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A ARTE E A CIÊNCIA ENVOLVIDA NA

PRODUÇÃO DA CERVEJA CASEIRA

2021

E DUARDO T HIAGO S LOMP


J OSÉ G ONÇALVES A NTUNES
LÍGIA MARCONDES RODRIGUES DOS SANTOS
Capa

Concepção: Marketing - NewAge Indústria de Bebidas Ltda.

Execução: Rodrigo Beck

Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida sejam quais forem
os meios empregados sem a permissão, por escrito, dos autores
Eduardo Thiago Slomp, José Gonçalves Antunes e Lígia Marcondes
Rodrigues dos Santos.

Aos infratores se aplicam as sanções previstas nos artigos 122 e 130


da Lei nº 5.988 de 14 de dezembro de 1973.
NOTA SOBRE OS AUTORES

EDUARDO THIAGO SLOMP

Graduado em Engenharia Química pela Universidade Regio-


nal de Blumenau. Na graduação foi monitor concursado do Labora-
tório de Processamento de Alimentos da FURB, realizou pesquisas e
auxiliou na confecção de painel de análise sensorial de cervejas. Possui
mestrado em Engenharia Química com linha de pesquisa e trabalhos
enfatizados no processo de malteação e tem a formação de Mestre
Malteiro. Professor na Escola Superior de Cerveja e Malte lecionando
as disciplinas de Cevada, processo de malteação, uso de maltes em
receitas, layout de fábrica e legislação em bebidas. Coor- denador do
curso técnico em cervejaria, da graduação de Engenharia de Produção
cervejeira e TCC da pós-graduação em Tecnologia Cer- vejeira. Editor
chefe da revista latino-americana da cerveja. Cerve- jeiro caseiro há
mais de 8 anos. É consultor e presta assessoria em projetos de
engenharia, qualidade e desenvolvimento de produtos para empresas
de alimentose bebidas.

JOSÉ GONÇALVE S ANT U NES

M.Sc. Processos Químicos e Bioquímicos pela Universidade Fe-


deral do Rio de Janeiro (1997), graduado em Engenharia Química pela
Escola de Química da UFRJ (1996). Colabora para o Sistema Firjan
como Especialista em Serviços Tecnológicos do Centro de Tecnologia
SENAI Alimentos e Bebidas, atuando em serviços especializados,
consultorias e na formação de profissionais para a indústria. Coordenou
projetos de empresas como: Basf, Novozymes, ingre- dion, Cia. Muller
de Bebidas, entre outras. Possui 18 anos de experiência profissional na
área cervejeira e de bebidas não Alcóolicas. Docente de cursos técnicos
de cervejaria onde ministra disciplinas referentes a matérias-primas
cervejeiras, leveduras cervejeiras, fer- mentação e maturação. Coordena
o conteúdo tecnológico do curso Food Safety, ministrado na Coca-Cola
Company. Participação em eventos de cunho tecnológico, como palestrante,
representando o Centro de Tecnologia SENAI-RJ Alimentos e Bebidas,
como: Congresso Tecnico Intenacional, organizado pela Cooperativa
Agrária 2019 e 2010; 5° Simpósio Latino Americano de Cevada e Malte,
2015, Campinas/SP Mondial da La Bierè, 2014, Rio de Janeiro/RJ; 4°
Simpósio Latino Americano de Cevada e Malte, 2013, Buenos Aires; 15º
Simpósio Nacional de Bioprocessos, 2005, Recife/PE Simpó- sio Brasil
Brasil Brau, 2003, Florianópolis/SC.

LÍGIA MARCONDES RODRIGUE S DOS SANTOS

Formada em 2007 em Química pela Universidade Federal do


Rio de Janeiro (UFRJ), técnica em Cervejaria pelo SENAI-RJ (2008),
diploma internacional em cervejaria pela World Brewing Academy
(Siebel/Doemens) e Mestre em Ciências pela Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) em 2016. Trabalhou na Ambev
(2007 - 2009) na unidade de produção do Rio de Janeiro como
Química e Posteriormente trabalhou no Centro de Tecnologia de
Alimentos e Bebidas - SENAI/RJ (2009 a 2017) atuando como
professora em diversos cursos, com destaque no Técnico em
Cervejaria, cujas áreas de especialidade são tecnologia e controle
analítico de qualidade na brassagem, fermentação, maturação e
filtração de cervejas. Também ministrou cursos de tecnologia
cervejeira in company na américa latina nas línguas nativas para a
empresa Sab Miller. Na mesma empresa atuou em diversos processos
de consultoria tecnológica atendendo clientes como Danone, Grupo
Petrópolis, Coca Cola, entre outros. Atualmente é consultora em
Tecnologia, Processo e Controle de Qualidade na Produção
Cervejeira, Professora da Escola Superior de Cerveja e Malte,
Professora da Universidade de Vassouras, supervisora e professora do
curso pós graduação lato sensu Especialização em Gestão e Fabricação
de Cerveja e Editora-chefe das Revistas Onine da Universidade de
Vassouras.
Sumário
NOTA SOBRE OS AUTORES .................................................... 4
1. INTRODUÇÃO E HISTÓRIA .............................................. 7
2. MATÉRIAS-PRIMAS ........................................................... 8
2.1 ÁGUA ........................................................................ 8
2.2. MALTE ..................................................................... 11
2.3. LÚPULO ................................................................... 13
2.4. LEVEDURA ............................................................... 16
3. ETAPAS DE PRODUÇÃO DA CERVEJA .............................. 17
3.1. BRASSAGEM – PRODUÇÃO DE MOSTO ........................ 17
EQUIPAMENTOS PARA ETAPA DE BRASSAGEM ........................ 18
3.1.1 MOAGEM DO MALTE ................................................ 19
3.1.2 MOSTURA ................................................................ 20
3.1.3 CLARIFICAÇÃO OU FILTRAÇÃO DO MOSTO ................ 22
3.1.4 FERVURA E WHIRPOOL ............................................ 23
3.1.5 RESFRIAMENTO ....................................................... 25
3.2 FERMENTAÇÃO ........................................................ 25
DO QUE EU PRECISO PARA CONDUZIR UMA FERMENTAÇÃO? . 26
EQUIPAMENTOS PARA ETAPA DE FERMENTAÇÃO .................. 26
MATÉRIA-PRIMA PARA FERMENTAÇÃO - LEVEDURAS ............. 27
CONDUZINDO A FERMENTAÇÃO .......................................... 29
3.3 MATURAÇÃO ........................................................... 31
3.4 CARBONATAÇÃO DA CERVEJA ................................... 32
1. INTRODUÇÃO E HISTÓRIA

A cerveja é uma bebida alcoólica fermentada, que é produ-


zida a partir de quatro ingredientes básicos: a água, malte (e em
alguns casos adjuntos cervejeiros), lúpulo e levedura. A utilização
de frutas, especiarias e até madeira na produção de cerveja, são
possibilidades que trazem características à bebida também.

Os primeiros relatos da existência da bebida voltam para


10.000 à 8.000 a.C, no Oriente Médio. A comunidade historia-
dora, alega que a humanidade deixou de ser nômade para plantar
cevada e produzir cerveja.

O povo egípcio dominava a produção de cerveja, fazendo


dela uma moeda de troca. Um pouco mais para frente na linha do
tempo, em 1516, é criada pelo Duque Guilherme IV da Bavária, a
lei Reinheitsgebot - lei da pureza alemã, que normatizava a produ-
ção de cerveja apenas com as seguintes matérias-primas: cevada,
lúpulo e água.

Manuscrito de Duque Guilherme IV da Bavária, a lei Reinheitsgebot - lei da pureza alemã.

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Mas vale ressaltar que a primeira lei sobre cerveja conheci-
da, de fato não é a Reinheitsgebot (lei da pureza alemã) de 1516, e
sim as diretrizes que foram encontradas no Código de Hamurabi de
1.750 a.C. Dentre as normativas estabelecidas dentro deste códi-
go, previa-se a morte por afogamento à pessoa que servisse uma
cerveja ruim.

2. MATÉRIAS-PRIMAS

2.1 ÁGUA
Na produção de cerveja, a água tem a maior representativi-
dade como matéria-prima.Vale ressaltar que através de um condi-
cionamento e tratamento prévio, podemos replicar características
específicas de regiões de todo o mundo para produção de nossa
cerveja. A água que é comumente utilizada na produção caseira de
cerveja, ou pode ser uma água livre de Cloro (água mineral) ou
pode ser a própria água da rede pública de distribuição, porém,
para tal deve-se utilizar Filtro de Carvão ativado que remove o
Cloro da água e até compostos orgânicos.
O principal parâmetro físico-químico quando se pensa em
água cervejeira é o pH (potencial hidrogeniônico) que é uma forma
de quantificar a quantidade de H+ e OH- de uma solução. O pH
adequado vai possibilitar a ótima atuação das enzimas na produção
do mosto, assim como irá solubilizar componentes de amargor do
lúpulo e auxiliar na solubilização proteica de forma geral. Na grande
maioria dos casos a adição dos grãos o pH do mosto fica muito

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próximo ao ideal (5,2 a 5,5 – dependendo das enzimas que irão
atuar na hidrólise dos compostos dos grãos).Vale lembrar também
que por conta disso o ideal é que se façam leituras de pH após a
adição dos grãos. Caixa de texto: Para produção caseira pode-se
utilizar um pHmetro de bolso.

Caso o pH não esteja na faixa ideal, existem algumas


possibilidades para sua correção como: Malte acidificado, adição
de bactérias láticas no mosto primário, sulfato ou cloreto de cálcio,
adição de ácido lático, fosfórico ou acético, adição de soluções
tamponantes.

SOLUÇÃO TAMPÃO é UMA SOLUÇÃO entre ÁCIDO/BASE


frACO(A) e um SAL, que Agem NA ESTABILIZAÇÃO do pH.

Além do pH existe também a importância da dureza da água


e ela é dada pelos sais de Magnésio e de Cálcio, e a dureza acaba
sendo classificada como dureza temporária e permanente. A dureza
primária é expressa em carbonatos e bicarbonatos ligados a Cálcio
e Magnésio, e a remoção deles ocorre por fervura; nesse caso há
um aumento do pH. E a dureza permanente que é expressa em sais
de fosfato, nitrato, sulfato de cálcio e magnésio, e a remoção dos
mesmos ocorre através de troca iônica e outros purificantes; nesse
caso há decréscimo do pH.

Agora iremos descrever os principais íons e sua influência


na produção de cerveja, possibilitando o entendimento da adição
de sais para correção de água cervejeira.

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Bicarbonato/Carbonato irá contribuir para o aumento do
pH. A água cervejeira deve ter menos de 75 ppm de carbonato.

PArtes por MILHÃO (ppm) é UMA concentrAÇÃO PARA


soluções muito DILUÍDAS.

Os íons do Cálcio irão reagir com os fosfatos oriundos do


malte, e com isso propiciam a proteção enzimática da degradação
térmica (importante na etapa de brasagem que será vista mais a
frente). Íons de Cálcio (na forma de cloreto ou sulfato) também
irão reduzir o pH durante a brassagem e fervura (100 ppm de Ca
diminui 0,4 unidades de pH). Valores usuais são apresentados em
torno de 5 a 200 ppm, sendo que acima de 200 ppm poderá gerar
um gosto de mineralização;
Os íons de Magnésio irão diminuir o pH mas não tanto
quanto o cálcio. Normalmente, o mosto contém uma quantidade
suficiente de Magnésio proveniente do malte, portanto dificilmente
este sal é adicionado. Em pequenas quantidades, torna o paladar
agradável, com concentração ideal de 2 a 30 ppm. Também é um
cofator importante de diversas enzimas durante a fermentação.
Temos também uma influência do Sulfato que fornecerá
aumento do amargor e secura na cerveja (por exemplo: desejável
em IPA) e os Cloretos que irão aumentar a sensação de boca e
dulçor da cerveja.

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2.2. MALTE

Para o entendimento de malte, devemos pensar


primeiramente no grão que será malteado. Por diversos pontos
positivos a cevada é o cereal mais comum que passar pelo processo
de malteação. A cevada é destinada para as indústrias de processo –
Maltarias, que realizam uma germinação controlada para que
principalmente sejam formadas enzimas neste grão. Além da
síntese enzimática, ocorrem transformações bioquímicas dos
compostos deste grão, assim como o desenvolvimento de sabor,
aroma e cor.
Não existe uma definição exata, mas podemos classificar os
maltes em base e especiais. Os maltes base são os maltes mais
comumente utilizados na produção de cervejas, principalmente
devido a sua maior concentração enzimática, em quantidades
apropriadas para realizar a conversão dos amidos e demais
substâncias presentes no grão em produtos fermentescíveis, fato
que, inclusive, os torna obrigatórios em maiores proporções da
produção da cerveja. Portanto, em suma, estes maltes são a base
da receita de uma cerveja por conta da maior concentração
enzimática que irá realizar as transformações para produção do
mosto cervejeira, que será visto logo mais à frente. Estes maltes
são relativamente mais claros e trazem consigo baixo teor de
complexidade aromática, e temos como exemplo o malte Pilsen,
Pale ale, Mild, Vienna e Munique.
Os maltes especiais serão aqueles formulados com o
objetivo de contrabalancear estas características mais neutras dos
maltes base, provendo: cor, aroma, sabor, corpo,
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formação/retenção de colarinho, ajuste de pH, acidificação do
mosto, enzimas distintas das “usuais”, etc. São maltes com baixa ou
nenhuma concentração enzimática, e são classificados em alguns
grupos como: maltes caramelo, maltes torrados, maltes
acidificados, maltes defumados, entre outros.

Maltes base x Maltes especiais. Imagem ilustrativa.

Então, de forma geral maltes podem possuir diversas


características sensoriais, como sabores maltados, nozes,
adocicados, acidificados, amêndoas, chocolate, café, entre muitos
outros que são oriundos basicamente de dois processos que
ocorrem na secagem do malte lá na maltaria: reação de Maillard e
reação de caramelização. Para tal análise sensorial podem ser
utilizadas os gráficos tipo radar ou teia de aranha dos fabricantes
(maltarias) que nos trazem as principais características sensoriais
dos maltes, ou até mesmo realizar uma infusão a quente de uma
pequena parcela do malte e realizar um teste sensorial antes de
desenvolver uma receita.
Para adição do malte na água cervejeira, devemos realizar
sua moagem. A moagem ideal é aquela que irá expor o amido do

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malte fazendo com que as enzimas possam atuar, assim como irá
manter as cascas o máximo intactas possíveis para contribuir na
formação de uma cama de cascas auxiliando a clarificação da
cerveja. Obs.: moagem adequada neste caso, também é evitar a
formação excessiva de teor de farinha.

2.3. LÚPULO

O lúpulo é composto resumidamente por água, resinas,


polifenóis, óleos essenciais, celulose, açúcares, proteínas e
aminoácidos.
Dentre estes compostos mais importantes estão as resinas,
que podem ser separadas em resinas macias (soft) e duras (hard).
Pela definição, é dito que as resinas macias são totalmente solúveis
em hexano e é a porção que proporciona amargor para a cerveja
depois de isomerizados. Quanto as resinas nós apresentamos aqui
a definição e classificação de alfa e beta-ácidos.
Os α-ácidos são compostos que representam a maior parte
do amargor do lúpulo, sendo ele o constituinte mais importante
das resinas.

Já os β-ácidos comparados aos α-ácidos contribuem em


menor intensidade para o amargor e também cientificamente
conhe- cidos pela ação bactericida.

No lúpulo outro grupo de substâncias importantes são os


óleos essenciais, estes representam uma parcela oleosa da planta,
onde se encontram as essências (destinados aos aromas deste
lúpulo e consequentemente para a cerveja). Os óleos essenciais são
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muito voláteis e podem ser isolados por destilação a vapor. Eles
estão dispostos por diversos compostos em em diversas
composições e quantidades, portanto os lúpulos podem apresentar
muitas fragrâncias diferenciadas.

Composto Químico Aroma


Mirceno Metálico, picante
Pineno Pinho
Limoneno Limão, laranja
Citronelol Citronela
Geraniol Gerâniol
Linalol Lavanda, floral
3 acetato de mercaptiol Maracujá

Durante a fervura do mosto ocorre a isomerização dos α-


ácidos, que de forma mais simples e resumida é o rearranjo
molecular deste componente se tornando iso-α-ácido. Os iso-α-
ácidos são os principais componentes amargos da cerveja e eles
contribuem fortemente para a estabilidade da espuma e agem
como inibidores de bactérias Gram-positivas.

UNIDADE de AMARgor (INTERNATIONAL Bittering Units)

Quantidade de α-ácidos isomerizados que se encontram na


cerveja pronta.

Pela definição, IBU é igual a 1 mg de α-ácido isomerizado

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por litro de cerveja

Os compostos do amargor do lúpulo são extraídos através


de transformações e interações com outros constituintes durante a
fervura do mosto e existem algumas formas para utilização. A flor
feminina da planta in natura, possui alto teor de umidade e por este
motivo, deve ser utilizado em grande quantidade para adicionar as
propriedades desejáveis à cerveja. Acaba se tornando interessante
seu uso quando se pensa em seus efeitos aromáticos, e há vantagem
quando a plantação de lúpulo é localizada próxi mo ao local de
produção da cerveja. Pode ser utilizado em forma de pellets,
através de moagem e prensa, então desta maneira o volume
ocupado é muito menor, facilitando o seu transporte e aumentando
sua durabilidade, e impedir a entrada de oxigênio nas camadas mais
internas. O pellet do tipo T – 90 utilizam 90% da massa contida
na flor desidratada, sendo os 10% restantes des- cartados por se
tratarem de partes da planta sem utilidade para a produção da
cerveja.
Para garantia da qualidade dos lúpulos em pellets, muito
comuns em produção caseira e microcervejarias, a dica é que se
comprem pellets em embalagens à vácuo e caso alguma embalagem
não seja totalmente utilizada na hora, a recomendação é de que seja
guardo em geladeira e até no freezer, pois não há problema no
congelamento dos pellets. Uma outra dica é utilizar as embalagens
tipo ziplock (e ainda se possível, purgar o ambiente interno da
embalagem com por exemplo Gás Carbônico [CO2] ou
Nitrogênio [N]).

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2.4. LEVEDURA
As leveduras são classificadas como fungos, e apresentam-se
normalmente sob a forma unicelular, e reproduzem-se geralmente
por brotamento. Elas crescem mais rapidamente que os bolores e
por conta de sua maior superfície específica. As leveduras também
diferem das algas, por não realizarem fotossíntese; dos
protozoários, por possuírem parede celular rígida; e das bactérias,
pelas suas maiores dimensões e propriedades morfológicas.
Atualmente, elas são usadas numa gama de processos
fermentativos visando à produção dos mais variados produtos. A
partir de sua atividade metabólica, pode se obter enzimas, vitaminas,
proteínas, gorduras etc.

As leveduras do gênero Saccharomyces incluem variadas


espécies consideradas capazes de produzir os metabólitos
fundamentais na cerveja. As cepas cervejeiras são divididas em duas
categorias, de acordo com algumas características que as
diferenciam: são as leveduras do tipo Ale e as leveduras do tipo
Lager.
As leveduras Ale são cepas de Saccharomyces cerevisiae.
Essa espécie é bastante diversificada e tem sido isolada em
inúmeras localidades diferentes em todo o mundo. As leveduras
do tipo Ale são também conhecidas como leveduras de alta
fermentação, pois há tendência delas migrarem para superfície do
fermentador podendo ser facilmente recolhidas e reutilizadas.
Essas leveduras preferem temperaturas entre 15 a 20° C, sendo
mais rápidas que as Lager no processo fermentativo, que pode
durar de 3 a 5 dias.
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Já as leveduras conhecidas como Lager são de baixa
fermentação, pelo fato de não emergirem para superfície em
qualquer condição de fermentação. São em geral da espécie S.
pastorianus, organis mos mais complexos que as Ale. O crescimento
dessas cepas ocorre em temperaturas mais baixas tendo uma faixa
de temperatura para boa fermentação entre de 8 a 14° C, e uma
duração de 7 a 10 dias.

3. ETAPAS DE PRODUÇÃO DA CERVEJA


3.1. BRASSAGEM – PRODUÇÃO DE MOSTO
A brassagem consiste em algumas etapas que tem como
objetivo a fabricação do mosto. O mosto é, basicamente, o caldo
com açúcares e proteínas é feito com água, malte e lúpulo e que
será utilizado pela levedura cervejeira para a fabricação de cerveja.
A nossa levedura não é capaz de utilizar o amido presente
no malte para fazer cerveja, ao contrário de nós que conseguimos
nos alimentar do amido do pão. Por isso, é preciso transformar este
amido em outros açúcares para que ela possa transformá-los em
álcool e outros compostos que vão dar vários sabores e aromas,
específicos da cerveja. Além disso, é na brassagem também que é
adicionado o lúpulo que dará amargor e aromas à cerveja, além de
desenvolvimento de uma cor mais bonita, entre outras coisas que
serão discutidas na brasagem.
Na prática, a produção de mosto demora entre 5 e 8 horas,
mas pode levar até mais tempo dependendo da receita utilizada e
também se contarmos o tempo necessário de limpeza. Uma boa
limpeza de todo o equipamento, em especial do chiller usado no
A ARTE E A CIÊNCIA ENVOLVIDA NA PRODUÇÃO DA CERVEJA CASEIRA | 17
resfriamento do mosto, é fundamental para garantir uma boa
brassagem e também uma boa cerveja.

Antes de começar a falar sobre cada etapa, é necessário falar


sobre receita! Como qualquer alimento ou bebida, antes de colocar
a mão na massa, precisamos definir o que será feito, quais matérias-
primas, se o malte já será comprado moído ou não, se temos todos
os utensílios (limpos!) e os instrumentos de medição (pHmetro e
refratômetro/densímetro) prontos antes de começar. Além disso,
também é interessante providenciar uma planilha de controle,
onde é possível anotar todos os tempos, temperaturas, quantidades
de matérias-primas, momentos de adição e resultados de análises.
Ter controle sobre o processo é fundamental para poder corrigir
erros na próxima vez que for refazer a mesma receita ou repeti-la
com sucesso, caso contrário você estará contando com a sorte
somente. Portanto, prepare uma planilha no computador ou
imprima uma folha de controle e guarde-a para futuras consultas.

A seguir temos a figura 1, onde é apresentado o fluxograma


de uma brassagem caseira feita com biab.

Figura 1

EQUIPAMENTOS PARA ETAPA DE BRASSAGEM


Ao fazer cerveja em casa, podemos usar somente uma panela
(usualmente de alumínio, mas pode ser inox também) e a massa de
malte é acondicionada num tecido tipo voal (que é um tecido com
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uma trama bem fechada) ou num cesto de inox. O primeiro
método chama-se biab (figura 2) ou brew in a bag (brassar num saco,
em tradução livre) e o segundo single vassel (vaso único, em
tradução livre - figura 3). Estes métodos são bem simples e mais
fáceis de lavar, mas devem ser usados em equipamentos menores,
pois quanto maior a massa de grãos, mais complicado é de retirar o
bag ou o cesto da panela. Para contornar isso, alguns equipamentos
contam com um pequeno para puxá-lo.
Pode-se também trabalhar com 2 ou 3 panelas similares ao
método biab, mas sem o tecido e neste caso, as etapas da brassagem
acontecem em panelas distintas. Deve-se utilizar um fundo falso
ou uma bazooka na tina de clarificação e sobre isso falaremos mais
no item de clarificação do mosto.

Figura 2: biab a esquerda. Figura 3: single vessel a direita

3.1.1 MOAGEM DO MALTE

Moer o malte para o cervejeiro caseiro é uma opção, pois


muitos escolhem por não ter um moinho e comprar o malte já
moído em uma brewshop. Realmente dá menos trabalho e faz menos
sujeira, mas caso seja a sua opção, é preciso ficar atento a um ponto
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importante (isso também vale para quem realiza moagem do
próprio malte): Utilizar um malte moído no dia da produção de
mosto ou no máximo no final do dia anterior. Caso isso não seja uma
realidade, mas o malte moído esteja acondicionado em uma
embalagem a vácuo, aí o tempo para utilização é bem maior
podendo ser acondicionado por um dia.
Os moedores mais adequados são os de 2 ou 3 cilindros,
onde é possível regular a abertura dos rolos entre 0,8 e 1,0 mm
com ajuda de uma lâmina de folga. No entanto, também podem
ser usados moedores de grãos de disco a manivela. Independente
do moinho escolhido o importante é que a moagem seja
homogênea, que as cascas não sejam muito trituradas, mas que
também não apresentem grãos inteiros.

3.1.2 MOSTURA
Nesta etapa, o malte moído é misturado à água na proporção
determinada pela sua receita. Em cervejas claras essa proporção é
maior do que em cervejas escuras, mas nas panelas não devemos
usar uma proporção menor do 2,5 kg de malte por litro de água,
caso contrário teremos muito pouca água e o rendimento cai
muito. A condução deste processo é determinante no tipo de
cerveja a ser produzida, pois é neste momento que vão ser
formados os açúcares que a levedura irá consumir e transformar
em álcool e outros compostos na fermentação. Serão formados
também aqueles que não serão consumidos e que ficarão na cerveja
para nós consumidores bebermos. Os açúcares que a levedura usa
são chamados fermentescíveis e a maltose é o principal deles. Os
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açúcares que a levedura não consegue consumir são chamados de
não fermentescíveis e são compostos basicamente por dextrinas.
Para quebrar o amido em açúcares fermentescíveis e não
fermentescíveis são necessárias enzimas (principalmente α e β
amilases) presentes no malte que atuam em temperaturas e pH
específicos. Quanto mais tempo deixamos uma enzima atuando na
sua temperatura ideal, maior sua atividade e mais produtos ela vai
gerar. Por isso, é fundamental respeitar os tempos e a temperaturas
indicadas na receita.

Interessante comentar também que esta etapa deve ser


agitada com a ajuda de uma pá cervejeira feita em material atóxico
e o pH deve ser medido com um pHmetro calibrado. O pH ajuda
a atividade das enzimas que vão preparar o mosto para a
fermentação após o resfriamento, então se ele estiver dentro do
objetivo (o que vai depender da receita, mas para as amilases
geralmente fica em torno de 5,6 e 5,8) teremos um resultado
otimizado. Uma dica importante sobre este instrumento é que
sempre devemos deixar o pHmetro com a sua ponta imersa em
uma solução de cloreto de potássio 3 M quando não estiver sendo
usado. Isso aumenta a vida útil do eletrodo. Além disso, é preciso
calibrar periodicamente o pHmetro para garantir que o valor
informado é de fato verdadeiro. Para isso, utilize as soluções que
vem normalmente junto do equipamento quando compramos e
siga os passos de cada equipamento para calibração. O ideal é que
ele seja calibrado ao menos uma vez por semana ou a cada vez que
for feita uma nova fabricação.

A última temperatura utilizada na mostura (normalmente


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entre 76 e 78 ºC) é chamada de mash out. Neste momento, quase
toda a atividade que aconteceu durante a mostura acaba, pois a
temperatura está alta e preparamos a mostura para ser filtrada.

3.1.3 CLARIFICAÇÃO OU FILTRAÇÃO DO MOSTO

Ao produzir um mosto em casa, normalmente a etapa de


clarificação acontece junto da etapa de mostura. Pode-se utilizar
um bag ou cesto e a etapa de clarificação do mosto se resume a
retirá-lo da panela e, no caso so bag, torcê-lo para que o líquido
retido no bagaço volte para a panela e com isso teremos um mosto
clarificado. Outra opção é usar uma bazooka que consiste em uma
peneira feita em malha de metal (aço ou inox) que tem forma
cilíndrica e é acoplada na saída da válvula de retirada de mosto. Ela
vai impedir a saída do bagaço de malte e separá-lo do mosto
clarificado. Por fim, o último método é o fundo falso. Também
consiste em uma peneira de metal, mas que funciona como o fundo
da panela retendo o bagaço e deixando passar o mosto filtrado.
Esta última opção é a mais utilizada também nas indústrias
cervejeiras de pequeno a grande porte.

Para quem utiliza a bazooka ou o fundo falso, a clarificação


do mosto possui duas etapas: a de filtração do mosto primário e a
lavagem do bagaço (ou mosto secundário).

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A primeira consiste na retirada do volume de mosto inicial e
mais concentrado e a segunda de adição de água para lavar o bagaço
que ainda contém bastante mosto entre as cascas.
Na clarificação do mosto é importante manter a temperatura
ao redor de 78 ºC (sem deixar passar de 80 ºC). A temperatura
deve ser alta para conseguir extrair do bagaço a maior parte do
açúcar que fica preso, mas se passar de 80 ºC, a extração de
polifenóis que trazem adstringência ao mosto se torna relevante.
Além disso, ajustar o pH da água de lavagem entre 5,0 e 6,0
também diminui a extração destes polifenóis.
O bagaço retirado pode ser usado como parte da ração
animal para bovinos e suínos e também é possível usá-lo na receita
de pães, bolos e quibe.

3.1.4 FERVURA E WHIRPOOL


A fervura do mosto tem vários objetivos entre eles a
evaporação de água, dosagem do lúpulo, formação de trub,
esterilização do mosto, volatilização de substâncias indesejadas
(como DMS – dimetil sulfeto – que delega aroma de vegetais
cozidos na cerveja), delegação de aroma e paladar característicos
do mosto.
Ela acontece na temperatura de ebulição, que varia
dependendo da altitude da cidade, e deve ser vigorosa, com bastante
movimentação. Assim, não devemos deixar a panela destampada,
pois perderíamos a maior parte do mosto evaporado, mas também
não podemos deixar a panela completamente fechada para não

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impedir a saída do DMS.

O tempo de fervura varia de acordo com a receita e o estilo


da cerveja, mas em geral está entre 50 e 120 minutos e após este
tempo, deve-se agitar o mosto em movimentos circulares com
ajuda de uma pá cervejeira (pode ser a mesma da mostura). Fazer
este movimento de forma intensa por 1 ou 2 minutos e depois
retira-se a pá de deve-se deixar o mosto em repouso por 20
minutos.
O controle desta etapa se dá pela medição de extrato após a
fervura e ele deve coincidir com o valor de OG (Original Gravity
– extrato original em tradução livre) da sua receita e este valor
depende do estilo da cerveja. Esssa medição é feita com um
refratômetro ou um densímetro. Ambos medem o quanto de
extrato (em sua maior parte açúcares) está dissolvido no mosto.
Temos no mercado refratômetros com a escala em ºBrix e também
em densidade e o foco deve ser sempre a receita, onde estarão
indicados os valores que devemos obter.

Já o densímetro tem a mesma função do refratômetro, mas


exige mais amostra. Enquanto que o refratômetro exige algumas
gotas, o menor densímetro encontrado no mercado necessita de
80 mL de mosto/cerveja. No entanto, durante a fermentação
(após a presença de álcool) o densímetro é mais acurado, pois o
desvio apresentado pelo refratômetro é maior e há necessidade de
uma tabela de conversão entre o valor encontrado e o valor real.
Também podemos medir o pH da fervura, que deve estar
entre 5,1 e 5,3 para garantir uma boa formação de trub.
Lembrando que a maioria dos pHmetros que temos no mercado só
24
compensam a temperatura até 50 ºC, então antes de medir
certifique-se que o seu está abaixo deste valor.

3.1.5 RESFRIAMENTO

Para o resfriamento, pode-se usar um chiller de cobre ou


um trocador de calor de placas. No caso do primeiro, é importante
inseri-lo dentro da panela antes de fazer o movimento de rotação
ou colocá-lo logo após a retirada da pá para não estragar a formação
do trub no centro da panela.

Usar água gelada é melhor do que a temperatura ambiente


para um resfriamento mais eficiente, mas tudo depende da
temperatura que se deseja resfriar e isso também vai depender da
levedura escolhida.

3.2 FERMENTAÇÃO

De uma maneira geral, fermentação é processo no qual


um microrganismo, a levedura (normalmente do gênero
Saccharomyces), converte os açúcares do mosto em álcool
(etanol), gás carbônico e subprodutos. Apesar de complexo do
ponto de vista bioquímico, a condução da fermentação é
relativamente simples e descomplicada. Convido você para
conhecermos um pouco mais sobre esta etapa tão importante da
fabricação de cerveja.

A ARTE E A CIÊNCIA ENVOLVIDA NA PRODUÇÃO DA CERVEJA CASEIRA | 25


DO QUE EU PRECISO PARA CONDUZIR UMA
FERMENTAÇÃO?
Algumas poucas coisas são necessárias para conduzir a
fermentação, as principais são:
• Fermentador;
• Levedura;
• Utensílios para acompanhamento da fermentação,
principalmente medidor de extrato e termômetro.

EQUIPAMENTOS PARA ETAPA DE FERMENTAÇÃO


Podem ser dos mais diversos tipos, porém os mais comuns,
no universo caseiro, são: o balde fermentador e o tanque cilíndrico
cônico (figura 4), ambos em material plástico (normalmente poli-
propileno), como pode ser visto na figura abaixo. Também podem
ser usados, garrafões de água mineral, ou mesmo bombonas
plásticas. Importante ressaltar que todo equipamento que entra em
contato com a cerveja deve ser padrão alimentício

Como a fermentação libera gás carbônico (CO2), o tanque


deve contar com um dispositivo que permita a saída deste gás, sem
que haja entrada do ar ambiente que pode contaminar o produto.
Normalmente usamos um airlock, contendo água, ou um
sanitizante, como ácido peracético diluído, para cumprir esta
função.

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Figura 4: Balde de fermentação e tanque cilindro cônico de plástico. Fonte: arquivo pessoal.

MATÉRIA-PRIMA PARA FERMENTAÇÃO -


LEVEDURAS
A levedura é alma da fermentação, é essencial escolhê-la
adequadamente para se conseguir o aroma e o paladar da cerveja.
Para o cervejeiro caseiro a escolha mais simples são as leveduras
secas, tanto pela praticidade de uso, quanto pelo seu baixo custo.
Basta adicioná-las ao mosto, ou hidratá-las em água ésteril, que
estão prontas para o uso.
A hidratação é uma etapa crítica no trabalho com fermento
seco. Na grande maioria dos casos, o fermento pode ser adicionado
ao mosto, porém devemos tomar cuidado com duas situações:
• Cervejas Lager – A Levedura deverá ser hidratada a uma
temperatura mais alta, segundo a recomendação do fabricante e
depois sua temperatura deverá ser abaixada gradativamente até se
atingir 4ºC, acima da temperatura inicial de fermentação, quan-
do poderá ser então adicionada ao mosto resfriado que estará no
fermentador. A melhor forma conseguir isto é adicionar parcelas

A ARTE E A CIÊNCIA ENVOLVIDA NA PRODUÇÃO DA CERVEJA CASEIRA | 27


de mosto resfriado a intervalos de 15 min, provocando um
abaixamento de temperatura de 4ºC por adição;
• Cerveja com elevada concentração de extrato (high
gravity) – para cervejas com extrato acima de 16 ºP (densidade =
1,064), o ideal é diluir o mosto para uma concentração de 10 ºP
(densidade = 1,040), hidratar o fermento nesta condição, esperar
30 min e só então adicioná-lo ao fermentador.
Onde eu encontro informações sobre fermento que estou
usando? O melhor lugar para você ter acesso é o site do fornecedor
do próprio fornecedor, onde você encontrará seu perfil sensorial,
além de outras informações relevantes, como por exemplo, a
quantidade de fermento a ser utilizada.
No geral, para cervejas ale dosamos, no mosto resfriado,
cerca de 0,5 a 1,0 g/L de levedura, enquanto para as lagers na faixa
de 1,0 a 2,0 g/L

Figura 5 – Aspecto de levedura seca antes da hidratação. Fonte: Arquivo pessoal (José Antunes)

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CONDUZINDO A FERMENTAÇÃO

A principal controle da fermentação é a temperatura, pois


ela influenciará na velocidade, mas principalmente no perfil
sensorial da cerveja acabada. Fermentações descontroladas darão
origem a sabores e aromas indesejáveis e poderão acarretar,
inclusive, devido a formação de um grupo de substâncias
denominadas álcoois superiores, o aparecimento de dor de cabeça
no consumidor.

A melhor forma de controlar a temperatura da


fermentação seria utilizar um refrigerador, dotado de termostato,
no qual em seu interior estará um fermentador, num ambiente de
temperatura controlada. A temperatura do termostato poderá ser
regulada, comparando-se o valor dentro do fermentador,
utilizando um termômetro confiável, contra o ajustado no
termostato. Caso a temperatura do fermentador esteja muito alta,
pode-se abaixar o valor ajustado no termostato. O ideal é que no
mínimo a cada 24h, façamos uma leitura de temperatura no
fermentador.

No caso de não termos um refrigerador com termostato


(figura 6), escolha um local fresco dentro de sua casa, com
temperatura, mais ou menos constante e realize nele suas
fermentações. Contudo, as características de sua cerveja sofrerão
maiores variações em função das variações climáticas de sua região.

Normalmente para cervejas lagers as temperaturas de


fermentação encontram-se na faixa de 10 a 15ºC, enquanto nas
Ales entre 16 e 22ºC.
A ARTE E A CIÊNCIA ENVOLVIDA NA PRODUÇÃO DA CERVEJA CASEIRA | 29
Figura 6 – Refrigerador adaptado para fermentação de cerveja, com termostasto adaptado.
Fonte: Arquivo pessoal (José Antunes)

Um dos indicativos de que a fermentação está


transcorrendo bem é o desprendimento de bolhas de CO2 pelo
airlock acoplado ao fermentador, mas você também pode checar o
decaimento do extrato, utilizando um densímetro, ou um
refratômetro, neste último caso, fazendo as correções devido a
presença de álcool. Inclusive, uma das formas de determinarmos o
fim de uma fermentação é termos duas leituras iguais de extrato,
em amostras coletadas do tanque com 24h de diferença.
Depois de finalizado o consumo de extrato, por
segurança, especialmente em cervejas lagers, eleva-se a
temperatura do tanque em 2ºC, por 48h, para garantir a eliminação
de um subproduto da fermentação, denominado de diacetil, que
pode delegar um aroma e paladar amanteigado à cerveja.

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3.3 MATURAÇÃO
Terminada a fermentação, podemos abaixar a temperatura
do fermentador para iniciarmos a maturação. Caso você deseje
aproveitar a lama de fermento, ela pode ser coletada, num tanque
cilíndrico cônico, numa temperatura na faixa de 4 a 8ºC,
dependendo da capacidade de floculação da levedura. No geral um
fermentador gera lama suficiente para ser usada em 2 ou 3 tanques
do mesmo tamanho.
No caso de um balde fermentador é mais prático para
viabilizar o aproveitamento do fermento, abaixar-se a temperatura
do recipiente para um valor entre 2 e 0ºC, aguardar entre 24 e 48h
e então transferir a cerveja para outro balde, enquanto a levedura
poderá então ser acondicionada em outro frasco, ambos
devidamente limpos.
Em qualquer situação, a levedura, armazenada para reuso,
deverá ser guardada entre 2 e 4ºC e deverá, preferencialmente, ser
utilizada no intervalo máximo de 2 semanas
Após a coleta da levedura, continuamos abaixando a
temperatura, ajustando-a numa faixa de 2 a 0 ºC. Nesta condição
acontecerá a decantação de mais levedura, que deverá ser
descartada, além da precipitação de proteínas e taninos, o que
diminuirá a turbidez da cerveja. Não existe um tempo ótimo de
maturação, ele é função da limpidez e da característica sensorial que
se deseja conferir ao produto. Hoje cervejas lagers têm tempos de
maturação médios na faixa de 12 a 21 dias, enquanto cervejas ales
tem uma variação maior, mas na média de 14 a 45 dias, dependo da
complexidade sensorial.
A ARTE E A CIÊNCIA ENVOLVIDA NA PRODUÇÃO DA CERVEJA CASEIRA | 31
Para cervejas envelhecidas em madeira, ou que utilizam
Brettanomyces, uma parente próxima da levedura cervejeira, os
tempos de fermentação podem ser bem mais longos: de 3 meses a
3 anos (algumas Lambics), muito em função da característica
sensorial que se deseja desenvolver, no produto acabado.

3.4 CARBONATAÇÃO DA CERVEJA


Uma das formas mais simples de incorporar CO2 à cerveja
é a chamada maturação em garrafa. O processo em si é bem
simples, adicionamos uma quantidade de açúcar a cerveja
fermentada (priming), normalmente uma calda de açúcar cristal, e
este conjunto é então transferido para o vasilhame final, que é
então arrolhado. A levedura em suspensão na cerveja irá fermentar
o açúcar adicionado, convertendo-o em álcool e gás carbônico,
carbonatando a bebida.
Diferentes estilos de cerveja apresentam diferentes níveis
de carbonatação, logo necessitarão de diferentes quantidades de
açúcar, para gerar a quantidade de CO22 necessária. Cervejas muito
carbonatadas como as de trigo, podemos adicionar cerca de 9 g de
açúcar/L de cerveja. Para média carbonatação, como Lagers e
American Ales cerca de 6 g/L e para carbonatação baixa, como
Porters e Stouts, na faixa de 5,0 g/L.
Não adicionamos diretamente o açúcar na cerveja, pois ele
pode ter presença de microrganismos contaminantes e necessita
ser primeiramente esterilizado. Para isto prepara-se uma calda
concentrada com 60º Brix (60 g de açúcar + 40 mL de água),
esteriliza-se a 85ºC/15 min, resfria-se, adiciona-se a cerveja,
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mistura-se, transfere-se para a garrafa e faz-se o arrolhamento.
Lembrando que a garrafa tem que obrigatoriamente tem de estar
limpa e desinfetada.
Parece complexo, mas vamos fazer um cálculo básico,
para carbonatarmos 20 L de uma cerveja de trigo:
a) Quantidade de açúcar a ser adicionado na cerveja;
Necessitamos de 9 g de açúcar/L de cerveja de trigo, logo
para 30 L serão necessários: 9 x 30 = 270 g de açúcar.
b) Cálculo da calda de açúcar;
Para 60 g de açúcar, necessito de 40 mL de água, contudo
como serão necessários 270 g de açúcar, temos:
60 g ____________________ 40 mL
270 g ___________________ x = 180 mL de água
Ou seja, minha calda será feita com 270g de açúcar
dissolvidos em 180 mL de água, que depois será adicionada à
cerveja.
Outras fontes de açúcar podem ser utilizadas para
carbonatar a cerveja, como: mel, açúcar mascavo e o próprio
mosto, contudo são necessários ajustes no cálculo, devido ao
percentual de açúcar ser menor nestas matérias-primas.
Lembrando também que, especialmente, o mel e o açúcar mascavo
podem delegar cor, sabor e aroma ao produto.
Esperamos que você tenha gostado de trilhar este caminho
pelo universo Cervejeiro. Mas, lembre-se: toda caminhada tem que
começar por um pequeno passo e este foi só o ponto de partida.

A ARTE E A CIÊNCIA ENVOLVIDA NA PRODUÇÃO DA CERVEJA CASEIRA | 33


Agora a bola está com você: estude, desenvolva-se, pois
nada substitui o prazer de degustar sua própria Cerveja.

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