Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
net/publication/361390831
CITATIONS READS
0 2
1 author:
Rejane Coutinho
São Paulo State University
12 PUBLICATIONS 4 CITATIONS
SEE PROFILE
All content following this page was uploaded by Rejane Coutinho on 27 September 2022.
RESUMO
O texto apresenta uma narrativa com abordagem histórica pela perspectiva da
arte/educação sobre as relações entre museus e educação a partir de experiências no
contexto da cidade de São Paulo, tomando algumas pesquisas e indícios como fios para
reflexões, para entender como o campo da educação em museus vem se constituindo. Parte
do pressuposto de que as representações que vêm sendo forjadas nessas relações
permanecem ativas no imaginário de nossa cultura.
PALAVRAS-CHAVE
Educação em museus; história da educação em museus; mediação cultural.
SOMMAIRE
Le texte présente un récit avec une approche historique du point de vue de l'art/éducation
sur la relation entre les musées et l'éducation à partir d'expériences dans le contexte de la
ville de São Paulo, en prenant des recherches et des preuves comme fils de réflexion, pour
comprendre comment le domaine de l'éducation dans les musées a été mis en place. Elle
suppose que les représentations qui se sont forgées dans ces relations restent actives dans
l'imaginaire de notre culture.
MOST-CLÉS
Education museale; histoire de l'éducation dans les musées; médiation culturelle.
As relações entre museus e educação têm suas origens entrelaçadas. Mesmo que
na contemporaneidade essa relação precise ser problematizada, como faz o artista
Luis Camnitzer, provocando os públicos e as próprias instituições a pensar sobre
elas, na obra: O museu é uma escola, o artista aprende a se comunicar e o público
aprende a estabelecer conexões, que vem sendo exposta nas paredes externas de
grandes museus mundo afora; o caráter educativo dos museus esteve sempre
presente entre os objetivos institucionais, mesmo que em alguns momentos da
história não apareçam destacados como prioridade. Partimos então do pressuposto
de que os museus carregam sim responsabilidades educativas, sobretudo quando
os situamos nas sociedades ocidentais entre as instituições responsáveis por
processos civilizatórios. O que queremos entender é como essas relações vêm se
dando.
Entendemos que para virar as chaves da colonialidade que abrem (ou fecham) as
portas dos aparatos institucionais é necessário compreender como as estratégias
(ou armadilhas?) de colonização se apresentam e funcionam. No caso dos museus,
no tocante às características educacionais de suas práticas, importa situar alguns
indícios que podem nos dar pistas para entender como agem os processos de
construção dessas representações incluentes e excludentes, para sabermos como
podemos operar para reinscrever essas histórias.
Partindo dessas considerações iniciais, na escrita deste texto optamos por usar a
primeira pessoa do plural, pois o que trazemos aqui nesta tessitura é resultante de
pesquisas realizadas por muitas cabeças e corpos que são na medida do possível
identificadas e nomeadas; obviamente que as decisões sobre como narrar e enredar
as leitoras e leitores com os fios dessa tessitura são de responsabilidade da autoria
do texto. Importante também situar que estas reflexões acontecem no contexto da
cidade de São Paulo tendo as experiências e os equipamentos culturais desta região
como referências, sabendo que outras histórias podem ser narradas a partir de
outros contextos. Então, a narrativa se constrói basicamente por duas vias. Por uma
vamos fazendo perguntas para nos implicar com as questões, como esta pergunta
básica: Como é que temos as ideias que temos sobre museus? Pergunta ao mesmo
tempo simples e densa que não demanda resposta objetiva, mas reflexões e
mergulhos nas memórias para puxar fios de experiências que nos enredem com as
questões aventadas. A outra via organiza a tessitura do texto ao pinçar alguns
indícios de um passado recente para problematizar as relações entre museu e
educação. Pois acreditamos que as concepções que permeiam este campo vão se
sobrepondo e se acomodando ao longo do tempo e permanecem nos imaginários e
nas representações sociais que vamos carregando.
Ao puxar os primeiros fios para esta tessitura, tomamos como referência sobre as
relações entre museus e educação algumas pesquisas realizadas pelo ponto de
vista dos estudos sobre museus e seus públicos (VALENTE, 2003; KÖPTCKE,
LOPES e PEREIRA, 2007; KÖPTCKE e PEREIRA, 2010) e especialmente duas
pesquisas situadas no âmbito da arte/educação que tivemos o privilégio de
acompanhar, as pesquisas de Paula Hilst Selli (2013) e Valéria Peixoto de Alencar
(2017).
Paula Hilst Selli em sua pesquisa investiga como as crianças constroem suas
representações sobre museus tendo as instituições da cidade de São Paulo como
cenário. Paula elaborou um protocolo de pesquisa para conversar com crianças de 9
a 10 anos e foi ao encontro delas em quatro escolas, duas públicas (uma estadual e
uma municipal) e duas privadas (uma tradicional e uma progressista). Temos uma
amostragem significativa que revela como as representações vão sendo construídas
a partir de experiências das próprias crianças em visita e também a partir de
imagens da cultura visual e narrativas que se associam a essas instituições. Em
determinada etapa da produção de dados da pesquisa, há uma demanda para que
as crianças desenhem o museu e percebemos claramente a associação que as
crianças fazem com palácios, castelos e fortalezas, assim como percebemos em
muitos desenhos a ausência de pessoas nos cenários construídos. Obviamente,
diante dessa faixa etária e na cidade de São Paulo, o museu mais citado pelas
crianças nessa pesquisa foi o Museu Paulista que se apresenta como um
monumento-edifício que teve como modelo um palácio renascentista.
Ao acompanhar de perto essas duas pesquisas e por termos trabalhado durante seis
anos nas cercanias do Museu Paulista quando presenciávamos todos os dias muitos
e muitos ônibus escolares que traziam crianças e jovens em visita, nos vêm a
pergunta: Quantas dessas e desses estudantes se tornaram frequentadoras/es de
museus? Qual a probabilidade de que tenham retornado a essa instituição?
Começamos aqui com uma suposição de que, no contexto brasileiro, são nos
museus e instituições dedicadas as artes onde surgem práticas educativas que vão
pouco a pouco expandindo e ampliando as experiências dos públicos. Talvez a
experiência estética (DEWEY, 2010) proporcionada diretamente pelas artes seja um
aspecto favorável a essa ampliação, ou devemos também considerar o próprio
período no qual os grandes museus de artes se constituem, meados do século XX,
quando as ideias sobre uma moderna museologia se difundia, favorecendo o
cuidado com as ações educativas. Tentaremos neste tópico trazer alguns indícios
que complexificam, mas também ajudam a compreender a tessitura dessas
relações.
O primeiro fio é um indício que nos vêm a partir de uma reportagem publicada na
revista semanal ilustrada O Cruzeiro, uma das publicações dos Diários Associados,
que se manteve influente num largo período, de 1928 até 1975, cooperando
especialmente com a difusão do american way of life no contexto brasileiro. A
reportagem em questão, foi publicada na edição 48, de 20 de setembro de 1947, nas
páginas 54 a 58, e teve como título Monitores para o “Museu de Arte”, reportagem
assinada por Arlindo Silva, com fotografias de Peter Scheier, e nela se divulgava o
curso de preparação de “monitores” para o Museu que estava também em
preparação. Vale a pena desde já remarcar a nomenclatura de “monitor” no título da
reportagem e ao longo dela para se referir aos jovens “artistas, arquitetos e
desenhistas” que assistiam “as aulas do diretor do “Museu de Arte” de São Paulo”
como está explicado na legenda da primeira fotografia de página inteira que abre a
reportagem, finalizando com a explicação de que “dentre eles sairão os orientadores
do povo, dentro de milhares de anos de história da arte” (p.54). Remarcamos
novamente a associação dessa representação que vai se incrustar em nosso meio
cultural e no contexto de educação em museus, a relação de “monitores” como
“orientadores do povo”.
A reportagem segue informando que as aulas ministradas pelo então diretor Pietro
Maria Bardi aconteciam à noite e que deste curso seriam selecionados cinco ou seis
“instrutores do público” que funcionariam também como assistentes da direção do
Museu. Pallú acrescenta que o curso acontecia todas as noites da semana e teve a
duração de oito meses, contando também com a arquiteta Lina Bo Bardi como
professora, presença invisibilizada na reportagem da revista. Pallú explica ainda que
este curso tinha caráter informativo e formativo, ou seja, a formação abrangia
conteúdos de história da arte, assim como questões didáticas. A professora Pallú
não foi uma das selecionadas, mas aponta a oportunidade como importantíssima
para sua formação, tendo inclusive que desenvolver uma monografia ao final do
curso.
Não hão de ser uns simples cicerones, que repitam, ano após ano, as
mesmas descrições, os mesmos “slogans”. Os monitores deverão
saber explicar ao povo, dentro do Museu, a distinção entre um véu de
“Madona” do século XVI e um do século XVIII, bem como os traços
característicos de Pedro Alexandrino e Almeida Junior. (SILVA, 1947,
p. 55)
Um segundo fio relativo ao MASP importante de enredar nesta tessitura diz respeito
a atuação da artista e educadora Suzana Rodrigues que tomamos como referência a
partir da pesquisa de Rita Bredariolli (2007). O Club Infantil, ateliê voltado para
crianças, conduzido por Suzana Rodrigues a partir de 1948, no MASP, inaugura
uma outra vertente de ação educativa em museus no contexto brasileiro, o espaço
de um ateliê para práticas artísticas em um museu. A iniciativa, da maneira que foi
conduzida, tem dois méritos que merecem ser comentados, o de aproximar as
crianças do espaço sacralizado dos museus e o de abrir espaço para a expressão
dessas crianças. A experiência, apesar de breve, deixou uma marca profunda na
Instituição que até início deste século XXI mantinha um ateliê para práticas artísticas
em sua estrutura. Importante também comentar que as atividades desenvolvidas no
ateliê não se vinculavam diretamente com o trabalho desenvolvido pelos monitores
que atendiam grupos de visitantes, eram propostas com objetivos distintos: para os
visitantes a visita informativa, para as crianças a livre-expressão. Vale pontuar que o
trabalho de Suzana Rodrigues se alinhava com o que veio a se tornar conhecido
como Movimento Escolinhas de Artes, conduzido a partir do Rio de Janeiro por
Augusto Rodrigues, seu primeiro marido. Movimento que vai inaugurar o campo da
Arte/Educação no Brasil, como conhecemos hoje.