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A formação de professores de artes no Brasil: uma história aberta a


interpretações

Article · January 2022


DOI: 10.12795/Communiars.2022.i07.03

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Rejane Coutinho
São Paulo State University
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EDUCAÇÃO EM MUSEUS: FIOS PARA TECER UMA NARRATIVA

EDUCATION MUSEALE: FILS POUR TISSER UN RECIT

Rejane Galvão Coutinho


Instituto de Artes - UNESP

RESUMO
O texto apresenta uma narrativa com abordagem histórica pela perspectiva da
arte/educação sobre as relações entre museus e educação a partir de experiências no
contexto da cidade de São Paulo, tomando algumas pesquisas e indícios como fios para
reflexões, para entender como o campo da educação em museus vem se constituindo. Parte
do pressuposto de que as representações que vêm sendo forjadas nessas relações
permanecem ativas no imaginário de nossa cultura.

PALAVRAS-CHAVE
Educação em museus; história da educação em museus; mediação cultural.

SOMMAIRE
Le texte présente un récit avec une approche historique du point de vue de l'art/éducation
sur la relation entre les musées et l'éducation à partir d'expériences dans le contexte de la
ville de São Paulo, en prenant des recherches et des preuves comme fils de réflexion, pour
comprendre comment le domaine de l'éducation dans les musées a été mis en place. Elle
suppose que les représentations qui se sont forgées dans ces relations restent actives dans
l'imaginaire de notre culture.

MOST-CLÉS
Education museale; histoire de l'éducation dans les musées; médiation culturelle.

As relações entre museus e educação têm suas origens entrelaçadas. Mesmo que
na contemporaneidade essa relação precise ser problematizada, como faz o artista
Luis Camnitzer, provocando os públicos e as próprias instituições a pensar sobre
elas, na obra: O museu é uma escola, o artista aprende a se comunicar e o público
aprende a estabelecer conexões, que vem sendo exposta nas paredes externas de
grandes museus mundo afora; o caráter educativo dos museus esteve sempre
presente entre os objetivos institucionais, mesmo que em alguns momentos da
história não apareçam destacados como prioridade. Partimos então do pressuposto
de que os museus carregam sim responsabilidades educativas, sobretudo quando
os situamos nas sociedades ocidentais entre as instituições responsáveis por
processos civilizatórios. O que queremos entender é como essas relações vêm se
dando.

A provocação de Camnitzer reforça a necessidade de nos debruçarmos hoje sobre


as relações entre museus e educação, pois apesar de sabermos que o museu não é
uma escola e que a escola não é um museu - mesmo que em alguns casos e para
alguns (sobretudo os jovens) esta troca de funções possa parecer crível - o que
pressupomos é que algumas práticas educativas nas instituições museais foram se
cristalizando e se normatizando ao longo do tempo e produzindo representações
sobre os próprios museus que mais distanciam do que aproximam os públicos. E
essas representações vêm sendo constantemente reiteradas pelo complexo papel
social que esta instituição carrega nas culturas ocidentalizadas como espaço de
rituais de civilização (DUNCAN, 2007). E essa característica ritualística de iniciação
civilizatória é ainda mais acentuada em contextos que passaram por processos de
colonização como o nosso. Ou seja, estamos considerando primariamente o museu,
assim como a escola, como aparatos de colonização, que vêm engendrando modos
de ser (e não ser) e de pertencer (e não pertencer).

Entendemos que para virar as chaves da colonialidade que abrem (ou fecham) as
portas dos aparatos institucionais é necessário compreender como as estratégias
(ou armadilhas?) de colonização se apresentam e funcionam. No caso dos museus,
no tocante às características educacionais de suas práticas, importa situar alguns
indícios que podem nos dar pistas para entender como agem os processos de
construção dessas representações incluentes e excludentes, para sabermos como
podemos operar para reinscrever essas histórias.

Partindo dessas considerações iniciais, na escrita deste texto optamos por usar a
primeira pessoa do plural, pois o que trazemos aqui nesta tessitura é resultante de
pesquisas realizadas por muitas cabeças e corpos que são na medida do possível
identificadas e nomeadas; obviamente que as decisões sobre como narrar e enredar
as leitoras e leitores com os fios dessa tessitura são de responsabilidade da autoria
do texto. Importante também situar que estas reflexões acontecem no contexto da
cidade de São Paulo tendo as experiências e os equipamentos culturais desta região
como referências, sabendo que outras histórias podem ser narradas a partir de
outros contextos. Então, a narrativa se constrói basicamente por duas vias. Por uma
vamos fazendo perguntas para nos implicar com as questões, como esta pergunta
básica: Como é que temos as ideias que temos sobre museus? Pergunta ao mesmo
tempo simples e densa que não demanda resposta objetiva, mas reflexões e
mergulhos nas memórias para puxar fios de experiências que nos enredem com as
questões aventadas. A outra via organiza a tessitura do texto ao pinçar alguns
indícios de um passado recente para problematizar as relações entre museu e
educação. Pois acreditamos que as concepções que permeiam este campo vão se
sobrepondo e se acomodando ao longo do tempo e permanecem nos imaginários e
nas representações sociais que vamos carregando.

Primeiros fios da história

Ao puxar os primeiros fios para esta tessitura, tomamos como referência sobre as
relações entre museus e educação algumas pesquisas realizadas pelo ponto de
vista dos estudos sobre museus e seus públicos (VALENTE, 2003; KÖPTCKE,
LOPES e PEREIRA, 2007; KÖPTCKE e PEREIRA, 2010) e especialmente duas
pesquisas situadas no âmbito da arte/educação que tivemos o privilégio de
acompanhar, as pesquisas de Paula Hilst Selli (2013) e Valéria Peixoto de Alencar
(2017).

Apesar do reconhecimento das relações entre museus e educação no contexto


brasileiro se darem no início no século XIX com o surgimento dos primeiros museus
que trazem entre seus princípios o da “instrução” da sociedade, será apenas nas
primeiras décadas do século XX que a questão da educação ocupará espaço nas
agendas das instituições, inclusive sendo apontada em documentos oficiais como
complemento para uma educação “extraescolar”. Estamos nos referindo aos museus
de ciências naturais, de história, de antropologia que abriram suas portas para
preservação, estudo e pesquisa ainda no conturbado século XIX, recebendo
eventualmente um público de “letrados” aos finais de semana, bem à moda do que
acontecia nas instituições europeias que nos serviam de modelo, “como arena
política, espaço de construção da memória coletiva e de formação de uma
identidade nacional, de sociabilidade e de lazer ilustrado”. (KÖPTCKE e PEREIRA
2010, p.810).
A pesquisa de Valéria Peixoto de Alencar tem como foco a questão da educação no
contexto dos museus de história, atualizando o debate da mediação cultural sobre
as imagens da história e suas interpretações na contemporaneidade. O campo de
observação foi o icônico Museu Paulista ou Museu do Ipiranga como é popularmente
conhecido na cidade de São Paulo, inaugurado em 1894. Para melhor situar o
debate a pesquisadora problematiza o surgimento dos museus ditos históricos ou de
história e pondera sobre os métodos de ensino praticados: das lições de coisas, do
método indutivo (o ver para aprender), passando pela educação patrimonial (o
aprender a ver), à proposta de mediação cultural que se encontra em processo de
apropriação, sobretudo neste contexto museal. Percebemos que ao longo de todo o
século XX o Museu Paulista exerceu a formação de seus públicos pela via da
instrução, da transmissão de conhecimentos e vale reforçar que uma grande parcela
do atendimento deste Museu é o público escolar, foram várias gerações que tiveram
suas primeiras experiências com museus a partir desse parâmetro de visita
instrutiva.

Paula Hilst Selli em sua pesquisa investiga como as crianças constroem suas
representações sobre museus tendo as instituições da cidade de São Paulo como
cenário. Paula elaborou um protocolo de pesquisa para conversar com crianças de 9
a 10 anos e foi ao encontro delas em quatro escolas, duas públicas (uma estadual e
uma municipal) e duas privadas (uma tradicional e uma progressista). Temos uma
amostragem significativa que revela como as representações vão sendo construídas
a partir de experiências das próprias crianças em visita e também a partir de
imagens da cultura visual e narrativas que se associam a essas instituições. Em
determinada etapa da produção de dados da pesquisa, há uma demanda para que
as crianças desenhem o museu e percebemos claramente a associação que as
crianças fazem com palácios, castelos e fortalezas, assim como percebemos em
muitos desenhos a ausência de pessoas nos cenários construídos. Obviamente,
diante dessa faixa etária e na cidade de São Paulo, o museu mais citado pelas
crianças nessa pesquisa foi o Museu Paulista que se apresenta como um
monumento-edifício que teve como modelo um palácio renascentista.

Ao acompanhar de perto essas duas pesquisas e por termos trabalhado durante seis
anos nas cercanias do Museu Paulista quando presenciávamos todos os dias muitos
e muitos ônibus escolares que traziam crianças e jovens em visita, nos vêm a
pergunta: Quantas dessas e desses estudantes se tornaram frequentadoras/es de
museus? Qual a probabilidade de que tenham retornado a essa instituição?

Sabemos que a questão do acesso é complexa e envolve muitas variáveis,


sobretudo considerando a frequentação aos aparelhos culturais no contexto de
grandes capitais como é o caso da cidade de São Paulo que tem seus
equipamentos concentrados em bairros centrais. O que estamos ponderando é
sobre o alcance e a qualidade da experiência de visita de estudantes que
conseguem ter acesso a um simbólico equipamento cultural através da escola;
ponderando sobre como uma visita escolar que faz parte do currículo se integra nas
experiências das crianças e jovens; ponderando ainda sobre as experiências de
pertencimento e não pertencimento que se imprimem nas memórias e nos corpos
dessas crianças e jovens. Pierre Bourdieu (2003, 2010) já nos deu chaves para
entender como essas aparentes oposições de pertença operam em nossas
instituições normativas, mas não custa reforçar um pouco mais.

Os fios das artes

Começamos aqui com uma suposição de que, no contexto brasileiro, são nos
museus e instituições dedicadas as artes onde surgem práticas educativas que vão
pouco a pouco expandindo e ampliando as experiências dos públicos. Talvez a
experiência estética (DEWEY, 2010) proporcionada diretamente pelas artes seja um
aspecto favorável a essa ampliação, ou devemos também considerar o próprio
período no qual os grandes museus de artes se constituem, meados do século XX,
quando as ideias sobre uma moderna museologia se difundia, favorecendo o
cuidado com as ações educativas. Tentaremos neste tópico trazer alguns indícios
que complexificam, mas também ajudam a compreender a tessitura dessas
relações.

Começaremos em 1941 retomando um indício casual produzido por Mário de


Andrade que em um de seus muitos artigos publicados em jornais comenta uma
visita de um grupo de jovens rapazes a duas exposições de artes visuais em São
Paulo e remarca que “as visitas coletivas não foram acompanhadas de um
explicador que orientasse os rapazes e despertasse neles uma atitude mais
exatamente estética”. Quando tivemos contato com esse artigo pela primeira vez, e
desde então, nos perguntamos sobre como atuariam os “explicadores” das
exposições na primeira metade do século XX e como seriam as orientações,
segundo Mário de Andrade, para despertar “uma atitude mais exatamente estética”
(ANDRADE [1941] 1988). O prosaico comentário traz à cena e ao mesmo tempo
lamenta a falta desse “explicador”, reforçando o seu papel e a sua necessidade pela
própria escolha do termo para identificar este personagem.

Já o texto Os museus de arte na educação de 1944, da museóloga Regina Monteiro


Real, então conservadora do Museu Nacional de Belas Artes, traz para o debate
uma concepção moderna de museu tendo como referencial instituições europeias
para defender a necessidade de “visitas sistemáticas” a exposições de artes para
“desenvolvimento do sentimento estético” dos públicos. Publicado na recém criada
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, ou seja, dirigido para um público de
educadoras/es não especialistas em museus, o texto discorre sobre as mudanças
que a concepção moderna de museus traz para a instituição, explicando entre outros
aspectos, que “Não se cogita mais tolerar o visitante e, sim, de atraí-lo, de seduzi-lo,
de atrair e dirigir-lhe a atenção” (1944, p.376). O itálico no termo “tolerar” é da
própria autora, indicando pela ênfase uma mudança significativa em como as
instituições que estavam se alinhando com a concepção moderna passavam a
encarar o visitante antes apenas tolerado. Como bem situa Imanol Aguirre (2008)
passava-se da ênfase na conservação que fez parte do processo de consolidação
das instituições museais com seus valores burgueses, para a ênfase na difusão,
necessária para a manutenção dessas instituições e de seus valores. Ao dirigir a
atenção aos visitantes, a instituição buscava compartilhar seus rituais civilizatórios
para sua própria manutenção.

Ainda na década de 1940, temos o caso exemplar da criação do Museu de Arte de


São Paulo, o MASP, que teve como modelo as modernas instituições norte-
americanas que pensavam os museus como espaços, sobretudo, educativos. A
criação do MASP provocou um deslocamento nos referenciais antes europeus para
o modelo norte-americano, o que pode ser entendido como um ponto de inflexão
significativo para o contexto museal brasileiro, sobretudo, no tocante as funções e
papeis educativos das instituições. Neste caso, podemos ainda agregar o fato do
Museu ter sido criado por iniciativa privada, justamente por Assis Chateaubriand que
mantinha o conglomerado dos Diários Associados tendo, portanto, nas mãos da
imprensa o poder de difusão do empreendimento com seus ideários. O caso MASP
é tão emblemático que vamos puxar dois fios desse novelo que se emaranham com
o campo da educação em museus.

O primeiro fio é um indício que nos vêm a partir de uma reportagem publicada na
revista semanal ilustrada O Cruzeiro, uma das publicações dos Diários Associados,
que se manteve influente num largo período, de 1928 até 1975, cooperando
especialmente com a difusão do american way of life no contexto brasileiro. A
reportagem em questão, foi publicada na edição 48, de 20 de setembro de 1947, nas
páginas 54 a 58, e teve como título Monitores para o “Museu de Arte”, reportagem
assinada por Arlindo Silva, com fotografias de Peter Scheier, e nela se divulgava o
curso de preparação de “monitores” para o Museu que estava também em
preparação. Vale a pena desde já remarcar a nomenclatura de “monitor” no título da
reportagem e ao longo dela para se referir aos jovens “artistas, arquitetos e
desenhistas” que assistiam “as aulas do diretor do “Museu de Arte” de São Paulo”
como está explicado na legenda da primeira fotografia de página inteira que abre a
reportagem, finalizando com a explicação de que “dentre eles sairão os orientadores
do povo, dentro de milhares de anos de história da arte” (p.54). Remarcamos
novamente a associação dessa representação que vai se incrustar em nosso meio
cultural e no contexto de educação em museus, a relação de “monitores” como
“orientadores do povo”.

Coincidentemente, tivemos oportunidade de conhecer e entrevistar em 1998 uma


das “alunas monitoras” desse curso preparatório, a professora Antonia Apparecida
Pallú. Faremos então um cruzamento entre os depoimentos de Pallú e o texto da
reportagem para levantar pistas e procurar entender como a representação sobre os
“monitores” veio se construindo em nosso contexto.

A iniciativa de constituir um museu moderno era explicada no texto da reportagem


por Arlindo Silva em estreita associação com a função dos “monitores”.

O plano fundamental dos Diários Associados é que o Museu não seja


simplesmente um mostruário, onde se enfileirem obras de inestimável
valor de El Greco, Goya, Boticelli, Magnasco, Portinari ou Almeida
Junior. Há de ser um “Museu Vivo”, no qual os visitantes sejam
orientados com segurança, e iniciados no conhecimento fundamental
da arte, em suas manifestações originais, dentro da História. É por
isso que se preparam, atualmente, os futuros orientadores, a bem
dizer monitores, do Museu. (SILVA, 1947, p. 55)

A reportagem segue informando que as aulas ministradas pelo então diretor Pietro
Maria Bardi aconteciam à noite e que deste curso seriam selecionados cinco ou seis
“instrutores do público” que funcionariam também como assistentes da direção do
Museu. Pallú acrescenta que o curso acontecia todas as noites da semana e teve a
duração de oito meses, contando também com a arquiteta Lina Bo Bardi como
professora, presença invisibilizada na reportagem da revista. Pallú explica ainda que
este curso tinha caráter informativo e formativo, ou seja, a formação abrangia
conteúdos de história da arte, assim como questões didáticas. A professora Pallú
não foi uma das selecionadas, mas aponta a oportunidade como importantíssima
para sua formação, tendo inclusive que desenvolver uma monografia ao final do
curso.

Ao longo da reportagem da revista O Cruzeiro, podemos perceber quais


expectativas se anunciavam para a atuação desses “monitores”.

Não hão de ser uns simples cicerones, que repitam, ano após ano, as
mesmas descrições, os mesmos “slogans”. Os monitores deverão
saber explicar ao povo, dentro do Museu, a distinção entre um véu de
“Madona” do século XVI e um do século XVIII, bem como os traços
característicos de Pedro Alexandrino e Almeida Junior. (SILVA, 1947,
p. 55)

A expectativa é que eles fossem especialistas em história da arte e a didática seria a


da explicação, pois o “povo” para o qual o museu se destinava não teria formação
artística e nem se concebia autonomia para ver e interpretar, como explicitado
claramente mais adiante.

Dessa maneira, o Museu não abandonará o público a si próprio.


Diante de um quadro qualquer, ninguém ficará entregue a suposições,
nem a tentativas de adivinhações. O Museu ajudará o público a
conhecer e a compreender as obras dos grandes mestres, e essa,
exatamente, será a função dos orientadores. Porque o Museu não
será somente para os letrados. Será para o povo, para o homem
humilde, para o que passa a semana inteira mourejando no balcão,
escrevendo balancetes ou curvado sobre livros. (…) Hão de vir do
interior do Estado, de outros Estados, grupos de operários, gente do
trabalho, para tomar contato com essa coisa sublime que é a arte. O
Museu, portanto, antes de mais nada, vai realizar uma obra educativa.
(SILVA, 1947, p. 56)
A ideia de um “Museu Vivo” que iria realizar uma “obra educativa” vem reforçar a
concepção de espaço civilizatório, tendo “essa coisa sublime que é a arte” como
matéria para contribuir com a formação de uma sociedade que era avaliada pelos
envolvidos como carente de cultura.

Um segundo fio relativo ao MASP importante de enredar nesta tessitura diz respeito
a atuação da artista e educadora Suzana Rodrigues que tomamos como referência a
partir da pesquisa de Rita Bredariolli (2007). O Club Infantil, ateliê voltado para
crianças, conduzido por Suzana Rodrigues a partir de 1948, no MASP, inaugura
uma outra vertente de ação educativa em museus no contexto brasileiro, o espaço
de um ateliê para práticas artísticas em um museu. A iniciativa, da maneira que foi
conduzida, tem dois méritos que merecem ser comentados, o de aproximar as
crianças do espaço sacralizado dos museus e o de abrir espaço para a expressão
dessas crianças. A experiência, apesar de breve, deixou uma marca profunda na
Instituição que até início deste século XXI mantinha um ateliê para práticas artísticas
em sua estrutura. Importante também comentar que as atividades desenvolvidas no
ateliê não se vinculavam diretamente com o trabalho desenvolvido pelos monitores
que atendiam grupos de visitantes, eram propostas com objetivos distintos: para os
visitantes a visita informativa, para as crianças a livre-expressão. Vale pontuar que o
trabalho de Suzana Rodrigues se alinhava com o que veio a se tornar conhecido
como Movimento Escolinhas de Artes, conduzido a partir do Rio de Janeiro por
Augusto Rodrigues, seu primeiro marido. Movimento que vai inaugurar o campo da
Arte/Educação no Brasil, como conhecemos hoje.

O campo artístico brasileiro e, em especial o de São Paulo, vai também ser


impactado na segunda metade do século XX pela ousada iniciativa das Bienais de
artes que passaram a ser realizadas regularmente a partir de 1951, como forma de
atualização e de formação do meio artístico e da classe hegemônica que o circunda.
O modelo de “monitores” especialistas em artes vai acompanhar a trajetória das
Bienais, assim como vai se expandir e se exercer nos museus modernos ao longo
de toda a segunda metade do século XX, se fixando nas práticas museais e no
imaginário dos públicos formados nessas relações.

Os fios se expandem e se enroscam


Nas duas últimas décadas do século XX vivenciamos no contexto da cidade de São
Paulo, com repercussão em outras capitais, um movimento de megaexposições de
grandes acervos, sobretudo europeus, que veio a ser reconhecido como movimento
de democratização das artes. A referência à democratização das artes faz menção
ao que aconteceu na Europa, sobretudo na França, na década de 1960, com a
criação do ministério da cultura e incentivos à frequentação e programas de ação
cultural. No entanto, o que vivenciamos em finais do século XX no Brasil foi o
investimento de grandes empresas, especialmente de empresas financeiras de
capital privado, que passaram a investir em cultura, associando suas marcas ao
capital cultural. Essa movimentação com apoio financeiro possibilitou que acervos
de grandes museus pudessem ser trazidos para nosso deleite. Por outro lado, o
retorno das empresas era computado pela associação de sua marca com as
exposições e este retorno estava associado aos números de públicos atendidos
nesses eventos. Toda esta movimentação que se associa a um tipo de
democratização capitalista e não exatamente cultural vai demandar marketing e
logística. E onde estaria o público mais facilmente captável? Seria então o público
escolar o alvo direto para inflar os números de atendimentos das instituições e,
necessariamente, este público precisava de recepção. Todas as grandes exposições
do período passaram a contar com programas educativos e as visitas guiadas
passaram a ser uma prática constante.

Também nas duas últimas décadas do século XX o campo da Arte/Educação estava


se delimitando como campo de conhecimento, produzindo pesquisas e se
fortalecendo politicamente. Desse contexto, importante destacar duas instituições
museais que vão produzir pesquisas em seus programas educativos que
eventualmente passarão a alimentar a grande demanda da suposta democratização.
O Museu Lasar Segall vai implantar uma área educativa em 1985 através de
iniciativa da educadora Denise Grinspum que desenvolve pesquisas de mestrado e
doutorado sobre sua atuação no Museu no período, tendo realizado estágios no
Departamento de Museus da Universidade de Leicester e no MOMA. No contexto do
Lasar Segall são testadas novas metodologias de educação patrimonial e
desenvolvidos estudos de casos com escolas parceiras da Instituição. O Museu se
torna então uma referência para ações educativas no período, tendo em
consideração seu porte e movimentação exclusiva.
O Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo também se
destacou, sobretudo nos anos de 1987 a 1993 quando esteve sob a direção de Ana
Mae Barbosa que ampliou a área educativa do Museu, realizando concursos para
novas educadoras/es e impulsionando pesquisas. O grupo do MAC, sob a
coordenação de sua diretora, realizou pesquisas e experimentações com os públicos
atendidos e sistematizou a Proposta Triangular que provocou a mais importante
virada do campo da Arte/Educação no Brasil. Em finais do século XX a divulgação
da Proposta Triangular vai estimular a aproximação dos campos da arte/educação
com o campo das artes. Ou seja, as indicações para leitura de obras vai estimular a
frequentação, professoras e professores de artes vão buscar se aproximar dos
contextos de difusão das artes, antes considerados distantes e elitizados.

O entrelaçamento entre as demandas das instituições e necessidades do campo da


arte/educação geram experimentações no contexto das ações educativas de
museus e centros culturais, que se expandem em busca de qualificação de suas
ações, de reflexões e revisões de suas práticas, de profissionalização de seus
agentes, de demarcação de seus espaços diante das instituições e seus públicos.
Passamos a rever as nomenclaturas que identificam os educadores, assim como
houve um incremento nas pesquisas e busca por fundamentação.

É sob essa perspectiva que as relações entre museus e educação adentram o


século XXI, carregando distinções e distanciamentos que as próprias instituições
produziram (e ainda produzem), indecisas entre tolerar os visitantes ou seduzi-los;
carregando as histórias de práticas escolarizadas advindas dos primeiros museus,
do aprender a ver e do ver para aprender da educação patrimonial; identificando os
agentes mediadores como monitores explicadores e orientadores de públicos;
reservando espaços em ateliês para aproximar os públicos de propostas artísticas;
buscando aproximações entre as práticas de produção, difusão e fruição das artes.

Sabemos que as relações entre museus e educação continuam ativas e produtivas,


se revendo e reinventando nesses vinte anos do século XXI, inclusive tendo a
participação dos artistas atentos as suas comunicações para estabelecer conexões
com os públicos, como tem provocado Camnitzer. Mas, importante considerar as
histórias, pois elas permanecem ativas nos imaginários que nos circundam!
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