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Lição 1 - A Geometria das Igualdades Lineares

Objetivo
O objetivo desta lição inicial é oferecer um ponto de partida. Alguns conceitos
importantes para a leitura das lições subsequentes estão aqui sumarizados e a lição
serve como uma breve revisão dos conteúdos que são imprescindíveis para a
continuidade da leitura. Nós estamos pressupondo que o leitor tenha um
conhecimento básico de Cálculo e Álgebra Linear.

Os problemas que nos interessam estão relacionados a minimização ou


maximização de funções f : » n  » e a apresentação de qualquer conteúdo está
direcionada para tais problemas.

Uma igualdade linear é uma expressão como c1  x1  c2  x2    cn  xn  d no

espaço » n . Algebricamente, a equação acima corresponde ao que chamamos um


conjunto afim, ou espaço afim, ou ainda uma variedade linear, de dimensão n  1
neste espaço. Uma interseção de m espaços afins como acima corresponde às
soluções de um sistema linear com m equações lineares no » n em n  1 incógnitas.
Nossa preocupação a seguir é com estes conjuntos, suas dimensões e propriedades
geométricas.

Os Espaços Vetoriais » n

Os únicos espaços vetoriais que empregaremos são os conhecidos

  x1  
   
   x2  
  v  | xi    . Para um vetor usaremos a notação v ou x , y , etc. Usamos a
 
n

 
  

   
  xn  

 x1 
 
notação v   2  do » n para diferenciar dos pontos P  x1 , x2 ,… , xn  do espaço de
 x
 
 
 xn 

coordenadas do espaço cartesiano » n .


A norma ou comprimento de um segmento orientado ou de um vetor no » 2
ou » 3 é o comprimento de qualquer segmento orientado que representa segmento
ou o vetor. Veja os desenhos abaixo.

A expressão algébrica da norma é uma consequência trivial do teorema de

v 
Pitágoras. No gráfico da esquerda temos o segmento orientado v   1   » 2 . Por
 v2 

Pitágoras, o comprimento deste segmento é v  v12  v22 . No desenho da direita,

 v1 
 
temos o segmento orientado v   v2   » 3 . Observando que  proj (v)   v12  v22 ,
2

v 
 3

resulta v  v12  v12  v22 . Generalizando estes resultados para o » n , definimos a

 v1 
 
norma de um vetor      n como v  v12    vn2 .
v 
 n

Um vetor retém de cada segmento orientado finito do espaço cartesiano » n


o comprimento, a direção da reta sobre a qual está o segmento e nesta reta um
sentido de percurso. O vetor identifica todos os segmentos que têm as mesmas
características em relação a comprimento, direção e sentido de percurso
desconsiderando os pontos iniciais e finais de cada segmento em particular. Por
exemplo, quando dizemos que a frente fria deslocou-se 500km na direção e sentido
norte-sul, estamos falando de um deslocamento de 500k (comprimento), direção
norte-sul, sul-norte, sentido do norte para o sul. No entanto, não se esclarece onde
isto ocorreu. O ponto inicial pode estar em Porto Alegre, Florianópolis ou qualquer
outra cidade. Deslocamento é um exemplo de vetor. Se, por exemplo, dizemos que o
ponto inicial está em Florianópolis, temos um segmento orientado cuja extremidade
final está próxima de Porto Alegre. Se dizemos que a extremidade inicial está em Porto
Alegre, as pessoas que estão próximas à fronteira com o Uruguai devem se preocupar.

Em geral, não estaremos seguindo rigorosamente as notações para vetores e


pontos. Confundiremos as notações desde que o contexto permita claramente o
reconhecimento do que é vetor e do que é ponto. Estaremos distinguindo quando
suspeitarmos que o uso indistinto da notação possa resultar em confusão ou quando,
por alguma razão, quisermos enfatizar as naturezas de vetor ou ponto.

 x1 
 
  x2 
Se v e entendermos como uma matriz então
 
n 1

v
 
 xn 

v   x1 x2 … xn  é a matriz transposta. Então, também usaremos a notação




matricial.

Um subespaço vetorial do » n é qualquer subconjunto de V  » n tal que se

v, w  V então v  w  V , se   », v  V então   v  V » n e  0, 0,… , 0   0  V . Um




subespaço afim W  » n é W  v  a | v  V  onde V  » n é um espaço do » n .

Produto Escalar

O conceito fundamental utilizado neste curso é o de produto escalar entre


vetores do » n . Este conceito resulta muito naturalmente da chamada “Lei dos
Cossenos” que é, por sua vez, uma generalização do Teorema de Pitágoras.

Lei dos Cossenos


Vejamos a lei dos cossenos. Seja o triângulo  como no gráfico abaixo.

A lei dos cossenos diz que o comprimento ao quadrado do lado a do triângulo


é a soma dos quadrados dos comprimentos dos demais lados b e c menos o fator
2  c  b  cos A , onde cos A é o cosseno do ângulo no vértice A , oposto ao lado a ,

a 2  b 2  c 2  2  c  b  cos A .

No caso respresentado no desenho 0  A  90 , mas a lei vale para qualquer


ângulo 0  A  180 . No caso extremo A  180 , temos a  b  c que pela fórmula
resulta a 2  b 2  c 2  2  c  b . No caso 0  A , resulta a  b  c que pela fórmula
a 2  b 2  c 2  2  c  b . O fato que o ângulo no vértice A pode ser 0  A ou A  180 ,
significa no caso 0  A que estamos descontando c de b , ou vice-versa, ou seja,

a 2   b  c    c  b   b 2  c 2  2  c  b , querendo dizer com isto que um dos lados,


2 2

c ou b , colapsou sobre o outro e que disto a resultou como uma diferença entre c de
b. Se A  180 , significa que estamos somando c de b, ou seja,

a 2   b  c   b 2  c 2  2  c  b , querendo dizer com isto que os dois lados, c e b , estão


2

sobre a mesma reta mas em direções opostas e a resulta na soma de c e b . A lei dos
cossenos é uma generalização do Teorema de Pitágoras -formulada para triângulos
retângulos - para triângulos em geral.

O Produto Escalar
 u1   v1 
   
Observe o desenho abaixo. Sejam dois vetores, u   u2  , v   v2  , do » 3 e
u  v 
 3  3
 o ângulo entre eles.

Pela lei dos cossenos, u  v  u 2  v 2  2  u  v  cos  , portanto,


2

 u1  v1    u2  v2    u3  v3   u12  u22  u32  v12  v22  v32  2  u  v  cos  .


2 2 2

Cancelando os termos ui2 e vi2 na esquerda e na direita da expressão acima,

resulta

u1  v1  u2  v2  u3  v3  u  v  cos  .

O lado esquerdo da expressão acima,

u  v  u1  v1  u2  v2  u3  v3 ,

é dito o produto escalar dos vetores u e v . Portanto, temos a expressão para o


produto escalar
u  v  u  v  cos  , para 0    180 .

Também notamos o produto escalar por u, v , isto é,

u, v  u1  v1  u2  v2  u3  v3 . Na notação matricial, estaremos escrevendo

 v1 
 
u  v   u1 u2 u3    v2   u  v .
v 
 

 3

Obviamente, se os dois vetores não nulos são ortogonais, isto é,   90 ,


resulta u  v  0 . Por esta razão dizemos que dois vetores são ortogonais se u  v  0 ,
ainda que exista outra maneira deste produto ser nula além da maneira cos   0 .
Estas possibilidades são u  0 ou v  0 , ou seja, um dos vetores ou ambos serem

nulos. Portanto, por uma questão de conveniência, definimos a ortogonalidade entre


dois vetores como u  v  0 com a observação que o vetor nulo é ortogonal a todo
vetor, inclusive si mesmo. Mas, se ambos os vetores não são nulos então   90 .
Observe que caso u  v  0 , para todo o vetor v , então u  0 .

Como é usual, estendemos as observações acima para os vetores no » n . Se

 u1   v1 
   
u     , v       n , então o produto escalar entre estes vetores é definido como
u  v 
 n  n
u  v  u1  v1    un  vn .

Como dois vetores sempre estão num plano, a análise que resulta em

u  v  u  v  cos  ,

para 0    180 , que fizemos anteriormente, em relação aos vetores do » 3 ,


não se modifica, exceto pelo número de variáveis, para todo o » n . O conceito de
ortogonalidade é definido de maneira idêntica: dois vetores são ortogonais se o
produto escalar deles é nulo.
A expressão acima implica uma desigualdade que empregaremos
futuramente: u  v  u  v .

Planos e Retas

Sem dúvida, os primeiros exemplos de superfícies são aqueles representados


por isoquantas de funções. Por exemplo, o plano 2  x  5  y  z  1 é a isoquanta de

nível 1 da função F  x, y, z   2  x  5  y  z . Utilizemos este caso especial para

começar a nossa análise.

Primeiramente, o plano é constituído pelo conjunto dos pontos do » 3 que


satisfazem a condição 2 x  5 y  z  1. Se nós isolamos a variável z,
z  1 2  x  5 y , observamos que a superfície é descrita pelo gráfico

 x, y,1  2  x  5  y   3 da função f : » 2  » , f  x, y   1  2  x  5  y . Em princípio,

podemos representar a mesma superfície tanto da maneira i) quanto da maneira ii)


acima. Se descrevemos a superfície pelo gráfico de f  x, y   1  2  x  5  y ,

substituindo f  x, y  por z , obtemos a isoquanta F  x, y, z   2  x  5  y  z  1 .


 2
  
O plano acima é perpendicular ao vetor n   5  . Pois, dados dois pontos
 1
 

sobre este plano, digamos P0  x0 , y0 , z0  e P1  x1 , y1 , z1  , então,

2   x1  x0   5   y1  y0    z1  z0   0 ,

 x1  x0 
  
ou seja, o vetor v   y1  y0  é perpendicular ao vetor n , pois n  v  0 .
z z 
  

 1 0

Vamos definir “planos” no » n . Dado um ponto P   x1 , x2 ,… , xn    n e um

vetor n   a1 , a2 ,… , an  , o hiperplano de dimensão  n  1 que contem o ponto P  e




é perpendicular ao vetor normal n é definido como o conjunto dos pontos




 x1  x1 
 
  x2  x2 
P  x1 , x2 ,… , xn    tais que os vetores v  são ortogonais ao vetor n , ou
  
n 

 

 xn  xn 
seja, v  n  0 , ou ainda,
 

a1   x1  x1   a2   x2  x2   …  an   xn  xn   0 .

Antes de respondermos à questão se poderíamos representar uma reta no » 3


também como uma isoquanta, vejamos um exemplo.

Exemplo A reta que passa pelo ponto P (2, 1, 2) e está na direção do vetor

 3 
  
v   1 pode ser representadas pelo conjunto de equações paramétricas abaixo
 5
 

x  2   3  t , y  1  1  t , z  2  5  t .

Estas equações são ditas paramétricas porque ao variar o parâmetro t obtemos


diferentes pontos sobre a reta. Estas equações não são evidentemente únicas, pois,
4 3 
como esta reta passa também pelo ponto P  ,  , 0  , faça t  nas equações
2
5 5  5

 3
5
 
  1
anteriores, e o vetor u  é paralelo ao vetor v então as equações paramétricas
 5


 
 1
 
 
abaixo representam a mesma reta

 s, y    s, z  s .
4 3 3 1
x
5 4 5 5

Variando o parâmetro s obtemos os pontos da reta.

Exemplo Cada uma das equações abaixo representa um plano:

1 : 2  x  y  z  1,

2 : x  2 y  z  2.

 2
  
Observe que estes planos não são paralelos, pois os vetores n1   1  e
1
 

 1
  
n2   2  que são perpendiculares aos planos  1 e  2 , respectivamente, não são
 1
 

paralelos. Logo, os pontos P  x, y , z  que solucionam as duas equações

simultaneamente formam a reta que está na interseção destes planos. Por linha-
redução é fácil obter esta reta, pois

 4 
 5 
3
2 1 1 | 1
1 0 |
   ,
5
 1 2 1 | 2   0 1  1 |  3 
 

 5 5
ou seja, x    z e y     z . Se nós substituímos a variável por z por
4 3 3 1
5 5 5 5
s e escrevemos

  s , y     s e z  0  1 s ,
4 3 3 1
x
5 5 5 5

obtemos um conjunto de equações paramétricas para esta reta. Facilmente,


 3
5
 
4 3    1
vemos que a reta passa pelo ponto P  ,  , 0  na direção do vetor u  , ou
5 5   5
 
 1
 
seja, a reta do penúltimo exemplo acima. Portanto, podemos representar uma reta no
» 3 como a interseção dos dois planos acima 2  x  y  z  1 e x  2  y  z  2 .
Uma “reta” no » n é definida como o conjunto de pontos do » n determinado
 b1 
 
  b2 
pelo ponto P  x1 , x2 ,… , xn    e pelo vetor v  , que dá a direção da reta,

    n

  
 bn 
através das equações paramétricas abaixo:

x1  x1  t  b1 , x2  x2  t  b2 ,… , xn  xn  t  bn , t   .

Exercícios 2

i) Determinar a equação do plano que contem o ponto P  2,0,3 e é


perpendicular ao vetor n   5, 2, 1 .


ii) Determinar a equação do plano que contem o ponto P  2,1,5  e é


perpendicular à reta que passa pelos pontos P 1, 1, 2  e P  2, 1,3 .
iii) Determinar a equação do plano que contem o ponto P  2,1,3 e é paralelo
ao plano 2  x  y  z  5 .
iv) Determinar a equação do plano que contem o ponto P  4,1, 5  e é
perpendicular à reta x  3  5  t , y  2  t , z  5  t .
v) Determinar equações paramétricas para a reta que passa pelo ponto

 1
  
P  1, 2, 5  e é paralela ao vetor v   1 . Escolha outro ponto sobre a mesma reta e
 1
 
outro vetor na mesma direção da reta e escreva outras equações paramétricas
descrevendo a reta anterior.
vi) Determinar as equações paramétricas da reta que passa pelos pontos
P  2,1, 6  e P  7,0,3 .
vii) Determinar as equações paramétricas da reta que passa pelo ponto
P  1, 0,5  e é perpendicular ao plano 3  x  y  2  z  6 .
viii) Determinar um vetor na direção da reta
x yz 0
2  x  y  4  z  3.

ix) Determinar as equações paramétricas da reta na interseção dos planos

3 x  2  y  z  0
2  x  y  2  z  1.

x) Determinar um ponto pertencente ao hiperplano abaixo e um vetor


perpendicular a este hiperplano

x1  2  x2  x3  x4  x5  7 .

xi) Verifique que a interseção dos hiperplanos

3  x1  2  x2  x3  x4  3  x5  2

5  x1  4  x2  3  x3  2  x4  x5  3

Pode ser dada parametricamente como

 x1   1  1  4   7 
x         
 2   1/ 2   2   11/ 2   9
 x3    0   t1   1   t2   0   t3   0  .
         
 x4   0   0  1   0
x         1
 5  0   0  0   

 1  4   7 
     
 2   11 / 2   9 
Observe que os vetores  1  ,  0  e  0  são linearmente independentes.
     
 0  1   0
 0  0   1
     

xii) Determinar a equação do plano que contem os ponto P  2,1,5  , P 1, 1, 2 
e P  2, 1,3 . Use o exercício 1 sobre o produto vetorial para obter um vetor
perpendicular ao plano.

Retas e Planos na Economia

Retas e planos aparecem muito naturalmente na teoria econômica. Por


exemplo, uma restrição orçamentária para uma cesta de dois bens matematicamente
se expressa pelo segmento de reta p1  x1  p2  x2  m , x1  0 , x2  0 unindo as
m   m
extremidades  ,0  e  0,  , onde m é a renda disponível para consumo destes
 p1   p1 
p 
bens e p1 e p2 são os preços. Observe que o vetor p   1  é ortogonal à reta
 p2 
p1  x1  p2  x2  m . Isto é muito importante.
De maneira similar, para uma cesta de três bens, uma restrição orçamentária é dada
pelo simplexo p1  x1  p2  x2  p3  x3  m , x1  0 , x2  0 , x3  0 que é simplesmente o
m     m
triângulo com vértices  , 0, 0  ,  0, , 0  e  0, 0,  . Novamente,
m
 p1   p2   p3 
 p1 
 
observe que o vetor p   p2  é ortogonal ao plano p1  x1  p2  x2  p3  x3  m .
p 
 2
É claro que podemos generalizar para uma cesta com n bens, considerando o
simplexo p1  x1  p2  x2  …  pn  xn  m , x1  0 , x2  0 ,..., xn  0 que tem os vértices
m   m   m
 , 0,… , 0  ,  0, , 0,… , 0  ,...,  0,… , 0,  . Novamente, observe que o vetor
 p1   p2   pn 
 p1 
 
p   2  é ortogonal ao hiperplano p1  x1  p2  x2  …  pn  xn  m .
p
  
 
 pn 

Muito importante é o chamado simplexo básico de dimensão n  1


x1  x2  …  xn  1 , x1  0 , x2  0 ,..., xn  0 cujos vértices são e1  1, 0, … , 0  ,
e2   0, 1, … , 0  ,..., en   0, 0, … , 1 que desempenha um papel
fundamental em teoria dos jogos.

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