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TERAPIA FAMILIAR 181

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Terapia familiar estrutural

criança, enquanto o outro é um excluído zan-


A organização subjacente da vida familiar gado. Se for assim, tentativas de incentivar uma
disciplina eficaz provavelmente fracassarão, a
menos que o problema estrutural seja tratado,
Uma das razões pelas quais a terapia fa- e os pais desenvolvam uma parceria genuína.
miliar pode ser difícil é as famílias com fre- Igualmente, um casal que não consegue se re-
qüência parecerem conjuntos de indivíduos que lacionar bem pode não ser capaz de melhorar
se influenciam mutuamente de maneiras po- seu relacionamento a menos que consiga criar
derosas, mas imprevisíveis. A terapia familiar uma fronteira entre eles e filhos ou parentes
estrutural oferece uma estrutura que traz or- intrusivos.
dem e significado a essas transações. Os pa- A descoberta de que as famílias estão or-
drões consistentes de comportamento familiar ganizadas em subsistemas com fronteiras que
são o que nos permite considerar que eles têm regulam o contato que os membros da família
uma estrutura, embora, é claro, somente em mantêm se revelou um dos insights definidores
um sentido funcional. As fronteiras e coalizões da terapia familiar. Talvez de igual importân-
que constituem uma estrutura familiar são abs- cia, todavia, tenha sido a introdução da técni-
trações; no entanto, utilizar o conceito de es- ca de encenação, em que os familiares são
trutura familiar permite aos terapeutas inter- encorajados a lidar diretamente uns com os
vir de maneira sistemática e organizada. outros na sessão, o que permite que o terapeuta
As famílias que buscam ajuda em geral observe e modifique suas interações.
estão preocupadas com um problema específi- Quando Salvador Minuchin entrou em
co. Pode ser uma criança que se comporta mal cena, seu impacto galvanizador foi como um
ou um casal que não consegue se relacionar mestre da técnica. Sua contribuição mais dura-
bem. Os terapeutas familiares costumam olhar doura, entretanto, foi uma teoria da estrutura
além dos elementos específicos desses proble- familiar e uma série de orientações para orga-
mas, para as tentativas da família de resolvê- nizar as técnicas terapêuticas. Essa abordagem
los. Isso leva à dinâmica da interação. A crian- estrutural foi tão bem-sucedida que cativou o
ça que se comporta mal pode ter pais que a campo nos anos de 1970, e Minuchin transfor-
repreendem, mas jamais a recompensam. O mou a Philadelphia Child Guidance Clinic em
casal pode estar aprisionado em uma dinâmi- um complexo mundialmente famoso, no qual
ca perseguidor-distanciador ou ser incapaz de milhares de terapeutas familiares têm feito for-
conversar sem brigar. mação em terapia familiar estrutural.
O que a terapia familiar estrutural acres-
centa à equação é o reconhecimento da orga-
nização total que sustenta e mantém essas ESBOÇO DE FIGURAS ORIENTADORAS
interações. Os “pais que repreendem” podem
acabar se revelando dois parceiros que se pre- Minuchin nasceu e foi criado na Argenti-
judicam porque um está emaranhado com a na. Trabalhou como médico no exército israe-
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Bernice Rosman, Harry Aponte, Carter Umbarger,


Marianne Walters, Charles Fishman, Cloe
Madanes e Stephen Greenstein, todos os quais
participaram do desenvolvimento da terapia
familiar estrutural. Nos anos de 1970, a tera-
pia familiar estrutural já tinha se tornado o sis-
tema de terapia familiar mais influente e am-
O modelo estrutural de plamente praticado.
Salvador Minuchin é a
Em 1976, Minuchin deixou de ser diretor
abordagem mais influente
à terapia familiar em todo
da Philadelphia Child Guidance Clinic, mas
o mundo. continuou como chefe do programa de forma-
ção até 1981. Depois de deixar a Philadelphia,
Minuchin montou seu próprio centro em Nova
York, onde continuou praticando e ensinando
lense e depois foi para os Estados Unidos, onde terapia familiar até 1996, quando se aposen-
se especializou em psiquiatria infantil com tou e se mudou para Boston. Nesse mesmo ano,
Nathan Ackerman, em Nova York. Após con- concluiu seu nono livro, Mastering family thera-
cluir seus estudos, Minuchin voltou a Israel, py: journeys of growth and transformation, em
em 1952, para trabalhar com crianças refugia- co-autoria com nove de seus supervisionandos,
das. Retornou aos Estados Unidos em 1954, apresentando as idéias mais importantes e sig-
para começar sua formação analítica no nificativas sobre terapia familiar e formação
William Alanson White Institute, onde estudou profissional na área. Embora tenha se aposen-
a psiquiatria interpessoal de Harry Stack tado (novamente) e se mudado para Boca
Sullivan. Ao deixar o White Institute, Minuchin Raton, na Flórida, em 2005, o Dr. Minuchin
trabalhou na Wiltwyck School com adolescen- ainda viaja e ensina pelo mundo todo.
tes delinqüentes, onde sugeriu aos colegas que Como bons jogadores em uma equipe que
começassem a atender famílias. tem uma superestrela, alguns dos colegas de
Na Wiltwyck, Minuchin e seus colegas – Minuchin não são tão conhecidos como pode-
Dick Auerswald, Charlie King, Braulio Montalvo riam ser. Entre eles está Braulio Montalvo, um
e Clara Rabinowitz – aprenderam a fazer tera- dos gênios subestimados da terapia familiar.
pia familiar, inventando-a conforme iam em Nascido e criado em Porto Rico, Montalvo, co-
frente. Para isso, usavam um espelho de ob- mo Minuchin, sempre tratou famílias de mi-
servação e se revezavam observando o traba- norias. Como Minuchin, também é um tera-
lho uns dos outros. Em 1962, Minuchin fez uma peuta brilhante, embora prefira uma aborda-
peregrinação à Meca da terapia familiar, Palo gem mais gentil, mais apoiadora.
Alto. Lá, conheceu Jay Haley, e ambos inicia- Após a aposentadoria de Minuchin, o cen-
ram uma amizade que frutificaria em uma co- tro de Nova York foi renomeado como Minuchin
laboração extraordinariamente fértil. Center for the Family em sua homenagem, e a
O sucesso do trabalho de Minuchin com tocha foi passada adiante para uma nova gera-
famílias na Wiltwyck levou à publicação de um ção. A equipe de professores eminentes no
livro influente e desbravador, Families of the Minuchin Center atualmente inclui Ema
Slums, escrito com Montalvo, Guerney, Rosman Genijovich, David Greenan, George Simon e
e Schumer. A reputação de Minuchin como Wai-Yung Lee. Sua tarefa é manter o centro de
terapeuta familiar cresceu e, em 1965, ele se vanguarda da terapia familiar estrutural na li-
tornou diretor da Philadelphia Child Guidance nha de frente do campo sem a liderança
Clinic. A clínica, na época, possuía uma equipe carismática de seu progenitor.
que não chegava a 12 pessoas. Partindo deste Entre outros alunos proeminentes de
início modesto, Minuchin criou uma das clíni- Minuchin estão Jorge Colapinto, agora no
cas de orientação infantil mais importantes e Ackerman Institute em Nova York; Michael
prestigiadas do mundo. Nichols, que leciona no College of William and
Entre os colegas de Minuchin na Philadel- Mary; Jay Lappin, que trabalha com assistên-
phia estavam Braulio Montalvo, Jay Haley, cia à criança para o governo de Delaware, e
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Charles Fishman, em prática privada na Fila- po sozinhos, apenas os dois. Essas seqüências
délfia. são isomórficas: são estruturadas. Modificar
uma seqüência dessas pode não afetar a estru-
tura básica, mas alterar a estrutura subjacente
FORMULAÇÕES TEÓRICAS terá um efeito sobre todas as transações fa-
miliares.
Os profissionais iniciantes tendem a se A estrutura familiar é moldada em parte
atolar no conteúdo dos problemas familiares por questões universais e em parte por limita-
porque não têm uma teoria que os ajude a en- ções idiossincráticas. Por exemplo, todas as
xergar os padrões de dinâmica familiar. A te- famílias têm uma estrutura hierárquica, com
rapia familiar estrutural fornece um esquema adultos e crianças possuindo mais ou menos
para se analisar os processos de interação fa- autoridade. Os membros da família também
miliar. Como tal, oferece uma base para estra- tendem a ter funções recíprocas e complemen-
tégias terapêuticas consistentes, que deixam tares. Com freqüência, essas funções se tornam
óbvia a necessidade de se ter uma técnica es- tão entranhadas que sua origem é esquecida,
pecífica – geralmente a de outra pessoa – para e elas são vistas como necessárias, em vez de
cada ocasião. Três construtos são os compo- opcionais. Se uma jovem mãe, sobrecarregada
nentes essenciais da teoria familiar estrutural: pelas demandas do seu bebê, fica chateada e
estrutura, subsistemas e fronteiras. se queixa para o marido, ele pode responder
Estrutura familiar refere-se ao padrão or- de várias maneiras. Talvez ele se aproxime e
ganizado em que os membros da família inte- ajude a cuidar do bebê. Isso cria uma equipe
ragem. Já que as transações familiares se re- parental unida. Por outro lado, se ele decidir
petem, criam expectativas que estabelecem que a esposa está “deprimida”, ela pode aca-
padrões duradouros. Depois que os padrões são bar em terapia para conseguir o apoio emocio-
estabelecidos, os membros da família usam nal do qual precisa. Isso cria uma estrutura em
apenas uma fração do leque completo de com- que a mãe permanece distante do marido e
portamentos disponíveis para eles. Da primei- aprende a buscar apoio fora da família. Seja
ra vez em que um bebê chora ou um adoles- qual for o padrão escolhido, ele tende a se
cente perde o ônibus escolar, não está claro autoperpetuar. Embora existam alternativas, as
quem fará o quê. A carga será compartilhada? famílias provavelmente não as considerarão até
Haverá uma desavença? Uma pessoa ficará que uma mudança nas circunstâncias produza
encarregada de todo o trabalho? Mas logo são estresse no sistema.
estabelecidos padrões, determinados papéis, e As famílias não chegam entregando-nos
as coisas se tornam uniformes e previsíveis. seus padrões estruturais como se estivessem
“Quem fará...?” se torna “Provavelmente ela...” entregando uma maçã para a professora. O que
e, então, “Ela sempre...”. elas trazem é caos e confusão. Temos de des-
A estrutura familiar é reforçada pelas ex- cobrir o subtexto – e temos de cuidar para que
pectativas que estabelecem regras na família. ele seja acurado – não imposto, mas descober-
Por exemplo, uma regra como “os membros da to. Dois pontos são necessários: ter um siste-
família devem sempre se proteger mutuamen- ma teórico que explique a estrutura e ver a fa-
te” vai se manifestar de várias maneiras, de- mília em ação. Saber que uma família é mono-
pendendo do contexto e de quem estiver en- parental ou que um casal tem dificuldade com
volvido. Se um menino briga com um vizinho, o filho do meio não nos diz qual é a sua estru-
a mãe irá à casa dos vizinhos para se queixar. tura. A estrutura só se torna observável quan-
Se uma adolescente tem de acordar cedo para do observamos as interações concretas entre
ir à escola, a mãe a acordará. Se um marido os membros da família.
estiver com uma ressaca grande demais para Considere o seguinte caso. Uma mãe te-
ir trabalhar de manhã, a esposa telefonará para lefona para se queixar do mau comportamen-
dizer que ele está gripado. Se os pais briga- to de seu filho de 17 anos. Ela é convidada a
rem, os filhos interromperão a briga. Os pais trazer o marido, esse filho e os outros três para
estão tão preocupados com as questões dos fi- a primeira sessão. Quando chegam, a mãe co-
lhos que isso os impede de passarem um tem- meça a descrever uma série de aspectos triviais
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que provam que o filho é desobediente. Ele in- solver as disputas dos filhos, estes não aprende-
terrompe para dizer que ela fica sempre no seu rão a lutar suas próprias batalhas.
pé, que jamais lhe dá uma folga. Essa altercação As fronteiras interpessoais variam de rí-
espontânea revela um envolvimento intenso gidas a difusas (ver Figura 7.1). Fronteiras rí-
entre mãe e filho – uma preocupação mútua, gidas são excessivamente restritivas e permi-
não menos intensa por ser conflituosa. Contu- tem pouco contato com subsistemas externos,
do, essa seqüência não nos conta toda a histó- resultando em desligamento. Indivíduos ou
ria, porque não inclui o pai nem os outros fi- subsistemas desligados são independentes, mas
lhos. Eles precisam ser envolvidos para obser- isolados. Do lado positivo, isso estimula a au-
varmos seu papel na estrutura familiar. Se o tonomia. Por outro lado, o desligamento limi-
pai tomar o partido da esposa, mas parecer ta a afeição e a ajuda. Famílias desligadas pre-
despreocupado, pode ser que a preocupação cisam chegar a um estresse extremo antes de
da mãe com o filho esteja relacionada à falta mobilizarem ajuda mútua.
de envolvimento do marido. Se os filhos mais Os subsistemas emaranhados fornecem
jovens tenderem a concordar com a mãe e des- um sentimento amplo de apoio mútuo, mas à
creverem o irmão como mau, fica claro que custa da independência e da autonomia. Pais
todos os filhos são próximos da mãe – próxi- emaranhados são amorosos e atenciosos; pas-
mos e obedientes até certo ponto, depois pró- sam muito tempo com os filhos e fazem muito
ximos e desobedientes. por eles. Entretanto, os filhos emaranhados
As famílias diferenciam-se em subsistemas com os pais tornam-se dependentes. Sentem-
baseados em geração, gênero e interesses co- se menos à vontade sozinhos e podem ter difi-
muns. Agrupamentos óbvios como os pais ou os culdade em se relacionar com pessoas de fora
filhos adolescentes são, às vezes, menos significa- da família.
tivos que coalizões encobertas. Uma mãe e seu Minuchin descreveu algumas das carac-
filho caçula podem formar um subsistema tão terísticas dos subsistemas familiares em seu
fechado que os outros são excluídos. Outra famí- trabalho mais acessível, Families and family
lia pode se dividir em dois campos, com a mãe therapy (Minuchin, 1974). A família começa
e o filho de um lado, e o pai e a filha de outro. quando duas pessoas se unem para formar um
Embora certos padrões sejam comuns, as possi- casal. Duas pessoas que se amam concordam
bilidades de subagrupamentos são infinitas. em compartilhar a vida, o futuro e as expecta-
Cada membro da família desempenha tivas, mas um período de ajustamento, geral-
muitos papéis em vários subgrupos. Mary pode mente difícil, é necessário antes que elas pos-
ser esposa, mãe, filha e sobrinha. Em cada um sam completar a transição do namoro para uma
desses papéis, pode ser exigido dela um com- parceria funcional. Elas precisam aprender a
portamento diferente. Se ela for flexível, será acomodar as necessidades mútuas e os estilos
capaz de variar seu comportamento e adaptá- preferidos de interação. Em um casal sadio,
lo a diferentes subgrupos. Censurar pode estar ambos dão e recebem. Ele aprende a acomo-
bem para uma mãe, mas pode causar proble-
mas a uma esposa ou filha.
Os indivíduos, subsistemas e a família in- Fronteira rígida
teira são demarcados por fronteiras interpes-
soais, barreiras invisíveis que regulam o conta- Desligamento
to com os outros. Uma regra que proíbe telefo-
nemas durante o jantar estabelece uma frontei- Fronteira clara
ra que protege a família de intrusões externas.
Quando as crianças pequenas têm permissão Intervalo normal
para interromper livremente a conversa dos pais,
a fronteira que separa as gerações é desgastada. Fronteira difusa
Subsistemas que não são adequadamente pro- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

tegidos por fronteiras limitam o desenvolvimen- Emaranhamento


to de habilidades interpessoais exeqüíveis nos
mesmos. Se os pais sempre interferem para re- FIGURA 7.1 Fronteiras.
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dar a necessidade dela de ser beijada na des- Além de manter a privacidade do casal,
pedida e na chegada. Ela aprende a deixá-lo uma fronteira clara estabelece uma estrutura
em paz com seu jornal no café da manhã. Es- hierárquica em que os pais ocupam uma posi-
ses pequenos arranjos, multiplicados milhares ção de liderança. Com freqüência excessiva,
de vezes, podem ser feitos facilmente ou só essa hierarquia é rompida por uma disposição
depois de muitas brigas. Seja como for, esse centrada na criança, que influencia os profissio-
processo de acomodação cimenta o casal em nais que atendem crianças, assim como os pais.
uma unidade. Pais emaranhados com seus filhos tendem a
O casal também precisa desenvolver pa- discutir com eles sobre quem está no comando
drões complementares de apoio mútuo. Alguns e compartilham equivocadamente – ou negli-
padrões são transitórios e podem ser reverti- genciam – a responsabilidade por tomar deci-
dos mais tarde – por exemplo, um vai trabalhar sões parentais.
enquanto o outro termina a faculdade. Outros Em Institutionalizing madness (Elizur e
padrões são mais duradouros. Papéis comple- Minuchin, 1989), Minuchin defende convin-
mentares exagerados podem dificultar o cres- centemente uma visão sistêmica dos proble-
cimento individual; papéis complementares mas familiares que vai além da família e inclui
moderados permitem ao casal dividir funções, toda a comunidade. Conforme Minuchin sali-
apoiar-se e enriquecer-se mutuamente. Quan- enta, a menos que os terapeutas aprendam a
do um fica gripado, o outro assume as tarefas. olhar além da fatia limitada da ecologia em
A permissividade de um deles com os filhos que trabalham, para as estruturas sociais mais
pode ser equilibrada pela firmeza do outro. A amplas nas quais seu trabalho está inserido,
disposição impetuosa de um pode ajudar a dis- sua obra talvez se reduza a pouco mais do que
solver a reserva do outro. Padrões complemen- fiar em uma roca.
tares existem na maioria dos casais. Tornam-
se problemáticos quando são tão exagerados
que criam um subsistema disfuncional. DESENVOLVIMENTO FAMILIAR NORMAL
O subsistema dos cônjuges também pre-
cisa criar uma fronteira que o separe de pais, O que distingue uma família normal não
filhos e outras pessoas de fora. Quando os fi- é a ausência de problemas, mas uma estrutura
lhos nascem, é muito comum marido e mulher funcional para lidar com eles. Todo casal pre-
desistirem do espaço que lhes é necessário para cisa aprender a se ajustar um ao outro; a criar
se apoiarem. Uma fronteira rígida demais em os filhos, se decidir ter filhos; a lidar com os
torno do casal pode privar os filhos dos cuida- pais; a lidar com seus empregos, e a se adaptar
dos de que eles precisam; mas, na nossa cultu- à comunidade. A natureza dessas lutas se mo-
ra centrada nas crianças, a fronteira entre pais difica de acordo com os estágios desenvolvi-
e filhos freqüentemente é ambígua, no melhor mentais e as crises situacionais.
dos casos. Quando duas pessoas se unem para for-
Uma fronteira clara permite aos filhos mar um casal, os requerimentos estruturais
interagir com pais, mas os exclui do subsistema da nova união são a acomodação e a criação
do casal. Pais e filhos comem juntos, brincam de fronteiras. A maior prioridade é a mútua
juntos e compartilham grande parte da vida acomodação, para lidar com os inúmeros de-
uns dos outros, mas há algumas funções do talhes da vida cotidiana. Cada parceiro tende
casal que não precisam ser compartilhadas. a organizar o relacionamento segundo uma
Marido e mulher são reforçados como casal linha familiar e pressiona o outro para acei-
amoroso e melhorados como pais se tiverem tar isso. Eles precisam concordar em relação
tempo para ficarem sozinhos – para conversar, a questões importantes, tais como onde mo-
sair para jantar ocasionalmente, brigar e fazer rar e se e quando terão filhos. Menos óbvio,
amor. Infelizmente, as demandas barulhentas mas igualmente importante, precisam coor-
dos filhos pequenos muitas vezes fazem os pais denar rituais diários, tais como os programas
perderem de vista a sua necessidade de man- aos quais assistir na televisão, o que comer no
ter uma fronteira em torno de seu relacio- jantar, a que horas ir para a cama e o que fa-
namento. zer lá.
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Nesta acomodação mútua, o casal tam- Embora possa tentar ajudar a esposa, é prová-
bém precisa negociar a natureza das frontei- vel que veja algumas de suas exigências como
ras entre eles e das fronteiras que os separam desmedidas.
dos outros. Uma fronteira difusa entre o casal Os filhos requerem diferentes estilos de
é aquela em que ambos costumam se telefonar cuidados parentais nas diferentes idades. Os
durante o trabalho, em que nenhum tem ami- bebês precisam basicamente de cuidados e ca-
gos próprios ou atividades independentes e em rinho. As crianças precisam de orientação e
que passam a se ver como um par, e não como controle, e os adolescentes, de independência
duas personalidades diferentes. Por outro lado, e responsabilidade. O que representa bons cui-
a fronteira é rígida se eles passam pouco tempo dados parentais para uma criança de 2 anos
juntos, têm quartos separados, tiram férias se- pode ser inadequado para uma de 5 ou para
paradamente, têm contas separadas no banco, um adolescente de 14 anos.
e ambos investem mais na carreira ou em rela- Minuchin (1974) alerta os terapeutas fa-
cionamentos externos do que no casamento. miliares para que não confundam as dores do
Cada parceiro tende a se sentir mais à crescimento com patologia. A família normal
vontade com o nível de proximidade que exis- sente ansiedade e tem problemas conforme
tia em sua família. Já que essas expectativas seus membros se adaptam ao crescimento e à
diferem, segue-se uma luta que pode ser o as- mudança. Muitas famílias buscam ajuda em
pecto mais difícil da nova união. Ele quer jo- estágios transicionais, e os terapeutas devem
gar golfe com os rapazes; ela se sente abando- ter em mente que elas podem, simplesmente,
nada. Ela que conversar; ele quer assistir à estar no processo de modificar sua estrutura
ESPN. O foco dele é a sua carreira; o foco dela para acomodar novas circunstâncias.
é o relacionamento. Cada um acha que o ou- Todas as famílias enfrentam situações que
tro não está sendo razoável. estressam o sistema. Embora não exista nenhu-
Os casais também precisam definir uma ma linha divisória clara entre famílias sadias e
fronteira que os separe de suas famílias de ori- não-sadias, podemos dizer que as famílias sa-
gem. De repente, as famílias em que cresce- dias modificam sua estrutura para acomodar
ram passam a segundo plano no novo casa- circunstâncias modificadas; as famílias disfun-
mento. Este, também, é um ajustamento difí- cionais aumentam a rigidez das estruturas e
cil, tanto para os recém-casados quanto para deixam de ser efetivas.
seus pais. As famílias variam na facilidade com
que aceitam e apóiam essas novas uniões.
O nascimento de um filho transforma ins- DESENVOLVIMENTO DE TRANSTORNOS
tantaneamente a estrutura da nova família, DE COMPORTAMENTO
criando um subsistema parental e um subsistema
filial. É típico os cônjuges terem padrões dife- Os sistemas familiares precisam ser sufi-
rentes de comprometimento com o bebê. O cientemente estáveis para garantir continuida-
comprometimento da mulher com uma unida- de, mas suficientemente flexíveis para se aco-
de de três provavelmente começa com a gravi- modar a mudanças nas circunstâncias. Os pro-
dez, pois o bebê dentro de seu útero é uma blemas surgem quando estruturas familiares
realidade inevitável. O marido, por outro lado, inflexíveis não conseguem se ajustar de forma
talvez só comece a se sentir pai quando o filho adequada a desafios maturacionais ou situa-
nascer. Muitos homens não aceitam o papel de cionais. Mudanças adaptativas na estrutura são
pai até os filhos terem idade suficiente para necessárias quando a família ou um de seus
reagir a eles. Assim, mesmo em famílias nor- membros enfrenta um estresse externo e quan-
mais, os filhos trazem consigo grande poten- do são atingidos pontos de crescimento tran-
cial de estresse e conflito. A vida da mãe em sicionais.
geral é transformada mais radicalmente que a A disfunção familiar resulta de uma com-
do pai. Ela se sacrifica muito e, tipicamente, binação de estresse e fracasso em se realinhar
precisa de mais apoio por parte do marido. O para lidar com a situação (Colapinto, 1991).
marido, enquanto isso, continua trabalhando, Os estressores podem ser ambientais (um dos
e o novo bebê não altera tanto a sua vida. pais fica desempregado, a família se muda) ou
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desenvolvimentais (um dos filhos atinge a ado- inerentes às idéias em si. Relacionamentos ten-
lescência, os pais se aposentam). O fracasso denciosos, seja qual for a razão para eles, po-
da família em lidar com a adversidade pode se dem ser problemáticos, embora nenhum mem-
dever a falhas em sua estrutura ou simples- bro da família deva ser culpabilizado ou res-
mente à sua incapacidade de se ajustar a cir- ponsabilizado por corrigir, unilateralmente, o
cunstâncias modificadas. desequilíbrio.
Nas famílias desligadas, as fronteiras são As hierarquias podem ser frágeis e inefi-
rígidas, e a família não consegue mobilizar cazes ou rígidas e arbitrárias. No primeiro caso,
apoio quando necessário. Pais desligados po- membros mais jovens da família podem ficar
dem não perceber que um filho está deprimi- desprotegidos pela ausência de orientação; no
do ou com dificuldades na escola até o proble- segundo, seu desenvolvimento como indiví-
ma avançar muito. Nas famílias emaranhadas, duos autônomos pode ser prejudicado, ou lu-
por outro lado, as fronteiras são difusas, e os tas de poder podem ser o resultado. Exatamen-
membros da família reagem exageradamente te como uma hierarquia funcional é necessá-
e se envolvem com os outros de maneira intru- ria para a estabilidade de uma família sadia, a
siva. Pais emaranhados criam dificuldades ao flexibilidade é necessária para que seus mem-
impedir o desenvolvimento de formas mais bros se adaptem a mudanças.
maduras de comportamento em seus filhos e A expressão mais comum do medo da
ao interferir em sua capacidade de resolver os mudança é a evitação do conflito, quando os
próprios problemas. familiares evitam tratar de suas discordâncias
Em seu livro sobre estudos de caso, Family para se protegerem da dor de se enfrentarem
healing, Minuchin e Nichols (1993) descrevem com verdades duras. As famílias desligadas
um exemplo comum de emaranhamento quan- evitam o conflito minimizando o contato; as
do um pai se intromete para resolver peque- famílias emaranhadas evitam o conflito negan-
nos desentendimentos entre os dois filhos – do diferenças, ou por meio de constantes alter-
“como se os irmãos fossem Caim e Abel, e o cações, o que lhes permite ventilar os senti-
ciúme fraterno pudesse levar ao assassinato” mentos sem pressionar por mudanças ou re-
(Minuchin e Nichols, p. 149). O problema, evi- solver as questões.
dentemente, é que, se os pais sempre interrom- Os terapeutas familiares estruturais utili-
pem as brigas dos filhos, estes não aprenderão zam alguns símbolos simples para diagramar
a lutar as próprias batalhas. problemas estruturais, e esses diagramas nor-
Embora falemos sobre famílias emaranha- malmente deixam claro quais mudanças são
das e desligadas, é mais exato falar sobre sub- necessárias. A Figura 7.2 mostra alguns dos
sistemas específicos como emaranhados ou símbolos usados para diagramar estruturas fa-
desligados. De fato, emaranhamento e desli- miliares.
gamento costumam ser recíprocos, de modo Um problema com freqüência observado
que, por exemplo, seja provável um pai exces- pelos terapeutas familiares é aquele em que os
sivamente envolvido com seu trabalho se en- pais, incapazes de resolver conflitos entre si,
volva menos com a família. Um padrão fre-
qüentemente encontrado é a síndrome mãe
emaranhada/pai desligado – “o arranjo carac- Fronteira rígida
terístico da família de classe média perturba- Fronteira nítida
da” (Minuchin e Nichols, 1993, p. 121). Fronteira difusa
Feministas têm criticado a noção de uma Coalizão
síndrome mãe emaranhada/pai desligado por-
que rejeitam a divisão estereotípica do traba- Conflito
lho (papel instrumental para o pai, papel ex-
pressivo para a mãe) e porque não querem Desvio
culpar as mães por um arranjo que é cultural-
mente sancionado. Ambas as preocupações são Emaranhamento
válidas. Todavia, preconceito e acusações são
devidos à aplicação insensível dessas idéias, não FIGURA 7.2 Símbolos de estrutura familiar.
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desviam o foco de preocupação para a criança. bem cuidados maravilhosos: os pais lhes dão
Em vez de se preocuparem um com o outro, muita atenção. Embora esses pais estejam can-
preocupam-se com a criança (ver Figura 7.3). sados demais de cuidar dos filhos para terem
Embora isso reduza a tensão no pai (P) e na muito tempo para si mesmos, o sistema pode
mãe (M), vitimiza a criança (C) e, portanto, é ter um sucesso moderado. Entretanto, se esses
disfuncional. pais dedicados não ensinarem os filhos a obe-
Um padrão alternativo, mas igualmente decer a regras e respeitar a autoridade, os fi-
comum, é os pais continuarem a brigar por lhos podem não estar preparados para nego-
meio da criança. O pai diz que a mãe é permis- ciar seu ingresso na escola. Acostumados a im-
siva demais; ela, que ele é rígido demais. Ele por sua vontade, é possível que se tornem re-
pode se afastar, fazendo com que ela critique beldes e agitados. Algumas conseqüências pos-
sua falta de preocupação, o que, por sua vez, síveis dessa situação levam a família a trata-
faz com que ele se afaste ainda mais. A mãe mento. As crianças podem relutar ir à escola, e
emaranhada reage às necessidades da criança seus medos, ser reforçados por pais “compre-
com preocupação excessiva. O pai desligado ensivos” que permitem que continuem em casa
tende a não reagir mesmo quando uma res- (Figura 7.6). Esse caso pode ser rotulado como
posta é necessária. Ambos podem se criticar fobia escolar e piorar se os pais permitirem que
mutuamente, mas perpetuam o comportamen- os filhos continuem em casa por mais de al-
to do outro com o seu próprio. O resultado é guns dias.
uma coalizão geracional cruzada entre a mãe Alternativamente, as crianças de tais fa-
e a criança, que exclui o pai (Figura 7.4). mílias podem ir à escola, mas como não apren-
Algumas famílias funcionam bem quan- deram a se acomodar aos outros, podem ser
do os filhos são pequenos, mas não conseguem rejeitadas pelos colegas. Essas crianças muitas
se ajustar à necessidade de disciplina dos fi- vezes ficam deprimidas e se retraem. Em ou-
lhos que estão crescendo. Os filhos pequenos tros casos, as crianças emaranhadas com os pais
nas famílias emaranhadas (Figura 7.5) rece- passam a ser um problema disciplinar na esco-
la, e as autoridades escolares podem iniciar um
aconselhamento.
Uma mudança importante na composição
P M familiar que requer ajustamento estrutural
ocorre quando cônjuges divorciados ou viúvos
casam-se novamente. Essas “famílias mistura-
das” ou reajustam suas fronteiras ou logo pas-
C sam a ter conflitos transicionais. Quando uma
FIGURA 7.3 Designação de um bode expiatório para des- mulher se divorcia, ela e as crianças precisam
viar o conflito. primeiro aprender a se reajustar a uma estru-
tura que estabelece uma clara fronteira, sepa-
rando os cônjuges divorciados, mas ainda per-
mite contato entre o pai e os filhos; então, se
M P ela casa novamente, a família precisa apren-
P der a funcionar com um novo marido e padras-
to (Figura 7.7). Às vezes, é difícil para a mãe e
Torna-se M C os filhos permitirem que o padrasto participe

FIGURA 7.4 Coalizão mãe-criança.


M P
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

P M C
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Filhos Escola

FIGURA 7.5 Pais emaranhados com os filhos. FIGURA 7.6 Fobia escolar.
TERAPIA FAMILIAR 189
M P
M P
○ ○ ○ ○
Filhos
Johnny
M P
Torna-se
Filhos ou

M Padrasto M Interesses
Torna-se ○ ○ ○ ○
externos
Filhos P
Johnny

FIGURA 7.9 O emaranhamento de Johnny com a mãe e


FIGURA 7.7 Divórcio e recasamento. seu desligamento de interesses externos.

como parceiro no novo subsistema parental. A Por que a mãe está emaranhada com o
mãe e os filhos estabeleceram regras transacio- filho? Talvez ela esteja desligada do marido.
nais e aprenderam a se acomodar uns aos ou- Talvez seja uma viúva que não encontrou no-
tros. O novo pai pode ser tratado como um es- vos amigos, um trabalho ou outros interesses.
tranho, de quem se espera que aprenda a ma- A melhor maneira de ajudar Johnny a resolver
neira “certa” (costumeira) de fazer as coisas, e sua depressão talvez seja ajudar sua mãe a sa-
não como um novo parceiro que dará, assim tisfazer as próprias necessidades de proximi-
como receberá, idéias sobre criação de filhos dade com o marido ou amigos.
(Figura 7.8). Quanto mais a mãe e os filhos Já que os problemas são uma função da
insistirem em manter seus padrões familiares estrutura familiar inteira, é importante incluir
sem incluir o padrasto, mais frustrado e zan- todo o grupo na avaliação. Contudo, às vezes,
gado ele ficará. O resultado pode levar ao abu- nem mesmo atender a família inteira é suficien-
so da criança ou a brigas crônicas entre os pais. te. A família nem sempre é o contexto comple-
Quanto mais cedo essas famílias entrarem em to ou mais relevante. A depressão de uma mãe
tratamento, mais fácil será ajudá-las a se ajus- poderia dever-se mais a relacionamentos no
tarem à transição. trabalho do que em casa. Os problemas esco-
Aspecto importante dos problemas estru- lares de um filho poderiam dever-se mais ao
turais da família é que os sintomas de um de contexto estrutural escolar do que ao familiar.
seus membros não apenas refletem os relacio- Nesses casos, o terapeuta familiar estrutural
namentos dessa pessoa com os outros, mas são trabalha com o contexto mais relevante para
também uma função de ainda outros relacio- amenizar os problemas apresentados.
namentos na família. Se Johnny, de 16 anos, Por fim, alguns problemas podem ser tra-
está deprimido, ajuda saber que está emara- tados como do indivíduo. Conforme Minuchin
nhado com a mãe. Descobrir que ela exige dele (1974, p. 9) escreveu, “A patologia pode estar
uma obediência absoluta e se recusa a deixá- dentro do paciente, em seu contexto social ou
lo ter idéias próprias ou relacionamentos com no feedback entre eles”. Alhures, Minuchin
pessoas de fora ajuda a explicar a sua depres- (Minuchin, Rosman e Baker, 1978, p. 91) se
são (Figura 7.9). Todavia, esta é uma visão referiu ao perigo de “negar o indivíduo e entro-
apenas parcial do sistema familiar. nizar o sistema”. Enquanto entrevista a família
para ver como os pais lidam com os filhos, o
terapeuta cuidadoso pode perceber que uma das
M Padrasto crianças tem um problema neurológico ou uma
○ ○ ○ ○ incapacidade de aprendizagem. Esses problemas
precisam ser identificados, e os encaminhamen-
Filhos
tos necessários, feitos. Habitualmente, quando
FIGURA 7.8 Fracasso em aceitar um padrasto. uma criança tem dificuldades na escola, existe
190 MICHAEL P. NICHOLS

um problema no contexto familiar ou escolar. comum é ajudar os pais a funcionarem juntos


Habitualmente, mas nem sempre. como um subsistema coeso. Quando só existe
um progenitor, ou quando há vários filhos, um
ou mais dos filhos mais velhos pode ser incen-
OBJETIVOS DA TERAPIA tivado a ser um assistente parental, mas as
necessidades dessa criança também não podem
Os terapeutas familiares estruturais acre- ser negligenciadas.
ditam que os problemas são mantidos por uma Com famílias emaranhadas, o objetivo é
organização familiar disfuncional. Portanto, a diferenciar indivíduos e subsistemas, reforçan-
terapia visa a alterar a estrutura familiar, para do as fronteiras entre eles. Com famílias desli-
que a família possa resolver seus problemas. gadas, o objetivo é aumentar a interação, tor-
A idéia de que os problemas familiares nando as fronteiras mais permeáveis.
estão inseridos em estruturas disfuncionais le-
vou alguns a criticarem a terapia familiar es-
trutural como patologizante. Os críticos vêem CONDIÇÕES PARA A MUDANÇA DE COMPORTAMENTO
os mapas estruturais de organizações disfuncio-
nais como se retratassem um núcleo patológi- A terapia estrutural muda o comporta-
co nas famílias. Isso não é verdade. Os proble- mento ao abrir padrões alternativos de intera-
mas estruturais em geral são vistos como fra- ção, capazes de modificar a estrutura familiar.
casso em se adaptar a mudanças nas circuns- Não é uma questão de criar novas estruturas,
tâncias. Longe de ver as famílias como ineren- e sim de ativar estruturas dormentes. Quando
temente falhas, o terapeuta estrutural vê o seu novos padrões transacionais se tornam regu-
trabalho como ativador de estruturas adap- larmente repetidos e previsivelmente efetivos,
tativas latentes que já fazem parte do repertó- estabilizam a estrutura nova e mais funcional.
rio da família (Simon, 1995). O terapeuta produz mudança reunindo-
O terapeuta familiar estrutural reúne-se se à família, sondando em busca de áreas de
ao sistema familiar para ajudar seus membros flexibilidade e, então, ativando alternativas
a mudarem sua estrutura. Ao alterar frontei- estruturais dormentes. Este reunir-se leva o te-
ras e realinhar sistemas, o terapeuta muda o rapeuta para dentro da família; o acomodar-se
comportamento e a experiência de cada mem- ao seu estilo o torna influente, e manobras de
bro da família. O terapeuta não resolve pro- reestruturação transformam a estrutura fami-
blemas: esta tarefa é da família. O terapeuta liar. Se o terapeuta continuar um estranho, al-
ajuda a modificar o funcionamento familiar de guém de fora, ou usar intervenções demasia-
modo que os membros da família possam re- do distônicas, a família o rejeitará. Se o tera-
solver seus problemas. Dessa maneira, a tera- peuta participar demais da família ou usar in-
pia familiar estrutural é como a psicoterapia tervenções demasiado sintônicas, a família as-
dinâmica – a resolução do sintoma é buscada similará as intervenções a padrões transacio-
não como um fim em si mesma, mas como um nais prévios. Em qualquer um dos casos, não
resultado de uma mudança estrutural. O ana- haverá mudança estrutural.
lista modifica a estrutura da mente do pacien- Reunir-se e acomodar-se são considera-
te; o terapeuta familiar estrutural modifica a dos pré-requisitos para reestruturar. Para se
estrutura da família do paciente. reunir a uma família, o terapeuta precisa trans-
Os objetivos para cada família são dita- mitir que aceita seus membros e respeita sua
dos pelos problemas que seus membros apre- maneira de fazer as coisas. Minuchin (1974)
sentam e pela natureza de sua disfunção es- comparava o terapeuta familiar a um antropó-
trutural. Embora cada família seja única, exis- logo, que precisa primeiro se reunir a uma cul-
tem problemas comuns e objetivos estruturais tura para poder estudá-la.
típicos. De extrema importância entre os obje- Para se reunir à cultura de uma família, o
tivos gerais para as famílias é a criação de uma terapeuta faz aberturas de acomodação – o que
estrutura hierárquica efetiva. Espera-se que os habitualmente fazemos sem pensar, embora
pais estejam no comando, que não se relacio- nem sempre com sucesso. Se os pais buscam
nem com os filhos como iguais. Outro objetivo ajuda para os problemas de um filho, o tera-
TERAPIA FAMILIAR 191
peuta não começa pedindo a opinião da crian- do o terapeuta estimula a família a demons-
ça. Isso transmite falta de respeito pelos pais. trar como esta lida com um tipo particular de
Só depois de ter conseguido se reunir à família problema. Em geral, a encenação começa quan-
é proveitoso tentar reestruturá-la – as geral- do o terapeuta sugere que subgrupos específi-
mente dramáticas confrontações que desafiam cos discutam um determinado problema. Con-
a família a mudar. forme se faz isso, o terapeuta observa o pro-
A primeira tarefa é compreender a visão cesso familiar. Trabalhar com encenações re-
que a família tem dos seus problemas. O tera- quer três operações. Primeiro, o terapeuta de-
peuta faz isso ao tentar compreender sua for- fine ou reconhece uma seqüência. Por exem-
mulação no conteúdo que usam para explicá- plo, observa que, quando a mãe fala com a fi-
la e nas seqüências com as quais a demons- lha, elas conversam como iguais, e o irmão mais
tram. Então, o terapeuta familiar reenquadra a jovem é deixado de fora. Segundo, o terapeuta
formulação da família em uma formulação ba- dirige uma encenação. Por exemplo, ele pode
seada no entendimento da estrutura familiar. dizer à mãe: “Converse sobre isso com seus fi-
De fato, todas as psicoterapias utilizam o lhos”. Terceiro, e mais importante, o terapeuta
reenquadramento. Os pacientes, sejam indiví- precisa orientar a família a modificar a ence-
duos, sejam famílias, chegam com idéias pró- nação. Se a mãe conversa com os filhos sem
prias sobre a causa de seus problemas – idéias assumir responsabilidade por decisões impor-
que não costumam ajudá-los a resolver seus tantes, o terapeuta deve orientá-la a assumir
problemas –, e o terapeuta lhes oferece uma essa responsabilidade conforme a família con-
idéia nova e potencialmente mais construtiva tinua a encenação. Todos os movimentos do
desses mesmos problemas. O que torna única terapeuta devem criar novas opções para a fa-
a terapia familiar estrutural é que ela usa en- mília, opções de interações mais produtivas.
cenações nas sessões de terapia para fazer o Quando uma encenação se paralisa, o
reenquadramento acontecer. Esta é a condição terapeuta pode intervir de duas formas: comen-
indispensável para a terapia familiar estrutu- tando o que deu errado, ou simplesmente esti-
ral: observar e modificar a estrutura das tran- mulando-os a prosseguir. Por exemplo, se um
sações familiares no contexto imediato da ses- pai responde à sugestão de conversar com a
são. O terapeuta estrutural trabalha com o que filha de 12 anos sobre como ela se sente repre-
vê acontecer na sessão, não com o que os mem- endendo-a, o terapeuta poderia dizer ao pai:
bros da família relatam. “Parabéns”. Pai: “O que você quer dizer?” Tera-
Há dois tipos de dados ao vivo, dentro da peuta: “Parabéns; você vence, ela perde”. Ou o
sessão, em que a terapia familiar estrutural se terapeuta poderia, simplesmente, cutucar a
concentra – encenações e seqüências comporta- transação, dizendo ao pai: “Muito bom, conti-
mentais espontâneas. Uma encenação é quan- nue conversando, mas ajude-a a expressar mais

Os terapeutas estruturais utilizam


encenações para observar e modificar
padrões familiares problemáticos.
192 MICHAEL P. NICHOLS

seus sentimentos. Ela ainda é uma menina, qual ela está organizada. Supõe-se que, se a
precisa da sua ajuda”. organização mudar, o problema também vai
Além de trabalhar com encenações, o tera- mudar. Talvez seja importante acrescentar que
peuta estrutural está atento a seqüências com- as dificuldades costumam refletir problemas na
portamentais espontâneas que ilustram a estru- maneira pela qual a família inteira está orga-
tura familiar. Criar uma encenação é como diri- nizada. Portanto, supõe-se que, se ocorrer uma
gir uma peça de teatro; trabalhar com seqüên- mudança entre a mãe e a filha, as coisas tam-
cias espontâneas é como focalizar um refletor em bém mudarão entre marido e mulher.
uma ação que ocorre sem direção. Ao observar e Os terapeutas estruturais fazem avaliações
modificar tais seqüências cedo na terapia, o primeiro reunindo-se à família para criar uma
terapeuta evita se atolar na maneira habitual e aliança e, depois, pondo a família em movimento
improdutiva da família de fazer as coisas. Lidar pelo uso de encenações, diálogos na sessão que
com comportamentos problemáticos assim que permitem ao terapeuta observar como os mem-
ocorrem permite ao terapeuta organizar a ses- bros da família realmente interagem.
são, para sublinhar o processo e modificá-lo. Suponha, por exemplo, que uma jovem
Um terapeuta experiente desenvolve pal- se queixa de uma indecisão obsessiva. Ao res-
pites sobre a estrutura familiar antes mesmo ponder às perguntas do terapeuta durante um
da primeira entrevista. Por exemplo, se a famí- encontro inicial com a família, a jovem fica in-
lia procura a clínica por causa de uma criança decisa e olha de relance para o pai. Ele fala e
“hiperativa”, é possível ter algum palpite sobre esclarece o que ela não consegue. Agora a inde-
a estrutura familiar e as seqüências que aconte- cisão da filha pode ser ligada à prestimosidade
cerão quando a sessão começar, pois o compor- do pai, o que sugere um padrão de emaranha-
tamento “hiperativo” muitas vezes é uma fun- mento. Quando o terapeuta pede aos pais que
ção do emaranhamento da criança com a mãe. conversem sobre suas opiniões sobre os proble-
O relacionamento da mãe com a criança pode mas da filha, eles têm dificuldade em falar sem
ser produto da falta de diferenciação hierárqui- discutir reativamente, e a discussão não segue
ca dentro da família; isto é, pais e filhos se rela- adiante. Isso sugere desligamento entre os pais,
cionam entre si como iguais. Além disso, o ema- o que pode se relacionar (como causa e efeito)
ranhamento da mãe com a criança “hiperativa” ao emaranhamento entre o pai e a filha.
provavelmente será tanto um resultado quanto Observe como a avaliação estrutural se
uma causa da distância emocional com o mari- estende além do problema apresentado e pas-
do. Sabendo que este é um padrão comum, o sa a incluir a família inteira e – sejamos fran-
terapeuta pode antecipar que a criança “hipera- cos – a suposição de que as famílias com pro-
tiva” começará a se comportar mal logo no iní- blemas geralmente apresentam algum tipo de
cio da primeira sessão, e que a mãe será incapaz problema estrutural subjacente. Entretanto, é
de lidar com esse mau comportamento. Arma- importante notar que os terapeutas estruturais
do com este palpite informado, o terapeuta não fazem suposições sobre como as famílias
pode lançar luz sobre essa seqüência assim que deveriam ser organizadas. Famílias monoparen-
ela ocorrer. Se a criança “hiperativa” começar tais podem ser perfeitamente funcionais, tanto
a correr pela sala e a mãe protestar, mas não quanto as famílias com mamães e papais, ou,
fizer nada de efetivo, o terapeuta poderia dizer: na verdade, qualquer outra variação familiar.
“Eu vejo que seu filho se sente à vontade para É o fato de a família buscar terapia para um pro-
ignorar você”. Este desafio pode levar a mãe a blema que foi incapaz de resolver o que dá ao
se comportar de maneira mais competente. terapeuta a licença de supor que algo, na manei-
ra específica pela qual essa família está organiza-
da, talvez não esteja dando certo para ela.
TERAPIA A melhor maneira de fazer uma avaliação
Avaliação é focalizar o problema apresentado e, então,
explorar a resposta da família a ele. Considere
Uma avaliação estrutural baseia-se na su- o caso de uma menina de 13 anos cujos pais se
posição de que as dificuldades da família via queixam de que ela mente. A primeira pergun-
de regra refletem problemas na maneira pela ta poderia ser: “Para quem ela mente?” Diga-
TERAPIA FAMILIAR 193
mos que a resposta é “para ambos os pais”. A xergarem aquilo para o qual estavam olhando.
pergunta seguinte seria: “Quão bons são os pais Através das lentes da teoria familiar estrutural,
em perceber quando a filha está mentindo?” interações familiares previamente confusas
Depois, menos inocentemente: “Qual dos dois entravam em foco de súbito. Onde outros viam
percebe melhor quando a filha está mentindo?” apenas caos e crueldade, Minuchin via estru-
Talvez seja a mãe. De fato, digamos que a mãe tura: famílias organizadas em subsistemas
está obcecada por detectar as mentiras da filha – com fronteiras. Esse livro de imenso sucesso
a maioria das quais tem a ver com buscar inde- (mais de 200 mil cópias impressas) não só nos
pendência, de uma maneira que eleva a ansie- ensinou a enxergar emaranhamento e desliga-
dade da mãe. Assim, uma mãe preocupada e mento, como também nos deu a esperança de
uma filha desobediente estão aprisionadas a que mudar isso era apenas uma questão de reu-
uma luta a respeito de crescer que exclui o pai. nir-se a, encenar e desequilibrar. Minuchin fez
Levando adiante essa avaliação, o tera- com que mudar famílias parecesse simples.
peuta estrutural exploraria o relacionamento Não é.
entre os pais. A suposição, entretanto, não seria Quem observasse Minuchin trabalhando
de que os problemas da filha são resultado dos 10 ou 20 anos depois da publicação de Families
problemas conjugais, mas simplesmente que o and family therapy veria um terapeuta criativo
relacionamento mãe-filha poderia estar ligado ainda evoluindo, não alguém congelado no
ao relacionamento entre os pais. Talvez os pais tempo no ano de 1974. Ainda haveria confron-
tenham se dado bem até a primogênita entrar tações claras (“Quem é o xerife nesta família?”),
na adolescência, quando a mãe passou a se mas haveria menos encenações, menos diálo-
preocupar muito mais que o pai. Seja qual for gos encenados e dirigidos. Ainda ouviríamos
o caso, a avaliação também envolveria conversar uma miscelânea tomada emprestada de Carl
com os pais sobre como foi crescer na família Whitaker (“Quando foi que você se divorciou
de cada um, a fim de explorar como seus pas- da sua mulher e se casou com seu trabalho?”),
sados ajudaram a torná-los do jeito que são. Maurizio Andolfi (“Por que você não mija no
O Dr. Minuchin e colaboradores escreve- tapete, também?”) e outros. Minuchin combi-
ram, recentemente, um livro em que o proces- na muitos pontos em seu trabalho. Para aque-
so de avaliação é organizado em quatro etapas les familiarizados com seu trabalho anterior,
(Minuchin, Nichols e Lee, no prelo). A primei- tudo isso levanta a pergunta: Minuchin ainda
ra etapa é fazer perguntas sobre o problema é um terapeuta familiar estrutural? A pergun-
apresentado até os membros da família come- ta, evidentemente, é absurda; nós a levanta-
çarem a perceber que o problema vai além da mos para enfatizar um ponto: a terapia fami-
pessoa que apresenta o sintoma e inclui a fa- liar estrutural não é um conjunto de técnicas –
mília toda. A segunda etapa é ajudar os mem- é uma maneira de olhar para as famílias.
bros da família a perceber como suas interações No restante desta seção, apresentaremos
podem, inadvertidamente, estar perpetuando o esboço clássico da técnica familiar estrutu-
o problema. A terceira etapa é uma breve ex- ral, com o seguinte alerta: depois que o tera-
ploração do passado, focalizando como os adul- peuta dominar os aspectos básicos da teoria
tos da família chegaram às perspectivas que estrutural, precisa aprender a traduzir a abor-
agora influenciam suas interações problemáti- dagem de uma maneira que se adapte ao seu
cas. A quarta etapa é explorar opções que os estilo pessoal.
membros da família possam pôr em prática Em Families and family therapy, Minuchin
para interagir de maneiras mais produtivas, que (1974) listou três fases que se sobrepõem no
criem uma mudança na estrutura familiar e aju- processo da terapia familiar estrutural. O te-
dem a resolver a queixa apresentada. rapeuta (1) se reúne à família em uma posição
de liderança, (2) mapeia sua estrutura sub-
jacente e (3) intervém para transformar essa
Técnicas terapêuticas estrutura. Este programa é simples, no sentido
de que segue um plano claro, mas muito com-
Em Families and family therapy, Minuchin plicado devido à infinita variedade de padrões
(1974) ensinou os terapeutas familiares a en- familiares.
194 MICHAEL P. NICHOLS

Para serem efetivos, os movimentos do garantido. Eles, não seus filhos, são solicita-
terapeuta não podem ser pré-planejados ou dos primeiramente a descrever seus problemas.
ensaiados. Bons terapeutas são mais do que Se uma família elege uma pessoa para falar
técnicos. A estratégia da terapia, por outro lado, pelas outras, o terapeuta percebe, mas não
precisa ser organizada. Em geral, a terapia fa- contesta isso de início.
miliar estrutural segue estes sete passos: As crianças também têm preocupações e
capacidades especiais. Elas devem ser saudadas
1. União e acomodação gentilmente e questionadas com perguntas sim-
2. Encenação ples, concretas. “Oi, eu sou fulana de tal; qual
3. Mapeamento estrutural é o seu nome? Oh, Shelly, é um nome muito
4. Focalização e modificação de interações bonito. Em que escola você estuda, Shelly?”
5. Criação de fronteiras Com crianças mais velhas, tente evitar as habi-
6. Desequilibração tuais perguntas fingidas dos adultos (“E o que
7. Desafio de suposições improdutivas você quer ser quando crescer?”). Tente algo mais
inovador (como “O que você mais detesta na
escola?”). As que quiserem ficar em silêncio
União e acomodação devem ter “permissão” para isso. Elas ficarão
caladas, de qualquer maneira, mas o terapeuta
Já que a maioria das famílias tem padrões que aceita sua reticência terá dado um passo
homeostáticos firmemente estabelecidos, a te- importante no sentido de mantê-las envolvidas.
rapia familiar às vezes requer confrontação. “E o que você pensa sobre esse problema?” (Si-
Contudo, desafios ao estilo habitual da família lêncio total.) “Entendo, você não está com von-
serão descartados a menos que sejam feitos de tade de dizer nada agora? Tudo bem, talvez você
uma posição respeitosa. As famílias, como você queira dizer alguma coisa mais tarde.”
e eu, resistem às tentativas de mudança por O fracasso em se reunir e se acomodar à
parte de alguém que elas sentem que não as família produz resistência, e a culpa geralmen-
entende nem aceita. te recai sobre a família. Pode ser confortador
Os pacientes individuais em geral entram culpar os clientes quando as coisas não vão bem,
em tratamento já predispostos a aceitar a au- mas isso não ajuda em nada. Podemos chamar
toridade do terapeuta. Ao buscar terapia, o os membros da família de “negativos”, “rebel-
indivíduo tacitamente reconhece uma necessi- des”, “resistentes” ou “desafiadores”, e vê-los
dade de ajuda e uma disposição a confiar no como “desmotivados”, mas ainda é mais útil fa-
terapeuta. Isso não acontece com as famílias. zer um esforço extra para conectar-se com eles.
O terapeuta familiar é um estranho im- É particularmente importante reunir-se
portuno. Afinal de contas, por que ela insistiu aos membros fortes da família e também aos
em conversar com toda a família? Os membros que estão zangados. Devemos fazer um esfor-
da família esperam ouvir que estão fazendo ço especial para aceitar o ponto de vista do pai
algo errado e estão preparados para se defen- que acha que terapia é bobagem ou do adoles-
der. A família, portanto, é um grupo de não- cente que se sente um criminoso acusado. Tam-
pacientes que se sentem ansiosos e expostos; bém é importante reconectar-se com essas pes-
eles estão determinados a resistir. soas a intervalos freqüentes, particularmente
Primeiro o terapeuta precisa desarmar quando as coisas começam a esquentar.
defesas e aliviar a ansiedade. Isso é feito pela Um bom começo é saudar a família e de-
criação de uma aliança de entendimento com pois perguntar a opinião de cada pessoa sobre
cada membro da família. O terapeuta saúda o problema. Ouça cuidadosamente e reconhe-
cada pessoa pelo nome e faz algum tipo de ça a posição de cada um, devolvendo o que
contato amigável. você ouviu. “Entendo, Sra. Jones, a senhora
Essas saudações iniciais transmitem res- acha que a Sally deve estar deprimida por al-
peito, não só pelos indivíduos da família, mas guma coisa que aconteceu na escola.” “Então,
também por sua estrutura hierárquica e organi- Sr. Jones, você vê algumas coisa que a sua es-
zacional. O terapeuta demonstra respeito pe- posa também vê, mas não está convencido de
los pais ao tomar sua autoridade como algo que este é um problema sério. É isso?”
TERAPIA FAMILIAR 195
Encenação não precisa ouvir descrições do que acontece
em casa para perceber a incompetência execu-
A estrutura familiar se manifesta na ma- tiva. Se mãe e filha se enfurecem e vociferam
neira pela qual os membros da família intera- entre si enquanto o pai continua sentado silen-
gem. Ela nem sempre pode ser inferida a par- ciosamente no canto, não é necessário pergun-
tir de suas descrições. Portanto, fazer pergun- tar quão envolvido ele é em casa. De fato, per-
tas como: “Quem está no comando?” ou “Vocês guntar pode transmitir um quadro menos exa-
dois concordam?” tende a ser improdutivo. As to do que aquele revelado espontaneamente.
famílias geralmente se descrevem mais como
acham que deveriam ser do que como são.
Fazer com que os membros da família Mapeamento estrutural
conversem entre si contraria suas expectativas.
Eles esperam apresentar seu caso para um es- As famílias habitualmente concebem os
pecialista e então receber uma orientação so- problemas como localizados no paciente iden-
bre o que fazer. Se solicitados a discutir algu- tificado e determinados por acontecimentos do
ma coisa na sessão, eles dirão: “Nós já falamos passado. Esperam que o terapeuta mude o pa-
sobre isso muitas vezes” ou “Não vai adiantar ciente identificado – com o mínimo possível
nada, ele (ou ela) não escuta” ou “Mas o espe- de alteração na família. Os terapeutas familia-
cialista não deveria ser você?” res consideram os sintomas do paciente iden-
Se o terapeuta começar dando a cada tificado como uma expressão dos padrões
pessoa a chance de falar, habitualmente alguém disfuncionais que afetam toda a família. Uma
dirá algo sobre outro que pode ser um trampo- avaliação estrutural amplia o problema além
lim para uma encenação. Quando, por exem- dos indivíduos para o sistema familiar e trans-
plo, um dos pais diz que o outro é rígido de- fere o foco de acontecimentos isolados do pas-
mais, o terapeuta pode dar início a uma ence- sado para as transações que estão acontecen-
nação dizendo: “Ela diz que você é rígido de- do no presente.
mais; você pode responder a ela?” Escolher um Até os terapeutas familiares muitas vezes
ponto específico para resposta é mais efetivo categorizam as famílias com construtos que se
que pedidos vagos, como: “Por que vocês dois aplicam mais a indivíduos que a sistemas. “O
não falam sobre isso?” problema nesta família é que a mãe sufoca os
Depois que a encenação começar, o tera- filhos” ou “Esses filhos são desafiadores” ou “Ele
peuta pode descobrir muitas coisas sobre a es- não se envolve”. Os terapeutas familiares es-
trutura da família. Por quanto tempo duas pes- truturais tentam avaliar a inter-relação entre
soas podem conversar sem serem interrompi- todos os membros da família. Com os concei-
das – isto é, quão clara é a fronteira? Alguém tos de fronteiras e subsistemas, a estrutura de
ataca, o outro defende? Quem é central, quem todo o sistema é descrita de maneira que apon-
é periférico? Os pais envolvem os filhos em suas ta para mudanças desejáveis.
discussões – isto é, eles estão emaranhados? Avaliações preliminares baseiam-se em
As famílias demonstram emaranhamento interações ocorridas na primeira sessão. Nas
quando se interrompem com freqüência, falam sessões posteriores, essas formulações são aper-
por outros membros, fazem coisas para os fi- feiçoadas e revisadas. Embora haja certo peri-
lhos que estes podem fazer sozinhos ou bri- go de forçar as famílias a se encaixarem em
gam constantemente. Nas famílias desligadas categorias quando as aplicamos precocemen-
podemos ver um marido sentado impassivel- te, o maior perigo é esperar demais. Costuma-
mente enquanto a mulher chora, uma total mos enxergar as pessoas mais claramente du-
ausência de conflito, uma surpreendente igno- rante o contato inicial. Mais tarde, quando pas-
rância de informações importantes sobre os fi- samos a conhecê-las melhor, nós nos acostu-
lhos ou falta de consideração pelos interesses mamos às suas idiossincrasias e logo deixamos
dos outros. de percebê-las.
Se, assim que a primeira sessão começar, As famílias rapidamente induzem o tera-
as crianças passarem a correr pela sala enquan- peuta à sua cultura. Uma família que, de iní-
to os pais protestam ineficazmente, o terapeuta cio, parece ser caótica e emaranhada, logo pas-
196 MICHAEL P. NICHOLS

sa a ser apenas a conhecida família Jones. Por suas implicações estruturais exige um foco no
essa razão, é essencial desenvolver hipóteses processo, não no conteúdo. Nada sobre estru-
estruturais relativamente cedo no processo. tura é revelado ao se ouvir quem é a favor de
De fato, convém refletir e palpitar sobre castigos ou quem fala bem de quem. A estrutu-
a estrutura da família antes mesmo da primei- ra familiar é revelada por quem diz o que a
ra sessão. Isso dá início a um processo de pen- quem e de que maneira.
samento ativo e monta o cenário para obser- Talvez uma esposa se queixe: “Nós temos
var a família. Por exemplo, suponha que você um problema de comunicação. Meu marido
vai atender uma família formada por uma mãe, não fala comigo, ele nunca expressa seus sen-
uma filha de 16 anos e um padrasto. A mãe timentos”. O terapeuta então inicia uma ence-
telefonou para se queixar do mau comporta- nação para ver o que realmente acontece. “A
mento da filha. Qual você imagina que pode- sua mulher diz que vocês têm um problema de
ria ser a estrutura e como pode testar a sua comunicação; você pode responder a isso? Fale
hipótese? Um bom palpite seria que a mãe e a com ela.” Se, quando eles conversarem, a mu-
filha estão emaranhadas, excluindo o padras- lher se tornar dominadora e crítica e o marido
to. Isso pode ser testado ao se verificar se mãe passar a falar cada vez menos, o terapeuta verá
e filha conversam principalmente uma sobre a o que está errado: o problema não é que ele
outra na sessão – quer positiva, quer negativa- não fala, o que é uma explicação linear. O pro-
mente. O desligamento do padrasto poderá ser blema também não é que ela importuna, tam-
confirmado se ele e a esposa não conseguirem bém uma explicação linear. O problema é que,
conversar sem a intrusão da filha. quanto mais ela importuna, mais ele se afasta,
Avaliações estruturais levam em conta tan- e quanto mais ele se afasta, mais ela importuna.
to o problema que a família apresenta quanto a O truque é modificar esse padrão. Isso
dinâmica estrutural revelada. Incluem todos os pode requerer uma intervenção enérgica, ou o
membros da família. Neste caso, saber que mãe que os terapeutas estruturais chamam de in-
e filha estão emaranhadas não é suficiente: você tensidade.
também precisa saber o papel que o padrasto Minuchin fala com as famílias com um
desempenha. Se ele é razoavelmente próximo impacto dramático e convincente. Ele regula a
da esposa, mas distante da filha, encontrar ati- intensidade de suas mensagens para exceder
vidades mutuamente prazerosas para padrasto o limiar que os membros da família têm para
e enteada ajudará a torná-la mais independen- não escutarem desafios à sua maneira de per-
te da mãe. Por outro lado, se a proximidade da ceber a realidade. Quando Minuchin fala, as
mãe em relação à filha parecer uma função de famílias escutam.
sua distância do marido, então o par conjugal Minuchin é enérgico, mas a intensidade
poderia ser o foco mais produtivo. não é meramente uma função da personalida-
Sem uma formulação e um plano estru- de; ela reflete claridade de propósito. O co-
turais, o terapeuta fica defensivo e passivo. Em nhecimento da estrutura familiar e o compro-
vez de saber aonde ir e mover-se deliberada- metimento em ajudar as famílias a mudar pos-
mente, ele se recosta e tenta lidar com a famí- sibilitam poderosas intervenções.
lia, ou apagar incêndios e ajudá-los a enfren- Os terapeutas estruturais atingem inten-
tar uma sucessão de incidentes. Um conheci- sidade pela regulação seletiva de afeto, repeti-
mento consistente da estrutura da família e o ção e duração. Tom, volume, ritmo e escolha
foco em uma ou duas mudanças estruturais de palavras são usados para aumentar a inten-
ajuda o terapeuta a enxergar por trás das várias sidade afetiva das declarações. Ajuda se você
questões de conteúdo que os membros da fa- souber o que quer dizer. Aqui vai um exemplo
mília trazem à baila. de uma declaração sem energia: “As pessoas
sempre se preocupam consigo mesmas, como
que vendo a si próprias no centro das atenções
Focalização e modificação de interações e só procurando aquilo que lhes interessa. Não
seria mais legal, para variar, se todo o mundo
Quando as famílias começam a interagir, começasse a pensar sobre o que pode fazer
surgem transações problemáticas. Reconhecer pelos outros?” Compare isso com: “Não per-
TERAPIA FAMILIAR 197
gunte o que o seu país pode fazer por você – a mula proverbial do fazendeiro – às vezes é
pergunte o que você pode fazer por seu país”. preciso bater na cabeça delas para obter a sua
As palavras de John Kennedy tiveram impacto atenção.
porque foram bem escolhidas e claramente Intensidade também pode ser obtida com
enunciadas. Os terapeutas familiares não pre- o aumento da duração de uma seqüência além
cisam discursar, mas, ocasionalmente, precisam do ponto em que a homeostase se reinstala.
falar com energia para se fazer entender. Um exemplo comum é o manejo de explosões
A intensidade afetiva não é apenas uma de raiva. Explosões de raiva são mantidas por
questão de enunciado claro. Você tem de saber pais que cedem. A maioria dos pais tenta não
como e quando ser provocativo. Por exemplo, ceder; eles só não tentam o tempo suficiente.
Mike Nichols trabalhou com uma família em Recentemente, uma menina de 4 anos come-
que o paciente identificado era uma mulher de çou a berrar como louca quando a irmã saiu
29 anos com anorexia. Embora a família man- da sala. Ela queria ir com a irmã. Seus berros
tivesse uma fachada de união, era rigidamente eram quase insuportáveis, e os pais estavam
estruturada; a mãe e a filha anoréxica eram prontos para recuar. Entretanto, o terapeuta
emaranhadas, enquanto o pai era excluído. os exortou a não se darem por vencidos e su-
Nessa família, o pai era o único a expressar geriu que a segurassem até ela se acalmar, “para
raiva abertamente, e esta constituía parte do lhe mostrar quem mandava”. Ela berrou por
motivo de sua exclusão. A filha tinha medo da 30 minutos! Todo o mundo na sala estava em
raiva dele, o que ela reconhecia francamente. frangalhos. Contudo, a garotinha, finalmente,
O que estava menos claro, contudo, era que a percebeu que desta vez não conseguiria impor
mãe a ensinara veladamente a evitar o pai, sua vontade, de modo que se acalmou. Depois,
porque ela, a mãe, não conseguia lidar com a os pais foram capazes de empregar a mesma
raiva dele. Conseqüentemente, a filha cresce- intensidade de duração para fazê-la abando-
ra temendo o pai e os homens em geral. nar esse hábito altamente destrutivo.
A certo ponto, o pai falou sobre como se Às vezes, intensidade requer repetição de
sentia isolado da filha; ele disse que achava um tema em uma variedade de contextos. Pais
que era por ela ter medo da raiva dele. A filha infantilizadores precisam ouvir que não devem
concordou, “É culpa dele, sim”. O terapeuta pendurar o casaco da filha, não devem falar
perguntou à mãe o que ela achava, e a mãe por ela, não devem levá-la ao banheiro e não
respondeu: “Não é culpa dele”. O terapeuta fa- devem fazer muitas outras coisas que ela é ca-
lou: “Você está certa”. Ela continuou, negando paz de fazer por si mesma.
seus reais sentimentos para evitar conflito: O que estamos chamando de “intensida-
“Não é culpa de ninguém”. O terapeuta res- de” pode parecer a alguns excessivamente
pondeu de uma maneira que chamou a aten- agressivo. Embora não se possa negar que
ção dela: “Isso não é verdade”. Surpresa, ela Minuchin e seus seguidores tendem a ser inter-
perguntou o que ele queria dizer. “A culpa é vencionistas, o objetivo da intensidade não é
sua”, respondeu ele. intimidar as pessoas, e sim empurrá-las além
Este nível de intensidade era necessário do ponto em que desistem de alcançar-se mu-
para interromper um padrão rígido de evitação tuamente. Uma estratégia alternativa para as
de conflito que mantinha uma aliança destru- interações que estão em um impasse é o uso
tiva entre mãe e filha. O conteúdo – quem re- da empatia, para ajudar os membros da famí-
almente está com medo da raiva – é menos lia a irem além da superfície de suas altercações
importante que o objetivo estrutural: libertar defensivas.
a filha de sua posição de envolvimento exces- Se, por exemplo, os pais de uma criança
sivo com a mãe. desobediente estão aprisionados em um ciclo
Os terapeutas, com muita freqüência, di- de brigas improdutivas, em que a mãe ataca o
luem suas intervenções ao qualificar exagerada- pai por não se envolver, e ele responde com
mente, pedir desculpas ou divagar. Isso não é desculpas, o terapeuta pode usar intensidade
um problema tão sério na terapia individual, para incentivá-los a planejar como lidar com o
em que via de regra é melhor eliciar interpre- comportamento do filho. Em outra alternati-
tações do paciente. As famílias são mais como va, o terapeuta pode interromper sua discus-
198 MICHAEL P. NICHOLS

são e, por meio da empatia, conversar com um Se o terapeuta tivesse esperado que o caos re-
de cada vez sobre como se sentem. A mulher começasse antes de dizer à mãe que deveria
que só demonstra raiva pode estar encobrindo ser firme, a mensagem seria: “Você é incom-
a mágoa e os anseios que sente. O marido que petente”.
não se envolve nem briga quando se sente ataca- Sempre que possível, os terapeutas es-
do pode estar irritado demais com a raiva da truturais evitam fazer o que os membros da
mulher para perceber que ela precisa dele. família são capazes de fazer sozinhos. Aqui,
Quando essas emoções mais genuínas forem ar- também, a mensagem é: “Vocês são compe-
ticuladas, podem servir de base para os clientes tentes, conseguem fazer isso”. Alguns terapeu-
se reconectarem de maneira menos defensiva. tas justificam o assumir funções da família
Dar forma à competência é outro méto- chamando isto de “modelagem”. Independen-
do para modificar interações e é uma marca temente de como for chamado, tem o impac-
registrada da terapia familiar estrutural. A in- to de dizer aos membros da família que são
tensidade geralmente é usada para bloquear o inadequados. Recentemente, uma jovem mãe
fluxo de interações. Criar competência é como confessou que não soubera como dizer aos
dar uma cutucada a fim de mudar a direção do filhos que iam falar com um terapeuta de fa-
fluxo. Ao salientar e dar forma aos aspectos mília e, então, dissera simplesmente que iam
positivos, o terapeuta estrutural ajuda os mem- dar uma volta. Querendo ajudar, o terapeuta
bros da família a adotarem alternativas funcio- então explicou às crianças que “A mamãe me
nais que já fazem parte de seu repertório. disse que há alguns problemas na família, de
Um erro comum cometido por terapeutas modo que nós todos estamos aqui para con-
inexperientes é tentar desenvolver um desem- versar sobre as coisas a fim de ver se pode-
penho competente apenas com o apontamen- mos melhorá-las”. Esta adorável explicação diz
to dos erros. Isso focaliza o conteúdo sem le- às crianças por que elas vieram, mas confir-
var em conta o processo. Dizer aos pais que ma a mãe como incompetente para fazê-lo.
eles fazem algo errado ou sugerir que façam Se, em vez disso, o terapeuta tivesse sugerido
algo diferente tem o efeito de criticar sua com- à mãe: “Você gostaria de dizer a eles agora?”
petência. Apesar das boas intenções, ainda é Então a mãe, não o terapeuta, teria de se com-
humilhante. Embora esse tipo de intervenção portar como uma mãe capaz.
não possa ser de todo evitado, uma aborda-
gem mais efetiva é apontar o que eles estão
fazendo certo. Criação de fronteiras
Mesmo quando as pessoas cometem mui-
tos erros, normalmente é possível escolher algo A dinâmica familiar disfuncional é pro-
que fazem bem. Um senso de momento certo duto de fronteiras demasiado rígidas ou difu-
ajuda. Por exemplo, em uma grande família sas. Os terapeutas estruturais intervêm para
caótica, os pais eram muito ineficazes no con- realinhar as fronteiras, aumentando ou a proxi-
trole dos filhos. Em certo momento, o terapeuta midade ou a distância entre os subsistemas
se voltou para a mãe e disse: “Está muito baru- familiares.
lhento aqui; você poderia acalmar as crianças?” Nas famílias emaranhadas, as interven-
Sabendo que era difícil para ela controlar os ções do terapeuta têm o objetivo de fortalecer
filhos, o terapeuta estava pronto a comentar as fronteiras entre subsistemas e aumentar a
imediatamente qualquer passo na direção de independência dos indivíduos. Os membros da
um manejo efetivo. A mãe teve de gritar “Quie- família são exortados a falar por si mesmos;
tos!” algumas vezes antes que as crianças pa- interrupções são bloqueadas, e díades são aju-
rassem momentaneamente o que estavam fa- dadas a concluir suas conversas sem intrusão
zendo. Rapidamente – antes que as crianças de outros. O terapeuta que quer apoiar o sub-
retomassem o mau comportamento –, o tera- sistema dos irmãos e protegê-lo da intrusão
peuta cumprimentou a mãe por “amar os fi- parental desnecessária poderia dizer: “Susie e
lhos o suficiente para ser firme com eles”. As- Sean, conversem sobre isso, e todos os outros
sim, a mensagem transmitida foi: “Você é uma vão escutar atentamente”. Se os filhos inter-
pessoa competente, você sabe como ser firme”. rompem os pais com freqüência, o terapeuta
TERAPIA FAMILIAR 199
poderia desafiar os pais a reforçarem a fron- o contato entre si. Sem agir como juiz ou árbi-
teira hierárquica dizendo: “Por que vocês não tro, o terapeuta encoraja os membros da fa-
dizem a eles para caírem fora, de modo que mília a se enfrentarem honestamente e a li-
vocês dois, adultos, possam resolver isso?” darem com suas dificuldades. Quando tera-
Embora a terapia familiar estrutural co- peutas inexperientes vêem desligamento, ten-
mece com o grupo familiar total, sessões sub- dem a pensar em maneiras de aumentar inte-
seqüentes podem ser realizadas com indivídu- rações positivas. De fato, o desligamento cos-
os ou subgrupos a fim de reforçar as fronteiras tuma ser uma maneira de evitar brigas. Por-
que os cercam. Um adolescente excessivamen- tanto, cônjuges isolados um do outro costu-
te protegido pela mãe é apoiado como pessoa mam precisar brigar antes de poderem se tor-
independente ao participar de sessões indivi- nar mais amorosos.
duais. Pais tão emaranhados com os filhos que A maioria das pessoas subestima o grau
nunca conseguem conversar em particular po- de influência de seu comportamento sobre as
dem começar a aprender a fazê-lo em sessões pessoas que as cercam. Isso vale especialmen-
terapêuticas só para eles. te nas famílias desligadas. Os problemas, via
Quando uma mulher de 40 anos telefo- de regra, são vistos como o resultado do que
nou para a clínica querendo ajuda por estar outra pessoa está fazendo, e as soluções re-
deprimida, foi solicitada a comparecer com o querem que os outros mudem. Há queixas típi-
restante da família. Logo ficou aparente que cas. “Nós temos um problema de comunicação;
essa mulher estava sobrecarregada por seus ele nunca me diz o que sente.” “Ele só se im-
quatro filhos e recebia pouco apoio do marido. porta com aquele maldito trabalho dele.”
A estratégia do terapeuta foi reforçar a fron- “A nossa vida sexual é péssima – a minha
teira entre a mãe e os filhos e ajudar os pais a mulher é frígida.” “Ninguém consegue conver-
se aproximarem. Fez-se isso em estágios. Pri- sar com ela. Ela fica o tempo todo se queixan-
meiro, o terapeuta se reuniu com a filha mais do das crianças.” Cada uma dessas afirmações
velha, de 16 anos, e apoiou sua competência sugere que o poder de mudança está unicamente
como uma potencial ajudante da mãe. Depois na outra pessoa. Esta é a visão quase universal-
disso, a menina conseguiu assumir uma série mente percebida da causalidade linear.
de responsabilidades pelos irmãos menores, Embora a maioria das pessoas veja as coi-
tanto nas sessões como em casa. sas dessa maneira, os terapeutas familiares
Liberados das preocupações com os filhos, percebem a circularidade inerente da interação
os pais agora se deparavam com a oportunida- sistêmica. Ele não diz à esposa o que sente
de de conversar mais. Contudo, tinham pouco porque ela reclama e critica, e ela reclama e
a dizer. Isso não resultava de um conflito ocul- critica porque ele não diz a ela o que sente.
to, mas refletia o casamento de duas pessoas Os terapeutas estruturais levam as discus-
relativamente não-verbais. Após várias sessões sões familiares da perspectiva linear para a
em que tentou fazer com que o par conversas- perspectiva circular ao enfatizar a complemen-
se, o terapeuta percebeu que, apesar de algu- taridade. À mãe que se queixa de que o filho é
mas pessoas gostarem de conversar, outras não desobediente se ensina a refletir sobre o que
gostam. Então, para fortalecer o vínculo entre estará fazendo para desencadear ou manter o
o casal, o terapeuta pediu que planejassem uma mau comportamento dele. A pessoa que pede
viagem especial juntos. Eles escolheram fazer mudanças precisa aprender a mudar seu jeito
um passeio de barco em um lago próximo. de tentar obter isso. A mulher que importuna
Quando voltaram para a sessão seguinte, esta- o marido para que passe mais tempo com ela
vam radiantes. Tinham se divertido muito. precisa aprender a tornar mais atraente o maior
Depois, decidiram passar algum tempo sozi- envolvimento. O marido que se queixa de que
nhos toda a semana. a mulher jamais o escuta precisa escutá-la mais,
Famílias desligadas tendem a evitar con- antes de que ela se disponha à reciprocidade.
flitos e, assim, minimizam a interação. O tera- Minuchin enfatiza a complementaridade
peuta estrutural intervém para desafiar a evita- ao pedir aos membros da família que ajudem
ção do conflito e bloquear os desvios, a fim de uns aos outros a mudar. Quando forem relata-
ajudar os membros desligados a aumentarem das mudanças positivas, ele provavelmente
200 MICHAEL P. NICHOLS

cumprimentará os familiares, sublinhando a No processo de discutir sobre o menino que urinava –


inter-relação na família. e a reação dos pais –, Minuchin dramatizou como os pais se
polarizavam.
Minuchin: Por que ele faria uma coisa dessas?
Desequilíbrio Pai: Eu não sei se ele fez de propósito.
Minuchin: Talvez ele estivesse em transe?
Ao criar fronteiras, o terapeuta quer rea- Pai: Não, acho que ele foi descuidado.
linhar relacionamentos entre subsistemas. Ao Minuchin: A mira dele é realmente terrível.
criar desequilíbrio, quer mudar o relacionamen- O pai descreveu o comportamento do filho como aci-
to dentro de um subsistema. O que geralmente dental; a mãe o considerava desafiador. Uma das razões pe-
mantém as famílias em um impasse é que las quais os pais passam a ser controlados pelos filhos pe-
familiares em conflito se fiscalizam e se equili- quenos é que evitam confrontar suas diferenças. Diferenças
bram e, em resultado, permanecem congela- são normais, mas tornam-se prejudiciais quando um dos pais
dos na inação. Ao criar desequilíbrio, o tera- solapa o manejo do outro em relação aos filhos. (É uma vin-
gança covarde por mágoas não-resolvidas.)
peuta se reúne a um indivíduo ou subsistema
A pressão gentil, mas insistente, de Minuchin sobre o
e o apóia, à custa de outros. casal para que conversassem sobre como reagiam, sem
Tomar partido – vamos dizer o que isto mudar o foco para como os filhos se comportavam, fez com
realmente é – parece uma violação do sagrado que eles desenterrassem ressentimentos muito antigos, mas
cânone terapêutico de neutralidade. Entretan- raramente mencionados.
to, o terapeuta toma partido para desequili-
Mãe: Bob desculpa o comportamento das crianças
brar e realinhar o sistema, não porque é juiz porque não quer se envolver e me ajudar a en-
de quem está certo ou errado. No final das con- contrar uma solução para o problema.
tas, o equilíbrio e a justiça prevalecem porque Pai: Sim, mas quando eu tentei ajudar, você sem-
o terapeuta toma partido de vários membros pre me criticou. Então, depois de um tempo,
da família, um de cada vez. eu desisti.
Como uma fotografia imersa em uma bacia de revela-
ção, o conflito dos cônjuges tornara-se visível. Minuchin pro-
tegeu os pais da vergonha (e os filhos de ficarem sobrecarre-
Estudo de caso gados) pedindo às crianças que saíssem da sala. Sem a preo-
cupação de agirem como pais, os cônjuges puderam se en-
Quando a família MacLean buscou ajuda por causa de uma frentar, homem e mulher – e conversar sobre suas mágoas e
criança “incontrolável”, um terror que fora expulso de duas ressentimentos. O que apareceu foi uma triste história de des-
escolas, o Dr. Minuchin descobriu uma cisão encoberta entre ligamento solitário.
os pais, mantida em equilíbrio por não ser mencionada. O Minuchin: Vocês dois têm áreas em que concordam?
mau comportamento do menino de 10 anos era muito visí-
vel: o pai teve de arrastá-lo, com ele chutando e berrando, Ele disse que sim; ela, que não. Ele era um minimi-
para dentro do consultório. Enquanto isso, seu irmão de 7 zador; ela, uma crítica.
anos permanecia sentado tranqüilamente, sorrindo de forma
Minuchin: Quando foi que você se divorciou de Bob
encantadora – o bom menino.
e se casou com as crianças?
A fim de ampliar o foco do “filho impossível” para ques-
tões de controle e cooperação parental, Minuchin perguntou Ela se manteve em silêncio; ele olhou para o teto. Ela
sobre o filho de 7 anos, Kevin, o qual se comportava mal de disse, baixinho: “Provavelmente dez anos atrás”.
forma velada. Ele urinava no chão do banheiro. Segundo o O que se seguiu foi uma história dolorosa, mas conhe-
pai, Kevin urinava no chão do banheiro por “desatenção”. A cida, de como um casamento pode afundar na paternidade e
mãe riu quando Minuchin comentou: “Ninguém pode ter uma em seus conflitos. O conflito jamais era resolvido porque nun-
mira assim tão ruim”. ca aflorava à superfície. Assim, a brecha nunca se fechava.
Minuchin falou com o menino sobre como os lobos Com a ajuda de Minuchin, o casal se revezou falando
marcam seu território e sugeriu que expandisse seu território sobre seu sofrimento – e aprendeu a escutar. Ao criar
urinando nos quatro cantos da sala de estar da família. desequilíbrio, Minuchin criou uma imensa pressão para aju-
dar esse casal a resolver suas diferenças, se abrir um para o
Minuchin: Vocês têm um cachorro? outro, lutar por aquilo que queriam e, finalmente, começar a
Kevin: Não. se aproximar – como marido e mulher, e como pais.
Minuchin: Oh, então você é o cachorro da família.
TERAPIA FAMILIAR 201
Criar desequilíbrio é parte de uma luta se comportam como se fossem menores do que
pela mudança que às vezes assume a aparên- são é uma maneira muito eficaz de fazer com
cia de um combate. Quando o terapeuta diz a que mudem. “Quantos anos você tem?” “Sete.”
um pai que ele não está fazendo o suficiente “Oh, eu pensei que você fosse mais jovem; a
ou a uma mãe que ela está excluindo o mari- maioria das crianças de 7 anos não precisa mais
do, pode parecer que o combate é entre o que a mamãe entre com elas na escola.”
terapeuta e a família, que ele os está atacan- Paradoxos são construções cognitivas que
do. Contudo, o combate real é entre eles e o frustram ou confundem os membros da famí-
medo – o medo de mudar. lia, levando-os a buscar alternativas. Minuchin
usa pouco o paradoxo, mas às vezes ele ajuda
a expressar ceticismo sobre as pessoas muda-
Desafiar suposições improdutivas rem. Embora isso possa ter o efeito paradoxal
de desafiá-las a mudar para provar que você
Embora a terapia familiar estrutural não estava errado, não é tanto um estratagema es-
seja uma abordagem primariamente cognitiva, perto quanto é uma declaração benigna da
seus praticantes às vezes desafiam a maneira verdade. A maioria das pessoas não muda –
pela qual os membros da família vêem as coi- elas esperam que os outros façam isso.
sas. Mudar a maneira de eles se relacionarem
oferece visões alternativas de sua situação. O
inverso é verdadeiro: mudar a maneira pela AVALIANDO A TEORIA E OS RESULTADOS DA TERAPIA
qual eles vêem sua situação lhes permite mu-
dar sua maneira de se relacionar. Em Families of the slums, Minuchin e co-
Quando os pais de Cassie, de 6 anos, se laboradores (1967) descreveram as caracterís-
queixam de seu comportamento, dizem que ela ticas estruturais de famílias de baixo nível
é “hipersensível”, uma “criança nervosa”. Es- socioeconômico e demonstraram a efetividade
ses rótulos têm um poder tremendo. O com- da terapia familiar com essa população. Antes
portamento de uma criança é “mau comporta- do tratamento, as mães das famílias dos pa-
mento” ou é um sintoma de “nervosismo”? É cientes eram ou muito ou pouco controladoras;
“desobediência” ou um “pedido de ajuda”? A em ambos os casos, os filhos eram mais agita-
criança é louca ou má. Quem é responsável? O dos que os das famílias com controle. Após o
que significa um nome? Muita coisa. tratamento, as mães usavam menos controle
Às vezes, o terapeuta familiar estrutural coercitivo, mas eram mais claras e mais firmes.
age como professor, dando informações e con- Dentre as famílias 7 de 11 foram avaliadas co-
selhos, em geral sobre questões estruturais. Isso mo se houvessem obtido melhora depois de seis
provavelmente será uma manobra reestrutura- meses a um ano de terapia familiar. Embora
dora a se realizar de maneira que minimize a não tenha sido usado nenhum grupo-controle,
resistência. O terapeuta faz isso primeiro com os autores compararam seus resultados favo-
um “afago” e depois um “pontapé”. Se ele está ravelmente ao índice habitual de 50% de su-
lidando com uma família em que a mãe fala cesso terapêutico na Wiltwyck. (Nenhuma das
pelos filhos, ele poderia dizer a ela “Você é famílias avaliadas como desligadas melhorou.)
muito prestativa” (afago), mas aos filhos “A Decididamente, a defesa empírica mais
mamãe tira a voz de vocês. Vocês são capazes sólida da terapia familiar estrutural vem de
de falar por si mesmos” (pontapé). Assim, a uma série de estudos com crianças psicosso-
mãe é definida como prestativa, mas intrusiva máticas e adultos drogaditos. Estudos que de-
(um afago e um pontapé). monstram a efetividade da terapia com crian-
Os terapeutas estruturais também utili- ças gravemente psicossomáticas são convincen-
zam ficções pragmáticas para dar aos membros tes por causa das medidas fisiológicas empre-
da família um novo enquadre para experienciar. gadas, e dramáticos devido ao risco de morte
O objetivo não é educar ou enganar, mas ofe- inerente aos problemas. Minuchin, Rosman e
recer um pronunciamento que ajude a família Baker (1978) relatam um estudo que demons-
a mudar. Por exemplo, dizer aos filhos que eles tra com clareza como o conflito familiar pode
202 MICHAEL P. NICHOLS

precipitar quadros de cetoacidose em crianças (Minuchin, Baker, Rosman, Liebman, Milman


com diabete que descompensa por fatores psi- e Todd, 1975).
cossomáticos. Em entrevistas iniciais, os pais Embora nenhum corpo de evidências
discutiram problemas familiares na ausência empíricas tenha estabelecido que alguma abor-
dos filhos. Os cônjuges normais apresentaram dagem terapêutica é consistentemente melhor
os níveis mais elevados de confrontação, en- que as outras, a terapia familiar estrutural pro-
quanto os cônjuges psicossomáticos exibiram vou ser efetiva em diversos estudos, incluindo
uma grande variedade de manobras para evi- vários que envolveram casos considerados
tar conflitos. A seguir, um terapeuta pressio- muito difíceis. Duke Stanton mostrou que a
nava os pais a aumentarem o nível de seu con- terapia familiar estrutural pode ser efetiva para
flito, enquanto os filhos observavam por trás drogaditos e suas famílias. Em estudo bem con-
de um espelho unidirecional. Conforme os pais trolado, Stanton e Todd (1979) compararam a
discutiam, somente as crianças psicossomáticas terapia familiar com uma condição familiar de
pareciam de fato perturbadas. Além disso, o placebo e com terapia individual. A redução
sofrimento evidente dessas crianças era acom- dos sintomas foi significativa com a terapia
panhado por um dramático aumento dos ní- familiar estrutural; o nível de mudanças posi-
veis sangüíneos de ácidos graxos livres, uma tivas foi mais que o dobro do obtido nas outras
medida relacionada à cetoacidose. No terceiro condições, e esses efeitos positivos persistiram
estágio dessas entrevistas, os pacientes se reu- em seguimentos aos 6 e aos 12 meses.
niam aos pais. Os pais normais e os pais com Mais recentemente, a terapia familiar es-
transtornos de comportamento continuavam trutural foi aplicada com sucesso para estabe-
como antes, mas os pais psicossomáticos des- lecer papéis parentais mais adaptativos em
viavam seu conflito, ou trazendo os filhos para adictos à heroína (Grief e Dreschler, 1993) e
a sua discussão ou mudando de assunto e pas- como um meio de reduzir a probabilidade de
sando a falar dos filhos. Quando isso aconte- jovens afro-americanos e latinos iniciarem uso
cia, os níveis de ácidos graxos livres dos pais de drogas (Santisteban, Coatsworth, Perez-
caíam, enquanto os níveis das crianças conti- Vidal, Mitrani, Jean-Gilles e Szapocznik, 1997).
nuavam subindo. Este estudo confirma, soli- Outros estudos indicam que a terapia familiar
damente, as observações clínicas de que as estrutural tem a mesma efetividade que o trei-
crianças psicossomáticas são usadas (e se dei- namento em comunicação e treinamento em
xam usar) para regular o estresse entre os pais. manejo comportamental para reduzir comuni-
Minuchin, Rosman e Baker (1978) resu- cação negativa, conflitos e expressão da raiva
miram os resultados terapêuticos de 53 casos entre adolescentes diagnosticados com trans-
de anorexia nervosa com uso da terapia fami- torno de déficit de atenção e hiperatividade
liar estrutural. Após um curso de tratamento (TDAH) e seus pais (Barkley, Guevremont,
que incluiu hospitalização seguida por terapia Anastopoulos e Fletcher, 1992). A terapia fa-
familiar em regime ambulatorial, 43 crianças miliar estrutural também tem sido efetiva para
anoréxicas tinham “melhorado muito”, duas ti- tratar transtornos adolescentes, como transtor-
nham “melhorado”, três não mostravam “ne- nos de conduta (Szapocznik et al., 1989;
nhuma mudança”, duas estavam “pior” e três Chamberlain e Rosicky, 1995) e anorexia ner-
tinham abandonado o tratamento. Embora vosa (Campbell e Patterson, 1995).
considerações éticas impeçam um tratamento
controle com essas crianças gravemente doen-
tes, o índice de melhora de 90% é impressio- RESUMO
nante, especialmente se comparado ao índice
de mortalidade de 30% neste transtorno. Além Minuchin talvez seja mais conhecido pela
disso, os resultados positivos no término fo- habilidade de sua técnica clínica, mas sua teo-
ram mantidos em intervalos de seguimento de ria familiar estrutural tornou-se um dos mo-
vários anos. A terapia familiar estrutural tam- delos conceituais mais utilizados no campo. A
bém mostrou ser efetiva no tratamento de as- teoria estrutural é tão popular por ser simples,
máticos psicossomáticos e em casos de diabete inclusiva e prática. Os conceitos básicos – fron-
complicada por fatores psicossomáticos teiras, subsistemas, alinhamentos e comple-
TERAPIA FAMILIAR 203
mentaridade – são facilmente compreendidos subsistemas, facilmente conceitualizados como
e aplicados. Levam em conta o contexto indi- mapas bidimensionais, utilizados para encon-
vidual, familiar e social, e fornecem uma es- trar caminhos de mudança.
trutura organizadora muito clara para se com- Depois de ter sucesso ao se reunir à famí-
preender e tratar as famílias. lia e avaliá-la, o terapeuta passa a ativar estru-
O princípio mais importante desta abor- turas dormentes, utilizando técnicas que alte-
dagem é que toda família tem uma estrutura, ram alinhamentos e mudam o poder dentro
e essa estrutura só se revela quando a família de e entre subsistemas. Essas técnicas de rees-
está em ação. Segundo esta visão, os terapeutas truturação são concretas, intensas e, às vezes,
que deixam de considerar a estrutura familiar dramáticas. Entretanto, seu sucesso depende
completa e só intervêm em um subsistema pro- tanto da reunião e avaliação quanto do poder
vavelmente não conseguirão efetuar mudan- das técnicas em si.
ças duradouras. Se o demasiado envolvimento Embora a terapia familiar estrutural seja
de uma mãe com seu filho faz parte de uma tão profundamente identificada com Salvador
estrutura que inclui distância do marido, ne- Minuchin que houve um momento em que
nhuma quantidade de terapia apenas para a ambos eram sinônimos, seria uma boa idéia
mãe e o filho conseguirá provocar mudanças diferenciar o homem do modelo. Quando pen-
básicas na família. samos na terapia familiar estrutural, tendemos
Os subsistemas são unidades da família a lembrar a abordagem conforme descrita em
baseados em função. Se a liderança de uma Families and family therapy, publicado em 1974.
família é assumida pelo pai e por uma filha, Esse livro continua a ser uma ótima introdu-
então eles, e não o marido e a mulher, é que ção à teoria estrutural, mas enfatiza apenas as
são o subsistema executivo. Os subsistemas são técnicas que Minuchin preferia na época. O
circunscritos e regulados por fronteiras inter- próprio Minuchin evoluiu consideravelmente
pessoais. Nas famílias sadias, as fronteiras são nos últimos 30 anos, de um jovem terapeuta
suficientemente claras para proteger a inde- às vezes brusco, sempre pronto a desafiar as
pendência e a autonomia, e suficientemente famílias, para um terapeuta mais experiente,
permeáveis para permitir mútuo apoio e afei- ainda desafiador, mas muito mais gentil em sua
ção. As famílias emaranhadas são caracteriza- abordagem. Se alguns dos exemplos deste ca-
das por fronteiras difusas; as famílias desliga- pítulo lhe pareceram agressivos demais, talvez
das, por fronteiras rígidas. você tenha razão. Algumas dessas vinhetas fo-
A terapia familiar estrutural visa a resol- ram retiradas da década de 1970, quando os
ver os problemas apresentados reorganizando terapeutas familiares tendiam a preferir um
a estrutura familiar. A avaliação, portanto, re- estilo confrontacional. Embora o estilo
quer a presença de toda a família, para que o confrontacional tenha caracterizado alguns
terapeuta possa observar a estrutura subjacente praticantes da terapia familiar estrutural, este
às interações familiares. No processo, o terapeu- nunca foi um aspecto essencial da abordagem.
ta pode distinguir estruturas disfuncionais e fun- Minuchin também evoluiu conceitual-
cionais. As famílias com dores de crescimento mente, de um foco quase exclusivo nas intera-
não devem ser tratadas como patológicas. ções interpessoais para uma consideração das
Os terapeutas familiares estruturais pre- perspectivas cognitivas que orientam essas in-
cisam evitar ser alistados como membros das terações e as raízes passadas dessas perspecti-
famílias com as quais trabalham. Eles come- vas (Minuchin, Nichols e Lee, no prelo). Con-
çam acomodando-se ao jeito habitual de fun- tudo, a abordagem estrutural que ele criou tam-
cionamento da família, a fim de evitar a resis- bém existe independentemente de seu traba-
tência. Depois de conquistar a confiança da lho e está corporificada na literatura definitiva
família, o terapeuta promove uma interação sobre este modelo (por exemplo, Minuchin,
familiar, assumindo um papel descentralizado. 1974; Minuchin e Fishman, 1981; Colapinto,
Desta posição, ele pode observar e fazer uma 1991; Minuchin e Nichols, 1993), assim como
avaliação estrutural, que inclui o problema e a no trabalho de seus alunos e colegas. O mode-
organização que o mantém. Essas avaliações lo estrutural orienta o terapeuta a olhar além
são enquadradas em termos de fronteiras e do conteúdo dos problemas, e até além da di-
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nâmica da interação, para a organização fami- Colapinto, J. 1991. Structural family therapy. In
liar subjacente, que sustenta e limita essas Handbook of family therapy. Vol. II. A. S. Gurman e
interações. Muita coisa mudou desde 1974, mas D. P. Kniskern. eds. New York: Brunner/Mazel.
o modelo estrutural ainda permanece firme e Elizur, J., e Minuchin, S. 1989. Institutionalizing
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