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O trabalho

do psicólogo
no Brasil

A Artmed é a editora
oficial da SBPOT.
T758 O trabalho do psicólogo no Brasil [recurso eletrônico] : um exame
à luz das categorias da psicologia organizacional e do trabalho
/ Antonio Virgílio Bittencourt Bastos, Sonia Maria Guedes
Gondin (organizadores). – Dados eletrônicos. – Porto Alegre :
Artmed, 2010.

Editado também como livro impresso em 2010.


ISBN 978-85-363-2386-2

1. Psicologia – Trabalho – Brasil. I. Bastos, Antonio Virgílio


Bittencourt. II. Gondin, Sonia Maria Guedes.

CDU 159.9:331(81)

Catalogação na publicação: Renata de Souza Borges CRB-10/1922


Antonio Virgílio Bittencourt Bastos
Sônia Maria Guedes Gondim
e colaboradores

O trabalho
do psicólogo
no Brasil

2010
© Artmed Editora S.A., 2010

Capa: Heybro design

Preparação de originais: Marcos Vinícius Martim da Silva

Leitura final: Rafael Padilha Ferreira

Editora sênior – Saúde Mental: Mônica Ballejo Canto

Editora responsável por esta obra: Carla Rosa Araujo

Editoração eletrônica: Formato Artes Gráficas

Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à


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SÃO PAULO
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IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
Autores

Antonio Virgílio Bittencourt Bastos (org.) – Doutor em Psicologia pela Uni­ver­


sidade de Brasília, com concentração em Psicologia Organizacional e do Trabalho.
Mes­tre em Educação pela Universidade Federal da Bahia. Psicólogo pela Universidade
Federal da Bahia. Membro da Comissão de Psicologia do INEP e da comissão de área da
Psicologia na CAPES. Pesquisador I-A do CNPq. Professor Titular de Psicologia Social
nas Organizações na Universidade Federal da Bahia.
E-mail: antoniovirgiliobastos@gmail.com

Sônia Maria Guedes Gondim (org.) – Doutora em Psicologia Social pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Estágio pós-doutoral na Universidad Complutense de
Madrid e na University of Cambridge. Professora Associada no Instituto de Psicologia
da Universidade Federal da Bahia. Bolsista em Produtividade em Pesquisa do CNPq.
Atua na graduação e na pós-graduação dos programas de Psicologia, Gestão Social
e Administração da Universidade Federal da Bahia. Vice-presidente da Associação
Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho (SBPOT). Editora associada
da Revista Psicologia: Organizações e Trabalho (rPOT). Vice-diretora do Instituto de
Psicologia da Universidade Federal da Bahia.
E-mail: sggondim@ufba.br

COAUTORES

Gardênia da Silva Abbad – Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília.


Mestre em Psicologia Social e do Trabalho pela Universidade de Brasília. Pesquisadora e
bolsista de produtividade do CNPq. Membro do Conselho Acadêmico da Fundação Escola
Nacional de Administração Pública (ENAP). Editora associada da Revista Psicologia:
Organizações e Trabalho (rPOT). Professora Adjunta na Universidade de Brasília.
E-mail: gardenia.abbad@gmail.com

Jairo Eduardo Borges-Andrade – M.Sc. e Ph.D. em Sistemas Instrucionais pela


Florida State University, EUA. Psicólogo pela Universidade de Brasília. Fez estágios
pós-doutorais no  International Food Policy Research Institute, EUA, na  University of
vi Autores

Sheffield, Inglaterra, e na Rijksuniversiteit Gröningen, Holanda.  Professor Titular na


Universidade de Brasília.
E-mail: jairo.borges@gmail.com

Janice Aparecida Janissek de Souza – Doutora em Administração pela Univer­sidade


Federal da Bahia. Mestre em Administração pela Universidade Federal de San­ta Catarina.
Psicóloga pela Universidade Católica de Pelotas. Professora Adjunta na Uni­versidade Federal
de Mato Grosso. Integrante do  Grupo de Estudos Indivíduo, Or­ganizações e Trabalho
na Universidade Federal da Bahia Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Administração (GEPAD) na Universidade Federal de Mato Grosso.
E-mail: ricjanesalvador@terra.com.br

José Carlos Zanelli – Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas.


Pós-doutorado em Psicologia pela Universidade de São Paulo e pela Pontifícia Uni­ver­
sidade Católica de Campinas. Mestre em Psicologia Social das Organizações pelo Instituto
Metodista de Ensino Superior de São Bernardo do Campo. Especialista em Psi­cologia
Organizacional e do Trabalho pelo Instituto Sedes Sapientiae. Psicólogo pela Universidade
de Brasília. Professor Associado na Universidade Federal de Santa Catarina.
E-mail: jczanelli@terra.com.br

Kátia Barbosa Macêdo – Master en Psicología Aplicada a Las Organizaciones, pela


Escuela de Administración de Empresas de Barcelona. Doutora em Psicologia Social pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Educação pela Universidade
Federal de Goiás. Psicóloga pela Universidade Católica de Goiás. Professora Titular na
Universidade Católica de Goiás.
E-mail: katia.macedo@cultura.com.br

Katia Puente-Palacios – Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília.


Graduação em Psicologia Industrial pela Pontifícia Universidade Católica de Quito,
Equador. Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília. Pós-doutorado em
Psicologia pela Universidade de Valencia, Espanha. Professora Adjunta na Universi-
dade de Brasília.
E-mail: kep.palacios@gmail.com

Livia de Oliveira Borges – Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília,


com estágio pós-doutoral na Universidade Complutense de Madrid. Mestre em Admi­
nistração pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Psicóloga pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. Professora na Universidade Federal de Minas Gerais.
Pesquisadora CNPq.
E-mail: liviadeoliveira@gmail.com

Luciana Mourão – Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília. Mestre em


Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora e pesquisadora
na Universidade Salgado de Oliveira. Membro da Diretoria da Associação Brasileira de
Psicologia Or­ganizacional e do Trabalho (SBPOT).
E-mail: luciana_mourao@yahoo.com.br
Autores vii

Maria do Carmo Fernandes Martins – Doutora em Psicologia pela Universidade de


Brasília. Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília. Psicóloga pela Universidade
de São Paulo. Professora Titular e pesquisadora da Universidade Metodista de São
Paulo. Presidente da Associação Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho
(SBPOT). Professora Colaboradora na Universidade Federal de Uberlândia.
E-mail: mcfernandesmartins@yahoo.com.br

Maria Júlia Pantoja – Doutora em Psicologia Organizacional e do Trabalho pela


Universidade de Brasília. Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília. Professora
Adjunta e pesquisadora na Universidade de Brasília.
E-mail: jpantoja@unb.br

Maria da Graça Corrêa Jacques – Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade


Católica do Rio Grande do Sul. Pós-doutorado em Psicologia Social pela Universidade
Aberta, Portugal. Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul. Psicóloga pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Professora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
E-mail: fjacques@terra.com.br

Mauro de Oliveira Magalhães – Doutor em Psicologia do Desenvolvimento pela


Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em Psicologia pela Universidade Federal
do Rio Grande do Sul. Psicólogo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul. Professor no Programa de pós-graduação em psicologia do Instituto de Psicologia da
Universidade Federal da Bahia. Professor Adjunto na Universidade Luterana do Brasil.
Certificado como Career Coach pelo Career Planning and Adult Development Network, EUA.
E-mail: mauro.m@terra.com.br

Mirlene Maria Matias Siqueira – Doutora em Psicologia pela Universidade de


Brasília. Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília. Psicóloga e Pesquisadora
do CNPq. Professora Titular e pesquisadora na Universidade Metodista de São Paulo,
Faculdade de Saúde.
E-mail: mirlenesiqueira@uol.com.br

Narbal Silva – Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de


Santa Catarina. Mestre em Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Especialista em Psicologia Organizacional e do Trabalho pelo Conselho Federal de
Psicologia. Psicólogo pela Universidade de Federal de Santa Catarina. Professor
Adjunto na Universidade Federal de Santa Catarina. Coordenador do Programa de Pós-
Graduação em Psicologia na Universidade Federal de Santa Catarina. Editor da Revista
Psicologia: Organizações e Trabalho (rPOT).
E-mail: narbal.silva@globo.com

Oswaldo Hajime Yamamoto – Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo.


Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Psicólogo
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor Titular na Universidade
Federal do Rio Grande do Norte.
E-mail: oswaldo.yamamoto@gmail.com
viii Autores

Roberto Heloani – Doutor em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica


de São Paulo. Pós-doutorado em Comunicação pela Universidade de São Paulo. Mestre
em Administração pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo. Psicólogo pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo.
Professor Titular da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas.
Professor no Departamento de Gestão Pública da Fundação Getulio Vargas de São
Paulo. Livre-Docente em Teoria das Organizações na Universidade de Campinas.
E-mail: roberto.heloani@fgv.br

Sigmar Malvezzi – Doutor em Department Of Behaviour In Organizations ,University


of Lancaster. Mestrado em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo. Psicólogo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor do
Instituto de Psicologia na Universidade de São Paulo. Professor visitante na Universidade
Icesi de Cali, Colômbia. Professor visitante na Universidad de Belgrano, Argentina.
Professor visitante na Universidad Tecnologica Nacional, Argentina.
E-mail: sigmar.malvezzi@fgv.br

Talyson Amorim Tenório de Carvalho – Mestre em Psicologia pela Universidade


Federal da Bahia. Especialista em Administração de Recursos Humanos pelo Centro
Universitário de Volta Redonda. Professor na Universidade Salvador.
E-mail: talysoncarvalho@yahoo.com.br

COLABORADORES

André de Figueiredo Luna – Psicólogo pela Universidade Federal da Bahia. Membro


do grupo de pesquisa Indivíduo e Trabalho: processos micro-organizacionais.
E-mail: andre_luna_@hotmail.com

Ana Carolina de Aguiar Rodrigues – Psicóloga pela Universidade Federal da Bahia.


Bacharel em Administração pela Universidade do Estado da Bahia. Doutoranda em
Psicologia pela Universidade Federal da Bahia. Professora Substituta na Universidade
Federal da Bahia.
E-mail: anaguiar@ufba.br

Fabiana Queiroga – Psicóloga pela Universidade Federal da Paraíba. Especialista em


Matemática e Estatística pela Universidade Federal de Lavras. Doutoranda no programa
de Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela Universidade de Brasília.
E-mail: fabianaq@yahoo.com

Graceane Coelho de Souza – Psicóloga pela Universidade Federal da Bahia. Aluna


de MBA em Gestão de Recursos Humanos pela Universidade Salvador.
E-mail: grace.souza@gmail.com

Liana Santos Alves Peixoto ­– Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia


da UFBA. Bolsista do grupo de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais.
E-mail: lianasap@yahoo.com.br
Autores ix

Louise Cristine Santos Sobral – Mestranda do Programa de Pós-Graduação em


Psicologia na Universidade Federal da Bahia. Bolsista Institucional da Universidade
Federal da Bahia (Fapesb).
E-mail: louise_sobral@hotmail.com e louisesobral@ufba.br

Marissa Silva Lima – Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia.


E-mail: marissalima@hotmail.com

Raphael Andrade Nunes Freire – Psicólogo pela Universidade de Brasília. Certificado


em Gestão de Projetos pelo Prince 2, Projects in Controlled Environments, EUA.  
E-mail: andrade.raphael@gmail.com

Rosângela Cassiolato – Pós-graduanda da Universidade Estadual de Campinas. Psicó­


loga pela Universidade São Judas Tadeu. Mestrado em Psicologia pela Universidade São
Marcos. Aperfeicoamento em Psicologia Clínica pela Universidade São Judas Tadeu.
E-mail: laridov@terra.com.br

Suzana Tolfo – Doutora em Administração de Recursos Humanos pela Universidade


Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em Administração pela Universidade Federal
de Santa Catarina. Especialista em Dificuldades de Aprendizagem pela Universidade
do Estado de Santa Catarina. Psicóloga pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Professora Adjunta do na Universidade Federal de Santa Catarina.
E-mail: srtolfo@yahoo.com.br
Sumário

Prefácio..................................................................................................................................................... 13

1 A profissionalização dos psicólogos: uma história de promoção humana............................. 17


Sigmar Malvezzi

2 Uma categoria profissional em expansão: quantos somos e onde estamos?......................... 32


Antonio Virgílio Bittencourt Bastos, Sônia Maria Guedes Gondim
e Ana Carolina de Aguiar Rodrigues

3 A formação básica, pós-graduada e complementar do psicólogo no Brasil........................... 45


Oswaldo Hajime Yamamoto, Janice Aparecida Janissek de Souza,
Narbal Silva e José Carlos Zanelli

4 Escolha da profissão: as explicações construídas pelos psicólogos brasileiros.................. 66


Sônia Maria Guedes Gondim, Mauro de Oliveira Magalhães
e Antonio Virgílio Bittencourt Bastos

5 Inserção no mercado de trabalho: os psicólogos recém-formados......................................... 85


Sigmar Malvezzi, Janice Aparecida Janissek de Souza e José Carlos Zanelli

6 O exercício da profissão: características gerais da inserção profissional do psicólogo...... 107


Roberto Heloani, Kátia Barbosa Macêdo e Rosângela Cassiolato

7 O psicólogo como trabalhador assalariado: setores de inserção,


locais, atividades e condições de trabalho................................................................................. 131
Kátia Barbosa Macêdo, Roberto Heloani e Rosângela Cassiolato

8 O psicólogo autônomo e voluntário: contextos, locais e condições de trabalho................... 151


Luciana Mourão e Maria Júlia Pantoja

9 Áreas de atuação, atividades e abordagens teóricas do psicólogo brasileiro............................. 174


Sônia Maria Guedes Gondim, Antonio Virgílio Bittencourt Bastos e Liana Santos Alves Peixoto

10 O psicólogo e sua inserção em equipes de trabalho...................................................................... 200


Maria do Carmo Fernandes Martins e Katia Puente-Palacios
xii Sumário

11 A identidade do psicólogo brasileiro........................................................................................... 223


Sônia Maria Guedes Gondim, André de Figueiredo Luna, Graceane Coelho de Souza,
Louise Cristine Santos Sobral e Marissa Silva Lima

12 O significado do trabalho para psicólogos brasileiros.................................................................... 248


Livia de Oliveira Borges e Oswaldo Hajime Yamamoto

13 Dilemas éticos na atuação do psicólogo brasileiro......................................................................... 283


Narbal Silva, José Carlos Zanelli e Suzana Tolfo

14 Os vínculos do psicólogo com o seu trabalho: uma análise do


comprometimento com a profissão e com a área de atuação........................................................ 303
Antonio Virgílio Bittencourt Bastos, Mauro de Oliveira Magalhães
e Talyson Amorim Tenório de Carvalho

15 Bem-estar subjetivo do psicólogo...................................................................................................... 327


Mirlene Maria Matias Siqueira

16 Saúde/doença no trabalho do psicólogo: a síndrome de burnout................................................. 338


Maria da Graça Corrêa Jacques, Livia de Oliveira Borges, Roberto Heloani e Rosângela Cassiolato

17 Aprendizagem no trabalho do psicólogo brasileiro......................................................................... 359


Jairo Eduardo Borges-Andrade, Maria Júlia Pantoja, Fabiana Queiroga
e Raphael Andrade Nunes Freire

18 Competências profissionais e estratégias de qualificação e requalificação................................ 380


Gardênia da Silva Abbad e Luciana Mourão

19 Imagem da profissão e perspectivas futuras de mudança.............................................................. 402


Katia Puente-Palacios, Gardênia da Silva Abbad e Maria do Carmo Fernandes Martins

20 As mudanças no exercício profissional da psicologia no Brasil: o que se


alterou nas duas últimas décadas e o que vislumbramos a partir de agora?............................... 419
Antonio Virgílio Bittencourt Bastos, Sônia Maria Guedes Gondim e Jairo Eduardo Borges-Andrade

Apêndice 1 – A pesquisa nacional do psicólogo no Brasil:


caracterização geral e procedimentos metodológicos.................................................................... 445
Antonio Virgílio Bittencourt Bastos e Sônia Maria Guedes Gondim

Apêndice 2 – Instrumentos da pesquisa nacional do psicólogo brasileiro............................................ 452

Índice............................................................................................................................................................... 499
Prefácio

Uma profissão se constitui e se institu­ se tornarem objeto constante de estudo e de


cionaliza em função das demandas sociais pesquisa científica que ofereçam dados e
que se responsabiliza por atender e que re­ promovam reflexões não só para avaliar o
que­rem saber especializado, domínio de tec­­ quanto seus compromissos sociais estão sen­
nologias apropriadas e forte adesão a um do cumpridos, mas, sobretudo, para apontar
conjunto de padrões éticos fundamentais pa­ problemas, desafios e limites que possam im­
ra garantir a qualidade dos serviços que co­ pulsionar os seus processos de mudança.
loca à disposição da população. O fato de Sem investigação sistemática faltarão insu­
ar­ticular campo de conhecimento e demanda mos para se avaliar e rever a formação que
de serviços oriunda da sociedade faz com está sendo oferecida aos profissionais – exi­
que as profissões, e a Psicologia em parti­ gên­cia fundamental de toda atuação respon­
cular, necessitem lidar com dois mundos em sável. Faltarão, também, elementos para a
contínua transformação e com ritmos de definição, por parte das entidades científicas
mudança diferenciados, o que impõe enor­ e profissionais, de políticas, de programas e
me exigência, tanto para o sistema de for­ma­ de ações que possam dirigir a profissão para
ção quanto para o sistema de acompa­nha­ os seus objetivos maiores e que, enfim, justi­
mento das ações profissionais. ficam a sua existência.
Os campos profissionais e a Psicologia, As razões para o desenvolvimento do es­
em especial, configuram-se como espaços tudo cujos resultados se concretizam neste
múl­tiplos, diversificados, muitas vezes mar­ livro residem exatamente aí: na consciência
cados por conflitos de diversas ordens – teó­ da importância de a Psicologia se conhecer,
ricos, técnicos, políticos, ideológicos – e pela se analisar, dimensionar seu crescimento e
tensão de construir uma identidade própria defrontar-se com seus problemas. Só assim,
a partir da diversidade que a distingue. Re­ dispondo de informações sobre o que fazem
lacionar diversidade, processo de formação, os seus profissionais, em que condições atuam,
atualização permanente e necessidades que que dificuldades enfrentam e que relação es­
nem sempre se traduzem em demandas so­ ta­belecem com os diversos segmentos so­ciais,
ciais é o maior desafio para as entidades que é que a Psicologia poderá construir e recons­
se responsabilizam por zelar pela profissão. truir seu projeto futuro.
Essas características, que singularizam e Assim, é com enor­me prazer que apresen­
definem um campo profissional, ressaltam, tamos este livro a pes­quisadores, docentes,
por outro lado, a importância das profissões profissionais, estu­dan­tes de psicologia e de­
14 Bastos, Guedes e colaboradores

mais interessados em conhecer e discutir o de políticas no âmbito da formação e da


cenário atual e o futuro da profissão de psi­ atuação profissional.
cólogo no Brasil. A proposta do referido GT, apresentada
O livro é fruto de uma ampla investigação sob o título A Ocupação do Psicólogo: um
proposta por um Grupo de Trabalho (GT) de exame à luz das categorias da psicologia or­
Psicologia Organizacional e do Trabalho ganizacional e do trabalho, favoreceu a am­
(POT) (GT1) pertencente à Associação Na­ pliação de uma rede de pesquisadores de
cional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psi­ diversos pontos do país e que estudavam
cologia (ANPEPP), cuja história data de diversos temas tendo como foco o trabalho e
1990, por ocasião do III Simpósio de Pesquisa as organizações para, em conjunto, inves­
e Intercâmbio Cientifico da ANPEPP. De lá tigarem a ocupação do psicólogo brasileiro
para cá, muitos projetos foram realizados, no cenário atual e caracterizar as trans­for­
sem­pre com a preocupação de consolidar mações de nossa profissão. A pesquisa contou
redes de pesquisa que pudessem produzir com o apoio do CNPq no financiamento de
conhecimento relevante para o campo da três subprojetos de pesquisadores integrantes
Psi­cologia Organizacional e do Trabalho e do GT. O leitor pode encontrar informações
tornar tal conhecimento acessível ao sistema mais detalhadas sobre a equipe do projeto, o
de formação de psicologia. Desse núcleo nas­ desenvolvimento da pesquisa e os instru­
ceram, também, iniciativas importantes para mentos usados nos Apêndices 1 e 2.
institucionalizar a área de PO&T* no Brasil, Nossa expectativa, ao redigir este livro,
criando espaços institucionais como a SBPOT foi a de que ele tivesse uma ampla utilização
que passou a dar voz a um importante con­ por todos os interessados na profissão, espe­
tingente de psicólogos no conjunto das en­ cial­­mente pelo sistema de formação. Certa­
tidades da categoria. mente, ele deverá ser usado nas disciplinas
O desenvolvimento de uma pesquisa introdu­tórias dos cursos de psicologia, permi­
nacional sobre a profissão de psicólogo no tindo ao aluno calouro conhecer aspectos im­
Brasil sustentou-se na argumentação de que portantes da realidade da profissão que esco­
a área de PO&T acumulara um amplo vo­ lheu, sob supervisão de um docente que o
lume de conhecimentos sobre distintas ajude a refletir criticamente sobre o cenário
ocupa­­ções, profissões e contextos organiza­ atual da psicologia no Brasil. Há capítulos
cionais. Seria oportuno, pois, tomar como específicos que seriam bastante contributivos
objeto de estudo a nossa própria categoria sobre os motivos de escolha da psicologia, a
profissional. Ademais, a última pesquisa de história da profissão no Brasil, o significado
abrangência nacional sobre a profissão do do tra­balho, as perspectivas de inserção profis­
psicólogo no Brasil havia sido feita no final sional nos dois primeiros anos de formados,
da década de 1980 pelo Conselho Federal de as capacita­ções e as competências do psicólogo
Psicologia, e duas décadas depois o quadro e as es­tratégias de qualificação, aprendizagem
brasileiro poderia ter se alterado signifi­ca­ no trabalho e os dilemas éticos no exercício da
tivamente, como por exemplo, com a expan­ profissão. Mais do que um simples pa­­nora-
são dos cursos de psicologia e a emergência ma descritivo da situação do profissional, o
de novos subcampos de conhecimento e aluno encontrará, nestes capítulos, refle­xões
áreas de atuação. Tornava-se urgente realizar teóricas que, apoiadas nos dados gera­dos pela
um estudo nacional que permitisse avaliar as pesquisa, apontam os grandes pro­ble­mas e
mudanças ocorridas ao longo das últimas desafios que enfrentamos como profissionais
décadas para subsidiar melhor a elaboração em nossa inserção no mundo do trabalho.

*
N. de R. Psicologia Organizacional e doTrabalho.
O trabalho do psicólogo no Brasil 15

O livro poderá ser usado também para temática de interesse para a área de PO&T.
aju­dar em disciplinas de formação em pes­ Ele oferece uma oportunidade rara de termos
quisa. Para tanto, disponibiliza, em dois ane­ vários fenômenos que estudamos em outros
xos, uma descrição do desenho da pes­quisa e trabalhadores sendo discutidos a partir da
apresenta todos os instrumentos uti­li­zados realidade do profissional de Psicologia.
com informações psicométricas adi­cionais no Além do suporte à formação, o livro
caso de uso de escalas. A decisão de deixar também reúne informações relevantes sobre
como apêndice foi justamente para facultar ao a profissão que permitem ao Conselho Fe­
leitor, docente, pesquisador, profis­sional ou deral de Psicologia, aos Conselhos Regionais
aluno a decisão de conhecer o conteúdo do e às diversas associações científicas extraírem
estudo ou aprofundar-se na compreensão do insumos para a elaboração de políticas para
processo de construção da pesquisa. Outra a categoria profissional e suas subáreas. In­
razão para incluir as informações detalhadas formações sobre o psicólogo assalariado e o
sobre pesquisa, originou-se a partir dos resul­ autônomo encontram-se apresentadas em
tados do Exame Nacional de Desempenho de­talhes em capítulos específicos. Indicado-
Acadêmico de 2006, que revelou que os es­ res de saúde do psicó­logo brasileiro, como
tudantes de psicologia apresentam lacunas bur­nout e bem-estar sub­jetivo, constam neste
relativas a com­­petências fundamentais para li­vro. A forma de realização do trabalho tam­
investigação cien­­­tífica. Um campo científico só bém é contemplada no capítulo que discute
pode avan­çar se houver pesquisa, e incluir os se o trabalho do psi­cólogo está sendo feito
apên­dices seria uma oportunidade de con­ mais individualmente ou em equipes e, neste
tribuir para despertar o interesse em pesquisa último caso, com que profissionais está tra­
e na reali­zação de futuras réplicas para testar balhando e que ativi­dades realizam. Quais as
os resul­tados obtidos. Na realidade, o exercício orientações teóricas predominantes entre psi­
profis­sional do psicólogo já é objeto de pes­ cólogos e se há dife­renças entre áreas de
quisa por parte da nossa comunidade científi­ atuação permitem vi­sualizar de modo claro a
ca. Disser­tações, teses e projetos de pesquisa diversidade teórico-metodológica que é a
estudam aspectos específicos importantes. Es­ mar­ca da psicologia brasileira. Enfim, inúme­
pera-se que este livro possa contribuir para ras outras discussões sobre identidade profis­
este esforço coletivo de autoconhecimento da sional, comprometi­mento com a profissão e
profissão, favorecendo a consolidação de li­ área de atuação, imagem social do psicólogo
nhas de pes­quisa que tomem as práticas pro­fis­ e intenções de mudança de profissão, área
sionais co­mo objeto legítimo de investigação. de atuação e em­prego integram este amplo
Finalmente, o livro poderá ser largamente panorama da pro­fissão na atualidade, ofere­
utilizado por alunos, docentes e profissionais cendo insumos significativos para fundamen­
da área da Psicologia Organizacional e do tar programas e ações das nossas entidades
Trabalho. Aqui eles poderão encontrar temas representativas.
que são centrais no seu domínio aplicados à O livro estrutura-se em cinco segmentos.
realidade do exercício profissional da Psico­ O primeiro inclui uma breve apresentação
logia. Escolha profissional, comprometimen- do grupo de pesquisa e dos motivos que nos
to com a profissão, identidade, saúde e bem- levaram a realizar o estudo cujo produto foi
-estar, burnout, qualificação e aprendizagem este livro e também um capítulo inicial sobre
são importantes temas de pesquisa na área a história da psicologia como profissão. O
que aqui foram estudados em amostras de segundo segmento tem como foco a forma-
psicólogos brasileiros. Nesse sentido, o livro ção e a atuação do psicólogo. Nove ca­pítulos
vai além de uma simples descrição de um compõem esse segmento e discor­rem sobre a
campo profissional, o que, por si só, já seria caracterização geral e de dis­tribuição de psi­
16 Bastos, Guedes e colaboradores

cólogos no Brasil, a formação básica, pós- rando a pesquisa nacio-nal rea­lizada pelo
-gra­duação e complementar, a es­colha da Conselho Federal de Psico­logia no final da
pro­fissão, a inserção de recém-for­ma­dos no década de 1980 e a pesquisa atual realizada
mercado de trabalho, caracterização geral da em 2006. O quinto e último segmento é
inserção de psicólogos, o psi­có­logo assala­ composto de dois apêndices cuja função é
riado, o psicólogo autônomo e o volun­tário, oferecer aos docentes, pesquisadores e de­
áreas de atuação, atividades e orien­tações mais interes­sa­dos a oportu­nidade de acesso
teó­ricas do psicólogo brasileiro e fi­naliza a informações mais detalha­das sobre a pes­
com a inserção do psicólogo em equi­pes uni quisa que pode­rão subsidiar desdobra­men­
ou multidisciplinares de trabalho. O próxi- tos futuros, po­ten­cializando a pro­dução do
mo segmento enfoca o psicólogo como tra­ conhecimento em psicologia.
ba­lha­dor. Os capítulos são reu­nidos versam Em nome de toda a equipe do Grupo
sobre a iden­tidade pro­fis­sional do psicólo- de Pesquisa que representamos, agradece-
go, o sig­ni­ficado do trabalho, dilemas éticos mos o apoio do CNPq, do Sistema Conselhos
na atua­ção pro­fissional, com­prometimento de Psicologia, e dos estudantes de primeiro
com a pro­fissão e área de atuação, bem- semestre da UFBA (2009-1) que contribuí­
-estar subje­tivo, saúde e doença no trabalho ram de modo signifi­cativo na avaliação dos
do psicólogo, apren­dizagem no trabalho e capítulos des­te livro aos objetivos da dis­ci­
competências profis­sionais e estratégias de plina Psicologia, Ciência e Profissão, e a to­
qualificação e requa­lificação. Os dois últi­ dos os demais co­la­boradores que ajudaram
mos capítulos ana­lisam a imagem so­cial da a tornar realizável este ousado projeto de
profissão e as mudanças no exercício pro­ grande mobiliza­ção nacional.
fissional na psicolo­gia brasileira que ocor­ Antonio Virgílio Bittencourt Bastos
reram nas duas últimas décadas, compa­ Sônia Maria Guedes Gondim
1
A profissionalização dos psicólogos
uma história de promoção humana

Sigmar Malvezzi

A Psicologia criou um campo fértil de gual­dades, criaram ins­trumentos estraté­-


conhecimento sobre a pessoa, largamente gi­cos para o funcionamento das comunida-
evi­­denciado em seu visível e contínuo de­ des e apoiaram o trabalho de outros pro­
sen­­volvimento ao longo dos últimos 150 fissio­nais. Investindo na com­preensão da
anos, amplamente reconhecido por inegá­ pessoa, no desenvolvimento das poten­cia­
veis con­tri­­buições para o progresso da ciên­ lidades da vida, no ajustamento in­divíduo-
cia (Ma­chado et al., 2000; Bastos e Rocha, ambiente e na superação do sofri­mento, a
2007) e para a construção de uma sociedade Psicologia in­tegra os instrumentos reque­ri­
mais justa e humanizada (Baró, 1998; Ze­ dos pela cons­trução consciente e res­pon­
melman, 2002). A conscientização das pes­ sável da so­cie­dade. A criação da pro­fis-
soas sobre a vida pessoal e comu­nitária, são do psicó­logo é um dos resultados mais
sobre a saúde, sobre o bem-estar e sobre a posi­tivos e promis­sores do desenvol­vimento
própria parti­cipação na construção do fu­ da Psicolo­gia no Brasil.
turo pessoal e da sociedade como um todo, A profissão de psicólogo é, hoje, um pa­
obser­vada nos úl­timos 100 anos, é fruto das trimônio onipresente em toda a sociedade,
teorias e dos conceitos sobre os processos largamente reconhecida em sua potencia­
psíquicos, e do trabalho dos psi­cólogos que, lidade de serviços, como revelado empiri­
oferecendo ex­plicações sobre o funcio­na­ camente nos diversos capítulos deste livro.
men­­­to psíquico do ser humano, inspirou e A origem dessa profissão como espaço téc­
fundamentou proje­tos e atividades que con­ nico e especializado de conhecimentos e de
­tri­buíram para o de­sen­volvi­mento da qua­li­ servi­ços está evidenciada em incontáveis
dade de vida. Domi­nando o campo dos pro­ ativi­dades nos campos acadêmico, jurídico,
cessos psíquicos, os psicólogos mergu­lharam so­cial, da saúde, do trabalho e da educação,
em ações afirma­tivas que cons­truí­ram estru­ desde a segunda metade do século XIX.
turas e mode­la­ram processos di­versos de Sua aceitação e sua consolidação ocorre-
intervenção, ela­bo­raram e publi­ca­ram crí­ ram mui­to rapidamente pela atratividade
ticas e denúncias às injustiças e às desi­- das ques­­tões implicadas na pesquisa do psi-
18 Bastos, Guedes e colaboradores

quis­mo humano, pela importância dos pro­ jeito e da comunidade como espaço de vida.
ble­mas que dependiam da compreensão do O leitor deste livro, ao enxergar me­lhor a
comportamento do sujeito, pela funciona­ in­serção do psicólogo na sociedade bra­si­lei-
lidade e pela eficácia de técnicas oriundas ra, além de enriquecer sua capacidade pa­ra
do conhecimento dos processos psíquicos e co­laborar com o desenvolvimento e a con­
pela confiança que mereceu das pessoas e vivência entre as profissões, estará mais
das instituições. Em espaço inferior a 50 apto a identificar e a criar soluções maduras
anos, a identidade do psicólogo tornou-se para os problemas que circundam todos os
presença marcante em diversos países, lar­ brasileiros. Agregando valor a essa tarefa,
ga­mente integrada ao repertório profissio- este capítulo oferece algumas reflexões so­
nal dos ser­viços técnicos requeridos por bre o conteúdo e a construção dessa pro­
quase todos os setores da sociedade. Hoje, fissão. Essa reflexão poderá estimular a sen­
início do sé­culo XXI, a profissão do psicólogo sibilidade do leitor para os desafios en­fren­
é um ter­ritório ocupacional regulamentado, tados na ma­nutenção e no desenvolvimento
institu­cio­nali­zado e integrado à dinâmica de uma profis­são no con­texto que se glo­
da so­ciedade por significativa e crescente baliza, se volatiliza e, por isso, reabastece o
demanda comer­cial em quase todos os cam­ combustível dos co­nheci­mentos e serviços
pos de ati­vi­dades em que as pessoas atuam, sobre os processos psíquicos. A profissão do
como sujeito e como objeto de atenção e de psicólogo é um espelho desse mundo, por­
estudo. O nas­cimento, o crescimento e a que com ele inte­ra­­ge o profissional, acei­
consolidação da Psicologia e da profissão tando estudar seus problemas e se com-
do psicólogo no Bra­sil ocorreram em con­ pro­­metendo com a trans­formação reque­rida
comi­tância com os mesmos fenômenos nos para a construção da jus­tiça e do bem-estar,
países mais desen­volvidos do planeta. bem como com o re­co­nhecimento da dig­ni­
A pesquisa sobre a profissão do psicó­ dade das pessoas. Pa­ra realizar essa ta­re-
logo no Brasil, publicada neste livro, oferece fa, este capítulo tentará res­ponder a qua-
uma cartografia da realidade brasileira so­ tro questões: como a Psico­logia foi institu­
bre a profissionalização do conhecimento cionalizada na profissão de psicó­logo? Co-
científico focado no comportamento huma­ mo o conhecimento sobre o com­por­tamen-
no e, como tal, propicia subsídios para o to evo­luiu em nossa profissão? Quais os pro­­
enriquecimento da reflexão crítica sobre a blemas que desafiam o desenvol­vimento des­­­­­
própria sociedade brasileira. O dinamismo, sa pro­fissão no século XXI? Por que a Psi­co­
as peculiaridades e os contrastes presentes logia e os psicólogos merecem confiança?
na sociedade brasi­lei­ra seriam dificilmente
compreendidos sem a contribuição dos co­
nhecimentos pro­duzidos pela pesquisa no A profissionalização
campo do compor­tamento e pelos serviços do psicólogo
prestados pelos psi­cólogos. Os dados aqui
revelados evidenciam a participação dos A produção e a aplicação de conheci­
psi­cólogos nos mais di­versos setores da so­ mentos sobre os processos psicológicos exis­
ciedade brasileira e, ex­plicitando como essa tem desde os primórdios da história huma­
participação ocorre, re­­­velam a conver­­gên- na, mas somente em meados do século XVI
cia das atividades para a definição da mis- apa­re­ce pela primeira vez o vocábulo Psy­
são dos psicólogos no Bra­sil. Esses pro­ cho­logia, na língua latina, para designar
fissionais contribuem para a rea­lização e “o estudo ou a ciência da alma, que era um
para o bem-estar de todo o povo por meio campo do saber integrado à Teologia e à
do fortalecimento do indivíduo co­mo su- Anatomia”. A palavra Psychologia aparece
O trabalho do psicólogo no Brasil 19

em textos escri­­tos por pensadores como criação da profissão do psicólogo. No Brasil,


Filip Melanchton, Johann-Thomas Fregius a Psicologia foi construída a partir do ter­
e Rodolphe Goclé­nius, docentes nas uni­ ritório da Medicina. Ainda no século XIX,
versidades protestantes de Marburg, na Ale­ nas Faculdades de Medicina da Bahia e do
manha, e de Leyde, na Holanda (Carroy, Rio de Janeiro, já eram discutidas questões
Ohayon e Plas, 2006). Bem diferentemente comportamentais como parte da ampliação
daquilo que ocorre hoje, os fenômenos e os do conceito de sáude para os problemas de
eventos compreendidos nesse neologismo higiene, prevenção e bem-estar individual e
do século XVI incluíam questões como os social (Massini, 1990), como evidenciado
fantasmas, a transmissão do pecado original, na tese de doutorado do médico baiano
a ação da alma sobre o corpo e a possessão Eduardo E. F. França, na Faculdade de Me­
demonía-ca. A alma era assumida como um dicina de Paris, 1834.
ele­men-to essencial da vida e inspirava as Os primeiros sinais de uma profissão
ex­pli­cações sobre o funcionamento psíquico. emergente, alicerçada no conhecimento so­
A atribuição de um vocábulo específico para bre o comportamento humano, apare­ce­ram
o conjunto de conhecimentos sobre a pessoa ainda no final do século XIX, em con­co­mi­
foi apenas uma das etapas importantes na tância com a reorganização de outras ocupa­
construção que revelou a necessidade de ções já tradicionais, como aquelas dos mé­
um campo autônomo do saber dedicado aos dicos, engenheiros, administradores e advo­
processos psicológicos. As questões sobre a gados. Todas essas profissões foram insti­
natureza da realidade psíquica e sobre a tucionalizadas nesse mesmo momento his­
arquitetura de seus processos, ainda são tórico, como parte do movimento inercial
motivos de importantes debates que man­ de formação do Estado moderno e da adap­
têm a Psicologia na fronteira com outras tação da sociedade como um todo ao mo-
ciências, como a Fisiologia (Poldrack e Wag­ do de produção industrial. Espaços, papéis
ner, 2008) e a Filosofia (McMahon, 2006). e fronteiras profissionais foram redefini-
Naquele momento, a delimitação de um cam­ das para se ajustarem às novas demandas
­­po do conhecimento não foi de imediato cor­ de recursos institucionais, ao imperativo
respondida ao desenvolvimento de um con­ de pro­­blemas inéditos à vida quotidiana e à
ceito. O vocábulo Psicologia representa-va disponibilidade de tecnologias que ofere­
um conjunto de eventos a serem estu­dados ciam esperança de controle de muitas ad­
mais do que um sistema conceitual sobre a versidades. Ainda no final do século XIX, já
“alma humana”. Como conceito, a Psicologia eram encontrados, em diversos países, la-
foi surgindo, pouco a pouco, a partir das bo­ratórios, revistas, disciplinas acadêmicas,
contribuições dos filósofos como Descartes, congressos, associações e serviços profis­
Malbranche, Leibnitz e Locke, en­tre tantos sionais que levavam o nome de “Psicologia”
outros pensadores, que investi­gavam os (Hearshaw, 1964; Koppes, 2007; Carroy,
pro­cessos psíquicos, por meio da busca de Ohaton e Plas, 2006). Esse conjunto de ins­
critérios do conhecimento, das con­dições trumentos oriundos da Psicologia foram ex­
produtoras das certezas, da expli­cação da pandidos e constituíram o repertório de ati­
consciência e da avaliação das trans­gressões. vidades que veiculava a divulgação, o ensino
A evolução dessas ideias ali­cer­çou a cons­ e a apli­cação de conhecimentos no campo
tituição de um campo do co­nhecimento que da Psi­cologia. Tais atividades fomentaram a
somente foi reconhecido co­mo autônomo repre­sentação de um novo profissional de­
na segunda metade do sé­culo XIX. Tal re­ dicado à aplicação dos conhecimentos sobre
conhecimento foi uma etapa importante os processos psíquicos aos problemas exis­
porque abriu o espaço necessário para a tentes na sociedade.
20 Bastos, Guedes e colaboradores

Essa reorganização das profissões foi giosas. Até então, a vida profissional não
balizada por dois fatores principais. O pri­ pres­supunha trajetórias e nem a movi­men­
mei­ro foi a guarida e o controle advindos tação entre cargos e tarefas era um fator
da força do paradigma burocrático que nes­ impor­tante, porque a vida e suas atividades
se momento se impunha ao Estado e aos ne­ eram reguladas pelas tradições e pelos sis­
gócios como instrumento de eficácia ad­ temas sociais sem ser alvo de inovações ou
ministrativa. Por força da racionalidade bu­ pres­sionadas por mudanças. A partir da di­
rocrática, as atividades eram reagrupadas fe­­renciação ocupacional produzida nos dis­
para corresponder à lógica do conhecimento tin­­tos campos de trabalho, como fruto da
científico produzido nas distintas ciências. ar­quitetura burocrática para o aprovei­ta­
Esse reagrupamento promoveu significativa men­to do avanço tecnológico, o exercício de
diferenciação ocupacional que foi dando muitas atividades ocupacionais foi paula­
corpo à territorialização das atividades em tinamente submetido a controles advindos
profissões. O segundo fator foi a reorga­ da lógica emergente do próprio conhecimento
nização das profissões que, embora produtos cientí­fico, reificada no conceito de competên­
da burocracia, estimulavam a inovação por cia técnica. Essa condição incitou a criação e
força de novas descobertas nas diversas a visibilidade de trajetórias profissionais que
áreas do conhecimento científico e das tec­ se impunham sobre os indivíduos e sobre os
nologias que, por sua vez, enriqueciam o serviços. Assim, a formação profissional for­
repertório de recursos técnicos em todas as mal, adquirida em alguma instituição aca­
esferas da sociedade. O aparecimento dos dêmica apropriada, tornou-se etapa obriga­
testes psicológicos nesse momento é uma tória para o desempenho da grande maioria
das evidências mais explícitas dessa inova­ das atividades técnicas, já caracterizando a
ção. Toda a sociedade se mobilizava para se existência de alguma trajetória. No caso
ajustar às condições criadas pelo proces- dos psicólogos, muitos foram buscar essa
so de industrialização, redesenhando ou for­­­mação nos laboratórios da Alemanha,
adap­­­­tando estruturas e serviços. As profis­ que nesse momento era reconhecida como
sões foram um objeto peculiar dessa reor­ um centro de referência sobre os estudos em
ganização porque ocupavam a função de Psicologia. W. Rivers e H. Watt, embora es­
ponte entre os problemas da sociedade e o tivessem alocados no contexto inglês da Psi­
avanço científico e tecnológico. O conhe­ci­ cologia, foram estudar na Alemanha, que
mento científico recebeu significativos in­ nessa época atraía profissionais do mundo
ves­­timentos, foi desenvolvido rapidamente todo por seu avanço na Psicologia Expe­ri­
e aplicado, com certa eficácia, aos incon­ mental (Hearshaw, 1964). Essas trajetórias
táveis e crescentes problemas da sociedade. foram legitimadas pelo engajamento profis­
As tarefas se tornaram mais complexas e fo­ sional dos psicólogos em instituições como
ram pouco a pouco migrando para as mãos hos­pitais, fábricas e escolas, e daí, rapi­da­
de pessoas que tinham alguma for­mação men­te acopladas às estruturas hierár­qui­cas,
cien­tífica. Essa reorganização dos ser­viços ou aos sistemas de status.
profissionais foi a alvorada da ins­tituição e Pouco a pouco, a mobilidade profissional
do conceito de carreira que apa­receu na so­ deixou de ser um fato insignificante, ga­
ciedade por força de trajetórias e regula­men­ nhando o status de etapas do aprofunda­
tações criadas pela organização do tra­balho men­to ou do avanço no domínio do co­nhe­
no contexto burocrático e téc­nico. cimento e da instrumentalidade, ou do po­
Até meados do século XIX, a mobilidade der gestionário, fato que reforçou a re­pre­
entre atividades profissionais era reconhe- sentação da carreira como mobilidade entre
cida e restrita às instituições militares e reli­ atividades profissionais e a territorialização
O trabalho do psicólogo no Brasil 21

das profissões. Dentro dessa lógica, o traba­ Em resumo, a profissionalização da apli­


lho sob o vínculo do emprego e o trabalho cação do conhecimento produzido pela Psi­
autônomo foram moldados como espaços cologia ocorreu na virada do século XIX para
substantivos, constituídos por tarefas e ins­ o século XX, em um período aproximado de
trumentos específicos e, como tal, torna- 50 anos, no qual essas atividades profis­
ram-se fortes referências para a avaliação sionais foram sujeitadas a trajetórias e con­
das competências, da remuneração e dos vín­ troles crescentemente rígidos e visíveis den­
culos dos profissionais com as instituições e tro das organizações, sob a égide da lógica
com os clientes. As profissões, tal como hoje administrativa, como também fora destas,
são co­nhecidas, nasceram dessa raciona­lidade na oferta de serviços profissionais autô­no­
que foi ganhando força e se tornando a base mos, sob a égide da lógica dos mercados. A
para a organização ocupacional (McKinlay, profissionalização das chamadas ocupa­ções
2002). Os dados da pesquisa publicada neste tradicionais expressava a aplicação do rigor
livro oferecem pistas sobre como, desse pon- exigido da pesquisa científica, no de­sempe­
to, a pro­fissão de psicólogo evoluiu para a nho dos profissionais. Esse período entre a
con­dição atual. Esse conjunto de informações modelagem da sociedade pela buro­cracia e
so­bre a profissão do psicó­logo esclarece aspec­ a força de produção criada pela tecnologia
tos como a diversidade que caracteriza a in­ eletromecânica (1880) e o tér­mino da pri­
serção desse profissional, a etapa da formação, meira grande guerra (1918) foi o palco pa­ra
o início da profissão, a identidade profissional a formatação e para a viabilização dessas
e a abertura para o psicólogo evoluir em dis­ profissões que assumiam o conhe­cimento
tintas direções den­tro dessa carreira. técnico como instrumento de inter­venção
O investimento nessa racionalidade foi nos problemas da sociedade. A pro­fissão de
generalizado e crescente, impactando sobre psicólogo integrou e foi produto dessa ra­
o sentido das estruturas e dos espaços de cionalidade dentro desse palco. Os psicólogos
ação, remodelando-os dentro de uma racio­ foram chamados para contribuir com avalia­
nalidade que funcionava como cartilha para ções diversas sobre a pessoa e com inter­
a busca de estabilidade e eficácia. Essa re­mo­ venções para o ajustamento e o desenvolvi­
delagem foi legitimada e fortemente apoiada mento dos indivíduos frente aos mais di­ver­
pelas comunidades intelectuais emer­­­­gentes sos grupos sociais.
nos diversos campos do saber, tornando-se
um paradigma não apenas para as organi­
zações industriais, mas também para outras A elaboração do saber
instituições. Fortalecidos pela confiança nes­ ocupacional do psicólogo
sa racionalidade, os diversos espaços profis­
sionais, pouco a pouco assu­midos como ati­ Embora haja sinais esparsos, porém visí­
vidades técnicas, foram re­configurados co­ veis, de serviços profissionais focados no
mo veículos apropriados pa­ra a aplicação comportamento humano, ainda no final do
dos conhecimentos científicos tanto aos pro­ sé­culo XIX, somente nos anos que se segui­
blemas mais gerais quanto à rotina da vi- ram à Primeira Guerra (1919), a Psicologia
da cotidiana. No Brasil, devido ao baixo nú­ aparece claramente configurada no reper­
mero de escolas de formação profissio-nal, e tório de atividades ocupacionais já sob o
ao ainda incipiente inves­ti­mento em pes­qui­ formato de profissão institucionalizada. As
sas, os jovens interessados no campo da Psi­ inúmeras associações profissionais já conso­
cologia eram enviados à Europa, onde pode­ lidadas, as demandas regulares por parte do
riam cumprir a primeira etapa de suas car­ mercado e a oferta de soluções propostas
reiras. para tais problemas (que pouco a pouco se
22 Bastos, Guedes e colaboradores

tornavam generalizadas e poderiam ser apli­ Pau­­lo Egídio à Câmara legislativa da Provín­
cadas em distintas situações) indicavam si­ cia de São Paulo, em 1892, ao reorganizar a
nais de um território profissional autônomo. formação do magistério primário, previa
Nesse momento, profissionais que portavam cria­ção da disciplina de Psicologia para a
o nome de psicólogos estavam presentes e formação dos futuros professores de Escolas
visíveis nos hospitais, nas universidades, nas Normais, indicando a diversidade da refle­
fábricas e nas escolas e cuidavam de vasta xão da Psicologia ao atingir também a esfera
amplitude de problemas que desafiavam a da Educação.
sociedade, como as questões de saúde e Essa visibilidade, já inegável no Brasil e
bem-estar, de marketing (Munsterberg) e na Europa, se tornou ainda mais clara quan-
das atividades militares (Yerkes). Além dis­ do o desempenho dos psicólogos passou a
so, a partir dos conhecimentos que produ­ criar instrumentos que poderiam ser genera­
ziam, os psicólogos se faziam visíveis nesses liza­damente aplicados aos problemas da so­
diversos campos, ora criticando trincheiras cie­­dade. O artigo de Max Freyd, publicado
tradicionais de outras ciências, como se em 1923, no Journal of Personnel Research e
cons­­tata no trabalho pioneiro de Gabriel seu impacto sobre as atividades dos psicó­
Tarde (1898) na esfera da Psicologia Social logos que atuavam no campo da então deno­
frente às ideias de E. Durkheim, ora contri­ minada Psicologia da Indústria, revelam um
buindo com as políticas públicas, como caso em­blemático de padronização de solu­
ocor­­reu na influência dos trabalhos de Fer­ ções técni­cas criadas pelos psicólogos para
dinand Buisson sobre o Ministro da Educação responder a uma demanda regular e espe­
Jules Ferry na “elaboração das leis escolares cífica da socie­dade de seleção técnica de
que instituíram a escola obrigatória e gra­ trabalhadores, pa­ra as fábricas de telefonia e
tuita” (Carroy, Ohayon e Plas, 2006, p. 99). de automóveis que se expandiam rapida­men­
No Bra­sil, as atividades de diversos profissio­ te nos dois la­dos do Atlântico. Situações co­
nais, no início do século XX, revelam o ali­ mo essa, nos campos da saúde e da edu­cação,
nha­mento com o avanço da Psicologia na foram os principais elementos que or­ganiza­
Eu­ropa e nos Estados Unidos. ram o sa­ber ocupacional na profissão.
Diversas obras evidenciam estudos e Nesse texto, Freyd oferece uma análise
ati­­­vidades profissionais, indicando que, no científica e técnica da seleção de pessoal e
Brasil, da mesma forma que em outros paí­ propõe uma sequência de atividades para
ses, a profissão de psicólogo também se for­ ser realizada quando da seleção de novos
matava. Na área da saúde mental, a tese de trabalhadores, fundamentada na lógica da
Maurício Medeiros, intitulada Métodos em mensuração do comportamento disponível
Psicologia, apresentada no Rio de Janeiro na época. Essa proposta era um modelo de
em 1907; o laboratório de Psicologia do trabalho técnico, como outros que foram
Hos­­­­pital Eugênio de dentro, fundado em criados na mesma ocasião nos campos do
1923 por Gustavo Riedel, igualmente no Rio diagnóstico psicológico, da terapia e da for­
de Janeiro; os trabalhos de Psicologia desen­ mação escolar fundamental. Além de criar
volvidos por Francisco Franco da Rocha, categorias, análises e o processo ritua­lizado
na difusão das teorias psicanalíticas, desde de avaliação dos trabalhadores para com­
1918, em hospitais e na Faculdade de Me­ preen­são e realização das atividades de sele­
dicina de São Paulo; as atividades e as pu­ ção, Freyd instituiu os testes psicológicos
blicações de Ulisses Pernambucano, em Re­ co­mo instrumentos específicos e seguros pa­
cife, mostram a existência de um grupo ativo ra a aferição das habilidades humanas de
de profssionais, já dispersos pelo território candidatos. Essa sequência de atividades
brasileiro. O projeto de lei, proposto por pro­­­posta por Freyd foi generalizadamente
O trabalho do psicólogo no Brasil 23

reconhecida como um caminho racional e países, já apresentava regularidades nos pa­


seguro para ser aplicado como uma espécie péis profissionais, representações de sua
de paradigma a todos os processos de sele­ iden­tidade na literatura científica, diversi­
ção. A inovação contida nesse modelo de dade de subculturas em campos distintos
resposta a demandas da sociedade, por par­ como saúde e indústria, alguns padrões de
te das ciências aplicadas, fortaleceu o con­ conduta e farta base bibliográfica decorrente
ceito de profissão como uma forma de agir de pesquisas experimentais e de propostas
fundamentada no conhecimento científico teóricas. Essa massa patrimonial técnica,
que poderia ser regulamentada e controlada mer­cadológica e política alimentou a deman­
pela própria sociedade. Assim como na área da de novos conhecimentos a serem pesqui­
de seleção e de recrutamento de pessoal era sados no campo do comportamento, esti­mu­
possível criar soluções técnicas aplicáveis lou a necessidade de novos profissionais para
aos problemas, nas outras áreas, os rituais e o mercado, fomentou o aprofundamento das
os instrumentos eram desenvolvidos com soluções criadas para os problemas e forta­
igual empenho e esperança. Essa fé na efi­ leceu o capital político para o ajusta­mento
cácia técnica legitimava a lógica e a ideologia das fronteiras com outras profissões. Dina­mi­
burocráticas e, assim, se transformava em zada pelos problemas que tornavam a socie­
elemento vital na modelagem da Psicologia dade mais complexa e pelo desenvol­vimento
como profissão. O reconhecimento e a legi­ do conhecimento científico sobre o comporta­
timação dos serviços técnicos oferecidos pe­ mento humano, a Psicologia am­pliou seu es­
los psicólogos por parte das organizações, paço de atuação e sua legitimação como pro­
foram fatores políticos que contribuiram de fissão, tornando sua institu­ciona­lização, des­
modo significativo para o desenvolvimento se momento em diante, um fato irreversível
e para a legitimidade dessa profissão. Esse em todos os países do planeta. Ho­je, como
casamento entre demanda de serviços e atestam os dados empíricos da pes­quisa pu­
oferta de soluções técnicas padronizadas ga­ blicada neste livro, o Brasil conta com 150
nhou espaço e se consolidou de modo con­ mil psicólogos para uma popu­la­ção de quase
tínuo e consistente, modelando o trabalho 200 milhões de habitantes, situação que
de profissionais nos campos da saúde, da permite concluir que o psicólogo é uma pro­
educação, da engenharia e dos negócios. Po­ fissão necessária, legiti­mada e mo­ti­vadora,
de-se assumir que, nesse momento, no qual embora ainda em contí­nuo processo de re­
muitas soluções padronizadas para as ques­ formatação interna e de de­finição de suas
tões comportamentais eram visíveis e efica­ fronteiras com outras profissões.
zes, a profissão do psicólogo já era uma ati­
vidade com os elementos básicos previstos
pela institucionalização de uma profissão. Dificuldades que ainda rondam
No final dos anos de 1920, os psicólogos já a profissão do psicólogo
ti­nham um rosto, uma certidão de nasci­
men­to e um espaço para construir suas car­ Embora consolidada de forma irreversí­
reiras. Es­sa etapa não significa que problemas vel, a profissão de psicólogo não esteve livre
e de­safios estavam superados, como será de obstáculos externos e de desafios internos
ana­lisado na próxima seção deste capítulo. que dificultaram (e ainda dificultam) sua
Embora seja difícil delimitar uma fron­ ca­minhada, ao mesmo tempo que a ajuda-
tei­ra para a existência plena da profissão de ram a se enriquecer e se fortalecer. Algumas
psicólogo no Brasil, não há como negar que des­sas dificuldades são analisadas a seguir.
em meados do século XX, essa profissão, Por força da diversificação das deman­
mes­mo ainda não reconhecida em alguns das, desde seus primórdios, a profissão de
24 Bastos, Guedes e colaboradores

psicólogo foi institucionalizada na forma de testes per­mi­tiram e fomentaram a genera-


identidade polivalente. O psicólogo é um li­zação do conceito de diagnóstico psicoló­
pro­fissional da pessoa humana, onde quer gico como uma das atividades mais iden­
que esta esteja e a qual atividade se dedique. tificadas com a profissão de psicólogo.
Seu objetivo de trabalho é promover e res­ Esse caráter polivante alimentou o dina­
gatar o indivíduo como sujeito. Essa identi­ mis­mo advindo de fontes distintas de refle­
dade é em parte explicada pela origem xão, de grande amplitude de problemas e de
igual­­mente múltipla da Psicologia, como distintos critérios de avaliação do desem­
produto da junção dos campos da Filosofia e penho. Esse alargamento de fronteiras foi
da Medicina (Plas, 2000). Interessados em sustentado, legitimado e fomentado pela
explicar o comportamento humano, os pio­ crescente demanda de informações sobre o
neiros da Psicologia, mesmo imaginando comportamento humano, não somente na
realizar algo diferente daquilo que já faziam, esfera das patologias, em hospitais, sana­
integravam as teorias oferecidas pela Filoso­ tórios e clínicas, mas também na estruturação
fia ao avanço do conhecimento experimental das rotinas de serviço, como constatado nos
fomentado pelo estudo das neuroses em territórios das fábricas e das escolas. Os
hos­pitais, pelos experimentos laboratoriais psicólogos dessa época foram solícitos, efi­
na esfera da biologia, como foi o caso da fa­ cazes e rápidos na oferta de repostas a todas
diga nas fábricas e a pesquisa sobre a eficácia as demandas. Não eram eles que selecio­
das atividades educacionais. Theo­dule Ri­ navam as demandas, mas eles eram selecio­
bot, pioneiro da Psicologia na França pode nados dentre outros profissionais e outras
ser aqui colocado como um dos casos em instituições disponíveis no mercado, como
que essa polivalência é predicado iden­titá- especialistas em comportamento humano,
rio do psicólogo. Ainda em pleno século para cuidar de problemas diversos que se
XIX, Ribot oferece claras evidências. Era espalhavam por todos os rincões da socie­
filó­sofo por formação e provavelmente por dade. Essa flexibilidade de atuação estava
interesse, em 1876, ele fundou a Revue Phi­ em parte associada às origens do estudo da
losophique de la France et de l´Étranger; as­ pessoa humana. Não havia consenso entre
sumiu e atuou por muitos anos na primeira os intelectuais se a Psicologia seria uma
cátedra de Psicologia do Collège de France, ciência autônoma, um ramo da Fisiologia ou
na disciplina intitulada “Psychologie Expéri­ se seria um dos braços da Filosofia. Johann
men­­tal et Comparée”. Ao longo de sua car­ F. Herbart, um dos pioneiros da Psicologia
reira, Ribot publicou diversos artigos sobre na Alemanha, publica, em 1825, um texto
enfer­midades, como “Les maladies de la mé­ intitulado “A Psicologia como ciência nova
moi­re”, em 1881, e “Les maladies de la per­ fundada sobre a experiência, a metafísica e
so­nalité”, em 1885. A experiência polivante a matemática”, no qual ele situa a Psicologia
de Ribot não foi a única e revela o alcance nesses distintos campos. Um pouco mais
da própria Psicologia, que diante da dificul­ tarde, Charcot funda a Societé de Psychologie
dade de definir e pesquisar seu objeto, não Physiologique, em 1885, demonstrando a
oferece resistência alguma para examiná-lo, dificuldade de delimitação de fronteira entre
ainda hoje, sob diferentes olhares como é o distintos fenômenos. Paul Janet publica em
caso da Filosofia, da experimentação e da 1888 um texto na Revue des Deux Mondes,
pesqui­sa-ação. Dentro da inércia dessa poli­ no qual defende a existência de uma “psico­
valência, a Psicologia abrigou a produção de logia objetiva” que complete a “psicologia
instru­mentos que poderiam ser aplicados subjetiva”, mais uma vez evidenciando a
em mui­tas situações, como é o caso dos tes­ dificuldade de delimitação e de compreensão
tes e do aconselhamento psicológicos. Os do objeto da Psicologia. Em todos esses tex­
O trabalho do psicólogo no Brasil 25

tos, e em muitos dos que foram publicados terapias. Nesse estudo, Mahoney demonstra
anos depois, sobram evidências da poliva­ as distâncias que separam os psicólogos dos
lência e da ambiguidade identitárias da Psi­ pontos de vista técnico e epistemológico, e
cologia que se refletia na institu­cionalização como eles se unem pela utilização comum
da própria identidade do psicólogo. Ainda do bom-senso. Apesar das diferenças abis­
dentro dos anos de 1920, os psicólogos le­ mais, o trabalho deles se aproxima no reco­
gitimaram as adjetivações diversas em suas nhecimento das limitações de suas técnicas
especialidades, e as associações começaram e da incerteza que os move a ser prudentes
a aceitar a departamentalização interna co­ e respeitosos com outras abordagens. Desse
mo forma de acomodar a diferenciação pro­ fato, pode-se concluir que a ambiguidade
movida pela polivalência do traba­lho dos identitária da Psicologia não se mostra como
psicólogos. Esse predicado identitário está um obstáculo, mas, antes, como um teste­
evidenciado em diversos dados da pes­quisa munho da complexidade da pessoa huma-
publicada neste livro. A Psicologia é uma na. Seguramente, a Psicologia é uma ciência
profissão que transcende as fronteiras insti­ mais rica por causa dessa diversidade, assim
tucionais porque seus conhecimentos são como os psicólogos dispõem de mais recur­
re­queridos sempre que é demandada al­gu­ sos técnicos e são instados a agir com pru­
ma explicação sobre a pessoa e seus com­ dência diante da diversidade de opções que
portamentos. a própria Psicologia lhes oferece.
Além da polivalência e de seu sucesso Além da polivalência e da diversidade
na sociedade, essa jovem profissão enfrentou criadas pela interface com outros campos do
dias difíceis devido ao dinamismo interno conhecimento, outra dificuldade visível no
do próprio conhecimento sobre o comporta­ exercício da profissão de psicólogo advém
mento humano que diferenciava os profis­ da abertura da Psicologia a muitas atividades
sionais, alocando-os em caminhos episte­mo­ para as quais os conhecimentos teóricos po­
lógicos radicalmente distintos, como aque­­ dem ser aplicados. Assim, as dezenas de teo­
les trilhados por Freud e por Watson. Essa rias de motivação podem ser aplicadas na
diferenciação teórica e epistemológica foi, compreensão e na solução de problemas na
ao mesmo tempo, uma fonte de riqueza e de esfera do trabalho, da educação, das rela­
dificuldades para os psicólogos. Essa diferen­ ções sociais, do cuidado consigo mesmo,
ciação foi exacerbada em alguns mo­mentos entre muitos outros. Essa abertura decorreu
e angustiou muitos psicólogos, co­mo se po­ de seu próprio objeto, que era o estudo dos
de verificar no livro de Daniel La­gache, processos psíquicos, não importando onde
L’Unité de la Psycholgie publicado em 1949, estes ocorriam. Tal amplitude de campo de
no qual ele intitula o primeiro capítulo de “A aplicação criou problemas, como foi o caso
psicologia e as ciências psicológicas”. A da introdução de categorias de análise da
ques­­­tão que Lagache apresenta como te­ma patologia na seleção de pessoal, da qual re­
desse livro – “existiria a possibilidade de sultaram dificuldades sérias, até mesmo de
uni­versalização dos critérios epistemológicos natureza ética. Aos poucos, os psicólogos
para a Psicologia?” – ainda está em pé e sem aprenderam a questionar se o conhecimento
uma resposta. Hoje, tais diferenças conti­ sobre o comportamento poderia ser consi­
nuam existindo, mas a preocupação com derado fora de qualquer contexto. Como
elas é menor, no sentido de que todos apren­ fru­­­­to desse aprendizado, os psicólogos ad­
deram a reconhecer e a conviver com as li­ qui­riram experiência sobre o valor das de­
mitações de sua própria epistemologia, co­ cisões táticas e, consequentemente, dife­ren­
mo evidencia o estudo seminal de Michael ciaram, em um mesmo objetivo e em um
Mahoney (1991) sobre a eficácia das psico­ mes­mo problema, as nuanças de sincronia
26 Bastos, Guedes e colaboradores

geradas pela força do contexto. Uma ilus­ rápidas e mais profundas na sociedade, tem
tração dessa dificuldade e do aprendizado sido um crescente desafio para todos, sobre­
que se seguiu ao seu enfrentamento foi o tudo para os psicólogos. As alterações que
afastamento da Psicanálise dos problemas têm ocorrido desde a disseminação da tele­
da Psicologia apli­cada ao trabalho. A pro­ fonia celular e da rede eletrônica de in­for­
fundidade do diagnóstico produzido dentro mação sugerem, como assume Guillebaud
da abordagem psicanalítica complicava a (1999), um processo de refundação do mun­
possibilidade de administração do desempe­ do e, portanto, de refundação da profis­são
nho e tornava qua­se impossível a participação do psicólogo. A certeza que se tem sobre
de outros profissionais das empresas na dis­ essa questão é a de que tarefas, funções,
cussão dos problemas. A gestão do desem­ fronteiras e categorias de análise estão sob
penho carecia de conhecimentos e de ins­ revisão. No contexto atual, é quase impos­
trumentos para inserir o inconsciente na sível a oferta de soluções como aquela ofe­
ro­tina de capaci­tação e ajustamento das ta­ recida por Freyd em 1923 para a seleção de
refas. Essa situa­ção foi superada recente­ pessoal. Poucos procedimentos podem ser
mente a partir de inúmeros estudos (Men­ generalizados, como Freyd propôs, para a
zies, 1971; Enri­quez, 1992; Pagés et al., se­leção de pessoal. Essa volatilidade da so­
1979) que eviden­ciaram como a reflexão cie­dade e da profissionalização dos conhe­ci­
psicanalítica pode também ser aplicada às mentos tem sido crescentemente inten­si­
condições estrutu­rais, enriquecendo a com­ ficada pela diferenciação de tecnologias e
preensão do jogo estratégico e, por conse­ estimulada por ideologias emergentes como
guinte, a compreensão do papel do desem­ é o caso da absolutização dos resultados e
penho in­dividual dentro dos processos so­ da busca por inovação que caracterizam a
ciais e po­líticos. O estudo de Steffy e Grimes cultura do presente momento histórico.
(1992), comparando três diferentes episte­ Nessas condições criadas na sociedade
mologias e suas consequên­cias práticas, evi­ atual, administrar e regulamentar uma pro­
denciou como a polivalência da Psicologia fissão mostram-se tarefas necessárias, porém
permite a acomodação da ação dos psicó­ quase impossíveis diante da volatilidade e
logos a dife­rentes ideologias e co­mo estas da fragmentação que enfraquecem as estru­
contribuem para a legitimação das decisões turas e os vínculos tanto dos indivíduos
profissionais. Essas questões reve­lam como quanto das instituições. Um sintoma desses
o trabalho pro­­fissional do psicó­logo é com­ problemas é a crescente demanda de inter­
plexo, exigin­do dele não somente conhe­ci­ disciplinaridade como paradigma para a
mentos de sua ciência, mas também do con­ atua­ção profissional. Nos diversos campos
texto no qual ele atua. Essa condição alo­ca a nos quais os psicólogos atuam, essa integra­
profissão de psi­cólogo, em si mesma, como ção de especialidades e de desempenhos
atividade multi­disciplinar. profissionais tem sido incentivada pelo cres­
Ainda outra dificuldade enfrentada pe­ cimento da oferta dos serviços e pela sua
los psicólogos para “administrar” sua profis­ diferenciação em atividades subespe­cializa­
sionalização advém do avanço do conhe­ das, duas condições que forjaram as ambi­
cimento e da crescente complexidade da guidades em todas as fronteiras, seja na di­
sociedade, contingências que dificultam a visão de tarefas, seja na territorialização
alocação de fronteiras, de critérios e de pa­ entre as diversas profissões, isto é, nos li­
drões de análise. Desde o final da segunda mites entre os campos do conhecimento,
guerra, mais particularmente a partir de como fartamente evidenciados nas atividades
1950, a contínua adaptação a cons­tantes profissionais oriundas dos campos da Psico­
mudanças que, a cada ano se tornam mais logia, da Medicina, da Pedagogia, da Admi­
O trabalho do psicólogo no Brasil 27

nistração e da Sociologia. É comum que um diferenças entre esses distintos serviços e,


profissional de administração, de saúde ou consequentemente, sobre os critérios de ter­
de educação tenha dúvidas se as atividades ritorialização dos mesmos dentro das distin­
que ele realiza pertencem ao território desta tas ocupações que abrigam tais atividades.
ou daquela profissão. A regulamentação de Situação análoga ronda a territorialização
uma profissão que abriga a responsabilidade dos testes psicológicos. Administradores, so­
sobre problemas que varrem todas as áreas ciólogos, pedagogos, engenheiros e psicó­
da vida humana – do nascimento ao envelhe­ logos têm produzido farta diversidade de
cimento, do lazer ao trabalho, da guerra e instrumentos de diagnóstico em suas ati­vi­
da paz, da saúde e da educação, das iden­ dades profissionais, tornando difícil a iden­­­
tidades e das instituições – é uma tarefa tificação de critérios para diferenciar quando
para a própria sociedade como um todo e esses instrumentos focam os proces­sos psí­
não para uma profissão em particular. Essas quicos e o território ao qual eles po­deriam
condições têm estimulado e justificado a di­ pertencer. A interdisciplinaridade, a inova­
ferenciação de papeis profissionais, hoje di­ ção e a ideologia de busca por re­sul­tados
fíceis de serem analisados e categorizados, têm dificultado essa tarefa.
porque as atividades que constituem seus Essas relações de fronteira, sejam inter­
conteúdos são complexas e podem ser inter­ nas na atividade dos psicólogos, sejam na
pretadas partir de diferentes contextos. Na relação com outras ocupações igualmente
prática, tais atividades têm sido mais contro­ ins­titucionalizadas, (como a medicina, a
ladas pela expectativa de valor agregado edu­cação e a administração que, concomitan­
pela ação do profissional do que por uma temente à Psicologia, construíram a profis­
base teórica específica, ou por uma regula­ sionalização de suas tarefas e de seus es­
mentação específica. Essas condições têm paços de trabalho dentro da racionalidade
desestimulado os antigos ideais de profis­ burocrática ou do mercado), não aparecem
sionalismo e, assim, sub­meti­do a ação pro­ na pesquisa relatada neste livro mas não
fis­sio­nal aos ventos do mercado. A evolução deixam de merecer alguma reflexão. Plas
da psicoterapia é um caso em­blemático des­ (2000) escreve que as relações de vizinhança
sa dinâmica. no início da profissionalização da Psicologia
O trabalho psicoterapêutico foi inicial­ foram difíceis. Segundo seu testemunho,
men­te uma atividade territorializada na du­rante o período inicial de desenvolvimento
pro­fissão médica, que se estendeu para os da Psicologia, os filósofos se mantinham in­
psicólogos, já no início do século XX, por formados dos progressos da Psicologia cien­
força dos conhecimentos que eles apresen­ tífica, não propriamente para enriquecer
tavam sobre os processos psíquicos. A diver­ suas análises sobre a pessoa através dos no­
sidade de problemas de ajustamento social e vos dados produzidos, mas para poder cri­
de integração psíquica cresceu significati­ ticar o trabalho experimental dos psicó­logos.
vamente a partir dos anos de 1980, dife­ Esse fato mostra as tensões e a não legi­ti­
renciando a psicoterapia em atividades dis­ mação entre diferentes campos profis­sionais,
tintas – como o aconselhamento, o coaching, as relações nem sempre foram ami­gáveis,
a Ioga, o acompanhamento terapêutico, o tal como ocorre hoje nas fronteiras da pro­
mentoring, a psicopedagogia e o tutoramen- fissão do psicólogo com algumas pro­fissões.
to –, condição que abriu espaço para que Ao longo de toda a história da pro­fissão de
essa atividade fosse gradativamente esten­ psicólogo, ocorreram disputas com médicos,
dida a outras profissões. Hoje, não é tarefa administradores, pedagogos e so­ció­logos.
simples diferenciar a psicoterapia dessas ou­ No momento da reorganização pro­fissional,
tras atividades. Não há consenso sobre as espaços e tarefas específicos, embora dispu­
28 Bastos, Guedes e colaboradores

tados por distintas profissões, começaram a da, tornando mais dificil a diferen­ciação das
ser previstos e realizados co­mo forma de identidades profissionais e, por con­se­guinte,
viabilização da aplicação de conhecimentos a regulamentação e o controle sobre as ati­
particulares a problemas pre­sentes na vida vidades dos trabalhadores que ofe­­recem ser­
humana em seus diferentes aspectos. Desse viços profissionais. A regula­men­­­tação de al­
momento em diante, os es­paços profissionais gumas profissões, como é o ca­so do jorna­lis­
emergentes no campo da Psicologia foram mo, tem sido signifi­cati­va­men­­te dificultada
fortalecidos por causa do aprofundamento e pelo direcionamento da evo­­lução da sociedade
da expansão do conhe­cimento e pela eficácia (Aldridge e Evetts, 2003).
das soluções que eram nele inspiradas e le­ Se a identidade do psicólogo foi cons­
gitimadas. A elabo­ração de testes psicológi­ truída e consolidada pela clara demanda de
cos sustentados por teorias específicas da conhecimentos especializados sobre a pes­
Psi­­cologia contribuí-ram muito para a iden­ soa e a conduta humanas, aplicados em am­
tificação do território pro­fissional dos psicó­ pla diversidade de problemas, fato que esti­
logos, como especialis­tas em diagnósticos e mulou a oferta de diversas tarefas a esses
na intervenção para tra­balhar a adaptação e profissionais, hoje ocorre um processo inver­
a integração psí­quicas. O desenvolvimento so. Dentro dessas empresas de consultoria e
científico e tec­nológico agravou essa situa­ comunidades de serviços, a identidade do
ção. Hoje, é di­fícil deli­mitar onde termina psi­cólogo é diluída pelo baixo reconheci-
uma profissão e uma outra começa. Os pro­ men­to da existência de fronteiras entre as
blemas já não ca­bem dentro do território de profissões e pela consequente atribuição de
uma ciência, deman­dando a contribuição de tarefas a diversos profissionais, não impor­
outras, como essen­ciais. Para ilustração dessa tando sua trajetória profissional formal, mas
dificuldade, tem-se, nos Estados Unidos, a le­ suas com­petências atuais. O critério para a
gis­lação de três estados permitindo aos psi­ atribuição de tarefas se resume na compe­
cólogos a pres­cri­ção de medicamentos, aber­ tência que o problema em questão exige. A
tura que põe mais combustível na interface integração entre demandas da sociedade
com os médi­cos e os farmacêuticos, assim co­ que apre­sen­tam problemas aos profissionais
mo as ambi­gui­dades nos limites entre psico- e a cria­tividade técnica por parte destes já
te­rapias e diversas for­mas de aconselhamen- não for­mata papéis e espaços que diferenciam
to borram os limites dos psicólogos com ou- tais profissionais de diversos ramos do saber
tras profissões. entre si. No trabalho através de projetos que
Uma solução emergente para essas ques­ tem sido modelo crescente de atuação pro­
tões que têm crescido em alguns países é a fissional, a distribuição de tarefas tem ocor­
criação de comunidades especializadas em de­ rido por meio das competências aferidas na
­terminados serviços profissionais, ho­je abri­­­­ equipe e não em critérios de profissio­nali­
gadas sob a alcunha de consultorias, em­pre- zação do conhecimento. Por isso, os pro­fis­
sas de serviço profissional ou, simples­mente, sionais não mais aparecem, a exemplo dos
de comunidades de ação. Esses gru­pos apre­ anos de 1920, como mediadores necessá­rios
sentam concentração em uma profissão par­ entre o conhecimento científico e as neces­
ticular, como psicólogo ou advo­gado, mas são sidades humanas da sociedade. John­son
enriquecidos por profissionais de diversas áreas (1972) identifica nessa mediação o ger­me
do saber que trabalham jun­tos e se comple- do controle ocupacional que caracterizou as
tam nas informações e nas tarefas requeri- profissões ao longo do século XX e que hoje
das para o enfrentamento dos proble­mas não está mais rigidamente circunscrita ao
(Faul­conbridge e Muzio, 2008). Nesses gru­ indivíduo portador do diploma, mas se es­
pos, a fluidez das fronteiras é ex­ponen­cia- tende àquele que revela competência para a
O trabalho do psicólogo no Brasil 29

tarefa. Dentro dessa dinâmica da ação por so­ciedade. As mudanças que surgiram atra­
projetos, a mediação preconizada por Johnson vés do processo de globalização complicaram
entre o mercado e o conhecimento, os psi- os critérios de conceituação da autonomia e,
có­logos já não controlam com exclusivida­- consequentemente, a profissionalização do
de métodos, valores, critérios, referenciais, psicólogo tornou-se uma questão permanen­
pro­­cedimentos e condições que constituem temente aberta. A evolução dos eventos in­
os elementos visíveis que modelam e institu­ dica que o futuro da profissão do psicólogo
cionalizam sua profissão. Como Guillebaud (como ocorre com outras profissões) depen­
acredita, tal como o mundo e as outras pro­ derá menos da regulamentação existente do
fissões, a profissão de psicólogo sofre algum que do desempenho dos psicólogos (e de
tipo de refundação. Essa tendência é refor­ ou­tros profissionais) no enfrentamento das
çada pela diversidade e pela ampliação dos dificuldades que a refundação de sua(s)
cursos de especialização e pós-graduação. pro­fissão(ões) exige.
Programas de pós-graduação em Adminis­ Desde as reflexões pioneiras de Parsons
tração, em Psicologia Social admitem enge­ (1939), as profissões têm sido conceituadas
nheiros, historiadores e médicos, assim co­ como grupos de pessoas definidos pela fun­
mo cursos de medicina e engenharia admi­ damentação de suas atividades em algum
tem outros profissionais. O conceito de fron­ conhecimento específico, cuja forma de atua­
teira foi alterado, de um elemento que di­ ção é caracterizada por certa autonomia que
vide e diferencia, para um elemento que a coloca à margem do controle pura­mente
integra. A brilhante análise desenvolvida burocrático e significativamente dife­renciado
por Amin Maalouf (1998) sobre as identida­ do agir com base apenas no conhe­cimento
des é uma ilustração contundente sobre o intuitivo das pessoas (como ocorria antes da
desafio da alocação de fronteiras no mundo era das profissionalizações). Bali­zados por
atual. Se um indivíduo é psicólogo, traba­ esses dois fatores, tais grupos são reconhecidos
lhador social, educador, ou agente de saúde na sociedade pelas tarefas es­pe­cializadas que
depende da articulação do contexto onde desempenham, pela instru­mentalidade espe­
ele está alocado. Igualmente, a análise de cífica que utilizam e pela forma colegiada de
Nicole Aubert (2003) sobre a influência da agir para organizar suas tarefas e controlar a
valorização do tempo (rotina, imediato, ur­ própria atuação. A pos­sibilidade desse con­
gência, prioridade) sobre os limites do poder trole tem origem em al­gu­mas constantes que,
e da legitimidade da ação profissionais reve­ segundo Freidson (2001), criam o tipo ideal
la a relativização da territorialização ocupa­ de profissional para cada ocupação, facili­
cio­nal diante dos imperativos do contexto tando sua identifi­cação. Tais constantes estão
oriundos da ideologia dos resultados. materializadas no corpo de conhecimentos
oficialmente re­conhecidos como a base da
legitimidade do desempenho técnico daquela
Conclusão profissão, na organização de categorias de
prática da qual resultam a divisão de trabalho
A pesquisa divulgada neste livro oferece e suas fron­teiras com outros campos profis­
uma visão da institucionalização das ativida­ sionais e no conjunto de normas, valores e
des profissionais dos psicólogos a partir da padrões éticos que regem a aplicação do co­
qual se pode compreender a dinâmica que nhecimento es­pe­cífico daquele grupo. Além
caracteriza as fronteiras interna e externa disso, o desem­penho profissional ocorre atra­
dessa profissão e do processo de diferenciação vés da aplica­ção de habilidades complexas
de atividades necessário para a sua carac­ que são adqui­ridas a partir do aprendizado
terização como um território autônomo na sistemático de uma ciência, através de longa
30 Bastos, Guedes e colaboradores

formação aca­dê­mica. A profissionalização do ciou sua vida profissional nesse ofício há 40


psicólogo, como resumidamente analisada anos, enfrentou três metamorfoses, passando
neste capí­tul­o, ocorreu de acordo com essa de artesão para digitador, e de digitador pa­
represen­tação. ra controlador de máquinas. Por três vezes,
O atual estágio de desenvolvimento da ele teve de reaprender suas ta-re­fas, radical­
sociedade se assemelha a um furacão, ou mente transformadas pelo de­sen­volvimento
seja, criou forças poderosas, imprevisíveis, tecno­ló­gico e pela relação com outros pro­
impossíveis de serem controladas, que obri­ fissionais com os quais suas atividades ti­
gam todos e tudo a adaptações penosas e nham fron­teiras. O tipógrafo se constituiu
cujos efeitos atingem a função e o sentido como um profissional diferente diante da
de várias realidades. Diante disso, a questão sociedade.
que se impõe é: como fica a profissão do A profissão de psicólogo, como sujeito
psicólogo frente ao crescimento da multidis­ vivo e coletivo, criou e continuará recriando
ciplinaridade, da invenção de novas formas sua identidade porque não lhe faltam ques­
de trabalho por projetos, da comodificação tões para estudar; seu objetivo é um vir-a-
e do fácil acesso ao conhecimento que fa­ -ser em contínua reconstrução devido à di­
cilita o desempenho profissional, mesmo ca­ nâ­mica da sociedade, como outro sujeito
rente de competência. Sem o devido apro­ vivo e coletivo com o qual ele tem interação
fundamento do conceito de autonomia é ín­tima. Não se pode prever como será a or­
quase impossível responder a essa questão. ganização do trabalho numa sociedade for­
Talvez a autonomia seja uma condição a temente robotizada e que variáveis estarão
ser considerada a partir da intersubjetivi- afetando a subjetividade, mas esta estará
dade e da dinâmica da realidade. sempre presente nela, demandando cui­da­
O desafio que esse furacão propôs aos dos por parte de quem pesquisa e aplica
psicólogos é a defesa e a reconstrução de os co­nhecimentos sobre o ser humano como
sua identidade. Tal como ocorre nas car­ sujeito de sua realização e de sua história.
reiras individuais, os profissionais vivenciam É esse contínuo movimento que faz da
a condição de nômades, não porque eles Psicologia uma força autocriadora. Movida
migram, como o faziam os guaranis e os por esse constante desequilíbrio ela se re-
beduínos, mas porque a sociedade enfrenta cons­trói, porque somente descobre quem
mudanças contínuas que alteram os critérios ela é a partir do conhecimento que produz,
de julgamento e os limites entre as ativi­ sobre seu objeto e sobre si mesma, ou seja, a
dades. O nômade é um indivíduo conti­nua­ partir de sua própria ação.
mente desafiado a se readaptar e a se re-
va­lidar. Como se sabe, a identidade não é
uma condição permanente nem uma variá- Referências
vel dian­te da qual as pessoas são passivas e
im­potentes. A identidade é manifestada Aldridge, M.; Evetts, J. Rethinking the Concept
atra­vés de predicados que são produzidos of professionalism: the case of jour­nalism. British
ou repro­duzidos através das atividades do Journal of Sociology, 54(4), De­cember, 2003,
p. 547-564.
indivíduo e da relação deste com os outros
Aubert, N. Le Culte de l’Urgence. Paris, Flamma­
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­có­logos dependerá de suas atividades e dos Baró, Ignácio-Martín. Psicología de la liberación.
eventos presentes no contexto no qual ela se Madrid: Editorial Trotta, 1998.
desen­volve. Essa tarefa já foi consta­tada pe­ Bastos, A.V.; ROCHA, N. M. D. Novas direções
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o caso do tipógrafo. Um indivíduo que ini­ Casa do Psicólogo, 2007.
O trabalho do psicólogo no Brasil 31

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2
Uma categoria profissional em expansão
quantos somos e onde estamos?

Antonio Virgílio Bittencourt Bastos, Sônia Maria Guedes Gondim


e Ana Carolina de Aguiar Rodrigues

Desde o seu reconhecimento, em 1962, lado, maior reconhecimento do papel so­


a profissão do psicólogo vem experimen­ cial de­sem­penhado pela Psicologia e, por
tando um contínuo crescimento, quando se outro, destaca que a imagem social cons­
consi­dera o número de profissionais ins­ truída ao longo da sua trajetória é capaz
critos ini­cialmente no Ministério de Edu­ de mobilizar interesses de um número ex­
cação, e nos Conselhos Regionais e no Fe­ pres­sivo de jo­vens, adulto-jovens e adul­-
deral, desde a sua instalação em 1974. tos que imaginam encontrar nesse cam-
Inicial­mente de forma lenta, compatível po a opor­tunidade de realização de seus
com o reduzido nú­mero de cursos de for­ in­teresses vocacionais, suas habili­dades
ma­ção existentes e fortemente concentrada e seus valores pessoais. As condições de
na região sudeste, a categoria dos psi­­có­lo­ exer­­cício da pro­fissão, todavia, espe­cial­
gos passa a crescer em um ritmo mais mente aquelas di­re­tamente ligadas ao mer­
acelerado na década de 1980, em um pri­ cado de tra­balho de profissionais de nível
mei­ro salto numérico de cursos no sis­tema su­perior, não si­tuam a psicologia entre as
privado de ensino, en­tão no seu primeiro profissões mais valorizadas social­mente, o
ciclo de ex­pansão. A partir do final dos que indica o vetor negativo deste cres­ci­
anos de 1990, verifica-se o se­gundo e mais mento desor­denado do sistema de en­si­­no,
impor­tante impulso de cres­cimento, agora que mui­tas vezes desconsidera as efe­­­­­ti-
forte­mente centrado em instituições parti­ vas oportu­ni­dades de inserção no mun­­do
cula­res e, cada vez mais, dirigindo-se para do trabalho.
o interior do país. Esse ciclo de expansão A isso, relaciona-se uma imagem social
ainda é atual, como bem atestam as esta­ que, ao priorizar um tipo de atuação es­-
tísticas de ins­crições de no­vos psicólogos pe­cífica e centrada na clínica psicológica,
no sistema de informações do Conselho. in­duz a busca pelo curso menos por um
Esse crescimento quantitativo pode ser pro­jeto de carreira profissional e mais pa-
visto, em princípio, como um vetor positivo ra aten­der a necessidades de autoconhe­-
para a profissão, já que aponta, por um ci­men­­to, o que leva, em muitos casos, ao
O trabalho do psicólogo no Brasil 33

abandono da pro­fissão. Nos anos de 1980, Ocupando o espaço nacional


já se cons­tatava uma enorme defasagem
en­tre o nú­mero de psicólogos graduados Atualmente, há 236,100 psicólogos ca­
pe­las Insti­tuições de Ensino Superior e dastrados no Conselho Federal de Psico­lo­
os que se ins­creviam nos Conselhos Re­ gia. Na Tabela 2.1, encontram-se o núme­ro
gionais, sinal cla­ro de que a conclusão do de inscritos e o percentual de cada Con­selho
curso não garantia a inserção no mercado Regional de Psicologia nos anos de 2009 e
de trabalho. de 1987. É importante destacar que a estru­
Para caracterizar o exercício da pro- tura do Conselho modificou-se bas­tante
fis­são de psicólogo no Brasil, este capí- nesse período, devido à criação de vários
tulo dedica-se a traçar o perfil básico conselhos regionais para atender ao cresci­
des­­­te grupo ocupacional. Quantos somos mento do número de psicólogos ins­critos em
atual­mente? Como estamos distribuídos cada Es­tado. Em 1987, tínhamos oi­to conse­
no am­plo terri­tório brasileiro? Quais as lhos re­gionais. Os dados de 1987, constantes
nos­­­sas carac­te­rísticas em termos de gê-ne­ na Ta­bela 2.1, foram extraídos a partir do
ro, idade, tempo de formação? Qual a nos­ número de psicólogos de cada Es­tado, consi­
sa origem social, considerando a esco­lari­ derando o território abarcado por ele. Vale
dade de nos­­sos pais? Tais questões são assinalar ainda que, ao longo do processo de
objeto do pre­sente capí­tulo. Embora lidan­ realização deste estudo na­cio­nal sobre a
do com da­dos tão sim­ples, como vere- pro­fissão do psicólogo, surgiu um novo
mos, é possível per­ceber im­portantes as­ Conselho Regional (CRP17), abran­gendo
pectos da dinâmica da nossa profissão em apenas o Es­tado do Rio Grande do Nor­te,
nosso país. fruto do des­mem­bra­mento do CRP13.

Tabela 2.1 Distribuição dos psicólogos brasileiros inscritos no CRP nos anos de 2009 e de 1987
Dados 2009 Dados 1987
Inscritos % Inscritos %
CRP01 (DF, AC, AM, RO, RR) 11,024 4,7 2,025 3,7
CRP02 (PE) 5,317 2,3 2,056 3,8
CRP03 (BA, SE) 6,554 2,8 953 1,8
CRP04 (MG) 21,699 9,2 5,612 10,4
CRP05 (RJ) 35,192 14,9 10,905 20,1
CRP06 (SP) 83,225 35,2 23,469 43,3
CRP07 (RS) 16,614 7,0 2,721 5,0
CRP08 (PR) 14,293 6,1 2,401 4,4
CRP09 (GO, TO) 5,642 2,4 771 1,4
CRP10 (PA, AP) 2,753 1,2 253 0,5
CRP11 (CE, PI, MA) 5,246 2,2 353 0,7
CRP12 (SC) 16,748 7,1 445 0,8
CRP13 (PB, RN) 3,530 1,5 806 1,5
CRP14 (MT, MS) 3,867 1,6 567 1,0
CRP15 (AL) 1,859 0,8 590 1,1
CRP16 (ES) 2,537 1,1 212 0,4
TOTAL 236,100 100,0 54,139 100,0
Fonte: Conselho Federal de Psicologia, 1987, 2009.
34 Bastos, Guedes e colaboradores

A Tabela 2.1 ilustra de modo claro a como a categoria profissional foi aumen-
mu­dança no quadro do desenvolvimento tan­do em outros Estados e diminuindo a
da profissão nas duas últimas décadas. Pri- con­­centração no Sudeste. Na região Norte/
mei­ro, houve um expressivo crescimento de Cen­­tro-Oeste, consideradas juntas, o au­men­
mais de 400% nesse período. Além disso, to foi de 6,7 para 9,9%, e no Nordeste, de 8,8
esse aumento significou uma melhor dis­tri­ para 9,6%. No Nordeste, o crescimen-to mais
buição dos psicólogos pelos diferentes es­ expressivo acontece nos Estados do Ceará,
tados e regiões do país. Embora o Sudeste Piauí e Maranhão (atual CRP11), se­guidos
mantenha-se como a região que possui o da Bahia (CRP3). A participação do Estado
maior número de profissionais ins­critos no de Pernambuco caiu nesse período, revelando
Brasil (60,4%), observa-se que es­sa pro­por­ que a expansão de cursos de Psi­cologia na­
ção é inferior à de 1987 (74,2%), em de­ quele Estado teve um ritmo me­nor do que
corrência do crescimento das demais re­ em outras unidades nordestinas.
giões. São Paulo continua sendo o Estado Em resumo, a ocupação do espaço na­
com o maior contingente de psicólogos, ul­ cional apresenta uma característica impor­
trapassando, em 2009, a marca de 83 mil. tante ao longo do tempo: o processo de inte­
Mesmo assim, o número de psicólogos que riorização da profissão. Esse processo é cla­
atuava em São Paulo recuou de 43,3% ra­­mente visível nos dados da Figura 2.1, que
(1987) para 35,2% (2009). Essa queda é mostra a evolução do número de psi­cólo-
também observada no Rio de Janeiro e, me­ gos que atuam nas capitais dos diversos Es­
nos fortemente, em Minas Gerais. A região tados e daqueles que atuam nos municípios
Sul quase dobrou sua participação percen­ do interior, no período de 1970 a 2009.
tual em relação ao total de psicólogos bra­ A tendência de interiorização do exercí­
sileiros (de 10,3 para 20,2%). Embora esse cio da psicologia é clara desde os anos de
crescimento seja observado nos três Estados 1970. De uma profissão praticamente res­
da Região Sul, é em Santa Catarina o salto trita aos grandes centros urbanos, a pro­
maior, de apenas 0,8% dos psicólogos bra­ porção de psicólogos que passam a atuar no
sileiros em 1987 para 7,1% em 2009. Essa interior dos Estados cresce gradativa e siste­
evolução ocorre também nas demais regiões, maticamente até se aproximar do percentual
embora de forma mais modesta, indicando de psicólogos atuando nas capitais, no final

90%
80%
80% 76%
70% 64%
59% 58% 56%
60%
51% 48%
50% 32%
41% 42% 44% 49%
40%
36%
30%
20% 24%
20%
10%
0%
1970-1974 1975-1979 1980-1984 1985-1989 1990-1994 1995-1999 2000-2004 2005-2009

Capital
Interior

Figura 2.1 Percentual de psicólogos que atuam nas capitais e no interior no período 1970-2009.
Fonte: Sistema Conselhos de Psicologia.
O trabalho do psicólogo no Brasil 35

da década de 1990 e nos primeiros anos rização deveria vir a ocorrer, inclusive, pe-
2000. Nos últimos 4 anos, a proporção de la necessi­dade de am­pliar e renovar o mer­
profissionais do interior supera a das capi­ cado, ape­sar dos pos­sí­veis desafios que sig­
tais. Certamente, esse movimento acompa­ ni­f­icaria lidar com po­pu­lações e culturas
nha o desenvolvimento de importantes cen­ di­feren­cia­das.
tros urbanos no interior de vários Estados O processo de interiorização da psico­
brasileiros. No entanto, os dados sobre os logia, portanto, está em curso no Brasil,
municípios em que atuam os psicólogos re­ ca­pitaneado principalmente pela expansão
velam que esse movimento de interio­rização dos cursos, cada vez mais frequentes em ci­
não se restringe aos grandes polos urbanos dades de médio porte do interior dos di­
do interior, atingindo municípios de médio e versos Estados brasileiros.
até de pequeno porte populacional.
A principal marca desse movimento é a
de ampliar o acesso direto de mais segui­ As bases deste processo de
mentos da população brasileira aos serviços crescimento e interiorização
de Psicologia. Rosas, Rosas e Xavier (1988),
ao dis­cutirem os dados da pesquisa sobre o O que sustenta tamanha expansão do
psicólogo brasileiro, buscaram explicações número de psicólogos no Brasil? Os dados
para a excessiva concentração de psicólogos constantes na Tabela 2.2 apontam para di­
nas capitais de Estados e apontaram que a versos indicadores ligados à evolução do
interiorização da profissão era ainda bai- sistema educacional de forma­ção em Psico­
xa não pela ausência de demandas sociais, logia ao longo do período 1991-2006. No
mas sim pelas condições de mercado e de período de 15 anos, cresceu no país como
vida que tor­navam as maiores metrópoles um todo, e com percentuais sem­pre acima
mais atraen­tes e com mais oportunidades de 100%, o total de cursos, de vagas ofe­
de tra­balho e de desenvolvimento. Os mes­ recidas, de demanda no ves­ti­bular, de in­
mos au­tores reco­nhecem que essa interio­ gressos nos cursos e de con­cluintes.

Tabela 2.2 Indicadores de crescimento do sistema de formação de psicólogos no Brasil (1991-2006)


Indicadores Total (Brasil) Percentual de crescimento 1991-2006 (%)
de Expansão 1991 2006 Brasil NO NE SE SUL CO
Total de cursos 101 352 245,1 566,7 266,7 203,4 290,0 283,3
Vagas oferecidas 12,475 55,436 344,4 1,112,1 411,8 299,1 296,7 738,0
Demanda vestibular 51,817 104,455 101,6 316,4 117,7 72,9 112,0 197,4
Ingressos 11,295 28,619 153,4 665,8 290,6 99,9 202,8 268,5
Concluintes 9,576 17,002 77,5 294,4 85,1 50,3 143,9 274,4
Fonte: INEP/MEC, 2007.

Os dados da Tabela 2.2 permitem veri­ com que o Sudeste, apesar do seu cresci­
ficar que o crescimento, embora generalizado mento, perdesse peso no conjunto do país.
em todas as regiões, é bem mais expressivo A região Norte apresenta os mais elevados
nas regiões Norte, Centro-Oeste, Nordeste e percentuais em todas as dimensões de cres­
Sul. Tais dados guardam estreita relação cimento ao se comparar com a sua situação
com o perfil de crescimento do número de no início dos anos de 1990. Em seguida,
psi­cólogos nas referidas regiões, o que fez vem a região Centro-Oeste, especialmente
36 Bastos, Guedes e colaboradores

pelo crescimento do número de vagas oferta­ estreita relação tanto com o crescimento
das e de concluintes. O Nordeste também observado no número de psicólogos no Bra­
apresenta elevados níveis de crescimento, sil quanto com as mudanças que estão ocor­
sempre superiores às médias nacionais em rendo na distribuição pelas diversas regiões,
todas as dimensões. No caso do Nordeste, com o crescimento mais acentuado das ou­
vale destacar a situação do Estado da Bahia. tras regiões em comparação com o sudeste
Até 1997, existia apenas um curso de Psi­ do país que, apesar de todas as alterações,
cologia que oferecia 80 vagas. Desde então, ainda continua concentrando o maior con­
a Bahia é responsável pelo maior crescimento tingente da categoria.
do número de ingressos (1,745%), sendo O crescimento da categoria de psicólogos,
muito elevado o número de concluintes no entanto, ainda poderia ser bem maior
(557,5%) e da própria demanda nos ves- caso não houvesse um expressivo número de
ti­bulares (516,2%). Ainda no Nordeste, Rio profissionais graduados que não se inscrevem
Grande do Norte (1,022.9%) e Sergipe no Sistema Conselho e que, portanto, não se
(960%) distanciam-se da média nacional e credenciam para o exercício da profissão.
dos demais Estados da região no número de Esse fenômeno já fora detectado na pesquisa
ingressos nos cursos de Psicologia. Embora dos anos de 1980 e continua por todos os
no Sudeste sejam encontradas médias de anos de 1990 e na presente década. Os dados
crescimento menores que a média nacional apresentados na Figura 2.2 revelam clara­
(nessa região ocorreu o primeiro grande mente essa defasa­gem entre concluintes de
ciclo de expansão dos cursos de psicologia graduação e profissionais habilitados para o
nos anos de 1970-1980), deve ser destacada exercício profissional da Psicologia.
a situação do Estado do Espírito Santo, que Ao longo do período examinado, constava-
apresenta um crescimento de 593,9% da -se que, em média, apenas 65% dos con­cluin­­
demanda no vestibular, 1.553% no número tes da graduação habilitam-se a ser psi­cólogos,
de ingressos no curso e 527,6% no número o que significa que um pouco mais de 1/3 dos
de concluintes. Os dados sobre a expansão potenciais psicólogos não se insere na profissão.
do sistema de ensino guardam, portanto, A pergunta a ser respon­dida é: por que esse

18,000
17,002
15,856
16,000 16,261
13,487
14,000 14,581 12,789 12,568
12,106
12,000 12,185
10,281 9,730 9,799 9,781 10,254 11,599
11,253 11,024
10,000 10,208 8,872
9,576 9,415 9,554
8,980
8,000 7,066 6,884 6,566
7,263 7,070 7,771
6,000
5,015 5,510 5,394
4,000
2,000

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Concluintes
Inscritos

Figura 2.2 Quantitativo de concluintes de graduação em Psicologia e de inscritos no Sistema Conselho


no período de 1991-2007.
Fonte: MEC/INEP e Sistema Conselhos de Psicologia.
O trabalho do psicólogo no Brasil 37

contingente tão signi­ficativo de psicó­logos que capítulos posteriores deste livro, é notável o
concluem um cur­so de longa dura­ção não se contingente de psicólogos que combinam a
credencia para a atuação profissional? sua atuação na profissão com outras ativida­
Uma primeira hipótese explicativa pode des profissionais, predominantemente em
ser encontrada no fato de que a profissio­ função das condições limitadas de empregos
nalização não é o objetivo principal para e trabalhos disponíveis.
todos aqueles que buscam o curso de psico­
logia. Embora seja difícil conceber que tão
expressivo número de jovens busque um A mobilidade dos
curso de longa duração sem ter em mente a psicólogos no país
futura atuação profissional, é possível que
outros interesses motivacionais estejam pre­ Os dados gerados pela pesquisa nacional
sentes ou, ainda, que os projetos profissionais permitiram caracterizar um fenômeno bas­
sejam reorientados ao longo da sua for­ma­ tante interessante sobre a mobilidade dos
ção. A segunda hipótese está relacionada à psicólogos entre os diversos Estados brasi­
realidade do mercado de trabalho e às res­ leiros. Para tanto, comparou-se o Estado em
trições de bons empregos que justifiquem a que o psicólogo se graduou e aquele em que
inserção na profissão. Como veremos nos ele está atuando (Ver Figura 2.3).

Gr = 0%
RR Tr = 0,1%
Gr = 0% AP
Tr = 0%

AM
Gr = 2,2%
Gr = 0,8% PA
MA Tr = 3,2%
Tr = 1,7% Gr = 0,6%
Tr = 0,9% Gr = 0,3% CE
Tr = 1,0,% PI RN Gr = 1,3% – Tr = 2,4%
Gr = 0,5% PB Gr = 1,8% – Tr = 2,0%
Tr = 1,3%
PE Gr = 4,3% – Tr = 5,6%
AC
RO TO AL Gr = 1,6% – Tr = 2,2%
Gr = 0,3% SE
Gr = 0,2% MT BA
Tr = 0,7% Gr = 0,7% – Tr = 0,8%
Gr = 0% Tr = 0,1% Gr = 4,0%
Tr = 0,1% Gr = 0,5% Tr = 6,5%
Tr = 1,0%

GO Gr = 5,4%
Tr = 8,4%
Gr = 2,3%
Tr = 3,0,% MG
Gr = 12%
MS Tr = 6,3%
Gr = 1,1% ES
Tr = 0,5% SP Gr = 0,5% – Tr = 0,9%
Gr = Graduado Gr = 30,1%
Tr = Trabalhando Tr = 34,7% RJ
Gr = 9,2% – Tr = 2,3%
PR
Gr = 6,1%
Tr = 7,7%
SC
Gr = 5,4% – Tr = 5,5%
RS
Gr = 8,7%
Tr = 2,8%

Figura 2.3 Percentual de profissionais graduados e em atividade por unidade da federação.


Fonte: Dados da pesquisa.
38 Bastos, Guedes e colaboradores

Observa-se que, embora a maior parte da na formação de profissionais, não absorvem


amostra consultada tenha obtido gradua­ção todos os graduados em seus mercados de
nas regiões Sudeste (51,8%) e Sul (20,2%), trabalho. Na presente amostra, o Rio de Ja­
os dados sugerem que muitos profissionais neiro destaca-se por apresentar a maior dis­
tenham se inserido em postos de trabalho tância entre o número de psicólogos que lá
nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, se graduaram, mas que estão atuando em
onde há uma maior proporção de psicólogos ou­tros Estados brasileiros. Fora do Sudeste,
(3, 6, 25 e 12,9%, respec­tiva­mente) em com­ é no Rio Grande do Sul que se encontra o
pa­ração ao número de gra­duados (1,9, 16,7 maior contingente de profissionais gradua­
e 9,3%, respectiva­men­te). Destacam-se os dos da amostra da pesquisa nacional, porém
Es­tados do Rio de Janei­ro, Rio Grande do Sul trabalhando em outros Estados do Brasil. Ou
e Minas Gerais, por apresentarem um menor seja, embora 8,7% dos psicólogos tenham se
percentual de psi­cólogos ativos em com­para­ graduado no Rio Grande do Sul, somente
ção ao nú­mero de graduados, cons­tituindo, 2,8% deles trabalham naquele Estado.
portanto, os principais polos expor­tadores de Em movimento oposto, nos Estados do
psicó­logos para os demais Estados, algo que Nordeste, como Bahia e Pernambuco, o per­
pode significar maiores dificuldades de inser­ centual de quem atua (6,5 e 5,6% respec­
ção profissional no mercado, pela dimensão tivamente) é superior ao percentual de
da categoria. Isso, no entanto, não acontece quem ali se graduou (4,0 e 4,3%). Ou seja,
no Estado de São Paulo. es­ses Estados, possivelmente por permane-
Uma análise do ranking dos Estados que ce­rem por mais tempo sem o crescimento ex­
mais formam e mais empregam (Figura 2.4) po­nen­cial de cursos de graduação em Psico­
indica que o Estado de São Paulo conti- logia, puderam absorver um contingente ex­­
nua sendo o maior polo de formação (30,1%) pres­sivo de profissionais formados em ou­-
e inserção do profissional de psicologia tros Es­tados. Destaca-se, ainda, o Distrito
(34,7%). Por outro lado, os demais Estados Federal, que está em segundo lugar na lista
do Sudeste, apesar de seguirem São Paulo dos que mais empregam (8,4%), apesar de

40
34,7
35
30,1
30

25

20

15
12

10 9,2 8,7 8,4


7,7
6,3 6,1 6,5
5,4 5,5 5,4 5,6
4,3
5 2,3 2,8 4
2,3 3

0
SP MG RJ RS PR SC DF PE BA GO

Graduados Atuandos

Figura 2.4 Relação entre percentual de psicólogos graduados e que atuam em alguns Estados
brasileiros.
Fonte: Dados da pesquisa.
O trabalho do psicólogo no Brasil 39

ser o sé­timo na lista dos que mais formaram dência clara do pre­do­mínio largo de psicólogas
os psi­cólogos que participaram da pesquisa na composição da cate­goria, alimentada pelo
nacio­nal (5,4%). Trata-se, portanto, de um número bem su­perior de mulheres que buscam
merca­do que absorve um contingente maior e realizam o curso de graduação (Castro e
de psicólogos de fora, o que se justifica, pos­ Yamamoto, 1998).
si­­vel­mente pelo dinamismo da sua econo- Os resultados do presente estudo reafir­
mia, por lá se concentrar a sede do governo mam a importância desse traço característico
fe­deral e de importantes empresas públicas. da profissão, como bem revela a Figura 2.5,
Essa mobilidade dos psicólogos pelo que especifica sua distribuição nos diferentes
país, ao mesmo tempo em que fornece infor­ conselhos regionais. As variações observadas
mações congruentes com o ritmo em que o não se distanciam fortemente da média na­cio­
processo de expansão do sistema de ensino de nal de 83,3% de mulheres e resultam de flu­
graduação ocorreu no país, sugere a ne­ces­ tua­ções da amostra participante da pesquisa.
sidade de estudos complementares que explo­ Embora os dados das diversas pesquisas
rem o peso de fatores de constituição do mer­ não possam ser comparados entre si, pois se
cado de trabalho em psicologia na determi­ apoiam em processos de amostragem distin­
nação dessa mobilidade. Adicional­mente, os tos, percebe-se na pesquisa nacional atual
dados dessa mobilidade fortalecem os argu­ uma pequena elevação do contingente de
mentos que afirmam a necessidade de padrões homens, em relação aos dados de 1988. Ao
básicos de formação que, a des­peito das pe­ comparar as regiões por gênero, infere-se
culia­ridades regionais e locais, habilitam o psi­ que a região Sul apresenta menor percentual
cólogo para atuar nesses dife­rentes contextos de homens em relação às demais (14,1%),
nacionais. Insumos dessa ordem podem ser enquanto que o Nordeste apresenta o maior
muito importantes na for­mulação de políticas percentual (18,6%).
específicas tanto para a formação quanto para Esse importante traço da profissão, ou
o exercício da profis­são no Brasil. seja, a sua majoritária composição feminina,
não pode ser desconsiderado quando se exa­
minam muitas das fragilidades do mercado
Uma profissão feminina de trabalho, inclusive rendimentos, face às
marcantes diferenças de gênero na inserção
O reconhecimento da Psicologia como no mercado de trabalho.
uma profissão feminina é algo que aparece
desde os primeiros estudos sobre a profissão,
a exemplo do clássico trabalho sobre o psicó­ Uma profissão “adulto-jovem”
logo paulista, conduzido por Mello (1975).
A pesquisa do Conselho Federal de Psicologia Os resultados da pesquisa de 1988 apon­
que gerou o livro Quem é o psicólogo bra­ t­ aram que, além de uma profissão fe­minina,
sileiro?, nos anos de 1980, con­firma e discute éramos uma profissão jovem. A ida­de média
essa realidade, inclusive em termos das con­ ficou em 33,6 anos, com per­cen­tuais de psi­
dições de trabalho que são for­temente afe­ cólogos entre 22 e 39 anos, va­riando de 73
tadas pelo gênero. Nesse es­tu­do, a proporção a 90% da amostra. O con­tin­gente de psicó­
do gênero feminino foi de 86,6%. Mais re­ logos acima de 50 anos era pou­co expressi-
centemente, uma pesquisa con­du­zida pelo vo. Adi­cionalmente, o tempo médio de gra­
IBOPE para o Conselho Federal de Psicologia duação foi de 7,51 anos, o que era congruen-
em 2004 encontrou um per­cen­tual de 91%, te com aquele primeiro ciclo de expansão
em uma amostra aleatória de 2 mil psicólogos. da formação em psicologia vi­venciado nos
Vários estudos regio­nais reafirmam essa ten­ anos de 1980.
40 Bastos, Guedes e colaboradores

CRP 13
F = 78,6%
M = 21,4%

CRP 01
F = 80,1% CRP 10
CRP 02
M = 19,9% F = 76,9% CRP 11 F = 89,4%
M = 23,1% F = 78,9% M = 10,5%
M = 21,1%

CRP 15
F = 75,8%
CRP 03
CRP 14 CRP 09 M = 24,2%
F = 79,8%
F = 82,4% F = 85,2% M = 20,2%
M = 17,6% M = 14,8%

CRP 16
CRP 04 F = 86,4%
F = 78,3% M = 13,6%
CRP 06 M = 21,7%
F = 85,1%
M = 14,9% CRP 05
F = 80,2%
M = 19,8%
CRP 08
CRP 12 F = 89,0%
F = 89,0% M = 11,0%
M = 11,0%
CRP 13
F = 85,8%
M = 14,2%

Figura 2.5 Distribuição de psicólogos e psicólogas por gênero nos CRPs.


Fonte: Dados da pesquisa.

Passados 20 anos, os dados da pesquisa anos (CRP16 – Espírito Santo) e 31,8 anos
atual revelam que, apesar do crescimento ain­ (CRP12 – Santa Catarina) a 40 anos (CRP05
da mais acentuado da profissão a partir do – Rio de Janeiro) e 43,5 anos (CRP 10 – Pará
final dos anos de 1990, que leva a um con­ e Ama­pá). Tais variações se devem, prova-
tingente cada vez maior de jovens nela ingres­ vel­­mente, a problemas de amos­tragem, espe­
santes, já se percebem indicadores de uma cial­mente no CRP 10, que teve uma amos-
categoria ocupacional mais madura, quer na tra bem reduzida.
idade dos seus membros, quer no seu tempo As alterações na composição da catego­
de atuação profissional. Esses da­dos podem ria por faixa etária, sinalizadoras de um ama­
ser observa­dos na Figura 2.6. durecimento dos profissionais, podem ser
Na pesquisa nacional atual, encontramos exa­minadas na Figura 2.7. Proporcio­­nal­­men­
uma idade média de 36,7 anos (dp = 10,1 te, hoje temos bem mais psicólogos com ida­
anos), 25% da amostra possui até 28 anos; des acima dos 40 anos do que na pesqui-
50% dos psicólogos possuem até 34 anos. sa de 1980. Atualmente, contamos com pro­
Trata-se, certamente, de uma ca­tegoria jovem, fis­sionais em estágios de carreira mais avan­
mas esses indicadores apontam um avanço na çados, possivelmente consoli­da­dos, o que é
idade média em relação aos anos de 1980. A um im­portante elemento para compreen­der­
idade média apre­senta varia­ções nas amostras mos as características do exercício da pro­fis­
dos dife­ren­tes conselhos regionais, indo de 30 são em comparação com o passado.
O trabalho do psicólogo no Brasil 41

CRP 13
Midade = 37 anos
Mformado = 11 anos

CRP 10
CRP 02
Midade = 44 anos CRP 11 Midade = 40 anos
Mformado = 17 anos Midade = 34 anos
CRP 01 Mformado = 13 anos
Midade = 35 anos Mformado = 8 anos
Mformado = 9 anos
CRP 15
Midade = 37 anos
CRP 14 CRP 03 Mformado = 10 anos
Midade = 37 anos Midade = 35 anos
Mformado = 11 anos Mformado = 9 anos
CRP 09
Midade = 36 anos CRP 16
CRP 04
Mformado = 10 anos Midade = 30 anos
Midade = 35 anos
Mformado = 5 anos
CRP 06 Mformado = 9 anos
Midade = 38 anos
Mformado = 12 anos CRP 05
Midade = 40 anos
Mformado = 13 anos
CRP 08
CRP 12 Midade = 35 anos
Midade = 33 anos Mformado = 10 anos
Mformado = 7 anos
CRP 13
Midade = 34 anos
Mformado = 9 anos

Figura 2.6 Médias de idade e tempo de formação por CRP.


Fonte: Dados da pesquisa.

60,0%

50,0% 48,1%

40,0%
35,6%
33,1%
30,5%
30,0%
22,4%
20,0%
12,4% 12,4%
10,0%
3,0%
0,8% 1,6%
0,0%
Até 29 anos 30-39 anos 40-49 anos 50-59 anos Acima de 60 anos

1988 2007
Figura 2.7 Percentual de psicólogos por faixas etárias nas pesquisas de 1988 e 2007.
Fonte: Sistema Conselhos de Psicologia. 

Com relação ao tempo de formação, a anos de formação, e 50% da amostra possui


média, que ficava em torno dos 7 anos na até 7 anos, o que confirma o caráter juvenil
pesquisa anterior, alcança na presente pes­ da profissão. A variação do tempo de gra­
quisa 10,6 anos (dp = 9,1 anos). Vinte e cin­ duação entre os regionais acompanha o que
co por cento dos psicólogos possui até 3 se observa em relação à idade.
42 Bastos, Guedes e colaboradores

Um dado adicional que revela o caráter os pais (27,4%). Ao confrontar status de


adulto-jovem da categoria de psicólogos refe­re- moradia e idade, observa-se que a maioria
-se à informação sobre o seu status de resi­dên­ dos psicólogos que vivem com a família de
cia, por faixa etária, como se vê na Tabela 2.3. origem (66,8%) ou com amigos (62,1%) pos­
Ainda que mais da metade dos partici­ sui até 29 anos. Por outro lado, 75,9% da­
pantes viva com cônjuge e/ou com filhos queles que vivem com o cônjuge possui até
(59,9%), há um percentual considerável da­ 39 anos, enquanto 71,8% dos que são casados
queles que moram sozinhos (10,4%) ou com e com filhos têm entre 30 e 49 anos.

Tabela 2.3 Com quem moram os psicólogos brasileiros


Com os Cônjuge ou Família de origem Cônjuge
Sozinho Amigos
filhos companheiro (pais, avós) e filhos
Até 29 anos 24,2% 3,0% 38,7% 66,8% 62,1% 8,4%
30-39 anos 34,3% 18,9% 37,2% 22,6% 16,7% 37,0%
40-49 anos 23,9% 48,3% 13,0% 7,8% 12,1% 34,8%
50-59 anos 12,8% 27,9% 8,8% 2,2% 7,6% 18,8%
Acima de 60 anos 4,8% 2,0% 2,3% 0,5% 1,5% 1,0%
% Geral 10,4% 7,2% 21,6% 27,4% 2,4% 31,1%
Fonte: Dados da pesquisa

A origem social dos psicólogos proporções mais expressivas com nível supe­
rior e mesmo pós-graduação.
Da mesma forma que ocorreu na pes­ A análise da escolaridade dos pais revela
quisa dos anos de 1980, buscou-se conhe- que mais da metade dos psicólogos advém de
cer o grau de escolaridade dos pais dos psi- famílias de mais baixa escola­ridade e, pro­va­
có­lo­gos. Essa informação oferece pistas velmente, de mais baixa ren­da. No en­tanto,
im­­por­tantes so­bre a sua origem social, já ao comparar os dados obtidos no pre­sente
que o nível de educação associa-se for- estudo com os resul­tados apresen­ta­dos há 20
te­­mente aos rendi­mentos e ao status so- anos (Conselho Federal de Psico­logia, 1988),
cioeco­nô­mico. observa-se um forte au­mento de pais e mães
A imagem de uma profissão liberal, for­ que alcan­çaram o nível su­perior, o que reflete
te­mente voltada para o atendimento clínico a me­lhoria geral do ní­vel de escolaridade da
de segmentos sociais que podem arcar com po­pulação brasileira, embora não nos per­
um custo elevado, associou-se à ideia de que mita concluir que o psi­cólogo, majoritaria­
os psicólogos vêm de camadas médias e men­te, venha dos seg­men­­­tos sociais mais
altas da sociedade. Já na pesquisa de 1988, abas­tados da sociedade.
quando se examinou a escolaridade dos Ao comparar os dados sobre a escola­
pais, percebeu-se que importante contin- ridade dos pais dos concluintes dos cursos de
gen­te de profissionais vinha de famílias com graduação no Brasil no ano de 2003 (dado
níveis de escolaridade média ou baixa. coletado pelo INEP no Exame Nacional de
Os resultados da pesquisa nacional atual Cursos) com os resultados obtidos na pesqui-
encontram-se na Figura 2.8 e revelam algu­ sa nacional do psicólogo, percebe-se que o
mas informações interessantes. A primei­ra nível de escolaridade tanto do pai quanto da
delas é que a escolaridade das mães é, no mãe dos psicólogos é bem mais elevado. En­
geral, inferior à dos pais, que aparecem em quanto na nossa amostra o con­tingente de
O trabalho do psicólogo no Brasil 43

9%
Pós-graduação 17%

23%
Até o superior completo 31%

31%
Até o ensino médio completo 24%

37%
Até o ensino fundamental completo
29%

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40%

Escolaridade do pai Escolaridade da mãe

Figura 2.8 Nível de escolaridade dos pais dos psicólogos participantes da pesquisa.

pais de psicólogos com nível superior (gra­ Conclusão


duação e pós) foi de 47,2%, esse percentual
foi de apenas 24,04% entre os alunos de Os dados gerais que caracterizam a
todos os cursos de graduação em 2003. O pro­fissão no Brasil revelam, em suas gran­
mesmo se constata em relação à edu­cação da des linhas, que somos uma categoria pro­
mãe. En­tre os concluintes de 2003 de todos fissional em constante crescimento, que
os cursos de graduação no país, somente tem se acele­rado na última década em fun­
21,9% tinham mães com nível de escolari- ção da expan­são do sistema de formação
dade su­perior, enquanto na amos­tra de psi- em psicologia.
có­logos que res­pondeu a esse estu­do nacio- A profissão não apenas tem crescido,
nal em 2007, o percentual atinge 32,3%. co­mo também tem se interiorizado, ocu­pan­
Os dados da pesquisa também re­velam do de forma cada vez mais intensa as cidades
que não há grandes variações no perfil de de grande, médio e até de pequeno porte
escolaridade dos pais dos psicólogos quando que não são capitais dos Estados brasileiros.
se consideram as diversas regiões brasileiras, Esse processo de crescimento e interiorização
como se constata na Figura 2.9. significa que parcela cada vez maior pode
Os dados nos mostram que, no que tan­ge vir a ter acesso a serviços psicológicos, o que
à escolaridade do pai, as diferenças são bem retira progressivamente da psicologia a ca­
reduzidas entre as regiões (48% dos pais das racterística de ser uma profissão das grandes
regiões Norte e Centro-Oeste possuem escola­ metrópoles.
ri­dade média ou inferior; esse percen­tual é A pesquisa revela, também, que caracte­
maior nas regiões Sul e Sudeste, quan­do atin­ rísticas importantes do perfil da nossa ca­
ge 54%). Por outro lado, as dife­ren­ças na tegoria ocupacional continuam tão fortes
escolaridade da mãe são mais ex­­­pressivas. As quanto antes. Continuamos, apesar do tími­
mães dos psicólogos das re­­­giões Sul (72% até do crescimento do número de homens, sen­
o nível médio) e Su­deste (77% até o nível do uma profissão essencialmente feminina,
médio), propor­cio­nalmente, possuem menor com todas as implicações que isso acarreta
escolaridade do que as re­giões Nor­deste e no mundo do trabalho no Brasil. Somos,
Norte/Centro-Oeste (62%). ainda, uma profissão jovem, pois assistimos
44 Bastos, Guedes e colaboradores

N/CO

1 2 3 4 NE

Pai 28% 20% 31% 21% 1 2 3 4


Mãe 34% 28% 27% 11% Pai 25% 27% 32% 16%

Mãe 27% 35% 26% 12%

SE

1 2 3 4

Pai 30% 24% 31% 15%


1) Até ensino fundamental Mãe 41% 31% 21% 7%
SU
2) Até ensino médio
3) Até superior completo
4) Pós-graduado 1 2 3 4

Pai 34% 20% 29% 17%

Mãe 38% 29% 23% 10%

Figura 2.9 Escolaridade dos pais por região.


Fonte: Dados da pesquisa.

de perto ao crescimento do ingresso de re­ REFERÊNCIAS


cém-formados nos últimos anos. Todavia,
cresceu o número de profissionais mais ma­ Conselho Federal de Psicologia. (Ed.) (1988).
duros e em estágios de carreira mais con­ Quem é o psicólogo brasileiro? São Paulo: Edicon.
Mello, S. L. Psicologia e profissão em São Paulo.
solidados, quando comparados ao quadro
São Paulo: Ática, 1975.
dos anos de 1980. Rosas, P.; Rosas, A.; Xavier, I. B. Quantos e
Finalmente, é importante destacar que quem somos? In CFP (Orgs.), Quem é o psicólogo
essas características da profissão com­põem brasileiro? (pp. 32-48). São Paulo: Edicon, 1988.
um quadro mais geral, dentro do qual pode­ Rosemberg, F. Psicologia, profissão fe­minina.
mos compreender o conjunto de infor­ma­ Cadernos de Pesquisa, 47, 32-37, 1983.
ções sobre o exercício profissional que o Rosemberg, F. Afinal, por que somos tantas
pre­sente livro apresenta nos demais capítu- psicólogas? Psicologia: Ciência e Profissão, 4,
los que seguem. 6-12, 1984.
3
A formação básica, pós-graduada
e complementar do psicólogo no Brasil

Oswaldo Hajime Yamamoto, Janice Aparecida Janissek de Souza


Narbal Silva e José Carlos Zanelli

A formação do psicólogo tem sido obje­ to dos dados referentes à forma­ção acadê­
to de atenção por parte dos estu­diosos an­ mica dos psi­cólogos com os dados colhidos
tes mesmo da existência legal da profis­- no único estudo de abrangência nacional
são (Castilho e Cabral, 1953/1954; Dória, reali­zado até hoje, retratando a situação da
1953/1954)1. A partir da re­gula­men­tação, pro­fis­são em 1986 (Conselho Federal de Psi­
em 1962, os estudos so­bre a formação ga­ colo­gia, 1988), também evi­den­cia o impres­
nham impulso. Resul­tado dos debates rea­ sio­nante vigor da área.
lizados em julho de 1963 – portanto, me- O objetivo do presente capítulo é apre­­
nos de um ano após a pro­mulgação da Lei sentar e analisar dados atualizados refe­­­­rentes
n° 4.119 – em um sim­pósio intitulado A si­ à formação básica e pós-gra­duada dos psi­
tuação atual da Psico­logia no Brasil, o tema cólogos brasileiros. Proble­mas espe­cíficos re­
da formação apare­cia com destaque2. Temas ferentes às competências pro­fis­sio­nais e pro­
como for­mação básica e especia­lizada, do cedimentos específicos de qua­lificação e re­
profis­sional ou do cientista, o es­tágio super­ qualificação no con­texto aca­dê­mico e pro­
visionado e os estudos pós-gra­duados, que fissional serão ob­jeto de trata­mento espe­cí­
figuravam en­­­tre as preocupações pre­sen­tes fico em capítulos subse­quen­tes.
no Sim­pó­sio, continuam a ser es­tu­da­dos e Para discutir os resultados referentes
debatidos nos últimos anos3. à formação, apresentaremos alguns dados
Se os problemas postos há mais de cin­co acer­ca da estruturação do sistema de en­
décadas ainda nos acompanham, a rea­lidade sino brasileiro nos níveis que serão objeto
da formação – graduada e pós-gra­duada – de análise no capítulo. Sem a pretensão de
é consideravelmente diversa. No pri­meiro discutir fenômenos tão complexos co­mo
es­­tu­do de maior fôlego sobre a pro­fissão, aqueles referentes à situação do ensi­no gra­
Mel­lo (1975a) analisou a si­tua­ção de três duado e pós-graduado no Brasil, as indi­
agências formadoras e 198 psi­cólogos em cações que seguem têm apenas o in­tuito de
São Paulo; hoje, o número de psicólogos fornecer balizamentos básicos pa­ra a análise
bra­sileiros ultra­pas­sa 150 mil. O cotejamen- da formação dos psicó­logos.
46 Bastos, Guedes e colaboradores

A EXPANSÃO DO ENSINO expan­são do ensino superior no país nas


SUPERIOR NO BRASIL últimas quatro dé­cadas. Mais do que cresci­
mento meramente quanti­tativo, o processo
Confrontando os dados do estudo rea­ em cur­so envolve a confi­guração de um sis­
lizado em 1986 (Conselho Federal de Psi­ tema múltiplo de esta­be­lecimentos de en­
cologia, 1988), isto é, a reali­dade posterior à sino, um aumento ex­po­nencial das insti­
expansão promovida pela “reforma con­sen­ tuições da rede privada e uma distribuição –
tida” de 1968 com a situa­ção atual, a evo­ ainda que mantida uma considerável do­se
lução é impressio­nante: nos últimos 20 anos, de desi­gual­dade – regio­nal5.
o número de cursos de Psi­cologia mais do Os dados da Tabela 3.1 são referentes à
que quadru­plica, pas­sando de 81 para 3504. situação das Instituições de Ensino Su­perior
Esse no­tável crescimento das agências forma­ (IES) no país conforme o Censo da Educação
do­ras na área é parte inte­grante da ace­lerada Superior de 2006.

Tabela 3.1 Distribuição das instituições de ensino superior no Brasil por categoria administrativa e
modalidade (n)
Centros Outras
Categoria Administrativa Universidades Total Geral
Universitários modalidades*
Pública 92 4 152 248
Privada 86 115 1,821 2,022
Total 178 119 1,973 2,270
* Faculdades integradas, faculdades, escolas, institutos, centros de educação tecnológica e faculdades de
tecnologia.
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2006a).

Como características gerais do sistema uni­­versidades – tomado como pa­radig­ma


de ensino superior, destacam-se a presen­ça de qualidade –, poderia ser con­siderado
marcante da rede privada (89%) com re­ uma excep­cio­nalidade no Bra­sil, re­presen­
lação à pública, e a existência de insti­ tando, hoje, apenas 4% do sistema.
tuições não universitárias (87%). As uni­ No entanto, os dados referentes à ab­
ver­si­dades repre­sentam pouco menos de sor­ção de estudantes pelo sistema mos­tram
8% do total das IES. Em princípio, por­tan­ um quadro um pouco mais favorável, con­
to, do ponto de vista dos estabe­leci­mentos, for­me mostra a Tabela 3.2.
o ensino su­perior público ofer­tado pe­las

Tabela 3.2 Distribuição das matrículas em cursos presenciais nas instituições de ensino superior no
Brasil por categoria administrativa e modalidade (n)
Centros Outras
Categoria Administrativa Universidades Total Geral
Universitários modalidades*
Pública 1,053.263 16,510 139.531 1,209.304
Privada 1,457.133 711,399 1,298.810 3,467.342
Total 2,510.396 727,909 1,438.341 4,676.646
* Faculdades integradas, faculdades, escolas, institutos, centros de educação tecnológica e faculdades de
tecnologia.
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2006a).
O trabalho do psicólogo no Brasil 47

Somados, as universidades e os cen­tros matriculados em instituições da rede privada


universitários, que representam 13% dos es­­ de ensino. Em suma, 22,5% dos estudantes
tabelecimentos de ensino creden­ciados, con­ brasileiros matriculados em cursos presen-
gre­gam 70% dos estudantes matriculados ciais frequentam as univer­si­dades públicas,
em cursos presenciais nas IES brasileiras. E em tese, beneficiando-se da melhor qualidade
54% dos estudantes ma­triculados em cursos de en­sino, como in­dicam os dados do Exame
presenciais estudam em universidades. Nacio­nal de Desempenho dos Estudantes
Quanto à natureza administrativa, o qua­ (ENADE). A distribuição geográfica das IES
dro não se altera: 74% dos estudantes está no Brasil es­tá representada na Figura 3.1.

984
1000

900
Privada Pública
800
700
600
500
349 347
400
300 225

200 117 109


63
100 18 40 18

0
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

Figura 3.1 Distribuição das IES brasileiras por região.

O desequilíbrio regional é uma marca A FORMAÇÃO DOS PSICÓLOGOS


do sistema de ensino superior no país, com BRASILEIROS: GRADUAÇÃO
48,1% das IES concentrando-se na região
Sudeste. Para se aquilatar à dimensão da Cursos de graduação em Psicologia
concentração, as regiões Nordeste (18,1%),
Sul (17%) e Centro-Oeste (10,7%), juntas, Passemos a examinar mais detida­men­te
totalizam 46% do conjunto das IES bra­si­ a área da Psicologia. A distribuição dos cur­
leiras! Os índices de privatização do sis­tema sos de graduação em Psicologia no Brasil
acompanham a distribuição das IES, com a pode ser observada na Tabela 3.3.
região Centro-Oeste apresentando a maior Um aspecto a observar diz respeito à
(92,6%) e a região Nordeste com a menor participação da rede privada de ensino na
pro­porção (84,7%) de estabele­ci­mentos da Psicologia que, atingindo 89,1% dos esta­
rede privada. belecimentos, é superior à proporção de IES
A distribuição geográfica, consideran­do privadas no sistema de ensino (83,1%). En­
a matrícula dos alunos em cursos pre­sen­ tretanto, de forma bastante diferenciada
ciais, reproduz de maneira bastante fiel com relação à distribuição das IES, há um
aquela das IES brasileira. amplo predomínio do ensino em institui­
48 Bastos, Guedes e colaboradores

Tabela 3.3 Distribuição dos cursos de graduação em Psicologia no Brasil por categoria ad­mi­nistrativa
e modalidade (n)
Centros Outras
Categoria Administrativa Universidades Total Geral
Universitários modalidades*
Pública 54 2 3 59
Privada 146 41 104 291
Total 200 43 107 350
* Faculdades integradas, faculdades, escolas, institutos, centros de educação tecnológica e faculdades de
tecnologia.
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2006a).

ções universitárias: 57,1% contra apenas tui­ções de caráter uni­versitário nas quais, em
7,8% do sistema de ensino superior. Con­si­ tese, deveria haver a associação da produção
derados em conjunto as universida­des e os com a disse­mi­nação do conhe­cimento.
centros universitários, a distância se a­m­plia: O aspecto seguinte, constatada a dis­tri­
enquanto na área da Psicologia, o total des­sas buição das IES responsáveis pela oferta dos
instituições atinge 69,4%, no sistema de en­ cursos de graduação em Psicologia, diz res­
sino superior, as IES dessas moda­lidades atin­ peito à sua participação na for­mação dos
gem apenas 13%. Em outras palavras, embora psicólogos. Os dados referentes aos con­
a presença da iniciativa privada na forma- cluin­tes dos cursos presenciais de Psicologia
ção gradua­da em Psicologia seja ma­ciça, ela é no ensino superior no Brasil, no período
pre­domi­nantemente de­sen­volvida em insti­- 2002-2006, estão ilustrados na Figura 3.2.

18000 16,836
15,822 16,111
16000 14,564
13,796
13,205 13,125 13,030
14000
11,550
12000 10,884

10000

8000

6000
3,014 2,697 3,075 3,040
4000 2,321

2000

0
2002 2003 2004 2005 2006

Pública Privada Total

Figura 3.2 Distribuição de concluintes em cursos presenciais de Psicologia nas instituições de ensino
superior no Brasil, no período 2002-2006, por categoria administrativa (n).
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2006a).

Os 350 cursos de graduação em fun­- concluíram em instituições do sistema pri­


cio­namento no Brasil, em 2006, titularam vado, o que representa um percentual me-
16.836 estudantes. Destes, 81,9% (13.796) nor que a participação de IES da rede priva-
O trabalho do psicólogo no Brasil 49

da no sistema de ensino superior. Conside­ mais acentuada na região Sudeste, atin­gindo


rando o período de cinco anos (2002-2006), 89% dos cursos, contra 75% na região Nor­
a par­ticipação relativa da rede privada na deste, a que tem a me­nor proporção de IES
for­mação dos psicó­logos oscila em torno dos da rede privada.
81%, o que parece indicar uma estabilidade
na parti­ci­pação relativa das duas redes. Por
outro lado, embora a proporção se mantenha A formação básica
constante, a parti­cipação absoluta cresce: os dos psicólogos brasileiros
16,836 con­cluintes de 2006 represen­tam um
cres­cimento de aproximadamente 22% em Os dados da Figura 3.4 são referentes à
relação ao número de egressos de 2002, que formação graduada dos psicólogos bra­si­
totalizaram 13,205, fato que nos faz supor leiros, por categoria administrativa.
que, mantidas as condi­ções pre­sentes, a con­­ Os resultados quanto à formação bási­ca
figuração da profis­são, ten­den­cialmente, terá dos psicólogos confirmam as tendências de
cada vez mais a marca da formação condu­ expressiva expansão do ensino superior pri­
zida na rede privada de ensino. vado registradas pelo MEC. Con­forme é
Na Figura 3.3 é possível verificar a dis­ mos­­trado na Figura 3.4, a grande maio­ria
tribuição dos cursos de graduação em Psico­ dos integrantes da amostra total (n = 3.335)
logia no Brasil, por região geográfica e cate­ de psicólogos pesquisada foi for­mada por ins­
goria administrativa. tituições de ensino pri­vada.
Com relação à distribuição regional, os Na Figura 3.5 podem ser percebidos os
dados da área replicam aqueles da distri­ dados referentes ao tempo de obtenção da
buição das IES brasileiras, com am­plo predo­ titulação básica dos psicólogos brasi­leiros.
mínio das agências formado­ras da região A análise da porcentagem de profis­-
Sudeste (49,2%). Também a pre­sença da re­ sio­nais psicólogos segundo o tempo de con­
de privada de ensino no área da Psicologia é ­­clu­são do curso permite identificar a evolu­

156
160
Pública Privada
140

120

100

80 67

60
43

40
16 19 19
14 12
20 4 6

0
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

Figura 3.3 Distribuição dos cursos de graduação em Psicologia por região.


Fonte: BVS-Psi, 2008.
50 Bastos, Guedes e colaboradores

80 71,1%
71,1 %

70

60

pública (n=950)
50
Pública privada
(n = 950)(n=2332)

40 28,9 % Privada (n = 2.332)


28,9%

30

20

10

0
Figura 3.4 Distribuição das instituições de titulação dos psicólogos por categoria adminis­trativa.

ção do número de profissionais for­mados centual de formados cres­cendo ao longo


ao lon­go dos últimos anos. As in­formações dos últimos 20 anos, com a exceção dos
apre­sen­tadas na Figura 3.5 con­firmam mais for­mandos entre 6 a 10 anos, cujo per­
uma vez a tendência de ex­pansão do ensino centual encontra-se abai­­xo daqueles for­
su­perior na área de Psi­cologia, com o per­ mados entre 11 e 20 anos.

Total (3,333) 99,9%


Total (3333)

AtéAté
2 anos (n (n=838)
2 anos = 838) 25,1%

Entre 3 e 35eanos
Entre (n (n=737)
5 anos = 737) 22,1%

Ente 11 e1120
Entre anos
e 20 (n (n=634)
anos = 834) 19%

Entre 6 e 610
Entre anos
e 10 (n (n=573)
anos = 573) 17,2%

MaisMais
de de
20 20
anos (n (n=551)
anos = 551) 16,5%

0 20
20 40
40 60
60 80 100
100
Figura 3.5 Distribuição dos psicólogos brasileiros por tempo de conclusão do curso de gradua­ção.
O trabalho do psicólogo no Brasil 51

A FORMAÇÃO DOS PSICÓLOGOS men­to de Pessoal do Ensino Superior – CA­


BRASILEIROS: PÓS-GRADUAÇÃO PES – que havia sido criada em 1951 na
forma de uma “Campanha” com a fina­lidade
A pós-graduação stricto sensu: de qua­lificar os docentes univer­sitários, pas­
mestrados e doutorados sa a se responsabilizar pe­­lo credencia­men-
to, pe­lo mo­nitoramento e pela avalia­ção da
O ensino pós-graduado no Brasil, em­bo­ pós-gradua­ção brasileira6.
ra previsto no Estatuto das Universi­da­des A distribuição dos programas de pós-
Bra­sileiras de 1930, é instituído em 1965, a -graduação do Brasil por modalidade (mes­­­
partir do Parecer n° 977 do Con­selho Fe­deral trado e doutorado) no ano de 2008 é apre­
de Educação. A Coordenação de Aper­fei­çoa­ sentada na Figura 3.6, que segue.

2,267
2,500

2,000

1,500 1,146
925
1,000

500 157
39

0
o

al
o
do

l
na
ad
ad

t
To
tra

io
or
or
es

iss
ut
ut

Do
M

Do

of
Pr
e

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tra

es
es

M
M

Figura 3.6 Número de programas de pós-graduação no Brasil, por modalidade de formação


(em 2008).

A distribuição dos programas por mo­ área ex­perimentou um crescimento regular


da­lidade e região geográfica em 2008 es­tá e constante ao longo de duas dé­cadas, ini­
representada na Figura 3.7. ciando uma aceleração em meados da dé­
Do conjunto dos 2,267 programas de cada de 1980 e uma acentuada ex­pansão
pós-graduação existentes em 2008, 60 do na última década, conforme pode ser obser­
nível de mestrado e 36 de doutorado7 per­­­ vado na Figura 3.8.
tenciam à área da Psicologia. De fato, a área A distribuição dos programas de pós-gra­
se organiza rapidamente após a ins­titucio­ duação em Psicologia no Brasil, por re­gião
nalização desse nível de ensino, mas o maior geo­gráfica, pode ser vista Figura 3.9.
crescimento pode ser obser­vado em anos A distribuição apresentada na Figura
mais recentes: após a cria­ção do pri­meiro 3.9 é condizente com a distribuição geral
programa, o Mestrado da PUC-Rio, que data brasileira de programas de pós-graduação
de 1966, o sistema de pós-gradua­ção da apresentada na Figura 3.7.
52 Bastos, Guedes e colaboradores

1,184
1200
Norte Nordeste Centro Oeste Sudeste Sul

1000

734
800

600

449
385
348

400
216

211

204

156
129
200

93
86

82
56
64

23
20

30

29
12
10

4
2
2

0
Mestrado Doutorado Mestrado e Mestrado Total
Doutorado Profissional

Figura 3.7 Distribuição dos programas de pós-graduação no Brasil por modalidade e região geo­
gráfica (em 2008).

60

60

50 Doutorado Mestrado
36
40
27
30
16
20 13 14

10 4
0 1 2 4

0
1966 1976 1986 1996 2008

Figura 3.8 Evolução do número de programas de pós-graduação em Psicologia no Brasil, por nível,
de 1966 a 2008.

Consideremos, agora, o número de alu­ ção apresentados anteriormente, as opor-


nos matriculados e titulados no siste­ma e na tu­nidades de qualificação nos pro­gramas
área. Os dados dos estudantes do sistema no stric­to sensu são reduzidas. Evi­den­temente,
ano de 2006 estão na Tabela 3.4. seria necessário considerar os ritmos de ex­
Pode-se observar que, considerando o pansão das redes desses níveis de ensino
número de egressos dos cursos de gra­dua­ que se articulam com as definições mais
O trabalho do psicólogo no Brasil 53

2 siste­ma, o documento prevê três cenários


3
11 pos­síveis, projetando níveis diferentes de
ace­leração da titulação de doutores. Par­
33 8 tindo sempre do número de doutores ti­
tulados pelo sistema em 2003 (8,904), o
cenário mais otimista prevê um cresci­
mento na ordem de 90% (titulação de
16,911 doutores) em 2010; no mais pes­
simista, na ordem de 55% (13,818 dou­
Norte Nordeste Centro Oeste
tores). Se pro­jetarmos para a Psicologia
Sudeste Sul
com os dados de 2003, teríamos uma
Figura 3.9 Distribuição geográfica dos pro­gra­ titulação de 412 dou­tores no cenário mais
mas de pós-graduação em Psicologia no Brasil otimista e de 345 no mais pessimista. Con­
(em 2008). siderando o número de cursos de graduação
existentes – e ainda em proces­so de ex­
gerais da política educa­cio­nal do governo. pansão – e a titulação dos seus docentes,
A expansão da pós-graduação está projetada não é difícil concluir que há, mesmo nas
no Plano Na­­cional de Pós-Graduação 2005- projeções mais otimistas, es­pa­ço para o
-2010. Den­­­tre as inúmeras definições acer- crescimento do sistema de pós-graduação
ca das características a serem inseridas no na área da Psicologia.
Tabela 3.4 Alunos matriculados e titulados na pós-graduação geral e na área da Psicologia, por ní­
vel, em 2006 (n)
Mestrado Doutorado Mestrado Profissional
Matriculados Titulados Matriculados Titulados Matriculados Titulados
Geral 79,050 29,742 46,572 9,366 6,798 2,519
Psicologia 2,106 861 1.197 225 - -
Fonte: Capes (2008).

Convém fazer uma observação acerca não se encaminha para o en­sino univer­
dos mestrados profissionais, modalidade sitário (Ribeiro, 2005).
de pós-graduação stricto sensu criada em
1995 por meio da Portaria nº 47/95 da
CAPES, e inexistente na área da Psico­logia. A pós-graduação lato
Trata-se de um tema polêmico, cu­ja dis­ sensu: especialização
cussão não cabe neste espaço8. Contudo, é
necessário o registro de que se trata de Análises sobre a formação do psicó­logo
uma modalidade de formação continuada exigem a consideração da educação conti­
destinada a atender as de­man­das de qua­ nuada na forma de estudos de pós-gra­
lificação sólida para atua­ção além da aca­ duação lato sensu, particularmente, as espe­
demia. A proposição des­sa modalidade de ciali­za­ções. Tais análises são dificul­tadas
formação – cujas exi­gências são tão rigo­ pela forma de organização e de con­trole
rosas quanto às do Mes­trado acadêmico – dessa moda­lidade de ensino no Brasil, re­
associa-se à cons­tatação de que uma parte gulada pela Resolução nº 01/ 2007 do CNE.
considerável dos egressos dos Pro­gra­mas Essa Reso­lução, que estabe­lece al­guns pa­
acadêmicos, sobretudo dos progra­mas de râmetros de funcionamento (como a exi­
mestrado, mas também dos de dou­torado, gência de deter­minada carga horária e de
54 Bastos, Guedes e colaboradores

qualificação do corpo do­cente), fa­culta às de de ensino – pós-graduação lato sensu – e


IES reconhecidas a cria­ção de cur­sos de es­ as demais. Os cursos lato sensu, no­mea­da­
pecialização inde­pen­­dentemente de auto­ mente, as Especializações, são even­tos tem­
rização ministerial. A regulação do sistema poral­mente demarcados e não con­tí­nuos,
é responsabilidade do INEP, que deve ca­das­ como é o caso das diversas moda­li­dades
trar e fiscalizar a pós-graduação lato sensu de progra­mas stricto sensu, inclu­sive os
(Portaria Mi­nis­terial nº 1.180/ 2004). No mestrados pro­fissionais. Isso faz com que
en­tanto, não há avaliação pro­priamente di­ as diversas ofertas de cursos de Espe­cia­
ta nos moldes da graduação ou da pós-gra­ lizações sejam encaradas como even­tos
duação; ape­nas a respon­sa­bilidade pela ve­ úni­cos e, portanto, exigindo ava­liações es­
rificação do cumprimento da legislação por pe­cíficas. Por essa mes­ma razão, análises
parte das IES. sobre as carac­te­rís­ticas da oferta (número,
De acordo com o INEP, o Cadastro do distribuição e mo­da­lidades de IES envol­
En­sino Superior indica a existência, em vidas) não podem ser confron­tadas dire­
2007, de 8,866 cursos de pós-graduação lato tamente com as demais moda­lidades de
sensu no País, sendo 8,801 deles pre­senciais. ensino formal.
Analogamente aos dados sobre as outras
modalidades de ensino, a região Su­deste
predomina, com 55,9% desses cursos, segui­ A formação pós-graduada
da das regiões Centro-Oeste (13,9%), Nor­ dos psicólogos brasileiros
des­te (13,8%), Sul (10,7%) e Norte (5,7%).
A imensa maioria dos cursos é ofertada em Os dados, conforme a Figura 3.10, são
IES da rede privada (89,5%). Em termos re­ferentes à formação dos psicólogos brasi­
da estruturação ad­mi­nistrativa, predominam leiros nas modalidades de pós-graduação
am­­plamente as Faculdades (85,3%) em de­ em sentido estrito (mestrados e douto­ra­
trimento das Universidades (10,5%) e dos dos) e lato (especializações).
Centros Universitários (4,3%). Os dados mostram, previsivelmente,
O estudo da modalidade de pós-gra­dua­ que o modo de formação pós-graduada
ção lato sensu na área da Psicologia de­­man- mais frequente entre os psicólogos brasi­
­da a consideração dos cursos de espe­­­­ciali- leiros é a especialização, uma modalidade
zação credenciados pelo Conse­lho Fe­deral essencialmente profissionalizante. Apro­xi­­
de Psicologia (Resolução CFP nº 007/2001 ma­­damente a metade da amostra já fre­
e 008/2001). O CFP estabelece exigências quentou ou frequenta algum tipo de curso
adicionais às fixadas pelo CNE e confere à de especialização. Por sua vez, o per­centual
Associação Brasileira de Ensino de Psicologia de mestres e mestrandos (19,4%) e, prin­
(ABEP) a res­pon­sabi­lidade pela análise e cipalmente, de doutores/douto­randos (5%)
cre­den­cia­mento dos cursos. é baixo. Rigoro­sa­mente, es­sas moda­lidades
No cadastro do CFP, em maio de 2008, de formação pós-gra­duada stricto sensu são
havia 79 cursos de especialização creden­cia­ destinadas aos que seguem a carreira aca­
dos. Os dados repetem a mesma dis­tri­bui­ção dêmica. Não seria, portanto, esperado um
geográfica já descrita com refe­rência à pós- per­centual alto de psicólogos que atuam
-gra­duação stricto sensu, com ampla pre­do­ fora do âmbito da academia, com mestrado
minância da região Sudeste (55,7%), se­gui­da ou doutorado. No geral, a maior parte dos
pelas regiões Sul (22,8%), Nordeste (12,7%), psicólogos da amostra (60,3%) tem envol­
Centro-Oeste (6,3%) e Norte (2,5%). vimento com alguma forma de pós-gradua­
É importante assinalar que há uma di­ ção, lato ou stricto sensu – o que não é um
ferença substancial entre esta modali­da- percentual desprezível.
O trabalho do psicólogo no Brasil 55

n = 1,755 52,6%
Especialização
n = 1,580 47,4%

n = 2,723 81,6%
Mestrado
n = 612 18,4%

n = 3,169 95%
Doutorado
n = 166 5%

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Sim Não

Figura 3.10 Distribuição dos psicólogos brasileiros por nível de titulação mais elevada.

Examinemos mais de perto esses da­dos ção ao estágio em que se en­contra o tempo
sobre a formação pós-graduada. Na Figura de conclusão, a natureza da instituição e o
3.11 estão os dados da formação dos psicó­ campo do conhecimento na qual se insere a
logos pela titulação mais eleva­da, em rela­ formação.

ESPECIALIZAÇÃO MESTRADO DOUTORADO

De 3 a 5 anos (688) – 43,5% De 3 a 5 anos (260) – 42,5% De 3 a 5 anos (70) – 42,2%


De 6 a 10 anos (411) – 26,0% De 6 a 10 anos (183) – 29,9% De 6 a 10 anos (58) – 34,9%
Estágio Curso De 11 a 15 anos(219) – 13,9%% De 11 a 15 anos(73) – 11,9% De 11 a 15 anos(16) – 9,6%
(Tempo conclusão) Mais de 15 anos (262) – 16,6% Mais de 15 anos (96) – 15,7% Mais de 15 anos (22) – 13,3%
n = 1580 n = 612 n = 166

Natureza Pública (586) – 26,9% Pública (540) – 64,5% Pública (205) – 71,7%
instituição* Privada (1594) – 73,1% Privada (297) – 35,5% Privada (81) – 28,3%

Campo Em psicologia (1765) – 76,3% Em psicologia (572) – 66,3% Em psicologia (212) – 70,7%
Conhecimento* Em outro campo (548) – 23,7% Em outro campo(291) – 33,7% Em outro campo(88) – 29,3%

*
Incluem os cursos em andamento
Figura 3.11 Distribuição dos psicólogos brasileiros por nível de titulação mais elevada e por estágio do
curso, natureza da instituição formadora e campo de conhecimento do curso realizado.
56 Bastos, Guedes e colaboradores

A maioria absoluta dos psicólogos ti­tu- gar mais aprofun­dada­men­te esse da­do, que
lou-se principalmente nos últimos cinco anos pode tanto su­gerir uma busca pelas outras
em to­dos os níveis de pós-graduação. Quan­to áreas pela es­cassez de oferta de opor­tunida-
à categoria administrativa da ins­tituição, os des na área quanto uma cons­tatação por parte
da­dos confirmam o quadro geral da ofer­ta: dos psi­cólogos da neces­sidade de abertura
en­quanto na formação pós-gra­dua­da em sen­ para áreas cone­xas com vistas à sua qualifica-
tido estrito predo­minam as IES pú­blicas, na ção profis­sional.
es­pe­cialização a relação se in­verte. Final­men­ Prosseguindo na investigação do sig­ni­
te, um dado interessante diz res­peito à área ficado da busca dos psicólogos pela for­mação
na qual a formação pós-gra­duada ocor­re com pós-graduada, na Figura 3.12 são apresentados
um percentual que varia de 23,7% a 33,7% dados das modalidades de titulação rela­cio­
de outros campos. Seria necessário inves­ti- nados com o tempo da for­mação básica.

ESPECIALIZAÇÃO MESTRADO DOUTORADO

Até dois anos 16,3% 1,2% 0,1%


n = 838 n = 137 n = 10 n=1

Entre 3 e 5 anos 38,9% 9,5% 0,3%


n = 737 n = 287 n = 70 n=2

Entre 6 e 10 anos 48,5% 18,5% 1,7%


n = 573 n = 278 n = 106 n = 10

Entre 11 e 20 anos 47,6% 23,8% 8,4%


n = 634 n = 137 n = 151 n = 53

Mais de 20 anos 35,2% 20,2% 15,8%


n = 551 n = 223 n = 128 n = 100

Figura 3.12 Distribuição dos psicólogos brasileiros por tempo de graduação e nível de titu­lação
pós-graduada.

Com relação à formação pós-graduada As modalidades de estudos stricto sen­su são


em sentido estrito (mestrado e doutora­do), prio­ritariamente esco­lhi­das, previsivelmen-
os dados permitem projetar um qua­dro: os te, por aqueles que se dedicam à docência
estudos nessas modalidades, em especial os (mestrado, 13,4%; doutorado, 40%), com
de doutorado, são buscados por profis­sio­nais percentuais bas­tante baixos para aqueles
com maior tempo de titulação básica. O da­ que desen­vol­vem atividades exclusivamente
do interessante diz respeito à formação no em outras áreas. O quadro é totalmente di­
sentido lato, a especialização. Pode-se veri­ verso se o foco se dirige à especialização,
ficar que, com uma pequena diferença para que é a op­ção privilegiada dos psicólogos
os recém-formados, os dados parecem indi­ em to­das as áreas, exceto a docência.
car uma busca contínua pelo aper­feiçoa­men­ Finalmente, na Figura 3.14 são revela­dos
to pro­fis­sional por parte dos psi­cólogos. dois conjuntos de dados, ainda refe­rentes às
Examinemos agora as modalidades de modalidades de estudos pós-gra­duados, rela­
estudos pós-graduados nos quais os psi­có­ cionados à quantidade de áreas em que atuam
logos que atuam em apenas uma área de­ os psicólogos e a na­tureza administrativa
sen­volvem ou desenvolveram (Fi­gura 3.13). das instituições de vínculo profissional.
O trabalho do psicólogo no Brasil 57

• Só clínica (n = 222; 26,6%)


• Só organizacional (n = 136; 16,3%)
ESPECIALIZAÇÃO • Só saúde hospitalar (n = 101; 12,1%)
(n = 834) • Só escolar (n = 43; 5,2%)
• Só jurídica (n = 11; 3%)
• Só docência (n = 22; 2,6%)
• Só em social (n = 13; 1,6%)

• Só clínica (n = 67; 20,8%)


• Só docência (n = 43; 13,4%)
• Só organizacional (n = 31; 9,5%)
MESTRADO • Só saúde hospitalar (n = 28; 8,7%)
(n = 322) • Só escolar (n = 8; 2,5%)
• Só jurídica (n = 2; 0,6%)
• Só em social (n = 0; 0%)

• Só docência (n = 50; 40%)


• Só clínica (n = 20; 16,0%)
• Só organizacional (n = 9; 7,2%)
DOUTORADO
• Só saúde hospitalar (n = 7; 5,6%)
(n = 125)
• Só escolar (n = 1; 0,8%)
• Só jurídica (n = 0; 0%)
• Só em social/comunitária (n = 0; 0%)

Figura 3.13 Distribuição do nível de titulação pós-graduada dos psicólogos brasileiros que atuam em
apenas uma área.

0,0 Quatro áreas (n=7)


Quatro áreas (n=7)
Quatro áreas (n = 7) 28,6 Quatro áreas (n=7)
42,9

5,2 Três áreas (n=97)


Três áreas (n=97)
Três áreas (n = 97) 18,6 Três áreas (n=97)
37,1

5,1 Duas áreas (n=648)


Duas áreas (n=648)
Duas áreas (n = 648) 19,0 Duas áreas (n=648)
38,1
Doutorado
6,0 Uma única área (n=1462) Mestrado
Uma única área (n=1462)
Uma única área (n = 1,462) 12,2 Uma única área (n=1462)
37,5
Especialização

10,7 Só público (n=505)


Só público (n=505)
Só público (n = 505) 11,1 Só público (n=505)
34,5

4,9 Só privada (n=287)


Só privada (n=287)
Só privada (n = 287) 20,2 Só privada (n=287)
33,1

2,0 Só ONG (n=98)


Só ONG (n=98)
Só ONG (n = 98) 5,1 Só ONG (n=98)
40,8
0,0 10,0 20,0 30,0 40,0
0,0 10,0 20,0 30,0 40,0
0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 0,0 10,0 20,0 30,0 40,0

Figura 3.14 Distribuição das modalidades de estudos pós-graduados dos psicólogos brasileiros pela
quantidade de área de atuação e categoria administrativa dos locais de exercício profissional.
58 Bastos, Guedes e colaboradores

Quanto ao primeiro conjunto de da­ A FORMAÇÃO DOS PSICÓLOGOS


dos9, como também seria previsível, a es­ BRASILEIROS: OUTRAS
pe­cia­lização é a modalidade mais presen­te, MODALIDADES DE FORMAÇÃO
inde­pendentemente do número de áreas COMPLEMENTAR
em que o psicólogo atua. Os dados sur­
preen­dentes dizem respeito às moda­lidades Resta, ainda, um registro sobre as de­
stricto sensu: há um percentual ex­pressivo mais modalidades de formação comple­
de psicólogos que são mestres/mestrandos men­tar, co­mo são os cursos de atualização,
e mesmo dou­to­­res/doutoran­dos atuando aperfeiçoa­mento e supervisão extra-aca-­
em diversas áreas, o que po­de configurar dê­mica. São mo­dalidades sobre as quais,
uma situação de precarie­dade dos vínculos sal­vo engano, não há cadastro nem acom­
profissionais (tema que será objeto de aná­ pa­nha­­mento sis­temático, impossibilitando
lise em capítulo posterior). uma análise de con­­junto. Além destas, ati­
Sobre o segundo conjunto de dados, vidades como par­ticipação em eventos
o destaque fica por conta daqueles que cien­tíficos e profissionais, cursos de cur-
atuam em organizações não gover­na­men­ ta dura­ção, gru­pos de estudos, dentre
tais, com os maiores índices de es­tudos na ou­tras, cons­ti­tuem formas pelas quais os
modalidade da especialização e os mais psi­cólogos bus­cam complementar sua for­
baixos nas mo­dalidades acadêmicas, mes­ mação.
trado e douto­ra­do. Também cabe enfatizar Na Figura 3.15 constam dados rela­
que aqueles que atuam exclusivamente em tivos a essas modalidades de formação
instituições do se­tor público têm os maio- com­­­ple­mentar.
res índices de titu­lação acadêmica mais Uma primeira constatação importan-
ele­vada (10,7% dou­tores/douto­ran­dos). O te so­bre a busca pela qualificação entre os
que, possivel­men­te, coincide em grande psi­cólogos diz respeito ao alto percentual
parte com o exercício da docência em uni­ da­queles que procuram essas modalida-
versidades públicas. ­des de formação complementar. Aproxi­-

100 89,7

90 81,9

80
69,5 Congresso (n = 2,689)
70 64,2
Curso de curta duração (n = 2,482)
60
50,9 Curso de estudo (n = 2,136)
50 Supervisão extra-acadêmica (n = 1,951)
40 34,8 Curso de aperfeiçoamento (n = 1,810)

30 Outras (n = 739)

20

10

Figura 3.15 Formação complementar dos psicólogos brasileiros por modalidade nos últimos dois
anos (%).
O trabalho do psicólogo no Brasil 59

ma­da­men­te 90% dos psicólogos participam lização dos conhe­cimentos e a troca de ex­
de even­tos, e pouco mais de 80% fre­quen­ pe­riên­cias.
tam cursos de curta duração. Se lembrar­ Mas, e a frequência de participação dos
mos que são for­mações comple­men­tares profissionais? Sabemos que os dados acima
àque­las mo­dali­dades de estudos pós-gra­ referidos dizem respeito aos dois úl­timos
duados men­cio­­­nados no item anterior, os anos. A frequência dessas modalidades de
da­dos sugerem que se trata de uma ca­tego- atividades por parte dos profissionais é apre­­
ria pro­fissional preocupada com a atua­ sentada na Figura 3.16.

4,1
3,9
3,9
3,8
3,7
3,5
3,5

3,3
3,1 3,1
3,1

2,9

2,7
2,6
2,5
Supervisão Congresso Outras Curso de curta Grupo de Curso de
extra-acadêmica duração estudo aperfeiçoamento

Figura 3.16 Frequências médias de realização de formação complementar por tipo de formação
nos últimos dois anos.

Por meio dos dados, é confirmada a Três das modalidades de formação con­
ilação feita a respeito da busca pela atua­ t­ inuada (grupos de estudo, cursos de aper­
lização por parte dos psicólogos brasi­leiros: feiçoamento e congressos), são dis­tribuídas
o número de eventos não deixa de ser im­ de maneira relativamente uni­for­me pe­los
pres­sionante. Se tomarmos a par­tici­pação psi­cólogos com diferentes tem­pos de forma­
em congressos, modalidade de ati­vidade ção. A supervisão acadê­mica aparece mais
que cerca de 90% dos psicólogos indicaram, fre­quentemente entre os psi­cólogos com
o percentual médio de 3,8% de even­­tos nos me­nor tempo de for­mação (até 10 anos),
dois últimos anos é um dado ex­pressivo. A di­minuindo para apro­xima­damente metade
mes­ma análise pode ser es­ten­dida às demais da frequência nos anos posteriores. Esse
modalidades de for­mação com­plementar dado pode nos dar uma indicação de que
as­sinaladas pelos psi­cólogos bra­sileiros. esta úl­tima tal­vez deva ser considerada
Considerando que a especialização era uma mo­dalidade de for­mação continuada
a modalidade pós-graduada mais fre­quente equivalente aos cursos de espe­cialização,
entre os psicólogos, indepen­den­temente do enquanto que as demais são formas de
tempo de formação, com uma distribuição atua­­lização dos pro­fissionais.
relativamente uniforme, dife­ren­temente das Finalmente, na Figura 3.18 são apre­sen­
modalidades stricto sensu, decidiu-se rela­ tadas as modalidades de formação com­­ple­
cionar o tempo com as for­mas comple­men­ mentar dos psicólogos brasileiros pela titula­
tares (Figura 3.17). ção (graduada e pós-graduada).
60 Bastos, Guedes e colaboradores

Supervisão
Grupo Estudo Curso Aperfeiçoamento Congresso Outros
Acadêmica
% Sim % Sim % Sim % Sim
% Sim

67,6% 68,8% 40,1% 87,3% 26,9%


Até dois anos sim + não = 578 sim + não = 571 sim + não = 479 sim + não = 69 sim + não = 103

67,9% 69,1% 57,1% 88,1% 29,7%


Entre 3 e 5 anos sim + não = 489 sim + não = 475 sim + não = 45 sim + não = 59 sim + não = 126

67,6% 62,5% 51,4% 89% 36,4%


Entre 6 e 10 anos sim + não = 374 sim + não = 347 sim + não = 32 sim + não = 45 sim + não = 129

71,3% 34,7% 57,7% 93% 41,3%


Entre 11 e 20 anos sim + não = 383 sim + não = 33 sim + não = 31 sim + não = 511 sim + não = 158

75,2% 36,4% 51,1% 92,7% 49,5%


Mais de 20 anos sim + não = 311 sim + não = 227 sim + não = 23 sim + não = 425 sim + não = 223

Figura 3.17 Porcentagens dos psicólogos brasileiros que realizam formação complementar por tem­
po de graduação.

• Grupo estudo – Sim = 74,5% não = 25,5% n = 94


• Supervisão extra-acadêmica – Sim = 52,6% não = 47,4% n = 76
DOUTORADO • Curso aperfeiçoamento – Sim = 27,6% não = 72,4% n = 58
• Curso curta duração – Sim = 69,4% não = 30,6% n = 85
• Congresso – Sim = 98,6% não = 1,4% n = 146
• Outras – Sim = 37,0% não = 63,0% n = 27

• Grupo estudo – Sim = 76,0% não = 24% n = 321


• Supervisão extra-acadêmica – Sim = 57,9% não = 42,1% n = 271
MESTRADO • Curso aperfeiçoamento – Sim = 34,3% não = 65,7% n = 239
• Curso curta duração – Sim = 76,7% não = 23,3% n = 330
• Congresso – Sim = 96,1% não = 3,9% n = 413
• Outras – Sim = 37,2% não = 62,8% n = 94

• Grupo estudo – Sim = 87,5% não = 32,5% n = 770


• Supervisão extra-acadêmica – Sim = 65,6% não = 34,4% n = 715
ESPECIALIZAÇÃO • Curso aperfeiçoamento – Sim = 60,7% não = 39,3% n = 712
• Curso curta duração – Sim = 85,1% não = 14,9% n = 947
• Congresso – Sim = 89,8% não = 10,2% n = 973
• Outras – Sim = 42,1% não = 57,9% n = 273

• Grupo estudo – Sim = 68,3% não = 31,7% n = 951


• Supervisão extra-acadêmica – Sim = 66,0% não = 34% n = 889
GRADUAÇÃO • Curso aperfeiçoamento – Sim = 48,9% não = 51,1% n = 801
• Curso curta duração – Sim = 81,7% não = 18,3% n = 1120
• Congresso – Sim = 86,2% não = 13,8% n = 1157
• Outras – Sim = 28,1% não = 71,9% n = 345

Figura 3.18 A formação complementar dos psicólogos brasileiros por nível de titulação.
O trabalho do psicólogo no Brasil 61

Os dados mostram que quase todas as bra­sileiro. Mas, de fato, há uma dife­rença
modalidades de formação complementar na qualidade de ensino dessas dife­rentes
(gru­pos de estudo, supervisão extra-aca­dê­ mo­da­lidades de instituições? A edi­ção de
mica, cursos de curta duração e con­gressos) 2006 do Exame Nacional de De­sempenho
independem do nível de titulação dos psicó­ dos Estudantes do INEP – ENADE (Instituto
logos. Os cursos de aper­feiçoa­mento, por seu Nacional de Estudos e Pesquisas Educa­cio­
turno, que exigem um tempo de dedicação nais Anísio Teixeira, 2006b) – conclui que
maior que as outras modalidades desse gru­ as instituições esta­duais e fe­derais tiveram
po, são mais esco­lhidos pelos psicólogos ape­ um desempenho superior às demais, com
nas gra­duados ou especialistas, enfim, aque­ médias na faixa de 4 (em uma escala de 1
les que, pos­sivelmente, fizeram a opção pela a 5), contra a média 3, mais frequente en­
carreira profissional e não pela acadêmica. tre os cursos da rede privada. Dentre as
nove instituições que receberam o concei­to
máximo, oito são federais e, uma, es­tadual
CONCLUSÃO (de um total de 294 cursos ava­liados).
Evidentemente, essas conclusões não
Com relação à formação básica do psi­ são definitivas. A avaliação dos cursos de
cólogo, isto é, nos cursos de graduação, exis­ graduação ainda é relativamente recente e
tem indícios de confirmação de uma tendên- bastante polêmica10. Entretanto, é im­pos­­
cia claramente delineada em estu­dos ante­ sível negar que se trata de uma re­ferência
riores. Relembremos: o quadro dese­nhado para a discussão da qualidade dos cursos
por Gomide (1988) apontava a exis­tência de de graduação, ainda que não seja sufi­
81 cursos, dos quais 70% encontram-se na ciente. O que é possível extrair desse con­
rede privada de ensino. Nos dados atuais, junto de dados sobre o ensino da gra­
pode ser observado um cres­cimento (ainda duação é a ideia de que é necessário um
em progressão) supe­rior a 300% e uma par­ olhar atento, sobre­tudo aguardando os im­
ticipação de apro­xima­damente 90% do en­ pactos da implan­tação nacional das no­vas
sino privado. Ou seja, cerca de 80% dos psi­ diretrizes curri­culares.
cólogos forma­dos nos últimos anos são egres­ Com relação à formação pós-gra­duada,
sos das ins­tituições da rede privada. os dados do presente estudo reve­lam um
Esses dados nos facultam uma pri­meira envolvimento prioritariamente vol­tado para
conclusão: a de que, cada vez mais, ana­ a modalidade profissional, especificamente
lisar a formação básica dos psicólogos bra­ para a especialização, com relação às mo­
sileiros significa olhar para o ensino que é dalidades propriamente acadêmicas (mes­
oforecido pela rede privada. Ou se­ja, ao trado e doutorado). Res­saltemos o fato de
discutirmos a formação, cada vez me­nos o aproximadamente 60% dos psicólogos que
ensino pro­porcionado pelas uni­ver­sida- responderam ao ques­tionário ter forma-
des públicas e algumas daquelas que per­ ção pós-graduada (con­cluída ou em anda-
tencem à rede privada, confes­sional ou ­men­to). A pesquisa na­cional anterior (Con-
comunitárias será referência – ao menos selho Federal de Psicolgia 1988) não registra
em termos quanti­tativos. especificamente a situa­ção dos estudos pós-
A afirmação acima não é casual: está graduados naquela amostra. A reali­dade é
subjacente uma avaliação de que o ensino que, há 20 anos, a situação da pós-gra­dua­-
desenvolvido pelas últimas é qualitativa­ -ção stricto sensu na área ainda era muito
mente superior às demais, o que pode con­ incipiente. No ano da coleta dos dados
figurar um eventual compromisso nas con­ (1986), o número de cur­sos de mestrado
dições de formação básica do psicó­logo re­­comendados pela CAPES era de 16 (contra
62 Bastos, Guedes e colaboradores

os 60 de 2008) e o de dou­torados, apenas des podem configurar uma forma­ção paralela


quatro (contra 36). Na ava­liação realizada, e indispensável. Exami­nando os dados refe­
é possível então constatar uma implanta- rentes à formação com­ple­mentar em profis­
ção recente, com um número reduzido de sionais com dife­rentes ní­veis de titulação
titu­lados. Segundo Langenbach e Negreiros pós-graduada, não deixa de fazer sentido a
(1988), a metade dos titulados de então hipótese das autoras de que determinadas
ha­via concluído seus graus no exterior. modalidades dessa for­ma­ção (como as super­
Uma vez que mencionamos os dados do visões e os grupos de estudo constituídos
ENADE de 2006, um importante re­gistro assimetrica­mente) po­dem configurar um
adicional na discussão da qualidade de en­ “mer­­cado de trabalho autofágico”.
sino diz respeito à relação dos níveis de gra­ Para concluir, uma das afirmações de
duação e de pós-graduação em sen­tido es­ Langenbach e Negreiros (1988) parece en­
trito. Confrontando o desempenho dos es­ contrar ressonância no presente estudo: o
tudantes no ENADE 2006, há uma clara di­ psicólogo é um dos profissionais de ní­vel
ferença entre as instituições que mantêm superior que mais investe em sua profissão.
programas de pós-graduação em relação às De fato, há indícios de um en­volvimento ex­
que não mantêm, com desem­penho superior pressivo dos psicólogos com a sua forma-
dos alunos concluintes dos primeiros, tanto ção continuada em suas di­versas modali­
no escore geral (5,0 contra 4,3) quanto nos dades, com claro predomínio das profissio­
componentes ge­rais (5,3 contra 4,6) e espe­ nalizantes. Esse investimento independe
cíficos (5,0 con­tra 4,3) (Bastos, 2007). lar­ga­mente do tempo de titu­lação básica,
Quanto à formação complementar dos das mo­dalidades de forma­ção pós-graduada
psicólogos, sobre a qual existem pou­cos es­ con­cluídas ou em con­clusão, das áreas priori­
tudos, a afirmação mais pertinente parece tárias de atua­ção, entre outras variáveis.
ser a de Langenbach e Negreiros (1988): O que restaria analisar são as razões
abran­­gente e complexa. De fato, os dados para tal investimento. Derivam de alguma
presentes mostram um profissional bus­cando condição intrínseca que faz com que os pro­
de forma intensa a complementação de sua fissionais de Psicologia busquem aper­fei­
formação, inves­tindo tanto nas mo­dalidades çoamento cons­tante ou de debili­dades re­
de formação assimétrica (como cursos e su­ conhecidas nas suas formações pre­gres­sas,
pervisões) quanto horizontais (como os gru­ demandando uma com­ple­men­tação contí­
pos de estudo). No conjunto do que as au­ nua? Possivelmente, esses dois com­po­nen­
toras definem como complexo e abran­gente tes, dentre outros, devem con­tribuir para o
certamente figura a psico­te­rapia, con­si­de- quadro delineado. De qual­quer modo, esses
ra­da parte da formação com­plementar. Os dados nos impõem a tarefa de, na condição
da­dos referentes ao Estado do Rio de Janei- de pesquisadores envol­vidos e preocupados
ro mostraram, então, que aproxima­damen- com a quali­dade da formação dos psicó­
te 80% dos psicólogos se submetiam ou ha­ logos, olhar­mos mais atenta e cuidado­sa­
viam se submetido a algum tipo de atendi­ mente para o que fazemos cotidianamente
mento psi­coterápico. No pre­sente estudo, isso nas nossas instituições de ensino.
não foi investigado, o que poderia ter forne­
cido infor­mações precio­sas sobre o assunto.
A busca pela formação complementar notas
nos patamares encontrados nos dois estu­dos
(1988 e o atual) fortalece uma con­jec­tura de 1 Os textos discutem temas ainda presentes nos
Langenbach e Negreiros (1988), de que mais debates atuais, como a superposição de con­
do que “complementação”, essas modalida- teúdos nas disciplinas na formação do psicó­
O trabalho do psicólogo no Brasil 63

logo (Castilho e Cabral , 1953/1954) e as pos­ ca de Pós-Graduação, Barros (1988); para


sibilidades de exercício mais amplo nas orga­ uma análise das trajetórias dos egressos,
nizações, para além da aplicação de testes Velloso e Velho (2001) e, especificamente,
psicológicos (Dória, 1953/1954). dos egressos da Psicologia, Weber (2003).
2 O evento em questão, promovido pela Asso­ Para discussões sobre a situação da Pós-Gra­
ciação Brasileira de Psicólogos e pela Socie­ duação brasileira em seus diversos aspectos,
dade de Psicologia de São Paulo, foi realizado sugerimos a leitura da Revista Brasileira de
durante a XV Reunião Anual da Sociedade Pós-Graduação (ISSN 1806-8405), editada
Brasileira para o Progresso da Ciência. Na pela CAPES e disponibilizada no seu site
programação, figuravam os temas “Formação www.capes.gov.br.
básica em Psicologia”, tendo como expositores 7 Destes, 35 pertencem a Programas que ofe­
a Madre Cristina Maria e o professor Arrigo L. recem, também, o nível de Mestrado, e um,
Angelini, e a “Formação profissional em Psi­ apenas o de Doutorado.
cologia”, sob a responsabilidade do professor 8 Remetemos o leitor interessado à Revista Bra­
Pedro P. Bessa e do Pe. Antonius Benko. Pos­ sileira de Pós-Graduação que, no seu número
teriormente, parte das exposições foi publi- 4, dedica-se integralmente ao tratamento do
cada em uma edição especial do Boletim de Mestrado Profissional. Em especial, os tex-
Psicologia (1964/1965). tos de Ribeiro (2005), Fischer (2005), Silveira
3 Abordando aspectos específicos da formação, e Pinto (2005) e Barros, Valentin e Melo
diferentes âmbitos (nacionais, regionais, lo­ (2005) tratam das características e das ques­
cais), áreas determinadas ou a formação em tões relativas a essa modalidade de curso
geral e angulações diversas de análise, são de Pós-Graduação.
exemplos, dentre outros, os estudos de Bastos 9 Alertamos os leitores de que os dados sobre a
e Achcar (1994), Boarini (1996), Bomfim quantidade de áreas de atuação devem ser
(1996), Duran (1994), Ferreira Neto (2004), interpretados com cautela, uma vez que o
Gonçalves e Bock (1996), LoBianco, Bastos, grande número de áreas concomitantes re­
Nunes e Silva (1994), Maluf (1994), Mello gistrado pode ser decorrente de problemas de
(1975 a e b), Noronha (2003), Oliveira e preenchimento do instrumento.
colaboradores (2004), Silva (1992), Witter e 10 O processo de avaliação da graduação te-
colaboradores (1992), Yamamoto (2000), ve início em 1995 com a Lei n° 9.131/95, que
Yamamoto, Maia e Carvalho (1997), Yama­ foi seguida da Lei n° 9.394/96, do Decreto n°
moto, Oliveira e Campos (2002) e Zanelli 3.860/01 e da Lei n° 10.861/04 (Cury, 2004).
(2002).
4 Os dados do Censo do Ensino Superior de
2006 indicam a existência de 350 cursos REFERÊNCIAS
presenciais. A Biblioteca Virtual de Psicologia
(BVS-Psi) registra, em sua página eletrônica, a BARROS, E. C. de, VALENTIM, M. C., MELO, M.
existência de 356 cursos considerados os A. A. O debate sobre o mestrado profissional na
dados de 2007 (http://www.bvs-psi.org.br/ Capes: trajetória e definições. Revista Brasileira de
CursosGraduacaoPsiBrasil_Nova2007.xls). Pós-Graduação, v. 2, n. 4, p. 124-138, jul. 2005.
5 Há uma profusão de análises acerca da po­ BARROS, E. M. C. Política de Pós-Graduação: um
lítica educacional do período autocrático- estudo da participação da comunidade científica.
-burguês, dos quais destacamos Fernandes São Carlos: Editora da UFSCar, 1988.
(1977), Cunha (1988) e Germano (1993). BASTOS, A. V. B. Psicologia em avaliação: sub­
Para uma análise da expansão do ensino su­ sídios para política científica. O que nos diz a
perior nos últimos anos, ver, dentre outros, avaliação do ENADE 2006? Apresentação na
Martins (2000). XXXVII Reunião Anual de Psicologia, Mesa ‘Psi­
6 Há uma vasta literatura sobre a Pós-Gra­ cologia em Avaliação: Subsídios para Política
duação brasileira. Sugerimos, para uma bre­ Científica’, Florianópolis, novembro de 2007.
ve visão histórica do sistema, Castro e Bastos, A. V. B.; Achcar, R. Dinâmica pro­
Gracelli (1985); para uma análise da políti- fissional e formação do psicólogo: uma perspec­
64 Bastos, Guedes e colaboradores

tiva de integração. In: CONSELHO FEDERAL DE GONÇALVES, M. G. M.; Bock, A. M. B. Desenhan­


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O trabalho do psicólogo no Brasil 65

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4
Escolha da profissão
as explicações construídas pelos
psicólogos brasileiros

Sônia Maria Guedes Gondim, Mauro de Oliveira Magalhães


e Antonio Virgílio Bittencourt Bastos

O ser humano busca incessantemente en­tender o que leva a outra pessoa a estar
explicar as razões e os motivos das suas ali. Mas, sem acompanhar de perto a vida
ações. Explicar ou dar sentido ao compor­ daquela pessoa, é pouco provável o êxito na
tamento pessoal e ao das outras pessoas inferência de quais seriam suas razões. Per­
ajuda a dotar de significado as interações guntar diretamente a ela seria uma alter­
sociais e a tornar inteligíveis os eventos nativa para aceder a essa informação.
comportamentais ao redor (Bruner, 1997; Apesar de se admitir que as respostas
Malle, 2006). A ação humana possui duas do agente nem sempre expressam suas in­
faces: uma delas é acessível diretamente tenções conscientes, quer por vontade pes­
por meio da observação, enquanto o aces- soal de dissimular as reais intenções, quer
so à outra acontece de modo indireto, via involuntariamente, decorrente do autoen­
enunciação do ator social. Alguém que es- gano, até o momento não é possível ler a
te­ja descansando em um banco de praça, mente de outras pessoas e, para dar sentido
ao observar uma pessoa aproximar-se, ar­ às suas ações, é necessário confiar no que
mar um tabuleiro de cartões telefônicos, elas dizem. Por que o ser humano almeja
colocando um cartaz com os dizeres “Alugo tanto dar sentido às próprias ações e às de
ou vendo cartões telefônicos”, dificilmente outrem? Em parte, porque necessita ter a
teria dúvidas de que ela planejou estar ali ilusão de que os acontecimentos estão sob
para vender cartões. Essa é a faceta obser­ seu controle pessoal e não são meros frutos
vável da ação. O observador pouco saberia do acaso, tema que há muitos anos ocupa
dizer, todavia, sobre as razões de ela estar um lugar importante na agenda dos estudos
ali. Seria essa sua ocupação principal? Es­ em psicologia social (Malle, 2006).
taria desempregada e, nesse caso, o caráter A necessidade de ter controle sobre as
da atividade seria temporário? Estaria satis­ reais intenções que movem as ações huma­
feita com essa forma de ganhar a vida? Tan­ nas emerge em diversos momentos da vida
tas outras indagações afluiriam à mente do pessoal, em especial quando se decide sobre
observador, atiçadas pela curiosidade de a carreira profissional. Há uma forte crença
O trabalho do psicólogo no Brasil 67

de que as pessoas que optam pela carreira so­bre o psicólogo. O foco dado na pesquisa
orientados por motivos ou razões internas, foi a atribuição de motivos internos e ex­
ou seja, pela afinidade de interesses e o ternos na decisão profissional. Motivos in­
domínio de habilidades, tornam-se mais sa­ ternos dizem respeito à ênfase dos interes-
tis­feitas, comprometidas e identificadas com ses e das habilidades pessoais na deter­
sua carreira do que aquelas que, por­ventura, minação da escolha da profissão e da área
o tenham feito movidas por razões externas, de atuação. Motivos externos, em contra­
ou seja, oportunidades de merca­do, status partida, suge­rem que a escolha decorra da
social, remuneração elevada e influência de atratividade da remuneração, do status so­
terceiros. Embora não haja incompatibili- cial da pro­fissão e das oportunidades de
dade entre motivos internos e externos, pois mercado. Pa­ra finalizar, são feitas consi­-
a racionalidade humana tor­na previsível a de­rações sobre as repercussões desses re­-
busca de equilíbrio entre ambos, a tendên- sul­tados no tipo de vínculo que o psicólo-
cia é dar maior importância aos motivos go estabelece com sua profissão e sua área
inter­nos para a realização pes­soal, o que é de atuação, e também sobre a formação
bas­tante valorizado no campo da psicologia. pro­fissional.
Em outras palavras, a escolha de carreira
ideal é aquela que permite rea­lização pes­
soal e a obtenção concomitante de remu­ O processo de escolha
neração e status social elevados. Não sendo profissional
possível obtê-los em conjunto, é bem pro­
vável que aqueles que se identificam com a Crites (1974) categorizou as teorias
carreira se percebam mais realizados profis­ da escolha vocacional em psicológicas e
sionalmente do que os que fizeram sua op­ não psi­cológicas. As teorias não psicológicas
ção apenas para atender a interesses alheios atri­buem os fenômenos de escolha voca­­­cio­
ou de mercado (remuneração e status). nal a fatores externos ao indivíduo. Den­tro
Dada a importância da qualidade do dessa categoria estão as teorias eco­nômicas,
vín­culo com a profissão para o desenvol­ as abordagens culturais ou so­cio­lógicas e a
vimento de uma área de conhecimento apli­ teoria do acidente.
cada, como é o caso da psicologia, torna-se As teorias econômicas expressam o
justificável a preocupação em compre­en- pen­samento dos economistas clássicos do
der os motivos que levam as pessoas a esco­ século XVIII (Adam Smith, por exemplo),
lhê-la. A força da identidade profissional, a que consideravam que os empregos com
observância de princípios éticos no exercício salários vantajosos são determinados pelas
da profissão e o compromisso com a qua­ leis da oferta e da procura. Na teoria eco­
lificação e a atualização dependem da qua­ nômica, os indivíduos tendem a escolher os
lidade e da intensidade dos vínculos esta­ empregos mais vantajosos que, por sua vez,
belecidos. entram em um processo de saturação e
Este capítulo tem como objetivo discor­ perdem sua atratividade. Essa visão supõe
rer sobre as razões que levam os psicólogos que motivos econômicos e utilitários orien­
a escolher a sua profissão e a área de atua­ tam as decisões humanas, em especial, as
ção. Inicialmente será apresentada uma decisões de carreira. Em uma abordagem si­
par­­te teórica sobre o processo de escolha mi­lar, Moy e Lee (2002) argumentam que
pro­fissional para, em seguida, observarem- as decisões de carreira são baseadas nas
-se os motivos de escolha de psicólogos vantagens ou desvantagens do emprego pa­
dis­poníveis na literatura, relacionando-os ra os interesses dos indivíduos, a exemplo
aos resultados da última pesquisa nacional da proposta salarial e das condições de tra­
68 Bastos, Guedes e colaboradores

balho. Para as autoras, os resultados do Após a Segunda Guerra Mundial, Super


processo de avaliação envolvido na escolha (1953) apresentou uma nova abordagem
profissional dependem, particularmente, da das questões de carreira. Embora tenha
percepção da atratividade dos atributos dos mantido a estrutura original da equação de
empregos associados. Parsons (2005), Super (1953) centra-se no
Nas perspectivas culturais ou socioló­ processo subjetivo do indivíduo que percebe
gicas, os costumes e as instituições da so­ e dá significado vocacional às ca­racterísticas
ciedade condicionam o processo de tomada pessoais e ocupacionais, desta­cando que es­
de decisão de modo particular em cada se processo ocorre ao longo da vida e resul-
contexto. Por fim, a teoria do acidente ta em inúmeras e diversas de­cisões. Nessa
considera que fatores casuais ou fortuitos con­­cepção, não importam os interesses e as
são os principais determinantes da escolha habilidades medidas por testes, mas sim a
profissional. Desse modo, é enfatizado o percepção que o indivíduo tem de si mesmo
significado de uma exposição não planejada e como ele usa esse auto­conceito para esco­
a estímulos poderosos. lher ocupações avaliadas como adequadas à
As teorias denominadas psicológicas, expressão do tipo de pessoa que se pensa
em contrapartida, salientam a importância ser. Portanto, a relação entre indivíduos e
das características ou do funcionamento do ocupações é entendida em uma perspectiva
indivíduo. O trabalho de Parsons (2005) foi fenomenológica, mais recentemente deno­
o pioneiro. Ao partir das premis-sas de que mi­­nada por Savickas (2006) de construção
os indivíduos diferem em apti­dões, inte­ de carreira.
resses e personalidade, e de que as ocupa­ O autoconceito se desenvolve por meio
ções requerem diversas quantidades e qua­ de processos autorreflexivos e autodes-
lidades desses traços, o autor concluiu que cri­tivos ao longo da vida. Super (1963) de­
indivíduos escolhem as ocupações ade­qua­ finiu autoconceito vocacional como os atri­
das às suas características pessoais e propôs butos do self (instância reflexiva do eu) con­
um modelo de orientação profissional no siderados pelo indivíduo como relevan-tes
qual postula que a escolha de uma ocupação no momento de fazer escolhas voca­cionais.
deve ser um processo de ade­quação entre Uma vez que se estabelece um au­to­con-
características individuais e demandas dos ceito vocacional, o indivíduo o traduz em
postos de trabalho. Nessa perspectiva, o termos ocupacionais. Essa tradução sig­ni­
conhecimento da relação en­tre diferenças fica buscar uma equivalência entre as ca­
individuais e demandas ocupa­­cionais as- racterísticas que atribui a si mesmo e aque­
su­­miu relevância. Foram, então, desenvol- las que atribui às ocupações. Nesse processo,
vidos testes para avaliar ha­bilidades e tra- as atividades profissionais são vistas como
ços de personalidade e orien­tar a relação meios de expressão do self, que busca se
entre pessoas e ocupações. O sucesso no realizar concretamente nos papéis de tra­
em­prego e na carreira era con­cebido, por­ balho. Além disso, uma vez formado e or­
tanto, como o resultado do me­lhor arran- ganizado, o autoconceito passa a guiar, a
jo entre os interesses e as habili­dades da controlar e a avaliar comportamentos e per­
pes­soa e os requerimentos e as recompen- cepções, definindo sua maior ou menor
sas de uma dada ocupação. Essa forma aber­tura à mudança.
de conceber a escolha profissional incenti- Assim como o autoconceito se revela
vou o desen­volvimento de testes de apti- resistente a mudanças, as crenças sobre as
dões e de ava­liação de interesses, ampla­­ ocupações e as características das pessoas
mente usa­dos em processos de orienta- que se dedicam a elas também o são. Sa-
ção profissional. be-se que os ambientes de trabalho e as
O trabalho do psicólogo no Brasil 69

pessoas que ali desenvolvem suas ativida- tereótipos. O autor assi­nala que “assim como
des profis­sionais gozam de uma reputação julgamos as pessoas por suas ami­zades, suas
razoa­velmente definida em nossa cultura roupas e seus atos, também as julgamos por
(es­te­reótipos ocupacionais). Assim, os artis- suas vocações” (Holland, 1996, p. 9). E o in­
tas são percebidos como emotivos e excên­ teresse por uma ocupação está associado à
tricos; os cientistas, vistos como introspec- percepção de que se obterá acei­tação e su­
tivos e inte­lectuais e os psicólogos, como cesso em determinado am­biente de trabalho.
capazes de descobrir facetas do com­por­ta­ Portanto, a escolha ocupacional é também a
mento hu­mano que se mostram inacessí- busca de um am­biente no qual o indivíduo
veis ao próprio ator. irá en­contrar pessoas que com­partilham dos
A formação e a tradução do autoconceito seus valores e de suas carac­terísticas pes­
vocacional não se dão, portanto, em um vácuo soais. E, a partir de um este­reótipo, cada
social. O indivíduo constrói percepções sobre ocupação atrairá e re­terá pes­soas com per­
si mesmo a partir dos significados que o seu sonalidades similares. A escolha da psi­co­
ambiente sociocultural lhe transmite. Sendo logia, por exem­plo, será mediada pelo con­
assim, os estereótipos ocupacionais acabam ceito vi­gente, em deter­minado con­texto so­
por funcionar como guias e condi­cionantes cio­cul­tural, do que seja o trabalho e o tipo
im­portantes das escolhas profis­sionais. Um de pessoa que atua nessa profissão. E, nesse
jovem com aptidões verbais pode se considerar processo, forma-se uma cultura profis­sional
vocacionado para a car­reira jurídica à medida que atrairá e reterá aque­les que se iden­
que a relação entre o “dom da oratória” e a tificam com esses valores e compor­tamentos.
profissão de advogado é reforçada nas intera­ A teoria parte da pre­missa de que os este­
ções sociais e também difundida reiterada­ reótipos contêm co­nhe­­cimento válido e fi­
mente nos meios de co­municação de massa. dedigno sobre dife­ren­ças entre pessoas e
Essas ideias estão presentes no consa­ entre ambientes de tra­balho. As seis cate­
grado modelo da escolha vocacional de gorias de pessoas e am­bien­tes des­critas pelo
Holland (1996). O modelo propõe que, em autor receberam con­firmação em­pírica rele­
nossa cultura, as pessoas e os ambientes de vante nos últimos 50 anos e o modelo se
trabalho podem ser classificados em seis ti­pos: tornou hegemônico no cam­po da avaliação
realista (prático, valoriza recompensar ma­te­ de interesses vocacionais.
riais por conquistas tangíveis), investigativo Por outro lado, em uma perspectiva crí­
(analítico, va­loriza aquisição do conhecimen- tica, as ocupações, ou mesmo as pessoas,
to), artís­tico (aberto à experiência, valoriza a sofrem transformações que acompanham
ex­pres­são criativa de ideias), social (empáti- mudanças tecnológicas, econômicas e so­
co, va­loriza o bem-estar do outro), empreen­ ciais. Este­reó­tipos ocupacionais, portan­to,
de­dor (per­suasivo, valoriza status social) e podem ser guias inadequados ou incom­
con­ven­cional (metódico, valoriza conquistas pletos para es­colhas profissionais. E mui-
ma­te­riais e status social). O autor esclarece tos jovens, ainda insuficientemente in­for­
que essas seis categorias de ambientes e incli­ mados sobre o mundo do trabalho, não são
na­ções vocacionais tendem a se re­pro­duzir capazes de ques­­­tionar as imagens e con­
nos planos social e cultural pela vei­culação e ceitos que apren­­deram sobre os tipos de
pela manutenção de estereótipos sobre áreas pessoas e re­quisitos pertinentes as di­ver-
pro­fissionais. Os indivíduos bus­cam ambien- sas ocupações.
tes adequados às suas carac­terísticas, tal co­ Em resumo, as teorias não psicológicas e
mo no modelo de Parsons (2005). Po­rém, psicológicas incorporam concepções dis­tintas
Holland (1996) acres­centa que essa bus­ca de como ocorre o processo de escolha profis­
tende a ser orientada e influenciada por es­ sional, conforme ilustrado na Figura 4.1.
70 Bastos, Guedes e colaboradores

– Determinação socioeconômica
Teorias não psicológicas – Lei da oferta e da procura
– Empregos vantajosos com poder atrativo
– Carreira determinada

– Influência social – estereótipos ocupacionais


– Escolha resultante da avaliação de características
Teorias psicológicas pessoais e ocupacionais
– Autoconceito vocacional orienta a carreira
– Carreira construída

Figura 4.1 Processo de escolha profissional nas teorias não psicológicas e psicológicas.

Se, de um lado, as teorias não psi­co­lógicas pelos es­tereótipos ocupacionais, pe­las oportu­
realçam a importância da dinâmica do mer­ nidades no mercado, pelo status so­cial, pela
cado no surgimento e na extinção de carreiras remu­neração, as teorias psico­lógicas afirmam
profissionais ao assumir um papel decisivo no que o autoconceito vocacional (afini­dades en­
grau de atratividade que elas exercem sobre tre a profissão e a pessoa) é base das decisões
as decisões pessoais, as teo­rias psicológicas sobre carreira.
trazem o ponto de vista de que a carreira é um Para fins de simplificação, o processo de
processo de construção dinâmico entre habi­ escolha de uma profissão envolve uma di­
lidades, interesses e ca­pacidades individuais versidade de elementos que, todavia, inte­
(con­texto da pessoa) e as características ocupa­ gram dois grandes polos: fatores internos ou
cionais (contexto social e de mercado). Apesar intrínsecos e fatores externos ou extrín­secos,
de não igno­rarem a influência social exercida representados na Figura 4.2.

Fatores internos
vocação, habilidades, valores, interesses,
traços pessoais, liberdade de escolha

Fatores externos
mercado de trabalho, valor social, remuneração,
pressões sociais e familiares

Figura 4.2 Fatores envolvidos na escolha de uma profissão.

Esse modelo simplificado de dois fatores A escolha pela psicologia


foi usado para analisar os motivos de es­
colhas dos psicólogos brasileiros, cujos re­ Uma breve análise dos estudos dispo­
sul­tados serão apresentados na próxima se­ níveis na literatura aponta, de modo claro,
ção, precedidos de uma discussão dos mo­ que as razões altruísticas (ajudar os outros)
tivos de escolha da psicologia disponíveis na e de autoajuda exercem um papel importan-
literatura nacional. te na escolha da psicologia como profissão
O trabalho do psicólogo no Brasil 71

(Krawulski e Patrício, 2005). Na década de portamento humano para promover o de­


1980, um estudo sobre estudantes paulis­ sen­volvimento, a saúde e o bem-estar. O in­
tanos já deixava evidente o interesse em teresse social se expressa na inclinação para
cursar psicologia para promover o auto­co­ atividades de serviço e assistência a pessoas
nhecimento e auxiliar na resolução de pro­ tais como doentes e deseducados. Embora
blemas pessoais (Mello, 1983). inúmeras atividades possam ser descritas
A primeira pesquisa em grande escala nes­ses termos, o atendimento clínico em
sobre as motivações da escolha profissio- consultório foi reiteradamente identificado
nal do psicólogo brasileiro (Carvalho et al., como o estereótipo de atuação profissional
1988) encontrou as seguintes categorias de idealizado tanto pelos que ingressam nos
motivos: voltados para o outro (40,5%), vol­ cursos de psicologia quanto pelos egressos
tados para a profissão (31,4%), voltados para em busca de colocação no mercado de tra­
si (21,9%) e extrínsecos à profissão (62%). O balho (Carvalho et al., 1988; Carvalho e Ka­
motivo mais citado foi o "interesse pela psi­ vano, 1982; Gonçalves e Bock, 1996; Mello,
cologia” (35,4%), situado na categoria “volta­ 1983; Takahachi, Santos e Lisboa, 1987).
dos para a profissão”. Isto é, os sujeitos con­ Em consonância com os estudos de ou­tras
sideraram que a natureza dos temas psico­ profissões, as pesquisas sobre a escolha da
lógicos foi o fator determinante para a es­co­ psicologia revelam o peso de fatores internos.
lha. Os motivos “conhecer o ser humano” Santos (1989) relatou pouca rele­vância dos
(29,4%) e “ajudar o ser humano” (22,6%) se fatores externos ao lado da elevada influência
destacaram na categoria "voltados para o ou­ dos fatores internos na escolha profissional de
tro". Isso permite concluir que o interesse psicólogos, afirmando que estes sentem ter
teó­rico pelo assunto, o desejo de conhecer e escolhido livremente a profissão, atribuindo
de ajudar o ser humano são os mais signi­ pouco valor ao status, à remuneração e a
ficativos da escolha da profissão. outros aspectos do merca­do de trabalho.
Magalhães e colaboradores (2001) rea­ Para investigar a escolha da psicologia na
liza­­ram uma extensa revisão das pesquisas pesquisa nacional realizada em 2006, foram
sobre a escolha profissional do psi­cólogo e apresentadas as seguintes questões para aten­
encontraram os seguintes resul­tados conver­ der a dois objetivos: i) avaliar se a escolha
gentes: (a) a escolha da psi­cologia está esteve livre de influências ou, ao contrário, foi
asso­ciada à percepção de habi­lidades pes­ influenciada por terceiros e ii) identificar o
soais para ajudar o próximo (Car­valho et peso dos fatores internos e ex­ternos na escolha
al., 1988); (b) é motivada mais por valo­res (ver instrumento no Anexo).
altruístas e menos por valores econô­micos, Os resultados da pesquisa nacional
de poder e status (Carvalho et al., 1988; (N = 1675 respostas válidas) indicam que
Cunha, 1979; Takahachi, Santos e Lisboa, as­­pectos externos ao conteúdo da tarefa,
1987); (c) está associada à busca de au­ de­­nominados fatores externos de escolha
toco­nhe­ci­mento e de desenvolvimento pes­ (X = 2,86), especificamente a remuneração,
soal (Car­va­lho et al., 1988). o status social e as condições do mercado
Ao tomar como parâmetro de análise o de trabalho, foram motivos pouco presentes
modelo de Holland (1996) apresentado na nas escolhas profissionais dos psicólogos em
seção anterior, que classifica os interesses com­­paração com os fatores internos de es­
vocacionais em seis tipos, psicólogos e de­ colha (X = 5,99), tais como a vocação pes­soal
mais profissionais de ajuda e assistência so­ (ver Figuras 4.3 e 4.4). Os dados suge­rem
cial estariam afinados com o tipo social. O que a escolha da psicologia está asso­ciada à
indivíduo de interesse social é atraído por busca de realização de um autocon­ceito vo­
atividades nas quais possa intervir no com­ cacional, na terminologia de Super (1963).
72 Bastos, Guedes e colaboradores

Isto é, o psicólogo escolheu sua atividade a tradução do autoconceito vocacional, a per­


partir de um processo de tra­dução de ca­ cepção do psicólogo é a de ter feito livre
racterísticas pessoais em termos vocacionais. escolha. Esses resultados, por­tanto, somam-
Observa-se que embora tenha havido in­fluên­ se aos encontrados na litera­tura nacional e
cia de outras pessoas na es­colha, o que é internacional de que a escolha profissional
congruente com a ideia de que as interações da psicologia não se dá ao acaso ou por de­
sociais (estereótipos ocupa­cionais) são fun­ terminações da dinâmica de merca­do, con­
da­mentais na construção da carreira e na forme advogam as teorias econômicas.

Escolha – fatores externos 2,86

5,99
Escolha – fatores internos

1,00 1,50 2,00 2,50 3,00 3,50, 4,00, 4,50 5,00 5,50, 6,00

Figura 4.3 Média dos fatores internos e externos na escolha da psicologia.

Internos Externos
x = 5,99 x = 2,86

Influência
Pessoas (5,75) Remuneração
(2,53)
Vocação (6,09)
Status
(2,94)
Liberdade (6,1
1) Mercado
(3,09)

Figura 4.4 Itens dos fatores externos (à direita) e internos (à esquerda) da escolha pro­fissional.
O trabalho do psicólogo no Brasil 73

Em conformidade com a literatura so­ que, uma vez tendo escolhido sua profissão
bre o assunto, os resultados de Bester e de modo livre e adequado às suas ca­rac­
Mou­ton (2006) também revelam níveis terísticas pessoais, qualquer profissional
ele­vados de satisfação intrínseca do psicó­ apre­sentaria um elevado comprometimento
logo com o trabalho quando comparados à afetivo com a natureza do seu trabalho. Po­
satisfação extrínseca. Ao pesquisar uma rém, não se pode generalizar. Pesquisas an­
amostra de estudantes e profissionais de teriores apontam que diferentes categorias e
administração, Bastos (1997) também en­ interesses profissionais estão associados a
controu maior peso atribuído aos fatores diferentes tipos de motivação e de envol­
internos, apesar de a diferença entre fatores vimento com o trabalho (Amabile et al.,
internos e ex­ternos não ter sido tão acen­ 1994; Magalhães, 2005). Enquanto alguns
tuada quanto a encontrada entre psicólogos, escolhem suas carreiras a partir de critérios
o que revela diferenças de traços de cul- como status e remuneração, outros se preo­
tura profissional. cupam em obter oportunidades de autoex­
No âmbito internacional, o estudo de pressão.
Lee (2005) aponta para os fatores internos A Figura 4.5 ilustra o peso dos fatores
como principais influenciadores no processo internos e externos por titulação acadêmica,
de escolha da profissão para quase 67% da tipo de inserção profissional, tempo de for­
sua amostra de estudantes do curso de ma­do e abordagem teórica que orienta o
psicologia na Coreia do Sul. Outros autores, trabalho do psicólogo.
como Nathan, Lubin e Matarazzo (1981), Uma vez mais se confirma que as médias
já haviam observado que os interesses vo- dos fatores internos de escolha para todas as
ca­cionais e o comprometimento de car- variáveis se apresentam mais elevadas que
reira de psicólogos não estavam significa­ as dos fatores externos. Não há diferenças
tivamente associados à magnitude da re­ entre psicólogos que atuam como autônomos
mu­neração. ou se encontram inseridos nos setores públi­
Em resumo, as características da ocupa­ co, privado ou terceiro setor. Tampouco há
ção do psicólogo e da cultura ocupacional distinções pela titulação máxima dos psi­
predominante em seus ambientes de atuação cólogos, tempo de formado e abordagem
parecem atrair pessoas interessadas em teó­rica que dá sustentação à prática profis­
com­preender a complexidade do ser huma- sional.
no e ávidas por usar tal conhecimento para
ajudar os demais (Carvalho et al., 1988;
Cunha, 1979; Magalhães et al., 2001; Taka­ A escolha da área de atuação
hachi, Santos e Lisboa, 1987). Em outras
palavras, o prazer de ser psicólogo é mais Ao dirigir a análise para a escolha da
importante do que as condições em que o área de atuação, o que se observa é que os
trabalho é exercido (Carvalho et al., 1988). fatores internos têm o mesmo peso elevado
Os dados aqui apresentados estão con­ da escolha da profissão. No entanto, cresce
gruentes também com os que constam no também o peso dos fatores externos. Os
Capítulo 14 deste mesmo livro, sobre o com­ psicólogos afirmam que escolhem, majori­
prometimento com a profissão, em que fica tariamente, a área de atuação de forma livre
evidenciado que os psicólogos são profis­ (escore médio de 5,87) e guiados por sua
sionais com forte vínculo afetivo com o tra­ vocação (escore médio de 5,84). Entre os
balho. Essa vinculação sugere estar associada fatores externos, destaca-se o fato de que tal
ao conteúdo da tarefa e às oportunidades de escolha, diferente da profissão, não sofre a
expressão de vocações. Poderia se pensar influência de pessoas importantes. Trata-se,
74 Bastos, Guedes e colaboradores

fatores INTERNOS FATORES EXTERNOS

Autônomo = 6,00 Autônomo = 2,73


tipo de ONG = 5,89 ONG = 2,88
inserção Setor Privado = 5,86 Setor Privado = 2,97
Setor Público = 5,91 Setor Público = 2,87

Graduação = 6,00 Graduação =2,83


Especialização = 6,04 Especialização = 2,81
TITULAÇÃO
Mestrado = 5,81 Mestrado = 3,00
Doutorado = 6,05 Doutorado = 3,10

Até 2 anos= 6,00 Até 2 anos= 2,83


3 a 5 anos = 5,89 3 a 5 anos = 2,83
tempo 6 a 10 anos = 5,86 6 a 10 anos = 2,76
formado
11 a 20 anos = 5,91 11 a 20 anos = 2,87
Mais de 20 anos = 5,95 Mais de 20 anos = 3,11

Psicanálise= 6,06 Psicanálise= 2,69


Cognitivo-comportamental = 6,09 Cognitivo-comportamental = 2,94
abordagem Humanista-existencial = 6,00 Humanista-existencial = 2,81
teórica Socio histórica = 5,89 Socio histórica = 3,29
Psicodramatista = 6,36 Psicodramatista = 3,33

Figura 4.5 Média dos fatores internos e externos por tipo de inserção, titulação, tempo de formado
e abordagem teórica.

no entanto, de um processo em que pe­sam (ver Capítulos 10 e 20). A expansão do e­n­


um pouco mais o mercado de tra­balho (mé­ sino superior privado no Brasil levou à pro­
dia de 3,98), a remuneração (3,24) e o status liferação de cursos de psicologia por todo o
(3,12), escores superiores àqueles observa­ país e fez crescer a oferta de empregos para
dos na escolha da profissão. a docência em psicologia. Motivados por
Não importa se o psicólogo tenha optado razões econômicas e disponibilidade de va­
pela área de psicologia clínica, organiza­ gas, psicólogos recém-formados optam rapi­
cional, escolar, da saúde ou pela docência – damente por iniciar suas carreiras como pro­
a mesma tendência é observada. A média fessores, muitas vezes precocemente.
geral da amostra para fatores internos de Os resultados permitem concluir que
5,85 se mantém relativamente constante em os que optam pela psicologia o fazem pre-
todas as áreas de atuação, do mesmo modo do­­minantemente por acreditarem existir
que a média de fatores externos de 3,47 com­pa­tibilidade entre as características da
sofre pouca variação (ver Figura 4.6). ocupa­ção e suas habilidades, seus interesses
Observa-se, no entanto, que a área da e suas competências pessoais. Essa tendência
docência apresenta uma média um pouco é mar­cante tanto na escolha da profissão
mais elevada nos fatores externos. O resul­ quanto na escolha da área de atuação, em­
tado pode ser decorrente do fato de uma das bora se ob­serve que o peso dos fatores ex­
portas de entrada no mercado de trabalho ternos é maior na escolha da área de atua-
para muitos jovens psicólogos ser a docência ção (ver Figura 4.7).
O trabalho do psicólogo no Brasil 75

Clínica Organizacional Saúde Docência Educacional AMOSTRA


(n = 605) (n = 339) (n = 259) (n = 129) (n = 85) TOTAL

INTERNOS 5,77 5,91 5,86 5,87 5,92 5,85

EXTERNOS 3,34 3,76 3,23 3,89 3,33 3,47

Figura 4.6 Médias da importância dos fatores internos e externos para a escolha de cada área de
atuação.

INTERNOS EXTERNOS

PROFISSÃO 5,99
2,86

5,85
ÁREA 3,47

Figura 4.7 Médias da importância dos fatores internos e externos para a escolha da profissão e da
área de atuação.

Analisando as razões da Somente foram recebidas 16 mensagens,


escolha da psicologia e cujos resultados se encontram caracterizados
da área de atuação no Quadro 4.1.
As respostas foram analisadas com o ob­
Na tentativa de aprofundar o conhe­ci­ ­jetivo de identificar padrões de escolha da
mento das razões que levam os psicólogos a psicologia como profissão. Sete padrões de
escolherem a psicologia como profissão e a escolha da profissão e três padrões de es­
sua área de atuação, foi enviada uma men­ colha de área de atuação foram identificados
sagem eletrônica para uma subamostra dos e serão descritos a seguir.
participantes da pesquisa nacional. A men- O Padrão 1 (Figura 4.8) expressa uma
sa­gem fazia referência aos resultados da es­colha prévia que foi confirmada pelo pro­
pes­­quisa em que ficou evidenciada a im­por­ cesso de orientação profissional. Poucas
tância dos fatores internos na escolha profis­ in­for­mações sobre o mercado de trabalho
sional e da área de atuação dos psi­cólogos. se encontravam disponíveis na ocasião da
Era solicitado ao psicólogo que ava­liasse se es­colha e a orientação profissional favo-
esse era o seu caso, ou seja, se os fatores in­ re­ceu o autoconhecimento, além de permi-
ternos pesaram mais na sua decisão que os tir ava­liar se havia compatibilidade entre
fatores externos e que, além disso, des­cre­ves­ as carac­te­rísticas ocupacionais e os atri­bu­
se as razões que orientaram sua escolha. tos pes­soais.
76 Bastos, Guedes e colaboradores

Quadro 4.1 Caracterização dos psicólogos que responderam à questão dos motivos de escolha da
psicologia
Ano de
Participantes CRP Sexo Idade Titulação Área de atuação*
conclusão
Participante 1 CRP/03 2001 Feminino 31 Mestrado Psicologia Organizacional
e do Trabalho (PO&T)
Participante 2 CRP/03 2006 Feminino 26 Especialização PO&T
Participante 3 CRP/03 2005 Feminino 25 Mestrado PO&T
Participante 4 CRP/12 2005 Masculino 30 Graduação Psicologia Clínica
Participante 5 CRP/12 1993 Feminino 39 Especialização Psicologia Clínica
Participante 6 CRP/07 2004 Feminino 43 Graduação Psicologia Clínica
Participante 7 CRP/01 2005 Masculino 28 Graduação Psicologia Hospitalar
Participante 8 CRP/03 1992 Feminino 42 Doutoranda Psicologia Clínica
e Hospitalar
Participante 9 CRP/03 1999 Feminino 33 Especialização Psicologia Clínica e
Recursos Humanos
Participante 10 CRP/02 1996 Feminino 57 Especialização Saúde Pública
Participante 11 CRP/06 2004 Feminino 27 Mestre Neuropsicologia
Participante 12 CRP/01 2003 Feminino 27 Doutoranda Psicologia Escolar
Participante 13 CRP/05 1984 Feminino 46 Mestrado Psicologia Jurídica
Participante 14 CRP/01 1995 Feminino 39 Mestrado Psicologia Social e Jurídica
Participante 15 CRP/03 2006 Masculino 27 Graduação Psicologia Social
Participante 16 CRP/08 2003 Masculino 37 Mestrado Não informou
* A descrição da área de atuação foi feita pelo próprio participante.

busca pela
poucas informação
orientação profissional
de mercado

Padrão 1 – motivos internos


Escolha da psicologia
avaliar
conhecer

características da psicologia imagem social


características pessoais

trabalhar com pessoas


adequação ajudar pessoas

Figura 4.8 Padrão de escolha – orientação profissional.

“Escolhi a psicologia com base em pou­quís­ processo de orientação profissional com uma
sima informação sobre a profissão (remu­ne­ psicóloga... Acho que foi bom fazer orien­
ração, oportunidades de mercado, etc.), prin­ tação profissional, pois ajudou a me conhecer
cipalmente se comparado a hoje. Na verdade, mais e perceber características como: curio­
eu só sabia que queria fazer algo na área de sidade, capacidade de expressão verbal e es­
humanas e fiquei em dúvida entre psicologia crita e interesse por trabalhar com pessoas.”
e direito. Depois de escolher, pas­sei por um (participante 1)
O trabalho do psicólogo no Brasil 77

A imagem social (estereótipo ocupacio­ superior pelas vantagens financeiras decor­


nal) de que o psicólogo trabalha com pessoas rentes da escolha.
e as ajuda a resolver seus problemas foi, de
resultado da pesquisa condiz com a minha
algum modo, incorporada na reflexão pro­pi­
realidade. Os motivos para a escolha da pro­
ciada pela orientação profissional e ajudou na fissão foram exclusivamente internos, não
avaliação da compatibilidade entre as carac­ ha­vendo qualquer influência ou análise de
terísticas pessoais e as do perfil pro­fissional. fatores externos. Comecei um outro curso
O segundo padrão de escolha inferido a superior (medicina) que traria benefícios fi­
partir das respostas dos psicólogos foi o da nanceiros, entretanto, cedo, percebi que a
reorientação de carreira depois da frustração minha área de atuação deveria ser a psico­
com experiência prévia em outra área. O logia, e mudei de curso baseado apenas nos
caso mais representativo foi o de um psi­ meus interesses e nas minhas habilidades.”
cólogo que havia ingressado em outro curso (participante 4)

busca por vinculação inicial

Padrão 2 – motivos internos


psicologia Escolha da psicologia

da

atende a favor outro curso com


vantagens financeiras
abandono

interesses e habilidades pessoais

Figura 4.9 Padrão de escolha – frustração com escolha anterior.

A frustração após as experiências iniciais nos diversos contextos sociais (por exemplo,
levou-o a refletir criticamente sobre sua es­ violência doméstica e processo de adoeci­
colha anterior com o consequente aban­dono mento). A conclusão a ser extraída é a de
do curso. A aproximação da psicologia ocor­ que, se a psicologia pode ajudar a si mesmo
reu pela crença na afinidade de interesses e (promover o autoconhecimento e a resolução
de habilidades pessoais com as caracterís- de problemas por meio de psicoterapia),
ticas da profissão – o que revela o peso do ser­­ve para ajudar os outros também.
autocon­ceito vocacional na segunda escolha
(Su­per, 1963) (ver Figura 4.9). “Fiz terapia durante praticamente toda a
mi­nha adolescência e estabeleci um vínculo
O terceiro padrão da escolha, exem­
muito forte com a psicóloga, achei o tra­
plificado na Figura 4.10, refere-se à expe­ balho dela sério, engajado e responsável.
riência anterior com processos psicoterápi- Como na minha família não tinha psicólo-
cos. A identificação com o psicoterapeuta gos, acredito, então, que a escolha se de-
une-se à imagem social de um profissional veu à identificação com aquela profissional”.
que com­preende os fenômenos ocultos pelas (par­ticipante 3)
apa­­rências e os problemas comportamentais
78 Bastos, Guedes e colaboradores

Padrão 3 – motivos internos


Escolha da psicologia
psicoterapeuta

identificação psicologia

imagem social experiência prévia


psicologia

compreender a violência
doméstica compreender fenômenos
por trás das aparências
ser ajudado e ajudar os outros
compreender o processo de adoecimento

Figura 4.10 Padrão de escolha – experiência prévia com a psicologia.

O quarto padrão de escolha identificado um enten­dimento de que a Psicologia era


foi o da escolha vocacionada, responsável pe­ uma subes­pecia­lidade da Medicina. Eu in­
la adoção de uma postura de resistência à in­ sisti na Psico­logia, mas é difícil explicar
fluência externa. A psicologia passa a ser quais eram os mo­tivos naquela ocasião.”
uma conquista pessoal frente à pressão fa­ (par­ticipante 13)
miliar con­trária. O modelo familiar valoriza O quinto padrão é uma modalidade do
ocupa­ções avaliadas como de maior status terceiro, visto que também trata de expe­
social e com maiores chances de oferecer re­ riência anterior com a psicologia. A diferen-
torno fi­nanceiro no futuro (ver Figura 4.11). ça é que a experiência prévia não decorre de
um processo psicoterápico de autoco­nhe­
“Cursar Psicologia foi uma escolha feita na
cimento, como no terceiro padrão, mas do
juventude. Eu tinha apenas 17 anos quando
ensino médio, quando houve contato com
entrei na faculdade. Não houve in­fluência de
terceiros. Pelo contrário, hou­­ve uma grande conteúdos da psicologia trazidos por docen­
pressão para que eu esco­lhesse a Medici- tes. Nesse caso, a oportunidade de se apro­
na como área de for­mação e minha famí- ximar desses conteúdos e o incentivo do­
lia lamentou que eu tivesse ‘desper­diçado’ cente levaram à busca de mais conhe­ci­
um resultado tão bom no vestibular com mentos favorecendo o processo de iden­ti­
uma es­colha de ‘se­gunda classe’. Havia ficação social (ver Figura 4.12).

Padrão 4 – motivos internos


Escolha da psicologia
escolha vocacionada

resistência

juventude
riqueza de oportunidades de atuação

pressão da família

imagem negativa
psicologia

Figura 4.11 Padrão de escolha – resistência à pressão familiar.


O trabalho do psicólogo no Brasil 79

“A minha escolha pela Psicologia se deu após O sexto padrão foi o da escolha tardia.
o meu primeiro ano do ensino médio, quan­ Nesse caso, o profissional já fez sua escolha
do tive a oportunidade de trabalhar a disci­ e seguiu adiante até sua aposentadoria. Em­
plina de Filosofia. Ali conheci a Psicologia e bora durante o período em que esteve vin­
me identifiquei completamente. Posso dizer,
culado à outra carreira tenha se dedicado a
então, que minha escolha foi por afinidade à
atividades relacionadas à psicologia, somen­
ciência.” (participante 2)
“Escolhi a profissão por vontade própria, mas te após a aposentadoria foi possível apli-
ela foi despertada pelos contatos que estabeleci car-se inteiramente à psicologia, especial­
no ensino médio com um pro­fessor de Psi­ mente porque não havia mais necessidade
cologia que, avaliando o meu interesse, trazia de vê-la como uma forma de obter remu­
alguns textos para me in­formar mais sobre a neração, mas apenas de realização pessoal e
matéria.” (partici­pante 7) de au­to­conhecimento (ver Figura 4.13).

Padrão 5 – motivos internos


Escolha da psicologia
identificação

experiência positiva

professor filosofia ciência da psicologia


ensino médio

permitiu
professor de psicologia

estudar conhecer

motivou

Figura 4.12 Padrão de escolha – contato com a psicologia no ensino médio.

Padrão 6 – motivos internos


Escolha da psicologia

escolha tardia pouco interesse

experiência profissional prévia


aposentadoria

busca remuneração e retorno financeiro


psicologia

realização pessoal
permite o autoconhecimento

Figura 4.13 Padrão de escolha – Escolha tardia.


80 Bastos, Guedes e colaboradores

“A decisão de fazer um curso superior, ape­ ceito vocacional. Amigos, familiares e a pró­
sar de desejada desde cedo, só veio a ser pria pessoa identificavam atributos pessoais
con­cluída aos 45 anos, quando estava apo­ (capacidade de ouvir, ser confidente) com­
sen­tada. Então, é compreensível se deduzir patíveis com os estereótipos ocupacionais
nes­sa idade, já é mais fácil uma escolha,
do psicólogo. A escolha, portanto, decorreu
bem como o fato de já ter exercido uma
da constatação de que havia vocação para a
atividade profissional, já contava com um
salário de apo­sentadoria e podia, na opor­ psicologia.
tunidade, es­colher uma profissão mais para “Acredito que os achados citados condizem
uma reali­zação pessoal do que para uma com a minha decisão pela Psicologia, sim!
remuneração ou qualquer outro fator ex­ter­ Escolhi a Psicologia, pois acredito no diálogo
no, apesar de tudo isso ser importante.” e nas relações humanas. Além disso, sempre
(par­ticipante 10) tive vontade de trabalhar com pessoas e es­
cutá-las. Sempre fui aquela amiga da turma
O sétimo e último padrão de escolha que ‘adora ouvir’ e é escolhida para os ou­
(ver Figura 4.14) diz respeito ao autocon- tros ‘desabafarem’.” (participante 11)

Padrão 7 – motivos internos


Escolha da psicologia

imagem social experiência pessoal

psicologia

enfatiza
imagem de pessoa que sabe ouvir os amigos

relações humanas

ajuda

às demais pessoas

Figura 4.14 Padrão de escolha – autoconceito vocacional.

As respostas sobre a escolha da área de coti­diano do exer­cício profissional (ver Fi­


atuação foram menos precisas que às da gura 4.15).
psicologia como profissão (sete padrões já
“No quarto semestre da graduação, estava em
apresentados). Apesar disso, foi possível
busca de experiência profissional e, no primeiro
iden­­­tificar três padrões de escolha. O pri­ estágio, em POT, gostei da área. Es­se estágio
mei­ro deles aponta para a importância da me abriu oportunidade para outro na mesma
expe­riência de estágio durante a graduação, área e, consequentemente, para uma efetivação
pois oferece oportunidades de exercitar na como Analista de Recursos Humanos. Então,
prática os conhecimentos adquiridos no acredito que a escolha da área se deu por ter
pro­cesso de formação, além de ser fonte gostado da atuação nela, atuação que achava
de no­vos apren­dizados ao vencer desafios menos subjetiva que a clínica, e devido às
e so­lu­cio­nar pro­blemas que emergem no oportunidades que surgi­ram.” (participante 3)
O trabalho do psicólogo no Brasil 81

Padrão 1 – Escolha de área


de atuação em psicologia

oportunidades de mercado experiências estágio

facilitam inserção

permitem área de PO&T

atuação menos subjetiva que a clínica

Figura 4.15 Padrão de escolha da área – estágio na graduação.

O segundo padrão (ver Figura 4.16) ex­ percebi que minha vocação estava no ´front´
pressa a frustração que alguns psicólogos – o atendimento às pessoas, principalmente
encontram na sua primeira opção. O desejo no âmbito do serviço público. Fiz um pri­
de continuar na psicologia, sendo mais bem meiro concurso para a Secretaria de Saúde
remunerado, pode levar os psicólogos a plei­ do Estado do Rio de Janeiro. Tive um per­
tearem postos em outras áreas mais promis­ curso longo na área de Saúde, na qual tra­
soras (fatores externos). A identificação vi­ria balhei por 12 anos... Esse trabalho foi gra­
tificante... A baixa remuneração paga aos
como consequência da constatação de que a
profissionais da saúde foi decisiva para
área aparentemente estranha mantém afi­
minha decisão de fazer o concurso para o
nidades garantindo a transferência de apren­
Poder Judiciário ... e eu me candidatei a uma
dizado de modelos de atuação entre áreas vaga de psicóloga judiciária sem ter qualquer
apa­rentemente distintas da psico­lo­gia. empatia especial por essa área... Hoje estou
absolutamente feliz com essa área de atua­
“Fiz mestrado em psicologia clínica, mas não
ção.” (participante 13)
me identifiquei com a área acadêmica. Logo

Padrão 2 – Escolha de área de atuação

oferta de melhores salários área jurídica


baixa remuneração

área de atuação em saúde aprovação em concurso na área judiciária

mudança

área de atuação

Figura 4.16 Padrão de escolha de área – atratividade pela remuneração.

O terceiro e último padrão de escolha de tencial de estudos temáticos na psicologia e as


área de atuação (Figura 4.17) é a expe­riência variadas alternativas de apli­cação, favo­recen­
prévia com grupos de estudos e de pesquisa do a aproximação com áreas espe­cia­lizadas
durante o período de formação. Es­se tipo de pouco exploradas tradicionalmente no decur-
vinculação faz ampliar a visua­lização do po­ so da formação. Em outras palavras, a par­
82 Bastos, Guedes e colaboradores

ticipação em grupos de estudos e de pes­qui- as que são requeridas por um psicólogo. Ser
sa como bol­sista ou voluntário con­tri­bui pa- psi­cólogo é uma ques­tão de realização pes­
ra a formação científica e torna fac­tível o soal (fator in­terno) mais que uma opor­tu­
apro­fundamento de questões que são tra­tadas nidade de ascen­são na tra­jetória de car­reira,
de modo super­ficial no curso de gra­duação. de se­gurança fi­nanceira e de status so­cial
(fa­tores externos).
“Desde meu segundo semestre da faculdade, Em relação à área de atuação, a escolha
participo de grupos de estudos em diferentes assume contornos diferenciados. Os fatores
áreas – o que possibilitou que eu experi­
externos exercem um papel fundamental.
mentasse distintas vertentes da psicologia.
Foi a partir dessa experiência que acabei fa­
As experiências durante o processo de for­
zendo iniciação científica e me aprofundando ma­ção ou como profissional inserido no
cada vez mais na neuropsicologia (que é a mercado interferem na decisão. A escolha
minha área escolhida).” (participante 11) pode tanto decorrer da fuga de área mal re­
munerada quanto da riqueza das oportu­
Em síntese, os padrões de escolha ar­ro­ nidades de experiências de aprendizado du­
lados acima deixam evidente que a psicolo- rante a formação superior. Neste último ca­
gia exerce um poder extremamente atrativo. so, as ofertas de estágio e de participação
Quer a escolha seja feita precoce, quer tar­ em grupos de pesquisa favorecem o processo
diamente, as pessoas avaliam haver afini­ de identificação com uma área de atuação
dades entre suas características pessoais e antes da conclusão do curso.

Padrão 3 – Escolha de área de atuação

experiência
interesses
durante
grupos de estudos
diversificados
por temas da psicologia
período de formação

iniciação científica

Figura 4.17 Padrão de escolha de área – participação em grupos de estudos e de pesquisa.

ConCLUSÃO mentos dos de­mais. A crença sub­ja­cente é a


de que os atos humanos se tornam inteligíveis
Iniciou-se este capítulo fazendo men- à me­dida que se tem acesso aos modelos
ção à necessidade humana de dotar de sen­ mentais que orientam o modo como as pes­
tido as ações pessoais e as alheias. Se, para as soas pen­sam e agem.
pessoas comuns, essa é uma forma para se A preocupação em estudar os motivos que
sentirem seguras de que o mundo se move levam os psicólogos a escolherem a psi­colo-
com relativa harmonia entre a determinação gia cumpre, em parte, essa função. Há uma
da natureza e a vontade humana, no âmbito forte crença de que o melhor engaja­men-
das ciências sociais isto adquire uma im­por­ to profis­sional seja decorrente de esco­lha li-
tância maior. Não é por acaso que a psicologia vre, da von­tade pessoal e do resul­tado da afi­
social há décadas estuda o modo como as nidade entre as características pessoais e as
pessoas atri­buem causas e razões aos seus ocu­pacionais. Esses fatores, juntos, se­riam res­
próprios com­portamentos e aos comporta­ ponsáveis por níveis elevados de com­pro­me­
O trabalho do psicólogo no Brasil 83

timento e de maior investimento pro­fis­sio­nal. dicam às áreas clínica, educacional, organi­


A alta motivação é um ideal almejado por to- zacional, da saúde, da docência, etc. Inde­
dos os campos de atuação profissional, pois pendentemente dos fatores que levaram à
é pre­visível que tal mo­tivação leve ao desejo escolha da área de atuação, a vinculação
de se manter atua­lizado e de dar o melhor com a psicologia como ciência e profissão é
de si e, como consequência, ajudar no desen­ mais forte e une a todos.
volvi­mento e na difusão social da profissão. Se os fatores internos pesam mais que os
Os resultados dessa pesquisa são bastan­ externos na escolha da psicologia, seria o
te alentadores e somam-se aos demais estu­ psicólogo um profissional alienado às de­ter­
dos mencionados neste capítulo. Os psicó­lo­ minações sociais e contextuais do mer­cado de
gos decidem pela psicologia por livre es­colha trabalho? Os dados relativos à renda apontam
e, em alguns casos, enfrentando opo­sições fa­ de modo claro (capítulos 6, 7 e 8) que o psi­
miliares. A escolha vocacionada a qual se re­ cólogo não é bem remu­ne­rado. Me­­­­­ta­de dos
fere Super (1963) encaixa-se per­fei­tamente psicólogos (N = 2.774 respostas vá­lidas) ga­
no caso da psicologia. O tipo so­cial descrito nha até 5 salários mí­nimos, e os docentes são
por Holland (1996) também expressa a jun­ os mais bem pagos. Mas, ape­sar de serem mal
ção dos interesses pessoais de ajudar os de­ pagos, 30% deles (N = 2.735 respostas váli­
mais e o estereótipo ocupacional do psicólogo das) con­tribuem com 95% na renda fa­miliar.
como um profissional que se dedica a promo­ Em outras pala­vras, uma parte sig­nificativa
ver o autoconhecimento e o bem-estar. A (1/3) dos psicó­logos vive da sua renda como
cren­ça de se estar vocacionado une-se à ima­ profissional. An­tes de ser um si­nal de alienação,
gem social do psicólogo como profissional os dados sugerem que os psicólogos têm cons­
que trabalha com pessoas e se preocupa com ciência de que não são bem pagos e, para
elas, tentando ajudá-las. Essa ajuda, no entan­ com­­­­pensar, tra­ba­lham mais. Isto está em con­
to, só pode ser realizada por aqueles que sa­ sonância com os demais resultados da pesquisa
bem ouvir e compreender os demais (este­ que re­velam que os psicólogos pos­suem di­
reótipo ocupacional). E esse passa a ser um versos vín­culos como assalariados e atividades
dos critérios de avaliação da competência au­tô­nomas (Capítulos 6, 7 e 8).
profissional, especialmente na área de psi­ Os dados relativos ao status social (Ca­
cologia clínica. A empatia, ou seja, a capa­ pítulo 20) também são indicativos de que
cidade de se colocar no lugar do outro é um apesar de reconhecer a má remuneração, os
importante atributo dos psicólogos. psicólogos avaliam que a profissão goza de
Não se pode esquecer, no entanto, que an­ credibilidade e de status profissional. Essa
tes de ajudar na resolução dos problemas de talvez seja uma forte razão para manter o
outras pessoas, a psicologia é uma das pou­cas vínculo com a psicologia.
profissões que promove o autoco­nheci­mento, Para finalizar, seria pertinente comentar
o que a torna atrativa mesmo para aqueles as relações entre os resultados e o processo
que já trilharam um caminho profis­sional. de formação. Se a psicologia é escolhida por
Nes­se caso, a psicologia é bus­cada mais como livre vontade e vocação, as instituições for­
um via de autorrealização do que para fins de madoras levam vantagem. Os alunos ingres­
ganhos financeiros e de status profissional. sam, no ensino superior, motivados a con­
A psicologia percebida como vocação é tribuir para o desenvolvimento da psicologia
tão marcante na escolha profissional, que a como ciência e como profissão, vínculo con­
área de atuação passa a ter importância se­ siderado ideal para um campo científico e
cundária. Isso torna compreensível a inexis­ profissional. No que tange à área de atua­
tência de diferenças significativas nas mé­ ção, no entanto, há maior suscetibilidade de
dias dos fatores internos entre os que se de­ influência durante o processo de formação. A
84 Bastos, Guedes e colaboradores

riqueza e a variedade de oportunidades ofe­ Krawulski, E.; Patrício, Z. M. Por que as pes­
recidas durante o período de permanência no soas escolhem a psicologia como profissão? Em
ensino superior servem de poten­ciais atrativos M.C.P. Lassance et cols (Orgs.) Intervenção e
para ajudar na construção de uma identidade compromisso social. Orientação Professional – teo­
ria e pesquisa. Vol.2 São Paulo: Vetor Editora,
secundária, ou seja, além da identidade com a
2005, p. 323-336.
psicologia, que lhe dá unidade, há uma iden­ Lee, K.H. Coping with Career Indecision: Diffe­
tidade com a área de atuação (ver Capítu- rences Between Four Career Choice Types. Journal
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instituições forma­doras e demais fatores ex­ Magalhães, M. O.; Straliotto, M., Keller,
ternos – como a remuneração e as opor­tuni­ M.; Gomes, W. “Eu quero ajudar as pessoas¨: A
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p. 397-406. Psicologia da SPRP, Ribeirão Preto, 1987, p. 221.
5
Inserção no mercado de trabalho
os psicólogos recém-formados

Sigmar Malvezzi, Janice Aparecida Janissek de Souza e José Carlos Zanelli

Dentro deste projeto abrangente de in­ fissionais alcunhados de trainees no mer­


vestigação do estágio atual de desenvol­vi­ cado de trabalho. Dentro de tais contin­gên­
mento da profissão do psicólogo no Brasil, cias, pode-se afirmar que as profissões so­
objeto deste livro, a contribuição do pre­ frem pressão por mudanças. Por um lado,
sente capítulo consiste na análise do co- elas encontram aberturas para se expandir,
me­ço da vida profissional dos psicólogos. assu­mindo os novos problemas que têm
Aqui será discutida a inserção inicial des­ses sur­gido em todos os aspectos da socieda-
profis­sionais no mercado de trabalho, fase de; por outro, o trabalho exige com­pe­tên­
que tem sido denominada de primeiro em­ cias coletivas, fato que obriga as pro­­­fissões
prego no jargão popular. Em uma socie­ a ne­gociarem suas fronteiras com outros
dade dinâ­mica, como a atual, tem-se que cam­pos profissionais. Assim, de uma ma­
reconhecer as diversas contaminações que nei­ra geral, pode-se dizer que todas as pro­
os dados em­píricos sofrem e a metamorfose fissões enfrentam alguma transição em sua
que to­das as profissões enfrentam. Mesmo forma de atuar, em seus papéis, em suas
assim, a análise do primeiro emprego car­ interfaces e em sua organização in­terna
rega sig­nificativo potencial para a com­ (Freid­son, 2001; Fournier, 1999).
preen­são des­sa ocupação. Nesse momento Um sintoma importante dessas altera­
histórico, no qual os papéis, as identidades, ções é constatado na ampliação do conceito
os territó­rios e as atividades profissionais de profissionalismo, por força das deman-
estão sendo consideravelmente alterados das de especialização no exercício de mui-
pe­­la glo­­­balização das atividades, pela rá­ tas atividades (Monchatre, 2007) que eram
pida ino­­vação das tecnologias e dos ser­vi­ abertas até recentemente. Essas demandas
ços, bem como pela alta competitivida- têm dinamizado os perfis ocupacionais, im­
de comer­cial, são naturais as expectativas pondo, a todos os profissionais, mesmo aos
de para­doxos, não somente nos processos trainees, a exigência de alguma espe­cia­li­
que inte­gram e circundam a profissão, mas zação e de experiência prévia, mesmo para
tam­bém nas próprias atividades dos pro­ o primeiro emprego. A crescente demanda
86 Bastos, Guedes e colaboradores

por conhecimentos específicos para o exer­ tra­da dos recém-graduados nos mercados.
cício de muitas atividades torna a graduação Fre­quen­temente, o mercado coloca como
uma condição insuficiente para o exer­cício cri­tério de recrutamento a comprovação de
profis­sio­nal. Essas demandas estão trans­­­for­ algum curso específico, além do diploma de
mando atividades tradicionais em no­­vas pro­ gra­duação. Essa prática é um obstáculo in­
fissões ou abrindo o leque das es­pecia­liza­ te­grado recentemente aos mercados de tra­
ções, como é o caso de cuidadores de crian­ balho e é aplicável tanto aos profissionais
ças, de agentes de seguros e de acom­­pa­ empregados quanto aos autônomos, em di­
nhamento terapêutico. Além disso, cons­tata- versos campos ocupacionais. Ou seja, exige-
se uma reterritorialização de ativi­­da­des que se dos recém-formados alguma inserção
redefine fronteiras, relativizando o di­ploma prévia em tarefas mais especializadas. De
de graduação, como tem sido obser­vado na certa forma, a “habilitação” é configurada
diversidade encontrada em funções de ges­ não somente pelo diploma, mas também
tão, por exemplo. Pesquisa recente, rea­lizada pe­los “va­lores agregados” às competências
pela Associação Brasileira de Re­cur­sos Hu­ e pela trajetória pro­fissional. Os dados do
manos (ABRH, 2008), revelou que os Admi­ segmen­to da pes­quisa que investiga a pro­
nistra­dores e os Psicólogos estão tecnica­ fissio­nalização ini­cial dos psicólogos podem
mente em­pa­tados na ocupação do cargo de ser analisados sob esse ponto de vista, ou
chefe de gestão de pessoas. Se esse dado for seja, como al­guns in­di­cadores que podem
con­fron­tado com o fato de que os cursos de escla­recer os primeiros contatos do psi­-
psi­­cologia preparam os psicólogos de forma có­logo com o mer­cado. Para a análise da
bastante precária para essa função, cons­tata- ques­­­tão-fim deste ca­pítulo, to­mou-se da
se que esses pro­fissionais estão dispu­tando pes­­­quisa o conjunto de dados produzidos
esse cargo com os administradores que, por sobre os su­jeitos que pos­suem até dois anos
sua vez, pelo menos em tese, re­ce­bem uma de tempo de gra­duação e, portanto, ainda se
formação mais voltada para o exer­cício des­ encon­tram na etapa de socialização de sua
ses cargos. Essa constatação da pes­quisa da iden­tidade profissional, isto é, ainda na fase
ABRH revela a reterritorialização pro­­fissio­ de busca, configuração e legitimação de seu
nal no campo da gestão. A situação é análo­ en­ga­ja­mento ocu­pa­cional como psicólogos.
ga em todos os outros campos pro­fissionais. O exa­me dos da­dos disponíveis sobre o seg­
Essa dinâmica profissional é confirmada mento de psi­cólogos recém-formados propi­
pela disseminação dos cursos de especia­ cia uma suba­mostra de 835, ou 24,9% de
lização, extensão e pós-graduação. Em bus­ to­dos os sujeitos (Figura 5.1). Essa sub­amos­
ca de habilidades para atingir a condição ­tra é o objeto de análise neste capítulo.
de especialização flexível e uma bagagem Com o objetivo de organizar as dife­
carre­gada de “competências portáteis”, ou rentes informações que essa subamostra
seja, que podem ser utilizadas em várias si- ofe­rece, este capítulo está organizado em
tuações de atuação profissional, os profis­ três seções. A primeira é dedicada ao es­
sionais têm participado desses cursos, obs­ cru­tínio das características dos recém-for­
curecendo as fronteiras entre as profissões. ma­dos. A segunda é dedicada a algumas
Esse fato, hoje muito frequente, está com­ con­dições que estes neófitos encontram
plicando a separação entre profissio­nali­za­ em sua inserção profissional e, a terceira,
ção e “habilitação”, dois conceitos clara­ é dedi­cada à compreensão das contin­gên­
men­te distintos, há pouco mais de uma dé­ cias “in­ter­nas” do primeiro emprego. Co­
cada. Esse olhar sobre o curriculum profis­ mo fecha­mento do capítulo, são apre­sen­
sional em busca de “habilitação” e de po­ tadas algu­mas considerações visando à sis­
ten­cia­lidades coloca obstáculos para a en­ tematização dos resultados mais signi­fi-
O trabalho do psicólogo no Brasil 87

3,353
4000
3500
3000
2500
2000
1500
834
1000
500
0 Amostra geral

Recém-formados

Figura 5.1 Comparativo entre núme­ro total de psicólogos pesquisados e amostra de recém-gra­
duados, em números absolutos.
Fonte: Dados do questionário online aplicado.

ca­­tivos e à sín­tese daquilo que esta par- se a viabilidade, a visibilidade, o aces­so não
te da pesquisa agre­ga à profissio­na­lização problemático e a potencialidade de rea­liza­
dos psicólogos. ção pessoal e profissional que o ser psicó­
logo oferece ao jovem brasileiro. Os dados
da pesquisa não permitem a incursão nes-
CARACTERÍSTICAS DOS sas diversas possibilidades, mas pode-se
PSICÓLOGOS RECÉM-GRADUADOS con­cluir, sem receio de qualquer exagero,
que a constatação da porcentagem de 1/4
A análise dos dados fornecidos pelos dos pro­fissionais serem recém-formados é
su­­jeitos dessa subamostra revela poucas um indi­cador da possibilidade e da con­fian­
sur­­presas sobre a profissão de psicólogo. Se ça que a profissão oferece para o engaja­
essa proporção de 24,9% de recém-forma­ mento ocupa­cional e da potencialidade de
dos corresponder à população de psicólogos realização pessoal, econômica e social. Esse
neófitos de todo o país, pode-se conside- dado e as hi­póteses que dele decorrem per­
rar a hipótese de que essa profissão encon- mitem a con­sideração de que os psicólogos
tra-se em ritmo de crescimento positivo. Há podem ser uma força transformadora da
suficiente escolha da profissão de psicólogo sociedade brasileira.
para repor e expandir a população já cons­ Além do crescimento constatado, um
tituída dessa profissão. Isso quer dizer que olhar sobre as características dos sujeitos
ser psicólogo é um caminho profissional dessa subamostra revela outros aspectos re­
que interessa e motiva os jovens, uma vez la­cionados à evolução da profissão de Psi­
que não se constata falta ou queda de novas cólogo que esclarecem tendências da socie­
escolhas para essa ocupação. Tal hipótese dade, assim como revelam problemas. Na
estimula outra questão: “qual a razão ou o Figura 5.2 estão ilustrados alguns dados
motivo desse interesse por ser psicólogo?”. que são indicadores da dinâmica da profis­
Merecendo receber apostas como possíveis são de Psicólogo e de sua interface com a
boas respostas a essa questão, encon­tram- sociedade brasileira.
88 Bastos, Guedes e colaboradores

Sem qualquer surpresa em relação a quase 50 anos de existência da profissão,


momentos anteriores da profissionalização mas continua significativamente alocada
do psicólogo no Brasil, e às tendências ge­ na sociedade como uma opção profissional
rais encontradas nesse segmento da popu­ pou­­co atrativa para os homens. Razões que
lação brasileira, os psicólogos recém-for­ma­ poderiam explicar esse viés de gênero exis­
dos apresentam características já conhe­ tem muitas já conhecidas, tais como o mi­
cidas. Essa pesquisa apenas confirma aquilo metismo inercial da tradição (muitas es­
que já era conhecido. colhas são balizadas pelas tendências ge­
Primeiramente, essa subamostra revela rais) ou a possível percepção do psicólogo
que ser psicólogo ainda atrai mais jovens como um técnico, fato que poderia desmo­
do sexo feminino do que do sexo masculino. tivar indivíduos do sexo masculino que so­
Essa segmentação em favor da identidade nham com a possibilidade de poder, lide­
feminina pode ter variado ao longo dos rança e empreendedorismo.

IDADE/SEXO

Feminino: 83,9%
Entre 24 e 26 anos: 51,4% Masculino: 16,1%

MORADIA

Cônjuge ou companheiro: 19,4%


Família Origem: 53,1%
Cônjuge e filhos: 13,3%

escolaridade-pais
PAI: MÃE:
Pós-Graduação: 15,3% Pós-Graduação: 11,6%
Superior completo: 30,0% Superior completo: 23,6%
Médio completo: 23,6% Médio completo: 28,0%
Outros: 9,6% Outros: 36,8%

Figura 5.2 Características dos psicólogos recém-graduados, em percentuais.


Fonte: Dados do questionário online aplicado.

Além da continuidade da feminilização, mais tempo, tendo em vista circunstâncias


o fato de 51,4% encontrarem-se na faixa pessoais dos alunos. Igualmente, o fato de
etária esperada para essa etapa da vida 53,1% dos recém-formados morarem com a
profissional (entre 24 e 26 anos) revela que família (a porcentagem daqueles que já
as trajetórias profissionais dos recém-for­ constituiram sua própria família, 13,3%, ou
mados ocorrem dentro dos limites de va­ dentro de arranjos familiares alternativos,
riância esperados da população, para um 19,4%, é alta, mas constitui significativa
curso cuja graduação demanda cinco anos mi­noria) permite levantar a hipótese de
de estudos que podem ser esticados por duas possíveis explicações para esses resul­
O trabalho do psicólogo no Brasil 89

tados. A primeira seria a falta de inde­pen­ profissio­na­lização no Brasil do que, em par­


dência financeira do recém-formado, con­ ticular, da profissão de psicólogo. Aquilo que
dição que impede a emancipação de mora­ ocorre com os psicó­logos não difere das
dia. A segunda, de certa maneira, decorre da contin­gên­cias que cir­cundam a população
primeira e pode revelar um certo como­dismo brasileira. Nesse as­pecto, comparado aos ou­
dos recém-formados, pois, ao prolon­garem o tros países indus­trializados, o Brasil se en­
tempo de sua permanência na casa dos pais, contra em uma etapa de transição para o
eles mantêm um padrão de vida que, sozi­ cres­cimento da popu­lação que tem acesso à
nhos, não teriam condições finan­ceiras de edu­cação. A con­dição dos jovens recém-for­
construir em uma perspectiva de curto prazo. mados nos cur­sos de Psico­logia revela me­
Outro fator que também afasta qual­quer lho­ria nos graus de educação.
surpresa nessa população é o conjunto de Outra informação que também não apre­
resultados sobre a escolaridade dos pais. O senta surpresas é a natureza da ins­tituição em
grau de formação dos pais é mais alto que o que o curso de Psicologia foi realizado, confor­
das mães, mais de 60% dos pais apresen- me os dados da Figura 5.3. A porcentagem de
ta a escolaridade mínima – o ensino médio 75,7% de profis­sio­nais formados em insti­
completo – hoje exigida de qual­quer traba­ tuições particulares, grosso modo, revela a es­
lhador urbano, mesmo de aju­dantes gerais. tra­tificação da oferta de cursos de Psicologia
Pesquisas apontam que me­nos de 50% da no Brasil, ainda con­centrada na iniciativa pri­
população geral brasileira atinge o nível aci­ vada, assim como igualmente revela o cresci­
ma do ensino médio com­pleto. Portanto, mento da oferta do curso de Psicologia em
essa subamostra reflete a condição geral dos tais insti­tuições, conforme já foi salientado e
bra­sileiros, que é confir­mada no índice infe­ dis­cutido no Capítulo 4 deste livro. Essa priva­
rior a 20% dos pais que cursaram ou ain- tização da graduação em Psicologia segue a
da cursam a pós-graduação, como confirma­ tendência geral do ensino no pro­cesso de glo­
do pela por­centagem de 15,3% dos pais e balização e de industrialização, inclusive nos
11,6% das mães. Esses resultados revelam, países mais avançados que o Brasil, co­mo é o
então, mais os proble­mas e as condições da ca­so dos Estados Unidos.

Privada 75,7%

Pública 24,3%

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80%

Figura 5.3 Natureza da instituição de graduação em Psicologia no segmento dos recém-graduados,


em percentuais.
Fonte: Dados do questionário online aplicado.
90 Bastos, Guedes e colaboradores

Outro aspecto que chama atenção nas da busca seu espaço profissional. Prova­vel­
características dos psicólogos recém-forma­ mente, essas porcentagens refletem as con­
dos é a sua distribuição nas diversas regiões dições de mercado às quais os psicó­lo-
do país. A concentração mais alta de psi­ gos estão sujeitos. Os empregos e as opor­-
cólogos está alocada nas regiões Sudeste e tu­nidades de trabalho autônomo andam
Sul (Figura 5.4), exatamente onde são ofe-­ em correlação com as atividades e o dina­
r­ecidos mais cursos de Psicologia e onde, mismo econômico e cultural. Como a Psi­
também, se constata a concentração de ati­ cologia oferece significativa amplitude de
vidades eco­nô­micas industriais, de servi- engajamentos profissionais, com diferentes
ços e comer­ciais. Na Figura 5.10, verifica- especializações e tipos de instituições, fica
se, igual­mente, a pro­porção dos recém-for­ difícil o levantamento de hipóteses que di­
ma­dos que já estão engajados na profissão re­cionem a compreensão dos porquês. Mes­
(351 sujeitos, ou seja, 41,5% do total de 835 mo assim, é de conhecimento público que
formados) e daqueles que ainda não con­se­ muitas instituições nas áreas social, de saú­
guiram essa meta (58,5%). Chama a aten­­­ de, de trabalho e de educação ainda não se
ção do leitor o fato de que, nas regiões Sul, estruturam para demandar a atua­ção de
Sudeste e Norte, a maioria dos recém-for­ psicólogos, utilizando serviços de pes­soas
mados já encontrou emprego, enquanto nas “habilitadas” ou de profissionais mais ex-
regiões Nordeste e Centro-Oeste, ao con­ pe­rientes que aceitam salários de trainees,
trário, a maioria dos recém-graduados ain­ ou profissionais de áreas frontei­riças com a

3,1
Norte
2,7

7,4
Centro-Oeste
10
Recém-formado
com 1º emprego
Recém-formado sem
17,7
Nordeste a 1ª inserção no
19,1 mercado de trabalho

28,5
Sul
25,2

43,3
Sudeste
42,7

0 10 20 30 40 50

Figura 5.4 Comparativo entre a distribuição dos profissionais recém-graduados e que possuem
primeiro emprego por região do país, em percentuais.
Fonte: Dados do questionário online aplicado.
O trabalho do psicólogo no Brasil 91

Psicologia, como é o caso dos psiquiatras ção de sua formação, com a expe­riência de
em clínicas e hospitais e dos pedagogos, traba­lho, o parâmetro de 5 salá­rios mí­ni­
nas escolas. Esse resultado é um importan- mos o co­loca acima da grande maioria dos
te sinal para orientar as polí­ticas públicas traba­lhadores do país. Além disso, o fato de
relativas à profissão do psicó­logo. Talvez, 21% receber entre 6 e 8 salários mínimos
em regiões como o Nordeste e Centro-Oes­ re­vela que alguns setores e algu­mas ins­ti­
te, fosse necessário um projeto dedicado tuições valorizam as ativida­des dos psi­có­
ao investimento na viabilização profissional logos ou que a profissão está in­serida na di­
dos psicólogos. Essa é uma hipótese plau­ nâmica da competitividade. É possível que
sível, porém, não deixa de ser uma supo­si­ a alta porcentagem de oferta ainda dispo­
ção que não avançará sem o apoio de mais nível de profissionais recém-formados (Fi­
dados empíricos. gura 5.4) seja um dos fatores que contri-
Outro aspecto importante do estudo bua para o achatamento médio da remu­
das profissões está nos padrões e nas prá­ neração. Prova­velmente, alguns pro­fissio-
ticas de remuneração. O trabalho, além de nais têm mais de um emprego, fato que po­
ser uma função psicológica, por meio do de al­terar a inter­pretação dos dados ex­pres­
qual o individuo se realiza e viabiliza pro­ sos na Fi­gura 5.5. Os problemas e as hipó­
jetos pessoais, também goza do status de teses pro­piciados pe­los dados disponi­bili­
função econômica. É por meio do trabalho zados nessa pesquisa instigam a neces­sidade
que as pessoas provêm recursos para a sua do apro­fun­damento e da expansão da inves­
sobrevivência. Sob esse aspecto da profis­ tigação da profissio­nalização dos psicó­logos
sionalização, os psicólogos apresentam al­ para se ter uma visão da dinâ­mica co­mercial
guns problemas. O primeiro dado que apa­ desses pro­fis­sionais. Talvez, estudos longitu­
rece da leitura da Figura 5.5 é a dis­per- dinais sejam mais esclarecedores.
são e a irregularidade na remuneração. En­ Em uma sociedade competitiva, com ex­
quan­­to 26,2% da amostra total de psicólo­ ce­dente de oferta, dentro de um contex-
gos ganha algo igual ou su­perior a 10 sa­ to que é caracterizado pela rápida inovação
lários mínimos, 42,7% ainda não atingem em tecnologia e em formas de gestão, a in­
5. Essa dispersão revela a exis­tência de pos­ serção profissional demanda dos psicólogos
sí­veis disparidades entre as áreas de espe­ tanto controle quanto investimento sobre
cia­­lização, como educação, trabalho e saú­ sua atua­­lização, para evitar os riscos da mar­
de, também entre serviço pú­blico e pri­va- gi­nalização profissional, como vem sen­do
do e entre tempo integral e tempo par­cial. co­mum hoje em dia. Essa questão chama o
Não há padrões uniformes de remu­ne­ração. interesse do pesquisador para as formas de
Ser psicólogo é uma pro­fissão muito estrati­ atualização profissional que também atin-
fi­cada por diversas cate­gorias de deman- g­em o recém-formado. A Figura 5.6 oferece
da e de valorização. Um fato curioso dos uma visão geral das respostas dos parti­ci­
dados é o de que a situação dos recém-for­ pantes da pesquisa. A primeira con­clusão
mados se revela muito melhor do que a que se pode inferir desse gráfico é a dispo­ni­
con­dição do psicólogo pleno. É pos­sível ob­ bilidade de diversos recursos de atua­li­zação,
servar que 39,6% dos trainees rece­bem, em tais como congressos, cursos de es­pe­cia­li­
média, per­to de 5 salários mí­nimos, índice zação, supervisão acadêmica, gru­pos de es­
não des­­pre­zível no quadro geral de salários tudo, atividades de aperfei­çoa­men­to, já bem
no Brasil. Para um profissional que ainda é conhecidas de todas as pro­fissões. To­das es­
jo­vem, está na fase de socialização de sua sas possibilidades têm con­tribuído sig­ni­fi­
iden­ti­dade profis­sional e ainda tem que in­ cativamente e integram o Pla­no de De­sen­
vestir significativamente na comple­men­ta­ volvimento Individual (PDI), que hoje é um
92 Bastos, Guedes e colaboradores

50

45

39,6
40

35
30,7

28,5
30

26,2
25

18,1
20
15,3
14,2

15

11,3
10
5,7

5
5

0
450 1850 2250 3150 de 4000 a
9450

% amostra recém-graduados % amostra geral

Figura 5.5 Percentuais comparados da renda numérica média, em reais, dos recém-gradua­dos e da
amostra geral.
Fonte: Dados do questionário online aplicado.

imperativo para todos os pro­fissionais. De gere que esse empenho pode ser um pro­
acordo com os dados, os psi­cólogos têm uti­ cesso de contínuo aperfeiçoamento, como
lizado mais de uma des­sas al­ternativas. Nes­ um forte sintoma da consciência da ne­
se aspecto, a popu­lação de psicólogos ple­nos cessidade e da reação positiva a essa de­
e a de recém-formados não se dife­renciam. manda. Isso ocorre tanto para os recém-for­
A atualização profis­sio­nal ocorre a partir mados, de uma maneira geral, quanto para
de uma combi­nação de diversas for­mas de aqueles que já atuam na profissão há mais
apren­dizagem e atin­ge a todos. tempo. É provável que haja diferenças sig­
Conforme ilustra a Figura 5.6, pode-se ni­ficativas se os distintos campos de atua­
afirmar que os recém-formados procuram, ção profissional forem comparados en­tre si.
de forma significativa, manter-se atualiza­ Assim, por exemplo, a supervisão aca­dêmi­
dos utilizando todas as estratégias dispo­ ca tem sido mais comum entre os psicólo-
nibilizadas pelo mercado de formação. A gos clínicos do que entre os psicó­logos que
frequência de atividades de atualização su­ atuam na área de trabalho.
O trabalho do psicólogo no Brasil 93

90,2
Congresso
87,2

80,3
Especialização em Psicologia
83,0

72,6
Supervisão acadêmica
68,1

Grupo estudo 69,6


67,6

36,9
Aperfeiçoamento
41,0

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Recém formados com 1º emprego


Recém formados sem inserção no mercado de trabalho

Figura 5.6 Percentuais comparados entre os psicólogos recém-formados e os que atuam em seu
primeiro emprego por tipo de atualização profissional.
Fonte: Dados do questionário online aplicado.

Um último aspecto que envolve a carac­ tor, que já foi mais popular como critério de
terização dos recém-graduados diz respeito escolha profissional e hoje já não apresenta
às razões que os levaram a escolher a pro­ tanta força de apelo de­vido à competição e
fissão de psicólogo. Foi considerada para à oscilação do mercado de trabalho, é o
analisar essa questão apenas a porcentagem status profissional, o pres­tígio, que sensi­bili­
de respondentes que considerou as razões zou de maneira mais for­te apenas 19,5% dos
apresentadas como tendo forte influência. sujeitos. Quanto ao status da profissão, os
Ou seja, aqueles que assinalaram (em uma recém-graduados ava­liam que a profissão
escala que mediu a intensidade da influên­ goza de certo prestígio, pois a média de con­
cia de 1 a 7), apenas as opções de 5 a 7. cordância de que o psicólogo possui credibi­
Nessa questão, os dados permitem inferir lidade, significância e é reconhecido foi de
que os recém-formados foram mais forte­ 4,5 para a maioria dos pesquisados que com­
mente mobilizados por fatores de ordem põem este seg­mento, em uma esca­la em que
interna (Figura 5.2), tais como, realização o grau máximo de concordância era 7.
pessoal, voca­ção, compatibilidade com as Ao finalizar essa análise-interpretação
próprias habi­li­dades, gosto e valorização das características do psicólogo recém-for­
das atividades e dos objetivos realizados mado, tem-se um quadro definido, claro e
pe­los psicólogos. Fatores externos, tais co­ indicativo de uma identidade do profis­sio­
mo remuneração, abertura do mercado, vi­ nal. Os psicólogos recém-formados são jo­
si­bilidade da profis­são e riscos diversos ti­ vens do sexo feminino que ainda não se
veram influência for­te em um segmento des­ligaram de suas famílias; ultrapassaram
me­­nor 30,5% dos recém-formados. Um fa­ a etapa educacional atingida por seus pais
94 Bastos, Guedes e colaboradores

Fatores internos
93,4%
Status social
Fatores externos
da profissão
30,5%
19,5%

RAZÕES
ESCOLHA DA
PROFISSÃO

Figura 5.7 Razões que levaram os psicólogos recém-graduados a escolher a profissão, em per­centuais.
Fonte: Dados do questionário online aplicado.

e foram mobilizados a escolher a profissão eco­­nômica. Como já foi analisado anterior­


por fatores internos. São profissionais cons­ mente, cerca de 40 a 50% dos recém-for­
cientes da gramática do mercado e, por mados ainda não lograram seu emprego,
isso, respondem às demandas de acompa­ por isso, a leitura dos dados oferecidos pela
nhamento da evolução de sua profissão. A Figura 5.8, apresenta algumas dificuldades.
demanda de emprego é alta, equivalendo a A primeira delas refere-se aos obstáculos
50% da oferta, e a remuneração é muito que a atual dinâmica e a diversidade do mer­­
variada, porém não ruim para um trainee. cado de trabalho impõem sobre a esta­bi­lidade
Uma vez conhecidas as características das categorias de trabalhadores. Fatores como
do psicólogo recém-formado, a análise das (1) a diversidade dos con­tra­tos (por horas
condições que circundam essa profissão diá­rias, mensais ou anuais, por prestação es­
enriquecerá o entendimento sobre o seu porádica de serviço, por pro­­jetos), (2) a mul­
estado atual que a caracteriza como ampla tiplicidade de vínculos, (3) a indiferenciação
e atrativa para os jovens. entre emprego, estágio e trabalho esporádico,
(4) a remuneração por resultados, por com­
pe­tências, por ativi­dades exercidas e por pro­
AS CONDIÇÕES DE dutividade e (5) a superposição e a oscilação
INSERÇÃO PROFISSIONAL entre trabalho formal e informal têm difi­
DOS RECÉM-GRADUADOS cultado o enqua­dramento da profissio­na­li­
zação nas diversas categorias propostas por
Além das características que integram o questionários. Mes­mo considerando-se es-
perfil do psicólogo recém-formado, outro sa dificuldade, os da­dos dessa pesquisa re­
as­pecto revelador da evolução dessa profis­ velam o funciona­mento da profissão de psi­
são são os motivos que definem a perma­ cólogo, conforme se pode constatar nas Fi­
nência ou não na profissão. A permanência guras 5.8 e 5.9.
informa a continuidade da carreira profis­ Esses resultados podem ser conside­ra­
sional dentro da área da Psicologia e é vá­ dos bons para a profissão, levando-se em
lida para profissionais plenos e seniors, uma con­ta que, da amostra total, 70,3% dos psi­
vez que os recém-formados ainda não vi­ cólogos plenos e 67,1% dos recém-for­ma­
ven­ciaram seu potencial de realização e sua dos exercem a profissão e, provavel­men­te,
viabilidade como campo de sobreviência vivem de seus rendimentos. Em uma so­cie­
O trabalho do psicólogo no Brasil 95

0,4
Nunca atuou 3,0

2,5
Já atuou, mas não exerce
3,6
nenhuma atividade atualmente

% amostra mais de
2,0
Exerce atividade fora do 2 anos de formado
4,4
campo da psicologia % amostra
recém-graduados

24,8
Exerce atividade na psicologia
21,9
e em outros campos

70,3
Exerce atividade 67,1
somente em psicologia

0,0 20,0 40,0 60,0 80,0 100,0

Figura 5.8 Comparação da condição de atuação entre amostra de recém-formados e os psicólogos


com mais de dois anos de tempo de graduação, em percentuais.
Fonte: Dados do questionário online aplicado.

dade na qual os empregos são instáveis, muito baixos, insuficientes como indica­do­
mi­grantes, dinamizados por alta compe­titi­ res de alguma tendência ou como um re­
vi­dade e frequentes rupturas na carreira, o sultado que sofre intervenção de variáveis
fato de 2/3 de profissionais viverem da devidas ao acaso.
pro­­fissão na qual se graduaram revela o A partir desse quadro, pode-se con­side­
qua­dro de uma profissão organizada que rar que o ser psicólogo é uma profissão atra­
ofe­rece serviços demandados pelo mer­ca­ tiva, sob o ponto de vista de sua poten­cia­
do. Infelizmente, essa pesquisa não fornece lidade de realização profissional e de mer­ca­
da­­­­dos qualitativos para se interpretar os do como hipóteses merecedoras de in­vesti­
24,8% e os 21,9% daqueles (respectiva­ mentos. Os dados frequentemente pu­bli­
mente, psicólogos plenos e recém-forma­ cados sobre outras profissões – ­enge­nhei­­ro,
dos) que exercem outras atividades re- advogado, administrador, econo­mis­ta – dão
mu­ne­ra­das. Essa dupla carreira, tanto po- conta de situações muito mais proble­máti-
de ocorrer de­vido a alguma peculiaridade cas do que a do psicólogo. Tal resultado re­
das circuns­tâncias da vida do profissional força a análise anterior sobre a poten­cia­
quan­­to de­vido a uma escolha intencional lidade motivadora da Psicologia co­mo tra­
de car­reira dupla ou, ainda, devido a uma jetória ocupacional, uma vez que a proba­
neces­sidade para completar seus rendi­men­ bilidade de engajamento é al­ta. In­te­gra essa
tos. Muitas pessoas, em diversas profissões, repre­sentação otimista da pro­fissão a consta­
apre­­sentam as mesmas condições. Os de­ tação de que a con­dição de atuação dos pro­
mais extratos da amostra revelam escores fis­sionais psi­cólogos não muda mui­to quan­
96 Bastos, Guedes e colaboradores

Proposta de trabalho 18,2

atividade fora
do campo da
psicologia
de baixa remuneração
Exerce
54,2
Ausência de oferta de trabalho

21,1
atividade atualmente

Outros
Já atuou, mas não
exerce nenhuma

Falta de perspectiva de 26,3


crescimento profissional

26,3
Baixa remuneração
Nunca
atuou

61,1
Ausência de oferta de trabalho

0 10 20 30 40 50 60 70

Figura 5.9 Motivos que justificam, predominantemente, as condições de inserção dos recém-for­
mados, em percentuais.
Fonte: Dados do questionário online aplicado.

do se analisa o tem­po de formado. É pro­ com­petência do profis­sional que pos­sui o di­


vável que a grande maio­ria dos recém-for­ ploma, mas que não está suficien­temente pre­
mados esteja enga­jada no mer­­cado de traba­ parado), tal como ocorre com outras áreas
lho na área de Psicologia, dentro do primeiro profissionais. Ain­da uma ter­ceira interpretação
ano após sua graduação. permite con­siderar que a apresentação de
Complementado essas conclusões, obti­ con­dições pessoais difi­cultam a absorção do
das pela leitura da Figura 5.8, a Figura 5.9 profissio­nal por parte do mercado, seja por
propicia outras informações que enri­que­cem a traços pessoais ou por razões comuns no Bra­
compreensão do mercado de tra­ba­lho para os sil, como é o caso dos diversos tipos de pre­
psicólogos. Novamente, a fal­ta de informações con­ceitos. Como a po­pulação de psicólogos
qualitativas impede o escla­recimento de mui­ recém-formados que ainda não viveram a ex­
tas questões significa­tivas para o problema. periência do primei­ro emprego na área é mui­
A informação que mais se destaca na Figura to baixa, 3% (Figura 5.8), o impacto dos
5.9 é sobre as justi­fi­ca­tivas da espera do pri­ dados da Figura 5.9 sobre sua con­dição pro­
meiro emprego como psicó­logo é que 61,1% fissional de psi­cólogo, é um dos fatos menos
dos recém-formados revelam ser devido à fal­ signifi­ca­tivos na compreensão dessa ocupação.
ta de oferta de trabalho. Há diversas causas Para os psicólogos recém-formados que já
pos­síveis para esse resultado. De um lado, a atua­­ram, mas que atual­mente não exercem
longa espera pelo início da vida profissional ati­vidades profissionais na área, além das jus­
é compatível com uma interpretação literal ticativas “falta de perspectiva de cresci­men­to
frente à crise econômica (diminuição da oferta profissional” e “baixa remuneração” exis­te um
de em­pregos ou de oportunidades de trabalho percentual da amostra (21,1%), para os quais
autônomo) e com uma interpre­tação gené­rica não é possível identificar um mo­tivo. Es­sa pro­
às características do traba­lhador (a fal­ta de por­ção é signi­ficativa porque 20% não é um
O trabalho do psicólogo no Brasil 97

escore ao qual se pode atri­buir in­fluências do duz nas atividades e nos limites dos diver­
acaso, mas é indicativa de va­riáveis es­trutu­ sos campos profissionais. A complexidade
rantes do contexto no qual eles traba­lham. também é observada em função do crescen­
Em relação aos psicó­logos plenos, os dados re­ te questionamento que a intensificação das
velam alguma cri­se na profissão, que não lhes interfaces da Psicologia com outras ciências
oferece pers­pectiva futura ou porque lhe pro­ vem sucitando sobre as metodologias de
piciam bai­xa remu­neração, 26,3%. A com­ pesquisa. Diante desse quadro, essa análise
preen­são e os moti­vos desses resulta­dos de­ não poderia ser completada sem a conside­
man­da da­dos que esta pesquisa não oferece. ração de hipóteses sobre o retrato da área
Há, ain­da, uma última conside­ra­ção sobre os da Psicologia como profissão a partir de
psicó­logos que atuam profis­sionalmente em fatores como o regime de trabalho, a remu­
ou­tras áreas que não a Psi­cologia. Dentre os neração, as atividades, as instituições em
24,8% dos psicólogos plenos (Figura 5.8) que que os psicólogos são profissionalmente en­
atuam fo­ra da área de graduação 54,2%, ou ga­jados e suas formas de atuação.
seja, aproxi­ma­damente 12% da população to­ Confirmando aquilo que já foi anali­sa­do,
tal, citam a falta de oferta de trabalho, ín­dice 41,8% dos recém-formados caracterizam-se
ligeira­men­te superior aos coeficientes de de­ de profissionais formalmente enga­jados den­
sem­prego do país. Como os empregos, no tro dos quatro setores institu­cio­nais que ofe­
con­­texto atual, são viabilizados mais do que re­cem oportunidades de tra­balho – a ati­vi­da­
procurados, é necessário buscar mais infor­ de autônoma, 37,3%, o se­tor públi­co, 33,6%,
mações, isto é, dar continuidade a essa pes­ o setor privado, 19,7%, e as institui­ções que
quisa para se ter uma ideia mais precisa dos não são privadas e nem gover­namentais, co­
fatores que afetam a profissão na atual di­ mo é o caso das ONGs, 9,4%. Essa estra­ti­fi­
nâmica dos mercados de trabalho. cação do primeiro emprego le­va a interpretar
A partir dessas constatações, pode-se que o psicólogo encontra espaço nos quatro
con­­­cluir que a profissão de psicólogo ofe­rece setores formais da econo­mia do país. Essa
oportunidades profissionais para a grande abertura é um sinal posi­tivo da aceitação da
maioria dos indivíduos que decidi­ram abra­ profissão e da diver­sidade de atividades rea­
çá-la como caminho de suas vi­das. Contri­ lizadas pelas insti­tuições que são porosas para
buem para algumas dificulda­­des, a dinâmica receber a con­tribuição de um especialista em
do mercado e a baixa re­mu­nera­ção oferecida compor­ta­mento humano ou que necessitem
e, provavelmente, as limita­ções dos profis­ desse es­pecialista para funcionar.
sio­nais, recém-formados e plenos, na viabi­ O corolário dessa conclusão é a signi­
lização de seus empregos. ficativa amplitude de oportunidades dis-
po­níveis para os psicólogos no mercado.
De certa forma, o ser psicólogo no Brasil
CARACTERIZANDO O PRIMEIRO é atuar em uma profissão que dispõe de
EMPREGO DO RECÉM-GRADUADO mui­­tas por­tas abertas para o engajamento
ocupa­­cional, facilitando alternativas distin­
O terceiro aspecto, cuja contribuição tas de carreira para os recém-formados. Is­
pe­sa de modo significativo na compreensão so sig­nifica que um psicólogo pode ter in­
da profissão de psicólogo no Brasil cujos teresses não somente por uma particular
da­dos da pesquisa permitem considerar, são especiali­dade como, por exemplo, a clínica,
as características presentes no primeiro em­ mas tam­bém por uma ins­tituição específica,
prego. Esse conjunto de características é, uma escola, dentro de dis­tintas opções de
indubitavelmente, complexo devido à tran­ vínculo, seja como empre­gado, como sócio
sição que a globalização da sociedade pro­ ou como autônomo.
98 Bastos, Guedes e colaboradores

Amos total
3.335

Amostra recém-formados 838

Amostra recém-formados
com 1º emprego 351

0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000

Figura 5.10 Comparativo numérico entre amostras de recém-formados, recém-formados com pri­
meiro emprego e amostra total pesquisada.
Fonte: Dados do questionário online aplicado.

37,3%
Autônoma

33,6%
Setor público

Setor privado 19,7%

Terceiro setor (ONGS) 9,4%

0,0 5,0 10,0 15,0 20,0 25,0 30,0 35,0 40,0


Figura 5.11 Percentual comparado da amostra de recém-graduados em seu primeiro emprego por
setor de inserção.
Fonte: Dados do questionário online aplicado.

Considerando-se essa abertura, pode-se con­clusão é corroborada pelos dados ex­


afirmar que o ser psicólogo no Brasil é uma pressos na Figura 5.12, que oferece infor­
profissão plural, se for tomada essa riqueza ma­ções mais detalhadas sobre a inserção
de diversidade em distintas categorias de dos psicólogos em cada um dos setores in­
condição e de natureza de trabalho. Essa ves­tigados.
O trabalho do psicólogo no Brasil 99

inserção 3º setor
ONGS (93,1%)

inserção como autônomo e consultoria

Consultorio particular alugado (73,3%) Consulótrio particular (17,6%)

INSERçÃO NO SETOR PRIVADO


Empresa comercial Instituição ensino Escola até Hospitais
industrial ou de superior (15,3%) ensino médio (14,3%)
serviço(37,8%)

INSERçÃO NO SETOR PÚBLICO


Escola pública até ensino médio Hospitais públicos Órgão administração
(14,0%) (31,9%) pública centralizada (18,5%)

Figura 5.12 Âmbitos nos quais os psicólogos recém-formados se inserem em seu primeiro emprego
por setor, em percentuais.
Fonte: Dados do questionário online aplicado.

Conforme é possível constatar na Fi­gu- setor privado, por sua vez, absorvendo 1/5
ra 5.12, as ONGs são os locais onde aque­les dos psicólogos recém-formados lhes oferece,
pro­fissionais que desejam realizar sua carrei­ tal como o setor público, ampla variedade
ra no terceiro setor dispõem de mais ofertas de opções para engajamento institucional e
de engajamento profissional, além de outras significativa diversidade de especializações.
aqui não publicadas, como sindi­catos e coo­ Essa ampla variedade de trajetórias de car­
pe­rativas, segundo consta­tado na Figura 5.13. reira cria um quadro mais complicado do
Essa informação foi omitida na Figura 5.12, psi­cólogo quando outras variáveis como as
por ser uma alter­nativa ainda pouco fre­quen­ especialidades e as abordagens de atua­ção,
te. A institucio­naliza­ção profissional do psi­ o acesso ao trabalho, o regime contra­tual, a
có­logo como traba­lhador autônomo, que é o carga horária e a forma de remu­neração são
segmento de maior frequência para o pri­ consideradas, como mostram as Figu­ras 5.13
mei­ro empre­go, dispõe da possibilidade de e 5.14 e na Figura 5.15.
trabalho em consultórios alugados e par­ Os psicólogos atuam em diferentes ra­mos
ticulares, prova­velmente como atividade “so­ das atividades humanas e isso é clara­­mente
lo”, em par­ceria ou em associação com ou­ re­fletido no primeiro emprego. A ati­vidade
tros profis­sionais em equipes multidis­cipli­ pre­dominante está claramente alo­­cada na
nares que integram colegas da mesma e de área de saúde, através da atua­ção em clínica,
outra área ocupacional. A inserção no setor 35,3%, e em saúde 10,4%. A área da Psi­co­
público é significativa, constituindo 1/3 dos logia do Trabalho e das orga­nizações aparece
casos de primeiro emprego, e dispõe de alta como a segunda es­pecia­lidade mais atrativa
diver­sidade de especialidades e de insti­tui­ e, pos­sivelmente, mais demandada. As outras
ções. Nesse setor, podem se engajar os psicó­ áreas apa­recem em seguida com escores me­
logos que direcionam suas carreiras para a nores, porém mar­cando presença no cená-
espe­cialização em clínica e saúde, em traba­ rio profis­sio­nal, como a docência e a Psi­co­lo-
lho, em educação e em projetos sociais. O gia Jurídica.
100 Bastos, Guedes e colaboradores

ABORDAGENS ADOTADAS AREAS DE ATUAÇÃO


Combina 2 abordagens (23,6%) Clínica/avaliação (35,3%)
Psicanálise (22,5%) Organizacional (18,1%)
Combina mais de 3 abordagens (22,2%) Clínica/saúde (10,4%)
Sócio-histórica (2,0%) Docência (0,9%)
Psicodramalista (1,4%) Jurídica (0,5%)

Figura 5.13 Percentuais comparados entre a amostra de recém-formados atuantes no primeiro


emprego por abordagem adotada e áreas de atuação.
Fonte: Dados do questionário online aplicado.

SETOR PÚBLICO

ACESSO: CARGA HORÁRIA: REGIME:


Processo seletivo 40 horas (35,8) Contratado como
ou concuro (49,3) psicólogo, pelo regime
estatutário (63,2%)

SETOR PRIVADO

ACESSO: CARGA HORÁRIA: REGIME:


Processo seletivo Até 20 horas (45,8%) Prestador de serviço em
ou concuro (34,7%) psicologia atuando como
Convite (34,7%) autônomo (42,3%)

ONGS COOPERATIVAS

ACESSO: CARGA HORÁRIA: REGIME:


Processo seletivo Até 20 horas (84,5%) Como voluntário (44,4%)
ou concuro (53,8%)

Figura 5.14 Percentuais comparados da amostra por tipo de acesso, carga horária e regime de
trabalho e por setor de atuação.
Fonte: Dados do questionário online aplicado.

Embora não tenha aparecido nos dados Psicometria na Psicologia do Trabalho e da


da pesquisa, essa diversificada atuação pro­ Psicanálise na Psicologia Clínica. O que po­
fissional dos psicólogos deve estar rela­ de ser constatado nos dados é que a diver­
cionada a tradições presentes, e nem sem­ sidade na institucionalização da profis­são
pre tão visíveis, de paradigmas episte­mo­ de psicólogo ocorre em paralelo com o plu­
lógicos e ontológicos que foram asso­ciados ralismo nas abordagens de atuação. Em­
a atuações específicas, como é o caso da bora a Psicanálise esteja destacada como a
O trabalho do psicólogo no Brasil 101

45,0

40,0

35,0

30,0

25,0

20,0
Só assalariado
15,0
Assalariado e autônomo
10,0 Só autônomo ou voluntário

5,0

0,0
Recém-formados Recém-formados Amostra geral
com 1º emprego

Figura 5.15 Percentuais comparados entre amostra de recém-formados, recém-formados com pri­
meiro emprego e amostra total por condição de assalariamento.
Fonte: Dados do questionário online aplicado.

abordagem mais frequente, 22,5%, a ten­ te setor é movido pela compe­titi­vidade e


dên­cia mais clara é a atuação pluralista pe­lo controle sobre os resultados, o acesso
através do apoio em duas, 23,6%, ou três, por meio de convite tem sido um instru­
22,2%. Esse resultado revela abertura para men­­to crescente, desde o início do no­vo
discutir questões que continuam em foco mi­lênio, tendo em vista a estrutura das or­
na Psicologia desde os seus primórdios co­ ganizações em células nas quais a se­leção
mo ciência do comportamento. A presença é feita por meio do modelo de for­mação
de outras abordagens, como a sócio-his­tó­ de equipes.
rica e o psicodrama, confirmam a riqueza A segunda característica é o turno de
de caminhos que a profissionalização do trabalho. Os dados relativos à carga horária
psicólogo no Brasil contempla. dos psicólogos recém-formados dão conta
Caminhando adiante na constatação de do quadro que, a cada dia, se torna mais
outros dados da pesquisa, três caracte­rís­­ evidente no contexto de trabalho, ou seja, o
ticas aparecem para enriquecer essa aná­ apare­ci­mento de diferentes padrões de car­
lise. A primeira delas se refere à forma de ga de tra­balho. Esse tem sido um dos aspec­
acesso ao primeiro emprego. Em todos os tos mais difíceis de se avaliar porque a
setores pesquisados, a forma de acesso ao transferência de muitas atividades para o
primeiro emprego se dá, predomi­nan­te­ computador e a realização de tarefas em
men­te, por meio de processo seletivo ou outros locais que não a sede do emprego
por concurso. Essa tem sido a tradição na têm dificultado a aferição e a precisão dos
grande maioria das instituições e uma obri­ turnos e dos horários. De qualquer forma,
gatoriedade legal no serviço público. No os dados permitem a consta­tação de dife­
setor privado, parte dos contratados in­gres­ renças nos padrões das três cate­gorias insti­
sa, também, por meio de convite. Co­mo es­ tucionais aferidas na Figura 5.13.
102 Bastos, Guedes e colaboradores

A terceira característica se refere ao re­ dessa variá­vel, as atividades são apre­sen­


gime de trabalho, outro fator indicativo da tadas, por setor de inserção, conforme ilus­
transição na institucionalização do tra­ba­ tra a Figura 5.16.
lho. Quatro regimes aparecem na pes­qui­sa De maneira geral, pode-se afirmar que
como possibilidades de engajamento pro­fis­ a aplicação de testes psicológicos é a ati­
sional. Embora no quadro esteja omi­tido, o vidade mais frequente e representativa da
contrato pela CLT é comum aos psicólogos. profissão em todos os setores de inser­ção
Além des­te, são encontrados o contrato es­ do primeiro emprego, com exceção das
ta­tutário dos servidores públicos, o contrato ONGs. Em se­guida, aparecem atividades
co­mo autô­no­mo e o trabalho voluntário que apre­sentam diferentes frequências e
(que pode dispor e, muitas vezes dispõe, de posições no ranking dos quatro segmentos,
ajuda nos custos). porém são aquelas que respondem por
Complementando esse conjunto de ca­rac­ pe­lo menos 5% das atividades dos psi­có­
terísticas constituintes do perfil do pri­meiro logos recém-formados, tais como diag­nós­
emprego, aparece a questão da re­mu­neração. tico e as­sistência psico­lógica a pa­cien­tes e
A remuneração do psicólogo tam­bém está en­ a crian­ças. Esse resul­tado revela que os
volvida na dinâmica gerada pela globa­lização psi­­cólogos recém-for­mados atuam em ta­
da sociedade, revelando, em mais uma frente, refas técnicas (e prova­velmente ope­rati­
a diversificação encon­trada nos turnos e nos vas), co­mo é o engajamento esperado na
re­gimes de trabalho. Exami­nando a Figura popu­lação de trainees (ainda inex­pe­riente
5.11, constata-se uma distri­buição equitativa em tarefas que demandam co­nhe­cimento
entre o regime assa­lariado e os regimes mis­ de cenários e raciocínio estra­té­gico). Tare­
tos, seja assalariado e autô­nomo, seja autô­ fas administrati­vas, docência e orientação
nomo e voluntário. Essas com­binações de sur­gem desta­cadas, sem revelar, no entan­
com­­pensação finan­ceira têm sido característica to, alguma tendência na profissão. Esse
crescente em todos os paí­ses do mundo in­ qua­dro denota que o repertório de atuação
dustrializado, como conse­quência do enfra­ pro­fissional dos psicólogos no pri­meiro
quecimento dos vínculos de trabalho (Barley e em­­prego é, de certa forma, redu­zido, o
Kunda, 2004). O resultado aqui encontrado é que não deixa de ser coerente com essa
uma decor­rência do nú­mero significativo de etapa de carreira.
psi­cólogos en­gajados como autônomos. O da­ Para finalizar essa caracterização dos
do que mais chama a atenção do obser­vador é fa­tores externos presentes no primeiro em­
a di­ferença entre a amostra geral e o estrato prego do psicólogo recém-formado, tem-se
de psicólogos já en­gajados no primeiro em­ ainda um aspecto não menos importante
prego. Cresce signi­fi­ca­tiva­men­te o número de que é a forma de atuação alocada na Figura
psicólogos que com­­binam o trabalho au­tôno­ 5.17. Tal como ob­servado em outras carac­
mo com o vo­lun­tário. Esse dado per­mite in­ te­rísticas, a atua­ção dos psicólogos é diver­
terpretações em distintas direções. De um sificada em atua­ção individual, como é o
lado, pode re­velar matu­ridade e estabi­lidade ca­­so de muitas ativi­dades técnicas e de
profissionais, como também pode in­dicar sen­­ atua­­­ção em equipes mul­tidisciplinares, para
sibilidade pe­las necessidades sociais e, ainda, se responder à ne­ces­sidade de formação de
revelar uma forma de aquisição de no­vas ex­ competências co­letivas. Nesses resultados,
periências pro­fissionais. o índice de 61,9% e de 41,7% de recém-
Outra característica do perfil do pri­mei­ -for­mados que trabalham em equipes apon­
ro emprego é a natureza da atividade que tam um sinal positivo da integração a ou­
é ofe­recida aos profissionais recém-for­ma- tros profissionais e da po­ten­cialidade que es­
dos. Para se ter uma visão mais especí­fica sa forma de trabalho ofe­rece para a apren­
O trabalho do psicólogo no Brasil 103

• Aplicação de testes psicológicos – 23,6%


• Atendimento a crianças com distúrbios de aprendizagem – 18,2%
Atividades mais frequentes
• Assistência psicológica a pacientes clínicos e cirúrgicos – 7,9%
no setor público • Psicodiagnóstico – 3,9%
(% psicólogos) • Orientação de pais – 3,6%
• Planejamento de política educacional – 2,7%

• Aplicação de testes psicológicos – 19,7%


• Atendimento a crianças com distúrbios de aprendizagem – 10,5%
Atividades mais frequentes • Assitência psicológica a pacientes clínicos e cirúrgicos – 7,9%
no setor privado • Diagnóstico organizacional – 7,9%
• Psicodiagnóstico – 5,5%
(% psicólogos) • Consultoria – 3,9%
• Docência – 3,9%
• Cargo administrativo – 3,9%

• Atendimento a crianças com distúrbios de aprendizagem – 19,6%


• Assistência psicológica a pacientes clínicos e cirúrgicos – 15,2%
Atividades mais frequentes • Psicodiagnóstico – 15,2%
no setor ONGS • Aplicação de testes psicológicos – 8,7%
(% psicólogos) • Consultoria – 4,3%
• Cargo administrativo – 4,3%
• Assistência materno-infantil – 4,3%

• Aplicação de testes psicológicos – 22,0%


Atividades mais frequentes • Psicodiagnóstico – 18,5%
como autônomo • Atendimento a crianças com distúrbios de aprendizagem – 10,5%
• Assitência psicológica a pacientes clínicos e cirúrgicos – 7,9%
(% psicólogos) • Consultoria – 3,9%
• Diagnóstico organizacional – 3,9%

Figura 5.16 Atividades mais frequentes no primeiro emprego dos recém-formados por setor de
inserção, em percentuais. Foram retiradas as frequências nulas e as abaixo de 3.
Fonte: Dados do questionário online aplicado.

dizagem do psicólogo trainee. O índice de contribuição de sua forma de atuação pa-


48% de sujeitos que trabalham de forma in- ra os resultados, o sentimento em relação
dividual igualmente reflete uma condição ao setor em que se insere e a percepção
largamente conhecida de profissionais que de possibilidade de crescimento do setor
prestam serviços técnicos como autônomos, de inserção.
no setor privado. Hoje, o serviço de diagnós- Esses resultados sinalizam que os psi-
tico psicológico nas empresas tem sido ter- cólogos recém-formados percebem o pró-
ceirizado, fato refletido nos dados dessa pes- prio trabalho como fértil porque contribui
quisa. significativamente para os resultados em
O último fator que os dados aqui anali- função dos quais ele foi planejado. Isso
sados oferecem para o estudo dos psicólo- constitui um dado positivo, uma vez que o
gos no Brasil é apreendido na subjetivi- trabalho como fonte de sentido e porque
dade dos sujeitos, como consta na Figura deve refletir certo grau de autoestima do
5.17. A percepção que os sujeitos têm da profissional. Os escores são maiores no se-
104 Bastos, Guedes e colaboradores

Ongs e
Setor público Setor privado
cooperativas

– em grupos – em grupos
Forma de
multidisciplinares – Individual (48%) multidisciplinares
atuação
(61,9%) (41,7%)

Contribuição
forma de atuação
– Muito (62,5%) – Muito (62,5%) – Muito (68,6%)
para alcance
de resultados

sentimento em
relação ao setor – Satisfeitos (71,9%) – Satisfeitos (78,8%) – Satisfeitos (70,0%)
de atuação

Possibilidade – Percebem algumas – Percebem algumas – Percebem algumas


de crescimento possibilidades possibilidades possibilidades
no setor (48,9%) (48%) (47,9%)

Figura 5.17 Percentuais comparados entre a amostra de recém-formados com primeiro emprego,
por setor de atuação e forma de atuação, contribuição para alcance dos resultados, sentimento em
relação ao setor de atuação e percepção de possibilidades de crescimento.

tor público, 62,5%, e nas ONGs e coope­ co­mo um setor ocupacional amadurecido e
rativas, 68,6%, provavelmente devido às em desenvolvimento.
condições e à finalidade do trabalho. Nes­
sas instituições, a atuação profissional é
mais pro­tegida da competitividade e das CONCLUSÃO
pres­sões de um plano estratégico, bem co­
mo menos in­fluenciadas pela busca de lu­ É animador, gratificante e esperanço-
cros financeiros. so para uma sociedade e para os profis­
Os sentimentos em relação ao setor e à sionais da Psicologia encontrar resultados
pró­pria atuação revelam alto índice de sa­ como esses, identificados na população de
tisfação, fato que sugere a condição de pro­ jovens recém-formados na trajetória da pro­
fissionais adaptados, sob tensões contro­ fissão do psi­cólogo no Brasil. Ser psicólogo
ladas, pouco significativas ou justificadas e é uma profis­são aberta a diferentes cami­
com grande parte das expectativas aten­ nhos, di­versifi­cada para abrigar pessoas de
didas. O dado menos positivo desse quadro distintos interes­ses, alicerçada para enfren­
está na percepção da potencialidade de tar as tur­bulências da globalização e enri­
cres­cimento que, embora sendo aproxima­ quecida de significativa pluralidade de re­
damente 50%, revela a influência de limi­ cur­sos para ser uma força de transformação
tações e de restrições que devem começar a na socie­dade. Em um momento histórico no
ser consideradas na trajetória de carreira. qual as profissões en­­­frentam significativas
Em vista desses resultados, a profissão meta­mor­foses em suas configurações, iden­
de psicólogo no Brasil pode ser assumida ti­da­des e inserções no mer­cado, os dados
O trabalho do psicólogo no Brasil 105

dessa pesquisa revelam significativa estabi­ A pesquisa revela que os recém-forma­


lidade em aspectos-chave da profissionali­ dos estão conscientes das potencialidades,
zação, como fica evidenciado na abertura recursos e do alcance de sua profissão. Tal­
das por­tas por parte das empresas públicas, vez esse seja o dado novo produzido por
das organizações comerciais, das institui­ essa pesquisa e um de seus resultados mais
ções direcionadas para o trabalho social e importantes. A informação fornecida pela
do exercício profissional autônomo. Chama Fi­gura 5.16, dando conta de que mais de
a atenção de qualquer observador a atrativi­ 60% dos recém-formados percebem os re­
dade que essa profissão exerce sobre os jo­ sul­tados de suas atividades, desenvolveram
vens e a dispersão de caminhos alter­na­tivos sentimentos positivos em sua atuação e
para lidar com os problemas da socie­dade. iden­­tificarem potencialidades de cresci­men­
Como todas as outras profissões, o ser psi­ to, indica que a visão desses sujeitos trans­
cólogo enfrenta as contradições, os confli­ cende o território de suas tarefas, configu­
tos e as desigualdades presentes no contex- rando a contextualização de suas atividades
to brasileiro que nos dados dessa pesquisa e alguma consistência com seus valores e
es­tão refletidos na dificuldade pa­ra encon­ suas aspirações pessoais. Perceber a contri­
trar o primeiro emprego, na insta­bilidade buição produzida pela força da própria cau­
do vín­culo de trabalho e na irregu­laridade salidade pessoal é, segundo De Charms
da com­pensação financeira. (1968), um dos fatores mais fortes no vín­
Outro aspecto, não menos significativo culo criativo do indivíduo com o trabalho.
do que esses, é a diversidade das atividades Essa percepção desencadeia no indivíduo “a
exercidas pelos profissionais recém-forma­ iniciativa de comportamentos direcionados
dos. No conjunto de tarefas que compõem para produzir transformação no ambiente
o trabalho deles, foram encontradas ativi­ ao seu redor” (p. 6). Além disso, o fato de a
dades de técnicas na área de avaliação, de­ satisfação dos recém-formados atingir a
senvolvimento, intervenção e planeja­men­ mar­­ca dos 70% revela, igualmente, pontos
to. Esse dado releva a ampla penetração do positivos na adaptação efetiva ao trabalho.
conhecimento e dos instrumentos pro­du­zi­ De acordo com Warr (2007), esse índice de
dos no âmbito da Psicologia. Essa dis­persão satisfação está associado à autovalidação
do trabalho do psicólogo se deve ao fato que é um fator, por sua vez, relacionado ao
do objeto da Psicologia ser o compor­ta­ bem-estar e à motivação.
mento, seus determinantes e o processo de Finalmente, o escore de aproxima­da­
adapta­ção do ser humano ao mundo e a si mente 50% na percepção de crescimento
mesmo, como questão presente em todas não poderia estar aqui menos destacado.
as ativi­dades humanas, seja na saúde, seja A profissionalização ganha sentido e força
no trabalho, na educação, na construção na medida em que o indivíduo percebe no
de es­tru­turas sociais e políticas, bem como tra­balho a sua condição de potencialidade
na arte. Pode-se afirmar que a explicação e de aprender e de ser. Através dessa per­
o manejo dos processos psicológicos inte­ cepção, ele identifica viabilidade na reali­
gram, direta ou indiretamente, todas as zação de suas aspirações e vê suas poten­
ati­vidades da sociedade. Por outro lado, cialidades co­mo uma espiral que nunca é
esses mesmos dados revelam que a Psico­ consumada.
logia e os psicólogos têm oferecido contri­ Esses resultados, em seu conjunto, jus­
buições efetivas para serem, assim, conti­ tificam a atitude de esperança que a pro­
nuamente demandados e necessários. fissão de psicólogo produz.
106 Bastos, Guedes e colaboradores

REFERÊNCIAS Employment & Society, 22(1), 7-25, UK, Sage,


2008.
ABRH-SP, Diversidade de Formação Profissional FOURNIER, V. The Appeal to professionalism as
ca­racteriza a área de RH. Jornal de Recursos disciplinary mechanism. The Sociological Review,
Hu­ma­nos, Edição de 7 de setembro de 2008, UK, Blackwell, 1999.
página Ce14. FREIDSON, E. Professionalism, the third logic.
Barley, S.; KUNDA, G. Gurus, Hired Guns ands UK, Polity Press, 2001
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Des Charms, R. Personal Causation. New York, Travail, 49, 514-530, France, Elsevier, 2007.
Academic Press, 1968. Warr, P. Work, Happiness, and Unhappiness.
FAULCOMBRIDGE, J., MUZIO, D. Organizational New Jersey, LEA, 2007.
Professionalism in Globalizing Law Firms. Work,
6
O exercício da profissão
características gerais da inserção
profissional do psicólogo
Roberto Heloani, Kátia Barbosa Macêdo e Rosângela Cassiolato

Este capítulo oferece um panorama ge­ O mundo do trabalho


ral e inicial sobre como o psicólogo se contemporâneo:
insere no mercado de trabalho. Algumas do Liberalismo ao
questões que serão abordadas aqui são: neoliberalismo
exerce ati­vidades atualmente no campo da
psicologia e, caso não seja esta a situação, Deu-se o nome de liberalismo ao con­
por que nunca o fez? Alguma vez exerceu junto de princípios que serviram de base
atividades profis­sionais como psicólogo e ideológica às revoluções antiabso­lutistas
abandonou? Caso exerça a profissão, pos­ na Europa Ocidental nos séculos XVII e
sui vínculo empre­gatício ou é autônomo? XVIII e ao processo de independência dos
Combina trabalhos na Psicologia e em ou­ Estados Unidos. Esse movimento se pres­
tros campos? Qual o rendimento que aufere tava aos in­teresses da burguesia que se
do exercício pro­fissional? Uma atenção firmava econo­micamente e competia com
especial é dada à comparação entre aque- uma aristocracia enfraquecida. O acervo
les que são empre­gados e os que são au­ de princípios dessa doutrina era composto
tônomos, uma difer­ença que marca a Psi­ por vários pres­su­postos: o direito à pro­
cologia como profissão e que gera tensões priedade, o respeito pela livre iniciativa e
internas ao processo de formação e à cons­ pela concorrência, a ampla liberdade indi­
trução da sua identidade. Mas, antes de o vidual, todos esses fa­tores interagindo em
capítulo focar essas impor­tantes questões, uma democracia repre­sentativa, com a devi­
será dedicado um espaço à caracterização da independência dos poderes legislativo, ju­
do mundo do trabalho con­tem­porâneo. diciário e executivo.
108 Bastos, Guedes e colaboradores

Nesse contexto, a ação econômica do com a concepção liberal, o melhor instru­


Estado não era bem-vinda, pois, de acordo mento para a consecução do “ideal” do li­
com essa concepção, seu papel deveria li­ beralismo, e os capitalistas, por sua vez, pro­
mitar-se a propiciar a livre-concorrência e o prietários dos meios de produção, seriam os
direito à propriedade individual. Ainda de atores sociais nessa empreitada. Os pobres
acordo com tais princípios, adotou-se, no ficariam à mercê da “mão invisível do mer­
comércio internacional, a política de livre- cado”, que agora passaria a regular as rela­
-cambismo (Heloani, 2003). ções comerciais, afetando a tudo e a todos e
A ampla liberdade econômica expressa propiciando a “felicidade” de todos: dos que
pela máxima do pensamento liberal – laissez compram e dos que vendem sua força de
faire, laissez passer – já era fortemente defen­ trabalho. Partindo dessas ideias, a remu­
dida pelos economistas fisiocratas. Estes neração do capital seria a justa retribuição
acreditavam que intervenções na economia pelo esforço daquele que “livre e esponta­
eram atos “não naturais”, já que ocorre uma neamente” vendia sua força de trabalho.
circulação natural de renda na sociedade, Essas concepções transformaram-se após
apoiados na ideia de forças naturais estuda­ a Segunda Grande Guerra. Surge o neoli­be­
das pela física, daí o termo fisiocratas. O Esta­ ralismo, um contra-ataque em relação ao
do deveria, então, limitar-se a ser o guar­­dião Welfare State, que pode ser compreendido
da liberdade econômica e, logica­men­te, da como um conjunto de políticas públicas que
pro­priedade privada. Pouco tempo depois de visava à melhoria das condições de vida da
tais ideias serem adotadas na Grã-Bre­ta­nha, classe trabalhadora.
Adam Smith tornava pública a sua prin­cipal No contexto neoliberal, estabilidade mo­
obra, A riqueza das nações: inves­tiga­ção sobre ne­tária, reformas fiscais, privatização, redução
sua natureza e suas causas, que não demorou do custo do setor produtivo (com demissões
muito para tornar-se um ver­da­deiro best-seller coletivas, precarização das relações de tra­
em 1776 (Hobsbawm, 1996; 1998). balho e retrocesso no que concerne aos di­
Como fundamentação do liberalismo, reitos sociais já conquistados) e comércio in­
Adam Smith advogava que as pessoas eram ternacional livre de barreiras alfandegárias
movidas pelos seus legítimos interesses in- passaram a ser as palavras de ordem.
di­viduais, e que inevitavelmente, compe­tiam O neoliberalismo causou mudanças no
entre si, o que, pelo princípio da fra­ternidade mundo do trabalho, cujas consequências
cristã, gerava certo desconforto. Então, para atin­giram direta ou indiretamente todas as
rebater críticas de cunho moral, ele defendia categorias profissionais. Os psicólogos não
que se tal “proatividade” não fosse “contro­ constituíram uma exceção. Eles também
lada” pelo aparato estatal, cria­ria bens e pas­­­sam a conviver com o fantasma do de­
produtos que seriam redistribuídos, geran- semprego, com uma maior competição no
do o progresso social e econômico a que o ambiente trabalho e com um acúmulo de
pró­prio título de sua obra se refere, A ri- funções.
queza das nações. O neoliberalismo surgiu “como uma so­
O amplo espectro de ideias, que povoou o lução” à difícil conjuntura geral, aos sig­ni­
senso comum e a filosofia do século XVIII, cul­ ficativos problemas de ajustes econômicos e
minou no nascimento teórico da con­cepção à crise do petróleo nos anos de 1970. O
liberal da economia e, por conse­quência, aca­ Welfare State, visto como benéfico pela gran­
bou colaborando na fundamen­tação teórica de maioria dos países europeus, passou a ser
do Estado Liberal (Heloani, 2003). contestado. Os governos socialmente regres­
Dessa forma, a empresa privada, livre sivos de Ronald Reagan, nos Estados Uni-
das “amarras do Estado”, seria, de acordo dos (1980); Margaret Thatcher, na Ingla­
O trabalho do psicólogo no Brasil 109

terra (1979); Yasuhiro Nakasone, no Japão O fato é que o discurso da ampla reforma
(1982) e Helmut Kohl, na Alemanha (1982), do Estado surgiu como um dos fundamentos
começaram a advogar o Estado Mínimo, fis­ das políticas públicas na década de 1980. O
cal, ou o “Estado Guarda- Noturno”, que atua­ esvaziamento das funções do Estado cons­
va de modo contido e pontual, obje­tivando, tituiu uma importante causa do desempre-
mormente, garantir a “lógica do mer­cado”. go. Nas organizações privadas e públicas,
Assim começou a defesa de um Estado Neo­ ter­mos e conceitos como empregabilidade,
liberal, em oposição à ideia de um Estado des­regulamentação, privatização, mercado,
Positivo, keynesiano, interventor nos setores downsizing, terceirização, flexibilização dos
essenciais da economia e da vida social. contratos de trabalho e administração pública
A vitória desses governos neoliberais, gerencial tornaram-se recorrentes em todos
neoconservadores, foi revigorada pela fa- os níveis hierárquicos e gozaram de inaudi-
lên­cia dos países do leste europeu, cujo sím­ to concurso da mídia e de alguns intelec-
bolo máximo foi a derrubada do Muro de tuais orgânicos (pensadores ligados a grupos
Berlim, em 1989. Com essa vitória, a política emer­gentes, dominantes).
de do­minação financeira apresentou-se de for­ O neoliberalismo propõe a “despoliti­za­
ma emblemática no chamado Consenso de ção” radical das relações sociais, em que
Washington, também em 1989, em que foram qual­quer regulação política de mercado
elaboradas as políticas gerais que tor­nariam (quer por via do Estado ou de outras ins­
exequíveis o programa de esta­bi­lização e as tituições) é, já a princípio, repelida. Ocorre
reformas estruturais sancionadas pelo Fundo um neoliberalismo convertido em concepção
Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco ideal do pensamento antidemocrático con­
Mundial. O Fundo Monetário Internacional, tem­porâneo, que serve aos interesses do
ale­gando a busca do equilíbrio do sistema fi­ capital. É o que aponta Przeworski (apud
nanceiro internacional, passou a emprestar di­ Neto, 1995, p. 80-81), afirmando que a gran­
nheiro a países em dificuldades, em troca de ­de burguesia não se ilude com o absten­cio­
adoção de rígidas políticas eco­nômicas; o Ban­ nismo estatal nem acredita em um mer­cado
co Mundial, por sua vez, começou a fi­nanciar totalmente “livre”. O que ela pretende, como
projetos sociais de in­fraestrutura em países bem afirma Neto, em Crise do socialismo e
em desenvolvimento (Heloani, 2003). ofensiva neoliberal, é direcionar a in­tervenção
Em 10 anos de aplicação de políticas neo­ do Estado para a defesa de seus particulares
liberais, foi possível consolidar o mito de interesses de classe, trans­for­man­do o “Estado
que o esvaziamento do papel do Estado no Mínimo” (para defender os in­teresses dos
Brasil levaria tanto ao crescimento econô­ tra­balhadores) em “Estado Má­­­ximo para o
mico sus­tentado quanto à expansão do nível capital”, de forma que este circule benefi­
de em­prego. Isso não ocorreu, muito pelo ciando-a sem restrições.
con­trá­rio. Justamente após cinco décadas de Como se observa, o processo de pri­vati­
ampla manifestação de um padrão de inter­ zação, como elemento propiciador do en­
venção do Estado favorável ao crescimento xugamento do Estado, vem acompanhado
econômico e ao emprego, observou-se, a
de forte aparato ideológico que começa a es­
par­tir de 1990, a adoção de um novo mode-
lo econômico que resultou pouco positivo
truturar-se nos anos de 1970, em decor­rên­
para a economia e para o trabalho no Brasil. cia do novo ambiente econômico que sina­
Não apenas o desemprego assumiu volume lizava a inadequação do modelo fordista em
sem paralelo histórico nacional, como o ren­ manter o repasse da produtividade para os
di­men­to do trabalho alcançou uma das salários. O processo consolidou-se na dé­ca-
mais baixas participações na renda nacional. da de 1980, quando o empresariado arti­
(Pochmann, 2001, p. 11) culou três pontos de ataque em sua políti-
110 Bastos, Guedes e colaboradores

ca econômica: a produção globalizada, a di­ supervisionar e a estudar seu comportamento,


minuição da atuação do Estado-Previdência contando, em alguns casos, com o recurso
e a desindexação dos salários, características das técnicas e procedimentos psicológicos
básicas do que se convencionou chamar de desenvolvidos e aperfeiçoados à época.
pós-fordismo. Ademais, a mobilidade do ca­ O capital, com certo receio de perder
pital, unida à flexibilidade tecnológica e so­ o controle da situação, não se opôs aber­
cial propiciada pela desregulamentação de tamente a tais experiências. Em vez disso,
direitos consagrados e pela hegemonia ideo­ criou limitações para que esses ensaios par­
lógica nos principais setores de formação de ticipativos não obtivessem muito êxito. No
opinião, possibilitou a mercantilização de Brasil, essa forma de gestão deve ser vista
pra­ticamente tudo, solapando fronteiras e dentro de um contexto em que se priorizam
so­beranias nacionais (Heloani, 2003). melhores condições de produtividade e qua­
Os investimentos da produção foram lidade em detrimento do “fator humano”.
des­locados para o setor de serviços, o que Os esforços para a implantação da admi­
impulsionou a “terceirização”. Esse deslo­ nistração participativa arrefeceram com a
camento do capital gerou um aumento ainda ascensão do ideário neoliberal. O empre­
maior da desigualdade na distribuição de sariado já não necessitava tornar o emprego
renda nos países de capitalismo central e tão atraente dentro de um contexto de acha­
periférico – como o Brasil – apesar dos inú­ tamento de salários e de desemprego. A se­
meros discursos com promessas de quali­ dução provinha do simples fato de “oportu­
ficação e “empregabilidade” pelo acréscimo nizar ao trabalhador estar empregado”. Em
da escolarização. Não é sem razão que, em um sistema altamente competitivo e fle­xí-
2004, em um dos famosos concursos para vel, a organização pós-fordista estimula­va o
gari na cidade do Rio de Janeiro, inscreveram- desenvolvimento da iniciativa, da capaci­da­
se, entre os 15 mil candidatos, bacharéis em de cognitiva, do raciocínio lógico e do poten­
direito, licenciados em física, engenheiros e, cial de criação para que seus em­pre­gados
como não poderia deixar de ser, psicólogos. pudessem dar respostas imediatas a situa­
Ainda no final da década de 1960, em ções-problema. Nesse contexto, o psi­cólogo
um processo que se estendeu até meados da organizacional e do trabalho se via mais
década seguinte, foram feitas experiências uma vez em uma situação delicada: ou efe­
com o objetivo de tornar o espaço laboral tivamente colaborava com seu conheci­mento
mais atraente para os jovens trabalhadores, – que não era pequeno nesta área – para a
reduzindo assim a evasão da classe traba­ emancipação dos trabalhadores, em con­tras­
lhadora. Algumas dessas tentativas, que de te com aqueles que advogavam uma acomo­
fato não introduziram inovações relevantes, dação utópica com o capital, apesar dos de­
foram denominadas por alguns pesquisado- terminismos da lógica econômica, ou ajudava
res de administração participativa, cogestão, o capital na exploração dos mesmos, a saber,
etc. Experimentou-se dar certa autonomia na constituição de uma subjetividade inau­
ao modo de gestão do processo laboral – têntica, como diria Tertulian (1993).
consi­derando-se alguns setores previamente O fato é que, embora delegue certa au-
esco­lhidos – sem que o conjunto da empresa to­nomia a alguns trabalhadores, a organi­
ti­vesse que ser adaptado para integrar-se zação necessita manter um controle indireto
com os segmentos que adotaram tal gestão sobre sua atuação. Para isso, são adotadas
“au­tônoma”. Isso impossibilitava uma real técnicas de administração simbólica para
ino­vação, já que até o layout fora planejado “facilitar” que os trabalhadores assimilem e
com o intuito de manter o empregado de­ in­corporem suas regras de funcionamento
pendente de uma gerência que continuava a como elemento de sua percepção, inter­fe­
O trabalho do psicólogo no Brasil 111

rindo em seu funcionamento psíquico, con­ que atua pela extensão dos meca­nismos de
forme Clegg (1992), Freitas (1997), Enrí­quez poder, chegando às mais refinadas técnicas
(1997), Macêdo (1998) e Pagés e colabo­ra­ de manipulação psicológica.
dores (1987). A subjetividade é, assim, to­ Os referidos controles sofisticaram-se de
mada como um recurso a mais a ser mani­ tal forma, que a dominação, como meio de
pulado para que os trabalhadores, identi­fi­ca­ exercício do poder, estará mais apoiada na
dos com o discurso organizacional, colo­quem introjeção dessas normas ou regras do am­
à disposição do capital o que eles têm de biente organizacional do que em um cercea­
mais precioso, sua saúde física e mental (He­ mento mais direto. Os conglomerados do
loani, 1994, 2003). capitalismo globalizado deverão dar conta
Em consequência da globalização da de gerir a dimensão psíquica de seus “co­
economia, a nova divisão do trabalho criada laboradores”. (Heloani, 1994; 2003).
pela lógica pós-fordista mostrou-se competiti­ A lógica liberalista foi reeditada em for­
va e intensiva no que concerne às novas tec­ ma de neoliberalismo, o que contribuiu para
nologias. A cooperação do trabalho com a impactar enormemente nas formas de tra­
elevação da produtividade, mediante progra­ balho no final do século XX e início do século
mas como qualidade total (TQM), kaizen, XXI. Dentre elas, o aumento do de­semprego,
sistemas de qualidade ISO 9000, ISO 14000, o aumento do trabalho informal (com todas
benchmarking, reengenharia, método 5S, as perdas de direitos que ele acarreta), as ter­
6S, processos de terceirização, quarteiriza- ceirizações, as quartei­ri­zações e os con­tratos
ção, sistemas integrados, etc., tornou-se im­ de trabalho tem­porários, que visam basica­
pres­cindível e, para consegui-la, foram cria­ mente atender aos interesses capita­listas em
das novas formas de gestão da produção. detrimento da sustentabilidade social e de
In­vestiu-se intensamente em equipamentos dignidade dos trabalhadores.
e serviços de manutenção (software) e os O fato é que esse contexto econômico
trabalhadores tornaram-se responsáveis não com diretrizes neoliberais trouxe novas exi­-
só por manter sistemas caros e sofisticados, gê­n­cias para o mundo do trabalho. Exigências
mas também por conseguir novos ganhos de relacionadas à revolução tecnológica, à com­
produtividade e repassá-los à organização. pe­titividade, à crescente qualidade da merca­
O que não se pode negar é que com a infor­ doria e à flexibilização na interpretação da
matização e a integração sistêmica, o núme- legislação trabalhista. Dessa maneira, sur­giu
ro de trabalhadores decresceu, mas as orga­ um novo perfil de trabalhador, cada vez mais
nizações não lograram dispensar totalmente solicitado a se especializar conti­nua­men­te pa­
seus “colaboradores” (Heloani, 2003). ra atender às novas demandas do mer­cado de
Apesar de não ser possível analisar aqui trabalho. Os psicólogos tam­bém fa­zem parte
todas as experiências de gestão, existe uma desse novo perfil profis­sional, so­frendo essa
característica fundamental, comum a todas pressão de contínua especialização para se
elas: a tentativa de harmonizar um maior manterem no mercado de trabalho.
grau de autonomia dos empregados, para Apesar de, no Brasil, ter ocorrido al­gumas
or­ga­nizar um setor de produção, com o de­ mudanças econômicas no final dos anos de
senvolvimento de controles mais sutis que 1990 e início do século XXI, em forma de im­
objetivam colocar o trabalho em uma posição plantação de vários programas sociais visando
de dependência ou incapacidade em relação a combater as desigualdades sociais, percebe-
ao capital. Assim, essas novas estratégias ex­ -se que ainda estão presentes a má distribui-
plicitam uma notória modificação na for­ ção de renda, a exclusão de uma grande par­
mulação de poder no espaço organiza­cional: cela da população do acesso a programas de
a consecução de uma lógica de do­minação saú­de, educação e inserção social via forma-
112 Bastos, Guedes e colaboradores

ção profissional e emprego. Desse modo, a dos psicólogos inscritos nos Conselhos Re-
pro­fis­são do psicólogo se de­para mais uma gio­nais de Psicologia. Aproximadamente 2/3
vez com um desafio, por atuar junto a essa (62,1%) dos psicólogos atuam exclusiva­
população, devendo se preparar para assumir mente no campo da Psicologia, o que con­
uma pos­tura mais política e socialmente en­ figura um tipo de inserção pleno na profissão.
ga­jada no sentido de contribuir na promoção O res­tante dos participantes apresenta algum
de melhor quali­dade de vida. tipo de inserção que revela alguma preca­
Assim, em um contexto no qual os tra­ riedade. Dos psicólogos, 22,1% combinam a
balhadores cada vez adoecem mais, têm me­ atuação em psicologia com alguma ativida-
nos direitos resguardados,  cresce a neces­ de de trabalho fora da profissão;  9,1%, em-
   
sidade de intervenções mais comprometidas b­ora tendo graduação  em psicologia,
 atuam

socialmente, e a psicologia se configura co­ fora do campo; 5,2% estão


 desempregados,

 
   
   
mo uma ciência capaz de oferecer um aporte embora já

te­n ha trabalhado


 como

psicólogo;


importante para essas novas

práticas sociais. e, final­ m ente,
 há um
 


pequeno



grupo



de pro­


   
A atividade de pesquisa e a difusão do co­ fis­sio­n ais (1,4%) que
nunca

chegou

a
 atuar

 
nhecimento científico não podem se esquivar na profissão,   apesar  de graduado
  e inscrito
    
desse 
movimento. Considera-se
   que,
inde­ nos Conselhos
  Regionais.
 

  
pen­dentemente
  de
onde
 o
profissional
 de 
 Examinando-se
   esses
  dados, identifica-
        
   
 
psi­cologia atue, no setor
   público,
   
  
 no
 privado
 -se uma

 
 taxa


de 
  desemprego
  em torno de
ou no terceiro setor
   (ver
Capítulo
 7),
   sua6,6% que
 poderia
  ser 

 ampliada
 para 15,7%
      
   
con­duta profissional deve se   pela
pautar  
éti­ se fossem  
incluídos aqueles que trabalham
        
           
ca e pelo engajamento

   em ações que pro­mo­ fora do
 campo  profissional
 
 



(seriauma  taxa 

vam a
melhoria das condições sociais da de desemprego da ocupação
 
– 
empregado,





população, até porque, antes de ser profis­ masnão
      
na psicologia). Por outro
  lado,há 
    
sional, o 
psicólogo é também
   cida­ d ão.
   

um índice
  um pouco superior

a

1/5 
da 
         amostra,
  o que revela a precariedade  das  
        
 
  
   
inserções,
 
inferida da necessidade de se pre­
Atuação em Psicologia –  cisar
   combinar o trabalho
   como
 psicólogo
           
um quadro geral com outras
        
atividades fora do
 
campo. Essa
condição seria maior
          se nela   incluídos
fossem
A Figura 6.1 mostra, em percentuais,    as aqueles psicólogos que só  atuam
 fora da
formas de atuação e não atuação profissional profissão, perfazendo 31,2% da categoria.

1,4 5,2
1,4

Nunca atuou
Já atuou, mas não exerce nenhuma
atividade atualmente
22,1
Exerce atividades fora do campo da
psicologia
Exerce atividade na psicologia e
em outros campos
Exerce atividades somente em psicologia

62,1

Figura 6.1 Panorama da inserção do psicólogo no mercado de trabalho.

     


           
O trabalho do psicólogo no Brasil 113

Os dados sobre inserção no mercado se constata pela observação dos percentuais


pro­fissional, aqui apresentados, não se reve­ já citados. Além disso, o IBGE informa que os
lam su­ficientes, no entanto, para se ter a percen­tuais de psicólogos que não atuam na
exata di­mensão do gap existente entre o nú­ pro­fissão apon­tados pela pesquisa, são seme­­
mero de psicólogos graduados no país e lhantes aos per­centuais de desempregados
aqueles que efetivamente passam a exercer em outras áreas.
a profissão. Nesse sentido, os dados da pes­ Uma pesquisa nacional conduzida pelo
quisa de 2006 não podem ser tomados como IBOPE/MQI, no período de 4 a 25 de março
uma avaliação do nível de emprego da cate­ de 2004, realizada com psicólogos inscritos
goria ocupacional. Em princípio, os partici­ nos Conselhos Regionais de Psicologia, iden­­
pantes do estudo eram profissionais inscritos ti­ficou na amostra, por meio de entre­vista, o
nos Conselhos Regionais, o que significa que percentual de 58% de profissionais que atuam
deviam estar atuando na profissão ou tinham somente na área de psicologia. Os psicólogos
expectativa de vir a atuar. que atuam tanto na sua pro­fissão quanto em
Outro dado importante é que os percen­ outras atividades somam 26%. Assim, na pes­
tuais identificados nessa pesquisa quanto a quisa do IBOPE, 84% dos pro­fissionais tra­ba­
psicólogos que não estão trabalhando apro­ lham “somente na psi­­cologia” e “na psi­co­logia
ximam-se do universo dos diplomados em e em outros campos”. Já aqueles psi­có­logos
ní­vel superior desempregados no Brasil, con­ que não exercem a pro­fissão, mas pre­tendem
for­me aponta o Departamento Intersin­dical exercê-la no futuro representam 13%.
de Estatística e Estudos Socioeco­nô­micos No período que antecedeu o ano de 1988,
(2008). De fato, em 2006, o desem­prego de pesquisadores identificaram entre os psicó­lo­
cidadãos por­tado­res de diploma de ensino gos um percentual de 17,8%, assim distri­buí­
superior nas regiões metropo­li­tanas e no do: nunca trabalharam (1,9%); já tinham tra­
Distrito Federal chegava aos percentuais de: balhado, mas não em Psicologia (4,2%); os que
5,1% em Porto Alegre (o menor percentual); trabalhavam, naquele mo­mento, mas não em
5,8% em São Paulo; 5,8% no Distrito Federal; Psicologia, 11,7%. A mesma pesquisa apon­­­tou
5,9% em Belo Horizonte; 6,9% em Recife; e que, de um total de 2478 psicólogos, 45,8%
7,5% em Sal­vador (o maior percentual) (De­ desses profissio­nais trabalhavam na pro­fis­são,
partamento Intersindical de Estatística e enquanto 25% trabalhavam como psi­có­­logo e
Estudos Socio­econômicos, 2008). em outras ati­vidades, totalizando 70,8% de
No Brasil, segundo o IBGE, o percentual profissionais atuantes na profissão (Conse­lho
de cidadãos com nível de escolaridade su- Federal de Psicologia, 1988, p. 139).
pe­­rior desempregados em 2003 era de 3,4%, Como as diferentes condições de inserção
per­centual que, em 2004, diminuiu para 2,9%. profissional do psicólogo ocorrem nas dife­
Ademais, houve um aumento do nú­me­ro de rentes regiões do país? Os dados da pesquisa
pessoas, segundo a condição de ocu­pa­­­ção, de encontram-se na Figura 6.2.
6.425, no ano de 2003, para 6.843, no ano de Como se constata na Figura 6.2, não há
2004 (Instituto Brasileiro de Geo­grafia e Es­ diferenças estatisticamente significati­vas quan­
tatística, 2004). O IBGE aponta que nos úl­ ­do as regiões brasileiras são com­pa­radas, re­
timos anos houve uma progressão do número velando que o quadro da inser­ção no mercado
de pessoas com nível de escolari­dade superior não se altera, mesmo ao com­parar regiões
empregadas segun­do a sua ocupação, o que com diferentes níveis de desen­volvimento e
mostra, nesse nível de es­colaridade, uma di­ complexidade da estru­tura de mercado de
minuição da taxa de de­sem­prego no Brasil. trabalho. Algumas di­ferenças, no entanto, po­
Entretanto, as infor­ma­ções do IBGE mostram dem ser identifi­cadas como tendências inte­
que isso é um proces-so lento, o que facilmente ressantes de se registrar.
114 Bastos, Guedes e colaboradores

66,0
E = Exerce atividades somente em psicologia 60,1
64,9
59,9

19,8
D = Exerce atividade em psicologia 23,1
e em outros campos 20,7
22,2

8,9
9,4
C = Exerce atividades fora do campo da psicologia 8,1
9,9

4,2
B = Já atuou, mas não exerce 5,6
nenhuma atividade atualmente 4,6
6,3

1,2
1,4
A = Nunca atuou 1,8
1,6

0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 70,0

Sul Sudeste Nordeste Norte/CentroOeste

Figura 6.2 Percentual de psicólogos por tipo de inserção no mercado de trabalho nas diferentes
regiões brasileiras.

A região Sul destaca-se com o maior per­ trabalho pode explicar os dados das re­giões
centual de psicólogos que atuam exclu­ norte e centro-oeste.
sivamente no campo, ao lado dos menores As diferentes condições de inserção
percentuais de quem combina a psicologia pro­­­fissional associam-se a perfis distintos
com outros campos, de desempregados e de do psi­có­logo, quando se consideram carac­
profissionais que nunca atuaram como psi­ terís­ticas pessoais, tempo de formação, ti­
cólogos. Trata-se do perfil mais positivo de tulação e ren­dimentos, como se verifica
inserção profissional. O Nordeste apresenta na Figura 6.3.
o segundo melhor perfil, com percentuais O pequeno contingente daqueles que
ligeiramente diferentes da região sul, mas nunca se inseriram no campo profissional
revelando a mesma tendência básica. Por (1,4%), como esperado, é constituído por
outro lado, o sudeste e o norte/centro-oeste1 psicólogos mais jovens (idade média de 28,7
são as regiões que apresentam indicadores anos), com menos tempo de formado (média
menos positivos de inserção. Nelas, se veri­ de 3,2 anos), que possui apenas o curso de
ficam menores percentuais de psicólogos graduação. Nele, se encontra, também, pro­
atuando exclusivamente na psicologia (em porcionalmente à amostra geral, um maior
torno de 60%); são ligeiramente maiores os contingente de mulheres.
percentuais de quem combina a psicologia O segundo grupo de psicólogos que po­
com outras atividades, de quem atua fora da dem ser considerados desempregados (5,2%)
psicologia e de quem está desempregado. já apresenta uma média de idade ligeiramente
Possivelmente, a maior concentração de cur­ superior, maior qualificação (maior o número
sos no sudeste explica os dados dessa região; de profissionais com curso de especialização),
por outro lado, a situação do mercado de maior tempo de formado. Nessa condição,
O trabalho do psicólogo no Brasil 115

• 94,1% mulheres
• Idade média – 28,7 anos
• Tempo médio de graduação – 3,2 anos
Nunca atuou
• Titulação mais frequente: apenas graduação (73%) – especialização (17,6%)

• 90% mulheres
• Idade média – 32,1 anos
Ja atuou • Tempo médio de graduação – 6,4 anos
Não atua • Titulação mais frequente: apenas graduação (56,7%) – especialização (35,6%)

• 66,7% mulheres
• Idade média – 36 anos
Atuou fora da • Tempo médio de graduação – 7,5 anos
Psicologia • Titulação mais frequente: apenas graduação (72,6%) – especialização (22,6%)

• 77,2% mulheres
• Idade média – 38,1 anos
• Tempo médio de graduação – 10,6 anos
Atuou fora e na • Titulação mais frequente: apenas graduação (40,5%) –
Psicologia especialização (41,5%) mestrado (13,6%)
• Renda média – R$ 2,822,00 – % médio da psicologia – 58,4%

• 85,6% mulheres
• Idade média – 35,5 anos
• Tempo médio de graduação – 9,7 anos
Atuou apenas na • Titulação mais frequente: apenas graduação (43%) –
Psicologia especialização (36,3%) mestrado (15%)
• Renda média – R$ 2,769,8 0
Figura 6.3 Distribuição dos psicólogos considerando os dados sociodemográficos e sua atuação pro­
fissional.

também se encontra, proporcionalmente, um Os homens também estão proporcio­nal­


pouco mais de psicólogas do que psicólogos. mente mais do que as mulheres na condição
A terceira condição que revela fragilidade em que se combina a atuação em psicologia
da inserção profissional é daqueles que, em­ com outro trabalho, revelando a insuficiência
bora diplomados, atuam apenas fora da Psi­ de o mercado da psicologia assegurar con­
cologia. Trata-se de um percentual não des­ dições satisfatórias. Esse grupo apresenta
prezível de 9%, constituído proporcional­ uma renda média que é ligeir­am
­ ente superior
mente muito mais por homens do que por à daqueles que atuam apenas na Psicologia.
mulheres. Ou seja, os homens, possivelmente, No entanto, apenas 58,4% de tal renda pro­
pela fragilidade das condições de trabalho, vém da Psicologia, indicando que a busca
buscam outras atividades e terminam se por melhor remuneração motiva a inserção
afas­tando do campo profissional da psico­ profissional fora da área.
logia. Outro dado interessante desse grupo é Finalmente, o grupo que melhor carac­
o maior contingente de profissionais que teriza uma inserção plena no campo pro­
possuem apenas o curso de graduação, in­ fissional da psicologia caracteriza-se por
dicando um não investimento na profissão. apre­sentar percentuais muito próximos aos
116 Bastos, Guedes e colaboradores

da amostra geral no tocante à composição Condições de inserção e


por sexo, com idade média em torno de 35,5 renda entre psicólogos
anos, quase 10 anos de formado e já com um
número mais expressivo de profissionais com Um indicador básico e fundamental na
curso de especialização e mestrado. São, cer­ avaliação das condições de inserção pro­fis­
tamente, aqueles que estão dedicados à pro­ sional do psicólogo é o rendimento au­fe­ri­do
fissão e a exercendo plenamente. Trata-se, com a sua atividade. Os resultados sobre a
também, daquele profissional que mais está ren­da obtidos na pesquisa podem ser vistos,
investindo na formação continuada. para a amostra geral, na Figura 6.4.

Nenhuma renda
até 3 SM
de 3 a 6 SM
de 6 a 9 SM
de 9 a 15 SM
de 15 a 21 SM
acima de 21 SM

Figura 6.4 Percentual de psicólogos por categorias de renda mensal.

A distribuição da renda dos participan- ção profissional. Interessa, sobretudo, nesse


tes da pesquisa revela que 60,8% dos psi­cólo- mo­men­to, os dados daqueles trabalhadores
   
gos
possuem um rendimento  de no má­ximo com 15  ou mais anos de estudo.
no­v e salários
    mínimos. Deste
 con­ t
ingente,  Os dados
 do Instituto Brasileiro de Geo­
 1,6%
  não
possui renda e 27,3% ganham
 degrafia e
Estatística (IBGE, 2005) mostram que
três a
  seis 
salários mínimos. A maior concen­71,7% dos profissionais nessa condição re­
tração
  de 
  psi­cólogos encontra-se
 nafaixa decebem até 10 salários mínimos, enquanto
   
renda entre
6 e 15 salários 
mínimos (38,2%) e 28,3% 
recebem acima desse patamar. Perce-
 
um per­
 menor daqueles
centual  com  elevados be-se que 
o psicólogo encontra-se em uma con­
     
rendi­men­tos (acima de 21 SM , 9,6%).   
*
dição ligeiramente mais positiva que os traba­
       
A formação em Psicologia requer no lhadores em geral com tempo idêntico de for­
       
mínimo 17 anos de estudos,
    
incluindo

os di­ mação 
(o percentual acima de 9 SM, na pes­
versos
   níveis de educação no
 Brasil
(Ensino quisa de 2006, corresponde a 39,2%). Há que

 Fundamental, Médio e Superior). Tendo
 isso se registrar, contudo, que os mesmos dados do
em mente, é possível comparar  os
dados de IBGE mostram que, com esse nível de for­
rendimento do psicólogo com os 
 dados, dis­ mação, há apenas 0,3% de profissionais sem
poníveis do IBGE sobre os rendimentos rendimentos ou com rendimento de até meio
 
do trabalhador brasileiro,
considerando-se o salário mínimo. Entre os psi­cólogos, há 1,4%
  
tem­po de estudo envolvido  na sua forma- que relata não ter qualquer rendimento.
     
     
   *
N.
de R. Salário Mínimo.
     
    
 

 
   
O trabalho do psicólogo no Brasil 117

Os rendimentos guardam, certamente, ter atuado na psicologia, de ter atuado e


uma estreita relação com o tipo de inserção não estar atuando no momento presente,
do psicólogo no mercado de trabalho. Na e a de atuar apenas fora da Psicologia.
Figura 6.5 pode-se observar os resultados Na segunda condição, encontram-se os psi­
obtidos na pesquisa do psicólogo de 2006. cólogos que combinam o trabalho em Psi­
Para analisar a associação entre rendimen- cologia com trabalhos fora do campo. E
tos e tipo de inserção no mercado, agrupou- denominou-se de inserção plena aquela
-se em uma mesma categoria (denomina- em que o psicólogo atua apenas no campo
da in­serção precária) as condições de nunca da Psicologia.

9,4
Acima de 21 SM 9,7
10,9

9,8
Até 21 SM 10
11,1

18,9
Até 15 SM 20,4
21,3

18,5
Até 9 SM 18,8
19,3

27,8
Até 6 SM 26,4
25,6

14,0
Até 3 SM 13,0
8,6

1,5
Sem renda 1,3
3,0

0,0 5,0 10,0 15,0 20,0 25,0 30,0

Inserção plena Combina Psicologia e outras Inserções precárias

Figura 6.5 Percentual de psicólogos por faixas de rendimentos obtidos nos diferentes tipos de
inserção no mercado de trabalho.

Os dados revelam alguns resultados que Esse percentual é superior àquele do grupo
merecem destaque. A condição de inserção de inserção plena e que só atua na psicolo-
precária na profissão não significa, neces­ gia (38,1% encontram-se nesses níveis mais
sariamente, precariedade de rendimentos. ele­vados de rendimento). A combinação do
Pelo contrário, aqueles que atuam em outras trabalho na Psicologia e em outra área tam­
áreas representam percentuais ligeiramente bém conduz a um aumento do rendimento,
mais elevados nas categorias de maior ren­ como se verifica no índice de 40,5% nos
dimento (43,4% com rendimentos acima de níveis mais elevados de renda.
9 salários mínimos). Isso indica que o ren­ Por outro lado, há psicólogos que atuam
dimento é, provavelmente, fator central para apenas como psicólogos e que não possuem
não ingressar ou não atuar como psicólogo. rendimentos, caso de trabalhos voluntários
118 Bastos, Guedes e colaboradores

(1,5% da amostra, mas que representa o Ainda explorando os rendimentos dos


con­tingente numericamente maior nessa psicólogos brasileiros, outro dado importante
con­dição). O maior número de psicólogos refere-se a como esses rendimentos variam
com inserção plena, no entanto, encontra-se conforme as regiões do país. Os dados en­
na faixa de três a seis salários mínimos. contram-se na Figura 6.6.

Norte e Centro-oeste Nordeste Sudeste Sul

Sem renda 1,2% 1,5% 1,9% 1,4%

até 3 sm 7,5% 13,2% 13,0% 16,8%

até 6 sm 20,9% 29,6% 27,7% 29,4%

até 9 sm 23,5% 20,6% 18,0% 15,9%

até 15 SM 25,2% 18,8% 18,3% 19,7%

até 21 SM 11,3% 10,7% 10,5% 8,0%

> 21 SM 10,4% 5,7% 11,2% 8,8%

Figura 6.6 Percentuais de psicólogos por faixa de rendimento nas diferentes regiões do país.

As diferenças observadas não são estatis­ te/Centro-oeste encontram-se os me­no­­res


ticamente significativas, atestando, uma vez per­centuais de psicólogos nas faixas de menor
mais, que as condições de inserção profis­ rendimento (apenas 8,7% ganham até 3 SM),
sional configuram uma realidade nacional. o que se deve ao grande peso da par­ticipação
No entanto, algumas pequenas diferenças do Distrito Federal nesse grupo, uni­dade fe­
merecem ser destacadas. de­rativa com níveis salariais mais ele­vados.
No Sul e no Nordeste encontra-se, pro­ Em oposição, na região sul, há 18,2% dos psi­
porcionalmente, o maior percentual de psi­ cólogos nessas duas faixas iniciais, per­­centual
cólogos que atuam apenas na Psicologia, co­ que supera o Nordeste e o Sudes­te.
mo apontado anteriormente. Exatamente nes­­ A pesquisa realizada pelo CFP, na década
sas duas regiões, se evidenciam os meno­res de 1980, apontou que o salário mensal dos
percentuais de profissionais com os dois ní­ psicólogos variava muito entre as regiões do
veis mais elevados de rendimento (acima de Brasil. A média nacional era de aproxima­
15 salários mínimos, há 16,4% no Nor­deste e damente 11 salários mínimos. Porém, varia­
16,8% no Sul). No Sudeste e no Nor­te/Cen­ va de seis salários mínimos, no CRP02 (Per­
tro-Oeste, o percentual é de 21,7%). No Nor­ nam­buco e Alagoas, naquela época), até
O trabalho do psicólogo no Brasil 119

acima de 11 salários mínimos, no CRP06 – dia de contribuição para o orçamento fami­liar


São Paulo (Conselho Federal de Psicologia, é de aproximadamente 50%. Pratica­men­­te es­
1988, p. 162). sa mes­ma proporção foi constatada na pesquisa
Conforme os dados citados do IBGE, da da década de 1980, na qual os psi­cólogos bra­
pesquisa atual e da pesquisa da década de si­leiros contribuíam com 50% pa­ra a receita
1980, o percentual de psicólogos desempre­ familiar, em todas as regiões do país (Conselho
gados não se diferencia dos diplomados de Federal de Psicologia, 1988, p. 162). So­mente
ensino superior de outras profissões. O mes­­ para 30,6% dos psicólogos, o seu rendi­mento
mo ocorre com os salários dos psicó­logos. co­mo psi­cólogo contribui entre 91 e 100% de
Entretanto, atualmente, a situação sa­larial orça­mento familiar. Do total da amos­­tra, 15,2%
dos psicólogos está aquém do sa­lário identi­ não contribuem para o orçamento familiar.
ficado na pesquisa do Conselho Federal de Com o objetivo de compreender de modo
Psicologia dos anos de 1980, considerando o mais aprofundado os variados segmentos de
salário mínimo como parâ­metro, embora seja inserção profissional, como os psicólogos per­
difícil comparar o poder aquisitivo do salário cebem a sua atuação, suas expectativas em
mínimo nos dois dife­rentes períodos (são relação ao futuro e o tipo de experiência que
apro­­ximadamente 20 anos de diferen­ça). Es­ têm ou tiveram no campo da Psicologia, as
sa mesma pesquisa da década de 1980 iden­ próximas seções serão dedicadas a cada um
tificou que a média salarial nacio­nal dos psi­ deles em separado.
cólogos era de apro­ximadamente 11 salá­rios
mínimos, e atual­mente a média é de seis sa­
lários mínimos. Há, portanto, uma queda no Quem nunca atuou
rendimento médio da cate­goria, prova­vel­ na profissão
mente expli­cado pela preca­riedade da socie­
dade assa­lariada, que ofe­rece emprego, mas Conforme o que já foi apontado, do total
baixos salários. Isso tor­na compreensível a da amostra nacional, somente 1,4% nunca
necessi­dade de o psicó­logo assumir mais de atuou profissionalmente na psicologia. Esses
um vín­culo pro­fis­sional, o que será visto no psicólogos apontam vários motivos para sua
Ca­pítulo 7 sobre o trabalho assalariado, que não inserção, que incluem fatores pessoais,
per­­mite concluir que o psicólogo combi­na a familiares, de formação e da própria estru­
ati­vidade autô­noma com algum empre­go no tura do mercado de trabalho. Dos motivos
se­tor público, privado ou terceiro setor. apontados por eles, o que mais se destacou
Sobre a participação do rendimento au­ foi a ausência de oferta de trabalho na área
ferido com o trabalho como psicólogo na da psicologia, que junto à reduzida remu­
renda total dos profissionais, os resultados neração das alternativas disponíveis, res­
apontam que, em média, 80% da renda do pondem por 41,2% dos motivos apontados,
psicólogo provém de suas próprias ativida- como se vê na Figura 6.7.
des. Esse percentual modifica-se substancial­ A ausência de oferta de trabalho apon­
mente quando se consideram os tipos de in­ tada pelos psicólogos e a baixa remuneração
serção. Para os psicólogos que combinam a das alternativas disponíveis são indicadores
Psicologia e outra atuação profissional, os de uma estrutura ainda restritiva do mer­
rendimentos da psicologia correspondem a cado de trabalho. Esse percentual apontado
58,4% da sua renda total. na pes­quisa pode também ser um indicador
Finalmente, para explorar a condição so­ do porquê da existência de um número ele­
cio­econômica dos psicólogos, mapeou-se o vado de psicólogos que conclui o curso de
quan­­to o seu rendimento como profissional psico­logia, mas não está inscrito nos res­
con­­tribuía para o orçamento familiar. A mé­- pectivos conselhos.
120 Bastos, Guedes e colaboradores

INTENÇÃO DE SE INSERIR
MOTIVO DA NÃO INSERÇÃO
• SIM – 64%
• Pessoal – 5,9%
• Familiar – 2,9% EM QUE ÁREA?
• Ausência de oferta de trabalho – 35,3%
• Clínica – 29,4%
• Percepção de defasagem entre habilidades e
• Escolar – 5,9%
demandas de mercado – 2,9%
• Organizacional – 11,8%
• Proposta de trabalho de baixa
• Docência – 2,9%
remuneração – 5,9%
• Comunitária – 2,9%
• Outro motivo – 5,9%
• Esporte – 11,8%

Figura 6.7 Distribuição dos respondentes que nunca atuaram e os motivos que os impediram de atuar.

A pesquisa da década de 1980 apontou também foi a preferida pelos psicólogos na


que pesquisa da década de 1980. Chama a aten­
pouco mais da metade dos formados em psi­ ção, entre as demais áreas apontadas, o per­
cologia no Brasil está inscrita nos res­pec­tivos centual da área do esporte (11,8%), mesmo
Conselhos Regionais. Assim, os dados referentes índice da área organizacional.
ao não exercício e ao abandono da profissão Em resumo, apesar de não atuarem fun­
não representam um retrato com­pleto da si­ damentalmente por não terem vislum­brado
tuação, em termos de mercado de trabalho pa­ possibilidades de inserção, os psi­cólogos gos­
ra a Psicologia (Conselho Federal de Psicologia, tariam de estar atuando, o que permite inferir
1988, p. 143). que o quadro seria outro se houvesse efeti­
Em 2004, os da­dos do MEC e do CRP-SP vamente mais oferta de vagas para psi­cólo-
con­firmaram a exis­tência de um índice de 44% gos, principalmente no serviço público, o
de profissionais que exercem outros tipos de prin­cipal empregador (ver Ca­pítulo 7).
ativi­dades que não a de psicólogo (Jornal de
Psi­cologia CRP, 2004).
Embora seja reduzido o número de par­ Quem já atuou na profissão e
ticipantes da pesquisa nessa condição de in­ não está atuando no momento
serção, os dados disponíveis sobre número por motivo de desemprego
de alunos graduados e de psicólogos que se
inscrevem nos Conselhos revelam que este Na primeira parte do capítulo, a Figura
contingente de profissionais que não se in­ 6.1 apontou um percentual de 5,2% de pro­
sere na profissão é bem mais expressivo do fis­sionais que já atuaram na área de psi­colo-
que o quantitativo encontrado na pesquisa. gia anteriormente e atualmente estão desem­
Na realidade, a inscrição no Conselho revela pregados. Para esse contingente de psicólogos,
claramente a intenção de vir a atuar como buscou-se conhecer as características do tra­
psicólogo, como se constata na Figura 6.7, ba­lho e os motivos do afastamento.
pois, dos psicólogos que nunca atuaram na Observa-se, na Figura 6.8, dados relati­
área da psicologia, mais de 64% mostraram vos ao tempo de atuação profissional, área e
a intenção de inserir-se na área. Desse total, local de trabalho. Em média, o psicólogo
aproximadamente 30% demonstraram inte­ havia trabalhado 3,9 anos antes de deixar a
res­se de vir a atuar na área clínica. Essa área área: 29,6% deixaram a área com apenas
O trabalho do psicólogo no Brasil 121

um ano de atuação; 64,4% dos psicólogos com percentuais abaixo de 10%). 55,7% dos
deixou de trabalhar nas áreas clinica ou or­ psicólogos nessa condição deixa­ram de tra­
gani­zacional (ambas com percentuais acima balhar em empresas privadas e 25,7% em
de 30%). O percentual de afastamento das empresas públicas.
de­mais áreas é bem menos expressivo (todas

• Média: 3,9 anos


POR QUANTO
• Apenas um ano (29,6%)
TEMPO
• Dois anos (24,1%)
TRABALHOU? • Três ou quatro anos (20,4%)

• Clínica – 33,9%
• Organizacional – 30,5%
EM QUE • Escolar – 6,8%
ÁREA ATUOU? • Saúde, Hospitalar – 8,5%
• Social/Comunitária – 6,8%
• Docência e pesquisa – 4,4%

• Empresa pública – 25,7%


ONDE TRABALHOU? • Empresa privada – 55,7%
• Organização da sociedade civil – 18,6%

Figura 6.8 Distribuição de respondentes que já atuaram na profissão, mas que não estavam atuando
na época da coleta de dados.

Outro conjunto de informações coletadas pes­­quisa da década de 1980. São eles: pessoais
junto ao grupo de desempregados consistiu (18,8%), condições de trabalho (71,1%) e fa­
nos motivos da saída, no tempo decorrido des­ lhas na formação (10,1%).
de que deixou a área e se o emprego perdido Em resumo, os dados sinalizam que o per­
era ou não o primeiro emprego. Con­forme po­ centual de psicólogos que abandonou a pro­
de ser observado na Figura 6.9, 75% dos fissão o fez por motivos de natureza pessoal ou
psicólogos perderam o primeiro em­prego na familiar e por causa da estrutura do mercado
área da Psicologia. Esse resultado demonstra de trabalho, sugerindo ser bem mais complexa
que a maioria procurou atuar na área como a explicação sobre a retirada do mercado de
primeira opção, e conseguiu permanecer nela trabalho, o que exige estudos subsequentes.
por um tempo médio de 3,9 anos (ver Figura
6.8). É digno de nota que 42,5% tenham saído
do emprego há ape­nas um ano. Esses profis­ Quem está trabalhando
sionais apontaram vários motivos que os leva­ fora da Psicologia
ram a abandonar a profissão. Os motivos mais
citados foram problemas: pessoal (23,6%), fa­ Do total da amostra, um expressivo con­
miliar (20%) e baixa remuneração (14,5%). tingente de 9,1% dos psicólogos exerce ati­
Mo­tivos se­me­lhantes foram detectados pela vidades fora do campo da Psicologia. Os re­
122 Bastos, Guedes e colaboradores

sultados que exploram motivos e pro­jetos cárias do trabalho como psicólogo. Em ou­tras
futuros desse grupo de profissionais en­con­ palavras, isso pode estar sinalizando que, em­
tram-se na Figura 6.10. bora o psicólogo que abandonou a psico­logia
Os motivos da não inserção ou do aban­ o tenha feito por motivos pessoais e fa­mi­
dono se revelam mais fortemente associados a liares, tendo pesado pouco a oferta de tra­
questões das condições de trabalho. A oferta balho em outra área, os que optaram por
de um emprego melhor (38,2%) e a baixa atuar fora da psicologia o fizeram fortemente
remu­neração do trabalho em Psicologia (20%) por terem sido atraídos por melhores salá­rios.
representam quase 2/3 dos motivos apontados Talvez isso seja um indício do dilema vivido
por esse grupo de psicólogos. Há ainda um por muitos psicólogos, o de gostar do que faz,
per­centual de 7,3% que percebeu um des­ mas reconhecer não ser bem remu­nerado e,
compasso entre habilidades e de­mandas do sendo assim, acabar optando por privilegiar
trabalho em Psicologia. No en­tanto, existem outras oportunidades de inserção profissional
também motivos pessoais e familiares que le­ que assegurem melhores condi­ções de remu­
vam ao abandono do exer­cício profissional. neração. Observe que 91,1% dos que atuam
As Figuras 6.9 e 6.10 permitem constatar fora da psicologia respon­deram afirmativa­
que os motivos pelos quais os psicólogos mente à pergunta sobre se gostariam de voltar
abandonaram o primeiro emprego dentro de a atuar na sua área de formação.
sua área são semelhantes aos dos psicólogos Em resumo, tanto os psicólogos que nun­
que estão trabalhando fora da área da psi­ ca atuaram quanto aqueles que estão traba­
cologia. Os motivos que levam a não se in­ lhando fora do campo da psicologia pretendem
serir na profissão e os que explicam o seu inserir-se nela, mesmo conside­rando escassa
abandono revelam o peso de condições pre­ a oferta de trabalho. As áreas de intenção de

FOI O PRIMEIRO • SIM – 75%


EMPREGO? • NÃO – 25%

• Pessoal – 23,6%
• Familiar – 20,0%
MOTIVOS DE • Outra oferta de trabalho – 7,3%
ABANDONO? • Baixa remuneração – 14,5%
• Defasagem habilidades/demandas – 3,6%
• Outros motivos – 14,5%

• Média: 3,1 anos


HÁ QUANTO TEMPO • Apenas um ano (42,5%)
NÃO EXERCE? • Dois anos (25%)
• Três anos (12,5%)

Figura 6.9 Distribuição de respondentes que relataram não estarem mais atuando como psicólogos
e os motivos do abandono.
O trabalho do psicólogo no Brasil 123

• Pessoal – 16,4%
• Familiar – 7,3%
MOTIVOS DA • Outra oferta de trabalho – 38,2%
NÃO INSERÇÃO? • Baixa remuneração – 20,0%
• Defasagem habilidades/demandas – 7,3%
• Outros motivos – 10,9%

TEMPO ATUANDO FORA DA PSICOLOGIA


• Média de anos – 5,3%
TEMPO FORA E
• Um ano – 42,5%
PLANOS DE VOLTAR • Dois anos – 25,5%
A SE INSERIR NO • Três ou quatro anos – 17,5%
CAMPO DA PSICOLOGIA
PRETENDE VOLTAR A SE INSERIR
• sim – 91,1%

• Clínica – 28,6%
• Organizacional – 16,3%
EM QUE ÁREA • Escolar – 6,1%
• Saúde, Hospitalar – 8,5%
PRETENDE ATUAR?
• Social/Comunitária – 18,4%
• Docência e pesquisa – 24,5%
• Esporte – 6,1%

Figura 6.10 Percentual de psicólogos que trabalham fora da profissão, motivos e projetos futuros
em relação à inserção na área.

inserção são semelhantes às identificadas na mo inserção plena) e aqueles que a combinam


pesquisa realizada pelo Con­selho Federal de com outra atua­ção. Os dados que encontram-
Psicologia na década de 1980: a Clínica, a Or­ se na Figura 6.11 revelam que, desse grupo,
ganizacional, a Escolar, a Docente, a Comu­ 74% se de­dicam ex­clusivamente à Psicologia,
nitária, a Pes­quisa e ou­tras com menores per­ enquanto 26% combinam trabalhos da Psico­
centuais (Conselho Federal de Psicologia, logia com traba­lhos de outras áreas.
1988, p. 169). Essa mesma pesquisa mostrou Esse dado sobre a composição do grupo
que, desde os primórdios da Psi­cologia, a área que atua na profissão é um indicador adi­cional
Clínica é a mais pro­curada pelos psicólogos. de possíveis fragilidades do mercado de tra­
Assim, essa área continua sen­do, até os dias balho que leva o psicólogo a ter de com­binar
atuais, a pre­ferida até mesmo pelos profis­ diferentes inserções ocupacionais, algumas de­
sionais que não estão atuando na psicologia. las fora da profissão para a qual se preparou.
A Figura 6.12 revela as combinações que
caracterizam a inserção no campo da Psi­
Quem atua em Psicologia cologia, indicando os setores que absor­vem
o psicólogo e discriminando os grupos que
Finalmente, existe o grupo mais nume­roso atuam exclusivamente ou que combinam a
de psicólogos (84,2%, ver Figura 6.1) que atua psicologia com outros trabalhos.
na profissão, cumprindo as expec­tativas que se Como se pode observar na Figura 6.12, o
tem em relação àquele que investiu pelo menos maior empregador é o setor pú­blico, que em­
cinco anos de sua vida para se graduar como prega 17,8% dos psicólogos que possuem ape­
psicólogo. No entanto, esse contingente é com­ nas um vínculo emprega­tício. De outro lado,
posto por profissionais que atuam ex­clusi­va­ 16% dos psicólogos vivem ex­clusi­vamente de
mente em Psicologia (o que carac­te­rizou-se co­ sua renda como autô­nomo. Chama a atenção,
124 Bastos, Guedes e colaboradores

Psicologia + outro
trabalho fora
26%

Apenas em
Psicologia
74%

Figura 6.11 Distribuição dos psicólogos que atuam na profissão, exclusivamente ou a combinando
com outros trabalhos.

no entanto, o nú­mero ele­vado de psicólogos explicar a razão pela qual a maioria dos psi­
que possuem mais de duas (28,9%) ou três cólogos possui jornadas duplas ou triplas de
inserções (24,8%). E isso serve tanto para trabalho, que acarretam sobrecarga ocupa­­cio­
psicólogos que atuam na área quanto para nal. Sobrecarga que pode trazer conse­quên­cias
aqueles que conciliam suas ati­vidades em psi­ nocivas para a sua saúde física e mental.
cologia com outras áreas. A precariedade dos A inserção profissional somente na psi­co­
empregos (baixa remune­ração) atinge a psico­ logia parece, portanto, não ser suficiente.
logia e outras áreas tam­bém. Essa situação pode Conforme foi visto, tanto os psicólogos que

24,8
Combina mais de 2 inserções 30,3

28,9
Combina 2 inserções 24,9

16,6
Autônomo e consultoria 18,2

3,0
ONGs e cooperativas 3,5

8,9
Setor privado 10,8

17,9
Setor público 12,4

5,0 5,0 10,0 15,0 20,0 25,0 30,0 35,0

E = Exerce atividades somente na Psicologia (n = 2.254)

D = Exerce atividades na Psicologia e em outros campos (n = 780)

Figura 6.12 Formas e setores de inserção profissional dos psicólogos.


O trabalho do psicólogo no Brasil 125

nunca atuaram na psicologia quanto aqueles seu próprio desenvolvimento. Por um lado, o
que já atuaram nessa área e atualmente estão peso histórico desempenhado pela atuação
trabalhando em outros campos preten­dem clínica, exercida em consultórios particulares,
inserir-se, no futuro, na área da psico­logia. gerou uma imagem social de que a Psicologia é
Assim, evidencia-se que os psicólogos buscam uma profissão liberal. Por outro lado, a forte
outras áreas de atuação porque a Psicologia inserção, inicialmente no setor privado, em
ainda tem um papel restrito na sociedade e empresas e em instituições escolares, introduz
nas políticas públicas. Repare que se forem a face de uma profissão assalariada. A dinâmica
somadas as porcentagens dos que atuam no ocupacional, com o crescimento da inserção
setor privado, em ONGs e no setor autônomo, sobretudo nos ser­viços públicos de saúde, tem
constata-se que a inserção do psicólogo é feito com que o predomínio da vertente liberal
mais regida por questões de mercado de tra­ perca es­paço ao longo do tempo.
balho do que por políticas públicas, fruto da Dados sobre essa questão encontram-se
percepção do psicólogo como um profissional na Figura 6.13, que compara o grupo de de­di­
fundamental para o desenvolvimento social. cação exclusiva ou inserção plena com o grupo
E é assim que a globalização caracteriza- que combina a Psicologia com tra­balhos fora
-se, sobretudo pela liberação dos mercados desse campo. Nesses dois grupos, predo­minam
nacionais. psicó­logos que combinam pelo menos um vín­
Nesse novo cenário mundial, per­dem forças culo assalariado e um trabalho autô­nomo (no
os trabalhadores, devido à flexi­bilização do geral, 42,6%). Considerados isolada­mente, ho­
trabalho, ao enfraquecimento dos sindicatos je, o número de psicólogos que traba­lham ape­
e ao desmonte do sistema de pro­teção social, nas como assalariado (34,5%) é supe­rior ao
fundado em direitos arduamente adquiridos. daque­les que traba­lham apenas como autô­no­
(Almeida, 2002, p. 136).
mos (22,8%). Do total de 2.171 que exer­cem
A não atuação do psicólogo em vários ati­vidades so­mente no campo da psi­cologia,
campos da sociedade deve-se à ausência da 42,4% con­ciliam o trabalho assala­ria­do com o
intervenção do Estado-Previdência nas áreas tra­balho autônomo, 35,6% são apenas assa­la­
da saúde e da educação. Sabe-se que o psi­ riados e 22,1% são apenas autônomos ou vo­
cólogo pode ser muito útil em vários setores lun­tários. Do total de 749 psicólogos que exer­
públicos. Inúmeras áreas da sociedade cla­ cem ativida­des na psicologia e em outros cam­
mam a presença de um psicólogo para tra­ pos, as por­cen­tagens são respectivamente 44,2%
balhar, principalmente, na saúde e na edu­ (tra­balho as­salariado e autônomo), 31,1% (tra­
cação, além de outros setores sociais. balho as­salariado) e 24,7% (autôno­mo).
Em resumo, o dado de que mais de 40%
dos psicólogos conciliam atividades autôno­
Uma profissão liberal ou
mas com trabalho assalariado, e que o nú­
um trabalho assalariado?
mero de apenas assalariados é superior ao de
Examinando-se a diversidade de vínculos autô­no­mos, indica uma importante mu­dan-
ou inserções que caracterizam a atuação pro­ ça em rela­ção à pesquisa realizada na dé­cada
fissional do psicólogo no Brasil, uma ques­tão de 1980. Lá, o cenário era outro, con­­­forme
importante se impõe: em que me­dida a psi­ apon­tou a pes­quisa do Conselho Fe­deral de
cologia é uma profissão liberal ou assalariada? Psico­lo­­gia: “no quadro na­cional, a profissão
Reconhece-se que a Psicologia é um campo do psi­cólogo é, portanto, uma profissão li­be­
pro­fissional que favorece variadas possibili­da­ ral” (CFP, 1988, p. 154).
des de atuação em subáreas espe­cializadas. Explorando um pouco mais as diferenças
A discussão sobre a natureza assalariada gerais entre esses dois tipos de exercício pro­
ou liberal da profissão é algo que acompanha o fissional, os resultados a seguir apresentados
126 Bastos, Guedes e colaboradores

42,4
Assalariado e autônomo
44,2

22,1
Só autônomo e voluntário
24,7

35,6
Só assalariado
31,1

0,0 5,0 10,0 15,0 20,0 25,0 30,0 35,0 40,0 45,0 50,0

Exerce atividades somente em psicologia (n = 2,171)

Exerce atividade na psicologia em outros campos (n = 749)

Figura 6.13 Distribuição dos psicólogos que atuam na profissão pela condição de vínculo assalariado
e autônomo.

comparam os níveis de formação e o tempo termos de titu­lação se en­con­tram entre aqueles


de graduação desses grupos. que con­ciliam al­gum em­prego com a atividade
Ao relacionar o tipo de inserção e a ti­tu­la­ au­tô­noma (18,6% de mestres e 5% de dou­
ção, constata-se, como se vê na Figura 6.14, tores). Os autônomos, por sua vez, concen­tram
que, dos psicólogos assalariados, 42,1% têm a maior parte dos graduados (49%) e de es­pe­
co­mo formação somente a graduação, 35,2%, cialistas (40%). Ao se consi­derar que os psicó­
têm especialização, 14,6% têm o mestrado e logos assala­riados e os au­tônomos re­presen-
8,1%, o doutorado. Dos psicólogos autonômos tam a maioria (42,65%), seguida pe­los psicó­
e voluntários, 49,3% possuem ape­nas a gra­dua­ logos assala­riados (34,5%) e pe­los psicó­logos
ção, 40,1% tem a especialização, 8,5% cursa- autô­nomos ou voluntários (22,85%), pode-se
ram o mes­trado e 2,1%, o doutorado. Por úl­ti­ con­cluir que o vínculo de assalariado compele
mo, dos psi­cólogos assalariados e au­tonômos, o psi­cólogo a buscar mais capacitação no nível
37,7% pos­suem apenas a graduação, 38,7%, a de pós-graduação que o exercício profissional
es­pe­cia­li­zação, 18,6%, o mestrado e 5%, o como autônomo ou de voluntariado.
douto­rado. Dados semelhantes também foram en­
É fácil constatar que a maior por­cen­tagem con­trados na pesquisa realizada pelo Ibope
de doutores é encontrada entre os assala­ria- em 2004. Metade do contingente de psicó­
dos (8,1%), provavelmente os que atuam em logos (49%) já fez ou estava fazendo um
docência de ensino superior em univer­sidades curso de especialização. Desse percentual, a
públicas ou privadas. Ob­serva-se que 32,7% maioria (45%) escolheu o aprimoramento
dos assalariados con­cluiram pós-graduação em Psicologia Clínica. Os psicólogos que op­
stricto sensu (mestrado 14,5% e doutorado taram pela Psicologia Organizacional e do
8,1%). Em seguida, os mais qua­lificados em Trabalho somaram apenas 10%. Na se­quên­
O trabalho do psicólogo no Brasil 127

5,4
Doutorado 5,0
2,1
8,1

14,9
Mestrado 18,6
8,5
14,1

37,8
Especialização 38,7
40,1
35,2

41,9
Graduação 37,7
49,3
42,1

0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0

Total da amostra (n = 2,934) Assalariado e autônomo (n = 1,251)

Só autônomo ou voluntário (n = 670) Só assalariado (n = 1,013)

Figura 6.14 Distribuição dos respondentes em relação à sua titulação e ao seu vínculo profissional.

cia, as áreas de Psicologia Hospitalar e Edu-­ que mais fizeram pós-graduação, exigência
ca­cional foram responsáveis por 9% das op­ do mercado de trabalho para que se man­
ções, igualmente. O curso de mestrado foi tenham em atividade. Sob essa ótica, o co­
procurado por 7% desses profissionais e ape­ nhecimento tende a obedecer aos interesses
nas 2% optou pelo curso de doutorado (Jornal do setor privado. “O que caracteriza a nova
de Psicologia CRP, 2004, p. 10). forma de apropriação do conhecimento é a
A pesquisa realizada pelo Conselho Fe­ abertura ao mercado, que redefine as relações
deral de Psicologia no final da década de 1980 entre os produtores do conhecimento e os seus
apontou que já existia um aumento dos cursos consumidores.” (Almeida, 2002, p. 35). Dessa
de graduação e pós-graduação em Psicologia. forma, os psicólogos assalariados atendem à
Na década de 1980, eram poucos os psicólogos lógica atual do mercado de trabalho, que os
que possuíam o título de Mestre e um per­ leva a uma constante especialização, en­
centual bem menor obtinha o título de Doutor. quanto os psicólogos que atuam como autô­
Revela-se, desse modo, que, apesar de ter ha­ nomos e voluntários apresentam um pequeno
vido transfor­mações nesse setor de formação, índice de prosseguimento nos estudos (pós-
os psicó­logos titulados com mestrado e dou­ -graduação). Para essas duas categorias, o
torado ainda são minoria, conforme mostra a nível de competitividade não pode ser infe­
Figura 6.14. (Para mais detalhes sobre a for­ rido pela análise e pela interpretação dos
mação, ver Capítulo 4 deste livro.) dados da pesquisa efetuada.
Esse conjunto de dados sobre vínculo e A atualização profissional, como é do
titulação permite ressaltar que os psicólogos co­nhecimento de todos, se faz necessária pe­
que mantêm a relação de trabalho como las pró­prias exigências do mercado de tra­
“assalariado e autônomo” são os profissionais balho. Nos últimos anos, muitas transfor­ma­
128 Bastos, Guedes e colaboradores

ções têm ocorrido no mercado de trabalho e inserção do psicólogo formado até dois anos
começa a surgir um novo perfil profissional é via trabalho autônomo ou de voluntariado
para aten­der às necessidades da sociedade. (27%), tendo uma leve queda nos dois anos
Benevides-Pe­reira concorda com esse ponto subsequentes (três a cinco anos – 21,8%)
de vis­ta quando afirma que “o trabalho do (ver Ca­pí­tulo 5). É digna de nota também a
psi­cólogo exige cons­tante atualização, muito por­centagem de recém-formados que ingres­
trei­no e ha­bilidade, ex­periência (...)” (Bene­ sa no mercado por vínculo empregatício de
vides-Pereira, 2002, p. 159). as­salariado (23,9%), tendo uma leve queda
Um segundo elemento para analisar as ao entrar na faixa dos três a cinco anos de
diferenças gerais entre os perfis do assala­riado formado (21,7%). De qualquer modo, os da­
e do autônomo, refere-se ao tempo de forma- dos sina­lizam que não há uma forma pri­
do, dados que se encontram na Figura 6.15. vilegiada de acesso ao mundo de trabalho
Os dados mostram que entre os psicó­ (embora se perceba uma tendência pequena
logos com vínculos de “assalariados e au­ de o psicó­logo começar a trabalhar como au­
tônomos”, “só assalariados” e “só autônomos tônomo e voluntário) que se mantém relati­
ou voluntários” a principal modalidade de vamente constante ao longo do tempo.

17,0
Mais de 20 anos 16,3
18,7
16,7

19,9
Entre 11 e 20 anos 21,4
16,6
20,3

17,5
18,3
Entre 6 e 10 anos 15,1
17,4

21,9
Entre 3 e 5 anos 22,1
21,8
21,7

23,7
21,8
Até 2 anos 26,9
23,9

0,0 5,0 10,0 15,0 20,0 25,0 30,00

Total da amostra (n = 2,934) Assalariado e autônomo (n = 1,251)

Só autônomo ou voluntário (n = 670) Só assalariado (n = 1,013)

Figura 6.15 Tipo de inserção e tempo de graduação.

CONCLUSÃO quadro geral da inserção do psicólogo ao


mercado de trabalho, revelando a diversida-
Os resultados apresentados neste capí­ de de como esse processo ocorre e apontando,
tulo instigam uma reflexão sobre a atual si­ especialmente, alguns indica­dores da fragi­
tuação profissional dos psicólogos no Bra­sil. lidade ainda observada na absorção do psi­
Os resultados aqui apresentados traçam um cólogo. Tais indicadores, na pesquisa reali­
O trabalho do psicólogo no Brasil 129

zada em 2006, indicam a fragilidade mais O fato é que diante da restrição do mer­ca­
pelo número de inserções, diversidade de do de trabalho para os psicólogos, tanto os que
vínculos do que propriamente pelos índices nunca atuaram na área quanto os que, em­bora
de desemprego e subemprego identificados. tenham sido atuantes, estão no mo­mento de­
A pesquisa realizada, ao to­mar o psicólogo sem­pregados almejam seguir ou con­tinuar
inscrito nos Conselhos Re­gionais, já excluiu atuando nessa área. Assim, os psicólogos em­
previamente um número não quantificado pre­gados ou desempregados sofrem as con­-
de profissionais graduados que não se inse­re se­quências do processo de globalização, que
na profissão e outro número que a abando­ trou­­xe, no pacote econô­mico, novas exigências
naram e que, por­tanto, se desligara do Con­ nele embutidas para o chamado trabalhador,
selho. Para aces­so a tal realidade de forma que deveria ser “polivalente, flexível, pró-ati-
mais precisa, outro delineamento de pesqui- vo, anti-hierár­quico, destemido”, etc. Dessa
sa deveria ser empregado (para infor­ma- for­­ma, gra­da­­tivamente, começa a surgir um
ções sobre a pes­quisa, ver Apêndice 1). novo per­fil pro­fissional para atender às novas
No final da década de 1980, já era pre­ demandas do mercado de trabalho, mais exi­
visto que o sistema educacional sofreria im­ gente e compe­ti­tivo.
pactos do modelo neoliberal, conforme apon­ De forma embrionária, há uma transfor­
tou Lyotard (1985). Segundo esse autor, a mação no panorama do atual mercado de
ten­dência seria a de que, no futuro, o conhe­ trabalho para o psicólogo. Como os resultados
cimento ganharia um caráter estratégico, per­ mostraram, a maior parte dos psicólogos
dendo seu caráter público, e, paula­tina­mente, possui dois ou mais vínculos de trabalho, o
convertendo-se em mercadoria. que é um indicador da existência de baixa
Segundo informação obtida do MEC re­muneração na categoria. Esse fato se alia à
(2006), o elevado número de matrículas nos sobrecarga de trabalho, que pode compro­
cursos de graduação em psicologia é discre­ meter a saúde física e mental desses pro­fis­
pante quando comparado ao número de con­ sionais. Dados semelhantes também foram
cluintes nos referidos cursos. Além disso, da­ en­contrados em pesquisas anteriores (Bene­
dos obtidos do Conselho Federal de Psi­cologia vides-Pereira, 2002, p. 157-185).
(2008) atestam que o número de alunos con­ No que tange à relação do psicólogo com
cluintes nos cursos Psicologia é maior que o seu exercício profissional, observou-se que a
dos inscritos nos seus respectivos Conselhos grande maioria desses profissionais está pas­
Regionais. Assim, em todo o ter­ritório nacio­ sando para a condição de traba­lhador assa­
nal, o número de psicólogos ins­critos nos Con­ lariado nas mais diferentes insti­tuições e or­
selhos Regionais aproxima-se de 180 mil (Con­ ganizações, inclusive no setor público, em­bo­
selho Federal de Psicologia, 2008). Mas acre­ ra uma porcentagem significa­tiva declare que
dita-se que muitos psi­cólogos inscritos nos exerce sua atividade como autônoma.
seus respectivos Con­selhos Regionais atuam As grandes transformações ocorridas nas
fora do campo da psicologia. últimas décadas, como a globalização e a in­
Ao se considerar essa realidade, o atual formatização, criaram um cenário de rápidas
cenário do mundo do trabalho dos psicólogos transformações: as empresas adota­ram novos
não se mostra muito promissor. Uma grande modelos organizacionais, terceiri­zaram ativi­
parte deles trabalha em dois ou mais em­pre- dades e reduziram equipes e níveis hierárquicos,
gos, subempregados. Ademais, o número de o que culminou com uma si­tuação desfavorável
psicó­logos que atuaram na área de psi­colo- para os traba­lhadores, que se tornaram mais
gia e que, atualmente, estão de­sempre­gados expostos e fragilizados. Esta situação de pre­
deve ser maior do que o apontado nessa cariedade das relações de trabalho atingiu tam­
pesquisa. bém os psicólogos, que, como os demais, tive­
130 Bastos, Guedes e colaboradores

ram de se adaptar ao novo contexto. O aumento tura brasileira. In: MOTTA, F. C. P. (Org.). Cultura
das exigências do mercado de trabalho e a ne­ orga­ni­zacional e cultura brasileira. São Paulo:
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mais elevadas criaram um cenário dan­tesco, no HELOANI, Roberto. Psicologia do trabalho ou do
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7
O psicólogo como trabalhador assalariado
setores de inserção, locais, atividades
e condições de trabalho
Kátia Barbosa Macêdo, Roberto Heloani e Rosângela Cassiolato

No Capítulo 6, foi apresentado um pano­ Vários autores, dentre eles Fisher (1999),
rama geral sobre a inserção do psicólogo no Chatelêt, Duhamel e Pisier- Kouchner (1985)
mundo do trabalho. Entre várias outras infor­ e Pinsky e Pinsky (2003), indicam que, no
mações, constatou-se o crescimento do tra­ início do século XXI, três movimentos para­
balho assalariado, o que confere uma nova lelos merecem destaque para a composição
fisionomia a uma profissão em que o trabalho das mudanças estruturais que constituem o
autônomo era uma das fa­ces mais reco­nhe­ atual contexto mundial: a crise e a falência
cidas socialmente. O pre­sente capítulo tem do Estado como promotor do bem-estar so­
como foco o trabalho as­salariado do psi­có­ cial; a concentração de capitais e a globa­
logo. Será dada uma atenção especial aos se­ lização da economia em nível mundial, além
tores produtivos em que ele atua – público, do surgimento e do fortalecimento do terceiro
privado e terceiro se­tor – caracterizando-se setor como componente da sociedade.
cada um deles em termos de locais, atividades A crise e a falência do Estado como pro­
e condições de trabalho. motor do bem-estar social sinalizou o fra­
casso do Estado em tal objetivo e indicou
lacunas nas áreas de saúde, educação e se­
A estrutura do mundo gurança, que passaram a depender da ini­
produtivo: os setores público, ciativa privada para o seu desenvolvimento.
privado e o terceiro setor Ao mesmo tempo em que isso contribuiu
para uma consequente redução das fun-
O setor público e o privado tradicional­ ções estatais e para o equilíbrio das con-
mente apresentam-se como potenciais con­ tas públi­cas, reduzindo gastos sociais, cons­
textos de inserção profissional no mundo do tituiu tam­bém um enorme campo de atua-
trabalho, estruturando-se de formas quase an­ ção de organizações privadas com fins lu­
tagônicas quanto às suas missões e, sobre­tu- crativos, mais uma vez consolidando um
do, quanto aos regulamentos que regem suas mercado que sustenta os interesses do sis­
políticas de pessoal e modelos de gestão. tema ca­pi­talista.
132 Bastos, Guedes e colaboradores

Assim, as transformações associadas à (2001), Paes (2004 apud Internacional dos


crise do Estado e sua deficiência no supri­ Serviços Públicos, 2006), Gohn (1997) e
mento de demandas sociais fizeram crescer, Fer­nandes (1997), a expressão terceiro setor
sob formas organizacionais diversas, inicia­ nasceu da ideia de que a atividade hu­mana
tivas locais para promover novos tipos de é di­vidida em três setores: público, privado
solidariedade nos meios comunitários que e ter­ceiro setor, descritos, a seguir, em suas
ajudassem a suprir necessidades básicas até es­pe­cificidades, conforme Macêdo e Xime-
então consideradas de responsabilidade pú­ nes (2001, 2003, 2005); Macêdo e Pe­reira
bli­ca. Em parte, isso pode ser explicado pelo (2003); Macêdo e Barros (2003); Ma­cêdo e
aumento da conscientização de que orga­ colaboradores (2004); Oliveira e Ma­cêdo
nizações da sociedade civil pudessem suprir (2005).
lacunas não satisfatoriamente atendidas Contemporaneamente, o mundo do tra­
pelas instâncias governamentais compe­ten­ balho apresenta-se não mais polarizado en­
tes. Os governos em todo o mundo detec­ tre os segmentos público e privado, com
taram esse movimento da sociedade civil e limites claramente definidos não só em ter­
viram nele a chave para conseguir a coo­ mos de missão como de relações de tra­ba-
peração de que necessitavam para, sem lho que são estabelecidas com os traba­lha­
aban­­donar as molduras do modelo capitalista dores. Além das diversas formas de ter­
neoliberal, ver uma sociedade humana mais ceirização no âmbito do próprio serviço pú­
próspera e menos desigual, construída não blico, a emer­gência e o crescimento do
mais pelo Estado, mas por toda a sociedade. terceiro setor quebraram a antiga polari-
Pode-se dizer que ocorreu uma espécie de dade, criando con­textos de trabalho híbri-
divisão, e em alguns casos, de transferência dos que abrem espa­ços para novas formas
de responsabilidade, de acordo com Macêdo, de atuação, inclusive para o psicólogo. As
e colaboradores (2004); Macê­do (2005); características mais im­portantes desses três
Oliveira e Macêdo (2005) e Macêdo e co­ segmentos pro­dutivos encontram-se especi­
laboradores (2005). fi­cadas a seguir.
Dessa forma, essas organizações consi­ O primeiro setor, representado pelo Es­
de­radas do terceiro setor se mobilizaram pa­ tado, tem o papel de estabelecer políticas
ra atender às demandas sociais que estavam públicas que atendam às reais necessidades
sendo relegadas ao segundo e ao terceiro da população. Os agentes públicos executam
plano, tanto pelas organizações públicas (Es­ ações de caráter público, ou melhor, o pri­
tado) quanto pelas organizações priva­das, e meiro setor é algo público para fins públicos
pode-se citar o desenvolvimento de missões (Governo).
como: a preservação do meio am­biente; a Os serviços públicos próprios destinam-
proteção dos direitos humanos; a assistência -se a atender às demandas da sociedade de
social; defesa de minorias; arti­culação da maneira coletiva. O Estado se responsabiliza
sociedade na defesa de seus direitos frente ao e atua com os seus servidores direta e/ou
Estado; fiscalização das organizações públicas indiretamente por meio de concessão ou de
e privadas, e inserção de cidadãos e de comu­ permissão. Os serviços públicos impróprios
nidades socialmente excluídas. O trabalho são direcionados à coletividade, na qual o
rea­lizado por essas orga­nizações algumas ve­ Estado não assume a responsabilidade, mas
zes conta com re­cur­sos filantrópicos, doa­ções delega ao setor privado que se submete ao
de instituições, fundações internacionais e con­trole e a fiscalização do Estado.
com o trabalho voluntário. Os serviços públicos próprios estão dire­
Para Wood Jr. e Alves (1999), Froes e tamente relacionados ao Poder Público. Por
Me­lo Neto (1999), Marçon e Escrivão Filho isso, são serviços prestados somente por ór­
O trabalho do psicólogo no Brasil 133

gãos públicos ou instituições públicas. Os formas de precariedade do trabalho, pode-


ser­viços públicos impróprios se citar o aumento do mercado informal de
são os que não afe­tam substancialmente as
trabalho, que no Brasil já pode ser consi­
necessidades da comunidade, mas satisfazem derado como supe­rando os postos de traba­
interesses co­muns de seus membros e, por lho formais, o trabalho autô­nomo ou a for­
isso, a Adminis­tração os presta remu­nera­da­ ma­ção de coo­pe­rativas, as terceirizações e
mente, por seus órgãos ou entidades des­cen­ as quar­teirizações.
tralizadas (...) ou delega sua prestação a con­ O terceiro setor é o espaço institucional
cessionários, per­mis­sionários ou autoriza­ que abriga ações de caráter privado, asso­cia­
tários (Internacional dos Serviços Públicos, tivo e voluntarista, voltadas, porém, para a
2006, p. 6). geração de bens de consumo coletivo, não ha­
O segundo setor é aquele que representa vendo qualquer tipo de apropriação par­ticular
a lógica de mercado e atende a interesses de excedentes econômicos (lucro) que sejam
privados. gerados nesse processo. Trata-se de uma nova
Geralmente é o maior setor nos países categoria conceitual para es­tu­dar um fenô­
capitalistas, e os interesses privados se so­bres­ meno tão antigo como a sociedade.
saem sobre qualquer interesse mais am­plo ou Assim, diferem do Estado e do setor pri­
público, ou seja, o segundo setor é a adminis­ vado e constituem uma dimensão do sistema
tração privada para fins privados (empresas). econômico-social, que engloba as organi­
A concentração de capitais e o cresci­ zações sem fins lucrativos, que são consti­
mento das organizações multinacionais ocor­ tuídas por cidadãos, e que têm por escopo o
­re em um cenário de economia globa­lizada e interesse público. Pode-se dizer que o ter­
de intensa mobilização social em nível mun­ ceiro setor é um tipo de administração pri­
dial, com uma onda recente de fusões e aqui­ vada para fins públicos, independente, em
sições, reafirmando mais uma vez a he­ge­ tese, de governos e da iniciativa particular.
monia do mercado e a regra do conhe­cimento O terceiro setor congrega organizações
e da informação como poder. com as seguintes características: não inte­
Para Chaves (1999, p.12), “a existência gram o aparelho governamental, não distri­
de um ‘mercado global’ reforça a demanda buem lucros a acionistas ou investidores,
por bens e serviços de qualidade, o que gera não têm finalidade de se autogerirem, pos­
a ampliação da competição”. O ambiente suem alto grau de autonomia interna e en­
gerado por esse mercado globalizado força volvem um nível significativo de participa-
as organizações a se tornarem mais compe­ ção voluntária.
titivas frente a esse novo cenário, adotando, Este setor é constituído, pois, por or­
para esse fim, as mais diversas formas de ganizações privadas, que geram bens e ser­
gestão, muitas vezes sob forma de políticas viços de caráter público. Para caracterizar es-
de gestão de pessoas de visão instrumental. se conjunto de organizações complexas e di­
Entre as consequências desse contexto versificadas crescentes na sociedade, sur­gem
econômico globalizado encontram-se o au­ várias denominações e legislações es­pe­cíficas,
mento do desemprego estrutural e o surgi­ algumas delas são: ONGs – orga­nizações não
mento de novas formas de relações precárias go­vernamentais; OSCIP – Or­ga­­nização da So­
de trabalho, em que o trabalhador, para ser ciedade Civil de Interesse Pú­blico; Fundações;
incluído no mercado muitas vezes precisa Cooperativas; associa­ções civis; entidades as­
abrir mão de direitos trabalhistas conquis­ sistenciais; economia solidária; organizações
tados a duras penas, conforme Macêdo e de voluntários; enti­dades de defesa dos di­rei­
Ximenes (2001; 2003); Macêdo e Pereira tos; organizações ambien­ta­listas; entidades
(2003); Macêdo e Barros (2003). Dentre as de classe; insti­tutos; fundações; instituições
134 Bastos, Guedes e colaboradores

religiosas de assistência; associações pro­fis­ sional da Psicologia, considerando a dinâ­mica


sionais, dentre outras, que são usadas em con­ de transformação que ocorreu no mundo do
textos bastante diferentes e com vários sig­ trabalho com o crescimento do terceiro setor?
nificados, cau­sando confusão sobre o tema
ain­da pouco conhecido.
A descrição dos três diferentes setores da O psicólogo e o
economia teve o objetivo de apresentar um pa­ trabalho assalariado:
norama geral do mundo do trabalho no qual um panorama geral.
também atuam os psicólogos. Cada um deles
pode apresentar especificidades, apesar de ter A Figura 7.1 apresenta o quadro geral
características comuns entre si, decor­rentes do do trabalho assalariado do psicólogo, indi­
fato de servirem a uma mesma so­ciedade, com cando peso dos três setores produtivos no
cultura e aspectos capitalistas dominantes. campo da Psicologia. Os dados já reve-
Em que setores produtivos os psicólogos lam certo equilíbrio entre os três setores e
se inserem como trabalhadores? Que altera­ um expressivo contingente de profissionais
ções podem ser percebidas no campo pro­fis­ atuan­do no terceiro setor.

Empresas e organizações
públicas (n = 1.313)

Empresas e organizações
privadas (n = 1.152)

Organizações sem fins


lucrativos (n = 796)

Figura 7.1 Inserção dos psicólogos nos setores público, privado e no terceiro setor

Como se pode observar na Figura 7.1, o empregos, o que significa que esses dois
setor público revela ser o maior empregador setores juntos absorvem a maioria dos
(40,3%) para a categoria profissional de psicólogos que estão inseridos no mercado
psicólogos, embora haja relativo consenso de trabalho.
de que ainda há grande carência do trabalho Na realidade, na área de saúde pública,
desse profissional em setores essenciais da há uma lacuna entre o discurso (de prio­
esfera pública, como o da saúde, o da edu­ ridade) e as práticas sociais efetivas (de real­
cação e o da assistência social. Depreende- mente haver uma priorização de inves­timen-
-se também dos resultados apresentados na tos para a área). Essa lacuna é refletida em
Figura 7.1 que o somatório dos percentuais uma situação em que a população con­tinua
das empresas privadas e das organizações carente de atendimento, inclusive psi­cológico.
sem fins lucrativos totalizam quase 60% dos As organizações privadas não dife­rem das or­
O trabalho do psicólogo no Brasil 135

ganizações públicas, pois os convênios priva- psicólogos que participaram da pesquisa


dos, em sua maioria, não oferecem serviços possuem mais de uma inserção, combinando
psicológicos ou o fazem de modo limitado. não só trabalhos nos diferentes setores como
É importante destacar que a marca do o trabalho assalariado com o trabalho autô-
exercício profissional da Psicologia é a diver- nomo. Esse resultado sinaliza uma tendência
sidade com que o profissional combina dife- mundial de que o trabalhador necessita tra-
rentes formas de inserção no mercado de balhar em mais de um lugar para garantir
trabalho. A Figura 7.2 oferece informações sua sobrevivência, haja vista o decréscimo
sobre o número de inserções que os psicó- dos níveis salariais e das condições de tra-
logos possuem. No seu conjunto, 52,7% dos balho no mundo hodierno.

• Público (n = 500; 16,9%)


• Privado (n = 284; 9,6%)
UMA INSERÇÃO • ONGs (n = 94; 3,2%)
• Só autônomo (n = 517; 17,6%)

• Público + Privado (n = 101; 3,4%)


DUAS INSERÇÕES • Público + ONGs (n = 73; 2,5%)
• Privado + ONGs (n = 58; 2,0%)
• Combinações com autônomo (n = 48; 28,6%)

TRÊS OU MAIS • Público + Privado (n = 25; 0,8%)


INSERÇÕES • Combinações com autônomo (n = 454; 15,4%)

Figura 7.2 Percentuais de psicólogos por número e tipo de inserções de trabalho.

Os dados constantes na Figura 7.2 per- do psicólogo. Mesmo tendo um trabalho as-
mite concluir que o trabalho autônomo é o salariado que lhe garante condições de so-
principal e único vínculo para um contin- brevivência satisfatória, muitos psicólogos
gente de apenas 17,6% dos psicólogos. Para atuam paralelamente como clínicos para
a grande maioria, o trabalho autônomo é manter-se em uma atividade que lhes des-
complementar aos diversos tipos de trabalho perta interesse e lhes confere a identidade
assalariado. Esse dado, já explorado no Ca- profissional.
pítulo 6, pode ser tomado como um indi- Traçado esse quadro geral, é importante
cador da fragilidade das condições de traba- analisar as combinações que ocorrem no
lho, mas, também, como um resultado da âmbito dos trabalhos assalariados nos três
importância do trabalho autônomo, especial- setores produtivos. Tais dados encontram-se
mente, na clínica, na identidade profissional na Figura 7.3.
  
  
  
  
  
136 Bastos, Guedes e colaboradores

Figura 7.3 Inserção profissional do psicólogo nos setores público, privado e no terceiro setor.

O padrão dominante, mesmo conside- se defasados e aquém do que seria esperado


ran­do-se o trabalho assalariado, é a combi­ (considerando os níveis de remuneração de
nação de duas (33,6%) ou mais inserções psicólogos em serviços públicos de saúde,
(31,5%). Ou seja, mais de 2/3 dos psicólogos especialmente municipais). Por outro lado,
empre­gados possuem mais de um emprego. não se pode mi­nimizar a probabilidade de
Os que possuem apenas um vínculo empre­ que esses múl­tiplos vínculos atendam à ne­
gatí-cio estão no setor público (19,9%), no cessidade de combinar interesses de atua-
pri­vado (11,3%) e, em bem menor pro­por­ ção profissional específicas. Áreas mais in­
ção, em ONGs ou cooperativas do ter­ceiro teressantes para um psicólogo ou a natureza
setor (3,7%). Esse fato pode ser jus­tificado social de um trabalho em uma ONG, por
pela própria natureza e pelos objetivos desse exemplo, podem justificar trabalhos volun­
último setor. São organizações sem fins lu­ tários. Estudos es­pe­cíficos e focalizados nes­
crativos e, por isso, o trabalho dos profis­ ses casos poderão esclarecer melhor os mo­
sionais pode ser voluntário. Trabalhar sem tivos associados a esse padrão de inserção
remuneração é uma forma de adquirir ex­ profissional do psicólogo.
periência profis­sional, o que posteriormen-
te representará um diferencial na obtenção
de um emprego remunerado nos outros O perfil de quem atua nos
setores. Várias ra­zões podem justificar esse diferentes setores produtivos
padrão dominante de combinar inserções
em diferentes setores produtivos. Psicólogos Como visto, o psicólogo atua nos três
podem combinar di­ferentes inserções em grandes setores da sociedade e, na maioria
busca de comple­mento de renda. Muitas dos casos, mantém dois ou mais empregos,
inserções no setor público (na área de saúde combinando trabalhos em mais de um des­
e da docência) permitem tais combinações, ses setores. Torna-se pertinente fazer uma
apesar de pro­verem vínculos estáveis de caracterização do perfil do profissional assa­
trabalho. No entanto, os níveis de remune­ lariado, foco deste capítulo, buscando-se
ração do setor público, para profissionais de iden­tificar possíveis singularidades entre es­
nível superior, em muitos casos encontram- ses diferentes contextos de trabalho.
O trabalho do psicólogo no Brasil 137

Ao comparar os três setores (ver Figura não se verificam diferenças significativas


7.4), pode-se inferir que não há variações nas médias de idade, todas na faixa dos 35
significativas entre eles quando se conside­ anos, próxima da idade media da amostra
ram as variáveis demográficas. geral. Outra pesquisa realizada pelo Ibope,
Nos três setores, as mulheres são a em 2004 com os profissionais que atuam na
maioria (variando de 79,9 a 82,9%) sem se área da Psicologia, apontou a idade média
distanciarem do percentual de participação de 39 anos (IBOPE/MQI, 2004, p. 10).
feminina na amostra global (83%). Também

ONGs E
SETOR PÚBLICO SETOR PRIVADO
COOPERATIVAS

Feminino Feminino Feminino


Gênero 82,6% 82,9% 79,9%

Idade Idade média Idade média Idade média


35,9 anos 35,7 anos 35,5 anos

Tempo médio Tempo médio Tempo médio


Tempo graduado 10,3 anos 10,1 anos 8,2 anos

Graduação 40,0% Graduação 36,4% Graduação 44,0%


Especialização 37,9% Especialização 36,3% Especialização 39,9%
Titulação Mestrado 14,5% Mestrado 21,9% Mestrado 12,2%
Doutorado 7,6% Doutorado 5,5% Doutorado 3,9%

Figura 7.4 Dados sociodemográficos dos psicólogos que atuam nos três setores.

No entanto, vale assinalar uma diferença curso de graduação. É menor, tam­bém, o


que aponta a tendência de os psicólogos que percentual de mestres e doutores in­seridos
atuam no terceiro setor terem um tempo de nesse setor produtivo. Os resul­tados sugerem
graduação menor, pois, enquanto os que que, no terceiro setor, o nível de exi­gência
atuam nos setores público e privado apre­ talvez seja menor quanto à quali­ficação dos
sentam um tempo médio de formação em profissionais. Como não há vín­culo empre­
torno de 10 anos, os profissionais do terceiro gatício e, em muitos casos, nem remuneração,
setor estão próximos a oito anos de formados, os psicólogos enfrentam me­nor competição
em média. Ou seja, embora a média de ida­ que os demais colegas de outros setores.
de não se diferencie, temos aí um grupo de Outro dado relevante apresentado na
profissionais graduados há menos tempo. Fi­gura 7.4 mostra que os percentuais de psi­
As­socia-se a isso, possivelmente, o fato de, no cólogos com título de mestre são maiores no
terceiro setor, haver um percentual li­gei­ra­ setor privado (21,9%), e os que têm tí­tulo
mente maior (44%), quando comparado aos de doutorado atuam mais no setor pú­blico
outros dois, de psicólogos que só pos­suem o (7,6%). Ambos os resultados podem ser im­
138 Bastos, Guedes e colaboradores

pactos da composição da amostra e uma dalidade de contratação. A Figura 7.5 ilus­-


possível representação maior dos psicólogos tra as formas de ingresso e permite in­ferir
que atuam na docência. Os resultados da que, nos três setores, a maioria dos psi­cólogos
pesquisa indicam que a docência de nível ingressa por processos seletivos ou concursos.
superior
   é uma atividade importante no A maior porcentagem de con­cursados é en­
campo da atuação profissional e, principal­ contrada nas empresas e nas organizações
mente no caso das universidades públicas, públicas (70,6%), o que é pre­visível, visto
há uma exigência de profissionais de mais que, para Mello (1993 apud Internacional
alta qualificação, dado seu engajamento em dos Serviços Públicos, 2006, p. 8), esse in­
atividades de pesquisa e de pós-graduação. gres­­so é garantido na Constitui­ção Federal.
Apesar disso, os doutorados ainda são uma
Entende-se que o servidor público é o ocupan­
minoria, talvez porque o número de univer­ pante de cargo ou emprego público de­tentor
sidades que oferecem esse nível de qualifica­ de vínculo profissional com a admi­nistração
ção é restrito. Em instituições privadas, o com retribuição pecuniária e de­cor­rente de
  raro.
curso de doutorado é muito concurso público (salvo a hipó­tese da con­

tratação temporária para atender necessidade
temporária de excepcional inte­res­se público
As formas de ingresso – Art.37, IX, da CF e exercício exclusivo de
funções, nas quais não se exige o certame
nos três setores do
público).
mercado de trabalho
        seletivos
Os processos   o convite
(41%),
Uma variável importante a ser conside­ (34,4%) e a indicação (24,6%) representam
rada na compreensão de como o psicólogo se as formas de acessos mais comuns para aque­
 
insere em cadaum
 dos três setores é a mo­ les que ingressam nas organizações pri­vadas.

6,0
0,0
Aprovação assembleia (n = 32)
0,0
           
           
          19,7
24,6
 
Indicação (n =  
442)
     13,8
   
22,9
34,4
Convie (n = 559)
15,7

50,9
41,0
Processo seletivo ou concurso (n = 1,300) 70,6

Organizações sem Empresas e organizações Empresas e organizações


fins lucrativos privadas públicas
Figura 7.5 Forma de ingresso dos psicólogos nos setores público, privado e no terceiro setor.
 
O trabalho do psicólogo no Brasil 139

Nas organizações sem fins lucrativos, de um agrupamento de pessoas, organizado


en­­contra-se a mesma tendência, sendo que sob forma de uma instituição da sociedade
50,9% entraram por processos seletivos; civil, que se declara sem fins lucrativos, com
22,9%, por convite e 19,7%, por indicação. É o objetivo de lutar e/ou apoiar causas co­
digno de nota que somente no terceiro setor letivas”. A questão a ser respondida é se os
há uma pequena porcentagem (6,5%) de psicólogos in­gressam no trabalho vo­luntário
psicó­logos que ingressou por meio da apro­ como uma forma de compromisso social ou
vação em assembleia, o que é perfei­tamente como uma alterna­tiva para obter experiência
con­gruente com algumas ativida­des de coo­ e poder, mais tarde, concorrer no mercado
pe­rativas que se inserem nesse setor. de tra­balho, o que seria um indicador da
Entretanto, é preciso estar atento, por­ ausência de opor­tunidades de emprego, fo­r­
que é justamente nesse setor que se en­con- çando o psi­cólogo a se inserir em ativida-
tra o trabalho voluntário (37,2%, ver Fi­gura des não remuneradas para se manter atuan­
7.6) que, para Gohn (1997, p.60), “trata-se do na área de formação.

• contratado como psicólogo, regime estatutário (50%)


• estatutário em outra função, exercendo funções de psicólogo (8,9%)
• contratado como psicólogo, regime da CLT (21,8%)
• contratado pela CLT como outra função, exercendo funções de psicólogo (4,9%)
Setor público • contratado como professor de Psicologia, regime estatutário (9,8%)
(n = 878) • contratado como professor de Psicologia, regime da CLT (4,7%)

• contratado como psicólogo, regime da CLT (24,2%)


• contratado pela CLT como outra função, com funções de psicólogo CLT (15,6%)
• prestador de serviço em psicologia atuando como autônomo (32,7%)
Setor privado • contratado como professor de Psicologia, regime da CLT (27,5%)
(n = 826)

• cooperado (7,3%)
• contratado como psicólogo pelo regime da CLT (18%)
• contratado como outra função, com funções de psicólogo, CLT (6,1%)
• prestador de serviço em psicologia atuando como autônomo (31,4%)
Terceiro setor • como voluntário (37,2%)
(n = 506)

Figura 7.6 Tipo de vínculo trabalhista dos psicólogos nos três setores de inserção profissional.

Quanto à natureza do vínculo, do con­ seguido do setor público (13,8%) e em


tra­to ou do regime de trabalho, a Figura 7.6 maior grau no setor privado (15,6% é con­
apresenta esses dados. tratado para outras funções, mas exerce
A Figura 7.6 mostra que, de modo geral, atividades de psicologia).
os psicólogos que atuam nos três setores es­ Em relação ao setor público, os resul­
tão contratados e exercem atividades co­mo tados demonstram que o regime estatutário
psicólogos. Os desvios de funções apare­cem (59,8%) se destaca sobre os demais. Cons­
em menor grau no terceiro setor (61,1%), tatou-se, também, que muitos profissionais
140 Bastos, Guedes e colaboradores

(26,5%) foram contratados pelo regime da se graduam nas instituições privadas de


CLT (e não estatutários, como normalmente ensino superior. Esse dado também explica
ocorre nesse setor). Esses dados sinalizam por que o título de mestre apareceu com um
um fenômeno que tem crescido no setor pú­ percentual elevado na Figura 7.5, prova­
blico, o da terceirização, haja vista a di­mi­ velmente representando o elevado número
nuição de concursos para preenchimento de de docentes que se encontra empregado no
vagas advindas de aposentadoria ou amplia­ setor privado, cuja titulação passa a ser um
ção de quadro de pessoas. O fato de ocorrer requisito das instâncias reguladoras nacio­
menor número de concursos públicos com nais para a formação de nível superior.
menor número de vagas também pode in­
dicar um enxugamento da máquina Estatal.
No setor privado, a maioria dos psi­có­ As condições de trabalho
logos é contratada como prestadores de nos diferentes setores
serviços autônomos, geralmente consultores
(32,7%). Há, no entanto, um porcentual de Analisadas as formas de ingresso no
24,2% de psicólogos que é contratado pelo mercado de trabalho e os tipos de vínculos
regime da CLT. É digno de nota a porcentagem dos profissionais de Psicologia, serão consi­
de psicólogos que é contratada no setor pri­ deradas nessa seção as condições de trabalho
vado para atuar como docente (27,5%), e a renda média.
bem acima dos 14,5% de docentes que são A Figura 7.7 mostra a distribuição da
absorvidos pelo setor público. Esses dados carga horária semanal dos psicólogos brasi­
são congruentes com a formação do psicó­ leiros nos setores público, privado e no ter­
logo brasileiro, visto que 80% dos psicólogos ceiro setor.

80,0
72,7

70,0

60,0

50,0
45,6

34,7

37,3

40,0
30,7

30,0
23,6

17,17

17,4

20,0
9,9

8,2

10,0

0,0

Público Privado Terceiro setor

Figura 7.7 Distribuição da carga horária semanal de trabalho dos psicólogos nos três setores.
O trabalho do psicólogo no Brasil 141

O terceiro setor se destaca por ter a vidores estatutários, que atingiam 34 horas
maior porcentagem (72,7%) de psicólogos semanais. Em nível nacional, a média entre
que tra­balham até 20 horas semanais, o que os psicólogos aproximava-se de 24 horas se­
é con­gruente com a natureza complementar manais. No trabalho autônomo a carga ho­
desse tipo de inserção, como apontado ante­ rá­ria semanal média chegava a 14 horas e
rior­mente. O setor privado também possui para os psicólogos voluntários, a 10 horas
uma porcentagem elevada de profissionais semanais (Conselho Federal de Psicologia,
de 20 horas semanais (45,6%), superior, in­ 1988, p. 154). Dos empregados servi­dores,
clusive, ao de psicólogos com tempo integral 50% traba­lhavam em tempo integral (40
de 40 horas (37,3%). O setor público é o ho­ras), e a outra metade dividia-se em 25%
único que mantém trabalhadores em regime de até 8 horas, e 25% em tempo parcial de
de dedi­cação exclusiva (8,2%). O setor pú­ 24 horas. Já para os psicólogos que tra­balha-
blico e o se­tor privado somam 74,7% de vam como autôno­mos, a carga horária va­
profissionais que trabalham 40 horas sema­ riava entre 8, 16 e 24 horas semanais. Assim
nais, enquanto no terceiro setor o percentual 40% dos psi­cólogos autônomos traba­lha­
é bem menor (17,4%). O regime de 30 horas vam em tempo parcial, e aproximadamente
aparece de modo mais expressivo no setor 40% dos assa­lariados trabalhavam em tem­
público (30,7%), não constituindo uma for­ po integral (Con­se­lho Federal de Psicologia,
ma comum de contratação e sendo uma 1988, p. 157).
con­dição especial de trabalho, muitas vezes Ainda caracterizando as condições de
conseguida em processos judiciais. trabalho nos três setores, a Figura 7.8 apre­
A pesquisa na década de 1980 apre­ senta os dados relativos a rendimentos,
sentou resultados semelhantes. A carga ho­ benefícios e às avaliações feitas pelos psicó­
rária semanal média mais elevada estava logos sobre perspectivas de crescimento e
entre os trabalhadores empregados e os ser­ intenções de mudança de trabalho.

PÚBLICO PRIVADO TERCEIRO SETOR

Média – R$ 2.823,10 Média – R$ 3.145,27 Média – R$ 2.426,28


até 3 SM – 18,4% até 3 SM – 9,4% até 3 SM – 15,7%
Renda até 9 SM – 39,9% até 9 SM – 51,6% até 9 SM – 46,2%
até 15 SM – 18,6% até 15 SM – 20,6% até 15 SM – 15,8%
> 15 SM – 23,1% > 15 SM – 18,4% > 15 SM – 22,3%

Assistência saúde (2,2%) Assistência saúde (24,8%) Assistência saúde (5,4%)


Alimentação (26,3%) Alimentação (20,7%) Alimentação (8,2%)
Benefícios (% SIM) Plano de previdência (19,3%) Plano de previdência (9,0%) Plano de previdência (0%)
Auxílio transporte (20,6%) Auxílio transporte (18,6%) Auxílio transporte (9,0%)

Nenhuma (7,0%) Nenhuma (4,4%) Nenhuma 47,0%)


Oportunidade Poucas (27,5%) Poucas (23,1%) Poucas (25,3%)
crescimento Algumas (40,7%) Algumas (44,7%) Algumas (43,6%)
Muitas (24,7%) Muitas (27,8%) Muitas (27,1%)

SIM – 20,1% SIM – 16,4% SIM – 19,5%


Mudar emprego UM POUCO – 27,8% UM POUCO – 26,7% UM POUCO – 32,8%
NÃO – 52,1% NÃO – 57,0% NÃO – 47,7%

Figura 7.8 Quadro-síntese das condições de trabalho nos três setores.


142 Bastos, Guedes e colaboradores

Ao se observar a Figura 7.8, pode-se concorrer no mercado de trabalho, o que já


perceber que a renda média de quem atua foi alvo de comentários em outra parte.
no setor privado é ligeiramente maior
(R$ 3.145,27) em relação aos outros setores,
mas um olhar mais atento permite inferir O trabalho do psicólogo
que a faixa salarial acima de 15 salários nas organizações públicas
mínimos é maior no setor público (23,1%) e
no terceiro setor (22,3%). A maior parte dos As organizações públicas têm como ob­
profissionais do setor privado ganha até je­tivo prestar serviços para a sociedade. Elas
nove salários mínimos (51,6%). podem ser consideradas como sistemas di­
Quanto aos benefícios oferecidos, há nâ­micos, extremamente complexos, inter­
que se destacar o fato de o terceiro setor de­pendentes e inter-relacionados coerente­
ofe­recer bem menos que os demais, talvez mente, envolvendo informações e seus flu­
explicado pelo número elevado de volun­ xos, estruturas organizacionais, pessoas e
tários nele inseridos, enquanto nos setores tec­nologias. Elas cumprem suas funções,
público e privado não foram identificadas buscando uma maior eficiência da máquina
diferenças significativas. pública e um melhor atendimento para a
No que se refere à percepção que os sociedade (Dias, 1998).
participantes têm sobre as possibilidades As organizações públicas possuem, por­
de ascensão e crescimento profissional, a tanto, certas particularidade e, por isso, o
maio­ria dos profissionais dos três setores trabalho nessas estruturas também se dife­
decla­raram que existe a possibilidade de rencia. Uma dessas particularidades é exata­
ascensão profissional, revelando níveis mente o âmbito de atuação desse tipo de
elevados de satisfação. Há, vale destacar, or­­ganização, o que as torna mais vulneráveis
um percentual ligeiramente maior de psicó­ à interferência do poder político.
logos no setor privado (72,5%) e no ter­ As organizações públicas certamente
ceiro setor (70,7%) que vislumbra algumas são sistemas complexos devido ao alto índice
ou muitas oportu­nidades de crescimento de regulamentações e de burocracia exis­
no trabalho que rea­lizam. Este percentual é tente no seu funcionamento. Entre as singu­
ligeiramente menor entre os que atuam no laridades das organizações públicas encon­
setor público (65,4%). tram-se: apego às regras e rotinas, super­
Sobre a intenção de mudança de em­ valorização da hierarquia, paternalismo nas
prego, os psicólogos parecem estar satisfeitos relações, apego ao poder, dentre outras. Tais
onde estão, embora os inseridos no setor diferenças são importantes na definição dos
pri­vado expressem de modo mais claro seu processos internos, na relação com inovações
desejo de permanecer. Os que parecem e mudanças, na formação dos valores e das
menos satisfeitos são os que atuam no ter­ crenças organizacionais e nas políticas de
ceiro setor, o que é previsível em virtude do recursos humanos.
número elevado de psicólogos que se inse­ Um ponto fundamental ao planejamento
rem ali como voluntários. Alguns poderiam e à gestão pública, apontado por Martelane
indagar que isso seria contraditório, visto (1991), é a presença de dois corpos fun­
que o trabalho de voluntariado exige enga­ cionais com características nitidamente dis­
jamento afetivo, mas é preciso considerar tintas: um permanente e outro não perma­
que tal tipo de trabalho pode estar ocultando nente. O corpo permanente é formado pelos
a ausência de oportunidades de emprego trabalhadores de carreira, cujos objetivos e
remunerado e sendo uma via pela qual se cultura foram formados no seio da organi­
pode garantir experiência para, futuramente, zação, e o não permanente é composto por
O trabalho do psicólogo no Brasil 143

administradores políticos que seguem obje­ vicioso de in­sa­tisfação e frustração de ge­


tivos externos e mais amplos aos da or- rentes e usuários.
ga­­nização. O conflito entre eles é acen- A Figura 7.9 permite visualizar os níveis
tua­do pela substituição dos trabalhadores de administração do setor público em que es­
não permanentes, que mudam a cada no- tão inseridos os psicólogos, os seus locais de
vo mandato. trabalho e as atividades desenvolvidas. Co-
Schall (1997) afirma que essa descon­ mo se pode observar, os setores municipais
tinuidade administrativa é um dos pontos (45,9%) e estaduais (31,1%) consti­tuem-se
que mais diferenciam a organização pública em grandes empregadores de psi­cólogos, mais
da privada, conferindo às organizações pú­ que o nível da administração fe­deral (23%).
bli­cas características específicas, que tam­ Acredita-se que essa tendência de cresci­
bém podem ser aplicadas à realidade bra­ mento do setor municipal se deve à inserção
sileira, como: duplicação de projetos; confli­ do psicólogo em equipes da área de saúde,
tos de objetivos; administração amadora. sob a responsabilidade de municípios, tor­
Johnson e colaboradores (1996), Pires nando-se um grande empregador para essa
e Macêdo (2006a, b) afirmam que o fato de categoria profissional. Observa-se a maioria
a propriedade ser pública torna as orga­ dos psicólogos empregados no setor público
nizações frágeis, complexas e lentas. Vários trabalhando na área de saúde. Há, no en­
processos que se podem apresentar muito tanto, uma diversidade de locais de trabalho,
simples e dinâmicos na organização privada, em que pese o elevado número de profis­
cujos objetivos são mais claros e o foco de sionais inseridos em hospitais ou em uni­
controle é externo, representam uma peque­ dades do sistema público de saúde. O segun­
na fração daquele exercitado sobre uma do maior empregador de psicólogos no setor
organização financiada pela sociedade. público são as instituições de ensino supe-
Embora a norma para ingresso no setor rior (16,2%). Órgãos da administração pú­
público sejam os concursos, a administração blica ou empresas públicas e fundações t­o­
pública não deixou de ser afetada pelas trans­ talizam 22% dos casos que atuam como
formações no mundo do trabalho, ten­do, es­ psicólogos organizacionais. Vale destacar,
pecialmente nos anos de 1990, no Brasil, ade­ ain­da, a inser­ção em unidades do poder ju­
rido fortemente às práticas de terceirização da diciário (4,8%).
mão de obra. A terceirização no setor públi- O conjunto de atividades mais frequen­
co compromete a qualidade dos serviços pú­ temente desenvolvidas revela claramente o
blicos e a imagem do servidor, uma vez que o peso da área da saúde na inserção do psi­
grau de envolvimento nas atividades do ter­ cólogo no setor público. A aplicação de
ceirizado não é o mesmo do servidor (Inter­ testes psi­cológicos (32,9%), o psicodiag­
nacional dos Serviços Públicos, 2006, p. 11- nóstico (29,6%) e o atendimento a crianças
12). Os traba­lhadores terceirizados ganham com transtornos de aprendizagem (20%)
menos que os servido­res e também há conflitos re­presentam as ati­vidades mais frequentes
nas relações de trabalho pelos diferentes tipos de­senvolvidas pelos psicólogos no setor pú­
de vínculos empregatícios. blico. As atividades são semelhantes às da
Para Gaster (1999), a qualidade ques- décadas passadas, conforme apontou a pes­
tio­nável dos serviços públicos gera e per­ quisa de 1988: 30% dos res­pondentes for­
petua uma baixa expectativa em relação mados entre 1952 e 1985 des­tacaram a
ao que pode ser oferecido, tanto por usuá­ Apli­cação de Testes Psicológicos como mais
rios quan­to por prestadores de serviços, frequente atividade desenvolvida (Conselho
con­tribuin-do, assim, para gerar um ciclo Federal de Psicologia, 1988, p. 222).
144 Bastos, Guedes e colaboradores

• Federal – 23,0%
NÍVEIS DA
• Estadual – 31,1%
ADMINISTRAÇÃO • Municipal – 45,9%

• Unidades do serviço público de saúde (hospitais) – 33,4%


• Instituição do ensino superior (universidades, faculdades) – 16,2%
• Órgão da administração pública centralizada – 33,9%
LOCAIS • Empresas ou fundações públicas – 8,1%
• Unidade do poder judiciário – 4,8%
DE TRABALHO
• Unidades públicas de atendimento a crianças e adolescentes – 3,3%
• Serviços de psicologia vinculados a intituições de ensino – 2,9%
• Instituição educacional – escla até o ensino médio – 2,3%
• Outros – 15,1%

• Aplicação de testes psicológicos – 32,9%


• Psicodiagnóstico – 29,6%
• Atendimento a crianças com distúrbios de aprendizagem – 20,0%
• Assistência psicológica a pacientes clínicos e cirúrgicos – 16,8%
• Orientação de pais – 14,4%
ATIVIDADES MAIS • Pareceres e laudos psicológicos – 13,7%
FREQUENTES • Psicoterapia individual (adulto, criança e adolescente) – 13,5%
(% PSICÓLOGOS) • Docência (professor) no ensino superior 11,5%
• Planejamento e execução de projetos – 11,3%
• Planejamento e política educacional – 10,3%
• Orientação psicopedagógica – 9,5%
• Orientação a gestante – 9,5%
• Avaliação de desempenho – 9,0%

Figura 7.9 Níveis de administração do setor público em que estão inseridos os psicólogos, os seus
locais de trabalho e as atividades desenvolvidas.

O trabalho do psicólogo tituintes e constituídos pelas pessoas que


nas organizações privadas delas participam. Esse contexto tem sido o
locus privilegiado de atuação do psicólogo
Nas organizações privadas, algumas organizacional e do trabalho, como membro
especificidades chamam a atenção, pois o de equipes voltadas para a gestão de pessoas
lucro é um importante fator de sustentação. e dos processos de trabalho.
Todo o planejamento, o acompanhamento e Observou-se na seção anterior que o se­
o delineamento das políticas de gestão de tor público emprega a maior parte dos psi­
pessoas visam a atender esse fim. Desse mo­ cólogos nas áreas de saúde e no ensino su­
do, os trabalhadores são selecionados para perior. Isso de algum modo sinaliza as áreas
desempenharem papéis que atendam de prioritárias nas quais a categoria pro­fissional
mo­do satisfatório às normas e regras insti­ dos psicólogos é absorvida pelo mercado de
tucionais para assegurar a produção e ga­ trabalho. A Figura 7.10 permite observar
rantir o retorno financeiro. que o quadro encontrado no setor privado é
Para Sousa (1998), com as mudanças e bastante distinto do setor público. As insti­
as exigências impostas pelo processo de glo­ tuições de ensino superior são as gran­des
balização, as organizações privadas tendem empregadoras de psicólogos (34,3%), o que
a dinamizar as formas de administração e faz pensar que de algum modo esses pro­
estas possuem lógicas e dinâmicas que pres­ fissionais ganham com a ex­pansão do ensino
supõem a existência de fatores sociais cons­ superior no Brasil e com as políticas de fi­
O trabalho do psicólogo no Brasil 145

nanciamento por meio de bolsas de estudos que se tem no setor público. Em outras pa­
para estudantes da rede privada. O segundo lavras, é possível afirmar que, no setor pú­
maior empregador são as empresas comer­ blico, a contratação de psicólogos mantém-se
ciais, industriais e de serviços (30,9%), que, alinhada às políticas de assistência ao cida­
a rigor, contemplam um con­junto diversificado dão, enquanto no âm­bito privado a contra­
de atividades que difi­cultam a identificação tação está relacionada ao crescimento do
do principal empre­gador do psicólogo. As “mer­cado educacional” e às políticas de am­
instituições de saúde ficam em terceiro lugar pliação do nível de esco­laridade do traba­
(12,7%), contrapondo-se à predominância lhador brasileiro.

• Instituição de ensino superior – 34,3%


• Empresa industrial, comercial ou de serviços – 30,9%
• Instituição de saúde (hospital) – 12,7%
LOCAIS • Instituições educacional – escola até o ensino médio – 7,3%
• Serviços de psicologia vinculados a instituição de ensino – 3,2%
DE TRABALHO
• Contratos de avaliação psicológica – 3,0%
• Creches ou equivalentes – 0,5%
• Clubes – 0,4%
• Outros – 7,6%

• Aplicação de testes psicológicos – 29,5%


• Docência (professor) no ensino superior – 24,8%
• Avaliação de desempenho – 18,5%
• Psicodiagnóstico – 17,0%
• Diagnóstico organizacional – 14,7%
• Pareceres e laudos psicológicos – 14,2%
• Consultoria – 13,8%
ATIVIDADES MAIS • Assistência psicológica a pacientes clínicos e cirúrgicos – 12,9%
FREQUENTES • Atendimento a crianças com distúrbios de aprendizagem – 12,5%
(% PSICÓLOGOS) • Cargo administrativo – 11,8%
• Recrutamento e seleção – 11,2%
• Supervisão extra-acadêmica – 11,1%
• Dinâmica de grupo – 8,8%
• Orientação de pais – 8,5%
• Análise de função ou ocupacional – 7,9%
• Reabilitação profissional – 6,8%
• Desenvolvimento de grupos e equipes – 6,4%

Figura 7.10 Locais de trabalho e atividades mais frequentes dos psicólogos no setor privado.

Há que se notar que a aplicação de tes­tes psicologia orga­nizacional e do trabalho. Não


psicológicos (29,5%) e a docência (24,8%) se pode negar que tanto no setor público
aparecem como as duas principais atividades quanto no setor privado iden­tifica-se relativa
desenvolvidas pelos psicólogos, o que reforça diversidade nas atividades desenvolvidas pe­
o argumento de que o setor pr­i­vado contrata los psicólogos.
psicólogos para as atividades de ensino. No
entanto, distintamente do setor público, no
âmbito das instituições parti­culares, o psi­ O trabalho do psicólogo
cólogo exerce atividades de ava­liação de de­ nas organizações do
sempenho (18,5%), diag­nós­tico organiza­cio­ terceiro setor
nal (14,7%) e pareceres e lau­dos psicológicos
(14,2%), sinalizando que os psi­cólogos exer­ Segundo vários autores, as organizações
cem atividades rela­cionadas ao campo da do terceiro setor possuem algumas caracte­
146 Bastos, Guedes e colaboradores

rísticas em comum (Thompson, 1997; Sa- As três gerações que demarcam as trans­
lo­mon, 1998; Grupo de Institutos, Fundações formações que ocorreram no âmbito do ter­
e Empresas, 1997; Froes e Melo Neto, 1999). ceiro setor indicam a transição de uma visão
Entre elas, destacam-se: assistencialista cuja função era compensar a
ineficiência das instâncias do poder público em
• desenvolvem atividades beneficentes, suprir as necessidades dos cidadãos para uma
religiosas, sociais, culturais, educativas, visão estratégica das organizações da sociedade
filantrópicas, objetivando concretizar civil. O terceiro setor passa a abrigar formas de
as demandas e realizar ações para a fi­ organização social que, embora fortemente
na­lidade social para o qual foram cria­ financiado pelo setor pú­blico, fortalece o poder
das; local, visto suas ações voltadas para grupos
• não possuem fins lucrativos que, a par­ sociais que ocupam especificamente um dado
tir do âmbito privado, perseguem pro­ território. A diver­sificação ocorrida no terceiro
pósito de interesse público; setor permite visualizar modalidades distintas
• não integram o aparelho governa­men­ de vincula­ção, por exemplo, como as que ocor­
tal; rem em cooperativas: como contratado ou
• se autogerenciam e gozam de alto grau como coo­perado. A condição de cooperado,
de autonomia interna, descentralizan­ por exem­plo, torna o psicólogo um copar­tícipe
do ações; da ges­tão e não apenas um contra­tado.
• envolvem um nível significativo de A pesquisa desenvolvida em 2006 reve­
par­­ticipação voluntária e da comu­ni­ lou haver ainda pouca representatividade de
dade. psicólogos (98 casos – 12%) que atuam ex­
• implantam programas e projetos so­ clusivamente no terceiro setor (Figura 7.11).
ciais autossustentáveis. Somado a isso, alguns deles mantêm outros
vínculos de trabalho (704 casos – 87,7%).
Segundo Korten (1997), houve três ge­ Isso indica que o terceiro setor re­presenta um
rações de ONGs – Organizações Não Gover­ campo de trabalho cla­ramente complementar
namentais: a primeira tinha o objetivo de a outra atividade profissional, o que pode
prestar assistência e bem-estar nas situações decorrer da fra­gilidade dessas instituições,
de emergência; a segunda foi estabelecida no fortemente de­pendentes de fi­nan­ciamentos e
aumento da capacidade de os pobres de­fi­ apoios que devem ser con­quistados per­ma­
nirem suas próprias necessidades e apren­ nentemente. Isso se traduz, certamente, em
derem a lidar com seus próprios recursos; a instabilidade e insegurança, que pode explicar
terceira foi criada como parte de sistemas o elevado contingente de combinação com
sustentáveis de desenvolvimento. ou­tros vín­culos de trabalho.

ONGs e outras
inserções
• 484 casos
• 98 casos
• 60,3%
• 12% • 220 casos
• 27,4%
Apenas ONGs ONGs e duas ou
Cooperativas mais inserções

Figura 7.11 Distribuição dos psicólogos que atuam apenas no terceiro setor e neste e em outros
setores concomitantemente.
   
 
   
   
 
   
 
O trabalho do psicólogo no Brasil 147

A Figura 7.12 mostra o tipo de vínculo tratado pela organização. Isso é um sinal de
que os psicólogos
 que só atuam
 no terceiro que as organizações do terceiro setor não
  
setor mantêm com
 estas organizações.
 Ob­ cons­tituem um potencial empregador, mas
  
 
 
serve que a maior parte deles (76%) possui uma nova modalidade de vínculo  trabalhista,

vínculo de prestador 
de serviço 
autônomo desvencilhando-se do caráter
formal contra­
(trabalham por projeto) ou voluntário. So­ tual que assegura os direitos e as obriga-

mente 24% são
  
os assalariado,  con­
ou seja, 
ções
 do 

empregador.
     

  


  

          

Assalariado (n = 122)

Voluntário, cooperado,
autônomo (n = 387)

Figura 7.12 Tipos de vínculos dos psicólogos no terceiro setor.

Para finalizar, resta saber o que fazem os firma reiteradamente que os psicólogos
psicólogos que atuam no terceiro setor. Será buscam a profissão (ver Capítulo 5)
que exercem atividades bastante distin­tas das fundamentalmente pelo seu potencial
de seus colegas que atuam no setor público ou em exercer atividades de ajuda psico­
no privado? Os dados apre­sentados na Figura lógica por meio de intervenções psico­
7.13 revelam muita si­milaridade, particular­ terápicas e aconselhamentos. Não se
mente com o setor pú­blico. O psicodiagnós- pode esquecer, todavia, que neste ca­
tico (27,6%), a apli­cação de testes psicólogos pítulo analisaram-se as atividades des­
(23,5%), o aten­dimento a crianças com dis­ critas pelos psicólogos que atuam com
túrbios de apren­dizagem (22,1%) e a assis­ algum tipo de vínculo organizacio-
tência psi­cológica a pacientes clínicos e cirúr­ nal. Aqui, não foram referidos os psi­
gicos (14,8%) ocupam as primeiras posições cólogos que dizem atuar apenas como
no ranking. Esse quadro é muito semelhante autônomos, o que poderá ser visto no
ao do setor público, sugerindo que as de­man­ Capítulo 8. De qualquer modo as ati­
das de psicólogos no terceiro setor acom­pa­ vidades relacionadas à psicoterapia in­
nham às daquele setor. dividual ou de grupo aparecem na lis-
ta das principais atividades dos psi­có­
• Alguns podem estar se indagando por logos inseridos no setor público e no
que as atividades relacionadas à psico­ terceiro setor (13,5% em ambos), o
terapia não ocupam as primeiras posi­ que não ocorre com os que exercem
ções nos três setores, visto que se rea­ suas atividades no setor privado.
148 Bastos, Guedes e colaboradores

• Psicodiagnóstico – 27,6%
• Aplicação de testes psicológicos – 23,5%
• Atendimento a crianças com distúrbios de aprendizagem – 22,1%
• Assistência psicológica a pacientes clínicos e cirúrgicos – 14,8%
• Psicoterapia individual (adulto, criança e adolecentes) – 13,5%
• Consultoria – 11,0%
• Planejamento e execução de projetos – 11,0%
• Orientação de pais – 10,3%
ATIVIDADES MAIS • Dinâmica de grupo – 8,8%
FREQUENTES • Planejamento e política educacional – 9,6%
(% PSICÓLOGOS) • Orientação a adolescentes – 9,4%
• Pareceres e laudos psicológicos – 14,2%
• Orientação psicopedagógica – 9,1%
• Cargo administrativo – 8,9%
• Coordenação de equipes de trabalho – 8,0%
• Assistência materno-infantil – 7,8%
• Orientação vocacional/profissional – 7,3%
• Desenvolvimento de grupos e equipes – 7,3%
• Avaliação de desempenho – 7,1%

Figura 7.13 Atividades mais frequentes exercidas pelos psicólogos no terceiro setor.

CONCLUSÃO de de horário, o setor público exige uma


carga horária de trabalho maior, dificultando
Este capítulo teve o objetivo apresen- a conciliação com atividades no setor pri­
tar um panorama do psicólogo como um vado e no terceiro setor. No entanto, os
profissional assalariado atuando no setor dados permitem concluir também que mais
público, privado e no terceiro setor. Algumas de 60% dos psicólogos possuem duas ou
conclusões podem ser extraídas do conjunto mais inserções, o que pode sinalizar que eles
de dados gerados pela pesquisa. se incluem na categoria dos “viciados em
A primeira delas é que o setor público trabalho” ou os seus rendimentos forçam a
revela ser o maior empregador para psicó­ possuir mais de um vínculo para com­ple­
logos contratados para atuar principalmente mentar a renda. E, obviamente, isso trará
no setor de saúde no nível municipal. As prejuízos à sua saúde. Pode-se supor, tam­
organizações privadas contratam psicólogos bém, uma busca por conciliar interesses vo­
para atuar no ensino superior como do­ ca­cionais, dentro do campo da Psicologia,
centes, que se apresenta como um mercado em função de que, nem sempre, o trabalho
em expansão. Em síntese, o setor público assalariado assegura a possibilidade de rea­
contrata psicólogos principalmente para a lizar atividades possivelmente consi­de­radas
área de saúde, o setor privado contrata mais interessantes ou desafiadoras, em fun­
psicólogos para a área educacional e para as ção da imagem e da identidade que se per­
atividades profissionais em empresas in­ cebe na atuação do psicólogo.
dustriais, comerciais e de serviços e, no Não há diferenças expressivas entre
terceiro setor, os psicólogos exercem predo­ os psicólogos que atuam nos três setores,
minantemente atividades de cooperados, quanto a gênero, idade e renda, embora o
autônomos ou voluntários. maior número de psicólogos titulados seja
Os psicólogos que possuem apenas uma requisitado pelos setores público e privado.
inserção profissional estão trabalhando co­ Isso pode ser explicado pelo fato de o ter­
mo autônomos ou no setor público, deixando ceiro setor permitir o vínculo de voluntaria-
transparecer que, enquanto o trabalho au­ do com mais facilidade que os demais se­
tônomo abre possibilidades de flexibilida- tores, favorecendo o ingresso de psicólo-
O trabalho do psicólogo no Brasil 149

gos graduados que queiram adquirir ex­pe­ opinião, utilizarmos nossos conhecimentos
riência para futuramente concorrer no mer­ e técnicas a serviço da elaboração de po­
cado de trabalho. Outra possibilidade seria líticas (públicas ou não) que atendam aos
a de profissionais com trajetórias ricas de anseios e às necessidades de transformação
trabalho dedicarem-se a experiências di­ver­ dessa realidade e nos colocarmos a serviço
sificadas de trabalho voluntário. da promoção da saúde e do bem-estar do
Quanto à renda, é digno de nota que, trabalhador e da sociedade.
embora não haja muita variabilidade, o se­ Finaliza-se este capítulo com uma per­
tor público apresenta o maior porcentual gunta aos colegas: será que a promoção da
dentre os que ganham mais de 15 salários saúde e do bem-estar será mais um item em
mínimos. Em resumo, as condições de tra­ nosso discurso utópico ou poderemos adotá-
balho não parecem ser muito distintas entre -la como premissa para transformar nossa
os setores. As atividades desempenhadas realidade de trabalho e, consequentemente,
pelos psicólogos do setor público e do ter­ nossa prática profissional?
ceiro setor, no entanto, são mais seme­lhan­
tes entre si quando comparadas às ativida-
des do setor privado, indicando que, talvez, Referências
o terceiro setor demanda o mesmo perfil de
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Quem é
psicólogos que o setor público.
o psicólogo brasileiro? São Paulo: Edicon, 1988.
Os psicólogos parecem estar satisfeitos CRNKOVIC, L. H. Cultura Organizacional: o dife­
onde estão, embora os do setor privado ex­ rencial estratégico da área de RH. VI Enanpad –
pressem de modo mais claro seu desejo de Encontro Nacional de Pesquisa em Administração.
permanecer quando comparados aos de­­­mais. TELUQ. 2003
Os menos satisfeitos são os que atuam no DIAS, T. L. Modelo de sistemas viáveis em or­
terceiro setor, o que é perfeitamente previsível ganizações públicas: um estudo de caso da função
em virtude do número elevado de psicólogos de planejamento de informações estratégicas
que ali se inserem como vo­luntários. para informatização da Secretaria Municipal de
Os dados da pesquisa também indicam Saúde de Belo Horizonte. 1998, 146 f. Dissertação
que há psicólogos atuando em organizações (Mestrado) – Escola de Governo, Fundação João
Pinheiro, Belo Horizonte, 1998.
sobre as quais, na pesquisa de 1988, não
FERNANDES, C. R. Privado porém público: o Ter­
havia registro, como o caso das organizações ceiro setor na América Latina, Editora Relume-
do terceiro setor (embora seja incipiente o Dumará, 1997.
número de participantes atuando nesse se­ FROES, C.; MELO NETO, F. Responsabilidade so­cial
tor). Esse dado pode indicar uma possi­bi­ e cidadania empresarial: a administração do tercei-
lidade de abertura de campos de atuação, ro setor. Rio de Janeiro: Qualitymark Ed. 1999.
pois seu crescimento é uma tendência atual. GASTER, L. Quality in public services: managers
Apesar disso, parece que a maioria prefere choi­ces. Buckingham: Open University Press, 1999.
buscar empregos fixos que contenham a tão GIFE – GRUPO DE INSTITUTOS, FUNDAÇÕES E
sonhada estabilidade, sendo este talvez um EMPRESAS. www.uol.com.br/gife Acesso em: 17
dos motivos pela preferência por empregos set. 1997
GOHN, M. G. Os sem-terra, ONGs e cidadania: a
no setor público, ao lado da prática clínica
sociedade civil brasileira na era da globalização.
ou em organizações do setor privado. São Paulo: Cortez, 1997.
Cabe a nós, psicólogos, principalmente IBOPE/MQI. In: Psi Jornal de psicologia. CRP. SP:
aos que ocupam posições de destaque junto jul/set, 2004.
a organizações dos setores público, privado ISP – INTERNACIONAL DOS SERVIÇOS PÚBLI­
e do terceiro setor, e que atuam na área de COS. Trabalhador terceirizado no serviço público.
educação, sendo, portanto, formadores de Brasil, 2006.
150 Bastos, Guedes e colaboradores

JOHNSON, B. B. et all. Serviços públicos no Brasil: MACÊDO, K. B. A administração simbólica nas


mudanças e perspectivas. São Paulo: Edgard Blu­ organizações: uma nova forma de religião?. So­
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Editora Terra, 2001, v. 1. p.446 Fundo: Editora da Universidade de Passo Fun-do,
MACÊDO, K. B., PEREIRA, C. Os valores de lí­ 2008c, v.1, p. 1-35.
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oeste do Brasil In: Cooperativismo: doutrina, des­ sidade Católica de Goiás, 2008d, v. 1. p. 407
compassos e prática. 1 ed. Goiânia: Uni­ver­sidade MARÇON, D. e ESCRIVÃO FILHO E. Gestão das
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8
O psicólogo autônomo e voluntário
contextos, locais e condições de trabalho

Luciana Mourão e Maria Júlia Pantoja

A ocupação do psicólogo brasileiro vem cólogos autônomos também atuem em outras


sendo foco de estudos importantes no âm­ áreas, como em consultorias. Uma ques­tão
bito nacional (Bastos, 1988; Dimenstein, que emerge se refere aos possíveis fatores ex­
2000; Freitas, Guareschi, 2004; Yamamoto plicativos da escolha pelo trabalho autô­nomo.
et al., 1997). No que se refere à natureza Ou seja, até que ponto a forma de trabalho
das relações de trabalho, objeto de análise autônomo é uma opção dos psicó­logos ou
deste capítulo, os resultados das pesquisas uma alternativa condicionada ao mo­delo de
indicam predo­mi­nância do exercício profis­ atuação em psicologia clínica, pre­­dominante
sional autônomo com foco no atendimento entre os psicólogos bra­sileiros.
clinicamente orien­tado – forma tradicional Neste capítulo será desenvolvido um
de atuação da ocupação. Mais especifi­ca­ olhar específico para os profissionais autô­
mente, no caso da maioria dos psicólogos nomos, detalhando os locais de inserção,
pesquisados, atuar como autônomo é uma as condições de trabalho, a carga horária, a
opção – ou sua atual condição de trabalho. renda, a avaliação desses profissionais em
O trabalho autônomo permite ao indiví­ relação a como se sentem atuando na área e
duo negociar mais livremente as relações de as perspectivas de crescimento que percebem
trabalho, possibilitando ao profissional re­ para a sua atuação.
gular sua carga de trabalho, seus horários O trabalho autônomo expressa a noção
e o valor dos seus serviços. Não obstante, de independência; certo grau de liberdade,
os profissionais autônomos não têm esta­ porém com limites. Por definição, o traba­
bilidade nos seus recebimentos mensais e lhador autônomo é a pessoa física que exerce,
não possuem direitos trabalhistas como 13o habitualmente e por conta própria, atividade
salário, Fundo de Garantia sobre o Tempo profissional remunerada por ser­viço de ca­
de Serviço e férias. ráter eventual a uma ou mais empresas ou
Conforme mencionado, a forma de tra­ pessoas, sem relação de em­prego e assumin-
balho autônomo mais conhecida na psico­lo- do o risco de sua atividade. A autonomia
gia é o atendimento clínico, embora os psi­ da prestação de serviços con­fere-lhe posição
152 Bastos, Guedes e colaboradores

de empregador em potencial que explora, em gados e uma última parte desenvolve tra­
proveito próprio, sua força de trabalho e está balho precário na economia informal. Nes-
amparado pela Previdência Social. se contexto, o trabalho autônomo tende a
No contexto da ocupação do psicólogo se acentuar como alternativa necessária
brasileiro, o trabalho autônomo constitui e útil para assegurar, inclusive, a atuação
opção preferencialmente adotada para atua­ pro­fissional dos psicólogos brasileiros em
ção profissional. Os dados da presente pes­ diferentes espaços ocupacionais.
quisa mostram que a maioria dos profis­ Essas grandes transformações ocorri-
sionais que atua no campo da psicologia das no âmbito do funcionamento e da es­
(61,3%) é de autônomos ou liberais que trutura do mercado brasileiro, de acordo
decidem trabalhar por conta própria, em­ com Chahad e Cacciamali (2003), podem
bora apenas 28% atue exclusivamente co- ser ana­lisadas tanto sob a ótica quantitati-
mo autônomo. va quanto em uma perspectiva qualitati-
Yamamoto (1987) e Dimenstein (2000) va. Sob a ótica quantitativa, o mercado de
empreenderam esforços de pesquisa na bus­ trabalho incorporou significativo contin-
ca de uma compreensão mais abrangen- gen­te popula­cional e aumentou o número
te desse contexto ocupacional. Para tanto, de trabalhadores formais e informais. No
situam historicamente o surgimento da psi­ que diz respeito ao trabalho informal, hou-
cologia como um campo de saber autôno- ve expansão principalmente nas regiões
mo, enfatizando que, em geral, a expecta- me­tropolitanas. Contudo, Chahad e Caccia­
tiva mantida pelos estudantes de psicologia mali (2003) destacam que a composição
no país é de atuar como profissional liberal desse mercado mudou em direção à absorção
com base em uma formação teórica voltada de novos trabalhadores surgidos sob novas
para a clínica e o modelo tradicional de formas de ocupação, determinadas por mu­
atendimento individual. Ressaltam esses danças nas relações trabalhistas e não so­
au­­tores que o processo de formação do mente devido ao fato de a informalidade
psi­cólogo, ao focalizar o desenvolvimento atuar como receptáculo daqueles que não
de competências específicas ao modelo de são absorvidos no contexto do emprego for­
atuação clínica, pode comprometer o con­ mal. Certamente, sob a ótica da qualidade
junto de conhecimentos dos aspectos sociais, dos empregos, a elevação da informalidade
históricos, políticos e ideológicos – que de­ parece indicar maior precariedade do tra­
ter­minam a prática e a realidade em que o balho, mas não deixou de representar uma
profissional de psicologia está inserido, bem situação que tornou transparente a neces­
como a natureza das relações e dos vínculos sidade de se buscarem novas soluções, vi­
de trabalho estabelecidos para sua atuação sando a aumentar a igualdade de oportu­
profissional. nidades de empregos e ocupações condignas
Outro aspecto relevante a ser analisado para a população brasileira.
refere-se ao fato de que expressivas mudan­ Além dessas mudanças de natureza quan­
ças têm ocorrido no mercado de traba- titativa, houve também significativas trans­
lho brasileiro, trazendo profundas alterações formações de natureza qualitativa e o surgi­
na natureza do emprego, mais especi­fica­ mento de novas práticas trabalhistas. No ca-
mente no que tange à estabilidade. Menos so das novas práticas de utilização do tra­balho,
de 50% da força de trabalho brasileira têm influenciadas essencialmente pelos no­vos pro­
carteira assinada e a outra metade está di­ cessos produtivos, aparecem o te­le­trabalho,
vidida em grupos: uns trabalham por conta no qual o trabalhador exerce suas atividades
própria, outros se agrupam em cooperativas fora do local de trabalho; o contrato por obra
e recebem mais que quando eram empre­ certa e o trabalho volun­tário, prestado sem
O trabalho do psicólogo no Brasil 153

fins lucrativos com fina­lidades culturais, cí­ equipe, multidisciplinar e aos mais va­ria-
vicas, educacionais, cien­tí­ficas ou de assis- dos contextos de atuação, a atual proposta
tência social (Brasil, 1998). de diretrizes curriculares prevê que a legis­
Nesse sentido, Macedo (1999) salienta lação “deve, não só refletir o impacto desses
que “na nova economia”, intensiva no uso do eventos como assegurar o grau de liberdade
conhecimento, com empregos menos es­tá­ para desenvolvimento futuro” (Ministério
veis, apresentando muitas ocupações no­vas e da Educação, 1999, p. 1). Portanto, reco­
outras em desaparecimento, com me­nor ni­ nhece as mudanças ocor­ridas no campo de
tidez das fronteiras entre uma ocupa­ção e trabalho do psicólogo nas últimas duas dé­
outra, é muito comum que haja o descola­ cadas e assume a vocação mutante ne­ces­
mento entre profissões e ocupações típicas. sária em uma pro­posta de formação.
Tais oportunidades ocupacionais, con­forme Em síntese, a literatura examinada re­ve-
ressalta o autor, estão surgindo não para o la aspectos quantitativos e qualitativos, e
empregado tradicional, mas para o profis­ mos­tra sensíveis modificações nas carac­te­
sional que trabalha por conta e ini­ciativa pró­ rísticas do mercado de trabalho brasileiro,
prias, à semelhança da maioria dos psi­cólogos indicando o surgimento de novo padrão de
brasileiros. Este é voltado para bus­car, sem funcionamento bastante distinto daquele ob­
fronteiras rígidas, uma ocupação – inclusive servado nas últimas décadas do século XX.
as de natureza empre­sarial. Na perspectiva do trabalho informal, houve
O estudo conduzido por Fernandes e au­mento acentuado de atividades de natureza
Na­rita (1999) com diferentes ocupações e autônoma principalmente nas regiões me­tro­
profissões, ao comparar os dados dos censos politanas. Entretanto, cabe res­­sal­­tar que a
demográficos de 1980 e de 1991, sinaliza com­posição desse mercado mudou em dire-
que o deslocamento vem aumentando gra­ ção à absorção de novos tra­balhadores, sur­
dualmente ao longo do tempo. Um dos re­ gidos sob novas formas de ocupação que es-
sul­tados encontrados nessa pesquisa é o tão sendo determinadas por mudanças signi­
de que a taxa de aderência entre a profis- fi­cativas nas relações de trabalho.
são e a ocupação típica do psicólogo bra­si­ No que tange ao psicólogo brasileiro,
leiro corresponde a 25%, o que indica grau foco de análise deste capítulo, o trabalho
acentuado de deslocamento entre a profissão au­tônomo se constitui em modalidade pre­
e a ocupação típica quando comparada ao ferencialmente adotada para sua atuação
grau obtido em profissões da área da saúde, profissional. Admite-se que tal opção pode
tais como odontologia, enfermagem, medi­ estar fundamentada no predomínio do mo­
cina, entre outras. Tais evidências realçam a delo clinicamente orientado, conforme ar-
necessidade de um monitoramento mais gu­mentam Yamamoto, Carvalho e Siqueira
próximo da expansão do campo profissional (1997) e Dimenstein (2000); outros as­
em termos dos novos espaços ocupacionais pectos, entretanto, precisam ser consi­de­ra­
que se avultam, conforme recomenda Yama­ dos, entre os quais o surgimento de novas
moto, Carvalho e Siqueira (1997). práticas trabalhistas. Aliado a isso, novas
Reconhecendo que o processo de mu­ opor­tunidades ocupacionais, conforme res­
dança na formação do psicólogo brasileiro sal­ta Macedo (1999), estão surgindo para o
é alavancado tanto pelas reflexões teóricas profissional que trabalha por conta própria.
quanto pela pressão oriunda de novas con­ Entre elas, as ocupações de natureza em­
dições e novos vínculos de trabalho do psi­ presarial. Tais resultados parecem sinalizar
cólogo no país, e ainda que novas di­men- que o predomínio do trabalho autônomo en­
sões de atuação desse profissional ve­nham tre os psicólogos brasileiros tende a ser man­
se constituindo em direção ao trabalho em tido, acompanhando a tendência obser­vada
154 Bastos, Guedes e colaboradores

no mercado brasileiro de crescimento das ati­ maioria mora com o cônjuge e os filhos
vidades informais. Contudo, essa op­ção não (19,7%), com a família de origem (pais/
necessariamente estará associada ao de­sen­ avós) (18,1%) ou com cônjuge ou compa­
volvimento de atividades típicas de aten­di­ nheiro (14,3%).
mento clínico, pois poderá refletir tam­bém o A formação acadêmica inicial (gra­dua­
emergir de novos contextos ocupa­cionais no ção) dos psicólogos autônomos foi pre­do­
campo da psicologia no Brasil. minantemente em cursos de instituições
Tendo sido apresentado o referencial teó­­ privadas (72,1%), e grande parte dos que
rico, será, a seguir, traçado o perfil dos psi­ atuam como autônomos (73,3%) fez cursos
cólogos que atuam como autônomos, com­pa­ de especialização, sendo 79% deles no cam­
rando os que são apenas autônomos e aqueles po da psicologia. Em relação à formação
que são autônomos, mas mantêm ou­tros vín­ acadêmica stricto sensu, de cada quatro psi­
culos empregatícios. Além disso, se­rão com­ cólogos autônomos, pelo menos um é mes-
paradas as diferenças existentes entre os pro­ tre (27,1%) e 65,8% optaram por mes­tra-
fissionais autônomos e os não autônomos. dos na própria área de psicologia. Em re­
lação ao doutorado, o percentual é bem
menor (7,7% dos psicólogos autônomos),
Perfil do psicólogo com 72,3% de opções de curso de doutorado
autônomo no Brasil no campo da psicologia. O tem­po médio de
formado desses profissionais é de 9,7 anos,
Os resultados aqui relatados derivam do mas com grande variedade na distribuição
módulo básico da pesquisa (ver Apêndice (DP  =  9,1). A Figura 8.1 apresenta o resumo
1), o qual foi constituído por um amplo con­ das informações relati­vas ao perfil dos psi­
junto de itens registrando informações so­ cólogos autônomos em termos de gênero,
bre: formação acadêmica, inserção no mer­ idade, formação e com quem moram.
ca­do profissional, trajetória da carreira, Em relação à formação complementar,
prin­cipais atividades exercidas, dados de­ e considerando os investimentos realizados
mo­gráficos, escolha da profissão e perspec­ por esses profissionais nos últimos dois anos,
tivas quanto ao exercício profissional. os resultados da pesquisa apontam que 83,6%
dos profissionais autônomos rea­lizaram al­
gum tipo de curso de curta duração. Os
Dados pessoais e formação cursos de aperfeiçoamento foram opção de
acadêmica e complementar 30,1% dos profissionais, enquanto 51,4%
dos psicólogos autônomos participaram de algum grupo de estudo. A
supervisão extra-acadêmica também é bas­
Os psicólogos que atuam como autô­ tante frequente: 47,1% dos psicólogos pes­
nomos no Brasil são, em sua maioria, mu­ quisados adotaram esse tipo de formação
lheres (82%), seguindo a mesma distribui- complementar nos últimos dois anos. O per­
ção por sexo que se encontra nos psicó- centual de quem participou de algum con­
logos brasileiros como um todo. Tais re- gresso no último biênio foi de 74%, carac­
sul­tados, à semelhança dos obtidos em di­ terizando os congressos como a opção mais
versos estudos sobre o perfil do psicólogo adotada pelos psicólogos autônomos para se
bra­sileiro reafirmam o predomínio do sexo manterem atualizados profis­sional­mente. Es­
fe­mi­nino sobre o masculino (Rosemberg, ses dados estão em consonância com a con­
1984; Rosas, Rosas e Xavier, 1988; Yama­ cepção de que os psicólogos in­vestem de
moto et al., 1997). A idade média desses forma significativa em seu pro­cesso de for­
pro­­fis­sionais é de 36,4 anos (DP  =  10,2) e a mação complementar, conforme argumenta
O trabalho do psicólogo no Brasil 155

PERFIL DOS PSICÓLOGOS AUTÔNOMOS

• Mulheres – 82% COM QUEM MORAM?


• Idade média – 36,4 anos • Cônjuges e fihos – 19,7%
• Formados em instituições privadas – 72,1% • Familia de origem (pais/avós) – 18,1%
• Com curso de especialização – 73,3% • Cônjuge/companheiro – 14,3%
• Com mestrado – 27,1% • Outro – 47,9%
• Com doutorado – 7,7%

Figura 8.1 Perfil dos psicólogos autônomos: gênero, idade, formação e com quem moram.
   
Langenbach e Negreiros
 (1988). A autora
 mente a formação complementar envolvendo

res­salta, contudo,
  direcionamento
que tal estu­d
os teóricos e treinamento no exer­cício
está associado ao modelo clínico-orientado
 prá­tico mediante supervisões, entre outros. A

na medida em que pressupõe muito forte­ Fi­gura 8.2 ilustra essas infor­ma­ções.

Congresso 74,0

Grupo de estudo 51,4

Supervisão extra acadêmica 47,1

Cursos de aperfeiçoamento 30,1

Figura 8.2 Atividades de aperfeiçoamento profissional realizadas pelos profissionais autônomos no


último biênio (em percentual).

Inserção no mercado profissional, sional autô­nomo: parte deles acumula mais


trajetória da carreira e renda dos de um tipo de inserção – tem algum tipo de
psicólogos autônomos vínculo em­pregatício e trabalha como au­
tônomo em outro horário.
Os voluntários, cooperados ou autô- A condição atual do psicólogo autôno-
no­­mos representam 61,3% do total da mo mostra que 69,5% deles trabalham
amostra, enquanto os que são apenas assa­ ex­clusi­vamente na área de psicologia, en­
lariados somam 38,7% dos psicólogos pes­ quanto 23,4% atuam não só na psico-
quisados. Esses números revelam que gran­ logia, mas também em outros campos. Dos
de parte dos psicólogos atua como pro­fis­ 61,3% psicólogos que trabalham como au­
156 Bastos, Guedes e colaboradores

tônomo, apenas 28,5% trabalham exclusi- se nos autônomos que mantêm mais outro
vamente como autônomo. Há uma faixa de tipo de vínculo, sendo o mais comum o
46,5% de psicólogos que, além do traba- trabalho em instituição privada combinado
lho autônomo, possuem mais um tipo de com o trabalho autônomo (18,7%), seguido
inserção e 25% que têm pelo menos mais do trabalho autônomo combinado com o
dois tipos de inserção profissional, como vínculo com instituição pública (15,8%).
mostra a Figura 8.3. Também é expressivo o número de profis-
O detalhamento dessas inserções pode sionais que atua em três inserções ou mais,
ser visto na Figura 8.4, onde se pode obser- sendo uma delas a de autônomo.
var que a maior parte dos casos concentra-

Autônomos e
outras inserções
• 519 casos • 455 casos
• 28,5% • 847 casos • 25%
• 46,5% Autônomo e duas
Apenas
autônomos ou mais inserções

Figura 8.3 Quantidades de inserções dos psicólogos autônomos.

UMA INSERÇÃO • Autônomos (n = 520; 28,6%)

• ONG e autônomo (n = 220; 12,1%)


DUAS INSERÇÕES • Privada e autônomo (n = 340; 18,7%)
• Pública e autônomo (n = 287; 15,8%)

• Privada, ONG e autônomo (n = 126; 6,9%)


TRÊS OU MAIS • Púbica, ONG e autônomo (n = 111; 6,1%)
INSERÇÕES • Pública, privada e autônomo (n = 128; 7%)
• Atua em todas (n = 89; 4,9%)

Figura 8.4 Os diversos tipos de inserção social dos profissionais autônomos.

É interessante observar que, no que diz po de formação são bem próximos. Vale
respeito ao tempo de formado, não há ressaltar, contudo, que nas faixas iniciais e
grandes diferenças entre profissionais que finais – 2 e 20 anos, respectivamente –, há
são só autônomos e os que são autônomos leve e moderado predomínio de profissionais
e mantêm outros vínculos. Como se pode que atuam somente como autônomos.
observar na Figura 8.5, os percentuais de Do total que atua como autônomo, a gran-
psicólogos autônomos, os que mantêm ou- de maioria possui carga horária semanal redu-
tros vínculos e os que não atuam como au- zida (75,3% trabalham até 20 horas semanais).
tônomos em cada uma das faixas de tem- O percentual que trabalha 40 horas semanais
O trabalho do psicólogo no Brasil 157

30,0

25,0

20,0

15,0

10,0

5,0

0,0
Até 2 anos De 3 a 5 anos De 6 a 10 anos De 11 a 20 anos Mais de 20 anos

Só autônomo Autônomos e outros vínculos Não autônomos

Figura 8.5 Distribuição dos exclusivamente autônomos, autônomos com outros vínculos e não au­
tônomos de acordo com o tempo de formado (em percentual).
  
 
corresponde a apenas 10,8% dos profissionais dos profissionais ou li­mitação do seu tipo de
 
da área, como mostra a Figura 8.6. Esses nú­ trabalho, ou até que ponto não há oportunidades
   
meros per­mitem questio­nar até que ponto a para preencher
 seus ho­rários, de forma a ter
redução de horas de trabalho semanais é opção   
 maior jornada
 se­ma­nal de trabalho.
 
13,9%  
   
10,8%
  
  
Até 20 horas
40 horas
30 horas

75,3%

Figura 8.6 Número de horas de trabalho semanal dos autônomos (em percentual).

Um dado interessante a se observar é mos, 59,3% trabalham até 20 horas por se­ma-
que, ao contrário do que se poderia pensar, na, enquanto entre os que são autônomos e
aqueles que são apenas autônomos têm carga man­têm outros vín­culos esse percentual é de
de trabalho semanal maior que aqueles que 83%. Entre os que trabalham 40 horas se­
são autônomos e mantém ou­tros vín­culos. manais, entre­tanto, há mais profissionais ex­
Como pode ser visto na Fi­gura 8.7, dos pro­ clusi­va­mente autô­nomos que aqueles que são
fissionais que são exclu­sivamente autôno­- autô­nomos com outros vínculos de tra­balho.
158 Bastos, Guedes e colaboradores

90,0
83,0
80,0
70,0
60,0 59,3

50,0
40,0
30,0
20,6 20,1
20,0
10,7
10,0 6,3
0
até 20h 30h 40h

Só autônomo
Autônomos e outros vínculos

Figura 8.7 Número de horas de trabalho semanal para autônomos e autônomos com outros vínculos
(em percentual).

A Figura 8.8 sintetiza informações rela­ ção, considerando os resultados para os


tivas à renda, carga horária, forma de exer­ psicólogos que são exclusivamente autôno­
cício das atividades e percepção de expec­ mos e os que, além de autônomos, mantêm
tativa de crescimento do seu setor de atua­ outros vínculos.

AUTÔNOMOS E OUTROS
AUTÔNOMOS
vínculos

Média – R$ 2.625,93 Média – R$ 2.862,03


até 3 SM – 22,8% até 3 SM – 27,3%
Renda 4 a 9 SM – 29% 4 a 9 SM – 39%
10 a 15 SM – 12,2% 10 a 15 SM – 12,6%
mais de 15 SM – 7,5% mais de 15 SM – 7,1%

até 20h – 59,3% até 20h – 83%


Carga horária semanal 30h – 20,6% 30h – 10,7%
40h – 20,1% 40h – 6,3%

De forma individual – 72,2% De forma individual – 77,2%


Tipo de trabalho Em grupos multidisciplinares – 15,8% Em grupos multidisciplinares – 13,4%
Em grupos de psicólogos – 12% Em grupos de psicólogos – 9,4%

nenhuma oportunidade – 2,2% nenhuma oportunidade – 1,6%


poucas oportunidades – 25,5% poucas oportunidades – 20%
Crescimento nesse setor
algumas oportunidades – 41,2% algumas oportunidades – 42,8%
muitas oportunidades – 31,1% muitas oportunidades – 35,6%

sim – 2,5% sim – 1,3%


Gostaria de mudar um pouco – 7,6% um pouco – 7,6%
de profissão não – 89,9% não – 91,1%

Figura 8.8 Comparação entre os profissionais autônomos exclusivos e com outros vínculos por renda,
carga horária, forma de trabalho, percepção de oportunidades e desejo de mudar de profissão.
O trabalho do psicólogo no Brasil 159

Como pode ser visto, a diferença em rapia de grupo (10%). A Figura 8.9 apresenta
termos de renda média mensal é pequena, todas as atividades que foram citadas por mais
mas os profissionais que têm mais de um de 2% dos pesquisados.
vínculo costumam trabalhar número de ho­ Além das atividades listadas na Figu-
ras semanais bem menor que os exclu­ ra 8.9, também foram apresentadas como
sivamente autônomos. Em relação à forma prin­­cipais, por um público entre 1% e 2%
de trabalho, em todos os casos predomina o dos pesquisados, as seguintes atividades:
trabalho individual – ao contrário do que se análise de função ou ocupacional, assis­tên­
poderia esperar, ele é ainda maior entre os cia geriátrica, orientação sexual, asses­soria
que mantêm outros vínculos (77,2%) do téc­nica, cargo administrativo (gerên­cia ou
que entre aqueles que atuam exclusivamente dire­ção), análise de cargos e salários, pla­
como autônomos (72,2%). Finalmente, tam­ ne­jamento de política educacional e do­
bém cabe analisar que os autônomos que cência em nível superior. As ati­vidades lis­
têm outros vínculos tendem a perceber tadas por 1% ou menos dos pes­quisados
mais oportunidades de crescimento do se- são: psico­terapia de família, trei­namento,
tor. Em relação a mudar de profissão, os orien­tação a grupos na área de saúde pú­
valores são praticamente iguais, e o teste t blica, coor­denação de equipes de trabalho,
apontou que não existe diferença significa- pes­quisa de mercado, recru­ta­mento/se-
tiva entre as médias de autônomos e au­ le­ção, segu­rança e higiene no tra­balho,
tônomos com outros vínculos. tria­gem, pes­quisa científica, educa­ção e
ree­ducação psi­comotora e criação publi-
­ci­tária.
Principais atividades e áreas de No que diz respeito à área de trabalho,
trabalho dos psicólogos autônomos a Figura 8.10 mostra que entre os autônomos
(considerando os que são só autônomos e os
Relativamente às principais atividades que têm outros vínculos) predomina a atua­
desenvolvidas por esses profissionais, foi ção na área clínica, com praticamente a me­
apresentada uma questão na qual o res­pon­ tade dos pesquisados; porém, muitos atuam
dente deveria escolher, dentre 47, as cinco nas áreas de psicologia organizacional e do
principais atividades que exercia. Foi obtido trabalho (16,5%) e da saúde (15,7%). Cabe
um total de 3.549 respostas, o que indica sinalizar que as áreas de docência, escolar,
uma média de duas atividades prin­cipais jurídica e social tiveram baixos per­centuais
para cada um dos pesquisados. Entre essas de respostas dos profissionais autô­nomos.
atividades, a que foi mais citada pelos psicó­ Tais resultados acompanham o pa­drão veri­
logos autônomos foi o psicodiagnóstico, que ficado nos estudos de Mello (1975), Bastos
é uma das atividades principais de 53,1% dos (1988) e Yamamoto e colaboradores (1997),
respondentes. A aplicação de testes psi­coló­ confir­mando a predominância bastante acen­
gicos e o atendimento a crian­ças com algum ­­tuada do campo clínico, quando compa­rada
tipo de distúrbio ocupam o segundo e o ter­ às áreas da psicologia organizacional e do
ceiro lugares das atividades mais rea­lizadas, tra­balho e escolar e educacional.
com percentuais de 38,4 e 21,8%, respec­ti­ Quanto às abordagens teórico-meto­do­
vamente. Merecem ainda des­taque outras lógicas que dão sustentação ao trabalho do
ati­vidades que foram citadas por nú­mero ex­ psicólogo autônomo, prevalecem as abor­
pressivo de psicólogos autô­nomos: psicote­ dagens psicanalítica, apontada por 47,6%
rapia individual (16,5%), con­­sultoria (15,7%), dos autônomos participantes da pesquisa;
orientação de pais (13%), assis­tên­cia psico- humanista (33,7%); cognitivista (29,8%) e
ló­gica a pacientes clínicos (10,5%) e psico­te­ comportamental (29,7%). As abordagens
160 Bastos, Guedes e colaboradores

Intervenção em organizações e instituições 2,3

Ergonomia 2,4

Desenvolvimento de grupos e equipes 2,5

Participação em equipes técnicas 2,7

Assistência materno infantil 3,2

Dinâmica de grupo 3,7

Supervisão de estágios acadêmicos 3,7

Orientação vocacional/profissional 4,2

Reabilitação profissional 4,5

Supervisão extra-acadêmica 5,8

Orientação a adolescentes 7,0

Avaliação de desempenho 7,2

Pareceres e laudos psicológicos 7,6

Orientação a gestantes 7,6

Planejamento e execução de projetos 7,6

Diagnóstico organizacional 7,9

Psicoterapia de casal 8,1

Orientação psicopedagógica 9,3

Psicoterapia de grupo 10,0

Assistência psicológica a pacientes clínicos 10,5

Orientação de pais 13,0

Consultoria 15,7

Psicoterapia individual 16,5

Atendimento a crianças com distúrbios 21,8

Aplicação de testes psicológicos 38,4

Psicodiagnóstico 53,1

0 20 40 50
Figura 8.9 Principais atividades dos profissionais autônomos (em percentual).

só­cio-histórica, existencialista e analítica fo­ dos respondentes e 12,7% responderam que


ram citadas por cerca de um em cada quatro atuam com outras abordagens teórico-meto­
psicólogos autônomos pesquisados. A abor­ dológicas, além dessas sete citadas. Da aná­
da­gem psicodramática foi citada por 15,5% lise desses dados é possível verificar que a
 


 
  
  
  
 



O trabalho do psicólogo no Brasil 161
 

 
  

 
  
 
3,3% 1%

 



 
 


7,8%




6,1%


 



 
    
 
  
  
 
 49,7% 
   
 

 

 
 




 




          
 
 
15,7%      
          
 
       
        
  
 
    
      
      
   
   
 
 


 
 
  

    


 
  
   16,5%
 
 
 
 Clínica
 Docência Social

 Organizacional e do trabalho Escolar e educacional Jurídica
Saúde 

Figura 8.10 Áreas de atuação dos profissionais autônomos (em percentual).

maioria dos profissionais não fundamenta o to de a maioria trabalhar em consultórios


seu trabalho ou se identifica com apenas par­ticulares está em sintonia com a área de
uma abordagem, pois, em média, cada res­ tra­balho desses profissionais autônomos, já
pondente marcou três das sete abordagens que a maioria atua na área clínica. A Figura
listadas, e alguns pesquisados não marcaram 8.12 apresenta um resumo das informações
nenhuma. A Figura 8.11 mostra as aborda­ relativas aos locais de trabalho.
gens que foram mais apontadas pelos psi­ Quanto à forma como exercem as ati­
cólogos que atuam como autônomos. Para vidades, 75,6% atuam predominante­men­-
dados gerais acerca das abordagens meto­ te de for­­ma individual, enquanto para
dológicas, ver Capítulo 9. 14,2% predo­minam o exercício das ativi­
dades em grupos multidisciplinares. Os que
atuam na maior parte do tempo com grupos
Condições de trabalho dos de psi­cólogos correspondem a 10,2% do
psicólogos autônomos: local, total de profis­sionais autônomos. É inte­
forma de trabalho e ren­da ressante ob­ser­­var que, mesmo sendo o tra­
balho exer­ci­do na maioria dos casos de for­
Em relação à área de trabalho dos pro­ ma indi­vi­dual, gran­de parte dos psicó­logos
fissionais autônomos, 83,7% atuam em con­ autôno­mos pes­quisados (47,2%) ava­lia que
sultórios particulares, sendo 25% em consul­ essa forma de trabalho contribui muito pa­­
tórios próprios e 58,7% em consultórios ra me­lhorar as relações inter­pessoais, en­
alugados. O percentual que realiza suas ati­ quanto 25,1% ava­liam que essa forma de
vidades em escritórios é de 5,8%, e 10,4% tra­balho contribui pouco. Em re­lação a con­
trabalham em sua própria residência. O fa- ­­­tribuição para atin­gir resultados, a gran­­de
162 Bastos, Guedes e colaboradores

Outras abordagens 12,7

Abordagem psicodramática 15,5

Abordagem analítica 23,1

Abordagem existencialista 24,5

Abordagem sociohistórica 25,5

Abordagem comportamental 29,7

Abordagem cognitiva 29,8

Abordagem humanista 33,7

Abordagem psicanalítica 47,6

0 10 20 30 40 50 60

Figura 8.11 Abordagens teórico-metodológicas adotadas pelos profissionais autônomos (em per­
centuais).

• Consultórios particulares – 83,7%


• Consultórios próprios – 25%
Locais de trabalho • Consultórios alugados – 58,7%
• Escritórios – 5,8%
• Própria residência – 10,4%

Figura 8.12 Informações relativas aos locais de trabalho dos psicólogos autônomos.

maioria (67,8%) acredita que a forma de dispersão em torno dessa média, indicando
trabalho atual con­tribui muito para os resul­ disparidades entre as rendas dos psicólogos
tados, enquanto apenas 3,4% avalia que a autônomos.
contrib­uição des­sa forma de trabalho é pe­ A maioria dos psicólogos que atuam
quena. como autônomos (70,1%) retira 100% de
Acerca dos rendimentos atuais na ocu­pa­ sua renda dessa modalidade de trabalho. Os
­ção em psicologia, o questionário da pes­ 30% restantes dividem sua renda entre pro­
quisa previu faixas de renda que va­riavam veniente de outras atuações e da atuação
de 3 até renda superior a 21 salários míni­ profissional em psi­cologia. Em relação à con­
mos. Os psi­cólogos foram perguntados sobre ­tribuição para o ren­dimento familiar, 28,1%
sua ren­­da mensal, o percentual dessa renda contribuem com 100%, enquanto 17,3% em
pro­veniente da atuação no campo da psico­ nada contribuem para o orça­men­to familiar.
logia e o percentual dos rendimentos de sua As faixas de até 50% de con­tribuição para o
ati­vidade como psicólogo que con­tribuía no orçamento familiar corres­pondem a 54,4%
orçamento familiar. do total de respostas. Ou seja, se por um
Os dados relativos aos profissionais au­ lado há muitos psicólogos para os quais os
tônomos apontam para uma renda média de ren­dimentos com o exercício da profissão
R$ 2.791,74, o equivalente a aproxima­da­ são fundamen­tais para o sus­tento da família,
men­te nove salários mínimos à época da pa­ra outros a contribuição da renda pro­ve­
pes­quisa (2006/2007). Contudo, o alto des­ niente da atua­ção em psi­cologia influencia
vio padrão (2.303,09) mostra que há grande apenas marginalmente pa­ra a composição
O trabalho do psicólogo no Brasil 163

do orça­mento familiar. A Figura 8.13 resume de salário mínimo, em que se pode perce-
os re­sultados para rendi­mentos dos psicólo­ ber que 46,5% deles re­cebem entre 4 a 9
gos que atuam como au­tônomos em faixas sa­lários mínimos.

50,0
46,5
45,0
40,0
35,0
30,0
25,0
20,0 18,8
15,8
15,0
10,0
9,9 9,0
5,0
0,0
0 até 3 SM 4 a 9 SM 10 a 15 SM 16 a 21 SM mais de 21 SM
Figura 8.13 Distribuição dos rendimentos dos psicólogos autônomos (em percentual).

Em relação à renda, é interessante ob­ a 9 salários mínimos, que é a faixa pre­do­


ser­var que há diferença significativa entre minante entre os psicólogos, 23,8% é de
os que atuam apenas como autônomos e os ape­nas autônomos e 76,2% representa autô­
que trabalham como autônomos e mantêm nomos com outros vínculos empregatícios,
outros vínculos. Entre os que recebem de 4 como mostra a Figura 8.14.

Mais de 21 SM 70,1 29,9

De 16 a 21 SM 71,4 28,6

De 10 a 15 SM 73,9 26,1

De 4 a 9 SM 76,2 23,8

Até 3 SM 64,3 45,7

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Só autônomo
Autônomo e outros vínculos
Figura 8.14 Distribuição dos rendimentos dos psicólogos que são só autônomos e dos autônomos
que têm outros vínculos (em percentual).
164 Bastos, Guedes e colaboradores

Outro dado importante para comentar é a balham também como autônomos são os de
renda média dos psicólogos autônomos de maior renda média (R$ 3.420,76). Em contra­
acordo com a sua inserção profissional. Ob­ partida, os que atuam como autô­no­mos e em
serva-se que aqueles que têm inserção no ONGs apresentam a renda média mais baixa
serviço público, em instituições privadas e tra­ (R$ 2.225,74), como mostra a Figura 8.15.

Pública, privada e autônomo 3,420,76

Privada e autônomo 3,330,57

Atua em todas 3,027,27

Privada, ONG e autônomo 2,857,28

Pública e autônomo 2,662,50

Autônomo 2,625,93

Pública, Ong e autônomo 2,396,74

ONG e autônomo 2,225,74

0,00 1,000,00 2,000,00 3,000,00 4,000,00

Figura 8.15 Valor médio da renda dos psicólogos autônomos e autônomos com outros vínculos.

Escolha da profissão de psicólogo Os dados da pesquisa mostram que mais


pelos profissionais autônomos de 80% dos psicólogos que atuam como autô­
nomos tiveram liberdade no seu processo de
Essa seção compara aspectos relevantes to­mada de decisão – consideraram, muito for­
da escolha da profissão por profissionais ­­temente ou totalmente, a decisão como sendo
que atuam exclusivamente como autônomos livremente tomada. Corroborando es­sa ideia
e por aqueles que são autônomos e têm de que a escolha da profissão de psicólogo foi
outros vínculos. A pesquisa apresentou uma tomada pelos próprios profis­sionais, os resul­
escala de oito itens que avaliavam o peso de tados apontam que menos de 10% dos pes­
fatores internos, como habilidades, interesse quisados avaliaram que a to­­mada de decisão
e vocação, e o peso de fatores externos, co­ foi pouco ou não to­tal­mente livre. É importan-
mo remuneração e oportunidades de traba­ te destacar que não houve diferenças signi­
lho. O questionário também abordou a li­ ficativas entre as médias da escala de con­
berdade na escolha da profissão, verificando cordância dos pro­fissionais que atuam exclu­
o quanto a escolha da profissão de psicólogo sivamente como autônomos e aqueles que
foi tomada livremente e o quanto foi in­ são autônomos e têm outros vínculos, tanto
fluenciada por outras pessoas. Por fim, o em relação à liberdade na escolha da profissão
ins­trumento de coleta de dados indagou a (6,2 e 6,1, respec­tiva­mente), como também
intenção de mudança de emprego, de área em relação à liber­dade na escolha da área
de atuação em psicologia ou mesmo de mu­ de atuação dentro da profissão (5,9 e 6,0, res­
dança de profissão. pec­ti­vamen­te). Tal re­sultado pode indicar
O trabalho do psicólogo no Brasil 165

que, para os profissionais que atuam como quase nulos os casos dos que gostariam de
au­­tônomos, com outros vínculos ou não, mudar de pro­fissão. Vale des­tacar que em
não houve interferência de expectativas e relação a isso não houve di­ferenças signi­
pres­­são de outras pessoas para a escolha da ficativas nas opi­niões dos que atuam ex­
pro­fissão ou da área. clusivamente como au­tônomos e dos que
No que diz respeito aos interesses, às mantêm outros vínculos.
habilidades e à vocação pessoal, bem como à A Figura 8.16 apresenta um resumo da
remuneração e ao status social da profissão de comparação entre os que são exclusivamente
psicólogo, não foram significativas as di­fe­ autônomos e os que são autônomos com al­
renças encontradas entre os profissionais que gum outro tipo de vínculo. Ao analisar a
atuam exclusivamente como autônomos e Figura 8.16 é importante considerar que as
aqueles que são autônomos e mantêm outros respostas relativas à escolha e à avaliação da
vínculos. Contudo, o mercado de tra­balho profissão variam de (1) Discordo Total­mente
influenciou mais aqueles que são au­tônomos e a (4) Con­cordo Totalmente, enquanto as per­
têm outros vínculos que aque­les que são ape­ gun­tas so­bre intenções de mudança de em­
nas autônomos. Essa influên­cia do mercado prego, área de atuação ou profissão tinham
ocorreu tanto em relação à es­colha da pro­ como escala de resposta (1) Sim; (2) Sim, em
fissão, quanto em relação à es­colha da área. parte; (3) Não.
Em ambos os casos, os au­tônomos com ou-
tros vínculos atribuíram maior importância
para o mercado de tra­balho do que aqueles Perfil resumido do psicólogo
que atuam exclu­siva­mente como autônomos. autônomo brasileiro
Sobre a avaliação da profissão, os au­tô­
nomos com algum outro tipo de vínculo se Considerando todos os aspectos apresen­
mostram mais otimistas ao apresentarem mé­ tados no capítulo, foi construído um perfil
dias mais elevadas na escala de concor­dância geral do psicólogo autônomo brasileiro, le­
para as afirmativas de que a profissão possui vando-se em conta desde seus dados pessoais
prestígio e é reconhecida. Também ten­dem a e sua formação, até a avaliação que fazem
discordar mais da ideia de que a pro­fissão de da sua profissão e das perspectivas que
psicólogo é elitista ou que o status do pro­fis­ vislumbram na mesma.
sional em uma equipe mul­tidisciplinar é in­fe­
rior aos demais. Contudo, os autônomos com
algum outro tipo de vín­culo concordam mais Diferenças entre psicólogos
que os apenas autô­nomos que a profissão é autônomos e com vínculos
malremunerada. empregatícios no Brasil
Essa visão mais otimista que os autô­
nomos com algum outro tipo de vínculo O presente capítulo traçou um perfil dos
têm da profissão se reflete na resposta à profissionais autônomos em psicologia, bus­
pergunta se gostaria de mudar de empre- cando responder aos seguintes questiona­
go mantendo a área de atuação. Embora mentos: esses profissionais se diferenciam
todos os autô­nomos tendam a discordar dos demais que atuam na psicologia? Há di­
da afirmativa, os que mantêm outro tipo de ferenças de atuação, de renda ou de signi­
vínculo tendem menos a querer a mudan- ficado atribuído à profissão? Para tanto,
ça. Em rela­ção a mudar de área de atua- aná­­­lises estatísticas foram conduzidas para
ção da psicologia ou mudar de profis- comparar os resultados obtidos pela amostra
são, foram poucos os au­tônomos que de­ de psicólogos autônomos com os resultados
monstraram interesse em mu­dar de área e obtidos com a amostra de não autônomos –
166 Bastos, Guedes e colaboradores

mais especificamente, foram utilizados tes- rão apresentados e interpretados somente


te t e qui-quadrado, respectivamente, para os resultados em que a diferença entre es-
ques­tões com dados paramétricos e não pa­ sas duas categorias (autônomos e não au­
ramétricos. Nesta seção e nas seguintes se­ tônomos) foi significativa.

• Importância do mercado de trabalho na decisão da profissão


• só autônomos – média 2,87
• autônomos mais outros vínculos – média 3,14
• Importância do mercado de trabalho na decisão da área de trabalho
Escolha da • só autônomos – média 3,49
profissão • autônomos mais outros vínculos – média 4,00

• Concordância com a afirmativa de que a profissão possui prestígio


• só autônomos – média 3,31
• autônomos mais outros vínculos – média 3,48
• Concordância com a afirmativa de que a profissão é reconhecida
• só autônomos – média 3,56
• autônomos mais outros vínculos – média 3,70
• Concordância com a afirmativa de que a profissão é mal remunerada
• só autônomos – média 4,22
• autônomos mais outros vínculos – média 4,37
Avaliação da • Concordância com a afirmativa de que a profissão é elitista
profissão • só autônomos – média 3,08
• autônomos mais outros vínculos – média 2,85
• Concordância com a afirmativa de que o psicólogo tem status
inferior quando trabalha com equipes multidisciplinares
• só autônomos – média 3,00
• autônomos mais outros vínculos – média 2,82

• Gostaria de mudar de emprego, mantendo área de atuação


• só autônomos – média 2,48
• autônomos mais outros vínculos – média 2,35
• Gostaria de mudar de área de atuação dentro da Psicologia
Intenção de permanecer • Sem diferenças significativas entre só autônomos e autônomos com
na profissão outros vínculos
• Gostaria de mudar de profissão
• Sem diferenças significativas entre só autônomos e autônomos com
outros vínculos

Figura 8.16 Resumo comparativo entre autônomos em termos de escolha e avaliação da profissão e
desejo de mudar de emprego, área de atuação ou profissão.

Diferenças da natureza do fissionais autônomos que se graduaram em


trabalho e da formação instituições privadas em ambos os grupos,
acadêmica e complementar porém entre os autô­nomos o percentual é
ainda maior (72,9% e 65%, respectivamen-
Comparando os profissionais autôno­ te para graduados em instituições públicas
mos com aqueles que têm vínculos em­ que atuam atualmente como autônomos e
pregatícios, algumas diferenças ficam evi­ para os que atuam como profissionais com
denciadas. Há maior percentual de pro­ vínculo empregatício).
O trabalho do psicólogo no Brasil 167

Quadro 8.1 Síntese do perfil do psicólogo autônomo no Brasil.


• 82% são mulheres
Dados
• Idade média 36,4 anos (DP=10,2)
pessoais
• 19,7% moram com o cônjuge e os filhos e 18,1% com a família de origem
• 72,1% graduaram-se em instituições privadas
• 73,3% fizeram cursos de especialização, sendo 79% deles na psicologia
Formação
• 27,1% possuem título de mestre, sendo 65,8% na psicologia
acadêmica
• 7,7% são doutores, sendo 72,3% de titulações no campo da psicologia
• O tempo médio de formado é de 9,7 anos (DP=9,1)
• 83,6% realizaram algum tipo de curso de curta duração
Formação • 30,1% dos profissionais participaram de cursos de aperfeiçoamento
complementar no • 51,4% participam de algum grupo de estudo
último biênio • 47,1% investem em supervisão extra-acadêmica
• 74% participam de algum congresso
• 69,5% exercem atividades apenas na psicologia
Situação
• 66,6% já passaram por algum outro emprego em psicologia
ocupacional
• 61,3% trabalham como autônomo (com ou sem outros vínculos)
• 53,1% atuam com psicodiagnóstico
• 38,4% aplicam testes psicológicos
• 21,8% atendem a crianças com algum tipo de distúrbio
Atividades • 16,5% trabalham com psicoterapia individual
desenvolvidas • 15,7% atuam em consultoria
• 13,0% realizam orientação de pais
• 10,5% prestam assistência psicológica a pacientes clínicos
• 10,0% trabalham com psicoterapia de grupo
Carga de • 75,3% trabalham até 20 horas semanais
trabalho • 13,9% trabalham 30 horas semanais
semanal • 10,8% trabalham 40 horas semanais
• Renda média de R$ 2.791,74, equivalente a cerca de 9 salários mínimos à época da pesquisa
• Alto desvio padrão (2.303,09) da renda indica disparidades entre rendimentos
Renda • 70,1% têm toda a sua renda – ou quase toda – proveniente da atuação como psicólogo
• 28,1% contribuem com 100% para o rendimento familiar
• 17,3% em nada contribuem para o orçamento familiar
• 83,7% atuam em consultórios particulares
• 25% trabalham em consultórios próprios
Local de
• 58,7% atuam em consultórios alugados
trabalho
• 5,8% realizam suas atividades em escritórios
• 10,4% trabalham em sua própria residência
• 49,7% atuam na área clínica
Área de atuação
• 16,5% estão na área de psicologia organizacional e do trabalho
na psicologia
• 15,7% atuam na área de saúde
• 75,6% exercem suas atividades predominantemente de forma individual
Formas de
• 14,2% trabalham com atividades em grupos multidisciplinares
trabalho
• 10,2% atuam na maior parte do tempo com grupos de psicólogos
• 80,0% tiveram liberdade na decisão da escolha da profissão
• 63,9% avaliam que a decisão da área de atuação na psicologia foi totalmente livre
Escolha da
• 77,7% avaliam que foi pouco ou nada influenciado na escolha da profissão
profissão e da
• 64,2% foram pouco ou nada influenciados na escolha da área de atuação
área de atuação
• 75,1% tiveram a escolha da profissão muito fortemente ou totalmente baseada na vocação pessoal
• 69,7% escolheram a área de atuação com base na vocação pessoal
• 82,9% concordam que a profissão possui credibilidade
• 45,3% concordam que a profissão é desrespeitada
• 64,7% concordam que a profissão possui prestígio
Significado • 75,0% concordam que a profissão é reconhecida
da profissão • 87,1% concordam que a profissão é mal remunerada
• 46,6% concordam que a psicologia é uma profissão elitista
• 44,6% concordam que o psicólogo tem um status inferior quando trabalha em equipes
multiprofissionais
Planos de • 90,8% gostariam de permanecer na profissão atual
mudança de • 73,4% não gostariam de mudar de área de atuação dentro da psicologia
profissão • 55,8% gostariam de permanecer no emprego atual
168 Bastos, Guedes e colaboradores

Em relação à formação complementar, cesso mais constante de desenvolvimento


ao se considerar as ações realizadas nos úl­ de competências. Além disso, cabe enfatizar
timos dois anos, também é muito grande a que a formação clínica que se revelou pre­
diferença entre os profissionais autônomos dominante na amostra de psicólogos pesqui­
e os não autônomos: os primeiros tendem a sados implica amplo investimento temporal
investir mais em sua formação profissional, em formação complementar, conforme sa­
especialmente no que se refere aos cursos lienta Langenbach e Negreiros (1988).
de aperfeiçoamento (53,8% dos autônomos A Tabela 8.1 mostra as diferenças entre
participaram desse tipo de curso no último a formação acadêmica e a complementar
biênio, enquanto os profissionais com vín­culo dos profissionais autônomos e daqueles que
empregatício corresponderam a 38%); grupos têm vínculo empregatício nas variáveis que
de estudo (75% e 52,4% de parti­cipação, apresentaram diferenças significativas en-
respectivamente, para autônomos e não autô- tre esses dois grupos1.
nomos); supervisão extra-aca­dêmi­ca (73,6% Os resultados obtidos, comparados aos
de autônomos tiveram supervisão extra-aca­ de pesquisas empíricas anteriores, também
dê­­mica e 41,7% de profissionais empregados indicam uma concentração de psicólogos
tiveram o mesmo tipo de supervisão). exercendo atividades na área clínica e um
O investimento em formação continuada número mais reduzido nas áreas organiza­
também apresenta diferença significativa e cional e escolar (Mello, 1975; Bastos, 1988;
favorável aos profissionais autônomos, nos Yamamoto, Siqueira e Oliveira, 1997). Em­
itens congressos (90,4% dos autônomos bora esses autores reconheçam essa confi­
par­­ticipou de algum congresso, enquanto, guração profissional da psicologia no Bra-
dos psicólogos com vínculo empregatício, o sil, assinalam a imprecisão dessa taxonomia
percentual foi de 85%) e cursos de curta diante da presença cada vez mais frequente
duração (83,6% e 74,4% de participação, de novos espaços de trabalho que não po­dem
respectivamente, para os grupos de autôno­ ser classificados nas categorias tradi­cionais.
mos e não autônomos). Ou seja, a pesquisa Ainda sobre a formação do psicólogo, Vi­
permite concluir que os profissionais que lela (1996) critica o modelo que enfoca o es­
trabalham por conta própria têm investido tágio e a supervisão, sendo o estágio visto pe­
mais na sua formação complementar. los alunos como a parte positiva da for­ma-
Esse resultado pode estar relacionado a ção, onde verdadeiramente se aprende a “ser
alguns aspectos ou a um conjunto deles, po­ psicólogo”. A autora aponta que “ser psi­có­lo­
dendo-se considerar como possíveis explica­ go” parece caracterizar-se não como ocu­pa-
ções: (a) a percepção de maior necessidade ­­ção profissional, mas sim como um es­ti­lo de
de formação continuada, uma vez que a pes­ vida; “um ser autônomo a cuidar de sua inte­
soa tem menor garantia de recebimento de rioridade”. As discussões apre­sen­ta­das pela
rendimentos, dependendo constante­men­­te autora, além da relevância sobre a re­flexão
de manter-se atualizada; (b) o maior tempo dos processos de supervisão e do modo de
para investir na formação profissional, uma sub­jetivação neles presentes, per­mitem outras
vez que o dia a dia das organizações nem reflexões, pois sugerem que a formação clíni-
sempre permite o afastamento temporário ca é definidora dessa per­cep­ção do “ser psi­
para participar de ações de capacitação; (c) cólogo” e que a ques­tão da “au­tonomia” é
a maior autonomia no processo de decidir uma busca dos profis­sio­nais da área.
de que tipo de formação complementar irá Em relação à inserção no trabalho, tam­
participar e em que momento; (d) o maior bém há diferenças significativas entre psicó­
engajamento dos autônomos em redes pro­ logos autônomos e psicólogos que trabalham
fissionais que acabam conduzindo a um pro­ com vínculo empregatício. Como seria de se
O trabalho do psicólogo no Brasil 169

Tabela 8.1 Comparação da formação acadêmica e complementar de profissionais autônomos e com


vínculo empregatício
Variáveis Profissional predominantemente Profissional com
autônomo (%) vínculo empregatício (%)

Graduação Pub. 27,1 35,0


Priv. 72,9 65,0

Curso curta duração Sim 83,6 74,7


Não 16,4 25,3

Supervisão acadêmica Sim 53,8 38,0


Não 46,2 62,0

Grupo de estudo Sim 75,0 52,4


Não 25,0 47,6

Curso aperfeiçoamento Sim 73,6 41,7


Não 26,4 58,3

Congresso Sim 90,4 85,0


Não 9,6 15,0

esperar, os autônomos apresentam inserção niente da psicologia, vocação pessoal como


profissional mais diversificada: 71,5% têm fator na escolha da área de atuação e psi­
dois ou mais tipos de inserções (ONGs, em­ cologia como profissão de prestígio.
presas privadas, instituições públicas e inser­ Em relação à idade, observou-se que
ção como autônomo), enquanto entre os os profissionais autônomos apresentam mé-
psi­­cólogos com vínculo empregatício esse dia um pouco mais elevada (36,4 anos e
per­centual é de apenas 26,8%, como pode DP = 10,19) que os psicólogos que têm vín­
ser observado na Tabela 8.2. culo empregatício (média de 33,3 anos e
Vale ainda destacar como diferença re­ DP = 9,17). Embora essa diferença seja pe­
levante, o fato de 61,2% dos psicólogos não quena, ela gera pelo menos três questio­
autônomos estarem vinculados a institui- namentos: (a) as pessoas tenderiam a atuar
ções pú­­blicas, enquanto esse percentual en­ como autônomas após já ter alguma expe­
tre os autônomos é de 33,9%. Já em relação riência profissional?; (b) há tendência de
à inserção em ONGs, praticamente não há redução dos psicólogos atuarem como autô­
diferença entre os profissionais au­tônomos nomos?; (c) quem se forma mais tarde
(30% estão inseridos) e os com vínculo em­ apresenta maior tendência de atuar como
pregatício (27,9% de inserção). autônomo? Na verdade, o fato de os pro­
fissionais autônomos serem um pouco mais
velhos pode derivar tanto de preferência
Diferenças entre características pelo trabalho autônomo pelos estudantes
dos psicólogos e percepções que se formam mais velhos, como também
acerca da profissão do fato de as pessoas inicialmente procura­
rem um emprego com vínculo e só mais
A comparação entre as características tarde atuarem como autônomas. Outra ex­
dos psicólogos que trabalham como autô­ plicação a ser considerada diz respeito ao
nomos e dos psicólogos que trabalham com crescimento das taxas de emprego no Sis­
vínculo empregatício evidenciou diferença tema Único de Saúde (SUS), em hospitais e
significativa nas médias relativas a cinco ONGs e suas repercussões em termos de ten­
variáveis: idade, renda mensal, renda prove­ dência de aumento do número de psicólo-
170 Bastos, Guedes e colaboradores

Tabela 8.2 Comparação da inserção profissional de psicólogos autônomos e com vínculo empre­
gatício
Variáveis Profissional predominantemente Profissional com
autônomo (%) vínculo empregatício (%)

Autônomo 28,4 0,3


ONG 0,0 8,7
ONG e autônomo 12,1 0,0
Privada 0,0 23,8
Privada e autônomo 18,7 0,0
Privada e ONG 0,0 6,0
Privada, ONG e autônomo 6,9 0,0
Pública 0,0 40,4
Pública e autônomo 15,8 0,0
Pública e ONG 0,0 8,9
Pública, ONG e autônomo 6,1 0,0
Pública e privada 0,1 7,6
Pública, privada e autônomo 7,0 0,0
Pública, privada e ONG 0,0 4,3
Atua em todas 4,9 0,0

gos em­pre­gados. Os resultados aqui apresen­ Já em relação à escolha da profissão de psi­


tados estão alinhados àqueles mencionados cólogo, as opiniões de profissionais autôno­
ante­rior­mente, em que ficou constatada pre­ mos e com vínculo empregatício foram bas­
do­minância acentuada de profissionais au­ tante similares.
tô­no­mos na faixa de 20 anos de formado. Finalmente, também houve diferença
No que diz respeito à renda, observa-se significativa nas opiniões relativas à frase
que, embora com valores próximos, os autô­ “A profissão de psicólogo é uma profissão
nomos apresentam média salarial um pouco de prestígio”. Os psicólogos com vínculo
acima dos empregados assalariados. Con­ empre­gatício concordaram mais com essa
tudo, é preciso considerar que os autônomos frase do que os psicólogos autônomos, em­
não gozam de benefícios trabalhistas como bora os escores médios tenham sido pró­
férias remuneradas, 13o salário, FGTS, plano ximos. Isso pode sinalizar que o trabalho
de saúde pago pelas empresas, etc. Portanto, com vínculo empregatício reforça a per­
é possível que, se contabilizado o valor de cepção do pres­tígio da área de psicologia.
tais benefícios, os psicólogos com vínculo A Tabela 8.3 apresenta as variáveis que ti­
empregatício apresentem situação mais fa­ veram diferenças significativas entre psi­
vorável do ponto de vista dos rendimentos cólogos autônomos e psicólogos com vín­
globais. Ainda sobre a renda, os profissionais culo empregatício2.
autônomos apresentam percentual um pou-­
co menor do total de sua renda proveniente
da psicologia, ou seja, os que possuem vínculo Conclusão
empregatício têm parcela maior de sua renda
proveniente da atuação como psicólogo. Neste capítulo foram descritos e ana­
Os resultados também apontam para lisados aspectos relacionados aos profis­sio­
uma diferença em relação ao peso atribuído nais autônomos sobre os contextos de sua
à vocação pessoal na escolha da área de inserção no mercado profissional, prin­cipais
atuação dentro da psicologia. Os autônomos atividades exercidas, locais de tra­balho, car­
concordaram mais que a vocação pessoal foi ga horária de trabalho, renda e forma de
determinante na escolha da área de atuação. tra­balho, avaliação desses pro­fissionais em
O trabalho do psicólogo no Brasil 171

Tabela 8.3 Diferenças entre psicólogos autônomos e com vínculo empregatício (teste t)
Variáveis Condição N Média Desvio padrão
Autônomo 1,820 36,4 10,19
Idade
Vínculo empregatício 395 33,3 9,17
Renda mensal Autônomo 1,658 4,60 2,57
(escala 11 pontos) Vínculo empregatício 346 4,16 2,14
Renda proveniente da psicologia Autônomo 1,644 9,26 3,09
(escala 11 pontos) Vínculo empregatício 345 9,84 2,70
Vocação pessoal como fator na escolha Autônomo 941 5,95 1,33
da área de atuação (escala 7 pontos) Vínculo empregatício 205 5,72 1,48
Psicologia como profissão de prestígio Autônomo 999 3,43 1,07
(escala 5 pontos) Vínculo empregatício 215 3,61 1,06

relação a como se sentem atuando na área e com ênfase sobre o psicodiagnóstico e modos
perspectivas de crescimento da atuação pro- de classificação nosológica. Assim, a atuação
fissional. Para tanto, foram conduzidas aná- prevalente dos psicólogos pesquisados é a
lises estatísticas que permitiram concluir atividade autônoma, ou seja, o psicólogo
que a maioria dos psicólogos aqui estudados como profissional liberal. A carga horária
atua como profissional autônomo, mantendo predominante é de até 20 horas semanais,
a classificação da profissão como predo- sendo baixo o percentual de autônomos que
minantemente de profissionais liberais. tem carga de trabalho de 40 horas semanais.
Os locais mais específicos de inserção A renda média dos profissionais autô-
desses profissionais são os consultórios par- nomos está situada em torno de nove sa-
ticulares, predominando os alugados. A lários mínimos e tende a ser ligeiramente
principal área da atuação dos psicólogos superior à renda dos psicólogos que não
autônomos ainda é a clínica, seguida de lon- trabalham como autônomos. Para a maioria
ge pela área de psicologia organizacional e desses profissionais, toda ou quase toda a
do trabalho. Tais resultados reafirmam o pa- sua renda mensal é proveniente do trabalho
drão verificado em pesquisas anteriores no no campo da psicologia. Os psicólogos que
referido contexto ocupacional (Mello, 1975; atuam apenas como autônomos têm renda
Bastos, 1988; Yamamoto et al., 1997). Ou média pouco menor do que a renda média
seja, os psicólogos pesquisados mantêm prá- daqueles que atuam como autônomos e
ticas tradicionais, talvez sem a necessária mantêm outros vínculos.
consideração das circunstâncias e das ques- No que diz respeito à avaliação que os
tões envolvidas, na adoção de tais práticas autônomos fazem sobre a escolha da pro-
nesses novos contextos de atuação, conforme fissão e o significado dela, os dados apontam
enfatiza Yamamoto e colaboradores (2001). que esses profissionais apresentam visão
Em relação às atividades realizadas pelos positiva sobre vários aspectos, embora sejam
profissionais autônomos destacam-se: psico- quase unânimes em concordar que a pro-
diagnóstico, aplicação de testes psicológicos, fissão de psicólogo é malremunerada. Sobre
atendimento a crianças com algum tipo de essas avaliações, vale destacar que, embora
distúrbio, psicoterapia individual e consul- para todos os profissionais pesquisados a
toria. De maneira geral, esses dados sinali- vocação pessoal tenha sido o fator de maior
zam que o modelo ainda prevalente, pelo peso na escolha da profissão, entre os psi-
menos entre os psicólogos aqui estudados, é cólogos autônomos a valorização da vocação
o da clínica tradicional, largamente influen- pessoal é ainda maior. Também merece des-
ciado pelo modelo médico de atendimento, taque o fato de os psicólogos que atuam
172 Bastos, Guedes e colaboradores

como autônomos e mantêm outros vínculos balho autônomo na psicologia, identificando


fazerem avaliação mais positiva do prestígio os locais mais espe­cíficos de inserção desse
da profissão, do fato de ela ser reconhecida profissional no mer­­cado, suas condições,
e do status do psicólogo quando trabalhando carga horária e renda. A ex­pec­tativa é de
em equipes multidisciplinares. que os conteúdos aqui aborda-dos sejam in­
Esses dados acenam à possibilidade de tegrados aos enfoques teóricos apre­­­sen­tados
que novas dimensões de atuação profissional nos demais capítulos deste li­vro e que forne­
estejam sendo percebidas, mais especi­fica­ çam dados relevantes para uma com­preen­
mente no que diz respeito ao trabalho em são abrangente da trajetória profis­sional do
equipes multidisciplinares, o que reafir­ma a psicólogo no Brasil.
constatação de Ferreira Neto (2004) de que,
ainda que tênue, a imagem social dos estu­
dantes de psicologia está sendo gradualmente notas
alterada em função inclusive, da implantação
do novo currículo. Isso co­loca em relevância 1 Para verificar se as respostas apresentavam
o papel de diretrizes curriculares que reco­ diferenças significativas entre os dois grupos
nheçam mudanças que vêm ocorrendo no (autônomos e não autônomos) foi feito o teste
do qui-quadrado, uma vez que os dados eram
campo de trabalho do psicólogo e assumam a
não paramétricos.
vocação mutante ne­cessária em uma proposta 2 Para verificar se há diferenças significativas
de formação. Os resultados apontam, por­ nas médias das respostas relativas a idade,
tanto, para a manu­tenção do perfil do psi- renda e escalas relativas à avaliação da pro­
­có­logo como o de profissionais autônomos, fissão, foi utilizado o teste t, considerando-se a
com atuação pre­do­­minantemente clínica, comparação entre as condições “autônomo” e
com forma de tra­balho individual, inclusive “não autônomo”.
para aqueles que, além de autônomos, pos­
suem outros vínculos.
Confrontando esse perfil com as múl­ Referências
tiplas demandas da sociedade para os psicó­
logos em suas diversas áreas de atuação, o BASTOS, A.V. B. Áreas de atuação: em questão o
nosso modelo profissional. In: CFP, Quem é o
mapeamento do perfil do psicólogo que atua
psicólogo brasileiro? (pp. 163-193). São Paulo:
como autônomo descortina muitos desafios Edicon, 1988.
que ainda precisam ser vencidos pela pro­ BRASIL, Congresso Nacional. Lei 9.608/98.
fissão, entre eles destaca-se a necessidade DiárioOficial, 19 de fevereiro de 1998.
de exame cuidadoso do seu processo de for­ CHAHAD, J. P. Z; CACCIAMALI, M. C. (Orgs.).
mação profissional. Conforme salienta Ya­ Mercado de Trabalho no Brasil. São Paulo: Editora
ma­moto e colaboradores (2001), a limitação LTr, Jun. 2003.
do repertório teórico-técnico do psicólogo DIMENSTEIN, M. A cultura profissional do
pode estar comprometendo a análise das psicólogo e o ideário individualista: implicações
ca­racterísticas das novas demandas ocupa­ para a prática no campo da assistência pública à
cionais, que certamente estarão ainda mais saúde. Estudos de Psicologia (Natal), janeiro/
junho, 2000, v.5, n.1, pp.95-121.
intensas no mercado de trabalho no Brasil,
FERNANDES, R.; NARITA, R. D. T. Instrução
especialmente para o profissional que traba­ superior e mercado de trabalho no Brasil. Trabalho
lha por conta e iniciativa própria, à seme­ para discussão, FEA-USP, Campus de Ribeirão
lhança da maioria dos psicólogos brasileiros, Preto, 1999.
conforme afirma Macedo (1999). FERREIRA NETO, J. L. A formação do psicólogo:
Para finalizar, espera-se que tenha-se Clínica, Social e Mercado. São Paulo: Editora Es­
obtido uma visão ge­ral das formas de tra­ cuta, 2004.
O trabalho do psicólogo no Brasil 173

FREITAS, S. M. P.; GUARESCHI, N. M. F. A cons­ ROSAS, P.; ROSAS, A.; XAVIER, I. B. Quantos e
trução da pluralidade do conhecimento na forma­ quem somos. In: CFP, Quem é o psicólogo brasi­
ção e na prática do psicólogo no con­texto do tra­ leiro? (pp. 32-48), São Paulo: Edicon, 1988.
balho. Aletheia, jun. 2004, n. 19, pp.75-88. ROSEMBERG, F. Afinal, por que somos tantas
LANGENBACH, M.; NEGREIROS, T. A formação psicólogas? Psicologia: ciência e profissão, 1984,
com­plementar: um labirinto profissional. In: CFP, v. 1, pp. 6-12.
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9
Áreas de atuação, atividades e abordagens
teóricas do psicólogo brasileiro

Sônia Maria Guedes Gondim, Antonio Virgílio Bittencourt Bastos


e Liana Santos Alves Peixoto

A diversidade da Psicologia como campo belece com as outras dis­ciplinas ou outros


de produção de conhecimento e como campo campos profissionais, o que con­tribui para a
de práticas profissionais é fa­cilmente cons­ construção e para o uso de um vocabulário
tatada a partir do conceito de áreas de co­ que a singulariza. Ademais, o significado da
nhecimento e de atuação. Dis­centes, docentes palavra área guarda se­melhança com a
e psicólogos se reconhe­cem como interessa- noção de espaço territorial, o que conduz a
dos e/ou inse­ridos em subdomínios da Psi­ uma associação entre fa­zeres, práticas e re­
cologia que configuram espaços próprios de ferenciais teóricos a con­textos específicos
inves­tigação e de atuação. Diferenças, seme­ ou lugares de inserção profissional. Por esse
lhanças e anta­gonismos são tratados, por­tan­ motivo, ao longo da história, as áreas de
to, no inte­rior desse campo de co­nheci­mento, atuação foram definidas mais pelos con­
tendo como base o conceito de áreas de atua­ textos ou locais de trabalho do que, efeti­
ção. A noção de subárea de co­nhe­cimento, vamente, pelas ações e refe­renciais que as
por exemplo, encontra-se no sistema de pes­ embasavam.
quisa do país, repre­sentado pelo Con­selho Há que se considerar, no entanto, que a
Na­cional de Pes­quisa (CNPq). A noção de diversidade da Psicologia não se esgota no
área, tam­bém é reconhecida pelo CNPq ao de­ conceito de área e inclui a multiplicida-
finir, por exemplo, os títulos de especialistas. de teórico-metodológica que fundamenta
Assim, a noção de área de atua­ção ocupa um a prá­tica de pesquisa e a intervenção pro­
lugar importante na ca­racterização dos fazeres fis­sional. A natureza não paradigmática
dos psicólo­gos no Brasil e no exterior. da Psicologia revela-se, então, na exis­tência
Em princípio, a noção de área de atua­ de uma pluralidade de perspectivas teó-
ção profissional aproxima pesquisa­dores, ri­­cas que se apoiam em distintas con­cep-
docentes e profissionais a partir de refe­ren­ ções de ho­mem, de sociedade, de ciência e,
ciais teóricos e de estratégias de pes­quisa e em de­cor­rência, postulam proce­di­men­tos
intervenção. Tal aproximação se ma­nifesta, e prá­ti­cas distin­tos para lidar com os mes­
também, nas interfaces que cada área esta­ mos pro­blemas.
O trabalho do psicólogo no Brasil 175

Abordar esses dois conceitos – área de Áreas de Atuação


atuação e referencial teórico-metodológi-
co – no contexto da atuação do psicólogo Área de atuação é definida como um
brasileiro é o objetivo central deste capí­tulo. conjunto de atividades que o psicólogo es­tá
Caracterizar as áreas de atuação e as pers­ habilitado a fazer (Yamamoto, 1987). A le­
pectivas teórico-metodológicas dos psi­­cólo­ gislação prevê duas funções para o psi­cólo-
gos permite analisar as mudanças que estão go: ensinar e atuar em contextos pro­fis­sio­
ocorrendo na profissão, quer pela ampliação nais (Bastos, 1988). As três áreas tra­dicionais
de espaços de atuação (no­vos mercados) e de atuação em psicologia estão associadas a
pela renovação de mé­todos de trabalho atividades específicas de cada um destes con­
(avanço do conheci­mento), quer pelas mu­ textos: clínica, escolar e in­dustrial. Aárea clí­
danças nos referen­ciais que sustentam o nica esteve histori­camen­­te associada ao exer­
trabalho do psicólogo brasileiro (adequação cício autônomo das atividades de psico­terapia
do referencial teóri­co à situação e ao contexto e psico­diag­nóstico, cujo foco, confor­me pre­
de aplicação). visto pela lei, é o tratamento psicológico e a
Além do mais, a Psicologia vive uma no- so­lução de problemas de ajustamento. Mais
va rea­lidade no Brasil decorrente do cresci­ re­cen­temente, passou-se a dar ênfase ao pa­
mento exponencial do número de cursos de pel do psicólogo clínico na promoção do bem-
gra­duação nos últimos oito anos, da am­ es­tar subjetivo e psico­lógico. Na área escolar,
pliação do sistema de pós-graduação e do o psicólogo exerce suas atividades com crian­
avanço de grupos de pesquisa com interesse ças que apresentam problemas de en­sino-
focado nas questões nacionais com vistas à aprendizagem e faz uso de ins­tru­mentos de
elaboração de políticas de formação e tam­ avaliação psicológica para fins de orientação
bém de capa­citação cien­tífica e profissional. psicopedagógi­ca. As re­lações pro­fessor-alu-
Uma das preocupações deste capítulo é no, o papel dos pais no proces­so educativo e
analisar se as novas demandas sociais e a o da escola como ins­tituição pro­motora da
conquista de novos espaços por esse seg­ educação formal tam­bém consti­tuem foco
mento profissional estariam associadas à va­ das atividades do psicó­logo que exerce ati­
riabilidade e à redefinição das ati­vidades vidades nesse cam­­po de atua­ção. A área in­
profissionais do psicólogo. Dis­cute-se, tam­ dustrial tam­bém está asso­ciada às ati­vida-
bém, se o possível crescimento da catego- des que fa­zem uso de ins­trumentos psi­co­
ria teria levado à diversificação das áreas lógicos, mas, nes­te ca­so, para avaliar o po­
de atuação profissional e, por conseguin- tencial de ajus­tamento do indi­víduo às tare-
te, feito o psicólogo buscar maior integra- fas de­man­dadas pelo car­go ou posto de tra­
ção teórica. balho (Bastos, 1988).
Para atender aos objetivos propostos, o As condições sócio-históricas presentes
capítulo está dividido em três partes. A pri­ no momento do nascedouro de uma da-
meira tem como foco as áreas de atua­ção, em da ciência são muito importantes para com­
que constam informações gerais da amos­tra pre­en­der o seu desenvolvimento, e não seria
de psicólogos que participaram da pes­qui- diferente no caso da Psicologia. Des­de as
sa, com detalhamento das prin­cipais ativi­da- aplicações práticas, em fins do século XIX e
des por área de atuação. A segunda parte início do século XX, tais condições têm pas­
ana­lisa os referenciais teó­ricos usados pelos sado por grandes modi­ficações que fizeram
psicólogos no exercício de sua prática profis­ emergir novas áreas de atua­ção e reorien­
sional. A terceira re­laciona abordagens teó­ tações teóricas em Psicologia (Sass, 1988).
ricas por área de atuação. As con­clusões re­ Na pesquisa nacional do psicólogo, rea­
tomam as inda­gações centrais des­te capítulo. lizada em fins da década de 1980 pelo Con­
176 Bastos, Guedes e colaboradores

selho Federal de Psicologia, observou-se um das, portanto, podem refletir concepções


acréscimo significativo na variedade de ati­ inovadoras de alguns estudiosos, não consis­
vidades executadas por esse profis­sional, em tindo em alterações significativas quando se
relação ao descrito na legislação de 1962 considera a cate­goria profissional.
que regulamenta a profissão. Naquela épo- A pesquisa anterior sobre o psicólogo
ca, constatou-se a ampliação no quadro de brasileiro, no final da década de 1980, ofe­
ati­vidades, incluindo mu­danças nas nomen­ recia um elenco de áreas, sendo soli­­ci­tado
claturas das áreas de atuação. A área clínica que o profissional identificasse aquela ou
se ampliou e abar­cou a área de saúde; a área aquelas em que atuava. Na pes­quisa mais
escolar co­meçou a marcar suas diferenças e recente, realizada em 2006, o psicólogo ma­
suas proximidades com a área educacional, rcava suas opções de locais de trabalho
e a área industrial expandiu-se para incluir o (Qua­dro 9.1) e as atividades desenvolvidas
trabalho e a sua dimensão organizacional, (Quadro 9.2). Da combinação de locais e de
desvencilhando-se de sua vinculação res­tri­ta atividades para cada inserção profissional
à indústria. Seguindo a mesma ten­dência na (setor público, privado e autô­nomo), foram
psicologia, outras denominações de áreas de identificadas as áreas de atuação, buscando-
atuação começaram a fazer parte do reper­ se preservar a compara­bilidade com as pes­
tório psicológico: psi­cologia institu­cio­nal, quisas anteriores.
psicologia hospitalar, psico­logia do es­porte, Do agrupamento resultante das pos­sí­
psicologia jurídica, psi­cologia do trân­sito, veis combinações entre locais de trabalho
psicologia política, psi­cologia mé­dica e de e atividades desenvolvidas foram iden­tifica­­
reabilitação (Pfromm Neto, 1985). das sete áreas: Clínica e Avaliação Psi­coló­
Na ocasião, também se criticou a pre­ gica, Organizacional e do Trabalho, Educa­
dominância do modelo clínico hegemônico e cional e Escolar, Social e Comunitária, Saúde
elitista de atuação psicológica, es­pe­cial­men­ e Hos­pitalar, Jurídica e, por úl­timo, Docência
te devido ao atendimento indi­vidual mos­ e Pesquisa.
trar-se inadequado para atender às de­man­ Em virtude dos desafios de definir áreas
das da sociedade brasileira (Bas­tos, 1988). de atuação, optou-se por fazer agru­pamentos
Em 1992, um estudo apoiado em uma re­ que sinalizassem o hibridismo e a amplitude
visão crítica da produção cien­tífica disponível que caracterizam o exercício profissional do
detectou mudanças na atuação do psicólogo, psicólogo na atualidade. A Clínica não pode
sinalizando que o profissional já estava mais estar dissociada de ati­vidades vinculadas à
preocupado com o seu papel social e com as avaliação psicológica. A temática do trabalho
demandas coletivas, dando passos na direção une psicólogos organizacionais a psicólogos
oposta a um modelo individualista alicerçado que enfocam o trabalho, mas para além dos
no atendimento clínico de consultório. O limites da organização. A área educacional
reflexo disso foi sentido na proliferação de inclui questões escolares, mas trata a edu­
atividades de assessoramento técnico e de cação como algo que não se reduz ao âmbito
consultorias, no crescimento da inserção do da escola. A psicologia social e a comunitá-
psicólogo em equipes multiprofissionais e na ria estão historicamente inter-rela­cionadas,
busca de integração do conhecimento com em­­bo­ra as intervenções sociais não se re­
outras áreas, tudo isso com o objetivo de duzam a comunidades e se ex­pandam pa­ra
oferecer respostas mais satisfatórias aos pro­ organizações da sociedade civil e demais
cessos humanos (Bastos e Achcar, 1994). Tal cooperativas populares. A área de saúde
mo­vimento inovador, no en­tanto, nunca foi abarca tanto as intervenções mais amplas
objeto de um estudo em­pírico envolvendo os em políticas públicas quanto as que ocor­rem
próprios psicólogos. As mudanças aponta- em ambientes hospitares. Os psicó­logos da
O trabalho do psicólogo no Brasil 177

área Jurídica, apesar de muitas vezes rea­ mais associadas às instituições de forma-
lizarem atividades clínicas e de avaliação ção pú­blica do que às particulares, mantêm
psicológica, orientam seu trabalho para dar forte vinculação, por se supor que a atua-
suporte a decisões judiciais, o que justifi- ção em docência está apoiada em ativi-
caria a sua especificidade. Por último, a dades de pes­quisa biblio­gráfica e de estu-
do­cência e a pesquisa, apesar de estarem dos em­píricos.

Quadro 9.1 Opções de locais de trabalho por tipo de inserção


Setor Público Setor Privado Autônomo
Órgão da administração pública Empresa industrial, comercial Consultório particular
centralizada ou de serviços próprio

Empresas ou fundações públicas Instituição educacional – escola Consultório particular


até ensino médio alugado
Instituição educacional -- escola
até ensino médio Creches ou equivalentes Escritório particular
próprio
Unidades do poder judiciário Instituição de ensino superior
(Universidades, Faculdades) Escritório particular
Instituição de ensino superior alugado
(Universidades, Faculdades) Serviços de Psicologia
vinculados a instituições de Na própria residência
Serviços de Psicologia vinculados ensino
a instituições de ensino
Instituição de saúde (hospital,
Unidades do serviço público de saúde etc.)
(hospital, centros ou postos de saúde)
Centros de avaliação
Unidades públicas de atendimento psicológica
a crianças e adolescentes (creches,
orfanatos) Clubes
Obs: Para a atuação nas Organizações Sociais, Não governamentais e Cooperativas (terceiro setor), não foram
apresentadas opções de local de trabalho.

Das 2214 respostas válidas, 1462 (66%) de atuação dos psicólogos brasileiros pes­
dos psicólogos atuam em uma úni­ca área; quisados. Dos 61,7% dos psicólogos que em
648, (29%), em duas áreas e 97, (4%) em 1988 atuavam em clínica e outras áreas,
três áreas (Figura 9.1). O quadro geral mu­ 39,3% (repre­sen­tan­do 63% do total) atuavam
dou um pouco em relação à pes­quisa rea­li­ ex­clusivamente nela. Os dados de 2006 re­
zada na década de 1980, re­velando um de­ velam queda para 50,8% do total. Na área
créscimo dos psicólogos que se de­dicam ape­ organizacional e do trabalho, representada
nas a uma área de atuação. Em 1988, 73% por 22% dos pro­fis­sionais que atuam nessa
dos profissionais entrevistados exerciam, ex­ área ou a com­binam com outras, 17,6% (80%
clusivamente, ati­vidades em uma área es­ do total) exerciam suas ativi­dades com ex­
pecífica; enquanto somente 22% com­­bina­ clusividade. Pelos da­dos de 2006, essa porcen­
vam duas e 5% atuavam em três áreas si­ tagem caiu para 61,2% do total.
multaneamente. As outras áreas que permitem compa­
A Figura 9.2 permite a visualização do ração com os dados de 1988 são a do­cência
quadro atual de dedicação exclusiva por área e a escolar, visto não terem sido mapeadas
178 Bastos, Guedes e colaboradores

Quadro 9.2 Opções de atividade


Atividades
Análise de cargos e salários Docência de ensino médio Psicodiagnóstico
Análise de função e ocupacional Docência de ensino superior Psicoterapia individual (criança,
adolescente e adulto)
Aplicação de testes psicológicos Educação e reeducação
psicomotora Psicoterapia de grupo
Assessoria técnica
Ergonomia Psicoterapia de casal
Assistência geriátrica
Intervenção em organizações Psicoterapia de Família
Assistência materno-infantil
e instituições
Reabilitação profissional
Assistência psicológica a pacientes
Orientação vocacional/profissional
clínicos e cirúrgicos (cardíacos, Recrutamento e seleção
mutilados, terminais, etc) Orientação psicopedagógica
Segurança e higiene no
Atendimento a crianças com distúrbios Orientação sexual trabalho
de aprendizagem
Orientação de gestantes Supervisão de estágios
Avaliação de desempenho acadêmicos
Orientação a pais
Cargo administrativo (gerência ou Supervisão extra-acadêmica
Orientação a adolescentes
direção)
Treinamento
Orientação a grupos na área de
Consultoria
saúde pública Triagem
Coordenação de equipes de trabalho
Pareceres e laudos psicológicos
Criação publicitária
Participação em equipes técnicas
Desenvolvimento de grupos e equipes
Pesquisa científica
Diagnóstico organizacional
Pesquisa de mercado
Dinâmica de grupo
Planejamento de políticas
educacionais
Planejamento e execução de
projetos

4%

29%
Uma área
66%
Duas áreas
Três áreas

Figura 9.1 Número de áreas de atuação do psicólogo.

as áreas social e da saúde, in­cluídas na pes­ recuo apa­rece em relação à área escolar e
quisa de 2006. Dos 14,9% que, em 1988, se edu­cacional em 2006 (39,2%). A área do­
dedicavam à área escolar com­binada com cen­te, no en­tanto, fugiu a essa tendência,
ou­tras áreas, 7,1% (47% do total) atuavam pois 16,1% dos psicólogos que se dedicavam
com exclu­sividade. A mesma tendência de a ela, em 1988, em combinação com outras
O trabalho do psicólogo no Brasil 179

Organi-
Clínica Saúde Docência Escolar Social
zacional

Dedicação
exclusiva 50,8% 61,2% 42,0% 40,2% 39,2% 18,7%

Combina com 41,5% 30,7% 48,2% 47,6% 50,2% 51,4%


mais uma área

Combina duas 7,6% 8,1% 9,7% 1,2% 10,6% 29,9%


ou mais áreas

Figura 9.2 Atuação exclusiva em uma única área ou atuação combinada.


Obs: Em virtude do número reduzido de inserções na área Jurídica, os dados desta foram ex­cluídos de
algumas análises.

áreas, 4,3% (27% do total) se dedicavam relacionada à remuneração que compele o


apenas a essa atividade. Em 2006, houve um psicólogo a buscar mais de um emprego para
aumento significativo da dedicação exclu- auferir maiores ganhos.
siva à área docente (40,2%), o que pode A Figura 9.3 ilustra as combinações de
estar re­lacionado ao crescimento dos cursos duas áreas encontradas na pesquisa. Em
de graduação em psicologia, que ampliou as todas elas, a área clínica se mantém asso­
formas de in­serção do psicólogo nas uni­ ciada à área de saúde (36%), à docência
versidades públicas e privadas. (13%), à organi­zacional e do trabalho (11%)
Os dados da Figura 9.2 relevam, então, e à área escolar e educacional (10%), dei­
que na maior parte das áreas houve recuo xando evidente a sua impor­tância como a
percentual, com exceção da área docente, área central de atuação de psicólogos. Trata-
o que pode sugerir que o psicólogo está se, também, de uma área que permite maior
construindo uma trajetória profissional sus­ flexibilidade de horário de trabalho, favo­
tentada na vinculação com várias áreas. recendo sua com­binação com as demais
Uma das possíveis explicações pode estar áreas e atividades profissionais.

30% 36%

10%
13%
11%
Clínica / Saúde Clínica / Organizacional Outros

Clínica / Docência Clínica / Escolar

Figura 9.3 Combinações de duas áreas de atuação.


180 Bastos, Guedes e colaboradores

A mesma tendência de predomínio da Uma das razões pode ser atribuída à maior
clínica é observada quando o psicólogo atua instabilidade dos em­pregos, dos novos vín­
em três áreas (Figura 9.4), mas neste último culos com as orga­nizações na forma de
caso o que se torna mais evidente é a im­por­ prestação de serviço terceirizado, o que fez
tância da área de saúde. Três com­bina­ções com o que o psi­cólogo tivesse de se adaptar
mais significativas são: clínica/organi­zacio­ a esta nova realidade. Tal hipótese ex­pli­
nal/saúde (21%), clínica/do­cên­cia/saú­­de cativa en­contra respaldo no fato de os re­
(16%) e clínica/social/saú­de (12%). sultados da pes­quisa terem revelado que
Ao serem comparados com o cenário de muitos psi­cólogos autônomos exercem ati­
1988, os resultados da área de psicologia vidades de consulto­ria na área organiza-
organizacional e do trabalho permitem in­ cional e do trabalho. É preciso refletir criti­
ferir que houve uma pequena queda, pois ca­mente se esta forma de inserção na área
naquela época, 80% dos psicólogos que orga­niza­cional e do trabalho (consulto-
atuavam nessa área se dedicavam exclu­ ria externa) é um sinal de consolidação ou
sivamente a ela. Em outras palavras, atual­ en­fra­que­cimento e quais impactos teria na
mente, há menos psicólogos dedi­cando-se for­mação do psicó­logo. Estudos adi­cionais
exclusivamente à área organi­za­cional e do são necessários para tentar res­ponder a es­
trabalho do que no final da década de 1980. sas questões.
21%

51%

16%

12%

Clínica / Organizacional / Saúde Clínica / Social / Saúde

Clínica / Docência / Saúde Outros

Figura 9.4 Combinações de três áreas de atuação.

No que se refere à área escolar e edu­ca­­ que dizem atuar nela, mais de 60% o fazem
cional, o quadro sofre profundas mu­danças em combi­nação com outras áreas. Por­tanto,
quando comparado a áreas ante­riores. Primei­ so­mente 40% deles atuam exclusivamente na
ro, há uma queda quantitativa brus­ca, pois área educacional. O quadro é o mesmo en-
enquanto 1190 dos psi­cólogos que atuam em con­­trado em 1988, pois entre os profis­sio-
clínica, 616 atuam em saúde e hospitalar e nais que se dedica­vam a essa área, 61% atua­
554 atuam na área orga­ni­zacional e do tra­ vam também em outra área, contrapondo-se
balho, somente 217 atuam na área escolar e a 39% que permaneciam exclusivamente nela
educacional. Em segundo lugar, ao analisar (Bastos, 1988).
os dados da área clínica, fica claro o equilíbrio A partir da Figura 9.5 é possível cons­
entre quem atua somente na clínica e quem a tatar a diversidade de inserções profis­­sio­
concilia com outras áreas, ao passo que, na nais nas diferentes áreas de atuação. Essa
área escolar e educacional, dos psi­cólogos mesma figura explicita o peso atri­buído a
O trabalho do psicólogo no Brasil 181

cada área no total de in­serções possíveis tempo, os seus trabalhos (ou empregos) de­
(setor público, pri­va­do, terceiro setor e au­ mandam de modo mais expressivo ati­vidades
tô­nomo) e o per­centual de psi­cólogos iden­ de na­tureza clínica. Em segundo lugar, des­
tificados por área de atuação. ponta a área de saúde, pois dos 27% que
A área clínica indiscutivelmente possui o atuam nessa área de modo ex­clusivo ou não,
maior peso, pois as inserções profissionais 20,2% dos trabalhos ou inserções (empregos)
relacionadas às atividades clínicas repre­ estão a ela rela­cio­nado. Na terceira posição,
sentam 39,9% para 53,9% dos psicólogos en­con­tra-se a área organizacional e do tra­
que atuam nela de modo exclusivo ou não. balho, com peso de 18,1% (inserções ou tra­
Em outras palavras, mesmo que o psicólogo balhos) para 25,1% dos psicólogos que man­
atue na clínica e em outra área ao mesmo têm algu­ma in­serção nessa área.

2,2
Atuam na área jurídica
1,6

27
Atuam na área da saúde
20,2

4,8
Atuam na área social
3,5

14,6
Atuam na área docente
10,5

Atuam na área 25,1


organizacional 18,1

9,8
Atuam na área educacional
7,1

53,9
Atuam na área clínica
39,9

0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0

% psicólogos (n = 2,207) % inserções (n = 3,053)

Figura 9.5 Participação de cada área no conjunto de trabalhos dos psicólogos.

O que leva o psicólogo a se inserir si­ humano e intervir para me­lhorar o bem-es­
multaneamente em várias áreas de atua­ção? tar e a realização pessoal. A variedade de
Em 1988, Bastos discutia que esse fato po­ oferta de trabalho, a in­satis­fação com a área
deria ser explicado pela fragilidade dos li­ de atuação e a baixa re­muneração também
mites entre as áreas de atuação e a facili- poderiam ex­plicar essa múltipla inserção,
dade de movimentação entre elas. Em ou- mas aqui o sentido seria outro. Enquanto,
tras palavras, independente de se trabalhar no primeiro caso, a expan­são da identidade
em contextos diversificados (es­cola, orga­ni­ do psi­cólogo (um profis­sional com um per-
zações formais, hospitais, co­mu­­nidades, con­ fil de­finido para atuar em vários contex-
sultório, etc.), o psicólogo se perceberia como tos) ex­plicaria as múl­tiplas in­ser­ções, no se­
um profissional capaz de com-pre­en­der o ser gun­do as insa­tis­fações profis­sionais (salá-
182 Bastos, Guedes e colaboradores

r­ io e área de atua­ção) explica­riam esse mes­ rado, recorre ao modelo predo­mi­nante que
mo fato. oferece status e serve de refe­rência, sem que
Que fatores direcionam tão fortemente avalie criticamente sua adequação para essa
o interesse do psicólogo pela atuação na nova situação. Então, a ausência de formação
área clínica? É na clínica que o profissional é com­pensada pelo uso de um modelo teó­
se percebe realizando mais plenamente o rico-metodo­lógico de atuação que, embora
ideal de atuação psicológica e isso é cons­ seja reco­nhecido socialmente, não contribui
truído durante o processo de formação pro­ de mo­do efetivo para o contexto em que se
fissional (Bastos, 1988; ver também o Capí­ pretende atuar.
tulo 5 deste livro). Estudantes de psi­cologia Também, não se pode ignorar que o ce­
ig­noram situações e contextos de atuação nário atual indica claramente que o psicólogo
prática para além do modelo clínico, e isso está ocupando mais espaço social e está se
repercute nos horizontes de inserção pro­ inserindo de modo ativo no sistema público
fissional futuros, limitando a visualização de de saúde e assistência social quando compa­
onde o psicólogo poderia ou deveria atuar rado aos resultados de 1988. Cresceu subs­
para cumprir a contento o seu papel (Bo- tan­cialmente a par­ti­cipação de psicó­logos
to­mé, 1988). Reconhece-se também que em equipes multi­disciplinares de saú­de, a
gran­de parte das demandas de trabalho psi­ exemplo dos Centros de Atenção Psi­cosso­
cológico está associada a atividades de psi­ cial (CAPs) que integram o Sistema Único de
coterapia e aconselha­mento, sinalizando Saúde (SUS) e possuem como principais ob­
que a atividade clínica ultrapassa os limites jetivos mini­mizar as internações de pa­cientes
dos consultórios par­ticulares. com transtornos mentais e favorecer sua in­
Qual seria a consequência de um pre­ te­gração na comunidade e na família. Outro
domínio de uma área sobre as demais? A exemplo de inserção dos psicólogos em tais
limitação de outras possibilidades de atuação espaços é o Centro de Re­ferência da Assis­
repercute na identidade profis­sional e tam­ tência Social (CRAS), que tem co­mo proposta
bém contribui para fortalecer um modelo orientar o convívio sociofamiliar e comu­
teórico-prático de atuação per­cebido como nitário, em contextos de desigual­dade so-
elitista (Sass, 1988). O continuísmo de um cial, incentivando e oferecendo con­dições
modelo de atuação considerado elitista não pa­­ra o desenvolvimento da cidadania e da
é decorrência apenas da qualidade e da emancipação social da população local.
quantidade dos conhecimentos produzidos, Esses espaços de atuação indicam que é
nem das con­tingências institucionais que crescente a demanda social por uma atua-
obrigam o psicólogo a limitar sua esfera de ção do psicólogo integrada ao contexto em
atuação, mas também da ação profissional que o indivíduo se insere, o que tem impac-
dos próprios psicólogos que reproduzem de tos evi­dentes na constituição da identida-
modo acrítico os modelos de atuação in­ de desse profissional e na neces­sidade de
corporados desde o processo de forma­ção, de­senvolvimento de compe­tências e de aqui­
restringido suas possibilidades de inserção sição de conhecimentos que auxiliem a prá­
nesses contextos. tica profissional nesses contextos.
Por outro lado, é necessário levar em
con­sideração que muitas dificuldades no
exercício profissional se devem ao des­pre­ Renda, vínculo empregatício e
paro para lidar com demandas sociais di­ver­ titulação por área de atuação
sificadas (Borges-Andrade, 1988). Se o psi­
cólogo se vê diante de situações novas de No que se refere à renda e ao vínculo em­
trabalho para as quais não se sente prepa- ­­pregatício, não foram constatadas muitas di­
O trabalho do psicólogo no Brasil 183

ferenças na caracterização dos psicólogos exceção fica por conta da área clínica, cuja
que atuam em uma única área de atuação. maioria (62%) se insere como autônomo.
As diferenças apareceram somente quando é Na área organizacional e do trabalho, cer-
levada em consideração a titulação má­xima ca da metade (48%) man­tém vínculos em­
em cada área de atuação. A Figura 9.6 ilus- pregatícios, mas é preciso considerar que
tra essas diferenças. uma das atividades prin­cipais de quem atua
Observa-se que a condição empre­gatícia nessa área é a con­sultoria, o que contribui
de assalariado é uma realidade para a maior para que uma parcela de sua remuneração
parte das áreas de atuação em psicologia. A seja a de um profissional autônomo.

Clínica 62% trabalha como 47% ganha entre 48% de graduados


n = 605 autônomo 1 a 3 salários mínimos 36% de especialistas

Escolar 69% trabalha como 46% ganha entre 38% de graduados


n = 85 assalariado 3 a 5 salários mínimos 54% de especialistas

61% ganha 5 e
Organizacional 48% trabalha como 12% ganha 7 salários 48% de graduados
n = 339 assalariado mínimos 40% de especialistas

Grande variabilidade
Docência 85% trabalha como 13% ganha 15 33% de mestres
n = 129 assalariado salários mínimos 64% de doutores

Saúde 82% trabalha como 74% ganha até 47% de graduados


n = 259 assalariado 5 salários mínimos 39% de especialistas

Figura 9.6 Diferenças de vínculos, renda e titulação de psicólogos por área de atuação.
Obs: As áreas de atuação social/comunitária e jurídica, dada a baixa frequência, não foram incluídas
nesta análise.

Ao analisar a renda dos psicólogos por profissional. Além disso, há uma grande va­
área de atuação, é digno de nota que a área riabilidade nas taxas cobradas por con­sulta,
clínica ofereça a mais baixa remu­neração espe­cialmente nos primeiros anos de prática,
(de 1 a 3 salários mínimos), o que reforça ou no qual, muitas vezes, os gastos para ma­nu­
evidencia que parte importante da inserção tenção e formação complementar su­peram
na clínica caracteriza-se como um trabalho os valores cobrados por consulta, realidade
precário. Em parte, isso pode ser explicado não muito diferente da cons­tatada na pes­
pelo fato de muitos psicólogos não traba­ quisa da década de 1980 (Langenbach e Ne­
lharem em consultório ou escritório próprios, greiros, 1988).
possuindo gastos com aluguel, pagamento A área que melhor remunera é a do­
da supervisão dos casos clínicos e impostos cência de nível superior (13% ganham mais
necessários para a regularização do exercício de 15 salários mínimos), na qual se con­
184 Bastos, Guedes e colaboradores

centram os profissionais com mais altas ti­ é destacado o percentual de psicólogos que,
tulações stricto sensu. A área orga­niza­cional atuando na área, exclu­sivamente ou não, re­
e do tra­balho é a que oferece a se­gunda me­ lata desempenhar as atividades.
lhor remuneração, pois 61% dos psicólogos As principais atividades de psicólogos
que nela atuam recebe cer­ca de 5 salários que atuam na área clínica/avaliação psi­co­
mí­nimos, além de 12% atingiram a faixa dos lógica permitem inferir que os trabalhos
7 salários, o que está coerente com os valo- realizados nessa área estão relacionados a
res de mercado pra­ticados, especialmente dois focos principais. O primeiro é o aten­
no que se refere às consultorias. As áreas dimento psicológico sob a modalidade de
de escolar/educa­cional e a área de saúde/ psicoterapias (individual, de casal e de gru­
hos­pitalar ocu­pam posições intermediárias po), aconselhamento (adolescentes, pais e
em rela­ção às demais, mas ambas ratificam crianças com problemas de apren­dizagem)
o quadro geral da profissão. Ou seja, a psi­ ou assistência psicológica a en­fermos. O
cologia é uma profissão, cuja remuneração se­gundo foco é na elaboração de psico­diag­
não é das mais atraentes. nóstico e pareceres psico­lógicos, com base
No que se refere à titulação, a área de do­ em testes psicológicos.
cência/pesquisa é a que mantém um per­cen­ Os psicólogos que atuam na área es­colar/
tual elevado de doutores (64%) e mestres educacional também fazem uso de testes psi­
(33%). Nas demais áreas, o pre­­do­mínio é de cológicos para dar suporte à orien­tação de
profissionais graduados (por­centa­gens bem adolescentes (vocacional/profis­sional) e de
próximas a 50%) ou de especialistas (por­cen­ crianças com problemas de aprendizagem.
tagens variando de 36 a 54%). A área clínica Esses profissionais tam­bém se dedicam à ela­
é a que abriga o menor número de especialistas boração de políticas edu­cacionais, inter­ven­
(36%), contrastando com a área escolar (e ções em contextos insti­tucionais, além do pla­
edu­cacional) que possui 54%. A atua­ção em nejamento e da exe­cução de projetos. A par­
clínica (e ava­liação psi­cológica) atende à ex­ ticipação em equipes técnicas, sinal de sua
pectativa pre­visível de quem se insere no cur­ experiência em tra­balhar em equipes multi­
so de psi­cologia. Ao contrário de outras áreas disciplinares, tam­bém é uma atividade desse
de atuação, que necessitam ter vínculo for- grupo de psi­cólogos.
mal empregatício, o psi­cólogo clínico pode Os psicólogos organizacionais e do tra­ba­
fazer atendimento psi­cológico assim que se lho mantêm suas atividades tradi­cio­nais vin­
gra­duar, pois é suficiente ter um registro no culadas a recrutamento e se­leção de pes­soas,
con­selho pro­fissional e um local para pres- fazendo uso de testes psico­lógicos para dar su­
tar o atend­imento (próprio ou alu­gado). É porte ao psico­diagnós­tico. Assumem, no en­­­tan­
fa­to, também, que muitos psi­cólogos man- to, fun­ções de chefia, o que indica o seu im­
têm gas­tos com supervisão de colegas ex- portante papel no desenvolvimento de equipes
pe­rientes, sem que para isto pre­cisem estar de trabalho. A avaliação de de­sem­penho e o
vin­culados a programas de for­mação, lato ou diagnóstico organizacional são as principais
stricto sensu. ati­vidades quando o foco recai na organiza-
ção. A ati­vidade de con­sultoria tam­bém está
presente na atua­ção em organizações de tra­
Principais atividades de balho. E isso é im­portante porque todas as
cada área de atuação ati­vi­dades desem­penhadas pelo consultor po-
dem ser reali­zadas tanto por um psicó­lo­go
Nesta seção serão apresentadas as prin­ que mantém vínculo empregatício per­ma­nente
cipais atividades desenvolvidas pelos psicó­ com uma organização quanto por aquele que é
logos em cada área de atuação. Na Figura 9.7 con­tratado como prestador de serviços.
O trabalho do psicólogo no Brasil 185

Psicodiagnóstico (83,0%)
Aplicação de testes psicológicos (64,2%)
Atendimentos a crianças
com distúrbios de aprendizagem (44,5%)
Psicoterapia individual (adulto, criança
e adolescente (31,1%)
Orientação de pais (23,4%)
Clínica (616) Pareceres e laudos psicológicos (18,2%)
Psicodiagnóstico (66,1%) Orientação psicopedagógica (15,7%)
Aplicação de testes psicológicos (52,4%) Psicoterapia de grupo (14,3%)
Assistência psicológica a pacientes Orientação a gestante (14,1%)
clínicos e cirúrgicos (51,9%) Psicoterapia de casal (13,2%)
Atendimentos a crianças com Orientação a adolescentes (13,1%)
distúrbios de aprendizagem (41,7%) Orientação vocacional/profissional (10,7%)
Psicoterapia individual (adulto, criança Assistência materno infantil (9,6%)
e adolescente (28,8%)
Orientação de pais (26,8) Saúde (616)
Assistência materno infantil (19,5%)
Planejamento e execução de projetos (19,3%) Aplicação de testes psicológicos (61,2%)
Orientação a gestante (17,9%) Avaliação de desempenho (52,5%)
Participação em equipes técnicas (16,2%) Diagnóstico organizacional (49,5%)
Orientação a adolescentes (14%) Consultoria (45,3%)
Orientação a grupos na Psicodiagnóstico (28,1%)
área de saúde pública (13,9%) Supervisão extra-acadêmica (24,3%)
Orientação psicopedagógica (13,7%) Organizacional (216) Cargo administrativo (gerência ou direção) (23,4%)
Dinâmica de grupo (11,9%) Análise de função ou ocupacional (21,9%)
Recrutamento/seleção (19,4%)
Dinâmica de grupo (16,3%)
Desenvolvimento de grupos e equipes (15,8%)
Reabilitação profissional (13%)
Atividades Análise de cargos e salários (12,5%)
por áreas Intervenção em organizações e instituições (12,3%)
de atuação

Docência no ensino superior (98,3%)


Pareceres e laudos psicológicos (55,2%)
Psicodiagnóstico (14,7%)
Supervisão de estágios acadêmicos (12,9%) Docência (129) Atendimento a crianças com
Aplicação de testes psicológicos (12,1%) distúrbios de aprendizagem (56,9%)
Planejamento de política educacional (12,1%) Aplicação de testes psicológicos (55,1%)
Participação em equipes técnicas (12,1%) Psicodiagnóstico (47,7%)
Cargo administrativo (gerência ou direção (11,2%) Planejamento de política educacional (39,4%)
Orientação psicopedagógica (38,9%)
Orientação vocacional/profissional (34,3%)
Escolar (216) Orientação de pais (31,9%)
Consultoria (20,4%)
Participação em equipes técnicas (18,5%)
Supervisão extra-acadêmica (17,1%)
Pareceres e laudos psicológicos (16,2%)
Orientação a gestante (14,8%)
Orientação a adolescentes (14,8%)

Figura 9.7 Distribuição de atividades por área de atuação.

É previsível que o psicólogo que atue em ati­vidades de gestão pelo fato de assumir
docência tenha nela a sua principal atividade. fun­ções de coordenação de cur­so, chefia de
A supervisão de estágios tam­bém é com­ departamento e demais car­gos adminis­trati­
patível e complementar ao exer­­cício da vos. A coordenação e a par­ticipação em equi­
docência no curso superior. No setor públi- pes técnicas sinalizam tam­bém que ati­vi­
co, em particular, o docente de nível supe- dades de extensão e consultoria técnica es­
rior concilia suas atividades de ensino com tão relacionadas à docência.
186 Bastos, Guedes e colaboradores

A aplicação de testes psicológicos tam­ A adoção de um conceito de saúde mais


bém consta entre as principais atividades amplo fez proliferar a construção de instru­
dos psi­cólogos, da área de saúde/hos­pitalar. mentos para avaliar o bem-estar sub­jetivo e
Do mes­mo modo que nas demais áreas, o psicológico, a resiliência, a qua­­­lidade de vi­da
uso de testes está relacionado à elaboração no trabalho, as habili­dades sociais e a con­fi­
de psico­diag­nóstico. As outras atividades do guração das redes de apoio social. De certo
psicó­logo des­ta área estão relacionadas à modo, o psicólogo começou a usar o seu co­
assistência psico­lógica a pacientes por meio nhecimento sobre os processos huma­nos nos
de abordagem in­di­­vidual (psicoterapias), contextos so­ciais para desenvolver um refe­
gru­pal (dinâmica de grupo, orientação se­ rencial teó­rico que o auxiliasse a dia­g­­­nos­ticar
xual a adolescentes, orien­tação a pais) e problemas e propor intervenções mais efeti-
re­­lacional (assistência materno-infantil). A vas; isso está provocando im­pactos nítidos no
par­ticipação em equi­pes multidis­ciplinares uso da avaliação psicológica pelos psi­có­logos
também é carac­terística de quem atua na nos diversos contextos de atuação.
área de saúde/hospitalar, em especial na
coor­denação.
É fácil concluir que as atividades rela­ Áreas de atuação e
cionadas ao psicodiagnóstico e avaliação psi­ locais de trabalho
cológica ocupam um lugar central na atua-
ção profissional do psicólogo. Isto adquire O local onde as atividades são reali­zadas
sentido quando se afirma que a avaliação é considerado um critério importante da prá­
psicológica é o primeiro passo no diagnóstico tica profissional do psicólogo. É co­mum acre­
de problemas para posterior intervenção. Em ditar-se que psicólogos que traba­lham com
1960, houve um recuo na utilização de ins­ temas da educação atuam na área es­colar.
trumentos de avaliação, em decorrência de Este critério, no entanto, tem suas li­mitações,
uma crise na área de ava­liação. Três fatores visto que o objetivo, o tipo de pro­blema, a
estiveram relacio­nados a essa crise: i) as crí­ natureza das relações, os vínculos com os
ticas sobre a validade e fidedignidade dos clientes e os procedi­mentos utilizados de-
instrumentos usados para fazer avaliações vem ser foco de análise para o adequado en­
psicológicas, ii) as ex­pectativas sociais irrea­ quadre da área de atuação (Bastos, 1988).
listas quanto às ava­liações, e iii) as discussões A atuação profissional vai além da des­
de ordem episte­mológica e ideológica. A par­ crição de técnicas e procedimentos uti­lizados
tir da década de 1980, todavia, a crise come­ e revela os valores, os papéis, as relações so­
çou a ser su­perada e desde então se assiste a ciais e os vínculos no ambiente de trabalho
um re­novado interesse pela área, o que pode que confi­gu­ram uma cultura própria ao con­
ser constatado pela criação de uma associação texto de atuação. O objetivo desta se­ção é es­
profissional especializada e pelo crescimento ta­belecer relações entre os locais de tra­balho
expressivo no número de pes­quisadores na e as principais áreas de atua­ção, vi­san­do com­
área (Hutz e Bandeira, 2003). Além disso, é pre­ender melhor de que forma se rea­liza a
preciso reconhecer que a avaliação psi­co­ló­ in­serção do psicólogo em cada contexto.
gica ganhou outros espaços de atuação pro­ A Figura 9.8 ilustra os locais de tra­balho
fissional além dos consultórios parti­culares. nos diversos setores e as áreas de atuação
Passaram a ter utilidade, por exem­plo, no dos psicólogos que neles tra­balham.
diagnóstico de populações em situa­­ções de Os psicólogos que atuam na área clí­ni­­ca se
risco social e pessoal e de ado­lescentes em encontram predominantemente tra­­ba­lhan­do
conflito com a lei. em consultórios particulares, alu­gados (47,8%)
O trabalho do psicólogo no Brasil 187

Consultório particular alugado (47,8%)


Consultório particular próprio (19,8%)
IES/Serviço de Psicologia público (6,5%)
Empresas privadas (2,7%)
Clínica
IES/Serviço de Psicologia privado (4,6%)
Residência (2,5%) Consultório particular alugado (16,1%)
Órgão da administração pública/ Consultório particular próprio (10,5%)
Empresa pública (19,5%) Escola privada (18%)
Escolar Órgão público/Empresa pública (14,2%)
Residência (5,9%)
IES/Serviço de Psicologia (12,1%)
Empresa privada (3,4%)

Empresas privadas (23,4%)


Consultório particular alugado (16,7%)
Consultório particular próprio (7,1%)
Órgão da administração pública/
Empresa pública (8,1%) Organizacional
IES/Serviço de Psicologia privado (8,3%)
Áreas e
Hospitais (8,2%) locais de
Escritórios particulares (5,5%) atuação
Residência (8,3%)

IES particular (31,8%)


IES público (21,6%)
Consultório particular alugado (14,4%)
Unidade de Serviço Público em Saúde (30,7%)
Consultório particular próprio (6,8%)
Consultório particular alugado (18,8%)
Consultório particular próprio (8,4%)
Docência Residência (5,6%)
Escola privada (18%)
Instituição de saúde particular (8,2%)
IES Superior/Serviço Público
Órgão da administração pública/
Saúde de Saúde (4,5%)
Empresa pública (6,3%)
Empresas privadas (4,1%)
IES privada/Serviço de psicologia (5%)
Empresas privadas (4,1%)
Unidade pública de atendimento a
crianças e adolescentes (3,1%)

Figura 9.8 Locais de trabalho por área de atuação.

ou próprios (19,8%). Os ser­­­vi­ços de psicologia Os que atuam na área organizacional e


vinculados a ins­ti­tuições públicas (6,5%) e do trabalho encontram-se mais distri­buí­dos.
par­ticulares (4,6%) tam­bém absor­vem os pro­ As empresas privadas (23,4%) e públi­cas
fissionais da área clínica. (8,1%) concentram a maior parte deles, mas
Dos profissionais que estão na área de outros também estão pre­sentes em serviços
saúde, 30,7% encontram-se nas unidades de psicologia parti­culares (8,3%) e em hos­
de serviço público de saúde ou nas insti­ pitais (8,2%). Seguindo a tendência geral,
tuições par­ticulares (8,2%). Os psicólogos eles possuem consultórios par­ticulares alu­
da área de saúde também mantêm con­sul­ gados (16,7%) ou próprios (7,1%), um sinal
tórios par­ti­cula­res alugados (18,8%) ou de que exercem alguma atividade clínica ou
pró­prios (8,4%), pro­vavelmente decor­ren­ de avaliação psico­lógica.
tes de con­vênios com ins­tituições pú­blicas e O que mais surpreende é a distribui-
privadas de aten­di­mento. ção dos psicólogos que atuam na área esco-
Os docentes estão fortemente con­cen­ lar e edu­cacional. A escola privada não é o
trados nas instituições de ensino parti­culares lugar pri­vilegiado de atuação, embora 18%
(31,8%) e públicas (21,6%), mas conciliam exer­cem nela suas atividades. Além da es­
suas atividades com atividades em con­ cola, os pro­fis­sionais dessa área se encon-
sultórios particulares alugados (14,4%) ou tram alo­cados em consultórios particula-
próprios (6,8%). res alu­gados (16,1%) ou próprios (10,5%),
188 Bastos, Guedes e colaboradores

em órgãos ou empresas públicas (14,2%) e Baró, 1997, apud Dimens­tein, 2000). Os cur­
em serviços de psicologia vinculados a ins­ sos de psicologia, por não possibilitarem ao
tituições de ensino (12,1%). estudante a vi­sualização dos aspectos sociais,
Um resultado da pesquisa que suscita políticos e ideológicos mais am­plos que in­
re­flexão crítica cuidadosa é o fato de o con­ terferem na sua prática, findam por reforçar o
sultório particular se manter como um local mo­delo individualista, promovendo um dis­
de trabalho para os psicólogos nas diversas tan­cia­mento da di­men­são social (Di­mens­tein,
áreas de atuação. A questão a ser respondida 2000), o que pode explicar o número ex­pres­
é se a atividade que o psicólogo exerce no sivo de psicólogos de diversas áreas atuan­do
seu consultório particular con­tri­bui para que em consultórios par­ticulares.
ele reproduza o modelo clí­nico de aten­di­
mento individualizado em con­tex­tos a prin­
cípio inapropriados para esse nível de inter­ Orientações teóricas
venção.
Essa indagação adquire sentido, por­que As orientações teóricas dos psicólogos
há uma crença de que, embora a psi­cologia são informações-chave para compreender
deva assumir o seu papel de ques­tionadora e co­mo se fundamentam as atividades e os
transformadora do status quo, pode estar re­ espa­ços de atuação do psicólogo brasileiro.
produzindo estruturas sociais e relações de Oito diferentes abordagens teórico-meto­
poder, na medida em que os psicólogos pa­ dológicas foram apresentadas como op­ções
recem não compreender cla­ramente quem é o sendo facul­tado aos psicólogos esco­lher uma
real beneficiário do co­nhecimento e das in­ ou várias dessas alternativas. A Figura 9.9
tervenções que rea­lizam na sua prá­tica de mostra o per­­centual com que cada abordagem
trabalho (Botomé, 1996; Gil, 1985; Martín- foi citada.

569; 9,2%
1253; 20,2%
397; 6,4%

796; 12,8%

842; 13,6%

790; 12,7%

925; 14,9%
642; 10,3%

Abordagem psicanalítica Abordagem comportamental

Abordagem humanista Abordagem existencialista

Abordagem cognitivista Abordagem sócio-histórica

Abordagem psicodramática Abordagem analítica

Figura 9.9 Abordagens teórico-metodológicas dos psicólogos brasileiros.


O trabalho do psicólogo no Brasil 189

Ao considerar a presença de orien­tações binação de mais de um referencial teórico


teóricas, em combinação com ou­tras ou iso­ na prática profissional dos psicólogos.
ladamente, a abordagem psi­canalítica se des­ Nesse novo arranjo, as abordagens psi­
taca como a mais utilizada pelos psi­có­logos canalíticas continuam ocupando a posi­ção
brasileiros (20,2%). As abordagens huma- de destaque, seguidas das aborda­gens cog­
nista (14,9%), compor­tamental (13,6%), só- ni­tivo-comportamental e humanista-exis­
cio-histórica (12,8%) e cognitivista (12,7%) ten­cial. Fica claro também que o psi­cólogo
vêm em sequência. lança mão de mais de um referencial teórico
Na tentativa de simplicar a apresen­tação para compreender e atuar na rea­lidade em
dos dados e torná-los mais claros, uniram-se que se insere. As combinações de aborda-
algumas abordagens afins e as porcentagens gens indi­cam, no entanto, que apesar de
foram recalculadas. Desse modo, a aborda­ apre­sentarem pressupostos dis­tintos e, em
gem psicanalítica uniu-se à abordagem ana­ alguns casos, contraditórios entre si (cog­
lítica, o mesmo ocorreu com a humanista e a nitivo-com­por­tamental e hu­ma­nista-exis­
existencialista, e também com a cognitivista tencial; psicanálise e sócio-histórica, por
e a com­por­tamental. A Figura 9.10 ilustra exemplo), os psi­cólogos encontram algum
esse novo arranjo das abordagens aglutina- modo de conciliar tais abordagens teóricas
das e apresenta os dados referentes à uti­ para torná-las úteis aos seus propósitos teó­
lização de uma única abordagem ou com­ ricos e práticos.

Uma abordagem Duas abordagens Três ou mais abordagens


(n = 1.262) (n = 697) (n = 570)

Psicanálise/cognitivo-
Psicanálise Psicanálise/cognitivo-
-comportamental/
18,2% -comportamental 4,6%
humanista-existencial 4,6%

Psicanálise/cognitivo- Psicanálise/
Cognitivo--comportamental
-comportamental/ humanista-existencial/
10,0%
humanista-existencial 4,3% Sócio-histórica 4,6%

Psicanálise/ Cognitivo-comportamental/
Humanista-existencial
Sócio-histórica humanista-existencial
6,1%
4,2% Sócio-histórica 4,6%

Psicanálise/ Psicanálise/
Sócio-histórica
humanista-existencial humanista-existencial/
2,6%
3,8% Sócio-histórica 4,6%

Psicanálise/cognitivo-
Psicodrama Humanista-existencial/
-comportamental/
10,0% Sócio-histórica 4,6%
sócio-histórica 1,3%

Cognitivo-comportamental/
Todas as abordagens
sócio-histórica
4,6%
2,1%

Humanista-existencial/
Psicodrama
4,3%

Figura 9.10 Abordagens teórico-metodológicas combinadas.


190 Bastos, Guedes e colaboradores

De um lado, a habilidade de integrar teo­ Abordagens teóricas,


rias que historicamente não são afins pode especialização e tempo
ser explicada pela complexidade do obje­to de de formação: possíveis
estudo da psicologia, que com­pele o pro­ inter-relações
fissional a analisar o homem de modo inte-
gral, conciliando perspectivas mais bio­ló- Ao analisar as associações entre for­ma­-
gi­cas (cog­nitivo-comporta­men­tal) e subje­ti­ ção profissional e a variabilidade das abor­da­
vas. Há, todavia, pelo menos quatro mo- gens teóricas usadas pelos psicó­logos, é pos­
dos de abordar a subjetividade humana. Na sível inferir que quanto mais o profissional se
pers­pectiva psicanalítica, a subjetividade é especializa, obtendo ti­tulações elevadas, me­
en­fa­tizada no seu aspecto psicodinâmico, nos faz uso de abor­dagens teóricas variadas.1
cujo inconsciente tem um papel relevante. Na Esse decréscimo do uso de abordagens teóri-
perspectiva huma­nista-existencial, a subje- cas diversas é acom­panhado do aumento de
tivi­dade é ana­lisada do ponto de vista da uma abor­dagem mais direcionada, prin­cipal­
motivação para a autorrealização humana, o mente a abor­dagem sócio-histórica.
que coloca em destaque a dimensão cons- Ao analisar a porcentagem em cada fai-
ciente da psique. Na perspectiva cognitivo- xa de especialização (Figura 9.11), cons­tata-
-com­por­ta­mental, a subjetividade é decorren- -se que dos 1476 psicólogos graduados, 936
te de pro­cessos básicos comuns a todo cére­ (63%) utilizam duas ou mais abor­dagens com­
bro hu­mano. Por último, a abordagem sócio- binadas. Essa proporção, de 64% (n  = 784), é
his­tórica coloca no centro da cons­trução da mantida entre os 1228 psicólogos que possuem
subjetividade a dimensão social do ser hu­ especialização. Quando o psi­cólogo tem o tí­
mano. Ela estaria situada no tempo e no tulo de mestre (n = 465) essa proporção cai pa­
espaço e seria fruto de um contexto histó-­ ra 61% (n = 285). Mas, a di­ferença se faz notar
rico, social e cultural no qual o ho­mem se somente entre os dou­tores (n = 166) quan­do a
encontra imerso. porcentagem cai para 41% (n = 68).
De outro lado, esse mesmo resultado Ao analisar a titulação, conclui-se que o
pode sinalizar que o psicólogo não tem cla­ uso de abordagens variadas permanece ele­
reza sobre qual orientação teórica é a mais vado até o mestrado, quando sofre uma pe­
apropriada, e essa confusão o faz buscar de quena queda, mas realmente decresce quan­
modo acrítico um ecletismo teórico para do o psicólogo é portador do título de doutor.
diminuir sua ansiedade de lidar com o seu O resultado fortalece a suposição de que o
complexo objeto de es­tudo. Outra explica- fenômeno psicológico é complexo e mul­
ção pode ser encon­trada no fato de as tifacetado exigindo do psicólogo a utili­zação
diversificadas áreas de inserção obrigarem de múltiplas abordagens. A ten­dência, entre­
o psicólogo a usar mais de um referencial tanto, reverte-se quando o psicólogo chega
teórico, já que nem sempre a abordagem ao doutorado, talvez por­­que nesse es­tágio
usada no am­biente de consul­tório pode ser haja maior amadu­re­cimento teórico asso­
facilmente adaptada a ou­tros contextos de ciado a uma maior ha­bilidade de adaptar o
inserção profissional. Todavia, a resposta referencial teórico dominante às especi­fi­
não pa­rece ser simples, pela dificuldade em cidades de variados contextos de aplicação.
ex­plicar por que a psicanálise persiste co- Outra interpretação possível é que quanto
mo a teoria mais usada, a despeito do re­ mais o psicólogo aprofunda seus estudos em
conhecimento de que ela impõe limites pa- um tema específico, mais seletivo se torna
ra a apreensão de fenômenos psicos­sociais em suas atividades e áreas de atuação, pro­
que se estendem para além da di­nâmica in­ curando maior alinhamento com sua opção
trapsíquica. teórica e metodológica.
O trabalho do psicólogo no Brasil 191

Abordagens teóricas x Formação profissional

40,0%

35,0%

30,0%

25,0%

20,0%

15,0%

10,0%

5,0%

0,0%
Psicanálise Cognitivo- Humanista Sócio- Psicodra- Combina Combina Combina
comporta- existencial histórica matista duas três mais de três
mental abordagens abordagens abordagens

Graduação 18,3% 10,3% 5,6% 1,7% 0,7% 18,8% 7,0% 37,6%

Especialização 18,4% 8,4% 7,26% 0,9% 1,2% 22,0% 8,3% 33,6%

Mestrado 15,3% 11,0% 4,9% 6,2% 1,3% 25,8% 8,6% 26,9%

Doutorado 23,5% 16,3% 4,8% 13,2% 1,2% 18,7% 4,2% 18,1%

Figura 9.11 Abordagens teóricas por titulação.

Ao analisar as relações entre o uso de formados entre 11 e 20 anos. A queda ex­


abordagens teóricas e o tempo de gradua­ção, pres­siva ocorre a partir dos 20 anos de for­
encontrou-se a queda do uso de três ou mais mado (n = 551), quando a porcentagem dos
abordagens teóricas ocorrendo após 11 anos psi­cólogos que usam duas ou mais abor­
de formação embora ainda persista o uso de dagens cai para 58% (n = 318).
duas abordagens teóricas. Os psi­cólogos com O resultado converge com o que foi di-
mais de 20 anos de atuação no mercado ten­ to anteriormente e mantém consistência com
dem a decrescer de modo mais significativo o o cenário encontrado na pesquisa do psicólogo
uso combinado de mais de três abordagens, a do final da década de 1980 (Car­valho, 1988).
favor de abordagens teó­ricas específicas: psi­ À medida que o psicó­logo adquire experiência
codrama, sócio-his­tórica e psicanálise.2 profissional e se espe­cializa, diminui o uso de
A Figura 9.12 ilustra a porcentagem to­ várias abor­dagens teó­ricas.
tal de duas ou mais abordagens teóricas por É fato que, ao graduar-se, o profissional
tempo de graduação, e conclui-se que, ao ainda não possui uma definição clara de
longo do tempo, o psicólogo persiste fazendo quais instrumentos e abordagens teóricas
uso de várias delas na seguinte proporção: são recomendáveis para dar suporte a sua
63% (n = 533) dos 838 psi­cólogos formados intervenção. A partir da experiência prá­tica
até 2 anos, 60% (n = 443) dos 736 psicólogos e da sua especialização, pode optar por for­
formados entre 3 e 5 anos, 67% (n = 382) mas de atuação e abordagens teó­ricas que
dos 573 psicólogos formados entre 6 e 10 atendam de modo mais satis­fatório os de­
anos, e 62% (n = 394) dos 634 psicólogos safios com os quais se defronta no cotidiano
192 Bastos, Guedes e colaboradores

de trabalho. A porcentagem de uso de várias para dar suporte e tam­bém de que a preo­
abordagens teóricas, todavia, se mantém cupação com a formação generalista encon­
alta na maior parte do tempo, o que é um tra mais respaldo empí­rico do que a opção
forte indicador de que a atuação psicoló- prematura pela es­pecialização ainda duran-
gi­ca exige mais de um referencial teórico te a graduação.

Abordagens teóricas x Tempo de formação


45,0%
40,0%
35,0%
30,0%
25,0%
20,0%
15,0%
10,0%
5,0%
0,0%
Combina Combina Combina Psicodra- Sócio- Cognitivo-
Humanista
mais de três três duas matista comporta- Psicanálise
histórica existencial
abordagens abordagens abordagens mental

Até 2 anos 38,8% 6,8% 18,0% 0,8% 1,7% 5,1% 11,7% 17,1%

Entre 3 e 5 anos 31,9% 8,5% 19,8% 1,1% 1,8% 5,8% 11,4% 19,7%

Entre 6 e 10 anos 34,9% 8,9% 22,9% 0,9% 1,4% 6,6% 9,4% 15,0%

Entre 11 e 20 anos 33,1% 6,5% 22,6% 0,6% 3,3% 7,7% 7,1% 19,1%

Mais de 20 anos 27,4% 7,4% 22,9% 1,6% 5,9% 5,3% 9,4% 20,1%

Figura 9.12 Porcentagem do uso de duas ou mais abordagens teóricas por tempo de graduação do
psicólogo.

Abordagens teóricas leiro, não assegura que esse profissional es­


e áreas de atuação teja mais preparado para lidar com as diver­
sificadas demandas sociais emer­­­gen­tes. Afi­
Embora os resultados apresentados até nal, durante muitas décadas, a for­mação e
agora reafirmem que a área clínica (e a a construção da identidade pro­fissional es-
avaliação psicológica) continua como prin­ ti­veram embasadas em um mo­delo clínico
cipal área de atuação na psicologia e que a de atendimento individual for­talecido pela
psicanálise, teoria fortemente funda­men- gran­de expectativa da so­ciedade em ver o
tada na prática clínica, ainda é o referencial psicólogo como um pro­fissional do divã. O
predominante, indícios apon­tam que o mo­ psicólogo também en­frenta dificuldades pa­
delo de intervenção indi­vidual está sendo ra se desvencilhar do modelo que, histori­
substituído por outro modelo, mais for­te­ camente, confere-lhe iden­tidade social.
mente focado na inter­venção social. Tal mo­ A inserção do psicólogo deixou de ser,
delo se apoia nas múltiplas áreas de atuação, então, somente do âmbito individual, e pas­
na diversidade de atividades e na pluralidade sou a estar direcionada para a ação situada
de abor­dagens teóricas. Todavia, tal tendên­ em contexto social. O ser humano não é
cia no cenário nacional do psi­cólogo brasi­ mais analisado apenas na sua dinâ­mica in­
O trabalho do psicólogo no Brasil 193

trapsíquica, mas considerado como sujeito seguida, per­cebe-se a utilização de uma com-
situado na história e na cultura, o que requer bi­nação de duas abor­dagens (20%) e, lo­go
uma abordagem multidisciplinar bem mais após, de mais de três abordagens (18%).
complexa da oferecida nos cursos de for­ Tanto para quem atua somente na clí­
mação em psicologia. nica quanto, para aqueles que a conciliam
Se, de um lado, essa ampliação e essa com ou­tras áreas de atuação, a psicanálise
diversificação de áreas de atuação são sinais continua sendo o referencial teórico mais
claros das demandas práticas cres­centes di­ importante: 162 (27%) e 150 (26%). A com­
ri­gidas ao psicólogo, de outro, compelem o binação de duas abordagens, 120 (20%) e
questionamento sobre se o referencial teó­ 145 (25%), e de mais de três abordagens,
rico disponível na atualidade consegue dar 111 (18%) e 138 (24%), apa­recem em se­
suporte e fundamentar a prá­tica psi­co­lógi- quência em termos de fre­quência. Desse
ca em todos esses contex­tos. Se o exer­cício modo, mesmo com o pre­domínio da psica­
profissional e a amplia­ção das áreas de nálise como abordagem teórica daqueles
atua­­ção demandam ama­du­reci­men­to teó­ que estão inseridos na clí­nica, observa-se
rico ain­da não disponível na psi­cologia, a que há uma tendência em utilizar também
alterna­tiva é buscar a in­tegração dos mo­ outras abordagens, o que pode ser explicado
delos teó­ricos existentes e criar no­vos ar­ por duas razões: i) o fortalecimento de abor­
ranjos de in­tervenção para dar su­porte à dagens alter­nativas em atendimento clínico
atuação do psi­cólogo. individual e grupal, e ii) a necessidade de
usar outros refe­ren­ciais teóricos para abordar
os fe­nômenos psico­lógicos em contextos
Áreas de atuação e orientações diver­sificados de atuação.
teórico-metodológicas Ao se apoiar em Santos (1990) e em
Coimbra (1993), Dimenstein (2000) res­
Esta seção é dedicada a explorar um salta que a psicanálise teve um papel im­
pouco mais as relações entre abordagens portante nos anos de 1960 e 1970, ao pro­
teóricas e áreas de atuação, para encontrar por libertar os indivíduos das re­pressões
sinais de multiplicidade teórica e redire­ sociais e políticas, ideal almejado pela po­
cionamento para um modelo social de in­ pularização e pela difusão do conhecimen-
tervenção que supere o modelo individual to psicológico. Isso explicaria a grande ex­
até então predominante. Por causa do nú­ pansão da psicanálise en­tre psicólogos e o
mero pouco expressivo de psicólogos da público leigo naquele contexto histórico.
amos­tra que se inserem na área jurídica e A partir dos anos de 1970, as críticas
social, essas duas áreas de atuação não serão ao modelo de atendimento da psicologia clí­
objeto de análise. nica ganharam força. O foco apenas na di­
nâmica e nos conflitos intrapsíquicos dos
sujeitos, desconsiderando os contextos his­
Orientações teórico-metodológicas tórico, social e cultural de inserção, não es­
da atuação em clínica ta­va sendo mais aceito, compelindo a um
redi­recionamento da atuação em psi­cologia
Para os 1190 psicólogos cuja área de atua­ clí­nica. O modelo de atendimento diádico
ção é exclusivamente a clínica (n = 605) – ou em consultórios particulares (psi­cote­rapeu­ta
está combinanda com outras áreas (n = 585) – e paciente) cede lugar para novas modali­
a psicanálise (27%) con­tinua sendo o refe­ren­ dades de atendimento grupal e fa­miliar. E a
cial teórico mais utilizado (Figura 9.13). Em clínica deixa de ser apenas uma atividade
194 Bastos, Guedes e colaboradores

Clínica

700

600
Nº de respondentes

500

400

300

200

100

0
Cognitivo- Combina Combina Combina
Humanista Sócio- Psicodra-
Psicanálise comporta- duas abor- três abor- mais de três Total
existencial histórica matista
mental dagens dagens abordagens

Clínica 162 88 55 15 6 120 48 111 605


Clínica – 150 49 37 4 6 145 36 138 585
outras áreas

Figura 9.13 Abordagens teóricas na área clínica.

restrita ao consul­tório, ocupando espaço nas outro lado, vencer esse desafio de conciliação
instituições públicas e privadas, nos centros pode servir de estímulo para estabelecer um
de saúde e na comunidade (Fé­res-Carneiro e firme e continuado diálogo entre as diver­
Lo Bianco, 2003). sificadas correntes teóricas de pensamento
É previsível que esse redimensiona­men­ em psicologia.
to dos espaços da clínica tenha re­per­cutido
no referencial teórico que pas­sou a ser ado­
tado pelos psicólogos, visto que a psicanálise Orientações teórico-metodológicas da
ou qualquer outra abor­dagem teórica isola­ atuação na área de saúde-hospitalar
da­mente apresenta limitações para abarcar
os diversos aspec­tos culturais, econômicos, No grupo dos que atuam em outras áreas
so­ciais e his­tó­ricos que influen­ciam a psique além de saúde e hospitalar, 23% (n = 83) uti­
e no com­portamento hu­mano. liza duas abordagens e 22% (n = 80) com­
A utilização de mais de um referencial bina mais de três abordagens teóricas. A psi­
teórico na prática clínica pode ser decor­ canálise res­ponde por 27% (n = 96) das pre­
rente dessa ampliação do olhar sobre o ferências teó­ricas desse gru­po de psi­cólogos.
fenômeno psicológico e de uma maior com­ Dentre aqueles que atuam exclusi­va­mente
preensão das limitações teóricas das abor­ na área saúde-hos­pitalar, 27% (n = 70) com­
dagens para incluir aspectos cultu­rais, eco­ bina mais de três abor­dagens, enquanto 23%
nômicos, sociais, históricos, etc. O de­safio é (n = 61) o faz com duas abordagens teóricas.
incluir todos esses aspectos sem perder a A psi­canálise é a abordagem teórica usada
coerência na utilização de abor­dagens teó­ por 20% (n = 53) dos psicólogos que atuam
ricas, visto que algumas delas são anta­ exclu­si­vamente na área de saúde (ver Fi-
gônicas em seus pres­supostos bá­sicos. Por gura 9.14).
O trabalho do psicólogo no Brasil 195

Saúde-Hospitalar
400
350

Nº de respondentes
300
250
200
150
100
50
0
Cognitivo- Combina Combina Combina
Psicanálise Humanista Sócio- Psicodra-
comporta- duas abor- três abor- mais de três Total
existencial histórica matista
mental dagens dagens abordagens

Saúde-hospitalar 53 18 18 7 1 61 31 70 259

Saúde-hospitalar + outras áreas 96 31 24 4 3 83 36 80 357

Figura 9.14 Abordagens teóricas na área de saúde-hospitalar.

Orientações teórico-metodológicas denciam que, em­bora as abordagens cognitivas


da atuação na área organizacional e com­­por­tamentais sejam usadas em inter­
e do trabalho venções orga­ni­za­cio­nais, a psicanálise cres­ceu
em impor­tân­cia. Uma das razões para esse
A Figura 9.15 associa as abordagens teó­ cresci­mento pode estar no fato de o tema de
ricas adotadas por quem atua na área or­ga­ saúde e trabalho ser historicamente for­te no
nizacional e do trabalho, exclusiva­mente ou Brasil, e muitos estudiosos do tema fa­zerem
não. Os profissionais que tra­ba­lham so­mente uso de referenciais derivados da psi­canálise,
nessa área usam, ao mesmo tempo, mais de como por exemplo, o da psico­dinâmica.
três abordagens (n  =  91), o que repre­senta A mesma tendência é observada entre
27%; ou duas abordagens (n = 83), o que re­ aqueles que atuam na área organizacional e
pre­senta 24%. Ainda nesse grupo, per­cebe-se do trabalho, mas também em outras áreas.
que as abor­dagens mais utilizadas são a cog­ A preferência pela utilização de mais de três
nitivo-com­­portamental (n  =  51) e a psica­ abordagens (n = 62) (29%) seguida de duas
nálise (n = 50), o que re-pre­senta em tor­no de abordagens (n = 52) (24%) per­siste. A psica­
15% para cada uma delas. Esse parece ser um nálise (n = 29) (13%) e a teoria cog­nitivo-
sinal de que atuar na área or­ga­nizacional e do comportamental (n = 20) (9%) se­­guem sen­­
tra­balho requer adotar mais de uma abordagem do as abordagens teó­ricas que mais servem
teórica. To­davia, esses resul­tados também evi­ de apoio às ações na área.

Organizacional e do trabalho
350
Nº de respondentes

300
250
200
150
100
50
0
Cognitivo- Combina Combina Combina
Humanista Sócio- Psicodra- Total
Psicanálise comporta- duas abor- três abor- mais de três
existencial histórica matista
mental dagens dagens abordagens

Organizacional 50 51 23 7 7 83 27 91 339

Organizacional + outras áreas 29 20 13 5 3 52 31 62 215

Figura 9.15 Abordagens teóricas na área organizacional e do trabalho.


196 Bastos, Guedes e colaboradores

Orientações teórico-metodológicas da­gens cogni­tivo-com­portamental (n = 10)


da atuação em docência (5%), huma­nis­ta-exis­tencial (n = 10) (5%) e
só­cio-his­tó­rica (n = 4) (2%).
Historicamente, a docência é uma ativi­da­
de que se encontra associada a outras áreas de
atuação profissional, pois, na prá­tica, une a pro­ Orientações teórico-metodológicas da
dução e a transmissão do co­nhecimento em um atuação na área escolar e educacional
campo de atuação espe­cializado. Destarte, o
profissional que exerce docência, também rea­­ Dentre as abordagens teóricas (Figura
liza atividades em uma área de atuação es­pe­ 9.17), percebe-se que, mesmo atuando ex­clu­
cializada. Isso jus­tifica que, dos 321 psicó­logos sivamente ou em conjunto com outras áreas,
que atuam em docência, 60% (n  =  192) con­ os psicólogos da área escolar e educa­cional
ciliem docência com outra área de atuação. usam mais de três (n = 32 e n =  38) – o que
Os que trabalham predominantemente re­presenta 38 e 29%, respec­tiva­mente – ou
com a docência privilegiam a combinação de duas abordagens teóricas (n = 25 e n = 42), o
duas (n  =  34) (26%) ou mais de três abor­ que representa respectivamente 29 e 32%. A
dagens (n  =  30) (23%), conforme se observa força da psicanálise é mais sig­nificativa no
na Figura 9.16. Mas, quando se leva em con­ta psicólogo que concilia a atuação em escolar e
o principal referencial teó­rico, as abor­­­da­­gens educação com outras áreas (n  =  17) (13%),
teó­ricas predominantes são, em or­dem de­­­cres­ do que em quem atua exclusivamente nela
cen­te, a cognitivo-com­por­tamen­­tal (n  =  19) (n  =  7) (8%). Isso sugere que a psicanálise
(15%), a só­cio-histórica (n  =  17) (13%) e a não é o referencial de base para quem atua
psica­nálise (n  =  15) (12%). Entre os psicólogos somente na área escolar e educacional, como
que, além da docência, exercem alguma outra ocorre na clí­nica, mas o seu uso cresce caso o
atividade, o quadro é seme­lhante, com prefe­ psicólogo tenha outras inserções.
rência pela utilização de duas (n =  55) (29%), O resultado geral talvez seja um sinal de
seguida de mais de três abordagens teóricas que a inserção em várias áreas obriga o
(n  = 47) (24%). To­da­via, a psicanálise apa­re- psicólogo a buscar diversos referenciais teó­
ce como o refe­ren­cial teórico mais impor­tante ricos para melhor integrar o conhecimen-
(n  =  36) (19%) para dar suporte à atuação to psicológico e atender a contento as varia­
múl­­­tipla, deixan­do um pouco para trás as abor­ das demandas contextuais de sua inserção.

Docência
200
180
160
Nº de respondentes

140
120
100
80
60
40
20
0
Cognitivo- Combina Combina Combina
Humanista Sócio- Psicodra-
Psicanálise comporta- duas abor- três abor- mais de três Total
existencial histórica matista
mental dagens dagens abordagens

Docência 15 19 7 17 1 34 6 30 129

Docência + outras áreas 36 10 10 4 4 55 21 47 192

Figura 9.16 Abordagens teóricas na área de atuação docente.


O trabalho do psicólogo no Brasil 197

Educacional
140
120
Nº de respondentes

100
80
60
40
20
0
Cognitivo- Combina Combina Combina
Humanista Sócio- Psicodra- duas abor- três aor- mais de três Total
Psicanálise comporta-
existencial histórica matista dagens dagens abordagens
mental

Educacional 7 7 4 1 1 25 8 32 85

Educacional + outras áreas 17 7 8 3 0 42 17 38 132

Figura 9.17 Abordagens teóricas na área escolar e educacional.

Considerações Finais siderado o número de profissionais que re­


latam desen­volvê-las. Esse é o caso, por
O presente capítulo trabalhou com dois exemplo, das atividades de avalia­ção psico­
conceitos centrais para a compreensão da di­ lógica, psicodiagnóstico e apli­cação de tes­
versidade que marca o trabalho do psi­cólogo tes. Embora descritas em níveis de com­ple­
no Brasil. O conceito de área de atuação é xidade distintos, as três es­tão presentes nos
amplamente disseminado na co­munidade mais diversos domínios, inclusive entre os
acadêmica e profissional e re­siste ao longo docentes. É possível iden­tificar, todavia, um
dos anos apesar das transições que aproximam núcleo de ati­vidades que classicamente de­
a Psicologia de outros campos disciplinares, finem cada área de atuação.
que criam pontes mesmo den­tro do campo Apesar das transformações que ocor­
profissional da Psicologia. Por outro lado, o reram na psicologia brasileira nos últimos
conceito de abordagens teórico-metodológicas 50 anos, ao comparar o cenário atual com o
se refere a um conjunto mais amplo de di­ do final da década de 1980, as mudan-
vergências (conceituais, de con­cepção de ho­ ças não foram tão significativas assim. Em
mem, de concepção de ciência, de valores várias passagens do capítulo reafirmou-se
sociais) que, em muitos casos, tornam os que, apesar de haver sinais de que o psi­­cólogo
subgrupos dentro da Psicologia mais distantes está ampliando sua área de atua­ção para além
entre si do que de outras disciplinas. da clínica e substituindo o modelo clínico de
Uma das principais conclusões deste atendimento por modelos de intervenção
ca­pítulo é a de que o psicólogo é um profissio- grupais com forte ênfase so­cial, é fato que a
nal com ampla capacidade de atuar em di­ clínica continua exercendo seu fascínio entre
versas áreas. É digno de nota que, embo­­ra os psicólogos.
possa atuar em várias áreas, suas ati­­­vi- Os resultados da pesquisa atual apontam
da­des con­vergem, pois, mesmo que es­teja claramente que, apesar de a clínica per­ma­
trabalhando em áreas distintas, o psicó­logo necer como uma área de atuação pre­domi­
desenvolve atividades semelhantes, colo­ nante para o psicólogo, ela está se es­ten­
cando em dis­cussão o próprio con­ceito de dendo para além dos consultórios par­ticu­la­
áreas. Há um conjunto básico de ativi­dades res e penetrando em instituições pú­blicas de
que per­meiam o exercício pro­fissional do saúde e no terceiro setor. O papel social do
psi­cólogo nas di­ferentes áreas, se for con­ psicólogo, então, mostra-se mais evidente na
198 Bastos, Guedes e colaboradores

atualidade, pois mesmo que a clínica siga e o conjunto de com­petências bá­sicas espe­
sendo a área mais impor­tante para o psi­ radas do recém-graduado.
cólogo, assiste-se hoje a in­clusão de popu­ Não se pode ignorar, todavia, que os
lações antes muito pouco assistidas. dados encontrados neste estudo somados
Se os psicólogos desempenham ativi­ aos resultados do ENADE (Exame Nacional
dades fortemente atreladas à aplicação de de Desempenho do Ensino Superior) rea­
testes psicológicos para embasar psico­diag­­­ lizado em 2006, apontaram que Fundamen-
nós­ticos e pareceres independentemente de tos Históricos e Epistemológicos é um dos
sua área de atuação é preciso colocar em eixos no qual os alunos apresentam, no país
discussão se é defensável pros­seguir com o todo, os piores desempenhos: isso indica
conceito de áreas de atuação que até o mo­ pro­blemas relacionados à forma como tais
mento tem servido mais para se referir ao orientações estão sendo contempladas nos
local de trabalho e não aos diferentes enfo­ cursos de formação. Na realidade, mais do
ques e atividades que o psicólogo adota na que conhecê-las, confrontá-las e compará-
sua intervenção prática. Talvez seja neces­ las para propiciar escolhas conscientes, a
sário redefinir o con­ceito de área de atuação, adoção de perspectivas diversas sugere uma
em parte porque os resultados apontam o adesão acrítica. O problema é que essa reali­
crescimento do nú­mero de psicólogos que se dade não se restringe aos psicólogos recém-
inserem em mais de uma. formados e parece ser um traço disseminado
Quanto à orientação teórico-meto­doló­ entre os profissionais, o que requer estudos
gica, se em fins da década de 1980 já havia adicionais para compreender o que efeti­
sinais claros de que os psicólogos ne­ces­si- vamente está ocorrendo no pro­cesso de for­
tavam usar de mais de um referencial teórico mação desses profissionais.
pa­ra dar suporte às suas atividades profissio­
nais, hoje essa tendência é marcante. Apesar
da ex­periência adquirida ao longo dos anos notas
fazer diminuir a tendência de usar três ou
mais abor­dagens teóricas simul­tâneas, a efe­ 1 Para o cálculo, foi usado o teste t revelando se­
tiva di­mi­nuição em busca de um maior di­re­ rem significativas as diferenças (x²  = 172,76,
cio­namento teórico ocorre após os 11 anos gl 21, p  <  .00).
de for­mação e se consolida após os 20. Ape- 2 O teste t revelou que as diferenças são signi­fi­
sar de a formação especializada con­tribuir cativas (x²  =  79,253 (28) p  <  .00).
também para o maior direcio­na­mento teóri-
co, essa mu­­­dança se faz notar somente quan­
do o psicólogo obtém o título de doutor. Referências
As fortes evidências de que o psicólo-
go necessita usar mais de um referencial teó­ Bastos, A. V. B. Áreas de atuação – em questão
rico para dar suporte ao seu trabalho colo- o nosso modelo profissional In: Conselho Federal
ca em discussão um pressuposto larga­mente de Psicologia. Quem é o psicólogo brasileiro? São
aceito, especialmente por estudiosos e do­ Paulo: Edicon, 1988, p. 163-193.
Bastos, A. V. B.; Achcar, R. Dinâmica pro­
centes, da necessidade de uma for­mação plu­
fissional e formação do psicólogo: uma pers­
ralista que assegure o contato do aluno com pectiva de integração In Conselho Federal de
as principais orientações teórico-me­todoló­ Psicologia. Psicólogo Brasileiro: práticas emergen-
gicas existentes no campo da Psicologia. Tal tes e desafios para a formação. São Paulo: Casa do
preocupação foi con­templada nas Diretrizes Psicólogo, 1994, p. 299-329.
Curriculares para os cursos de Psi­cologia, ao Borges-Andrade, J. E. A avaliação do exercí-
fixar os valores que devem guiar a formação cio profissional In: Conselho Federal de Psicolo-
O trabalho do psicólogo no Brasil 199

gia. Quem é o psicólogo brasileiro? São Paulo: Edi­ da ciência e prática psicológica.São Paulo: Casa do
con, 1988, p. 252-272. Psicólogo, 2003, p. 99-119.
Botomé, S. P. Em busca de perspectivas para a Hutz, C. S.; Bandeira, D. R. Avaliação Psico­
psicologia como área de conhecimento e como lógica no Brasil: Situação Atual e Desafios para o
campo profissional In: Conselho Federal de Psi­ Futuro In O.H. Yamamoto; V.V. Gouveia (Org.).
cologia. Quem é o psicólogo brasileiro? São Paulo: Construindo a Psicologia Brasileira: desafios da
Edicon, 1988, p. 273-297. ciência e prática psicológica. São Paulo: Casa do
Carvalho, A. M. A. Atuação psicológica: uma Psicólogo, 2003, p. 261-278.
análise das atividades desempenhadas pelos Langenbach, M.; Negreiros, T.C.G.M. A for­
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Quem é o psicólogo brasileiro? São Paulo: Edicon, Conselho Federal de Psicologia. Quem é o psicólogo
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10
O psicólogo e sua inserção
em equipes de trabalho

Maria do Carmo Fernandes Martins e Katia Puente-Palacios

A inserção de equipes como unidades Para iniciar essa tarefa, cabe desta-
de desempenho no cenário das organi­zações car brevemente as características daquilo
é uma prática bastante difundida na época que é considerado uma equipe. Tal escla­
atual. Em consequência, é cada vez maior a recimento é necessário uma vez que, em
quantidade de estudos pu­blicados a respeito decorrência da sua enorme divulgação, cé­
de características, fun­cionamento e possíveis lulas de trabalho das mais diversas na­tu­
resultados do tra­balho de equipes. En­tre­ rezas recebem a denominação “equipe”
tanto, atualmente, inexiste informação sobre sem necessariamente apresentarem as ca­
a atuação do psicólogo sob essa condição de racterísticas que permitem a sua adequada
trabalho. Por esta razão, o presente capítulo identificação. Equipes de trabalho consti­
tem co­mo objetivo central apresentar os re­ tuem sistemas dinâmicos de atos pro­tago­
sul­tados de investigação empírica que bus- nizados por conjuntos de pessoas com ha­
cou compreender o trabalho dos psicólo- bilidades complementares cujas ações labo­
gos em equipes, descrevendo-o sob o ponto rais são norteadas por metas de tra­balho
de vista desses trabalhadores. Nesse con­ comuns. Assim, essas pessoas são mu­tua­
texto, serão focados aspectos específicos co­ mente responsáveis pelo alcance de seus
mo a satisfação, as crenças dos psicó­logos objetivos (Greenberg e Baron, 1995). Esta
em relação às equipes, assim como os con­ conceituação, embora breve, destaca que
flitos vivenciados por eles, detectados em uma equipe é caracterizada pela com­ple­
resultados de pesquisa en­contrados a res­ men­taridade das habilidades dos seus
peito dessa temática entre os psicólogos bra­ mem­­bros, pelas experiências de trabalho
sileiros. Para isso, este texto começará de­ co­letivas, pela responsabilidade com­par­ti­
talhando peculiaridades teóricas que carac­ lhada tanto na execução das tarefas quanto
terizam esse campo do conhecimento, com no alcance das metas. Por essa razão, o
o objetivo de favorecer a compreensão do arcabouço teórico trazido neste capítulo e
funcionamento das cé­lul­as de trabalho de­ os dados resultantes da pesquisa dizem res­
nominadas equipes. peito ao desempenho de unidades de tra­
O trabalho do psicólogo no Brasil 201

balho denominadas equipes. Na inves­tiga­ aspectos mais frequentemente adotados, se­


ção realizada, os psicólogos respon­den­tes ja de maneira isolada ou associado a indi­
in­formavam se trabalhavam de modo indi­ cadores duros (Campion, Papper e Medsker,
vidual ou em equipes uniprofissionais ou 1996; Car­less e de Paola, 2000; Gladstein,
multiprofissionais. Nas duas últimas op­ções, 1984; Janz, Colquitt e Noe, 1997; Knouse e
havia um direcionamento para uma parte Dansby, 1999; Shaw, Dully e Stark, 2000;
específica do questionário composta por Van der Vegt, Emans e Van de Vliert, 1998,
três escalas válidas e fidedignas rela­tivas a 2000, 2001; Wageman, 1995). Estas evidên­
crenças sobre a equipe de trabalho, a con­ cias demonstram que a satisfação pode ser
flitos percebidos e à satisfação com essas con­siderada um indicador (afetivo) legítimo
formas de arranjo laboral. de efetividade do trabalho em equipe. Ten­
As equipes de trabalho são concebidas do em vista essas defesas teóricas anterior­
com a finalidade de promover efe­tivi­dade da men­te apresentadas, a seguir, é explorado o
organização. Em 1970, Camp­bell, Dun­nette, papel da satisfação no contexto das equipes.
Lawler e Weick (apud Brod­beck, 1996) defi­
niram o desempenho efetivo das equipes co­
mo o grau em que os resultados do desem­ Satisfação com a equipe
penho dessas unidades se aproxi­mam das
me­tas especificadas. A efetividade da orga­ Vale destacar que, conforme mani­fes­
nização, por sua vez, é compreendida como tado por Siqueira e Gomide Jr. (2004), sa­
um padrão externo de referência que indica tisfação é um tema que tem despertado o
quão bem a orga­ni­zação atende às demandas interesse de pesquisadores desde o início do
dos grupos que dela participam (Pfeffer e século passado. Apesar de se tratar de fenô­
Salancik, 1978). Dessa forma, espera-se que meno longamente estudado, ainda não se
as equi­pes sejam efetivas no seu desempenho encontra consenso a seu respeito. As ver­
a fim de con­tribuírem para a consecução das tentes teóricas não são unânimes e ora o
metas da organização. En­tre­tanto, resta dú­ definem como construto unidimensional,
vida sobre os aspectos que devem ser focados ora como multidimensional. Divergências
ao se investigar a efetivi­dade da equipe. A tam­­bém podem ser encontradas quanto à
esse respeito, Nadler, Hackman e Lawler sua natureza, uma vez que podem ser en­
(1979) destacam que é tão importante atin­ contrados pesquisadores que a concebem
gir as metas de desem­penho estabe­leci­das como fenômeno de natureza cognitiva en­
pela organização quanto obter resultados quanto outros defendem se tratar de cons­
afe­ti­vos satisfatórios. Isto é, a efetividade da truto de natureza afetiva. No presente ca­
equipe não pode ser consi­derada exclusi­ pítulo, entretanto, a satisfação é com­preen­
vamente a partir de indica­dores duros (nú­ dida como fenômeno de natureza afetiva
mero de peças produzidas, porcentagem de re­lativa ao vínculo estabelecido entre o indi­
redução do desperdício ou quantidade de víduo e a equipe de trabalho a que perten-
peças defeituosas devolvidas) ou crité-rios de ce. Em 1976, Locke definiu a satisfação
produção. Deve-se verificar adi­cionalmente como um estado emocional po­sitivo ou de
em que medida a experiência do trabalho co­ prazer, resultante de um tra­balho ou de ex­
letivo (em equipe) gera resul­tados afetivos pe­­riências de trabalho (Siqueira e Gomide
positivos nos seus membros. Jr., 2004); tal concepção constitui a defini­
Investigando os critérios afetivos to- ção que irá nortear este capítulo. O vínculo
ma­dos como indicadores de efetividade de afetivo ao qual se faz referência, conforme
equi­pe, pode-se verificar que a literatura já manifestado, é o estabelecido com a equi­
da área aponta a satisfação como um dos pe de trabalho.
202 Bastos, Guedes e colaboradores

O papel da satisfação no contexto de tra­ Crenças sobre o


balho é duplo, pois surge como ante­ce­dente e trabalho em equipe
como consequente de comporta­men­tos orga­
nizacionais relevantes. Assim, além de ser Na literatura oriunda da Psicologia So­
um indicador da efe­tividade do tra­balho em cial e Organizacional, podem ser encon­tra­
equipe, logo, um consequente de diversas va­ dos autores como Fishbein e Azjen (1975)
riáveis expli­ca­tivas, é também um preditor de ou, ainda, contribuições mais recentes co-
com­por­tamentos futuros. A res­pei­to do seu mo a de Costa, Roe e Taillieu (2001) que
pa­pel como consequente, Glads­tein (1984) apontam o papel fundamental desem­pe­
ma­ni­festa que a satisfação é uma reação afe­ nhado pelas expectativas e pelas crenças
tiva positiva em relação à equipe de tra­balho, dos indivíduos. Sua importância, destacam
resultante da forma co­mo os membros se os autores, decorre da influência que podem
relacionam e trabalham juntos. Assim, a qua­ exercer sobre comportamentos e desem­
lidade do relaciona­men­to man­tido entre os penhos. A partir desse efeito, as crenças po­
membros da equipe de trabalho pode ter im­ dem, inclusive, impactar na satisfação dos
pacto nos níveis de sa­tisfação relatados. A indivíduos.
partir dessas teori­za­ções, é pertinente esperar Fishbein e Azjen (1975) consideram as
que equipes de trabalho carac­terizadas por crenças fenômenos cuja natureza é seme­
relações inter­pes­soais ou de trabalho confli­ lhante à das opiniões e afirmam se tratar de
tantes apre­sentem menores níveis de satis­ atributos diferentes dos afetos e dos com­
fação. Além do papel de­sem­penhado pela portamentos. Segundo esses autores, as
natureza das relações man­tidas entre os mem­ crenças resultam do conhecimento do in­
bros, Si­queira e Gomide Jr. (2004), bem como divíduo sobre um dado fenômeno ou even­to
Brief e Weiss (2002), afir­mam que atributos e representam a informação que a pes­soa
relati­vos ao individuo também podem afetar possui sobre um objeto. De maneira adi­
os níveis de satisfação, como o caso de certos cional, especificam que as crenças asso­ciam
traços de personalidade, tempera­mento e es­ o objeto a um atributo determinado. Kimble
tados de ânimo. e colaboradores (1999) acrescentam ainda
Em relação aos seus consequentes, al­ que as crenças constituem pensa­mentos não
guns autores destacam o papel da satisfação avaliativos sobre as carac­terís­ticas dos obje­
na predição de comportamentos como ab­ tos do nosso cotidiano. Logo, elas fazem re­
sen­teísmo, rotatividade e intenções de dei­ ferência ao que nós consi­deramos sobre os
xar a empresa (Petty, McGee e Cavender, fatos ocorridos ao nosso redor. No caso es­
1984; Siqueira e Gomide Jr., 2004), de sor­ pecífico do desempenho das equipes de tra­
te que quanto maior a satisfação rela­tada, balho aqui abordadas, a crença estaria cum­
menos o empregado tende a se atrasar ou a prindo a função de ligar o objeto, equipe, a
faltar, e menos vontade manifesta de deixar um atributo, efetividade.
a empresa. A este respeito, porém, Barbo- Em decorrência da ampla imple­men­
sa (2006) alerta que divergências po­dem tação das equipes no seio das organizações,
ser encontradas nos achados empíricos que a grande maioria das pessoas trabalha ou já
buscam relacionar satisfação e desem­penho. trabalhou nesse modo coletivo de arranjo
Ainda assim, conforme se demons­trou ante­ laboral; portanto, teve experiências que lhe
riormente, conta-se com evidencias empí­ permitiram formar crenças a respeito des-
ricas suficientes que permitem defender que sa forma de trabalho. Em relação às con-
a satisfação desempenha um papel expli­ se­quências, porém, não pode ser afirma-
cativo importante para compor­tamentos or­ do que elas tenham sido positivas. A expe­
ganizacionais. riên­cia de trabalho em equipe pode ter ge­
O trabalho do psicólogo no Brasil 203

rado nas pessoas, neste caso, nos psicó­­lo­ trabalho em equipe relatavam também maio­
gos, tanto crenças favoráveis quanto des­­fa­ ­res níveis de satisfação e comprome­timento.
voráveis, haja vista a ocorrência de fenô­­ A partir das evidencias apresen­tadas, é per­
menos como o da pressão da equipe, a di­ tinente esperar que as pessoas com crenças
lui­ção de responsabilidade ou a ociosi- mais favoráveis sobre as equipes de trabalho
da­­­de social. relatem também maio­res níveis de satisfação
Segundo Wageman (1995), as pessoas com essas unidades de desempenho.
desenvolvem crenças sobre as equipes de
trabalho a partir das suas múltiplas expe­
riên­cias, de modo que crenças favoráveis Conflitos interpessoais
pro­vavelmente decorrem de experiências nas equipes de trabalho
bem-sucedidas. A partir dessas crenças já
construídas, o sujeito passa a se comportar Relações humanas são caracterizadas
de maneira compatível com elas, embora o por trocas de influência social que envolvem
autor alerte sobre o fato de as crenças não coor­denação e disputas para atingir resul­
serem imutáveis. Se a pessoa possui crenças tados. Nesse processo, as pessoas envolvidas
favoráveis sobre as equipes, é pertinente coope­ram entre si, buscam acertos, con­
esperar que ela tenha preferência por esse sensos e tomam decisões. Na dinâmica des­
tipo de arranjo para a execução de tarefas. se relacio­namento, perpassam desacordos e
Pelo contrário, no caso de as crenças serem incom­pa­tibilidades, muitas vezes difíceis de
desfavoráveis, seria esperado que ela op­tas­ enfren­tar e, não raro, prejudiciais ao pró­
se por outra forma de desempenho, prova­ prio indi­víduo e à equipe. Esses desa­cordos,
velmente de execução individual. denomi­nados conflitos interpessoais, podem
No âmbito das organizações, entretanto, ser defi­ni­dos como incompatibilidades entre
as regras que definem o modo em que as objetivos, valores e necessidades de duas
tarefas estão desenhadas nem sempre obe­ pessoas, de uma pessoa e uma equipe ou de
decem a crenças e convicções pessoais; de­ duas equipes.
cor­rem, na maioria das vezes, de decisões Dois tipos de conflitos interpessoais fo­
admi­nistrativas. Logo, resta investigar como ram classificados pelos estudiosos do assun­
o sujeito reage ao ser colocado para traba­ to. O primeiro refere-se aos conflitos nas
lhar em um desenho laboral que contraria relações interpessoais que envolvem emoções
as suas crenças. e, o segundo, aos conflitos que envolvem dis­
Investigando especificamente o papel cus­sões sobre a execução de tarefas, de natu­
das crenças nos resultados de trabalho, po­ reza mais cognitiva. Jehn (1997) classificou
de ser constatado que achados empíricos um terceiro tipo de conflito – o de processo –
sus­tentam a existência de relações signi­ e o definiu como aquele que acontece por dis­­
ficativas. Campion, Medsker e Higgs (1993) cordâncias sobre o modo de realizar o traba­
e Kirman e Shapiro (2000) encontraram lho. Todavia, De Drew e Weingart (2003) afir­
cor­­relações significativas entre crenças (por mam que estudos empíricos não têm con­fir­
vezes denominada “preferência”) e aceita­ mado sua existência.
ção de práticas organizacionais, também Conflito interpessoal aparece quando
en­tre crenças, satisfação e compro­meti­men­ dois ou mais indivíduos, um indivíduo e
to. Mais recentemente e focando pon­tual­ uma equipe ou duas ou mais equipes acre­
mente nas crenças sobre o trabalho em ditam que seus interesses são incompatí-
equi­­pes, Souza (2006), Puente-Palacios e veis e as tentativas para resolver esse de­
Bor­­ges-Andrade (2005) identificaram que sacordo fracassam. Em uma concepção um
pes­soas com crenças mais positivas sobre o pouco diferente, Jehn (1997) observou que
204 Bastos, Guedes e colaboradores

conflitos também surgiam em equipes mes­ revelando seu papel construtivo. Tais con­
mo quando não havia discordância sobre flitos exercem esse papel porque aumentam
objetivos. Essa autora defendeu a ideia de a possibilidade de manifestação de ideias,
que, mesmo quando há tentativas de coope­ de envolvimento com o trabalho, de geração
ração e coordenação de esforços entre pes­ de ideias criativas, de questionamento e
soas ou entre uma pessoa e um grupo ou debate de opiniões, de manifestações críti­
equipe ou entre equipes, pode haver con­ cas construtivas, de confrontação e de ava­
flito. Sob esse ponto de vista, conflito pode liação cuidadosa das alternativas de solu­
aparecer ainda que os membros da equipe ção. Friedman e colaboradores (2000) iden­
possuam objetivos comuns e ideias pare­ tificaram que baixos níveis de conflito de
cidas. As pessoas podem concordar sobre os tarefas reduziam os conflitos de rela­cio­na­
objetivos, mas discordar sobre os meios de mento e os níveis de estresse, de­mons­tran­
atingi-los, por exemplo, enfrentando confli­ do uma relação mais próxima e direta entre
tos de processo. Assim, conflito faz parte de os dois tipos de conflito e con­trarian­do ten­
toda e qualquer relação humana e isso não dências de outros estudos que apon­tavam
é diferente nas relações que ocorrem nas relação contrária entre os dois tipos prin­
unidades de trabalho denominadas equipes, cipais de conflito, de tarefa e de relacio­na­
embora haja poucos estudos abordando am­ mento.
bos os assuntos. Conflitos de tarefa aparecem, na maior
Pode-se identificar triplo papel dos con­ parte dos estudos, como benéficos aos re-
flitos interpessoais nos estudos da área: sul­­tados da organização e à tomada de
como antecedente (variável que tem poder d­ecisão devido à melhora da qualidade da
de explicação sobre outra), consequente (va­­ decisão que decorre das discussões e das
riável que é explicada por outra) e me­dia­ críticas construtivas que provocam. Quando
dora (variável que medeia a influência de o conflito é focalizado nas tarefas, os mem­
uma antecedente sobre outra conse­quente). bros utilizam suas capacidades e seus co­
Conflitos de relacionamento têm-se revelado nhecimentos para resolvê-los. A ausência de
prejudiciais ao desempenho e à sa­tisfação do conflitos de tarefas poderia negar à equipe
trabalhador. Mas isso acontece se seus níveis a oportunidade de melhorar o desempenho
forem muito elevados; níveis baixos de conflito por meio da discussão sobre suas discor­
apareciam nos estudos co­mo benéficos para o dâncias. Apesar de todos esses indicativos,
desempenho. Um estudo de Jehn (1997) já ainda existem discordâncias sobre os efeitos
ha­via demonstrado que equipes com desem­ de altos níveis de conflito de tarefa no desem­
penho baixo possuíam altos níveis de conflitos penho. Harris, Ogbonna e Goode (2008) des­
de relacionamento, porque focalizavam mais tacam que, embora a maioria dos studos de­
atenção na redução de ameaças, na busca de monstre que conflitos de tarefa melhoram os
poder e nas tentativas de aumentar a coesão resultados da equipe, isso ainda não é con­
grupal do que na con­clusão de tarefas. Leung, senso na área.
Liu e Ng (2005) con­firmaram que baixos ní­ Muitos são os antecedentes de conflito de
veis de conflito estavam associados a bons ní­ relacionamento. Vieses culturais levam a pre­
veis de satisfação. conceitos que provocam conflitos de relacio­
Conflitos de tarefas, por sua vez, revela­ namento porque prejulgamentos desconsi­de­
ram-se benéficos para o desempenho no ram as reais características dos indivíduos e
trabalho, para o comprometimento organi­ são percebidos sob um “filtro” padronizado
za­cional, para o comprometimento com a pe­la cultura. Outro aspecto que explica o apa­
equipe, para a satisfação dos membros das recimento de conflito de relacionamento é a
equipes e para a satisfação no trabalho, diversidade (variedade de características en­-
O trabalho do psicólogo no Brasil 205

tre os membros da equipe): a que produz nais), leva os membros da equipe a relutarem
estereótipo1, aumenta-o por levar o membro em ouvir o outro ou a dividirem suas opiniões
da equipe a colocar o outro em uma categoria com ele. Assim, na determinação do desem­
preexistente, estereotipada; mas a diversidade penho, a dimensão do conflito (intensidade,
que produz comparação social2 os diminui. grau de emoção e importância) é mais im­
Outro aspecto importante que produz impacto portante do que o tipo, conforme destacam
no conflito de relacionamento é a categori­ Leung, Liu e Ng (2005). Para Harris, Ogbonna
zação social3 que, se for positiva o diminui; e Goode (2008), apontar somente efeitos
se for negativa, aumenta seus níveis. Pelled positivos ou negativos dos conflitos seria sim­
(1996) encontrou relações positivas e signifi­ plificar o problema. Apesar de estar claro que
cativas entre diversidade de raça e de esta­ conflitos podem enriquecer os resultados do
bilidade, e os conflitos de relacionamento, trabalho, particularmente daqueles que envol­
enquanto diversidades de conhecimento e de vem tarefas criativas e de risco, seus níveis
gênero, não mostraram relação significante devem permanecer medianos e suas carac­
com esse tipo de conflito. Outra variável que terísticas, mais cognitivas, para que seus efei­
tem aparecido como antecedente de con­fli- tos não sejam danosos para o indivíduo e para
tos, especialmente de relacionamento, é o as­ a organização.
sédio moral no trabalho4 (Ayoko, Callan e Ao contextualizar teoricamente os con­
Härtel, 2003). cei­tos a serem explorados, é importante
Conflitos de tarefa, em trabalhos menos lem­­brar que esta pesquisa faz parte de uma
rotineiros, são desencadeados por diferenças investigação mais ampla sobre o perfil da
de conhecimento. Segundo Pelled (1996), profissão do psicólogo. Tendo em vista as
in­teração entre longevidade da equipe e di­ teorizações apresentadas, associadas à ausên­
versidade de conhecimento diminui os con­ cia de informações em relação à percepção
flitos de tarefas. Vodosek (2007) mos­trou dos psicólogos que trabalham em equipes so­
que a diversidade cultural está relacio­na­da a bre conflitos, crenças sobre o trabalho em
aumento de todos os tipos de con­flito. Aná­ equi­pes e satisfação com essas unidades de
lises posteriores revelaram que os tipos de tra­balho, o objetivo deste recorte da pesqui­
conflito mediaram a relação entre diver­si­ sa foi investigar nesse grupo de profissionais
dade cultural e resultados das equipes. qual o nível de satisfação, as crenças e o con­
Embora se tenha tentado demonstrar co­ flito que percebem nas equipes nas quais
mo os tipos de conflito impactam e são im­ atuam. Para tanto, a seguir são descritas as
pactados por outras variáveis, o problema é características dos psicólogos participantes dos
mais complexo. De Drew e Weingart, em um quais as informações foram levantadas, assim
estudo publicado em 2003, concluíram que como os principais resultados obtidos.
qualquer tipo de conflito pode prejudicar o
desempenho da equipe, dependendo de sua
intensidade, porque um tipo pode transformar- A pesquisa sobre o trabalho
-se em outro. Conflitos de tarefa e de processos dos psicólogos em equipes:
podem, se forem longos e intensos, transfor­ quem são e como trabalham
marem-se em conflitos emocionais. Por outro
lado, conflitos emocionais ou de relaciona­ A investigação, no que diz respeito ao
mento podem levar a conflitos de tarefa por desempenho em equipes, foi realizada com
envolverem altos níveis de ansiedade. Como um total de 640 respondentes. Em ter-
ansiedade é uma emoção negativa, quando mos gerais, esses participantes eram, pre­
aparece em altos níveis e acompanhada de domi­nan­temente, do sexo feminino (85%),
hostilidade (presente nos conflitos emocio­ pos­suíam média de idade de 36 anos
206 Bastos, Guedes e colaboradores

(DP = 10), tendo o mais jovem 23 anos e o de rendimento médio mensal está entre
mais velho, 68; 71% deles graduaram-se em R$ 1.800,00 e R$ 3.600,00, e isso constitui
instituições de ensino privadas. mais de 70% de sua renda mensal. Mas a
Do total, apenas 28% cursaram mestrado renda mensal declarada mais frequente está
e destes, 19% o fizeram na área de Psico­lo­gia. entre R$ 901,00 a R$ 1.800,00, e 30% afir­
Do total de mestres, apenas 10% cursa­ram maram receber rendimentos mensais nessa
douto­rado (6% em Psicologia); 27% cur­saram faixa. A mediana ficou na faixa salarial de
aper­feiçoamento, 45% declararam fazer parte R$ 1.801,00 a R$ 2.700,00.
de algum grupo de estudo e 35% fazem su­ Do total de respondentes, 54% (342 psi­
pervisão extra-acadêmica. Do total de 640, cólogos) trabalham em equipes, 42% des­tes,
56% inse­rem-se profissionalmente em insti­ em equipes multidisciplinares. Os ou­tros
tuições públi­cas de trabalho. A maior parte 35% trabalham individualmente e 11% não
dos res­pondentes era registrada nos CRPs de informaram (Figura 10.1). As equi­pes mul-
São Paulo (27%) e de Minas Gerais (13%). ti­pro­fissionais eram compostas, prio­­ri­taria­-
Pode-se dizer que os psicólogos que res­ men­­te, por assistentes sociais (16%), médi­cos
ponderam a essa parte do questionário ain­ (16%) e enfermeiros (4%). Apenas 12% traba­
da são malremunerados, porque sua faixa lha­vam em equipes unidis­cipli­nares.

Individual – 35%
Equipes multiprofissonais – 42%
Equipes de psicólogos – 12%

Figura 10.1 Caracterização do trabalho dos psicólogos quanto à organização de suas unidades de
trabalho.

Dos 342 que trabalhavam em equipes oito grupos, tanto nas equipes multi quan-
tanto uni quanto multidisciplinares, 291 to nas equipes uniprofissionais. Para a no­
des­­­creveram as atividades que desen­vol­ meação dos clusters, tentou-se representar
viam. Destes, a grande maioria desenvolvia semanticamente o conjunto das atividades
atividades em equipes multiprofissionais que os compunham. Tal nomeação foi seme­
(Figura 10.2). lhante para ambas as formas de unidades
A partir das informações das atividades de trabalho do psicólogo. Apesar disso, sua
desenvolvidas, uma análise de cluster5 rea­ composição ficou diferenciada no que diz
lizada com o método Ward reuniu os res­ respeito à diversidade das atividades que os
pon­dentes com atividades semelhantes em compuseram porque psicólogos que desem­
O trabalho do psicólogo no Brasil 207

Equipes multiprofissonais – 25%


Equipes de psicólogos – 75%

Figura 10.2 Distribuição dos psicólogos por tipo de equipe.

penhavam atividades em equipes unipro­ treinamento e desenvolvimento de pes­soal,


fissionais realizavam uma variedade menor orientação de carreiras, recrutamento, seleção
de atividades do que aqueles que atuavam e gerenciamento de recursos hu­manos.
em equipes multiprofissionais. 6 – Atendimentos psicossociais, que agru­­­
Nas equipes uniprofissionais, eles fica­ pou atividades de atendimento psicos­social,
ram assim caracterizados: definição de políticas públicas ou so­ciais,
1 – Clínica, que agrupou atividades de aten­dimento em programas como CAPs, PSF
atendimento clínico, atendimento clínico in­ e outros.
fantil e avaliação psicológica. 7 – Atividades de desenvolvimento pro­
2 – Hospitalar, agrupando atividades de­ fissional, envolvendo grupos de estudos e
claradas como de psicologia hospitalar e supervisão para desenvolvimento profissio­
de atendimento domiciliar consequentes de nal do próprio declarante.
aten­dimento hospitalar a pacientes (servi- 8 – Outras atividades, das quais desta­
ços de assistência à saúde de acompa­nha­ ca-se uma atividade declarada como de fis­
mento hospitalar, envolvendo visitas de pro­ ca­lização da profissão e demais atividades
fissionais de saúde dos hospitais – médicos, nem sempre relacionadas à Psicologia como
enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas e pesquisa socioeconômica, por exemplo.
psicólogos – a pacientes com doenças graves
que permanecem ou são encaminhados às Nas equipes multiprofissionais, os clus­
suas casas, mas estão sob os cuidados da ters reuniram as seguintes atividades:
instituição hospitalar). 1 – Clínica, que agrupou atendimento
3 – Atividades acadêmicas, que agrupou clínico, reabilitação emocional e avaliação
atividades de docência e pesquisa. psicológica.
4 – Desenvolvimento, escolar e apren­ 2 – Hospitalar que reuniu atividades de
dizagem, reunindo atividades declaradas atendimento à saúde, desenvolvidas dentro
co­­­mo psicologia da aprendizagem e atendi­ de instituição hospitalar ou derivadas de aten­
mento psicopedagógico. dimentos aí gerados como atendimento a pa­
5 – Organizacional e do trabalho, que ciente hospitalizado, suporte a pa­cien­tes de
agru­pou atividades de consultoria a empre­sas, cirurgia de obesidade, trabalho com pa­cien­tes
208 Bastos, Guedes e colaboradores

Figura 10.3 Agrupamentos das atividades desenvolvidas por psicólogos em equipes uniprofissionais.

que apresentam distúrbios do sono e pro­ cionadas à prevenção e aos problemas es­
blemas de saúde mental, atividades de psi­co- colares, de aprendizagem e psicopeda­gógi­
oncologia infantil, suporte à saúde ma­terno- cos citados diretamente como psicologia es­
-infantil, atendimento domiciliar a pa­cien­­tes, colar e da aprendizagem ou atendimento
atendimento clínico em neuro­logia, psico-on­ psicopedagógico, saúde escolar e transtor­
cologia, distúrbios do neuro­desen­volvimen- nos do desenvolvimento.
to, atendimento a casais com infer­tilidade, 6 – Organizacional e do trabalho, que
reali­zação de projetos na área hospitalar. agrupou atividades de planejamento, diag­
3 – Atividades acadêmicas, agrupan- nóstico e solução de problemas da área de
do atividades relacionadas à docência ou psicologia organizacional e do trabalho co­
de­­las derivadas como pesquisa, aulas, ges­ mo gerenciamento de recursos humanos,
tão de curso superior, assessoria educacional acompanhamento de pessoal, planejamento
e coordenação pedagógica. de carreiras, segurança do trabalhador, trei­
4 – Saúde, agrupando atividades de namento, desenvolvimento e educação, re­
aten­dimento e prevenção à saúde que crutamento e seleção.
acon­tecem fora da instituição hospitalar e 7 – Atividades psicossociais, reunindo
não são consequentes de atendimentos fei­ atua­ção profissional ligada ao atendimento
tos por ela, como, por exemplo, atenção e à prevenção de problemas psicossociais
pri­má­ria em saúde, atuação em políticas como atendimento de crianças abrigadas,
publicas e/ou sociais de saúde, orien­tação psicologia jurídica, atendimento em CAPS,
socio­edu­cativa, atenção à saúde men­­­­tal de PSF e outros programas psicossociais, aten­
crian­ças e adolescentes e saúde do traba­ dimento psicossocial a dependentes quí-
lhador. mi­cos, atendimento a vítimas de violência,
5 – Desenvolvimento, escolar e apren­di­ a deficientes mentais e a adolescentes em
zagem, cluster que reuniu atividades rela­ con­flito com a lei.
O trabalho do psicólogo no Brasil 209

8 – Esporte e outras, agrupamento que bem como outras atividades como geren­
reuniu atividades de suporte a atletas e trei­ ciamento de áreas de especialidade da psi­
nadores, trabalho com equipes esporti­vas e cologia e outras atividades não carac­te­rís­
demais atividades da psicologia do esporte, ticas da atuação do psicólogo.

Figura 10.4 Agrupamentos das atividades desenvolvidas por psicólogos em equipes multiprofisionais.

Os agrupamentos (clusters) das ativi­ Uma vez descritas brevemente as carac­


dades que os psicólogos desempenham nas terísticas das equipes de trabalho em que se
equipes revelaram que aqueles que traba­ inserem os participantes desta pesquisa, a
lham em equipes multiprofissionais desen­ seguir são apresentados como os psicólogos
volvem um número maior e mais diver­si­ caracterizam os fenômenos psicossociais es­
ficado de atividades do que aqueles que colhidos como objeto para analisar seu tra­
atuam em equipes uniprofissionais. Essa balho em equipes.
cons­­tatação pode ser feita observando-se,
no relato dos participantes, a maior diver­
sidade de atividades desempenhadas pelos A satisfação dos
que atuam em equipes compostas por pro­ psicólogos com as equipes
fissionais de várias áreas de formação, di­ nas quais trabalham
versidade que se refletiu na definição dos
clusters. Essa maior diversidade parece exi­ Para indagar a respeito do nível de sa­
gir dos psicólogos atuantes em equipes mul­ tisfação dos psicólogos em relação às equi­
tiprofissionais uma gama mais ampla de ha­ pes de trabalho às quais pertencem, os par­
bilidades e competências. ticipantes da pesquisa foram solicitados a
210 Bastos, Guedes e colaboradores

responder a um conjunto composto por cordo Totalmente e 5, a Concordo Total­


cinco itens que focavam esse construto. As mente. A Tabela 10.1 mostra os resultados
respostas foram dadas em escala tipo Likert descritivos encontrados a respeito dessas
de concordância, onde 1 corresponde a Dis­ cinco questões.

Tabela 10.1 Dados descritivos referentes à satisfação dos psicólogos em relação ao trabalho em
equipe.
Desvio
Assuntos indagados N Média
padrão
1. Em relação aos membros da minha equipe de trabalho, eu sinto 331 4,20 0,89
confiança de que manteremos boas relações no futuro.
2. Tenho sentimentos positivos sobre a forma como trabalhamos 331 4,25 0,95
juntos na minha equipe.
3. Estou satisfeito com a forma em que trabalhamos juntos na minha 332 3,88 1,10
equipe.
4. Sinto-me bem a respeito do relacionamento que mantenho com 332 4,29 0,96
os membros da minha equipe de trabalho.
5. Confio completamente nos membros da minha equipe. 333 3,78 1,12

Avaliação geral da satisfação 335 4,10 0,84

Os resultados contidos na Tabela 10.1 nas quais os respondentes cursaram a gra­


evidenciam que, em termos gerais, o psi­ duação ou comparando as regiões em que
cólogo mostra-se satisfeito com a equipe de trabalham. Esses resultados permitem afir­
trabalho à qual pertence (avaliação geral da mar que o nível de satisfação dos psicólogos
satisfação). Entretanto, em relação a certos que parti­ciparam da pesquisa não decorre
aspectos, nem todos os membros das equi­ de gênero, idade, localidade em que cursa­
pes fazem as mesmas considerações, como ram a gra­duação ou região do país em que
no caso dos itens 3 e 5, os quais apresentam trabalham. Pode-se supor que a variável
os maiores índices de discrepância das res­ ex­plicativa não tenha sido abordada nes-
postas. Ainda com essas ponderações, é per­ ta pesquisa.
tinente destacar que na avaliação geral a Especificamente focando a formação
magnitude da discrepância (relação entre o pro­­fissional, foi comparado o nível de sa­
valor da média e do desvio padrão) está em tisfação relatado por psicólogos que estu­
níveis adequados (20,4%), o que per­mite o daram em instituições públicas e privadas.
uso da medida global. A esse respeito, os resultados revelaram
Adicionalmente, a partir da informação maio­res níveis de satisfação (média  =  4,19;
levantada, investigou-se a presença de re­ DP  =  0,73; N  =  240) daqueles que se for­
la­ções entre satisfação e atributos pes­soais, maram em instituições particulares se com­
de formação universitária e de tra­balho. Os parados aos níveis observados naqueles que
resultados encontrados em re­lação às ca­ estudaram em instituições públicas (mé­
racterísticas demográficas reve­lam que dia  =  3,80; DP  =  1,03; N  =  93).
não há diferenças significativas entre ho­ Os resultados obtidos evidenciam que,
mens e mulheres ou entre pessoas de di­ além de estarem mais satisfeitos com a
ferentes fai­xas etárias quanto ao nível de equi­pe de trabalho, os psicólogos que se for­
satis­fação. maram em instituições particulares tendem
Também não foram encontradas dife­ a mostrar maior similaridade nas suas opi­
ren­ças comparando as cinco regiões do país niões a esse respeito (17,42% de discor­dân­
O trabalho do psicólogo no Brasil 211

cia) se comparadas às opiniões emitidas Mantendo a mesma lógica de análise,


pelos psicólogos que cursaram a graduação também foi investigada a existência de dife­
em instituições públicas (27,11% de discor­ renças no nível de satisfação relatado por
dância). Logo, deve ser destacado que o psi­cólogos que realizam o seu trabalho em
gru­po dos que cursaram a graduação em equipes multidisciplinares ou equipes de tra­
ins­tituições púbicas tende a não ser con­ver­ balho compostas somente por psi­cólogos (Ta­­
gente no nível de satisfação relatado, já que bela 10.2). Nesse caso, nova­mente não fo­ram
discordam mais entre si. evidenciadas diferenças significativas.

Tabela 10.2 Médias e desvios padrão da satisfação com o trabalho em equipes


Atributo Natureza do trabalho Medida Valor
média 4,08
equipes multiprofissionais
Satisfação com o trabalho desvio padrão 0,85
em equipes média 4,16
equipes uniprofissionais
desvio padrão 0,71

Resultados semelhantes foram encon­ Essas constatações permitem observar


trados ao investigar possíveis diferenças en­ que, em termos gerais, os psicólogos res­­­
tre psicólogos em decorrência da sua área de pondentes da pesquisa estão satisfeitos
atuação. Não foram observadas dife­renças com as equipes de trabalho às quais per­
no nível de satisfação relatado por profiss­ tencem. Especificamente em relação à sa­
ionais que atuam somente no campo da tisfação que eles relatam, observou-se que
psicologia; atuaram alguma vez, porém não não há di­ferenças entre os diversos grupos
o fazem mais; nunca atuaram como psi­có­ compa­rados quando levados em consi­de­
logos ou os que atuam paralelamente na psi­ ração as­pectos demográficos dos sujeitos.
cologia e em outros campos. Final­mente, in­ Ao teo­rizar sobre a satisfação, autores co­
vestigou-se a presença de dife­renças no nível mo Si­queira e Gomide Jr. (2004) e Brief e
de satisfação por faixas de renda. Os resul­ Weiss (2002) apontaram que caracte­rís­
tados encontrados a esse respeito não mos­ ticas pes­soais como traços de perso­na­li­
traram significância estatística. dade, tempe­ramento e estados de ânimo
Tal conjunto de resultados compa­ra­ti­ influenciam no nível de satisfação do su­
vos, associados aos dados descritivos so­bre jeito, mas não há relatos de outros autores
a satisfação dos participantes da pes­quisa sobre possível influência de as­pectos da
com o trabalho em equipe, torna pertinente organização e do funcio­namento do tra­ba­
afirmar que os psicólogos são, em termos lho sobre satisfação. Dessa forma, a au­sên­
gerais, profissionais satisfeitos com o traba­ cia de diferenças sig­nificativas é consis­ten­
lho em equipe, pois os valores identificados te com os achados trazidos pela literatu-
nesse atributo podem ser con­siderados ele­ ra da área.
vados (média = 4,10). Adicio­nalmente, ca­ Em relação às regiões geopolíticas do
be destacar que a margem re­lativamente país, há de se levar em consideração que o
baixa de discrepância em rela­ção à média arranjo das unidades de trabalho tende a
das respostas pode ser o fator que explica a sofrer escassa influência de aspectos distais
ausência de diferenças signi­ficativas entre (periféricos). Assim, é de se esperar que
aqueles que trabalham em equipes de dife­ eles não impactem na avaliação do saldo
rentes composições (Tabela 10.2). afetivo resultante da experiência de traba­
212 Bastos, Guedes e colaboradores

lho em equipe ou da satisfação. Resultados pa­pel do CFP e do MEC a esse respeito? (ver
instigantes surgiram ao ser comparado o Capítulo 4).
nível de satisfação dos psicólogos formados
por instituições públicas com o dos forma­
As crenças dos psicólogos
dos por instituições particulares de ensino. A
sobre o trabalho que
esse respeito, indaga-se sobre a presença de
realizam em equipes
uma variável explicativa não capturada na
pesquisa ora relatada, uma vez que se ob­ Os psicólogos também foram indagados
servou que os profissionais de instituições acerca de suas crenças no trabalho em equi­
particulares apresentavam maiores níveis de pes. Isso foi feito porque, como exposto an­
satisfação. Questionou-se aqui se essas di­ teriormente, estudos desse campo reve­lam
ferenças seriam explicadas por carac­te­rísticas que a investigação das crenças é de funda­
de formação. Talvez em institui­ções públicas mental importância, uma vez que, se as pes­
o pensamento crítico/social seja mais in­cen­ soas são levadas a atuar de maneira con­
tivado, levando os alunos nelas formados trária às suas crenças, os resultados nega­
a esperarem ou exigirem mais do meio no tivos não tardarão a surgir.
qual estão inseridos. Todavia, essas são me­ Para capturar as crenças dos psicólogos
ras conjecturas, uma vez que nesta pesquisa quanto ao trabalho em equipes, foram reali­
não foram abor­dados aspectos que pudessem zadas quatro perguntas, todas respondidas
responder a tais questionamentos. Entre­tan­ em escala de concordância de 5 pontos, si­
to, estas são questões instigantes que mere­ milar à utilizada para responder às ques­tões
cem inves­tigações posteriores: há reais dife­ relativas à satisfação. A tabela a seguir mos­tra
renças entre psicólogos formados em insti­ os resultados descritivos relativos às respostas
tuições públicas e privadas? Em quais carac­ dadas pelo conjunto de psicólogos cujas infor­
te­rís­ticas? Seriam intencionais? Qual seria o mações compõem o presente relato.

Tabela 10.3 Dados descritivos das perguntas sobre crenças


Desvio
Assuntos indagados N Média
padrão
1. Considero um bom investimento o tempo gasto no trabalho em 342 4,71 0,53
equipe.
2. O trabalho realizado em equipe leva ao aumento da eficiência e da 339 4,64 0,58
eficácia no desempenho.
3. O trabalho em equipe permite fortalecer o relacionamento com outras 335 4,60 0,72
áreas da empresa.
4. Trabalhar em equipe leva à diminuição da carga de trabalho, 338 3,42 1,38
resultando em menos trabalho para os membros.
Avaliação geral das crenças (sem incluir o item 4) 342 4,65 0,46

Conforme o leitor pode observar, os psi­ faz parte. Assim, é pertinente afirmar que
cólogos que participaram da pesquisa apre­ as crenças sobre o trabalho em equipe são
sentam crenças favoráveis sobre o trabalho majoritariamente favoráveis. Destaque es­
feito em equipes. Cabe ainda alertar que os pe­cial para as discre­pâncias encontradas em
itens fazem referência à modalidade do tra­ relação à quarta pergunta (DP=1,38) quan­
balho em equipes, e não, como no caso da do comparada às outras três. No caso desse
satisfação, à equipe da qual o respondente item, as pessoas não apresentam uma opi­
O trabalho do psicólogo no Brasil 213

nião uniforme, pois a margem de diver­gên­ tigado a partir da análise fatorial e do índice
cia é elevada (40,36%). de confiabilidade – ver Apêndice 2), foi de­
Considerando a diferença acentuada de cidido explorar mais detalhadamente a na­
opinião em relação à última pergunta da tureza das respostas oferecidas. A Tabela
escala e o fato de ela não fazer parte das 10.4 mostra onde radicam as diferenças
análises comparativas subsequentes (pela quanto ao item em questão.
sua baixa contribuição ao conjunto inves­

Tabela 10.4 Distribuição das respostas sobre compartilhamento de carga de trabalho em equipes
(item 4)
Opções de resposta
Atributo avaliado
1 2 3 4 5
Trabalhar em equipe implica diminuição da
carga de trabalho, resultando em menos 13,6% 16,3% 9,8% 35,2% 25,1%
trabalho para os membros.
1 – discordo totalmente; 2 – discordo parcialmente; 3 – nem discordo nem concordo; 4 – concordo; 5 – concordo totalmente.

Os dados contidos na Tabela 10.4 evi­den­ investigou-se a existência de diferenças sig­


ciam que os participantes da pesquisa têm nificativas entre diversos grupos de acordo
opiniões marcadamente diferentes em relação com gênero, faixa etária, região do país em
ao fato de o trabalho em equipes promover a que cursou a graduação e região onde tra­
diminuição da carga de traba­lho. Enquanto balha. Em nenhuma dessas comparações
aproximadamente 30% dis­cordam da afirma­ foram encontrados resultados significativos.
tiva, 60% concordam com ela, e ainda 10% A partir dessas evidências empíricas, é ade­
nem concordam nem discordam. Logo, torna- quado supor que as crenças favoráveis dos
se evidente a presença de dis­crepância acen­ participantes da pesquisa sobre o trabalho
tuada nas opiniões emitidas a esse respeito. em equipes não guardam relação com gêne­
Com os três itens restantes da escala de ro, idade, região do país em que cursaram a
crenças, foi composto um escore único (ver graduação ou região onde trabalham.
Apêndice 2) a partir do qual realizou-se A seguir, procedeu-se uma investigação
uma análise geral assim como comparações a respeito da existência de diferenças de­
por equipes, conforme mostrado a seguir. pen­­­dendo do tipo de instituição onde os
Focando especificamente a relação en­ psi­­cólogos cur­saram a graduação. A esse
tre o valor médio das crenças (valor médio res­­peito, foi observado que não existem di­
geral) e a magnitude da dispersão das res­ fe­­renças significativas entre os grupos com­
postas, pode-se afirmar que a equipe de parados. Assim, as crenças dos psicólogos
respondentes tende a demonstrar pouca di­ que estu­daram em universidades públicas e
vergência quanto às crenças que possuem privadas sobre o trabalho em equipes são
em relação ao trabalho em equipe (9,89%). igualmente favoráveis. Foram comparados,
Assim, é empiricamente justificado afirmar ainda, gru­pos de áreas de atuação. A esse
que os psicólogos que participaram da pes­ respeito, os resultados obtidos novamente
quisa, em termos gerais, consideram posi­ revelaram não haver diferenças (estatistica­
tiva a modalidade de trabalho tratada aqui, mente sig­ni­ficativas) nas crenças dos psi­
uma vez que demonstram ter crenças bas­ cólogos que trabalham em equipes multi­
tante favoráveis a seu respeito. disciplinares e dos pertencentes a equipes
Uma vez identificadas as crenças gerais unidisciplinares (nesse caso, foram compa­
dos psicólogos sobre o trabalho em equipes, ra­dos também os agrupamentos de ativi­da­
214 Bastos, Guedes e colaboradores

des realizadas em cada tipo de equipe – ver dos psicólogos sobre o trabalho em equipe
Tabelas 10.9 e 10.10), ou ainda entre pessoas são eminentemente positivas. É pertinente
que já trabalharam, mas não trabalham mais; ob­servar que, majoritariamente, os partici­
que trabalham em áreas fora da psicologia; pantes da pesquisa consideram favorável o
que só trabalham na área de psicologia ou tra­balho sob essa modalidade de arranjo la­
que trabalham nessa e em outras áreas. boral. Isso explica a ausência de diferenças
Os dados contidos na tabela e os dados significativas entre quaisquer grupos compa­
relatados permitem concluir que as crenças rados.

Tabela 10.5 Médias e desvios padrão, por grupo, em relação às crenças

Atributo Grupos comparados Medidas Valor

média 4,67
Equipes multiprofissionais
desvio padrão 0,44
média 4,56
Equipes uniprofissionais
desvio padrão 0,49
Crenças sobre o média 4,74
trabalho em equipes Já trabalharam, porém, não mais
desvio padrão 0,37
média 4,78
Trabalham em área fora da psicologia
desvio padrão 0,40
Trabalham na psicologia e em outros média 4,67
campos desvio padrão 0,46
média 4,64
Só trabalharam na área
desvio padrão 0,45

Finalmente, decidiu-se investigar em revelaram a presença de diferenças signi­


que medida os psicólogos que relatam satis­ ficativas. Os psicólogos mais satisfeitos pos­
fação com as suas equipes possuem crenças suem crenças significativamente mais favo­
diferentes daqueles que manifestam meno­ ráveis sobre o trabalho em equipes se com­
res níveis de satisfação. Para operacionalizar parados aos menos satisfeitos. Tendo em
tal comparação – considerando os relatos vista os resultados encontrados (Tabela
eminentemente positivos sobre satisfação –, 10.6), ponderou-se a necessidade de inves­
foram consideradas exclusivamente as res­ tigar em que medida a satisfação e as cren­
pos­tas dos psicólogos cujo nível de satis­ ças sobre as equipes são percebidas como
fação estava localizado nos quartis extremos fenômenos diferentes. A lógica subjacente
(Q25 – menos satisfeitos e Q75 – mais satis­ está em perguntar: será que as crenças dos
feitos). Os grupos efetivamente comparados psicólogos sobre as equipes são pratica­men­
estiveram compostos por 92 e 117 pessoas te similares à satisfação que relatam sobre
respectivamente. Os resultados observados essa modalidade de trabalho?

Tabela 10.6 Médias e desvios padrão das crenças dos psicólogos nos quartis extremos de sa­tisfação
com as equipes de trabalho
N Média Desvio padrão
Grupo 1 - menos satisfeitos 92 4,46 0,57
Grupo 2 - mais satisfeitos 117 4,77 0,34
O trabalho do psicólogo no Brasil 215

Para responder a essa pergunta, foi rea­ Os conflitos que os


lizada uma correlação entre ambas as va­ psicólogos percebem nas
riáveis. Os resultados obtidos mostraram que equipes em que atuam
satisfação com o trabalho em equipes e cren­
ças sobre essas unidades de desem­penho são Para investigar como os psicólogos que
eventos de natureza diferente, pois compa­r­ trabalhavam em equipes percebiam os con­
tilham apenas 4% da variância (r = 0,021; flitos interpessoais em suas unidades de
p < 0,001). Logo, apenas uma peque­na parte trabalho, foi-lhes solicitado que respondes­
do nível de satisfação evi­denciado pelos psi­ sem a uma escala de oito itens que, em sua
cólogos está relacionada às crenças que eles estrutura original (Jehn, 1994), avaliava dois
possuem a respeito do tra­balho em equipes. tipos de conflito: de relacionamento e de ta­
A indagação de relações entre satisfação refa. Entretanto, os psicólogos não perce­be­
e crenças favoráveis guarda sintonia com o ram distinção entre os dois tipos de conflito.
apontado por Wageman (1995), que escla­re- Para eles, existe somente um tipo de conflito,
ce que as crenças favoráveis são desen­volvi- o que não surpreendeu. De Drew e Weingart
das a partir de experiências favoráveis ou (2003) já destacaram uma alta correlação
bem-sucedidas. O mesmo processo, po­rém entre ambos os tipos de con­flito e o fato de
oposto, ocorre com as crenças nega­tivas, as um tipo poder trans­formar-se no outro.
quais não foram observadas entre os psicó­ Em termos gerais, verificou-se que os
logos pesquisados. Assim, se os psi­cólogos es­ psicólogos relatam baixos níveis de conflitos
tão satisfeitos com as equipes de trabalho às em suas equipes de trabalhos (Tabela 10.7),
quais pertencem (experiências favoráveis), já já que a média de respostas foi de 2,16
era de se esperar que, em decorrência, tives­ (dp = 0,48, ponto médio da escala de res­
sem desenvolvido ou for­ta­lecido as suas cren­ pos­tas = 2,5) em escala de respostas que
ças (favoráveis) quanto às equipes de trabalho va­ria de 1 (nenhum) a 4 (muitíssimo).
em geral, como de­monstraram os resultados.

Tabela 10.7 Dados descritivos das perguntas sobre conflitos percebidos pelos psicólogos no tra­
balho em equipe
Desvio
Perguntas N Média
padrão
1 Quanto conflito há entre os membros de sua equipe ou equipe de trabalho? 339 2,12 0,61

2 Quanta raiva há entre os membros de sua equipe ou equipe de trabalho? 338 1,77 0,73
3 Quanto é evidente o conflito entre os membros de sua equipe ou equipe de
337 2,08 0,71
trabalho?
4 Quanta tensão existe na equipe na hora de tomar uma decisão? 338 2,22 0,63
5 Quanta discordância há entre os membros de sua equipe ou equipe de
336 2,23 0,58
trabalho devido a diferenças de opinião entre eles?
6 Quanta divergência de ideias existe entre os membros de sua equipe ou
337 2,31 0,58
equipe de trabalho?
7 Quanto conflito devido a diferenças de opinião nas decisões sua equipe ou
257 2,16 0,67
equipe de trabalho tem que resolver?
8 Quanta divergência de opinião existe em sua equipe ou equipe de trabalho? 332 2,38 0,70

Avaliação geral dos conflitos 340 2,16 0,48

1 = nenhum; 2 = pouco; 3 = muito; 4 = muitíssimo.


216 Bastos, Guedes e colaboradores

Pode-se perceber que existe muita di­ flitos entre os que traba­lham em equipes uni
vergência na percepção da quantidade de e multidisciplinares. (Tabelas 10.9 e 10.10).
conflitos existentes na equipe de trabalho. Adicionalmente, investigou-se a possibi­
Enquanto 70% dos respondentes conside­ lidade de psicólogos mais satisfeitos perce­
ram que existe pouco ou nenhum confli- berem menores níveis de conflitos em suas
to em sua equipe de trabalho, revelando a equipes de trabalho do que aqueles que es­
per­cepção majoritária dos Psicólogos, 25% tavam menos satisfeitos com elas. Consi­de­
acham que existe muito e 5% percebem ní­ rando que os níveis percebidos de conflito
veis elevadíssimos de conflito. A percepção foram relativamente pequenos (menores do
mais frequente entre os respondentes é a de que o valor médio da escala de respostas que
que existe pouco conflito (moda = 2). era de 2,5) e os de satisfação bastante posi­
Foram investigadas, ainda, relações en­ tivos, compararam-se as respostas dos psicó­
tre conflito e gênero, idade, região geo- logos com nível de satisfação locali­zado nos
po­lítica da instituição de formação univer­ quartis extremos (Q25 – menos sa­tisfeitos e
sitá­ria, região geopolítica em que atua pro­ Q75 – mais satisfeitos). Os psi­cólogos menos
fis­sionalmente, renda mensal e, caso es­te- satisfeitos com o trabalho em equipes per­
ja atuando em equipes, formação da equi- cebiam níveis de conflitos maiores do que os
pe. Os resultados revelaram não haver di­- mais satisfeitos com esse formato de traba­
fe­ren­ças estatisticamente significativas en­- lho. Os grupos efetiva­mente comparados es­
tre ho­mens e mulheres quanto à percep- tavam compostos por 92 e 117 psicólogos
ção de conflitos intragrupais nem entre respectivamente (Tabe­la 10.8). Os resultados
aqueles que atuam em diferentes regiões observados reve­laram a presença de dife­
do país, tampouco entre os que se forma- renças significativas entre os dois grupos. Os
ram em ins­tituições de diferentes regiões psicólogos mais satisfeitos percebem signi­
geopo­líticas e entre os que recebem dife- ficativamente me­nos conflitos se comparados
rentes faixas sa­lariais. To­davia, os psicólo- aos menos satisfeitos. Parece, então, que a
gos for­mados em insti­tui­ções públicas per­ percepção de conflitos cresce em proporção
cebem consideravel­men­te mais conflitos inversa à satisfação com a equipe de traba­
(mé­dia  =  2,25, dp  =  0,51, N  =  96) do que lho, o que foi confirmado pelo cálculo da
aqueles formados em insti­tuições privadas correlação de Pearson entre as duas variáveis
(média  =  2,11, dp  =  0,45, N  =  241). Mas (r =  – 0,55, p  <  0,01) que eviden­cia existir
não existem difer­en­ças na percepção de con­ 30% de variân­cia compartilhada entre elas.

Tabela 10.8 Médias e desvios padrão do conflito percebido pelos psicólogos nos quartis extremos
de satisfação com as equipes de trabalho
Grupos comparados N Média Desvio padrão

Menos satisfeitos 91 2,42 0,50


Mais satisfeitos 117 1,93 0,35

Análises de variância compararam as nizacional e trabalho, atividades psicos­so­


diferenças entre os agrupamentos (clusters) ciais e outras) quanto à percepção de con­
das atividades dos psicólogos (clínica, hos­ flito, às crenças sobre o trabalho em equipes
pitalar, atividades acadêmicas, atividades de uni e multiprofissionais e à satis­fação com
desenvolvimento profissional, saúde, desen­ o trabalho nestas unidades (Ta­belas 10.9
volvimento, escolar e aprendizagem, orga­ e 10.10).
O trabalho do psicólogo no Brasil 217

Tabela 10.9 Médias dos conflitos, das crenças e da satisfação dos psicólogos por agru­pamento de
atividades nas equipes uniprofissionais
Desvio
Cluster Média
padrão
1 – Clínica 2,12 0,23

2 – Hospitalar 1,89 0,30

3 – Atividades acadêmicas 2,20 0,40


Conflito**
4 – Saúde 1,90 0,34

5 – Desenvolvimento, escolar e aprendizagem 1,89 0,36

6 – Organizacional e trabalho 1,99 0,30

*F= 1,29; p >0,05


1 - Clínica 4,30 0,73
2 – Hospitalar 4,53 0,50

3 – Atividades acadêmicas 4,44 0,71


Crenças**
4 – Saúde 4,61 0,25

5 – Desenvolvimento, escolar e aprendizagem 4,72 0,39

6 – Organizacional e trabalho 4,75 0,29

*F= 1,13; p >0,05

1 – Clínica 4,18 0,61


2 – Hospitalar 4,20 0,60
3 – Atividades acadêmicas 4,24 0,60

Satisfação** 4 – Saúde 4,07 0,60

5 – Desenvolvimento, escolar e aprendizagem 3,97 0,77

6 – Organizacional e trabalho 4,34

*F = 0,36; p > 0,05

* Resultados do teste de diferença entre as médias dos clusters.


** Os clusters 7 e 8 reuniram número insuficiente de psicólogos para cálculos de diferenças entre médias.

Os resultados revelaram não haver dife­ re­­sultados da regressão OLS evidenciaram


renças estatisticamente significantes entre eles, que 31,8% da satisfação dos psicólogos com
o que revela que as atividades desen­volvidas as equipes de trabalho às quais estão vin­
pelos psicólogos não produzem impacto sobre culados resulta da participação conjunta des­
suas crenças no trabalho em equipe, sobre sua ses pre­ditores. O maior efeito decorre da
satisfação com esse tipo de organização de per­cepção de conflito (30%) e o menor, das
trabalho nem mesmo sobre a percepção de crenças sobre o trabalho em equipes (1,8%),
conflitos nas equipes, estejam atuando em mas ambos apresentam participação signifi­
equipes uni ou mul­tiprofissionais. cativa (sig. = 0,05) (Figura 10.5). Tais acha­
Posteriormente, foi investigado se cren­ dos re­velam que é adequado defender que,
ças e conflitos possuíam algum poder de ex­ quanto menor o conflito vivenciado nas equi­
plicação sobre satisfação com a equipe. Os pes e quanto mais favoráveis forem as cren­
218 Bastos, Guedes e colaboradores

Tabela 10.10 Médias dos conflitos, das crenças e da satisfação dos psicólogos por agrupamento de
atividades nas equipes multiprofissionais
Desvio
Cluster Média
padrão
1 – Clínica 2,12 0,50
2 – Hospitalar 2,13 0,42
3 – Atividades acadêmicas 1,96 0,48
Conflito 4 – Saúde 2,44 0,52
5 – Desenvolvimento, escolar e aprendizagem 2,08 0,43
6 – Organizacional e trabalho 2,19 0,46
7 – Atividades psicossociais 2,21 0,50
8 – Esporte e outras 2,25 0,56
*F= 1,19; p >0,05
1 – Clínica 4,67 0,39
2 – Hospitalar 4,74 0,37

Crenças 3 – Atividades acadêmicas 4,76 0,40


4 – Saúde 4,28 0,70
5 – Desenvolvimento, escolar e aprendizagem 4,74 0,51
6 – Organizacional e trabalho 4,65 0,45
7 – Atividades psicossociais 4,69 0,38
8 – Esporte e outras 4,75 0,29
*F = 1,41; p > 0,05
1 – Clínica 4,12 0,91
2 – Hospitalar 3,98 0,94
3 – Atividades acadêmicas 4,42 0,49
Satisfação 4 – Saúde 3,66 0,62
5 – Desenvolvimento, escolar e aprendizagem 4,33 0,43
6 – Organizacional e trabalho 4,17 0,73
7 – Atividades psicossociais 3,95 0,95
8 – Esporte e outras 4,10 0,81
* F = 0,76; p > 0,05
* Resultados do teste de diferença entre as médias dos clusters.

ças dos membros sobre essas unidades de explorar como eles percebiam três questões
desem­penho, mais os respondentes re­latam fundamentais no trabalho em equipes: as
estar satisfeitos com as equipes de trabalho crenças sobre essas unidades de trabalho,
às quais pertencem. sua satisfação com elas e se percebiam con­
flitos intragrupais nessas células de tra­ba­
lho. Avançou-se um pouco para investigar
CONCLUSÃO se crenças e conflitos percebidos explicavam
a satisfação com essa forma de organização
Neste capítulo, pretendeu-se caracteri­ do trabalho. Os resultados foram revela­do­
zar os psicólogos participantes do estudo e res. De modo geral, pode-se afirmar que os
O trabalho do psicólogo no Brasil 219


  

 
   
  

  
 
  

 
 
   

  

Figura 10.5 Ilustração do poder de explicação das crenças e do conflito na satisfação com as equipes.

psicólogos que participaram deste estudo disso, possivelmente, com prejuízos pessoais
estão satisfeitos com seu trabalho em equi­ e de desempenho. Apesar de não terem per­
pes, possuem crenças positivas sobre essas cebido conflitos como um cons­truto for­
unidades de trabalho e percebem nelas pou­ mado por duas dimensões, como relata a
cos conflitos. Isso revela um quadro ge­ral literatura (Jehn, 1994), os psicó­logos, por
positivo, a despeito de serem malre­mu­ne­ra­ terem revelado associação entre maiores
dos, bastante exigidos no trabalho (con­for­ níveis de conflito e menor satis­fação, pare­
me revelaram seus relatos de ativi­dades de­ cem tê-lo caracterizado como de natureza
sempenhadas) e de se dedicarem bastante afetiva ou psicossocial, reforçando a con­­clu­
ao seu desenvolvimento profis­sio­nal (ver são de Friedman e colaboradores. (2000)
da­dos de titulação). Apesar disso, variações de que um tipo de conflito pode transfor­
nos resultados merecem destaque. mar-se no outro, sendo difícil, por vezes,
Em relação aos conflitos percebidos, as dis­­criminá-los. Além disso, De Drew e Wein­
respostas revelam que existe grande varia­ gart (2003) destacaram que a inten­sidade
bilidade nas percepções dos respondentes, do conflito é mais importante do que o tipo
mas a grande maioria declara que nelas há e se conflitos de tarefas forem muito in­
baixa ocorrência de conflito, 70% consi­de­ tensos, podem transformar-se em conflitos
rando enfrentar poucos conflitos em suas afetivos. Isso pode ter acontecido neste es­
equipes de trabalho. Esse é um sinal posi­ tudo, com os psicólogos do primeiro quartil6
tivo que indica que suas células de traba- de satisfação com a equipe, que perceberam
lho são beneficiadas por tal fato, já que a maiores níveis de conflitos, provocando im­
maioria dos estudos aponta a presença de pacto nos resultados gerais; porém, mas
conflitos provocando impactos negativos não é possível qualquer afirmação mais se­
nos resultados do trabalho e em variáveis gura, pois a intensidade dos conflitos não
do trabalhador (Leung, Liu e Ng, 2005). Por foi investigada neste estudo.
outro lado, os que percebem muitos con­fli­ Assim como na literatura, os resultados
tos mostraram satisfação significati­va­men­te deste estudo não revelaram associações en­
diminuída, o que confirma resultados de tre percepção de conflito e gênero (Pelled,
ou­tros estudos (Barczak e Wilemon, 2001; 1996), idade, região geopolítica da insti­tui­
Leung, Liu e Ng, 2005) e, em decor­rência ção de formação universitária, região geo­
220 Bastos, Guedes e colaboradores

política de atuação profissional, renda men­ nizações públicas. Como os resultados evi­
sal média e composição das equipes de tra­ den­ciaram, os formados em instituições de
balho. Vodosek (2007) encontrou que diver­ ensino privadas estão mais satisfeitos. A as­
sidade cultural era variável preditora de sociação entre esses dois resultados apa­
conflito, mas, embora o Brasil seja um país receu bastante clara na análise de regres-
continental, as diferenças regionais não fo­ são, revelando que crenças na equipe e per­
ram abordadas neste estudo e, assim, não cepção de conflito explicam conjuntamen-
se puderam comparar os resultados deste te quase 32% da satisfação dos psicólo-
estudo com os dele. gos com suas equipes de trabalho, sendo o
Psicólogos que desenvolvem diferentes maior efei­to decorrente da percepção de
agru­pamentos de atividades percebem igual­ con­flito (30%) e o menor, das crenças sobre
mente conflitos, possuem crenças seme­lhan­ o trabalho em equipes (1,8%). Embora não
tes no trabalho em equipes e são igualmente se tenha encontrado estudos relacionando
satisfeitos com as equipes nas quais traba­ es­sas três variáveis, pesquisas investigando
lham. Portanto, o tipo de ati­vidade desen­ o impacto dos conflitos na satisfação no tra­
volvida não tem impacto na percepção de balho (Barczak e Wilemon, 2001) têm re­
conflitos, nas crenças e na satisfação com as velado que o conflito prediz insatisfação.
equipes de trabalho. Embora não se tenha Es­te estudo revelou que o conflito mantém
encontrado estudos com os quais se pu­ o poder de explicação também sobre a sa­
dessem comparar estes resultados, eles pa­ tisfação com a equipe de trabalho.
recem lógicos, já que os profissionais pos­ Embora crenças na equipe tenham re­
suem uma mesma formação mínima básica velado menor poder de explicação, tam­bém
e só se “especializam” em áreas por meio da colaboraram significativamente para a ex­
própria atuação pro­fissional ou por cursos plicação da satisfação com a equipe. Estu­
realizados (53% possuem pelo menos, aper­ dos anteriores (Campion, Medsker e Higgs,
feiçoamento) poste­riormente à sua forma­ 1993; Kirman e Shapiro, 2000) revelaram
ção. Além disso, o psicólogo, de modo geral, associações destacáveis entre crenças posi­
ainda parece ser um profissional de for­ tivas e aceitação de práticas organizacionais,
mação generalista. satisfação no trabalho e comprometimento,
Diferenças expressivas na percepção de o que seria uma confirmação indireta dos
conflitos foram encontradas entre psicólogos resultados aqui apresentados. Mas, resulta­
que se formaram em instituições públicas e dos de Souza (2006) e de Puente-Palacios e
privadas: os primeiros percebem mais con­ Borges-Andrade (2005), que trabalharam
flitos do que os últimos. Isso pode ser ex­ com crenças em equipes, foram corrobo­ra­
plicado pelas características das instituições dos neste estudo.
públicas de ensino no Brasil. Nelas, o poder Esses resultados reforçam achados da
político, principalmente o partidário, mani­ literatura expostos anteriormente, que des­
festa-se em quase todos os níveis, e o poder tacam a necessidade da manutenção de ex­
da instituição flui à mercê do poder parti­ periências positivas de trabalho porque são
dário. Martins (1999) encontrou essas ca­ elas as responsáveis pela geração de resul­
racterísticas em uma das universidades pú­ tados positivos tanto para os traba­lhadores
blicas que estudou. A cada mudança de quanto para as organizações. A respeito dos
governo, o poder se desloca de modo a fa­ resultados deste estudo, des­taca-se que de­
zer dessas instituições verdadeiras arenas vem ser observados com cui­dado. Apesar de
de lutas políticas intensas, o que, prova­vel­ ter o mérito da origi­nalidade, problemas
mente, explica a maior percepção de con­ ope­racionais na coleta de dados tornaram a
flitos pelos psicólogos formados por or­ga­ amostra acidental e, em consequência disso,
O trabalho do psicólogo no Brasil 221

não representativa dos psicólogos brasileiros 5 Técnica estatística que agrupa variáveis
que atuam em equipes. Há vieses claros pe­ ou indivíduos com características seme­
lo menos quanto à representatividade de re­ lhantes.
giões geopolíticas e à possibilidade de aces­ 6 Quartil é cada um dos três pontos na escala
que divide a amostra em quatro partes iguais,
so a meios de comunicação digital (internet)
cada uma com 25% da amostra.
e, por isso, tais resultados devem ser consi­
derados com ressalvas. Sugere-se a realiza­
ção de novos estudos sobre esses temas em
ReferÊncias
outras po­pulações para avaliar a estabili­
dade das re­lações encontradas. Ayoko, O. B.; Callan, V. J.; Härtel, C. E. J.
Apesar disso, este estudo, como parte Workplace conflict, bullying, and counterproductive
da pesquisa maior relatada neste livro, ana­ behaviors. International Journal of Organizational
lisa com detalhes inéditos a profissão do Analysis, 11(4), 2003, p. 283-301.
psicólogo no Brasil e, no que diz respeito Barbosa, D. A influência da liderança e dos
aos fenômenos que foram foco deste capí­ valores pessoais nas respostas afetivas de membros
tulo, pode revelar que, apesar da remu­ de equipes de trabalho. Dissertação de Mestrado
neração baixa e da grande exigência à qual em Psicologia. Universidade de Brasília, 2006.
são submetidos, os psicólogos que atuam Barczak, G.; Wilemon, D. Factors influencing
product development team satisfaction. European
em equipes estão satisfeitos, enfrentam pou­
Journal of Innovation Management, 4(1), 2001,
cos conflitos e acreditam que trabalhar em
p. 32-36.
equipe é algo bom para si e para os outros Brief, A. P.; Weiss, H. M. Organizational Beha­
profissionais envolvidos. vior: affect in the workplace. Annual Review of
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Brodbeck F. C. Criteria for the study of work
notas group functioning. In M. West. Handbook of work
group Psychology. Chichester: John Wiley & Sons,
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ou modelos cognitivos decorrentes da gene­ Campion, M.; Medsker, G.; Higgs, A. Rela­tion
ralização de crenças que levam a classificar between work group characteristics and effective­
pessoas ou grupos sociais em categorias ness: Implications for designing effective work
preexistentes, desconsiderando suas carac­ groups. Personnel Psychology, 46, 1993, p. 823-850.
terísticas. Campion, M.; Papper, E.; Medsker, G. Rela­
2 Comparação social: processo resultante da tion between work group characteristics and
necessidade de o indivíduo comparar-se com effec­tiveness: a replication and extension. Per­
outros de capacidade idêntica ou inferior à sonnel Psychology, 49, 1996, p. 429-689.
sua. (Festinger, 1954) Carless, S.; de Paola, C. The measu­rement of
3 Categorização social: divisão do meio so- cohesion in work teams. Small Group Research,
­cial em categorias/agrupamentos de carac­­­ 31, 2000, p. 71-88.
te­rísti­cas que levam os indivíduos a au­men­ Costa, A. C.; Roe, R.; Taillieu, T. Trust within
tarem as semelhanças entre membros de teams: The relation with performance effecti­
uma mesma categoria e as diferenças en- veness. European Journal of Work Orga­nizational
tre membros de categorias diferentes. (Mi­ Psychology, 10, 2001, p. 225-244.
randa, 1998) De Drew, C. K. W.; Weingart, L. R. Task versus
4 Assédio moral no trabalho: exposição dos Relationship Conflict, Team Performance, and
trabalhadores a situações humilhantes e Team Member Satisfaction. Journal of Applied
constrangedoras, repetitivas e prolongadas, Psychology, 88(4), 2003, p. 741-759.
durante a jornada de trabalho e no exercício Fishbein, M.; Ajzen, I. Belief, attitude, intention
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222 Bastos, Guedes e colaboradores

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11
A identidade do psicólogo brasileiro

Sônia Maria Guedes Gondim, André de Figueiredo Luna,


Graceane Coelho de Souza, Louise Cristine Santos Sobral e Marissa Silva Lima

Um dos comentários mais instigantes da tidade é central ou periférica. Os valores


entrevista de Bauman (2005, p. 22) a Vecchi pessoais servem de indicadores, pois as iden­
sobre a identidade se refere à afir­mativa de tidades são fruto do processo de socialização
que “a fragilidade e a condição eternamente e da aprendi­zagem social, em que valores,
transitória da identidade não podem mais costumes e formas de viver, sentir, perceber
ser ocultadas (p. 22)”. Alguns poderiam ser e agir são incorporadas no modo de ser, pen­
levados a crer que tal afir­mativa seria um sar e agir no mundo.
indicador da liberdade que alcançamos ao A multiplicidade de identidades se apre­­­
nos desvencilharmos de uma estrutura social senta em duas direções: uma vertical e a
de castas em que, desde o nascimento, o outra horizontal. Da infância à idade adulta
nos­so grupo de perten­ci­men­to se encontra são assumidos papéis que reque­rem novas
definido, sem que nos sejam dadas chances identidades: filho, mãe, pai, es­tudante, pro­
para mudar de status. Po­rém, não é essa a fissional, avô, aposentado, etc. O lugar de
interpretação que faze­mos ao ler outros tre­ nascimento e a cor de pele também sus­
chos da mesma entrevista. citam a necessidade de cons­truir identi­da­
Bauman faz uma crítica a um mundo des para se posicionar no mundo. E todas
moderno que oferece a cada pessoa inú­me­ são identidades construídas para atender à
ras e intercambiáveis identidades, dando a condição de estar no mundo. Porém, tam­
ilusão de liberdade de escolha. Suposta­men­ bém se é levado a assumir, a um só tempo,
te é facultado decidir quem ser, a que grupo duas ou três identidades que mui­tas vezes
pertencer, e trocar de identidade quando se concorrem entre si e geram conflitos inter­
sentir enfadado. Algumas iden­tidades, toda­ nos. Em algumas ocasiões, a identidade
via, ocupam um lugar central na formação pro­fissional tem de ceder lugar para a iden­
da pessoa e são mais re­sistentes que outras tidade materna ou paterna emer­gir com
cuja posição é mais peri­férica e, portanto, mais evidência; em outras, a importância
são mais suscetíveis a mudanças. Não há um da identidade pro­fissional faz com que mu­
critério seguro para dizer quando uma iden­ lheres e homens não queiram investir em
224 Bastos, Guedes e colaboradores

identidades que possam colocar em risco contribuições do interacionismo-simbólico


tal primazia. (Blumer, 1969), que se contrapôs à concep­
Apesar de se admitir como fato comum ção de que o comportamento social é resul­
a emergência de múltiplas identidades na tante de estruturas estáticas (posição social
vida social, o conceito de identidade es­bar­ra e poder). Pelas suas ações, o homem afeta
em dificuldades como a da imprecisão con­ seu meio ambiente, aos outros e a si mes­
ceitual. Conceito polissêmico, a identi­dade mo, estabelecendo trocas contínuas que fa­
se refere a vários objetos, à pes­soa (per­­ zem com que os significados e as identi­
sonalidade), ao grupo (identidade bio­ló­­gica, dades sejam reatualizados (Alvaro e Garri­
social, profissional, ocupacional e cul­­tural) e do, 2006; Smith-Lovin, 2002). Portanto,
a instituições. Desde sua origem no campo mes­mo quando a identidade é percebida
da lógica (toda entidade é idên­tica a si mes­ co­mo estática, ela está sendo transformada
ma), e no campo da filosofia clássica (noção à medida que o sujeito, através de suas
de permanência, singula­ridade e uni­cidade), ações, reatualiza sua identidade pressuposta
a identidade se viu associada a vá­rios cam­ (Ciampa, 1984 e 1998).
pos do conhecimento das ciências sociais. Stryker e Serpe (1982) se apoiam no in­
Passou a ser concebida, então, como um fe­ teracionismo-simbólico para afirmar que as
nômeno relacional resul­tado da oposi­ção en­ identidades decorrem tanto das expec­tativas
tre aquilo que há de comum, e faz com que sociais (nível estrutural) quanto da escolha
um indivíduo se per­ceba como mem­bro de dos papéis que os indivíduos pre­tendem as­
um grupo, e o que há de dife­rente, levando sumir (nível individual). Esse jo­go de forças
esse mesmo indi­víduo a se perceber como hierarquiza as identidades em uma estrutura
não membro de outros gru­pos. Sendo assim, de saliência, indicando a probabilidade de
definir a iden­ti­dade social significa reco­ cada uma delas vir a ser evocada.
nhecer as seme­lhanças internas ao grupo Embora a dialética entre auto e hete­
(en­dogrupo) e as diferen­ças com ou­tros gru­ roidentidade favoreça a construção da iden­
pos (exogru­po) (Ciampa, 1984; Silva, 2000; tidade social, ela também pode vir a acirrar
Woodward, 2000). comportamentos discriminatórios. Esse te­
Ao adotar perspectiva semelhante, Cu­che ma foi um dos focos de interesse de Tajfel e
(2001) assevera que a identidade (gru­pal, Turner (1979) ao afirmarem que as pessoas
social ou cultural) diz respeito a uma norma categorizam grupos sociais para salientar as
de vinculação necessariamente cons­ciente e diferenças intergrupos e reduzir a varia­
ba­seada em semelhanças e oposi­ções sim­bó­ bilidade intragrupo. Mas, o que motivaria
licas. Nesse sentido, as identidades (por exem­ as pessoas a marcar tais diferenças entre
plo, individual, social, grupal, profis­sio­nal, gru­pos? A resposta estaria na preservação
ocupa­cional e organizacional) não são pro­ da autoestima (autovalorização) e da auto­
prie­dades com as quais se nasce; são cons­ ima­gem (atributos de qualidade), ou seja,
truídas e trans­formadas (processo di­nâ­mico) na defesa da identidade. O problema é que
pelos inú­meros vínculos sociais de­sem­penha­ categorizar grupos sociais para garantir a
dos ao longo da vida em socie­dade (Hall, identidade grupal contribui para fazer sur­
1999, p. 49). Em resumo, a iden­tidade é uma gir comportamentos discriminatórios in­ter­
estra­tégia de relação. Ela se constrói na dia­ grupais. E isso tem repercussões nas rela­
lética entre a auto e a heteroidentidade. ções sociais, em especial, nas relações entre
Essa dialética desnuda o papel ativo do grupos profissionais. As ações de reserva de
indivíduo na construção de sentido do mercado adotadas por conselhos profissio­
mun­­do, cuja identidade social ocupa lugar nais podem ser explicadas por uma tentati-
de destaque. Essa foi uma das importantes va de assegurar a identidade profis­sional de­
O trabalho do psicólogo no Brasil 225

marcando e controlando a atuação no âm­ um psicólogo que vão sendo in­corporadas e


bito da prática, já que no campo do de­ modificadas conforme o curso avança.
senvolvimento teórico é impossível exer­cer Um dos aspectos mais significativos da
esse tipo de controle. Em resumo, o for­tale­ análise de Kullasepp (2008) é que já no
cimento da identidade profissional está tam­ processo de formação há uma tensão entre
bém associado ao controle do exer­cício pro­ a identidade e a contraidentidade: “Eu já
fissional e pode contribuir para acirrar con­ te­nho algumas características de psicólogo”
flitos intergrupais em campos do conhe­ci­­ (eu me vejo como membro desse grupo
mento afins. pro­­fissional) e “Eu ainda não tenho algu­
É bem verdade que a simples consta­ mas características de psicólogo” (eu não
tação de similaridade entre pessoas de um me vejo como membro desse grupo profis­
mesmo grupo não é suficiente para desen­ sional). Tal tensão vai assumindo novos
cadear o processo de identificação com esse con­­­tornos no decorrer do processo de for­
mesmo grupo, mas estabelece um nível de mação até que a identidade profissional
interdependência. É isso que permite a teo­ seja efetivamente construída (ver Figura
ria da identidade social concluir que o fa­ 11.1). Isso não signi­fica, no entanto, que
voritismo endogrupo (minimizar diferen­ças uma vez assumida a identidade profissio­
internas e elevar o status) propicia o au­ nal, ela não seja questio­nada e redefinida,
mento da autoestima e cria o clima propício prin­cipalmente em virtu­de dos tipos e das
para os estereótipos, preconceitos e com­ na­turezas de inserção a que estão sujeitos
por­tamentos discriminatórios. Essa discus­ os psicólogos.
são é bastante pertinente para a identidade Essa contínua instabilidade da identi­
profissional, foco central deste capítulo. dade profissional também pode ser visua­
lizada quando são comparadas duas gera­
ções de psicólogos. Ao incluir a dimensão
A identidade profissional: histórica para discutir o processo de cons­
elementos para a discussão trução da identidade do psicólogo, Baptista
da identidade do psicólogo (2002) afirma que a identidade presente
em um determinado tempo histórico pode-
Kullasepp (2008) aborda a construção rá ter características distintas da de outras
da identidade do psicólogo a partir da dinâ­ ge­rações. Assim, a identidade do psicólo-
mica entre o indivíduo (micro) e o contexto go é também influenciada pelo momen-
de atuação (macro). É na dialética entre to his­tórico que separam gerações. Tanto
aquilo que o psicólogo acredita que é e o uma quan­to a outra identidade são mar­ca­
que a sociedade espera que ele seja que a das por transformações, conflitos, contra­
identidade profissional vai se configurando. dições, antagonismos e interações entre os
E essa identidade começa a ser construída níveis individuais, sociais e institucionais.
desde o processo de formação e segue sen­ A contribuição do estudo de Baptista
do continuamente redefinida quando o psi­ (2002) é sinalizar que a identidade profis­
cólogo se insere profissionalmente nos di­ sional sofre múltiplos impactos decorrentes
versificados cenários de atuação. dos contextos de formação e de inserção
Em um estudo longitudinal, Kullasepp profissional, do desenvolvimento da psico­
(2008) acompanhou um grupo de jovens do logia como campo de conhecimento e apli­
momento da escolha do curso de psico­logia cação prática, dos tipos de formação, dos
até a diplomação; uma de suas con­clusões subgrupos especializados e das relações de
foi a de que, desde o ingresso no curso, o complementaridade e de oposição que mar­
estudante tem representações do que seja cam os períodos históricos.
226 Bastos, Guedes e colaboradores

Eu não sou
um psicólogo Eu sou um psicólogo

Eu não sou
um psicólogo Eu sou um psicólogo

Eu não sou
um psicólogo Eu sou um psicólogo

Figura 11.1 A construção da identidade do psicólogo no processo de formação.


Fonte: Adaptado de Kullasepp (2008).

O fato de inúmeras variáveis terem im­ no âmbito da assistência à saúde e da psica­


pacto na construção da identidade do psi­ nálise, a autora alerta para a necessidade
cólogo torna compreensível a tensão que se de se construir uma identidade social que
vivencia entre ter apenas uma identidade unifique os psicólogos a despeito de suas
homogênea, para assegurar a unidade da áreas de atuação.
categoria profissional, e múltiplas identi­ Ao analisar o processo de modernização
dades, representadas pelas áreas e pelos da sociedade brasileira e a difusão da psica­
con­textos especializados de atuação. nálise nas décadas de 1960/1970, Figueira
Com base nisso, Martín-Baró (1996) (1985, apud Dimenstein, 2000) apon­ta que
aler­ta que os psicólogos devem se questio­ a psicanálise, ao conquistar ampla populari­
nar criticamente em relação ao caráter his­ za­ção, contribuiu para a conso­li­dação de
tórico e social de sua atividade profissio- uma visão de mundo pautada nos princípios
nal na sociedade. A psicologia necessita de psicanalíticos.
uma identidade una que a qualifique social­ A privatização e a nuclearização da fa­
mente e, portanto, não pode estar alheia ao mília, a responsabilidade individual na des­
social. Embora nem todos os psicólogos coberta de si, a busca da essência e a li­ber­
concordem com esse ponto de vista, Martín- tação das repressões contribuíram para di­fun­
Baró chama a atenção para a importância dir e popularizar a visão de um sujeito in­di­
de a categoria profissional pensar-se como vidual dotado de vontade que necessita ser
una em algumas de suas dimensões, sob libertado das amarras sociais. Esse mo­delo
pena de perder sua identidade social. individualizado do ser humano teve im­pactos
Isso está em consonância com a crítica tanto na expectativa da sociedade so­bre o
de Dimenstein (2000) sobre o predomínio trabalho dos psicólogos quanto na cons­­­tru-
de uma cultura individualista na psicologia ção da identidade desses profissio­nais.
com implicações históricas na atuação pro­ Torna-se compreensível, portanto, que a
fis­sional. Apesar de sua análise centrar-se formação teórica ainda esteja fortemente di­
O trabalho do psicólogo no Brasil 227

re­cionada para o modelo clínico tradicio­nal pal. Des­tar­te, conforme afirma Turner e
de atendimento individual, pois apesar das Hogg (1987), a pessoa di­ferencia o seu
mudanças, tal imagem da profissão ainda é a grupo dos demais não só para obter iden­
mais conhecida e valorizada pela sociedade e tidade positiva, tal como dito por Tajfel
pela própria categoria dos psicólogos. (1981), mas prin­ci­pal­mente porque a dife­
renciação faz parte da ela­boração socio­
cog­nitiva do ser hu­mano. Em outros ter­
Construindo a identidade mos, cada um se percebe no mun­do como
do psicólogo a partir da um ente social e, portanto, inse­rido em
categorização social grupos humanos (teoria da autoca­tegori­
zação) (Alvaro e Garrido, 2006).
Desde o final da década de 1980, quan­ Há uma linha contínua que parte da
do o Conselho Federal de Psicologia tomou dimensão psicológica da identidade, em
para si a tarefa de realizar um amplo estu­ que cada um se percebe como único e dis­
do sobre o psicólogo brasileiro, não se dis­ tinto dos membros do endogrupo, para a
pu­nha de informações mais detalhadas em dimen­são social da identidade, em que
âmbito nacional sobre o que mudou nesse cada um se percebe semelhante aos demais
cenário ocupacional (Bastos, 1988). Embo­ membros do endogrupo, distinguindo-se
ra naquela ocasião a investigação da iden­ do exogrupo. A identidade psicológica e a
tidade profissional não tenha sido objeto de so­cial formam, por conseguinte, uma com­
análise, tornou-se imperativo, nesta nova po­sição que per­mite ora destacar a per­so­
edição nacional da pesquisa, incluir esse tó­ nalidade individual (dimensão psico­lógi­
pico de extrema importância na carac­teri­ ca), ora a categoria so­cial (dimensão mar­
zação ocupacional (Bastos et al., 2004). cada pela desper­sonali­zação in­di­vidual a
Afi­nal, a identidade social sustenta o cresci­ favor do grupo).
mento e a afirmação social de uma dada Relacionando-se a identidade social ao
ocupação, com repercussões nos vínculos contexto das ocupações profissionais, al­guns
ou compromissos que o profissional esta­ aspectos adicionais merecem desta­que. A
belece com o seu trabalho. clássica distinção entre os grupos profis­sio­
Ao contrário do que sugerem os estudos nais pertencentes às ciências exa­tas, ciên­cias
iniciais que serviram de base para a for­ da saúde e ciências sociais adquire novo
mulação da teoria da identidade social, não contorno com os esforços pa­ra demarcar as
se pretendeu pesquisar comportamentos diferenças internas. Há gru­pos de psicólogos
dis­criminatórios ou tendências ao favori­ que se percebem mais próximos da área de
tismo endogrupo entre psicólogos (tradição saúde, enquanto ou­tros se veem mais iden­
dos estudos experimentais de Tajfel e Tur­ tificados com a área de ciências sociais.
ner, 1979). A intenção foi analisar como o Dado que a per­cepção de proximidade e dis­
psicólogo categoriza grupos profissionais tanciamento tem im­pactos na identidade
afins e distintos para mapear os atributos social profis­sional e na percepção do grupo
comuns e de diferenciação. como uma unidade homogênea ou hetero­
A identidade social está intimamen- gênea, se é levado a indagar: haveria uma
te relacionada ao processo de catego­ identidade social ho­mogênea entre psicólo­
rização social, uma vez que a demarcação gos, inde­pen­dente­mente da área de atua­
da di­fe­rença entre grupo de pertencimen- ção? Ou a identidade social do psicólogo
to (en­do­grupo) e os demais grupos é fun­ seria marca­da pela hete­rogeneidade, varian­
da­men­tal para reafirmar a unidade gru- do confor­me a sua inserção?
228 Bastos, Guedes e colaboradores

Se a resposta a esta última pergunta ambiental), a linguística e a comunicação


for positiva, o fato de o psicólogo atuar (análise do discurso e da fala do sujeito,
em organizações de trabalho, escolas, hos­ consciência fonológica), etc.
pitais, clínicas e outros campos profis­sio­ Enfim, compreender de modo mais am­
nais, teria impacto na escolha dos grupos plo o complexo cenário atual do mundo
de afinidade e de distanciamento. Caso do trabalho no qual o psicólogo se encon-
contrário, em sendo afirmativa a resposta tra imerso, faz repensar o estágio em que
à primeira per­gunta, se é compelido a se en­contra a profissão em termos de for-
reconhecer que ser psicólogo envolve um ma­­ção, qualificação, produção do conhe-
conjunto de crenças compartilhadas e in­ ci­­­mento e atuação. E, de posse de infor-
teresses afins, que asse­guram a unidade ma­ções sobre esse cenário se torna mais
grupal, apesar das diversi­dades de área de fácil apontar os desafios e as perspectivas
atuação profissional. futu­ras de seu crescimento e desenvolvi-
Por que tudo isso seria importante? As men­to co­mo ciência e profissão, em espe­
mudanças ocorridas no mundo do trabalho cial, no mo­mento em que se testemunha
atual têm diluído os limites nítidos de de­ com apreen­­são o avanço exponencial de
marcação do campo de atuação profissional novos cursos de psicologia no Brasil.
e alterado a configuração das ocupações,
com impactos na formação de nível supe­rior
e no perfil demandado pelo mercado, o que A identidade do psicólogo
vem acirrando a disputa por espaços ocupa­ brasileiro: comentando
cionais privilegiados (Gondim, 2002). A os resultados da pesquisa
demarcação de grupos profissionais em que
o psicólogo estaria incluído e aqueles dos Foram utilizadas duas estratégias para
quais o psicólogo não faria parte permitiria investigar a identidade do psicólogo. A pri­
também compreender os limites da identi­ meira foi a inclusão de questões fechadas e
dade social desse profissional na fronteira abertas para avaliar grupos profissionais de
com áreas afins. Eles estariam mais próximos afinidade. A segunda foi a realização de 11
dos profissionais da área de saúde, da área entrevistas online (utilizando o recurso do
social e distinguir-se-iam nitidamente dos MSN, Messenger) com psicólogos de diver­
profissionais da área das ciências exatas? sos lugares do país. Os 11 entrevistados ha­
A demarcação de grupos profissionais viam respondido à pesquisa online.
nos quais o psicólogo está incluído e daque­ Na primeira estratégia, a identidade
les dos quais o psicólogo se vê excluído pro­fis­sional foi analisada a partir da orde­
permite compreender também os limites de nação estabelecida pelos psicólogos dos
sua identidade social. Se há algumas déca­ grupos pro­fissionais afins e não afins à psi­
das havia forte convicção de que a psico­ cologia. Além de solicitar que ordenassem
logia estaria mais próxima da área de ciên­ por grau de afi­ni­dade (sendo 1 o mais pró­
cias sociais e de saúde, hoje ela merece ser ximo e 6 o mais dis­tante) seis grupos pro­
mais bem investigada. E um forte argu­ fissionais vinculados a grandes áreas de
mento a favor é a expansão das áreas espe­ conhecimento (exatas, exa­tas aplicadas, so­
cializadas da psicologia, que a tem apro­ ciais/humanas, sociais apli­­­­cadas, saúde e
ximado de outras áreas de atuação, como a artes/letras), foi pedido que justificassem
educação física (psicologia do esporte), o suas respostas. A título de ilus­tração a Figu­
direito (psicologia jurídica), a pedagogia ra 11.2 exibe as questões sobre identidade
(psi­copedagogia), a arquitetura (psicologia apresentadas aos participantes.
O trabalho do psicólogo no Brasil 229

A seguir você encontrará 6 grupos de profissões. Sua tarefa é escolher qual o valor que representa o quanto cada
grupo de profissões se aproxima ou se distancia da psicologia como profissão. Para aquele grupo de profissões
que você considera como mais próximo da psicologia você deverá atribuir o valor 1. O segundo grupo de profissões
mais próximo da psicologia deverá receber o valor 2 e assim sucessivamente. Desde modo, o valor 6 representará o
grupo de profissões que você considera mais distante da psicologia. Lembre-se de que cada grupo de profissões
poderá receber apenas um valor.

Enfermagem Administração Arquitetura Biologia Agronomia Antropologia


Fisioterapia Comunicação Dança Estatística Computação Ciência Política
Fonoaudiologia Direito Letras Física Engenharia Filosofia
Medicina Educação Programação visual Matemática Geologia História
Terapia ocupacional Serviço Social Teatro Química Mecatrônica Sociologia

Ciências* Ciências* Artes e Letras* Ciências* Ciências* Ciências*


Biológicas Sociais Exatas Exatas Sociais/
Aplicadas Aplicadas Básicas Aplicadas Humanas

* Esta classificação não foi apresentada aos psicólogos que responderam à pesquisa, apenas os grupos profissionais;
servindo apenas como base de análise das respostas.

Tomando como referência o grupo de profissões que mais se aproxima da psicologia, e que você atribuiu valor 1
na questão anterior, descreva em poucas palavras quais as suas principais características comuns.

Tomando como referência o grupo de profissões que mais se distancia da psicologia, e que você atribuiu valor 6
na questão anterior, descreva em poucas palavras quais as suas principais características comuns.

Tomando como base as características comuns ao grupo de profissões que você escolheu como mais próximo
(grupo de valor 1) e mais distante (grupo de valor 6) da psicologia, descreva em poucas palavras quais as suas
principais diferenças.

Figura 11.2 Questões dos grupos de afinidade incluídas na pesquisa.

A amostra que respondeu às questões a despeito das áreas e das atividades que
sobre identidade profissional foi composta estejam se dedicando.
por 591 psicólogos, dos quais 83,2% eram Ao comparar as Figuras 11.4 e 11.5,
do sexo feminino. A idade média foi de constata-se que tanto o psicólogo que atua
35,58 (DP  =  9,94). apenas em uma área (clínica, escolar, orga­
Ao considerar os casos válidos, a mé­­­dia nizacional, etc), quanto aquele que atua
dos posicionamentos dos grupos (ran­king) em mais de uma área (escolar e outras,
por área de afinidade à psicologia foram: saú­ orga­nizacional e outras, etc.), percebe a
de (M  =  1,65), sociais/hu­­­ma­­nas (M  =  2,43), psico­logia como afim às áreas de ciências
sociais aplicadas (M  =  2,55), ar­tes/letras da saúde e ciências sociais. Há uma pe­
(M  =  4,14), exatas (M  =  4,71) e exatas apli­­ quena variabilidade nas áreas que ocupam
cadas (M  =  5,52) (ver Figura 11.3). as três primeiras posições, mas essas di­
O fato de o psicólogo atuar em áreas ferenças não chegam a mudar o quadro ge­
diversificadas não teve impacto na eleição ral. As áreas de exatas visivelmente são
dos grupos da afinidade e de distancia­ percebidas como áreas de contraidenti-
mento, sinalizando haver uma identidade dade dos psicólogos.
homogênea (una) no grupo de psicólogos,
230 Bastos, Guedes e colaboradores

5,52
5

4,71
4
4,14

2,66
2 2,43

1,65
1

0
Ciências Ciências Ciências sociais Artes e letras Ciências Ciências
saúde sociais aplicadas exatas exatas aplicadas

Figura 11.3 Ranking do posicionamento de áreas de proximidade com a psicologia.

Organiza- Saúde
Clínica Docência Educacional
cional (n = 38)
(n = 80) (n = 25) ( n = 11)
(n = 43)

Sociais
Saúde Saúde Saúde Saúde
Maior afinidade Aplicadas
(M = 1,68) (M = 1,59) (M = 1,61) (M = 1,92)
(M = 1,82)

Sociais/ Sociais/ Sociais/ Sociais/


Saúde
Humanas Humanas Humanas Humanas
(M = 1,91)
(M = 2,42) (M = 2,57) (M = 2,16) (M = 2,12)

Sociais Sociais Sociais Sociais Sociais/


Aplicadas Aplicadas Aplicadas Aplicadas Humanas
(M = 2,76) (M = 2,72) (M = 2,57) (M = 1,56) (M = 3,0)

Artes/Letras Artes/Letras Artes/Letras Artes/Letras Artes/Letras


(M = 4,09) (M = 4,22) (M = 4,12) (M = 4,36) (M = 3,91)

Exatas Exatas Exatas Artes/Letras Exatas


(M = 4,63) (M = 4,72) (M = 4,83) (M = 4,62) (M = 4,64)

Exatas Exatas Exatas Exatas Exatas


Maior distância Aplicadas Aplicadas Aplicadas Aplicadas Aplicadas
(M = 5,64) (M = 5,57) (M = 5,89) (M = 5,71) (M = 5,33)

Figura 11.4 Percepção de afinidade e distanciamento profissional por área de atuação.


O trabalho do psicólogo no Brasil 231

Clínica + Organiza- Saúde + Docência Educacional


outras cional + outras outras + outras + outras
(n = 189) (n = 95) (n = 87) (n = 72) ( n = 37)

Sociais/ Sociais/ Saúde


Saúde Saúde
Maior afinidade Humanas Humanas (M = 1,67)
(M = 2,14) (M = 1,64)
(M = 2,0) (M = 1,5)

Sociais/ Sociais/ Sociais/


Saúde Saúde
Humanas Humanas Aplicadas
(M = 2,09) (M = 2,43)
(M = 2,5) (M = 1,89) (M = 2,33)

Sociais Sociais Sociais Sociais Sociais/


Aplicadas Aplicadas Aplicadas Aplicadas Humanas
(M = 2,82) (M = 2,71) (M = 2,67) (M = 3,14) (M = 2,33)

Exatas Exatas Artes/Letras Exatas Artes/Letras


(M = 4,18) (M = 3,86) (M = 4,44) (M = 3,86) (M = 4,33)

Artes/Letras Artes/Letras Exatas Artes/Letras Exatas


(M = 4,27) (M = 4,57) (M = 4,44) (M = 4,14) (M = 4,67)

Exatas Exatas Exatas Exatas Exatas


Maior distância Aplicadas Aplicadas Aplicadas Aplicadas Aplicadas
(M = 5,64) (M = 5,57) (M = 5,89) (M = 5,71) (M = 5,33)

Figura 11.5 Percepção da proximidade e distanciamento em áreas de atuação combinadas.

A força da associação com as áreas de ção com as áreas de ciências da saúde e ciên­
saúde e humanas marca a identidade da psi­ cias sociais; de outro, obser­va-se o con­senso
cologia independentemente do tempo de gra­ de que a psicologia não tem identidade com
duação. A Figura 11.6 ilustra esse resultado. as ciências exatas (con­traidentidade).
Na Figura 11.7 pode-se visualizar de mo­ Os Quadros 11.1 e 11.2 apresentam as
do mais claro os grupos profissionais que se jus­tificativas das afinidades das áreas de
apresentam em oposição (grupos de iden­ti­ ciên­­cias da saúde e ciências sociais (Quadro
dade versus grupos de contra­iden­ti­dade), de­ 11.1), contrapondo-se à área de con­trai­den­­
monstrando somente os casos em que os gru­ tidade representada pelas ciências exa­tas Qua­
pos de afinidades assumiram a posição 1 (o dro 11.2). As justificativas foram ca­­te­­go­­­ri­za­
grupo de maior afinidade com a psico­lo­gia) das em um esforço de encontrar os as­pec­tos
em oposição aos grupos de distan­cia­mento mais significativos dessa demarcação.
que foram alocados na po­sição 6 (o gru­po de Observa-se que, no Quadro 11.1, o ob­
maior distanciamento da psicologia). je­­to de estudo, a forma de atuação, as ativi­
Os resultados sinalizam de modo claro dades, os fundamentos e a relevância social
que a grande oposição é marcada na po­la­ são os aspectos que justificam a afinidade
rização entre áreas de saúde e exatas (65%), da psicologia com as áreas de ciências da
seguida da polarização entre área social e de saúde e das ciências sociais. Estudar o ser
exatas (25%). Percebe-se, de um lado, a iden­ hu­mano e buscar o seu bem-estar integral
tidade do psicólogo marcada pela aproxi­ma­ (biopsicossocial), atuar em equipe multi­
232 Bastos, Guedes e colaboradores

Quadro 11.1 Justificativas das afinidades da psicologia com grupos profissionais de áreas de
co­nhecimento distintas
Grupos profissionais de afinidade
Ciências da saúde
Objeto:
 Lida com seres humanos em sofrimento, buscando seu bem-estar biopsicossocial.
 Olha o ser humano como um todo. Visão global, humanitária e histórica das questões.
 Misto de biológicas e humanas.
 Trabalha com a subjetividade, os sentimentos, as emoções e os pensamentos dos indivíduos.
Forma de atuação:
 Atuação em equipe multiprofissional.
 Contato direto com o ser humano, cuidando deste de forma próxima.
 Gestão de pessoas.
 Ética.
 Áreas da saúde pública de caráter assistencialista.
Atividades:
 Faz atendimento terapêutico a pessoas com escuta e olhar atentos.
 Promove a qualidade de vida, realiza diagnósticos, faz intervenções, faz o acolhimento.
 Dá assistência à saúde com tratamento, prevenção e reabilitação do ser humano.
Relevância Social:
 Contribuição para a formação de cidadãos: educação para a saúde, inclusão social e relação interpessoal.
Ciências sociais (incluindo as aplicadas)
Objeto:
 Estudo do homem considerando os aspectos sociais, culturais, históricos, éticos e políticos.
 Estudo do mal-estar do homem, sua subjetividade em contexto individual, familiar e comunitário.
 Estudo das formas de existência dos homens.
 Interesse pelo ser humano em suas relações consigo mesmo, seus comportamentos, suas ações e motivações.
Fundamentos:
 O início de todo pensamento surge da filosofia.
Forma de atuação:
 Desenvolvimento do ser humano, considerando sua saúde de forma holística.

Quadro 11.2 Justificativas dos distanciamentos da psicologia com grupos profissionais das
áreas de ciências exatas
Grupo profissional de distanciamento
Ciências exatas
Objeto:
 Não estuda o ser humano em sua plenitude e em sua interação com o mundo.
 Não estuda aspectos emocionais.
 Objeto de estudo inanimado.
Forma de atuação:
 Intervém sobre o ambiente físico.
 Área mais tecnológica. Trabalha com ferramentas, desenvolvimento de softwares, adaptação de sistemas.
 Aspectos mais técnicos, números.
 Desenvolve instrumentos para intervenção a fim de facilitar a vida humana.
 Não se preocupa com o meio social, o ambiente e a cultura.
 Menos subjetiva, lida com questões mais práticas.
 Relações mecanizadas, distantes e racionalistas.
Fundamentos:
 Base na matemática, raciocínio lógico.
 Mais mecânicas e menos flexíveis que a psicologia, raciocínio estagnado e abstrato.
 Origem nas ciências naturais e físicas.
 Positivismo, abstração.
 Referencial materialista.
Objetivo:
 Preocupação com a exatidão, controle de variáveis, mensuração e previsão do fenômeno com precisão.
 Foco na objetividade, atividades mais empíricas, pragmatismo.
O trabalho do psicólogo no Brasil 233

Mais de
Até 2 anos 3 a 5 anos 6 a 10 anos 11 a 20 anos
20 anos
(n = 80) (n = 115) (n = 86) (n = 99)
( n = 77)

Saúde Saúde Saúde Saúde Saúde


Maior afinidade
(M = 1,52) (M = 1,63) (M = 1,82) (M = 1,63) (M = 1,72)

Sociais/ Sociais/ Sociais/ Sociais/ Sociais/


Humanas Aplicadas Humanas Humanas Humanas
(M = 2,58) (M = 2,57) (M = 2,21) (M = 2,21) (M = 2,21)

Sociais Sociais/ Sociais Sociais Sociais


Aplicadas Humanas Aplicadas Aplicadas Aplicadas
(M = 2,59) (M = 2,47) (M = 2,53) (M = 2,61) (M = 2,61)

Artes/Letras Artes/Letras Artes/Letras Artes/Letras Artes/Letras


(M = 4,17) (M = 4,1) (M = 4,22) (M = 4,17) (M = 4,03)

Exatas Exatas Exatas Exatas Exatas


(M = 4,77) (M = 4,82) (M = 4,59) (M = 4,75) (M = 4,53)

Exatas Exatas Exatas Exatas Exatas


Maior distância Aplicadas Aplicadas Aplicadas Aplicadas Aplicadas
(M = 5,36) (M = 5,55) (M = 5,45) (M = 5,64) (M = 5,63)

Figura 11.6 Percepção da proximidade e distanciamento em áreas de atuação combinadas.

profissional, promover a qualidade de vida vilegia-se a subjetividade, a com­preensão do


e contribuir para a formação do cidadão apro­­ ser humano como ser sin­gular, situado his­
ximam a psicologia das ciências de saú­de; es­ tórica e socialmente, e não se admite tratá-lo
tudar a subjetividade humana no con­texto como uma entidade abs­trata e pas­sível de
histórico, social e cultural, vi­san­do ao desen­ generalização. Essa con­cepção teó­rica sobre
volvimento individual e coletivo, apro­xima a o que circunscreve a identidade do psicólogo
psicologia das ciên­cias sociais. é reafirmada no mo­mento em que se com­
Não estudar o ser humano do ponto de param os ar­gu­men­tos que jus­tificam a po­
vista integral, intervir somente no ambiente larização de áreas, ou seja, quan­do o psi­
físico, ignorar as emoções e o ambiente so­cial, cólogo aponta as diferenças entre as áreas
fundamentar-se somente no ra­cio­cínio ma­te­ de apro­ximação e de distanciamento da psi­
mático e abstrato e preocupar-se com a exa­ co­lo­gia, confor­me se encontra deta­lhado no
tidão e a objetividade distan­ciariam as ciên­­­­ Quadro 11.3.
cias exatas da psicologia (ver Quadro 11.2). As justificativas deixam em evidência
Em resumo, a psicologia se aproxima de que a psicologia se distancia de áreas cien­
áreas de conhecimento que têm como objeto tíficas que se preocupam com a obje­tivida­
de estudo o ser humano em contexto social de, a busca de regularidades, os objetos
e como principal meta preservar o bem-estar naturais, a lógica, a racionalidade, a mensu­
subjetivo. Em razão da impor­tância de se ração, a visão mecanicista, a previsão e o
estudar o homem como um ser integral, pri­ conhecimento exato e preciso. Isso se aplica
234 Bastos, Guedes e colaboradores

Identidade Contraidentidade

Saúde n = 334 (65%) Exatas

Sociais n = 127 (25%) Exatas

Saúde n = 22 (4%) Artes

Exatas n = 14 (3%) Artes

Saúde n = 9 (2%) Sociais

Artes n = 5 (1%) Exatas

Figura 11.7 Grupos de polarização: amostra total de áreas afins e distantes da psicologia.
Obs.: As áreas de exatas e exatas aplicadas foram agrupadas. O mesmo se aplica às áreas de sociais e ciências
sociais aplicadas.

tanto para quem vê a psicologia como afim ações humanas nas suas particularidades. E
às ciências sociais, quanto para quem a enfatizar a subjetividade impõe limites pa­­ra
aproxima das ciências da saúde. a mensuração do ser humano, impe­dindo-o
Os psicólogos creem, pois, que a iden­ de ser tratado como um ser abs­trato, cujo
tidade da psicologia se define na preo­ comportamento é passível de ge­ne­ralização.
cupação com a subjetividade, os senti­men­ Essa identidade do psicólogo de­­marcaria
tos, as rela­ções sociais, o bem-estar, a saú­ com mais clareza a diferença dos profis­
de mental, a singularidade, a com­pre­en­são sionais das áreas de ciências exa­tas que,
das ações hu­ma­­nas, o imensurável e a im­ ao contrário dos psicólogos, teriam co­mo
pre­­visibilidade. objeto de estudo o ambiente físico no qual
A polarização representada no Quadro o ser humano vive, e se ocupariam de pro­
11.3 deixa evidente que a demarcação das duzir um conhecimento mensurável ca­paz
diferenças com outros grupos profissionais de me­lhorar as condições físicas da vi­da
contribui para que o psicólogo construa humana. Por causa desse caráter prag­má­
uma imagem homogênea de sua categoria tico, os pro­fissionais pertencentes às áreas
profissional, deixando em segundo plano a de ciências exatas teriam mais con­dições de
sua identidade profissional atrelada ao seu oferecer explicações generalizadas dos fe­
campo de atuação profissional. Os psicó­lo­ nô­­­menos ma­teriais e munir o homem de in­
gos compartilham a crença de que estu­dam for­mações úteis para suprir suas ne­ces­si­
a subjetividade e buscam compreender as dades coti­dianas.
O trabalho do psicólogo no Brasil 235

Quadro 11.3 Justificativas de polarização (aproximação e distanciamento) em relação à psi-


cologia
Grupo afim (ocupando a posição 1) Grupo não afim (ocupando a posição 6)
Ciências da saúde Ciências exatas
Sentimentos e emoções
 Corpo físico

Preocupação com o bem-estar do grupo social,
 Não preocupação com o bem-estar do grupo social

preocupação social
Foco no relacionamento humano
 Foco nos eventos não humanos

Ser humano
 Objetos naturais (tecnologia)

Bem-estar e equilíbrio interno
 Praticidade, exatidão, razão

Saúde mental em geral
 Aparatos que garantam a saúde do homem

Preocupação com o homem
 Preocupação com o meio

Lida diretamente com o ser humano
 Fenômenos que não envolvem pessoas

Subjetividade
 Concretude (objetividade)

Homem
 Natureza

Singularidade
 Universalidade

Imprevisibilidade
 Previsibilidade

Sujeito (pessoa)
 Lógica e racionalidade

Ciências Sociais Ciências Exatas
Indivíduo e contexto social (ambiente interno)
 Ambiente físico (ambiente externo)

Homem e pessoa
 Máquina, tecnologia e o impessoal

Matérias animadas
 Matéria inanimada

Subjetividade
 Objetividade

Compreensão das ações humanas
  Não preocupação com a compreensão das ações
humanas
Conhecer o funcionamento humano
  Conhecer o funcionamento dos sistemas controlados
pelo homem
Visão concreta
 Visão abstrata

Visão humanista
 Visão mecanicista

Ser humano
 Realizações do ser humano

Conhecimento flexível
 Conhecimento preciso e exato

Explicação das relações sociais
 Explicação do mundo físico

Filosófico
 Técnico

Formas de vida
 Formas de facilitar a vida humana

Compreensão
  Encontrar regularidades e aplicar os conhecimentos
na prática
Imensurável
 Mensurável

Esse cenário torna compreensível a ten­ exatas, já que o psicólogo estuda a subje­
são que vigora até o momento na psico­logia, tividade e prima pela singularidade do com­
entre aqueles que defendem que esta ciência portamento hu­mano, o que impõe limites à
possui identidade com o modelo de ciências mensuração e à construção de leis gerais.
exatas e os que não compartilham esse ponto
de vista. No primeiro caso, a identidade é Conversando com
assegurada pela crença de que o estudo do os psicólogos sobre
ser humano pode ser mais obje­tivo, mensu­ a sua identidade
rado e sujeito a regula­rida­des, enquanto, no
segundo caso, a iden­tidade do psicólogo é en­ Além de investigar a identidade profis­
contrada na opo­sição ao modelo das ciências sional do psicólogo por meio da catego­ri­
236 Bastos, Guedes e colaboradores

zação social de grupos de afinidade, foi uti­ de modo lógico. Portanto, o discurso resul­
lizada uma estratégia qualitativa para apro­ tante (DSC) não é uma transcrição de falas
fundar a compreensão da configuração des­ individuais, mas um discurso reconstruído
sa identidade. Foram realizadas 11 entre­ pelo pesquisador a partir da integração de
vistas online com psicólogos cujo meio de todos os pontos de vistas apresentados pe­
contato foi o recurso MSN (Messenger), apli­ los entrevistados sobre um mesmo tema.
cativo de mensagens instantâneas dis­po­ní­vel Por isso, não é apresentado entre aspas,
no ambiente Windows. Os psicó­logos entre­ mas sim em itálico. Esse discurso coletivo
vistados nessa etapa comple­mentar foram os pode ser direto, e nesse caso se faz uso da
participantes que haviam preenchido o ques­ primeira pessoa do plural, ou indireto,
tionário online da pes­quisa do psicólogo bra­ quando se fala na terceira pessoa. Três con­
sileiro. Na última pá­gina de finalização da ceitos são fundamentais na construção do
pesquisa online, ha­via um convite para a discurso do sujeito coletivo: expressões-
con­tinuidade da par­ti­cipação na pesquisa e chave, ideias centrais e ancoragem. As ex­
um email de contato para os interessados. pressões-chave são trechos ou transcrições
Após esse contato ini­cial por email, agen­ literais dos discursos individuais que com­
davam-se dia e hora das entrevistas virtuais, põem o núcleo dos argumentos (sentidos e
que duraram em média 50 minutos. significados) dos entrevistados em relação
Duas questões centrais serviram de tó­ a determinados temas ou questões. As
picos-guia das entrevistas. A primeira pedia ideias centrais agrupam expressões-chave
ao psicólogo que dissesse o que caracte­ri­ por afinidade de sentido, ou seja, reúnem
zava a identidade do psicólogo e o distin­guia aspectos semelhantes abordados pelos en­
de outros grupos profissionais. A se­gunda tre­vistados em resposta a uma mesma per­
indagava se haveria uma identidade compar­ gunta. A ancoragem são os pressupostos,
tilhada entre psicólogos de diversas áreas de teorias, conceitos e hipóteses que alicerçam
atuação. Como as respostas eram digitadas as opiniões e crenças dos entrevistados ex­
por entrevistador e entrevistado, o conteúdo pressos nas ideias centrais. Em resumo, o
foi salvo em arquivo de texto. Após um mês discurso coletivo é um discurso-síntese de
do término das entrevistas, foi reenviado a todos os aspectos centrais abordados pelos
cada participante esse ar­qui­vo, solicitando entrevistados a respeito de um tema espe­
sua validação, ou seja, era da­da ao entre­ cífico (Lefèvre e Lefèvre, 2001).
vistado a oportunidade de ra­tificar ou acres­ As características dos 11 psicólogos en­
centar novos comentários. No en­tan­to, nem trevistados encontram-se especificadas no
todos os entrevistados res­pon­de­ram a esse Quadro 11.4.
chamado de validação, e os que o fizeram Seis ideias centrais salientaram-se nas
não acrescentaram mais informações. entrevistas dos psicólogos (Quadro 11.5). A
Os dados foram analisados com base primeira refere-se à construção dessa iden­
no método do Discurso do Sujeito Coletivo tidade nos contextos multidisciplinares de
(DSC) (Lefèvre e Lefèvre, 2001) e com o atuação e na interação com outros saberes.
auxílio do aplicativo QualiQuantiSoft, que Os fatores sócio-histórico-culturais e pes­
dá suporte a esse método de análise textual. soais que influenciam a construção da sub­
Essa abordagem teórico-metodológica con­ je­tividade são a segunda ideia central, pois
ce­­be o discurso coletivo como um ato de o psicólogo é percebido como o profissional
fala fruto da junção dos discursos indi­vi­ responsável por entender o indivíduo no
duais. As respostas de cada entrevistado seu contexto social. A identidade também é
sobre um mesmo tema são reconstruídas percebida como múltipla e em contínuo
para compor um único discurso encadeado processo de transformação (terceira ideia
O trabalho do psicólogo no Brasil 237

central). A quarta ideia central da identi­ gil e voltada para a individualidade, devido
dade se refere ao modo de atuação do psi­ à falta de diálogo entre os profissionais
cólogo, em que se destaca a compreensão (quinta ideia central). E, por fim, a imagem
da realidade subjetiva de cada paciente sem social do psicólogo coloca em destaque que
se preocupar em prescrever a maneira ou o a identidade está associada ao modo como
modo certo de se comportar ou agir. Além esse profissional é visto na sociedade (sexta
disso, a identidade foi percebida como frá­ ideia central).

Quadro 11.4 Perfil dos psicólogos entrevistados


Entrevistado Idade em anos Sexo Região onde atua Titulação
1 33 Masculino Minas Gerais Mestrado
2 45 Masculino Rio Grande do Norte Mestrado
3 30 Feminino Rio de Janeiro Mestrado
4 25 Feminino Ceará Graduação
5 29 Masculino Minas Gerais Mestrado
6 27 Feminino Rio Grande do Sul Mestrado
7 46 Feminino São Paulo Graduação
8 52 Feminino São Paulo Doutorado
9 35 Feminino Rio Grande do Sul Graduação
10 39 Masculino São Paulo Mestrado
11 22 Feminino Espírito Santo Mestrado

Quadro 11.5 Ideias centrais e ancoragens associadas à identidade do psicólogo


1 – Qual é a identidade do psicólogo?
Ideias centrais categorizadas Ancoragens categorizadas
1 – Identidade construída nos contextos e 1 – Desafios do crescimento do campo de atuação
multidisciplinares de atuação profissional

2 – Fatores sócio-histórico-culturais e pessoais 2 – Pressupostos antropológicos sustentando visão


na construção da subjetividade abrangente do ser humano

3 – Formação do psicólogo na graduação e


pós-graduação
3 – Identidade múltipla e em transformação
4 – Atuação marcada pela conduta não prescritiva
5 – Fragilidade da identidade 4 – Pouco diálogo entre os psicólogos
6 – Imagem social do psicólogo 5 – Baixo status social do psicólogo

A primeira ideia central associa a iden­ medida em que os psicólogos são capazes de
tidade do psicólogo aos contextos multi­ participar das discussões não apenas perti­
disciplinares de atuação. nentes ao campo da psicologia. Esse contato
A identidade é marcada por uma plura­ com outros campos de atuação aumenta a
lidade de conceitos. Quanto mais o psicólogo capacidade do psicólogo de atuar na sua
for capaz de interagir com outros saberes, área. Para conseguir descobrir qual o seu
mais ele será capaz de realizar um trabalho lugar em uma organização, é preciso se apro­
eficaz dentro de seu campo de atuação. As­ ximar de profissionais afins à sua área, já
sim, a identidade vai sendo construída na que o instrumental técnico desses profis­sio­
238 Bastos, Guedes e colaboradores

nais parece estar mais consolidado (DSC – tex­to social e histórico. Então, inclusive aque­
ideia central 1). les mais voltados para um trabalho clínico,
O Discurso do Sujeito Coletivo ora da mesma maneira se ocupam dos processos
apre­­­sentado deixa claro que, além de a psíquicos profundos, mas que se relacionam
identidade ser construída nos contextos de com aspectos da cultura, da família, da socie­
atuação profissional do psicólogo, é tam­ dade. Partindo desse pressuposto, de que o
bém influenciada pelas interações que ocor­ psi­cólogo considera o contexto sócio-histó­ri­
rem com outros profissionais afins, dando- co-cultural do indivíduo, ele vai tentar en­ten­
-lhe um caráter de fluidez e dinamicidade. der melhor a história do comportamento do
Esse entendimento da identidade está ali­ indivíduo, a história familiar, o contexto em
cerçado na percepção dos desafios gerados que vive e quem mantém o padrão de com­
pelo crescimento do campo de atuação profis­ por­tamento. Assim, não é possível reduzir o
sional do psicólogo. Dessa forma, a garantia in­divíduo a um único fator da constituição
de uma identidade compartilhada e parâme­ de sua subjetividade. Essa abordagem indivi­
tros comuns diante do aumento da diver­ dual seria o que diferenciaria os psicólogos de
sificação das esferas e campos de atuação outros profissionais, pois os primeiros conse­
tornam-se mais difíceis, gerando impactos na guem contextualizar como a cultura e o meio
credibilidade profissional. Isso acontece devi­ agem sobre o indivíduo.
do à dificuldade de padronizar as práticas Além do mais, os psicólogos se caracte­ri­
rea­lizadas pelos psicólogos, visto que cada zam por um olhar diferenciado sobre o outro,
um atua de acordo com seu campo de atua­ pois não se fixam apenas nos sintomas e
ção, com os profissionais com quem trabalha buscam as causas, as motivações (conscientes
ou de acordo com seus referenciais teóricos, e in­cons­cientes) das manifestações dos sujei­
não tendo um parâmetro do que é eficaz ou tos. Então, por mais que alguns psicólogos
não. (DSC – ancoragem 1) uti­li­zem instrumentais de áreas afins, a for­
Em resumo, essa fluidez e essa dina­ ma como o objeto é visto é diferenciada entre
micidade da identidade do psicólogo ocor­ os psicólogos e os profissionais dessas outras
rem porque houve um crescimento expres­ áreas. (DSC – ideia central 2)
sivo dos campos de atuação profissional O que explicaria o fato de a identidade
que, por ampliarem as possibilidades de in­ do psicólogo estar suportada na construção
serção no mercado, dificultam o compar­ti­ da subjetividade em um contexto histórico e
lhamento de modos de pensar e de atuar, o cul­tural seriam os pressupostos antropoló­gi­
que enfraquece a construção de uma iden­ cos e as práticas da formação em psi­co­logia.
tidade homogênea entre os psicólogos. Há uma preocupação em não ficar preso
A segunda ideia central da identidade somente ao indivíduo, como a medicina tra­
do psicólogo está relacionada ao fato de di­cional, ou só à cultura, como as ciências
ele tra­balhar com a construção da subje­ sociais. A visão do psicólogo acerca do ho­
tividade nos contextos sócio-histórico-cul­ mem e suas manifestações é ampla, e tenta
turais e pessoais. entender a cons­trução da subjetividade no
Considerando que toda psicologia é so­ mi­crossistema, além de perceber como pode
cial, a atenção do psicólogo estaria mais vol­ vir a funcionar melhor no seu contexto mais
tada para os relacionamentos entre as pes­ amplo. Desse modo, em­bora outros profissio­
soas e o que esses relacionamentos susci­tam nais possam ter o propósito de contextualizar
em termos de subjetividades. Porém, há a ne­ o indivíduo no meio e na cultura, seu enfoque
cessidade de destacar cada sujeito como único é mais na cultura, enquan­to o foco da psi­co­
e, ao mesmo tempo, compreender seus meca­ logia é no que essa cultura pode vir a pro­
nismos psíquicos conectados com o seu con­ duzir no indivíduo.
O trabalho do psicólogo no Brasil 239

A formação do psicólogo também ajuda ser construída no contato com o campo de


na construção desse olhar diferenciado sobre atuação. Tais identidades não são antagô­
o outro. Disciplinas, vivências, estágios na nicas, mas cumprem um papel importante
for­­mação em psicologia proporcionam uma na hierarquização de qual delas deve estar
forma mais empática de relacionamento. To­ mais evidenciada a cada etapa da vida pro­
do profissional, enquanto ser humano, pode fissional do psicólogo.
analisar e compreender o comportamento. Um psicólogo na área de saúde, por exem­
Os psicólogos, na sua trajetória de formação plo, nutre e reorganiza sua identidade a cada
e prática profissional, aprimoram-se e apro­ momento em seu trabalho. Ao mesmo tempo,
fun­­dam-se nessa análise. Desde a acade- existe uma identidade do psicólogo como pro­
mia, os psicólogos desenvolveram bons mo­ dutor de conhecimento, que faz pes­quisas bá­
delos expli­ca­tivos que permitem implementar sicas que vão subsidiar outras áreas da ciência,
ações prá­ticas mais eficazes para a análise e e como psicólogo prático, que interage com
compreen­são do ser humano. (DSC – anco­ muitas outras profissões. No entanto, o psicó­
ra­gem 2) logo deveria ser capaz de atuar nessas duas es­
A terceira ideia central refere-se à iden­ feras, tanto na produção quanto na apli­cação
tidade múltipla e em transformação. prática dos conhecimen­tos, como um contínuo
Os psicólogos percebem sua identidade entre esses âmbitos. Ou seja, o mesmo profis­
co­mo flutuante na medida em que esta se sional que pesquisa, estuda e produz também
mo­­difica e se delineia gradativamente pelas deve interagir com outras profissões, colocando
constantes mudanças sociais e econômicas, em prática o que foi visto na teoria. (DSC –
mas sem perder a essência da psicologia. Os ideia central 3 – com­plementação)
psicólogos estão se reconhecendo a cada A quarta ideia central desloca o foco da
momento dentro de sua profissão – o que é identidade profissional do psicólogo para o
bastante pro­dutivo – e, por isso, não estão modo como ele atua, que o diferencia de
prontos nun­ca. No entanto, apresentam um outros profissionais.
entendi­mento bastante ambíguo dos seus pa­ O psicólogo não adota uma conduta pres­
péis e, conse­quentemente, da sua identidade. critiva. Sua atuação é diferenciada e sua espe­
Muitos psi­cólogos se percebem de diversas for­ cificidade é garantida pelo manejo da técnica
mas e têm compromisso com o social, mas pa­ ao evitar rótulos e regras muito definidas. A
rece que os psicólogos estão procurando sua au­sência de parâmetros fechados, no entanto,
identidade. A complexidade de nomen­clatu­ras, faz com que essa atuação resida no terreno
vertentes e campos de atuação geram uma híbrido da inventividade humana. Em situa­ções
iden­tidade múltipla, o que por um lado é ex- em que o paciente está em sofrimento, a capa­
t­re­mamente valioso, mas, por outro, re­fle­te a cidade que o psicólogo precisa ter é a de dis­
ausência de diretriz profissional. Isso significa criminar o que se passa com o paciente e
que os psi­cólogos ainda não estão fortalecidos devolver de uma maneira que possa ajudá-lo a
como grupo de identidade profis­sional e ten­ compreender sua situação, e não dar solu­ções
dem a se flexibilizar para atender a essa múl­ para o seu problema. Por isso, na prática inter­
tipla iden­tidade e, assim, terem uma atividade disciplinar, o psicólogo não prescreve. Isso se
ocupa­cional.(DSC- ideia central 3) dá pelas características da sua forma­ção, que
Associada a essa ambiguidade e multi­ oferece uma visão diferenciada do ser humano.
pli­cidade de identidade, é possível pensar, Num serviço de reprodução humana, por exem­
então, em dois tipos de identidade profis­ plo, todos querem que a mulher en­gravide. O
sional. A identidade da profissão, que inde­ psi­cólogo, nesse caso, deve traba­lhar com as
pende da área de atuação profissional, e variáveis psicológicas, ou seja, tem que atender
outra identidade bem mais específica, visto a equipe e aos pacientes, po­rém, deve estar
240 Bastos, Guedes e colaboradores

aten­to para compreender cada paciente e não, Por último, a sexta ideia central da
simplesmente, estar a serviço de fazer aquela identidade está associada à imagem social
mu­lher engravidar. (DSC – ideia central 4) do psicólogo.
Se de um lado o psicólogo está seguro Os outros profissionais são considerados
de que sua conduta não diretiva lhe dá como tal, enquanto os psicólogos passam por
iden­­tidade ao não prescrever ou fazer reco­ dificuldades nesse sentido. Várias categorias
mendações aos pacientes como outros pro­ pro­fissionais acreditam que o psicólogo tem
fissionais da área médica, de outro, esse pouca contribuição a dar. Por isso, ele precisa
mesmo fator é gerador de ansiedade pela reforçar e comprovar seu parecer profissional,
ausência de diretrizes de como agir em ca­ confrontando com profissionais de outras cate­
da uma das situações profissionais. gorias que tendem a dar explicações psico­ló­
Seria desejável ter um arsenal mais bem gicas, debatendo e rebatendo pareceres de psi­
estabelecido sobre o que um psicólogo pode e có­logos. Ao psicólogo, resta evidenciar o seu
deve fazer dentro de um hospital geral ou em ra­ciocínio para contra-argumentar as opiniões
uma escola, mas a ausência de consenso das de outros profissionais. (DSC – ideia central 6)
diretrizes da atuação do psicólogo limita as O que está em jogo nesse discurso co­
possibilidades de atuação no espaço profissio­ letivo é o fato de que, em equipes multi­
nal, porque ele acaba atuando apenas no seu profissionais, os outros profissionais dispu­
campo específico, não tendo conhecimento tam a posse de explicações psicológicas do
prático de como atuar nas demais áreas de comportamento dos pacientes, obrigando
sua profissão. (DSC – ideia central 4) os psicólogos a tentarem se impor para ga­
A quinta ideia central presente no dis­ rantir a sua credibilidade profissional. Em
curso dos psicólogos entrevistados é a fragi­ parte, isso está relacionado com a discussão
lidade da identidade. da popularização das teorias psicológicas
A psicologia tem um corpo teórico amplo, que retiram do psicólogo a posse e o do­
mas ainda focado no indivíduo, o que faz mínio de uma área de conhecimento.
com que parte dele seja inútil na prática Outra razão que justifica isso é a ima­
social da psicologia. Embora trabalhe com os gem social do psicólogo na sociedade.
profissionais diariamente, ajudando a desen­ O psicólogo é visto como um profissional
vol­ver projetos, implantando diretrizes, dis­ com baixo status e pouca contribuição social,
cu­tindo as dificuldades de cada serviço, o o que é reforçado pela fragilidade dos psicólo­
sentimento de solidão é bastante presente. O gos como grupo social. (DSC – ancoragem 5)
encontro com pares para troca de ideias, Os psicólogos também foram pergunta­
para discutir o atendimento de um paciente é dos sobre a existência de uma identidade
para enriquecer, mas existe algo de muito compartilhada, e as respostas nos permi­
solitário no trabalho que deveria ser uma tem inferir duas lógicas de entendimento
produção coletiva. E isso porque a identidade a fa­vor da homogeneidade e da heteroge­
do psicólogo ainda é muito caracterizada nei­dade.
pela individualidade na forma de exercer o O discurso a favor da homogeneidade,
trabalho. (DSC – ideia central 5) isto é, de que haveria uma identidade com­
Esse posicionamento crítico está alicer­ partilhada entre os psicólogos está alicerçado
çado na crença de que os psicólogos dis­ em duas ideias centrais. A primeira é a do
cutem pouco a sua atuação com os colegas e predomínio da imagem social do psicólogo
estão desaprendendo o trabalho grupal cujo clínico e a segunda é a da área de interesse
desfecho é uma ação coletiva, revelando, com e de atuação comuns. O Quadro 11.6 sinte­
isso, sua grande dificuldade de associação. tiza as ideias centrais e as ancoragens pre­
(DSC – ancoragem 4) sen­tes nos discursos dos entrevistados.
O trabalho do psicólogo no Brasil 241

Quadro 11.6 Ideias centrais e ancoragem da identidade compartilhada entre psicólogos


2 - Os psicólogos possuem visão compartilhada da identidade profissional?
Ideias centrais categorizadas Ancoragens categorizadas
Homogeneidade 1a - Imagem Social do Psicólogo 1 - Imposição da identidade do psicólogo
Compartilhamento da 1a - Clínico 1 - clínico
identidade
2a - Área de interesse de atuação
1b - Multiplicidade teórica 2 - Escolha teórica
Heterogeneidade
2b - Área geográfica 3 - Contingências histórico-sociais locais
Não compartilhamento de
uma identidade a favor de 3b - Expansão e experiência 4 - Multiplicidade da ciência psicológica
múltiplas identidades 3b - profissional

A primeira ideia central versa sobre a não queiram abrir mão dela e assumam a
forte associação do psicólogo à área clínica. iden­tidade de um profissional apto a com­
O psicólogo é reconhecido socialmente por preen­­der os sentidos e desejos mais profun­
uma visão clínica e individualista do atendi­ dos da subjetividade humana.
mento em consultório, no qual o paciente fala A segunda ideia central associada ao
quase sozinho. (DSC – ideia central 1a) discurso da homogeneidade da identidade
O predomínio dessa identidade homo­ sugere que ela é obtida somente no âmbito
gênea comum a todos os psicólogos teria das áreas de atuação, pelo fato de os profis­
impactos negativos para o profissional que sionais adotarem perspectivas teóricas e
pretende caracterizar sua inserção no âm­ me­todológicas afins, o que contribui para
bito social e político. Essa identidade com­ uma visão convergente sobre a identidade.
par­tilhada parece ter sua origem na própria Em outras palavras, a identidade estaria
formação do psicólogo e na dificuldade em em­basada na área de atuação comum, que
se desvencilhar das expectativas sociais em reuniria grupos profissionais afins, indepen­
relação a esse profissional. dentemente de serem psicólogos.
Isso começa a ser construído já nos es­ Dentro de uma equipe multiprofissional,
paços de formação profissional, nos cursos de a aproximação entre sujeitos decorre com
graduação, nos quais a presença muito forte mais força da afinidade teórica entre eles do
da psicologia clínica se desdobra na não aber­ que do simples fato de eles terem a mesma
tura de espaço para estudos, discussão e deba­ formação acadêmica, neste caso, a psicologia.
tes sobre os diversos campos de atuação do Dentro de uma mesma equipe técnica especia­
psicólogo e sua contribuição para a socie­dade. lizada em gestão é mais provável que um
Os psicólogos formados nessa cultura, ao che­ psicólogo tenha afinidade com o grupo de ad­
gar ao mercado de trabalho, contri­buem para ministradores do que com o grupo de psicó­
que a própria sociedade represente o psicólogo logos que atuem em outros contextos, distan­
como um profissional passivo, que ganha ape­ tes das práticas de gestão. Quando os profis­
nas para escutar e pouco fazer, despreocupado sionais atuam em um mesmo campo, existe a
com tudo o que for alheio a essa realidade de presença de um diálogo fácil pelo fato de ha­
consultório. (DSC – ancoragem 1) ver cumplicidade e compartilhamento de pon­
Se de um lado essa forte imagem social tos de vista teóricos semelhantes. A abor­da­
do psicólogo clínico torna difícil sustentar a gem teórica comum revela uma visão com­
identidade do psicólogo sob outras bases, par­tilhada de homem e de mundo que pro­
de outro ela confere credibilidade e status move a convergência identitária na medida
ao profis­sional, o que faz com que alguns em que serve de guia para a prática profis­
242 Bastos, Guedes e colaboradores

sional e facilita o diálogo entre profissionais. sua prática, não necessariamente com ótimas
(DSC – ideia central 2a) formações, mas muito sensíveis no entendi­
O discurso a favor da heterogeneidade da mento do paciente, no contato com o pacien­
identidade do psicólogo, quer dizer, da exis­ te. (DSC – ideia central 1b)
tência de múltiplas identidades coloca em A segunda ideia central que marca o
destaque três ideias centrais: a multipli­cidade discurso da heterogeneidade da identidade
teórica-prática, a área geográfica de atuação é a influência da área geográfica de atua­
e a expansão e a experiência profis­sional. ção. O cerne do argumento está no impacto
A primeira ideia central está relacio­ que espaços geográficos diferentes têm so­
nada à variedade teórica e prática dispo­ bre a percepção do psicólogo de si mesmo e
nível no campo da psicologia. da comunidade local em relação a ele.
A identidade do psicólogo está mais para Em capitais menos populosas, existe ain­
heterogênea que para homogênea. Isso se de­ da uma atmosfera de tradições familiares e
ve à multiplicidade que marca nossa profis­ políticas, com perguntas: de que família você
são e a nossa ciência. Os assistentes sociais é? Privilegia-se muito o status social. Com a
têm uma visão bem mais homogênea deles psicologia acontece o mesmo. À psicologia
mes­mos, do que nós psicólogos, porque eles trans­­pessoal, alguns psicólogos torcem o na­
tiveram uma história diferente devido ao fato riz, sem ao menos pararem para ouvir. Em
de seguirem uma linha teórica única. Ao con­ capitais mais populosas há uma pluralidade
trário, nós nascemos em meio a uma multi­ de pensar. Talvez por serem cidades cosmo­
pli­cidade na prática e na teoria. Tal ausência politas. Em cidades menores é perfeitamente
de consenso contribui para que cada psicó­ normal. Existe uma admiração com o que
logo construa sua identidade pessoal, a partir vem de fora (DSC- ideia central 2b).
de experiências concretas, da cultura, de va­ Em cidades do interior, a identidade do
lores, etc. (DSC – ideia central 1b) psicólogo é mais confusa, pois aí a figura do
A multiplicidade de identidades encon­ psicólogo é muito ligada à comunidade, tem
tra-se ancorada no pressuposto de que a es­ grande status, mas poucas exigências concre­
colha teórica de atuação define a visão com­ tas. O psicólogo Testemunha de Jeová (até aí
partilhada de um grupo social, porém isso nada contra) anuncia cura de homosse­xua­
não é facilmente observado na psicologia. lismo e está com o consultório cheio. Es­ses
A abordagem teórica comum releva uma profissionais ganham medalhas da prefeitura,
visão compartilhada de homem e de mundo reconhecimento social e projeção em suas
que serve de guia para orientar a profissão e comunidades. (DSC – ideia central 2b)
facilita o diálogo entre os profissionais, mas A crença de que o tamanho da cidade e
nem sempre há esta abordagem teórica co­ a mentalidade local exercem impacto na
mum na psicologia. (DSC – ancoragem 2) visão compartilhada que se constrói do psi­
A agravante é que essa multiplicidade cólogo, força ajustes da identidade às con­
de identidades é percebida também dentro tingências sócio-históricas locais, colo­can­do
de um mesmo campo de atuação profis­sio­ em destaque a multiplicidade das identi­
nal, que supostamente daria insumos para dades.
uma identidade compartilhada. A terceira ideia central foca nos desdo­
No consultório existem três sócios com bramentos da expansão da psicologia e da
formação diferentes: psicanálise, psicodrama experiência profissional pessoal.
e bioenergética. Até a forma de se buscar o Antes, o psicólogo estava restrito ao seu
pa­ciente na sala de espera é diferente. Na consultório e, hoje, ele sai para o campo de
con­vivência, aprende-se a respeitar profissio­ trabalho em situações totalmente diversifi­ca­
nais com algo exótico, muitos criativos em das. Ele não deu conta de compreender todo
O trabalho do psicólogo no Brasil 243

esse processo, por isso essa confusão de iden­ retomada dos principais aspectos teó­ri­cos e
tidade. A maioria acaba focando na prática e empíricos considerados neste capítulo.
esquecendo que a produção do conhecimento No início, destacou-se que o conceito de
é o que legitima a psicologia como profissão identidade é relacional e passou por trans­
de nível superior. formações a partir da modernidade quando a
Mas, embora possam ocorrer inter­ferên­ defesa de uma única identidade foi grada­ti­
cias na prática profissional do psicólogo, de­ vamente substituída pelo discurso das múl­
pendendo do contexto ou do local em que tiplas identidades. Essas identidades esta­riam
está inserido, o psicólogo sabe qual é a sua dispostas hierarquicamente e se­riam re­quisi­
real identidade, mas esta nem sempre pode tadas conforme a importância da si­tua­ção.
ser mostrada pela necessidade de o psicólogo Em algumas circunstâncias, no en­tanto, se é
se submeter a regras institucionais. E ao se levado a assumir duas ou três identidades
con­fundir com outros profissionais, ao se su­ simultaneamente, o que pode gerar conflitos
jeitar a essas regras institucionais, os psicó­ internos (Bauman, 2005, Ciam­­pa, 1984).
logos menosprezam a sua própria identidade Compreender a identidade social ou
e esquecem que a forma como veem o homem profissional requer admitir que o sujeito
e o mundo orientam a forma como veem a tenha um papel ativo nesse processo que é
profissão. (DSC – ideia central 3b) construído na dialética entre a identidade
A questão central nesse DSC é a ex­ que unifica (homogênea) e a identidade
pansão da psicologia que tem feito o psi­ que diferencia (heteroidentidade). Para as­
cólogo se aventurar em terrenos distintos se­gurar a identidade homogênea, os profis­
daquele cuja identidade como psicólogo clí­ sionais categorizam os grupos sociais e
nico estava garantida. Entretanto, essa ex­ tornam salientes as diferenças intergrupos,
pansão parece não ter sido acompanhada reduzindo a variabilidade intragrupo. Mas,
de amadurecimento teórico-metodológico além de o sujeito ter um papel ativo nesse
necessário para dar suporte à construção e processo, as expectativas sociais em relação
à manutenção de uma identidade que una ao grupo profissional a que ele pertence
os psicólogos. A complexidade e a multi­ também exercem impacto na construção da
plicidade do fenômeno psicológico tornam identidade social (Alvaro e Garrido, 2006;
necessário lançar mão de matrizes teóricas Blumer, 1969; Cuche, 2001; Hall, 1999;
diversas (DSC – ancoragem 4), aumentando Smith-Lovin, 2002; Stryker e Serpe, 1982;
ainda mais o distanciamento entre as abor­ Tajfel, 1981; Turner e Tajfel, 1979; Turner,
dagens teórico-práticas e a diversidade no 1987; Woodward, 2000).
campo. Diante dessa ausência de suporte, Os resultados da pesquisa do psicólogo
os psicólogos abrem mão de sua própria brasileiro deixam bastante evidente que a
identidade a favor da identidade de grupos identidade do psicólogo é construída na
profissionais afins, mesmo correndo o risco relação dialética de expectativas mútuas
de enfraquecerem ainda mais a sua iden­ que se inicia no processo de formação: o
tida­de profissional. que os psicólogos acreditam ser e o que a
sociedade espera que eles sejam (Martín-
Baró, 1996). A identidade, então, é resulta­
Concluindo sobre do de duas forças que competem entre si: a
a identidade do da identidade (percepção de se ter os atri­
psicólogo brasileiro butos da categoria de psicólogos) e a da
con­traidentidade (percepção de não ter ain­
Para apresentar as conclusões sobre a da assumido para si os atributos da cate­
identidade do psicólogo, é preciso fazer uma goria dos psicólogos) (Kullasepp, 2008).
244 Bastos, Guedes e colaboradores

Baptista (2002) incluiu a dimensão his­ iden­tidade intragrupo que distingue os psi­
tórica na discussão da identidade do psicó­ cólogos entre si.
logo e ressaltou a importância de se ter em A identidade que une a categoria pro­
conta que a identidade sofre mudanças pe­ fissional do psicólogo está alicerçada no
las contingências sócio-históricas e isso fi­ fato de a psicologia ter objeto de estudo,
cou evidenciado na pesquisa ao se cons­tatar fun­damentos, relevância social, objetivos,
a tensão entre uma identidade do psicólogo formas de atuação e atividades semelhantes
apoiada em um modelo clínico de atendi­ aos grupos profissionais pertencentes às
mento individual, presente na forma­ção e ciên­cias da saúde e ciências sociais. A con­
no imaginário social, e as novas demandas traidentidade é marcada pela diferen­ças
de uma identidade do psicólogo mais sensí­ que separam a psicologia das ciências exa­
vel à sua responsabilidade social em asse­ tas, avaliada pelos mesmos critérios.
gurar o bem-estar de coletividades. A psicologia, então, mantém identidade
A dimensão histórica não pode ser re­ com as áreas de conhecimento que têm
cuperada aqui porque a pesquisa nacional como objeto de estudo a subjetividade do
do psicólogo, realizada em fins da década ser humano situado em um contexto social
de 1980, não se propôs a explorar a iden­ e tem como principal objetivo preservar o
tidade do psicólogo, mas textos publicados bem-estar biopsicossocial.
em décadas anteriores sobre a identidade Apesar das inúmeras áreas de atuação
desse profissional tornam defensável a tese possíveis para o psicólogo, os resultados
de que o modelo tradicional clínico de aten­ sinalizam haver uma identidade homogê­
dimento individual, apesar de ainda pre­ nea. Todavia, essa identidade requer ajustes
sente nos cursos de formação em psicologia dada a multiplicidade teórica adotada pelo
e na imagem social (popularização do co­ psicólogo, a área geográfica em que atua e
nhe­cimento psicológico), não parece ser sa­ a expansão e a experiência profissional ad­
tisfatório. Ademais, o psicólogo não pos­sui quirida (dimensões histórica e social). E es­
uma única identidade. Há dois tipos de sa dinâmica da construção da identida-
iden­tidade do psicólogo. de converge com o argumento de Baptista
A primeira é construída de modo gra­ (2002), para quem a identidade profissional
dual desde a formação acadêmica até a do psicólogo sofre impactos da formação e
inserção profissional e lhe acompanha em da inserção profissional.
toda sua trajetória profissional. É ela que
lhe permite reafirmar a sua condição de ser
psicólogo e se diferenciar de outros grupos Implicações da identidade
profissionais. Trata-se da identidade inter­ do psicólogo para as
grupo, que distingue o psicólogo de outros relações intergrupos
grupos profissionais. A segunda identidade
é construída nas inserções profissionais do Gardner, Csikszentmihalyi e Damon
psicólogo e está sujeita às influências de (2004), ao analisar alguns aspectos do que
contexto: mercado de trabalho, expectativas eles denominam trabalho qualificado, afir­
sociais, convivência com equipes multidis­ mam que a existência de campos especia­
ciplinares e demais fatores contingenciais. lizados tornou-se mais evidente a partir da
Essa outra identidade define os limites de modernidade, cujo desenvolvimento cien­tífi­
aproximação com profissionais de outras co fez com que diminuísse cada vez mais o
áreas e de distanciamento de outros psi- tempo entre a produção do conhecimento e
có­logos que não compartilham a mesma sua aplicação tecnológica. Dessa maneira, a
ex­­periência de inserção. Trata-se de uma distri­buição do saber acumulado até então
O trabalho do psicólogo no Brasil 245

era mais equitativa, uma vez que se realizava po profissional se sentem não só livres para
na informalidade e em um ritmo mais lento, trabalhar da melhor forma possível, co­mo
restringindo o acesso de informações aos também veem consolidado o seu cam­­­po de
diversos grupos sociais profissionais. Nos dias atuação profissional.
atuais, todavia, o conhecimento não só é rapi­ Esse alinhamento idealizado, no entan­
damente produzido como também difundido, to, está em desequilíbrio no mundo contem­
tornando acessível a todo e qual­quer profis­ porâneo. Há competição em diversos pla­
sional, domínios até então reser­vados às di­ nos, em especial pelos recursos materiais e
versas áreas científicas e tecnológicas. sociais. Algumas profissões desaparecem e
Os domínios especializados surgem, outras emergem. Mudanças de estilos de
por­­tanto, a partir do momento em que gru­ vida social fazem surgir demanda por gru­
pos profissionais passam a definir conhe­ pos profissionais específicos. Interesses po­
cimentos, habilidades, práticas e regras pa­ lí­ticos comuns a grupos profissionais afins
ra os diferenciar de outros grupos profis­ podem acirrar demarcações de campo de
sionais, no intuito de criar um sistema sim­ atuação. E o descompasso entre o avanço
bólico amplamente compartilhado pelos do conhecimento das respectivas áreas tam­
seus membros que lhes dê identidade. No bém pode fazer emergir reações de defesa
caso da psicologia, por exemplo, há um na esperança de assegurar espaço privi­
conjunto de conhecimentos e práticas co­ legiado no mercado de trabalho.
muns e diversos subconjuntos referentes a A sociedade é constituída de grupos so­
subdomínios, tais como, psicologia do de­ ciais em situação de tensão e que, por man­
sen­volvimento, organizacional e do traba­ terem distintas posições de status e poder
lho, educacional, etc. Mas, além de um con­ profissional, forçam cada grupo a buscar po­
junto de conhecimentos e habilidades de si­cionar-se de modo mais vanta­joso no ce­ná­
domínio próprio, uma profissão precisa ter rio mais amplo e competitivo do mun­do do
uma dimensão ética que assegure que esse trabalho. Essa tensão entre grupos profis­sio­
repertório seja usado somente no inte­res- nais está diretamente asso­ciada à iden­tidade
se coletivo e bem-estar comum. E todas as profissional, tanto em relação aos gru­pos
pro­fissões contemplam estas duas dimen­ con­siderados afins (atri­butos e caracte­rísti­
sões: de um lado, o conhecimento teórico e cas comuns) quanto aos grupos distintos.
prático acumulado e, de outro, a ética, que No primeiro caso, o dos grupos afins,
regula a conduta moral de seus membros quanto maior a afinidade maior a tensão
em relação aos pares e à so­ciedade. Todos intergrupal, pelo risco dos grupos de iden­
esses esforços estão diri­gidos para garantir tidade semelhante virem a se tornar poten­
um alinhamento entre os membros do gru­ ciais concorrentes a ocupar os mesmos es­
po profissional e asse­gurar um lugar de paços no mundo do trabalho. No segundo
des­taque quando com­parados aos demais. caso, este risco seria reduzido, sendo pouco
O alinhamento autêntico dos diversos provável a competição direta entre grupos,
grupos profissionais, no entanto, requer o que se consideram bastante diferenciados
cumprimento de algumas condições pré­ (contraidentidade).
vias: I) que os valores culturais estejam em Alguém poderia estar se perguntando,
harmonia com os valores de domínio de se isso não acontece com todos os grupos
conhecimento, II) que as expectativas so­ profissionais. A resposta é sim, mas com a
ciais correspondam às do campo de atuação ressalva de que nem sempre ocorre na mes­
profissional e III) que o domínio e o campo ma intensidade. Não há confusão quanto
estejam em sintonia. Desse modo, os profis­ aos limites de atuação profissional de mé­
sionais pertencentes a um determinado gru­ dicos cirurgiões e de engenheiros civis; por­
246 Bastos, Guedes e colaboradores

tanto, tudo leva a crer que não sejam com­ ministradores e soció­logos do trabalho do
petidores diretos. Mas os limites se con­fun­ que com psicólogos clínicos.
dem em grupos profissionais afins, tais co­ Não se está defendendo que, ao se dife­
mo, psicopedagogos e psicólogos escola­res; renciarem de outros grupos profissionais para
filósofos clínicos e psicólogos clínicos; ad­ garantir a sua identidade, os psicó­logos irão
mi­nis­tradores de recursos humanos e psi­ necessariamente adotar com­portamentos dis­
cólogos organizacionais e do trabalho; neu­ cri­minatórios em relação aos grupos de afi­
rocientistas e psicólogos cognitivistas; assis­ nidade que podem amea­çar a sua identidade,
tentes sociais, psicólogos sociais e sociólo­ mas é inevitável que, quanto maior a per­
gos, e entre enfermeiros, psicólogos da saú­ cepção de confusão de identidade entre esses
de e psicólogos que atuam em hospitais. grupos, maior seja a propensão a fazer uso de
Em resumo, se de um lado há uma iden­ mecanismos legais para proteger os espaços
tidade que mantém a unicidade da ca­tegoria profissionais indi­viduais que potencialmente
social profissional do psicólogo, de outro, as ambos podem vir a assumir. Talvez seja o mo­
diversas inserções e os momentos históri- mento de co­meçar a refletir sobre isso de
cos experimentados pelos psicólogos fazem modo mais crítico. Em outros termos, é pre­
emer­­gir novas identidades que em algumas ciso refletir sobre o quanto o fortalecimento
circunstâncias competem entre si para se da iden­tidade profissional acirra a disputa
tornarem predominantes. Mas, ao tempo em entre grupos afins que, a princípio, deveriam
que a identidade garante a uni­dade, ela as­ mais cooperar que rivalizar.
sinala quais são os seus poten­ciais grupos
oponentes que concorreriam no mercado de
trabalho. E, nesse ponto, há concordância Referências
com a tese de que quando os grupos catego­
rizam outros grupos sociais, o fazem para Alvaro, J. L.; Garrido, A. Psicologia social:
aumentar as diferenças inter­grupo e mini­ pers­pectivas psicológicas e sociológicas. São Paulo:
mizar a diferenças intragrupos. Somente as­ McGraw-Hill, 2006.
sim, a identidade homogênea (una) estaria Bastos, A.V.B. In: Conselho Federal de Psi­
cologia (Org.), Quem é o psicólogo brasileiro?
assegurada. Mas, esta mesma homoge­nei­
São Paulo: Edição, 1988, p. 163-193
dade é buscada também nas ou­tras micro­ ______. et all. A ocupação do psicólogo: um exa­
identidades formadas nas diver­sas áreas de me à luz das categorias da psicologia orga­ni­-
atuação e contextos em que o psicólogo se za­cional e do trabalho. Anais do X Sim­pósio
insere. Desse modo, é possível pensar em de Pesquisa e Intercâmbio Científico. Aracruz: AN­
níveis de identidade homogênea: a que asse­ PEPP, 2004, p. 13.
gura o pertencimento a uma clas­se mais Baptista, M. T. D. S. O Estudo de identidades
ampla (a de psicólogos), e a que o faz para individuais e coletivas na constituição da história
os subgrupos dessa classe (psicó­logo social, da Psicologia. São Paulo: Memorandum, Uni­ver­
psicólogo organizacional, psicó­logo da saú­ sidade São Carlos, 2002.
de, psicólogo escolar, etc.). Esse segundo Bauman, Z. Identidade. Entrevista a Benedetto
Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
nível de identidade homogêneo es­taria mais
Blumer, H. Simbolic interactionism: Perspective
enfraquecido, visto que a con­vi­vência com and method. Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-
outros profissionais de for­mação distinta, Hall, 1969.
mas de interesses comuns, forçaria a uma Ciampa, A. C. Identidade. Em S.T.M. Lane & W.
no­va configuração de identi­dade que unifi­ Codo (Orgs.) Psicologia social. O homem em movi­
caria esses grupos. Isso torna compreensível, mento. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 58-75.
por exemplo, que os psicó­logos organizacio­ Ciampa A. C. Identidade humana como meta­
nais se percebam mais iden­tificados com ad­ mor­fose: a questão da família e do trabalho e a
O trabalho do psicólogo no Brasil 247

crise de sentido no mundo moderno. Revista In­ Silva, T. T. A Produção Social da Iden­tidade e
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12
O significado do trabalho
para psicólogos brasileiros

Livia de Oliveira Borges e Oswaldo Hajime Yamamoto

A Psicologia começou a tratar sistema­ novos modelos de gestão do trabalho de­


ticamente este assunto a partir da década de mandam competências cognitivas comple­
1980. Muitos fenômenos contribuíram para xas como a criatividade, o raciocínio lógico
o afloramento desse tema, sendo que um e a iniciativa do trabalhador, além de seu
deles, referente ao próprio mundo do tra­ envolvimento e seu comprometimento com
balho, consistiu na crise caracterizada pela as tarefas e com as organizações/insti­tui­
perda de influência do modelo de organi­ ções nas quais atuam.1 Os significados atri­
zação do trabalho taylorista/fordista e a buídos ao trabalho estão certamente impli­
emergência de estilos sustentados nas novas cados no desenvolvimento de tais com­pe­
tecnologias de comunicação, de informática tências.2
e de automação, bem como em novos mode­ A crise já mencionada, em realidade,
los de gestão que enfocam a participação do se inseria na crise mais ampla da sociedade
trabalhador no processo decisório. de bem-estar. Assim, atingia também as
O modelo em crise se caracterizava, relações de trabalho (Lipietz, 1991; Matto­
en­tre outros aspectos, por promover o par­ so, 1995; Ransome, 1996), o que se mani­
ce­lamento das tarefas nas suas menores fes­­tava de várias formas: a redução da
operações, separar a execução da concep­ ofer­ta de emprego em vários setores, a am­
ção de forma a garantir o máximo de pro­ pliação do setor de trabalho informal, a
dutividade pela eliminação da necessidade redução do poder de barganha dos traba­
do trabalhador pensar e/ou pelo combate lhadores nas negociações coletivas e nas
aos chamados “tempos mortos” de trabalho demais relações de poder, o enfraque­ci­men­
(Taylor, 1980). Aquele modelo promovia to da estrutura sindical-trabalhista, a le­gi­
um esvaziamento dos significados que se timação e a ampliação de formas de con­
atribuía ao trabalho ou tornava-os irrele­ tratações temporárias de trabalho ou tercei­
van­tes aos olhos dos interesses da produção rizadas e a segmentação do mercado. Todos
(Antunes, 1995; Braverman, 1974; Gorz, esses aspectos do fenômeno de trans­forma­
1980; Neffa, 1990). Em contrapartida, os ção do mercado de trabalho, pa­ra alguns
O trabalho do psicólogo no Brasil 249

autores (Heloani, 1996; Matto­so, 1995; Ran­ to operário. O modelo de organização de


some, 1996; Rebitzer, 1993), pres­sio­na­vam o trabalho em crise foi mais aplicado no setor
trabalhador, fazendo-o sub­me­ter-se mais à industrial. Em vários segmentos de ser­viços,
lógica das organizações em­pre­ga­do­ras, incor­ o modelo taylorista-fordista era, sem dúvida,
porando objetivos e valo­res orga­ni­zacionais uma referência e um norteador im­portante,
como seus, naturali­zan­do más con­dições de porém em muitos não foi apli­cado extensiva­
trabalho e sofrimentos psíquicos. mente como na indústria, por­que, entre ou­
Um terceiro fenômeno consiste no fato tras razões, não se confor­mava à natureza
de que a crise da sociedade de bem-estar das atividades. Assim, o setor de serviços
também estimulou polêmicas sobre a impor­ sem­pre foi singular nas exigências de compe­
tância do trabalho enquanto uma categoria tências ao trabalhador por implicar relação
social estruturante. Vários autores (Gorz, interpessoal e/ou de ne­gociação com o usuá­
1982; 1991; Aznar, 1995; Rifkin, 1997) de­ rio, mesmo que em diferentes inten­sidades e
senvolveram previsões, entre as quais as qualidades segun­do seus subseg­mentos. E
sociedades contemporâneas deixariam de se crescer a oferta de empregos e trabalho nes­
estruturar em torno do trabalho. Tais pre­ se setor significa, por­tanto, cres­cer as possi­
visões acenavam que a perda da centra­lidade bilidades de desen­volvimento de atividades
do trabalho seria construtiva para a huma­ com requisitos di­ferenciados.
nidade porque não seria possível to­dos terem Um quinto fenômeno contribuinte para
um trabalho enriquecido em seus sentidos e explicar o crescimento de atenção ao tema
significados. Outros (Antunes, 1995; Castel, do significado do trabalho se refere ao cam­
1998; Rosso, 2000; Sotelo-Va­lencia, 2003) po epistêmico e teórico: na Psicologia So­
combatiam tal discurso: de­fen­diam que as cial, várias perspectivas de análises, que
reformas sociais, as mudan­ças de tecnologias emergiram a partir da revolução cognitivista
e de gestão podiam re­cuperar a riqueza dos e do desenvolvimento do interacionismo-
sentidos sociais do trabalho humano, embora -sim­bólico, convergiram em reclamar uma
dentro dos limi­tes de um sistema capitalista maior atenção a conceitos como cultura e
que implica sempre relações de explorações, significados (Bruner, 1997; Fiske, 1991).
já que o lucro e o processo de acumulação Bruner sustenta a tese de que os significados
de rique­zas são fontes centrais de seu di­ são componentes mediadores da relação da
namismo. Essa polêmica incentivou os pes­ pessoa com o mundo. Entende que dizer e
qui­sadores a debruçarem-se sobre o signi­ fazer constituem uma unidade dialética de
ficado do trabalho. modo que os significados que se constroem
O quarto fenômeno refere-se também para os fenômenos estão entre as causas das
às transformações no mercado de emprego ações humanas. Segundo Alvaro e colabo­
e/ou trabalho, mas no que diz respeito ao radores (2007) e Burke (2008), o desen­
crescimento de oferta de emprego em seto­ volvimento das perspectivas psicosso­cioló­
res nos quais a organização do trabalho gicas, especialmente o intera­cio­nismo sim­
tinha uma influência do taylorismo/fordis­ bó­li­co estrutural de Stryker e o constru­
mo menos acentuada. Como qualquer mo­ tivismo de Berger e Luckman, ambos par­
de­lo, não foi reproduzido de forma idêntica tindo de Mead, têm chamado atenção à
(Boyer e Freyssenet, 1996). Nunca o funcio­ construção sócio-histórica de valores simbó­
namento das organizações e a execução de licos para os objetos, que terminam por
tarefas conseguiram prescindir do conhe­ modificar as próprias ações humanas e vice-
cimento tácito, apesar do taylorismo tentar, -versa, além de desenvolver a noção de rea­
por meio do planejamento minucioso de ta­ li­dade socialmente construída. Nesse con­
refas, eliminar a necessidade do pensa­men­ tex­to, o tema do significado do trabalho ga­
250 Bastos, Guedes e colaboradores

nhou atenção na Psicologia Organizacional a valorização do setor de serviços na so­


e do Trabalho, já que, além da importân- ciedade impactam os significados que os
cia atribuída aos significados no geral, apli­ psicólogos constroem sobre seu trabalho.
cou-se tal conceito a um objeto – o traba- Lembra-se, neste ponto, que, conforme o
lho hu­mano – tomado em várias tradições Capítulo 7, cresceu o emprego de psicólogos
de re­flexão como uma categoria social cen­ em setores como serviços de saúde e em
tral na vida humana (Arendt, 1995 e 1996; hospitais. Considera-se, então, que o pro­duto
Durk­heim, 1984; Marx, 1975; Sartre e Fer­ social do trabalho dos psicólogos é eminen­
reira, 1961; Weber, 1967). temente serviços, estejam traba­lhan­do como
Em síntese, o afloramento do tema de assalariados ou como profissionais liberais e
significado do trabalho foi incentivado, en­ em quaisquer contextos de atua­ção (educa­
tre outras razões, (1) pelas polêmicas em cional, clínico, hospitalar, organi­zacional, ju­
torno do papel estruturante do trabalho; rí­dico, etc.). Em outras palavras, eles pro­
(2) pelo surgimento de novos modelos de duzem bens imateriais. E, sendo assim, é
gestão e de organização do trabalho, pondo impossível desconsiderar o fato de que estão
ênfase em cognições e em competências implicados como pessoas no que produzem:
com­­plexas, bem como nas emoções; (3) pe­ suas visões de mundo, os signi­ficados que
las mudanças nas relações de trabalho prin­ atribuem aos seus fazeres e os modos de ser
cipalmente no que concerne ao des­man­ que se imbricam no fazer. Além disso, muitos
telamento da organização trabalhista (sin­ dos serviços que prestam se caracterizam
dical); (4) pelo crescimento do setor de ser­ como atividades de cuidado humano, o que
viços e (5) pelas mudanças epistêmicas na deve sublinhar a natureza da implicação do
Psicologia, que ampliaram a atenção à cons­ psicólogo na sua relação com os usuários
trução de significados ou de sentidos. de seus serviços. Portanto, parte-se aqui do
Aqui, este construto – significado do pres­­suposto de que os sig­ni­ficados que cons­
tra­balho – será aplicado para contribuir pa­ troem e/ou atribuem ao trabalho se consti­
ra a elucidação da relação dos psicólogos tuem em uma categoria cen­tral para a com­
com o próprio trabalho – o exercício da pro­ preensão sobre a atuação e a formação.
fissão. Tendo em vista as razões mencio­
nadas que têm motivado os estudos sobre o
tema, compete, por exemplo, indagar: para O norte teórico da pesquisa
os psicólogos, o trabalho é uma categoria
social estruturante? Da mesma forma, com­ O significado do trabalho, considerando
pete considerar aqui que o trabalho do psi­ a multi e interdisciplinariedade do tema,
cólogo nunca foi realizado com forte in­ tem sido estudado em dois níveis principais
fluên­cia do taylorismo-fordismo. Essa reali­ de análise: um societal (ou macro) e outro
dade diferencia os psicólogos na atribuição que segue do nível pessoal ao ocupacional.
de significados ao trabalho? Em contra­par­ No primeiro, focaliza-se a construção sócio-
tida, deve-se também refletir se os novos -histórica do trabalho enquanto uma catego­
modos de gestão e de organização do tra­ ria social. Exemplos são análises sobre a
balho de outros profissionais podem ter ideologia do trabalho e sobre o papel do
afetado a demanda de serviços ao psicólogo, trabalho na estrutura social.3 Na Psicologia,
sendo mister recordar que, no Capítulo 9, há estudos empíricos e análises históri-
foi assinalada a diminuição do número de cas reflexivas que focalizam também tal
psicólogos organizacionais e do trabalho nível de análise, mas são menos frequentes.4
com intenção de mudar de área de atuação. Bülcholz (1977), por exemplo, conduziu
Deve-se também indagar se o crescimento e um estudo nos Estados Unidos analisando a
O trabalho do psicólogo no Brasil 251

valorização relativa de determinados con­ pla dimensionalidade e causalidade, ex­pli­


juntos de crenças do trabalho entre diri­ can­­do os significados segundo os vários as­
gentes de empresas com amostra represen­ pectos que o compõem e os que afetam a
tativa para o país. Os conjuntos de crenças sua construção; assumem a noção de siste­
correspondiam a diferentes ideologias. ma, explorando os nexos entre seus aspec-
Na Psicologia, observa-se o predomínio tos componentes e pressupõem a mediação
das pesquisas que focalizam significados cog­nitiva da relação do homem com o mun­
atribuídos pelas pessoas e, na maioria dos do (Borges, 1998a, 1998b).
casos, são desenvolvidas pesquisas com O reconhecimento dessas características
amos­­tras amplas que permitem transitar do compartilhadas não elimina a possibilidade
individual para o ocupacional.5 Postula-se, de, dentro de tal perspectiva, identificar-se,
aqui, a necessidade de a Psicologia apro­ co­mo já se fez em publicações anteriores
fundar a articulação entre os diferentes ní­ (Bor­­ges, 1998a; Borges, Tamayo e Alves-Fi­
veis de análise, uma vez que, partindo de lho, 2005), duas tendências teórico-meto­
uma perspectiva psicossociológica, eles são do­lógicas distintas, resultantes da imbrica­
dialeticamente inseparáveis, o que se ex­ ção das influências cognitivas com as visões
pres­sa no fato de o nível societal estar pre­ de mun­do dos pesquisadores. Uma dessas
sente nos demais níveis de análise: pessoal, ten­dên­cias é designada como empírico-des­
interpessoal e ocupacional. A pessoa, a par­ cri­tiva e se caracteriza por (1) ocupar-se em
tir das interações que estabelece com o identi­ficar e classificar dimensões dos signi­
mun­do, socializa-se, incorporando valores e ficados do trabalho, pressupondo a existên­cia
crenças (entre outros aspectos) do seu do fe­nômeno em si (pressuposto idea­lista),
mundo de inserção social, por isso, a socie­ visto não se preocuparem com a rela­ção entre
dade se constitui como realidade subjetiva os significados e a inserção no meio socio­
para cada um (Berger e Luckmann, 1985). cultural de quem os produzem e (2) permitir
É justamente pela compreensão de tal so­breviver implicitamente uma noção dualista
dialética que aqui se considera o seguinte no desenvolvendo da pesqui­sa (e da publica­
conceito sobre o significado do trabalho: ção) entre o uso de técnicas qualitativas ou
quantitativas de análise dos dados, como se
uma cognição subjetiva e social. Varia in­divi­ estas fossem opostas e excludentes.
dualmente, na medida em que deriva do pro­
A publicação que melhor representa essa
cesso de atribuir significados e, simul­tanea­
tendência é a da equipe Meaning of Occu­pa­
mente, apresenta aspectos socialmente com­
tional Work (MOW – International Re­search
par­tilhados, associados às condições histó­ricas
da sociedade. É, portanto, cons­truto sem­pre Team, 1987). Tal equipe desen­volveu um sur­
inacabado (Borges e Tamayo, 2001, p. 13). vey com amostra de oito paí­ses a par­tir da
ótica dos trabalhadores. Con­sideraram a mul­
Nessa definição sobre o significado do tidimensionalidade, estru­turando a pes­quisa a
trabalho se reconhece claramente a pers­ partir de um modelo de quatro di­mensões:
pectiva de análise psicossociológica como cen­tralidade, normas societais, re­sultados e
na maioria dos diferentes estudos de signi­ ob­jetivos valorados (Quadro 12.1). Tal mode-
ficado do trabalho. Da mesma forma, é pos­ lo apresenta uma estrutura concei­tual sofis­
sível identificar que os estudos têm compar­ ticada.
tilhado forte influência do cognitivismo, o A referida pesquisa também é concer­
que se manifesta nas seguintes caracte­rís­ nente à previsão de multicausalidade, uma
ticas: são empíricos, focalizando a variabi­li­ vez que explora a variabilidade das di­men­sões
dade do significado do trabalho entre os citadas de acordo com vários aspectos como,
indivíduos e ocupações; assumem a múlti- por exemplo, nacionalidade, sexo, grupos de
252 Bastos, Guedes e colaboradores

idade e nível de instrução. É sistêmica, porque conceito de padrão do significado do trabalho


recupera a noção de con­figuração dos signifi­ que con­siste na combinação das dimensões
cados para grupos de indivíduos, cunhando o iden­tificadas an­teriormente.

Quadro 12.1 As dimensões do significado do trabalho pela equipe MOW


Dimensões Conceitos
O grau de importância atribuído ao trabalho frente às demais esferas de
vida (família, religião, lazer e comunidade). Este conceito foi inicialmente
Centralidade do trabalho
usado na Psicologia por England e Misumi (1986), comparando a
centralidade do trabalho entre americanos e japoneses.
Referem-se às características do trabalho que exprimem o balanço
Normas societais
das obrigações individuais para a sociedade e vice-versa.
São as metas que os indivíduos esperam alcançar por intermédio do
Resultados e objetivos valorados
seu trabalho e na valorização atribuída aos resultados esperados.
Fonte: International Research Team (1987).

Quanto às características daquela pes­ nificado do trabalho e 4) con­siderou o ca­


quisa que a identificam com a tendência em­ ráter sistê­mico dos padrões de significado
pírico-descritiva, destaca-se a opção da equi­ do trabalho. É apropriado des­tacar que, co­­­­mo
pe por planejar um estudo crossnational e examinou as diversas di­mensões e os pa­
drões do sig­nificado do trabalho, o mo­delo
não crosscultural. Assim, ela explora a va­ria­
desenvolvido pela equi­pe MOW de­mons­trou
bilidade das dimensões do significado do tra­
uma arti­culação me­to­dológica en­tre análise
balho por países e por ocupações, mas não e síntese. A pesqui­sa destrincha o significado
se detém nas características próprias de cada do tra­balho por meio das di­men­sões (aná­
país para explicar as diferenças e se­me­lhan­ lise) e recompõe o seu todo no con­ceito de
ças identificadas. Não se preocupa tam­bém padrão (síntese) (Borges, Ta­mayo e Al­ves-
com o processo de mudança no sig­ni­ficado Filho, 2005, p. 149).
do trabalho em cada país e/ou ocupa­ção.
Utilizou exclusivamente questio­nários estru­ A segunda tendência anteriormente iden­­
tu­rados e estratégias de análise quanti­tativa tificada (Borges, 1998a; Borges, Ta­mayo e Al­
de dados. ves-Filho, 2005) é mais coerente com as pers­
Como já sintetizado anteriormente (Bor­­ pectivas psicossociológicas referidas aqui, pois
ges, Tamayo e Alves-Filho, 2005), tal estudo tem em conta mais claramente que as ações
se destacou no cenário internacional, sendo das pessoas são construídas sócio-his­torica­
hoje considerada uma contribuição clássica men­­­te e apresentam as seguintes carac­terís­
na área, por várias razões: ticas: consideram a dinamicidade proces­sual
dos significados; focalizam os nexos entre as
1) popularizou na Psicologia o conceito de di­mensões do significado do trabalho, mas
centralidade do trabalho; 2) revelou a pre­ tam­bém dessas dimensões com o mundo vi­
dominância de uma centralidade do tra­­­ba­ ven­cial e aplicam conjuntamente diferentes
lho acentuada nos participantes da amostra téc­­nicas de análise de dados. Essa tendência
nos diversos países, a despeito das previsões
não rejeita a outra anteriormente descrita,
de queda da centralidade do tra­balho a
favor do lazer, oportunizadas pelas mudan­
mas avança, a partir daquela, em direção a
ças tecno­lógicas no mundo do traba­lho, que uma vi­são mais existencialista (materialista-
criavam expectativas de redu­ção de jornada dialética).
de tra­balho; 3) fez referência a uma di­men­ O principal exemplo dessa tendência é a
são de normas societais como parte do sig­ coletânea de Brief e Nord (1990); obra em
O trabalho do psicólogo no Brasil 253

que a percepção da dinâmica entre as dimen­ pes­qui­sa por meio de questionário estru­
sões do significado se expressa ao longo do turado e aberto e de gru­pos de discussão.
seu desenvolvimento. Os autores in­serem o Aqui, importa salientar que a tentativa
significado do trabalho no sig­nificado do vi­­ da presente pesquisa é dar seguimento,
ver, percebendo ambos como inseparáveis. A den­tro das perspectivas psicossociológicas,
obra se desenvolve pelos diversos capítulos a essa segunda tendência. Para tanto, adota-
de modo que a contex­tualização do fenômeno -se o modelo do significado do trabalho de
em tela se faz sem­pre presente e culmina na autoria de Borges e Tamayo (2001), passan­
discussão entre o significado do trabalho e a do a relatar sobre a proposição do modelo e
economia polí­tica, sublinhando que os resul­ descrevê-lo. Assim, tais autores observaram
tados econô­micos do trabalho são subre­pre­ que pesquisas anteriores no Brasil aplicaram
sentados nas ciências sociais modernas, ex­ce­ o modelo da equipe MOW (Bastos, Pinho
tuando a própria economia. e Costa, 1995; Soares, 1992). Tais tentati-
Os autores focalizam a importância de vas não conseguiram identificar como di­
compreender o processo histórico como men­são, em separado, as normas societais
um caminho necessário à compreensão do en­tre outras dificuldades a partir do ins­tru­
de­sen­volvimento, da transmissão e da in­ mental traduzido. Observaram também que
cor­poração dos valores do trabalho, para as análises da equipe MOW esqueciam vá­
evitar obscurecer os componentes ideoló­ rios conteúdos do significado do trabalho,
gicos do conhecimento, implícitos nas in­ corroborando as críticas de Brief e Nord.
ves­tigações empíricas. Mostram que tal Por essas dificuldades, Borges (1996) partiu
proble­ma se apresenta na literatura sobre do desenvolvimento de estudo explorató-
o sig­nificado do trabalho que sobre-en­ rio na tentativa de identificar categorias do
fatiza os conteúdos so­cialmente mais atra­ significado do trabalho peculiares à rea­li­
tivos ou aceitos e, em contrapartida, tal dade brasileira.
sobre-ênfase termina por restringir as di­ Tal pesquisa realizou-se por meio de
mensões e os atributos consi­derados. Em entrevistas com trabalhadores da construção
outras palavras, os autores mos­tram que habitacional, do comércio e do setor de con­
significados como realizar-se, opor­tunizar fecção e costura em Brasília, trazendo à to­
inter-relações e/ou sociabi­li­dade en­tre as na como atributos principais a sobrevi­vên-
pessoas, construir um sentido de uti­lida- cia a realização e a exploração. Emer­giram
de, entre outros, são so­bre-enfa­tizados; en­ tam­­bém outros conteúdos diferen­ciados da
quan­­to aspectos como reproduzir relações literatura da Psicologia como ani­malização
de poder e dominação são esquecidos. ou desumanização, saúde (traba­lho como
Outro exemplo, importante nessa se­ prova de estar sadio), trabalho ár­duo (pegar
gun­da tendência, é uma pesquisa de Mar­ no pesado) e riscos. Apare­ceram também
tin-Baró (1990) sobre a representação so­­ categorias concernentes com as nor­mas so­
cial do salvadorenho. Mostra que essa re­ cietais da equipe MOW, como con­­tribuir pa­
presen­ta­ção inclui o traço “traba­lha­dor” ra o progresso da sociedade, obedecer e
associado ao mesmo tempo a traços de ale­ gerar benefícios para os outros.
gria e de sofrimento. Atenta para as contra­ Com base nessas observações e na re­
dições con­tidas nas representações e relata visão da literatura não só da Psicologia, mas
que as discussões em grupo ado­tadas na também da que se detém na análise do sig­
pesquisa mostram que os grupos ca­minham nificado do trabalho no nível societal, Bor­
entre a definição do que “deve­ria ser” em ges (1997) levantou uma nova lista de atri­
compa­ração com o real pre­sente. Martin- butos componentes do significado do traba­
Baró aplicou a triangulação de téc­nicas de lho, sintetizados no Quadro 12.2.
254 Bastos, Guedes e colaboradores

Obviamente, quando se transforma ca­ com­plexidade do significado do trabalho


da atributo em um nome listado no Qua- em aspectos mais pontuais ao ser iden­ti­
dro 12.2, não se consegue traduzir toda ficado cada atributo, eles ainda são mui-
sua abran­gência. Embora se destrinche a to com­plexos.

Quadro 12.2 Lista de atributos


Classes de atributos Atributos
Atributos expressivos Realização
Aprendizagem
Autonomia
Reconhecimento
Saúde corporal
Atributos sociais Relações Interpessoais/Afiliação
Supervisão
Atributos econômicos Sobrevivência
Ascensão social (carreira)
Independência financeira
Segurança
Assistência social
Atributos normativos Obrigação
Contribuição à sociedade
Obediência
Direitos
Atributos intrínsecos Tarefa variada/repetitiva
Ocupação/Ócio
Braçal
Intelectual
Árduo/Leve
Desafiante
Direção/Execução (tarefa em si)
Atributos humanistas Explorador
Dignidade /Humilhação
Igualitário /Discriminante
Hominizador/alienante
Atributos extrínsecos Conforto
Segurança/Riscos

Fonte: Borges (1997).

Posteriormente, Borges e Tamayo (2001) deve ser; e atributos descritivos, aquelas ca­
propuseram trabalhar considerando quatro racterísticas que definem o que o trabalho é
facetas como mostra a Figura 12.1. concretamente. Borges e Ta­mayo (2001) pre­
Observa-se que a faceta da centralidade viam que todos os atri­butos listados no Qua­
do trabalho, em uso desde a equipe (MOW dro 12.2 se desdo­brasssem em atributos va­
International Research Team, 1987), foi incor­ lo­rativos e des­critivos. A hierarquia dos atri­
porada, e utilizou-se a no­menclatura “atribu­ butos é a or­ganização dos mesmos se­gundo
tos” a exemplo de Sal­maso e Pom­beni (1986), sua ordem de importância. Na tradi­ção dos
porém consi­de­rando o dilema entre o que es­tudos de valores é assumida a noção de
deveria ser (definição de valor) e a realidade que as pes­soas diferem mais entre si pelas
concreta sublinhada por Mar­tin-Baró. prio­ridades que estabelecem entre os valores
Assim, atributos valorativos são aque­las do que entre os valores que as­sumem, pois
características que definem o que o tra­balho estes são numericamente li­mi­tados (Rokeach
O trabalho do psicólogo no Brasil 255

e Ball-Rokeach, 1989; Schwartz e Ros, 1995; anteriores no Brasil em diferentes ocupa­


Tamayo, 1994). ções, demons­trando sua adequação para
descre­ver os sig­nificados do trabalho, mas
também o aper­feiçoando. Borges (1997)
 criou um questio­ná­rio com base naquela

lista de atributos, e o estudo da sua estru­
tura fatorial rejeitou a or­ganização daquela
 lista por classes de atri­butos (Quadro 12.2).

 
 Além disso, demonstrou que os atributos

valorati­vos se organizam di­fe­rentemente
dos atri­butos descritivos. De­sen­­volveu-se

en­­­tão uma sequência de pesq­ui­sas sobre a
 estru­tura fatorial dos atributos valora­tivos e
des­critivos e, por uma questão de sín­tese,
serão identificados aqui apenas quais os
Figura 12.1 Facetas do significado do tra- fatores primários que compõem tais atribu­
balho. tos, con­forme a última pesquisa sobre os
mes­mos (Borges, Alves-Filho e Tamayo,
A seleção dessas facetas não rejeita a no­ 2007) nos Qua­dros 12.3 e 12.4. Esta última
ção da equipe MOW sobre as normas socie­ pesquisa con­­ta com uma amostra de ocupa­
tais, mas a rejeita como uma dimen­são em ções com di­versos conteúdos de trabalho
separado. Os conteúdos referidos a tais no­ (pro­fis­sionais de saúde – incluindo o psi­có­
ções estão inclusos entre os atri­butos valo­ logo – bancários, pe­troleiros, policiais civis,
rativos e descritivos. Também não rejei­ta o fun­cionários técni­co-administrativos univer­
conceito de padrão do signi­ficado do trabalho, si­­tá­rios e profissio­nais de educação básica)
importante na apreen­são da con­figuração e, ao mesmo tempo, mais homo­gênea quan­
com­­partilhada das di­versas face­tas de signi­ to ao nível de instrução.
ficado por grupos de pessoas. Sobre o Quadro 12.3, é importante cha­
A configuração do significado do traba­ mar atenção para o caráter valorativo dos
lho em tais facetas foi testada em estudos atributos nele conceituados. Observem que

Quadro 12.3 Fatores valorativos do significado do trabalho


Fatores valorativos Conceitos
Justiça no trabalho Define que o ambiente de trabalho deve garantir as condições materiais,
de assistência, de higiene e de equipamentos adequados às características
das atividades e à adoção das medidas de segurança, bem como garantir
o retorno econômico compatível, o equilíbrio de esforços e direitos entre os
profissionais, o cumprimento das obrigações pela organização.
Autoexpressão e Define que o trabalho deve oportunizar expressão da criatividade, da apren­
realização pessoal dizagem contínua, da capacidade de tomar decisões, do sentimento de pro­
dutividade, das habilidades interpessoais ou do sentido de ser acolhido, e
do prazer pela realização das tarefas.
Sobrevivência pessoal Define que o trabalho deve garantir as condições econômicas de sobre­
e familiar vivência, de sustento pessoal e de assistência à família; garantir a existência
humana, a estabilidade no emprego decorrente do desempenho, o salário
e o progresso social.
Desgaste e Define que o trabalho, na percepção do trabalhador, deve implicar desgaste,
desumanização pressa, atarefamento, sentimento de ser uma máquina ou um animal (desu­
manizado), esforço físico, dedicação e discriminação.
256 Bastos, Guedes e colaboradores

Quadro 12.4 Fatores descritivos


Fatores descritivos Conceitos
Autoexpressão Descreve o trabalho como oportunizando a aplicação de opiniões dos participantes
e como lugar de influenciar nas decisões, de reconhecimento do que se faz, de
expressar criatividade, de aprender e qualificar-se, de sentir-se tratado como pessoa
respeitada, de relacionamento de confiança e de crescimento pessoal.
Desgaste e Descreve o trabalho como associando à desvalorização da condição de ser gente
Desumanização (perceber-se como máquina ou animal), à aceitação da dureza no trabalho, à
exigência de rapidez, esforço físico e ritmo acelerado.
Independência e Descreve o trabalho como garantia da independência econômica, do sustento, de
recompensa econômica sobrevivência e da assistência para si e para a família e de outras contrapartidas
pelo esforço despendido.
Responsabilidade Descreve o trabalho como provendo o sentimento de dignidade associado à
necessidade de cumprir tarefas e obrigações previstas para com a organização,
de ocupar-se, de obedecer, de assumir as próprias decisões, de produzir e de
contribuir para o progresso social.
Condições de trabalho Descreve o trabalho, exigindo para o desempenho adequado, um ambiente hi­
giênico, com equipamentos específicos, conforto material, seguro e com a as­
sistência merecida pelo trabalhador.

o que está sendo designado por Desgaste e fatores designados por Responsabilidade e
Desumanização não é uma constatação do Condições de trabalho.
trabalho real, mas uma definição valorativa, O significado do trabalho, abrangendo
apontando, portanto, que para alguma ati­ as facetas mencionadas, foi incorporado no
vidade ser considerada trabalho ela deve modelo designado Modelo da Construção
ser desgastante e desumanizadora, impli­ do Significado do Trabalho (Borges, 1998b).
can­do pressa, atarefamento, “pegar no pe­ O modelo (Figura 12.2) propõe, então, que
sado” ou fazer esforço físico, perceber-se o significado do trabalho é construído pelas
como uma máquina ou como um animal pessoas no seu processo de socialização, no
(de­sumanização) e ser discriminado. qual incorporam conteúdos referentes às
Sobre o Quadro 12.4, que identifica os concepções formais do trabalho (ideologias
fatores dos atributos descritivos, é impor­ do trabalho), aos aspectos que compõem a
tante destacar que, em comparação com o estrutura social das organizações e aos as­
Quadro 12.3, revela-se que a diferença na pectos socioeconômicos das ocupações e do
organização cognitiva dos atributos valora­ ramo de atividade. As influências ideoló­
tivos e descritivos se expressa, inclusive, na gicas tanto chegam aos indivíduos por meio
quantidade de fatores. No Quadro 12.4, são das organizações, impressas nas carac­te­rís­
identificados cinco fatores e estes são dife­ ticas do setor econômico, quanto sem es­sas
rentes em conteúdo dos fatores valo­rativos. intermediações, quando contam com a in­
Por exemplo, vários conteúdos refe­rentes às ter­venção de agentes socializadores ex­ter­
condições materiais de traba­lho, higiene, nos ao mundo do trabalho.
nor­mas de segurança, proporcionalidade Por ideologias do trabalho, entende-se
entre esforços e direitos, etc., agregaram-se o pensamento elaborado e articulado, no
em um único fator, designado “Justiça no nível coletivo ou societal, que oferecem de­
trabalho” na estrutura dos atributos valo- fi­nições para todas as facetas do signi­ficado
ra­tivos. Os mesmos conteúdos aplicados a do trabalho. São correntes de pensa­mento
des­crever o trabalho concreto (atributos articuladas historicamente.
des­­­­critivos) organizaram-se em mais de um Apresentado o modelo de construção
fator. Estão presentes, principalmente, nos do significado do trabalho, ainda compete
O trabalho do psicólogo no Brasil 257

Características
socio-
-econômicas
e demográficas Significado

Centralidade
do trabalho

Concepções O indivíduo em Atributos Atributos


do trabalho seu processo de descritivos valorativos
socialização

Hierarquia
dos atributos
do trabalho
Estrutura
social das
organizações

Figura 12.2 Modelo da construção do significado do trabalho.


Fonte: Borges (1998b)

co­mentar que Tolfo (2007) abriu a dis­cus­ dual, organizacional e social. Entretanto, os
são sobre a adequação terminológica da ex­ diversos atributos componentes do signi­
pressão “significados do trabalho” frente à ficado do trabalho segundo tais níveis de
alternativa de “sentidos do trabalho”. Em análise são separados e tomados como di­
que pese a importância de tal discussão e a mensões. As evidências empíricas oriundas
pertinência dos argumentos da autora em nas pesquisas antecedentes no Brasil são
favor da segunda expressão, prefere-se aqui suficientes para por dúvida na adequação
manter a primeira ou, até algumas vezes, de tal separação. Assim, por exemplo, Mo­
tratá-las como sinônimas, tendo em vista o rin, Tonelli e Pliopas (2007) tomam o atri­
largo uso que já se tem feito da primeira buto da utilidade do trabalho como da di­
expressão na literatura especializada e pela mensão organizacional. Certamente, a utili­
preferência por manter o termo que vem dade do trabalho é um atributo que pode
sendo empregado desde Bruner, como co­ ser identificado no nível organizacional,
men­tado no início deste texto. mas também nos demais níveis de análise.
Considerou-se, ainda, a necessidade de No individual, por exemplo, à medida que a
comentar que há publicação recente pro­ pessoa incorpora valores e crenças das ideo­
pondo outro modelo de compreensão do logias do trabalho por meio da interação
significado do trabalho (Morin, Tonelli e com diversos agentes socializadores, passa
Plio­pas, 2007). Observa-se, entretanto, que a tomar aquele atributo como seu. Além des­
tal modelo guarda várias semelhanças, in­ se aspecto, tal modelo incorpora exclu­si­
clusive no que se refere à sua funda­men­ vamente atributos tomados como social­men­
tação, mas não tem uma ampla base em­ te favoráveis (ou desejáveis), o que faz com
pírica no Brasil. Tal modelo, corroborando que o modelo não consiga refletir uma pers­
parcialmente a compreensão que vem sendo pectiva de análise dialética e não dê conta
apresentada aqui, distingue três níveis de das contradições inerentes aos signifi­cados;
análise do significado do trabalho: indi­vi­ contradições que trazem as marcas daquelas
258 Bastos, Guedes e colaboradores

vivências do mundo trabalho, de­correntes da psicólogo brasileiro. Esta subamostra está


organização e de relações de trabalho e do composta de 139 psicólogos, sendo esses
confronto de diversas ideologias. 78,4% mulheres e 21,6% homens. Essa
com­­­­posição da amostra por sexo apresenta
uma concentração feminina muito próxima
Os caminhos da pesquisa da amostra geral da pesquisa, em que se
observou 83,4% de mulheres, o que repro­
Introdutoriamente, já se mencionou que duz exatamente a proporção encontrada na
o objetivo da presente pesquisa é estudar o amostra geral de psicólogos da pesquisa
significado do trabalho de psicólogos brasi­ mais ampla em que esta se insere.
leiros tendo em vista contribuir na elucida­ Os psicólogos estão distribuídos nos di­
ção da relação do psicólogo com o próprio versos estados do país, havendo uma con­
trabalho. Apresentado o referencial teórico cen­tração maior apenas no estado de São
que guiou a presente pesquisa, pode-se ago­ Paulo, de modo que 40 deles trabalham no
ra anunciar os objetivos específicos, os quais referido estado. Outra concentração foi de
foram elaborados com vistas a delinear a psicólogos que não marcaram em que uni­
tarefa de atingir, passo a passo, o objetivo dade da federação trabalham, sendo estes 48
geral. Estes objetivos específicos foram: pessoas. Em relação aos demais estados, a
• descrever a composição do significado dispersão foi acentuada de forma que a s­e­
do trabalho para os psicólogos brasi­ gunda maior concentração é de apenas sete
leiros; psicólogos no Distrito Federal. Mas há psicó­
• identificar os padrões de significados logos na amostra que trabalham em 27 esta­
mais comuns entre os psicólogos brasi­ dos. Examinando a distribuição por re­gião
leiros; geográfica e excluindo as respostas em bran­
• explorar a variabilidade dos mesmos co, tem-se: 9,9% dos participantes tra­ba­
por características sociodemográficas; lhando no Centro-Oeste; 21,3%, no Nor­des­
• refletir sobre os resultados da atual te; 3,3% no Norte; 54,9% no Sudeste e 8,8%,
pesquisa frente ao contexto da atuação no Sul. Tal distribuição acompanha aproxima­
profissional dos psicólogos. damente aquela da amostra geral desta pes­
quisa (cujos percentuais por região são res­
Planejou-se a pesquisa de campo inse­ pectivamente: 12,9; 22,6; 2,9; 43,8 e 16,3%).
rida no projeto mais amplo que é objeto A idade dos participantes variou de 23
deste livro. Uma vez que no segundo capí­ a 61 anos, com uma média de 33,39 anos
tulo des­­­creveram-se as estratégias metodo­ (desvio padrão de 8,72 anos). Tal média
lógicas da pesquisa como um todo, aqui se é aproximadamente igual à da amostra ge-
detém exclusivamente naqueles pontos es­ ral da pesquisa (M = 35,5 anos), conforme
pe­cíficos a pesquisa sobre significado do o que se registra no Capítulo 7. Esses parti­
tra­balho no que diz respeito aos partici­ cipantes se formaram predominante em
pantes e aos ins­trumentos utilizados. cur­sos do setor privado pois que 69,8% de­
les se graduaram em cursos do setor privado
e 29,5%, no se­tor público. O predomínio do
Participantes setor privado na formação do psicólogo no
nível de gra­duação está bem descrito no
Responderam aos questionários especí­ Capítulo 4.
ficos de significado do trabalho, de forma Quanto à inserção profissional, consta­
válida (até 20 respostas em branco) uma tou-se que 71,9% trabalham exclusivamente
subamostra da pesquisa mais ampla sobre o como psicólogo, 20,1% atuam também em
O trabalho do psicólogo no Brasil 259

outros campos, 3,6% trabalham em outros cinco esferas de vida – tra­balho, família, lazer,
campos, 2,9% não estão trabalhando como religião e co­mu­ni­dade – de modo que a soma
psicólogo atualmente, mas já o fez e 1,4% dos pon­tos atri­buídos resulte 100. A outra
nunca atuou como tal. Nesse aspecto, a pre­ questão pede ape­nas que o participante
sente subamostra também reproduz muito atribua pon­tos à importância do trabalho em
proximamente as características da amos- uma escala de 1 a 7.
tra geral (cujas proporções são respectiva- Para mensuração dos atributos valora­
mente 69,5, 23,4, 2,5, 2,7 e 1,0%) conforme tivos e descritivos do significado do trabalho
registrado no Capítulo 6. Daqueles na pri­ adaptaram-se as escalas do IMST (Inven­
meira e na segunda condições citadas (92% tário de Motivação e Significado do Tra­
da amostra), constatou-se que: 62 psicó­ balho), o qual anteriormente já havia sido
logos (66%) atuam em empresas e organi­ validado para profissionais de saúde, entre
zações públicas; 57 (64%), em empresas e os quais estavam os psicólogos que traba­
organizações privadas; 33 (47,8%), em or­ lham da rede básica de saúde e em hospitais
ga­nizações sem fins lucrativos (por exem­ em Natal (Borges, Alves-Filho e Tamayo,
plo, ONGs, fundações e cooperativas) e 75 2007). A adaptação de tais escalas ocorreu
(73,5%) atuam como autônomos e em con­ substituindo os itens aplicáveis exclusi­va­
sultoria. Observem que os tipos de in­serção mente à situação de emprego por itens mais
não são excludentes, porque, em con­for­ abrangentes, aplicáveis aos trabalhos autô­
midade com que foi descrito no Capí­tulo 7, nomos e/ou à condição de empresário/em­
há muitos psicólogos com mais de uma in­ pregador. Realizada tal adaptação, exigia-se
serção profissional que não corres­pondem nova apreciação estatística de sua validação
às áreas de atuação tradicio­nal­mente defi­ empírica. Essas análises estão detalhadas no
nidas (Psicologia Clínica, Psico­logia Organi­ Apêndice 1. As técnicas aplicadas foram a
zacional, Psicologia Educacional, etc.). SSA6 (Smallest Space Analysis) e o Alfa de
Por fim, importa comentar que, com as Cronbach: a primeira para explorar a estru­
características descritas da presente subamos­ tura das respostas e/ou como elas se agru­
tra, se se aceita a amostra geral como repre­ pam em categorias mais amplas, e a segun­
sentativa dos psicólogos brasileiros que utili­ da, a consistência dos agrupamentos das
zam a internet, esta subamostra também o é, respostas em categorias. Ao mesmo tempo
pois provavelmente é representativa da amos­ em que tais análises permitiram constatar a
tra geral. validade e a consistência do questionário,
con­tribuíram para a consecução do primeiro
objetivo específico da pesquisa: analisar a
Variáveis e instrumentos da pesquisa composição do significado do trabalho para
os psicólogos. Por isso, tal composição emer­
Seguindo o modelo teórico adotado para gente será descrita na seção dos resultados.
a pesquisa, as variáveis-critérios eram a cen­ Como variáveis antecedentes e de des­
tralidade do trabalho, os atributos va­lo­rativos crição da amostra, tomaram-se os aspectos
e descritivos e os padrões do significado do sociodemográficos e ocupacionais, conforme
trabalho. Para identificar que centralidade o questionário adotado na pesquisa mais
os participantes atribuem ao trabalho, apli­ca­ am­pla na qual esta se insere. Tal questio­
ram-se duas questões de au­toria da equipe nário já está descrito em capítulo anterior,
MOW (1987), traduzidas pa­ra o português dispensando a necessidade de descrevê-lo
por Soares (1992). Uma des­sas questões soli­ aqui. No entanto, devido à focalização do
cita que o participante atri­bua pontos de 1 a tema e aos objetivos de pesquisa a partir de
100 para designar a im­por­tância que atribui a uma subamostra (N  =  139 pessoas), não será
260 Bastos, Guedes e colaboradores

possível utilizar todas as variáveis previstas estão hierarquizadas corrobora os estudos


inicialmente, mas quase que somente aque­ brasileiros consultados sobre o assunto (Bas­
las já utilizadas ao descrever a amostra. tos, 1994; Barros, 2002; Borges, Ta­mayo e
Alves-Filho, 2005; Lima, 2003; San­tos, 1995;
Soares, 1992). Entretanto, a pro­ximidade
Os sentidos das respostas entre as duas esferas mais valo­rizadas – fa­
dos psicólogos mília e trabalho – foi a mais intensa, não
havendo inclusive diferença estatisticamente
Centralidade do trabalho significativa entre as duas médias (t=1,62;
gl  =  138; p  =  0,11). As res­postas à pergunta
Quando os psicólogos compararam a sobre a importância atri­buída ao trabalho
importância que atribuem às cinco esferas (escala de 1 a 7), sem se comparar com
de vida – trabalho, família, lazer, religião e outras esferas, apresentam a média de 5,86,
comunidade –, posicionaram em média a corroborando a mesma ten­dência observa-
família em primeiro lugar, seguida pelo tra­ da na questão compara­tiva. Indaga-se, en-
balho e, depois (em uma distância maior), tão: tal resultado é uma carac­terística sin­
o lazer, a religião e a comunidade (Tabela gular dos psicólogos parti­cipan­tes da pre­sen­
12.1). A ordem em que as esferas de vida te pesquisa?

Tabela 12.1 Centralidade do trabalho e as demais esferas de vida (n  =  139)


Desvio
Mínimo Máximo Média
padrão
Centralidade da família 10 80 34,21 12,34
Centralidade do trabalho 5 70 31,63 10,86
Centralidade do lazer 0 50 18,35 8,47
Centralidade da religião 0 30 8,83 7,89
Centralidade da comunidade (sindicato,
associações de classe e de moradores, 0 30 7,14 6,53
partidos políticos)
Qual a importância do trabalho na sua vida? 2 7 5,86 0,95

Pensando na pergunta, é preciso inicial­ de uma tendência conjuntural em reação às


mente comentar que, nas pesquisas revi­ pressões do mercado de trabalho desde a
sadas, a tendência de atribuir centralidade implementação, na década passada, de polí­
cada vez mais elevada ao trabalho vem t­icas de emprego marcadas pelo desman­te­
emer­gindo também em outras profissões/ lamento das relações de trabalho (Mat­toso,
ocupações, como profissões de saúde (mé­ 1995; Heloani, 1996; Ransome, 1996) e/ou
dicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, que responde a aspirações de melhor quali­
assistentes sociais, nutricionistas e psicólo­ dade de vida, baseada na ampliação do pa­
gos), bancários e petroleiros, se conside­rar­ drão de consumo.
mos pesquisas da atual década (Barros, Motivando-se ainda pela mesma inda­
2002; Borges, Tamayo e Alves-Filho, 2005; gação, desenvolveu-se análise com os pontos
Lima, 2003), contrapondo as outras da dé­ atri­buídos ao trabalho na questão em que a
cada passada (Bastos, 1994; Borges, 1998b; importância atribuída ao trabalho é compa­
Soares, 1992). Tal observação conduz a rada à das demais esferas de vida, explo­ran­
pen­­sar que é possível que se esteja diante do a associação com as variáveis ante­ce-
O trabalho do psicólogo no Brasil 261

den­tes. Para isso, adotou-se como amostra talar (N  =  41) co­mo variáveis antecedentes
apenas o segmento maior (128 partici­pantes, di­­cotômicas. Ob­ser­vou-se que atuar na área
representando 92%), formado pelos parti­ clí­nica (M  =  34,58) implica uma tendência
cipantes que estão trabalhando atual­mente a atri­buir uma centralidade maior do que
como psicólogos. Encontrou-se que os resul­ a da­queles que não atuam em tal área
ta­dos não mudam por tipo de inserção (setor (M  =  28,83), de modo que o teste aplicado
público, setor privado, orga­nizações sem fins indica que há dife­rença significativa entre as
lucrativos, fundações e cooperativas e traba­ médias (t  =  3,20 para p  =  0,002). Conside­
lho autônomo e de consultoria), por renda, rando o que foi exposto anteriormente, en­
por sexo, por idade, por quem sejam suas tendemos que provavelmente essa variação da
companhias de mora­dia (cônjuge ou com- centralidade, em conformidade com ser da
pa­nheiro, o cônjuge ou o companheiro e os área clínica ou não, está associada aos fatos de
filhos, a família de ori­gem) e por aborda- a escolha de tal área ser feita predomi­nan­
gem psicanalítica ou não. Depois, consideran- temente por iden­­tificação e de ser esta a área
do-se apenas os psi­cólo­gos que trabalham no mais co­nhe­cida da Psicologia.
setor público, foi exa­minado se havia varia­ Esses resultados, por um lado, corro­
ção conjunta da pon­tuação em centralidade boram conclusões de estudos anteriores que
do trabalho com o nível da administração apontaram os escores em centralidade do
pública (municipal, estadual e federal), com trabalho como bastante estáveis e mais re­
a carga ho­rária, com o regime de trabalho, lacionados a aspectos gerais como cultura
em relação à sa­tis­fação com a organização e nacional. Isso reforça a ideia de que a alta
com a avalia­ção da existência de oportu­ centralidade encontrada entre os psicólogos
nidades de cres­cimento. Nenhuma variação mais provavelmente esteja refletindo uma
conjunta esta­tis­ticamente significativa foi en­ questão conjuntural e/ou cultural e histó­rica;
contrada. Análises equivalentes para aqueles ainda que na presente pesquisa não se com­
do setor privado e para aquelas que atuam pa­rarem (estatisticamente) os psicólogos a
como autônomos e consultores e não apon­ ou­­tros profissionais. Por outro lado, é pos­
taram também variação conjunta. Não foi sível que algumas diferenças em centralidade
possível repetir as análises para aqueles que do trabalho por características sociode­mo­
atuam em organizações sem fins lucrativos, grá­ficas e/ou ocupacionais não tenham sido
porque o número de participantes com esse significativas na presente pesquisa em decor­
tipo de inserção era menor e havia respostas rência da subamostra ser pouco expressiva.
em branco em várias questões.
A análise da centralidade do trabalho por
área de atuação do psicólogo não foi muito Atributos valorativos
simples, porque, como foi visto no Capítulo 9,
muitos psicólogos atuam em mais de uma Aplicada a SSA aos atributos valora­
área. Além disso, o tamanho da subamostra tivos, identificaram-se oito categorias lista­
em que se desenvolveram tais análises sobre o das e descritas no Quadro 12.5. A identi­
significado do trabalho adicionou dificulda- ficação dos itens que se agrupam nas cate­
des, pois algumas áreas contaram aqui com gorias está no Apêndice 1.
menos de 10 partici­pantes. Aplicaram-se, en­ A SSA também indicou a adequação de
tão, várias vezes o teste t, tomando a cen­tra­ uma solução bidimensional, de forma tal
lidade do trabalho como variável critério, e que as categorias identificadas pelas áreas
atuar ou não na área clínica (N  = 68), na área no espaço apresentam relações de adja­
organizacional e do trabalho (N  =  35), na do­ cências e distanciamentos; isso pode ser
cên­cia (N  =  20) e na área de saúde e hos­pi­ visto na Figura 12.3. Essas relações de adja­
262 Bastos, Guedes e colaboradores

cência e distanciamento são norteadas por autonomia na vida das pessoas; oportu­
duas dimensões bipolares, a saber: Huma­ nidades de realização profissional nos ter­
nização versus Desumanização e Iguali­ta­ mos de compreensão do que seja praze­roso
rismo versus Hierarquia. Está sendo de­sig­ no trabalho para a amostra; desenvol­vi­
nada de Humanização a noção de valo­ri­ mento de um tratamento digno pelo am­
zação da pessoa enquanto um ser humano; bien­te de trabalho. Por Desumanização, está
valorização que, na construção dos signi­ sendo designada a noção relacionada ao
ficados do trabalho, se exprime nas atribui­ fato de alguns aspectos, desejáveis ou espe­
ções de valores ao trabalho como: reco­ rados do trabalho, descaracterizarem a pes­
nhecimento profissional expresso pelas re­ soa enquanto ser humano. Essas duas no­
com­pensas socioeconômicas (categoria Re­ ções funcionariam cognitivamente como
co­nhecimento econômico); pelas possibili­ forças opostas que estão por trás da orga­
dades de crescimento profissional que sus­ nização das oito categorias de atributos va­
tenta a construção da independência e da lorativos identificados no Quadro 12.5.

Quadro 12.5 Categorias dos atributos valorativos identificadas a partir da SSA


Categorias Os itens definem que o trabalho deve ser:
Oportunidade de perceber as próprias opiniões consideradas, garantia da
Igualitarismo e acolhimento sobrevivência, de igualdade de direitos, de assistência e de esforços, de
sentir-se querido pelos colegas.
Meio de gerar benefícios para outros, ao mesmo tempo em que deve
Realização ser fonte de exigir-se sempre fazer o melhor, de reconhecimento, de ser
produtivo e de poder tomar decisões.
Meio de reconhecimento por meio de retorno econômico aos esforços de
trabalho; de proporcionalidade entre as recompensas econômicas e os
Reconhecimento econômico
esforços; de assistência a si e à família e um meio de, em contrapartida,
contribuir para o progresso social.
Fonte de prazer pelas tarefas, de comunicação, de sustento e de inde­
Crescimento e independência pendência econômica, de padrão estável de vida, de respeito, de con­
fiança, de aprendizagem de novas coisas e de criatividade.
Inserido em ambiente no qual se observam cuidados higiênicos, re­co­
nhe­cimento de autoridade, sentimento de dignidade, conforto ambiental,
Dignidade/humanização
proporcionalidade de obrigações e tarefas com as possibilidades indi­
viduais, adoção de medidas de segurança e bem-estar psíquico.
Executado de forma a garantir o cumprimento de normas e obrigações
Segurança normativa conforme à adoção de medidas de segurança para evitar riscos físicos e/
ou materiais no ambiente de trabalho.
Caracterizado pela repetição diária de tarefas, por proporcionar ocupação,
Ocupação (sobrecarga)
pela percepção da dureza do trabalho e pelas exigências de rapidez.
Caracterizado por esgotamento; pelas exigências de esforço físico, de
Desumanização (coisificação) ritmo apressado, por um tratamento que iguala a pessoa à máquina ou aos
animais.

A última dimensão – Igualitarismo ver­sus zontalidade (Igualitarismo); no outro, a ten­


Hierarquia – se designou como tal por con­ dência à verticalização (Hie­rarquia). Observa-
siderá-la semelhante à dimensão de igual no­ se que as categorias loca­lizadas mais abaixo
me da teoria cultural dos valores hu­­manos da figura supõem uma relação das pessoas
(Schwartz e Ros, 1995). Essa di­mensão faz com o trabalho, mais na di­reção do ambiente
menção às relações de poder: em um dos po­ sócio-ocupacional para a pessoa e, na direção
los estaria mais presente a tendência à ho­ri­ in­versa, na parte superior.
O trabalho do psicólogo no Brasil 263

Cada categoria de atributos valorativos do que para o cole­tivismo. Tal singularidade


na estrutura encontrada tem sentido tanto se revela não apenas nos itens compo­nen­
em função de os itens que abrange quanto tes, mas também na adjacência de Reali­
pelas relações de adjacências e distan­cia­ zação com Igualita­rismo e Acolhimento, de
mento com as demais categorias. Assim, por um lado; e de Re­conhecimento Econômi-
exemplo, quando se aproximam noções de co, de outro. Esse sentido de Realização
igualitarismo e acolhimento, em uma mes­ não é, en­tretanto, sin­gular aos psicólogos
ma categoria, significa dizer que se infere o ou à nossa presente amostra, visto que a
tra­tamento mais ou menos igualitário nas pesquisa so­bre a es­trutura fatorial dos atri­
rela­ções interpessoais, especialmente naque­ butos valo­ra­tivos ci­tadas na introdução des­­
las que revelam acolhimento. te capítulo (Borges, Alves-Filho e Ta­mayo,
A categoria que está sendo designada 2007) iden­tifica o fa­tor designado Autoex­
Realização, por sua vez, ao reunir itens que pressão e Reali­zação Pessoal que agrupa
dizem respeito ao que, na teoria de va­lores, itens refe­ren­tes à com­petência no trabalho,
se refere à Competência (sentir-se pro­duti­ ao prazer com as tare­­fas e ao acolhimento.
vo, exigir-se sempre fazer o melhor, tomar Em estu­dos com ocupa­­ções com instrução
deci­sões) e à Benevolência (benefí­cios para mais bai­xa, encon­trou-se um fator valo­
os outros), é bastante diferente em com­ rativo de Rea­­lização Pessoal cujo item de
paração a outros estudos de signi­ficado maior peso é “Traba­lhando, penso quanto
do trabalho (MOW International Research os outros vão se be­neficiar dos resultados
Team, 1987), em que realização é um valor do meu trabalho”.
que tende mui­to mais para o individualismo

Igualitarismo

Igualitarismo e
Ritmo acolhimento

Realização
Desumanização
Desumanização

Humanização

Reconhecimento
econômico
Crescimento e
independência

Dignidade/
Ocupação humanização
(carga)

Segurança
normativa

Hierarquia

Figura 12.3 Estrutura dos atributos valorativos.


264 Bastos, Guedes e colaboradores

Por essas razões, entende-se que o sen­ de trabalho são vistos como manifestações
tido de tal categoria está relacionado com do respeito humano mais latente. Deve-se
traços da cultura brasileira, melhor expres­ observar que tal categoria, de um lado, tem
sada em relação aos estudos anteriores em adjacências com Crescimento e Indepen­
decorrência da aplicação da SSA, que reve- dência e, de outro, com Segurança Norma­
la as relações de adjacências de uma cate- tiva. Dessa forma, expressa a humani­zação
goria com a outra, permitindo, portanto, em uma dimensão, com uma tendên­cia ob­
apreen­der um pouco mais os sentidos dos ser­vada mais para hierarquia do que para
atributos valorativos. igualitarismo na outra dimensão.
A categoria Reconhecimento Econômi­ A categoria Segurança Normativa agre­ga
co, por sua vez, tende a ser vista como re­ itens que dizem respeito ao cumprimento das
lativa às recompensas econômicas, mas nes­ normas e à evitação de riscos no am­biente de
se ca­so, essas recompensas associam-se à trabalho. Em decorrência dos es­tudos ante­
noção de prazer pela execução das tarefas e riores, não era hipótese que esses itens se se­
o que elas representam pela contribuição parassem em uma categoria espe­cífica, mas
para o progresso social. Mantém adjacência, que estivessem juntos aos itens de higiene e
de um lado, com a categoria Realização e, conforto ambiental. Embora este­jam clara­
de ou­tro, com a categoria Crescimento/In­ men­te em regiões distintas do espa­ço, estão
depen­dência. Isso significa que, para os psi­ também em regiões adjacen­tes. As­sim refi­
có­logos, a definição de que o trabalho deve nou-se a diferenciação, mas não dei­xou de
prover ganhos ou sustento econômicos não re­velar a mesma associação e o mes­mo sen­
se separa da definição de que o tra­balho tido, de que higiene e conforto são, em parte,
deve prover realização e crescimento. Reco­ expressões dos cuidados de segu­rança. Essa
nhecimento Econômico, na primeira dimen­ categoria expressa humani­zação porque, en­
são, tende claramente para o polo de Hu- tre outros aspectos, é uma cate­goria que
ma­nização, mas na segunda dimensão está abrange noções de proteção; na outra di­men­
nu­ma posição quase central. são, porém, expressa hierar­quia, pois mes­mo
Sobre a categoria Crescimento e Inde­ que as normas sejam elaboradas pelas pes­
pendência, é preciso ressaltar que ela esta­ soas, os atos de cumpri-las expres­sam em al­
belece nexos entre as definições de que o guma medida a vivência de submissão.
trabalho deve ser fonte de independência A categoria Ocupação agrega os itens que
eco­nômica (e/ou sustento) e de estabi­li­ dizem respeito a sentir-se ocupado e à ideia de
dade, mas também de prazer pela tarefa e que o trabalho deverá implicar uma carga.
de tratamento respeitoso. Mantém adjacên­ Apre­senta adjacências com as cate­­­go­rias Se­gu­
cia imediata com Reconhecimento Econô­mi­ rança Normativa e Desuma­ni­­za­ção; entre­tan­
co e Dignidade/Humanização. A categoria to, essas adjacências não aguar­­dam a mes­ma
Reconhecimento Econômico expressa clara­ intimidade observada en­­tre as categorias que
mente o polo Humanização, mas tem uma estão mais próximas ao polo de Huma­ni­za-
posição também próxima à central na se­ ção. A presente cate­go­ria representa o qua­­
gunda dimensão. drante formado a par­tir dos polos Desu­mani­
A categoria de Dignidade/Humanização zação e Hierarquia.
associa itens que dizem respeito a sentir-se A última categoria é a designada Desu­
digno e gente, ao bem-estar psíquico e ao ma­nização, que agrega itens referentes à
re­conhecimento da autoridade a itens que definição de que o trabalho deve implicar
se referem à higiene e ao conforto ambien­ esgotamento, discriminação perante os ou­
tal. Estabelecer nexos entre esses itens sig­ tros em decorrência do que se faz, trata­
nifica que conforto e higiene no ambiente mento que assemelha o profissional a uma
O trabalho do psicólogo no Brasil 265

má­quina ou a animais (des-hominiza) e exi­ Outro aspecto que merece atenção na


gência de um ritmo determinado. Tal cate­ natureza da estrutura dos atributos valora­
go­ria po­deria se subdividir, separando os tivos é o fato de que, no presente estudo,
itens que fazem referência ao ritmo de tra­ pôde-se identificar um número maior de
balho. Mas a agregação em uma cate­goria categorias quando comparado ao número
única chama a atenção para o fato de esgo­ de fatores dos estudos anteriores revisados.
tamento, discri­mi­nação e desumani­za­ção Isso representa uma diferenciação mais refi­
estarem associa­dos ao ritmo, sendo prova­ nada dos significados. Compreendeu-se que,
velmente impli­cações secundárias do mes­ para isso, contribuiu o fato de ser focalizada
mo. Essa cate­goria está no quadrante for­ no presente estudo uma única profissão, a
ma­do pelos po­los Desumanização e Igua­li­ Psicologia, levando a esperar mais homoge­
tarismo. No grá­fico original da SSA, con­ neidade de respostas. Além disso, certa­
tudo, os pontos que formam essa dimensão mente, a técnica utilizada (SSA) também
estão em relação à dimensão Igualitarismo contribuiu para tanto.
versus Hierarquia quase que em uma posi­ Para avançar na compreensão da es-
ção central. Não se deve deixar de consi­ tru­tura do significado do trabalho para os
derar que a posição em tal quadrante do psi­cólogos, levantaram-se os escores dos
gráfico indica que, quando se define valo­ par­ticipantes da amostra por categorias dos
rativamente (deve ser) o tra­balho como De­ atri­butos valorativos por meio da média
su­manizante, significa existir uma visão de dos pontos atribuídos pelos participantes
que inevitavelmente o traba­lho tem tais im­ aos itens que compõe cada categoria (Figu-
plicações para todos. ra 12.4).

Proporção dos participantes por


intervalo das categorias valorativas

ANOVA
0a1 2a3
1a2 3a4 F = 13364,95 para p<0,001 (n = 139)

1,2 4,2
(CV) Segurança Normativa (M = 3,46; dp = 0,69) 20,1 76,3
4,3
(CV) Ocupação (sobrecarga) (M = 2,26; dp = 0,79) 36,7 45,3 13,7
2,2
(CV) Desumanização (coisificação) (M = 1,05; dp = 0,67) 61,9 32,4 3,1
3,6

(CV) Igualitarismo e Acolhimento (M = 3,69; dp = 0,38) 7,9 92,1

(CV) Realização (M = 3,75; dp = 0,34) 7,9 92,1

(CV) Reconhecimento Econômico (M = 3,83; dp = 0,27) 7,9 92,1

(CV) Crescimento e Independência (M = 3,88; dp = 0,20) 2,9 97,1

(CV) Dignidade/Humanização (M = 3,73; dp = 0,44) 98,6


1,4

Figura 12.4 Proporção dos participantes por intervalos das categorias valorativas.

Além da ANOVA, que apresenta coefi­ gorias Crescimento e Independência e Re­


ciente estatisticamente significativo, a apre­ conhecimento Econômico são aquelas de mé­
cia­ção das pontuações médias apresentadas dias mais elevadas (quase escores máxi­mos),
pela amostra em cada categoria nos informa a seguidos das categorias Realização, Dignida­­
hierarquização das mesmas. Assim, as ca­te­ de/Humanização, Igualitarismo e Aco­­lhi­men­­
266 Bastos, Guedes e colaboradores

to e Segurança Normativa. Se, de um lado, nente econômico muito for­te. Além des­
todas essas categorias com escores ele­vados se aspecto mais geral, na amos­­­­tra das
podem ser interpretadas como re­ve­lando que mulheres, 7,5% residem só e com filhos
os psicólogos estabelecem ou dis­tinguem mal e 34,0%, com a família de origem. Tais
suas prioridades; de outro, po­de ser enten­ proporções podem in­di­car que mui­tas
dido como um alto grau de exi­gência sobre o das mulheres ainda estão construin­do a
que seja um trabalho de qua­lidade. própria inde­pen­dência eco­­nômica e/ou
As médias baixas nas categorias Desu­ma­ vivem situa­ções que tornam a questão
nização e Ocupação levam a considerar que, econômica mais proe­minente.
se tais aspectos seguem sendo atributos valo­ • Há uma variação conjunta entre a ida­
rativos para os psicólogos, eles estão muito de do participante e os escores na ca­te­
enfraquecidos. Essa observação fica mais clara goria (CV) Realização, em uma re­la­­ção
se são levados em conta a pro­porção de par­ direta­mente proporcional (r  =  0,18 pa­
ticipantes por intervalos dos escores em tal ca­ ra p = 0,03). Em outras palavras, com
tegoria (Figura 12.4), uma vez que, no caso o avanço da idade, os psicólogos valo­
da Desumanização, 61,9% da amostra apre­ rizam mais o trabalho como fonte de
senta escores no intervalo de 0 a 1 e 32,4%, Realização. Tal correlação reflete que,
no intervalo de 1 a 2, tota­lizando, assim, com o avanço da carreira, prova­vel­
94,3% da amostra até o li­mite de escore 2 que, men­te com a independência econô­mica
em uma escala de 0 a 4, representa seu ponto mais estabilizada, o psicólogo se torna
médio. No caso da ca­tegoria Ocupação, obser­ mais exigente em relação ao conteúdo
va-se (Figura 12.4) que 4,3% dos participan-­ do que faz.
tes apresentam es­cores no intervalo de 0 a 1 e • Há, também, diferenças estatisticamen-
36,7%, no in­tervalo de 1 a 2, totalizando, por­ ­te significativas (t  =  2,04 para p  =  0,04)
tanto, 41% de participantes até o limite do nas médias na categoria (CV) Ocupa­ção
escore 2. Desse modo, são realmente mi­noria quando se compara quem atua na do­
os psi­có­logos que tomam a catego­ria Desuma­ cência (M  =  1,99) e quem não atua
ni­zação como um valor, e há rele­van­te di­ (M  =  2,32). Isso indica que, para os do­
vergência de que Ocupação seja um valor. centes, é menos im­portante que o tra­
Analisou-se também a variação dos es­ balho deva repre­sentar ocupa­ção (dure­
cores nas oito categorias de acordo com os za). Aqui, deve-se considerar que o Ca­
aspectos sociodemográficos e ocupacionais. pí­tulo 7 mostra aqueles que têm vínculos
Encontrou-se, então, que: empre­gatí­cios apresentando jornada de
• De acordo com o sexo do participan- trabalho mais extensa. En­tão, provavel­
te, há diferenças estatisticamente sig- mente, não sentem neces­sidade de afir­
ni­fi­cativas em duas categorias: (CV) mar que o trabalho deve representar
Cres­­­­ci­mento e Independência (t  =  2,28, uma ocupação.
gl  =  137, p  =  0,02) e (CV) Reconhe­ci­ • Aqueles que adotam a abordagem psi­
mento Econômico (t  =  2,83, gl  =  137, canalítica7 tendem a aceitar menos que
p = 0,005). Em ambas as categorias, as o trabalho deva representar uma (CV)
mulheres apresentam médias maiores. Ocupação (sobrecarga) (M  =  2,11) do
Como se trata de categoriais valora­ti­vas, que os demais participantes (M  =  2,41)
entendeu-se que essas diferenças re­­fle­ em nível estatisticamente significante
tem as aspirações femininas de in­serção (t  =  2,26 para p  =  0,03). Compete, en­
mais equitativas na sociedade. Viver em tão, indagar que característica de tal
uma sociedade capitalista im­plica que o abor­­­­dagem na Psicologia leva a essa di­
poder social terá sempre um com­po­ fe­­renciação de significado?
O trabalho do psicólogo no Brasil 267

Atributos descritivos niza­ção versus Desumanização e Autonomia


versus Conservação. São essas duas dimen­
Para análise da estrutura dos atributos sões que organizam as categorias do Quadro
descritivos do significado do trabalho, tam­ 12.5 no espaço multidimensional, como es­
bém se aplicou a SSA. Foram identificados tá represen­tado na Figura 12.3. Embora a
sete categorias de atributos descritivos, con­ no­menclatura que designa a segunda di­
forme apresentado no Quadro 12.6. A com­ mensão coincida com a de outra dimensão
posição de cada categoria por itens tam­bém da teoria cultural de valores humanos bási­
consta no Apêndice 1. cos (Schwartz e Ros, 1995), aqui está sendo
A melhor solução encontrada pela SSA utilizada para designar os polos de uma
partiu da identificação de duas dimensões dimensão das características atribuídas ao
bi­polares que foram designadas de Huma­ trabalho concreto.

Quadro 12.6 Categorias dos atributos descritivos identificados a partir da SSA


Categorias Agrega itens que descrevem o trabalho concreto das pessoas como aquele que:
Independência Provê o sustento, a independência, as recompensas econômicas, a estabilidade e a
econômica assistência.
Provê oportunidades de profissionalização, de reconhecimento, de consideração das
Igualitarismo/
opiniões, de um ambiente confortável, de continuidade das atividades, de igualdade de
reconhecimento/
direitos, de segurança (contra riscos de acidentes) e de sentir-se querido ou aceito pelos
acolhimento
colegas.
Provê prazer de realização das tarefas, oportunidades de ajudar o outro, bem como pro­
Realização
du­tividade, criatividade e tomada decisões.
Humanização/
Alimenta o sentimento de ser gente respeitada, racional e acolhida pelos demais.
sociabilidade
Normas de Concilia aspectos desafiadores e metas de autoexigência com a necessidade de cumprir
segurança normas e obrigações e de proteger-se de ameaças à saúde e à integridade.
Ocupação/ Caracteriza o indivíduo como uma pessoa ocupada e que precisa enfrentar a dureza do
reponsabilidade dia a dia, esforçar-se e conciliar esferas de vida.
Implica uma carga de repetição de tarefas, esforços físicos e rapidez, levando o indivíduo
Esgotamento
a sentir-se esgotado.
Implica que o trabalhador termina por sentir-se desumanizado, comparando-se com uma
Desumanização
máquina ou com um animal e sentindo-se discriminado diante de outras pessoas.

A estrutura dos atributos descritivos di­ em seu conteúdo. Além disso, observa-se
fere daquela dos atributos valorativos. Os que, embora a dimensão humanização ver­
psicólogos, igualmente a outros profis­sio­ sus desumanização exista em ambas as es­
nais, quando pensam sobre o que o trabalho tru­turas, nos atributos descritivos, o polo
deve ser (uma dimensão prescritiva e va­ desumanização tem mais poder articulador
lorativa), organizam as características de das diversas categorias, implicando uma fi­
uma forma e, quando descrevem o trabalho gu­ra em que as categorias estão mais dis­
que concretamente vivenciam, organizam tribuídas no espaço, enquanto, na estru­tura
as características de outra forma. Tal dife­ dos atributos valorativos, várias cate­gorias
ren­ciação corrobora o que pesquisas ante­ se aproximaram muito do polo de huma­ni­
rio­res encontraram. zação. Essa distribuição está relacio­nada
Apesar de, em ambos os casos, as so­ aos sentidos das categorias espe­cíficas em
luções da SSA terem sido bidimensionais, cada estrutura.
ao menos uma das dimensões identificadas Assim, importa, por exemplo, destacar,
é diferente (autonomia versus conservação) além daquilo que já foi descrito no Qua-
268 Bastos, Guedes e colaboradores

Conservação

Esgotamento Ocupação/
(sobrecarga) responsabilidade

Normas de
segurança
Desumanização

Humanização
Desumanização Humanização/
sociabilidade

Realização

Independência
econômica Igualitarismo/
reconhecimento/
acolhimento

Autonomia

Figura 12.5 Estrutura dos atributos descritivos.

dro 12.6, que a categoria Independência com a insatisfação com a remuneração pro­
Econô­mica, nos atributos descritivos, se fissional – hipótese que se retomará adiante.
relaciona com o polo autonomia numa di­ As categorias Esgotamento e Ocupação/
mensão, mas também com o polo desuma­ Responsabilidade são adjacentes em decor­
nização na ou­tra. Enquanto isso (segundo a rência do polo de Conservação em uma das
represen­tação contida na Figura 12.5), nos dimensões; porém, na outra, enquanto Es­go­
atributos va­lorativos, foram encontradas tamento está mais associada ao polo de De­
duas cate­go­rias de atributos de natureza sumanização, a categoria Ocupação asso­cia-
econômica – Reconhecimento Econômico e se a Humanização/Sociabilidade. Isso signi­
Crescimento e Independência –, as quais fica que, se o trabalho faz o psicólogo ser re­
me­­­lhor repre­sen­tam o polo Humanização. conhecido como pessoa ocupada, qua­li­fica-o
Isso significa que a amostra defende que as enquanto ser humano, mas se o faz ser per­
melhores expressões de humanização no cebido como esgotado e o desumaniza.
trabalho se­riam na forma de adequadas re­ A categoria Humanização/Sociabilidade é
compensas econômicas e de oportunidades a que representa mais adequadamente a di­
de cresci­mento e aprendizagem profissional, mensão concreta do trabalho como Huma­ni­
bem co­mo de construção de um padrão es­ zação, todavia outras categorias também tra­
tável de vida. Porém, a amostra percebe o duzem tal dimensão como Normas de segu­
tra­balho concreto como provedor de recom­ rança, Realização e Igualitarismo/Reco­nhe­ci­
pensas econômicas que fortalecem a auto­ mento/Acolhimento. Entretanto, Nor­mas de
nomia, mas que, em certa medida, também se­­­gurança na outra dimensão, re­­pre­senta Con­
de­suma­niza. Isso, provavelmente, tem a ver servação; enquanto Realização e Igualitarismo/
O trabalho do psicólogo no Brasil 269

reconhecimento/Acolhi­mento estão mais rela­ independência e Reconhecimento econô­mi­


cio­nadas ao polo de Autonomia. co) tinham médias próximas ao escore má­
Para melhor compreender o posiciona­ ximo. Isso explica, ao menos parcialmente,
mento dos psicólogos em relação ao con­ porque o sentido do trabalho como fonte de
junto dos atributos descritivos, levantaram- independência econômica entre os atributos
-se as médias da amostra por categorias descritivos é visto como desumanizante: o
desses atributos (Figura 12.2). O primeiro trabalho pode prover sustento e indepen­
aspecto observado na Figura 12.2 refere- dência econômica, porém menos do que se
-se ao fato de a variabilidade das médias define que deveria prover.
ter mu­dado bastante, quando comparadas A média na categoria Esgotamento não
às mé­­dias apresentadas nas categorias dos é alta, uma vez que está abaixo do ponto
atri­­butos valorativos. A média mais alta médio da escala. É necessário, considerar,
(M=3,20) na categoria Humanização-socia­ porém, que o psicólogo defende que não
bilidade dista bastante do escore máximo deve ser assim, visto que os itens referentes
na escala utilizada (0 a 4). Independência a esgotamento se agruparam ao de desu­
econômica, na faceta dos atributos descri­ manização nos atributos valorativos e, ali, a
tivos, apresenta uma média próxima ao média é muito mais baixa. Desumanização,
pon­­to médio da escala; enquanto, na faceta como uma categoria descritiva, entretanto,
dos atributos valorativos, as categorias con­ apresenta uma média muito baixa, quase no
cei­tualmente mais próximas (Crescimento- mesmo nível do que se define que deve ser.

Proporção dos participantes por


intervalo das categorias descritivas

ANOVA
0a1 2a3
1a2 3a4 F=4803,22 para p<0,001 (n=139)

(CD) Desumanização (coisificação) (M = 1,05; dp = 0,67) 64,7 22,3 8,6 4,3

(CD) Esgotamento (sobrecarga) (M = 2,16; dp = 0,87) 10,8 36,7 36,7 15,8


2,2
(CD) Ocupação (responsabilidade) (M = 2,76; dp = 0,6) 12,2 49,6 36
1,4
(CD) Normas de segurança (M = 3,01; dp = 0,6) 5 43,2 50,4

(CD) Humanização-sociabilidade (M = 3,20; dp = 0,56) 2,9 29,5 67,6


2,2
(CD) Realização (M = 2,93; dp = 0,71) 12,2 36 46,8

(CD) Igualit.-reconh.-acolhimento (M = 2,68; dp = 0,68) 36 57,6 28,1

(CD) Independência econômica (M = 2,24; dp = 0,93) 12,2 28,8 38,8 20,1

Figura 12.6 Proporção dos participantes por intervalos dos escores nas categorias descritivas.

Explorando a variação dos escores nas df = 137, p = 0,008), sendo que os ho­­
categorias dos atributos descritivos pelos mens apresentam médias superiores
aspectos sociodemográficos e ocupacionais, (M = 2,64; dp = 0,88) às das mulheres
constatou-se que: (M = 2,13, dp = 0,92). É importante
• As médias dos participantes na ca- lem­­­brar que, quando se define o que o
te­­­goria descritiva Independência Eco­ tra­balho deve ser (atributos valo­ra­ti­vos),
nô­mica diferem por sexo (t = –2,71, as mulheres atribuem es­cores mais al­
270 Bastos, Guedes e colaboradores

tos; quando se trata de retratar a si­ Normas de Segurança (M = 3,15) do


tuação concreta (agora ilustrada), a que os demais participantes (M = 2,87)
ten­dência se inverte. Por­tanto, as mu­ também em nível estatisticamente sig­
lheres ten­dem a estar mais insa­tisfeitas nificante (t = 2,75 para p = 0,007).
com a re­muneração do que seus cole­ As­si­nala-se que a literatura sobre a for­
gas ho­mens. Tal ten­dência é coerente mação do psicólogo (Yamamoto e Cu­
com as notícias de que per­sistem paga­ nha, 1998; Dimenstein, 1998 e 2001;
mentos desiguais por sexo na nossa so­ Cabral e Sawaya, 2001; Figuei­redo e
ciedade, embora legal­mente proibi­dos. Ro­drigues, 2004; Vieira Filho, 2005;
• Há coeficientes de correlação de Pear­- Mo­ta, Martins e Véras, 2006) tem in­
son estatisticamente significativos en­- sistido em demarcar o viés clí­nico dos
tre a idade dos participantes e as se­- cursos de Psicologia; isso in­diretamente
guin­tes ca­tegorias descritivas: Inde­pen­­ indica que são esses psi­cólogos que têm
dên­cia E­co­­­nômica (r = 0,40; p < 0,001); uma atuação com mais suporte na for­
Igua­­li­­ta­­rismo-Re­­co­nheci­men­to-Aco­lhi­ mação univer­sitá­ria.
men­­to (r = 0,32; p < 0,001); Rea­­li­za­ção • Aqueles participantes que atuam na
(r = 0,36; p < 0,001); Hu­ma­niza­ção-so- área de Psicologia e das Organizações
­ciabilidade (r = 0,33; p < 0,001) e De­ do Trabalho (M = 2,65) e na docên-
sumanização (coisificação) (r = –0,25; cia (M = 2,60) tendem a perceber
p = 0,003). Observou-se que as corre­la­ que o trabalho gera mais indepen­
ções são diretamente proporcionais em dência eco­nômica do que os demais
quatro categorias: Independência Eco­­ parti­cipantes (M = 2,10 e M = 2,20)
nô­mica, Igualita­ris­mo-Reconhe­ci­men­­to- em nível estatisticamente significan-
Aco­lhimento, Realização e Hu­ma­ni­za­ te (no caso da área e das organizações
ção-Sociabi­li­da­de. É possível que, com a e do trabalho, tem-se: t = 3,2 para
idade, ocorra um ajuste na forma de p = 0,002; e no caso dos docentes:
con­­ceber o trabalho. Pro­vavelmente, na t = 1,20 para p = 0,05). Tal maneira de
medida em que a car­reira avança e o ver o tra­balho é coerente com os
psicólogo se percebe crescendo, ele vi­ dados da amostra mais ampla desta
vencia o trabalho como mais huma­ni­ pes­quisa, conforme descrito no Capí­
zante. Em contrapartida, quanto mais tu­lo 7, pois essas áreas coincidem
jovem, mais o psicólogo percebe o tra­ com aquelas que seus participantes re­
balho como Desumanizante. É possível latam maior renda – tendência já ob­
que, no início da carreira, o psicólogo ser­vada na pes­quisa do Conselho Fede­
en­frente situações mais des­fa­voráveis. ral de 1988 (Borges-Andrade, 1988).
Por isso, a correlação in­versamente pro­ • Os participantes que atuam na docên-cia
porcional (negativa) en­tre idade e ca­te­ também tendem a perceber mais (CD)
goria Desuma­ni­zação. Humanização/Sociabilidade (M = 3,38)
• Aqueles participantes que atuam na e Igualitarismo-Reconhecimento-Acolhi­
área clínica (M = 3,10) costumam per­­ mento (2,95) dos que os demais par­
ceber mais (CD) Realização no seu ticipantes (M = 3,17 e M = 2,63) em
pró­­prio trabalho do que os demais ní­vel estatisticamente significativo (res­
par­­­­ticipantes (M = 2,80) em nível es­ pec­tivamente t = 2,00 para p = 0,05 e
ta­­tisticamente significativo (t = 2,48 t = 2,59 para p = 0,01). Certamente,
pa­ra p = 0,01), bem como tendem a tais tendências de significação pelos do­
perceber mais conformidade às (CD) centes refletem a vivência profis­sio­
O trabalho do psicólogo no Brasil 271

nal, marcada pelo ambiente univer­si­ em dois aspectos. Ali, entre outros resulta­
tário que, na maior parte das vezes, dos, Borges-Andrade encontrou que, no re­
conta com uma administração parti­ fe­rente ao status profissional, os partici­pan­
cipativa e colegiada e pela natureza tes avaliaram com pontuações baixas a ade­
de suas atividades em que estão im­ quação da remuneração e da dispo­ni­bili­
plicadas relações interpessoais bastan­ dade de recursos para o exercício da pro­fis­
te diver­sas e enriquecidoras. são. Ao se considerar a Figura 12.2 e ao se
• Os participantes que atuam na área de levar em conta a interpretação da ca­tegoria
saúde e/ou hospitalar apresentam maior Independência Econômica na SSA, repre­
tendência a perceber o trabalho repre­ sentando desumanização no trabalho, con­
sentando concretamente (CD) Ocupa­ clui-se que os psicólogos seguem insatis­fei­
ção (responsabilidade) (M = 3,00) do tos ou continuam avaliando negativa­mente
que os de­mais participantes (M = 2,68) o aspecto da remuneração. Quanto aos re­
em nível estatisticamente significante cur­sos disponíveis para o exercício da pro­
(t = 2,02 pa­ra p = 0,05). Esse resultado fissão, considerando-se que esse tipo de con­
é condi­zente com a literatura respon­ teúdo está incluído na categoria Iguali­ta­
sável por apontar que esses profis­sio­ rismo-Reconhecimento-Acolhimento, con­clui-
nais, na prá­tica cotidiana, se veem de­ se que houve alguma melhoria na ava­liação:
safiados pe­la exigência de atendimento em 1988, a avaliação da disponibi­lidade de
a de­man­das diversificadas para as quais recursos estava abaixo do ponto médio da
a formação básica em Psicologia pouco escala; na pesquisa atual, apresen­ta-se um
prepara. Por isso, a atuação desses psi­ pouco acima, embora não se trate de esco-
cólogos tem se caracterizado pela trans­ re elevado.
ferência das prá­­ticas clínicas e também A insatisfação com a remuneração, re­
pela reali­za­ção de atividades tradicio­ presentada no significado atribuído ao tra­
nalmente atribuídas ao Psicólogo e das balho, provavelmente é um reflexo das vi­vên­
Organizações do Trabalho, como sele­ cias concretas do exercício profissional, posto
ção e treinamento de pes­soal (Cabral e que tanto estudos anteriores (por exem­plo:
Sawaya, 2001; Dimens­tein, 1998, 2001; Ya­mamoto, Siqueira e Oliveira, 1997; Pas­qua­
Figueiredo e Rodri­gues, 2004; Mo- li, 1988) quanto as respostas da amos­tra mais
ta, Martins e Véras, 2006; Vieira Filho, geral do presente estudo no que diz respeito à
2005; Yama­moto e Cunha, 1998). renda do psicólogo indicam uma remunera-
ção média que se pode considerar baixa. Con­
Não foram encontrados estudos anterio­ forme o que foi descrito no Capí­tulo 6, a
res sobre o psicólogo brasileiro que possibi­ renda média men­sal do psicólogo brasileiro
litassem comparar os resultados aqui en­ é de 6 salários mínimos, sendo que 71,9%
contrados no que diz respeito à atribuição desses profissio­nais ganham de 1 a 7 salários
de centralidade ao trabalho enquanto uma mínimos. Uma remuneração em tal faixa, pro­
esfera de vida e aos atributos valorativos. va­vel­mente, ainda está muito dis­tante dos va­
Entretanto, no que diz respeito aos atributos lo­res as­pirados não só pelos psicó­logos, mas
descritivos, entendeu-se que era possível tam­bém por muito profissionais de nível supe­
traçar algum paralelo ao estudo publicado rior. Além disso, considerando que, na pes­
em 1988 sobre “quem é o psicólogo brasi­ quisa do Conselho Federal de Psicologia de
leiro”, no que diz respeito às avaliações dos 1988, a renda média era de 11 salários-mí­
participantes em relação ao exercício profis­ nimos (Pasquali, 1988), observa-se que ela
sional (Borges-Andrade, 1988), ao menos es­tá em queda.
272 Bastos, Guedes e colaboradores

A atribuição de escores baixos a Esgo­ta­ minação de tal hierarquia, posto que 67,2%
mento, por sua vez, é entendida como con­cer­ dos participantes da amostra apresentaram
nente à baixa carga-horária de tra­balho iden­ es­cores iguais em pelo menos duas das cate­
tificada no Capítulo 7 – 71% dos profis­sionais gorias mais valorizadas. Isso corrobora o
trabalham até 20 horas sema­nais. Essa situa­ que já foi apresentado ante­riormente na
ção de predomínio de poucas horas de traba­ Fi­­gura 12.1, pois, em várias categorias, os
lho não é nova e está asso­ciada ao exer­cício partici­pantes apresentavam elevados esco­
au­tônomo da profissão (Pasquali, 1988). res. Por frequência, a cate­goria subse­quen­
te à ausên­cia de uma clara priorização é
a ca­tegoria Crescimento e Independência,
Hierarquia dos atributos com 11,7% das prefe­rên­cias. Já foi visto
descritivos e valorativos que as mulheres tendem a priorizar mais
esse sen­tido do que os ho­mens e que a
Apesar de as médias dos participantes, amostra tem predomínio feminino. Os de­
nas categorias dos atributos valorativos e des­ mais partici­pantes, 21,10% do total, se dis­
critivos, já revelarem parcialmente a hie­rar­ persam em priorizar as ou­tras categorias
quia dos atributos, aqui se apresenta nova­ dos atributos valorativos.
mente a questão sobre a hierarquização de Entende-se que o fenômeno de frágil
tais categorias por outro caminho, a sa­ber: priorização das categorias que definem co­
qual a quantidade de participantes por cate­ mo o trabalho deve ser provavelmente sig­
goria em que a pontuação foi mais elevada? nifica que o trabalho, para atender tais de­
Assim, detendo-se primeiramente na finições dos psicólogos da amostra, pre­cisa
hie­rarquia dos atributos valorativos, apu­ preencher uma variedade de requisitos e
rou-se (Gráfico 12.3) que há baixa discri­ não só um ou dois.

Proporção dos participantes por


intervalo das categorias valorativas

Prioridade à categoria segurança normativa 2,3%

Prioridade à categoria igualitarismo e acolhimento 2,3%

Prioridade à categoria realização 6,3%

Prioridade à categoria recolhimento econômico 6,3%

Prioridade à categoria crescimento-independência 11,7%

Prioridade à categoria dignidade-humanização 3,9%

Sem priorização clara 67,2%

0 10 20 30 40 50 60 70

Figura 12.7 Porcentagens de participantes por hierarquia das categorias valorativas.

Quanto à hierarquia das categorias dos logos, é essa categoria que melhor des­creve
atributos descritivos (Figura 12.8), a au­sência o tra­ba­lho concreto que realizam. Em outras
de priorização é muito menos fre­quen­te. Cor­ palavras, o trabalho realizado pelos psicólo-
responde a apenas 10,2% da amostra (13 par­ gos da amos­tra significa principalmente uma
ticipantes). A categoria mais frequen­te­men­te fonte de for­talecimento do sentimento de ser
priorizada é a Humanização-Socia­bili­dade. gente respei­tada, racional e acolhida pelos
En­tendeu-se que, segundo a ótica dos psicó­ demais.






 
O trabalho
 
no Brasil
do psicólogo 273


Proporção 

dos participantes por
intervalo das categorias descritivas


Prioridade   
à categoria esgotamento
(sobrecarga) 1,6%
     
    
Prioridade à categoria
 ocupação
    12,5%

      



Prioridade   
à categoria normas e
segurança  18%

    


   
Prioridade à categoria humanização-sociabilidade 
  
à categoria


Prioridade   
realização  13,3%


Prioridade àcategoria
 
igualt.-reconh.-acolhimento 1,6%
    
   
independência  3,1%
Prioridade
à categoria
   econômica
 

Sem
priorização  
clara
    10,2%

        
        
Figura 12.8 Porcentagens dos participantes por hierarquias das categorias descritivas.

 
 
 
 
 
 
 
 
 

Padrões do
 significado do trabalho entretanto, na significação do trabalho concre­
   
   

 to. Foi, portanto,com ba­se nas duas dimensões
 
Conforme 
apresentado


anteriormente

 
 
 
bipolares

dos
 b
atri­

utos descritivos que foram

 
 
 
 
 
 
 
 
  
 padrão
 5 – Significados
nes­ t
 e capítulo, os
  padrões do significado do designados. As­
s im, o
 na
trabalho
consistem

 
identificação 
de  con­

 
Huma­ 
ni­z

 
 
an­t
es Autônomos – prioriza entre os

  
 
 
  
 
    

figurações
 gerais, articulando as várias face­ atri­ butos descritivos ascategorias que repre­

tas do  
significado 
do

 
trabalho,  

compar­ tilha­

sentam
 o

 
polo 
de  
humanização com o pre­do­

  
de  
   
    
das porgrupos pessoas.
Para  
identificar mínio 
daquelas que
  mais o po­lo de
fortalecem

  
 
 
   
padrões compartilhados por grupos da nos­sa 
au­ t onomia 
que 
o
de conservação. O padrão 6

 
 
 
    
 
amostra, foi aplicada a técnica 
estatística foi designado por

simplesmente Significados

 
por 
análise
    
   
   
designada de 
conglomerados. 
A Humanizantes  seus
porque  par­ticipantes ten­

  
  
de  
 tal
      
descrição da aplicação técnica
está dem   
a perceber como fortes  no trabalho con­


descrita no Apêndice
 
2.Aqui,  
 sintetizou-se 
     
 todas 
   
 
creto, aquelas catego­rias que ten­dem

tais padrões
 
na

Tabela 
 
12.1,  
 
descrevendo-os   
 
  
polo
 
 nização (em con­
mais para o de Huma­


e identificando quan­tos participantes com­ traposição ao de Desuma­nização), mas inde­
partilham cada padrão. pen­dente da posição des­tas categorias na di­
Os padrões foram identificados utilizan­ mensão autonomia ver­sus conservação. O últi­
do apenas os escores dos participantes nas mo padrão – Signi­ficados Huma­ni­zan­tes Con­
ca­tegorias dos atributos valorativos e des­ servadores – foi designado assim por­que, ape­
critivos, uma vez que os escores em cen­tra­ sar de seus par­­ticipantes perce­berem o traba­
lidade do trabalho não se mostraram capa- lho com características pre­do­mi­nante­mente
zes de con­tri­buir para diferenciar os conglo­- humani­zan­tes, atribuem maior ênfase às cate­
me­rados (Apên­­dice 2). Isso significa que, aos gorias humanizantes que fortalecem mais o
padrões identifi­cados no Quadro 12.7, há polo de conservação do que o de au­tonomia. É
uma ten­dência geral à atribuição de alta cen­ importante compreender que não se está fa­
trali­dade ao trabalho. lando de pessoas mais conser­va­do­ras ou mais
Os três conglomerados compartilhados por autônomas, mas, sim, que há gru­pos de psi­
grupos mais amplos da amostra são exa­­ta­ cólogos que percebem mais opor­tu­nidades
mente os três últimos no Quadro 12.7. Tais pa­ de exercer sua autonomia do tra­balho e ou-
drões são muito convergentes nas de­finições tros que percebem o trabalho co­­mo mais re­
de o que o trabalho deve ser. Diferenciam-se, gulado ou protegido.
274 Bastos, Guedes e colaboradores

Quadro 12.7 Quantidade de participantes por padrões do significado do trabalho


Padrões/descrições Frequência
Padrão 1 – Significados Valorativos Intensamente Insatisfeito 8
Os participantes apresentam uma tendência a escores elevados em todas as categorias de
atributos valorativos. Mesmo em Desumanização (coisificação), que apresentam a média mais
baixa quando comparada às apresentadas nas demais categorias valorativas; é a segunda maior
média (M=2,06), quando comparados os participantes deste padrão com os dos demais. Em
contrapartida, os participantes que apresentam este padrão tendem a escores comparativamente
baixos nas categorias dos atributos descritivos, pois a maior média que apresentam é em Normas
de Segurança (M=2,72), e a menor é em Igualitarismo-Reconhecimento-Acolhimento (M=2,21).
Além disso, sua média em Desumanização (enquanto categoria descritiva) é de 1,19, sendo que tal
categoria deve ser interpretada considerando-se seu caráter socialmente indesejado. As definições
valorativas (o que o trabalho deve ser) desses participantes se distanciam muito da leitura que eles
fazem da realidade do trabalho; portanto, provavelmente, eles têm uma relação muito difícil com o
trabalho e vivenciam intensamente a insatisfação.
Padrão 2 – Significados Realizadores e Humanizante-Sociável 5
Os participantes deste padrão definem que o trabalho pouco deve implicar desumanização e
ocupação (sobrecarga), mas são também os que definem que pouco deve implicar Dignidade-
Humanização e Segurança Normativa. Mas eles percebem uma tendência muito pequena ao
esgotamento e à desumanização no trabalho concreto. Os significados mais fortes do trabalho
concreto para eles são a Realização e a Humanização-sociabilidade.
Padrão 3 – Significados Valorativos Generalizados 3
Os participantes deste padrão apresentam comparativamente aos demais participantes as maiores
médias tanto nas categorias dos atributos valorativos quanto nos descritivos. São, portanto,
muito rigorosos quando definem o que o trabalho deve ser, mas muito condescendentes quando
pensam sobre o trabalho concreto.
Padrão 4 – Significados Responsáveis Desgastantes 12
Os participantes apresentam médias nas categorias dos atributos valorativos que praticamente
acompanham as médias gerais da amostra. Portanto, são bastante exigentes ao definir o que o
trabalho deve ser. Quando pensam no trabalho concreto, defendem que o significa principalmente
Ocupação (dureza) (M=3,39) e Esgotamento (sobrecarga) (M= 3,10). São os participantes que
avaliam que o trabalho pouco contribui para perceberem-se com Independência econômica
(M=1,17) ou expressando Igualitarismo-Reconhecimento-Acolhimento (M=1,87).
Padrão 5 – Significados Humanizantes e Autonômos 29
Semelhantemente aos participantes que apresentam o padrão anterior, quando se refere às médias
nas categorias dos atributos valorativos, os participantes deste padrão também apresentam uma
tendência de acompanhar as médias da amostra como um todo, sendo, portanto, exigentes na
definições daquilo que o trabalho deve ser. Enfatizam que o trabalho concreto proporciona Realização,
Humanização-sociabilidade, Normas de Segurança e Igualitarismo. Percebem quase nenhuma ma­
nifestação de Desumanização (M=0,17) e de Esgotamento (M=1,37) no trabalho concreto.
Padrão 6 – Significados Humanizantes 39
Os participantes deste padrão tendem a definir o que o trabalho deve ser muito semelhantemente
aos dois grupos antecedentes, sendo apenas que consideram mais fortemente um pouco que
o trabalho deve representar Ocupação (sobrecarga), pois apresentam uma média de 2,63
nesta categoria enquanto que os grupos anteriores apresentavam respectivamente 2,36 e 1,74.
Concordam com os participantes do padrão anterior quanto aos aspectos que o trabalho concreto
significa mais fortemente, porém adicionam que também representa fortemente Ocupação.
Percebem também uma tendência ao esgotamento no trabalho que passa do ponto médio da
escala (M=2,25).
Padrão 7 – Significados Humanizantes Conservadores 32
Os participantes com este padrão de significado do trabalho também acompanham a tendência
geral da amostra no que diz respeito às suas prescrições de o que o trabalho deve ser. Enfatizam
três categorias dos atributos descritivos: Humanização-Sociabilidade, Ocupação e Normas de
Segurança.
Total 128
O trabalho do psicólogo no Brasil 275

Sobre esses padrões, é importante as-si­ O terceiro padrão – Significados Valo­


nalar que os quatro primeiros são com­par­­­ rativos Generalizados – reúne participantes
tilhados por grupos minoritários da amos­­ que, de fato, vivenciam o trabalho em uma
tra, portanto, identificam padrões bas­­­­tante direção oposta aos do primeiro padrão, no
di­ferenciados entre os psicólogos. Os par­ti­ sentido de que, enquanto para estes o tra­
cipantes do primeiro desses pa­drões – Sig­ balho é fonte de intensa insatisfação, para
nificados Valorativos Inten­sa­mente Insa­tis­ os participantes desse padrão é fonte de
feitos – mostram-se idealiza­dores quan­do entusiasmo, uma vez que eles têm uma per­
de­finem o que o trabalho deve ser, mas rea­ cepção aguçada para aspectos socialmente
lizam uma leitura da rea­lidade extre­ma­ desejáveis no trabalho. Padrão semelhante
men­te rigorosa. Entre todos os grupos (por a este também foi identificado em amostras
conglomerado), os partici­pantes com esse de outros estudos; também compartilhado
padrão são aqueles que percebem o trabalho por um grupo minoritário em uma pesquisa
concreto com o sig­nificado que mais tende com profissionais de saúde (Borges, Tamayo
para o polo da de­sumanização e, simulta­ e Alves-Filho, 2005) e por um grupo de mais
nea­mente, para o polo da con­ser­vação. Es­ extensão em pesquisa com trabalha­do­res de
ses participantes provavel­mente viven­ciam baixa instrução (operários da cons­tru­ção ha­
forte insatisfação com o trabalho. bitacional e trabalhadores de rede de super­
O quarto padrão – Significados Respon­sá­ mercados) (Borges e Tamayo, 2001).
veis Desgastantes – guarda muitas seme­lhan­ O tamanho da amostra limitou as aná­
ças com o primeiro, sendo que, nele, a insa­ lises exploratórias possíveis para uma carac­
tisfação provavelmente é vivenciada com me­ terização do perfil das pessoas por configu­
nos intensidade, pois quando seus parti­cipan­ rações do significado do trabalho. Mesmo as­
tes definem como o trabalho deve ser, são sim, consideraram-se apenas os três padrões
menos idealizadores e se aproximam mais da compartilhados por grupos mais amplos da
média da amostra. Embora esses padrões em amostra (padrões 5, 6 e 7) e explorou-se a
separados sejam minoritários somando-se os variação dos mesmos por sexo; natureza ju­
participantes dos dois pa­drões (primeiro e rídica do curso de formação (público ou pri­
quarto), observou-se que são 20 participantes, va­do); tipo de inserção no contexto de traba­
o que representa 15,6% da amostra. Esses pa­ lho (empresas e organizações públicas, em­
drões – espe­cialmente o quarto – são muito pre­sas e organizações privadas, organizações
semelhantes ao padrão que Borges, Tamayo e sem fins lucrativos e trabalho autônomo);
Alves-Filho (2005) identificaram nos profis­ idade; renda e área de atuação. As análises
sionais de saúde e designaram de Valorati- estatísticas não revelaram nenhuma variação
vo-insatisfeito. Na­que­la pesquisa, os autores sistemática. Isso, no entanto, não significa
re­lataram tam­bém que tal grupo vivenciava que não existam tais relações; apenas que
bai­xa moti­vação (Alves-Filho e Borges, 2005) para este tamanho de amostra, tais variações
e apre­sentava escores mais elevados nos fa- conjuntas não se configuram.
tores da síndrome de burnout8 (Tamayo, Ar­
golo e Borges, 2005).
No segundo padrão – Significados Rea­li­ CONSIDERAÇÕES FINAIS
za­­dores Humanizante-Sociável – os parti­cipan­
tes enfatizam bastante o polo de humanização Os resultados apresentados até aqui per­
tanto nos atributos valorativos quanto nos des­ mitem configurar a profissão de psicó­logo co­
critivos, incluindo, nestes úl­timos, que per­ce­ mo (1) marcada por uma atribuição de al­ta
bem oportunidades de Realização. centralidade do trabalho, (2) defi­nindo que o
276 Bastos, Guedes e colaboradores

trabalho deve ser (faceta valo­rativa) muito balho, as elevadas exigências sobre o que o
exigente e (3) percebendo o trabalho concreto trabalho deve ser e a percepção do trabalho
numa direção humani­zante – seja as­sociado a concreto como humanizante no sentido que
aspectos mais con­servadores (nor­­ma­tização, o faz sentir-se gente, respeitado, racional e
segurança, etc.), seja asso­ciado a aspectos de acolhido pelos demais. A sociabilidade no
estimulação da autonomia. Esses traços, que trabalho, portanto, é um aspecto forte no
se revelam predominantes nos padrões do trabalho dos psicólogos. Indaga-se, então, se
significado do trabalho, são indicadores de esses aspectos têm relação com o con­teúdo
que o tra­balho segue sendo, para os psicó­lo­ da própria Psicologia. Relacionar-se-ia à ima­
gos, uma categoria social estruturante. gem do psicólogo capaz de resolver conflitos,
O conjunto dos resultados também re­ de ensinar habilidades interpes­soais? E em
vela que os pensamentos dos psicólogos so­ que medida teria relação com o fato de seu
bre o trabalho concreto (atributos descri­ trabalho consistir em tarefas que se prestam
tivos) são mais dependentes de suas inser­ pouco à fragmentação taylorista-fordista?
ções profissionais e de seus perfis do que os A representação dos resultados econô­
atributos valorativos e a centralidade do micos entre os atributos valorativos como
tra­balho. Entende-se que isso acontece por­ hu­manizante e, entre os atributos descri­
que, embora o modelo de construção do tivos, como desumanizante foi outro resul­
sig­­nificado do trabalho sintetizado na Figu­ tado bastante singular desta pesquisa. Pro­
ra 12.2, suponha relações do significado do vavelmente reflete a insatisfação do Psicó­
trabalho como um todo, com aspectos da logo com sua remuneração. Mas compete
realidade vivencial das pessoas que cons­ deixar aqui a dúvida quanto ao fato de essa
troem o(s) significado(s) do trabalho, tais ser uma singularidade do psicólogo ou se o
relações provavelmente ocorrem de forma mesmo resultado talvez pudesse ser encon­
mais fragmentada ou pontual e envolvem trado em outras profissões de relativamente
diferencialmente seus componentes. Entre­ baixo status na sociedade.
tanto, entende-se que, uma vez que mudam Indagou-se, no início, se o crescimento
os componentes do significado, seu equili­ e as transformações do setor de serviços
bro geral também sofre transformação. afetavam os significados que os psicólogos
A maior variabilidade dos atributos des­ atribuem ao trabalho. Encontrou-se que tais
critivos, todavia, indica uma relação mais transformações implicaram mais empre-
estreita com os aspectos das relações de tra­ go para o psicólogo em atendimentos bási-
balho, perfis sociodemográficos e as es­tru­ cos de saúde e em hospitais. Os significados
turas organizacionais. A maior esta­bilidade atri­buídos por esses psicólogos se diferen­
da centralidade do trabalho e dos atributos ciam quanto a perceberem o trabalho con­
valorativos, por sua vez, sugere uma relação cre­to implicando mais ocupação e dureza. E
mais estreita com aspectos ideológicos e deixa-se a pergunta relativa a se tal per­cep­
cul­turais. Variações mais acentuadas nesses ção se deve em alguma medida às in­com­
componentes deveriam ser esperadas se dis­ patibilidades de sua formação perante as
puséssemos de respostas de psicólogos de de­mandas de trabalho que enfrentam.
diferentes nações e/ou ao longo de um pe­ Conquanto as direções gerais apontadas
ríodo histórico extenso. Ficam, portanto, as pelos resultados sejam claras, é indispen­
sugestões para novas pesquisas. sável considerar algumas das especificidades
Quanto à singularidade dos significados da profissão para efeito de qualificação da
do trabalho do psicólogo, muitos aspectos análise. Um primeiro aspecto reside no fato
foram demarcados ao longo do texto. Aqui, de que a profissão tem apresentado, tenden­
se sublinham a elevada centralidade do tra­ cialmente, sinais de que as inserções pro­
O trabalho do psicólogo no Brasil 277

fissionais vigentes nas primeiras décadas após influência dos princípios da sociedade de
a regulamentação estão sendo conside­ravel­ bem-estar. No entanto, é importante obser­
mente (ainda que não expressivamente, do var que essa categoria dos atributos des­
ponto de vista quantitativo) alteradas pela critivos (Normas de Segurança) é adjacente
chamada “ocupação de novos espaços de atua­ a Humanização-Sociabilidade, sendo, por­
ção”. Tal ampliação de “espaços” aju­da a con­ tan­­to, provável que aqui esteja sendo des­
figurar a profissão de psicólogo co­mo ocupan­ tacado que o desenvolvimento das ativi­da­des
do um espectro ocupacional am­plo e bastante dos psicólogos implica cuidado perma­nente
heterogêneo. A isso, adi­cio­na-se o fato de que com normas de conduta, no sentido de
a profissão de psi­cólogo, conforme atestam os proteger os usuários de seus serviços, bem
resultados da presente pesquisa nacional, ain­ como pro­teger a si mesmo, podendo não
da é marca­da por um grande contingente haver cone­xão com uma eventual defe­sa de
(37,7%) de trabalhadores autônomos, a cate­ pre­ceitos de ordem propriamente política.
goria de maior frequência – ao qual se acres­ Quanto ao mencionado desmantela­men­
centa, como complicador, um contingente de to das relações de trabalho e à crise do mo­
12,7% de psicólogos vin­culados ao chamado vimento sindical, é preciso assinalar que os
“terceiro setor”. Final­mente, a despeito de a psicólogos nunca contaram com uma es­
inserção predo­mi­nante ser a de profissional trutura de representação política trabalhista
autônomo, ela não é, via de regra, a única, o sólida. Uma das razões para isso pode re­sidir
que caracteriza o psicólogo como, con­comi­tan­ nas formas antes aludidas de inserção profis­
temente, autô­nomo e assalariado. Como con­ sional, com a expressiva parcela de autôno­
siderar os im­pactos da “crise do traba­lho” em mos e com uma abrangência e uma hete­roge­
uma rea­lidade tão heterogênea? nei­dade que dificultam situações de efetiva
Mesmo considerando o predomínio do mo­bilização coletiva que os reúna. As reivin­
exercício autônomo – exclusivo ou não – da di­cações trabalhistas dos psicólogos vincula­
profissão, não seria razoável supor que os dos a setores organizados de traba­lhadores se
efeitos das transformações no chamado diluem dentro das lutas dessas categorias
“mun­do do trabalho” não trouxessem reper­ ocupacionais em que se inserem. Lembra-se
cus­sões para a profissão. O desemprego e a aqui que é possível falar em psicólogos edu­
precarização do trabalho são realidades cadores, psicólogos bancá­rios, psicólogos pro­
com as quais o psicólogo, independen­te­ fis­sionais de saúde, psi­cólogos petroleiros,
mente de sua inserção, convive cotidia­na­ psicólogos costureiros, etc., em conformidade
mente. A despeito dessas condições conjun­ com o contexto em que atuam9.
turais e, mesmo, estruturais, os resultados Os significados do trabalho aqui rela­
apontam para os aspectos sintetizados no tados revelam pouca consciência de tal de­
início desta seção. As explicações devem ser bilidade de representação, a não ser pela
buscadas, possivelmente, em outras carac­ percepção de recompensas econômicas infe­
terísticas da profissão que contra-arrestam rio­res aos patamares defendidos. Realizar-
os efeitos da “crise do trabalho”. -se pelo conteúdo ou pela qualidade do que
Os psicólogos também consideraram co­ se faz e sentir o trabalho como humanizante
mo característica saliente do trabalho a con­ pela qualidade do tratamento interpessoal,
ciliação de atividades desafiadoras e metas pelo acolhimento pelos outros, etc., pode
de autoexigência com o cumprimento de estar funcionando como um alento ou um
nor­mas, obrigações e proteção à saúde e à adormecimento para transformar o reconhe­
integridade. Essa leitura da realidade do cimento da necessidade de organização po­
tra­balho, à primeira vista, apresenta uma lítica em ações concretas. Não se pode, en­
278 Bastos, Guedes e colaboradores

tretanto, perder de vista que, na atualidade, centração feminina na profissão de psi­có­


o desmantelamento das relações de trabalho logo relaciona-se às configurações de sen­
leva ao enfraquecimento da organização po­ tido encontradas, os resultados indica­ram
lítica mesmo daquelas ocupações tradicio­ que tais configurações também evo­luem
nal­mente mais fortes. com a idade do participante da amostra.
Quanto às polêmicas sobre o enfra­que­ O tamanho da amostra, sem dúvida, foi
cimento do papel estruturante do trabalho, os um limite para poder elucidar as relações
significados que os participantes da amos­tra entre os sentidos atribuídos e as carac­te­
atribuem ao trabalho apontam exa­tamente rísticas socioeconômicas e demográficas. No
para a direção contrária. Os psi­có­logos não só entanto, a necessidade de complementar es­
designam um espaço impor­tante em suas ta pesquisa com outras, utilizando estra­té­
vidas ao trabalho, como tam­bém creem que, gias de entrevistas ou de grupos focais, é
para isso, não se precisa aceitar um trabalho um registro importante, porque não foi pos­
desumanizante, ao rela­cio­nar, entre os atri­ sível abordar o caráter processual da cons­
butos valorativos, baixas pontuações a tal ca­ trução de tais significados, embora ele seja
te­goria, além de demons­trar, entre os atribu­ reco­nhecido. Tal reconhecimento, por sinal,
tos descritivos, a não percepção da concreti­ ga­rante a percepção de tal limite.
zação de tais cate­gorias em seu trabalho. Diante de todas essas considerações, a
A partir de tal posição quanto à com­pre­ partir das tendências predominantes na amos­
en­­são do papel estruturante do trabalho e to­ tra, não se pode perder de vista que, nos
mando as formas pelas quais as ideo­logias do grupos de psicólogos, também se en­contram
trabalho se representam nos pa­drões do sig­ dois padrões de significado do tra­balho – Sig­
nificado do trabalho dos psi­cólogos da nos­sa nificados Valorativos Intensa­mente Insatis­fei­
amostra, fica claro que os participantes, cons­­­ tos e Significados Res­pon­sáveis Desgastes –
cientemente ou não, re­velam uma in­fluên­­­­cia que indicam vivências de sofrimento no tra­
ideológica que expres­se a incor­po­ração de balho, bem como que seus participantes ne­
uma concepção do tra­balho que abran­­ge a cessitam de cuidados. Esses psicólogos cons­
crença na possibilidade de cons­tru­ção de uma tituem nas nossas análises grupos no sentido
sociedade na qual to­dos tenham acesso a um de compar­tilharem os sig­nificados semelhan­
trabalho conforme suas poten­cialidades (Bor­ tes, mas não são gru­pos reais de pessoas. E
ges e Yamamoto, 2004; Toni, 2003). sem organi­zação po­lítica, os psicólogos pro­
O modelo da construção do significado vavelmente ficam mais isolados, o que implica
do trabalho apresentado previa que aspectos que ques­tões oriundas no trabalho repercutam
da estrutura social das organizações in­ no bem-estar dessas pessoas e sejam tratadas
fluíam diretamente em tal processo como co­mo questões individuais.
também intermediavam o impacto das ideo­
logias do trabalho (nível societal de análise) NOTAS
sobre as pessoas. As análises desenvolvidas
sobre a variação dos padrões por tipo de 1 Sobre o assunto, o leitor dispõe de ampla lite­
ratura, por exemplo: Borges e Yamamoto (2004);
inserção não endossam tal previsão. No en­
Blanch (2003); Castillo (1998); Coriat (1993);
tanto, considerando o que já se mencionou
Leite (1994); Rojas (1999); Toni (2003).
sobre a dispersão das inserções profissionais 2 Sobre o assunto, o leitor também pode dispor
dos psicólogos, esse pode ser o fator que vários textos, por exemplo: Bastos (1994); Li­
impede que tal relação aflore por meio das ma (2003); Barros (2002).
estratégias de análises utilizadas. 3 Exemplos como estes podem ser vistos em
Das características socioeconômicas e muitos textos, como: Anthony (1977); Antunes
de­mográficas, além de mostrar que a con­ (1995); Aznar (1995); Braverman (1974); Gorz
O trabalho do psicólogo no Brasil 279

(1982 e 1991); Hopenhayn (2001); Hobsbawn ram tais referências. A Federação citada não
(1995); Marx (1975). tem conseguido, pela própria dispersão dos
4 Exemplos destas análises podem se encontrar, psicólogos, entre outras razões, uma forte mo­
por exemplo, em Borges (1999b e 2001); Borges bilização.
e Yamamoto (2004); Bülchoz (1977); Heloani
(1996); Nord e Brief (1990).
5 Ver, por exemplo: Bastos (1994); Borges, Ta­ Referências
mayo e Alves-Filho (2005); Mow (1987); Soares
(1992). ALVARO, J. L.; GARRIDO, A.; SCHWEIGER, I.;
6 A SSA (Smallest Space Analysis) é uma técni- TOR­REGROSA, J. R. Introducción a la psicolo-gía
ca estatística aplicada para agrupar variáveis social sociológica. Barcelona: Editorial UOC,
em outras mais amplas e menos numerosas 2007.
(va­riáveis latentes) que parte da ordem das ALVES-FILHO, A.; BORGES, L. O. Motivação no
correlações existentes entre as variáveis primá­ trabalho para os profissionais de saúde. In: BOR­
rias. O resultado de tal tipo de análise, gerado GES, L. O. (Org.). Os profissionais de saúde e seu
pelos pacotes de informática, é no formato de trabalho. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005,
gráfico, o que facilita o trabalho de interpreta- p. 199-222.
ção pelos pesquisadores. É possível estudar so­ ANTHONY, P. D. The ideology of work. London:
bre a técnica em muitos textos (Bloombaum, Tavistock Publications, 1977.
1970; Farley e Cohen, 1974; Guttman, 1968; ANTUNES, R. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as
Maslovaty, Marshall e Alkin, 2001). Metamorfoses e a Centralidade do Mundo do Tra­
7 Havia muita dispersão na subamostra dos par­ balho. 2.ed. São Paulo: Cortez; Campinas: ed.
ticipantes por abordagens da Psicologia apli­ da Universidade de Campinas, 1995.
cada, além do problema de os psicólogos se ARENDT, H. Labor, trabajo, acción. Una con­
apoiarem em mais de uma das abordagens ferencia. In ___. De la historia a la acción (pp.
consideradas. Tal fenômeno já foi descrito 89-107). Barcelona: Paidós, 1995.
de­talhadamente no Capítulo 9. Isso, soman- ARENDT, H. La condición humana. Barcelona:
do-se ao problema de tamanho da presente Paidós, 1996. (Originalmente publicado em 1958)
subamostra, só foi possível comparar quem AZNAR, G. Trabalhar menos para trabalharem
aplica a abordagem psicanalítica (N=69) a todos. São Paulo: Ed. Página Aberta, 1995.
quem não a aplica, independentemente de que BARROS, V. C. A. A relação entre o significado do
aqueles que aplicam a abordagem psicanalítica trabalho e o comprometimento no trabalho: estudo
apliquem também outras. empírico com os trabalhadores de uma distri­bui­
8 Síndorme de burnout é um tipo de reação ao dora de petróleo do NE. Natal, 2002. Disser­tação
estresse crônico, que se manifesta por três fatores, (Mestrado em Administração) – Univer­si­da­de
a saber: exaustão emocional ou esgotamento, Federal do Rio Grande do Norte.
reduzida realização pessoal e despersonalização BASTOS, A. V. B. Comprometimento no trabalho:
do outro e/ou cinismo (Maslach, Schaufeli e Leiter, a estrutura dos vínculos do trabalhador com a or­
2001), como está exposto mais detalhadamente ga­nização, a carreira e o sindicato. Brasília, 1994.
no Capítulo 16 deste livro. Tese (Doutorado em Psicologia) – Univer­sidade
9 Sabemos que existem uma Federação Na­cio­ de Brasília.
nal de Psicólogos, que congrega nossas en­ BASTOS, A. V. B.; PINHO, A. P. M.; COSTA, C. A.
ti­­­­da­des sindicais, e o Conselho Federal de Significado do Trabalho: um Estudo entre Tra­
Psi­­­­­­cologia (CFP). Ambos têm histórico de re­ balhadores em Organizações Formais. Revista de
presentação trabalhista do psicólogo porém Administração de Empresas, v. 35, n. 6, p. 20-29,
pon­­­­tualmente; pois no caso do CFP não é 1995.
seu papel principal. Mesmo assim, o CFP tem BERGER, P. L.; LUCKMANN, T. A Construção
atuado, por exemplo, estabelecendo valores de Social da Realidade. Petrópolis: Vozes, 1985.
referência para a cobrança dos serviços e pisos BILSKY, W. A teoria das facetas: noções básicas.
salariais. No entanto, sabemos do limitado im­ Estudos de Psicologia (Natal), v. 8, n. 3, p. 357-
pacto dessas ações. Muitos psicólogos igno­ 365, 2003.
280 Bastos, Guedes e colaboradores

BLANCH, J. En busca del paradigma laboral BORGES, L. O.; YAMAMOTO, O. O mundo do


perdido. In: BLANCH, J., Teoría de las relaciones tra­ba­lho. In: ZANELLI, J. C.;ANDRADE, J. E.;
laborales. Desafios. Barcelona: Editorial UOC, BAS­TOS, A. V. B. (Orgs.). Psicologia, Organizações
2003, p. 161-194. e Tra­ba­lho no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2004.
BLOOMBAUM, M. (1970). Doing smallest space p. 24-62.
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13
Dilemas éticos na atuação
do psicólogo brasileiro

Narbal Silva, José Carlos Zanelli e Suzana Tolfo

Questões éticas que diano e que objetivam orientar as relações


revestem a atuação do estabelecidas entre as pessoas no contexto
psicólogo brasileiro social. A ética, portanto, se constitui na re­
flexão crítica sobre a moral; isso pres­supõe
Os comportamentos do psicólogo brasi­ pensar a respeito do que se faz, bem como
leiro em situações de atuação profissional repensar os costumes, as normas e as re­gras
têm se caracterizado de modo predominan­ vigentes na sociedade (Medei­ros, 2002).
temente ético ou não? O que é ética e que Tendo como ponto de partida as per­
princípios e valores fundamentais distingui­ guntas anteriormente enunciadas foi for­
riam o comportamento ético do psicólogo mu­lada uma outra, de natureza mais es­
brasileiro? O psicólogo brasileiro tem orien­ pecífica, considerada essencial à realização
tado a sua atuação profissional por meio dos deste estudo: de que modos são percebidos
princípios fundamentais que norteiam o seu pelo psicólogo brasileiro os valores funda­
código de ética profissional? mentais que devem, em princípio, orientar
Na concepção de Chauí (1995), a ética as práticas profissionais dos seus pares? Tal
significa a filosofia moral que possibilita a pergunta constitui questão motivadora, pa­
reflexão, a discussão, a problematização e ra que, a partir dela e por meio dos dados
a interpretação do significado dos valores obtidos com a realização deste estudo, seja
morais. Ainda conforme a mesma autora, viável construir respostas que venham ao
os valores considerados morais são os re­ encontro dessa inquietação.
ferentes ao bem e ao mal, ao permitido e Cabe mencionar que os estudos que
ao proibido, ao certo e ao errado, ao que é versam a respeito das práticas profissionais
considerada conduta correta e, por isso, dos psicólogos brasileiros não têm, em ge­
válida a todos. Dessa forma, a moral repor­ ral, levado em conta os princípios e os va­
ta-se à normatividade que emana da socie­ lores essenciais que deveriam, sequer aque­
dade no que diz respeito aos costumes, às les que de fato norteiam os compor­ta­men­
normas e às regras que permeiam o coti­ tos desses profissionais em situações de
284 Bastos, Guedes e colaboradores

atuação profissional. Por conseguinte, a rea­ sendo aviltada. VII. O psicólogo considerará
lização de um estudo dessa natureza poderá as relações de poder nos contextos em que
contribuir na construção de conhecimentos atua e os impactos dessas relações sobre as
referentes a valores-guia que devem orien­ suas atividades profissionais, posicionando-
-se de forma crítica e em consonância com
tar a atuação profissional do psicólogo.
os demais princípios deste código. (Conselho
Tam­bém se caracteriza como relevante do
Federal de Psicologia, 2005, p. 07).
ponto de vista social ao proporcionar conhe­
cimentos que sirvam como base para toma­ Na apresentação do Código de Ética
da de consciência e reflexão a respeito de Pro­fissional do Psicólogo, todos esses prin­
elementos relativos ao seu domínio pessoal cípios constituem eixos norteadores funda­
(Senge, 1990). Acrescente-se a possibilidade mentais que devem orientar a relação do
de servir como instrumento de desafio e psicólogo com a sociedade, com a profissão,
ques­tionamento, se for o caso, dos seus com as entidades profissionais e com a ciên­
mo­delos mentais (Wind, Crook e Gunther, cia. Ou seja, conforme as orientações origi­
2006), referentes a modos considerados nadas do Código de Ética Profissional, os
certos de pensar, de sentir e de agir em prin­cípios fundamentais e os respectivos va­
situações de exercício profissional. lores que lhes são centrais devem orientar o
Estão dispostos no Código de Ética Pro­ comportamento do psicólogo.
fissional do Psicólogo Brasileiro, resolução Ao se considerar os sete princípios (cau­
CFP nº 010/05, os seguintes princípios fun­ sas primárias) que devem orientar a atuação
damentais éticos que devem orientar a do psicólogo e os objetivos propostos para
atividade desse profissional: este estudo, procurou-se localizar um ou
mais valores considerados centrais na orien­
I. O psicólogo baseará o seu trabalho no tação de cada um desses princípios. Tais va­
respeito e na promoção da liberdade, da
lores, identificados como essenciais no esta­
dignidade, da igualdade e da integridade do
belecimento de cada um dos princípios fun­
ser humano, apoiado nos valores que em­
basam a Declaração Universal dos Direitos
damentais, estão dispostos no Quadro 13.1.
Humanos. II. O psicólogo trabalhará visando Em relação ao que sejam valores, as se­
promover a saúde e a qualidade de vida das guintes características são essenciais na defi­
pessoas e das coletividades, e contribuirá nição dos mesmos: (1) um valor é uma crença
para a eliminação de quaisquer formas de pertinente a fins considerados dese­jáveis ou a
negligência, discriminação, exploração, vio­ modos de se comportar prefe­ríveis; (2) extra­
lência, crueldade e opressão. III. O psicólogo pola situações específicas; (3) orienta a sele­
atuará com responsabilidade social, anali­ ção ou a avaliação de comportamentos, pes­
sando crítica e historicamente a realidade soas e acontecimentos; (4) se organiza por
política, econômica, social e cultural. IV. O sua importância relativa em relação a outros
psicólogo atuará com responsabilidade por valores considerados menos relevantes, cons­
meio do contínuo aprimoramento profis­ truindo, dessa forma, (5) um sistema de prio­
sional, contribuindo para o desenvolvimento
ridade de valores (Schwartz, 2006).
da Psicologia como campo científico de co­
Ao se considerar tais características, po­
nhecimento e de prática. V. O psicólogo con­
tribuirá para promover a universalização do de-se mencionar que os valores constituem
acesso da população às informações, ao co­ certezas referentes para aquilo que se en­
nhecimento da ciência psicológica, aos servi­ tende como relevante à consecução de obje­
ços e aos padrões éticos da profissão. VI. O tivos considerados desejáveis, bem como
psicólogo zelará para que o exercício pro­ expressam aquilo que é preferível ou não,
fissional seja efetuado com dignidade, rejei­ significativo ou não, certo ou errado para
tando situações em que a Psicologia esteja uma pessoa, um grupo, uma organização ou
O trabalho do psicólogo no Brasil 285

Quadro 13.1 Princípios norteadores e valores centrais no código de ética do psicólogo brasileiro
Princípios Norteadores Valores Centrais
I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na (Igualdade e Liberdade) lgualdade: propriedade de ser
promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e igual; equidade e justiça (Ferreira, 2004); igualdade dos
da integridade do ser humano, apoiado nos valores que cidadãos perante a lei pode ser reduzida à possibilidade de
embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. substituição dos cidadãos nas situações previstas pela lei
sem que mude o procedimento da lei (Abbagnano, 2000).
Liberdade: independência e autonomia (Ferreira, 2004);
possibilidade ou escolha (Abbagnano, 2000). Neste último
caso a liberdade é condicionada e limitada, isto é, finita.
II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e (Saúde e Qualidade de Vida) (Não Discriminação e Não
a qualidade de vida das pessoas e das coletividades, e violência) Saúde: estado do indivíduo no qual as funções
contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de orgânicas, físicas e mentais se acham em situação normal;
negligência, discriminação, exploração, violência, cruel­ estado do que é sadio ou são (Ferreira, 2004); estado de
dade e opressão. bem-estar mental em estreita relação com a saúde corporal
e social (Dorsch, Häcker e Stapf, 2001). Qualidade de
vi­da: uma medida própria de dignidade humana, pois
pres­supõe o atendimento das necessidades humanas
fun­damentais (Nahas, 2003). Não discriminação: não
diferençar nem distinguir procedimentos em função de
aspectos, econômicos, políticos ou culturais (Adaptado
pe­los autores de Ferreira, 2004). Não violência: não uti­
lizar a agressividade com fins destrutivos (Bock, Furtado
e Teixeira, 1999).
III. O psicólogo atuará com responsabilidade social, Responsabilidade social: situação de um agente cons­
analisando crítica e historicamente a realidade política, ciente em relação aos atos que ele pratica vo­luntariamente
econômica, social e cultural. (Ferreira, 2004); possibilidade de prever os efeitos do
próprio comportamento e de corrigi-lo com base em tal
previsão (Abbagnano, 2000).
IV. O psicólogo atuará com responsabilidade, por meio do (Desenvolvimento da Psicologia) Crescimento pessoal
contínuo aprimoramento profissional, contribuindo para o e profissional: pressupõe a possibilidade de escolher ca­
desenvolvimento da Psicologia como campo científico de mi­nhos, consciente dos resultados que se pretende atingir.
conhecimento e de prática. Implica reelaborar significados e revisar referenciais de ação
para tornar-se o que ainda não se é (Malvezzi, 1988).
V. O psicólogo contribuirá para promover a universalização (Acesso da Psicologia à população) Transparência:
do acesso da população às informações, ao conhecimento pro­porcionar informações precisas, com as implicações
da ciência psicológica, aos serviços e aos padrões éticos emocionais apropriadas, para todas as pessoas que ne­
da profissão. cessitam do conteúdo da informação (Hall, 2004) e do
diálogo esclarecedor (Etkin, 2007).
VI. O psicólogo zelará para que o exercício profissional (Dignidade da profissão) Dignidade: agir com honestidade,
seja efetuado com dignidade, rejeitando situações em que honra, respeitabilidade e autoridade (Ferreira, 2004) e qua­
a Psicologia esteja sendo aviltada. lidade de se expressar com sinceridade (Welch, 2005).
VII. O psicólogo considerará as relações de poder nos (Dignidade da profissão) Assertividade: agir de acordo
contextos em que atua e os impactos dessas relações com os próprios interesses, defender posições sem ansie­
sobre as suas atividades profissionais, posicionando-se de dade, expressar os sentimentos de modo honesto e tran­
forma crítica e em consonância com os demais princípios quilo e exercer os direitos pessoais sem negar os dos
deste código. outros (Alberti e Emmons, 2008).

uma sociedade (Tamayo e Borges, 2006). podem ser classificados em dois tipos os ar­
Quando reunidos, os valores compõem con­ raigados – relativamente estáveis e duradou­
juntos que denotam importância e signifi­cado ros, expressos por meio de atitudes e compor­
para conceitos como igualdade, liber­dade, ta­mentos consistentes ao longo do tempo – e
saú­de, qualidade de vida, harmonia, res­pon­ os esposados ou racionalizados, que são idea­
sabilidade social, desenvolvimento pes­­soal e lizados, porém ainda não pra­ticados ou vi­
profissional, acessibilidade, digni­dade, entre venciados por meio de compor­tamentos de
ou­tros (Zanelli e Silva, 2008). Além disso, modo consistente e contínuo (Schein, 1987).
286 Bastos, Guedes e colaboradores

Em qualquer circunstância em que se são levados em conta. Para esses autores,


assume uma disposição ou uma postura ava­ alguns profissionais, como é usual em todos
liativa, a favor ou contra, a alguém ou algo, se os campos da atuação profissional, utilizam-
está gerando atitudes. Logo, as ati­tu­des po­ -se dos conhecimentos e do estatuto propor­
dem ser concebidas como orien­tações ava­lia­ cionado pela Psicologia em benefício pró­
tivas, emocionais ou afetivas sobre um ob­jeto prio, não do bem-estar social.
físico ou social (Baró, 1988). Por sua vez, a Tal observação é contundente e preocupan­
estrutura desse con­ceito agrega os se­guintes ­te ao se considerar que os princípios fun­da­
componentes que se inter-relacio­nam: o cog­ mentais que guiam o Código de Ética do Psi­
ni­tivo, que se re­fe­re às informa­ções existentes cólogo são pilares nos quais a atuação profis­
a respeito do objeto; o ava­liativo, que pres­ sional deveria se sustentar. Orientado por es­
supõe os afetos e desafetos gerados em rela­ sas inquietações, o propósito essencial deste
ção ao objeto; o compor­ta­mental, que é a estudo foi o de analisar, descrever e discutir as
inten­ção que se tem de se comportar em pre­ percepções dos psicólogos brasi­leiros a res­pei­
sença de um objeto que, por inúmeros moti­ to das possíveis congruências e incon­gruên-
vos, suscite atitudes (Ros, 2006). cias existentes entre valores, atitudes e com­
Ao orientar sua atuação a partir de va­ por­tamentos dos seus pares em situações de
lores e atitudes, tem o psicólogo brasileiro atuação profissional. Para isso, tem-se co­mo
conhecimento da necessidade de alinhar os referência os princípios éticos funda­men­tais e
preceitos éticos da profissão com suas prá­ os seus respectivos valores nucleares estabe­
ticas profissionais? Tais práticas têm expres­ lecidos no Código de ética profissional.
sado princípios fundamentais e respectivos
valores centrais estabelecidos em seu código
de ética profissional? Tais questões expli­ A adoção ou não ADOÇÃO de
citam preocupações referentes à dissociação valores éticos em casos de
entre o dizer e o fazer éticos, o que requer atuação profissional
compreensão mais precisa do que seja éti­
ca, a fim de que se possa compreender o Nesta seção, será analisada, descrita e
con­ceito no exercício profissional da psico­ discutida a percepção dos psicólogos em
logia. Conforme mencionado por Teixeira relação a três casos distintos de atuação em
(1999), a Declaração dos Direitos Humanos psicologia.
(1948) se constitui em um bom exemplo de O Caso 1 se caracteriza como atuação
dissociação entre o "dizer" e o "fazer". No na área clínica. É descrita uma situação de
decorrer da história da humanidade, foram atuação profissional em que uma psicóloga
expressas prerrogativas humanas que deixa­ é procurada pelo pai de um menino, de 7
ram de ser cumpridas. Ainda conforme a anos, com o objetivo de que a referida pro­
autora, tal constatação também pode ser fissional se posicionasse por meio de laudo
atribuída ao Código de Nuremberg (1947), psicológico a respeito de possíveis danos de
à Declaração de Helsinque (1964, 1975, natureza psicológica pelo fato de a criança
1983 e 1989) e às demais proposições de­ ter de ir morar na Europa com a mãe que,
cor­rentes desses documentos. por sua vez, estava separada judicialmente
Ainda que desejável, o respeito aos pre­ do pai do menino. Já no Caso 2, é relatada
ceitos éticos que orientam a atuação pro­ a situação em que, por meio de um im­
fissional do psicólogo brasileiro vem ocor­ presso promocional de divulgação de curso
rendo de modo invariável? Em relação a is­ de atualização direcionado para profis­sio­
so, Wachelke, Andrade e Natividade (2004) nais de recursos humanos, promovido por
mencionam que esses preceitos nem sempre uma consultoria, consta o nome de uma
O trabalho do psicólogo no Brasil 287

psi­cóloga, ministrante da disciplina Astrolo­ sendo avaliado. Tais percep­ções foram tra­
gia Aplicada à Seleção de Pessoal. Tal curso duzidas em escores e em percentuais que as
também foi divulgado em um jornal de cir­ expressam e, por sua vez, representam as
culação local, identificando a psicóloga e tendências de fre­quências das respostas.
ex­plicitando as relações que a mesma esta­ Em seguida, os dados distribuídos e
belece entre Astrologia e perfil de candida­ representados em tabelas de distribuição de
tos na ocupação de postos de trabalho. frequência serão descritos, considerando-se
Por último, no Caso 3, é referido um aspectos essenciais ou significativos para
programa de inclusão social em uma escola discussão ou interpretação, sempre levando-
pública federal para crianças com neces­ se em conta o quadro teórico de referência
sidades especiais, implantado e coordenado construído para os objetivos deste estudo.
por uma psicóloga. O objetivo principal do Também será considerada na presen-
Programa é o de juntar, em uma só classe, te seção, tanto no momento da descrição
alunos portadores e não portadores de ne­ quan­to no da interpretação, os comentários
ces­sidades especiais. dos psicólogos que constavam no espaço
A percepção dos psicólogos foi obtida desti­nado à justificativa de suas respostas.
por meio de uma escala de intensidade de
Caso 1: a emissão de parecer contrário à ida
três pontos (nada, parcialmente, total­men­te)
do filho na companhia da mãe à Europa
relacionados a sete valores éticos cen­trais e
norteadores dos princípios funda­men­tais es­ No Caso 1 que segue é descrito o ca­so
ta­belecidos no Código de Ética Profissional um. No mesmo é narrada a decisão da psi­
do Psicólogo. Também era dada ao psicólogo có­loga A em elaborar parecer desfavo­rável
a opção de escolher a alter­nativa na qual o à ida de uma criança para residir na Europa
valor não se aplicava ao caso que estava na companhia da mãe.

Caso 1 Descrição geral


A psicóloga A foi procurada pelo pai de um menino de 7 anos solicitando que ela emitisse um parecer a respeito dos
possíveis prejuízos psicológicos que o filho poderia ter em função de ir morar na Europa com a mãe separada
judicialmente do pai do menino. O parecer da psicóloga A, contrário à ida do menino para a Europa, foi acatado pelo
juiz de menores sob o argumento de que “a mudança do menor para país estrangeiro, naquele momento, seria
prejudicial, podendo acarretar danos à sua formação psicológica, social e relacional". A mãe do menino contestou a
decisão, alegando que o parecer emitido pela psicóloga A contemplava situações de vida familiar e fazia referência a
características de pessoas que não foram observadas ou ouvidas. Os dados que consubstanciaram o parecer, segundo
a mãe do menino, tiveram origem em uma única fonte: a versão do ex-marido. No parecer, ainda segundo o que
mencionava a mãe, a psicóloga A apontou como motivo da separação dos pais, a infidelidade da mãe, o que, de
acordo com a mãe, não seria verdadeiro, uma vez que a separação foi amigável e o seu envolvimento com outra pessoa
ocorreu somente após o ex-marido ter saído de casa. A mãe do menino também discordou da psicóloga A em ter lhe
atribuído características psicológicas como imaturidade, instabilidade e fantasias adolescentes sem nunca haver
conversado com ela. Além disso, a mãe divergiu da psicóloga A pelo fato de a profissional ter analisado a adaptação do
menino, após a separação, sem um tipo específico de avaliação (psicodiagnóstico). Ainda segundo a mãe, a psicóloga
A fez referências ao seu atual namorado como uma pessoa de "vulnerabilidade extremada”, de “muitas aventuras
amorosas" e que os dois mantinham um "relacionamento adolescente", sendo que nunca o havia visto ou falado com
ele. Em contrapartida, a psicóloga A, com base no que ouviu da criança e nos fatos passados e presentes da vida dos
pais, alegou ter argumentos para emitir o parecer contrário à viagem do menino. Os fatos essenciais que motivaram a
convicção contrária ao pleito da mãe foram os seguintes: 1) as crises constantes no relacionamento do casal
proporcionadas pelo mau humor e pela instabilidade emocional da mãe; 2) o fato de que, do ponto de vista do pai, a
família deve se constituir num lugar de solidariedade e aconchego; 3) logo após a audiência de separação, a mãe
deixou o menino com o pai e viajou para a Europa com o namorado; 4) o menino passaria a ter pouco contato com pai,
avós, tios, amigos de bairro e de escola, além de romper, de modo brusco, com o início do seu processo de
identificação cultural, ambiental e psicológico, significando possíveis perdas irreparáveis.
Fonte: Caso extraído de situação real e adaptado para a realização do estudo.
288 Bastos, Guedes e colaboradores

Após a apresentação do caso, foi solici­ atua­ção, as cate­gorias de valores éticos da


tado aos pesquisados que emitissem opi­ profissão.
nião, orientando-se por uma escala de in­ Na Tabela 13.1 são apresentados o nú­
ten­sidade (nada, parcialmente, totalmente mero de respondentes e os respectivos per­
e não se aplica ao caso), sobre se a psi­có­ centuais considerados válidos para cada uma
loga A, levou em conta ou não, na sua das categorias pertinentes ao Caso 1.

Tabela 13.1 Frequência de respostas referentes às categorias de valores éticos do Caso 1


Escala de intensidade
4
Categorias de valores éticos 1 2 3
Não se aplica
Caso 1 Nada Parcialmente Totalmente
ao caso
Nº % Nº % Nº % Nº %
Igualdade/liberdade 100 46,7 77 36,0 15 7,0 22 10,3
Saúde e qualidade de vida 40 19,3 123 59,4 39 18,8 05 2,4
Não discriminação e não violência 96 46,8 62 30,2 12 5,9 35 17,1
Responsabilidade social 60 29,6 89 43,8 22 10,8 32 15,8
Desenvolvimento da psicologia 83 41,3 52 25,9 14 7,0 52 25,9
Acesso da psicologia 60 30,0 42 21,0 09 4,5 89 44,5
Dignidade da profissão 95 47,5 54 27,0 18 9,0 33 16,5

Conforme pode ser visto nos números e parte no parecer. Para 18,8%, tais valores
nos percentuais expostos na Tabela 13.1, estão presentes na totalidade no parecer da
referentes à categoria de valores Igualdade psi­cóloga A.
e Liberdade, 46,7% dos pesquisados, quase No que se refere aos valores Não dis­
a metade do total de respondentes consi­ criminação e Não violência, 46,8% dos pes­
derados válidos para o estudo, percebem quisados percebem que a decisão da psi­
que os argumentos e a respectiva decisão da cóloga A de emitir parecer desfavorável não
psicóloga A, de emitir parecer contrário à levou em conta tais preceitos. No entanto,
ida do menino com a mãe para a Europa, para 36,1%, a referida profissional levou
não foram orientados pelos preceitos éticos parcial­mente em consideração no seu pare­
designados como Igualdade e Liberdade. cer tais valores, no todo ou em parte. Des­
Con­tudo, para outros 43%, a psicóloga A tes, 30,2% entendem que esses valores fo­
considerou no todo ou em parte tais valores ram parcial­mente considerados. Quando se
éticos em sua decisão. Destes, 36% consi­ reportam ao valor Responsabilidade social,
deraram que os valores Igualdade e Liber­ 29,6% dos pesquisados percebem que o pa­
dade foram parcialmente levados em conta. re­­cer da psicóloga A não se orientou por
Em relação aos valores Saúde e Qualidade es­se valor ético. Contudo, para 54,6%, a
de Vida, 19,3% percebem a decisão da psi­ psi­có­loga A considerou no todo ou em parte
cóloga A como não guiada por esses va­lores tal valor. Destes, 43,8% entendem que esse
éticos. Todavia, 78,2% entenderam que a valor foi considerado em parte e 10,8%
psi­có­loga A considerou parcialmente ou to­ com­preendem que o mesmo foi totalmente
tal­mente em seu parecer tais valores. Des­ considerado.
tes, 59,4% com­preenderam que Saúde e A respeito do valor ético Desenvol­vi­
Qua­li­dade de Vida foram consideradas em mento da psicologia, 41,3% entendem que
O trabalho do psicólogo no Brasil 289

a decisão da psicóloga A não seu pautou Os preceitos éticos percebidos de modo


pe­lo mesmo. Já para 32,9%, a referida pro­ mais intenso pelos psicólogos como orien­ta­
fis­sional levou parcialmente em conta tais dores da conduta profissional da psicóloga
va­lores ou os considerou na totalidade. Desse A foram os seguintes: Saúde e qualidade de
total, 25,9% julgaram que tal qualidade foi vida, de parcialmente (59,4%) a totalmente
considerada de modo parcial. Já para 7%, o (18,8%) e Responsabilidade social, de par­
valor Desenvolvimento da psicologia foi con­ cial­mente (43,8%) a totalmente (10,8%).
si­derado totalmente. Por fim, para 25,9%, a Ao se considerar os significados conferidos
questão formulada não se aplica ao caso. ao conceito de saúde (Dorsch, Häcker e
No que tange ao valor ético Acesso da psi­ Stapf, 2001), qualidade de vida (Nahas,
cologia à população, 30% entendem que o pa­ 2003) e responsabilidade social (Ferreira,
recer da psicóloga A não foi orientado por esse 2004; Abbagnano, 2000), comparados aos
valor. Contudo, para 25,5%, a psi­có­loga A con­ procedimentos e às decisões adotadas pela
siderou parcialmente ou total­mente em seu psicóloga A, pode-se afirmar que ela orien­tou
parecer tal valor. Destes, 21% consideram que sua conduta profissional com o propó­sito de
o mesmo foi parcialmente levado em conta. promover saúde e qualidade de vida a todos
Por fim, no que diz respeito ao valor os envolvidos no caso? Além disso, pode-se
Dignidade da profissão, 47,5% compreen­ considerar, nessa atuação, a prática da res­
deram que o parecer contrário da psicóloga ponsabilidade social por meio da análise crí­
A não foi orientado por esse valor. De outro tica e histórica da realidade polí­tica, econô­
modo, para 36,0%, a psicóloga A consi­de­ mica, social e cultural? Ao se com­parar o que
rou parcialmente ou totalmente em seu pa­ consta no Código de Ética Profissional do
recer a Dignidade da profissão enquanto Psicólogo com as ações e as respectivas es­
valor ético. Destes, 27% consideraram tal colhas da psicóloga A, o que se constata é
va­lor parcialmente na decisão. Já para uma profunda dissociação en­tre o que está
16,5% dos sujeitos pesquisados, a pergunta escrito e o fazer ético (Tei­xeira, 1999).
formu­lada não se aplica ao caso. Ainda que tenham sido percebidos de
modo parcial, tais dados se revelam no mí­
nimo preocupantes, uma vez que, o compor­
Discussão das relações entre valores tamento da psicóloga A, ao ignorar pro­cedi­
éticos e a atuação da Psicóloga A mentos considerados essenciais na emis­são de
um laudo psicológico, como ou­vir de modo
As frequências das respostas obtidas mais imparcial possível todas as partes inte­
nesse caso parecem apontar para percep­ ressadas no desfecho do proble­ma, não deve
ções que se caracterizam como tendências ser considerado adequado. Ou seja, não ocor­
bene­vo­lentes. Ou seja, tais percepções su­ reu igualdade na elabo­ração do laudo, visto
gerem que um número significativo de psi­ que a única fonte de apreciação da re­ferida
cólogos demonstrou disposições favorá­veis profissional se cons­tituiu na versão do pai do
ou com­preen­didas como positivas nos pro­ menino; isso infringiu, nesse caso, pre­ceitos
cedi­mentos e nas decisões da psicóloga A. éticos funda­mentais, como, por exem­plo,
Isso pode ser evidenciado ao se cons­tatar, igual­­dade e liberdade, o que pres­supõe des­
con­for­me os resultados do estudo, que, respeito aos direitos humanos, cujo aspec­to
inva­riavelmente, a presença dos sete pre­ fun­damental seria a plena liberdade de ex­
cei­tos éticos, mesmo que de modo não ab­ pressão de todos os interessados no caso (Ca­
soluto, foi percebida em alguma medi­­da mino et al., 2004).
nos pro­cedimentos e nas decisões da psi­ Também pode ser observado que, ao
cóloga A. não contemplar os motivos de todos os inte­
290 Bastos, Guedes e colaboradores

ressados, ocorreu discriminação na medida Os aspectos até aqui arrolados a respei­


em que uma única pessoa foi privilegiada to do caso suscitam pelo menos duas con­
no processo em detrimento da maior in­te­ siderações que parecem ser relevantes. A
ressada, que, no caso, era a criança. Tal pro­ não consideração de preceitos éticos consi­
cedimento parece também não ter le­vado derados importantes em sua atuação pode
em conta a importância da análise crítica a remeter à ideia de que pode existir, na
respeito dos aspectos políticos, econômicos, atuação da psicóloga A, incompatibilida-
sociais e culturais envolvidos, quando, no de entre valores pessoais e valores profissio-
caso, o que prevaleceu foi a versão do pai nais estabelecidos no Código de ética profis-
da criança, denotando que a psicóloga não sio­nal. Tal fato poderia estar confirmando
agiu com responsabilidade social, o que en­ aqui­lo que Wachelke, Andrade e Natividade,
tre, outros aspectos, significa considerar as (2004) postularam a respeito da utilização
necessidades e as expectativas de todos os do código ético em benefício próprio e em
interessados em determinada situação (Di­ detrimento do bem-estar social.
mens­tein, 2001). Os relatos dos pesquisados Por fim, uma última observação se re­fere
ilustram estas constatações: “A psicóloga às percepções de conjunto expressivo dos
não usou a ética no momento em que emi­ pesquisados, em relação à observância, em
tiu o parecer baseado somente em relatos maior ou menor intensidade, de todos os pre­
do pai”. “As entrevistas deveriam ter sido ceitos éticos na atuação da psicóloga A. O
feitas com todas as pessoas envolvidas no que isso, a rigor, pode significar? Incompa­
processo.” “Para um parecer jurídico final, tibilidade entre valores pessoais e profissio­
faz-se necessário à averiguação de todos os nais? Desconhecimento dos princí­pios funda­
lados envolvidos”. mentais que norteiam a atuação do psicólogo
Dessa forma, parece que o impacto das brasileiro? Ambos os aspectos? Qualquer que
relações de poder sobre a atividade profis­ sejam as respostas para essas questões, tais
sional da psicóloga A prevaleceu, fato que foi descobertas exigem a adoção de mais pes­
expresso no parecer por ela emitido, tendo quisas, acompanhadas de estra­tégias de inter­
como única base de refe­rência con­siderada venção que possam ampliar a consciência a
fidedigna a versão do pai do me­nino. Nos re­ respeito dos princípios éticos fundamentais
latos apresentados a seguir, tal fato é co­men­ que devem nortear sua práti­ca profissional.
tado: “No meu parecer, a psi­cóloga A usou de
Caso 2: a divulgação de um curso de
discriminação, julga­mento moral, foi tenden­
Astrologia aplicada à seleção de pessoal
ciosa, etc.”. “Falta­ram cui­dados éticos e uma
ministrado por uma psicóloga
avaliação psi­cológica adequada”.
Essa opção também pode estar relacio­ Caso 2. No referido caso, consta a divul­
nada às características masculinas de uma gação de um cur­so, cuja ministrante, uma psi­
sociedade como a nossa, no qual esse traço cóloga, iria ensi­nar “Astrologia aplicada à se­
cultural influencia sobremaneira a impor­ leção de pessoal”.
tância que ainda é atribuída ao macho no Em seguida à apresentação do caso, era
estabelecimento de papéis sociais (Hofste­de, pedido aos pesquisados que opinassem, orien­
1980). Outro aspecto que também cabe men­ tados por uma escala de intensidade (nada,
cionar se refere a possíveis relações en­tre par­­cialmente, totalmente e não se aplica ao ca­
crenças a respeito de casamento, família e so), avaliando se a psicóloga B seguiu ou não
relações entre homem e mulher no con­texto na sua atuação os valores éticos da profis­são.
familiar (Bourdieu, 2000), co­mo, por exem­ Na Tabela 13.2, são apresentados os nú­
plo, “o pai é o chefe da família” e as práticas meros de respostas por categoria e os respec­
e escolhas da psicó­loga A nesse caso. tivos percentuais referentes ao Caso 2.
O trabalho do psicólogo no Brasil 291

Caso 2 Descrição geral


Em folder de divulgação de curso de atualização para profissionais de recursos humanos promovido pela consultoria X,
consta o nome da psicóloga B, ministrante da disciplina Astrologia aplicada à seleção de pessoal. O curso também foi
divulgado em um jornal de circulação local, identificando a psicóloga B e explicitando as relações que a mesma
estabelece entre Astrologia e perfil de candidatos na ocupação de postos de trabalho. Essas relações podem ser
observadas em um trecho do anúncio. “A astrologia pode revelar características de personalidade e tendências das
pessoas, facilitando o trabalho do profissional de recursos humanos na área de seleção. Dirigida não só para os
interessados em seleção, essa disciplina é de interesse para todos que nutrem curiosidade pela Astrologia.” Ao ser
questionada por profissionais de recursos humanos e psicólogos que atuam em organizações a respeito das evidências
empíricas que possam dar sustentação às relações entre Psicologia e Astrologia, a psicóloga B argumentou que possuía
larga experiência em estudos e em aplicação da Astrologia com o intuito de compreender e prever o comportamento
humano. Também enfatizou que havia estudado as possíveis associações entre Psicologia e Astrologia, embora
reconhecesse que se tratam de áreas distintas. Ela mencionou ainda que utiliza a Astrologia como conhecimento e como
instrumento complementar nas suas práticas de seleção. Ao ser inquirida sobre o uso da Astrologia em sua prática
profissional caracterizaria infração ética, argumentou o seguinte: 1) não compreendia porque a aplicação de conhe­
cimentos da Astrologia em sua prática profissional poderia ser caracterizada conduta profissional não ética; 2) os en­
sinamentos professados pela Astrologia estariam ganhando credibilidade dos estudiosos perante as evidências in­
contestáveis que confirmam a sua base científica; 3) a Astrologia determinou o ritmo das principais decisões da política
norte-americana na época de Reagan, além de ser, na atualidade, amplamente consultada por altos executivos de
multinacionais em suas decisões consideradas polêmicas e complexas. A psicóloga B também fez referência ao parágrafo
VI do Art. 50 da Constituição Federal, que assegura a inviolabilidade de consciência e de crença e diz que ninguém será
privado de direitos por convicção filosófica (inciso VIII), e que é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica
e de comunicação, independentemente de censura ou licença (inciso IX). Por fim, alertou para o fato de que a Astrologia e
a Psicologia configuram-se como artes que integram aspectos científicos, filosóficos e religiosos.
Fonte: Caso extraído de situação real e adaptado para a realização do estudo.

Tabela 13.2 Frequência de respostas do pesquisados referentes às categorias de valores éticos do


Caso 2
Escala de intensidade
4
Categorias de valores éticos 1 2 3
Não se aplica
Caso 2 Nada Parcialmente Totalmente
ao caso
Nº % Nº % Nº % Nº %
Igualdade/liberdade 64 38,6 39 23,5 29 17,5 34 20,5
Saúde e qualidade de vida 76 45,5 39 23,4 02 1,2 50 29,9
Não discriminação e não violência 61 36,7 25 15,1 20 12 60 36,1
Responsabilidade social 108 65,5 32 19,4 03 1,8 22 13,3
Desenvolvimento da psicologia 130 77,8 27 16,2 06 3,6 04 2,4
Acesso da psicologia 101 61,6 25 15,2 07 4,3 31 18,9
Dignidade da profissão 130 77,8 22 13,2 06 3,6 09 5,0

Nos percentuais expostos na Tabela 13.2, éticos. Destes, 23,5% compreendem que os
concernentes à categoria Igualdade e Liber­ valores Igual­dade e Liberdade foram em parte
dade, 38,6% dos pesquisados percebem que o levados em conta. Além disso, 17,5% do total
curso de Astrologia associado à Psi­cologia, o de pesquisados percebem que tais preceitos fo­
folder de divulgação e os argu­mentos da psi­ ram considerados na totali­dade. Por último,
cóloga B para sustentar sua participação no para 20,5%, a questão for­mulada não se aplica
referido evento, não são orientados por esse ao caso.
pre­ceito. Entretanto, para 41% dos pes­quisa­ No que diz respeito aos valores Saúde e
dos, os argumentos proferidos pela psi­cóloga Qualidade de Vida, 45,5% compreendem
B se encontram orientados por tais valores que a posição da psicóloga B a respeito da
292 Bastos, Guedes e colaboradores

sua participação no curso não foi guiada esse valor foi parcialmente considerado. Por
por esses valores. Entretanto, 24,6% dos fim, para 18,9%, a questão formulada não
pes­qui­sados percebem que a psicóloga B le­ se aplica ao caso.
vou em conta, parcial ou totalmente, tais Finalmente, em relação ao valor Digni­
valores em sua opção de participar no cur­ dade da profissão, 77,8% percebem que a
so. Destes, 23,4%, entendem que Saúde e psicóloga B não se guiou por esse valor. Já
qualidade de vida foram consideradas em para 16,8%, a psicóloga B levou em consi­
parte na sua opção. Finalmente, para 29,9% deração, em parte, ou no todo, tal valor.
a questão formulada não se aplica ao caso. Des­­tes, 13,2%, 22 pesquisados, entendem
Com respeito a não discriminação e não es­se valor parcialmente presente.
violência, 36,7% percebem que tais va­lores
éticos em nada orientam a participação da
psicóloga B no curso, assim como os ar­gu­ Discussão das relações entre valores
mentos por ela utilizados para proferi-lo. Já éticos e atuação da psicóloga B
para 27,1%, a psicóloga B orientou seus ar­ em um curso de Astrologia
gumentos e sua decisão de ministrar o curso aplicada à seleção de pessoal
em parte ou no todo pelos referidos pre­
ceitos. Destes, 25,1% compreendem a pre­­ As frequências das respostas obtidas
sença desses valores de modo parcial. Além nes­se caso parecem indicar que os psicó­
disso, para 12%, os valores não dis­cri­mi­ logos, de modo predominante, inclinam-se
nação e não violência são totalmente con­ a compreender que as sete categorias de va-
siderados. Por fim, para 36,1%, o que sig­ lores éticos não orientaram de modo de­
nifica 60 sujeitos, a pergunta foi com­preen­ cisivo os argumentos da psicóloga B para
dida como não aplicada ao caso. sustentar sua participação no curso de As­
Ao se reportarem ao valor Respon­sa­bi­ trologia aplicada à seleção de pessoal. Em
lidade social, 65,5% dos psicólogos pes­qui­ contrapartida, também deve ser menciona-
sados compreendem que os argumentos e a do que, em relação a todos os valores éti-
participação da psicóloga B não se orien­ta­ cos, em grau decrescente de importância, os
ram por esse valor. No entanto, para 21,2%, psi­cólogos perceberam a frequência da
a psicóloga B levou em conta, no todo ou orien­tação dos mesmos da seguinte manei-
em parte, esse valor. Destes, 19,4% perce­ ra: Igualdade e liberdade, de parcialmente
bem que o referido valor foi contem­plado (23,5%) a totalmente (17,5%); Não violên­
em parte. Por último, para 13%, a questão cia e não discriminação, de parcialmente
não se aplica ao caso. (15,1%) a totalmente (12%); Saúde e qua­
No caso do valor ético Desenvolvimento lidade de vida, de parcialmente (23,4%) a
da Psicologia, 77,8% compreendem que a totalmente (1,2%), Responsabilidade so­-
psicóloga B não se orientou pelo mesmo. cial, de parcialmente (19,4%) a totalmente
De outro modo, para 19,8% a psicóloga B (1,8%); Desenvolvimento da psicologia, de
considerou em parte ou na totalidade tais parcialmente (16,2%) a totalmente (3,6%);
valores. Destes, 16,2% entenderam que o Acesso da psicologia à população, de par­
va­lor foi parcialmente levado em conta. cialmente (15,2%) a totalmente (4,3%); e
A respeito do valor ético Acesso da psi­ Dignidade da profissão, de parcialmente
cologia à população, 61,6% percebem que a (13,2%) a totalmente (3,6%). Tais dados
psicóloga B não se orientou por esse valor. pa­recem demonstrar que, mesmo não per­
Entretanto, 19,5% compreendem que a psi­ cebidos de modo predominante ou absolu-
cóloga B considerou, em parte ou total­men­ to, os sete valores éticos também foram per­
te, esse valor. Destes, 15,2% percebem que cebidos por parte dos pesquisados como
O trabalho do psicólogo no Brasil 293

guias orientadores dos motivos apresenta- de­sen­volvimento da psi­­­cologia como campo


dos pela psicóloga B. Destes, os valores científico de conhe­cimento e de prática” (p.
Igual­dade e liberdade (41%), somados às 7). Ao associar psicologia e astrologia, a psi-
escalas parcialmente e totalmente, foram os cóloga B se am­para em um tipo de conheci-
de maior frequência nas respostas dos pes­ mento e de ocu­pa­ção-considerado pela co-
qui­sados. Tal fato pode estar associado às munidade pro­­­fis­­sional-científica, como algo
ideias de que as pessoas são livres para efe- que se move entre a “penumbra do misticis-
tuar escolhas e de que o código de ética não mo” e a “fluidez da religião” (Venuto, 1999).
deve servir de instrumento cerceador dos Uma questão que também merece ser
direitos de expressão e de opção dos psicó- apreciada é a seguinte: ao se constituir a
logos? Ou ainda, esse percentual em espe- Astrologia em conhecimento de relativo
cial, que não pode ser considerado co­mo aces­so à população em geral, estaria tal fa­
pouco expressivo, indica que ainda pre­va­ to associado e confundido com o prin­cípio
lece uma consciência restrita a respeito do de acesso da psicologia à população em
teor e da função do código de ética? A res- parte das respostas dos pesquisados? Em-
peito disso, Wachelke, Andrade e Nativi­ bora não se possa afirmar isso cate­gori­ca­
dade (2004) referem que nem sempre os mente, tam­bém não se pode des­cartar tal
princípios fundamentais do código de ética possibilidade.
são devidamente considerados. O que pode Nos relatos que seguem, é ilustrada a
ser observado é uma relativa dissociação ideia de alguns pesquisados sobre as con­
entre o prescrito e o fazer ético (Teixeira, vicções expressas pela psicóloga B que ex­
1999). Além do desconhecimento ou da uti- pressam diferentes compreensões a respeito
lização em benefício próprio do código, tal da associação entre Astrologia e Psicologia:
dado também pode estar significando não “A psicóloga não conhece o Código de Ética
distinção entre Psicologia como ciência e do Psicólogo”. “Ela tem todo o direito de ser
profissão, arte, doutrinas místicas e con­ astróloga, mas tem de separar as coisas!”.
cepções de senso comum. A consequência “A astrologia é outra ciência?”. Conforme
disso é a de que no cotidiano, as pessoas pode ser observado nos depoimentos a res-
po­dem passar a fazer inferências de as­sun­ peito do tema, são feitas menções ao des­
tos psicológicos de forma negligente. Fazem conhe­cimento do código de ética, ao direito
afirmações e tiram conclusões sem oferecer de exercer a Astrologia de modo separado
evidências consistentes que lhes deem sus- da Psicologia e até mesmo a suscitação de
tentação (Davidoff, 2001). dúvida a respeito do status da Astrologia co­
Ao serem percebidos, mesmo que de mo­ mo ciência. Tal fato parece demonstrar um
do parcial, os valores Não discriminação e pouco as múltiplas compreensões, nem sem­
não violência, Igualdade e liberdade, Saú­de pre amparadas em evidências, entre Psico­
e qualidade de vida, Acesso da psi­cologia à logia e outros campos de conhecimento, se-
população e Responsabilidade so­cial, tais re- jam de natureza científica ou não.
sultados se mostram contra­di­tórios em rela- Contudo, também foram registrados
ção às orientações que ver­sam no código de re­latos, em que não é expressa a compreen­
ética a respeito conhe­cimentos de base cien- são dos equívocos cometidos pela psicóloga
tífica duvidosas. É o que está posto no quarto B ao optar em estabelecer relação entre Psi-
princípio funda­mental do código, quando é cologia e Astrologia: “As colocações da psi-
pronunciado que o psicó­logo “atuará com cóloga B vêm de encontro com tudo que es-
respon­sabi­lidade por meio do contínuo apri­ tudamos”. “Astrologia não é ciência e ava-
mo­ra­men­to profissional, con­tribuindo para o liação psicológica com base nela é char­la­
294 Bastos, Guedes e colaboradores

tanismo”. “Práticas não reconhecidas não a respeito de distinções funda­men­tais entre


devem ser atreladas à psicologia”. Tais de­ Psicologia como ciência e pro­fissão, arte e
poimentos demonstram clareza a respeito pseudociências? No campo de atuação clínica
dos limites que demarcam ou distinguem a parece ainda persistir a mo­tivação pa­ra aju­
Psicologia como ciência e profissão e as de- dar as pessoas, baseada em expe­riências de
nominadas pseudociências. Além disso, os vida, conhecimento de sen­so co­mum, crenças
relatos contrapõem os argumentos incon­ pessoais, nem sem­pre devi­damente acompa­
sistentes da psicóloga B a respeito das bases nhadas de bases cientí­ficas consistentes que
científicas da Astrologia e ao direito de expliquem e orientem prá­ticas efetivas e éti­
crença. Nesse caso, o entendimento da re­ cas de intervenção? Em relação a isso, Bock,
ferida profissional é o de que psicologia, re- Furtado e Teixeira (1999) mencionam que
ligião e astrologia se encontram em âm­bi­tos no dia a dia é co­mum ouvir a palavra Psico­
similares. Ou seja, tudo se resume a uma logia. Qualquer um parece ou pensa entender
questão de fé! A respeito disto, Huff­man, um pouco dela. As pessoas em geral têm a
Vernoy e Vernoy (2003) asseveram que não “sua Psicologia”. As respostas para essas ques­
existe base científica para as várias pseudo­ tões remetem à necessidade de realizar estu­
psicologias populares, que tentam explicar dos que possam construir conhecimentos que
diferenças de comportamento ou de perso­ contribuam para o esclarecimento de tais in­
nalidade por meio da utilização de métodos dagações.
não científicos. Pseudopsicologias incluem a
astrologia, que pode ser compreendida co­ Caso 3: a implantação de um
mo o mapeamento da influência das estre- programa de inclusão para crianças
las e dos planetas na personalidade e na com necessidades especiais
vida afetiva das pessoas. Embora tais pseu­
do­psi­cologias possam consistir em um en­ O Caso 3 descreve a implan­tação de um
tre­teni­mento, não existe prova documental programa de inclusão social para crianças
de que expliquem legitimamente o comple- com necessidades especiais em uma escola
xo com­portamento humano. pública federal. O progra­ma foi implantado
Apesar de todas as considerações efe­tua­ e é coordenado por uma psicóloga há dois
das a respeito dos equívocos de natureza ética anos. A coordenadora psicóloga defende a
cometida no caso, também se pode afirmar diversidade de crianças com e sem neces­
que causa estranheza o fato de alguns psi­ sidades especiais. Tal fato é con­testado por
cólogos, mesmo que de modo não majori­tá­ pais e professores.
rio, perceberem em parte ou no todo a pre­ Após a apresentação do caso, foi solici­
sença de cada um dos sete pre­ceitos éticos tado aos participantes da pesquisa que opi­
nos argumentos utilizados pela psicóloga B nassem, orientados por uma escala de in­
pa­ra utilizar a Astrologia asso­ciada à Psico­ tensidade (nada, parcialmente, totalmente
logia em situações de se­leção de pessoal. e não se aplica ao caso), considerando se a
Por fim, duas questões, enquanto fontes psicóloga C baseou ou não sua atuação nos
de aprendizado proporcionadas pelo caso, valores éticos da profissão.
parecem fundamentais para exame futuro. Na Tabela 13.3, são apresentados o nú­
O código de ética, conforme já referido no mero de respondentes e os respectivos per­
Caso 1, em especial, não é conhecido ou de­ centuais considerados válidos para cada
vidamente interpretado como guia de ações uma das categorias pertinentes ao Caso 3.
dos psicólogos brasileiros? Existe cla­reza su­ Conforme os percentuais descritos na Ta­
ficiente por parte dos psicólogos bra­sileiros bela 13.3, pertinentes à categoria Igual­dade
O trabalho do psicólogo no Brasil 295

Caso 3 Descrição geral


A psicóloga C implantou e coordena há dois anos um programa de inclusão social para crianças com necessidades
especiais em uma escola pública federal. O principal objetivo do Programa é o de juntar, em uma classe, alunos por­
tadores de necessidades especiais e alunos que não as possuem. O argumento da psicóloga C para defender esse
Programa na escola é o de que as crianças, com ou sem necessidades especiais, possuem as mesmas necessidades,
dentre as quais, aprender com e a partir de outras crianças; sentir que são queridas e que fazem parte de um grupo;
brincar e se divertir; correr riscos, cair, chorar e machucar-se. Além disso, elas precisam estar em famílias, escolas e
comunidades reais. Para a psicóloga C, a separação de alunos “com necessidades especiais” restringe suas chances de
inclusão na sociedade. Além disso, priva os alunos considerados capazes, da oportunidade de desenvolver a com­
preensão e a aceitação daqueles que têm dificuldades, aumentando a probabilidade de estigmatização. Em discordância,
os professores e os pais dos alunos não portadores de necessidades especiais alegam os seguintes motivos para
separar os dois grupos: 1) o fato de um aluno com necessidades especiais se encontrar em uma sala de aula com alunos
ditos capazes não significa que ele irá adquirir o senso de pertença; 2) alunos com necessidades especiais podem ser
socialmente isolados tanto em uma classe regular quanto em uma classe especial; 3) os professores estão sobre­
carregados de atribuições e de problemas com alunos não portadores de necessidades especiais, mas que apresentam
baixo rendimento escolar e, em geral, não estão preparados para lidar com os comportamentos imprevisíveis dos alunos
portadores de necessidades especiais. Por fim, os professores da escola lançam a seguinte questão: a alegação da
psicóloga C de que o Programa possui uma estrutura de apoio psicológico e pedagógico à inclusão social dos alunos
portadores de necessidades especiais é teoricamente boa, mas não ocorre na prática.

Fonte: Caso extraído de situação real e adaptado para a realização do estudo.

Tabela 13.3 Frequência de respostas dos pesquisados referentes às categorias de valores éticos
do Caso 3
Escala de intensidade
4
Categorias de valores éticos 1 2 3
Não se aplica
Caso 3 Nada Parcialmente Totalmente
ao caso
Nº % Nº % Nº % Nº %
Igualdade/liberdade 02 1,3 44 28 131 82,9 01 0,6
Saúde e qualidade de vida 02 1,3 19 12 110 70,1 01 0,6
Não discriminação e não violência 02 1,3 34 21,5 130 82,3 07 4,4
Responsabilidade social 04 2,5 51 32,3 119 75,3 01 0,6
Desenvolvimento da psicologia 04 2,5 49 31,0 84 53,2 19 12
Acesso da psicologia 04 2,5 22 13,2 82 51,9 23 14,6
Dignidade da profissão 130 77,8 22 13,2 06 3,6 09 5,0

e liberdade, somente 1,3% dos psi­có­logos en­ clusão social não se pautou por saúde e qua­
tendem que os argumentos e ações da psic­ó­ lidade de vida. Contudo, para 98,1% dos
loga C não se pautaram por esses va­lores. pesquisados, a psicóloga C orientou par­cial­
Contudo, para 98,1% dos respon­den­tes, as mente ou no todo sua ação por tais valores.
jus­tificativas e as res­pec­tivas prá­ticas da psi­ Destes, 28% dos respondentes per­cebem pre­
cóloga C se encontram devi­damente guia­das ceitos de saúde e qualidade de vida nas prá­
por tais preceitos éti­cos. Destes, 15,2% per­ ticas da psicóloga C. Outros 79,1% entendem
cebem que esses valo­res foram con­side­rados que tais valores se encontram totalmente pre­
em parte. Já para 82,9%, tais pre­ceitos foram sentes nas ações da psicóloga C.
considerados na totalidade. Quando se reportaram a não discri­mi­
A respeito dos valores Saúde e quali­dade nação e não violência, 1,3% dos psicó­logos
de vida, apenas 1,3% entende que o direcio­ pesquisados observou que tais valores não
namento da psicóloga C no programa de in­ orientaram em nada a condução da psicó­
296 Bastos, Guedes e colaboradores

loga C. De modo diametralmente oposto, pa­ dos enten­dem que a psicóloga C consi­de-
ra 94,3%, a psicóloga C guiou seus proce­di­ r­ou em parte ou no todo esse valor. Destes,
mentos em parte ou no todo por esses valores. 21,5% dos entre­vistados percebem o valor
Destes, 12% perceberam em parte tais va­ parcialmente. Já 57,6% dos sujeitos pes-
lores. Em complemento, 82,3% dos su­­jeitos qui­sa­dos percebem que tal valor foi total­
pesquisados percebem que tais valo­res orien­ mente con­siderado. Por fim, para 19% dos
taram totalmente as ações da psi­cóloga C. entre­vistados, a pergunta não é pertinente
Em re­lação ao valor Respon­sa­bi­lida­de so­cial, ao caso.
2,5% dos investigados per­ce­bem os pro­
cedimentos da psicóloga C não orien­­tados por
esse valor. Contudo, para 96,8%, a psicóloga Discussão das relações entre valores
C orientou em parte ou no todo o seu com­ éticos e a atuação da psicóloga C em
portamento por esse valor. Destes, 21,5% per­ um programa de inclusão social
cebem que o referido valor foi con­templado
em parte. Já para 75,3% dos res­pondentes, As frequências das respostas atingidas
esse valor foi levado em conta totalmente pe- nesse caso tendem para compreensões de
la psicóloga C. parte expressiva dos psicólogos pesquisados
Em relação ao valor ético Desenvol­vi­ de que cada um dos valores éticos está na
mento da psicologia, 2,5% dos pesquisados base dos argumentos e das decisões da psi­
compreendem que a posição da psicóloga C cóloga C.
não se guiou por esse valor. Todavia, 85,5% Os valores éticos observados como mais
dos sujeitos pesquisados entendem que a presentes foram Igualdade e liberdade, de par­
psicóloga C orientou em parte ou total­ cialmente (15,2%) a totalmente (82,9%); Não
mente sua prática por tal preceito. Destes, violência e não discriminação, de par­cial­mente
32,3% en­tendem que esse valor foi par­cial­ (12%) a totalmente (82,3%); Saú­de e quali­
mente consi­derado. Já outros 53,2% com­ dade de vida, de parcialmente (79,1%) a total­
preen­dem a pre­sença desse valor na totali­ mente (28%) e Responsa­bilidade social, de
dade. Por último, para 12% a pergunta não parcialmente (21,5%) a totalmente (75,3%).
se aplica ao caso. Ao se levar em conta os significados confe­
Quando se reportaram ao valor ético ridos a Igualdade, e liber­dade (Ferreira, 2004;
Acesso da psicologia, 2,5% dos sujeitos pes­ Abbagnano, 2000), Não discriminação (adap­
quisados percebem a conduta da psicóloga ta­do pelos autores de Ferreira, 2004), Não
C como não sendo orientada por esse valor. vio­lência (Bock, Fur­tado e Teixeira, 1999),
Contudo, 82,9% dos pesquisados percebem Saú­de (Dorsch, Hacker e Stapf, 2001), Qua­
que a psicóloga C guiou em parte ou total­ lidade de vida (Nahas, 2004) e Respon­sa­
mente seu comportamento por tal valor. bilidade social (Fer­­reira, 2004; Abbagnano,
Destes, 31% percebem esse valor como par­ 2000), e ao relacioná-los com os argumentos
cialmente considerado. Outros 51,9% en­ e as esco­lhas da psicó­loga C, pode ser obser­
ten­dem esse preceito como totalmente pre­ vado que a referida profissional pautou, de
sente. Por fim, para 14,6%, a questão não é modo sig­nificativo, suas ações pelos conceitos
pertinente ao caso. de igualdade (as crianças, com ou sem ne­
Concluindo, ao se referirem ao valor cessi­dades especiais, possuem as mesmas ne­
Dignidade da profissão, 1,9% dos pesqui­ ces­sidades), liberdade e não discriminação (a
sados – o que pode ser considerado pouco separação restringe suas chances de inclusão
sig­nificativo – compreende que a psicóloga C da sociedade), não violência (a inclusão social
não orientou sua conduta por esse valor éti­ diminui as chan­ces de estigmatização), saúde
co. De outra forma, 79,1% dos entre­vis­ta- (necessitam sentir que são queridas, que po­
O trabalho do psicólogo no Brasil 297

dem brincar, se divertir, chorar e correr ris­ de aprendiza­gem ajus­tado, multi­pa­rame­tra­


cos), qualidade de vida (precisam estar em do, à seme­lhan­ça da sociedade que preconiza
famílias, escolas e comunidades reais) e res­ o modelo social. A atualidade e a consistência
pon­sabilidade so­cial (a exclusão priva os alu­ dos argu­mentos da psicóloga C parecem ter
nos considerados capazes da oportunidade de sido per­ce­bidas por número expressivo de
desenvolverem a compreensão e a aceitação pesquisados.
daqueles com dificuldades). A respeito do Acesso da psicologia à po­
Além disso, embora percebido de modo pulação, percebido de parcialmente (31%)
menos intenso, mas que não deixa de ser a totalmente (51,9%), os entendimentos
representativo, foi o valor Dignidade da dos pesquisados também parecem condi­
pro­­fissão, de parcialmente (21,5%) a total­ zentes com o que é preconizado no Código
mente (57,6%). Nesse caso, as ações da psi­ de Ética em seu princípio fundamental V: “o
cóloga C foram vistas considerando o prin­ psicólogo contribuirá para promover a uni­
cípio ético VI, que afirma que “o psicó­logo versalização do acesso da população às in­
zelará para que o exercício profissional seja formações, ao conhecimento da ciência psi­
efetuado com dignidade, rejeitando situa­ cológica, aos serviços e aos padrões éticos
ções em que a Psicologia esteja sendo avil­ da profissão” (Conselho Federal de Psicolo­
tada” (Conselho Federal de Psicologia, 2005, gia, 2005, p. 7). Tal aspecto pa­rece ir ao
p. 7). Ou seja, ao discor­dar das intenções de encon­tro da questão professada por Mejias
pais e professores so­bre a segregação das (1984): como tornar o atendimento psico­
crianças ditas “nor­mais” e “anormais”, a psi­ lóg­ico mais acessível e útil a uma faixa
có­­loga C parece ter pre­servado o exercício mais ampla de nossa população, evitando
digno da profissão. que se restrinja a certos grupos limitados?
Em relação ao valor Desenvolvimento da A res­pos­ta apresen­tada pelo autor é a de
psicologia, compreendido de parcial­men­te uma atuação de caráter comunitário com
presente (32,3%) a totalmente (53,2%), nas enfo­que preventivo em uma perspectiva de
ações da psicóloga C, tais tendências pare­ saú­de pública. Ao defender de modo claro
cem levar em conta o princípio IV do código e obje­tivo a inclu­são social, a psicóloga C,
de ético, em que é reportado que “o psicó­ ao que parece, demonstrou possuir uma
logo atuará com responsabilidade, por meio pers­pec­tiva de acessibilidade, de não limi­­
do contínuo aprimoramento profissio­nal, con­­­ tação e de inte­gração entre diferentes seg­
tribuindo para o desenvolvi­mento da Psi­co­ mentos hu­ma­nos que habitam contextos
logia como campo científico de conheci­mento sociais co­muns, em que pese a necessida-
e de prática” (Conselho Federal de Psi­cologia, de de con­sideração às diferenças e parti­
2005, p. 7). Ao refutar intenções de práticas cula­ridades.
discrimi­na­tórias, a psi­cóloga C pare­ce ter de-­ Ao se considerar os dados obtidos nesse
monstrado argumentos ancorados em con­ caso, a percepção dos pes­quisados, compar­
cep­ções atuais referentes à inclusão social e tilhada por grande parte, foi a de que a psi­
a práticas não discri­mi­natórias em ambientes cóloga C orientou inten­samente seus argu­
escolares. Isso pode ser confir­ma­do por meio mentos e suas ações por meio dos preceitos
da afirmação de Bar­ros (2005) que enfatiza éticos que devem orien­tar a atuação do
como escola in­clusiva aquela que insere nas psicólogo brasileiro. Nos trechos das respos­
mesmas salas de aula crianças com deficiên­ tas dos psicólogos pes­quisados que seguem,
cias de todo e qualquer tipo e gravidade e se procura ilustrar de modo qualitativo a
crianças sem de­ficiências, reafir­mando, as­ percepção dos pesqui­sados a respeito do
sim, a neu­tralidade da condição de defi­ tema inclusão social. “A inclusão social deve
ciente, uma vez que pres­supõe um ambiente ser ‘bandeira’ de todo psicólogo”. “A psicóloga
298 Bastos, Guedes e colaboradores

segue os preceitos da educação inclusiva”. inclusão das crianças portadoras de neces­


“Precisamos unir a diver­sidade e não unificar sidades especiais. Tais argumentos são os
a semelhança.” “Um dos principais papéis do que seguem: alunos com necessidades espe­
psicólogo é a busca pela equidade e a in­ ciais numa sala com alunos conside­rados
clusão, social ou não”. “normais” não significa necessaria­mente
Quais os motivos ou as explicações para que os primeiros irão adquirir de modo au­
a predominância desse tipo de percepção? tomático o senso de pertença. Os profes­
Em primeiro lugar, deve ser considerado sores se encontram sobrecarregados e não
que o tema inclusão social se constitui as­ existe estrutura de apoio psicológico e peda­
sunto emergente e se encontra na ordem do gógico para conferir suporte para esse tipo
dia. Além disso, parece existir a expectativa de situação. A respeito dos argumentos pro­
no imaginário social de que o psicólogo fessados por pais e professores no Caso 3,
oriente sua atuação por meio de práticas Fujihira (2006) ressalta que as escolas estão
não discriminatórias, promotora da saúde e encontrando dificuldades na convi­vência
da qualidade de vida, acessíveis à população comum. Professores mal-orientados, sem
em geral, sempre guiada pelos preceitos de apoio para formação, não raro, apenas tole­
igualdade, liberdade e responsabilidade so­ ram os alunos portadores de neces­sidades
cial. Na atualidade, se pode arriscar dizer especiais, restando a estes uma pseudopar­
que são politica e ideologicamente corretos ticipação, do tipo “faz de conta”, o que re­
os discursos em prol da inclusão social. sulta em interações precárias com os cole­
Conforme mencionado por Quintão (2008), gas, tipificadas como exclusão social.
relevantes conquistas vêm sendo obtidas Por fim, conforme expõe Castel (1997),
nes­sa esfera. A atual Lei de Diretrizes e o processo de exclusão social pode repre­
Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394 sentar a situação de todos os que se encon­
de 20 de dezembro de 1996) prevê a garan­ tram alijados dos circuitos vivos das trocas
tia de vagas na escola regular para edu­ sociais. Ainda para o autor, a exclusão social
candos portadores de necessidades especiais não se restringe apenas à desintegração do
desde a educação infantil, assim como con­ mercado de trabalho, mas refere-se também
templa a compra de vagas pelos governos a uma ruptura nos laços sociais e familiares.
em escolas especiais, instituições privadas Tal quebra de relações sociais é denominada
sem fins lucrativos, para os casos que ne­ de desfiliação.
cessitam de uma condição de ensino es­pe­
cializado. Entretanto, a autora alerta para o
fato de que, o que se constata ainda é uma ALGUMAS CONCLUSÕES QUANDO
grande dificuldade da sociedade para ope­ COMPARADAS AS PERCEPÇÕES DOS
racionalizar suas proposições, verifican­do- PSICÓLOGOS PESQUISADOS NOS
se a necessidade de uma constante revi­são CASOS 1, 2 E 3.
de suas práticas inclusivas, por vezes exclu­
dentes e discriminatórias. Não basta "estar Na Tabela 13.4 são apresentadas de
dentro" – da escola, das instituições, da em­ mo­­­­do comparativo as percepções dos pes­
presa, dos espaços públicos e privados – pa­ qui­sados nos casos 1, 2 e 3 referentes aos
ra haver inclusão. Os princípios da ex­clusão sete preceitos éticos que orientam os prin­
encontram-se imbuídos nas relações. Essa cípios éticos fundamentais presentes no có­
constatação representa um pouco do que digo de ética do psicólogo brasileiro. Para
pode ser observado no Caso 3, em es­pecial tanto, fo­ram dispostos no plano vertical os
a respeito dos argumentos usados por pais e sete pre­ceitos éticos e, no plano horizontal,
professores para não concordarem com a as res­postas conferidas aos casos 1, 2 e 3,
O trabalho do psicólogo no Brasil 299

res­pectivamente. Na tabela, para cada um mente, considerando-se o somatório das res­


dos casos, foram aglutinadas as escalas na­ postas dos pesquisados e as respectivas
da e não se aplica e parcialmente e total­ frequências.

Tabela 13.4 Comparação entre as opções dos pesquisados de cada um dos sete preceitos éticos e os
Casos 1, 2 e 3
Caso 1 Caso 1 Caso 2 Caso 2 Caso 3 Caso 3
Preceitos éticos Nada/Não Parcialmente/ Nada/Não Parcialmente/ Nada/Não Parcialmente/
se aplica Totalmente se aplica Totalmente se aplica Totalmente
Igualdade/ 68/41%
122/57% 92/43% 98/59.1% 03/1.9% 155/98.1%
liberdade
Saúde/qualidade 41/24.6%
45/21.7% 162/78.2% 126/75.4% 03/1.9% 154/98.1%
de vida
Não discriminação/ 45/27.1%
131/63.9% 74/36.1% 121/72.8% 09/5.7% 149/94.3%
não violência
Responsabilidade 35/21.2%
92/45.4% 111/54.6% 130/78.8% 05/3.1% 153/96.8%
social
Desenvolvimento 33/19.8%
135/67.2% 66/32.9% 134/80.2% 23/14.5% 135/85.5%
da psicologia
Acesso da 32/19.5%
149/74.5% 51/25.5% 132/80.5% 27/17.1% 131/82.9%
psicologia
Dignidade da
128/64% 72/36% 139/82.8% 28/16.8% 33/20.9% 125/79.1%
profissão

Em relação ao preceito ético Igualdade poderiam estar relacionadas com os prin­


e liberdade, ao se comparar os três casos, cípios estabelecidos na Declaração dos Di­
fica evidente que a percepção da presença rei­tos Humanos (1948) e com o con­texto de
do mesmo ocorreu de modo majoritário no estado democrático no qual esta­mos inse­
Caso 3 (98,1%), seguido do Caso 1 (43%) e ridos, no qual valores como liber­dade de
do Caso 2 (41%). Cabe lembrar, conforme expressão e igualdade de direitos se consti­
já referido, que, apesar de terem ocorrido tuem ideias ou valores intensa­mente idea­li­
evidentes transgressões do Código de ética zados e racionalizados?
do psicólogo brasileiro nos Casos 1 e 2, ain­ Os valores saúde e qualidade de vida
da assim, os valores Igualdade e Liberdade foram percebidos de modo mais intenso no
foram percebidos, por parte, que não pode Caso 3 (98,1%) e depois no Caso 1 (78,2%).
ser considerada inexpressiva, como influen­ Surpreende também o fato de que, no Caso
ciando convicções e práticas nos referidos 1, número significativo de respondentes te­
casos. Em princípio, duas possibilidades po­ nham compreendido os equívocos éticos co­
dem ser aventadas para a obtenção de tais metidos pela psicóloga A ao defender a per­
resultados. O código de ética, em es­pecial manência do menino no Brasil como pro­
os seus princípios fundamentais e os respec­ motora, pelo menos em parte, de saúde
tivos significados não são do conhe­cimento e qualidade de vida para todos os que se en­
de parte significativa do conjunto dos psicó­ contravam envolvidos naquela situação.
logos brasileiros? Os significados conferidos Quais explicações podem ser conferidas pa­
aos valores liberdade e igual­dade, em es­ ra esse tipo de compreensão? As caracte­
pecial nos Casos 1 e 2, não fo­ram devida­ rísticas masculinas de nosso contexto social,
mente compartilhados por uma parte dos que atribui ao homem maior relevância nas
pesquisados? Nos Casos 1 e 2, a percepção interações entre papéis sociais (Hofstede,
dos valores Igualdade e liberdade também 1980), podem ser uma justificativa. Nesse
300 Bastos, Guedes e colaboradores

caso específico, “o pai é o chefe da família”, O valor Desenvolvimento da psicologia


portanto cabe a ele influenciar sobremanei- foi percebido de modo mais substancial no
ra decisões importantes a respeito dos par- Caso 3 (85,5%) e depois no Caso 1 (32,9%).
ticipantes do contexto familiar. No que se refere ao Caso 1, a psicóloga A,
Os valores não discriminação e não vio­­­­­ por meio de seus argumentos e de suas de­
lência foram percebidos mais intensa­mente no cisões, contribuiu e demonstrou estar em
Caso 3 (94,3%). Contudo, 27,1% dos pes­ contínuo estado de aprimoramento profis­
quisados perceberam a presença dos mesmos sio­nal? Os argumentos por ela professados
no Caso 2. Qual tipo de lei­tura se pode fazer demonstraram isso? Parece que não! Os
disso? Os argumentos e as decisões da psic­ó­ equívocos éticos identificados são evidentes!
loga B estariam sendo considerados como não Portanto, suas ações parecem não ter con­
discriminatórios? As questões referentes à in­ tribuído em nada para o desenvolvimento
vio­labilidade de consciência e de crença e o da Psicologia como campo científico de co­
direito à livre expressão científica e religiosa nhecimento e de prática. O que esse resul­
garantidos pela Constituição Federal, confor­me tado parece demonstrar é uma certa ausên­cia
referido pela psicóloga B, determinaram as de entendimento e de conexão entre de­
percep­ções desses psicólogos pesquisados? Se senvolvimento da Psicologia e atuação pro­
este tiver sido o caso, ao compartilharem da fissional. Essa parte específica dos pesqui­
compreensão da psicóloga B de que Astro­logia sados parece não compreender o que signi­
e Psicologia constituem artes que se encontram fica desenvolvimento que pressuponha o con­
em patamares similares, esses pes­quisados pa­ tínuo aprimoramento profissional, de mo­do
recem ter desconsiderado o fato de a Astrologia que se possa reelaborar significados e revi-
constituir uma pseu­dociência que procura sar referenciais de ação para tornar-se o que
iden­tificar a influên­cia das estre­las e dos pla­ ainda não se é (Malvezzi, 1988; Zanelli,
netas na perso­na­lidade e na vida afetiva das 2002). Tal princípio disposto no Código de
pessoas (Huffman, Vernoy e Ver­noy, 2003). ética, ao não ser devidamente compreen­dido,
No que se refere às práticas que expres­ parece gerar como consequência o não enten­
sam Responsabilidade social, tal valor foi dimento da relação que o conecta à atuação
percebido como mais presente no Caso 3 da referida profissional. Como en­ten­der a
(96,8%), seguido do Caso 1 (54,6%). Tam­ relação de algo que não é com­preen­dido ou
bém no Caso 1, o parecer da psicóloga A de que é visto de modo distorcido quando com­
não permitir que o menino deixasse o Brasil parado ao Código de ética profissional?
e permanecesse sob a guarda do pai, consi­ Ao se observar à percepção dos pesqui­
derando as transgressões éticas cometidas, sados sobre o valor Acesso da psicologia, no­
mesmo assim, foi percebida como respon­ vamente, tal valor foi percebido com maior
sável socialmente (Ferreira, 2004 e Abbagna­ incidência no Caso 3 (82,9%) e de­pois no
no, 2000). Nesse caso, os psicólogos com­ Caso 1 (25,5%). Também deve ser ressaltado
preenderam que a referida profissional pau­ que 74,5% dos pesquisados per­cebem no Ca­
tou suas ações, levando em consideração os so 1 que esse valor ou não se encontrava na
interesses de todas as partes envolvidas; base de influência das deci­sões da psicóloga
isso, conforme pode ser observado, não foi A ou não se aplicava ao caso. O que tais
o que ocorreu. Ou seja, o fato é que a psi­ descobertas parecem reve­lar? No Caso 3, a
cóloga A não orientou seus argumentos e intensidade da identi­ficação desse valor pa­
suas decisões de modo a analisar critica e re­ce demonstrar que os pesquisados com­
historicamente a realidade política, econô­ preen­dem a Psicologia em situações de faci­
mica, social e cultural de todo o contexto de litação da inclusão so­cial como forma evi­
sua atuação. dente de torná-la aces­sível e disponível a ca­
O trabalho do psicólogo no Brasil 301

madas da população que habitualmente não men­­tos e posições políticas e ideológicas


possuem aproxi­ma­ção ou trânsito com esse com­partilhadas a respeito dos significados
tipo de conhe­cimento no cotidiano de suas dos valores éticos guias de suas práticas
vidas. Em re­la­ção ao Caso 1, chama a aten­ pro-fis­sionais. Em razão disso, observa-se
ção o fato de que aproximadamente 1/4 dos que tam­­bém ficou explícita a necessidade
pesquisados entende a situação de existência de ações concretas que visem a demons-
de aces­sibilidade da psicologia, mesmo dian­ trar a importância das relações entre os
te de fla­gran­tes violações éticas. Isso parece preceitos éticos funda­mentais do Códi-
in­dicar contradição com a ideia de dispo­ go de ética e os compor­tamentos profissio­
nibilizar informações precisas, com decor­rên­ nais condi­zen­tes. A reali­za­ção de mais es­
cias afe­tivas adequadas às pessoas que neces­ tudos nessa direção, por certo, poderá tra­
sitam das mesmas (Hall, 2004). Tam­bém vai zer con­tri­bui­ções signi­fica­tivas para o de­
de encontro com o que está dispos­to no item sen­vol­vi­mento pessoal e pro­fissional dos
V do código de ética, em que está dito: “o psi­có­logos brasi­leiros.
psicólogo contribuirá para pro­mover a uni­
versalização do acesso da popu­lação às in­for­
mações, ao conhecimento da ciência psi­co­ Referências
lógica, aos serviços e aos pa­drões éticos da
ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. Rio de
profissão”. Tal fato, no míni­mo, merece refle­
Janeiro Martins Fontes, 2000.
xão para que se com­preen­da as possí­veis ALBERTI, R.; EMMONS, M. Como se tornar mais
con­sequências geradas pelo mesmo. con­­fiante e assertivo. Rio de Janeiro: Sextante,
Por fim, a respeito do valor Dignidade 2008.
da profissão, as percepções de maior inci­ BARÓ, I. M. Acción e ideología: San Salvador:
dência desse preceito ocorreram nos casos UCA Editores, 1988.
um e três. No Caso 3, o percentual obtido BARROS, A. Alunos deficientes nas escolas regu­
parece revelar conformação com o princípio lares: limites de um discurso. Revista Saúde e so­
ético que é fundamentado por dignidade da ciedade. V.14, n.3. São Paulo. Set/dez 2005.
profissão. Já em relação ao Caso 1, mais uma BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L.
vez, ocorre contradição ao se consi­derar o T. Psicologias: uma introdução ao estudo da psi­
cologia. São Paulo: Saraiva, 1999.
comportamento da psicóloga A orientado
BOURDIEU P. O poder simbólico. Tradução de
pelo princípio ético de que “o psicólogo con­ Fernando Tomaz. 3ª. ed. Rio de Janeiro (RJ):
siderará as relações de poder nos contextos Bertrand Brasil; 2000.
em que atua e os impactos dessas relações CAMINO, Cleonice, CAMINO, Leôncio, PEREIRA,
sobre as suas atividades pro­fissionais, posi­ Cícero et al. Moral, direitos humanos e parti­
cionando-se de forma crítica e em conso­ cipação social. Estudos de psicologia. (Natal),
nância com os demais princípios deste có­ Jan./Apr. 2004, vol.9, no.1, p.25-34.
digo”. O que se pode observar de fato nesse CASTEL, R. As armadilhas da exclusão. In: BÓ­
caso foi um posicionamento não crítico e GUS, L.; YAZBEK, M. C.; BELFIORE-WANDERLET,
ten­dencioso da parte dessa profis­sional. Ca- M. (Org.). Desigualdade e a questão social. São
be também evidenciar que, no Caso 2, 82,8%, Paulo: EDUC, 1997. p. 15-48.
CHAUI, M. de S. Convite à Filosofia. São Paulo:
número bastante expressivo do total de pes­
Ática,1995.
quisados, consideraram a Digni­dade da pro­ CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓ­
fissão ou ausente no compor­tamento da psi­ LO­GO. Brasília: Conselho Federal de Psicologia.
cóloga B ou não se aplicando ao caso. XIII Plenário do Conselho Federal de Psicologia,
O que se pode depreender de tais des­ Agosto de 2005.
cobertas é que, em geral, parece não exis- DAVIDOFF, L. Introdução à psicologia. São Paulo:
tir no contexto desses psicólogos entendi­ Atlas, 2001.
302 Bastos, Guedes e colaboradores

DIMENSTEIN, Magda. O psicólogo e o com­pro­ SCHEIN, E. H. Organizational culture and lea­


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14
Os vínculos do psicólogo com o seu trabalho
uma análise do comprometimento com a
profissão e com a área de atuação
Antonio Virgílio Bittencourt Bastos, Mauro de Oliveira Magalhães
e Talyson Amorim Tenório de Carvalho

A dinâmica e as características de um de atuação. Após uma breve revisão teórica


campo profissional são afetadas pe­la qua­­ sobre o compro­metimento com a profis­são,
lidade do vínculo que os seus inte­grantes este capítulo analisa e apresenta os dados
desenvolvem com o trabalho. As caracte­rís­ informados por uma subamostra dos parti­
ticas desse vínculo não têm conse­quên­- cipantes da pes­quisa sobre o psi­cólogo no
cias apenas para o desempenho in­dividual, Brasil que res­pondeu a medidas de compro­
pois uma categoria profissional terá maio­ metimento com a profissão e com a área
res visibilidade, impacto e representa­ti­vi­da­ de atuação.
de sociais se os seus mem­bros forem ca­pa­
zes de elevada dedicação e de um sen-
so de res­ponsabilidade pelo futuro da pro­ Comprometimento com a
fissão. profissão: conceitos centrais
Sabe-se pouco sobre as intensidades e
as qualidades de comprometimento que o Existe bastante confusão conceitual quan­­
psicólogo desenvolve com a profissão e com to aos termos “profissão”, “carreira” e “ocupa­
a sua área de atuação. A psicologia ca­rac­ ção”, aplicados indistintamente, sem maiores
teriza-se por ser um mosaico rico de diversos preocupações em precisar o escopo e o uso
contextos de inserção profissio­nal; isso con­ específico de tais con­ceitos. No pre­sente tra­
figura múltiplas possibilidades de trajetórias balho, assumimos as definições pro­postas por
profissionais. Acredita-se que tais trajetórias van Maanen e Barley (1984). Para esses au­
possam ser melhor com­preen­didas por meio to­res, “ocupação” é um termo básico que des­
dos vínculos que o traba­lhador estabelece creve o conjunto de ativi­dades e com­petên­
com diferentes aspectos e possibilidades de cias para a produção de um bem ou pa­ra a
atuar como psicólogo. O vínculo com a pro­ prestação de um serviço. O termo “pro­fissão”
fissão rela­ciona-se, por exemplo, com as in­ agrega como dimensão descritiva o grau de
tenções futuras de per­manência e de inves­ profissionalismo das ocupações. Uma ocupa­
timento na mesma ou em uma de suas áreas ção assume o status de profissão na me­dida
304 Bastos, Guedes e colaboradores

em que requer um longo processo de forma- qualidade do trabalho, no esforço extra,


ção e treinamento, recebendo amplo reco- entre outros comportamentos desejáveis de
nhecimento social como base para o exercício um profissional. O entendimento desses com-
de autoridade em relação aos temas de sua portamentos requer a consideração da diver-
competência. Para tanto, possui um código de sidade de aspectos que compõem a vida pro-
ética responsável por regular suas atividades fissional e que podem ser objetos de compro-
e uma cultura profissional estável. Por fim, o metimento. As atividades de trabalho se cons-
termo “carreira” significa uma sequência de tituem a partir de diversos componentes – or-
trabalhos articulados ao longo do tempo, que ganizações, ocupações, sindicato, tarefa, gru-
pode incluir ocupações e/ou profissões. A po, lideranças, clientes, etc. – que são arti-
ocupação do psicólogo possui as características culados nas percepções, nas atitudes e nos
que configuram uma profissão. Por outro la- comportamentos do trabalhador. Tais compo-
do, a diversidade de campos e áreas de atua- nentes podem ser abordados como focos di-
ção psicológica possibilita escolhas e transi- ferenciados de comprometimento. O psicólo-
ções que configuram diferentes carreiras pro- go, no seu exercício profissional, desenvolve
fissionais em psicologia. vínculos positivos ou negativos, fortes ou fra-
O comprometimento com a profissão cos – com diferentes dimensões desse exer-
revela-se na permanência, na dedicação, na cício, como ilustra a Figura 14.1.

Profissão
carreira
Grupos de Área de
estudo atuação

Conselho
Trabalho
profis-
sional Tarefas

Socie- Posições
PSICÓLOGO
dade teóricas

Colegas
Sindicato
Equipe

Chefias Organização
Clientes/
Usuários

Figura 14.1 Múltiplos focos de comprometimento no trabalho do psicólogo.

Pode-se pensar, então, que o mundo do renciados entre áreas profissionais, aproxi-
trabalho configura-se em possibilidades de mando-se de alguns contextos, afastan-
desenvolvimento de vínculos. O psicólogo, do-se de outros, enfim, investindo energia
ao longo de sua vida no trabalho, faz esco- em direções que configuram a trajetória
lhas de áreas ou de domínios de atuação. profissional que se deseja construir. Nesse
Nesse percurso, podem-se observar prefe- sentido, na presente pesquisa, os focos de
rências e desenvolverem-se vínculos dife- comprometimento estudados foram a pro-
O trabalho do psicólogo no Brasil 305

fis­são e a área de atuação profissional do timentos positivos como itens de avaliação.


psi­­cólogo. Nes­sa perspectiva, o com­prometimento é defi­
No estudo do vínculo com a profissão, um nido como uma motivação para continuar
primeiro e importante marco foi o tra­balho de trabalhando na profissão escolhida, sendo es­
Blau (1985), que desenvolveu uma escala se vínculo ba­seado na ligação afetiva do in­
uni­dimensional de sete itens, to­mando o com­ divíduo com a sua ocupação (Lee, Carswell e
prometimento como uma ati­tu­de em relação Allen, 2000). A Figura 14.2 sintetiza algumas
à profissão e incluindo as noções de iden­ di­men­sões que são apontadas como defini­
tificação, de desejo de per­manência e de sen­ doras do comprome­timento com a profissão.

• Desejo de continuar na • Concordância, aceitação


carreira e na profissão dos valores
• Persistência/Resiliência • Crença na contribuição para a
• Objetivo de vida e de sociedade
carreira se confundem
• Metas/Planejamento
Permanência Identificação

Sentimento Desempenho

• Relação afetiva
• Dedicação
• Significado pessoal
• Empenho
• Investimento na qualificação

Figura 14.2 Elementos que definem o comprometimento com a profissão.

De um modo geral, o comprometimento a profis­são. Assim, os autores propõem que


no trabalho pode ser definido como a iden­ o com­prometimento com a profissão seja tam­
tificação, a permanência e o investimento bém um fenômeno multidimensional com­­
do indivíduo numa determinada linha de posto de três bases psicológicas princi­pais,
ação ou de condição ocupacional. Por outro como pode ser observado na Figura 14.3.
lado, mais especificamente, o comprome­ti­ Essa diversidade de bases traz uma
mento pode surgir e se fortalecer a partir de com­plexidade adicional ao estudo do com­
distintos processos psicológicos e psicos­so­ pro­metimento, dirigindo os esforços de pes­
ciais, fazendo com que esse vínculo assuma quisa para a verificação do peso relativo
naturezas diferenciadas. A literatura adotou desses distintos componentes em possíveis
o conceito de bases do comprometimento perfis ou padrões típicos desse tipo de vín­
pa­ra caracterizar os processos psicológicos culo. Na presente pesquisa, foram exami­
que fundamentam as diversas formas de nadas as bases afetiva e instrumental do
vínculo com o trabalho. Meyer, Allen e comprometimento com a profissão.
Smith (1993) trouxeram uma visão tridi­ O comprometimento de base afetiva
men­sional das bases do comprometimento, tem sido o mais estudado e recebe maior
antes apli­cada ao foco organização, para o des­taque na literatura. Tendo como foco a
campo de estudo do comprometimento com profissão, foi definido como a aceitação e a
306 Bastos, Guedes e colaboradores

• Identificação com os valores da profissão


• Gosto pela profissão, envolvimento, elo emocional
• Senso de autorresponsabilidade pelo futuro da profissão
Afetivo

• Permanência na profissão pelos custos associados à mudança


• Investimentos feitos na carreira dificultam abandoná-la
• Vínculo calculativo baseado na relação custo/benefício
Instrumental
• Sentimento de dever, de obrigação em permanecer na profissão, sem
necessariamente ter um vínculo afetivo

Normativo

Figura 14.3 Bases do comprometimento ocupacional, segundo Meyer, Allen e Smith (1993).

crença do indivíduo em relação aos valores construto entrincheiramento na carreira


da profissão ou à linha de trabalho e o de­sejo (Ma­­galhães, 2008). O construto de entrin­
de manter-se como membro desta cate­goria chei­ramento representa comportamentos de
de trabalhadores (Vanderberg e Scar­pello, imobilidade e de falta de perspectivas de
1994). A base instrumental do com­pro­meti­ carreira, associados a três categorias de fa­
mento é uma função das recom­pensas e dos tores: investimentos na carreira, custos
custos associados à mudança do curso de emo­cionais e limitações nas alternativas de
ação. Nessa pers­pectiva, o tra­balhador estará carreira. Os investimentos incluem o tempo,
vinculado à sua profissão na medida em que o dinheiro e o esforço necessários à ob­
perceber um saldo po­sitivo de benefício pes­ tenção de habilidades credenciais perti­nen­
soal em comparação aos custos associados a tes a determinada área de trabalho, assim
deixá-la. O compro­metimento instrumental como o salário, a posição e outros aspectos.
pode iniciar com o acúmulo de investimentos Os custos emocionais incluem a perda dos
em uma área pro­­fissional. Em seguida, o pro­ vínculos interpessoais do papel de trabalho
cesso contí­nuo de investimento e reinves­ e o impacto da mudança de carreira na vida
timento (por exemplo, o treinamento espe­ pessoal. A limitação de alternativas de car­
cializado adi­cio­nal) nessa ocupação pode ele­ reira significa a percepção de que a obso­
var a ne­ces­sidade do indivíduo de perma­ lescência ou a especificidade do treinamen-
necer na mes­ma profissão, embora insatis­ to restringe novas possibilidades de desen­
feito, para não sofrer perdas e desconfortos vol­vimento profissional e empregabilidade
psico­ló­gicos e de exposição social. O indiví­ (Car­­son, Carson e Bedeian, 1995). O pro­
duo quer evitar o estigma social associado cesso de entrincheiramento instala-se à me­
com mudanças na profissão e busca preser­var dida que o indivíduo sente que per­derá in­
sua identi­dade pessoal e profissional. Esfor­ça- vestimentos importantes, que sofrerá custos
se para provar a si mesmo e ao seu en­torno emocionais excessivos e que não deterá al­
social que fez a escolha certa. E, sendo assim, ternativas de carreira satisfa­tórias fora da
muitas vezes, a percepção de insatisfação sua atividade de trabalho atual.
com a profissão pode levar a mais investi­ Observa-se que tanto o entrinchei­ra­
mentos, tempo e esforços na esperança de men­to na carreira quanto os vínculos deno­
reverter essa situação. minados de base instrumental caracterizam-
A base instrumental do comprome­ti­ -se por uma postura passiva e defensiva do
men­to com a profissão está associada ao profissional, que se apega a uma área de
O trabalho do psicólogo no Brasil 307

trabalho e/ou organização por dificuldades ambiguidade do papel, comportamentos de


percebidas de recolocação no mercado. Em­ estruturação do supervisor). No trabalho de
bora esses construtos possam se referir a fo­ Colarelli e Bishop (1990), as variáveis ida­
cos diferentes do vínculo do indivíduo com de, locus de controle, anos de educação e
o trabalho (profissão, carreira, organi­zação, exis­tência de um “mentor” mostraram asso­
etc.), compartilham processos de pre­­ser­ ciação positiva com o comprometimento
vação psicológica e comportamentos de evi­ com a profissão, enquanto ambiguidade e
tação de perdas e danos. Assim como o vín­ con­­­flito entre papéis revelaram correlação
culo de base instrumental, o entrin­cheira­ negativa. O mais robusto preditor de com­
mento resulta da ponderação entre custos e pro­metimento foi a existência de um men­
benefícios associados à perma­nência ou ao tor que acompanha, orienta e fornece su­
abandono de uma área pro­fissional (Ma­ga­ porte ao indivíduo ao longo do período ini­
lhães, 2008). cial de sua profissão. Na pesquisa de Aryee
A investigação dessas duas bases do e Tan (1992), a saliência do trabalho na vi­
com­­prometimento com o trabalho na popu­ da, as oportunidades de carreira na orga­ni­
lação de psicólogos pode ser esclarecedora zação, a satisfação com a profissão e o com­
de perfis diferenciados do vínculo com a prometimento organizacional apare­ce­ram
profissão. As bases afetiva e instrumental, como preditores de comprometimento com
em­bora caracterizem formas distintas de co­ a profissão. Por sua vez, o compro­me­ti­men­
nexão com a atividade de trabalho, não re­ to com a profissão relacionou-se posi­tiva­
presentam processos psicológicos exclu­den­ mente com a busca de desenvol­vi­mento de
tes. Pesquisas anteriores revelaram que os habilidades e negativamente com inten­ções
trabalhadores, em geral, e os profissio­nais de abandonar a profissão. Evi­dências de
de administração e de processamento de que elevada escolaridade asso­cia-se a maior
da­­dos, em particular, podem apresentar ní­ comprometimento com a pro­fissão encon­
veis elevados de comprometimento tanto tram-se no trabalho de Grover (1992). A
instrumental quanto afetivo, bem como me­­tanálise conduzida por Lee, Carswell e
apre­­sentar elevada diferenciação entre os Allen (2000), envolvendo 76 amostras, re­
mes­mos (Bastos, 1994, 1997). ve­lou que as variáveis demo­grá­ficas (idade,
gênero, número de depen­dentes, estado
ci­­vil) apresentam correlações nulas ou fra­
O comprometimento cas com o comprometimento com a profis-
com a profissão: são. Tomados em seu conjunto, os estu-
antecedentes e impactos dos suge­rem que os construtos re­lacionados
sobre intenções de mudança ao pró­prio trabalho (envolvi­mento, satisfa­
ção) são centrais para o com­pro­metimen-
Identificar fatores que explicam a inten­ to ocupa­cional.
sidade e a natureza do comprometimento Bastos e Borges-Andrade (1995), Bastos
com a profissão é uma das questões rele­ e Lira (1997) e Bastos (1997) observaram
vantes nesse domínio de investigação. Exis­ que as pessoas avaliam o seu compro­me­
tem, todavia, poucas evidências quanto aos timento a partir do grau de congruência que
preditores desse comprometimento. No es­ percebem entre suas atividades de trabalho,
tu­do de Blau (1985), os maiores preditores seus interesses e suas vocações profis­sio­
de comprometimento de enfermeiras com a nais. Níveis mais baixos de compro­me­ti­
sua profissão foram duas variáveis pessoais mento afetivo com a profissão foram asso­
(maior tempo na profissão e não ser casada) ciados ao exercício de profissões não con­si­
e duas situacionais (menor percepção de deradas “ideais” para as características pes­
308 Bastos, Guedes e colaboradores

soais dos sujeitos. Os referidos autores in­ có­logos, o peso de fatores internos. Santos
for­maram que o processo de escolha pa­rece (1998) relatou pouca relevância dos fatores
ser o fator crucial para explicar o com­pro­ externos ao lado de elevada influência dos
metimento com a profissão em trabalha- fatores internos na escolha profissional de
dores de nível superior. Há profissionais de psicólogos, afirmando que estes sentem ter
nível superior cuja escolha foi contur­bada e escolhido livremente a profissão, atribuindo
guiou-se, por exemplo, pela facili­dade de pouco valor ao status, à remuneração e a
aprovação no vestibular ou por pressões per­ outros aspectos do mercado de trabalho.
cebidas no ambiente familiar. Nesses ca­­­sos, Bas­tos (1997), com uma amostra de estu­
observaram-se escores inferio­res de com­­pro­ dantes e profissionais de administração,
metimento com a profissão. também encontrou um maior peso atribuído
Alguns estudos discutem as decisões de aos fatores internos, embora a distância en­
carreira agregando elementos que podem tre fatores internos e externos não tenha
ser relevantes para a compreensão do com­ sido tão acentuada quanto entre os psicó­
pro­­metimento com a profissão. Greenhaus logos, revelando traços de culturas profissio­
(2003) distingue dois tipos de escolha pro­ nais diferenciadas. Resultados semelhantes
fissional: a) aqueles que tomam a decisão ali­ foram apresentados em outras pesquisas
cerçada em informações sobre si mesmo e (Carvalho et al., 1988; Krawulski e Patrício,
sobre o mundo do trabalho (chamando de 2005; Magalhães et al., 2001), em que os
grupo vigilante) e b) aqueles indivíduos que fatores internos apre­­sentaram maior in­fluên­
tomam as suas decisões com o objetivo de cia. Nesses estu­dos, esses fatores foram des­
minimizar a ansiedade e o medo. Moy e Lee critos como “bus­­ca da realização pessoal”,
(2002) defendem que as decisões de profissão “interesse em ajudar o próximo”, “construção
são baseadas nas vantagens ou des­vantagens de co­nhe­cimento”, “busca de autoconhe­ci­
percebidas nos empregos de interesse dos in­ mento” e “sentimento de altruísmo”.
divíduos, a exemplo da pro­pos­ta salarial e das As pesquisas também evidenciam a qua­
condições de trabalho. Para as autoras, os re­ se ausência de aspirações financeiras asso­
sul­tados dos processos de avaliação que cer­ ciadas à escolha da profissão, em contraste
cam a escolha profis­sional dependem, par­ti­ às motivações intrínsecas para obter os re­
cularmente, da per­cepção da atratividade dos sul­tados de uma relação terapêutica com o
atributos dos empregos associados. paciente (Magalhães et al., 2001). Car­valho
Esse conjunto de estudos e reflexões po­ e colaboradores (1988, p. 55) sugeriram que
de ser sintetizado afirmando-se que o pro­ “as pessoas se mobilizam mais pelo pra­zer
cesso de escolha de uma profissão envolve de ser psicólogo, pelas possibilidades de au­
uma diversidade de elementos que, todavia, to­conhecimento, de conhecimento, de ajuda
podem ser vistos como integrando dois e de contato com o outro do que pe­las con­
gran­des polos: fatores internos ou intrín­ dições em que o trabalho da psi­co­logia é
secos e fatores externos ou extrínsecos. Os exercido”. Na literatura interna­cional, Lee
fatores internos incluem o autoconceito, a (2005) também encontrou resul­ta­dos que
liberdade de escolha, os interesses e os va­ apontam os fatores internos como maiores
lores de trabalho. Os fatores externos re­ influenciadores no processo de es­colha da
ferem-se, por exemplo, às características profissão para quase 67% da sua amostra
do mercado de trabalho, às pressões sociais de estudantes do curso de psico­logia na
e familiares, à remuneração, entre outros. Coreia do Sul.
Ape­sar das diferenças ao tratar esses dois Um segundo tópico importante para a
con­juntos de fatores, alguns resultados de compreensão do comprometimento com a
pesquisa revelam, especialmente entre psi­ profissão refere-se às intenções compor­ta­
O trabalho do psicólogo no Brasil 309

mentais de mudar ou permanecer no tra­ balho está relacionada a uma análise sub­
balho, variável utilizada como critério em mui­ jetiva das recompensas e dos custos de di­
tos estudos sobre comprometimento, com dife­ ferentes atributos de trabalho. Tais fatores
rentes focos. Como sabemos, com­prome­ti­ podem influenciar a rotatividade dos profis­
mento é um construto largamente utilizado sionais no contexto de trabalho, por meio
para predizer intenções de saída do trabalho, de seus efeitos nas atitudes de trabalho. No
da organização, do sindicato e das profissões. estudo realizado por Santos (1998) com psi­
Carless e Bernath (2007) investigaram cólogos baianos, o comprometimento com a
os antecedentes da intenção de mudar de profissão revelou-se um preditor im­portante
carreira em uma amostra de 437 psicólogos de intenções de permanecer na profissão.
australianos. Os autores definiram mudança Essa mesma relação foi encon­trada em rela-­
de carreira como o movimento para uma ção à área de atuação profissional.
nova ocupação que não é parte de uma A apresentação dos resultados obtidos
progressão típica de carreira. Portanto, dis­ no presente estudo está estruturada em dois
tin­gue-se da mudança de emprego, que é o principais segmentos. No primeiro, focaliza-
movimento para um emprego similar ou -se o comprometimento com a profissão,
para um novo emprego dentro de uma tra­ con­­siderando-se as suas bases afetiva e ins­
jetória normal de carreira. Nesse traba­lho, trumental. Após os dados descritivos bási­
foi utilizado o modelo de comprome­timento cos, é mostrado como os níveis de com­pro­
desenvolvido por Carson e Bedeian (1994), metimento variam entre segmentos da amos­
permitindo identificar várias corre­lações ­tra, com prioridade para a condição de in­­­­
entre as dimensões de compro­me­timento serção profissional, área de atuação e orien­
previstas nesse modelo e intenções, além tação teórica; em seguida, são des­critas as
de outras variáveis, tais como satisfa­ção associações entre compro­meti­men­to, es­co­lha
e ca­rac­terísticas de personalidade. Car­less da profissão e intenções fu­turas de mu­dança
e Ber­nath (2007) relataram que se mos­ em relação a essa. Conclui este pri­meiro seg­
traram preditores importantes da intenção mento a apresentação dos pa­drões de com­
de mudar de carreira somente a satisfação prometimento em relação à pro­fissão que
no trabalho (b = –0,37; p < 0,001), o pla­ expressam como grupos de psicólogos se di­
ne­jamento (b = –0,21; p < 0,001) e a resi­ ferenciam ao combinarem os vínculos afe­tivo
liência de carreira (b = –0,16; p < 0,001), e instrumental com a profis­são. Esses pa­
duas das dimensões do modelo de Carson e drões são caracterizados traçan­do-se um per­
Bedeian (1994). Considerando as médias e fil do psicólogo que está em cada grupo ou
os desvios padrão como um todo, os autores padrão. O segundo segmento dos resulta­dos
sugerem que, como grupo, os psicólogos toma como foco o compro­me­timento com a
mostraram escores elevados e similares de área de atuação profissional, seguindo a mes­­
identidade de carreira. ma estrutura do primeiro.
O modelo apresentado no trabalho de
Dam (2005) baseia-se nos estudos de Kelley
e Thibaut do final da década de 1970, para O comprometimento
os quais um relacionamento está estru­tu­ com a profissão entre
rado por dois elementos: a satisfação e a psicólogos brasileiros
dependência. A autora aponta quatro fato­
res básicos, são eles: recompensa, custos, O resultado mais geral revela que o
alternativas e investimento, contemplando com­­prometimento do psicólogo com a sua
a ideia de que a avaliação feita pelo indi­ pro­fissão é bastante forte e, predominan­te­
víduo (profissional) de sua trajetória de tra­ mente, apoiado em uma base afetiva e com
310 Bastos, Guedes e colaboradores

uma variabilidade relativamente pe­que­na metida com a profissão – com expressivos


en­tre os participantes da pesquisa. Em uma 82,3% dos casos apresentando um elevado
escala de cinco pontos, a inten­sidade do comprometimento afetivo. Verifica-se, por
vín­culo afetivo com a profissão atingiu o exemplo, que é extremamente reduzido o
escore médio de 4,4 e um desvio padrão de número daqueles que apresentam compro­
0,69. Por outro lado, o vínculo instrumental metimento afetivo baixo com a sua profissão
situa-se em patamar ligei­ra­mente acima do (apenas 5,7%). Quanto ao comprome­ti­men­
ponto médio da escala (mé­dia de 3,4), to instrumental, a distribuição já não apre­
apre­­sentando uma varia­bilidade um pouco senta níveis tão elevados de concen­tração
maior (desvio padrão de 0,99). Ou seja, os dos casos no estrato mais elevado. Pelo
escores de compro­meti­mento foram bas­tan­ contrário, a maioria dos psicólogos distribui-
te homo­gêneos na amos­tra como um todo, se entre as categorias elevado e modera­
sendo que a base afetiva mostrou-se mais damente positivo. Já se encontra, também,
elevada e mais homogênea do que a base um pouco mais de 1/4 da amostra com ní­
ins­trumental quando o foco do com­prome­ veis baixos ou muito baixos de com­prometi­
timento é a profissão. mento instrumental.
Esses resultados ficam bem eviden- Como variam esses níveis de comprome­
tes quando se observa, na Figura 14.4, a timento entre os vários segmentos de psi­
dis­tribuição dos escores da amostra nas cólogos que participaram da pesquisa? Na
duas dimensões de comprometimento es- realidade, não foram observadas diferen-
tu­dadas. ças acentuadas de comprometimento com a
A distribuição dos psicólogos entre os pro­fissão, tanto na base afetiva quanto ins­
níveis de comprometimento afetivo e instru­ trumental, quando se comparam psicólogos
mental (Figura 14.4) reforça a caracte­ri­ e psicólogas e profissionais que atuam nas
zação da amostra como altamente compro­ diferentes regiões do país.

90,0
82,3
80,0

70,0

60,0 Afetivo
Instrumental
50,0

40,0 38,1
34,3
30,0

19,7
20,0
12,0
10,0 7,9
4,9
0,8
0,0
Baixo Modelo negativo Modelo positivo Elevado

Figura 14.4 Distribuição percentual de psicólogos por níveis de comprometimento afetivo e ins­
trumental com a profissão.
O trabalho do psicólogo no Brasil 311

Na Figura 14.5, pode-se constatar que o não obtiveram um envolvimento con­creto


comprometimento afetivo se mantém ele­ com a prática profissional, ou a exer­cem
vado mesmo em profissionais que infor­ apenas parcialmente. O vínculo afetivo, no
maram atuar na psicologia e em outros entanto, é menor entre os que aban­do­na­
cam­pos, fora do campo da psicologia ou ram a profissão (X = 3,91) ou que atuam
que nunca atuaram na área. Esses dados su­ fo­­ra dela (X = 4,07), sendo signifi­ca­tiva a
gerem que a vinculação com a psicologia se di­fe­rença para aqueles que atuam apenas
mantém mesmo naqueles profissionais que na Psi­cologia (X = 4,44).

4,32
Nunca atuou
4,04

3,91
Já atuou, mas não atua mais
3,34

Atua fora do 4,07


campo da psicologia 2,2

Atua na psicologia 4,34


e em outros campos 3,28

4,44
Atua somente em psicologia
3,64

0 1 2 3 4 5

Instrumental Ativo

Figura 14.5 Escores médios de comprometimento afetivo e instrumental com a profissão por con­
dição de inserção profissional.

Quanto à base instrumental, constata-se Embora não sejam estatisticamente sig­ni­


uma variação mais significativa entre os ficativas, vale registrar as diferenças en­con­
grupos com diferentes inserções no trabalho. tradas nos níveis de comprometimento entre
O vínculo instrumental é maior (X = 4,04) psicólogos que atuam nas diferentes áreas,
entre aqueles que nunca atuaram na pro­ dados que podem ser vistos na Figura 14.6.
fissão. A maior diferença entre as bases afe­ As curvas com as duas bases de com­pro­
tiva e instrumental encontra-se entre aqueles metimento se mantêm nos patamares obser­
que atuam apenas fora da Psicologia, jus­ vados na amostra geral, mostrando que o
tamente por não estarem em posição de com­prometimento não varia signifi­cati­va­
raciocinar em termos de custos e benefícios mente entre as diversas áreas de atua­ção do
associados à atuação profissional. Sendo psicólogo. Há, no entanto, uma li­geira dife­
assim, pode-se dizer que, no seu compro­me­ rença nas áreas Educacional e Jurídica. Na
timento afetivo, manifestam o desejo de ter primeira, ambos os vínculos di­minuem um
oportunidade para atuar como psicólogos. pouco quando comparados com as de­mais
312 Bastos, Guedes e colaboradores

5,00

4,55
4,50 4,50
4,41 4,41
4,50
4,26 4,25

4,00

3,50
3,55 3,55 3,48
4,41 3,43 3,45
3,34
3,00

2,50

2,00

Clínica Educacional Organizacional Docência Social Saúde Jurídica

Afetivo profissão
Instrumental profissão

Figura 14.6 Escores médios de comprometimento afetivo e instrumental com a profissão por área
de atuação em que o psicólogo se insere.

áreas, especialmente com as áreas So­cial, co, privado, terceiro setor). Quanto à titu­
Do­­cência e Saúde, que apre­sentam maior lação, tanto o vínculo afetivo quanto o ins­
com­­prometimento afetivo. A queda do vín­ trumental dos que possuem doutorado é
culo afetivo também é o que diferencia o pe­ maior do que o daqueles que possuem gra­
queno grupo que atua na área Jurídica. duação. O comprometimento cres­ce à medi­
A Figura 14.7 sintetiza os resultados que da que aumenta o tempo de formado, resul­
comparam os níveis de compro­me­ti­men­tos tado coerente com a litera­tura. Essa relação
de base afetiva e instrumental en­-tre catego­ é bem clara quando se toma o vínculo ins­
rias de outras características da amos­tra es­ trumental; em relação ao afetivo, o grupo
tudada. com mais tempo de for­mado apresenta es­
De um modo geral, os dados da Figura core ligeiramente menor que grupo de 11 a
14.7 revelam que as bases instrumental e 20 anos; ambos, no en­tanto, apresentam es­
afetiva do comprometimento com a profis­ cores mais elevados que os grupos com me­
são convivem sem diferenças significativas nor tempo de for­mado. Poucas diferenças
associadas às diversas variáveis utilizadas são encontradas, também, entre as orienta­
para caracterizar a formação e atuação pro­ ções teórico-meto­dológicas adotadas pelos
fissional do psicólogo. Os níveis de compro­ psicólogos. O vínculo afetivo é ligeiramente
metimento praticamente não se alteram mais elevado entre os psicodramatistas, e
quando se comparam autônomos e assala­ o instrumental, entre os cognitivistas/com­
riados em diferentes inserções (setor públi­ por­­tamentais.
O trabalho do psicólogo no Brasil 313

Afetivo Instrumental

Autônomo = 4,30 Autônomo = 3,30


ONGs = 4,28 ONGs = 3,09
Contexto trabalho
Setor privado = 4,19 Setor privado = 3,31
Setor público = 4,20 Setor público = 3,23

Graduação = 4,17 Graduação = 3,11


Especialização = 4,20 Especialização = 3,33
Titulação
Mestrado = 4,35 Mestrado = 3,26
Doutorado = 4,47 Doutorado = 3,88

Até 2 anos = 4,10 Até 2 anos = 3,12


3 a 5 anos = 4,23 3 a 5 anos = 3,13
Tempo formação 6 a 10 anos = 4,25 6 a 10 anos = 3,18
11 a 20 anos = 4,36 11 a 20 anos = 3,37
Mais de 20 anos = 4,26 Mais de 20 anos = 3,70

Psicanálise = 4,22 Psicanálise = 3,30


Cognitivo-comportamental = 4,38 Cognitivo-comportamental = 3,54
Orient. técnica Humanista-existencial = 4,41 Humanista-existencial = 3,30
Sócio-histórica = 4,18 Sócio-histórica = 3,08
Psicodramática = 4,56 Psicodramática = 3,07

Figura 14.7 Escores médios de comprometimento afetivo e instrumental com a profissão por con­
textos de trabalho, titulação, tempo de formado e orientação teórico-metodológica do psicólogo.

Um resultado bastante coerente com as observando quaisquer ten­dências de alte­ração


expectativas teóricas é o que revela a forte no comprometimento entre grupos com dife­
associação entre a percepção do status da rentes percepções de status.
profissão e os níveis de comprometimento Os resultados da pesquisa, adicio­nal­
do psicólogo com a mesma. Os dados cons­ mente, fornecem evidências muito impor­
tantes na Figura 14.8 revelam que essa tantes sobre as relações entre a escolha da
associação existe quando o vínculo é afetivo profissão, percepção do status da profissão,
e não quando o vínculo é instrumental. En­ comprometimento e intenções de mudar de
tre os que percebem a profissão como tendo trabalho, profissão e área de atuação, como
baixo status, o escore médio de com­prome­ sintetizadas na Figura 14.9.
timento afetivo foi de apenas 3,75, bem Os dados da Figura 14.9 revelaram que a
abaixo da média encontrada na amos­tra ge­ escolha feita com base em motivações e cri­
ral. Tal escore cresce para 4,26 entre os que térios internos está associada positiva­men­te
têm uma percepção de status mo­derado e ao comprometimento afetivo e ins­tru­mental
para 4,54 entre os que percebem a profissão com a profissão, sendo mais forte a relação
como possuindo elevado status. Esses resul­ com o primeiro. Por outro lado, a escolha da
tados se traduzem em um coefi­ciente de profissão baseada em critérios externos não
correlação r = 0,33, significativo para p = ,000. se associa ao compro­me­timento afetivo e tem
A associação com compro­meti­men­to instru­ relação positiva e sig­nificativa com o compro­
mental, no entanto, não é sig­ni­ficativa, não se metimento instru­mental. Esses resul­ta­dos são
314 Bastos, Guedes e colaboradores

5,00

4,54
4,50 4,37
4,26

4,00
3,75
3,51 3,54 3,48
3,50 3,44

3,00

2,50

2,00

1,50

1,00
Baixo Moderado Alto Total

Afetivo profissão Instrumental profissão

Figura 14.8 Escores médios de comprometimento afetivo e instrumental com a profissão por níveis
de percepção do status da profissão.

Escolha Profissão

Comprometimento Afetivo Comprometimento Instrumental


Escolha interna: r = .239** Escolha interna: r = .129**
Escolha externa: r = .0,50 Escolha externa: r = .187

Mudar de Mudar Mudar de Mudar de Mudar de Mudar de


trabalho de área profissão trabalho área profissão

r = –.096 r = –.246** r = –.577** r = –.018* r = .071 r = –.062

Figura 14.9 Correlações entre fatores de escolha, comprometimento com a profissão e intenções de
mudança.

coerentes com a descrição do com­prometi­ Carson (1998), a dimensão “moti­vação in­


mento de base afetiva como a expres­são da terna” do construto de inteli­gência emo­cio­nal
identificação e do apego do indivíduo aos se mostrou um preditor im­por­tante de uma
valores e às atividades da sua profissão. Des­se medida de compro­meti­mento afetivo com a
modo, a base afetiva do comprome­timento profissão. Para Goleman (1995), a mo­tivação
está asso­ciada à percepção de que fatores mo­ interna significa a ha­bilidade pa­ra adiar grati­
tiva­cionais internos foram impor­tantes para a ficações, concentrar-se em me­tas e envolver-
escolha profissional. Na pes­quisa de Carson e se totalmente na ta­refa. Em contraste, a per­
O trabalho do psicólogo no Brasil 315

cepção da contri­buição de fatores externos se ratura da área (Holmes e Cartwright, 1994;


mostrou asso­ciada ao comprometimento ins­ Dam, 2005; Fields et al., 2005; Bastos, 1997;
trumental com a pro­fissão. Este resultado cor­ Carson e Bedeian, 1994), mesmo consi­de­ran­
robora a descri­ção do comprometimento ins­ do-se as diferenças de mensuração dos cons­
trumental co­mo um tipo de vínculo asso­ciado trutos entre esses vários estudos.
a uma decisão orientada por percepções de Por outro lado, o vínculo instrumental
ganhos ou perdas de aspectos externos à ta­ não apresenta qualquer correlação que seja
refa profis­sional em si e não por motivações estatisticamente significativa com as três in­
internas para o exercício da atividade. tenções de mudança investigadas. Tal re­­sul­
Ainda examinando-se os dados constan­ tado contraria as expectativas teóricas que
tes da Figura 14.9, pode-se observar que as incluem a base instrumental como uma das
duas bases de comprometimento, por sua dimensões de comprometimento, exatamente
vez, apresentam padrões de relação anta­gô­ pela sua capacidade de pre­di­zer per­manência
nicos às intenções de mudança. Quanto na organização, na car­reira ou na profissão.
maior o vínculo afetivo com a profissão, maio­ Esses resultados apontam, adicio­nalmente,
res as intenções de permanecer no tra­ba- que essas duas bases do com­pro­metimento,
lho atual, na área e, sobretudo, na pro­fissão na realidade, consti­tuem vín­culos distintos,
(r = –0,577). Tais resul­tados são coe­ren­tes já que pre­dizem diferen­temente variáveis to­
com aqueles achados por San­tos (1998) e por madas co­mo con­se­quências.
Carless e Bernath (2007), que utilizaram Concluindo os resultados relativos ao
amos­­tras de psicó­logos. A inten­ção de per­ma­ comprometimento com a profissão, a Figura
necer na pro­fissão quanto maior o seu com­ 14.10 apresenta os padrões de comprome­
prometimento afetivo é condizente com a lite­ timento identificados na amostra.

5,00
4,69
4,59
4,50
4,17
3,98
4,00

3,50
3,11
3,00 2,97

2,51
2,50

2,00 1,97

1,50

1,00
A+ I- (35,8%) A+ I+ (48,5%) A- I- (4,2%) A+- I+ (11,5%)

Comprometimento afetivo profissão

Comprometimento instrumental profissão

Figura 14.10 Escores médios das bases afetiva e instrumental em cada agrupamento de psicólogos
de acordo com perfis de comprometimento com a profissão.
316 Bastos, Guedes e colaboradores

O procedimento de análise de clusters (A– I– = 4,2%), evidenciando fraca vin­cu­la­


revelou agrupamentos de psicólogos com ção com a profissão.
perfis distintos de comprometimento com a Em relação a esses quatro grupos com
profissão, considerando as bases afetiva e perfis de comprometimento distintos, pode­
instrumental. A maior parte dos participan­ mos observar diferenças estatisticamente
tes distribui-se em dois principais perfis. O significativas em relação a intenções de mu­
mais frequente, 48,5% dos participantes, dança, escolha da profissão, percepção do
possui níveis positivos de comprometimento status da profissão, assim como renda e
afetivo e instrumental (A+ I+), sendo que idade dos seus integrantes. Esses resultados
o vínculo afetivo é bem mais forte, com encontram-se sumarizados na Figura 14.11.
escore médio (x = 4,69) próximo ao ponto Os dois primeiros padrões (P1 e P2) ca­
má­ximo da escala. Esses profissionais, além racterizam-se por terem vínculos afetivos for­
do vinculo afetivo, consideram que uma tes com a profissão, variando a intensi­dade
mu­dan­ça profissional traria perdas e custos do vínculo intrumental. Os dois pa­drões res­
que não estão dispostos a enfrentar. Assim, tantes (P3 e P4) apresentam vín­culos afetivos
a permanência e o investimento na profissão mais frágeis, diferenciando-se quanto à in­
é reforçado por razões afetivas e instru­ tensidade do vínculo instru­men­tal. O que os
mentais. O segundo padrão (A+ I– = 35,8%) dados sugerem, clara­mente, é que os grupos
mostra um antagonismo entre as duas bases; de psicólogos com padrões em que o víncu-
são aqueles que possuem um forte vínculo lo afetivo é mais forte (P1 e P2), os fatores
afetivo (X = 4,59) ao lado de um vínculo in­ternos (vo­cação, interesses, etc.) tiveram
instrumental bem frágil (X = 2,51). Tal perfil um peso mais expressivo do que os demais
sugere que parte considerável dos psicó­ (P3 e P4). Congruentemente, eles percebem
logos sente-se afetivamente vinculada à sua o status da Psicologia como profis­são de
profissão, e sua permanência na mesma não modo mais positivo e sua intenção de mudar,
significa uma percepção de que os custos de especial­mente de área e de profissão, é bem
uma mudança profissional seriam maiores menos presente. Em uma escala em que o
do que os benefícios ou que não teriam ponto máximo é 3 e significa não de­sejar
alternativas satisfatórias em outro campo mu­dar, as médias de P1 e P2 mos­tram, so­
profissional. Um segmento menor mostrou bretudo em relação à profissão, ní­veis pró­
escores médios de comprometimento afe­ ximos ao ponto máximo da escala (2,91 e
tivo e escores mais elevados de compro­ 2,96, respectivamente).
metimento instrumental (A+– I+ = 11,5%). O grupo P3 – descomprometidos tanto
Esses profissionais revelam que a sua per­ afetiva quanto instrumentalmente com a
manência na profissão se deve mais à per­ profissão – apresenta um perfil bem pró­
cepção de custos e à falta de alternativas de ximo do grupo P4 – cujo vínculo é mais ins­
carreira do que a um desejo de investir e de trumental do que afetivo. Foi mais reduzido
se envolver na profissão. Portanto, esse per­ o peso dos fatores internos na escolha da
fil não sugere um vínculo de características profissão, o status da mesma é percebido de
positivas, mas sim uma postura mais passi- forma menos positiva, e suas intenções de
va e defensiva diante dos desafios da vida permanência, tanto na área em que atua
pro­fissional que pode ser denominada de quanto na profissão, são menores. É inte­
en­­trincheiramento profissional. Por fim, uma ressante constatar que esses dois grupos
parcela ainda menor dos participantes da apresentam rendimentos médios menores
pesquisa, que pode ser denominada de “des­ que os psicólogos de P1 e P2, embora não te­
comprometidos”, revelou escores baixos em nham idades e tempo de graduação muito
ambas as medidas de comprometimento di­ferenciados. É provável que tais psicólogos
O trabalho do psicólogo no Brasil 317

P1: a+I – P2: a+I + P3: a–I – P4: a+– I +

Idade média Idade média Idade média Idade média


35,0 anos 36,5 anos 36,2 anos 33,9 anos

Renda média Renda média Renda média Renda média


R$ 2.842,2 R$ 3.272,4 R$ 2.400,0 R$ 2,150,0

Escolha Profissão Escolha Profissão Escolha Profissão Escolha Profissão


Internos: 6,23 Internos: 6,34 Internos: 5,60 Internos: 5,60
Externos: 2,36 Externos: 2,70 Externos: 2,02 Externos: 2,40

Status profissão Status profissão Status profissão Status profissão


x = 4,30 x = 4,21 x = 3,78 x = 3,72

Intenção mudar Intenção mudar Intenção mudar Intenção mudar


Trabalho: 2,36 Trabalho: 2,45 Trabalho: 2,52 Trabalho: 2,16
Área: 2,68 Área: 2,72 Área: 2,29 Área: 2,39
Profissão: 2,91 Profissão: 2,96 Profissão: 2,29 Profissão: 2,35

Figura 14.11 Caracterização dos grupos de psicólogos com diferentes padrões de comprometimento
em termos de variáveis centrais da pesquisa.

encontrem-se em inserções profissionais mais As distribuições de frequência das duas


precárias que sejam fonte de insatis­fação. medidas de comprometimento, constantes
na Figura 14.12, deixam bem nítidas as di­
fe­renças entre essas duas bases do compro­
O vínculo com a área de atuação metimento. Aproximadamente 3/4 da amos­
entre psicólogos brasileiros tra revelou um elevado comprometimento
afetivo com a sua área. No entanto, a figura
Quando se toma como foco do com­ aponta quase 10% dos psicólogos atuando
prometimento a área de atuação, os resul­ em áreas com as quais não possuem vínculo
tados encontrados aproximam-se bastante afetivo, percentual quase o dobro daquele
daqueles observados quando o foco era a observado em relação à profissão.
profissão, mostrando, no geral, que o vín­culo Enquanto a distribuição da base afetiva
com ambos obedece a uma mesma ló­gica, apresenta grande concentração no polo ele­
embora aqui os escores sejam ligei­ramente vado, a base instrumental encontra-se mais
mais baixos e os desvios padrão ligeiramen- distribuída entre os diversos níveis, com um
te mais elevados, revelando maior variabili­ pouco mais de 1/3 da amostra com nível
dade na forma como os psi­có­logos se ligam moderadamente positivo e um pouco menos
às suas áreas de atuação. O vínculo afetivo de 1/3 com elevado comprometimento. Por
atin­giu um escore médio de 4,2 com um outro lado, o contingente de psicólogos com
desvio padrão baixo (dp = 0,77). Por outro nível moderadamente negativo (21,4%) e
lado, o vínculo instrumental apresentou mé­ negativo (12%) também equivale a aproxi­
dia de 3,2 e um desvio padrão um pouco ma­damente 1/3 da amostra. A maior va­ria­
mais elevado (dp = 1,03). bilidade observada no vínculo instru­men­tal
318 Bastos, Guedes e colaboradores

80,0
74,9

70,0

60,0

50,0

40,0 Afetivo
35,8
30,8 Instrumental
30,0

21,4
20,0
15,7 1,97
12
10,0 7,9
1,5
0,0
Baixo Mod. negativo Mod. positivo Elevado

Figura 14.12 Distribuição percentual de psicólogos por níveis de comprometimento afetivo e ins­
tru­mental com a área de atuação profissional.

sugere a busca de condições que diferen­ciam contram-se os escores de ambas as medidas


esse tipo de vínculo do psi­cólogo. de comprometimento por áreas de atuação.
Um escore geral de comprometimento Os dados da Figura 14.13 mostram que
com a área, no entanto, é pouco infor­mativo, não há diferenças importantes entre áreas
caso não seja identificada a própria área em de atuação quanto aos escores de compro­
que atua o psicólogo. Na Figura 14.13, en­ metimento. Em todas as áreas, o vínculo

5,00

4,43
4,50
4,26 4,18 4,22 4,29
4,17
3,95
4,00

3,55
3,50

3,32 3,34
3,24 3,24 3,30 3,17
3,00

2,50

2,00
Clínica Educacional Organizacional Docência Social Saúde Jurídica

Afetivo área Instrumental área

Figura 14.13 Escores médios de comprometimento afetivo e instrumental com a área de atuação
profissional por áreas de atuação do psicólogo.
O trabalho do psicólogo no Brasil 319

afetivo é mais forte que o instrumental, A Figura 14.14 sintetiza o conjunto de


como já se observara na amostra geral. Essa escores que diferenciam as principais áreas
diferença se acentua nas áreas da docência de atuação (definidas pelo número de psi­
(que apresenta o maior escore médio do cólo­gos participantes da pesquisa) quanto
vínculo afetivo –4,43) e da saúde (o se­gun­ às três variáveis utilizadas para com­pre­en­
do maior escore de vínculo afetivo e o me­ são do seu vínculo de compro­me­timento:
nor escore de vínculo instrumental –3,17). fato­res que pesaram na escolha da área,
Eles se aproximam mais nas áreas educa­ per­cepção do status da profissão e inten­
cional (menor escore de vínculo afe­tivo ções comporta­mentais em relação ao tra­
–3,95) e Jurídica (maior escore médio de balho, à área e à profissão. Também aqui
vínculo instrumental –3,55). A diferença se não há diferenças importantes, quan­do se
mantém em patamares similares nas demais compa­ram os escores médios cons­tantes
áreas de atuação. na Figura 14.14.

Clínica Organizacional Saúde Docência Educacional


(n = 192) (n = 97) (n = 90) (n = 70) (n = 37)

Internos: 6,20 Internos: 6,20 Internos: 6,23 Internos: 6,05 Internos: 6,24
Escolha área Externos: 2,45 Externos: 2,74 Externos: 2,43 Externos: 2,68 Externos: 2,43

Percepção status 4,17 4,22 4,17 4,27 4,14

Trabalho: 2,33 Trabalho: 2,35 Trabalho: 2,23 Trabalho: 2,42 Trabalho: 2,46
Desejo de Área: 2,63 Área: 2,69 Área: 2,62 Área: 2,70 Área: 2,56
permanecer
Profissão: 2,90 Profissão: 2,81 Profissão: 2,86 Profissão: 2,89 Profissão: 2,89

Figura 14.14 Escores médios de escolha da área de atuação, percepção de status da profissão e
desejo de permanecer no trabalho, na área e na profissão, por área de atuação.

A escolha da área de atuação foi deter­ próximos os escores que indicam inten­-
mi­nada prioritariamente por fatores internos, ções de permanecer tanto no tra­balho atual
com escores variando de 6,05 (docência) a quanto na área e na pro­fis­são. O de­sejo de
6,24 (educacional), em uma escala de sete mudar da área de atua­ção, caso que mais
pontos. O peso dos fatores externos variou interessa neste mo­mento, é li­gei­ra­mente
entre 2,43 (saúde e educacional) e 2,74 (or­ maior (escores mais elevados sig-ni­­fi­cam in­
ganizacional). Em­bo­ra não sejam médias ele­ tenção de per­ma­necer) entre os psi­­cólogos
vadas, a tendên­cia de que a área Organi­za­ educacionais (X = 2,56) quan­do com­­­parado
cional seja es­colhida, mais do que as outras, com as áreas de docência (X = 2,70) e orga­
em função de fatores externos é congruente nizacional (X = 2,69). Esse dado con­tra­diz
com re­sultados da pesquisa desenvolvida por a tendência identificada por Bastos e co­la­
Santos (1998). bo­radores (1988) em relação aos psicólogos
A percepção do status na profissão en­ or­ganizacionais, que se des­ta­caram pela
tre os profissionais que atuam nessas dife­ maior inclinação ao abandono da sua área
rentes áreas também não varia signi­fica­ti­ de atuação. As cor­relações entre compro­me­
vamente, re­velando uma percepção bas­tan­ ti­mento afetivo e instrumental com a área
te homogê­nea da categoria em rela­ção a es­ de atuação e as variáveis cen­trais do estu-
sa variável. Em todas as áreas, tam­bém são do (es­colha da área e intenções de mu­dan­
320 Bastos, Guedes e colaboradores

ça), con­siderando a amostra total e as prin­ internos têm uma cor­relação pe­quena, porém
cipais áreas de atuação, encontram-se na posi­tiva, com comprome­ti­men­to instrumental
Fi­gura 14.15. apenas na amostra ge­ral e na área da saúde
Observa-se uma correlação positiva mo­de­ (r = 0,238). Padrão inver­so é encontrado na
rada entre os pesos dos fatores internos na relação entre o peso dos fatores externos na
escolha da área e o nível de comprome­ti­mento escolha da área e os ní­veis de compro­me­
afetivo, tanto na amostra geral quanto nas timento. Essa correlação é praticamente nula
amostras das áreas de atuação. Essa cor­relação com a base afetiva do compro­me­ti­mento em
é mais forte na área educa­cional (r = 0,762), todas as áreas, e po­sitiva e sig­nificativa com a
seguida da do­cência (r = 0,477). Os fatores base instru­mental em todas as áreas, à exce­

Amostra geral
Escolha interna x Comprometimento afetivo (r = ,367**) / Comprometimento instrumental (r = ,126**)
Escolha externa x Comprometimento afetivo (r = 0,055) / Comprometimento instrumental (r = ,156**)
Mudar de área x Escolha interna (r = –,260**) / Escolha externa (r = 0,79)
Mudar de área x Comprometimento afetivo (r = –,466**) / Comprometimento instrumental (r = –,175**)

Clínica
Escolha interna x Comprometimento afetivo (r = ,326**) / Comprometimento instrumental (r = 0,101)
Escolha externa x Comprometimento afetivo (r = –0,047) / Comprometimento instrumental (r = ,206**)
Mudar de área x Escolha interna (r = –,347**) / Escolha externa (r = 0,58)
Mudar de área x Comprometimento afetivo (r = –,549**) / Comprometimento instrumental (r = –,203**)

Organizacional
Escolha interna x Comprometimento afetivo (r = ,375**) / Comprometimento instrumental (r = 0,106**)
Escolha externa x Comprometimento afetivo (r = –0,077) / Comprometimento instrumental (r = ,246**)
Mudar de área x Escolha interna (r = –,249*) / Escolha externa (r = ,259)
Mudar de área x Comprometimento afetivo (r = –,342**) / Comprometimento instrumental (r = –,187**)

Saúde
Escolha interna x Comprometimento afetivo (r = ,312**) / Comprometimento instrumental (r = ,238*)
Escolha externa x Comprometimento afetivo (r = –0,079) / Comprometimento instrumental (r = ,104*)
Mudar de área x Escolha interna (r = –,376**) / Escolha externa (r = 0,69)
Mudar de área x Comprometimento afetivo (r = –,597**) / Comprometimento instrumental (r = -,348**)

Educacional
Escolha interna x Comprometimento afetivo (r = ,762**) / Comprometimento instrumental (r = 0,224)
Escolha externa x Comprometimento afetivo (r = –0,056) / Comprometimento instrumental (r = 0,230)
Mudar de área x Escolha interna (r = –,282) / Escolha externa (r = 0,291)
Mudar de área x Comprometimento afetivo (r = –,281) / Comprometimento instrumental (r = ,091)

Docência
Escolha interna x Comprometimento afetivo (r = ,477**) / Comprometimento instrumental (r = 0,095)
Escolha externa x Comprometimento afetivo (r = –0,067) / Comprometimento instrumental (r = ,309)
Mudar de área x Escolha interna (r = –,162) / Escolha externa (r = –,140)
Mudar de área x Comprometimento afetivo (r = –,603**) / Comprometimento instrumental (r = –,420**)
*. significante a 0.05 / **. significante a 0.01
Figura 14.15 Correlações entre fatores de escolha, comprometimento com a área de atuação pro­
fissional e intenção de mudança de área.
O trabalho do psicólogo no Brasil 321

ção da educacional (possi­velmente pelo bai­ cia, que apre­senta uma correlação nega­tiva,
xo número de casos, neste subgrupo). Tais embora não signifi­cativa estatisticamente.
da­dos confirmam a ex­pec­tativa teórica de Finalmente, a relação entre compro­me­
uma relação entre natu­reza da escolha e tipo timento e intenções de mudar de área de
de vínculo desen­vol­vido pelo psicólogo, tam­ atuação segue o padrão esperado a partir
bém em relação à sua área de atuação pro­ da base teórica. Com exceção da área edu­
fissional. cacio­nal (possivelmente devido ao reduzido
Um padrão similar se encontra entre os nú­mero de casos), quanto maior o compro­
fatores de escolha e intenção de mudar de me­timento afetivo instrumental, menor a
área. Quanto mais forte o peso dos fatores in­tenção de pertencer. No entanto, essa cor­
internos, menor a intenção de mudar de área re­lação é sempre mais forte e significativa
(correlações moderadas e significativas para a quando se trata de um vín­culo afetivo.
amostra geral e para as áreas clínica, saúde, Concluindo a apresentação dos resulta­
organizacional; para área educacio­nal e do­ dos em relação à área de atuação, os dados
cência as correlações não foram estatistica­ da Figura 14.16 descrevem os subgrupos que
mente significativas). Por outro lado, o peso emergiram da análise de cluster, reve­lan-
de fatores externos na escolha da área tem do padrões distintos de articulação entre as
associação fraca, levemente po­sitiva para a duas bases do comprometimento. Assim co­
amostra total e para as áreas, em geral. No mo no vínculo com a profissão, a maior par-
caso da área organi­zacional tal correlação po­ te dos participantes apresentou escores ele­
sitiva é mais ro­busta e es­tatisticamente sig­ni­ vados e similares em ambas as bases do com­
ficativa. Foge a esse pa­drão a área de do­cên­ prometimento com a área de atuação pro­

5,00
4,62
4,50
4,50

4,01
4,00
3,67
3,50

3,00
3,00 2,92

2,50 2,31

2,00 1,81

1,50

1,00

A+ I– (30,2%) A+ I+ (48,6%) A– I– (8,4%) A+– I+ (12,8%)

Comprometimento afetivo com a área de atuação

Comprometimento instrumental com a área de atuação

Figura 14.16 Escores médios das bases afetiva e instrumental em cada agrupamento de psicólogos
de acordo com perfis de comprometimento com a área de atuação profissional.
322 Bastos, Guedes e colaboradores

fissional (A+ I+ = 48,6%), revelando que a timento instrumental com a área de atuação
de­dicação à sua área de atuação deve-se a (A+– I+ = 12,8%). Tal perfil su­gere que estes
razões tanto afetivas quanto instru­mentais. psicólogos atuam em de­ter­minada área pro­
Outra parcela importante dos psi­có­logos fissional mais por ra­zões contin­gen­ciais e de
mos­­trou acentuada diferença entre os es- percepção de falta de al­ternativas de carreira
co­­res das bases de comprometimento, com do que por um desejo de investir em deter­
pre­domínio da afetiva sobre a instru­mental minada espe­cialidade. Uma parcela ainda
(A+ I– = 30,2%). Esse perfil carac­teriza um menor da amostra re­velou escores baixos em
vínculo positivo com a área de atuação, que ambas as me­didas de compro­me­timento, evi­
provavelmente foi escolhida com base em den­cian­do fraca vinculação com a sua área de
fatores motivacionais internos, e indica que atuação pro­fissional. (A– I– = 8,4%).
uma mudança de área de atuação não é per­ Convém, contudo, verificar a distri­bui­
cebida como muito difícil ou custosa a ponto ção desses diferentes perfis de compro­me­
de restringir alternativas de carreira. timento entre as áreas em que atuam os psi­
Um segmento menor dos participantes cólogos. Tais dados, para as áreas com maior
mos­trou escores médios de comprome­ti­mento número de participantes na pesquisa, en­con­
afetivo e escores mais elevados de com­prome­ tram-se na Figura 14.17.

60,0
53,9

54,0

49,4
48,9

50,0
37,5

40,0
34,9

32,1
28,1

27,2
26,3

30,0
21,9

16,3

20,0
12,5

12,3
12,0

9,5

10,0
7,8

7,6

6,2
1,5

0,0
Atua em clínica Atua em educacional Atua em organizacional Atua em docência Atua em saúde

P1: A+I– P3: A–I–

P2: A+I+ P4: A+I+

Figura 14.17 Percentual de psicólogos com diferentes padrões de comprometimento com a sua
área por área em que atua profissionalmente.

O perfil de duplo comprometimento vínculo fortemente afetivo e não instru­men­


(P1), mais frequente na amostra geral, é tal (P2) é mais frequente entre os docentes,
também o mais presente em todas as áreas, seguidos dos que atuam na área de saúde.
apresentando, porém, percentuais próximos Essa proporção não varia significativamente
ou ligeiramente superiores a 50%, com ex­ (de 26 a 28%) entre os psicólogos clínicos,
ceção da área educacional, caso em que o educacionais e organizacionais. Nesses dois
percentual cai para 37,5%. O perfil de um padrões de comprometimento, caracteri­za­
O trabalho do psicólogo no Brasil 323

dos pelo escore elevado da base afetiva, en­ compor­tamen­tais de permanecer no traba­
contram-se quase 90% dos psicólogos que lho, na área e na profissão. Esse conjunto
atuam na docência, percentual que cai para de dados volta-se, portanto, para nos for­
65,6% entre os psicólogos educacionais. necer ele­mentos que contribuam para com­
Os dois padrões seguintes (P3 e P4) re­ preender a dinâ­mica interna no campo
velam vínculos mais frágeis, quer em am­bas pro­­fissional da psi­cologia.
as bases, quer por apresentarem um vínculo Alguns resultados obtidos podem ser
instru­mental que supera o afetivo. A área edu­ des­­tacados a título de conclusão:
­cacional, nesse caso, destaca-se pela maior 1. O comprometimento afetivo é sig­ni­
pre­sença desses padrões de com­pro­meti­men­ ficativamente mais intenso tanto com a pro­
to, comparativamente às demais áreas. Um fissão quanto com a área de atuação quando
pouco mais de 1/5 desses psicó­logos está no comparado ao vínculo instrumental. Espe­
P4, em oposição à saúde, área na qual en­ cial­mente em relação ao compro­me­timento
contram-se apenas 1,6% dos casos. A área com a profissão, há uma forte iden­tificação
organizacional também dife­rencia-se por um entre o psicólogo e a sua profissão, que deve
percentual ligeira­mente mais alto de pessoas cumprir um papel importante na construção
que estão nela atuando com vínculo mais ins­ da sua autoimagem, levando-o a sentir-se
trumental do que afe­tivo. No entanto, saúde e or­­gulhoso por pertencer a essa ca­tegoria
educação dife­renciam-se, comparati­vamente, ocupa­­cional. O vínculo instrumental, calcado
com os mais elevados percentuais de psicó­ em uma avaliação dos custos asso­ciados a
logos dupla­mente descomprometidos com a aban­donar a profissão ou a área de atuação,
sua área de atuação (P3 em torno de 12% revela-se bem mais fraco, sendo apenas mo­
nes­sas duas áreas). de­radamente positivo quando se consideram
os escores gerais da amostra estudada.
2. O vínculo com a profissão não só é
ConclusÃO mais forte como também mais homogêneo
na amostra como um todo. Não se encon­
O presente capítulo tomou como obje- tram diferenças significativas quando se to­
to de análise o comprometimento do psi- mam muitas das variáveis pessoais, de for­
có­logo com sua profissão e com sua área mação, de titulação e de atuação do psicó­
de atua­ção profissional. Apoiado em pou- logo. Quan­do se tomam os comprometimen­
cos estu­dos anteriormente desenvolvidos, tos com a área de atuação, no entanto, já se
o tra­balho buscou não apenas identificar a ve­rifica maior variabilidade entre segmentos
intensidade do comprometimento, toman­ da amostra, especialmente quando se trata
do-o como um construto unidimensional, do vínculo instrumental. Há maior diver­
como também fun­damentou-se no modelo sidade entre os vários segmentos que inte­
desenvolvido por Meyer, Allen e Smith gram o grupo ocupacional e podem ser per­
(1993), escolhen­do duas bases que diferen­ cebidas algumas diferenças entre as pró­
ciam o tipo de vínculo de comprometimento prias áreas de atuação do psicólogo.
possível – afe­tivo e instrumental. O modelo 3. O estudo revelou, adicionalmente, em
de análise, todavia, incorporou alguns ou­ congruência com o que já se encontrara
tros constru­tos importantes. A escolha da com outros grupos ocupacionais, que o psi­
profissão e da área de atuação foi tomada cólogo combina as bases afetiva e ins­tru­
como o prin­cipal preditor dos níveis de mental de diferentes formas. Disto sur­gem
compro­me­ti­mento. Além disso, buscou-se diferentes perfis ou padrões de com­prome­
verificar a as­sociação entre os tipos e os timento tanto com a profissão quanto com a
níveis de com­prometimento com intenções área de atuação. Os grupos de psi­cólogos
324 Bastos, Guedes e colaboradores

com diferentes padrões de compro­meti­men­ e da cultura ocupa­cional predominante em


to apresentam algumas diferenças signifi­ seus ambientes de atuação parecem atrair
cativas, tanto em relação à escolha quanto a pessoas que valo­rizam a dedicação a uma
intenções de mudanças e percep­ções do causa social e que desejam oportunidades
status da profissão. para expressar a sua sensibilidade às neces­
4. Em conformidade com a literatura, sidades humanas. Car­valho e colaboradores
há uma relação clara entre características (1988) sugeriram que “as pessoas se mo­
do processo de escolha da profissão e a na­ bilizam mais pelo prazer de ser psicólogo,
tureza e a intensidade do comprometimento. pelas possibilidades de autoconhecimento,
Pode-se afirmar que os psicólogos, no geral, de conhecimento, de ajuda e de contato
escolhem a profissão e a área de atuação com o outro do que pelas condições em que
mais por fatores internos do que por fatores o trabalho da psico­logia é exercido”.
externos. Além disso, a escolha orientada O estudo, no entanto, não cobre uma
por fatores internos associa-se de forma di­ im­­portante lacuna no nosso conhecimento
re­ta a maiores níveis de comprometimento so­bre a categoria ocupacional do psicólogo
afetivo com a carreira e com a área de atua­ ao não atingir o expressivo grupo que, mes­
ção. Ao contrário, os fatores externos da mo gra­duado em Psicologia, não se encon­
escolha relacionam-se mais fortemente com tra inscrito nos Conselhos e, portanto, não
o comprometimento de base instrumental. está oficial­mente exercendo a profissão.
5. Também de forma coerente com a Es­tão ex­cluídos, também, aqueles que aban­
ex­pec­tativa e com os estudos no campo de do­naram a profis­são e que perderam o vín­
com­prometimento ocupacional, há uma for­ culo com a En­tidade Profissional. Estudos
te associação entre vínculo afetivo e inten­ com esses gru­pos pode­riam lançar impor­
ções de permanecer tanto no trabalho quan­ tantes insights sobre a ques­tão da escolha
to na área e na profissão. O vínculo ins­ da pro­fissão, seu compro­me­timento e sua
trumental, ao contrário, apresenta correla­ in­ser­ção profissional.
ções no geral baixas e não significativas,
exceto a relação encontrada entre compro­
metimento instrumental com a área e a in­ Referências
tenção de nela permanecer.
Amabile, T. M.; Hill, K. G.; Hennessey, B. A.;
No geral, pode-se afirmar que, coeren­ Tighe, F. M. The Work Preference Inventory:
temente com as reflexões teóricas, os resul­ Assessing intrinsic and extrinsic motivational
tados do presente estudo indicam que os orientations. Journal of Personality and Social
psicólogos são profissionais com forte vín­ Psychology, 66, 1994, p. 950-967.
culo afetivo com o trabalho. Poderia se pen­ Aryee, S.; Tan, K. Antecedents and outcomes of
sar que qualquer profissional, uma vez que career commitment. Journal of Vocational Psy­
tenha escolhido sua profissão de modo livre chology, 40, 1992, p. 288-305.
e adequado às suas características pes­soais, Bastos, A. V. B. Comprometimento com o traba­
apresentaria um elevado compro­metimento lho: a estrutura dos vínculos de trabalho com a
afetivo com o seu trabalho. Porém, não se organização, a carreira e o sindicato. Tese de dou­
torado. Universidade de Brasília, 1994.
pode fazer tal generalização. Pesquisas an­
Bastos, A. V. B. A escolha e o comprometimento
te­riores apontam que diferentes categorias com a carreira: um estudo entre profissionais e
e interesses profissionais estão associados a estudantes de administração. RAE-Revista de Ad­
diferentes tipos de motivação e envolvi­ mi­nis­tração de Empresas, 32(3), 1997, p. 28-39.
mento com o trabalho (por exemplo, Maga­ Bastos, A. V. B.; Borges-Andrade, J. E.
lhães e Gomes, 2005; Amabile et al., 1994). Com­prometimento no trabalho: identifi­cando
As características da ocupação do psicólogo pa­­drões de comprometimento do traba­lhador
O trabalho do psicólogo no Brasil 325

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15
Bem-estar subjetivo do psicólogo

Mirlene Maria Matias Siqueira

Questões acerca da estrutura dos afetos mesmo com os afetos negativos, contri­
têm intrigado os pesquisadores ao longo de buindo para formar duas categorias dis­
décadas e se tornaram fundamentais para tintas, mas interdependentes. Ao defender
a compreensão das emoções. Embora o es­ suas ideias acerca de saúde mental, o autor
tudo de emoções discretas e até o reco­nhe­ entende que ela poderia ser reconhecida
cimento de que existem emoções básicas em pessoas que mantêm uma maior fre­
sejam importantes, quando as formas de quência de experiências afetivas positivas
sua estruturação são analisadas e descri- sobre as negativas. A essa diferença entre a
tas cientificamente, parece haver maiores vivência dos afetos positivos e negativos
avan­ços para a compreensão da natureza Bradburn denominou balanço emo­cio­nal:
da emoção. Por exemplo, as várias emoções na medida em que o balanço for posi­tivo,
agradáveis, tais como a alegria e o orgu- segundo o autor, existiriam maiores evidên­
lho, são experimentadas geralmente em cias de bem-estar e, portanto, maior possi­
con­junto, e as desagradáveis, como raiva bilidade de saúde mental.
e ansiedade, tendem também a ter uma Mais recentemente, recorrendo à cha­
ocor­­rência simultânea. As explicações teó­ mada feita por Maslow, em 1954, para uma
ricas para a estrutura dos afetos e da co- Psicologia Positiva e uma agenda de pes­quisa
ocorrência das emoções são ainda pontos por ele elaborada em que constavam co­n­
de fortes divergências entre os teóricos ceitos considerados centrais, como cres­ci­
(Brief e Weiss, 2002; Diener, 1999). men­to, autossacrifício, amor, otimismo, es­
Uma tentativa pioneira para delimitar pon­­taneidade, coragem, aceitação, con­ten­ta­
um arcabouço teórico acerca dessa estrutu­ mento, humildade, realização do po­ten­cial,
ra foi proposta por Bradburn (1969) na entre outros, Wright (2003) sugere que os
defesa da existência de dois agrupamentos: estudos acerca da saúde do traba­lhador deve­
o dos afetos positivos e o dos afetos nega­ riam se basear nas suposições de Fre­drickson
tivos. Para esse autor, os afetos positivos (1998; 2000; 2001) sobre o papel exercido
teriam episódio simultâneo, ocorrendo o por emoções positivas na oti­miza­ção da saú­
328 Bastos, Guedes e colaboradores

de e do bem-estar: emoções po­sitivas, tais co­ tem influências recíprocas, contribuindo


mo felicidade, contenta­mento e alegria, acio­ para moldar o quadro de bem-estar geral do
nam um repertório cog­nitivo es­pecífico com­ indivíduo (Brief e Weiss, 2002).
posto por pensamentos e ações que, por sua Encontram-se registrados na literatura
vez, ativam o funcio­na­mento ancestral de quatro modelos teóricos distintos para a
so­­­brevivência; ajudam a promover a saúde, compreensão de bem-estar nos domínios da
pois elas fortalecem os recursos pessoais, des­ psicologia (Quadro 15.1).
de os de natureza física até os de caráter psi­ O primeiro modelo está assentado em
cológico, intelectual e social; atuam também uma perspectiva hedônica, visto ser o bem-
na prevenção e no tra­tamento de problemas -estar subjetivo (Diener, 1984) reconhecido
psicológicos como de­pressão, ansiedade e es­ como uma proposta com forte convergência
tresse, os quais con­tam com altos níveis de à noção filosófica de felicidade, modelo no
emoções nega­tivas (medo, raiva e tristeza). qual as emoções desempenham um papel
As hipóteses de Fredrickson (1998; 2000; fundamental em sua composição.
2001) indicam que emoções positivas não Ocorrem alterações na composição dos
somente promovem e protegem a saúde e o modelos que se seguem: enquanto o se­
bem-estar, como também habilitam o indiví­ gundo, bem-estar psicológico, destaca habi­
duo a construir modelos de pensa­mentos que li­dades cognitivas para vencer os desafios
o ajudam a utilizar seus pró­prios recursos da vida (Ryff, 1989), os dois modelos subse­
pa­ra enfrentar as adver­si­dades. Para essa au­ quentes – bem-estar social (Keyes, 1998) e
tora, as emoções posi­tivas seriam o eixo cen­ bem-estar no trabalho (Siqueira e Padovam,
tral que sustentaria as habilidades indi­vi­ 2008) – enfatizam, respectivamente, as cog­
duais de florescer, pros­perar e crescer psi­ nições do indivíduo acerca da sociedade e
cologicamente. os sentimentos que ele nutre ao estabelecer
Mesmo tendo se passado mais de 50 anos vínculos com o trabalho e a organização.
desde que Maslow (1954) delineou os pri­ O modelo de bem-estar subjetivo (dora­
mórdios da Psicologia Positiva, Wrigth (2003) vante BES) foi sistematizado por Diener
salienta que ele já havia postulado naquela (1984) e contém três dimensões: satisfação
época ser o comportamento de pes­soas sau­ geral com a vida, afetos positivos e afetos
dáveis menos determinado por emo­ções ne­ negativos. Na compreensão desse modelo, é
gativas (medo, ansiedade, culpa, in­segurança) necessário considerar que o estado de BES
e mais por confiança, lógica, justiça, realidade, existe apenas quando o indivíduo avalia po­
vitalidade, beleza e outras dimensões inte­ sitivamente sua vida em geral e apresenta
grantes de uma vida saudável. um balanço positivo para suas experiências
A busca por compreensão e siste­ma­ti­ emocionais: maior ocorrência de afetos
zação das diversas noções acerca de bem- positivos do que negativos. Cada pessoa
-estar tem gerado divergências entre pes­ avalia sua própria vida aplicando concep­
quisadores nos domínios da psicologia, sen­ ções subjetivas e, nesse processo, apoia-se
do considerado um tema pouco consensual. em suas próprias expectativas, seus valores,
Em decorrência desse amplo leque de pers­ suas emoções e suas experiências prévias.
pectivas presentes na literatura, observam- Essas concepções subjetivas, segundo Die­
-se variações nas definições nas dimensões ner e Lucas (2000), estão organizadas em
que integram o conceito, bem como nas pensamentos e sentimentos sobre a exis­
medidas para avaliá-lo. Por outro lado, cada tência individual. Deve-se ressaltar que a
vez mais pesquisadores reconhecem que o avaliação feita pelo próprio indivíduo sobre
bem-estar, no âmbito da vida pessoal (pri­ o seu bem-estar subjetivo inclui, dentre ou­
vada e social) e no contexto de trabalho, tros aspectos, componentes positivos que
O trabalho do psicólogo no Brasil 329

Quadro 15.1 Quatro modelos teóricos de bem-estar.


Autor(es) Definição Dimensões do modelo
Diener (1984) Bem-estar subjetivo contém julgamentos glo­ • Satisfação geral com a vida
bais de satisfação com a vida, ou com domínios • Afetos positivos
específicos dela, e experiências emocionais • Afetos negativos
positivas e negativas.
Ryff (1989) Bem-estar psicológico compreende um con­ • Autoaceitação
junto de (seis) habilidades para enfrentar os • Relacionamento positivo
de­safios da vida. • Autonomia
• Domínio do ambiente
• Propósito de vida
• Crescimento pessoal
Keyes (1998) Bem-estar social se compõe de (cinco) cren­ • Integração social
ças positivas acerca do papel individual na so­ • Aceitação social
ciedade e sobre o funcionamento e o futuro da • Contribuição social
coletividade. • Atualização social
• Coerência social
Siqueira e Bem-estar no trabalho agrega três vínculos • Satisfação no trabalho
Padovam afetivos positivos: dois deles dirigidos ao traba­ • Envolvimento com o trabalho
(2008) lho e um, à organização empregadora. • Comprometimento organizacional afetivo

não envolvem, necessariamente, elementos tém cinco dimensões que, juntas, indicam o
de prosperidade econômica (Diener et al., grau de bom funcionamento da vida social
1999). Parece existir, portanto, uma repre­ do individuo com vizinhos, colegas de tra­
sen­tação mental (cognitiva) sobre a vida balho e com outros cidadãos. Esse autor
pessoal, organizada e armazenada subje­ti­ entende que os indivíduos socialmente sau­
vamente, sobre a qual pesquisadores pro­ dáveis veem o mundo em torno deles como
curam obter informações quando solicitam previsível, significativo e cheio de potencial
às pessoas relatos sobre ela. a ser desenvolvido. Eles se veem perten­
O segundo modelo teórico acerca de centes a um grupo maior, aceitam os outros
bem-estar foi proposto por Ryff (1989). e sentem que suas contribuições ao grupo
Enquanto o bem-estar subjetivo se sustenta são valorizadas. As cinco dimensões de
em avaliações de satisfações com a vida e em bem-estar social permitem identificar dois
um balanço entre afetos positivos e nega­ grandes agrupamentos entre elas: enquanto
tivos, as concepções teóricas de bem-estar integração social e contribuição social refle­
psicológico (BEP) foram construídas com ba­ tem autoavaliações e crenças acerca da con­
ses em teorias psicológicas acerca do de­sen­ sistência alcançada pelo indivíduo nas inte­
volvimento humano, e suas seis dimen­sões rações com a comunidade, do seu valor pes­
descrevem capacidades para enfrentar positi­ soal como membro dela e de identificação
vamente os desafios da vida. Tomando como como seu integrante, as outras três dimen­
referenciais concepções teóricas que permi­ sões – aceitação social, atualização social e
tiam delas abstrair visões distintas do funcio­ coerência social – descrevem percepções in­
namento psicológico positivo, Ryff elaborou dividuais positivas sobre a natureza hu­ma­
uma proposta integradora ao for­mular um na, o futuro da sociedade e das ins­ti­tuições,
modelo de seis componentes de BEP, reorga­ bem como o reconhecimento de que os
nizado e reformulado poste­rior­mente por acontecimentos no mundo são passí­veis de
Ryff e Keyes (1995). entendimento e de significado, ten­do a so­
Bem-estar social, terceiro modelo teó­ ciedade uma organização que per­mi­te o
rico, foi proposto por Keyes (1998) e con­ crescimento e o desenvolvimento social.
330 Bastos, Guedes e colaboradores

Em 2008, Siqueira e Padovam apresen­ ambiente organizacional de trabalho: dois


taram uma proposta teórica para bem-estar deles voltados ao trabalho (satisfação no
no trabalho (BET). As autoras sugeriram trabalho e envolvimento com o trabalho) e
(Figura 15.1) que o construto seria multi­ um, à organização empregadora (compro­
dimensional e composto por três vínculos me­ti­mento organizacional afetivo).
afetivos positivos dirigidos a elementos do

Satisfação Envolvimento
no trabalho com o trabalho
Bem-estar
no trabalho

Comprometimento
organizacional afetivo

Figura 15.1 Modelo teórico de bem-estar no trabalho (BET).


Fonte: Siqueira, 2009

As hipóteses que sustentam o modelo de emocionais. Tais vínculos, repre­sentados por


BET alinham-se aos pressupostos de Fre­ diversos sentimentos, são cons­truídos cogni­
drickson (1998; 2000; 2001) acerca do pa­ tivamente (ou mental­men­te) quando o in­
pel exercido por emoções positivas na pro­ divíduo organiza seus pensa­men­tos acerca
moção da saúde e do bem-estar: quando o das relações, experiências e vivên­cias no con­
indivíduo se sente bem no trabalho, reve­ texto organizacional de trabalho. Aqui se
lando altos índices de satisfação, de envol­ adota o sentido do termo “senti­mento” dado
vimento e de comprometimento afetivo, ele por Damásio (1996): a repre­sen­tação mental
estaria predisposto a ter seus mecanismos de experiências com con­teúdo emocional,
internos ativados para organizar seus pen­ quais sejam, aquelas que ocor­reram com al­
samentos e aplicá-los na escolha de um cur­ guma intensidade de emoção.
so de ações adequadas ao trabalho; a usar Os quatro modelos teóricos contidos na
recursos pessoais de natureza física, psico­ Figura 15.1 contemplam visões diferen­cia­
lógica e social para enfrentar de forma sau­ das dos estudiosos acerca de bem-estar. Po­
dável os desafios apresentados pelo am­ de-se reconhecer que os dois primeiros
biente de trabalho; a manter mais aguçados mo­­delos contêm proposições diferenciadas
os estados psicológicos positivos e a não acer­ca do funcionamento e da estrutura psi­
apre­­sentar problemas como depressão, an­ cológica do indivíduo: enquanto o modelo
sie­­dade e estresse; a manter, fortalecer e de bem-estar subjetivo contém indicadores
atua­lizar suas potencialidades com as quais subjetivos que permitiriam ao indivíduo
executa seu trabalho e a produzir os re­sul­ uma existência feliz, o modelo de bem-estar
tados desejados pela organização. O mo­delo psicológico reúne seis habilidades ou poten­
de três componentes para o bem-estar no cialidades que poderiam lhe ajudar a vencer
trabalho não se constitui em um arca­bouço os desafios impostos pela vida. Ambas as
conceitual composto por emoções positivas. abordagens focalizam o próprio indivíduo e
Ele contém três vínculos positivos que são apontam para indicadores pessoais que po­
componentes psicológicos cogni­tivos e não deriam auxiliá-lo a viver melhor de modo
O trabalho do psicólogo no Brasil 331

geral, sem especificar os contextos. Por outro que permitiu realizar diver­sas análises. Uma
lado, o modelo de bem-estar social e o mo­ descrição mais detalhada do método e dos
delo de bem-estar no trabalho dão conta, instrumentos utilizados no estudo encon­
respectivamente, das concepções individuais tram-se nos Apêndices 1 e 2.
acerca do contexto social ou dos vínculos
que se estabelece no ambiente de trabalho.
Este capítulo tem por objetivo descrever O BEM-ESTAR SUBJETIVO
e discutir a configuração do bem-estar sub­ DOS PSICÓLOGOS
je­tivo em uma amostra de psicólogos brasi­
leiros. Portanto, será dada forte ênfase à A configuração do BES dos psicólogos
configuração das experiências afetivas vi­ contém informações descritivas de duas
ven­ciadas e relatadas por psicólogos. dimensões desse conceito – satisfação geral
Participaram do estudo 471 psicólogos, com a vida (componente cognitivo de BES)
a maioria constituída por mulheres, com e afetos positivos e afetos negativos (compo­
idade média de 35,92 anos (DP=10,77). Os nente emocional de BES) – como também
dados foram coletados por meio de ques­ do balanço emocional (diferença entre afe­
tionário eletrônico contendo escalas brasi­ tos positivos e negativos).
lei­ras validadas para aferir as duas dimen­ A Tabela 15.1 mostra médias levemente
sões de BES – Escala de Satisfação Geral superiores ao ponto médio da escala de res­
com a Vida e Escala de Ânimo Positivo e postas (ponto médio = 3) para satisfação ge­
Negativo. Um conjunto de afirmativas se­ ral com a vida (3,61) e afetos positivos
gui­das de respostas escalares foi elaborado (3,55) e valores abaixo do ponto médio
para avaliar cognições sobre a profissão. para afetos negativos (1,92). Quando essas
Questões complementares levantaram da­ médias foram comparadas ao ponto médio
dos pessoais e profissionais. Os dados foram da escala de respostas igual a 3, foram ob­
tratados por meio do Statistical Package for tidos valores de t significativos (p<0,01)
Social Science (SPSS, versão 16.0), software pa­ra todas as dimensões de BES.

Tabela 15.1 Escores médios e desvios padrão das dimensões de bem-estar subjetivo (BES) e valores de t.
Desvios Escala de
Dimensões de BES Médias Valores de t
padrão resposta
Satisfação geral com a vida 3,61 0,57 1a5 23,147**
Afetos positivos 3,55 0,56 1a5 21,434**
Afetos negativos 1,92 0,57 1a5 -38,254**

** p<0,01

O quadro geral do BES não revela altos são de estu­dos realizados em alguns países,
índices, mas pode-se reconhecer que há, en­ esses autores informaram que pesquisas
tre os psicólogos, uma leve predisposição a com amplas amos­tras realizadas nos Estados
se sentir feliz. As duas avaliações contidas Unidos identi­fi­caram 89% dos americanos
no BES – satisfação com a vida e intensidade como pessoas que se julgavam felizes, en­
de vivência de afetos positivos e negativos – quanto outro estudo com outra amostra
cor­respondem ao que, popularmente, deno­ ame­ricana, cobrindo o pe­ríodo de 1946 a
mina-se de felicidade, segundo Diener e 1989, também apontou índi­ces positivos de
Die­ner (1996). Ao apresentarem uma revi­ BES. Outros estudos mostra­ram que as pes­
332 Bastos, Guedes e colaboradores

soas geralmente estão satisfeitas com as­pec­ suas vidas são provenientes do tratamento
tos específicos da vida, tais como saú­de, fi­ recebi­do das pessoas em geral (4,18), do re­
nanças e amizade. Estudos que avalia­ram la­­cio­na­mento com os familiares (4,15), da­
pes­soas economicamente carentes ou por­ta­­ qui­lo que já conseguiram realizar em suas
doras de deficiências físicas (tetraplé­gicos, vidas (3,97) e da sua vida afetiva (3,74).
ce­gos e portadores de lesão na medula es­­ Os parti­cipantes revelaram um padrão bas­
pinal) também revelaram resultados positi­ tante seme­lhante de satisfação com o tra­
vos de BES. balho atual (3,67), com as obrigações diá­
rias (3,67), com aquilo que o futuro lhes
reserva (3,63), com a sua capa­cidade de fa­
Satisfação geral com a vida – zer coisas que querem e com a sua apa­rên­
componente cognitivo de BES cia física (3,60) e com a sua dispo­sição afe­
tiva (3,52). Os menores escores mé­dios de
A Figura 15.2 apresenta os escores mé­ sa­tisfação foram os relativos aos as­pectos
dios dos psicólogos em cada um dos 15 eco­­nômicos de suas vidas, ou seja, à dispo­
itens da Escala de Satisfação Geral com a ni­bili­dade de dinheiro para suprir suas ne­
Vida (ESGV), componente cognitivo de BES. ces­si­da­des (2,94) e ao padrão de vida atual
Ao se realizar a análise de diferença entre o (3,11), bem como ao tempo para descan-
escore médio do item e o ponto médio da so (3,29) e àquilo que fazem para se dis-
escala de respostas (valor = 3), foram iden­ trair (3,39).
tificadas diferenças significativas (p<0,01) Sendo um componente cognitivo de BES,
para 14 dos 15 itens, excluindo-se o refe­ as avaliações realizadas sobre vários aspectos
rente a “com o dinheiro que disponho para da vida permitem que os indi­víduos exami­
suprir minhas necessidades”, cujo escore nem algumas condições em que vivem, deem
médio (2,94) revelou-se sem diferença sig­ um peso de importância a essas condições
ni­ficativa do ponto médio. e, então, considerem se estão satisfeitos ou
Conforme o julgamento dos psicólogos, in­sa­tisfeitos com a vida em geral (Diener,
as quatro maiores satisfações obtidas em Scollon e Lucas, 2003).

Dinheiro
 para
necessidades 2,94

Padrão 
de 
vida 
atual 3,11

Tempo
para
descansar 3,29

Coisas
de
faço 
para 
me 
distrair 3,39

Disposição 
física 3,52

Aparência
física 3,6

Capacidade
de
fazer 
o 
que 
quero 3,6

Futuro 
me
reserva 3,63

Obrigações 
diárias 3,65

Trabalho 
atual 3,67
 
Roupa que 
posso 
comprar 3,72

Vida
afetiva 3,74
Realizações
 em
 toda
 minha vida
  3,97
Relações
 com
 minha
 família
 4,15
Pessoas me
 tratam
  4,18

0 
0,5 
1 
1,5 2 
2,5 3 3,5 4 4,5

Figura 15.2 Médias obtidas de respostas aos 15 itens da ESGV.


O trabalho do psicólogo no Brasil 333

Embora existam evidências, produzidas julgados como aquilo que menos satis­fação
por estudos, de que julgamentos e avalia­ções lhes proporciona em suas vidas, po­sicio­nan­
sobre a vida podem ser influenciados pelo do-se os psicólogos como “nem sa­tisfeitos
estado de ânimo em que o indivíduo se en­ nem insatisfeitos” perante eles. Adi­cional­
contra, há também evidências de que tais men­te, esses profissionais conside­ra­ram que
julgamentos apresentam estabilidade ao lon­ o seu padrão de vida atual, bem como o tem­
go do tempo. Trata-se de um procedi­men­to po de que dispõem para des­cansar e as op­
psicológico que se insere no âmbito das cog­ ções que têm para se distrair são outras três
nições, sendo realizado por meio de proces­ condições de vida com as quais há pouca
samento de informações. Como é uma tarefa satisfação, com uma tendên­cia à indiferença
mental difícil de ser realizada, são escolhidos em relação a elas. Essas condições de vida,
atalhos variados para realizar esse trabalho. julgadas como as que menos satisfações des­
Para tanto, as pessoas recor­rem a lembranças pertam, poderiam ser o que torna os profis­
ou informações que são mais simples e fáceis sionais de psicologia predispostos a se distan­
de serem recupe­radas na memória. As pes­ ciarem de um estado de completo bem-estar
soas podem tam­bém basear seu jul­gamento subjetivo ou de felicidade.
de satisfação com a vida em alguns domínios
dela, espe­cialmente os que são muito impor­
tantes e cujas infor­mações são facil­mente re­ Afetos positivos e negativos –
cuperadas quando são so­licitados a julgar componente emocional de BES
sua satisfação geral com a vida (Diener, Scol­
lon e Lucas, 2003). A Figura 15.3 apresenta os escores mé­
Quando se examinam os resultados dios relativos à intensidade com que os psi­
apre­­sentados pelos psicólogos ao julgarem cólogos relataram vivenciar afetos positivos.
o quanto estavam satisfeitos com suas vidas, Esses escores foram calculados com base em
pode-se reconhecer que os seus julgamentos suas respostas a cinco afetos positivos con­
priorizaram as relações afetivas, no ambien­ tidos na Escala de Ânimo Positivo e Ne­ga­
te familiar, nos contatos sociais com as pes­ tivo (EAPN).
soas em geral ou na vida afetiva mais ín­ Os profissionais de psicologia revelaram
tima. Assim, seria possível considerar que que se sentem, com maior intensidade, bem
um domínio da vida mais valorizado pelos (3,74), seguido de felizes (3,60), contentes
psicólogos seria aquele que abarca as rela­ (3,52), animados (3,48) e satisfeitos (3,44).
ções afetivas, os laços e os vínculos fami­ Ao se comparar os escores médios dos
liares, bem como o tratamento recebido afetos positivos com o ponto médio da esca­
das pessoas com as quais esses profissionais la de respostas (valor =3), foram obtidos
interagem socialmente. Provavelmente, es­ para todos eles valores de t significativos
se domínio de vida – relações afetivas, vín­ (p<0,01). Portanto, os afetos positivos fo­
culos familiares e tratamento social – seja ram julgados como tendo uma intensidade
um importante componente não somente significativamente superior ao ponto médio
para servir de referência para os julga­men­ da escala de respostas, sugerindo que os
tos dos psicólogos acerca de sua satis­fação psicólogos são predispostos a vivenciarem
com a vida em geral como também um im­ afetos positivos com intensidades que ten­
portante elemento cognitivo que sus­tenta dem a níveis positivos.
sua felicidade. Sendo o bem-estar subjetivo reconhecido
Por outro lado, os recursos econômicos de como um estado psicológico em que a afeti­
que dispõem e com os quais psicólogos aten­ vidade, ou seja, a presença de afetos po­si­
dem suas necessidades do dia a dia fo­ram tivos contribui significativamente para mol­­
334 Bastos, Guedes e colaboradores

Satisfeito 3,44

Animado 3,48

Contente 3,52

Feliz 3,6

Bem 3,74

3,2 3,3 3,4 3,5 3,6 3,7 3,8

Figura 15.3 Médias para os cinco afetos positivos.

dar esse quadro psicológico saudável, torna- Retornando aos resultados obtidos quan­
se pertinente recorrer às formulações de al­ do se configurou o BES dos psicólogos, pa­
guns estudiosos acerca do papel que as emo­ re­ce adequado considerar esses profissionais
ções positivas desempenham na saúde e no como indivíduos felizes, visto que eles têm
bem-estar dos indivíduos. uma avaliação satisfatória de diversos as­
Para Fredrickson (2001), a sua teoria pectos de sua vida e, ao mesmo tempo, ti­
acerca de emoções positivas assenta-se nas veram oportunidades de vivenciar uma in­
seguintes suposições: tensidade relativamente alta de emoções
• As emoções positivas servem como in­ positivas. Sendo assim, esses profissionais
dicadores para o entendimento do flo­ mantêm dentro de si algumas das condições
rescimento de pes­­soas, comunidades e afetivas postuladas por Fredrickson para
sociedade, mis­­são postulada por Selig­ florescerem e serem protegidos de distúr­
man e Csiks­zen­­tmi­halyi (2000) para a bios psicológicos que se sustentam em emo­
psico­logia positiva. ções negativas e desencadeiam doenças co­
• Momentos em que o indivíduo viven­ mo estresse, ansiedade e depressão.
cia emoções positivas – felicidade, in­ A Figura 15.4 contém os escores médios
teresse, contentamento e amor – são dos oito afetos negativos organizados con­for­
momentos em que ele está imunizado me o relato dos psicólogos quanto à in­ten­
para emoções negativas – ansiedade, sidade com que eles foram vivenciados. Com
raiva, irritabilidade e desespero. maior intensidade eles se sentiram irritados
• Emoções positivas não somente indi­ (2,16), seguido de angustiados (2,07), des­
cam florescimento, mas princi­pal­men­ motivados (2,04), desanimados (2,00), cha­
te produzem o florescimento: elas não teados (1,92), nervosos (1,87), tristes (1,75)
são um fim em si mesmas, mas uma e deprimidos (1,51). As comparações desses
condição necessária para alcan­çar o escores médios com o ponto médio da escala
cres­cimento psicológico e man­ter o es­ de respostas (valor = 3) por meio do teste t
tado de bem-estar por longo tempo. produziram valores de diferenças signi­fica­
O trabalho do psicólogo no Brasil 335

tivas (p < 0,01) para todos os afetos nega­ gativos podem ser consideradas diferentes
tivos. Portanto, as intensidades com que os do ponto médio (“mais ou menos”), tenden­
psicólogos relataram vivenciar os afetos ne­ do a pouca intensidade.

Deprimido 1,51

Triste 1,75

Nervoso 1,87

Chateado 1,92

Desanimado 2

Desmotivado 2,04

Angustiado 2,07

Irritado 2,16

0 0,5 1 1,5 2 2,5

Figura 15.4 Médias para os oito afetos negativos.

Embora se observe valores abaixo do que positivos) e balanço emocional neutro


ponto médio da escala para todos os afetos (frequência de afetos positivos igual a ne­
negativos, não se pode deixar de reconhe­ gativos).
cer a existência deles na vida dos psicó­ A grande maioria dos psicólogos pesqui­
logos e que essa intensidade, mesmo sendo sados, um total de 429 (91,08%), relatou ter
de nível baixo, poderia contribuir para di­ vivenciado com mais intensidade os afe­tos po­
minuir a preeminência dos afetos positivos. si­tivos do que os negativos. Apenas 39 (8,28%)
Portanto, pode-se constatar que os psicó­lo­ tiveram um balanço emocional nega­tivo; nesse
gos mantêm um quadro BES fragilizado caso, vivenciando mais in­tensa­men­te os afetos
por ocorrências de afetos negativos. Assim negativos do que po­sitivos. Para três psicó­
sendo, parece provável que o seu floresci­ logos (0,64%) ocorreu um ba­lan­ço emocional
mento ou o seu crescimento psicológico e neutro, com vivência na mes­ma intensidade
a manutenção de um estado pleno de bem- dos afetos posi­tivos e negativos.
-estar poderia ser levemente abalado pela Os escores médios de balanço emocional
vivência de afetos negativos, especialmente para os três grupos estão na Tabela 15.2. Os
ao se sentirem irritados, angustiados e des­ 429 psicólogos que tiveram um balanço
mo­tivados, três afetos negativos com as emocional positivo apresentaram um escore
maiores médias de intensidade. de 1,86; os 39 com balanço emocional ne­
Sendo as médias dos cinco afetos po­sitivos gativo tiveram –0,71; três psicólogos conse­
superiores às médias dos oito afetos negativos, guiram equilibrar os afetos positivos e nega­
o balanço emocional calculado, conforme pro­ tivos e apresentaram um balanço emocional
po­sição de Bradburn (1969), revelou um valor neutro. Diante desses resultados, parece pro­
médio também positivo de 1,63 (DP = 1,05). vável que a maioria dos psicólogos (91,08%)
A Figura 15.5 apresenta a distribuição teve suas vidas permeadas por experiências
dos psicólogos em três grupos conforme o que lhes permitiram vivenciar mais intensa­
balanço emocional: balanço emocional posi­ mente os afetos positivos do que os nega­
tivo (maior frequência de afetos positivos tivos, mantendo um indicador im­portante de
do que negativos), balanço emocional nega­ saúde mental segundo Bradburn (1969) e
tivo (mais frequência de afetos negativos do Fredrickson (1998; 2000; 2001).
336 Bastos, Guedes e colaboradores

500

450

400

350

300

250

200

150

100

50

0
Balanço emocional positivo Balanço emocional negativo Balanço emocional neutro

Figura 15.5 Distribuição dos psicólogos conforme o balanço emocional.

Tabela 15.2 Médias e desvios padrão do balanço emocional para os três grupos.
Grupo No Médias Desvios padrão
Balanço emocional positivo (AP > AN) 429 1,86 0,82
Balança emocional negativo (AP < AN) 39 -0,71 0,52
Balanço emocional neutro (AP = AN) 3 0,00 0,00
Nota: AP = afetos positivos; AN = afetos negativos

CONCLUSÃO po­de-se enten­der que os psicólogos partici­


pantes desse estudo mantêm as condições
Os resultados obtidos por meio deste emocionais em níveis adequados para uma
estudo trazem algumas evidências acerca de vida saudável e elas podem lhes prote-
um importante aspecto da saúde psicológica ger das consequências danosas à saúde psi­
dos profissionais de psicologia: o seu BES. co­lógica desencadeadas por emoções nega­
Esses profissionais parecem ser pessoas que tivas.
vivenciaram mais afetos positivos do que Eles se julgaram mais satisfeitos com sua
negativos, retendo em sua estrutura psíqui­ vida no que tange às relações afetivas, re­
ca registros de um provável balanço emo­ velando serem as pessoas de seu convívio
cional positivo e de uma satisfação com os social um provável apoio para sustentar
aspectos gerais de suas vidas. suas experiências emocionais mais positivas.
Na perspectiva emocional do BES, eles Entretanto, mostraram-se pouco satisfeitos
se configuram como indivíduos que se sen­ com os aspectos econômicos de suas vidas,
tiram mais intensamente “felizes” e “bem” sinalizando que esse feitio do dia a dia po­
e menos intensamente “tristes” e “depri­mi­ deria comprometer o alcance de um BES
dos”. Com essa configuração emocional, mais estável e duradouro.
O trabalho do psicólogo no Brasil 337

REFERÊNCIAS Fredrickson, B. L. Extracting meaning from


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16
Saúde/doença no trabalho do psicólogo
a síndrome de burnout*

Maria da Graça Jacques, Livia de Oliveira Borges,


Roberto Heloani e Rosângela Cassiolato

Desde as últimas décadas do século XX ca de 30% dos trabalhadores ocupados, e os


se assiste a uma crescente atenção à saúde/ transtornos mentais graves, cerca de 5 a 10%.
doença entre os trabalhadores associada às No Brasil, os transtornos psíquicos ocupam o
transformações no cenário mundial e suas terceiro lugar entre as causas de concessão de
expressões no mundo do trabalho. Tal cres­ benefícios previden­ciários, sem considerar os
cimento tem estimulado estudos e pesqui­ casos não re­gistrados nas estatísticas oficiais
sas cada vez mais frequentes sobre o tema. (Brasil, 2001).
Paulatinamente, a implicação do traba­ A Portaria 1.339/99 (Brasil, 1999) apre­
lho no processo de saúde/doença psíquica senta os princí­pios norteadores utili­zados no
vem sendo incorporada pelo imaginário so­ Brasil para o diagnóstico das doenças rela­
cial, em especial por meio da associação cionadas com o trabalho. Contempla como
en­tre trabalho e estresse. No entanto, ob­ etiologia pos­sível de associação com o tra­
serva-se que o senso comum tende a tratar balho os cha­mados transtornos mentais e do
o assunto ainda de forma dualista em que comporta­mento relacionados ao trabalho.
o trabalho está implicado, ou só na pro- Segundo o Manual do Ministério da Saúde
mo­ção de saúde ou só na promoção de do Brasil (Brasil, 2001), que toma como re­
doen­ça. Também são comuns explicações ferência tal Por­taria e o Decreto 3.048/99
sobre a etiologia do adoecimento psíquico (do Minis­tério da Previdência e Assistência
basea­das na genética e/ou nas relações Social, 1999) com suas alterações, o esta­
familia­res sem levar em conta o cotidiano bele­ci­mento do nexo causal entre a doença
de trabalho. e a atividade atual ou pregressa do traba­
Sobre as estatísticas em relação ao adoe­ lhador representa o ponto de partida para o
cimento psíquico, segundo estimativa da Or­ diag­nóstico e para a terapêutica corretos,
ga­nização Mundial da Saúde, os cha­mados para as ações de vigilância e para o registro
transtornos mentais menores aco­me­tem cer­ das informações nos sistemas operacionais.

*
Emprega-se a grafia da palavra burnout conforme utilizada pelo Ministério da Saúde do Brasil (2001).
O trabalho do psicólogo no Brasil 339

Há bastante tempo se reconhece o tra­ A Portaria 1.339/99 reconhece a síndro­


ba­lho em seu papel estruturante na vida das me de burnout como uma doença relacio­
pessoas e das sociedades (Brief e Nord, nada ao trabalho. Gil-Monte (2005), autor
1990; Engels, 1986; Marx, 1980; Sartre e espanhol, assinala o avanço da legislação
Ferreira, 1961). Isso não significa que todos brasileira nesse ponto comparando com a
os impactos do trabalho sobre as pessoas realidade espanhola. Relata que, na Espa­
sejam agradáveis e saudáveis, pois o tra­ba­ nha, a Lei de Prevenção de Riscos Laborais
lho, em conformidade com as condições em (Lei 31/1995, de 8 de novembro, BOE 10-
que se realiza, pode promover tanto saúde 11-1995) tem permitido se considerar a sín­
quanto o seu contrário, o adoeci­men­to. Há drome como um acidente de trabalho e que,
uma série de fatores associados ao trabalho naquele país, para trabalhadores de centros
que são responsáveis por sofri­mento e por de atenção a pessoas com necessidades es­
alterações na saúde psíquica, desde fatores peciais tem-se reconhecido o direito de um
pontuais, como a exposição a determinados adicional de periculosidade por exposição a
agentes tóxicos, até a com­plexa articulação condições de trabalho suscetíveis ao desen­
de fatores relativos à natu­reza e à organiza­ volvimento da síndrome.
ção do trabalho. Em outras palavras, o tra­ Tais considerações fundamentaram a
balho segue constituindo um aspecto impor­ proposição de um estudo com psicólogos,
tante na inserção social pelo seu valor eco­ elegendo o processo saúde/doença psíquica
nômico, cultural e simbólico, mas são neces­ como uma das categorias de investigação e
sários alguns requisitos para que possa pro­ optando pelo recorte de investigar a síndro­
porcionar mais prazer, bem-estar e saúde do me de burnout. O texto que segue apresen­ta
que sofrimento e adoecimento. uma síntese dos fundamentos teó­ricos que
No caso do trabalho do psicólogo, reco­ embasam a proposta, a descrição e a análi-
nhe­ce-se que muitas das suas atividades e se dos resultados da pesquisa empírica rea­
atribuições envolvem a esfera psicoafetiva. lizada. A investigação se inscreve no am­plo
Tal esfera é apontada por Seligmann-Silva estudo sobre o psicólogo que constitui o
(1994) como um dos componentes na ins­ conteúdo deste livro e que tem como refe­
tân­cia trabalho envolvidos na relação com a rências algumas categorias analíticas previa­
saúde/doença. mente escolhidas. Não se procura aqui es­go­
Segundo o Ministério da Saúde do Bra­ tar o tema saúde/doença psíquica no tra­ba­
sil (Brasil, 2001), também associada à es­ lho do psicólogo, mas, sim, disponibilizar re­
fera psicoafetiva e presente em trabalha­ sul­tados referentes à presença/ausência da
dores da saú­de e da educação, em policiais síndrome de burnout que estimulem a conti­
e em agentes penitenciários, entre outros nuidade de estudos e pesquisas a respeito.
profissionais da área de serviços ou “cuida­
dores”, encontra-se uma síndrome espe­cí­
fica denominada síndrome de burnout ou O percurso teórico:
sín­drome do es­gotamento profissional (no uma síntese
Có­digo Interna­cional de Doenças – CID –
clas­sificada como Z73.0). No Brasil, en­con­ Para ter em conta um conceito de sín­
tra-se um conjunto de estudos que apon- drome de burnout, é preciso ter claro que é
ta en­demias da síndro­me em tais ocupa- necessário assumir o pressuposto de que se
ções (Be­nevides-Pereira, 2002b; Borges, trata de uma alteração psíquica cuja gênese
Argolo e Baker, 2006; Codo, 1999; Lima et está na relação do ser humano com o traba­
al., 2004; Tamayo, 1997; Tamayo, Ar­golo e lho. Isso implica assumir que existe um ne­
Bor­ges, 2005). xo mútuo entre trabalho e saúde psíquica.
340 Bastos, Guedes e colaboradores

Na Psicologia, trabalho e saúde por mui­­ parte dos trabalha­dores e, consequentemente,


to tempo foram tratados como assuntos to­ da sua culpa­bi­lização pelo evento.
talmente dissociados (Jacques, 2007), fato Coincidindo com a realização do filme
que só começou a se reverter mais sis­tema­ Tempos Modernos, em 1936, que torna vi­
ticamente a partir das publicações do psi­ sível através da Arte a relação entre traba­
quiatra francês Le Guillant, com a publi­ lho e adoecimento mental, os estudos de­
cação, em 1956, do artigo A neurose das te­ sen­volvidos por Seyle sobre a Síndrome Ge­
lefonistas (Lima, 2006). O reconhe­cimen­to ral de Adaptação, que o autor qualifica co­
de tal nexo vem sendo tratado em vários mo estresse, ganham gradativamente re­co­
tex­tos de autores brasileiros (Borges et al., nhecimento. O termo estresse vinha sen­do
2007; Codo e Jac­ques, 2003; Jacques, 2007; utilizado desde o século XVII, e sua apli­
Lima, 2003; Mendes e Morrone, 2002; Sato, cação específica a uma condição fisiológica
2003; entre outros). teve início no final do século XIX, com Clau­
Isso não significa que na primeira meta­ de Bernard. Após a visibilidade conferida ao
de do século XX não tenha havido estudo conceito por Seyle, na primeira metade do
algum e/ou publicação sobre o assunto, século XX, a noção de estresse fisiológico foi
mas eles não representavam uma vertente ampliada e outras áreas do conhecimento
significativa no corpo referencial da Psicolo­ foram se apropriaram do conceito, encon­
gia. Assim, como exemplo, é possível citar, a tran­do-se pesquisas sobre estresse psicoló­
título de ilustração, algumas dessas publi­ gico, social, biopsicossocial, profissional e
cações. É o caso do livro Psychology and outros (Figueiras e Hippert, 2003).
industrial efficiency, de Munsterberg, edita­ É preciso esclarecer que o estresse, con­
do em 1913 e reconhecido como a primeira forme concebido por Seyle (1956 apud Pei­
obra na área da Psicologia aplicada ao mun­ ró, 1993) não é necessariamente uma alte­
do do trabalho, que discute o sofrimento psí­ ração psíquica, mas sim, dentro de certos
quico e a necessidade de promoção do bem- limites, uma manifestação de saúde. Assim,
estar psicológico do trabalhador. Tam­bém o o autor diferencia as noções de eustresse e
Journal of mental higyene em seu pri­meiro distresse. O primeiro se refere a situações
número, de 1917, chama a atenção para o em que o estresse produz estimulação e ati­
sofrimento psíquico dos operários nas recém- vação adequadas que permitem às pessoas
-instaladas linhas de montagem. Ape­sar des­ obterem os resultados desejados em suas
ses registros pontuais, os estudos e as publi­ atividades. O segundo se refere a situações
cações sobre esse campo na Psico­logia eram e experiências desagradáveis; é isso o que
escassos na primeira metade do século XX. tem recebido mais atenção.
Tais registros têm como ponto comum A noção de estresse psicológico foi di­
o exame da relação entre a profissão e a saú­ fundida por Lazarus e Folkman (1984), com­­
de/doença psíquica em que o trabalho ocu­pa preendendo-o como uma relação entre a pes­
um lugar determinante. Há outros re­gis­tros soa e o ambiente avaliada como preju­dicial
em que o privilégio recai na presta­ção de ao bem-estar. Lipp (1994) define-o como
assistência psicológica aos trabalha­dores em uma reação com componentes emo­cio­nais,
que o trabalho é tomado apenas co­mo pano físicos, mentais e químicos a deter­minados
de fundo no tratamento do adoe­­cimento psí­ estímulos que irritam, amedron­tam, excitam
quico. Sato e Bernardo (2005) registram a e/ou confundem a pessoa. Apesar da pre­
ocorrência dessas práti­cas desde a década de dominância em compreender o estresse co­
1920 nos Estados Unidos. No Brasil, há ex­ mo um estado de desequilíbrio, Codo (1999,
periências na área da perícia médica sob a p. 282) se refere ao mesmo “como um estado
perspectiva da pro­pensão ao acidente por intermediário entre a saúde e a doen­ça, um
O trabalho do psicólogo no Brasil 341

possível indicador das conse­quências do tra­ tal), despersonalização (estabelecimento de


balho sobre os trabalhadores, que podem um contato indiferente e impessoal com sua
estar sofrendo em decorrência das condições clientela) e baixa realização pes­soal no tra­
e características de sua ativi­dade, sem neces­ balho (entendida como insatis­fação com
sariamente apresentar al­gum quadro pato­ as atividades realizadas). Mais recente­men­
lógico específico”. te, Maslach e Leiter (1997) e Maslach,
Embora a falta de unanimidade em re­ Schaufeli e Leiter (2001) redesig­naram os
la­­ção ao conceito de estresse e à sua sin­to­ dois últimos fatores, por cinismo e por re­
matologia, o termo se popularizou de tal duzida eficácia profissional, com a intenção
for­ma que seu conhecimento passou a en­ de que tal mudança de designação e uso de
sejar o emprego cotidiano com os mais va­ termos de conotação mais branda amplias­
riados significados, além do emprego em sem o conceito e aperfeiçoassem a mensu­
várias dis­ciplinas científicas. Assim, é usado ração e o diagnóstico da síndrome.
tanto para denominar condições externas Maslach (1976), segundo muitos pes­qui­
ou uma força imposta ao organismo, quanto sa­dores (Benevides-Pereira, 2002a; Gil-Monte
para se referir às respostas desse mesmo e Peiró, 1997; Gil-Monte, 2005; Ta­mayo,
organismo ante es­sas forças. O conceito 1997; 2002; Tamayo e Tróccoli, 2002), inau­
tam­­­bém serviu como re­ferência para o es­ gurou uma perspectiva de aná­lise da sín­dro­
tudo de outros quadros clí­nicos reconhe­ci­ me, que se tornou pouco a pouco a mais apli­
dos como possivel­mente as­sociados ao tra­ cada. A compreensão do processo de desen­
balho, como o estresse pós-trau­mático e a vol­vimento exige consi­derar o fracasso das
sín­drome de burnout. estra­tégias de enfren­tamento do estresse e a
Com relação à síndrome de burnout, os forma com que tais estratégias estão impli­
primeiros registros se devem a Freudenber­ cadas no referido processo. Além disso, a sín­
ger (1974). O pesquisador constatou entre drome, em­bora vivenciada em um nível pes­
profissionais ligados ao tratamento de usuá­ soal, de­sen­volve-se coletivamente nas relações
rios de droga desânimo crônico no traba­lho, de ca­da tra­balhador com o seu trabalho, jus­
sensação de exaustão e reclamações que tifi­can­do a adoção de uma perspectiva epi­de­
desqualificavam os usuários de seus servi­ mio­lógica.
ços. A partir dessas constatações, des­cre­- Sato (2003) alerta sobre a necessidade
veu o burnout como um estado mental de de entender o contexto no qual o trabalho é
exaus­tão no trabalho que provocava con­se­ desenvolvido e a relação de cada traba­
quências no desempenho profissional. lhador com esse contexto para compreender
Paralelamente aos estudos de Freuden­ o processo de adoecimento no trabalho.
berger, Maslach (1976), psicóloga social Nessa linha de raciocínio, propõe como uni­
que estudava as emoções no local de tra­ dade de análise a relação trabalhador-con­
balho, registrou sobrecarga e consequente texto de trabalho. Vasquez-Menezes (2003),
es­gotamento emocional como temas mais ao lembrar que o burnout é uma síndrome
citados durante entrevistas com trabalha­do­ do trabalho, chama a atenção para o papel
res. Concluiu que aspectos individuais asso­ da organização e das relações de trabalho.
ciados às condições e às relações de tra­ Controle sobre o trabalho realizado, carga
balho poderiam levar a uma espécie de so­­­ de trabalho, produto do trabalho, rotinas,
frimento, que chamou de burnout, enten­di­ espaços para expressar a emoção sentida e
do de forma multidimensional e compre­en­ o sofrimento articulam-se com a relação que
dendo três domínios ou componentes: exaus­ cada trabalhador mantém com o seu traba­
tão emocional (esgotamento físico e men­ lho a partir da sua biografia pessoal.
342 Bastos, Guedes e colaboradores

Na perspectiva psicossociológica, a sín­ que este último interfere na vida do indi­


dro­me é eminentemente situacional, uma víduo, mas não só diretamente na sua re­
vez que, embora o burnout, em consonância lação com o trabalho. Gil-Monte e Peiró
com os aportes que fundamentam as teorias (1997) empenharam-se também em diferen­
sobre estresse, esteja associado a vulnera­ ciar a síndrome de vários outros termos,
bilidades pessoais (como apresentar locus entre os quais o tédio, a fadiga, a depressão
de controle externo, baixo nível de hardiness e a ansiedade. O tédio seria, também, uma
e usar de estratégias passivas ou defensivas forma de estresse crônico que envolve pres­
de enfrentar o estresse), só é desenvolvido sões físicas, mas não emocionais, e aplica-se
na relação das pessoas com o trabalho de mais a outras atividades e não a profissões
acordo com as características conjunturais e de ajuda e/ou que envolvem o atendimento
estruturais do emprego, da ocupação e da a pessoas como objeto principal do trabalho.
organização (Maslach, Schaufeli e Leiter, A fadiga física se diferencia por implicar
2001). A abordagem psicossociológica ado­ recuperação rápida e não a vivência do es­
tada por esses autores propõe uma com­ gotamento emocional persistente, própria
preensão dos fenômenos a partir de múlti­ da síndrome.
plos níveis de análise, exigência que é bas­ Sobre a depressão, os referidos autores
tante enfatizada por Maslach e Leiter (1997) assinalaram que ela é acompanhada de sen­
e Maslach, Schaufeli e Leiter (2001) e pelos timentos de culpa, enquanto a síndrome de
diversos autores que têm aplicado a mes- burnout se acompanha de ira e de respostas
ma abordagem. encolerizadas em decorrência de seu com­po­
Maslach e Leiter (1997) formularam nente de despersonalização. Maslach, Schau­
um modelo explicativo da síndrome, afir­ feli e Leiter (2001) assinalaram, tam­bém,
man­do que ela se desenvolve na relação da que a síndrome de burnout é um pro­blema
pessoa com o trabalho no qual se observa específico ao contexto do traba­lho, enquanto
um desequilíbrio em seis domínios do am­ a depressão perpassa toda a vida do indiví­
biente: o volume e a qualidade da carga de duo. Admitiram, entretanto, que indivíduos
trabalho, o controle dos recursos e a auto­ com tendências depressivas são os mais vul­
ridade necessária para o exercício das tare­ neráveis ao desenvolvimento da síndrome.
fas, o conjunto de recompensas recebidas Embora não se tenha uma definição
em relação às contribuições das pessoas, as úni­­ca para a síndrome de burnout, pode-se
convivências gratificantes, a justiça perce­bi­ conceituá-la como um processo decorrente
da no ambiente de trabalho, os valores de­ de uma tensão emocional crônica gerada a
clarados e aplicados no exercício das ta­re­fas partir do contato direto e excessivo com
e os valores pessoalmente adotados. Gil- outras pessoas na situação de trabalho, par­
Mon­te e Peiró (1997) preocuparam-se em ticularmente quando envolve atividades de
diferenciar a síndrome de burnout de ou­tras cuidado. Embora presente em diversas cate­
formas de estresse, assinalando que exis­te gorias profissionais, as pesquisas têm de­
certo consenso sobre a referida sín­dro­me de mons­trado, desde os primeiros registros,
que esta consiste em uma res­pos­ta ao es­ que sua frequência e sua intensidade são
tresse laboral crônico. maiores entre trabalhadores envolvidos com
Jardim e Glina (2000), na mesma linha atividades de cuidado. Gómez de Cadiz
de preocupação, destacaram que a síndrome e colaboradores (1997) apre­­sentaram uma
envolve atitudes e condutas negativas com re­visão de pesquisas epi­de­miológicas em
relação aos usuários, aos clientes, à orga­ vá­rias categorias ocupa­cionais e profissões
nização e ao trabalho. Para diferenciar do ar­gumentando que o componente de es­go­
quadro tradicional de estresse, apontaram ta­mento ou exaustão emocional pode real­
O trabalho do psicólogo no Brasil 343

mente ser generalizado para muitas ocupa­ Maslach, Schaufeli e Leiter (2001), evitando
ções, mas o componente de despersona­li­ tal possibilidade de inter­pretação incorreta,
zação (específico da síndro­me) só se mani­ asseveram que a síndro­me se caracteriza
festa em profissões de ser­viços humanos. pe­­los três componentes, sendo a exaustão
A Portaria 1.399/99 do Ministério da emo­cional o componente do estresse na sín­
Saú­de (Brasil, 2001), que inclui a síndrome drome. Assim, a exaustão emocional é o
de burnout ou síndrome do esgotamento critério necessário para o diagnóstico da
pro­fissional na lista dos transtornos mentais sín­drome de burnout, mas insuficiente, de­
e do com­por­tamento relacionados ao traba­ vendo ser acompanhado dos demais compo­
lho, defi­ne-a como um tipo de resposta pro­ nentes. Segundo esses auto­res, a síndrome
longada a estressores emocionais e interpes­ estaria relacionada a uma sobrecarga emo­
soais crônicos no trabalho. cional e pode ser entendida como um pro­
cesso sequencial que passa pe­­los três com­
(...) O trabalhador, que antes era muito en­ ponentes: iniciaria com a exaustão emo­
volvido afetivamente com seus clientes, com
cional decorrente da relação com o tra­ba­
os seus pacientes ou com o trabalho em si,
desgasta-se e, em dado momento, desis-
lho, levando ao desenvolvimento de ati­tu­
te, perde a energia ou se “queima” comple- des negativas com relação ao cliente e ter­
ta­mente. O trabalhador perde o sentido de minando com o sentimento de baixa rea­
sua relação com o trabalho, desinteressa-se lização no trabalho como uma das conse­
e qual­quer esforço lhe parece inútil (Brasil, quências das percepções negativas que se
p. 191). estabelecem nas relações daí decorrentes.
Codo (1999), com base em pesquisa
Identificam-se, na história clínica dos realizada com 38.000 trabalhadores de edu­
portadores de burnout, grande envolvimen­ ca­ção, considerou, também, a exaustão emo­­­
to com o trabalho, sentimento de desgaste cional como central na caracterização da
emocional e esvaziamento afetivo (exaustão síndrome de burnout. Propõe sua ocor­rência
emocional), queixa de reação negativa, in­ a partir da ruptura afeto-trabalho, em que,
sensibilidade ou afastamento excessivo do de um lado, o afeto se impõe como condição
público que deveria receber seus serviços ou e necessidade para o desempenho do tra­
cuidados (despersonalização) e queixa de balho e, de outro, a organização do trabalho
sentimento de diminuição da competência e não favorece a sua expressão de forma sa­
do sucesso no trabalho. Entre cuidadores, a tisfatória. Como consequência, a exaustão
prevalência dessa síndrome é associada ao emocional se acompanha de sinto­mas físi­
paradoxo que experimentam, pois precisam cos, emocionais e relacionados ao próprio
estabelecer vínculo afetivo com aqueles a trabalho; a despersonalização e a baixa rea­
quem prestam seus cuidados e, cotidiana­ lização no trabalho surgem como formas
mente, rompem esses vínculos por se tra- al­ternativas de resposta ao sofri­mento de­
tar de uma relação profissional mediada cor­rente da exaustão, enquanto uma desis­
por nor­­mas, horários, turnos, transferências, tên­cia simbólica eliminando o ou­tro ou a
óbi­­­tos, etc. (Codo, 1999). si mesmo.
Maslach e Jackson (1986) consi­de­ra­ Maslach, Schaufeli e Leiter (2001), rea­
ram o sentimento de exaustão emocio­nal gindo ao crescimento de influência da pers­
como o elemento mais importante e central pectiva que se designa de Psicologia Positiva
da síndrome de burnout. Isso não significa, (Seligman e Csikszentmihalyi, 2000) – cuja
porém que os seus dois outros componentes intenção é enfatizar aspectos, estados e pro­
(despersonalização e baixa realização pes­ cessos de construção da saúde e/ou do
soal) seriam acidentais ou desneces­sários. bem-estar, das virtudes, das habilidades, das
344 Bastos, Guedes e colaboradores

competências e de uma convivência salutar e colaboradores (2002) pontuam a possi­


na família e na comunidade em detrimento bilidade do desenvolvimento da síndrome
dos transtornos –, argumentam que a sín­ de burnout entre psicólogos, em razão da
drome de burnout é o polo negativo de um neces­sidade de aprimoramento e aperfei­
construto em que o polo positivo é o enga­ çoamento constantes, as adversidades das
jamento no trabalho/emprego, que se carac­ condições de trabalho e o sofrimento psí­
teriza por energia, envolvimento e eficácia, quico/social relatados pela clientela. Cam­
características diretamente opostas às três pos e colabo­radores (2004) citam um es-
dimensões da síndrome de burnout. tu­do com psico­terapeutas no qual Koszer
Tal argumento é corroborado por estu­ cons­tatou a alta incidência da síndrome de
dos como o de Salanova e colaboradores burnout entre os citados profissionais.
(2000) que analisaram as relações entre os No Brasil, há estudos sobre a incidência
dois construtos em uma amostra de traba­ de burnout em diversas categorias ocupa­cio­
lhadores de diversas orga­ni­za­ções públicas nais, mas são mais raros os que focalizam os
e privadas em Castellón. Encontraram que psicólogos. Tamayo, Argolo e Borges (2005)
todos os fatores de um construto estão ne­ realizaram pesquisa sobre o tema que incluiu
gativa e significativamente correlacionados psicólogos. Utilizaram uma amos­tra de pro­
com os fatores do outro construto. Além fis­sionais do sistema básico de saúde e hos­
disso, aplicando uma análi­se fatorial de pitalar em Natal (médicos, enfermeiros, au­xi­­
se­­gunda ordem, identificaram dois fato- liares de enfermagem, assistentes sociais, nu­
res que correspondem exatamente aos dois tricionistas, odontólogos e psicólogos) e en­
cons­­trutos. contraram uma incidência de 38,6% da sín­
Considerando o papel que o trabalho drome. Avaliaram as diferenças nos esco­res
assume na constituição do sujeito e na de­ nos três componentes da síndrome por pro­
fla­gração do prazer ou do sofrimento, e fissões e só observaram diferenças signifi­ca­
con­siderando os problemas resultantes do tivas no fator despersonalização, em que os
sofrimento psíquico em relação à saúde pú­ psicólogos apresentavam os menores escores.
blica, as pesquisas e as intervenções na área Há, no entanto, vários estudos sobre
de saúde mental no trabalho assumem o pro­fissões correlatas no campo da educação
caráter de necessidade estratégica. O diag­ e da saúde. Assim, Carlloto (2002) encon­
nós­tico epidemiológico por categoria profis­ trou médias moderadas nos três fatores em
sio­nal é um primeiro passo para o reconhe­ uma pesquisa com professores universi­tá­
cimento de determinada patologia como re­ rios. Encontrou, também, que o lazer e o
lacionada ao trabalho pelos órgãos previ­ de­­senvolvimento de outras atividades pelos
den­ciários. Fortalecendo essa compreensão, professores eram aspectos que atenuavam o
Gil-Monte e Peiró (1997) encontraram que desenvolvimento da síndrome. Por outro
mesmo entre aqueles que trabalham em lado, a dedicação exclusiva à universidade a
serviços de cuidados humanos, as profissões acentuava e os escores nos componentes da
implicam diferenças significativas nas três síndrome de burnout se correlacionavam ne­
dimensões da síndrome. gativamente com os fatores de satisfação no
Campos e colaboradores (2004) listam trabalho. Os vários estudos no Brasil com
um conjunto de estu­dos e pesquisas rea­ profissionais de saúde convergem em assi­
lizados com profissionais da área da saúde, nalar endemias da síndrome (Amorim, 2002;
realizados no Brasil e no exterior, em es­pe­ Benevides-Pereira, 2002b; Borges et al.,
cial com médicos e enfer­meiros, que apon­ 2002; Borges, Argolo e Baker, 2006; Lima et
tam para o desenvol­vi­mento da síndrome al., 2007; Ta­mayo, 1997). No campo da edu­
de burnout entre esses profissionais. Abreu cação, Codo (1999) discorre detalhadamente
O trabalho do psicólogo no Brasil 345

sobre a in­cidência da síndrome de burnout a serviços de qual­quer enfoque metodológico,


como en­dêmica entre os diversos profissio­ pois, ao con­­trário, “eles existem como condi­
nais que atuam na educação no Brasil. ções ne­ces­­sárias para a possibilidade de prá­
Conhece-se também a pesquisa de San­ tica de pesquisa, independentemente de que
zovo e Coelho (2007) sobre estresse e es­ méto­dos específicos sejam empregados”.
tratégias de coping em psicólogos clínicos. Retomando: o objetivo da presente pes­
Apesar de tal pesquisa não focar a síndrome quisa foi avaliar a incidência (presença/au­­
de burnout, as autoras encontraram a pre­ sência) da síndrome de burnout entre os
dominância de ausência ou nível muito bai­ psi­­cólogos brasileiros. Por consequência, a
xo de estresse, associada ao uso bem-suce­ questão norteadora central foi: “Qual a in­
dido de estratégias de coping. No entanto, cidência da síndrome de burnout entre os
as próprias autoras assinalaram os limites psicólogos brasileiros?”.
do estudo em decorrência da pequena amos­ Como questões norteadoras mais espe­
tra (15 psicólogos clínicos). cíficas, propuseram-se:
Sintetizando, os achados das pesquisas – Que escores os psicólogos apresentam
conduzidas no Brasil não são conclusivos e em cada componente da síndrome de
apontam na direção de haver dúvidas quan­ burnout (exaustão emocional, des­per­­
to à incidência da síndrome entre psicó­ so­nalização e redução da reali­za­ção
logos. Portanto, reforçam a necessidade de pessoal)?
que sejam empreendidos maiores esforços – Há psicólogos com síndrome de burnout?
para investigação desse fenômeno, o que Em que proporção? Ocorre uma en­de­
jus­tifica o estudo aqui relatado. mia?
– Que características sociodemográficas
e ocupacionais dos psicólogos se rela­
Os caminhos da pesquisa cio­nam com os índices de burnout
apresentados?
No campo da saúde do trabalhador, a in­
dicação é a aplicação de técnicas e instru­ Os psicólogos registrados nos Conselhos
mentos diversos e a análise dos diferentes po­ Regionais de Psicologia e usuários da in­ternet
los envolvidos: trabalhadores e contextos de foram a população da pesquisa. No caso espe­
trabalho (Alvaro, 1993; Borges et al., 2007; cífico desse recorte, a amostra se constituiu de
Codo, 2003; Gil-Monte, 2005; Ja­ho­da, 1987; 461 participantes (os proce­di­mentos de esco­
Le Guillant e Bégoin, 2006; Lima, 2003). No lha e seleção da amostra são descritos de for­
entanto, em decorrência do ob­jetivo da pre­ ma global em capítulo próprio).
sente pesquisa, do seu caráter epidemiológico Quanto ao sexo, 84,38% era de mulhe­
e da sua inserção numa pesquisa mais ampla res; a idade média feminina era de 35,85
de caráter ex­ten­sivo, o recorte justifica seu anos e a masculina de 38,18. A maior fre­
planejamento como um levantamento por quência de respondentes se encontrava na
amostragem com a utili­zação de um úni- faixa etária dos 20 aos 29 anos (39,47%).
co ins­trumento, avaliando apenas a partir da Com relação ao ano de formação, mais de
óti­ca do trabalhador. Me­todólogos (Turato, 50% da amostra (52,27%) concluiu o cur­so
2003; Valles, 2007) afir­mam que o design de de graduação a partir do ano 2000, sendo que
um estudo depen­de diretamente da formu­ 68,76% da amostra se formou em insti­tuições
lação do problema e/ou dos objetivos. Condi­ privadas. Com relação à for­ma­ção em nível de
zente com tal afir­mação, Bauer, Gaskell e pós-graduação, 72,02% infor­maram possuir
Allum (2002, p. 30) argu­mentam que se deve pós-graduação lato sensu, o que indica pós-
descartar a ideia de que interesses são postos gra­dua­ção com foco profis­sionalizante.
346 Bastos, Guedes e colaboradores

Com relação à inserção profissional, cons­­ entanto, é importante estar aten­to às obser­
tatou-se uma maioria com duas inser­ções pro­ vações de alguns autores, como Vas­ques-
fissionais, sendo que 58,13% fa­ziam trabalho Menezes (2005), de que um nível mo­derado
autônomo e, entre os empre­gados, a maioria de cada um dos componentes já é consi­de­
trabalhava em empresas públicas (42,95%). rado preocupante sob o ponto de vis­ta epi­
Quanto à renda, a mé­dia da dis­tribuição es­ demiológico, suscitando intervenção de­vido
tava entre 7 e 9 salários-mínimos, com grande ao processo já se encontrar em curso.
participação na renda familiar (31,01% parti­
cipam de 91 a 100%).
Em suma, entre os psicólogos respon­ APRESENTANDO E DISCUTINDO
dentes à escala de burnout, a maioria foi de OS RESULTADOS: A SÍNDROME
mulheres jovens, que concluíram seus cur­ De burnout ENTRE
sos de graduação em instituições privadas PSICÓLOGOS BRASILEiROS
nos últimos 5 anos, tinham formação em
nível de pós-graduação (lato sensu) na área Os psicólogos brasileiros
da Psicologia e trabalhavam principalmente e a ocorrência da síndrome
como autônomas. Em geral, possuíam mais
de uma inserção profissional e apresen­ta­ Para responder à primeira questão nor­
vam vínculos principalmente com empresas tea­dora específica de pesquisa – Que escores
públicas. A renda mensal era oriunda espe­ os psicólogos apresentam em cada com-
cialmente do trabalho como psicólogo e va­ po­nente da síndrome de burnout (exaustão
riava entre 3 e 12 salários-mínimos. A maior emocional, despersonalização e redução da
participação dos respondentes foi da cidade realização pessoal)? – levantou-se a quan­ti­
de São Paulo. O perfil da amostra referente dade de psicólogos por nível (alto, modera­do
ao estudo da síndrome de burnout corres­ e baixo) em cada componente da sín­drome
ponde, de modo geral, ao perfil da amostra de burnout (Figura 16.1). Os resul­tados in­
do conjunto do estudo, apresentado no ca­ dicam que nas duas primeiras di­mensões –
pítulo específico. A coleta de dados, da mes­ exaustão emocional e desperso­nalização – os
ma forma que na pesquisa mais ampla, psicólogos participantes estão mais distribuí­
desen­volveu-se através de questionários es­ dos entre os três níveis do que na terceira
tru­turados e eletrônicos, respondidos pela dimensão (redução da realização pessoal).
internet. Portanto, para respondê-los era No componente exaustão emocional, ob­
ne­ces­sário que o participante contasse com ser­va-se uma tendência para escores mais
acesso ao referido meio de comunicação e ele­vados do que em despersonalização. Cons­­­
fosse regularmente credenciado de modo tata-se um número significativo de par­ti­ci­
regular ao seu conselho profissional. pantes (165) com elevada exaustão emo­cio­
Os participantes responderam ao MBI nal, o que corresponde a 35,80% da amos­­tra.
(Maslach Burnout Inventory, versão adap­ta­ Ao se acrescentar aqueles com moderada
da e validada pelo Laboratório de Psico­logia exaustão emocional, encontra-se um percen­
do Trabalho da Universidade de Brasí­lia – tual de 76,10%, o que corresponde 3/4 dos
LPT/UNB) (Codo, 1999). Para fins de com­ participantes. A exaustão emocional é o ele­
preensão dos resultados apresentados e ana­ mento mais importante, mas não suficien-
lisados a seguir, é importante retomar que te para o diagnóstico da síndrome de burnout
a síndrome de burnout se caracteriza pela ou que pode ser considerada como o com­
com­binação de alta exaustão emocio­nal, alta ponente inicial para a instalação da síndro­
despersonalização e alta redução da realiza­ me, levando ao desenvolvimento de atitudes
ção pessoal no trabalho (Maslach, 1986). No negativas com relação aos clientes e a um
O trabalho do psicólogo no Brasil 347

sentimento de baixa realização pessoal no signi­ficativo, componente este representado


trabalho (Codo, 1999; Maslach e Jackson, co­mo uma das razões para a escolha da
1986; Maslach, Schaufeli e Leiter, 2001). pro­fissão de psicólogo, conforme apontado
Com relação ao componente desperso­ pela pesquisa realizada em 1988 (Conselho
na­lização, constata-se que 102 partici­pan­ Fe­de­ral de Psicologia, 1988). (Entretanto,
tes revelaram alta despersonalização e 188, na presente pesquisa, tal inconsistência
ní­vel moderado; isso corresponde res­pec­ não foi obser­vada, já que o coeficiente alfa
tiva­mente a 22,10 e 40,08%. É impor­tante desse fator foi de 0,70). Destaca-se o regis­
as­sinalar que tal componente tem se mos­ tro de que em pesquisa realizada por Ta­
trado o de menor consistência na es­cala mayo, Argolo e Borges (2005) com pro-
por­que é afetado pela desejabilidade so­ fis­sionais da saúde, os psicólogos foram
cial, especial­mente entre profissões cujo os que registra­ram me­nores graus de des­
com­po­nente simbólico de ajuda ao outro é per­sonalização.

77,70%
90,00%

80,00%

70,00%

60,00%
40,80%
40,30%

50,00% Baixo
37,10%
35,80%

Moderado
40,00%
23,90%

Alto
22,10%

22,10%

30,00%

20,00%
0,20%

10,00%

0,00%
Exaustão emocional Despersonalização Redução da realização
pessoal

Figura 16.1 Distribuição da amostra por níveis em cada fator da síndrome de burnout.

Quanto à redução da realização pessoal, mais elevados em exaustão emocional. Por


observa-se que praticamente não há psicó­ ou­tro lado, distinguem-se das mesmas pes­
logos apresentando escores altos, pois a qui­sas no que se refere ao fato de serem fre­
pro­­porção de 0,20% corresponde a um úni­ quentes escores mais elevados em des­per­so­
co participante. A maioria (77,7%) apre­sen­ na­lização do que em redução da rea­lização
ta escores baixos, e uma parcela menor pes­soal (Codo, 1999), quando aqui se en­
(22,1%), escores moderados. Tal consta­ta­ con­trou um número maior de psicó­logos
ção revela elevada realização pessoal no com es­cores baixos em redução da reali­
tra­balho o que pode sinalizar que tal com­ zação pessoal no trabalho.
ponente para os psicólogos é um aspecto Em síntese, com relação aos índices apre­
que os protege, funcionando como uma sentados pelos psicólogos nos compo­nentes
com­­­pensação a adversidades do trabalho. da síndrome de burnout, encontrou-se maior
Tais resultados se assemelham aos acha­ incidência de escores elevados em exaustão
dos das pesquisas que evidenciam escores emocional, moderados em desper­sonalização
348 Bastos, Guedes e colaboradores

e baixos em redução da rea­li­zação no traba­ número de combinações pos­­síveis seriam 27,


lho, ou seja, cerca de 2/3 dos respondentes já que são considerados três componentes,
revela realização pessoal naquilo que exer­cem ca­da um com três níveis (alto, médio e bai­
como atividade profissional. xo). Contudo, serão des­cri­tas ape­nas as com­
Para esclarecer melhor a ocorrência ou binações efetivamente exis­ten­tes entre os
não da síndrome entre psicólogos, tendo em par­ticipantes da amostra.
vista responder à segunda questão especí-fi­ Os resultados revelam que a confi­gu­ra­
ca de pesquisa – Há psicólogos com sín­dro­ ção que consiste em nível alto nos três com­
me de burnout? Em que proporção? Ocor­re ponentes da síndrome de burnout não foi
uma endemia? – adicionou-se aqui a estra­té­ encontrada na amostra. Isso significa que
gia analítica de levantar as confi­gurações da não se encontraram psicólogos apre­sentando
síndrome, por meio das com­binações de ní­ a síndrome de modo característico. Entretan­
veis de escores dos parti­ci­pantes da amos­tra. to, encontraram-se quatro configu­rações (Ta­
Tal procedimento já foi utilizado em pes­ bela 16.1), que consistem na com­binação de
quisas anteriores (Dantas, 2003; Ta­mayo, Ar­ escores moderados e altos que chamam aten­
golo e Borges, 2005). Ma­te­ma­ticamente o ção e atingem 18% dos participantes.

Tabela 16.1 A incidência da síndrome de burnout segundo os três componentes.


Configurações
Fatores
1 2 3 4
Exaustão emocional Médio Médio Alto Alto
Despersonalização Médio Alto Médio Alto
Redução da realização pessoal Médio Médio Médio Médio
Total de participantes: 18% (83 de 461) 13 06 21 43

Como assinala Vasquez-Menezes (2003), e as anteriores apresentadas na Tabela 16.2


escores moderados já são sinais de alerta. E podem corresponder a um pos­sí­vel desen­
como se sabe que as questões do MBI são volvimento posterior da síndro­me. Entende-
muito diretas, o que leva muitas vezes as pes­ se que essas configurações es­tão em confor­
soas a subdimensionar os sintomas guia­das mi­dade com o seu ciclo de desen­vol­vi­men­to
pela desejabilidade social, pode-se supor que – descrito por Maslach, Schaufeli e Lei­ter
as pessoas com tais configu­rações já apre­sen­ (2001), apontando o seu caráter proces­sual
tam uma conduta na qual os sinto­mas da sín­ – e que os escores em redução da rea­lização
drome podem estar presentes. pessoal são os últimos que se acen­tuam.
Além de tais configurações, efetiva­men­ Na Tabela 16.2, é importante observar
te mais características da síndrome, encon­ as demais configurações, embora não se tra­
tra­ram-se ainda sete configurações que reú­ te de ocorrência da síndrome de burnout. A
nem 26,9% da amostra (Tabela 16.2) e que configuração seis, por exemplo, reve­la que
consis­tem em combinar o nível alto em um o único participante com alta redu­ção da
ou dois fatores com nível baixo em outro rea­lização pessoal apresenta tam­bém alta
fator. Uma dessas configurações (a de nú­ des­per­sonalização e baixo nível de exaus­
mero cinco) reú­ne 30 participantes e con­ tão emocional. Para esse parti­ci­pante, o
siste em nível alto em exaustão emocio­nal e estresse, que na síndrome é repre­sentado
despersonalização e ní­vel baixo em redução pelo compo­nente de exaustão emo­cional
da realização pessoal. Essa configu­ração, (Maslach, Schaufeli e Leiter, 2001), não se
em específico, bem como a de núme­ro sete faz presente, o que indica que os sinto-
O trabalho do psicólogo no Brasil 349

Tabela 16.2 Configurações polarizadas (alto e baixo) dos componentes da síndrome de


burnout.
Configurações
Fatores
5 6 7 8 9 10 11
Exaustão emocional Alto Baixo Alto Alto Alto Médio Baixo
Despersonalização Alto Alto Médio Baixo Baixo Alto Alto
Diminuição de realização pessoal Baixo Alto Baixo Médio Baixo Baixo Baixo
Participantes: 26,9% (124 de 461) 30 01 46 05 20 17 5

mas de tal parti­cipante devem estar pro­ As demais configurações reúnem 55,1%
vavel­mente inseridos em outro contexto dos participantes – portanto, o conjunto ma­
ou em outro tipo de trans­torno de saúde joritário de configurações – e repre­sen­tam
psíquica. a ausência da síndrome. Assim, na Ta­bela
A mesma apreciação se pode aplicar a 16.3, é importante observar que 65 partici­
configurações como as de número 10 e 11, pantes (configuração 18) apresentam nível
em que apenas o nível de despersonalização baixo nos três componentes da sín­drome, o
é alto. As configurações de 7 a 9 repre­sen­ que indica a total ausência da mes­­ma. E as
tam situações em que os psicólogos, apesar configurações de 15 a 17 com­binam nível
de conviverem com alto nível de exaustão baixo em dois com­­po­nentes, com nível mo­
emocional, estão lidando com o estresse de derado em apenas um desses. Tais confi­gu­
forma a não desenvolver a sín­drome de rações também se apro­­ximam muito da au­
burnout. De qualquer forma, é preciso assi­ sência da síndrome, sen­do, por isso, im­por­
nalar que a configuração sete, mais que as tante destacar que, des­sas confi­gu­rações, a
outras duas, pode estar repre­sentando uma de número 15 é apre­sen­tada por 71 parti­ci­
maior probabilidade para a instalação da pantes. Ela se ca­racteriza por nível mode­
sín­drome, já que o nível de desper­son­a­li­ rado em exaustão emo­cional e ní­vel baixo
zação é moderado. nos dois outros componentes.

Tabela 16.3 Configurações leves ou de ausência da síndrome de burnout.


Configurações
Fatores
12 13 14 15 16 17 18
Exaustão emocional Médio Baixo Médio Médio Baixo Baixo Baixo
Despersonalização Médio Médio Baixo Baixo Médio Baixo Baixo
Diminuição de realização pessoal Baixo Médio Médio Baixo Baixo Médio Baixo
Participantes: 55,09% (254 de 461) 71 04 08 71 33 02 65

As configurações 12 e 14 são aquelas – não se verificou a presença da sín­dro­


que podem indicar um processo posterior de me caracterizada por alta exaustão emo­­
desenvolvimento da síndrome, posto que cio­nal, alta despersonalização e al­ta re­
combinam um nível moderado em exaustão du­ção da realização pessoal no trabalho;
emocional com nível moderado em outro – 18% (configurações 1 a 4) dos par­ti­
componente, indicando um fracasso inicial cipantes apresentam escores mode­ra­
em lidar com o estresse. dos e altos nos componentes da sín­dro­
Com relação à ocorrência da síndrome me, sinais de alerta para uma pos­sibi­
de burnout entre os psicólogos com base na lidade de ocorrência de burnout;
análise dos índices encontrados por compo­ – 15,4% (configurações 7 a 9) da amos­tra
nente, tem-se: revelam alta exaustão emocional – em
350 Bastos, Guedes e colaboradores

geral, o primeiro componente da síndro­ análise dos dados, cruzaram-se algumas va­
me a se instalar –, mas com alta reali­za­ riáveis assinaladas pela literatura como asso­
ção pessoal no trabalho e mo­de­rada ou ciadas com os níveis apresentados para os três
baixa desper­sonalização; componentes. Apresentam-se, a se­guir, aque­
– 6,5% (configuração 5) dos partici­ las que apontaram relações esta­tisticamente
pantes apresentam alta exaustão emo­­ significativas: sexo, faixa etá­ria, faixa de ren­
cio­­nal e alta despersonalização, com­ da, tempo de formado, for­mação de pós-gra­
pensadas, no entanto, por alta reali­ duação e participação na renda familiar.
zação pessoal no trabalho; Encontrou-se uma diferença significa­
– 4,7% (configurações 10 e 11) revelam tiva entre as médias em exaustão emocional
alta despersonalização, componente por sexo, em que as mulheres apresentam mé­
ca­racterístico da síndrome, compen­ dia mais elevada (t = 2,03 para p = 0,043) no
sada, também, pela alta realização componente exaustão emocional. Esse resul­
pes­soal no trabalho; ta­do indica que as mulheres ten­dem a sentir-
- 37% da amostra (configurações 15 a se mais emocionalmente exaustas pelo tra­
18) não revela sinais que possam si­ balho e talvez esteja associado ao fato de que
nalizar o desenvolvimento da sín­dro­ elas tendem a vivenciar demandas muito
me de burnout. diferenciadas além das do exercício profis-
sio­nal. Tal dado deve ser interpretado com
Em síntese, os resultados indicam que cui­dado, visto o predomínio de mulheres
os psicólogos têm apresentado menos a (84,38%) na amostra.
síndrome de burnout que outros profissio­nais Observou-se também que quando os par­
em atividade de serviços e de cui­dados hu­ ticipantes da amostra são mulheres di­minui
manos. Constata-se que a rea­liza­ção pes­soal a probabilidade de apresentarem uma das
no trabalho se apresenta como um com­po­ configurações leves ou saudáveis e aumenta
nente que minimiza as conse­quên­cias da a probabilidade de apresentarem as configu­
exaustão emocional (uma es­pécie de imu­ rações referentes à síndrome esta­belecida e
nizador) e está rela­cionada à natureza do as configurações polarizadas (qui-quadrado
trabalho, ao reco­nhecimento da profissão na de Pearson = 6,36 para p = 0,04).
sociedade, entre outros fatores. Em referência à idade dos participantes
da amostra, estimaram-se os coeficientes de
correlação (de Pearson) entre elas e os es­cores
A síndrome de burnout e obtidos nos fatores da síndrome. Ob­ser­vam-se
características sócio- correlações significativas com os escores nos
Ocupacionais e demográficas fatores de exaustão emocional (r = –0,10 para
dos psicólogos p = 0,02) e de redução da realização pessoal
(r = 0,11 para p = 0,02), ambas de magni­tu­
Compete, além do que já foi exposto, de pequena e sendo a pri­meira inversamente
analisar como a ocorrência das referidas proporcional. Apre­sen­tam-se as Figuras 16.2,
con­figurações e o nível de cada componente 16.3 e 16.4 para ex­pressar a relação entre fai­
se associam ou não às características sócio- xa etária e esco­res nos componentes da sín­
-ocupacionais e demográficas, buscando, as­ drome de burnout.
sim, responder à terceira questão específica Na Figura 16.2, observa-se que os esco­
de pesquisa: Que características sociode­ res em exaustão emocional quase não va­riam
mográficas e ocupacionais dos psicólogos se entre as três primeiras faixas etárias da clas­
relacionam com os índices de burnout apre­ sificação, desenhando uma linha le­ve­mente
sentados? Para fins de complementação da ascendente (aproximadamente ho­ri­zontal).
O trabalho do psicólogo no Brasil 351

En­tre a terceira e quarta faixa etária ocorre, tre essas faixas etá­rias. A correlação total é
em contrapartida, uma queda acen­tuada dos de pequena mag­nitude porque tal correla­
escores, o que justifica a cor­relação negativa, ção negativa é tão alta que compensa e ul­
porém de pequena magni­tude, pois a cor­ trapassa o intervalo (maior) em que a corre­
relação negativa, na realidade, só existe en­ lação é positiva e menor.

2,75

2,70
Exaustão emocional (média)

2,65

2,60

2,55

2,50

2,45

Até 27 anos De 28 a De 34 a Mais de


33 anos 45 anos 45 anos
Faixa etária
Figura 16.2 Escores no componente exaustão emocional por faixa etária.

A Figura 16.3, que relaciona os escores per­sonalização, mas o mesmo não ocorre
em despersonalização com a faixa etária, com a redução da realização pessoal que,
de­senha uma linha descendente com incli­ ao contrário, aumenta, sinalizando uma me­
nação relativamente proporcional até a ter­ nor realização no trabalho.
ceira faixa etária, a partir de onde a incli­ De acordo com a faixa de renda mensal,
nação muda. Por isso, a correlação não é constaram-se diferenças significativas em
significativa. relação aos três componentes da síndrome
Na Figura 16.4, que relaciona os es­co­ de burnout, demonstrando a importância da
res no fator redução da realização pes­soal, renda mensal na determinação da ocor­rên­
obser­va-se que há mais de um ciclo de cres­ cia dos três componentes da síndrome. Ve­
cimento e queda dos escores por fai­xa etá­ rificam-se médias mais altas em exaustão
ria. No entanto, o crescimento acen­­tuado emocional e em despersonalização entre os
entre as duas últimas faixas etá­rias deter­ participantes que recebem entre 3 e 12 sa­
minou correlação estatisticamente signifi­ca­ lários-mínimos, que são em maior número e
tiva. Os três gráficos são indi­cati­vos de que contribuem com maior participação na ren­
a relação entre as idade e os fa­tores da sín­ da familiar. A redução da realização pessoal
dro­me não é linear. Além disso, pode-se no trabalho apresenta médias mais altas en­
cons­­tatar que, de uma maneira geral, o tre os de maior renda, isso corrobora o en­
avanço da idade contribui para di­minuir a tendimento de que este é um fator relevante
per­cepção de exaustão emocional e de des­ para tal. Assim, a exaustão emocional e a
352 Bastos, Guedes e colaboradores

1,90

Despersonalização (média)
1,85

1,80

1,75

1,70

Até 27 anos De 28 a De 34 a Mais de


33 anos 45 anos 45 anos
Faixa etária
Figura 16.3 Escores no componente despersonalização por faixa etária.

5,50
Redução de realização pessoal (média)

5,45

5,40

5,35

5,30

5,25

5,20

Até 27 anos De 28 a De 34 a Mais de


33 anos 45 anos 45 anos
Faixa etária
Figura 16.4 Escores no componente redução da realização pessoal por faixa etária.

despersonalização são maiores entre aque­ logo estar inserido no setor público ou não,
les com maior participação na renda fami­ no setor privado ou não, em setores sem
liar, sugerindo a possibilidade de jornadas fins lucrativos ou não, trabalhar como autô­
mais longas em uma ou mais inserções pro­ nomo ou não. Observou-se, em referência
fissionais. ao fator despersonalização, que aqueles que
Foi aplicado o teste t visando examinar trabalham no setor privado tendem a apre­
se as médias diferiam pelo fato de o psicó­ sen­tar índices mais elevados do que os de­
O trabalho do psicólogo no Brasil 353

mais (t = 3,4 para p = 0,001), ocorrendo o in­­­ drome de burnout é uma alteração psíquica
verso com aqueles que trabalham em se­to­- cuja gênese está na relação do ser humano
res sem fins lucrativos (t = 2,02 para p = 0,04). com o trabalho, portanto, implica assumir o
Pode-se questionar a associação de tal fator nexo mútuo entre trabalho e saúde psíquica.
com a cultura organizacional em que o tra­ E ainda, que é necessário entender o con­
balhador se insere. texto no qual o trabalho é desenvolvido e a
Em referência ao componente redução relação de cada trabalhador com esse con­
da realização pessoal, constatou-se que aque­ texto para compreender o processo de adoe­
­les que trabalham em organizações sem fins ci­mento no trabalho.
lucrativos e no setor autônomo e de consul­ Com relação ao perfil dos participantes
toria tendem a sofrer mais redução da reali­ desse estudo, foram, predominantemente,
zação pessoal que os demais. To­mando a psic­ólogas jovens, residentes nas maiores
inserção no setor público, privado e sem fins ca­pitais brasileiras, que cursaram univer­
lucrativos como situação de em­prego, com­ sidades privadas nos últimos cinco anos,
param-se as médias nos três com­ponentes com forma­ção em pós-graduação lato sensu
contrapondo estar na situação de trabalho na área da Psicologia e que trabalham co­
com vínculo empregatício ou de autônomo. mo autônomas, ganhando entre 3 e 12 sa­
Observou-se, então, que aqueles que estão lá­rios-mínimos.
na situação de trabalho com vín­culo em- O instrumento utilizado apresentou ade­
pre­gatício sentem mais exaustão emocional qua­da consistência interna. No entanto, cabe
(t = 2,0 para p = 0,04). ressaltar que como se trata de um ins­tru­
Os resultados aqui encontrados sugerem mento autoaplicável, os seus resultados po­
que, mais que a área do setor de serviços dem expressar muito mais as expectativas
em que se trabalha (saúde, educação, etc.), idealizadas sobre o exercício profissional do
a situação de emprego aumenta a proba­ que o cotidiano vivenciado. Tal observação,
bilidade de a síndrome de burnout se de­sen­ não significa deixar de considerar como váli­
volver. Tal ocorrência encontra apoio na dos os resultados, mas cabe assinalar que a
literatura que explica o desenvolvimento da interpretação dos dados deve ser cautelosa.
síndrome baseado em vários aspectos do No que diz respeito às questões que
tra­balho (volume e qualidade da carga de nor­­tearam o desenvolvimento da pesquisa,
tra­balho, conflitos entre valores declarados os dados revelam ausência da síndrome de
e aplicados, etc.), sobre os quais, na situa­ burnout entre psicólogos conforme a amos­
ção de emprego é possível que o psicólogo tra que participou deste estudo. A síndrome
tenha menos controle e que aponta a orga­ consiste em escores elevados nos seus três
nização do trabalho como determinante na componentes (exaustão emocional, desper­
saúde psíquica (Jacques, 2007; Sato, 2003; so­nalização e redução da realização pessoal
Seligmann-Silva, 1994). Não se encon­tra­ no trabalho). No entanto, constatam-se com­­
ram relações significativas no cruzamento bi­nações de escores altos e moderados nos
dos resultados considerando as demais va­ três componentes em 18% dos partici­pan-
riáveis sociodemográficas e ocupacionais tes. Conforme Vasquez-Menezes (2003), es­
men­cionadas anteriormente. co­res moderados já devem ser consi­de­ra-
dos sinais de alerta. Fortalecendo essa ideia,
lem­bra-se de que os psicólogos, em de­cor­
CONCLUSÃO rência do ideário humanístico da pro­fis­são,
valori­zando os com­portamentos de aju­da,
Convém reafirmar que o pressuposto podem resistir a admitir a alta fre­quên­cia de
que fundamentou o estudo é o de que a sín­ cer­tos sintomas.
354 Bastos, Guedes e colaboradores

Com relação a cada um dos compo­nen­ Gil-Monte e Peiró (1997) escrevem so­
tes que constituem a síndrome de burnout, bre o desencadeamento da síndrome de
destaque deve ser dado ao número de par- burnout a partir do desenvolvimento de
ti­cipantes que revelam alta e moderada sentimentos de baixa realização no trabalho
exaus­tão emocional. É importante retomar em paralelo com sentimentos de alta exaus­
as observações de Maslach, Schaufeli e Lei­ tão emocional. Publicações mais recentes
ter (2001), que identificam a exaustão emo­ de Maslach têm compartilhado dessa posi­
cional como o componente associado ao ção. Assim, a ausên­cia de redução na reali­
estresse. Se, de um lado, a elevada exaustão zação pessoal no tra­balho se apresenta co­
emocional pode significar o início sequen­ mo um fator inibidor ao desenvolvimento
cial para o desenvolvimento posterior da da síndrome e esta é a principal carac­te­
síndrome de burnout como o apontado por rística da amostra.
alguns autores (Maslach e Jackson, 1986; Algumas configurações a partir da com­
Codo, 1999), de outro, não se pode deixar binação de diferentes graus dos compo­
de registrar que esta é uma vivência expe­ nentes da síndrome apontam que os escores
rimentada de modo geral no mundo con­ em redução da realização pessoal no tra­
tem­porâneo, tendo em vista as transfor­ma­ balho são os menos abalados. Tal fato pode
ções introduzidas no contexto global e, par­ estar expressando a tendência de tais com­
ticularmente, no mundo do trabalho. po­nentes serem os últimos afetados. Mas­
A presença de índices mais elevados de lach, Schaufeli e Leiter (2001) apontam que
exaustão emocional entre aqueles que pos­ com relação às características dos par­tici­
suem vínculo empregatício sinaliza para pantes do estudo e às suas relações com os
as trans­­formações introduzidas nos contex­ índices de burnout levantados, cons­tatou-se
tos de trabalho em que a prorrogação da escores mais elevados de exaustão emo­
jor­nada, in­clusive através da tecnologia ou cional em mulheres. Tal fato vem ao encon­
da disposi­ção subjetiva, é mais frequente. tro do papel social feminino que de­man-
Tam­­bém, a pre­­sen­ça de maior exaustão da um conjunto de obrigações e jorna­das
emo­­­cional entre os psi­cólogos de maior exaus­tivas de atividades diversificadas. Com
ren­­­da pode estar sina­lizando na mesma di­ relação às faixas etárias, verificou-se uma
reção de jornadas mais longas e/ou de mais relação não linear, embora hoje uma ten­
de uma inserção profissional. dência à redução dos índices dos dife­rentes
A exaustão emocional não está se ex­ componentes com a idade, incluindo uma
pres­sando no mesmo grau em que os auto­ menor realização com o trabalho.
res qua­lificam de despersonalização (maior Verificou-se maiores índices de des-
número de participantes com índices baixos per­sonalização entre psicólogos que tra­ba­
de des­personalização e número mais res­ lham em empresas privadas e índices mais
trito com ín­dices altos, se comparados com bai­xos entre aqueles que exercem suas ati­
os índices de exaustão emocional) que re­ vidades em empresas sem fins lucrati-
pre­senta res­pos­tas negativas em relação às vos. Tal relação é indicativa de uma pos­
pessoas com quem se trabalha. O número sível reprodução do imaginário dominante
de psicólogos com baixa despersonalização nas empresas priva­das. Ainda é entre tra­
corresponde a cerca de 1/3 da amostra, ba­lha­dores com vín­culo empregatício que
jus­­tamente no com­po­nente que entra em a exaustão emocional se encontra mais ele­
desa­cordo com a rela­ção humanizadora es­ vada, o que, de algum mo­do, reproduz os
pe­­rada do psicólogo e, portanto, mais difícil modelos de organização e gestão do tra­
de admitir como presen­te por se contrapor balho no contexto atual que demandam al­
ao ideário da profissão. ta sobrecarga.
O trabalho do psicólogo no Brasil 355

Em síntese, constatou-se um elevado Cabe sintetizar apontando a ausência


nú­­mero de participantes com índices ele­ da síndrome como uma característica da
vados de exaustão emocional, considerado pro­­fis­são (embora 18% da amostra se apre­
o componente da síndrome mais associado sente em uma faixa de risco), ainda que
ao estresse. A despersonalização, embora pre­­ hoje ele­vada exaustão emocional, compen­
sente, não se apresenta com uma fre­quên­cia sada por grande realização no trabalho; e a
que caracterize a presença da síndrome. Tal desperso­nalização, própria ao burnout, não
componente é o de menor expressividade em ganha relevância, o que pode ser inter­pre­
profissões com ideais humanistas e fo­cadas na tado como uma rejeição a tal carac­terística
ajuda ao outro, como é o caso da Psicologia, o por ela se contrapor ao modelo idealizado
que é uma das possíveis expli­cações para os da profissão.
resultados encontrados.
É, no entanto, a elevada realização pes­
soal no trabalho que se apresenta como um Referências
diferencial importante em relação a outras
ca­tegorias profissionais como a dos educa­ ABREU, K.; RAMOS, L.; BAUMGARDT, R.; KRIS­
dores (Codo, 1999), e que pode expli­car a TEN­SEN, C. Estresse ocupacional e síndrome de
ausência da síndrome de burnout. Pode-se bur­nout no exercício profissional da psicologia. Psi­
co­logia, ciência e profissão, v. 1, n. 1, p. 22-29, 2002.
dizer que os psicólogos se sentem realiza-
ALVARO, J. L. Desempleo y bienestar psicológico.
dos nas atividades que exercem, mes­mo Madrid: Siglo XXI de España Editores, 1993.
apre­sentando alta exaus­tão emocional e, AMORIM, C. Síndrome de burnout em fisiote­
por­tanto, não carac­terizando a presença rapeutas e acadêmicos de fisioterapia: um estudo
da síndrome. preliminar. In: BENEVIDES-PEREIRA, A. M. T.
Importante, na interpretação do último (Org.), Burnout: quando o trabalho ameaça o
resultado, considerar o número de psicó­logos bem-estar do trabalhador. São Paulo: Casa do
que exercem suas atividades como autôno­ Psicólogo, 2002, p. 93-104.
mos, o que sinaliza para a possi­bi­lidade de um BAUER, M. W.; GASKELL, G.; ALLUM, N. C. Qua­
maior controle sobre o proces­so de tra­balho. lidade, quantidade e interesses do conhe­cimen-
O controle sobre o processo de trabalho é to ; evitando confusões. In: BAUER, M. W.; GAS­
KELL, G. (Orgs.). Pesquisa qualitativa com texto,
apontado como um dos fato­res determi­nan­tes
imagem e som. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 17-36.
na saúde mental dos tra­balhadores (Brasil, BENEVIDES-PEREIRA, A. M. T. O adoecer dos
2001; Sa­to, 2003). Tal cons­tatação é reforçada que se dedicam à cura das doenças. O burnout
pe­lo número de psi­có­logos com baixa reali­za­ em um grupo de médicos. In: BENEVIDES-PE­
ção pessoal no tra­ba­lho entre aqueles que têm REIRA, A. M. T. (Org.). Burnout: quando o tra­
vínculo empregatício. balho ameaça o bem-estar do trabalhador. São
Os resultados aqui apresentados e dis­ Paulo: Casa do Psicólogo, 2002a, p. 105-132.
cutidos devem servir de referência para BENEVIDES-PEREIRA, A. M. T. Burnout: quando
outros estudos sobre o tema, incluindo dife­ o trabalho ameaça o bem-estar do trabalhador.
rentes recortes demográficos e ocupa­cio­nais São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002b.
de análise, bem como o contexto concreto BORGES, L. O.; ARGOLO, J. C.; BAKER, M. C. S. Os
valores organizacionais e a síndrome de bur­nout:
de trabalho em que esses profis­sionais se
dois momentos em uma maternidade públi­ca.
inscrevem. Ainda, tais resultados devem ser Psicologia: Reflexão e Crítica, v.19, p. 34-43, 2006.
interpretados no conjunto dos dados do BORGES, L. O.; ARGOLO, J. C.; PEREIRA,A. L. S.;
estudo em geral, com atenção especial aos MACHADO, E. A. P.; SILVA, W. S. A síndrome de
resultados referentes aos sen­tidos e aos sig­ burnout e os valores organizacionais: um es­tudo
nificados do trabalho devido à alta reali­ comparativo em hospitais universitário. Psi­cologia:
zação pessoal no trabalho verificada. Reflexão e Crítica, v. 15, n. 1, p. 189-200, 2002.
356 Bastos, Guedes e colaboradores

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17
Aprendizagem no trabalho
do psicólogo brasileiro

Jairo Eduardo Borges-Andrade, Maria Júlia Pantoja,


Fabiana Queiroga e Raphael Andrade Nunes Freire

Em um mundo cambiante, os profis- vação e nas estratégias para aprender no


sionais são constantemente estimulados trabalho. A expectativa é de que, ao final
ou até obrigados a desenvolver novas do capítulo, o leitor seja capaz de descre-
competências em seu trabalho. Isso não é ver tais processos, bem como de analisar
diferente no caso dos profissionais de Psi- suas inter-relações no contexto ocupacional
cologia. Em alguns casos, a busca por esse de psicólogos brasileiros. É esperado, ain-
desenvolvimento ocorre por meio da par- da, que os conteúdos aqui abordados em
ticipação contínua em cursos ou em outros articulação com os quadros referenciais e
eventos de qualificação profissional, na os achados de pesquisas apresentados e
maioria das vezes, porém, o aprendizado discutidos nos demais capítulos deste livro
ocorre informalmente e sem que o indiví- forneçam subsídios relevantes para que o
duo se dê conta de que ele ocorreu. O pre- leitor possa caracterizar e melhor com-
sente capítulo tem o foco nesse tipo de fe- preender as transformações que marcam a
nômeno, quando ele está relacionado ao profissão do psicólogo no Brasil.
trabalho que é realizado pelo profissional
de psicologia.
A aprendizagem se constitui em fenô- Os processos de aprendizagem
meno relevante no âmbito da Psicologia
Organizacional e do Trabalho (PO&T) e as Há muitas definições do que seja “apren­
bases teóricas desse campo têm fornecido dizagem”. De forma geral, elas fazem refe-
significativas contribuições para a produ- rência a mudanças que ocorrem no compor-
ção de conhecimentos sobre o aprendizado tamento do indivíduo, não resultantes uni-
dos mais diversos grupos ocupacionais em camente da maturação, mas de sua intera-
inúmeros contextos organizacionais brasi- ção com o contexto. Portanto, são mudanças
leiros. Este capítulo integra a perspectiva resultantes da experiência. Em linguagem
geral de examinar a ocupação do psicólogo comum (nos dicionários Aurélio, Caldas Au-
brasileiro com foco nos processos de moti- lete e Koogan/Houaiss, por exemplo), o ato
360 Bastos, Guedes e colaboradores

de “aprender” está geralmente associado às entre grupos e entre organizações). Desse


noções de adquirir, tomar, reter, segurar, pe- modo, o termo aprendizagem passou a ser
gar, agarrar, prender e assimilar. Isso sugere utilizado para fazer referência a processos
o sentido figurado da “apropriação” ou da que ocorreriam nos níveis das equipes de
“apreensão”. Assim, aquela experiência de trabalho ou das organizações, que não se-
interação do indivíduo com seu ambiente rão aqui abordados. Neste texto será adota-
levaria à “apreensão” de algo – como uma do o pressuposto de que a aprendizagem é
“capacidade” (por exemplo, um conceito um processo S-O-R no nível do indivíduo.
que permitisse uma melhor compreensão Nos contextos escolares e nos contextos
desse ambiente ou uma habilidade para re- organizacionais de treinamento e desenvol-
solver um problema) ou uma “disposição” vimento (TD&E), a aquisição de CHAs e sua
(por exemplo, um interesse por algo ou transferência para os ambientes em que a
uma atribuição de valor a algo). Seja lá o pessoa vive ou trabalha são o foco mais
que fosse apropriado, ele futuramente po- usual das pesquisas sobre aprendizagem no
deria ser revelado por meio de mudanças nível individual. Atividades de ensino são
de comportamento. deliberadamente arranjadas, visando a aqui­
Existem duas tradições teóricas preo- sição de CHAs para superar deficiências de
cupadas com essas mudanças, que tiveram desempenho ou a fim de preparar indivíduos
sua origem na Psicologia há aproximada- para enfrentar futuros desafios de trabalho e
mente um século. Na tradição behaviorista para promover o seu desenvolvimento como
(teorias S-R), a ênfase é colocada na mu- cidadãos. As consequências esperadas dessas
dança de comportamento (R) que se estabe- atividades podem ser: (1) que as pessoas fi-
lece de uma forma relativamente duradou- quem satisfeitas com o processo de ensino;
ra, como produto da interação do indivíduo (2) que adquiram CHAs e (3) que as transfi-
com seu ambiente (S). Na tradição cogniti- ram para outros contextos nos quais estas
vista (teorias S-O-R), aquela mudança dura- possam ser úteis. Contudo, é preciso lembrar
doura de comportamento (R) também ocor- que os indivíduos podem aprender e efetiva-
reria como resultado desta interação com o mente aprendem no trabalho e em toda a
ambiente (S), mas é postulado que a intera- sua vida, independentemente de existirem
ção antes resultaria em processos mentais processos de ensino.
(O) ou na aquisição, na retenção e na trans- Abbad e Borges-Andrade (2004) argu-
ferência de conhecimentos, habilidades e mentam que os seres humanos podem ser
atitudes – CHAs – que poderiam ser inferi- caracterizados como “processadores de in-
dos a partir daquelas mudanças. O presente formação” (O) no mínimo razoavelmente
texto segue esta segunda tradição. eficientes (R) nos ambientes complexos (S)
Surgiram há aproximadamente 30 anos em que vivem. Se não fosse assim, não po-
as denominações “aprendizagem organiza- deriam pilotar aviões, realizar psicoterapia
cional” e “organizações que aprendem”, cor- com clientes em crise, controlar o trânsito
respondentes a duas vertentes de conhe- de cidades, planejar ou prover apoio para
cimento do campo da Administração. Em que outros aprendam na escola ou no traba-
ambos os casos, o foco de atenção dos estu- lho, ter disposição para serem duramente
diosos recai sobre os processos organizacio- treinados para uma competição esportiva,
nais de aquisição, retenção, transferência de decidir como melhor utilizar seu dinheiro
aprendizagem e conhecimentos, difusão ou ou onde aplicá-lo e prontamente socorrer
transferência (vertical: transferência do in- vítimas de desastres, todos estes desempe-
divíduo para o grupo e para a organização, nhos decorrentes da prévia aquisição de
horizontal: transferência entre indivíduos, CHAs. Uma das teorias S-O-R postula que
O trabalho do psicólogo no Brasil 361

os aprendizes desses CHAs precisariam con- que os retém por um breve período de tem-
tar com uma hipotética estrutura de memó- po. Nesse período, os dados são “repetidos”
ria chamada “sistema de processamento de ou “escutados internamente”, de modo a se-
informações”. Tal sistema incluiria subestru- rem melhor relembrados e para que sejam
turas e processos representados pela Figura mais facilmente codificados e armazenados
17.1, que foi proposta por Gagné (1975) e na memória de longo prazo. Nessa memória,
será brevemente apresentada nos próximos as informações serão codificadas, isto é, se-
parágrafos com base no que foi descrito por rão transformadas em organizações que fa-
Borges-Andrade (1982). zem sentido para o aprendiz. Não se trata de
O modelo de processamento de informa- um mero empilhamento de dados, pois isso
ções propõe que o ambiente provê os estímu- seria um mau uso da estrutura com um sério
los captados pelos receptores (olhos, ouvidos, risco de perda dos mesmos ou de esqueci-
receptores proprioceptivos, etc.). Esses estí- mento. O que ocorre é uma organização se-
mulos são brevemente retidos pelos registros mântica que relaciona os dados recém-che-
sensoriais, que os transformam em sínteses gados com as informações previamente ad-
ou padrões de informação reconhecíveis para quiridas e as classifica em níveis hierárquicos
serem enviados à memória de curto prazo, e em conjuntos e subconjuntos.

AMBIENTE

Receptores Efetuadores

Memória de longo prazo


Registro
sensorial Gerador de
respostas

Esquecimento
Memória de curto prazo

Controle executivo e expectativas

Figura 17.1 Modelo de processamento de informações proposto por Gagné (1975).

Abbad e Borges-Andrade (2004) afir- relaciona dados. Um schema seria provavel-


mam que isso pode chegar a formar o que mente indispensável para a aquisição das
Piaget denominou schema: uma categoriza- CHAs mais complexas, descritas por Bloom e
ção de sequências de ação altamente relacio- colaboradores (1972) por Bloom, Krathwohl
nadas entre si, que podem ser modificadas e Masia (1974) e por Gagné (1985) como as
pelo aprendiz à medida que assimila novas pertencentes aos níveis de avaliação e regras
informações e que determina suas respostas de ordem superior, respectivamente. A atri-
motoras, afetivas e cognitivas. Schema é uma buição de significado, necessária para a codi-
organização de natureza distinta da semânti- ficação das informações, pode ser facilitada
ca e, provavelmente, superior a ela, uma vez se a informação recém-adquirida mantém al-
que relaciona ações totais, enquanto a outra guma relação de similaridade com CHAs pre-
362 Bastos, Guedes e colaboradores

viamente armazenados. Dentre esses, os mais • transferência, quando novas relações


complexos são os de controle executivo realiza- entre informações são estabelecidas a
dos pelo aprendiz, considerados mais adiante. partir do reconhecimento de similari-
Esse controle terá igualmente um papel dade entre contextos de aplicação de
essencial, caso a informação retida na me- CHAs;
mória de curto prazo seja imediatamente • organização do desempenho, quando o
transformada para a ativação do gerador de gerador de respostas é encarregado
respostas ou caso o conhecimento já arma- de responder no meio ambiente, ou
zenado na memória de longo prazo venha a seja, quando a forma da resposta é
ser buscado ou transferido para outras si- selecionada e organizada;
tuações. Se isso ocorrer, seja por recupera- • emissão de respostas, quando o efetua-
ção, seja por transferência de aprendiza- dor é ativado em tal ambiente;
gem, a informação se tornará novamente • reforçamento, quando consequências
acessível ao aprendiz, sendo enviada de vol- dessas respostas são percebidas.
ta à memória de curto prazo ou sendo dire-
tamente transformada para a ativação do No modelo descrito por Borges-Andrade
gerador de respostas. Agora o indivíduo sele- (1982) com base na proposta original de
ciona e organiza a forma das respostas (fa­ Gagné (1975), dois outros processos cogni-
la, manuseio, chute, olhar, toque, movimen- tivos (ver parte inferior da Figura 17.1) po-
to de olhos ou ombros, etc.) a serem emi- dem ainda influenciar aquela transformação
tidas e, finalmente, ativa o efetuador que de informações: expectativas e controle exe-
julgar apropriado (aparelho vocal, dedos, cutivo. O foco deste texto recai sobre esses
mãos e braços, pés e pernas, olhos e cabeça, processos em contextos de trabalho. Eles
etc.) e realiza algum tipo de atividade espe- podem proporcionar autonomia aos apren-
cífica no seu ambiente. Se percebe alguma dizes e ampliar a diversidade de respostas a
mudança que possa estar relacionada a essa serem dadas nos seus trabalhos ou em qual-
atividade, a aquisição de CHAs pode ser for- quer outro contexto de suas vidas. Portanto,
talecida ou estas podem ser tornadas mais podem garantir plasticidade de desempe-
acessíveis no futuro. nho aos psicólogos, ante as mudanças na
O modelo de processamento de infor- sociedade, nos formatos das empresas, ór-
mações postula processos cognitivos rela- gãos públicos, organizações não governa-
cionados à transformação de informações mentais, hospitais e escolas em que atuam;
anteriormente descrita, que são listados a nos modelos gerenciais dessas organizações
se­guir, não necessariamente na sequência e nos postos de trabalho (serviços, consultó-
em que ocorrem: rios, etc.) desses profissionais.
• atenção, quando o sistema é alertado
sobre a existência de estímulos;
• percepção seletiva, quando as caracte- Motivação para
rísticas relevantes destes são manti- aprender no trabalho
das e as irrelevantes, ignoradas;
• repassagem, quando ocorre repetição As expectativas, o primeiro daqueles pro­­
mental das informações; cessos que podem influenciar o fluxo de infor-
• codificação, quando estas têm seu sig- mações ilustrado pela Figura 17.1, relacio-
nificado transformado para serem ar- nam-se àquilo que o aprendiz acredita que se
mazenadas; espera dele, em uma atividade de TD&E, no
• recuperação, quando informações ar- trabalho ou na vida. Elas podem orientar e or-
mazenadas são resgatadas; ganizar a aprendizagem de CHAs, afetando,
O trabalho do psicólogo no Brasil 363

por exemplo, a maneira pela qual o indivíduo alização da medida de impacto em uma or-
percebe os estímulos do início do fluxo, trans- ganização pública brasileira.
fere CHAs para seu contexto ou interpreta a Colquitt, LePine e Noe (2000) busca-
retroalimentação que segue suas ações. As ex- ram desenvolver uma teoria que integrasse
pectativas ainda podem ter um papel muito os resultados das pesquisas que encontra-
importante ao determinar o que será esqueci- ram em um estudo metanalítico. Apresenta-
do. Serão evidentemente fortalecidas se o ram evidências de que a motivação para
aprendiz constatar confirmação sobre o alcan- aprender é influenciada por variáveis indi-
ce de metas formuladas, especialmente se viduais tais como aptidão cognitiva, autoefi-
par­ticipou dessa formulação. Tal processo de cácia, ansiedade, conscienciosidade, locus
criação e confirmação estaria intimamente re- de controle interno, envolvimento com o
lacionado à motivação para aprender. trabalho, comprometimento organizacional,
Motivação para aprender pode ser defi- gênero, tempo de serviço e idade, esta últi-
nida como a direção, o esforço, a intensida- ma estando negativamente associada à mo-
de e a persistência do engajamento dos in- tivação. Ainda relataram evidências de rela-
divíduos em atividades voltadas para apren- ções com variáveis contextuais, tais como
dizagem (Abbad e Borges-Andrade, 2004). planejamento de carreira, clima organiza-
O conceito de motivação, como precondição cional para transferência de aprendizagem,
para a aprendizagem, possui uma série de liberdade de escolha de treinamentos na or-
definições que podem ser encontradas em ganização, suporte gerencial e de colegas de
textos como os de Noe (1986) e de Colquitt, trabalho, ausência de barreiras situacionais
LePine e Noe (2000), que o consideram ao desempenho e presença de um sistema
multifacetado. Demonstrações de entusias- de recompensas baseado em necessidades
mo, interesse e esforço por adquirir novos de crescimento pessoal.
conhecimentos e habilidades no trabalho Esse leque de variáveis foi ampliado por
são evidências desse processo. Quase sem- Cheng e Ho (2001), que encontraram rela-
pre ele é investigado em situações de ensino ções positivas entre motivação para apren-
ou de aprendizagem induzida. Salas e Can- der e comprometimento com a carreira, e
non-Bowers (2001), por exemplo, tratam por Ribeiro, Borges-Andrade e Marciano
de forma praticamente equivalente esse ter- (2005), que relataram evidências de que a
mo e o termo motivação para treinamento. motivação para aprender pode variar subs-
Em sua revisão da literatura, esses au- tancialmente em função das naturezas da
tores relatam diversas pesquisas em que fi- formação profissional e das atividades reali-
caram evidentes os efeitos de motivação zadas em uma ocupação. A literatura sobre
para aprender na aquisição e na retenção motivação para aprender no trabalho tem
de habilidades em TD&E e na prontidão sido muito restrita e limitada no que tange
para aplicar tais habilidades no trabalho. à investigação das variáveis ocupacionais
Posteriormente, Cole, Feild e Harris (2004) que podem ser a elas associadas, exceto por
relataram correlações positivas entre moti- este último estudo. Prioridade foi dada para
vação para aprender e satisfação com trei- buscar explicações no próprio indivíduo
namentos realizados. Sallorenzo (2000) en- para compreender seu processo de motiva-
controu que motivação para aprender é um ção para aprender.
importante preditor de impacto de treina- Noe e Schmitt (1986) e Colquitt e Sim-
mentos no trabalho medido logo após esses mering (1998) sugeriram que esse processo
treinamentos, embora essa importância seja deveria ser examinado sob a perspectiva da
reduzida com o alargamento do período de teoria de expectância de Vroom (1964), que
tempo entre o final dos treinamentos e a re- está fundamentada na noção de que o indi-
364 Bastos, Guedes e colaboradores

víduo desenvolve expectativas cognitivas variáveis, com excelentes indicadores psico-


quanto aos efeitos decorrentes de seus pró- métricos, utilizando itens que questionavam
prios comportamentos e atribui valor a cada o participante sobre a utilidade de um trei-
um desses efeitos. Assim, a aprendizagem namento para atingir altas aspirações pro-
de CHAs pode ter valor especial para o indi- fissionais (instrumentalidade) e sobre a im-
víduo se tiver um caráter instrumental para portância dessas aspirações (valência). Mei-
que ele atinja uma consequência almejada ra (2004) desenvolveu dois instrumentos
no trabalho. Essa teoria é bastante con- com o foco em expectativas pré e pós-trei-
gruente com a noção já descrita, de que as namentos. Itens do primeiro focavam em
expectativas seriam características muito características esperadas do treinamento
importantes do aprendiz, capazes de alterar (por exemplo, material a ser aprendido, in-
todo o fluxo de informações ilustrado na Fi- tegração teoria e prática), que resultaram
gura 17.1. Ribeiro, Borges-Andrade e Mar- em uma única medida com excelentes indi-
ciano (2005) e Tharenou (2001) confirma- cadores psicométricos. O segundo instru-
ram a propriedade daquelas sugestões ao mento incluiu itens com o foco em aspectos
encontrar correlações positivas elevadas en- posteriores ao treinamento (por exemplo,
tre expectativas e motivação para aprender. melhorias de desempenho e de relaciona-
A teoria de expectância sugere que a mentos interpessoais e ascensão profissio-
motivação é função de três variáveis que nal), que também resultou em uma medida
devem ser multiplicadas entre si: (1) valên- unidimensional, mas com três facetas dis-
cia, ou a medida do desejo do indivíduo por tintas (desempenho, visão estratégica e co-
um resultado particular; (2) expectância, nhecimento, todas com bons indicadores).
que se refere à estimativa do indivíduo so- Outros autores desenvolveram escalas
bre a chance de seu desempenho produzir o que incluíram as três variáveis propostas na
resultado esperado e (3) instrumentalidade, teoria da expectância. Tharenou (2001) fez
que diz respeito ao julgamento de que esse isso com 19 itens e encontrou bons indica-
desempenho seja um meio adequado para dores psicométricos para três medidas (ex-
alcançar aquele resultado. Lacerda e Abbad pectativas, instrumentalidade e valência),
(2003), em estudo realizado em uma orga- que deveriam depois ter suas médias multi-
nização brasileira, investigaram o valor ins- plicadas, com vistas à obtenção de uma me-
trumental de treinamento. Esse valor foi de- dida única de motivação para aprender. Ri-
finido como a crença do indivíduo de que as beiro (2005) fez esforço similar no Brasil,
habilidades adquiridas em um curso serão aproveitando esses itens e mais os de Lacer-
úteis para atingir recompensas de várias na- da (2002) e Meira (2004), fazendo adapta-
turezas, levando em conta a importância ções para contextos de aprendizagem não
atribuída a cada recompensa. Elas mostra- induzida no trabalho e levantando outros
ram que indivíduos que atribuíram maior indicadores. Esta medida é aqui denomina-
valor instrumental ao treinamento aplica- da MAT. Destes, nove eram de expectativas
ram no trabalho, mais que os outros, os frente à aprendizagem informal no trabalho
CHAs adquiridos nos cursos oferecidos na e estavam subordinados a uma escala de
organização estudada. frequência como a anteriormente descrita.
Com base na teoria da expectância, al- Oito itens correspondiam às percepções de
guns estudos visaram a construção de ins- instrumentalidade e estavam subordinados
trumentos de medidas de motivação para a uma escala onde 1 indicava “menos útil” e
aprender em termos das três variáveis ante- 10 “mais útil”. Os itens referentes à valência
riormente mencionadas. No Brasil, Lacerda eram oito e foram subordinados à escala
(2002) validou medidas para duas dessas onde 1 indicava “menos importante” e 10
O trabalho do psicólogo no Brasil 365

“mais importante”. Análises estatísticas fo- cia de CHAs (Gagné, 1975). Desse modo, al-
ram feitas em duas amostras para cada me- guém que fosse promover essa indução de
dida, demonstraram estabilidade da medida aprendizagem deveria:
e os coeficientes de fidedignidade (alpha de • Criar expectativas de sucesso ou mo-
Cronbach) alcançaram valores entre 0,85 e tivar para aprender.
0,90. O escore da medida de cada um des- • Informar os objetivos ao aprendiz.
ses três componentes é calculado pela mé- • Dirigir a atenção do aprendiz.
dia aritmética dos seus itens e o escore de • Provocar a lembrança de pré-requisitos.
motivação por meio da expectância é obtido • Apresentar o material de estímulo.
pelo cálculo do produto desses três escores. • Prover orientação de aprendizagem.
O modelo da Figura 17.1 sugere uma se- • Ampliar o contexto da aprendizagem
quência de processos cognitivos que ocorre- por meio de situações ou exemplos
riam no momento em que as pessoas apren- no­vos.
dem. Se fosse possível colocar aqueles pro- • Programar ocasiões de prática, visan-
cessos em uma sequência simples e linear, do repetir o desempenho aprendido.
que tivesse início e fim, tudo começaria com • Provocar o desempenho.
(1) expectativas ou motivação do indivíduo, • Prover retroalimentação, confirman-
que determinariam a (2) atenção e a percep- do ou corrigindo o desempenho.
ção seletiva que ele utilizaria para decidir que
aspectos do seu ambiente seriam efetivamen- Nem sempre todos os eventos instrucio-
te transformados em informações. Essas se- nais seriam necessários e aplicáveis ou deve-
riam (3) repassadas à memória de curto pra- riam ser seguidos nessa ordem. No planeja-
zo e depois (4) codificadas e (5) armazenadas mento sistemático do ensino, esses eventos
na memória de longo prazo. Isso garantiria a podem ser ferramentas úteis para ativar,
aquisição dos CHAs e sua manutenção, mas man­ter, melhorar ou facilitar os processos
não seu uso no trabalho. Para tanto, outros cog­nitivos envolvidos na aprendizagem. Sua
dois processos cognitivos deveriam ocorrer utilização adequada transforma-se em um mé-
nas estruturas cognitivas: (6) transferência e todo eficiente para a aquisição dos CHAs espe-
(7) recuperação. Como resultado dos mes- rados. Entretanto, as pessoas podem apren­­der,
mos, o indivíduo poderia realizar a (8) orga- inclusive no trabalho, sem que tais procedi-
nização de seu desempenho e o emitiria no mentos indutivos sejam utilizados.
ambiente que, por sua vez, poderia prover Quando uma aprendizagem denomina-
retroalimentação e, consequentemente, (9) da “não induzida” ou “natural” ocorre, ela
reforçamento do referido desempenho. As- de­pende fundamentalmente de dois proces-
sim, a motivação para aprender teria um pa- sos: motivação para aprender, já discutida
pel fundamental no início desses processos. nesta seção, e uso de estratégias de apren-
Além disso, toda essa sequência poderia ser dizagem que possam controlar o fluxo re-
controlada pelo próprio aprendiz, por meio presentado na Figura 17.1, que será discuti-
do uso de estratégias de aprendizagem, como do na próxima seção. Sabe-se muito sobre
será discutido mais adiante. os eventos instrucionais que podem ser uti-
Aqueles processos cognitivos podem ocor­ lizados no ensino. Pouco é conhecido sobre
rer simultaneamente e em sequências diferen- esses dois processos associados à aprendiza-
tes das apresentadas no modelo. Contudo, gem natural no trabalho, apesar do impor-
esse ordenamento sugere uma sequência de tante papel desta em momentos de intensa
eventos instrucionais que podem ser levados transformação nas ocupações e nas organi-
em conta no planejamento de atividades de zações, como ocorreu no início do século
ensino, para facilitar a aquisição e transferên­ XXI. Considerando o que foi discutido em
366 Bastos, Guedes e colaboradores

capítulos anteriores deste livro, está claro tes do seu contexto. Por último, o próprio
que o campo profissional da psicologia é um aprendiz mesmo “recompensaria” ou “puni-
dos que está submetido a intensa transfor- ria” seu desempenho, em vez de deixar isso
mação. Se mais conhecimento é produzido a cargo dessas pessoas. Na maioria das ve-
sobre como os profissionais desse campo zes, a autodeterminação de consequências
aprendem no trabalho, provavelmente será le­varia a um controle executivo de melhor ní-
mais fácil refletir sobre perspectivas futuras, vel quando comparada às consequências ad-
tal como será feito nos próximos capítulos. O vindas do ambiente do aprendiz. Contudo,
modelo proposto na Figura 17.1 e os dados nem sempre o aprendiz seria capaz de fazer
de pesquisa anteriormente apresentados su- isso ou poderia ter padrões de desempenho
gerem que a motivação para aprender tem inapropriados no segundo estágio. Alguns au-
papel determinante na aquisição e transfe- tores preferem denominar essas capacidades
rência de CHAs. Portanto, conhecer mais so- de “estratégias de aprendizagem” e incluem a
bre ela passa a ser muito importante para descrição desses estágios como somente um
melhor compreender o profissional que atu- caso entre os muitos tipos de estratégias.
almente se depara com o campo de atuação Essas estratégias foram descritas por
da psicologia em franca e rápida mudança. Rigney (1978) como operações e procedi-
mentos cognitivos utilizados para adquirir,
reter e recuperar diferentes tipos de conhe-
Estratégias de cimento e desempenho. Gagné (1980) as
aprendizagem no trabalho con­siderou como capacidades internamen-
te organizadas que orientam a aprendiza-
O controle executivo, representado na gem e que, quando desenvolvidas, quali-
parte inferior da Figura17.1 e anteriormen- ficam o indivíduo como autoaprendiz. Se-
te mencionado, envolve capacidades apren- gundo Warr e Bunce (1995), estratégias de
didas pelo indivíduo em longos períodos apren­dizagem são atividades de processa-
de tempo. Por exemplo, durante um curso mento de informações, usadas pelos aprendi-
de graduação ou de pós-graduação ou no zes no momento da codificação, a fim de fa-
desenvolvimento de uma carreira profissio- cilitar a aquisição, a armazenagem e a subse-
nal. Essa aquisição é supostamente inde- quente recuperação da informação aprendi-
pendente de qualquer conteúdo ou área es- da. Variariam muito entre indivíduos e para
pecífica de conhecimento. Por meio dessas um mesmo indivíduo em diferentes situa-
capacidades, o aprendiz pode regular os ções. Esses autores limitaram o seu conceito
seus diferentes processos cognitivos, como a estratégias cognitivas relativas a atividades
codificar, armazenar, lembrar e transferir internas. Isto é, não observáveis por tercei-
as informações. ros, embora geralmente relatadas pelas pes-
Bandura (1977 e 1986) usou a denomi- soas se estimuladas para tal. Até o final do
nação “autorregulação” para fazer referência século XX, tais estratégias tinham sido inten-
ao controle executivo. Este incluiria três es- samente estudadas em contextos de ensino,
tágios. Em primeiro lugar, o aprendiz se en- mas sua investigação em contextos de traba-
gajaria na observação de seu próprio desem- lho era escassa e pouco sistematizada. O
penho, levando em conta aspectos como conceito foi ampliado, para incluir ativida-
quantidade, qualidade e originalidade. De- des manifestas e encobertas que apresentam
pois, emitiria um julgamento de valor com variação entre indivíduos e ambientes de
base em padrões construídos por ele mesmo apren­dizagem e que são úteis para otimizar
ou adquiridos pela observação ou pela troca os processos de aprendizagem humana no
de informações com outras pessoas relevan- trabalho (Warr e Downing, 2000).
O trabalho do psicólogo no Brasil 367

Os conceitos utilizados por Bandura trado em revisões publicadas por Warr e


(1977, 1986), Rigney (1978) e Gagné (1980) Allan (1998) e por Pantoja (2004), geralmen-
foram incluídos na proposta de Warr e Allan te mencionando pesquisas realizadas em situ-
(1998), que classificaram estratégias de ações de aprendizagem induzida (resultante
apren­­dizagem em três grandes categorias: de ensino realizado em ambientes de TD&E),
cog­niti­vas, comportamentais e autorregula- e não em contextos de aprendizagem natural
doras. Na primeira categoria estão incluídas: (resultante de experiências de trabalho no
(1) repetição mental do material a ser exercício de uma ocupação quando o indiví-
aprendido, feita pelo aprendiz para ele pró- duo tem mais controle sobre o seu processo
prio; de aprendizagem). Estratégias de organiza-
(2) organização, definida como a identifi- ção e de elaboração foram relatadas, por di-
cação pelo aprendiz de questões-chave e cria- versos autores, como correlacionadas positi-
ção de estruturas mentais que agrupam e inter- vamente com ganhos de conhecimento. Al-
relacionam os elementos a serem aprendidos, guns autores citados nessas revisões também
(3) elaboração ou o uso pelo aprendiz de encontraram esse efeito com estratégias de
procedimentos para examinar implicações e reprodução. Resultados menos consistentes,
criar conexões mentais entre o material a ser porém positivos, foram mencionados para es-
aprendido e o conhecimento que ele já dispõe. tratégias comportamentais (somente para
As estratégias comportamentais com- aplicação prática) e de autorregulação. Um
preendem: estudo pioneiro no contexto de TD&E no Bra-
(1) procura de ajuda de outras pessoas, sil foi a pesquisa de Zerbini e Abbad (2003),
por parte do aprendiz, para aumentar o seu que encontrou uma estratégia de aprendiza-
entendimento sobre o que deve ser aprendido; gem com características cognitivas e compor-
(2) procura de ajuda em material escri- tamentais, predizendo significativamente o
to, que compreende levantamento e locali- impacto no trabalho de um treinamento a
zação pelo aprendiz de informações em do- distância que objetivava desenvolver habili-
cumentos, manuais, programas de compu- dades de empreendedorismo. Em estudo pos-
tador e outras fontes não sociais e terior, também neste contexto, Zerbini (2007)
(3) aplicação prática, que se refere às ten- demonstrou que duas estratégias de natureza
tativas do indivíduo de colocar em prática os cognitiva (monitoramento da compreensão e
próprios conhecimentos enquanto aprende. elaboração) predizem positivamente transfe-
Finalmente, as estratégias autorregula- rência de CHAs para o trabalho, enquanto
doras subdividem-se em: duas estratégias comportamentais (busca de
(1) controle emocional ou procedimen- ajuda interpessoal e aplicação prática) predi-
tos utilizados pelo indivíduo para livrar-se zem positivamente impacto de treinamento
da ansiedade e prevenir-se de falhas na con- no desempenho no trabalho.
centração; Com base na classificação proposta por
(2) controle motivacional ou procedimen­ Warr e Allan (1998), outros pesquisadores
tos utilizados para manter a atenção mesmo pertencentes ao mesmo grupo desses estu-
quando há pouco interesse pela tarefa e diosos desenvolveram e validaram uma es-
(3) monitoramento da compreensão em­ cala para mensurar estratégias de aprendi-
pregado pelo aprendiz para verificar o quan- zagem, junto a funcionários do call center
to está aprendendo e para modificar, se ne- de uma empresa britânica (Holman, Epitro-
cessário, seu próprio comportamento. paki e Fernie, 2001). Tal pesquisa não con-
O uso dessas estratégias pode aperfeiçoar seguiu estruturar indicadores concernen-
os processos de aprendizagem e sua transfe- tes a uma das três categorias anteriormente
rência para o trabalho, como já foi demons- des­critas. Seus resultados forneceram evi-
368 Bastos, Guedes e colaboradores

dências psicométricas para uma estrutura brasileiras, Pantoja (2004) incluiu novos
composta de seis dimensões, incluídas em itens e desenvolveu e validou outro instru-
somente dois constructos de segunda or- mento de medida com trabalhadores de
dem, operacionalizados como se segue: uma diversidade de ocupações e de organi-
zações do Brasil. Tais ocupações incluíram
uma ampla variedade de categorias profis-
Estratégias cognitivas sionais brasileiras que em seu trabalho fa-
zem uso intensivo ou reduzido de tecnolo-
1. Reprodução: Atividade de repetir pa­ra gia e utilizam alta ou baixa interação com
si mesmo as informações que estão sendo outros seres humanos. Esses trabalhadores
adquiridas. Não envolve reflexão sobre o ma- responderam a uma escala onde 1 significa-
terial nem sua alteração ou a visão de como va “nunca faço” e 10, “faço sempre”, depois
ele poderia estar relacionado a outro mate- de instruídos a pensar no que faziam para
rial. O ponto principal é a repetição central aprender no trabalho quando não tinham
ou a cópia das informações, usualmente da treinamentos. Essa autora, a partir de várias
mesma forma como foram apresentadas. análises fatoriais, obteve indicadores psico-
2. Reflexão intrínseca: Atividade de iden­ métricos mais adequados que aqueles dos
tificar elementos centrais componentes das estudos anteriores e encontrou somente cin-
ações de trabalho, bem como criar esquemas co dimensões, sendo quatro similares às an-
mentais que agrupam e relacionam tais ele- teriores – reprodução, reflexão extrínseca,
mentos constituintes. buscas de ajuda interpessoal e em material
3. Reflexão extrínseca: Atividade de iden- escrito – e uma quinta que agregou os itens
tificar implicações e conexões possíveis entre relativos a reflexão intrínseca e a aplicação
as diferentes partes componentes do sistema prática1. Seu instrumento, denominado EAT,
intra e extraorganizacional, visando integrá- ficou reduzido a 30 itens. As estratégias au-
-las às ações de trabalho. torreguladoras propostas por Warr e Allan
(1998) continuaram excluídas desse instru-
mento de medida nacional.
Estratégias comportamentais Em uma revisão da literatura internacio-
nal da área, Pantoja (2004) indicou que a
1. Busca de ajuda interpessoal: Atividade ocorrência de estratégias de aprendizagem
de buscar o auxílio de outras pessoas, como geralmente está associada a variáveis indivi-
pares, supervisores, clientes, fornecedores, duais (idade, gênero, escolaridade, orien­
para o entendimento sobre o material a ser tação e ansiedade para aprender, formação
aprendido, indo além do recebimento roti- recebida e tempo de experiência de traba-
neiro da instrução. lho), variáveis de organização do trabalho
2. Busca de ajuda em material escrito: (graus de interação, de autonomia, de criati-
Atividade de localizar e identificar informa- vidade, de complexidade e de interdepen-
ções em documentos, manuais, programas dência, exigência de aprendizagem contínua
de computador e outras fontes não sociais. das tarefas e uso de tecnologia no trabalho)
3. Aplicação prática: Atividade de tentar e variáveis contextuais (cultura organizacio-
colocar em prática os próprios conhecimen- nal de aprendizagem contínua e suporte à
tos enquanto estes estão sendo adquiridos. transferência de aprendizagem no trabalho).
Tomando por base esses resultados e No que concerne à motivação para aprender,
outros posteriormente obtidos por Zerbini e ela foi relatada como preditora de estratégias
Abbad (2003) e por Pantoja, Borges-Andra- de aprendizagem cognitivas e comportamen-
de e Ribeiro (2003) com diversas ocupações tais (Warr e Bunce, 1995) e de reflexão ativa
O trabalho do psicólogo no Brasil 369

e de controle de compreensão (Warr e Dow- trabalho. Os resultados obtidos nesses dois


ning, 2000). Ribeiro, Borges-Andrade e Mar- grupos foram comparados. Os servidores
ciano (2005) encontraram evidências de cor- que passaram por alteração no escopo do
relações positivas e significativas de motiva- trabalho tiveram aumento da percepção de
ção para aprender com quatro das cinco di- suporte à aprendizagem e dos usos de refle-
mensões de estratégias medidas pelo instru- xão intrínseca combinada com aplicação
mento desenvolvido por Pantoja (2004). Re- prática e de buscas de ajuda interpessoal e
lações não foram encontradas com a dimen- em material escrito. Nesse mesmo período
são “reprodução”. de tempo, houve redução do uso de estraté-
Em seu estudo de corte transversal sobre gias de reprodução. Entre esses servidores,
estratégias de aprendizagem no trabalho de antes da alteração do escopo do seu traba-
profissionais, Pantoja (2004) encontrou que lho, a percepção de suporte predizia o uso
todas aquelas estratégias do instrumento de de estratégias, exceto as de reprodução.
medida validadas por ela, exceto reprodução, Essa predição deixou de ocorrer quando foi
são fortemente preditas pela percepção indivi- outra vez calculada para os dados desses
dual de suporte à aprendizagem no local de servidores, após a alteração do escopo do
trabalho. Quando tal percepção é comparti- seu trabalho. Os submetidos à ruptura do
lhada, no nível do grupo de trabalho desses modelo de trabalho tiveram redução da per-
indivíduos, é mais elevada a busca de ajuda cepção de suporte à aprendizagem e do uso
em material escrito e menos frequente o uso de reflexão intrínseca combinada com apli-
da reprodução. O uso de reflexão extrínseca cação prática e de busca de ajuda em mate-
para aprender no trabalho é mais relatado por rial escrito. Ocorreu aumento do uso de re-
aqueles que estão em faixa etária mais eleva- produção nesse período. Após essa ruptura,
da. Além disso, estes e os que têm mais esco- a percepção de suporte passou a predizer o
laridade utilizam mais reflexão intrínseca uso de estratégias, exceto reprodução.
combinada com aplicação prática e busca de Estratégias de aprendizagem têm um
ajuda em material escrito. Busca de ajuda in- papel central, já demonstrado empiricamen-
terpessoal é mais citada por mulheres e por te, nos processos cognitivos representados
categorias profissionais que, em seu trabalho, na Figura 17.1. Em época de mudanças,
pouco utilizam tecnologia da informação e in- como já foi argumentado anteriormente, o
tensamente utilizam interação interpessoal. A valor desses processos é fundamental para
autora também demonstrou empiricamente a garantir que os profissionais adquiram e
importância da interação entre variáveis con- transfiram CHAs e enfrentem os novos de-
textuais e individuais. safios que o seu contexto lhes apresentar.
Beviláqua-Chaves (2007) realizou um Essas estratégias também parecem ser bas-
estudo de corte longitudinal que acompa- tante dependentes do contexto e da nature-
nhou servidores públicos em suas atividades za do trabalho e variam quando nele ocor-
de trabalho. Ela aplicou as medidas desen- rem mudanças, como apontaram os resulta-
volvidas por Pantoja (2004), antes e mais dos de investigações. Por isso, é necessário
de um ano depois que essas atividades pas- investigar estratégias de aprendizagem uti-
saram por relevantes mudanças, sem que os lizadas pelos psicólogos brasileiros, imersos
servidores fossem formalmente treinados atualmente em um intenso cenário de alte-
para adquirir novos CHAs. Para uma parte rações do seu campo de atuação profissio-
desses servidores, essas mudanças foram re- nal. Contudo, é essencial não estudar re-
lativas a uma alteração no escopo do seu cém-graduados, pois estes ainda estarão fa-
trabalho. Para a outra parte, significaram zendo (ou tentando fazer) uso de estraté-
uma completa ruptura do seu modelo de gias de aprendizagem adquiridas nos seus
370 Bastos, Guedes e colaboradores

cursos de psicologia e não aquelas adqui- Em seguida, iniciaram-se as análises fatoriais


ridas durante o efetivo exercício de sua para investigação dos indicadores psicométri-
ocupação. cos das escalas de Estratégias de Aprendiza-
gem no Trabalho – EAT e de Motivação para
Aprender no Trabalho – MAT, embora elas ti-
Motivação e estratégias vessem sido previamente validadas no Brasil,
para aprender em como foi anteriormente descrito. Para verifi-
psicólogos brasileiros cação da estabilidade da estrutura de ambas
as medidas, foram realizadas análises fatoriais
Considerando as informações e os argu- PAF (principal axis factoring) com rotações
mentos apresentados nas três seções anterio- oblíquas promax e tratamento pairwise para
res, os objetivos desta seção são: 1) descre- os casos faltosos. Os resultados desse procedi-
ver os processos relativos a estratégias de mento podem ser visualizados no Anexo 1.
aprendizagem e motivação para aprender no Após essa etapa, foram calculadas correlações
trabalho dos psicólogos brasileiros e 2) esta- de Pearson e realizadas comparações de mé-
belecer relações entre tais processos e as ca- dias por meio de análises de variância (one
racterísticas ocupacionais desses profissio- way) seguidas do teste de Tukey (pos hoc). Os
nais. O texto que segue inicia com uma breve níveis de significância foram todos estabeleci-
descrição das características metodológicas dos em pelo menos 0,05.
do estudo realizado para alcançar esses dois A escala MAT é dividida em três subse-
objetivos. Em seguida, serão descritos e dis- ções (valência, instrumentalidade e expectati-
cutidos os resultados encontrados. vas). Na de valência, é solicitado que o res-
A coleta de dados ocorreu entre junho de pondente julgue oito sentenças que descre-
2006 e abril de 2007, conforme descrito em vem aspectos concernentes a sua carreira, seu
capítulo inicial deste livro. Os participantes, currículo, seu emprego, seus colegas e sua
ao entrarem no site da pesquisa, tinham um chefia, considerando uma escala de 1 (menos
questionário sorteado para preencherem. No importante) a 10 (mais importante). Em se-
caso do questionário sobre aprendizagem no guida, ele deve julgar a utilidade desses mes-
trabalho, só participaram do sorteio aqueles mos aspectos, considerando a aquisição de
inscritos pelo menos há dois anos em Conse- novos conhecimentos e habilidades (instru-
lhos Regionais de Psicologia – CRPs. Portanto, mentalidade), com uma escala de 1 (menos
esta amostra não pode ser considerada equi- útil) a 10 (mais útil). Na última subseção, o
valente às amostras de outros capítulos do respondente deve indicar suas expectativas de
presente livro, em que tal condição de experi- alcançar o conteúdo expresso em nove sen-
ência profissional não foi utilizada como crité- tenças (sobre aspectos concernentes a seu de-
rio. A amostra final dos que responderam a sempenho, sua profissão e sua organização de
uma parte substantiva do mencionado ques- trabalho), por meio da aquisição de novos co-
tionário ficou constituída por 434 participan- nhecimentos e novas habilidades no trabalho.
tes, com idade média de 40 anos (d.p.=10 Para tanto ele deve utilizar uma escala de 1
anos), 84,6% mulheres, 63,3% residindo com (acontece menos frequentemente) a 10 (acon-
cônjuges ou companheiros, 33,2% com inscri- tece mais frequentemente).
ção no CRP do Estado de São Paulo. Como foi descrito anteriormente, a MAT
Em uma primeira etapa, foram realizadas ou medida de motivação para aprendiza-
análises descritivas e exploratórias para verifi- gem no trabalho é derivada da teoria da ex-
car a exatidão da entrada dos dados, a pre- pectância, que propõe que os escores deve-
sença de casos extremos, a distribuição dos riam ser obtidos pelo cálculo do produto de
casos omissos e a distribuição das variáveis. medidas relativas a três constructos:2
O trabalho do psicólogo no Brasil 371

a) “valência” das consequências da apren­ te em decorrência das perspectivas de uma


di­zagem no trabalho; p 22, Capítulo 17 ocupação autônoma ou de uma ocupação
b) “instrumentalidade” da aprendizagem institucionalizada. É difícil concluir, no en-
para conseguir tais consequências e tanto, se isso é consequência das mudanças
c) “expectativas” dos respondentes relati- atuais no mundo do trabalho ou se ainda é
vas ao alcance de tais consequências. decorrência dos estereótipos existentes so-
bre o papel social do profissional de psico-
Os resultados das análises efetuadas logia. Tal resultado pode estar sendo forta-
com os dados dos psicólogos, referentes à lecido por esses dois movimentos, um vin-
estrutura fatorial dessa medida, replicaram do do passado e outro anunciado nos dese-
os bons indicadores anteriormente obtidos nhos de cenários de futuro. Na análise dos
por Ribeiro (2005), com a utilização das dados da medida de expectativas isso não
mes­mas técnicas psicométricas. Contudo, ocorreu, tendo emergido um único fator
evidenciaram a existência de duas "bases" que agregou aspectos da carreira (mais pes-
de valência e instrumentalidade (dois fato- soais) e da organização.
res distintos): uma voltada para a carreira No cálculo dos escores de MAT – moti-
(talvez individualista) e outra para a orga- vação para aprender no trabalho, duas me-
nização (talvez coletivista). Isto é, o que é didas foram construídas – uma para repre-
valorizado e o que é instrumental para a sentar motivação voltada para a carreira e
aprendizagem no trabalho foi separado pe- outra voltada para a organização – cada
los psicólogos respondentes entre aspectos uma resultante das multiplicações das esca-
concernentes à carreira, de um lado, e con- las de valência (para a carreira e para a or-
cernentes à organização, de outro. Esse acha­­ ganização), instrumentalidade (para a car-
do, nunca antes relatado quando da apli­cação reira e para a organização) e expectativa. A
desse tipo de escala, sugere uma categoria Figura 17.2 representa graficamente como
profissional “dividida”, muito provavelmen- os fatores foram calculados.

Motivação
para aprender
no trabalho

Foi representada
por duas bases

Motivação Motivação
voltada para voltada para
a organização a carreira

As bases foram
obtidas por meio da
multiplicação entre

– 4 itens de valência – 4 itens de valência


relacionados à organização relacionados à carreira
– 4 itens de instrumentalidade – 4 itens de instrumentalidade
relacionados à organização relacionados à carreira
– 9 itens de expectativa – 9 itens de expectativa

Figura 17.2 Representação gráfica do cálculo dos fatores da MAT – motivação para aprender no
trabalho, nesse estudo.
372 Bastos, Guedes e colaboradores

Feitos esses cálculos, as médias aritmé- carreira, do que por razões organizacionais
ticas dessas medidas foram comparadas e (Figura 17.3). Isso é, aqueles valores sociais
correlacionadas com as demais variáveis associados à imagem idealizada de uma
por meio das análises estatísticas e de crité- ocupação autônoma parecem ser mais for-
rios já mencionados nesta seção. Os partici- tes para motivar esses profissionais da psi-
pantes da amostra são mais motivados para cologia a aprender no trabalho.
aprendizagem no trabalho, por razões de

7,0
6,31
6,0

5,0

4,0
3,14
3,0

2,0

1,0

0,0

Carreira Organização

Figura 17.3 Média observada nos fatores da MAT.


Nota: os valores de desvio padrão encontrados para cada fator foram Carreira = 2,44; Organi-
zação = 2,43.

Será mais difícil para suas organizações é, cada uma delas compartilha cerca de 37%
de trabalho (quando existirem) convencer da variância da outra e, desse modo, há es-
essas pessoas sobre a necessidade de fazer paço suficiente para desenhar diferentes ce-
treinamentos ou de se envolver em ativida- nários de empregabilidade com plena possi-
des de desenvolvimento pessoal, se tais bilidade de aprendizagem bem motivada, o
eventos ou necessidades não forem percebi- que é discutido em capítulo posterior deste
dos como potencialmente capazes de forta- livro.
lecer carreiras pessoais. Entretanto, nem A escala EAT (estratégias de aprendiza-
tudo está perdido em uma visão individua- gem no trabalho) possui 30 itens respondi-
lista e nem isso deve ser pensado como uma dos em uma escala de 10 pontos, com anco-
barreira intransponível para os que vislum- ragem em 1 (nunca faço) a 10 (sempre fa­
bram oportunidades de institucionalização ço). O respondente é solicitado a descrever o
da profissão. Essas duas motivações são que utiliza para aprender no trabalho, recebe
constructos distintos, mas têm uma correla- uma instrução para não focar em estratégias
ção positiva, significativa e relativamente utilizadas em treinamentos e é informado
elevada entre elas (r = 0,61; p< 0,05). Isto que o estudo não é sobre seu desempenho
O trabalho do psicólogo no Brasil 373

como profissional. A ênfase é sempre posta estrutura de cinco fatores emergiu, contra-
em aquisição, retenção e transferência. Tal riando outra vez os estudos internacionais
medida, quando  foi validada no Brasil por citados na terceira seção, que relataram a
Pantoja (2004),  resultou em uma estrutura emersão de seis fatores, referentes a duas
de cinco fatores: dimensões: estratégias cognitivas (reprodu-
(1) Busca de ajuda em material escrito. ção; reflexões extrínseca e intrínseca) e
(2) Reprodução. comportamentais (busca de ajuda interpes-
(3) Busca de ajuda interpessoal. soal ou em material escrito e aplicação prá-
(4) Reflexão extrínseca. tica). As cinco medidas foram calculadas
(5) Reflexão intrínseca combinada com por meio das médias aritméticas dos itens
aplicação prática. da escala que foram agregados em cada um
desses cinco fatores. Foram feitas compara-
Os resultados das análises fatoriais con- ções entre elas, por meio das técnicas esta-
duzidas com os dados desta amostra de pro- tísticas citadas anteriormente. As estratégias
fissionais de psicologia revelaram bons indi- que os profissionais aqui estudados mais
cadores psicométricos e foram muito simila- utilizam para aprender no trabalho são de
res à validação anterior da escala realizada reflexão intrínseca combinada com aplica-
por Pantoja (2004), com a utilização das ção prática (Figura 17.4).
técnicas aplicadas por essa autora. A mesma

Intrínseca-prática 8,27

Interpessoal 7,94

Extrínseca 7,37

Material escrito 7,02

Reprodução 2,54

0,0 2,0 4,0 6,0 8,0 10,0

Figura 17.4 Média observada nos fatores da EAT.


Nota: Os valores de desvio padrão encontrados para cada fator foram: Intrínseca-prática = 1,62; In-
terpessoal = 2,13; Extrínseca = 2,0; Material escrito = 1,93; Reprodução = 1,43.

Como pode ser observado na Figura entre as partes constituintes do seu trabalho
17.4, predominam as iniciativas de apren- (Fator de estratégia intrínseca prática). Por-
der pela aplicação prática de conhecimentos tanto, um uso intensivo da memória de cur-
pela verificação de seus efeitos e pela pro- to prazo é associado à recuperação de infor-
cura de compreensão da interdependência mações armazenadas na memória de longo
374 Bastos, Guedes e colaboradores

prazo que, em seguida, precisam ser combi- cebidos como provedores de suporte. As
nadas de outras maneiras. A aplicação prá- menos utilizadas, dentre as cinco medidas,
tica e sua verificação ativam processos cog- são as estratégias de reprodução, o que sig-
nitivos de recuperação de informações, de nifica que os participantes relataram o pou-
organização de desempenho e de reforça- co uso de repetição e automatismo em
mento. A busca pelo entendimento da inter- ações que visam aprender (adquirir, reter e
dependência entre partes do trabalho é fer- transferir CHAs) no trabalho e, consequen-
ramenta útil para a recuperação e para a temente, pouca ativação do processo cogni-
codificação de CHAs além de, em muitos tivo de repassagem.
casos, também facilitar a transferência des- As cinco medidas de estratégias foram
tes para outros contextos similares. Em se- correlacionadas com aquelas duas medidas
gundo lugar, aparecem as estratégias de de motivação (Tabela 17.1). Foi encontrado
busca de ajuda interpessoal, que envolvem que os profissionais mais motivados para
comportamentos de busca de auxílio de ou- aprender no trabalho, por razões de carrei-
tras pessoas para aumentar a compreensão ra e organizacional, são os que mais utili-
sobre novos conhecimentos e habilidades zam estratégias de reflexão extrínseca, re-
no trabalho. Tais estratégias comportamen- flexão intrínseca combinada com aplicação
tais, no entanto, são altamente dependentes prática e de busca de ajuda interpessoal e
de contextos organizacionais ou sociais per- em material escrito.

Tabela 17.1 Correlação entre os fatores de motivação para aprender e as estratégias de aprendizagem.
Material
Fatores Extrínseca Intrínseca-prática Interpessoal Reprodução
escrito
Motivação para
0,33* 0,32* 0,34* -0,04 0,30*
carreira
Motivação para
0,28* 0,25* 0,32* 0,06 0,31*
organização
Nota: * p < 0,001.

Ambas as motivações são motores de de medida britânicos e brasileiros aqui cita-


desenvolvimento muito relevantes para os dos, precise ser alterada.
profissionais aqui estudados, pois os estimu- Por meio das técnicas estatísticas já ci-
lariam a usar diversificadas estratégias cog- tadas, foram analisadas  as relações entre
nitivas e comportamentais que possam pro- essas médias de motivação e as estratégias
mover a autonomia na aprendizagem e o para aprender no trabalho e os dados de in-
controle dos processos de aquisição, reten- serção e de formação profissionais. A Figura
ção e transferência de CHAs. Não foram en- 17.5 ilustra os achados decorrentes dessa
contradas correlações significativas entre análise. Os que têm vínculos profissionais
essas duas medidas de motivação e a estra- de emprego com organizações, privadas ou
tégia de reprodução, o que fortalece uma públicas, utilizam mais frequentemente es-
suspeita decorrente de variadas evidências tratégias de reflexão extrínseca para apren-
independentes de pesquisas anteriores, pu- der no trabalho do que os autônomos. Na-
blicadas e não publicadas pelos autores do turalmente, ao se observar os resultados
presente capítulo, de que talvez a operacio- para os fatores de motivação para aprender,
nalização desta estratégia, nos instrumentos observou-se que os autônomos apresentam
O trabalho do psicólogo no Brasil 375

9,0 8,5
7,9 7,6 7,9 7,8 8,1 8,2
8,0 7,5 7,5
6,9 7,2
7,0 6,6 6,4 6,7
6,0
6,0
5,0
4,0 3,9
3,4
3,0 2,5 2,5 2,7 2,7
2,0
1,0
0,0
Extrínseca*

Intrínseca-prática

Interpessoal

Reprodução

Material escrito

Carreira

Organização*
Estratégias Motivação

Autônomo Privada Pública

Figura 17.5 Média dos fatores Estratégias e Motivação para Aprendizagem de acordo com a inser-
ção profissional dos psicólogos.
Nota: * representa fatores em que a estatística F foi significativa (p < 0,05).

menor média na base motivacional voltada aquisição pode garantir uma grande plasti-
para organização. Nos demais fatores não cidade de desempenho, o que é fundamen-
foram observadas diferenças estatisticamen- tal em épocas de grandes mudanças sociais,
te significativas entre os grupos. organizacionais e ocupacionais.
De maneira geral, os resultados indicam A Figura 17.6 ilustra os resultados relati-
que os psicólogos procuram aprender no vos ao uso das estratégias e aos tipos de mo-
trabalho por meio da construção de um en- tivação de acordo com a titulação mais ele-
tendimento sobre como suas atividades pro- vada dos participantes. Graduados e especia-
fissionais se relacionam com o sistema e listas relataram um menor uso de estratégias
com o negócio das suas organizações, tam- de reflexão intrínseca combinada à aplicação
bém, com os valores fundamentais, os prin- prática para aprender no trabalho quando
cípios filosóficos e as ações principais des- comparados aos doutores. Estes utilizam
tas, bem como sobre as inter-relações entre mais estratégias de reprodução do que os
o seu trabalho e o desempenho e os resulta- gra­duados e do que os mestres.
dos organizacionais. Essa construção de en- Outro dado encontrado nessa análise é
tendimento poderia levar à formação de um o de que os especialistas são significativa-
schema, tal como foi descrito na primeira mente mais motivados para aprender que
seção, que mais facilmente permitiria o re- aqueles com mestrado, tanto por razões de
conhecimento de demandas de desempenho carreira quanto por razões da organização.
para os quais novos CHAs seriam necessá- Todavia, se consideramos o tempo em que
rios ou CHAs existentes poderiam ser adap- os títulos foram obtidos, será possível per-
tados. Esse tipo de estratégia cognitiva é ceber que graduados e especialistas, se ob-
bastante complexo e pode simultaneamente tiveram seus títulos há mais tempo (e não
ativar vários processos cognitivos, como os fizeram mestrado ou doutorado), são me-
de recuperação e de codificação e, especial- nos motivados para aprender por razões de
mente, o processo de transferência. Sua carreira. Por outro lado, os que têm mais
376 Bastos, Guedes e colaboradores

10,0

9,0

8,5
8,3
9,0

8,2

8,2
8,1

8,0
7,9
7,8

7,5

7,4
8,0

7,3
7,3
7,1
7,0
6,7

6,6
6,3

6,3
7,0

5,5
6,0
5,0

3,5
4,0

3,0

5,0
2,8
2,4

2,4
3,0

2,2

1,9
2,0
1,0
0,0
*

Interpessoal

Material escrito

Extrínseca

*
Intrínseca-prática

Reprodução

Carreira

Organização
Estratégias Motivação

Graduação Especialização Mestrado Doutorado

Figura 17.6 Média dos fatores Estratégias de Aprendizagem e Motivação para Aprender de acordo
com a titulação mais elevada dos participantes.
Nota: * representa fatores em que a estatística F foi significativa (p < 0,05).

tempo de especialização utilizam mais as de reflexão extrínseca  para aprender no


estratégias de reflexão extrínseca. Os espe- trabalho.
cialistas que obtiveram seus títulos em As informações sobre a motivação tam-
campos de conhecimento diferentes da psi- bém foram relacionadas com o sexo dos
cologia, comparados aos titulados em psi- participantes e estão ilustradas na Figura
cologia, tendem a utilizar mais estratégias 17.7. As mulheres, de acordo com as análi-

10,0

8,0

6,45
6,0 5,62

Feminino

4,0 Masculino
3,27
2,45
2,0

0,0
Motivação carreira Motivação organização

Figura 17.7 Média dos fatores de Motivação para Aprender de acordo com o sexo dos participantes.
O trabalho do psicólogo no Brasil 377

ses estatísticas realizadas, são mais motiva- nificativas quanto ao uso das estratégias pa­
das para aprender no trabalho por razões ra aprender e das bases motivacionais. Ou
de carreira e organizacional do que os ho- seja, os psicólogos tendem a adotar práticas
mens. Desse modo, o que parece estar fal- para aprender mais voltadas para a reflexão
tando é o acesso a oportunidades de titula- intrínseca e da sua prática de trabalho inde-
ção mais elevada. Além disso, elas utilizam pendente se há vínculo empregatício ou tra-
mais frequentemente a estratégia de busca balho autônomo. Por fim, no que diz respei-
de ajuda interpessoal para aprender no tra- to à formação profissional, merece desta-
balho quando comparadas aos homens. Este que a constatação de que é elevada a inter-
último resultado já tinha sido encontrado dependência entre o uso de estratégias de
em estudos com outros profissionais, o que aprendizagem e a titulação formal dos pro-
foi mencionado na terceira seção. fissionais de psicologia.
Deste modo, uma reflexão para o futuro
deverá partir dos pressupostos de que a pro-
CONCLUSÃO fissão se encontra em intensa transformação –
conforme a proposta geral que funda­menta
Finalizando, neste capítulo foram descri- este livro – e, mais, especifi­camente, de que a
tos os processos relativos a estratégias de aprendizagem é ferramenta essencial para en-
aprendizagem e de motivação para aprender frentá-la. Tal re­flexão precisará integrar os
no trabalho da amostra de psicólogos brasi- achados do presente capítulo aos conteúdos
leiros aqui estudados. Além disso, foram ana­ abordados nas várias dimensões investigadas
lisadas as relações existentes entre tais pro- e discutidas nes­­te livro.
cessos e as características ocupacionais des-
ses profissionais. Para tanto, foram conduzi-
das análises estatísticas que confirmaram a NOTas
validade das medidas de motivação e de es- 1 Todas essas medidas obtiveram bons índices de
tratégias de aprendizagem no trabalho. confiabilidade de Cronbach (α = 0,80 a 0,87).
No que tange à motivação para apren- 2 Os coeficientes de fidedignidade (lambda de Gut-
der, os dados obtidos revelaram a existência tman) alcançados no Brasil por Ribeiro (2005),
de duas dimensões: motivação para a car- para estas três medidas, variaram entre 0,85 e
reira e motivação para a organização. Mais 0,89, isso pode ser considerado muito bom.
especificamente, indicaram que o interesse
orientado à carreira profissional se constitui Referências
em forte base motivacional para esses indi-
víduos aprenderem no trabalho. ABBAD, G. S.; BORGES-ANDRADE, J. E. Apren-
No que se refere às estratégias de apren­ dizagem Humana em Organizações de Trabalho.
dizagem, a solução fatorial encontrada ficou In: Zanelli, J. C.; Borges-Andrade, J. E. & Bastos,
A. V. B. (Org.). Psicologia, Organizações e Traba-
composta de cinco dimensões, sendo que
lho no Brasil. Porto Alegre: Artmed. Pgs. 237-
as mais utilizadas são de reflexão intrínseca
275, 2004.
com­binada com aplicação prática e de busca
Bandura, A. Self-efficacy: Toward a unifying
de ajuda interpessoal. Além disso, foram en- theory of behavioral change. Psychological Re-
contradas correlações significativas entre as view, 84, 191-215, 1977.
medidas de motivação para aprender e qua- Bandura, A. Social foundations of thought and
tro estratégias de aprendizagem no trabalho. action. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 1986.
No que diz respeito à inserção profissio- BEVILÁQUA-CHAVES, A. Estratégias de Aprendi-
nal, não foram encontradas diferenças sig- zagem no Trabalho em Contexto de Mudança Or-
378 Bastos, Guedes e colaboradores

ganizacional. Dissertação de Mestrado (Psicologia Lacerda, E. R. M.; ABBAD, g. s. Impacto do


Social, do Trabalho e das Organizações), Institu- Treinamento no Trabalho: investigando variáveis
to de Psicologia, Universidade de Brasília, Brasí- motivacionais e organizacionais como suas pre-
lia, 2007. ditoras. Revista de Administração Contemporâ-
BLOOM, B. S.; ENGELHART, M. D.; FURST, E. J.; nea, 7 (4), 77-96, 2003.
HILL, W. H.; KRATHWOHL, D. R. Taxionomia de MEIRA, M. Disseminação de informações sobre
objetivos educacionais – Compêndio primeiro: domí- treinamento: construção e validação de um ins-
nio cognitivo. Porto Alegre: Editora Globo, 1972. trumento de medida. Dissertação de Mestrado,
BLOOM, B. S.; KRATHWOHL, D. R.; MASIA, B. Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília,
B. Taxionomia de objetivos educacionais – Com- Brasília, 2004.
pêndio segundo: domínio afetivo. Porto Alegre: Noe, R. A. Trainee’s Attributes and Attitudes: ne­
Editora Globo, 1974. glec­ted influences on training effectiveness. Aca­
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O trabalho do psicólogo no Brasil 379

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18
Competências profissionais e estratégias
de qualificação e requalificação

Gardênia da Silva Abbad e Luciana Mourão

Apesar da demanda crescente por apren­­­ grandes mudanças econô­mi­cas, políticas e


dizagem contínua, o Brasil encontra-se em sociais que vem afetando de modo geral
uma situa­ção crítica em termos de quali­ todos os países, e, em es­pecial pelos graves
ficação profissional. O estudo do IBGE sobre problemas que o Brasil, país periférico, vem
edu­cação, feito com base no Censo de 2000, enfrentando em fun­ção dos baixos índices
mostra que, na faixa dos 20 aos 24 anos, de desenvolvimento humano e econômico.
somente 1/4 dos jovens está na escola. São 4 As novas práticas de gestão, a reestru­
milhões nas salas de aula e 12 mi­lhões sem turação produtiva, a precarização das rela­
estudar. Entre os que estudam, 37% ainda ções de trabalho, marcadas pelo trabalho
estão no ensino médio e 27% não saíram do tem­porário e terceirizado, o aumento do de­
en­sino fundamental. Os que estão na gradua­ semprego em vários setores como o in­dus­
ção e, portanto, têm esco­laridade compatível trial e o de serviços em função da au­toma­
à idade, são 31% (me­nos que 1/3 da popu­ tização e uso de novas tecnologias, em subs­
lação!). Além dis­so, há poucas oportunidades tituição ao trabalho humano, o au­mento da
de cursos téc­nicos profissio­nalizantes, o que concorrência por postos de trabalho de maior
reduz ainda mais as chan­ces de qua­lificação prestígio e comple­xi­da­de e o desem­prego es­
da mão de obra nacional. Para agra­­­var essa trutural da mão de obra pouco qualificada
realidade, as avaliações glo­­bais da educação forçam o traba­lha­dor a procurar qualificação
no País, realizadas pelo Insti­tuto Nacional profissional per­manente e aprendizagem de
de Estu­dos e Pesquisas Educa­cio­nais (Inep/ múltiplas competências exigidas pelo mer­
MEC)1, mostram uma realida­de bastante de­ ca­do de trabalho.
sa­nimadora nos vários níveis. Essa realidade se reflete na atuação do
“As profundas mudanças ocorridas no psicólogo brasileiro, que necessita atuali­
seio da sociedade contemporânea produ­zi­ zar-se constantemente, aprender novas tec­
ram transformações profundas na dinâ­mica no­logias de trabalho, criar novos recursos e
das profissões. A psicologia como ciên­cia e conhecimentos psicológicos, tornar-se poli­
profissão também vem sendo afe­tada pelas va­lente, trabalhar em equipes multipro­fis­
O trabalho do psicólogo no Brasil 381

sionais, incorporar às práticas profissionais década de 90 do século XX, pes­quisas na­


múltiplas abordagens, metodologias e técni­ cionais e regionais (CFP, 1988) mos­­travam
cas de intervenção provenientes de outras que a atuação do psicólogo bra­sileiro era
áreas do saber, além de ampliar a sua visão bas­­tante limitada, restringindo-se à aplicação
de mundo, sua concepção sobre a natureza de poucos e não representativos conheci­
dos fenômenos psicológicos e sua clientela. men­­tos científicos e tecnológicos no seio da
O psicólogo, nesse contexto, precisa desen­ ciência e da prática psicológica. Os anos no­
volver-se para atuar como agente de trans­ venta foram marcados pela tran­si­ção. A pes­
formação social, que procura intervir em con­ quisa e a análise da produção cien­tífica em
textos de alta complexidade para a pro­mover psicologia, realizadas pelo CFP em 1992 e
melhorias na qualidade de vida do ser huma­ publicada em 1994, revelaram claramente as
no. Há pesquisas nacionais sobre formação do profundas mudanças que estavam em curso
profissional de psicologia no ní­vel de gra­dua­ em vários domínios de atuação do psicólogo.
ção, porém são escassas as informações sobre Entre as mais im­portantes e salientes trans­
estratégias de quali­fica­ção e re-qualificação formações esta­vam aquelas que modificavam
utilizadas pelo psicó­lo­go brasileiro após inser­ concepções do psicólogo sobre o fenômeno
ção no mercado de trabalho. psi­cológico, as fontes de conhecimentos que
Bastos e Achcar (1994), em importante embasavam a prática profissional, as formas
publicação organizada pelo Conselho Fede­ral de inserção do profissional no mercado de
de Psicologia, analisando a dinâmica pro­fis­ tra­balho, o tipo de clientela atendida e o fo­
sional e suas implicações sobre a for­mação co de in­tervenção.
em psicologia, concluíram que o per­fil de A Figura 18.1 mostra alguns desses mo­
com­petências do psicólogo estava so­frendo vimentos que caracterizavam o exercício
grandes mudanças, marcadas por uma clara pro­fissional do psicólogo no Brasil na dé­ca­
ampliação do escopo de atuação e da com­ da passada, de acordo com a análise de Bas­
plexidade de suas atividades. Até o início da tos e Achcar (1994).

Atuação tradicional Atuação inovadora

Atuação centrada no indivíduo Indivíduo e seu contexto

Atuação centrada no psicólogo Equipe inter e multiprofissional

Aplicação de técnicas Consultoria, gerência

Recursos técnicos da psicologia Recursos variados e oriundos de outras áreas

Clientela: Classe média Clientela diversificada

Atitude consumista Atitude crítica e de criação

Preocupação com
Transformação social
necessidades individuais

Foco no Intrapsíquico, Foco no contexto, grupos,


atuação remediativa, corretiva atuação prospectiva

Figura 18.1 Movimentos emergentes que marcaram a transição entre práticas tradicionais e inovadoras
no exercício profissional do psicólogo brasileiro.
Fonte: (Bastos e Achcar).
382 Bastos, Guedes e colaboradores

Foi possível detectar essas mudanças na áreas. O psicólogo passava a ter que criar, pro­
psicologia clínica, organizacional, traba­lho so­ duzir e validar novos co­nhe­cimentos e tecno­
cial e educacional. A pesquisa reve­lou que o logias de trabalho, as­sim como apropriar-se
psicólogo brasileiro estava refor­mulando vá­ de recursos, técnicas e instrumentos prove­
rias de suas posturas, atitudes e concep­ções nien­tes outros campos como a antropologia, a
sobre os fenômenos psico­ló­gicos, que deixa­ sociologia, a ciência política, o urbanismo, a
vam de ser focados no in­divíduo (a-his­tórico biologia, entre ou­tros. O profissional de psico­
e desvinculado do seu contexto social) para logia trans­for­mava sua prática para abraçar
transformar-se em uma visão focada na inter­ uma grande pluralidade de recursos técnicos,
dependência do indivíduo com o seu con­texto necessária à análise de fenômenos complexos
sociocultural e histórico; de uma pers­pectiva de gru­pos e de organizações.
intra­dis­ciplinar, voltada para a busca de refe­ A Figura 18.1 mostra mais um movi­
ren­ciais e conhecimentos dentro da própria mento emergente de transformação na psi­
psicologia, para uma perspectiva multidis­ci­ co­logia, relacionada ao tipo de clientela
plinar de busca de referenciais para a prá­tica aten­dida pelo psicólogo brasileiro. A pesqui­
profissional em outros campos do saber. sa realizada em 1992 mostrava uma diver­
Outras importantes transformações na sificação de clientelas, que deixavam de ser
atuação do psicólogo ocorreram no modo predominantemente de classe média, fo­ca­
co­mo as intervenções de psicólogos eram das em adultos e crianças, para se voltarem
rea­lizadas em diferentes contextos de atua­ para classes populares, pertencentes a seg­
ção profissional. Aos poucos, a atuação, mentos de pessoas socialmente excluídas.
cen­­trada apenas na ação do psicólogo, dei­ Outra tendência emergente era, por
xa­va lugar para intervenções mais com­ple­ oca­sião da referida pesquisa, uma mudança
xas que passavam a exigir novas compe­ de atitude do psicólogo em relação ao uso
tências do psicólogo brasileiro. Entre elas, a de tecnologias de intervenção. O psicólogo
de trabalhar em equipes multipro­fiss­io­nais, passava a entender a importância de gerar
de modo a analisar os fenômenos com­ple­ novos conhecimentos e tecnologias apro­
xos à luz de visões distintas, oriun­das de priadas à realidade brasileira, ao invés de
ciências diferentes. Esse convívio com pro­ adotar uma postura consumista de aplicação
fis­sionais provenientes de outros campos do de práticas, técnicas e recursos criados por
saber e as complexas demandas sociais que outros profissionais ou pesquisadores em
cercavam o psicólogo de desa­fios, o levaram outros contextos de trabalho. Entre as mais
a mudar o foco de suas in­tervenções. O claras conclusões apresentadas por Bastos e
caráter curativo de suas in­tervenções, volta­ Achcar (1994) e Duran (1994) estão as que
das unicamente para a aná­lise de fenô­me­ indicam uma mudança na natureza do com­
nos intrapsíquicos, modi­ficava-se claramen­ promisso profissional do psicólogo perante
te. A ação do psicólogo passava a revestir- a sociedade brasileira. Nas últimas décadas
-se de um caráter preven­tivo e prospectivo, houve uma acentuada tomada de consciên­
cen­trado em contextos e grupos. cia em todas as áreas da psicologia sobre a
Além disto, seu nível de atuação se am­ necessidade de deslocar o foco tradicional
pliava. Suas intervenções, antes restritas e ori­ centrado no indivíduo para o um foco cen­
ginadas apenas no âmbito da psicologia, ago­ trado na realidade social em que este se in­
ra passavam a ocorrer em planos estra­tégicos sere, bem como na transformação das con­
por meio de trabalhos de assessoria, gerência dições de vida das clientelas atendidas pe-
e consultoria. Nesse nível de atua­ção, a sim­ lo psicólogo. Essa visão do psicólogo como
ples aplicação de técnicas psico­lógicas restrin­ pro­fissional compromissado com a realidade
gia o seu poder de intervenção nas diversas brasileira é compartilhada por muitos pes­
O trabalho do psicólogo no Brasil 383

qui­sadores de diversas áreas da psicologia, superior e em pós-gradua­ções da área de


entre os quais Roazzi, Nascimento e Dias Psicologia. Os psicólogos, como quais­quer
(2003); Maluf (2003); Bastos (2003); Sarrie­ outros profissionais, para serem bem-suce­
ra, Freitas e Scarparo (2003),; Albuquerque e didos, necessitam utilizar estraté­gias para
Arendt (2003); Bucher (2003), que redigiram en­frentar o desafio da aprendi­za­gem contí­
capítulos sobre os desafios contemporâneos nua de novas capaci­dades, ha­bi­lidades e
nas áreas de psicologia do desenvolvimento, atitudes (CHAs), exi­gidas pelo seu trabalho
psicologia escolar, psicologia organizacional e também cada vez mais com­plexo. Esta pes­
do trabalho, psicologia social comunitária, quisa fornece in­for­mações re­centes sobre a
psicologia social e psicologia da saúde, res­ necessidade de capaci­ta­ção de psi­cólogos
pectivamente. Isto está presente nos diversos bra­sileiros para enfren­tar es­se desa­fio, a
capítulos do livro organizado por Yammamoto par­tir da detecção de lacunas nas com­pe­
e Gouveia (2003), intitulado Construindo a tên­cias. Essa tarefa não é fácil e tem sido
Psicologia Brasileira: Desafios da Ciência e discutida não apenas no Brasil, mas em
Prática Psicológica. vários países des­de a dé­cada de 1960.
Para Bastos e Achcar (1994), as tendên­ O principal objetivo da pesquisa des­
cias emergentes, referidas na Figura 18.1, crita neste capítulo é descrever as estra­té­
pare­ciam comuns a todas as áreas de atua­ção gias de qualificação e requalificação pro­fis­
em psicologia e havia certo con­senso de que a sionais, as autoavaliações de competên­cias
atuação do psicólogo brasileiro ainda era in­ e necessidades de capacitação de uma amos­
suficiente e limitada e que as respostas dos tra de psicólogos brasileiros. Além des­se ob­
profissionais de psicologia a demandas sociais jetivo, este capítulo pretende iden­tificar
ainda eram muito insatisfatórias, no início da even­tuais falhas nas estratégias de qualifi­
década de noventa do século pas­sado. cação e requalificação dos profis­sio­nais de
Esse contexto sugeria um aumento da psicologia e na formação profis­sio­nal ofere­
complexidade do trabalho do psicólogo e cida pelas instituições de ensino superior,
passava a exigir uma sólida formação em uti­lizando como padrão de refe­rên­cia as com­­­
pes­­quisa, cada vez mais imprescindível para petências básicas, as habi­lidades e os eixos es­
uma atuação profissional de sucesso. Para truturantes estabe­le­cidos pelas no­vas Dire­tri­
Gomes (2003), a formação do psicólogo zes Curriculares pa­ra os cursos de graduação
bra­­sileiro foi marcada desde os seus primór­ em psicologia.
dios pela tentativa de manter indissociáveis
o ensino e a pesquisa. Porém, isto não ocor­
reu de modo homogêneo em todas as re­ Qualificação e Requalificação
giões e ficou bastante prejudicado pela Profissional
gran­de proliferação desordenada de cursos
de psicologia no Brasil nas décadas de se­ No novo cenário profissional, com o
tenta, oitenta e noventa. Há poucas infor­ desemprego crescente e o aumento das de­
ma­ções sobre o quanto esses cursos de gra­ mandas cognitivas para a realização das
duação em psicologia vêm preparando ade­ atividades de trabalho, o significado atri­
quadamente os profissionais para uma atua­ buído à educação está sendo modificado. A
ção como descrita até aqui. Entretanto, há educação formal está perdendo parte do seu
indícios de que a formação de profissionais papel de promotora da equidade social, ao
em psicologia é, de modo geral, insatis­fa­ mesmo tempo em que mantém (e até se
tória, por motivos expostos mais adiante.” acentua) o papel de garantia de manutenção
Dessa maneira, delimitou-se co­­mo fo­co do trabalho. Embora essas mudanças de
deste estudo apenas as forma­ções em nível papéis possam parecer contraditórias, o que
384 Bastos, Guedes e colaboradores

ocorre é que, com o novo conceito de em­ A compreensão de que a formação pro­
pre­gabilidade, a educação para o trabalho fis­sional tem natureza processual é funda­
deixa de ser uma política social de pleno em­­ mental para não confundi-la com a rea­
prego e passa a caracterizar-se como uma lização de eventos isolados, pois, como o
busca individual. próprio nome diz, se propõe a formar pes­
Segundo Aranha (2001, p. 281), por soas para determinadas profis­sões, o que
em­pregabilidade entende-se a respon­sabili­ não é algo realizável em curto prazo.
zação do trabalhador pela obtenção e pela Finalmente, cabe analisar o objetivo da
manutenção do seu emprego, por meio de formação profissional de “permitir ao indi­
um processo contínuo de formação e aper­ víduo adquirir e desenvolver conhecimentos
feiçoamento. Mas como os psicólogos têm teóricos, técnicos e operacionais relacio­na­dos
agido para se qualificarem e requali­ficarem à produção de bens e serviços”. A de­finição de
e, portanto, para manter alta a sua em­pre­ Cattani (2002) não fala em “for­necer conhe­
gabilidade? cimentos aos indivíduos”, mas em um pro­
Empregabilidade, terceirização, inova­ cesso que permita ao indi­víduo adquirir e de­
ções tecnológicas, globalização, automação, sen­volver conhecimentos. Essa é uma questão
teletrabalho, modelos de gestão, tempo de importante porque atribui aos trabalhadores
trabalho, gestão participativa, saú­­de do tra­ um papel ativo no pro­ces­so de qualificação
ba­lhador, desemprego crescente e mudanças pro­fissional. É pre­ciso con­­siderar os trabalha­
nas ações coletivas dos traba­lhadores são dores como sujei­tos do processo de construção
questões que precisam ser consideradas no de um saber ocupa­cional e não como meros
debate sobre qualificação profissional. objetos do sistema produtivo.
Pochmann (1999) avalia que, como se No mundo das empresas, a qualificação
está vivendo um momento de mudanças in­ profissional se aproxima do conceito de trei­
tensas, fica difícil analisar a situação pre­ namento, pois ela configura-se como uma
sente do trabalho e da sociedade e, ain­- estratégia operacional na busca de quali­dade
da mais difícil, traçar expectativas em rela­ e produtividade: polivalência, enrique­cimen­
ção ao futuro. Mas apesar de ser difí- to das tarefas, aumento da respon­sa­bilidade
cil a construção de cenários futuros para o dos trabalhadores. Aranha (2001) aponta co­
trabalho e para a so­ciedade, o tema estra- mo características da formação pro­­fissional
tégias de qua­lifi­ca­ção e requalificação pro­ oferecida nas empresas o cará­ter funcional e
fissional po­de apre­­sentar algu­mas pistas de a intenção de se atingir obje­tivos em curto
cami­nhos a serem seguidos. prazo. Mas confirmando a tendên­cia apon­
Cattani (2002) conceitua a qualificação tada na literatura de T&D de que a aprendi­
profissional como todos os processos educa­ zagem se torne um fenômeno mais aberto,
tivos em escolas ou empresas que permitem as organizações vêm buscando outros espa­
ao indivíduo adquirir e desen­volver conhe­ci­ ços para o desenvolvimento da ativi­dade for­
mentos teóricos, técnicos e operacionais rela­ mativa, tornando a formação um processo
cionados à produção de bens e serviços. Dessa contínuo e múltiplo. Para a au­tora, no con­
definição, há quatro aspectos que pre­cisam texto das organizações, a forma­ção profis­
ser ressaltados: (a) a natureza proces­sual da sional obedece a imperativos pre­cisos tais
formação profissional; (b) a sua liga­ção com como a adequação da força de trabalho ao
o sistema educacional; (c) o fato de a forma­ processo produtivo e a imple­mentação de
ção profissional poder ser desen­volvida em uma cultura própria da insti­tuição, de forma
escolas ou em empresas e (d) o objetivo pre­ a enquadrar a formação e o conhecimento
cípuo de fornecer ao indivíduo co­nhecimentos para torná-los convenientes às suas deman­
relacionados ao sistema produtivo. das específicas (Aranha, 2001).
O trabalho do psicólogo no Brasil 385

Já para os trabalhadores, a qualificação rada em seu sentido mais amplo e com a


profissional assume caráter radicalmente di­ necessária inserção no debate de aspectos
fe­rente: está associada a ideias de auto­nomia sociais, políticos e econômicos relacionados
e autovalorização (Cattani, 2002). Os cida­ ao tema.
dãos estão cada vez mais assustados com a No Brasil, o tema da qualificação pro­fis­
dificuldade de conseguir e manter um lugar sional entrou na agenda política dos ato­res
no mercado de trabalho e, diante desse cená­ sociais em momentos históricos dife­rentes.
rio, a formação profissional pode ser perce­ Somente na última década foi que se cons­
bida como um “passaporte“ para o trabalho. tituiu uma agenda política comum. Isso não
Sousa e colaboradores (1999) con­­sideram é sem motivo. Desde que foi implan­tando,
que a educação hoje traz con­sigo uma vin­ na década de 1940, até recente­men­te, o Bra­
culação com a ascensão social, tal qual era sil seguiu o modelo de quali­ficação profis­
preconizado pela Teoria do Capital Humano; sional tido como fordista – o qual qua­lifica
ou seja, quanto maior a escolaridade, maior de forma competente um re­duzido grupo de
a chance de conseguir um posto de trabalho profissionais e deixa a grande mas­sa de tra­
em um mundo no qual sua oferta é cada vez balhadores ser treinada para suas tarefas
mais escassa. específicas apenas no pró­prio local de traba­
A formação profissional não pode ser lho (DIEESE, 1998).
estudada como se fosse um conceito limi­tado Sobre a discussão de uma política de
e de significado único na sociedade. De fato, for­­mação profissional para o país, Côrrea
trata-se de um conceito multi­fa­cetado e po­ (2001) analisa que o presente momento his­
lissêmico. Segundo Cattani (2002), há duas tórico é privilegiado para se compreender
dimensões a serem consideradas nesse con­ os embates entre os diferentes atores sociais
ceito. A primeira, mais conhecida e difun­ em relação à formação profissional por es­
dida, é restrita, ope­racional, de preparação tar em construção um projeto que vem se
para o trabalho como um subproduto do sis­ tornando hegemônico. A autora destaca três
tema educa­cional. Nessa dimensão, a for­ma­ propostas distintas dentre as várias con­
ção profis­sional seria como instrução e ades­ cepções: (a) os projetos do Estado, cons­truí­
tramento da mão de obra, uma ade­qua­ção dos pelos Ministérios da Educação e do Tra­
dos recur­sos humanos às necessidades pon­ balho e Emprego; (b) os projetos e as con­
tuais e específicas das empresas e um antí­ cepções das principais Centrais Sindicais de
doto para o desemprego. A segunda di­men­são Trabalhadores; (c) o projeto dos empre­sários
assume um status teórico mais rele­vante, com do setor industrial, organizados na Confe­
maior densidade política e social, na qual a deração Nacional dos Trabalhadores da In­
for­mação profissional in­tegra o com­plexo de­ dús­tria (CNTI), nas federações das in­dústrias
bate da relação edu­cação-traba­lho e assume e em outros fóruns empresariais. Pa­ra a au­
papel estratégico para a re­cuperação da posi­ tora, compreender os pontos de con­vergência
ti­vidade do tra­balho. Im­plica o questio­na­men­ e de divergência entre esses pro­jetos e prá­
to sobre o pa­pel condi­cionador da escola e o ticas, bem como os contornos que assumem
trabalho co­mo prin­cípio educativo e libertador ao serem operacionalizados, pode suscitar o
ou como fator de alienação e domesticação fortalecimento de espaços alterna­tivos, mais
produtivista. sintonizados com os seto­res inte­ressados na
A dimensão mais restrita e operacional democratização dessas práticas sociais edu­
de preparação técnica para o trabalho é a ca­tivas (Corrêa, 2001, p. 278).
mais praticada e a que predomina no dia a Portanto, o debate envolve, pelo menos,
dia do sistema produtivo. Porém, nesta pes­ três atores sociais: o governo, os trabalha­do­
quisa, a formação profissional será conside­ res e as empresas. Cada um apresenta in­te­
386 Bastos, Guedes e colaboradores

resses e propostas distintos em relação à for­ Desafios para a Formação


mação profissional, mas Offe (1999) ana­lisa do Psicólogo no Brasil
que, para enfrentar o desemprego, é ne­ces­
sário equilibrar “as três pontas do triân­gulo” – Gomes (2003), ao analisar a pesquisa e
Estado, mercado e comu­nidade –, pois caso a prática em psicologia no Brasil, classificou
confiemos em apenas uma delas, tende­remos as relações entre ensino, pesquisa e prática
a minar e a incapa­citar as outras duas. profissional em sete categorias criadas em
O governo brasileiro tem feito esforços função dos momentos históricos desde o
no sentido de fortalecer a formação privada: sur­gimento da psicologia no Brasil: 1) in­
(a) por meio de reformas no ensino técnico teresse por pesquisa, referente às primei­ras
federal que apontam para o estabelecimento pesquisas psicológicas realizadas em facul­
de uma lógica de mercado na definição de dades de medicina no período de 1836 aos
seus cursos e de seu funcionamento; (b) por primeiros anos do século XX; 2) intenção
meio da intensificação do caráter privado por pesquisa, caracterizada pela instalação
de instituições como o Serviço Nacional de dos primeiros laboratórios de pesquisa psi­
Aprendizagem Industrial (Senai) e o Serviço co­lógica no Brasil, ocorrida no período de
Nacional de Aprendizagem Comercial (Se­ 1906 a 1931; 3) pesquisa para a prática,
nac) e (c) por meio do estímulo para que as relacionada às aplicações da ciência psico­
empresas criem e adotem seus próprios sis­ lógica em escolas, clínicas e indústrias, en­
temas de formação profissional (como o tre 1932 a 1962; 4) prática para o ensino,
Projeto “Educação para a Competitividade” período abrangido pelos primeiros 15 anos
da Financiadora de Estudos e Projetos (FI­ dos cursos de graduação em psicologia, de
NEP), custeado com recursos do Fundo de 1962 a 1977; 5) ensino pelo ensino, carac­
Amparo ao Trabalhador, que oferece con­di­ terizado pela ampliação da oferta de cursos
ções para as empresas que resolverem in­ de graduação em psicologia, pela falta de
vestir diretamente na formação profissio­nal professores qualificados, pelo engajamento
de seus trabalhadores (Aranha, 2001). político dos profissionais durante a demo­
Cattani (2002) considera que os prin­ci­ cratização do país, pela tendência a associar
pais organismos vocacionados para a qua­li­ a pesquisa ao positivismo e a negligenciar a
ficação profissional (Senai e Senac) são subor­ importância da pesquisa científica – ocorreu
dinados às confederações empre­sariais e que durante os últimos 25 anos do século XX; 6)
as atividades deles são inci­pien­tes e atendem perda do senso de pesquisa, referindo-se à
a interesses localizados. O trabalho desenvol­ falta de professores qualificados, à falta de
vido por esses orga­nismos é significativo para infraestrutura para ensino, pesquisa e práti­
alguns segmen­tos da in­dústria e do comércio, ca e à concentração de pesquisadores em
embora realizem muito mais eventos de trei­ poucos centros de excelência, ocasionando
namento do que investimentos em processos problemas na formação profissional; 7) re­
de edu­cação e desenvolvimento para o tra­ torno da pesquisa à formação profissional,
balho. Um outro organismo de formação pro­ ocorrido de 1986 em diante, caracterizado
fissio­nal é o Sebrae, voltado para o atendi­ pela reestruturação dos programas de pós-
mento de micro e pequenos empresários com -graduação em psicologia, pelas avaliações
foco definido para o empreende­do­rismo. O da CAPES, pela criação da ANPEPP e pela
Se­brae oferece cursos abertos à comunida- preparação das novas diretrizes curriculares
de, mas a sua atuação na quali­ficação de tra­ para os cursos de graduação em psicologia.
ba­lhadores ainda é pontual, sem diferen- A formação do psicólogo no Brasil foi
ça sig­ni­ficativa na formação pro­fissional dos marcada desde os seus primórdios pela ten­
ci­dadãos brasileiros. tativa de associar o ensino à pesquisa e à
O trabalho do psicólogo no Brasil 387

prática e por grandes dificuldades de infra­ cologia, e de­vem garantir ao profissional um


estrutura de ensino, pesquisa e prática, as­ domínio básico de conhecimentos psico­lógi­
sim como pela falta de professores titulados cos e a capacidade de utilizá-los em di­fe­ren­
em diversas regiões brasileiras. tes con­textos que demandam inves­tigação,
As mudanças nos currículos dos cursos aná­­lise, avaliação, prevenção e atua­ção em
pro­ces­sos psicológicos e psicos­sociais, e na
de graduação têm sido lentas e superficiais.
pro­­moção da qualidade de vida.
A “Carta de Serra Negra”, aprovada no En­
contro Nacional de Gestores de Cursos de A construção dessas competências se dá
Graduação de Psicologia, segundo Duran por meio de eixos estruturantes, quais se­
(2003), definiu alguns princípios nortea­do­ jam: fundamentos epistemológicos e histó­
res da formação em psicologia para direcio­ ricos; fundamentos teórico-metodológicos;
nar as reformas curriculares. Entre esses procedimentos para investigação científica
prin­cípios estavam aqueles que estabe­le­ e prática profissional; Fenômenos e proces­
ciam, para a formação em psicologia, um sos psicológicos; Interfaces com campos afins
com­promisso com a realidade social, com a do conhecimento e Práticas profis­sionais pa­
produção do conhecimento, com a ação e a ra atuação em diferentes contextos.
reflexão ética, com a interdisciplinaridade e As competências dos psicólogos, após
com a formação básica e pluralista. análise das Diretrizes Curriculares, podem
Nas Diretrizes Curriculares dos cursos ser agrupadas em cinco categorias de con­
de Psicologia, as competências dos psicólo­ teúdo: 1. análise do contexto e do campo de
gos são tratadas no Art. 8. atuação; 2. intervenção; 3. inves­ti­ga­ção cien­
As Competências reportam-se a desempe­nhos tífica; 4. ava­liação e 5. atuação in­ter e multi­
e atuações re­que­ridos do formado em Psi­ profis­sio­nal, como mostra a Fi­gura 18.2.

Análise de contexto e campo

Intervenção Investigação
científica

Avaliação

Atuação inter e multiprofissional

Figura 18.2 Natureza das competências do psicólogo.

Com a finalidade de analisar a comple­ safios contemporâneos e do contexto de


xidade das competências do psicólogo, apre­­ atuação profissional são competências de
senta-se a seguir uma avaliação basea­da na natureza essencialmente cognitiva que per­
taxonomia de objetivos educacionais de tencem ao nível de avaliação, de acordo
Bloom e colaboradores (1972) e Bloom, com a taxonomia de Bloom e colaboradores
Krathwohl e Masia (1974). De posse dessas (1972), e incluem capacidades complexas
análises, será possível defi­nir as variáveis como: predizer, explicar, prever, diagnos­ti­
estudadas e descrever as estratégias meto­ car, prognosticar, prospectar, emitir julga­
dológicas do presente projeto. mentos de valor, estimar, levando em conta
As competências referentes a análises diferentes níveis de análise de variáveis. O
do campo de atuação profissional e dos de­ desenvolvimento dessas competências re­
388 Bastos, Guedes e colaboradores

quer estratégias variadas de ensino, de acor­ Competências de atuação em equipes


do com a abordagem instrucional descrita in­ter e multidisciplinares são igualmente
por Abbad e Borges-Andrade (2004). com­­­­­plexas e envolvem múltiplas habilida­
Competências referentes à investigação des, ati­tudes e co­nhecimentos. Seu desen­
científica são de natureza predomi­nante­men­ vol­vi­mento requer ações educacionais con­
te cognitiva e de alta complexidade. Envol­ tí­nuas e inte­gradas de modo que o curso
vem capacidades de análise, síntese e ava­ oportunize si­tuações propí­cias de apren­di­
liação, além de estratégias cognitivas e meta­ zagem durante toda a forma­ção do psi­
cogni­tivas de aprendizagem, autoins­trução, cólogo. A participação ativa do apren­­diz
auto­ava­­lia­­ção, entre outras. In­cluem, tam­ no processo de construção do seu pró­prio
bém, co­nhe­ci­mentos sobre bases filosófi­cas, per­fil profis­sional e seu con­tato fre­quen­­te
episte­mo­ló­gi­cas, teóricas, meto­dológicas e com outras pessoas devem ser a tônica da
éticas, rela­cio­na­das ao campo de atuação. for­mação.
Envolvem de­ci­sões complexas sobre a ade­ O alto grau de complexidade das com­
quação de mé­to­dos, técnicas e estratégias de petências características do psicólogo con­
pesquisa ao con­texto e ao fenômeno enfo­ temporâneo, observadas pelos pesquisadores
cado. Compreen­dem habili­dades de comuni­ anteriormente citados e refletidas nas Dire­
cação escrita e oral, bem como conhecimento trizes Curriculares, ainda não produziu mu­
de normas cien­tíficas de publicação e di­vul­ danças significativas na formação do psicó­
gação de pesquisas, assim co­mo a capa­ci­ logo brasileiro. Entre os problemas relativos
dade de criação de no­vos co­nhe­cimentos e à formação em psicologia, estão os seguin­
de avaliação da apli­cabi­li­dade de conhe­ci­ tes: poucos professores qualificados para
mentos científicos dis­poníveis. Portan­to, exi­ con­duzir ensino e pesquisa; currículos desa­
gem contato do aluno com estu­dos teó­ricos e tualizados; poucas oportunidades de está­
empíricos e o desen­volvimento de ati­tudes gio; estágios em áreas que exigem práticas
favoráveis à aprendi­zagem contí­nua. tradicionais; poucas oportunidades de práti­
As competências relacionadas à inter­ven­ cas de inter­venção psicológica durante o
ção e atuação profissional incluem com­pe­ cur­so; dificuldade de arti­cular as diversas
tências cognitivas e atitudinais que ser­vem co­ áreas da psicologia entre si e estabelecer
mo elementos integradores de co­nhe­cimen­tos interfaces com outras disci­plinas de campos
filosóficos, teóricos, metodo­lógicos e éti­cos. afins; pouca atividade de pesquisa; produção
Elas envolvem avaliações de contextos, cam­ de conhecimentos pou­co vinculada ao cotidia­
pos de atuação e estado da arte nas pes­quisas no e à realidade dos clien­tes; pequeno contato
da área específica de atuação, assim como a entre Instituições de En­sino Superior (IES) e
escolha de inter­venções psicológicas adequa­ outras organi­zações; pe­quena e lenta incor­
das aos fenô­menos, aos processos, à popu­ poração de no­vas prá­ticas e novos resultados
lação-alvo e ao contexto. Exigem o de­sen­vol­ de pes­quisa ao ensino; pou­cos artigos, textos e
vimento de habilidades (cognitivas e ati­tudi­ outros materiais para lei­tura técnica e cien­
nais) de tra­balho em grupo e em equi­pes inter tífica em língua portu­guesa; falta de prepa­ro
e multi­profissionais, bem como de ha­bilidades para a realização de leitura de textos cien­
de comunicação oral e escrita e de análise crí­ tíficos; pouca leitura e pouco acesso a mate­
tica de teorias, métodos de pes­quisa e for­mas riais de áreas afins; di­ficuldade de aces­so a
de atuação de disciplinas afins. informações profis­sionais na inter­net; mé­todos
As tendências inovadoras em psicologia no tradicionais incompa­tíveis com os obje­tivos de
Brasil, tal como referidas pelos pesquisa­dores ensino; raras in­terações nas IES entre profissio­
em 1994 e representadas na Figura 18.1, in­ nais de áreas afins; uso de estratégias e meios
felizmente não se concretizaram. de ensino incom­patíveis com a natu­reza e o
O trabalho do psicólogo no Brasil 389

grau de com­plexidade das compe­tências dese­ do sexo feminino (84,0%), com média de ida­
jadas, co­mo, por exemplo, o uso excessivo de de de 39,1 anos (DP = 8,98). Quanto ao nível
expo­sição oral em sala de aula. de titulação dos partici­pan­tes, observa-se que
O desenvolvimento das competências a maior parte (44,2%) detém o título de es­
exi­gidas do profissional de psicologia requer pecialista, 22,8%, de mestrado e apenas 6,2%,
uma formação baseada na diversificação de de dou­torado. Com a graduação como titula­
méto­dos e estratégias, na criação de si­ ção mais elevada, foram encontrados 26,8%
tuações de aprendizagem que levem o aluno dos pesquisados. Apenas 18,5% dos respon­
a demonstrar as competências norteadoras dentes graduaram-se em instituições de ensi­
do currículo co­mo solução de problemas e no da Região Sul, 17,1% na Região Norte –
geração de novos conhecimentos. Pa­rá e Tocantins – e 9,5% no Centro Oeste. A
E os psicólogos? Como estão se quali­fi­ maior parte dos pesquisados formou-se em ins­
cando e requalificando depois que saem das titui­ções de ensino da região sudeste (54,7%).
escolas e assumem lugar no mundo do tra­ Quanto às estratégias de qualificação ou
balho? Que competências os profissionais de requalificação, observou-se que a maio­ria dos
psicologia que estão no mercado acre­ditam profissionais pesquisados (78,6%) afirmou ter
serem importantes? Em quais com­petências participado de seminários e congressos, sendo
eles avaliam que têm um domínio satisfatório? que a quase totalidade (90,6%) utiliza a lei­
Considerando essas duas di­men­sões – impor­ tura de periódicos, li­vros, conversas com pro­
tância e domínio – em que competências esses fissio­nais da área como estratégia de qualifi­
profissionais ainda pre­cisam ser capacitados? cação autodidata. A maior parte (66,7%), en­
Essas são algumas questões que serão parcial­ tretanto, nunca rea­lizou cursos de treinamen-
mente respon­didas com este trabalho. to e desen­vol­vimento em empresa, e menos
da metade de­les (47,8%) participa de grupo
de estu­dos. Gran­de parte dos respondentes
Perfil dos Psicólogos e (42,3%) inves­te até 10% da sua renda em
Estratégias de Qualificação- qualificação e 39,1% investem entre 11 e 30%
Requalificação da renda men­sal em qualificação. Um per­cen­
tual me­nor de pro­fissionais (10,6%) investe
O questionário continha 21 itens asso­cia­ valores iguais ou superiores a 31% de sua ren­
dos a duas escalas Likert de quatro pon­tos, da em qualificação.
uma de importância (0 = Sem impor­tância
e 3 = Muito importante) e outra de domínio
(0 = Sem domínio e 3 = Domínio completo). Avaliação da importância das
No questionário, além dos itens das escalas, competências profissionais
foram também incluídos cam­pos destinados a
dados sociodemográficos e profissionais dos As respostas dos participantes aos itens
par­ticipantes da pesquisa. Os arquivos de da­ de avaliação da importância das competên­
dos para validação das escalas de domínio e cias pro­fissionais, agruparam-se em quatro
de importância de cada uma das compe­tên­ fatores válidos e confiáveis (Apêndice 2).
cias, após a retirada dos dados faltosos e dos Os fatores são semelhantes aos encontrados
casos extremos multivariados, continham res­ nas escalas de autoavaliação de domínio de
pec­tivamente 329 e 276 casos válidos. competên­cias. A Tabela 18.1 mostra as mé­
A amostra de psicólogos respondentes do dias e os des­vios ­padrão das avaliações de
questionário de autoavaliação de domí­nio e importância, agru­padas de acordo com os
de importância das competências pro­fissionais fatores extraídos das análises de validação
é formada predominantemente por psicólogos estatística.
390 Bastos, Guedes e colaboradores

Tabela 18.1. Importância das competências.


Fator 1 - Importância da Intervenção em Processos Psicológicos Individuais Média DP
Realizar orientação psicológica. 2,63 0,624
Realizar psicoterapia. 2,57 0,827
Realizar aconselhamento psicológico. 2,38 0,826
Realizar diagnósticos de processos psicológicos de indivíduos. 2,59 0,609
Realizar intervenções de caráter terapêutico, de acordo com as situações e os problemas
2,87 0,340
específicos.
Analisar necessidades de natureza psicológica. 2,69 0,491
Avaliar problemas humanos (de ordem cognitiva, comportamental, afetiva) em diferentes
2,89 0,310
contextos.
Elaborar pareceres técnicos, laudos e comunicações profissionais. 2,64 0,549
Fator 2 - Importância da Intervenção em Processos Psicológicos Grupais e
Média DP
Organizacionais
Realizar diagnósticos de processos psicológicos de grupos. 2,45 0,693
Realizar diagnósticos de processos psicológicos de organizações. 2,32 0,793
Coordenar processos grupais. 2,54 0,586
Fator 3 - Importância de Conhecimentos e Habilidades de Pesquisa Científica Média DP
Elaborar relatos científicos. 2,55 0,578
Formular questões empíricas de investigação científica. 2,56 0,578
Apresentar trabalhos e discutir ideias em público. 2,73 0,510
Utilizar instrumentos e procedimentos de coleta de dados. 2,57 0,612
Analisar o contexto em que atua profissionalmente. 2,91 0,286
Fator 4 - Importância da Aplicação de Habilidades Científicas e
Média DP
Interação com outros Profissionais
Realizar intervenções de caráter preventivo, de acordo com as situações e os problemas
2,87 0,340
específicos.
Utilizar conhecimento científico necessário à atuação profissional. 2,91 0,286
Atuar com profissionais de outras áreas, quando recomendável. 2,88 0,330
Gerar conhecimento a partir da prática profissional. 2,90 0,304
Desenvolver vínculos interpessoais requeridos na atuação profissional. 2,81 0,402
Pontos extremos da escala: 0 = sem importância e 3 = muito importante.

O Fator l, Importância da Inter­ven­ Fator 3, Importância de Conheci­


ção em Processos Psicológicos Indi- men­­­­­­tos e Habilidades de Pesquisa
viduais, avalia a importância das compe- Cien­­­tífica, avalia a importância atribuída
tências profissionais do psicólogo, relativas pe­los participantes às competências ligadas
à sua atuação em atividades típicas da inter- às habilidades de conceber questões de pes-
venção em psicologia clínica de indivíduos. quisa, desenvolver pesquisas contextualiza-
O Fator 2, Importância da Intervenção, das, coletar de dados e apresentar oralmente
em Processos Psicológicos Grupais e relatos de pesquisas científicas. O Fator 4,
Organizacionais, avalia a importância das Im­portância da Aplicação de Habili-
competências profissionais que qualificam o dades Científicas e Interação com ou-
psicólogo a realizar diagnósticos nos níveis tros Profissionais, avalia as opiniões dos
do grupo de organizações e à condução de participantes sobre a importância de realizar
processos grupais, intervenções de caráter preventivo, utilizar
O trabalho do psicólogo no Brasil 391

conhecimentos científícos na prática profis- em psicologia clínica. O Fator 2, Domínio


sional, bem como atuar com profissionais de de Intervenção em Processos Psico­
outras áreas e desenvolver vínculos interpes- ló­gicos Grupais e Organizacionais,
soais requeridos pela atuação profissional. refere-se às autoavaliações de competências
Trata-se de um fator que mede a importân- que qualificam o psicólogo a realizar diag­
cia de habilidades intelectuais e afetivas na nós­ticos nos níveis do grupo de organi­za­
atuação do profissional de psicologia, neces- ções e a conduzir processos grupais. O Fator
sárias à atuação competente em equipes 3, Domínio de Conhecimentos e Ha­
multi e interdisciplinares, situação cada vez bilidades de Pesquisa Científica, refe­
mais frequente no mundo. Este fator avalia re-se às autoavaliações de competências de
também a importância que o psicólogo atri- aplicação de conhecimentos científicos na
bui à atuação preventiva, tendência inova- atuação profissional, bem como de habi­
dora proconizada pelas diversas áreas e su- lidades para conceber questões de pesquisa,
báreas da psicologia, porém, provavelmente desenvolver pesquisas contextualizadas, co­
ainda não institucionalizada nas práticas do le­tar dados e apresentar oralmente re­latos
psicólogo brasileiro, cujo perfil parece ser de pesquisas científicas. A Tabela 18.2 mos­
predoinantemente clínico. tra as médias e os desvios padrões das au­to­
Observa-se na Tabela 18.1, em suma, avaliações de competências, agrupadas de
que, em média, as avaliações de impor­tân­cia acordo com os fatores extraídos das aná­lises
são favoráveis, pois ficaram pró­xi­mas ao va­ de validação estatística.
lor máximo da escala de quatro pon­tos, em Em relação às competências de pesqui-
que 0 (zero) corresponde a Sem im­por­tância s­a­dor, as autoavaliações variam em sentido
e 3 (três), a Muito im­portante. As mé­dias inverso às demais, relativas à atuação em
mais baixas (2,32 e 2,38) são ainda relati­ processos individuais, grupais e organiza­
vamente altas. De modo geral, os des­vios cionais.
são baixos, indi­cando convergência de opi­ Observa-se, na Tabela 18.2, que, em mé­­­­­­
niões dos par­ticipantes quanto à im­por­tância dia, as autoavaliações foram favoráveis, pois
de todas as competências ava­lia­das. Esse re­ se aproximaram do valor máximo da escala
sul­tado mostra que os partici­pantes da pes­ de quatro pontos, em que 0 (zero) cor­
quisa concordam acerca da im­portân­cia das responde a Sem domínio e 3 (três), a Do­­­
com­petências pro­fis­sio­nais preco­ni­za­das pe­ mínio completo da competência.
las atuais Diretrizes Cur­ri­culares dos cursos As autoavaliações mais favoráveis recaí­
de graduação de Psi­cologia. ram sobre as competências que posicio­na­
ram a atuação do psicólogo dentro de uma
tendência tradicional, que vem caracte­ri­
Avaliação do domínio das zan­do o perfil de atuação nas décadas de
competências profissionais 1970 e 1980 (com foco no indivíduo e na
aplicação de técnicas e métodos concebidos
As respostas dos participantes aos itens por outros). Isto é, os psicólogos da amostra
de autoavaliação de competências profis­sio­ pesquisada se autoavaliaram mais positiva­
nais agruparam-se em três fatores válidos e mente em competências tradicionais, foca­
confiáveis (Apêndice 2). O Fator 1. Do­mí­ das no indivíduo e na aplicação de métodos
nio de Intervenção em Processos Psi­ e técnicas. As médias mais baixas giraram
cológicos Individuais, mensura as au- em torno de 1,35 e 1,92 e estavam asso­
to­ava­liações de domínio de competências ciadas a itens que tratam de competências
profissionais do psicólogo, relativas à sua ligadas a tendências inovadoras na atuação
atuação em atividades típicas da intervenção do profissional de psicologia.
392 Bastos, Guedes e colaboradores

Tabela 18.2 Autoavaliações de competências profissionais do psicólogo.


Itens do Fator 1 – Domínio de Intervenção em Processos Psicológicos Desvio
Média
Individuais Padrão
Realizar orientação psicológica. 2,33 0,707
Realizar intervenções de caráter terapêutico, de acordo com as situações e os
2,20 0,741
problemas específicos.
Realizar psicoterapia. 2,26 0,877
Realizar aconselhamento psicológico. 2,18 0,846
Realizar diagnósticos de processos psicológicos de indivíduos. 2,16 0,688
Realizar intervenções de caráter preventivo, de acordo com as situações e os
2,15 0,703
problemas específicos.
Analisar necessidades de natureza psicológica. 2,11 0,687
Avaliar problemas humanos (de ordem cognitiva, comportamental, afetiva) em
2,37 0,605
diferentes contextos.
Atuar com profissionais de outras áreas, quando recomendável. 2,55 0,628
Gerar conhecimento a partir da prática profissional. 2,25 0,697
Desenvolver vínculos interpessoais requeridos na atuação profissional. 2,39 0,659
Fator 2 – Domínio de Intervenção em Processos Psicológicos Grupais e Desvio
Média
Organizacionais Padrão
Realizar diagnósticos de processos psicológicos de grupos. 1,75 0,822
Realizar diagnósticos de processos psicológicos de organizações. 1,35 0,897
Coordenar processos grupais. 1,92 0,824
Desvio
Fator 3 – Domínio de Conhecimentos e Habilidades de Pesquisa Científica Média
Padrão
Formular questões empíricas de investigação científica. 1,78 0,835
Elaborar relatos científicos. 1,70 0,908
Utilizar conhecimento científico necessário à atuação profissional. 2,29 0,713
Apresentar trabalhos e discutir ideias em público. 2,09 0,916
Utilizar instrumentos e procedimentos de coleta de dados. 2,04 0,805
Analisar o contexto em que atua profissionalmente. 2,36 0,615
Pontos extremos da escala: 0 = Sem Domínio e 3 = Domínio completo.

Vale ainda destacar as discrepâncias re­ profissionais e formu­lação de questões empí­


la­­tivamente altas, observadas nos itens do ricas de investigação científica (Tabela 18.2).
Fa­tor 1, indicando possível heterogeneidade Em relação às competências, os resul­ta­
na formação desses psicólogos. Isso significa dos desta pesquisa apontam competências
que, embora em todos os itens alguns psicó­ emer­­­gentes e críticas para a inserção do psi­
logos se sintam mais bem preparados do que có­logo no trabalho não parecem estar sendo
em outros, a discrepância é maior nos itens desenvolvidas pe­las instituições de ensino
apresentação de trabalhos e discussão de superior duran­te a per­ma­nência dos alunos
ideias em público; realização de diagnós­ticos nos cursos de gra­duação, tampouco em cur­
de processos psicológicos de organi­zações; sos de pós-graduação latu sensu.
elaboração de relatos cientí­ficos; elaboração As cinco competências identificadas pe­
de pareceres técnicos, lau­dos e comunicações los próprios psicólogos que participaram da
O trabalho do psicólogo no Brasil 393

pesquisa como aquelas nas quais estão me­ a três, os escores resultantes da aplicação
nos capacitados são: realizar diagnósticos da fórmula poderiam variar de 0 a 9, de
de processos psicológicos de organizações, modo que 0 indica nenhuma necessidade de
elaborar relatos científicos, formular ques­ capa­ci­tação, e 9 indica necessidade máxima
tões empíricas de investigação científica, de capacitação, isto é, percepção de impor­
rea­­lizar diagnósticos de processos psico­ló­ tância máxima da competência pelos psicó­­
gicos de grupos e coordenar processos gru­ lo­gos com­binada a uma percepção de ne­
pais, conforme mostra a Tabela 18.2. nhum do­mínio relativo à mesma competên­
cia. Como a definição operacional da neces­
sidade de capacitação resulta do produto da
Necessidades de Capacitação observação de importância das compe­tên­
dos Psicólogos cias pela per­cep­ção de ausência de domí-
nio das mesmas, é possível que algumas
Para o cálculo da necessidade de capa­ neces­sidades não se­jam identificadas pelo
citação ou recapacitação em cada uma das fato de os psicólogos não as perceberem co­
21 competências listadas utilizou-se a fór­ mo im­portantes.
mu­la proposta por Borges-Andrade e Lima Os resultados dessa pesquisa apontam
(1983): N = i x (e – d), onde N = neces­si­ para uma avaliação positiva de desenvolvi­
dade; i = importância; d = domínio; e = va­ mento de competências, porém, compe­tên­
lor extremo ou máximo da escala utili­zada. cias emer­gen­­tes e críticas para a inser­ção
Assim, a partir da fórmula, as neces­sidades do psicó­logo no trabalho, ao que parece,
de capacitação foram definidas ope­racional­ não têm recebido a devida atenção durante
mente como produto da percep­ção de impor­ a for­mação pro­fissio­nal de graduação e pós-
tância das competências (conheci­mentos, ha­ gra­duação, tampouco têm sido adquiridas
bilidades e atitudes) pela per­cepção de au­ pelos profissionais de psicologia por meio
sên­cia de domínio das mesmas. Ou seja, de­ das es­tratégias menos formais de qualifi­
fine-se a necessidade de capaci­tação a partir cação e requalificação profissional. As cinco
de um indicador que abrange, ao mesmo com­petências identificadas pe­los pró­prios
tempo, a avaliação de importân­cia e a de psi­có­logos que participaram da pes­quisa co­
do­mínio da competência profis­sional. De mo aquelas em que há maior ne­cessidade
modo que, quanto menor o do­mínio e maior de capacitação são: realizar diag­nós­ticos de
a importância da compe­tên­cia, maior a ne­ pro­cessos psi­cológicos de orga­ni­zações, ela­
ces­sidade de treinamento. Em sentido inver­ borar relatos científicos, for­mular ques­tões
so, também é válido dizer que avaliações de empí­ricas de investigação científica, realizar
alto domínio e de baixa importância resul­ diag­nós­ticos de processos psicoló­gi­cos de
tam na ausência de neces­sidade de capa­ grupos e coor­denar proces­sos gru­pais, con­
citação. A fórmula de cálculo do índice de forme mos­­tra a Tabela 18.3. Vale ainda des­
necessi­dades de treinamento adotada nes- tacar que essas necessidades são não ape­nas
te estudo é simi­lar à proposta por Bor- as que pos­suem maiores mé­dias, mas tam­
ges-An­drade e Lima (1983), também ado­ bém as que têm desvios pa­drão mais ele­
tada nas pesquisas de Magalhães e Bor­ges- vados, in­di­cando maior he­te­ro­­geneidade na
Andrade (2001), Bran­dão, Guimarães e Bor­ forma­ção. Isso significa que, embora em to­
ges-An­drade (2002) e Castro e Borges-An­ dos os itens alguns psicó­logos se sintam
drade (2004). mais bem pre­parados do que ou­tros, a dis­
Como as escalas de importância e de cre­pância é maior nos itens apre­­sentação de
domínio das competências variavam de zero trabalhos e discussão de ideias em pú­blico;
394 Bastos, Guedes e colaboradores

realização de diag­nós­ticos de pro­cessos psi­ téc­ni­cos, lau­dos e comunicações profis­sio­


co­lógicos de orga­nizações, ela­bo­ração de nais e formu­lação de ques­tões em­píricas de
re­latos cien­­tí­ficos, elabo­ração de pareceres in­ves­tigação cien­tífica (Tabela 18.3).

Tabela 18.3 Índices de necessidades de qualificação (média e desvio padrão) para as diferentes
competências profissionais do psicólogo.
Desvio
Necessidade de TD&E em... Média
padrão
Realizar diagnósticos de processos psicológicos de organizações. 3,58 2,40
Elaborar relatos científicos. 3,02 2,33
Formular questões empíricas de investigação científica. 2,91 2,16
Realizar diagnósticos de processos psicológicos de grupos. 2,83 2,00
Coordenar processos grupais. 2,59 2,07
Elaborar pareceres técnicos, laudos e comunicações profissionais. 2,32 2,17
Realizar intervenções de caráter preventivo, de acordo com as situações e os
2,29 1,98
problemas específicos.
Apresentar trabalhos e discutir ideias em público. 2,28 2,40
Utilizar instrumentos e procedimentos de coleta de dados. 2,26 2,01
Analisar necessidades de natureza psicológica. 2,17 1,75
Gerar conhecimento a partir da prática profissional. 2,14 2,03
Utilizar conhecimento científico necessário à atuação profissional. 1,98 1,96
Realizar diagnósticos de processos psicológicos de indivíduos. 1,92 1,69
Analisar o contexto em que atua profissionalmente. 1,91 1,74
Realizar intervenções de caráter terapêutico, de acordo com as situações e os
1,88 1,92
problemas específicos.
Avaliar problemas humanos (de ordem cognitiva, comportamental, afetiva) em
1,75 1,69
diferentes contextos.
Desenvolver vínculos interpessoais requeridos na atuação profissional. 1,73 1,86
Realizar aconselhamento psicológico. 1,57 1,74
Realizar orientação psicológica. 1,52 1,63
Realizar psicoterapia. 1,38 1,96
Atuar com profissionais de outras áreas, quando recomendável. 1,22 1,70
Escala do índice de necessidades: 0 = Sem necessidade e 9 = Muita necessidade

Esse resultado indica que houve falhas ficação são relacionadas à atuação com pro­
na formação e também nas estratégias de fis­sionais de outras áreas, à realização de
quali­ficação e requalificação dos psicólogos psicoterapia, orientação psicológica, aconse­
no que diz respeito à aquisição de habili­ lhamento psicológico e ao desenvolvimen-
dades rela­cionadas à psicologia social e or­ to de vínculos interpessoais requeridos na
ganizacional (média mais alta de neces­si­ atua­ção profissional. Ou seja, no que diz
dade de capaci­tação, de acordo com o ín­ respeito às competências da atuação clínica,
dice), além de uma demanda acentuada de os psicólogos, em sua maioria, avaliam que
capacitação nas com­pe­tências relativas às já possuem o domínio necessário.
questões científicas e de intervenção do psi­ Foram feitos testes (análise de variân­
cólogo em grupos sociais. cia, teste t e correlações de Pearson) para
Por outro lado, as competências com ín­ verifi­car se há diferenças significativas na
dices mais baixos de necessidade de quali­ per­cep­ção de necessidade de capacitação
O trabalho do psicólogo no Brasil 395

dos psicó­logos que se formaram em insti­ coor­­denar processos grupais, os psi­có­logos


tuições públi­cas, privadas ou confessionais que se formaram em instituições pú­bli­cas e
e também em relação ao tempo transcorri­ confessionais avaliaram ter maior do­mí­nio
do desde a for­ma­tura. O resultado não sur­­ que os psicólogos formados nas insti­tui­ções
pre­en­de. Inde­pen­­den­temente do tempo de privadas. A única competência na qual os
for­mação ou das ins­tituições, há um pre­ pro­fissionais formados em ins­tituições pri­
domínio da for­mação clínica, sem diferen­ va­das perceberam ter maior do­mínio que os
ças significativas en­tre esses diversos perfis pro­­fissionais formados nas instituições pú­
de formação (rela­tivos à instituição de en­ bli­cas foi na competência re­lativa à reali­
sino em que a pessoa se graduou e ao tem­ zação de inter­venções de caráter te­rapêu­
po de formado). tico, de acor­­do com as situações e os pro­
Em relação ao tempo de formado, o fa­ blemas específicos.
to de os resultados não apresentarem di­ Mas se houve diferença na percepção
ferenças significativas indica que a ênfa- de domínio em algumas competências de
se na forma­ção do psicólogo não tem so­ acor­do com a instituição de formação, por
frido mudanças substanciais ao longo dos que essa diferença também não foi identi­
anos. Isso pode ser também verificado pelo ficada na percepção de necessidade de ca­
fato de o presente estudo confirmar re­sul­ pacitação? A resposta é que a percepção de
tados anteriores da área que já apon­ta- necessidade de capacitação depende não
vam que a formação clí­nica é prepon­de­ apenas da per­cep­ção de domínio, mas tam­
rante nos cursos de gradua­ção em psi­co­ bém da per­cepção de importância daquela
logia no Brasil. competên­cia. Ou seja, as competências de
Em relação à percepção semelhante de formular ques­tões empí­ricas de investigação
necessidade de capacitação entre psicólogos cien­tífica; ava­liar proble­mas humanos em
formados por instituições públicas, confes­ di­ferentes con­textos; ela­borar relatos cientí­
sio­nais ou privadas, a análise requer um ficos; apre­sentar trabalhos e discutir ideias
pou­co mais de cuidado. De fato, os testes em público e coordenar pro­cessos grupais
indicam que não há diferenças significativas são percebidas como menos im­portantes pe­
na per­cepção de necessidade de capacitação los psicólogos que se formaram em insti­
dos psicólogos formados pelos diferentes ti­ tuições privadas. Por outro lado, os forma­
pos de instituição de ensino superior. Con­ dos nas instituições públicas ou confes­sio­
tudo, a rea­lização de testes comparando a nais não percebem uma necessidade de ca­
percepção do grau de domínio de cada uma pacitação maior que os formados nas insti­
das compe­tências aponta para interessantes tuições privadas relativa­mente à compe­tên­
resultados. As médias de percepção de do­ cia de realizar intervenções de caráter tera­
mínio das com­­petências são muito seme­ pêu­tico, embora os que se for­maram nas
lhantes entre as instituições privadas e as pú­blicas ou nas confessionais te­nham per­
confessionais (co­­mo Católica e Metodista) e cebido um domínio ligeiramente menor
essas duas em algu­mas competências se di­ nes­­­sa compe­tência do que aqueles for­mados
ferenciam das públi­cas. Assim, nas compe­ nas institui­ções privadas. Essas cons­tatações
tências relativas a for­mular questões empí­ apontam para um resultado in­teressante no
ricas de investigação cien­tífica; avaliar pro­ sentido de evidenciar que não há apenas
ble­mas humanos (de or­dem cognitiva, com­ lacunas na formação dos psicólo­gos, mas
portamental, afetiva) em dife­rentes contex­ que há tam­bém uma dificuldade em perce­
tos; elaborar relatos cien­­tí­ficos; apresen- bê-las, uma vez que, mesmo perce­ben­do um
tar trabalhos e discutir ideias em pú­bli­co e do­mínio mais baixo em deter­minada com­
396 Bastos, Guedes e colaboradores

pe­tência, muitas vezes tal per­cep­ção não é car que o Enade contou com a par­ticipação
acom­panhada por uma noção de que tais de 44.485 estu­dantes – entre in­gressantes e
competências são relevantes para o exer­ concluintes – de 373 cursos de Psicolo-
cício das atividades profissionais. gia. As notas obti­das pelos estudantes do
Uma questão importante que pode sur­ curso de Psico­logia no Enade em 2006 re­
gir a partir da leitura dos resultados da pre­ fletem uma fra­gilidade no desenvolvi­men-
sente pesquisa refere-se à represen­tativi­ to de competên­cias, pois em uma prova que
dade da amostra (276 casos válidos) em valia 100, a nota média dos concluintes
relação à população de psicólogos brasilei­ do curso de Psi­cologia no Brasil foi de 46,6
ros. Porém, fazendo-se uma comparação (DP=14,1).
desses resulta­dos com os obtidos no Exa- A Tabela 18.4 mostra as competências
me Nacional de Desempenho de Estudantes profissionais e habilidades avaliadas no Ena­
de Psicologia (rea­­­lizado pela primeira vez de em rela­ção aos cursos de Psicologia no
em 2006), há similaridades. E vale desta- ano de 2006.

Tabela 18.4 Competências profissionais avaliadas no ENADE – curso de Psicologia (2006).


Competências profissionais avaliadas no ENADE/2006 – curso de Psicologia
Analisar o campo de atuação profissional e seus desafios contemporâneos.
Analisar o contexto em que atua profissionalmente em suas dimensões institucional e organizacional,
explicitando a dinâmica das interações entre os seus agentes sociais.
Identificar e analisar necessidades de natureza psicológica, diagnosticar, elaborar projetos, planejar e
agir de forma coerente com referenciais teóricos e características da população-alvo.
Identificar, definir e formular questões de investigação científica no campo da Psicologia, vinculando-as a
decisões metodológicas quanto à escolha, à coleta e à análise de dados em projetos de pesquisa.
Escolher e utilizar instrumentos e procedimentos de coleta de dados em Psicologia, tendo em vista a
sua pertinência.
Avaliar fenômenos humanos de ordem cognitiva, comportamental e afetiva, em diferentes contextos.
Realizar diagnóstico e avaliação de processos psicológicos de indivíduos, de grupos e de organizações.
Coordenar e manejar processos grupais, considerando as diferenças individuais e socioculturais dos
seus membros.
Atuar inter e multiprofissionalmente, sempre que a compreensão dos processos e fenômenos envolvidos
assim recomendar.
Atuar profissionalmente, em diferentes níveis de ação, de caráter preventivo ou terapêutico, considerando
as características das situações e dos problemas específicos com os quais se depara.
Realizar orientação, aconselhamento psicológico e psicoterapia.
Elaborar relatos científicos, pareceres técnicos, laudos e outras comunicações profissionais, inclusive
materiais de divulgação.
Habilidades acadêmicas avaliadas no ENADE/2006 – curso de Psicologia
Levantar informação bibliográfica em indexadores, periódicos, livros, manuais técnicos e outras fontes
especializadas através de meios convencionais e eletrônicos.
Ler e interpretar comunicações científicas e relatórios na área da Psicologia.
Dominar e utilizar os fundamentos lógicos dos diferentes métodos de investigação científica.
Planejar e realizar várias formas de entrevistas com diferentes finalidades e em diferentes contextos.
Analisar, descrever e interpretar relações entre contextos e processos psicológicos e comportamentais.
Descrever, analisar e interpretar manifestações verbais e não verbais como fontes primárias de acesso
a estados subjetivos.
Utilizar os recursos da matemática, da estatística e da informática para análise e apresentação de dados
e para a preparação das atividades profissionais em Psicologia.
O trabalho do psicólogo no Brasil 397

Como pode ser visto, há bastante simi­la­ lidades acadê­mi­cas e competências pro­fis­sio­
ridade entre as competências profissionais e nais da amos­tra de psicólogos brasileiros.
as habilidades acadêmicas avaliadas no Enade A formação profissional em nível de
no tocante aos cursos de Psico­logia e às com­ gra­­duação não parece estar à altura dos
petências e habilidades pes­qui­sadas na pre­ avan­ços da Psicologia como ciência e como
sen­te pesquisa e que deri­vam das diretrizes profissão. Além disso, como indicam os re­
curriculares para o curso de graduação em sultados, as estratégias de qualificação e
psicologia. E, consi­de­rando essas próprias requalificação profissionais, adotadas pelos
diretrizes, o mapea­mento das competências pesquisados, têm sido insuficientes (pouco
aponta para uma situação precária. tempo gasto para estudar) ou insatisfatórias
Um dado que merece reflexão é o fato de (Cursos de especialização de baixa quali­
38,3% dos concluintes dos cursos de Psico­ dade? Falta de conhecimento sobre fontes
logia apontarem “a forma diferente de abor­ bibliográficas e artigos científicos? Maior
dagem do conteúdo” como uma das maio­res ofer­ta de qualificação em clínica? Altos cus­
dificuldades encontradas ao respon­der à pro­ tos associados à participação em cursos de
va. É um dado preocupante, pois a prova pro­ aperfeiçoamento, especialização e outros?).
cura avaliar habilidades e compe­tências e não A pesquisa mostra que grande parte dos
a simples memorização de conhecimentos psicólogos pesquisados não está buscando a
técnicos ou científicos. Essa discrepância entre aprendizagem contínua, tampouco parece es­
a natureza dos itens da referida prova e os tar capacitada para realizar o autoestudo. As
conteúdos das disciplinas dos cursos de gra­ habilidades e as competências que os ca­pa­ci­
duação em psicologia su­ge­rem que muitos tariam a estudar e a compreender os avanços
cur­rículos ainda estão calcados em estruturas da produção científica de conhe­cimentos e as
tradicionais, conteu­distas, não fundamentadas suas conexões com a prática profissional são
em habilidades e competências profissionais, exatamente aquelas em que foram registradas
tal como pre­co­nizam as diretrizes curriculares, as menores médias de domínio e os maiores
a LDB e o relatório de Delors (2002). Ambos índices de necessi­da­des de capacitação.
cons­tituem excelentes exemplos da tendên­cia
mundial de criação de currículos vol­tados ao
desenvolvimento de competências com­plexas, E como resumir o quadro
exigidas pelas profundas mu­dan­ças que carac­ geral da formação em
terizam o mundo do tra­balho na atualidade. Psicologia no Brasil?
Também merece reflexão o fato de a
questão considerada mais fácil pelos partici­ A formação e as oportunidades de qua­
pantes do Enade ter sido relativa ao trata­ lificação e requalificação em psicologia no
mento psicoterápico. O relatório diz que Brasil, de modo geral, ainda parecem pre­
cá­rias. Os cursos de graduação não aten­
foi possível perceber interesse e envolvi­mento dem às de­mandas de formação de profis­
da maior parte dos alunos para es­cre­ver sobre
sionais com as competências estabelecidas
o tema. Provavelmente por se tra­tar de aspec­
tos mais conhecidos de seu co­tidiano e ao in­
pelas pró­­­prias diretrizes curriculares para
teresse clínico do alu­no” (Bra­sil, 2006, p. 72). os cur­sos da área. Assiste-se a uma pro­li­
feração de cursos de graduação, mas o
Tal observação con­fir­ma os resultados da resultado, in­clusive apon­tado pelo Enade
presente pesquisa que apontam a menor ne­ (Brasil, 2006), é de baixa qualidade do
cessidade de qua­lifi­cação e requalificação nas ensino, com sinais de desvin­culação com a
competências re­lativas à área clínica, con­­fir­ pesquisa – pois as com­pe­tências relacio­
mando o perfil pouco abrangente de habi­ nadas às investigações cien­tíficas estão en­
398 Bastos, Guedes e colaboradores

tre as que apresentam maior demanda de cólogos que se propõem a liderar equipes
requalificação. mul­tidisciplinares, mesmo quando na lide­ran­­
Além disso, o perfil encontrado ainda é ça é demandada pela atuação de psicó­logos.
o mesmo das pesquisas realizadas há déca­ Infelizmente, pode-se dizer que os cur­
das: o psicólogo brasileiro ainda tem uma sos carecem de excelência e de efetividade.
formação eminentemente clínica, com defa­ Essa situação possivelmente se reflete nas
sa­gem de competências para a atuação em dificuldades dos egressos em conseguirem
organizações e em processos grupais. melhores posições no mercado de trabalho,
Entretanto, nem todos os dados são ne­ inclusive porque há demanda de psicólogos
gativos, as diretrizes curriculares dos cursos em áreas em que a formação é precária
de graduação, por exemplo, sugerem mu­ (como a área organizacional, a comunitária
dan­ças radicais e bastante positivas, ao su­ e outras) e há excesso de profissionais em
gerirem múltiplas habilidades e compe­tên­ outras áreas – como a clínica – que, embora
cias profissionais, indicam valiosos cami­ de grande relevância, encontra um mercado
nhos para a melhoria dos processos de en­ saturado, considerando que somente as
sino-aprendizagem e do perfil do egresso clas­­ses média e alta costumam ter acesso a
em cursos de psicologia. esse tipo de prestação de serviço.
O enriquecimento da formação profis­ Face às mudanças no mundo do traba­lho,
sional de psicólogos envolve também, entre às novas demandas sociais de atuação e pes­
outras providências, a capacitação de coor­ quisa, aos movimentos inovadores em psi­co­
denadores de graduação em elaboração de logia, ao estabelecimento das novas di­retrizes
estruturas curriculares baseadas em compe­ curriculares e à natureza e ao grau de com­
tências. Além disto, é necessária uma luta plexidade das competências ne­­cessá­rias ao
pela formulação de políticas públicas de: pro­fissional de psicologia são neces­sárias re­
apoio à manutenção e permanência de qua­ for­mas na formação pro­fissional do psicólogo.
dros de docentes qualificados em insti­tui­ De currículos basea­dos em disci­plinas, conteú­
ções de ensino superior, em especial, em dos progra­má­ti­cos, estratégias unidirecionais
organizações privada e de valorização da de trans­mis­são de conteúdos pelo professor;
pre­sença de pesquisadores e grupos de pes­ uso de pro­cedimentos foca­dos no professor e
quisa na formação de estudantes de gradua­ não no aluno, pequena diversificação de mé­
ção em psicologia. A ampliação intencional to­dos de ensino, peque­na participação do
de oportunidades de qualificação e requa­ aluno em atividades de pes­quisa e inter­venção
lificação para todos os psicólogos, por meio e uso exclusivo de meios e recursos tradi­cio­
de cursos a distância e mistos ou semipre­ nais de ensino, a for­mação do psi­cólogo de­
senciais, apesar de não ser uma tarefa fá- verá mudar na di­reção de estru­turas cur­ri­
cil, é imprescindível para que o psicólogo culares flexíveis com ações edu­cacionais es­
al­­cance melhores posições, mais variadas tru­turadas a par­tir de com­pe­tências e não ex­
opor­tunidades de trabalho e uma mais rá­ clusivamente em con­teúdos e em disciplinas
pida inserção no mercado de trabalho. convencio­nais. O alu­no, nesse novo contexto
Embora os psicólogos avaliem que pos­ de for­mação, deve ser o protagonista das
suem bem desenvolvida a competência de ações e as es­tratégias de ensino devem ser es­
atuar com profissionais de outras áreas, quan­ colhi­das e desenhadas de acordo com o perfil
do recomendável, os resultados do Ena­de do alu­no. O desen­volvimento das compe­tên­
apontam que são os psicólogos que, dian­te de cias exigidas do pro­fissional de psicologia re­
uma situação de problema comu­nitário, pro­ quer uma for­ma­­ção baseada na diversi­fi­cação
põem uma atuação integrada com outros pro­ de méto­dos e de estratégias, na cria­ção de si­
fissionais. E é ainda menor o número de psi­ tua­ções de aprendizagem que le­vem o alu­no
O trabalho do psicólogo no Brasil 399

a de­mons­trar as compe­tências norteado­ras do Como ocorre em tantas outras profis­sões,


currí­culo como so­lução de problemas e ge­ o psicólogo brasileiro necessita atuali­zar-se
ração de co­nhe­cimentos. constantemente, aprender novas tec­no­logias
Uma formação profissional deve ainda de trabalho, criar novos recursos e conhe­ci­
criar situações de aprendizagem em que a mentos psicológicos, tornar-se poli­va­lente,
atua­­lização constante e a exploração do cam­ tra­balhar em equipes multipro­fis­sio­nais, in­
­po de atuação e a pesquisa sejam esti­mu­ cor­porar às práticas profissio­nais múltiplas
ladas e desenvolvidas nos alunos por meio, abor­dagens, metodologias e técni­cas de inter­
por exemplo, da criação de trilhas vir­tuais de venção provenientes de outras áreas do saber,
apren­­dizagem, da utilização de web quests*, além de ampliar a sua visão de mundo, sua
do uso de jogos que envolvam busca de no­ concepção sobre a natureza dos fenômenos
vas in­formações sobre os temas aborda­dos psicológicos e sua clientela. Enfim, o psicólogo
nas ações educacionais, da reali­zação de re­ brasileiro pre­cisa desen­volver-se para atuar
visões e aná­lises de literatura científica, da como agente de trans­formação social, que
realização de buscas em bases eletrônicas de procura inter­vir em contextos complexos para
informações, do estímulo ao estudo introdu­ promover melho­rias na qualidade de vida do
tório em áreas afins, da pro­gra­mação de es­ ser hu­mano, dos grupos e das comunidades.
tágios e pesquisas em con­tex­tos que oportu­
nizem o trabalho em equi­pes inter e multidis­
ciplinares e de estágios básicos que possibi­ notas
litem a integração de expe­riências em dife­
rentes áreas da psicologia. 1 Prova Brasil, Exame nacional para certificação
Para atenuar essa situação, seria impor­ de competências de jovens e adultos (Encceja),
tante haver uma oferta de cursos de espe­cia­­ Exame nacional do ensino médio (Enem) e o
lização e pós-graduação stricto senso nas di­ Exame nacional de desempenho de estudantes
ferentes áreas de atuação do psicólogo, de (Enade) que integra o Sistema nacional de ava­­­
forma a facilitar o seu aces­so a programas de liação da educação superior (Sinaes).
qualificação profissional para aquisição de
com­­petências essenciais não adquiridas du­
rante a graduação. Também seria bem-vinda Referências
a formação de grupos de pesquisa e de estu­
dos que possam contribuir para atua­lização ABBAD, G. S. & BORGES-ANDRADE, J. E. Apren­
de conhecimentos e para a aquisição de no­vas di­zagem Humana em Organizações de Trabalho.
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competências deman­dadas pela sociedade.
V. B. (Org.). Psicologia, Organizações e Tra­balho no
Enfim, a pesquisa permite constatar que
Brasil. Porto Alegre: Artmed. Pgs. 237-275, 2004.
as falhas historicamente encontradas na for­
ABBAD, G. Um modelo integrado de avaliação do
mação profissional de psicólogos ainda se re­ impacto do treinamento no trabalho – IMPACT.
petem no cenário atual agravando a de­man­ Tese de doutorado. Brasília: Instituto de Psicologia
da de qualificação e requalificação. Além dis­ - Universidade de Brasília, 1999.
so, a mudança no perfil do psicó­logo deman­ ALBUQUERQUE, F. J. B. & ARENDT, R. A Psico­
dado pelo mercado exige esfor­ços do profis­ logia Social no Brasil. In: O.H. Yammamoto e V.V.
sional para manter-se atualiza­do e aprender Gouveia. Construindo a Psicologia Brasileira: De­
continuamente novas compe­tências que lhe safios da Ciência e Prática psicológica.São Paulo:
garantam emprego e sucesso profissional. Casa do Psicólogo, 2003, p. 185-212.

* N. de R. Questionários online.
400 Bastos, Guedes e colaboradores

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19
Imagem da profissão e
perspectivas futuras de mudança

Katia Puente-Palacios, Gardênia da Silva Abbad


e Maria do Carmo Fernandes Martins

Respostas dos psicólogos às perguntas qual serão brevemente apresentados e dis­


sobre intenção de mudança de emprego, cuti­dos ao longo do capítulo, assim como
de profissão ou de área de atuação levaram resultados de pesquisas empíricas que tive­
as autoras deste capítulo a refletirem sobre ram como foco a compreensão do compor­
os vínculos desses profissionais com suas tamento dessas variáveis.
car­reiras, seu trabalho e seu emprego. Es­ As questões da pesquisa também pre­
sas reflexões e outras concernentes a variá­ ten­deram extrair informações que indicas­
veis preditoras de intenções de abandonar sem as perspectivas profissionais dos res­
a carreira foram tecidas, discutidas e deram pon­dentes. Logo, objetivou-se observar de
origem ao presente capítulo. que modo os participantes se percebiam no
O arcabouço teórico que sustenta este futuro; para tanto, foram indagados sobre
texto baseia-se na suposição e nas aborda­ o quanto esperavam manter-se na psico­lo­
gens teóricas dominantes no campo de Psi­ gia e no emprego atual (ver Capítulo 2 pa­
cologia Organizacional e do Trabalho de ra detalhes sobre a pesquisa).
que percepções, atitudes, crenças sobre o Em termos de resultados empíricos sis­te­
tra­balho são variáveis explicativas ou ante­ máticos, observou-se que estudos tanto na­
cedentes de comportamentos futuros. Em cionais quanto estrangeiros mostram con­
situações de trabalho, uma imagem positiva sistentemente que atitudes favoráveis sobre
da profissão estaria associada à satisfação trabalho e carreira são negativamente rela­
com o trabalho, ao desejo de permanecer cio­nadas a intenções de abandonar o em­
na profissão e a perspectivas futuras de prego ou a carreira, mas para discutir as im­
ma­nutenção do vínculo com essa profissão, plicações desses achados é imprescindível en­
conforme apontado em outros capítulos tender ao que elas (as intenções) se referem.
(ver Capítulo 14). Dessa forma, teoriza- Intenção de sair de uma organização é
ções relativas a construtos como satisfação, definida por Hackett, Lapierre e Hausdorf
com­­prometimento e atitudes no trabalho (2001) como pensamentos e intenções de
alicerçam os dados analisados, razão pela pe­dir demissão de uma determinada orga­
O trabalho do psicólogo no Brasil 403

ni­zação e de procurar outro emprego. In­ car­reira, entretanto, não estava relacionada
tenção de abandonar a ocupação (a carreira à idade, tampouco ao envolvimento do indi­
ou a profissão) é definida como os pensa­ víduo com o trabalho e com o cargo. Os re­
mentos e as intenções de mudar de profis­ sultados obtidos a partir de análises ma­te­
são no futuro. Hackett, Lapierre e Hausdorf máticas (modelagem por equações estru­tu­
(2001) construíram e validaram uma escala, rais) mostraram que o comprometimento do
a partir dos trabalhos anteriores sobre in­ indivíduo com a carreira é uma variável me­
tenções de sair de uma organização, para a diadora da relação entre envolvimento com
mensuração de intenções de deixar a pro­ o cargo e intenção de abandonar a pro­fissão.
fissão. Os itens, similares aos aplicados nes­ Mediadora significa dizer que permi­te que
ta pesquisa sobre o psicólogo brasileiro, pe­ a relação entre outras seja poten­cializada.
diam ao participante que respondesse as Des­sa forma, o elevado envolvi­mento com o
seguintes questões: “Eu penso em aban­do­nar car­go está relacionado à baixa intenção de
a profissão” (escala de frequência de cin­co aban­­donar a profissão, apenas na presença
pontos, variando de Nunca a Constan­te­ de elevado comprometimento que atua como
mente); “Eu tenho intenção de abandonar a elemento catalisador do processo.
profissão” e “Eu tenho intenção de mudar de Os resultados da pesquisa sobre o psi­
profissão (escala de cinco pontos, varian­do cólogo brasileiro sinalizam que a maior par­
de Pouco provável a Certo). A pesquisa foi te dos psicólogos gosta da profissão e tem a
realizada com enfermeiros canadenses e, pretensão de manter-se atuando nela no
em­bora pertença a um contexto profissional futuro. Os participantes, entretanto, divergi­
diferente daquele ao qual a pesquisa ora ram a respeito da satisfação com a remune­
relatada faz referência, contribui na co­m­pre­­ ração que recebem em retribuição pelo
en­são das intenções em relação à profissão. traba­lho profissional que executam e quanto
Para compreender o que leva uma pes­ às suas intenções de mudar de emprego.
soa a manifestar intenções de abandono da Como explicar esses resultados sob a ótica
carreira ou da profissão é necessário desta­ da psi­cologia organizacional e do trabalho?
car os elementos que explicam essas inten­ Quais atitudes e percepções estão relacio­
ções. Embora as atitudes sobre o trabalho e nadas a intenções de abandonar a profissão?
os resultados ligados a intenções de manter Inten­ções de abandonar o emprego e a pro­
ou abandonar carreira ou organização se­ fissão são variáveis correlacionadas entre
jam construtos distintos, eles estão relacio­ si? Quais características do indivíduo estão
nados. Nesse sentido, estudos empíricos evi­ re­lacionadas direta ou indiretamente com
denciam que um baixo nível de compro­ in­tenções de abandonar ou permanecer na
metimento organizacional está associado a carreira? E o ambiente, como se relaciona
intenções mais fortes de abandonar a orga­ com as intenções do indivíduo de manter-se
nização. De modo similar, baixos níveis de no emprego e na profissão?
comprometimento com a carreira ou pro­ Com o intuito de responder essas ques­
fissão estão associados a intenções de troca tões e, posteriormente, utilizá-las como re­
do papel profissional (ver Capítulo 15). Lo­ fe­renciais na interpretação dos resultados
go, pobres vínculos explicam intenção de da pesquisa relatada neste capítulo, cabe
concretizar as mudanças apontadas. des­tacar que fenômenos tais como desem­
Na pesquisa de Hackett, Lapierre e penho, intenção de sair de uma organização
Hausdorf (2001), os resultados mostraram ou mudar de carreira, rotatividade em orga­
que com­pro­metimento organizacional e com nizações, são preditos por atitudes do tra­ba­
a car­reira prediziam a intenção de aban­do­ lhador. Entre elas estão o Envolvimento com
nar a profissão. A intenção de abandonar a o Trabalho (ET), o Envolvimento com o
404 Bastos, Guedes e colaboradores

Car­go (EC), o Comprometimento Organiza­ De acordo com Meyer, Allen e Smith


cio­nal (CO) e o Comprometimento com a (1993), o comprometimento ocupacional
Car­reira ou com a Ocupação (COc). (ou com a carreira) também é constituído
Envolvimento com o trabalho é definido de três componentes. O primeiro deles é o
como uma atitude ou uma crença normativa comprometimento ocupacional afetivo, que
não específica, ligada à importância que o se refere ao desejo de permanecer no pa-
trabalho assume, de modo geral, na vida do pel ocupacional. O segundo, continuance
indivíduo. Pessoas com alto envolvimento occu­pa­tional commitment, refere-se aos in­
com o trabalho tendem a percebê-lo como divíduos que permanecem na carreira em
algo central em suas vidas e a acreditar que função dos altos custos associados ao aban­
o trabalho em si é a melhor recompensa. dono da profissão. O terceiro componente
Sentem-se obrigados a dar o melhor de si e, é o normativo, refere-se aos sentimentos
se não estiverem cumprindo adequadamente de obrigação com a carreira, resultantes de
o seu papel, sentem-se culpados. pres­sões familiares, de colegas e amigos pa­
Envolvimento com o cargo, por sua vez, ra permanecer na carreira.
refere-se a um estado cognitivo de identi­ Segundo Chang, Chi e Miao (2007), há
ficação do indivíduo com atividades do car­ estudos mostrando que o comprometimento
go que ocupa. O trabalho torna-se parte in­ ocupacional mantém relacionamento nega­
tegran­te da identidade do trabalhador. A tivo com a intenção de abandonar a car­
maior parte dos seus interesses gira em tor­ reira. O comprometimento afetivo com a
no do tra­balho e boa parte de suas neces­ car­reira envolve maior vínculo emocional
sidades pes­soais é satisfeita por meio desse do indivíduo com a sua ocupação. Entretan­
trabalho. to, a opção por abandonar a carreira envol­
Comprometimento organizacional, con­ ve considerar o vínculo emocional, a iden­
for­me discutido no Capítulo 15, exprime o tificação com o papel e o grau de compar­
grau de identificação e de envolvimento do tilhamento de valores individuais e profis­
indivíduo com uma determinada organiza­ sionais, além da análise de obrigações e
ção. O construto compreende fortes cren­ças avaliações de custos. Resultados da pesqui-
e aceitação dos objetivos organiza­cio­nais, sa com profissionais de enfermagem, reali­
grande disposição para empenhar-se no tra­ zada em Taiwan por Chang, Chi e Miao
balho e forte desejo de manter-se na orga­ (2007), revelaram que tanto o comprome­
nização. Essa definição está relacionada à timento ocupacional afetivo como o norma­
fa­ceta afetiva do vínculo do indivíduo com tivo estavam negativamente relacionados a
a organização, de acordo com definição de intenções de abandonar a carreira. A im­por­
Meyer, Allen e Smith (1993). Segundo essa tância da faceta normativa está, segundo os
abor­dagem, o construto Comprometimento autores, ligada aos valores coletivistas da­
Or­ga­nizacional é constituído por três com­ quele país e ao alto grau de profissionalismo
po­nentes: o afetivo, o normativo e o calcu- dos enfermeiros participantes da pesquisa.
la­tivo. Para maiores detalhes sobre compo­ Os resultados apontam que as intenções de
nen­­tes do construto comprometimento e abandonar a organização e a carreira são
re­­sultados de pesquisas nacionais que in- construtos distintos e fracamente correla­cio­
ves­ti­gam os preditores de comprometimen- nados entre si. De modo que a intenção de
to, ver Borges-Andrade, Cameschi e Silva aban­donar o emprego não implica neces­sa­
(1990), Bastos (1994), Bastos e Borges-An­ riamente abandono da profissão (carreira).
drade (1995; 1996), Tamayo e colaboradores Comprometimento ocupacional ou com
(2001), Vilela e colaboradores (2004), Si­ a carreira denota a força da motivação do
queira (2005), Rego, Cunha e Souto (2007). in­divíduo para manter-se desempenhan-
O trabalho do psicólogo no Brasil 405

do as atividades inerentes ao seu papel pro­ tresse ocupa­cional, doenças car­díacas e alér­­
fis­sional (ou carreira). Indivíduos com al- gicas e burnout (ver Capítulo 17). Além dis­so,
to grau de com­prometimento ocupacional as pessoas insatisfeitas pen­sam em dei­xar a
ten­dem a man­­­ter-se na carreira, a buscar o organização na qual tra­balham e em mudar
desenvol­vimento de habilidades e oportuni­ de emprego (Martins e Santos, 2006).
dades de crescimento na carreira. Os con­ Por outro lado, os trabalhadores satis­
ceitos com­prometimento com a profissão feitos desenvolvem mais vínculos afetivos
e com a car­reira são muitas vezes, segun- com o trabalho como, por exemplo, envol­
do Chang, Chi e Miao (2007), usados co­mo vimento e comprometimento afetivo, pen­
sinônimos. sam menos em mudar de trabalho e, conse­
Para compreender os vínculos estabele­ quentemente, relatam mais bem-estar psico­
cidos com a organização, é necessário re­ lógico e no trabalho (Harris e Cameron,
lembrar que as ligações entre indivíduo e 2005; Gomide Jr. et al., 2005).
trabalho são construídas a partir de relações Uma revisão de estudos da área evi­
de troca e expectativas de reciprocidade, se­ dencia que condições de trabalho são aspec­
gundo evidenciado nos estudos sobre supor­ tos importantes que impactam na satisfação
te organizacional realizados por Siqueira (Brief e Weiss, 2002). Assim, as análises das
(1995), Abbad (1999), Abbad, Pilati e Bor­ respostas dos psicólogos às questões re­
ges-Andrade (1999), Abbad e Sallorenzo ferentes às perspectivas futuras serão dis­
(2001) e Siqueira (2007)1. No caso dos vín­ cutidas em conexão com a imagem que es­
culos do indivíduo com a carreira, a satis­ ses profissionais têm da profissão e com as
fação com o trabalho mostra-se negativa­men­ condições de trabalho que enfrentam.
te relacionada com as intenções de aban­do- O reconhecimento social e a remune­
nar a carreira. ração são dois importantes aspectos das
Ao falar sobre satisfação no (e com o) tra­ per­cepções de reciprocidade das trocas en­
balho, conceito com mais de 50 anos de tre o profissional e outras unidades sociais
estudos na área de Psicologia Organiza­cio­nal (clientes, instituições, organizações). Per­
e do Trabalho, é importante destacar que, se­ cep­ções favoráveis a respeito dessas retri­
gundo Martins (1985), relaciona-se a con­teú­ buições estão relacionadas positivamente
dos e processos mentais, à moral e ao en­vol­ com a formação de vínculos afetivos e nor­
vimento com o trabalho e resulta da ava­liação mativos do indivíduo com as unidades so­
do trabalho ou de experiências do tra­balho, ciais com as quais interage.
con­figurando-se como um es­tado emo­cional Por outro lado, o engajamento do in-
positivo ou agradável. A sa­tis­fação, as­sim, é di­víduo em atividades de desenvolvimen-
explicada por crenças, va­lo­res, fatores dispo­ to profissional, segundo estudo recente de
sicionais, moral e possibi­lidade de de­sen­vol­ Blau e colaboradores (2008), está negativa­
vimento no trabalho (Mar­­tins e Santos, 2006) mente relacionado a intenções de abando­
e possui um im­por­tante papel porque está nar uma profissão ou carreira. Professional
relacionada a muitos aspectos centrais para a development activities (PDA) representa, de
área de PO&T. Em termos de achados emp­í­ acordo com esses autores, comportamentos
ricos, fo­ram detectadas relações inversas entre extrapapel ou comportamentos voluntários
satis­fação e sofrimento no trabalho (Mor­rone de busca de oportunidades de aprendizagem
e Mendes, 2003) e entre satisfação e estres- e desenvolvimento de competências não re­
se ocupacional (Lesowitz, 1996). Insa­tisfação lacionadas aos requisitos do emprego ou do
com o trabalho pode ainda levar a sofri­men-­ cargo atual do indivíduo. Entre esses com­
to mental e este, ao desenvol­vi­mento de portamentos estão: pertencer e participar
doen­ças relacionadas ao trabalho, como es­ voluntariamente de organizações e entida­
406 Bastos, Guedes e colaboradores

des relacionadas à profissão, apresentar re­ plexas e mais variadas do que as exigidas
la­tos de trabalhos (pôsteres, painéis) em nas últimas décadas. O aumento da comple­
eventos profissionais ou científicos, minis­ xidade do trabalho, aliado à escassez de
trar aulas, conduzir oficinas de trabalho, postos de trabalho, demanda do profissional
seminários e similares, procurar cursos e contemporâneo grande esforço de qualifi­
oportunidades de requalificação. Esses com­ cação e aprendizagem ao longo de toda a
portamentos de busca espontânea de quali­ vida. A permanência na profissão depende
fi­cação são essenciais ao sucesso profissional do desenvolvimento contínuo de competên­
na atualidade. Entretanto, atividades for­ cias, que não se extingue com a formação
mais de qualificação e requalificação como tradicional nas instituições de ensino supe­
cursos de especialização e similares são ain­ rior. O mercado de trabalho enseja per­
da raros no Brasil e envolvem altos custos cepções de insegurança, receio de perder o
financeiros para o participante. emprego e a empregabilidade (capacidade
As intenções de permanecer ou abando­ de inserir-se no mercado de trabalho em
nar a profissão dependem, portanto, de inú­ função da adequação das competências do
meras variáveis relacionadas aos vín­culos indivíduo às exigências cognitivas e afetivas
estabelecidos pelo indivíduo com a organi­ do mundo do trabalho).
zação, com o trabalho e com a carreira. Nesta pesquisa, como relatado a seguir,
Entre essas, estão variáveis como envolvi­ observou-se que os psicólogos gostam da
mento com o trabalho, comprometimento profissão e desejam manter-se trabalhando
afetivo e normativo com a organização e nela. Entretanto, muitos gostariam ou de
com a carreira, satisfação no trabalho, inse­ mudar de área de atuação dentro da psico­
gurança no emprego e suporte organi­ logia ou de mudar de emprego. Um número
zacional. A idade também parece estar pou­ expressivo de pessoas depende da remune­
co e negativamente relacionada com inten­ ração que recebe em retribuição aos serviços
ções de abandonar a organização e a car­ como profissional de psicologia. Muitos dos
reira. O empenho do indivíduo para adqui­ quais reclamam dos baixos valores recebidos
rir novas habilidades profissionais e desen­ como pagamentos de seus serviços. Essa si­
volver-se na carreira, por sua vez, está po­ tuação será analisada com base nas aborda­
sitivamente relacionado à intenções de per­ gens teóricas anteriormente mencionadas.
manecer na carreira.
Em relação às expectativas de abando­
nar ou manter-se na carreira, cabe destacar Imagem da profissão e
que na atualidade elas ensejam desafios Perspectivas futuras
ligados à busca constante de oportunidades
de quali­ficação e requalificação ao longo da O presente capítulo traz os resultados
vida. O mundo do trabalho, de modo geral, encontrados na pesquisa realizada a res-
tem so­frido grandes e radicais trans­for­ma­ pei­to da profissão do psicólogo, focando, de
ções ante os avanços da ciência e da tec­ maneira específica, a imagem da profissão e
nologia; a psi­cologia, de modo especial, en­ as perspectivas futuras desses profissionais.
contra-se em franco crescimento com avan­­ Os dados apresentados e discutidos a seguir
ços em todos os campos de atuação e pes­ referem-se ao conjunto de informações for­
quisa. Esses avanços e essas transfor­ma- ne­cidas por um total de 1.685 respondentes.
ções exigiram mudanças nos requisitos para Desse total, a grande maioria (82,2%) era
o trabalho. do gênero feminino com idade média de
As competências exigidas pelo mercado 35,5 anos (d.p. = 9,98), composta por pes­
atual de trabalho são, em geral, mais com­ soas que estudaram em instituições parti­
O trabalho do psicólogo no Brasil 407

culares de ensino (68,09%) e com salários perfil sociodemográfico do grupo de pessoas


compreendidos entre 900 e 3.300 reais das quais as informações foram levantadas
(71%) (dados coletados em 2006). e cujas respostas às questões relativas à
Além dessas informações, foram levan­ imagem da profissão e às perspectivas de
ta­dos dados relativos à parcela (porcen­ futuro serão discutidas a seguir.
tagem) da renda mensal que é oriunda do
desempenho de atividades do campo da
psicologia. Os dados encontrados revelam Imagem da profissão
que, para a grande maioria dos participantes
da pesquisa (74,3%), entre 90 e 100% da Nesta parte, estão relatados os resulta­
renda mensal é proveniente desse campo. dos obtidos ao indagar os psicólogos a res­
Por fim, vale destacar que esse grupo de peito da imagem que eles possuem da pro­
psicólogos se caracteriza por estar locali­ fissão. As perguntas centradas nesse assunto
zado prioritariamente na região Sudeste (7) foram respondidas em escala tipo Likert
(45,0%) do país, seguido da região Nor­ de concordância, em que 1 (um) corres­
deste (23,7%) e Sul (17,35). ponde a Discordo totalmente e 5 (cinco) a
Esse conjunto de informações demográ­ Concordo totalmente. Os principais resulta­
ficas e geoeconômicas é apresentado com o dos descritivos encontram-se resumidamente
objetivo de permitir ao leitor desenhar o apresentados na tabela a seguir.

Tabela 19.1 Dados descritivos sobre a imagem da profissão.


Assuntos indagados N Média Desvio padrão
1 A profissão possui credibilidade. 1685 3,89 0,09
2 A profissão é desrespeitada. 1678 2,81 1,24
3 A profissão possui prestigio. 1679 3,51 1,05
4 A profissão é reconhecida. 1678 3,69 1,05
5 A profissão é mal-remunerada. 1679 4,32 0,93
6 O psicólogo tem um status inferior quando trabalha
6 em equipes multiprofissionais. 1671 2,88 1,34
7 A psicologia é uma profissão elitista. 1672 2,95 1,39

Os dados apresentados na Tabela 19.1 afir­­mam que a profissão do psicólogo é eli­


demonstram que, em média, as percepções tista, enquanto outros não a consideram
dos participantes sobre a profissão são fa­ dessa forma.
voráveis no que concerne à credibilidade, A partir dos resultados iniciais apresen­
respeito, prestígio, reconhecimento e status tados, indagou-se a respeito da existência
do psicólogo em equipes multiprofissionais. de diferenças nas percepções em decor­
Além disso, os resultados evidenciam, tam­ rência das características sociodemográficas
bém, que os participantes não consideram a e geoeconômicas dos respondentes. Para is­
profissão elitista, porém a percebem como so, foram utilizados procedimentos de aná­
mal-remunerada. lise de variância. Os principais resultados
As percepções desfavoráveis sobre re­ obtidos encontram-se descritos brevemente
mu­ne­ração são relativamente convergentes, a seguir.
tendo em vista a magnitude (menor) do O conjunto de perguntas que questiona
des­vio padrão, mas são bastante divergentes a respeito da imagem da profissão de psicó­
no que diz respeito das opiniões sobre o ca­ lo­go foi submetido a processo de compara­
ráter elitista da profissão. Assim, alguns ção com o objetivo de investigar a presença
408 Bastos, Guedes e colaboradores

de avaliações divergentes entre as pessoas veis foram as do grupo de 27 a 30 anos


das diversas regiões geográficas do país, gê­ (média = 3,05). A respeito dos valores da
nero e idade. mé­dia aritmética encontrados, é importante
Em relação à percepção de credibili­ esclarecer que, considerando o conteúdo
dade da profissão, observou-se que efe­ negativo da pergunta (a profissão é desres­
tiva­mente havia diferenças significativas peitada), valores elevados indicam concor­
(sig. = 0,004) entre os grupos das regiões dância com a afirmação, enquanto valores
comparadas. Assim, as pessoas que residem baixos evidenciam discordância, logo, os
no Nordeste fizeram avaliações mais favorá­ res­­­­pondentes não consideram que a profis­
veis (média = 4,05) do que as que residem são do psicólogo seja desrespeitada.
no Centro Oeste (média 3,81) e no Sudeste Dando continuidade às análises, foram
(3,81). Porém, estas não foram diferentes rea­lizadas comparações entre as respostas dos
das opiniões emitidas pelos residentes da diferentes grupos a respeito da per­cepção
região Norte (média = 4,15), cujas avalia­ de prestígio da profissão. Fo­ram obser­
ções foram diferentes apenas daquelas emi­ vadas diferenças significativas tan­to entre re­
tidas por moradores da região Sudeste. giões quanto entre grupos de idade. Fo­cando
Em relação à idade, também foram as regiões, observaram-se poucas di­ferenças;
observadas diferenças significativas; assim, os psicólogos do Nordes­te fizeram avaliações
o grupo com mais idade (entre 46 e 76 mais positivas (média = 3,63) do que os do
anos) fez avaliações significativamente mais Sudeste (média = 3,47) e do Cen­tro Oeste
favoráveis (média = 4,10) do que pratica­ (média = 3,33). Porém, não se di­ferenciaram
mente todos os outros grupos, exceto o das realizadas pelos respondentes do Norte
com­posto por pessoas cujas idades oscilam (média = 3,70) e do Sul (média = 3,60). Em
entre 37 e 45 anos. Os psicólogos com ida­ relação à idade, constatou-se que as ava­
des compreendidas entre 27 e 30 anos fi­ liações me­nos favoráveis (signifi­cati­va­mente
zeram as piores avaliações (3,69), mas suas diferentes de todos os outros) foram as do
respostas não se diferenciaram das apre­ grupo com idade compreendida entre 27 e 30
sentadas pelos participantes do grupo de 22 anos (média = 3,26) e as mais favoráveis fo­
a 26 anos. Esses resultados tornam perti­ ram as do grupo mais idoso (entre 46 e 76
nente afirmar que as piores avaliações, quan­ anos, média = 3,72). Ainda vale des­tacar que
to à credibilidade da profissão, foram realiza­ estes últimos somente se diferen­ciaram, de
das pelos psicólogos mais jovens e pelos que maneira adicional, do gru­po dos mais jovens
residem no Sudeste. Em relação ao gênero (de 22 a 26 anos). Tam­bém foram realizadas
não houve qualquer diferença significativa. comparações en­tre pes­soas de diferente gê­
Análise semelhante foi realizada le­van­ nero. Essa foi a única com­pa­ração que, fo­
do em consideração as opiniões dos psi­có­ cando na imagem da pro­fis­são, apresentou
logos quanto à percepção de que a pro­ di­ferenças entre homens e mulheres. Os psi­
fissão de psicólogo é desrespeitada. cólogos (média = 3,64), mais do que as psi­
Sobre tal assunto, não foram encontradas cólogas (3,49) conside­ram tratar-se de uma
diferenças significativas entre grupos que profissão de prestigio.
re­sidem em diferentes regiões do País, po­ A seguir foram analisadas as respostas
rém, houve diferenças entre os grupos de dos psicólogos no que tange à percepção de
idade. As percepções mais favoráveis sobre reconhecimento da profissão. A este
a profissão foram as apresentadas pelos par­ respeito não foram encontradas diferenças
ti­cipantes mais idosos (entre 46 e 76 anos, significativas ao comparar por regiões do
média = 2,45), enquanto as menos favorá­ País, mas houve diferenças entre grupos de
O trabalho do psicólogo no Brasil 409

idade. Novamente os dados obtidos revela­ Em relação ao status da profissão,


ram que o grupo de psicólogos mais idosos te­ pediu-se aos respondentes que assinalassem
ve percepções mais favoráveis (média = 4,00) sua concordância com a afirmativa de que
do que todos os demais grupos (signi­fica­ti­ o psicólogo possui status inferior quando
vamente diferente), enquanto as res­pos­tas tra­ba­lha em equipes multiprofissionais. A
do grupo de 37 a 45 anos (média = 3,82) esse respeito não foram encontradas dife­
so­mente se diferenciam das res­­postas dos renças significativas nas comparações entre
dois grupos mais jovens (22 a 26 anos, mé- grupos de diferentes regiões do País, mas
dia = 3,52; 27 a 30 anos, média = 3,46). foram encontradas algumas diferenças na
Assim, a partir dos dados en­con­­trados é per­ compa­ração por idade. Embora a média
tinente afirmar que os psi­có­logos de mais geral de resposta dada a tal pergunta seja
idade fi­zeram avaliações mais positivas sobre baixa (mé­dia geral = 2,88) e, assim, evi­
o re­conhecimento da profissão. den­cie avalia­ções majoritariamente favo­rá­
Em relação à avaliação feita sobre a re­ veis, avaliações mais desfavoráveis foram
muneração recebida pelo profissional do feitas pelo grupo de idade compreendida
campo da psicologia, os dados encontrados entre 27 e 30 anos (média = 3,03). As res­
evidenciaram presença de diferenças tanto postas desse grupo fo­­ram significativamen-
ao comparar as regiões do País quanto ao te diferentes quando com­paradas às de gru­
comparar os grupos de idade. De maneira es­ pos com idades com­preendidas entre 22 e
pecífica, era investigado se o respondente 26 anos (média = 2,79), 37 e 45 anos (mé­
considerava a profissão do psicólogo mal re­ dia = 2,78) e 46 e 76 anos (média = 2,82).
mu­nerada. A respeito das regiões, verifica­ Assim, é adequado afirmar que, para os res­
ram-se poucas diferenças significativas. As pondentes com ida­des entre 27 e 30 anos,
melhores avaliações estiveram atreladas aos a profissão do psi­cólogo possui um status
profissionais da região Sul (média = 4,18) inferior quando tra­balha em equipes multi­
as quais se diferenciaram estatisticamente das profissionais, respos­ta esta que tende a não
realizadas pelos psicólogos do Nordeste (mé­ ser compartilhada pela maior parte dos de­
dia = 4,44) e do Sudeste (média = 4,34). mais grupos de ida­de (observe a magnitude
Não houve diferença nas respostas dadas pe­ do desvio padrão).
los psicólogos do Norte se compa­radas com Finalmente, questionou-se em que me­
quaisquer das oferecidas em ou­tra região do di­da os participantes da pesquisa conside­
País. A respeito dessa questão ainda vale ravam a psicologia como uma profissão
aler­tar que, considerando o con­teúdo nega­ elitista. A esse respeito não foram encon­
tivo da pergunta realizada, valo­res menores tradas diferenças significativas ao comparar
significam melhores avaliações. Em relação as diferentes regiões do País, grupos de ida­
às diferenças por grupos de idade, obser­ de ou gênero dos respondentes. As avalia­
vou-se que o grupo de idade entre 27 e 30 ções desse quesito foram medianamente fa­
anos fez avaliações significa­tivamente menos voráveis com desvios padrão relativamen­te
favoráveis (média = 4,47) do que todos os altos, indicando diferenças nas opiniões dos
grupos. As mais positivas são as dos psicólo­ participantes.
gos com idade mais avan­çada (46 a 76 anos, Com o objetivo de resumir os dados
média = 4,20) as quais se diferenciam adi­ com­­parativos apresentados, a Tabela 19.2 a
cionalmente das percep­ções do grupo mais seguir condensa alguns dos principais resul­
jovem (22 a 26 anos, média = 4,40). tados encontrados.
410 Bastos, Guedes e colaboradores

Tabela 19.2 Resultados comparativos por grupos de respondentes.


Assuntos indagados Melhor avaliado por Pior avaliado por
Norte/Nordeste Sudeste
1 A profissão possui credibilidade.
Mais velhos Mais jovens
2 A profissão é respeitada. Mais velhos Mais jovens
Norte/Nordeste/Sul Sudeste/Centro Oeste
3 A profissão possui prestígio.
Mais velhos, Homens Mais jovens, Mulheres
4 A profissão é reconhecida. Mais velhos Mais jovens
Nordeste/Sudeste,
5 A profissão é mal remunerada. Sul, Mais velhos
Mais jovens
6 O psicólogo tem um status inferior quando 27-30 anos
37-45 anos
6 trabalha em equipes multiprofissionais.
7 A psicologia é uma profissão elitista. Sem diferenças Sem diferenças

Uma vez exploradas as opiniões dos psi­ den­tro da psicologia. Grande parte não de­seja
cólogos quanto à imagem da profissão, e mudar de emprego. Porém, mais de 1/4 dos
comparadas entre os diversos grupos, a se­ psicólogos parece estar inclinado a mudar de
guinte seção apresenta e discute as res­pos­ emprego, desde que isso não im­plique mu­
tas obtidas quando indagados sobre pers­­ danças na atual área de atua­ção do profis­sio­
pec­tivas de futuro em relação à pro­fissão. nal. Esses re­sultados indica­ram que os par­
ticipantes da pesquisa pos­suem uma imagem
favo­rá­vel da pro­fissão em vários aspectos
Perspectivas de mudança de emprego, e não pre­ten­dem mu­­­dar de profissão
área de atuação e profissão ou afastar-se da área de atuação em que se
situam. Essa ima­gem fa­vorável e esse pro­vá­
A seguir, são descritas as respostas dos vel vín­culo afetivo (ver Capítulo 15) com a
participantes a respeito de suas intenções de profis­são são predo­mi­nantes, apesar dos bai­
mudança de profissão. As três questões rela­ xos salá­rios atri­buídos aos psicó­logos no Bra­
ti­vas a esse assunto foram respondidas de sil, co­mo evi­dencia o Capitulo 8.
acor­do com uma escala de três pontos, em Os resultados suscitam algumas ques­
que 1 (um) correspondia a “Sim”; 2 (dois) a tões sobre eventuais diferenças nas inten­
“Um pouco” e 3 (três), a “Não”. Um resumo ções de mudar de emprego, devidas à ori­
dos resultados está contido na Tabela 19.3. gem, ao gênero e à idade dos participantes
A Tabela 19.3 mostra que a maioria dos da pesquisa. A seguir são descritas algumas
psicólogos pesquisados não gostaria de mu­dar respostas a essas questões, obtidas mediante
de profissão, tampouco de área de atua­ção a realização de análises de variância.

Tabela 19.3 Dados descritivos e freqüências de resposta sobre as perspectivas de mudança.


Um
Desvio Sim Não
Assuntos indagados N Média pouco
padrão (%) (%)
(%)
1. Gostaria de mudar de emprego, 1610 2,37 0,77 17,3 26,0 52,3
1. mantendo a mesma área de atuação.
2. Gostaria de mudar de área de atuação 1609 2,61 0,64 08,5 19,9 67,1
1. dentro da Psicologia.
3. Gostaria de mudar de profissão. 1593 2,87 0,40 02,3 07,7 84,5
O trabalho do psicólogo no Brasil 411

Em relação ao desejo do respondente de diferencia daquele com idades entre 22 e 26


mudar de emprego, porém manten­do-se anos (média = 2,53). Psicólogos e psicó­lo­gas
a mesma área de atuação, não foram identi­ não se diferenciam quanto a esse aspecto.
ficadas diferenças significativas entre psicólo­ Finalmente, os participantes da pesquisa
gos que trabalham nas diversas re­giões do foram indagados a respeito do seu in­te­res­se
País. Entretanto, foram observadas diferenças em mudar de profissão. Nesse aspecto,
entre grupos de idade. Nesse caso, os res­ os respondentes das diversas re­giões do País
pondentes mais jovens apresen­taram menor não apresentaram diferenças significativas nas
intenção de mudar (média = 2,13) do que suas respostas. Também não houve diferenças
aqueles cujas idades estavam compreendidas na comparação de gru­pos de idade ou ainda
entre 31 e 36 anos (média = 2,40), 37 e 45 de gênero. A maior parte dos participantes
anos (média = 2,52) ou, ainda, entre 46 e não manifes­tou desejo de mudar de profissão.
76 anos (média = 2,58). Contudo, não fo­ Esse re­sultado evidencia forte vínculo afetivo
ram observadas diferenças com o grupo de dos profissionais com a psicologia, indepen­
22 a 26 anos (média = 2,13). Dando conti­ den­­­temente de idade, região em que atua e
nuidade às análises, foram realizadas compa­ gênero (ver Capítulo 15). Esse vínculo, en­tre­
rações por gênero do respondente. Os re- tanto, enseja desafios aos psicólogos que te-
sul­tados revelaram que os psicólogos (mé- rão que se esforçar para buscar opor­tuni­dades
dia = 2,48) tinham maior intenção de mudar de aprendizagem contínua de com­petências
de emprego do que as psicólogas (média = emer­gentes e essenciais ine­ren­tes aos avan-
2,34) que participaram da pesquisa. ços da psicologia como ciên­cia e co­mo pro­
A seguir, foram analisadas as respostas fissão, além dos esforços já reali­zados (ver
à questão que trata do desejo de mudar Capítulo 19). Um resumo desses dados cons-
de área de atuação dentro da Psico­ ta na Tabela 19.4.
logia. Não foram observadas diferenças Análises semelhantes às relatadas foram
significativas entre os grupos, quando feitas executadas comparando a instituição em
comparações entre participantes por regiões que os participantes da pesquisa cursaram
do País em que atuam. Entretanto, mais psicologia. A esse respeito cabe apontar que
uma vez foram observadas diferenças signi­ não foram identificadas diferenças significa­
ficativas por grupos de idade. Os psicó­ tivas em relação à imagem da profissão,
logos que mais afirmam possuir esse desejo tampouco no que diz respeito a possibi­
são os que pertencem à maior faixa de ida­ lidades de mudança de profissão, a não ser
de (46 a 76 anos, média = 2,82), se compa­ no caso da credibilidade atribuída à profis­
rados a quaisquer um dos outros grupos. O são. Nesse caso, os psicólogos que estuda­
grupo que apresenta menor interesse por ram em instituições públicas possuem uma
mu­dar de área de atuação dentro da psico­ visão menos favorável sobre a credibilidade
logia é o compreendido entre 27 e 30 anos da profissão do que aqueles que estudaram
(média = 2,51) que, por sua vez, não se em instituições particulares.

Tabela 19.4 Resultados comparativos por grupos de respondentes.


Assuntos indagados Menor intenção de mudar Maior intenção de mudar

1. Gostaria de mudar de emprego, mantendo Mais jovens


Mais velhos
1. a mesma área de atuação.
2. Gostaria de mudar de área de atuação Sem diferenças
Sem diferenças
1. dentro da Psicologia.
3. Gostaria de mudar de profissão. Sem diferenças
Sem diferenças
412 Bastos, Guedes e colaboradores

Transformações da percepção os dados de pesquisa realizada com essa ca­


da profissão, ao longo do tempo tegoria profissional e relatada por Borges-An­
drade em 1988. Os principais resultados com­
Após concluir a análise das respostas da­ parativos são apre­sentados a seguir, trazendo,
das pelos psicólogos que participaram da pes­ em primeira instância, os dados relativos à
quisa tanto sobre a imagem da profissão imagem da profissão e, posteriormente, os
quan­to sobre intenções de mudança, ponde­ relativos às perspectivas de mudança.
rou-se a respeito da própria imagem da profis­ Em relação à imagem da profissão, os
são ao longo do tempo. Será que o transcurso aspectos em comum que puderam ser com­
dos anos trouxe alterações a essa imagem? A pa­rados dizem respeito à percepção de ade­
origem dessa indagação está na constatação quação da remuneração, credibilidade pe­
de que a profissão do psicólogo tem sofrido rante outros profissionais, credibilidade pe­
mudanças (ver Capítulo 2), lo­go, ela poderia ran­te a comunidade e prestígio. Os prin­cipais
se refletir em diferenças nas percepções. Para resultados encontram-se condensados na ta­
tanto, tomaram-se como base de comparação bela a seguir:

Tabela 19.5 Comparações sobre a imagem da profissão.


2006* 1988**
Assuntos comparados
Média D.P. CV % Média D.P. CV %
Remuneração 4,32 0,93 21,48 2,1 0,8 38,09
Credibilidade perante outros profissionais 2,88 1,34 46,0 2,9 0,8 27,5
Credibilidade perante a comunidade 3,89 0,91 23,31 3,0 0,8 26,6
Prestigio 3,51 1,05 29,62 3,0 0,8 26,6
* Escala de respostas de concordância.
** Escala de respostas de intensidade de ocorrência.

Os dados contidos da Tabela 19.5 reve­ Ao analisar a magnitude do desvio pa­drão


lam, em termos de média aritmética, des­vio em cada pesquisa, assim como o coe­ficiente de
padrão (DP) e coeficiente de variação (CV), variação, pode ser constatado que essa ava­lia­
as mudanças ocorridas nesses vinte 20 anos. ção negativa de ontem e hoje é mais homo­
Ao comparar as percepções dos psicólogos gênea entre os respondentes da pesquisa de
quan­to à remuneração, cabe destacar que não 2006 que entre os respondentes da de 1988.
se observam mudanças na percepção. Na pes­ Portanto, pode-se afirmar que atualmente há
quisa relatada na dé­cada de 1980, os psi­ maior concordância (menor coeficiente de va­
cólogos deviam res­ponder quanto à ade­qua­ riação) entre os psicólogos a respeito de que a
bilidade da remu­neração. Nesse caso, a mé­dia profissão é mal re­mu­nerada.
ao redor do valor 2 (dois) evi­dencia, obser­ Em relação à credibilidade da profissão
vando a escala de respostas, que os partici­ perante outros profissionais, os dados evi­
pantes da pesquisa consideram essa remu­ den­ciam escassa diferença nos valores mé­
neração pri­mordialmente inade­qua­da (“pou­ dios, e revelam claramente elevada discre­
ca”). Na pesquisa realizada em 2006, por sua pância na opinião do grupo de respon­den­
vez, os participantes deviam avaliar se a pro­ tes. Dessa forma, embora a avaliação média
fissão é mal remunerada. O conjunto de da­ realizada nas pesquisas de 1988 e de 2006
dos obtidos demonstra que, em termos ge­ tenha girado em torno de 2,8, em uma es­
rais, as pessoas concordam com a afir­ma­tiva, cala de 5 pontos, na pesquisa da década
portanto, também perce­bem a pro­fis­são co­ de 1980 os respondentes concorda­ram mais
mo mal remunerada. for­temente com essa afirmativa, enquanto
O trabalho do psicólogo no Brasil 413

na pesquisa de 2006 observam-se grandes um pequeno incremento (10%) na avaliação


discrepâncias de opinião. Assim, pode-se realizada em 2006. Ainda assim, nos dois
con­cluir que atualmente existe um grupo, casos os valores médios giraram em torno do
embora pequeno, de psicólogos que acredi­ ponto 3 da escala, que eviden­ciam percepção
tam que a profissão possui credibilidade de prestígio médio da pro­fissão. A magnitu-
perante outros profissionais. de dos desvios e dos cor­res­pondentes coe­
A respeito da credibilidade da profissão ficientes de variação é si­milar, demonstrando
perante a comunidade, os valores das mé­dias a mesma margem de concordância com o
aritméticas de ambas as pesquisas, ain­da que valor médio nos dois grupos de respondentes.
pareçam similares, revelam um li­geiro incre­ Assim, em ambos os casos, observou-se opi­
mento, na medida em que suge­rem avalia­ niões similares en­tre os grupos de parti­
ções mais favoráveis (17%) que as realizadas cipantes das pesquisas quanto ao prestígio
em 1988. Ao analisar a magni­tude dos des­ da profissão do psicólogo.
vios e dos coeficientes de varia­ção observam- Uma vez realizadas as comparações so­
-se valores bastante similares. Portanto, tanto bre a imagem da profissão, foram compa­
em 1988 como em 2006 os psicólogos disse­ radas as intenções de mudança observadas
ram acreditar que a profis­são possui certa nas pesquisas realizadas em 1988 e 2006.
credibilidade perante a co­munidade. Os aspectos comparados são as intenções
Finalmente, foram realizadas compara­ de: mudar de emprego, mantendo a mesma
ções quanto ao prestigio da profissão. Com­ área de atuação; mudar de área de atuação
parando os valores médios das respostas dos e mudar de profissão. A Tabela 19.6 mostra
participantes nas duas pesquisas obser­va-se um resumo dos resultados encontrados.

Tabela 19.6 Intenções de mudança.


Aspectos avaliados 2006 (%) 1988 (%)

Gostaria de mudar de emprego, mantendo a mesma área de atuação. 17,3 25,2


Gostaria de mudar de área de atuação dentro da psicologia. 8,9 13,6
Gostaria de mudar de emprego. 2,4 5,6

Os dados contidos na Tabela 19.6 re­ Por último, ao comparar as respostas


velam que, em relação às intenções de mu­ dos participantes das duas pesquisas quanto
dar de emprego, permanecendo na mesma a intenções de mudar de profissão, observa-
área de atuação, houve um decréscimo da­ se que tanto em 1988 quanto em 2006 eram
queles que responderam afirmativamente a poucos os respondentes que pretendiam
esta questão. Assim, em 2006 o percentual fazê-lo. Essa porcentagem novamente é in­
de psicólogos que afirmou ter intenções de ferior na pesquisa realizada em 2006 e vale
realizar a mudança foi menor (em 7,9%) do destacar que, comparativamente, a quan­
que o observado em 1988. tidade de psicólogos que manifesta ter o
A respeito das intenções de mudar de desejo de mudar em 2006 é 42% do total
área de atuação, os resultados obtidos em de profissionais que manifestou esse desejo
cada pesquisa demonstram que também em 1988; assim, observa-se uma queda con­
hou­ve um decréscimo daqueles dispostos a siderável nesse valor.
efetivar essa mudança, porém, a diminuição Tendo em vista o quadro geral relativo
é inferior à observada na pergunta anterior à imagem da profissão e às perspectivas de
(em 4,7%). mudança relatadas pelos psicólogos que
414 Bastos, Guedes e colaboradores

par­­­ticiparam desta pesquisa, assim como as na década de 1980. Os psicólogos mais


comparações apresentadas em relação à pes­ bem-sucedidos e melhor remunerados eram
quisa realizada no ano de 1980, a seção se­ os mais idosos e com muitos anos de pro­
guinte deste capítulo tece algumas consi­de­ fissão. Esses resultados parecem indicar
rações gerais sobre o conjunto de dados en­ pro­blemas intrínsecos à formação profis­
contrados, as quais têm o objetivo de ins­tigar sional dos psicólogos brasileiros que podem
a reflexão do leitor a respeito da pro­fissão não estar atendendo a contento as deman­
sob análise em relação aos aspectos mais das da sociedade. Os cursos de graduação,
salientes encontrados nos dados analisados. dos quais os participantes mais jovens são
egressos recentes, podem estar formando
seus alunos com base em currículos desa­
CONCLUSÃO tualizados, não focados em competências
profissionais como as indicadas nas novas
A análise das respostas dadas pelos psi­ diretrizes curriculares da psicologia. Os re­
cólogos participantes da pesquisa aos dois sultados do Enade de 2006 (Exame Na­cio­
conjuntos de questões que tinham como foco nal de Desempenho) mostram clara­mente
central indagar a respeito da imagem da que a formação ainda não desenvolve com­
profissão e das perspectivas de mudança petências ligadas à produção de conhe­ci­
evidenciou padrões diferenciados, em al­guns mentos, à participação em equipes inter e
casos, por regiões do país ou por gru­pos de mul­­tidisciplinares, à intervenção e à pes­qui­
idade. Em termos gerais, as per­cepções são sa sobre processos grupais e organiza­cio­
favoráveis quanto à imagem da pro­ nais, além dos tradicionais processos in­di­vi­
fissão. Um dos resultados mais salientes diz duais. Essas competências e outras de igual
respeito ao fato de as imagens mais negativas complexidade, se estivessem sendo de­­sen­
terem sido apresentadas por psicólogos jo­ vol­vidas a contento pelos cursos de gra­dua­
vens, pertencentes à faixa etária de 27 a ção, estariam capacitando o egresso para
30 anos. Esses jovens profis­sionais exibiram aten­der as demandas da sociedade e, com
percepções mais desfavo­ráveis sobre a pro­ isso, aumentariam as chances de in­serção
fissão em quase todos os aspectos estudados. mais rápida e eficaz dos jovens psicó­logos
Eles possuem imagem mais negativa da pro­ no mercado de trabalho. O Capítulo 18
fissão no que concerne à credibilidade, ao mos­tra que os psicólogos também têm ti­do ­
pres­tígio, ao reconhe­ci­men­to, ao respeito, à re­ poucas oportunidades de qualificação e re­
mu­neração e ao sta­tus do psicólogo em equi­ qualificação profissional após a formatura,
pes multi e inter­disciplinares. Aqueles per­ o que agrava a situação desses profissionais,
ten­­centes ao grupo de maior idade, cuja di­minuindo as suas chances de inserção
faixa etária está entre os 46 e 76 anos, exi­ mais favorável no mercado de trabalho.
biram percepções opos­tas, mais favoráveis No que concerne a diferenças regio­
do que as apresentadas pelo grupo de jovens, nais quanto à imagem da profissão tida
em relação a todos esses aspectos. Os grupos pelos psicólogos, observou-se que os grupos
de idade não dife­riram entre si somente no separados por região geográfica não evi­
que tange à per­cepção de elitismo da pro­ denciaram percepções diferentes sobre res­
fissão, as quais fo­ram medianamente favo­rá­ peito, reconhecimento da profissão, status e
veis com des­vios padrão relativamente altos, percepção de elitismo da profissão. Esses gru­
revelando, des­sa forma, discordância entre pos, entretanto, diferiram quanto à credibi­
os respondentes. lidade da profissão, (com destaque para as
Esses resultados são inquietantes, pois pessoas que atuam na região Nordeste, que
repetem os obtidos em pesquisas realizadas fizeram avaliações mais favoráveis do que
O trabalho do psicólogo no Brasil 415

as realizadas pelos do Centro Oeste e Su­ Quanto às intenções de mudar de


deste); percepção de prestígio da profissão profissão, emprego ou área de atua­
(com destaque para os psicólogos da região ção, os resultados mostraram que a maioria
Nordeste, que fizeram avaliações mais po­ dos psicólogos pesquisados não deseja mu­
sitivas do que os do Sudeste e Centro Oeste) dar de profissão, tampouco de área de atua­
e remuneração (com destaque para o grupo ção dentro da psicologia. Porém, mais de
do Sul com avaliações mais favoráveis do 1/4 dos psicólogos parece estar inclinado a
que as realizadas pelos psicólogos do Nor­ mu­dar de emprego, desde que isso não im­
deste e do Sudeste). plique mudanças na atual área de atua­ção
Quanto ao gênero do respondente, a do profissional. Então quais variáveis estão
imagem de prestígio da profissão foi a única, relacionadas a essas intenções? Quais hipó­
entre as percepções pesquisadas, que apre­ teses podem ser formuladas para explicar
sentou diferenças entre homens e mulheres. esses resultados?
Os homens exibiram percepção mais favo­ No que concerne as com grupos por fai­
rável do que as mulheres quanto ao pres­ xa etária, observou-se que os respon­dentes
tigio da profissão. mais jovens apresentaram menor intenção
Explicações conclusivas para esses re­ de mudar de emprego e de área de atuação,
sultados não são possíveis unicamente com e os que demonstraram maior de­sejo de mu­
base nos resultados desta pesquisa. Entre­ dar de emprego e de área de atuação dentro
tan­­to, parece plausível supor que variáveis da psicologia foram os psi­cólogos mais ido­
ligadas ao ambiente (mercado de trabalho sos. Quanto ao gênero, houve apenas uma
local, oferta de emprego, desemprego, con­ diferença entre as inten­ções de homens e
corrência por vagas, qualidade da formação mulheres. Eles apresen­taram intenções mais
profissional, remuneração regional, quanti­ fortes de mudar de emprego do que as mu­
da­de de profissionais de psicologia na re­ lheres. Não foram encontradas diferenças
gião de atuação, demandas da comuni­dade, en­tre as regiões quan­to às intenções de
grau de institucionalização dos serviços de mu­dança pesquisadas.
psicologia na comunidade, quantidade e A maior parte dos participantes não ma­
qualidade dos cursos de graduação em psi­ nifestou interesse em mudar de profis­
cologia, entre outros fatores) sejam, em são. Esse resultado evidencia forte vínculo
par­te, responsáveis pelas diferenças regio­ afetivo dos profissionais com a psicologia,
nais relativas às percepções de remuneração independentemente de idade, região em
e prestígio da profissão. que atua e gênero. Esses resultados podem
A diferença de gênero quanto ao pres­ ser mais bem interpretados a partir das
tígio da profissão precisa ser investigada em abor­dagens teóricas e resultados empíricos
pesquisas futuras. A profissão de psicólogo, mencionados na introdução deste capítulo,
no Brasil, é predominantemente constituída já que os dados sociodemográficos pouco
por mulheres. Discriminações de gênero po­ explicaram esses achados.
dem prejudicar os esforços de inserção dos Como seria possível apresentar respos­tas
profissionais de psicologia no mercado de plausíveis para os resultados? De que modo
trabalho, sua qualidade de vida e seu bem- os construtos e as pesquisas, mencio­nados
-estar, bem como o seu desejo de permanecer an­teriormente, sobre intenções de mu­dar de
na carreira. Situações de discriminação, se profissão nos ajudam a encami­nhar respostas
com­provadas, deveriam ensejar a criação e a plausíveis para as seguintes questões: por
implementação de ações afirmativas para de­ que os psicólogos desejam per­manecer na
mo­cratização do acesso de mulheres a me­ profissão? Por que os psicó­logos mais jovens
lhores colocações no mercado de trabalho. são os menos satisfeitos com a imagem da
416 Bastos, Guedes e colaboradores

profissão? Por que os mais idosos manifes­ fissão e com a organização e indi­retamente
taram maior interesse em mudar de área de relacionada às intenções de aban­donar a
atuação e de emprego? pro­fissão e a organização. Os dados não são
Os psicólogos manifestam interesse em conclusivos a esse res­peito. As correlações
permanecer na profissão, provavelmente, variam em magnitude e em direção.
em função de variáveis como a satisfação Os psicólogos mais idosos com idade
com o trabalho, a imagem da profissão, o superior a 40 anos recebem melhores remu­
envolvimento com o trabalho, o comprome­ nerações, sentem-se mais satisfeitos com a
timento afetivo e normativo com a carreira. profissão e estão fortemente vinculados a ela.
Os psicólogos pesquisados dependem da Entretanto, possuem interesse de pro­mo­ver
pro­fissão para viver, uma vez que grande mudanças em sua carreira no que tange a
parte da sua remuneração mensal provém mudar de emprego e de área de atuação. Esse
da sua atuação em psicologia. Isso pode in­ interesse pode estar associado à satisfação de
dicar um vínculo também calculativo com a necessidades ligadas a outras esferas de vida.
profissão. O vínculo afetivo dos partici­pan­ Nessa faixa etária, aqueles que possuem fi-
tes com a profissão pode ser observado nas lhos provavelmente já con­cluíram a sua edu­
percepções favoráveis sobre vários as­pectos cação e se encontram mais livres para outras
da imagem da profissão, conforme descreve ativi­dades, antes con­correntes com os demais
o Capítulo 15. Esses resultados indicam pa­péis sociais, como as ligadas à retomada da
que, provavelmente, o trabalho pro­fissional, carreira profissional e à preparação para no­
independentemente do empre­go atual, tem vos de­safios. O aumento da expectativa de
sido fonte de retribuições so­ciais impor­ vida dos brasileiros e a melhoria dos indica­
tantes como reconhecimento, cre­dibilidade dores de desenvolvimento humano e econô­
e prestígio, as quais, provavel­mente, origi­ mico no Brasil podem estar produzindo mais
na­ram as intenções que eles ma­nifestaram este efeito – o de reacender os sonhos de
de permanecer na profissão. novas aprendizagens, mudança e de retomada
Os mais jovens estão menos satisfeitos da carreira profissional.
com a imagem da profissão, provavelmente Os resultados sobre baixa remuneração e
em função da pequena história profissional percepção menos favorável sobre a pro­fissão
que possuem. A carreira, ainda incipiente, manifestada pelos mais jovens sugere inves­
não oportunizou as retribuições sociais (cre­ timentos em oportunidades de requa­lificação
dibilidade, status em equipes, prestígio) e profissional para ampliação do le­que de
materiais (remuneração mais baixa) aos competências dos recém-egressos dos cursos
seus esforços e atividades profissionais, ne­ de graduação de psicologia. Os mais idosos
cessárias à formação e ao fortalecimento da também desejam crescer e es­peram mudar de
satisfação e do comprometimento com a área de atuação e de emprego. O sucesso
profissão. Entretanto, essas imagens relati­ profissional depende dos afetos, das atitudes
va­mente menos favoráveis dos jovens em e das crenças do trabalhador sobre a impor­
relação à profissão não foram suficiente­ tância da profis­são. Porém, o sucesso na car­
mente negativas a ponto de desencadear reira também é função da disposição do in­
neles intenções de abandonar a profissão. divíduo para aprender, crescer e desen­volver-
A terceira questão “Por que os mais se, das estratégias que adota para qua­lificar-se
idosos manifestaram maior interesse em mu­ e requalificar-se continuamente e de condi­
dar de área de atuação e de emprego?” é ções ambientais (societais, econômicas, po­lí­­
mais difícil de interpretar do que as ante­ ticas, institucionais, organizacionais, entre ou­
riores. As pesquisas mostram que ida­de está tras) propícias à aprendizagem contínua e ao
relacionada ao comprome­ti­mento com a pro­ longo da vida.
O trabalho do psicólogo no Brasil 417

Esses resultados ensejam o aprimo­ de reciprocidade nas interações entre indivíduo


ramento de políticas públicas de apoio à e organização. A organização, por um lado,
am­pliação da oferta de cursos de pós-gra­ pos­sui obrigações legais, morais e financeiras
duação (stricto e lato sensu) em psicologia com o seu membro e o direito de esperar que
o mesmo apresente bom desempenho, compro­
no Brasil. Os resultados e o contexto do
metimento e lealdade. Enquanto que o traba­
mun­do do trabalho mostram que o profis­ lhador, por outro lado, tem obrigação de apre­
sio­nal deverá lutar em busca de oportu­ sentar um bom nível de desempenho e o dever
nidades de aprendizagem contínua de novas de ser leal e comprometido com a organização.
e mais complexas competências. O mundo O contrato psicológico do trabalhador com a
do trabalho e a psicologia exigem isso. O organização estabelece tais expectativas de tro­
caminho para um futuro profissional bem- cas e benefícios mútuos. Um desequilíbrio entre
-sucedido é a busca de qualificação e requa­ esforço e retribuições pode, nesse caso, gerar
lificação profissional e a autoavaliação de desmotivação e diminuição do esforço despen­
dido pelo trabalhador para executar as tarefas.
competências de acordo com os quesitos
exigidos pela atualidade, alguns dos quais
incorporados nas atuais diretrizes curri­cula­
Referências
res dos cursos de graduação em psicologia.
As comparações entre percepções de Abbad, G. Um Modelo Integrado de Avaliação do
imagem e intenções de mudar de profissão Impacto do Treinamento no Trabalho – IMPACT.
de duas amostras de psicólogos indicaram Tese de Doutorado, Universidade de Brasília,
que os participantes das pesquisas de 1988 e Brasília, 1999.
desta, realizada em 2006, possuíam e pos­ Abbad, G.; Sallorenzo, L. H. Desen­volvi­
suem percepções favoráveis sobre a profis­são mento e validação de escalas de suporte à trans­
e o desejo de nela permanecer. Essas per­ ferência de treinamento. Revista de Adminis­
cepções favoráveis continuam a ocorrer, ape­ tração, 36(2), 2001, p. 33-45.
sar das dificuldades associadas à baixa remu­ Abbad, G.; Pilati, R.; Borges-Andrade, J.E.
neração, à demora para alcançar su­cesso na Per­­cepção de suporte organizacional: desenvolvi­
carreira, à falta de formação pro­fissional men­­to e validação de um questionário. Revista de
Ad­­ministração Contemporânea, 3(2), 1999, p. 29-51.
adequada, às dificuldades de pro­curar opor­
Bastos, A. V. B.; Borges-Andrade, J. E.
tunidades de qualificação e requa­lificação Padrões de comprometimento no trabalho: Um
profissional, em função dos custos elevados estudo de casos. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 12,
associados à participação em cursos de pós- 1196, p. 205-217.
-graduação e da dificulda­de de con­ciliar Bastos, A. V. B. Comprometimento no trabalho:
tra­balho e estudo. Assim, embora inseri- a estrutura dos vínculos do trabalhador com a or­
dos em um contexto socioeconô­mico que ganização, a carreira e o sindicato. Tese de Dou­
não é recompensador, os psicólo­gos parecem torado, Universidade de Brasília. Brasília, 1994.
gostar da profissão. Restam explicações mais Bastos, A. V. B.; Borges-Andrade, J. E.
pon­tuais sobre os porquês de tal questão. Com­­prometimento no trabalho: identificando
pa­­drões de comprometimento do trabalhador
com a organização, a carreira e o sindicato. Re­
notas vista Brasileira de Administração Contemporânea,
1(6), 1995, p. 205-218.
1 Segundo Gouldner (1960), a reciprocidade é Blau, G.; Andersson, D. K.; Daymont, T.;
uma norma social, apesar de não ocorrer em Hochner, A.; Koziara, K.; Portwood, J.;
todos os casos de interações sociais. Reci­pro­ Holladay, B. The relation between employee
cidade, nesse contexto, é definida como um organizational and professional development acti­
padrão de trocas mutuamente contingentes vities. Journal of Vocational Behavior, 72, 2008, p.
entre duas unidades sociais. Há expectativas 123–142.
418 Bastos, Guedes e colaboradores

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men­sions of organizational identification and
As mudanças no exercício
20
profissional da psicologia no Brasil
o que se alterou nas duas últimas décadas
e o que vislumbramos a partir de agora?
Antonio Virgílio Bittencourt Bastos, Sônia Maria Guedes Gondim
e Jairo Eduardo Borges-Andrade

O leitor, que teve oportunidade de ler do cam­­po como uma ocupação. Uma das
todos os capítulos deste livro e deparou-se subáreas da Psico­logia, a Organizacional e
com um conjunto diversificado e abran­gen­ do Trabalho, faz isso com outras ocupações.
te de informações atualizadas sobre a pro­ Por que não fazê-lo examinando a Psico­
fissão do psicólogo brasileiro, pode estar se logia como uma ocupação? Além disso, as
indagando quais as principais conclusões a informações so­bre o exercício profissional
serem extraídas deste amplo estudo nacio­ fornecem in­su­mos fundamentais para re­
nal. Quais seriam, então, as mudanças nessa pen­sar os pro­cessos concernentes à for­ma­
profissão nas duas últimas dé­cadas? Que ção e para de­finir novas políticas por parte
desafios se apresentam para a profissão, das entidades científicas e representativas
considerando as mudanças con­­temporâneas, da profissão.
o avanço do conhecimento e as transfor­ Embora a profissão de psicólogo tenha
mações da realidade nacional? O que pode sido objeto de vários estudos desde os anos
ser dito sobre essa profissão à luz de al­ de 1970, a primeira grande pesquisa de
gumas das categorias de análise comu­mente abrangência nacional foi conduzida por
usadas por pesquisadores da Psico­lo­gia Or­ uma equipe que articulou o Conselho Fede­
ga­nizacional e do Trabalho (PO&T)? ral de Psicologia e diversas universidades.
Este trabalho apoiou-se na premissa de Foi realizada em meados dos anos de 1980
que conhecer o campo profissional da psi­ e seus resultados publicados sob a forma
cologia é condição básica para identificar de um livro em 1988. O projeto atual sig­
problemas, discutir questões e prospectar nificou uma retomada e uma ampliação
cenários que possam conduzir a um cres­ des­­te grande projeto inicial, um esforço rea­­­
cente reconhe­cimento do papel social que lizado durante mais de quatro anos, pelo GT
a Psicologia, como ciência e profissão, cum­ de Psicologia Organizacional e do Trabalho
pre no nosso país. Tal conhecimento, no (também chamado de GT-1 ou GT-PO&T)
entanto, neces­sitava de quadros teóricos da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-
de referência que tomassem o menciona- -gra­duação em Psicologia (ANPEPP). Resul­
420 Bastos, Guedes e colaboradores

tan­te desse projeto, o presente livro foi or­ga­ Características gerais: uma
nizado de modo que pudesse oferecer in­ profissão em expansão
formações que permitissem comparar o pa­
norama atual da profissão com o traçado na O exame dos dados da população de
década de 1980. Mas agora examinado à luz psi­cólogos brasileiros, fornecidos pelo Siste­
das categorias de análise usadas em PO&T ma Conselho de Psicologia, aponta três
Dois objetivos orientaram a elaboração gran­des características que revelam perma­
deste capítulo final. Primeiramente, o de ofe­ nên­cias e mudanças ao longo dos últimos
recer uma visão resumida do conjunto de 20 anos (ver Figura 20.1).
informações básicas sobre o exercício da pro­ Examinando-se as tendências apontadas
fissão no Brasil, que ficaram distribuídas nos na Figura 20.1, pode-se concluir que a Psi­
diversos capítulos. Em segundo lugar, o de cologia é uma profissão em claro processo
sis­tematizar o conjunto de mudanças no exer­ de expansão no Brasil. Cresce fortemente o
cício profissional do psicólogo no Brasil ao número de profissionais inscritos no Sistema
longo das últimas duas décadas, compa­rando, Conselho em função do ritmo ainda ace­
quando possível, com os dados do pri­meiro lerado de aumento do número de cursos de
estudo realizado na década de 1980. graduação na área. Esse crescimento ate­
Há que se registrar, contudo, que mui­tos nua, mas não elimina, a majoritária parti­
aspectos da profissão do psicólogo con­tem­ cipação das mulheres. Fortalece o argu­men­
plados neste mais recente estudo não foram to de que a identidade da psicologia como
pesquisados na década de 1980. São eles: profissão está fortemente associada a ativi­
identidade profissional, bem-estar sub­jetivo, dades de ajuda e de apoio social, conside­
burnout, valores éticos, aprendiza­gem no tra­ radas tipicamente femininas. Tal tipicidade
balho, qualificação e competên­cias, grupos está associada a especificidades no mercado
e equipes de trabalho. Portanto, não há co- de trabalho: as mulheres recebem remu­
mo comparar ou diagnosticar as mudanças neração menor que os homens e a área so­
ocor­ridas ao longo do tempo, nes­ses casos. cial não faz parte do grupo de profissões
Tais aspectos foram introdu­zidos em decor­rên­ que recebem mais altos rendimentos.
cia da proposta de colorir a análise da pro­ A melhor distribuição dos psicólogos no
fissão com as categorias que frequentemente espaço nacional aponta para uma tendência
são utilizadas pelos pesqui­sadores de PO&T, promissora em duas direções. Sinaliza a in­
pertencentes ao GT-1 da ANPEPP, para anali­sar tensificação do processo de interiorização,
outras ocupações e trabalhadores em geral. ampliando o contingente de psicólogos fora
Visando organizar o vasto conjunto de das capitais dos Estados e também indica
informações para dele poder extrair algu­mas redução da concentração de psicólogos na
tendências fundamentais que têm clara impli­ região do sudeste do país. Esses dois movi­
cação para o futuro da profissão e para o mentos revelam que outras regiões e popu­
aprofundamento do conhecimento sobre essas lações, que antes não tinham acesso aos ser­
categorias, o presente capítulo foi es­truturado viços de psicologia, passaram a contar com
em pequenas seções temáticas. Elas sintetizam eles. Movimento similar ocorreu no que
as informações da pesquisa e, ao mesmo tem­ tange à interiorização dos setores secun­dá­
po, indicam os principais eixos de mudança rio e terciário da economia. Tais mudanças
detectados ou os achados mais relevantes so­ não alteram a característica de os psicólogos
bre as mencionadas cate­go­rias. Ao final, ques­ serem profissionais que atuam em cidades
tões e desafios que cer­cam o exercício da psi­ de médio e grande porte, ainda bem distan­
cologia no Brasil são comentados, suge­rin­do tes das pequenas cidades e das populações
direções para estu­dos futuros. rurais, que representam um contingente ex­
O trabalho do psicólogo no Brasil 421

UMA PROFISSÃO FEMININA

1988 – 86,6% Cresce a participação dos homens, mas


2009 – 83,3% não altera o forte predomínio das mulheres

MELHOR DISTRIBUIÇÃO NO ESPAÇO NACIONAL

capital: 1988: 59% 2009: 48% 1988: se: 74,2% SU: 10,3% NE: 8,8% NO/CO: 6,7%
INTERIOR: 1988: 41% 2009: 52% 2009: SE: 60,4 SU: 20,2% NE: 9,6% NO/CO: 9,9%

UMA PROFISSÃO DE ADULTOS JOVENS


1988 2009
Idade média (33,6 anos) Idade média (36,7 anos)
Tempo médio de graduação (7,51 anos) Tempo médio de graduação (10,6 anos)

Figura 20.1 Gênero, distribuição regional e idade dos psicólogos brasileiros nas duas últimas décadas.

pressivo da população nacional. Resta saber terísticas importantes que estão sintetizadas
se esse movimento levou ou não à preca­ na Figura 20.2.
riza­ção do trabalho profissional e se con­ Nas últimas duas décadas houve um
seguiu manter ou elevar a qualidade do ser­ crescimento da ordem de 300% no número
viço antes oferecido naquelas regiões. de cursos de psicologia no Brasil. Em 1988,
Finalmente, o crescimento vertiginoso do 70% deles eram oferecidos pela rede pri­vada
nú­mero de psicólogos nos últimos anos, de ensino e essa participação saltou para
acom­­panhando o aumento de cursos, faz perto de 90%. Cerca de 80% dos psi­cólogos
com que os jovens profissionais sejam a formados nos últimos anos são de egressos
grande maioria da categoria. No entanto, das instituições da rede privada. Mas, apesar
quando comparado com os anos de 1980, de a formação no setor de en­sino privado ser
verifica-se um contingente bem mais expres­ a predominante, os resulta­dos do Exame Na­
sivo de profissionais mais maduros, com cio­nal de Desempenho dos Estudantes do
maior tempo de atuação profissional. Em INEP (Enade) concluem que as instituições
resumo, juventude e acúmulo de expe­riên­ estaduais e federais tiveram um desempenho
cia convivem no quadro atual do exercício superior às demais, pois dentre as nove ins­
profissional da Psicologia no Brasil, mais do tituições que receberam o conceito máximo,
que ocorria há duas décadas. oito são federais e, uma, estadual (de um
total de 294 cursos avaliados).
Quanto à pós-graduação, os psicólogos
A Formação: um profissional buscam preferencialmente a especialização,
em busca de aperfeiçoamento principalmente os recém-formados e os que
constante estão distantes da carreira acadêmica: 60%
dos psicólogos pesquisados disseram ter con­­
Os dados sobre a formação do psicólo­ cluído ou estar cursando uma pós-gra­dua­
go, nos seus diferentes níveis, combinando ção. A pesquisa nacional realizada em 1988
dados gerais do sistema de ensino e infor­ não permitiu ter uma visão clara sobre isso,
mações obtidas na pesquisa, revelam carac­ pois na ocasião a situação da pós-graduação
422 Bastos, Guedes e colaboradores

stricto sensu na psicologia ainda era muito cursos de curta duração, supervisão e gru­
incipiente. O número de cursos de mestrado pos de estudos. Essa característica também
recomendados pela CAPES era de 16 (con­ foi extremamente forte na pesquisa de
tra os 60 em 2008) e o de doutorados, ape­ 1988, quando se apontou que a própria ca­
nas quatro (contra 36). tegoria de psicólogos constitui uma impor­
Quanto à formação complementar dos tante fatia do mercado de trabalho dos pro­
psicólogos, carente de mais estudos, os da­ fissionais (supervisões, cursos e realização
dos atuais indicam fortemente um profis­ de psicoterapia, vista como processo de de­
sional em busca contínua por comple­men­ senvolvimento pessoal impor­tante para o
tação de sua formação, investindo principal­ exer­cício da Psicologia, dependendo da abor­­
mente em atividades que possam dar su­ dagem teó­rica abraçada).
porte a sua atuação profissional, tais como

• Há um crescimento vertiginoso do número de cursos de psicologia que atingiu 352 em 2006.


• A formação é majoritariamente oferecida pela rede privada de ensino, característica que se
aprofundou nos últimos 20 anos e que se mostra mais acentuada no sudeste.
• A qualidade da formação é superior no segmento minoritário do sistema que forma psicó-
Graduação logos no Brasil (universidades públicas).

• O crescimento da pós-graduação é bastante expressivo, mas incapaz de acompanhar as


demandas do crescimento do ensino de graduação.
• Número expressivo de psicólogos mestres ou mestrandos, titulados nos últimos 5 anos em
Pós-graduação Instituições de Ensino Superior, públicas e confessionais.
• A especialização é a opção privilegiada dos psicólogos em todas as áreas, exceto na docência.

• Há uma busca contínua pelo aperfeiçoamento profissional por parte dos psicólogos, 90%
participam de eventos e mais de 80% frequentam cursos de curta duração.
• Todas as modalidades que visam à formação complementar (grupos de estudo, supervisão
Complementar extra-acadêmica, cursos de curta duração e congressos) são utilizadas pelos psicólogos
independentemente do seu nível de titulação.

Figura 20.2 Características básicas da formação em Psicologia nos seus diferentes níveis.

A escolha da profissão e áreas de atuação. Esse resultado é semelhante


da área de atuação: a força ao encontrado na década de 1980, quando os
dos motivos internos motivos voltados para o outro (conhecer, aju­
dar, mudar, valorizar o ser humano) estiveram
Os psicólogos optam pela carreira por fortemente presen­tes na escolha da psicologia
razões internas, ou seja, pela afinidade de in­ como profissão. A Figura 20.3 sintetiza os
teresses e pelo domínio de habilidades, tor­ prin­­cipais achados neste tópico.
nando-se mais satisfeitos, comprometidos e Os resultados desta pesquisa são bas­
identificados com sua carreira. O peso dos tante alentadores e somam-se aos demais
motivos ou das razões externas, tais como estudos. Os psicólogos decidem “livremente”
opor­tunidades de mercado, status social, re­ pela psicologia e, em alguns casos, ainda en­
mu­neração elevada e influência de ter­ceiros, frentam oposições familiares. A escolha voca­
mostra-se um pouco maior na esco­lha das cionada encaixa-se perfeitamente no caso da
O trabalho do psicólogo no Brasil 423

• Fortemente guiada por fatores internos (vocação, identificação, interesses) em contraposição


a fatores externos (mercado, remuneração, status).
Escolha da • Escolha livre e aparentemente pouco influenciada por pessoas importantes.
profissão • Base para o processo de comprometimento com a profissão.

• Também guiada mais fortemente por fatores internos como ocorre com a escolha da profissão.
• No entanto, há um peso mais elevado de fatores externos, tais como oportunidades do
mercado de trabalho e remuneração.
Escolha da área
• Influência do processo formativo, com os modelos que disponibiliza.

Figura 20.3 Características do processo de escolha da profissão e da área de atuação.

psicologia. Prevalece um profissio­nal com instituições formadoras e demais fatores ex­


foco no social, produto da junção dos inte­ ternos, como a remuneração e as oportu­
resses pessoais de ajudar os demais e do es­ nidades no mercado, são responsáveis pela
tereótipo ocupacional do psicólogo como um vinculação com as áreas de atuação.
profissional que se dedica a promover o au­ Em 1988, a natureza do campo cientí­
to­conhecimento e o bem-estar. fico e de seu objeto de estudo (psicologia)
Embora não haja incompatibilidade en­ atraiu mais os psicólogos do que as con­
tre motivos internos e externos, uma vez que dições de trabalho (rendimentos e status da
a racionalidade humana torna previsível a profissão). Duas décadas depois, os fatores
busca de equilíbrio entre ambos, a tendência externos de escolha, especificamente a re­
identificada entre os psicólogos é a de dar mu­neração, o status social e as condições
maior importância aos motivos internos para do mercado de trabalho, não pesaram nas
a realização pessoal. Isso é bastante valo­ escolhas profissionais dos psicólogos em
rizado no campo da psicologia. Em outras com­paração com os fatores internos de es­
palavras, a escolha de carreira ideal é aquela co­lha, tais como a vocação pessoal.
que permite realização pessoal e obtenção Para finalizar, se a psicologia é escolhida
concomitante de remuneração e status social por “livre” vontade, as instituições de ensino
elevados. Não sendo possível obtê-los em têm a seu favor um importante aliado no
con­junto, é bem provável que aqueles que se processo de formação. A motivação elevada
percebem identificados com a carreira ava­ facilita o esforço institucional em promover o
liem estar mais realizados profissionalmente engajamento ativo do estudante com o seu
em relação àqueles que fizeram sua opção próprio desenvolvimento pessoal e pro­fis­
apenas para atender a interesses alheios ou sional. Entretanto, elas devem oferecer um
de mercado (remuneração e status). leque efetivamente diversificado de teo­rias,
No que tange à área de atuação, no métodos e campos de atuação que pos­sam
entanto, há maior susceptibilidade de in­ contribuir para a plena formação pro­fissional.
fluência durante o processo de formação. A
riqueza e a variedade de oportunidades ofe­
recidas durante o período de permanência O ingresso no mercado de
no ensino superior servem de atrativos po­ trabalho: sinais contraditórios
tenciais para ajudar na construção de uma da qualidade dos empregos
identidade adjacente, ou seja, além da iden­
tidade com a psicologia, que lhe dá uni­da­ Para analisar o ingresso no mercado de
de, há uma identidade com a área de atua­ trabalho, a pesquisa utilizou dois recortes de
ção. Nesse caso, modelos oferecidos pelas dados. Em primeiro lugar, analisou o sub­con­
424 Bastos, Guedes e colaboradores

junto de psicólogos que tinha até dois anos de O cenário apresentado pelos recém-
graduado, período que foi con­side­rado de so­ -gra­duados ilustra de modo claro uma apa­
cialização e ingresso no mer­cado de trabalho; rentemente nova realidade profissional. Na
segundo, selecionou para análise aqueles psi­ década de 1980 não havia tantos cursos de
có­logos que estavam no seu pri­meiro emprego. psicologia no Brasil e a proporção de for­
Das análises desses dois con­juntos de infor­ mandos era bem menor. A amostra de re­
mações foram extraí­das algu­mas características cém-graduados deixa claro que eles repre­
e tendências que marcam a qualidade da in­ sentam quase 30% da amostra total e man­
serção profis­sional no mer­ca­do do trabalho, têm congruência com o crescimento da
sumarizadas na Figura 20.4. oferta de cursos na área.

• Diversidade de contextos em que se inserem os recém-formados, apesar do trabalho autô-


nomo ser a principal porta de entrada.
• Diversidade de atividades que realizam, o que revela o potencial de contribuição da psico-
Várias portas de logia. O campo tem potencial para abrigar diferentes interesses dos jovens profissionais.
entrada

• 32,9% dos recém-formados não exercem a profissão.


• 42,7% dos recém-formados t^êm rendimentos de até 5 salários mínimos.
• 24,8% exercem outras atividades remuneradas em paralelo.
Um mercado • 11% estão fora do mercado (nunca se inseriram, desempregados).
ainda restrito • Falta de oportunidades e baixa remuneração são os principais problemas.

• Apresentam níveis elevados de satisfação com a profissão.


• Elevados índices de investimento na sua formação (cursos, congressos, grupos de estudo,
etc.)
Engajamento • Veem perspectivas de crescimento em todos os setores de inserção.
na profissão • Consciência do potencial e percepção dos resultados de sua atuação.

Figura 20.4 Características e tendências que marcam a inserção do recém-graduado no mercado de


trabalho.

Uma primeira constatação é de que a duados atuam exclusivamente no cam­­po da


Psicologia se estrutura como uma profissão psicologia. Trata-se de um per­centual eleva­do,
que oferece múltiplas portas de ingres- mas que revela o fato de que aproxima­da­
so no mercado de trabalho. Isso resulta mente 1/3 dos psicólogos recém-gradua­dos se
das pos­sibilidades de trabalho assalariado encontra fora da pro­fissão – exercendo outras
em dife­rentes setores produtivos ao lado atividades, com­binando a Psicologia e outros
do traba­lho autônomo. Tal multiplicidade trabalhos ou desempregados.
tam­bém se re­ve­la no conjunto diversificado Há, também, sinais de precariedade
de ativi­da­des desenvolvidas, significando nes­­­­sa inserção. A principal porta de entrada
que os recém-gra­duados têm encontrado é a ati­vidade autônoma, visto que o psicó­
es­paços para rea­lizar seus distintos inte­ logo neces­sita apenas ter registro no Conse­
resses de atuação. lho Re­­gional para estar apto a atuar sob
Do ponto de vista de oportunidades de essa mo­dalidade de inserção. É preciso con­
mercado, o cenário mostra alguns sinais de siderá-la de modo crítico, visto que os da­
precariedade que cercam o início da car­reira dos relativos aos baixos rendimentos, so­
profissional. Cerca de 70% dos re­cém-gra­ mados ao fato de o psicólogo ser um pro­
O trabalho do psicólogo no Brasil 425

• 62,1% dos psicólogos atuam somente na psicologia.


• 22,1% a conciliam com outras atividades.
• 9,1% exerce atividades fora do campo da psicologia.
• 5,2% ja atuaram na psicologia, mas abandonaram a atividade.
Inserção • Somente 1,4% nunca atuou na psicologia.

• Combinação assalariado e autônomo – maior percentual entre quem só atua na psicologia


(42%).
• Apenas assalariados (31% dos que atuam exclusivamente na psicologia).
Vínculo • Autônomo ou voluntário (22% dos que atuam exclusivamente na psicologia.

• Somente 9% dos psicólogos ganham acima de 21 SM.


• 1,4% de psicólogos que atuam não têm rendimentos (voluntários).
• 46% ganham entre 3 e 9 SM.
Rendimentos
• No sudeste há maior percentual de elevados rendimentos em oposição ao nordeste.

• Quem nunca atuou: falta de oportunidades no mercado, mas pretende atuar na clínica.
• Quem deixou de atuar: motivos pessoais e familiares.
Motivos • Quem atua fora: oferta de emprego vantajosa, mas pretende voltar a se inserir na psicologia.
da inserção

Figura 20.5 Características gerais da inserção do psicólogo no mercado de trabalho.

fissional que investe muito em sua for­mação exercício profissional da Psicologia que apon­
e qua­lificação, sinali­zam para um des­com­ tam tanto as dificuldades que perma­neceram
passo entre o investi­mento feito na profissão ao longo do tempo quanto algumas tendên­
e os ganhos rece­bi­dos. Isso pode for­talecer a cias de fortalecimento do campo pro­fissional.
crença de que o psicólogo é vo­ca­cio­nado e Na década de 1980, 45,8% dos psicó­
mais orientado para sua satis­fação pessoal e logos trabalhavam na profissão, enquanto
seu desejo de autode­sen­volvimento do que 25% trabalhavam como psicólogos e em
por interesses finan­ceiros. Crença con­ve­nien­ outras atividades, totalizando 70,8% de
te para quem pre­fere remunerar mal os seus pro­­fissionais atuantes na profissão. Os re­
empregados, nos segmentos econô­micos de sultados da atual pesquisa estão bem pró­
educa­ção, saú­de e trabalho nos quais atua a ximos daqueles encontrados na pesquisa de
grande maio­ria dos que têm vínculos for­ 2004, realizada pelo IBOPE/MQI sob enco­
mais de trabalho. menda do Conselho Federal de Psicologia,
que estimou 58% dos psicólogos atuando
apenas na Psicologia e mais 26% combi­
A inserção no mercado de nando-a com outras atividades. Isso perfaz
trabalho: dificuldades o mesmo total de 84% de profissionais exer­
presentes e sinais positivos de cendo, de algum modo, a profissão para a
fortalecimento da profissão qual se formaram.
Ao comparar os dados de 20 anos atrás
A análise dos dados sobre inserção no e os da pesquisa do IBOPE com os da pes­qui­
mercado de trabalho revela características do sa nacional de 2006, constata-se um cres­ci­
426 Bastos, Guedes e colaboradores

mento do número de psicólogos que atuam Os rendimentos do psicólogo, no entan­


na profissão, mesmo que tenham de conciliar to, estão distantes do que se poderia esperar
com outras atividades fora do cam­po. Ao de um exercício profissional que requer pelo
lon­go dessas décadas, aumenta, tam­bém, o menos 5 anos dedicados à formação básica,
per­centual de psicólogos que atuam apenas além de investimentos tão significativos em
na psicologia, o que pode ser to­ma­do como pós-graduação e atualização permanente, co­
um importante indicador de estru­turação das mo detectado nas pesquisas realizadas. Den­
condições de trabalho que pas­sam a assegu­ tre os inscritos, 51,3% ganham até 5 salá­
rar, para aproximadamente 2/3 dos profissio­ rios-mínimos (SM), sendo que 1,3% deles
nais, esse vínculo exclusivo com a profissão. não possui renda. Um dado positivo é o de
A pesquisa não foi delineada para iden­ que o tempo de graduação faz saltar a ren­da
tificar o nível de desemprego dos psicólogos, de 3SM (2 anos de formado) para 11SM
pois para isso precisaria coletar dados da­que­ (mais de 20 anos de formado), em­bora nessa
les que não estão inscritos no Sistema Conse­ fase da vida haja muita varia­bilidade salarial.
lho. Mesmo assim, 15,7% de profis­sionais O setor público paga pro­por­cional­mente me­
gra­duados em Psicologia e inscritos nesse sis­ lhor que o setor privado, pois ape­sar deste
tema encontram-se fora do exer­cício pro­fis­ ter média salarial um pou­co maior, há maior
sional, quer por estarem desem­pre­gados, variabilidade salarial. Quem leva vantagem
quer por exercerem atividades em outros são os que conciliam a condição de assalaria­
campos. Tal resultado é apenas ligeiramente mento com a ativi­dade autôno­ma. Os que
mais baixo do que aquele en­contrado na pes­ são exclusivamente autônomos ganham me­
quisa dos anos de 1980 (17,9%), assim dis­ nos e também con­tri­buem me­nos para a
tri­buídos: 11,7% traba­lhavam fora da Psico­ renda familiar. Os demais contri­buem para a
logia; 4,2% tinham aban­­donado a profissão renda familiar com cerca de 80%.
e 1,9% nunca ti­nha efetivamente se inse­rido Embora as comparações sejam comple­
no mercado como psicólogo. xas e apoiadas apenas no número de SMs,
Há, no entanto, um dado importante para depois de haver, inclusive, mudanças na
dimensionar os problemas que cercam a moe­da nacional, a pesquisa atual revela si­
relação entre formação e inserção no mercado nais claros de que ao longo de duas décadas
de trabalho. Como apon­tam os achados, há, houve uma mudança na condição de renda
ao longo de todo o tempo, um permanente do psicólogo brasileiro. Ela revela um qua­
descompasso entre o número de psicólogos dro preocupante. De um lado, ao longo das
gra­duados e o de inscritos no Sistema Con­ duas últimas décadas, o número de psicó­
selho. Apenas 65% dos con­cluintes da gradua­ logos sem renda decresceu de 25,6% (1980)
ção se habilitam a ser psicólogo, o que signifi­ para 1,3% (2006), o que seria um sinal
ca que pouco mais de 1/3 dos potenciais psi­ posi­tivo. De outro lado, todavia, a porcen­
cólogos não se insere na profissão. Apesar de tagem de psicólogos que ganhava mais de
existir um mais expressivo contingente de psi­ 20 SM caiu de 14,3 % (1980) para 2,8%
cólogos formados, muitos não pleiteiam o di­ (2006). Esse dado é interessante, porque na
reito de exercer a profissão, não se inscre­ ocasião, 84% dos trabalhadores brasileiros
vendo nos Conselhos Regionais. Isso pode sig­ ganhavam até 5 SM, sendo que somente
ni­ficar tan­to dificuldades do mercado quanto 4,9% deles ganhavam acima de 10SM. O psi­
o pe­so de motivos distintos da profissio­nali­za­ cólogo, então, encontrava-se em uma condi­
ção que levam ao ingresso nos cursos de Psi­­ ção bem mais vantajosa. Houve claramente
cologia, como é o caso do interesse por auto­ um retro­cesso ao longo dessas duas últimas
conhecimento via processos educacio­nais for­ décadas. Isso é um forte indício de que, ape­
mais, em vez de psicoterapia. sar de os psicólogos ampliarem o seu campo
O trabalho do psicólogo no Brasil 427

de atua­ção profissional e conseguirem se in­ sindicais e, em decorrência, fragili­zou ainda


serir no mercado de múltiplas formas, pou­ mais as defesas (contra a precari­zação e a
cos obtêm rendimentos mais elevados. Há baixa remuneração) de uma ocupa­­ção que
aqui, e não pode ser negado, um forte in­ caminhou no rumo do assalariamento, como
dício de preca­rização das demais con­dições a que é aqui analisada.
de trabalho, pois elas frequentemente acom­
panham os processos de redução da remu­
neração. As duas faces da profissão: os
Em resumo, para manter a renda em pa­ assalariados e os autônomos
tamares razoáveis, os psicólogos conci­liam as
atividades autônomas e assalariadas. Pro­va­ A diversidade de vínculos de trabalho
velmente muitas dessas características são marca o exercício profissional atual da Psi­
ho­je compartilhadas por outras ocupa­ções, co­logia. Vista em seu conjunto, temos uma
em decorrência das mudanças que global­ profissão caracterizada pela combinação de
mente ocorreram no mercado de tra­ba­lho. tipos distintos de inserção. A Figura 20.6
Entretanto, esse movimento global foi acom­ sintetiza os principais aspectos dessas duas
panhado pelo enfraquecimento dos órgãos faces da profissão.

• 40% no setor público; 35% no privado; • 28% atuam somente como autônomo;
ASSALARIADOS

AUTÔNOMOS

25% no terceiro setor. 19% conciliam com o emprego no setor


• 65% combinam duas ou mais inserções privado e 25% conciliam com mais dois
profissionais. vínculos.
• Setor público: Unidades de saúde e • A proporção dos exclusivamente
hospitais públicos (33%), instituições autônomos é maior entre os formados
de ensino superior (16%) e órgãos de até 2 anos (25%) e dos formados há
administração central (13%). mais de 20 anos (21%).
• Setor privado: instituições de ensino • A grande maioria (75%) trabalha na faixa
superior (34%), empresa comercial, de 20 horas semanais. No entanto, os
industrial ou de serviços (31%) e que são apenas autônomos trabalham
instituições de saúde (17%). entre 30 e 40 horas.
• Terceiro setor: Apenas 12% atuam • O trabalho: Predominantemente
exclusivamente em ONGs; 76% são individual (mais de 70%). Atuam em
de voluntários, cooperados ou clínica (50%), organizacional e trabalho
prestadores de serviços como (17%) e saúde (16%).
autônomos. • Locais de trabalho: Consultório alugado
• Rendimentos: Não há muitas diferenças (58%) e próprio (25%).
na remuneração dos três setores • Rendimentos: Média de 6,5 SM, a maior
(entre 5 a 7 SM). Mais alta no setor parte entre 4 e 9 SM.
privado.

Figura 20.6 Principais características do trabalho assalariado e autônomo na Psicologia.

Um resultado de grande importância ob­ assalariados represen­tavam 51,9% do to­tal


tido no estudo é o crescente assala­ria­mento (37,9% CLT; 8,2% servidores públicos e 5,9%
da profissão. Hoje, a Psicologia é fun­damen­ vínculo eventual). Os autônomos e os volun­
talmente uma profissão que con­cilia a ativi­ tários representavam 48,1% (41,3% autôno­
dade autônoma e a assala­ria­da, e o nú­mero mos e 6,7% voluntários). A face de um pro­
de profissionais com algum vínculo as­sa­la­ fissional liberal e autônomo não é hoje, por­
riado (73%) supera o daque­les que são ex­ tanto, a principal característica da profissão.
clu­sivamente autônomos (28%). Em 1980 os Apenas aproximadamente 1/5 dos psicólogos
428 Bastos, Guedes e colaboradores

atua exclusivamente como autô­nomo, princi­ do uma nova “cara” para a Psicologia bra­
palmente como clínico e consul­tor orga­ni­za­ sileira. A primeira delas é a emergência de
cional e do trabalho. A atividade autônoma, uma área denominada saúde que não fora
contudo, combina-se com os di­ver­sos tipos de con­templada na pesquisa de 1988 e que,
atividades assalariadas nos três setores público, na atual pesquisa, é a segunda área de in­
privado e terceiro setor, as­su­mindo, ao que pa­ serção de psicólogos. Embora em muitas
rece, um papel de vín­culo complementar. atividades se perceba uma continuidade
O trabalho assalariado é marcado, tam­ entre a clínica e a saúde, não se pode mini­
bém, pela diversidade de setores em que o mizar o fato de que este novo domínio en­
psicólogo atua, com ligeiro predomínio de volve uma signi­ficativa ampliação do esco­
inserção no serviço público, seguido do se­ po de atividades e contextos de inserção
tor privado e, em menor proporção, no do psicólogo nas unidades de saúde de di­
terceiro setor. No setor público é importante ferentes níveis de atenção, nos setores pú­
registrar o percentual de profissionais que blico e privado. Tam­bém, diferente da pes­
atua em instituições de saúde. O maior peso quisa de 1988, no atual estudo já se en­
de instituições de ensino no setor privado contram como áreas reconhecidas a so­cial
pode se dever a um viés da amostra que e a jurídica, com per­centuais pouco ex­pres­
contou com uma participação talvez mais sivos, mas que indi­cam mudanças no perfil
eleva­da de docentes, apesar do expressivo das áreas. A área social carece de maior
cresci­mento do mercado de trabalho para delimitação quanto às atividades pro­fissio­
docen­tes de psicologia nos inúmeros cursos nais que lhes seriam próprias ou específi­
que foram criados nos últimos 10 anos. cas, confundindo-se, em muitos ca­sos, com
a atuação nos campos da saúde e de orga­
nizações e trabalho.
Os fazeres do psicólogo: Observa-se, ainda, uma queda na dedi­ca­
permanências e novidades ção exclusiva a uma área de atuação, in­di­
cando que, no geral, os psicólogos passa­ram a
A psicologia se reconhece e é social­ atuar mais em diferentes áreas. A área orga­
mente reconhecida como um campo multi­ nizacional e do trabalho, que era, na pesquisa
facetado e dividido em várias áreas de atua­ de 1988, a de maior índice de dedicação ex­
ção. Tais áreas configuram temáticas, pro­­ble­ clusiva, apresenta uma queda de 80 para
mas, conhecimentos, tecnologias, mo­­dos de 61%, apesar de sua participação ter crescido
pensar e de atuar sobre as demandas oriun­ de 22 para 25% dos psicólogos. Ela conti-
das de diferentes seg­mentos e contex­tos so­ nua, no entanto, sendo a área para a qual os
ciais. A tais áreas correspondem, as­sim, con­ psi­cólogos se dedicam mais exclu­­sivamente,
textos de inser­ção e tipos de ser­viços que são sem combiná-la com outras. Uma significativa
prestados, embora alguns sejam gerais e mu­­dan­ça ocorreu igual­mente com a área da
possam ocor­rer em todas elas. A Figura 20.7 do­cência, que ampliou expressivamente o
sintetiza as caracterís­ticas das áreas de atua­ con­tingente daqueles que são exclusivamente
ção que incorporam número mais expressivo pro­fessores (de 27 para 40,2%) em relação à
de psicólogos atual­mente. pesquisa anterior, quando o ensino era clara­
A partir do diagnóstico feito nos anos mente uma ativi­dade complementar.
1980, uma primeira constatação importante Essas alterações podem sinalizar proces­
é a de que, embora o cenário mais geral não sos importantes que ocorrem na configu­
revele grandes alterações, especialmente ração de tais campos de atuação profis­
no que tange ao expressivo peso da área sional. Primeiro, os seus limites podem estar
clí­nica, algumas mudanças estão ofere­cen­ se diluindo ou, talvez, esteja ficando mais
O trabalho do psicólogo no Brasil 429

• 67% em uma área de atuação: 29% em duas áreas: 4% em três áreas.


• Psicologia Organizacional e do Trabalho – maior percentual de dedicação exclusiva
(61,2%), seguida da Clínica (50,8%) e da Saúde (42%).
• Combinações mais frequentes: Clínica e Saúde (36%); Clínica, Organizacional e Trabalho e
Inserção Saúde (21%), Clínica, Docência e Saúde (16%).

• Absorve 53% dos psicólogos, mesmo combinando-a com outras áreas.


• A maioria ganha de 1 a 3 SM.
• Atuam em consultório particular alugado em maior proporção.
• Atividades: psicodiagnóstico, testes, atendimento crianças, psicoterapia.
Clínica • A maioria combina orientações teóricas, seguidas da Psicanálise como única orientação
teórica.

• Absorve 27,9% dos psicólogos, mesmo combinando-a com outras áreas.


• Vínculo assalariado, com a maioria recebendo até 5 SM.
• Atuam em unidades de Serviço Público de Saúde (predominantemente).
Saúde • Atividades: psicodiagnóstico, testes, atendimento a pacientes clínicos e cirúrgicos.
• Combinação de orientações, seguida da Psicanálise como orientação teórica exclusiva.

• Absorve 25,1% dos psicólogos, mesmo combinando-a com outras áreas.


• Vínculo assalariado, com a maioria recebendo entre 5 e 7 SM.
• Atuam em empresas privadas, seguidas de consultórios/escritórios.
PO&T • Atividades: testes, avaliação de desempenho, diagnósticos, consultoria.

• Absorve 9,8% dos psicólogos, mesmo combinando-a com outras áreas.


• Vínculo assalariado, com a maioria recebendo de 3 a 5 SM.
• Atuam em empresas privadas, seguidas de consultórios/escritórios.
Educacional • Atividades: testes, atendimento a crianças com distúrbios de aprendizagem,
psicodiagnósticos, planejamento de políticas educacionais.

• Absorve 14,5% dos psicólogos, mesmo combinando-a com outras áreas.


• 13% ganham acima de 15 SM.
Docência • Predomínio de doutores e mestres atuando no ensino superior.
• Locais de trabalho: IES privadas, seguidas de IES públicas.

Figura 20.7 Perfil dos psicólogos quanto a áreas de atuação e atividades desenvolvidas.

evidente que eles nunca foram tão nítidos. petição no merca­do, que tem como con­se­
Isso acontece especialmente na área da saú­de, quência previsível a insuficiência dos rendi­
que faz expressivas interfaces tanto com a clí­ mentos obtidos com apenas um trabalho, o
nica tradicional quanto com a área or­gani­ que força o psicólogo a diversificar o leque de
zacional e do trabalho. Segundo, a ex­pan­são serviços oferecidos. Pesquisas futuras deve­
do sistema de ensino não só am­pliou o nú­ riam aprofundar esse diagnóstico, pelos im­
mero de psicólogos exclusiva­men­te docentes, pac­tos que tal diversi­ficação de área pode ge­
como também permitiu que maior número de rar sobre a preca­rização do trabalho e sobre a
profissionais conciliasse essa atividade com qualidade dos serviços prestados, tendo em
outras modalidades de atuação. Por fim, em vis­ta as fragi­lidades associadas à formação,
terceiro lugar, a maior combinação de áreas es­pecial­men­te após o boom de crescimento do
de atuação pode sig­nificar o aumento da com­ número de cursos.
430 Bastos, Guedes e colaboradores

É digno de nota que, embora possa es­tar rico para dar suporte ao seu trabalho colo­
atuando em várias áreas, suas atividades con­ cam em discussão um pressuposto larga­
vergem. Apesar dessa aparente diversi­dade, o men­te aceito, especialmente por estudiosos
psicólogo desenvolve atividades se­me­lhantes, e do­cen­tes: a necessidade de uma formação
colocando em discussão o pró­prio conceito de plu­ralista que assegure o contato do estu­
áreas. Um conjunto básico de atividades tan­ dante com as principais orientações teórico-
gencia o exercício profis­sio­nal nas diferentes meto­dológicas existentes no campo da Psi­
áreas. Este é o caso, por exemplo, das ativida­ co­logia. Tal preocupação foi contempla-
des de avaliação psicológica, do psicodiagnós­ da nas Dire­trizes Curriculares para os cursos
tico e da apli­cação de testes. Embora descritas de Psico­logia, ao fixar os valores que devem
em níveis de complexidade distintos, as três guiar a formação e o conjunto de compe­
atividades estão presentes nos mais diversos tências bá­sicas esperadas do recém-graduado.
domínios, inclusive entre os docentes. Mas a Não se pode ignorar, todavia, que os re­
despeito desse núcleo comum, é possível iden­ sul­­tados encontrados neste estudo, soma­dos
tificar também um núcleo de atividades que aos do Enade do ano de 2006, aponta­ram
classi­camente definem a especificidade de ca­ ser o eixo dos Fundamentos Históricos e
da área de atuação. Epis­­­te­mológicos um dos piores em termos
Apesar das transformações que ocorre­ de de­sem­penho em todo o país. Indicam
ram na psicologia brasileira nos últimos 50 proble­mas relacionados à forma como tais
anos, ao comparar o cenário atual com o do orien­tações são contempladas nos cursos.
final da década de 1980, as mudanças não Na rea­lidade, mais do que conhecê-las, con­
foram tão significativas assim. Existem si­nais frontá-las e com­pará-las para propiciar es­
de que o psicólogo está ampliando sua área co­lhas conscientes, a adoção de perspectivas
de atuação para além da clínica e subs­tituindo diver­sas sugere uma adesão acrítica. O pro­
o modelo clínico de atendimento por modelos blema é que tal reali­dade não se restringe
de intervenção grupais com forte ênfase so­ aos re­cém-formados, o que poderia ser pre­
cial. Contudo, é fato que a clínica continua vi­sível, e parece ser um tra­ço dissemina-
exercendo seu fascínio en­tre psicólogos. do entre psi­cólogos. Isso re­quer estudos adi­
Quanto à orientação teórico-metodoló­ cio­nais para compreender o que efetiva-
gi­ca, se em fins da década de 1980 já havia men­te ocorre no processo forma­tivo desses
sinais claros de que os psicólogos necessi­ta­ profissionais.
vam usar mais de um referencial teórico Ainda sobre os fazeres do psicólogo, a
para dar suporte às suas atividades profis­ pesquisa nos oferece informações relevantes
sionais, hoje essa tendência é marcante. sobre uma importante tendência que confi­
Apesar de a experiência adquirida ao longo gu­ra o mundo do trabalho em geral e que
dos anos fazer diminuir a tendência de usar aparece no exercício profissional da Psico­
três ou mais abor­dagens teóricas simultâ­ logia – o trabalho em equipes e, muitas ve­
neas, a efetiva di­minuição em busca de um zes, de caráter multiprofissional.
maior direciona­men­to teórico ocorre após Os achados sinalizam que o psicólo-
os 11 anos de for­mado e se consolida após go tra­balha mais em equipe do que indivi­
os 20 anos. Apesar de a formação especia­ dual­­mente. Dos que trabalham em equipe,
lizada também contri­buir para o maior dire­ a maior parte está em equipes mul­ti­dis­ci-
cionamento teórico, essa mudança se faz pli­nares, enquanto o restante tra­balha em
notar somente quando o psicólogo obtém o equi­­pes de psicólogos. Um resul­tado im­­­­por­
título de doutor. tante é o de que os prin­cipais par­ceiros dos
As fortes evidências de que o psicólogo psi­cólogos são assistentes so­­­ciais, mé­dicos e
necessita usar mais de um referencial teó­ enfermeiros, o que per­mite inferir que os
O trabalho do psicólogo no Brasil 431

profissionais que atuam na área de saúde e Os psicólogos que trabalham em equi­pes


atenção psi­cossocial são os que mais experi­ multiprofissionais desenvolvem um nú­me­ro
mentam a convivência com pro­fis­sionais de maior e mais diversificado de ativi­dades do
diversi­ficadas formações. que aqueles que atuam em equipes uniprofis­
A Figura 20.8 apresenta de modo sin­ sionais. Essa maior diversidade pa­re­ce exigir
tético as principais atividades dos psicó­ dos atuantes em equipes multi­profissionais
logos que trabalham em equipes uni­dis­ uma gama mais ampla de ha­bi­lidades e com­
ciplinares (psi­cólogos) e em equipes multi­ petências. No geral, os psi­cólogos se mos­tram
disciplinares. satisfeitos com o tra­balho em equipe, seja uni
Alguns achados importantes sobre o ou multidis­cipli­nar. Há, também, uma forte
tra­balho em equipe podem ser resgatados associação en­tre a satisfação com o trabalho
pelas implicações que possuem para se re­ em equipe e a sustentação de crenças positivas
pensar o processo de formação. sobre o mesmo.

• Atividades clínicas
• Atividades acadêmicas
Equipes de psicólogos • Atividades da área de organização e do trabalho
• Atividades da área hospitalar
• Atividades psicossociais

• Atividades psicossociais
• Atividades clínicas
Equipes multiprofissionais • Atividades da área hospitalar
• Atividades da área organizacional e do trabalho
• Atividades acadêmicas

Figura 20.8 Atividades de psicólogos de equipes uni e multidisciplinares por ordem de frequência

Os psicólogos, de modo geral, susten­tam ra que esta efetivamente funcione e gere me­
crenças bastante favoráveis em relação a essa lhores resultados que o trabalho realizado
modalidade de trabalho. No entanto, dividem indivi­dualmente. A equipe pode ser uma for­
opinião sobre a diminuição da car­ga de tra­ ma de praticar vadiagem social.
balho pelo fato de este ser reali­zado em equi­ De modo geral, os psicólogos relatam
pe, independentemente de es­ta­rem em equi­ haver baixo conflito nas equipes de trabalho
pes de psicólogos ou multi­pro­fissionais. Ou às quais pertencem, tanto uni quanto mul­
seja, apesar de defenderem a crença de que o tiprofissionais. Apenas 5% dos que traba­lham
trabalho em equipe tem inúmeras vantagens, em equipes percebe conflitos em ní­veis ele­
este não assegura que o esforço será repartido vados. Uma das principais conclu­sões revela
igualmente, evitan­do a sobrecarga que recai que quanto menos conflitos internos e mais
sobre alguns membros. Esse é um resultado favoráveis as crenças sobre equipes, maior a
importante, porque alerta para o fato de que satisfação dos psicólogos com as equipes de
não basta organizar o trabalho em equipe pa­ trabalho às quais pertencem.
432 Bastos, Guedes e colaboradores

Formação e prática pro­fis­sional. Se esse aprendizado não ocorre,


profissional: as discrepâncias o profissional é trans­­formado em um consu­
de competências e a midor, muitas vezes ingênuo e quase sempre
aprendizagem no trabalho desatualizado, de conhecimentos nem sempre
científicos, dis­se­mi­nados por outros. Pior que
No cenário atual em que a qualificação isso, pode cair em armadilhas no trabalho ou
profissional ocupa papel de destaque e cada ser presa de espertalhões que circulam em um
vez mais passa a ser uma responsabilidade mer­cado cada vez mais difícil de ser discipli­
também do próprio trabalhador e não so­ nado por agências reguladoras do Estado ou
men­te das instâncias formadoras, do Estado da pró­pria profissão.
e da iniciativa privada, os dados sobre qua­ Para dar conta dos seis eixos estrutu­ran­
lificação para o exercício profissional se re­ tes da formação, como definidos pelas Dire­
vestem de grande importância. Quais as trizes Curriculares, exigiria desenvolver cinco
neces­sidades por aprimoramento de conhe­ grupos de competências: i) análise do contex­
ci­mentos e habilidades? O que os profissio­ to e do campo de atuação; ii) in­tervenção;
nais estão fazendo para se manterem atua­ iii) investigação científica; iv) ava­lia­ção e v)
lizados, valorizados e para garantir seu es­ atuação inter e multi­profis­sional. O desen­vol­
pa­ço no concorrido mundo do trabalho? vimento das competências esperadas do pro­
Reconhecem-se os inúmeros desafios da fissional de psicologia re­quer uma forma­ção
formação profissional em psicologia que cul­ baseada na diversi­fica­ção de métodos e es­
mi­naram na elaboração das novas Di­retrizes tratégias, e também na criação de situações
Curriculares, fortemente mar­cadas pela cren­ça de aprendizagem que levem o estudante a de­
de que as possibilidades de atua­lização estão monstrar as compe­tências norteadoras do cur­
intimamente relacionadas à capacidade dos rículo como solu­ção de problemas e ge­ração
pro­fissionais de relacionar pesquisa e prática de conhecimentos.
profissional. Somente aprendendo a produzir A Figura 20.9 resume a avaliação dos
conhecimento será possível inovar nas práticas psicólogos quanto ao nível de desenvol­vi­
de atuação de modo consistente e responsável, mento das competências previstas para o
fazendo fren­te às novas de­mandas de exercício seu curso de graduação.

Avaliar problemas humanos (afetivos, comportamentais e


Mais
cognitivos) em diversos contextos.
desenvolvidas
Desenvolver vínculos profissionais requeridos na atuação
profissional.
Realizar orientação e aconselhamento psicológico.
Realizar psicoterapia.
Trabalhar com profissionais de outras áreas.

Competências de investigação científica:


Elaborar relatórios científicos.
Formular questões de pesquisa.
Competências de atuação profissional:
Menos
desenvolvidas Realizar diagnóstico de processos
psicológicos organizacionais e grupais.
Coordenar grupos.

Figura 20.9 Competências mais e menos desenvolvidas durante a formação na perspectiva dos psicólogos.
O trabalho do psicólogo no Brasil 433

Os achados da pesquisa apontam clara­ 10 a 30%) da sua renda nisso. As ações vol­
mente que, independentemente de se gra­ tadas para a qualificação envolvem tanto a
dua­rem em instituições públicas ou priva­ participação em eventos científicos e pro­
das, os psicólogos se sentem mais bem pre­ fissionais formais, quanto a leitura de pe­
parados para atuar no âmbito das atividades riódicos e conversas informais com colegas
relacio­nadas a diagnóstico, orientação e in­ visando o intercâmbio de conhecimento.
ter­venção em problemas de natureza psico­ Esse importante movimento em busca
lógica indi­vidual e também para colaborar de aprendizagem e qualificação, em grande
com colegas de outras áreas. Mas não se parte potencializado pelas fragilidades dos
sentem tão bem preparados quando o que cursos de graduação, impõe o desafio de se
está em jogo é o uso de seu próprio campo conhecer a motivação e as estratégias de
de atuação para produzir novos conheci­ aprendizagem usadas pelo psicólogo no seu
mentos que venham a subsidiar sua prática dia a dia no tra­balho. Isto é, quando não há
profissional. Esse é um dado importante. a possibilidade de buscar eventos sistema­
Apesar da forte demanda de atuação no ticamente planeja­dos visando aquisição, re­
nível do grupo e das orga­nizações nas di­ tenção e transfe­rência de conhecimentos e
versas áreas de atuação (saú­de, organiz­a­ habilidades.
cional e trabalho, educacional e social, por A motivação para aprender no trabalho
exemplo), para subsidiar ações conjuntas, é definida como a direção, o esforço, a in­
os psicólogos não se sentem sufi­cien­temente tensidade e a persistência do engajamento
preparados para diagnosticar pro­­cessos or­ dos indivíduos em atividades voltadas para
ga­nizacionais e grupais e para coordenar aprendizagem. As estratégias de apren­diza­
gru­pos. Esses resultados são bas­tante coe­ gem no trabalho são as ações e os proce­
ren­tes com aqueles obtidos na ava­liação do dimentos utilizados para adquirir, reter e
Enade em 2006, especialmente no tocante à recuperar diferentes tipos de conhecimento
formação científica. e desempenho, e se encontram divididas em
Os resultados anteriormente descritos três grandes grupos: as cognitivas (reflexões
sinalizam claramente que o processo forma­ intrínsecas e extrínsecas, memorizações), as
tivo deve criar situações de aprendizagem comportamentais (buscas de ajuda interpes­
em que a atualização constante e a explo­ soal e em material escrito, aplicação práti­
ração do campo de atuação e a pesquisa ca) e as de autorregulação (das motivações
sejam estimuladas e desenvolvidas nos estu­ e emoções e de compreensão do próprio
dantes. O foco exclusivo no conteúdo deve pro­­cesso de aprendizagem). Estas últimas
ser substituído por uma estrutura e uma di­ não foram aqui investigadas.
nâmica curriculares centradas nas expec­ Em relação à motivação para aprender
tativas de atuação profissional em equipes no trabalho, os resultados permitem con­cluir
inter e multidisciplinares. Nessa direção, os que os psicólogos são mais motivados a
estágios e as pesquisas deveriam oportu­ni­ aprender por razões de carreira do que por
zar o trabalho em equipes de modo que via­ razões ligadas às organizações às quais estão
bilizassem a integração de experiências em vinculados. Na prática, isso significa que pos­
diferentes áreas da psicologia. suem forte preocupação com o cres­ci­men­to
No que tange às iniciativas para se man­ profissional, independentemente de is­so pro­
ter qualificado depois da conclusão do cur­ mover seu desenvolvimento na orga­ni­zação
so, os resultados da pesquisa sinalizam que em que trabalham. Se, por um lado, esses
o psicólogo é um profissional que se preo­ dados indicam uma preocupação mais indivi­
cupa muito com o aperfeiçoamento e a dualista do que coletivista, for­talecem o ar­
atua­lização profissional e investe parte (de gu­mento de que o psicólogo possui um vín­
434 Bastos, Guedes e colaboradores

culo forte com a sua profissão e, como con­ cognitiva de reflexão intrínseca consiste em
sequência, se envolve em ações que ve­nham esforços de aprendizagem para identificar
a aprimorar sua competência profis­sional. elementos centrais das ações de trabalho pa­
Esse resultado também indica que a psi­co­ ra, então, criar esquemas mentais que agru­
logia está fortemente associada a uma ima­ pem e relacionem esses elementos. A es­
gem de uma ocupação autônoma que torna tratégia comportamental de aplicação prá­­­­tica
o profissional o principal respon­sável por sua consiste em ações que visam testar na prática
própria atualização, o que é bastante con­ o que foi planejado ou aprendido teorica­
sistente com o discurso con­tem­porâneo e men­te, ensaiando possíveis ajustes ao con­
glo­balizado de valorização do trabalhador tex­to específico de aplicação.
que toma para si a respon­sa­bilidade por seu Uma terceira estratégia bastante usada
desenvolvimento profis­sio­nal. Em síntese, ain­ por psicólogos, principalmente por aqueles
­da que outros dados da pesquisa nacional do sexo feminino, é a ajuda interpessoal,
apontem que o psi­cólogo concilia sua ativi­ que envolve comportamentos de busca de
dade autônoma com a de assalariado, a rigor, auxílio de outras pessoas para aumentar a
ele se engaja em um processo ativo de apren­ compreensão dos novos conhecimentos e
dizagem, mais por sua carreira (interesses novas habilidades no trabalho. Tal estraté­
in­di­vi­duais) do que para atender aos interes­ gia, no entanto, é altamente dependente de
ses coletivos da organização. contextos organizacionais ou sociais perce­
Quais seriam as estratégias de apren- bidos como provedores de suporte. Estraté­
di­zagem mais usadas pelos psicólogos no gia de reflexão extrínseca, geralmente asso­
tra­balho? ciada à busca de sustentabilidade organiza­
A Figura 20.10 ilustra, de modo claro, cional e dependente de análises complexas
que as duas estratégias mais usadas, quase de contexto, bem como a de busca de ajuda
sempre de modo combinado, são a reflexão em material escrito, foram menos frequen­
intrínseca e a aplicação prática. A estratégia te­mente indicadas pelos psicólogos.

1. Estratégia cognitiva: 2. Estratégia comportamental: 3. Estratégia comportamental:

Reflexão intrínseca Aplicação prática Busca de ajuda interpessoal

Figura 20.10 Estratégias de aprendizagem mais usadas pelos psicólogos.

Enfim, os resultados nos fazem concluir de ajuda in­ter­pessoal. Essas promoveriam


que a maior motivação para aprender é fun­ autonomia na aprendizagem e no controle
dada em razões de carreira, que funcionaria dos processos de aquisição, retenção e trans­
como potente motor de desenvolvimento ferência de conhe­cimentos, habilidades e ati­
que estimula o uso de estratégias, princi­ tudes, ou compe­tências no trabalho, que sus­
palmente as associadas a processos de re­ tentariam o exer­cício da profissão com qua­
flexão intrín­seca, aplicação prática e busca lidade.
O trabalho do psicólogo no Brasil 435

O exercício da profissão: tar subjetivo podem ser explicados pelo fato


bons indicadores de da opção pela psicologia ser fortemente de­
saúde ocupacional cor­rente de “livre” escolha e de fatores in­
ternos, tais como vocação.
Dois principais indicadores de saúde O bem-estar subjetivo do psicólogo é
ocu­pa­­­­­cional foram investigados na presente confirmado também pelos resultados de burn-
pes­quisa: o bem-estar subjetivo e o burnout, -out, que pode ser definido como uma síndro­
pe­las evidências de que a natureza das ativi­ me psicoafetiva na relação da pessoa com o
dades profissionais do psicólogo pode pre­ trabalho que provoca consequências no de­
dis­pô-lo a vários sinais de desgaste emo­cio­ sem­penho profissional. A síndrome resulta da
nal. Os resultados obtidos, no geral, apon­tam combinação de alta exaustão emocional (es­
para uma boa qualidade da saúde psicoló­ gotamento físico e mental), despersonalização
gica dos nossos profissionais. (estabelecimento de um contato indiferente e
Em relação ao bem-estar subjetivo, cujos impessoal com sua clientela) e baixa reali­za­
principais resultados estão sintetizados na ção pessoal no trabalho (entendida como in­
Figura 20.11, os psicólogos possuem satisfa­ satisfação com as atividades realizadas).
ção geral com a vida, havendo predomi­nân­ A síntese dos resultados relativos a cada
cia de afetos positivos sobre os negativos. Em uma das três dimensões encontra-se ilustra­
parte, esses resultados favoráveis ao bem-es­ da na Figura 20.12.

• O modo como é tratado.


• Relações com a família.
• Realizações em toda a vida.
Satisfação • Vida afetiva.
geral com a vida • Trabalho atual.

• Disponibilidade financeira.
• Tempo de descanso.
Fatores de menor • Padrão de vida atual.
satisfação • O que faz para se distrair.

• Alta intensidade: bem, feliz, contente, animado.


• Baixa intensidade: deprimido, triste, nervoso e chateado.
Afetos positivos

Figura 20.11 Satisfação com a vida e intensidade de afetos vividos pelos psicólogos.

É fácil constatar que, apesar da exaus­ Uma importante evidência obtida no es­
tão emocional (fortemente associada ao es­ tudo é que, ao contrário do que se possa
tresse) e de algum nível de despersona­ imaginar, não é a área de atuação a res­pon­
lização, o psicólogo consegue ter êxito na sável pelo desenvolvimento desta sín­drome,
sua relação com o trabalho, visto que al­ mas o tipo de vínculo de emprego que o psi­
cança realização profissional. A síndrome cólogo possui. Psicólogos que são assalariados
de burnout foi identificada entre 18% dos e atuam no setor privado apre­sentam maiores
psicólogos participantes. níveis de exaustão emocio­nal do que os au­
436 Bastos, Guedes e colaboradores

Moderado Moderado Baixo


para alto para baixo

Exaustão Redução da realização


Despersonalização
emocional pessoal no trabalho

Figura 20.12 Indicadores de burnout nas três dimensões.

tônomos. A exaustão emo­cional e a redução A família e o trabalho são as duas es­


da realização pessoal no trabalho estão forte­ feras mais importantes para o psicólogo,
mente associadas à ren­da e à contribuição no com o trabalho tendo um peso bastante pró­
orçamento familiar. Dito de outro modo, o ximo àquele atribuído à família. Depois apa­
burnout está rela­cionado com condições ad­ rece o lazer. Bem distante, aparecem a re­
versas, como precisar trabalhar muito para ligião e as atividades vinculadas à comu­ni­
contribuir para o orçamento doméstico. dade (participação em sindicatos, associa­
O ponto positivo é que, em termos ge­ ções, etc.). Esses resultados indicam que,
rais os indicadores de bem-estar subjetivo apesar de o psicólogo considerar o trabalho
do psicólogo são congruentes com os dados como importante, sua família está em pri­
de burnout. Revelam que o psicólogo, ape­ meiro lugar. Mas essas duas esferas têm im­
sar de às vezes vivenciar exaustão emo­cio­ portâncias muito próximas, o que não ne­
nal, consegue ser bem-sucedido no modo cessariamente ocorre com trabalhadores em
como lida com as adversidades no ambiente outras ocupações.
de trabalho, preservando a sua saúde psi­ Além da centralidade, a investigação
cológica e o sentimento de bem estar. Deve do significado do trabalho avaliou os atri­
ser lembrado, no entanto, que esses resul­ butos valorativos, cujo enfoque foi em co­
tados são baseados em autorrelatos e que, mo o trabalho do psicólogo deve ser; e os
neste caso específico, pode existir um risco atri­butos descritivos, cujo enfoque foi em
mais elevado de ocorrência de respostas como o trabalho do psicólogo se realiza no
socialmente desejáveis. O conceito do “bom co­tidiano laboral. Os atributos valorativos
psicólogo” muito provavelmente inclui a di­ esta­riam relacionados aos fatores de justiça
mensão de boa saúde mental. no tra­balho, autoexpressão e realização,
so­brevi­vên­cia pessoal e profissional, des­
gas­­te e de­su­manização. Os atributos des­
O significado do trabalho: cri­ti­vos, por sua vez, estariam relacionados
elevada centralidade aos fatores de autoexpressão, desgaste e
e distância entre o desu­ma­nização, independência e recom­
desejado e o real pen­sa eco­nômica, res­pon­sabilidade e rela­
ções de trabalho.
Qual o significado do trabalho para o A Figura 20.14 resume as conclusões
psicólogo? Quanto ele é central na sua vida, sobre os dois conjuntos de atributos do tra­
considerando-se as outras esferas tais como balho para o psicólogo: o ideal (valorativo)
família, lazer, comunidade e religião? Os re­ e o real (o concreto).
sultados sobre centralidade encontram-se Pela leitura da Figura 20.14 é possível
sumarizados na Figura 20.13. concluir que os atributos ideais que dão sig­
O trabalho do psicólogo no Brasil 437

Família
34,2

Trabalho
31,6

Lazer
18,4

Figura 20.13 Centralidade do trabalho na vida pessoal.

O que o trabalho O que o trabalho


deve ser (ideal) é (real)

Promover Humanizador e
crescimento e promotor da
independência. sociabilidade.

Obter Impositor de
reconhecimento normas e
econômico. segurança.

Propiciador de
Propiciador
realização e
de realização.
igualitarismo.

Figura 20.14 Atributos valorativos e descritivos do trabalho para o psicólogo.

nificado ao trabalho nem sempre coincidem nalou a diferença entre os atributos valo­
com aquilo que os psicólogos encontram no rativos e descritivos foi o de que, entre os
seu cotidiano de trabalho. No plano ideal, o primeiros, as recompensas econômicas têm
trabalho deve promover o crescimento e a um significado humanizante, ocorrendo o
independência e recompensar com justiça o inverso nos atributos descritivos.
esforço empreendido, permitindo a realiza­
ção. No plano real, o trabalho promove a
humanização do homem e garante sua so­ Um forte vínculo com a profissão,
cia­bilidade, mas ao custo de estar sub­me­ apesar de uma identidade dividida
tido a normas e regras, sem que neces­sa­
riamente seja assegurada a completa rea­li­ O comprometimento com a profissão
zação profissional. Ao contrário, normas e envolve uma forte identidade com a ocupa­ção
regras impõem limites ao crescimento e à escolhida, associada a afetos positivos em
realização pessoal e profissional, sem que se relação a ela que fazem com que o profissional
dê a contrapartida esperada, ou seja, a se­ seja dedicado, invista em con­tínua qualifi­
gurança. Outro aspecto que também assi­ cação e aperfeiçoamento para obter o melhor
438 Bastos, Guedes e colaboradores

desempenho possível. É fácil constatar que seus impactos sobre a intenção de perma­nên­
vínculos dessa natureza este­jam associados à cia foram analisados tanto em relação à pro­
intenção de permanecer na profissão. Na pes­ fissão quanto à área de atuação. Uma rá­pida
quisa, tais vínculos de comprometimento e síntese encontra-se na Figura 20.15.

Maior força do
Quanto maior o vínculo
Vínculo com comprometimento
afetivo, menor a intenção
a profissão afetivo do que
de mudar de profissão.
instrumental.

Vínculo afetivo mais


Maior intenção de
Vínculo com a forte, embora o peso
mudança entre psicólogos
área de atuação do instrumental seja
educacionais e escolares.
um pouco maior.

Figura 20.15 Vínculos com a profissão e a área de atuação e intenção de mudança.

Os resultados da pesquisa nacional per­ caso das pós-graduações stricto sensu, o vín­
mitem concluir que os psicólogos, inde­pen­ culo instru­men­tal também se faz notar, já que
dentemente de trabalharem exclusivamente esse ní­vel de qualificação está asso­ciado a um
na área da psicologia ou atuarem conjun­ta­ gran­de investimento financeiro e de tempo.
mente com outra atividade profissional, pos­ Mes­mo assim, o vínculo afetivo emerge mais
suem um forte comprometimento afetivo com for­te do que o instrumental.
a profissão. Em menor proporção, pos­suem Quanto maior o vínculo afetivo com a
um comprometimento instrumental. É preciso pro­fissão, menor a intenção de mudança. Isso
lembrar, em poucas palavras, que o compro­ pode estar relacionado ao processo de identi­
metimento afetivo está ligado ao con­ceito de ficação crescente com este campo de conhe­
vínculo por gosto (compar­ti­lhamento de valo­ cimento, que se inicia com a escolha por fa­
res, disponibilidade para defender), enquanto tores internos (vocação, doação, ajuda ao ou­
o instrumental está as­sociado ao conceito de tro e autoconhecimento) e se conso­lida ao
vínculo por necessi­dade (relações de troca em longo do tempo. Essa interpretação po­deria
que se leva vantagem ou, pelo menos, não se ter sido melhor explorada se na pes­­­­quisa ti­
fica em desvantagem). ves­se sido também medido o com­­­pro­meti­
A força do comprometimento afetivo do men­to normativo. Ele estaria as­­­sociado à in­
psicólogo com sua profissão é um traço mar­ ternalização, no seio da famí­lia e depois nos
cante. Sua intensidade não varia muito entre primeiros anos escolares, de valores mais ge­
as áreas de atuação. Ao longo do tem­po, esse rais (de vida social) que extrapolam, mas po­
comprometimento tende a au­men­tar, em espe­ dem estar associados, aos valores identifica-
cial quando o psicólogo in­veste na sua for­ma­ dos como típicos da pro­fissão. Tal associa-
ção pós-graduada, atin­gindo seu ápice quan­do ção levaria à chamada escolha vo­ca­cionada
recebe o título de doutor. Isso nos leva a con­ ou “li­vre”, antes men­cionada aqui, que pro­va­
cluir que, se de um lado a prática profissional vel­men­te ocorreria no final do ensino médio.
ao longo do tempo faz com que o psicólogo Em geral, o vínculo com a área de atua­
aumente o seu envol­vimento emocional forta­ ção segue o mesmo padrão do compro­me­­ti­
lecendo o vínculo afetivo com a profissão; de mento com a profissão, mas há maior va­
outro, no inves­timento em qualificação, princi­ riabilidade de respostas do que quando
pal­mente de médio e longo prazos, que é o o vínculo avaliado é somente com a pro­fis­
O trabalho do psicólogo no Brasil 439

são. Foi identificado um grupo de 10% de tidade da profissão, explo­rando-se as se­me­


psicó­logos que não mantêm um compro­me­ti­ lhanças e as diferenças percebidas pe­los psi­
mento afetivo com a área de atua­ção. Pro­ cólogos em relação a outros grupos profis­sio­
vavelmente isso se deve ao fato de o vínculo nais. A demarcação de grupos pro­fissionais
com as áreas de atuação ser mais sus­ceptível em que o psicólogo estaria incluí­do, e daque­
às condições de trabalho que as circuns­cre­ les dos quais o psi­cólogo não faria parte,
vem. A docência e a saúde apre­sentam níveis permite compreender os limites da iden­
mais elevados de compro­metimento afetivo tidade social desse pro­fissional na fronteira
quando comparadas às demais. com áreas afins. Tal compreensão é de extre­
O argumento de que o comprome­ti­men­ ma impor­tância, uma vez que as mudanças
to com a área de atuação tem espe­ci­ficidades ocorridas no mun­do do trabalho atual têm
distintas do comprometimento com a profis­ diluído os limites níti­dos de de­marcação do
são e é fortalecido pelo fato de fatores ex­ campo de atuação profis­sional e alterado a
ternos apresentarem-se um pouco mais des­ configu­ração das ocu­pa­ções. Isso tem impac­
ta­­cados para os psicólogos que optaram pela tos na formação de ní­vel su­pe­rior e no perfil
área organizacional e do tra­balho. Outro da­ de­man­­­da­do pelo mer­ca­do, o que acirra a dis­
do importante é o de que os psicólogos edu­ pu­ta por espaços ocu­pa­­cionais privile­giados.
ca­cionais apresentam mais tendência a que­ Os resultados, sintetizados na Figura
rer mudar de área do que os docentes e os 20.16, apontam de modo claro que o psicó­
da área organizacional e do trabalho. lo­go se percebe como pertencente ao grupo
O forte comprometimento com a profis­ das ciên­cias da saúde, em primeiro lugar, e,
são existe no interior de uma ocupação que em se­gundo lugar, ao grupo das ciências
convive com diferentes mode­los identitá­rios. sociais e humanas. As áreas de exatas visi­
O presente trabalho tem como uma de suas vel­mente são percebidas como áreas de con­
contribuições inovadoras o estudo da iden­­ traidentidade dos psicó­lo­gos.

Ciências exatas
• Racionalidade
• Ambiente físico
• Impessoalidade
• Objetos naturais

Grupo
profissional
de contra-
-identidade
Grupos
profissionais
de identidade

Ciências da saúde
• Sentimentos, bem-estar
• Subjetividade
• Relações humanas
Ciências sociais e humanas
• Indivíduo em contexto
• Subjetividade
• Compreensão das relações

Figura 20.16 Grupos de afinidade (identidade) e de não afinidade (contraidentidade) e as jus­


tificativas dadas pelos psicólogos.
440 Bastos, Guedes e colaboradores

Quando se leva em conta as áreas de geral, reafirmando a forte identidade que o


atuação, os resultados se modificam um pou­ psicólogo tem com a área de saúde. A Figu-
­co, mas não chegam a alterar a ten­dên­cia ra 20.17 resume esses resultados.

QUEM ATUA EM UMA ÚNICA ÁREA

Clínica, saúde, organ. & trab, docência: Escolar & educacional:


1. Saúde / 2. Sociais e humanas 1. Sociais e humanas / 2. Saúde

QUEM COMBINA ÁREAS

Saúde + / organizacional + / esc. & educ.: Docência + / Clínica +


1. Saúde / 2. Sociais e humanas 1. Sociais e humanas / 2. Saúde

Figura 20.17 Grupos profissionais (áreas de conhecimento) de identidade do psicólogo por área
em que atua.

A atuação combinada em várias áreas homogênea: a que asse­gura o pertencimento


con­tribui para que alguns psicólogos rede­ a uma classe mais am­pla (a de psicólogos) e
finam sua identidade em relação aos grupos a que o faz para os subgrupos de tal clas-
profissionais das áreas de ciências da saúde se (social, or­ga­niza­cio­nal e do trabalho, da
e de ciências sociais e humanas, enquanto saúde, escolar e edu­cacional, etc.).
ou­tros fortalecem a identidade assumida Este segundo nível de identidade, que
pe­­la atua­ção exclusiva em apenas uma das homogeneíza os grupos de áreas de atua­ção,
áreas. Esse resultado é muito importante seria construído a partir das relações estabe­
por si­na­lizar que há consenso entre os psi­ lecidas entre profissionais de diversas áreas
cólogos so­bre qual seria seu grupo de con­ que atuam no mesmo contexto prático e que
trai­den­tidade (ciências exatas). Mas quando possuem interesses comuns, fator que força-
o foco está no grupo de afinidade, a dupla ria uma nova configuração de iden­ti­dade. Is-
iden­tidade com as áreas de saúde e de ciên­ so torna compreensível, por exem­plo, que os
cias sociais e hu­manas se faz notar. De al­ psi­cólogos organizacionais e do trabalho se
gum modo a atuação em mais de uma área perce­bam mais identificados com adminis­
força o psicólogo a reafirmar ou re­definir tradores e sociólogos do traba­lho do que com
seu gru­po de afinidade. psicólogos clínicos. Do mesmo modo, psicó­lo­
Os resultados obtidos nas entrevistas com gos da área de saúde se percebem mais afins
psicólogos permitem concluir também que, de a enfermeiros, mé­dicos e nutricionistas do
um lado, há uma identidade que uni­fica a ca­ que a psicólogos organizacionais e do traba­
tegoria social profissional do psicó­logo; de lho. Essa suposi­ção de construção de relações
out­ro, porém as diversas in­ser­ções e os mo­ entre profis­sionais está fortalecida por aque-
men­tos históricos experi­mentados pe­los psicó­ les dados que demonstram uma parte signifi­
logos fazem emergir novas identi­dades que cati­va dos psicólogos trabalhando em equipes
em algumas circuns­tâncias com­petem entre si mul­­ti­profissionais. Tais equipes seriam o mo­
para se tornarem predo­mi­nantes. Desse mo­ tor principal da construção desse segundo ní­
do, é possível pen­sar em níveis de identidade vel de identidade.
O trabalho do psicólogo no Brasil 441

Ética profissional: que valores Acesso da População à Psicologia; e Digni­


orientam a prática profissional dade da Profissão.
O primeiro caso tratava de uma decisão
As normas e as regras que se encontram relativa à guarda do filho, em que a psicó­
presentes em um código de ética não tra­ loga decidiu, com base na versão do pai,
duzem efetivamente o que ocorre no coti­ emitir parecer desfavorável à saída da crian­
diano da prática profissional. As condutas ça do país para viver com a mãe. O se­gun­do
são julgadas não somente por variáveis pes­ caso partiu de uma denúncia de outros psi­có­
soais (intenção do ator), mas também por logos contra uma colega que fez uma ampla
variáveis situacionais. É isso que torna desa­ divulgação de um curso de astrologia aplicada
fiadora a discussão entre a ética, que está à seleção de pessoal, difundindo relações en­
no plano abstrato das indagações sobre o tre astrologia e traços de perso­nalidade dos
que é certo e errado, e a moral, que se en­ candidatos. Finalmente, o ter­ceiro caso refere-
contra no plano concreto e se refere a como se à condução de um pro­gra­ma de inclusão
as pessoas, na vida cotidiana, orien­tam suas social de portadores de necessidades especiais
condutas para assegurar, na práti­ca, a obe­ em uma escola quan­do o profissional enfrenta
diência a princípios éticos gerais. resistências dos pais e dos professores que ale­
A pesquisa nacional do psicólogo pro­ gam prejuízos para as crianças com dificul­
curou explorar, então, a partir de três casos dades de ren­dimento.
distintos que geraram processos éticos em Os julgamentos realizados pelos respon­
conselhos regionais de psicologia no Brasil, dentes, frente aos três casos apresentados para
o tipo de julgamento moral que os psi­có­lo­ análise, encontram-se sintetizados na Figura
gos fazem quando levam em conta a si­tua­ 20.18, indicando se princípios nor­tea­dores fi­
ção, os atores envolvidos e a conduta do xa­dos no código de ética profis­sio­nal foram ou
psicólogo. A questão para a qual se ten­tou não observados pelo prota­gonista do caso.
encontrar uma resposta mais satisfatória era Umas das principais conclusões ao ana­
sobre se os psicólogos relativizavam o seu lisar as respostas dos psicólogos sobre os
julgamento ético-profissional ao levar em prin­cípios valorativos envolvidos em cada
conta, no seu julgamento, os fatores ineren­ situação é a de que o julgamento leva em
tes à situação. Se assim for, um de­safio se conta as especificidades de cada caso. O pri­
impõe para o projeto de cons­trução de uma meiro caso, considerado mais grave por­que
unidade ético-profissional, visto que quando envolve a vida de uma criança e a preo­cupa­
se tenta colocar na prática princí­pios gerais, ção com o seu bem-estar, desperta mais for­
aspectos referentes à situação interferem no temente nos psicólogos os valores de saú­de e
modo como os julgamentos do que é certo qualidade de vida e também os de respon­
ou errado são analisados. sabilidade social, afinal a decisão do juiz terá
Para atender a esse objetivo, o estudo implicações para a vida futura da criança, já
foi planejado de modo que, para cada um que ficará separada de um dos pais. No se­
dos três casos, o participante da pesquisa gundo caso, os valores que se colocam em
apon­tasse quais dos sete princípios que destaque são os de igualdade e liberdade de
cons­tam no Código de Ética do Psicólogo expressão, visto que ao longo do processo de
estariam em jogo, justificando a sua res­ formação os psicólogos apren­dem a respeitar
posta. Os princípios são: Igualdade e Liber­ os pontos de vista alheios e a liberdade de se
dade; Saúde e Qualidade de Vida, Não Dis­ dizer aquilo que se pensa. No terceiro caso,
cri­minação e Não Violência; Responsa­bili­da­ há uma forte identificação dos psicólogos
de Social; Desenvolvimento da Psico­logia; com a conduta da colega que defende o pro­
442 Bastos, Guedes e colaboradores

caso 1: Guarda do filho

Princípios não considerados: Princípios considerados:


Dignidade da profissão / Não discriminação Saúde e qualidade de vida / Responsabilidade
e não violência / Igualdade e liberdade / social / Igualdade e liberdade /
Desenvolvimento da psicologia Não discriminação e não violência

caso 2: Curso de Astrologia

Princípios não considerados:


Princípios considerados:
Dignidade da profissão / Desenvolvimento
da psicologia / Responsabilidade social / Igualdade e liberdade / Saúde e
Acesso à psicologia qualidade de vida / Responsabilidade social

caso 3: Programa de inclusão social

Princípios considerados:
Princípio não considerado: Igualdade e liberdade / Não discriminação
Dignidade da profissão e não violência / Saúde e
qualidade de vida / Responsabilidade social /
Desenvolvimento da psicologia

Figura 20.18 Princípios valorativos considerados e não considerados em cada caso.

grama de in­clusão social e, por isso, os psicó­ dãos contribuem para julgar que ações des­
logos par­ticipantes da pesquisa não vacila­ sa natureza são for­te­mente representa­tivas
ram em dizer que a maior parte dos prin­ da ética profissional.
cípios valo­rativos que orientam o fazer do Além da importância da situação, o te­
psicólogo foi contemplada. ma a julgar, os atores envolvidos e as cren­
O grande desafio a ser vencido na obser­­ ças do que se pensa ser o certo e o er­rado
vância da aplicação de princípios éti­cos no con­tri­buem para a construção de um rela­
exercício profissional é o de que os psicólo­ tivismo no julgamento moral. Em­bora isso
gos não seguem os preceitos de mo­do acrí­ incomode aos que defendem uma ética pro­
tico, porque, a rigor, não os inter­na­lizam fissional pau­­tada simplesmente na obser­­­­
des­sa maneira. No primeiro caso, ape­sar de vância de princípios do código de ética para
a psicóloga estar preocupada com o bem- julgar e aplicar punições, os psicólogos tra­
estar da criança, tal defesa foi feita de modo zem consi­go seus valores pes­soais e os que
equi­vocado ao ignorar a versão da mãe. No lhes foram transmitidos durante a for­ma­
se­gundo caso, a imprecisão dos li­mites da ção. Isso impõe muitos desafios para uma
ciên­cia psicológica justifica a de­fesa da li­ uni­­dade na formação ético-pro­fissional do
berdade de cada psicólogo esboçar suas psi­cólogo que assegure a efe­tiva regu­lação
cren­ças pes­soais sobre o que seja a psi­co­ das condutas profissionais em con­formidade
logia. Final­men­te, no terceiro caso, a ex­pec­ com os princípios norma­tivos co­letivamente
tativa social de que a psicologia deve de­ aceitos. Alerta também para a responsabili­
fender um projeto político de inclusão social dade das instâncias for­mado­ras na cons­tru­
e exercer papel ativo na formação de ci­da­ ção de um projeto éti­co-pro­fissional.
O trabalho do psicólogo no Brasil 443

coNCLUSÃO demonstram uma força surpreendente. Há


efetivas indicações de que a profissão se
Um estudo com a envergadura deste nos expande e amplia o seu leque de serviços,
oferece um conjunto de informações ex­tre­ contextos e segmentos de população benefi­
mamente rico sobre a profissão da psico­logia ciária, como no caso da área de saúde, e se
no Brasil atualmente. As muitas per­gun­tas, as mantém nas áreas clínica e de organizações
múltiplas amostras utilizadas e as diversi­fica­ e trabalho. Mas há ausências que se torna­
das categorias de análise empres­tadas da lite­ ram ainda mais fortes na atual pesquisa,
ratura científica contemporânea em PO&T ge­ como é o caso da perda de espaço do psi­
raram informações que se com­plementaram e cólogo no campo da educação.
muitas vezes reconfirmaram achados. Na bus­ O estudo sinaliza horizontes para onde
ca pela consistência desses aspectos, foram está caminhando a psicologia brasileira e,
revelados dilemas que o psi­cólogo enfrenta e, mais importante, aponta problemas que cer­
às vezes, aparentes inconsistências entre os cam esse percurso. As discrepâncias entre
seus relatos do que percebe à sua volta, aquilo competências necessárias e adquiridas são
no que acredita e valoriza e o que faz. um dos problemas a exigir profunda refle­
As abrangências das questões formu­la­ xão por parte da categoria como um todo e,
das, dos fenômenos estudados e das ca­rac­te­ especialmente, do segmento voltado para a
rísticas mapeadas sobre a formação e o exer­ formação. A profunda confusão que cerca a
cício pro­fissional do psicólogo nos per­mitem adoção de referenciais teóricos por psicó­
afirmar seguramente que dispomos de um logos, e não apenas entre os recém-gradua­
amplo diag­­­nóstico. Ele poderá emba­sar defi­ dos, é a ponta de um problema que merece
nições políticas necessárias para o fortaleci­ atenção cuidadosa, pelo papel central que
mento da profissão por parte das entidades tais referenciais desempenham na estrutu­
da categoria, das sociedades e associações ração dos nossos cursos.
científicas e das instituições de ensino. A diversidade que marca o nosso exer­
A riqueza das informações disponíveis cício profissional – no número de traba­lhos,
ao longo dos capítulos deste livro abre vá­rias áreas e orientações que são acumu­lados –
pos­sibilidades de reexame e discussão de deve ser discutida e compreendida em estu­
ques­tões e desafios que cercam a nossa pro­ dos complementares mais especí­ficos e pro­
fissão, especialmente a partir do seu ex­pres­ fundos. Até que ponto tal diver­sidade não
sivo crescimento ao longo da última década. implode a forma como nos or­ga­nizamos in­
Tais informações lançam luz sobre impor­tan­ ternamente, fragilizando os li­mites que in­sis­
tes debates a respeito da formação do psi­ timos em criar dentro do campo? Não es­
cólogo brasileiro, das condições em que esta taríamos diante de uma opor­tunidade para
se dá e, especialmente, dos possí­veis impac­ explorar possíveis ele­mentos que conferem
tos sobre os serviços prestados à sociedade. continuidades de atua­ção (como bem sina­
Há claros sinais de mudanças em curso liza o conjunto de atividades desenvolvidas)
no campo profissional da Psicologia, ao lado independentes de contextos e áreas?
de permanências e estabilidades que não De um lado, as dificuldades enfrentadas
necessariamente seriam desejáveis. Existem na inserção no mercado de trabalho levam o
vários indicadores de fragilidade do merca­ psicólogo a diversificar sua forma de atua­
do de trabalho em termos das condições ção visando atender às inúmeras e variadas
ofe­­recidas para o exercício da ocupação demandas sociais. De outro, uma pretensa
pro­­­fissional, cujos ocupantes, mesmo assim, formação generalista fortalece no profissio­
se apegam a certos valores e crenças que nal a crença de que ele pode inserir-se em
444 Bastos, Guedes e colaboradores

qualquer contexto e transitar com facilidade Nesse sentido, espera-se que este tra­
entre áreas e abordagens teóricas distintas balho seja fator que estimule novos estu­dos,
com relativa competência. No primeiro ca­so, mais focalizados e mais profundos, so­bre
o mercado impõe flexibilidade ao psi­cólogo tantas questões que, agora mapea­das, ficam
para ajustar sua formação às necessi­dades em aberto. O engajamento de pesqui­sadores
contextuais, sob pena de não conse­guir in­ do nosso sistema de ensino de pós-gra­dua­
ser­ção profissional. No segundo, o pro­fis­sio­ ção nos parece indispensável, im­pon­do-se a
nal se vê fascinado com a possibi­lidade de criação e o fortalecimento de li­nhas de pes­
sua atuação ser irrestrita, mas isso não é quisa voltadas especificamente para a inves­
acom­panhado de um amadureci­mento teóri­ tigação das práticas profis­sio­nais da psico­
co suficiente para fazer jus a essa am­pliação. logia. Desse engajamento es­peram-se im­pac­
É angustiante constatar que investiga­ tos positivos sobre os cur­sos de gra­duação e,
mos um ser social submetido a um contexto em decorrência, sobre a melhoria da forma­
de in­tensas mudanças externas, mas que re­ ção que o nosso pro­fissional recebe.
vela sur­preendentes constâncias internas. É importante ressaltar que pesquisas ex­
Um estu­do extensivo e com características tensivas (surveys) como esta podem ser rea­
de um survey, como o realizado, não nos lizadas com uma periodicidade regular, ba­
per­­­mite avançar naquelas reflexões ou ime­ seadas em instrumentos de medida que per­
diatamente superar tais angústias. O tre­cho mitam comparabilidade e fundamentadas
de uma canção popu­lar revela (e ame­niza) em referenciais de análise que são usados
os sentimentos de pes­quisadores que, na pa­ra investigar outras ocupações. Com isso,
pro­cura de conhecer mais profun­da­mente a as mudanças e as dificuldades poderão ser
profissão do psicólogo brasi­leiro na atuali­ detectadas mais pronta e profundamente e,
dade, encontraram um quadro in­quietante assim, intervenções confiáveis serão viabili­
e desafiador. zadas para evitar que problemas se acumu­
Eu quis saber onde fica lem além do desejável. Vinte anos depois do
O coração primeiro grande diagnóstico do exercício da
E acabei com uma profissão no Brasil, o atual nos revela um
Estranha sensação quadro do exercício profissional que ainda
Vai ver, vai ver está longe de ser aquele que todos so­nha­
É mudança de estação... mos, apesar dos inequívocos sinais de avan­
(Mudança de Estação, A Cor do Som) ços identificados.
Apêndice 1
A pesquisa nacional do psicólogo no Brasil
caracterização geral e procedimentos metodológicos

Antonio Virgílio Bittencourt Bastos e Sônia Maria Guedes Gondim

Este apêndice foi redigido com o obje­tivo de in­terações com outros grupos de atuação pro­fis­
oferecer informações detalhadas so­bre o desenvol- sional afins e para definir de modo mais con­sis­
vimento do projeto nacional de pesquisa “A ocupa­ tente agendas de pesquisa visando ao desenvol­
ção do psicólogo: um exa­me à luz das categorias vimento da ciência e da profissão no país.
da Psicologia Orga­nizacional e do Trabalho”. O Uma das razões favoráveis à realização des­
referido pro­jeto, que integra uma das ações do sa investigação foi o fato de a última pesquisa
Gru­­po de Trabalho (GT) de Psi­cologia Organi­za­ nacional sobre o psicólogo nacional ter sido rea­
cional e do Trabalho (PO&T) e pertence à Associa­ li­zada no final da década de 1980, sinalizando a
ção Na­cional de Pesquisa e Pós-gradua­ção em Psi­ necessidade de atualização do diagnóstico sobre
cologia (ANPEPP), obteve financia­mento do Con­ o exercício profissional do psicólogo no Brasil. A
selho Na­cio­nal de Desen­volvi­mento Científico novidade do projeto estava na razão de ele ter
(CNPq) e apoio do Sistema Conselho. sido desenhado por um grupo de pesquisadores
O projeto de pesquisa teve como prin­cipal localizados em regiões geográficas distintas do
objetivo investigar a ocupação do psi­cólogo bra­ Brasil e com variados interesses e abordagens
sileiro no cenário atual e carac­terizar as trans­ teó­ricas, o que facultaria um amplo panorama
formações na profissão. O interesse foi o de di­ da ocupação do psicólogo na atualidade.
vulgar informações atua­lizadas em âmbito nacio­ Na proposta inicial, previu-se a coleta de
nal sobre a ocupação do psicólogo no Brasil: dados nacional por meio de questionários em
dados de­mográficos, formação, qualificação, vín­ papel, mas a concessão de ajuda financeira pelo
culos de trabalho, formas de inserção profis­ CNPq viabilizou a elaboração de um sistema de
sional, focos de atividades, focos e bases do com­ tecnologia que permitiu ampliar o acesso a um
prometimento com a profissão, com a car­reira e número maior de psicólogos dispersos no País.
com a organização, identidade social e catego­ Não se ignora, no entanto, as vantagens e des­
rização profissional. O domínio de tais informa­ van­tagens em utilizar a internet, pois apesar da
ções serviria de suporte para diagnosticar a rea­ popularização dos computadores nas últimas
lidade do psicólogo brasi­leiro em comparação déca­das, o acesso a essa tecnologia não é ampla­
com a de outros paí­ses, para orientar a elabo­ mente disseminado no território nacional. A fa­
ração de políticas de formação e qualificação vor do uso de formulários eletrônicos, o Conse­
pro­fissional, pa­ra alinhar estratégias de ações e lho Federal de Psicologia encomendou uma pes­
446 Bastos, Guedes e colaboradores

quisa ao IBOPE em 2004 na qual se concluiu, a ta­dos da pesquisa “Quem é o psicólogo


partir de uma amostra de 2000 psicólogos entre­ brasileiro?” e identificar as transfor­ma­
vistados por telefone, que 8 entre 10 psicó­logos ções ocorridas ao longo das últimas dé­
brasileiros usam computadores e acessam a inter­ cadas no país.
net em sua residência e/ou no trabalho. Em­bora ii) Mapear tendências inovadoras no exer­
47% dos entrevistados na pesquisa do IBOPE cício da profissão em termos de ativi­
residissem em São Paulo, uma realidade distinta dades, contextos de trabalho e usuários
do resto do País, a proporção vantajosa de psicó­ ou beneficiários dos seus serviços.
logos com acesso à rede mundial de computadores iii) Analisar os indicadores de subemprego,
serviu de estímulo para seguir adiante com a desemprego e novas formas de relações
viabili­zação da coleta eletrônica de dados. de trabalho na profissão, identificando
A opção pelo uso de novas tecnologias, to­ fatores de formação correlatos.
davia, possui riscos, e inúmeros problemas foram
enfrentados na concepção do sistema; isso levou a O segundo objetivo foi o de aplicar as cate­
prejuízos na perda de casos não registrados ade­ gorias e os métodos de estudo comumente usa­
quadamente no banco de dados. Mas, apesar des­ dos por pesquisadores da área de Psicologia Or­
sas inestimáveis e irreparáveis perdas, a pes­quisa ganizacional e do Trabalho nos programas de
conseguiu reunir um conjunto de infor­mações de pós-graduação nacionais, apoiando-se na diver­
grande abrangência e escopo sobre caracterizar o sidade de perspectivas teóricas e metodológicas
psicólogo brasileiro na atualidade, capaz de gerar existentes nesses programas para, então, conso­
insumos para instituições de ensi­no de graduação lidar uma rede de pesquisadores na área e apro­
e pós-graduação em psicologia, conse­lhos profis­ fundar a compreensão da dinâmica da ocupação
sionais, mercado de trabalho e também para os do psicólogo em múltiplas dimensões.
próprios psicólogos que poderão estar mais cons­ No Quadro 1, pode ser visualizado o escopo
cientes das mudanças e transfor­mações atuais do projeto, incluindo os módulos que integraram
nesse campo de atuação profissional. a pesquisa, com seus temas centrais e objetivos
O capítulo está organizado em três seções. A específicos.
primeira discorre sobre os objetivos do estudo, a
segunda descreve os procedimentos metodo­lógi­
cos, atendo-se aos instrumentos e aos procedi­men­ Procedimentos Metodológicos
tos de coleta e análise dos dados. Por último, são
apresentados alguns aspectos críticos da pesquisa. O projeto de pesquisa consistiu em um am­plo
survey sobre o exercício profissional da psi­cologia
no Brasil. Como visto na apresentação dos objeti­
Objetivos vos, ele continha uma parte comum e uma parte
específica. A parte comum consistiu em 25 ques­
Dois objetivos centrais nortearam a pesqui­ tões sobre formação e atuação do psicólogo, deno­
sa. O primeiro foi o de atualizar as informações minado de módulo básico; a ele estavam asso­
da dinâmica e dos rumos da profissão de psicó­ ciados módulos complementares, gerando sete di­
logo no Brasil, caracterizando, em uma amostra ferentes instrumentos (Apêndice 2). Vale ressaltar,
de abrangência nacional de psicólogos, o exer­ contudo, que os módulos 1 (Iden­tidade profissional
cício da profissão e construindo um quadro atua­ e múltiplos comprome­ti­mentos), 4 (Poder e grupos
lizado da sua formação acadêmica e comple­ de trabalho), 5 (Sig­nificado do trabalho), 6 (Saúde
mentar, assim como da sua inserção no mundo e bem-estar sub­jetivo) e 7 (Valores éticos), exceto
do trabalho em termos de atividades, contextos os módulos 2 e 3, incluíram as 25 questões do
e condições em que presta seus serviços pro­ módulo básico, apresentadas antes das questões
fissionais no Brasil. Almejava-se adquirir um am­ específicas de cada módulo. É oportuno esclarecer
plo conhecimento do exercício profissional da que informa­ções gerais sobre caracterização da
psicologia no Brasil para que fosse possível: amostra cons­tam no Capítulo 2 deste livro. Cabe,
i) Comparar os dados sobre formação e in­ então, apresentar os instrumentos utilizados na
serção profissional atuais com os resul­ pesqui­sa, não incluídos no referido capítulo.
O trabalho do psicólogo no Brasil 447

Quadro 1 Distribuição dos módulos por temas e objetivos


Temas centrais Objetivos
MÓDULO BÁSICO: Formação e atuação do psicólogo
Inserção na profissão: atividades, contextos, uso Replicar o diagnóstico amplo sobre a formação e a atuação
do tempo e condições de trabalho. Emprego e do psicólogo no Brasil, afim de analisar as transformações
Desemprego. Terceirização. ocorridas na profissão nos últimos 20 anos.
Formação básica e complementar.
MÓDULO COMPLEMENTAR 1: Identidade social e múltiplos comprometimentos no trabalho
Identidade e categorização social profissional. Analisar a construção da identidade profissional e os
A escolha da profissão e múltiplos comprometimentos comprometimentos com a profissão e área de atuação,
com o trabalho. vinculando-os aos processos de escolha.
MÓDULO COMPLEMENTAR 2: Aprendizagem no trabalho
Aprendizagem no trabalho e estratégias de aprendi­ Identificar os processos de aprendizagem e as estratégias uti­
zagem no trabalho lizadas no trabalho.

MÓDULO COMPLEMENTAR 3: Qualificação e desenvolvimento de competências no trabalho


Qualificação e desenvolvimento de Identificar as estratégias de qualificação utilizadas ao longo da
competências para o trabalho. carreira profissional.
Percepção da importância e do domínio de competências para o
exercício profissional.
MÓDULO COMPLEMENTAR 4: Grupos e equipes de trabalho
Conflito e poder em grupos uni e multiprofissionais. Analisar os processos de cooperação, conflito e exercício de poder
Cooperação em grupos. entre psicólogos que trabalham em equipes mul­tiprofissionais.
MÓDULO COMPLEMENTAR 5: Significado do trabalho
Significado do trabalho na profissão. Analisar o significado do trabalho para o psicólogo.

MÓDULO COMPLEMENTAR 6: Saúde no trabalho e bem-estar subjetivo


Bem-estar subjetivo. Analisar as relações entre condições do exercício profissional,
bem-estar subjetivo e burnout na categoria.
Burnout no trabalho.
MÓDULO COMPLEMENTAR 7: Valores e ética profissional
Valores éticos e responsabilidade social na profissão. Mapear a compreensão dos princípios éticos e de respon­sa­
bilidade social no exercício da profissão.

Instrumentos pesquisadores responsáveis pelos respectivos mó­­


dulos (Apêndice 2). O módulo 1 incluiu ques­tões
O módulo básico incluiu um conjunto amplo abertas em complementação às ques­tões fe­chadas
de itens, registrando informações sobre: forma­ção para investigar qualitativamente a iden­tidade pro­
acadêmica, inserção no mercado profissional, traje­ fissional. O módulo com formato mais dife­ren­
tória da carreira, trabalhos atuais (contexto, ativi­ ciado foi o 7, relativo a valores éticos e respon­
dades, usuários, condições de trabalho, re­mune­ sabilidade social. Esse módulo apresentou três
ração), dados demográficos, escolha da pro­fissão, casos para que o participante avaliasse a con­duta
perspectivas futuras quanto ao exer­cício profis­sio­ do psicólogo em cada um deles. Para mais deta­
nal. As 25 questões do módulo básico são apre­sen­ lhes sobre os instrumentos, ver o Apêndice 2.
tadas no Apêndice 2 junta­mente com todos os de­
mais instrumentos usados nos módulos específicos.
Os módulos específicos incluíram questões Procedimentos de
para avaliar cada um dos temas investigados coleta de dados
con­forme especificados no Quadro 1. Os instru­
mentos de cada módulo específico variaram con­ A coleta de dados foi feita on-line em uma
forme as orientações teórico-metodológicas dos página da web construída especialmente para tal
pesquisadores. Os módulos 1, 2, 3, 5 e 6 fizeram fim. Ela foi hospedada em um servidor da Uni­
uso de escalas construídas e/ou validadas pelos versidade Federal da Bahia e esteve ativa no
448 Bastos, Guedes e colaboradores

período de coleta de dados que durou aproxima­ Problemas no cadastro e no registro de se­
damente seis meses na transição de 2005 a 2006. nhas, de gravação de dados, de acesso ao sis­
Na página de abertura, era solicitado ao tema e de dúvidas no manuseio do sistema da
participante que preenchesse o cadastro antes de pesqui­sa acompanharam os meses iniciais de
iniciar a pesquisa. Ele informava o número de re­ coleta de dados, demandando ações corretivas
gistro no Conselho Regional de Psicologia (CRP), para evitar prejuízos futuros à investigação. Um
criava uma senha e dava informações gerais sobre dos maiores desafios enfrentados foram os erros
gênero, idade e ano de conclusão do curso. Uma de progra­mação, embora tivessem sido detecta­
vez preenchido o cadastro, o participante era con­ dos a tempo para as ações corretivas imediatas.
vidado a retornar à página de abertura e di­gitar o Este foi um dos principais motivos de perda de
seu número de CRP e sua senha para iniciar a casos válidos. Em resumo, apesar de se reco­
pesquisa. Abria-se em se­guida uma pá­gina de nhecer que este é o maior e mais amplo estudo
consentimento livre, em que eram informados os sobre a profissão do psicólogo realizada no Bra­
objetivos da pesquisa, os nomes dos pesquisadores sil, a expectativa era de que poderia ter atingido
da equipe e a ga­rantia de anonimato no trata­ uma amostra mais re­presentativa, não fossem
mento e na análise dos dados. O participante os problemas na con­cepção e na execução do
deveria pulsar o botão de aceita­ção localizado no sistema criado para a pesquisa.
lado direito da tela para enfim ser redirecionado
a um dos sete mó­dulos da pes­quisa. O sistema
previa a distri­buição aleatória para cada um dos Procedimentos
módulos, com exceção dos mó­dulos 2 (aprendi­za­ de análises de dados
gem) e 3 (competências e qua­lificação profissio­
nal), para os quais eram dire­cio­nados apenas Uma das facilidades dos surveys realizados
participantes que haviam concluído o curso de por meio eletrônico é que eles geram automa­
psicologia há mais de dois anos. ticamente uma base de dados, tornando-se des­ne­
O participante poderia optar por salvar suas cessária a digitação de dados que são poten­ciais
respostas para voltar a preencher o questionário fontes de erros. Após a finalização da pes­quisa,
em outro momento mais oportuno. Houve o cui­ foram gerados os bancos de dados em uma pla­
dado, também, de não impedir que a resposta an­ nilha para, em sequência, serem expor­tados para
terior privasse o participante de seguir adiante no um programa estatístico de trata­mento e análise
preen­chimento do instrumento. A intenção de pre­ dos dados. Hoje, há inúmeros sistemas que faci­
servar a liberdade de resposta pode, infeliz­mente, litam sobremaneira a progra­ma­ção de estudos
ter con­tribuído para o aumento de não respostas, tipo survey pelo próprio pesquisador.
re­duzindo os casos válidos para a análise. As 25 questões que integraram o módulo
A Figura 1 apresenta de modo resumido o básico foram tratadas e analisadas em separado
fluxo do processo da pesquisa on-line. Inicial­men­ pelos organizadores do livro e, em seguida, distri­
te havia sido previsto que o sistema enviasse um buídas aos demais pesquisadores, para dar sus­
convite aos inscritos nos CRPs com senha de aces­ tentação à elaboração dos Capítulos 2 a 10 e do
so e link da pesquisa para que os psicólogos se Capítulo 19. Algumas análises adicionais foram
cadastrassem e respondessem à pesquisa. Mas os feitas pelos próprios autores dos capítulos conforme
CRPs não possuíam cadastros atualizados de seus os objetivos propostos. Os Capítulos 11 a 18 tive­
associados e, por causa disso, optou-se por usar ram como objetivo analisar questões es­pecíficas in­
estratégia de divulgação intensiva para estimu­lar cluídas nos módulos comple­men­tares. As análises
os psicólogos a participar da investigação. ficaram sob responsabilidade dos pró­prios pesqui­
Antes de liberar o acesso livre ao sistema, os sadores que elaboraram as ques­tões específicas. Em
pesquisadores e a analista de tecnologia, respon­ virtude disso, nos capí­tulos que versam sobre ques­
sável pela concepção do sistema procederam aos tões do módulo bá­sico (4 a 10), são apresentadas
testes iniciais e, apesar de eles terem sido bem- informações gerais sobre a amostra total, ao pas-
-su­cedidos, inúmeros problemas surgiram duran­ so que, nos Capítulos 11 a 19, são caracterizadas
te o processo de coleta, o que prejudicou o re­ so­mente as subamos­tras de cada um dos módu-
gistro de dados e prolongou o período de coleta. los comple­men­tares.
O trabalho do psicólogo no Brasil 449

Número de registros dos CRPs


vinculados a e-mails 1) sistema gera e-mail lembrete
4 dias antes de terminar o prazo

geração
de senhas 1) sistema envia e-mails com senhas e prazo
2) valida registros, gera senhas e envia a psicólogos

i) registra CRP e senha


F Entrada do
L psicólogo no site sistema gera senha e envia ao e-mail
ii) registra CRP e solicita senha
U
X
O
2002 ou menos qualquer versão
Pergunta filtro exceto B e C
P Ano de conclusão sistema
E de curso distribui
S aleatoriamente qualquer versão
Q A , B, C,D,E, F ou G
U indiferente
I
S
início do
A preenchimento da
versão indicada
Banco de dados A
P Identidade e Compro
S Banco de dados B psicólogo
I psicólogo
Aprendizagem interrompe
preenche tudo
C preenchimento
Banco de dados C
Ó Competências
L
O Banco de dados D
Grupos pessoa sistema
G consolida a grava o que
O Banco de dados E finalização foi feito
SigTrabalho
Banco de dados F
Saúde e Bem-estar
sistema espera
Banco de dados G gera mensagem nova entrada
Ética agradecimento no sistema

Exportado para
Excel
bloqueia o
número do CRP

Exportado para
SPSS

Figura 1 Fluxo do sistema da pesquisa do psicólogo brasileiro.

Foi necessário transformar e criar algu- principais atividades que ele realizava, esco­
mas variáveis para proceder às análises, e uma lhidas em uma lista de 46 (Tabela 2). Essa in­
des­tas foi a de área de atuação. Ela foi criada formação é funda­mental porque muitas análises
levando em conta o local de trabalho (Tabela 1) que constam nos capítulos do módulo básico
em que o psicólogo estava inserido e as cinco incluíram tal va­riável.
450 Bastos, Guedes e colaboradores

Tabela 1 Opções de locais de trabalho por tipo de inserção.


Órgão da administração pública Empresa industrial, comercial Consultório particular próprio
centralizada ou de serviços
Consultório particular alugado
Empresas ou Fundações públicas
Instituição educacional – escola Instituição educacional – Escritório particular próprio
até ensino médio escola até ensino médio
Escritório particular alugado
Unidades do poder judiciário
Creches ou equivalentes Na própria residência
Instituição de ensino superior
(Universidades, Faculdades) Instituição de ensino superior
(Universidades, Faculdades)
Serviços de psicologia vinculados
a instituições de ensino Serviços de psicologia
vinculados a instituições de
Unidades do serviço público de saúde ensino
(hospital, centros ou postos de saúde)
Instituição de saúde (hospital,
Unidades públicas de atendimento a crianças etc.)
e adolescentes (creches, orfanatos, etc.)
Centros de avaliação psicológica
Clubes

Obs: Para a atuação nas Organizações sociais, não governamentais e cooperativas (terceiro setor) não foram apresentadas
opções de local de trabalho.

Tabela 2 Opções de atividades


Atividades
Análise de cargos e salários Docência de ensino médio Psicodiagnóstico

Análise de função e ocupacional Docência de ensino superior Psicoterapia individual (criança,


adolescente e adulto)
Aplicação de testes psicológicos Educação e reeducação psicomotora
Psicoterapia de grupo
Assessoria técnica Ergonomia
Psicoterapia de casal
Assistência geriátrica Intervenção em organizações e
instituições Psicoterapia de família
Assistência materno-infantil
Orientação vocacional/profissional Reabilitação profissional
Assistência psicológica a pacientes
clínicos e cirúrgicos (cardíacos, Orientação psicopedagógica Recrutamento e seleção
mutilados, terminais, etc.)
Orientação sexual Segurança e higiene no trabalho
Atendimento a crianças com distúrbios
Orientação de gestantes Supervisão de estágios
de aprendizagem
acadêmicos
Orientação a pais
Avaliação de desempenho
Supervisão extra-acadêmica
Orientação a adolescentes
Cargo administrativo (gerência ou
Treinamento
direção) Orientação a grupos na área de saúde
pública Triagem
Consultoria
Pareceres e laudos psicológicos
Coordenação de equipes de trabalho
Participação em equipes técnicas
Criação publicitária
Pesquisa científica
Desenvolvimento de grupos e equipes
Pesquisa de mercado
Diagnóstico organizacional
Planejamento de políticas educacionais
Dinâmica de grupo
Planejamento e execução de projetos

Obs: O psicólogo escolhia, desta lista, cinco das principais atividades que realizava no seu local de trabalho.
O trabalho do psicólogo no Brasil 451

As cinco principais atividades escolhidas Na presente pesquisa, dois fatores minimi­


pelos psicólogos foram relacionadas a cada um zam possíveis problemas decorrentes das fontes de
dos locais de trabalho e em cada tipo de inserção risco acima mencionadas. O primeiro fator é o de­
relatado: setor público, setor privado, terceiro senho da amostra, que, apesar da sua com­ple­xi­
setor e trabalho como autônomo. Desse modo, dade, apoia-se em uma população conhe­cida, do­
se um psicólogo dizia trabalhar tanto no setor cumentada e cujo acesso a esses registros é rela­
público quanto no setor privado, descrevendo as tivamente fácil. Todo psicólogo, para exer­cer a sua
cinco atividades principais em cada uma dessas profissão, deve manter ativo o seu re­gistro no
inserções, eram identificadas uma ou duas áreas Conselho Regional. Este, portanto, dis­põe de dados
de atuação, conforme se comparava o local de sobre todos os psicólogos atuantes. O Conselho
trabalho em cada setor e as atividades exercidas. Federal de Psicologia, por sua vez, dispõe dessas
informações em nível nacional, o que facilita o pro­
cesso de definição do universo, o estabeleci­mento
Aspectos críticos da pesquisa dos estratos amostrais e, em consequência, a sele­
ção aleatória dos partici­pantes da pesquisa.
Por envolver um levantamento extensivo de O segundo fator atenuante é o instrumento
informações de um grande número de unidades sob a forma de questionário respondido via in­
amostrais, está-se sujeito a riscos que podem ternet. As sete versões do instrumento (questio­
prejudicar a validade intrínseca (confiabilidade nário contendo questões abertas e fechadas, as­
dos dados) e a validade extrínseca (o poder de sim como algumas escalas) foram elaboradas a
generalização das informações obtidas). partir de pesquisas prévias conduzidas pelos pes­
A qualidade do processo de amostragem é quisadores do grupo de pesquisa (GT-PO&T). O
de suma importância nesse processo, pois o viés grupo de pesquisa também dispõe de capa­cidade
no estabelecimento da amostra (sub ou super- desenvolvida no domínio de construção e vali­
representação de segmentos da população) gera dação de instrumentos de medida, e o fato de
distorções nos resultados incontornáveis na fase lidar com uma categoria ocupacional homogênea
da análise dos dados. A qualidade do instru­ quanto ao nível de escolaridade facilitou o pro­
mento utilizado na coleta das informações tam­ cesso de coleta das informações via questionário.
bém é outro aspecto que merece atenção espe­ Mais detalhes dos instrumentos encontram-se no
cial. A precisão na formulação dos itens deve Apêndice 2, no qual, quando impertinente, o leitor
maximizar o seu poder em captar a informação encontrará informa­ções psicométricas sobre as es­
necessária e apropriada à questão investigada. calas usadas.
Apêndice 2
Instrumentos da pesquisa
nacional do psicólogo brasileiro

Este anexo tem como objetivo oferecer in­formações mais detalhadas sobre os instrumentos
utilizados na pesquisa. Ao todo foram sete versões do questionário.

Instrumento Detalhamento

Módulo Básico: Vinte e cinco questões comuns aos módulos 1, 4, 5, 6 e 7.


dados gerais
Módulo 1 Vinte e cinco questões do módulo básico
Identidade social e
Identidade Social:
múltiplos
Uma questão de resposta ordinal de grupos de afinidade à psicologia.
comprometimentos
Três questões abertas sobre afinidades e diferenças entre grupos afins
e não afins.
Comprometimento:
Uma escala validada de comprometimento com a profissão
e com a área de atuação (15 itens).
Módulo 2 Algumas questões do módulo básico.
Aprendizagem no Uma escala de importância de 8 itens.
trabalho Uma escala de utilidade de 8 itens.
Uma escala de expectativas de 9 itens.
Uma escala de estratégias de aprendizagem de 29 itens.
Escalas validadas.
Módulo 3 Algumas questões do módulo básico.
Qualificação e Uma questão sobre modalidades de qualificação.
desenvolvimento de Uma questão sobre renda investida na qualificação.
competências para o Uma questão sobre horas dedicadas à qualificação.
trabalho Uma escala de importância e domínio de competências para
o trabalho (validada).
O trabalho do psicólogo no Brasil 453

Módulo 4 Vinte e cinco questões do módulo básico.


Grupos e equipes de Uma questão sobre a natureza do trabalho multi ou unidisciplinar.
trabalho Uma questão especificando membros da equipe em caso
multidisciplinar.
Uma questão aberta especificando as atividades das equipes.
Uma escala de conflitos no grupo ou na equipe de trabalho (validada).
Uma escala sobre crenças no trabalho em equipe (validada).
Uma escala sobre satisfação com o trabalho em equipe (validada).
Módulo 5 Vinte e cinco questões do módulo básico.
Significado do trabalho Uma questão sobre a importância do trabalho na vida pessoal.
Uma escala com 62 itens sobre como é o trabalho e como deveria ser
(validada).
Uma questão de hierarquia de atributos de como deveria ser o trabalho.
Uma questão de hierarquia de atributos de como é o trabalho.
Uma questão de como esses atributos afetariam a busca de emprego.
Módulo 6 Vinte e cinco questões do módulo básico.
Bem-estar subjetivo e burn- Uma escala de 15 itens de satisfação com aspectos relativos à vida
-out pessoal (validada).
Uma questão de 14 itens para avaliar a intensidade de sentimentos.
Uma escala de 22 itens de burnout (validada).
Módulo 7 Vinte e cinco questões do módulo básico.
Valores éticos e Três questões apresentando, cada uma, um caso envolvendo problemas
responsabilidade social éticos para avaliação, pelo respondente, dos valores levados em
conta pelo psicólogo retratado na história. Ao final, um espaço foi
disponibilizado para comentários do participante.

Módulo Básico perior espalhadas por todo o país que, ao reco-­


nhe­cerem a importância de um estudo desta na­­­­tu­
O psicólogo brasileiro reza, se uniram em um grupo de trabalho da
ANPEPP (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-
Prezado Colega, Graduação em Psicologia) para realizar este pro­
Depois de quase 20 anos de uma extensa jeto. De forma colaborativa e integrada, estamos
pesquisa que caracterizou a nossa profissão, es­­ trabalhando para produzir um novo retrato da
tamos convidando você a participar de um no­vo nos­sa profissão no Brasil, base para atuarmos no
e amplo estudo para atualizar os dados e, so­ campo da formação dos novos profissionais e para
bretudo, aprofundar a nossa compreensão so­bre a formulação de planos de ação para as nossas
os serviços que prestamos à sociedade e sobre entidades profissionais e científicas.
problemas, desafios e perspectivas que cercam o Esperamos, a exemplo da pesquisa anterior,
nosso exercício profissional. contar com o apoio e a colaboração de todos os
O livro Quem é o psicólogo brasileiro, que colegas. A qualidade desse retrato que tra­çare-
apresenta os resultados da primeira pesquisa, foi mos sobre quem é o psicólogo brasileiro nos
publicado em 1988 e, hoje, estamos cientes de dias atuais irá depender da sua participação,
que esses dados podem não mais refletir a rea­ sin­ceridade e zelo ao prestar as informações so-
lidade do nosso exercício profissional ante o seu li­citadas.
vertiginoso crescimento nos últimos anos. Gran- Sua decisão de participar e de nos remeter
de parte das características e dos problemas o questionário respondido é de fundamental
identi­ficados naquela ocasião precisa ser reto­ importância para o sucesso de nossa pesquisa.
mada e reanalisada à luz do momento atual de Caso deseje obter informações adicionais sobre a
nossa pro­fissão. pesquisa, entre em contato pelos e-mails virgilio@
A presente pesquisa foi planejada por al­guns ufba.br e sggondim@terra.com.br.
pesquisadores de várias instituições de ensino su­ Contamos com você!
454 Bastos, Guedes e colaboradores

FORMAÇÃO

1. Forneça, no quadro abaixo, as informações sobre a sua formação acadêmica nos seus diferentes
níveis realizados.

Instituição educacional (assinale com um X)


Curso de Graduação em Psicologia Pública Privada

Pós-Graduação Campo de Instituição


Estágio do curso
(responda para o nível conhecimento educacional
em que realizou ou Em Em outro Concluído Em
está realizando) Pública Privada
Psicologia campo (ano) andamento
Especialização
(360h ou mais)
[Em caso de mais
de uma, escolha a
mais recentemente
concluída.]
Mestrado
Doutorado

2. Informe, no quadro a seguir, as atividades de formação complementar que você realizou nos
últimos 2 anos, indicando a frequência com que tais atividades ocorreram.

Marque um X Frequência
Modalidade
Sim Não 1 2 3 mais
Curso de curta duração (menos de 180 horas)

Curso de aperfeiçoamento (180 horas)

Grupo de estudos

Supervisão extra-acadêmica

Congresso (simpósio, encontro profissional, etc.)

A SUA INSERÇÃO PROFISSIONAL

Neste segmento, procuramos caracterizar a sua situação de trabalho ou as suas atividades pro­
fissionais, estejam inseridas ou não no campo da psicologia. De início, solicitamos que você iden­
tifique a condição que retrata a sua situação e, a partir desta resposta, você deverá responder a itens
específicos do questionário.
Uma distinção importante deve ser feita entre inserir-se ou não no campo de atuação da psicologia.
Para tanto, considere que atuar no campo da psicologia envolve toda a gama de atividades clássicas
e emergentes associadas ao psicólogo, incluindo-se atividades de ensino, pesquisa, gestão e
coor­denação de projetos relacionados a essa área, independentemente de abordagem teórico-
metodológica que adota.
O trabalho do psicólogo no Brasil 455

Assinale com um X uma alternativa que melhor se aplica à sua condição profissional. A partir da
resposta a esta questão, observe na coluna ao lado a quais itens do questionário que você deverá
responder.
Marque
Atividade profissional Instruções de preenchimento
com um X
A. Nunca atuei profissionalmente (dentro Responda as questões 3, 4 a seguir
ou fora do campo da psicologia). e vá para as partes IV e V, no final do
questionário.
B. Não exerço atividade profissional Responda as questões 5 a 10 e
(dentro ou fora do campo da psicologia) vá para as partes IV e V, no final
atualmente, mas já o fiz no passado no do questionário.
campo da psicologia.
C. Exerço atualmente apenas atividades Responda as questões 11, 12 e 13
profissionais fora do campo da psicologia. e vá para as partes IV e V, no final do
questionário.
D. Exerço atualmente atividades Responda o restante do questionário, a
profissionais no campo da psicologia partir da questão 13.
e em outro campo.
E. Exerço atualmente atividades profissionais Responda o restante do questionário, a
somente no campo partir da questão 14.
da psicologia.

Se você está na condição A, no quadro acima:


3. Assinale o(s) motivo(s) de sua não inserção profissional
• Pessoais ( )
• Familiares ( )
• Ausência de oferta de trabalho ( )
• Percepção de defasagem entre habilidades e demandas do mercado ( )
• Proposta de trabalho de baixa remuneração ( )
• Outros: _________________­­­­­­­­­_________________________________

4. Desejo em relação ao futuro


4.1. Você planeja se inserir profissionalmente no campo da psicologia?
Sim ( ) Não ( )
4.2. Caso sim, em que subárea da psicologia gostaria de vir a atuar?
• Clínica ( )
• Escolar ( )
• Organizacional ( )
• Docência ( )
• Pesquisa ( )
• Comunitária ( )
• Outra: ________________________________________________

Se você está na condição B, no quadro de atividade profissional:

5. Por quanto tempo trabalhou? _____ anos _____ meses


6. Onde você trabalhou?
• Empresa pública: municipal ( ) estadual ( ) federal ( )
• Empresa privada ( )
• Organizações da Sociedade Civil ( )
456 Bastos, Guedes e colaboradores

7. Em que subárea da psicologia?


• Clínica ( )
• Escolar ( )
• Organizacional ( )
• Docência ( )
• Pesquisa ( )
• Comunitária ( )
• Outra: __________________
8. Por quais motivos deixou de trabalhar?
• Pessoais ( )
• Familiares ( )
• Outra oferta de trabalho ( ) natureza do trabalho __________________
• Percepção de defasagem entre habilidades e demandas do mercado ( )
• Baixa remuneração ( )
• Falta de perspectiva de crescimento profissional ( )
• Outros: _________________­­­­­­­­­_________________________________
9. Este foi o seu primeiro emprego (trabalho) no campo da psicologia?
Sim ( ) Não ( )
10. Há quanto tempo não exerce atividades profissionais no campo da psicologia?
____anos _____meses

Se você está na condição C, no quadro de atividade profissional:


11. Assinale o(s) motivo(s) de sua não inserção profissional no campo da psicologia
• Pessoais ( )
• Familiares ( )
• Ausência de oferta de trabalho ( )
• Percepção de defasagem entre habilidades e demandas do mercado ( )
• Propostas de trabalho de baixa remuneração ( )
• Outros: _________________­­­­­­­­­_________________________________
12. Desejo em relação ao futuro
12.1. Você planeja inserir-se profissionalmente no campo da psicologia?
Sim ( ) Não ( )
12.2. Caso sim, em que subárea da psicologia gostaria de vir a atuar?
• Clínica ( )
• Escolar ( )
• Organizacional ( )
• Docência ( )
• Pesquisa ( )
• Comunitária ( )
• Outra: __________________
13. Qual é a outra atividade profissional que você exerce além da psicologia e há quanto tempo?
Atividade profissional: ________________________
Tempo na atividade: _______anos ____meses

Se você está na condição D (lembre-se de responder à questão 13 antes de seguir adiante) ou E,


no quadro de atividade profissional, informe, nos itens a seguir, sobre a sua atuação no campo da
psicologia.
O trabalho do psicólogo no Brasil 457

14. Informe, no quadro a seguir, a quantidade e a natureza de suas atividades profissionais atuais
no campo da psicologia
15. Para cada contexto de inserção profissional que você assinalou SIM no quadro acima, informe,
nos quadros 1, 2, 3 e 4 que se seguem, os dados sobre o trabalho desenvolvido. Em caso de
você ter mais de uma inserção profissional em um mesmo contexto, escolha aquela que é mais
significativa para preencher o respectivo quadro.

Contextos de inserção profissional Marque um X Quantidade de inserções


(locais de trabalho)
Sim Não 1 2 3 Mais
Empresas e organizações públicas
Empresas e organizações privadas

Organizações sem fins lucrativos, como, por


exemplo, ONGs, fundações e cooperativas
Trabalho autônomo e de consultoria
(prestação de serviços a pessoas
e a organizações dos três setores)

Quadro 1. Organizações públicas


1. Nível da administração
Municipal ( ) Estadual ( ) Federal ( )
2. Forma de acesso:
Processo seletivo ou concurso ( ) Convite ( ) Indicação ( )
3. Carga horária semanal:
Até 20h ( ) 30h ( ) 40h ( ) Dedicação exclusiva ( )
4. Natureza da organização:
( ) Órgão da administração pública centralizada
( ) Empresas ou Fundações públicas
( ) Instituição educacional – escola até o segundo grau
( ) Unidades do poder judiciário
( ) Instituição de ensino superior (Universidades, Faculdades)
( ) Serviços de Psicologia vinculados a instituições de ensino
( ) Unidades do serviço público de saúde (hospital, centros ou postos de saúde)
( ) Unidades públicas de atendimento a crianças e adolescentes (creches, orfanatos, etc.)
5. Escolha até cinco atividades que você desenvolve mais frequentemente nesta modalidade de
inserção profissional:
6. Regime de trabalho
( ) Contratado como psicólogo, pelo regime estatutário
( ) Contratado como outra função, exercendo funções de psicólogo, pelo regime estatutário
( ) Contratado como psicólogo pelo regime da CLT
( ) Contratado como outra função, exercendo funções de psicólogo, pelo regime da CLT
( ) Contratado como professor de Psicologia, pelo regime estatutário
( ) Contratado como professor de Psicologia, pelo regime da CLT
7. Benefícios
( ) Assistência saúde (médica, odontológica, plano hospitalar, etc.)
( ) Alimentação (ticket, restaurante no local de trabalho, cesta básica, etc.)
( ) Plano de previdência
( ) Auxílio-transporte
458 Bastos, Guedes e colaboradores

8. Você exerce suas atividades predominantemente


( ) de forma individual
( ) em grupos multidisciplinares
( ) em grupos de psicólogos
9. Em relação ao item 8, o quanto você acredita que esta forma de exercer as atividades
contribui para:
9.1. Melhorar as relações interpessoais no trabalho
( ) Pouco ( ) Mais ou menos ( ) Muito
9.2. Atingir resultados esperados
( ) Pouco ( ) Mais ou menos ( ) Muito
10. Como você se sente nesta organização?
( ) Insatisfeito ( ) Indiferente ( ) Satisfeito
11. Como você percebe as oportunidades para seu crescimento profissional como psicólogo
neste trabalho no primeiro setor?
( ) Nenhuma oportunidade
( ) Poucas oportunidades
( ) Algumas oportunidades
( ) Muitas oportunidades
12. Este foi o seu primeiro emprego (trabalho) no campo da psicologia?
Sim ( ) Não ( )
13. Caso este tenha sido o seu primeiro emprego, quanto tempo decorreu entre a conclusão de sua
graduação e o ingresso no serviço público? _____ano (s) e _____ mês(es)

Quadro 2. Organizações privadas


1. Acesso por:
Processo seletivo ( ) Convite ( ) Indicação ( )
2. Carga horária semanal:
Até 20h ( ) 30h ( ) 40h ( )
3. Natureza da organização:
( ) Empresa industrial, comercial ou de serviços
( ) Instituição educacional – escola até o segundo grau
( ) Creches ou equivalentes
( ) Instituição de ensino superior (Universidades, Faculdades)
( ) Serviços de Psicologia vinculados a instituições de ensino
( ) Instituição de saúde
( ) Centros de avaliação psicológica
( ) Clubes
4. Escolha até cinco atividades que você desenvolve mais frequentemente nesta modalidade de
inserção profissional:
5. Regime de trabalho
( ) Contratado como psicólogo pelo regime da CLT
( ) Contratado como outra função, exercendo funções de psicólogo, pelo regime da CLT
( ) Prestador de serviço em psicologia atuando como autônomo
( ) Contratado como professor de Psicologia, pelo regime da CLT
6. Benefícios:
( ) Assistência saúde (médica, odontológica, plano hospitalar, etc.)
( ) Alimentação (ticket, restaurante no local de trabalho, cesta básica, etc.)
( ) Plano de previdência
( ) Auxilio-transporte
O trabalho do psicólogo no Brasil 459

7. Você exerce suas atividades predominantemente


( ) de forma individual
( ) em grupos multidisciplinares
( ) em grupos de psicólogos
8. Em relação ao item 7, o quanto você acredita que esta forma de exercer as atividades contribui
para:
8.1. Melhorar as relações interpessoais no trabalho
( ) Pouco ( ) Mais ou menos ( ) Muito
8.2. Atingir resultados esperados
( ) Pouco ( ) Mais ou menos ( ) Muito
9. Como você se sente nesta organização?
( ) Insatisfeito ( ) Indiferente ( ) Satisfeito
10. Como você percebe as oportunidades para seu crescimento profissional como psicólogo neste
trabalho no segundo setor?
( ) Nenhuma oportunidade
( ) Poucas oportunidades
( ) Muitas oportunidades
11. Este foi o seu primeiro emprego (trabalho) no campo da psicologia? Sim ( ) não ( )
12. Caso este tenha sido o seu primeiro emprego, quanto tempo decorreu entre a conclusão
de sua graduação e o ingresso na empresa privada?
______ano (s) e _____ mês(es)

Quadro 3. Organizações sociais, cooperativas e não governamentais


1. Acesso por:
Convite ( ) Processo seletivo ( ) Indicação ( ) Aprovação em assembleia ( )
2. Carga horária semanal
Até 20h ( ) 30h ( ) 40h ( )
3. Escolha até cinco atividades que você desenvolve mais frequentemente nesta modalidade de
inserção profissional:
4. Regime de trabalho
( ) Cooperado
( ) Contratado como psicólogo pelo regime da CLT
( ) Contratado como outra função, exercendo funções de psicólogo, pelo regime da CLT
( ) Prestador de serviço em psicologia atuando como autônomo
( ) Como voluntário
5. Benefícios:
( ) Assistência saúde (médica, odontológica, plano hospitalar, etc.)
( ) Alimentação (ticket, restaurante no local de trabalho, cesta básica, etc.)
( ) Plano de previdência
6. Você exerce suas atividades predominantemente
( ) de forma individual
( ) em grupos multidisciplinares
( ) em grupos de psicólogos
7. Em relação ao item 6, o quanto você acredita que esta forma de exercer as atividades contribui para:
7.1. Melhorar as relações interpessoais no trabalho
( ) Pouco ( ) Mais ou menos ( ) Muito
7.2. Atingir resultados esperados:
( ) Pouco ( ) Mais ou menos ( ) Muito
460 Bastos, Guedes e colaboradores

8. Como você se sente nesta organização?


( ) Insatisfeito ( ) Indiferente ( ) Satisfeito
9. Como você percebe as oportunidades para seu crescimento profissional como psicólogo neste
trabalho no terceiro setor?
( ) Nenhuma oportunidade
( ) Poucas oportunidades
( ) Muitas oportunidades
10. Este foi o seu primeiro emprego (trabalho) no campo da psicologia? Sim ( ) Não ( )
11. Caso este tenha sido o seu primeiro emprego, quanto tempo decorreu entre a conclusão de sua
graduação e o ingresso no terceiro setor? _____ano (s) e _____ mês(es)

Quadro 4. Trabalho autônomo e consultoria


1. Local de trabalho:
( ) Consultório particular próprio
( ) Consultório particular alugado
( ) Escritório particular próprio
( ) Escritório particular alugado
( ) Na própria residência
2. Carga horária semanal:
Até 20h ( ) 30h ( ) 40h ( )
3. Escolha até cinco atividades que você desenvolve mais frequentemente nesta modalidade
de inserção profissional:
4. Você exerce suas atividades predominantemente
( ) de forma individual
( ) em grupos multidisciplinares
( ) em grupos de psicólogos
5. Em relação ao item 4, o quanto você acredita que esta forma de exercer as atividades
contribui para:
5.1. Melhorar as relações interpessoais no trabalho
( ) Pouco ( ) Mais ou menos ( ) Muito
5.2. Atingir resultados esperados:
( ) Pouco ( ) Mais ou menos ( ) Muito
6. Como você se sente atuando neste tipo de trabalho (autônomo ou consultoria)?
( ) Insatisfeito ( ) Indiferente ( ) Satisfeito
7. Como você percebe as oportunidades para seu crescimento profissional como psicólogo neste
tipo de trabalho (autônomo ou consultoria)?
( ) Nenhuma oportunidade
( ) Poucas oportunidades
( ) Muitas oportunidades
8. Este foi o seu primeiro emprego (trabalho) no campo da psicologia? Sim ( ) Não ( )
9. Caso este tenha sido o seu primeiro emprego, quanto tempo decorreu entre a conclusão de
sua graduação e o ingresso como autônomo ou consultor?
____ ano (s) e _____ mês(es)
O trabalho do psicólogo no Brasil 461

16. Dentre as diversas abordagens teórico-metodológicas existentes no campo da psicologia, qual


(ou quais) mais fundamenta(m) o seu trabalho ou com quais você mais se identifica?
SIM NÃO
Abordagens de base psicanalítica
Abordagens de base comportamental
Abordagens de base humanista
Abordagens de base existencialista
Abordagens de base cognitivista
Abordagens sócio-históricas
Abordagens psicodramáticas
Abordagens de base analítica

RENDIMENTOS ATUAIS

17. Indique sua renda mensal assinalando uma das seguintes alternativas:
•( ) Nenhuma renda
•( ) Até R$560 reais
•( ) De R$561 a R$1.200
•( ) De R$1.201 a R$2.000
•( ) De R$2.001 a R$3.000
•( ) De R$3.001 a R$5.000
•( ) De R$5.001 a R$7.000
•( ) De R$7.001 a R$10.000
•( ) Acima de R$10.000
18. Quanto desta renda mensal provém de sua atuação no campo da psicologia?
• ( ) Nada
• ( ) Até 10%
• ( ) Entre 11 e 30%
• ( ) Entre 31 e 50%
• ( ) Entre 51 e 70%
• ( ) Entre 71 e 99%
• ( ) 100%
19. Quanto os seus rendimentos, decorrentes de sua atividade como psicólogo, contribuem para o
orçamento familiar?
•( ) Nada
•( ) Até 10%
•( ) Entre 11 e 30%
•( ) Entre 31 e 50%
•( ) Entre 51 e 70%
•( ) Entre 71 e 99%
•( ) 100%

ESCOLHA E SIGNIFICADO DA PROFISSÃO


20. A seguir, você encontrará uma série de sentenças que procuram descrever o processo de escolha
da psicologia como profissão e, nesta, da sua área principal de atuação. Utilize a escala abaixo,
para avaliar sua concordância com os itens, registrando nas colunas específicas ao lado

1 = Não / nada 5 = Fortemente


2 = Muito pouco 4 = Moderadamente 6 = Muito fortemente
3 = Pouco 7 = Sim / totalmente
462 Bastos, Guedes e colaboradores

Em relação à Em relação à área de


Em que nível você avalia que a escolha
profissão atuação principal
Liberdade de tomada de decisão
• Foi livremente tomada (sem interferência de expectativas
e pressão de outras pessoas)
• Foi influenciada por pessoas importantes para você (por
exemplo, pais, profissionais)
Fatores que pesaram na decisão
• Interesses, habilidades e vocação pessoal
• Realidade do mercado de trabalho (oportunidades
de trabalho)
• Status, o valor social da profissão ou área de atuação
• Remuneração obtida pelos profissionais da área

21. Como você percebe o valor social, o nível de reconhecimento e as dificuldades que a profissão
de psicólogo possui hoje? Indique o quanto você concorda com as afirmativas abaixo rela­
cionadas, utilizando a seguinte escala:

1 2 3 4
Discordo totalmente Discordo Concordo Concordo totalmente

A profissão de psicólogo possui credibilidade.
A profissão de psicólogo é desrespeitada.
A profissão de psicólogo possui prestígio.
A profissão de psicólogo é reconhecida.
A profissão de psicólogo é mal remunerada.
O psicólogo tem um status inferior quando trabalha em equipes multiprofissionais.
A psicologia é uma profissão elitista.

22. Como você vê sua atuação profissional daqui a um ano:
SIM SIM
NÃO
(Muito) (Um pouco)
Gostaria de mudar de emprego mantendo a mesma área de atuação.
Gostaria de mudar de área de atuação dentro da Psicologia.
Gostaria de mudar de profissão.

DADOS PESSOAIS

NÚMERO DE INSCRIÇÃO no CRP.

23. SEXO: 24. IDADE em anos

25. Preencha a alternativa que melhor se ajusta a você:


• ( ) moro sozinho
• ( ) moro com os filhos
• ( ) moro com cônjuge ou companheiro(a)
• ( ) moro com a família de origem (com pais, avós, parentes, etc.)
O trabalho do psicólogo no Brasil 463

•( ) moro com amigos


•( ) moro com cônjuge ou companheiro(a) e os filhos

Questões específicas Módulo Complementar 1:


Identidade social e múltiplos comprometimentos no trabalho
Identidade e categorização social

A seguir, você encontrará seis grupos de profissões. Sua tarefa é a de escolher qual o valor que
representa o quanto cada grupo de profissões se aproxima ou se distancia da psicologia como
profissão. Para aquele grupo de profissões que considera como mais próximo da psicologia você
deverá atribuir o valor 1. O segundo grupo de profissões mais próximo da psicologia deverá receber
o valor 2, e assim sucessivamente. Desse modo, o valor 6 representará o grupo de profissões que
você considera mais distante da psicologia.
Lembre-se: cada grupo de profissões poderá receber apenas um valor.
Enfermagem Administração Arquitetura Biologia Agronomia Antropologia

Fisioterapia Comunicação Dança Estatística Computação Ciência política

Fonoaudiologia Direito Letras Física Engenharia Filosofia

Medicina Educação Programação Matemática Geologia História


visual
Terapia Serviço Social Química Mecatrônica Sociologia
Teatro
ocupacional
Ciências * Ciências* Artes e Ciências* Ciências* Ciências*
Biológicas Sociais Letras* exatas exatas sociais/humanas
Aplicadas Aplicadas básicas aplicadas

* Esta classificação não foi apresentada aos psicólogos que responderam à pesquisa, apenas os
grupos profissionais. A classificação serviu somente como base de análise das respostas.

Tomando como referência o grupo de profissões que mais se aproxima da psicologia e que
você atribuiu valor 1 na questão anterior, descreva em poucas palavras quais as suas principais
características comuns.
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________

Tomando como referência o grupo de profissões que mais se distancia da psicologia e que
você atribuiu valor 6 na questão anterior, descreva em poucas palavras quais as suas principais
características comuns.
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________

Tomando como base as características comuns ao grupo de profissões que você escolheu como
mais próximo (grupo de valor 1) e mais distante (grupo de valor 6) da psicologia, descreva em
poucas palavras quais as suas principais diferenças.
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
464 Bastos, Guedes e colaboradores

Comprometimento com a profissão e com a área de atuação


Escala de comprometimento com a profissão e com a área de atuação Profissão* Área de
atuação*
Se eu pudesse escolher uma profissão / área de atuação diferente da
minha, que pagasse o mesmo, eu provavelmente a escolheria.
Eu desejo, claramente, fazer minha carreira na profissão/área de atuação
que escolhi.
Se eu pudesse fazer tudo novamente, eu não escolheria trabalhar na minha
profissão / área de atuação atual.
Mesmo que eu tivesse todo o dinheiro que necessito sem trabalhar, eu
provavelmente continuaria exercendo a minha profissão/ área de atuação.
Eu gosto demais da minha profissão / área de atuação para largá-la.
Esta minha profissão / área de atuação é a ideal para trabalhar o resto da
vida.
Eu me sinto desapontado por ter escolhido a minha profissão / área de
atuação.
Eu já investi muito nesta profissão / área de atuação para pensar em
abandoná-la agora.
Uma mudança de profissão / área de atuação agora seria difícil para mim.
Muitos aspectos da minha vida seriam prejudicados se eu mudasse minha
profissão / área de atuação.
Mudar de profissão / área de atuação agora custaria muito para mim.
Nada existe que me impeça de mudar de profissão / área de atuação.
Uma mudança de profissão / área de atuação agora iria requerer um
sacrifício pessoal considerável.
Eu tenho orgulho de estar nesta profissão / área de atuação.
Minha profissão / área de atuação é importante para a imagem que tenho
de mim.
A escala variava de 1 (concordo totalmente) a 5 (discordo totalmente)

Informações psicométricas da escala de comprometimento

ANEXO: DADOS DE VALIDAÇÃO DAS ESCALAS DE COMPROMETIMENTO

Tabela 1 Matriz estrutural, eigenvalues, variância explicada e Alphas de Cronbach das dimensões
do comprometimento com a profissão.
Fatores
Itens H2
F1 F2
Profissão 1 - Eu desejo fazer a minha carreira nesta profissão que
,603 ,368
escolhi.
Profissão 2 - Se eu pudesse fazer tudo novamente, eu não
-,602 ,362
escolheria trabalhar na minha profissão.
Profissão 3 - Mesmo que eu tivesse todo o dinheiro que necessito
,594 ,355
sem trabalhar, eu continuaria.
Profissão 4 - Eu gosto demais para largá-la. ,805 ,575
Profissão 5 - É ideal pra trabalhar o resto da vida. ,735 ,507
Profissão 6 - Eu me sinto desapontado com a escolha que fiz. -,620 ,415
O trabalho do psicólogo no Brasil 465

Profissão 7 - Eu já investi muito para abandoná-la agora. ,345 ,161


Profissão 8 - Uma mudança agora seria muito difícil para mim. ,723 ,417
Profissão 9 - Muitos aspectos da minha vida seriam prejudicados se
,657 ,392
eu largasse a minha profissão agora.
Profissão 10 - Mudar agora custaria muito para mim. ,780 ,486
Profissão 11 - Nada existe que me impeça de mudar agora. -,328 ,121
Profissão 12 - Uma mudança agora requereria um sacrifício pessoal
,637 ,351
considerável.
Profissão 13 - Eu tenho orgulho de estar nela. ,702 ,450
Profissão 14 - É importante para a imagem que tenho de mim. ,428 ,231
Eigenvalues 3,393 2,260

% Variância explicada 24,232 16,139

Alpha de Cronbach .83 .77

Tabela 2 Matriz estrutural, eigenvalues, variância explicada e Alphas de Cronbach das dimensões
do comprometimento com a área de atuação.
Fatores
Itens H2
F1 F2
Área 1 - Eu desejo fazer a minha carreira nesta área que escolhi. ,635 ,428
Área 2 - Se eu pudesse fazer tudo novamente, eu não escolheria
-,535 ,277
trabalhar na minha área.
Área 3 - Mesmo que eu tivesse todo o dinheiro que necessito sem
,629 ,381
trabalhar, eu continuaria.
Área 4 - Eu gosto demais para largá-la. ,808 ,614
Área 5 - É ideal pra trabalhar o resto da vida. ,773 ,595
Área 6 - Eu me sinto desapontado com a escolha que fiz. -,568 ,356
Área 7 - Eu já investi muito para abandoná-la agora. ,427 ,230
Área 8 - Uma mudança agora seria muito difícil para mim. ,776 ,489
Área 9 - Muitos aspectos da minha vida seriam prejudicados se eu
,706 ,447
largasse a minha profissão agora.
Área 10 - Mudar agora custaria muito para mim. ,780 ,498
Área 11 - Nada existe que me impeça de mudar agora. -,320 ,157
Área 12 - Uma mudança agora requereria um sacrifício pessoal
,637 ,369
considerável.
Área 13 - Eu tenho orgulho de estar nela. ,722 ,471
Área 14 – É importante para a imagem que tenho de mim. ,492 ,314
Eigenvalues 3,746 2,225

% Variância explicada 26,755 15,894

Alpha de Cronbach .84 .80

Questões específicas do Módulo Complementar 2: aprendizagem no trabalho

Leia atentamente os itens listados nos três campos seguintes, que investigam “importância”,
“utilidade” e “expectativas”. Escolha o ponto das escalas (1 a 10) que melhor representar a sua
466 Bastos, Guedes e colaboradores

opinião sobre sua carreira e seu trabalho. Escreva suas respostas à direita de cada item, utilizando
sempre a escala que está imediatamente acima de cada um dos três campos. Por favor, não deixe
questões em branco.
Menos importante 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Mais importante
Importância: Para mim é importante... Resposta:
1. ...alcançar minhas metas de carreira.
2. ...ter maiores oportunidades de carreira.
3. ...sentir-me mais valorizado por meu chefe.
4. ...sentir-me mais valorizado por meus colegas de trabalho.
5. ...melhorar meu currículo.
6. ...aumentar minhas chances de conseguir melhores empregos.
7. ...melhorar o relacionamento com meu chefe.
8. ...melhorar meu relacionamento com meus colegas.

Menos útil 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Mais útil


Utilidade: Acredito que a aquisição de novos conhecimentos e novas habilidades Resposta:
durante a execução de minhas atividades de trabalho é útil para me levar a...
1. ...alcançar minhas metas de carreira.
2. ...ter maiores oportunidades de carreira.
3. ...sentir-me mais valorizado por meu chefe.
4. ...sentir-me mais valorizado por meus colegas de trabalho.
5. ...melhorar meu currículo.
6. ...aumentar minhas chances de conseguir melhores empregos.
7. ...melhorar o relacionamento com meu chefe.
8. ...melhorar meu relacionamento com meus colegas.

Acontece menos 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Acontece mais


frequentemente frequentemente
Expectativas: É provável que a aquisição de novos conhecimentos e novas habi­li­ Resposta:
dades durante a execução de minhas atividades de trabalho me leve a...
1. ...ter ideias criativas.
2. ...melhorar meus conhecimentos e minhas habilidades profissionais.
3. ...crescer profissionalmente.
4. ...atualizar-me profissionalmente.
5. ...ser mais ágil na execução de meu trabalho.
6. ...ter mais confiança para executar meu trabalho.
7. ...melhorar meu desempenho no trabalho.

8. ...ter uma visão mais abrangente da organização na qual trabalho.


9. ...alcançar as metas da organização na qual trabalho.

A seguir, há uma escala que varia de 1 (nunca faço) a 10 (sempre faço). Leia atentamente os 30
itens listados, escolha o ponto da escala que melhor representa a sua opinião sobre as estratégias
de aprendizagem que VOCÊ utiliza no seu trabalho. Esses itens estão perguntando sobre o que
O trabalho do psicólogo no Brasil 467

você faz para adquirir, reter e usar conhecimentos e habilidades no trabalho e não sobre seu
desempenho neste trabalho ou em cursos ou treinamentos que possa estar fazendo. Escreva suas
respostas na coluna à direita de cada item. Por favor, não deixe questões em branco.

Nunca faço 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Sempre faço


Estratégias de aprendizagem utilizadas por você no trabalho:
1. Aprendo a melhorar a qualidade do meu trabalho, aplicando novos
conhecimentos e novas habilidades.
2. Através de análise crítica da execução do meu trabalho, tento conhecê-lo
melhor.
3. Busco associar novas informações e novos conhecimentos às minhas
atividades de trabalho.
4. Busco entender como diferentes partes do meu trabalho estão relacionadas
entre si.
5. Consulto meus colegas de trabalho mais experientes, quando tenho dúvidas
sobre algum assunto relacionado ao meu trabalho.
6. Executo minhas atividades repetindo automaticamente ações rotineiras de
trabalho.
7. Testo novos conhecimentos aplicando-os na prática do meu trabalho.

8. Faço meu trabalho sem pensar muito sobre ele.


9. Busco ajuda dos meus colegas quando necessito de informações mais
detalhadas sobre o trabalho.
10. Juntamente com meus colegas de trabalho, busco trocar informações e
conhecimentos.
11. Lendo e buscando localizar instruções e artigos técnicos e normas das
organizações concorrentes, aprendo em meu trabalho.
12. Localizando e estudando documentos ou materiais importantes sobre um
assunto, procuro conhecer melhor o meu trabalho.
13. Meu trabalho é realizado sem que eu faça criticas ou questionamentos às
normas e/ou aos procedimentos adotados para sua execução.
14. Procuro compreender como novos conhecimentos e novas habilidades podem
ser integrados ao meu trabalho.
15. Para melhor execução do meu trabalho, busco ajuda em manuais técnicos e
na legislação vigente.
16. Peço ajuda aos meus colegas, quando necessito aprender algo sobre meu
trabalho.
17. Executo meu trabalho sem saber precisamente quais são seus objetivos.
18. Consultando catálogos referentes às novas tecnologias e aos novos
procedimentos, junto aos fornecedores ou via internet, busco conhecer melhor
o meu trabalho.
19. Preencho as falhas do meu conhecimento no trabalho buscando livros,
manuais, apostilas e documentos.
20. Procuro compreender o máximo possível cada uma das partes que compõem
o meu trabalho.
21. Procuro conhecer como meu trabalho está relacionado aos resultados obtidos
nas diferentes áreas da organização.
22. Procuro entender como o desempenho das diferentes áreas da organização
poderia ser melhorado.
468 Bastos, Guedes e colaboradores

23. Quando faço meu trabalho, penso em como ele está relacionado ao negócio e
às estratégias da organização.
24. Realizo minhas atividades sem saber para que elas são necessárias.
25. Tento compreender como os resultados obtidos nas diferentes áreas da
organização influenciam a execução do meu trabalho.
26. Tento conhecer como as diferentes áreas da organização estão relacionadas
entre si.
27. Executo meu trabalho no “piloto automático”.
28. Busco relacionar a execução do meu trabalho aos valores adotados na
organização.
29. Busco aprender aplicando novos conhecimentos à prática, ao invés de ler ou
pedir orientações para outras pessoas no trabalho.
30. Visando obter informações mais atualizadas à execução do meu trabalho,
busco ajuda na internet.

Informações Psicométricas das Escalas


Cargas fatoriais, Alphas de Cronbach, eigenvalues e variância explicada das dimensões da escala
de Motivação para aprender no trabalho.

Fatores

Itens Organizações Expectativa Carreira h2

a = 0,92 a = 0,88 a = 0,86

util7. Melhorar o relacionamento com meu chefe. 0,87 -0,02 0,06 0,78

util8. Melhorar meu relacionamento com meus colegas. 0,84 0,01 -0,13 0,65
util4. Sentir-me mais valorizado por meus colegas de
0,82 0,05 -0,10 0,66
trabalho.
imp7. Melhorar o relacionamento com meu chefe. 0,79 -0,06 0,11 0,67

util3. Sentir-me mais valorizado por meu chefe. 0,76 -0,01 0,16 0,69
imp8. Melhorar meu relacionamento com meus
0,76 0,03 -0,11 0,54
colegas.
imp4. Sentir-me mais valorizado por meus colegas de
0,72 0,00 0,00 0,51
trabalho.
imp3. Sentir-me mais valorizado por meu chefe. 0,70 -0,04 0,16 0,57

Expec7. Melhorar meu desempenho no trabalho. 0,03 0,83 -0,08 0,66

expec1. Ter ideias criativas. -0,03 0,82 -0,11 0,58


expec6. Ter mais confiança para executar meu
0,11 0,76 -0,02 0,64
trabalho.
expec5. Ser mais ágil na execução de meu trabalho. 0,21 0,73 -0,11 0,62

expec4. Atualizar-me profissionalmente. -0,12 0,70 0,16 0,56


expec2. Melhorar meus conhecimentos e minhas
-0,16 0,69 0,18 0,54
habilidades profissionais.
expec3. Crescer profissionalmente. -0,18 0,56 0,31 0,48
expec8. Ter uma visão mais abrangente da organização
0,33 0,55 -0,04 0,54
em que trabalho.
O trabalho do psicólogo no Brasil 469

expec9. Alcançar as metas da organização na qual


0,35 0,41 0,05 0,44
trabalho.
imp2. Ter maiores oportunidades de carreira. -0,01 -0,07 0,82 0,61

util2. Ter maiores oportunidades de carreira. -0,03 0,01 0,81 0,64

imp1. Alcançar minhas metas de carreira. -0,25 0,09 0,75 0,55


imp6. Aumentar minhas chances de conseguir
0,22 -0,14 0,68 0,52
melhores empregos.
util6. Aumentar minhas chances de conseguir melhores
0,23 -0,08 0,67 0,56
empregos.
util5. Melhorar meu currículo. 0,13 0,03 0,63 0,50

util1. Alcançar minhas metas de carreira. -0,15 0,18 0,63 0,47

imp5. Melhorar meu currículo. 0,15 0,06 0,55 0,42

Eingenvalues 9,17 3,14 2,19

Total de variância explicada 57,60

Cargas fatoriais, Alphas de Cronbach, eigenvalues e variância explicada das dimensões da


escala de Estratégias de aprendizagem no trabalho.

Reflexão Busca
Reflexão Busca de
Itens intrínseca e Reprodução material h2
extrínseca interpessoal
aplicação escrito

a = 0,87 a = 0,90 a = 0,78 a = 0,73 a = 0,76

estrat23. Quando faço meu trabalho,


penso em como ele está relacionado
0,95 -0,06 0,06 -0,03 -0,05 0,77
ao negócio e às estratégias da
organização.
estrat26. Tento conhecer como as
diferentes áreas da organização estão 0,92 -0,02 0,00 0,00 -0,09 0,76
relacionadas entre si.
estrat21. Procuro conhecer como
meu trabalho está relacionado aos
0,85 -0,02 -0,06 0,01 0,05 0,76
resultados obtidos nas diferentes
áreas da organização.
estrat22. Procuro entender como o
desempenho das diferentes áreas da 0,84 0,12 0,07 -0,05 -0,04 0,74
organização poderia ser melhorado.
estrat25. Tento compreender como
os resultados obtidos nas diferentes
0,78 0,11 0,07 0,04 -0,06 0,68
áreas da organização influenciam a
execução do meu trabalho.
estrat28. Busco relacionar a execução
do meu trabalho aos valores adotados 0,66 -0,21 -0,01 0,04 0,27 0,52
na organização.
estrat20. Procuro compreender o
máximo possível cada uma das partes 0,39 0,30 -0,17 0,02 0,15 0,59
que compõem o meu trabalho.
estrat1. Aprendo a melhorar a
qualidade do meu trabalho, aplicando
0,01 0,93 0,01 -0,04 -0,11 0,74
novos conhecimentos e novas
habilidades.
estrat3. Busco associar novas
informações e novos conhecimentos -0,07 0,91 -0,03 0,03 -0,08 0,74
às minhas atividades de trabalho.
470 Bastos, Guedes e colaboradores

Reflexão Busca
Reflexão Busca de
Itens intrínseca e Reprodução material h2
extrínseca interpessoal
aplicação escrito
estrat4. Busco entender como
diferentes partes do meu trabalho 0,12 0,78 0,01 0,04 -0,15 0,63
estão relacionadas entre si.
estrat2. Através de análise crítica da
execução do meu trabalho, tento 0,01 0,71 0,00 0,16 -0,07 0,59
conhecê-lo melhor.
estrat14. Procuro compreender
como novos conhecimentos e novas
0,04 0,65 -0,13 0,05 0,11 0,66
habilidades podem ser integrados ao
meu trabalho.
estrat7. Testo novos conhecimentos
aplicando-os na prática do meu -0,11 0,59 0,21 -0,05 0,22 0,39
trabalho.
estrat12. Localizando e estudando
documentos ou materiais importantes
-0,01 0,57 -0,05 -0,05 0,32 0,59
sobre um assunto, procuro conhecer
melhor o meu trabalho.
estrat19. Preencho as falhas do
meu conhecimento no trabalho
-0,08 0,55 -0,09 0,07 0,33 0,62
buscando livros, manuais, apostilas e
documentos.
estrat27. Executo meu trabalho no
0,01 -0,15 0,79 0,05 0,03 0,70
“piloto automático”.
estrat17. Executo meu trabalho sem
saber precisamente quais são seus 0,06 -0,01 0,75 0,05 -0,09 0,56
objetivos.
estrat6. Executo minhas atividades
repetindo automaticamente ações 0,03 0,15 0,72 0,07 -0,13 0,46
rotineiras de trabalho.
estrat8. Faço meu trabalho sem
-0,06 0,08 0,71 -0,02 -0,15 0,51
pensar muito sobre ele.
estrat13. Meu trabalho é realizado
sem que eu faça críticas ou
questionamentos às normas e/ou aos 0,12 -0,01 0,65 -0,06 0,03 0,44
procedimentos adotados para sua
execução.
estrat24. Realizo minhas atividades
sem saber para que elas são -0,11 -0,18 0,59 0,12 0,34 0,50
necessárias.
estrat9. Busco ajuda dos meus
colegas quando necessito de
-0,03 0,01 0,06 0,88 0,05 0,77
informações mais detalhadas sobre
o trabalho.
estrat16. Peço ajuda aos meus
colegas, quando necessito aprender 0,07 -0,04 0,04 0,84 0,03 0,73
algo sobre meu trabalho.
estrat5. Consulto meus colegas de
trabalho mais experientes, quando
-0,05 0,20 0,08 0,82 -0,09 0,74
tenho dúvidas sobre algum assunto
relacionado ao meu trabalho.
estrat10. Juntamente com meus
colegas de trabalho, busco trocar 0,02 0,06 -0,02 0,76 0,08 0,69
informações e conhecimentos.
estrat29. Busco aprender aplicando
novos conhecimentos à prática, ao
0,01 0,34 0,35 -0,44 0,24 0,35
invés de ler ou pedir orientações a
outras pessoas no trabalho.
O trabalho do psicólogo no Brasil 471

Reflexão Busca
Reflexão Busca de
Itens intrínseca e Reprodução material h2
extrínseca interpessoal
aplicação escrito
estrat30. Visando obter informações
mais atualizadas à execução do meu -0,10 -0,06 -0,04 -0,03 0,83 0,58
trabalho, busco ajuda na internet.
estrat18. Consultando catálogos
referentes às novas tecnologias
e aos procedimentos, junto aos 0,10 -0,05 0,03 0,05 0,79 0,69
fornecedores ou via internet, busco
conhecer melhor o meu trabalho.
estrat11. Lendo e buscando localizar
instruções, artigos técnicos e normas
0,01 0,11 -0,07 0,01 0,62 0,48
das organizações concorrentes,
aprendo em meu trabalho.
estrat15. Para melhor execução
do meu trabalho, busco ajuda em
0,16 0,13 0,00 0,04 0,52 0,51
manuais técnicos e na legislação
vigente.

Eingenvalues 9,88 3,21 2,17 1,96 1,27

Total de variância explicada 61,61

Questões específicas do Módulo Complementar 3: Qualificação


e desenvolvimento de com­petências para o trabalho

Informe, no quadro a seguir, a quantidade e a natureza de suas atividades de qualificação/re­qua­


lificação profissionais no campo da psicologia.

Marque um X Quantidade
Contextos de inserção profissional
Sim Não 1 2 3 Até 10
Cursos de extensão
Cursos de pós-graduação lato sensu
Cursos de pós-graduação stricto sensu
Cursos de treinamento e
desenvolvimento na empresa
Seminários e congressos
Grupos de estudo
Estratégias de qualificação autodidata
(lei­tu­ra de periódicos, livros, conversas
com profissionais da área)

Quanto da sua renda mensal você investe em qualificação/requalificação profissional?

•( ) Nada
•( ) Até 10%
•( ) Entre 11 e 30%
•( ) Entre 31 e 50%
•( ) Mais de 50%
472 Bastos, Guedes e colaboradores

Quantas horas mensais você investe em qualificação/requalificação profissional?

• ( ) Nada
• ( ) Até 2 horas
• ( ) Entre 3 e 5 horas
• ( ) Entre 6 e 10 horas
• ( ) Entre 11 e 20 horas
• ( ) Mais de 20 horas

Leia atentamente as competências profissionais descritas abaixo e diga o quanto você considera
importante cada uma delas para a sua atuação profissional, bem como o quanto você considera
ter domínio para exercê-la. Considerando as escalas de 0 (zero) a 3 (três), escreva um número
correspondente à importância que você atribui a cada competência e outro para o seu grau de
domínio dessa competência, usando as colunas à direita de cada item.

Escala de Importância
0 1 2 3
Sem importância Pouco importante Importante Muito importante
 
Escala de Domínio
0 1 2 3
Não domino Domino um pouco Domino Domino completamente
 
Competências profissionais (derivadas das diretrizes curriculares Grau de
Importância
definidas para a formação do psicólogo brasileiro) domínio

1. Analisar o contexto em que atuo profissionalmente.


2. Formular questões empíricas de investigação científica.
3. Utilizar instrumentos e procedimentos de coleta de dados.
4. Avaliar problemas humanos (de ordem cognitiva, comportamental, afetiva) em
diferentes contextos.
5. Realizar diagnósticos de processos psicológicos de indivíduos.
6. Realizar diagnósticos de processos psicológicos de grupos.
7. Realizar diagnósticos de processos psicológicos de organizações.
8. Elaborar relatos científicos.
9. Apresentar trabalhos e discutir ideias em público.
10. Utilizar conhecimento científico necessário à atuação profissional.
11. Gerar conhecimento a partir da prática profissional.
12. Analisar necessidades de natureza psicológica.
13. Coordenar processos grupais.
14. Desenvolver vínculos interpessoais requeridos na atuação profissional.
15. Realizar intervenções de caráter preventivo, de acordo com as situações e os
problemas específicos.
16. Realizar intervenções de caráter terapêutico, de acordo com as situações
e os problemas específicos.
17. Realizar orientação psicológica.
18. Realizar aconselhamento psicológico.
19. Realizar psicoterapia.
20. Elaborar pareceres técnicos, laudos e comunicações profissionais.
21. Atuar com profissionais de outras áreas, quando recomendável.
O trabalho do psicólogo no Brasil 473

Informações Psicométricas valores do KMO (0,783) e do teste de esfericidade


das Escalas de Bartlett (1516,89; gl = 210; p = 0,001) indi­
caram que a matriz de respostas ao questionário é
Escala de percepção da importância das razoavelmente fatorável. Em função disso, foram
competências profissionais realizadas análises dos componentes principais,
análises fatoriais exploratórias e análises de con­sis­
A análise da matriz de correlações entre as tência interna (Alpha de Cronbach) para validação
variáveis relativas às autoavaliações de domínio exploratória do instrumento.
das competências profissionais do psicólogo e os

Scree plot

5-

4-
Valor próprio

3-

2-

1-

0-
| | | | | | | | | | | | | | | | | | | | |

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21
Componentes

A Análise dos componentes principais, reali­ fatoração dos eixos principais com rotação oblíqua
zada com a matriz de respostas válidas de 234 – oblimin) com seis, cinco e quatro fatores.
casos aos 21 itens do questionário de avaliação Observou-se que a primeira solução com
da importância das competências profissionais, uma estrutura empírica de seis fatores, apesar
mostrou seis componentes principais com valo­ de explicar uma porção relativamente alta da
res próprios superiores a 1, que explicavam con­ variância total das respostas dos participantes aos
juntamente 60,5714% da variância total das itens (60,57%), não é parcimoniosa, tampouco
res­postas aos itens. A análise do Scree plot, ou estável, com vários itens carregando em mais de
gráfico de sedimentação, mostra os componentes um fator. Além disso, a solução para o cálculo da
da matriz. A inspeção visual da figura não permi­ matriz pattern exigiu a ampliação do número de
te uma conclusão clara sobre o nú­mero de com­ iterações de 25 para 100.
po­nentes relevantes, uma vez que a mudança A estrutura empírica de cinco fatores explica
brusca de direção da curva ocorre no terceiro e 43,09% da variância total das respostas aos itens,
no quarto (e não no quinto e no sexto fatores, apresenta todos os fatores consistentes; porém, o
como seria de se esperar) a explicar uma porção quinto fator contém apenas três itens, dos quais
significativa da variância das respostas aos itens. dois possuem cargas fatoriais superiores a 0,30
Com a finalidade de escolher a estrutura em­ em outros fatores.
pírica mais adequada aos dados, foram realizadas A última estrutura testada contém quatro
três análises fatoriais exploratórias (método de fa­tores que explicam conjuntamente 39,33% da
474 Bastos, Guedes e colaboradores

variância total das respostas aos itens do ques­ cursos de graduação em psicologia, documento
tionário. A solução fatorial de quatro fatores faz ge­rador dos itens deste questionário.
sentido teórico e esclarece aspectos relevantes das A Tabela 1 mostra as médias, desvios padrões
opiniões dos participantes sobre a importância que (DP), as comunalidades (H2) após a extração dos
atribuem a competências profissionais listadas no fatores, as cargas fatoriais e a porcentagem de va­
questionário e possibilita o diagnóstico de eventuais riância total explicada pelos quatro fatores.
discordâncias com as diretrizes curriculares dos

Tabela 1 Estrutura empírica das escalas de importância de competências profissionais do psicólogo.

CARGAS FATORIAIS
ITENS MÉDIA DP H2
1 2 3 4
Realizar orientação psicológica. 2,63 0,624 0,670 0,808
Realizar psicoterapia. 2,57 0,827 0,607 0,774
Realizar aconselhamento psicológico. 2,38 0,826 0,524 0,741
Realizar diagnósticos de processos psicológicos
2,59 0,609 0,498 0,701
de indivíduos.
Realizar intervenções de caráter terapêutico,
de acordo com as situações e os problemas 2,87 0,340 0,549 0,694
específicos.
Analisar necessidades de natureza psicológica. 2,69 0,491 0,295 0,363

Avaliar problemas humanos (de ordem cognitiva,


2,89 0,310 0,139 0,348
comportamental, afetiva) em diferentes contextos.
Elaborar pareceres técnicos, laudos e
2,64 0,549 0,311 0,329
comunicações profissionais.
Realizar diagnósticos de processos psicológicos
2,45 0,693 0,558 0,721
de grupos.
Realizar diagnósticos de processos psicológicos
2,32 0,793 0,524 0,693
de organizações.
Coordenar processos grupais. 2,54 0,586 0,526 0,520 0,423
Elaborar relatos científicos 2,55 0,578 0,366 0,575
Formular questões empíricas de investigação
2,56 0,578 0,139 0,537
científica.
Apresentar trabalhos e discutir ideias em público. 2,73 0,510 0,305 0,483
Utilizar instrumentos e procedimentos de coleta
2,57 0,612 0,112 0,454
de dados.
Analisar o contexto em que atuo
2,91 0,286 0,114 0,311
profissionalmente.
Realizar intervenções de caráter preventivo,
de acordo com as situações e os problemas 2,87 0,340 0,312 -0,540
específicos.
Utilizar conhecimento científico necessário à
2,91 0,286 0,321 -0,449
atuação profissional.
Atuar com profissionais de outras áreas, quando
2,88 0,330 0,165 -0,447
recomendável.
Gerar conhecimento a partir da prática
2,90 0,304 0,165 -0,443
profissional.
Desenvolver vínculos interpessoais requeridos na
2,81 0,402 0,208 -0,402
atuação profissional.
Extraction Method: Principal Axis Factoring.
Rotation Method: Oblimin with Kaiser Normalization.
a Rotation converged in 18 iterations.
O trabalho do psicólogo no Brasil 475

Observa-se que, em média, as avaliações 0,626. A escala avalia a importância atribuída


são favoráveis, posto que se aproximam do valor pelos participantes às competências ligadas às
máximo da escala de 4 pontos, em que 0 (zero) habilidades de conceber questões de pesquisa,
corresponde a Sem importância e 3 (três) a Muito desenvolver pesquisas contextualizadas, coletar
importante. As médias mais baixas (2,32 e 2,38) dados e apresentar oralmente relatos de pesquisas
são ainda relativamente altas. De modo geral, científicas.
os desvios são baixos, indicando convergência O Fator 4, Importância da aplicação de
de opiniões dos participantes quanto à impor­ habilidades científicas e interação com
tân­­cia de todas as competências avaliadas. Es­ outros profissionais, contém cinco itens com
se resultado mostra que os participantes da cargas fatoriais variando entre -0,540 a -0,402 e
pes­­­quisa concordam acerca da importância das um Alpha de Cronbach de 0,679. A escala permite
competências profissionais preconizadas pelas avaliar as opiniões dos participantes sobre a im­
atuais Diretrizes Curriculares dos cursos de gra­ portância de realizar intervenções de caráter pre­­
duação de Psicologia. As comunalidades das ventivo, utilizar conhecimentos científicos na prática
va­­­riáveis que compõem as escalas calculadas profissional, bem como atuar com pro­fissionais de
an­­tes (não listadas na tabela acima) e após a ex­ outras áreas e desenvolver vín­culos interpessoais
tração dos fatores, indicaram que os itens com­ requeridos pela atuação pro­­fissional. Trata-se de um
partilham variância em níveis aceitáveis, pois não fator que mede a importância de habilidades in­
alcançaram valores extremos, tampouco mui­to telectuais e afeti­vas na atuação do profissional de
pró­ximos de zero. psicologia, ne­cessárias à atuação competente em
O Fator 1, Importância da intervenção equipes multi e interdisciplinares, situação cada vez
em processos psicológicos individuais, mais frequente. Esse fator avalia também a impor­
contém oito itens com cargas fatoriais variando tância que o psicólogo atribui à atuação preventiva,
de 0,808 a 0,329 e um Alpha de Cronbach igual ten­­dência inovadora preconizada pelas diver­sas
a 0,825. A escala avalia a importância das com­ áreas e subáreas da psicologia, porém, pro­vavel­
petências profissionais do psicólogo, rela­ti­vas à mente ainda não institucionalizada nas prá­ticas do
sua atuação em atividades típicas da intervenção psicólogo brasileiro, cujo perfil parece ser predo­mi­
em psicologia clínica de indivíduos. nantemente clínico.
O Fator 2, Importância da intervenção As escalas apresentam bons índices de vali­
em processos psicológicos grupais e or­ dade estatística e de consistência interna. Os fa­
ga­­nizacionais, contém três itens com cargas fa­ tores contêm escalas promissoras que precisam
toriais variando de 0,721 a 0,520 e um Alpha de ser aprimoradas e aplicadas em outras amostras
Cronbach de 0,750. A escala avalia a importância de profissionais para análise da estabilidade da
das competências profissionais que qualificam o psi­ estrutura empírica encontrada neste estudo.
cólogo a realizar diagnósticos nos níveis do grupo de Os fatores apresentam correlações fracas
organizações e à condução de processos grupais. ou moderadas entre si, sendo que o quarto fa­
O Fator 3, Importância de conheci­men­ tor está correlacionado negativamente com os
tos e habilidades em pesquisa cien­tífica, demais. A Tabela 2 mostra as correlações entre
contém cinco itens com cargas fatoriais variando os quatro fatores.
de 0,575 a 0,311 e um Alpha de Cronbach de

Tabela 2 Matriz de correlações entre os fatores.


Fator 1 2 3 4
1 1,000 ,193 ,172 -,243
2 ,193 1,000 ,202 -,172
3 ,172 ,202 1,000 -,286
4 -,243 -,172 -,286 1,000

Extraction Method: Principal Axis Factoring.


Rotation Method: Oblimin with Kaiser Normalization.
476 Bastos, Guedes e colaboradores

Escala de percepção de domínio explicavam conjuntamente 60,474% da variân­


das competências profissionais cia das respostas aos itens.
Para escolha da estrutura empírica mais ade­
A análise da matriz de correlações entre as quada aos dados, foram realizadas três aná­lises
variáveis relativas às autoavaliações de domínio fatoriais exploratórias (método de fatoração dos
das competências profissionais do psicólogo e os eixos principais com rotação oblíqua – obli­mim)
valores do KMO (0,857) e do teste de esferi­ com cinco, quatro e três fatores. Observou-se que
cidade da matriz indicaram que a matriz de a primeira solução, com uma estrutura empírica
respostas ao questionário era fatorável. Em fun­ de cinco fatores, apesar de explicar uma porção
ção disso, foram realizadas análises dos com- relativamente elevada da variabi­lidade das res­
po­nentes prin­cipais, análises fatoriais explora­ pos­tas dos participantes à escala (49,035%), con­
tórias e análises de con­sistência interna (Alpha tinha dois fatores com poucos itens: o segundo
de Cron­bach) para validação exploratória do com três itens, e o quarto, com dois e com pouca
ins­trumento. relevância teórica. A estrutura empírica de qua­tro
A Análise dos Componentes Principais, rea­ fatores, que explica 46,432% da variância total
li­zada com a matriz de respostas válidas de 275 das respostas aos itens, apre­senta três fatores
pessoas aos 21 itens do questionário de autoava­ con­sistentes, porém o quarto fator, formado por
liação de competências, mostrou cinco compo­ apenas dois itens, carece de relevância teórica no
nentes com valores próprios superiores a 1, que contexto teórico de con­cepção dos itens.

Scree plot

5-
Valor próprio

4-

2-

0-
| | | | | | | | | | | | | | | | | | | | |

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21
Fator

O Fator 1, Intervenção em processos O Fator 2, Intervenção em processos psi­­­


psi­cológicos individuais, contém 11 itens com cológicos grupais e organizacionais, con­­tém
cargas fatoriais variando de 0,34 a 0,82 e um três itens com cargas fatoriais variando de 0,694 a
Alpha de Cronbach igual a 0,81. A escala men­sura 0,791 e um Alpha de Cronbach de 0,688. A escala
as autoavaliações de competências pro­fissionais refere-se a autoavaliações relati­vas a competências
do psicólogo, relativas à sua atuação em atividades que qualificam o psicólogo a realizar diagnósticos
típicas da intervenção em psicolo­gia clínica de nos níveis do grupo de or­ganizações bem como re­
indivíduos. ferentes à con­dução de processos grupais.
O trabalho do psicólogo no Brasil 477

Tabela 1 Estrutura fatorial das escalas de autoavaliação de competências.


Fator
Competências profissionais do psicólogo
Média DP H2 1 2 3
Realizar orientação psicológica. 2,33 0,707 0,601 0,821
Realizar intervenções de caráter terapêutico,
de acordo com as situações e os problemas 2,20 0,741 0,612 0,763
específicos.
Realizar psicoterapia. 2,26 0,877 0,548 0,758
Realizar aconselhamento psicológico. 2,18 0,846 0,474 0,733
Realizar diagnósticos de processos
2,16 0,688 0,318 0,540
psicológicos de indivíduos.
Realizar intervenções de caráter preventivo,
de acordo com as situações e os problemas 2,15 0,703 0,340 0,526
específicos.
Analisar necessidades de natureza
2,11 0,687 0,420 0,488
psicológica.
Avaliar problemas humanos (de ordem
cognitiva, comportamental, afetiva) em 2,37 0,605 0,377 0,439
diferentes contextos.
Atuar com profissionais de outras áreas,
2,55 0,628 0,275 0,398
quando recomendável.
Gerar conhecimento a partir da prática
2,25 0,697 0,398 0,346
profissional.
Desenvolver vínculos interpessoais
2,39 0,659 0,176 0,343
requeridos na atuação profissional.
Elaborar pareceres técnicos, laudos e
2,05 0,850 0,223
comunicações profissionais.
Realizar diagnósticos de processos
1,75 0,822 0,613 0,791
psicológicos de grupos.
Realizar diagnósticos de processos
1,35 0,897 0,559 0,757
psicológicos de organizações.
Coordenar processos grupais. 1,92 0,824 0,487 0,694
Formular questões empíricas de investigação
1,78 0,835 0,567 -0,826
científica.
Elaborar relatos científicos. 1,70 0,908 0,496 -0,697
Utilizar conhecimento científico necessário à
2,29 0,713 0,562 -0,657
atuação profissional.
Apresentar trabalhos e discutir idéias em
2,09 0,916 0,438 -0,536
público.
Utilizar instrumentos e procedimentos de
2,04 0,805 0,299 -0,535
coleta de dados.
Analisar o contexto em que atuo
2,36 0,615 0,304 -0,306
profissionalmente.
% de variância total explicada pelos três
43,290
fatores:
Extraction method: principal axis factoring.
Rotation method: oblimin with Kaiser Normatization.
A rotation converged in 10 iteration
478 Bastos, Guedes e colaboradores

O Fator 3, Conhecimentos e habilida­des a competências de pesquisador, variam em sentido


em pesquisa científica, contém seis itens com inverso às demais, relativas à atuação em processos
cargas fatoriais variando de -0,306 a –0,826 e um individuais, grupais e orga­nizacionais. A Tabela 2
Alpha de Cronbach de 0,61. A escala refere-se às confirma esse resultado, uma vez que o fator três
autoavaliações de compe­tências ligadas à aplicação mantém correlações negativas com os fatores 1 e
correta de conhecimentos científicos na atuação 2. Isso indica que os participantes da amostra que
profissional, bem como de habilidades para conce­ se autoavaliam mais favoravelmente nas compe­
ber questões de pesquisa, desenvolver pesquisas tências tradicionais do psicólogo, em atividades da
con­textualizadas, coletar dados e apre­sentar oral­ psicologia clínica e na intervenção em processos
mente relatos de pesquisas cien­tíficas. Observa-se grupais e organiza­cio­nais foram também os que
que esse fator contém cargas fatoriais negativas, tenderam a atri­buir-se autoavaliações mais desfa­
indicando que as autoavaliações, no quesito ligado voráveis nas compe­tências de pesquisador.

Tabela 2 Matriz de correlações entre os fatores.


Fator 1 2 3
1 1,000 ,210 -,353
2 ,210 1,000 -,379
3 -,353 -,379 1,000
Extraction Method: Principal Axis Factoring.
Rotation Method: Oblimin with Kaiser Normalization.

Questões específicas do Módulo Complementar 4:


grupos e equipes de trabalho

De forma geral, independentemente do seu contexto de inserção profissional, forneça as seguin­


tes informações quanto à natureza do seu trabalho atual.
Natureza do trabalho Marque um X
A. Exerço as minhas atividades de forma individual.
B. Exerço as minhas atividades em grupos/equipes multidisciplinares.
C. Exerço as minhas atividades em grupos/equipes de psicólogos.

Caso tenha respondido B, por favor, indique as profissões das pessoas que fazem parte do seu
grupo de trabalho e, depois, continue respondendo a partir da questão seguinte.
Opção C, pule apenas a próxima questão (profissões dos membros) e siga adiante
Profissões dos membros do grupo/equipe:

Profissões Quantos
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
O trabalho do psicólogo no Brasil 479

CARACTERIZE O TRABALHO EM GRUPOS

Qual são as principais atividades que desenvolve em sua equipe?


A seguir, você encontrará uma série de sentenças que procuram descrever a forma como se dá o
trabalho em grupos/equipes. Utilize a escala na coluna específica para apontar a frequência com que
as situações descritas ocorrem.

0 – nenhum
1 – pouco
1 – Quanto conflito há entre os membros de seu grupo ou equipe de trabalho?
2 – muito
3 – muitíssimo
2 – Quanta raiva há entre os membros de seu grupo ou equipe de trabalho?
3 – Quanto é evidente o conflito entre os membros de seu grupo ou equipe de trabalho?
4 – Quanta tensão existe no grupo na hora de tomar uma decisão?
5 – Quanta discordância há entre os membros de seu grupo ou equipe de trabalho devido a
diferenças de opinião?
6 – Quanta divergência de ideias existe entre os membros de seu grupo ou equipe de trabalho?
7 – Quanto conflito devido a diferenças de opinião nas decisões seu grupo ou equipe de trabalho
tem que resolver?
8 – Quanta divergência de opinião existe em seu grupo ou equipe de trabalho?

CRENÇAS SOBRE O TRABALHO EM EQUIPES

As sentenças a seguir estão relacionadas ao trabalho em equipes. Para responder, pense na


maioria de vezes que você tem tido a experiência de trabalhar nessa situação, utilizando como refe­
rência aquelas unidades de desempenho consideradas por você como equipes de trabalho.
Escala de 1 a 5
1 – Considero um bom investimento o tempo gasto no trabalho em equipe.
1 (concordo totalmente) e 5
(discordo totalmente)
2 – O trabalho realizado em equipe leva ao aumento da eficiência e
da eficácia no desempenho.
3 – O trabalho em equipe permite fortalecer o relacionamento com outras
áreas da empresa.
4 – Trabalhar em equipe leva à diminuição da carga de trabalho,
resultando em menos trabalho para os membros.

SATISFAÇÃO COM A EQUIPE DE TRABAHO


O seguinte conjunto de sentenças indaga a respeito da sua satisfação com a equipe de trabalho à
qual você está atualmente vinculado. Caso vinculado a mais de uma, responda pensando naquela com a
qual você gasta a maior parcela de tempo. Para responder, utilize a mesma escala de respostas de 1 a 5.
Escala de 1 a 5
1 – Em relação aos membros da minha equipe de trabalho, eu sinto confiança de que
1 concordo totalmente
manteremos boas relações no futuro.
e 5 discordo totalmente
2 – Tenho sentimentos positivos sobre a forma como trabalhamos juntos na minha equipe.
3 – Estou satisfeito com a forma pela qual trabalhamos juntos na minha equipe.
4 – Sinto-me bem a respeito do relacionamento que mantenho com os membros da
minha equipe de trabalho.
5 – Confio completamente nos membros da minha equipe.
480 Bastos, Guedes e colaboradores

Informações Psicométricas lidade da amostra tam­bém fo­ram adequados


(KMO = 0,89, χ2 = 754,94, p < 0,001). O scree plot
Revalidação da Escala de Conflitos e os valores pró­prios apon­taram a existência de um
Intragrupais (Maria do Carmo só fator que explicou 51% da variância total. Isso
Fernandes Martins, 2007) indicou que, para a amostra de psi­cólogos deste
estudo, não houve discriminação entre os con­
Os conflitos enfrentados em grupos ou equi­ flitos de ta­refa e de relacionamento. Assim, a
pes de trabalho têm sido alvo de estudos nos Escala de Conflitos In­tragrupais foi tra­tada como
últimos 30 anos. Autores preocupados com o unifato­rial, cons­ti­tuída pelo fator de­nominado
efei­to dos conflitos no indivíduo e na organi­ “Conflito intra­gru­pal”, composto pelos 8 itens
zação construíram e validaram uma escala para iniciais (com cargas fatoriais maiores que 0,60),
avaliá-los com segurança psicométrica. Não fo­ com índice de fide­dignidade (Alpha de Cronbach)
ram identificadas publicações brasileiras que a de 0,87. A es­tru­tura definitiva da es­cala está
tenham estudado. Em 2006, Martins, Guimarães sendo subme­tida a novos testes em­píricos mas
e Cardoso traduziram, adaptaram e validaram a resul­tados pre­limi­nares têm apontado que, no
Escala de Conflitos Intragrupais de Jehn (1995), Brasil, a estru­tura dos conflitos intra­grupais di­
originalmente composta por 8 itens distribuí- ficil­mente será discri­minada nos dois tipos ori­
dos em 2 fatores com índices de fidedignidade ginais (tarefa e relacio­namento), talvez devido a
≥ 0,70. Os itens foram traduzidos, discutidos carac­terísticas cultu­rais. De certa forma, isso
en­tre três especialistas nas línguas inglesa e confirma achados da li­teratura que apontam a
portu­guesa e submetidos a avaliação semânti- possibi­li­dade de di­men­sões destes (como grau de
ca com oito trabalhadores de escolaridade cor­ emo­ção e número de pessoas neles envolvidas)
res­pon­dente ao ensino médio. Modificações na in­fluenciarem a es­tru­tu­ra da percepção dos con­
re­dação dos itens foram feitas por sugestão des­ fli­tos. Assim, quando os conflitos de tarefa são in­
se grupo. O conjunto dos 8 itens foi aplicado a tensos, podem trans­for­mar-se em conflitos de re­
79 tra­ba­lhadores, estudantes de cursos técnicos lacionamento. Estu­dos que avaliem esta e ou­tras
no­tur­nos, adultos jovens, a maioria na faixa de características dos con­flitos ainda são neces­sários
18 a 25 anos. A amostra mostrou-se fatorável para se chegar a resul­tados mais conclusivos.
(KMO = 0,81, teste de esfericidade de Bartlett,
χ2 = 258,9, p < 0,001). Os dados foram subme­ti­
dos à análise dos componentes principais. Foram Escala de satisfação
iden­ti­ficados dois componentes com valores pró­ com a equipe de trabalho
prios ≥1,0 que explicavam 60% da variância e
reu­niam os oito itens (cargas ≥ 0,50). A análise A medida está constituída de cinco afirma­
do scree plot con­­firmou a existência de dois com­ ções às quais a pessoa deve responder manifes­
ponentes. Dadas as altas correlações entre am­ tando o seu nível de concordância em uma
bos, utilizou-se método de extração PAF com escala tipo Likert de 5 pontos. Foi elaborada por
ro­tação oblimin. A análise da fidedignidade Puente-Palacios (2002) a partir de um instru­
apon­­­tou a retenção de dois fatores. O Fator 1 mento de avaliação da satifação com a equi-
reuniu 4 itens relativos aos conflitos interpes­ pe de trabalho desenvolvida por van der Vegt,
soais, ex­pli­cou 47% da va­riância total e teve Emans e van de Vliert (1999). Esses autores
Alpha de Cronbach igual a 0,81. O Fator 2, com­ cons­­truíram uma escala de mensuração compos­
posto por 4 itens referentes ao conflito de ta­ ta por 9 itens que focam na natureza afetiva do
refas, explicou 13% da variância total e teve construto. A versão traduzida da medida foi
Alpha de 0,77. Na pesquisa relatada neste livro, apli­cada em uma amostra de 108 respondentes
a Escala foi apli­ca­da a 253 psicó­logos. A estrutura para investigação preliminar das suas carac­te­
fatorial foi retes­tada devido à alta correlação rísticas psicométricas. Os resultados iniciais evi­
(0,61) entre os dois fatores identificada no estudo denciaram quatro itens problemáticos, o que de­
anterior, o que per­mitia hipotetizar a existência de monstrou necessidade de revisão da redação
um só fator. Util­i­zou-se o mesmo método de ex­ originalmente elaborada. Uma vez realizadas as
tração e a mes­ma ro­tação. Os ín­dices de fato­ra­bi­ alterações correspondentes, realizou-se uma se­
O trabalho do psicólogo no Brasil 481

gunda aplicação em uma amostra composta por com a equipe antes descrita; as­sim, ori­ginou-se do
113 pessoas, todas membros de equipes de trabalho realizado por van der Vegt, Emans e van
trabalho (28). Com este segundo conjunto de da­ de Vliert (1999). Os itens consti­tu­tivos da medida
dos, foram realizadas investigações tanto da fato­ foram aqueles cujo conteúdo so­freu alterações
rabilidade do instrumento quanto da confia­bili­ diversas, resul­tando em um con­junto cujo foco
dade da solução encontrada. Ao longo desse pro­ estava centra­do nas crenças das pessoas sobe o
cesso, apenas 5 itens mostraram manter o foco trabalho em equipes (Puente-Palacios, 2002). Des­
centrado no construto de interesse, qual seja a sa forma, a testa­gem da ade­quação do instru­
satisfação com a equipe, enquanto os qua­tro que mento em questão foi realizada na amostra com­
inicialmente tiveram sua redação alte­rada, foram posta por 113 res­pondentes, mem­bros de 28 equi­
efetivamente identificados co­mo possuindo um pes de trabalho. Os resul­tados obtidos revelaram
núcleo teórico diferente da­quele que se cons­tituía satis­fatória confia­bili­dade, uma vez que o valor do
em objeto de interesse. O valor do alfa de Cron­ alfa de Cronbach foi 0,75 e o da média arit­mética
bach da versão final da escala de satisfação, da correlação item-total foi 0,57. Tendo em vista a
composta por 5 itens, foi 0,87 e a média arit­mé­ necessidade de investigar a discri­minação dos
tica da correlação item-total foi 0,70 (Puente-Pa­ itens perten­centes a cada escala, uma análise
lacios e Borges Andrade, 2005). fatorial con­junta foi realizada. Os itens de cada
medida (sa­tisfação e crenças) separaram-se em
dois fatores perfeitamente diferençáveis, não ten­
Escala de crenças sobre do sido iden­tificados itens complexos. Adicio­nal­
o trabalho em equipe mente, foi rea­lizado o cálculo da magnitude da
correlação de ambos os instrumentos, sendo en­
A medida utilizada na pesquisa realizada a contrados va­lores que atestam o baixo com­par­
respeito do perfil profissional do psicólogo bra­si­ tilhamento de va­riância entre ambos (r= 0,26;
leiro está composta por 4 itens respondidos em p<0,05; 6,7% de variância compar­ti­lhada). Logo,
es­cala do tipo Likert de concordância de 5 pon­tos. é pertinente de­fender que se trata de construtos
Este instrumento foi desenvolvido em de­cor­rência genuina­men­te diferenciáveis (Puen­te-Palacios e
do processo de adaptação da escala de sa­tisfação Borges Andra­de, 2005).

Questões específicas do Módulo


Complementar 6: significado do trabalho

Nas duas questões que se seguem, gosta­ríamos que você pensasse sobre a importância do
trabalho em sua vida.
Para indicar a importância das áreas de sua vida, leia todos os itens abaixo e distribua, em
qualquer combinação que desejar, um total de 100 pontos entre eles. Quanto mais uma área for
importante em sua vida, mais pontos deverá marcar para ela. Você poderá atribuir zero caso
considere que a área não tem nenhuma impor­tância para você. Lembre-se: a soma dos pontos
atribuídos a todos os itens, de “a” a “e”, deverá ser igual a 100.

Meu lazer (passatempos, esportes, recreação e contato


a)
com amigos)
Minha comunidade (sindicato, associações de classe e de
b)
moradores, partidos políticos)
c) Meu trabalho
d) Minha religião
e) Minha família
a+b+c+d+e = 100 pontos
482 Bastos, Guedes e colaboradores

Qual a importância do trabalho na sua vida? Assinale com um círculo um dos números na escala
abaixo:

Uma das coisas menos 1___2___3___4___5___6___7 Uma das coisas mais


importantes em minha vida | _ | ___|__ | _ | __ | _| importante em minha vida

Nível de concordância com as proposições.

Trabalhando, obtenho: Deve ser Ocorre


0 (menor 0 (menor concordância)
1. Prazer pela realização de minhas tarefas. concordância) e 4 e 4 (maior
(maior concordância) concordância)
2. Oportunidades de me tornar mais
profissionalizado (mais qualificado).
3. Reconhecimento da importância do que faço.
4. Boa comunicação com as pessoas.
5. Meu sustento.
6. Independência para assumir minhas despesas
pessoais.
7. Um padrão de vida estável.
8. Benefício para os outros (usuários, clientes
e pessoas em geral).
9. Retorno econômico merecido.
10. Repetição diária de tarefas.
11. O uso de meu pensamento.
12. O sentimento de ser tratada como pessoa
respeitada.
13. Cuidados necessários à higiene no ambiente de
trabalho.
14. A consideração de minhas opiniões.
15. A confiança das pessoas em mim.
16. Crescimento pessoal na vida.
17. Independência para decidir o que compro para
mim.
18. Assistência em transporte, educação, saúde,
moradia, aposentadoria, etc.
19. Reconhecimento da autoridade dos superiores.
20. Ocupação de meu tempo.
21. Esforço físico (corporal) na execução do trabalho.
22. Dureza, pela exigência de esforço, dedicação e
luta.
23. Exigência de tentar fazer o melhor.
24. Percepção de que ganho o suficiente e de acordo
com meu esforço.
25. Sentimento de que sou uma pessoa digna.
26. Conforto nas formas de higiene, disponibilidade
de materiais, equipamentos adequados e
conveniência de horário.
O trabalho do psicólogo no Brasil 483

27. Oportunidades permanentes de aprendizagem de


novas coisas.
28. Minha sobrevivência.
29. Oportunidade de continuar na mesma atividade
pela qualidade do que faço.
30. Assistência para mim e para minha família.
31. Contribuição para o progresso da sociedade.
32. Cumprimento de normas.
33. Tarefas parecidas diariamente feitas.
34. Uma vida corrida quando se trabalha também
em casa.
35. Obrigação cumprida.
36. Tarefas e obrigações de acordo com minhas
possibilidades.
37. Sentimento de ser como uma máquina ou um
animal.
38. Adoção de todas as medidas de segurança
recomendáveis no meu trabalho.
39. Discriminação pelo meu trabalho.
40. Igualdade de direitos para todos que trabalham.
41. Percepção de que ganho pouco para o esforço
que faço.
42. Sentimento de que estou esgotado.
43. Sentimento de que sou gente.
44. Percepção de que estou atarefado.
45. Reconhecimento pelo que faço.
46. Limpeza no ambiente de trabalho.
47. Sentimento de estar bem de cabeça
(mentalmente).
48. Exigência de rapidez.
49. Equipamentos necessários e adequados.
50. Assistência merecida.
51. Pressa em fazer e terminar minhas tarefas.
52. A percepção de ser produtivo.
53. Desenvolvimento das minhas habilidades
interpessoais.
54. Oportunidades de tomar decisões.
55. Cumprimento das normas e obrigações da
sociedade para comigo.
56. Oportunidades de expressão de minha
criatividade.
57. Meu dinheiro.
58. A segurança de que não corro riscos físicos
enquanto trabalho.
59. Igualdade de esforços em relação aos meus
colegas de trabalho.
60. A certeza de que meus colegas me querem bem.
61. A certeza da humanidade de minha existência.
62. A formação de amizades.
484 Bastos, Guedes e colaboradores

Hierarquia dos atributos do trabalho

Leia os grupos de características do trabalho que se seguem e atribuia pontos a cada um, de
modo que a soma dos pontos seja 100. Quanto mais pontos você atribui a um grupo, mais você
concorda que a descrição do grupo transmite o que o trabalho deve ser (Quadro 1):

Grupos de características Pontos


a) Justiça no trabalho. O ambiente de trabalho deve garantir as condições de higiene, de
equipamentos, de segurança, de proporcionalidade do retorno econômico e de equilíbrio entre
esforços e direitos de quem trabalha.
b) Autoexpressão e realização pessoal. O trabalho deve oportunizar expressão da criatividade, do
sentimento de produtividade, das habilidades interpessoais, da capacidade de tomar decisões e do
prazer pela realização das tarefas.
c) Sobrevivência pessoal e familiar. O trabalho deve garantir as condições econômicas de
sobrevivência e de sustento pessoal, a assistência à família, a existência humana, a estabilidade no
emprego através do desempenho, o salário e o progresso social.
d) Desgaste e desumanização. O trabalho deve implicar em desgaste, pressa, atarefamento,
percepção de se parecer máquina ou animal (desumanizado), esforço físico, dedicação e sensação
de discriminação.
Total 100

Da mesma forma pontue as seguintes descrições do trabalho que seguem; agora, considere,
porém, o quanto descrevem a realidade concreta do trabalho (Quadro 2).

Grupos de características Pontos


a) Autoexpressão. O meu trabalho tem me oportunizado aplicação de minhas ideias e nele influencio
nas decisões, sinto-me reconhecido pelo que faço, sinto-me uma pessoa respeitada, merecedora de
confiança e com possibilidades de crescimento pessoal.
b) Condições de trabalho. O meu trabalho exige-me um desempenho adequado às condições
oferecidas (de equipamentos, conforto material e higiênico, assistência e salários adequados).
c) Responsabilidade. O meu trabalho implica necessidade de cumprir as tarefas previstas, ocupação
e direito de que a organização cumpra com seus deveres, fazendo com que me sinta bem.
d) Recompensa econômica. O meu trabalho é a minha garantia de sustento, de independência
econômica e de sobrevivência.
e) Desgaste e desumanização. O meu trabalho me leva a associar a valorização da condição de
ser gente à aceitação da dureza no trabalho, terminando por fazer com que eu me perceba como
máquina ou animal por exigir rapidez, esforço físico, ritmo acelerado, repetição de tarefas e até por me
discriminarem em função do que faço.
Total 100

Agora nos responda:


Conforme os grupos de características do Quadro 1, qual mais afetaria sua busca de emprego/trabalho. Assinale uma
das alternativas abaixo:
Justiça no trabalho ( )
Autoexpressão e realização pessoal ( )
Sobrevivência pessoal e familiar ( )
Desgaste e desumanização ( )
Quando você é empregado, a falta de qual grupo de características do trabalho do Quadro 2 mais fortemente lhe
conduziria a buscar outro emprego? Ponha em ordem de 1 a 5. Quanto maior número que você atribuir mais a falta
da característica afeta sua busca de emprego.
( ) Autoexpressão
( ) Condições de trabalho
( ) Responsabilidade
( ) Recompensa econômica
( ) Desgaste e desumanização
O trabalho do psicólogo no Brasil 485

Estrutura e validade do Inventário au­to­res (Bloom­baum, 1970; Farley e Cohen, 1974;


do significado do trabalho Maslovaty, Marshall e Alkin, 2001) tam­bém advo­
gam que tal técnica é mais coerente com a Teo-
O número de participantes da amostra não ria da Facetas (Bilsky, 2003), o que se entende sig­
recomendava o uso de análise fatorial, técnica ni­ficar que ela guarda uma maior coerência com
mais usada no Brasil para explorar a estrutura de as perspectivas psicossociológicas de pesquisa. Por
cons­trutos e a capacidade do instrumento de men­- fim, a SSA é também apontada co­mo van­tajosa
surar os componentes estruturais (validade), e que (Bloombaum, 1970) por ser mais flexível e ofe­
foi aplicada em outros estudos do assunto. De- recer os resultados visualmente, fa­cilitando a in­
­sen­volveram-se análises preliminares, confir­mando ter­pre­tação por parte do pesquisa­dor.
que os indicadores de fatorabi­lidade não eram Os resultados da aplicação de tal técnica de
os desejáveis, pois, por exemplo, o coe­fi­ciente de análise permitiram identificar na escala de atri­bu­
ade­quação da amostra KMO (Kaiser-Meyer-Olkin- tos valorativos, oito facetas ou categorias, os quais
Measure) para a escala de atributos valorativos é se organizam no espaço partindo de duas dimen­
de 0,61 e para a escala de atributos descritivos é sões latentes, a saber: humanização versus desu­
de 0,72. Aplicou-se, então, a técni­ca Smallest Space manização e hierarquia versus igualitarismo (Krus­
Analysis (SSA), que permite tra­balhar com um nú­ kal’s stress = 0,06139; RSQ = 0,99372). Em rela­
mero amplo de itens e sua qualidade não de­pende ção à escala de atributos descritivos, iden­tifi­caram-
tanto do tamanho da amostra, segundo Farley e se oito facetas ou tipos, os quais se or­ga­nizam no
Cohen (1974). Além de tal vantagem, os mesmos espaço partindo de duas dimen­sões latentes, a
autores e Bloom­baum (1970) defendem a supe­ saber: humanização versus desu­ma­ni­zação e auto­
rioridade de tal técnica para os casos de estudos nomia versus exaustão (Krus­kal’s stress = 0,156477;
nos quais se pretende reduzir o número de variá­ RSQ = 0,92595). As ta­belas sub­­sequentes apresen­
veis e estas são forte­mente correlacionadas, posto tam a composição de cada faceta ou categoria se­
que a SSA é baseada na ordem dos coeficientes de gundo os itens para os atri­butos valorativos (Tabe-
corre­lação e não nas magnitudes, como é o caso la 1) e para os atri­butos descritivos (Tabela 2).
da análise fatorial mais largamente usada. Vários

Tabela 1 Tipos de atributos valorativos por itens do questionário.


Dignidade/humanização (α=0,83)
13. Cuidados necessários à higiene no ambiente de trabalho.
19. Reconhecimento da autoridade dos superiores.
25. Sentimento de que sou uma pessoa digna.
26. Conforto nas formas de higiene, disponibilidade de materiais, equipamentos adequados e con­veniência de horário.
36. Tarefas e obrigações de acordo com minhas possibilidades.
38. Adoção de todas as medidas de segurança recomendáveis no meu trabalho.
43. Sentimento de que sou gente.
46. Limpeza no ambiente de trabalho.
47. Sentimento de estar bem de cabeça (mentalmente).
Crescimento/Independência (α=0,86)
1. Prazer pela realização de minhas tarefas.
4. Boa comunicação com as pessoas.
5. Meu sustento.
6. Independência para assumir minhas despesas pessoais.
7. Um padrão de vida estável.
12. O sentimento de ser tratada como pessoa respeitada.
15. A confiança das pessoas em mim.
16. Crescimento pessoal na vida.
17. Independência para decidir o que compro para mim.
27. Oportunidades permanentes de aprendizagem de novas coisas.
56. Oportunidades de expressão de minha criatividade.
Reconhecimento econômico (α=0,77)
3. Reconhecimento da importância do que faço.
9. Retorno econômico merecido.
(continua)
486 Bastos, Guedes e colaboradores

Tabela 1 (continuação)
Reconhecimento econômico (α=0,77)
11. O uso de meu pensamento.
24. Percepção de que ganho o suficiente e de acordo com meu esforço.
30. Assistência para mim e minha família.
31. Contribuição para o progresso da sociedade.
53. Desenvolvimento das minhas habilidades interpessoais.
57. Meu dinheiro.
Realização (α=0,73)
8. Benefício para os outros (usuários, clientes e pessoas em geral).
23. Exigência de tentar fazer o melhor.
29. Oportunidade de continuar na mesma atividade pela qualidade do que faço.
45. Reconhecimento pelo que faço.
52. A percepção de ser produtivo.
54. Oportunidades de tomar decisões.
18. Assistência em transporte, educação, saúde, moradia, aposentadoria, etc.
Igualitarismo e acolhimento (α=0,80)
14. A consideração de minhas opiniões.
28. Minha sobrevivência.
40. Igualdade de direitos para todos que trabalham.
49. Equipamentos necessários e adequados.
50. Assistência merecida.
59. Igualdade de esforços em relação aos meus colegas de trabalho.
60. A certeza de que meus colegas me querem bem.
61. A certeza da humanidade de minha existência.
62. A formação de amizades.
Desumanização (coisificação) (α=0,71)
21. Esforço físico (corporal) na execução do trabalho.
34. Uma vida corrida quando se trabalha também em casa.
37. Sentimento de ser como uma máquina ou um animal.
39. Discriminação pelo meu trabalho.
42. Sentimento de que estou esgotado.
51. Pressa em fazer e terminar minhas tarefas.
Ocupação (Sobrecarga) (α=0,75)
10. Repetição diária de tarefas.
20. Ocupação de meu tempo.
22. Dureza, pela exigência de esforço, dedicação e luta.
33. Tarefas parecidas diariamente feitas.
44. Percepção de que estou atarefado.
48. Exigência de rapidez.
Segurança normativa (α=0,67)
32. Cumprimento de normas.
35. Obrigação cumprida.
55. Cumprimento das normas e obrigações da sociedade para comigo.
58. A segurança de que não corro riscos físicos enquanto trabalho.

Tabela 2 Tipos de atributos descritivos por itens do questionário.


Independência econômica (α=0,86)
5. Meu sustento.
6. Independência para assumir minhas despesas pessoais.
7. Um padrão de vida estável.
9. Retorno econômico merecido.
17. Independência para decidir o que compro para mim.
18. Assistência em transporte, educação, saúde, moradia, aposentadoria, etc.
19. Reconhecimento da autoridade dos superiores.
24. Percepção de que ganho o suficiente e de acordo com meu esforço.
28. Minha sobrevivência.
30. Assistência para mim e para minha família.
50. Assistência merecida.
57. Meu dinheiro.
O trabalho do psicólogo no Brasil 487

Tabela 2 (continuação)
Igualitarismo/reconhecimento/acolhimento (α=0,85)
2. Oportunidades de me tornar mais profissionalizado (mais qualificado).
3. Reconhecimento da importância do que faço.
14. A consideração de minhas opiniões.
26. Conforto nas formas de higiene, disponibilidade de materiais, equipamentos adequados e conveniência de horário.
27. Oportunidades permanentes de aprendizagem de novas coisas.
29. Oportunidade de continuar na mesma atividade pela qualidade do que faço.
31. Contribuição para o progresso da sociedade.
40. Igualdade de direitos para todos que trabalham.
45. Reconhecimento pelo que faço.
49. Equipamentos necessários e adequados.
58. A segurança de que não corro riscos físicos enquanto trabalho.
59. Igualdade de esforços em relação aos meus colegas de trabalho.
60. A certeza de que meus colegas me querem bem.
Realização (α=0,67)
1. Prazer pela realização de minhas tarefas.
8. Benefício para os outros (usuários, clientes e pessoas em geral).
12. O sentimento de ser tratada como pessoa respeitada.
52. A percepção de ser produtivo.
54. Oportunidades de tomar decisões.
56. Oportunidades de expressão de minha criatividade.
Humanização/sociabilidade (α=0,77)
11. O uso de meu pensamento.
15. A confiança das pessoas em mim.
16. Crescimento pessoal na vida.
25. Sentimento de que sou uma pessoa digna.
43. Sentimento de que sou gente.
47. Sentimento de estar bem de cabeça (mentalmente).
53. Desenvolvimento das minhas habilidades interpessoais.
61. A certeza da humanidade de minha existência.
62. A formação de amizades.
Normas e segurança (α=0,81)
4. Boa comunicação com as pessoas.
13. Cuidados necessários à higiene no ambiente de trabalho.
23. Exigência de tentar fazer o melhor.
32. Cumprimento de normas.
36. Tarefas e obrigações de acordo com minhas possibilidades.
38. Adoção de todas as medidas de segurança recomendáveis no meu trabalho.
46. Limpeza no ambiente de trabalho.
55. Cumprimento das normas e obrigações da sociedade para comigo.
Ocupação(dureza) (α=0,68)
20. Ocupação de meu tempo.
22. Dureza, pela exigência de esforço, dedicação e luta.
34. Uma vida corrida quando se trabalha também em casa.
35. Obrigação cumprida.
41. Percepção de que ganho pouco para o esforço que faço.
44. Percepção de que estou atarefado.
Esgotamento (sobrecarga) (α=0,74)
10. Repetição diária de tarefas.
21. Esforço físico (corporal) na execução do trabalho.
33. Tarefas parecidas diariamente feitas
42. Sentimento de que estou esgotado.
48. Exigência de rapidez.
51. Pressa em fazer e terminar minhas tarefas.
Desumanização (coisificação) (α=0,67)
37. Sentimento de ser como uma máquina ou um animal.
39. Discriminação pelo meu trabalho.
488 Bastos, Guedes e colaboradores

Análises estatísticas para rados. Para definir o número adequado, proce­


identificação dos padrões deram-se a várias análises repetidas começando
de significado do trabalho por 4 conglomerados e seguindo até uma solu­
ção de nove conglomerados.
A técnica estatística tradicionalmente utili­ Em todas as soluções, constatou-se que o
za­da para identificar os padrões do significado escore de centralidade do trabalho não demons­
do trabalho é a análise de conglomerado (ou trou capacidade discriminativa nos conglo­me­
análise de clusters). Como a técnica aplicada no rados. Daí, voltou-se a repetir todas sem incluir
presente estudo foi a conhecida como K-means, tal variável. Em soluções com poucos grupos
cujo uso é recomendado apenas para variáveis (três ou quatro), alguns escores referentes às
mé­tricas ou contínuas, não se incluíram em tal categorias dos atributos valorativos não têm
aná­lise as hierarquias dos atributos, apenas es­ poder de discriminação. A partir de seis grupos,
cores em três facetas: os escores nas categorias todos os fatores incluídos na análise contribuem
dos atributos valorativos e descritivos e na cen­ significativamente para a identificação dos gru­
tra­lidade do trabalho. Não se considerou esse pos, pois apresentam indicadores F (ANOVA) es­
aspecto um problema porque as hierarquias são tatisticamente significativos (p < 0,01).
apenas uma maneira adicional de olhar para a Também na solução de quatro grupos são
ordenação das categorias nos dois tipos de atri­ identificados conglomerados com poucos parti­
butos. De qualquer forma, dispõe-se das mes­mas cipantes (menos de cinco). Esses conglome­rados
observando os escores médios em cada cate­ se mantêm em todas as soluções, grada­tiva­
goria. Além disso, escolheu-se utilizar ape­nas o mente subdividindo os grupos grandes. Op­tou-
escore de centralidade do trabalho, deri­vado da se por uma solução de sete conglomerados, uma
questão que solicitava ao participante comparar vez que parecia ser a solução mais plausível de
as esferas de vida, levando em conta os pontos interpretação. De tal solução seguem, então, al­
atribuídos à esfera trabalho. Tomou-se tal deci­ gumas tabelas geradas no SPSS:
são porque tal medida é mais estável. As cate­
gorias dos atributos estavam mensuradas em es­ Número de casos por cluster
calas que variavam de 0 a 4, enquanto tal me­
dida estava mensurada em uma escala de 0 a 1 8

100. Para padronizar tais escalas, dividiram-se 2 5


as pontuações atribuídas à esfera trabalho por 3 3
20, a fim de que essa escala também tivesse uma
Cluster 4 12
variação possível de 0 a 4.
Com essas medidas, desenvolveu-se a aná­ 5 29

lise de conglomerado, que consiste em agrupar 6 39


os participantes pelas semelhanças em todos os 7 32
escores incluídos na análise. A amostra não é Válidos 128
muito grande de forma que provavelmente não
Missing 0
comportaria um número extenso de conglome­

Análise de Variância (ANOVA)


Cluster Error
F
Mean Square df Mean Square df Sig.
(CV) Dignidade-humanização 2,43 6 0,09 121 25,766 <0,001

(CV) Crescimento-Independência 0,11 6 0,04 121 2,655 0,02

(CV) Reconhecimento econômico 0,17 6 0,06 121 2,788 0,01


(CV) Realização 0,31 6 0,10 121 3,117 0,01

(CV)Igualitarismo e acolhimento 0,62 6 0,12 121 5,139 <0,001


O trabalho do psicólogo no Brasil 489

Cluster Error
F
Mean Square df Mean Square df Sig.
(CV) Ocupação (sobrecarga) 6,91 6 0,29 121 23,696 <0,001
(CV) Segurança normativa 6,42 6 0,21 121 30,105 <0,001
(CD) Independência econômica 6,23 6 0,53 121 11,835 <0,001
(CD) Igualitarismo-
3,18 6 0,21 121 15,276 <0,001
reconhecimento-acolhimento
(CD) Realização 2,88 6 0,25 121 11,563 <0,001

(CD) Humanização-sociabilidade 2,01 6 0,13 121 15,477 <0,001

(CD) Normas e segurança 2,76 6 0,17 121 15,823 <0,001


(CD) Ocupação (Dureza) 5,50 6 0,26 121 20,947 <0,001

(CD) Esgotamento (sobrecarga) 8,06 6 0,35 121 23,132 <0,001

(CD) Desumanização
16,47 6 0,27 121 60,492 <0,001
(coisificação)

Final Cluster Centers


Cluster

1 2 3 4 5 6 7
(CV) Dignidade-humanização 3,88 2,20 3,89 3,65 3,60 3,95 3,79
(CV) Crescimento-Independência 3,81 3,71 4,00 3,85 3,81 3,96 3,88
(CV) Reconhecimento econômico 3,75 3,74 4,00 3,74 3,75 3,95 3,84
(CV) Realização 3,71 3,77 4,00 3,62 3,61 3,90 3,75
(CV) Igualitarismo e acolhimento 3,68 3,02 3,96 3,64 3,61 3,85 3,68
(CV) Desumanização (coisificação) 2,06 ,33 3,39 1,13 ,64 1,04 1,12
(CV) Ocupação (sobrecarga) 3,40 ,90 3,78 2,36 1,74 2,63 2,02
(CV) Segurança normativa 3,78 1,00 4,00 3,38 3,22 3,81 3,47
(CD) Independência econômica 1,43 3,13 3,78 1,17 2,19 2,49 2,66
(CD) Igualitarismo-reconhecimento-
2,21 2,92 3,87 1,87 2,94 2,99 2,66
acolhimento
(CD) Realização 2,40 3,50 3,78 2,31 3,16 3,33 2,85
(CD) Humanização-sociabilidade 2,56 3,24 4,00 2,76 3,36 3,55 3,21
(CD) Normas e segurança 2,72 1,98 3,91 2,72 3,01 3,44 2,95
(CD) Ocupação (Dureza) 2,23 1,43 3,89 3,39 2,26 3,07 3,04
(CD) Esgotamento (sobrecarga) 2,31 ,77 3,72 3,10 1,37 2,25 2,43
(CD) Desumanização (coisificação) 1,19 ,00 3,33 2,63 ,17 ,27 1,45
490 Bastos, Guedes e colaboradores

Questões específicas do Módulo Complementar F:


bem-estar subjetivo e burnout no trabalho

Aspectos psicossociais
A seguir estão listados alguns aspectos rela­ti­vos a sua vida. Indique o quanto você está satisfeito
ou insatisfeito com cada um deles utilizando a escala abaixo. Dê suas respostas anotando, na coluna
à frente de cada frase, um numero de 1 a 5, que melhor representa sua resposta.

EU ME SINTO RESPOSTAS
1 – muito insatisfeito
2 – insatisfeito
Com a minha disposição física 3 – nem satisfeito nem insatisfeito
4 – satisfeito
5 – muito satisfeito
Com o relacionamento atual que tenho com minha
família
Com a forma como as pessoas me tratam atualmente
Com o meu atual padrão de vida: as coisas que posso
comprar e fazer
Com a minha capacidade de fazer as coisas que quero
Com as coisas que faço agora para me distrair
Com o que o futuro parece reservar para mim
Com a minha aparência física atual
Com o meu trabalho atual
Com a minha vida afetiva no presente momento
Com a roupa que tenho condições de comprar
atualmente
Com as minhas atuais obrigações diárias
Com o tempo que tenho atualmente para descansar
Com o dinheiro que disponho atualmente para suprir
minhas necessidades
Com o que eu já consegui realizar em toda minha vida

DADOS PSICOMÉTRICOS é composta por 15 itens (α = 0,84) e foi cons­


DAS MEDIDAS DE BES truí­da e validada por Siqueira, Gomide Jr. e
Freire (1996). A intensidade da satisfação ge-
Escala de Afetos Positivos e Ne­ga­ ral com a vida foi avaliada em uma escala de
tivos (EAPN) – Escala construída e validada res­postas com 5 pontos: 1 = muito insatisfeito,
por Si­queira, Mar­tins e Moura (1999), com- 2 = in­satis­feito, 3 = nem insatisfeito nem satis-
pos­ta por 14 itens, dis­tri­buídos em dois fato- f­ei­to, 4 = sa­tis­feito e 5 = muito satisfeito.
res: afetos positivos (α = 0,87) e afetos nega­ti­ Gostaríamos de saber como você se sente
vos (α = 0,88). A intensidade dos afetos foi me­ no seu dia a dia. Foi feita uma lista de 14 pa­
di­da em uma escala de respostas com cin­co pon­ lavras que representam sentimentos e emo-
tos: 1 = nada; 2 = pouco; 3 = mais ou me­nos; ções. Dê suas respostas, anotando, na coluna
4=muito e 5=extremamente. após cada palavra, um número (de 1 a 5) que
Escala de Satisfação Geral com a Vi­ melhor representa a intensidade de seus sen­
da (ESGV) – A medida, em sua forma reduzida, timentos.
O trabalho do psicólogo no Brasil 491

NO MEU DIA A DIA EU ME SINTO RESPOSTAS


1 – nada
2 – pouco
Irritado 3 – mais ou menos
4 – muito
5 – extremamente
Feliz
Alegre
Animado
Desmotivado
Angustiado
Bem
Deprimido
Chateado
Satisfeito
Nervoso
Triste
Contente
Desanimado

Nos itens que seguem, avalie o nível em que concorda ou discorda das afirmações.
Eu me sinto muito cheio de energia. 1 – discordo totalmente
2 – discordo muito
3 – discordo
4 – nem concordo nem discordo
5 – concordo
6 – concordo muito
7 – concordo totalmente
Eu me sinto esgotado ao final de um dia de trabalho.
Sinto que a minha clientela me culpa por alguns dos seus
problemas.
Eu me sinto estimulado após trabalhar lado a lado com
minha clientela.
Eu me sinto como se estivesse no final de meu limite.
No meu trabalho, eu lido com os problemas emocionais
com muita calma.
Eu me sinto emocionalmente exausto pelo meu trabalho.
Eu me sinto frustrado com o meu trabalho.
Trabalhar diretamente com pessoas me deixa muito
estressado.
Eu me sinto esgotado com meu trabalho.
Posso criar facilmente um ambiente tranquilo com minha
clientela.
Sinto que estou influenciando outras pessoas através do
meu trabalho.
Sinto que trato pessoas da minha clientela como se fossem
objetos.
Sinto que estou trabalhando demais no meu emprego.
Trato de forma adequada os problemas da minha clientela.
492 Bastos, Guedes e colaboradores

Eu me sinto cansado quando me levanto de manhã e tenho


de encarar outro dia de trabalho.
Trabalhar com pessoas o dia inteiro é um grande esforço
para mim.
Posso entender facilmente o que sente minha clientela
acerca das coisas.
Acho que fiquei insensível com pessoas desde que comecei
tal trabalho.
Acho que esse trabalho está me endurecendo
emocionalmente.
Não me importo com algumas pessoas da minha clientela.
Tenho realizado muitas coisas importantes nesse trabalho.

Informações psicométricas leiros. Tal versão consiste, também, em 22 itens


agrupados em três fatores que correspondem aos
Os participantes responderam ao Maslach três componentes de burnout: exaustão emo­­cio­
Burnout Inventory (MBI), instrumento criado por nal, com 9 itens (2, 5, 7, 8, 9, 10, 14, 16 e 17),
Maslach e Jackson em 1981, revisado e reedi­ despersonalização, com 5 itens (3, 13, 19, 20 e
tado em 1986. É o mais utilizado na avaliação 21) e redução da realização pessoal no traba­lho,
de burnout, embora Freudenberger (1974) pro­ com 8 itens (1, 4, 6, 11, 12, 15, 18 e 22).
pu­sesse, preferencialmente, o uso da observação. Para se obter os escores dos componentes
Maslach e Jackson (1986) relatam uma con- por participantes, fez-se a soma dos pontos
sis­­tência interna, referente a uma amostra de atri­­­buídos pelos indivíduos aos itens que com­
11.000 sujeitos, de alfa de Cronbach de 0,90 põem cada componente. Para se categorizarem
para exaustão emocional, 0,79 para desperso­ os es­cores nos níveis – baixo, moderado e alto
nalização e 0,71 para realização no trabalho. –, utilizou-se a classificação do laboratório da
Apesar dos numerosos estudos existentes UnB já mencionado. Segundo tal classificação
so­bre tal questionário, estimaram-se, na presen­ (Vasq­ues-Menezes, 2005), com relação à exaus­
te pes­quisa, coeficientes alfa de Cronbach para tão emocional, consideram-se altos índices cor­
o questionário total e para os fatores com a res­pon­dentes a 27 pontos ou mais; mode­rados,
fina­li­dade de avaliar a consistência das res­ en­tre 17 e 26 e baixos, menos de 17 pon­­tos.
postas dos participantes da amostra. Os resul­ Pa­ra desper­sonalização, são considera­dos índi­
tados para o questionário completo foram de ces al­tos os pon­tos acima de 12; mo­derados,
0,87; para exaus­tão emocional, o alfa foi de entre 7 e 12 e bai­xos, menos de 7. E, para a
0,86; para des­perso­nalização, 0,70; e, para re­ redução da reali­zação pessoal no tra­balho con­
du­ção da reali­zação pessoal no trabalho o alfa siderou-se: 39 pon­tos ou mais como recaindo
de Cronbach foi de 0,64. Há, portanto, varia­ na classi­fi­cação baixa; entre 30 e 38, na clas­si­
ções de consistência aceitáveis. ficação moderada e menos de 30, na clas­sifi­
O MBI é composto por 22 itens. Os partici­ cação alta. Observa-se que, no tocante à re­du­
pantes responderam a cada item segundo uma ção da rea­lização pessoal, a classificação é in­
escala tipo Likert, de 1 a 7, sendo que 7 cor­ vertida por­que os itens são redigidos no ques­
responde a totalmente de acordo com a afir­ tionário de forma positiva (rea­li­zação pes­soal),
mação e 1, a totalmente em desacordo. Como o enquan­to o componente da síndrome se refe-
ques­tionário original é em inglês, escolheu-se a re ao senti­mento de redução da realização pes­
ver­são do instrumento adaptada e validada pelo soal. Em­prega-se a expressão redu­ção da rea­
La­boratório de Psicologia do Trabalho da Univer­ liza­ção pes­soal para facilitar a análise e a com­
sidade de Brasília – LPT/UNB (Codo, 1999), preensão dos resultados, pois os escores des­se
por­que esta versão foi aplicada a uma amostra compo­nen­te passam a estar na mesma direção
de 38.000 sujeitos, em diferentes estados brasi­ das demais dimensões da síndrome.
O trabalho do psicólogo no Brasil 493

Questões específicas do dois mantinham um "relacionamento adolescen­


Módulo Complementar G: te", sendo que nunca o viu ou falou com ele. Em
Valores e Ética Profissional contrapartida, a psicóloga A, com base no que
ouviu da criança e nos fatos passados e presentes
Os casos apresentados a seguir ilustram si­ da vida dos pais, alegou ter argumentos para
tuações do exercício profissional do psicólogo emitir parecer contrário à viagem do menino. Os
brasi­leiro. Leia com atenção cada um dos três fatos essenciais que motivaram a convicção de
casos e, ao final de cada um, assinale no item dar parecer contrário ao pleito da mãe foram os
correspondente a sua avaliação e justi­fique sua seguintes: 1. As crises constantes no relaciona­
resposta. mento do casal proporcionado pelo mau humor
e instabilidade emocional da mãe; 2. O fato de
que, do ponto de vista do pai, a família deve se
Caso 1 constituir em um lugar de solidariedade e acon­
chego; 3. Logo após a audiência de separação a
A psicóloga A foi procurada pelo pai de um mãe deixou o menino com o pai e viajou para a
menino com sete anos de idade, para emitir Europa com o namorado; 4. O menino passaria
parecer a respeito dos possíveis prejuízos psico­ a ter pouco contato com o pai, avós, tios, amigos
lógicos que o menino poderia ter em função de de bairro e escola, além de romper de modo
ir morar na Europa com a mãe, que estava se­ brusco com o início do seu processo de iden­
parada judicialmente do pai do menino. O pa­ tificação cultural, ambiental e psicológico, signi­
recer da psicóloga A, contrário à ida do menino fi­cando possíveis perdas irreparáveis.
para a Europa, foi acatado pelo juiz de menores Em relação aos valores éticos mencionados
sob o argumento de que “a mudança do menor a seguir, responda como você avalia que a psicó­
para país estrangeiro, naquele momento, seria loga A orientou a sua conduta profissional.
prejudicial, podendo lhe acarretar danos na sua
1 – nada
formação psicológica, social e relacional". A mãe
2 – parcialmente
do menino contestou a decisão, alegando que o
3 – totalmente
parecer emitido pela psicóloga A contempla
4 – não se aplica ao caso
situa­ções de vida familiar e faz referência a ca­
racterísticas de pessoas que não foram obser­ I. IGUALDADE E LIBERDADE (O psicólogo ba­
vadas ou ouvidas. Os dados que consubstan­ seará o seu trabalho no respeito e na pro­
ciaram o parecer, segundo a mãe do menino, moção da liberdade, da dignidade, da igual­
tiveram origem em uma única fonte: a versão do dade e da integridade do ser humano, apoia­
ex-marido. No parecer, ainda segundo o que do nos valores que embasam a Declaração
menciona a mãe, a psicóloga A apontou como Universal dos Direitos Humanos).
motivo da separação dos pais, a infidelidade da II. SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA (O psicó­ ­

mãe, o que, de acordo com a mãe, não é ver­ logo trabalhará visando promover a saúde e
dade, uma vez que a separação foi amigável e o a qua­lidade de vida das pessoas e suas co­
seu envolvimento com outra pessoa só ocorreu letivi­dades)
após o ex-marido ter saído de casa. A mãe do III. NÃO DISCRIMINAÇÃO E NÃO VIOLÊNCIA
menino também discordou da psicóloga A ao ter (O psicólogo contribuirá para a eliminação
lhe atribuído características psicológicas como de quaisquer formas de negligência, discri­
imaturidade, instabilidade e fantasias adoles­cen­ mi­nação, exploração, violência, crueldade e
tes, sem que nunca tivesse conversado com ela. opressão).
Além disso, a mãe discordou da psicóloga A por IV. RESPONSABILIDADE SOCIAL (O psicólogo
ter analisado a adaptação do menino, após a atuará com responsabilidade social, anali­
separação, sem um tipo específico de avaliação san­do crítica e historicamente a realidade
(psicodiagnóstico). Ainda segundo a mãe, a psi­ política, econômica, social e cultural.)
cóloga A fez referências ao seu atual namo­rado V. DESENVOLVIMENTO DA PSICOLOGIA (O psi­­
como uma pessoa de "vulnerabilidade extrema­ cólogo atuará com responsabilidade, por meio
da” e de “muitas aventuras amorosas" e que os do contínuo aprimoramento profissio­nal, con­
494 Bastos, Guedes e colaboradores

tribuindo para o desenvolvimento da Psico­lo­ VII. DIGNIDADE DA PROFISSÃO (O psicólogo


gia como campo científico de conhe­cimento e zelará para que o exercício profissional seja
de prática.) efetuado com dignidade, considerando as
VI. ACESSO DA PSICOLOGIA À POPULAÇÃO (O relações de poder nos contextos em que
psicólogo contribuirá para promover a uni­ver­ atua e os impactos dessas relações sobre as
salização do acesso da população às in­for­ma­ suas atividades profissionais, posicionando-
ções, ao conhecimento da ciência psi­cológica, se de forma crítica.)
aos serviços e aos padrões éticos da profissão.)

No espaço a seguir, justifique sua resposta e, se desejar, faça mais comentários sobre o Caso 1.

Caso 2 nos e psicólogos que atuam em organizações a


respeito das evidências empíricas que possam
Em folder de divulgação de curso de atua­ dar sustentação às relações entre Psicologia e
lização para profissionais de recursos humanos Astrologia, a psicóloga B argumentou que possui
promovido pela consultoria X, consta o nome da larga experiência em estudos e aplicação da As­
psicóloga B, ministrante da disciplina "Astrologia trologia com o intuito de compreender e pre­ver
Aplicada à Seleção de Pessoal”. O curso também o comportamento humano. Também en­fa­tizou
foi divulgado em jornal de circulação local, iden­ que tem estudado as possíveis associa­ções entre
tificando a psicóloga B e explicitando as rela­ções Psicologia e Astrologia, embora re­conheça que
que a mesma estabelece entre Astro­logia e perfil se tratam de áreas distintas. Ainda mencio­nou
de candidatos na ocupação de pos­tos de traba­ que utiliza a Astrologia como conhe­cimento e
lho. Essas relações podem ser obser­vadas no instrumento complementar nas suas práticas de
trecho do anúncio: "A astrologia pode revelar seleção. Ao ser questionada se o uso da Astro­
características de personalidade e ten­dências logia em sua prática profissional carac­terizaria
das pessoas, facilitando o trabalho do profissio­ infração ética, argumentou: 1. Que não com­
nal de recursos humanos na área de seleção. preen­de porque a aplicação de conheci­mentos
Dirigido não só para os interessados em seleção, da Astrologia em sua prática profissional possa
essa disciplina é de interesse para todos que ser caracterizada conduta profissional não ética;
nutrem curiosidade pela Astrologia”. Ao ser 2. Que os ensinamentos professados pela Astro­
questionada por profissionais de recursos huma­ logia vêm ganhando credibilidade dos estu­dio­
O trabalho do psicólogo no Brasil 495

sos diante das evidências incontestáveis que mo artes que in­tegram aspectos científicos, filo­
con­firmam a sua base científica; 3. Que a As­ sóficos e reli­gio­sos.
tro­logia determinou o ritmo das principais deci­ Em relação aos valores éticos mencionados
sões da política norte-americana na época de abaixo, responda como você avalia que a psicó­
Reagan, além de ser, na atualidade, ampla­ loga B orientou a sua conduta profissional.
mente consul­tada por altos executivos de mul­
1 – nada
tina­cionais em suas decisões consideradas polê­
2 – parcialmente
micas e com­plexas. Fez, ainda, referência ao
3 – totalmente
parágrafo VI do Art. 50 da Constituição Federal
4 – não se aplica ao caso
que asse­gura a inviolabilidade de consciência
e de crença, que ninguém será privado de di- I. IGUALDADE E LIBERDADE
rei­tos por convicção filosófica (inciso VIII) e II. SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA
que é livre a expressão da atividade intelec- III. NÃO DISCRIMINAÇÃO E NÃO VIOLÊNCIA
tual, artís­tica, cien­tífica e de comunicação, in­ IV. RESPONSABILIDADE SOCIAL
dependen­te­mente de censura ou licença (inci- V. DESENVOLVIMENTO DA PSICOLOGIA
so IX). Por fim, aler­tou para o fato de que, a VI. ACESSO DA PSICOLOGIA À POPULAÇÃO
Astrologia e a Psico­logia são configuradas co- VII. DIGNIDADE DA PROFISSÃO

No espaço a seguir, justifique sua resposta e, se desejar, faça mais comentários sobre o Caso 2.

Caso 3 que são queridas e fazem parte de um grupo;


brincar e se divertir; correr riscos, cair, chorar e
A psicóloga C implantou e coordena há dois machucar-se. Além disso, precisam es­tar em fa­
anos um programa de inclusão social para crian­ mílias, escolas e comunidades reais. Pa­ra a psi­
ças com necessidades especiais em uma escola có­loga C, a separação de alunos “com ne­ces­si­
pública federal. O principal objetivo do Progra­ dades especiais” restringe suas chances de in­clu­
ma é o de juntar, numa classe, alunos portadores são na sociedade. Além disso, priva os alu­nos
de necessidades especiais e alunos que não as considerados capazes, da oportunidade de de­
pos­suem. O argumento da psicóloga C para de­ sen­volverem a compreensão e a aceitação da­
fen­der esse Programa na escola é o de que as que­les com dificuldades, aumentando a pro­ba­
crianças, com ou sem necessidades especiais, pos­ bilidade de estigmatização. Em discordância, os
suem as mesmas necessidades, dentre as quais, professores e os pais dos alunos não-porta­do­res
aprender com e a partir de outras crian­ças; sentir de necessidades especiais alegam os se­guin­tes
496 Bastos, Guedes e colaboradores

motivos para separar os dois grupos: 1. O fato são social dos alunos portadores de necessidades
de um aluno com necessidades especiais se en­ especiais é teoricamente boa, mas na prática não
contrar numa sala de aula com alunos não por­ é isso que ocorre.
tadores de necessidades especiais não sig­ni­fica Em relação aos valores éticos mencionados
que irá adquirir o senso de pertencer; 2. Alunos a seguir, responda como você avalia que a psi­
com necessidades especiais podem estar social­ cólo­ga C orientou a sua conduta profissional
mente isolados em uma classe regular quan­to 1 – nada
estariam em uma classe especial; 3. Os profes­ 2 – parcialmente
sores estão sobrecarregados de atribuições e 3 – totalmente
pro­blemas com alunos não portadores de ne­ces­ 4 – não se aplica ao caso
sidades especiais, mas que apresentam bai­xo
re­nd
­ imento escolar e, em geral, não estão pre­ I. IGUALDADE E LIBERDADE
pa­rados para lidar com os comportamentos im­ II. SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA
previsíveis dos alunos portadores de necessi­ III. NÃO DISCRIMINAÇÃO E NÃO VIOLÊNCIA
dades especiais. Por fim, os professores da escola IV. RESPONSABILIDADE SOCIAL
lançam a seguinte questão: a alegação da psi­ V. DESENVOLVIMENTO DA PSICOLOGIA
cóloga C de que o programa possui uma estru­ VI. ACESSO DA PSICOLOGIA À POPULAÇÃO
tura de apoio psicológico e pedagógico à inclu­ VII. DIGNIDADE DA PROFISSÃO

No espaço a seguir, justifique sua resposta e, se desejar, faça mais comentários sobre o Caso 3.

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O trabalho do psicólogo no Brasil 497

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Siqueira, M. M. M., Gomide Jr, S. & Freire, Universidade de Brasília, Brasília, 2005.
S. A. (1996). Construção e validação de uma
Índice

A C
Aprendizagem no trabalho 359-378 Competências profissionais, qualificação e re­-
estratégias 366-370 qualificação 380-399
cognitivas 368 desafios para a formação do psicólogo no Brasil
comportamentais 368-370 386-389
motivação e estratégias para aprender em domínio das competências profissionais, ava­-
psi­cólogos brasileiros 370-377 liação do 391-392
motivação para 362-366 importância das competências profissionais,
processos de aprendizagem 359-362 avaliação das 390-391
Áreas de atuação 175-182 necessidades de capacitação dos psicólogos
abordagens teóricas, especialização e tempo 393-396
de formação 190-193 perfil dos psicólogos e estratégias de quali­-
locais de trabalho por área 186-188 ficação-requalificação 389
orientações teórico-metodológicas por área qualificação e requalificação 383-386
193-197 resumo do quadro geral de formação no Brasil
atuação em clínica 193-194 397-399
atuação na área de saúde-hospitalar 194-
195 E
na área organizacional e do trabalho 195- Equipes de psicólogos, trabalho 200
196 conflitos interpessoais 203-205
atuação em docência 196 conflitos percebidos pelo psicólogos nas suas
atuação na área escolar e educacional 196- equipes 215-218
197 crenças dos psicólogos sobre seu trabalho em
orientações teóricas 188-190 equipe 212-215
principais atividades por área 184-186 crenças sobre o trabalho em 202-203
renda, vínculo empregatício e titulação por pesquisa: quem são e como trabalham 205-209
área 182-184 satisfação com a equipe 201-202
satisfação dos psicólogos com suas equipes
B 209-212
Bem-estar subjetivo do psicólogo 327-336 Escolha da profissão pelos psicólogos brasileiros
afetos positivos e negativos – componente 66-84
emocional de BES 333-336 análise das razões das escolhas 75-82
satisfação geral com a vida – componente escolha da área de atuação 73-75
cognitivo de BES 332-333 processo de escolha 67-73
500 Índice

Ética e atuação do psicólogo brasileiro 283- elementos para a discussão 225-227


301, 441-443 entrevistas com psicólogos a respeito de 235-
adoção ou não de valores éticos: 3 casos 286- 243
298 implicações para as relações intergrupos 244-
caso 1 287-290 246
análise das relações entre valores éticos e a Imagem da profissão e perspectivas futuras
atuação da Psicóloga A 289-290 402-417
caso 2 290-294 imagem 407-410
análise das relações entre valores éticos e perspectivas de mudança de emprego, área
a atuação da Psicóloga B 292-294 de atuação e profissão 410-411
caso 3 294-298 transformações da percepção da profissão
análise das relações entre valores éticos e 412-414
a atuação da Psicóloga C 296-298 Inserção no mercado de trabalho 85-105
percepções comparadas dos psicólogos pes­- características do 1o emprego 97-104
qui­sados 298-301 características dos recém-graduados 87-94
Exercício da profissão 107-130 condições de inserção 94-97
condições de inserção e renda 116-119
mundo do trabalho contemporâneo 107-112 M
do liberalismo ao neoliberalismo 107-112 Mudanças no exercício profissional da Psi­co­-
profissionais atuantes na área 123-125 logia no Brasil 419-495
profissionais desempregados 120-121 assalariados e autônomos 427-428
profissionais exercendo atividades fora da Psi- características gerais 420-421
cologia 122-123 escolha da profissão e da área de atuação:
profissionais que nunca atuaram 119-120 motivos internos 422-423
profissional liberal ou assalariado 125-128 exercício da profissão e saúde ocupacional
quadro geral 112-116 435-436
Expansão da profissão 32-44 fazeres do psicólogo: permanências e novi­-
crescimento e interiorização, bases do proces­- dades 428-432
so 35-37 formação e aperfeiçoamento constante 421-
majoritária composição de jovens 39-42 422
majoritária composição feminina 39 formação e prática profissional: discrepâncias
mobilidade no país 37-39 de competências e aprendizagem no traba-
no espaço nacional 33-35 lho 432-435
origem social dos psicólogos 42-43 ingresso no mercado de trabalho 423-425
inserção no mercado de trabalho 425-427
F pesquisa nacional do psicólogo no Brasil 446-
Formação do psicólogo 45-63 495
expansão do ensino superior no Brasil 46-47 instrumentos 452-495
graduação em Psicologia 47-50 significado do trabalho 436-443
formação básica 49-50 ética profissional 441-443
outras modalidades de formação comple­men- forte vínculo com a profissão e identidade
­tar 58-61 dividida 438-441
pós-graduação 51-58
lato sensu: especialização 53-54 P
stricto sensu: mestrados e doutorados 51-53 Perspectivas futuras da profissão. Ver Imagem
da profissão e perspectivas futuras
I Pesquisa nacional do psicólogo no Brasil 446-
Identidade do psicólogo brasileiro 223-246 451, 452-495
a partir da categorização social 227-228 análises de dados 448-451
comentários sobre o resultado da pesquisa aspectos críticos da pesquisa 451
228-235 coleta de dados 447-448
Índice 501

instrumentos 447, 452-495 setores de inserção 131-134, 138-142


metodologia 446 condições de trabalho 140-142
objetivos 446, 447 formas de ingresso 138-140
Profissionalização dos psicólogos: história da perfil de quem atua nos diferentes setores
promoção humana 136-138
elaboração do saber ocupacional 21-23 setor privado 133
dificuldades da profissão 23-29 trabalho do psicólogo no 144-145
setor público 131-133
Q trabalho do psicólogo no 142-144
Questões ética e atuação do psicólogo bra­si­leiro. terceiro setor 133-134
Ver Ética e atuação do psicólogo bra­si­leiro trabalho do psicólogo no 145-148
Trabalho autônomo e voluntário em Psicologia
R 151-173
Recém-formados, inserção no mercado de tra­ perfil do psicólogo autônomo no Brasil 154-171
balho. Ver Inserção no mercado de trabalho condições de trabalho 162-164
dados pessoais, formação acadêmica e com-
S plementar 154-155
Saúde/doença no trabalho do psicólogo 338- diferenças da natureza do trabalho e da for-
355 mação acadêmica e complementar 168-
caminhos da pesquisa 345-346 170
referencial teórico 339-345 diferenças em relação aos profissionais com
resultados: síndrome de burnout entre psicó­- vínculos empregatícios 168
logos brasileiros 346-350 diferenças entre características dos psicólogos
ocorrência 346-350 e percepções acerca da profissão 170-171
síndorme e de burnout e características só­- escolha da profissão 164-166
cio-ocupacionais e demográficas dos psicó­- inserção no mercado, trajetória e renda 156-
lo­­gos 350-353 159
Significado do trabalho 248-279 perfil resumido 166-167
atributos descritivos 267-272 principais atividades e áreas de trabalho
atributos valorativos 261-267 159-162
hierarquia dos atributos descritivos e valo­- Trabalho em equipe de psicólogos. Ver Equipes
rativos 272-273 de psicólogos, trabalho
objetivos da pesquisa 258
padrões do significado do trabalho 273-275 V
participantes 258-259 Vínculos do psicólogo com seu trabalho 303-
referencial teórico 250-258 324
sentidos das respostas dos psicólogos 260-261 comprometimento com a profissão 303-317
centralidade do trabalho 260-261 antecedentes e impactos sobre intenções de
variáveis e instrumentos de pesquisa 250-260 mudança 307-309
Síndrome de burnout. Ver Saúde/doença no conceitos centrais 303-307
trabalho do psicólogo entre psicólogos brasileiros 309-317
dados de validação das escalas de compro­-
T metimento 327-328
Trabalho assalariado em Psicologia 131-149 vínculo com a área de atuação entre psi­có-
panorama geral 134-136 logos brasileiros 317-323

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