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Jornal Gazeta Mercantil. Cad. Bahia, 26 mar. 2001, p.

A diversidade linguística na escola


Lucília Coimbra

O tratamento que os livros didáticos dispensam à abordagem dos aspectos gramaticais


segue a linha normativa com pouquíssimas possibilidades de discussão sobre a variedade
não padrão da língua. Esse ponto deve ser cuidadosamente observado pela escola que,
muitas vezes, adota livros cujo teor está distante da realidade linguística do aluno, porque
não encontra disponível um material acessível, capaz de atender à necessidade de sua
clientela.

Ao professor da língua materna, fica a responsabilidade de encontrar formas de mostrar


aos alunos as diferenças dialetais, conscientizando-os dos distintos modos de falar, para
que possam adotar um estilo próprio de expressão. Mas se o professor desconhece as
regras do português popular, embora o utilize, sem perceber, também não a notará na
linguagem do aluno, fato que pode dificultar a identificação do emprego da regra não
padrão.

O trabalho com a variedade linguística dos alunos, embora ainda não esteja estabelecida
uma política linguístico-educacional, é de grande importância, mas boa parte do
professorado não tem formação linguística, o que o impede de compreender as variedades
da língua, como também o valor que elas possuem como sistemas estruturados e coerentes
e que, socialmente, uma variedade é mais prestigiada que a outra.

A posição radical frequentemente adotada frente ao usuário do dialeto de menor prestígio


não o levará a adquirir a variante-padrão e adotá-la em suas mais diversas situações de
comunicação. Inferimos que, se a escola mudar o seu procedimento, conseguirá
estabelecer uma melhor compreensão da diversidade linguística, valorizando todos os
dialetos com o intuito de evitar a discriminação dos falantes da variedade não padrão, o que
poderá amenizar certas situações constrangedoras que esses falantes enfrentam, pois
vivemos em uma sociedade em que o preconceito linguístico ainda é bastante intenso. A
própria instituição escolar ainda não tomou consciência de que a variedade padrão é dotada
de maior prestígio por razões históricas e sociológicas e não por questões linguísticas,
portanto esse é mais um motivo para que se amplie a sua visão em relação ao uso da
língua na escola.

No campo da sociolinguística já existe uma proposta de trabalho denominada bidialetalismo


que reconhece as duas variedades linguísticas. Com base no bom resultado do ensino
bilíngue, a educação bidialetal tem como princípio considerar como legítimo o dialeto não
padrão, mas também propiciar o ensino da variante-padrão para que o falante empregue um
e outra nos contextos adequados.

Segundo os pesquisadores, a adoção dessa política trará melhor proveito a alunos


procedentes de áreas distantes, como a zona rural e periferia dos centros urbanos, que têm
pouco contato com a variedade linguística padrão. Iniciativas dessa natureza podem
concorrer para minimizar a situação, pois o trato adequado e respeitoso às diferenças
dialetais irá contribuir para uma melhor atuação escolar do aluno, afastando alguns fatores
que provocam o baixo rendimento, evasão, alto índice de repetência e, consequentemente,
gerando mais interesse, segurança e estímulo, o que possibilita uma melhor integração
entre o aluno, a escola e a sociedade.
É importante que se discuta sobre os aspectos que contribuem para a ocorrência da
variação linguística e o tratamento que a escola dispensa à questão, quando não leva em
consideração as diferenças dialetais presentes em qualquer língua. As pesquisas
sociolinguísticas apontam para as transformações que beneficiarão, principalmente, os
educandos que não apresentam familiaridade com o domínio padrão da língua cujo acesso
só têm os segmentos mais próximos dos centros urbanos ou áreas geográficas mais
desenvolvidas. A proposta da educação bidialetal é legitimar as duas variações linguísticas,
levando ao aluno o conhecimento da variante-padrão, ao tempo que reconhece o dialeto
não padrão. Dessa forma, fatores que contribuem para o baixo rendimento escolar,
repetência e evasão podem ser banidos das instituições de ensino.

lucilia.coimbra@enova.educacao.ba.gov.br
Mestra em Letras - ProfLetras Universidade Federal da Bahia
Professora da rede estadual de ensino do Estado da Bahia

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