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Brexit e os movimentos separatistas na Europa

“Suponha-se que um dia, após uma guerra nuclear, um historiador intergaláctico pouse em um planeta então
morto para inquirir sobre as causas da pequena e remota catástrofe registrada pelos sensores de sua galáxia...
Após alguns estudos, nosso observador conclui que os últimos dois séculos da história humana do planeta Terra
são incompreensíveis sem o entendimento do termo ‘nação’ e do vocábulo que dele deriva.”
Eric Hobsbawm, 1991

Nação, nacionalismo e separatismo


A nova ordem internacional, instituída nos anos de 1990, convive com dois movimentos simultâneos e antagôni-
cos. De um lado, a globalização, um eixo de integração econômica e de pretensa homogeneização do espaço e da
cultura. De outro, uma forte resistência nacional, naquilo que os geógrafos passaram a definir como fragmentação
do território, ou seja, enquanto a globalização e os blocos econômicos propõe a homogeneização do espaço por
meio do neoliberalismo, existem movimentos separatistas estimulados por impulsos nacionais que despontam em
diversas partes do mundo, impondo resistência ao projeto global, muitas vezes de forma violenta.
No que tange a contemporaneidade do tema, registros separatistas datam de muito tempo na história da
política. O separatismo se manifesta desde a formação do Estado moderno e sua gênese está indissociavelmente
ligada à identidade nacional e, por conseqüência, ao nacionalismo.
O conceito de nação é um dos mais difíceis entre os temas das ciências humanas, bem como sua derivação,
o nacionalismo.

A saber

Nação
Grupo de indivíduos que se identificam como pertencentes a um mesmo povo, sentindo-se como “nós” e sabendo
perfeitamente distinguir quem são “eles”. Segundo Eric Hobsbawm, a principal maneira de definir uma nação é iden-
tificar um grupo de pessoas que se sentem como tal. Os elementos que as levam a formar uma nação podem ser a
língua, a religião, a etnia, uma história comum. O amalgama da identidade se dá sobre uma base sólida: o território.

Nacionalismo
Expressão de um sentimento coletivo em uma comunidade, que se identifica por meio de símbolos nacionais, tais como
a religião e a história comum, e manifesta o desejo de decidir sobre seu destino.

Estado
Segundo Max Weber, sociólogo alemão, Estado é “uma comunidade humana que exige o monopólio do uso legítimo
da força física dentro de um dado território.” Estado, portanto é uma instância política e jurídica representativa de
um povo (nação) e que defende a soberania de um território.
Esses três elementos (Estado, nação e território) são categorias essenciais da política e das ciências humanas em geral.

Muitos movimentos separatistas explodem violentamente em função de seus integrantes ou grupos organizados
não aceitarem pertencer a um determinado país (Estado Nacional). Em muitas ocasiões, povos de origem nacional
díspar foram agrupados num mesmo estado territorial, frequentemente, o fruto desse desenrolar histórico é o ódio
nacional.
Os movimentos separatistas que agitam a ordem internacional contemporânea devem ser analisados à luz
de uma complexa teia cultural, religiosa, histórica, geográfica e política. Separatismo e nacionalismo caminham

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juntos. Na base de tudo está o termo nação.
A Europa é um dos termômetros da retomada do nacionalismo no final do século XX e princípio deste novo;
surgem no velho continente, inúmeros casos, mas ele não está só.

A questão irlandesa
Observe o mapa:

O ingrediente religioso é indissociável da questão irlandesa. Na Irlanda do Norte, a uma forte minoria católica
(40%) que simpatiza com a idéia de unificação das irlandas, enquanto a maioria protestantes (60%) defende
a submissão da Irlanda do Norte ao Reino Unido, ou seja, os protestantes são monarquistas e os católicos são
republicanos.

O que é Reino Unido

É muito comum confundir Inglaterra, Reino Unido e Grã Bretanha. Talvez seu nome oficial nos ajude a entender melhor
tudo isso: Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do Norte. O reino é constituído por 4 países: Inglaterra, Escócia,
País de Gales e Irlanda do Norte. A um único chefe de Estado (atualmente a rainha Elizabeth II) e também um único
chefe de Estado (Tereza Mey). Além dessas 4 partes, o país tem possessões em várias partes do mundo, fruto de seu
passado colonial.
O Reino Unido é uma monarquia parlamentar em que o poder da rainha é meramente cerimonial: o poder de fato é
exercido pelo chefe de Estado, o primeiro ministro. Trata-se de um Estado altamente centralizado e nitidamente lidera-
do pela Inglaterra. A Escócia, o País de Gales e a Irlanda do Norte contam com suas respectivas assembléias nacionais,
as quais, no entanto, estão subordinadas ao primeiros ministro e este ao Parlamento Britânico, que é renovado perio-
dicamente em eleições parlamentares.

Em linhas gerais o foco do problema irlandês está na reivindicação da minoria católica Ulster, que deseja se integrar
ao EIRE. A maioria protestante recusa essa fusão. No meio da contenda está a Inglaterra, principal país do Reino
Unido. O conflito tomou dimensões nacionais tornando-se muito violento. Foram inúmeras vitimas fatais ao longo
do século XX, particularmente durante a década de 1970.

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Raízes do problema Resistência e independência
Embora a questão irlandesa se relacione a uma causa O clima de insatisfação, incitado pela repressão inglesa,
religiosa, suas origens são anteriores, remontam ao sé- provocava um sentimento de revolta cada vez maior nos
culo XIII, quando, no contexto de expansão e conquistas irlandeses católicos e mesmo em alguns protestantes
a Inglaterra invadiu a ilha irlandesa (a terra dos celtas) que aderiram à causa republicana. É bom que se diga
e impôs seu domínio político e territorial. Nessa época, que a essa altura já havia milhares de irlandeses protes-
ainda não havia protestantes – a Reforma viria somente tantes na Irlanda.
no século XVI. Contra essa situação, explodiram insurreições
Com as contestações religiosas da Reforma, que cada vez mais frequentes no sul da ilha. Em 1916, ocor-
na Inglaterra foram conduzidas por Henrique VIII, o cria- reu um intenso levante contra a ocupação britânica em
dor da igreja anglicana, o ingrediente religioso entra em Dublin, no sul, duramente reprimida pela polícia que con-
ação na contenda entre ingleses e irlandeses, visto que tava com homens enviados da Inglaterra. O movimento
esses últimos eram católicos. foi organizado pelo IRB (Irmandade Republicana Irlande-
Como se sabe, o anglicanismo foi a pedra an- sa), precursor do IRA. Os líderes desse movimento chega-
gular do absolutismo inglês: tornou-se um instrumento ram a proclamar a independência da republica da Irlanda.
O governo do Reino Unido agiu rápido, ocu-
de poder. Neste contexto, os problemas na Irlanda to-
pando a ilha e prendendo milhares de manifestantes.
maram uma dimensão também religiosa, uma vez que,
Muitos líderes irlandeses foram executados na prisão.
para consolidar seu poder, a Inglaterra estimulou uma
O episódio causou forte comoção nacional na Irlanda
intensa imigração para a ilha. Os ingleses que chega-
e sua principal consequência seria a fundação do IRA
vam em situação social superior, eram anglicanos, e a
(Exercito Republicano Irlandês), em 1919, por Michael
resistência nos nativos irlandeses passou a ver no ca-
Collins. Desde 1905, já existia o Sinn Fein, braço políti-
tolicismo uma bandeira de luta contra os invasores. A
co do IRA. As duas organizações assumiram gradativa-
indignação contra a discriminação e as perseguições
mente uma postura política de esquerda. De Vallera se
forjariam um sentimento de identidade nacional entre
tornaria o principal político de Sinn Fein e, mais tarde, o
os irlandeses, e a religião católica figuraria como ele-
presidente da Irlanda independente.
mento catalisador desse sentimento.
Nas eleições parlamentares de 1918, o Sinn Fein
Firmava-se um domínio territorial e uma coloni-
elegeu quase todos os representantes irlandeses no
zação inglesa na Irlanda, onde a posse das terras era
parlamento, sendo que a principal bandeira do grupo
transferida aos ocupantes. Os irlandeses entraram então
era a independência da Irlanda.
em declínio, vivendo em profunda miséria. Iniciou-se um A atuação do IRA (guerrilhas e atos extremis-
longo percurso de levantes e rebeliões fortemente repri- tas) e do Sinn Fein (no âmbito diplomático) forçaram
midas pelo domínio inglês. a Inglaterra a conceder uma independência parcial aos
Em 1800, através da Union Act, a Irlanda foi in- irlandeses católicos. Através do Tratado Anglo Irlandês,
corporada em definitivo ao Reino Unido; esse decreto a Grã Bretanha reconhecia o estado livre da Irlanda, em
nunca foi plenamente aceito pelos católicos. É desse 1921, que ocupava aproximadamente 75% da ilha, mas
contexto de indignação que brotaria na Irlanda, particu- permanecia subordinada à monarquia britânica. A por-
larmente no sul, uma forte aversão à Inglaterra e ao an- ção norte, o Ulster, de maioria protestante, continuaria
com o mesmo status e sob domínio britânico.
glicanismo, sinônimos para os irlandeses. Esse percurso
Surgia, então, um novo Estado, embora ainda
histórico lançará as bases do nacionalismo irlandês.
vinculado a Commonwealth (Comunidade da Nações,
entidade britânica que congrega estados independen-
tes como a Austrália, o Canadá, a África do Sul e a Nova
Zelândia). Portanto, os irlandeses continuavam súditos
da rainha.

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Os católicos republicanos estavam parcialmen- adormecido. Os protestantes também se armaram em
te satisfeitos. A independência total e a transformação grupos paramilitares (os temidos Esquadrões da Morte),
em republica viriam em 1949, após a Segunda Guerra como a Associação de Defesa do Ulster e a força vo-
Mundial e no novo contexto geopolítico internacional, luntária do Ulster. Assim a Irlanda do Norte mergulhou
quando a Inglaterra reconheceu integralmente a inde- numa frenética guerra civil.
pendência irlandesa.
Na realidade, os irlandeses declararam sua inde-
pendência em 1937, quando foi redigida a constituição
do país e seu nome oficial passou a ser EIRE; mais a
situação ficou sob júdice até 1949, quando a Inglaterra
reconheceu a independência e concedeu autonomia a
Irlanda do Norte.
Estado independente reconhecido pela ONU. A
questão estava resolvida;ao menos no sul. Os proble-
mas agora fixar-se-iam no Ulster, onde a forte minoria A década de 1970 foi marcada por um quadro gene-
católica prosseguiria em sua luta. ralizado de conflito civil: espetaculares ações do IRA
recebiam duras respostas norte-irlandesas e britânicas;
O agravamento da havia ainda as ações terroristas dos paramilitares pro-
questão no Ulster testantes. Em princípios dos anos de 1980, militantes
presos do IRA iniciaram uma greve de fome que culmi-
Há séculos a população do Ulster era majoritariamente nou com a morte de diversos deles. O caso mais trau-
protestante. Mas com o desenvolvimento econômico mático foi o do mártir irlandeses Bobby Sands: agoni-
verificado no período pós guerra e a respectiva necessi- zou durante meses numa greve de fome ignorada pelo
dade de mão-de-obra, muitos católicos migraram para o governo britânico e acompanhada passo a passo pelo
norte. Os protestantes trataram de se resguardar, crian- mundo. A década foi fechada alternando momentos de
do leis que preservavam sua supremacia social e política inconclusas negociações e muita violência.
(restrições eleitorais aos católicos, por exemplo) trans- Um clima de otimismo pairou sobre o início dos
formando a forte minoria católica na parcela alijada dos anos de 1990, particularmente quando, em 1993, assi-
setores mais abastados da sociedade. naram os acordos de Downing Street, em que se busca-
Nos anos de 1960, já com uma expressiva po- va solucionar ou ao menos amenizar a crítica situação.
pulação os católicos iniciaram uma campanha denomi- O Sinn Fein seria finalmente reconhecido como um dos
nada “Movimento pelos Direitos Civis”, inspirados no interlocutores católicos. Gerry Adams, ex-combatente
ideal de Martin Luter King. Em uma passeata pacífica,
do IRA e principal líder político do partido, pedia a John
no ano de 1972, paraquedistas inglesas que patrulha-
Major, primeiro ministro à época, que realizasse um
vam as ruías de Londonderry abriram fogo contra os
referendo popular a respeito da unificação da Irlanda.
manifestantes: houve treze mortes e mais de cem feri-
Propunha-se uma consulta conjunta às duas porções da
dos. Esse triste domingo ficou conhecido como Bloody
ilha, norte e sul, numa contagem única, mas o governo
Sunday, o domingo sangrento.
britânico queria a contagem em separado. Milícias pro-
Após a independência do Eire, o IRA passou a
testantes contrárias às negociações iniciaram uma série
atuar na Irlanda do Norte, reivindicando a unificação
de atentados, sobrepujando, inclusive, as ações do IRA
da ilha. Os católicos republicanos não reconhecem a
no ano de 1994.
divisão da ilha em duas partes. Decepcionados e tristes
com os episódios do Bloody Sunday, muitos católicos
resolveram abandonar a via pacífica e partir para a luta
armada, engrossando as fileiras do IRA, que andava

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Os Acordos de Belfast (1998) das armas do IRA. O impasse estava colocado. A Assem-
bléia norte-irlandesa foi fechada e ficou sob intervenção
Após eleições de Tony Blair, em 1997, iniciou-se uma do governo britânico, que se esforçou para que os cató-
reaproximação entre as partes envolvidas. Gerry Adams licos e protestantes retomassem as negociações.
liderou as negociações pelo lado católico; do lado pro- Em agosto de 2005, no entanto, ocorreu um fato
testante, o principal negociador era David Trimble. Tony histórico: o IRA depôs finalmente as armas e renunciou
Blair agia como moderador, e sua boa performance na definitivamente à luta armada. Sem duvida, um passo
condução das negociações lhe rendeu dividendos políti- audacioso e inédito numa história que, durante mais de
cos, inclusive em sua primeira reeleição, em 2001. trinta anos, causou três mil mortes. O grupo anunciava
Assim, no ano de 1998, chegava-se enfim a o abandono da luta armada mas não dos objetivos po-
um acordo de paz, após trinta anos de acirramento da líticos de uma Irlanda unida e republicana.
questão irlandesa: eram os acordos de Belfast, também
conhecidos como Acordos de Sexta-Feira Santa. Os prin- O separatismo Basco
cipais pontos do acordo eram:
Na zona da fronteira entre Espanha e França, vive um
§§ a constituição de uma Assembléia parlamentar
povo de aproximadamente 2 milhões de pessoas: são os
por eleição direta, respeitando-se a proporciona- bascos. Trata-se do povo mais antigo de toda a Europa
lidade da população, com 58% de protestantes (cerca de 8 mil anos). Habitam o atual território desde
e 42% de católicos; antes da chegada dos povos indo-europeus, de que des-
§§ o reconhecimento final do Sinn Fein como par- cendem praticamente todas as línguas européias. Falam
tido político; o euskera (ou vasconço), língua estranha aos padrões
§§ a deposição das armas por parte do IRA e das do continente, não pertencendo a nenhum tronco lin-
milícias protestantes; guístico conhecido. Estudiosos aventam a possibilidade
§§ a autonomia da Irlanda do Norte e a criação de de a língua ser derivação de algum ramo caucasiano,
um poder executivo (primeiro-ministro); cujo povo migrou para a Europa 2 mil anos a.C. Mas o
§§ a renuncia do Eire quanto à reivindicação do ter- que se sabe é que essa língua não encontra parentesco
ritório da Irlanda do Norte. com nenhuma outra no mundo. Na Espanha, os baços
Pelos acordos, dois líderes irlandeses ganharam representam 2,5% da população, e se concentram em
naquele ano o prêmio Nobel da paz: o protestante David três províncias: Vizcaya, Alava e Guipúzcoa.
Trimble e o deputado católico John Hume. Londres e Du- O fator lingüístico é o catalisador nacional desse
blin deram anuência ao acordo, ambos cedendo quanto povo e motiva muitos bascos a reivindicarem a inde-
aos direitos à porção do norte da ilha e transferindo pendência. Eles consideram o “Estado” basco o mais
a responsabilidade de status final aos norte-irlandeses. delimitável do mundo, pois sua fronteira é sua língua.
Nas primeira eleições livres, Trimble foi escolhido para A área total do pretenso país basco é de
primeiro-ministro. 7.600km2, cerca de 5,5% da Espanha. Bilbão é a prin-
A harmonia durou pouco. Dois anos após o des- cipal cidade, e Vitória, a capital da região, adquiriu au-
fecho dos entendimentos, nova crise; o ódio secular fa- tonomia em 1979 com a redemocratização do país após
lou mais alto do que o diálogo. Em julhos de 2001, as o fim da ditadura franquista. Trata-se de uma das mais
divergências recrudesceram e a crise culminou com a ricas regiões espanholas.
renuncia de Trimble. O estopim foi a resistência do IRA Durante o regime do general Franco (1939-
quanto a deposição das armas. Por sua vez, a organiza- 1975), os bascos foram duramente reprimidos e, ao
ção argumentava ser muito morosa a retirada de tropas contrário do que se esperava, isso fortaleceu ainda mais
militares britânicas da Irlanda do Norte. O Sinn Fein e o a identidade e a disposição em se constituírem como
IRA temiam ficar vulneráveis após a entrega das armas, um país independente.
pois o domínio militar da Irlanda do Norte está com os Em 1959, oriundo de uma dissidência do partido
protestantes, os quais, por sua vez, exigiam a devolução nacionalista Basco, surgiu o ETA – Euskadi ta Auska-

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tasuma (Pátria Basca e Liberdade), uma organização separatista extremista que passou atuar na luta armada,
realizando violentos atos terroristas. O objetivo: a independência basca.
Durante os anos de 1970 e 80, o ETA promoveu ações impressionantes; a mais espetacular delas culminou
com o assassinato do primeiro-ministro espanhol Luiz Blanco.
Com a morte de Franco, em 1975, a Espanha iniciou o processo de redemocratização. Uma nova constitui-
ção foi redigida e o país, reorganizado em comunidades autônomas. Dentre essas, reconheceram-se três regiões
com status nacional especial e, por isso mesmo, foi-lhes concedida ampla autonomia. Trata-se da Catalunha, da
Galícia e do País Basco, com identidade e línguas próprias. Essas três regiões têm autonomia para decisões políti-
cas, operando com bastante independência em relação ao governo espanhol. Contudo, está claro e explicito que
pertencem à Espanha, ou seja, não são independentes. Um dos objetivos do governo espanhol era aplacar a anciã
separatista.

A iniciativa não foi suficiente para aplacar a fúria do ETA e demovê-lo de seu objetivo principal, a formação
de um Estado próprio. Assim, a organização seguiu adiante com suas ações extremistas, caracterizadas por um alto
grau de violência.
Por muitos anos o ETA contou com um braço político que atuava no âmbito parlamentar, o partido polí-
tico basco Herri Batasuna, recentemente banido. Desde 1974, o movimento conta com uma cisão em seu seio,
separando duas correntes: uma que optou pela via diplomática e outra que preferiu continuar na luta armada,
denominando-se ETA-M.
Numa leitura que frequentemente se faz das ações históricas do ETA é de que, apesar de ter nascido com
forte inspiração marxista, sua postura “radical” independente de um posicionamento do governo espanhol à es-
querda ou à direita. No mandato do socialista Felipe González, anos 1980, o primeiro-ministro enfrentou o proble-
ma basco com energia, afirmando constantemente que “enquanto os socialistas estiverem no poder, a unidade da
Espanha não será posta em causa”. O dirigente aumentou a repressão policial e assinou um acordo de extradição
em conjunto com a França, onde se refugiavam guerrilheiros bascos. Tentava-se, simultaneamente, negociar com
o ETA. A tática alternou avanços e recuos. O problema persistiu sem solução e o ETA continuou agindo violenta-
mente, atingindo alvos militares, políticos e jurídicos. Na década de 1990, durante o período em que a Espanha foi
governada pelo primeiro-ministro conservador José Maria Aznar, a história não foi diferente.

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Todos esses anos de terror e violência produziram na A Catalunha
sociedade espanhola um mal estar generalizado e uma
crescente antipatia pelo ETA, inclusive de boa parte dos Catalunha é uma comunidade autónoma da Espanha,
bascos. No próprio País Basco verificou-se a diminuição situada a nordeste da Península Ibérica. Ocupa um ter-
da influencia dos bascos e o crescimento do Partido So- ritório de cerca de 32.000 km², limitada a norte pela
cialista Operário Espanhol, que, com a proposta mode- França e por Andorra, a leste com o Mar Mediterrâneo,
radora, conquistou adeptos entre a população basca, já a sul com a Comunidade Valenciana e a oeste com Ara-
cansada da violência. gão. A capital e área urbana mais populosa da Catalu-
No dia 5 de setembro de 2010, o grupo anun- nha é a cidade de Barcelona.
ciou, por meio do Jornal basco Gara, o fim dos ataques A comunidade compreende a maior parte do ter-
armados por tempo indeterminado, embora não este- ritório do antigo Principado da Catalunha (com o restan-
ja claro se temporariamente ou permanentemente. De te Rossilhão agora parte do departamento francês dos
acordo com o diário espanhol El País, em um vídeo en- Pirenéus Orientais). A Catalunha é reconhecida como
viado pelo grupo à BBC os integrantes anunciaram que uma nacionalidade no artigo segundo da Constituição
o grupo não realizará mais ações armadas e que esta Espanhola onde se refere a nacionalidade histórica, re-
decisão foi tomada há meses para seguir um caminho conhecendo e garantindo o direito à sua autonomia.
democrático.O governo Basco considerou insuficiente e
ambígua a notícia anunciada pelo grupo, uma vez que Referendo sobre a independência em
este não esclareceu se o fim é definitivo, considerando 2014
suas outras promessas de cessar-fogo não cumpridas.
Enfim, no dia 10 de janeiro de 2011, o ETA con- À revelia da Constituição espanhola e do Tribunal cons-
firmou um cessar-fogo permanente e geral, a ser verifi- titucional o Presidente da Generalidade da Catalunha,
cado pela comunidade internacional, ao mesmo tempo Artur Mas (CiU, primeira força política da comunidade
em que reafirmou o direito do País Basco à independên- na altura), anunciou no dia 12 de Dezembro de 2013,
cia e a ser formalmente reconhecido. No entanto, enfati- que convocará um referendo sobre a independência da
zou que esse processo deve ocorrer por vias democráti- Catalunha. Os partidos mais radicais da comunidade
cas, usando o diálogo e a negociação como ferramentas manifestaram o seu apoio à decisão. ERC, Esquerda
para alcançar seus objetivos. Não houve comentários Republicana (segunda força política mais votada), ICV,
imediatos do governo espanhol, mas observadores in- Iniciativa pela Catalunha (quinta força política), UDC,
ternacionais continuam céticos sobre as intenções do União Democrática da Catalunha (parceiros de coliga-
grupo, dada a sua história de retomar ações armadas ção da CiU), EUiA, Esquerda Unida e Alternativa, (par-
em ocasiões anteriores. ceiros políticos de coligação com ICV), CUP, Candidatu-
O grupo separatista anunciou no dia 20 de ou- ra de Unidade Popular, (nona força política), são a favor
tubro de 2011 que abandonou definitivamente a luta da consulta. Os partidos PSC, Partido Socialista Catalão,
armada, segundo comunicado divulgado pelo jornal (terceira força política mais votada), PP-C Partido Popu-
"Gara", canal habitual dos comunicados do grupo. lar - Catalunha (quarta força política mais votada) e C´s,
"O ETA acaba de anunciar que 'decidiu pelo fim Ciutadans (sexta força política mais votada) estão con-
definitivo de sua atividade armada, disse o jornal basco tra este referendo. Os partidos favoráveis ao referendo
"Gara", citando um comunicado do grupo. somam 88 deputados dos 135 do Parlamento catalão.
O premiê da Espanha, José Luis Rodríguez Za- Com a suspensão do Referendum por parte do
patero, afirmou que o anúncio é uma "vitória da de- tribunal constitucional, o governo catalão convocou
mocracia". um processo de "participação popular". Sem acesso ao
censo, mas conduzida sob as normas democráticas, de
acordo com a comissão de observadores internacionais,
estima-se que a consulta não-oficial, em que o "Sim"
ganhou 80,91% dos votos, teve participação de menos

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de 34% da população apta a votar de acordo com as regiões como País Basco e Catalunha na Espanha ou
regras do referendum, isto é, toda pessoa residente na a Escócia no Reino Unido. Em relação a isto e, dada
Catalunha maior de dezesseis anos. a heterogeneidade cultural da população belga e suas
semelhanças respectivas com os países vizinhos, alguns
O caso da Bélgica círculos conservadores propõe a dissolução do Estado
belga e sua integração com os países vizinhos: Flan-
A divisão ou partição da Bélgica ou a dissolução do dres aos Países Baixos, Valônia à França e a comunidade
Estado belga, por meio da separação da população de germanófona do leste da Valônia à Alemanha. Propõe-
língua neerlandesa da região de Flandres e Bruxelas -se também que, em tal caso, que a cidade de Bruxelas
da população de língua francesa da região de Valônia se tornar um assunto federal administrado diretamente
e Bruxelas, concedendo-lhes ou a independência ou pela União Europeia que agiria como a capital da união.
adesão respectivas para Países Baixos e França, está
atualmente sendo discutida na imprensa belga e in- Brexit: Escócia e o processo
ternacional. O conceito baseia-se nas tensões étnicas
e sócio-econômico de longa data entre as duas comu-
e integraçãoeuropéia como
nidades, bem como a continuidade geográfica e cultural catalisador de movimentos
da Valônia com a França e de Flandres, com a Holanda. separatistas
Segundo estimativas, 59% da população belga
fala holandês (chamado coloquialmente flamengo), O Reino Unido votou com aproximadamente 52% dos
enquanto 40% falam francês. A maioria dos 6,23 mi- votos da população, pela retirada da União Europeia.
lhões de falantes do holandês vivem na região norte de Podemos dizer que uma das conseqüências do Brexit é
Flandres, enquanto 3,32 milhões de francófonos estão a reascensão do movimento separatista escocês, que se
concentrados no sul, na região de Valônia. A Região fortalece com a integração européia.
de Bruxelas-Capital é oficialmente bilíngue, no entan- Em 2014, a vitória do “não” para o separatismo
to, 85% da população fala francês. Além disso, 73 mil da Escócia do Reino Unido pareceu pôr fim às aspira-
pessoas do leste da Valônia formam parte da pequena ções de independência do Partido Nacional Escocês.
comunidade de língua alemã. A saída do Reino Unido da União Europeia significa a
Graças ao poder político e econômico da aris- saída da Escócia da U.E. Contudo, na Escócia, 62% da
tocracia francesa, o francês se tornou a língua oficial população rejeitou o Brexit.
em toda a Bélgica em 1898. Apesar da forte reação Para os movimentos separatistas, a integração
de Flandres, o holandês não foi declarado oficialmente européia se apresenta como mais um fator a ser ana-
nesta região até 1921. A isso adiciona-se a influência lisado. À medida que a integração avança, os Estados-
francesa em Bruxelas, uma cidade onde, até 1950, o -membros fazem cada vez mais parte de um modelo
holandês era língua maioritária, que hoje é falada por intergovernamental de criação de políticas para o conti-
apenas 15% da população. Além disso, embora a re- nente, bem como, toma cada vez mais forma um proje-
gião francesa foi marcada pelo crescimento econômi- to de identidade européia. As sub-regiões que buscam
co durante o século XIX, a indústria valona entrou em independência, buscando se livrar da identidade que
declínio, enquanto que Flandres cresceu rapidamente eles acreditam não lhes pertencer, poderiam enxergar a
durante o século XX e levou a dependência excessiva identidade européia como um entreposto à sua identi-
do sul ao norte. dade nacional almejada.
Embora a dissolução de um Estado-membro da Os movimentos separatistas de sub-regiões de
União Europeia levaria a admissão automática de esta- países – membros dentro dessa União acirram as dis-
dos resultantes existem na Europa discrepâncias sobre cussões sobre o correto funcionamento do bloco e se
a sua adequação, pois acredita que poderia ser o cami- existe espaço para maior autonomia desses grupos den-
nho para continuar a encorajar o separatismo em outras tro desse espaço de cooperação. O almejo de um Estado

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próprio é uma realidade para alguns grupos e seu apelo Londres, e que a integração européia pode proporcio-
tem crescido devido a algumas circunstâncias, como a nar vantagens econômicas quando a Escócia passar a
ampliação da participação civil dentro do bloco e a cria- usufruir de uma independência política, afinal de contas
ção de políticas cada vez mais federalistas dentro da EU. seu mercado interno, enquanto parte da EU, seria de
A Escócia tornou-se parte do Reino Unido em 500 milhões de pessoas. De acordo com um documento
1707, como resultado de falhas tentativas de expansão liberado pelo partido, assinado pelo governo da Escó-
colonial escocesa e derrota militar perante o exército cia em 2013, à época da campanha para o referendo
britânico. Os unionistas escoceses argumentavam que de 2014, uma filiação independente da Escócia à UE
a união seria em prol da proteção do Protestantismo, protegeria a posição vital do país dentro do continente,
dos benefícios comerciais com a Inglaterra e seu impé- garantiria acesso das firmas escocesas ao mercado eu-
rio e das questões de segurança, razões que até os dias ropeu, bem como permitiria o livre movimento de bens,
de hoje, com exceção do protestantismo, continuam serviços, capitais e pessoas. Em contrapartida, um docu-
sendo argumentos pró-união da Escócia. Inicialmente, mento do governo do Reino Unido, no mesmo contexto,
a Escócia manteve seu sistema legal, educacional e a argumentava que os custos de desenvolver uma rede
liberdade da religião presbiteriana, mas em 1885, ob- diplomática escocesa para a defesa de seus interesses,
teve um ministério próprio no Reino Unido, responsável que segundo o documento, o governo britânico já pro-
por questões educacionais, médicas, jurisdicionais, am- vê, seriam altíssimos e não tão bem executados, dadas
bientais, industriais, de transporte, culturais, turísticas e as diferentes posições que os países ocupam no sistema
habitacionais. internacional.
Quando o Reino Unido entrou na Comunidade Mais recentemente, os movimentos separatistas
Europeia, em 1973, o Partido Nacional Escocês, expo- ao longo da Europa tem tomado novo fôlego, graças
ente separatista, fez campanha contrária à adesão, acu- principalmente à crise econômica. Regiões reclamam
sando a integração européia de ser um processo onde que seus interesses não são correspondidos por seus
a soberania da Escócia passaria das mãos de Londres governos, descontentando-se com o status quo ao qual
para Bruxelas. Contudo, na década de 1980, o partido estão atreladas, o que reflete na eleição de partidos que
tornou-se apoiador do processo, uma vez que passa- representam o interesse dessas minorias.
riam a entender o processo de secessão como fortale- A partir da análise do caso escocês, podemos
cido pela integração européia – a Escócia possuiria um observar como o nacionalismo de sub-regiões tem se
novo espaço para incluir na agenda política a questão mostrado como uma conseqüência da consolidação
da sua independência. O PNE, a partir do momento que do supranacionalismo na Europa. De maneira geral, a
entendeu a separação como exequível graças a uma União Europeia funciona para o Partido Nacionalista Es-
percepção de independência perante o Reino Unido, cocês como uma arena para a perseguição de interesses
nacionais escoceses além de suas fronteiras. O partido
passou a divulgar e mobilizar essa mesma percepção
enxerga a UE como uma oportunidade econômica, visto
para a população. O PNE entende atualmente que
que o mercado comum é essencialmente atraente para
seus mercados estão garantido por Bruxelas e não por
pequenas economias.

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