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do psicólogo
no Brasil
A Artmed é a editora
oficial da SBPOT.
T758 O trabalho do psicólogo no Brasil [recurso eletrônico] : um exame
à luz das categorias da psicologia organizacional e do trabalho
/ Antonio Virgílio Bittencourt Bastos, Sonia Maria Guedes
Gondin (organizadores). – Dados eletrônicos. – Porto Alegre :
Artmed, 2010.
CDU 159.9:331(81)
O trabalho
do psicólogo
no Brasil
2010
© Artmed Editora S.A., 2010
SÃO PAULO
Av. Embaixador Macedo Soares, 10.735 – Pavilhão 5 – Cond. Espace Center
Vila Anastácio – 05095-035 – São Paulo SP
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IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
Autores
Sônia Maria Guedes Gondim (org.) – Doutora em Psicologia Social pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Estágio pós-doutoral na Universidad Complutense de
Madrid e na University of Cambridge. Professora Associada no Instituto de Psicologia
da Universidade Federal da Bahia. Bolsista em Produtividade em Pesquisa do CNPq.
Atua na graduação e na pós-graduação dos programas de Psicologia, Gestão Social
e Administração da Universidade Federal da Bahia. Vice-presidente da Associação
Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho (SBPOT). Editora associada
da Revista Psicologia: Organizações e Trabalho (rPOT). Vice-diretora do Instituto de
Psicologia da Universidade Federal da Bahia.
E-mail: sggondim@ufba.br
COAUTORES
COLABORADORES
Prefácio..................................................................................................................................................... 13
Índice............................................................................................................................................................... 499
Prefácio
*
N. de R. Psicologia Organizacional e doTrabalho.
O trabalho do psicólogo no Brasil 15
O livro poderá ser usado também para temática de interesse para a área de PO&T.
ajudar em disciplinas de formação em pes Ele oferece uma oportunidade rara de termos
quisa. Para tanto, disponibiliza, em dois ane vários fenômenos que estudamos em outros
xos, uma descrição do desenho da pesquisa e trabalhadores sendo discutidos a partir da
apresenta todos os instrumentos utilizados realidade do profissional de Psicologia.
com informações psicométricas adicionais no Além do suporte à formação, o livro
caso de uso de escalas. A decisão de deixar também reúne informações relevantes sobre
como apêndice foi justamente para facultar ao a profissão que permitem ao Conselho Fe
leitor, docente, pesquisador, profissional ou deral de Psicologia, aos Conselhos Regionais
aluno a decisão de conhecer o conteúdo do e às diversas associações científicas extraírem
estudo ou aprofundar-se na compreensão do insumos para a elaboração de políticas para
processo de construção da pesquisa. Outra a categoria profissional e suas subáreas. In
razão para incluir as informações detalhadas formações sobre o psicólogo assalariado e o
sobre pesquisa, originou-se a partir dos resul autônomo encontram-se apresentadas em
tados do Exame Nacional de Desempenho detalhes em capítulos específicos. Indicado-
Acadêmico de 2006, que revelou que os es res de saúde do psicólogo brasileiro, como
tudantes de psicologia apresentam lacunas burnout e bem-estar subjetivo, constam neste
relativas a competências fundamentais para livro. A forma de realização do trabalho tam
investigação científica. Um campo científico só bém é contemplada no capítulo que discute
pode avançar se houver pesquisa, e incluir os se o trabalho do psicólogo está sendo feito
apêndices seria uma oportunidade de con mais individualmente ou em equipes e, neste
tribuir para despertar o interesse em pesquisa último caso, com que profissionais está tra
e na realização de futuras réplicas para testar balhando e que atividades realizam. Quais as
os resultados obtidos. Na realidade, o exercício orientações teóricas predominantes entre psi
profissional do psicólogo já é objeto de pes cólogos e se há diferenças entre áreas de
quisa por parte da nossa comunidade científi atuação permitem visualizar de modo claro a
ca. Dissertações, teses e projetos de pesquisa diversidade teórico-metodológica que é a
estudam aspectos específicos importantes. Es marca da psicologia brasileira. Enfim, inúme
pera-se que este livro possa contribuir para ras outras discussões sobre identidade profis
este esforço coletivo de autoconhecimento da sional, comprometimento com a profissão e
profissão, favorecendo a consolidação de li área de atuação, imagem social do psicólogo
nhas de pesquisa que tomem as práticas profis e intenções de mudança de profissão, área
sionais como objeto legítimo de investigação. de atuação e emprego integram este amplo
Finalmente, o livro poderá ser largamente panorama da profissão na atualidade, ofere
utilizado por alunos, docentes e profissionais cendo insumos significativos para fundamen
da área da Psicologia Organizacional e do tar programas e ações das nossas entidades
Trabalho. Aqui eles poderão encontrar temas representativas.
que são centrais no seu domínio aplicados à O livro estrutura-se em cinco segmentos.
realidade do exercício profissional da Psico O primeiro inclui uma breve apresentação
logia. Escolha profissional, comprometimen- do grupo de pesquisa e dos motivos que nos
to com a profissão, identidade, saúde e bem- levaram a realizar o estudo cujo produto foi
-estar, burnout, qualificação e aprendizagem este livro e também um capítulo inicial sobre
são importantes temas de pesquisa na área a história da psicologia como profissão. O
que aqui foram estudados em amostras de segundo segmento tem como foco a forma-
psicólogos brasileiros. Nesse sentido, o livro ção e a atuação do psicólogo. Nove capítulos
vai além de uma simples descrição de um compõem esse segmento e discorrem sobre a
campo profissional, o que, por si só, já seria caracterização geral e de distribuição de psi
16 Bastos, Guedes e colaboradores
cólogos no Brasil, a formação básica, pós- rando a pesquisa nacio-nal realizada pelo
-graduação e complementar, a escolha da Conselho Federal de Psicologia no final da
profissão, a inserção de recém-formados no década de 1980 e a pesquisa atual realizada
mercado de trabalho, caracterização geral da em 2006. O quinto e último segmento é
inserção de psicólogos, o psicólogo assala composto de dois apêndices cuja função é
riado, o psicólogo autônomo e o voluntário, oferecer aos docentes, pesquisadores e de
áreas de atuação, atividades e orientações mais interessados a oportunidade de acesso
teóricas do psicólogo brasileiro e finaliza a informações mais detalhadas sobre a pes
com a inserção do psicólogo em equipes uni quisa que poderão subsidiar desdobramen
ou multidisciplinares de trabalho. O próxi- tos futuros, potencializando a produção do
mo segmento enfoca o psicólogo como tra conhecimento em psicologia.
balhador. Os capítulos são reunidos versam Em nome de toda a equipe do Grupo
sobre a identidade profissional do psicólo- de Pesquisa que representamos, agradece-
go, o significado do trabalho, dilemas éticos mos o apoio do CNPq, do Sistema Conselhos
na atuação profissional, comprometimento de Psicologia, e dos estudantes de primeiro
com a profissão e área de atuação, bem- semestre da UFBA (2009-1) que contribuí
-estar subjetivo, saúde e doença no trabalho ram de modo significativo na avaliação dos
do psicólogo, aprendizagem no trabalho e capítulos deste livro aos objetivos da disci
competências profissionais e estratégias de plina Psicologia, Ciência e Profissão, e a to
qualificação e requalificação. Os dois últi dos os demais colaboradores que ajudaram
mos capítulos analisam a imagem social da a tornar realizável este ousado projeto de
profissão e as mudanças no exercício pro grande mobilização nacional.
fissional na psicologia brasileira que ocor Antonio Virgílio Bittencourt Bastos
reram nas duas últimas décadas, compa Sônia Maria Guedes Gondim
1
A profissionalização dos psicólogos
uma história de promoção humana
Sigmar Malvezzi
quismo humano, pela importância dos pro jeito e da comunidade como espaço de vida.
blemas que dependiam da compreensão do O leitor deste livro, ao enxergar melhor a
comportamento do sujeito, pela funciona inserção do psicólogo na sociedade brasilei-
lidade e pela eficácia de técnicas oriundas ra, além de enriquecer sua capacidade para
do conhecimento dos processos psíquicos e colaborar com o desenvolvimento e a con
pela confiança que mereceu das pessoas e vivência entre as profissões, estará mais
das instituições. Em espaço inferior a 50 apto a identificar e a criar soluções maduras
anos, a identidade do psicólogo tornou-se para os problemas que circundam todos os
presença marcante em diversos países, lar brasileiros. Agregando valor a essa tarefa,
gamente integrada ao repertório profissio- este capítulo oferece algumas reflexões so
nal dos serviços técnicos requeridos por bre o conteúdo e a construção dessa pro
quase todos os setores da sociedade. Hoje, fissão. Essa reflexão poderá estimular a sen
início do século XXI, a profissão do psicólogo sibilidade do leitor para os desafios enfren
é um território ocupacional regulamentado, tados na manutenção e no desenvolvimento
institucionalizado e integrado à dinâmica de uma profissão no contexto que se glo
da sociedade por significativa e crescente baliza, se volatiliza e, por isso, reabastece o
demanda comercial em quase todos os cam combustível dos conhecimentos e serviços
pos de atividades em que as pessoas atuam, sobre os processos psíquicos. A profissão do
como sujeito e como objeto de atenção e de psicólogo é um espelho desse mundo, por
estudo. O nascimento, o crescimento e a que com ele interage o profissional, acei
consolidação da Psicologia e da profissão tando estudar seus problemas e se com-
do psicólogo no Brasil ocorreram em con prometendo com a transformação requerida
comitância com os mesmos fenômenos nos para a construção da justiça e do bem-estar,
países mais desenvolvidos do planeta. bem como com o reconhecimento da digni
A pesquisa sobre a profissão do psicó dade das pessoas. Para realizar essa tare-
logo no Brasil, publicada neste livro, oferece fa, este capítulo tentará responder a qua-
uma cartografia da realidade brasileira so tro questões: como a Psicologia foi institu
bre a profissionalização do conhecimento cionalizada na profissão de psicólogo? Co-
científico focado no comportamento huma mo o conhecimento sobre o comportamen-
no e, como tal, propicia subsídios para o to evoluiu em nossa profissão? Quais os pro
enriquecimento da reflexão crítica sobre a blemas que desafiam o desenvolvimento des
própria sociedade brasileira. O dinamismo, sa profissão no século XXI? Por que a Psico
as peculiaridades e os contrastes presentes logia e os psicólogos merecem confiança?
na sociedade brasileira seriam dificilmente
compreendidos sem a contribuição dos co
nhecimentos produzidos pela pesquisa no A profissionalização
campo do comportamento e pelos serviços do psicólogo
prestados pelos psicólogos. Os dados aqui
revelados evidenciam a participação dos A produção e a aplicação de conheci
psicólogos nos mais diversos setores da so mentos sobre os processos psicológicos exis
ciedade brasileira e, explicitando como essa tem desde os primórdios da história huma
participação ocorre, revelam a convergên- na, mas somente em meados do século XVI
cia das atividades para a definição da mis- aparece pela primeira vez o vocábulo Psy
são dos psicólogos no Brasil. Esses pro chologia, na língua latina, para designar
fissionais contribuem para a realização e “o estudo ou a ciência da alma, que era um
para o bem-estar de todo o povo por meio campo do saber integrado à Teologia e à
do fortalecimento do indivíduo como su- Anatomia”. A palavra Psychologia aparece
O trabalho do psicólogo no Brasil 19
Essa reorganização das profissões foi giosas. Até então, a vida profissional não
balizada por dois fatores principais. O pri pressupunha trajetórias e nem a movimen
meiro foi a guarida e o controle advindos tação entre cargos e tarefas era um fator
da força do paradigma burocrático que nes importante, porque a vida e suas atividades
se momento se impunha ao Estado e aos ne eram reguladas pelas tradições e pelos sis
gócios como instrumento de eficácia ad temas sociais sem ser alvo de inovações ou
ministrativa. Por força da racionalidade bu pressionadas por mudanças. A partir da di
rocrática, as atividades eram reagrupadas ferenciação ocupacional produzida nos dis
para corresponder à lógica do conhecimento tintos campos de trabalho, como fruto da
científico produzido nas distintas ciências. arquitetura burocrática para o aproveita
Esse reagrupamento promoveu significativa mento do avanço tecnológico, o exercício de
diferenciação ocupacional que foi dando muitas atividades ocupacionais foi paula
corpo à territorialização das atividades em tinamente submetido a controles advindos
profissões. O segundo fator foi a reorga da lógica emergente do próprio conhecimento
nização das profissões que, embora produtos científico, reificada no conceito de competên
da burocracia, estimulavam a inovação por cia técnica. Essa condição incitou a criação e
força de novas descobertas nas diversas a visibilidade de trajetórias profissionais que
áreas do conhecimento científico e das tec se impunham sobre os indivíduos e sobre os
nologias que, por sua vez, enriqueciam o serviços. Assim, a formação profissional for
repertório de recursos técnicos em todas as mal, adquirida em alguma instituição aca
esferas da sociedade. O aparecimento dos dêmica apropriada, tornou-se etapa obriga
testes psicológicos nesse momento é uma tória para o desempenho da grande maioria
das evidências mais explícitas dessa inova das atividades técnicas, já caracterizando a
ção. Toda a sociedade se mobilizava para se existência de alguma trajetória. No caso
ajustar às condições criadas pelo proces- dos psicólogos, muitos foram buscar essa
so de industrialização, redesenhando ou formação nos laboratórios da Alemanha,
adaptando estruturas e serviços. As profis que nesse momento era reconhecida como
sões foram um objeto peculiar dessa reor um centro de referência sobre os estudos em
ganização porque ocupavam a função de Psicologia. W. Rivers e H. Watt, embora es
ponte entre os problemas da sociedade e o tivessem alocados no contexto inglês da Psi
avanço científico e tecnológico. O conheci cologia, foram estudar na Alemanha, que
mento científico recebeu significativos in nessa época atraía profissionais do mundo
vestimentos, foi desenvolvido rapidamente todo por seu avanço na Psicologia Experi
e aplicado, com certa eficácia, aos incon mental (Hearshaw, 1964). Essas trajetórias
táveis e crescentes problemas da sociedade. foram legitimadas pelo engajamento profis
As tarefas se tornaram mais complexas e fo sional dos psicólogos em instituições como
ram pouco a pouco migrando para as mãos hospitais, fábricas e escolas, e daí, rapida
de pessoas que tinham alguma formação mente acopladas às estruturas hierárquicas,
científica. Essa reorganização dos serviços ou aos sistemas de status.
profissionais foi a alvorada da instituição e Pouco a pouco, a mobilidade profissional
do conceito de carreira que apareceu na so deixou de ser um fato insignificante, ga
ciedade por força de trajetórias e regulamen nhando o status de etapas do aprofunda
tações criadas pela organização do trabalho mento ou do avanço no domínio do conhe
no contexto burocrático e técnico. cimento e da instrumentalidade, ou do po
Até meados do século XIX, a mobilidade der gestionário, fato que reforçou a repre
entre atividades profissionais era reconhe- sentação da carreira como mobilidade entre
cida e restrita às instituições militares e reli atividades profissionais e a territorialização
O trabalho do psicólogo no Brasil 21
tornavam generalizadas e poderiam ser apli Paulo Egídio à Câmara legislativa da Provín
cadas em distintas situações) indicavam si cia de São Paulo, em 1892, ao reorganizar a
nais de um território profissional autônomo. formação do magistério primário, previa
Nesse momento, profissionais que portavam criação da disciplina de Psicologia para a
o nome de psicólogos estavam presentes e formação dos futuros professores de Escolas
visíveis nos hospitais, nas universidades, nas Normais, indicando a diversidade da refle
fábricas e nas escolas e cuidavam de vasta xão da Psicologia ao atingir também a esfera
amplitude de problemas que desafiavam a da Educação.
sociedade, como as questões de saúde e Essa visibilidade, já inegável no Brasil e
bem-estar, de marketing (Munsterberg) e na Europa, se tornou ainda mais clara quan-
das atividades militares (Yerkes). Além dis do o desempenho dos psicólogos passou a
so, a partir dos conhecimentos que produ criar instrumentos que poderiam ser genera
ziam, os psicólogos se faziam visíveis nesses lizadamente aplicados aos problemas da so
diversos campos, ora criticando trincheiras ciedade. O artigo de Max Freyd, publicado
tradicionais de outras ciências, como se em 1923, no Journal of Personnel Research e
constata no trabalho pioneiro de Gabriel seu impacto sobre as atividades dos psicó
Tarde (1898) na esfera da Psicologia Social logos que atuavam no campo da então deno
frente às ideias de E. Durkheim, ora contri minada Psicologia da Indústria, revelam um
buindo com as políticas públicas, como caso emblemático de padronização de solu
ocorreu na influência dos trabalhos de Fer ções técnicas criadas pelos psicólogos para
dinand Buisson sobre o Ministro da Educação responder a uma demanda regular e espe
Jules Ferry na “elaboração das leis escolares cífica da sociedade de seleção técnica de
que instituíram a escola obrigatória e gra trabalhadores, para as fábricas de telefonia e
tuita” (Carroy, Ohayon e Plas, 2006, p. 99). de automóveis que se expandiam rapidamen
No Brasil, as atividades de diversos profissio te nos dois lados do Atlântico. Situações co
nais, no início do século XX, revelam o ali mo essa, nos campos da saúde e da educação,
nhamento com o avanço da Psicologia na foram os principais elementos que organiza
Europa e nos Estados Unidos. ram o saber ocupacional na profissão.
Diversas obras evidenciam estudos e Nesse texto, Freyd oferece uma análise
atividades profissionais, indicando que, no científica e técnica da seleção de pessoal e
Brasil, da mesma forma que em outros paí propõe uma sequência de atividades para
ses, a profissão de psicólogo também se for ser realizada quando da seleção de novos
matava. Na área da saúde mental, a tese de trabalhadores, fundamentada na lógica da
Maurício Medeiros, intitulada Métodos em mensuração do comportamento disponível
Psicologia, apresentada no Rio de Janeiro na época. Essa proposta era um modelo de
em 1907; o laboratório de Psicologia do trabalho técnico, como outros que foram
Hospital Eugênio de dentro, fundado em criados na mesma ocasião nos campos do
1923 por Gustavo Riedel, igualmente no Rio diagnóstico psicológico, da terapia e da for
de Janeiro; os trabalhos de Psicologia desen mação escolar fundamental. Além de criar
volvidos por Francisco Franco da Rocha, categorias, análises e o processo ritualizado
na difusão das teorias psicanalíticas, desde de avaliação dos trabalhadores para com
1918, em hospitais e na Faculdade de Me preensão e realização das atividades de sele
dicina de São Paulo; as atividades e as pu ção, Freyd instituiu os testes psicológicos
blicações de Ulisses Pernambucano, em Re como instrumentos específicos e seguros pa
cife, mostram a existência de um grupo ativo ra a aferição das habilidades humanas de
de profssionais, já dispersos pelo território candidatos. Essa sequência de atividades
brasileiro. O projeto de lei, proposto por proposta por Freyd foi generalizadamente
O trabalho do psicólogo no Brasil 23
tos, e em muitos dos que foram publicados terapias. Nesse estudo, Mahoney demonstra
anos depois, sobram evidências da poliva as distâncias que separam os psicólogos dos
lência e da ambiguidade identitárias da Psi pontos de vista técnico e epistemológico, e
cologia que se refletia na institucionalização como eles se unem pela utilização comum
da própria identidade do psicólogo. Ainda do bom-senso. Apesar das diferenças abis
dentro dos anos de 1920, os psicólogos le mais, o trabalho deles se aproxima no reco
gitimaram as adjetivações diversas em suas nhecimento das limitações de suas técnicas
especialidades, e as associações começaram e da incerteza que os move a ser prudentes
a aceitar a departamentalização interna co e respeitosos com outras abordagens. Desse
mo forma de acomodar a diferenciação pro fato, pode-se concluir que a ambiguidade
movida pela polivalência do trabalho dos identitária da Psicologia não se mostra como
psicólogos. Esse predicado identitário está um obstáculo, mas, antes, como um teste
evidenciado em diversos dados da pesquisa munho da complexidade da pessoa huma-
publicada neste livro. A Psicologia é uma na. Seguramente, a Psicologia é uma ciência
profissão que transcende as fronteiras insti mais rica por causa dessa diversidade, assim
tucionais porque seus conhecimentos são como os psicólogos dispõem de mais recur
requeridos sempre que é demandada algu sos técnicos e são instados a agir com pru
ma explicação sobre a pessoa e seus com dência diante da diversidade de opções que
portamentos. a própria Psicologia lhes oferece.
Além da polivalência e de seu sucesso Além da polivalência e da diversidade
na sociedade, essa jovem profissão enfrentou criadas pela interface com outros campos do
dias difíceis devido ao dinamismo interno conhecimento, outra dificuldade visível no
do próprio conhecimento sobre o comporta exercício da profissão de psicólogo advém
mento humano que diferenciava os profis da abertura da Psicologia a muitas atividades
sionais, alocando-os em caminhos epistemo para as quais os conhecimentos teóricos po
lógicos radicalmente distintos, como aque dem ser aplicados. Assim, as dezenas de teo
les trilhados por Freud e por Watson. Essa rias de motivação podem ser aplicadas na
diferenciação teórica e epistemológica foi, compreensão e na solução de problemas na
ao mesmo tempo, uma fonte de riqueza e de esfera do trabalho, da educação, das rela
dificuldades para os psicólogos. Essa diferen ções sociais, do cuidado consigo mesmo,
ciação foi exacerbada em alguns momentos entre muitos outros. Essa abertura decorreu
e angustiou muitos psicólogos, como se po de seu próprio objeto, que era o estudo dos
de verificar no livro de Daniel Lagache, processos psíquicos, não importando onde
L’Unité de la Psycholgie publicado em 1949, estes ocorriam. Tal amplitude de campo de
no qual ele intitula o primeiro capítulo de “A aplicação criou problemas, como foi o caso
psicologia e as ciências psicológicas”. A da introdução de categorias de análise da
questão que Lagache apresenta como tema patologia na seleção de pessoal, da qual re
desse livro – “existiria a possibilidade de sultaram dificuldades sérias, até mesmo de
universalização dos critérios epistemológicos natureza ética. Aos poucos, os psicólogos
para a Psicologia?” – ainda está em pé e sem aprenderam a questionar se o conhecimento
uma resposta. Hoje, tais diferenças conti sobre o comportamento poderia ser consi
nuam existindo, mas a preocupação com derado fora de qualquer contexto. Como
elas é menor, no sentido de que todos apren fruto desse aprendizado, os psicólogos ad
deram a reconhecer e a conviver com as li quiriram experiência sobre o valor das de
mitações de sua própria epistemologia, co cisões táticas e, consequentemente, diferen
mo evidencia o estudo seminal de Michael ciaram, em um mesmo objetivo e em um
Mahoney (1991) sobre a eficácia das psico mesmo problema, as nuanças de sincronia
26 Bastos, Guedes e colaboradores
geradas pela força do contexto. Uma ilus rápidas e mais profundas na sociedade, tem
tração dessa dificuldade e do aprendizado sido um crescente desafio para todos, sobre
que se seguiu ao seu enfrentamento foi o tudo para os psicólogos. As alterações que
afastamento da Psicanálise dos problemas têm ocorrido desde a disseminação da tele
da Psicologia aplicada ao trabalho. A pro fonia celular e da rede eletrônica de infor
fundidade do diagnóstico produzido dentro mação sugerem, como assume Guillebaud
da abordagem psicanalítica complicava a (1999), um processo de refundação do mun
possibilidade de administração do desempe do e, portanto, de refundação da profissão
nho e tornava quase impossível a participação do psicólogo. A certeza que se tem sobre
de outros profissionais das empresas na dis essa questão é a de que tarefas, funções,
cussão dos problemas. A gestão do desem fronteiras e categorias de análise estão sob
penho carecia de conhecimentos e de ins revisão. No contexto atual, é quase impos
trumentos para inserir o inconsciente na sível a oferta de soluções como aquela ofe
rotina de capacitação e ajustamento das ta recida por Freyd em 1923 para a seleção de
refas. Essa situação foi superada recente pessoal. Poucos procedimentos podem ser
mente a partir de inúmeros estudos (Men generalizados, como Freyd propôs, para a
zies, 1971; Enriquez, 1992; Pagés et al., seleção de pessoal. Essa volatilidade da so
1979) que evidenciaram como a reflexão ciedade e da profissionalização dos conheci
psicanalítica pode também ser aplicada às mentos tem sido crescentemente intensi
condições estruturais, enriquecendo a com ficada pela diferenciação de tecnologias e
preensão do jogo estratégico e, por conse estimulada por ideologias emergentes como
guinte, a compreensão do papel do desem é o caso da absolutização dos resultados e
penho individual dentro dos processos so da busca por inovação que caracterizam a
ciais e políticos. O estudo de Steffy e Grimes cultura do presente momento histórico.
(1992), comparando três diferentes episte Nessas condições criadas na sociedade
mologias e suas consequências práticas, evi atual, administrar e regulamentar uma pro
denciou como a polivalência da Psicologia fissão mostram-se tarefas necessárias, porém
permite a acomodação da ação dos psicó quase impossíveis diante da volatilidade e
logos a diferentes ideologias e como estas da fragmentação que enfraquecem as estru
contribuem para a legitimação das decisões turas e os vínculos tanto dos indivíduos
profissionais. Essas questões revelam como quanto das instituições. Um sintoma desses
o trabalho profissional do psicólogo é com problemas é a crescente demanda de inter
plexo, exigindo dele não somente conheci disciplinaridade como paradigma para a
mentos de sua ciência, mas também do con atuação profissional. Nos diversos campos
texto no qual ele atua. Essa condição aloca a nos quais os psicólogos atuam, essa integra
profissão de psicólogo, em si mesma, como ção de especialidades e de desempenhos
atividade multidisciplinar. profissionais tem sido incentivada pelo cres
Ainda outra dificuldade enfrentada pe cimento da oferta dos serviços e pela sua
los psicólogos para “administrar” sua profis diferenciação em atividades subespecializa
sionalização advém do avanço do conhe das, duas condições que forjaram as ambi
cimento e da crescente complexidade da guidades em todas as fronteiras, seja na di
sociedade, contingências que dificultam a visão de tarefas, seja na territorialização
alocação de fronteiras, de critérios e de pa entre as diversas profissões, isto é, nos li
drões de análise. Desde o final da segunda mites entre os campos do conhecimento,
guerra, mais particularmente a partir de como fartamente evidenciados nas atividades
1950, a contínua adaptação a constantes profissionais oriundas dos campos da Psico
mudanças que, a cada ano se tornam mais logia, da Medicina, da Pedagogia, da Admi
O trabalho do psicólogo no Brasil 27
tados por distintas profissões, começaram a da, tornando mais dificil a diferenciação das
ser previstos e realizados como forma de identidades profissionais e, por conseguinte,
viabilização da aplicação de conhecimentos a regulamentação e o controle sobre as ati
particulares a problemas presentes na vida vidades dos trabalhadores que oferecem ser
humana em seus diferentes aspectos. Desse viços profissionais. A regulamentação de al
momento em diante, os espaços profissionais gumas profissões, como é o caso do jornalis
emergentes no campo da Psicologia foram mo, tem sido significativamente dificultada
fortalecidos por causa do aprofundamento e pelo direcionamento da evolução da sociedade
da expansão do conhecimento e pela eficácia (Aldridge e Evetts, 2003).
das soluções que eram nele inspiradas e le Se a identidade do psicólogo foi cons
gitimadas. A elaboração de testes psicológi truída e consolidada pela clara demanda de
cos sustentados por teorias específicas da conhecimentos especializados sobre a pes
Psicologia contribuí-ram muito para a iden soa e a conduta humanas, aplicados em am
tificação do território profissional dos psicó pla diversidade de problemas, fato que esti
logos, como especialistas em diagnósticos e mulou a oferta de diversas tarefas a esses
na intervenção para trabalhar a adaptação e profissionais, hoje ocorre um processo inver
a integração psíquicas. O desenvolvimento so. Dentro dessas empresas de consultoria e
científico e tecnológico agravou essa situa comunidades de serviços, a identidade do
ção. Hoje, é difícil delimitar onde termina psicólogo é diluída pelo baixo reconheci-
uma profissão e uma outra começa. Os pro mento da existência de fronteiras entre as
blemas já não cabem dentro do território de profissões e pela consequente atribuição de
uma ciência, demandando a contribuição de tarefas a diversos profissionais, não impor
outras, como essenciais. Para ilustração dessa tando sua trajetória profissional formal, mas
dificuldade, tem-se, nos Estados Unidos, a le suas competências atuais. O critério para a
gislação de três estados permitindo aos psi atribuição de tarefas se resume na compe
cólogos a prescrição de medicamentos, aber tência que o problema em questão exige. A
tura que põe mais combustível na interface integração entre demandas da sociedade
com os médicos e os farmacêuticos, assim co que apresentam problemas aos profissionais
mo as ambiguidades nos limites entre psico- e a criatividade técnica por parte destes já
terapias e diversas formas de aconselhamen- não formata papéis e espaços que diferenciam
to borram os limites dos psicólogos com ou- tais profissionais de diversos ramos do saber
tras profissões. entre si. No trabalho através de projetos que
Uma solução emergente para essas ques tem sido modelo crescente de atuação pro
tões que têm crescido em alguns países é a fissional, a distribuição de tarefas tem ocor
criação de comunidades especializadas em de rido por meio das competências aferidas na
terminados serviços profissionais, hoje abri equipe e não em critérios de profissionali
gadas sob a alcunha de consultorias, empre- zação do conhecimento. Por isso, os profis
sas de serviço profissional ou, simplesmente, sionais não mais aparecem, a exemplo dos
de comunidades de ação. Esses grupos apre anos de 1920, como mediadores necessários
sentam concentração em uma profissão par entre o conhecimento científico e as neces
ticular, como psicólogo ou advogado, mas são sidades humanas da sociedade. Johnson
enriquecidos por profissionais de diversas áreas (1972) identifica nessa mediação o germe
do saber que trabalham juntos e se comple- do controle ocupacional que caracterizou as
tam nas informações e nas tarefas requeri- profissões ao longo do século XX e que hoje
das para o enfrentamento dos problemas não está mais rigidamente circunscrita ao
(Faulconbridge e Muzio, 2008). Nesses gru indivíduo portador do diploma, mas se es
pos, a fluidez das fronteiras é exponencia- tende àquele que revela competência para a
O trabalho do psicólogo no Brasil 29
tarefa. Dentro dessa dinâmica da ação por sociedade. As mudanças que surgiram atra
projetos, a mediação preconizada por Johnson vés do processo de globalização complicaram
entre o mercado e o conhecimento, os psi- os critérios de conceituação da autonomia e,
cólogos já não controlam com exclusivida- consequentemente, a profissionalização do
de métodos, valores, critérios, referenciais, psicólogo tornou-se uma questão permanen
procedimentos e condições que constituem temente aberta. A evolução dos eventos in
os elementos visíveis que modelam e institu dica que o futuro da profissão do psicólogo
cionalizam sua profissão. Como Guillebaud (como ocorre com outras profissões) depen
acredita, tal como o mundo e as outras pro derá menos da regulamentação existente do
fissões, a profissão de psicólogo sofre algum que do desempenho dos psicólogos (e de
tipo de refundação. Essa tendência é refor outros profissionais) no enfrentamento das
çada pela diversidade e pela ampliação dos dificuldades que a refundação de sua(s)
cursos de especialização e pós-graduação. profissão(ões) exige.
Programas de pós-graduação em Adminis Desde as reflexões pioneiras de Parsons
tração, em Psicologia Social admitem enge (1939), as profissões têm sido conceituadas
nheiros, historiadores e médicos, assim co como grupos de pessoas definidos pela fun
mo cursos de medicina e engenharia admi damentação de suas atividades em algum
tem outros profissionais. O conceito de fron conhecimento específico, cuja forma de atua
teira foi alterado, de um elemento que di ção é caracterizada por certa autonomia que
vide e diferencia, para um elemento que a coloca à margem do controle puramente
integra. A brilhante análise desenvolvida burocrático e significativamente diferenciado
por Amin Maalouf (1998) sobre as identida do agir com base apenas no conhecimento
des é uma ilustração contundente sobre o intuitivo das pessoas (como ocorria antes da
desafio da alocação de fronteiras no mundo era das profissionalizações). Balizados por
atual. Se um indivíduo é psicólogo, traba esses dois fatores, tais grupos são reconhecidos
lhador social, educador, ou agente de saúde na sociedade pelas tarefas especializadas que
depende da articulação do contexto onde desempenham, pela instrumentalidade espe
ele está alocado. Igualmente, a análise de cífica que utilizam e pela forma colegiada de
Nicole Aubert (2003) sobre a influência da agir para organizar suas tarefas e controlar a
valorização do tempo (rotina, imediato, ur própria atuação. A possibilidade desse con
gência, prioridade) sobre os limites do poder trole tem origem em algumas constantes que,
e da legitimidade da ação profissionais reve segundo Freidson (2001), criam o tipo ideal
la a relativização da territorialização ocupa de profissional para cada ocupação, facili
cional diante dos imperativos do contexto tando sua identificação. Tais constantes estão
oriundos da ideologia dos resultados. materializadas no corpo de conhecimentos
oficialmente reconhecidos como a base da
legitimidade do desempenho técnico daquela
Conclusão profissão, na organização de categorias de
prática da qual resultam a divisão de trabalho
A pesquisa divulgada neste livro oferece e suas fronteiras com outros campos profis
uma visão da institucionalização das ativida sionais e no conjunto de normas, valores e
des profissionais dos psicólogos a partir da padrões éticos que regem a aplicação do co
qual se pode compreender a dinâmica que nhecimento específico daquele grupo. Além
caracteriza as fronteiras interna e externa disso, o desempenho profissional ocorre atra
dessa profissão e do processo de diferenciação vés da aplicação de habilidades complexas
de atividades necessário para a sua carac que são adquiridas a partir do aprendizado
terização como um território autônomo na sistemático de uma ciência, através de longa
30 Bastos, Guedes e colaboradores
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2
Uma categoria profissional em expansão
quantos somos e onde estamos?
Tabela 2.1 Distribuição dos psicólogos brasileiros inscritos no CRP nos anos de 2009 e de 1987
Dados 2009 Dados 1987
Inscritos % Inscritos %
CRP01 (DF, AC, AM, RO, RR) 11,024 4,7 2,025 3,7
CRP02 (PE) 5,317 2,3 2,056 3,8
CRP03 (BA, SE) 6,554 2,8 953 1,8
CRP04 (MG) 21,699 9,2 5,612 10,4
CRP05 (RJ) 35,192 14,9 10,905 20,1
CRP06 (SP) 83,225 35,2 23,469 43,3
CRP07 (RS) 16,614 7,0 2,721 5,0
CRP08 (PR) 14,293 6,1 2,401 4,4
CRP09 (GO, TO) 5,642 2,4 771 1,4
CRP10 (PA, AP) 2,753 1,2 253 0,5
CRP11 (CE, PI, MA) 5,246 2,2 353 0,7
CRP12 (SC) 16,748 7,1 445 0,8
CRP13 (PB, RN) 3,530 1,5 806 1,5
CRP14 (MT, MS) 3,867 1,6 567 1,0
CRP15 (AL) 1,859 0,8 590 1,1
CRP16 (ES) 2,537 1,1 212 0,4
TOTAL 236,100 100,0 54,139 100,0
Fonte: Conselho Federal de Psicologia, 1987, 2009.
34 Bastos, Guedes e colaboradores
A Tabela 2.1 ilustra de modo claro a como a categoria profissional foi aumen-
mudança no quadro do desenvolvimento tando em outros Estados e diminuindo a
da profissão nas duas últimas décadas. Pri- concentração no Sudeste. Na região Norte/
meiro, houve um expressivo crescimento de Centro-Oeste, consideradas juntas, o aumen
mais de 400% nesse período. Além disso, to foi de 6,7 para 9,9%, e no Nordeste, de 8,8
esse aumento significou uma melhor distri para 9,6%. No Nordeste, o crescimen-to mais
buição dos psicólogos pelos diferentes es expressivo acontece nos Estados do Ceará,
tados e regiões do país. Embora o Sudeste Piauí e Maranhão (atual CRP11), seguidos
mantenha-se como a região que possui o da Bahia (CRP3). A participação do Estado
maior número de profissionais inscritos no de Pernambuco caiu nesse período, revelando
Brasil (60,4%), observa-se que essa propor que a expansão de cursos de Psicologia na
ção é inferior à de 1987 (74,2%), em de quele Estado teve um ritmo menor do que
corrência do crescimento das demais re em outras unidades nordestinas.
giões. São Paulo continua sendo o Estado Em resumo, a ocupação do espaço na
com o maior contingente de psicólogos, ul cional apresenta uma característica impor
trapassando, em 2009, a marca de 83 mil. tante ao longo do tempo: o processo de inte
Mesmo assim, o número de psicólogos que riorização da profissão. Esse processo é cla
atuava em São Paulo recuou de 43,3% ramente visível nos dados da Figura 2.1, que
(1987) para 35,2% (2009). Essa queda é mostra a evolução do número de psicólo-
também observada no Rio de Janeiro e, me gos que atuam nas capitais dos diversos Es
nos fortemente, em Minas Gerais. A região tados e daqueles que atuam nos municípios
Sul quase dobrou sua participação percen do interior, no período de 1970 a 2009.
tual em relação ao total de psicólogos bra A tendência de interiorização do exercí
sileiros (de 10,3 para 20,2%). Embora esse cio da psicologia é clara desde os anos de
crescimento seja observado nos três Estados 1970. De uma profissão praticamente res
da Região Sul, é em Santa Catarina o salto trita aos grandes centros urbanos, a pro
maior, de apenas 0,8% dos psicólogos bra porção de psicólogos que passam a atuar no
sileiros em 1987 para 7,1% em 2009. Essa interior dos Estados cresce gradativa e siste
evolução ocorre também nas demais regiões, maticamente até se aproximar do percentual
embora de forma mais modesta, indicando de psicólogos atuando nas capitais, no final
90%
80%
80% 76%
70% 64%
59% 58% 56%
60%
51% 48%
50% 32%
41% 42% 44% 49%
40%
36%
30%
20% 24%
20%
10%
0%
1970-1974 1975-1979 1980-1984 1985-1989 1990-1994 1995-1999 2000-2004 2005-2009
Capital
Interior
Figura 2.1 Percentual de psicólogos que atuam nas capitais e no interior no período 1970-2009.
Fonte: Sistema Conselhos de Psicologia.
O trabalho do psicólogo no Brasil 35
da década de 1990 e nos primeiros anos rização deveria vir a ocorrer, inclusive, pe-
2000. Nos últimos 4 anos, a proporção de la necessidade de ampliar e renovar o mer
profissionais do interior supera a das capi cado, apesar dos possíveis desafios que sig
tais. Certamente, esse movimento acompa nificaria lidar com populações e culturas
nha o desenvolvimento de importantes cen diferenciadas.
tros urbanos no interior de vários Estados O processo de interiorização da psico
brasileiros. No entanto, os dados sobre os logia, portanto, está em curso no Brasil,
municípios em que atuam os psicólogos re capitaneado principalmente pela expansão
velam que esse movimento de interiorização dos cursos, cada vez mais frequentes em ci
não se restringe aos grandes polos urbanos dades de médio porte do interior dos di
do interior, atingindo municípios de médio e versos Estados brasileiros.
até de pequeno porte populacional.
A principal marca desse movimento é a
de ampliar o acesso direto de mais segui As bases deste processo de
mentos da população brasileira aos serviços crescimento e interiorização
de Psicologia. Rosas, Rosas e Xavier (1988),
ao discutirem os dados da pesquisa sobre o O que sustenta tamanha expansão do
psicólogo brasileiro, buscaram explicações número de psicólogos no Brasil? Os dados
para a excessiva concentração de psicólogos constantes na Tabela 2.2 apontam para di
nas capitais de Estados e apontaram que a versos indicadores ligados à evolução do
interiorização da profissão era ainda bai- sistema educacional de formação em Psico
xa não pela ausência de demandas sociais, logia ao longo do período 1991-2006. No
mas sim pelas condições de mercado e de período de 15 anos, cresceu no país como
vida que tornavam as maiores metrópoles um todo, e com percentuais sempre acima
mais atraentes e com mais oportunidades de 100%, o total de cursos, de vagas ofe
de trabalho e de desenvolvimento. Os mes recidas, de demanda no vestibular, de in
mos autores reconhecem que essa interio gressos nos cursos e de concluintes.
Os dados da Tabela 2.2 permitem veri com que o Sudeste, apesar do seu cresci
ficar que o crescimento, embora generalizado mento, perdesse peso no conjunto do país.
em todas as regiões, é bem mais expressivo A região Norte apresenta os mais elevados
nas regiões Norte, Centro-Oeste, Nordeste e percentuais em todas as dimensões de cres
Sul. Tais dados guardam estreita relação cimento ao se comparar com a sua situação
com o perfil de crescimento do número de no início dos anos de 1990. Em seguida,
psicólogos nas referidas regiões, o que fez vem a região Centro-Oeste, especialmente
36 Bastos, Guedes e colaboradores
pelo crescimento do número de vagas oferta estreita relação tanto com o crescimento
das e de concluintes. O Nordeste também observado no número de psicólogos no Bra
apresenta elevados níveis de crescimento, sil quanto com as mudanças que estão ocor
sempre superiores às médias nacionais em rendo na distribuição pelas diversas regiões,
todas as dimensões. No caso do Nordeste, com o crescimento mais acentuado das ou
vale destacar a situação do Estado da Bahia. tras regiões em comparação com o sudeste
Até 1997, existia apenas um curso de Psi do país que, apesar de todas as alterações,
cologia que oferecia 80 vagas. Desde então, ainda continua concentrando o maior con
a Bahia é responsável pelo maior crescimento tingente da categoria.
do número de ingressos (1,745%), sendo O crescimento da categoria de psicólogos,
muito elevado o número de concluintes no entanto, ainda poderia ser bem maior
(557,5%) e da própria demanda nos ves- caso não houvesse um expressivo número de
tibulares (516,2%). Ainda no Nordeste, Rio profissionais graduados que não se inscrevem
Grande do Norte (1,022.9%) e Sergipe no Sistema Conselho e que, portanto, não se
(960%) distanciam-se da média nacional e credenciam para o exercício da profissão.
dos demais Estados da região no número de Esse fenômeno já fora detectado na pesquisa
ingressos nos cursos de Psicologia. Embora dos anos de 1980 e continua por todos os
no Sudeste sejam encontradas médias de anos de 1990 e na presente década. Os dados
crescimento menores que a média nacional apresentados na Figura 2.2 revelam clara
(nessa região ocorreu o primeiro grande mente essa defasagem entre concluintes de
ciclo de expansão dos cursos de psicologia graduação e profissionais habilitados para o
nos anos de 1970-1980), deve ser destacada exercício profissional da Psicologia.
a situação do Estado do Espírito Santo, que Ao longo do período examinado, constava-
apresenta um crescimento de 593,9% da -se que, em média, apenas 65% dos concluin
demanda no vestibular, 1.553% no número tes da graduação habilitam-se a ser psicólogos,
de ingressos no curso e 527,6% no número o que significa que um pouco mais de 1/3 dos
de concluintes. Os dados sobre a expansão potenciais psicólogos não se insere na profissão.
do sistema de ensino guardam, portanto, A pergunta a ser respondida é: por que esse
18,000
17,002
15,856
16,000 16,261
13,487
14,000 14,581 12,789 12,568
12,106
12,000 12,185
10,281 9,730 9,799 9,781 10,254 11,599
11,253 11,024
10,000 10,208 8,872
9,576 9,415 9,554
8,980
8,000 7,066 6,884 6,566
7,263 7,070 7,771
6,000
5,015 5,510 5,394
4,000
2,000
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Concluintes
Inscritos
contingente tão significativo de psicólogos que capítulos posteriores deste livro, é notável o
concluem um curso de longa duração não se contingente de psicólogos que combinam a
credencia para a atuação profissional? sua atuação na profissão com outras ativida
Uma primeira hipótese explicativa pode des profissionais, predominantemente em
ser encontrada no fato de que a profissio função das condições limitadas de empregos
nalização não é o objetivo principal para e trabalhos disponíveis.
todos aqueles que buscam o curso de psico
logia. Embora seja difícil conceber que tão
expressivo número de jovens busque um A mobilidade dos
curso de longa duração sem ter em mente a psicólogos no país
futura atuação profissional, é possível que
outros interesses motivacionais estejam pre Os dados gerados pela pesquisa nacional
sentes ou, ainda, que os projetos profissionais permitiram caracterizar um fenômeno bas
sejam reorientados ao longo da sua forma tante interessante sobre a mobilidade dos
ção. A segunda hipótese está relacionada à psicólogos entre os diversos Estados brasi
realidade do mercado de trabalho e às res leiros. Para tanto, comparou-se o Estado em
trições de bons empregos que justifiquem a que o psicólogo se graduou e aquele em que
inserção na profissão. Como veremos nos ele está atuando (Ver Figura 2.3).
Gr = 0%
RR Tr = 0,1%
Gr = 0% AP
Tr = 0%
AM
Gr = 2,2%
Gr = 0,8% PA
MA Tr = 3,2%
Tr = 1,7% Gr = 0,6%
Tr = 0,9% Gr = 0,3% CE
Tr = 1,0,% PI RN Gr = 1,3% – Tr = 2,4%
Gr = 0,5% PB Gr = 1,8% – Tr = 2,0%
Tr = 1,3%
PE Gr = 4,3% – Tr = 5,6%
AC
RO TO AL Gr = 1,6% – Tr = 2,2%
Gr = 0,3% SE
Gr = 0,2% MT BA
Tr = 0,7% Gr = 0,7% – Tr = 0,8%
Gr = 0% Tr = 0,1% Gr = 4,0%
Tr = 0,1% Gr = 0,5% Tr = 6,5%
Tr = 1,0%
GO Gr = 5,4%
Tr = 8,4%
Gr = 2,3%
Tr = 3,0,% MG
Gr = 12%
MS Tr = 6,3%
Gr = 1,1% ES
Tr = 0,5% SP Gr = 0,5% – Tr = 0,9%
Gr = Graduado Gr = 30,1%
Tr = Trabalhando Tr = 34,7% RJ
Gr = 9,2% – Tr = 2,3%
PR
Gr = 6,1%
Tr = 7,7%
SC
Gr = 5,4% – Tr = 5,5%
RS
Gr = 8,7%
Tr = 2,8%
40
34,7
35
30,1
30
25
20
15
12
0
SP MG RJ RS PR SC DF PE BA GO
Graduados Atuandos
Figura 2.4 Relação entre percentual de psicólogos graduados e que atuam em alguns Estados
brasileiros.
Fonte: Dados da pesquisa.
O trabalho do psicólogo no Brasil 39
ser o sétimo na lista dos que mais formaram dência clara do predomínio largo de psicólogas
os psicólogos que participaram da pesquisa na composição da categoria, alimentada pelo
nacional (5,4%). Trata-se, portanto, de um número bem superior de mulheres que buscam
mercado que absorve um contingente maior e realizam o curso de graduação (Castro e
de psicólogos de fora, o que se justifica, pos Yamamoto, 1998).
sivelmente pelo dinamismo da sua econo- Os resultados do presente estudo reafir
mia, por lá se concentrar a sede do governo mam a importância desse traço característico
federal e de importantes empresas públicas. da profissão, como bem revela a Figura 2.5,
Essa mobilidade dos psicólogos pelo que especifica sua distribuição nos diferentes
país, ao mesmo tempo em que fornece infor conselhos regionais. As variações observadas
mações congruentes com o ritmo em que o não se distanciam fortemente da média nacio
processo de expansão do sistema de ensino de nal de 83,3% de mulheres e resultam de flu
graduação ocorreu no país, sugere a neces tuações da amostra participante da pesquisa.
sidade de estudos complementares que explo Embora os dados das diversas pesquisas
rem o peso de fatores de constituição do mer não possam ser comparados entre si, pois se
cado de trabalho em psicologia na determi apoiam em processos de amostragem distin
nação dessa mobilidade. Adicionalmente, os tos, percebe-se na pesquisa nacional atual
dados dessa mobilidade fortalecem os argu uma pequena elevação do contingente de
mentos que afirmam a necessidade de padrões homens, em relação aos dados de 1988. Ao
básicos de formação que, a despeito das pe comparar as regiões por gênero, infere-se
culiaridades regionais e locais, habilitam o psi que a região Sul apresenta menor percentual
cólogo para atuar nesses diferentes contextos de homens em relação às demais (14,1%),
nacionais. Insumos dessa ordem podem ser enquanto que o Nordeste apresenta o maior
muito importantes na formulação de políticas percentual (18,6%).
específicas tanto para a formação quanto para Esse importante traço da profissão, ou
o exercício da profissão no Brasil. seja, a sua majoritária composição feminina,
não pode ser desconsiderado quando se exa
minam muitas das fragilidades do mercado
Uma profissão feminina de trabalho, inclusive rendimentos, face às
marcantes diferenças de gênero na inserção
O reconhecimento da Psicologia como no mercado de trabalho.
uma profissão feminina é algo que aparece
desde os primeiros estudos sobre a profissão,
a exemplo do clássico trabalho sobre o psicó Uma profissão “adulto-jovem”
logo paulista, conduzido por Mello (1975).
A pesquisa do Conselho Federal de Psicologia Os resultados da pesquisa de 1988 apon
que gerou o livro Quem é o psicólogo bra t aram que, além de uma profissão feminina,
sileiro?, nos anos de 1980, confirma e discute éramos uma profissão jovem. A idade média
essa realidade, inclusive em termos das con ficou em 33,6 anos, com percentuais de psi
dições de trabalho que são fortemente afe cólogos entre 22 e 39 anos, variando de 73
tadas pelo gênero. Nesse estudo, a proporção a 90% da amostra. O contingente de psicó
do gênero feminino foi de 86,6%. Mais re logos acima de 50 anos era pouco expressi-
centemente, uma pesquisa conduzida pelo vo. Adicionalmente, o tempo médio de gra
IBOPE para o Conselho Federal de Psicologia duação foi de 7,51 anos, o que era congruen-
em 2004 encontrou um percentual de 91%, te com aquele primeiro ciclo de expansão
em uma amostra aleatória de 2 mil psicólogos. da formação em psicologia vivenciado nos
Vários estudos regionais reafirmam essa ten anos de 1980.
40 Bastos, Guedes e colaboradores
CRP 13
F = 78,6%
M = 21,4%
CRP 01
F = 80,1% CRP 10
CRP 02
M = 19,9% F = 76,9% CRP 11 F = 89,4%
M = 23,1% F = 78,9% M = 10,5%
M = 21,1%
CRP 15
F = 75,8%
CRP 03
CRP 14 CRP 09 M = 24,2%
F = 79,8%
F = 82,4% F = 85,2% M = 20,2%
M = 17,6% M = 14,8%
CRP 16
CRP 04 F = 86,4%
F = 78,3% M = 13,6%
CRP 06 M = 21,7%
F = 85,1%
M = 14,9% CRP 05
F = 80,2%
M = 19,8%
CRP 08
CRP 12 F = 89,0%
F = 89,0% M = 11,0%
M = 11,0%
CRP 13
F = 85,8%
M = 14,2%
Passados 20 anos, os dados da pesquisa anos (CRP16 – Espírito Santo) e 31,8 anos
atual revelam que, apesar do crescimento ain (CRP12 – Santa Catarina) a 40 anos (CRP05
da mais acentuado da profissão a partir do – Rio de Janeiro) e 43,5 anos (CRP 10 – Pará
final dos anos de 1990, que leva a um con e Amapá). Tais variações se devem, prova-
tingente cada vez maior de jovens nela ingres velmente, a problemas de amostragem, espe
santes, já se percebem indicadores de uma cialmente no CRP 10, que teve uma amos-
categoria ocupacional mais madura, quer na tra bem reduzida.
idade dos seus membros, quer no seu tempo As alterações na composição da catego
de atuação profissional. Esses dados podem ria por faixa etária, sinalizadoras de um ama
ser observados na Figura 2.6. durecimento dos profissionais, podem ser
Na pesquisa nacional atual, encontramos examinadas na Figura 2.7. Proporcionalmen
uma idade média de 36,7 anos (dp = 10,1 te, hoje temos bem mais psicólogos com ida
anos), 25% da amostra possui até 28 anos; des acima dos 40 anos do que na pesqui-
50% dos psicólogos possuem até 34 anos. sa de 1980. Atualmente, contamos com pro
Trata-se, certamente, de uma categoria jovem, fissionais em estágios de carreira mais avan
mas esses indicadores apontam um avanço na çados, possivelmente consolidados, o que é
idade média em relação aos anos de 1980. A um importante elemento para compreender
idade média apresenta variações nas amostras mos as características do exercício da profis
dos diferentes conselhos regionais, indo de 30 são em comparação com o passado.
O trabalho do psicólogo no Brasil 41
CRP 13
Midade = 37 anos
Mformado = 11 anos
CRP 10
CRP 02
Midade = 44 anos CRP 11 Midade = 40 anos
Mformado = 17 anos Midade = 34 anos
CRP 01 Mformado = 13 anos
Midade = 35 anos Mformado = 8 anos
Mformado = 9 anos
CRP 15
Midade = 37 anos
CRP 14 CRP 03 Mformado = 10 anos
Midade = 37 anos Midade = 35 anos
Mformado = 11 anos Mformado = 9 anos
CRP 09
Midade = 36 anos CRP 16
CRP 04
Mformado = 10 anos Midade = 30 anos
Midade = 35 anos
Mformado = 5 anos
CRP 06 Mformado = 9 anos
Midade = 38 anos
Mformado = 12 anos CRP 05
Midade = 40 anos
Mformado = 13 anos
CRP 08
CRP 12 Midade = 35 anos
Midade = 33 anos Mformado = 10 anos
Mformado = 7 anos
CRP 13
Midade = 34 anos
Mformado = 9 anos
60,0%
50,0% 48,1%
40,0%
35,6%
33,1%
30,5%
30,0%
22,4%
20,0%
12,4% 12,4%
10,0%
3,0%
0,8% 1,6%
0,0%
Até 29 anos 30-39 anos 40-49 anos 50-59 anos Acima de 60 anos
1988 2007
Figura 2.7 Percentual de psicólogos por faixas etárias nas pesquisas de 1988 e 2007.
Fonte: Sistema Conselhos de Psicologia.
A origem social dos psicólogos proporções mais expressivas com nível supe
rior e mesmo pós-graduação.
Da mesma forma que ocorreu na pes A análise da escolaridade dos pais revela
quisa dos anos de 1980, buscou-se conhe- que mais da metade dos psicólogos advém de
cer o grau de escolaridade dos pais dos psi- famílias de mais baixa escolaridade e, prova
cólogos. Essa informação oferece pistas velmente, de mais baixa renda. No entanto,
importantes sobre a sua origem social, já ao comparar os dados obtidos no presente
que o nível de educação associa-se for- estudo com os resultados apresentados há 20
temente aos rendimentos e ao status so- anos (Conselho Federal de Psicologia, 1988),
cioeconômico. observa-se um forte aumento de pais e mães
A imagem de uma profissão liberal, for que alcançaram o nível superior, o que reflete
temente voltada para o atendimento clínico a melhoria geral do nível de escolaridade da
de segmentos sociais que podem arcar com população brasileira, embora não nos per
um custo elevado, associou-se à ideia de que mita concluir que o psicólogo, majoritaria
os psicólogos vêm de camadas médias e mente, venha dos segmentos sociais mais
altas da sociedade. Já na pesquisa de 1988, abastados da sociedade.
quando se examinou a escolaridade dos Ao comparar os dados sobre a escola
pais, percebeu-se que importante contin- ridade dos pais dos concluintes dos cursos de
gente de profissionais vinha de famílias com graduação no Brasil no ano de 2003 (dado
níveis de escolaridade média ou baixa. coletado pelo INEP no Exame Nacional de
Os resultados da pesquisa nacional atual Cursos) com os resultados obtidos na pesqui-
encontram-se na Figura 2.8 e revelam algu sa nacional do psicólogo, percebe-se que o
mas informações interessantes. A primeira nível de escolaridade tanto do pai quanto da
delas é que a escolaridade das mães é, no mãe dos psicólogos é bem mais elevado. En
geral, inferior à dos pais, que aparecem em quanto na nossa amostra o contingente de
O trabalho do psicólogo no Brasil 43
9%
Pós-graduação 17%
23%
Até o superior completo 31%
31%
Até o ensino médio completo 24%
37%
Até o ensino fundamental completo
29%
Figura 2.8 Nível de escolaridade dos pais dos psicólogos participantes da pesquisa.
N/CO
1 2 3 4 NE
SE
1 2 3 4
A formação do psicólogo tem sido obje to dos dados referentes à formação acadê
to de atenção por parte dos estudiosos an mica dos psicólogos com os dados colhidos
tes mesmo da existência legal da profis- no único estudo de abrangência nacional
são (Castilho e Cabral, 1953/1954; Dória, realizado até hoje, retratando a situação da
1953/1954)1. A partir da regulamentação, profissão em 1986 (Conselho Federal de Psi
em 1962, os estudos sobre a formação ga cologia, 1988), também evidencia o impres
nham impulso. Resultado dos debates rea sionante vigor da área.
lizados em julho de 1963 – portanto, me- O objetivo do presente capítulo é apre
nos de um ano após a promulgação da Lei sentar e analisar dados atualizados referentes
n° 4.119 – em um simpósio intitulado A si à formação básica e pós-graduada dos psi
tuação atual da Psicologia no Brasil, o tema cólogos brasileiros. Problemas específicos re
da formação aparecia com destaque2. Temas ferentes às competências profissionais e pro
como formação básica e especializada, do cedimentos específicos de qualificação e re
profissional ou do cientista, o estágio super qualificação no contexto acadêmico e pro
visionado e os estudos pós-graduados, que fissional serão objeto de tratamento especí
figuravam entre as preocupações presentes fico em capítulos subsequentes.
no Simpósio, continuam a ser estudados e Para discutir os resultados referentes
debatidos nos últimos anos3. à formação, apresentaremos alguns dados
Se os problemas postos há mais de cinco acerca da estruturação do sistema de en
décadas ainda nos acompanham, a realidade sino brasileiro nos níveis que serão objeto
da formação – graduada e pós-graduada – de análise no capítulo. Sem a pretensão de
é consideravelmente diversa. No primeiro discutir fenômenos tão complexos como
estudo de maior fôlego sobre a profissão, aqueles referentes à situação do ensino gra
Mello (1975a) analisou a situação de três duado e pós-graduado no Brasil, as indi
agências formadoras e 198 psicólogos em cações que seguem têm apenas o intuito de
São Paulo; hoje, o número de psicólogos fornecer balizamentos básicos para a análise
brasileiros ultrapassa 150 mil. O cotejamen- da formação dos psicólogos.
46 Bastos, Guedes e colaboradores
Tabela 3.1 Distribuição das instituições de ensino superior no Brasil por categoria administrativa e
modalidade (n)
Centros Outras
Categoria Administrativa Universidades Total Geral
Universitários modalidades*
Pública 92 4 152 248
Privada 86 115 1,821 2,022
Total 178 119 1,973 2,270
* Faculdades integradas, faculdades, escolas, institutos, centros de educação tecnológica e faculdades de
tecnologia.
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2006a).
Tabela 3.2 Distribuição das matrículas em cursos presenciais nas instituições de ensino superior no
Brasil por categoria administrativa e modalidade (n)
Centros Outras
Categoria Administrativa Universidades Total Geral
Universitários modalidades*
Pública 1,053.263 16,510 139.531 1,209.304
Privada 1,457.133 711,399 1,298.810 3,467.342
Total 2,510.396 727,909 1,438.341 4,676.646
* Faculdades integradas, faculdades, escolas, institutos, centros de educação tecnológica e faculdades de
tecnologia.
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2006a).
O trabalho do psicólogo no Brasil 47
984
1000
900
Privada Pública
800
700
600
500
349 347
400
300 225
0
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Tabela 3.3 Distribuição dos cursos de graduação em Psicologia no Brasil por categoria administrativa
e modalidade (n)
Centros Outras
Categoria Administrativa Universidades Total Geral
Universitários modalidades*
Pública 54 2 3 59
Privada 146 41 104 291
Total 200 43 107 350
* Faculdades integradas, faculdades, escolas, institutos, centros de educação tecnológica e faculdades de
tecnologia.
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2006a).
ções universitárias: 57,1% contra apenas tuições de caráter universitário nas quais, em
7,8% do sistema de ensino superior. Consi tese, deveria haver a associação da produção
derados em conjunto as universidades e os com a disseminação do conhecimento.
centros universitários, a distância se amplia: O aspecto seguinte, constatada a distri
enquanto na área da Psicologia, o total dessas buição das IES responsáveis pela oferta dos
instituições atinge 69,4%, no sistema de en cursos de graduação em Psicologia, diz res
sino superior, as IES dessas modalidades atin peito à sua participação na formação dos
gem apenas 13%. Em outras palavras, embora psicólogos. Os dados referentes aos con
a presença da iniciativa privada na forma- cluintes dos cursos presenciais de Psicologia
ção graduada em Psicologia seja maciça, ela é no ensino superior no Brasil, no período
predominantemente desenvolvida em insti- 2002-2006, estão ilustrados na Figura 3.2.
18000 16,836
15,822 16,111
16000 14,564
13,796
13,205 13,125 13,030
14000
11,550
12000 10,884
10000
8000
6000
3,014 2,697 3,075 3,040
4000 2,321
2000
0
2002 2003 2004 2005 2006
Figura 3.2 Distribuição de concluintes em cursos presenciais de Psicologia nas instituições de ensino
superior no Brasil, no período 2002-2006, por categoria administrativa (n).
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2006a).
156
160
Pública Privada
140
120
100
80 67
60
43
40
16 19 19
14 12
20 4 6
0
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
80 71,1%
71,1 %
70
60
pública (n=950)
50
Pública privada
(n = 950)(n=2332)
30
20
10
0
Figura 3.4 Distribuição das instituições de titulação dos psicólogos por categoria administrativa.
AtéAté
2 anos (n (n=838)
2 anos = 838) 25,1%
Entre 3 e 35eanos
Entre (n (n=737)
5 anos = 737) 22,1%
Ente 11 e1120
Entre anos
e 20 (n (n=634)
anos = 834) 19%
Entre 6 e 610
Entre anos
e 10 (n (n=573)
anos = 573) 17,2%
MaisMais
de de
20 20
anos (n (n=551)
anos = 551) 16,5%
0 20
20 40
40 60
60 80 100
100
Figura 3.5 Distribuição dos psicólogos brasileiros por tempo de conclusão do curso de graduação.
O trabalho do psicólogo no Brasil 51
2,267
2,500
2,000
1,500 1,146
925
1,000
500 157
39
0
o
al
o
do
l
na
ad
ad
t
To
tra
io
or
or
es
iss
ut
ut
Do
M
Do
of
Pr
e
do
do
tra
tra
es
es
M
M
1,184
1200
Norte Nordeste Centro Oeste Sudeste Sul
1000
734
800
600
449
385
348
400
216
211
204
156
129
200
93
86
82
56
64
23
20
30
29
12
10
4
2
2
0
Mestrado Doutorado Mestrado e Mestrado Total
Doutorado Profissional
Figura 3.7 Distribuição dos programas de pós-graduação no Brasil por modalidade e região geo
gráfica (em 2008).
60
60
50 Doutorado Mestrado
36
40
27
30
16
20 13 14
10 4
0 1 2 4
0
1966 1976 1986 1996 2008
Figura 3.8 Evolução do número de programas de pós-graduação em Psicologia no Brasil, por nível,
de 1966 a 2008.
Convém fazer uma observação acerca não se encaminha para o ensino univer
dos mestrados profissionais, modalidade sitário (Ribeiro, 2005).
de pós-graduação stricto sensu criada em
1995 por meio da Portaria nº 47/95 da
CAPES, e inexistente na área da Psicologia. A pós-graduação lato
Trata-se de um tema polêmico, cuja dis sensu: especialização
cussão não cabe neste espaço8. Contudo, é
necessário o registro de que se trata de Análises sobre a formação do psicólogo
uma modalidade de formação continuada exigem a consideração da educação conti
destinada a atender as demandas de qua nuada na forma de estudos de pós-gra
lificação sólida para atuação além da aca duação lato sensu, particularmente, as espe
demia. A proposição dessa modalidade de cializações. Tais análises são dificultadas
formação – cujas exigências são tão rigo pela forma de organização e de controle
rosas quanto às do Mestrado acadêmico – dessa modalidade de ensino no Brasil, re
associa-se à constatação de que uma parte gulada pela Resolução nº 01/ 2007 do CNE.
considerável dos egressos dos Programas Essa Resolução, que estabelece alguns pa
acadêmicos, sobretudo dos programas de râmetros de funcionamento (como a exi
mestrado, mas também dos de doutorado, gência de determinada carga horária e de
54 Bastos, Guedes e colaboradores
n = 1,755 52,6%
Especialização
n = 1,580 47,4%
n = 2,723 81,6%
Mestrado
n = 612 18,4%
n = 3,169 95%
Doutorado
n = 166 5%
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Sim Não
Figura 3.10 Distribuição dos psicólogos brasileiros por nível de titulação mais elevada.
Examinemos mais de perto esses dados ção ao estágio em que se encontra o tempo
sobre a formação pós-graduada. Na Figura de conclusão, a natureza da instituição e o
3.11 estão os dados da formação dos psicó campo do conhecimento na qual se insere a
logos pela titulação mais elevada, em rela formação.
Natureza Pública (586) – 26,9% Pública (540) – 64,5% Pública (205) – 71,7%
instituição* Privada (1594) – 73,1% Privada (297) – 35,5% Privada (81) – 28,3%
Campo Em psicologia (1765) – 76,3% Em psicologia (572) – 66,3% Em psicologia (212) – 70,7%
Conhecimento* Em outro campo (548) – 23,7% Em outro campo(291) – 33,7% Em outro campo(88) – 29,3%
*
Incluem os cursos em andamento
Figura 3.11 Distribuição dos psicólogos brasileiros por nível de titulação mais elevada e por estágio do
curso, natureza da instituição formadora e campo de conhecimento do curso realizado.
56 Bastos, Guedes e colaboradores
A maioria absoluta dos psicólogos titu- gar mais aprofundadamente esse dado, que
lou-se principalmente nos últimos cinco anos pode tanto sugerir uma busca pelas outras
em todos os níveis de pós-graduação. Quanto áreas pela escassez de oferta de oportunida-
à categoria administrativa da instituição, os des na área quanto uma constatação por parte
dados confirmam o quadro geral da oferta: dos psicólogos da necessidade de abertura
enquanto na formação pós-graduada em sen para áreas conexas com vistas à sua qualifica-
tido estrito predominam as IES públicas, na ção profissional.
especialização a relação se inverte. Finalmen Prosseguindo na investigação do signi
te, um dado interessante diz respeito à área ficado da busca dos psicólogos pela formação
na qual a formação pós-graduada ocorre com pós-graduada, na Figura 3.12 são apresentados
um percentual que varia de 23,7% a 33,7% dados das modalidades de titulação relacio
de outros campos. Seria necessário investi- nados com o tempo da formação básica.
Figura 3.12 Distribuição dos psicólogos brasileiros por tempo de graduação e nível de titulação
pós-graduada.
Figura 3.13 Distribuição do nível de titulação pós-graduada dos psicólogos brasileiros que atuam em
apenas uma área.
Figura 3.14 Distribuição das modalidades de estudos pós-graduados dos psicólogos brasileiros pela
quantidade de área de atuação e categoria administrativa dos locais de exercício profissional.
58 Bastos, Guedes e colaboradores
100 89,7
90 81,9
80
69,5 Congresso (n = 2,689)
70 64,2
Curso de curta duração (n = 2,482)
60
50,9 Curso de estudo (n = 2,136)
50 Supervisão extra-acadêmica (n = 1,951)
40 34,8 Curso de aperfeiçoamento (n = 1,810)
30 Outras (n = 739)
20
10
Figura 3.15 Formação complementar dos psicólogos brasileiros por modalidade nos últimos dois
anos (%).
O trabalho do psicólogo no Brasil 59
madamente 90% dos psicólogos participam lização dos conhecimentos e a troca de ex
de eventos, e pouco mais de 80% frequen periências.
tam cursos de curta duração. Se lembrar Mas, e a frequência de participação dos
mos que são formações complementares profissionais? Sabemos que os dados acima
àquelas modalidades de estudos pós-gra referidos dizem respeito aos dois últimos
duados mencionados no item anterior, os anos. A frequência dessas modalidades de
dados sugerem que se trata de uma catego- atividades por parte dos profissionais é apre
ria profissional preocupada com a atua sentada na Figura 3.16.
4,1
3,9
3,9
3,8
3,7
3,5
3,5
3,3
3,1 3,1
3,1
2,9
2,7
2,6
2,5
Supervisão Congresso Outras Curso de curta Grupo de Curso de
extra-acadêmica duração estudo aperfeiçoamento
Figura 3.16 Frequências médias de realização de formação complementar por tipo de formação
nos últimos dois anos.
Por meio dos dados, é confirmada a Três das modalidades de formação con
ilação feita a respeito da busca pela atua t inuada (grupos de estudo, cursos de aper
lização por parte dos psicólogos brasileiros: feiçoamento e congressos), são distribuídas
o número de eventos não deixa de ser im de maneira relativamente uniforme pelos
pressionante. Se tomarmos a participação psicólogos com diferentes tempos de forma
em congressos, modalidade de atividade ção. A supervisão acadêmica aparece mais
que cerca de 90% dos psicólogos indicaram, frequentemente entre os psicólogos com
o percentual médio de 3,8% de eventos nos menor tempo de formação (até 10 anos),
dois últimos anos é um dado expressivo. A diminuindo para aproximadamente metade
mesma análise pode ser estendida às demais da frequência nos anos posteriores. Esse
modalidades de formação complementar dado pode nos dar uma indicação de que
assinaladas pelos psicólogos brasileiros. esta última talvez deva ser considerada
Considerando que a especialização era uma modalidade de formação continuada
a modalidade pós-graduada mais frequente equivalente aos cursos de especialização,
entre os psicólogos, independentemente do enquanto que as demais são formas de
tempo de formação, com uma distribuição atualização dos profissionais.
relativamente uniforme, diferentemente das Finalmente, na Figura 3.18 são apresen
modalidades stricto sensu, decidiu-se rela tadas as modalidades de formação comple
cionar o tempo com as formas complemen mentar dos psicólogos brasileiros pela titula
tares (Figura 3.17). ção (graduada e pós-graduada).
60 Bastos, Guedes e colaboradores
Supervisão
Grupo Estudo Curso Aperfeiçoamento Congresso Outros
Acadêmica
% Sim % Sim % Sim % Sim
% Sim
Figura 3.17 Porcentagens dos psicólogos brasileiros que realizam formação complementar por tem
po de graduação.
Figura 3.18 A formação complementar dos psicólogos brasileiros por nível de titulação.
O trabalho do psicólogo no Brasil 61
Os dados mostram que quase todas as brasileiro. Mas, de fato, há uma diferença
modalidades de formação complementar na qualidade de ensino dessas diferentes
(grupos de estudo, supervisão extra-acadê modalidades de instituições? A edição de
mica, cursos de curta duração e congressos) 2006 do Exame Nacional de Desempenho
independem do nível de titulação dos psicó dos Estudantes do INEP – ENADE (Instituto
logos. Os cursos de aperfeiçoamento, por seu Nacional de Estudos e Pesquisas Educacio
turno, que exigem um tempo de dedicação nais Anísio Teixeira, 2006b) – conclui que
maior que as outras modalidades desse gru as instituições estaduais e federais tiveram
po, são mais escolhidos pelos psicólogos ape um desempenho superior às demais, com
nas graduados ou especialistas, enfim, aque médias na faixa de 4 (em uma escala de 1
les que, possivelmente, fizeram a opção pela a 5), contra a média 3, mais frequente en
carreira profissional e não pela acadêmica. tre os cursos da rede privada. Dentre as
nove instituições que receberam o conceito
máximo, oito são federais e, uma, estadual
CONCLUSÃO (de um total de 294 cursos avaliados).
Evidentemente, essas conclusões não
Com relação à formação básica do psi são definitivas. A avaliação dos cursos de
cólogo, isto é, nos cursos de graduação, exis graduação ainda é relativamente recente e
tem indícios de confirmação de uma tendên- bastante polêmica10. Entretanto, é impos
cia claramente delineada em estudos ante sível negar que se trata de uma referência
riores. Relembremos: o quadro desenhado para a discussão da qualidade dos cursos
por Gomide (1988) apontava a existência de de graduação, ainda que não seja sufi
81 cursos, dos quais 70% encontram-se na ciente. O que é possível extrair desse con
rede privada de ensino. Nos dados atuais, junto de dados sobre o ensino da gra
pode ser observado um crescimento (ainda duação é a ideia de que é necessário um
em progressão) superior a 300% e uma par olhar atento, sobretudo aguardando os im
ticipação de aproximadamente 90% do en pactos da implantação nacional das novas
sino privado. Ou seja, cerca de 80% dos psi diretrizes curriculares.
cólogos formados nos últimos anos são egres Com relação à formação pós-graduada,
sos das instituições da rede privada. os dados do presente estudo revelam um
Esses dados nos facultam uma primeira envolvimento prioritariamente voltado para
conclusão: a de que, cada vez mais, ana a modalidade profissional, especificamente
lisar a formação básica dos psicólogos bra para a especialização, com relação às mo
sileiros significa olhar para o ensino que é dalidades propriamente acadêmicas (mes
oforecido pela rede privada. Ou seja, ao trado e doutorado). Ressaltemos o fato de
discutirmos a formação, cada vez menos o aproximadamente 60% dos psicólogos que
ensino proporcionado pelas universida- responderam ao questionário ter forma-
des públicas e algumas daquelas que per ção pós-graduada (concluída ou em anda-
tencem à rede privada, confessional ou mento). A pesquisa nacional anterior (Con-
comunitárias será referência – ao menos selho Federal de Psicolgia 1988) não registra
em termos quantitativos. especificamente a situação dos estudos pós-
A afirmação acima não é casual: está graduados naquela amostra. A realidade é
subjacente uma avaliação de que o ensino que, há 20 anos, a situação da pós-gradua-
desenvolvido pelas últimas é qualitativa -ção stricto sensu na área ainda era muito
mente superior às demais, o que pode con incipiente. No ano da coleta dos dados
figurar um eventual compromisso nas con (1986), o número de cursos de mestrado
dições de formação básica do psicólogo recomendados pela CAPES era de 16 (contra
62 Bastos, Guedes e colaboradores
(Org.), Psicologia e saúde: repensando prática. Brasil. In: CFP (Org.), Psicólogo brasileiro: cons
São Paulo: Hucitec, 1992, p. 25-40. trução de novos espaços. Campinas: Átomo, 1992,
SILVEIRA, V. O. da, PINTO, F. C. de S. Reflexões p. 181-209.
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Formação e estágio acadêmico em psicologia no trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2002.
4
Escolha da profissão
as explicações construídas pelos
psicólogos brasileiros
O ser humano busca incessantemente entender o que leva a outra pessoa a estar
explicar as razões e os motivos das suas ali. Mas, sem acompanhar de perto a vida
ações. Explicar ou dar sentido ao compor daquela pessoa, é pouco provável o êxito na
tamento pessoal e ao das outras pessoas inferência de quais seriam suas razões. Per
ajuda a dotar de significado as interações guntar diretamente a ela seria uma alter
sociais e a tornar inteligíveis os eventos nativa para aceder a essa informação.
comportamentais ao redor (Bruner, 1997; Apesar de se admitir que as respostas
Malle, 2006). A ação humana possui duas do agente nem sempre expressam suas in
faces: uma delas é acessível diretamente tenções conscientes, quer por vontade pes
por meio da observação, enquanto o aces- soal de dissimular as reais intenções, quer
so à outra acontece de modo indireto, via involuntariamente, decorrente do autoen
enunciação do ator social. Alguém que es- gano, até o momento não é possível ler a
teja descansando em um banco de praça, mente de outras pessoas e, para dar sentido
ao observar uma pessoa aproximar-se, ar às suas ações, é necessário confiar no que
mar um tabuleiro de cartões telefônicos, elas dizem. Por que o ser humano almeja
colocando um cartaz com os dizeres “Alugo tanto dar sentido às próprias ações e às de
ou vendo cartões telefônicos”, dificilmente outrem? Em parte, porque necessita ter a
teria dúvidas de que ela planejou estar ali ilusão de que os acontecimentos estão sob
para vender cartões. Essa é a faceta obser seu controle pessoal e não são meros frutos
vável da ação. O observador pouco saberia do acaso, tema que há muitos anos ocupa
dizer, todavia, sobre as razões de ela estar um lugar importante na agenda dos estudos
ali. Seria essa sua ocupação principal? Es em psicologia social (Malle, 2006).
taria desempregada e, nesse caso, o caráter A necessidade de ter controle sobre as
da atividade seria temporário? Estaria satis reais intenções que movem as ações huma
feita com essa forma de ganhar a vida? Tan nas emerge em diversos momentos da vida
tas outras indagações afluiriam à mente do pessoal, em especial quando se decide sobre
observador, atiçadas pela curiosidade de a carreira profissional. Há uma forte crença
O trabalho do psicólogo no Brasil 67
de que as pessoas que optam pela carreira sobre o psicólogo. O foco dado na pesquisa
orientados por motivos ou razões internas, foi a atribuição de motivos internos e ex
ou seja, pela afinidade de interesses e o ternos na decisão profissional. Motivos in
domínio de habilidades, tornam-se mais sa ternos dizem respeito à ênfase dos interes-
tisfeitas, comprometidas e identificadas com ses e das habilidades pessoais na deter
sua carreira do que aquelas que, porventura, minação da escolha da profissão e da área
o tenham feito movidas por razões externas, de atuação. Motivos externos, em contra
ou seja, oportunidades de mercado, status partida, sugerem que a escolha decorra da
social, remuneração elevada e influência de atratividade da remuneração, do status so
terceiros. Embora não haja incompatibili- cial da profissão e das oportunidades de
dade entre motivos internos e externos, pois mercado. Para finalizar, são feitas consi-
a racionalidade humana torna previsível a derações sobre as repercussões desses re-
busca de equilíbrio entre ambos, a tendên- sultados no tipo de vínculo que o psicólo-
cia é dar maior importância aos motivos go estabelece com sua profissão e sua área
internos para a realização pessoal, o que é de atuação, e também sobre a formação
bastante valorizado no campo da psicologia. profissional.
Em outras palavras, a escolha de carreira
ideal é aquela que permite realização pes
soal e a obtenção concomitante de remu O processo de escolha
neração e status social elevados. Não sendo profissional
possível obtê-los em conjunto, é bem pro
vável que aqueles que se identificam com a Crites (1974) categorizou as teorias
carreira se percebam mais realizados profis da escolha vocacional em psicológicas e
sionalmente do que os que fizeram sua op não psicológicas. As teorias não psicológicas
ção apenas para atender a interesses alheios atribuem os fenômenos de escolha vocacio
ou de mercado (remuneração e status). nal a fatores externos ao indivíduo. Dentro
Dada a importância da qualidade do dessa categoria estão as teorias econômicas,
vínculo com a profissão para o desenvol as abordagens culturais ou sociológicas e a
vimento de uma área de conhecimento apli teoria do acidente.
cada, como é o caso da psicologia, torna-se As teorias econômicas expressam o
justificável a preocupação em compreen- pensamento dos economistas clássicos do
der os motivos que levam as pessoas a esco século XVIII (Adam Smith, por exemplo),
lhê-la. A força da identidade profissional, a que consideravam que os empregos com
observância de princípios éticos no exercício salários vantajosos são determinados pelas
da profissão e o compromisso com a qua leis da oferta e da procura. Na teoria eco
lificação e a atualização dependem da qua nômica, os indivíduos tendem a escolher os
lidade e da intensidade dos vínculos esta empregos mais vantajosos que, por sua vez,
belecidos. entram em um processo de saturação e
Este capítulo tem como objetivo discor perdem sua atratividade. Essa visão supõe
rer sobre as razões que levam os psicólogos que motivos econômicos e utilitários orien
a escolher a sua profissão e a área de atua tam as decisões humanas, em especial, as
ção. Inicialmente será apresentada uma decisões de carreira. Em uma abordagem si
parte teórica sobre o processo de escolha milar, Moy e Lee (2002) argumentam que
profissional para, em seguida, observarem- as decisões de carreira são baseadas nas
-se os motivos de escolha de psicólogos vantagens ou desvantagens do emprego pa
disponíveis na literatura, relacionando-os ra os interesses dos indivíduos, a exemplo
aos resultados da última pesquisa nacional da proposta salarial e das condições de tra
68 Bastos, Guedes e colaboradores
pessoas que ali desenvolvem suas ativida- tereótipos. O autor assinala que “assim como
des profissionais gozam de uma reputação julgamos as pessoas por suas amizades, suas
razoavelmente definida em nossa cultura roupas e seus atos, também as julgamos por
(estereótipos ocupacionais). Assim, os artis- suas vocações” (Holland, 1996, p. 9). E o in
tas são percebidos como emotivos e excên teresse por uma ocupação está associado à
tricos; os cientistas, vistos como introspec- percepção de que se obterá aceitação e su
tivos e intelectuais e os psicólogos, como cesso em determinado ambiente de trabalho.
capazes de descobrir facetas do comporta Portanto, a escolha ocupacional é também a
mento humano que se mostram inacessí- busca de um ambiente no qual o indivíduo
veis ao próprio ator. irá encontrar pessoas que compartilham dos
A formação e a tradução do autoconceito seus valores e de suas características pes
vocacional não se dão, portanto, em um vácuo soais. E, a partir de um estereótipo, cada
social. O indivíduo constrói percepções sobre ocupação atrairá e reterá pessoas com per
si mesmo a partir dos significados que o seu sonalidades similares. A escolha da psico
ambiente sociocultural lhe transmite. Sendo logia, por exemplo, será mediada pelo con
assim, os estereótipos ocupacionais acabam ceito vigente, em determinado contexto so
por funcionar como guias e condicionantes ciocultural, do que seja o trabalho e o tipo
importantes das escolhas profissionais. Um de pessoa que atua nessa profissão. E, nesse
jovem com aptidões verbais pode se considerar processo, forma-se uma cultura profissional
vocacionado para a carreira jurídica à medida que atrairá e reterá aqueles que se iden
que a relação entre o “dom da oratória” e a tificam com esses valores e comportamentos.
profissão de advogado é reforçada nas intera A teoria parte da premissa de que os este
ções sociais e também difundida reiterada reótipos contêm conhecimento válido e fi
mente nos meios de comunicação de massa. dedigno sobre diferenças entre pessoas e
Essas ideias estão presentes no consa entre ambientes de trabalho. As seis cate
grado modelo da escolha vocacional de gorias de pessoas e ambientes descritas pelo
Holland (1996). O modelo propõe que, em autor receberam confirmação empírica rele
nossa cultura, as pessoas e os ambientes de vante nos últimos 50 anos e o modelo se
trabalho podem ser classificados em seis tipos: tornou hegemônico no campo da avaliação
realista (prático, valoriza recompensar mate de interesses vocacionais.
riais por conquistas tangíveis), investigativo Por outro lado, em uma perspectiva crí
(analítico, valoriza aquisição do conhecimen- tica, as ocupações, ou mesmo as pessoas,
to), artístico (aberto à experiência, valoriza a sofrem transformações que acompanham
expressão criativa de ideias), social (empáti- mudanças tecnológicas, econômicas e so
co, valoriza o bem-estar do outro), empreen ciais. Estereótipos ocupacionais, portanto,
dedor (persuasivo, valoriza status social) e podem ser guias inadequados ou incom
convencional (metódico, valoriza conquistas pletos para escolhas profissionais. E mui-
materiais e status social). O autor esclarece tos jovens, ainda insuficientemente infor
que essas seis categorias de ambientes e incli mados sobre o mundo do trabalho, não são
nações vocacionais tendem a se reproduzir capazes de questionar as imagens e con
nos planos social e cultural pela veiculação e ceitos que aprenderam sobre os tipos de
pela manutenção de estereótipos sobre áreas pessoas e requisitos pertinentes as diver-
profissionais. Os indivíduos buscam ambien- sas ocupações.
tes adequados às suas características, tal co Em resumo, as teorias não psicológicas e
mo no modelo de Parsons (2005). Porém, psicológicas incorporam concepções distintas
Holland (1996) acrescenta que essa busca de como ocorre o processo de escolha profis
tende a ser orientada e influenciada por es sional, conforme ilustrado na Figura 4.1.
70 Bastos, Guedes e colaboradores
– Determinação socioeconômica
Teorias não psicológicas – Lei da oferta e da procura
– Empregos vantajosos com poder atrativo
– Carreira determinada
Figura 4.1 Processo de escolha profissional nas teorias não psicológicas e psicológicas.
Se, de um lado, as teorias não psicológicas pelos estereótipos ocupacionais, pelas oportu
realçam a importância da dinâmica do mer nidades no mercado, pelo status social, pela
cado no surgimento e na extinção de carreiras remuneração, as teorias psicológicas afirmam
profissionais ao assumir um papel decisivo no que o autoconceito vocacional (afinidades en
grau de atratividade que elas exercem sobre tre a profissão e a pessoa) é base das decisões
as decisões pessoais, as teorias psicológicas sobre carreira.
trazem o ponto de vista de que a carreira é um Para fins de simplificação, o processo de
processo de construção dinâmico entre habi escolha de uma profissão envolve uma di
lidades, interesses e capacidades individuais versidade de elementos que, todavia, inte
(contexto da pessoa) e as características ocupa gram dois grandes polos: fatores internos ou
cionais (contexto social e de mercado). Apesar intrínsecos e fatores externos ou extrínsecos,
de não ignorarem a influência social exercida representados na Figura 4.2.
Fatores internos
vocação, habilidades, valores, interesses,
traços pessoais, liberdade de escolha
Fatores externos
mercado de trabalho, valor social, remuneração,
pressões sociais e familiares
5,99
Escolha – fatores internos
1,00 1,50 2,00 2,50 3,00 3,50, 4,00, 4,50 5,00 5,50, 6,00
Internos Externos
x = 5,99 x = 2,86
Influência
Pessoas (5,75) Remuneração
(2,53)
Vocação (6,09)
Status
(2,94)
Liberdade (6,1
1) Mercado
(3,09)
Figura 4.4 Itens dos fatores externos (à direita) e internos (à esquerda) da escolha profissional.
O trabalho do psicólogo no Brasil 73
Em conformidade com a literatura so que, uma vez tendo escolhido sua profissão
bre o assunto, os resultados de Bester e de modo livre e adequado às suas carac
Mouton (2006) também revelam níveis terísticas pessoais, qualquer profissional
elevados de satisfação intrínseca do psicó apresentaria um elevado comprometimento
logo com o trabalho quando comparados à afetivo com a natureza do seu trabalho. Po
satisfação extrínseca. Ao pesquisar uma rém, não se pode generalizar. Pesquisas an
amostra de estudantes e profissionais de teriores apontam que diferentes categorias e
administração, Bastos (1997) também en interesses profissionais estão associados a
controu maior peso atribuído aos fatores diferentes tipos de motivação e de envol
internos, apesar de a diferença entre fatores vimento com o trabalho (Amabile et al.,
internos e externos não ter sido tão acen 1994; Magalhães, 2005). Enquanto alguns
tuada quanto a encontrada entre psicólogos, escolhem suas carreiras a partir de critérios
o que revela diferenças de traços de cul- como status e remuneração, outros se preo
tura profissional. cupam em obter oportunidades de autoex
No âmbito internacional, o estudo de pressão.
Lee (2005) aponta para os fatores internos A Figura 4.5 ilustra o peso dos fatores
como principais influenciadores no processo internos e externos por titulação acadêmica,
de escolha da profissão para quase 67% da tipo de inserção profissional, tempo de for
sua amostra de estudantes do curso de mado e abordagem teórica que orienta o
psicologia na Coreia do Sul. Outros autores, trabalho do psicólogo.
como Nathan, Lubin e Matarazzo (1981), Uma vez mais se confirma que as médias
já haviam observado que os interesses vo- dos fatores internos de escolha para todas as
cacionais e o comprometimento de car- variáveis se apresentam mais elevadas que
reira de psicólogos não estavam significa as dos fatores externos. Não há diferenças
tivamente associados à magnitude da re entre psicólogos que atuam como autônomos
muneração. ou se encontram inseridos nos setores públi
Em resumo, as características da ocupa co, privado ou terceiro setor. Tampouco há
ção do psicólogo e da cultura ocupacional distinções pela titulação máxima dos psi
predominante em seus ambientes de atuação cólogos, tempo de formado e abordagem
parecem atrair pessoas interessadas em teórica que dá sustentação à prática profis
compreender a complexidade do ser huma- sional.
no e ávidas por usar tal conhecimento para
ajudar os demais (Carvalho et al., 1988;
Cunha, 1979; Magalhães et al., 2001; Taka A escolha da área de atuação
hachi, Santos e Lisboa, 1987). Em outras
palavras, o prazer de ser psicólogo é mais Ao dirigir a análise para a escolha da
importante do que as condições em que o área de atuação, o que se observa é que os
trabalho é exercido (Carvalho et al., 1988). fatores internos têm o mesmo peso elevado
Os dados aqui apresentados estão con da escolha da profissão. No entanto, cresce
gruentes também com os que constam no também o peso dos fatores externos. Os
Capítulo 14 deste mesmo livro, sobre o com psicólogos afirmam que escolhem, majori
prometimento com a profissão, em que fica tariamente, a área de atuação de forma livre
evidenciado que os psicólogos são profis (escore médio de 5,87) e guiados por sua
sionais com forte vínculo afetivo com o tra vocação (escore médio de 5,84). Entre os
balho. Essa vinculação sugere estar associada fatores externos, destaca-se o fato de que tal
ao conteúdo da tarefa e às oportunidades de escolha, diferente da profissão, não sofre a
expressão de vocações. Poderia se pensar influência de pessoas importantes. Trata-se,
74 Bastos, Guedes e colaboradores
Figura 4.5 Média dos fatores internos e externos por tipo de inserção, titulação, tempo de formado
e abordagem teórica.
Figura 4.6 Médias da importância dos fatores internos e externos para a escolha de cada área de
atuação.
INTERNOS EXTERNOS
PROFISSÃO 5,99
2,86
5,85
ÁREA 3,47
Figura 4.7 Médias da importância dos fatores internos e externos para a escolha da profissão e da
área de atuação.
Quadro 4.1 Caracterização dos psicólogos que responderam à questão dos motivos de escolha da
psicologia
Ano de
Participantes CRP Sexo Idade Titulação Área de atuação*
conclusão
Participante 1 CRP/03 2001 Feminino 31 Mestrado Psicologia Organizacional
e do Trabalho (PO&T)
Participante 2 CRP/03 2006 Feminino 26 Especialização PO&T
Participante 3 CRP/03 2005 Feminino 25 Mestrado PO&T
Participante 4 CRP/12 2005 Masculino 30 Graduação Psicologia Clínica
Participante 5 CRP/12 1993 Feminino 39 Especialização Psicologia Clínica
Participante 6 CRP/07 2004 Feminino 43 Graduação Psicologia Clínica
Participante 7 CRP/01 2005 Masculino 28 Graduação Psicologia Hospitalar
Participante 8 CRP/03 1992 Feminino 42 Doutoranda Psicologia Clínica
e Hospitalar
Participante 9 CRP/03 1999 Feminino 33 Especialização Psicologia Clínica e
Recursos Humanos
Participante 10 CRP/02 1996 Feminino 57 Especialização Saúde Pública
Participante 11 CRP/06 2004 Feminino 27 Mestre Neuropsicologia
Participante 12 CRP/01 2003 Feminino 27 Doutoranda Psicologia Escolar
Participante 13 CRP/05 1984 Feminino 46 Mestrado Psicologia Jurídica
Participante 14 CRP/01 1995 Feminino 39 Mestrado Psicologia Social e Jurídica
Participante 15 CRP/03 2006 Masculino 27 Graduação Psicologia Social
Participante 16 CRP/08 2003 Masculino 37 Mestrado Não informou
* A descrição da área de atuação foi feita pelo próprio participante.
busca pela
poucas informação
orientação profissional
de mercado
“Escolhi a psicologia com base em pouquís processo de orientação profissional com uma
sima informação sobre a profissão (remune psicóloga... Acho que foi bom fazer orien
ração, oportunidades de mercado, etc.), prin tação profissional, pois ajudou a me conhecer
cipalmente se comparado a hoje. Na verdade, mais e perceber características como: curio
eu só sabia que queria fazer algo na área de sidade, capacidade de expressão verbal e es
humanas e fiquei em dúvida entre psicologia crita e interesse por trabalhar com pessoas.”
e direito. Depois de escolher, passei por um (participante 1)
O trabalho do psicólogo no Brasil 77
da
A frustração após as experiências iniciais nos diversos contextos sociais (por exemplo,
levou-o a refletir criticamente sobre sua es violência doméstica e processo de adoeci
colha anterior com o consequente abandono mento). A conclusão a ser extraída é a de
do curso. A aproximação da psicologia ocor que, se a psicologia pode ajudar a si mesmo
reu pela crença na afinidade de interesses e (promover o autoconhecimento e a resolução
de habilidades pessoais com as caracterís- de problemas por meio de psicoterapia),
ticas da profissão – o que revela o peso do serve para ajudar os outros também.
autoconceito vocacional na segunda escolha
(Super, 1963) (ver Figura 4.9). “Fiz terapia durante praticamente toda a
minha adolescência e estabeleci um vínculo
O terceiro padrão da escolha, exem
muito forte com a psicóloga, achei o tra
plificado na Figura 4.10, refere-se à expe balho dela sério, engajado e responsável.
riência anterior com processos psicoterápi- Como na minha família não tinha psicólo-
cos. A identificação com o psicoterapeuta gos, acredito, então, que a escolha se de-
une-se à imagem social de um profissional veu à identificação com aquela profissional”.
que compreende os fenômenos ocultos pelas (participante 3)
aparências e os problemas comportamentais
78 Bastos, Guedes e colaboradores
identificação psicologia
compreender a violência
doméstica compreender fenômenos
por trás das aparências
ser ajudado e ajudar os outros
compreender o processo de adoecimento
resistência
juventude
riqueza de oportunidades de atuação
pressão da família
imagem negativa
psicologia
“A minha escolha pela Psicologia se deu após O sexto padrão foi o da escolha tardia.
o meu primeiro ano do ensino médio, quan Nesse caso, o profissional já fez sua escolha
do tive a oportunidade de trabalhar a disci e seguiu adiante até sua aposentadoria. Em
plina de Filosofia. Ali conheci a Psicologia e bora durante o período em que esteve vin
me identifiquei completamente. Posso dizer,
culado à outra carreira tenha se dedicado a
então, que minha escolha foi por afinidade à
atividades relacionadas à psicologia, somen
ciência.” (participante 2)
“Escolhi a profissão por vontade própria, mas te após a aposentadoria foi possível apli-
ela foi despertada pelos contatos que estabeleci car-se inteiramente à psicologia, especial
no ensino médio com um professor de Psi mente porque não havia mais necessidade
cologia que, avaliando o meu interesse, trazia de vê-la como uma forma de obter remu
alguns textos para me informar mais sobre a neração, mas apenas de realização pessoal e
matéria.” (participante 7) de autoconhecimento (ver Figura 4.13).
experiência positiva
permitiu
professor de psicologia
estudar conhecer
motivou
realização pessoal
permite o autoconhecimento
“A decisão de fazer um curso superior, ape ceito vocacional. Amigos, familiares e a pró
sar de desejada desde cedo, só veio a ser pria pessoa identificavam atributos pessoais
concluída aos 45 anos, quando estava apo (capacidade de ouvir, ser confidente) com
sentada. Então, é compreensível se deduzir patíveis com os estereótipos ocupacionais
nessa idade, já é mais fácil uma escolha,
do psicólogo. A escolha, portanto, decorreu
bem como o fato de já ter exercido uma
da constatação de que havia vocação para a
atividade profissional, já contava com um
salário de aposentadoria e podia, na opor psicologia.
tunidade, escolher uma profissão mais para “Acredito que os achados citados condizem
uma realização pessoal do que para uma com a minha decisão pela Psicologia, sim!
remuneração ou qualquer outro fator exter Escolhi a Psicologia, pois acredito no diálogo
no, apesar de tudo isso ser importante.” e nas relações humanas. Além disso, sempre
(participante 10) tive vontade de trabalhar com pessoas e es
cutá-las. Sempre fui aquela amiga da turma
O sétimo e último padrão de escolha que ‘adora ouvir’ e é escolhida para os ou
(ver Figura 4.14) diz respeito ao autocon- tros ‘desabafarem’.” (participante 11)
psicologia
enfatiza
imagem de pessoa que sabe ouvir os amigos
relações humanas
ajuda
às demais pessoas
facilitam inserção
O segundo padrão (ver Figura 4.16) ex percebi que minha vocação estava no ´front´
pressa a frustração que alguns psicólogos – o atendimento às pessoas, principalmente
encontram na sua primeira opção. O desejo no âmbito do serviço público. Fiz um pri
de continuar na psicologia, sendo mais bem meiro concurso para a Secretaria de Saúde
remunerado, pode levar os psicólogos a plei do Estado do Rio de Janeiro. Tive um per
tearem postos em outras áreas mais promis curso longo na área de Saúde, na qual tra
soras (fatores externos). A identificação viria balhei por 12 anos... Esse trabalho foi gra
tificante... A baixa remuneração paga aos
como consequência da constatação de que a
profissionais da saúde foi decisiva para
área aparentemente estranha mantém afi
minha decisão de fazer o concurso para o
nidades garantindo a transferência de apren
Poder Judiciário ... e eu me candidatei a uma
dizado de modelos de atuação entre áreas vaga de psicóloga judiciária sem ter qualquer
aparentemente distintas da psicologia. empatia especial por essa área... Hoje estou
absolutamente feliz com essa área de atua
“Fiz mestrado em psicologia clínica, mas não
ção.” (participante 13)
me identifiquei com a área acadêmica. Logo
mudança
área de atuação
ticipação em grupos de estudos e de pesqui- as que são requeridas por um psicólogo. Ser
sa como bolsista ou voluntário contribui pa- psicólogo é uma questão de realização pes
ra a formação científica e torna factível o soal (fator interno) mais que uma oportu
aprofundamento de questões que são tratadas nidade de ascensão na trajetória de carreira,
de modo superficial no curso de graduação. de segurança financeira e de status social
(fatores externos).
“Desde meu segundo semestre da faculdade, Em relação à área de atuação, a escolha
participo de grupos de estudos em diferentes assume contornos diferenciados. Os fatores
áreas – o que possibilitou que eu experi
externos exercem um papel fundamental.
mentasse distintas vertentes da psicologia.
Foi a partir dessa experiência que acabei fa
As experiências durante o processo de for
zendo iniciação científica e me aprofundando mação ou como profissional inserido no
cada vez mais na neuropsicologia (que é a mercado interferem na decisão. A escolha
minha área escolhida).” (participante 11) pode tanto decorrer da fuga de área mal re
munerada quanto da riqueza das oportu
Em síntese, os padrões de escolha arro nidades de experiências de aprendizado du
lados acima deixam evidente que a psicolo- rante a formação superior. Neste último ca
gia exerce um poder extremamente atrativo. so, as ofertas de estágio e de participação
Quer a escolha seja feita precoce, quer tar em grupos de pesquisa favorecem o processo
diamente, as pessoas avaliam haver afini de identificação com uma área de atuação
dades entre suas características pessoais e antes da conclusão do curso.
experiência
interesses
durante
grupos de estudos
diversificados
por temas da psicologia
período de formação
iniciação científica
riqueza e a variedade de oportunidades ofe Krawulski, E.; Patrício, Z. M. Por que as pes
recidas durante o período de permanência no soas escolhem a psicologia como profissão? Em
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5
Inserção no mercado de trabalho
os psicólogos recém-formados
por conhecimentos específicos para o exer trada dos recém-graduados nos mercados.
cício de muitas atividades torna a graduação Frequentemente, o mercado coloca como
uma condição insuficiente para o exercício critério de recrutamento a comprovação de
profissional. Essas demandas estão transfor algum curso específico, além do diploma de
mando atividades tradicionais em novas pro graduação. Essa prática é um obstáculo in
fissões ou abrindo o leque das especializa tegrado recentemente aos mercados de tra
ções, como é o caso de cuidadores de crian balho e é aplicável tanto aos profissionais
ças, de agentes de seguros e de acompa empregados quanto aos autônomos, em di
nhamento terapêutico. Além disso, constata- versos campos ocupacionais. Ou seja, exige-
se uma reterritorialização de atividades que se dos recém-formados alguma inserção
redefine fronteiras, relativizando o diploma prévia em tarefas mais especializadas. De
de graduação, como tem sido observado na certa forma, a “habilitação” é configurada
diversidade encontrada em funções de ges não somente pelo diploma, mas também
tão, por exemplo. Pesquisa recente, realizada pelos “valores agregados” às competências
pela Associação Brasileira de Recursos Hu e pela trajetória profissional. Os dados do
manos (ABRH, 2008), revelou que os Admi segmento da pesquisa que investiga a pro
nistradores e os Psicólogos estão tecnica fissionalização inicial dos psicólogos podem
mente empatados na ocupação do cargo de ser analisados sob esse ponto de vista, ou
chefe de gestão de pessoas. Se esse dado for seja, como alguns indicadores que podem
confrontado com o fato de que os cursos de esclarecer os primeiros contatos do psi-
psicologia preparam os psicólogos de forma cólogo com o mercado. Para a análise da
bastante precária para essa função, constata- questão-fim deste capítulo, tomou-se da
se que esses profissionais estão disputando pesquisa o conjunto de dados produzidos
esse cargo com os administradores que, por sobre os sujeitos que possuem até dois anos
sua vez, pelo menos em tese, recebem uma de tempo de graduação e, portanto, ainda se
formação mais voltada para o exercício des encontram na etapa de socialização de sua
ses cargos. Essa constatação da pesquisa da identidade profissional, isto é, ainda na fase
ABRH revela a reterritorialização profissio de busca, configuração e legitimação de seu
nal no campo da gestão. A situação é análo engajamento ocupacional como psicólogos.
ga em todos os outros campos profissionais. O exame dos dados disponíveis sobre o seg
Essa dinâmica profissional é confirmada mento de psicólogos recém-formados propi
pela disseminação dos cursos de especia cia uma subamostra de 835, ou 24,9% de
lização, extensão e pós-graduação. Em bus todos os sujeitos (Figura 5.1). Essa subamos
ca de habilidades para atingir a condição tra é o objeto de análise neste capítulo.
de especialização flexível e uma bagagem Com o objetivo de organizar as dife
carregada de “competências portáteis”, ou rentes informações que essa subamostra
seja, que podem ser utilizadas em várias si- oferece, este capítulo está organizado em
tuações de atuação profissional, os profis três seções. A primeira é dedicada ao es
sionais têm participado desses cursos, obs crutínio das características dos recém-for
curecendo as fronteiras entre as profissões. mados. A segunda é dedicada a algumas
Esse fato, hoje muito frequente, está com condições que estes neófitos encontram
plicando a separação entre profissionaliza em sua inserção profissional e, a terceira,
ção e “habilitação”, dois conceitos clara é dedicada à compreensão das contingên
mente distintos, há pouco mais de uma dé cias “internas” do primeiro emprego. Co
cada. Esse olhar sobre o curriculum profis mo fechamento do capítulo, são apresen
sional em busca de “habilitação” e de po tadas algumas considerações visando à sis
tencialidades coloca obstáculos para a en tematização dos resultados mais signifi-
O trabalho do psicólogo no Brasil 87
3,353
4000
3500
3000
2500
2000
1500
834
1000
500
0 Amostra geral
Recém-formados
Figura 5.1 Comparativo entre número total de psicólogos pesquisados e amostra de recém-gra
duados, em números absolutos.
Fonte: Dados do questionário online aplicado.
cativos e à síntese daquilo que esta par- se a viabilidade, a visibilidade, o acesso não
te da pesquisa agrega à profissionalização problemático e a potencialidade de realiza
dos psicólogos. ção pessoal e profissional que o ser psicó
logo oferece ao jovem brasileiro. Os dados
da pesquisa não permitem a incursão nes-
CARACTERÍSTICAS DOS sas diversas possibilidades, mas pode-se
PSICÓLOGOS RECÉM-GRADUADOS concluir, sem receio de qualquer exagero,
que a constatação da porcentagem de 1/4
A análise dos dados fornecidos pelos dos profissionais serem recém-formados é
sujeitos dessa subamostra revela poucas um indicador da possibilidade e da confian
surpresas sobre a profissão de psicólogo. Se ça que a profissão oferece para o engaja
essa proporção de 24,9% de recém-forma mento ocupacional e da potencialidade de
dos corresponder à população de psicólogos realização pessoal, econômica e social. Esse
neófitos de todo o país, pode-se conside- dado e as hipóteses que dele decorrem per
rar a hipótese de que essa profissão encon- mitem a consideração de que os psicólogos
tra-se em ritmo de crescimento positivo. Há podem ser uma força transformadora da
suficiente escolha da profissão de psicólogo sociedade brasileira.
para repor e expandir a população já cons Além do crescimento constatado, um
tituída dessa profissão. Isso quer dizer que olhar sobre as características dos sujeitos
ser psicólogo é um caminho profissional dessa subamostra revela outros aspectos re
que interessa e motiva os jovens, uma vez lacionados à evolução da profissão de Psi
que não se constata falta ou queda de novas cólogo que esclarecem tendências da socie
escolhas para essa ocupação. Tal hipótese dade, assim como revelam problemas. Na
estimula outra questão: “qual a razão ou o Figura 5.2 estão ilustrados alguns dados
motivo desse interesse por ser psicólogo?”. que são indicadores da dinâmica da profis
Merecendo receber apostas como possíveis são de Psicólogo e de sua interface com a
boas respostas a essa questão, encontram- sociedade brasileira.
88 Bastos, Guedes e colaboradores
IDADE/SEXO
Feminino: 83,9%
Entre 24 e 26 anos: 51,4% Masculino: 16,1%
MORADIA
escolaridade-pais
PAI: MÃE:
Pós-Graduação: 15,3% Pós-Graduação: 11,6%
Superior completo: 30,0% Superior completo: 23,6%
Médio completo: 23,6% Médio completo: 28,0%
Outros: 9,6% Outros: 36,8%
Privada 75,7%
Pública 24,3%
Outro aspecto que chama atenção nas da busca seu espaço profissional. Provavel
características dos psicólogos recém-forma mente, essas porcentagens refletem as con
dos é a sua distribuição nas diversas regiões dições de mercado às quais os psicólo-
do país. A concentração mais alta de psi gos estão sujeitos. Os empregos e as opor-
cólogos está alocada nas regiões Sudeste e tunidades de trabalho autônomo andam
Sul (Figura 5.4), exatamente onde são ofe- em correlação com as atividades e o dina
recidos mais cursos de Psicologia e onde, mismo econômico e cultural. Como a Psi
também, se constata a concentração de ati cologia oferece significativa amplitude de
vidades econômicas industriais, de servi- engajamentos profissionais, com diferentes
ços e comerciais. Na Figura 5.10, verifica- especializações e tipos de instituições, fica
se, igualmente, a proporção dos recém-for difícil o levantamento de hipóteses que di
mados que já estão engajados na profissão recionem a compreensão dos porquês. Mes
(351 sujeitos, ou seja, 41,5% do total de 835 mo assim, é de conhecimento público que
formados) e daqueles que ainda não conse muitas instituições nas áreas social, de saú
guiram essa meta (58,5%). Chama a aten de, de trabalho e de educação ainda não se
ção do leitor o fato de que, nas regiões Sul, estruturam para demandar a atuação de
Sudeste e Norte, a maioria dos recém-for psicólogos, utilizando serviços de pessoas
mados já encontrou emprego, enquanto nas “habilitadas” ou de profissionais mais ex-
regiões Nordeste e Centro-Oeste, ao con perientes que aceitam salários de trainees,
trário, a maioria dos recém-graduados ain ou profissionais de áreas fronteiriças com a
3,1
Norte
2,7
7,4
Centro-Oeste
10
Recém-formado
com 1º emprego
Recém-formado sem
17,7
Nordeste a 1ª inserção no
19,1 mercado de trabalho
28,5
Sul
25,2
43,3
Sudeste
42,7
0 10 20 30 40 50
Figura 5.4 Comparativo entre a distribuição dos profissionais recém-graduados e que possuem
primeiro emprego por região do país, em percentuais.
Fonte: Dados do questionário online aplicado.
O trabalho do psicólogo no Brasil 91
Psicologia, como é o caso dos psiquiatras ção de sua formação, com a experiência de
em clínicas e hospitais e dos pedagogos, trabalho, o parâmetro de 5 salários míni
nas escolas. Esse resultado é um importan- mos o coloca acima da grande maioria dos
te sinal para orientar as políticas públicas trabalhadores do país. Além disso, o fato de
relativas à profissão do psicólogo. Talvez, 21% receber entre 6 e 8 salários mínimos
em regiões como o Nordeste e Centro-Oes revela que alguns setores e algumas insti
te, fosse necessário um projeto dedicado tuições valorizam as atividades dos psicó
ao investimento na viabilização profissional logos ou que a profissão está inserida na di
dos psicólogos. Essa é uma hipótese plau nâmica da competitividade. É possível que
sível, porém, não deixa de ser uma suposi a alta porcentagem de oferta ainda dispo
ção que não avançará sem o apoio de mais nível de profissionais recém-formados (Fi
dados empíricos. gura 5.4) seja um dos fatores que contri-
Outro aspecto importante do estudo bua para o achatamento médio da remu
das profissões está nos padrões e nas prá neração. Provavelmente, alguns profissio-
ticas de remuneração. O trabalho, além de nais têm mais de um emprego, fato que po
ser uma função psicológica, por meio do de alterar a interpretação dos dados expres
qual o individuo se realiza e viabiliza pro sos na Figura 5.5. Os problemas e as hipó
jetos pessoais, também goza do status de teses propiciados pelos dados disponibili
função econômica. É por meio do trabalho zados nessa pesquisa instigam a necessidade
que as pessoas provêm recursos para a sua do aprofundamento e da expansão da inves
sobrevivência. Sob esse aspecto da profis tigação da profissionalização dos psicólogos
sionalização, os psicólogos apresentam al para se ter uma visão da dinâmica comercial
guns problemas. O primeiro dado que apa desses profissionais. Talvez, estudos longitu
rece da leitura da Figura 5.5 é a disper- dinais sejam mais esclarecedores.
são e a irregularidade na remuneração. En Em uma sociedade competitiva, com ex
quanto 26,2% da amostra total de psicólo cedente de oferta, dentro de um contex-
gos ganha algo igual ou superior a 10 sa to que é caracterizado pela rápida inovação
lários mínimos, 42,7% ainda não atingem em tecnologia e em formas de gestão, a in
5. Essa dispersão revela a existência de pos serção profissional demanda dos psicólogos
síveis disparidades entre as áreas de espe tanto controle quanto investimento sobre
cialização, como educação, trabalho e saú sua atualização, para evitar os riscos da mar
de, também entre serviço público e priva- ginalização profissional, como vem sendo
do e entre tempo integral e tempo parcial. comum hoje em dia. Essa questão chama o
Não há padrões uniformes de remuneração. interesse do pesquisador para as formas de
Ser psicólogo é uma profissão muito estrati atualização profissional que também atin-
ficada por diversas categorias de deman- gem o recém-formado. A Figura 5.6 oferece
da e de valorização. Um fato curioso dos uma visão geral das respostas dos partici
dados é o de que a situação dos recém-for pantes da pesquisa. A primeira conclusão
mados se revela muito melhor do que a que se pode inferir desse gráfico é a disponi
condição do psicólogo pleno. É possível ob bilidade de diversos recursos de atualização,
servar que 39,6% dos trainees recebem, em tais como congressos, cursos de especiali
média, perto de 5 salários mínimos, índice zação, supervisão acadêmica, grupos de es
não desprezível no quadro geral de salários tudo, atividades de aperfeiçoamento, já bem
no Brasil. Para um profissional que ainda é conhecidas de todas as profissões. Todas es
jovem, está na fase de socialização de sua sas possibilidades têm contribuído signifi
identidade profissional e ainda tem que in cativamente e integram o Plano de Desen
vestir significativamente na complementa volvimento Individual (PDI), que hoje é um
92 Bastos, Guedes e colaboradores
50
45
39,6
40
35
30,7
28,5
30
26,2
25
18,1
20
15,3
14,2
15
11,3
10
5,7
5
5
0
450 1850 2250 3150 de 4000 a
9450
Figura 5.5 Percentuais comparados da renda numérica média, em reais, dos recém-graduados e da
amostra geral.
Fonte: Dados do questionário online aplicado.
imperativo para todos os profissionais. De gere que esse empenho pode ser um pro
acordo com os dados, os psicólogos têm uti cesso de contínuo aperfeiçoamento, como
lizado mais de uma dessas alternativas. Nes um forte sintoma da consciência da ne
se aspecto, a população de psicólogos plenos cessidade e da reação positiva a essa de
e a de recém-formados não se diferenciam. manda. Isso ocorre tanto para os recém-for
A atualização profissional ocorre a partir mados, de uma maneira geral, quanto para
de uma combinação de diversas formas de aqueles que já atuam na profissão há mais
aprendizagem e atinge a todos. tempo. É provável que haja diferenças sig
Conforme ilustra a Figura 5.6, pode-se nificativas se os distintos campos de atua
afirmar que os recém-formados procuram, ção profissional forem comparados entre si.
de forma significativa, manter-se atualiza Assim, por exemplo, a supervisão acadêmi
dos utilizando todas as estratégias dispo ca tem sido mais comum entre os psicólo-
nibilizadas pelo mercado de formação. A gos clínicos do que entre os psicólogos que
frequência de atividades de atualização su atuam na área de trabalho.
O trabalho do psicólogo no Brasil 93
90,2
Congresso
87,2
80,3
Especialização em Psicologia
83,0
72,6
Supervisão acadêmica
68,1
36,9
Aperfeiçoamento
41,0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Figura 5.6 Percentuais comparados entre os psicólogos recém-formados e os que atuam em seu
primeiro emprego por tipo de atualização profissional.
Fonte: Dados do questionário online aplicado.
Um último aspecto que envolve a carac tor, que já foi mais popular como critério de
terização dos recém-graduados diz respeito escolha profissional e hoje já não apresenta
às razões que os levaram a escolher a pro tanta força de apelo devido à competição e
fissão de psicólogo. Foi considerada para à oscilação do mercado de trabalho, é o
analisar essa questão apenas a porcentagem status profissional, o prestígio, que sensibili
de respondentes que considerou as razões zou de maneira mais forte apenas 19,5% dos
apresentadas como tendo forte influência. sujeitos. Quanto ao status da profissão, os
Ou seja, aqueles que assinalaram (em uma recém-graduados avaliam que a profissão
escala que mediu a intensidade da influên goza de certo prestígio, pois a média de con
cia de 1 a 7), apenas as opções de 5 a 7. cordância de que o psicólogo possui credibi
Nessa questão, os dados permitem inferir lidade, significância e é reconhecido foi de
que os recém-formados foram mais forte 4,5 para a maioria dos pesquisados que com
mente mobilizados por fatores de ordem põem este segmento, em uma escala em que
interna (Figura 5.2), tais como, realização o grau máximo de concordância era 7.
pessoal, vocação, compatibilidade com as Ao finalizar essa análise-interpretação
próprias habilidades, gosto e valorização das características do psicólogo recém-for
das atividades e dos objetivos realizados mado, tem-se um quadro definido, claro e
pelos psicólogos. Fatores externos, tais co indicativo de uma identidade do profissio
mo remuneração, abertura do mercado, vi nal. Os psicólogos recém-formados são jo
sibilidade da profissão e riscos diversos ti vens do sexo feminino que ainda não se
veram influência forte em um segmento desligaram de suas famílias; ultrapassaram
menor 30,5% dos recém-formados. Um fa a etapa educacional atingida por seus pais
94 Bastos, Guedes e colaboradores
Fatores internos
93,4%
Status social
Fatores externos
da profissão
30,5%
19,5%
RAZÕES
ESCOLHA DA
PROFISSÃO
Figura 5.7 Razões que levaram os psicólogos recém-graduados a escolher a profissão, em percentuais.
Fonte: Dados do questionário online aplicado.
0,4
Nunca atuou 3,0
2,5
Já atuou, mas não exerce
3,6
nenhuma atividade atualmente
% amostra mais de
2,0
Exerce atividade fora do 2 anos de formado
4,4
campo da psicologia % amostra
recém-graduados
24,8
Exerce atividade na psicologia
21,9
e em outros campos
70,3
Exerce atividade 67,1
somente em psicologia
dade na qual os empregos são instáveis, muito baixos, insuficientes como indicado
migrantes, dinamizados por alta competiti res de alguma tendência ou como um re
vidade e frequentes rupturas na carreira, o sultado que sofre intervenção de variáveis
fato de 2/3 de profissionais viverem da devidas ao acaso.
profissão na qual se graduaram revela o A partir desse quadro, pode-se conside
quadro de uma profissão organizada que rar que o ser psicólogo é uma profissão atra
oferece serviços demandados pelo merca tiva, sob o ponto de vista de sua potencia
do. Infelizmente, essa pesquisa não fornece lidade de realização profissional e de merca
dados qualitativos para se interpretar os do como hipóteses merecedoras de investi
24,8% e os 21,9% daqueles (respectiva mentos. Os dados frequentemente publi
mente, psicólogos plenos e recém-forma cados sobre outras profissões – engenheiro,
dos) que exercem outras atividades re- advogado, administrador, economista – dão
muneradas. Essa dupla carreira, tanto po- conta de situações muito mais problemáti-
de ocorrer devido a alguma peculiaridade cas do que a do psicólogo. Tal resultado re
das circunstâncias da vida do profissional força a análise anterior sobre a potencia
quanto devido a uma escolha intencional lidade motivadora da Psicologia como tra
de carreira dupla ou, ainda, devido a uma jetória ocupacional, uma vez que a proba
necessidade para completar seus rendimen bilidade de engajamento é alta. Integra essa
tos. Muitas pessoas, em diversas profissões, representação otimista da profissão a consta
apresentam as mesmas condições. Os de tação de que a condição de atuação dos pro
mais extratos da amostra revelam escores fissionais psicólogos não muda muito quan
96 Bastos, Guedes e colaboradores
atividade fora
do campo da
psicologia
de baixa remuneração
Exerce
54,2
Ausência de oferta de trabalho
21,1
atividade atualmente
Outros
Já atuou, mas não
exerce nenhuma
26,3
Baixa remuneração
Nunca
atuou
61,1
Ausência de oferta de trabalho
0 10 20 30 40 50 60 70
Figura 5.9 Motivos que justificam, predominantemente, as condições de inserção dos recém-for
mados, em percentuais.
Fonte: Dados do questionário online aplicado.
escore ao qual se pode atribuir influências do duz nas atividades e nos limites dos diver
acaso, mas é indicativa de variáveis estrutu sos campos profissionais. A complexidade
rantes do contexto no qual eles trabalham. também é observada em função do crescen
Em relação aos psicólogos plenos, os dados re te questionamento que a intensificação das
velam alguma crise na profissão, que não lhes interfaces da Psicologia com outras ciências
oferece perspectiva futura ou porque lhe pro vem sucitando sobre as metodologias de
piciam baixa remuneração, 26,3%. A com pesquisa. Diante desse quadro, essa análise
preensão e os motivos desses resultados de não poderia ser completada sem a conside
manda dados que esta pesquisa não oferece. ração de hipóteses sobre o retrato da área
Há, ainda, uma última consideração sobre os da Psicologia como profissão a partir de
psicólogos que atuam profissionalmente em fatores como o regime de trabalho, a remu
outras áreas que não a Psicologia. Dentre os neração, as atividades, as instituições em
24,8% dos psicólogos plenos (Figura 5.8) que que os psicólogos são profissionalmente en
atuam fora da área de graduação 54,2%, ou gajados e suas formas de atuação.
seja, aproximadamente 12% da população to Confirmando aquilo que já foi analisado,
tal, citam a falta de oferta de trabalho, índice 41,8% dos recém-formados caracterizam-se
ligeiramente superior aos coeficientes de de de profissionais formalmente engajados den
semprego do país. Como os empregos, no tro dos quatro setores institucionais que ofe
contexto atual, são viabilizados mais do que recem oportunidades de trabalho – a ativida
procurados, é necessário buscar mais infor de autônoma, 37,3%, o setor público, 33,6%,
mações, isto é, dar continuidade a essa pes o setor privado, 19,7%, e as instituições que
quisa para se ter uma ideia mais precisa dos não são privadas e nem governamentais, co
fatores que afetam a profissão na atual di mo é o caso das ONGs, 9,4%. Essa estratifi
nâmica dos mercados de trabalho. cação do primeiro emprego leva a interpretar
A partir dessas constatações, pode-se que o psicólogo encontra espaço nos quatro
concluir que a profissão de psicólogo oferece setores formais da economia do país. Essa
oportunidades profissionais para a grande abertura é um sinal positivo da aceitação da
maioria dos indivíduos que decidiram abra profissão e da diversidade de atividades rea
çá-la como caminho de suas vidas. Contri lizadas pelas instituições que são porosas para
buem para algumas dificuldades, a dinâmica receber a contribuição de um especialista em
do mercado e a baixa remuneração oferecida comportamento humano ou que necessitem
e, provavelmente, as limitações dos profis desse especialista para funcionar.
sionais, recém-formados e plenos, na viabi O corolário dessa conclusão é a signi
lização de seus empregos. ficativa amplitude de oportunidades dis-
poníveis para os psicólogos no mercado.
De certa forma, o ser psicólogo no Brasil
CARACTERIZANDO O PRIMEIRO é atuar em uma profissão que dispõe de
EMPREGO DO RECÉM-GRADUADO muitas portas abertas para o engajamento
ocupacional, facilitando alternativas distin
O terceiro aspecto, cuja contribuição tas de carreira para os recém-formados. Is
pesa de modo significativo na compreensão so significa que um psicólogo pode ter in
da profissão de psicólogo no Brasil cujos teresses não somente por uma particular
dados da pesquisa permitem considerar, são especialidade como, por exemplo, a clínica,
as características presentes no primeiro em mas também por uma instituição específica,
prego. Esse conjunto de características é, uma escola, dentro de distintas opções de
indubitavelmente, complexo devido à tran vínculo, seja como empregado, como sócio
sição que a globalização da sociedade pro ou como autônomo.
98 Bastos, Guedes e colaboradores
Amos total
3.335
Amostra recém-formados
com 1º emprego 351
Figura 5.10 Comparativo numérico entre amostras de recém-formados, recém-formados com pri
meiro emprego e amostra total pesquisada.
Fonte: Dados do questionário online aplicado.
37,3%
Autônoma
33,6%
Setor público
inserção 3º setor
ONGS (93,1%)
Figura 5.12 Âmbitos nos quais os psicólogos recém-formados se inserem em seu primeiro emprego
por setor, em percentuais.
Fonte: Dados do questionário online aplicado.
Conforme é possível constatar na Figu- setor privado, por sua vez, absorvendo 1/5
ra 5.12, as ONGs são os locais onde aqueles dos psicólogos recém-formados lhes oferece,
profissionais que desejam realizar sua carrei tal como o setor público, ampla variedade
ra no terceiro setor dispõem de mais ofertas de opções para engajamento institucional e
de engajamento profissional, além de outras significativa diversidade de especializações.
aqui não publicadas, como sindicatos e coo Essa ampla variedade de trajetórias de car
perativas, segundo constatado na Figura 5.13. reira cria um quadro mais complicado do
Essa informação foi omitida na Figura 5.12, psicólogo quando outras variáveis como as
por ser uma alternativa ainda pouco frequen especialidades e as abordagens de atuação,
te. A institucionalização profissional do psi o acesso ao trabalho, o regime contratual, a
cólogo como trabalhador autônomo, que é o carga horária e a forma de remuneração são
segmento de maior frequência para o pri consideradas, como mostram as Figuras 5.13
meiro emprego, dispõe da possibilidade de e 5.14 e na Figura 5.15.
trabalho em consultórios alugados e par Os psicólogos atuam em diferentes ramos
ticulares, provavelmente como atividade “so das atividades humanas e isso é claramente
lo”, em parceria ou em associação com ou refletido no primeiro emprego. A atividade
tros profissionais em equipes multidiscipli predominante está claramente alocada na
nares que integram colegas da mesma e de área de saúde, através da atuação em clínica,
outra área ocupacional. A inserção no setor 35,3%, e em saúde 10,4%. A área da Psico
público é significativa, constituindo 1/3 dos logia do Trabalho e das organizações aparece
casos de primeiro emprego, e dispõe de alta como a segunda especialidade mais atrativa
diversidade de especialidades e de institui e, possivelmente, mais demandada. As outras
ções. Nesse setor, podem se engajar os psicó áreas aparecem em seguida com escores me
logos que direcionam suas carreiras para a nores, porém marcando presença no cená-
especialização em clínica e saúde, em traba rio profissional, como a docência e a Psicolo-
lho, em educação e em projetos sociais. O gia Jurídica.
100 Bastos, Guedes e colaboradores
SETOR PÚBLICO
SETOR PRIVADO
ONGS COOPERATIVAS
Figura 5.14 Percentuais comparados da amostra por tipo de acesso, carga horária e regime de
trabalho e por setor de atuação.
Fonte: Dados do questionário online aplicado.
45,0
40,0
35,0
30,0
25,0
20,0
Só assalariado
15,0
Assalariado e autônomo
10,0 Só autônomo ou voluntário
5,0
0,0
Recém-formados Recém-formados Amostra geral
com 1º emprego
Figura 5.15 Percentuais comparados entre amostra de recém-formados, recém-formados com pri
meiro emprego e amostra total por condição de assalariamento.
Fonte: Dados do questionário online aplicado.
Figura 5.16 Atividades mais frequentes no primeiro emprego dos recém-formados por setor de
inserção, em percentuais. Foram retiradas as frequências nulas e as abaixo de 3.
Fonte: Dados do questionário online aplicado.
Ongs e
Setor público Setor privado
cooperativas
– em grupos – em grupos
Forma de
multidisciplinares – Individual (48%) multidisciplinares
atuação
(61,9%) (41,7%)
Contribuição
forma de atuação
– Muito (62,5%) – Muito (62,5%) – Muito (68,6%)
para alcance
de resultados
sentimento em
relação ao setor – Satisfeitos (71,9%) – Satisfeitos (78,8%) – Satisfeitos (70,0%)
de atuação
Figura 5.17 Percentuais comparados entre a amostra de recém-formados com primeiro emprego,
por setor de atuação e forma de atuação, contribuição para alcance dos resultados, sentimento em
relação ao setor de atuação e percepção de possibilidades de crescimento.
tor público, 62,5%, e nas ONGs e coope como um setor ocupacional amadurecido e
rativas, 68,6%, provavelmente devido às em desenvolvimento.
condições e à finalidade do trabalho. Nes
sas instituições, a atuação profissional é
mais protegida da competitividade e das CONCLUSÃO
pressões de um plano estratégico, bem co
mo menos influenciadas pela busca de lu É animador, gratificante e esperanço-
cros financeiros. so para uma sociedade e para os profis
Os sentimentos em relação ao setor e à sionais da Psicologia encontrar resultados
própria atuação revelam alto índice de sa como esses, identificados na população de
tisfação, fato que sugere a condição de pro jovens recém-formados na trajetória da pro
fissionais adaptados, sob tensões contro fissão do psicólogo no Brasil. Ser psicólogo
ladas, pouco significativas ou justificadas e é uma profissão aberta a diferentes cami
com grande parte das expectativas aten nhos, diversificada para abrigar pessoas de
didas. O dado menos positivo desse quadro distintos interesses, alicerçada para enfren
está na percepção da potencialidade de tar as turbulências da globalização e enri
crescimento que, embora sendo aproxima quecida de significativa pluralidade de re
damente 50%, revela a influência de limi cursos para ser uma força de transformação
tações e de restrições que devem começar a na sociedade. Em um momento histórico no
ser consideradas na trajetória de carreira. qual as profissões enfrentam significativas
Em vista desses resultados, a profissão metamorfoses em suas configurações, iden
de psicólogo no Brasil pode ser assumida tidades e inserções no mercado, os dados
O trabalho do psicólogo no Brasil 105
terra (1979); Yasuhiro Nakasone, no Japão O fato é que o discurso da ampla reforma
(1982) e Helmut Kohl, na Alemanha (1982), do Estado surgiu como um dos fundamentos
começaram a advogar o Estado Mínimo, fis das políticas públicas na década de 1980. O
cal, ou o “Estado Guarda- Noturno”, que atua esvaziamento das funções do Estado cons
va de modo contido e pontual, objetivando, tituiu uma importante causa do desempre-
mormente, garantir a “lógica do mercado”. go. Nas organizações privadas e públicas,
Assim começou a defesa de um Estado Neo termos e conceitos como empregabilidade,
liberal, em oposição à ideia de um Estado desregulamentação, privatização, mercado,
Positivo, keynesiano, interventor nos setores downsizing, terceirização, flexibilização dos
essenciais da economia e da vida social. contratos de trabalho e administração pública
A vitória desses governos neoliberais, gerencial tornaram-se recorrentes em todos
neoconservadores, foi revigorada pela fa- os níveis hierárquicos e gozaram de inaudi-
lência dos países do leste europeu, cujo sím to concurso da mídia e de alguns intelec-
bolo máximo foi a derrubada do Muro de tuais orgânicos (pensadores ligados a grupos
Berlim, em 1989. Com essa vitória, a política emergentes, dominantes).
de dominação financeira apresentou-se de for O neoliberalismo propõe a “despolitiza
ma emblemática no chamado Consenso de ção” radical das relações sociais, em que
Washington, também em 1989, em que foram qualquer regulação política de mercado
elaboradas as políticas gerais que tornariam (quer por via do Estado ou de outras ins
exequíveis o programa de estabilização e as tituições) é, já a princípio, repelida. Ocorre
reformas estruturais sancionadas pelo Fundo um neoliberalismo convertido em concepção
Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco ideal do pensamento antidemocrático con
Mundial. O Fundo Monetário Internacional, temporâneo, que serve aos interesses do
alegando a busca do equilíbrio do sistema fi capital. É o que aponta Przeworski (apud
nanceiro internacional, passou a emprestar di Neto, 1995, p. 80-81), afirmando que a gran
nheiro a países em dificuldades, em troca de de burguesia não se ilude com o abstencio
adoção de rígidas políticas econômicas; o Ban nismo estatal nem acredita em um mercado
co Mundial, por sua vez, começou a financiar totalmente “livre”. O que ela pretende, como
projetos sociais de infraestrutura em países bem afirma Neto, em Crise do socialismo e
em desenvolvimento (Heloani, 2003). ofensiva neoliberal, é direcionar a intervenção
Em 10 anos de aplicação de políticas neo do Estado para a defesa de seus particulares
liberais, foi possível consolidar o mito de interesses de classe, transformando o “Estado
que o esvaziamento do papel do Estado no Mínimo” (para defender os interesses dos
Brasil levaria tanto ao crescimento econô trabalhadores) em “Estado Máximo para o
mico sustentado quanto à expansão do nível capital”, de forma que este circule benefi
de emprego. Isso não ocorreu, muito pelo ciando-a sem restrições.
contrário. Justamente após cinco décadas de Como se observa, o processo de privati
ampla manifestação de um padrão de inter zação, como elemento propiciador do en
venção do Estado favorável ao crescimento xugamento do Estado, vem acompanhado
econômico e ao emprego, observou-se, a
de forte aparato ideológico que começa a es
partir de 1990, a adoção de um novo mode-
lo econômico que resultou pouco positivo
truturar-se nos anos de 1970, em decorrên
para a economia e para o trabalho no Brasil. cia do novo ambiente econômico que sina
Não apenas o desemprego assumiu volume lizava a inadequação do modelo fordista em
sem paralelo histórico nacional, como o ren manter o repasse da produtividade para os
dimento do trabalho alcançou uma das salários. O processo consolidou-se na déca-
mais baixas participações na renda nacional. da de 1980, quando o empresariado arti
(Pochmann, 2001, p. 11) culou três pontos de ataque em sua políti-
110 Bastos, Guedes e colaboradores
rindo em seu funcionamento psíquico, con que atua pela extensão dos mecanismos de
forme Clegg (1992), Freitas (1997), Enríquez poder, chegando às mais refinadas técnicas
(1997), Macêdo (1998) e Pagés e colabora de manipulação psicológica.
dores (1987). A subjetividade é, assim, to Os referidos controles sofisticaram-se de
mada como um recurso a mais a ser mani tal forma, que a dominação, como meio de
pulado para que os trabalhadores, identifica exercício do poder, estará mais apoiada na
dos com o discurso organizacional, coloquem introjeção dessas normas ou regras do am
à disposição do capital o que eles têm de biente organizacional do que em um cercea
mais precioso, sua saúde física e mental (He mento mais direto. Os conglomerados do
loani, 1994, 2003). capitalismo globalizado deverão dar conta
Em consequência da globalização da de gerir a dimensão psíquica de seus “co
economia, a nova divisão do trabalho criada laboradores”. (Heloani, 1994; 2003).
pela lógica pós-fordista mostrou-se competiti A lógica liberalista foi reeditada em for
va e intensiva no que concerne às novas tec ma de neoliberalismo, o que contribuiu para
nologias. A cooperação do trabalho com a impactar enormemente nas formas de tra
elevação da produtividade, mediante progra balho no final do século XX e início do século
mas como qualidade total (TQM), kaizen, XXI. Dentre elas, o aumento do desemprego,
sistemas de qualidade ISO 9000, ISO 14000, o aumento do trabalho informal (com todas
benchmarking, reengenharia, método 5S, as perdas de direitos que ele acarreta), as ter
6S, processos de terceirização, quarteiriza- ceirizações, as quarteirizações e os contratos
ção, sistemas integrados, etc., tornou-se im de trabalho temporários, que visam basica
prescindível e, para consegui-la, foram cria mente atender aos interesses capitalistas em
das novas formas de gestão da produção. detrimento da sustentabilidade social e de
Investiu-se intensamente em equipamentos dignidade dos trabalhadores.
e serviços de manutenção (software) e os O fato é que esse contexto econômico
trabalhadores tornaram-se responsáveis não com diretrizes neoliberais trouxe novas exi-
só por manter sistemas caros e sofisticados, gências para o mundo do trabalho. Exigências
mas também por conseguir novos ganhos de relacionadas à revolução tecnológica, à com
produtividade e repassá-los à organização. petitividade, à crescente qualidade da merca
O que não se pode negar é que com a infor doria e à flexibilização na interpretação da
matização e a integração sistêmica, o núme- legislação trabalhista. Dessa maneira, surgiu
ro de trabalhadores decresceu, mas as orga um novo perfil de trabalhador, cada vez mais
nizações não lograram dispensar totalmente solicitado a se especializar continuamente pa
seus “colaboradores” (Heloani, 2003). ra atender às novas demandas do mercado de
Apesar de não ser possível analisar aqui trabalho. Os psicólogos também fazem parte
todas as experiências de gestão, existe uma desse novo perfil profissional, sofrendo essa
característica fundamental, comum a todas pressão de contínua especialização para se
elas: a tentativa de harmonizar um maior manterem no mercado de trabalho.
grau de autonomia dos empregados, para Apesar de, no Brasil, ter ocorrido algumas
organizar um setor de produção, com o de mudanças econômicas no final dos anos de
senvolvimento de controles mais sutis que 1990 e início do século XXI, em forma de im
objetivam colocar o trabalho em uma posição plantação de vários programas sociais visando
de dependência ou incapacidade em relação a combater as desigualdades sociais, percebe-
ao capital. Assim, essas novas estratégias ex -se que ainda estão presentes a má distribui-
plicitam uma notória modificação na for ção de renda, a exclusão de uma grande par
mulação de poder no espaço organizacional: cela da população do acesso a programas de
a consecução de uma lógica de dominação saúde, educação e inserção social via forma-
112 Bastos, Guedes e colaboradores
ção profissional e emprego. Desse modo, a dos psicólogos inscritos nos Conselhos Re-
profissão do psicólogo se depara mais uma gionais de Psicologia. Aproximadamente 2/3
vez com um desafio, por atuar junto a essa (62,1%) dos psicólogos atuam exclusiva
população, devendo se preparar para assumir mente no campo da Psicologia, o que con
uma postura mais política e socialmente en figura um tipo de inserção pleno na profissão.
gajada no sentido de contribuir na promoção O restante dos participantes apresenta algum
de melhor qualidade de vida. tipo de inserção que revela alguma preca
Assim, em um contexto no qual os tra riedade. Dos psicólogos, 22,1% combinam a
balhadores cada vez adoecem mais, têm me atuação em psicologia com alguma ativida-
nos direitos resguardados, cresce a neces de de trabalho fora da profissão; 9,1%, em-
sidade de intervenções mais comprometidas bora tendo graduação em psicologia,
atuam
socialmente, e a psicologia se configura co fora do campo; 5,2% estão
desempregados,
mo uma ciência capaz de oferecer um aporte embora já
ten ha trabalhado
como
psicólogo;
importante para essas novas
práticas sociais. e, final m ente,
há um
pequeno
grupo
de pro
A atividade de pesquisa e a difusão do co fission ais (1,4%) que
nunca
chegou
a
atuar
nhecimento científico não podem se esquivar na profissão, apesar de graduado
e inscrito
desse
movimento. Considera-se
que,
inde nos Conselhos
Regionais.
pendentemente
de
onde
o
profissional
de
Examinando-se
esses
dados, identifica-
psicologia atue, no setor
público,
no
privado
-se uma
taxa
de
desemprego
em torno de
ou no terceiro setor
(ver
Capítulo
7),
sua6,6% que
poderia
ser
ampliada
para 15,7%
conduta profissional deve se pela
pautar
éti se fossem
incluídos aqueles que trabalham
ca e pelo engajamento
em ações que promo fora do
campo profissional
(seriauma taxa
vam a
melhoria das condições sociais da de desemprego da ocupação
–
empregado,
população, até porque, antes de ser profis masnão
na psicologia). Por outro
lado,há
sional, o
psicólogo é também
cida d ão.
um índice
um pouco superior
a
1/5
da
amostra,
o que revela a precariedade das
inserções,
inferida da necessidade de se pre
Atuação em Psicologia – cisar
combinar o trabalho
como
psicólogo
um quadro geral com outras
atividades fora do
campo. Essa
condição seria maior
se nela incluídos
fossem
A Figura 6.1 mostra, em percentuais, as aqueles psicólogos que só atuam
fora da
formas de atuação e não atuação profissional profissão, perfazendo 31,2% da categoria.
1,4 5,2
1,4
Nunca atuou
Já atuou, mas não exerce nenhuma
atividade atualmente
22,1
Exerce atividades fora do campo da
psicologia
Exerce atividade na psicologia e
em outros campos
Exerce atividades somente em psicologia
62,1
66,0
E = Exerce atividades somente em psicologia 60,1
64,9
59,9
19,8
D = Exerce atividade em psicologia 23,1
e em outros campos 20,7
22,2
8,9
9,4
C = Exerce atividades fora do campo da psicologia 8,1
9,9
4,2
B = Já atuou, mas não exerce 5,6
nenhuma atividade atualmente 4,6
6,3
1,2
1,4
A = Nunca atuou 1,8
1,6
Figura 6.2 Percentual de psicólogos por tipo de inserção no mercado de trabalho nas diferentes
regiões brasileiras.
A região Sul destaca-se com o maior per trabalho pode explicar os dados das regiões
centual de psicólogos que atuam exclu norte e centro-oeste.
sivamente no campo, ao lado dos menores As diferentes condições de inserção
percentuais de quem combina a psicologia profissional associam-se a perfis distintos
com outros campos, de desempregados e de do psicólogo, quando se consideram carac
profissionais que nunca atuaram como psi terísticas pessoais, tempo de formação, ti
cólogos. Trata-se do perfil mais positivo de tulação e rendimentos, como se verifica
inserção profissional. O Nordeste apresenta na Figura 6.3.
o segundo melhor perfil, com percentuais O pequeno contingente daqueles que
ligeiramente diferentes da região sul, mas nunca se inseriram no campo profissional
revelando a mesma tendência básica. Por (1,4%), como esperado, é constituído por
outro lado, o sudeste e o norte/centro-oeste1 psicólogos mais jovens (idade média de 28,7
são as regiões que apresentam indicadores anos), com menos tempo de formado (média
menos positivos de inserção. Nelas, se veri de 3,2 anos), que possui apenas o curso de
ficam menores percentuais de psicólogos graduação. Nele, se encontra, também, pro
atuando exclusivamente na psicologia (em porcionalmente à amostra geral, um maior
torno de 60%); são ligeiramente maiores os contingente de mulheres.
percentuais de quem combina a psicologia O segundo grupo de psicólogos que po
com outras atividades, de quem atua fora da dem ser considerados desempregados (5,2%)
psicologia e de quem está desempregado. já apresenta uma média de idade ligeiramente
Possivelmente, a maior concentração de cur superior, maior qualificação (maior o número
sos no sudeste explica os dados dessa região; de profissionais com curso de especialização),
por outro lado, a situação do mercado de maior tempo de formado. Nessa condição,
O trabalho do psicólogo no Brasil 115
• 94,1% mulheres
• Idade média – 28,7 anos
• Tempo médio de graduação – 3,2 anos
Nunca atuou
• Titulação mais frequente: apenas graduação (73%) – especialização (17,6%)
• 90% mulheres
• Idade média – 32,1 anos
Ja atuou • Tempo médio de graduação – 6,4 anos
Não atua • Titulação mais frequente: apenas graduação (56,7%) – especialização (35,6%)
• 66,7% mulheres
• Idade média – 36 anos
Atuou fora da • Tempo médio de graduação – 7,5 anos
Psicologia • Titulação mais frequente: apenas graduação (72,6%) – especialização (22,6%)
• 77,2% mulheres
• Idade média – 38,1 anos
• Tempo médio de graduação – 10,6 anos
Atuou fora e na • Titulação mais frequente: apenas graduação (40,5%) –
Psicologia especialização (41,5%) mestrado (13,6%)
• Renda média – R$ 2,822,00 – % médio da psicologia – 58,4%
• 85,6% mulheres
• Idade média – 35,5 anos
• Tempo médio de graduação – 9,7 anos
Atuou apenas na • Titulação mais frequente: apenas graduação (43%) –
Psicologia especialização (36,3%) mestrado (15%)
• Renda média – R$ 2,769,8 0
Figura 6.3 Distribuição dos psicólogos considerando os dados sociodemográficos e sua atuação pro
fissional.
Nenhuma renda
até 3 SM
de 3 a 6 SM
de 6 a 9 SM
de 9 a 15 SM
de 15 a 21 SM
acima de 21 SM
O trabalho do psicólogo no Brasil 117
9,4
Acima de 21 SM 9,7
10,9
9,8
Até 21 SM 10
11,1
18,9
Até 15 SM 20,4
21,3
18,5
Até 9 SM 18,8
19,3
27,8
Até 6 SM 26,4
25,6
14,0
Até 3 SM 13,0
8,6
1,5
Sem renda 1,3
3,0
Figura 6.5 Percentual de psicólogos por faixas de rendimentos obtidos nos diferentes tipos de
inserção no mercado de trabalho.
Os dados revelam alguns resultados que Esse percentual é superior àquele do grupo
merecem destaque. A condição de inserção de inserção plena e que só atua na psicolo-
precária na profissão não significa, neces gia (38,1% encontram-se nesses níveis mais
sariamente, precariedade de rendimentos. elevados de rendimento). A combinação do
Pelo contrário, aqueles que atuam em outras trabalho na Psicologia e em outra área tam
áreas representam percentuais ligeiramente bém conduz a um aumento do rendimento,
mais elevados nas categorias de maior ren como se verifica no índice de 40,5% nos
dimento (43,4% com rendimentos acima de níveis mais elevados de renda.
9 salários mínimos). Isso indica que o ren Por outro lado, há psicólogos que atuam
dimento é, provavelmente, fator central para apenas como psicólogos e que não possuem
não ingressar ou não atuar como psicólogo. rendimentos, caso de trabalhos voluntários
118 Bastos, Guedes e colaboradores
Figura 6.6 Percentuais de psicólogos por faixa de rendimento nas diferentes regiões do país.
INTENÇÃO DE SE INSERIR
MOTIVO DA NÃO INSERÇÃO
• SIM – 64%
• Pessoal – 5,9%
• Familiar – 2,9% EM QUE ÁREA?
• Ausência de oferta de trabalho – 35,3%
• Clínica – 29,4%
• Percepção de defasagem entre habilidades e
• Escolar – 5,9%
demandas de mercado – 2,9%
• Organizacional – 11,8%
• Proposta de trabalho de baixa
• Docência – 2,9%
remuneração – 5,9%
• Comunitária – 2,9%
• Outro motivo – 5,9%
• Esporte – 11,8%
Figura 6.7 Distribuição dos respondentes que nunca atuaram e os motivos que os impediram de atuar.
um ano de atuação; 64,4% dos psicólogos com percentuais abaixo de 10%). 55,7% dos
deixou de trabalhar nas áreas clinica ou or psicólogos nessa condição deixaram de tra
ganizacional (ambas com percentuais acima balhar em empresas privadas e 25,7% em
de 30%). O percentual de afastamento das empresas públicas.
demais áreas é bem menos expressivo (todas
• Clínica – 33,9%
• Organizacional – 30,5%
EM QUE • Escolar – 6,8%
ÁREA ATUOU? • Saúde, Hospitalar – 8,5%
• Social/Comunitária – 6,8%
• Docência e pesquisa – 4,4%
Figura 6.8 Distribuição de respondentes que já atuaram na profissão, mas que não estavam atuando
na época da coleta de dados.
Outro conjunto de informações coletadas pesquisa da década de 1980. São eles: pessoais
junto ao grupo de desempregados consistiu (18,8%), condições de trabalho (71,1%) e fa
nos motivos da saída, no tempo decorrido des lhas na formação (10,1%).
de que deixou a área e se o emprego perdido Em resumo, os dados sinalizam que o per
era ou não o primeiro emprego. Conforme po centual de psicólogos que abandonou a pro
de ser observado na Figura 6.9, 75% dos fissão o fez por motivos de natureza pessoal ou
psicólogos perderam o primeiro emprego na familiar e por causa da estrutura do mercado
área da Psicologia. Esse resultado demonstra de trabalho, sugerindo ser bem mais complexa
que a maioria procurou atuar na área como a explicação sobre a retirada do mercado de
primeira opção, e conseguiu permanecer nela trabalho, o que exige estudos subsequentes.
por um tempo médio de 3,9 anos (ver Figura
6.8). É digno de nota que 42,5% tenham saído
do emprego há apenas um ano. Esses profis Quem está trabalhando
sionais apontaram vários motivos que os leva fora da Psicologia
ram a abandonar a profissão. Os motivos mais
citados foram problemas: pessoal (23,6%), fa Do total da amostra, um expressivo con
miliar (20%) e baixa remuneração (14,5%). tingente de 9,1% dos psicólogos exerce ati
Motivos semelhantes foram detectados pela vidades fora do campo da Psicologia. Os re
122 Bastos, Guedes e colaboradores
sultados que exploram motivos e projetos cárias do trabalho como psicólogo. Em outras
futuros desse grupo de profissionais encon palavras, isso pode estar sinalizando que, em
tram-se na Figura 6.10. bora o psicólogo que abandonou a psicologia
Os motivos da não inserção ou do aban o tenha feito por motivos pessoais e fami
dono se revelam mais fortemente associados a liares, tendo pesado pouco a oferta de tra
questões das condições de trabalho. A oferta balho em outra área, os que optaram por
de um emprego melhor (38,2%) e a baixa atuar fora da psicologia o fizeram fortemente
remuneração do trabalho em Psicologia (20%) por terem sido atraídos por melhores salários.
representam quase 2/3 dos motivos apontados Talvez isso seja um indício do dilema vivido
por esse grupo de psicólogos. Há ainda um por muitos psicólogos, o de gostar do que faz,
percentual de 7,3% que percebeu um des mas reconhecer não ser bem remunerado e,
compasso entre habilidades e demandas do sendo assim, acabar optando por privilegiar
trabalho em Psicologia. No entanto, existem outras oportunidades de inserção profissional
também motivos pessoais e familiares que le que assegurem melhores condições de remu
vam ao abandono do exercício profissional. neração. Observe que 91,1% dos que atuam
As Figuras 6.9 e 6.10 permitem constatar fora da psicologia responderam afirmativa
que os motivos pelos quais os psicólogos mente à pergunta sobre se gostariam de voltar
abandonaram o primeiro emprego dentro de a atuar na sua área de formação.
sua área são semelhantes aos dos psicólogos Em resumo, tanto os psicólogos que nun
que estão trabalhando fora da área da psi ca atuaram quanto aqueles que estão traba
cologia. Os motivos que levam a não se in lhando fora do campo da psicologia pretendem
serir na profissão e os que explicam o seu inserir-se nela, mesmo considerando escassa
abandono revelam o peso de condições pre a oferta de trabalho. As áreas de intenção de
• Pessoal – 23,6%
• Familiar – 20,0%
MOTIVOS DE • Outra oferta de trabalho – 7,3%
ABANDONO? • Baixa remuneração – 14,5%
• Defasagem habilidades/demandas – 3,6%
• Outros motivos – 14,5%
Figura 6.9 Distribuição de respondentes que relataram não estarem mais atuando como psicólogos
e os motivos do abandono.
O trabalho do psicólogo no Brasil 123
• Pessoal – 16,4%
• Familiar – 7,3%
MOTIVOS DA • Outra oferta de trabalho – 38,2%
NÃO INSERÇÃO? • Baixa remuneração – 20,0%
• Defasagem habilidades/demandas – 7,3%
• Outros motivos – 10,9%
• Clínica – 28,6%
• Organizacional – 16,3%
EM QUE ÁREA • Escolar – 6,1%
• Saúde, Hospitalar – 8,5%
PRETENDE ATUAR?
• Social/Comunitária – 18,4%
• Docência e pesquisa – 24,5%
• Esporte – 6,1%
Figura 6.10 Percentual de psicólogos que trabalham fora da profissão, motivos e projetos futuros
em relação à inserção na área.
Psicologia + outro
trabalho fora
26%
Apenas em
Psicologia
74%
Figura 6.11 Distribuição dos psicólogos que atuam na profissão, exclusivamente ou a combinando
com outros trabalhos.
no entanto, o número elevado de psicólogos explicar a razão pela qual a maioria dos psi
que possuem mais de duas (28,9%) ou três cólogos possui jornadas duplas ou triplas de
inserções (24,8%). E isso serve tanto para trabalho, que acarretam sobrecarga ocupacio
psicólogos que atuam na área quanto para nal. Sobrecarga que pode trazer consequências
aqueles que conciliam suas atividades em psi nocivas para a sua saúde física e mental.
cologia com outras áreas. A precariedade dos A inserção profissional somente na psico
empregos (baixa remuneração) atinge a psico logia parece, portanto, não ser suficiente.
logia e outras áreas também. Essa situação pode Conforme foi visto, tanto os psicólogos que
24,8
Combina mais de 2 inserções 30,3
28,9
Combina 2 inserções 24,9
16,6
Autônomo e consultoria 18,2
3,0
ONGs e cooperativas 3,5
8,9
Setor privado 10,8
17,9
Setor público 12,4
nunca atuaram na psicologia quanto aqueles seu próprio desenvolvimento. Por um lado, o
que já atuaram nessa área e atualmente estão peso histórico desempenhado pela atuação
trabalhando em outros campos pretendem clínica, exercida em consultórios particulares,
inserir-se, no futuro, na área da psicologia. gerou uma imagem social de que a Psicologia é
Assim, evidencia-se que os psicólogos buscam uma profissão liberal. Por outro lado, a forte
outras áreas de atuação porque a Psicologia inserção, inicialmente no setor privado, em
ainda tem um papel restrito na sociedade e empresas e em instituições escolares, introduz
nas políticas públicas. Repare que se forem a face de uma profissão assalariada. A dinâmica
somadas as porcentagens dos que atuam no ocupacional, com o crescimento da inserção
setor privado, em ONGs e no setor autônomo, sobretudo nos serviços públicos de saúde, tem
constata-se que a inserção do psicólogo é feito com que o predomínio da vertente liberal
mais regida por questões de mercado de tra perca espaço ao longo do tempo.
balho do que por políticas públicas, fruto da Dados sobre essa questão encontram-se
percepção do psicólogo como um profissional na Figura 6.13, que compara o grupo de dedi
fundamental para o desenvolvimento social. cação exclusiva ou inserção plena com o grupo
E é assim que a globalização caracteriza- que combina a Psicologia com trabalhos fora
-se, sobretudo pela liberação dos mercados desse campo. Nesses dois grupos, predominam
nacionais. psicólogos que combinam pelo menos um vín
Nesse novo cenário mundial, perdem forças culo assalariado e um trabalho autônomo (no
os trabalhadores, devido à flexibilização do geral, 42,6%). Considerados isoladamente, ho
trabalho, ao enfraquecimento dos sindicatos je, o número de psicólogos que trabalham ape
e ao desmonte do sistema de proteção social, nas como assalariado (34,5%) é superior ao
fundado em direitos arduamente adquiridos. daqueles que trabalham apenas como autôno
(Almeida, 2002, p. 136).
mos (22,8%). Do total de 2.171 que exercem
A não atuação do psicólogo em vários atividades somente no campo da psicologia,
campos da sociedade deve-se à ausência da 42,4% conciliam o trabalho assalariado com o
intervenção do Estado-Previdência nas áreas trabalho autônomo, 35,6% são apenas assala
da saúde e da educação. Sabe-se que o psi riados e 22,1% são apenas autônomos ou vo
cólogo pode ser muito útil em vários setores luntários. Do total de 749 psicólogos que exer
públicos. Inúmeras áreas da sociedade cla cem atividades na psicologia e em outros cam
mam a presença de um psicólogo para tra pos, as porcentagens são respectivamente 44,2%
balhar, principalmente, na saúde e na edu (trabalho assalariado e autônomo), 31,1% (tra
cação, além de outros setores sociais. balho assalariado) e 24,7% (autônomo).
Em resumo, o dado de que mais de 40%
dos psicólogos conciliam atividades autôno
Uma profissão liberal ou
mas com trabalho assalariado, e que o nú
um trabalho assalariado?
mero de apenas assalariados é superior ao de
Examinando-se a diversidade de vínculos autônomos, indica uma importante mudan-
ou inserções que caracterizam a atuação pro ça em relação à pesquisa realizada na década
fissional do psicólogo no Brasil, uma questão de 1980. Lá, o cenário era outro, conforme
importante se impõe: em que medida a psi apontou a pesquisa do Conselho Federal de
cologia é uma profissão liberal ou assalariada? Psicologia: “no quadro nacional, a profissão
Reconhece-se que a Psicologia é um campo do psicólogo é, portanto, uma profissão libe
profissional que favorece variadas possibilida ral” (CFP, 1988, p. 154).
des de atuação em subáreas especializadas. Explorando um pouco mais as diferenças
A discussão sobre a natureza assalariada gerais entre esses dois tipos de exercício pro
ou liberal da profissão é algo que acompanha o fissional, os resultados a seguir apresentados
126 Bastos, Guedes e colaboradores
42,4
Assalariado e autônomo
44,2
22,1
Só autônomo e voluntário
24,7
35,6
Só assalariado
31,1
0,0 5,0 10,0 15,0 20,0 25,0 30,0 35,0 40,0 45,0 50,0
Figura 6.13 Distribuição dos psicólogos que atuam na profissão pela condição de vínculo assalariado
e autônomo.
5,4
Doutorado 5,0
2,1
8,1
14,9
Mestrado 18,6
8,5
14,1
37,8
Especialização 38,7
40,1
35,2
41,9
Graduação 37,7
49,3
42,1
Figura 6.14 Distribuição dos respondentes em relação à sua titulação e ao seu vínculo profissional.
cia, as áreas de Psicologia Hospitalar e Edu- que mais fizeram pós-graduação, exigência
cacional foram responsáveis por 9% das op do mercado de trabalho para que se man
ções, igualmente. O curso de mestrado foi tenham em atividade. Sob essa ótica, o co
procurado por 7% desses profissionais e ape nhecimento tende a obedecer aos interesses
nas 2% optou pelo curso de doutorado (Jornal do setor privado. “O que caracteriza a nova
de Psicologia CRP, 2004, p. 10). forma de apropriação do conhecimento é a
A pesquisa realizada pelo Conselho Fe abertura ao mercado, que redefine as relações
deral de Psicologia no final da década de 1980 entre os produtores do conhecimento e os seus
apontou que já existia um aumento dos cursos consumidores.” (Almeida, 2002, p. 35). Dessa
de graduação e pós-graduação em Psicologia. forma, os psicólogos assalariados atendem à
Na década de 1980, eram poucos os psicólogos lógica atual do mercado de trabalho, que os
que possuíam o título de Mestre e um per leva a uma constante especialização, en
centual bem menor obtinha o título de Doutor. quanto os psicólogos que atuam como autô
Revela-se, desse modo, que, apesar de ter ha nomos e voluntários apresentam um pequeno
vido transformações nesse setor de formação, índice de prosseguimento nos estudos (pós-
os psicólogos titulados com mestrado e dou -graduação). Para essas duas categorias, o
torado ainda são minoria, conforme mostra a nível de competitividade não pode ser infe
Figura 6.14. (Para mais detalhes sobre a for rido pela análise e pela interpretação dos
mação, ver Capítulo 4 deste livro.) dados da pesquisa efetuada.
Esse conjunto de dados sobre vínculo e A atualização profissional, como é do
titulação permite ressaltar que os psicólogos conhecimento de todos, se faz necessária pe
que mantêm a relação de trabalho como las próprias exigências do mercado de tra
“assalariado e autônomo” são os profissionais balho. Nos últimos anos, muitas transforma
128 Bastos, Guedes e colaboradores
ções têm ocorrido no mercado de trabalho e inserção do psicólogo formado até dois anos
começa a surgir um novo perfil profissional é via trabalho autônomo ou de voluntariado
para atender às necessidades da sociedade. (27%), tendo uma leve queda nos dois anos
Benevides-Pereira concorda com esse ponto subsequentes (três a cinco anos – 21,8%)
de vista quando afirma que “o trabalho do (ver Capítulo 5). É digna de nota também a
psicólogo exige constante atualização, muito porcentagem de recém-formados que ingres
treino e habilidade, experiência (...)” (Bene sa no mercado por vínculo empregatício de
vides-Pereira, 2002, p. 159). assalariado (23,9%), tendo uma leve queda
Um segundo elemento para analisar as ao entrar na faixa dos três a cinco anos de
diferenças gerais entre os perfis do assalariado formado (21,7%). De qualquer modo, os da
e do autônomo, refere-se ao tempo de forma- dos sinalizam que não há uma forma pri
do, dados que se encontram na Figura 6.15. vilegiada de acesso ao mundo de trabalho
Os dados mostram que entre os psicó (embora se perceba uma tendência pequena
logos com vínculos de “assalariados e au de o psicólogo começar a trabalhar como au
tônomos”, “só assalariados” e “só autônomos tônomo e voluntário) que se mantém relati
ou voluntários” a principal modalidade de vamente constante ao longo do tempo.
17,0
Mais de 20 anos 16,3
18,7
16,7
19,9
Entre 11 e 20 anos 21,4
16,6
20,3
17,5
18,3
Entre 6 e 10 anos 15,1
17,4
21,9
Entre 3 e 5 anos 22,1
21,8
21,7
23,7
21,8
Até 2 anos 26,9
23,9
zada em 2006, indicam a fragilidade mais O fato é que diante da restrição do merca
pelo número de inserções, diversidade de do de trabalho para os psicólogos, tanto os que
vínculos do que propriamente pelos índices nunca atuaram na área quanto os que, embora
de desemprego e subemprego identificados. tenham sido atuantes, estão no momento de
A pesquisa realizada, ao tomar o psicólogo sempregados almejam seguir ou continuar
inscrito nos Conselhos Regionais, já excluiu atuando nessa área. Assim, os psicólogos em
previamente um número não quantificado pregados ou desempregados sofrem as con-
de profissionais graduados que não se insere sequências do processo de globalização, que
na profissão e outro número que a abando trouxe, no pacote econômico, novas exigências
naram e que, portanto, se desligara do Con nele embutidas para o chamado trabalhador,
selho. Para acesso a tal realidade de forma que deveria ser “polivalente, flexível, pró-ati-
mais precisa, outro delineamento de pesqui- vo, anti-hierárquico, destemido”, etc. Dessa
sa deveria ser empregado (para informa- forma, gradativamente, começa a surgir um
ções sobre a pesquisa, ver Apêndice 1). novo perfil profissional para atender às novas
No final da década de 1980, já era pre demandas do mercado de trabalho, mais exi
visto que o sistema educacional sofreria im gente e competitivo.
pactos do modelo neoliberal, conforme apon De forma embrionária, há uma transfor
tou Lyotard (1985). Segundo esse autor, a mação no panorama do atual mercado de
tendência seria a de que, no futuro, o conhe trabalho para o psicólogo. Como os resultados
cimento ganharia um caráter estratégico, per mostraram, a maior parte dos psicólogos
dendo seu caráter público, e, paulatinamente, possui dois ou mais vínculos de trabalho, o
convertendo-se em mercadoria. que é um indicador da existência de baixa
Segundo informação obtida do MEC remuneração na categoria. Esse fato se alia à
(2006), o elevado número de matrículas nos sobrecarga de trabalho, que pode compro
cursos de graduação em psicologia é discre meter a saúde física e mental desses profis
pante quando comparado ao número de con sionais. Dados semelhantes também foram
cluintes nos referidos cursos. Além disso, da encontrados em pesquisas anteriores (Bene
dos obtidos do Conselho Federal de Psicologia vides-Pereira, 2002, p. 157-185).
(2008) atestam que o número de alunos con No que tange à relação do psicólogo com
cluintes nos cursos Psicologia é maior que o seu exercício profissional, observou-se que a
dos inscritos nos seus respectivos Conselhos grande maioria desses profissionais está pas
Regionais. Assim, em todo o território nacio sando para a condição de trabalhador assa
nal, o número de psicólogos inscritos nos Con lariado nas mais diferentes instituições e or
selhos Regionais aproxima-se de 180 mil (Con ganizações, inclusive no setor público, embo
selho Federal de Psicologia, 2008). Mas acre ra uma porcentagem significativa declare que
dita-se que muitos psicólogos inscritos nos exerce sua atividade como autônoma.
seus respectivos Conselhos Regionais atuam As grandes transformações ocorridas nas
fora do campo da psicologia. últimas décadas, como a globalização e a in
Ao se considerar essa realidade, o atual formatização, criaram um cenário de rápidas
cenário do mundo do trabalho dos psicólogos transformações: as empresas adotaram novos
não se mostra muito promissor. Uma grande modelos organizacionais, terceirizaram ativi
parte deles trabalha em dois ou mais empre- dades e reduziram equipes e níveis hierárquicos,
gos, subempregados. Ademais, o número de o que culminou com uma situação desfavorável
psicólogos que atuaram na área de psicolo- para os trabalhadores, que se tornaram mais
gia e que, atualmente, estão desempregados expostos e fragilizados. Esta situação de pre
deve ser maior do que o apontado nessa cariedade das relações de trabalho atingiu tam
pesquisa. bém os psicólogos, que, como os demais, tive
130 Bastos, Guedes e colaboradores
ram de se adaptar ao novo contexto. O aumento tura brasileira. In: MOTTA, F. C. P. (Org.). Cultura
das exigências do mercado de trabalho e a ne organizacional e cultura brasileira. São Paulo:
cessidade de cumprimento de metas cada vez Atlas, 1997.
mais elevadas criaram um cenário dantesco, no HELOANI, Roberto. Psicologia do trabalho ou do
capital? Eis a questão... Revista psicologia política,
qual esses profissionais precisam adaptar-se a
São Paulo: Sociedade Brasileira de Psicologia Po
mudanças e superar dificuldades em ritmo
lítica, p. 297-312, vol.5, n.10-(JUL./DEZ.), 2005.
veloz. Toda essa situação faz com que o em ______. Gestão e organização no capitalismo globa
prego seja um item central da agenda social e o lizado: história da manipulação psicológica no
cerne de muitas outras questões sociais. mundo do trabalho. São Paulo: Atlas, 2003.
______. Organização do trabalho e administração:
uma visão multidiciplinar. São Paulo: Cortez,
NOTA 1994.
HOBSBAWM, Eric. Ecos da Marselhesa. São Paulo:
1 As regiões norte e centro-oeste são tratadas Companhia das Letras, 1998.
conjuntamente porque o CRP01 inclui o Distrito HOBSBAWM, Eric. A era do capital. São Paulo:
Federal e vários estados da Região Norte, não Paz e Terra, 1996.
permitindo tratar tais dados de forma desagre INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTA
gada por cada região. TÍSTICA, MTC, indicadores nacionais de ciência e tec
nologia (C&T), 2004. Acesso em: maio de 2008.
______. PNAD. 2005. acesso em maio 2008.
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7
O psicólogo como trabalhador assalariado
setores de inserção, locais, atividades
e condições de trabalho
Kátia Barbosa Macêdo, Roberto Heloani e Rosângela Cassiolato
No Capítulo 6, foi apresentado um pano Vários autores, dentre eles Fisher (1999),
rama geral sobre a inserção do psicólogo no Chatelêt, Duhamel e Pisier- Kouchner (1985)
mundo do trabalho. Entre várias outras infor e Pinsky e Pinsky (2003), indicam que, no
mações, constatou-se o crescimento do tra início do século XXI, três movimentos para
balho assalariado, o que confere uma nova lelos merecem destaque para a composição
fisionomia a uma profissão em que o trabalho das mudanças estruturais que constituem o
autônomo era uma das faces mais reconhe atual contexto mundial: a crise e a falência
cidas socialmente. O presente capítulo tem do Estado como promotor do bem-estar so
como foco o trabalho assalariado do psicó cial; a concentração de capitais e a globa
logo. Será dada uma atenção especial aos se lização da economia em nível mundial, além
tores produtivos em que ele atua – público, do surgimento e do fortalecimento do terceiro
privado e terceiro setor – caracterizando-se setor como componente da sociedade.
cada um deles em termos de locais, atividades A crise e a falência do Estado como pro
e condições de trabalho. motor do bem-estar social sinalizou o fra
casso do Estado em tal objetivo e indicou
lacunas nas áreas de saúde, educação e se
A estrutura do mundo gurança, que passaram a depender da ini
produtivo: os setores público, ciativa privada para o seu desenvolvimento.
privado e o terceiro setor Ao mesmo tempo em que isso contribuiu
para uma consequente redução das fun-
O setor público e o privado tradicional ções estatais e para o equilíbrio das con-
mente apresentam-se como potenciais con tas públicas, reduzindo gastos sociais, cons
textos de inserção profissional no mundo do tituiu também um enorme campo de atua-
trabalho, estruturando-se de formas quase an ção de organizações privadas com fins lu
tagônicas quanto às suas missões e, sobretu- crativos, mais uma vez consolidando um
do, quanto aos regulamentos que regem suas mercado que sustenta os interesses do sis
políticas de pessoal e modelos de gestão. tema capitalista.
132 Bastos, Guedes e colaboradores
Empresas e organizações
públicas (n = 1.313)
Empresas e organizações
privadas (n = 1.152)
Figura 7.1 Inserção dos psicólogos nos setores público, privado e no terceiro setor
Como se pode observar na Figura 7.1, o empregos, o que significa que esses dois
setor público revela ser o maior empregador setores juntos absorvem a maioria dos
(40,3%) para a categoria profissional de psicólogos que estão inseridos no mercado
psicólogos, embora haja relativo consenso de trabalho.
de que ainda há grande carência do trabalho Na realidade, na área de saúde pública,
desse profissional em setores essenciais da há uma lacuna entre o discurso (de prio
esfera pública, como o da saúde, o da edu ridade) e as práticas sociais efetivas (de real
cação e o da assistência social. Depreende- mente haver uma priorização de investimen-
-se também dos resultados apresentados na tos para a área). Essa lacuna é refletida em
Figura 7.1 que o somatório dos percentuais uma situação em que a população continua
das empresas privadas e das organizações carente de atendimento, inclusive psicológico.
sem fins lucrativos totalizam quase 60% dos As organizações privadas não diferem das or
O trabalho do psicólogo no Brasil 135
Os dados constantes na Figura 7.2 per- do psicólogo. Mesmo tendo um trabalho as-
mite concluir que o trabalho autônomo é o salariado que lhe garante condições de so-
principal e único vínculo para um contin- brevivência satisfatória, muitos psicólogos
gente de apenas 17,6% dos psicólogos. Para atuam paralelamente como clínicos para
a grande maioria, o trabalho autônomo é manter-se em uma atividade que lhes des-
complementar aos diversos tipos de trabalho perta interesse e lhes confere a identidade
assalariado. Esse dado, já explorado no Ca- profissional.
pítulo 6, pode ser tomado como um indi- Traçado esse quadro geral, é importante
cador da fragilidade das condições de traba- analisar as combinações que ocorrem no
lho, mas, também, como um resultado da âmbito dos trabalhos assalariados nos três
importância do trabalho autônomo, especial- setores produtivos. Tais dados encontram-se
mente, na clínica, na identidade profissional na Figura 7.3.
136 Bastos, Guedes e colaboradores
Figura 7.3 Inserção profissional do psicólogo nos setores público, privado e no terceiro setor.
ONGs E
SETOR PÚBLICO SETOR PRIVADO
COOPERATIVAS
Figura 7.4 Dados sociodemográficos dos psicólogos que atuam nos três setores.
6,0
0,0
Aprovação assembleia (n = 32)
0,0
19,7
24,6
Indicação (n =
442)
13,8
22,9
34,4
Convie (n = 559)
15,7
50,9
41,0
Processo seletivo ou concurso (n = 1,300) 70,6
• cooperado (7,3%)
• contratado como psicólogo pelo regime da CLT (18%)
• contratado como outra função, com funções de psicólogo, CLT (6,1%)
• prestador de serviço em psicologia atuando como autônomo (31,4%)
Terceiro setor • como voluntário (37,2%)
(n = 506)
Figura 7.6 Tipo de vínculo trabalhista dos psicólogos nos três setores de inserção profissional.
80,0
72,7
70,0
60,0
50,0
45,6
34,7
37,3
40,0
30,7
30,0
23,6
17,17
17,4
20,0
9,9
8,2
10,0
0,0
Figura 7.7 Distribuição da carga horária semanal de trabalho dos psicólogos nos três setores.
O trabalho do psicólogo no Brasil 141
O terceiro setor se destaca por ter a vidores estatutários, que atingiam 34 horas
maior porcentagem (72,7%) de psicólogos semanais. Em nível nacional, a média entre
que trabalham até 20 horas semanais, o que os psicólogos aproximava-se de 24 horas se
é congruente com a natureza complementar manais. No trabalho autônomo a carga ho
desse tipo de inserção, como apontado ante rária semanal média chegava a 14 horas e
riormente. O setor privado também possui para os psicólogos voluntários, a 10 horas
uma porcentagem elevada de profissionais semanais (Conselho Federal de Psicologia,
de 20 horas semanais (45,6%), superior, in 1988, p. 154). Dos empregados servidores,
clusive, ao de psicólogos com tempo integral 50% trabalhavam em tempo integral (40
de 40 horas (37,3%). O setor público é o horas), e a outra metade dividia-se em 25%
único que mantém trabalhadores em regime de até 8 horas, e 25% em tempo parcial de
de dedicação exclusiva (8,2%). O setor pú 24 horas. Já para os psicólogos que trabalha-
blico e o setor privado somam 74,7% de vam como autônomos, a carga horária va
profissionais que trabalham 40 horas sema riava entre 8, 16 e 24 horas semanais. Assim
nais, enquanto no terceiro setor o percentual 40% dos psicólogos autônomos trabalha
é bem menor (17,4%). O regime de 30 horas vam em tempo parcial, e aproximadamente
aparece de modo mais expressivo no setor 40% dos assalariados trabalhavam em tem
público (30,7%), não constituindo uma for po integral (Conselho Federal de Psicologia,
ma comum de contratação e sendo uma 1988, p. 157).
condição especial de trabalho, muitas vezes Ainda caracterizando as condições de
conseguida em processos judiciais. trabalho nos três setores, a Figura 7.8 apre
A pesquisa na década de 1980 apre senta os dados relativos a rendimentos,
sentou resultados semelhantes. A carga ho benefícios e às avaliações feitas pelos psicó
rária semanal média mais elevada estava logos sobre perspectivas de crescimento e
entre os trabalhadores empregados e os ser intenções de mudança de trabalho.
• Federal – 23,0%
NÍVEIS DA
• Estadual – 31,1%
ADMINISTRAÇÃO • Municipal – 45,9%
Figura 7.9 Níveis de administração do setor público em que estão inseridos os psicólogos, os seus
locais de trabalho e as atividades desenvolvidas.
nanciamento por meio de bolsas de estudos que se tem no setor público. Em outras pa
para estudantes da rede privada. O segundo lavras, é possível afirmar que, no setor pú
maior empregador são as empresas comer blico, a contratação de psicólogos mantém-se
ciais, industriais e de serviços (30,9%), que, alinhada às políticas de assistência ao cida
a rigor, contemplam um conjunto diversificado dão, enquanto no âmbito privado a contra
de atividades que dificultam a identificação tação está relacionada ao crescimento do
do principal empregador do psicólogo. As “mercado educacional” e às políticas de am
instituições de saúde ficam em terceiro lugar pliação do nível de escolaridade do traba
(12,7%), contrapondo-se à predominância lhador brasileiro.
Figura 7.10 Locais de trabalho e atividades mais frequentes dos psicólogos no setor privado.
rísticas em comum (Thompson, 1997; Sa- As três gerações que demarcam as trans
lomon, 1998; Grupo de Institutos, Fundações formações que ocorreram no âmbito do ter
e Empresas, 1997; Froes e Melo Neto, 1999). ceiro setor indicam a transição de uma visão
Entre elas, destacam-se: assistencialista cuja função era compensar a
ineficiência das instâncias do poder público em
• desenvolvem atividades beneficentes, suprir as necessidades dos cidadãos para uma
religiosas, sociais, culturais, educativas, visão estratégica das organizações da sociedade
filantrópicas, objetivando concretizar civil. O terceiro setor passa a abrigar formas de
as demandas e realizar ações para a fi organização social que, embora fortemente
nalidade social para o qual foram cria financiado pelo setor público, fortalece o poder
das; local, visto suas ações voltadas para grupos
• não possuem fins lucrativos que, a par sociais que ocupam especificamente um dado
tir do âmbito privado, perseguem pro território. A diversificação ocorrida no terceiro
pósito de interesse público; setor permite visualizar modalidades distintas
• não integram o aparelho governamen de vinculação, por exemplo, como as que ocor
tal; rem em cooperativas: como contratado ou
• se autogerenciam e gozam de alto grau como cooperado. A condição de cooperado,
de autonomia interna, descentralizan por exemplo, torna o psicólogo um copartícipe
do ações; da gestão e não apenas um contratado.
• envolvem um nível significativo de A pesquisa desenvolvida em 2006 reve
participação voluntária e da comuni lou haver ainda pouca representatividade de
dade. psicólogos (98 casos – 12%) que atuam ex
• implantam programas e projetos so clusivamente no terceiro setor (Figura 7.11).
ciais autossustentáveis. Somado a isso, alguns deles mantêm outros
vínculos de trabalho (704 casos – 87,7%).
Segundo Korten (1997), houve três ge Isso indica que o terceiro setor representa um
rações de ONGs – Organizações Não Gover campo de trabalho claramente complementar
namentais: a primeira tinha o objetivo de a outra atividade profissional, o que pode
prestar assistência e bem-estar nas situações decorrer da fragilidade dessas instituições,
de emergência; a segunda foi estabelecida no fortemente dependentes de financiamentos e
aumento da capacidade de os pobres defi apoios que devem ser conquistados perma
nirem suas próprias necessidades e apren nentemente. Isso se traduz, certamente, em
derem a lidar com seus próprios recursos; a instabilidade e insegurança, que pode explicar
terceira foi criada como parte de sistemas o elevado contingente de combinação com
sustentáveis de desenvolvimento. outros vínculos de trabalho.
ONGs e outras
inserções
• 484 casos
• 98 casos
• 60,3%
• 12% • 220 casos
• 27,4%
Apenas ONGs ONGs e duas ou
Cooperativas mais inserções
Figura 7.11 Distribuição dos psicólogos que atuam apenas no terceiro setor e neste e em outros
setores concomitantemente.
O trabalho do psicólogo no Brasil 147
A Figura 7.12 mostra o tipo de vínculo tratado pela organização. Isso é um sinal de
que os psicólogos
que só atuam
no terceiro que as organizações do terceiro setor não
setor mantêm com
estas organizações.
Ob constituem um potencial empregador, mas
serve que a maior parte deles (76%) possui uma nova modalidade de vínculo trabalhista,
vínculo de prestador
de serviço
autônomo desvencilhando-se do caráter
formal contra
(trabalham por projeto) ou voluntário. So tual que assegura os direitos e as obriga-
mente 24% são
os assalariado, con
ou seja,
ções
do
empregador.
Assalariado (n = 122)
Voluntário, cooperado,
autônomo (n = 387)
Para finalizar, resta saber o que fazem os firma reiteradamente que os psicólogos
psicólogos que atuam no terceiro setor. Será buscam a profissão (ver Capítulo 5)
que exercem atividades bastante distintas das fundamentalmente pelo seu potencial
de seus colegas que atuam no setor público ou em exercer atividades de ajuda psico
no privado? Os dados apresentados na Figura lógica por meio de intervenções psico
7.13 revelam muita similaridade, particular terápicas e aconselhamentos. Não se
mente com o setor público. O psicodiagnós- pode esquecer, todavia, que neste ca
tico (27,6%), a aplicação de testes psicólogos pítulo analisaram-se as atividades des
(23,5%), o atendimento a crianças com dis critas pelos psicólogos que atuam com
túrbios de aprendizagem (22,1%) e a assis algum tipo de vínculo organizacio-
tência psicológica a pacientes clínicos e cirúr nal. Aqui, não foram referidos os psi
gicos (14,8%) ocupam as primeiras posições cólogos que dizem atuar apenas como
no ranking. Esse quadro é muito semelhante autônomos, o que poderá ser visto no
ao do setor público, sugerindo que as deman Capítulo 8. De qualquer modo as ati
das de psicólogos no terceiro setor acompa vidades relacionadas à psicoterapia in
nham às daquele setor. dividual ou de grupo aparecem na lis-
ta das principais atividades dos psicó
• Alguns podem estar se indagando por logos inseridos no setor público e no
que as atividades relacionadas à psico terceiro setor (13,5% em ambos), o
terapia não ocupam as primeiras posi que não ocorre com os que exercem
ções nos três setores, visto que se rea suas atividades no setor privado.
148 Bastos, Guedes e colaboradores
• Psicodiagnóstico – 27,6%
• Aplicação de testes psicológicos – 23,5%
• Atendimento a crianças com distúrbios de aprendizagem – 22,1%
• Assistência psicológica a pacientes clínicos e cirúrgicos – 14,8%
• Psicoterapia individual (adulto, criança e adolecentes) – 13,5%
• Consultoria – 11,0%
• Planejamento e execução de projetos – 11,0%
• Orientação de pais – 10,3%
ATIVIDADES MAIS • Dinâmica de grupo – 8,8%
FREQUENTES • Planejamento e política educacional – 9,6%
(% PSICÓLOGOS) • Orientação a adolescentes – 9,4%
• Pareceres e laudos psicológicos – 14,2%
• Orientação psicopedagógica – 9,1%
• Cargo administrativo – 8,9%
• Coordenação de equipes de trabalho – 8,0%
• Assistência materno-infantil – 7,8%
• Orientação vocacional/profissional – 7,3%
• Desenvolvimento de grupos e equipes – 7,3%
• Avaliação de desempenho – 7,1%
Figura 7.13 Atividades mais frequentes exercidas pelos psicólogos no terceiro setor.
gos graduados que queiram adquirir expe opinião, utilizarmos nossos conhecimentos
riência para futuramente concorrer no mer e técnicas a serviço da elaboração de po
cado de trabalho. Outra possibilidade seria líticas (públicas ou não) que atendam aos
a de profissionais com trajetórias ricas de anseios e às necessidades de transformação
trabalho dedicarem-se a experiências diver dessa realidade e nos colocarmos a serviço
sificadas de trabalho voluntário. da promoção da saúde e do bem-estar do
Quanto à renda, é digno de nota que, trabalhador e da sociedade.
embora não haja muita variabilidade, o se Finaliza-se este capítulo com uma per
tor público apresenta o maior porcentual gunta aos colegas: será que a promoção da
dentre os que ganham mais de 15 salários saúde e do bem-estar será mais um item em
mínimos. Em resumo, as condições de tra nosso discurso utópico ou poderemos adotá-
balho não parecem ser muito distintas entre -la como premissa para transformar nossa
os setores. As atividades desempenhadas realidade de trabalho e, consequentemente,
pelos psicólogos do setor público e do ter nossa prática profissional?
ceiro setor, no entanto, são mais semelhan
tes entre si quando comparadas às ativida-
des do setor privado, indicando que, talvez, Referências
o terceiro setor demanda o mesmo perfil de
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Quem é
psicólogos que o setor público.
o psicólogo brasileiro? São Paulo: Edicon, 1988.
Os psicólogos parecem estar satisfeitos CRNKOVIC, L. H. Cultura Organizacional: o dife
onde estão, embora os do setor privado ex rencial estratégico da área de RH. VI Enanpad –
pressem de modo mais claro seu desejo de Encontro Nacional de Pesquisa em Administração.
permanecer quando comparados aos demais. TELUQ. 2003
Os menos satisfeitos são os que atuam no DIAS, T. L. Modelo de sistemas viáveis em or
terceiro setor, o que é perfeitamente previsível ganizações públicas: um estudo de caso da função
em virtude do número elevado de psicólogos de planejamento de informações estratégicas
que ali se inserem como voluntários. para informatização da Secretaria Municipal de
Os dados da pesquisa também indicam Saúde de Belo Horizonte. 1998, 146 f. Dissertação
que há psicólogos atuando em organizações (Mestrado) – Escola de Governo, Fundação João
Pinheiro, Belo Horizonte, 1998.
sobre as quais, na pesquisa de 1988, não
FERNANDES, C. R. Privado porém público: o Ter
havia registro, como o caso das organizações ceiro setor na América Latina, Editora Relume-
do terceiro setor (embora seja incipiente o Dumará, 1997.
número de participantes atuando nesse se FROES, C.; MELO NETO, F. Responsabilidade social
tor). Esse dado pode indicar uma possibi e cidadania empresarial: a administração do tercei-
lidade de abertura de campos de atuação, ro setor. Rio de Janeiro: Qualitymark Ed. 1999.
pois seu crescimento é uma tendência atual. GASTER, L. Quality in public services: managers
Apesar disso, parece que a maioria prefere choices. Buckingham: Open University Press, 1999.
buscar empregos fixos que contenham a tão GIFE – GRUPO DE INSTITUTOS, FUNDAÇÕES E
sonhada estabilidade, sendo este talvez um EMPRESAS. www.uol.com.br/gife Acesso em: 17
dos motivos pela preferência por empregos set. 1997
GOHN, M. G. Os sem-terra, ONGs e cidadania: a
no setor público, ao lado da prática clínica
sociedade civil brasileira na era da globalização.
ou em organizações do setor privado. São Paulo: Cortez, 1997.
Cabe a nós, psicólogos, principalmente IBOPE/MQI. In: Psi Jornal de psicologia. CRP. SP:
aos que ocupam posições de destaque junto jul/set, 2004.
a organizações dos setores público, privado ISP – INTERNACIONAL DOS SERVIÇOS PÚBLI
e do terceiro setor, e que atuam na área de COS. Trabalhador terceirizado no serviço público.
educação, sendo, portanto, formadores de Brasil, 2006.
150 Bastos, Guedes e colaboradores
de empregador em potencial que explora, em gados e uma última parte desenvolve tra
proveito próprio, sua força de trabalho e está balho precário na economia informal. Nes-
amparado pela Previdência Social. se contexto, o trabalho autônomo tende a
No contexto da ocupação do psicólogo se acentuar como alternativa necessária
brasileiro, o trabalho autônomo constitui e útil para assegurar, inclusive, a atuação
opção preferencialmente adotada para atua profissional dos psicólogos brasileiros em
ção profissional. Os dados da presente pes diferentes espaços ocupacionais.
quisa mostram que a maioria dos profis Essas grandes transformações ocorri-
sionais que atua no campo da psicologia das no âmbito do funcionamento e da es
(61,3%) é de autônomos ou liberais que trutura do mercado brasileiro, de acordo
decidem trabalhar por conta própria, em com Chahad e Cacciamali (2003), podem
bora apenas 28% atue exclusivamente co- ser analisadas tanto sob a ótica quantitati-
mo autônomo. va quanto em uma perspectiva qualitati-
Yamamoto (1987) e Dimenstein (2000) va. Sob a ótica quantitativa, o mercado de
empreenderam esforços de pesquisa na bus trabalho incorporou significativo contin-
ca de uma compreensão mais abrangen- gente populacional e aumentou o número
te desse contexto ocupacional. Para tanto, de trabalhadores formais e informais. No
situam historicamente o surgimento da psi que diz respeito ao trabalho informal, hou-
cologia como um campo de saber autôno- ve expansão principalmente nas regiões
mo, enfatizando que, em geral, a expecta- metropolitanas. Contudo, Chahad e Caccia
tiva mantida pelos estudantes de psicologia mali (2003) destacam que a composição
no país é de atuar como profissional liberal desse mercado mudou em direção à absorção
com base em uma formação teórica voltada de novos trabalhadores surgidos sob novas
para a clínica e o modelo tradicional de formas de ocupação, determinadas por mu
atendimento individual. Ressaltam esses danças nas relações trabalhistas e não so
autores que o processo de formação do mente devido ao fato de a informalidade
psicólogo, ao focalizar o desenvolvimento atuar como receptáculo daqueles que não
de competências específicas ao modelo de são absorvidos no contexto do emprego for
atuação clínica, pode comprometer o con mal. Certamente, sob a ótica da qualidade
junto de conhecimentos dos aspectos sociais, dos empregos, a elevação da informalidade
históricos, políticos e ideológicos – que de parece indicar maior precariedade do tra
terminam a prática e a realidade em que o balho, mas não deixou de representar uma
profissional de psicologia está inserido, bem situação que tornou transparente a neces
como a natureza das relações e dos vínculos sidade de se buscarem novas soluções, vi
de trabalho estabelecidos para sua atuação sando a aumentar a igualdade de oportu
profissional. nidades de empregos e ocupações condignas
Outro aspecto relevante a ser analisado para a população brasileira.
refere-se ao fato de que expressivas mudan Além dessas mudanças de natureza quan
ças têm ocorrido no mercado de traba- titativa, houve também significativas trans
lho brasileiro, trazendo profundas alterações formações de natureza qualitativa e o surgi
na natureza do emprego, mais especifica mento de novas práticas trabalhistas. No ca-
mente no que tange à estabilidade. Menos so das novas práticas de utilização do trabalho,
de 50% da força de trabalho brasileira têm influenciadas essencialmente pelos novos pro
carteira assinada e a outra metade está di cessos produtivos, aparecem o teletrabalho,
vidida em grupos: uns trabalham por conta no qual o trabalhador exerce suas atividades
própria, outros se agrupam em cooperativas fora do local de trabalho; o contrato por obra
e recebem mais que quando eram empre certa e o trabalho voluntário, prestado sem
O trabalho do psicólogo no Brasil 153
fins lucrativos com finalidades culturais, cí equipe, multidisciplinar e aos mais varia-
vicas, educacionais, científicas ou de assis- dos contextos de atuação, a atual proposta
tência social (Brasil, 1998). de diretrizes curriculares prevê que a legis
Nesse sentido, Macedo (1999) salienta lação “deve, não só refletir o impacto desses
que “na nova economia”, intensiva no uso do eventos como assegurar o grau de liberdade
conhecimento, com empregos menos está para desenvolvimento futuro” (Ministério
veis, apresentando muitas ocupações novas e da Educação, 1999, p. 1). Portanto, reco
outras em desaparecimento, com menor ni nhece as mudanças ocorridas no campo de
tidez das fronteiras entre uma ocupação e trabalho do psicólogo nas últimas duas dé
outra, é muito comum que haja o descola cadas e assume a vocação mutante neces
mento entre profissões e ocupações típicas. sária em uma proposta de formação.
Tais oportunidades ocupacionais, conforme Em síntese, a literatura examinada reve-
ressalta o autor, estão surgindo não para o la aspectos quantitativos e qualitativos, e
empregado tradicional, mas para o profis mostra sensíveis modificações nas caracte
sional que trabalha por conta e iniciativa pró rísticas do mercado de trabalho brasileiro,
prias, à semelhança da maioria dos psicólogos indicando o surgimento de novo padrão de
brasileiros. Este é voltado para buscar, sem funcionamento bastante distinto daquele ob
fronteiras rígidas, uma ocupação – inclusive servado nas últimas décadas do século XX.
as de natureza empresarial. Na perspectiva do trabalho informal, houve
O estudo conduzido por Fernandes e aumento acentuado de atividades de natureza
Narita (1999) com diferentes ocupações e autônoma principalmente nas regiões metro
profissões, ao comparar os dados dos censos politanas. Entretanto, cabe ressaltar que a
demográficos de 1980 e de 1991, sinaliza composição desse mercado mudou em dire-
que o deslocamento vem aumentando gra ção à absorção de novos trabalhadores, sur
dualmente ao longo do tempo. Um dos re gidos sob novas formas de ocupação que es-
sultados encontrados nessa pesquisa é o tão sendo determinadas por mudanças signi
de que a taxa de aderência entre a profis- ficativas nas relações de trabalho.
são e a ocupação típica do psicólogo brasi No que tange ao psicólogo brasileiro,
leiro corresponde a 25%, o que indica grau foco de análise deste capítulo, o trabalho
acentuado de deslocamento entre a profissão autônomo se constitui em modalidade pre
e a ocupação típica quando comparada ao ferencialmente adotada para sua atuação
grau obtido em profissões da área da saúde, profissional. Admite-se que tal opção pode
tais como odontologia, enfermagem, medi estar fundamentada no predomínio do mo
cina, entre outras. Tais evidências realçam a delo clinicamente orientado, conforme ar-
necessidade de um monitoramento mais gumentam Yamamoto, Carvalho e Siqueira
próximo da expansão do campo profissional (1997) e Dimenstein (2000); outros as
em termos dos novos espaços ocupacionais pectos, entretanto, precisam ser considera
que se avultam, conforme recomenda Yama dos, entre os quais o surgimento de novas
moto, Carvalho e Siqueira (1997). práticas trabalhistas. Aliado a isso, novas
Reconhecendo que o processo de mu oportunidades ocupacionais, conforme res
dança na formação do psicólogo brasileiro salta Macedo (1999), estão surgindo para o
é alavancado tanto pelas reflexões teóricas profissional que trabalha por conta própria.
quanto pela pressão oriunda de novas con Entre elas, as ocupações de natureza em
dições e novos vínculos de trabalho do psi presarial. Tais resultados parecem sinalizar
cólogo no país, e ainda que novas dimen- que o predomínio do trabalho autônomo en
sões de atuação desse profissional venham tre os psicólogos brasileiros tende a ser man
se constituindo em direção ao trabalho em tido, acompanhando a tendência observada
154 Bastos, Guedes e colaboradores
no mercado brasileiro de crescimento das ati maioria mora com o cônjuge e os filhos
vidades informais. Contudo, essa opção não (19,7%), com a família de origem (pais/
necessariamente estará associada ao desen avós) (18,1%) ou com cônjuge ou compa
volvimento de atividades típicas de atendi nheiro (14,3%).
mento clínico, pois poderá refletir também o A formação acadêmica inicial (gradua
emergir de novos contextos ocupacionais no ção) dos psicólogos autônomos foi predo
campo da psicologia no Brasil. minantemente em cursos de instituições
Tendo sido apresentado o referencial teó privadas (72,1%), e grande parte dos que
rico, será, a seguir, traçado o perfil dos psi atuam como autônomos (73,3%) fez cursos
cólogos que atuam como autônomos, compa de especialização, sendo 79% deles no cam
rando os que são apenas autônomos e aqueles po da psicologia. Em relação à formação
que são autônomos, mas mantêm outros vín acadêmica stricto sensu, de cada quatro psi
culos empregatícios. Além disso, serão com cólogos autônomos, pelo menos um é mes-
paradas as diferenças existentes entre os pro tre (27,1%) e 65,8% optaram por mestra-
fissionais autônomos e os não autônomos. dos na própria área de psicologia. Em re
lação ao doutorado, o percentual é bem
menor (7,7% dos psicólogos autônomos),
Perfil do psicólogo com 72,3% de opções de curso de doutorado
autônomo no Brasil no campo da psicologia. O tempo médio de
formado desses profissionais é de 9,7 anos,
Os resultados aqui relatados derivam do mas com grande variedade na distribuição
módulo básico da pesquisa (ver Apêndice (DP = 9,1). A Figura 8.1 apresenta o resumo
1), o qual foi constituído por um amplo con das informações relativas ao perfil dos psi
junto de itens registrando informações so cólogos autônomos em termos de gênero,
bre: formação acadêmica, inserção no mer idade, formação e com quem moram.
cado profissional, trajetória da carreira, Em relação à formação complementar,
principais atividades exercidas, dados de e considerando os investimentos realizados
mográficos, escolha da profissão e perspec por esses profissionais nos últimos dois anos,
tivas quanto ao exercício profissional. os resultados da pesquisa apontam que 83,6%
dos profissionais autônomos realizaram al
gum tipo de curso de curta duração. Os
Dados pessoais e formação cursos de aperfeiçoamento foram opção de
acadêmica e complementar 30,1% dos profissionais, enquanto 51,4%
dos psicólogos autônomos participaram de algum grupo de estudo. A
supervisão extra-acadêmica também é bas
Os psicólogos que atuam como autô tante frequente: 47,1% dos psicólogos pes
nomos no Brasil são, em sua maioria, mu quisados adotaram esse tipo de formação
lheres (82%), seguindo a mesma distribui- complementar nos últimos dois anos. O per
ção por sexo que se encontra nos psicó- centual de quem participou de algum con
logos brasileiros como um todo. Tais re- gresso no último biênio foi de 74%, carac
sultados, à semelhança dos obtidos em di terizando os congressos como a opção mais
versos estudos sobre o perfil do psicólogo adotada pelos psicólogos autônomos para se
brasileiro reafirmam o predomínio do sexo manterem atualizados profissionalmente. Es
feminino sobre o masculino (Rosemberg, ses dados estão em consonância com a con
1984; Rosas, Rosas e Xavier, 1988; Yama cepção de que os psicólogos investem de
moto et al., 1997). A idade média desses forma significativa em seu processo de for
profissionais é de 36,4 anos (DP = 10,2) e a mação complementar, conforme argumenta
O trabalho do psicólogo no Brasil 155
Figura 8.1 Perfil dos psicólogos autônomos: gênero, idade, formação e com quem moram.
Langenbach e Negreiros
(1988). A autora
mente a formação complementar envolvendo
ressalta, contudo,
direcionamento
que tal estud
os teóricos e treinamento no exercício
está associado ao modelo clínico-orientado
prático mediante supervisões, entre outros. A
na medida em que pressupõe muito forte Figura 8.2 ilustra essas informações.
Congresso 74,0
tônomo, apenas 28,5% trabalham exclusi- se nos autônomos que mantêm mais outro
vamente como autônomo. Há uma faixa de tipo de vínculo, sendo o mais comum o
46,5% de psicólogos que, além do traba- trabalho em instituição privada combinado
lho autônomo, possuem mais um tipo de com o trabalho autônomo (18,7%), seguido
inserção e 25% que têm pelo menos mais do trabalho autônomo combinado com o
dois tipos de inserção profissional, como vínculo com instituição pública (15,8%).
mostra a Figura 8.3. Também é expressivo o número de profis-
O detalhamento dessas inserções pode sionais que atua em três inserções ou mais,
ser visto na Figura 8.4, onde se pode obser- sendo uma delas a de autônomo.
var que a maior parte dos casos concentra-
Autônomos e
outras inserções
• 519 casos • 455 casos
• 28,5% • 847 casos • 25%
• 46,5% Autônomo e duas
Apenas
autônomos ou mais inserções
É interessante observar que, no que diz po de formação são bem próximos. Vale
respeito ao tempo de formado, não há ressaltar, contudo, que nas faixas iniciais e
grandes diferenças entre profissionais que finais – 2 e 20 anos, respectivamente –, há
são só autônomos e os que são autônomos leve e moderado predomínio de profissionais
e mantêm outros vínculos. Como se pode que atuam somente como autônomos.
observar na Figura 8.5, os percentuais de Do total que atua como autônomo, a gran-
psicólogos autônomos, os que mantêm ou- de maioria possui carga horária semanal redu-
tros vínculos e os que não atuam como au- zida (75,3% trabalham até 20 horas semanais).
tônomos em cada uma das faixas de tem- O percentual que trabalha 40 horas semanais
O trabalho do psicólogo no Brasil 157
30,0
25,0
20,0
15,0
10,0
5,0
0,0
Até 2 anos De 3 a 5 anos De 6 a 10 anos De 11 a 20 anos Mais de 20 anos
Figura 8.5 Distribuição dos exclusivamente autônomos, autônomos com outros vínculos e não au
tônomos de acordo com o tempo de formado (em percentual).
corresponde a apenas 10,8% dos profissionais dos profissionais ou limitação do seu tipo de
da área, como mostra a Figura 8.6. Esses nú trabalho, ou até que ponto não há oportunidades
meros permitem questionar até que ponto a para preencher
seus horários, de forma a ter
redução de horas de trabalho semanais é opção
maior jornada
semanal de trabalho.
13,9%
10,8%
Até 20 horas
40 horas
30 horas
75,3%
Figura 8.6 Número de horas de trabalho semanal dos autônomos (em percentual).
Um dado interessante a se observar é mos, 59,3% trabalham até 20 horas por sema-
que, ao contrário do que se poderia pensar, na, enquanto entre os que são autônomos e
aqueles que são apenas autônomos têm carga mantêm outros vínculos esse percentual é de
de trabalho semanal maior que aqueles que 83%. Entre os que trabalham 40 horas se
são autônomos e mantém outros vínculos. manais, entretanto, há mais profissionais ex
Como pode ser visto na Figura 8.7, dos pro clusivamente autônomos que aqueles que são
fissionais que são exclusivamente autôno- autônomos com outros vínculos de trabalho.
158 Bastos, Guedes e colaboradores
90,0
83,0
80,0
70,0
60,0 59,3
50,0
40,0
30,0
20,6 20,1
20,0
10,7
10,0 6,3
0
até 20h 30h 40h
Só autônomo
Autônomos e outros vínculos
Figura 8.7 Número de horas de trabalho semanal para autônomos e autônomos com outros vínculos
(em percentual).
AUTÔNOMOS E OUTROS
AUTÔNOMOS
vínculos
Figura 8.8 Comparação entre os profissionais autônomos exclusivos e com outros vínculos por renda,
carga horária, forma de trabalho, percepção de oportunidades e desejo de mudar de profissão.
O trabalho do psicólogo no Brasil 159
Como pode ser visto, a diferença em rapia de grupo (10%). A Figura 8.9 apresenta
termos de renda média mensal é pequena, todas as atividades que foram citadas por mais
mas os profissionais que têm mais de um de 2% dos pesquisados.
vínculo costumam trabalhar número de ho Além das atividades listadas na Figu-
ras semanais bem menor que os exclu ra 8.9, também foram apresentadas como
sivamente autônomos. Em relação à forma principais, por um público entre 1% e 2%
de trabalho, em todos os casos predomina o dos pesquisados, as seguintes atividades:
trabalho individual – ao contrário do que se análise de função ou ocupacional, assistên
poderia esperar, ele é ainda maior entre os cia geriátrica, orientação sexual, assessoria
que mantêm outros vínculos (77,2%) do técnica, cargo administrativo (gerência ou
que entre aqueles que atuam exclusivamente direção), análise de cargos e salários, pla
como autônomos (72,2%). Finalmente, tam nejamento de política educacional e do
bém cabe analisar que os autônomos que cência em nível superior. As atividades lis
têm outros vínculos tendem a perceber tadas por 1% ou menos dos pesquisados
mais oportunidades de crescimento do se- são: psicoterapia de família, treinamento,
tor. Em relação a mudar de profissão, os orientação a grupos na área de saúde pú
valores são praticamente iguais, e o teste t blica, coordenação de equipes de trabalho,
apontou que não existe diferença significa- pesquisa de mercado, recrutamento/se-
tiva entre as médias de autônomos e au leção, segurança e higiene no trabalho,
tônomos com outros vínculos. triagem, pesquisa científica, educação e
reeducação psicomotora e criação publi-
citária.
Principais atividades e áreas de No que diz respeito à área de trabalho,
trabalho dos psicólogos autônomos a Figura 8.10 mostra que entre os autônomos
(considerando os que são só autônomos e os
Relativamente às principais atividades que têm outros vínculos) predomina a atua
desenvolvidas por esses profissionais, foi ção na área clínica, com praticamente a me
apresentada uma questão na qual o respon tade dos pesquisados; porém, muitos atuam
dente deveria escolher, dentre 47, as cinco nas áreas de psicologia organizacional e do
principais atividades que exercia. Foi obtido trabalho (16,5%) e da saúde (15,7%). Cabe
um total de 3.549 respostas, o que indica sinalizar que as áreas de docência, escolar,
uma média de duas atividades principais jurídica e social tiveram baixos percentuais
para cada um dos pesquisados. Entre essas de respostas dos profissionais autônomos.
atividades, a que foi mais citada pelos psicó Tais resultados acompanham o padrão veri
logos autônomos foi o psicodiagnóstico, que ficado nos estudos de Mello (1975), Bastos
é uma das atividades principais de 53,1% dos (1988) e Yamamoto e colaboradores (1997),
respondentes. A aplicação de testes psicoló confirmando a predominância bastante acen
gicos e o atendimento a crianças com algum tuada do campo clínico, quando comparada
tipo de distúrbio ocupam o segundo e o ter às áreas da psicologia organizacional e do
ceiro lugares das atividades mais realizadas, trabalho e escolar e educacional.
com percentuais de 38,4 e 21,8%, respecti Quanto às abordagens teórico-metodo
vamente. Merecem ainda destaque outras lógicas que dão sustentação ao trabalho do
atividades que foram citadas por número ex psicólogo autônomo, prevalecem as abor
pressivo de psicólogos autônomos: psicote dagens psicanalítica, apontada por 47,6%
rapia individual (16,5%), consultoria (15,7%), dos autônomos participantes da pesquisa;
orientação de pais (13%), assistência psico- humanista (33,7%); cognitivista (29,8%) e
lógica a pacientes clínicos (10,5%) e psicote comportamental (29,7%). As abordagens
160 Bastos, Guedes e colaboradores
Ergonomia 2,4
Consultoria 15,7
Psicodiagnóstico 53,1
0 20 40 50
Figura 8.9 Principais atividades dos profissionais autônomos (em percentual).
O trabalho do psicólogo no Brasil 161
3,3% 1%
7,8%
6,1%
49,7%
15,7%
16,5%
Clínica
Docência Social
Organizacional e do trabalho Escolar e educacional Jurídica
Saúde
Figura 8.10 Áreas de atuação dos profissionais autônomos (em percentual).
0 10 20 30 40 50 60
Figura 8.11 Abordagens teórico-metodológicas adotadas pelos profissionais autônomos (em per
centuais).
Figura 8.12 Informações relativas aos locais de trabalho dos psicólogos autônomos.
maioria (67,8%) acredita que a forma de dispersão em torno dessa média, indicando
trabalho atual contribui muito para os resul disparidades entre as rendas dos psicólogos
tados, enquanto apenas 3,4% avalia que a autônomos.
contribuição dessa forma de trabalho é pe A maioria dos psicólogos que atuam
quena. como autônomos (70,1%) retira 100% de
Acerca dos rendimentos atuais na ocupa sua renda dessa modalidade de trabalho. Os
ção em psicologia, o questionário da pes 30% restantes dividem sua renda entre pro
quisa previu faixas de renda que variavam veniente de outras atuações e da atuação
de 3 até renda superior a 21 salários míni profissional em psicologia. Em relação à con
mos. Os psicólogos foram perguntados sobre tribuição para o rendimento familiar, 28,1%
sua renda mensal, o percentual dessa renda contribuem com 100%, enquanto 17,3% em
proveniente da atuação no campo da psico nada contribuem para o orçamento familiar.
logia e o percentual dos rendimentos de sua As faixas de até 50% de contribuição para o
atividade como psicólogo que contribuía no orçamento familiar correspondem a 54,4%
orçamento familiar. do total de respostas. Ou seja, se por um
Os dados relativos aos profissionais au lado há muitos psicólogos para os quais os
tônomos apontam para uma renda média de rendimentos com o exercício da profissão
R$ 2.791,74, o equivalente a aproximada são fundamentais para o sustento da família,
mente nove salários mínimos à época da para outros a contribuição da renda prove
pesquisa (2006/2007). Contudo, o alto des niente da atuação em psicologia influencia
vio padrão (2.303,09) mostra que há grande apenas marginalmente para a composição
O trabalho do psicólogo no Brasil 163
do orçamento familiar. A Figura 8.13 resume de salário mínimo, em que se pode perce-
os resultados para rendimentos dos psicólo ber que 46,5% deles recebem entre 4 a 9
gos que atuam como autônomos em faixas salários mínimos.
50,0
46,5
45,0
40,0
35,0
30,0
25,0
20,0 18,8
15,8
15,0
10,0
9,9 9,0
5,0
0,0
0 até 3 SM 4 a 9 SM 10 a 15 SM 16 a 21 SM mais de 21 SM
Figura 8.13 Distribuição dos rendimentos dos psicólogos autônomos (em percentual).
De 16 a 21 SM 71,4 28,6
De 10 a 15 SM 73,9 26,1
De 4 a 9 SM 76,2 23,8
Só autônomo
Autônomo e outros vínculos
Figura 8.14 Distribuição dos rendimentos dos psicólogos que são só autônomos e dos autônomos
que têm outros vínculos (em percentual).
164 Bastos, Guedes e colaboradores
Outro dado importante para comentar é a balham também como autônomos são os de
renda média dos psicólogos autônomos de maior renda média (R$ 3.420,76). Em contra
acordo com a sua inserção profissional. Ob partida, os que atuam como autônomos e em
serva-se que aqueles que têm inserção no ONGs apresentam a renda média mais baixa
serviço público, em instituições privadas e tra (R$ 2.225,74), como mostra a Figura 8.15.
Autônomo 2,625,93
Figura 8.15 Valor médio da renda dos psicólogos autônomos e autônomos com outros vínculos.
que, para os profissionais que atuam como quase nulos os casos dos que gostariam de
autônomos, com outros vínculos ou não, mudar de profissão. Vale destacar que em
não houve interferência de expectativas e relação a isso não houve diferenças signi
pressão de outras pessoas para a escolha da ficativas nas opiniões dos que atuam ex
profissão ou da área. clusivamente como autônomos e dos que
No que diz respeito aos interesses, às mantêm outros vínculos.
habilidades e à vocação pessoal, bem como à A Figura 8.16 apresenta um resumo da
remuneração e ao status social da profissão de comparação entre os que são exclusivamente
psicólogo, não foram significativas as dife autônomos e os que são autônomos com al
renças encontradas entre os profissionais que gum outro tipo de vínculo. Ao analisar a
atuam exclusivamente como autônomos e Figura 8.16 é importante considerar que as
aqueles que são autônomos e mantêm outros respostas relativas à escolha e à avaliação da
vínculos. Contudo, o mercado de trabalho profissão variam de (1) Discordo Totalmente
influenciou mais aqueles que são autônomos e a (4) Concordo Totalmente, enquanto as per
têm outros vínculos que aqueles que são ape guntas sobre intenções de mudança de em
nas autônomos. Essa influência do mercado prego, área de atuação ou profissão tinham
ocorreu tanto em relação à escolha da pro como escala de resposta (1) Sim; (2) Sim, em
fissão, quanto em relação à escolha da área. parte; (3) Não.
Em ambos os casos, os autônomos com ou-
tros vínculos atribuíram maior importância
para o mercado de trabalho do que aqueles Perfil resumido do psicólogo
que atuam exclusivamente como autônomos. autônomo brasileiro
Sobre a avaliação da profissão, os autô
nomos com algum outro tipo de vínculo se Considerando todos os aspectos apresen
mostram mais otimistas ao apresentarem mé tados no capítulo, foi construído um perfil
dias mais elevadas na escala de concordância geral do psicólogo autônomo brasileiro, le
para as afirmativas de que a profissão possui vando-se em conta desde seus dados pessoais
prestígio e é reconhecida. Também tendem a e sua formação, até a avaliação que fazem
discordar mais da ideia de que a profissão de da sua profissão e das perspectivas que
psicólogo é elitista ou que o status do profis vislumbram na mesma.
sional em uma equipe multidisciplinar é infe
rior aos demais. Contudo, os autônomos com
algum outro tipo de vínculo concordam mais Diferenças entre psicólogos
que os apenas autônomos que a profissão é autônomos e com vínculos
malremunerada. empregatícios no Brasil
Essa visão mais otimista que os autô
nomos com algum outro tipo de vínculo O presente capítulo traçou um perfil dos
têm da profissão se reflete na resposta à profissionais autônomos em psicologia, bus
pergunta se gostaria de mudar de empre- cando responder aos seguintes questiona
go mantendo a área de atuação. Embora mentos: esses profissionais se diferenciam
todos os autônomos tendam a discordar dos demais que atuam na psicologia? Há di
da afirmativa, os que mantêm outro tipo de ferenças de atuação, de renda ou de signi
vínculo tendem menos a querer a mudan- ficado atribuído à profissão? Para tanto,
ça. Em relação a mudar de área de atua- análises estatísticas foram conduzidas para
ção da psicologia ou mudar de profis- comparar os resultados obtidos pela amostra
são, foram poucos os autônomos que de de psicólogos autônomos com os resultados
monstraram interesse em mudar de área e obtidos com a amostra de não autônomos –
166 Bastos, Guedes e colaboradores
Figura 8.16 Resumo comparativo entre autônomos em termos de escolha e avaliação da profissão e
desejo de mudar de emprego, área de atuação ou profissão.
Tabela 8.2 Comparação da inserção profissional de psicólogos autônomos e com vínculo empre
gatício
Variáveis Profissional predominantemente Profissional com
autônomo (%) vínculo empregatício (%)
Tabela 8.3 Diferenças entre psicólogos autônomos e com vínculo empregatício (teste t)
Variáveis Condição N Média Desvio padrão
Autônomo 1,820 36,4 10,19
Idade
Vínculo empregatício 395 33,3 9,17
Renda mensal Autônomo 1,658 4,60 2,57
(escala 11 pontos) Vínculo empregatício 346 4,16 2,14
Renda proveniente da psicologia Autônomo 1,644 9,26 3,09
(escala 11 pontos) Vínculo empregatício 345 9,84 2,70
Vocação pessoal como fator na escolha Autônomo 941 5,95 1,33
da área de atuação (escala 7 pontos) Vínculo empregatício 205 5,72 1,48
Psicologia como profissão de prestígio Autônomo 999 3,43 1,07
(escala 5 pontos) Vínculo empregatício 215 3,61 1,06
relação a como se sentem atuando na área e com ênfase sobre o psicodiagnóstico e modos
perspectivas de crescimento da atuação pro- de classificação nosológica. Assim, a atuação
fissional. Para tanto, foram conduzidas aná- prevalente dos psicólogos pesquisados é a
lises estatísticas que permitiram concluir atividade autônoma, ou seja, o psicólogo
que a maioria dos psicólogos aqui estudados como profissional liberal. A carga horária
atua como profissional autônomo, mantendo predominante é de até 20 horas semanais,
a classificação da profissão como predo- sendo baixo o percentual de autônomos que
minantemente de profissionais liberais. tem carga de trabalho de 40 horas semanais.
Os locais mais específicos de inserção A renda média dos profissionais autô-
desses profissionais são os consultórios par- nomos está situada em torno de nove sa-
ticulares, predominando os alugados. A lários mínimos e tende a ser ligeiramente
principal área da atuação dos psicólogos superior à renda dos psicólogos que não
autônomos ainda é a clínica, seguida de lon- trabalham como autônomos. Para a maioria
ge pela área de psicologia organizacional e desses profissionais, toda ou quase toda a
do trabalho. Tais resultados reafirmam o pa- sua renda mensal é proveniente do trabalho
drão verificado em pesquisas anteriores no no campo da psicologia. Os psicólogos que
referido contexto ocupacional (Mello, 1975; atuam apenas como autônomos têm renda
Bastos, 1988; Yamamoto et al., 1997). Ou média pouco menor do que a renda média
seja, os psicólogos pesquisados mantêm prá- daqueles que atuam como autônomos e
ticas tradicionais, talvez sem a necessária mantêm outros vínculos.
consideração das circunstâncias e das ques- No que diz respeito à avaliação que os
tões envolvidas, na adoção de tais práticas autônomos fazem sobre a escolha da pro-
nesses novos contextos de atuação, conforme fissão e o significado dela, os dados apontam
enfatiza Yamamoto e colaboradores (2001). que esses profissionais apresentam visão
Em relação às atividades realizadas pelos positiva sobre vários aspectos, embora sejam
profissionais autônomos destacam-se: psico- quase unânimes em concordar que a pro-
diagnóstico, aplicação de testes psicológicos, fissão de psicólogo é malremunerada. Sobre
atendimento a crianças com algum tipo de essas avaliações, vale destacar que, embora
distúrbio, psicoterapia individual e consul- para todos os profissionais pesquisados a
toria. De maneira geral, esses dados sinali- vocação pessoal tenha sido o fator de maior
zam que o modelo ainda prevalente, pelo peso na escolha da profissão, entre os psi-
menos entre os psicólogos aqui estudados, é cólogos autônomos a valorização da vocação
o da clínica tradicional, largamente influen- pessoal é ainda maior. Também merece des-
ciado pelo modelo médico de atendimento, taque o fato de os psicólogos que atuam
172 Bastos, Guedes e colaboradores
FREITAS, S. M. P.; GUARESCHI, N. M. F. A cons ROSAS, P.; ROSAS, A.; XAVIER, I. B. Quantos e
trução da pluralidade do conhecimento na forma quem somos. In: CFP, Quem é o psicólogo brasi
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Psicologia. Brasília, 9 dez. 1999.
9
Áreas de atuação, atividades e abordagens
teóricas do psicólogo brasileiro
área Jurídica, apesar de muitas vezes rea mais associadas às instituições de forma-
lizarem atividades clínicas e de avaliação ção pública do que às particulares, mantêm
psicológica, orientam seu trabalho para dar forte vinculação, por se supor que a atua-
suporte a decisões judiciais, o que justifi- ção em docência está apoiada em ativi-
caria a sua especificidade. Por último, a dades de pesquisa bibliográfica e de estu-
docência e a pesquisa, apesar de estarem dos empíricos.
Das 2214 respostas válidas, 1462 (66%) de atuação dos psicólogos brasileiros pes
dos psicólogos atuam em uma única área; quisados. Dos 61,7% dos psicólogos que em
648, (29%), em duas áreas e 97, (4%) em 1988 atuavam em clínica e outras áreas,
três áreas (Figura 9.1). O quadro geral mu 39,3% (representando 63% do total) atuavam
dou um pouco em relação à pesquisa reali exclusivamente nela. Os dados de 2006 re
zada na década de 1980, revelando um de velam queda para 50,8% do total. Na área
créscimo dos psicólogos que se dedicam ape organizacional e do trabalho, representada
nas a uma área de atuação. Em 1988, 73% por 22% dos profissionais que atuam nessa
dos profissionais entrevistados exerciam, ex área ou a combinam com outras, 17,6% (80%
clusivamente, atividades em uma área es do total) exerciam suas atividades com ex
pecífica; enquanto somente 22% combina clusividade. Pelos dados de 2006, essa porcen
vam duas e 5% atuavam em três áreas si tagem caiu para 61,2% do total.
multaneamente. As outras áreas que permitem compa
A Figura 9.2 permite a visualização do ração com os dados de 1988 são a docência
quadro atual de dedicação exclusiva por área e a escolar, visto não terem sido mapeadas
178 Bastos, Guedes e colaboradores
4%
29%
Uma área
66%
Duas áreas
Três áreas
as áreas social e da saúde, incluídas na pes recuo aparece em relação à área escolar e
quisa de 2006. Dos 14,9% que, em 1988, se educacional em 2006 (39,2%). A área do
dedicavam à área escolar combinada com cente, no entanto, fugiu a essa tendência,
outras áreas, 7,1% (47% do total) atuavam pois 16,1% dos psicólogos que se dedicavam
com exclusividade. A mesma tendência de a ela, em 1988, em combinação com outras
O trabalho do psicólogo no Brasil 179
Organi-
Clínica Saúde Docência Escolar Social
zacional
Dedicação
exclusiva 50,8% 61,2% 42,0% 40,2% 39,2% 18,7%
30% 36%
10%
13%
11%
Clínica / Saúde Clínica / Organizacional Outros
A mesma tendência de predomínio da Uma das razões pode ser atribuída à maior
clínica é observada quando o psicólogo atua instabilidade dos empregos, dos novos vín
em três áreas (Figura 9.4), mas neste último culos com as organizações na forma de
caso o que se torna mais evidente é a impor prestação de serviço terceirizado, o que fez
tância da área de saúde. Três combinações com o que o psicólogo tivesse de se adaptar
mais significativas são: clínica/organizacio a esta nova realidade. Tal hipótese expli
nal/saúde (21%), clínica/docência/saúde cativa encontra respaldo no fato de os re
(16%) e clínica/social/saúde (12%). sultados da pesquisa terem revelado que
Ao serem comparados com o cenário de muitos psicólogos autônomos exercem ati
1988, os resultados da área de psicologia vidades de consultoria na área organiza-
organizacional e do trabalho permitem in cional e do trabalho. É preciso refletir criti
ferir que houve uma pequena queda, pois camente se esta forma de inserção na área
naquela época, 80% dos psicólogos que organizacional e do trabalho (consulto-
atuavam nessa área se dedicavam exclu ria externa) é um sinal de consolidação ou
sivamente a ela. Em outras palavras, atual enfraquecimento e quais impactos teria na
mente, há menos psicólogos dedicando-se formação do psicólogo. Estudos adicionais
exclusivamente à área organizacional e do são necessários para tentar responder a es
trabalho do que no final da década de 1980. sas questões.
21%
51%
16%
12%
No que se refere à área escolar e educa que dizem atuar nela, mais de 60% o fazem
cional, o quadro sofre profundas mudanças em combinação com outras áreas. Portanto,
quando comparado a áreas anteriores. Primei somente 40% deles atuam exclusivamente na
ro, há uma queda quantitativa brusca, pois área educacional. O quadro é o mesmo en-
enquanto 1190 dos psicólogos que atuam em contrado em 1988, pois entre os profissio-
clínica, 616 atuam em saúde e hospitalar e nais que se dedicavam a essa área, 61% atua
554 atuam na área organizacional e do tra vam também em outra área, contrapondo-se
balho, somente 217 atuam na área escolar e a 39% que permaneciam exclusivamente nela
educacional. Em segundo lugar, ao analisar (Bastos, 1988).
os dados da área clínica, fica claro o equilíbrio A partir da Figura 9.5 é possível cons
entre quem atua somente na clínica e quem a tatar a diversidade de inserções profissio
concilia com outras áreas, ao passo que, na nais nas diferentes áreas de atuação. Essa
área escolar e educacional, dos psicólogos mesma figura explicita o peso atribuído a
O trabalho do psicólogo no Brasil 181
cada área no total de inserções possíveis tempo, os seus trabalhos (ou empregos) de
(setor público, privado, terceiro setor e au mandam de modo mais expressivo atividades
tônomo) e o percentual de psicólogos iden de natureza clínica. Em segundo lugar, des
tificados por área de atuação. ponta a área de saúde, pois dos 27% que
A área clínica indiscutivelmente possui o atuam nessa área de modo exclusivo ou não,
maior peso, pois as inserções profissionais 20,2% dos trabalhos ou inserções (empregos)
relacionadas às atividades clínicas repre estão a ela relacionado. Na terceira posição,
sentam 39,9% para 53,9% dos psicólogos encontra-se a área organizacional e do tra
que atuam nela de modo exclusivo ou não. balho, com peso de 18,1% (inserções ou tra
Em outras palavras, mesmo que o psicólogo balhos) para 25,1% dos psicólogos que man
atue na clínica e em outra área ao mesmo têm alguma inserção nessa área.
2,2
Atuam na área jurídica
1,6
27
Atuam na área da saúde
20,2
4,8
Atuam na área social
3,5
14,6
Atuam na área docente
10,5
9,8
Atuam na área educacional
7,1
53,9
Atuam na área clínica
39,9
O que leva o psicólogo a se inserir si humano e intervir para melhorar o bem-es
multaneamente em várias áreas de atuação? tar e a realização pessoal. A variedade de
Em 1988, Bastos discutia que esse fato po oferta de trabalho, a insatisfação com a área
deria ser explicado pela fragilidade dos li de atuação e a baixa remuneração também
mites entre as áreas de atuação e a facili- poderiam explicar essa múltipla inserção,
dade de movimentação entre elas. Em ou- mas aqui o sentido seria outro. Enquanto,
tras palavras, independente de se trabalhar no primeiro caso, a expansão da identidade
em contextos diversificados (escola, organi do psicólogo (um profissional com um per-
zações formais, hospitais, comunidades, con fil definido para atuar em vários contex-
sultório, etc.), o psicólogo se perceberia como tos) explicaria as múltiplas inserções, no se
um profissional capaz de com-preender o ser gundo as insatisfações profissionais (salá-
182 Bastos, Guedes e colaboradores
r io e área de atuação) explicariam esse mes rado, recorre ao modelo predominante que
mo fato. oferece status e serve de referência, sem que
Que fatores direcionam tão fortemente avalie criticamente sua adequação para essa
o interesse do psicólogo pela atuação na nova situação. Então, a ausência de formação
área clínica? É na clínica que o profissional é compensada pelo uso de um modelo teó
se percebe realizando mais plenamente o rico-metodológico de atuação que, embora
ideal de atuação psicológica e isso é cons seja reconhecido socialmente, não contribui
truído durante o processo de formação pro de modo efetivo para o contexto em que se
fissional (Bastos, 1988; ver também o Capí pretende atuar.
tulo 5 deste livro). Estudantes de psicologia Também, não se pode ignorar que o ce
ignoram situações e contextos de atuação nário atual indica claramente que o psicólogo
prática para além do modelo clínico, e isso está ocupando mais espaço social e está se
repercute nos horizontes de inserção pro inserindo de modo ativo no sistema público
fissional futuros, limitando a visualização de de saúde e assistência social quando compa
onde o psicólogo poderia ou deveria atuar rado aos resultados de 1988. Cresceu subs
para cumprir a contento o seu papel (Bo- tancialmente a participação de psicólogos
tomé, 1988). Reconhece-se também que em equipes multidisciplinares de saúde, a
grande parte das demandas de trabalho psi exemplo dos Centros de Atenção Psicosso
cológico está associada a atividades de psi cial (CAPs) que integram o Sistema Único de
coterapia e aconselhamento, sinalizando Saúde (SUS) e possuem como principais ob
que a atividade clínica ultrapassa os limites jetivos minimizar as internações de pacientes
dos consultórios particulares. com transtornos mentais e favorecer sua in
Qual seria a consequência de um pre tegração na comunidade e na família. Outro
domínio de uma área sobre as demais? A exemplo de inserção dos psicólogos em tais
limitação de outras possibilidades de atuação espaços é o Centro de Referência da Assis
repercute na identidade profissional e tam tência Social (CRAS), que tem como proposta
bém contribui para fortalecer um modelo orientar o convívio sociofamiliar e comu
teórico-prático de atuação percebido como nitário, em contextos de desigualdade so-
elitista (Sass, 1988). O continuísmo de um cial, incentivando e oferecendo condições
modelo de atuação considerado elitista não para o desenvolvimento da cidadania e da
é decorrência apenas da qualidade e da emancipação social da população local.
quantidade dos conhecimentos produzidos, Esses espaços de atuação indicam que é
nem das contingências institucionais que crescente a demanda social por uma atua-
obrigam o psicólogo a limitar sua esfera de ção do psicólogo integrada ao contexto em
atuação, mas também da ação profissional que o indivíduo se insere, o que tem impac-
dos próprios psicólogos que reproduzem de tos evidentes na constituição da identida-
modo acrítico os modelos de atuação in de desse profissional e na necessidade de
corporados desde o processo de formação, desenvolvimento de competências e de aqui
restringido suas possibilidades de inserção sição de conhecimentos que auxiliem a prá
nesses contextos. tica profissional nesses contextos.
Por outro lado, é necessário levar em
consideração que muitas dificuldades no
exercício profissional se devem ao despre Renda, vínculo empregatício e
paro para lidar com demandas sociais diver titulação por área de atuação
sificadas (Borges-Andrade, 1988). Se o psi
cólogo se vê diante de situações novas de No que se refere à renda e ao vínculo em
trabalho para as quais não se sente prepa- pregatício, não foram constatadas muitas di
O trabalho do psicólogo no Brasil 183
ferenças na caracterização dos psicólogos exceção fica por conta da área clínica, cuja
que atuam em uma única área de atuação. maioria (62%) se insere como autônomo.
As diferenças apareceram somente quando é Na área organizacional e do trabalho, cer-
levada em consideração a titulação máxima ca da metade (48%) mantém vínculos em
em cada área de atuação. A Figura 9.6 ilus- pregatícios, mas é preciso considerar que
tra essas diferenças. uma das atividades principais de quem atua
Observa-se que a condição empregatícia nessa área é a consultoria, o que contribui
de assalariado é uma realidade para a maior para que uma parcela de sua remuneração
parte das áreas de atuação em psicologia. A seja a de um profissional autônomo.
61% ganha 5 e
Organizacional 48% trabalha como 12% ganha 7 salários 48% de graduados
n = 339 assalariado mínimos 40% de especialistas
Grande variabilidade
Docência 85% trabalha como 13% ganha 15 33% de mestres
n = 129 assalariado salários mínimos 64% de doutores
Figura 9.6 Diferenças de vínculos, renda e titulação de psicólogos por área de atuação.
Obs: As áreas de atuação social/comunitária e jurídica, dada a baixa frequência, não foram incluídas
nesta análise.
Ao analisar a renda dos psicólogos por profissional. Além disso, há uma grande va
área de atuação, é digno de nota que a área riabilidade nas taxas cobradas por consulta,
clínica ofereça a mais baixa remuneração especialmente nos primeiros anos de prática,
(de 1 a 3 salários mínimos), o que reforça ou no qual, muitas vezes, os gastos para manu
evidencia que parte importante da inserção tenção e formação complementar superam
na clínica caracteriza-se como um trabalho os valores cobrados por consulta, realidade
precário. Em parte, isso pode ser explicado não muito diferente da constatada na pes
pelo fato de muitos psicólogos não traba quisa da década de 1980 (Langenbach e Ne
lharem em consultório ou escritório próprios, greiros, 1988).
possuindo gastos com aluguel, pagamento A área que melhor remunera é a do
da supervisão dos casos clínicos e impostos cência de nível superior (13% ganham mais
necessários para a regularização do exercício de 15 salários mínimos), na qual se con
184 Bastos, Guedes e colaboradores
centram os profissionais com mais altas ti é destacado o percentual de psicólogos que,
tulações stricto sensu. A área organizacional atuando na área, exclusivamente ou não, re
e do trabalho é a que oferece a segunda me lata desempenhar as atividades.
lhor remuneração, pois 61% dos psicólogos As principais atividades de psicólogos
que nela atuam recebe cerca de 5 salários que atuam na área clínica/avaliação psico
mínimos, além de 12% atingiram a faixa dos lógica permitem inferir que os trabalhos
7 salários, o que está coerente com os valo- realizados nessa área estão relacionados a
res de mercado praticados, especialmente dois focos principais. O primeiro é o aten
no que se refere às consultorias. As áreas dimento psicológico sob a modalidade de
de escolar/educacional e a área de saúde/ psicoterapias (individual, de casal e de gru
hospitalar ocupam posições intermediárias po), aconselhamento (adolescentes, pais e
em relação às demais, mas ambas ratificam crianças com problemas de aprendizagem)
o quadro geral da profissão. Ou seja, a psi ou assistência psicológica a enfermos. O
cologia é uma profissão, cuja remuneração segundo foco é na elaboração de psicodiag
não é das mais atraentes. nóstico e pareceres psicológicos, com base
No que se refere à titulação, a área de do em testes psicológicos.
cência/pesquisa é a que mantém um percen Os psicólogos que atuam na área escolar/
tual elevado de doutores (64%) e mestres educacional também fazem uso de testes psi
(33%). Nas demais áreas, o predomínio é de cológicos para dar suporte à orientação de
profissionais graduados (porcentagens bem adolescentes (vocacional/profissional) e de
próximas a 50%) ou de especialistas (porcen crianças com problemas de aprendizagem.
tagens variando de 36 a 54%). A área clínica Esses profissionais também se dedicam à ela
é a que abriga o menor número de especialistas boração de políticas educacionais, interven
(36%), contrastando com a área escolar (e ções em contextos institucionais, além do pla
educacional) que possui 54%. A atuação em nejamento e da execução de projetos. A par
clínica (e avaliação psicológica) atende à ex ticipação em equipes técnicas, sinal de sua
pectativa previsível de quem se insere no cur experiência em trabalhar em equipes multi
so de psicologia. Ao contrário de outras áreas disciplinares, também é uma atividade desse
de atuação, que necessitam ter vínculo for- grupo de psicólogos.
mal empregatício, o psicólogo clínico pode Os psicólogos organizacionais e do traba
fazer atendimento psicológico assim que se lho mantêm suas atividades tradicionais vin
graduar, pois é suficiente ter um registro no culadas a recrutamento e seleção de pessoas,
conselho profissional e um local para pres- fazendo uso de testes psicológicos para dar su
tar o atendimento (próprio ou alugado). É porte ao psicodiagnóstico. Assumem, no entan
fato, também, que muitos psicólogos man- to, funções de chefia, o que indica o seu im
têm gastos com supervisão de colegas ex- portante papel no desenvolvimento de equipes
perientes, sem que para isto precisem estar de trabalho. A avaliação de desempenho e o
vinculados a programas de formação, lato ou diagnóstico organizacional são as principais
stricto sensu. atividades quando o foco recai na organiza-
ção. A atividade de consultoria também está
presente na atuação em organizações de tra
Principais atividades de balho. E isso é importante porque todas as
cada área de atuação atividades desempenhadas pelo consultor po-
dem ser realizadas tanto por um psicólogo
Nesta seção serão apresentadas as prin que mantém vínculo empregatício permanente
cipais atividades desenvolvidas pelos psicó com uma organização quanto por aquele que é
logos em cada área de atuação. Na Figura 9.7 contratado como prestador de serviços.
O trabalho do psicólogo no Brasil 185
Psicodiagnóstico (83,0%)
Aplicação de testes psicológicos (64,2%)
Atendimentos a crianças
com distúrbios de aprendizagem (44,5%)
Psicoterapia individual (adulto, criança
e adolescente (31,1%)
Orientação de pais (23,4%)
Clínica (616) Pareceres e laudos psicológicos (18,2%)
Psicodiagnóstico (66,1%) Orientação psicopedagógica (15,7%)
Aplicação de testes psicológicos (52,4%) Psicoterapia de grupo (14,3%)
Assistência psicológica a pacientes Orientação a gestante (14,1%)
clínicos e cirúrgicos (51,9%) Psicoterapia de casal (13,2%)
Atendimentos a crianças com Orientação a adolescentes (13,1%)
distúrbios de aprendizagem (41,7%) Orientação vocacional/profissional (10,7%)
Psicoterapia individual (adulto, criança Assistência materno infantil (9,6%)
e adolescente (28,8%)
Orientação de pais (26,8) Saúde (616)
Assistência materno infantil (19,5%)
Planejamento e execução de projetos (19,3%) Aplicação de testes psicológicos (61,2%)
Orientação a gestante (17,9%) Avaliação de desempenho (52,5%)
Participação em equipes técnicas (16,2%) Diagnóstico organizacional (49,5%)
Orientação a adolescentes (14%) Consultoria (45,3%)
Orientação a grupos na Psicodiagnóstico (28,1%)
área de saúde pública (13,9%) Supervisão extra-acadêmica (24,3%)
Orientação psicopedagógica (13,7%) Organizacional (216) Cargo administrativo (gerência ou direção) (23,4%)
Dinâmica de grupo (11,9%) Análise de função ou ocupacional (21,9%)
Recrutamento/seleção (19,4%)
Dinâmica de grupo (16,3%)
Desenvolvimento de grupos e equipes (15,8%)
Reabilitação profissional (13%)
Atividades Análise de cargos e salários (12,5%)
por áreas Intervenção em organizações e instituições (12,3%)
de atuação
É previsível que o psicólogo que atue em atividades de gestão pelo fato de assumir
docência tenha nela a sua principal atividade. funções de coordenação de curso, chefia de
A supervisão de estágios também é com departamento e demais cargos administrati
patível e complementar ao exercício da vos. A coordenação e a participação em equi
docência no curso superior. No setor públi- pes técnicas sinalizam também que ativi
co, em particular, o docente de nível supe- dades de extensão e consultoria técnica es
rior concilia suas atividades de ensino com tão relacionadas à docência.
186 Bastos, Guedes e colaboradores
em órgãos ou empresas públicas (14,2%) e Baró, 1997, apud Dimenstein, 2000). Os cur
em serviços de psicologia vinculados a ins sos de psicologia, por não possibilitarem ao
tituições de ensino (12,1%). estudante a visualização dos aspectos sociais,
Um resultado da pesquisa que suscita políticos e ideológicos mais amplos que in
reflexão crítica cuidadosa é o fato de o con terferem na sua prática, findam por reforçar o
sultório particular se manter como um local modelo individualista, promovendo um dis
de trabalho para os psicólogos nas diversas tanciamento da dimensão social (Dimenstein,
áreas de atuação. A questão a ser respondida 2000), o que pode explicar o número expres
é se a atividade que o psicólogo exerce no sivo de psicólogos de diversas áreas atuando
seu consultório particular contribui para que em consultórios particulares.
ele reproduza o modelo clínico de atendi
mento individualizado em contextos a prin
cípio inapropriados para esse nível de inter Orientações teóricas
venção.
Essa indagação adquire sentido, porque As orientações teóricas dos psicólogos
há uma crença de que, embora a psicologia são informações-chave para compreender
deva assumir o seu papel de questionadora e como se fundamentam as atividades e os
transformadora do status quo, pode estar re espaços de atuação do psicólogo brasileiro.
produzindo estruturas sociais e relações de Oito diferentes abordagens teórico-meto
poder, na medida em que os psicólogos pa dológicas foram apresentadas como opções
recem não compreender claramente quem é o sendo facultado aos psicólogos escolher uma
real beneficiário do conhecimento e das in ou várias dessas alternativas. A Figura 9.9
tervenções que realizam na sua prática de mostra o percentual com que cada abordagem
trabalho (Botomé, 1996; Gil, 1985; Martín- foi citada.
569; 9,2%
1253; 20,2%
397; 6,4%
796; 12,8%
842; 13,6%
790; 12,7%
925; 14,9%
642; 10,3%
Psicanálise/cognitivo-
Psicanálise Psicanálise/cognitivo-
-comportamental/
18,2% -comportamental 4,6%
humanista-existencial 4,6%
Psicanálise/cognitivo- Psicanálise/
Cognitivo--comportamental
-comportamental/ humanista-existencial/
10,0%
humanista-existencial 4,3% Sócio-histórica 4,6%
Psicanálise/ Cognitivo-comportamental/
Humanista-existencial
Sócio-histórica humanista-existencial
6,1%
4,2% Sócio-histórica 4,6%
Psicanálise/ Psicanálise/
Sócio-histórica
humanista-existencial humanista-existencial/
2,6%
3,8% Sócio-histórica 4,6%
Psicanálise/cognitivo-
Psicodrama Humanista-existencial/
-comportamental/
10,0% Sócio-histórica 4,6%
sócio-histórica 1,3%
Cognitivo-comportamental/
Todas as abordagens
sócio-histórica
4,6%
2,1%
Humanista-existencial/
Psicodrama
4,3%
40,0%
35,0%
30,0%
25,0%
20,0%
15,0%
10,0%
5,0%
0,0%
Psicanálise Cognitivo- Humanista Sócio- Psicodra- Combina Combina Combina
comporta- existencial histórica matista duas três mais de três
mental abordagens abordagens abordagens
de trabalho. A porcentagem de uso de várias para dar suporte e também de que a preo
abordagens teóricas, todavia, se mantém cupação com a formação generalista encon
alta na maior parte do tempo, o que é um tra mais respaldo empírico do que a opção
forte indicador de que a atuação psicoló- prematura pela especialização ainda duran-
gica exige mais de um referencial teórico te a graduação.
Até 2 anos 38,8% 6,8% 18,0% 0,8% 1,7% 5,1% 11,7% 17,1%
Entre 3 e 5 anos 31,9% 8,5% 19,8% 1,1% 1,8% 5,8% 11,4% 19,7%
Entre 6 e 10 anos 34,9% 8,9% 22,9% 0,9% 1,4% 6,6% 9,4% 15,0%
Entre 11 e 20 anos 33,1% 6,5% 22,6% 0,6% 3,3% 7,7% 7,1% 19,1%
Mais de 20 anos 27,4% 7,4% 22,9% 1,6% 5,9% 5,3% 9,4% 20,1%
Figura 9.12 Porcentagem do uso de duas ou mais abordagens teóricas por tempo de graduação do
psicólogo.
trapsíquica, mas considerado como sujeito seguida, percebe-se a utilização de uma com-
situado na história e na cultura, o que requer binação de duas abordagens (20%) e, logo
uma abordagem multidisciplinar bem mais após, de mais de três abordagens (18%).
complexa da oferecida nos cursos de for Tanto para quem atua somente na clí
mação em psicologia. nica quanto, para aqueles que a conciliam
Se, de um lado, essa ampliação e essa com outras áreas de atuação, a psicanálise
diversificação de áreas de atuação são sinais continua sendo o referencial teórico mais
claros das demandas práticas crescentes di importante: 162 (27%) e 150 (26%). A com
rigidas ao psicólogo, de outro, compelem o binação de duas abordagens, 120 (20%) e
questionamento sobre se o referencial teó 145 (25%), e de mais de três abordagens,
rico disponível na atualidade consegue dar 111 (18%) e 138 (24%), aparecem em se
suporte e fundamentar a prática psicológi- quência em termos de frequência. Desse
ca em todos esses contextos. Se o exercício modo, mesmo com o predomínio da psica
profissional e a ampliação das áreas de nálise como abordagem teórica daqueles
atuação demandam amadurecimento teó que estão inseridos na clínica, observa-se
rico ainda não disponível na psicologia, a que há uma tendência em utilizar também
alternativa é buscar a integração dos mo outras abordagens, o que pode ser explicado
delos teóricos existentes e criar novos ar por duas razões: i) o fortalecimento de abor
ranjos de intervenção para dar suporte à dagens alternativas em atendimento clínico
atuação do psicólogo. individual e grupal, e ii) a necessidade de
usar outros referenciais teóricos para abordar
os fenômenos psicológicos em contextos
Áreas de atuação e orientações diversificados de atuação.
teórico-metodológicas Ao se apoiar em Santos (1990) e em
Coimbra (1993), Dimenstein (2000) res
Esta seção é dedicada a explorar um salta que a psicanálise teve um papel im
pouco mais as relações entre abordagens portante nos anos de 1960 e 1970, ao pro
teóricas e áreas de atuação, para encontrar por libertar os indivíduos das repressões
sinais de multiplicidade teórica e redire sociais e políticas, ideal almejado pela po
cionamento para um modelo social de in pularização e pela difusão do conhecimen-
tervenção que supere o modelo individual to psicológico. Isso explicaria a grande ex
até então predominante. Por causa do nú pansão da psicanálise entre psicólogos e o
mero pouco expressivo de psicólogos da público leigo naquele contexto histórico.
amostra que se inserem na área jurídica e A partir dos anos de 1970, as críticas
social, essas duas áreas de atuação não serão ao modelo de atendimento da psicologia clí
objeto de análise. nica ganharam força. O foco apenas na di
nâmica e nos conflitos intrapsíquicos dos
sujeitos, desconsiderando os contextos his
Orientações teórico-metodológicas tórico, social e cultural de inserção, não es
da atuação em clínica tava sendo mais aceito, compelindo a um
redirecionamento da atuação em psicologia
Para os 1190 psicólogos cuja área de atua clínica. O modelo de atendimento diádico
ção é exclusivamente a clínica (n = 605) – ou em consultórios particulares (psicoterapeuta
está combinanda com outras áreas (n = 585) – e paciente) cede lugar para novas modali
a psicanálise (27%) continua sendo o referen dades de atendimento grupal e familiar. E a
cial teórico mais utilizado (Figura 9.13). Em clínica deixa de ser apenas uma atividade
194 Bastos, Guedes e colaboradores
Clínica
700
600
Nº de respondentes
500
400
300
200
100
0
Cognitivo- Combina Combina Combina
Humanista Sócio- Psicodra-
Psicanálise comporta- duas abor- três abor- mais de três Total
existencial histórica matista
mental dagens dagens abordagens
restrita ao consultório, ocupando espaço nas outro lado, vencer esse desafio de conciliação
instituições públicas e privadas, nos centros pode servir de estímulo para estabelecer um
de saúde e na comunidade (Féres-Carneiro e firme e continuado diálogo entre as diver
Lo Bianco, 2003). sificadas correntes teóricas de pensamento
É previsível que esse redimensionamen em psicologia.
to dos espaços da clínica tenha repercutido
no referencial teórico que passou a ser ado
tado pelos psicólogos, visto que a psicanálise Orientações teórico-metodológicas da
ou qualquer outra abordagem teórica isola atuação na área de saúde-hospitalar
damente apresenta limitações para abarcar
os diversos aspectos culturais, econômicos, No grupo dos que atuam em outras áreas
sociais e históricos que influenciam a psique além de saúde e hospitalar, 23% (n = 83) uti
e no comportamento humano. liza duas abordagens e 22% (n = 80) com
A utilização de mais de um referencial bina mais de três abordagens teóricas. A psi
teórico na prática clínica pode ser decor canálise responde por 27% (n = 96) das pre
rente dessa ampliação do olhar sobre o ferências teóricas desse grupo de psicólogos.
fenômeno psicológico e de uma maior com Dentre aqueles que atuam exclusivamente
preensão das limitações teóricas das abor na área saúde-hospitalar, 27% (n = 70) com
dagens para incluir aspectos culturais, eco bina mais de três abordagens, enquanto 23%
nômicos, sociais, históricos, etc. O desafio é (n = 61) o faz com duas abordagens teóricas.
incluir todos esses aspectos sem perder a A psicanálise é a abordagem teórica usada
coerência na utilização de abordagens teó por 20% (n = 53) dos psicólogos que atuam
ricas, visto que algumas delas são anta exclusivamente na área de saúde (ver Fi-
gônicas em seus pressupostos básicos. Por gura 9.14).
O trabalho do psicólogo no Brasil 195
Saúde-Hospitalar
400
350
Nº de respondentes
300
250
200
150
100
50
0
Cognitivo- Combina Combina Combina
Psicanálise Humanista Sócio- Psicodra-
comporta- duas abor- três abor- mais de três Total
existencial histórica matista
mental dagens dagens abordagens
Saúde-hospitalar 53 18 18 7 1 61 31 70 259
Organizacional e do trabalho
350
Nº de respondentes
300
250
200
150
100
50
0
Cognitivo- Combina Combina Combina
Humanista Sócio- Psicodra- Total
Psicanálise comporta- duas abor- três abor- mais de três
existencial histórica matista
mental dagens dagens abordagens
Organizacional 50 51 23 7 7 83 27 91 339
Docência
200
180
160
Nº de respondentes
140
120
100
80
60
40
20
0
Cognitivo- Combina Combina Combina
Humanista Sócio- Psicodra-
Psicanálise comporta- duas abor- três abor- mais de três Total
existencial histórica matista
mental dagens dagens abordagens
Docência 15 19 7 17 1 34 6 30 129
Educacional
140
120
Nº de respondentes
100
80
60
40
20
0
Cognitivo- Combina Combina Combina
Humanista Sócio- Psicodra- duas abor- três aor- mais de três Total
Psicanálise comporta-
existencial histórica matista dagens dagens abordagens
mental
Educacional 7 7 4 1 1 25 8 32 85
atualidade, pois mesmo que a clínica siga e o conjunto de competências básicas espe
sendo a área mais importante para o psi radas do recém-graduado.
cólogo, assiste-se hoje a inclusão de popu Não se pode ignorar, todavia, que os
lações antes muito pouco assistidas. dados encontrados neste estudo somados
Se os psicólogos desempenham ativi aos resultados do ENADE (Exame Nacional
dades fortemente atreladas à aplicação de de Desempenho do Ensino Superior) rea
testes psicológicos para embasar psicodiag lizado em 2006, apontaram que Fundamen-
nósticos e pareceres independentemente de tos Históricos e Epistemológicos é um dos
sua área de atuação é preciso colocar em eixos no qual os alunos apresentam, no país
discussão se é defensável prosseguir com o todo, os piores desempenhos: isso indica
conceito de áreas de atuação que até o mo problemas relacionados à forma como tais
mento tem servido mais para se referir ao orientações estão sendo contempladas nos
local de trabalho e não aos diferentes enfo cursos de formação. Na realidade, mais do
ques e atividades que o psicólogo adota na que conhecê-las, confrontá-las e compará-
sua intervenção prática. Talvez seja neces las para propiciar escolhas conscientes, a
sário redefinir o conceito de área de atuação, adoção de perspectivas diversas sugere uma
em parte porque os resultados apontam o adesão acrítica. O problema é que essa reali
crescimento do número de psicólogos que se dade não se restringe aos psicólogos recém-
inserem em mais de uma. formados e parece ser um traço disseminado
Quanto à orientação teórico-metodoló entre os profissionais, o que requer estudos
gica, se em fins da década de 1980 já havia adicionais para compreender o que efeti
sinais claros de que os psicólogos necessi- vamente está ocorrendo no processo de for
tavam usar de mais de um referencial teórico mação desses profissionais.
para dar suporte às suas atividades profissio
nais, hoje essa tendência é marcante. Apesar
da experiência adquirida ao longo dos anos notas
fazer diminuir a tendência de usar três ou
mais abordagens teóricas simultâneas, a efe 1 Para o cálculo, foi usado o teste t revelando se
tiva diminuição em busca de um maior dire rem significativas as diferenças (x² = 172,76,
cionamento teórico ocorre após os 11 anos gl 21, p < .00).
de formação e se consolida após os 20. Ape- 2 O teste t revelou que as diferenças são signifi
sar de a formação especializada contribuir cativas (x² = 79,253 (28) p < .00).
também para o maior direcionamento teóri-
co, essa mudança se faz notar somente quan
do o psicólogo obtém o título de doutor. Referências
As fortes evidências de que o psicólo-
go necessita usar mais de um referencial teó Bastos, A. V. B. Áreas de atuação – em questão
rico para dar suporte ao seu trabalho colo- o nosso modelo profissional In: Conselho Federal
ca em discussão um pressuposto largamente de Psicologia. Quem é o psicólogo brasileiro? São
aceito, especialmente por estudiosos e do Paulo: Edicon, 1988, p. 163-193.
Bastos, A. V. B.; Achcar, R. Dinâmica pro
centes, da necessidade de uma formação plu
fissional e formação do psicólogo: uma pers
ralista que assegure o contato do aluno com pectiva de integração In Conselho Federal de
as principais orientações teórico-metodoló Psicologia. Psicólogo Brasileiro: práticas emergen-
gicas existentes no campo da Psicologia. Tal tes e desafios para a formação. São Paulo: Casa do
preocupação foi contemplada nas Diretrizes Psicólogo, 1994, p. 299-329.
Curriculares para os cursos de Psicologia, ao Borges-Andrade, J. E. A avaliação do exercí-
fixar os valores que devem guiar a formação cio profissional In: Conselho Federal de Psicolo-
O trabalho do psicólogo no Brasil 199
gia. Quem é o psicólogo brasileiro? São Paulo: Edi da ciência e prática psicológica.São Paulo: Casa do
con, 1988, p. 252-272. Psicólogo, 2003, p. 99-119.
Botomé, S. P. Em busca de perspectivas para a Hutz, C. S.; Bandeira, D. R. Avaliação Psico
psicologia como área de conhecimento e como lógica no Brasil: Situação Atual e Desafios para o
campo profissional In: Conselho Federal de Psi Futuro In O.H. Yamamoto; V.V. Gouveia (Org.).
cologia. Quem é o psicólogo brasileiro? São Paulo: Construindo a Psicologia Brasileira: desafios da
Edicon, 1988, p. 273-297. ciência e prática psicológica. São Paulo: Casa do
Carvalho, A. M. A. Atuação psicológica: uma Psicólogo, 2003, p. 261-278.
análise das atividades desempenhadas pelos Langenbach, M.; Negreiros, T.C.G.M. A for
psicólogos In: Conselho Federal de Psicologia. mação profissional, um labirinto profissional. Em:
Quem é o psicólogo brasileiro? São Paulo: Edicon, Conselho Federal de Psicologia. Quem é o psicólogo
1988, p. 217-235. brasileiro? São Paulo: Edicon, 1988, p. 86-99.
Dimenstein, M. A cultura profissional do psi Pfromm Neto, S. Psicologia – Introdução e guia
cólogo e o ideário individualista: implicações para de estudo. São Paulo: EDU/EDUSP/CNPq, 1985.
a prática no campo da assistência pública à saúde. Sass, O. O campo profissional do psicólogo, esse
Estudos de Psicologia 5(1), 2000, p. 95-121. confessor moderno Em: Conselho Federal de Psi
Féres-Carneiro, T.; Lo Bianco, A. C. Psico cologia. Quem é o psicólogo brasileiro? São Paulo:
logia Clínica: Uma Identidade em Permanente Edicon, 1988, p. 194-216.
Construção In: O.H. Yamamoto; V.V. Gouveia Yamamoto, O. H. A crise e as aternativas da psi
(Org.). Construindo a Psicologia Brasileira: desafios cologia. São Paulo: Edicon, 1987.
10
O psicólogo e sua inserção
em equipes de trabalho
A inserção de equipes como unidades Para iniciar essa tarefa, cabe desta-
de desempenho no cenário das organizações car brevemente as características daquilo
é uma prática bastante difundida na época que é considerado uma equipe. Tal escla
atual. Em consequência, é cada vez maior a recimento é necessário uma vez que, em
quantidade de estudos publicados a respeito decorrência da sua enorme divulgação, cé
de características, funcionamento e possíveis lulas de trabalho das mais diversas natu
resultados do trabalho de equipes. Entre rezas recebem a denominação “equipe”
tanto, atualmente, inexiste informação sobre sem necessariamente apresentarem as ca
a atuação do psicólogo sob essa condição de racterísticas que permitem a sua adequada
trabalho. Por esta razão, o presente capítulo identificação. Equipes de trabalho consti
tem como objetivo central apresentar os re tuem sistemas dinâmicos de atos protago
sultados de investigação empírica que bus- nizados por conjuntos de pessoas com ha
cou compreender o trabalho dos psicólo- bilidades complementares cujas ações labo
gos em equipes, descrevendo-o sob o ponto rais são norteadas por metas de trabalho
de vista desses trabalhadores. Nesse con comuns. Assim, essas pessoas são mutua
texto, serão focados aspectos específicos co mente responsáveis pelo alcance de seus
mo a satisfação, as crenças dos psicólogos objetivos (Greenberg e Baron, 1995). Esta
em relação às equipes, assim como os con conceituação, embora breve, destaca que
flitos vivenciados por eles, detectados em uma equipe é caracterizada pela comple
resultados de pesquisa encontrados a res mentaridade das habilidades dos seus
peito dessa temática entre os psicólogos bra membros, pelas experiências de trabalho
sileiros. Para isso, este texto começará de coletivas, pela responsabilidade comparti
talhando peculiaridades teóricas que carac lhada tanto na execução das tarefas quanto
terizam esse campo do conhecimento, com no alcance das metas. Por essa razão, o
o objetivo de favorecer a compreensão do arcabouço teórico trazido neste capítulo e
funcionamento das células de trabalho de os dados resultantes da pesquisa dizem res
nominadas equipes. peito ao desempenho de unidades de tra
O trabalho do psicólogo no Brasil 201
rado nas pessoas, neste caso, nos psicólo trabalho em equipe relatavam também maio
gos, tanto crenças favoráveis quanto desfa res níveis de satisfação e comprometimento.
voráveis, haja vista a ocorrência de fenô A partir das evidencias apresentadas, é per
menos como o da pressão da equipe, a di tinente esperar que as pessoas com crenças
luição de responsabilidade ou a ociosi- mais favoráveis sobre as equipes de trabalho
dade social. relatem também maiores níveis de satisfação
Segundo Wageman (1995), as pessoas com essas unidades de desempenho.
desenvolvem crenças sobre as equipes de
trabalho a partir das suas múltiplas expe
riências, de modo que crenças favoráveis Conflitos interpessoais
provavelmente decorrem de experiências nas equipes de trabalho
bem-sucedidas. A partir dessas crenças já
construídas, o sujeito passa a se comportar Relações humanas são caracterizadas
de maneira compatível com elas, embora o por trocas de influência social que envolvem
autor alerte sobre o fato de as crenças não coordenação e disputas para atingir resul
serem imutáveis. Se a pessoa possui crenças tados. Nesse processo, as pessoas envolvidas
favoráveis sobre as equipes, é pertinente cooperam entre si, buscam acertos, con
esperar que ela tenha preferência por esse sensos e tomam decisões. Na dinâmica des
tipo de arranjo para a execução de tarefas. se relacionamento, perpassam desacordos e
Pelo contrário, no caso de as crenças serem incompatibilidades, muitas vezes difíceis de
desfavoráveis, seria esperado que ela optas enfrentar e, não raro, prejudiciais ao pró
se por outra forma de desempenho, prova prio indivíduo e à equipe. Esses desacordos,
velmente de execução individual. denominados conflitos interpessoais, podem
No âmbito das organizações, entretanto, ser definidos como incompatibilidades entre
as regras que definem o modo em que as objetivos, valores e necessidades de duas
tarefas estão desenhadas nem sempre obe pessoas, de uma pessoa e uma equipe ou de
decem a crenças e convicções pessoais; de duas equipes.
correm, na maioria das vezes, de decisões Dois tipos de conflitos interpessoais fo
administrativas. Logo, resta investigar como ram classificados pelos estudiosos do assun
o sujeito reage ao ser colocado para traba to. O primeiro refere-se aos conflitos nas
lhar em um desenho laboral que contraria relações interpessoais que envolvem emoções
as suas crenças. e, o segundo, aos conflitos que envolvem dis
Investigando especificamente o papel cussões sobre a execução de tarefas, de natu
das crenças nos resultados de trabalho, po reza mais cognitiva. Jehn (1997) classificou
de ser constatado que achados empíricos um terceiro tipo de conflito – o de processo –
sustentam a existência de relações signi e o definiu como aquele que acontece por dis
ficativas. Campion, Medsker e Higgs (1993) cordâncias sobre o modo de realizar o traba
e Kirman e Shapiro (2000) encontraram lho. Todavia, De Drew e Weingart (2003) afir
correlações significativas entre crenças (por mam que estudos empíricos não têm confir
vezes denominada “preferência”) e aceita mado sua existência.
ção de práticas organizacionais, também Conflito interpessoal aparece quando
entre crenças, satisfação e comprometimen dois ou mais indivíduos, um indivíduo e
to. Mais recentemente e focando pontual uma equipe ou duas ou mais equipes acre
mente nas crenças sobre o trabalho em ditam que seus interesses são incompatí-
equipes, Souza (2006), Puente-Palacios e veis e as tentativas para resolver esse de
Borges-Andrade (2005) identificaram que sacordo fracassam. Em uma concepção um
pessoas com crenças mais positivas sobre o pouco diferente, Jehn (1997) observou que
204 Bastos, Guedes e colaboradores
conflitos também surgiam em equipes mes revelando seu papel construtivo. Tais con
mo quando não havia discordância sobre flitos exercem esse papel porque aumentam
objetivos. Essa autora defendeu a ideia de a possibilidade de manifestação de ideias,
que, mesmo quando há tentativas de coope de envolvimento com o trabalho, de geração
ração e coordenação de esforços entre pes de ideias criativas, de questionamento e
soas ou entre uma pessoa e um grupo ou debate de opiniões, de manifestações críti
equipe ou entre equipes, pode haver con cas construtivas, de confrontação e de ava
flito. Sob esse ponto de vista, conflito pode liação cuidadosa das alternativas de solu
aparecer ainda que os membros da equipe ção. Friedman e colaboradores (2000) iden
possuam objetivos comuns e ideias pare tificaram que baixos níveis de conflito de
cidas. As pessoas podem concordar sobre os tarefas reduziam os conflitos de relaciona
objetivos, mas discordar sobre os meios de mento e os níveis de estresse, demonstran
atingi-los, por exemplo, enfrentando confli do uma relação mais próxima e direta entre
tos de processo. Assim, conflito faz parte de os dois tipos de conflito e contrariando ten
toda e qualquer relação humana e isso não dências de outros estudos que apontavam
é diferente nas relações que ocorrem nas relação contrária entre os dois tipos prin
unidades de trabalho denominadas equipes, cipais de conflito, de tarefa e de relaciona
embora haja poucos estudos abordando am mento.
bos os assuntos. Conflitos de tarefa aparecem, na maior
Pode-se identificar triplo papel dos con parte dos estudos, como benéficos aos re-
flitos interpessoais nos estudos da área: sultados da organização e à tomada de
como antecedente (variável que tem poder decisão devido à melhora da qualidade da
de explicação sobre outra), consequente (va decisão que decorre das discussões e das
riável que é explicada por outra) e media críticas construtivas que provocam. Quando
dora (variável que medeia a influência de o conflito é focalizado nas tarefas, os mem
uma antecedente sobre outra consequente). bros utilizam suas capacidades e seus co
Conflitos de relacionamento têm-se revelado nhecimentos para resolvê-los. A ausência de
prejudiciais ao desempenho e à satisfação do conflitos de tarefas poderia negar à equipe
trabalhador. Mas isso acontece se seus níveis a oportunidade de melhorar o desempenho
forem muito elevados; níveis baixos de conflito por meio da discussão sobre suas discor
apareciam nos estudos como benéficos para o dâncias. Apesar de todos esses indicativos,
desempenho. Um estudo de Jehn (1997) já ainda existem discordâncias sobre os efeitos
havia demonstrado que equipes com desem de altos níveis de conflito de tarefa no desem
penho baixo possuíam altos níveis de conflitos penho. Harris, Ogbonna e Goode (2008) des
de relacionamento, porque focalizavam mais tacam que, embora a maioria dos studos de
atenção na redução de ameaças, na busca de monstre que conflitos de tarefa melhoram os
poder e nas tentativas de aumentar a coesão resultados da equipe, isso ainda não é con
grupal do que na conclusão de tarefas. Leung, senso na área.
Liu e Ng (2005) confirmaram que baixos ní Muitos são os antecedentes de conflito de
veis de conflito estavam associados a bons ní relacionamento. Vieses culturais levam a pre
veis de satisfação. conceitos que provocam conflitos de relacio
Conflitos de tarefas, por sua vez, revela namento porque prejulgamentos desconside
ram-se benéficos para o desempenho no ram as reais características dos indivíduos e
trabalho, para o comprometimento organi são percebidos sob um “filtro” padronizado
zacional, para o comprometimento com a pela cultura. Outro aspecto que explica o apa
equipe, para a satisfação dos membros das recimento de conflito de relacionamento é a
equipes e para a satisfação no trabalho, diversidade (variedade de características en-
O trabalho do psicólogo no Brasil 205
tre os membros da equipe): a que produz nais), leva os membros da equipe a relutarem
estereótipo1, aumenta-o por levar o membro em ouvir o outro ou a dividirem suas opiniões
da equipe a colocar o outro em uma categoria com ele. Assim, na determinação do desem
preexistente, estereotipada; mas a diversidade penho, a dimensão do conflito (intensidade,
que produz comparação social2 os diminui. grau de emoção e importância) é mais im
Outro aspecto importante que produz impacto portante do que o tipo, conforme destacam
no conflito de relacionamento é a categori Leung, Liu e Ng (2005). Para Harris, Ogbonna
zação social3 que, se for positiva o diminui; e Goode (2008), apontar somente efeitos
se for negativa, aumenta seus níveis. Pelled positivos ou negativos dos conflitos seria sim
(1996) encontrou relações positivas e signifi plificar o problema. Apesar de estar claro que
cativas entre diversidade de raça e de esta conflitos podem enriquecer os resultados do
bilidade, e os conflitos de relacionamento, trabalho, particularmente daqueles que envol
enquanto diversidades de conhecimento e de vem tarefas criativas e de risco, seus níveis
gênero, não mostraram relação significante devem permanecer medianos e suas carac
com esse tipo de conflito. Outra variável que terísticas, mais cognitivas, para que seus efei
tem aparecido como antecedente de confli- tos não sejam danosos para o indivíduo e para
tos, especialmente de relacionamento, é o as a organização.
sédio moral no trabalho4 (Ayoko, Callan e Ao contextualizar teoricamente os con
Härtel, 2003). ceitos a serem explorados, é importante
Conflitos de tarefa, em trabalhos menos lembrar que esta pesquisa faz parte de uma
rotineiros, são desencadeados por diferenças investigação mais ampla sobre o perfil da
de conhecimento. Segundo Pelled (1996), profissão do psicólogo. Tendo em vista as
interação entre longevidade da equipe e di teorizações apresentadas, associadas à ausên
versidade de conhecimento diminui os con cia de informações em relação à percepção
flitos de tarefas. Vodosek (2007) mostrou dos psicólogos que trabalham em equipes so
que a diversidade cultural está relacionada a bre conflitos, crenças sobre o trabalho em
aumento de todos os tipos de conflito. Aná equipes e satisfação com essas unidades de
lises posteriores revelaram que os tipos de trabalho, o objetivo deste recorte da pesqui
conflito mediaram a relação entre diversi sa foi investigar nesse grupo de profissionais
dade cultural e resultados das equipes. qual o nível de satisfação, as crenças e o con
Embora se tenha tentado demonstrar co flito que percebem nas equipes nas quais
mo os tipos de conflito impactam e são im atuam. Para tanto, a seguir são descritas as
pactados por outras variáveis, o problema é características dos psicólogos participantes dos
mais complexo. De Drew e Weingart, em um quais as informações foram levantadas, assim
estudo publicado em 2003, concluíram que como os principais resultados obtidos.
qualquer tipo de conflito pode prejudicar o
desempenho da equipe, dependendo de sua
intensidade, porque um tipo pode transformar- A pesquisa sobre o trabalho
-se em outro. Conflitos de tarefa e de processos dos psicólogos em equipes:
podem, se forem longos e intensos, transfor quem são e como trabalham
marem-se em conflitos emocionais. Por outro
lado, conflitos emocionais ou de relaciona A investigação, no que diz respeito ao
mento podem levar a conflitos de tarefa por desempenho em equipes, foi realizada com
envolverem altos níveis de ansiedade. Como um total de 640 respondentes. Em ter-
ansiedade é uma emoção negativa, quando mos gerais, esses participantes eram, pre
aparece em altos níveis e acompanhada de dominantemente, do sexo feminino (85%),
hostilidade (presente nos conflitos emocio possuíam média de idade de 36 anos
206 Bastos, Guedes e colaboradores
(DP = 10), tendo o mais jovem 23 anos e o de rendimento médio mensal está entre
mais velho, 68; 71% deles graduaram-se em R$ 1.800,00 e R$ 3.600,00, e isso constitui
instituições de ensino privadas. mais de 70% de sua renda mensal. Mas a
Do total, apenas 28% cursaram mestrado renda mensal declarada mais frequente está
e destes, 19% o fizeram na área de Psicologia. entre R$ 901,00 a R$ 1.800,00, e 30% afir
Do total de mestres, apenas 10% cursaram maram receber rendimentos mensais nessa
doutorado (6% em Psicologia); 27% cursaram faixa. A mediana ficou na faixa salarial de
aperfeiçoamento, 45% declararam fazer parte R$ 1.801,00 a R$ 2.700,00.
de algum grupo de estudo e 35% fazem su Do total de respondentes, 54% (342 psi
pervisão extra-acadêmica. Do total de 640, cólogos) trabalham em equipes, 42% destes,
56% inserem-se profissionalmente em insti em equipes multidisciplinares. Os outros
tuições públicas de trabalho. A maior parte 35% trabalham individualmente e 11% não
dos respondentes era registrada nos CRPs de informaram (Figura 10.1). As equipes mul-
São Paulo (27%) e de Minas Gerais (13%). tiprofissionais eram compostas, prioritaria-
Pode-se dizer que os psicólogos que res mente, por assistentes sociais (16%), médicos
ponderam a essa parte do questionário ain (16%) e enfermeiros (4%). Apenas 12% traba
da são malremunerados, porque sua faixa lhavam em equipes unidisciplinares.
Individual – 35%
Equipes multiprofissonais – 42%
Equipes de psicólogos – 12%
Figura 10.1 Caracterização do trabalho dos psicólogos quanto à organização de suas unidades de
trabalho.
Dos 342 que trabalhavam em equipes oito grupos, tanto nas equipes multi quan-
tanto uni quanto multidisciplinares, 291 to nas equipes uniprofissionais. Para a no
descreveram as atividades que desenvol meação dos clusters, tentou-se representar
viam. Destes, a grande maioria desenvolvia semanticamente o conjunto das atividades
atividades em equipes multiprofissionais que os compunham. Tal nomeação foi seme
(Figura 10.2). lhante para ambas as formas de unidades
A partir das informações das atividades de trabalho do psicólogo. Apesar disso, sua
desenvolvidas, uma análise de cluster5 rea composição ficou diferenciada no que diz
lizada com o método Ward reuniu os res respeito à diversidade das atividades que os
pondentes com atividades semelhantes em compuseram porque psicólogos que desem
O trabalho do psicólogo no Brasil 207
Figura 10.3 Agrupamentos das atividades desenvolvidas por psicólogos em equipes uniprofissionais.
que apresentam distúrbios do sono e pro cionadas à prevenção e aos problemas es
blemas de saúde mental, atividades de psico- colares, de aprendizagem e psicopedagógi
oncologia infantil, suporte à saúde materno- cos citados diretamente como psicologia es
-infantil, atendimento domiciliar a pacientes, colar e da aprendizagem ou atendimento
atendimento clínico em neurologia, psico-on psicopedagógico, saúde escolar e transtor
cologia, distúrbios do neurodesenvolvimen- nos do desenvolvimento.
to, atendimento a casais com infertilidade, 6 – Organizacional e do trabalho, que
realização de projetos na área hospitalar. agrupou atividades de planejamento, diag
3 – Atividades acadêmicas, agrupan- nóstico e solução de problemas da área de
do atividades relacionadas à docência ou psicologia organizacional e do trabalho co
delas derivadas como pesquisa, aulas, ges mo gerenciamento de recursos humanos,
tão de curso superior, assessoria educacional acompanhamento de pessoal, planejamento
e coordenação pedagógica. de carreiras, segurança do trabalhador, trei
4 – Saúde, agrupando atividades de namento, desenvolvimento e educação, re
atendimento e prevenção à saúde que crutamento e seleção.
acontecem fora da instituição hospitalar e 7 – Atividades psicossociais, reunindo
não são consequentes de atendimentos fei atuação profissional ligada ao atendimento
tos por ela, como, por exemplo, atenção e à prevenção de problemas psicossociais
primária em saúde, atuação em políticas como atendimento de crianças abrigadas,
publicas e/ou sociais de saúde, orientação psicologia jurídica, atendimento em CAPS,
socioeducativa, atenção à saúde mental de PSF e outros programas psicossociais, aten
crianças e adolescentes e saúde do traba dimento psicossocial a dependentes quí-
lhador. micos, atendimento a vítimas de violência,
5 – Desenvolvimento, escolar e aprendi a deficientes mentais e a adolescentes em
zagem, cluster que reuniu atividades rela conflito com a lei.
O trabalho do psicólogo no Brasil 209
8 – Esporte e outras, agrupamento que bem como outras atividades como geren
reuniu atividades de suporte a atletas e trei ciamento de áreas de especialidade da psi
nadores, trabalho com equipes esportivas e cologia e outras atividades não caracterís
demais atividades da psicologia do esporte, ticas da atuação do psicólogo.
Figura 10.4 Agrupamentos das atividades desenvolvidas por psicólogos em equipes multiprofisionais.
Tabela 10.1 Dados descritivos referentes à satisfação dos psicólogos em relação ao trabalho em
equipe.
Desvio
Assuntos indagados N Média
padrão
1. Em relação aos membros da minha equipe de trabalho, eu sinto 331 4,20 0,89
confiança de que manteremos boas relações no futuro.
2. Tenho sentimentos positivos sobre a forma como trabalhamos 331 4,25 0,95
juntos na minha equipe.
3. Estou satisfeito com a forma em que trabalhamos juntos na minha 332 3,88 1,10
equipe.
4. Sinto-me bem a respeito do relacionamento que mantenho com 332 4,29 0,96
os membros da minha equipe de trabalho.
5. Confio completamente nos membros da minha equipe. 333 3,78 1,12
lho em equipe ou da satisfação. Resultados papel do CFP e do MEC a esse respeito? (ver
instigantes surgiram ao ser comparado o Capítulo 4).
nível de satisfação dos psicólogos formados
por instituições públicas com o dos forma
As crenças dos psicólogos
dos por instituições particulares de ensino. A
sobre o trabalho que
esse respeito, indaga-se sobre a presença de
realizam em equipes
uma variável explicativa não capturada na
pesquisa ora relatada, uma vez que se ob Os psicólogos também foram indagados
servou que os profissionais de instituições acerca de suas crenças no trabalho em equi
particulares apresentavam maiores níveis de pes. Isso foi feito porque, como exposto an
satisfação. Questionou-se aqui se essas di teriormente, estudos desse campo revelam
ferenças seriam explicadas por características que a investigação das crenças é de funda
de formação. Talvez em instituições públicas mental importância, uma vez que, se as pes
o pensamento crítico/social seja mais incen soas são levadas a atuar de maneira con
tivado, levando os alunos nelas formados trária às suas crenças, os resultados nega
a esperarem ou exigirem mais do meio no tivos não tardarão a surgir.
qual estão inseridos. Todavia, essas são me Para capturar as crenças dos psicólogos
ras conjecturas, uma vez que nesta pesquisa quanto ao trabalho em equipes, foram reali
não foram abordados aspectos que pudessem zadas quatro perguntas, todas respondidas
responder a tais questionamentos. Entretan em escala de concordância de 5 pontos, si
to, estas são questões instigantes que mere milar à utilizada para responder às questões
cem investigações posteriores: há reais dife relativas à satisfação. A tabela a seguir mostra
renças entre psicólogos formados em insti os resultados descritivos relativos às respostas
tuições públicas e privadas? Em quais carac dadas pelo conjunto de psicólogos cujas infor
terísticas? Seriam intencionais? Qual seria o mações compõem o presente relato.
Conforme o leitor pode observar, os psi faz parte. Assim, é pertinente afirmar que
cólogos que participaram da pesquisa apre as crenças sobre o trabalho em equipe são
sentam crenças favoráveis sobre o trabalho majoritariamente favoráveis. Destaque es
feito em equipes. Cabe ainda alertar que os pecial para as discrepâncias encontradas em
itens fazem referência à modalidade do tra relação à quarta pergunta (DP=1,38) quan
balho em equipes, e não, como no caso da do comparada às outras três. No caso desse
satisfação, à equipe da qual o respondente item, as pessoas não apresentam uma opi
O trabalho do psicólogo no Brasil 213
nião uniforme, pois a margem de divergên tigado a partir da análise fatorial e do índice
cia é elevada (40,36%). de confiabilidade – ver Apêndice 2), foi de
Considerando a diferença acentuada de cidido explorar mais detalhadamente a na
opinião em relação à última pergunta da tureza das respostas oferecidas. A Tabela
escala e o fato de ela não fazer parte das 10.4 mostra onde radicam as diferenças
análises comparativas subsequentes (pela quanto ao item em questão.
sua baixa contribuição ao conjunto inves
Tabela 10.4 Distribuição das respostas sobre compartilhamento de carga de trabalho em equipes
(item 4)
Opções de resposta
Atributo avaliado
1 2 3 4 5
Trabalhar em equipe implica diminuição da
carga de trabalho, resultando em menos 13,6% 16,3% 9,8% 35,2% 25,1%
trabalho para os membros.
1 – discordo totalmente; 2 – discordo parcialmente; 3 – nem discordo nem concordo; 4 – concordo; 5 – concordo totalmente.
des realizadas em cada tipo de equipe – ver dos psicólogos sobre o trabalho em equipe
Tabelas 10.9 e 10.10), ou ainda entre pessoas são eminentemente positivas. É pertinente
que já trabalharam, mas não trabalham mais; observar que, majoritariamente, os partici
que trabalham em áreas fora da psicologia; pantes da pesquisa consideram favorável o
que só trabalham na área de psicologia ou trabalho sob essa modalidade de arranjo la
que trabalham nessa e em outras áreas. boral. Isso explica a ausência de diferenças
Os dados contidos na tabela e os dados significativas entre quaisquer grupos compa
relatados permitem concluir que as crenças rados.
média 4,67
Equipes multiprofissionais
desvio padrão 0,44
média 4,56
Equipes uniprofissionais
desvio padrão 0,49
Crenças sobre o média 4,74
trabalho em equipes Já trabalharam, porém, não mais
desvio padrão 0,37
média 4,78
Trabalham em área fora da psicologia
desvio padrão 0,40
Trabalham na psicologia e em outros média 4,67
campos desvio padrão 0,46
média 4,64
Só trabalharam na área
desvio padrão 0,45
Tabela 10.6 Médias e desvios padrão das crenças dos psicólogos nos quartis extremos de satisfação
com as equipes de trabalho
N Média Desvio padrão
Grupo 1 - menos satisfeitos 92 4,46 0,57
Grupo 2 - mais satisfeitos 117 4,77 0,34
O trabalho do psicólogo no Brasil 215
Tabela 10.7 Dados descritivos das perguntas sobre conflitos percebidos pelos psicólogos no tra
balho em equipe
Desvio
Perguntas N Média
padrão
1 Quanto conflito há entre os membros de sua equipe ou equipe de trabalho? 339 2,12 0,61
2 Quanta raiva há entre os membros de sua equipe ou equipe de trabalho? 338 1,77 0,73
3 Quanto é evidente o conflito entre os membros de sua equipe ou equipe de
337 2,08 0,71
trabalho?
4 Quanta tensão existe na equipe na hora de tomar uma decisão? 338 2,22 0,63
5 Quanta discordância há entre os membros de sua equipe ou equipe de
336 2,23 0,58
trabalho devido a diferenças de opinião entre eles?
6 Quanta divergência de ideias existe entre os membros de sua equipe ou
337 2,31 0,58
equipe de trabalho?
7 Quanto conflito devido a diferenças de opinião nas decisões sua equipe ou
257 2,16 0,67
equipe de trabalho tem que resolver?
8 Quanta divergência de opinião existe em sua equipe ou equipe de trabalho? 332 2,38 0,70
Pode-se perceber que existe muita di flitos entre os que trabalham em equipes uni
vergência na percepção da quantidade de e multidisciplinares. (Tabelas 10.9 e 10.10).
conflitos existentes na equipe de trabalho. Adicionalmente, investigou-se a possibi
Enquanto 70% dos respondentes conside lidade de psicólogos mais satisfeitos perce
ram que existe pouco ou nenhum confli- berem menores níveis de conflitos em suas
to em sua equipe de trabalho, revelando a equipes de trabalho do que aqueles que es
percepção majoritária dos Psicólogos, 25% tavam menos satisfeitos com elas. Conside
acham que existe muito e 5% percebem ní rando que os níveis percebidos de conflito
veis elevadíssimos de conflito. A percepção foram relativamente pequenos (menores do
mais frequente entre os respondentes é a de que o valor médio da escala de respostas que
que existe pouco conflito (moda = 2). era de 2,5) e os de satisfação bastante posi
Foram investigadas, ainda, relações en tivos, compararam-se as respostas dos psicó
tre conflito e gênero, idade, região geo- logos com nível de satisfação localizado nos
política da instituição de formação univer quartis extremos (Q25 – menos satisfeitos e
sitária, região geopolítica em que atua pro Q75 – mais satisfeitos). Os psicólogos menos
fissionalmente, renda mensal e, caso este- satisfeitos com o trabalho em equipes per
ja atuando em equipes, formação da equi- cebiam níveis de conflitos maiores do que os
pe. Os resultados revelaram não haver di- mais satisfeitos com esse formato de traba
ferenças estatisticamente significativas en- lho. Os grupos efetivamente comparados es
tre homens e mulheres quanto à percep- tavam compostos por 92 e 117 psicólogos
ção de conflitos intragrupais nem entre respectivamente (Tabela 10.8). Os resultados
aqueles que atuam em diferentes regiões observados revelaram a presença de dife
do país, tampouco entre os que se forma- renças significativas entre os dois grupos. Os
ram em instituições de diferentes regiões psicólogos mais satisfeitos percebem signi
geopolíticas e entre os que recebem dife- ficativamente menos conflitos se comparados
rentes faixas salariais. Todavia, os psicólo- aos menos satisfeitos. Parece, então, que a
gos formados em instituições públicas per percepção de conflitos cresce em proporção
cebem consideravelmente mais conflitos inversa à satisfação com a equipe de traba
(média = 2,25, dp = 0,51, N = 96) do que lho, o que foi confirmado pelo cálculo da
aqueles formados em instituições privadas correlação de Pearson entre as duas variáveis
(média = 2,11, dp = 0,45, N = 241). Mas (r = – 0,55, p < 0,01) que evidencia existir
não existem diferenças na percepção de con 30% de variância compartilhada entre elas.
Tabela 10.8 Médias e desvios padrão do conflito percebido pelos psicólogos nos quartis extremos
de satisfação com as equipes de trabalho
Grupos comparados N Média Desvio padrão
Tabela 10.9 Médias dos conflitos, das crenças e da satisfação dos psicólogos por agrupamento de
atividades nas equipes uniprofissionais
Desvio
Cluster Média
padrão
1 – Clínica 2,12 0,23
Tabela 10.10 Médias dos conflitos, das crenças e da satisfação dos psicólogos por agrupamento de
atividades nas equipes multiprofissionais
Desvio
Cluster Média
padrão
1 – Clínica 2,12 0,50
2 – Hospitalar 2,13 0,42
3 – Atividades acadêmicas 1,96 0,48
Conflito 4 – Saúde 2,44 0,52
5 – Desenvolvimento, escolar e aprendizagem 2,08 0,43
6 – Organizacional e trabalho 2,19 0,46
7 – Atividades psicossociais 2,21 0,50
8 – Esporte e outras 2,25 0,56
*F= 1,19; p >0,05
1 – Clínica 4,67 0,39
2 – Hospitalar 4,74 0,37
ças dos membros sobre essas unidades de explorar como eles percebiam três questões
desempenho, mais os respondentes relatam fundamentais no trabalho em equipes: as
estar satisfeitos com as equipes de trabalho crenças sobre essas unidades de trabalho,
às quais pertencem. sua satisfação com elas e se percebiam con
flitos intragrupais nessas células de traba
lho. Avançou-se um pouco para investigar
CONCLUSÃO se crenças e conflitos percebidos explicavam
a satisfação com essa forma de organização
Neste capítulo, pretendeu-se caracteri do trabalho. Os resultados foram revelado
zar os psicólogos participantes do estudo e res. De modo geral, pode-se afirmar que os
O trabalho do psicólogo no Brasil 219
Figura 10.5 Ilustração do poder de explicação das crenças e do conflito na satisfação com as equipes.
psicólogos que participaram deste estudo disso, possivelmente, com prejuízos pessoais
estão satisfeitos com seu trabalho em equi e de desempenho. Apesar de não terem per
pes, possuem crenças positivas sobre essas cebido conflitos como um construto for
unidades de trabalho e percebem nelas pou mado por duas dimensões, como relata a
cos conflitos. Isso revela um quadro geral literatura (Jehn, 1994), os psicólogos, por
positivo, a despeito de serem malremunera terem revelado associação entre maiores
dos, bastante exigidos no trabalho (confor níveis de conflito e menor satisfação, pare
me revelaram seus relatos de atividades de cem tê-lo caracterizado como de natureza
sempenhadas) e de se dedicarem bastante afetiva ou psicossocial, reforçando a conclu
ao seu desenvolvimento profissional (ver são de Friedman e colaboradores. (2000)
dados de titulação). Apesar disso, variações de que um tipo de conflito pode transfor
nos resultados merecem destaque. mar-se no outro, sendo difícil, por vezes,
Em relação aos conflitos percebidos, as discriminá-los. Além disso, De Drew e Wein
respostas revelam que existe grande varia gart (2003) destacaram que a intensidade
bilidade nas percepções dos respondentes, do conflito é mais importante do que o tipo
mas a grande maioria declara que nelas há e se conflitos de tarefas forem muito in
baixa ocorrência de conflito, 70% conside tensos, podem transformar-se em conflitos
rando enfrentar poucos conflitos em suas afetivos. Isso pode ter acontecido neste es
equipes de trabalho. Esse é um sinal posi tudo, com os psicólogos do primeiro quartil6
tivo que indica que suas células de traba- de satisfação com a equipe, que perceberam
lho são beneficiadas por tal fato, já que a maiores níveis de conflitos, provocando im
maioria dos estudos aponta a presença de pacto nos resultados gerais; porém, mas
conflitos provocando impactos negativos não é possível qualquer afirmação mais se
nos resultados do trabalho e em variáveis gura, pois a intensidade dos conflitos não
do trabalhador (Leung, Liu e Ng, 2005). Por foi investigada neste estudo.
outro lado, os que percebem muitos confli Assim como na literatura, os resultados
tos mostraram satisfação significativamente deste estudo não revelaram associações en
diminuída, o que confirma resultados de tre percepção de conflito e gênero (Pelled,
outros estudos (Barczak e Wilemon, 2001; 1996), idade, região geopolítica da institui
Leung, Liu e Ng, 2005) e, em decorrência ção de formação universitária, região geo
220 Bastos, Guedes e colaboradores
política de atuação profissional, renda men nizações públicas. Como os resultados evi
sal média e composição das equipes de tra denciaram, os formados em instituições de
balho. Vodosek (2007) encontrou que diver ensino privadas estão mais satisfeitos. A as
sidade cultural era variável preditora de sociação entre esses dois resultados apa
conflito, mas, embora o Brasil seja um país receu bastante clara na análise de regres-
continental, as diferenças regionais não fo são, revelando que crenças na equipe e per
ram abordadas neste estudo e, assim, não cepção de conflito explicam conjuntamen-
se puderam comparar os resultados deste te quase 32% da satisfação dos psicólo-
estudo com os dele. gos com suas equipes de trabalho, sendo o
Psicólogos que desenvolvem diferentes maior efeito decorrente da percepção de
agrupamentos de atividades percebem igual conflito (30%) e o menor, das crenças sobre
mente conflitos, possuem crenças semelhan o trabalho em equipes (1,8%). Embora não
tes no trabalho em equipes e são igualmente se tenha encontrado estudos relacionando
satisfeitos com as equipes nas quais traba essas três variáveis, pesquisas investigando
lham. Portanto, o tipo de atividade desen o impacto dos conflitos na satisfação no tra
volvida não tem impacto na percepção de balho (Barczak e Wilemon, 2001) têm re
conflitos, nas crenças e na satisfação com as velado que o conflito prediz insatisfação.
equipes de trabalho. Embora não se tenha Este estudo revelou que o conflito mantém
encontrado estudos com os quais se pu o poder de explicação também sobre a sa
dessem comparar estes resultados, eles pa tisfação com a equipe de trabalho.
recem lógicos, já que os profissionais pos Embora crenças na equipe tenham re
suem uma mesma formação mínima básica velado menor poder de explicação, também
e só se “especializam” em áreas por meio da colaboraram significativamente para a ex
própria atuação profissional ou por cursos plicação da satisfação com a equipe. Estu
realizados (53% possuem pelo menos, aper dos anteriores (Campion, Medsker e Higgs,
feiçoamento) posteriormente à sua forma 1993; Kirman e Shapiro, 2000) revelaram
ção. Além disso, o psicólogo, de modo geral, associações destacáveis entre crenças posi
ainda parece ser um profissional de for tivas e aceitação de práticas organizacionais,
mação generalista. satisfação no trabalho e comprometimento,
Diferenças expressivas na percepção de o que seria uma confirmação indireta dos
conflitos foram encontradas entre psicólogos resultados aqui apresentados. Mas, resulta
que se formaram em instituições públicas e dos de Souza (2006) e de Puente-Palacios e
privadas: os primeiros percebem mais con Borges-Andrade (2005), que trabalharam
flitos do que os últimos. Isso pode ser ex com crenças em equipes, foram corrobora
plicado pelas características das instituições dos neste estudo.
públicas de ensino no Brasil. Nelas, o poder Esses resultados reforçam achados da
político, principalmente o partidário, mani literatura expostos anteriormente, que des
festa-se em quase todos os níveis, e o poder tacam a necessidade da manutenção de ex
da instituição flui à mercê do poder parti periências positivas de trabalho porque são
dário. Martins (1999) encontrou essas ca elas as responsáveis pela geração de resul
racterísticas em uma das universidades pú tados positivos tanto para os trabalhadores
blicas que estudou. A cada mudança de quanto para as organizações. A respeito dos
governo, o poder se desloca de modo a fa resultados deste estudo, destaca-se que de
zer dessas instituições verdadeiras arenas vem ser observados com cuidado. Apesar de
de lutas políticas intensas, o que, provavel ter o mérito da originalidade, problemas
mente, explica a maior percepção de con operacionais na coleta de dados tornaram a
flitos pelos psicólogos formados por orga amostra acidental e, em consequência disso,
O trabalho do psicólogo no Brasil 221
não representativa dos psicólogos brasileiros 5 Técnica estatística que agrupa variáveis
que atuam em equipes. Há vieses claros pe ou indivíduos com características seme
lo menos quanto à representatividade de re lhantes.
giões geopolíticas e à possibilidade de aces 6 Quartil é cada um dos três pontos na escala
que divide a amostra em quatro partes iguais,
so a meios de comunicação digital (internet)
cada uma com 25% da amostra.
e, por isso, tais resultados devem ser consi
derados com ressalvas. Sugere-se a realiza
ção de novos estudos sobre esses temas em
ReferÊncias
outras populações para avaliar a estabili
dade das relações encontradas. Ayoko, O. B.; Callan, V. J.; Härtel, C. E. J.
Apesar disso, este estudo, como parte Workplace conflict, bullying, and counterproductive
da pesquisa maior relatada neste livro, ana behaviors. International Journal of Organizational
lisa com detalhes inéditos a profissão do Analysis, 11(4), 2003, p. 283-301.
psicólogo no Brasil e, no que diz respeito Barbosa, D. A influência da liderança e dos
aos fenômenos que foram foco deste capí valores pessoais nas respostas afetivas de membros
tulo, pode revelar que, apesar da remu de equipes de trabalho. Dissertação de Mestrado
neração baixa e da grande exigência à qual em Psicologia. Universidade de Brasília, 2006.
são submetidos, os psicólogos que atuam Barczak, G.; Wilemon, D. Factors influencing
product development team satisfaction. European
em equipes estão satisfeitos, enfrentam pou
Journal of Innovation Management, 4(1), 2001,
cos conflitos e acreditam que trabalhar em
p. 32-36.
equipe é algo bom para si e para os outros Brief, A. P.; Weiss, H. M. Organizational Beha
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terísticas. Campion, M.; Papper, E.; Medsker, G. Rela
2 Comparação social: processo resultante da tion between work group characteristics and
necessidade de o indivíduo comparar-se com effectiveness: a replication and extension. Per
outros de capacidade idêntica ou inferior à sonnel Psychology, 49, 1996, p. 429-689.
sua. (Festinger, 1954) Carless, S.; de Paola, C. The measurement of
3 Categorização social: divisão do meio so- cohesion in work teams. Small Group Research,
cial em categorias/agrupamentos de carac 31, 2000, p. 71-88.
terísticas que levam os indivíduos a aumen Costa, A. C.; Roe, R.; Taillieu, T. Trust within
tarem as semelhanças entre membros de teams: The relation with performance effecti
uma mesma categoria e as diferenças en- veness. European Journal of Work Organizational
tre membros de categorias diferentes. (Mi Psychology, 10, 2001, p. 225-244.
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11
A identidade do psicólogo brasileiro
Eu não sou
um psicólogo Eu sou um psicólogo
Eu não sou
um psicólogo Eu sou um psicólogo
Eu não sou
um psicólogo Eu sou um psicólogo
recionada para o modelo clínico tradicional pal. Destarte, conforme afirma Turner e
de atendimento individual, pois apesar das Hogg (1987), a pessoa diferencia o seu
mudanças, tal imagem da profissão ainda é a grupo dos demais não só para obter iden
mais conhecida e valorizada pela sociedade e tidade positiva, tal como dito por Tajfel
pela própria categoria dos psicólogos. (1981), mas principalmente porque a dife
renciação faz parte da elaboração socio
cognitiva do ser humano. Em outros ter
Construindo a identidade mos, cada um se percebe no mundo como
do psicólogo a partir da um ente social e, portanto, inserido em
categorização social grupos humanos (teoria da autocategori
zação) (Alvaro e Garrido, 2006).
Desde o final da década de 1980, quan Há uma linha contínua que parte da
do o Conselho Federal de Psicologia tomou dimensão psicológica da identidade, em
para si a tarefa de realizar um amplo estu que cada um se percebe como único e dis
do sobre o psicólogo brasileiro, não se dis tinto dos membros do endogrupo, para a
punha de informações mais detalhadas em dimensão social da identidade, em que
âmbito nacional sobre o que mudou nesse cada um se percebe semelhante aos demais
cenário ocupacional (Bastos, 1988). Embo membros do endogrupo, distinguindo-se
ra naquela ocasião a investigação da iden do exogrupo. A identidade psicológica e a
tidade profissional não tenha sido objeto de social formam, por conseguinte, uma com
análise, tornou-se imperativo, nesta nova posição que permite ora destacar a perso
edição nacional da pesquisa, incluir esse tó nalidade individual (dimensão psicológi
pico de extrema importância na caracteri ca), ora a categoria social (dimensão mar
zação ocupacional (Bastos et al., 2004). cada pela despersonalização individual a
Afinal, a identidade social sustenta o cresci favor do grupo).
mento e a afirmação social de uma dada Relacionando-se a identidade social ao
ocupação, com repercussões nos vínculos contexto das ocupações profissionais, alguns
ou compromissos que o profissional esta aspectos adicionais merecem destaque. A
belece com o seu trabalho. clássica distinção entre os grupos profissio
Ao contrário do que sugerem os estudos nais pertencentes às ciências exatas, ciências
iniciais que serviram de base para a for da saúde e ciências sociais adquire novo
mulação da teoria da identidade social, não contorno com os esforços para demarcar as
se pretendeu pesquisar comportamentos diferenças internas. Há grupos de psicólogos
discriminatórios ou tendências ao favori que se percebem mais próximos da área de
tismo endogrupo entre psicólogos (tradição saúde, enquanto outros se veem mais iden
dos estudos experimentais de Tajfel e Tur tificados com a área de ciências sociais.
ner, 1979). A intenção foi analisar como o Dado que a percepção de proximidade e dis
psicólogo categoriza grupos profissionais tanciamento tem impactos na identidade
afins e distintos para mapear os atributos social profissional e na percepção do grupo
comuns e de diferenciação. como uma unidade homogênea ou hetero
A identidade social está intimamen- gênea, se é levado a indagar: haveria uma
te relacionada ao processo de catego identidade social homogênea entre psicólo
rização social, uma vez que a demarcação gos, independentemente da área de atua
da diferença entre grupo de pertencimen- ção? Ou a identidade social do psicólogo
to (endogrupo) e os demais grupos é fun seria marcada pela heterogeneidade, varian
damental para reafirmar a unidade gru- do conforme a sua inserção?
228 Bastos, Guedes e colaboradores
A seguir você encontrará 6 grupos de profissões. Sua tarefa é escolher qual o valor que representa o quanto cada
grupo de profissões se aproxima ou se distancia da psicologia como profissão. Para aquele grupo de profissões
que você considera como mais próximo da psicologia você deverá atribuir o valor 1. O segundo grupo de profissões
mais próximo da psicologia deverá receber o valor 2 e assim sucessivamente. Desde modo, o valor 6 representará o
grupo de profissões que você considera mais distante da psicologia. Lembre-se de que cada grupo de profissões
poderá receber apenas um valor.
* Esta classificação não foi apresentada aos psicólogos que responderam à pesquisa, apenas os grupos profissionais;
servindo apenas como base de análise das respostas.
Tomando como referência o grupo de profissões que mais se aproxima da psicologia, e que você atribuiu valor 1
na questão anterior, descreva em poucas palavras quais as suas principais características comuns.
Tomando como referência o grupo de profissões que mais se distancia da psicologia, e que você atribuiu valor 6
na questão anterior, descreva em poucas palavras quais as suas principais características comuns.
Tomando como base as características comuns ao grupo de profissões que você escolheu como mais próximo
(grupo de valor 1) e mais distante (grupo de valor 6) da psicologia, descreva em poucas palavras quais as suas
principais diferenças.
A amostra que respondeu às questões a despeito das áreas e das atividades que
sobre identidade profissional foi composta estejam se dedicando.
por 591 psicólogos, dos quais 83,2% eram Ao comparar as Figuras 11.4 e 11.5,
do sexo feminino. A idade média foi de constata-se que tanto o psicólogo que atua
35,58 (DP = 9,94). apenas em uma área (clínica, escolar, orga
Ao considerar os casos válidos, a média nizacional, etc), quanto aquele que atua
dos posicionamentos dos grupos (ranking) em mais de uma área (escolar e outras,
por área de afinidade à psicologia foram: saú organizacional e outras, etc.), percebe a
de (M = 1,65), sociais/humanas (M = 2,43), psicologia como afim às áreas de ciências
sociais aplicadas (M = 2,55), artes/letras da saúde e ciências sociais. Há uma pe
(M = 4,14), exatas (M = 4,71) e exatas apli quena variabilidade nas áreas que ocupam
cadas (M = 5,52) (ver Figura 11.3). as três primeiras posições, mas essas di
O fato de o psicólogo atuar em áreas ferenças não chegam a mudar o quadro ge
diversificadas não teve impacto na eleição ral. As áreas de exatas visivelmente são
dos grupos da afinidade e de distancia percebidas como áreas de contraidenti-
mento, sinalizando haver uma identidade dade dos psicólogos.
homogênea (una) no grupo de psicólogos,
230 Bastos, Guedes e colaboradores
5,52
5
4,71
4
4,14
2,66
2 2,43
1,65
1
0
Ciências Ciências Ciências sociais Artes e letras Ciências Ciências
saúde sociais aplicadas exatas exatas aplicadas
Organiza- Saúde
Clínica Docência Educacional
cional (n = 38)
(n = 80) (n = 25) ( n = 11)
(n = 43)
Sociais
Saúde Saúde Saúde Saúde
Maior afinidade Aplicadas
(M = 1,68) (M = 1,59) (M = 1,61) (M = 1,92)
(M = 1,82)
A força da associação com as áreas de ção com as áreas de ciências da saúde e ciên
saúde e humanas marca a identidade da psi cias sociais; de outro, observa-se o consenso
cologia independentemente do tempo de gra de que a psicologia não tem identidade com
duação. A Figura 11.6 ilustra esse resultado. as ciências exatas (contraidentidade).
Na Figura 11.7 pode-se visualizar de mo Os Quadros 11.1 e 11.2 apresentam as
do mais claro os grupos profissionais que se justificativas das afinidades das áreas de
apresentam em oposição (grupos de identi ciências da saúde e ciências sociais (Quadro
dade versus grupos de contraidentidade), de 11.1), contrapondo-se à área de contraiden
monstrando somente os casos em que os gru tidade representada pelas ciências exatas Qua
pos de afinidades assumiram a posição 1 (o dro 11.2). As justificativas foram categoriza
grupo de maior afinidade com a psicologia) das em um esforço de encontrar os aspectos
em oposição aos grupos de distanciamento mais significativos dessa demarcação.
que foram alocados na posição 6 (o grupo de Observa-se que, no Quadro 11.1, o ob
maior distanciamento da psicologia). jeto de estudo, a forma de atuação, as ativi
Os resultados sinalizam de modo claro dades, os fundamentos e a relevância social
que a grande oposição é marcada na pola são os aspectos que justificam a afinidade
rização entre áreas de saúde e exatas (65%), da psicologia com as áreas de ciências da
seguida da polarização entre área social e de saúde e das ciências sociais. Estudar o ser
exatas (25%). Percebe-se, de um lado, a iden humano e buscar o seu bem-estar integral
tidade do psicólogo marcada pela aproxima (biopsicossocial), atuar em equipe multi
232 Bastos, Guedes e colaboradores
Quadro 11.1 Justificativas das afinidades da psicologia com grupos profissionais de áreas de
conhecimento distintas
Grupos profissionais de afinidade
Ciências da saúde
Objeto:
Lida com seres humanos em sofrimento, buscando seu bem-estar biopsicossocial.
Olha o ser humano como um todo. Visão global, humanitária e histórica das questões.
Misto de biológicas e humanas.
Trabalha com a subjetividade, os sentimentos, as emoções e os pensamentos dos indivíduos.
Forma de atuação:
Atuação em equipe multiprofissional.
Contato direto com o ser humano, cuidando deste de forma próxima.
Gestão de pessoas.
Ética.
Áreas da saúde pública de caráter assistencialista.
Atividades:
Faz atendimento terapêutico a pessoas com escuta e olhar atentos.
Promove a qualidade de vida, realiza diagnósticos, faz intervenções, faz o acolhimento.
Dá assistência à saúde com tratamento, prevenção e reabilitação do ser humano.
Relevância Social:
Contribuição para a formação de cidadãos: educação para a saúde, inclusão social e relação interpessoal.
Ciências sociais (incluindo as aplicadas)
Objeto:
Estudo do homem considerando os aspectos sociais, culturais, históricos, éticos e políticos.
Estudo do mal-estar do homem, sua subjetividade em contexto individual, familiar e comunitário.
Estudo das formas de existência dos homens.
Interesse pelo ser humano em suas relações consigo mesmo, seus comportamentos, suas ações e motivações.
Fundamentos:
O início de todo pensamento surge da filosofia.
Forma de atuação:
Desenvolvimento do ser humano, considerando sua saúde de forma holística.
Quadro 11.2 Justificativas dos distanciamentos da psicologia com grupos profissionais das
áreas de ciências exatas
Grupo profissional de distanciamento
Ciências exatas
Objeto:
Não estuda o ser humano em sua plenitude e em sua interação com o mundo.
Não estuda aspectos emocionais.
Objeto de estudo inanimado.
Forma de atuação:
Intervém sobre o ambiente físico.
Área mais tecnológica. Trabalha com ferramentas, desenvolvimento de softwares, adaptação de sistemas.
Aspectos mais técnicos, números.
Desenvolve instrumentos para intervenção a fim de facilitar a vida humana.
Não se preocupa com o meio social, o ambiente e a cultura.
Menos subjetiva, lida com questões mais práticas.
Relações mecanizadas, distantes e racionalistas.
Fundamentos:
Base na matemática, raciocínio lógico.
Mais mecânicas e menos flexíveis que a psicologia, raciocínio estagnado e abstrato.
Origem nas ciências naturais e físicas.
Positivismo, abstração.
Referencial materialista.
Objetivo:
Preocupação com a exatidão, controle de variáveis, mensuração e previsão do fenômeno com precisão.
Foco na objetividade, atividades mais empíricas, pragmatismo.
O trabalho do psicólogo no Brasil 233
Mais de
Até 2 anos 3 a 5 anos 6 a 10 anos 11 a 20 anos
20 anos
(n = 80) (n = 115) (n = 86) (n = 99)
( n = 77)
Identidade Contraidentidade
Figura 11.7 Grupos de polarização: amostra total de áreas afins e distantes da psicologia.
Obs.: As áreas de exatas e exatas aplicadas foram agrupadas. O mesmo se aplica às áreas de sociais e ciências
sociais aplicadas.
tanto para quem vê a psicologia como afim ações humanas nas suas particularidades. E
às ciências sociais, quanto para quem a enfatizar a subjetividade impõe limites para
aproxima das ciências da saúde. a mensuração do ser humano, impedindo-o
Os psicólogos creem, pois, que a iden de ser tratado como um ser abstrato, cujo
tidade da psicologia se define na preo comportamento é passível de generalização.
cupação com a subjetividade, os sentimen Essa identidade do psicólogo demarcaria
tos, as relações sociais, o bem-estar, a saú com mais clareza a diferença dos profis
de mental, a singularidade, a compreensão sionais das áreas de ciências exatas que,
das ações humanas, o imensurável e a im ao contrário dos psicólogos, teriam como
previsibilidade. objeto de estudo o ambiente físico no qual
A polarização representada no Quadro o ser humano vive, e se ocupariam de pro
11.3 deixa evidente que a demarcação das duzir um conhecimento mensurável capaz
diferenças com outros grupos profissionais de melhorar as condições físicas da vida
contribui para que o psicólogo construa humana. Por causa desse caráter pragmá
uma imagem homogênea de sua categoria tico, os profissionais pertencentes às áreas
profissional, deixando em segundo plano a de ciências exatas teriam mais condições de
sua identidade profissional atrelada ao seu oferecer explicações generalizadas dos fe
campo de atuação profissional. Os psicólo nômenos materiais e munir o homem de in
gos compartilham a crença de que estudam formações úteis para suprir suas necessi
a subjetividade e buscam compreender as dades cotidianas.
O trabalho do psicólogo no Brasil 235
Esse cenário torna compreensível a ten exatas, já que o psicólogo estuda a subje
são que vigora até o momento na psicologia, tividade e prima pela singularidade do com
entre aqueles que defendem que esta ciência portamento humano, o que impõe limites à
possui identidade com o modelo de ciências mensuração e à construção de leis gerais.
exatas e os que não compartilham esse ponto
de vista. No primeiro caso, a identidade é Conversando com
assegurada pela crença de que o estudo do os psicólogos sobre
ser humano pode ser mais objetivo, mensu a sua identidade
rado e sujeito a regularidades, enquanto, no
segundo caso, a identidade do psicólogo é en Além de investigar a identidade profis
contrada na oposição ao modelo das ciências sional do psicólogo por meio da categori
236 Bastos, Guedes e colaboradores
zação social de grupos de afinidade, foi uti de modo lógico. Portanto, o discurso resul
lizada uma estratégia qualitativa para apro tante (DSC) não é uma transcrição de falas
fundar a compreensão da configuração des individuais, mas um discurso reconstruído
sa identidade. Foram realizadas 11 entre pelo pesquisador a partir da integração de
vistas online com psicólogos cujo meio de todos os pontos de vistas apresentados pe
contato foi o recurso MSN (Messenger), apli los entrevistados sobre um mesmo tema.
cativo de mensagens instantâneas disponível Por isso, não é apresentado entre aspas,
no ambiente Windows. Os psicólogos entre mas sim em itálico. Esse discurso coletivo
vistados nessa etapa complementar foram os pode ser direto, e nesse caso se faz uso da
participantes que haviam preenchido o ques primeira pessoa do plural, ou indireto,
tionário online da pesquisa do psicólogo bra quando se fala na terceira pessoa. Três con
sileiro. Na última página de finalização da ceitos são fundamentais na construção do
pesquisa online, havia um convite para a discurso do sujeito coletivo: expressões-
continuidade da participação na pesquisa e chave, ideias centrais e ancoragem. As ex
um email de contato para os interessados. pressões-chave são trechos ou transcrições
Após esse contato inicial por email, agen literais dos discursos individuais que com
davam-se dia e hora das entrevistas virtuais, põem o núcleo dos argumentos (sentidos e
que duraram em média 50 minutos. significados) dos entrevistados em relação
Duas questões centrais serviram de tó a determinados temas ou questões. As
picos-guia das entrevistas. A primeira pedia ideias centrais agrupam expressões-chave
ao psicólogo que dissesse o que caracteri por afinidade de sentido, ou seja, reúnem
zava a identidade do psicólogo e o distinguia aspectos semelhantes abordados pelos en
de outros grupos profissionais. A segunda trevistados em resposta a uma mesma per
indagava se haveria uma identidade compar gunta. A ancoragem são os pressupostos,
tilhada entre psicólogos de diversas áreas de teorias, conceitos e hipóteses que alicerçam
atuação. Como as respostas eram digitadas as opiniões e crenças dos entrevistados ex
por entrevistador e entrevistado, o conteúdo pressos nas ideias centrais. Em resumo, o
foi salvo em arquivo de texto. Após um mês discurso coletivo é um discurso-síntese de
do término das entrevistas, foi reenviado a todos os aspectos centrais abordados pelos
cada participante esse arquivo, solicitando entrevistados a respeito de um tema espe
sua validação, ou seja, era dada ao entre cífico (Lefèvre e Lefèvre, 2001).
vistado a oportunidade de ratificar ou acres As características dos 11 psicólogos en
centar novos comentários. No entanto, nem trevistados encontram-se especificadas no
todos os entrevistados responderam a esse Quadro 11.4.
chamado de validação, e os que o fizeram Seis ideias centrais salientaram-se nas
não acrescentaram mais informações. entrevistas dos psicólogos (Quadro 11.5). A
Os dados foram analisados com base primeira refere-se à construção dessa iden
no método do Discurso do Sujeito Coletivo tidade nos contextos multidisciplinares de
(DSC) (Lefèvre e Lefèvre, 2001) e com o atuação e na interação com outros saberes.
auxílio do aplicativo QualiQuantiSoft, que Os fatores sócio-histórico-culturais e pes
dá suporte a esse método de análise textual. soais que influenciam a construção da sub
Essa abordagem teórico-metodológica con jetividade são a segunda ideia central, pois
cebe o discurso coletivo como um ato de o psicólogo é percebido como o profissional
fala fruto da junção dos discursos indivi responsável por entender o indivíduo no
duais. As respostas de cada entrevistado seu contexto social. A identidade também é
sobre um mesmo tema são reconstruídas percebida como múltipla e em contínuo
para compor um único discurso encadeado processo de transformação (terceira ideia
O trabalho do psicólogo no Brasil 237
central). A quarta ideia central da identi gil e voltada para a individualidade, devido
dade se refere ao modo de atuação do psi à falta de diálogo entre os profissionais
cólogo, em que se destaca a compreensão (quinta ideia central). E, por fim, a imagem
da realidade subjetiva de cada paciente sem social do psicólogo coloca em destaque que
se preocupar em prescrever a maneira ou o a identidade está associada ao modo como
modo certo de se comportar ou agir. Além esse profissional é visto na sociedade (sexta
disso, a identidade foi percebida como frá ideia central).
A primeira ideia central associa a iden medida em que os psicólogos são capazes de
tidade do psicólogo aos contextos multi participar das discussões não apenas perti
disciplinares de atuação. nentes ao campo da psicologia. Esse contato
A identidade é marcada por uma plura com outros campos de atuação aumenta a
lidade de conceitos. Quanto mais o psicólogo capacidade do psicólogo de atuar na sua
for capaz de interagir com outros saberes, área. Para conseguir descobrir qual o seu
mais ele será capaz de realizar um trabalho lugar em uma organização, é preciso se apro
eficaz dentro de seu campo de atuação. As ximar de profissionais afins à sua área, já
sim, a identidade vai sendo construída na que o instrumental técnico desses profissio
238 Bastos, Guedes e colaboradores
nais parece estar mais consolidado (DSC – texto social e histórico. Então, inclusive aque
ideia central 1). les mais voltados para um trabalho clínico,
O Discurso do Sujeito Coletivo ora da mesma maneira se ocupam dos processos
apresentado deixa claro que, além de a psíquicos profundos, mas que se relacionam
identidade ser construída nos contextos de com aspectos da cultura, da família, da socie
atuação profissional do psicólogo, é tam dade. Partindo desse pressuposto, de que o
bém influenciada pelas interações que ocor psicólogo considera o contexto sócio-históri
rem com outros profissionais afins, dando- co-cultural do indivíduo, ele vai tentar enten
-lhe um caráter de fluidez e dinamicidade. der melhor a história do comportamento do
Esse entendimento da identidade está ali indivíduo, a história familiar, o contexto em
cerçado na percepção dos desafios gerados que vive e quem mantém o padrão de com
pelo crescimento do campo de atuação profis portamento. Assim, não é possível reduzir o
sional do psicólogo. Dessa forma, a garantia indivíduo a um único fator da constituição
de uma identidade compartilhada e parâme de sua subjetividade. Essa abordagem indivi
tros comuns diante do aumento da diver dual seria o que diferenciaria os psicólogos de
sificação das esferas e campos de atuação outros profissionais, pois os primeiros conse
tornam-se mais difíceis, gerando impactos na guem contextualizar como a cultura e o meio
credibilidade profissional. Isso acontece devi agem sobre o indivíduo.
do à dificuldade de padronizar as práticas Além do mais, os psicólogos se caracteri
realizadas pelos psicólogos, visto que cada zam por um olhar diferenciado sobre o outro,
um atua de acordo com seu campo de atua pois não se fixam apenas nos sintomas e
ção, com os profissionais com quem trabalha buscam as causas, as motivações (conscientes
ou de acordo com seus referenciais teóricos, e inconscientes) das manifestações dos sujei
não tendo um parâmetro do que é eficaz ou tos. Então, por mais que alguns psicólogos
não. (DSC – ancoragem 1) utilizem instrumentais de áreas afins, a for
Em resumo, essa fluidez e essa dina ma como o objeto é visto é diferenciada entre
micidade da identidade do psicólogo ocor os psicólogos e os profissionais dessas outras
rem porque houve um crescimento expres áreas. (DSC – ideia central 2)
sivo dos campos de atuação profissional O que explicaria o fato de a identidade
que, por ampliarem as possibilidades de in do psicólogo estar suportada na construção
serção no mercado, dificultam o comparti da subjetividade em um contexto histórico e
lhamento de modos de pensar e de atuar, o cultural seriam os pressupostos antropológi
que enfraquece a construção de uma iden cos e as práticas da formação em psicologia.
tidade homogênea entre os psicólogos. Há uma preocupação em não ficar preso
A segunda ideia central da identidade somente ao indivíduo, como a medicina tra
do psicólogo está relacionada ao fato de dicional, ou só à cultura, como as ciências
ele trabalhar com a construção da subje sociais. A visão do psicólogo acerca do ho
tividade nos contextos sócio-histórico-cul mem e suas manifestações é ampla, e tenta
turais e pessoais. entender a construção da subjetividade no
Considerando que toda psicologia é so microssistema, além de perceber como pode
cial, a atenção do psicólogo estaria mais vol vir a funcionar melhor no seu contexto mais
tada para os relacionamentos entre as pes amplo. Desse modo, embora outros profissio
soas e o que esses relacionamentos suscitam nais possam ter o propósito de contextualizar
em termos de subjetividades. Porém, há a ne o indivíduo no meio e na cultura, seu enfoque
cessidade de destacar cada sujeito como único é mais na cultura, enquanto o foco da psico
e, ao mesmo tempo, compreender seus meca logia é no que essa cultura pode vir a pro
nismos psíquicos conectados com o seu con duzir no indivíduo.
O trabalho do psicólogo no Brasil 239
atento para compreender cada paciente e não, Por último, a sexta ideia central da
simplesmente, estar a serviço de fazer aquela identidade está associada à imagem social
mulher engravidar. (DSC – ideia central 4) do psicólogo.
Se de um lado o psicólogo está seguro Os outros profissionais são considerados
de que sua conduta não diretiva lhe dá como tal, enquanto os psicólogos passam por
identidade ao não prescrever ou fazer reco dificuldades nesse sentido. Várias categorias
mendações aos pacientes como outros pro profissionais acreditam que o psicólogo tem
fissionais da área médica, de outro, esse pouca contribuição a dar. Por isso, ele precisa
mesmo fator é gerador de ansiedade pela reforçar e comprovar seu parecer profissional,
ausência de diretrizes de como agir em ca confrontando com profissionais de outras cate
da uma das situações profissionais. gorias que tendem a dar explicações psicoló
Seria desejável ter um arsenal mais bem gicas, debatendo e rebatendo pareceres de psi
estabelecido sobre o que um psicólogo pode e cólogos. Ao psicólogo, resta evidenciar o seu
deve fazer dentro de um hospital geral ou em raciocínio para contra-argumentar as opiniões
uma escola, mas a ausência de consenso das de outros profissionais. (DSC – ideia central 6)
diretrizes da atuação do psicólogo limita as O que está em jogo nesse discurso co
possibilidades de atuação no espaço profissio letivo é o fato de que, em equipes multi
nal, porque ele acaba atuando apenas no seu profissionais, os outros profissionais dispu
campo específico, não tendo conhecimento tam a posse de explicações psicológicas do
prático de como atuar nas demais áreas de comportamento dos pacientes, obrigando
sua profissão. (DSC – ideia central 4) os psicólogos a tentarem se impor para ga
A quinta ideia central presente no dis rantir a sua credibilidade profissional. Em
curso dos psicólogos entrevistados é a fragi parte, isso está relacionado com a discussão
lidade da identidade. da popularização das teorias psicológicas
A psicologia tem um corpo teórico amplo, que retiram do psicólogo a posse e o do
mas ainda focado no indivíduo, o que faz mínio de uma área de conhecimento.
com que parte dele seja inútil na prática Outra razão que justifica isso é a ima
social da psicologia. Embora trabalhe com os gem social do psicólogo na sociedade.
profissionais diariamente, ajudando a desen O psicólogo é visto como um profissional
volver projetos, implantando diretrizes, dis com baixo status e pouca contribuição social,
cutindo as dificuldades de cada serviço, o o que é reforçado pela fragilidade dos psicólo
sentimento de solidão é bastante presente. O gos como grupo social. (DSC – ancoragem 5)
encontro com pares para troca de ideias, Os psicólogos também foram pergunta
para discutir o atendimento de um paciente é dos sobre a existência de uma identidade
para enriquecer, mas existe algo de muito compartilhada, e as respostas nos permi
solitário no trabalho que deveria ser uma tem inferir duas lógicas de entendimento
produção coletiva. E isso porque a identidade a favor da homogeneidade e da heteroge
do psicólogo ainda é muito caracterizada neidade.
pela individualidade na forma de exercer o O discurso a favor da homogeneidade,
trabalho. (DSC – ideia central 5) isto é, de que haveria uma identidade com
Esse posicionamento crítico está alicer partilhada entre os psicólogos está alicerçado
çado na crença de que os psicólogos dis em duas ideias centrais. A primeira é a do
cutem pouco a sua atuação com os colegas e predomínio da imagem social do psicólogo
estão desaprendendo o trabalho grupal cujo clínico e a segunda é a da área de interesse
desfecho é uma ação coletiva, revelando, com e de atuação comuns. O Quadro 11.6 sinte
isso, sua grande dificuldade de associação. tiza as ideias centrais e as ancoragens pre
(DSC – ancoragem 4) sentes nos discursos dos entrevistados.
O trabalho do psicólogo no Brasil 241
A primeira ideia central versa sobre a não queiram abrir mão dela e assumam a
forte associação do psicólogo à área clínica. identidade de um profissional apto a com
O psicólogo é reconhecido socialmente por preender os sentidos e desejos mais profun
uma visão clínica e individualista do atendi dos da subjetividade humana.
mento em consultório, no qual o paciente fala A segunda ideia central associada ao
quase sozinho. (DSC – ideia central 1a) discurso da homogeneidade da identidade
O predomínio dessa identidade homo sugere que ela é obtida somente no âmbito
gênea comum a todos os psicólogos teria das áreas de atuação, pelo fato de os profis
impactos negativos para o profissional que sionais adotarem perspectivas teóricas e
pretende caracterizar sua inserção no âm metodológicas afins, o que contribui para
bito social e político. Essa identidade com uma visão convergente sobre a identidade.
partilhada parece ter sua origem na própria Em outras palavras, a identidade estaria
formação do psicólogo e na dificuldade em embasada na área de atuação comum, que
se desvencilhar das expectativas sociais em reuniria grupos profissionais afins, indepen
relação a esse profissional. dentemente de serem psicólogos.
Isso começa a ser construído já nos es Dentro de uma equipe multiprofissional,
paços de formação profissional, nos cursos de a aproximação entre sujeitos decorre com
graduação, nos quais a presença muito forte mais força da afinidade teórica entre eles do
da psicologia clínica se desdobra na não aber que do simples fato de eles terem a mesma
tura de espaço para estudos, discussão e deba formação acadêmica, neste caso, a psicologia.
tes sobre os diversos campos de atuação do Dentro de uma mesma equipe técnica especia
psicólogo e sua contribuição para a sociedade. lizada em gestão é mais provável que um
Os psicólogos formados nessa cultura, ao che psicólogo tenha afinidade com o grupo de ad
gar ao mercado de trabalho, contribuem para ministradores do que com o grupo de psicó
que a própria sociedade represente o psicólogo logos que atuem em outros contextos, distan
como um profissional passivo, que ganha ape tes das práticas de gestão. Quando os profis
nas para escutar e pouco fazer, despreocupado sionais atuam em um mesmo campo, existe a
com tudo o que for alheio a essa realidade de presença de um diálogo fácil pelo fato de ha
consultório. (DSC – ancoragem 1) ver cumplicidade e compartilhamento de pon
Se de um lado essa forte imagem social tos de vista teóricos semelhantes. A aborda
do psicólogo clínico torna difícil sustentar a gem teórica comum revela uma visão com
identidade do psicólogo sob outras bases, partilhada de homem e de mundo que pro
de outro ela confere credibilidade e status move a convergência identitária na medida
ao profissional, o que faz com que alguns em que serve de guia para a prática profis
242 Bastos, Guedes e colaboradores
sional e facilita o diálogo entre profissionais. sua prática, não necessariamente com ótimas
(DSC – ideia central 2a) formações, mas muito sensíveis no entendi
O discurso a favor da heterogeneidade da mento do paciente, no contato com o pacien
identidade do psicólogo, quer dizer, da exis te. (DSC – ideia central 1b)
tência de múltiplas identidades coloca em A segunda ideia central que marca o
destaque três ideias centrais: a multiplicidade discurso da heterogeneidade da identidade
teórica-prática, a área geográfica de atuação é a influência da área geográfica de atua
e a expansão e a experiência profissional. ção. O cerne do argumento está no impacto
A primeira ideia central está relacio que espaços geográficos diferentes têm so
nada à variedade teórica e prática dispo bre a percepção do psicólogo de si mesmo e
nível no campo da psicologia. da comunidade local em relação a ele.
A identidade do psicólogo está mais para Em capitais menos populosas, existe ain
heterogênea que para homogênea. Isso se de da uma atmosfera de tradições familiares e
ve à multiplicidade que marca nossa profis políticas, com perguntas: de que família você
são e a nossa ciência. Os assistentes sociais é? Privilegia-se muito o status social. Com a
têm uma visão bem mais homogênea deles psicologia acontece o mesmo. À psicologia
mesmos, do que nós psicólogos, porque eles transpessoal, alguns psicólogos torcem o na
tiveram uma história diferente devido ao fato riz, sem ao menos pararem para ouvir. Em
de seguirem uma linha teórica única. Ao con capitais mais populosas há uma pluralidade
trário, nós nascemos em meio a uma multi de pensar. Talvez por serem cidades cosmo
plicidade na prática e na teoria. Tal ausência politas. Em cidades menores é perfeitamente
de consenso contribui para que cada psicó normal. Existe uma admiração com o que
logo construa sua identidade pessoal, a partir vem de fora (DSC- ideia central 2b).
de experiências concretas, da cultura, de va Em cidades do interior, a identidade do
lores, etc. (DSC – ideia central 1b) psicólogo é mais confusa, pois aí a figura do
A multiplicidade de identidades encon psicólogo é muito ligada à comunidade, tem
tra-se ancorada no pressuposto de que a es grande status, mas poucas exigências concre
colha teórica de atuação define a visão com tas. O psicólogo Testemunha de Jeová (até aí
partilhada de um grupo social, porém isso nada contra) anuncia cura de homossexua
não é facilmente observado na psicologia. lismo e está com o consultório cheio. Esses
A abordagem teórica comum releva uma profissionais ganham medalhas da prefeitura,
visão compartilhada de homem e de mundo reconhecimento social e projeção em suas
que serve de guia para orientar a profissão e comunidades. (DSC – ideia central 2b)
facilita o diálogo entre os profissionais, mas A crença de que o tamanho da cidade e
nem sempre há esta abordagem teórica co a mentalidade local exercem impacto na
mum na psicologia. (DSC – ancoragem 2) visão compartilhada que se constrói do psi
A agravante é que essa multiplicidade cólogo, força ajustes da identidade às con
de identidades é percebida também dentro tingências sócio-históricas locais, colocando
de um mesmo campo de atuação profissio em destaque a multiplicidade das identi
nal, que supostamente daria insumos para dades.
uma identidade compartilhada. A terceira ideia central foca nos desdo
No consultório existem três sócios com bramentos da expansão da psicologia e da
formação diferentes: psicanálise, psicodrama experiência profissional pessoal.
e bioenergética. Até a forma de se buscar o Antes, o psicólogo estava restrito ao seu
paciente na sala de espera é diferente. Na consultório e, hoje, ele sai para o campo de
convivência, aprende-se a respeitar profissio trabalho em situações totalmente diversifica
nais com algo exótico, muitos criativos em das. Ele não deu conta de compreender todo
O trabalho do psicólogo no Brasil 243
esse processo, por isso essa confusão de iden retomada dos principais aspectos teóricos e
tidade. A maioria acaba focando na prática e empíricos considerados neste capítulo.
esquecendo que a produção do conhecimento No início, destacou-se que o conceito de
é o que legitima a psicologia como profissão identidade é relacional e passou por trans
de nível superior. formações a partir da modernidade quando a
Mas, embora possam ocorrer interferên defesa de uma única identidade foi gradati
cias na prática profissional do psicólogo, de vamente substituída pelo discurso das múl
pendendo do contexto ou do local em que tiplas identidades. Essas identidades estariam
está inserido, o psicólogo sabe qual é a sua dispostas hierarquicamente e seriam requisi
real identidade, mas esta nem sempre pode tadas conforme a importância da situação.
ser mostrada pela necessidade de o psicólogo Em algumas circunstâncias, no entanto, se é
se submeter a regras institucionais. E ao se levado a assumir duas ou três identidades
confundir com outros profissionais, ao se su simultaneamente, o que pode gerar conflitos
jeitar a essas regras institucionais, os psicó internos (Bauman, 2005, Ciampa, 1984).
logos menosprezam a sua própria identidade Compreender a identidade social ou
e esquecem que a forma como veem o homem profissional requer admitir que o sujeito
e o mundo orientam a forma como veem a tenha um papel ativo nesse processo que é
profissão. (DSC – ideia central 3b) construído na dialética entre a identidade
A questão central nesse DSC é a ex que unifica (homogênea) e a identidade
pansão da psicologia que tem feito o psi que diferencia (heteroidentidade). Para as
cólogo se aventurar em terrenos distintos segurar a identidade homogênea, os profis
daquele cuja identidade como psicólogo clí sionais categorizam os grupos sociais e
nico estava garantida. Entretanto, essa ex tornam salientes as diferenças intergrupos,
pansão parece não ter sido acompanhada reduzindo a variabilidade intragrupo. Mas,
de amadurecimento teórico-metodológico além de o sujeito ter um papel ativo nesse
necessário para dar suporte à construção e processo, as expectativas sociais em relação
à manutenção de uma identidade que una ao grupo profissional a que ele pertence
os psicólogos. A complexidade e a multi também exercem impacto na construção da
plicidade do fenômeno psicológico tornam identidade social (Alvaro e Garrido, 2006;
necessário lançar mão de matrizes teóricas Blumer, 1969; Cuche, 2001; Hall, 1999;
diversas (DSC – ancoragem 4), aumentando Smith-Lovin, 2002; Stryker e Serpe, 1982;
ainda mais o distanciamento entre as abor Tajfel, 1981; Turner e Tajfel, 1979; Turner,
dagens teórico-práticas e a diversidade no 1987; Woodward, 2000).
campo. Diante dessa ausência de suporte, Os resultados da pesquisa do psicólogo
os psicólogos abrem mão de sua própria brasileiro deixam bastante evidente que a
identidade a favor da identidade de grupos identidade do psicólogo é construída na
profissionais afins, mesmo correndo o risco relação dialética de expectativas mútuas
de enfraquecerem ainda mais a sua iden que se inicia no processo de formação: o
tidade profissional. que os psicólogos acreditam ser e o que a
sociedade espera que eles sejam (Martín-
Baró, 1996). A identidade, então, é resulta
Concluindo sobre do de duas forças que competem entre si: a
a identidade do da identidade (percepção de se ter os atri
psicólogo brasileiro butos da categoria de psicólogos) e a da
contraidentidade (percepção de não ter ain
Para apresentar as conclusões sobre a da assumido para si os atributos da cate
identidade do psicólogo, é preciso fazer uma goria dos psicólogos) (Kullasepp, 2008).
244 Bastos, Guedes e colaboradores
Baptista (2002) incluiu a dimensão his identidade intragrupo que distingue os psi
tórica na discussão da identidade do psicó cólogos entre si.
logo e ressaltou a importância de se ter em A identidade que une a categoria pro
conta que a identidade sofre mudanças pe fissional do psicólogo está alicerçada no
las contingências sócio-históricas e isso fi fato de a psicologia ter objeto de estudo,
cou evidenciado na pesquisa ao se constatar fundamentos, relevância social, objetivos,
a tensão entre uma identidade do psicólogo formas de atuação e atividades semelhantes
apoiada em um modelo clínico de atendi aos grupos profissionais pertencentes às
mento individual, presente na formação e ciências da saúde e ciências sociais. A con
no imaginário social, e as novas demandas traidentidade é marcada pela diferenças
de uma identidade do psicólogo mais sensí que separam a psicologia das ciências exa
vel à sua responsabilidade social em asse tas, avaliada pelos mesmos critérios.
gurar o bem-estar de coletividades. A psicologia, então, mantém identidade
A dimensão histórica não pode ser re com as áreas de conhecimento que têm
cuperada aqui porque a pesquisa nacional como objeto de estudo a subjetividade do
do psicólogo, realizada em fins da década ser humano situado em um contexto social
de 1980, não se propôs a explorar a iden e tem como principal objetivo preservar o
tidade do psicólogo, mas textos publicados bem-estar biopsicossocial.
em décadas anteriores sobre a identidade Apesar das inúmeras áreas de atuação
desse profissional tornam defensável a tese possíveis para o psicólogo, os resultados
de que o modelo tradicional clínico de aten sinalizam haver uma identidade homogê
dimento individual, apesar de ainda pre nea. Todavia, essa identidade requer ajustes
sente nos cursos de formação em psicologia dada a multiplicidade teórica adotada pelo
e na imagem social (popularização do co psicólogo, a área geográfica em que atua e
nhecimento psicológico), não parece ser sa a expansão e a experiência profissional ad
tisfatório. Ademais, o psicólogo não possui quirida (dimensões histórica e social). E es
uma única identidade. Há dois tipos de sa dinâmica da construção da identida-
identidade do psicólogo. de converge com o argumento de Baptista
A primeira é construída de modo gra (2002), para quem a identidade profissional
dual desde a formação acadêmica até a do psicólogo sofre impactos da formação e
inserção profissional e lhe acompanha em da inserção profissional.
toda sua trajetória profissional. É ela que
lhe permite reafirmar a sua condição de ser
psicólogo e se diferenciar de outros grupos Implicações da identidade
profissionais. Trata-se da identidade inter do psicólogo para as
grupo, que distingue o psicólogo de outros relações intergrupos
grupos profissionais. A segunda identidade
é construída nas inserções profissionais do Gardner, Csikszentmihalyi e Damon
psicólogo e está sujeita às influências de (2004), ao analisar alguns aspectos do que
contexto: mercado de trabalho, expectativas eles denominam trabalho qualificado, afir
sociais, convivência com equipes multidis mam que a existência de campos especia
ciplinares e demais fatores contingenciais. lizados tornou-se mais evidente a partir da
Essa outra identidade define os limites de modernidade, cujo desenvolvimento científi
aproximação com profissionais de outras co fez com que diminuísse cada vez mais o
áreas e de distanciamento de outros psi- tempo entre a produção do conhecimento e
cólogos que não compartilham a mesma sua aplicação tecnológica. Dessa maneira, a
experiência de inserção. Trata-se de uma distribuição do saber acumulado até então
O trabalho do psicólogo no Brasil 245
era mais equitativa, uma vez que se realizava po profissional se sentem não só livres para
na informalidade e em um ritmo mais lento, trabalhar da melhor forma possível, como
restringindo o acesso de informações aos também veem consolidado o seu campo de
diversos grupos sociais profissionais. Nos dias atuação profissional.
atuais, todavia, o conhecimento não só é rapi Esse alinhamento idealizado, no entan
damente produzido como também difundido, to, está em desequilíbrio no mundo contem
tornando acessível a todo e qualquer profis porâneo. Há competição em diversos pla
sional, domínios até então reservados às di nos, em especial pelos recursos materiais e
versas áreas científicas e tecnológicas. sociais. Algumas profissões desaparecem e
Os domínios especializados surgem, outras emergem. Mudanças de estilos de
portanto, a partir do momento em que gru vida social fazem surgir demanda por gru
pos profissionais passam a definir conhe pos profissionais específicos. Interesses po
cimentos, habilidades, práticas e regras pa líticos comuns a grupos profissionais afins
ra os diferenciar de outros grupos profis podem acirrar demarcações de campo de
sionais, no intuito de criar um sistema sim atuação. E o descompasso entre o avanço
bólico amplamente compartilhado pelos do conhecimento das respectivas áreas tam
seus membros que lhes dê identidade. No bém pode fazer emergir reações de defesa
caso da psicologia, por exemplo, há um na esperança de assegurar espaço privi
conjunto de conhecimentos e práticas co legiado no mercado de trabalho.
muns e diversos subconjuntos referentes a A sociedade é constituída de grupos so
subdomínios, tais como, psicologia do de ciais em situação de tensão e que, por man
senvolvimento, organizacional e do traba terem distintas posições de status e poder
lho, educacional, etc. Mas, além de um con profissional, forçam cada grupo a buscar po
junto de conhecimentos e habilidades de sicionar-se de modo mais vantajoso no cená
domínio próprio, uma profissão precisa ter rio mais amplo e competitivo do mundo do
uma dimensão ética que assegure que esse trabalho. Essa tensão entre grupos profissio
repertório seja usado somente no interes- nais está diretamente associada à identidade
se coletivo e bem-estar comum. E todas as profissional, tanto em relação aos grupos
profissões contemplam estas duas dimen considerados afins (atributos e característi
sões: de um lado, o conhecimento teórico e cas comuns) quanto aos grupos distintos.
prático acumulado e, de outro, a ética, que No primeiro caso, o dos grupos afins,
regula a conduta moral de seus membros quanto maior a afinidade maior a tensão
em relação aos pares e à sociedade. Todos intergrupal, pelo risco dos grupos de iden
esses esforços estão dirigidos para garantir tidade semelhante virem a se tornar poten
um alinhamento entre os membros do gru ciais concorrentes a ocupar os mesmos es
po profissional e assegurar um lugar de paços no mundo do trabalho. No segundo
destaque quando comparados aos demais. caso, este risco seria reduzido, sendo pouco
O alinhamento autêntico dos diversos provável a competição direta entre grupos,
grupos profissionais, no entanto, requer o que se consideram bastante diferenciados
cumprimento de algumas condições pré (contraidentidade).
vias: I) que os valores culturais estejam em Alguém poderia estar se perguntando,
harmonia com os valores de domínio de se isso não acontece com todos os grupos
conhecimento, II) que as expectativas so profissionais. A resposta é sim, mas com a
ciais correspondam às do campo de atuação ressalva de que nem sempre ocorre na mes
profissional e III) que o domínio e o campo ma intensidade. Não há confusão quanto
estejam em sintonia. Desse modo, os profis aos limites de atuação profissional de mé
sionais pertencentes a um determinado gru dicos cirurgiões e de engenheiros civis; por
246 Bastos, Guedes e colaboradores
tanto, tudo leva a crer que não sejam com ministradores e sociólogos do trabalho do
petidores diretos. Mas os limites se confun que com psicólogos clínicos.
dem em grupos profissionais afins, tais co Não se está defendendo que, ao se dife
mo, psicopedagogos e psicólogos escolares; renciarem de outros grupos profissionais para
filósofos clínicos e psicólogos clínicos; ad garantir a sua identidade, os psicólogos irão
ministradores de recursos humanos e psi necessariamente adotar comportamentos dis
cólogos organizacionais e do trabalho; neu criminatórios em relação aos grupos de afi
rocientistas e psicólogos cognitivistas; assis nidade que podem ameaçar a sua identidade,
tentes sociais, psicólogos sociais e sociólo mas é inevitável que, quanto maior a per
gos, e entre enfermeiros, psicólogos da saú cepção de confusão de identidade entre esses
de e psicólogos que atuam em hospitais. grupos, maior seja a propensão a fazer uso de
Em resumo, se de um lado há uma iden mecanismos legais para proteger os espaços
tidade que mantém a unicidade da categoria profissionais individuais que potencialmente
social profissional do psicólogo, de outro, as ambos podem vir a assumir. Talvez seja o mo
diversas inserções e os momentos históri- mento de começar a refletir sobre isso de
cos experimentados pelos psicólogos fazem modo mais crítico. Em outros termos, é pre
emergir novas identidades que em algumas ciso refletir sobre o quanto o fortalecimento
circunstâncias competem entre si para se da identidade profissional acirra a disputa
tornarem predominantes. Mas, ao tempo em entre grupos afins que, a princípio, deveriam
que a identidade garante a unidade, ela as mais cooperar que rivalizar.
sinala quais são os seus potenciais grupos
oponentes que concorreriam no mercado de
trabalho. E, nesse ponto, há concordância Referências
com a tese de que quando os grupos catego
rizam outros grupos sociais, o fazem para Alvaro, J. L.; Garrido, A. Psicologia social:
aumentar as diferenças intergrupo e mini perspectivas psicológicas e sociológicas. São Paulo:
mizar a diferenças intragrupos. Somente as McGraw-Hill, 2006.
sim, a identidade homogênea (una) estaria Bastos, A.V.B. In: Conselho Federal de Psi
cologia (Org.), Quem é o psicólogo brasileiro?
assegurada. Mas, esta mesma homogenei
São Paulo: Edição, 1988, p. 163-193
dade é buscada também nas outras micro ______. et all. A ocupação do psicólogo: um exa
identidades formadas nas diversas áreas de me à luz das categorias da psicologia organi-
atuação e contextos em que o psicólogo se zacional e do trabalho. Anais do X Simpósio
insere. Desse modo, é possível pensar em de Pesquisa e Intercâmbio Científico. Aracruz: AN
níveis de identidade homogênea: a que asse PEPP, 2004, p. 13.
gura o pertencimento a uma classe mais Baptista, M. T. D. S. O Estudo de identidades
ampla (a de psicólogos), e a que o faz para individuais e coletivas na constituição da história
os subgrupos dessa classe (psicólogo social, da Psicologia. São Paulo: Memorandum, Univer
psicólogo organizacional, psicólogo da saú sidade São Carlos, 2002.
de, psicólogo escolar, etc.). Esse segundo Bauman, Z. Identidade. Entrevista a Benedetto
Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
nível de identidade homogêneo estaria mais
Blumer, H. Simbolic interactionism: Perspective
enfraquecido, visto que a convivência com and method. Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-
outros profissionais de formação distinta, Hall, 1969.
mas de interesses comuns, forçaria a uma Ciampa, A. C. Identidade. Em S.T.M. Lane & W.
nova configuração de identidade que unifi Codo (Orgs.) Psicologia social. O homem em movi
caria esses grupos. Isso torna compreensível, mento. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 58-75.
por exemplo, que os psicólogos organizacio Ciampa A. C. Identidade humana como meta
nais se percebam mais identificados com ad morfose: a questão da família e do trabalho e a
O trabalho do psicólogo no Brasil 247
crise de sentido no mundo moderno. Revista In Silva, T. T. A Produção Social da Identidade e
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12
O significado do trabalho
para psicólogos brasileiros
que a percepção da dinâmica entre as dimen pesquisa por meio de questionário estru
sões do significado se expressa ao longo do turado e aberto e de grupos de discussão.
seu desenvolvimento. Os autores inserem o Aqui, importa salientar que a tentativa
significado do trabalho no significado do vi da presente pesquisa é dar seguimento,
ver, percebendo ambos como inseparáveis. A dentro das perspectivas psicossociológicas,
obra se desenvolve pelos diversos capítulos a essa segunda tendência. Para tanto, adota-
de modo que a contextualização do fenômeno -se o modelo do significado do trabalho de
em tela se faz sempre presente e culmina na autoria de Borges e Tamayo (2001), passan
discussão entre o significado do trabalho e a do a relatar sobre a proposição do modelo e
economia política, sublinhando que os resul descrevê-lo. Assim, tais autores observaram
tados econômicos do trabalho são subrepre que pesquisas anteriores no Brasil aplicaram
sentados nas ciências sociais modernas, exce o modelo da equipe MOW (Bastos, Pinho
tuando a própria economia. e Costa, 1995; Soares, 1992). Tais tentati-
Os autores focalizam a importância de vas não conseguiram identificar como di
compreender o processo histórico como mensão, em separado, as normas societais
um caminho necessário à compreensão do entre outras dificuldades a partir do instru
desenvolvimento, da transmissão e da in mental traduzido. Observaram também que
corporação dos valores do trabalho, para as análises da equipe MOW esqueciam vá
evitar obscurecer os componentes ideoló rios conteúdos do significado do trabalho,
gicos do conhecimento, implícitos nas in corroborando as críticas de Brief e Nord.
vestigações empíricas. Mostram que tal Por essas dificuldades, Borges (1996) partiu
problema se apresenta na literatura sobre do desenvolvimento de estudo explorató-
o significado do trabalho que sobre-en rio na tentativa de identificar categorias do
fatiza os conteúdos socialmente mais atra significado do trabalho peculiares à reali
tivos ou aceitos e, em contrapartida, tal dade brasileira.
sobre-ênfase termina por restringir as di Tal pesquisa realizou-se por meio de
mensões e os atributos considerados. Em entrevistas com trabalhadores da construção
outras palavras, os autores mostram que habitacional, do comércio e do setor de con
significados como realizar-se, oportunizar fecção e costura em Brasília, trazendo à to
inter-relações e/ou sociabilidade entre as na como atributos principais a sobrevivên-
pessoas, construir um sentido de utilida- cia a realização e a exploração. Emergiram
de, entre outros, são sobre-enfatizados; en também outros conteúdos diferenciados da
quanto aspectos como reproduzir relações literatura da Psicologia como animalização
de poder e dominação são esquecidos. ou desumanização, saúde (trabalho como
Outro exemplo, importante nessa se prova de estar sadio), trabalho árduo (pegar
gunda tendência, é uma pesquisa de Mar no pesado) e riscos. Apareceram também
tin-Baró (1990) sobre a representação so categorias concernentes com as normas so
cial do salvadorenho. Mostra que essa re cietais da equipe MOW, como contribuir pa
presentação inclui o traço “trabalhador” ra o progresso da sociedade, obedecer e
associado ao mesmo tempo a traços de ale gerar benefícios para os outros.
gria e de sofrimento. Atenta para as contra Com base nessas observações e na re
dições contidas nas representações e relata visão da literatura não só da Psicologia, mas
que as discussões em grupo adotadas na também da que se detém na análise do sig
pesquisa mostram que os grupos caminham nificado do trabalho no nível societal, Bor
entre a definição do que “deveria ser” em ges (1997) levantou uma nova lista de atri
comparação com o real presente. Martin- butos componentes do significado do traba
Baró aplicou a triangulação de técnicas de lho, sintetizados no Quadro 12.2.
254 Bastos, Guedes e colaboradores
Posteriormente, Borges e Tamayo (2001) deve ser; e atributos descritivos, aquelas ca
propuseram trabalhar considerando quatro racterísticas que definem o que o trabalho é
facetas como mostra a Figura 12.1. concretamente. Borges e Tamayo (2001) pre
Observa-se que a faceta da centralidade viam que todos os atributos listados no Qua
do trabalho, em uso desde a equipe (MOW dro 12.2 se desdobrasssem em atributos va
International Research Team, 1987), foi incor lorativos e descritivos. A hierarquia dos atri
porada, e utilizou-se a nomenclatura “atribu butos é a organização dos mesmos segundo
tos” a exemplo de Salmaso e Pombeni (1986), sua ordem de importância. Na tradição dos
porém considerando o dilema entre o que estudos de valores é assumida a noção de
deveria ser (definição de valor) e a realidade que as pessoas diferem mais entre si pelas
concreta sublinhada por Martin-Baró. prioridades que estabelecem entre os valores
Assim, atributos valorativos são aquelas do que entre os valores que assumem, pois
características que definem o que o trabalho estes são numericamente limitados (Rokeach
O trabalho do psicólogo no Brasil 255
Além disso, demonstrou que os atributos
valorativos se organizam diferentemente
dos atributos descritivos. Desenvolveu-se
então uma sequência de pesquisas sobre a
estrutura fatorial dos atributos valorativos e
descritivos e, por uma questão de síntese,
serão identificados aqui apenas quais os
Figura 12.1 Facetas do significado do tra- fatores primários que compõem tais atribu
balho. tos, conforme a última pesquisa sobre os
mesmos (Borges, Alves-Filho e Tamayo,
A seleção dessas facetas não rejeita a no 2007) nos Quadros 12.3 e 12.4. Esta última
ção da equipe MOW sobre as normas socie pesquisa conta com uma amostra de ocupa
tais, mas a rejeita como uma dimensão em ções com diversos conteúdos de trabalho
separado. Os conteúdos referidos a tais no (profissionais de saúde – incluindo o psicó
ções estão inclusos entre os atributos valo logo – bancários, petroleiros, policiais civis,
rativos e descritivos. Também não rejeita o funcionários técnico-administrativos univer
conceito de padrão do significado do trabalho, sitários e profissionais de educação básica)
importante na apreensão da configuração e, ao mesmo tempo, mais homogênea quan
compartilhada das diversas facetas de signi to ao nível de instrução.
ficado por grupos de pessoas. Sobre o Quadro 12.3, é importante cha
A configuração do significado do traba mar atenção para o caráter valorativo dos
lho em tais facetas foi testada em estudos atributos nele conceituados. Observem que
o que está sendo designado por Desgaste e fatores designados por Responsabilidade e
Desumanização não é uma constatação do Condições de trabalho.
trabalho real, mas uma definição valorativa, O significado do trabalho, abrangendo
apontando, portanto, que para alguma ati as facetas mencionadas, foi incorporado no
vidade ser considerada trabalho ela deve modelo designado Modelo da Construção
ser desgastante e desumanizadora, impli do Significado do Trabalho (Borges, 1998b).
cando pressa, atarefamento, “pegar no pe O modelo (Figura 12.2) propõe, então, que
sado” ou fazer esforço físico, perceber-se o significado do trabalho é construído pelas
como uma máquina ou como um animal pessoas no seu processo de socialização, no
(desumanização) e ser discriminado. qual incorporam conteúdos referentes às
Sobre o Quadro 12.4, que identifica os concepções formais do trabalho (ideologias
fatores dos atributos descritivos, é impor do trabalho), aos aspectos que compõem a
tante destacar que, em comparação com o estrutura social das organizações e aos as
Quadro 12.3, revela-se que a diferença na pectos socioeconômicos das ocupações e do
organização cognitiva dos atributos valora ramo de atividade. As influências ideoló
tivos e descritivos se expressa, inclusive, na gicas tanto chegam aos indivíduos por meio
quantidade de fatores. No Quadro 12.4, são das organizações, impressas nas caracterís
identificados cinco fatores e estes são dife ticas do setor econômico, quanto sem essas
rentes em conteúdo dos fatores valorativos. intermediações, quando contam com a in
Por exemplo, vários conteúdos referentes às tervenção de agentes socializadores exter
condições materiais de trabalho, higiene, nos ao mundo do trabalho.
normas de segurança, proporcionalidade Por ideologias do trabalho, entende-se
entre esforços e direitos, etc., agregaram-se o pensamento elaborado e articulado, no
em um único fator, designado “Justiça no nível coletivo ou societal, que oferecem de
trabalho” na estrutura dos atributos valo- finições para todas as facetas do significado
rativos. Os mesmos conteúdos aplicados a do trabalho. São correntes de pensamento
descrever o trabalho concreto (atributos articuladas historicamente.
descritivos) organizaram-se em mais de um Apresentado o modelo de construção
fator. Estão presentes, principalmente, nos do significado do trabalho, ainda compete
O trabalho do psicólogo no Brasil 257
Características
socio-
-econômicas
e demográficas Significado
Centralidade
do trabalho
Hierarquia
dos atributos
do trabalho
Estrutura
social das
organizações
comentar que Tolfo (2007) abriu a discus dual, organizacional e social. Entretanto, os
são sobre a adequação terminológica da ex diversos atributos componentes do signi
pressão “significados do trabalho” frente à ficado do trabalho segundo tais níveis de
alternativa de “sentidos do trabalho”. Em análise são separados e tomados como di
que pese a importância de tal discussão e a mensões. As evidências empíricas oriundas
pertinência dos argumentos da autora em nas pesquisas antecedentes no Brasil são
favor da segunda expressão, prefere-se aqui suficientes para por dúvida na adequação
manter a primeira ou, até algumas vezes, de tal separação. Assim, por exemplo, Mo
tratá-las como sinônimas, tendo em vista o rin, Tonelli e Pliopas (2007) tomam o atri
largo uso que já se tem feito da primeira buto da utilidade do trabalho como da di
expressão na literatura especializada e pela mensão organizacional. Certamente, a utili
preferência por manter o termo que vem dade do trabalho é um atributo que pode
sendo empregado desde Bruner, como co ser identificado no nível organizacional,
mentado no início deste texto. mas também nos demais níveis de análise.
Considerou-se, ainda, a necessidade de No individual, por exemplo, à medida que a
comentar que há publicação recente pro pessoa incorpora valores e crenças das ideo
pondo outro modelo de compreensão do logias do trabalho por meio da interação
significado do trabalho (Morin, Tonelli e com diversos agentes socializadores, passa
Pliopas, 2007). Observa-se, entretanto, que a tomar aquele atributo como seu. Além des
tal modelo guarda várias semelhanças, in se aspecto, tal modelo incorpora exclusi
clusive no que se refere à sua fundamen vamente atributos tomados como socialmen
tação, mas não tem uma ampla base em te favoráveis (ou desejáveis), o que faz com
pírica no Brasil. Tal modelo, corroborando que o modelo não consiga refletir uma pers
parcialmente a compreensão que vem sendo pectiva de análise dialética e não dê conta
apresentada aqui, distingue três níveis de das contradições inerentes aos significados;
análise do significado do trabalho: indivi contradições que trazem as marcas daquelas
258 Bastos, Guedes e colaboradores
outros campos, 3,6% trabalham em outros cinco esferas de vida – trabalho, família, lazer,
campos, 2,9% não estão trabalhando como religião e comunidade – de modo que a soma
psicólogo atualmente, mas já o fez e 1,4% dos pontos atribuídos resulte 100. A outra
nunca atuou como tal. Nesse aspecto, a pre questão pede apenas que o participante
sente subamostra também reproduz muito atribua pontos à importância do trabalho em
proximamente as características da amos- uma escala de 1 a 7.
tra geral (cujas proporções são respectiva- Para mensuração dos atributos valora
mente 69,5, 23,4, 2,5, 2,7 e 1,0%) conforme tivos e descritivos do significado do trabalho
registrado no Capítulo 6. Daqueles na pri adaptaram-se as escalas do IMST (Inven
meira e na segunda condições citadas (92% tário de Motivação e Significado do Tra
da amostra), constatou-se que: 62 psicó balho), o qual anteriormente já havia sido
logos (66%) atuam em empresas e organi validado para profissionais de saúde, entre
zações públicas; 57 (64%), em empresas e os quais estavam os psicólogos que traba
organizações privadas; 33 (47,8%), em or lham da rede básica de saúde e em hospitais
ganizações sem fins lucrativos (por exem em Natal (Borges, Alves-Filho e Tamayo,
plo, ONGs, fundações e cooperativas) e 75 2007). A adaptação de tais escalas ocorreu
(73,5%) atuam como autônomos e em con substituindo os itens aplicáveis exclusiva
sultoria. Observem que os tipos de inserção mente à situação de emprego por itens mais
não são excludentes, porque, em confor abrangentes, aplicáveis aos trabalhos autô
midade com que foi descrito no Capítulo 7, nomos e/ou à condição de empresário/em
há muitos psicólogos com mais de uma in pregador. Realizada tal adaptação, exigia-se
serção profissional que não correspondem nova apreciação estatística de sua validação
às áreas de atuação tradicionalmente defi empírica. Essas análises estão detalhadas no
nidas (Psicologia Clínica, Psicologia Organi Apêndice 1. As técnicas aplicadas foram a
zacional, Psicologia Educacional, etc.). SSA6 (Smallest Space Analysis) e o Alfa de
Por fim, importa comentar que, com as Cronbach: a primeira para explorar a estru
características descritas da presente subamos tura das respostas e/ou como elas se agru
tra, se se aceita a amostra geral como repre pam em categorias mais amplas, e a segun
sentativa dos psicólogos brasileiros que utili da, a consistência dos agrupamentos das
zam a internet, esta subamostra também o é, respostas em categorias. Ao mesmo tempo
pois provavelmente é representativa da amos em que tais análises permitiram constatar a
tra geral. validade e a consistência do questionário,
contribuíram para a consecução do primeiro
objetivo específico da pesquisa: analisar a
Variáveis e instrumentos da pesquisa composição do significado do trabalho para
os psicólogos. Por isso, tal composição emer
Seguindo o modelo teórico adotado para gente será descrita na seção dos resultados.
a pesquisa, as variáveis-critérios eram a cen Como variáveis antecedentes e de des
tralidade do trabalho, os atributos valorativos crição da amostra, tomaram-se os aspectos
e descritivos e os padrões do significado do sociodemográficos e ocupacionais, conforme
trabalho. Para identificar que centralidade o questionário adotado na pesquisa mais
os participantes atribuem ao trabalho, aplica ampla na qual esta se insere. Tal questio
ram-se duas questões de autoria da equipe nário já está descrito em capítulo anterior,
MOW (1987), traduzidas para o português dispensando a necessidade de descrevê-lo
por Soares (1992). Uma dessas questões soli aqui. No entanto, devido à focalização do
cita que o participante atribua pontos de 1 a tema e aos objetivos de pesquisa a partir de
100 para designar a importância que atribui a uma subamostra (N = 139 pessoas), não será
260 Bastos, Guedes e colaboradores
dentes. Para isso, adotou-se como amostra talar (N = 41) como variáveis antecedentes
apenas o segmento maior (128 participantes, dicotômicas. Observou-se que atuar na área
representando 92%), formado pelos parti clínica (M = 34,58) implica uma tendência
cipantes que estão trabalhando atualmente a atribuir uma centralidade maior do que
como psicólogos. Encontrou-se que os resul a daqueles que não atuam em tal área
tados não mudam por tipo de inserção (setor (M = 28,83), de modo que o teste aplicado
público, setor privado, organizações sem fins indica que há diferença significativa entre as
lucrativos, fundações e cooperativas e traba médias (t = 3,20 para p = 0,002). Conside
lho autônomo e de consultoria), por renda, rando o que foi exposto anteriormente, en
por sexo, por idade, por quem sejam suas tendemos que provavelmente essa variação da
companhias de moradia (cônjuge ou com- centralidade, em conformidade com ser da
panheiro, o cônjuge ou o companheiro e os área clínica ou não, está associada aos fatos de
filhos, a família de origem) e por aborda- a escolha de tal área ser feita predominan
gem psicanalítica ou não. Depois, consideran- temente por identificação e de ser esta a área
do-se apenas os psicólogos que trabalham no mais conhecida da Psicologia.
setor público, foi examinado se havia varia Esses resultados, por um lado, corro
ção conjunta da pontuação em centralidade boram conclusões de estudos anteriores que
do trabalho com o nível da administração apontaram os escores em centralidade do
pública (municipal, estadual e federal), com trabalho como bastante estáveis e mais re
a carga horária, com o regime de trabalho, lacionados a aspectos gerais como cultura
em relação à satisfação com a organização e nacional. Isso reforça a ideia de que a alta
com a avaliação da existência de oportu centralidade encontrada entre os psicólogos
nidades de crescimento. Nenhuma variação mais provavelmente esteja refletindo uma
conjunta estatisticamente significativa foi en questão conjuntural e/ou cultural e histórica;
contrada. Análises equivalentes para aqueles ainda que na presente pesquisa não se com
do setor privado e para aquelas que atuam pararem (estatisticamente) os psicólogos a
como autônomos e consultores e não apon outros profissionais. Por outro lado, é pos
taram também variação conjunta. Não foi sível que algumas diferenças em centralidade
possível repetir as análises para aqueles que do trabalho por características sociodemo
atuam em organizações sem fins lucrativos, gráficas e/ou ocupacionais não tenham sido
porque o número de participantes com esse significativas na presente pesquisa em decor
tipo de inserção era menor e havia respostas rência da subamostra ser pouco expressiva.
em branco em várias questões.
A análise da centralidade do trabalho por
área de atuação do psicólogo não foi muito Atributos valorativos
simples, porque, como foi visto no Capítulo 9,
muitos psicólogos atuam em mais de uma Aplicada a SSA aos atributos valora
área. Além disso, o tamanho da subamostra tivos, identificaram-se oito categorias lista
em que se desenvolveram tais análises sobre o das e descritas no Quadro 12.5. A identi
significado do trabalho adicionou dificulda- ficação dos itens que se agrupam nas cate
des, pois algumas áreas contaram aqui com gorias está no Apêndice 1.
menos de 10 participantes. Aplicaram-se, en A SSA também indicou a adequação de
tão, várias vezes o teste t, tomando a centra uma solução bidimensional, de forma tal
lidade do trabalho como variável critério, e que as categorias identificadas pelas áreas
atuar ou não na área clínica (N = 68), na área no espaço apresentam relações de adja
organizacional e do trabalho (N = 35), na do cências e distanciamentos; isso pode ser
cência (N = 20) e na área de saúde e hospi visto na Figura 12.3. Essas relações de adja
262 Bastos, Guedes e colaboradores
cência e distanciamento são norteadas por autonomia na vida das pessoas; oportu
duas dimensões bipolares, a saber: Huma nidades de realização profissional nos ter
nização versus Desumanização e Igualita mos de compreensão do que seja prazeroso
rismo versus Hierarquia. Está sendo desig no trabalho para a amostra; desenvolvi
nada de Humanização a noção de valori mento de um tratamento digno pelo am
zação da pessoa enquanto um ser humano; biente de trabalho. Por Desumanização, está
valorização que, na construção dos signi sendo designada a noção relacionada ao
ficados do trabalho, se exprime nas atribui fato de alguns aspectos, desejáveis ou espe
ções de valores ao trabalho como: reco rados do trabalho, descaracterizarem a pes
nhecimento profissional expresso pelas re soa enquanto ser humano. Essas duas no
compensas socioeconômicas (categoria Re ções funcionariam cognitivamente como
conhecimento econômico); pelas possibili forças opostas que estão por trás da orga
dades de crescimento profissional que sus nização das oito categorias de atributos va
tenta a construção da independência e da lorativos identificados no Quadro 12.5.
Igualitarismo
Igualitarismo e
Ritmo acolhimento
Realização
Desumanização
Desumanização
Humanização
Reconhecimento
econômico
Crescimento e
independência
Dignidade/
Ocupação humanização
(carga)
Segurança
normativa
Hierarquia
Por essas razões, entende-se que o sen de trabalho são vistos como manifestações
tido de tal categoria está relacionado com do respeito humano mais latente. Deve-se
traços da cultura brasileira, melhor expres observar que tal categoria, de um lado, tem
sada em relação aos estudos anteriores em adjacências com Crescimento e Indepen
decorrência da aplicação da SSA, que reve- dência e, de outro, com Segurança Norma
la as relações de adjacências de uma cate- tiva. Dessa forma, expressa a humanização
goria com a outra, permitindo, portanto, em uma dimensão, com uma tendência ob
apreender um pouco mais os sentidos dos servada mais para hierarquia do que para
atributos valorativos. igualitarismo na outra dimensão.
A categoria Reconhecimento Econômi A categoria Segurança Normativa agrega
co, por sua vez, tende a ser vista como re itens que dizem respeito ao cumprimento das
lativa às recompensas econômicas, mas nes normas e à evitação de riscos no ambiente de
se caso, essas recompensas associam-se à trabalho. Em decorrência dos estudos ante
noção de prazer pela execução das tarefas e riores, não era hipótese que esses itens se se
o que elas representam pela contribuição parassem em uma categoria específica, mas
para o progresso social. Mantém adjacência, que estivessem juntos aos itens de higiene e
de um lado, com a categoria Realização e, conforto ambiental. Embora estejam clara
de outro, com a categoria Crescimento/In mente em regiões distintas do espaço, estão
dependência. Isso significa que, para os psi também em regiões adjacentes. Assim refi
cólogos, a definição de que o trabalho deve nou-se a diferenciação, mas não deixou de
prover ganhos ou sustento econômicos não revelar a mesma associação e o mesmo sen
se separa da definição de que o trabalho tido, de que higiene e conforto são, em parte,
deve prover realização e crescimento. Reco expressões dos cuidados de segurança. Essa
nhecimento Econômico, na primeira dimen categoria expressa humanização porque, en
são, tende claramente para o polo de Hu- tre outros aspectos, é uma categoria que
manização, mas na segunda dimensão está abrange noções de proteção; na outra dimen
numa posição quase central. são, porém, expressa hierarquia, pois mesmo
Sobre a categoria Crescimento e Inde que as normas sejam elaboradas pelas pes
pendência, é preciso ressaltar que ela esta soas, os atos de cumpri-las expressam em al
belece nexos entre as definições de que o guma medida a vivência de submissão.
trabalho deve ser fonte de independência A categoria Ocupação agrega os itens que
econômica (e/ou sustento) e de estabili dizem respeito a sentir-se ocupado e à ideia de
dade, mas também de prazer pela tarefa e que o trabalho deverá implicar uma carga.
de tratamento respeitoso. Mantém adjacên Apresenta adjacências com as categorias Segu
cia imediata com Reconhecimento Econômi rança Normativa e Desumanização; entretan
co e Dignidade/Humanização. A categoria to, essas adjacências não aguardam a mesma
Reconhecimento Econômico expressa clara intimidade observada entre as categorias que
mente o polo Humanização, mas tem uma estão mais próximas ao polo de Humaniza-
posição também próxima à central na se ção. A presente categoria representa o qua
gunda dimensão. drante formado a partir dos polos Desumani
A categoria de Dignidade/Humanização zação e Hierarquia.
associa itens que dizem respeito a sentir-se A última categoria é a designada Desu
digno e gente, ao bem-estar psíquico e ao manização, que agrega itens referentes à
reconhecimento da autoridade a itens que definição de que o trabalho deve implicar
se referem à higiene e ao conforto ambien esgotamento, discriminação perante os ou
tal. Estabelecer nexos entre esses itens sig tros em decorrência do que se faz, trata
nifica que conforto e higiene no ambiente mento que assemelha o profissional a uma
O trabalho do psicólogo no Brasil 265
ANOVA
0a1 2a3
1a2 3a4 F = 13364,95 para p<0,001 (n = 139)
1,2 4,2
(CV) Segurança Normativa (M = 3,46; dp = 0,69) 20,1 76,3
4,3
(CV) Ocupação (sobrecarga) (M = 2,26; dp = 0,79) 36,7 45,3 13,7
2,2
(CV) Desumanização (coisificação) (M = 1,05; dp = 0,67) 61,9 32,4 3,1
3,6
Figura 12.4 Proporção dos participantes por intervalos das categorias valorativas.
to e Segurança Normativa. Se, de um lado, nente econômico muito forte. Além des
todas essas categorias com escores elevados se aspecto mais geral, na amostra das
podem ser interpretadas como revelando que mulheres, 7,5% residem só e com filhos
os psicólogos estabelecem ou distinguem mal e 34,0%, com a família de origem. Tais
suas prioridades; de outro, pode ser enten proporções podem indicar que muitas
dido como um alto grau de exigência sobre o das mulheres ainda estão construindo a
que seja um trabalho de qualidade. própria independência econômica e/ou
As médias baixas nas categorias Desuma vivem situações que tornam a questão
nização e Ocupação levam a considerar que, econômica mais proeminente.
se tais aspectos seguem sendo atributos valo • Há uma variação conjunta entre a ida
rativos para os psicólogos, eles estão muito de do participante e os escores na cate
enfraquecidos. Essa observação fica mais clara goria (CV) Realização, em uma relação
se são levados em conta a proporção de par diretamente proporcional (r = 0,18 pa
ticipantes por intervalos dos escores em tal ca ra p = 0,03). Em outras palavras, com
tegoria (Figura 12.4), uma vez que, no caso o avanço da idade, os psicólogos valo
da Desumanização, 61,9% da amostra apre rizam mais o trabalho como fonte de
senta escores no intervalo de 0 a 1 e 32,4%, Realização. Tal correlação reflete que,
no intervalo de 1 a 2, totalizando, assim, com o avanço da carreira, provavel
94,3% da amostra até o limite de escore 2 que, mente com a independência econômica
em uma escala de 0 a 4, representa seu ponto mais estabilizada, o psicólogo se torna
médio. No caso da categoria Ocupação, obser mais exigente em relação ao conteúdo
va-se (Figura 12.4) que 4,3% dos participan- do que faz.
tes apresentam escores no intervalo de 0 a 1 e • Há, também, diferenças estatisticamen-
36,7%, no intervalo de 1 a 2, totalizando, por te significativas (t = 2,04 para p = 0,04)
tanto, 41% de participantes até o limite do nas médias na categoria (CV) Ocupação
escore 2. Desse modo, são realmente minoria quando se compara quem atua na do
os psicólogos que tomam a categoria Desuma cência (M = 1,99) e quem não atua
nização como um valor, e há relevante di (M = 2,32). Isso indica que, para os do
vergência de que Ocupação seja um valor. centes, é menos importante que o tra
Analisou-se também a variação dos es balho deva representar ocupação (dure
cores nas oito categorias de acordo com os za). Aqui, deve-se considerar que o Ca
aspectos sociodemográficos e ocupacionais. pítulo 7 mostra aqueles que têm vínculos
Encontrou-se, então, que: empregatícios apresentando jornada de
• De acordo com o sexo do participan- trabalho mais extensa. Então, provavel
te, há diferenças estatisticamente sig- mente, não sentem necessidade de afir
nificativas em duas categorias: (CV) mar que o trabalho deve representar
Crescimento e Independência (t = 2,28, uma ocupação.
gl = 137, p = 0,02) e (CV) Reconheci • Aqueles que adotam a abordagem psi
mento Econômico (t = 2,83, gl = 137, canalítica7 tendem a aceitar menos que
p = 0,005). Em ambas as categorias, as o trabalho deva representar uma (CV)
mulheres apresentam médias maiores. Ocupação (sobrecarga) (M = 2,11) do
Como se trata de categoriais valorativas, que os demais participantes (M = 2,41)
entendeu-se que essas diferenças refle em nível estatisticamente significante
tem as aspirações femininas de inserção (t = 2,26 para p = 0,03). Compete, en
mais equitativas na sociedade. Viver em tão, indagar que característica de tal
uma sociedade capitalista implica que o abordagem na Psicologia leva a essa di
poder social terá sempre um compo ferenciação de significado?
O trabalho do psicólogo no Brasil 267
A estrutura dos atributos descritivos di em seu conteúdo. Além disso, observa-se
fere daquela dos atributos valorativos. Os que, embora a dimensão humanização ver
psicólogos, igualmente a outros profissio sus desumanização exista em ambas as es
nais, quando pensam sobre o que o trabalho truturas, nos atributos descritivos, o polo
deve ser (uma dimensão prescritiva e va desumanização tem mais poder articulador
lorativa), organizam as características de das diversas categorias, implicando uma fi
uma forma e, quando descrevem o trabalho gura em que as categorias estão mais dis
que concretamente vivenciam, organizam tribuídas no espaço, enquanto, na estrutura
as características de outra forma. Tal dife dos atributos valorativos, várias categorias
renciação corrobora o que pesquisas ante se aproximaram muito do polo de humani
riores encontraram. zação. Essa distribuição está relacionada
Apesar de, em ambos os casos, as so aos sentidos das categorias específicas em
luções da SSA terem sido bidimensionais, cada estrutura.
ao menos uma das dimensões identificadas Assim, importa, por exemplo, destacar,
é diferente (autonomia versus conservação) além daquilo que já foi descrito no Qua-
268 Bastos, Guedes e colaboradores
Conservação
Esgotamento Ocupação/
(sobrecarga) responsabilidade
Normas de
segurança
Desumanização
Humanização
Desumanização Humanização/
sociabilidade
Realização
Independência
econômica Igualitarismo/
reconhecimento/
acolhimento
Autonomia
dro 12.6, que a categoria Independência com a insatisfação com a remuneração pro
Econômica, nos atributos descritivos, se fissional – hipótese que se retomará adiante.
relaciona com o polo autonomia numa di As categorias Esgotamento e Ocupação/
mensão, mas também com o polo desuma Responsabilidade são adjacentes em decor
nização na outra. Enquanto isso (segundo a rência do polo de Conservação em uma das
representação contida na Figura 12.5), nos dimensões; porém, na outra, enquanto Esgo
atributos valorativos, foram encontradas tamento está mais associada ao polo de De
duas categorias de atributos de natureza sumanização, a categoria Ocupação associa-
econômica – Reconhecimento Econômico e se a Humanização/Sociabilidade. Isso signi
Crescimento e Independência –, as quais fica que, se o trabalho faz o psicólogo ser re
melhor representam o polo Humanização. conhecido como pessoa ocupada, qualifica-o
Isso significa que a amostra defende que as enquanto ser humano, mas se o faz ser per
melhores expressões de humanização no cebido como esgotado e o desumaniza.
trabalho seriam na forma de adequadas re A categoria Humanização/Sociabilidade é
compensas econômicas e de oportunidades a que representa mais adequadamente a di
de crescimento e aprendizagem profissional, mensão concreta do trabalho como Humani
bem como de construção de um padrão es zação, todavia outras categorias também tra
tável de vida. Porém, a amostra percebe o duzem tal dimensão como Normas de segu
trabalho concreto como provedor de recom rança, Realização e Igualitarismo/Reconheci
pensas econômicas que fortalecem a auto mento/Acolhimento. Entretanto, Normas de
nomia, mas que, em certa medida, também segurança na outra dimensão, representa Con
desumaniza. Isso, provavelmente, tem a ver servação; enquanto Realização e Igualitarismo/
O trabalho do psicólogo no Brasil 269
ANOVA
0a1 2a3
1a2 3a4 F=4803,22 para p<0,001 (n=139)
Figura 12.6 Proporção dos participantes por intervalos dos escores nas categorias descritivas.
Explorando a variação dos escores nas df = 137, p = 0,008), sendo que os ho
categorias dos atributos descritivos pelos mens apresentam médias superiores
aspectos sociodemográficos e ocupacionais, (M = 2,64; dp = 0,88) às das mulheres
constatou-se que: (M = 2,13, dp = 0,92). É importante
• As médias dos participantes na ca- lembrar que, quando se define o que o
tegoria descritiva Independência Eco trabalho deve ser (atributos valorativos),
nômica diferem por sexo (t = –2,71, as mulheres atribuem escores mais al
270 Bastos, Guedes e colaboradores
nal, marcada pelo ambiente universi em dois aspectos. Ali, entre outros resulta
tário que, na maior parte das vezes, dos, Borges-Andrade encontrou que, no re
conta com uma administração parti ferente ao status profissional, os participan
cipativa e colegiada e pela natureza tes avaliaram com pontuações baixas a ade
de suas atividades em que estão im quação da remuneração e da disponibili
plicadas relações interpessoais bastan dade de recursos para o exercício da profis
te diversas e enriquecidoras. são. Ao se considerar a Figura 12.2 e ao se
• Os participantes que atuam na área de levar em conta a interpretação da categoria
saúde e/ou hospitalar apresentam maior Independência Econômica na SSA, repre
tendência a perceber o trabalho repre sentando desumanização no trabalho, con
sentando concretamente (CD) Ocupa clui-se que os psicólogos seguem insatisfei
ção (responsabilidade) (M = 3,00) do tos ou continuam avaliando negativamente
que os demais participantes (M = 2,68) o aspecto da remuneração. Quanto aos re
em nível estatisticamente significante cursos disponíveis para o exercício da pro
(t = 2,02 para p = 0,05). Esse resultado fissão, considerando-se que esse tipo de con
é condizente com a literatura respon teúdo está incluído na categoria Igualita
sável por apontar que esses profissio rismo-Reconhecimento-Acolhimento, conclui-
nais, na prática cotidiana, se veem de se que houve alguma melhoria na avaliação:
safiados pela exigência de atendimento em 1988, a avaliação da disponibilidade de
a demandas diversificadas para as quais recursos estava abaixo do ponto médio da
a formação básica em Psicologia pouco escala; na pesquisa atual, apresenta-se um
prepara. Por isso, a atuação desses psi pouco acima, embora não se trate de esco-
cólogos tem se caracterizado pela trans re elevado.
ferência das práticas clínicas e também A insatisfação com a remuneração, re
pela realização de atividades tradicio presentada no significado atribuído ao tra
nalmente atribuídas ao Psicólogo e das balho, provavelmente é um reflexo das vivên
Organizações do Trabalho, como sele cias concretas do exercício profissional, posto
ção e treinamento de pessoal (Cabral e que tanto estudos anteriores (por exemplo:
Sawaya, 2001; Dimenstein, 1998, 2001; Yamamoto, Siqueira e Oliveira, 1997; Pasqua
Figueiredo e Rodrigues, 2004; Mo- li, 1988) quanto as respostas da amostra mais
ta, Martins e Véras, 2006; Vieira Filho, geral do presente estudo no que diz respeito à
2005; Yamamoto e Cunha, 1998). renda do psicólogo indicam uma remunera-
ção média que se pode considerar baixa. Con
Não foram encontrados estudos anterio forme o que foi descrito no Capítulo 6, a
res sobre o psicólogo brasileiro que possibi renda média mensal do psicólogo brasileiro
litassem comparar os resultados aqui en é de 6 salários mínimos, sendo que 71,9%
contrados no que diz respeito à atribuição desses profissionais ganham de 1 a 7 salários
de centralidade ao trabalho enquanto uma mínimos. Uma remuneração em tal faixa, pro
esfera de vida e aos atributos valorativos. vavelmente, ainda está muito distante dos va
Entretanto, no que diz respeito aos atributos lores aspirados não só pelos psicólogos, mas
descritivos, entendeu-se que era possível também por muito profissionais de nível supe
traçar algum paralelo ao estudo publicado rior. Além disso, considerando que, na pes
em 1988 sobre “quem é o psicólogo brasi quisa do Conselho Federal de Psicologia de
leiro”, no que diz respeito às avaliações dos 1988, a renda média era de 11 salários-mí
participantes em relação ao exercício profis nimos (Pasquali, 1988), observa-se que ela
sional (Borges-Andrade, 1988), ao menos está em queda.
272 Bastos, Guedes e colaboradores
A atribuição de escores baixos a Esgota minação de tal hierarquia, posto que 67,2%
mento, por sua vez, é entendida como concer dos participantes da amostra apresentaram
nente à baixa carga-horária de trabalho iden escores iguais em pelo menos duas das cate
tificada no Capítulo 7 – 71% dos profissionais gorias mais valorizadas. Isso corrobora o
trabalham até 20 horas semanais. Essa situa que já foi apresentado anteriormente na
ção de predomínio de poucas horas de traba Figura 12.1, pois, em várias categorias, os
lho não é nova e está associada ao exercício participantes apresentavam elevados esco
autônomo da profissão (Pasquali, 1988). res. Por frequência, a categoria subsequen
te à ausência de uma clara priorização é
a categoria Crescimento e Independência,
Hierarquia dos atributos com 11,7% das preferências. Já foi visto
descritivos e valorativos que as mulheres tendem a priorizar mais
esse sentido do que os homens e que a
Apesar de as médias dos participantes, amostra tem predomínio feminino. Os de
nas categorias dos atributos valorativos e des mais participantes, 21,10% do total, se dis
critivos, já revelarem parcialmente a hierar persam em priorizar as outras categorias
quia dos atributos, aqui se apresenta nova dos atributos valorativos.
mente a questão sobre a hierarquização de Entende-se que o fenômeno de frágil
tais categorias por outro caminho, a saber: priorização das categorias que definem co
qual a quantidade de participantes por cate mo o trabalho deve ser provavelmente sig
goria em que a pontuação foi mais elevada? nifica que o trabalho, para atender tais de
Assim, detendo-se primeiramente na finições dos psicólogos da amostra, precisa
hierarquia dos atributos valorativos, apu preencher uma variedade de requisitos e
rou-se (Gráfico 12.3) que há baixa discri não só um ou dois.
0 10 20 30 40 50 60 70
Quanto à hierarquia das categorias dos logos, é essa categoria que melhor descreve
atributos descritivos (Figura 12.8), a ausência o trabalho concreto que realizam. Em outras
de priorização é muito menos frequente. Cor palavras, o trabalho realizado pelos psicólo-
responde a apenas 10,2% da amostra (13 par gos da amostra significa principalmente uma
ticipantes). A categoria mais frequentemente fonte de fortalecimento do sentimento de ser
priorizada é a Humanização-Sociabilidade. gente respeitada, racional e acolhida pelos
Entendeu-se que, segundo a ótica dos psicó demais.
O trabalho
no Brasil
do psicólogo 273
Proporção
dos participantes por
intervalo das categorias descritivas
Prioridade
à categoria esgotamento
(sobrecarga) 1,6%
Prioridade à categoria
ocupação
12,5%
Prioridade àcategoria
igualt.-reconh.-acolhimento 1,6%
independência 3,1%
Prioridade
à categoria
econômica
Sem
priorização
clara
10,2%
Figura 12.8 Porcentagens dos participantes por hierarquias das categorias descritivas.
Padrões do
significado do trabalho entretanto, na significação do trabalho concre
to. Foi, portanto,com base nas duas dimensões
Conforme
apresentado
anteriormente
bipolares
dos
b
atri
utos descritivos que foram
padrão
5 – Significados
nes t
e capítulo, os
padrões do significado do designados. As
s im, o
na
trabalho
consistem
identificação
de con
Huma
niz
ant
es Autônomos – prioriza entre os
figurações
gerais, articulando as várias face atri butos descritivos ascategorias que repre
tas do
significado
do
trabalho,
compar tilha
sentam
o
polo
de
humanização com o predo
de
das porgrupos pessoas.
Para
identificar mínio
daquelas que
mais o polo de
fortalecem
padrões compartilhados por grupos da nossa
au t onomia
que
o
de conservação. O padrão 6
amostra, foi aplicada a técnica
estatística foi designado por
simplesmente Significados
por
análise
designada de
conglomerados.
A Humanizantes seus
porque participantes ten
de
tal
descrição da aplicação técnica
está dem
a perceber como fortes no trabalho con
descrita no Apêndice
2.Aqui,
sintetizou-se
todas
creto, aquelas categorias que tendem
tais padrões
na
Tabela
12.1,
descrevendo-os
polo
nização (em con
mais para o de Huma
e identificando quantos participantes com traposição ao de Desumanização), mas inde
partilham cada padrão. pendente da posição destas categorias na di
Os padrões foram identificados utilizan mensão autonomia versus conservação. O últi
do apenas os escores dos participantes nas mo padrão – Significados Humanizantes Con
categorias dos atributos valorativos e des servadores – foi designado assim porque, ape
critivos, uma vez que os escores em centra sar de seus participantes perceberem o traba
lidade do trabalho não se mostraram capa- lho com características predominantemente
zes de contribuir para diferenciar os conglo- humanizantes, atribuem maior ênfase às cate
merados (Apêndice 2). Isso significa que, aos gorias humanizantes que fortalecem mais o
padrões identificados no Quadro 12.7, há polo de conservação do que o de autonomia. É
uma tendência geral à atribuição de alta cen importante compreender que não se está fa
tralidade ao trabalho. lando de pessoas mais conservadoras ou mais
Os três conglomerados compartilhados por autônomas, mas, sim, que há grupos de psi
grupos mais amplos da amostra são exata cólogos que percebem mais oportunidades
mente os três últimos no Quadro 12.7. Tais pa de exercer sua autonomia do trabalho e ou-
drões são muito convergentes nas definições tros que percebem o trabalho como mais re
de o que o trabalho deve ser. Diferenciam-se, gulado ou protegido.
274 Bastos, Guedes e colaboradores
trabalho deve ser (faceta valorativa) muito balho, as elevadas exigências sobre o que o
exigente e (3) percebendo o trabalho concreto trabalho deve ser e a percepção do trabalho
numa direção humanizante – seja associado a concreto como humanizante no sentido que
aspectos mais conservadores (normatização, o faz sentir-se gente, respeitado, racional e
segurança, etc.), seja associado a aspectos de acolhido pelos demais. A sociabilidade no
estimulação da autonomia. Esses traços, que trabalho, portanto, é um aspecto forte no
se revelam predominantes nos padrões do trabalho dos psicólogos. Indaga-se, então, se
significado do trabalho, são indicadores de esses aspectos têm relação com o conteúdo
que o trabalho segue sendo, para os psicólo da própria Psicologia. Relacionar-se-ia à ima
gos, uma categoria social estruturante. gem do psicólogo capaz de resolver conflitos,
O conjunto dos resultados também re de ensinar habilidades interpessoais? E em
vela que os pensamentos dos psicólogos so que medida teria relação com o fato de seu
bre o trabalho concreto (atributos descri trabalho consistir em tarefas que se prestam
tivos) são mais dependentes de suas inser pouco à fragmentação taylorista-fordista?
ções profissionais e de seus perfis do que os A representação dos resultados econô
atributos valorativos e a centralidade do micos entre os atributos valorativos como
trabalho. Entende-se que isso acontece por humanizante e, entre os atributos descri
que, embora o modelo de construção do tivos, como desumanizante foi outro resul
significado do trabalho sintetizado na Figu tado bastante singular desta pesquisa. Pro
ra 12.2, suponha relações do significado do vavelmente reflete a insatisfação do Psicó
trabalho como um todo, com aspectos da logo com sua remuneração. Mas compete
realidade vivencial das pessoas que cons deixar aqui a dúvida quanto ao fato de essa
troem o(s) significado(s) do trabalho, tais ser uma singularidade do psicólogo ou se o
relações provavelmente ocorrem de forma mesmo resultado talvez pudesse ser encon
mais fragmentada ou pontual e envolvem trado em outras profissões de relativamente
diferencialmente seus componentes. Entre baixo status na sociedade.
tanto, entende-se que, uma vez que mudam Indagou-se, no início, se o crescimento
os componentes do significado, seu equili e as transformações do setor de serviços
bro geral também sofre transformação. afetavam os significados que os psicólogos
A maior variabilidade dos atributos des atribuem ao trabalho. Encontrou-se que tais
critivos, todavia, indica uma relação mais transformações implicaram mais empre-
estreita com os aspectos das relações de tra go para o psicólogo em atendimentos bási-
balho, perfis sociodemográficos e as estru cos de saúde e em hospitais. Os significados
turas organizacionais. A maior estabilidade atribuídos por esses psicólogos se diferen
da centralidade do trabalho e dos atributos ciam quanto a perceberem o trabalho con
valorativos, por sua vez, sugere uma relação creto implicando mais ocupação e dureza. E
mais estreita com aspectos ideológicos e deixa-se a pergunta relativa a se tal percep
culturais. Variações mais acentuadas nesses ção se deve em alguma medida às incom
componentes deveriam ser esperadas se dis patibilidades de sua formação perante as
puséssemos de respostas de psicólogos de demandas de trabalho que enfrentam.
diferentes nações e/ou ao longo de um pe Conquanto as direções gerais apontadas
ríodo histórico extenso. Ficam, portanto, as pelos resultados sejam claras, é indispen
sugestões para novas pesquisas. sável considerar algumas das especificidades
Quanto à singularidade dos significados da profissão para efeito de qualificação da
do trabalho do psicólogo, muitos aspectos análise. Um primeiro aspecto reside no fato
foram demarcados ao longo do texto. Aqui, de que a profissão tem apresentado, tenden
se sublinham a elevada centralidade do tra cialmente, sinais de que as inserções pro
O trabalho do psicólogo no Brasil 277
fissionais vigentes nas primeiras décadas após influência dos princípios da sociedade de
a regulamentação estão sendo consideravel bem-estar. No entanto, é importante obser
mente (ainda que não expressivamente, do var que essa categoria dos atributos des
ponto de vista quantitativo) alteradas pela critivos (Normas de Segurança) é adjacente
chamada “ocupação de novos espaços de atua a Humanização-Sociabilidade, sendo, por
ção”. Tal ampliação de “espaços” ajuda a con tanto, provável que aqui esteja sendo des
figurar a profissão de psicólogo como ocupan tacado que o desenvolvimento das atividades
do um espectro ocupacional amplo e bastante dos psicólogos implica cuidado permanente
heterogêneo. A isso, adiciona-se o fato de que com normas de conduta, no sentido de
a profissão de psicólogo, conforme atestam os proteger os usuários de seus serviços, bem
resultados da presente pesquisa nacional, ain como proteger a si mesmo, podendo não
da é marcada por um grande contingente haver conexão com uma eventual defesa de
(37,7%) de trabalhadores autônomos, a cate preceitos de ordem propriamente política.
goria de maior frequência – ao qual se acres Quanto ao mencionado desmantelamen
centa, como complicador, um contingente de to das relações de trabalho e à crise do mo
12,7% de psicólogos vinculados ao chamado vimento sindical, é preciso assinalar que os
“terceiro setor”. Finalmente, a despeito de a psicólogos nunca contaram com uma es
inserção predominante ser a de profissional trutura de representação política trabalhista
autônomo, ela não é, via de regra, a única, o sólida. Uma das razões para isso pode residir
que caracteriza o psicólogo como, concomitan nas formas antes aludidas de inserção profis
temente, autônomo e assalariado. Como con sional, com a expressiva parcela de autôno
siderar os impactos da “crise do trabalho” em mos e com uma abrangência e uma heteroge
uma realidade tão heterogênea? neidade que dificultam situações de efetiva
Mesmo considerando o predomínio do mobilização coletiva que os reúna. As reivin
exercício autônomo – exclusivo ou não – da dicações trabalhistas dos psicólogos vincula
profissão, não seria razoável supor que os dos a setores organizados de trabalhadores se
efeitos das transformações no chamado diluem dentro das lutas dessas categorias
“mundo do trabalho” não trouxessem reper ocupacionais em que se inserem. Lembra-se
cussões para a profissão. O desemprego e a aqui que é possível falar em psicólogos edu
precarização do trabalho são realidades cadores, psicólogos bancários, psicólogos pro
com as quais o psicólogo, independente fissionais de saúde, psicólogos petroleiros,
mente de sua inserção, convive cotidiana psicólogos costureiros, etc., em conformidade
mente. A despeito dessas condições conjun com o contexto em que atuam9.
turais e, mesmo, estruturais, os resultados Os significados do trabalho aqui rela
apontam para os aspectos sintetizados no tados revelam pouca consciência de tal de
início desta seção. As explicações devem ser bilidade de representação, a não ser pela
buscadas, possivelmente, em outras carac percepção de recompensas econômicas infe
terísticas da profissão que contra-arrestam riores aos patamares defendidos. Realizar-
os efeitos da “crise do trabalho”. -se pelo conteúdo ou pela qualidade do que
Os psicólogos também consideraram co se faz e sentir o trabalho como humanizante
mo característica saliente do trabalho a con pela qualidade do tratamento interpessoal,
ciliação de atividades desafiadoras e metas pelo acolhimento pelos outros, etc., pode
de autoexigência com o cumprimento de estar funcionando como um alento ou um
normas, obrigações e proteção à saúde e à adormecimento para transformar o reconhe
integridade. Essa leitura da realidade do cimento da necessidade de organização po
trabalho, à primeira vista, apresenta uma lítica em ações concretas. Não se pode, en
278 Bastos, Guedes e colaboradores
(1982 e 1991); Hopenhayn (2001); Hobsbawn ram tais referências. A Federação citada não
(1995); Marx (1975). tem conseguido, pela própria dispersão dos
4 Exemplos destas análises podem se encontrar, psicólogos, entre outras razões, uma forte mo
por exemplo, em Borges (1999b e 2001); Borges bilização.
e Yamamoto (2004); Bülchoz (1977); Heloani
(1996); Nord e Brief (1990).
5 Ver, por exemplo: Bastos (1994); Borges, Ta Referências
mayo e Alves-Filho (2005); Mow (1987); Soares
(1992). ALVARO, J. L.; GARRIDO, A.; SCHWEIGER, I.;
6 A SSA (Smallest Space Analysis) é uma técni- TORREGROSA, J. R. Introducción a la psicolo-gía
ca estatística aplicada para agrupar variáveis social sociológica. Barcelona: Editorial UOC,
em outras mais amplas e menos numerosas 2007.
(variáveis latentes) que parte da ordem das ALVES-FILHO, A.; BORGES, L. O. Motivação no
correlações existentes entre as variáveis primá trabalho para os profissionais de saúde. In: BOR
rias. O resultado de tal tipo de análise, gerado GES, L. O. (Org.). Os profissionais de saúde e seu
pelos pacotes de informática, é no formato de trabalho. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005,
gráfico, o que facilita o trabalho de interpreta- p. 199-222.
ção pelos pesquisadores. É possível estudar so ANTHONY, P. D. The ideology of work. London:
bre a técnica em muitos textos (Bloombaum, Tavistock Publications, 1977.
1970; Farley e Cohen, 1974; Guttman, 1968; ANTUNES, R. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as
Maslovaty, Marshall e Alkin, 2001). Metamorfoses e a Centralidade do Mundo do Tra
7 Havia muita dispersão na subamostra dos par balho. 2.ed. São Paulo: Cortez; Campinas: ed.
ticipantes por abordagens da Psicologia apli da Universidade de Campinas, 1995.
cada, além do problema de os psicólogos se ARENDT, H. Labor, trabajo, acción. Una con
apoiarem em mais de uma das abordagens ferencia. In ___. De la historia a la acción (pp.
consideradas. Tal fenômeno já foi descrito 89-107). Barcelona: Paidós, 1995.
detalhadamente no Capítulo 9. Isso, soman- ARENDT, H. La condición humana. Barcelona:
do-se ao problema de tamanho da presente Paidós, 1996. (Originalmente publicado em 1958)
subamostra, só foi possível comparar quem AZNAR, G. Trabalhar menos para trabalharem
aplica a abordagem psicanalítica (N=69) a todos. São Paulo: Ed. Página Aberta, 1995.
quem não a aplica, independentemente de que BARROS, V. C. A. A relação entre o significado do
aqueles que aplicam a abordagem psicanalítica trabalho e o comprometimento no trabalho: estudo
apliquem também outras. empírico com os trabalhadores de uma distribui
8 Síndorme de burnout é um tipo de reação ao dora de petróleo do NE. Natal, 2002. Dissertação
estresse crônico, que se manifesta por três fatores, (Mestrado em Administração) – Universidade
a saber: exaustão emocional ou esgotamento, Federal do Rio Grande do Norte.
reduzida realização pessoal e despersonalização BASTOS, A. V. B. Comprometimento no trabalho:
do outro e/ou cinismo (Maslach, Schaufeli e Leiter, a estrutura dos vínculos do trabalhador com a or
2001), como está exposto mais detalhadamente ganização, a carreira e o sindicato. Brasília, 1994.
no Capítulo 16 deste livro. Tese (Doutorado em Psicologia) – Universidade
9 Sabemos que existem uma Federação Nacio de Brasília.
nal de Psicólogos, que congrega nossas en BASTOS, A. V. B.; PINHO, A. P. M.; COSTA, C. A.
tidades sindicais, e o Conselho Federal de Significado do Trabalho: um Estudo entre Tra
Psicologia (CFP). Ambos têm histórico de re balhadores em Organizações Formais. Revista de
presentação trabalhista do psicólogo porém Administração de Empresas, v. 35, n. 6, p. 20-29,
pontualmente; pois no caso do CFP não é 1995.
seu papel principal. Mesmo assim, o CFP tem BERGER, P. L.; LUCKMANN, T. A Construção
atuado, por exemplo, estabelecendo valores de Social da Realidade. Petrópolis: Vozes, 1985.
referência para a cobrança dos serviços e pisos BILSKY, W. A teoria das facetas: noções básicas.
salariais. No entanto, sabemos do limitado im Estudos de Psicologia (Natal), v. 8, n. 3, p. 357-
pacto dessas ações. Muitos psicólogos igno 365, 2003.
280 Bastos, Guedes e colaboradores
atuação profissional. Por conseguinte, a rea sendo aviltada. VII. O psicólogo considerará
lização de um estudo dessa natureza poderá as relações de poder nos contextos em que
contribuir na construção de conhecimentos atua e os impactos dessas relações sobre as
referentes a valores-guia que devem orien suas atividades profissionais, posicionando-
-se de forma crítica e em consonância com
tar a atuação profissional do psicólogo.
os demais princípios deste código. (Conselho
Também se caracteriza como relevante do
Federal de Psicologia, 2005, p. 07).
ponto de vista social ao proporcionar conhe
cimentos que sirvam como base para toma Na apresentação do Código de Ética
da de consciência e reflexão a respeito de Profissional do Psicólogo, todos esses prin
elementos relativos ao seu domínio pessoal cípios constituem eixos norteadores funda
(Senge, 1990). Acrescente-se a possibilidade mentais que devem orientar a relação do
de servir como instrumento de desafio e psicólogo com a sociedade, com a profissão,
questionamento, se for o caso, dos seus com as entidades profissionais e com a ciên
modelos mentais (Wind, Crook e Gunther, cia. Ou seja, conforme as orientações origi
2006), referentes a modos considerados nadas do Código de Ética Profissional, os
certos de pensar, de sentir e de agir em princípios fundamentais e os respectivos va
situações de exercício profissional. lores que lhes são centrais devem orientar o
Estão dispostos no Código de Ética Pro comportamento do psicólogo.
fissional do Psicólogo Brasileiro, resolução Ao se considerar os sete princípios (cau
CFP nº 010/05, os seguintes princípios fun sas primárias) que devem orientar a atuação
damentais éticos que devem orientar a do psicólogo e os objetivos propostos para
atividade desse profissional: este estudo, procurou-se localizar um ou
mais valores considerados centrais na orien
I. O psicólogo baseará o seu trabalho no tação de cada um desses princípios. Tais va
respeito e na promoção da liberdade, da
lores, identificados como essenciais no esta
dignidade, da igualdade e da integridade do
belecimento de cada um dos princípios fun
ser humano, apoiado nos valores que em
basam a Declaração Universal dos Direitos
damentais, estão dispostos no Quadro 13.1.
Humanos. II. O psicólogo trabalhará visando Em relação ao que sejam valores, as se
promover a saúde e a qualidade de vida das guintes características são essenciais na defi
pessoas e das coletividades, e contribuirá nição dos mesmos: (1) um valor é uma crença
para a eliminação de quaisquer formas de pertinente a fins considerados desejáveis ou a
negligência, discriminação, exploração, vio modos de se comportar preferíveis; (2) extra
lência, crueldade e opressão. III. O psicólogo pola situações específicas; (3) orienta a sele
atuará com responsabilidade social, anali ção ou a avaliação de comportamentos, pes
sando crítica e historicamente a realidade soas e acontecimentos; (4) se organiza por
política, econômica, social e cultural. IV. O sua importância relativa em relação a outros
psicólogo atuará com responsabilidade por valores considerados menos relevantes, cons
meio do contínuo aprimoramento profis truindo, dessa forma, (5) um sistema de prio
sional, contribuindo para o desenvolvimento
ridade de valores (Schwartz, 2006).
da Psicologia como campo científico de co
Ao se considerar tais características, po
nhecimento e de prática. V. O psicólogo con
tribuirá para promover a universalização do de-se mencionar que os valores constituem
acesso da população às informações, ao co certezas referentes para aquilo que se en
nhecimento da ciência psicológica, aos servi tende como relevante à consecução de obje
ços e aos padrões éticos da profissão. VI. O tivos considerados desejáveis, bem como
psicólogo zelará para que o exercício pro expressam aquilo que é preferível ou não,
fissional seja efetuado com dignidade, rejei significativo ou não, certo ou errado para
tando situações em que a Psicologia esteja uma pessoa, um grupo, uma organização ou
O trabalho do psicólogo no Brasil 285
Quadro 13.1 Princípios norteadores e valores centrais no código de ética do psicólogo brasileiro
Princípios Norteadores Valores Centrais
I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na (Igualdade e Liberdade) lgualdade: propriedade de ser
promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e igual; equidade e justiça (Ferreira, 2004); igualdade dos
da integridade do ser humano, apoiado nos valores que cidadãos perante a lei pode ser reduzida à possibilidade de
embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. substituição dos cidadãos nas situações previstas pela lei
sem que mude o procedimento da lei (Abbagnano, 2000).
Liberdade: independência e autonomia (Ferreira, 2004);
possibilidade ou escolha (Abbagnano, 2000). Neste último
caso a liberdade é condicionada e limitada, isto é, finita.
II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e (Saúde e Qualidade de Vida) (Não Discriminação e Não
a qualidade de vida das pessoas e das coletividades, e violência) Saúde: estado do indivíduo no qual as funções
contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de orgânicas, físicas e mentais se acham em situação normal;
negligência, discriminação, exploração, violência, cruel estado do que é sadio ou são (Ferreira, 2004); estado de
dade e opressão. bem-estar mental em estreita relação com a saúde corporal
e social (Dorsch, Häcker e Stapf, 2001). Qualidade de
vida: uma medida própria de dignidade humana, pois
pressupõe o atendimento das necessidades humanas
fundamentais (Nahas, 2003). Não discriminação: não
diferençar nem distinguir procedimentos em função de
aspectos, econômicos, políticos ou culturais (Adaptado
pelos autores de Ferreira, 2004). Não violência: não uti
lizar a agressividade com fins destrutivos (Bock, Furtado
e Teixeira, 1999).
III. O psicólogo atuará com responsabilidade social, Responsabilidade social: situação de um agente cons
analisando crítica e historicamente a realidade política, ciente em relação aos atos que ele pratica voluntariamente
econômica, social e cultural. (Ferreira, 2004); possibilidade de prever os efeitos do
próprio comportamento e de corrigi-lo com base em tal
previsão (Abbagnano, 2000).
IV. O psicólogo atuará com responsabilidade, por meio do (Desenvolvimento da Psicologia) Crescimento pessoal
contínuo aprimoramento profissional, contribuindo para o e profissional: pressupõe a possibilidade de escolher ca
desenvolvimento da Psicologia como campo científico de minhos, consciente dos resultados que se pretende atingir.
conhecimento e de prática. Implica reelaborar significados e revisar referenciais de ação
para tornar-se o que ainda não se é (Malvezzi, 1988).
V. O psicólogo contribuirá para promover a universalização (Acesso da Psicologia à população) Transparência:
do acesso da população às informações, ao conhecimento proporcionar informações precisas, com as implicações
da ciência psicológica, aos serviços e aos padrões éticos emocionais apropriadas, para todas as pessoas que ne
da profissão. cessitam do conteúdo da informação (Hall, 2004) e do
diálogo esclarecedor (Etkin, 2007).
VI. O psicólogo zelará para que o exercício profissional (Dignidade da profissão) Dignidade: agir com honestidade,
seja efetuado com dignidade, rejeitando situações em que honra, respeitabilidade e autoridade (Ferreira, 2004) e qua
a Psicologia esteja sendo aviltada. lidade de se expressar com sinceridade (Welch, 2005).
VII. O psicólogo considerará as relações de poder nos (Dignidade da profissão) Assertividade: agir de acordo
contextos em que atua e os impactos dessas relações com os próprios interesses, defender posições sem ansie
sobre as suas atividades profissionais, posicionando-se de dade, expressar os sentimentos de modo honesto e tran
forma crítica e em consonância com os demais princípios quilo e exercer os direitos pessoais sem negar os dos
deste código. outros (Alberti e Emmons, 2008).
uma sociedade (Tamayo e Borges, 2006). podem ser classificados em dois tipos os ar
Quando reunidos, os valores compõem con raigados – relativamente estáveis e duradou
juntos que denotam importância e significado ros, expressos por meio de atitudes e compor
para conceitos como igualdade, liberdade, tamentos consistentes ao longo do tempo – e
saúde, qualidade de vida, harmonia, respon os esposados ou racionalizados, que são idea
sabilidade social, desenvolvimento pessoal e lizados, porém ainda não praticados ou vi
profissional, acessibilidade, dignidade, entre venciados por meio de comportamentos de
outros (Zanelli e Silva, 2008). Além disso, modo consistente e contínuo (Schein, 1987).
286 Bastos, Guedes e colaboradores
psicóloga, ministrante da disciplina Astrolo sendo avaliado. Tais percepções foram tra
gia Aplicada à Seleção de Pessoal. Tal curso duzidas em escores e em percentuais que as
também foi divulgado em um jornal de cir expressam e, por sua vez, representam as
culação local, identificando a psicóloga e tendências de frequências das respostas.
explicitando as relações que a mesma esta Em seguida, os dados distribuídos e
belece entre Astrologia e perfil de candida representados em tabelas de distribuição de
tos na ocupação de postos de trabalho. frequência serão descritos, considerando-se
Por último, no Caso 3, é referido um aspectos essenciais ou significativos para
programa de inclusão social em uma escola discussão ou interpretação, sempre levando-
pública federal para crianças com neces se em conta o quadro teórico de referência
sidades especiais, implantado e coordenado construído para os objetivos deste estudo.
por uma psicóloga. O objetivo principal do Também será considerada na presen-
Programa é o de juntar, em uma só classe, te seção, tanto no momento da descrição
alunos portadores e não portadores de ne quanto no da interpretação, os comentários
cessidades especiais. dos psicólogos que constavam no espaço
A percepção dos psicólogos foi obtida destinado à justificativa de suas respostas.
por meio de uma escala de intensidade de
Caso 1: a emissão de parecer contrário à ida
três pontos (nada, parcialmente, totalmente)
do filho na companhia da mãe à Europa
relacionados a sete valores éticos centrais e
norteadores dos princípios fundamentais es No Caso 1 que segue é descrito o caso
tabelecidos no Código de Ética Profissional um. No mesmo é narrada a decisão da psi
do Psicólogo. Também era dada ao psicólogo cóloga A em elaborar parecer desfavorável
a opção de escolher a alternativa na qual o à ida de uma criança para residir na Europa
valor não se aplicava ao caso que estava na companhia da mãe.
Conforme pode ser visto nos números e parte no parecer. Para 18,8%, tais valores
nos percentuais expostos na Tabela 13.1, estão presentes na totalidade no parecer da
referentes à categoria de valores Igualdade psicóloga A.
e Liberdade, 46,7% dos pesquisados, quase No que se refere aos valores Não dis
a metade do total de respondentes consi criminação e Não violência, 46,8% dos pes
derados válidos para o estudo, percebem quisados percebem que a decisão da psi
que os argumentos e a respectiva decisão da cóloga A de emitir parecer desfavorável não
psicóloga A, de emitir parecer contrário à levou em conta tais preceitos. No entanto,
ida do menino com a mãe para a Europa, para 36,1%, a referida profissional levou
não foram orientados pelos preceitos éticos parcialmente em consideração no seu pare
designados como Igualdade e Liberdade. cer tais valores, no todo ou em parte. Des
Contudo, para outros 43%, a psicóloga A tes, 30,2% entendem que esses valores fo
considerou no todo ou em parte tais valores ram parcialmente considerados. Quando se
éticos em sua decisão. Destes, 36% consi reportam ao valor Responsabilidade social,
deraram que os valores Igualdade e Liber 29,6% dos pesquisados percebem que o pa
dade foram parcialmente levados em conta. recer da psicóloga A não se orientou por
Em relação aos valores Saúde e Qualidade esse valor ético. Contudo, para 54,6%, a
de Vida, 19,3% percebem a decisão da psi psicóloga A considerou no todo ou em parte
cóloga A como não guiada por esses valores tal valor. Destes, 43,8% entendem que esse
éticos. Todavia, 78,2% entenderam que a valor foi considerado em parte e 10,8%
psicóloga A considerou parcialmente ou to compreendem que o mesmo foi totalmente
talmente em seu parecer tais valores. Des considerado.
tes, 59,4% compreenderam que Saúde e A respeito do valor ético Desenvolvi
Qualidade de Vida foram consideradas em mento da psicologia, 41,3% entendem que
O trabalho do psicólogo no Brasil 289
Nos percentuais expostos na Tabela 13.2, éticos. Destes, 23,5% compreendem que os
concernentes à categoria Igualdade e Liber valores Igualdade e Liberdade foram em parte
dade, 38,6% dos pesquisados percebem que o levados em conta. Além disso, 17,5% do total
curso de Astrologia associado à Psicologia, o de pesquisados percebem que tais preceitos fo
folder de divulgação e os argumentos da psi ram considerados na totalidade. Por último,
cóloga B para sustentar sua participação no para 20,5%, a questão formulada não se aplica
referido evento, não são orientados por esse ao caso.
preceito. Entretanto, para 41% dos pesquisa No que diz respeito aos valores Saúde e
dos, os argumentos proferidos pela psicóloga Qualidade de Vida, 45,5% compreendem
B se encontram orientados por tais valores que a posição da psicóloga B a respeito da
292 Bastos, Guedes e colaboradores
sua participação no curso não foi guiada esse valor foi parcialmente considerado. Por
por esses valores. Entretanto, 24,6% dos fim, para 18,9%, a questão formulada não
pesquisados percebem que a psicóloga B le se aplica ao caso.
vou em conta, parcial ou totalmente, tais Finalmente, em relação ao valor Digni
valores em sua opção de participar no cur dade da profissão, 77,8% percebem que a
so. Destes, 23,4%, entendem que Saúde e psicóloga B não se guiou por esse valor. Já
qualidade de vida foram consideradas em para 16,8%, a psicóloga B levou em consi
parte na sua opção. Finalmente, para 29,9% deração, em parte, ou no todo, tal valor.
a questão formulada não se aplica ao caso. Destes, 13,2%, 22 pesquisados, entendem
Com respeito a não discriminação e não esse valor parcialmente presente.
violência, 36,7% percebem que tais valores
éticos em nada orientam a participação da
psicóloga B no curso, assim como os argu Discussão das relações entre valores
mentos por ela utilizados para proferi-lo. Já éticos e atuação da psicóloga B
para 27,1%, a psicóloga B orientou seus ar em um curso de Astrologia
gumentos e sua decisão de ministrar o curso aplicada à seleção de pessoal
em parte ou no todo pelos referidos pre
ceitos. Destes, 25,1% compreendem a pre As frequências das respostas obtidas
sença desses valores de modo parcial. Além nesse caso parecem indicar que os psicó
disso, para 12%, os valores não discrimi logos, de modo predominante, inclinam-se
nação e não violência são totalmente con a compreender que as sete categorias de va-
siderados. Por fim, para 36,1%, o que sig lores éticos não orientaram de modo de
nifica 60 sujeitos, a pergunta foi compreen cisivo os argumentos da psicóloga B para
dida como não aplicada ao caso. sustentar sua participação no curso de As
Ao se reportarem ao valor Responsabi trologia aplicada à seleção de pessoal. Em
lidade social, 65,5% dos psicólogos pesqui contrapartida, também deve ser menciona-
sados compreendem que os argumentos e a do que, em relação a todos os valores éti-
participação da psicóloga B não se orienta cos, em grau decrescente de importância, os
ram por esse valor. No entanto, para 21,2%, psicólogos perceberam a frequência da
a psicóloga B levou em conta, no todo ou orientação dos mesmos da seguinte manei-
em parte, esse valor. Destes, 19,4% perce ra: Igualdade e liberdade, de parcialmente
bem que o referido valor foi contemplado (23,5%) a totalmente (17,5%); Não violên
em parte. Por último, para 13%, a questão cia e não discriminação, de parcialmente
não se aplica ao caso. (15,1%) a totalmente (12%); Saúde e qua
No caso do valor ético Desenvolvimento lidade de vida, de parcialmente (23,4%) a
da Psicologia, 77,8% compreendem que a totalmente (1,2%), Responsabilidade so-
psicóloga B não se orientou pelo mesmo. cial, de parcialmente (19,4%) a totalmente
De outro modo, para 19,8% a psicóloga B (1,8%); Desenvolvimento da psicologia, de
considerou em parte ou na totalidade tais parcialmente (16,2%) a totalmente (3,6%);
valores. Destes, 16,2% entenderam que o Acesso da psicologia à população, de par
valor foi parcialmente levado em conta. cialmente (15,2%) a totalmente (4,3%); e
A respeito do valor ético Acesso da psi Dignidade da profissão, de parcialmente
cologia à população, 61,6% percebem que a (13,2%) a totalmente (3,6%). Tais dados
psicóloga B não se orientou por esse valor. parecem demonstrar que, mesmo não per
Entretanto, 19,5% compreendem que a psi cebidos de modo predominante ou absolu-
cóloga B considerou, em parte ou totalmen to, os sete valores éticos também foram per
te, esse valor. Destes, 15,2% percebem que cebidos por parte dos pesquisados como
O trabalho do psicólogo no Brasil 293
Tabela 13.3 Frequência de respostas dos pesquisados referentes às categorias de valores éticos
do Caso 3
Escala de intensidade
4
Categorias de valores éticos 1 2 3
Não se aplica
Caso 3 Nada Parcialmente Totalmente
ao caso
Nº % Nº % Nº % Nº %
Igualdade/liberdade 02 1,3 44 28 131 82,9 01 0,6
Saúde e qualidade de vida 02 1,3 19 12 110 70,1 01 0,6
Não discriminação e não violência 02 1,3 34 21,5 130 82,3 07 4,4
Responsabilidade social 04 2,5 51 32,3 119 75,3 01 0,6
Desenvolvimento da psicologia 04 2,5 49 31,0 84 53,2 19 12
Acesso da psicologia 04 2,5 22 13,2 82 51,9 23 14,6
Dignidade da profissão 130 77,8 22 13,2 06 3,6 09 5,0
e liberdade, somente 1,3% dos psicólogos en clusão social não se pautou por saúde e qua
tendem que os argumentos e ações da psicó lidade de vida. Contudo, para 98,1% dos
loga C não se pautaram por esses valores. pesquisados, a psicóloga C orientou parcial
Contudo, para 98,1% dos respondentes, as mente ou no todo sua ação por tais valores.
justificativas e as respectivas práticas da psi Destes, 28% dos respondentes percebem pre
cóloga C se encontram devidamente guiadas ceitos de saúde e qualidade de vida nas prá
por tais preceitos éticos. Destes, 15,2% per ticas da psicóloga C. Outros 79,1% entendem
cebem que esses valores foram considerados que tais valores se encontram totalmente pre
em parte. Já para 82,9%, tais preceitos foram sentes nas ações da psicóloga C.
considerados na totalidade. Quando se reportaram a não discrimi
A respeito dos valores Saúde e qualidade nação e não violência, 1,3% dos psicólogos
de vida, apenas 1,3% entende que o direcio pesquisados observou que tais valores não
namento da psicóloga C no programa de in orientaram em nada a condução da psicó
296 Bastos, Guedes e colaboradores
loga C. De modo diametralmente oposto, pa dos entendem que a psicóloga C conside-
ra 94,3%, a psicóloga C guiou seus procedi rou em parte ou no todo esse valor. Destes,
mentos em parte ou no todo por esses valores. 21,5% dos entrevistados percebem o valor
Destes, 12% perceberam em parte tais va parcialmente. Já 57,6% dos sujeitos pes-
lores. Em complemento, 82,3% dos sujeitos quisados percebem que tal valor foi total
pesquisados percebem que tais valores orien mente considerado. Por fim, para 19% dos
taram totalmente as ações da psicóloga C. entrevistados, a pergunta não é pertinente
Em relação ao valor Responsabilidade social, ao caso.
2,5% dos investigados percebem os pro
cedimentos da psicóloga C não orientados por
esse valor. Contudo, para 96,8%, a psicóloga Discussão das relações entre valores
C orientou em parte ou no todo o seu com éticos e a atuação da psicóloga C em
portamento por esse valor. Destes, 21,5% per um programa de inclusão social
cebem que o referido valor foi contemplado
em parte. Já para 75,3% dos respondentes, As frequências das respostas atingidas
esse valor foi levado em conta totalmente pe- nesse caso tendem para compreensões de
la psicóloga C. parte expressiva dos psicólogos pesquisados
Em relação ao valor ético Desenvolvi de que cada um dos valores éticos está na
mento da psicologia, 2,5% dos pesquisados base dos argumentos e das decisões da psi
compreendem que a posição da psicóloga C cóloga C.
não se guiou por esse valor. Todavia, 85,5% Os valores éticos observados como mais
dos sujeitos pesquisados entendem que a presentes foram Igualdade e liberdade, de par
psicóloga C orientou em parte ou total cialmente (15,2%) a totalmente (82,9%); Não
mente sua prática por tal preceito. Destes, violência e não discriminação, de parcialmente
32,3% entendem que esse valor foi parcial (12%) a totalmente (82,3%); Saúde e quali
mente considerado. Já outros 53,2% com dade de vida, de parcialmente (79,1%) a total
preendem a presença desse valor na totali mente (28%) e Responsabilidade social, de
dade. Por último, para 12% a pergunta não parcialmente (21,5%) a totalmente (75,3%).
se aplica ao caso. Ao se levar em conta os significados confe
Quando se reportaram ao valor ético ridos a Igualdade, e liberdade (Ferreira, 2004;
Acesso da psicologia, 2,5% dos sujeitos pes Abbagnano, 2000), Não discriminação (adap
quisados percebem a conduta da psicóloga tado pelos autores de Ferreira, 2004), Não
C como não sendo orientada por esse valor. violência (Bock, Furtado e Teixeira, 1999),
Contudo, 82,9% dos pesquisados percebem Saúde (Dorsch, Hacker e Stapf, 2001), Qua
que a psicóloga C guiou em parte ou total lidade de vida (Nahas, 2004) e Responsa
mente seu comportamento por tal valor. bilidade social (Ferreira, 2004; Abbagnano,
Destes, 31% percebem esse valor como par 2000), e ao relacioná-los com os argumentos
cialmente considerado. Outros 51,9% en e as escolhas da psicóloga C, pode ser obser
tendem esse preceito como totalmente pre vado que a referida profissional pautou, de
sente. Por fim, para 14,6%, a questão não é modo significativo, suas ações pelos conceitos
pertinente ao caso. de igualdade (as crianças, com ou sem ne
Concluindo, ao se referirem ao valor cessidades especiais, possuem as mesmas ne
Dignidade da profissão, 1,9% dos pesqui cessidades), liberdade e não discriminação (a
sados – o que pode ser considerado pouco separação restringe suas chances de inclusão
significativo – compreende que a psicóloga C da sociedade), não violência (a inclusão social
não orientou sua conduta por esse valor éti diminui as chances de estigmatização), saúde
co. De outra forma, 79,1% dos entrevista- (necessitam sentir que são queridas, que po
O trabalho do psicólogo no Brasil 297
Tabela 13.4 Comparação entre as opções dos pesquisados de cada um dos sete preceitos éticos e os
Casos 1, 2 e 3
Caso 1 Caso 1 Caso 2 Caso 2 Caso 3 Caso 3
Preceitos éticos Nada/Não Parcialmente/ Nada/Não Parcialmente/ Nada/Não Parcialmente/
se aplica Totalmente se aplica Totalmente se aplica Totalmente
Igualdade/ 68/41%
122/57% 92/43% 98/59.1% 03/1.9% 155/98.1%
liberdade
Saúde/qualidade 41/24.6%
45/21.7% 162/78.2% 126/75.4% 03/1.9% 154/98.1%
de vida
Não discriminação/ 45/27.1%
131/63.9% 74/36.1% 121/72.8% 09/5.7% 149/94.3%
não violência
Responsabilidade 35/21.2%
92/45.4% 111/54.6% 130/78.8% 05/3.1% 153/96.8%
social
Desenvolvimento 33/19.8%
135/67.2% 66/32.9% 134/80.2% 23/14.5% 135/85.5%
da psicologia
Acesso da 32/19.5%
149/74.5% 51/25.5% 132/80.5% 27/17.1% 131/82.9%
psicologia
Dignidade da
128/64% 72/36% 139/82.8% 28/16.8% 33/20.9% 125/79.1%
profissão
Profissão
carreira
Grupos de Área de
estudo atuação
Conselho
Trabalho
profis-
sional Tarefas
Socie- Posições
PSICÓLOGO
dade teóricas
Colegas
Sindicato
Equipe
Chefias Organização
Clientes/
Usuários
Pode-se pensar, então, que o mundo do renciados entre áreas profissionais, aproxi-
trabalho configura-se em possibilidades de mando-se de alguns contextos, afastan-
desenvolvimento de vínculos. O psicólogo, do-se de outros, enfim, investindo energia
ao longo de sua vida no trabalho, faz esco- em direções que configuram a trajetória
lhas de áreas ou de domínios de atuação. profissional que se deseja construir. Nesse
Nesse percurso, podem-se observar prefe- sentido, na presente pesquisa, os focos de
rências e desenvolverem-se vínculos dife- comprometimento estudados foram a pro-
O trabalho do psicólogo no Brasil 305
Sentimento Desempenho
• Relação afetiva
• Dedicação
• Significado pessoal
• Empenho
• Investimento na qualificação
Normativo
Figura 14.3 Bases do comprometimento ocupacional, segundo Meyer, Allen e Smith (1993).
soais dos sujeitos. Os referidos autores in cólogos, o peso de fatores internos. Santos
formaram que o processo de escolha parece (1998) relatou pouca relevância dos fatores
ser o fator crucial para explicar o compro externos ao lado de elevada influência dos
metimento com a profissão em trabalha- fatores internos na escolha profissional de
dores de nível superior. Há profissionais de psicólogos, afirmando que estes sentem ter
nível superior cuja escolha foi conturbada e escolhido livremente a profissão, atribuindo
guiou-se, por exemplo, pela facilidade de pouco valor ao status, à remuneração e a
aprovação no vestibular ou por pressões per outros aspectos do mercado de trabalho.
cebidas no ambiente familiar. Nesses casos, Bastos (1997), com uma amostra de estu
observaram-se escores inferiores de compro dantes e profissionais de administração,
metimento com a profissão. também encontrou um maior peso atribuído
Alguns estudos discutem as decisões de aos fatores internos, embora a distância en
carreira agregando elementos que podem tre fatores internos e externos não tenha
ser relevantes para a compreensão do com sido tão acentuada quanto entre os psicó
prometimento com a profissão. Greenhaus logos, revelando traços de culturas profissio
(2003) distingue dois tipos de escolha pro nais diferenciadas. Resultados semelhantes
fissional: a) aqueles que tomam a decisão ali foram apresentados em outras pesquisas
cerçada em informações sobre si mesmo e (Carvalho et al., 1988; Krawulski e Patrício,
sobre o mundo do trabalho (chamando de 2005; Magalhães et al., 2001), em que os
grupo vigilante) e b) aqueles indivíduos que fatores internos apresentaram maior influên
tomam as suas decisões com o objetivo de cia. Nesses estudos, esses fatores foram des
minimizar a ansiedade e o medo. Moy e Lee critos como “busca da realização pessoal”,
(2002) defendem que as decisões de profissão “interesse em ajudar o próximo”, “construção
são baseadas nas vantagens ou desvantagens de conhecimento”, “busca de autoconheci
percebidas nos empregos de interesse dos in mento” e “sentimento de altruísmo”.
divíduos, a exemplo da proposta salarial e das As pesquisas também evidenciam a qua
condições de trabalho. Para as autoras, os re se ausência de aspirações financeiras asso
sultados dos processos de avaliação que cer ciadas à escolha da profissão, em contraste
cam a escolha profissional dependem, parti às motivações intrínsecas para obter os re
cularmente, da percepção da atratividade dos sultados de uma relação terapêutica com o
atributos dos empregos associados. paciente (Magalhães et al., 2001). Carvalho
Esse conjunto de estudos e reflexões po e colaboradores (1988, p. 55) sugeriram que
de ser sintetizado afirmando-se que o pro “as pessoas se mobilizam mais pelo prazer
cesso de escolha de uma profissão envolve de ser psicólogo, pelas possibilidades de au
uma diversidade de elementos que, todavia, toconhecimento, de conhecimento, de ajuda
podem ser vistos como integrando dois e de contato com o outro do que pelas con
grandes polos: fatores internos ou intrín dições em que o trabalho da psicologia é
secos e fatores externos ou extrínsecos. Os exercido”. Na literatura internacional, Lee
fatores internos incluem o autoconceito, a (2005) também encontrou resultados que
liberdade de escolha, os interesses e os va apontam os fatores internos como maiores
lores de trabalho. Os fatores externos re influenciadores no processo de escolha da
ferem-se, por exemplo, às características profissão para quase 67% da sua amostra
do mercado de trabalho, às pressões sociais de estudantes do curso de psicologia na
e familiares, à remuneração, entre outros. Coreia do Sul.
Apesar das diferenças ao tratar esses dois Um segundo tópico importante para a
conjuntos de fatores, alguns resultados de compreensão do comprometimento com a
pesquisa revelam, especialmente entre psi profissão refere-se às intenções comporta
O trabalho do psicólogo no Brasil 309
mentais de mudar ou permanecer no tra balho está relacionada a uma análise sub
balho, variável utilizada como critério em mui jetiva das recompensas e dos custos de di
tos estudos sobre comprometimento, com dife ferentes atributos de trabalho. Tais fatores
rentes focos. Como sabemos, comprometi podem influenciar a rotatividade dos profis
mento é um construto largamente utilizado sionais no contexto de trabalho, por meio
para predizer intenções de saída do trabalho, de seus efeitos nas atitudes de trabalho. No
da organização, do sindicato e das profissões. estudo realizado por Santos (1998) com psi
Carless e Bernath (2007) investigaram cólogos baianos, o comprometimento com a
os antecedentes da intenção de mudar de profissão revelou-se um preditor importante
carreira em uma amostra de 437 psicólogos de intenções de permanecer na profissão.
australianos. Os autores definiram mudança Essa mesma relação foi encontrada em rela-
de carreira como o movimento para uma ção à área de atuação profissional.
nova ocupação que não é parte de uma A apresentação dos resultados obtidos
progressão típica de carreira. Portanto, dis no presente estudo está estruturada em dois
tingue-se da mudança de emprego, que é o principais segmentos. No primeiro, focaliza-
movimento para um emprego similar ou -se o comprometimento com a profissão,
para um novo emprego dentro de uma tra considerando-se as suas bases afetiva e ins
jetória normal de carreira. Nesse trabalho, trumental. Após os dados descritivos bási
foi utilizado o modelo de comprometimento cos, é mostrado como os níveis de compro
desenvolvido por Carson e Bedeian (1994), metimento variam entre segmentos da amos
permitindo identificar várias correlações tra, com prioridade para a condição de in
entre as dimensões de comprometimento serção profissional, área de atuação e orien
previstas nesse modelo e intenções, além tação teórica; em seguida, são descritas as
de outras variáveis, tais como satisfação associações entre comprometimento, escolha
e características de personalidade. Carless da profissão e intenções futuras de mudança
e Bernath (2007) relataram que se mos em relação a essa. Conclui este primeiro seg
traram preditores importantes da intenção mento a apresentação dos padrões de com
de mudar de carreira somente a satisfação prometimento em relação à profissão que
no trabalho (b = –0,37; p < 0,001), o pla expressam como grupos de psicólogos se di
nejamento (b = –0,21; p < 0,001) e a resi ferenciam ao combinarem os vínculos afetivo
liência de carreira (b = –0,16; p < 0,001), e instrumental com a profissão. Esses pa
duas das dimensões do modelo de Carson e drões são caracterizados traçando-se um per
Bedeian (1994). Considerando as médias e fil do psicólogo que está em cada grupo ou
os desvios padrão como um todo, os autores padrão. O segundo segmento dos resultados
sugerem que, como grupo, os psicólogos toma como foco o comprometimento com a
mostraram escores elevados e similares de área de atuação profissional, seguindo a mes
identidade de carreira. ma estrutura do primeiro.
O modelo apresentado no trabalho de
Dam (2005) baseia-se nos estudos de Kelley
e Thibaut do final da década de 1970, para O comprometimento
os quais um relacionamento está estrutu com a profissão entre
rado por dois elementos: a satisfação e a psicólogos brasileiros
dependência. A autora aponta quatro fato
res básicos, são eles: recompensa, custos, O resultado mais geral revela que o
alternativas e investimento, contemplando comprometimento do psicólogo com a sua
a ideia de que a avaliação feita pelo indi profissão é bastante forte e, predominante
víduo (profissional) de sua trajetória de tra mente, apoiado em uma base afetiva e com
310 Bastos, Guedes e colaboradores
90,0
82,3
80,0
70,0
60,0 Afetivo
Instrumental
50,0
40,0 38,1
34,3
30,0
19,7
20,0
12,0
10,0 7,9
4,9
0,8
0,0
Baixo Modelo negativo Modelo positivo Elevado
Figura 14.4 Distribuição percentual de psicólogos por níveis de comprometimento afetivo e ins
trumental com a profissão.
O trabalho do psicólogo no Brasil 311
4,32
Nunca atuou
4,04
3,91
Já atuou, mas não atua mais
3,34
4,44
Atua somente em psicologia
3,64
0 1 2 3 4 5
Instrumental Ativo
Figura 14.5 Escores médios de comprometimento afetivo e instrumental com a profissão por con
dição de inserção profissional.
5,00
4,55
4,50 4,50
4,41 4,41
4,50
4,26 4,25
4,00
3,50
3,55 3,55 3,48
4,41 3,43 3,45
3,34
3,00
2,50
2,00
Afetivo profissão
Instrumental profissão
Figura 14.6 Escores médios de comprometimento afetivo e instrumental com a profissão por área
de atuação em que o psicólogo se insere.
áreas, especialmente com as áreas Social, co, privado, terceiro setor). Quanto à titu
Docência e Saúde, que apresentam maior lação, tanto o vínculo afetivo quanto o ins
comprometimento afetivo. A queda do vín trumental dos que possuem doutorado é
culo afetivo também é o que diferencia o pe maior do que o daqueles que possuem gra
queno grupo que atua na área Jurídica. duação. O comprometimento cresce à medi
A Figura 14.7 sintetiza os resultados que da que aumenta o tempo de formado, resul
comparam os níveis de comprometimentos tado coerente com a literatura. Essa relação
de base afetiva e instrumental en-tre catego é bem clara quando se toma o vínculo ins
rias de outras características da amostra es trumental; em relação ao afetivo, o grupo
tudada. com mais tempo de formado apresenta es
De um modo geral, os dados da Figura core ligeiramente menor que grupo de 11 a
14.7 revelam que as bases instrumental e 20 anos; ambos, no entanto, apresentam es
afetiva do comprometimento com a profis cores mais elevados que os grupos com me
são convivem sem diferenças significativas nor tempo de formado. Poucas diferenças
associadas às diversas variáveis utilizadas são encontradas, também, entre as orienta
para caracterizar a formação e atuação pro ções teórico-metodológicas adotadas pelos
fissional do psicólogo. Os níveis de compro psicólogos. O vínculo afetivo é ligeiramente
metimento praticamente não se alteram mais elevado entre os psicodramatistas, e
quando se comparam autônomos e assala o instrumental, entre os cognitivistas/com
riados em diferentes inserções (setor públi portamentais.
O trabalho do psicólogo no Brasil 313
Afetivo Instrumental
Figura 14.7 Escores médios de comprometimento afetivo e instrumental com a profissão por con
textos de trabalho, titulação, tempo de formado e orientação teórico-metodológica do psicólogo.
5,00
4,54
4,50 4,37
4,26
4,00
3,75
3,51 3,54 3,48
3,50 3,44
3,00
2,50
2,00
1,50
1,00
Baixo Moderado Alto Total
Figura 14.8 Escores médios de comprometimento afetivo e instrumental com a profissão por níveis
de percepção do status da profissão.
Escolha Profissão
Figura 14.9 Correlações entre fatores de escolha, comprometimento com a profissão e intenções de
mudança.
5,00
4,69
4,59
4,50
4,17
3,98
4,00
3,50
3,11
3,00 2,97
2,51
2,50
2,00 1,97
1,50
1,00
A+ I- (35,8%) A+ I+ (48,5%) A- I- (4,2%) A+- I+ (11,5%)
Figura 14.10 Escores médios das bases afetiva e instrumental em cada agrupamento de psicólogos
de acordo com perfis de comprometimento com a profissão.
316 Bastos, Guedes e colaboradores
Figura 14.11 Caracterização dos grupos de psicólogos com diferentes padrões de comprometimento
em termos de variáveis centrais da pesquisa.
80,0
74,9
70,0
60,0
50,0
40,0 Afetivo
35,8
30,8 Instrumental
30,0
21,4
20,0
15,7 1,97
12
10,0 7,9
1,5
0,0
Baixo Mod. negativo Mod. positivo Elevado
Figura 14.12 Distribuição percentual de psicólogos por níveis de comprometimento afetivo e ins
trumental com a área de atuação profissional.
5,00
4,43
4,50
4,26 4,18 4,22 4,29
4,17
3,95
4,00
3,55
3,50
3,32 3,34
3,24 3,24 3,30 3,17
3,00
2,50
2,00
Clínica Educacional Organizacional Docência Social Saúde Jurídica
Figura 14.13 Escores médios de comprometimento afetivo e instrumental com a área de atuação
profissional por áreas de atuação do psicólogo.
O trabalho do psicólogo no Brasil 319
Internos: 6,20 Internos: 6,20 Internos: 6,23 Internos: 6,05 Internos: 6,24
Escolha área Externos: 2,45 Externos: 2,74 Externos: 2,43 Externos: 2,68 Externos: 2,43
Trabalho: 2,33 Trabalho: 2,35 Trabalho: 2,23 Trabalho: 2,42 Trabalho: 2,46
Desejo de Área: 2,63 Área: 2,69 Área: 2,62 Área: 2,70 Área: 2,56
permanecer
Profissão: 2,90 Profissão: 2,81 Profissão: 2,86 Profissão: 2,89 Profissão: 2,89
Figura 14.14 Escores médios de escolha da área de atuação, percepção de status da profissão e
desejo de permanecer no trabalho, na área e na profissão, por área de atuação.
A escolha da área de atuação foi deter próximos os escores que indicam inten-
minada prioritariamente por fatores internos, ções de permanecer tanto no trabalho atual
com escores variando de 6,05 (docência) a quanto na área e na profissão. O desejo de
6,24 (educacional), em uma escala de sete mudar da área de atuação, caso que mais
pontos. O peso dos fatores externos variou interessa neste momento, é ligeiramente
entre 2,43 (saúde e educacional) e 2,74 (or maior (escores mais elevados sig-nificam in
ganizacional). Embora não sejam médias ele tenção de permanecer) entre os psicólogos
vadas, a tendência de que a área Organiza educacionais (X = 2,56) quando comparado
cional seja escolhida, mais do que as outras, com as áreas de docência (X = 2,70) e orga
em função de fatores externos é congruente nizacional (X = 2,69). Esse dado contradiz
com resultados da pesquisa desenvolvida por a tendência identificada por Bastos e cola
Santos (1998). boradores (1988) em relação aos psicólogos
A percepção do status na profissão en organizacionais, que se destacaram pela
tre os profissionais que atuam nessas dife maior inclinação ao abandono da sua área
rentes áreas também não varia significati de atuação. As correlações entre comprome
vamente, revelando uma percepção bastan timento afetivo e instrumental com a área
te homogênea da categoria em relação a es de atuação e as variáveis centrais do estu-
sa variável. Em todas as áreas, também são do (escolha da área e intenções de mudan
320 Bastos, Guedes e colaboradores
ça), considerando a amostra total e as prin internos têm uma correlação pequena, porém
cipais áreas de atuação, encontram-se na positiva, com comprometimento instrumental
Figura 14.15. apenas na amostra geral e na área da saúde
Observa-se uma correlação positiva mode (r = 0,238). Padrão inverso é encontrado na
rada entre os pesos dos fatores internos na relação entre o peso dos fatores externos na
escolha da área e o nível de comprometimento escolha da área e os níveis de comprome
afetivo, tanto na amostra geral quanto nas timento. Essa correlação é praticamente nula
amostras das áreas de atuação. Essa correlação com a base afetiva do comprometimento em
é mais forte na área educacional (r = 0,762), todas as áreas, e positiva e significativa com a
seguida da docência (r = 0,477). Os fatores base instrumental em todas as áreas, à exce
Amostra geral
Escolha interna x Comprometimento afetivo (r = ,367**) / Comprometimento instrumental (r = ,126**)
Escolha externa x Comprometimento afetivo (r = 0,055) / Comprometimento instrumental (r = ,156**)
Mudar de área x Escolha interna (r = –,260**) / Escolha externa (r = 0,79)
Mudar de área x Comprometimento afetivo (r = –,466**) / Comprometimento instrumental (r = –,175**)
Clínica
Escolha interna x Comprometimento afetivo (r = ,326**) / Comprometimento instrumental (r = 0,101)
Escolha externa x Comprometimento afetivo (r = –0,047) / Comprometimento instrumental (r = ,206**)
Mudar de área x Escolha interna (r = –,347**) / Escolha externa (r = 0,58)
Mudar de área x Comprometimento afetivo (r = –,549**) / Comprometimento instrumental (r = –,203**)
Organizacional
Escolha interna x Comprometimento afetivo (r = ,375**) / Comprometimento instrumental (r = 0,106**)
Escolha externa x Comprometimento afetivo (r = –0,077) / Comprometimento instrumental (r = ,246**)
Mudar de área x Escolha interna (r = –,249*) / Escolha externa (r = ,259)
Mudar de área x Comprometimento afetivo (r = –,342**) / Comprometimento instrumental (r = –,187**)
Saúde
Escolha interna x Comprometimento afetivo (r = ,312**) / Comprometimento instrumental (r = ,238*)
Escolha externa x Comprometimento afetivo (r = –0,079) / Comprometimento instrumental (r = ,104*)
Mudar de área x Escolha interna (r = –,376**) / Escolha externa (r = 0,69)
Mudar de área x Comprometimento afetivo (r = –,597**) / Comprometimento instrumental (r = -,348**)
Educacional
Escolha interna x Comprometimento afetivo (r = ,762**) / Comprometimento instrumental (r = 0,224)
Escolha externa x Comprometimento afetivo (r = –0,056) / Comprometimento instrumental (r = 0,230)
Mudar de área x Escolha interna (r = –,282) / Escolha externa (r = 0,291)
Mudar de área x Comprometimento afetivo (r = –,281) / Comprometimento instrumental (r = ,091)
Docência
Escolha interna x Comprometimento afetivo (r = ,477**) / Comprometimento instrumental (r = 0,095)
Escolha externa x Comprometimento afetivo (r = –0,067) / Comprometimento instrumental (r = ,309)
Mudar de área x Escolha interna (r = –,162) / Escolha externa (r = –,140)
Mudar de área x Comprometimento afetivo (r = –,603**) / Comprometimento instrumental (r = –,420**)
*. significante a 0.05 / **. significante a 0.01
Figura 14.15 Correlações entre fatores de escolha, comprometimento com a área de atuação pro
fissional e intenção de mudança de área.
O trabalho do psicólogo no Brasil 321
ção da educacional (possivelmente pelo bai cia, que apresenta uma correlação negativa,
xo número de casos, neste subgrupo). Tais embora não significativa estatisticamente.
dados confirmam a expectativa teórica de Finalmente, a relação entre comprome
uma relação entre natureza da escolha e tipo timento e intenções de mudar de área de
de vínculo desenvolvido pelo psicólogo, tam atuação segue o padrão esperado a partir
bém em relação à sua área de atuação pro da base teórica. Com exceção da área edu
fissional. cacional (possivelmente devido ao reduzido
Um padrão similar se encontra entre os número de casos), quanto maior o compro
fatores de escolha e intenção de mudar de metimento afetivo instrumental, menor a
área. Quanto mais forte o peso dos fatores intenção de pertencer. No entanto, essa cor
internos, menor a intenção de mudar de área relação é sempre mais forte e significativa
(correlações moderadas e significativas para a quando se trata de um vínculo afetivo.
amostra geral e para as áreas clínica, saúde, Concluindo a apresentação dos resulta
organizacional; para área educacional e do dos em relação à área de atuação, os dados
cência as correlações não foram estatistica da Figura 14.16 descrevem os subgrupos que
mente significativas). Por outro lado, o peso emergiram da análise de cluster, revelan-
de fatores externos na escolha da área tem do padrões distintos de articulação entre as
associação fraca, levemente positiva para a duas bases do comprometimento. Assim co
amostra total e para as áreas, em geral. No mo no vínculo com a profissão, a maior par-
caso da área organizacional tal correlação po te dos participantes apresentou escores ele
sitiva é mais robusta e estatisticamente signi vados e similares em ambas as bases do com
ficativa. Foge a esse padrão a área de docên prometimento com a área de atuação pro
5,00
4,62
4,50
4,50
4,01
4,00
3,67
3,50
3,00
3,00 2,92
2,50 2,31
2,00 1,81
1,50
1,00
Figura 14.16 Escores médios das bases afetiva e instrumental em cada agrupamento de psicólogos
de acordo com perfis de comprometimento com a área de atuação profissional.
322 Bastos, Guedes e colaboradores
fissional (A+ I+ = 48,6%), revelando que a timento instrumental com a área de atuação
dedicação à sua área de atuação deve-se a (A+– I+ = 12,8%). Tal perfil sugere que estes
razões tanto afetivas quanto instrumentais. psicólogos atuam em determinada área pro
Outra parcela importante dos psicólogos fissional mais por razões contingenciais e de
mostrou acentuada diferença entre os es- percepção de falta de alternativas de carreira
cores das bases de comprometimento, com do que por um desejo de investir em deter
predomínio da afetiva sobre a instrumental minada especialidade. Uma parcela ainda
(A+ I– = 30,2%). Esse perfil caracteriza um menor da amostra revelou escores baixos em
vínculo positivo com a área de atuação, que ambas as medidas de comprometimento, evi
provavelmente foi escolhida com base em denciando fraca vinculação com a sua área de
fatores motivacionais internos, e indica que atuação profissional. (A– I– = 8,4%).
uma mudança de área de atuação não é per Convém, contudo, verificar a distribui
cebida como muito difícil ou custosa a ponto ção desses diferentes perfis de comprome
de restringir alternativas de carreira. timento entre as áreas em que atuam os psi
Um segmento menor dos participantes cólogos. Tais dados, para as áreas com maior
mostrou escores médios de comprometimento número de participantes na pesquisa, encon
afetivo e escores mais elevados de comprome tram-se na Figura 14.17.
60,0
53,9
54,0
49,4
48,9
50,0
37,5
40,0
34,9
32,1
28,1
27,2
26,3
30,0
21,9
16,3
20,0
12,5
12,3
12,0
9,5
10,0
7,8
7,6
6,2
1,5
0,0
Atua em clínica Atua em educacional Atua em organizacional Atua em docência Atua em saúde
Figura 14.17 Percentual de psicólogos com diferentes padrões de comprometimento com a sua
área por área em que atua profissionalmente.
dos pelo escore elevado da base afetiva, en comportamentais de permanecer no traba
contram-se quase 90% dos psicólogos que lho, na área e na profissão. Esse conjunto
atuam na docência, percentual que cai para de dados volta-se, portanto, para nos for
65,6% entre os psicólogos educacionais. necer elementos que contribuam para com
Os dois padrões seguintes (P3 e P4) re preender a dinâmica interna no campo
velam vínculos mais frágeis, quer em ambas profissional da psicologia.
as bases, quer por apresentarem um vínculo Alguns resultados obtidos podem ser
instrumental que supera o afetivo. A área edu destacados a título de conclusão:
cacional, nesse caso, destaca-se pela maior 1. O comprometimento afetivo é signi
presença desses padrões de comprometimen ficativamente mais intenso tanto com a pro
to, comparativamente às demais áreas. Um fissão quanto com a área de atuação quando
pouco mais de 1/5 desses psicólogos está no comparado ao vínculo instrumental. Espe
P4, em oposição à saúde, área na qual en cialmente em relação ao comprometimento
contram-se apenas 1,6% dos casos. A área com a profissão, há uma forte identificação
organizacional também diferencia-se por um entre o psicólogo e a sua profissão, que deve
percentual ligeiramente mais alto de pessoas cumprir um papel importante na construção
que estão nela atuando com vínculo mais ins da sua autoimagem, levando-o a sentir-se
trumental do que afetivo. No entanto, saúde e orgulhoso por pertencer a essa categoria
educação diferenciam-se, comparativamente, ocupacional. O vínculo instrumental, calcado
com os mais elevados percentuais de psicó em uma avaliação dos custos associados a
logos duplamente descomprometidos com a abandonar a profissão ou a área de atuação,
sua área de atuação (P3 em torno de 12% revela-se bem mais fraco, sendo apenas mo
nessas duas áreas). deradamente positivo quando se consideram
os escores gerais da amostra estudada.
2. O vínculo com a profissão não só é
ConclusÃO mais forte como também mais homogêneo
na amostra como um todo. Não se encon
O presente capítulo tomou como obje- tram diferenças significativas quando se to
to de análise o comprometimento do psi- mam muitas das variáveis pessoais, de for
cólogo com sua profissão e com sua área mação, de titulação e de atuação do psicó
de atuação profissional. Apoiado em pou- logo. Quando se tomam os comprometimen
cos estudos anteriormente desenvolvidos, tos com a área de atuação, no entanto, já se
o trabalho buscou não apenas identificar a verifica maior variabilidade entre segmentos
intensidade do comprometimento, toman da amostra, especialmente quando se trata
do-o como um construto unidimensional, do vínculo instrumental. Há maior diver
como também fundamentou-se no modelo sidade entre os vários segmentos que inte
desenvolvido por Meyer, Allen e Smith gram o grupo ocupacional e podem ser per
(1993), escolhendo duas bases que diferen cebidas algumas diferenças entre as pró
ciam o tipo de vínculo de comprometimento prias áreas de atuação do psicólogo.
possível – afetivo e instrumental. O modelo 3. O estudo revelou, adicionalmente, em
de análise, todavia, incorporou alguns ou congruência com o que já se encontrara
tros construtos importantes. A escolha da com outros grupos ocupacionais, que o psi
profissão e da área de atuação foi tomada cólogo combina as bases afetiva e instru
como o principal preditor dos níveis de mental de diferentes formas. Disto surgem
comprometimento. Além disso, buscou-se diferentes perfis ou padrões de comprome
verificar a associação entre os tipos e os timento tanto com a profissão quanto com a
níveis de comprometimento com intenções área de atuação. Os grupos de psicólogos
324 Bastos, Guedes e colaboradores
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15
Bem-estar subjetivo do psicólogo
Questões acerca da estrutura dos afetos mesmo com os afetos negativos, contri
têm intrigado os pesquisadores ao longo de buindo para formar duas categorias dis
décadas e se tornaram fundamentais para tintas, mas interdependentes. Ao defender
a compreensão das emoções. Embora o es suas ideias acerca de saúde mental, o autor
tudo de emoções discretas e até o reconhe entende que ela poderia ser reconhecida
cimento de que existem emoções básicas em pessoas que mantêm uma maior fre
sejam importantes, quando as formas de quência de experiências afetivas positivas
sua estruturação são analisadas e descri- sobre as negativas. A essa diferença entre a
tas cientificamente, parece haver maiores vivência dos afetos positivos e negativos
avanços para a compreensão da natureza Bradburn denominou balanço emocional:
da emoção. Por exemplo, as várias emoções na medida em que o balanço for positivo,
agradáveis, tais como a alegria e o orgu- segundo o autor, existiriam maiores evidên
lho, são experimentadas geralmente em cias de bem-estar e, portanto, maior possi
conjunto, e as desagradáveis, como raiva bilidade de saúde mental.
e ansiedade, tendem também a ter uma Mais recentemente, recorrendo à cha
ocorrência simultânea. As explicações teó mada feita por Maslow, em 1954, para uma
ricas para a estrutura dos afetos e da co- Psicologia Positiva e uma agenda de pesquisa
ocorrência das emoções são ainda pontos por ele elaborada em que constavam con
de fortes divergências entre os teóricos ceitos considerados centrais, como cresci
(Brief e Weiss, 2002; Diener, 1999). mento, autossacrifício, amor, otimismo, es
Uma tentativa pioneira para delimitar pontaneidade, coragem, aceitação, contenta
um arcabouço teórico acerca dessa estrutu mento, humildade, realização do potencial,
ra foi proposta por Bradburn (1969) na entre outros, Wright (2003) sugere que os
defesa da existência de dois agrupamentos: estudos acerca da saúde do trabalhador deve
o dos afetos positivos e o dos afetos nega riam se basear nas suposições de Fredrickson
tivos. Para esse autor, os afetos positivos (1998; 2000; 2001) sobre o papel exercido
teriam episódio simultâneo, ocorrendo o por emoções positivas na otimização da saú
328 Bastos, Guedes e colaboradores
não envolvem, necessariamente, elementos tém cinco dimensões que, juntas, indicam o
de prosperidade econômica (Diener et al., grau de bom funcionamento da vida social
1999). Parece existir, portanto, uma repre do individuo com vizinhos, colegas de tra
sentação mental (cognitiva) sobre a vida balho e com outros cidadãos. Esse autor
pessoal, organizada e armazenada subjeti entende que os indivíduos socialmente sau
vamente, sobre a qual pesquisadores pro dáveis veem o mundo em torno deles como
curam obter informações quando solicitam previsível, significativo e cheio de potencial
às pessoas relatos sobre ela. a ser desenvolvido. Eles se veem perten
O segundo modelo teórico acerca de centes a um grupo maior, aceitam os outros
bem-estar foi proposto por Ryff (1989). e sentem que suas contribuições ao grupo
Enquanto o bem-estar subjetivo se sustenta são valorizadas. As cinco dimensões de
em avaliações de satisfações com a vida e em bem-estar social permitem identificar dois
um balanço entre afetos positivos e nega grandes agrupamentos entre elas: enquanto
tivos, as concepções teóricas de bem-estar integração social e contribuição social refle
psicológico (BEP) foram construídas com ba tem autoavaliações e crenças acerca da con
ses em teorias psicológicas acerca do desen sistência alcançada pelo indivíduo nas inte
volvimento humano, e suas seis dimensões rações com a comunidade, do seu valor pes
descrevem capacidades para enfrentar positi soal como membro dela e de identificação
vamente os desafios da vida. Tomando como como seu integrante, as outras três dimen
referenciais concepções teóricas que permi sões – aceitação social, atualização social e
tiam delas abstrair visões distintas do funcio coerência social – descrevem percepções in
namento psicológico positivo, Ryff elaborou dividuais positivas sobre a natureza huma
uma proposta integradora ao formular um na, o futuro da sociedade e das instituições,
modelo de seis componentes de BEP, reorga bem como o reconhecimento de que os
nizado e reformulado posteriormente por acontecimentos no mundo são passíveis de
Ryff e Keyes (1995). entendimento e de significado, tendo a so
Bem-estar social, terceiro modelo teó ciedade uma organização que permite o
rico, foi proposto por Keyes (1998) e con crescimento e o desenvolvimento social.
330 Bastos, Guedes e colaboradores
Satisfação Envolvimento
no trabalho com o trabalho
Bem-estar
no trabalho
Comprometimento
organizacional afetivo
geral, sem especificar os contextos. Por outro que permitiu realizar diversas análises. Uma
lado, o modelo de bem-estar social e o mo descrição mais detalhada do método e dos
delo de bem-estar no trabalho dão conta, instrumentos utilizados no estudo encon
respectivamente, das concepções individuais tram-se nos Apêndices 1 e 2.
acerca do contexto social ou dos vínculos
que se estabelece no ambiente de trabalho.
Este capítulo tem por objetivo descrever O BEM-ESTAR SUBJETIVO
e discutir a configuração do bem-estar sub DOS PSICÓLOGOS
jetivo em uma amostra de psicólogos brasi
leiros. Portanto, será dada forte ênfase à A configuração do BES dos psicólogos
configuração das experiências afetivas vi contém informações descritivas de duas
venciadas e relatadas por psicólogos. dimensões desse conceito – satisfação geral
Participaram do estudo 471 psicólogos, com a vida (componente cognitivo de BES)
a maioria constituída por mulheres, com e afetos positivos e afetos negativos (compo
idade média de 35,92 anos (DP=10,77). Os nente emocional de BES) – como também
dados foram coletados por meio de ques do balanço emocional (diferença entre afe
tionário eletrônico contendo escalas brasi tos positivos e negativos).
leiras validadas para aferir as duas dimen A Tabela 15.1 mostra médias levemente
sões de BES – Escala de Satisfação Geral superiores ao ponto médio da escala de res
com a Vida e Escala de Ânimo Positivo e postas (ponto médio = 3) para satisfação ge
Negativo. Um conjunto de afirmativas se ral com a vida (3,61) e afetos positivos
guidas de respostas escalares foi elaborado (3,55) e valores abaixo do ponto médio
para avaliar cognições sobre a profissão. para afetos negativos (1,92). Quando essas
Questões complementares levantaram da médias foram comparadas ao ponto médio
dos pessoais e profissionais. Os dados foram da escala de respostas igual a 3, foram ob
tratados por meio do Statistical Package for tidos valores de t significativos (p<0,01)
Social Science (SPSS, versão 16.0), software para todas as dimensões de BES.
Tabela 15.1 Escores médios e desvios padrão das dimensões de bem-estar subjetivo (BES) e valores de t.
Desvios Escala de
Dimensões de BES Médias Valores de t
padrão resposta
Satisfação geral com a vida 3,61 0,57 1a5 23,147**
Afetos positivos 3,55 0,56 1a5 21,434**
Afetos negativos 1,92 0,57 1a5 -38,254**
** p<0,01
O quadro geral do BES não revela altos são de estudos realizados em alguns países,
índices, mas pode-se reconhecer que há, en esses autores informaram que pesquisas
tre os psicólogos, uma leve predisposição a com amplas amostras realizadas nos Estados
se sentir feliz. As duas avaliações contidas Unidos identificaram 89% dos americanos
no BES – satisfação com a vida e intensidade como pessoas que se julgavam felizes, en
de vivência de afetos positivos e negativos – quanto outro estudo com outra amostra
correspondem ao que, popularmente, deno americana, cobrindo o período de 1946 a
mina-se de felicidade, segundo Diener e 1989, também apontou índices positivos de
Diener (1996). Ao apresentarem uma revi BES. Outros estudos mostraram que as pes
332 Bastos, Guedes e colaboradores
soas geralmente estão satisfeitas com aspec suas vidas são provenientes do tratamento
tos específicos da vida, tais como saúde, fi recebido das pessoas em geral (4,18), do re
nanças e amizade. Estudos que avaliaram lacionamento com os familiares (4,15), da
pessoas economicamente carentes ou porta quilo que já conseguiram realizar em suas
doras de deficiências físicas (tetraplégicos, vidas (3,97) e da sua vida afetiva (3,74).
cegos e portadores de lesão na medula es Os participantes revelaram um padrão bas
pinal) também revelaram resultados positi tante semelhante de satisfação com o tra
vos de BES. balho atual (3,67), com as obrigações diá
rias (3,67), com aquilo que o futuro lhes
reserva (3,63), com a sua capacidade de fa
Satisfação geral com a vida – zer coisas que querem e com a sua aparên
componente cognitivo de BES cia física (3,60) e com a sua disposição afe
tiva (3,52). Os menores escores médios de
A Figura 15.2 apresenta os escores mé satisfação foram os relativos aos aspectos
dios dos psicólogos em cada um dos 15 econômicos de suas vidas, ou seja, à dispo
itens da Escala de Satisfação Geral com a nibilidade de dinheiro para suprir suas ne
Vida (ESGV), componente cognitivo de BES. cessidades (2,94) e ao padrão de vida atual
Ao se realizar a análise de diferença entre o (3,11), bem como ao tempo para descan-
escore médio do item e o ponto médio da so (3,29) e àquilo que fazem para se dis-
escala de respostas (valor = 3), foram iden trair (3,39).
tificadas diferenças significativas (p<0,01) Sendo um componente cognitivo de BES,
para 14 dos 15 itens, excluindo-se o refe as avaliações realizadas sobre vários aspectos
rente a “com o dinheiro que disponho para da vida permitem que os indivíduos exami
suprir minhas necessidades”, cujo escore nem algumas condições em que vivem, deem
médio (2,94) revelou-se sem diferença sig um peso de importância a essas condições
nificativa do ponto médio. e, então, considerem se estão satisfeitos ou
Conforme o julgamento dos psicólogos, insatisfeitos com a vida em geral (Diener,
as quatro maiores satisfações obtidas em Scollon e Lucas, 2003).
Dinheiro
para
necessidades 2,94
Padrão
de
vida
atual 3,11
Tempo
para
descansar 3,29
Coisas
de
faço
para
me
distrair 3,39
Disposição
física 3,52
Aparência
física 3,6
Capacidade
de
fazer
o
que
quero 3,6
Futuro
me
reserva 3,63
Obrigações
diárias 3,65
Trabalho
atual 3,67
Roupa que
posso
comprar 3,72
Vida
afetiva 3,74
Realizações
em
toda
minha vida
3,97
Relações
com
minha
família
4,15
Pessoas me
tratam
4,18
0
0,5
1
1,5 2
2,5 3 3,5 4 4,5
Embora existam evidências, produzidas julgados como aquilo que menos satisfação
por estudos, de que julgamentos e avaliações lhes proporciona em suas vidas, posicionan
sobre a vida podem ser influenciados pelo do-se os psicólogos como “nem satisfeitos
estado de ânimo em que o indivíduo se en nem insatisfeitos” perante eles. Adicional
contra, há também evidências de que tais mente, esses profissionais consideraram que
julgamentos apresentam estabilidade ao lon o seu padrão de vida atual, bem como o tem
go do tempo. Trata-se de um procedimento po de que dispõem para descansar e as op
psicológico que se insere no âmbito das cog ções que têm para se distrair são outras três
nições, sendo realizado por meio de proces condições de vida com as quais há pouca
samento de informações. Como é uma tarefa satisfação, com uma tendência à indiferença
mental difícil de ser realizada, são escolhidos em relação a elas. Essas condições de vida,
atalhos variados para realizar esse trabalho. julgadas como as que menos satisfações des
Para tanto, as pessoas recorrem a lembranças pertam, poderiam ser o que torna os profis
ou informações que são mais simples e fáceis sionais de psicologia predispostos a se distan
de serem recuperadas na memória. As pes ciarem de um estado de completo bem-estar
soas podem também basear seu julgamento subjetivo ou de felicidade.
de satisfação com a vida em alguns domínios
dela, especialmente os que são muito impor
tantes e cujas informações são facilmente re Afetos positivos e negativos –
cuperadas quando são solicitados a julgar componente emocional de BES
sua satisfação geral com a vida (Diener, Scol
lon e Lucas, 2003). A Figura 15.3 apresenta os escores mé
Quando se examinam os resultados dios relativos à intensidade com que os psi
apresentados pelos psicólogos ao julgarem cólogos relataram vivenciar afetos positivos.
o quanto estavam satisfeitos com suas vidas, Esses escores foram calculados com base em
pode-se reconhecer que os seus julgamentos suas respostas a cinco afetos positivos con
priorizaram as relações afetivas, no ambien tidos na Escala de Ânimo Positivo e Nega
te familiar, nos contatos sociais com as pes tivo (EAPN).
soas em geral ou na vida afetiva mais ín Os profissionais de psicologia revelaram
tima. Assim, seria possível considerar que que se sentem, com maior intensidade, bem
um domínio da vida mais valorizado pelos (3,74), seguido de felizes (3,60), contentes
psicólogos seria aquele que abarca as rela (3,52), animados (3,48) e satisfeitos (3,44).
ções afetivas, os laços e os vínculos fami Ao se comparar os escores médios dos
liares, bem como o tratamento recebido afetos positivos com o ponto médio da esca
das pessoas com as quais esses profissionais la de respostas (valor =3), foram obtidos
interagem socialmente. Provavelmente, es para todos eles valores de t significativos
se domínio de vida – relações afetivas, vín (p<0,01). Portanto, os afetos positivos fo
culos familiares e tratamento social – seja ram julgados como tendo uma intensidade
um importante componente não somente significativamente superior ao ponto médio
para servir de referência para os julgamen da escala de respostas, sugerindo que os
tos dos psicólogos acerca de sua satisfação psicólogos são predispostos a vivenciarem
com a vida em geral como também um im afetos positivos com intensidades que ten
portante elemento cognitivo que sustenta dem a níveis positivos.
sua felicidade. Sendo o bem-estar subjetivo reconhecido
Por outro lado, os recursos econômicos de como um estado psicológico em que a afeti
que dispõem e com os quais psicólogos aten vidade, ou seja, a presença de afetos posi
dem suas necessidades do dia a dia foram tivos contribui significativamente para mol
334 Bastos, Guedes e colaboradores
Satisfeito 3,44
Animado 3,48
Contente 3,52
Feliz 3,6
Bem 3,74
dar esse quadro psicológico saudável, torna- Retornando aos resultados obtidos quan
se pertinente recorrer às formulações de al do se configurou o BES dos psicólogos, pa
guns estudiosos acerca do papel que as emo rece adequado considerar esses profissionais
ções positivas desempenham na saúde e no como indivíduos felizes, visto que eles têm
bem-estar dos indivíduos. uma avaliação satisfatória de diversos as
Para Fredrickson (2001), a sua teoria pectos de sua vida e, ao mesmo tempo, ti
acerca de emoções positivas assenta-se nas veram oportunidades de vivenciar uma in
seguintes suposições: tensidade relativamente alta de emoções
• As emoções positivas servem como in positivas. Sendo assim, esses profissionais
dicadores para o entendimento do flo mantêm dentro de si algumas das condições
rescimento de pessoas, comunidades e afetivas postuladas por Fredrickson para
sociedade, missão postulada por Selig florescerem e serem protegidos de distúr
man e Csikszentmihalyi (2000) para a bios psicológicos que se sustentam em emo
psicologia positiva. ções negativas e desencadeiam doenças co
• Momentos em que o indivíduo viven mo estresse, ansiedade e depressão.
cia emoções positivas – felicidade, in A Figura 15.4 contém os escores médios
teresse, contentamento e amor – são dos oito afetos negativos organizados confor
momentos em que ele está imunizado me o relato dos psicólogos quanto à inten
para emoções negativas – ansiedade, sidade com que eles foram vivenciados. Com
raiva, irritabilidade e desespero. maior intensidade eles se sentiram irritados
• Emoções positivas não somente indi (2,16), seguido de angustiados (2,07), des
cam florescimento, mas principalmen motivados (2,04), desanimados (2,00), cha
te produzem o florescimento: elas não teados (1,92), nervosos (1,87), tristes (1,75)
são um fim em si mesmas, mas uma e deprimidos (1,51). As comparações desses
condição necessária para alcançar o escores médios com o ponto médio da escala
crescimento psicológico e manter o es de respostas (valor = 3) por meio do teste t
tado de bem-estar por longo tempo. produziram valores de diferenças significa
O trabalho do psicólogo no Brasil 335
tivas (p < 0,01) para todos os afetos nega gativos podem ser consideradas diferentes
tivos. Portanto, as intensidades com que os do ponto médio (“mais ou menos”), tenden
psicólogos relataram vivenciar os afetos ne do a pouca intensidade.
Deprimido 1,51
Triste 1,75
Nervoso 1,87
Chateado 1,92
Desanimado 2
Desmotivado 2,04
Angustiado 2,07
Irritado 2,16
500
450
400
350
300
250
200
150
100
50
0
Balanço emocional positivo Balanço emocional negativo Balanço emocional neutro
Tabela 15.2 Médias e desvios padrão do balanço emocional para os três grupos.
Grupo No Médias Desvios padrão
Balanço emocional positivo (AP > AN) 429 1,86 0,82
Balança emocional negativo (AP < AN) 39 -0,71 0,52
Balanço emocional neutro (AP = AN) 3 0,00 0,00
Nota: AP = afetos positivos; AN = afetos negativos
*
Emprega-se a grafia da palavra burnout conforme utilizada pelo Ministério da Saúde do Brasil (2001).
O trabalho do psicólogo no Brasil 339
mente ser generalizado para muitas ocupa Maslach, Schaufeli e Leiter (2001), evitando
ções, mas o componente de despersonali tal possibilidade de interpretação incorreta,
zação (específico da síndrome) só se mani asseveram que a síndrome se caracteriza
festa em profissões de serviços humanos. pelos três componentes, sendo a exaustão
A Portaria 1.399/99 do Ministério da emocional o componente do estresse na sín
Saúde (Brasil, 2001), que inclui a síndrome drome. Assim, a exaustão emocional é o
de burnout ou síndrome do esgotamento critério necessário para o diagnóstico da
profissional na lista dos transtornos mentais síndrome de burnout, mas insuficiente, de
e do comportamento relacionados ao traba vendo ser acompanhado dos demais compo
lho, define-a como um tipo de resposta pro nentes. Segundo esses autores, a síndrome
longada a estressores emocionais e interpes estaria relacionada a uma sobrecarga emo
soais crônicos no trabalho. cional e pode ser entendida como um pro
cesso sequencial que passa pelos três com
(...) O trabalhador, que antes era muito en ponentes: iniciaria com a exaustão emo
volvido afetivamente com seus clientes, com
cional decorrente da relação com o traba
os seus pacientes ou com o trabalho em si,
desgasta-se e, em dado momento, desis-
lho, levando ao desenvolvimento de atitu
te, perde a energia ou se “queima” comple- des negativas com relação ao cliente e ter
tamente. O trabalhador perde o sentido de minando com o sentimento de baixa rea
sua relação com o trabalho, desinteressa-se lização no trabalho como uma das conse
e qualquer esforço lhe parece inútil (Brasil, quências das percepções negativas que se
p. 191). estabelecem nas relações daí decorrentes.
Codo (1999), com base em pesquisa
Identificam-se, na história clínica dos realizada com 38.000 trabalhadores de edu
portadores de burnout, grande envolvimen cação, considerou, também, a exaustão emo
to com o trabalho, sentimento de desgaste cional como central na caracterização da
emocional e esvaziamento afetivo (exaustão síndrome de burnout. Propõe sua ocorrência
emocional), queixa de reação negativa, in a partir da ruptura afeto-trabalho, em que,
sensibilidade ou afastamento excessivo do de um lado, o afeto se impõe como condição
público que deveria receber seus serviços ou e necessidade para o desempenho do tra
cuidados (despersonalização) e queixa de balho e, de outro, a organização do trabalho
sentimento de diminuição da competência e não favorece a sua expressão de forma sa
do sucesso no trabalho. Entre cuidadores, a tisfatória. Como consequência, a exaustão
prevalência dessa síndrome é associada ao emocional se acompanha de sintomas físi
paradoxo que experimentam, pois precisam cos, emocionais e relacionados ao próprio
estabelecer vínculo afetivo com aqueles a trabalho; a despersonalização e a baixa rea
quem prestam seus cuidados e, cotidiana lização no trabalho surgem como formas
mente, rompem esses vínculos por se tra- alternativas de resposta ao sofrimento de
tar de uma relação profissional mediada corrente da exaustão, enquanto uma desis
por normas, horários, turnos, transferências, tência simbólica eliminando o outro ou a
óbitos, etc. (Codo, 1999). si mesmo.
Maslach e Jackson (1986) considera Maslach, Schaufeli e Leiter (2001), rea
ram o sentimento de exaustão emocional gindo ao crescimento de influência da pers
como o elemento mais importante e central pectiva que se designa de Psicologia Positiva
da síndrome de burnout. Isso não significa, (Seligman e Csikszentmihalyi, 2000) – cuja
porém que os seus dois outros componentes intenção é enfatizar aspectos, estados e pro
(despersonalização e baixa realização pes cessos de construção da saúde e/ou do
soal) seriam acidentais ou desnecessários. bem-estar, das virtudes, das habilidades, das
344 Bastos, Guedes e colaboradores
Com relação à inserção profissional, cons entanto, é importante estar atento às obser
tatou-se uma maioria com duas inserções pro vações de alguns autores, como Vasques-
fissionais, sendo que 58,13% faziam trabalho Menezes (2005), de que um nível moderado
autônomo e, entre os empregados, a maioria de cada um dos componentes já é conside
trabalhava em empresas públicas (42,95%). rado preocupante sob o ponto de vista epi
Quanto à renda, a média da distribuição es demiológico, suscitando intervenção devido
tava entre 7 e 9 salários-mínimos, com grande ao processo já se encontrar em curso.
participação na renda familiar (31,01% parti
cipam de 91 a 100%).
Em suma, entre os psicólogos respon APRESENTANDO E DISCUTINDO
dentes à escala de burnout, a maioria foi de OS RESULTADOS: A SÍNDROME
mulheres jovens, que concluíram seus cur De burnout ENTRE
sos de graduação em instituições privadas PSICÓLOGOS BRASILEiROS
nos últimos 5 anos, tinham formação em
nível de pós-graduação (lato sensu) na área Os psicólogos brasileiros
da Psicologia e trabalhavam principalmente e a ocorrência da síndrome
como autônomas. Em geral, possuíam mais
de uma inserção profissional e apresenta Para responder à primeira questão nor
vam vínculos principalmente com empresas teadora específica de pesquisa – Que escores
públicas. A renda mensal era oriunda espe os psicólogos apresentam em cada com-
cialmente do trabalho como psicólogo e va ponente da síndrome de burnout (exaustão
riava entre 3 e 12 salários-mínimos. A maior emocional, despersonalização e redução da
participação dos respondentes foi da cidade realização pessoal)? – levantou-se a quanti
de São Paulo. O perfil da amostra referente dade de psicólogos por nível (alto, moderado
ao estudo da síndrome de burnout corres e baixo) em cada componente da síndrome
ponde, de modo geral, ao perfil da amostra de burnout (Figura 16.1). Os resultados in
do conjunto do estudo, apresentado no ca dicam que nas duas primeiras dimensões –
pítulo específico. A coleta de dados, da mes exaustão emocional e despersonalização – os
ma forma que na pesquisa mais ampla, psicólogos participantes estão mais distribuí
desenvolveu-se através de questionários es dos entre os três níveis do que na terceira
truturados e eletrônicos, respondidos pela dimensão (redução da realização pessoal).
internet. Portanto, para respondê-los era No componente exaustão emocional, ob
necessário que o participante contasse com serva-se uma tendência para escores mais
acesso ao referido meio de comunicação e elevados do que em despersonalização. Cons
fosse regularmente credenciado de modo tata-se um número significativo de partici
regular ao seu conselho profissional. pantes (165) com elevada exaustão emocio
Os participantes responderam ao MBI nal, o que corresponde a 35,80% da amostra.
(Maslach Burnout Inventory, versão adapta Ao se acrescentar aqueles com moderada
da e validada pelo Laboratório de Psicologia exaustão emocional, encontra-se um percen
do Trabalho da Universidade de Brasília – tual de 76,10%, o que corresponde 3/4 dos
LPT/UNB) (Codo, 1999). Para fins de com participantes. A exaustão emocional é o ele
preensão dos resultados apresentados e ana mento mais importante, mas não suficien-
lisados a seguir, é importante retomar que te para o diagnóstico da síndrome de burnout
a síndrome de burnout se caracteriza pela ou que pode ser considerada como o com
combinação de alta exaustão emocional, alta ponente inicial para a instalação da síndro
despersonalização e alta redução da realiza me, levando ao desenvolvimento de atitudes
ção pessoal no trabalho (Maslach, 1986). No negativas com relação aos clientes e a um
O trabalho do psicólogo no Brasil 347
77,70%
90,00%
80,00%
70,00%
60,00%
40,80%
40,30%
50,00% Baixo
37,10%
35,80%
Moderado
40,00%
23,90%
Alto
22,10%
22,10%
30,00%
20,00%
0,20%
10,00%
0,00%
Exaustão emocional Despersonalização Redução da realização
pessoal
Figura 16.1 Distribuição da amostra por níveis em cada fator da síndrome de burnout.
mas de tal participante devem estar pro As demais configurações reúnem 55,1%
vavelmente inseridos em outro contexto dos participantes – portanto, o conjunto ma
ou em outro tipo de transtorno de saúde joritário de configurações – e representam
psíquica. a ausência da síndrome. Assim, na Tabela
A mesma apreciação se pode aplicar a 16.3, é importante observar que 65 partici
configurações como as de número 10 e 11, pantes (configuração 18) apresentam nível
em que apenas o nível de despersonalização baixo nos três componentes da síndrome, o
é alto. As configurações de 7 a 9 represen que indica a total ausência da mesma. E as
tam situações em que os psicólogos, apesar configurações de 15 a 17 combinam nível
de conviverem com alto nível de exaustão baixo em dois componentes, com nível mo
emocional, estão lidando com o estresse de derado em apenas um desses. Tais configu
forma a não desenvolver a síndrome de rações também se aproximam muito da au
burnout. De qualquer forma, é preciso assi sência da síndrome, sendo, por isso, impor
nalar que a configuração sete, mais que as tante destacar que, dessas configurações, a
outras duas, pode estar representando uma de número 15 é apresentada por 71 partici
maior probabilidade para a instalação da pantes. Ela se caracteriza por nível mode
síndrome, já que o nível de despersonali rado em exaustão emocional e nível baixo
zação é moderado. nos dois outros componentes.
geral, o primeiro componente da síndro análise dos dados, cruzaram-se algumas va
me a se instalar –, mas com alta realiza riáveis assinaladas pela literatura como asso
ção pessoal no trabalho e moderada ou ciadas com os níveis apresentados para os três
baixa despersonalização; componentes. Apresentam-se, a seguir, aque
– 6,5% (configuração 5) dos partici las que apontaram relações estatisticamente
pantes apresentam alta exaustão emo significativas: sexo, faixa etária, faixa de ren
cional e alta despersonalização, com da, tempo de formado, formação de pós-gra
pensadas, no entanto, por alta reali duação e participação na renda familiar.
zação pessoal no trabalho; Encontrou-se uma diferença significa
– 4,7% (configurações 10 e 11) revelam tiva entre as médias em exaustão emocional
alta despersonalização, componente por sexo, em que as mulheres apresentam mé
característico da síndrome, compen dia mais elevada (t = 2,03 para p = 0,043) no
sada, também, pela alta realização componente exaustão emocional. Esse resul
pessoal no trabalho; tado indica que as mulheres tendem a sentir-
- 37% da amostra (configurações 15 a se mais emocionalmente exaustas pelo tra
18) não revela sinais que possam si balho e talvez esteja associado ao fato de que
nalizar o desenvolvimento da síndro elas tendem a vivenciar demandas muito
me de burnout. diferenciadas além das do exercício profis-
sional. Tal dado deve ser interpretado com
Em síntese, os resultados indicam que cuidado, visto o predomínio de mulheres
os psicólogos têm apresentado menos a (84,38%) na amostra.
síndrome de burnout que outros profissionais Observou-se também que quando os par
em atividade de serviços e de cuidados hu ticipantes da amostra são mulheres diminui
manos. Constata-se que a realização pessoal a probabilidade de apresentarem uma das
no trabalho se apresenta como um compo configurações leves ou saudáveis e aumenta
nente que minimiza as consequências da a probabilidade de apresentarem as configu
exaustão emocional (uma espécie de imu rações referentes à síndrome estabelecida e
nizador) e está relacionada à natureza do as configurações polarizadas (qui-quadrado
trabalho, ao reconhecimento da profissão na de Pearson = 6,36 para p = 0,04).
sociedade, entre outros fatores. Em referência à idade dos participantes
da amostra, estimaram-se os coeficientes de
correlação (de Pearson) entre elas e os escores
A síndrome de burnout e obtidos nos fatores da síndrome. Observam-se
características sócio- correlações significativas com os escores nos
Ocupacionais e demográficas fatores de exaustão emocional (r = –0,10 para
dos psicólogos p = 0,02) e de redução da realização pessoal
(r = 0,11 para p = 0,02), ambas de magnitu
Compete, além do que já foi exposto, de pequena e sendo a primeira inversamente
analisar como a ocorrência das referidas proporcional. Apresentam-se as Figuras 16.2,
configurações e o nível de cada componente 16.3 e 16.4 para expressar a relação entre fai
se associam ou não às características sócio- xa etária e escores nos componentes da sín
-ocupacionais e demográficas, buscando, as drome de burnout.
sim, responder à terceira questão específica Na Figura 16.2, observa-se que os esco
de pesquisa: Que características sociode res em exaustão emocional quase não variam
mográficas e ocupacionais dos psicólogos se entre as três primeiras faixas etárias da clas
relacionam com os índices de burnout apre sificação, desenhando uma linha levemente
sentados? Para fins de complementação da ascendente (aproximadamente horizontal).
O trabalho do psicólogo no Brasil 351
Entre a terceira e quarta faixa etária ocorre, tre essas faixas etárias. A correlação total é
em contrapartida, uma queda acentuada dos de pequena magnitude porque tal correla
escores, o que justifica a correlação negativa, ção negativa é tão alta que compensa e ul
porém de pequena magnitude, pois a cor trapassa o intervalo (maior) em que a corre
relação negativa, na realidade, só existe en lação é positiva e menor.
2,75
2,70
Exaustão emocional (média)
2,65
2,60
2,55
2,50
2,45
A Figura 16.3, que relaciona os escores personalização, mas o mesmo não ocorre
em despersonalização com a faixa etária, com a redução da realização pessoal que,
desenha uma linha descendente com incli ao contrário, aumenta, sinalizando uma me
nação relativamente proporcional até a ter nor realização no trabalho.
ceira faixa etária, a partir de onde a incli De acordo com a faixa de renda mensal,
nação muda. Por isso, a correlação não é constaram-se diferenças significativas em
significativa. relação aos três componentes da síndrome
Na Figura 16.4, que relaciona os esco de burnout, demonstrando a importância da
res no fator redução da realização pessoal, renda mensal na determinação da ocorrên
observa-se que há mais de um ciclo de cres cia dos três componentes da síndrome. Ve
cimento e queda dos escores por faixa etá rificam-se médias mais altas em exaustão
ria. No entanto, o crescimento acentuado emocional e em despersonalização entre os
entre as duas últimas faixas etárias deter participantes que recebem entre 3 e 12 sa
minou correlação estatisticamente significa lários-mínimos, que são em maior número e
tiva. Os três gráficos são indicativos de que contribuem com maior participação na ren
a relação entre as idade e os fatores da sín da familiar. A redução da realização pessoal
drome não é linear. Além disso, pode-se no trabalho apresenta médias mais altas en
constatar que, de uma maneira geral, o tre os de maior renda, isso corrobora o en
avanço da idade contribui para diminuir a tendimento de que este é um fator relevante
percepção de exaustão emocional e de des para tal. Assim, a exaustão emocional e a
352 Bastos, Guedes e colaboradores
1,90
Despersonalização (média)
1,85
1,80
1,75
1,70
5,50
Redução de realização pessoal (média)
5,45
5,40
5,35
5,30
5,25
5,20
despersonalização são maiores entre aque logo estar inserido no setor público ou não,
les com maior participação na renda fami no setor privado ou não, em setores sem
liar, sugerindo a possibilidade de jornadas fins lucrativos ou não, trabalhar como autô
mais longas em uma ou mais inserções pro nomo ou não. Observou-se, em referência
fissionais. ao fator despersonalização, que aqueles que
Foi aplicado o teste t visando examinar trabalham no setor privado tendem a apre
se as médias diferiam pelo fato de o psicó sentar índices mais elevados do que os de
O trabalho do psicólogo no Brasil 353
mais (t = 3,4 para p = 0,001), ocorrendo o in drome de burnout é uma alteração psíquica
verso com aqueles que trabalham em seto- cuja gênese está na relação do ser humano
res sem fins lucrativos (t = 2,02 para p = 0,04). com o trabalho, portanto, implica assumir o
Pode-se questionar a associação de tal fator nexo mútuo entre trabalho e saúde psíquica.
com a cultura organizacional em que o tra E ainda, que é necessário entender o con
balhador se insere. texto no qual o trabalho é desenvolvido e a
Em referência ao componente redução relação de cada trabalhador com esse con
da realização pessoal, constatou-se que aque texto para compreender o processo de adoe
les que trabalham em organizações sem fins cimento no trabalho.
lucrativos e no setor autônomo e de consul Com relação ao perfil dos participantes
toria tendem a sofrer mais redução da reali desse estudo, foram, predominantemente,
zação pessoal que os demais. Tomando a psicólogas jovens, residentes nas maiores
inserção no setor público, privado e sem fins capitais brasileiras, que cursaram univer
lucrativos como situação de emprego, com sidades privadas nos últimos cinco anos,
param-se as médias nos três componentes com formação em pós-graduação lato sensu
contrapondo estar na situação de trabalho na área da Psicologia e que trabalham co
com vínculo empregatício ou de autônomo. mo autônomas, ganhando entre 3 e 12 sa
Observou-se, então, que aqueles que estão lários-mínimos.
na situação de trabalho com vínculo em- O instrumento utilizado apresentou ade
pregatício sentem mais exaustão emocional quada consistência interna. No entanto, cabe
(t = 2,0 para p = 0,04). ressaltar que como se trata de um instru
Os resultados aqui encontrados sugerem mento autoaplicável, os seus resultados po
que, mais que a área do setor de serviços dem expressar muito mais as expectativas
em que se trabalha (saúde, educação, etc.), idealizadas sobre o exercício profissional do
a situação de emprego aumenta a proba que o cotidiano vivenciado. Tal observação,
bilidade de a síndrome de burnout se desen não significa deixar de considerar como váli
volver. Tal ocorrência encontra apoio na dos os resultados, mas cabe assinalar que a
literatura que explica o desenvolvimento da interpretação dos dados deve ser cautelosa.
síndrome baseado em vários aspectos do No que diz respeito às questões que
trabalho (volume e qualidade da carga de nortearam o desenvolvimento da pesquisa,
trabalho, conflitos entre valores declarados os dados revelam ausência da síndrome de
e aplicados, etc.), sobre os quais, na situa burnout entre psicólogos conforme a amos
ção de emprego é possível que o psicólogo tra que participou deste estudo. A síndrome
tenha menos controle e que aponta a orga consiste em escores elevados nos seus três
nização do trabalho como determinante na componentes (exaustão emocional, desper
saúde psíquica (Jacques, 2007; Sato, 2003; sonalização e redução da realização pessoal
Seligmann-Silva, 1994). Não se encontra no trabalho). No entanto, constatam-se com
ram relações significativas no cruzamento binações de escores altos e moderados nos
dos resultados considerando as demais va três componentes em 18% dos participan-
riáveis sociodemográficas e ocupacionais tes. Conforme Vasquez-Menezes (2003), es
mencionadas anteriormente. cores moderados já devem ser considera-
dos sinais de alerta. Fortalecendo essa ideia,
lembra-se de que os psicólogos, em decor
CONCLUSÃO rência do ideário humanístico da profissão,
valorizando os comportamentos de ajuda,
Convém reafirmar que o pressuposto podem resistir a admitir a alta frequência de
que fundamentou o estudo é o de que a sín certos sintomas.
354 Bastos, Guedes e colaboradores
Com relação a cada um dos componen Gil-Monte e Peiró (1997) escrevem so
tes que constituem a síndrome de burnout, bre o desencadeamento da síndrome de
destaque deve ser dado ao número de par- burnout a partir do desenvolvimento de
ticipantes que revelam alta e moderada sentimentos de baixa realização no trabalho
exaustão emocional. É importante retomar em paralelo com sentimentos de alta exaus
as observações de Maslach, Schaufeli e Lei tão emocional. Publicações mais recentes
ter (2001), que identificam a exaustão emo de Maslach têm compartilhado dessa posi
cional como o componente associado ao ção. Assim, a ausência de redução na reali
estresse. Se, de um lado, a elevada exaustão zação pessoal no trabalho se apresenta co
emocional pode significar o início sequen mo um fator inibidor ao desenvolvimento
cial para o desenvolvimento posterior da da síndrome e esta é a principal caracte
síndrome de burnout como o apontado por rística da amostra.
alguns autores (Maslach e Jackson, 1986; Algumas configurações a partir da com
Codo, 1999), de outro, não se pode deixar binação de diferentes graus dos compo
de registrar que esta é uma vivência expe nentes da síndrome apontam que os escores
rimentada de modo geral no mundo con em redução da realização pessoal no tra
temporâneo, tendo em vista as transforma balho são os menos abalados. Tal fato pode
ções introduzidas no contexto global e, par estar expressando a tendência de tais com
ticularmente, no mundo do trabalho. ponentes serem os últimos afetados. Mas
A presença de índices mais elevados de lach, Schaufeli e Leiter (2001) apontam que
exaustão emocional entre aqueles que pos com relação às características dos partici
suem vínculo empregatício sinaliza para pantes do estudo e às suas relações com os
as transformações introduzidas nos contex índices de burnout levantados, constatou-se
tos de trabalho em que a prorrogação da escores mais elevados de exaustão emo
jornada, inclusive através da tecnologia ou cional em mulheres. Tal fato vem ao encon
da disposição subjetiva, é mais frequente. tro do papel social feminino que deman-
Também, a presença de maior exaustão da um conjunto de obrigações e jornadas
emocional entre os psicólogos de maior exaustivas de atividades diversificadas. Com
renda pode estar sinalizando na mesma di relação às faixas etárias, verificou-se uma
reção de jornadas mais longas e/ou de mais relação não linear, embora hoje uma ten
de uma inserção profissional. dência à redução dos índices dos diferentes
A exaustão emocional não está se ex componentes com a idade, incluindo uma
pressando no mesmo grau em que os auto menor realização com o trabalho.
res qualificam de despersonalização (maior Verificou-se maiores índices de des-
número de participantes com índices baixos personalização entre psicólogos que traba
de despersonalização e número mais res lham em empresas privadas e índices mais
trito com índices altos, se comparados com baixos entre aqueles que exercem suas ati
os índices de exaustão emocional) que re vidades em empresas sem fins lucrati-
presenta respostas negativas em relação às vos. Tal relação é indicativa de uma pos
pessoas com quem se trabalha. O número sível reprodução do imaginário dominante
de psicólogos com baixa despersonalização nas empresas privadas. Ainda é entre tra
corresponde a cerca de 1/3 da amostra, balhadores com vínculo empregatício que
justamente no componente que entra em a exaustão emocional se encontra mais ele
desacordo com a relação humanizadora es vada, o que, de algum modo, reproduz os
perada do psicólogo e, portanto, mais difícil modelos de organização e gestão do tra
de admitir como presente por se contrapor balho no contexto atual que demandam al
ao ideário da profissão. ta sobrecarga.
O trabalho do psicólogo no Brasil 355
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358 Bastos, Guedes e colaboradores
os aprendizes desses CHAs precisariam con- que os retém por um breve período de tem-
tar com uma hipotética estrutura de memó- po. Nesse período, os dados são “repetidos”
ria chamada “sistema de processamento de ou “escutados internamente”, de modo a se-
informações”. Tal sistema incluiria subestru- rem melhor relembrados e para que sejam
turas e processos representados pela Figura mais facilmente codificados e armazenados
17.1, que foi proposta por Gagné (1975) e na memória de longo prazo. Nessa memória,
será brevemente apresentada nos próximos as informações serão codificadas, isto é, se-
parágrafos com base no que foi descrito por rão transformadas em organizações que fa-
Borges-Andrade (1982). zem sentido para o aprendiz. Não se trata de
O modelo de processamento de informa- um mero empilhamento de dados, pois isso
ções propõe que o ambiente provê os estímu- seria um mau uso da estrutura com um sério
los captados pelos receptores (olhos, ouvidos, risco de perda dos mesmos ou de esqueci-
receptores proprioceptivos, etc.). Esses estí- mento. O que ocorre é uma organização se-
mulos são brevemente retidos pelos registros mântica que relaciona os dados recém-che-
sensoriais, que os transformam em sínteses gados com as informações previamente ad-
ou padrões de informação reconhecíveis para quiridas e as classifica em níveis hierárquicos
serem enviados à memória de curto prazo, e em conjuntos e subconjuntos.
AMBIENTE
Receptores Efetuadores
Esquecimento
Memória de curto prazo
por exemplo, a maneira pela qual o indivíduo alização da medida de impacto em uma or-
percebe os estímulos do início do fluxo, trans- ganização pública brasileira.
fere CHAs para seu contexto ou interpreta a Colquitt, LePine e Noe (2000) busca-
retroalimentação que segue suas ações. As ex- ram desenvolver uma teoria que integrasse
pectativas ainda podem ter um papel muito os resultados das pesquisas que encontra-
importante ao determinar o que será esqueci- ram em um estudo metanalítico. Apresenta-
do. Serão evidentemente fortalecidas se o ram evidências de que a motivação para
aprendiz constatar confirmação sobre o alcan- aprender é influenciada por variáveis indi-
ce de metas formuladas, especialmente se viduais tais como aptidão cognitiva, autoefi-
participou dessa formulação. Tal processo de cácia, ansiedade, conscienciosidade, locus
criação e confirmação estaria intimamente re- de controle interno, envolvimento com o
lacionado à motivação para aprender. trabalho, comprometimento organizacional,
Motivação para aprender pode ser defi- gênero, tempo de serviço e idade, esta últi-
nida como a direção, o esforço, a intensida- ma estando negativamente associada à mo-
de e a persistência do engajamento dos in- tivação. Ainda relataram evidências de rela-
divíduos em atividades voltadas para apren- ções com variáveis contextuais, tais como
dizagem (Abbad e Borges-Andrade, 2004). planejamento de carreira, clima organiza-
O conceito de motivação, como precondição cional para transferência de aprendizagem,
para a aprendizagem, possui uma série de liberdade de escolha de treinamentos na or-
definições que podem ser encontradas em ganização, suporte gerencial e de colegas de
textos como os de Noe (1986) e de Colquitt, trabalho, ausência de barreiras situacionais
LePine e Noe (2000), que o consideram ao desempenho e presença de um sistema
multifacetado. Demonstrações de entusias- de recompensas baseado em necessidades
mo, interesse e esforço por adquirir novos de crescimento pessoal.
conhecimentos e habilidades no trabalho Esse leque de variáveis foi ampliado por
são evidências desse processo. Quase sem- Cheng e Ho (2001), que encontraram rela-
pre ele é investigado em situações de ensino ções positivas entre motivação para apren-
ou de aprendizagem induzida. Salas e Can- der e comprometimento com a carreira, e
non-Bowers (2001), por exemplo, tratam por Ribeiro, Borges-Andrade e Marciano
de forma praticamente equivalente esse ter- (2005), que relataram evidências de que a
mo e o termo motivação para treinamento. motivação para aprender pode variar subs-
Em sua revisão da literatura, esses au- tancialmente em função das naturezas da
tores relatam diversas pesquisas em que fi- formação profissional e das atividades reali-
caram evidentes os efeitos de motivação zadas em uma ocupação. A literatura sobre
para aprender na aquisição e na retenção motivação para aprender no trabalho tem
de habilidades em TD&E e na prontidão sido muito restrita e limitada no que tange
para aplicar tais habilidades no trabalho. à investigação das variáveis ocupacionais
Posteriormente, Cole, Feild e Harris (2004) que podem ser a elas associadas, exceto por
relataram correlações positivas entre moti- este último estudo. Prioridade foi dada para
vação para aprender e satisfação com trei- buscar explicações no próprio indivíduo
namentos realizados. Sallorenzo (2000) en- para compreender seu processo de motiva-
controu que motivação para aprender é um ção para aprender.
importante preditor de impacto de treina- Noe e Schmitt (1986) e Colquitt e Sim-
mentos no trabalho medido logo após esses mering (1998) sugeriram que esse processo
treinamentos, embora essa importância seja deveria ser examinado sob a perspectiva da
reduzida com o alargamento do período de teoria de expectância de Vroom (1964), que
tempo entre o final dos treinamentos e a re- está fundamentada na noção de que o indi-
364 Bastos, Guedes e colaboradores
“mais importante”. Análises estatísticas fo- cia de CHAs (Gagné, 1975). Desse modo, al-
ram feitas em duas amostras para cada me- guém que fosse promover essa indução de
dida, demonstraram estabilidade da medida aprendizagem deveria:
e os coeficientes de fidedignidade (alpha de • Criar expectativas de sucesso ou mo-
Cronbach) alcançaram valores entre 0,85 e tivar para aprender.
0,90. O escore da medida de cada um des- • Informar os objetivos ao aprendiz.
ses três componentes é calculado pela mé- • Dirigir a atenção do aprendiz.
dia aritmética dos seus itens e o escore de • Provocar a lembrança de pré-requisitos.
motivação por meio da expectância é obtido • Apresentar o material de estímulo.
pelo cálculo do produto desses três escores. • Prover orientação de aprendizagem.
O modelo da Figura 17.1 sugere uma se- • Ampliar o contexto da aprendizagem
quência de processos cognitivos que ocorre- por meio de situações ou exemplos
riam no momento em que as pessoas apren- novos.
dem. Se fosse possível colocar aqueles pro- • Programar ocasiões de prática, visan-
cessos em uma sequência simples e linear, do repetir o desempenho aprendido.
que tivesse início e fim, tudo começaria com • Provocar o desempenho.
(1) expectativas ou motivação do indivíduo, • Prover retroalimentação, confirman-
que determinariam a (2) atenção e a percep- do ou corrigindo o desempenho.
ção seletiva que ele utilizaria para decidir que
aspectos do seu ambiente seriam efetivamen- Nem sempre todos os eventos instrucio-
te transformados em informações. Essas se- nais seriam necessários e aplicáveis ou deve-
riam (3) repassadas à memória de curto pra- riam ser seguidos nessa ordem. No planeja-
zo e depois (4) codificadas e (5) armazenadas mento sistemático do ensino, esses eventos
na memória de longo prazo. Isso garantiria a podem ser ferramentas úteis para ativar,
aquisição dos CHAs e sua manutenção, mas manter, melhorar ou facilitar os processos
não seu uso no trabalho. Para tanto, outros cognitivos envolvidos na aprendizagem. Sua
dois processos cognitivos deveriam ocorrer utilização adequada transforma-se em um mé-
nas estruturas cognitivas: (6) transferência e todo eficiente para a aquisição dos CHAs espe-
(7) recuperação. Como resultado dos mes- rados. Entretanto, as pessoas podem aprender,
mos, o indivíduo poderia realizar a (8) orga- inclusive no trabalho, sem que tais procedi-
nização de seu desempenho e o emitiria no mentos indutivos sejam utilizados.
ambiente que, por sua vez, poderia prover Quando uma aprendizagem denomina-
retroalimentação e, consequentemente, (9) da “não induzida” ou “natural” ocorre, ela
reforçamento do referido desempenho. As- depende fundamentalmente de dois proces-
sim, a motivação para aprender teria um pa- sos: motivação para aprender, já discutida
pel fundamental no início desses processos. nesta seção, e uso de estratégias de apren-
Além disso, toda essa sequência poderia ser dizagem que possam controlar o fluxo re-
controlada pelo próprio aprendiz, por meio presentado na Figura 17.1, que será discuti-
do uso de estratégias de aprendizagem, como do na próxima seção. Sabe-se muito sobre
será discutido mais adiante. os eventos instrucionais que podem ser uti-
Aqueles processos cognitivos podem ocor lizados no ensino. Pouco é conhecido sobre
rer simultaneamente e em sequências diferen- esses dois processos associados à aprendiza-
tes das apresentadas no modelo. Contudo, gem natural no trabalho, apesar do impor-
esse ordenamento sugere uma sequência de tante papel desta em momentos de intensa
eventos instrucionais que podem ser levados transformação nas ocupações e nas organi-
em conta no planejamento de atividades de zações, como ocorreu no início do século
ensino, para facilitar a aquisição e transferên XXI. Considerando o que foi discutido em
366 Bastos, Guedes e colaboradores
capítulos anteriores deste livro, está claro tes do seu contexto. Por último, o próprio
que o campo profissional da psicologia é um aprendiz mesmo “recompensaria” ou “puni-
dos que está submetido a intensa transfor- ria” seu desempenho, em vez de deixar isso
mação. Se mais conhecimento é produzido a cargo dessas pessoas. Na maioria das ve-
sobre como os profissionais desse campo zes, a autodeterminação de consequências
aprendem no trabalho, provavelmente será levaria a um controle executivo de melhor ní-
mais fácil refletir sobre perspectivas futuras, vel quando comparada às consequências ad-
tal como será feito nos próximos capítulos. O vindas do ambiente do aprendiz. Contudo,
modelo proposto na Figura 17.1 e os dados nem sempre o aprendiz seria capaz de fazer
de pesquisa anteriormente apresentados su- isso ou poderia ter padrões de desempenho
gerem que a motivação para aprender tem inapropriados no segundo estágio. Alguns au-
papel determinante na aquisição e transfe- tores preferem denominar essas capacidades
rência de CHAs. Portanto, conhecer mais so- de “estratégias de aprendizagem” e incluem a
bre ela passa a ser muito importante para descrição desses estágios como somente um
melhor compreender o profissional que atu- caso entre os muitos tipos de estratégias.
almente se depara com o campo de atuação Essas estratégias foram descritas por
da psicologia em franca e rápida mudança. Rigney (1978) como operações e procedi-
mentos cognitivos utilizados para adquirir,
reter e recuperar diferentes tipos de conhe-
Estratégias de cimento e desempenho. Gagné (1980) as
aprendizagem no trabalho considerou como capacidades internamen-
te organizadas que orientam a aprendiza-
O controle executivo, representado na gem e que, quando desenvolvidas, quali-
parte inferior da Figura17.1 e anteriormen- ficam o indivíduo como autoaprendiz. Se-
te mencionado, envolve capacidades apren- gundo Warr e Bunce (1995), estratégias de
didas pelo indivíduo em longos períodos aprendizagem são atividades de processa-
de tempo. Por exemplo, durante um curso mento de informações, usadas pelos aprendi-
de graduação ou de pós-graduação ou no zes no momento da codificação, a fim de fa-
desenvolvimento de uma carreira profissio- cilitar a aquisição, a armazenagem e a subse-
nal. Essa aquisição é supostamente inde- quente recuperação da informação aprendi-
pendente de qualquer conteúdo ou área es- da. Variariam muito entre indivíduos e para
pecífica de conhecimento. Por meio dessas um mesmo indivíduo em diferentes situa-
capacidades, o aprendiz pode regular os ções. Esses autores limitaram o seu conceito
seus diferentes processos cognitivos, como a estratégias cognitivas relativas a atividades
codificar, armazenar, lembrar e transferir internas. Isto é, não observáveis por tercei-
as informações. ros, embora geralmente relatadas pelas pes-
Bandura (1977 e 1986) usou a denomi- soas se estimuladas para tal. Até o final do
nação “autorregulação” para fazer referência século XX, tais estratégias tinham sido inten-
ao controle executivo. Este incluiria três es- samente estudadas em contextos de ensino,
tágios. Em primeiro lugar, o aprendiz se en- mas sua investigação em contextos de traba-
gajaria na observação de seu próprio desem- lho era escassa e pouco sistematizada. O
penho, levando em conta aspectos como conceito foi ampliado, para incluir ativida-
quantidade, qualidade e originalidade. De- des manifestas e encobertas que apresentam
pois, emitiria um julgamento de valor com variação entre indivíduos e ambientes de
base em padrões construídos por ele mesmo aprendizagem e que são úteis para otimizar
ou adquiridos pela observação ou pela troca os processos de aprendizagem humana no
de informações com outras pessoas relevan- trabalho (Warr e Downing, 2000).
O trabalho do psicólogo no Brasil 367
dências psicométricas para uma estrutura brasileiras, Pantoja (2004) incluiu novos
composta de seis dimensões, incluídas em itens e desenvolveu e validou outro instru-
somente dois constructos de segunda or- mento de medida com trabalhadores de
dem, operacionalizados como se segue: uma diversidade de ocupações e de organi-
zações do Brasil. Tais ocupações incluíram
uma ampla variedade de categorias profis-
Estratégias cognitivas sionais brasileiras que em seu trabalho fa-
zem uso intensivo ou reduzido de tecnolo-
1. Reprodução: Atividade de repetir para gia e utilizam alta ou baixa interação com
si mesmo as informações que estão sendo outros seres humanos. Esses trabalhadores
adquiridas. Não envolve reflexão sobre o ma- responderam a uma escala onde 1 significa-
terial nem sua alteração ou a visão de como va “nunca faço” e 10, “faço sempre”, depois
ele poderia estar relacionado a outro mate- de instruídos a pensar no que faziam para
rial. O ponto principal é a repetição central aprender no trabalho quando não tinham
ou a cópia das informações, usualmente da treinamentos. Essa autora, a partir de várias
mesma forma como foram apresentadas. análises fatoriais, obteve indicadores psico-
2. Reflexão intrínseca: Atividade de iden métricos mais adequados que aqueles dos
tificar elementos centrais componentes das estudos anteriores e encontrou somente cin-
ações de trabalho, bem como criar esquemas co dimensões, sendo quatro similares às an-
mentais que agrupam e relacionam tais ele- teriores – reprodução, reflexão extrínseca,
mentos constituintes. buscas de ajuda interpessoal e em material
3. Reflexão extrínseca: Atividade de iden- escrito – e uma quinta que agregou os itens
tificar implicações e conexões possíveis entre relativos a reflexão intrínseca e a aplicação
as diferentes partes componentes do sistema prática1. Seu instrumento, denominado EAT,
intra e extraorganizacional, visando integrá- ficou reduzido a 30 itens. As estratégias au-
-las às ações de trabalho. torreguladoras propostas por Warr e Allan
(1998) continuaram excluídas desse instru-
mento de medida nacional.
Estratégias comportamentais Em uma revisão da literatura internacio-
nal da área, Pantoja (2004) indicou que a
1. Busca de ajuda interpessoal: Atividade ocorrência de estratégias de aprendizagem
de buscar o auxílio de outras pessoas, como geralmente está associada a variáveis indivi-
pares, supervisores, clientes, fornecedores, duais (idade, gênero, escolaridade, orien
para o entendimento sobre o material a ser tação e ansiedade para aprender, formação
aprendido, indo além do recebimento roti- recebida e tempo de experiência de traba-
neiro da instrução. lho), variáveis de organização do trabalho
2. Busca de ajuda em material escrito: (graus de interação, de autonomia, de criati-
Atividade de localizar e identificar informa- vidade, de complexidade e de interdepen-
ções em documentos, manuais, programas dência, exigência de aprendizagem contínua
de computador e outras fontes não sociais. das tarefas e uso de tecnologia no trabalho)
3. Aplicação prática: Atividade de tentar e variáveis contextuais (cultura organizacio-
colocar em prática os próprios conhecimen- nal de aprendizagem contínua e suporte à
tos enquanto estes estão sendo adquiridos. transferência de aprendizagem no trabalho).
Tomando por base esses resultados e No que concerne à motivação para aprender,
outros posteriormente obtidos por Zerbini e ela foi relatada como preditora de estratégias
Abbad (2003) e por Pantoja, Borges-Andra- de aprendizagem cognitivas e comportamen-
de e Ribeiro (2003) com diversas ocupações tais (Warr e Bunce, 1995) e de reflexão ativa
O trabalho do psicólogo no Brasil 369
Motivação
para aprender
no trabalho
Foi representada
por duas bases
Motivação Motivação
voltada para voltada para
a organização a carreira
As bases foram
obtidas por meio da
multiplicação entre
Figura 17.2 Representação gráfica do cálculo dos fatores da MAT – motivação para aprender no
trabalho, nesse estudo.
372 Bastos, Guedes e colaboradores
Feitos esses cálculos, as médias aritmé- carreira, do que por razões organizacionais
ticas dessas medidas foram comparadas e (Figura 17.3). Isso é, aqueles valores sociais
correlacionadas com as demais variáveis associados à imagem idealizada de uma
por meio das análises estatísticas e de crité- ocupação autônoma parecem ser mais for-
rios já mencionados nesta seção. Os partici- tes para motivar esses profissionais da psi-
pantes da amostra são mais motivados para cologia a aprender no trabalho.
aprendizagem no trabalho, por razões de
7,0
6,31
6,0
5,0
4,0
3,14
3,0
2,0
1,0
0,0
Carreira Organização
Será mais difícil para suas organizações é, cada uma delas compartilha cerca de 37%
de trabalho (quando existirem) convencer da variância da outra e, desse modo, há es-
essas pessoas sobre a necessidade de fazer paço suficiente para desenhar diferentes ce-
treinamentos ou de se envolver em ativida- nários de empregabilidade com plena possi-
des de desenvolvimento pessoal, se tais bilidade de aprendizagem bem motivada, o
eventos ou necessidades não forem percebi- que é discutido em capítulo posterior deste
dos como potencialmente capazes de forta- livro.
lecer carreiras pessoais. Entretanto, nem A escala EAT (estratégias de aprendiza-
tudo está perdido em uma visão individua- gem no trabalho) possui 30 itens respondi-
lista e nem isso deve ser pensado como uma dos em uma escala de 10 pontos, com anco-
barreira intransponível para os que vislum- ragem em 1 (nunca faço) a 10 (sempre fa
bram oportunidades de institucionalização ço). O respondente é solicitado a descrever o
da profissão. Essas duas motivações são que utiliza para aprender no trabalho, recebe
constructos distintos, mas têm uma correla- uma instrução para não focar em estratégias
ção positiva, significativa e relativamente utilizadas em treinamentos e é informado
elevada entre elas (r = 0,61; p< 0,05). Isto que o estudo não é sobre seu desempenho
O trabalho do psicólogo no Brasil 373
como profissional. A ênfase é sempre posta estrutura de cinco fatores emergiu, contra-
em aquisição, retenção e transferência. Tal riando outra vez os estudos internacionais
medida, quando foi validada no Brasil por citados na terceira seção, que relataram a
Pantoja (2004), resultou em uma estrutura emersão de seis fatores, referentes a duas
de cinco fatores: dimensões: estratégias cognitivas (reprodu-
(1) Busca de ajuda em material escrito. ção; reflexões extrínseca e intrínseca) e
(2) Reprodução. comportamentais (busca de ajuda interpes-
(3) Busca de ajuda interpessoal. soal ou em material escrito e aplicação prá-
(4) Reflexão extrínseca. tica). As cinco medidas foram calculadas
(5) Reflexão intrínseca combinada com por meio das médias aritméticas dos itens
aplicação prática. da escala que foram agregados em cada um
desses cinco fatores. Foram feitas compara-
Os resultados das análises fatoriais con- ções entre elas, por meio das técnicas esta-
duzidas com os dados desta amostra de pro- tísticas citadas anteriormente. As estratégias
fissionais de psicologia revelaram bons indi- que os profissionais aqui estudados mais
cadores psicométricos e foram muito simila- utilizam para aprender no trabalho são de
res à validação anterior da escala realizada reflexão intrínseca combinada com aplica-
por Pantoja (2004), com a utilização das ção prática (Figura 17.4).
técnicas aplicadas por essa autora. A mesma
Intrínseca-prática 8,27
Interpessoal 7,94
Extrínseca 7,37
Reprodução 2,54
Como pode ser observado na Figura entre as partes constituintes do seu trabalho
17.4, predominam as iniciativas de apren- (Fator de estratégia intrínseca prática). Por-
der pela aplicação prática de conhecimentos tanto, um uso intensivo da memória de cur-
pela verificação de seus efeitos e pela pro- to prazo é associado à recuperação de infor-
cura de compreensão da interdependência mações armazenadas na memória de longo
374 Bastos, Guedes e colaboradores
prazo que, em seguida, precisam ser combi- cebidos como provedores de suporte. As
nadas de outras maneiras. A aplicação prá- menos utilizadas, dentre as cinco medidas,
tica e sua verificação ativam processos cog- são as estratégias de reprodução, o que sig-
nitivos de recuperação de informações, de nifica que os participantes relataram o pou-
organização de desempenho e de reforça- co uso de repetição e automatismo em
mento. A busca pelo entendimento da inter- ações que visam aprender (adquirir, reter e
dependência entre partes do trabalho é fer- transferir CHAs) no trabalho e, consequen-
ramenta útil para a recuperação e para a temente, pouca ativação do processo cogni-
codificação de CHAs além de, em muitos tivo de repassagem.
casos, também facilitar a transferência des- As cinco medidas de estratégias foram
tes para outros contextos similares. Em se- correlacionadas com aquelas duas medidas
gundo lugar, aparecem as estratégias de de motivação (Tabela 17.1). Foi encontrado
busca de ajuda interpessoal, que envolvem que os profissionais mais motivados para
comportamentos de busca de auxílio de ou- aprender no trabalho, por razões de carrei-
tras pessoas para aumentar a compreensão ra e organizacional, são os que mais utili-
sobre novos conhecimentos e habilidades zam estratégias de reflexão extrínseca, re-
no trabalho. Tais estratégias comportamen- flexão intrínseca combinada com aplicação
tais, no entanto, são altamente dependentes prática e de busca de ajuda interpessoal e
de contextos organizacionais ou sociais per- em material escrito.
Tabela 17.1 Correlação entre os fatores de motivação para aprender e as estratégias de aprendizagem.
Material
Fatores Extrínseca Intrínseca-prática Interpessoal Reprodução
escrito
Motivação para
0,33* 0,32* 0,34* -0,04 0,30*
carreira
Motivação para
0,28* 0,25* 0,32* 0,06 0,31*
organização
Nota: * p < 0,001.
9,0 8,5
7,9 7,6 7,9 7,8 8,1 8,2
8,0 7,5 7,5
6,9 7,2
7,0 6,6 6,4 6,7
6,0
6,0
5,0
4,0 3,9
3,4
3,0 2,5 2,5 2,7 2,7
2,0
1,0
0,0
Extrínseca*
Intrínseca-prática
Interpessoal
Reprodução
Material escrito
Carreira
Organização*
Estratégias Motivação
Figura 17.5 Média dos fatores Estratégias e Motivação para Aprendizagem de acordo com a inser-
ção profissional dos psicólogos.
Nota: * representa fatores em que a estatística F foi significativa (p < 0,05).
menor média na base motivacional voltada aquisição pode garantir uma grande plasti-
para organização. Nos demais fatores não cidade de desempenho, o que é fundamen-
foram observadas diferenças estatisticamen- tal em épocas de grandes mudanças sociais,
te significativas entre os grupos. organizacionais e ocupacionais.
De maneira geral, os resultados indicam A Figura 17.6 ilustra os resultados relati-
que os psicólogos procuram aprender no vos ao uso das estratégias e aos tipos de mo-
trabalho por meio da construção de um en- tivação de acordo com a titulação mais ele-
tendimento sobre como suas atividades pro- vada dos participantes. Graduados e especia-
fissionais se relacionam com o sistema e listas relataram um menor uso de estratégias
com o negócio das suas organizações, tam- de reflexão intrínseca combinada à aplicação
bém, com os valores fundamentais, os prin- prática para aprender no trabalho quando
cípios filosóficos e as ações principais des- comparados aos doutores. Estes utilizam
tas, bem como sobre as inter-relações entre mais estratégias de reprodução do que os
o seu trabalho e o desempenho e os resulta- graduados e do que os mestres.
dos organizacionais. Essa construção de en- Outro dado encontrado nessa análise é
tendimento poderia levar à formação de um o de que os especialistas são significativa-
schema, tal como foi descrito na primeira mente mais motivados para aprender que
seção, que mais facilmente permitiria o re- aqueles com mestrado, tanto por razões de
conhecimento de demandas de desempenho carreira quanto por razões da organização.
para os quais novos CHAs seriam necessá- Todavia, se consideramos o tempo em que
rios ou CHAs existentes poderiam ser adap- os títulos foram obtidos, será possível per-
tados. Esse tipo de estratégia cognitiva é ceber que graduados e especialistas, se ob-
bastante complexo e pode simultaneamente tiveram seus títulos há mais tempo (e não
ativar vários processos cognitivos, como os fizeram mestrado ou doutorado), são me-
de recuperação e de codificação e, especial- nos motivados para aprender por razões de
mente, o processo de transferência. Sua carreira. Por outro lado, os que têm mais
376 Bastos, Guedes e colaboradores
10,0
9,0
8,5
8,3
9,0
8,2
8,2
8,1
8,0
7,9
7,8
7,5
7,4
8,0
7,3
7,3
7,1
7,0
6,7
6,6
6,3
6,3
7,0
5,5
6,0
5,0
3,5
4,0
3,0
5,0
2,8
2,4
2,4
3,0
2,2
1,9
2,0
1,0
0,0
*
Interpessoal
Material escrito
Extrínseca
*
Intrínseca-prática
Reprodução
Carreira
Organização
Estratégias Motivação
Figura 17.6 Média dos fatores Estratégias de Aprendizagem e Motivação para Aprender de acordo
com a titulação mais elevada dos participantes.
Nota: * representa fatores em que a estatística F foi significativa (p < 0,05).
10,0
8,0
6,45
6,0 5,62
Feminino
4,0 Masculino
3,27
2,45
2,0
0,0
Motivação carreira Motivação organização
Figura 17.7 Média dos fatores de Motivação para Aprender de acordo com o sexo dos participantes.
O trabalho do psicólogo no Brasil 377
ses estatísticas realizadas, são mais motiva- nificativas quanto ao uso das estratégias pa
das para aprender no trabalho por razões ra aprender e das bases motivacionais. Ou
de carreira e organizacional do que os ho- seja, os psicólogos tendem a adotar práticas
mens. Desse modo, o que parece estar fal- para aprender mais voltadas para a reflexão
tando é o acesso a oportunidades de titula- intrínseca e da sua prática de trabalho inde-
ção mais elevada. Além disso, elas utilizam pendente se há vínculo empregatício ou tra-
mais frequentemente a estratégia de busca balho autônomo. Por fim, no que diz respei-
de ajuda interpessoal para aprender no tra- to à formação profissional, merece desta-
balho quando comparadas aos homens. Este que a constatação de que é elevada a inter-
último resultado já tinha sido encontrado dependência entre o uso de estratégias de
em estudos com outros profissionais, o que aprendizagem e a titulação formal dos pro-
foi mencionado na terceira seção. fissionais de psicologia.
Deste modo, uma reflexão para o futuro
deverá partir dos pressupostos de que a pro-
CONCLUSÃO fissão se encontra em intensa transformação –
conforme a proposta geral que fundamenta
Finalizando, neste capítulo foram descri- este livro – e, mais, especificamente, de que a
tos os processos relativos a estratégias de aprendizagem é ferramenta essencial para en-
aprendizagem e de motivação para aprender frentá-la. Tal reflexão precisará integrar os
no trabalho da amostra de psicólogos brasi- achados do presente capítulo aos conteúdos
leiros aqui estudados. Além disso, foram ana abordados nas várias dimensões investigadas
lisadas as relações existentes entre tais pro- e discutidas neste livro.
cessos e as características ocupacionais des-
ses profissionais. Para tanto, foram conduzi-
das análises estatísticas que confirmaram a NOTas
validade das medidas de motivação e de es- 1 Todas essas medidas obtiveram bons índices de
tratégias de aprendizagem no trabalho. confiabilidade de Cronbach (α = 0,80 a 0,87).
No que tange à motivação para apren- 2 Os coeficientes de fidedignidade (lambda de Gut-
der, os dados obtidos revelaram a existência tman) alcançados no Brasil por Ribeiro (2005),
de duas dimensões: motivação para a car- para estas três medidas, variaram entre 0,85 e
reira e motivação para a organização. Mais 0,89, isso pode ser considerado muito bom.
especificamente, indicaram que o interesse
orientado à carreira profissional se constitui Referências
em forte base motivacional para esses indi-
víduos aprenderem no trabalho. ABBAD, G. S.; BORGES-ANDRADE, J. E. Apren-
No que se refere às estratégias de apren dizagem Humana em Organizações de Trabalho.
dizagem, a solução fatorial encontrada ficou In: Zanelli, J. C.; Borges-Andrade, J. E. & Bastos,
A. V. B. (Org.). Psicologia, Organizações e Traba-
composta de cinco dimensões, sendo que
lho no Brasil. Porto Alegre: Artmed. Pgs. 237-
as mais utilizadas são de reflexão intrínseca
275, 2004.
combinada com aplicação prática e de busca
Bandura, A. Self-efficacy: Toward a unifying
de ajuda interpessoal. Além disso, foram en- theory of behavioral change. Psychological Re-
contradas correlações significativas entre as view, 84, 191-215, 1977.
medidas de motivação para aprender e qua- Bandura, A. Social foundations of thought and
tro estratégias de aprendizagem no trabalho. action. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 1986.
No que diz respeito à inserção profissio- BEVILÁQUA-CHAVES, A. Estratégias de Aprendi-
nal, não foram encontradas diferenças sig- zagem no Trabalho em Contexto de Mudança Or-
378 Bastos, Guedes e colaboradores
trado, Instituto de Psicologia, Universidade de Bra WARR, P.; DOWNING, J. Learning Strategies, Lear
sília, Brasília, 2000. ning Anxiety and Knowledge Acquisition. British
THARENOU, P. The relationship of training moti- Journal of Psychology, 91, 311-333, 2000.
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18
Competências profissionais e estratégias
de qualificação e requalificação
Preocupação com
Transformação social
necessidades individuais
Figura 18.1 Movimentos emergentes que marcaram a transição entre práticas tradicionais e inovadoras
no exercício profissional do psicólogo brasileiro.
Fonte: (Bastos e Achcar).
382 Bastos, Guedes e colaboradores
Foi possível detectar essas mudanças na áreas. O psicólogo passava a ter que criar, pro
psicologia clínica, organizacional, trabalho so duzir e validar novos conhecimentos e tecno
cial e educacional. A pesquisa revelou que o logias de trabalho, assim como apropriar-se
psicólogo brasileiro estava reformulando vá de recursos, técnicas e instrumentos prove
rias de suas posturas, atitudes e concepções nientes outros campos como a antropologia, a
sobre os fenômenos psicológicos, que deixa sociologia, a ciência política, o urbanismo, a
vam de ser focados no indivíduo (a-histórico biologia, entre outros. O profissional de psico
e desvinculado do seu contexto social) para logia transformava sua prática para abraçar
transformar-se em uma visão focada na inter uma grande pluralidade de recursos técnicos,
dependência do indivíduo com o seu contexto necessária à análise de fenômenos complexos
sociocultural e histórico; de uma perspectiva de grupos e de organizações.
intradisciplinar, voltada para a busca de refe A Figura 18.1 mostra mais um movi
renciais e conhecimentos dentro da própria mento emergente de transformação na psi
psicologia, para uma perspectiva multidisci cologia, relacionada ao tipo de clientela
plinar de busca de referenciais para a prática atendida pelo psicólogo brasileiro. A pesqui
profissional em outros campos do saber. sa realizada em 1992 mostrava uma diver
Outras importantes transformações na sificação de clientelas, que deixavam de ser
atuação do psicólogo ocorreram no modo predominantemente de classe média, foca
como as intervenções de psicólogos eram das em adultos e crianças, para se voltarem
realizadas em diferentes contextos de atua para classes populares, pertencentes a seg
ção profissional. Aos poucos, a atuação, mentos de pessoas socialmente excluídas.
centrada apenas na ação do psicólogo, dei Outra tendência emergente era, por
xava lugar para intervenções mais comple ocasião da referida pesquisa, uma mudança
xas que passavam a exigir novas compe de atitude do psicólogo em relação ao uso
tências do psicólogo brasileiro. Entre elas, a de tecnologias de intervenção. O psicólogo
de trabalhar em equipes multiprofissionais, passava a entender a importância de gerar
de modo a analisar os fenômenos comple novos conhecimentos e tecnologias apro
xos à luz de visões distintas, oriundas de priadas à realidade brasileira, ao invés de
ciências diferentes. Esse convívio com pro adotar uma postura consumista de aplicação
fissionais provenientes de outros campos do de práticas, técnicas e recursos criados por
saber e as complexas demandas sociais que outros profissionais ou pesquisadores em
cercavam o psicólogo de desafios, o levaram outros contextos de trabalho. Entre as mais
a mudar o foco de suas intervenções. O claras conclusões apresentadas por Bastos e
caráter curativo de suas intervenções, volta Achcar (1994) e Duran (1994) estão as que
das unicamente para a análise de fenôme indicam uma mudança na natureza do com
nos intrapsíquicos, modificava-se claramen promisso profissional do psicólogo perante
te. A ação do psicólogo passava a revestir- a sociedade brasileira. Nas últimas décadas
-se de um caráter preventivo e prospectivo, houve uma acentuada tomada de consciên
centrado em contextos e grupos. cia em todas as áreas da psicologia sobre a
Além disto, seu nível de atuação se am necessidade de deslocar o foco tradicional
pliava. Suas intervenções, antes restritas e ori centrado no indivíduo para o um foco cen
ginadas apenas no âmbito da psicologia, ago trado na realidade social em que este se in
ra passavam a ocorrer em planos estratégicos sere, bem como na transformação das con
por meio de trabalhos de assessoria, gerência dições de vida das clientelas atendidas pe-
e consultoria. Nesse nível de atuação, a sim lo psicólogo. Essa visão do psicólogo como
ples aplicação de técnicas psicológicas restrin profissional compromissado com a realidade
gia o seu poder de intervenção nas diversas brasileira é compartilhada por muitos pes
O trabalho do psicólogo no Brasil 383
ocorre é que, com o novo conceito de em A compreensão de que a formação pro
pregabilidade, a educação para o trabalho fissional tem natureza processual é funda
deixa de ser uma política social de pleno em mental para não confundi-la com a rea
prego e passa a caracterizar-se como uma lização de eventos isolados, pois, como o
busca individual. próprio nome diz, se propõe a formar pes
Segundo Aranha (2001, p. 281), por soas para determinadas profissões, o que
empregabilidade entende-se a responsabili não é algo realizável em curto prazo.
zação do trabalhador pela obtenção e pela Finalmente, cabe analisar o objetivo da
manutenção do seu emprego, por meio de formação profissional de “permitir ao indi
um processo contínuo de formação e aper víduo adquirir e desenvolver conhecimentos
feiçoamento. Mas como os psicólogos têm teóricos, técnicos e operacionais relacionados
agido para se qualificarem e requalificarem à produção de bens e serviços”. A definição de
e, portanto, para manter alta a sua empre Cattani (2002) não fala em “fornecer conhe
gabilidade? cimentos aos indivíduos”, mas em um pro
Empregabilidade, terceirização, inova cesso que permita ao indivíduo adquirir e de
ções tecnológicas, globalização, automação, senvolver conhecimentos. Essa é uma questão
teletrabalho, modelos de gestão, tempo de importante porque atribui aos trabalhadores
trabalho, gestão participativa, saúde do tra um papel ativo no processo de qualificação
balhador, desemprego crescente e mudanças profissional. É preciso considerar os trabalha
nas ações coletivas dos trabalhadores são dores como sujeitos do processo de construção
questões que precisam ser consideradas no de um saber ocupacional e não como meros
debate sobre qualificação profissional. objetos do sistema produtivo.
Pochmann (1999) avalia que, como se No mundo das empresas, a qualificação
está vivendo um momento de mudanças in profissional se aproxima do conceito de trei
tensas, fica difícil analisar a situação pre namento, pois ela configura-se como uma
sente do trabalho e da sociedade e, ain- estratégia operacional na busca de qualidade
da mais difícil, traçar expectativas em rela e produtividade: polivalência, enriquecimen
ção ao futuro. Mas apesar de ser difí- to das tarefas, aumento da responsabilidade
cil a construção de cenários futuros para o dos trabalhadores. Aranha (2001) aponta co
trabalho e para a sociedade, o tema estra- mo características da formação profissional
tégias de qualificação e requalificação pro oferecida nas empresas o caráter funcional e
fissional pode apresentar algumas pistas de a intenção de se atingir objetivos em curto
caminhos a serem seguidos. prazo. Mas confirmando a tendência apon
Cattani (2002) conceitua a qualificação tada na literatura de T&D de que a aprendi
profissional como todos os processos educa zagem se torne um fenômeno mais aberto,
tivos em escolas ou empresas que permitem as organizações vêm buscando outros espa
ao indivíduo adquirir e desenvolver conheci ços para o desenvolvimento da atividade for
mentos teóricos, técnicos e operacionais rela mativa, tornando a formação um processo
cionados à produção de bens e serviços. Dessa contínuo e múltiplo. Para a autora, no con
definição, há quatro aspectos que precisam texto das organizações, a formação profis
ser ressaltados: (a) a natureza processual da sional obedece a imperativos precisos tais
formação profissional; (b) a sua ligação com como a adequação da força de trabalho ao
o sistema educacional; (c) o fato de a forma processo produtivo e a implementação de
ção profissional poder ser desenvolvida em uma cultura própria da instituição, de forma
escolas ou em empresas e (d) o objetivo pre a enquadrar a formação e o conhecimento
cípuo de fornecer ao indivíduo conhecimentos para torná-los convenientes às suas deman
relacionados ao sistema produtivo. das específicas (Aranha, 2001).
O trabalho do psicólogo no Brasil 385
Intervenção Investigação
científica
Avaliação
grau de complexidade das competências dese do sexo feminino (84,0%), com média de ida
jadas, como, por exemplo, o uso excessivo de de de 39,1 anos (DP = 8,98). Quanto ao nível
exposição oral em sala de aula. de titulação dos participantes, observa-se que
O desenvolvimento das competências a maior parte (44,2%) detém o título de es
exigidas do profissional de psicologia requer pecialista, 22,8%, de mestrado e apenas 6,2%,
uma formação baseada na diversificação de de doutorado. Com a graduação como titula
métodos e estratégias, na criação de si ção mais elevada, foram encontrados 26,8%
tuações de aprendizagem que levem o aluno dos pesquisados. Apenas 18,5% dos respon
a demonstrar as competências norteadoras dentes graduaram-se em instituições de ensi
do currículo como solução de problemas e no da Região Sul, 17,1% na Região Norte –
geração de novos conhecimentos. Pará e Tocantins – e 9,5% no Centro Oeste. A
E os psicólogos? Como estão se qualifi maior parte dos pesquisados formou-se em ins
cando e requalificando depois que saem das tituições de ensino da região sudeste (54,7%).
escolas e assumem lugar no mundo do tra Quanto às estratégias de qualificação ou
balho? Que competências os profissionais de requalificação, observou-se que a maioria dos
psicologia que estão no mercado acreditam profissionais pesquisados (78,6%) afirmou ter
serem importantes? Em quais competências participado de seminários e congressos, sendo
eles avaliam que têm um domínio satisfatório? que a quase totalidade (90,6%) utiliza a lei
Considerando essas duas dimensões – impor tura de periódicos, livros, conversas com pro
tância e domínio – em que competências esses fissionais da área como estratégia de qualifi
profissionais ainda precisam ser capacitados? cação autodidata. A maior parte (66,7%), en
Essas são algumas questões que serão parcial tretanto, nunca realizou cursos de treinamen-
mente respondidas com este trabalho. to e desenvolvimento em empresa, e menos
da metade deles (47,8%) participa de grupo
de estudos. Grande parte dos respondentes
Perfil dos Psicólogos e (42,3%) investe até 10% da sua renda em
Estratégias de Qualificação- qualificação e 39,1% investem entre 11 e 30%
Requalificação da renda mensal em qualificação. Um percen
tual menor de profissionais (10,6%) investe
O questionário continha 21 itens associa valores iguais ou superiores a 31% de sua ren
dos a duas escalas Likert de quatro pontos, da em qualificação.
uma de importância (0 = Sem importância
e 3 = Muito importante) e outra de domínio
(0 = Sem domínio e 3 = Domínio completo). Avaliação da importância das
No questionário, além dos itens das escalas, competências profissionais
foram também incluídos campos destinados a
dados sociodemográficos e profissionais dos As respostas dos participantes aos itens
participantes da pesquisa. Os arquivos de da de avaliação da importância das competên
dos para validação das escalas de domínio e cias profissionais, agruparam-se em quatro
de importância de cada uma das competên fatores válidos e confiáveis (Apêndice 2).
cias, após a retirada dos dados faltosos e dos Os fatores são semelhantes aos encontrados
casos extremos multivariados, continham res nas escalas de autoavaliação de domínio de
pectivamente 329 e 276 casos válidos. competências. A Tabela 18.1 mostra as mé
A amostra de psicólogos respondentes do dias e os desvios padrão das avaliações de
questionário de autoavaliação de domínio e importância, agrupadas de acordo com os
de importância das competências profissionais fatores extraídos das análises de validação
é formada predominantemente por psicólogos estatística.
390 Bastos, Guedes e colaboradores
pesquisa como aquelas nas quais estão me a três, os escores resultantes da aplicação
nos capacitados são: realizar diagnósticos da fórmula poderiam variar de 0 a 9, de
de processos psicológicos de organizações, modo que 0 indica nenhuma necessidade de
elaborar relatos científicos, formular ques capacitação, e 9 indica necessidade máxima
tões empíricas de investigação científica, de capacitação, isto é, percepção de impor
realizar diagnósticos de processos psicoló tância máxima da competência pelos psicó
gicos de grupos e coordenar processos gru logos combinada a uma percepção de ne
pais, conforme mostra a Tabela 18.2. nhum domínio relativo à mesma competên
cia. Como a definição operacional da neces
sidade de capacitação resulta do produto da
Necessidades de Capacitação observação de importância das competên
dos Psicólogos cias pela percepção de ausência de domí-
nio das mesmas, é possível que algumas
Para o cálculo da necessidade de capa necessidades não sejam identificadas pelo
citação ou recapacitação em cada uma das fato de os psicólogos não as perceberem co
21 competências listadas utilizou-se a fór mo importantes.
mula proposta por Borges-Andrade e Lima Os resultados dessa pesquisa apontam
(1983): N = i x (e – d), onde N = necessi para uma avaliação positiva de desenvolvi
dade; i = importância; d = domínio; e = va mento de competências, porém, competên
lor extremo ou máximo da escala utilizada. cias emergentes e críticas para a inserção
Assim, a partir da fórmula, as necessidades do psicólogo no trabalho, ao que parece,
de capacitação foram definidas operacional não têm recebido a devida atenção durante
mente como produto da percepção de impor a formação profissional de graduação e pós-
tância das competências (conhecimentos, ha graduação, tampouco têm sido adquiridas
bilidades e atitudes) pela percepção de au pelos profissionais de psicologia por meio
sência de domínio das mesmas. Ou seja, de das estratégias menos formais de qualifi
fine-se a necessidade de capacitação a partir cação e requalificação profissional. As cinco
de um indicador que abrange, ao mesmo competências identificadas pelos próprios
tempo, a avaliação de importância e a de psicólogos que participaram da pesquisa co
domínio da competência profissional. De mo aquelas em que há maior necessidade
modo que, quanto menor o domínio e maior de capacitação são: realizar diagnósticos de
a importância da competência, maior a ne processos psicológicos de organizações, ela
cessidade de treinamento. Em sentido inver borar relatos científicos, formular questões
so, também é válido dizer que avaliações de empíricas de investigação científica, realizar
alto domínio e de baixa importância resul diagnósticos de processos psicológicos de
tam na ausência de necessidade de capa grupos e coordenar processos grupais, con
citação. A fórmula de cálculo do índice de forme mostra a Tabela 18.3. Vale ainda des
necessidades de treinamento adotada nes- tacar que essas necessidades são não apenas
te estudo é similar à proposta por Bor- as que possuem maiores médias, mas tam
ges-Andrade e Lima (1983), também ado bém as que têm desvios padrão mais ele
tada nas pesquisas de Magalhães e Borges- vados, indicando maior heterogeneidade na
Andrade (2001), Brandão, Guimarães e Bor formação. Isso significa que, embora em to
ges-Andrade (2002) e Castro e Borges-An dos os itens alguns psicólogos se sintam
drade (2004). mais bem preparados do que outros, a dis
Como as escalas de importância e de crepância é maior nos itens apresentação de
domínio das competências variavam de zero trabalhos e discussão de ideias em público;
394 Bastos, Guedes e colaboradores
Tabela 18.3 Índices de necessidades de qualificação (média e desvio padrão) para as diferentes
competências profissionais do psicólogo.
Desvio
Necessidade de TD&E em... Média
padrão
Realizar diagnósticos de processos psicológicos de organizações. 3,58 2,40
Elaborar relatos científicos. 3,02 2,33
Formular questões empíricas de investigação científica. 2,91 2,16
Realizar diagnósticos de processos psicológicos de grupos. 2,83 2,00
Coordenar processos grupais. 2,59 2,07
Elaborar pareceres técnicos, laudos e comunicações profissionais. 2,32 2,17
Realizar intervenções de caráter preventivo, de acordo com as situações e os
2,29 1,98
problemas específicos.
Apresentar trabalhos e discutir ideias em público. 2,28 2,40
Utilizar instrumentos e procedimentos de coleta de dados. 2,26 2,01
Analisar necessidades de natureza psicológica. 2,17 1,75
Gerar conhecimento a partir da prática profissional. 2,14 2,03
Utilizar conhecimento científico necessário à atuação profissional. 1,98 1,96
Realizar diagnósticos de processos psicológicos de indivíduos. 1,92 1,69
Analisar o contexto em que atua profissionalmente. 1,91 1,74
Realizar intervenções de caráter terapêutico, de acordo com as situações e os
1,88 1,92
problemas específicos.
Avaliar problemas humanos (de ordem cognitiva, comportamental, afetiva) em
1,75 1,69
diferentes contextos.
Desenvolver vínculos interpessoais requeridos na atuação profissional. 1,73 1,86
Realizar aconselhamento psicológico. 1,57 1,74
Realizar orientação psicológica. 1,52 1,63
Realizar psicoterapia. 1,38 1,96
Atuar com profissionais de outras áreas, quando recomendável. 1,22 1,70
Escala do índice de necessidades: 0 = Sem necessidade e 9 = Muita necessidade
Esse resultado indica que houve falhas ficação são relacionadas à atuação com pro
na formação e também nas estratégias de fissionais de outras áreas, à realização de
qualificação e requalificação dos psicólogos psicoterapia, orientação psicológica, aconse
no que diz respeito à aquisição de habili lhamento psicológico e ao desenvolvimen-
dades relacionadas à psicologia social e or to de vínculos interpessoais requeridos na
ganizacional (média mais alta de necessi atuação profissional. Ou seja, no que diz
dade de capacitação, de acordo com o ín respeito às competências da atuação clínica,
dice), além de uma demanda acentuada de os psicólogos, em sua maioria, avaliam que
capacitação nas competências relativas às já possuem o domínio necessário.
questões científicas e de intervenção do psi Foram feitos testes (análise de variân
cólogo em grupos sociais. cia, teste t e correlações de Pearson) para
Por outro lado, as competências com ín verificar se há diferenças significativas na
dices mais baixos de necessidade de quali percepção de necessidade de capacitação
O trabalho do psicólogo no Brasil 395
petência, muitas vezes tal percepção não é car que o Enade contou com a participação
acompanhada por uma noção de que tais de 44.485 estudantes – entre ingressantes e
competências são relevantes para o exer concluintes – de 373 cursos de Psicolo-
cício das atividades profissionais. gia. As notas obtidas pelos estudantes do
Uma questão importante que pode sur curso de Psicologia no Enade em 2006 re
gir a partir da leitura dos resultados da pre fletem uma fragilidade no desenvolvimen-
sente pesquisa refere-se à representativi to de competências, pois em uma prova que
dade da amostra (276 casos válidos) em valia 100, a nota média dos concluintes
relação à população de psicólogos brasilei do curso de Psicologia no Brasil foi de 46,6
ros. Porém, fazendo-se uma comparação (DP=14,1).
desses resultados com os obtidos no Exa- A Tabela 18.4 mostra as competências
me Nacional de Desempenho de Estudantes profissionais e habilidades avaliadas no Ena
de Psicologia (realizado pela primeira vez de em relação aos cursos de Psicologia no
em 2006), há similaridades. E vale desta- ano de 2006.
Como pode ser visto, há bastante simila lidades acadêmicas e competências profissio
ridade entre as competências profissionais e nais da amostra de psicólogos brasileiros.
as habilidades acadêmicas avaliadas no Enade A formação profissional em nível de
no tocante aos cursos de Psicologia e às com graduação não parece estar à altura dos
petências e habilidades pesquisadas na pre avanços da Psicologia como ciência e como
sente pesquisa e que derivam das diretrizes profissão. Além disso, como indicam os re
curriculares para o curso de graduação em sultados, as estratégias de qualificação e
psicologia. E, considerando essas próprias requalificação profissionais, adotadas pelos
diretrizes, o mapeamento das competências pesquisados, têm sido insuficientes (pouco
aponta para uma situação precária. tempo gasto para estudar) ou insatisfatórias
Um dado que merece reflexão é o fato de (Cursos de especialização de baixa quali
38,3% dos concluintes dos cursos de Psico dade? Falta de conhecimento sobre fontes
logia apontarem “a forma diferente de abor bibliográficas e artigos científicos? Maior
dagem do conteúdo” como uma das maiores oferta de qualificação em clínica? Altos cus
dificuldades encontradas ao responder à pro tos associados à participação em cursos de
va. É um dado preocupante, pois a prova pro aperfeiçoamento, especialização e outros?).
cura avaliar habilidades e competências e não A pesquisa mostra que grande parte dos
a simples memorização de conhecimentos psicólogos pesquisados não está buscando a
técnicos ou científicos. Essa discrepância entre aprendizagem contínua, tampouco parece es
a natureza dos itens da referida prova e os tar capacitada para realizar o autoestudo. As
conteúdos das disciplinas dos cursos de gra habilidades e as competências que os capaci
duação em psicologia sugerem que muitos tariam a estudar e a compreender os avanços
currículos ainda estão calcados em estruturas da produção científica de conhecimentos e as
tradicionais, conteudistas, não fundamentadas suas conexões com a prática profissional são
em habilidades e competências profissionais, exatamente aquelas em que foram registradas
tal como preconizam as diretrizes curriculares, as menores médias de domínio e os maiores
a LDB e o relatório de Delors (2002). Ambos índices de necessidades de capacitação.
constituem excelentes exemplos da tendência
mundial de criação de currículos voltados ao
desenvolvimento de competências complexas, E como resumir o quadro
exigidas pelas profundas mudanças que carac geral da formação em
terizam o mundo do trabalho na atualidade. Psicologia no Brasil?
Também merece reflexão o fato de a
questão considerada mais fácil pelos partici A formação e as oportunidades de qua
pantes do Enade ter sido relativa ao trata lificação e requalificação em psicologia no
mento psicoterápico. O relatório diz que Brasil, de modo geral, ainda parecem pre
cárias. Os cursos de graduação não aten
foi possível perceber interesse e envolvimento dem às demandas de formação de profis
da maior parte dos alunos para escrever sobre
sionais com as competências estabelecidas
o tema. Provavelmente por se tratar de aspec
tos mais conhecidos de seu cotidiano e ao in
pelas próprias diretrizes curriculares para
teresse clínico do aluno” (Brasil, 2006, p. 72). os cursos da área. Assiste-se a uma proli
feração de cursos de graduação, mas o
Tal observação confirma os resultados da resultado, inclusive apontado pelo Enade
presente pesquisa que apontam a menor ne (Brasil, 2006), é de baixa qualidade do
cessidade de qualificação e requalificação nas ensino, com sinais de desvinculação com a
competências relativas à área clínica, confir pesquisa – pois as competências relacio
mando o perfil pouco abrangente de habi nadas às investigações científicas estão en
398 Bastos, Guedes e colaboradores
tre as que apresentam maior demanda de cólogos que se propõem a liderar equipes
requalificação. multidisciplinares, mesmo quando na lideran
Além disso, o perfil encontrado ainda é ça é demandada pela atuação de psicólogos.
o mesmo das pesquisas realizadas há déca Infelizmente, pode-se dizer que os cur
das: o psicólogo brasileiro ainda tem uma sos carecem de excelência e de efetividade.
formação eminentemente clínica, com defa Essa situação possivelmente se reflete nas
sagem de competências para a atuação em dificuldades dos egressos em conseguirem
organizações e em processos grupais. melhores posições no mercado de trabalho,
Entretanto, nem todos os dados são ne inclusive porque há demanda de psicólogos
gativos, as diretrizes curriculares dos cursos em áreas em que a formação é precária
de graduação, por exemplo, sugerem mu (como a área organizacional, a comunitária
danças radicais e bastante positivas, ao su e outras) e há excesso de profissionais em
gerirem múltiplas habilidades e competên outras áreas – como a clínica – que, embora
cias profissionais, indicam valiosos cami de grande relevância, encontra um mercado
nhos para a melhoria dos processos de en saturado, considerando que somente as
sino-aprendizagem e do perfil do egresso classes média e alta costumam ter acesso a
em cursos de psicologia. esse tipo de prestação de serviço.
O enriquecimento da formação profis Face às mudanças no mundo do trabalho,
sional de psicólogos envolve também, entre às novas demandas sociais de atuação e pes
outras providências, a capacitação de coor quisa, aos movimentos inovadores em psico
denadores de graduação em elaboração de logia, ao estabelecimento das novas diretrizes
estruturas curriculares baseadas em compe curriculares e à natureza e ao grau de com
tências. Além disto, é necessária uma luta plexidade das competências necessárias ao
pela formulação de políticas públicas de: profissional de psicologia são necessárias re
apoio à manutenção e permanência de qua formas na formação profissional do psicólogo.
dros de docentes qualificados em institui De currículos baseados em disciplinas, conteú
ções de ensino superior, em especial, em dos programáticos, estratégias unidirecionais
organizações privada e de valorização da de transmissão de conteúdos pelo professor;
presença de pesquisadores e grupos de pes uso de procedimentos focados no professor e
quisa na formação de estudantes de gradua não no aluno, pequena diversificação de mé
ção em psicologia. A ampliação intencional todos de ensino, pequena participação do
de oportunidades de qualificação e requa aluno em atividades de pesquisa e intervenção
lificação para todos os psicólogos, por meio e uso exclusivo de meios e recursos tradicio
de cursos a distância e mistos ou semipre nais de ensino, a formação do psicólogo de
senciais, apesar de não ser uma tarefa fá- verá mudar na direção de estruturas curri
cil, é imprescindível para que o psicólogo culares flexíveis com ações educacionais es
alcance melhores posições, mais variadas truturadas a partir de competências e não ex
oportunidades de trabalho e uma mais rá clusivamente em conteúdos e em disciplinas
pida inserção no mercado de trabalho. convencionais. O aluno, nesse novo contexto
Embora os psicólogos avaliem que pos de formação, deve ser o protagonista das
suem bem desenvolvida a competência de ações e as estratégias de ensino devem ser es
atuar com profissionais de outras áreas, quan colhidas e desenhadas de acordo com o perfil
do recomendável, os resultados do Enade do aluno. O desenvolvimento das competên
apontam que são os psicólogos que, diante de cias exigidas do profissional de psicologia re
uma situação de problema comunitário, pro quer uma formação baseada na diversificação
põem uma atuação integrada com outros pro de métodos e de estratégias, na criação de si
fissionais. E é ainda menor o número de psi tuações de aprendizagem que levem o aluno
O trabalho do psicólogo no Brasil 399
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400 Bastos, Guedes e colaboradores
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19
Imagem da profissão e
perspectivas futuras de mudança
nização e de procurar outro emprego. In carreira, entretanto, não estava relacionada
tenção de abandonar a ocupação (a carreira à idade, tampouco ao envolvimento do indi
ou a profissão) é definida como os pensa víduo com o trabalho e com o cargo. Os re
mentos e as intenções de mudar de profis sultados obtidos a partir de análises mate
são no futuro. Hackett, Lapierre e Hausdorf máticas (modelagem por equações estrutu
(2001) construíram e validaram uma escala, rais) mostraram que o comprometimento do
a partir dos trabalhos anteriores sobre in indivíduo com a carreira é uma variável me
tenções de sair de uma organização, para a diadora da relação entre envolvimento com
mensuração de intenções de deixar a pro o cargo e intenção de abandonar a profissão.
fissão. Os itens, similares aos aplicados nes Mediadora significa dizer que permite que
ta pesquisa sobre o psicólogo brasileiro, pe a relação entre outras seja potencializada.
diam ao participante que respondesse as Dessa forma, o elevado envolvimento com o
seguintes questões: “Eu penso em abandonar cargo está relacionado à baixa intenção de
a profissão” (escala de frequência de cinco abandonar a profissão, apenas na presença
pontos, variando de Nunca a Constante de elevado comprometimento que atua como
mente); “Eu tenho intenção de abandonar a elemento catalisador do processo.
profissão” e “Eu tenho intenção de mudar de Os resultados da pesquisa sobre o psi
profissão (escala de cinco pontos, variando cólogo brasileiro sinalizam que a maior par
de Pouco provável a Certo). A pesquisa foi te dos psicólogos gosta da profissão e tem a
realizada com enfermeiros canadenses e, pretensão de manter-se atuando nela no
embora pertença a um contexto profissional futuro. Os participantes, entretanto, divergi
diferente daquele ao qual a pesquisa ora ram a respeito da satisfação com a remune
relatada faz referência, contribui na compre ração que recebem em retribuição pelo
ensão das intenções em relação à profissão. trabalho profissional que executam e quanto
Para compreender o que leva uma pes às suas intenções de mudar de emprego.
soa a manifestar intenções de abandono da Como explicar esses resultados sob a ótica
carreira ou da profissão é necessário desta da psicologia organizacional e do trabalho?
car os elementos que explicam essas inten Quais atitudes e percepções estão relacio
ções. Embora as atitudes sobre o trabalho e nadas a intenções de abandonar a profissão?
os resultados ligados a intenções de manter Intenções de abandonar o emprego e a pro
ou abandonar carreira ou organização se fissão são variáveis correlacionadas entre
jam construtos distintos, eles estão relacio si? Quais características do indivíduo estão
nados. Nesse sentido, estudos empíricos evi relacionadas direta ou indiretamente com
denciam que um baixo nível de compro intenções de abandonar ou permanecer na
metimento organizacional está associado a carreira? E o ambiente, como se relaciona
intenções mais fortes de abandonar a orga com as intenções do indivíduo de manter-se
nização. De modo similar, baixos níveis de no emprego e na profissão?
comprometimento com a carreira ou pro Com o intuito de responder essas ques
fissão estão associados a intenções de troca tões e, posteriormente, utilizá-las como re
do papel profissional (ver Capítulo 15). Lo ferenciais na interpretação dos resultados
go, pobres vínculos explicam intenção de da pesquisa relatada neste capítulo, cabe
concretizar as mudanças apontadas. destacar que fenômenos tais como desem
Na pesquisa de Hackett, Lapierre e penho, intenção de sair de uma organização
Hausdorf (2001), os resultados mostraram ou mudar de carreira, rotatividade em orga
que comprometimento organizacional e com nizações, são preditos por atitudes do traba
a carreira prediziam a intenção de abando lhador. Entre elas estão o Envolvimento com
nar a profissão. A intenção de abandonar a o Trabalho (ET), o Envolvimento com o
404 Bastos, Guedes e colaboradores
do as atividades inerentes ao seu papel pro tresse ocupacional, doenças cardíacas e alér
fissional (ou carreira). Indivíduos com al- gicas e burnout (ver Capítulo 17). Além disso,
to grau de comprometimento ocupacional as pessoas insatisfeitas pensam em deixar a
tendem a manter-se na carreira, a buscar o organização na qual trabalham e em mudar
desenvolvimento de habilidades e oportuni de emprego (Martins e Santos, 2006).
dades de crescimento na carreira. Os con Por outro lado, os trabalhadores satis
ceitos comprometimento com a profissão feitos desenvolvem mais vínculos afetivos
e com a carreira são muitas vezes, segun- com o trabalho como, por exemplo, envol
do Chang, Chi e Miao (2007), usados como vimento e comprometimento afetivo, pen
sinônimos. sam menos em mudar de trabalho e, conse
Para compreender os vínculos estabele quentemente, relatam mais bem-estar psico
cidos com a organização, é necessário re lógico e no trabalho (Harris e Cameron,
lembrar que as ligações entre indivíduo e 2005; Gomide Jr. et al., 2005).
trabalho são construídas a partir de relações Uma revisão de estudos da área evi
de troca e expectativas de reciprocidade, se dencia que condições de trabalho são aspec
gundo evidenciado nos estudos sobre supor tos importantes que impactam na satisfação
te organizacional realizados por Siqueira (Brief e Weiss, 2002). Assim, as análises das
(1995), Abbad (1999), Abbad, Pilati e Bor respostas dos psicólogos às questões re
ges-Andrade (1999), Abbad e Sallorenzo ferentes às perspectivas futuras serão dis
(2001) e Siqueira (2007)1. No caso dos vín cutidas em conexão com a imagem que es
culos do indivíduo com a carreira, a satis ses profissionais têm da profissão e com as
fação com o trabalho mostra-se negativamen condições de trabalho que enfrentam.
te relacionada com as intenções de abando- O reconhecimento social e a remune
nar a carreira. ração são dois importantes aspectos das
Ao falar sobre satisfação no (e com o) tra percepções de reciprocidade das trocas en
balho, conceito com mais de 50 anos de tre o profissional e outras unidades sociais
estudos na área de Psicologia Organizacional (clientes, instituições, organizações). Per
e do Trabalho, é importante destacar que, se cepções favoráveis a respeito dessas retri
gundo Martins (1985), relaciona-se a conteú buições estão relacionadas positivamente
dos e processos mentais, à moral e ao envol com a formação de vínculos afetivos e nor
vimento com o trabalho e resulta da avaliação mativos do indivíduo com as unidades so
do trabalho ou de experiências do trabalho, ciais com as quais interage.
configurando-se como um estado emocional Por outro lado, o engajamento do in-
positivo ou agradável. A satisfação, assim, é divíduo em atividades de desenvolvimen-
explicada por crenças, valores, fatores dispo to profissional, segundo estudo recente de
sicionais, moral e possibilidade de desenvol Blau e colaboradores (2008), está negativa
vimento no trabalho (Martins e Santos, 2006) mente relacionado a intenções de abando
e possui um importante papel porque está nar uma profissão ou carreira. Professional
relacionada a muitos aspectos centrais para a development activities (PDA) representa, de
área de PO&T. Em termos de achados empí acordo com esses autores, comportamentos
ricos, foram detectadas relações inversas entre extrapapel ou comportamentos voluntários
satisfação e sofrimento no trabalho (Morrone de busca de oportunidades de aprendizagem
e Mendes, 2003) e entre satisfação e estres- e desenvolvimento de competências não re
se ocupacional (Lesowitz, 1996). Insatisfação lacionadas aos requisitos do emprego ou do
com o trabalho pode ainda levar a sofrimen- cargo atual do indivíduo. Entre esses com
to mental e este, ao desenvolvimento de portamentos estão: pertencer e participar
doenças relacionadas ao trabalho, como es voluntariamente de organizações e entida
406 Bastos, Guedes e colaboradores
des relacionadas à profissão, apresentar re plexas e mais variadas do que as exigidas
latos de trabalhos (pôsteres, painéis) em nas últimas décadas. O aumento da comple
eventos profissionais ou científicos, minis xidade do trabalho, aliado à escassez de
trar aulas, conduzir oficinas de trabalho, postos de trabalho, demanda do profissional
seminários e similares, procurar cursos e contemporâneo grande esforço de qualifi
oportunidades de requalificação. Esses com cação e aprendizagem ao longo de toda a
portamentos de busca espontânea de quali vida. A permanência na profissão depende
ficação são essenciais ao sucesso profissional do desenvolvimento contínuo de competên
na atualidade. Entretanto, atividades for cias, que não se extingue com a formação
mais de qualificação e requalificação como tradicional nas instituições de ensino supe
cursos de especialização e similares são ain rior. O mercado de trabalho enseja per
da raros no Brasil e envolvem altos custos cepções de insegurança, receio de perder o
financeiros para o participante. emprego e a empregabilidade (capacidade
As intenções de permanecer ou abando de inserir-se no mercado de trabalho em
nar a profissão dependem, portanto, de inú função da adequação das competências do
meras variáveis relacionadas aos vínculos indivíduo às exigências cognitivas e afetivas
estabelecidos pelo indivíduo com a organi do mundo do trabalho).
zação, com o trabalho e com a carreira. Nesta pesquisa, como relatado a seguir,
Entre essas, estão variáveis como envolvi observou-se que os psicólogos gostam da
mento com o trabalho, comprometimento profissão e desejam manter-se trabalhando
afetivo e normativo com a organização e nela. Entretanto, muitos gostariam ou de
com a carreira, satisfação no trabalho, inse mudar de área de atuação dentro da psico
gurança no emprego e suporte organi logia ou de mudar de emprego. Um número
zacional. A idade também parece estar pou expressivo de pessoas depende da remune
co e negativamente relacionada com inten ração que recebe em retribuição aos serviços
ções de abandonar a organização e a car como profissional de psicologia. Muitos dos
reira. O empenho do indivíduo para adqui quais reclamam dos baixos valores recebidos
rir novas habilidades profissionais e desen como pagamentos de seus serviços. Essa si
volver-se na carreira, por sua vez, está po tuação será analisada com base nas aborda
sitivamente relacionado à intenções de per gens teóricas anteriormente mencionadas.
manecer na carreira.
Em relação às expectativas de abando
nar ou manter-se na carreira, cabe destacar Imagem da profissão e
que na atualidade elas ensejam desafios Perspectivas futuras
ligados à busca constante de oportunidades
de qualificação e requalificação ao longo da O presente capítulo traz os resultados
vida. O mundo do trabalho, de modo geral, encontrados na pesquisa realizada a res-
tem sofrido grandes e radicais transforma peito da profissão do psicólogo, focando, de
ções ante os avanços da ciência e da tec maneira específica, a imagem da profissão e
nologia; a psicologia, de modo especial, en as perspectivas futuras desses profissionais.
contra-se em franco crescimento com avan Os dados apresentados e discutidos a seguir
ços em todos os campos de atuação e pes referem-se ao conjunto de informações for
quisa. Esses avanços e essas transforma- necidas por um total de 1.685 respondentes.
ções exigiram mudanças nos requisitos para Desse total, a grande maioria (82,2%) era
o trabalho. do gênero feminino com idade média de
As competências exigidas pelo mercado 35,5 anos (d.p. = 9,98), composta por pes
atual de trabalho são, em geral, mais com soas que estudaram em instituições parti
O trabalho do psicólogo no Brasil 407
Uma vez exploradas as opiniões dos psi dentro da psicologia. Grande parte não deseja
cólogos quanto à imagem da profissão, e mudar de emprego. Porém, mais de 1/4 dos
comparadas entre os diversos grupos, a se psicólogos parece estar inclinado a mudar de
guinte seção apresenta e discute as respos emprego, desde que isso não implique mu
tas obtidas quando indagados sobre pers danças na atual área de atuação do profissio
pectivas de futuro em relação à profissão. nal. Esses resultados indicaram que os par
ticipantes da pesquisa possuem uma imagem
favorável da profissão em vários aspectos
Perspectivas de mudança de emprego, e não pretendem mudar de profissão
área de atuação e profissão ou afastar-se da área de atuação em que se
situam. Essa imagem favorável e esse prová
A seguir, são descritas as respostas dos vel vínculo afetivo (ver Capítulo 15) com a
participantes a respeito de suas intenções de profissão são predominantes, apesar dos bai
mudança de profissão. As três questões rela xos salários atribuídos aos psicólogos no Bra
tivas a esse assunto foram respondidas de sil, como evidencia o Capitulo 8.
acordo com uma escala de três pontos, em Os resultados suscitam algumas ques
que 1 (um) correspondia a “Sim”; 2 (dois) a tões sobre eventuais diferenças nas inten
“Um pouco” e 3 (três), a “Não”. Um resumo ções de mudar de emprego, devidas à ori
dos resultados está contido na Tabela 19.3. gem, ao gênero e à idade dos participantes
A Tabela 19.3 mostra que a maioria dos da pesquisa. A seguir são descritas algumas
psicólogos pesquisados não gostaria de mudar respostas a essas questões, obtidas mediante
de profissão, tampouco de área de atuação a realização de análises de variância.
profissão? Por que os mais idosos manifes fissão e com a organização e indiretamente
taram maior interesse em mudar de área de relacionada às intenções de abandonar a
atuação e de emprego? profissão e a organização. Os dados não são
Os psicólogos manifestam interesse em conclusivos a esse respeito. As correlações
permanecer na profissão, provavelmente, variam em magnitude e em direção.
em função de variáveis como a satisfação Os psicólogos mais idosos com idade
com o trabalho, a imagem da profissão, o superior a 40 anos recebem melhores remu
envolvimento com o trabalho, o comprome nerações, sentem-se mais satisfeitos com a
timento afetivo e normativo com a carreira. profissão e estão fortemente vinculados a ela.
Os psicólogos pesquisados dependem da Entretanto, possuem interesse de promover
profissão para viver, uma vez que grande mudanças em sua carreira no que tange a
parte da sua remuneração mensal provém mudar de emprego e de área de atuação. Esse
da sua atuação em psicologia. Isso pode in interesse pode estar associado à satisfação de
dicar um vínculo também calculativo com a necessidades ligadas a outras esferas de vida.
profissão. O vínculo afetivo dos participan Nessa faixa etária, aqueles que possuem fi-
tes com a profissão pode ser observado nas lhos provavelmente já concluíram a sua edu
percepções favoráveis sobre vários aspectos cação e se encontram mais livres para outras
da imagem da profissão, conforme descreve atividades, antes concorrentes com os demais
o Capítulo 15. Esses resultados indicam papéis sociais, como as ligadas à retomada da
que, provavelmente, o trabalho profissional, carreira profissional e à preparação para no
independentemente do emprego atual, tem vos desafios. O aumento da expectativa de
sido fonte de retribuições sociais impor vida dos brasileiros e a melhoria dos indica
tantes como reconhecimento, credibilidade dores de desenvolvimento humano e econô
e prestígio, as quais, provavelmente, origi mico no Brasil podem estar produzindo mais
naram as intenções que eles manifestaram este efeito – o de reacender os sonhos de
de permanecer na profissão. novas aprendizagens, mudança e de retomada
Os mais jovens estão menos satisfeitos da carreira profissional.
com a imagem da profissão, provavelmente Os resultados sobre baixa remuneração e
em função da pequena história profissional percepção menos favorável sobre a profissão
que possuem. A carreira, ainda incipiente, manifestada pelos mais jovens sugere inves
não oportunizou as retribuições sociais (cre timentos em oportunidades de requalificação
dibilidade, status em equipes, prestígio) e profissional para ampliação do leque de
materiais (remuneração mais baixa) aos competências dos recém-egressos dos cursos
seus esforços e atividades profissionais, ne de graduação de psicologia. Os mais idosos
cessárias à formação e ao fortalecimento da também desejam crescer e esperam mudar de
satisfação e do comprometimento com a área de atuação e de emprego. O sucesso
profissão. Entretanto, essas imagens relati profissional depende dos afetos, das atitudes
vamente menos favoráveis dos jovens em e das crenças do trabalhador sobre a impor
relação à profissão não foram suficiente tância da profissão. Porém, o sucesso na car
mente negativas a ponto de desencadear reira também é função da disposição do in
neles intenções de abandonar a profissão. divíduo para aprender, crescer e desenvolver-
A terceira questão “Por que os mais se, das estratégias que adota para qualificar-se
idosos manifestaram maior interesse em mu e requalificar-se continuamente e de condi
dar de área de atuação e de emprego?” é ções ambientais (societais, econômicas, polí
mais difícil de interpretar do que as ante ticas, institucionais, organizacionais, entre ou
riores. As pesquisas mostram que idade está tras) propícias à aprendizagem contínua e ao
relacionada ao comprometimento com a pro longo da vida.
O trabalho do psicólogo no Brasil 417
O leitor, que teve oportunidade de ler do campo como uma ocupação. Uma das
todos os capítulos deste livro e deparou-se subáreas da Psicologia, a Organizacional e
com um conjunto diversificado e abrangen do Trabalho, faz isso com outras ocupações.
te de informações atualizadas sobre a pro Por que não fazê-lo examinando a Psico
fissão do psicólogo brasileiro, pode estar se logia como uma ocupação? Além disso, as
indagando quais as principais conclusões a informações sobre o exercício profissional
serem extraídas deste amplo estudo nacio fornecem insumos fundamentais para re
nal. Quais seriam, então, as mudanças nessa pensar os processos concernentes à forma
profissão nas duas últimas décadas? Que ção e para definir novas políticas por parte
desafios se apresentam para a profissão, das entidades científicas e representativas
considerando as mudanças contemporâneas, da profissão.
o avanço do conhecimento e as transfor Embora a profissão de psicólogo tenha
mações da realidade nacional? O que pode sido objeto de vários estudos desde os anos
ser dito sobre essa profissão à luz de al de 1970, a primeira grande pesquisa de
gumas das categorias de análise comumente abrangência nacional foi conduzida por
usadas por pesquisadores da Psicologia Or uma equipe que articulou o Conselho Fede
ganizacional e do Trabalho (PO&T)? ral de Psicologia e diversas universidades.
Este trabalho apoiou-se na premissa de Foi realizada em meados dos anos de 1980
que conhecer o campo profissional da psi e seus resultados publicados sob a forma
cologia é condição básica para identificar de um livro em 1988. O projeto atual sig
problemas, discutir questões e prospectar nificou uma retomada e uma ampliação
cenários que possam conduzir a um cres deste grande projeto inicial, um esforço rea
cente reconhecimento do papel social que lizado durante mais de quatro anos, pelo GT
a Psicologia, como ciência e profissão, cum de Psicologia Organizacional e do Trabalho
pre no nosso país. Tal conhecimento, no (também chamado de GT-1 ou GT-PO&T)
entanto, necessitava de quadros teóricos da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-
de referência que tomassem o menciona- -graduação em Psicologia (ANPEPP). Resul
420 Bastos, Guedes e colaboradores
tante desse projeto, o presente livro foi orga Características gerais: uma
nizado de modo que pudesse oferecer in profissão em expansão
formações que permitissem comparar o pa
norama atual da profissão com o traçado na O exame dos dados da população de
década de 1980. Mas agora examinado à luz psicólogos brasileiros, fornecidos pelo Siste
das categorias de análise usadas em PO&T ma Conselho de Psicologia, aponta três
Dois objetivos orientaram a elaboração grandes características que revelam perma
deste capítulo final. Primeiramente, o de ofe nências e mudanças ao longo dos últimos
recer uma visão resumida do conjunto de 20 anos (ver Figura 20.1).
informações básicas sobre o exercício da pro Examinando-se as tendências apontadas
fissão no Brasil, que ficaram distribuídas nos na Figura 20.1, pode-se concluir que a Psi
diversos capítulos. Em segundo lugar, o de cologia é uma profissão em claro processo
sistematizar o conjunto de mudanças no exer de expansão no Brasil. Cresce fortemente o
cício profissional do psicólogo no Brasil ao número de profissionais inscritos no Sistema
longo das últimas duas décadas, comparando, Conselho em função do ritmo ainda ace
quando possível, com os dados do primeiro lerado de aumento do número de cursos de
estudo realizado na década de 1980. graduação na área. Esse crescimento ate
Há que se registrar, contudo, que muitos nua, mas não elimina, a majoritária parti
aspectos da profissão do psicólogo contem cipação das mulheres. Fortalece o argumen
plados neste mais recente estudo não foram to de que a identidade da psicologia como
pesquisados na década de 1980. São eles: profissão está fortemente associada a ativi
identidade profissional, bem-estar subjetivo, dades de ajuda e de apoio social, conside
burnout, valores éticos, aprendizagem no tra radas tipicamente femininas. Tal tipicidade
balho, qualificação e competências, grupos está associada a especificidades no mercado
e equipes de trabalho. Portanto, não há co- de trabalho: as mulheres recebem remu
mo comparar ou diagnosticar as mudanças neração menor que os homens e a área so
ocorridas ao longo do tempo, nesses casos. cial não faz parte do grupo de profissões
Tais aspectos foram introduzidos em decorrên que recebem mais altos rendimentos.
cia da proposta de colorir a análise da pro A melhor distribuição dos psicólogos no
fissão com as categorias que frequentemente espaço nacional aponta para uma tendência
são utilizadas pelos pesquisadores de PO&T, promissora em duas direções. Sinaliza a in
pertencentes ao GT-1 da ANPEPP, para analisar tensificação do processo de interiorização,
outras ocupações e trabalhadores em geral. ampliando o contingente de psicólogos fora
Visando organizar o vasto conjunto de das capitais dos Estados e também indica
informações para dele poder extrair algumas redução da concentração de psicólogos na
tendências fundamentais que têm clara impli região do sudeste do país. Esses dois movi
cação para o futuro da profissão e para o mentos revelam que outras regiões e popu
aprofundamento do conhecimento sobre essas lações, que antes não tinham acesso aos ser
categorias, o presente capítulo foi estruturado viços de psicologia, passaram a contar com
em pequenas seções temáticas. Elas sintetizam eles. Movimento similar ocorreu no que
as informações da pesquisa e, ao mesmo tem tange à interiorização dos setores secundá
po, indicam os principais eixos de mudança rio e terciário da economia. Tais mudanças
detectados ou os achados mais relevantes so não alteram a característica de os psicólogos
bre as mencionadas categorias. Ao final, ques serem profissionais que atuam em cidades
tões e desafios que cercam o exercício da psi de médio e grande porte, ainda bem distan
cologia no Brasil são comentados, sugerindo tes das pequenas cidades e das populações
direções para estudos futuros. rurais, que representam um contingente ex
O trabalho do psicólogo no Brasil 421
capital: 1988: 59% 2009: 48% 1988: se: 74,2% SU: 10,3% NE: 8,8% NO/CO: 6,7%
INTERIOR: 1988: 41% 2009: 52% 2009: SE: 60,4 SU: 20,2% NE: 9,6% NO/CO: 9,9%
Figura 20.1 Gênero, distribuição regional e idade dos psicólogos brasileiros nas duas últimas décadas.
pressivo da população nacional. Resta saber terísticas importantes que estão sintetizadas
se esse movimento levou ou não à preca na Figura 20.2.
rização do trabalho profissional e se con Nas últimas duas décadas houve um
seguiu manter ou elevar a qualidade do ser crescimento da ordem de 300% no número
viço antes oferecido naquelas regiões. de cursos de psicologia no Brasil. Em 1988,
Finalmente, o crescimento vertiginoso do 70% deles eram oferecidos pela rede privada
número de psicólogos nos últimos anos, de ensino e essa participação saltou para
acompanhando o aumento de cursos, faz perto de 90%. Cerca de 80% dos psicólogos
com que os jovens profissionais sejam a formados nos últimos anos são de egressos
grande maioria da categoria. No entanto, das instituições da rede privada. Mas, apesar
quando comparado com os anos de 1980, de a formação no setor de ensino privado ser
verifica-se um contingente bem mais expres a predominante, os resultados do Exame Na
sivo de profissionais mais maduros, com cional de Desempenho dos Estudantes do
maior tempo de atuação profissional. Em INEP (Enade) concluem que as instituições
resumo, juventude e acúmulo de experiên estaduais e federais tiveram um desempenho
cia convivem no quadro atual do exercício superior às demais, pois dentre as nove ins
profissional da Psicologia no Brasil, mais do tituições que receberam o conceito máximo,
que ocorria há duas décadas. oito são federais e, uma, estadual (de um
total de 294 cursos avaliados).
Quanto à pós-graduação, os psicólogos
A Formação: um profissional buscam preferencialmente a especialização,
em busca de aperfeiçoamento principalmente os recém-formados e os que
constante estão distantes da carreira acadêmica: 60%
dos psicólogos pesquisados disseram ter con
Os dados sobre a formação do psicólo cluído ou estar cursando uma pós-gradua
go, nos seus diferentes níveis, combinando ção. A pesquisa nacional realizada em 1988
dados gerais do sistema de ensino e infor não permitiu ter uma visão clara sobre isso,
mações obtidas na pesquisa, revelam carac pois na ocasião a situação da pós-graduação
422 Bastos, Guedes e colaboradores
stricto sensu na psicologia ainda era muito cursos de curta duração, supervisão e gru
incipiente. O número de cursos de mestrado pos de estudos. Essa característica também
recomendados pela CAPES era de 16 (con foi extremamente forte na pesquisa de
tra os 60 em 2008) e o de doutorados, ape 1988, quando se apontou que a própria ca
nas quatro (contra 36). tegoria de psicólogos constitui uma impor
Quanto à formação complementar dos tante fatia do mercado de trabalho dos pro
psicólogos, carente de mais estudos, os da fissionais (supervisões, cursos e realização
dos atuais indicam fortemente um profis de psicoterapia, vista como processo de de
sional em busca contínua por complemen senvolvimento pessoal importante para o
tação de sua formação, investindo principal exercício da Psicologia, dependendo da abor
mente em atividades que possam dar su dagem teórica abraçada).
porte a sua atuação profissional, tais como
• Há uma busca contínua pelo aperfeiçoamento profissional por parte dos psicólogos, 90%
participam de eventos e mais de 80% frequentam cursos de curta duração.
• Todas as modalidades que visam à formação complementar (grupos de estudo, supervisão
Complementar extra-acadêmica, cursos de curta duração e congressos) são utilizadas pelos psicólogos
independentemente do seu nível de titulação.
Figura 20.2 Características básicas da formação em Psicologia nos seus diferentes níveis.
• Também guiada mais fortemente por fatores internos como ocorre com a escolha da profissão.
• No entanto, há um peso mais elevado de fatores externos, tais como oportunidades do
mercado de trabalho e remuneração.
Escolha da área
• Influência do processo formativo, com os modelos que disponibiliza.
junto de psicólogos que tinha até dois anos de O cenário apresentado pelos recém-
graduado, período que foi considerado de so -graduados ilustra de modo claro uma apa
cialização e ingresso no mercado de trabalho; rentemente nova realidade profissional. Na
segundo, selecionou para análise aqueles psi década de 1980 não havia tantos cursos de
cólogos que estavam no seu primeiro emprego. psicologia no Brasil e a proporção de for
Das análises desses dois conjuntos de infor mandos era bem menor. A amostra de re
mações foram extraídas algumas características cém-graduados deixa claro que eles repre
e tendências que marcam a qualidade da in sentam quase 30% da amostra total e man
serção profissional no mercado do trabalho, têm congruência com o crescimento da
sumarizadas na Figura 20.4. oferta de cursos na área.
• Quem nunca atuou: falta de oportunidades no mercado, mas pretende atuar na clínica.
• Quem deixou de atuar: motivos pessoais e familiares.
Motivos • Quem atua fora: oferta de emprego vantajosa, mas pretende voltar a se inserir na psicologia.
da inserção
fissional que investe muito em sua formação exercício profissional da Psicologia que apon
e qualificação, sinalizam para um descom tam tanto as dificuldades que permaneceram
passo entre o investimento feito na profissão ao longo do tempo quanto algumas tendên
e os ganhos recebidos. Isso pode fortalecer a cias de fortalecimento do campo profissional.
crença de que o psicólogo é vocacionado e Na década de 1980, 45,8% dos psicó
mais orientado para sua satisfação pessoal e logos trabalhavam na profissão, enquanto
seu desejo de autodesenvolvimento do que 25% trabalhavam como psicólogos e em
por interesses financeiros. Crença convenien outras atividades, totalizando 70,8% de
te para quem prefere remunerar mal os seus profissionais atuantes na profissão. Os re
empregados, nos segmentos econômicos de sultados da atual pesquisa estão bem pró
educação, saúde e trabalho nos quais atua a ximos daqueles encontrados na pesquisa de
grande maioria dos que têm vínculos for 2004, realizada pelo IBOPE/MQI sob enco
mais de trabalho. menda do Conselho Federal de Psicologia,
que estimou 58% dos psicólogos atuando
apenas na Psicologia e mais 26% combi
A inserção no mercado de nando-a com outras atividades. Isso perfaz
trabalho: dificuldades o mesmo total de 84% de profissionais exer
presentes e sinais positivos de cendo, de algum modo, a profissão para a
fortalecimento da profissão qual se formaram.
Ao comparar os dados de 20 anos atrás
A análise dos dados sobre inserção no e os da pesquisa do IBOPE com os da pesqui
mercado de trabalho revela características do sa nacional de 2006, constata-se um cresci
426 Bastos, Guedes e colaboradores
• 40% no setor público; 35% no privado; • 28% atuam somente como autônomo;
ASSALARIADOS
AUTÔNOMOS
atua exclusivamente como autônomo, princi do uma nova “cara” para a Psicologia bra
palmente como clínico e consultor organiza sileira. A primeira delas é a emergência de
cional e do trabalho. A atividade autônoma, uma área denominada saúde que não fora
contudo, combina-se com os diversos tipos de contemplada na pesquisa de 1988 e que,
atividades assalariadas nos três setores público, na atual pesquisa, é a segunda área de in
privado e terceiro setor, assumindo, ao que pa serção de psicólogos. Embora em muitas
rece, um papel de vínculo complementar. atividades se perceba uma continuidade
O trabalho assalariado é marcado, tam entre a clínica e a saúde, não se pode mini
bém, pela diversidade de setores em que o mizar o fato de que este novo domínio en
psicólogo atua, com ligeiro predomínio de volve uma significativa ampliação do esco
inserção no serviço público, seguido do se po de atividades e contextos de inserção
tor privado e, em menor proporção, no do psicólogo nas unidades de saúde de di
terceiro setor. No setor público é importante ferentes níveis de atenção, nos setores pú
registrar o percentual de profissionais que blico e privado. Também, diferente da pes
atua em instituições de saúde. O maior peso quisa de 1988, no atual estudo já se en
de instituições de ensino no setor privado contram como áreas reconhecidas a social
pode se dever a um viés da amostra que e a jurídica, com percentuais pouco expres
contou com uma participação talvez mais sivos, mas que indicam mudanças no perfil
elevada de docentes, apesar do expressivo das áreas. A área social carece de maior
crescimento do mercado de trabalho para delimitação quanto às atividades profissio
docentes de psicologia nos inúmeros cursos nais que lhes seriam próprias ou específi
que foram criados nos últimos 10 anos. cas, confundindo-se, em muitos casos, com
a atuação nos campos da saúde e de orga
nizações e trabalho.
Os fazeres do psicólogo: Observa-se, ainda, uma queda na dedica
permanências e novidades ção exclusiva a uma área de atuação, indi
cando que, no geral, os psicólogos passaram a
A psicologia se reconhece e é social atuar mais em diferentes áreas. A área orga
mente reconhecida como um campo multi nizacional e do trabalho, que era, na pesquisa
facetado e dividido em várias áreas de atua de 1988, a de maior índice de dedicação ex
ção. Tais áreas configuram temáticas, proble clusiva, apresenta uma queda de 80 para
mas, conhecimentos, tecnologias, modos de 61%, apesar de sua participação ter crescido
pensar e de atuar sobre as demandas oriun de 22 para 25% dos psicólogos. Ela conti-
das de diferentes segmentos e contextos so nua, no entanto, sendo a área para a qual os
ciais. A tais áreas correspondem, assim, con psicólogos se dedicam mais exclusivamente,
textos de inserção e tipos de serviços que são sem combiná-la com outras. Uma significativa
prestados, embora alguns sejam gerais e mudança ocorreu igualmente com a área da
possam ocorrer em todas elas. A Figura 20.7 docência, que ampliou expressivamente o
sintetiza as características das áreas de atua contingente daqueles que são exclusivamente
ção que incorporam número mais expressivo professores (de 27 para 40,2%) em relação à
de psicólogos atualmente. pesquisa anterior, quando o ensino era clara
A partir do diagnóstico feito nos anos mente uma atividade complementar.
1980, uma primeira constatação importante Essas alterações podem sinalizar proces
é a de que, embora o cenário mais geral não sos importantes que ocorrem na configu
revele grandes alterações, especialmente ração de tais campos de atuação profis
no que tange ao expressivo peso da área sional. Primeiro, os seus limites podem estar
clínica, algumas mudanças estão oferecen se diluindo ou, talvez, esteja ficando mais
O trabalho do psicólogo no Brasil 429
Figura 20.7 Perfil dos psicólogos quanto a áreas de atuação e atividades desenvolvidas.
evidente que eles nunca foram tão nítidos. petição no mercado, que tem como conse
Isso acontece especialmente na área da saúde, quência previsível a insuficiência dos rendi
que faz expressivas interfaces tanto com a clí mentos obtidos com apenas um trabalho, o
nica tradicional quanto com a área organi que força o psicólogo a diversificar o leque de
zacional e do trabalho. Segundo, a expansão serviços oferecidos. Pesquisas futuras deve
do sistema de ensino não só ampliou o nú riam aprofundar esse diagnóstico, pelos im
mero de psicólogos exclusivamente docentes, pactos que tal diversificação de área pode ge
como também permitiu que maior número de rar sobre a precarização do trabalho e sobre a
profissionais conciliasse essa atividade com qualidade dos serviços prestados, tendo em
outras modalidades de atuação. Por fim, em vista as fragilidades associadas à formação,
terceiro lugar, a maior combinação de áreas especialmente após o boom de crescimento do
de atuação pode significar o aumento da com número de cursos.
430 Bastos, Guedes e colaboradores
É digno de nota que, embora possa estar rico para dar suporte ao seu trabalho colo
atuando em várias áreas, suas atividades con cam em discussão um pressuposto larga
vergem. Apesar dessa aparente diversidade, o mente aceito, especialmente por estudiosos
psicólogo desenvolve atividades semelhantes, e docentes: a necessidade de uma formação
colocando em discussão o próprio conceito de pluralista que assegure o contato do estu
áreas. Um conjunto básico de atividades tan dante com as principais orientações teórico-
gencia o exercício profissional nas diferentes metodológicas existentes no campo da Psi
áreas. Este é o caso, por exemplo, das ativida cologia. Tal preocupação foi contempla-
des de avaliação psicológica, do psicodiagnós da nas Diretrizes Curriculares para os cursos
tico e da aplicação de testes. Embora descritas de Psicologia, ao fixar os valores que devem
em níveis de complexidade distintos, as três guiar a formação e o conjunto de compe
atividades estão presentes nos mais diversos tências básicas esperadas do recém-graduado.
domínios, inclusive entre os docentes. Mas a Não se pode ignorar, todavia, que os re
despeito desse núcleo comum, é possível iden sultados encontrados neste estudo, somados
tificar também um núcleo de atividades que aos do Enade do ano de 2006, apontaram
classicamente definem a especificidade de ca ser o eixo dos Fundamentos Históricos e
da área de atuação. Epistemológicos um dos piores em termos
Apesar das transformações que ocorre de desempenho em todo o país. Indicam
ram na psicologia brasileira nos últimos 50 problemas relacionados à forma como tais
anos, ao comparar o cenário atual com o do orientações são contempladas nos cursos.
final da década de 1980, as mudanças não Na realidade, mais do que conhecê-las, con
foram tão significativas assim. Existem sinais frontá-las e compará-las para propiciar es
de que o psicólogo está ampliando sua área colhas conscientes, a adoção de perspectivas
de atuação para além da clínica e substituindo diversas sugere uma adesão acrítica. O pro
o modelo clínico de atendimento por modelos blema é que tal realidade não se restringe
de intervenção grupais com forte ênfase so aos recém-formados, o que poderia ser pre
cial. Contudo, é fato que a clínica continua visível, e parece ser um traço dissemina-
exercendo seu fascínio entre psicólogos. do entre psicólogos. Isso requer estudos adi
Quanto à orientação teórico-metodoló cionais para compreender o que efetiva-
gica, se em fins da década de 1980 já havia mente ocorre no processo formativo desses
sinais claros de que os psicólogos necessita profissionais.
vam usar mais de um referencial teórico Ainda sobre os fazeres do psicólogo, a
para dar suporte às suas atividades profis pesquisa nos oferece informações relevantes
sionais, hoje essa tendência é marcante. sobre uma importante tendência que confi
Apesar de a experiência adquirida ao longo gura o mundo do trabalho em geral e que
dos anos fazer diminuir a tendência de usar aparece no exercício profissional da Psico
três ou mais abordagens teóricas simultâ logia – o trabalho em equipes e, muitas ve
neas, a efetiva diminuição em busca de um zes, de caráter multiprofissional.
maior direcionamento teórico ocorre após Os achados sinalizam que o psicólo-
os 11 anos de formado e se consolida após go trabalha mais em equipe do que indivi
os 20 anos. Apesar de a formação especia dualmente. Dos que trabalham em equipe,
lizada também contribuir para o maior dire a maior parte está em equipes multidisci-
cionamento teórico, essa mudança se faz plinares, enquanto o restante trabalha em
notar somente quando o psicólogo obtém o equipes de psicólogos. Um resultado impor
título de doutor. tante é o de que os principais parceiros dos
As fortes evidências de que o psicólogo psicólogos são assistentes sociais, médicos e
necessita usar mais de um referencial teó enfermeiros, o que permite inferir que os
O trabalho do psicólogo no Brasil 431
• Atividades clínicas
• Atividades acadêmicas
Equipes de psicólogos • Atividades da área de organização e do trabalho
• Atividades da área hospitalar
• Atividades psicossociais
• Atividades psicossociais
• Atividades clínicas
Equipes multiprofissionais • Atividades da área hospitalar
• Atividades da área organizacional e do trabalho
• Atividades acadêmicas
Figura 20.8 Atividades de psicólogos de equipes uni e multidisciplinares por ordem de frequência
Os psicólogos, de modo geral, sustentam ra que esta efetivamente funcione e gere me
crenças bastante favoráveis em relação a essa lhores resultados que o trabalho realizado
modalidade de trabalho. No entanto, dividem individualmente. A equipe pode ser uma for
opinião sobre a diminuição da carga de tra ma de praticar vadiagem social.
balho pelo fato de este ser realizado em equi De modo geral, os psicólogos relatam
pe, independentemente de estarem em equi haver baixo conflito nas equipes de trabalho
pes de psicólogos ou multiprofissionais. Ou às quais pertencem, tanto uni quanto mul
seja, apesar de defenderem a crença de que o tiprofissionais. Apenas 5% dos que trabalham
trabalho em equipe tem inúmeras vantagens, em equipes percebe conflitos em níveis ele
este não assegura que o esforço será repartido vados. Uma das principais conclusões revela
igualmente, evitando a sobrecarga que recai que quanto menos conflitos internos e mais
sobre alguns membros. Esse é um resultado favoráveis as crenças sobre equipes, maior a
importante, porque alerta para o fato de que satisfação dos psicólogos com as equipes de
não basta organizar o trabalho em equipe pa trabalho às quais pertencem.
432 Bastos, Guedes e colaboradores
Figura 20.9 Competências mais e menos desenvolvidas durante a formação na perspectiva dos psicólogos.
O trabalho do psicólogo no Brasil 433
Os achados da pesquisa apontam clara 10 a 30%) da sua renda nisso. As ações vol
mente que, independentemente de se gra tadas para a qualificação envolvem tanto a
duarem em instituições públicas ou priva participação em eventos científicos e pro
das, os psicólogos se sentem mais bem pre fissionais formais, quanto a leitura de pe
parados para atuar no âmbito das atividades riódicos e conversas informais com colegas
relacionadas a diagnóstico, orientação e in visando o intercâmbio de conhecimento.
tervenção em problemas de natureza psico Esse importante movimento em busca
lógica individual e também para colaborar de aprendizagem e qualificação, em grande
com colegas de outras áreas. Mas não se parte potencializado pelas fragilidades dos
sentem tão bem preparados quando o que cursos de graduação, impõe o desafio de se
está em jogo é o uso de seu próprio campo conhecer a motivação e as estratégias de
de atuação para produzir novos conheci aprendizagem usadas pelo psicólogo no seu
mentos que venham a subsidiar sua prática dia a dia no trabalho. Isto é, quando não há
profissional. Esse é um dado importante. a possibilidade de buscar eventos sistema
Apesar da forte demanda de atuação no ticamente planejados visando aquisição, re
nível do grupo e das organizações nas di tenção e transferência de conhecimentos e
versas áreas de atuação (saúde, organiza habilidades.
cional e trabalho, educacional e social, por A motivação para aprender no trabalho
exemplo), para subsidiar ações conjuntas, é definida como a direção, o esforço, a in
os psicólogos não se sentem suficientemente tensidade e a persistência do engajamento
preparados para diagnosticar processos or dos indivíduos em atividades voltadas para
ganizacionais e grupais e para coordenar aprendizagem. As estratégias de aprendiza
grupos. Esses resultados são bastante coe gem no trabalho são as ações e os proce
rentes com aqueles obtidos na avaliação do dimentos utilizados para adquirir, reter e
Enade em 2006, especialmente no tocante à recuperar diferentes tipos de conhecimento
formação científica. e desempenho, e se encontram divididas em
Os resultados anteriormente descritos três grandes grupos: as cognitivas (reflexões
sinalizam claramente que o processo forma intrínsecas e extrínsecas, memorizações), as
tivo deve criar situações de aprendizagem comportamentais (buscas de ajuda interpes
em que a atualização constante e a explo soal e em material escrito, aplicação práti
ração do campo de atuação e a pesquisa ca) e as de autorregulação (das motivações
sejam estimuladas e desenvolvidas nos estu e emoções e de compreensão do próprio
dantes. O foco exclusivo no conteúdo deve processo de aprendizagem). Estas últimas
ser substituído por uma estrutura e uma di não foram aqui investigadas.
nâmica curriculares centradas nas expec Em relação à motivação para aprender
tativas de atuação profissional em equipes no trabalho, os resultados permitem concluir
inter e multidisciplinares. Nessa direção, os que os psicólogos são mais motivados a
estágios e as pesquisas deveriam oportuni aprender por razões de carreira do que por
zar o trabalho em equipes de modo que via razões ligadas às organizações às quais estão
bilizassem a integração de experiências em vinculados. Na prática, isso significa que pos
diferentes áreas da psicologia. suem forte preocupação com o crescimento
No que tange às iniciativas para se man profissional, independentemente de isso pro
ter qualificado depois da conclusão do cur mover seu desenvolvimento na organização
so, os resultados da pesquisa sinalizam que em que trabalham. Se, por um lado, esses
o psicólogo é um profissional que se preo dados indicam uma preocupação mais indivi
cupa muito com o aperfeiçoamento e a dualista do que coletivista, fortalecem o ar
atualização profissional e investe parte (de gumento de que o psicólogo possui um vín
434 Bastos, Guedes e colaboradores
culo forte com a sua profissão e, como con cognitiva de reflexão intrínseca consiste em
sequência, se envolve em ações que venham esforços de aprendizagem para identificar
a aprimorar sua competência profissional. elementos centrais das ações de trabalho pa
Esse resultado também indica que a psico ra, então, criar esquemas mentais que agru
logia está fortemente associada a uma ima pem e relacionem esses elementos. A es
gem de uma ocupação autônoma que torna tratégia comportamental de aplicação prática
o profissional o principal responsável por sua consiste em ações que visam testar na prática
própria atualização, o que é bastante con o que foi planejado ou aprendido teorica
sistente com o discurso contemporâneo e mente, ensaiando possíveis ajustes ao con
globalizado de valorização do trabalhador texto específico de aplicação.
que toma para si a responsabilidade por seu Uma terceira estratégia bastante usada
desenvolvimento profissional. Em síntese, ain por psicólogos, principalmente por aqueles
da que outros dados da pesquisa nacional do sexo feminino, é a ajuda interpessoal,
apontem que o psicólogo concilia sua ativi que envolve comportamentos de busca de
dade autônoma com a de assalariado, a rigor, auxílio de outras pessoas para aumentar a
ele se engaja em um processo ativo de apren compreensão dos novos conhecimentos e
dizagem, mais por sua carreira (interesses novas habilidades no trabalho. Tal estraté
individuais) do que para atender aos interes gia, no entanto, é altamente dependente de
ses coletivos da organização. contextos organizacionais ou sociais perce
Quais seriam as estratégias de apren- bidos como provedores de suporte. Estraté
dizagem mais usadas pelos psicólogos no gia de reflexão extrínseca, geralmente asso
trabalho? ciada à busca de sustentabilidade organiza
A Figura 20.10 ilustra, de modo claro, cional e dependente de análises complexas
que as duas estratégias mais usadas, quase de contexto, bem como a de busca de ajuda
sempre de modo combinado, são a reflexão em material escrito, foram menos frequen
intrínseca e a aplicação prática. A estratégia temente indicadas pelos psicólogos.
• Disponibilidade financeira.
• Tempo de descanso.
Fatores de menor • Padrão de vida atual.
satisfação • O que faz para se distrair.
Figura 20.11 Satisfação com a vida e intensidade de afetos vividos pelos psicólogos.
É fácil constatar que, apesar da exaus Uma importante evidência obtida no es
tão emocional (fortemente associada ao es tudo é que, ao contrário do que se possa
tresse) e de algum nível de despersona imaginar, não é a área de atuação a respon
lização, o psicólogo consegue ter êxito na sável pelo desenvolvimento desta síndrome,
sua relação com o trabalho, visto que al mas o tipo de vínculo de emprego que o psi
cança realização profissional. A síndrome cólogo possui. Psicólogos que são assalariados
de burnout foi identificada entre 18% dos e atuam no setor privado apresentam maiores
psicólogos participantes. níveis de exaustão emocional do que os au
436 Bastos, Guedes e colaboradores
Família
34,2
Trabalho
31,6
Lazer
18,4
Promover Humanizador e
crescimento e promotor da
independência. sociabilidade.
Obter Impositor de
reconhecimento normas e
econômico. segurança.
Propiciador de
Propiciador
realização e
de realização.
igualitarismo.
nificado ao trabalho nem sempre coincidem nalou a diferença entre os atributos valo
com aquilo que os psicólogos encontram no rativos e descritivos foi o de que, entre os
seu cotidiano de trabalho. No plano ideal, o primeiros, as recompensas econômicas têm
trabalho deve promover o crescimento e a um significado humanizante, ocorrendo o
independência e recompensar com justiça o inverso nos atributos descritivos.
esforço empreendido, permitindo a realiza
ção. No plano real, o trabalho promove a
humanização do homem e garante sua so Um forte vínculo com a profissão,
ciabilidade, mas ao custo de estar subme apesar de uma identidade dividida
tido a normas e regras, sem que necessa
riamente seja assegurada a completa reali O comprometimento com a profissão
zação profissional. Ao contrário, normas e envolve uma forte identidade com a ocupação
regras impõem limites ao crescimento e à escolhida, associada a afetos positivos em
realização pessoal e profissional, sem que se relação a ela que fazem com que o profissional
dê a contrapartida esperada, ou seja, a se seja dedicado, invista em contínua qualifi
gurança. Outro aspecto que também assi cação e aperfeiçoamento para obter o melhor
438 Bastos, Guedes e colaboradores
desempenho possível. É fácil constatar que seus impactos sobre a intenção de permanên
vínculos dessa natureza estejam associados à cia foram analisados tanto em relação à pro
intenção de permanecer na profissão. Na pes fissão quanto à área de atuação. Uma rápida
quisa, tais vínculos de comprometimento e síntese encontra-se na Figura 20.15.
Maior força do
Quanto maior o vínculo
Vínculo com comprometimento
afetivo, menor a intenção
a profissão afetivo do que
de mudar de profissão.
instrumental.
Os resultados da pesquisa nacional per caso das pós-graduações stricto sensu, o vín
mitem concluir que os psicólogos, indepen culo instrumental também se faz notar, já que
dentemente de trabalharem exclusivamente esse nível de qualificação está associado a um
na área da psicologia ou atuarem conjunta grande investimento financeiro e de tempo.
mente com outra atividade profissional, pos Mesmo assim, o vínculo afetivo emerge mais
suem um forte comprometimento afetivo com forte do que o instrumental.
a profissão. Em menor proporção, possuem Quanto maior o vínculo afetivo com a
um comprometimento instrumental. É preciso profissão, menor a intenção de mudança. Isso
lembrar, em poucas palavras, que o compro pode estar relacionado ao processo de identi
metimento afetivo está ligado ao conceito de ficação crescente com este campo de conhe
vínculo por gosto (compartilhamento de valo cimento, que se inicia com a escolha por fa
res, disponibilidade para defender), enquanto tores internos (vocação, doação, ajuda ao ou
o instrumental está associado ao conceito de tro e autoconhecimento) e se consolida ao
vínculo por necessidade (relações de troca em longo do tempo. Essa interpretação poderia
que se leva vantagem ou, pelo menos, não se ter sido melhor explorada se na pesquisa ti
fica em desvantagem). vesse sido também medido o comprometi
A força do comprometimento afetivo do mento normativo. Ele estaria associado à in
psicólogo com sua profissão é um traço mar ternalização, no seio da família e depois nos
cante. Sua intensidade não varia muito entre primeiros anos escolares, de valores mais ge
as áreas de atuação. Ao longo do tempo, esse rais (de vida social) que extrapolam, mas po
comprometimento tende a aumentar, em espe dem estar associados, aos valores identifica-
cial quando o psicólogo investe na sua forma dos como típicos da profissão. Tal associa-
ção pós-graduada, atingindo seu ápice quando ção levaria à chamada escolha vocacionada
recebe o título de doutor. Isso nos leva a con ou “livre”, antes mencionada aqui, que prova
cluir que, se de um lado a prática profissional velmente ocorreria no final do ensino médio.
ao longo do tempo faz com que o psicólogo Em geral, o vínculo com a área de atua
aumente o seu envolvimento emocional forta ção segue o mesmo padrão do comprometi
lecendo o vínculo afetivo com a profissão; de mento com a profissão, mas há maior va
outro, no investimento em qualificação, princi riabilidade de respostas do que quando
palmente de médio e longo prazos, que é o o vínculo avaliado é somente com a profis
O trabalho do psicólogo no Brasil 439
Ciências exatas
• Racionalidade
• Ambiente físico
• Impessoalidade
• Objetos naturais
Grupo
profissional
de contra-
-identidade
Grupos
profissionais
de identidade
Ciências da saúde
• Sentimentos, bem-estar
• Subjetividade
• Relações humanas
Ciências sociais e humanas
• Indivíduo em contexto
• Subjetividade
• Compreensão das relações
Figura 20.17 Grupos profissionais (áreas de conhecimento) de identidade do psicólogo por área
em que atua.
Princípios considerados:
Princípio não considerado: Igualdade e liberdade / Não discriminação
Dignidade da profissão e não violência / Saúde e
qualidade de vida / Responsabilidade social /
Desenvolvimento da psicologia
grama de inclusão social e, por isso, os psicó dãos contribuem para julgar que ações des
logos participantes da pesquisa não vacila sa natureza são fortemente representativas
ram em dizer que a maior parte dos prin da ética profissional.
cípios valorativos que orientam o fazer do Além da importância da situação, o te
psicólogo foi contemplada. ma a julgar, os atores envolvidos e as cren
O grande desafio a ser vencido na obser ças do que se pensa ser o certo e o errado
vância da aplicação de princípios éticos no contribuem para a construção de um rela
exercício profissional é o de que os psicólo tivismo no julgamento moral. Embora isso
gos não seguem os preceitos de modo acrí incomode aos que defendem uma ética pro
tico, porque, a rigor, não os internalizam fissional pautada simplesmente na obser
dessa maneira. No primeiro caso, apesar de vância de princípios do código de ética para
a psicóloga estar preocupada com o bem- julgar e aplicar punições, os psicólogos tra
estar da criança, tal defesa foi feita de modo zem consigo seus valores pessoais e os que
equivocado ao ignorar a versão da mãe. No lhes foram transmitidos durante a forma
segundo caso, a imprecisão dos limites da ção. Isso impõe muitos desafios para uma
ciência psicológica justifica a defesa da li unidade na formação ético-profissional do
berdade de cada psicólogo esboçar suas psicólogo que assegure a efetiva regulação
crenças pessoais sobre o que seja a psico das condutas profissionais em conformidade
logia. Finalmente, no terceiro caso, a expec com os princípios normativos coletivamente
tativa social de que a psicologia deve de aceitos. Alerta também para a responsabili
fender um projeto político de inclusão social dade das instâncias formadoras na constru
e exercer papel ativo na formação de cida ção de um projeto ético-profissional.
O trabalho do psicólogo no Brasil 443
qualquer contexto e transitar com facilidade Nesse sentido, espera-se que este tra
entre áreas e abordagens teóricas distintas balho seja fator que estimule novos estudos,
com relativa competência. No primeiro caso, mais focalizados e mais profundos, sobre
o mercado impõe flexibilidade ao psicólogo tantas questões que, agora mapeadas, ficam
para ajustar sua formação às necessidades em aberto. O engajamento de pesquisadores
contextuais, sob pena de não conseguir in do nosso sistema de ensino de pós-gradua
serção profissional. No segundo, o profissio ção nos parece indispensável, impondo-se a
nal se vê fascinado com a possibilidade de criação e o fortalecimento de linhas de pes
sua atuação ser irrestrita, mas isso não é quisa voltadas especificamente para a inves
acompanhado de um amadurecimento teóri tigação das práticas profissionais da psico
co suficiente para fazer jus a essa ampliação. logia. Desse engajamento esperam-se impac
É angustiante constatar que investiga tos positivos sobre os cursos de graduação e,
mos um ser social submetido a um contexto em decorrência, sobre a melhoria da forma
de intensas mudanças externas, mas que re ção que o nosso profissional recebe.
vela surpreendentes constâncias internas. É importante ressaltar que pesquisas ex
Um estudo extensivo e com características tensivas (surveys) como esta podem ser rea
de um survey, como o realizado, não nos lizadas com uma periodicidade regular, ba
permite avançar naquelas reflexões ou ime seadas em instrumentos de medida que per
diatamente superar tais angústias. O trecho mitam comparabilidade e fundamentadas
de uma canção popular revela (e ameniza) em referenciais de análise que são usados
os sentimentos de pesquisadores que, na para investigar outras ocupações. Com isso,
procura de conhecer mais profundamente a as mudanças e as dificuldades poderão ser
profissão do psicólogo brasileiro na atuali detectadas mais pronta e profundamente e,
dade, encontraram um quadro inquietante assim, intervenções confiáveis serão viabili
e desafiador. zadas para evitar que problemas se acumu
Eu quis saber onde fica lem além do desejável. Vinte anos depois do
O coração primeiro grande diagnóstico do exercício da
E acabei com uma profissão no Brasil, o atual nos revela um
Estranha sensação quadro do exercício profissional que ainda
Vai ver, vai ver está longe de ser aquele que todos sonha
É mudança de estação... mos, apesar dos inequívocos sinais de avan
(Mudança de Estação, A Cor do Som) ços identificados.
Apêndice 1
A pesquisa nacional do psicólogo no Brasil
caracterização geral e procedimentos metodológicos
Este apêndice foi redigido com o objetivo de interações com outros grupos de atuação profis
oferecer informações detalhadas sobre o desenvol- sional afins e para definir de modo mais consis
vimento do projeto nacional de pesquisa “A ocupa tente agendas de pesquisa visando ao desenvol
ção do psicólogo: um exame à luz das categorias vimento da ciência e da profissão no país.
da Psicologia Organizacional e do Trabalho”. O Uma das razões favoráveis à realização des
referido projeto, que integra uma das ações do sa investigação foi o fato de a última pesquisa
Grupo de Trabalho (GT) de Psicologia Organiza nacional sobre o psicólogo nacional ter sido rea
cional e do Trabalho (PO&T) e pertence à Associa lizada no final da década de 1980, sinalizando a
ção Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psi necessidade de atualização do diagnóstico sobre
cologia (ANPEPP), obteve financiamento do Con o exercício profissional do psicólogo no Brasil. A
selho Nacional de Desenvolvimento Científico novidade do projeto estava na razão de ele ter
(CNPq) e apoio do Sistema Conselho. sido desenhado por um grupo de pesquisadores
O projeto de pesquisa teve como principal localizados em regiões geográficas distintas do
objetivo investigar a ocupação do psicólogo bra Brasil e com variados interesses e abordagens
sileiro no cenário atual e caracterizar as trans teóricas, o que facultaria um amplo panorama
formações na profissão. O interesse foi o de di da ocupação do psicólogo na atualidade.
vulgar informações atualizadas em âmbito nacio Na proposta inicial, previu-se a coleta de
nal sobre a ocupação do psicólogo no Brasil: dados nacional por meio de questionários em
dados demográficos, formação, qualificação, vín papel, mas a concessão de ajuda financeira pelo
culos de trabalho, formas de inserção profis CNPq viabilizou a elaboração de um sistema de
sional, focos de atividades, focos e bases do com tecnologia que permitiu ampliar o acesso a um
prometimento com a profissão, com a carreira e número maior de psicólogos dispersos no País.
com a organização, identidade social e catego Não se ignora, no entanto, as vantagens e des
rização profissional. O domínio de tais informa vantagens em utilizar a internet, pois apesar da
ções serviria de suporte para diagnosticar a rea popularização dos computadores nas últimas
lidade do psicólogo brasileiro em comparação décadas, o acesso a essa tecnologia não é ampla
com a de outros países, para orientar a elabo mente disseminado no território nacional. A fa
ração de políticas de formação e qualificação vor do uso de formulários eletrônicos, o Conse
profissional, para alinhar estratégias de ações e lho Federal de Psicologia encomendou uma pes
446 Bastos, Guedes e colaboradores
período de coleta de dados que durou aproxima Problemas no cadastro e no registro de se
damente seis meses na transição de 2005 a 2006. nhas, de gravação de dados, de acesso ao sis
Na página de abertura, era solicitado ao tema e de dúvidas no manuseio do sistema da
participante que preenchesse o cadastro antes de pesquisa acompanharam os meses iniciais de
iniciar a pesquisa. Ele informava o número de re coleta de dados, demandando ações corretivas
gistro no Conselho Regional de Psicologia (CRP), para evitar prejuízos futuros à investigação. Um
criava uma senha e dava informações gerais sobre dos maiores desafios enfrentados foram os erros
gênero, idade e ano de conclusão do curso. Uma de programação, embora tivessem sido detecta
vez preenchido o cadastro, o participante era con dos a tempo para as ações corretivas imediatas.
vidado a retornar à página de abertura e digitar o Este foi um dos principais motivos de perda de
seu número de CRP e sua senha para iniciar a casos válidos. Em resumo, apesar de se reco
pesquisa. Abria-se em seguida uma página de nhecer que este é o maior e mais amplo estudo
consentimento livre, em que eram informados os sobre a profissão do psicólogo realizada no Bra
objetivos da pesquisa, os nomes dos pesquisadores sil, a expectativa era de que poderia ter atingido
da equipe e a garantia de anonimato no trata uma amostra mais representativa, não fossem
mento e na análise dos dados. O participante os problemas na concepção e na execução do
deveria pulsar o botão de aceitação localizado no sistema criado para a pesquisa.
lado direito da tela para enfim ser redirecionado
a um dos sete módulos da pesquisa. O sistema
previa a distribuição aleatória para cada um dos Procedimentos
módulos, com exceção dos módulos 2 (aprendiza de análises de dados
gem) e 3 (competências e qualificação profissio
nal), para os quais eram direcionados apenas Uma das facilidades dos surveys realizados
participantes que haviam concluído o curso de por meio eletrônico é que eles geram automa
psicologia há mais de dois anos. ticamente uma base de dados, tornando-se desne
O participante poderia optar por salvar suas cessária a digitação de dados que são potenciais
respostas para voltar a preencher o questionário fontes de erros. Após a finalização da pesquisa,
em outro momento mais oportuno. Houve o cui foram gerados os bancos de dados em uma pla
dado, também, de não impedir que a resposta an nilha para, em sequência, serem exportados para
terior privasse o participante de seguir adiante no um programa estatístico de tratamento e análise
preenchimento do instrumento. A intenção de pre dos dados. Hoje, há inúmeros sistemas que faci
servar a liberdade de resposta pode, infelizmente, litam sobremaneira a programação de estudos
ter contribuído para o aumento de não respostas, tipo survey pelo próprio pesquisador.
reduzindo os casos válidos para a análise. As 25 questões que integraram o módulo
A Figura 1 apresenta de modo resumido o básico foram tratadas e analisadas em separado
fluxo do processo da pesquisa on-line. Inicialmen pelos organizadores do livro e, em seguida, distri
te havia sido previsto que o sistema enviasse um buídas aos demais pesquisadores, para dar sus
convite aos inscritos nos CRPs com senha de aces tentação à elaboração dos Capítulos 2 a 10 e do
so e link da pesquisa para que os psicólogos se Capítulo 19. Algumas análises adicionais foram
cadastrassem e respondessem à pesquisa. Mas os feitas pelos próprios autores dos capítulos conforme
CRPs não possuíam cadastros atualizados de seus os objetivos propostos. Os Capítulos 11 a 18 tive
associados e, por causa disso, optou-se por usar ram como objetivo analisar questões específicas in
estratégia de divulgação intensiva para estimular cluídas nos módulos complementares. As análises
os psicólogos a participar da investigação. ficaram sob responsabilidade dos próprios pesqui
Antes de liberar o acesso livre ao sistema, os sadores que elaboraram as questões específicas. Em
pesquisadores e a analista de tecnologia, respon virtude disso, nos capítulos que versam sobre ques
sável pela concepção do sistema procederam aos tões do módulo básico (4 a 10), são apresentadas
testes iniciais e, apesar de eles terem sido bem- informações gerais sobre a amostra total, ao pas-
-sucedidos, inúmeros problemas surgiram duran so que, nos Capítulos 11 a 19, são caracterizadas
te o processo de coleta, o que prejudicou o re somente as subamostras de cada um dos módu-
gistro de dados e prolongou o período de coleta. los complementares.
O trabalho do psicólogo no Brasil 449
geração
de senhas 1) sistema envia e-mails com senhas e prazo
2) valida registros, gera senhas e envia a psicólogos
Exportado para
Excel
bloqueia o
número do CRP
Exportado para
SPSS
Foi necessário transformar e criar algu- principais atividades que ele realizava, esco
mas variáveis para proceder às análises, e uma lhidas em uma lista de 46 (Tabela 2). Essa in
destas foi a de área de atuação. Ela foi criada formação é fundamental porque muitas análises
levando em conta o local de trabalho (Tabela 1) que constam nos capítulos do módulo básico
em que o psicólogo estava inserido e as cinco incluíram tal variável.
450 Bastos, Guedes e colaboradores
Obs: Para a atuação nas Organizações sociais, não governamentais e cooperativas (terceiro setor) não foram apresentadas
opções de local de trabalho.
Obs: O psicólogo escolhia, desta lista, cinco das principais atividades que realizava no seu local de trabalho.
O trabalho do psicólogo no Brasil 451
Este anexo tem como objetivo oferecer informações mais detalhadas sobre os instrumentos
utilizados na pesquisa. Ao todo foram sete versões do questionário.
Instrumento Detalhamento
FORMAÇÃO
1. Forneça, no quadro abaixo, as informações sobre a sua formação acadêmica nos seus diferentes
níveis realizados.
2. Informe, no quadro a seguir, as atividades de formação complementar que você realizou nos
últimos 2 anos, indicando a frequência com que tais atividades ocorreram.
Marque um X Frequência
Modalidade
Sim Não 1 2 3 mais
Curso de curta duração (menos de 180 horas)
Grupo de estudos
Supervisão extra-acadêmica
Neste segmento, procuramos caracterizar a sua situação de trabalho ou as suas atividades pro
fissionais, estejam inseridas ou não no campo da psicologia. De início, solicitamos que você iden
tifique a condição que retrata a sua situação e, a partir desta resposta, você deverá responder a itens
específicos do questionário.
Uma distinção importante deve ser feita entre inserir-se ou não no campo de atuação da psicologia.
Para tanto, considere que atuar no campo da psicologia envolve toda a gama de atividades clássicas
e emergentes associadas ao psicólogo, incluindo-se atividades de ensino, pesquisa, gestão e
coordenação de projetos relacionados a essa área, independentemente de abordagem teórico-
metodológica que adota.
O trabalho do psicólogo no Brasil 455
Assinale com um X uma alternativa que melhor se aplica à sua condição profissional. A partir da
resposta a esta questão, observe na coluna ao lado a quais itens do questionário que você deverá
responder.
Marque
Atividade profissional Instruções de preenchimento
com um X
A. Nunca atuei profissionalmente (dentro Responda as questões 3, 4 a seguir
ou fora do campo da psicologia). e vá para as partes IV e V, no final do
questionário.
B. Não exerço atividade profissional Responda as questões 5 a 10 e
(dentro ou fora do campo da psicologia) vá para as partes IV e V, no final
atualmente, mas já o fiz no passado no do questionário.
campo da psicologia.
C. Exerço atualmente apenas atividades Responda as questões 11, 12 e 13
profissionais fora do campo da psicologia. e vá para as partes IV e V, no final do
questionário.
D. Exerço atualmente atividades Responda o restante do questionário, a
profissionais no campo da psicologia partir da questão 13.
e em outro campo.
E. Exerço atualmente atividades profissionais Responda o restante do questionário, a
somente no campo partir da questão 14.
da psicologia.
14. Informe, no quadro a seguir, a quantidade e a natureza de suas atividades profissionais atuais
no campo da psicologia
15. Para cada contexto de inserção profissional que você assinalou SIM no quadro acima, informe,
nos quadros 1, 2, 3 e 4 que se seguem, os dados sobre o trabalho desenvolvido. Em caso de
você ter mais de uma inserção profissional em um mesmo contexto, escolha aquela que é mais
significativa para preencher o respectivo quadro.
RENDIMENTOS ATUAIS
17. Indique sua renda mensal assinalando uma das seguintes alternativas:
•( ) Nenhuma renda
•( ) Até R$560 reais
•( ) De R$561 a R$1.200
•( ) De R$1.201 a R$2.000
•( ) De R$2.001 a R$3.000
•( ) De R$3.001 a R$5.000
•( ) De R$5.001 a R$7.000
•( ) De R$7.001 a R$10.000
•( ) Acima de R$10.000
18. Quanto desta renda mensal provém de sua atuação no campo da psicologia?
• ( ) Nada
• ( ) Até 10%
• ( ) Entre 11 e 30%
• ( ) Entre 31 e 50%
• ( ) Entre 51 e 70%
• ( ) Entre 71 e 99%
• ( ) 100%
19. Quanto os seus rendimentos, decorrentes de sua atividade como psicólogo, contribuem para o
orçamento familiar?
•( ) Nada
•( ) Até 10%
•( ) Entre 11 e 30%
•( ) Entre 31 e 50%
•( ) Entre 51 e 70%
•( ) Entre 71 e 99%
•( ) 100%
21. Como você percebe o valor social, o nível de reconhecimento e as dificuldades que a profissão
de psicólogo possui hoje? Indique o quanto você concorda com as afirmativas abaixo rela
cionadas, utilizando a seguinte escala:
1 2 3 4
Discordo totalmente Discordo Concordo Concordo totalmente
A profissão de psicólogo possui credibilidade.
A profissão de psicólogo é desrespeitada.
A profissão de psicólogo possui prestígio.
A profissão de psicólogo é reconhecida.
A profissão de psicólogo é mal remunerada.
O psicólogo tem um status inferior quando trabalha em equipes multiprofissionais.
A psicologia é uma profissão elitista.
22. Como você vê sua atuação profissional daqui a um ano:
SIM SIM
NÃO
(Muito) (Um pouco)
Gostaria de mudar de emprego mantendo a mesma área de atuação.
Gostaria de mudar de área de atuação dentro da Psicologia.
Gostaria de mudar de profissão.
DADOS PESSOAIS
A seguir, você encontrará seis grupos de profissões. Sua tarefa é a de escolher qual o valor que
representa o quanto cada grupo de profissões se aproxima ou se distancia da psicologia como
profissão. Para aquele grupo de profissões que considera como mais próximo da psicologia você
deverá atribuir o valor 1. O segundo grupo de profissões mais próximo da psicologia deverá receber
o valor 2, e assim sucessivamente. Desse modo, o valor 6 representará o grupo de profissões que
você considera mais distante da psicologia.
Lembre-se: cada grupo de profissões poderá receber apenas um valor.
Enfermagem Administração Arquitetura Biologia Agronomia Antropologia
* Esta classificação não foi apresentada aos psicólogos que responderam à pesquisa, apenas os
grupos profissionais. A classificação serviu somente como base de análise das respostas.
Tomando como referência o grupo de profissões que mais se aproxima da psicologia e que
você atribuiu valor 1 na questão anterior, descreva em poucas palavras quais as suas principais
características comuns.
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
Tomando como referência o grupo de profissões que mais se distancia da psicologia e que
você atribuiu valor 6 na questão anterior, descreva em poucas palavras quais as suas principais
características comuns.
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
Tomando como base as características comuns ao grupo de profissões que você escolheu como
mais próximo (grupo de valor 1) e mais distante (grupo de valor 6) da psicologia, descreva em
poucas palavras quais as suas principais diferenças.
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
464 Bastos, Guedes e colaboradores
Tabela 1 Matriz estrutural, eigenvalues, variância explicada e Alphas de Cronbach das dimensões
do comprometimento com a profissão.
Fatores
Itens H2
F1 F2
Profissão 1 - Eu desejo fazer a minha carreira nesta profissão que
,603 ,368
escolhi.
Profissão 2 - Se eu pudesse fazer tudo novamente, eu não
-,602 ,362
escolheria trabalhar na minha profissão.
Profissão 3 - Mesmo que eu tivesse todo o dinheiro que necessito
,594 ,355
sem trabalhar, eu continuaria.
Profissão 4 - Eu gosto demais para largá-la. ,805 ,575
Profissão 5 - É ideal pra trabalhar o resto da vida. ,735 ,507
Profissão 6 - Eu me sinto desapontado com a escolha que fiz. -,620 ,415
O trabalho do psicólogo no Brasil 465
Tabela 2 Matriz estrutural, eigenvalues, variância explicada e Alphas de Cronbach das dimensões
do comprometimento com a área de atuação.
Fatores
Itens H2
F1 F2
Área 1 - Eu desejo fazer a minha carreira nesta área que escolhi. ,635 ,428
Área 2 - Se eu pudesse fazer tudo novamente, eu não escolheria
-,535 ,277
trabalhar na minha área.
Área 3 - Mesmo que eu tivesse todo o dinheiro que necessito sem
,629 ,381
trabalhar, eu continuaria.
Área 4 - Eu gosto demais para largá-la. ,808 ,614
Área 5 - É ideal pra trabalhar o resto da vida. ,773 ,595
Área 6 - Eu me sinto desapontado com a escolha que fiz. -,568 ,356
Área 7 - Eu já investi muito para abandoná-la agora. ,427 ,230
Área 8 - Uma mudança agora seria muito difícil para mim. ,776 ,489
Área 9 - Muitos aspectos da minha vida seriam prejudicados se eu
,706 ,447
largasse a minha profissão agora.
Área 10 - Mudar agora custaria muito para mim. ,780 ,498
Área 11 - Nada existe que me impeça de mudar agora. -,320 ,157
Área 12 - Uma mudança agora requereria um sacrifício pessoal
,637 ,369
considerável.
Área 13 - Eu tenho orgulho de estar nela. ,722 ,471
Área 14 – É importante para a imagem que tenho de mim. ,492 ,314
Eigenvalues 3,746 2,225
Leia atentamente os itens listados nos três campos seguintes, que investigam “importância”,
“utilidade” e “expectativas”. Escolha o ponto das escalas (1 a 10) que melhor representar a sua
466 Bastos, Guedes e colaboradores
opinião sobre sua carreira e seu trabalho. Escreva suas respostas à direita de cada item, utilizando
sempre a escala que está imediatamente acima de cada um dos três campos. Por favor, não deixe
questões em branco.
Menos importante 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Mais importante
Importância: Para mim é importante... Resposta:
1. ...alcançar minhas metas de carreira.
2. ...ter maiores oportunidades de carreira.
3. ...sentir-me mais valorizado por meu chefe.
4. ...sentir-me mais valorizado por meus colegas de trabalho.
5. ...melhorar meu currículo.
6. ...aumentar minhas chances de conseguir melhores empregos.
7. ...melhorar o relacionamento com meu chefe.
8. ...melhorar meu relacionamento com meus colegas.
A seguir, há uma escala que varia de 1 (nunca faço) a 10 (sempre faço). Leia atentamente os 30
itens listados, escolha o ponto da escala que melhor representa a sua opinião sobre as estratégias
de aprendizagem que VOCÊ utiliza no seu trabalho. Esses itens estão perguntando sobre o que
O trabalho do psicólogo no Brasil 467
você faz para adquirir, reter e usar conhecimentos e habilidades no trabalho e não sobre seu
desempenho neste trabalho ou em cursos ou treinamentos que possa estar fazendo. Escreva suas
respostas na coluna à direita de cada item. Por favor, não deixe questões em branco.
23. Quando faço meu trabalho, penso em como ele está relacionado ao negócio e
às estratégias da organização.
24. Realizo minhas atividades sem saber para que elas são necessárias.
25. Tento compreender como os resultados obtidos nas diferentes áreas da
organização influenciam a execução do meu trabalho.
26. Tento conhecer como as diferentes áreas da organização estão relacionadas
entre si.
27. Executo meu trabalho no “piloto automático”.
28. Busco relacionar a execução do meu trabalho aos valores adotados na
organização.
29. Busco aprender aplicando novos conhecimentos à prática, ao invés de ler ou
pedir orientações para outras pessoas no trabalho.
30. Visando obter informações mais atualizadas à execução do meu trabalho,
busco ajuda na internet.
Fatores
util7. Melhorar o relacionamento com meu chefe. 0,87 -0,02 0,06 0,78
util8. Melhorar meu relacionamento com meus colegas. 0,84 0,01 -0,13 0,65
util4. Sentir-me mais valorizado por meus colegas de
0,82 0,05 -0,10 0,66
trabalho.
imp7. Melhorar o relacionamento com meu chefe. 0,79 -0,06 0,11 0,67
util3. Sentir-me mais valorizado por meu chefe. 0,76 -0,01 0,16 0,69
imp8. Melhorar meu relacionamento com meus
0,76 0,03 -0,11 0,54
colegas.
imp4. Sentir-me mais valorizado por meus colegas de
0,72 0,00 0,00 0,51
trabalho.
imp3. Sentir-me mais valorizado por meu chefe. 0,70 -0,04 0,16 0,57
Reflexão Busca
Reflexão Busca de
Itens intrínseca e Reprodução material h2
extrínseca interpessoal
aplicação escrito
Reflexão Busca
Reflexão Busca de
Itens intrínseca e Reprodução material h2
extrínseca interpessoal
aplicação escrito
estrat4. Busco entender como
diferentes partes do meu trabalho 0,12 0,78 0,01 0,04 -0,15 0,63
estão relacionadas entre si.
estrat2. Através de análise crítica da
execução do meu trabalho, tento 0,01 0,71 0,00 0,16 -0,07 0,59
conhecê-lo melhor.
estrat14. Procuro compreender
como novos conhecimentos e novas
0,04 0,65 -0,13 0,05 0,11 0,66
habilidades podem ser integrados ao
meu trabalho.
estrat7. Testo novos conhecimentos
aplicando-os na prática do meu -0,11 0,59 0,21 -0,05 0,22 0,39
trabalho.
estrat12. Localizando e estudando
documentos ou materiais importantes
-0,01 0,57 -0,05 -0,05 0,32 0,59
sobre um assunto, procuro conhecer
melhor o meu trabalho.
estrat19. Preencho as falhas do
meu conhecimento no trabalho
-0,08 0,55 -0,09 0,07 0,33 0,62
buscando livros, manuais, apostilas e
documentos.
estrat27. Executo meu trabalho no
0,01 -0,15 0,79 0,05 0,03 0,70
“piloto automático”.
estrat17. Executo meu trabalho sem
saber precisamente quais são seus 0,06 -0,01 0,75 0,05 -0,09 0,56
objetivos.
estrat6. Executo minhas atividades
repetindo automaticamente ações 0,03 0,15 0,72 0,07 -0,13 0,46
rotineiras de trabalho.
estrat8. Faço meu trabalho sem
-0,06 0,08 0,71 -0,02 -0,15 0,51
pensar muito sobre ele.
estrat13. Meu trabalho é realizado
sem que eu faça críticas ou
questionamentos às normas e/ou aos 0,12 -0,01 0,65 -0,06 0,03 0,44
procedimentos adotados para sua
execução.
estrat24. Realizo minhas atividades
sem saber para que elas são -0,11 -0,18 0,59 0,12 0,34 0,50
necessárias.
estrat9. Busco ajuda dos meus
colegas quando necessito de
-0,03 0,01 0,06 0,88 0,05 0,77
informações mais detalhadas sobre
o trabalho.
estrat16. Peço ajuda aos meus
colegas, quando necessito aprender 0,07 -0,04 0,04 0,84 0,03 0,73
algo sobre meu trabalho.
estrat5. Consulto meus colegas de
trabalho mais experientes, quando
-0,05 0,20 0,08 0,82 -0,09 0,74
tenho dúvidas sobre algum assunto
relacionado ao meu trabalho.
estrat10. Juntamente com meus
colegas de trabalho, busco trocar 0,02 0,06 -0,02 0,76 0,08 0,69
informações e conhecimentos.
estrat29. Busco aprender aplicando
novos conhecimentos à prática, ao
0,01 0,34 0,35 -0,44 0,24 0,35
invés de ler ou pedir orientações a
outras pessoas no trabalho.
O trabalho do psicólogo no Brasil 471
Reflexão Busca
Reflexão Busca de
Itens intrínseca e Reprodução material h2
extrínseca interpessoal
aplicação escrito
estrat30. Visando obter informações
mais atualizadas à execução do meu -0,10 -0,06 -0,04 -0,03 0,83 0,58
trabalho, busco ajuda na internet.
estrat18. Consultando catálogos
referentes às novas tecnologias
e aos procedimentos, junto aos 0,10 -0,05 0,03 0,05 0,79 0,69
fornecedores ou via internet, busco
conhecer melhor o meu trabalho.
estrat11. Lendo e buscando localizar
instruções, artigos técnicos e normas
0,01 0,11 -0,07 0,01 0,62 0,48
das organizações concorrentes,
aprendo em meu trabalho.
estrat15. Para melhor execução
do meu trabalho, busco ajuda em
0,16 0,13 0,00 0,04 0,52 0,51
manuais técnicos e na legislação
vigente.
Marque um X Quantidade
Contextos de inserção profissional
Sim Não 1 2 3 Até 10
Cursos de extensão
Cursos de pós-graduação lato sensu
Cursos de pós-graduação stricto sensu
Cursos de treinamento e
desenvolvimento na empresa
Seminários e congressos
Grupos de estudo
Estratégias de qualificação autodidata
(leitura de periódicos, livros, conversas
com profissionais da área)
•( ) Nada
•( ) Até 10%
•( ) Entre 11 e 30%
•( ) Entre 31 e 50%
•( ) Mais de 50%
472 Bastos, Guedes e colaboradores
• ( ) Nada
• ( ) Até 2 horas
• ( ) Entre 3 e 5 horas
• ( ) Entre 6 e 10 horas
• ( ) Entre 11 e 20 horas
• ( ) Mais de 20 horas
Leia atentamente as competências profissionais descritas abaixo e diga o quanto você considera
importante cada uma delas para a sua atuação profissional, bem como o quanto você considera
ter domínio para exercê-la. Considerando as escalas de 0 (zero) a 3 (três), escreva um número
correspondente à importância que você atribui a cada competência e outro para o seu grau de
domínio dessa competência, usando as colunas à direita de cada item.
Escala de Importância
0 1 2 3
Sem importância Pouco importante Importante Muito importante
Escala de Domínio
0 1 2 3
Não domino Domino um pouco Domino Domino completamente
Competências profissionais (derivadas das diretrizes curriculares Grau de
Importância
definidas para a formação do psicólogo brasileiro) domínio
Scree plot
5-
4-
Valor próprio
3-
2-
1-
0-
| | | | | | | | | | | | | | | | | | | | |
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21
Componentes
A Análise dos componentes principais, reali fatoração dos eixos principais com rotação oblíqua
zada com a matriz de respostas válidas de 234 – oblimin) com seis, cinco e quatro fatores.
casos aos 21 itens do questionário de avaliação Observou-se que a primeira solução com
da importância das competências profissionais, uma estrutura empírica de seis fatores, apesar
mostrou seis componentes principais com valo de explicar uma porção relativamente alta da
res próprios superiores a 1, que explicavam con variância total das respostas dos participantes aos
juntamente 60,5714% da variância total das itens (60,57%), não é parcimoniosa, tampouco
respostas aos itens. A análise do Scree plot, ou estável, com vários itens carregando em mais de
gráfico de sedimentação, mostra os componentes um fator. Além disso, a solução para o cálculo da
da matriz. A inspeção visual da figura não permi matriz pattern exigiu a ampliação do número de
te uma conclusão clara sobre o número de com iterações de 25 para 100.
ponentes relevantes, uma vez que a mudança A estrutura empírica de cinco fatores explica
brusca de direção da curva ocorre no terceiro e 43,09% da variância total das respostas aos itens,
no quarto (e não no quinto e no sexto fatores, apresenta todos os fatores consistentes; porém, o
como seria de se esperar) a explicar uma porção quinto fator contém apenas três itens, dos quais
significativa da variância das respostas aos itens. dois possuem cargas fatoriais superiores a 0,30
Com a finalidade de escolher a estrutura em em outros fatores.
pírica mais adequada aos dados, foram realizadas A última estrutura testada contém quatro
três análises fatoriais exploratórias (método de fatores que explicam conjuntamente 39,33% da
474 Bastos, Guedes e colaboradores
variância total das respostas aos itens do ques cursos de graduação em psicologia, documento
tionário. A solução fatorial de quatro fatores faz gerador dos itens deste questionário.
sentido teórico e esclarece aspectos relevantes das A Tabela 1 mostra as médias, desvios padrões
opiniões dos participantes sobre a importância que (DP), as comunalidades (H2) após a extração dos
atribuem a competências profissionais listadas no fatores, as cargas fatoriais e a porcentagem de va
questionário e possibilita o diagnóstico de eventuais riância total explicada pelos quatro fatores.
discordâncias com as diretrizes curriculares dos
CARGAS FATORIAIS
ITENS MÉDIA DP H2
1 2 3 4
Realizar orientação psicológica. 2,63 0,624 0,670 0,808
Realizar psicoterapia. 2,57 0,827 0,607 0,774
Realizar aconselhamento psicológico. 2,38 0,826 0,524 0,741
Realizar diagnósticos de processos psicológicos
2,59 0,609 0,498 0,701
de indivíduos.
Realizar intervenções de caráter terapêutico,
de acordo com as situações e os problemas 2,87 0,340 0,549 0,694
específicos.
Analisar necessidades de natureza psicológica. 2,69 0,491 0,295 0,363
Scree plot
5-
Valor próprio
4-
2-
0-
| | | | | | | | | | | | | | | | | | | | |
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21
Fator
Caso tenha respondido B, por favor, indique as profissões das pessoas que fazem parte do seu
grupo de trabalho e, depois, continue respondendo a partir da questão seguinte.
Opção C, pule apenas a próxima questão (profissões dos membros) e siga adiante
Profissões dos membros do grupo/equipe:
Profissões Quantos
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
O trabalho do psicólogo no Brasil 479
0 – nenhum
1 – pouco
1 – Quanto conflito há entre os membros de seu grupo ou equipe de trabalho?
2 – muito
3 – muitíssimo
2 – Quanta raiva há entre os membros de seu grupo ou equipe de trabalho?
3 – Quanto é evidente o conflito entre os membros de seu grupo ou equipe de trabalho?
4 – Quanta tensão existe no grupo na hora de tomar uma decisão?
5 – Quanta discordância há entre os membros de seu grupo ou equipe de trabalho devido a
diferenças de opinião?
6 – Quanta divergência de ideias existe entre os membros de seu grupo ou equipe de trabalho?
7 – Quanto conflito devido a diferenças de opinião nas decisões seu grupo ou equipe de trabalho
tem que resolver?
8 – Quanta divergência de opinião existe em seu grupo ou equipe de trabalho?
gunda aplicação em uma amostra composta por com a equipe antes descrita; assim, originou-se do
113 pessoas, todas membros de equipes de trabalho realizado por van der Vegt, Emans e van
trabalho (28). Com este segundo conjunto de da de Vliert (1999). Os itens constitutivos da medida
dos, foram realizadas investigações tanto da fato foram aqueles cujo conteúdo sofreu alterações
rabilidade do instrumento quanto da confiabili diversas, resultando em um conjunto cujo foco
dade da solução encontrada. Ao longo desse pro estava centrado nas crenças das pessoas sobe o
cesso, apenas 5 itens mostraram manter o foco trabalho em equipes (Puente-Palacios, 2002). Des
centrado no construto de interesse, qual seja a sa forma, a testagem da adequação do instru
satisfação com a equipe, enquanto os quatro que mento em questão foi realizada na amostra com
inicialmente tiveram sua redação alterada, foram posta por 113 respondentes, membros de 28 equi
efetivamente identificados como possuindo um pes de trabalho. Os resultados obtidos revelaram
núcleo teórico diferente daquele que se constituía satisfatória confiabilidade, uma vez que o valor do
em objeto de interesse. O valor do alfa de Cron alfa de Cronbach foi 0,75 e o da média aritmética
bach da versão final da escala de satisfação, da correlação item-total foi 0,57. Tendo em vista a
composta por 5 itens, foi 0,87 e a média aritmé necessidade de investigar a discriminação dos
tica da correlação item-total foi 0,70 (Puente-Pa itens pertencentes a cada escala, uma análise
lacios e Borges Andrade, 2005). fatorial conjunta foi realizada. Os itens de cada
medida (satisfação e crenças) separaram-se em
dois fatores perfeitamente diferençáveis, não ten
Escala de crenças sobre do sido identificados itens complexos. Adicional
o trabalho em equipe mente, foi realizado o cálculo da magnitude da
correlação de ambos os instrumentos, sendo en
A medida utilizada na pesquisa realizada a contrados valores que atestam o baixo compar
respeito do perfil profissional do psicólogo brasi tilhamento de variância entre ambos (r= 0,26;
leiro está composta por 4 itens respondidos em p<0,05; 6,7% de variância compartilhada). Logo,
escala do tipo Likert de concordância de 5 pontos. é pertinente defender que se trata de construtos
Este instrumento foi desenvolvido em decorrência genuinamente diferenciáveis (Puente-Palacios e
do processo de adaptação da escala de satisfação Borges Andrade, 2005).
Qual a importância do trabalho na sua vida? Assinale com um círculo um dos números na escala
abaixo:
Leia os grupos de características do trabalho que se seguem e atribuia pontos a cada um, de
modo que a soma dos pontos seja 100. Quanto mais pontos você atribui a um grupo, mais você
concorda que a descrição do grupo transmite o que o trabalho deve ser (Quadro 1):
Da mesma forma pontue as seguintes descrições do trabalho que seguem; agora, considere,
porém, o quanto descrevem a realidade concreta do trabalho (Quadro 2).
Tabela 1 (continuação)
Reconhecimento econômico (α=0,77)
11. O uso de meu pensamento.
24. Percepção de que ganho o suficiente e de acordo com meu esforço.
30. Assistência para mim e minha família.
31. Contribuição para o progresso da sociedade.
53. Desenvolvimento das minhas habilidades interpessoais.
57. Meu dinheiro.
Realização (α=0,73)
8. Benefício para os outros (usuários, clientes e pessoas em geral).
23. Exigência de tentar fazer o melhor.
29. Oportunidade de continuar na mesma atividade pela qualidade do que faço.
45. Reconhecimento pelo que faço.
52. A percepção de ser produtivo.
54. Oportunidades de tomar decisões.
18. Assistência em transporte, educação, saúde, moradia, aposentadoria, etc.
Igualitarismo e acolhimento (α=0,80)
14. A consideração de minhas opiniões.
28. Minha sobrevivência.
40. Igualdade de direitos para todos que trabalham.
49. Equipamentos necessários e adequados.
50. Assistência merecida.
59. Igualdade de esforços em relação aos meus colegas de trabalho.
60. A certeza de que meus colegas me querem bem.
61. A certeza da humanidade de minha existência.
62. A formação de amizades.
Desumanização (coisificação) (α=0,71)
21. Esforço físico (corporal) na execução do trabalho.
34. Uma vida corrida quando se trabalha também em casa.
37. Sentimento de ser como uma máquina ou um animal.
39. Discriminação pelo meu trabalho.
42. Sentimento de que estou esgotado.
51. Pressa em fazer e terminar minhas tarefas.
Ocupação (Sobrecarga) (α=0,75)
10. Repetição diária de tarefas.
20. Ocupação de meu tempo.
22. Dureza, pela exigência de esforço, dedicação e luta.
33. Tarefas parecidas diariamente feitas.
44. Percepção de que estou atarefado.
48. Exigência de rapidez.
Segurança normativa (α=0,67)
32. Cumprimento de normas.
35. Obrigação cumprida.
55. Cumprimento das normas e obrigações da sociedade para comigo.
58. A segurança de que não corro riscos físicos enquanto trabalho.
Tabela 2 (continuação)
Igualitarismo/reconhecimento/acolhimento (α=0,85)
2. Oportunidades de me tornar mais profissionalizado (mais qualificado).
3. Reconhecimento da importância do que faço.
14. A consideração de minhas opiniões.
26. Conforto nas formas de higiene, disponibilidade de materiais, equipamentos adequados e conveniência de horário.
27. Oportunidades permanentes de aprendizagem de novas coisas.
29. Oportunidade de continuar na mesma atividade pela qualidade do que faço.
31. Contribuição para o progresso da sociedade.
40. Igualdade de direitos para todos que trabalham.
45. Reconhecimento pelo que faço.
49. Equipamentos necessários e adequados.
58. A segurança de que não corro riscos físicos enquanto trabalho.
59. Igualdade de esforços em relação aos meus colegas de trabalho.
60. A certeza de que meus colegas me querem bem.
Realização (α=0,67)
1. Prazer pela realização de minhas tarefas.
8. Benefício para os outros (usuários, clientes e pessoas em geral).
12. O sentimento de ser tratada como pessoa respeitada.
52. A percepção de ser produtivo.
54. Oportunidades de tomar decisões.
56. Oportunidades de expressão de minha criatividade.
Humanização/sociabilidade (α=0,77)
11. O uso de meu pensamento.
15. A confiança das pessoas em mim.
16. Crescimento pessoal na vida.
25. Sentimento de que sou uma pessoa digna.
43. Sentimento de que sou gente.
47. Sentimento de estar bem de cabeça (mentalmente).
53. Desenvolvimento das minhas habilidades interpessoais.
61. A certeza da humanidade de minha existência.
62. A formação de amizades.
Normas e segurança (α=0,81)
4. Boa comunicação com as pessoas.
13. Cuidados necessários à higiene no ambiente de trabalho.
23. Exigência de tentar fazer o melhor.
32. Cumprimento de normas.
36. Tarefas e obrigações de acordo com minhas possibilidades.
38. Adoção de todas as medidas de segurança recomendáveis no meu trabalho.
46. Limpeza no ambiente de trabalho.
55. Cumprimento das normas e obrigações da sociedade para comigo.
Ocupação(dureza) (α=0,68)
20. Ocupação de meu tempo.
22. Dureza, pela exigência de esforço, dedicação e luta.
34. Uma vida corrida quando se trabalha também em casa.
35. Obrigação cumprida.
41. Percepção de que ganho pouco para o esforço que faço.
44. Percepção de que estou atarefado.
Esgotamento (sobrecarga) (α=0,74)
10. Repetição diária de tarefas.
21. Esforço físico (corporal) na execução do trabalho.
33. Tarefas parecidas diariamente feitas
42. Sentimento de que estou esgotado.
48. Exigência de rapidez.
51. Pressa em fazer e terminar minhas tarefas.
Desumanização (coisificação) (α=0,67)
37. Sentimento de ser como uma máquina ou um animal.
39. Discriminação pelo meu trabalho.
488 Bastos, Guedes e colaboradores
Cluster Error
F
Mean Square df Mean Square df Sig.
(CV) Ocupação (sobrecarga) 6,91 6 0,29 121 23,696 <0,001
(CV) Segurança normativa 6,42 6 0,21 121 30,105 <0,001
(CD) Independência econômica 6,23 6 0,53 121 11,835 <0,001
(CD) Igualitarismo-
3,18 6 0,21 121 15,276 <0,001
reconhecimento-acolhimento
(CD) Realização 2,88 6 0,25 121 11,563 <0,001
(CD) Desumanização
16,47 6 0,27 121 60,492 <0,001
(coisificação)
1 2 3 4 5 6 7
(CV) Dignidade-humanização 3,88 2,20 3,89 3,65 3,60 3,95 3,79
(CV) Crescimento-Independência 3,81 3,71 4,00 3,85 3,81 3,96 3,88
(CV) Reconhecimento econômico 3,75 3,74 4,00 3,74 3,75 3,95 3,84
(CV) Realização 3,71 3,77 4,00 3,62 3,61 3,90 3,75
(CV) Igualitarismo e acolhimento 3,68 3,02 3,96 3,64 3,61 3,85 3,68
(CV) Desumanização (coisificação) 2,06 ,33 3,39 1,13 ,64 1,04 1,12
(CV) Ocupação (sobrecarga) 3,40 ,90 3,78 2,36 1,74 2,63 2,02
(CV) Segurança normativa 3,78 1,00 4,00 3,38 3,22 3,81 3,47
(CD) Independência econômica 1,43 3,13 3,78 1,17 2,19 2,49 2,66
(CD) Igualitarismo-reconhecimento-
2,21 2,92 3,87 1,87 2,94 2,99 2,66
acolhimento
(CD) Realização 2,40 3,50 3,78 2,31 3,16 3,33 2,85
(CD) Humanização-sociabilidade 2,56 3,24 4,00 2,76 3,36 3,55 3,21
(CD) Normas e segurança 2,72 1,98 3,91 2,72 3,01 3,44 2,95
(CD) Ocupação (Dureza) 2,23 1,43 3,89 3,39 2,26 3,07 3,04
(CD) Esgotamento (sobrecarga) 2,31 ,77 3,72 3,10 1,37 2,25 2,43
(CD) Desumanização (coisificação) 1,19 ,00 3,33 2,63 ,17 ,27 1,45
490 Bastos, Guedes e colaboradores
Aspectos psicossociais
A seguir estão listados alguns aspectos relativos a sua vida. Indique o quanto você está satisfeito
ou insatisfeito com cada um deles utilizando a escala abaixo. Dê suas respostas anotando, na coluna
à frente de cada frase, um numero de 1 a 5, que melhor representa sua resposta.
EU ME SINTO RESPOSTAS
1 – muito insatisfeito
2 – insatisfeito
Com a minha disposição física 3 – nem satisfeito nem insatisfeito
4 – satisfeito
5 – muito satisfeito
Com o relacionamento atual que tenho com minha
família
Com a forma como as pessoas me tratam atualmente
Com o meu atual padrão de vida: as coisas que posso
comprar e fazer
Com a minha capacidade de fazer as coisas que quero
Com as coisas que faço agora para me distrair
Com o que o futuro parece reservar para mim
Com a minha aparência física atual
Com o meu trabalho atual
Com a minha vida afetiva no presente momento
Com a roupa que tenho condições de comprar
atualmente
Com as minhas atuais obrigações diárias
Com o tempo que tenho atualmente para descansar
Com o dinheiro que disponho atualmente para suprir
minhas necessidades
Com o que eu já consegui realizar em toda minha vida
Nos itens que seguem, avalie o nível em que concorda ou discorda das afirmações.
Eu me sinto muito cheio de energia. 1 – discordo totalmente
2 – discordo muito
3 – discordo
4 – nem concordo nem discordo
5 – concordo
6 – concordo muito
7 – concordo totalmente
Eu me sinto esgotado ao final de um dia de trabalho.
Sinto que a minha clientela me culpa por alguns dos seus
problemas.
Eu me sinto estimulado após trabalhar lado a lado com
minha clientela.
Eu me sinto como se estivesse no final de meu limite.
No meu trabalho, eu lido com os problemas emocionais
com muita calma.
Eu me sinto emocionalmente exausto pelo meu trabalho.
Eu me sinto frustrado com o meu trabalho.
Trabalhar diretamente com pessoas me deixa muito
estressado.
Eu me sinto esgotado com meu trabalho.
Posso criar facilmente um ambiente tranquilo com minha
clientela.
Sinto que estou influenciando outras pessoas através do
meu trabalho.
Sinto que trato pessoas da minha clientela como se fossem
objetos.
Sinto que estou trabalhando demais no meu emprego.
Trato de forma adequada os problemas da minha clientela.
492 Bastos, Guedes e colaboradores
mãe, o que, de acordo com a mãe, não é ver logo trabalhará visando promover a saúde e
dade, uma vez que a separação foi amigável e o a qualidade de vida das pessoas e suas co
seu envolvimento com outra pessoa só ocorreu letividades)
após o ex-marido ter saído de casa. A mãe do III. NÃO DISCRIMINAÇÃO E NÃO VIOLÊNCIA
menino também discordou da psicóloga A ao ter (O psicólogo contribuirá para a eliminação
lhe atribuído características psicológicas como de quaisquer formas de negligência, discri
imaturidade, instabilidade e fantasias adolescen minação, exploração, violência, crueldade e
tes, sem que nunca tivesse conversado com ela. opressão).
Além disso, a mãe discordou da psicóloga A por IV. RESPONSABILIDADE SOCIAL (O psicólogo
ter analisado a adaptação do menino, após a atuará com responsabilidade social, anali
separação, sem um tipo específico de avaliação sando crítica e historicamente a realidade
(psicodiagnóstico). Ainda segundo a mãe, a psi política, econômica, social e cultural.)
cóloga A fez referências ao seu atual namorado V. DESENVOLVIMENTO DA PSICOLOGIA (O psi
como uma pessoa de "vulnerabilidade extrema cólogo atuará com responsabilidade, por meio
da” e de “muitas aventuras amorosas" e que os do contínuo aprimoramento profissional, con
494 Bastos, Guedes e colaboradores
No espaço a seguir, justifique sua resposta e, se desejar, faça mais comentários sobre o Caso 1.
sos diante das evidências incontestáveis que mo artes que integram aspectos científicos, filo
confirmam a sua base científica; 3. Que a As sóficos e religiosos.
trologia determinou o ritmo das principais deci Em relação aos valores éticos mencionados
sões da política norte-americana na época de abaixo, responda como você avalia que a psicó
Reagan, além de ser, na atualidade, ampla loga B orientou a sua conduta profissional.
mente consultada por altos executivos de mul
1 – nada
tinacionais em suas decisões consideradas polê
2 – parcialmente
micas e complexas. Fez, ainda, referência ao
3 – totalmente
parágrafo VI do Art. 50 da Constituição Federal
4 – não se aplica ao caso
que assegura a inviolabilidade de consciência
e de crença, que ninguém será privado de di- I. IGUALDADE E LIBERDADE
reitos por convicção filosófica (inciso VIII) e II. SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA
que é livre a expressão da atividade intelec- III. NÃO DISCRIMINAÇÃO E NÃO VIOLÊNCIA
tual, artística, científica e de comunicação, in IV. RESPONSABILIDADE SOCIAL
dependentemente de censura ou licença (inci- V. DESENVOLVIMENTO DA PSICOLOGIA
so IX). Por fim, alertou para o fato de que, a VI. ACESSO DA PSICOLOGIA À POPULAÇÃO
Astrologia e a Psicologia são configuradas co- VII. DIGNIDADE DA PROFISSÃO
No espaço a seguir, justifique sua resposta e, se desejar, faça mais comentários sobre o Caso 2.
motivos para separar os dois grupos: 1. O fato são social dos alunos portadores de necessidades
de um aluno com necessidades especiais se en especiais é teoricamente boa, mas na prática não
contrar numa sala de aula com alunos não por é isso que ocorre.
tadores de necessidades especiais não significa Em relação aos valores éticos mencionados
que irá adquirir o senso de pertencer; 2. Alunos a seguir, responda como você avalia que a psi
com necessidades especiais podem estar social cóloga C orientou a sua conduta profissional
mente isolados em uma classe regular quanto 1 – nada
estariam em uma classe especial; 3. Os profes 2 – parcialmente
sores estão sobrecarregados de atribuições e 3 – totalmente
problemas com alunos não portadores de neces 4 – não se aplica ao caso
sidades especiais, mas que apresentam baixo
rend
imento escolar e, em geral, não estão pre I. IGUALDADE E LIBERDADE
parados para lidar com os comportamentos im II. SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA
previsíveis dos alunos portadores de necessi III. NÃO DISCRIMINAÇÃO E NÃO VIOLÊNCIA
dades especiais. Por fim, os professores da escola IV. RESPONSABILIDADE SOCIAL
lançam a seguinte questão: a alegação da psi V. DESENVOLVIMENTO DA PSICOLOGIA
cóloga C de que o programa possui uma estru VI. ACESSO DA PSICOLOGIA À POPULAÇÃO
tura de apoio psicológico e pedagógico à inclu VII. DIGNIDADE DA PROFISSÃO
No espaço a seguir, justifique sua resposta e, se desejar, faça mais comentários sobre o Caso 3.
through facet theory: smallest space analysis Escala de Satisfação Geral com a Vida (ESGV).
versus factor analysis. Educational and Psy Manuscrito não publicado, Universidade Fede
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Índice
A C
Aprendizagem no trabalho 359-378 Competências profissionais, qualificação e re-
estratégias 366-370 qualificação 380-399
cognitivas 368 desafios para a formação do psicólogo no Brasil
comportamentais 368-370 386-389
motivação e estratégias para aprender em domínio das competências profissionais, ava-
psicólogos brasileiros 370-377 liação do 391-392
motivação para 362-366 importância das competências profissionais,
processos de aprendizagem 359-362 avaliação das 390-391
Áreas de atuação 175-182 necessidades de capacitação dos psicólogos
abordagens teóricas, especialização e tempo 393-396
de formação 190-193 perfil dos psicólogos e estratégias de quali-
locais de trabalho por área 186-188 ficação-requalificação 389
orientações teórico-metodológicas por área qualificação e requalificação 383-386
193-197 resumo do quadro geral de formação no Brasil
atuação em clínica 193-194 397-399
atuação na área de saúde-hospitalar 194-
195 E
na área organizacional e do trabalho 195- Equipes de psicólogos, trabalho 200
196 conflitos interpessoais 203-205
atuação em docência 196 conflitos percebidos pelo psicólogos nas suas
atuação na área escolar e educacional 196- equipes 215-218
197 crenças dos psicólogos sobre seu trabalho em
orientações teóricas 188-190 equipe 212-215
principais atividades por área 184-186 crenças sobre o trabalho em 202-203
renda, vínculo empregatício e titulação por pesquisa: quem são e como trabalham 205-209
área 182-184 satisfação com a equipe 201-202
satisfação dos psicólogos com suas equipes
B 209-212
Bem-estar subjetivo do psicólogo 327-336 Escolha da profissão pelos psicólogos brasileiros
afetos positivos e negativos – componente 66-84
emocional de BES 333-336 análise das razões das escolhas 75-82
satisfação geral com a vida – componente escolha da área de atuação 73-75
cognitivo de BES 332-333 processo de escolha 67-73
500 Índice