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Assistimos, nas últimas décadas, a uma profunda transformação na relação dos museus e

centros culturais com as escolas. Visitas passaram a ser incluídas nos planejamentos escolares,
acervos permanentes e temporários fortemente divulgados na mídia. Os museus passaram por
transformações, principalmente no campo da difusão, criando estratégias de sedução para
formação de um público abrangente, organizando departamentos exclusivos para mediar sua
relação com o público das escolas, passando a ter um papel importante na educação e
formação histórica de parcela significativa dos estudantes de escola pública e particular.

A crescente popularidade dos museus e o entusiasmo das comunidades escolares com sua
inclusão nos planejamentos (ou visitas) escolares pode, porém, ocultar o caráter social dos
museus, da memória e da história. Museus frequentemente são apresentados como espaços
de conservação e difusão da história e memoria, espaços em que frequentadores poderiam ter
contato com ''artefatos históricos'' ou com a própria ''história'' depositada e exposta neles,
devendo portanto ser não apenas frequentados para se ter acesso a história ali guardada mas
também defendidos como se assim se defendesse a própria manutenção da história, que
seriam os objetos acabados no passado, preservados ou restaurados e por fim, apresentados
ao público.

A história, no entanto, não são objetos acabados e tão pouco seu valor está na preservação ou
restauração do passado, é pelo contrário um saber em construção no presente, em constante
transformação e cabe a escola levar a reflexão sobre a isso como uma ciência que estuda
questões levantadas pelo tempo presente.

O historiador francês Marc Bloch, um dos fundadores da Escola dos Annales acreditava que a
preocupação da história não é simplesmente classificar e analisar, como é comum a outras
ciências, mas fundamentalmente narrar e descrever, sendo a ''ciência do homem no tempo".
Um programa de história que inclui a ida a um museu não deve se limitar, portanto, a
classificação e análise dos objetos e documentos lá presentes, com questionários dirigidos aos
estudantes com perguntas do tipo ''de qual época é este artefato?'' ou ''qual era o uso deste
objeto?'', além disto ou mais importante que isto, o programa deve estar preocupado com
qual narrativa o museu apresenta, que narrativa é apresentada ao público pela forma como é
selecionado, organizado e exposto o acervo.

Eric Hobsbawn, historiador inglês adepto da escola materialista histórica ou também chamada
marxista, alerta que a história e a memória são usadas para legitimar ações políticas no
presente, sejam elas de cunho nacionalista, étnicos, classistas, etc. Por isso é preciso não
tomar as narrativas apresentadas sobre o passado como se fossem verdades acabadas. A ida
de estudantes a museus não deve ter, portanto, a função de ilustrar os conteúdos históricos
que foram ou serão apresentados em sala de aula, como se o museu fosse uma máquina do
tempo em que o público pudesse ver através de seu acervo o passado como verdadeiramente
foi, a ida aos museus deve ser o momento de conhecer uma narrativa histórica contada
através da exposição de um acervo selecionado e organizado. Tal narrativa deve ser
compreendida, analisada, refletida e julgada pelos estudantes com a mediação dos
professores. Isto vale para qualquer tipo de museu, seja público ou privado, organizado pelo
estado, por universidades, empresas ou movimentos sociais, sejam museus de arte, museus
militares, museus da imigração, museus da memória nacional ou da memória de algum povo
oprimido, etc. Tomemos como exemplo uma hipotética ida de estudantes ao museu da
imigração do estado de São Paulo. Fundado em 1993 e reinaugurado em 2014, o museu foi
construído onde havia a hospedaria de imigrantes do Brás, construída entre os anos de 1886 e
1887 para receber, e encaminhar trabalhadores a postos de trabalho no estado, tornando se
patrimônio público e ícone da história regional. Uma ida sem a devida mediação dos
professores de história pode reforçar uma identidade paulista vinculada a identidade europeia
ignorando ou minimizando as contribuições afro-brasileiras e indígenas. Cabe aos professores
mediarem reflexões sobre a narrativa construída no estado acerca da hospedaria e
apresentada no Museu, problematizar a identidade dos europeus como uma dentre tantas a
formar a regional e nacional, assim como a relação da imigração europeia com a abolição da
escravidão e o projeto das elites de embranquecimento do país. O museu deve se tornar pelo
auxílio do professor uma narrativa histórica a ser analisada e julgada, um documento do nosso
tempo sobre o passado e não uma ‘’verdade absoluta’’. Locais de memória, como por exemplo
a citada hospedagem e o posterior museu não surgem de forma espontânea, sendo
financiados, construídos e organizados de forma a produzir narrativas de impacto no tempo
presente. Pierre Nora escreveu sobre a memória-história: ‘’o que é chamado, hoje de memória
não é, portanto, memória, mas já história...voluntaria e deliberada, vivida como um dever e
não mais espontânea.’’. A história de um museu oficial do estado, construída deliberadamente
pelo estado, deve ser problematizada assim como um documento oficial, nunca confundida
com a verdade histórica, mas lida e analisada como uma narrativa construída a partir das
percepções de um grupo da sociedade que busca promover seus interesses particulares. Nos
currículos e livros didáticos a história oficial pode ser encontrada em passagens que
privilegiam personagens, grupos sociais ou locais específicos da formação regional e nacional,
apagando sua conexão com outros grupos ou identidades, assim como a contribuição destes
outros nas construções coletivas.

O entendimento do que seriam museus de história e seus usos sociais mudam ao longo da
história, acompanhando transformações sociais. Museus se modificaram e seguem se
modificando, adquirindo novos sentidos, na atualidade a o entendimento mais comum é de
que são espaços de preservação do patrimônio histórico, difusão do conhecimento histórico e
da cultura, tendo caráter educativo e cultural.

Frente aos custos elevados custos envolvidos na preservação e ampliação de acervos e


espaços físicos, além dos questionamentos acerca da pertinência de investimentos públicos
em espaços que não seriam frequentados por todas as classes sociais, os museus passaram por
transformações buscando legitimidade e verbas, recorrendo a um processo de formação e
ampliação do público.

Os museus passaram por transformações, principalmente no campo da difusão, criando


estratégias de sedução para formação de um público abrangente, organizando departamentos
exclusivos para mediar sua relação com o público das escolas, passando a ter um papel
importante na educação e formação histórica de parcela significativa dos estudantes de escola
pública e particular. Assistimos, nas últimas décadas, a uma profunda transformação na
relação dos museus e centros culturais com as escolas. Visitas passaram a ser incluídas nos
planejamentos escolares, acervos permanentes e temporários fortemente divulgados na
mídia.

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