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Matriz Es 2
Matriz Es 2
Nota histórica
Historicamente, os primeiros esboços de matrizes remontam ao segundo século a. C. embora
existam traços da sua existência em épocas tão distantes quanto o séc. IV a. C. No entanto,
só finais do séc. XVII da nossa era é que as ideias reapareceram e o seu desenvolvimento
floresceu. Não é surpreendente que os primórdios das matrizes tenham surgido através do
estudo de sistemas de equações lineares. Os Babilónios estudaram problemas que levaram à
resolução simultânea de equações lineares. Alguns destes problemas sobreviveram até hoje
preservados em placas de argila. Por exemplo, uma placa datada de cerca de 300 a. C. contém
o seguinte problema:
Existem dois campos com uma área total de 1800 m2 . Um produz grão à taxa de 32
de alqueire por m2 enquanto o outro produz grão à taxa de 21 de alqueire por m2 . Se a
colheita total é de 1100 alqueires qual é a área de cada campo.
Os Chineses, no perı́odo entre 200 a. C. e 100 a. C., chegaram mais próximo da noção de
matriz que os Babilónios. Efectivamente, é justo referir que o texto chinês “Nove Capı́tulos
da Arte Matemática” escrito durante o perı́odo da dinastia Han (206 a. C.-220 d. C.) ilustra
os primeiros exemplos conhecidos de métodos matriciais, descrevendo principalmente um con-
junto de problemas com regras gerais para a sua solução. Estes problemas têm um carácter
aritmético e conduzem a equações algébricas com coeficientes numéricos. A tı́tulo ilustrativo:
Existem três tipos de milho. Três molhos do primeiro tipo, dois do segundo e um do
terceiro completam 39 medidas. Dois molhos do primeiro tipo, três do segundo e um do
terceiro prefazem 34 medidas. Finalmente, um molho do primeiro tipo, dois do segundo
e três do terceiro prefazem 26 medidas. Quantas medidas de milho estão contidas num
molho de cada tipo?
O autor do texto chinês propôs um método de resolução notável: os coeficientes das três
equações a três incógnitas que compõem o sistema são dispostos como uma tabela num “quadro
de contagem”:
1 2 3
2 3 2
3 1 1
26 34 39
ALC 1
Os métodos modernos dos finais do séc. XX levariam a dispor os coeficientes das equações
lineares em linhas, em vez de colunas, mas intrinsecamente o método é idêntico. Seguidamente,
o autor, escrevendo em 200 a. C. instrui o leitor a multiplicar a coluna central por 3 e subtrair
a coluna da direita, tantas vezes quanto possı́vel; de modo semelhante, subtrai-se a coluna da
direita, tantas vezes quanto possı́vel, da primeira coluna multiplicada por 3. Destas operações,
resulta o quadro:
0 0 3
4 5 2
8 1 1
39 24 39
Seguidamente, a coluna da esquerda é multiplicada 5 vezes e a coluna central subtraı́da tantas
vezes quanto possı́vel, resultando no quadro:
0 0 3
0 5 2
36 1 1
99 24 39
2 Álgebra Linear I
também advogada e que partilhava com o primeiro o mesmo interesse pela Matemática. Arthur
Cayley (1821-1895) reconheceu imediatamente o significado do conceito e matriz e, em 1853
publicaria uma nota, mencionando, pela primeira vez, o conceito de inversa de uma matriz.
Cayley propõe uma Álgebra Matricial onde define a adição, multiplicação, multiplicação por
um escalar e inversão. Durante essa época, outras personalidades como William R. Hamilton
(1805-1865), Hermann G. Grassmann (1809-1877), Josiah Willard Gibbs (1839-1903), Ferdi-
nand G. Frobenius (1849-1917) e John von Neumann (1903-1957) desempenharam um papel
fundamental no desenvolvimento da teoria matricial. Por exemplo:
• O famoso teorema de Cayley-Hamilton foi importante para o desenvolvimento da álgebra
matricial, enunciando que qualquer matriz satisfaz a sua equação caracterı́stica - este
resultado foi provado totalmente por Frobenius.
• Grassmann e Gibbs foram fundamentais no trabalho de desenvolvimento da álgebra
vectorial, indispensável na definição de comportamentos e relações entre as linhas e
colunas de uma matriz.
• Neumann estabeleceu uma relação entre a teoria matricial e a ciência da computação.
Na actualidade as matrizes permitem, para além da resolução de problemas associados a
sistemas de equações lineares, descrever a mecânica quântica da estrutura dos átomos, auxiliar
no desenvolvimento de modelos matemáticos computáveis, analisar e representar relações entre
variáveis matemáticas, entre muitas outras aplicações.
Definição de Matriz
Chama-se matriz de ordem n por m a um quadro/tabela de n × m elementos, ditas entradas,
dispostos em n linhas e m colunas:
a11 a12 a13 . . . a1m
a21 a22 a23 . . . a2m
a31 a32 a33 . . . a3m
A= = [aij ]n×m .
.. .. .. ..
. . . .
an1 an2 an3 . . . anm
Observações:
• Aij indica a entrada da matriz que se encontra na linha i e na coluna j. Na notação
A = [aij ] então Aij = aij . Por exemplo, a24 está na linha 2 e coluna 4.
• Se a matriz é de tipo n × m e as suas entradas estão no corpo K então escrevemos
A ∈ Kn×m .
• Se n 6= m a matriz A diz-se rectangular. Se n = m a matriz diz-se quadrada de
ordem n.
• Se todas as entradas da matriz A são nulas, i.e. se aij = 0 para todos i, j, então A diz-se
a matriz nula de tipo n × m:
0 0 ... 0
0 0 . . . 0
A = .. .. .. = 0n×m .
. . .
0 0 ... 0
ALC 3
a11
a21
• Se a matriz tem uma única coluna, i.e. se A = .. é de tipo n × 1, A diz-se uma
.
an1
matriz coluna.
• Se a matriz tem uma única linha, i.e. se A = a11 a12 . . . a1m é de tipo 1 × m, A
diz-se uma matriz linha.
Exemplos 1.
2 −1 0
a) A = 3 0 1/2 ∈ Q3×3 - matriz quadrada de ordem 3.
−2/3 1 −5
2 √−1 0
b) B = ∈ R2×3 - matriz rectangular de tipo 2 × 3.
3 2 1/2
c) C = 2 − ln e cos π/3 2e ∈ R1×4 - matriz linha de tipo 1 × 4.
2+i
d) D = 1√ − 3i ∈ C3×1 - matriz coluna de tipo 3 × 1.
2i
Como Q ⊂ R ⊂ C, note-se que também temos A ∈ R3×3 , A ∈ C3×3 , B ∈ C2×3 , C ∈ C1×4 .
Matrizes quadradas:
Suponhamos n = m:
a11 a12 a13 . . . a1n
a21 a22 a23 . . . a2n
A = a31 a32 a33 . . . a3n
= [aij ]n×n .
.. .. .. ..
. . . .
an1 an2 an3 . . . ann
• Os elementos a11 , a22 , a33 . . . , ann constituem a diagonal principal de A.
• Se todas as entradas acima da diagonal principal são nulas, i.e. se aij = 0 para i < j, a
matriz diz-se triangular inferior:
a11 0 0 ... 0
a21 a22 0 . . . 0
A = a31 a32 a33 . . . 0 .
.. .. .. ..
. . . .
an1 an2 an3 . . . ann
• Se todas as entradas abaixo da diagonal principal são nulas, i.e. se aij = 0 para i > j, a
matriz diz-se triangular superior:
a11 a12 a13 . . . a1n
0 a22 a23 . . . a2n
A= 0 0 a33 . . . a3n .
.. .. .. ..
. . . .
0 0 0 . . . ann
4 Álgebra Linear I
• Se todas as entradas acima e abaixo da diagonal principal são nulas, i.e. se aij = 0 para
i 6= j, a matriz diz-se diagonal:
a11 0 0 ... 0
0 a22 0 ... 0
A= 0 0 a33 ... 0 = diag(a11 , a22 , ..., ann ).
.. .. .. ..
. . . .
0 0 0 . . . ann
• Se A é uma matriz diagonal com todas as entradas da diagonal iguais, A diz-se uma
matriz escalar:
a 0 0 ... 0
0 a 0 . . . 0
A = 0 0 a . . . 0 = diag(a, a, ..., a)n .
.. .. .. ..
. . . .
0 0 0 . . . a n×n
Em particular, se a = 1 a matriz diz-se a matriz identidade de ordem n e escreve-se:
1 0 0 ... 0
0 1 0 . . . 0
In = 0 0 1 . . . 0 = diag(1, 1, ..., 1)n
.. .. .. ..
. . . .
0 0 0 . . . 1 n×n
ALC 5
Igualdade de matrizes
Duas matrizes A = [aij ]n×m e B = [bij ]n×m do mesmo tipo n×m dizem-se iguais se as entradas
correspondentes são iguais, i.e. se
aij = bij para todos i ∈ {1, ..., n}, j ∈ {i, ..., m}.
Exemplos 3.
2 3 0 2 3 0
a) = .
−4 2 5 −4 2 5
2 3 0 2 3 1
b) 6 = .
−4 2 5 −4 2 5
Adição de matrizes
A adição de matrizes está definida para matrizes do mesmo tipo: se A = [aij ]n×m e B = [bij ]n×m
então
a11 + b11 a12 + b12 a13 + b13 . . . a1m + b1m
a21 + b21 a22 + b22 a23 + b23 . . . a2m + b2m
A + B = a31 + b31 a32 + b32 a33 + b33 . . . a3m + b3m
.. .. .. ..
. . . .
an1 + bn1 an2 + bn2 an3 + bn3 . . . anm + bnm
Exemplos 4.
2 3 0 3 1 −2 2 + 3 3 + 1 0 + (−2) 5 4 −2
a) + = = .
−4 2 5 0 2 −2 −4 + 0 2 + 2 5 + (−2) −4 4 3
1 1 3 1 1+3 1+1 4 2
0 −3 −2 0 0 + (−2) −3 + 0 −2 −3
−1 3 + 2 −2 = −1 + 2 3 + (−2) = 1
b) .
1
5 2 4 3 5+4 2+3 9 5
3 1
2 3 0 −2 0
c) 2 −2 não se podem adicionar porque não são do mesmo tipo.
e
−4 2 5
4 3
c) A + 0n×m = A;
d) A + (−A) = 0n×m .
6 Álgebra Linear I
Demonstração. Vamos provar a igualdade b). Para isso temos de mostrar que a entrada
(i, j) da matriz do lado esquerdo coincide com a entrada (i, j) da matriz do lado direito, i.e
que (A + (B + C))ij = ((A + B) + C)ij :
Portanto A + (B + C) = (A + B) + C.
Exemplos 5.
2 3 0 5×2 5×3 5×0 10 15 0
5 = = .
−4 2 5 5 × (−4) 5 × 2 5 × 5 −20 10 25
a) α(βA) = (αβ)A;
b) (α + β)A = αA + βA;
c) α(A + B) = αA + αB.
Demonstração. Vamos provar a igualdade c). Para isso temos de mostrar que (α(A+B))ij =
(αA + αB)ij , para quaisquer (i, j):
(α(A + B))ij = α(A + B)ij = αAij + αBij = (αA)ij + (αB)ij = (αA + αB)ij .
dist. da multi.
em rel. à adição
Mutiplicação de matrizes
A multiplicação de duas matrizes é bem definida apenas se o número de colunas da matriz da
esquerda é igual ao número de linhas da matriz da direita, i.e só podemos multiplicar duas
matrizes A, B se:
ALC 7
A matriz produto AB é a matriz, do tipo n × p (n linhas e p colunas), cuja entrada (i, j)
(i = 1, ..., n, j = 1, ..., p) é calculada multiplicando-se ordenadamente os elementos da linha i
da matriz A pelos elementos correspondentes da coluna j da matriz B e, a seguir, somam-se
os produtos obtidos:
onde
m
X
(AB)ij = ai1 b1j + ai2 b2j + . . . + aim bmj = aik bkj
k=1
Exemplos 6.
3 1
1 0 2 1·3+0·2+2·1 1·1+0·1+2·0 5 1
a) 2 1 =
= .
−1 3 1 −1 · 3 + 3 · 2 + 1 · 1 −1 · 1 + 3 · 1 + 1 · 0 4 2
1 0
1
3
b) −1 2 0 5 2 = −1 · 1 + 2 · 3 + 0 · 2 + 5 · (−1) = 0 - matriz de tipo 1 × 1.
−1
2 2·0 2 · (−1) 0 −2
c) 0 −1 = = - matriz de tipo 2 × 2.
−3 (−3) · 0 (−3) · (−1) 0 3
d) Im A = AIn = A.
8 Álgebra Linear I
Para b), suponhamos que A ∈ Kn×m , B, C ∈ Km×p :
m
X m
X m
X
(A(B + C))ij = Aik (B + C)kj = Aik (Bkj + Ckj ) = (Aik Bkj + Aik Ckj )
k=1 k=1 k=1
m
X m
X
= Aik Bkj + Aik Ckj = (AB)ij + (AC)ij = (AB + AC)ij .
k=1 k=1
Observações:
a) Quando existe a multiplicação AB, a multiplicação BA só pode existir no caso em que
A e B são ambas quadradas.
Matriz transposta
Dada uma matriz A = [aij ]n×m (de tipo n×m), a matriz transposta é a matriz AT = [aji ]m×n
de tipo m × n que se obtém de A trocando as linhas pelas colunas de mesmo ı́ndice:
Exemplos 7.
2
T −1
a) 2 −1 3 0 =
3 .
0
T 2 −4
2 3 0
b) = 3 2 .
−4 2 5
0 5
ALC 9
Propriedades da matriz transposta 4. Tem-se, para quaisquer matrizes A, B ∈ Kn×m ,
C ∈ Km×p e qualquer α ∈ K:
a) (AT )T = A;
b) (A + B)T = AT + B T ;
c) (αA)T = αAT ;
d) (AC)T = C T AT .
Demonstração. Vamos provar a igualdade d). Para isso temos de mostrar que ((AC)T )ij =
(C T AT )ij , para todo (i, j):
m
X m
X m
X
T
((AC) ))ij = (AC)ji = Ajk Cki = Cki Ajk = (C T )ik (AT )kj = (C T AT )ij .
k=1 k=1 k=1
Portanto (AC)T = C T AT .
Exemplos 8.
1 5 9
a) A = 5 2 7 é simétrica.
9 7 6
0 3 5
b) A = −3 0 −4 é anti-simétrica (= hemi-simétrica).
−5 4 0
Matriz conjugada
Dada uma matriz A = [aij ] ∈ Cn×m , a matriz conjugada de A é a matriz A = [aij ] ∈ Cn×m
que se obtém de A substituindo cada entrada corresponde pelo seu conjugado (em C):
Exemplos 9.
i 1 + 2i 1 − i i 1 + 2i 1 − i −i 1 − 2i 1 + i
= = .
2 3i 2 + 2i 2 3i 2 + 2i 2 −3i 2 − 2i
10 Álgebra Linear I
Matriz transconjugada
T
Dada uma matriz A = [aij ] ∈ Cn×m , a matriz transconjugada de A é a matriz A∗ = A =
[aji ] ∈ Cm×n transposta da matriz conjugada de A:
T
a11 . . . a1j . . . a1m a11 . . . ai1 . . . an1
.. .
.. .
.. .
.. .. .. ..
. . . .
A = ai1 . . . aij . . . aim , A = a1j . . . aij
∗
. . . anj .
. .. .. .. . .. ..
.. . . . .. . .
an1 . . . anj . . . anm a1n . . . aim . . . anm
Exemplos 10.
∗ T −i 2
i 1 + 2i 1 − i i 1 + 2i 1 − i
= = 1 − 2i −3i .
2 3i 2 + 2i 2 3i 2 + 2i
1 + i 2 − 2i
Matriz de blocos
Dada uma matriz A = [aij ]n×m podemos particioná-la em blocos rectangulares, usando linhas
horizontais e verticais:
A11 A12 · · · A1s
A21 A22 · · · A2s
A= ··· ··· ···
···
Ar1 Ar2 · · · Ars
onde cada Aij é uma matriz de tipo ni × mj com
n1 + n2 + · · · + nr = n , m1 + m2 + · · · + ms = m
- quer dizer que a soma do número de linhas [resp. colunas] dos blocos em cada coluna [resp.
linha] é o número total de linhas [resp. colunas] da matriz A. Cada matriz Aij diz-se um bloco
ou submatriz de A, e dizemos que A está fraccionada em blocos Aij de tipo ni × mj .
1 2 3 4 5
6 7 8 9 10
Exemplos 11. Dada a matriz A = 11 12 13 14 15 podemos, por exemplo, particioná-
16 17 18 19 20
la da maneiras seguinte:
1 2 3 4 5
6 7 8 9 10 A11 A12
A= =
11 12 13 14 15 A21 A22
16 17 18 19 20
ALC 11
1 2 2×2 3 4 5 2×3 11 12
com A11 = ∈ R , A12 = ∈ R , A21 = ∈ R2×2 , A22 =
6 7 8 9 10 16 17
13 14 15
∈ R2×3
18 19 20
12 Álgebra Linear I