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UNIVERDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO
COORDENAÇÃO DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E ELABORAÇÃO DE
MONOGRAFIA JURÍDICA

MARÍLIA IZA NOGUEIRA NUNES

JUSTIÇA RESTAURATIVA E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA MULHER:


FUNDAMENTOS TEÓRICOS E APLICAÇÕES PRÁTICAS

FORTALEZA
2016
MARÍLIA IZA NOGUEIRA NUNES

JUSTIÇA RESTAURATIVA E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA MULHER:


FUNDAMENTOS TEÓRICOS E APLICAÇÕES PRÁTICAS

Monografia apresentada ao Curso de Direito da


Universidade Federal do Ceará, como requisito
parcial para obtenção do título de Bacharel em
Direito

Orientador (a): Prof. Dr. Gustavo César


Machado Cabral

FORTALEZA/CE
2016
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Federal do Ceará
Biblioteca Universitária
Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

N926j Nunes, Marília Iza Nogueira.


Justiça Restaurativa e Violência Doméstica contra a Mulher : Fundamentos Teóricos e Aplicações
Práticas / Marília Iza Nogueira Nunes. – 2016.
67 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito,


Curso de Direito, Fortaleza, 2016.
Orientação: Prof. Dr. Gustavo César Machado Cabral.

1. Justiça Restaurativa. 2. Violência Doméstica. 3. Mediação. I. Título.


CDD 340
MARÍLIA IZA NOGUEIRA NUNES

JUSTIÇA RESTAURATIVA E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA MULHER:


FUNDAMENTOS TEÓRICOS E APLICAÇÕES PRÁTICAS

Monografia apresentada ao Curso de Direito da


Universidade Federal do Ceará, como requisito
parcial para obtenção do título de Bacharel em
Direito.

Aprovada em ___/___/_____.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________________
Prof. Dr. Gustavo César Machado Cabral (Orientador)
Universidade Federal do Ceará (UFC)

__________________________________________________________
Prof.ª. Drª. Raquel Coelho de Freitas
Universidade Federal do Ceará (UFC)

__________________________________________________________
Vanessa de Lima Marques Santiago
Universidade Federal do Ceará (UFC)
Aos meus pais e ao meu irmão.
À todas as mulheres.
AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer, primeiramente, aos meus pais, pelo esforço diário em dar a
melhor educação para mim e para o meu irmão. Que mesmo com o trabalho exaustivo nunca
deixaram de oferecer carinho e apoio. Mãe e pai, obrigada por tudo, sem vocês eu jamais teria
conseguido cursar e nem concluir esta faculdade. A minha formatura é uma vitória nossa.
Saibam disso.
Agradeço também ao meu orientador, Gustavo Cabral, pela solicitude e pelo
incentivo. Ser monitora da sua disciplina foi uma das coisas mais legais que eu fiz na faculdade.
O seu modo de agir em sala de aula e a sua gentileza com os alunos são, sem dúvida, uma
inspiração, não só para mim, mas para todos os discentes da Faculdade de Direito. Espero que
a nossa amizade perdure e que nossos caminhos acadêmicos se cruzem novamente.
Do mesmo modo, agradeço aos membros da banca por terem aceitado o convite,
obrigada à professora Raquel Coelho e à mestranda Vanessa Marques. Obrigada ao NUDI-JUS,
por meio do qual eu conheci a justiça restaurativa, e pude sonhar com um mundo menos violento
onde as pessoas são compreensivas e empáticas umas com as outras. Obrigada a todos do
Núcleo de Gênero Pró-mulher, do Ministério Público do Estado do Ceará, pois estagiar nesse
local foi uma experiência essencial para compor este trabalho. Gostaria de agradecer à Renata
Giongo, que foi muito gentil e solícita ao me enviar um livro que foi muito importante para
minha pesquisa.
Obrigada a todos os meus amigos de faculdade, vocês fizeram os meus dias
melhores. Obrigada Marjorie, Cícero, Ivna, Ivina, Mariana, Alícia, Rebeca, Andressa, Gabriel
e Bruno. Agradecimento especial à Camila por me alertar na vida e por me emprestar um livro
que me ajudou muito na monografia. Agradeço também à Pryscila pelas nossas conversas sobre
feminismo e por ter fornecido vários materiais legais que foram muito úteis na pesquisa.
Precisamos retomar nosso grupo de estudos.
Agradeço ainda à Débora pela amizade e pelos livros que você me emprestou ao
longo da faculdade. Amanda, obriga pela amizade e pela ajuda prestada na formatação desta
monografia, eu não teria conseguido sem você. Obrigada ainda a Fabi, Estela, Luana e Bia pelo
apoio e pela amizade. Renato, obrigada pelo carinho e pelo apoio emocional. Sempre acho que
tenho muita sorte em ter te conhecido. Ah, e obrigada por me ajudar com o abstract!
Por fim, agradeço a todos que, de alguma forma, me ajudaram a chegar até aqui.
RESUMO

A violência doméstica contra a mulher constitui um dos maiores problemas de ordem social e
penal enfrentados pelo Brasil. Mesmo com a sanção da Lei nº 11.340/06, também conhecida
como Lei Maria da Penha, os índices de violência continuam elevados. Os motivos são diversos:
má aplicação da lei, falta de estrutura física para um atendimento adequado, despreparo dos
operadores do direito em lidar com o caso. Outro fator relevante é a inadequação do sistema
criminal tradicional em resolver crimes dessa natureza, em razão da resposta penal pouco
variada, resumindo-se ao cárcere. Diante desse quadro, a justiça restaurativa apresenta-se como
alternativa ao atual paradigma retributivo. Este novo método propõe que o crime, antes de ser
uma violação estatal, é um problema entre dois indivíduos, sendo necessário que estes se tornem
protagonistas do processo. Assim, a vítima é chamada a integrar o procedimento, ajudando-a a
superar a vitimização e restaurando a sua autonomia; enquanto o ofensor é incentivado a assumir
a responsabilidade pelo delito e reparar a vítima, de forma material ou simbólica. O processo
restaurativo não possui forma hermética, mas é basilar que se dialogue a respeito do delito,
idealmente estando a vítima e o ofensor frente a frente. Por meio de pesquisa bibliográfica e
estudos de caso, buscou-se traçar um modelo teórico condizente com o ordenamento jurídico
brasileiro em que a justiça restaurativa fosse utilizada nos casos de violência doméstica contra
a mulher. O processo restaurativo escolhido foi a mediação vítima-ofensor, aplicada no
momento pós-acusação e pré-instrução. Caso esta seja exitosa, aplicar-se-ia a suspensão
condicional do processo, estando condicionada ao cumprimento do que foi acordado no
processo de mediação. Conclui-se que, em tese, a justiça restaurativa pode ser um meio eficaz
no combate violência doméstica contra a mulher por apresentar respostas mais eficazes e
específicas para esses casos. Porém, ante a ausência de experiências nesse sentido, a
implementação desse novo paradigma deve ser pensada a longo prazo, visto que requer estudos
prévios, instauração de projetos-pilotos, aferição da satisfação das vítimas e dos ofensores em
participar dessa experiência, além da difusão da justiça restaurativa, esclarecendo para a
população os preceitos inerentes a esta, para que o público compreenda a importância e as
finalidades de um processo restaurativo.

Palavras-chave: Justiça restaurativa. Violência doméstica contra a mulher. Mediação vítima-


ofensor. Suspensão condicional do processo.
ABSTRACT

Domestic violence against women constitutes one of the greatest social problems faced
throughout Brazil. Despite the sanction of the Maria da Penha Law, violence rates remain high.
There are several reasons: misapplication of law, lack of proper supporting infrastructure,
underpreparedness of the responsible law operators. Another significant factor is the traditional
criminal system's inadequacy to solve crimes of this nature, given its low diversity of penal
response, limited to imprisonment. From this standpoint, restaurative justice presents itself as
an alternative to the current retributive paradigm. This new method poses that crime, prior to
constituting state violation, is a problem between two individuals, demanding these to become
protagonists in the proceedings. Thus, the victim is called upon to integrate the proceeding, in
turn helping him or her to overcome victimization and to regain autonomy; whereas the offender
is incentivised to admit responsibility for the offense and to compensate the victim, in a material
or symbolic manner. The restaurative process does not possess hermetic form, although it is
indispensable to talk about the offense, ideally in a face-to-face scenario among victim and
offender. Through bibliographical research and case studies, a theoretical model coherent with
the Brazilian judicial system was devised in which restaurative justice is utilized in cases of
domestic violence against women. The victim offender mediation was the restaurative process
of choice, applied between accusation and instruction. In a successful application, the process
would be conditionally suspended, being conditioned to terms accorded to during the mediation
process. It is in thesis concluded that restaurative justice can be an efficient means to fight
domestic violence against women for it presents more efficient and specific answers to these
cases. Nevertheless, in the abscence of experience with this paradigm, its implementation
should be conceived into the long term, since it requires previous studies, establishment of pilot
projects, surveying the satisfaction of both victim and offender in integrating the experience, in
addition to disseminating restaurative justice, explaining its inherent precepts to the population
in order for the public to understand the importance and ends of a restaurative process.

Keywords: Restaurative justice. Domestic violence against women. Victim offender


mediation. Conditional suspension of legal process.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CNJ Conselho Nacional de Justiça


CP Código Penal
DEAM Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
FGC Family Group Conferencing
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
JECRIM Juizado Especial Criminal
JVDFM Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher
NUDEM Núcleo de Defesa da Mulher
ONG Organização Não-Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
VOM Victim-Offender Mediation
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 9
2 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER: ASPECTOS CONCEITUAIS E
CRIMINOLÓGICOS ............................................................................................................ 11
2.1 Violência contra a mulher e violência doméstica contra a mulher: necessária
diferenciação e classificação ................................................................................................. 11
2.2 Lei Maria da Penha: reflexões sobre os 10 anos de vigência ....................................... 15
2.3 Abordagem criminológica da violência doméstica e familiar contra a mulher ......... 20
3 JUSTIÇA RESTAURATIVA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS E SUA
APLICABILIDADE .............................................................................................................. 25
3.1 Fundamentos teóricos e conceitos básicos ..................................................................... 25
3.2 Princípios da Justiça Restaurativa ................................................................................. 28
3.3. Principais processos restaurativos e seu momento de aplicação ................................ 30
3.4. Lei nº 9.099/95 e violência doméstica contra a mulher: houve a aplicação de métodos
restaurativos? ......................................................................................................................... 34
4 A APLICAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NOS CASOS DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA CONTRA A MULHER: LIMITES E POSSIBILIDADES. ..................... 39
4.1. Por que utilizar a Justiça Restaurativa nos casos de violência doméstica contra a
mulher? ................................................................................................................................... 40
4.2 Mediação: método prático escolhido.............................................................................. 42
4.2.1 Justiça Restaurativa e Mediação Penal ........................................................................ 43
4.2.2 A Lei 13.140/15 como instrumento das práticas restaurativas no Brasil .................... 48
4.3 Racionalização teórica: aplicação da Justiça Restaurativa aos casos de violência
doméstica contra a mulher no direito brasileiro................................................................. 50
4.3.1 A Justiça restaurativa aliada ao direito processual penal brasileiro ........................... 50
4.3.2 Momento processual adequado para a mediação......................................................... 54
4.3.3 Possíveis formas de reparação por parte do ofensor: a experiência de grupos reflexivos
para homens autores de violência doméstica contra a mulher ............................................. 56
5 CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 59
REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 61
9

1 INTRODUÇÃO

Durante séculos, as mulheres permaneceram amplamente subjugadas ao domínio


masculino, sequer possuindo direitos sociais e políticos. A partir do século XIX, o feminismo
ganhou força, chegando ao ápice no século XX, momento em que muitas mulheres adquiriram
independência financeira e passaram a se opor firmemente contra o machismo, lutando por
garantias e direitos igualitários. As conquistas foram amplas, variando desde o direito a votar e
a ser votada, até direitos reprodutivos. Porém, ainda hoje, diversas formas de opressão ainda
persistem nas sociedades ocidentais, dentre as quais a violência contra a mulher em ambiente
doméstico e familiar, especialmente no Brasil. Apesar dos esforços de organismos
internacionais e dos próprios Estados em aprovar legislações específicas, realizar convenções,
conferências, tratados, os índices de violência ainda são alarmantes.
No Brasil, mesmo com a sanção da Lei nº 11.340/06, não houve redução
significativa dos índices de mulheres vítimas de violência. Um dos possíveis fatores refere-se
a abordagem predominantemente penal proposta pela lei. Sabe-se que o atual sistema penal,
possui diversas falhas, dentre elas a resposta penal pouco variada, mostrando-se hermética,
visto que desconsidera as nuances do caso concreto. Diante desse quadro, a justiça restaurativa
surge como uma possível forma de enfrentamento a violência doméstica contra a mulher, posto
que apresenta respostas penais que se coadunam com a natureza relacional desses crimes.
Este trabalho tem por objetivo propor um modelo de enfrentamento à violência
doméstica contra a mulher em que seja utilizada a justiça restaurativa, através da mediação
vítima-ofensor, sendo o cumprimento do acordo, o requisito para a manutenção da suspensão
condicional do processo. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e estudos de caso,
destacando a concepção das vítimas, dos ofensores e dos operadores do direito sobre o
tratamento da violência doméstica no país. A pesquisa justifica-se pelo próprio fato de ainda
milhares de brasileiras sofrerem com a violência perpetrada pelos seus (ex) maridos, (ex)
companheiros, (ex) namorados, pais, irmãos motivadas por sentimentos de posse, pelas relações
de poder desiguais, pela dependência econômico-financeira, enfim, pelo próprio patriarcalismo
ainda arraigado na sociedade brasileira. Assim, buscar novas formas de enfrentamento pode
ajudar as mulheres a quebrar o ciclo da violência e conscientizar os homens sobre a gravidade
desse tipo de delito.
O primeiro capítulo do desenvolvimento inicia-se com a diferenciação entre
violência contra a mulher e violência doméstica contra a mulher, com o intuito de delimitar a
temática, já que a proposta de utilização da justiça restaurativa seria apenas para os delitos
10

cometidos no âmbito doméstico e considerados leves, excluindo-se lesões corporais graves e


gravíssimas, tentativas de feminicídio e crimes sexuais. Posteriormente, apresenta-se um
panorama sobre a Lei Maria da Penha, apontado as principais inovações trazidas por esta e as
principais falhas em sua aplicação. Por fim, cabe destacar o embate entre a criminologia
feminista e a criminologia crítica, posto que a Lei nº 11.340/06 vedou a utilização de
dispositivos despenalizadores da Lei nº 9.099/95. Tal discussão é de suma importância, visto
que a justiça restaurativa propõe soluções não aflitivas, diversas do atual modelo retributivo.
No segundo capítulo, são apresentadas as bases teóricas da justiça restaurativa,
destacando as origens e os princípios desse novo método. Em seguida são descritos os principais
processos restaurativos, quais sejam: a mediação vítima-ofensor, as conferências de família e
os círculos restaurativos; é por meio destes que a justiça restaurativa é aplicada ao caso
concreto, destacando que estes não são os únicos processos, mas são os mais difundidos. Mais
a diante, são analisados os momentos processuais adequados para a intervenção de uma prática
restaurativa, com destaque para o momento pós-acusação e pré-instrução, que será utilizado no
modelo restaurativo proposto no terceiro capítulo. Por fim, é feito um estudo sobre a aplicação
da Lei nº 9.099/95 aos casos de violência doméstica contra a mulher, buscando distanciá-la do
modelo restaurativo, apesar de esta prever soluções despenalizadoras para esse tipo de delito.
O terceiro capítulo inicia-se com as motivações para a utilização da justiça
restaurativa em casos de violência doméstica contra a mulher, com destaque para a natureza
relacional do delito, já que este atinge de forma reflexa os demais membros da família,
especialmente os filhos do casal. Além disso, muitas mulheres continuam a conviver com os
agressores e nenhum trabalho psicossocial é realizado, sendo o risco da reincidência iminente.
Assim, o estabelecimento de um diálogo entre a vítima e o ofensor pode ser benéfico, já que,
por vezes, as mulheres desejam um espaço de fala como forma de superar a vitimização. Muitas
delas não desejam que o infrator seja preso, desejam apenas que a violência cesse e que os
agressores as deixem em paz.
Assim, os preceitos da justiça restaurativa mostram-se condizentes com os anseios
dessas mulheres. Diante disso, propõe-se um modelo de enfrentamento a violência doméstica
contra a mulher em que seja utilizada a justiça restaurativa. O processo eleito foi a mediação
vítima-ofensor aplicada de forma voluntária, após o oferecimento da denúncia e antes da
instrução, sendo o encaminhamento realizado pelo Ministério Público. Caso a mediação seja
bem-sucedida, o acordo obtido seria homologado pelo juiz e o seu cumprimento seria o
requisito para a manutenção da suspensão condicional do processo.
Ressalte-se que o modelo proposto não tem pretensões de ser absoluto, e nem de
11

substituir o modelo vigente, já que tornar o processo restaurativo obrigatório vai contra o
princípio da voluntariedade, essencial para o sucesso dessas práticas. Por fim, apresenta-se a
experiência de grupo de homens autores de violência doméstica, como uma das possíveis
respostas penais a esses casos. Assim, a justiça restaurativa apresenta-se como uma alternativa,
como mais uma opção para que a vítima decida qual caminho melhor atende os seus interesses,
ajudando-a a superar a situação de violência.

2 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER: ASPECTOS CONCEITUAIS E


CRIMINOLÓGICOS

No primeiro tópico, abordaremos os conceitos de violência contra a mulher e de


violência doméstica contra a mulher, estabelecendo as diferenças e a tipologia dessas duas
formas de violência, com o intuito de delimitar o objeto deste trabalho, bem como esclarecer
terminologias que por vezes são utilizadas de maneira equívoca. No tópico seguinte,
discutiremos sobre a eficácia da Lei Maria da Penha, avaliando a sua implementação em
diversas cidades brasileiras, mas focando na cidade do Rio de Janeiro, já que esta apresenta
mais dados estatísticos e mais pesquisas sobre a temática. Por fim, trataremos sobre os aspectos
criminológicos dessa forma de violência, ressaltando especificamente o embate entre a
criminologia feminista e a criminologia crítica.

2.1 Violência contra a mulher e violência doméstica contra a mulher: necessária


diferenciação e classificação

À primeira vista, tais termos parecem ter o mesmo significado, e por vezes são
usados como sinônimos. Porém, com um olhar mais acurado, verificamos serem duas
expressões distintas, na qual a segunda está contida na primeira, sendo esta, gênero, e a aquela
espécie (SAFFIOTI, 2002, p. 322).
Segundo Piovesan (2012, p. 289), a violência contra a mulher constitui qualquer
conduta, seja ação ou omissão, que discrimine, agrida ou coaja a vítima pelo simples fato de
ela ser mulher, causando-lhe “dano, morte, constrangimento, limitação, sofrimento físico,
sexual, moral, psicológico, social, político ou econômico ou perda patrimonial”, podendo a
violência acontecer tanto em espaços públicos, quanto privados.
A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher, também conhecida como Convenção de Belém do Pará (1994), em seu artigo 1º define
12

violência contra a mulher como “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte,
dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na
esfera privada”.
A IV Conferência Mundial da Mulher, evento ocorrido em 1995, sediada em
Pequim e promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU), estabelece que violência
contra a mulher é “qualquer ato de violência que tem por base o gênero e que resulta ou pode
resultar em dano ou sofrimento de natureza física, sexual ou psicológica, inclusive ameaças, a
coerção ou a privação arbitrária da liberdade quer se produzem na vida pública ou privada”
(CAVALCANTI, 2007, p.38).
De posse dessas definições, podemos concluir que violência contra a mulher é
qualquer conduta baseada no gênero que cause sofrimento físico, sexual, psicológico, moral e
patrimonial à mulher, seja no âmbito público ou privado.
Quanto aos tipos de violência, existem muitas classificações possíveis. A
Convenção de Belém do Pará (1994), em seu art. 2º, determina que a violência contra a mulher
abrange a violência física, sexual e psicológica, classificando ainda em quais locais ela ocorre
e quem são os agentes que praticam os referidos tipos de violência. Neste momento, vale
destacar o inteiro teor do artigo, vejamos:

Entende-se que a violência contra a mulher abrange a violência física, sexual e


psicológica:
a. ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer relação
interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua
residência, incluindo-se, entre outras formas, o estupro, maus-tratos e abuso sexual;
b. ocorrida na comunidade e cometida por qualquer pessoa, incluindo, entre outras
formas, o estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada,
sequestro e assédio sexual no local de trabalho, bem como em instituições
educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro local; e
c. perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.

Já Cavalcanti (2007, p.40), classifica os tipos de violência contra a mulher em


violência física, psicológica, sexual, moral, patrimonial, espiritual, institucional, de gênero ou
raça, e, por fim, violência doméstica e familiar. Discordamos dessa classificação, pois a autora
enumera tipologias que facilmente encaixam-se em tipos mais genéricos, sem qualquer prejuízo
didático. É o caso da violência espiritual, entendida como o ato de “destruir as crenças culturais
ou religiosas de uma mulher ou obrigar que aceite um determinado sistema de crenças”, tipo
derivado da violência psicológica.
Além disso, não há distinção entre o tipo de violência empregado e o âmbito de
incidência. Não convém equiparar a violência psicológica com a violência doméstica, por
exemplo, posto que a primeira pode ser praticada no âmbito da segunda, não sendo assim, a
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violência doméstica um tipo de violência e sim caracteriza o lugar em que ela ocorre e quem a
perpetra.
Conforme preleciona a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar
a Violência contra a Mulher, entendemos que existem duas classificações para a violência
contra a mulher, uma quanto a tipologia e outra quanto ao âmbito de incidência. Quanto ao tipo
de violência empregada, podemos classificá-lo como violência física, sexual, psicológica, e
ainda incluir a violência moral e patrimonial. Quanto ao âmbito de incidência, este pode ocorrer
na esfera doméstica, na qual o agressor é alguém de convivência da mulher, com a qual ela
estabelece uma relação de intimidade; na esfera social ou comunitária, qual seja aquela
perpetrada por terceiros, desconhecido das mulheres, mas também motivados pela
discriminação de gênero, pelo patriarcalismo e pela misoginia; e, por fim, aquela que ocorre na
esfera estatal, sendo esta perpetrada ou tolerada pelo Estado.
Esta classificação compila o que se deseja demonstrar nesse tópico inicial: a
diferença entre violência contra a mulher e a violência doméstica contra a mulher, bem como
que a primeira é gênero, da qual a segunda é espécie. Com essa distribuição, ao observarmos
um caso concreto, podemos aferir qual o tipo de violência empregada e em que âmbito ocorreu
essa violação de direitos.
Assim, o legislador, quando da criação da Lei nº 11.340/06, mais conhecida como
Lei Maria da Penha1, fez uma escolha acertada ao dizer, em seu art. 7º, que são formas de
violência doméstica e familiar contra a mulher a violência física, sexual, psicológica,
patrimonial e moral, posto que esses quatro tipos de violência são passíveis de ocorrer na esfera
familiar.
Feita essas análises, é imprescindível definirmos, mesmo que brevemente, cada um
dos tipos de violência. Como uma das temáticas desse trabalho é especificamente a violência
doméstica contra a mulher, ao discorrer sobre as formas de violência, destacaremos a sua
incidência no ambiente doméstico e familiar.
Assim, por violência física cabe destacar conceito proposto por Casique e Furegato
(2006, p.140)

1 Em 1983, a biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, sofreu duas tentativas de homicídio por parte
de seu então marido dentro de sua casa, em Fortaleza, Ceará. O agressor, Marco Antonio Heredia Viveiros,
colombiano naturalizado brasileiro, economista e professor universitário, atirou contra suas costas enquanto
ela dormia, causando-lhe paraplegia irreversível. Posteriormente, tentou eletrocutá-la no banho. Passados 15
anos, apesar de haver duas condenações no Tribunal do Júri, o acusado continuava em liberdade. Diante disso,
o caso foi levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos, na qual o Brasil foi condenado a implementar
políticas públicas voltadas para coibir a violência contra as mulheres, dentre as quais a própria Lei Maria da
Penha, bem como a investigar os motivos da demora injustificada na prestação jurisdicional
(ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 2001).
14

A violência física é entendida como toda ação que implica o uso da força contra a
mulher em qualquer idade e circunstância, podendo manifestar-se por pancadas,
chutes, beliscões, mordidas, lançamento de objetos, empurrões, bofetadas, surras,
lesões com arma branca, arranhões, socos na cabeça, feridas, queimaduras, fraturas,
lesões abdominais e qualquer outro ato que atente contra a integridade física,
produzindo marcas ou não no corpo.

De acordo com a pesquisa realizada pelo DataSenado (2015, p. 08) com vítimas de
violência doméstica, observa-se o predomínio das agressões físicas, ocorrendo em 66% dos
casos. Em sua forma mais grave, a violência física pode levar à morte da mulher. Segundo Blay
(2008, p. 82), a separação, o ciúme e as suspeitas de adultério foram a segunda maior causa de
assassinato de mulheres em 2000, no estado de São Paulo. Assim, grande parte dos casos de
feminicídio já advém de um histórico de violência doméstica, sendo o momento da separação,
o mais propício para que o agressor atente contra a vida da vítima.
A violência psicológica, é entendida como uma agressão emocional que atinge
diretamente o íntimo da mulher, é aquela que menospreza, diminui e humilha, deixando
sequelas mais graves que própria agressão física. É aquela que ocorre através de ameaças,
insultos, chantagens que buscam abalar o psicológico da vítima, que por vezes acaba sendo
acometida de síndromes de ordem psicológica, como depressão, ansiedade, distúrbios do sono,
síndrome do pânico, baixa auto-estima, entre outros. Esse tipo de violência é o mais difícil de
identificar, já que não deixa marcas visíveis, e é visto pela própria sociedade como uma forma
menos grave do que a violência física, sendo a conduta muita das vezes menosprezada quando
a vítima comparece às delegacias para relatar situações desse tipo. (CASIQUE; FUREGATO,
2006, p. 140).
Quanto à violência sexual, esta é entendida como toda ação que obriga a mulher
praticar qualquer ato sexual contra a sua vontade, seja por meio de ameaça, coação ou uso da
força. Essa é uma das formas mais graves de violência contra as mulheres, pois machuca e
humilha a tal ponto que retira da vítima a coragem de denunciar o agressor. Esta é recorrente
mesmo em relações interpessoais, por conta ideia de que o ato sexual é um dever matrimonial
da mulher para com o homem, devendo ela satisfazê-lo sexualmente, sempre que este o desejar.
Tal pensamento caracteriza a opressão de gênero, advinda do poder patriarcal, no qual a mulher
é um mero objeto de satisfação masculina (BORIN, 2007, p. 53).
Já a violência patrimonial caracteriza-se pela retenção, subtração, destruição de
bens, de valores, de documentos, de instrumentos de trabalho que tragam prejuízos financeiros
à vítima. Exemplos recorrentes desse tipo de violência é a conduta do agressor de destruir os
bens que guarnecem a residência, danificar o celular da vítima, entre outras (GUTIERRIZ,
15

2012, p. 118).
Por fim, a violência moral, conforme o art. 7º da Lei Maria da Penha, constitui as
condutas caracterizadas pelos crimes de calúnia, injúria e difamação, ou seja, são atos que
atingem diretamente a honra interna da vítima e a sua honra perante a sociedade. Utilizar
palavras de baixo calão contra a vítima, espalhar boatos sobre a conduta sexual desta, são as
principais formas desse tipo de violência.
Dito isso, o presente trabalho se propõe a refletir sobre a aplicação da justiça
restaurativa aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, como forma de
complementar e melhorar os dispositivos já instituídos pela Lei Maria da Penha, com o intuito
de coibir e diminuir a ocorrência desses crimes do Brasil.
Assim, cabe esclarecer que a proposta de utilização da justiça restaurativa aplica-se
aos delitos considerados leves, tais como lesão corporal leve, ameaça, crimes contra a honra
(calúnia, injúria e difamação), contravenções penais, entre outros. O modelo proposto não
comporta aplicação a crimes de lesões corporais graves ou gravíssimas, tentativas de
feminicídio e crimes sexuais devido à gravidade desses atos e às penas elevadas, assim estes
não serão objetos de estudo deste trabalho.

2.2 Lei Maria da Penha: reflexões sobre os 10 anos de vigência

A sanção da Lei nº 11.340/06 foi fruto dos esforços dos movimentos feministas
brasileiros, que desde os anos 70 vêm lutando por reformas políticas e jurídicas em relação a
violência doméstica e buscavam uma legislação que sistematizasse todas essas conquistas, tais
como a criação de Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulheres (DEAMs), a previsão
de novas agravantes ou qualificadoras de crimes cometidos no âmbito doméstica e familiar, a
revogação de dispositivos como os crimes de adultério e de sedução, entre outras (CAMPOS;
CARVALHO, 2011, p. 143).
A Lei Maria da Penha teve seu texto legislativo inspirado na Lei Orgânica nº
1/2004, legislação espanhola que foi uma das pioneiras em compilar medidas de combate da
violência doméstica contra a mulher (MACHADO, 2014, p. 60). Nos moldes desta, a Lei nº
11.340/06, trouxe várias inovações, tanto de caráter penal, quanto extrapenal, buscando uma
articulação entre as áreas cível e penal do Direito, com setores da saúde e assistência social,
trabalho e previdência social, criando assim uma rede de atendimento à mulher, permitindo-a
sair da situação de violência (PASINATO, 2015, p. 534). Dentre todas, cabe destacar:
a) a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher com
16

competência cível e penal, no qual em um só lugar e de maneira mais célere a mulher poderia
resolver os problemas de natureza cível decorrentes da violência (divórcio, alimentos, guarda)
sem ter que ser encaminhada para uma Vara de Família onde passaria por mais processos
burocráticos, causando um maior desgaste emocional na mulher que se vê nessa situação devido
à violência sofrida (CAMPOS; CARVALHO, 2011, p. 148);
b) a instituição de medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor, previstas
no art. 22 da Lei, como a manutenção de determinada distância da ofendida, afastamento do
lar, proibição de se aproximar de familiares e de frequentar determinados lugares, restrição ou
suspensão de visitas à dependentes menores. Tais medidas visam resguardar a integridade física
da vítima e impedir a continuidade delitiva sem encarcerar o infrator, a menos que este as
descumpra, estando sujeito à prisão preventiva (art. 22, §1º). O art. 23 prevê também medidas
voltadas ao encaminhamento de mulheres em situação de violência para programas de proteção
e atendimento, como recondução ao lar, acolhimento em casa-abrigo, separação de corpos
(CAMPOS; CARVALHO, 2011, p. 148);
c) a retirada dos atos de violência doméstica do rol dos crimes de menor potencial
ofensivo constituiu um dos maiores ganhos com advento da Lei Maria da Penha. Apesar da
maioria dos delitos serem considerados leves nos moldes penais, as consequências deste são
muito graves, como traumas psicológicos e desestruturação do núcleo familiar. Assim, a
exclusão da adjetivação desse tipo de agressão como de menor potencial ofensivo, trouxe maior
reprovabilidade social à conduta e a tornou penalmente mais relevante (CAMPOS;
CARVALHO, 2011, p. 147).
Quanto ao último item, a Lei Maria da Penha fez mais do que retirar a violência
doméstica do rol dos delitos de menor potencial ofensivo, ela proibiu a utilização de qualquer
dispositivo despenalizador da Lei nº 9.099/95 (art. 17 e 41), o que causou um embate entre a
criminologia crítica e a criminologia feminista que será melhor tratado no próximo tópico.
Mesmo com essas diversas inovações, a Lei Maria da Penha encontra dificuldades
em ter suas determinações legais concretizadas. Atualmente, a aplicação da lei encontra-se
restrita ao seu papel criminal, e ainda de forma deficitária, seja pela falta de estrutura do Poder
Judiciário em atender a demanda, seja pela baixa qualificação dos operadores em prestar um
atendimento humanizado às vítimas, seja pela ausência de investimentos em programas de
atenção à vítima, seja pela não responsabilização dos agressores; enfim diversos fatores estão
ameaçando o sucesso da Lei nº 11.340/06, já que muitas vezes, as mulheres acabam apenas
“com um boletim de ocorrência em uma das mãos e uma medida de proteção na outra, sem que,
para além desses papéis, existam políticas públicas que deem mais efetividade à sua proteção e
17

condições para que saiam da situação de violência” (PASINATO, 2015, p. 535).


Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em
parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) traçou um panorama sobre as
práticas institucionais dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher
(JVDFM) e dos Núcleos de Defesa da Mulher (NUDEM), órgão que comporta a atuação da
Defensoria Pública, percorrendo vários Juizados da cidade do Rio de Janeiro, inclusive os da
região metropolitana. Foram feitas investigações também nas cidades de Belém, Porto Alegre,
Lajeado, São Paulo, Campo Grande e Maceió (SÉRIE PENSANDO O DIREITO, 2015, p. 42).
O estudo procurou avaliar diversos aspectos, desde a estrutura do prédio do Juizado
até o atendimento às vítimas. O resultado não foi nada animador. Para a realização do próprio
estudo, os analistas técnicos encontraram dificuldades, como a recusa dos juízes em atendê-los,
alegações de que os pesquisadores não poderiam acompanhar as audiências, por ser um
processo que corre em segredo de justiça, recusa por parte de Defensores Públicos em realizar
entrevistas (SÉRIE PENSANDO O DIREITO, 2015, p. 48).
Quanto à estrutura física dos Juizados observou-se que a precarização é uma
constante: “são lugares apertados, cartórios abarrotados, salas de audiência pequenas, salas de
espera estreitas e por vezes inexistentes. Nota-se, sobretudo, um descuido com as instalações
das Defensorias Públicas, que nem sempre são contempladas com as melhorias” (SÉRIE
PENSANDO O DIREITO, 2015, p. 55). Por outro lado, em um outro Juizado visitado,
observou-se que a estrutura do prédio era muito boa, mas não havia uma equipe técnica (juiz,
promotor e defensores) especializada, as funções eram desempenhadas pelos servidores do
Juizado Especial Criminal (JECRIM). Cabe destacar ainda as condições estruturais do espaço
da Defensoria Pública, pois, conforme os pesquisadores, sempre parece em pior estado em
comparação com as instalações do Juizado. Em uma das sedes visitadas, verificou-se que era

uma casa com estrutura ruim, baixa iluminação, ventilação e espaço para receber os
assistidos, tinha uma média de setenta pessoas na espera para serem atendidas. A
Defensoria é tumultuada e barulhenta, um ambiente não muito agradável. Uma
senhora reclamava que “o lugar é muito sufocante” (SÉRIE PENSANDO O
DIREITO, 2015, p. 57).

Outra queixa constante das assistidas é a falta de atendimento individualizado e


humanizado, que decorre tanto da péssima estrutura física, quanto da ausência de servidores
públicos, sendo os atendimentos realizados por estagiários. As salas são pequenas, sendo várias
vítimas atendidas de uma só vez, suas histórias acabam sendo ouvidas por todos os presentes
na sala, sem qualquer privacidade. Uma das vítimas descreve como ocorre os atendimentos:
18

(…) uma coisa péssima é o atendimento um do lado do outro, todo mundo, escutando
tudo, e de repente o caso que você tá passando ali vira o caso de todo mundo. Todo
mundo começa a comentar. Então assim, é uma coisa horrorosa isso! Em todo lugar
que fui é assim, é um do lado do outro. Com exceção da Delegacia da Mulher, que é
um pouco mais distante. (…) Então eu tô falando pra vocês por que sou uma pessoa
com doutorado e eu trabalho nessa área, sou assistente social. Trabalho nessa área.
Então o negócio tá péssimo. Inclusive já recebi a Maria da Penha na minha empresa
pra falar da lei, mas infelizmente quando a gente vai atender as pessoas pra orientar
que tem que buscar a delegacia da mulher, que tem que vir aqui, a gente… eu fico até
com pena da pessoa, fico com pena porque eu sei que o negócio não vai pra frente
(…) (SÉRIE PENSANDO O DIREITO, 2015, p. 57).

Tais problemas caracterizam um tipo de violência ainda pouco falado: a violência


institucional. Mulheres que conseguem romper o silêncio e procurar a ajuda das autoridades
esbarram na estrutura precária, machista e tradicional do Poder Judiciário. Essa postura se
perpetua em cada órgão de atendimento às mulheres, desde a delegacia onde o policial minimiza
a agressão sofrida, até aquele que decide o caso, reproduzindo o discurso patriarcal presente em
toda a sociedade (SÉRIE PENSANDO O DIREITO, 2015, p. 52).
A pouca importância que é dada a esse tipo de violência, a falta de estrutura para o
atendimento humanizado, a demora na prestação jurisdicional, o próprio pensamento patriarcal
difundido nos órgãos judiciais; todos esses fatores geram uma descrença por parte das mulheres
de que o caso delas será solucionado de forma satisfatória, culminando na chamada cifra oculta,
fração correspondente às mulheres que não reportam a violência sofrida às autoridades
policiais, seja por medo da reação do agressor, seja por medo da própria violência institucional
que certamente ela sofrerá ao ser obrigada a peregrinar de órgão em órgão para obter uma
resposta penal, que na maioria dos casos é insatisfatória e demorada. O depoimento de uma das
vítimas entrevistadas relata de forma emblemática o sentimento de várias mulheres que
recorrem ao JVDFM:

Atendimento pessoal péssimo. Zero. Eu me senti verdadeiramente humilhada aqui.


Eu tô super revoltada. Eu acho que esses Juizados de Violência Doméstica contra a
Mulher é puro marketing. Marketing. Porque, na verdade, a mulher, ela é.… quer ser
ouvida. Hoje em dia a gente tem aí juízes que estão sendo assassinados, autoridades
que estão sofrendo violência e porque só a mulher que é submissa? Que é alvo de de
de...? Não. Então, quer dizer, eu fui muito, muito... eu tô muito revoltada com o
juizado, eu me arrependo muito; eu preferia ter ido direto prum outro juizado: o
juizado comum, sabe? Porque aqui é uma farsa. As juízas daqui eu odeio. Eu tenho
ódio! Eu odeio os promotores. Os promotores, nas audiências, eles tavam preocupados
se eu tive contato sexual com o agressor e não com a lesão corporal! Cara, o que que
isso vai dizer? O que vai acrescentar? O cara tá gritando até hoje lá que eu sou uma
piranha! Dizendo... com todos os termos de mais baixo calão possível! O que que isso
(o contato sexual) é relevante pro fato? Tem um laudo. E tem que definir, o Ministério
Público tem que se preocupar com a lesão. Com o fato. Nada mais (…). Eu acho que
as autoridades, principalmente os juízes e promotores entendeu? E aí a defensoria
pública, ela sente meio que de mãos atadas, pela atitude das juízas e dos promotores.
Eu acho… não é nem que a defensoria não queira ajudar, não é isso. Apesar dos
19

atendimentos ruins, eu também tive alguns atendimentos bons... e neles a gente até
percebe que a doutora quer ajudar, mas fica sem ter uma ação realmente efetiva,
eficaz. E aqui nesse Juizado parece que as coisas são empurradas pela barriga. O meu
caso foi em 2010! Já é 2014 e até agora nada! E agora que tá chegando perto da
prescrição, daqui a pouco eu não tenho mais o que fazer. As juízas desse juizado,
olha...! Elas empurram tudo com a barriga! (…). Essa é a minha sugestão! Que as
juízas tenham mais respeito com as vítimas porque são elas quem precisam de ajuda!
(SÉRIE PENSANDO O DIREITO, 2015, p. 52-53)

Assim, diante da postura de juízes e promotores relatada pela vítima, faz-se


necessário atentarmos para o fato de que mesmo que sejam realizadas transformações físico-
operacionais, a violência institucional contra as mulheres ainda pode persistir, sendo necessária
uma mudança mais profunda no Poder Judiciário, com a inserção de valores feministas nas
instituições que lidam com a violência doméstica contra a mulher (SÉRIE PENSANDO O
DIREITO, 2015, p. 55).
Mesmo com a vigência da Lei Maria da Penha, não se observa a diminuição dos
casos de violência contra a mulher, sendo o número de processos elevadíssimo em cada um dos
Juizados estudados. A comarca da cidade do Rio de Janeiro, no ano de 2011, possuía em seu
acervo um total de 49.229 processos. Nas demais comarcas do estado tem-se um total de 66.571
ações que versam sobre esse tipo de violência (SÉRIE PENSANDO O DIREITO, 2015, p. 63).
Dados do Dossiê Mulher (2015, p. 11) demonstram que no ano de 2014, em todo o estado do
Rio de Janeiro, 64% das vítimas de lesão corporal dolosa eram mulheres; da mesma forma nos
crimes contra a honra (calúnia, injúria e difamação), as mulheres também são a maioria das
vítimas (73,6%), no crime de ameaça tal informação também se repete, sendo que 65,5% das
vítimas são mulheres.
Conforme pesquisa realizada pelo DataSenado (2015, p. 04), 63% das entrevistadas
acham que a violência doméstica contra a mulher aumentou nos últimos anos, contra apenas
13% que acreditam que este fenômeno diminuiu. Além disso, quando questionadas sobre que
atitude tomaram em relação à última agressão que sofreram, somente 11% procuraram a
DEAM, e 17% denunciaram o caso em uma delegacia comum, logo apenas 28% das
entrevistadas noticiaram a agressão sofrida às autoridades. Destaque para os 21% das mulheres
que não fizeram nada após serem agredidas, e aos 26% que procuraram a ajuda de familiares e
amigos. Em 2010, a Fundação Perseu Abramo realizou a pesquisa intitulada “Mulheres
Brasileiras e Gênero no Espaço Público e Privado”, na qual constatou-se que uma a cada cinco
mulheres, cerca de 18% sofre ou já sofreu algum tipo de violência por parte de um homem,
conhecido ou desconhecido. Em 2001 foi realizada pesquisa análoga e a porcentagem de
mulheres agredidas é praticamente a mesma, cerca de 19% (CAMPOS; CARVALHO, 2013, p.
20

149).
Diante disso percebemos o quão grave é a situação da violência doméstica no Brasil.
Um contingente enorme de mulheres denuncia o caso às autoridades o que gera a quantidade
de procedimentos informados anteriormente, mas, por outro lado, um número de mulheres igual
ou ainda maior não denuncia o caso, o que faz com percebamos a magnitude desse fenômeno
em nossa sociedade e que as práticas adotadas atualmente não estão sendo eficazes para a
diminuição desse tipo de violência.
Desse modo, chegamos ao impasse entre a criminologia feminista e a criminologia
crítica no Brasil, no que se refere a adequação da resposta penal a esse tipo de violência. O
principal embate diz respeito às alterações dos tipos penais advindas com a Lei nº 11.340/06,
que instituiu agravantes e majorantes aos crimes cometidos contra as mulheres no âmbito
doméstico, bem como obstruiu a utilização de institutos diversificacionistas, tais quais a
composição civil, transação penal e suspensão condicional do processo (CAMPOS;
CARVALHO, 2013 p. 149). A temática será melhor discutida no próximo tópico.

2.3 Abordagem criminológica da violência doméstica e familiar contra a mulher

Observa-se que há uma tendência dominante nas sociedades contemporâneas, no


sentido de fortalecimento do Direito Penal, com a criação de novos tipos penais e de
agravamento dos já existentes. Um dos motivos é o reconhecimento da gravidade de condutas
delitivas que antes eram consideradas de menor importância, como é o caso da violência
doméstica. Assim, grupos historicamente oprimidos passaram buscar uma ampliação do Direito
Penal para que este também protegesse seus interesses específicos (AZEVEDO, 2008, p. 114).
No entanto, uma das maiores falhas no atual sistema penal é a resposta pouco
variada ao ato tipificado, resumindo-se ao encarceramento. De acordo com Foucault (2013, p.
217-218), a pena de prisão nasceu como uma resposta mais humanizada e racional frente aos
suplícios que ocorriam antigamente. Nos três últimos séculos, a prisão tornou-se a resposta
padrão a todos os tipos de delitos. Desde o seu nascimento, vem-se questionando a sua
efetividade naquilo em que o monopólio da violência estatal se propõe a fazer, qual seja: punir,
coibir a violência por meio do exemplo e ressocializar.
Diante desse quadro é que surge a criminologia crítica, cujo objeto de estudo é o
próprio sistema de punitividade,

sobretudo os mecanismos seletivos de definição das condutas puníveis


(criminalização primária), os critérios desiguais de incidência das agências de controle
21

sobre as populações vulneráveis (criminalização secundária) e os instrumentos


perversos que transformam a execução das penas em fontes de reprodução de estigmas
(CAMPOS; CARVALHO, 2013, p. 151).

Por outro lado, desde a década de setenta, feministas vêm desenvolvendo estudos
sobre a relação entre as mulheres e o sistema penal, analisando o papel feminino tanto na
qualidade de vítima, quanto na de autora de delitos. Com isso, constatou-se a existência de uma
dupla violência contra a mulher. A primeira corresponde a invisibilidade e a desvalorização dos
delitos cometidos contra as mulheres por motivos de gênero. Os crimes cometidos no âmbito
doméstico sempre foram desconsiderados na lógica penal; até pouco tempo, muitos nem eram
considerados crimes, estando restritos às relações privadas. No Brasil, diversos assassinos de
mulheres foram absolvidos sob os argumentos da “violenta emoção e legítima defesa da honra”
(BLAY, 2008, p. 44). Inserida nessa lógica perversa encontra-se ainda a revitimização da
mulher que procura as autoridades para relatar as agressões sofridas, mas é menosprezada e mal
atendida pelos operadores do direito, conforme exposto anteriormente.
A segunda corresponde ao agravamento das penas quando a mulher é o sujeito ativo
do delito. A esposa que mata o marido, a mãe que comete infanticídio, a mulher que abandona
o filho recém-nascido. Há sempre uma carga pejorativa sobre as mulheres que cometem crimes
violentos, devido ao rompimento do paradigma da submissão e docilidade feminina (BLAY,
2008, p. 73). Assim, a criminologia feminista busca não só a tipificação dos delitos cometidos
contra as mulheres, mas também busca romper com o pensamento machista arraigado no
sistema de justiça penal.
A Lei Maria da Penha proporcionou o embate entre essas duas visões
criminológicas de vanguarda, ao vedar a utilização de institutos despenalizadores previstos na
Lei 9.099/95, por meio de seu art. 41. Tal visão foi pautada na banalização da violência
doméstica decorrente da aplicação errônea desses institutos. Tal vedação não vem se mostrando
benéfica para diminuir os índices de violência contra a mulher, como veremos a seguir.
Entendemos que as ações extrapenais constantes na Lei Maria da Penha constituem
importantes mecanismos de combate à violência doméstica, já que preveem planejamento de
políticas públicas, controle de publicidade sexista, incentivos a realização de pesquisas, bem
como ao levantamento de dados estatísticos, que sempre se mostraram deficientes nessa área,
programas de proteção e atendimento à vítima, entre outros (CAMPOS; CARVALHO, 2013,
p. 144). Porém, a solução estritamente penal prevista pela Lei nº 11.340/06 para as denúncias
realizadas pelas mulheres não vêm se mostrando eficaz.
Aliás, como dito anteriormente, o próprio sistema penal encarcerador está em
22

colapso desde o seu nascimento para a maioria das infrações penais, imagine para os casos de
violência doméstica, cuja vítima e o ofensor têm, ou em algum momento tiveram um
relacionamento afetivo, coabitaram, dessa relação adveio filhos, por exemplo. Diferentemente
dos crimes eventuais, a violência doméstica tem motivações completamente distintas. Se em
um furto o motivo é a simples obtenção de uma vantagem pecuniária, em um crime de lesão
corporal dolosa qualificada pela violência doméstica, por exemplo, as razões perpassam
diversos fatores, tais como o ciúme, o sentimento de posse, o próprio machismo e o
patriarcalismo difundidos na sociedade, que insistem em colocar a mulher em um papel inferior
ao homem (CAVALCANTI, 2007, p. 51). Some-se a isso o uso abusivo de álcool e drogas por
parte dos infratores, que é recorrente nos casos de violência doméstica contra a mulher.
Ao pensarmos no processo penal sob a égide da Lei Maria da Penha, verificamos
um predomínio da violência física (66%), seguida da violência psicológica (48%), segundo
pesquisa realizada pelo DataSenado (2015, p. 08). Em relatos de violência atendidos pela
Central de Atendimento à Mulher (LIGUE 180) nos anos de 2006 a 2015, verificou-se que
56,72% dos casos eram de violência física, seguidos por 27,14% dos casos de violência
psicológica (BRASÍLIA, 2015, p. 07).
Dos casos de violência física, os crimes mais recorrentes são de lesão corporal
dolosa (RIO DE JANEIRO, 2015, p. 11), mais precisamente os crimes de lesão corporal leve
(GARBIN et. al., 2006, p. 2570). Tanto o é que a Lei nº 11.340/06 estabeleceu a qualificadora
do §9º do art. 129 do Código Penal (CP) para os casos de lesão corporal leve cometidos no
âmbito doméstico, estabelecendo pena de 03 (três) meses a 03 (três) anos de detenção, na
tentativa de recrudescer a resposta penal a esse tipo de crime. No que tange a violência
psicológica, o delito predominante nesses casos é o de ameaça (RIO DE JANEIRO, 2015, p.
11), previsto no art. 147 do CP, cuja a pena é de 01 (um) a 06 (seis) meses de detenção.
Diante disso, verifica-se que na maioria dos casos, o agressor, ao ser condenado,
terá o regime aberto como regime inicial, posto que a pena geralmente não excede 04 (quatro)
anos (art. 33, §2º, “c” do CP) e mesmo que os delitos no âmbito da violência doméstica sejam
reiterados, é difícil aferir a reincidência nos moldes do CP. Assim, como o réu geralmente é
primário, elege-se a pena mínima como a mais adequada.
No fim das contas, no Brasil, o marido que bate na esposa só é efetivamente preso,
quando ocorre a prisão em flagrante, que é essencial para fazer cessar a violência de imediato
e preservar a integridade física da vítima. Porém, sem esse estado de flagrância, o agressor pode
passar o processo penal inteiro em liberdade e ao final, caso condenado, iniciar a pena em
regime aberto. O condenado deveria cumprir a pena na Casa do Albergado, conforme o art. 93
23

da Lei de Execução Penal, participar de cursos, não frequentar determinados lugares; porém,
devido falta de infraestrutura e de monitoramento, o réu acaba por somente ir à Vara de
Execução Penal assinar uma frequência e relatar as suas atividades.
Diante do exposto, verificamos um paradoxo no tratamento penal dos crimes
cometidos em situação de violência doméstica e familiar contra a mulher: o recrudescimento
penal proposto e esperado para esses tipos de caso não ocorre, já que o agressor não é
efetivamente encarcerado como alguns grupos feministas desejam e, por outro viés, a este não
é proposta outras formas de punição e ressocialização voltadas especificamente para a cessação
da violência doméstica. Assim, a pena prevista para esses crimes carece de caráter intimidatório
e deixa transparecer a ideia de impunidade. O agressor, em termos de execução penal, recebe o
mesmo tratamento que um indivíduo condenado por um crime de furto, por exemplo.
Carmen Hein Campos e Salo de Carvalho (2013, p. 150), consideram essa questão
como ponto de reflexão no embate entre criminologia feminista e criminologia crítica no âmbito
da Lei Maria da Penha, no sentido de retirar o rótulo de punitivista desta, já que a Lei nº
11.340/06 não é responsável pelo encarceramento massivo. Porém, essa visão faz com que o
tratamento penal proposto por ela entre em colapso: se a Lei não se caracteriza faticamente por
um viés punitivo e nem permite a utilização dos institutos diversificacionistas, o que ela é
afinal? Esse paradoxo mostrou-se prejudicial para o combate à violência doméstica contra a
mulher, posto que a resposta penal ao infrator ficou descoberta, não se aplicando de maneira
efetiva nem um, nem o outro método.
A própria Lei Maria da Penha traz apenas um dispositivo (art. 35, V) referente à um
tratamento diferenciado ao agressor, determinando que os entes federados poderão criar e
promover, no limite de suas competências, centros de educação e reabilitação para os
agressores. Pasmem para a palavra “poderão”, significando que tal política pública não é
obrigatória, podendo os estados simplesmente não cumpri-la.
Outra questão relevante diz respeito ao desejo das vítimas em relação à instauração
do procedimento penal. Na pesquisa realizada pelo IPEA, somente 20% das entrevistadas
disseram que a melhor solução seria aplicar a pena e prender o ofensor; os outros 80% diluem-
se em ofendidas que acham que a solução não está na persecução penal. Desses 80%, 40%
acreditam que o problema deve ser resolvido com a ajuda de psicólogos e assistentes sociais,
sem condenar; 30% pensam que a melhor solução é frequentar grupos de agressores para se
conscientizar; e 10% acreditam que a condenação de prestar serviços à comunidade seja a
melhor resposta para esses crimes (SÉRIE PENSANDO O DIREITO, 2015, p. 80).
Diante desses números tão expressivos de rejeição à persecução penal, por qual
24

motivo essas mulheres procuram o poder público? Conforme dito anteriormente, muitas
mulheres só procuram as autoridades em último caso, funcionando o direito penal como ultima
ratio, muitas delas procuram a ajuda de familiares e amigos para resolver o problema, antes de
ir à delegacia (SÉRIE PENSANDO O DIREITO, 2015, p. 81).
É interessante ressaltar que a Espanha vem enfrentando problemas semelhantes, no
que tange a efetivação da Lei Orgânica nº 1/2004. Esta foi uma das legislações que mais gerou
expectativas, mas os resultados obtidos não foram satisfatórios. O Judiciário reclama que foi
responsabilizado pelo combate à violência doméstica, critica-se ainda a cumulação de
competências cíveis e criminais dos JVDFM, além da excessiva vitimização da mulher,
considerando-a sempre inocente e o homem como superior e agressor. Diante dessa série de
críticas, estudiosos afirmam que meios alternativos deveriam ser estimulados, tais como a
mediação penal, sempre visando atender os interesses da vítima (MACHADO, 2014, p. 70).
Um relatório elaborado por membros do Consejo Nacional del Poder Judicial,
aponta para a necessidade de reformas legislativas, visando maior assistência à vítima tanto no
processo criminal, quanto cível. Além disso, propõe-se a antecipação do programa de
reabilitação do autor para a fase instrutória, devido à demora na obtenção da sentença, sendo
este avaliado para fins de redução de pena. Frisa-se também o repasse de recursos por parte do
Executivo, para que os programas de atendimento à vítima e ao ofensor sejam efetivados
(MACHADO, 2014, p. 72).
Observa-se que o modelo espanhol de mudança está pautado na inserção de formas
de fortalecimento da vítima, por meio do devido acompanhamento processual, e pelo envio dos
agressores a programas de reabilitação conforme o caso concreto. No Brasil, necessita-se de
mudanças semelhantes, buscando-se implementar a Lei nº 11.340/06 como um todo, não apenas
o seu aspecto penal. Quanto a este, a necessidade de flexibilização do art. 41 da Lei Maria da
Penha é premente, posto que “a obsessão pelo castigo, independentemente do que pensam as
próprias vítimas teria efeito perverso, suprimindo de forma genérica a autonomia da mulher”
(MACHADO, 2014, p. 75).
Por fim, abre-se espaço para o questionamento: é possível compatibilizar as pautas
da criminologia crítica e feminista? Acreditamos que tal compatibilidade é possível e aceitável.
A criminologia feminista trouxe visibilidade à violência praticada pelos homens contra as
mulheres, mas também trouxe à tona a violência institucional sofrida por elas devido ao viés
sexista da elaboração, aplicação e execução das leis penais, sendo o sistema penal dotado de
caráter androcêntrico. Ocorre que tal fato passou décadas sendo ignorado pelos movimentos
críticos, mostrando-se, no mínimo, complacente com a situação vivida pelas mulheres. No
25

entanto, a criminologia feminista absorveu várias contribuições da criminologia crítica,


especialmente no que diz respeito ao debate sobre a utilização do sistema penal por parte das
mulheres. Assim, apesar de algumas incoerências, entende-se ser possível que ambos
coexistam, já que a perspectiva de um sistema absolutamente coerente não condiz com a
realidade contemporânea (CAMPOS; CARVALHO, 2013, p. 166). Nas palavras de Alessandro
Baratta (1999, p. 43 apud SÉRIE PENSANDO O DIREITO, 2015, p. 53), “a criminologia
crítica e a feminista não podem ser duas coisas diversas; devem, necessariamente, construir
uma única”.
Diante dessas reflexões, a justiça restaurativa coloca-se como uma nova abordagem
aos casos de violência doméstica contra a mulher, coadunando-se com a peculiaridade desses
delitos. A proposta de um modelo que valoriza a vítima, buscando reestabelecer a autonomia
desta; ao mesmo tempo em que prevê uma resposta menos estigmatizante ao infrator merece
ser analisada sob a perspectiva de gênero. Assim, no próximo capítulo serão discutidas as bases
teóricas da justiça restaurativa, descrevendo suas origens, princípios e métodos.

3 JUSTIÇA RESTAURATIVA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS E SUA


APLICABILIDADE

Neste capítulo, serão discutidas as origens, os fundamentos e os princípios da


justiça restaurativa, bem como os principais programas restaurativos, quais sejam: a mediação
vítima-ofensor, as conferências de família e os círculos restaurativos. Além disso, apontaremos
os momentos processuais adequados para uma intervenção da justiça restaurativa no sistema de
justiça penal. Por fim, será feito um estudo sobre a Lei nº 9.099/95, avaliando se houve a
aplicação de mecanismos restaurativos, especialmente no que diz respeito aos casos de
violência doméstica contra a mulher.

3.1 Fundamentos teóricos e conceitos básicos

Diante do colapso do sistema que elegeu a prisão como a principal resposta aos
delitos, diversas correntes surgiram, buscando encontrar outros meios de coibir a incidência
criminal. Os Estados Unidos, nos anos 60 e 70, vivenciou a crise do modelo encarcerador, pois
constatou-se que o tratamento através da pena privativa de liberdade não atingia o ideal
ressocializador, ao contrário, ocorria um agravamento da situação do delinquente, que saía da
prisão mais propício a reincidência:
26

[…] as prisões não reduzem a taxa de criminalidade – mesmo que se aumente,


multiplique ou transforme as prisões, a criminalidade permanece a mesma ou
aumenta; a detenção provoca reincidência; a prisão fabrica delinquentes em razão das
condições a que submete os apenados; a prisão favorece a organização de delinquentes
solidários entre si e hierarquizados; os que são libertados da prisão estão condenados
a reincidência, devido às condições de vigilância a que são submetidos; por fim, a
prisão indiretamente, delinquência, pois faz as famílias dos apenados caírem na
miséria (PALLAMOLLA, 2009, p. 31).

Somente nos anos 90 é que a justiça restaurativa ganha a atenção dos pesquisadores
como uma possível resolução aos problemas advindos do sistema de justiça tradicional. Antes,
já existiam valores e processos restaurativos, mas não estavam consolidados sob o mesmo
nome. Braithwaite foi o primeiro a difundir as ideias restaurativas nos Estados Unidos, que
rapidamente chegaram à Europa (PALLAMOLLA, 2009, p. 34).
O novo modelo aproxima-se do abolicionismo, movimento também surgido na
época, sendo uma ramificação da Criminologia Crítica. A justiça restaurativa e o abolicionismo
compartilham a tendência de superação do atual processo penal, concedendo à vítima e à
comunidade maior participação no processo (democratização do direito penal) com o fito de
que o infrator compreenda o dano causado por ele. Por outro lado, para Braithwaite, a justiça
restaurativa difere do abolicionismo por prevê ainda a utilização do cárcere para determinados
crimes, valendo-se do princípio da ultima ratio do Direito Penal, e a preservação de algumas
garantias processuais e penais. Já o abolicionismo prevê uma total substituição do processo
penal, e mais além, de todo o sistema penal (PALLAMOLLA, 2009, p. 35).
No entanto, na visão de Howard Zehr (2014, p. 89) o paradigma retributivo está em
vias de modificação, visto que são inúmeros os epiciclos que o sustentam. Epiciclos são
espécies de “remendos” que visam manter o paradigma vigente. O modelo retributivo em si é
violento e estabelecia punições severas, os chamados suplícios (FOUCAULT, 2013, p. 13).
Para sustentá-lo criou-se a pena de prisão, que é mais racionalizada, já que o tempo de
permanência no cárcere é dosado conforme a gravidade do delito, trazendo ares de
razoabilidade e de cientificidade, condizentes com a época em que foi instaurada. Porém, logo
este epiciclo mostrou-se ineficiente, buscando-se, assim, outros meios de sustentar o paradigma.
São exemplos: as chamadas penas alternativas, a sentenças de serviço comunitário, o
monitoramento eletrônico, e até mesmo a indenização e assistência às vítimas.
Diante disso, Zehr propõe que essa mudança de paradigma está pautada na
modificação de como a sociedade enxerga o crime e a justiça. Nos moldes da justiça
restaurativa, o crime é
27

[…] uma violação nas relações entre o infrator, a vítima e a comunidade, cumprindo,
por isso, à Justiça identificar as necessidades e obrigações oriundas dessa violação e
do trauma causado e que deve ser restaurado. Incumbe, assim, à Justiça oportunizar e
encorajar as pessoas envolvidas a dialogarem e a chegarem a um acordo, como
sujeitos centrais do processo, sendo ela, a Justiça, avaliada segundo sua capacidade
de fazer com que as responsabilidades pelo cometimento do delito sejam assumidas,
as necessidades oriundas da ofensa sejam satisfatoriamente atendidas e a cura, ou seja,
um resultado individual e socialmente terapêutico seja alcançado (PINTO, 2005,
p. 21).

Assim, o crime antes de ser uma violação ao Estado, é uma violação do ofensor
contra a vítima e que, de maneira reflexa, atinge a comunidade. Com essa perspectiva, a justiça
restaurativa dialoga com a vitimologia, trazendo a vítima de volta às discussões do direito penal,
pois com a política de proteção dos bens jurídicos, negligenciou-se o dano causado à vítima e
a necessidade de reparação (PALLAMOLLA, 2009, p. 46).
Essa mitigação da proteção aos bens jurídicos para dar mais atenção aos desejos da
vítima, não representa um retorno à época da justiça privada e da vingança. Ao buscar o diálogo
e formas de reparação colocando a vítima como um agente capaz de decidir a respeito do delito,
não dará a ela a liberdade de escolher as mais duras penas ao ofensor sob o aval do Estado. Os
direitos humanos evoluíram bastante e um retrocesso desse tipo não seria tolerado. O que se
busca promover são formas de diálogo e reparação que ajudem a vítima a superar a vitimização.
Porém, não se pode falar, que a justiça restaurativa é um movimento restrito às vítimas, visto
que também se preocupa com o destino do ofensor e da comunidade envolvida no delito
(PALLAMOLLA, 2009, p. 46).
Diante disso, apesar da dificuldade em estabelecer as origens e os fundamentos da
justiça restaurativa, visto que ainda é uma teoria em formação, “é uma prática ou, mais
precisamente, um conjunto de práticas em busca de uma teoria” (SICA, 2007, p.10), a justiça
restaurativa

baseia-se num procedimento de consenso, em que a vítima e o infrator, e, quando


apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados pelo crime, como
sujeitos centrais, participam coletiva e ativamente na construção de soluções para a
cura das feridas, dos traumas e perdas causados pelo crime.

Com a difusão da justiça restaurativa pelo mundo, o Conselho da União Europeia


criou a Rede Europeia de Pontos de Contacto Nacionais para a Justiça Restaurativa e em seu
art. 2º estabeleceu que

o termo "justiça restaurativa" refere-se a uma visão global do processo de justiça penal
em que as necessidades da vítima assumem a prioridade e a responsabilidade do
infractor é realçada de uma maneira positiva. A justiça restaurativa denota uma
abordagem lata em que a reparação material e imaterial da relação confundida entre a
28

vítima, a comunidade e o refractor constitui um princípio orientador geral no processo


de justiça penal. O conceito de justiça restaurativa abrange um conjunto de ideias que
é relevante para diversas formas de sancionamento e de tratamento de conflitos nas
várias fases do processo penal ou com ele relacionados (UNIÃO EUROPEIA,
2002, p. 05).

Feito esses esclarecimentos, trataremos agora sobre os princípios que norteiam a


justiça restaurativa com o intuito de esclarecer ainda mais sobre os processos e técnicas desse
novo olhar sobre o crime e a justiça.

3.2 Princípios da Justiça Restaurativa

A justiça restaurativa rege-se por vários princípios, que são determinantes para
construção de uprocesso condizente com as propostas restaurativas. Porém, inexiste consenso
na doutrina, que aponta diversos princípios diferentes, mas que não são divergentes entre si
(GUTIERREZ, 2012, p. 79). Para Francisco Amado Ferreira (2006, p. 29), a justiça restaurativa
orienta-se pelos princípios do voluntarismo, da consensualidade, da complementariedade, da
confidencialidade, da celeridade, da economia de custos, da mediação e da disciplina.
O voluntarismo diz respeito à vontade livre, esclarecida e atual das partes em
participar de um processo restaurativo, devendo serem informadas sobre seus direitos, sobre o
procedimento ao qual irão se submeter e, por fim, sobre as consequências deste. O caráter
voluntário da justiça restaurativa é benéfico para o ofensor, pois faz com que ele internalize
melhor as consequências de seus atos, tornando-o apto a assumir as responsabilidades pelo
delito, além de evitar que este se repita. A voluntariedade na justiça restaurativa é primordial,
pois do contrário,

ao tornarmos o processo restaurativo obrigatório, poderemos estar a convertê-lo num


acto inútil e traduzível num puro desperdício de tempo e de recursos ou, então, a
aumentarmos o risco de as partes celebrarem o acordo 'a qualquer preço' ou mesmo a
serem manipuladas e, concomitantemente, incrementarmos a sua sensação de
insatisfação e uma maior tendência para o incumprimento dos acordos homologados.
Por outro lado, se quisermos proteger verdadeiramente a vítima do contato directo –
que ela não deseje – com o autor (vitimização secundária) ou das represálias do
mesmo ou de outras pessoas (vitimização terciária), deveremos dar-lhe a possibilidade
de escolher entre enfrentar o agressor ou resguardar-se por detrás da figura jurídica
do assistente (que lhe faculta o sistema judicial português) ou de outros expedientes
legais de protecção (FERREIRA, 2006, p. 31-32).

Dessa forma, o voluntarismo é importante para que os processos restaurativos


alcancem os resultados almejados.
O princípio da consensualidade aduz que ao final do processo restaurativo bem-
29

sucedido, as partes chegarão a um acordo que seja benéfico para ambos, diferentemente da
justiça tradicional, em que o desfecho é contencioso, sendo estabelecido um ganhador e um
perdedor. De certa forma, o acordo celebrado não deixa de ser um negócio jurídico, já que as
partes estão obrigadas a cumpri-lo. Segundo Daniel Dana (2001, p. 77-79 apud FERREIRA,
2006, p. 34-35), o acordo deve ser:

a) equilibrado, o que significa atribuir benefícios proporcionais para ambas as partes;


b) pormenorizado, o que significa definir claramente os pormenores de quem haverá
de fazer o quê, quando, durante quanto tempo, em que condições e com que garantias;
c) reduzido a escrito e assinado pelas partes e pelo mediador. Ainda que não
absolutamente imprescindíveis, tais elementos podem revelar-se úteis em termos de
certeza, garantia jurídica e de segurança interpretativa;
d) renunciante de recurso a outros meios – adversativos ou não –, desde que se
prefigurem direitos disponíveis e o acordo firmado entre as partes se mostre
pontualmente cumprido

Tais requisitos tornam o acordo exequível, dando a vítima mais segurança jurídica
no caso de um descumprimento. Assim, ao propor um diálogo entre as partes, este só produz
resultados efetivos se houver um mínimo consenso entre estas, sendo o princípio da
consensualidade importante na efetivação da justiça restaurativa.
A confidencialidade corresponde ao sigilo de todos os fatos revelados durante a
processo restaurativo, inclusive as sugestões e propostas apresentadas pelo mediador ou pelas
partes. Caso o procedimento se mostre infrutífero ou o acordo seja descumprido, o caso voltará
a justiça comum e nesta não poderão ser usados os elementos colhidos naquela. A oralidade é
uma característica essencial nos procedimentos restaurativos pois favorece a manifestação das
partes, não devendo suas declarações serem reduzidas a termo, apenas o acordo final é que terá
a forma escrita, como dito anteriormente (FERREIRA, 2006, p. 37).
O princípio da complementariedade diz respeito ao posicionamento da justiça
restaurativa como um complemento ao sistema penal tradicional. Ela geralmente é adequada ao
processo penal comum, inserindo-se em determinados momentos, trazendo consigo meios
menos herméticos de tratar o caso em questão, podendo ser oferecida a suspensão do processo
caso a mediação seja bem-sucedida e o acordo seja cumprido. Ferreira (2006, p. 39), defende a
aplicação da justiça restaurativa na fase de execução, como forma de redução da pena, por
exemplo:

[...] em vez de uma pena efectiva de vinte e cinco anos de prisão, o arguido pode
receber uma de quinze, desde que se haja retratado perante as vítimas, se tenha
esforçado por as reparar ou se haja predisposto a prestar trabalho voluntário em favor
da comunidade, daquelas ou das respectivas famílias, na prisão ou, quando possível,
fora da mesma.
30

Já Sica (2007, p. 30), reconhece esse momento de aplicação, mas discorda da sua
utilização, visto que acarreta a sobreposição dos dois sistemas, o punitivo e o restaurativo. No
item 3.3 trataremos melhor sobre o assunto.
Portanto, como a substituição do paradigma retributivo pelo restaurativo ainda é
utópica, a justiça restaurativa utiliza-se da complementariedade para se inserir no sistema penal
tradicional, na tentativa de torná-lo menos hermético e mais humanizado.
O princípio da celeridade advém da forma simples e informal com que os
procedimentos são conduzidos na justiça restaurativa, que oferecem uma resposta mais célere
e eficaz ao conflito do que a justiça oficial. Contudo, não quer dizer que a justiça restaurativa
não possua mecanismos padronizados, ela apenas adota ritos estritamente necessários para a
resolução do caso (FERREIRA, 2006, p. 40).
A economia de custos é um princípio que decorre da própria celeridade, visto que
com menos ritos o processo torna-se menos custoso financeiramente. Esses recursos antes
destinados a crimes menos graves, podem ser realocados, utilizando-os em crimes mais graves
e assim reduzir os custos materiais do Estado (FERREIRA, 2006, p. 41).
O princípio da mediação diz respeito aos processos restaurativos que se utilizam de
meios negociais para resolver o caso. Geralmente, as partes ficam frente a frente para discutir
a respeito do crime, sob a supervisão de um terceiro intermediário. Outras práticas restaurativas
são variações da mediação, diferenciando-se especialmente pelo número de participantes, que
podem envolver os familiares das partes ou membros da comunidade (FERREIRA, 2006, p.
41).
Por fim, o princípio da disciplina corresponde a obediência aos termos acordados
pelas partes ao final do processo restaurativo. Esta é importante para trazer credibilidade social
ao método. Além disso, o mediador deve se valer da disciplina para conduzir o processo de
forma ordeira e coerente (FERREIRA, 2006, p. 42)
Apesar de existirem divergências doutrinárias, os princípios colocados pelo autor
mostram-se coerentes e caracterizam de maneira eficaz os preceitos da justiça restaurativa.

3.3. Principais processos restaurativos e seu momento de aplicação

Primeiramente, cabe destacar que não existe apenas uma forma de manifestação da
justiça restaurativa, mas sim várias práticas. Segundo Rodrigo de Azevedo,

A ideia de uma justiça restaurativa aplica-se a práticas de resolução de conflitos


baseadas em valores que enfatizam a importância de encontrar soluções para um mais
31

ativo envolvimento das partes no processo, a fim de decidirem a melhor forma de


abordar as consequências do delito, bem como suas repercussões futuras
(AZEVEDO, R., 2005, p. 139)

A Resolução 2002/12 do Conselho Econômico e Social da ONU traz orientações


para os países que desejam implementar medidas restaurativas em seus sistemas penais. Desta
resolução, vale destacar os conceitos de programa restaurativo, processo restaurativo e
resultado restaurativo, estando os três intrinsecamente conectados, vejamos:

1. Programa de Justiça Restaurativa significa qualquer programa que use processos


restaurativos e objetive atingir resultados restaurativos
2. Processo restaurativo significa qualquer processo no qual a vítima e o ofensor, e,
quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados
por um crime, participam ativamente na resolução das questões oriundas do crime,
geralmente com a ajuda de um facilitador. Os processos restaurativos podem incluir a
mediação, a conciliação, a reunião familiar ou comunitária (conferencing) e círculos
decisórios (sentencing circles).
3. Resultado restaurativo significa um acordo construído no processo restaurativo.
Resultados restaurativos incluem respostas e programas tais como reparação,
restituição e serviço comunitário, objetivando atender as necessidades individuais e
coletivas e responsabilidades das partes, bem assim promover a reintegração da vítima
e do ofensor (PINTO, 2005, p. 24).

Diante disso, não há uma definição para o que seja um processo restaurativo,
também chamado de conferência restaurativa, apenas diretrizes que se aplicadas corretamente
produzem um processo dessa natureza e, consequentemente, um resultado restaurativo. Assim,
adaptações e variações são estimuladas para que sejam condizentes ao caso concreto. Porém,
existem práticas que são mais difundidas, já tendo sido utilizadas com sucesso em vários países
e por conta disso cabe destacá-las (PALLAMOLLA, 2009, p. 105):
a) Mediação vítima-ofensor (VOM – victim-offender mediation): o primeiro
programa de mediação vítima-ofensor foi estabelecido em 1974, no Canadá. A prática é
bastante difundida no EUA, com 300 programas funcionando atualmente e na Europa com 500
programas. Esse procedimento consiste em promover um encontro entre a vítima e o ofensor
para que estes dialoguem sobre o ocorrido, na presença de um terceiro neutro, que pode ser
tanto membro da comunidade que tenha recebido treinamento para isso, quanto um profissional
qualificado. A própria mediação deve ser tratada como um meio e não como um fim, sendo a
obtenção de um acordo o mero resultado de um processo satisfatório (FROESTAD;
SHEARING, 2005, p. 82). A mediação vítima-ofensor foi o método escolhido para ser utilizado
nos casos de violência doméstica contra a mulher no modelo que estamos propondo e assim
será abordada detalhadamente no próximo capítulo.
b) Conferências de Família (FGC – family group conferencing): essa prática é mais
difundida na Nova Zelândia, na Austrália e em partes do Canadá, baseando-se em métodos de
32

resolução de conflitos de origem indígena (FROESTAD; SHEARING, 2005, p. 82). No ano de


1989, a Nova Zelândia adotou a técnica oficialmente para os casos de delitos cometidos por
jovens, sendo utilizada até mesmo para crimes de maior lesividade. O encaminhamento pode
ser realizado por juízes, policiais, oficiais de execução da pena, advogados das partes, ou até
mesmo pelos próprios litigantes, possibilitando que o procedimento seja aplicado em diversas
fases do processo criminal: “antes da ação penal, antes do processo, depois da instrução e antes
da sentença, após a sentença” (PALLAMOLLA, 2009, p. 117). O procedimento é semelhante
ao da mediação vítima-ofensor, diferindo em relação aos participantes. Além da vítima, do
ofensor e do mediador, nas conferências de família participam também os familiares e amigos
de ambas as partes. No momento, as partes mostram seus prontos de vista sob o caso,
objetivando que o infrator reconheça o dano causado à vítima e assim assuma a
responsabilidade pelo seu ato. Após as deliberações, a vítima é questionada sobre o que gostaria
que fosse feito. Assim, inicia-se um acordo reparador, onde todos podem contribuir. O teor do
acordo pode incluir um pedido desculpas, serviço comunitário, outras formas de reparação.
Ressalte-se que no modelo de justiça juvenil neozelandês, como o procedimento restaurativo é
obrigatório, este ocorre mesmo sem a participação da vítima, visto que esta não é obrigada a
confrontar o autor do delito que a prejudicou, mas estudiosos desse país apontam que a
participação da vítima reduz os casos de reincidência (PALLAMOLLA, 2009, p. 118).
c) Círculos Restaurativos: também chamados de sentencing circles, peacemaking
circles ou community circles, começaram a ser aplicados por juízes canadenses em 1991. “Sua
utilização abrange delitos cometidos tanto por jovens quanto por adultos, sendo também
empregados para delitos graves, disputas da comunidade, em escolas e casos envolvendo o
bem-estar e proteção da criança” (PALLAMOLLA, 2009, p. 118). Os círculos baseiam-se em
noções mais amplas de participação comunitária; além da vítima, do ofensor e do facilitador,
participam também membros da família estendida das partes e membros da comunidade cujo
crime atinge de maneira reflexa. Todos têm o papel de discutir o crime, tentando esclarecer as
várias facetas do ato e da mesma forma que nos outros processos, busca-se a responsabilização
do infrator, sendo a presença desses sujeitos uma forma de ajudá-lo nesse reconhecimento
(FROESTAD; SHEARING, 2005, p. 82).
Os programas citados são os mais difundidos, sem desconsiderar a existência de
outros processos que também se utilizam dos princípios restaurativos. Passemos agora a
adequar a utilização da conferência restaurativa escolhida ao momento processual adequado do
sistema de justiça tradicional.
Segundo Pallamolla (2009, p. 100-101), existem quatro momentos processuais
33

possíveis para a aplicação de um programa restaurativo, partindo do pressuposto de


complementariedade da justiça restaurativa em relação ao atual sistema penal. São elas: a fase
policial ou de pré-acusação; a fase pós-acusação, mas antes do processo; a fase do juízo, ou
seja, antes do julgamento e ao tempo da sentença; e a fase da punição, como alternativa à prisão,
como parte dela ou somada à pena.
Na primeira, o encaminhamento pode ser feito tanto pela polícia, quanto pelo
Ministério Público. De acordo com Sica (2007, p. 30), um encaminhamento feito pela polícia
não parece adaptável ao nosso sistema, pois tal discricionariedade teria que ser precedida por
uma ampla reforma da corporação policial brasileira, que como sabemos, é imbuída de vícios,
além da ausência de estrutura operacional. Porém, desmistificando essa afirmativa, a Delegacia
Especializada em Atendimento à Mulher (DEAM) de Aracaju, capital do estado de Sergipe,
implantou durante dois anos um núcleo de mediação de conflitos.
O projeto começou quando um grupo de delegadas recém-nomeadas, que estavam
participando do processo de construção de um Centro de Atendimento a Grupos Vulneráveis,
formados pela DEAM, pela Delegacia Especial de Atendimento à Criança e ao Adolescente, e
pela Delegacia Especial de Atendimento a Grupos Vulneráveis (idosos, homossexuais, pessoas
com deficiência), fizeram a proposta de instalação de um Núcleo de Mediação de Conflitos no
referido Centro. A equipe de mediadores do núcleo era composta pela delegada titular da
DEAM, pela delegada coordenadora do Centro, por dois bacharéis em Direito e por uma
assistente social (NOBRE, BARREIRA, 2008, p. 148).
As vítimas participavam do processo de mediação, sempre com o intuito de que
esta fosse um fim, e não um meio. Ressalte-se que diferentemente do que ocorria no JECRIM,
a vítima em nenhum momento era coagida a desistir do procedimento penal. A delegacia se
tornou um ambiente mais acolhedor e os servidores primavam pelo bom atendimento às vítimas,
já que as ações foram incorporadas a rotina de trabalho desses, percebendo-se que o papel da
polícia transcende a repressão (NOBRE, BARREIRA, 2008, p. 151).
Infelizmente, não puderam ser obtidos maiores resultados dessa experiência, pois a
partir de setembro de 2006 esta foi interrompida pelo advento da Lei Maria da Penha que vedou
a utilização de soluções alternativas para o conflito (NOBRE, BARREIRA, 2008, p. 152). Mais
uma vez percebemos o prejuízo dessa proibição para o próprio combate à violência doméstica
e familiar contra a mulher.
O encaminhamento a programas restaurativos feito pelo Ministério Público
ocorrerá após o recebimento da notitia criminis e da verificação dos requisitos mínimos. A
prática restaurativa constitui uma alternativa ao processo penal. Se esta for bem-sucedida, o
34

órgão ministerial arquivará o caso, com base no princípio da oportunidade, presente em alguns
ordenamentos jurídicos (PALLAMOLLA, 2009, p. 101).
Na segunda fase, ocorrida após acusação, mas antes da instrução, o
encaminhamento é feito pelo Ministério Público depois do oferecimento da denúncia. Nesses
casos, o processo restaurativo pode integrar os requisitos para a obtenção da suspensão ou do
arquivamento do processo penal em curso (FERREIRA, 2006, p. 31). A primeira e a segunda
fase constituem a chamada solução divertida. Segundo Francisco Amado Ferreira (2006, p. 27),
“numa perspectiva de política criminal, diversão significa a eleição de uma ou mais opções que
se destinem a prosseguir uma via exclusivamente desviada ao sistema de Justiça 'oficial', na
prevenção, gestão, e resolução de determinados factos penalmente relevantes”. Assim, tratam-
se de soluções extraprocessuais, que visam impedir o prosseguimento da ação penal. No modelo
proposto no próximo capítulo, este foi o momento processual escolhido para a ocorrência da
mediação vítima-ofensor nos casos de violência doméstica contra a mulher.
A terceira fase corresponde aquela em que o processo restaurativo ocorre antes do
julgamento ou ao tempo da sentença, sendo o encaminhamento realizado pelo tribunal. A quarta
fase é a da punição, na qual a prática restaurativa é utilizada como alternativa à prisão, como
parte dela ou somada à pena. Ambas as intervenções ocorrem em momentos que o processo
penal já está instaurado. Leonardo Sica (2007, p.30), alerta que nessas duas fases ocorre a
sobreposição dos dois sistemas, o que pode gerar alguns problemas:

[…] bis in idem para o ofensor, revitimização e incongruência sistemática (pois, ou


um caso é passível de ser resolvido por métodos restaurativos e, em caso de solução
satisfatória nessa esfera, não se autoriza a deflagração do poder punitivo ou o fracasso
da intervenção restaurativa resulta no reenvio do caso para o sistema formal ou, por
fim, a situação não se enquadra nos critérios de envio para a justiça restaurativa e deve
ser tratada diretamente pelo sistema formal)

Tal proposta é legítima e não sofreria tantas críticas por parte daqueles que
entendem pela atuação principal do direito penal, mas por outro lado, não se coaduna
completamente com os princípios da justiça restaurativa, já que só ao final de um longo
processo, a vítima e o ofensor seriam submetidos a um processo dessa natureza.

3.4. Lei nº 9.099/95 e violência doméstica contra a mulher: houve a aplicação de métodos
restaurativos?

A sanção da Lei nº 9.099/95 encontra respaldo legal na Constituição Federal de


1988, que em seu art. 98, I prevê a criação dos juizados especiais criminais para julgar crimes
35

de menor potencial ofensivo:

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:


I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes
para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade
e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e
sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento
de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

Assim, a Lei dos Juizados Especiais Criminais (JECRIM) nasceu com dois
objetivos no que tange a política criminal: o implemento da lógica despenalizadora no Brasil
para crimes de menor potencial ofensivo, prevendo para estes formas alternativas ao cárcere,
como a composição civil, sendo a conciliação uma etapa anterior, seguida da transação penal e,
por fim, da suspensão condicional do processo; e a consequente economia processual, visto que
os processos teriam ritos mais céleres e ao final não seria atribuída a pena de prisão. Além disso,
as varas criminais teriam mais prioridade para tratar dos crimes de maior potencial ofensivo
(SÉRIE PENSANDO O DIREITO, 2013, p. 21).
No início, a referida lei foi vista com bons olhos por pesquisadores e grupos
feministas, pois os novos dispositivos poderiam agilizar a responsabilização de autores de
agressão. Além disso, para outros delitos, o JECRIM seria importante “para conferir agilidade
aos processos judiciais, para desafogar a justiça tradicional, para despenalizar pequenos delitos
e para acelerar a resolução de disputas em torno de interesses específicos” (MORGADO, 2013,
p. 266). O problema surgiu com o conceito de crime de menor potencial ofensivo, que acabou
por englobar, indistintamente, crimes contra a pessoa.
O conceito de menor potencial ofensivo previsto na lei é meramente quantitativo,
enquadrando-se neste, os crimes cuja a pena máxima é de até dois anos (art. 61). Ocorre que
este conceito não é adequado para a aferir a ofensividade do delito. Como dito no capítulo
anterior, a criminologia feminista apontou o machismo presente no Direito Penal, cuja a pena
é estabelecida com base na reprovabilidade social que o crime gera. No caso da violência
doméstica contra a mulher, por exemplo, as penas sempre foram baixas, representando que o
legislador penalista naturaliza a conduta e não lhe concede a devida gravidade.
Porém, como sabemos, a violência doméstica e familiar é sim uma conduta grave
para a mulher, que se vê traída e machucada por um homem que ela confiava, que lhe causa
não só dores físicas, mas principalmente emocionais, destruindo a autoestima, podendo gerar
graves problemas psicológicos para a vítima. Como se não bastasse, a agressão atinge, de
maneira reflexa, os familiares dos envolvidos, especialmente os filhos, que crescem
presenciando situações de violência e as naturalizam, podendo reproduzir o mesmo
36

comportamento no futuro: o menino pensará que é normal agredir a sua companheira, e a


menina pensará que é normal para uma mulher aguentar esse tipo de situação, que é um ônus
advindo com o matrimônio. Assim, a violência acaba por reverberar indefinidamente na
sociedade brasileira (SÉRIE PENSANDO O DIREITO, 2013, p. 29).
Assim, ao estabelecer o conceito de crime de menor potencial ofensivo e determinar
que a competência para os julgar seria do JECRIM, o legislador, de forma negligente, acabou
por remeter para esse juízo a maioria dos casos de violência doméstica contra mulher, pois
grande parte do enquadramento penal dessa conduta corresponde aos delitos de lesão corporal
leve e ameaça, cujas penas máximas não ultrapassam dois anos (SÉRIE PENSANDO O
DIREITO, 2013, p. 30).
O rebaixamento dos crimes ocorridos no âmbito doméstico contra a mulher ao
patamar de delito de menor potencial ofensivo acarretou na banalização dessas condutas, o que
foi ainda agravado pela publicação da Lei nº 9.714/98,

responsável por instituir quatro novas modalidades de sanções restritivas de direitos:


a prestação pecuniária em favor da vítima, a perda de bens e valores, a proibição de
frequentar determinados lugares e a prestação de outra natureza, tendo ainda
modificado as condições de aplicabilidade das penas alternativas (SÉRIE
PENSANDO O DIREITO, 2013, p. 23).

Diante disso, nas condenações ao pagamento de prestação pecuniária, a justiça


passou a converter o valor em cestas básicas. Diante desse fato, Masumeci (2000, p. 02 apud
MORGADO, 2013, p. 266), faz uma reflexão:

O acusado (nas situações de violência doméstica) é convocado para comparecer a um


JECRIM – Juizado Especial Criminal, onde poderá efetuar uma composição civil
(reparação de danos com o consentimento da vítima) ou uma transação penal (caso
seja frustrada a composição civil). De modo geral, a transação penal resulta em
pagamento de multa, ou de uma ou mais cestas básicas a uma instituição assistencial,
conforme o delito e o poder aquisitivo do acusado. Em nenhum dos dois casos o
agressor perde a primariedade. Ileso, ele recebe, indiretamente, a informação de que
o preço da violência é baixo. Não custa caro espancar a mulher. A sociedade, por sua
vez, recebe a mensagem de que a violência pode ser negociada. Como um bem
danificado, ela é conversível em valor monetário ou em espécie. Ao fim desse
percurso, a vítima compreende, então de forma oblíqua e dolorosa, que não vale a
pena pedir ajuda.

Além disso, os dispositivos despenalizadores não tiveram como finalidade dar mais
humanidade ao processo penal; o único objetivo almejado foi a não instauração do
procedimento. Assim, o processo de conciliação entre a vítima e o ofensor, sob a égide de Lei
nº 9.099/95, mostrou-se fracassado, pois não havia tempo nem espaço para a construção de uma
solução por parte dos envolvidos. Muitos dos acordos eram induzidos pelos servidores públicos,
37

posto que manter as “prateleiras vazias” era mais importante do que o resolver o mérito da causa
(SICA, 2007, p. 51; GUTIERRIZ, 2012, p. 86).
Diante desse fracasso no tratamento da violência doméstica contra a mulher por
parte do JECRIM, a sociedade civil e os movimentos sociais passaram a reivindicar novas
formas de enfrentamento a esse tipo de delito. Quando a Lei Maria da Penha foi sancionada, o
legislador quis afastar-se totalmente das práticas dos Juizados Especiais Criminais, como uma
forma de estabelecer um novo momento, uma nova ordem para os crimes cometidos no âmbito
doméstico, e assim, vedou a utilização dos dispositivos previstos na Lei nº 9.099/95,
desencorajando o fomento de práticas reparadoras para os casos de mulheres em situação de
violência.
Uma das principais preocupações deste trabalho, é que aplicação da justiça
restaurativa para os casos de violência contra a mulher não seja entendida como um retrocesso
ao tempo da aplicação da Lei 9.099/95. Primeiramente, a escolha da conciliação como método
para dirimir o conflito penal entre as partes não foi acertada. A mediação penal, também
conhecida como mediação vítima-ofensor, seria a melhor opção para um processo de
composição entre as partes, para comprovar esse entendimento, vale conceituar e apontar as
diferenças entre mediação e conciliação.
A expressão mediação tem origem no termo latino mediar ou mediare, que significa
interpor-se, abrir, dividir ao meio. A mediação surgiu como um meio de estabelecer canais de
diálogo entre partes conflitantes, através de um terceiro neutro, para possibilitar a resolução de
um conflito, cujos litigantes não tem capacidade de resolvê-lo por si só (FERREIRA, 2006 p.
73; SICA, 2007, p. 46).
Francisco Amado Ferreira (2006, p. 74), ao explicar as origens da mediação, a
distingue, de imediato, da conciliação:

Desde que dois indivíduos entraram em conflito e surgiu um terceiro a tentar


estabelecer entre eles uma comunicação, no sentido de discutirem as soluções
possíveis para o conflito, eis que surgiu a mediação. Quando esse terceiro foi mais
além, sugerindo (primeiro nível de conciliação) ou propondo soluções (segundo nível
de conciliação) para a crise, augurando alcançar – através de uma espécie de
“diplomacia itinerante” entre as partes ou da organização de um foro de discussão,
negociação, e decisão coletiva – o restabelecimento das relações em crise, eis que
surgiu a conciliação.

O autor ressalta ainda que, diferentemente da mediação, na conciliação a presença


de um terceiro conciliador é prescindível, podendo as partes se conciliarem sem qualquer
intermediação humana.
Porém, as diferenças essenciais entre mediação e conciliação residem no tratamento
38

do conflito em si. Enquanto na mediação incentiva-se a gestão dos conflitos de modo


construtivo, tendo o mediador um papel mais neutro, que apenas facilita a discussão entre as
partes, encorajando a expressão das emoções como elemento útil na resolução do conflito,
buscando precipuamente o bem-estar entre as partes, e aumentando a capacidade dessas de gerir
as consequências do conflito. Já na conciliação, o conflito é visto como um problema que deve
ser resolvido, tendo o conciliador um papel muito mais diretivo, conduzindo as partes a uma
solução que beneficie a todos. Assim a ideia de sucesso em uma conciliação é que os litigantes
cheguem a um acordo (SICA, 2007, p 48).
Dito isso, verificamos que a proposta da mediação difere da conciliação aplicada às
medidas despenalizadoras do JECRIM, pelo fato da conciliação visar a obtenção de um acordo,
a própria resolução do conflito fica preterida em relação a outros objetivos, que em tese
deveriam ser secundários, como o desafogamento do poder judiciário e a celeridade processual.
A conciliação pode ser útil em casos meramente pecuniários, mas em delitos contra a pessoa, a
sua eficiência é questionável.
A mediação, diferentemente, tem por finalidade a resolução do conflito em si, sendo
o diálogo e a compreensão parte imprescindível desse processo, na qual a figura do mediador
serve para possibilitar a conversa entre a vítima e o acusado, sendo estes incentivados a expor
seus sentimentos e por meio dessa experiência buscar uma solução para o conflito.
Assim, não só nos casos de violência contra a mulher, mas também nos casos
violência contra qualquer pessoa, a conciliação não se mostra como meio adequado para a
resolução do conflito devido a sua própria natureza, conforme dito anteriormente; a mediação
coaduna-se muito mais com esse tipo de delito, onde as feridas não só externas, mas também
psicológicas.
Outro equívoco na utilização do JECRIM para tratar da violência doméstica contra
a mulher diz respeito a utilização de penas de prestação pecuniária. A justiça restaurativa até
prevê a possibilidade de reparação monetária, mas nos casos de violência doméstica, não é
adequada a reparação de natureza material ou pecuniária, por trazer a ideia de que a violência
pode ser negociada. Além disso, grande parte dos agressores são hipossuficientes, não tendo
condições arcar com uma multa de alto valor sem comprometer o orçamento familiar. A
exceção fica por conta da violência patrimonial, que ocorre quando o agressor destrói objetos
pessoais, materiais de trabalho, depreda a residência da vítima, atos geralmente condizentes
com o crime de dano, previsto no art. 163 do CP. Nesses casos entendemos que é sim devida
uma reparação material, que pode ou não ser cumulada com uma simbólica.
Para finalizar, cumpre ressaltar que na vigência da Lei nº 9.099/95, não havia
39

legislação específica sobre violência doméstica contra a mulher. A referida lei, que não foi feita
com esta finalidade, acabou por abarcar uma questão delicada por pura negligência do
legislador às questões de gênero. Porém, atualmente, como o advento da Lei Maria da Penha,
essa questão evoluiu bastante, sendo objeto de discussão nos mais diversos setores sociais,
inclusive em redes sociais. Os delitos cometidos no âmbito doméstico ganharam certa
reprovabilidade, ainda que insuficiente para coibi-lo. Diante disso, uma possível aplicação da
justiça restaurativa, aliada às conquistas já obtidas poderiam ser um instrumento de maior
efetivação dos direitos das mulheres e uma forma de diminuir ainda mais os índices de
violência.
Diante do exposto, apesar de o JECRIM prevê práticas despenalizadoras que se
coadunam com a justiça restaurativa, esta não foi completamente implementada por aquele,
visto que não houve foco no momento de encontro e diálogo entre vítima e ofensor. Além disso,
não há previsão da figura do mediador qualificado e treinado para exercer essa função, que
muitas vezes era exercida pelo juiz, sem que este tivesse passado por qualquer treinamento.
Muito menos, a qualquer menção a atuação da comunidade, que foi deixada de lado. Porém,
avanços podem ser colocados para resolver os problemas dos Juizados Especiais Criminais, e
muitos deles perpassam pela utilização mais efetiva da justiça restaurativa (AZEVEDO, R.,
2005, p. 134).
Dito isto, o próximo capítulo abordará a aplicação da justiça restaurativa aos casos
de violência doméstica contra a mulher, frisando a utilização da mediação vítima-ofensor e de
dispositivos despenalizadores, como a suspensão condicional do processo.

4 A APLICAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NOS CASOS DE VIOLÊNCIA


DOMÉSTICA CONTRA A MULHER: LIMITES E POSSIBILIDADES.

Neste capítulo serão discutidas as relações entre a justiça restaurativa e a violência


doméstica contra a mulher, destacando a natureza relacional desses delitos. Em seguida, a
mediação vítima-ofensor é apresentada como o processo restaurativo adequado ao caso em tela,
descrevendo como ocorre este procedimento. A mediação compõe o modelo teórico a ser
proposto em que se busca utilizar a justiça restaurativa aos casos de violência doméstica contra
a mulher de forma condizente com o direito brasileiro. Por fim, será realizado um estudo de
caso sobre um grupo reflexivo para homens autores de violência contra a mulher.
40

4.1. Por que utilizar a Justiça Restaurativa nos casos de violência doméstica contra a
mulher?

Conforme exposto no capítulo inicial deste trabalho, a violência doméstica e


familiar contra a mulher tem uma natureza jurídica e sociológica completamente distinta dos
crimes comuns. Tal conjectura, torna a resposta penal a esses delitos muito mais complexa,
devendo passar necessariamente pela proteção e restauração da autonomia das vítimas e pela
conscientização e recuperação do infrator. Essas duas premissas são essenciais para que se
possa reduzir os números da violência doméstica no Brasil. Posto isso, propomos que os
métodos da Justiça Restaurativa podem ser eficazes na resolução desses conflitos. Giongo
(2010, p. 179-180) reforça a utilização da Justiça Restaurativa, ressaltando a peculiaridade
desses crimes:

É no campo dos conflitos de natureza penal que se denota a ausência de uma


intervenção diferenciada nos litígios, sendo que, de forma apriorística, percebe-se que
o tratamento criminalizador não restitui à vítima a segurança, o autorrespeito, a
dignidade, o senso de controle nem mesmo restaura a crença de que o agressor possa
corrigir aquilo que fez. Desse modo, é ineficaz no combate e no controle da violência
doméstica e familiar contra a mulher, o que torna pertinente a revisão de alguns
conceitos envolvidos nessa área para que seja assumida uma nova postura. Isso se
deve à natureza dos conflitos domésticos e familiares que, antes de serem conflitos de
direito, são essencialmente psicológicos e relacionais. Logo, para uma solução eficaz,
é imprescindível a observação dos aspectos emocionais e afetivos dali advindos.
Também é importante a manutenção de uma relação harmoniosa, do diálogo e da
escuta, ou seja, da análise da possibilidade de reconciliação e da restauração entre as
partes. Daí o interesse pelo modelo restaurativo que, na experiência comparada, se
afigura como uma nova forma de resolução destes conflitos.

Dito isto, temos que uma conferência restaurativa pode responder adequadamente
aos anseios das vítimas, além de estabelecer um tratamento diferenciado ao acusado. Reunir
vítima e ofensor em uma mediação ou uma conferência de família, onde os dois estejam
dispostos a dialogar sobre o problema enfrentado, expondo seus pontos de vista, sentimentos,
angústias, sob a supervisão de um mediador qualificado pode ser benéfico para as duas partes.
Para a mulher, esse processo pode ajudar a superar a vitimização, devolvendo-lhe a autonomia;
quanto ao homem pode ajudá-lo a entender a gravidade do seu ato, incentivando-o a assumir
responsabilidades e assim, reduzir a possibilidade de reincidência (ZEHR, 2014, p. 28 e 41).
Além disso, o foco da justiça restaurativa reside nas consequências do crime e nas
relações sociais afetadas por ele, havendo uma perspectiva futura quanto ao delito
(GUTIERRIZ, 2012, p. 77). Tal objetivo coaduna-se com a natureza dos crimes ocorridos no
âmbito doméstico, especialmente nos casos em que a vítima volta a conviver com o agressor.
Ao pensarmos em políticas públicas para prevenir e combater esse tipo de violência devemos
41

ter em mente, para além da punição do acusado, a cessação desses delitos, que como já sabemos,
ocorrem de forma reiterada, sendo necessário romper o ciclo da violência.
Em pesquisa realizada pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da
Justiça em parceria com instituições acadêmicas, constatou-se que a intenção das mulheres que
acessam o sistema de justiça para reportar as agressões, não era de que o infrator fosse preso,
mas sim que este, simplesmente, parasse de agredi-las. Uma das entrevistadas disse que “não
desejava a prisão do ex-marido, mas que esperava que ele a 'deixasse em paz', ou seja, cumprisse
a medida protetiva consistente na proibição de aproximação, anteriormente descumprida”. A
mesma vítima complementa: “Ele não precisa ser preso para cumprir com a obrigação […]. Ele
vê que a lei funciona, que tem ordens que tem que ser cumpridas. O que eu espero é isso”
(SÉRIE PENSANDO O DIREITO, 2013, p. 42).
Diante desse depoimento, podemos refletir sobre a aplicação da justiça restaurativa.
Será que utilizar técnicas restaurativas no caso em tela poderia ajudar o infrator cumprir a
medida protetiva e assim deixar a vítima “em paz”? Esse é um dos principais questionamentos
desse trabalho, sendo tal resposta construída e fundamentada ao longo dessa pesquisa.
Precipitadamente, poderíamos responder que sim, que submeter o infrator a um
processo restaurativo o ajudaria a compreender o mal causado a vítima, já que de acordo com
o que foi narrado, ele insiste em descumprir até mesmo a medida protetiva imposta. Porém,
antes de chegarmos a essa conclusão, outros fatores devem ser considerados, especificamente
o caráter voluntário do processo restaurativo, pois impor à vítima e ao ofensor um encontro
pode não ter o resultado desejado (FERREIRA, 2006, p. 31).
No caso em tela, em audiência ocorrida em uma vara criminal comum, a vítima foi
questionada se gostaria de ser ouvida sozinha, ao qual ela respondeu que não. O juiz perguntou
o porquê dessa decisão, posto que em audiência anterior ela quis ser ouvida sozinha. A ofendida
respondeu que “desta vez quer falar na cara do agressor que não quer mais ele”. O juiz, de
maneira pouco empática, respondeu que em casos de separação ela deveria procurar a
Defensoria Pública. Ao final, o magistrado optou pela soltura do acusado, com base na
desnecessidade da manutenção da prisão preventiva; e, a pedido da vítima, deixou que o infrator
visse as filhas que estavam no corredor (SÉRIE PENSANDO O DIREITO, 2013, p. 87, caso
33).
Esse caso é emblemático, pois observamos que a vítima necessita de um espaço de
fala, o que não é concedido em audiência. Mesmo com poucas informações sobre a vítima,
podemos aferir, pela sua atitude, que passar por uma experiência restaurativa junto ao agressor
seria benéfico, pois ela poderia falar sobre o caso, falar sobre a violência, expor os seus
42

sentimentos sob a supervisão de um mediador qualificado, o que ajudaria a reestabelecer a sua


autonomia e a empoderá-la. Segundo Zehr (2014, p. 28), “profissionais que trabalham como
mulheres vítimas de violência doméstica sintetizam as necessidades delas usando termos como
'dizer a verdade', 'romper o silêncio', 'tornar público' e 'deixar de minimizar'”.
Quanto ao acusado do caso citado, não poderíamos fazer as mesmas suposições,
pois não conhecemos o seu perfil, mas segundo Pozzobon e Louzada (2011, p. 05), “o ofensor
necessita de cura, sem, obviamente, deixar de ser responsabilizado pelos danos causados. Ele
deve ser incentivado a mudar o seu comportamento violento, a reconhecer e a compreender o
ponto de vista da vítima”. Casos em que o ofensor se mostre relutante em admitir a agressão,
mesmo que a autoria seja notória ou que se mostre indisposto a dialogar, podem não ser
passíveis da utilização da justiça restaurativa.
Conforme demonstrado no primeiro capítulo deste trabalho, os dispositivos
instituídos pela Lei nº 11.340/06 foram de suma importância na mudança do paradigma social
da violência doméstica, antes visto como um problema estritamente familiar e de menor
potencial ofensivo; e atualmente, tem-se como um delito mais grave e de certa reprovabilidade
social. Porém, os dados estatísticos apresentados demonstram que ainda há muito a ser feito
para diminuir a violência doméstica, não sendo a Lei nº 11.340/06 a solução absoluta para todos
os problemas.
Diante desse quadro, entendemos que a proposta restaurativa pode ser adequada
para esses tipos de delito, no qual a vítima precisa ser empoderada e o agressor precisa entender
o caráter ilícito da conduta, além de perceber o mal que causou à vítima. Nesse sentido, ao
fazermos uma reflexão teórica sobre a aplicação de métodos restaurativos nesses casos, a
mediação apresenta-se como principal forma de diálogo e resolução de conflitos entre as partes.
No próximo tópico trataremos especificamente sobre a mediação aplicada a violência doméstica
e familiar contra a mulher.

4.2 Mediação: método prático escolhido

Criamos este tópico buscando conceituar a mediação, estabelecendo a sua relação


com a justiça restaurativa, além de ser o método escolhido como forma de implementação das
práticas restaurativas nos casos de violência doméstica contra a mulher. Serão discutidos o
procedimento da mediação vítima-ofensor, bem como o papel de cada uma das partes no
procedimento. Em seguida, destacaremos como o advento da Lei nº 13.140/15 (Lei da
Mediação), pode endossar ainda mais a aplicação da justiça restaurativa.
43

4.2.1 Justiça Restaurativa e Mediação Penal

Antes de tratarmos da mediação penal especificamente, é válido destacar uma


definição ampla de mediação. Sica (2007, p. 46), ressalta a dificuldade em estabelecer um
conceito fechado para o termo, posto que essa prática pode variar conforme o âmbito incidente,
além de cada país desenvolver diferentes formas de mediação. No entanto, o autor salienta que
é possível e necessário defini-la, porém cientes de que o conceito pode acabar por excluir
abordagens também interessantes. Assim, a mediação “refere-se a uma atividade em que uma
parte terceira, neutra, ajuda dois ou mais sujeitos a compreender o motivo e a origem de um
conflito, a confrontar os próprios pontos de vista e encontrar uma solução, sob a forma de
reparação simbólica, mais do que material”.
Feita essa definição, passaremos agora a tratar especificamente da mediação nos
moldes da justiça restaurativa. Em primeiro lugar, devemos esclarecer a relação entre esses dois
métodos. Para Pallamolla (2009, p 107) e SICA (2007, p. 72), os dois são simultaneamente
amplos e restritos em relação ao outro. A justiça restaurativa é restrita por aplicar-se apenas à
esfera criminal, enquanto que a mediação abrange conflitos em outros contextos que não o
penal.
Porém, a justiça restaurativa amplia-se em relação as possíveis respostas do ofensor,
tais como prestação de trabalho tendente a reparação ou indenização determinada pelo tribunal.
A mediação na esfera penal, diferentemente, se restringe à relação entre a vítima e o ofensor.
Assim, a justiça restaurativa engloba uma série de práticas, dentre as quais encontra-se a
mediação. Por ser um paradigma ainda em construção, é complexo determinar qual prática a
caracteriza. Porém, a mediação é uma das técnicas que mais se coaduna com a justiça
restaurativa (ZEHR, 2014, p. 89).
Assim, a mediação por ter um caráter extrajudicial e pré-processual, consegue
preservar os ditames mais importantes da justiça restaurativa, tais como: um papel mais ativo
das partes no sistema penal, a reconciliação e a reparação do dano como os principais objetivos
da justiça criminal (SICA, 2007, p. 73).
De acordo com Raffaella Pallamolla (2007, p. 107), essa diferenciação atualmente
encontra obstáculos, pois já existem programas restaurativos fora do âmbito penal, como os
desenvolvidos em escolas e empresas. Tal fato torna o entrelaçamento da mediação e da
conciliação ainda mais evidente.
Diante dessas considerações, observamos que a mediação e a justiça restaurativa
44

guardam estreita relação, sendo a primeira a técnica que melhor contempla os princípios da
segunda. A atividade comunicativa relacional inerente às relações humanas transporta-se para
a mediação, tornando possível a resolução satisfatória dos conflitos por meio da composição.
Dito isto, abordaremos agora a mediação na esfera penal, esclarecendo o
procedimento, técnicas, o papel do mediador e os possíveis acordos, observando de que forma
eles se coadunam aos aspectos da violência doméstica e até que ponto podem ser utilizados.
Primeiramente, vale destacar a definição de mediação penal proposta por Leonardo Sica (2007,
p.53) nos moldes do novo paradigma, cuja atividade pode gerar uma despenalização e a
desnecessidade de ingressar na tutela penal retributiva. Assim,

a mediação é uma reação penal (concebida sob o ponto de vista político-criminal)


alternativa, autônoma e complementar à justiça formal punitiva, cujo o objeto é o
crime em sua dimensão relacional, cujo o fundamento é a construção de um novo
sistema de regulação social, cujo o objetivo é superar o deficit comunicativo que
resultou ou que foi revelado pelo conflito e, contextualmente, produzir uma solução
consensual com base na reparação dos danos e da paz jurídica.

Apesar de a mediação penal ainda resguardar o seu caráter extrajudicial, esta


obviamente, deve ser submetida ao controle do poder jurisdicional, cabendo ao juiz com o
auxílio ou não do Ministério Público, determinar quais casos podem ser remetidos a mediação,
levando-se em consideração a vontade das partes, e quando da obtenção do resultado,
recepcioná-lo no sistema de justiça, concedendo-lhe forma jurídica, preservando assim o caráter
público da demanda. Assim, os requisitos da mediação penal são: voluntariedade,
confidencialidade e oralidade, informalidade, neutralidade do mediador, ativo envolvimento
comunitário, autonomia em relação ao sistema de justiça (SICA, 2007, p. 55).
Observamos que muitos dos princípios da justiça restaurativa estão presentes nos
requisitos da mediação penal. A voluntariedade constitui uma premissa fundamental para o
sucesso da mediação, devendo as partes serem informadas sobre o procedimento e suas
consequências, para que o consentimento seja livre e esclarecido. Porém, há de se considerar,
de forma realista, que o possível reenvio do caso à justiça penal comum pode ser um fator que
influencie a decisão das partes, seja por temer a estigmatização e uma possível condenação
penal, no caso do ofensor; seja por buscar uma resolução rápida para o delito, ou ao contrário
por temer a revitimização, no caso da ofendida. SICA (2007, p. 56) fala em consenso informado
para os ofensores e em escolha informada para as vítimas, devendo ambos receberem
assistência judiciária.
A confidencialidade, a oralidade e a informalidade, constituem um só bloco inerente
às sessões de mediação. Tudo que for discutido na sessão deve ser mantido em segredo. Caso
45

a mediação se mostre infrutífera e a lide seja remetido à justiça comum, os fatos debatidos nessa
sede não poderão ser utilizados em juízo. Tal premissa é um incentivo para que o ofensor fale
a verdade e assuma a responsabilidade pelo delito, sem o receio que as suas declarações sejam
posteriormente utilizadas contra ele, resguardando assim o princípio da presunção de inocência,
previsto no art. 5º, LVII da Constituição Federal de 1988.
A oralidade decorre da confidencialidade, pois as sessões de mediação não serão
registradas em ata, para que as partes se sintam mais à vontade para falar sobre o caso. Somente
o acordo obtido será redigido para que a vítima e o ofensor fiquem cientes dos termos acordados
e para que este seja enviado ao magistrado e, assim, homologado. Ressalte-se que o conteúdo
do acordo deve ser submetido a avaliação do Poder Judiciário, devendo este observar se os
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade foram respeitados, não admitindo excessos
ou acordos degradantes (GUTIERREZ, 2012, p. 89).
Já a informalidade denota que a mediação deve ocorrer da forma mais simplificada
possível, devendo o mediador utilizar-se de um vocabulário acessível às partes. Mesmo sendo
um processo informal, a mediação vítima-ofensor deve ser estruturada de forma organizada,
permitindo que cada uma das partes se manifeste sem interrupções e de forma ordeira
(AZEVEDO, A., 2005, p. 146).
O envolvimento comunitário e a autonomia em relação ao sistema de justiça estão
diretamente interligados. Conforme exposto no capítulo anterior, a justiça restaurativa estimula
a participação da comunidade na busca por uma resposta ideal ao delito, tornando a justiça
penal mais democrática. Ao estabelecer esse objetivo, os métodos restaurativos buscam também
se desvincular do modelo tradicional de justiça, primando pela resolução de conflitos no âmbito
comunitário. Apesar de se relacionar com o sistema de justiça tradicional, a mediação está fora
do processo judiciário (SICA, 2007, p. 54).
Nos casos de violência doméstica contra a mulher, entendemos que a comunidade
pode inserir-se nesse processo, mas somente em casos excepcionais. A participação dos filhos
do casal, que tenham idade para compreender o delito ou de familiares, tanto da vítima quanto
do ofensor, nos moldes das conferências de família (FGC – family group conferencing), podem
ser benéficas para obtenção de um resultado satisfatório. Porém, como regra geral, deve-se
priorizar a mediação vítima-ofensor.
Em muitas situações, o mediador é uma pessoa pertencente a comunidade, sendo
por vezes, um voluntário que passa por um treinamento. Nos casos de violência doméstica,
devido à complexidade do delito, entendemos que o mediador deve ser qualificado, devendo
ser graduado em psicologia, e/ou serviço social ou áreas a fins, somados a treinamentos em
46

mediação penal, nos moldes da Lei nº 13.140/15, a qual abordaremos adiante.


Propositalmente, deixamos a neutralidade do mediador como último requisito a ser
analisado, para já abordamos o papel do mediador e o procedimento da mediação, posto que o
primeiro se desenvolve junto ao segundo.
Antes de tudo o mediador é um facilitador, ou seja, ele é uma via comunicativa
entre a vítima e o ofensor para que estes dialoguem sobre a violência sofrida e cada qual
exponha o seu ponto de vista. A vítima deve relatar seus sentimentos quanto ao delito, narrando
de que maneira aquele episódio a afetou; o ofensor, por sua vez, narra as motivações que o
levaram a praticar o delito, além de buscar entender, de forma empática, a situação pela qual a
vítima passou, responsabilizando-se pelo fato delituoso. Ao final, ambos devem chegar a um
acordo de reparação financeira ou simbólica. Percebemos, nesse breve exemplo, que o
mediador não exerce poder sobre as partes ou sobre o procedimento, buscando sempre o
empoderamento destas e deixando claro que o mais importante é a realização do processo em
si, e não a obtenção do acordo final. Essas premissas caracterizam a neutralidade do mediador
(SICA, 2007, p. 70).
Quanto ao procedimento, primeiramente ocorre uma sessão individual preliminar,
na qual o mediador ouvirá as partes separadamente, expondo a cada uma delas como ocorre o
processo de mediação, seus princípios e diretrizes. O mediador ainda ouvirá as perspectivas
destas em relação ao processo e responderá eventuais questionamentos. Ele estimulará que as
partes elaborem um roteiro, no qual devem elencar questões a serem debatidas na sessão
conjunta. Por fim, segundo Sica (2007, p. 58), verificado que os participantes estão aptos a
passar pelo procedimento, o mediador deve colher assinatura destes como forma de consenso a
participação (AZEVEDO, A., 2005, p. 146).
Na sessão conjunta, o mediador deve abrir os trabalhos esclarecendo suas funções
e os princípios que regem a mediação. Este deve deixar claro que ele não está atuando como
juiz (neutralidade), que o processo é informal, mas deve ser conduzido de forma organizada
para que todos tenham a chance de se manifestar, sendo o papel das partes ouvirem um ao outro
sem se utilizar de linguajar ofensivo e que efetivamente busquem uma resolução para o conflito.
Deve ressaltar que o acordo só será redigido se as partes estiveram satisfeitas e sem que haja
qualquer tipo de coação, e por fim, deve informar a respeito da confidencialidade da sessão de
mediação (AZEVEDO, A., 2005, p. 147).
Feita a abertura, é dada a oportunidade para que as partes exponham suas
perspectivas. A definição de quem iniciará a fala é dada a vítima, como forma de empoderá-la,
já que numa mediação vítima-ofensor, é evidente que ela não está no mesmo patamar que o
47

infrator, especialmente em casos de violência doméstica contra a mulher. Assim, ao estabelecer


que a vítima pode escolher participar ou não do processo, e caso participe, seja responsável pela
ordem das manifestações na mediação, busca-se restabelecer o senso de autodeterminação e
progressivamente a percepção de empoderamento (AZEVEDO, A., 2005, p. 147).
Iniciada a sessão, o mediador deve supervisionar para que não ocorra
desentendimentos ou linguagem agressiva, conduzindo o processo para que a comunicação se
desenvolva de forma construtiva. Através de perguntas neutras e empáticas, o mediador pode
incentivar as partes a tratar de questões importantes para a resolução do conflito. André Gomma
de Azevedo (2005, p. 148), enumera alguns critérios que auxiliam na abordagem de questões a
serem tratadas na mediação, tais como

(…) aqueles que se reportam a histórico de relacionamento positivo das partes; os que
evocam interesses comuns; os que a solução já foi implicitamente indicada pelas
partes nas exposições iniciais; os que proporcionam maior aprofundamento da
compreensão recíproca acerca das necessidades e interesses de cada parte.

O autor esclarece ainda que o papel do mediador é estabelecer um ambiente


favorável para as partes encontrarem a solução, bem como direcionar sentimentos que venham
a dificultar o andamento da sessão. Ressalta, por fim, que não compete ao facilitador apresentar
soluções prontas às partes e para que ele possa desempenhar todas essas funções com maestria,
o mediador deve passar pela devida capacitação.
Observa-se que a mediação se aproxima de uma boa resolução quando as partes
começam a dialogar entre si, não se dirigindo mais ao mediador. Além disso, verifica-se que a
postura das partes se torna menos belicista e elas começam a traçar planos de médio e longo
prazo (AZEVEDO, A., 2005, p. 149).
Para Leonardo Sica (2007 p. 70), a mediação é exitosa quando

(…) as partes obtenham a consciência de revalorização e reconhecimento que lhes foi


oportunizada durante a mediação; as partes estejam esclarecidas quanto às metas,
alternativas e recursos para, em seguida, adotar uma decisão refletida, livre e
informada acerca de sua decisão; e mediação tenha viabilizado que as partes se
outorguem conhecimento, quando sua decisão se manifeste nesse sentido.

Por fim, se as partes estiverem satisfeitas, o acordo é elaborado, contendo como se


dará a reparação da vítima, podendo esta ser material ou simbólica (PALLAMOLLA, 2009, p.
57). Como dito no capítulo anterior uma reparação material a atos de violência doméstica pode
representar um retorno aos famigerados pagamentos de cestas básicas ocorridos sob égide da
Lei nº 9.099/95. Esta só é devida em caso de violência patrimonial.
Assim, quanto aos outros tipos de violência, a reparação simbólica é condizente
48

com os objetivos da mediação penal e com os anseios da vítima. Esta pode se dar por meio da
frequência de cursos; no caso de o agressor ser dependente de álcool e/ou drogas, pode ser
acordado que ele fará tratamento para livrar-se do vício. Reparações dessa natureza são
benéficas para as duas partes e têm mais chances de fazer cessar o ciclo da violência. Trataremos
melhor desse tema nos tópicos finais deste capítulo.

4.2.2 A Lei 13.140/15 como instrumento das práticas restaurativas no Brasil

A chamada Lei da Mediação, sancionada em junho de 2015, constitui um novo


marco brasileiro na busca por soluções de conflitos de forma não litigiosa. A lei foi criada após
esforços do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que desde 2006 realiza movimentos pela
reforma do Poder Judiciário, buscando a consolidação das políticas públicas de
consensualização, corroboradas ainda pela aprovação do Novo Código de Processo Civil, que
também prevê práticas conciliadoras e mediadoras (FARIELLO, 2015).
Em seu art. 2º, a lei estabelece que a mediação será conduzida pelos princípios da
“imparcialidade do mediador, isonomia entre as partes, oralidade, informalidade, autonomia da
vontade das partes, busca do consenso, confidencialidade e boa-fé”. Estes mostram-se
compatíveis com os princípios da justiça restaurativa e com os requisitos da mediação penal
analisados anteriormente.
Além disso, ela regula a mediação extrajudicial (art. 21 a 23) e a mediação judicial
(art. 24 a 29), bem como as figuras do mediador extrajudicial (art. 09 e 10) e do mediador
judicial (art. 11 a 13). O primeiro poderá ser qualquer pessoa capaz e de confiança das partes,
desde que tenha passado por capacitação em mediação, não sendo obrigado a integrar qualquer
tipo de conselho, entidade de classe ou associação. Tais requisitos favorecem a integração da
comunidade ao Poder Judiciário, posto que o mediador poderá ser qualquer pessoa do povo,
seja um vizinho, seja um líder comunitário.
Já o segundo deve ser, conforme o art. 11:

(…) pessoa capaz, graduada há, pelo menos, dois anos em curso de ensino superior
de instituição reconhecida pelo Ministério da Educação e que tenha obtido capacitação
em escola ou instituição de formação de mediadores, reconhecida pela Escola
Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM ou pelos
tribunais, observados os requisitos mínimos estabelecidos pelo Conselho Nacional de
Justiça em conjunto com o Ministério da Justiça.

Nos moldes do art. 12, os tribunais deverão manter um cadastro atualizado contendo
os mediadores habilitados. Ressalte-se ainda que a remuneração dos mediadores será fixada
49

pelos tribunais e custeada pelas partes, salvo casos em que estas sejam hipossuficientes (art.
13).
A lei prevê ainda que os tribunais deverão criar Núcleos Permanentes de Métodos
Consensuais de Solução de Conflitos, nos moldes da Resolução nº 125/2010 do CNJ, que serão
compostos por magistrados e servidores, cujas atribuições estão previstas no art. 7º da referida
resolução, dentre as quais vale destacar: a atuação dos Núcleos como articuladores de uma rede
a ser construída entre o Poder Judiciário e entidades públicas e privadas, inclusive universidades
e instituições de ensino com o intuito de difundir a mediação, especialmente a mediação
comunitária; a instalação de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania que
concentrarão as sessões de mediação e conciliação; a promoção de treinamentos, capacitação,
cursos para os magistrados, servidores, mediadores e conciliadores (CNJ, 2010, p. 04).
A mediação penal também foi contemplada pela resolução do CNJ, permitindo os
Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos também realizem
programas de mediação penal, utilizando-se ainda de processos restaurativos. Cabe destacar o
inteiro teor do art. 7º §3º, vejamos:

Nos termos do art. 73 da Lei n° 9.099/95 e dos art. 112 e 116 da Lei n° 8.069/90, os
Núcleos poderão centralizar e estimular programas de mediação penal ou qualquer
outro processo restaurativo, desde que respeitados os princípios básicos e processos
restaurativos previstos na Resolução n° 2002/12 do Conselho Econômico e Social da
Organização das Nações Unidas e a participação do titular da ação penal em todos os
atos.

Com o advento dessa lei, podemos observar que o legislativo e o judiciário


brasileiro têm interesse em incentivar e implementar práticas restaurativas no país. Porém,
apenas a lei não é suficiente para a concretização dessa ideia, sendo necessários investimentos
federais e estaduais.
Outro ponto relevante, é que o Poder Judiciário pare de tratar as formas alternativas
de resolução de conflito como algo que serve apenas para diminuir o número de processos em
trâmite. Este tratamento retira a eficácia desses métodos ao obrigar as partes a chegarem a um
acordo forçado, que tem grandes chances de ser descumprido e assim, o litígio retornar às
instâncias jurisdicionais.
No que tange a violência doméstica contra a mulher e a mediação penal, a principal
contribuição da lei foi a regulamentação da figura do mediador, especialmente do judicial.
Devido a conjuntura da violência de gênero no país e a própria complexidade dos delitos
cometidos no âmbito doméstico, o mediador deve ser não só treinado em processos
restaurativos, mas também deve ser sensível a questão de gênero que envolve esse tipo de
50

violência. Apesar da ausência de previsão na lei, o mediador poderia ser um servidor público,
vinculado à Equipe Multidisciplinar do JVDFM. Tal fato poderia trazer mais segurança jurídica
ao procedimento, mas, por outro lado, o tornaria mais judicializado e estatal, indo contra os
princípios da mediação penal no âmbito da justiça restaurativa
Assim, entendemos que em uma possível mediação envolvendo vítima e agressor,
o mediador deve ser judicial, além de ser especializado nessa temática, para que o processo
ocorra da forma mais satisfatória possível. No próximo tópico será traçado um modelo teórico
acerca da aplicação da justiça restaurativa nos casos de violência doméstica contra a mulher no
direito brasileiro.

4.3 Racionalização teórica: aplicação da Justiça Restaurativa aos casos de violência


doméstica contra a mulher no direito brasileiro

Neste tópico, traçaremos um modelo teórico em que a justiça restaurativa é aplicada


nos casos de violência doméstica contra mulher. Ressaltamos que não temos a pretensão (e nem
seria possível, já que leis teriam de ser promulgadas e alguns institutos modificados) de
apresentar um modelo pronto e acabado, mas apenas refletir sobre o deslinde desse novo
método no direito processual penal brasileiro sob a égide da Lei Maria da Penha.

4.3.1 A Justiça restaurativa aliada ao direito processual penal brasileiro

A justiça restaurativa encontra ainda obstáculos no direito brasileiro por conta da


predominância do princípio da legalidade e da indisponibilidade da ação penal pública. Nos
países cuja jurisdição é o commom law, os procuradores não são vinculados ao princípio da
legalidade, sendo a ação penal disponível e sujeita ao princípio da oportunidade, conforme
critérios de interesse público, considerando-se também a vontade das partes em participar de
uma possível mediação. Porém, tal cenário vem se flexibilizando com instauração de institutos
como a suspensão condicional do processo, a suspensão condicional da pena, além do Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA) que prevê a possibilidade de remissão, dando mais
liberdade a atuação do Ministério Público; bem como o advento da Lei da Mediação. Estes
demonstram o interesse do legislador brasileiro em aderir e facilitar a implementação dessa
nova tendência (PINTO, 2005, p. 29; PALLAMOLLA, 2009, p. 103).
Para embasar o modelo teórico a ser construído, convém estudarmos de forma mais
acurada o instituto da suspensão condicional do processo, também conhecido no direito
51

brasileiro como sursis processual, previsto no art. 89 da Lei nº 9.099/95. Segundo Pacelli (2013,
p. 702), o sursis processual aplica-se aos crimes

em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, e desde que o acusado
não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, e, ainda
estejam presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da
pena, o chamado sursis do art. 77 do CP.

Apesar de estar presente na Lei nº 9.099/95, a suspensão condicional do processo é


cabível em qualquer procedimento, até mesmo para os procedimentos especiais, desde que
preenchidos os requisitos. A proposta poderá ser feita pelo Ministério Público, junto com o
oferecimento da denúncia pelo prazo de dois a quatro anos. O juiz receberá a denúncia e
suspenderá o processo, impondo ao réu restrições de direitos e/ou condições, nos termos do art.
89, § 1º, vejamos:

[…]
§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este,
recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período
de prova, sob as seguintes condições:
I – reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;
II – proibição de frequentar determinados lugares;
III – proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;
IV – comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e
justificar suas atividades.

O §2º informa ainda que o juiz poderá impor outras condições, desde que adequadas
ao caso concreto (PACELLI, 2013, p. 708).
A Lei nº 11.340/06, em seu art. 41, proibiu a aplicação de qualquer instituto previsto
na Lei nº 9.099/95. Porém, no início da vigência desta, houve divergências quanto a utilização
do sursis processual. Algumas correntes entendiam pela aplicabilidade do instituto, já que este
não era exclusivo dos crimes de menor potencial ofensivo, aplicando-se a outros ritos. Além
disso, Azevedo e Craidy (2011, p. 23) destacam a importância da suspensão condicional do
processo para a pacificação do conflito, visto que o agressor estará submetido a um período
probatório, sob controle judicial, podendo tal fato ser proveitoso para a vítima. Vários
magistrados continuaram utilizando o instituto por entenderem que ele atendia aos interesses
da vítima.
Em entrevista, a juíza atuante em um JVDFM no estado de São Paulo, ressaltou:

a vítima se sente muito mais segura com a suspensão do processo, por que ao longo
de dois anos ele está na condição de não se aproximar dela, ao passo que se a gente
tocar o processo normalmente, as penas são muito baixas, as penas de lesão e ameaça
são muito leves, um a três meses de prisão (as penas mínimas, respectivamente)
(SÉRIE PENSANDO O DIREITO, 2013, p. 50)
52

Destacaremos agora, um estudo realizado junto ao JVDFM de Porto Alegre/RS, no


qual, por meio de entrevistas, os magistrados atuantes na época relataram as suas percepções
sobre a suspensão condicional do processo e de que forma a vedação desse dispositivo influi
nos procedimentos instaurados.
Segundo Azevedo e Craidy (2011, p. 26), era frequente que o Ministério Público
oferecesse a proposta de sursis processual, impondo-se condições em conformidade com o caso
concreto, tais como “a opção de frequentar reuniões de grupos de auxílio para dependentes de
álcool e/ ou entorpecentes, ou ainda de apoio psicológico”. A juíza titular do Juizado na época
da pesquisa salienta

(…) pensando no que as vítimas efetivamente desejam, o Ministério Público está


propondo ao demandado, independentemente de ter o inquérito policial, em situações
em que as partes continuam com o convívio, ou dependendo da não gravidade do fato,
a frequência a grupos de autoajuda ou a um tratamento específico. Então nós estamos
fazendo mensalmente o grupo dos que estão aceitando essa proposta. Quem é
dependente de álcool está frequentando o A.A. (Alcoólicos Anônimos), quem é
dependente de outras drogas o Narcóticos Anônimos, ou o grupo do Amor Exigente
para quem tem dependência, e que tem casos de violência. Em alguns casos também
tratamento psicológico ou psiquiátrico como forma alternativa ao processo, que é uma
medida mais efetiva para prevenir a causa que está gerando a violência, como é o caso
do alcoolismo ou de alguns transtornos psiquiátricos, isso vai prevenir novas
violências e a demora para ser encaminhado para um programa. ( AZEVEDO,
CRAIDY, 2011, p. 28)

Ela ainda elogia a criação da Lei Maria da Penha por conta das inovações e dos
mecanismos protetivos que esta trouxe em seu texto normativo, mas considera que houve um
retrocesso ao não permitir a aplicação de mecanismos da Lei 9.099/95, pois com estes podia-se
aplicar uma medida alternativa de encaminhamento a programas de reeducação e reabilitação
de imediato; agora a espera pode levar mais de um ano, devido à obrigatoriedade da instauração
do inquérito policial, o que acabou por sobrecarregar a demanda na Delegacia, tendo esta
dificuldade em enviar os inquéritos dentro do prazo.
Por fim, a juíza salienta a importância do atendimento humanizado nesses casos,
devendo os operadores do direito, preocuparem-se mais com um resultado efetivo para o caso,
do que com o próprio procedimento em si:

(…) a minha angustia é poder atender as pessoas e, para mim, atender as pessoas é
efetivamente atender as pessoas e, não o papel. O Judiciário, e quando eu falo em
Judiciário, não é o Poder Judiciário, mas todo o sistema faz muito papel e pouco
resultado. O que há de efetividade, por exemplo, no registro na delegacia de uma
ocorrência? A medida protetiva? Bom, se eu deferir uma medida protetiva, o que vai
mudar? O que a gente vê é que as pessoas chegam aqui muito desestruturadas. Não
importa nem o nível cultural e nem o nível econômico, mas as pessoas quando
terminam um relacionamento, o término de um relacionamento é uma coisa muito
53

dolorida. E se não houver uma efetiva intervenção para essas pessoas, não adianta
fazer papel, fazer inquérito e um ano depois é muito tarde para decretar uma medida,
principalmente quando a situação tem origem na vítima (AZEVEDO, CRAIDY,
2011, p. 30).

Continuando, o juiz que assumiu posteriormente o referido Juizado, entendia que o


art. 41 da Lei nº 11.340/06 afastava a aplicação da suspensão condicional do processo, e assim
não utilizava o instituto. Para ele, a Lei Maria da Penha é sim uma legislação de gênero
protetiva, e que a mulher vítima de violência deve ter ampla proteção do Estado, demonstrando
que este se preocupa com a situação, e que o problema da violência saiu da esfera familiar e é
também um problema estatal (AZEVEDO, CRAIDY, 2011, p. 33).
A divergência permaneceu por um certo tempo, até que em 2011, o STF2 declarou
a constitucionalidade do art. 41 da Lei nº 11.340/06, vedando a aplicação de qualquer dos
institutos da Lei nº 9.009/95, inclusive a suspensão condicional do processo. Em 2015, o STJ
emitiu a Súmula 536: “A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam
na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha”, sedimentando assim a questão.
Conforme o exposto, entendemos que a vedação ao sursis processual não constitui
uma vitória na luta contra a violência doméstica. O art. 41 da Lei Maria da Penha é uma reação
a banalização dessa forma de violência devido à má aplicação dos institutos da Lei nº 9.099/95.
A violência doméstica contra a mulher não é, de forma alguma, um crime de menor potencial
ofensivo, mas a suspensão condicional do processo constituía uma forma mais célere, mais
específica e mais eficaz de combate a violência, por conta das suas imposições condizentes com
o caso concreto do que uma pena privativa de liberdade cumprida em regime aberto como
ocorre atualmente. Porém, devemos lembrar que a eficácia da suspensão condicional do
processo está diretamente ligada aos programas ao qual o infrator é encaminhado: estes devem
ser bem estruturados para atender de forma eficaz a demanda (AZEVEDO, CRAIDY, 2011, p.
38).
Todas essas considerações são para legitimar a utilização da suspensão condicional
do processo no modelo teórico que a ser proposto. A vedação desse instituto está sedimentada
em nosso ordenamento, mas acreditamos que a sua adequada utilização é mais eficaz na

2
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. ARTIGO 41 DA LEI Nº 11.340/06. ALCANCE. O preceito do artigo 41 da Lei nº
11.340/06 alcança toda e qualquer prática delituosa contra a mulher, até mesmo quando consubstancia
contravenção penal, como é a relativa a vias de fato. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. ARTIGO 41 DA LEI Nº
11.340/06. AFASTAMENTO DA LEI Nº 9.099/95. CONSTITUCIONALIDADE. Ante a opção político-
normativa prevista no artigo 98, inciso I, e a proteção versada no artigo 226, § 8º, ambos da Constituição Federal,
surge harmônico com esta última o afastamento peremptório da Lei nº 9.099/95, mediante o artigo 41 da Lei nº
11.340/06, no processo-crime a revelar violência contra a mulher. (STF - HC: 106212 MS, Relator: Min. MARCO
AURÉLIO, Data de Julgamento: 24/03/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-112 DIVULG 10-06-2011
PUBLIC 13-06-2011)
54

cessação da violência doméstica. De posse dessas informações, na próxima parte abordaremos


o momento processual ideal nos moldes do direito brasileiro para a intervenção de um programa
restaurativo.

4.3.2 Momento processual adequado para a mediação

No item 3.3 do presente trabalho, estão descritos quais os momentos adequados


para a realização da conferência restaurativa. Na nossa proposta, entendemos que a fase pós-
acusação e pré-instrução é momento adequado para que ocorra a mediação vítima-ofensor nos
casos de violência doméstica contra a mulher, pois, conforme previsto em lei, a suspensão
condicional do processo ocorre nesse momento no direito brasileiro. Assim, conforme leciona
Leonardo Sica (2007, p. 29), o encaminhamento ocorre após a acusação e antes da instrução,
sendo este realizado pelo Ministério Público, no momento do oferecimento da denúncia.
Assim, o Ministério Público ao receber o inquérito policial3 verificará os indícios
de autoria e materialidade necessários para o oferecimento da denúncia, bem como avalia se o
infrator preenche os requisitos do sursis processual; se sim, o Ministério Público deixará
expresso na peça acusatória tal fato e proporá a mediação vítima-ofensor. O juiz receberá a
denúncia e designará audiência preliminar para que as partes informem se desejam participar
de um processo de mediação. Nesse momento, o mediador responsável informará como se dá
o procedimento, suas implicações e resultados para que a escolha de ambos seja a mais
esclarecida possível. Ressaltamos que a audiência deve ocorrer separadamente, para que o
mediador converse com cada um individualmente.
Tendo ambos consentido, segue-se o rito descrito no item 4.2.1: vítima e ofensor
são encaminhados para a mediação, passando pela fase da pré-mediação, seguindo para o ato
da mediação em si; e ao final desta, as partes chegariam a um acordo no qual seriam
estabelecidas formas de reparação, que variariam conforme o interesse das partes e conforme o
caso concreto. Assim, poderia ficar acordado que o infrator participaria de reuniões de grupos
de auxílio para dependentes de álcool e/ou drogas, reuniões de homens autores de violência
contra a mulher, ou seja, formas mais específicas e eficazes de combater a violência doméstica.
Porém, se o mediador considerar que o procedimento foi infrutífero, não sendo

3
A Lei nº 9.099/95 prevê que a autoridade policial produzirá o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) nos
casos de crimes de menor potencial ofensivo (art. 69). Porém, conforme já foi dito repetidamente, os crimes
cometidos em situação de violência doméstica não são de menor potencial ofensivo e podem requerer uma
investigação mais acurada, sendo assim importante a instauração do inquérito policial. Por conta disso, no modelo
proposto permanece a apuração dos fatos por meio de inquérito policial
55

possível a obtenção de acordo, o processo é remetido para o sistema penal tradicional para que
se dê seguimento nos moldes atuais da Lei Maria da Penha. Se a mediação for bem-sucedida, o
acordo é enviado ao juiz para verificar se aquele não fere o princípio da dignidade da pessoa
humana e se condiz com o ordenamento jurídico brasileiro. Feita esta triagem, o acordo é
homologado e o cumprimento deste seria a condição para a suspensão do processo. O acusado
deverá comparecer às reuniões, sendo a frequência encaminhada aos órgãos públicos, como
forma de monitoramento. Caso o acordo estabelecido pelas partes seja devidamente cumprido
é declarada a extinção da punibilidade e o processo é arquivado; caso o infrator descumpra o
acordo, o processo volta a correr, de acordo com o próprio conceito de suspensão condicional
do processo.
Entendemos que o art. 41 de Lei nº 11.340/06 foi julgado constitucional e que a sua
aplicação já é consolidada. Não faremos aqui juízo de valor aos outros dispositivos vedados
(transação penal, p. ex), mas acreditamos que a mediação seguida do sursis processual atende
melhor os interesses da vítima e ainda possibilita ajuda ao acusado que, em vez de sofrer o
estigma do processo penal passava por um tratamento específico que teria maiores chances de
impedir a reincidência nesse tipo de crime.
A nossa proposta difere do que acontecia anteriormente por conta da inserção da
mediação vítima-ofensor, que tem preceitos bem diferentes da conciliação realizada no
JECRIM, cuja aplicação faz total diferença no cumprimento das condições por parte do
indiciado. Ao voluntariamente as partes decidirem resolver a questão por si mesmos, o acusado
assumiria de forma consciente a responsabilização dos seus atos e o acordo também tem maior
importância subjetiva já que ele próprio ajudou a forjá-lo, não sendo uma imposição vinda de
um superior (NOBRE; BARREIRA, 2008, p. 150). Esclarecemos que o sucesso do modelo está
diretamente ligado a forma como se procede a mediação, logo, a própria qualificação do
mediador, além da estruturação dos órgãos aptos a receberem os agressores. Para isso, uma
atuação conjunta de entes públicos e privados (ONGs, p. ex) se faz necessária.
Destacamos também, que a suspensão condicional do processo e o posterior
arquivamento deste em nada implicam sobre a concessão das medidas protetivas de urgência
que têm natureza cível e constituem um processo autônomo. Logo, o arquivamento da ação
penal, não implica na suspensão das medidas protetivas. Ademais, o Superior Tribunal de
Justiça, através do Recurso Especial 1419421/GO, de relatoria do Ministro Luís Felipe
Salomão, julgado no dia 11 de fevereiro de 2014, ratificou o entendimento sobre a natureza
56

cível e a autonomia das medidas protetivas de urgência 4.


No próximo tópico, abordaremos sobre uma das possíveis formas de reparação à
vítima: os grupos reflexivos para homens autores de violência doméstica contra a mulher,
demonstrando como esse programa pode ser benéfico na mudança de comportamento dos
ofensores, sendo mais eficaz no combate a esse tipo de violência e na prevenção da reincidência.

4.3.3 Possíveis formas de reparação por parte do ofensor: a experiência de grupos reflexivos
para homens autores de violência doméstica contra a mulher

Neste trabalho já se mencionou exaustivamente as possíveis formas de reparação


restaurativa por parte do acusado. Neste tópico abordaremos uma delas, qual seja, os grupos de
homens autores de violência doméstica contra a mulher, destacando o modo como se
organizam, as reuniões e a sua importância para superação do ciclo da violência, além da
mudança na concepção machista ainda presente na sociedade atual. Para isso, analisaremos a
experiência do primeiro grupo reflexivo para homens autores de violência doméstica contra a
mulher instaurado na cidade de São Paulo, após a instalação da 1ª Vara de Violência Doméstica
e Familiar, em 2009 (PRATES; ALVARENGA, 2014, p. 226).
Segundo Prates (2013, p. 33-34), a concepção dos grupos reflexivos, conforme
entendimento dos facilitadores, é vista como

um modelo de intervenção grupal que tem por objetivo provocar a desconstrução e a


mudança dos padrões naturalizados de gênero, violência de gênero e masculinidade.
Nos grupos reflexivos espera-se, por um lado, destacar e desconstruir a ideologia
patriarcal/machista e, por outro, apresentar e possibilitar a construção, individual e
coletiva, de processos de socialização que têm como referência a equidade de gênero
e a formação de novas masculinidades. As principais características dos grupos
reflexivos são: grupos exclusivos de homens; abertos; com no máximo 15
participantes, no qual cada homem participa de no mínimo 16 encontros; entre estes
homens, dois são referências na organização e coordenação e promotores da formação
de vínculos, de mecanismos de identificação e da capacitação dos homens

4
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. MEDIDAS
PROTETIVAS DA LEI N. 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA). INCIDÊNCIA NO ÂMBITO CÍVEL.
NATUREZA JURÍDICA. DESNECESSIDADE DE INQUÉRITO POLICIAL, PROCESSO PENAL OU CIVIL
EM CURSO. 1. As medidas protetivas previstas na Lei n. 11.340/2006, observados os requisitos específicos para
a concessão de cada uma, podem ser pleiteadas de forma autônoma para fins de cessação ou de acautelamento de
violência doméstica contra a mulher, independentemente da existência, presente ou potencial, de processo-crime
ou ação principal contra o suposto agressor. 2. Nessa hipótese, as medidas de urgência pleiteadas terão natureza
de cautelar cível satisfativa, não se exigindo instrumentalidade a outro processo cível ou criminal, haja vista que
não se busca necessariamente garantir a eficácia prática da tutela principal. "O fim das medidas protetivas é
proteger direitos fundamentais, evitando a continuidade da violência e das situações que a favorecem. Não são,
necessariamente, preparatórias de qualquer ação judicial. Não visam processos, mas pessoas" (DIAS. Maria
Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012). 3. Recurso
especial não provido.(STJ - REsp: 1419421 GO 2013/0355585-8, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,
Data de Julgamento: 11/02/2014, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/04/2014).
57

participantes em multiplicadores.

Em geral, os homens encaminhados são réus primários e são autores de crimes


considerados leves, como lesão corporal leve qualificada pela violência doméstica e ameaça.
Conforme exposto no item 2.3 deste capítulo, crimes desta natureza constituem a maioria dos
registros de ocorrência. Ressalte-se que o grupo analisado pelas pesquisadoras era composto
por sete homens que frequentaram 16 (dezesseis) encontros de forma quinzenal, entre setembro
de 2009 e maio de 2010, sendo o comparecimento ao grupo uma condição para a manutenção
do sursis processual (PRATES; ALVARENGA, 2014, p. 226-227).
De um modo geral, nos primeiros cinco encontros, os homens apresentam discursos
de vitimização, demonstrando sentirem-se injustiçados pelas mulheres e pela própria lei. Além
disso, expressam sentimentos de raiva, vingança, ódio: “J: Eu tenho nojo dessa situação. Porque
essa lei que inventaram aí, pra proteger mulher…Quem vê pensa que a mulher é um bichinho
inocente… Depois dessa lei que eu fui virar violento? ” (PRATES; ALVARENGA, 2014, p.
231). Ressalte-se que a noção de violência desses homens perpassa muito pela questão da
violência urbana, percebe-se uma naturalização da violência doméstica, tida apenas como uma
reação a um conflito ou discussão. Tais homens consideram que a violência é cometida por
“bandidos” e que eles próprios não são “bandidos”, mesmo tendo cometido um ato tipificado
em lei. Vejamos uma fala que caracteriza esse entendimento:

MO: Nós não somos bandidos. Ele veio com a arma, algema, nossa, parece uma
operação especial sobre assalto e… ele não é especializado pra isso. Não. É uma briga
de mulher. Não é policial que vai lá na favela catar bandido pra falar comigo. O
homem fala comigo como se eu fosse bandido. Eu não sou bandido, não. Aconteceu
um problema entre eu e a minha mulher. Vamos lá na delegacia, tem que acalmar os
dois […]. (PRATES; ALVARENGA, 2014, p. 230)

Outro ponto abordado diz respeito às relações de gênero. No início dos encontros,
a ideia dos papéis de homens e mulheres é bem definida e estereotipada pelos participantes,
reproduzindo-se discursos pejorativos, como: “JC: Quem é que me garante que a mulher não
se sujeitou a isso [condição inferiorizada] em benefício próprio?” (PRATES; ALVARENGA,
2014, p. 234).
Já do sexto ao décimo encontro, observa-se maior flexibilização dos discursos
iniciais, com destaque para o reconhecimento da violência como algo relacional, no qual a
situação não pode ser resolvida pelos parceiros, sendo necessário o rompimento do ciclo da
violência, e ainda que as mulheres também passem por algum acompanhamento psicológico
para que não se envolvam novamente em situações desse tipo. Nesse sentido, cabe destacar a
seguinte fala:
58

JC: Mas quem sofre uma agressão não tem que passar por psicólogos? Facilitador:
Você acha que tem que passar? Por quê? JC: Porque eu acho que ela também tem
parte nessa violência. Ela não apanhou lá do cara, chegou de bobeira: 'Ô, você tá linda
hoje!' e pralalalá. Alguma coisa vai alimentando, né? […]. D: Aí, um exemplo, a
mulher fazendo um negócio desse também, a própria mulher vai começar… A
semente é pequena, mas vai começar, namora com um cara que vê que o cara é zoado,
que o cara não tem jeito, que é aquele cara violento por natureza, já sai fora também.
Pra não chegar no casamento (PRATES; ALVARENGA, 2014, p. 233-234).

No diz respeito às questões de gênero, os discursos dos participantes também se


modificaram, no sentido de compreender mudança de papéis dos homens e das mulheres na
sociedade atual. Vejamos algumas reflexões:

JC: Bom, nós chegamos à conclusão que não existe um biotipo certo, né? (…) Elas
querem homens diferentes, mas sendo as mesmas mulheres? Facilitador: (…) É
contraditório pra todo mundo, tanto pra gente, como pra elas. (…) a mulher tá fazendo
um monte de coisa, diferente do que fizeram até as mães da gente. (…) Ela mudou e
a gente também (…) e a gente não tá percebendo algumas coisas que tão mudando
(…) e aí elas tão brigando mais. JC: Porque ninguém foi educado dessa forma, né.
Facilitador: Exatamente. (…) O que a gente tenta fazer aqui não é mudar a cabeça de
ninguém, mas é, pelo menos, a gente perceber que a coisa tá diferente. Não dá pra
gente cobrar, às vezes, da mulher ou da gente a mesma coisa que foi com os pais da
gente. A gente agora tá vivendo um outro momento. JM: Tá tudo mudado agora. Não
é que nem antes (PRATES; ALVARENGA, 2014, p. 235).

Ao final, entre o 11º e 16º, é possível observar uma nova emergência de ideias a
respeito das temáticas discutidas. Além disso, os participantes se mostraram satisfeitos com os
encontros e pretendem levar para a vida cotidiana o que foi discutido:

JC: (...) A hora que acabar a minha [participação obrigatória] eu vou vir num dia aqui
'Opa, beleza? Esse aqui é o JC que não é mais obrigado, mas tá vindo'. Porque é
interessante. (…). Faz diferença porque qualquer coisa que a gente discute lá na minha
loja, na oficina, com um cliente, alguma coisa (…) eu tô sempre pensando nesses
assuntos daqui. (PRATES; ALVARENGA, 2014, p. 240)

Diante desses discursos percebemos a modificação das visões dos participantes a


respeito da violência, de questões de gênero. E ainda mais importante é que os encontros têm
um papel marcante, pois as discussões e reflexões lá realizadas imprimem uma nova visão ao
homem. Entre os benefícios percebidos e enumerados pelos próprios participantes estão:
“ampliar suas visões de mundo, seus horizontes; perceber a importância do 'pensar antes de
agir'; evitar que conflitos evoluam para agressões; entender que homens e mulheres são sujeitos
de direitos e deveres (cidadania); ampliar o diálogo com as novas companheiras” (PRATES;
ALVARENGA, 2014, p. 241)
Posto isso, demonstramos como é o processo de um dos possíveis
encaminhamentos após um processo restaurativo. Com essa pesquisa é possível observar que
59

essa alternativa é mais eficaz do que o cárcere, por exemplo, pois ela amplia o espectro de
resposta aos casos de violência doméstica contra a mulher. Nos dizeres de um dos participantes:
“MO: Aconteceu de eu discutir também durante, vamos supor, teve semana passada que eu
discuti e tal. Sempre lembro daqui. Então, nós tamos vindo aqui, tem benefício, agora ir lá
assinar no Fórum não tem benefício nenhum” (PRATES; ALVARENGA, 2014, p. 240).

5 CONCLUSÃO

Diante da pouca eficácia do atual sistema de justiça em coibir a violência doméstica


e familiar contra a mulher, a justiça restaurativa apresenta-se como uma via alternativa ao
sistema retributivo. Restou demonstrado que seus preceitos se coadunam com a natureza
relacional desses crimes e, em tese, podem ser exitosos na coerção e posteriormente na
diminuição dos índices dessa forma de violência.
A vedação presente no art. 41 da Lei Maria da Penha, na época da publicação, foi
importante para conter a banalização da violência doméstica perpetuada pela má aplicação da
Lei 9.099/95. Porém, tal vedação acabou por desestimular a implementação de programas
alternativos, como no caso narrado no item 3.3, em que DEAM de Aracaju/SE extinguiu o
programa de mediação após a publicação da Lei 11.340/06.
No fim, a declaração de constitucionalidade do referido artigo não foi benéfica para
o combate a violência doméstica contra a mulher, pois restringiu o caso ao âmbito penal, que
como é sabido, é repleto de falhas, sendo um caminho muito mais longo e árduo para a vítima,
que ao final pode não obter o resultado desejado.
Porém, a implementação do modelo restaurativo proposto deve ser pensada a longo
prazo, já que as experiências nesse sentido são escassas em território nacional, sendo
necessários estudos prévios, implementação de projetos-pilotos, aferição da satisfação das
vítimas e dos ofensores em participar dessa experiência. Além disso, a difusão da justiça
restaurativa entre a população é primordial para o sucesso desse novo paradigma, esclarecendo
para o público os preceitos inerentes a esta, para que as pessoas compreendam a importância e
as finalidades de um processo restaurativo. Ressalte-se também a disposição do poder público
em implementar a prática, fornecendo recursos pessoais, financeiros e estruturais. Sem a devida
estruturação, a justiça restaurativa pode padecer dos mesmos males que sofre a atual rede de
atendimento à mulher: falta de estrutura física para um acolhimento adequado e despreparo dos
operadores do direito em lidar com esse tipo de caso.
O direito brasileiro mostra-se receptivo ao novo paradigma, já que a própria Lei
60

9.099/95 utiliza-se de institutos despenalizadores.. Mais recentemente, foi sancionada a Lei nº


13.140/15, a chamada Lei da Mediação, que de forma contundente busca implementar soluções
restaurativas, tanto no âmbito penal quanto cível, regularizando a profissão do mediador e
propondo uma aproximação do Poder Judiciário com a comunidade.
Diante disso, conclui-se que a justiça restaurativa, teoricamente, pode ser utilizada
nos casos de violência doméstica contra a mulher, cabendo a vítima participar ou não de um
processo dessa natureza. Busca-se aliar esse novo método às conquistas já obtidas com Lei
Maria da Penha, sem preterir a utilização desta, buscando diminuir os números dessa forma de
violência que atinge mulheres de todas as etnias, credos e classes sociais, possibilitando-as uma
vida digna e livre de violência.
61

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