecem ter sido feitos um
para o outro.
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Era inegável que a história estava sendo feita, com Doom e Madlib elevando a
patamares inéditos a arte de rimar sobre batidas. Era um disco de rap, mas
com melodias tão bem trabalhadas e uma liberdade de espírito que poderia
ser também uma encarnação pop e psicodélica do jazz —uma intergaláctica
como as filosofias e os discos de Sun Ra, de quem ambos eram fãs.
Daniel Dumile se foi como sempre viveu —nas sombras, cercado de mistério.
MF Doom foi um anti-herói que não usou as próprias falhas como
contraponto a uma personalidade de virtudes, mas que fez dessas falhas sua
própria virtude. O vilão dos vilões, com um legado que tende a crescer
conforme for mais conhecido.
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