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REVISTA DA GRADUAÇÃO DA ESCOLA DE BELAS ARTES - UFRJ

ENTREVISTA

LUIZ GUILHERME VERGARA – Diretor GERAL E


CURADOR do Museu de Arte Contemporânea de
Niterói
Entrevistadores: João Paulo Ovidio e Priscila Medeiros

Entrevista realizada em 22 de setembro de 2016 no Museu de Arte Contemporânea de Niterói/RJ.

Desvio: Optamos por nesta primeira edição fa- do estado de invenção todo dentro de uma traje-
zer uma entrevista com a Izabela Pucu do Centro tória e um outro que é da anti arte. Praticamen-
de Arte Hélio Oiticica e com você do MAC pelo te uma estética da existência, que está ligado ao
fato de que as duas instituições fazem 20 anos e programa ambiental, posição ética.
por serem instituições que lidam com arte con-
temporânea como foco. Isso por um lado é o Oiticica como é ter uma ins-
tituição ligada ao Hélio Oiticica. O outro lado é
Guilherme Vergara: H.O e MAC 20 anos. São o MAC. O MAC tem a arquitetura de Oscar Nie-
instituições públicas, municipais e com arte con- meyer, a coleção João Sattamini, então o outro
temporânea. O desafio está nessa instância aqui lado que me instigou é um paralelo que é princi-
de governo, estado, espaço público, sociedade e palmente você ter a arquitetura circular do MAC.
aí produção artística contemporânea. Então são Que é uma arquitetura quase que abrigo, e a pró-
três pernas e aí nesse sentido... Eu já vou atuali- pria arquitetura induz uma intuição de um anti
zar o que eu chamo de uma curadoria tripartida. -museu, por que é museu voltado pra fora que
Hoje em dia eu estou chegando a esse termo de celebra o mundo.
curadoria tripartida. Na minha relação de pes-
quisador através de tese de doutorado e tudo... Então aqui você tem uma interseção. Você tem o
Meu retorno ao Brasil foi em 1996. Exatamente Helio Oiticica falando de mundo abrigo, falando
há 20 anos atrás abriram o Centro de Arte Hé- de delírio ambulatório, falando de supra senso-
lio Oiticica e o MAC e eu ganhei uma bolsa de rial e ele provocando na sua experiência cada vez
pesquisa para tratar no Rio de Janeiro o que eu mais o desfazimento dos objetos. Então como é
chamei de desafio da arte contemporânea, para que você vai abrir uma instituição ligada a Hé-
as instituições públicas. Esse foi o mote e sua di- lio Oiticica com acervo e tudo onde o próprio
ferença Centro de Arte H.O e MAC. Helio Oiticica tenciona as situações para a ques-
tão do crê lazer, sopra sensorial... Então esse es-
Voltando a essa questão H.O significa o desafio tudo vem ligado a uma retrospectiva que abriu
do Oiticica para o sentido público das interfaces o Centro de Arte Hélio Oiticica há 20 anos atrás,
entre arte e sociedade. Então Hélio Oiticica já traz com a própria trajetória do H.O até chegar nesse
em si um legado que é um legado que por um campo de uma estética existencialista, uma esté-
lado é um legado construtivista que ele vai falar tica da existência ou anti-arte como ele poderia

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chamar. Aqui eu tenho uma chegada desse disco Porque ela é uma arquitetura do conter, ela é um
voador, dessa arquitetura que é uma arquitetura vaso, um recipiente, mas ela é ativadora de co-
monumento, uma arquitetura turística, fascinan- leções, então essa é a arquitetura fundante. Por
te futurista, mas que é uma arquitetura que de- outro lado ser coleção, mas redefinir uma abor-
safia conceitos curatoriais, desafia conceitos mu- dagem sobre o conceito de coleção então eu co-
seais desafia porque ela não é apropriada para loca arte e coleção como experiência. Eu já faço
um pensamento de cubos brancos, então aqui e remeto a John Dewey, esse é um dilema onde a
inicia 20 anos que pra mim instigou os desafios arte como experiência está além de ter a coleção
pra arte contemporânea, mas também, as raízes de objetos. Eu penso curatorialmente em como
utópicas antropofágicas brasileiras. Então aqui pensar essa coleção como também coleção de ex-
você tem Oiticica e o programa ambiental, tem periências, como também onde a obra se torna
Oscar Niemeyer e a paisagem, tem as raízes bra- acontecimento. A exposição é um acontecimento
sileiras e tem uma utopia antropofágica, que ela é na arquitetura e na paisagem, então aí tem essa
antropofágica até os conceitos a priori de museu. ideia de uma paisagem sociedade. Então essa
Então nesse sentido hoje eu to elaborando essa ideia de uma paisagem sociedade é paisagem
ideia de uma curadoria tripartida, essa curadoria nós, nós somos paisagem. Então se você provo-
envolve... Vou falando e vou desenhando. Então ca essa fenomenologia de ativar em programas
o que é essa curadoria? O MAC ser pensado por curatoriais programas de vivências essa relação
arquitetura, ele é arquitetura, você não pode ig- de pertencimento de extensão fenomenológica
norar a arquitetura que é curadoria, como você torna o mundo exatamente uma forma de unir
coloca essa arquitetura organicamente como pelas experiências um sentido novo de educação.
uma luva para as experiências artísticas. Outra Uma filosofia da educação. São esses aí os três
coisa que a gente tem é a coleção e aí eu entendo princípios que eu estou trabalhando dentro dos
coleção, e aí eu chamo arte e coleção como ex- desafios de dar sentido pra esse museu.
periência. E aí pelo terceiro viés, terceira perna
desse tripé que tem presente no MAC: paisagem. Desvio: Gostaríamos que você comentasse como
a sua formação no exterior de alguma forma
Porque se a paisagem inspirou a arquitetura, a pai- pode ter contribuído pra sua atuação inicial no
sagem ela é exatamente o mundo-paisagem-mundo, MAC, quais foram os meios que você encontrou
Como a gente cria uma unidade ai a banda de de conseguir trabalhar nesse espaço e desenvol-
meio de uma unidade tripartida? Como você cria ver essas idéias.
esses eixos, completamente indissociáveis um do
outro? Pensar uma curadoria, uma perspectiva Guilherme Vergara: Realmente a minha forma-
cultural em que a arquitetura seja parte do mun- ção no exterior contribuiu de uma forma muito
do, uma arquitetura abrigo e essa arquitetura importante porque eu trabalhei 5 anos em Nova
abrigo é um abrigo poético. Porque ela é total- York com educação, numa residência de artistas
mente um delírio ela é completamente futurísti- trabalhando em educação no Metropolitan. Essa
ca arquétipo, simbólica espiritual. Ela é universal, experiência criou uma complexidade de visão de
essa é uma arquitetura de uma complexidade fun- mundo muito importante pra mim. O Metropo-
dante do MAC, complexidade do museu. litan, um museu clássico, enciclopédico. É um
museu que tem arte africana, arte chinesa eu-

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ropéia do século... Digamos pintura européia do no, arte africana e as relações entre cristianismo
século XIV, até o século XIX, XX. Você tem várias e outras espiritualidades de arte. Isso eu fazia nos
culturas representadas e expostas no Metropoli- outreach program... Posso dizer que nessas rela-
tan, é um museu completamente enciclopédico ções dentro dos outreach extra muro, de pensar
clássico. Ao mesmo tempo eu tive um privilégio uma ativação do papel artístico, de ser um co-
de trabalhar com uma equipe fascinante. Então nector, um ativador, um mediador, essa foi uma
de 1991 a 1996 eu estava em Nova York fazen- escola! Essa foi uma escola muito forte e própria
do mestrado em artes e ações ambientais. Olha o da cidade de Nova York, quando você conhece o
nome! Arte e ações ambientais. Era um mestra- avesso de uma cidade. Hoje em dia (NY) até pode
do que estava desenvolvendo ações, intermídias ser turístico, mas naquela época você conhecer
e tudo. Então eu fui ao mestrado como artista. Nova York, não só pelo Central Park, não só pelo
Ao mesmo tempo nessa mesma época em NYU MoMA, era outra coisa. Vários imigrantes latinos
eu comecei no estágio no Metropolitan. Então eu e africanos e eu me misturei graças a ser brasilei-
tinha dois mundos cruzados, o mundo de uma ro e falar portunhol, ganhei bolsa da universida-
academia, o mundo do estúdio e da crítica artís- de, então isso me deu um poder, possibilidades.
tica. O curso na NYU era bastante forte em arte Isso me deu o passaporte para voltar para o Bra-
e crítica. Então eu tinha muito uma dimensão de sil e ser chamado primeiramente pra trabalhar
arte conceitual pela escola de Nova York e tinha com educação e também consegui uma bolsa pra
a cidade de Nova York. Então tinha o Metropo- trabalhar no Centro de Arte Hélio Oiticica. Minha
litan um museu enciclopédico que pra mim foi pesquisa é exatamente o desafio da arte contem-
ótimo, uma ótima escola. Eu tinha uma bolsa porânea nos museus no Brasil. Eu fiz contato no
residência onde o que fiz que chamavam de ou- Brasil em 1996 em que o entendimento do sen-
treach program. Nesse outreach program eu fui tido público nos museus ainda era muito precá-
ao Bronxs, Brooklin, em várias esferas de hos- rio e ainda hoje é muito precário. Essa é a minha
pitais, presídios, ONGs. Então essa experiência provocação que me traz pro MAC.
de uma residência artística trabalhando nessa
esfera proporcionou conhecer um lado avesso Desvio: Aproveitando esse gancho, gostaríamos
de Nova York, mas também o outro lado de uma que você comentasse sobre o educativo que se
ação artística que eu também não conhecia. Eu tem hoje aqui no MAC e essa questão do público
recebi uma bolsa para residência, uma bolsa de e da arte contemporânea, a recepção.
estagio e comecei também, quando eu recebi
essa bolsa lá, um programa no Metropolitan cha- Guilherme Vergara: De 1996 para cá, a minha
mado Transcultural Trip. Eu organizava visitas bolsa foi temporária lá no Centro de Arte Hélio
para brasileiros morando em Nova York dentro Oiticica e aqui no MAC eu fui continuando. Meu
do Metropolitan, foi quando me surgiu a ideia de doutorado é em cima do MAC, a formação de vá-
curadorias educativas. Imagina que eu tenho um rias pessoas como Bia Jabour, várias pessoas que
acervo de exposições do Metropolitan e hoje eu hoje estão no campo. E esse é um campo híbrido
vou levar vocês pra arte chinesa, depois eu quero que é ser curador, ser educador e ser artista, é
ver um pouco de relações com a pintura de Van um entendimento que você mergulha como com-
Gogh, ou Japão, ou então ver arte religiosa do sé- partilhar processos artísticos, como abrir a caixa,
culo XVII e vou comparar com um busto africa- desmistificar essa aura da arte contemporânea,

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mas como um processo colaborativo. Hoje em essa proposta de ser voltada pra questões da arte
dia eu vejo que o Brasil avançou muito mais pela contemporânea.
academia, pelos novos cursos, pelas novas gera-
ções que estão vivenciando mais isso. Foi muito Guilherme Vergara: O próprio mestrado Estu-
dos Contemporâneos do Instituto de Arte vem se
difícil no inicio e as dificuldades. A dificuldade é
exatamente essa insustentabilidade, não há nada atualizando, então todas as instituições de arte,
sustentável, você começa um trabalho e os recur- todos os tecidos culturais então sendo pressio-
sos, os programas, as bolsas nada se sustenta. nado e ao mesmo tempo se você não abre um
Então você não consegue formar laços e vínculos exercício de excelência você regride. Você fica es-
em profissionais que venham da universidade e tagnado as instituições tendem a ficar burocrati-
que também estejam no campo híbrido. Eu es- zadas e carentes e os funcionários dessas institui-
tava em Nova York, eu estava no Metropolitan. ções passam a ser quase que desrespeitados pela
Eu tinha bolsa da universidade, eu tinha bolsa própria condição de estar na instituição. Então
do Metropolitan. Os entrelaçamentos. Como eu quanto mais o campo acadêmico vai se atiçando
que posso... vocês que estão interessados tenham criticamente... O território do tecido público das
essa possibilidade de estagiar aqui e ficar aqui instituições não está acompanhando isso, não
dois anos e meio e sair daqui contaminados por está lidando com outro lado da disfuncionalidade
um experiência que refaz conceitos... Então você que é vocês que estão amadurecendo, lendo mui-
é um gerador de conceitos. Hoje eu vejo que a to, estudando muito, lendo traduções de textos
dificuldade de anos é que não há uma noção de internacionais, enfim... E as instituições estão em
progresso. 20 anos depois estamos com os mes- outra velocidade. Sem salários. Entendeu? Então
mos problemas, sem dinheiro, talvez ainda ame- esse é a grande dificuldade. Dentro da academia
açados por um retrocesso gravíssimo. Então Bra- também. Eu vejo um investimento extremamen-
sil é uma loucura. Não tem mais um fio. Como a te necessário dentro das universidades em que a
obra do Carlos Zílio, De zero a zero. Eu acho isso curadoria, as interfaces, as experimentações por
simbólico. um lado nos espaços de criação, da criação ar-
tística experimental; E, por outro lado que essa
O educativo hoje está fragilizado. A gente teve criação experimental seja feita reconhecendo a
um ano e meio interrompido, fechando o museu. interface os públicos diversificados se você é um
Fragilizou mais ainda os laços com os profissio- artista experimental, expor dentro de um cubo
nais que foram embora, mas no mestrado estou branco uma galeria fechada ou só vai ao público
formando um grupo de pesquisa. Esse museu é que é da arte é uma coisa. Esse museu é outra e
uma máquina, ele não para de atrair gente. Ele foi torna forte um trabalho.
reinaugurado, mas as relações de cuidado com as
interlocuções, com a produção de significações, Desvio: Gostaríamos que você comentasse tam-
com a produção de subjetividades precisam de bém sobre essa pesquisa que você tem na UFF e
profissionais cuidadosos. o que é possível entre UFF e MAC.

Desvio: Aproveitando que você falou da questão Guilherme Vergara: Isso seria pra mim nos últi-
do mestrado gostaríamos que você comentasse mos 20 anos um dos pontos da minha avaliação,
sobre a pós-graduação de artes da UFF que tem pontos de fragilidade. Eu acho que esse museu

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tem muito mais potência, muito mais potencia- de nossa infelizmente ainda ela é muito européia.
lidade do que eu pude alcançar, até por causa Modelo europeu que você é acadêmico você está
das flutuações, falta de recursos. Eu estava em protegido você vai publicar, pôr no lattes, e a dis-
uma reunião agora pra tratar com o pessoal da cussão fica sempre entre si. Então se a gente está
geociência sobre questões ambientais que a UFF discutindo o museu é o mundo, a gente também
pesquisa sobre arte e sustentabilidade. Isso é a tem que chegar a universidade é o mundo. O pro-
expansão dessa fronteira entre arte e outros pes- jeto de extensão que eu tenho é esse, museu la-
quisadores, não vou nem falar de ciência ou de boratório sem parede. Os programas de extensão
saberes. Isso é universidade. É um lugar que deve das universidades são desvalorizados, você tem
provar esse valoramento de conexões. Digo isso, que ser pesquisador. Esses campos ainda são rea-
vejo essa possibilidade e vejo o quanto ainda tem cionários nesse modelo, quase que desistência do
infinitamente de trabalho. mundo. Mas é uma desistência protegida, você
está em uma universidade. Esses são os pontos
20 anos é zero a zero. Eu vejo essa história do cruciais. 20 anos melhoraram a universidade. A
tempo o que a gente sedimentou de conquista universidade que também está na sua crise, mas
não, o que eu acho que tem de mais conquista que o museu possibilita pensar maiores aproxi-
nesse território é a universidade graças ao Lula, mações.
graças ao Reuni, graças a novos concursos novos
professores. E aí hoje eu vejo um descompasso
porque o tecido cultural se tornou cada vez mais
dentro de uma armadilha neoliberal. Entendeu?
As instituições todas subservientes é muito di-
fícil. As instituições precisam ser habitadas por
pensadores. Um pensador que ele tem o campo
de atuação dele é pensar com o comum, pensar
no laboratório das interfaces isso e a universida-

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