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a primeira revolugao psiquidtrica, a pi na de 1793, que substitui a metéfora sessdo” pela metéfora “doenga” (passando pela ‘psiquiatria ” do pés- guerra), talvez estejamos vivendo a quarta revo- lucao da psiquiatria, quando a metafora “doenca” vai sendo substituida por outra igualmente com- plexa — “identidade”. Jando esté em relevo a exuberancia dos si e sintomas, equacionados pelas neurociénci mas os “1 doentes, sim, com limitacGes muitas vezes, entretanto, seguem com seus contratos afet sociais a cumprir. Este livro fala da Reabilitagao Psi brasileira, como um novo tratado que negocia uma iniciativas de convivio, que favorecem trocas bém espacos de exer ossocial, a ico-estético ca cuidadosa a intmeras icio de cidadania ativa. 9 WN hose0 EDITORA HUCITEC REABILITACAO PSICOSSOCIAL HUCITEC NO BRASIL ANA PITTA ORGANIZADORA aT ANA PITTA (ORGANIZADORA REABILITACAO PSICOSSOCIAL NO BRASIL EDITORA HUCITEC So Paulo, 1996 1 REABILITACAO PSICOSSOCIAL: UMA ESTRATEGIA PARA A PASSAGEM DO MILENIO BENEDETTO SARACENO! profissionais.Parece q\ que esté presente ao CAO PSICOssot do concerto, necessiria & discussao acerca do tema, Porque a res litagdo é apenas uma técnica, entre muitas. Se a tarefa fosse dis uma técnica entre varias, nao seria necessaria a presen¢ representante da OMS, nem um representante do Mini Satide; precisarfamos somente de profissionais ces técnicas, mercado de trabalho, tratamento, etc. Nao é este 0 caso. A reabilitagdo & considerada, antes de tudo e neste momento, historicamente, em todo mundo, uma necessidade ética, é uma exigéncia ética, E, portanto, deve pertencer a um grupo de profissio- nis que tem como prioridade a abordagem ética do problema da "Presidente da World Association for Psychosocial Rehabilitation. 14 Beneverro Saraceno satide mental. Todos tém o direito e o dever de estarem envolvidos na discussao sobre o que éreabilitacao, o que ¢ reabilitar? No pode eresso por reabilitacao, ver um psiquiatra a dizer: “Eu nao ni porque me interesso por psicofirmacos. um paciente, de um estado de “desabilidade”®a um estado de “habi- lidade”, de um estado de incapacidade a um estado de capacidade: Se fora somente isso, efetivamente, nao seria necessério tantos momentos de reflexio ao redor da reabilitacao, considerando-a nao tem uma primeira conseaiiéncia muito importante. Implica numa wdanga total de toda a politica dos servigos de satide mental igos de satide mental as se aplicam, que ser modificadas. Por isso, reabilitacio en todos nés profissionais € a todos os atores do processo de satide- doenca, ou seja, todos os usuérios, todas as familias dos usuérios e finalmente a comunidade inteira’ Agora, se temos que gerar 0 con- 0, corremos o risco de sermos portado- ‘sou terapeuta ocupacional, sou capaz ; Sou terapeuta ocupacional e sou + teatro com psicbticas; sou psicdloga, efago grupos de ia com pacientes”, onto que faremos uma primeira reflexao. res de uma técnica esp de fazer carpintaria com p idades e capacidades. Entéo, podemos crer, também, nao s4o capacitados completamente. Jes acordaram em suas casas e, dentro de seu espaco privado, ram um poder de negociagdo. Nos seus banheiros, nas suas thas prepararam seu café e conversaram com seus fa Reapiuracho psicossoca 15 menor. Alguns tém mais contratualidade com seus maridos, outros tém menos. Alguns filhos tém mais contratualidade com seus pais, lade. Porém, numa cidade como Sao Paulo, demora'se de 40 a 50 minutos para que possamos chegar ao trabalho ivelmente, temos que sair de casa, deste espaco inti maravithoso café com sua mulher e seus sa, pegar 0 automével e, para onde vamos? Para 0 trabalho. Vestimos um uniforme para irmos ao trabalho, e depois outro uniforme para outra necessidade. Varios cenérios:0 cenério da produ recimento de um produto de possibilidade de mudanga esté sempre présente, isto mudar de trabalho, porém, se nos oferecem outro trab: pondemos: “Nao obrigado, prefiro ganhar menos, ‘que minha capacidade profissional de produzir um valor social é reconhecida”, temos af, mais.ou menos, uma medida da nossa capa cidade contratual. Isto é, material de produgao de valor social, uns refiro, nfo termina sempre em casa, onde colocamos 0 pijama e tomamos café,io cendrio € algo mais complexo de se definir, pois ¢ um espaco de troca, espaco de tratamento, que pode, por exemplo, ser o supermercado, onde ha mercadorias a serem compradas ¢ consumidas, espago social onde temos as rela g0es, ¢ estas podem também apresentar um nivel contratual alto ou itada As ides materiais, outras que por serem pobres tém ‘menos acesso a vida material e portanto aumentam seus espagos de toca social, etc.'De forma esquemiatica, todos nés atuamos em trés cenatrios: cenério habitat, cendrio mercado e o cenario de trabalho\ E dentro destes cenatios que temos o desenrolar das cenas, das histérias, dos efeitos de todos 0s elementos: dinheiro, afet res, simbolos, etc. Cada um com seu poder de aq mundo onde, &s vezes, somos mais habcis ou menos habeis, mais habilitados ou menos habilitados. E h4, também, a “desal por falta de poder contratual, E é ai que precisamos ser r porém, néo todos. Este ¢ o modelo de referéncia da reabilitacao. | 16 Beneperro Saraceno Muitos pacientes tém um nivel de contratualidade no seu espago habitacional que tende a zero, ou porque nao tém casa ¢ isso é um ‘marco, ou porque tém casa e sua casa é um marco, ou porque ndo tm rede social, ou porque nao sabem, néo podem, ou porque tm uma capacidade de producdo soci 0 baixa, muito limitada, € também, de plena contra- : habitat, rede social e trabalho ser ator, tocador de piano, artista plastico....Nao necessitamos de esquizofrénicos pintores, necessitamos de esquizofrénicos cidadaos, indo necessitamos que facam cinzeiros, necessitamos que exergam a 'O que nao quer dizer que uma etapa para reconstruco da icas, por fazer cinzei- izem: “Dr. Saraceno, linda onde fazemos artes plasticas. Tudo bem, ou tudo mal?”. Em si, aarte, oteatronaoé nem bom, nem mal. E uma transi¢ao que passa por uma constru¢ao até o grande final onde, efetivamente, haja uma maior contratualida- de entre os trés grandes cenzrios: casa, trabalho e rede social. Tem gente que ha 25 anos esta fazendo cinzeiros, fazendo comida. E teremos gente muito gorda e muito fumadora. Os gordos fumado- res, nos antigos hospitais psiquiatricos, perguntam-se para onde vai a reabilitag2o% 0 problema é que a reabilitagao nao esti finalizada, nao esta como transi¢go para a plena cidadania, Essa é a primeira coisa. Discutir a reabilitagao nao ¢ discutir teatro, no é discutir a radio TAM TAM de Santos, esse ¢ 0 inicio de uma grande reabilita- sao. Através da radio se constréi um pedago que ¢ apenas um fragmento do exercicio da cidadania. Isso vale para mil Tecnologia de reabilitacao nao vale para nada. Ai comeca, ai termi- ReasiurTacho Psicossocial 17 ente na comunidade, em suma, quais as variaveis que realmente influem sobre o efeito da melhora ou piora dos pacientes? de antemio que nao s feito, que dao melhores resultados. Nao importa se estamos em- pregando a técnica de Liberman, ou a técnica de Farkas, nao precisa- grandes extremos: um micro e um macro. O el da afetividade, da continuidade, € o real vinculo c ele tem a aprovacao de seus usui- tf as pessoas que atende e, também, aos profissionais que nele se inserem, se ele se utiliza de recursos vindos da comunidade, ou somente recursos institucionais. Estas, grandes varidveis, que sio varidveis de politicas de satide mental, determinam se as técnicas, sejam elas quais forem, estio funcionan- do ou nao! Poisndo é raro vermos servicos que se utilizam da técnica de Liberman e si0 um desastre e outros que usam amesma técnica so uma maravilha, Ou seja, a variével nao & técnica de Liberman. ‘A varidvel ¢ esse marco da satide piiblica, 0 marco da politica, do programa, da organizacao, do tipo de trabalho, de quem atua no servigo. A reabilitacdo nao & uma técnica que se pode aplicar inde- pendentemente de um marco organizacional, estrutural, politico ue se dé em satide mental numa determinada regio, cidade, bairro ou pais’ Entéo, para voces poderem me curar com seu programa de reabilitagdo, nfo & necessério que me cure com sua técnica de reabilitador, muito antes é preciso apreender um sentido para a reabilitacao, ‘Como primeiro passo em direcdo a esta nova proposta re: dora torna-se necessiria a modificagao do marco do servico e se atua para que as téc ‘ou menos sofisticadas de controle déem um resultado . Esse é um problema de mudanga ntra, ou ope- rama favor da contratualidade em casa, no trabalho e na rede social. ‘Tudo que esti contra isso, esta contraa reabilitagao. Tudo que esti a 18 BeNevervo Saraceno favor disso, 6 uma variével que coopera para reabilitacio} Onde estio essas varidveis? Blas estdo na organizagao do pessoal dentro de um servigo, em quanto tempo se est4 exercendo sua pratica, em qual € a sua area de atuacdo, na hospitalidade que se oferece, na liberdade que se da para que se esconda uma vassoura, ou nao, Estas so varidveis que determinam a reabilitagao, Finalmente, deixo para vocés um desafio como reabilitadores: pensar a palavra entretenimento. Em italiano, entretenimento signi fica duas coisas. Significa entreter dancando, entreter cantando, entreter bebendo, com uma boa misica, enfim, diversao. Na sua raiz esté o desafio da reabilitacdo, Entreter para manter dentro, pode ser zacio, dentro da cultura psiquiatrica, que reproduz enfermidade. Entao, a reabilita & essa conspiragao clara contra o entretenimento para manter dentro, para reproduzir a logica que nunca termina, manter ak da enfermidade, tornando-nos cimplices deste tipo de entr mento, Devemos tomar outra direcao. Podemos ser os que romper com esse entretenimento. Pois, no momento em que se assume os grandes cenarios: a casa, trabalho, a rede social, damo-nos conta de que no ha mais tempo para este entretenimento, que isto nada mais que um adestramento fisico, um adestramento mental Concluindo, em tempos internacionais de dispersio, de frustra- jomento de perda de entusiasmo, de atraso, de retorno & as, como se teméssemos a possibilidade de seguir, a el de expectativas, para que possamos crer que ha uma Esperanga utépica como ponto de 1 O QUE E REABILITACAO PSICOSSOCIAL NO BRASIL, HOJE? ‘ANA MARIA FERNANDES PITTA’ A historia recente. Falase em Reabiltagio Psicossocial ha no maximo quatro décadas, no entanto, muitos séo 0s usos que tem sido feitos em seu nome. Nao se pode esgotar aqui os seus miiltiplos sentidos, cabe-nos apenas destacar, a voo de passaro, um pouco de ‘sua historia, seus conceitos, suas praticas com 0 sentido de explorar- ‘mos o que dele nos seja util num momento que tentamos levar a serio uma reforma das instituigdes psiquiatricas no Brasil. No seu sentido instrumental a Reabilitaco Psicossocial repre~ into de meios (programas e servicos) que se desen: volvem para facilitar a vida de pessoas com problemas severos & ites de Satide Mental. Numa definigao clissica da Interna- jon of Psychosocial Rehabilitation Services, 1985 se- a 1m limitagbes, arestauracao, World Assocation for Psychosocial Rehabilitation. 20 ANA Mania Femwanpes Prrta ional, edueacional, ajustados as demandas viduo e cada situacao de modo personalizado”.* Defini¢ao e pressupostos suscitam m las interpretacoes e, se observarmos as diferentes experiéncias que tem usado a sigla Rea- bilitagdo Psicossocial para se legitimarem, podemos perceber que, tantas serao as versbes quantas sejam as experiéncias concretas que foram ou estejam sendo desenvolvidas nos diferentes lugares no Planeta (um relatério de 1985 da mesma IAPRS jé identificava 800 experiéncias focadas em Reabilitacdo Psicossocial no mundo, Cnaan, 1985). Fundamentalmente tal denominagdo esta associada a um sem niimero de iniciativas mais ou menos articuladas que buscam redu- zi 0 poder cronificador e desabilitante dos tradicionais tratamentos, desenvolvendo-se dentro e fora dos hospitais ¢ se utilizando de um sem nimero de técnicas (8 3g, terapia vocacional, psicoe- ducagdo, grupos operati Para pensarmos Reabilitagao defina quem ser4 o sujeito das politicas e praticas reabilitador: exército de cronificados moradores dos Hospitais Psiquitricos? os thares de “des-habilitados” que se vao produzindo as margens de uma sociedade desigual e intolerante para os seus homens e suas idiossincrasias? que tém como alternativa de sobrevivéncia uma via ‘marginal, “louca” sem jamais ter tido chances de se “habilitar” para qualquer coisa? A Organizaco Mundial de Satide ni suas aries, estabelece di tativa de priorizar e jinuigo da fungio psicol determinada por algum dano orgat de farmacoterapia, psicoterapia, uma palavra que traduza para restrigao ou caréncia de habilidades para o desempenino de socialmente exigidas decorrentes do dano (impairment) anteri- jes — resultante de uma ngadia do estado “normal” do individuo) 0 remédio © Que € ReaBiLITAGAO SOCIAL No BRASIL, HOJE? 21 seria mais caro e complexo ¢ envolveria alternativas residenciais, programas de suporte comunitario (trabalho, educacio, transporte, lazer, etc.). Neste sentido para a OMS a Reabilitagao Poicossocial anima pessoas. grupos e paises a desenvolverem programas, etica- mente responséveis, no sentido de dar conta da totalidade das deman- das que 05 problemas mentais severos e persistentes requerem. Nao se trata porém de técnicas especificas para populacdes especif- lagdo Psicossocial ¢ uma atitude estratégica, uma vontade mero e voluntirio tratado de intengdes. Como referencia para a organizacdo de priticas de cuidados cotidianos estarfamos com Saraceno & Sternai, 1987, aproveitando trés metiforas operacionais iteis: casa, bazar, competéncia parental. ‘Aidéia de casa traz.consigo experiéncias concretas e complexas de reaprendizagem do uso de tempo e espaco com ritmos domé afetivos, o uso de objetos e oportunidades da vida diaria nao centra- dos nas diretrizes massivas de cuidado, mas, justo 0 contratio, centrado nas demandas singulares de cada um, como acontece com 0s diferentes moradores de uma casa. O conceito de bazar, merca- do, campo de trocas, também ¢ util para pensarmos espacos de cuidados cheios de gente e negociagses afetivas, mercantis, de poder: “Nao existe melhor centro de Satide Mental que um mercado no Senegal ou em Marakesh. Eu gostaria de entender melhor por- que ¢ assim, Certamente tem a ver com 0 fato de que la as classes sociais se misturam, trocam, olham uns para os outros, jogam, trabatham (¢ eles podem ser até mesmo verdadeiramente loucos). 0 bom mercado e um dos poucos lugares onde todo o corpo social se reconhece, existe como um todo, ¢ todos sabem da dificuldade de 22 ANAMamia Fernanoes Prrra se escapar do fascinio de toda aquela gente junta” (Rotteli, 1986). 0. terceiro conceito, de competéncia parental, tem, particularmente em paises onde o cuidado com a prole ¢ missao exclusiva da mulher, ‘uma dificuldade de se definir como uma caracteristica universal. ‘Maternagem, que néo & precisamente uma técnica, é comparavel a0 que os pais fazem habitualmente para cuidar de seus filhos; nutri- los, prover suas necessidades elementares, assisti-los, encorajdlos para crescer. ‘Se existir uma técnica em Reabilitagdo Psicossocial ela teria que aproveitar de todas as técnicas disponiveis para estabelecer melhor as negociagdes entre as “necessidades” dos pacientes, e, as “oportu- nidades/recursos” do contexto. Wing , mais sistematicamente, Ciompi falam em: 1) optimum stimulation: que é 0 balango entre a falta de estimulacdo (como 0 que acontece nos hospitais tradicio- nais) e a super estimulacdo quando se exige dos pacientes uma sobrecarga de estimulos e cobranga de performances por parte dos profissionais reabilitadores; 2) impedimento especifica: que S80 ‘todos aqueles obstculos que existem antes da doenga se instalar ow mesmo se potencializam na decorréncia dos tratamentos; ainda, 3) as expectativas dos trabalhadores de Satide Mental com os resultados de suas intervengoes reabilitantes muitas vezes mais ajustadas as suas profecias e verdades que as modestas aspiracdes dos seus pacientes i Os contextos onde essas praticas reabilitadoras acontecem tem variado de setting e ideologias\ As praticas territoriais tem sido mais coerentes com os ypésitos reabilitadores articulando diferentes servicos comunitdrios: centros ou nticleos de atencao psicossocial , cooperativas de trabalho, moradias assistidas, ateliés terapéuticos e de diferentes tipos.(A transformagao dos antigos tricos em espacos de acolhida e tratamento tem sido um dispendioso desafio econdmico e tecnolégico. Os serv 0s de atengao priméria integrados aos cuidados gerais de satide ¢ as unidades de cuidados psiquidtricos em hospitais gerais tem, algumas delas, buscado articular-se a um sistema reabilitador. Para Saraceno, 1995 o enunciado da expressio Reabilitagdo Psicossocial praticamente desaparece na medida em se vai saindo do enquadre +hospitalar para as instalagdes comunitérias. Trabalhadores e usuari- ‘os vo encontrando novas palavras para definir o seu que fazer cotidiano. E importante que Reabilitacdo Psicossocial nao se torne 0 QUE E REABILITAGAO SOCIAL NO Bras, HOVE? — 23 ‘um novo jargao a batizar velhas praticas rotulando pavilhoes e inici- valor e sentido se examinarmos etimologicamente seus significa- dos, 0 prefixo latino RE evoca um movimento para traz ¢/ou, tam bém, traduz a idéia de repeticao, mudanca de estado algumas veres. HABILITACAO por sua vez, ¢ 0 ato ou habilitarse através de um conjunto de conheci capacidades. Juridicamente, a palavra im dades necessérias para aquisigao de um direito ou demonstracao de uma capacidade legal para o desempenho de alguma atividade. Quando juntos na palavra Reabititagdo, impée um sentido de recobranga de crédito, estima ou bom conceito perante a sociedad. Recupera faculdades fisicas ou psiquicas dos incapacitados e é este sentido “ortopédi tagao de fungGes fisicas o que m facilmente acorre no imaginério brasileiro. Os servigos de reabilita- 40 fisica existem concretamente e s40 conhecidos € utilizados pelos usuarios, prevalecendo um modelo mecanico de concerto de distung6es, fraturas, buscando um retorno 2 fisiologia “normal”. Com o modelo tedrico de “retomada da normalidade” ainda se 0 .de a qual consiste em cancelar a pena acess6ria da interdi ao fo alguns, apagar 0s outros efeitos da sentenga condenatbria, reintegrando os direitos que a mesma sen tenga limitou. Justapondo a dimenséo psicossocial a reabilitacdo, esta se reveste de uma dimensio ainda mais vasta e ambigua e muitos $30 08 usos€ estimulos que ela suscita Provocar politicos, técnicos sociedade sobre a vocagao dos rnossos servigos talvez seja um bom destino para. decifragzo desses vocabulos, no Brasil, hoje. 2. Um Novo Tratado Etico-Estético Nas chamadas democracias emergentes, quando se enfatiza a egididade como a possibilidade de atender igualmente o direito de cada um, singularizado e subjetivado, Reabilitagdo Psicossocial pode- 14 significar justamente um tratado ético-estético que anime os 24 Awa Manta Ferwanpes Pitta projetos terapéuticos para alcancarmos a utopia de uma sociedade justa com chances iguais para todos. ‘com as bandeiras revolucionarias desde 0 século, XVIII de liberdade, igualdade, fraternidade, um modelo de retomar, posigdes higiénicas, anatomicamente impecaveis para se dos projetos técnico A atomizagao, a fragmentagao, sio modos competentes de geren- iar a desigualdade quando sabemos que 0s excluidos, com lagos familiares precérios, com rede de vizinhanga e inscricdo territorial ieraveis as agressdes externas € necessi es personalizados e delicados, que res iadas costumam passar ao largo das pessoas ¢ das suas necessidades, # Nas sociedades concretas, a brasileira em es pobreza de investimentos na area social ira determinar que alguns recebam cuidados e outros sejam rejeitados pelo sistema de atencio. Seréo mais rejeitados os que revelarem uma absoluta inaptidao para 0 que, no horizonte de expectativas, a inser¢a0 no merca- nformal de trabalho entra como indicador positivo em quase todos os projetos de cuidados Este final de milénio pde em relevo, como ponto de fratura dos lidade as agressbes, a exclusto, a segregagao ¢ a desafiliacdo que Robert Castel 20 examinar as metamorfoses da questao so do um contingente cada vez maior da chamada “sociedade salarial” (Castel, 1995). © homem moderno, acriticamente, persegue formas de incluso social pel trabalho, desconsiderando 0 fato desse trabalho, néo ser disponivel nem tio flexivel para suportar as diferentes jvas que a sociedade mode sua maioria trabalha a maior parte do tempo para ganhar a vida, e, se 0 QUE REABILITAGAO SOCIAL NO Bras, HOJE? 25 algumas horas the ficam, horas to preciosas, so de tal forma pesadas que busca todos os meios para as ver passar” (Werther, Goethe) Trato de evocar Werther para sintetizar um “ethos prometéico” que pontifica nossos ideais de insergao social onde o mundo do trabalho, e, mais especificamente 0 mundo do trabalho assalariado se constitui no modelo quase exclusivo de possibilidades de um individuo ser aceito, ser amado, ser compreendido na sociedade atual O emprego regular, o retorno pecuniério igualmente regular, tem sido historicamente o paradigma de um funcionamento social har- ménico onde trabalho e amor organizam e modelam a vida dos homens. ‘As décadas de 80 e 90 agudizaram profundas transformages no mundo do trabalho, a ponto da classe-que-viverdo- trabalho ter sido atingida nao apenas na sua materialidade (salérios, moclos de inser- formas de representagao, etc.) como na suasubjetividade no seu modo de sentir ¢ ser no mundo. O grande salto tecnolégico com a automagao, a robstica, a micro- eletrénica invadindo os espagos de trabalho e até mesmo a cena doméstica impde, revolugées profundas ¢ instaveis, determinando lum conjunto de experimentos mais ou menos intensos, mais ou menos consolidados, mais ou menos embrionérios. E € neste contexto que em diferentes lugares no mundo, e, no Brasil em diferentes cidades, pessoas, grupos, organizagées, movi- mentos de usuarios, profissionais e governos vem produzindo uma contrapolitica onde solidariedade e responsabilidade para com pes- soas que tem suas atividades limitadas por transtornos mentais, atualizando no pais uma rede histérica que tem em Ulisses Pernam- bbucano, Osorio Cessar, Luiz Cerejeira, Nice da Silveira e movimen- tos sociais com Rede de Alternativas a Psiquiatria, Movimento de ‘Trabalhadores de Satide Mental, Movimento pelos Diretos Huma- nos dos Doentes Mentais, SOSINTRAS, Associagio Franco Basa ia, Associacdo Franco Rotteli e outras que se multiplicam no pais e tratam de encontrar formas de trabalho e vida para pessoas que para a vida em sociedad mn for Psychosocial Rehabilitation (WAPR) cria- ‘da em 1986 na Franga e apoiada pela Organizagdo Mundial de Saide © Onrganizagao Internacional do Trabalho chega no pais neste final 26 AWa Mania FeRwanpes Priva de década, rearticulando as organizagdes existentes, agregando no: vvas pessoas e grupos, umas mais criticas, habi suos dos nossos movimentos, outras , ancorando-se num modo possivel de levar adiante seus anscios. Sao quase quatrocentos filiados no pais, que , ultrapassando 0s temores de adeso a mais um chamariz de além dade, amizade, fraternidade no nosso “que fazer” cotidiano; ira tra- duzida nesta indignagao saudavel contra o cinismo das nossas politicas téenicas e sociais para a inclustio dos diferentes; edinkeiro ara transformar as politicas do desejo em politicas do agir, estando aqui incluida a preocupacao com um destino eticamente irrepreensi- recursos pequeninos que devem ter a incumbéncia de reduzir as formas de viol sempre significative de brasil Referéncias bibliogrificas habitation Training for Commnunitary Occupational Teraty in Mentel Healt Mercier, C.& White, D. (1995) La politique de santé ment lon des services: Santé Monfae ue jone inventaa. in La pratica terapewica twa modelo clinico « sociale. Pistoia: Centro di Docuzmentazione. Saraceno, B; Barbato, A. & DeLuca, . (1999) Evaluation of Pychiatric Rekabilitat- on as Formal ary” of Judgements (paper). 1987) Question di riabiitazione. Rivito Sperimentale di ently I. WHO Collaborating Centre, Douglas Hospital Centre. Montreal, CA

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