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INSTITUIÇOES

DE

DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO


THEMISTOCLES BRANDAO CAVALCANTI
Procurador da Republica no Districto Federal - Da Ordem dos
Advogados BrAsileiros

Instituições
de
Direito· .Administrativo
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S.T. F.
PATRIMÔNlO
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li}', LIVRARIA EDITORA FRE,ITAS BAS-TOS
Ruas Bethencourt da Silva, 21.A e 13 de Maio, 74 e 76
RIO DE JAN,EIRO
<~O'-', ms!)zO .eU - IJ1'19[m'if ot:J!'i;~:C u: ,~"E,,!'
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A' margem do ante-pr~ f~~~'


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- ,1933 - edição Pongetti
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Do mandado de segurança - 1'9'34 -'Edição Freitas Bastos- 1;' edição

Do mandado' de segurança - 2.', edi ção muito -ampliada'- Edição F4"eitas


Bastos, 1936 (J A J:) 3q<~:~ "
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Instituições de Direito Administrati vo Brasileiro - 1.' edição 1936
Edição F'reitas Bastos

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INTRODUCÇAO

o DffiEITO AlDMINISTRATIVO E- A CARTA


CONsTITUCIONAL DE 1937

Achava-se no prelo este segundo volume, quando o


Presidente da Republica, tendo em vista interesses consi-
derados prementes do regimen, outorgou ao paiz uma car-
ta Constitucional que veio modificar grandemente a sua
estructura politica.
Embora .este trabalho não seja de Direito Constitu-
cional, numerosas são as referencias nelle feitas ás nossas
anteriores Constituições Republicanas, com o intuito de
esclarecer e estudar theses que interessam precipuamente
ao direito administrativo.
E este criterio de estudo de toda forma se justifica,
não sómente pelas relações necessarias que existem entre
o direito constitucional e todos os ramos de direito, cada
um em sua esphera particular, mas tambem, porque jul-
gamos fundamental para o estudo do direito administra-
tivo, um exame mais apurado de nossa estructura Consti-
tucional, dentro da qual se devem desenvolver e mOV1-
mentar as instituições administrativas do paiz.
VI

Por isso mesmo, o primeiro volume deste trabalho,


occupou-se muito especialmente da theoria do Estado,
considerando este em sua estructura, .em sua organização,
em suas finàlidades geraes.
Em sua estructura, examinamos em primeiro lugar,
o processo de descentralização administrativa e politica que
orientou os elaboradores da nossa organização Constitu-
cional; tratamos especialmente da federação.
Mais adeante encaramos o pro~lema politico, o func-
cionamento dos orgãos do Estado dentro de sua triplice
funcção: legislativa, executiva e jurisdiccional, com as
modalidades e peculiaridades do seu funccionamento.
Interrompemos o nosso estudo, no primeiro volume.
na Constituição de 1934, sem q'ualquer objectivo directo
de commental-a, antes encarando-a no seu sentido histo-
rico, dentro das transformações por que passaram aque1-
las tres manifestações da actividade do Estado·.
Vamos, nesta introducção, pôr em dia o nosso tra-
balho, trazendo um complemento ao nosso estudo, com
uma apreciação geral sobre a Carta Constitucional outor-
gada em 10 de Novembro.

CONSIDERAÇÕES GERAES

, Podem-se encontrar quatro caracteristicos essenClaes


na Constituição outorgada:
a) com relação ao systema federal -. maior centra.,.
lização;
b) com relação á funcção legislativa - raClOna-
lização da technica legislativa;
VII

c) ,com rdação ao poder executivo fortaleci-


mento de sua autoridade e ampliação de attribuições;
d) com relação ao poder judiciario - unidade
da Justiça dentro do plano estadual.
Obedeceu a Carta Constitucional a um processo de
'simplificação das normas Constitucionaes. afastou-se da
feição casuistica que caracterisava a Constituição de 1934.
apresentando uma estructura juridica mais logica. mais
concentrada. onde não se. encontra a diluição da autorida-
de por orgãos sem expressão sob o ponto de vista da res-
ponsabilidade.
Soffreu a influencia preponderante das modernas
Constituições europeas. e nella se verifica um retorno a
algumas idéas consubstanciadas no programma de corren-
tes que promoveram a propaganda republicana.
O fortalecimento do poder executivo. é uma tenden-
cia hoje. universal; ella se manifesta ou por uma forma
mais radical. por meio de uma dictadura. ou por meio de
uma estructurà Constitucional orientada naquelle sentido.
Observa Burdeau em um interessan'te capitulo so-
bre o reforço da autoridade do Presidente da Republica
que a dictadura differencia-se do Governo forte. porque.
no primeiro caso. o Governo apoia-se em um partido. em-
quanto que no segundo. apoia-se em toda a Nação.
A distincção tem a sua razão de ser na experiencia
dos diversos regimens estudados por aquelle autor. As di-
ctaduras apontadas como ex,emplo. a Italia. a Russia. a
Allemanha. são. Governos unipartidarios que vivem em
um regimen de força e que só excepcionalmente conhecem
a intervenção do corpo legislativo. Os Governos fortes.
pelo contrario. são aquelles que emanam de uma Constí-
VIII

tUlçao, cujo traço caracteristicoé o fortalecimento da au-


toridade do Presidente da Republica. Apontam-se como
exemplos a Austria, a Polonia, cuja estructura Constitu-
cional revestem-se de modalidades muito peculiares devi-
do em grande parte a condições de ordem local que força-
ram a transformação do regimen politico com uma refor-
ma Constitucional imposta pela força.
A technic~ das revoluções e dos golpes de Estado
torna perigosa a diluição da autoridade pelos diversos or-
gãos do Estado. Dahi a instabilidade das situações poli-
ticas nos Governos de origem popular e, consequente-
mente a tendencia para o fortalecimento do poder, como
acto de legitima defeza, contra as ameaças das correntes
politicas e organizações sociaes que dispõem dos mesmos
elementos que o proprio Governo.
A Carta Constitucional dê 1937, amoldou-se nesses
exemplos e, por isso mesmo procurou naquellas Consti-
tuições precedentoes que merecessem utilização entre nós.
Quando estudamos a nossa estructura politica, no
primeiro volume, fizemol-o de accordo com a sua evolu-
ção até a Constituição de 1934, vamos completai-o agora,
de accordo com os ensinamentos da Carta Constitucional
de 1937, como subsidio historico e doutrina rio do maior
in teressoe.

A FEDERAÇÃO

o processode formação da nossa estructura politica


evoluio no sentido de uma descentralização politica e ad-
ministrativa sob as base~ de um regimen federativo. Con-
stituiram-se, por isso mesmo, as antigas Provincias em
IX

Estados autonomos, politicamente organizados, e com po-


deres de auto ádiriinistração e auto organização.
Sóm.ente aquellés assumptos da esphera typicamente
nacional estariam. ,dentro da competencia federal; tudo o
mais' estaria incluido nas attribuições dos Estados.
,Mesmo os serviços federaes soffriam um processo
de descentralização administrativa dentro do quadro geo-
graphico e administrativo de cada urna das unidades da
. federação. ' Np primeiro volllme estudamos pormenorisa-
dament,e todo, esse processo de descentralização geogra-
phica, institucional e·por serviço .
. A Cfltta Constitucional de 1937, não modificou em
sua es~encia o systema,. antes o conservou em suas linhas
gerae~ .. Não caberia aqui, aliás, examinar em detalhe essa
ques.tão visto como a nossa preoccupação' maior. é a de
definir as linhas mestras das nossas instituições politicas
em tanto quanto interessar possa ao direito administra-
tivo.
O que a Carta Constitucional alterou profunda-
mente foi a e:x;pressão dessa autonomia, tirando aos Esta-
dos o significado historico de sua autonomia politica e a
significação actual de seus symbolos regionalistas, para
que melhor ficasse impresso naconsciencia publica o sen-
timento da nacionalidade contra as affirmações regionalis-
tas dos Estados.
. A idéa não é nova pois que o projecto do Itamaraty
" já incluia o dispositivo, coin o fim de estabelecer com o
novo reg~men Const.itucionai um Estado que fosse de fa-
cto, a expressão da unidade nacional.
Afora, portanto, essa manifestação convencional da
unidade politica do paiz, pouco innovou a Carta pro-
mulgada na distribuição da competencia dos Estados.
x
Deve-se, porém, notar que a egualdade politica ficou mais
seguramente declarada tambem com o equilibrio na repre-
sentação politica na Camara, como veremos adeante.
Mesmo sob o ponto de vista legislativo, nota-se em
algumasmaterias um certo relaxamento nas attribuições
privativas da União, conservando-se de um modo geral,
aos Estados a faculdade de legislar suppletivamente em
assumptos da maior relevancia.
A differença maior é, por vezes, na technica Consti-
tucional, na forma, na precisão de linguagem, agora
orientada dentro de moldes technicamente mais perfeitos.
Nota-se todavia, a preoccupação de attribuir á fun-
cção suppletiva dos Estados em materia legislativa, um
ca~acter mais "delegado" do que de "iniciativa" propria.
originario. E' o que se nota especialmente no artigo 17 e
no paragrapho unico do artigo 18.

o MUNICIPIO

o Municipio conservou o seu caracter proprio já suf-


ficientemente estudado ·no primeiro volume, de accordo
com a sua evolução historica entre nós.
Tres modificações sensiveis podem ser resaltadas, po-
rém, a saber:
a) a nomeação dos Prefeitos;

b) a abolição dos orgãos estadoaes de administra-


ção Municipal, pelo menos, como disposição Constitu-
cional, o que não impede a sua éonservação nos Estados
que julgarem necessario;
XI

c) a organização de agrupamentos de Municipios


para fins administrativos.

A nomeação dos prefeitos permitte, evidentemente


uma selecção maior nas administrações municipaes, desde
que os Governos dos Estados se o;ientem no sentido da
racionalização dos negocios Municipaes, o que representa
uma tendencia moderna cuja importancia foi realçada no
'capitulo proprio do primeiro volume. A administração
Municipal precisa effectivamente, orientar-se em um sen-
tido mais precisamente technico e administrativo; o afas-
tamento dos prefeitos Municipaes da politica, constituiria
para o nosso paiz, um grande passo de consequencias ines-
timaveis.
A abolição, como preceito Constitucion~l dos depar-
tamentos estaduaes de administração Municipal pode-se
justificar pela propria technica que orientou a sua reda-
cção. Mais synthetica, menos casuistica, menos regula-
mentar, mais normativa.
E' de esperar, porém, que os Estados conservem esses
,orgãos cujos serviços de assistencÍa technica aos Munici-
pios tem sido de muita utilidade.
Final:tWente o agrupamento dos Municipios represen-
ta medida de alto alcance em favor da economia dos ser-
viços Municipaes que podem servir a mais de um Municí-
pio. Na pagina 77 do primeiro volume já tratamos do
.assumpto que, com agrado, vemos incorporado ao texto
Constitucional. Em 1933, 'aliás, já delle haviamos trata-
do em um pequeno livro que, então publicamos ,sobre
materia Constitucional. (A margem do ante-projecto, pa-
gina 45).
XII

DOS TERRlTORIOS

Prevê a Constituição de 1937 a creação de territo-


rios que poderão ser desmembrados dos Estados, no inte~
resse da defesa nacional, bem como em virtude de acqui-
sição de novos territorios de accordo com as regras de di-
reito internacional (arts. 4e 6).
O texto Constitucional reveste-se de maior malleabi-
lidade do que o da Constituição de 1934, que estabelecia.
normas padrões para classificar os territorios e as suas con-
dições de existencia.
A Carta Constitucional de 1937 veio apenas deixar'
á lei ordinaria a organização de territorios e definir a sua
posição dentro da divisão territorial da Republica.
O artigo 3 da Carta Constitucional prevê a sua exis-
tencia e os artigos 4 e 6 a forma de sua constituição. Cabe'
á lei ordinaria regulamentar o texto Constitucional de'
accordo com as condições peculiares a cada caso.
O que ficou expresso na Constituição anterior, de'
1934, porém, constitue subsidio historico e doutrinario a
ser attendido na elaboração daquellas leis bem como ao que~
se refere o artigo 31 da mesma Carta Constitucional.

DISTRICTO FEDERAL

A Carta Constitucional de 193 7 veio dar ao Distri~·


cto Federal uma organização s'emelhante áquella que pos~'
suia anteriormente á Constituição de 1934, restringindo,.
porém, ainda mais a sua autonomia, retirando aos seus:
Municipes uma assembléa de caracter local.
XIII

Seguio, assim, o exemplo dos Estados Unidos cuja


Capital constitue um Município entregue á administração
Federal.
O artigo 8 da Carta Constitucional determina que
() Districto Federal, emquanto fôr a sede do governo da
R~pub1ica, será administrado pela União. O Governo Fe-
deral terá como 'delegado um Prefeito, de nomeação <io
Presidente da Republica, com a approvação do Conselho
Federal, mas demissivel ad nutum (art. 30).
As funcções deliberativas cabem, em virtude da mes-
ma disposição Constitucional, ao Conselho Federal.
A organização agora dada ao Districto Federal, se-
gundo nos parece, não lhe tirou a personalidade juridica
'e a administração autonoma, dentro dos limites de sua
Icompetencía, traçada pela lei organica que fer decretada
pelo Governo da União.
O Distric;to Federal tem patrimonio proprio, auto-
nomia financeira e administrativa,· cabendo-lhe arrecadar
,os mesmos impostos reservados pela Carta Constitucional
:aos Estados e Municipios.
A admi1).istração do Districto pode-se em rigor, re-
:gular pelas mesmas normas actuaes que não collidam com
o texto Constitucíonal,cabendo, no entretanto, ao poder
-competente dar-lhe a organização mais coincidente com as
;suas necessidades administrativas.

A FUNCÇÃO LEGISLATIVA

No estudo da funcção legislativa comprehende-se. es-


pecialmen te:
a). a organização dos orgãos legislativos;.
b) as funcções e attribuições dos mesmos orgãos;
c} a technica legislativa e a delegação legislativa.
XIV

o Poder legislativo pela nova carta Constitucional


é exercido pelo Parlamento Nacional com a collaboraç~<o
do Conselho da Economia Nacional e do Presidente da
Republica.
A collaboração do Conselho de Economia verifica-se
por meio de uma intervenção de caracter consultivo em
materias de sua competencia definida nos artigos 57 e se-
guintes.
A collaboração do Presidente da Republica é '2xerci-
da por meio da iniciativa, da sancção e dos decretos-leis
expedidos nos casos previstos na Carta Constitucional.
O regimen adoptado foi o bicameral, compondo-se o
Parlamento Nacional de duas Camaras: a Camara dos De-
putados e o. Conselho Federal. .
~:.~.

A Camara dos Deputados é o orgão principal do


poder legislativo. Constitue-se integralmente pelo voto
popular, por meio de suffragio indirecto, na forma do ar-
tigo 47 da Constituição.
Feliz innovação, a nosso ver, contem a carta Con-
stitucional limitando o maxímo e o mínimo dos represen-
tantes de cada circumscripção eleitoral, correspondente
cada uma a um Estado da Federação.
A these da limitação no numero de representantes de
cada circumscripção eleitoral representou sempre a nosso
ver, um ponto importante para a nossa vida política e
para o equilibrio da federação. Por ella propugnamos na
elaboração do projecto governamental na commissão pre-
sidida pelo Ministro Mello Franco; nosso projecto me-
receu então o apoio da maioria da Commissão contra o
ponto de vista sustentado por Antonio Carlos, Prudente
xv
de Moraes e a opinião emittida por Assis Brasil, a pedido
da Commissão.
Sobre este assumpto tivemo,'), então occasião de es-
crever:
"Derrotada a corrente favoravel á representação pro-
fissional, restava encontrar uma formula que tirasse á As-
sembléa Nacional o caracter que se lhe pretendia dar, pelo
seu numero e pela forma de representação, e, ao mesmo
tempo,' encontrár o meio de estabelecer o equilíbrio poli-
tico dos Estados membros da Federação, de forma a que
se substituiss'e, com vantagens praticas, o Senado, como
orgão de representação egualitaria dos Estados.
Foi attendendo a estas razões que apresentámos sub-
stitutivo ao projecto Prudente de Moraes e que prevaleceu
em principio, mesmo contra as emendas Antonio Carlos.
Quer um, quer outro desses projectos, apezar das al-
tas credenciaes dos seus autores, contrariavam, no entre-
tanto, a tendencia para o parlamento pouco numeroso e,
por iSso, mais efficiente e seleccionado, e, ao mesmo tempo,
estabeleciam um regimen de grande pr~ponderancia dos
grandes Estados, favorecendo a constituição de bancadas
numerosas, que viriam suffocar a representação eleita pelas
populações dos Estados pequenos e de pouco eleitorado.
Tivemos; então, opportunidade de justificar da se-
guinte forma a emenda apresentada:

"Vencido na questão da representação de


classes, soffre o meu voto, quanto á composição
da Assembléa Nacional, restricções impostas pelas
mesmas razões que justificaram o meu voto an-
terior.
XV[

Effectivamente, si estou na corrente dos


que não acreditam na efficacia d,os grandes par-
lamentos e, na sinceridade da representação dire-
cta, pelo suffragio universal, mórmente ell} um
paiz como o nosso, de instrucção e educação ru-
dimentares,' seda incoherente' sivoússe agora
com a corrente vencedora.
A lei (e com melhor razão a Coristituiçãó)
é apenas o reconhecimento de lima s'ituação' de
facto. Tornar-se-ia, portartto, nieta creação~', fóra
da realidade; si pretendesse negar a' existencia de
forças que a todo o momento se manife~tam, cla-
mando pelo reconhecimento de seus'direitos.
Por esse e outros motivos, votei pela repre-
sentação, quer das classes, cuja vitàlicIade 'laten~
te se manifesta no interesse que· tem h~:Vido na
syndicalização, quer pela representaç'ãod~s agru-
pamentos políticos crija existencia 'iiüiis'éutlvelé
apenas um traço de união com o·pas~ado. "
Assim pensando, seria incoherente si votas-
se por uma representação política 'emmôldes
. , .
Sll:p-
.'."
\ (I,

postamente democraticos. '


Dentro desse ponto de vista, acho:,
L

1.°, que a base da representaçãÓ' deve estar


no eleitorado'e não na massa doS hã1>itarites' dó
paiz, constituida em parte de estrangeiros e anal-
phabetos;
, ..:

2.°, que deve ser fix,ado ,Unt ,m'él~imo e mí-


nimo de representantes em ca4a ,cirçl,lmscripção
eleitoral.
XVII

As maiorias parlamentares nunca expnm1-


ram maiorias de representados. Já citei aqui o
ex'emplo referido pelo professor Duguit da lei
sobre a separação da Igreja do Estado na Fran-
ça,cujainiportanCía era incontestavel e que foi
vota'c:lã por 341 deputados, representando me-
nos da quarta parte do Corpo Eleitoral ...
"

E, si quizermos fazer o mesmo calculo en-


tre nós, verificaremos identico phenomeno em
leis de excepcional gravidade.
.Não. me deixo, por isso, levar PQr ficções
'que servem para illudir o povo, sempre sugges-
-tionado por taes artificios.
O que proponho como solução mais ap-
-proximada da verdade, porque não tem intuito
,de illudir e porque assenta, antes de tudo, numa
. fórmula convencional, é o seguinte:
1. ° Nenhuma circumscripção eleitoral
(coincidindo com um Estado), poderá ter
menos de tres e mais de 15 representantes.
2.° A base da representação será o
eleitorado.
3.° A circumscripção que eleger maior
numero de representantes dará 15 e as de-
mais darão proporcionalmente ao seu elei-
torado, com o minimo de tres.
Este é o meu voto, caso prevaleça a repre-
sentação politica totalitaria. E, com lima redu-
cção ao maximo de sete e minimo de dois, caso
XVJIl

seja afinal vencedora, como espero, perante a


grande commissão, a idéa de representação de-:
classes.
Creio ainda na victoria da revolução como>
força renovadora de nossos habitos politicos e-
creadora de um espirito social novo, que reco-
nheça no trabalho e nas classes organizadas as.
poucas reservas capazes de salvar o Brasil".

Inspirámo-nos, ao fixar a formula suggerida, na so-


lução daçla pela Austria á sua antiga camara alta, na qual,
para ass'egurar o relativo equilibrio político entre os Esta-
dos, foi fixado o mínimo e o maximo da representação~
Foi contra essa limitação do minimo e do maximo·
de representação que se insurgiram os impugnadores da
emenda, invocando em seu favor o principio democratico
infenso á limitação de um maximo de representantes.
Não procede a impugnação, porque a limitação se
justifica exactamente por uma imposição de um principio.
da democracia, que é o do justo equilibrio da represen-
tação pelos diversos circulos eleitoraes da Federação .
. Já em seu livro Do Governo Presidencial da Repu-
blica, Assis Brasil preconisava essa limitação do minimo
e do maximo, como meio de evitar o augmento do poder
legislativo e para attender á desegualdade com que foi re-·
partido o territorio nacional.

Já dizia em 1896 o eminente brasileiro:

"O que me diz o meu sentimento indivi-


dual, guiado pela observação do modo por que
XIX

tem funccionado o nosso poder legislativo, é que


o numero de que actualmente se compõe o nosso
Congresso é um pouco excessivo. Eu votaria.
para que não úvessemos, por emquanto, mais do·
que uns 150 representantes e para que, ainda
quando a nossa população houvesse ganho gran-
de expansão, o numero não fosse além de 200.
Restaria a difficuldade relativa á proporcionali-
dade entre os Estados: ha uns que são dez vezes
mais povoados do que outros; mas o mal está
antes na desegualdade com que foi repartido o
territorio nacional, e btm se pode pensar no mo-
do de equilibrar por uma divisão melhor as for-
ças e recursos de varios membros da federação.
Se, porém, não se puder ou quizer fazer isso, na
representação resumida encontra-se justamente o
meio mais natural de attenuar a densidade da
população: bastará para tanto limitar o maxi-
mo, como já se limita o minimo da representa-
ção, . ou, então, diminuir a porcentagem de re-
presentantes actualmente estabelecida, conservan-
do sempre o mesmo minimo que se exige", (Op.
cit., p. 207) .

Como se vê, a idéa não é nova e parti0 de um dos.


grandes batalhadores entre nós da "representação verda-
deira" .

E foi a idéa de respeitar o regimen federativo dando,


forma nova ao systema de representação que levou o gran-·
de elaborador da Constituição da Austria á fórmula pro--
xx

porcional com minimo de dois e o maximo de tres repre-


sentantes.
Embora objecto de criticas, a fórmula adoptada at-
tende, effectivamente, a uma concepção ,mais· moderna e
mais de accordo com as novas tendencias ,do direito pu-
blico, comquanto tenha ficado ferido o principio da de-
mocracia pura, da representação numerica. Prevaleceu, po-
rém, a feição pratica das modernas camaras. O que se teve
em vista foi constituir um systema logico e efficiente, por-
,que de nada vale, cOmo diz muito bem Barthelemy, pa-
rarmos na analyse do principio representativo si queremos
apenas dar ás formas politicas uma solução pratica e justa.
Em um paiz como o nosso, especialmente, o princi-
pio da maioria pura tem sido a origem de grandes dissen-
ções politicas, porque importa fatalmente na formação de
hegemonias decorrentes da falta daquillo que já se cha-
mou muito acertadamente entre nós de equipotencia politi-
ca dos Estados. (E. Backeuser - Problemas do Brasil)".
A Carta Constitucional de 1937 fixou o maXlmo
. . .ln 10 e o minimo em tres proporcionalmente a popu:1a~
,ção de cada Estado.
O Conselho Federal creado pelo artigo 50 da Con-
,stituição compõe-se dos representantes dos Estados (dous
.por Estado) e· de dez membros nomeados pelo Presidente
da Republica que se tenham distinguido pela sua cultura
,e actividade no campo da producção.
A sua competencia comprehende especialmente àquel-
las questões que interessam o commercio internacional,
tratados e convenções bem como alguns assumptos de in-
teresse nacional, e a approvação de certos actos do Go-
.verno, como a nomeação de determinados funccionarios.
xxr-

o conselho Federal tem, como se vê, uma composi-


ção mixta; não preside á sua organização nenhum crite-
rio seguro, isto é, rtão obedece nem ao principio rigorosa-
mente electivo, nem se constitue com representantes de li-
vre nomeação do Presidente da Republica, obedece antes
a um processo de selecção politica e de capacidades que col-
laboram na elaboração de certas leis que representam
maior interesse politico e commercial.
Constitue o Conselho Federal uma das innovações do
novo systema constitucional creado pela Carta de 10 de-
Novembro.
A nova technica legislativa figura tambem como uma
das creações. mais interessantes da nova Carta, mas que
-exige, na sua applicação, um grande senso juridico e uma
concepção "actual" da technica juridica.

Diz o artigo 11: A lei quando de inicia-


tiva do Parlamento, limitar-se-á a regular, de
modo geral, dispondo apenas sobre a substancia
e os princípios, a materia que constitue o seu
objecto. O Poder exe,cutivo expedirá os regula-
mentos complementares.

Firmou-se ahi a funcção puramente normativa do·


Parlamento que deve fixar apenas os principios geraes, as
directivas, a substancia, o conteúdo material das leis, deí-
. xando ao poder executivo a sua regulamentação a parte
formal, adjectiva da norma legal.
-. Sobre essa technica legislativa trataremos neste vo-
lume no capitulo relativo ao direito costumeiro, e remet·-
temos ao volume primeiro pago 291e segs.
XXII

PODER EXECUTIVO

q capitulo central da Carta de 1937 é aquelle que


trata do poder executivo. Em todos os pass.os do texto
~onstitucional, encontra-se a sua influencia.
Na composição do Parlamento, intervem. nomeando
.alguns m~mbros do Conselho Federal, na elaboração le-
gislativa como a iniciativa das leis e no exercicio das dele-
:gações legislativas, finalmente no sector politico e admi-
nistrativo indicando candidato a eleição presidencial, cen-
tralizando e coordenando a administração federal e orien-
tando as actividades legislativas.
Dentro dessa complexidade de funcções é que se mo-
vimenta toda a actividade do Presidente da Republica.
Por isso mesmo diz o artigo 73:

"O presidente da Republica, autoridade su-


prema do Estado, coordena a actividade dos or-
gãos representativos, de cargo superior, dirige a
politica interna e externa, e promove ou orienta a
politica legislativa de interesse nacional, e supe-
rintende a administrativa do paiz".
São essas as linhas geraes que determinam a perso-
nalidade do Presidente da Republica na esphera que in-
teressa ao direito administrativo.
Além das funcções geraes attribuidas pela Consti-
tuição ao Presidente da Republica e que estudamos no
volume primeiro pago 263 e seguintes, que soffreram pe-
'quena alteração, releva notar principalmente aquella que
diz com a expedição de decretos-leis.
Delegação legislativa - decretos-leis - Outra con-
:quista da Carta de 1937 foi a permissão dada ao ParIa-
XXIII

:mento de delegar ao poder executivo o exerC1ClO de suas


funcções legislativas,, por meio de decretos-leis.
Essa questão foi largamente examinada no primeiro
-volume, onde fizemos o estudo da experiencia dos povos
.que nos antecederam nessa pratica de· grande utilidade.
(pags. 380 a 400).
A nossa Carta Constitucional não adoptou nenhum
.systema rigido de approvação dos decretos-leis expedidos
ode conformidade com o artigo 12, pois que deixou ao Par-
lamento a faculdade de fixar as condições e os limites do
.exercicio da funcção delegada.
. Prevê tambem a necessidade da exp~dição de decretos-
leis independentemente de autorização legislativa, como
funcção especifica do poder executivo. Neste caso, depen-
.de a sua appiovação da audiencÍa do Conselho de Econo-
:mia Nacional.
O artigo 13 da Constituição, no entretanto, limita
,o exercício dessa funcção excluindo certo numero de ma-
·terias que constituem a essencia da funcção legislativa e
-que só podem ser exercidas pelo poder executivo, por de-
legação do legislativo.
O capitulo relativo aos decretos-leis e' ás delegações
legislativas é um dos mais impor~antes da nova Carta
'Constitucional; a sua inclusão no texto de 1934 teria cer-
tamente evitado crises e difficuldades que acarretam sem-
pre a inercia e inefficiencia dos Parlamentos.
Quanto á responsabilidade do Presidente da Repu-
.blica deve-se observar que a nova Carta attribuio ao Con-
:selho Federal competencia para o seu processo e julga-
-mento, depois de declarada a procedencia da accusação
~pela Camara dos Deputados (art. 86).
XX.IV

MINISTROS DE ESTADO

Pouca alteração soffreu o antigo' texto Constitucio-


nal neste capitulo. Quer quanto a forma de nomeação
quer quanto á responsabilidad·e, e comparecimento á Ca-·
mara, ficaram os mesmos principios fundamentaes, salvo
a redacção e a responsabilidade do Ministro, pelo não com-
parecimento quando convocado pela' Camara.
Com relação á suacompetencia, seguio o novo tex--
to processo mais synthetico, deixando de consignar a dis-·
criminação das funcções att~ibuidas aos Ministros de Es-
tado; a verdade é que ellas decorrem da lei e da natureza
de suas attribuições.

OONSELHO DA ECONOMIA NACIONAL

A Carta de 1937, substituio os antigos Conselhos'


technicos a que se referia o texto de 1934 por u:t;l1a orga-
nização de base corporativa e de caracter eminentemente
Consultivo, denominada Conselho da Economi~.>Na- • " ;'~f.

cional. ' -
O Conselho tem numerosas attribuiçç~ no artigo-
61, entre as quaes releva salientar aquella ,que diz com, a,
organização corporativa da economia nacional e outras,
questões intimamente ligadas á economia e .a.o Trabalho.
As activid;:tdes do Conselho desdobram-se pelos di-
versos Conselhos technicos permanentes cujo valor é mui-
to grande nós estudos gas questões de natureza adminis-
trativa e economica. Reportamo-nos ao que dissemos nas'
pags. 499 e seguintes do primeiro volume.,
Não estando ainda organizado o Conselho e tratall-·
do-se de um orgão que interessa mais directamente á es-·
xxv

tructura política e social do paiz, deixamos aqui apenas


essas referendas.

DO TRIBUNAL DE CONTAS

o Tribunal de Contas foi mantido pelo novo tex-


to, conservando-se em principio as mesmas funcções g€-
raes que lhe attribuia o antigo texto Constitucional; aqui
como em numerosos casos, deixou a Constituição á lei or-
dinaria a determinação das normas a que deve obedecer a
sua organização.
Ficou porém, bem explicito no artigo 144 que ao
mesmo Tribunal caberá:
a) a fiscalização da execução orçamentaria;
b) julgar as contas dos responsaveis;
c) examinar a legalidade dos contractos celebrados
pela União.
Será esta a opportunidade para definir mais explici-
tamente as funcções daqueUe orgão e conceder-lhe uma
efficiencia que até agora não conhece.u.
Um decreto lei fixou as normas transitorias pelas
quaes se deve orientar o Tribunal emquanto não for ex-
pedido o decreto a que se refere o texto Constitucional.

FUNCÇÃO JURISDICCIONAL

Dentro desse capitulo incluio o antigo texto de 1934.


não sómente a funcção jurisdiccional ordinaria, consti-
tuida pdos tribunaes communs, mas tambem a Justiça
eleitoral, e a Justiça- militar; o texto actual supprimio a
XXiV I

Justiça €l·eitoral e constituio a Justiça ordinaria, sob uma


forma unitaria construi da dentro de um plano estadoal,
isto é, attribuindo ás Justiças dos Estados o conhecimento
de todas as causas inclusive aquellas em que a União for
autora, ré,' assistente ou oppoente.
A dualidade só se verifica em segunda instancia pela
competencia deferida ao Supremo Tribunal Federal para
conhecer desses ultimos feitos.
Seria, no entretanto, preferivel que essa unidade fos-
se construi da sob plano nacional, supprimindo-se a duali- ('
dade de jurisdicção e, consequentemente, as organizações
judiciarias de caracter puramente estadoal.
Em todo o caso, cabe á lei Federal d"etermiriar os li-
mites da competencia dos Estados. desde que a lei proces-
sual não encontra limites doutrinarios outros que não
aquelle determinado pela propria lei federal.
Não comprehendemos, porém, como possa ter a uni-
dade de Justiça uma expressão Nacional desde que fique
attribuida aos Estadoscompetencia para nomear os Juizes
e que tenha a União de comparecer perante Juizes cujos
cargos foram providos pelos Estados.
Este foi, porém, o systema adoptado, systema pre-
conizado, aliás, por eminentes m~stres como Arthur Ri-
beiro, Costa Manso e tantos outros. Sómente a pratica
poderá dizer do seu valor.
Em consequencia, ficou sem execução o que dispu-
nha o artigo 79 da Constituição de 1934 qu~ mandava
prover á organização de um Tribunal para conhecer das
causas fundadas no Direito adminiStrativo em que a
União fOSse parte. O que á respeito dissemos no volume
primeiro serve de subsidiá doutrinario para o estudo da
jurisdicção administrativamtre nós.
XXVII

Certos pontos de vista doutrina rios constituem sub-


sidio importante na formação do direito publico, cujo
valor sómente pela experiencia pode.-se realmente aquila-
tar. Estamos certos de que em materia de jurisdicção ad-
ministrativa temos de nos orientar por um rumo novo que
permi tta satisfazer melho r J os in tcresses da administra-
ção pela boa applicação das normas de direito publico e
pelo julgamento com melhor conhecimento do direito ad
ministra tivo.

FUNCÇÕES DO ESTAOO

Na terceira e ultima parte do. Primeiro Volume es-


tudamos o Estado em seu funccionamento, no exercicio
de algumas de suas funcções essenciaes; a Instrucção, a
Saude, a assisiencia social, a Defeza Nacional, a Ordem
Economica, a funcção tributaria.
Os quadros dentro dos quaes deve-se desenvolver a
actividade do Estado não foram alterados senão em parti-
-cularidades secundarias facilmente retificadas de accordo
com as disposições Constitucionaes.
O Estado não alterou as suas tendencias essenciaes,
nem retrogradou nas conquistas consagradas pela Consti-
tuição de 16 de Julho. .Foram ellas ratificadas solemne-
mente nos Capitulos proprios reguladores ·da Ordem Po-
litica, Economica, Educação, etc.
Obedeceu, porém, a uma technica nova, menos ca-
:suistica, mais normativa, deixando á legislação ordinaria
{) encargo de orientar o poder publico na realização dos
fins para os quaes foi o Estado organizado.
Deve-se, porém, notar que a instrucção publica su-
perior orientou-se m~is no sentido da liberdade, perdendo
XXVIII

um pouco da rigidez inherente á sua subordinação ao of-


fialismo que orientava a sua organização sob o regimen
da Constituição de 1934.
São essas em linhas geraes as rectificações a serem fei-
tas ao que dissemos no volume primeiro desta obra.
O fim deste trabalho consiste povém, menos no com-
menta rio do dir·eito constituido. do que no exame das gran,...
des instituições de direito àdministtativo e, da sua evolu-
ção historica.

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INDICE

TITULO I

Do Direito Administra tivo


OAPl'DUILO I - Noção de Direito Administrativo

Noção do Direito Administrativo - Diversas Theorias -


Laferriére, V;on Stein, Hauriou, Presutti, Cino Vitta,· D' Ales-
sio, Ranelettri, Otto May.er, Uruguay, Fritz Fleiner, Good-
now, Roger Bonnard - A Noção do Serviço Publico ...... 3

OA!P.ITUiLO TI - Direito Publico e Diréito Privado

Direito Publico e Direito Privado - Sua Divisão T'ra-


dicioT1J.al - Sua Critica - Coviello, Thon, Hans Kelsen, Jelli-
nek, Fritz Fleiner ....................................... 11

CAlPI'DULO Iil - A Codificação do Direito Administrativo

A Codific.ação do Direito Administrativo - O Proble11Ul


das Codificações - A Escola Historica - Savigny, Puchta,
Niebhur - Tentativas para a Codificação do Direito Admi-
nistrativo - As Diversas Correntes ...................... 15

CAlPITUlLO - IV - Relaç&s do Direito Administrativo com


os diversos ramos do Direito

Relaç(jes do Direito Administrativo com os Diversos Ra-


mos do Direito - Com o Direito Constitucional - Com o
Direito InterrtaOÍonal - Com o Direito Civil - Com o Di-
reik Penal - Direito Financeiro - Direito Penal Admi-
nistrat7.vo - Arturo Rocca e Sylvio Longhi ..... Penas Fis-
caes e Penas Criminaes - Multas e Sancções Administrati-
vas - Sua Natureza - DoutJrina e Jurisprudencia - Re-
gulamentos Administrativos .............................. 19
xxx
<JAiR[TULO V - Direito Disciplinar

Direito Disciplin/lff - Noção - Elementos - Pena Dis-


ciplinar - Pena Administ1-ativa - Diversas Theorias 38

CAlPI'IlULO VII - Direito financeiro - Direito Fiscal

Direito Fiscal - Noções - Definições diversas - Ca-


racteres- Autonomia - Suas Relações com o Direito Ad-
ministrativo - Taxas - Definições - Caracteres - Sua
Distirwção dos Impostos - Definições Diversas - Bitribu-
tação - Conceito - Na Ordem Interna e Internacional.... 40

OAJBI'DULO VIII - Direito costumeiro e praXies administmtivas

Direito Costumeiro e Praxes Adnninistrativas - Deci-


Sões e Jurisprudencia - Os Precedentes Administrativos. ".. 6ó

CAlPI'l1ULO \nm: - Estatistica - Relações com o Direito Ad~


ministrativo

Estatistica - Relações com o DVreito Ad1ninistrativo -


O Instituto Nacional de Estatística e a Sua OrgawisOlÇão 61

TITULO II

Dos Actos Administra tivos

OAPITULO I - Actos administrativos

Actos Administrativos - Theoria Geral - Actos e Fa-


ctos Administrativos - Definições - Actos Unilateraes, Bi-
lateraes e Complexos - Jellinek - Convenções e Accordos
Administrativos - A intervenção da vontade dos particulares
no acto administrativo .,. _.................. '. . . . . . . . . . . . . . '11

OAiPlTULO II - Collltractos administrativos - NatlU'eza ju-


ridica

Contractos administrativos - Natureza juridica - Theo-


rias de Duguit, HauriQU. Jeze, Otto Mayer, Ftl'itz Fleiner - '
Outras Theorias - A Jurisprudencia dos nossos Tribunaes 92
XXXI

CAPITULO IH - Modalidades dos Actos administrativos

Condições de Validade dos Actos Administrativos - Re-


vogação e Annullação do Acto A.dministrativo - A Clausula
de Imprevisão - Theoria Geral - Sua applicação ao Direito
Admirúsh"ativo o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o 102

CAPiTULO IV - Contractos de obras publicas

Natureza do contracto - Sua comprehensão entre os con-


tractos administrativos - Seus fins - ezecução de serviços
publicos - fins de utilidade publica '- Diversas theorias -
Velasco - Jeze L - Differentes modalidades - Empreitada
- Administração cont1°actada - Fornecimento de Materiaes
- Concurrencia Publica o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o 113

CAPITLLO V - Emprestimos publicos

Emprestimos publicos - Natureza - Diversa8 theorias


- Como differem d08 contractos de direito privado - Quaes
Os elementos que caracterisam os empre8timos publico8 e a8
consequencias desses principios o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o 128

CAPITULO VI - Actos discricionarios

Actos discricionarios - Actos políticos - Actos de im-


perio e actos' de gestão o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o 14{)

CAPITULO ViII - .Poder de policia.

Definição - Diversas theorias - Manifestações - A


permissão ou autorização o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o 0'0 o o o o o o o o o 153

CAPITULO VIiI! - Policia Sanitaria

Natureza - Finalidade - Ezterna e interna - Defeza


sanitaria maritima, aerea - Generos alilnenticios - M ole8-
tias transmissiveis - Defeza sanitaria vegetal e animal -
Policia aduaneira o o o o o o o o o o o o o o o o ; o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o 163

CAPI'llULO IX - Policia de costumes

Policia de costumes - Natureza - Meios Preventivos


- Alcoolismo - Entorpecentes :- Jogo - Loterias ' - Men-
dicancia- Vagabundagem - Prostituição o o o o o o o o o o o o o o o 176
XXXII

CJ1\JBI'TIULO X - Policia de Profissões

Liberdade de Profissões - Garantias e restricções con-


stitucionaes - Policia do Trabalho - Profissões liberaes -
Condições de capacidade - Systemas - Re.gulamentação -
Dentistas, medicos, clinicos, engenheiros, advogados .- Com-
mercio e I ndustria ...................................... 188

OAPITULO XI - Policia de Associações

Policia de Associações - Natureza - Diversas especies


- Regulamentação do exercicio da liberdade de associação, de
reunião, de agrupamento - Associações religiosas ~ Liber-
dadade de pensamento - Liberdade de Imprensa - Censura
de Imprensa, telegraphica, posal, theatral, cinematographica 204

CAPI'l1ULO)GII - Policia urbana

Policia urbana - Trafego - . Limitações a circulação -


Vehiculos - Seus ,condu()t01'es - Condições de capacidade.. 223

CAJPlTUlJO Xln - Policia de construcções

Policia de construcções - Restrições de ordem esthetica,


hygienica, economica, e de segurança - Acção discricionaria
e a sua feição technica - Relatividade das normas ........ 2314

CAPITULO XJiV - Policia de extrangeiros

Entradas de extrangeiros - I mmigrantes e não immigran-


tes - O proble111.i(J, da immigração e as restricções constitucio-
naes - Entrada, naturalisação e e'.J)pulsão de extrangeiros 245

TITULO IH

Do Serviço Publico
OAiP.I'IYULO I - Do Serviço Publico

Do Serviço Publico - Noções geraes -'- Theorias diver-


sa.s - Gaston Jeze. Dnguit, Berthelemy - Presutti e os
autores italianos - Bielsa - Serviços Publioos proprios e
improprios - A theoria sustentada pOr Odilon de Andrade e
xxxnr
a sua critica - Quaes os serviços que devem ser considera-
dq~ publicos -: Serviços de utilidade publica - Public Uti-
lUzes Établzssements d'Utilité Publique ................ 257

CAlPIlTULO II - Nacionalização

JjJstatisação - Socialisaçiio - Nacionalisação - Muni-


cipalisação - Distincções e caracteristicos - Administração
directa pelo Esta4,o - Repartições Publicas - Serviços au-
tonom08 - Subvencionados - O Estado accionista - Con-
cessões 272

CAlPl'D1JjLÓ TIl - O Estado Accionista

O Estado accionista - Regimen da economia mixta .....


Modalidades diversas - Bancos, em prezas industriaes, etc. 285

CAlPlTULO IV - Emprezas Subvencionadas

Regimen das Subvenções - Garantia de juros - Au-


xilio ás instituições e emprezas particulares .............. 293

CAiPlIWLO V - Concessões de Serviço Publico

Concessão de Serviços Publicos - Execução - Natu-


reza Juridica - Autorisação ou permissão e conce8são -
Distincções - Diversas Theorias - Theoria do acto unila-
terál - Theoria contractual - Contracto de Direito Pri-
vadO - Contracto de Direito Publico - Acto Unilateral -
Detalhes Doutrinarias ................................... 300

OAlPITULO VII - Fiscalização da Execução dos Serviços Pu-


blicos Concedidos

Fi8ca~isação dos Serviços PUBlicos Concedidos h - A Fe-


deral Power Commission do Direito Americano - Fixação
de Tarifas e os diversos criterios legaes e financeiro8 -
Custo Historico e Custo Actual - Criterio Technico, C~
mercial e Economico que dev.em presidir á Fiscalisação 320

OAPI'l1ULO VII - Revisão de Contractos e Concessões

Revisão de coritractos e concessões - Natureza regula-


mentar das concessões - Fixação de tarifas - Criterios di-
versos - A Constituição e o Codigo de a{Juas - Criterio
legal entre nós ......................................... 331
XXXIV

OAPI'IIDLO VIH'I - Tarifas

Fixação de tarifas (continuação) - Custo historico e


custo aatual - A justa remuneração do capital e os melho-
ramentos do serviço - Competencia do poder judiciario -
As "commissions" do direito americano .................... 349

QA\PJ'DULO IX - Clausula Ouro

Clausula ouro L - e os oontractos de concessão de servi-


ços publicos - A extincção do curso forçado e a sua influen-
oia sobre os contractos em ourso - Os decretos do Governo
Provisorio de 1933 - A Jurisprudencia dos Tribunaes Ame-
ricanos e da Côrte Internacional de Haya .......... , ..... '., 358

OAJPI'DULO X - Terminação ou Extincção da Concessão

Terminação das concessões - Reversão - Resgate


Encampação - Caducidade - Rescisiio - Revogação
Renuncia - FallenCÜL .................................. 372

CAiPIrotLO XI - Isenções de Sellos e outros Impostos

Emlprezas concessionarias - Isenções fis&us - Privi-


leghos exotusivos .. ' .......................•........... ,. . 384

OAlPlTULO )Qll - Correios e Telegraphos

Correios e telegraphos - Monopolio do 1fJstado - Co,m-


petencia da União - Tarifas - Responsabilidade - Tele-
graphos - Sua exploração - Regimens diversos - Tele-
grapho submarino - Radiocommunicação - Diversos syste-
mas - Contrôle do Estado - Regimen de concessão ........ 399

CAlPITUlLO XIII - Estradas de Ferro

Estradas de ferro - Seu historico - Diversas especies


T'I"amways - Diversos regimens vigentes no Brasil -
Tarifas de estradas de ferro - Diversas especies - Fisca-
lização - Contadoria Central de Tramsportes - Inspectoria
Federal de Estradas - Policia ferroviaria .. , ............ 415

OAlRI'IlULO XIV - Portos

Portos - Concessões para Construcção e Exploração de


Fortos """'7" Administração - Fiscalisação - Departamento
Nacional de Portos e de Navegação ...................... 432
xxxv
TITULO IV

Dos bens
CAiPl'DULO I - Divisão de bens

Dos bens - Diversas especies de bens - Bens domi-


nicaes - Bens patrimoniaes - Bens moveis e immoveÍB -
Bens publicos - Inalienabil~dade - Imrpenhorabilidade -
Imprescriptibilidade - Usocapião dos bens pu,blicos ........ 439

0Alffi'TIU[,() liI<- Bens da União, dos Estados e dos Municipios

Bens da União - dos Estados - dos Municipios -


Discriminação - Sua difficuldade - A Doutrina - A Cons-
tituição - O Codigo de Contabilidade Publica - Inventario
dos Bens da União ...................................... 456

OAJPI'UULO III <~ Dos bens de uso commum

Dos bens de uso commum - Uso commum - Natureza


- DiverSUtS theorias - Uso privativo da co usa publica ...... 464

OAiffi'DUDO IV - Mares, Aguas territoriaes

Mares - Aguas territoriaes - Dominio maritimo ~­


Golfos e Bahias - Lagos e Lagôas - Aguas Publicas -
Rios Nacionaes - Rios Publicos - Rios da União, dos Es-
tados e dos Municipios ~ Propriedade das aguas publicas 471

C~O V- Uso commum, especial e patrimonial

Bens de uso commum (continuação) Ruas, praças, logra-


dmuros --:- Bens de uso especial - Natureza - Destino -
Edificios Fortalezas - Estabelecimentos militares - Ce-
6.-

miterios - Bem patrimoniaes - Natureza Categorias - Es-


trat:laf! ~e ferro - ~erras devolutas - A lei de 1850 - As
Constztuiçoes 'f"epubhcanas ............................... 487

OA!PllT.UlLO w -.:. Terrenos de marinha

Terrenos de Marinha - Definição - Historico - A


quem pertenoem - Diversas theorias - A nossa legislação
a respeito - A situação das Municipalidades - Os aocres-
XXXVI

cidos de 'fIUlrinha L - Taxas de occllpação - Servidão publica


nas margens dos rios navegaveis - Terrenos de Man~ _
Processo de aforO/lnento ............••..•...•• ,........... 600

OAPITULO VII - Servidão publica

ServidikJ publica - Noção - Servidão á mm-gem das es-


tradas de fe-rro e de rodagem - Servidão militar - Terre-
nos de FroThteira - Servidão em torno dos aeroportos ...... 519
:;~~;'!

OAiPITUlLO VIU - Regimen das florestas

Florestas - Regimen florestal ~ Codigo florestal >- Le-


gislação - Policia das florestas - Regimen administrativo 530

CAlBITULO IX - Minas

Minas, seu regimen - Systema fondiario - Systema do-


minical - Syst6'flUl da occupação - Systema das concessões
- A Constituição - O Codigo de Minas - JazUlas e MinaJJ
- Pesquizas - Concessões - Registro .................. 53'6

CAiPlIT'1JLO X - Caça e pesca

Caça e pesca - Regimen do Co digo Civil - Naoionali-


zação da Pesca - Pesca marítima e pesca interior - Codigo
de caça e pesca - Entrepostos de pesca .................. 553

OAiPI1.1UDO XI -.:. Prindpios communs a todas as aguas


publicas
Aguas - Regim~ de Aguas - Aguas publicas e Par-
ticulares .- !proveita'!lento Hydro Electrico. - Concessões
- Flscallzaçao - Tarifas ......................•........ 561

C.AlWTULO XII - Desapropriação

Desapropriação - Quem pode desapropriar - Utilidade


e necesidade publica - Seu conceito na Doutrina. na Legis-
lação e na Jurisprudencia - Indemmização - Criferio legal
- Requisições .......................................... . 567
XXXVJI

TITULO V

Dos Funccionarios Pu blicos


CAiRITULO I - FUneeionario e Empregado Publico

FunccWnario e Empregado.. Publico - Serviço. Publico.


- Jiluncção H ono.raria - Natureza da relação entre o. func-
clonario ,e 0.' Estado - Diversas Theorias - Co.ntracto. de
Prestação de Serviço. - Co.ntracto. ITTmominado. - Contracto.
de Adhesão. - Mandato. - Theoria E8tatutaria ~ Estatuto
dos Jilunccio.nario.s Publicos - Tentativas e Pro.jecto.s - A
Constituição de 1934 - Funocio.narios de Facto. - Sua No-
ção ---' Validade dos Actos por elles praticados ............ 583

C.A;PlI'TIULO II - Provimento dos cargos publicos

Provimento. do.s Cargo.s Pu,blico.s L - A Nomeação - A


Eleição. - O Sorteio - O Co.nccrso C01'l'/JO Principio Consti-
tucio.nal - O SysterruL Inglez e a Organisação do. Public Ser-
vice ..:.. A Constituição Chineza dos Cinco Poderes - A Or-
ganisação. das Mesas Examinadoras - Classificação. de Pro-
vas - Concurso de Título.s - Na<Yionalidade - Idade -
Sexo - Exames de Sanidade ............................ 600

QAPtI'.DUILO lU ~ E~tabilidade dos Funccionarios Publicos

Estabilidade dos Jilunc<Yionario.s Publicos - Funcciona-


rio.s Vitalicio.s - Demi8são. em Virtude de Sentença Judicial,
ou Pro.cesso. A&ministrativo L - Demissão ad nutum - Clau-
sula Bem Servir - li'unccio.nario.s Interinos e em Co.mmis-
siio - Sua Nomeação - ' Seus Provento.s - Sua Estabili-
dade - Das Sub8tituições - Jornaleiros, Diaristas, Con-
tractado.s ............................................... 629

CAPITULO IV - Remoção

Remoção - Inamovibilidade COmo. Garantia Co.nstitucio-


nal - Dispo.nibilidade - Supressão do Cargo ............. 651

O.A'BI'l1ULO V. - ~c~umulação Remunerada

Accum,ulação. Remunerada - Historico. - A Tradição


00 nosso Direito. - As Constituições Re1fUblicanas - As
. nossas Leis - A Jurisprudencia do.s Tribunaes as Praxes
'Administrativas ......................................... 657
XXXVIII

OAlPlTUJLO V<I - Fiança

Finança - Quaes os Funccionarios Obrigados -'- Garan-


tias de Gestão e Administração dos Dinheiros Publicos -
Sequestro dos Bens dos Responsaveis - Penas Disciplinares
- Processo Administrativo ,- Prisão Administrativa - Res-
ponsabilidade dos Funccionarios 671 o o o o o 00 o o o o o 0'0 o o o o o o o o o o o o

CAPITULO V1I - Aposentadoria

Aposentadoria - Invalidez Compulsoria - Volunta-


ria - Montepio - Direito ao Montepio."-. Reversão '-- Le-
gislação - Instituto de previdencia o o o o o o o o o o o. o. o o o •• o o o o 685

CAIPlTULO VIII - Da responsabilidade dos funeeionarios

Responsabilidade civil dos funccionarios - Diver8as theo,


rias - Responsabilidade disciplinar - Responsabilidade cri-
minal - Processo administrativo - Responsabilidade civil -
Solidariedade com o Estado - Acção regressiva - Jurispru-
dencia o o o o o o o o o o o o. o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o.' o. o o o o 707

TITULO VI

'Do Contencioso Admi nistrativo


CAiPI'DU1LO I - o Contencioso no Regimen Imperial
O Contencioso no Regimen Imperial - Uruguay ,- Tri
bunaes do Thesou1 o - Competencia - Conselho de Estado
o

no Brasil - Sua Organisação ...,... Transformações - Reforma


- O Acto Addicional - A Lei de 1842 ' - Compentecia do
Conselho de Estado - Pimenta Hueno o o o o • o o o o o o o • o o o o o o o 731

aAtPlI'DULO II - A Administração julgando seuspro'prios aetos


A Administração julgando os seus proprios acios - Biel-
sa Meucci - O Tribunal Admini"trativo do Artigo 79 da
Constituição de 1994 - O Tribunal Marítimo Administrativo 742'

OAPlITULO IH - Noção do Contencioso Administrativo


Noção do cohtencioso administrativ.o - Sentido formal. e
material -..:... A 7urisdicção àdmrnf.sirativa e os tri'blinàes admi-
nistrátivos '-'- Diversos systemas o o o o o o o o o o o o • o o o. o o o-o o 00 o o 747
XXXIX

OAiPI'ITULO IV - Systema judicial


Systema Judicial - Sua Origem no Direito Anglo-Saxo-
nico- O Systema Belga - O Habeas-Corpus - A Acção
Swmmaria Especial '-- Os Interdictos - O Mandado de Se-
gurançr: -=-
Execu.tivos Fiscaes - Privilegios da Fazenda -
Prescrlpçao ............................................. 756

CAPI1JULO V - Dos recursos administrativos


Os Recursos Administrativos - O Rerurso Hierarchico,
e as Instancias Collectivas - Conselho de Contribuintes -
Sua Organisação e Competencia - Conselho Nacional do Tra-"
balho - Conselho de Recurso da Propriedade Industrial 770

CAPl'rULO VI - Conselhos
Conselhos (conthzuação) - Conselhos technicos - Con-
selhos oonsultivos - Conselhos administrativos - Conselho
Conselho do Almirantado ~ Conselho Nacional de Educação
- Conselho F.lorqstal - Conselho de Caça e Pesca - Con-
Outros Conselhos de menor importancia ................... 777

CAlPITULO WI - Perempção e reconsideração


Recursos Administrativos - Da Sciencia da Decisão -
Do Pedido de Reconsideração -- Da Causa Julgada - Pe-
rempção dos Recursos ................................... 78'3

AlPENJDICE:
Parecer 791
TITULO I

Do Direito Administra tivo

OAPI1TtJ[.,O I - Noção de Direito Administrativo


Noção do Direito Administrativo - Diversas Theorias -
Laferriére, Von Stein, Hauriou, Presutti, Cino Vitta, D'Ales-
sio, Ranelettri, Otto Mayer, Uruguay, Fritz Fleiner, Good-
now, Roger Bonnard - A Noção do Serviço Publico.

OAlPJTULO II - Direito Publico e Direito Privado


Direito Publico e Direito Privado - Sua Divisão Tra-
. dicional - Sua Critica - Coviello, Thon, Hans Kelsen, Jelli.-
nek, F1'itz Fleine'r.

CA\PrTIULO III - A Codificação do Direito Administrativo


A Codificação do Direito Administrativo - O Problema
das Codificações - A Escola Historica - &UVigny, Puchta,
Niebhur - Tentativas para a Codificação do Direito Admi-
nistrativo - As Diversas Correntes.

CAjBI'DULO - IV - Relações do Direito Administrativo com


os diversos ramos do Direito
Relações do Direito Administrativo COm os Diversos Ra-
mos do Direito - Com o Direito Constitucional - Com o
Direito Internacional - Com o Direito Civü - Com o Di-
rei&J Penal - Direito Financeiro - Direito Penal Admi-
nistratlvo - Arturo Rocca e Sylvio Longhi oi- Penas Fis-
caes e Penas Criminaes - Multas e Sancções Administrati-
vas - Sua Natureza - Doutrina e Jurisprudencia - Re-
gulamentos Administrativos.

-1
2 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

OAPITULO V _ . Direito Disciplinar


Direito DisciplinOlr - Noção - Elementos - Pena Dis-
ciplinar - Pena Administrativa - Diversas Theorias;

CAPI'DULO VII - Direito financeiro - Direito Fiscal


Direito Fiscal - Noções - Definições diversas - Ca-
racteres- Autonomia - Suas Relações com o Direito Ad-
ministrativo -:- Taxas - Definições - Caracteres - Sua
DistincçtÍQ dos Impostos - Definições Diversas - Bitribu-
tação - Conceito ~ Na Ordem Interna e Internacional.

OAJBI~O VIII - Direito costumeiro e praxes admini'strntivas


l)ireito Costumeiro e Praxes A.diminiswativas - Deci-
sõese Jurisprudencia - Os Precedentes. Adminiswativos

CA;PI'JJULO '\i'1:F1l1 - Estatistica - Relações com o Direito Ad-


ministrativo
Estatistica - Relações com o Direito Administrativo
O InstitutO Nàcional de Estatistica e a sua Orgf1lYÚ8ação.

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CAPITULO I

NoçÃO·DE DIREITO kDMINISTRATIVO

Noção dQ Direito. Administrativo - Diversas Theorias


. Laferriére, Vion Stein, Hauriou, Presutti, Cino Vi'tta,
D' Alessio, Rlapeletti, ·Quo Mayer, Uruguay, Fritz FIei-
ner, Goodnow, Roger Bonnard - A Noção do Serviço
.publico. .

O direito administrativo é o conjuncto de principios e nor-


mas juridicas que presidem á organisação e funccionamento
dos serviços publicos.
A administração publica comprehende ,especialmente, os
actos tle organisação dos serviços 'publicos e dle execução das
leis; diz, principalmente, com a realisação e execução dos ser-
viços directamente a cargo do Estado, delegados ou concedidos,
e das relações da administração com os individuos .
. E' uma funcção dir~tamente ligada ao Poder Executivo,
que é, por assim dizer, o chefe de toda a administração do Es-
tado, embora exerça attribuições de governo que não se en-
quadram, precisamente, dentro das finalidades mais limita-
das da administração.
Esta presuppóe, como diz SANTI ROMANO (1), em seu sen-
tido objectivo, uma actividade: administrar significa tratar,
gerir, cuidar do interesse proprio ou de terceiros.
. ..No .nosso regimenpolitico o Poder Executivo exerce duas
funcções, uma politica e outra administrativa. A primeira,
elle a exerce, em geral, juntamente com o Poder Legisla-

(1) Gorso di Diritto A mminist1'ativo, pg. 1.


4 THEMISTCCLES BRANDÃO CAVALCANTI
------------------------------
tivo (2): decreta a intervenção nos Estados, decreta o estado
de sitio, dedara guerra ás nações extrangeiras, celebra tra-
tados e convenções, etc.
A segunda, elle a realiza em collaboração com os Ministros
e os demais funccionarios do Estado. São estes que provêm
directamente á satisfação dos interesses immediatos do ser-
viço publico, no que diz co'Iri. as finanças, com a industria do
Estado, com o funccionamento dos serviços administrativos
e burocraticos.
No regimen democratico, °chefe do Estado e o Poder
Execll.tivo, mais do que em qualquer outro, exercem uma fun-
cção puramente administrativa.
Quando falamos em [Poder Executivo, subentendemos um
systema administrativo complexo como aquelle que se encon-
tra entre nós, e na generalidade dos Estados federativos.
URUGUAY distingue o poder politico, a funcção de gover-
no da de administração (3).
As divergencias sobre o conceito e definição do direito
administrativo, entre os autores, decorrem, principalmente, da
construcção do systema juridico de cada um.
O s~iço publico tem hoje um largo conceito devido á
amplitude, cada vez maior, da intervenção do Estado, que se
manifesta até como iniciativa particular.
LAFERRIÉRE, que representa a velha escola franceza, de-
fine o direito administrativo em sentido mU1to restricto e. for-
mal: (4)

"Le droit administratif est celui qui régle l'ac-


tion et la compétence de l'administration centrale
des administrations locales et de la jurisdiction
administrative."

Para VON STEIN, o direito administrativo comprehende


e estuda o conjuncto de normas positivas emanadas do poder

(2) Art. 56 da Constituição de 1934 e 74-j da Constituição outor-


gada.
(3) Ensaio sobre o Direito Administrativo, voI. I, pg. 17.
(4) Droit Administratif, voI. I, pg. 378
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 5

legislativo e executivo que influem no organismo da adminis-


tração activa e imprimem ás suas varias funcçôes a força do
direito vigente (5).
Para HAURIOU ,o direito administrativo é o ramo do di-
reito publico que regula:
1.0 - a organisação da administração publica e das di-
versas 'pessôas administrativas que a compõem;
2.° - os poderes e os direitos doessas entidades na exe-
cução do serviço publico;
3.° - o exercicio desses poderes e desses direitos, as suas
prerogativas e acção administrativa ou contenciosa. (6)

PRESUTTI (7), definio o Direito Administrativo:

"lo studio dei rapporti giuridici cui dà luogo l'at-


tività delle pubbliche amministrazioní in cio che essi
hanno di particolari in confronto di altri rapporti
giuridici", e accrescenta:
"Perciô lo studio deI diritto amministrativo
comprende cosí le norme di diritto pubblico, che re-
goIano l'attività delle pubbliche amministrazioni,
come le norme di jus privatum singolare che even-
tualmente siano state emanate per disciplina; ma
non comprende le norme di jus privatum commu-
ne, quantumque molto spesso gli effetti giuridici,
cui dà luogo l'attività delle pubbliche amministra-
zioni siano regolati daI diritto privato commune".

OINO VITTA (8) define com admiravel synthese "I'ordina-


mento giuridico delle amministrazioni pubbliche".

(5) La smenza della pubblica amministraaione, pg. 17.


(6) Droit Administratif, pg. 10.
(7) 1st. di Diritto Amm; V. I, pg. 53.
(8) Diritto A mministrativo, V. I, pg. 15 .
6 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

D'ALESSIO define o direito administrativo: (9)

"11 complesso delle norme giuridiche interne che re-


goIano i rapporti fra l'amministrazione pubblica, in
quanto agisce per il raggiuntamento delle sue pro-
prie finalità e i soggetti ad esso subordinati".

R~ELETTI (10):

"11 diritto amministrativo e quella parte deI diritto


pubblico interno, che regola l' organisazione della
pub'blica amministrazione in senso subbietivo, la sua
'~ttività 'Pubblica, e i rapporti che ne derivano".

OTTO. M.AYER (11):

"le droit administratif est le droitpublic propre à


l'administration" .

FRITZ FLEINER (12), em contraposição a esse conceito,


faz ob.servações que devem ser aqui transcriptas:

"L'expression - droit administratif - ne designe


donc pas en Allemagne, au contraire d'en France,
une sorte particuliére de droit. Au sens le plus lar-
ge, le droit administratif designe toutes les normes
qui réglent l'activité étatique administrative, que
ces normes fassent partie du droit public ou du droit
privé. Mais la science du droit n'entend .pas la no-
tion de façon tellement large. Elle part bien plutôt
de cette considération que des normes particuliéres
n'ont été elaborées pour l'administratíon publique
que dans les cas ou les normes générales du droit

.(9) Istituzione di Di'1"itto Amm. Italiano, Vol. I, pg. 20.


(10) Principi, I, n.· 301.
(11) Dr. Adm. Allemand, I, pg. 20.
(12) Droit Administratif Allemand, pg. 44.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO aRASILEIRO 7

privél du droit pénal et de la procédure ne peuvent


pas 'Protéger ou tout au moinspas d'une façon suf-
fisante en raison dle la façon même dont eUes sont
conçues, les intêrêts spéeiaux de l' administration pu-
blique. E,n vertu de eette évolution, ne doivent être
aujoud'hui rangées en Allemagne dans le droit admi-
nistratif au sens étroit que las dispositions de droit
pu'blic tlont la réunion constitue un droit spécial de
l' ad'ministration publique".

Dentro do systema administrativo dos Estados Unidos,


F. GooDN()W (13) define:

"Le droit admi,Distratif est cette partie du droit qui


fixe l'organisatLon et Idetermine la. compétence des
autorires chargées d' executer la loi, et qui indique
aux individus les rémedes pour la violation de leurs
droits" .

O, nosso URUGUAY (14) declara acceitar a definição de


LAFERRIÉRE, que elle assim traduz:

. "O direito administrativo propriamente dito é a


sciencia da acçãoe da competencia do Poder Exe-
cutivo, das administrações geraes e loeaes e dos Con-
selhos Administrativos em suas relações com os in-
teresses ou direitos dos administradores, ou com o
interesse geral do Estado".

RnGER BONNARD (15):

"1.Je droit administratif est cette partie du droit pu-


blic interne qui a pour objet de prevoir et de régler
les interventions administrativas de I'État, soit les
l'.

(18) Les príncipes du Dr. Adm.. des Etats-U,1Ú8, pg. 18.


(14) Ensaío sobre o Dir. Adm., I, pg. 7.
(15) Precis ~ae DT. Adm., pg. 1.
8 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

interventi.Ons realiséeB par le m.Oyen de la f.Onction


administrative et assurées par les service8 publics
administratifs dont l'ensemble constitue ce q'u.On ap-
pelle couramment l'administration".

Esta se nos afigura a definição mais satisfactoria, por-


que abrange toda a c.Omplexida'de das funcções do Estado.
A distincção entl"e o direito administrativo e a sciencia da
administração não tem, a noss.O vêr, mais, dentro dos n.Ovos
principi.Os, a subtileza antiga; a sciencia da administração é a
technica emquanto que o direito administrativo é o conjuncte
de principios e de normas. Não ha, portanto, necessidade de
maiores observações.
D'ALESSIO observa com alguma razão que a sciencia da
administração é a politica e está inclui da entre as sciencias po-
liticas.
E' preciso,porém, observar que a política da administra-
ção não é a technica, porque esta é a execução, a realisação dos
principios.
C.Om.O politica, a sciencia da aldministração faz parte do
direito administrativo.
Qual, porém, a posição do direito administrativo dentro do
systema juridico vigente ?
E' .O que examinaremos em seguida.
Dos estrangeiros, finalmente, ZANOBINI em obra recente
traz a s'eguinte definição amplamente justificada (16):

"a parte do direito que tem por fim a organizaçã.O,


os meios, a forma da actividade da administração
publica e as consequentes relações juridicas entre
ella e os outros individuos."

Esta definição comprehende o direito administrativo em


uma accepção muito ampla, mas oolloca este ramo do direito
dentro do quadro de toda a esphera de acti'Vidade da adminis-
tração.

(16) CorBo di Diritto amministrativo, pg. 22.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRA~ILEIRO 9

A differenciação das mate rias que podem se encerrar no


dominio da administração publica permitte· que se dê a
esta diséÍplína uma extensão compativel com a multiplicidade
de assumptos que interessam neste passo da vida do Estado a
todas as modalídades de sua intervenção.
O direito administrativo regula as variadas formas das
relações juridicas da administração com os individuos e com os
demais sujeitos de direito.
O criterio scientifico para a definição do Direito administra-
tivo, é o mesmo seguido para a fixação da natureza dos demais
ramos do Direito; obedece á determinação que deverá ser, ne-
cessariamente ,a mais amplapossivel, da esphera em que se de-
senvolvem as relações juridicas da administração, comtanto
que ellas interessem á administração publica.
A antiga doutrina, .sustentada, entre outros, por VON
STEIN (17) ,attribuia á sciencia da administração uma esphera
de acção muito maior, e dentro della inclui a-se o direito admi-
nistrativo e os demais aspectos políticos, economicos, sociaes e
juridicos que interessavam á administração publica.
MERKL (18) volta agora a este conceito antigo, mas at-
tribuindo ao direito administrativo uma posição bem definida
dentro do conjuncto das sciencias juridicas. Encara este autor
a administração como actividade total do Estado e não como
mera forma de uma de suas actvidades. Assim, considera,
quer a legislação, quer a justiça, como manifestações differen-
tes da administração do Estado, como meios para attingir á
sua finalidade. Portanto, o direito administrativo tem de se
amoldar á complexidade do conceito da administração em seu
sentido mais amplo, o que vem lhe tirar o caracter especifico
e differencial que justifica a sua posição autonoma entre os di-
versos ramos do direito.
Teriamos o direito administrativo confundido com o direito
constitucional, com o direito político, etc.

,(17) La 8cie~ della pubblica amministrazioneo.


(18) Teoria general del derecho ad'rninistrativo.
10 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Não é este, porem, o sentido que merece ter entre os di-


versos ramos do direito, pelos seus traços essenciaes e cara-'
cteristicos.
A sciencia da administração, ao contrario <lo direito ad-
ministrativo, tem mais caracter politico, diz com a conveniencia
e opportunidade das diversas formas de agir do Estado, occu-
pa-se particularmente com a politica e. a technica da admill~­
tração, não. se enquadra dentro da rigidez das normas j uridi-
cas, porque tem a malleabilidade das sciencias empiricas que
se amoldam ás conveniencias de momento e ás exigencias do
interesse do publico e da administração.
DmEIro PUBLICO E DffiEIITO PRIVAOO

Direito Publico e Direito Privado - Sua Div~são Tradicional


- Sua Critica - Ooviello, Thon, Hans Kelsen, Jelli-
,nek, F,ritz Fleiner.

A situação do direito administrativo no conjuncto das


sciencias juridicas não admitte controversias.
Sendo esse ramo do direito, por definição, aquelle que re-
gula a actividade do Estado, os principios que o regem são
todos de direito publico.
Não haverá, assim, duvida alguma em classificaI-o dentro
da esphera do direito publico, admittida como boa a divisão
tradicional.
Não poderemos, porém, sem grandes restricções admittir
esta ultima divisão, que vem ferir o principio da unidade da
sciencia juridica, que não permitte limitações e circulos fecha-
dos dentro dos quaes se possam isolar determinadas relações
juridicas.
A divisão do direito em publico e privado nos vem da tra-
dição romana.
Do Digesto é a definição que atravessou os seculos até os
nossos dias, quando a critica juridica começou a contestar o
seu valor pratico e scientifico: ("publicum ius est quod ad
statum rei romanae spectat, privatum quod ad singulorum utili-
12 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
-----------------
tatem; sunt enim quredam publice utilia, quredam privatim"
(1.1 § 2, D. 1. - § 4 Inst. 1.1.). (1)
Segundo DERNBURG (2) a divisão corresponde á condição
do homem na sociedade civil. Se ha um interesse individual,
temos uma situação juridica de ordem privada; se ha um in-
teresse collectivo a proteger, trata-se de uma situação juridica
de ordem publica.
Mas, como faz notar DE RU~IERO (3), essa divisão é
inadequada para exprimir o verdadêiro conteúdo dos dois ra-
mos do direito e para designar os seus caracteres differenciaes.
A'dmittindo como criterio a utilidade, e considerando pu-
blico ou privaldo o direito, segundo a natureza do interesse
predominante, esta rlivisão dá um valor excessivo a um ele-
mento que não é exclusivo,e estabelece uma divisão que não
eXlprime a realidade entre o interesse publico e o privado.
Segundo COvIELLO (4), tratando da divisão do direito pu-
blico e privado :

. "E' Ia distinzione piil antica che siasi fatta delle


norme giuridiche; ma essa ha in gran parte un va-
Iore storico e trarlizionale piil che razionaIe e
scientifico. "

E isto porque a separação, ou melhor, a distincção entre os


dois ramos do direito é tão difficil, a predominancia do in-
teresse publico é de tal ordem, que theoricamente só é possivel
caracterisar o direito privarlo, segunrlo WACHTER, por ex-
clusão. (5)
Dahi as diversas soluções lembradas para resolver a con-
troversia doutrinaria.

(1) MAKELDEY, Manuel de D. Romain, §§.8, 116 "G. MAY, Ele-


ments de Droit Romn,in, pg. 7.
(2) Pamdette, vaI. I, § 21. (JAPITANT, Iat. à l'étude du Droit Civil,
pagina 17. "
(3) 1st. di Diritto Civile, vaI. I, § 8.
(4) Manuale di Diritto Civile Italiano, pg. 11. ..
(5) Apud GIANTUROO, Sistema di Diritto Civile, vaI. 1, pg. 108.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 13

Muito conhecida e citada é a theoria de THON, (6), que


.encontra. o traço differencial na natureza da protecção judi-
.ciaria,_segundo se trata de acção publica ou particular.
E' facil apresentar uma objecção séria a essa solução:
A tutela j udiciaria é exercida de accordo com o direito a ser
.protegido, e não vice-versa.
Assim, qualquer das theorias apresentadas mereceu uma
critica cuja procedencia é manifesta nas soluções praticas do
direito.
Ninguem melhor do que HANS KELSEN (7) systematisou
modernamente a analyse da doutrina tradicional, chamando a
divisão romana de "funestissima". (8)
E' que a divisão entre S) publico e privado não ·pode ser
perfeita, porque mesmo nas relações em que são interessados
os particulares, a intervenção do Estado veio quebrar a tão
decantada .autonomia. do ·direito privado.
A tutela do Estado, a necessidade de estabelecer um re-
gimen de maiorequilibrio social, impuzeram a predominancia
do poder publico dentro de um regimen de intervenção mais ou
menos velada, de accordo com a estructura política e social
do Estado.
Observa JELLINEK, em sua obra classica, (9), que o di-
. reito priva"do não só. encontra no direito publico o seu con-
tra"posto e o seu limite, mas a elle se acha condicionado e ás
suas normas se. submette, concluindo com o seguinte postu-
lado: "Senza diritto pubblico non é possibile il diritto pri-
vato". (10)
Talvez com mais justeza, FLEINER (11) tenha analysado
a posição dos dois ramos do direito no conjUncto do systema
juridico vigente:

(6) NOT'ma di Diritto.


(7) Teoria general del Estado, § 17.
(8) Ver sobre o assumpto D'ALESSIO, 1st. Diritto Amminist., voI. 1,
pg. 26 SCIALOJA, Dic. di Diritto. Privato, verbo Di'/"itto. MIELE, La Ma-
nifestazione di Volorltá del P'/"ivato nel' Diritto Amm., § 10; IESPINOLA,
Systema, voI. 1, pg. 35 e segs.
(9) Sistema dei Diritti Pubblico subbiettivi, pg. 7.
(10) Op. cit., pg. 12.
(11) Droit administratif allemand, pg. 43.
14 THEMISroCLES BRANDÃO CAVALCANTI

"O direito publico e o direito privado não se acham se-


parados por um abysmo. Na vida juridica elIes se penetram
e se completam um ao outro. Já fizemos resaltar de que ma-
neira a mais recente legislação determinou a intervenção do
direito publico nas instituições de direito privado e em parti-
cular no que diz eom a liberdade dos eontractos. Mesmo, po-
rém, fazendo-se abstração desses dados, uma relação de di-
reito privado póde servir de base a outra de direito publico
e produzir consequencias do direito publico ou inversameste.
Lembraremos ainda que existem relações de direito publico
que devem ter a sua solução dentro das formas de direito pri-
vado. Ainda mais: em uma mesma instituição não raro se
combinam elementos. do direito publico e do direito privado".
E' bem verdade que nem sempre o mesmo occorre no di-
reito administrativo de outros paizes. As instituições de di-
reito publico obedecem a um regimen juridico peculiar, mesmo
naquillo que diz com a jurisdicção administrativa. Mas, entre
nós, é forçoso reconhecer, que muito bôa applicação potiem
ter os conceitos de F. FLEINER. Ainda nos achamos domina-
dos por idéas civilistas, das quaes ainda não nos conseguimos
emanci'par, infelizmente, para crear um systema de direito
publico cuja applicação na esphera administrativa impõe-se
deante das modernas instituições juridicas, creadas em virtude
da maior intervenção do Estado na esphera das relações até
bem pouco consideradas puramente privadas.
O que se verllica no Brasil, como na maioria dos paizes,
é a existencia de um regimen juridico especial, peculiar á ad-
ministração, 'que não prescinde da applicação de normas de
direito privado para regular determinadas relações juri-
dicas. (12)
Basta, porém, essa intromissão do direito publico na es-
phera do direito privado, e vice--versa, para tirar a autonomia
de cada um desses ramos do direito. A universalidade das
normas juridicas contrapõe-'Se a toda tentativa de divisão, que
só se justifica dentro de um criterio systematico de duvidoso
valor scientifico.
(12) Ver GABINO FRAGA JUNIOR, Derecho Administrativo, Mexico,
1934, pg. 98.
CAPITULO III

A oo.DlFICAÇ~O DO DmElTO ADMINISTIMTIVO

A Codificação do Direito Administrativo - O Problema das


Codificações - A Escola Hi.storica - Savigny, Puchta,
Niebhur - Tentativas para a Codificação do Direito
Administrativo - As Diversas Correntes.

A questãO' da Cüdificaçãü cünstitue sem duvida uma das pa-


ginas mais memüraveis da vida dO' direitO'. Füi O' prüblema
das cüdificações que deu lügar á formação da chamada Es-
cüla Historica.
Do debate entre THIBAUD e SAVIGNY, este ultimo em um
celebre opusculo "Da vocação do nosso tempo pela legislação"
(1), (debate em tO'rno da conveniencia ou nãO' da codificaçãO'
das leis civis na Allemanha) surgiu, pode-se dizer, toda a
força renO'vadüra dO' direito, graças aos estudos já citados de
SAVIGNY bem cO'mO' de PuCHTA, NIEBHU'R, MOSER, etc. (2).
Discutia-se, então, se a cO'dificação das leis satisfazia ás
necessidades da sciencia dO' direito, O'U se cO'ntrariava o seu
desenvolvimento. Quaes as vantagens e os in<!onvenientes das
Cüdificações.
A questãO', ainda hoje, pode ser posta, doutrinariamente,
naquelles mesmos termüs em que a collocaram SAVIGNY e os
seus contemporaneos. As vantagens e üs incünvenientes da

(1) Vom Beruf unserer Zeit für Gesetzgebung und Rechtswissens-


cha!t, 1814, 3." ed. Hei.delberg, 1840.
(2) V:êrTANON, l'Evolution dn D?'oit et la Conscience Sociale.
16 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

codificação são por demais conhecidos (3). Mas a tenden-


cia geral do nosso seculo é para a codíiicação, a reunião das
normas em um systema unico.
lia, nesta solução, uma razão de ordem technica e outra
de ordem pratica: a necessidade de uniformizar os principios
geraes, de unil-os em um systema legal unico, e a facilidade
r.laconsulta na sua applicaçãfJ.
V~rifica-se isto nas tentativas de codificação do direito
internacional publico e privado, (4) na elaboração de Codigos
internacionaes contendo normas communs de direito privado.
Exemplo relativamente recente dessa tendencia está na
effectivação do projecto de SCIAliOJA 'para a codificação do re-
gimen das obrigações e dos contractos entre a França e a Ita-
lia, obra já em parte realizada com a elaboração do Codigo de'
Obrigações e contractos approvado em Paris, I')m Outubro de
1927, e levada a effeito pelo Comité mixto franco-italiano com-
posto de in numeras autoridades, sob a presidencia, respectiva-
mente, do Professor LARNAUDE e do Professor SCIAliOJA e
cujos relatores geraes foram: ,CAPITANT, GOLIN, RIPERT, As-
COLI, de RUGGIERO. (5)
Ha, portanto, uma tendencia geral para 3: codificação e
lmiformização das normas geraes do direito publico e priva-
do, tendencia que se justifica pela idéa da unidade politica
dos povos.
Graves difficuldades surgem, porém, com relação ao di-
reito administrativo, que vive das praxes, dos costumes, de
necessidades nacionaes impostas pelo interesse publico, dos
conflictos e das exigencias politicas e sociaes, que cumpre ao
poder publico amparar, de accordo com necessidades variaveis.
Ha, porém, um terreno em que as normas devem ser fi-
xas, em que a rigidez não prejudica a acção do poder publico.

(3) Ver a obra cOIlliPleta de GENY - Science et technique en droit


privé positif. M ethodes d'interpretation.
(4) As numerosas conV'enções internacionaes, principalmente aquel-
las relativas ao direito uniforme, são bem um exemplo dessas ten,dencias,
notando-s.e especialmente o Co digo Bustamante. A proposito ver P. FiE-
DOZZI, im Trattato di Diritto Internazionale, 19,s5, Vol. IV, pg. 340 e
seguintes.
(5) Ver Proiet de Codes des Obligations et des Contrats, 1928.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 17

E' naquillo que diz com os direitos individuaes, com a estru-


ctura do regimen administrativo, das normas penaes e pro-
cessuaes que presidem á actividade do Estado na ordem estri~
ctamente burocratica e administrativa.
D' ALESSIO, citando Posada, distingue tres tendencias di-
versas em relação á Codificação do Direito Administrativo. (6).
A primeira, representada por MALLEIN, LAFERRIÉRE,
MANTELLINI, de GIOANIS, MEUCCI, entende que o direito admi-
nistrativo não é susceptivel de ser codificado.
A segunda, sustenta a these contraria, favoravel á codi-
ficação: DUCROCQ, MANNA, SANTA-MARIA .
.A terceira, finalmente, DE GERANDO, COLMEIRO, acha
a im:possibilidade relativa, contingente e actual, mas não reco-
nhece nenhuma incompatibilidade entre o direito administra-
tivo e a codificação.
Citaremos uma quarta corrente, BIELSA, que admitte a
possibilidade da codificação d~ uma parte, a administrativa,
propriamente, o que exclúe a esphera politica, do poder exe-
cutivo.
Foram feitas. tentativas para a Codificação do Direito Ad-
ministrativo, especialmente na França, como o proj ecto de
CHAUVEAU apresentado ao Senado francez em 1858.
Nota D'ALESSIO que o Governo Fascista ordenou,egual-
mente, a uniformização dos regulamentos de cada departa-
mento ou Ministerio.
Em Portugal foi tambem realizada uma larga obra de
codificação do direito administrativo e fiscal sob a orientação
do governo Salazar.
Uma das maiores difficnldades da Codificação consiste
na systematização geral da materia. Em um trabalho de gran-
de valor, um autor italiano DOTT. GEREMIA L. BROCOOLI, fez a
analyse dos diversos systemas. (7)
Por alli pode se ver a situação da doutrina relativamente
ao assumpto e as divergtmcias profundas que presidem a

(6) 1st. di Diritto Amministrativo Italiano, voI. I, pg. 30 e segs.


(7) La codificazione deZ diritto amministrativo, 1933.

-2:
18 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

qualquer idéa de systematização, divisão e classificação das


materias que intere>lsam ao direito administrativo ou fiscal.
Como se pode concluir, do exposto, as difficuldades de co-
dificação do Direito Administrativo são, praticamente, insu-
peraveis.
Como demonstra ADOLFO MERKL (8), de todos os ramos
do direito codificado, o administrativo é aquelle que contém
maior quantidade de materia -juridica.
A illimitação dos fins do Estado manifesta-se como uma
rêde inextricavel de tarefas administrativas'. Pode-se agreg-
gar em um só Codigo o direito de família, o direito heredita-
rio, os direitos reaes e de obrigações, mas seria um absur.do
um Codigo que comprehendesse toda a materia juridico-admi-
nistrativa.
A difficuldade da codificação está, a nosso vêr, não só
na quantidade do material a ser 'empregado na codificação,
:llas principalmente em duas particularidades, primeiro a ne-
cessidade de uma revisão constante das normas regulamenta-
res, segundo a descentralização administrativa co~sequente á
descentralização politica, que se caracterisa.. espe'cialmente,
pela divisão da competencia legislativa.
:E' possivel, porém, e esta foi a solução sempre preferida,
-codificar uma parte do Direito administrativo, fixando as nor-
mas substantivas e adjectivas, que presidem á organisação e .
funccionamento de um certo ramo da administração publica.
Os nossos Codigos de Minas, de Aguas, Florestal, de Ca-
ça e Pesca, o de Contabilidade Publica, os Codigos de Postu-
ras e de Saúde Publica, constituem exemplos frisantes, embora
.muitas vezes sejam ap'enas compilações, consolidações de leis .
.systematisadas em um texto unico.

(8) Teoria General del Derecho A.dministrfLtivo, pg. 166.


CAPITULO IV

BEL.&ÇõES DO DIREI110 ADMINISTRATIVO OOM OS


DIVERSOS RAlMOS DO DffiEITO

Relações do Direito Administrativo com os Diversos Ramos


do Direito - Com o Direito Constitucional - Com o
Direito Internacional - Com o Direito Civil - Com o
Direito Penal - Direito Financeiro - Direito Penal
Administrativo - Arturo Rocco e Sylovio Longhi - Pe-
nas F1is·caes e Penas Criminaes - MuItas e Sancções
Aclministl1ativas - Sua Natureza - Doutrina e Juris-
prudenoia - Regulamentos Admini,strativos.

Como procurámos acima demonstrar, não se pode consi-


cderar nenhum dos ramos do direito isoladamente.
A unidade do direito é um presuppostoda sua propria
,concepção.
Como já vimos, porém, a sua divisão impõe-se como ra-
zão de oro em, e por mais discutiveis que sejam as differencia-
.ções que serviram de base ás divisões doutrinarias, não é li-
,cito duvidar de seu valor scientifico.
Assim, devem ser examinadas as relações do ramo de di-
reitó objecto do actual estudo com outros, aos quaes se acha
ligado por motivos theoricos e praticos, que adeante verifica-
remos.
E' assim que o direito administrativo tem mais intimas
relações com o direito constitucional ,internacional, civil e pe-
nal, o que fará objecto dos 'paragraphos seguintes.
20 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

COM O DIREI'l10 CONSTITUCIONAL

As relações do direito administrativo com o direito con-


stitucional são tão intimas que a difficuldade maiOT consisti~
ria em estabelecer uma distincção entre os dois ramos do di-
reito publico. O direito constitucional estabelece a estructura
do Estado, a sua organisação e composição dos poderes, o me~
canismo de suas instituições, as garantias individuaes, sociaes.
e politicas dos cidadãos.
O direito administrativo estuda o mecanismo, o funccio-
namento, a organisação e a actividade 'do poder executivo, na
execução dos serviços publicos directa ou indirectamente a
cargo do Estado, ou concedidos.
Está assim o direito administrativo subordinado ao di-
reito constitucional. A organisação da administração publica
está sujeita ás transformações e modificações da estructura
constitucional do Estado._
A sciencia da Constituição, sendo, por assim dizer, na li-
ção de BIELSA (1), a anatomia e physiologia do direito publi-
co, ensina o que é o Estado na theoria e na pratica. Mas a
sciencia administrativa, para satisfazer ás novas exigendas
que a nossa época impõe aos estudos políticos e sociaes, ensi-
na o que este organismo potente e vasto deve fazer.
Emfim, o direito administrativo terá sempre o caracter e
a physionomia do direito constitucional de cada Estado. Em
sentido geral, a administração deve ser identica ás instituições,
de cada Nação. _
Diz muito bem SANTI ROMANO (2) que o difficil é o saber--
se onde acaba o direito constitucional e começa o direito ad-
ministrativo.
Finalmente, VON STEIN (3), estabelecendo a unidade da.
idéa politica, considera o direito administrativo a constituição·
em movimento, apresentando os seguintes corollarios ao prin-,
cipio acima firmado:

(1) Derecho administrativo, pg. 16.


(2) Corsa di diritto amm., pg. 11; CAM:MEo, Carsa, pg. 71.
(3) La scienza della pubblica amministrazione, pg. 5.
INSTITUIÇÕES DÊ DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 21

a) o valor de uma Constituição determina-se em relação


aos seus meritos em face á administração; não se pode, assim,
aj uizar em definitivo sobre o merito de uma Constituição, se-
não considerando as suas affinidades com a administração.
b) quando um povo começa a duvidar sériamente de uma
certa administração, essa duvida, dentro em pouco, se trans-
formarã certamente na duvida sobre o valor -da Constituição.
c) () direito dos particulares de tomar parte no poder le-
gislativo e de dar () seu voto nos momentos decisivos, impõe
a obrigação de conhecer a administração, tanto nos seus prin-
cipios como na sua materia, afim de avaliar da bondade da
Constituição.
E' por isso que LASKY (4) chega a affirmar que "une
theorie pratique de l'État doit se concevoir en termes admi-
nistratifs".
Como se vê, é mais difficil distinguir do que estabelecer as
relações entre o direito constitucional e o administrativo.

OOM O DIREITO INTERNACIONAL

Nos tratados e convenções sobre policia preventiva, re-


pressiva e sanitaria, nas attribuições administrativas -dos con-
.sules e agentes diplomaticos, naturalisação, expulsão de ex-
trangeiros, emfim, em todas as relações administrativas com
.as nações extrangeiras, devem ser respeitados os principios de
,direito internacional (5).
O direito dos extrangeiros perante a administração, como
,o seu direito ao exercicio de funcções publicas, technicas ou
effectivas ;
O direito de entrada e sahida, immigração, extra dicção,
naturalização, expulsão, policia sanitaria, etc.;
Annexação de territorios, regimensadministrativos, em-
-prestimos externos;
São outras tantas relações com () direito internacional.

(4) Grammaire de la Politirrue, pg. 19.


f5) OTTO MAYER, Droit adm. allem. IV, pg. 380.
22 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVM..CANTI

Essas questões são resolvidas ou pelo direito interno 011


pelos tratados e convenções (6).

Tl13itaJdos e oonveDIÇOOs

As normas do direito administrativo não são exclusiva-


mente de ordem interna. As relações de ordem internacional
exigem muitas vezes a realização de tratados, convenções, com
fins não só de uniformizar as normas internas de diversos
paizes, como ainda de promover a collaboração internacional
em torno de determinada actividade administrativa.
A importancia dos tratados e convençõeS internacionaes"
na esphera do direito administrativo, é grande na applicação
das leis de policia, de saúde publica, e aduaneiras, naquillo que
diz principalmente com a navegação maritima e aérea, a radio-
telegraphia, a policia social, como a repressão dos toxicos ,do
trafico das hrancas, propriedade industrial e !iteraria, extradi':'
ção e entrada de extrangeiros.
Seria longo aqui enumerar todos os tratados e convenções.
que interessam ao direito administrativo; alguns ha, entr~~
tanto, e recentes, do maior interesse (7).
Citaremos, como exemplo apenas, a Convenção samitarria:
internacional para a navegação aérea, firmada em Haya a 12,
de Abril de 1933 e promulgada no Brasil pelo dec. 349 de 30,
de Setembro de 1935: regula a policia dosaerodromos sob.
o ponto de vista sanitario, soccorros medi~os, defesa sani-
taria; a fiscalisação dos papeis e documentos dos passageiros"
cargas e malas postaes; a defesa contra as molestias contagio-
sas, peste, cholera, febre amarella, typho exanthematico, etc.
O dir,eito admini2trativo int'e'fr'Y/;U.mCYl/;(1Jl é uma applicação.
do direito administrativo para resolver questões de direito in-
terno, mas que interessam directamente á ordem internacio-
nal. E', assim, a applicação das leis administrativas de di-
reito interno nas relações internacionaes.

(6) TRIEPEL, Diritto Internazionale e ,diritto interno.


(7) Dec. n. 6, de 12 de Outubro de 1935.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 23

Segundo FEDOzZI, em obra já antiquada mas em via de


republicação modernisada (8), o direito administrativo inter-
nacional é um systema de principios juridicos que regula as
acções de ordem administrativa entre dous Estados ou entre
um Estado e cidardãosextrangeiros. Distingue-se do direito
internacional administrativo porque este ultimo é direito in-
ternacional. que obriga os Estados ao cumprimento de regula-
mentos administrativos. Assim, por exemplo, as questões so-
bre defesa sanitaria, accordos sobre correios, etc. (9)
A distincção é bem clara. O direito internacional admi-
nistrativo é aquelle que contém normas que interessam á ad-
ministração e que se acham na esfera do direito administra-
tivo. emquanto que o direito administrativo internacional é
aquelle ramo do direito administrativo cuja applicação, em-
bora esteja comprehendido no direito interno, no entretanto,
recahe no campo do direito internacional, porque, ou se refere
a extrangeiros, ou envolve interesses intimamente ligados a
pessoas naturaes ou juridicas extrangeiras.
E' o terreno dos estudos sobre a tributação de emprezas
internacionaes, da nacionalização deemprezas extrangeiras,
etc.
Toda vez, porém, que o direito administrativo entrelaça-se
com o direito internacional publico ou privado, e que a appli-
cação das normas de direito interno obedece aos principios
fie direito internacional, ou tem que attender a normas de di-
reito internacional. teremos uma questão de direito interna-
ciona] administrativo.

(8) Diritto amministrativo internazionale, 19(}1.


(9) O>STANTINO IANNACCONE, Consetto e sfera deZ diritto interna-
zionaZe privato, pg. 81.
IConsultar tamibem: BoRSI, Carattere e oggetto deZ diritto amministra-
tivo internazionale, in Rivista de Diritto InternaziO'nale, pg. 368.
G~, Prima linee di un diritto internazionale amministrativo.
ID'ALESSIO, Il diritto ammiTiistrativo iTliternazionale e le sue fanti in
Rivista di Diritto pwbblica. .
'CATELLANI, Lezioni di Di'ritto internaziO'nale privato, penale e am-
ministrativo, Padava, 1.926.
RAPISARDl MlIRABELLI, Il diritto internazionale amminisllrativo e le
grande u'l'lioni Ira gli Stati, Roma 1907.
ÜTTO MAYER, Droit administratij alleman:d, IV, pg. 358.
24 THEMISroCLES BRANDÃ:O CAVALCANTI

Segundo BORSI (10), existe um direito internacional ad-


ministrativo que tem por fontes os tratados e costumes in-
ternacionaes e que regula as relações entre os Estados; e, de
outro lado, um direito administrativo internacional que tem
por fontes as leis e os regulamentos e rege as relações entre
o Estado e os individuos .
.As idéas de BORSI são contestadas por D' ALLESSIO que
não comprehende relações juridicas internacionaes que tenham
caracter interno. Absurda é, assim, no seu entender, a éxis-
tencia de um direito internacional administrativo, porque o
direito internacional regula, apenas, as relações internacio-
aes, o que foge ao campo do direito administrativo.
A verdade é que existe uma zona cinzenta (11) dentro da
qual se confundem os dous ramos de direito e onde perdem os
caracteres differenciaes e peculiares. O que não resta a menor
duvida é que existem numerosas relações de ordem adminis-
trativa que se resolvem no campo do direito internacional.

COM O DIREITO CIVIL


N o nosso regimen juridico de tendencia francamente CIVI-
lista, não é por demais realçar a influencia do direito civil so-
bre o direito administrativo.
Não são, sómente, as normas geraes, os principios doutri-
narios fundamentaes, que regem a solução dos problemas ad-
ministrativos (12).
E' que as relações do Estado não são, apenas, da esphera
do direito publico.
N as relações pessoaes, na solução das questões que inte-
ressam directamente ao direito da família, situação de meno-
res, tutelados, curatelados, com o Estado. Nas relações juri-
dicas relativas á posse ,á propriedade, garantias reaes, etc.
Em materia de obrigações, contractos e todas as modalidades

(10) Carattere ed oggetto del diritto amminish"ativo internazionale


in Kivista diritto internazionale, fase. 1I1, e outros citados por LA TORRE
in Elementi di diriUo amunJinistratiw pg. 219.
(11) E' a ohservação de LA TORRE, pg. 224. Elerrwnti di Viritto
amministrativo.
(12) F. FLEINER, Droit Adm. Allemand, pg. 40.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 25

de que se podem revestir os direitos creditorios, nas relações


do Estado com a administração ou entre os particulares, quan-
do se torne necessaria a intervenção do poder publico. Final-
mente, no regimen de successões, que deve ser respeitado pelo
Estado, quer quando o seu interesse é mediato, quer quando é
directo, por exemplo montepios, testamentos militares, etc.
Em todas essas questões de direito civil, como se vê, ha inte-
resse immediato da administração.
Somos, no entretanto, dos que consideram os principios
geraes do direito privado de applicação secundaria nas rela-
ções estrictamente de direito publico, visto como este se acha
sujeito a principios peculiares ínherentes á propria defimção
do Estado.

OOM O DIREITO PENAL

Na organisação da justiça, do systema penitenciario, e,


mais especialmente ainda, no chamado direito penal adminis-
trativo, a respeito do qual trataremos com mais desenvolvi-
mento, intimas são as relações com o direito e a sciencia penal.
Tão intimas são essas relações que até se tem discutido
si pode ser considerado autonomo o chamado direito penal
administrativo, ou si existe uma parte penal do direito admi-
nistrativo, ou si" finalmente, é esta apenas uma parte do di-
reito penal, 'que interessa á administração.
A questão pode ser apreciada sob o ponto de vista mate-
rial, isto é, quanto ao conteúdo, á natureza das sancções ad-
ministrativas, e sob o aspecto formal, quer dizer, no que se
refere á competencia e ao processo para a applicação das
sancções e penas decorrentes do regimen administrativo.
Foram principalmente os autores italianos e allemães que
trataram até hoje doassumpto, analysando o conteúdo das
penas admi,nistrativas e das de simples policia.
Depois de GNEIST e de GoLDSCHMIDT, ARTURJO Rocco e
SYLVIO LoNGHI mantiveram larga polemica, na qual o pri-
'meiro insistia em negar a existencia de um direito penal ad-
ministrativo autonomo, e o segu,ndo contrariava essa these com
vasta copia de argumentos.
26 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Rocco (13) parte do conceito das contravenções, que de-


fine como "acções ou omissões contrarias aos interesses admi-
nistrativos do Estado" e por isso mesmo a transgressão das
normas administrativas importa na applicação de penas.
Os preceitos do direito penal no terreno das contravenções
teem, sempre, por escopo a tutela dos interesses da adminis-
tração e, portanto, sempre se verifica nas contravenções a le-
são, o sacrificio de um interesse da administração.
O facto, porém, de se dar ás contravenções o nome de
crimes administrativos e ao direito penal contravencional a de-
nominação de direito penal administrativo, não implica em que
. se negue a existencia, nas contravenções, dos elementos consti- _
tutivos do crime, da lesão e da ameaça a um interesse ju-
ridico.
Dahi tira A. Rocoo as seguintes conclusões:
Ou as cOIisequencias de taes factos illicitos não são penas
no seu sentido verdadeiro, e neste caso não ha crime, nem réo,
nem iurisdicção criminal, não existe em summa direito penal
nem material nem processual, e não existe outra cousa senão
direito administrativo penal, ou melhor, uma parte do direito
administrativo que tem o caracter penal;
Ou, na segunda hypothese, as consequencias de taes factos
illicitos são verdadeiras penas e então existirá crime, réo, pena,
emfim um direito penal material, embora falte uma jurisdicção
penal, uma acção e um processo, em summa um direito pro-
cessual penal.
Assim, conclúe Rocco pela inexistencia de um direito penal
administrativo.
SYLVIO LoNGHI (14) sustenta uma these inteiramente con-
traria. Para esse autor, o caracter penal, e -não administra-
tivo penal do direito administrativo, decorre da passagem do
juizo das contravenções administrativas da competencia do po-

(13) Sul cosi dello diritto penale amministrativo, in Rivista di Di-


rritto Pubblioo, 1909, I, pg. 385 e segs.
(14') Sul cosi dello diritto penale amminist., in Riv. di Diritto Pub.,
1911, pg. 354 e se~.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 27

der executivo para a do poder judiciario, como consequencia da


abolição do contencioso administrativo (15).
Dahi o caracter penal das transgressões administrativas.
e a natureza das sancções dellas decorrentes.
Mas ,desse principio deduz-se, igualmente, uma outra con-
sequencia da mais alta relevancia, isto é, si . a sancção não tem
o caracter rigorosamente penal e escapa á competencia dos
tribunaes judiciarios, evidentemente que conserva o seu cara--
cter puramente civil ou administrativo.
São essas as duas grandes theses que se defrontam, com
modalidades varias, como se vê da enorme bibliographia que
. trata do assumpto. Podemos assim citar:
MANzINI (16), FLORIAN (17), que denomina as infracções
e penas fiscaes "direito penal financeiro", RAGGI (18), que
admitte a existencia de crimes administrativos, MASSARI (19),
que sustenta a autonomia do direito penal financeiro caracteri-
zado, especialmente, pela natureza especifica das sancçoos.
FRITZ FLEINER colloca, no entretanto, a nosso ver, o pro-
blema em termos mais claros.
O facto da lei attribuir á autoridade judicial competencia
para a repressão das contravenções de policia e dos delictos
fiscaes ,não importa em reconhecer o caracter penal adminis-
trativo da pena.
As decisões proferidas por tal autoridade são verdadeiros.
julgamentos, que visam punir e não coagir. Os juizes acham-
. se adstrictos ás normas de direito penal no que diz com a res-·
ponsabilidade e a applicação da pena.
Direito penal adrwinistrativo. - Seguindo um processo de
differenciação, a materia juridica vae se destacando das di-
versas disciplinas juridicas, creando, assim, ramos novos do
direito com caracter autonomo.
Dentro do direito penal, do direito administrativo e do ,ii-
reito financeiro foi se creando uma disciplina nova, com esses

(15) Refere-se o autor naturalmente á ltalia.


16) 1st. di Diritto Penale Italiano, I, pg. 11. -
(17) Parte generale deI Viritto Penale, I, pg. 132.
(18) Lo svoglimento deI diritto penale amministrativo.
28 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

tres elementos, cujo exame deve ser feito, considerando os seus


caracteres peculiares e communs. .
Não existe um direito penal administrativo com caracter
autonomo e creado para uso da administração. Não se confun-
dem as sancções administrativas com as perias criminaes. As
suas finalidades são diversas e o procedimento para a sua im-
posição distingue-se nitidamente (20).
A tendencia cada vez maior para a autonomia de certos
ramos do direito (e isto não se verifica sómente com o direito
penal administrativo), como o direito industrial, o direito fi-
nanceiro, o direito do trabalho, etc., decorre do desenvolvi-
mento de certas relações juridicas em consequencia da modi- .
ficação das condições de vida.
Direito penal finaJY/JCeiro. -O direito penal financeiro'
nasceu da necessidade de um reforçamento do poder do Es-
tado, obrigado a a:pplicar sancções mais severas para as trans-
gressões de suas leis fiscaes, bem como de. penas especiaes
para cohibir as infracções de medidas tomadas pelo Estado
contra os abusos e crimes commettidos contra a economia
do povo.
Esse phenomeno consequente á maior intervenção do Es-
tado na ordem economica e financeira, constitúe a parte penal,
tendente a obrigar os individuos ao cumprimento das leis
financeiras ,e economicas dictadas pela defeza do interesse
publico no terreno economico.
E é por isso que a doutrina e a consequente legislação
tomou maior desenvolvimento nos paizes como a Russia a e
Italia, onde mais accentuada é a intervenção do Estado.
O Codigo IPenal Sovietico (21) traz largos capitulos sobre
delictos economicos e contra a administração publica, o mesmo
acontecendo ·com outras leis de caracter administrativo como
() Codigo Agrario, de Minas, de Montes, o Estatuto Veterina-
rio, oCodigo de Trabalho, e o de Menores. Todas essas leis

,(19) La definizione, l'Qggetto e i limiti del diritto penale fiscale,


in La nUOVa legislazione Italiana, 1930, pg~ 7. La nO'rma penale, pg. 89.
(20) F. FLEINER, Droit adm. allem., pg . .136.
(21) De 1926, modificado em 19-30.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 29

administrativas remettem ao Codigo Penal, caracterisando as-


sim a natureza das infi'acções (22.
Na Italia, iguálmeilte, tomou a questão grande vulto, no-
tando-se especialmente, além do Codigo Penal, a lei de 7 de
Janeiro de 1929 ,estabelecendo as normas geraes para a re-
pressão das violações das leis financeiras, bem como os de-
cretos de.18 de Junho de 1931 e de 24 de Setemhro do mesmo
anno, todos referentes ao assumpto (23).
Não menos relevantes são as leis que tutelam a ordem
economica e social, notadamente no que diz com o traba-
lho (24). \
Em synthese, está a questão assim collocada perante a
doutrina.
Entre nós, talvez, não mereça o problema maior desenvol-
vimento. A competencia attribuida aos tribunaes judiciarios
em tudo quanto se refere a contravenções, resolve um dos seus
aspectos.
As questões podem ser examinadas, sempre, pelo poder ju-
diciario, sob o aspecto de sua legalidade, o que dá uniformidade
ás normas de direito penal, bem como á protecção judiciaria
de todos os direitos.
Como mostra muito bem ROGER BONNARD (25), ha uma
parte do contencioso penal que é de caracter administrativo:
é aquelle que se acha dentro da competencia dos Tribunaes
administrativos.:Estão exclui dos dessa definição aquelles ca-
sos submettidos aos tribunaes jU'diciarios, embora, na opinião
do alludido autor, conservem taes infracções o caracter admi-
nistrativo em seu sentido material, puramente objectivo.
Em nosso regimen juridico todas as infracções commet-
tidas contra a administração publica e em que houve damno

(22) V'er HIoRACIO DE CAsTRO, Principios de Derec1w S()Vietico, pa-


ginas 806, 727.
(23) Sobre commentarios ás aIlu,didas leis, ver GIUSEPPE LAMPIS.
Le norme per la repressione delle violazione delle leggi finanziarie. GIU-
. SEPPE ISPINELLI. Le leggi penali finanziarie.
(24) Ver GIUSEPPE RATIGLIA, La tutela pennJe della pubblica eco-
nomia.
(25) Le contrôle jurisdictionnel de l' administration, 1934. pg: 75.
THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

á Fazenda, estão na competencia dos tribunaes ordinarios, o que


nãoexclúe a acção administrativa para a reparação do damno.
Mesmo a multa tem esse caracter, como o declara expres-
,samente o art. 4.° do decreto 22.957, de 22-7-1935 (26).
O Codigo Florestal (27), o Codigo de Caça e Pesca (28),
o Codigo de Minas (29), o Codigo de Aguas (30), contêm todos
disposições penaes, mas attribuem sempre a competencia para
a app1icação das penas ás autoridades jud'iciaes.
Ha, porém, mais outro assumpto relevante: Qual a natu-
reza das penas administrativas pelas transgressões dos regula-
mentos da administração publica? Qual a natureza das multas?
Como vimos, acima, as multas impostas pela autoridade ad-
ministrativa não teem o caracter pen~l e sim o de reparação,
'constituindo divida a:ctiva da União e dos Estados.
A theoria não é nova, e sempre mereceu o amparo da ju-
risprudencia (31) e o da doutrina predominante, á semelhança
,do que occorre na maioria dos paizes.
A tendencía é para, no dizer de ZANOBINI, commentando
a opinião dominante,equiparar as multas administrativas áS'
penas convencionaes do direito civil, como uma forma de re-
'paração do damno (32).

E' o que sustenta tambem OTTO MAYER (33):

"Não ha sómente um mal a reparar com a con-


travenção, mas uma vantagem a ser tirada prelos co-
fres publicos; o fisco deve aproveitar. O meio de pu-
nição equipara-se, sob certo ponto de vista, a um cre-

(26) "As multas administrativas constituem di,vida activa da União


Fied,eral 'e dos Estados, não sendo sujeitas ás regras da presc'ripção cri-
m:nal".
(27) Dec. 23.793, de 23 de Janeiro de 1934.
(28) Dec. 23.672, de 2-1-1934, arts. 175 oe segs.
(29) Dec. 24.642, de 10 de Julho de 1934.
(30) 'Dec. 24.643, de 10 de Julho de 1934.
(31) Aces. S. T. F., in Arch. Jud., voL lI, pg. 386. Rev. de Di.
'~·e.'to. vol. 14, pg. 202, voI. 96, pg. 94.· '
(32) ZANOBINI, Le sanzioni administrativi, pg. 83.
(33) Droit adm. alIem., lI, pg. 295.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 31

dito de direito civil. .Pode, assim, a multa ser com-


parada a uma indemnização".

Segundo ZANOBINI, a doutrina e a jurisprudencia franceza


que admittiam o ponto de vista administrativo vêm oscillando,
preponderando o principio de que as multas que podem impor-
tar em um procedimento criminal teem caracter mixto, em-
quanto que as demais são puramente administrativas e repre-
sentam uma indemnisação (34).

LOUIS TROTABAS (35) distingue duas hypotheses:

a primeira - quando o juiz, dentro de suas at-


tribuições, julga legal ou illegal a pena applicada pela
autoridade administrativa. Evidentemente elle não
pode tornar penal uma imposição fiscal. O seu ca-
racter administrativo é incontestaveI.
A segunda hypothese - quando a pena é appli-
cada pela autoridade judiciaria julgando certas con-
travenções e delictos fiscaes, notadamente na apli-
cação dos regulamentos do imposto de renda. Mesmo,
porém, nesses casos, embora tome outro caracter a
imposição da multa, não deixa de ser uma medida
de direito fiscal, autonoma, que não se rege propria-
mente pelos principios geraes do direito penal.

Na Italia, o caracter mixto é igualmente admittido quan-


do applicada a multa pelo juiz criminal, embora sem perder o
.caracter de reparação e indemnisação (36).
Esta .é, em resumo, a doutrina extrangeira.

(34) Ver DALlJ()Z, verbo Peines; GARRAUD, Traité tlieorique et pra-


.tique de Dr. Penal Flrançais, lI, pg. 225.
(35) P'récis de Science et de legislation financiére, Précis Dalloz,
.3 éme édition. 1~33. pg. 307.
(2,6) Ver AlLrMENA, Principi di Dir. Penale, TI, pg. 233; MANZINI,
Trat/ato, I, pg. 108 e segs., apud ZANOBINI, e Sansione administrativi,
pagina 84. .
32 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Não deixa de ser procedente a distincção acima das diver-


sas naturezas das multas geralmente applicadas pela admi-
nistração.
A multa de móra, pelo pagamento de um imposto, não
se pode confundir, em seu s'entido material, com aquellas appli-
cadas tambem pela autoridade administrativa por falta de
cumprimento de disposições .regulamentares, como dêclarações
de rendimentos ,falta ou insufficiencia de sellos, transgressões
de regulamentos de consumo, etc.
Caso typioo e que merece aqui ser realçado é o verificado
no regulamento de caça e pesca, onde os processos de repres-
são penal e o administrativo se acham perfeitamente indivi-
dualisados, demonstrando a tendencia do nosso direito admi-
nistrativo para caracterisarperfeitamente a multa imposta
em virtude de contravenção.

.....':"

J.' .'
OAPll1UDO V

DIREITO DISCIPLINAR

Direito Disciplinar - Noção - Element06 - Pena Disci-


plinar - Pena administrativa - Diversas Theorias.

Quando as sancções têm caracter geral e attingem a todos


os cidadãos, temos uma medida de natureza penal; quando, po-
rém, referem-se a deveres especiaes, a uma certa categoria de
funccionarios, caracterisa-se perfeitamente o exercicio da fun-
cção disciplinar. (1)
E' o que faz objectQ do presente capitulo, comprehendendo
materia das mais relevantes em direito administrativo.
Muito se tem escripto sobre este assumpto, Q que Justifica
a variedade das tendencias. doutrinarias, bem como a multipli-
cidade de theorias creadas pgr quantos versaram a materia.
E' preciso, porém, que se diga desde logo, como ZANO-
BlNI (2), que sómente os autores muito antigos e anteriores

(l)A.pud M. LA ToRRE, Elementi di diritto ammi.nistraiivo, pg. 209,


com a seguinte nota: "'Dal di~erso carattere della sanzione (amministra-
tiva ·0 penale) discende: a) in materia disciplinare non si applicano le
norme e le diminuenti deI cod. peno circa l'età, infermità di mente etc.; b)
in mlateria discip.linare il principio delIa solidarietà si ritiene esistente an-
che in mancanza di .disposi~ion:e .speciali;· c) sempre in materia discipli-
nare, Ie pene pecuniarie prapassano alle eredi; d) in materia penale, si
applica la prescrizione civil e ai crediti consequenti aLIa applicazione della
pena; in materia amministrativa inveoe spesso vigeranno disposizioni spe-
cia'li. - Si ritiene poi, applicabile per analogia "!ta prescrizioni penale
alle ·pene disciplinarii; e) altra cosa sono lagrazia e l'amnistia, altra e
il coI!;demo delIe pene amministrative; f) aItra cosa e Ia procedura per
l'appHcazione deUa pene la procedura delIe impugnative etc. ed aItra Ia
procedura stessa in materia amministrativa".
(2) Le sanzione amministràtive, pg. 112 que cita entre muitos au-
tores, BERNER, SCHU'rZE, 7JoRN, BINDING, MITTERMAYER, etc.

- 8
34 'lUIEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

á renovação dos principios de direito publico é que admittem


a confu~o do direito disciplinar com o direito penal.
A tendencia moderna é no sentido de admittir o caracter
puramente administrativo disciplinar, considerando a situação
do E'stado quer dentro do systema contractual, quer no da su-
premacia do poder estatal.
O poder disciplinar subsiste independentemente do poder
r~pressivo penal; o criterio, o fundamento de ambos são bem
diversos, no fundo como na forma.
Outra consequencia da natureza juridica das penas disci-
plinares é a sua independencia da pena criminal. Aqui não se
póde applicar o principio n.orn. bis in idem, por isso que o poder
disciplinar pode se exercitar independentemente do poder re-
pressivo penal. Muitas vezes~ até, como nota KAMMERER, (3) as
penas disciplinares podem se revestir de formas especiaes,
como a imposição de pena pecuniaria ou de qualquer outro
meio especifico aconselhado para forçar o cumprimento das
disposições regulamentares.
P1. independencia da sancção disciplinar é ,portanto, um
principio fundamental, que decorre não sómente do valor es-
pecifico da pena, mas ainda da medida do seu valor e da sua
mtensidade.
Segundo D'ALESSIO (4), assim pode-se resumir a influen-
cia do procedimento disciplinar sobre o penal:
. s",", o!t ~ "
A) A applicação de uma pena disciplinar não exclue a
responsabilidade penal nem pode haver influencia sobre o
juizo penal no que se relaciona com a existencia do facto;
. B) A absolvição da pena disciplinar não constitue cousa
julgada para a apreciação da infracção penal.
O juizo penal, por sua vez, não influe sobre o poder dis-
ciplinar:
1) porque o funccionario, mesmo absolvido no juizo pe-
nal, pode ser submetiido a processo disciplinar e nelle ser con-
demnado;

(3) La fonction publique en Allemangne, pg. 243.


(4) Istituzione di Diritto Amministrativo Italiano, vaI. I, pg. 449.
INSTITUIQÓES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 35

2) o funccionario pode ser condemnado no juizo penal, e


não incorrer em falta disciplinar que imponha a applicação de
uma sancção de caracter disciplinar.
Póde occorrer, por vezes, que a condemnação criminal im-
ponha medidas de ordem administrativa, como a perda do em-
prego publico oú das patentes militares. Não toma~ no entre-
tanto, por isso mesmo, a medida administrativa o caracter
disciplinar (5) : é consequencia da condemnação.
Os nossos regulamentos administrativos, ás vezes, consa-
gram expressamente este principio, como se pode ver do regu-
lamento das· collectorias, baixado com <> decreto 24.502 de 29 dt=!
.Julho de 1932:

"Art. 114. A responsabilidade administrativa é


independente da criminal que deverá ser promo-
vida na forma da legislação em vigor contra os col-
lectores, escrivães e agentes que pratiquem actos
funccionaes que alei qualifique como crime."

Esta disposição legal consagra a boa doutrina que merece


<> apoio da totalidade dos autores e que decorre da natureza
das sancções disciplinares. (6)

(5) IConsultar ainda sobl'e o assumpto: RooER BONNARD; Précis


.de Droit Administratif, :pg. 396; SANTI RoMANO, Corso di Diritto Ar-
ministrativo parte generale, :pg. 320; PETROZzIELO, 1l rapporto di pub-
blico impiego in Primo T'l"attato corn;pleto de (}rlando, vO'l. 11. parte lU,
pg. OCOOXXIX.
Ver, ALIMENA: "'Dal punto di vista razionale, invece, bisogna distin-
guere. Poiché il fatto é unico, pur violandosi due rapporti, la doppia
.pena é un bis idem e cal1tradice unarealtà psiooIogica sociale e juridica,
CM .tra poco studi,eremo di proposito, quella realtà per cui il fatta uni co,
pur violando diverse disposizioni di legge, costitue un reato unico .
. In tal caso, dunque la repressione disciplinare non pu.6 justificarsi S6
non considerando come unci. conseqruenza, un e/feito della condanna penale.
_ (Principii di Diritto Penale J vaI. I, pg. 245).
. (6) Merece ser aqui mencionado o topico de MAReEI.. WALINE sobre
o assumpto "La rêgle non bis in idem, en vertu de laquelle un individu ne
peut être poursuivi et puni deux foIs á raison d'un :même fait, ne joue qu'á
l'interieur du droit penal et n'empêche pas que deux instructians puis-
sent êtreouvertes á propos d'un même fait, l'une pénale, l'autre admi-
nistrative, instructions dont les resultats peuvent ~tre différents: un fait
peut ne pas être assez grave pour motiver une sanction pénale, ne pas
réunir les elements d'un délit pénal, et être cependant assez grave pour
36 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Continuando o exame do assumpto podemoS' citar, ainda~


a opinião de G. VIDAL, que distingue a infracção disciplinar
da infracção penal, da seguinte forma: (7)
1) pela natureza da medida disciplinar;
2)' pela jurisdicção disciplinar inteiramente independente
da penal;
3) pela acção disciplinar independente da acção publica;
4) pela differença do processo.
WALINE, igualmente, faz a distincção sob um ponto de-
vista geral: .
a) o direito penal applica-se a todos os membros do Es-
tado; o direito disciplinar tem applicação, apenas, áquellas pes-
soas que fazem parte da administração;
b) o direito penal comporta sancções mais severas, por-
que reprime os attentados praticados contra todo o corpo so-
cial, e, por conseguinte, muito mais graves;
c) a repressão penal, por isso mesmo, deve··'Se revestir de
maiores e melhores garantias.
LABAND (8), dentro da mesma ordem de idéas, não é me-
nos preciso. Diz elle:

"As penas disciplinares não têm o caracter pu-


blico. Ellas se movimentam no quadro do serviço a
que se acha ligado o funccionario".

A pena disciplinar não tem por fim completar ou substi-


tuir a pena publica ou criminal, mas, apenas, assegurar o cum-
primento do dever profissional e punir as contravenções dos
regulamentos.

motiver unesanction disci(plinail"e. Le fait notamment qu'une instru-


ction ,pénaIe a été cIoturée par un non lieu ne fait pas obstacIe á des
poursuites di,scipNnaires, et Ies fai1s ayant d'onné lieu aux poursuites pé-
naIes terminées par 00 non lieu p.euvent être retenus pour motiver des
mesures disciplinaires. (Cons d'Ét. 8 Mars 1983 Deschamps 280). Le
non lieu ·ne signifie pas, en effet, que Ies faits sont inexistants, mais seu-
Iement qu'ils ne constituent pas un délit penal". (Précis, ,pg. 369).
(7) Cours de Droit Criminel 6 eme ,edition pg. 83.
(8) Droit Public allemand voI. lI, pg. 188.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 37

No mesmo sentido, OTTO MAYER (9) desenvolve a sua


these.
Esses principios da separação do poder disciplinar do sys-
tema penal, têm applicação ampla em nosso direito.
Consagra essa theoria, entre outros, o accordão do Su-
premo Tribunal Federal de 15 de Dezembro de 1920:

"Na applicação das penas regulamentares a au-


toridade administrativa é· autonoma, pouco impor-
tando que o inquerito administrativo que tenha daào
causa á de:rnissão do funccionario não houvesse for-
necido elementos para o procedimento criminal" (10).

o artigo unico do decreto 20.810, de 17 de Dezembro de


1931, prohibiu até· o conhecimento pelo poder judiciario das
penas impostas em virtude de transgressões disciplinares por
autoridade competente, in verbis:

"As transgressões disciplinares como tal puni-


das pela autoridade competente escapam á jurisdi-
dicção da autoridade judiciaria, sendo-lhes vedado to-
mar conhecimento de habeas-corpus ou outros quaes-
quer recursos que se relacionem com essas punições,
revogadas as disposições em contrario".

Como se vê, é absoluta a autonomia da administração na


imposição de penas disciplinares, o que aliás se justifica ple-
namente, deante dos principios firmados pela doutrina domi-
nante.
E~ outro aspecto da questão que merece ser examinado
com o maior cuidado. Foi este principio consagrado mais
tarde, embora revestindo-se de menos elasticidade, pela Con-
stituição de 1934 e pela lei n. 191 de 1936, que regulou o pro-
cesso do mandado de segurança.

(9) Droit adm. allem., voI. IV, pg. 77.


(10) Rev. do S. T. F., voI. 29, pg. 177.
38 THEMISroCLES BRANDÃO CAVALCANTI

o artigo 113 n. 23 dessa Constituição, determinava, effecti-


vamente:
"Nas transgressões disciplinares não cabe o ha-
beas-corpus."

Igual dispositivo, embora com outra redacção, contém a,


nova Constituição em vigor, no seu art. 122, n. 16.
Era, igualmente, o que consagrava a jurisprudencia do
Supremo Tribunal, dando ao principio o seu verdadeiro sentido.
O que não póde s'er apreciado é o acto disciplinar, a in-
fracção em seu conteúdo especifico, cujo conhecimento é da
competencia exclusiva da autoridade administrativa. Não ex-
clue, entretanto, a legalidade do acto o conhecimento e verifi-
cação da competencia da autoridade que impôz a pena, presup-
posto de sua legitimidade.
O poder discricionario, na imposição da pena disciplinar,
poder que exclue a apreciação judicial, presume que a autori-
dade que applica a sancção disciplinar tenha competencia para
fazel-o. O seu poder, para ser legitimo e legal, precisa emanar
da lei, que lhe confere a qualidade para apreciar da justiça, cou-
veniencia, opportunidade, na applicação da pena disciplinar.
Quando foi regulamentado o processo do mandado de se-
gurança, excluio tarnbem o legislador o acto disciplinar:

'Artigo 4: Não se dará mandado de segurança


quando se tratar: IV - de acto disciplinar." (11)
E assim tem-se orientado a jurisprudencia. (12)
E' absoluta, como se vê, a autonomia da administração na
imposição das penas disciplinares, o que é, aliás, plenamente
justificado deante dos 'principios firmados pela doutrina domi-
nante.
(11) Ver o nosso "Do mandado de seguTf1Inça", 2," edição, pg. 101
e segs.
(12) V'er, entre outros, o accordão da 06rte Suprema de 25 de
Outubro de 1935: "Funccionario publico; pena disciplinar; mandado de-
segurança, inadmissibilidade. ,
Contra penas disciplinares não se admitte "habeas-corpus"; pela mes-
ma razão não se concede mandado de segurança.
O artigo 113 D. 23 da Constituiçõ,o, nada mais fez do que tornar ex-
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 39

o que caracterisa a pena administrativa, de um modo ge-


ral, especialmente a pena disciplinar, é a sua finalidade, o seu
objectivo, que, na lição de BIELSA, consiste em "melhorar o ser-
viço publico, esforçando-se por melhorar o orgão ou agente
que o executa, isto é, o iunccionario ou empregado, e retirar
dq serviço o agente quando a melhoria não for possivel." (13)
Tem, assim, a sancção disciplinar caracter discricionario,
presuppõe uma faculdade mais ampla de apreciação por parte
da autoridade, do que aquella que decorre da funcção do juiz
na applicação da pena criminal. (14)
Por isso mesmo é que PETROZZIELO (15) encontra a diffe-
rença entre poder disciplinar e direito penal, na mesma que
existe entre o direito de punir e a obrigação de punir. Emquan-
to os orgãos de repressão penal têm o dever de punir quando
occorrem transgressões da lei penal, no direito disciplinar a
punição é uma faculdade applicada de accordo com as necessi-
dades do serviço e nunca uma obrigação. A pena disciplinar
não é necessaria, mas discricionaria.
Estas considerações de caracter theorico precisam ser
comprehendidas em seus devidos termos. Ellas salientam o
traço caracteristico das diversas modalidades da funcção puni-
tiva. A obrigação de punir as infracções de qualquer natureza
sempre existe. O que se deve considerar é a medida da pena as-
sim como a sUa natureza.
Os traços fundamentaes da funcção disciplinar parece te-
rem sido -bem definidos nas linhas acima e dentro delle~ é que
se desenvolvem as differentes applicações doiS principios enun-
ciados.

pr.essa com relação ao habeas-corpus, uma regra de direito preexistente e


que é extensiva a quaesquer acções ou recursos judiciaes".
(1:3) Derecho administrativo, voI. U, pg. 147 e segs.
(14) Diz o accordão do Supremo Tribunal Federal de 15 de Junho
de 1929: "Não é annuHavel a demissão do funccionario pU!blico ainda que
tenha mais de dez amnos de serviço publico, quando feita por autoridade
competente depois de processo administrativo, em que tenham sido guar-
dadas as formalidades legaes. O me rito desse acto é de apreciação ex-
clusiva da auwridade que op'raticoil". (ESPINOLA, Pandectas Brasileiras,
\7101. 7, pg. 414).
,(15) Il rapporto di pubblico impiego in Primo Trattato completo di
diritto amministrativo de Orlando, VioL lI, parte lU, pg. GCXXXIX.
Ver tarnlbem KA:MMERER, La fonction publique en Allemagne, pa-
~ina 238 e segs.
CAPITUlJO VI

DIREITO FINANCE,IRO - DmEITO FISCAL

Noções - Definições Diversas - Caracteres - Autonomia


- Suas relações com ,o Direito Administrativo - Taxas
- Defjm.i~ões - Caracteres - Sua Distincção dos Im-
postos - Definições D'iversas - Bitributação - Con-
ceito - Na Ordem Interna e Internacional.

Uma das manillfestações mais cOIlBtantes da actividade do


Estado encontra-seno terreno de suas finanças.
Para provêr ás necessidades da administração, precisa o
Estado de um regimen especial de contabilidade, bem como de
normas peculiares para attender ás diversas necessidades dos
serviços publicos.
A multiplicidade dos seus encargos financeiros e a varie-
dade das suas fontes de ren:da exigem um regimen todo especial,
comprehendido em uma disciplina peculiar.
As finamças publicas comprehendem, assim, além de
principios proprios de natureza puramente financeira, tambem
normas juridicas especiaes que se enquadram dentro de uma
systematica particular.
No primeiro caso, temos um ramo da sciencia das finanças ;
no segundo caso, o direito financeiro.
A scienCii:a das finanças comprehende, não s6 o direito tri-
butario, cuja g'ituação examinaremos adeante, ma.s ainda todo o
regimen de contabilidade do Estado, a technica dos empresti-
mos publicos, etc.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 41

o di.reito financeiro., Po.rém, co.mprehende to.da a technica


juridica que preside á elabo.ração. do.S o.rçamento.s, a receita e
despeza publiJCas, e as relações deco.rrentes das o.perações de
credito. de que se so.cco.rre o Estado.. Co.mo. ;define FLORA (1),
"o. direito. financeiro. tem Po.r fim a elabo.ração. das no.rmas
juridic8:s que regulam a receita e despeza publicas, necessa-
rias para fixar, de acco.rdo. co.m a sciencia das finanças, a o.rdem
financeira que melho.r corres'Po.nde ásexigencias impostas pela
arte financeira".
Ou melho.r, co.mo. ensina FASOLIS, o. direito. financeiro. é o.
tratado. systematico. e scientifico. da o.rganisação. financeira do.
Estado..
VEIGA FILIÍO"(2)-, dentro. da mesma o.rdem de idéas, mo.s-
tra o. caracter especulativo. e technico. da sciencia das finanças,
emquanto. que o. direito. financeiro. tem finalidade mais pratica,
Po.rque envo.lve a applicação do.S principio.s firmados pela sci-
encia das finanças.
O direito. financeiro. co.nstitue, assim, elemento. prepo.nde-
rante no. estudo. da administração. publica.
A nossa litteratura so.bre o. assumpto. é por demais escassa,
faltando. trabalho.s systematicos. Devem, no. entretanto, ser
co.nsultadas as impo.rtantes o.bras extrangeiras, especialmen-
te as de WAGNER (3), GRAZIANI (4), TANGORRA (5), MYR-
BACH RHEINFELD (6), GASTON JÉZE (7). etc.
A autono.mia do. direito. financeiro. :deco.rre da differencia-
ção. com que se apresenta perante o.S demais ramo.s do. direito.,

(1) Manuale delle scienze delle finanze, .pg. 29, apud FASOLIS; Sei-
enza delle finanze e diritto finanziario, pg. 4(}.
(2) Manual de Seieneia das Finanças, pg. 21.
(3) Science des Finanees.
(4) 1st. di 8eienza delle Finanze.
(5) Trattato di Scienza delle Finanze.
(6)Préeis de Droit Financier.
;(7) Cours de Scienee des Finanees et de législation Financiere.
Vier ,especialmente LA TORRE, Elementi di Viritto Amministrativo,
pg. 214.
42 THEMISroCLES BRANDÃO CAVALCANTI

sendo as suas relações malis intimas com a sciencia das finan-


ças (8).
Deve ser, assim, considerado como um corpo de princi-
pios autonomos. Não se podeI1ia, effectivamente, pretender
confundir os principios que orientam as finanças publicas com
aquelles que servem de fundamento á economia particular; As
peculiaridades são de tal ordem que. a difficuldade consistiria
precisamente em encontrar os pontos de contacto.
Si assim é, pelo lado doutrmario, o que se não dirá sob o
aspecto puramente legislativo, onde as normas de ddJreito obje-
ctivo são inconfundiveis?
Mas o direito administrativo financeiro é tambem uma
parte do direito administrativo, porque. comprehende aquella
esphera em que as duas disciplinas se confundem dentro do
mesmo objectivo, qual seja o de fixar as narm'as da vida admi-
nistrativa do Estado e dar movimento á machina complexa
da administração publica. Deve-se considerar, portanto, o di-
reito financeiro como o conjuncto de normas especiaes concer-
nentes á vida administrativo-financeira do Estado, mas não
incorreriamos em erro, pretendendo integrar essa disciplina no
direito administrativo.

Hineito Tributario

o conjuncto de normas juridicas relativas a~ regimen fis-


cal do Estado soffre, como os demais ramos da scienci,a do
direito, um processo de differenciação que, aos poucos, o vae
caracterisando como sciencia autonoroa.
Naturalmente que essa relativa autonomia não. exclue a
existencia de relaçõeS muito intimas com outros ramos do di-
reito publico e privado, o que leva a attri'buir-se ao conceito
de autonomia uma relatividade inherente á propria complexi-
dade da sciencia juridica.
Assim, o direito tributario presuppõe o estudo de pheno-
menos economicos e j uddlicos intimamente ligados ao direito
r~-" I

If.:.. ~

(8) MEUCCI contesta essa autonomia, que consid.era um conglome-


rado de sciencias diversas, economica politica, finanças, direito admin. etc.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 43

privado. Quando se regula a tributação de negocios commer-


ciaes, contracto8 ciVlis, successão,penhor, estabelece-se uma tal
entrosagem entre o problema financeiro, tributario, e das pro-
prias situações determinantes da incidencia do imposto, que não
é possivel isolarem-se os dois aspectos do problema (9).
Portanto, o direito tributario, como ramo do direito pu-
blico (10), constituindo em seus princípios fundamentaes dis-
ciplina autonoma, com regras peculi:ares, não está, por isso,
isolado no conjuncto da sciencia do direito: a sua relaJtiva au-
tonomia decorre mais das relações intimas que tem com di-
versos ramos do direito, e especialmente com as sciencias eco-
nomicas e fiij.anceiras.
Ensina BALL (11), porém, que, mesmo quando o direito
fiscal emprega uma expressão de direito privado, perde esta
ultima significação, e toma outra que mais se adapta á funcção
economica do instituto a que ~se refere. Não tem, assim, a
mesma significação do direito civil, mas um conceito fiscal, per-
feitamente peculiar.
Esta affirmação, é, porém contestada por LrON (12), cita-
do por VANONI (13), que entende ser impossivel admittir-se
que o legislador não possa encontrar termos apropriados e pe-
culiares para exprimdr conceitos novos. Assim, quando em-
prega termos usados emdiTeito civil e lhes pretende dar signi-
ficação especial, de natureza tributaria, deve.declarar "no sen-
tido do direito fiscal ".
Contra estas correntes manifesta-se ainda, na Allemanha,
BECKER (14), uma das maiores autoridades sobre o assumpto.
Sustenta o alludido autor que, embora possa o direito fiscal re-

(9) MYRBACH RHEINFELD, Précis de Droit Financier.


(10) Basta considerar que a imposição do, tributo decorre de um
pod'er soberano do Estado, para cJtassificar o direito tributario ou fiscal
como ramo do direito publico. .
Ver, La norina wibutaria, pelo Prof. ACHILE OuTREM, in Rivista di
Diritto Pubblico, 1988, pg. 596.
(11) BALL KURT, Stenerrecht und Privatrecht, pg. 121, cito por
VANONI. •
(12) LION MlA:x, Stene1'echtliche Wirtschaftshegrilfe, pg. 135 e se-
guintes.
(13) Natura ed Interpretazione delle legge wibutarie.
(14) Reichsahgabenordnung, pg. 37 e segs.
44 THEMISroCLES BRANDÃO CAVALCANTI

correr seguidamente aos institutos de direito privado (impos·to


sobre cambiaes, sobre compra e venda" etc.), na maioria dos
casos, entretanto, prefere attender ao significado economico e
aos factos que interessam mais directamente á vida. economica,
como a renda, o patrimon~o, a troca, o uso, etc. (15).
Comquanto seja, porém, de grande interesse fixar as rela-
ções do direito fiscal com o direito privado, e, especialmente,
a feição que tomam as instituições do direito privado quando
se relacionam com o regimen tributario, não bastam essas rela-
ções de dependencia :para pretender-se ligar, tão intimamente,
instituições que se assentam em principios diversos e tUtelam
interesses de todo contrarios.
Não se poderia pretender subordinar o Estado ao direito
privado (16). O interesse ilublico, fundamento primordial da
funcção tributaria, domina todo o systema juridlico sobre o
qual se assenta o direito fiscal, embora se tenha de estabelecer
intimas relações com o direito civil, penal, constitucional, com
mercial, etc.
Ha, evidentemente, uma tendencia para se car3JCterisar o
direito fiscal. Quando apillica penas, toma aspectos peculiares;

(15) Contra essa OplnIaO deve ser citado o trabalho do Dr. FRAN-
CISOO OAMPúS, que assim se manifestou, no p.arecer que se encontra pu-
blicado no Boletitm do Ministerio do Trabalho, n. O 9, pg. 368:
"Por outro lado, a affirmação de que o direito tdbutario visa, atra-
vez dos institutos juridicos, o phenomeno economico, nada conco,rre para
elucidar a questão, pois que, igualmente, o direito privado tem por con-
teúdo a materia economica ou leva em conta em suas construcções os
dados que lhe são fornecidos pela economia. Qua'ndo, portanto, o direito
tributario adopta os institutos de dh'eito privado, ou está, em verdade.
adoptando realidades economicas, emlbora já elaboradas pelo direitopri-
vado, ou operações economicas revestidas de fo·rma juridica, isto é, de-
finidas ou especificadas pelo direito. De outra ma·neira, como seria pos-
sivel ent,end,er o direito trilbutario quando, por exemplo, nesse se encon-
tram tratadas de modo differentes as diversas categorias contractuaes, se
neIlas o fundo, a materia, a substancia economica é a mesma?
TornaI-as como categorias puramente economicas seria absurdo, pois
o direito tributario as distingue 'e a economia as identifica. Se, por con-.
seguinte, o d'i.reito tributario as trata distinctamentee não fornece Q cri-
terio da distiJllcção, é porque já as presuppõe definidas por um outro di-
reito, precisamente o direito privado, de onde o direito tributario as to-
mou, recebendo-as ou' adoptando~as sem modificações ou taes como o di-
reito privado as construio".
(1'6) GIOV'ANNI FASOLIS, Scienza delle finanze e diritto finanziario,
p.g. 42.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATÍVO BRASILEIRO 45

não se confundem com as penas criminaes, da esphera do di-


reito penal, approximar-se antes das penas administrativas ou
fiscaes do direito civd:l (17).
Quando tem deante de si um contracto de penhor, por
exemplo, não o considera sómente em sua feição puramente
eivil, mas ainda em. seu aspecto economico, como materia tri-
butavel.
E' evidente que este prisma fiscal não exclue o exame,
muitas vezes, do contraeto em. !Suas condições intrinsecas e ex-
trinsecas, mas este exame constitue um aspecto accessorio, con-
siderado o exercicio especifico da funcção impositiva.
Dentro desse criterio, deve se considerar o direito tribu-
tario como autonomo, attendendo aos seus elementos essen-
ciaes, differenciaes dos outros ramos do direito, e não naquillo
que têm de commum.
O unico ramo do direito a que se acha mais intimamente
ligado é o administrativo (18) e com este de alguma fórma se
confunde, dentro da sua finalidade. O exercicio da funcção
tributaria ou fiscal está integrada dentro do proprio conteúdo
do direito administrativo (19).
'VANONI (20), colloca a questão em seus devidos termos,
quando considera o direito fiscal naquillo que elle tem de pe-
culiar, caracteristico, nos seus principios, nas suas normas,
que levam a consideral-o como disciplina autonoma.
Em seu conteúdo e sua finaUdade, póde-se considerar, por-
tanto, o direito .financeiro e o fiscal como parte do direito
administrativo, mas com caracteristicos tão ;peculiares que não
seria impossivel isolal-os em um corpo de doutrinas e principios.
No primeiro volume, ao tratarmos da funcção tributaria
do Estado, tivemos opportunidade de fixar alguns principios
fundamentaes que orientam a administração do nosso paiz no
exercicio daquella funcção primordial do Estado.

(17) GIUSEPPE SPINELLI, Le preleggi penali fina~iarie, pg. 34.


(18) F. FLEINER, Droit adm. allem., pg. 40, nota 4.
(19) Contra ToorABAS, Précis de Science et dp législation financiere.
pg. 253, que se funda, porém, principalmente na Jurisprudencia do Con-
selho de E,stado.
(20) Natura ed Interpretazione delle legge tributaria, 142.
46 THEMIisTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Os prindpios ali estudados são aque1les que, pelo texto


constitucional, e por isso mesmo que por elle consagrado, con-
stituem principios inviolaveis que devem nortear a adminis-
tração e as normas legislativas, e dentro dos quaes devem exer-
cer as alludidas funcções. .
Ao tratarmos, neste capitulo, :do ddreito financeiro e do
direito fiscal, apreciaremos, apenas, alguns assumptos de maior
relevo e que tenham maiores affinidades com o direito admi-
nistrativo, de accordo com o plano do nosso trabalho.
Assim, voltaremos á bitributação, e estudaremos as defi.-
nições das taxas, e sua differenciação dos impostos, materia
que interessa á parte dos serviços publicos e de sua remune-
ração, e, em seguida, examinaremos alguns aspectos essenciaes
das leis tributarias, e a sua efficacia.
E;ssas materias ;são estudadas em capitulo separado 'Por
causa da frequencia com que se torna necessario recorrer aos
principios a ellas referentes.

Taxas

Um dos capitulos do direito financeiro e fiscal, de maior


applicaçãono direito administrativo, é aquelle que diz respeito
á definição da Taxa, o seu conceito dentro da technica do direito
e o interesse que tem no estudo de diversas questões de direito
administrativo. E' o que veremos, especialmente, quando tra-
tarmos dos serviços publicos, onde teremos opportunidade de.
retomar o estudo dos principios geraes que vamos, agora,
firmar.
O que caracterisa a taxa, quer no direito financeiro, quer
no direito administrativo, é a sua funcção remuneratoria,
representando uma relação bem definida entre o serviço pres-
tado e aquelle que aproveita dos seus beneficios. (2)
Este conceito geral é repetido pela quasi unanimidade dos
autores, com apenas algumasmodalid3Jdes que não: alteram, no
entretanto, a sua substancia, como veremos em seguida.

(21) tPuGLIESE, Le tasse, pg. 16 e seg.s.


INSTITUIÇÕ'ES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 47

Segundo observa PuGLIESE, em uma bem elaborada mono-


graphia sobre o assumpto, obedeceu o conceito da taxa como
fórma de contribuição peculiar, bem distincta do. imposto, a
um processo de differenciação muito accentuado, ao contrario
do que pretendiam os escriptores que, inicialmente, estudaram
{) assumpto, e confundiam as duas fórmas de contribuição fis-
cal (22).
Hoje, a generalidade dos autores e a pratica têm estabele-
.c~do distincções bem accentuadas, que assim podem ser de-
finidas:
A Taxa corresponde a uma prestação administrativa dire-
da e a um serviço publico prestado a determinado individuo,
embora a natureza do serviço publ,ico presupponha um fim
de interes·se conectivo. Corresponde, portanto, a uma quota
parte de um serviço prestado á collectividad~ (23).
O Imposto, pelo contrario, corresponde a uma prestação
geral devida por todos os individuos, comprehendidos entre
aquelles obrigados á contribuição fiscal, sem que este paga-
mento ou contribuição importe numa contraprestação de deter-
minado serviço publico.
ComoaJinda observa PUGLIESE, poucos autores repudiam
essa theoria (24); entre estes DE FRANCISCI GERBINO, que en-
contra na taxa uma relação de consumo. TANGORRA, que vê na
taxa um phenomeno de repartição do custo dos institutos do
Estado (25), distinguindO-1Se do imposto pela sua fórma pe-
f

(22) IPuGLIESE, Le Tasse nella Scienza e Ml Diritto PositÍ'vo Ita-


liano, pg. 4:
"I primi scrittori di scienza delle finanze non distinsero chiaramente
fra tasse, imposte indirette, regalie, e imposte speciali, n.e la cosa puo me-
ravigliare .se si tien conta dello svolgimento storico delle tasse e se ancor
oggi, tante incertezze regnano nella loro classificazione ed in quella dei
prezzi pubblicr.
In un secondo tempo, in seguito agli studi dei classici finanzieri ger-
munid deI secol0 scorso, le tasse cominciano ad essese considerate come una
categoria distinta di tributi, e, in speciaI modo, si fa strada un concetto nel
quale conviene la grande maggio·ranza degli scrittori di scienza delle fi-
nanze: che Ie tasse si ano triobuti, i.l sui momento caratteristico e dato da
cio: che essi costituiscono un compenso speciale, per un servizio indivi-
duale reso daIlo Stato aI contribuente e da questi richiesto".
(23) G. F~AsOLIS, Scienza delle finanze, diritto finanziario, pg. 125.
(24) Le tasse nella dottrina e nel diritto finanzi(JJrio, 1910.
(25) Contributo alla teoria delle tasse.
48 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
---------------------------------------------
culiar; e, ainda recentemente, DORMACHKE, que encontra na
taxa um instrumento politico mediante o qual o Estado limita
o consumo dos bens e dos serviços, que deseja retirar ao uso
mimitado da collectividade.
Segundo SALERNO (26), em sua obra revista em segunda
edição por GRAZIANI, o caracteristico proprio da taxa é a pres-
tação individual que deve corresponder, proporcionalmente, ao
custo total da producção.
A distincção entre taxas e impostos é devida aos autores
aIlemães RAU, HIOCK, STEIN, WAGNER, HIOSCHER, etc., embora
encontre-se qualquer menção a ella relativa em ADAM
SMITH (27).
A verdade é que, por maiores que sejam as razões apre-
sentadas para justificar a imposição da taxa, fins politicos, eco-
nomicos ou de qu~lquer outra ordem, de qualquer maneira, o
que se conclue é que a taxa, de accordo com a generalidaJde dos
autores, destina-<sle ao pagamento de uma prestação correspon-
dente a um determinado serviço, effectivamente prestado. O
imposto, pelo contrario, representa uma prestação geral que
não corresponde a determinado serviço, e sim á satisfação das
exigen~ias do Estado sem uma ,predeterminação.
Os autores francezes não divergem tambem neste assum-
pto. Assim, por exemplo, GASTON JEZE, (28) TROTABAS, etc.
Este ultimo faz a seguinte distincção, baseada na defini-
ção do imposto como "o processo de repartição dos encargos
publicos entre os individuos".
"Sobre esta definição, diz elle, torna-se possivel construir
toda a theoria do imposto. Basta, para precisar a definição,.

(26) G. RICCA SALERNO e A. GRAZIANI, Le entrate ordinarie della


Stato, in Prbno Trattato completo di Diritto amministrativo Italiano de
Orlando, VoI. IX, parte I, 2.' edição.
(27) Wealth of Nations, Livro V, AnAM SMITH distinguia perfei-
tamente os impostos das taxas - que denominava - particular contri-
tutions - porque correspondia a uma prestação em dinheiro por um ser-
v,iço particular, de que se beneficiam sómente alguns individuos. O pa-
gamento do serviço prestado corresponde ao conjuncto das prestações da-
quelles que o usufruem. De um modo geral, a doutrIna de Smith é a
mesma ainda hoje acceita e sustentada pela quasi totalidade dos. autores.
(28) Cours de Science des finances.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 49

accrescentar que, si a repartição dos encargos effectua-se, abs-


tracção feita de todo beneficio tirado por um contribuinte pelo
lunccionamento de determinado serviço publico, teremos o im-
posto propriamente dito; ao contrario, quando os encargos pu-
blicos são distribuidos Qftl consideração de vantagens éoncedi-
das a quem os utiliza, dir-se-ha que temos uma - taxa." (29)
A distincção das duas categorias de prestações não tem,
entret~nto, fundamento juridico bem definido. Depende, es-
pecialmente, da lei e da organização administrativa de cada paiz,
e de saber si determinado serviço é prestado por meio de taxa
especial ou si devem as suas despezascorrer por conta do or-
çamento geral do Estado e serem pagas por meio de impostos.
VEIGA FILHO, por sua vez, assim define a taxa, salientando
as suas caracteristicas principaes: "Taxa é a contribuição exi-
gida em :virtude de um serviço especial, divisivel, provocado, e
é cobrada como uma remuneração ou retribuição de um facto
a poo1terrnori, ex. um acto júdiciario, a expedição de um tele-
gramma." (30)
Vn7EIROS DE CASTRO, depois de estudar as opiniões dos
maiores mestres da materia, entre os quaes COSSA, CAUwES,
JEZE~ RICCA SALERNO, assim resume as suas conclusões: (31

1°) Ellas representam a remuneração de serviços deter-


minados, prestados pelo Estado á requisição dos individuos;
2°) O seu pagamento é sempre facultativo e exigido uni-
camente dos que se utilizam do serviço do Estado;
3°) O criterium da repartição das taxas não é determina-
do pela capacidade contributiva dos individuos que solicitam
o serviço e sim pelas despezas. dos respectivos custeios.
. A taxa é sempre proporcional ao serviço prestado, varian-
do naturalmente com a natureza do serviço e o criterio peculiar
á distribuição dos encargos pelos contribuintes.
Neste sentido tem-se, egualmente, orientado a jurispru-
dencia dos nossos tribunaes.

-(29) Précis de science et legisla.tion financieres, pg. 138 e segs.


(a.() Manual de sClencia das Finanças, § 40 em nota.
(31) Tratado dos impostos, segunda edição pg. 124.

- 4
50 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Numerosas são as classificações. das taxas de accordo com


a finalidade que se tem em vista. As mais conhecidas são as
de COSSA e TANGORRA.
Esta ultima, especialmente, merece ser citada. (32)
Essas divisões pouca importancia podem ter entre nós,
porquanto ellas se referem especialmente ás taxas de sello, que
sómente sob um aspecto muito restricto podem ser consideradas
eomo taxas. Se a maioria das contribuições em sello póde ter
relação com a prestaçãó de um serviço pela administração, a
verdade é que, em sua generalidade, esse serviço não se mantem
eom o producto da arrecadação daquelle sello, que não tem
destino especial.
As principaes taxas arrecadadas pelo Estado referem-se
a determinados serviços prestados como de aguas, esgotos, por-
tos, etc. Essas taxas têm um caracter remuneratorio e inte-

(32) a) de l'egist,o, de escripturação e transcripção ou registro


publico;
b) de copia e estatistica;
c) de publicações ou de inserção de avisos em jornaes of-
ficiaes;
e) de inscripção;
f) de admissão .em oJficinas publicas;
g) de utilização da via publica;
h) de guarda ou outras prestações de obras;
l) de deci:mo contenciosa;
m) de attestado, certidão ou comprovação,
n) decisões administrativas ou judiciaes;
.o) Ide inspecção contro1e, vigilancia ou seguro.;
p) d·e ha;bilitação;
q) de execução, deliberação ou providencia;
r) de assistencia da autoridade na vida juridica ou privada dos
individuos;
s) de legalização, revalidação etc.
t) de isenção de certos serviços ou dispensa;
u) de licença,. permissão ou autorização; .
v) de concessão;
x) de l"ecúrso;
y) de commutação, modificação ou substituição de actos ou
'providencias administrativas;
z) de protecção;
1) sanitarias ou de saude publica;
2)' ordens de qua!iquer natureza.
(Apud BIELSA, Derecho administrativo, li, pg. 355 em nota 129).
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 51

:ressam ao proprio serviço para cuja execução se destinam iS.


pecialmente.. (33)
Essas taxas podem ser cobradas, quer para o proprio Es-
tado, quando elle mesmo executa os. serviços, quer pelos seus
,concessionarios, como frequentemente acontece. As taxas mais
,correntemente arrecadadas directamente pelo Estado são aquel-
las de correios e telegraphos, a judiciaria, etc.
Da bi- tri;b(u;b(J~ã,o
Embora tivessemos tratado em outra opportunidade do as-
;sumpto (33-a), ao definir as funcções tributarias do Estado, bem
.como os principios geraes que regem o exercicio dessa rele-
vante funcção, voltamos ao exame da questão, encarando-a -
,já agora - sob aspectos bem diversos.
A bi-tributação, tivemos occasião de dizer, consiste na
dupla incidencia de um mesmo imposto sobre a mesma fonte
,tributavel. Mostrámos então, em linhas geraes, como a ques·
'tão tem o seu interesse na orbita internacional, quando mais
Ide um Estado faz incidir a sUJa acção fis'cal sobre o mesmo in-
,dividuo, recahindo o imposto sobre a mesma fonte.

(33) Entre os numerosos accordãos do Supremo Tribunal Federal


,que procuraram estabelecer a differenciação entre imposto e taxa, deve
.se mencionar o de 16 de Dezembro de 1923, cujos termos são os se-
gui~tes:

"A Taxa não é a mesma causa que o Imposto. A disti,ncção é bem


-conhecida; pois tem sido feita pelos fi,nancistas e pelos autores de di-
reHo administrativo. As tax:as são contribuições que aquelles que se uti-
Iisam de umserviçQ publico pl'iestam ao Estado em retribuição da utili-
dade por este ministrada. Tal é o conceito da taxa dominante, como se
vê em GlWZlANI (Inst. da Sciencia das Ji1inanças) , em WAGNER (Tratado
,da Sciencia das Finanças), e em innumeros outros autores. A taxa não
é um imposto, o qual é destinado a sustentar os encargos publicas em
g.eral, e não a retri'buir em determinado serviço na occasião. em que este
é prestado. Ao prescrever o art. 1'0 da Constituição Federal, o que teve
'em vista a Alssemlbléa Constituinte foi vedar que o Estado tributasse bens
e rendas federaes ou serviços a cal'\go da União, e reciprocamente, isto
,é, foi vedar a creação de impostos (e não de taxas) que constituissem
onus da União sobre serviços locaes e, reciprocamente, onus dos Estados
,ou Districto Fed.eral sobre serviços federaes. Utilisando-se de um ser-
viço prestado pela União, é justo que a appellante o retribua. ' Teria ne-
,oessariamente de pagaI-o si elle fosse prestado por particulares ou por
sociedades para esse fim constituidas. Deve pagal-o quamdo prestado
pela União".
, ,(33"a) Ver o vo'lume primeiro deste Nvro.
52 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

o mesmo phenomeno, verificado na orbita da organização


federal, repete-se nas relações internacionaes, com peculiari-
dades proprias, e de solução muito mais difficil, porque não
encontra um poder que resolva o conflicto proveniente da du-
pla incidencia fiscal.
A Sociedade das Nações tem-se, muito particularmente, in-
teressado pelo assumpto, afim de pôr cobro ás confusões crea-
das pelos interesses divergentes e pela falta de normas orien-
tadoras da maneira de resolver os multiplos conflictos surgi-
dos na tributação, especialmente de rendas e dividendos de so-
ciedades que se revestem de caracter internacional.
A contribuição fornecida pelos Estados interessados foi
muito grande, e as maiores autoridades sobre assumptos juri-
dicos e financeiros trouxeram a sua collaboração á obra.
BRUINS, SELIGMAN, EINAUDI, STAMP constituiram a primeira
commissão reunida em 1923; numerosos representantes dos di!·
ferentes Estados adherentes trouxeram mais tarde a sua colla-
boração, como FLORES' DE LEMus, representante da Espanha,
BOLAFFI, da Italia, professor ADAMS, dos Estados Unidos, Sir
PERCY THOMPSON, da Inglaterra, etc.
As conclusões dos technicos das finanças e do direito não
mereceram, naturalmente, sempre, o apoio dos representantes
dos interesses políticos e economicos, ligados intimamente ao
problema, que envolve principalmente os maiores interesses
daquelles paizes exportadores de capitaes, e que têm os seus
capitaes invertidos em emprezas com filiaes no extrangeiro.
E' natural que a política dos paizes que importam capitaes.
não seja a mesma daquelles exportadores de capitaes e que.
os conservam intimamente ligados ao seu paiz de origem.
O problema principal consiste, para os paizes importado-
res de capitaes, em poder taxar os lucros e os rendimentos dos
mesmos, quando distribuidos como dividendos em seu paiz de
ori~m.

PÓ de occorrer que a imposição fiscal recaia, não· sómente


no paiz onde a renda foi produzida, mas tambem naquelle onde
foram os dividendos distribuidos. A dupla imposição fiscal é,.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINI~TRATIVO BRASILEIRO 53

assim, manifesta e merece uma solução justa na ordem inter-


nacional.
Mas as difficuldades são muito maiores do que parecem.
EIlfl.s surgem até na definição dos principios.
Como tivemos occasião de mostrar, existe bi-tributação to-
.das as vezes que occorrem as seguintes circumstancias:
a) pluralidade de agentes;
b) identidade de tributação;
c) incidencia sobre o mesmo contribuinte.
Desde que falte algum desses elementos, já não occorrerá
.a bi-tributação condemnada pela disposição constitucional.
Mesmo quando houver dupla incidencia fiscal, mas impu-
tavel ao mesmo poder, não incorrerá qualquer uma dellas na
prohibição constitucional. E' a lição do professor ALCANTARA
MACHADO, .esposando a bôa doutrina. (34)
Já os autores americanos sustentam these completamente
.diversa. Alli, é bem verdade, como na Argentina, não existe
prohibição constitucional, (35) mas é a questão muito deba-
tida e tem merecido a manifestação dos tribunaes. (36)
Para CooLEY (37) só occorre bi-tributação verdadeira,
;quando o Estado grava duas vezes, pela mesma causa, no mes-
.mo anno, uma porção de bens situada no mesmo territorio. São,
.portanto, condições essenciáes:
a) que os impostos recaiam sobre os mesmos bens;
b) sejam cobrados pela mesma autoridade;

(34) Revista da Faculdade de Direito de São Paulo, voI. 32 pg. 35.


(35) ,V,er o interessante trabalho de CARLOS GIULIANI FONROUGE,
:Los derechos reales y las facultades impositivas de las Províncias, Buenos
.Ayres 1936.
(36) Ver notadamente as seguintes decisões: BALDWIN, v. MISSOURI;
'BLAKSTONE, v. 'MILLER; First National Bank oí Boston, v. State oí
.Maine etc. .
(37) On Taxation, § 223.
(38) Consultar as seguintes obras sobre o assumpto:
PUGLIESE, L'imposizione delle imprese di carattere internazionale, Re-
.cueil de cours á l'academi.e de Droit lnternationel á la Haye, por GRIZ-
'ZIOTTI em 1926;SELIGMAN em 1927; N,IBOYET em 1920.
Consultar egualmente TROTABAS, P?'écis de science et législation fi-
:nancíeres, ns. 268 e segs.
54 THEMISroCLES BRANDÃO CAVALCANTI

c) no mesmo anno financeiro;


d) tenham a mesma causa.
Torna-se, portanto, necessario, para este autor, que a im-
posição seja decretada pela mesma autoridade, para que oc-·
corra um caso .de bi-tributação.
O conceito expresso no nosso texto constitucional e inter-
pretado diuturnamente pelo Senado, em sua funcção ~onsti-·
tucional, é porém, bem differente e presuppôe a concurrencía.
tributaria de dous ou mais Estados da federação, resolvendo-
se o conflicto, sempre, em favor da tributação federal.
Na esphera internacional, a questão é bem mais complexa.
Os interesses são maiores, as difficuldades de solução dos
conflictos são, muitas vezes, insuperaveis.
T~OTABAS considera a dupla imposição fiscal como a repe-
tição do imposto sobre a mesma fonte tributavel. Em outras
palavras, a dupla imposição de um mesmo imposto, sobre a
mesma operação.
Para solucionar os males da dupla imposição, parte o alludi-
do autor da distincção dos impostos reaes ou cedulares daquel-
les pessoaes ou geraes.
Os primeiros attingem a materia ou actividade tributavel:
assim, por exemplo,os impostos immobiliarios, territoriaes ou.
os cedulares, que attingem a renda do trabalho, a exploração
commercial etc. Nestes casos, desenha-se nitidamente a con-
veniencia de que prevaleça a competencia ratione fori.
Os segundos, interessam mais directamente á pessoa do.
contribuinte, ou o conjuncto do seu patrimonio, como acontece-
com o imposto sobre a renda; o imposto de successão, etc. Aqui.
se justifica, plenamente, a competencia ratio'Y/lf, persomae.
Todas essas suggestões servem apenas de base a conven-
ções internacionaes, objecto. de estudos d~s conferencias. inter--
nacionaes autoras de numerosos ante-projectos.

'.
OAPlTUlLO VII

DffiEITO COS'EUMEIRO E PRAXES ADM1NISTRATIVAS


Direito c'ostumeiro e praxes administrativas - Decisões e
Jurisprudencia - Os precedentes administrativos.

8i a lei constitue a norma de direito inflexivel, rigida, o


costume representa um conjuncto de regras juridicas consoli-
dadas no consenso do povo e na consciencia colIectiva.
Ha um largo debate em torno da natureza do costume e do
seu valor como elemento constitutivo do direito, bem como da
obrigatoriedade de seus principios.
Para WINDSCHEID (1), por direito costumeiro entende-se
aquelIe direito que vem sendo usado de facto, sem que o Estado
o tenha consagrado. A sua força obrigatoria decorre da con-
vicção de quem o pratica, que está realmente applicando o di-
reito.
Uma regra applicada diuturnamente é considerada por todos
como obrigatoria, sanccionada pela connivencia de todos; é o
que se pode ter como costume, na definição de BIANCHI. (2)
A lei de 18 de agosto de 1769 (lei da bôa razão) procurou
definir o direito costumeiro, estabelecendo as condições em que
deveria ser tido comó direito, condições assim enumeradas:
a) conformidade com a bôa razão, que deve constituir o
espirito das leis;

(1) Diritto delle Pandette, trad. Fadda e Benza, voI. I, § 15.


(2) F. BIANCHI, Principii generale sulle legge, pg. 102.
PASQuALE FlORE, Il Di1'iUo Civile Italiano, voI. I, pg. 91.
56 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

b) não ser contraria a lei alguma;


c) ter mais de cem annos.
Seria longa a critica dessas disposições, que valem como
a definição legal, no nosso direito anterior, do que se deva en-
tender por direito costumeiro.
Remettemos para os que versaram a materia, como RIBAS,
CANDIDO MENDES, CóúOVIS BEVILAQUA, etc. (3)
O direito costumeiro tem uma expressão primitiva. O seu
interesse foi desapparecendo por factos diversos. A:; vida social
foi se tornando mais complexa. O desenvolvimento dos co-
nhecimentos humanos, a differenciação das funcções sociaes,
exigem formas mais rigidas de disciplina social. O aperfei- .
çoamento do saber humano, especialmente, creou a technica do
direito, a especialização sciE~ntifica e o apparecimento dos ju-
ristas. Veio a legislação positiva (4).
A transformação do direito, desde a antiguidade até á
edade moderna, é uma escala ascendente de raci.onalisação e
systematisação juridica. .
E' tal, porém, a importancia do direito costumeiro ,que
ainda hoje é o mesmo trazido a debate, toda vez que se trata
de estudar as fontes do direito positivo. (5) Mas esse estudo
leva sempre a concluir que o costume deve ser considerado
como fonte do direito positivo, porque na maioria das vezes o
legislador nada mais fez do que consagraI-o como direito ob-
jectivo .
Dahi a theoria de que a lei é, apenas, o l"eConhecimento de
uma situação de facto, já anteriormente existente na conscien-
cia popular, firmada pelo costume. (6)

(3) L. TANON, L'Evolution du Droit et la Conscience Sociele.


(4) RIBAS, Direito Civil, Vlol. I, p.g. 139.
CANDIDO MENDES, Codigo Philippino, pg. 476.
CWVIS BEVILAQUA, Theoria Geral de Direito Civil, pg. 34.
(.5) D.ignos de mençã.o peIo seu valor são os estudos de PUCHTA e
SAVIGNY, a respeito do direito costumeiro e a sua predominancia sobre a.
leI. V€r SAVIGNY. Traité de Droit Romain~
(6) Deve-se refer,ir especialmente, aqui o excellente capitulo sobre
direito costumefro que se encontra em EDUARDO ESPINOLA, Systema de
Direito Civil Brasileiro, vaI. I, pg. 99 e seguintes. Igualmente, SCIALOJA,
Dizionario di Diritto Privato, verbum Consuetudine.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 57

No .direito romano (7), no direito medieval (8), o cos-


tume como norma juridica obrigatoria constituia doutrina
predominante. E' preciso, porém, reconhecer que o direito
moderno vae cada vez mais fortalecendo o valor da lei como
,fonte do direito, embora modificando a technica legal ,por uma
,llexibilidade mais accentuadadas suas normas.
l$te phenomeno é de alto interesse porque importa na
multiplicidade e na differenciação do sentido da norma legal.
A tendencia para a individualização da applicação da nor-
ma juridica no direito moderno, é inspirada no direito costu-
meiro anglo-saxonico, na ,chamada "common law", onde os
"stanckLrds" têm largo uso e justificam-se, principalmente, na
esphera politica e discricionaria da 'administração, pela neces-
sidade, segundo HAURIOU, de manter o equilibrio dos interesses
€Conomicos e sociaes em jogo (9).
Esta é uma questão, porém, que examinaremos mais ade-
ante; vale aqui, apenas, como observação para mostrar a re-
acção contra ia rigidez das normas juridicas e a formação de
um direito ,semelhante ao costumeiro adaptada a idéa á mo-
derna technic·a juridica.
O valor do costume na formação do direito administrativo,
como observa MERKL ,(lO) é grande como elemento de investi-
gação das fontes juridico-administrativas. Neste terreno é
,realmente importante a constituição dos costumes e usos.
No càso particuIar do direito administrativo, não se pode
ter o costume como fonte. Deve-se applicar' o principio que não
,o 'considera 'como tal.
Como ensina ORLANDO, (11), porém, não é possivel deixar
de reconhecer a importancia de fadores e tendencias sociaes

(7) G. PADELETTI - Storia deZ dVritto romano.


(8) ESCHBACH, Introduction generaZe à Z'Étude du droit.
(9) Ver AL SANHOURY, Les restrictions contractueUes à la liberté
hldividuelle du travaiZ dans la jurisprudence angZaise.
E. LAMBERT, Introduction au Gode Civil Sovietique, voI. I.
HAuRIOU, Revue, trimestrielle de droit civil, 1926, pg. 265.
Police juridiqu.e et lond du droit.
PAUL ESMEIN, Recueil Sirey, 1927, 4 éme cahier, pg. 138.
(10) Teoria General del Derecho Administrativo,pg. 142.
(11) Primo Trattato di Diritto amministrativo, I, pg. 1056 e segs-
58 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

oriundas do costume ou que produzem effeitos analogos aos do,


costume propri'amente dito.
OTTO MAYER (12) faz a critica dos que atrtibuem importan-
cia aos costumes como fonte do direito administrativo e mostra
como é restricta a sua applicação. O Estado moderno e o func-
cionamento das instituições politicas e administrativas base-
am-se em normas juridicas uniformes que devem ser obrigato-
riamente ap'plicadas pela administração. Na falta do direito.
positivo não lhe é licito applicar disposições costumeiras que
não podem constituir fonte geradora de direitos.
Os costumes podem ser tidos como fonte geradora da lei;
esta pode consagrar como direito os usos e costumes integra-
dos na vontade e na consciencia collectivas.
Occorre, porém, muitas vezes, que a lei manda soccorrer-
se dos usos e costumes do logar, dando assim maior elasticidade
e relatividade á sua applkação. Pode-se citar, como exemplo~
o ,que dispõe o ,Codigo Civil, artigo 588, § 2, quasdo se refere á
divisão de tapumes e ás normas de direito administrativo a se-
rem usadas pelas posturas municipaes. Egualmente, o artigo,
1210, do Co digo Civil, manda respeitar os costumes locaes na
determinação do prazo da locação.
As praxes administrativas e a jurisprudencia são sub-
typos, como ensina MERKL, do ,costume (13).
A praxe decorre da ap'plicação diuturna da's leis e regula-
mentos pela administração, que vae fornecendo a chamada ju-
risprudencia administrativa.
BIELSA (14), distingue o costume, da pratica burocratica.,
O primeiro nasce da consciencia do povo, surge expontanea-
mente da actividade ad~inistrativa; emquanto que a praxe
administrativa estende-se á forma de entendere de interp~­
tar as leis e os regulamentos por parte da autoridade.
A verdade, ,p.orém, é que a praxe administrativa como o
costume têm influencia secundaria na formação do direito. Va-

(12) Droit administratif allemand, I, pg. 168 e segs.


(13) Teoria general, pg. 143.
(1'4) Derecho administru,tivo, V,oL I, pg. 29. No mesmo sentido
SANTI RJoMANo, Corso, pg. 66. Ver tambem RANELETTI, La consuetudine
co.mo fonte deZ diritto pubblico interno. In. Rev. de diritto pubblico, vol. V,
pg. 146.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 59,

lem como elemento para justificar o procedimento da auto-


ridade na fundamentação de suas decisões.
Ali os precedentes constituem razão de equidade que ser-
vem de fundamento para justificar determinadas decisões.
Dentro do nosso regimen politico, porém, o direito decor--
reda lei que é a grande fonte geradora das situações juridi-
cas (15).
A jurisprudencia tem, igualmente, como já vimos, im-
portancia capital na formação do direito; os tribunaes, inter-
pretando a lei, dão-lhe vida, corporificam o pensamento do le-
.
gislador, e, applicando assim a lei aos casos individuaes, dão-
lhe o sentido imposto pelas condições sociaes, politicas e eco-
nomicas em jogo.
A technica jurisprudencial vem soffrendo ,sob a pressão
dos novos princípios, grande transformação, principalmente
no que diz com 'a applicação .das leis soc'Íaes, cuja finalidade
maior está na conciliação dos interesses sociaes e economicos.
Ha, portanto ,uma razão politica superior aos interesses das
partes e que influe como razão de decidir questões de certa
natureza.
E. LAMBERT, em um livro memoravel, demonstrou, com
grande copia de .argumentos, como se deu a applicação desses
novos principios á jurisprudencia Americana, seguindo a tra-
dição do direito angl.o-saxonico, docommon-lww.
Esse processo consiste, antes de tudo, na modificação da
technica, pela .applicação dos "standards" a que já acima nos
referimos, que os francezes, de modo ex<pressivo, traduziram
por "difrectWves", o que consiste em um processo technico que
fixa apenas a linha de conducta, a orientação do juiz; não for-
nece a solução, mas apenas a orientação geral e o espirito
que o deve orientar na decisão que vier a dar.
A liberdade na interpretação e applicação da lei, consti-
tue, assim, uma revolução nos velhos metho'dos de interpre-

, (15) PRESUTTI, I stituzioni, I, pg. 53. No mesmo sentido RANELETTI..


lstituzione. Ver tambem CAPITANT, Int1'oduotion á l'étude du droit civil,.
pg. 25, que cita vasta bib1iographia.
60 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

tação e modifica, em seus fundamentos, a natureza da fun-


eção do juiz j(16).
LAMBERT mostra, igualmente, fundando-se nos estudos
dos autores americanos (17), a difficuldade da applicação de
eertas normas pelos juizes profissionaes, manietados por um
systema judiciario de funccionamento muito grosseiro e auto-
matico para se amoldar ás necessidades variaveis da vida eco-
nomica e industrial.
Sómente essa transformação completa da funcção juris-
prudencial poderia levar a considerar as decisões administra-
tivas ou judiciaes como fonte dp direito administrativo.
Decidindo somente em especie e no caso concreto, as deci-
sões judiciaes não se podem confundir e equiparar á lei (18).
A jurisprudencia administrativa é constituida em nosso
regimen pelas decisões dos tribunaes judiciarios, pelas deci-
sões das diversas autoridades administrativas e das entidades
constituidas em instancia collectiva, como os Conselhos de con-
tribuintes, Nacional do Trabalho, etc., cuja importancia na
interpretação do direito administrativo é capital.

(16) LAMBERT, Le gouvernement des juges, pg. 30.


(17) Op. cit., pg. 204; ,PAUL ESMEIN, in f!,ecueil Sirey, 1927, pg. 139.
,(18) PRESUTTI, Istituzione di Diritto amministrativo, voI. I, pg. 27;
MEueCl Istituzione di diritto ammtinistrativo, pg. 19. BIELSA, Derecho
administrativo, voI. I, pg. 31.
'.
CAPITULO VIII

ESTATISTICA - RELAÇõES COM O DIREITOo

ADMINISTRATIVO

E,statistica - Relações com o Direito Administrativo - O


Instituto Naoional de Estatistica e sua Organização.

Um dos elementos fundamentaes de que se serve a admi--


nistração para execução das suas finalidades é a - Estatis-
tica - , que lhe fornece os dados numericos de todo o movi-
mento demographico, economico, financeiro, social, politico e
administrativo do paiz
O desenvolvimentoextraordinario dado aos serviços es-
tatisticos tem augmentado a complexidade de sua organisação,o
, que já passou dos dominios puramente locaes para o inter-
nacional.
Entre nós, nestes ultimos annos, a estatistica, que tinha-
uma finalidade mais de natureza demographica e economica,
tomou um surto nQvo com o processo de federalisação dos ser-
viços e a concentração dos mesmos em um orgão central unico,
que tomou a denominação de - Instituto Nacional de Estatis-
tica, sÇ)b os moldes do Instituto Internacional.
Não seria, aqui, opportuno fazer uma analyse de cada
uma das modalidades de que se reveste o serviço de esta-o
tistica (1). -
Mais da esphera do direito administrativo é a estructura
organica da Estatistica Federal. O decreto 24.600, de 6 de J u-

(1) A questão interessa mais o estudo da technica, cuja importan-


cia é cada vez maior.
i62 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

lho de 1934, pôz termo às infindaveis transferencias dos ser-


viços estatisticos, de um Ministerio para outro, segundo o cri-
terio pessoal e as conveniencias transitorias das diversas ad-
ministrações publicas.
O aIludido decreto, attendendo ao criterio da divisão por
·.connexão ou affinidade, assim distribuio os serviços de esta-
tistica 'pelos diversos Ministerios:
a) ao Ministerio do Trabalho, Industria e Commercio,
.os serviços de Estatistica industrial e social;
b) ao da Justiça e N egocios Interiores, os de Estatistica
política e administrativa;
c) ao da Agricultura, os de Estatistica territorial e os
·demais serviços até então a cargo do De'partamento Nacional
.de Estatistica, em virtude do decreto 19.667, de 4 de F'eve-
reiro de 1931 (2).
O Instituto Nacional de Estatistica, creado sob os moldes
.no Conselho Central .de Estatistica, dos Estados Unidos, en-
.quadrado dentro das medidas que o Presidente Roosevelt jul-
gou indispensaveis para a obra de reerguimento economico
promovida pela N. R. A. (7), centraliza todo o serviço es-
tatistico nacional.
A necessidade dessa centralização está bem accentuada
por BIELSA ( 4), que, citando PRESUTTI, assim classifica as
vantagens desta centralização:
a) Maior preparo technico do pessoal encarregado do
..serviço;
b) Maior uniformidade na sua execução; .
c) Possibilidade 'de um registro e um cotejo dos dados;
d) Possibilidade do uso de mechanismos a'Perfeiçoados;
e) Maior economia do serviço.
OInstituto Nacional de Estatistica, creado pelo decreto
24.609, de 6 de Julho de 1934, é uma entidade de. natureza fe-

(2) Estaria talV'ez esta parte mais bem collocada junto á repar-
.tição do povoamento.
(3) F. D. RroSEVELT, On Our Way.
(4) Derecho administrativo, vaI. IH, pg. 12.
INSTITUIçõES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 63

derativa e tem por fim, mediante a progressiva articulação e


cooperação das tres ordens administrativas da organisação
politica da Republica, bem como da iniciativa particular, pro-
mover e fazer executar ou orientar technicamente ,em regimen
nacionalisado, o levantamento systematico de todas as esta-
tisticas nacionaes.
o Instituto tem autonomia plena, sob o ponto "de vista te-
,chnico, e uma illimitada autonomia administrativa, de accordo
com o regimen politico e administrativo vigente.
O Instituto é constituido por duas ca1Jegorias de entida-
,des: as repartições centraes, e as instituições filiadas.
As repartições centraes são as seguintes:
1.0 - A Directoria de Estatistica Geral, subordinada ao
Ministerio .da Justiça á qual compete elaborar as estatisticas
populacionaes, moraes, administrativas e politicas, e coorde-
nar a estatistica' geral da Republica.
2.° - A Directoria de Estatistica Economica e Financeira,
do Ministerio da Fazenda, cujas attribuições estão especificadas
nos arts. 39 e seguintes do decreto 24.036 de 26 de Março de
1934, e que comprehende todo o movimento de importação e de
.exportação, impostos, commercio de cabotagem, movimento
bancario, contractos de emprestimos, divida interna, e os ele-
.mentos financeiros indispensaveis á administração e organi-
sação dos orçamentos.
3.° - O Departamento de Estatistica e Publicidade, su-
tordinado ao Ministerio do Trabalho, e que tem a seu cargo a
.organisação e a systematisação geral de todas as estatisticas
relativas á assistencia social, ao trabalho, e aos demais serviços
:que interessam directamente ao alludido Ministerio .
. 4.° - A Directoria de Estatistica da Producção, subordi-
nada ao Mí·nisterio da Agricultura, e á qual compete a organi-
,sação das estatisticas territoriaes, da producção do solo, e
·connexas, comprehendendo tambem as estatisticas commer-
.-ciaes que não forem da competencia de outra repartição.
5.° - A Directoria de Informações, Estatistica e Divulga-
,ção, orgão do Ministerio da EdEcação e Saúde Publica, tendo
64 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

como attribuição a elaboração das estatisticas . educacionaes,


culturaes e medico-sanitarias.
A segunda categoria, - Instituições Filiadas - com-
prehende:
1.0 - O serviço de censos nacionaes - demographico e
economico.- subordinados ao Ministerio do Trabalho; .
2.° - Os serviços especialisados de estatistica actuarial,
subordinados ao Ministerio do Trabalho;
3. ° - No Ministerio da Viação e Obras Public~ s, os servi-
ços de estatistica dos Correios e Telegraphos, Inspectoria Fe-
deral de Estradas, Departamentos de Portos e Navegação, De-
partamento de Aeronautica Civil;
4." - Todos os outros serviços de estatistica, nas diversas
Repartições subordinadas aos Ministerios, e nas Repartições·
estaduaes ou municipaes, e mesmo nas emprezas ou associações
que possam auxiliar a administração publica, na collecta de
dados que interessem a finalidade do Instituto.
Mas; pela sua propria natureza, o serviço de estatistica
não se pode circumscrever á esphera da administração fede-
ral; .precisa tambem entrelaçar-se com as administrações dos
Estados e dos M unicipios, seguindo um process.') de descentra-
lização de accordo com o rythmo da organização federativa.
Para attingir aquelle objectivo foi que o decreto 24.609
de 6 de Julho de 1934, mandou convocar uma conyenção nacio-
nal de Estatistica, afim de completar a organisação do In-
stituto.
A alludida Convenção, cuja reunião foi regulada pelo de-
creto 946, de 7 de Julho de 1936, tinha por objectivo principal
firmar um accordo entre a União e as unidades federativas,
como ponto inicial do desenvolvimento e ampliação dos elemen-
tos necessarios para a organisação da Estatistica em todo ()
paiz.
O citado decreto 946 considera a:onvençãO' Nacional de
Estatistica como "o instrumento de solemne accordo entre os
Poderes Executivos da União, dos Estados, do Districto Fede-
ral e do Territorio do Acre, para o fim de integrar a constitui-
ção federativa do Instituto Nacional de Estatistica, e regular
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 65

o regimen de cooperação e harmonia em que devem trabalhar


os orgãos es.tatisticos da União e das unidades federativas, bem
como, mediante ulterior adhesão ao acto convencional, e conse-
quente filiação ao Instituto, os dos Municipios, das entidades
officiaes autarchicas e das grandes Instituições privadas, que
promovam investigações sociaes ou economicas, mediante a ap-
nlicação do methddo estatistico".
O art. 9. 0 do decreto 946 estabeleceu as bases sobre as
quaes dever-se-ia firmar a Convenção.
De accordo com as determinações da Convenção reunida
nesta capital, constituiram-se os diversos orgãos que deveriam
compôr o Conselho Nacional de Estatística e de sua Junta Exe-
cutiva, que orienta todos os serviços estatisticos no terri-
torio nacional •
Numerosas são as decisões proferidas por aquelles orgãos
directores e que firmaram uma orientação uniforme nos ser-
viços estati stic os do paiz.
Uma das resoluções mais importantes do Conselho Nacional
de Estatistica foi aquella firmada em 30 de dezembro de 1936,
em que estabelece as normas geraes para a collaboração dos
systemas estatisticos regionaes corri o federal. .Alli foram dis-
tribuidos pelos diversos .sectores da administração federal os
numerosos serviços estaduaes, comprehendidos no quadro tra-
çado pela alludida Convenção.
Mém dessa resolução, pode-se mencionar, tambem, a
. relativa á divisão territorial do Brasil, constituição de fun-
dos especiaes, etc. (5)

(5) I - Bector da Directoria de E,statistica Geral, do Ministerio


da Justiça:
Situaçãodemographica:
1 - Effectivos demographicos.
2 ~ Densidade demographi.ca.
3 - Grupos demographiC()s.
4 - Nascimentos (nascidos vivos e nascidos mortos).
5 - Casamentos.
6 - Obitos.
7 - Naturalizações.
8 - Mortalidade e sobrevivencia.
9 - Vida média e vida provavel.

- 5
66 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

o subsidio individual é de grande importancia na colheita


dos elementos indispensaveis á Estatistica official.
As convenções interestaduaes e intermunicipaes não bas-
tam para que o Poder federal colha os dados de que necessita.
As diversas repartições de Estatistica mantêm com agricul-

Situaç/ÍAJ sooial:
1 - Assistencia ~ desvalidos (vestuario, habitaçãG, alimentação e
educação) .
Situaç/ÍAJ cultural:
1 - Catechese indigena.
2 - Organizações e campanhas pela elevação physica, intellectual e
moral da raça.
3 - Organizações e call1lPanhas de reforma social.
4 - 'Organizações e campanhas para o desenvalvimento do espiri,to
cívico.
5 - Organização religiosa.
6 - Oorporações l'eligiosas.
7 -IEdificios, monumentGS e obj ectGS de arte consagrados ao culto.
8 - Missões religiosas.
9 - Grandes commemorações, festividades e movimentos religiosos.
10 - AJctos religiosos.
11 - Orimes li! cGntravenções.
12 - Jogo.
13 - Prostituição.
14 - Natalidade illegitima.
15 - Desquites.
16 - Suicidios.
Situaç/ÍAJ administrativa e politica:
1 - Arlministração.
2 - Segurança publica.
3 - Repressão.
4 - Justiça.
5 - Defesa nacional.
6 - Organização ,política.
7 - Representação política.
II - Sector da Directoria de Estatistica ECGnomica e Financeira, do
Ministerio da Fazenda:
Situação econo.mica:

1 - Meios de transporte (terrestres, maritimos, de .navegação in-'


terna e aereos). .
2 - Vias de communicação (corl'eios, telegraphos e telephones).
3 - Propriedade immobiliaria.
4 - Moeda metaUica e fiduciaria.
5 - Titulos mobiliariGS.
6 - Bancos e estabelecimentos de credito.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 67

tores e outras pessôas, geralmente residentes no interior do


.paiz, uma constante correspondencia, e distribuem premios que
,sobem a muitas centenas de contos de réis para aquelles que
,melhores elementos e dados mais perfeitos e completos forne-
,çam á administração federal.
E' de salientar o' incentivo que representa para as popu-
Jações do interior, e especialmente para os agricultores, este

7 - Commercio (de exportação, de ,importação interestadual e local).


8 - Distribuição da riqueza (salarios, interesses, ,rendimentos, lucros,
:impostos e beneficios).
9 - ()onswno (alimentos, vestuarios, habitação, etc.; serviços de na-
·,tureza inteIlectual e moral; simistros e acoi'dentes).
Situação administrativa e politica:
1 - Finanças publicas.
III - Sector tio Departamento de E'statistica e Publicidade, do Mi-
:nisteri:> do Trabalho, lndustria e Commercio:
Situação demographica:
1, - im.migração.
'2 - Emigração.
3 - Migrações internas.
,Situação economiea:
1 - F:roducção industrial propriamente dicta •
.2 - Propriedade' industrial .
.Situação social:
1 - Previdencia e assistencia social (seguros, capitalização, caixas
,·economicas, caixas de aposentadoria e pensões, institutos de previdencia,
,caixas Raiffeisen e Ba.ncos Luzzatti, etc.).
. 2 - Cooperativismo.
3 - Organização do trabalho.
IV - Sector da Directoria de \E.statistica da Producção,. do Minis-
: terio da Agricultura:
Situação physica:
1 -'- Posição, limites e extensão do territorio.
2 - Geologia e 'Orographia.
3 - H;ydrographia.
4 - Meteorologia e climatologia .
.5 - Prospecção minaralogica.
6 - Revestimento flori.stico.
7 - Fauna.
Situação' economica:
1 - Producção extractiva (mineral, vegetal e ani,mal).
2 - Pl'oducção agricola.
O:> - Producção da industria de transformação.
68 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

intercambio com as repartições centraes de estatistica, não só


.pelo que estas podem fornecer aos individuos, como ainda pel(}
processo educacional que impõe áquelles, fazendo-os compre-
hender melhor a universalidade do phenomeno economico, o
valor do seu esforço e contribuição individual na obra commum
do desenvolvimento ,economico.

v - Sector da Directoria de Informações, Estatisticas e Divulgação~


do Ministerio da Educação e Saude Publica:
Situação economica:
::,J
1 - Propriedade intellectual (scientifica, }.iteraria e artistica).
Situação social:
1 - Logradouros publico·s (vi-as pubhca~, praças, parques, bosques,.
hortos, j ard1ns, cemiterios, etc.) .
2 - Pavimentação.
3 - Arborização e ajardinamento.
4 - lllumihação.
5 - A'bastecimento dagua. .,
6 - Ersgotos sanitarios.
7 - Limpeza pU!blica.
8 - Balnearios, piscinas, lagos artificiaes, canaes, estadios' e outros
melhoramentos urbanós.
9 - Serviços prev,entivos de saude publica.
10 - Campanhas sanHarias.
11 --'. Assistencia medica hospitalar.
112- Assistencia medica em ambulatorios.
13 - Assistencia escolar.

Situação ClU,ltural:
1 - E,nsino e educação.
2 - Bibliothecas.
3 - Museus.
4 - Monumentos historicos e artisticos.
5 - BeBas-artes.
6 - Theatros e outras casas de div·ersões.
7 - Associações culturaes (scientificas, literarias; attisticas, educa-
tivas, civicas, l'ecreativ.as e desportivas).
8 - Institutos scientificos.
9 - Archivos publicos.
10 - Imprensa periodica.
11 - Radio-diffussão.
12 - Aspectos culturaes da industria b1bliographica, phOol1ographica
e cinematographica.
13 - Exposições, congressos e conferencias.
14 - Missões scientificas e culturaes.
15 - Excursionismo.
·.
TITULO li

Dos Actos Administra tivos

<J..APIT.UJLO I - Actos administrativos


Actcis Administrativos - Theoria Geral - Actos e Fa-
ot08 Admmistrativos - Definições - Act08 Unilat~rae8, Bi-
lateraes e COmplex08 - J ellinek - Convenções e Accordos
Adwinistrativo8 - A intervenção da vontade dos particulares
no acto administrativo .

.oAiPIruLO II .Corrtractos administrativos - Natureza ju-


ridiea
Contractos administrativos - Natureza juridica - Theo-
.rias de Duguit, Hauriou, Jeu, Otto Mayer, Fritz Fleiner -
Outra8 Theorias - A Jurisprudencia dos nossos Tribunaes,

:OAlPlTUW m - Modalidades dos Actos' administrativos


Condições de Validade dos Ac.tos Admi11Jistrativos - Re-
vogação e Annullação do Acto A.dTlZinistrativo - A Clausula
de Imprevi8ão - Theoria Geral - Sua applicação ao Direito
Admini8trativo.

'OAiPlITULO IV - Contraeoos de obras publicas


Natureza do cO'flitracto - Sua comprehensão entre 08 con-
tractos administrativ08 - Seus fins - execução de serviços
publicos - fin8 de utilidade publica ' - Diver8as theorias -
Velasco - Jeze "-- Dilferentes modalidades - Empreitada
- Administração cont1'actada - Fornecimento de Materiaes
- Concurrencia PUblica.

{OAiPI11ULO V - E1ll.prestimos publicos


Empre8timos pUblioos - Natureza - Diversas theorias
- Como di/ferem dos contractos de direito privadio - Quaes
os elementos que caracterisam os empre8timos publicos e as
consequencias desse8 principios.
70 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

OAJPIIDULO VI - Actos discricionarios


Actos discricioTWlrios - A%s politicos - Actos de im--
perio e actos de gestão.

CAlBIT.ULO VI]! - Poder dt policia


Definição - Diversas theorias - Manifestações - A.:.
permissão ou autorização.

CAFUTUiLO VIlilI - Policia Sanitaria


Natureza - Finalidade - Externa e interina - Defeza-'
sanitwria maritima, aerea - Generos alimentícios - Moles--
- tias transmissiveis - Defeza sanitaria vegetal e animal -
Policia aduaneirà. -

OAlPI'TIULO IX - Policia de costumes


Policia de costumes - Natureza - Meios Preventivos:
- Alcoolismo - Entorpecentes - Jogo - Loterias 'L- Men-
dicancia - VagOJbundagem - Prostituição.

OAIlu'nULO X - Policia de Profissões


Liberdade de Profissões - Gcurantias e restricções con-
stitucionaes - Policia do Trabalho - Profissões liberaes -
Condições de capacidade - Systemas - Re.gulOJmentação -
Dentistas, medicos, clinicos, engenheiros, advogados I - Com-
mercio e Indusiria.

ClAFlTU'LO X[ - Policia de Associações


Policia de Associações - Natureza - Diversas especies:
- Regulamentação doexercicio da liberdade de associação, de
reunião, de agrupamento - Associações religiosas - Liber--
dadade de pensamento - Liberdade de brupre,nsa - Censura
de Imprensa, telegraphica, postal, theat~l, cinematographica;.

OAP.I'DUILO XlII - Policia urbana


Policia urbana - Trafego - Limitações a circulação -
Vehiculos - Seus conductores '-- Condições de capacidade.

CAlPI'IJU!I.JO XiI;]I - Policia de construcções


Policia de construcções - Restrições de ordem esthetica,_
hygien.iJca, economica, e de segurança - Acção discricionaria-
e a sua feição technica - Relatividade das normas.

CAPI~ XW - Policia de extrangeiros


Entradas de extrangeiros - Immigrantes e não immigran--
tes - O problema da immigração e as restricções const!tucio-
naes - E'fI4rada, naturalisação e expulsão de extrangelros.
CAPITULO I

AlCTOS ADMINISTRATIVOS

Actos Administrativos - Theoria Geral - Actos e Factos


Administrativos - Definições - Actos U nilateraes, B.i-
lateraes e Comp1ex<os - Jellinek - Convenções e Accor-
dos Administrativos - A intervenção da vontade dos.
particulares no acto admânistrativo.

A vontade do Estado manifesta-se por meio de aetos admi-


nistrativos.
Os direitos e obrigações contrahidas pela administração
decorrem dessa manifestação da vontade do Estado.
E', assim, a theoria dos açtos administrativos o problema
fundamental do direito administrativo e por isso mesmo~
tem dado lugar ás mais divergentes doutrinas.
E 'preciso, portanto, fixar bem este conceito, não apenas
sob o seu aspecto formal, mas ainda material (1).
O acto administrativo, como todo acto juridico, é, antes
de tudo, uma manifestação de vontade; é, assim, uma das mo-
dalidades differenciadas dos factos juridicos.
Estes, em sua generalidade, não dependem da intervenção
da vontade para que se realisem, podem ser factos naturaes ou
humanos (2).
Como nota DERNBURG, os factos juridicos comprehendem
os actos ou declaração da vontade, ou "eventos", como o nasci-
mento, a morte, o decurso do tempo (3).

(1) Ver RoLLAND, Précis de Dr. Adm., pg. 49.


(2) ISANTI RJOMANO, Corso di Diritto Amm., pg. 220
(3) Pandette, l, pg. 231.
72 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

o acto juridico é, portanto, modalidade dos factos juridi-


cos (4), com feição propria, bem definida.
A distincção, por isso mesmo, deve ser feita, porque em
sua estructura, bem como em sua natureza e seus elementos, só
em 'parte se confundem.
Os factos juridicos dependentes da natureza não podem
ser regulados pela le: 3enão em suas consequencias, porque só-
mente ao principio de causalidade estão subordinados. Um
terremoto, o tempo, uma inundação, independem, para a sua
occorrencia, de qualquer manifestaç'ão da vontade humana; as
suas consequencias juridicas podem ser, no entretanto, previs-
tas e reguladas pela lei. (5)
Os factos juridicos podem ser sim'Ples ou complexos, se-
gundo se realisam por um simples evento ,ou exigem para a
sua integração uma multiplicidade de factos (6), assim, como
exemplo de facto simples, b nascimento, a maioridade, o paren-
tesco, a occupação; de facto complexo, o usoca'Pião que depende
do concurso de diversos elementos successivos.
O que distingue, no entretanto, o que constitue o ponto
essencial da distincção entre o facto juridico material, oeca-
) sional, (involuntario), e o acto juridico (voluntario é a mani-
festação da vontade livre. (7)
Na orbita do direito administrativo, como' na do direito
privado, existem factos juridicos que occorrem e produzem
suas consequencias, independentemente da vontade do Estado
ou dos particulares. São eventos que dependem da nl'l.tureza.
cuja occorrencia está subordinada, apenas, ás leis da causali-
dade, phenomenos naturaes,provocados por circumstancias fa-
taes ou elementos eventU3!es que não foram gerados pela von-
tade humana ou do Estado nem puderam ser por eIle evitados.
São propriamente chamados factos juridicos.

(4) Ver Codigo Civil, art. 74 e segs.; ESPINOLA, Systema, I, pa.


ginas 499 e segs.
(5) SANTI RoMANO, Cor80, pg. 220.
(6) DE RUGGIERO, 1st. di Diritto Civile, I, § 24; BARASSI, 1st., pg. 126;
CAPITANT. Int. á.l'Fltude du Dir. Civil, pg. 245. .
(7) DEMOOUE, Traité des Obligation8, I, pgs. 20:4 e segs.
- INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 73

Dahi, a theoria dos factos administrativos e que deverá


ser opportunamente examinada no que mais interessa, isto é,
em suas consequencias, mormente no que diz com a influencia
do tempo sobre as relações juridicas de ordem administrativa.
Os actos juridicos distinguem-se e caracterizam-se, por-
tanto, porque são intrinsecamente voluntarioso Define-os
DEMOGUE:

"Les actes juridiques sont tous les f.aits juri-


diques volontaires, conforme á la volonté de leur
auteur, qui produisent un effet de droit". (8)

O nosso Codigo Civil não é menos explicito:

"Art. 81 - Todo .O acto licito, que tenha por


fim immediato adquirir, resguardar, transferir,
modificar ou extinguir direitos, se denomina acto
juridico" .

E ,nos artigos seguintes, fixa de modo insophismavel a ne-


cessidade da manifestação da vontade humana, livre.
O acto juridico, define ainda ESPINOLA (9) "vem a ser
uma declaração da vontade manifestada de modo valido, no in-
tuito de produzir effeitos juridicQs".
Sem pôr em duvida a necessidade da manifestação da von-
tade como elemento essencial para a existencia e perfeita cara-
cterização do acto j uridico, não seria mais licito isolar o acto
juridico das suas consequencias juridicas.
A observação tem a sua razão de ser, principalmente na
€sphera do direito administrativo, como adeante veremos.

(8) TraiU des ObligatÚJns, pg. 25. .


(9) ~ystema de Direito Civil, I, pg. 510; ainda DERNBURG, Pandet-
te, I, pg. 269; WINDSCHEID, Panclette, I, § 69; SALEILLES, Theorie de
l'obligation,pg. 142: "La volonté est l'agent principal destiné à former
l'engagement juridique". BAUDRY LACANTINERIE, Droit Civil, I, pg. 64:
"L'acte juridique est le produit d'une ou plusieurs volontés".
74 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Effectivamente, não se pode attribuir as consequencias


j uridicas de um a<:to unicamente á manifestação da vontade.
pois os effeitos de um! acto voluntario são muitas vezes impre-
visiveis, embora querido e desejado o acto.
Os actos humanos geram' direitos e obrigações, cream si-
tuações juridicas talvez não previstas pelo' seu autor, mas que
não exclúem por isso a relação da causalidade entre as suas con-
sequencias e o acto gerador.
E' por isso que DEMOGUE, depois de uma analyse das cor-
rentes actuaes sobre a autonomia da declaração da vontade~
chega a definir o acto juridico como:
"ICelui ou le but social poursuivi concorde avec une volonté
individuelle" (10), col1ocando em primeiro plano a finalidade
social, isto é, consequencias do acto e subordinando-as á mani-
festação da vontade humana (11).
E' preciso não exaggerar os conceitos nem as doutrinas.
Nem o elemento subjectivo nem o objectivo podem inte-
grar por si só o acto juridico.
Na orbita do direito administrativo, é preciso considerar a
manifestação da vontade dentro do quadro do direito publico.
E, por isso, a questão da manifestação da vontade não pode ter
a amplitude e as particularidades inherenfes ao direito privado.
Não é preciso chegar até ás theorias da ficção para expli-
car a forma da manifestação da vontade do Estado, nem o va-
lor dessa vontade nas consequencias dos actos juridicos; é pre-
ciso, todavia, encaral-a dentro da concepção toda particular de-
corrente da noção de pessoas juridicas.
Como nota JELLINEK (12), a capacidade para querer e de-
cidir depende, unicamente, da existencia de uma estructura ju-
ridica que reconhece a organização juridica da collectividade.
F. FLEINER (13), por outro lado, observa que a lei pode
preestabelecer directamente consequencias juridicas a certos

(10) Traité des Obligations, pg. 27.


(11) Ver in Antologia Juridica"- CELSO R. VELASQUEZ - Autono-
mia y declaracion de la voluntad. .
(12) Dr. Adm., pg. 116.
(13) Droit Administratif Allemand, pg. 34.
INSTITUIçõES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 75,

factos, sem que para isso se faça mister a intervenção da auto-


ridade administrativa.
Relações juridicas podem, assim, decorrer da vontade per-
manente do Estado, vontade que faz parte integrante do seu.
poder immanente, sem o qual ter-se-ia de negar a sua perso-
nalidade juridica.
E' o que ROGER BONNARD chama de acte reglé (14), isto é"
acto rwmi1'lJ(J;livo, dada a sua natureza geral e impessoal.
E' esta, porém, uma modalidade excepcional dos actos ad-
ministrativos.

THEORIAS DlViERSAS

o
acto administrativo pode ser tomado em sentido ma-
terial ou simplesmente formal.
Em sentido formal. - "L'acte administratif, c'est l'acte de
l'administration ",define LoUIS ROLLAND em seu "Précis" (15).
MEUCCI (16): "Atto amministrativo e una statuzione
dell'autorità amministrativa o una azione, un fatto, dell'ammi-
nistrazione che si riferisce alle sua funzione".
D'ÀLESSIO (17), depois de dizer que, sob o ponto de vista.
formal, é aquelle que não toma a forma de lei nem de sentença,
observa muito bem que não é possivel dar uma definição pre-
cisa, ;ob o ponto de vista formal, devido á multiplicidade de ma-
neiras por que se pode manifestar a vontade do Estado.
A maioria dos autores, porém, entendem e definem o acto
formal, attendendo á autoridade que praticou o acto, sem at-
tender aos elementos intrinsecos, isto é, ao conteúdo do acto,
juridico. Assim BORSI (18):

"Si chiama atto amministrativo una manifesta-


zione di' volontà o di cognizione di un organo ammi-
nistrativo dotata di effetti giuridici"

(14) Pré eis de Dr. A:dmin., pg. 35; DUGUIT, Dir. Consto I, pg. 325;
JEZE,Principes, I, pgs. 25 e segs.
(15) Précis de Droit Administratij, pg. 49.
(16) 1st. di Dir. Am., pg. 146.
(17) Istituzione, V. I, pg. 148.
(18) Giustizia amministrativa, pg. 13.
76 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

RANELETTI assim define (19)":

"Artto amministrativo, nel nostro campo di stu-


dio, secondo il concetto, che ne ponemmo innanzi, e
una dichiarazione concreta di una volontà, di un
giudizio, di scienza, ecc., di un organo amministra-
tivo, nell'esplicamento dell'attività di amministra-
zione.
SANTI ROMANO: "le pronunzie o dichiarazioni
speciali di diritto pubblico delle autorità amminis-
trative" (20).
Observa, por isso mesmo, D' ALESSIO que, attendendo á
autoridade que praticou o acto, isto é, ao seu aspecto subje-
ctivo, pode o acto administrativo, no sentido formal objectivo,
não Ber .emanado de uma autoridade administrativa, ou vice-
versa, ser um acto emanado de uma autoridade administrativa
e não ser objectivamente, em sua forma, -considerado acto ad-
ministrativo. Assim, quando a Camara nomea um seu empre-
gado, temo~ uma autoridade legislativa praticando um acto
puramente administrativo. O mesmo pode succeder a uma au-
toridade j udiciaria.
Ao mesmo tempo, tem o Poder executivo a faculdade de
indultar um preso ou praticar outros actos que não teem o
conteúdo juridico de um acto administrativo.
Em nosso direito, são factos communs que podem ser
citados em grande numero.
As attribuições dadas pela nossa Constituição de 1934 aos
Tribunaes, de organisarem as suas secretarias, cartorios e
serviços auxiliares, de conceder licenças aos seus membros
ou serventuarios,nomear, demittir e substituir os funcciona-
rios de suas secretarias, são actos administrativos.
O mesmo succedia com o Poder legislativo, cuja competen-
cia administrativa estava expressamente reconhecida pelo ,ar-
tigo 41, § 2, da Constituição hoje revogada. .

(19) Le guarentigie della giustizia nella pwbblica amministrazione,


pg. 449.
(20) Cm'so di Diritto Amministrativo, pg. 321.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 77

Por outro lado, exerce o Poder executivo attribuições de


ordem politica, que não se enquadram dentro de suas attri-
buições administrativas. em sentido restricto, verdadeiras leis
materiaes, cujas consequencias juridicas excedem de muito ás
dos actos administrativos.
Dahi se vêem as vantagens e os inconvenientes das defi-
. nições formaes.
De um lado, pela sua amplitude, comprehendem a gene-
.ralidade dos actos administrativos, fugindo aos limites restri-
ctos do poder executivo e seus prepostos; por outro lado abran-
gem sectores da actividade do Estado que não se integram
.dentro do quadro da administração e execução dos serviços pu-
blicos.
Deduz-se, portanto, que nem sempre é possivel ligar a de-
finição do acto administrativo simplesmente á autoridade que
. o praticou. Impõe-se o exame das condições intrinsecas do
acto, os seus elementos· materiaes.
Dahi a outra corrente que define o acto administrativo
pelos seus elementos, preferindo attender ao seu sentido ma-
terü:J,l.

Assim diz RANELETTI:

"Quando parliamo di atti amministrativi, in-


telldiamo riferirci soltanto a quelli che l'autorità am-
ministrativa compie nell'esplicamento dell'attività
pubblica di amministrazione, sia in riguardo aI pro-
prio ordinamento (nomina ai pubblici uffici, promo-
zione dei proprÍ impiegati, licenziamento, punizioni
disciplinar~, eoc.) sia nella funzione giuridica, come
autorità ordinatrice e moderatrÍce deI consorzio so-
ciale, quindi come potere pubblico, nell'esercizio del-
la potestà .d'impero (ordini, divieti), sia nella fun-
zione 8ocilJle; con uso o no della potestà d'impero (at-
tività di· cultura, di assistenza, prestazione di ser-
'78 THEMISTOCLES BRANDÃO CAyALCANTI

vizi pubblici, ecc.) , avendosempre come scopo di-


retto Ia soddisfazione deI pubblico interesse, iI bene
'pubblico" (21).

BIELSA (22) define o acto administrativo:

"toda decision, general o especial, de una auto-


ridad administrativa en ejercicio de sus' proprias
funciones y que se refiera a derechos, deberes e in-
tereses de Ias entidades administrativas o de los par-
ticulares respecto de eIlas".

OTTO MAYER (23) - "L'acte administratif est un acte


,:d'autorité émanant de l'administration, acte qui determ.ine, vis
:á vis du sujet, ce qui, pour lui, doit être le droit dans le cas
individueI" .
F. FLEINER colloca a ádministração como poder interme-
.dia entre a lei e o cidadão, e define o acto administrativo
como "la disposition qui tend à la création, à la modification
ou á la suppression d'un rapport de droit public entre l'auto-
rité administrative et le sujet" (24). .'
O nosso URUGUAY, egualment"e, considera preponderante
.a natureza do acto para consideraI-o como administrativo, exi-
gindo o concurso de duas condições:
1) que emane de uma autoridade administrativa;
2) que diga respeito a um assumpto administrativo. (25)
Mas ,como já vimos, a segunda condição bastaria para
.definir o acto, mesmo quando eIle emane de uma autoridade
judiciaria, no exercicio de funcções administrativas.

(21) RANELETTI,Istituzione, pg. 44.


(22) DereoM Administrativo, I, pg. 73.
(23) Droit Adm. Allemand, pg. 120, voI. I.
(24) Droit administratif allemand, pg. 119.
,{25) URUGUAY, Ensaio soúl'e o direito adm.irUstrativo, pg. 5.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 79

ACTOS UNIILATERAES E BILATERAES - AlCTOS


COMPLEXOS

Alguns autores, notadamente VELASCO (26), ao definirem


() acto administrativo, impõem como condição o seu caracter
unilateral, ou, por outra, que os actos bi-lateraes não se com-
prehendeIIl: na noção do acto administrativo:

"En nuestra definicion se indica que el acto ad-


ministrativo es unilateral; quedan, por lo tanto, fuera
de esta nocion, a juicio mio, los' actos bi laterales."

Essa noção está ligada á definição do acto administrativo


.como manifestação de vontade dá administração, acto que pode
.ser tido como bi-lateral, sómente quando elle pode ter effeitod
bi-lateraes, considerados apenas como consequencia do acto
.administrativo.
Não se pode ter, porém, essa doutrina como pacifica, porque,
.na gentralidade dos autores, encontra-se a distincção dos actos
administrativos unilateraes e bi-lateraes, dentro da divisão
.commum a todos os actos juridicos. (27)
Ha, no entretanto, a nosso ver, um erro fundamental en-
tre aquelles que consideram a existencia do acto administrativo
só naquelles casos em que as consequencncias juridicas do
RctO emanam da vontade unilateral do Estado. Em alguns
.casos, evidentemente, prepondera a vontade do Estado, não
;sómente na realização do negocio juridico, mas tambem nas
.suas modificações. Mas este só se completa com o concurso
da outra vontade.
O que caracterisà o contracto administrativo, como vere-
mos, é precisamente essa preponderancia da vontade do Esta-
do, que tira a essa especie de contracto a paridad~ inherente á
natureza dos actos juridicos bilateraes, e isso, por uma impo-
sição do serviço publico.

(26) El acto administrativo, pgs. 15 e 129.


(27) GUIDO ZANOBINE, Corso di Diritto amministrativo, pg. 276 e
seguintes.
80 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

E' o que vamos demonstrar no desenvolvimento dos pro-


ximos capitulos.
Partimos, assim, de noções essenciaes. O acto administra-
tivo unilateral é aquelle que emana de uma só vontade. Pode
se entender tambem como aquelle acto que interessa a uma pe-
terminada, só attinge a determinado individuo. (28)

A INTERV;ENÇÃO DA VONTADE DOS P ARTIOULARES


NO ACTO ADMINISTRATIVO

A predominancia da vontade do Estado como decorrencia


natural de sua força importará, por acaso, na ammllação das
vontades individuaes ?
No caso negativo, qual a natureza da vontade dos indivi-
duos perante o Estado?
Pode-se dizer que, em torno dessa questão, gyra toda a
formação da concepção tradicional do direito administrativo,
. pela crise do individualismo e o surtó do principio socialista
do direito com a consequente preponderancia do interesse col-
lectivo sobre o individual.
A theoria dos contractos administrativos, sob todas as suas
formas, de serviço publico, de emprego, etc., tem a sua solu-
ção intimamente ligada a este problema.
E' que, si os contractos entre particulares concluem-se den-
tro de um regimen de absoluta paridade, o mesmo não occorre
com o Estado.
Quando nos referimos a este ultimo, entendemos natural-
mente a sua concepção ampla, não sómente de poder executi-
vo, mas ainda legislativo, em todas as suas manifestações de
vontade, entre as quaes a não menos pQ)1deravel é aquella que
se traduz por meio dos aetos legislativos.
A theoria estatutaria, tão em voga, nem sempre é exclu-
sivamente nominativa e impessoal. . Muitas vezes as normas·
estatut~rias são pessoaes e resolvem situações juridicas indivi-

(28) ESPINOLA, Systema de Direito civil Brasileiro, Vol. I, pg. 52ú;


DERNBURG, Pandette, vol. I, pg. 274.
INSTITUIçõES DE DIREI'OO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 81

'duaes que estabelecem relações juridicas entre o individuo, ou


pessôa juridica de direito privado, e o Estado.
Ora, os actos legislativos são unilateraes por definição e,
a maioria das vezes, impõem normas e obrigações que ligam
necessariamente, e independentemente da manifestação da von-
tade individual, o individuo ao Estado.
Evidentemente, a complexidade do acto ,0 seu caracter
bilateral, não bastam para caracterisar o contracto, cuja estru-
ctura é espec~al e só se integra pelo concurso de elementos for
maes e materiaes bem definidos.

DOS ACTOS COMPLEXOS

Osactos administrativos unilateraes concretizam-se por


meio de portarias, circulares, instrucções, decretos ou leis, por
qualquer forma que se possa manifestar a vontade do Es-
tado ,impondo uma situação juridica para cuja realisação não
se faz mister o concurso da vontade de terceiros.
Os actos unilateraes são, assim, aquelles que se completam
pela manifestação de uma só vontade, e produzem as suas con-
sequencias juridicas independentemente da manifestação de
outra .vontade.
Os actos bilateraes ou plurilateraes são os contractos. Ha,
no entretanto, quem admitt,a a existencia de actos para cuja
realisação Se exige o concurso de diversas vontades, sem os
caracteristicos do contracto.
E' a opinião de GIERKE, KUNTZE, CHIRONI e ABELLO, BEK-
KER e BARON.
Referem-se taes autores áquelles actos para cuja integra-
ção se' torna necessaria a manifestação de diversas vontades.
São os chamados actos complexos, mas que não podem ser tidos
como plurilateraes.
O concurso de diversas vontades manifestadas no mesmo
sentido, constitue, apenas,um concurso de vontades, mas ori-
entadas no mesmo sentido, sem estabelecer recilprocidade de di-
reitos . e obrigações.
- 6
82 THEMISroCLES BRANDÃO CAVALCANTI

São citados como actos complexos (29) aquelles que só'


se integram com a assignatura de diversos membros do Minis-
terio, ou com o concurso de orgãos consultivos ou deliberativos,
existentes em certos paizes, como o Conselho de Estado.
Por ahi se verifica como improcede a confusão suscitada,
porque em todos esses casos ha um concurso de vontades, mas
unilateral.
No nosso regimen,por exemplo, os actos do Presidente
da Republica são subscriptos pelos Ministros de Estado (ar-
tigo 76 da Constituição). De alguma forma, o mesmo pode-se
dizer do art. 103, § 4, da Constituição de 1934, que exigia o
parecer unanime do Conselho Technico para que pudesse o
Ministro de Estado tomar deliberação em materia de sua com-
petencia exclusiva (aO).

Em sentido contrario é a opinião de VELASCO (31) :

"O acto complexo se produz pela coincidencia


de varias vontades individuaes que resultam: ou da
naturezacollectiva do orgão. que o praticou, ou da
intervenção de varios orgãos, ou ainda de que se
exija a intervenção de pessôas alheias á administra-
ç'ão para que o mesmo se integre".
O acto complexo não tem relação com a natu-
reza executiva ou não do acto e não é, como esse,
producto de uma vontade unilateral mas bilateral".

Mas, com grande vantagem, rebatem essa theoria autores


como HAURIOU (32) e JELLINEK (33), entre outros; este ulti-
mo contrapõe .argumentos de uma grande clareza.

(29) D'ALESSIO, 1st., vaI. lI, pg. 155.


(30) Este ooncurso de vontades era igualmente indispensavel no
regimen discricionario instituido em 1930, para aquelles actos dos Íil1ter-
ventores que deveriam ser submeftidos ao Conselho Consultivo nos Esta-
dos e nos Municipios (arts. 10 e 11 do Dec. 20.348, de 29-8-1931).
(31) El acto administrativo, pg. 137
(32) Droit Public, pg. 137.
(33) Systema dei Diritti Pubblici subbiettivi, pg. 224 e segs.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 83

Com muita razão diz DEMOGlJE (45) que aquillo que se


<leve ter em vista para apurar si um acto é unilateral ou bila-
teral não é o numero de vontades que concorrem para a sua
realisação, mas o de partes que intervêm.
A theoria allemã dos actos complexos (VEREINBARUNG) é
muito discutida, mas nella existe, apenas; uma subtileza na de-
.composlçao das vontades que concorrem para a sua
realisação. (35)
Entre nós, a distincção não tem rAzão de ser porque o
.nosso Codigo Civil, cujos principios fundamentaes dominam
.as relações juridicas formadas no Brasil, mesmo quando se re-
fere aos contractos de direito publico, admitte a existencia de
contractos unilateraes (art. 1.057) levando em consideração
menos as partes que intervêm no negocio juridico do que os
seus effeitos juridicos. .
Unilateraes são os que obrigam somente a uma das partes.,
emquanto que bilateraes os que importam em reciprocidade de
obrigações.
São, no entretanto, contractos porque nelles se verifica a
intervenção de duas ou mais partes com interesses divergentes.
TRIEPEL, fazendo a analyse do conteúdo das relações de
direito interno para caracterisal-as perante o direito interna-
cional, mostra bem o erro em que incidiram os autores como
BlDING. KUNTZE, MENDEL, quando confundiram acto comple-
xo (VEREINBARUNG) e "convenção":

"O accordo de dous Ministerios relativa-


mente a uma orde?ança que pretendem expedir,
de accordo, é uma convençào; a expedição de
uma ordenança feita de accordo é um acto com-
plexo; o accor'do de socios de uma sociedade com-
marcial .a respeito de um negocio a realisar com
terceiros é uma convenção, a realisação de um
negocio feito collectivamente é um acto complexo;

(34) Traité des Obligations, voI. I, pg. 40.


(35) Ver DEM'OGUE, Traité des Obligations, I, pg. 37, que cita larga
bibHographia: DUGUlT. L'lfltat et le droit objectif, lI, pg. 384, etc.
84 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

,a convenção de associação em corporação ou


.sociedade se realiza por meio de um acto com-
)plexo de constituição de corporação ou. fun~
dação". (36)

A convenção é, portanto, um acto interno, é um accord()


de vontades para a realisação de um determinado negocio ju-
ridico ; este é que pode ser unilateral ou bilateral, segundo ()
numero de partes que entram na realisação do negocio, send()
que o acto unilateral é complexo quando concorrem muitas.
vontades para o mesmo objectivo.
TRIEPEL,a nosso vêr, generalisa demais o conceito, por-
que a associação, a fundação constituem-se por verdadeiroS
contractos. Vale a pena, no entretanto, salientar a impor-
tancia da contradicção' entre o concurso de vontades que pre-
cede o acto jurídico e a forma deste.
Mesmo, porém, no contracto de associação (37), que in-
teressa precipuamente ao direito administrativo em multiplas.
oportunidades, não deixa de prevalecer a finalidade do inte-
resse commum. E isto se impõe ,especialmente, na constituição
de associações sujeitas aos principios estatutarios, dictados.
pelo Estado, que fixa a norma muitas vezes tornada compul-
soria para a collectividade, como, por exemplo, nas sociedades.
anonymas.
Ninguem melhor que JELLINEK (38) examinou o assum-
pto e definio as posições nas divergencias:

"VEREINBARUNG (acto complexo) , diz elle,


.é a forma pela qual· se manifesta a vontade defi-
nitiva do Estado, resultante do concurso de mais.
de um orgão, nenhum dos quaes tem competencia
para manifestar isoladamente essa vontade.

(36) 'TRIEPEL, Diritto Interno e Diritto Internazionale, pg. 60.


(37) GIERKE, Genossenschaftheorie, pg. 133, apud JELLINEK, nega
que a constituição de associações seja contracto, pois que deve ser tido.
como "acto collectivo unilateral".
(.38) Systema, cit., pg. 225.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 85

.Todas as approvações, os actos de collabora-


ção e, de um modo geral, todos os actos que resul-
tam do accordo de muitas vontades, que concor-
·rem para a formação da vontade do Estado.
Assim a lei é acto complexo (VEREINBARUNG) da
Coroa e do Parlamento, as ordenanças que pro-
vêm de mais de um Ministro e em geral todo o acto
de autoridade para cuja integração torne-se in-
dispensavel o concurso de mais de um orgão do
Estado."

o contracto tem uma estructura inteiramente diversa, por-


.que não se encontra nelle uma unidade de vontades, distincta
das dos contractantes, mas estas se conservam in idem placitum.
E', portanto, a unidade de vontade que caracterisa o acto
eomplexo, embora diversos elementos contribuam para a sua
realisação.
ROGER BONNARD (39) chama de acto collectivo, talvez com
mais propriedade.
Mas, acto complexo ou eollectivo, não nos parece possa
merecer grandes divergencias a distincção entre actos unila-
teraes e bilateraes, que corresponde na nossa technica juridica
a uma classificação que interessa mais ás consequencias do acto
do que propriamente á sua estructura.

TRAT.AJ>OS - CONVENÇõES - CONVENIOS E


ACCORDOS

Acto juridico bilateral, isto é, em que intervêm duas ou


mais partes, em que se manifestam duas ou mais vontades, é
o contracto.
O seu conceito juridico não se modifica, de um modo ge-
ral, pelo facto 'de nelle intervir uma pessõa de direito publico.
Conservam-se as mesmas normas juridicas reguladoras das
obrigações, respeitadas apenas certas peculiaridades inheren-
tes aos interesses do Estado.

(39) Précis de Droit Administ7'atij, pg. 39.


86 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

E' preciso, no entretanto, não confundir os actos adminis-


trativos unilateraes em que o particular intervem subordinan-
do-se á vontade do Estado, o estatuto legal que estabelece as
normas das obrigações e dos deveres, com os contractos pro-
1\ priamente ditos em que o accordo de vontades decorre da pro-
pria natureza juridica do laço obrigacional.
As peculiaridades é que caracterisam a sua natureza e
não o que têm de commum.
A's vezes, taes contractos são realisados entre duas ou
mais pessôas de direito publico; são as chamadas cOfllVe'YI!Çõ,e6,.
tratados internacionaes ou interestaduaes, estes muito frequen-
tes nos paizes de regimen federativo.
Sob o regimen da ;Constituição de 1891, muitas conven':'
ções, principalmente de caracter economico, realisaram-se en-
tre os Estados, autorisadas pelo artigo 65, n. I da mesma
Constituição. (40)
Sustenta CARLOS MAXIMILIANO (41) que taes convenções
só são validas depois de approvadas pelo Presidente da Repu-
blica, o que evita sejam prejudicados direitos de terceiros:

"EiVita-se que os Estados celebrem tratados


,em conflicto com os ultimados pela' União, donde
resultaria perigo para as relações pacificas entre
o Brasil e outras nações, ao mesmo tempo impe-
de-se que' se convencionem ajustes capazes de \
,destruir o equilíbrio entre as partes componentes
da Federação, a egualdade de direitos entre os
Estados, ou de violar, alterar, dilatar ou restrin-
gir as prerogativas reservadas aos poderes na-
cionaes. Não se concluem verdadeiras allianças
nem formam pequenas confederações dentro do
paiz. Versam os ajustes permittidos pelo artigo
65 acerca de assumptos tocantes á administração

(40) "E' facultado aos Estados: 1.0) - celebrar entre si ajustes e


convenções sem caracter politico.
(41) Commentarios á Const., pg. 567.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 87

e aos serviços locaes sobre materia fiscal ou qual.


quer outra que não tenha caracter politico.
Comprehendem Estradas de Ferro concedidas,
arrendadas ou fiscalisadas por um Estado e que
teem conveniencia em extender as suas linhas pelo
territorio de outro ou em captar alli a força motriz;
bem como estradas de rodagem, telegraphos, tele-
phonio, tribunaes superiores communs, serviços exi-
gidos pela hygiene e assistencia publica, institutos
e regimen de ensino, pontes, canaes e outras obras
de interesse moral ou economico reciproco." (42)

Mais claro do que o texto da Constituição de 1891 é o da


Constituição de 1934, cujo art. 9.° dispunha:

"E' facultado á União e aos Estados celebrar


accordos para melhor coordenação e desenvol-
vimento dos respectivos serviços e especialmente
para a uniformisação de leis, regras ou praticas.
arrecadação de impostos, prevenção e repressão da
criminalidade e permuta de informações".

Em todos os tempos tem sido largamente praticado esse


regimen de convenções entre os· Estados .
. Nos Estados Unidos, é preciso o consentimento do Con-
gresso para que um Estado entre em accordos ou convenções
com os demais Estados. (43)
Na ·pratica, porém, o principio tem sido moderado; os Es-
tados entram frequentemente em aecordo independentemente

(42) G. MlAxIMIL1ANO, Commentarios á Constituiçoo, pg. 702, nota 7°.:


"Pernambuco e Alagôas celebram uma convenção approvada pelo Decreto
2.328 de 17 de Outubro de 1895, do Governo Federal, para regular a co.
brança de impostos na zona fiscal limitrophe dos referidos Estados (BAR-
BALHO), op. cit., pg. 273 'e A. MILTON, op. cit., pg. 341). Por um
ajuste :semelhante o Amazonas cobra e restitue a Matto.Grosso o imposto
sobre a borracha extrahida do territorio do segundo e exportada pelo do
primeIro" .
(43) Secção X, clausula 3: "No State shall without the consent of
Congress ... enter into any agreement or compact with another State, or
witha foreign power".
88 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

de qualquer intervenção do Congresso (44). Neste sentido


são os julgados da Côrte Americana, devendo-se citar como
exemplo o caso Virginia versus Tenessee, onde a questão foi
.collocada com precisão (45). Entendeu alli a Suprema Côrte
Americana que não .se deve confundir os pactos, convenções e
accordos de caracter politico com os de natureza puramente
administrativa, e sómente para aquelles impõe a -Constituição
as condições acima referidas.
A nossa Constituição de 1934, porém, exigia em termos
amplos a intervenção do Poder Legislativo Federal para "ap-
provar as resoluções dos orgãos legislativos estaduaes sobre
incorporação, subdivisão ou desmembramento de Estado e qual-
quer accordo entre estes". (46)
Outra modalidade de accordo entre as unidades da Fede-
ração achava-se prevista igualmente no art. 7, § unico, daquella
Constituição, hoje modificado apenas na forma pelo art. 19 da
Constituição de 1937, in verbis:

Art. 19: A lei pode estabelecer que serviços da


competencia federal sejam de execução estadual;
neste caso ao Poder EiXecutivo Federal caberáexpe-
dir regulamentos e instrucções que os Estados de-
vem observar na execução dos serviços."

Prevê assim esse paragrapho uma collaboração mais effi-


ciente entre os poderes federaes e estaduaes para a realização
de serviços que interessam directamente ás duas adminis-
trações.
Finalmente, o § 1.0 do art. 5 da Constituição de 1934, es-
tabelecia o principio de reciprocidade para os Estados, prin-
cipio que, embora não esteJa expresso na Constituição de 1937,
deve-se, no entretanto, comprehender como implicito na exe-
cução do disposto no artigo 19, que trata do mesmo assum-
pto. 47)

(44) WILLOUGHBY, The American Consto Syst~m, pg. 285.


(45) Ver WILLOUGHBY, pg. 285.
(46) Art. 38, 4.°.
(47) O art. 7, D.O 3 da Constituição de 1891 dispunha: "As leis
da União os actos e as sentenças de suas autoridades serão executados em
"

INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 89

Assim, sem offender o principio de autonomia dos Esta-


dos, podem estes e a União manter a mais intima collaboração
de funcçoos, prestando-se mutuamente o auxilio indispensavel
á realisação de suas finalidades.
Dentro desse criterio, multi pIos teem sido os accordos
firmados pelos diversos MiniSterios, notadamente da Agricul-
tura e do Trabalho, delegando aos Estados a execução de ser-
viços federaes dentro, porém, de normas tendentes á perfeita
efficiencia dos serviços sem quebra da unidade de direcção e
orientação technica e politica.
Assim, além dos casos acima citados, pode-se contar o
accordo firmado entre o Ministerio do Trabalho e o Estado
de São Paulo, sobre a execução das leis da União, relativas á
protecção, assistencia e solução das questões de trabalho (48).
O alludido convenio permitte a nomeação de um delegado 'espe-
cial junto ao Conselho Estadual, correndo, no entretanto, todo
o serviço por conta do Departamento estadual.
Mais tarde, o dec. 22.969 de 19 de Julho de 1933, attri-
buio os referidos encargos ao Departamento estadual do Tra-
balho, que terá a metade da renda arrecadada.
O Ministerio da Agricultura tem, igualmente, usado lar-
"
gamente desse recurso.
Sob o ponto de vista economico e social, tambem podem
ser' citados muitos accordos ou convemos. Estes, mais do que
quaesquer outros, teem o caracter de direito publico, 'porque
nelles intervem o Estado como poder publico, exercendo uma
funcção tutelar e regulamentando, em grande sentido, a ordem
economica e influindo sobre os interesses individuaes dos in-
teressados (49).
São todos elles authenticos contractos de direito publico,
dada a igualdade juridica das partes interessadas.

todo o paiz por funccionarios federa,es, podendo, todavia, a execução das


primeiras ser confiada aos Governos dos Estados, mediante annuencia
destes".
(48) "Uiario Official", 5 de Janeiro de 1933.
(49) Podemos citar especialmente os oonvenios assucareiros, cafeei-
ros, bem como os da borracha.
90 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Podemos citar, como exemplo, o accordo firmado entre o


Governo do E.stado do Espirito Santo e o do Estado do Rio de
Janeiro para arrecadação da taxa especial sobre o café. O
referido accordo, de 12 de Janeiro de 1916 (50), constitue
exemplo typico porque nelIe se estipulam clausulas que inte-
ressam á actividade administrativa dos Estados, que inter-
vêm, assim, como poder publico, accordando em pé de igual-
dade, sem qualquer vestigio de supremacia, que pudesse al-
terar as condições do contracto.
O Convenio de Taubaté, em 1906, igualmente, pode .ser
citado <como exemplo.
FRITZ FLEINER, estudando a questão sob o ponto de vista
do Direito administrativo allemão, cuja tendencia é accentua-
da no sentido de' equiparar certos contractos administra-
tivos a relações de ordem privada, nota com muita pro-
priedade. (51)

"A experiencia mostra que as communas, ou


grupos de communas, bem como as organizações
equivalentes, muitas vezes concluem convenções
relativas á execução de serviços administrativos
que lhe são attribuidos pelo Estado para a sua
realisação em commum, ou que decorrem de sua
autonomia administrativa, em virtude de lei. ou
do direito costumeiro. A relação juridica regulada
pelo contracto não <conserva menos, por isso, a sua
natureza de direito publico".

Acontece, porém, na maioria das vezes, que o contracto


seja realisado não com outra entidade de direito publico, mas

(50) Nesse conv,enio encontram-se clausulas como a que se segue:


"O Estado do Espirito Santo consente que o Rio de Janeiro esta·beleça
no territorio de sua jurisdicção os postos fiscaes que forem necesSarios ao
serviço eLe arrecadação e fiscalisação de impostos dos generos ou merca-
dorias de producção fluminense, que por eIle transitem em caminho de sua
exportação, etc." (V,er Legislação Cafeeira do Brasil, D. N. C., voI. 11,
pg. 902). Igual convenio foi feito entre o E,stado de Mdnas Geraes e o
do Rio de J aneil'o.
(51) Droit administratif allemand.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 91

com particulares; Ha, neste caso, manifesta desigualdade nas


pessõas que intervêm no contracto.
Será, no entretanto, que, por esse motivo, tenha essa rela-
ção juridica assim creada outro caracter, perca a natureza
commum a todas as relações contractuaes ?
Quanto aos aecordos, trata!dos e convenções internacio-
naes, é preciso attender bem: á sua natureza toda peculiar,
porquanto, quer sob o ponto de vista material, quer puramente
formal. elles se destacam para constituir uma categoria
especial.
Embora concluidos pelo poder executivo ,por meio de seus
representantes, revestem-se, obrigatoriamente, de forma legal,
.sujeitos á approvação do poder legislativo (52).
Nos tratados internacionaes, especialmente, deve' se at-
tender ao caracter politico das relações que visam regulamen-
tar, ao contrario das convenções que attendem mais particu-
larmente a interesses collectivos a serem protegidos pelos seus
signatarios. (54)
Dentro, portanto, do criterio rigorosamente juridico e em
seu sentido material, não se podem considerar os tratados como
actos administrativos, embora devam ser inclui dos entre uma
das fontes mais importantes do direito administrativo. Effe-
.ctivamente, em sua generalidade, elles apresentam-se como re-
guladores das actividades administrativas, naquelles negocios
em' que são interessados mais de u m:Estado. (54)
Aqui fazemos referencia a essa especie de contractos de
. direito' publico porque, na realidade, devem ser considerados
como taes, no fundo como na forma; constituem-se como re-
lações juridicas bilateraes entre dous ou mais Estados. O que
apenas contestamos é o seu caracter puramente administrativo
não sómente pela sua forma legislativa, mas tambem, pela
natureza das autoridades a quem cabe concluil-os.
I'

.(52) COTl8tituição Federal de 1934, arts. 5 n. lj 40 letra a; 56 n. 6


e art .54 da Const. de 1931.
(.58) Ver P. FEDozzI, T1"attato di Diritto Internazionale, voI. I, pa-
gina 491.
(54) Ver MANTELLINI, Lo Stato e il codice civile, VoI. H, pg. 354
e segs.
CAPITULO II

CONTRAJCTOS A1DMINISTRATIVOS - NATUREZA


JURIDilCA

Contractos administrativos - Natureza juridica - Theorias


de Duguit, Hauriou, Jeze, Otto Mayer, F.ritz F,leiner -
Outr·a:s Theorias - A J urisprudencLa dos nosos Tri-
bunaes. .

A theoria dos contractos administrativos é um dos pontos


mais importantes que se comprehendem no estudo do direito ad-
ministrativo, não sómente pela relevancia da sua applicação,
como ainda porque aqui se encontra a fronteira menos definida
do direito publico com o direito privado.
A confusão geralmente feita, na doutrina como na pratica,
da natureza das relações creadas pelo Estado quando figura
como contractante, procurando-se geralmente confundir com a.
de um simples particular, tem suggerido a formação de diversas
theorias do maior interesse no desenvolvimento. dos prinCi-
pios fundamentaes de direito administrativo.
Contractos administrativos, como já vimos, sao aquelles
contractos em que o Estado é parte; são aquelles contractos
passados com a administração publica. E' preciso, portanto,
considerar o contracto administrativo dentro do quadro do di-
reito administrativo, o que vale dizer, dentro dos principios
que servem de base ao direito publico.
As mais diversas theorias têm sido architectadas, deven-
do-se especialmente chamar a attenção para a larga contribui-
ção dos autores francezes e allemães, principalmente os primei-
ros, cujas doutrinas examinaremos com o maior cuidado.
Dividiremos, por isso mesmo, a materia, destacando as
principaes theorias sobre o assumpto:
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 93

I. Theoria de Duguit

Para elle, em seus elementos intrinsecos, todos os contra-


ctos teem os mesmos caracteres. E' essa uma categoria jurí-
dica, e quando os seus' elementos se reunem, ha sempre um con-
tracto com os mesmos caracteres e os mesmos effeitos. Por
conseguinte, si ha contractos que dão lugar á competencia dos
tribunaes administrativos, esse facto decorre apenas da fina-
lidade dos mesmos contractos.
E' o mesmo que se dá com os contractos commerciaes. No
fundo não existe differença entre um contracto civil e um
commercial. O que caracterisa o contracto commercial e im-
põe a competencia dos tribunaes de commercio é a sua finali-
dade commercial. Não existe differença de fundo entre um
contracto civil e um contracto administrativo. O que dá ao
contracto o seu caracter administrativo e justifica a competen-
cia dos tribunaes administrativos é o fim de serviço publico
que visa regulamentar (1).
Nos paizes em que existe uma jurisdicção administrativa
especial, a distincção faz-se naturalmente, de accordo com a
competencia dos T.ribunaes.
E' este um criterio que evidentemente inverte o problema,
mas que não deixa por isso de ser verdadeiro e pratico.
Ente nós, a distincção importa em uma questão de compe-
tencia, visto caber ao Supremo Tribunal processar e julgar
originariamente as causas e. os conflictos entre, a União e os
Estados, ou entre estes (2). Mas essa competencia decorre
menos da qualidade das partes do que da natureza da relação
juridica. '

11. Theoria de Hauriou

O professor HAURIOU não systematisou a questão relativa


á natureza do contracto administrativo; procurou, apenas, exa-
minar o problema ao analysar os contractos de fornecimento.

(1) IDroit Constitutio-nnel, voI. lU, pg. 132.


(2) DUGUIT, Droit Constitutionnel, UI, pg. 41.
94 THEMIS'I'OCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Segundo este autor, considera-se contracto de fornecimento


aquelle em que a administração provê por intermedio de em-
preiteiros a satisfação de serviços a seu cargo, por meio de
uma ope,ração que se assemelha a uma venda ou, quando não,
a uma locação de serviços, mas que não importa de forma algu-
ma na creação e exploração de um serviço publico. Mas
<lbserva logo:

"in faut q'uil y ait contrat spécial avec cahier de


charges. Vn achat au comptant n'est pas un mar-
ché de fournitures. Vn transport executé par une
compagnie de chemin de fer ou de paquebots, lors-
que l' administration a usé du moyen de transport
dans les mêmes conditions que le public, n'est pas
un marché de fournitures". (3)

Como se v.ê, o professou r HAURIOU não analysa a estru-


ctura da relação juridica, mas examina apenas a forma de
uma categoria de contracto feito pela administração publica.
Falta á sua theoria a definição do traço caracteristico dessas
relações juridicas, do seu traço commum.

lU. Theoria de Jeze

E' a mais famosa, talvez devido ao desenvolvimento que


deu aos seus estudos e ao espirito analytico que imprimiu aos
seus trabalhos.
Para caracterisar o contracto administrativo propriamen-
te dito, impõe o sabio professor as seguintes condições:
10) accordo. de vontades entre a administração e o par-
ticular;
2°) o accordo de vontades deve ter por objecto a creação
de uma obrigação juridica de prestação de c~)Usas materiaes
<lU de serviços pessoaes mediante uma remuneração (erndi-
nheiro ou outra forma) ; .

(3) Précis de Droit Adm., pg. 792.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 95

3°) a prestação do particular deve se destinar ao func-


donamento de um serviço publico;
4c) as partes, em virtude de clausula expressa, pela for-
ma mesma do contracto, pela natureza da cooperação pedida
ao contracto, ou em virtude de qualquer outra manifestação
da vontade, concordam em se submetier ao regimen especial de
-direito publico. De outro lado, o fornecedor, submettendo-se
ao regimen especial, renuncia a se prevalecer das regras de
direito privado para a determinação de uma situação
juridica. (4)
Admitte, no entretanto, JEZE, a existencia de contractos
ordinarios regulados pelo Codigo Civil, e isto quando não se
achem enquadrados nos limites acima fixados.

IV. Theoria AUemã - Otto Mayer - Fritz Flei11\er

FRITZ FLEINER colloca a questão com uma precisão per-


feita, attendendo á realidade actual, sem a pretensão de fixar
o sentido de expressões que só na technica tradicional podem
significar alguma cousa. O sentido civilista não interessa ao.
Estado, cuja situação de predominancia deante do individuo
é manifesta e se verifica em qualquer contracto realisado para
a prestação de serviços publicos.
Diz o citado autor (5): "Só pode ser objecto de contracto
quando a vontade de cada uma das partes possue influenc;a
juridiCa igual;na integração de relação de direito. Ora, as
reiaÇÕ;~ -d~ -direito 'Publico são reguladas de modo unilateral
pelo Estado. A maioria dos actos administrativos, que a prati-
ca qualifica de contractos de direito publico, são disposições
unilateraes cuja validade depende do consentimento dos in-
teressados .
O legislador, muitas vezes, permitte a realisação de con-
tractos afim de evitar certas difficuldades technicas especiaes
ou complicações particulares de processo, inherentes á regula-

(4) ContTats adm., l, pg. 16.


(5) DToit Adm. Allemand, pg. 132.
96 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

mentação unilateral das relações juridicas em questão. Mas o


interesse publico, ainda assim, fica salvaguardado, porque a
autoridade conserva a faculdade de expedir uma decisão unila-
teral, quando o contracto não attinge o seu objectivo. ':.>
OTTO MAYER não é menos incisivo na condemnação da
theoria, que pretende reconhecer a existencia do contracto ad-
ministrativo semelhante ao contracto de direito privado, mas
attribue a sua existencia á reconhecida predominancia dos es-
tudos de direito ·privado.
Ha evidente exaggero nos conceitos emittiàos pelos auto-
res, que pretendem enquadrar as relações contractuaes realisa-
das' pela administração publica dentro de um circulo fechado,
e fixar normas rigidas dentro das quaes se tenham de enqua-
drar os contractos em que é parte uma entidade de direito
publico. •
O Estado, quando se obriga, equipara-se evidentemente
aos particulares no que diz com o cumprimento das obrigações
assumidas (6). EIle está obrigado a respeitar as clausulas
contractuaes por motivos de ordem moral e de ordem econo-
mica, que não precisam ser aqui salientados, mas ao assumir
essas obrigações, ficam subentendidas certas restricções de
ordem publica, que não podem ser desconhecidas pelo parti-
cular que com elle contracta, inherentes á sua propria natureza
de pessôa de direito publico, cujos interesses confundem-se
com os da collectividade.
Evidentemente que taes restricções liimitam-se á esphera
da conveniencia ou opportunidade das medidas asseguradoras
do interesse publico.

Outras th.eorias

Não se pode reduzir, apenas, ao numero daquelIas já


mencionadas as diversas theorias sobre contráctos adminis-
trativos. Ellas desdobram-se em modalidades differentes,
revestindo-se de graduações que seria impossivel discriminar.

(6) OTTO MAYER, Dlf"oit Adm. Allemand, I, pg. 176.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO _BRASILEIRO 97

lia, porém, duas grandes correntes de tendencias oppostas, I.

uma no sentido mais do direito publico, outra procurando con-


servar, naquelles contractos, os caracteres communs ao direito
privado.
Entre as duas theorias, ha uma conciliatoria, que diffe-
rencia .os contractos passados pelo Estado, de accordo com a
sua natureza. São de BIELSA (1) as seguintes observações que
reflectem b!'lm a opinião da corrente intermedia:

"EI criterio estricto (quiero decir apegado a


los principios deI derecho civil), y más la ortodoxia
de algunos juristas, es, no digo insuficiente, sino in-
convenIente para resolver cuestiones de indole esen-
cialmente administrativa; y cuando se las ha resueI-
to de ese modo se ha llegado a verdaderas herejias.
Así, no puede considerarse... eI contrato de concesion
de servicios publicos como un contrato de derecho
comun, en eI cu aI el postulado de la igualdad juridi-
ca de los contraentes sirve de base aI pacto y de nor-
ma en la ejecución de las obligaciones. En el con-
trato de concesion... las partes no estan en un mis-
mo plano... etc."

A observação tem inteira procedencia porque nem todos


os contractos com o Estado têm por fim a execução de um ser-
viço publico, nem sempre o Estado se apresenta como pessoa
de direito publico, com aquellas exigencias que permittem at-
tribuir-Ihe uma situação excepcional perante QS particulares.
Não se pode confundir um contracto de concessão, em que o
particular se substitue ao proprio Estado na execução de ser-
.viço publico (2), com uma simples locação de predio, princi-
palmente quando o Estado figura como locador, isto é, quando
nem ao menos, pode se considerar um destino do predio para
fins de utilidade publica. Aqui, isto é, na simples locação, re-

(1) Relaciones deI codigo civil con el derecho administrativo, VE-


LASCO. Los contratos administrativos. pg. 44.
(2) J. RoUVIERE, Les Contrats Adtministratifs.

- 7
98 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

ge-se O contracto pelas normas de direito privado, salvo as exi-


gencias legaes, que obedecem aos regulamentos de contabili-
dade publica e que determinam as formalidades a que deve
obedecer a administração na conclusão do acto juridico.
Mostraremos, opportunamente, como devem ser encara-
das essas relações concluidas pelo Estado e que, embora appa-
rentemente se apresentem como um contracto, pela forma de
~ue se revestem, são, no entretanto, relações que devem obe-
decer a normas puramente regulamentares. Isto significa que
fica ao arbitrio do p_oder regulamentar, ou legislativo, modi-
.ficar certas clausulas contractuaes, ou, pelo menos, certas nor-
mas que servem de base ás relações entre o Estado e particu-
lares, para a execução de serviços publicos.
Mostraremos, em capitulo proprio, que a fixação das tari-
fas deve obedecer a esses 'principios, bem como outras> condi-
ções em que () serviço deve ser executado subordinado a exi-
gencias de ordem geral, implicitamente comprehendidas nos
direitos que se reservou o Estado ao concluir o negocio.
Seria licito, porém, indagar-se si, admittida essa distin-
cção, justifica-se a conclusão de que todos os contractos fei-
tos pela administração podem ser considerados contractos ad-
ministrativos, ou' se deve ser- feita a distincção de accordo com
as observações adma indicadas.
A resposta teria o caracter mais academico ,porque não
seria a denominação do contracto que viria alterar a sua ~sutr­
stancia, mas a finalidade do acto. Se destinado a execução de
um serviço publico, a relação contractual terá de se subordi-
nar ás normas que regulam a execução desse serviço: será, por-
tanto, mero accessorio da relação juridica principal, a que se
terá de submetter, porque o serviço publico deve se conside-
rar como a razão de ser do laço obrigacional, a que se ligou o
Estado para realizar as suas finalidades.
Mas todos esses contractos devem ser considerados admi-
nistrativos, porque foram conclui dos pela administração, qual-
quer que tenha sido o fim em vista. Devem, ainda mais, obe-
decer ás exigencias formaes impostas pelas leis e pelos regu-
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 99

lamentos administrativos, e, por isso tambem são contractos


.administrativos. (3)
Todos elles têm a marca do Estado e, por isso mesmo, sof-
irem a influencia que lhes imprime a intervenção do poder
publico.
Com muita precisão, declarou o Supremo Tr.ibunal Fe-
.aeral, em um dos seus accordãos: (4)

"O Estado, sem embargo de entrar em relação


contractual com a pessoa privada, não se despe por
isso, jamais, dos direitos e faculdades que constituem
a sua propria qualidade de pode~."

E es~ é a doutrina universalmente acceita.


O contracto administrativo tem, porém, posição nitida-
mente definida quando se considera a sua apreciação pelos or-
gãos jurisdiccionaes. Ahi, a ,sua situação caracterisa-se me-
lhor p.o direito positivo.
A jurisprudencia do IConselho de Estado da França, (5)
da Italia, (6) dos Tribunaes americanos, notadamente da Court
of ,Claims (7) etc., na applicação das leis que regulam a sua
·competencia, veio ainda mais caracterisar como especie bem'
definida e muito peculiar, os CQntractos passados pela admi-
nistração.

(3) Em um interessante trabalho sobre - Do conceit{) do contracto


administrativo - escreveu o Snr. Manoel de Oliveira Franco Sobrinho
o 'seguilIlte, que e:x;prime com muita clareza a doutrina dominante a res-
peito das differentes modalidades de contracto: "Um contracto passado
pela administração pode ser ,publico e pode ser pr,ivado em razão da fi-
nalidade visada. E' publico sempre que ha interesse maior em jogo. E'
:privado quando está em jogo 'o interesse de uma simples pessoa jurídica".
(4) Accordão de 26 de Agosto de 1908.
(5) .RoGER BoNNARD, Le contrôle jurisdictionneZ de l'administration.
J. ROUVIERE. Les contrats adm:inistratifs.
R. JACQUELIN, La Jurisdiction adminisi'rative.
LAFERRIERE, Jurisdiction administrative.
(6) RANELETTI, La guarentigie della giustizia nella pubblica am-
-mtinistrazione .
. (7) GooDNOW, Principes de Droit administratif des Etats Unis pa-
gina 55.
100 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

A nossa Constituição de 1934, mesmo, instituindo um Tri-


bunal de feição especial (8), attribuiu-lhe competencia para
julgar privativamente:

"os litigios entre a União e os seus credores deriva-


dos de contractos publicos."

Ficou,assim, para ser definidh. pela sua jurisprudencia.


ou, pela lei que regularia o seu funccionamento, quaes esses
contractos, bem como a sua nature~a.· O que não resta a menor
duvida é que ficou bem caracterisado, como categoria distin-
cta, um grupo de contractos, com feição peculiar, que se po-
dem catalogar entre os contractos publicos.
Para nós, esses contractos são aquelles reali~ados pela.
administração para a execução de um serviço publico. Este
é o ponto que melhor os deve distinguir, porque, como já ti-
vemos occasião de dizer, são os traços differenciaes que os
caracterisam e não aquillo que têm de commum com os demais
contractos. .
O assum~to, entre nós, mereceria estudo .mais aprofun-
dado. Faltam, porém, maiores elementos para firmar uma
doutrina, porque as demandas que versam sobre as relações
contractuaes do Estado, perde-se no meio das soluções inspi-
radas no direito privado.
O mesmo phenomeno occorre naquelles paises onde não,
existe j urisdicção especial para os actos da administração, ou
naquelles onde os Tribunaes administrativos dividem a sua.
competencia com a Justiça ordinaria. Nestes ultimos paizes~
deve-se de preferencia procurar a definição dos actos adminis-
trativos nas decisões do Conselho de Estado e dos T'ribunaes
administrativos, mais integrados do que os Tribunaes ordina-
rios nas questões que interessam mais direetamente ao di-
reito publico.
Para concluir, portanto, podemos dizer que o conceito da.
contracto administrativo está intimamente ligado ao do ser-

(8) Artigo 81 da Constituição. Ver vol. I, pg. 828 e segs.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 101

viço publico. Pouco importa o seu caracter bilateral, porque o


essencial é que elle se defina como uma relação do Estado com
.os particulares, ligados por vinculosque adquirem .os mesmos
caracteres dos lServiç.os que visa executar.
A theoria que presuppõe .o caracter unilateral de todos
-os actos administrativos leva a consequencias imprevistas e a
um casuism.o incompativel com a generalidade de toda a clas-
sificação IScientifica.
Aquelle principi.o não se concilia com a realidade e dahi
as numerosas excepções abertas á regra geral, pelos autores
que assentam em formula tão rigida, a definição dos actos ad-
ministrativos. (9)
E' bem verdade que a noção do serviço publico está sujeita
ás maiores divergencias, mas não resta duvida que, dentrf?
desse conceito, pode-se incluir a maioria dos contractos passa-
dos pela 4.dministração, ficando excluidos, apenas, os que, de
forma alguma, podem-se incluir entre os destinados áquelle
fim. •

,4 ',!':

(9) 'VBLASOO. El acto administra#vo, pg. 128 e segs.


CAPITULO IH

MOD.ALlDAlDES DOS ACTOS ADMINISTRATIVOS

Condições de Validade dos Actos Administrativos - Revo-


gação e Annullação do Acto Adnlinistr~tivo - A Clau-
sula de Imprevisão - Theoria Geral - Sua applicação
ao Direito Administrativo.

Como vimos nos capitulos anteriores, os Actos Adminis-


trativos podem se revestir de numerosas modalidades, de ac-
cordo com a sua natureza, o numero de pessoas que intervêm
na realisação do negocio juridico, ea finalidade do Poder Pu-
blico, ao expedir o Acto gerador da relação juridica.
Examinaremos, agora, as diversas especies, assim como
as condições geraes de validade, .de obrigatoriedade do acto
administrativo, além das condições em que o mesmo pode
ser revogado ou annullado. Teremos, então, opportunidade
de estudar as clausulas de imprevisão que alteram, em sua sub-
stancia até as clausul'aS contractuaes, e que conciliam o inte-
resse da permanencia da norma juridica, com os factos inde-
pendentes da vontade humana.
Começaremos pelo estudo das condições geraes de vali-
dade dos actos administrativos.

VALIDADE DOS ACTOS ADMINISTRATIVOS


A validade dos At.tos AldminiBtrativos presuppõe duas
condições essenciaes:
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 103

a)a sua conformidade com a lei, isto é, a sua constitu-


cionalidade ou legalidade;
b) a competellcia da autoridade que praticou o acto.
A primeira condição só abrange necessariamente aquelles
actos em que a autoridade que os praticou estava subordinada
directamente á obediencia ás disposições legaes, excluidos, na-
turalmente ,aquelles praticados no exercicio de uma funcção
discriCionaria, ou fóra da orbita da influencia da norma legal.
Excluidos estão, por conseguinte, os actos politicos, e todos
aquelles cuja execução está entregue ao arbitrio da autoridade
administrativa.
Mesmo osactos sujeitos ás normas legaes teem uma esfera
dentro da qual a autoridade administrativa é o '1mico juiz da
conveniencia ou opportunidade da medida ,isto é, sómente a
ella cabe apreciar qual a melhor maneira de executar um acto
autorisado pela lei.
Por isso é que as nossas leis e a jurisprudencia dos tribu-
naes têm declarado: (1)
Consideram-se illegaes os actos ou decisões administrati-
vas em razão da não applicação ou indevida applicação do di-
reito vigente. A autorid'ade juriciaria fundar-se-á em razões
juridicas, abstendo-se de apreciar o merecimento de actos ad-
ministrativos sob o ponto de vista de sua conveniencia ou op-
portunidade.
Quando se declara que taes actos são invalidos por vic~
de illegalidade, entende-se, naturalmente, que está comprehen-
dida a maior de todas as illegalidades, qual seja a que decorre
da inobservancia da Constituição.
E' por isso que a lei n. 191, de 1936, referindo-se ao Man-
dado de Segurança, declara que este cabe para defeza de di-
reito certo e incontestavel, ameaçado ou violado por acto mani-
festamente inconstitucional ou illegal de qualquer autoridade.

(1) Lei n.O 221, de 20 de Novembro de 1894, art. 13, § 9.·, lettra A.
104 THEMISTOCLES BRAND.Ã!O CAVALCANTI

Os autores italianos (2) costumam dividir a invalidade


dos actos administrativos por illegitimidade e pelo que eUes
chamam "vizio di merito".
A illegitimidade decorre da sua não conformidade com a
lei, e o defeito de merito, de sua inopportunidade ou iniqui-
dade.
A illegitimidade pode tomar tres .aspectos, a saber: in-
competencia, excesso de poder, violação da lei.
Em nosso direito, a validade dos actos administrativos só
pode ser apreciada sob aquelle primeiro aspecto, isto é da
illegitimidade.
Esta comprehende, como se viu, não só a desobediencia á
lei, mas ainda a incompetencia da autoridade.
Dentro do nosso regimen administrativo e judiciario, a
incompetencia da autoridade constitue a razão maxima da in-
validade dos actos administrativos, porque comprehende ainda
aquelles praticados em virtude de uma faculdade ou poder dis-
crlclOnario. Nesse caso, a lei permitte que se o tenha como
illegal em rezão da incompetencia da autoridade respectiva ou
do excesso de poder. (3)
A theoria da nullidade por excesso de poder tem interesse
muito peculiar no direito francez e no direito italiano (4),
nas celebres doutrinas do "empiétement de pouvoit", ou "usur-
pation de 'pouvoir", ou "detournement de pouvoir", compre-
hendidas no famoso recurso "pour excés de pouvoir "que exa-
minamos em outro capitulo.
Entre nós, toda a theoria se resume na apreciação de uma
ou de outra forma de invalidade dos actos administrativos, na
illegalidade do acto. A incompetencia da autoridade só pode
decorrer 'da inobservancia. da lei, ou do exercício de uma fa-
culdade que não lhe tenha sido outorgada implicitamente ou
explicitamente.

(2) ORESTE RANELETTI, La Guarantigia della Gt/Ultizia nella Pubbli-


ca Amministrazione; U. BORSI, La Giustizia Amminist1'ativa; FRANCESCO
D'ALEsslo,Ist. di Di'dtto Amministrativo, v. n, pgs. 212 e seguintes; 00-
DACCI-PISANELLI, L'Eccesso di Potere.
(3) Lei n.O 221, de 20 de Novembro de 1894, art. 13, § 9.°, lettra B.
(4) Oe autores acima citados e mais LAFERRIÉRE, Jurisdiction Ad-
ministr., vol. n, pg. 548; HAURIOU, Droit Administratif, pg. 309; CAMEO,
CorBO, pg. 1346
- INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 105

A nullidade do acto administrativo, ou a sua revogação,


pode ser promovida pelas seguintes formas:
a) pelo pedido de reconsideração;
?) pelo recurso hierarchico;
c) pelos meios judicíaes perante ,() poder judiciario, e
por via das acções proprias o.rdinarias ou especiaes, como a
acção. summaria especial, os interdictos possessorios, o man-
dado de segurança, e o habeas-corpus.
Cada uma dessas formas, como interessem mais dire-
ctamente, principalmente a ultima, ao direito judiciario, exa-
minaremos em capitulo separado.

REVOGA:ÇÃO E AtNNULLA<Ç.&O 00 ACTO


ADMINISTRATIVO

Segundo a natureza do. acto ,varliam a fórma e os casos


de sua revogação. o.U annullação.
E' preciso, portanto, desde logo distinguir os Retos unHa-
teraes o.U bilateraes (5).
Havendo estipulação contractual, a fôrma de cumprimento
da obrigação interessa directamente para que se possa saber
das condições de sua nullidade ou revogação. A revogação pôde
se dar ou por acto administrativo ou judicial.
A revogabi!lidade é da essencia do acto administrativo pela
mesma autoridade que o praticou. Corresponde a revogação
ã uma nova manifestação da vo.ntade, no sentido contrario
áquelle que determinou a pratica do acto revogado..
Existe, no entretanto, em nosso regimen administrativo,
uma limitação ao exercicio. dessa faculdade, a sa.ber: a lei.
Desde que o acto produziu consequencias juridicas, creou si-
tuações jUIridicas novas, é evidente que a autoridade admdnis-
trativa fica ads"tricta ao respeito áqueHes direitos adquiridos
em virtude do seu acto.

(5) Ver o intellessante Parecer do Dr. OLIVEIRA VIANNA, in "Bole-


tim do Minister,io do Trabalho, Industria e Commercio", n.O 15, pgs. 22
e seguintes.
106 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Assim, a nomeação de um funecionario que adquiriu, pelo


acto de nomeação, direito á estabilidade, ou cuja demissão es-
taria sujeita a determinadas forma;lidades, nunca poderia ver
a sua nomeação revogada pela autoridade administrativa, a-
menos que nãó pudesse aquelle primeiro acto ser considerado
nullo por um vicio fundamental de fundo ou de fórma.
Quando, porém, o acto é di8cricionario, ou foi praticado.
no exercicio das faculdades discricionarias, são os mesmos, sem-
pre, tidos como revogaveis.
A revogação pode ser decretada ex-officio, pelo recurso
ou pedido de reconsideração feito á mesma autoridade ( 6) .
A annulilação do acto decorre de um. vicio de fundo ou de
fórma ou da incompetencia da autoridade que o praticou.
Como nas relações juridicas Ido Direito Privado, os actos
administrativos podem ser cOIliSiderados numos de pleno direito
ou simplesmente annu1laveis.
A theoria geral da nu:llidade dos actos adwIÚJStrativos
está· subordinada á nOl'Illla geral traçada pelo Direito Civil e.
principalmente, depende de sua conformidade com a Consti-
tuição e as leis. E' esse ultimo o verdadeiro crilterio a seguir
na apuração da validade do acto administrativo.
. A propria autoridade pode determinar e decretar a nuIli-
dade do acto, exercendo. assim, o seu direito de revogação,
dentro dos limites acima traçados.
No regimen vigente entre nós, pode, igualmente, o poder
judiciario decretar a nullidade do acto administrativo pela sua
não conformidade com o direito vigente, ou quando lesivo dós
direitos individuaes.
A acção summaria especial é um meio especifico çreado
pela lei para promover-se a nullidade desses actos, mas não
exclúe, naturalmente, o uso dos demais remedios ordinarios
ou especiaes, como o mandado de segurança e os iil1terdictos.
conforme veremos opportunamente.
O maior vicio que pode inquinar' de nullidade um a-cto
é a sua inconstitucionalidade, isto é, quando vem o mesmo

(6) Ver o capitulo proprio neste volume.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 107

ferir uma disposição constitucional de caracter prohibitivo ou


garantidora de dill"eitos individuaes.
Nesse caso, mesmo as leis reguJarmente votadas podem
ser invalidadas pelo Poder Judiciario (7).
Quaes serão, porém, as consequencias da annullação do
acto adÍninistrativo pelo Poder J udiciario, ou melhor, quaes
os effeitos immediatos das sentenças judiciaes que decretam a
nuUidade dos actos administrativos ?
O principio da separação de poderes constitue a maior
barreira á execução das sentenças proferidas pelo Poder J u-
diciario em casos dessa natureza, e a tradição do nosso Direito
tem sido inflexível na applicação daquelle prilncipio.
Alssim, a jurisprudencia tem affirmado que o poder judi-
ciario não pode obrigar, por exemplo, a readmissão de um
funccionario demittido, mas apenas assegurar a percepção do~
vencimentos devidos pelo cargo (8).
A creação do mandado de segurança veio levantar a ques-
tão e collocal-a em outros termos, porque as decisões proferi-
das naquelles casos são typicamente executorias.
A these já foi discutida perante a Côrte Suprema.' Mos-
trou o seu eminente presidente, Ministro Edmundo Lins, que
existem na nossa historia judiciaria precedentes que devem sel~·
inVlocados, ocCorridos por occasião da expedição de ordens e
mandados para o cumprimento de decisões judiciarias.
Referia-se aqueHe magistrado aos casos de habeas-corpus
concedidos pelo Supremo Tribunal Federal, quando aquelle re-
medio era concedido para effeitos civis ou poUticos, lembrando.
entre outros, o accordão de numero' 2.990, relatado pelo sau-
doso Ministro Pedro Lessa e que concedeu habeas-cor:pus aos
intendentes municipaes do Districto Federal para entrarem na
Camara Municipal e exercerem o seu mandato, bem como o

(7) Ver pg. 176.


(8) Accordão do Supre;nw Tribunal Federal de 1.° de Junho de
1927, Archivo Judticiario, "'01. IlI, pg. 135.
108 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

relativo ao C3iSO do Hstado do Rio de Janeiro, impetrado por


Nilo Peçanha e Raul Fernandes (9).
Em todos esses casos foi feita apenas communicação por
officio ao Ministro da Justiça (10).
Os debates a que nos referimos foram provocados por
uma proposta do Ministro Costa Manso, nos seguintes termos : -

"A decisão proferida no processo a· que allude


o art. 113 n. 33 da Constituição executa-se mediante
- màndado de segurança - assignado pelo presi-
dente da Côrte Suprema."

Esta proposta foi approvada com o additivo do procurador


geral da Republica, Dr. Carlos Maximiliano: "sem prejuizo
da expedição :do mandado, o _presidente officiará á autoridade
administrativa communicando a decisão (11).
Fundou-se a Côrte Suprema, para acceitar a proposta, na
natureza executoria do mandado e na sua aSsemelhação aos
diversos writs do Direito Americano (12).
A nós parece que o cumprimento do mandado impõe-se
sob pena de responsabilidade da autoridade que se oppuzer á
determinação judicial. Não vemos como se possa differenciar
um mandado expedido para cumprimento de um habeas-corpus,
de outro expedido para execução de um mandado de segurança
concedido, ou de um interdicto em qualquer uma de suas mo-
dalidades.
A finalidade desses mandados muito se assemelha áquelles
creados pelo Direito Americano para execução de certas deci-
sões, como o mandamus - quo warranto e de certiorari - que
trazem comsigo, na sua propria definição e na sua fórma, todas
as condições de executoriedade immediata.
~,',

(9) E' preciso notar que apezar de tudo não foi cumprida a deci-
são da Côrte Suprema, em virtude da intervenção do poder legislativo.
(10) Ver "Jornal do Oommercio", de 18 de Julho de 1935.
(11) Ver "Jornal do Commercio", de 11 de Julho de 1935.
(~6) 'GooDNOW, Principes, du droit administrati! des États Unis, pa-
gina 471; BAILAY, habeas-corpus; COOLEY, On Constitutional Limitations;
BIELSA, Derecho Administrativo, VoI. I, pago 101, nota 56.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 109

E' preciso, no entretanto, Observar que continúa de pé em


nosso regimen politico· o principio de separação de poderes, que
limita em suas consequencias o cumprimento das decisões j u-
diciarias proferidas contra o Poder \F\ubHco, a que já nos re-
ferimos.

Da imprevisão

Nem semjpre torna-se necessario annuUa~ ou revogar o


acto administrativo, principalmente o contracto administrativo •.
pela impossibilidade de sua execução.
Muitas vezes. occorre que um facto imprevisto torna im-
possivel a realisação daquillo que foi estipulado, forçando as
partes contractantes a conciliar as normas contractuaes com
as exigencias dos factos.
Não tem. no entretanto. o poder publico a faculdade de
modificar as clausulas contractuaes a seu talante. Dahi. a dif-
ficuldade que offerece o estudo da theoria da imprevisão. cujo
objectivo principal é o exame das condições em que se justifica
a applica~ da clausula de imtprevisão. tornando legitima a
modificação feita no pactuado.
O estudo dessa theoria, embora antiga. tomou aspecto novo
depois da guerra de 1914. quando as condições geraes do mundo
caracterisaram-se por uma instabilidade proveniente da desor-
ganisação politica e economica de quasi todos os paizes. Suc-
cedeu, naturalmente. que em numeroso~ casos tornou-se im...
possivel o cumprimento de clausulas contractuaes pelo evento
de factos imprevistos.
O :flundamento juridico da theoria da imprevisão encon-
tra-se na velha formula de Barlholo (13). contida na clausula

(13) Ver sobre o assumpto o livro de ARNoLDO MEDEIROS DA FON-


SECA. Caso Fortuito e Theoria da Impr6'Visáo.
ARTHUR RocHA, Da Intervenção do Estado nos Contractos Concluídos.
OSTI, La Cosideta Claosola R. S. S., nel suo Svilu'JYPO Storico, in.
Riv. di Dintto Civile, 1922.
JAm LINs, A Clausula Rebus sic Stantibus, Rev. Forense, voI. 40.
pg. 512.
110 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

rebus sic stantibus, em virtude da qual a obrigação de manter


o contracto 'subsistiria emquanto não se modificassem as con-
dições e as circUIll:Stancias; essa formula vem encontrar as
suas origens no mais antigo Direito Romano. (Digesto,
XII - 4, 8).
Combatem a formula da revisão por mera imprevisão, entre
outros, Ripert (14), com argumentos da maior relevancia.
Segundo este autor, o que assegura a vitalidade e o valor
dos contractos é a sua estabilidade, e, por conseguinte, a ga-
rantia do credor contra o imprevisto. A clausula rebus sic
stantibus não tem o sentido amplo que se lhe pretende dar,
pois que as suas origens encontram-se, apenas, na reacção dos
canonistas contra os excessos da usura.
Dirige, assim, R1pert a sua critica especialmente contra
os excessos da applicação da clausula, excessos que importam,
afinal, em um beneficio .para o devedor, e em uma desvanta.:
gem manifesta para o credor.
Si razões imperiosas e um desequilibrio evidente podem
justificar a revisão ou a adopçãode medidas excepcionaes,
muitas vezes de caracter transitorio, com o objectivo de resta-
belecer o equilibrio do contracto, é indispens,avel que tenha sido
impossivel a previsão do acontecimento que perturb~u a
execução do contracto.
Este éo caracter essencial da clausula rebus sic stantibus.
Segundo RIPERT, o caracter de imprevisão decorre menos do
acontecimento em si, do que da apuração da possibilidade ou
não da.p!,evisão do facto. Assim, o facto da guerra·· vale, na
applicação da clausula, menos pela sua imprevisão, do que pelas
suas consequencias. A impossibilidade do cumprimento do con-
tracto e a ruina do devedor em consequencia da sua applica-
ção sem as modificações impostas pelo facto imprevisto, é que
justificam a sua revisão.
O que, porém, legitima perante o credor a modificação da
clausula é unicamente a imprevisão.

(14) De la RegIe MoraIe, pg. 144.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 111

Assim, temos uma razão de equidade em favor do devedor,


e um sacrificio imposto ao credor, mas tornado legitimo pelQ
facto da imprevisão.
Como ensina, PQrém, DEMOGUE (15), a questão da impre-
visão reduz-se, apenas, a um. dos aspectos do problema, que
interessa á rigidez ou malleabilidade dos contractos, questão
nascida no Direito Canonico, e com os post-glossadores BALDE
e TIRAQUF.AUT. A 1Jheoria penetrou na Italia e na Allemanha
no seculo XVIII, e agora revive nos autores modernos, espe-
.cialmente na sua applicação ao Direito Administrativo.
No Direito Civil, tem sido a theoria de applicação mais
restricta, talvez devido á limitação no tempo do vigor dos con-
iiractos entre particulares. NQ Direito Administrativo, porém,
:mereceu estudos especiaes pela necessidade da readaptação da
velha 1Jheoria ás novas exigencias do direito moderno.
Como já dissemos, foi a guerra de 1914 que provocou novo
jnteresse na applicação da doutrina. Na jurisprudencia fran-
ceza deve se mencionar especialmente o caso da "Compagnie
generale d'éclairage de Bordeaux" julgado pelo Conselho de
Estado em 30 de Março de 19,16, no qual ficou reconhecido o
direito daquella companhia a uma indemnização pelo facto do
augmento descommunale imprevisivel do preço do carvão.
Este julgado reveste-se de. caracteres peculiares e interes-
santes, porque o 'Conselho de Estado considerou, não soment.e
a questão da imprevisão nos contractos, mas tambem as condi-
ções e a maneira da liquidação dos prejuizos, tratando-se de
concessão de serviço publico, em que o augmento das tarifas,
viria recahir sobre o publico consumidor (16).
A clausula de imprevisão tem por objectivo mais directo
a revisão do contracto pela sua adaptação ás novas condições.
Sómente a força maior, o caso fortuito (17), justificariam
"

(15) Traité des obligations, voI. VI, pg. 690.


(16) Ver WALINE, Traité elementaire de Droit admânistratij, pagi-
na 419.
PHILIPPE 00M'rE, De la concession de service public, pg. 130.
(17) ARNOLDO MEDEIROS DA FoNSECA, -CaBo Fortuito e Theoria da
lmprevisão.
112 THEMISTOCLES BRANDÃ:O CAVALCANTI

taes alterações, que attingem não somente os casos deine-


xecução do contraeto mas tambem as hypotheses em que se
verifica um desequilíbrio economico que torna im.tpossivel a
execução normal do contraeto (18).
ICommentando a decisão proferida pelo Conselho de Es-
tado no caso da Compagnie du Gas, dizia HAURIOU:

. "L'objet du contrat initial est d'établir un equi-


libre raisonnable entre les droits et les obligations du
concessionaire et les necessités du Service Public;
cette economie contractuelle d'ordre essentiellement
pécuniaire constitue une sorte de mecanisme compen-
sateur destiné á regulariser les relations entre l' en-
trepreneur et l'entreprise, mecanisme qui suppose
avant tout la primauté de l'entreprise du Service
Publico "

Naturalmente que numerosas hypotheses podem se verifi-


car~ especialmente naquelles casos em que não occorre a resci-
são do contracto mas apenas a modificação de condições da
sua execução. Não seria possivel, no entretanto, enquadrar
todas essas hypotheses em uma formula unica. A directiva tra-
çada pela doutrina, ao definir o sentido da clausula de impre-
visão, basta para tornar possivel a sua applicação aos casos
concretos.
EStas são as normas geraes que se applicam a todos os
contractos administrativos. Voltaremos a novo exame da ques-
tão ao estudarmos as concessões de serviço publico e a revisão
daquelles contraetos. Veremos alli tambem, os fundamentos ju-
ridicos sobre os quaes se assenta a legitimidade da revisão
ou rescisão dos contractos por imprevisão. Aqui ficam apenas
as linhas geraes da materia.

(18) VELAsoo, Los contratos administrativos, pg. 163 e segs.


CAPITULO . IV .

CONTRAC'l1OS D-E· OBRAS PUBLICAS

Natureza do contracto ~. Suacomprehensão entre os con-


. tractos administrativos - Seus fins - execução de ser-
viços publicos - fins de utilidade publica - Diversas
theorias - Velasc(} - Jêze - Differentes modalidades
- Empreitada - Administração contractada :...-., For-
necimento de Materia.es - Concúrrencia Publica.·

Entre os contractos administrativos, destaca-se, pela sua


imporlancia, o de obras publicas, que fará objecto do presente
capitulo.
Em nosso direito, o contracto de obra publica não se re-
veste de maiores particularidades além daquellas já mencio-
nadas e que interessam a todos os contractos realizados pela
administração, de um modo geral. a
Em outros paizes, notadamente na França, numerosas
questões, especialmente de competencia, estão ligadas a esse
problema. Entre nós, porém, cabe ao poder judiciario apreciar
as controversias sobre essas relações jurídicas decorrentes do
contractO,o que, por si só, afasta es'se aspecto da questão.
O con:tracto de obra publica presuppõe, necessariamente,
a execução de uma obra destinada a um serviçO publico.
E' preciso que esse .serviço revista-se de todos os caracteres
inherentes aos trabalhos de utilidade publica, em que o inte-

- 8
THEMISTOCLES BRANDÃ:O CAVALCANTI

resse da obra esteja ligado ás finalidades essenciaes da ad-


ministração. Isto, naturalmente, occorre quasi todas as vezes
em que o Estado attribue a terceiros a execução de um ser-
viço, mas nem todas as vezes
Poderiamos citar, como exemplo, o reparo de immoveis do
dominio privado do Estado destinados á simples locação, em
que o Estado dispõe como qualquer particular, pela simples
necessidade de tirar rendimento daquelles immoveis. Eviden-
temente, não se pode considerar esse contracto como de obra
publica, embora deva-se revestir das condições formaes im-
postas pela lei para a sua realização.
O fim de utiilidade publica ou a necessidade de attender
á execução de um serviço publico, constituem os traços essen-
ciaes do contracto de obra publica. A construcção de um lo,"
gradouro, o saneamento de um rio, a construcção de um porto,
são outras .tantas modalidades de obras publicas que podem
ser mencionadas como exemplo.
Por isso é que, segundo JÉZE, os dous conceitos, da obra..
publica e do serviço publico, devem ser cons~derados insepa-
raveis (1). . .(
E' o mesmo coneeito expendido por VELASCO, que melhor
precisa o seu pensamento, procurando definir o que se pode
comprehender por serviço publico em materia de obras 'Publi-
cas. Segundo o mesmo autor (2), a obra, para ser considerada
publica, precisa ser destinada ao uso ou aproveitamento geral,
e conclue:

"iEn roi opinion, por uso general habrá que en-


tender el que, para satisfacion a algunos· de los
fines publicos deI 'Estado, se facilite por la admi-
nistracion indeterminadamente, .0 sea in afectar o
referir-se a persona concreta, de manera que se uti-
lice communal y simultaneamente, pero respetando
las oportunas restriciones de policia que dicta e im-

(1) Les principes généraux dú droit administra,tif, lU, pg. 338.


(2) VELASOO, Contractos administrativos, pg. 80.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ·ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 115

pone la misma administracion. Si la utilidad gene-


ral cuya satisfacion sepropone la obra, suprimiendo
el uso comun y simultaneo, se concreta en utilidad
de una persona o de un conjunto de personas indi-
vidualizadas, al uso originario de la obra se oonvierte
en aprovechamento. El aprovechamento implica ex-
clusion" (3).

BENTO DE FARIA (4) admitte tambem a hypothese da obra


não se destinar a um serviço publico e, no entretanto, cara-
eterisar-se como obra publica porque a sua realização é de
manifesto interesse publico. Não deixa de ser poderosa a oh-
.servação e foi por esse motivo que comprehendemos entre os
eontractos dessa natureza, não sómente aquelles destinados á
~xecução de um serviço publico, mas ainda os destinados a
fins de utilidade publica.
A amplitude do conceito permitte que nelle se compre-
handa uma grande variedade de serviços. O importante é que
a sua finalidade não fique limitada á simples circumstancia
.de ter sido o contracto realizado pelo Estado.
A outra questão que interessa directamente ao estudo dos
-contractos de obras publicas, é aquella que diz com a sua na-
tureza, isto é, com a natureza da relação juridica que se es-

(3) VELASOO, .op. cit., pg. 84. Deve se observar que aquelle autor
obedece ao disposbona lei de 29 de Dezembro de 187ú que define "obras
publicas :
"Rara los efectos de la Ley se entenderá por obras pUlblicas las que
·sean de .general uso ° aprovechamento, y las construciones destinadas
a servicios que se halIen a cargo deI Estad,o, de las Provincias o de los
:pueblos".
(4) Pareceres, vol, I, pg. 98: O rubatimento de gado para o abasteci-
'mento da .população não é um serviço publico ,mas o estabelecimento de
um local apropriado para realisal-o constitue obra publica cuja expio-
ração ha de interesstlr a Mlunicipalidade, visto como a centralização de
tal matança offerece as seguintes vantagens:
a) de ordem administrativa, porque permitte dotar o Municipio de
:immovel ·necessario, sem qualquer desembolso;
, b) de ordem sanitaria, porque facilita a actuação efficiente da po-
licia de Saude, na párte .referente á alimentação;
c) de ordem fiscal, porque assegura a percepção do imposto sem a
]losl3ibi1idade da sua evasão. (BIELSA, Questiones de Administraci'on Mu-
.nicipal; 1930; pg. 51). .
116 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

.:tabelece, não sómente entre .0 Estadoeo. parti,cular, mas


tambem perante os terceiros, porventura. i:p.teressados na
execução da obra, ou que venham a ter qualquer interessE'.,.
quer. no fornecimento de materiaes, quer nos terrenos e edi-
fidos por acaso occupados pelo contractante.
Essas relações decorrem, naturalmente, da nl.odalidade de
que se revestir o contraeto, ou melho:r:, da maneira poz,que ()
Estado e o contraetante concorrerem, cada um de sua parte,.
no fornecimento do material, da mão de obra, ou do, numera-
rio para a execução do serviço.
Não se pode confundir a execução de uma obra por em-
preitada com a administração contractada ou por tarefa, de-
pendendo as relações juridicas, creadas pelo contracto, das es-·
tipulações peculiares a cada um.
Existem, na realidade, typos bem definidos de contraetos
para a execução de obras publicas, mas, dentro delles, podem-se
verificar variedades e combinações que alteram, em sua essen-
cia, o typo dentro do qual se pretenda enquadrar o negocio.
juridico.
Veremos, em seguida, os typos de contractos de obras
publicas geralmente adoptados entre nós, e que correspondem~
feitas as alterações peculiares ao nosso regimen administra-
tivo, ás normas geralmente adoptadas pelos diversos paizes.
Seria, entretanto, temeridade, pretender enqua4rar todos
os contraetos de obras publicas dentro de uma determinada
figura juridica, como, por exemplo, a da locação de serviços,
como são geralmente qualificados esses contractos, porque,
como observa muito bem BIELSA (5), a variedade do regimen
juridico a que obedecem, permitte que eIles possam assu'mir
formas juridicas as mais variadas, como compra e venda, com-
missões, etc (6).

(5) . Derecho Admini8trativo, voI. I, pg. 145.


(6) A caracterisação do contracto de empreitada, por exempll(}, tem
d,ado lugar ás maiores controversias, no terreno do Direito Commerciàl.
Deve-se di>stinguir, assim, a empreitada com ou sem fornecimento de-
material, o qual altera, em sua substancia, o negocio juridico. .
PLANroL et RlrPERT sustentam que o mesmo contraeto deve-se equipa-:-
INSTlTUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 117

As obras publicas podem ser realisadas, ou directamente


pelo Estad.o ou por intermedi.o de terceiros.
Quando executadas directamente, diz-se por administra-
ção. Quand.o realisadas por terceiros, diz-se de:
a) empreitada;
b ), administração interessada .ou administração cüntra-
dada;
c) tarefas.
A .obra é executaJda por administração quando o Estado
-executa o serviço sob sua pr.opria responsabilidade. E' aquillü
que os francez.es chamam execution en régie. Com.o mostra
GASTON J~ZE (7), na execution en régie, .o empreiteirü é a pr.o-
pria administração; é ella quem assume os riscDs, contracta
i>perariüs, financia e dirige a obra.
Tem sido este processo malsinado pelo preçü das .obras
realisadas por esta f.orma. Pretende-se que todo .o serviço rea-
lisad.o directamente pela administraçãü importa em despezas
muito elevadas, pela incapacidade d.o Estado na organisação
de seus serviços e acquisição de materiaes.
A crjtica tem a suaprocedeneia, mas deve-se attendera
outras circumstancias, que podem ser invocadas em favür do
Estadó. E' que não menores irregularidades verificam-se nas
obras executadas por empreitada .ou administração contractada.
. Todos procuram se beneficiar e tirar proveitos, muitas vezes
indevidos, nas obras pagas pelo Estado, quer na majoração das
contas, na modificação de prüjectos, na construcção de obras
não previstas no c.ontraeto ou no edital de concurrencia, etc.

rar á simples venda, quando o operaria fornece o material (Traité Pra-


tique de Droit Civil Français, tome 11, pg. 158).
A Jurisprudencia italiana attrilbue, tambem, caracter commercial á
empreitadac'om fornecimento de material (SCIALOJA, Dizionario di Di-
ritto Privato, verbo Ap'palto).
No mesmo sentido, em nosso direito, COELHO DA RoCHA" Direito Ci-
vil, § 852, BEN'l1O DE FARrA, Codigo Commercial, nota 243, CARVALHO DE
M\ENOONÇA, Direito Comm~cial Brasileiro, voI. VI, parte 2.. n. o 1046.
&,

Ver tambem nosso Parecer, in "M·andado de Segurança", 2." ed., pa-


gina 343.. " ,
(7) Contrats Adrntinistratif, v'Ül. I, pg. 41; RoGER' BONNARD, précis
Droit Administratif, pg. 468.
118 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Poderiamos trazer para aqui innumerosfactoe· compro-


batorios dessa affirmação, mas que não cabem nesta obra, se-
não como referencia.
A execução pelo Estado tem outros inconvenientes, como.
a morosidade da machina administrativa, a difficuldade nos
pagamentos e no empenho das despezas, etc.
Não se pode, entretanto, condemnar o processo pela excel-
lencia dos demais e sim por uma questão de politica adminis-
trativa, sustentada, principalmente, por aquelles que negam a
necessidade do Estado exercer actividade industrial.

A Empreilada

o processo mais normal de execução de serviço ou de obras:


publicas por particulares é a empreitada. Presuppoo não s6 o
fornecimento da mão de obra e da administração, como ainda
de material.
E', assim, o contracto de empreitada, prestação de serviços~
e compra e venda de materiaes.
SO'bre a sua natureza juridica muito se tem escripto, mas
o que interessa neste trabalho é fixar a relação juridica que
se conclue entre o Estado e o emp,:,eiteiro, e isto já ficou bem
definido acima.
o pagamento pode-se effectuar por differentes moda-.
lidades:
a) por unidade, calculado o preço do mat.erial empregado,
mão de obra;
b) por medida, isto é, pela quantidade de obra realisada;
c) por tarefa, isto é, por determinado serviço.
O contracto de empreitada presuppõe a responsabilidade
do empreiteiro pela execução completa do serviço; responde, as-
sim, perante terceiros pelos riscos e pelos prejuizos decorren-
tes da execução da obra.
A forma de pagamento depende da estipulação contra-
ctual, e os orçamentos são confeccionados de accordo com a
natureza do obra.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIV') BRASILEIRO 119

o contraeto .com pagamento global é de todos o mais facil,


. principalmente para a fiscalização. Nem sempre, porém, é pos-
sivel leva-los a effeito por essa forma, porque depende de obras
só possiveis de ser avaliadas durante a execução. Assim, nas
estradas de rodagem, as pontes, viaductos, etc., sujeitas a alte-
rações durante a realização do serviço.
Quando o pagamento é feito por preço unitario, o calculo
é realizado levando-se em conta o trabalho effectuado, de &C-
.cordo com os preços por unidade de serviço. Esses 'preços uni-
tarios variam segundo a natureza da obra, local, difficuldades
inherentes a cada obra, etc.
Assim, por exemplo, os aterros, as terraplanagens, as cer-
cas e outras obras cuj a medi.da depende de verificação poste-
rior da quantidade de trabalho realizado.
Por conseguinte, a não ser no caso do pagamento global,
todas as differentes modalidades de pagamento têm por base a
medida do serviço levado a effeito, quer elle seja representado
por um preço unitario, que varia com a natureza da obra, quer,
prefixado o preço por medida convencionada, tenha-fle de veri-
ficar qual a quantidade de serviço prestado.
São essas as differentes modalidades do contracto de em-
preitada, que variam de accordo com a natureza da obra, as
condições em que deve ser realizada e as conveniencias da admi-
nistração, sob o ponto de vista financeiro.

A administração contractada é aqueHe regimen de exe-


cução de obras publicas em que o Estado entrega a terceiros a
realisação do serviço, percebendo esses, pela administração, de-
terminada percentagem. Todo o material e mão de obra são
fornecidos pelo Estado. E' aquelle regimen que os francezes
chamam, com muita pr~iedooe, régie mteressée.
Este regimen tem sido muito combatido por contravir ao
regulamento da contabilidade publica. Foi o preferido, nota.-
damente, na execução das obras dos Quarteis do Exercito e do
.Arsenal da Ilha das Cobras.
120 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Regimen de talI'efas

. O Regimen de Tarefas consiste na execução de obras por


ordem de serviços ou por ajustes a titulo precario., em certos
serviçospublico.s do EstaJdo..
E' um velho regimen existente entre nós, notadamente
para a co.nstrucção de estradas de ferro, que parecia abolido
pelo. Codigo. de Contabilidade publica, mas que reappa!'eceu,
graças ao disposto no. art. 22 da lei n. o 4.911 de 12 de Janeiro
de 1925 (8).
Antes, porém, considerando constituir tal processo de exe-
cução de obras uma das excepções previstas no art. 246 do.· Co.-
digo. de Contabilidade Publica, já havia o. Ministro da Viação
baix~do a portaria de 22 de Janeiro. de 1924, na qual appro-
vava ~s condições para execução das o.bras de estradas de ferro
subordinadas ao Ministerio da Viação..
Esta portaria foi, mais tarde, pelo. Aviso de 4 de Fevereiro.
de 1930, applicada aos .serviços das Inspectorias de Aguas e
Obras Publicas, e de Portos, Rios e Canaes, como antes, em
18 de Março de 1927, já havia sido determinado. para a cons-
. trucção da estrada de rodagem Rio-São Paulo.
A legitimidade das alIudidas portarias deco.rria, confor-·
me resolveu o Tribunal de Contas, do art. 227 da lei 4.793, de
7 de Janeiro :de 1924, ainda ampliado ,pelo art. 22 da lei 4.'911. de
12 de Janeiro. de 1935 (9).
Mas em que consiste o regimen de tarefas, quaes as suas
condições?
No ajuste a titulo. precario., rescindivel ao. arbitrio. da
administração, para execução de pequenas ohras publicas, ou
parte de uma obra (10).

(8) Ver nota 11 á pg. seguinte.


(9) Ver A. BIOLCHINI, Codificação da Contabilidade Pu.blica Brasi-
leira, voI. lI, pgs. 915 e seguintes; Legi8lação anterior - Portarias de 22
22 de Dezembro de 1903, 25 d,e Junho de 1905, e de 5 de Abril de 1908.
(10) 'Ver Accordão do Supremo Tribunal Federal ,de 7 de Janeiro
de 1922. in "Revista do S. T. F.", voI.' XL, pg. 144.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO' BRASILEIR:O 121

A· forma mais commum é a de simples prestação de ser-


viços, mas não exclue o forp.ecimento de materiaes (11).
: '. O regimen de tarefas está geralmente condicionado a nor-
·mas geraes, elaboradas pela administração, ás quaes se devem
sujeitar todos os tarefeiros.
Os preços unitarios são, igualmente, prefixados pela admi-
. nistração, que deve tambem demarcar e estabelecer com ante-
cadencia o loéal da obra.
O pagamento do pessoal é feito pelo tarefeiro, mas podeI'á
a adminirstração assumir a responsabilidade por esse paga-
mento, nas condições estipuladas na concessão, descontando
posteriormente a administração, do tarefeiro, as quantias pagas.
Terminada a obra, ou durante a' sua execução, caso o pa-
gamento deva ser parcellado, dever-se-á proceder á medição
e avaliação da obra pelo engenheiro competente..

F'ORNECJMENTO DE MATERIAtES

A administração precisa, para as necessidades dos servi-


ços publicos, adqUirir materiaes os mais variados, desde os de
simples expediente até os mais indispensaveis para a defesa
nacional. Para isso, existem, em nossa legislação, tres systemas
principaes :
a) por concurrencia publica e contracto;
b) por concurrencia administrativa;
c) independentemente de concurrencia.
O Codigo de 'Contabilidade Publica, em seus arts. 244 e
seguintes e 7~6 e seguintes, estabelece as normas geraes relati-
vas ao assumpto, fixando os diversos casos em que são exigidas
formalidades legaes para acquisição dos referidos materiaes.
O. principio da concurrencia constitue a regra geral da
acquisição de mercadorias pela nossa administração, e só exce-
pcionalmente, ou pela natureza da compra, ou pela urgencia
da acquisição,. a lei permitte a sua dispensa.

(11) Ver apud BIOLCHINI, op. cit., ~ol. lI, pg. 926.
122 THEMISTOCLES BRANDÃ:O CAVALCANTI

o fornecimento dos materiaes para repartições publicas


fazia. . se, sob o regimen do Codigo de Contabilidade, pelas pro-
prias repartições, por meio de empenho da despeza e concur-
rendas por ellas realisadas.
No primeiro volume destas "Instituições" tratámos do as-
sumpto, quando estudamos a organização e o funccionamenro
da Commissão Central de Compras, repartição que attende aos
fornecimentos necessarios ás differentes repartições do Es-
tado (12).

DA OONGURRENCIA PUBLICA

o systema da concurrencia publica para execução de obras


ou fornecimento de materiaes para o Estado decorre de tres
principios fundamentaes: a) uma restricção para a adminis~
tração na escolha de seus fornecedores; b) o direito de todos
ao fornecimento em egualdade de condições; c) a necessid·ade
da escolha daquelle que em melhores condições' offerece o ser-
viço ao Estado.
Por conseguinte, o regimen das concurrencias é o que me-
lhores condições offerece para satisfação das necessidades do
Estado.
E' o principio, aliás, consagrado pelas noss'as leis e praxes
administrativas.
O regimen da concurrencia não exclue, porém, o exercicio
de um certo poder da administração na escolha, no criterio de
cotejo das diversas offertas, respeitados os principios 'Iegaes.
Nem todos os paizes adoptam esse regimen. Na França,
segundo se vê em GASTON JÉZE (13), o regimen normal é o
da livre escolha, discricionaria, da administração publica (con-
trat gré à gré), a menos que a lei não imponha o regimen d~
concurrencia.
Entre nós, porém, outra tem sido a doutrina dominante.
O que prevalece é o regimen da concurrencia, que só eXlCepcio-
nalmente pode ser preterido pelo da livre escolha.

(12) Instituições de Direito Administrativo, voI. I, pg. 438.


(13) Contrat8 administratif, VoI. 11, pg. 80.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO B~ASILEIRO 123

As concurrencias podem ser publicas ou administrativas.


Segundo determina o art. 738 do Codigo de Contabilidade,
a concur.rencia publica deve se realizar:
a) - ípara fornecimento, embora parcellado, custeado
por, creditoB superiores a Rs. 5 :000$00,0, salvo os casos previs-
tos expressamente para a concurrencia administrativa;
b) - para execução de obras publicas superiores a Rs.
10 :000,$000;
c) para a avaliação de bens do dominio patrimonial da
União, moveis ou immoveis.
Precede á concur,rencia, ou melhor, ao exame das propos-
tas, a verificação da idoneidade dos concurrentes.
A abertura das propostas só se dará uma vez verificada
aquella idoneidade, de accordo com a comprovação feita pelo
concurrente.
E' licito a qualquer dos concurrentes reclamar contra a
inclusão ou exclusão de qualquer outro na lista daquelles con-
siderados ildoneos ou inidoneos, provando os factos que forem
porventura articulados contra a alludida classificação.
A mais ampla publilCidade é um presupposto do proprio
regimen da concurrencia publica.
Para isso, o Codigo de Contabilidade estabelece, em seus
artigos 745 e seguintes, normas geraes a que devem obedecer
as repartições e que são as seguintes (14) :
A' concurrencia publica precede a publicação nos orgãos
officiaes dos editaes expedidos pela Repartição que terá de
firmar o contracto de fornecimento ou a prestação de serviços,
editaes que :devem conter os seguintes elementos:
a) - a autoridade que presidi!'á a concurrencia, o logar, dia
e hora em que devem ser abertas e lidas as propostas;

.. (14) Art. 745 do Oodi'go de Contabilidade. Anteriormente ao Codi.


go de Contabilidade' vigoravam as seguintes disposições: l)e{:. 2926, de'
14 de Maio de 1862; Lei 2221 de 30 de DezeIOOro de 1909,; Lei 3232, de
5 de Janeiro de 1917 (art. 94), 345'4 de 6 de Janeiro de 1918, (art. 170),
1

3991, de' 5 de J·anelr() de 1920 (art. 731), Dec. 4555, de 10 de Agosto


de 1922).
124 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

b) - O objectoda concurrencia, indicadas com a maior


minucia todas as condições technicas e administrativas, marca,
peSO, medida ou volume ,dos objectos, condições de entrega,
emfim, todos os elementos indicativos do objecto. da con-
currencia;
c) - o local onde podem ser examinadas as amostras no
caso de fornecimento cujo objecto não possa ser designado de
modo inconfundivel, ou as plantas e desenhos quando se tratar
de construcções;
d) - a prova de idoneidade dos concurrentes, de aceordo
com a natureza da concurrencia;
e) - a importancia do deposito previo.
No dia e hora designados a autoridade que presidir a con-
currencia passará· a receber as propostas que forem apresen-
tadas. Ninguem comparecendo, fará a autoridade lavrar uma
acta. No caso contrario, depoÍls de assignadas e rubricadas as
propostas pelos concurrentes,' serão as mesmas entregues ás
autoridades.
Em seguida, será verificada a idoneidade dos concurren-
tes, e só então serão as propostrus abertas e lidas, lavrando-se
uma acta onde ficarão cireumstanciadamente relatadas todas
as occurrencias;
Antes de qualquer decisão, serão as propostas publicadas
na integra pelos jornaes que houverem publicado os editaes
acima referidos.
Só então passará a commissão a estudar as propostas, esta- .
belecendo quadros comparativos das mesmas, bem como o con-
fronto dos diversos preços offerecidos.
Feita a classificação, encaminhará o presidente da com-
missão todo o processado ao chefe da Repartição, acompanhado
de um breve relatorio com as conclusões da commissão, e onde·
deverá constar qual a proposta mais vantajosa.
Verificada pelo chefe da Repartição a regularidade dó
processo" e que os preços offerecidos não excedem de 10% dos
preços correntes da praça, será escolhida a proposta mais ba-
rata. No caso contrario, será annullada a concurrencia.
Este é o processo preliminar da concurrencia publica que,
no entretanto, não importa até á assignatura do contracto, em
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 125

obrigação para' a administração publiea., que poderá deixar de


acceitar as propostas ou annullar a concurrencia, sem que isso
importe em responsabilidade civil.
E isso explica-se pelas seguintes razões:
Feita a classificação das propostas por meio de quadros e
outros demonstrativos, será realizada a escolha pela autoridade
competente, o que não exclue certa discreção, limitada. apenaS
pelos termos dos ed'itaes e pelas disposições legaes em vigor. -
Assim, a proposta mais barata, 'por minima que seja a
differença, terá preferencia; em igualdade de condições proce..
der-se-ha á nova concurrencia, entre aquelles que se acharem
em condições. identicas, versando esta ultima sobre os abati-
mentos que poderão ser feitos.
Caso não accedam no abatimento, proceder-se-ha ao sor-
teio que resolverá a duvida.
Mas entre as propostas p6de acontecer que a differença
mais sensivel não se caracterise no preço, mas em outra con-
dição. Esta póde ser estabelecida pela administração, que
deverá decidir sobre a classificação de duas ou mais propostas
eguaes (15).
Reserva-se o Governo, porém, o direito de annuIlar qual-
quer concúrrencia, motivando o seu despacho.
E' o principio applicado mesmo no regimen d,a lei 2.221,
de Dezembro de 1909, conforme tem reconhecido a' juris:pru-
Idencia do Supremo Tribunal Federal, in verbis:

"A annullação de uma ooncurrencia publica.


decretada pelo Governo depois Ida apresentação das
propostas, afim de acautelar os interesses superio-
.. res da alta administração do Estado. não importa
na. responsabilidade .por perdas e qamnos; mas~
apenas, no pagamento da mesma multa a que seria
obrigado o conctU'rente aeeeito, que deixasse de aS-

(15) Art. 744, do Codigo de Contabilidáde.


126 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

signar O contracto para o qual fôra aberta a con-


currenéia publica" (16).

E' preciso, no entretanto, observar que a resalva contida


no final da ementa só se poderia justificar no regimen da lei
numero 2.221.
No systema do codigo actual não se poderia. impôr tal
penalidade ao Poder Publico, mormente quando motivado O
acto.
o Governo, pelo estatuto em vigor, reservou-se essa fa-
culdade, o que importa em uma restricção que preexiste á pro-
posta da concurrencia.
Essa resalva, aliás, deve constar dos editaes.
A concurrencia não obriga nem póde obrigar a admini~
tração àntes de concluido o contracto definitivo.
Segundo JÉZE, a concurrenda é um acto-condição unilat&- .
ral (17) de natureza complexa, para cuja conclusão definitiva
torna-se necessaria a .pratica de muitos actos.
Esta parece ser a bôa doutrina que justifica as conclusões
a que acima chegámos.
Nem sempre o regimen da concurrencia deve ser rigoro-
samente observado pela Administração Publica; o proprio Co-
digo de Contabilidade estabeleceu excepções ao principio geral,
a saber (18):
a) - para os fornecimentos, transportes e trabaJ.h08 pu-
blicos, por circumstan.cias imprevistas ou de interesse naeio- .
nal, a juizo do Presidente da Republica, que não permittirem
a publicidade ou as demoras exigidas pelos pr~s de concur-
rencias;
b) - para o fornecimento do material ou de generos·, ou
realização de trabalhos que só puderem ser effectuados pelo
productor ou profissionaes especialistas, ou adquiridos no logar
da producção;

(16) Acc., 27-W-26, Arch. Jud., V, pg. 4'Ol.


(17) Contrats Administratifs, V,oI. lI, pg. 123.
(18) Art. 246.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 127

c) - para a acquisição de animaes para os serviços mi-


litares;
d) - para arrendamento ou compra de predios ou terre-
nos, destinados aO serviço publico;
e) - quando não acudirem os proponentes á primeira
concurrencia.
Constituem, esses, porém, casos excepcionaes, que devem ser
apreciados pelo Governo, e, no caso Ida letra a), pelo Presidente
da Republica.

:.';

I. "
CAPITULO V

EMPRESTIMOS PuBLIcOS '

Emprestimos publicos - Natureza - Diversas theorias -


,Como diff.erem dos contractos de direito privado - Quaes
os. elementos que caracterisam os emprestimos publicos e
as consequencias desses principios.

Para manter os serviços publioos, é o Estado, muitas vezes~


obrigado a recorrer a certos meios extraordinarios de receita~
além dos impostos e taxas que constituem as fontes ordinarias
da renda publica.
Estes meios extraordinarios são os emprestimos "de di-
nheiro, lançados pelo Estado, de accol'do com as modalidaJdes
financeiras que se reco.mmendam em cadá caso.
E', assim, o emprestimo uma parte da divida do Estaão
que, no. entretanto, se reveste de peculiaridades que justificam
a sua inclusão em um capitulo. "proprio..
Em nosso regimen administrativo., de acco.rdo co.m a es-
tructura política do. systema federal, os emprestimos podem ser
federaes, estaduaes, ou municipaes, segundo. a entidade de Ji-
reito publico que os contrahiu.
Costumam tambem o.S autores dividir os emprestimo.s pu-
blicos em internos ou externos, temporarios ou "perpetuos, etc.
O problema financeiro. e eeono.mico, que envo.lve toda essa
materia, é de grande importancia, bem como. os aspectos de
ordem historica, social, política, constitucional, juridica e in-
ternacional, que, segundo JÉZE, constituem outras tantas faces
da questão (1).

(1) Cours de Science des Finances.


Les Contrats Administratifs.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIR;) 129

Intimamente ligados ao problema dos emprestimos, enca-


rado em sua expressão juridica, isto é, na relação obrigacional
concluida pelo EstaJdo, encontram-se, tambem" aquelles re-
lativos:
a) á emissão, juros e prazos;
b) á natureza dos titulos;
c) ás garantias dos emprestimos;
d) á consolidação;
e) á conversão;
f) á amortização.
Antes de apreciarmos a relação juridica que se estabelece
pelo lançamento do emprestimo, vamos examinar um aspecto
constitucional de maior importancia: Quem pode contrahir em-
prestimos-?
A Constituição vigente estabeleceu um regimen peéuliar
muito differente daquelle determinado pela Constituição de
1891, :p.o que se refere ás formalidades constitucionaes exigi-
das para que possam as entidades de direito publico contrahir
emprestimos.
A Constituição de 1891, em seu· art. 34, n.o 2, conferia
ao Congresso Nacional competencia privativa para autorisar o
Poder Executivo a contrahir emprestimos e a fazer outras o~
rações de credito (2) .
.A Constituição vigente, imprimindo maior severidade ao
texto, declara:

"Art. 35.
E' defeso aos Estados, ao Districto Federal e aos
Municipios :

c) Contrahir amprestimos externos, sem pre-


via licença do Conselho Federal" (3).

(2) Ver AURELINO LEAL, Thecrria e Pratica da Constituição.


,CARLOS MAXIMILIANO Commentario8 á Constituição Brasileira.
(3) Confere com o art. 19, n. V, da Constituição de 1934.

- 14
130 THEMISTOCLES BRANDÃ:O CAVALCANTI

Por conseguinte, a Constituição de 19'37, como a de 1934,


veiu impôr aos Estados e aos Municipios, bem como ao Dlstricto
Federal, uma restricção e um contrôle sobre os seus empresti-
mos externos, desconhecidos sob o regimen da Constituição
anterior.
Quanto á União, diz o art. 16, n.o VI da Constituição
actual:

"Art. 16:
Compete privativamente á União o poder de
legislar sob!'e as seguintes mateiras:

VI - As finanças federaes, as questões de


moeda, de credito, de bolsa e de banco".

E1stão, portanto, os governos dios gs,tados e Municipios,


subordinados á autorisação do Conselho Federal, que repre-
senta, dentro da estructura politica da União, um orgão des-
tinado a contrôlar os interesses dos Estados. Por isso mesmo,
ao sua constituição deco,rre da representação egualitaria dos Es-
taJdos da Federação.
Quanto ao Governo Federal, as operações de credito acham-
se subordinadas, ,para sua val1dade, á autorisação do Poder
Legislativo, porque, geradora de relações juridicas materiaes,
depeIlldem de uma lei especial (4).
E' certo, aliás, que um dos attributos dos Parlamentos, em
sua ,e:lCpressão mais tradicional, é aquelle de ordem financeira.
E' o que se verifica em quasi todos os paiz.es, como a França,
e os Estados Unidos (5).
A aeção dos poderes federaes sobre os Estados, com rela-
ção ao cumprimento :das clausulas contractuaes, relativas ao

(4) Ver ARAUJO CASTIW, A Nova Constitui.çiÜJ Brasileira, pg. 18l.


PoNTES DE MIRANDA, Qommentarios á Oonstituição.
(5) PoMMEROYS, Int/'oduction to the Constitutionnal LCl/W,pg. 262.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 131

:pagamento dos juros e os serviç<>8 de sua divid'a fundada, per-


mitte, até, a intervenção federal nos termos do art. 9, lettra d)
.da Constituição vigente.
O mesmo acontece aos Estados, com relação oos Munici-
:pios, quando se tratar de emprestimos garantidos pelo Estado,
,ou por falta Ide pagamento da divida fundada dos Municipios
:por mais de dois annas.
Envolve, no entretanto, essa materia, um estudo de di-
reito constitucional que não cabe aqui desenvolver.
O que cumpre, dJesde logo, estudar é a natureza juridica
,dos emprestimos realisados pelas entidades de direito publico,
--o que fará objecto do paragrapho seguinte.

Natureza juridica dos emprestimos publicos

Neste assumpto, como naquelle relativo aos contractos em


:geral, duas tendencias principaes definem a orientação dos au-
tore!) que versaram a materia: uma, nitidamente civilista, presa,
·ainda, aos antigos principios que orientavam o estudo do di-
·reito priv,ado; a outra, seguindo a tendencia moderna orientada
pelos .'principios de direito publico que imprimem caracter p€-
,culiar áquellas relações juridicas concluidas com o Estado, at-
tribuindo aos contractos, em geral, e especialmente aos con-
-.tractos de emprestimos publioos, um caracter administrativo
•nitidamente definido.
Conciliando as duas doutrinas, uma terceira de caracter
,eclectico procura decompôr o contracto de emprestimo publico,
reconhecendo-Ihe, em parte, isto é, em algumas de suas opera-
i.ÇõeS, a feição das relações ide direito publico, emquanto que,
em outras, cOnsidera, apenas, simples relações de ordem
privada.
Já temos accentuado, por diversas vezes, o sentido de di-
reito publico de todas as relações juridicas em que o Estado é
parte, ,e hoje cada vez é mais accentuada essa tendencia, quando
se pretende estabelecer" como principio, o da primazia do di-
.reito internacional. Por conseguinte, já o direito pubJ;ico é
'considerado dentro de um ambito ainda mais lato, nas relações
-de Estado a Estado) e esses principios assim firmados tendem
132 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

a constituir a base sobre a qual se deve assentar o direito


moderno.
O estudo da natureza juridica dos empreatimos publicos
exigiria a decomposição de todos os seus elementos essenciaes,
notadamente a posição das partes contractantes, a forma do
titulo (6), o typo, os divensos meios de attrahir os portadores
dos titulos~ o lançamento do emprestimo, garantias, etc.

I. - A Theoria Civilista.

Essa theoria é sustentada, entre outros, por PRESUTTI, LA-


BAND, MEUCCI, etc..
Segundo PRESUTTI, (7), o emprestimo publico nada mais
é do que um contraeto concluido pela administração e funda-o
mentalmente regulado pelas normas traçadas no Co digo Civil.
Pouco importam as modalidades desses contraetos, segundo'
aquelle autor, modalidades que não alteram a substancia da.
relação juridica, que nada tem de peculiar.
Segundo LABAND (8), "oontractar um emprestimo é o·
mesmo do que concluir um contraeto de direito privado, isto é,.
praticar um acto administrativo; este emprestimo não pode,.
sob qualquer Constituição, e em caso algum, ser considerado,
um acto de legislação, porque .não se pode ter como um acto
unilateral da vontade do Estado, m8JS um contraeto realisaJdo.
entre o fisco e terceiros".
O proprio autor, porém, é () primeiro a abrir uma exc€-·
pção, quando tratada emissão de bonus pelo Thezouro, qu~·
considera um acto puramente de administração ..
Deve-se notar que LABAND examinava a questão sob 0:
ponto de vista do direito allemãó. Por conseguinte, a affir-
mação de que o contracto de emprestimo não pode ser con--

(6) Pode-se mencionar, entre outras:


a) as apoHces;
b) as obrigações diversas (ferroviarias, rodoviarias, etc.);
c) os bonus do Thez<>u!1o, ou lettras, bilhetes, etc.;
d) os bands de emprestimos externos.
(7) IstituzioTÚ di Diritto Amministrativo Italiano, voI. I, pg. 354-
(8) Droit Public de l'Empire Allem..a,nd, vol. vr, pg. 78.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 133

siderado um acto legislativo não pode merecer acolhida en!


nosso direito, porque; comI() já demonstrámos, a approvação
legislativa, no Brasil como nos Estados Unidos, e na maioria
dos pai~s, é hoje da essencia do proprio contracto.
Para MEUCCI (9), o debito publico constitue-se como um
vinculo juridico, .de todo em todo identico ao dos debitos
t»'ivados.
Si bem que a natureza do ~stado, sua situação especifica,
as exigencias de salvação publica, constituem elementos 9, ser
considerados nessas relações juridicas, não importam em mo-
dificar a natureza cIvilista do contraeto, embora differenciado
dos demais contractos, mas não collocaJdo como antithese dos de
·direíto 'Publico.
Ainda dentro dessa. corrente, GERBINO (10), que consi-
dera o instituto do emprestimo publico como de direito 1)ri-
vado, embora por muitos seja considerado, segundo confessa,
como de direito publico. Fundamenta o seu ponto de vista at-
tendendo á posição do Estado, pemnte os cidadãos, equiparada
á de um particular, isto é, como a de um contractante, despido
de suas ,prerogativas e obediente a um regimen de livre con-
currencia.
O facto de soffrer a influencia de direito publico na rea-
lisação do negocio não tira, segundo o mesmo autor, o caracter
privado da transacção.

lI. - A Theoria de Direito Publico.

Os autores francezes são os que, de preferencia, se orien-


tam no sentido de attribuir aos emprestimos publicos uma fei-
ção peculiar ao direito administrativo. Já LAF'FERIÉRE (11),
fundado nas leis de 17 de Junho 1790 e Ide 26 Sietembro 1798,
,considerava os emprestimos publicos como de direito admi.
nistrativo.

(9) lstituz;oni di Diritto AmministTativo, pg. 519.


(10) I./Attività della Amministrazione F'inanziarie in Primo Trat-
ttato Completo de Orlando, voI. IX, parte U, pg. 160 ..
,(11) Jurisdiction Aftministrative, voI. r, pg. 598.
134 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Effectivamente, aquellas leis declaravam, expressamen~.


como principio constitucional, que nenhum. credito sobre o The--
zouro publico poderia ser admittido entre as dividas do E:stado,
senão em virtude de um decreto da Assembléa Nacional, e que'
todos os creditos .seriam regulados administrativamente.
No direito francez, portanto, existe uma tradjção legisla--
tiva, que, certamente, orientou a doutrina ainda hoje preva--
lecente naquelle ·paiz.
GASTON JÊZE (12) fo.i, porém, quem mais desenvolvida,...-
mente estudou a materia, sustentando a natureza de direito,
adnrinistrativo desses contractos, pelos seguintes fundamentos::
1) porque se trata de um contracto, e contracto desti--
nado a regular o funccionamento de um serviço publico;
2) A vontade Idas partes contractantes deve-se submetter·
a um regimen especial de direito publico. A lei que ·ap.prova a
emiss'ão do emprestimo publico deve prescrever que os seus',
tomadores ficam investidos de direitos que não pertencem· aos-
tomadores de emprestimos particulares'. Elxistelllp egualmente,_
grande numero de regras especiaes relativás á impenhorabili--
dade das rendas do Estado, á immunidade fiscal, ás taxas de-
juros que não dependem das l,eis de usura, á prescripçãO espe--
cial, á inscripção no "grande livro" etc. TOdas essas regras
exhorbitam do Idireito ;privado..
Assim, apparecem bem definidos os caracteres do contra--
cto administrativo.
Dentro de um ponto de vista de todo semelhante, encon--
tra~, ainda, VELASOO (13) que sustenta ser o' emprestimo.'
publico um contracto de direito publico.
Si analysarmos, minuciosamente, e até no seu intimo,.
taes contractos, diz VELASCO, e os compararmos, com os civis"
facilmente verificar-se-ha como são differentes. Como caracte-,
risticas essenciaes têm as seguintes:
1) o devedor pode não. estar obrigado a devolver' ao' cre--
dor a mesma quantia emprestada;

(12) Les Contrats Ad'ministratifs, vol. I, pg. 129.


(13) Los contl"atos administrativos, pg. 290.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 135

2) o credor carece de meios para forçar o devedor a


cumprir a sua obrigação de pagar a divida ou os juros;
3) não obstante, fica o Estado juridicamente obrigado
a cumprir a obrigação. O que equivale a dizer que, aqui, tam-
bem, desa.pparece a causa da obrigação, porque, se o Estado
deve sómenté ao seu legitimo credor, falta a este os meios para
forçar o pagamento, e o pagamento decorre do mandamento
legal, mandamento que se individualiza naquelle que é portador
do titulo contra o E,stado.
O Estado não está livre de cumprir as suas obrigações;
estas, por sua vez, não decorrem sómente do contraeto, ou, pelo
menos, este contoocto carece da efficac.ia inherente a estes actos~
nas ~lações de ordem privada.
Diverge VELAS 00, por este fundamento da inexequibilidade
dos contractos de emprestimo publico, da opinião de JÉZE, que
reconhece a plena efficacia juridica desses contractos.
Citaremos, ainda, nesta corrente, a opinião de LAPRADELLE
e POLITIS, citada por JÉZE, que não admitte a confus'ão entre
os contractos privados e os emprestimos publicos (14).
Dentro dessa mesma corrente, GABINO FRAGA JUNIOR (15)
synthetisa, da seguinte forma, os caracteres essenciaes dos em-
prestimo8 publicos:
1) A formação das obrigações do Estado diversificam-se
das particulares que realizam um emprestimo civil, porque, em-
quanto nestas ultimas o contracto constitue a fonte juridica
da obrigação, o mesmo não occorre com o Estado, que encontra
na sancção legislativa a origem principal da obrigação.
2) A interpretação do contracto de direito publico devp
regular-se, egualmente, por normas especiaes., tendo-se em COll-
sideração as condições geraes inherenies aos contractos admi-
nistrativos.
3) A estructura mesma do contracto é differente, por-
que presume um regimen de garantias desconhecid,as nos con-
tractos commul1JS.

(14) ftecueil des arbitrages internationaux, lI, 1924, pg. 5415.


(15) Derecho admmistrativo. pg. 432 e, segs.
136 THEMISTOCLES BRANDÃ:O CAVALCANTI
--------------------------------------------------
4) Finalmente, a forma de execução das obrigações
oriundas dO' emprestimO' está sujeita, egualmente, a um regi-
men juridicoespecial.
Neste sentido é que se desenvO'lvem as differentes doutri-
nas sobre este assumpto. Nunca será demais ,g,alientar, cO'mO'
o faremos adeante. a importancia desses pÍ'incipiO's geraes', que
servem de fundamento a consequencias das mais serias quanto
ás modificações posteriores das clau.sulas contractuaes, á con-
versãO' dos emprestimO's publicos quanto aO's juros e prazos de
amortização, quanto ás isenções fiscaes etc.
E' evidente que, quanto mais proximas se encontrarem as
relações juridicas dO' direito publico, mais sujeitas estarão,
tambem, ás exigencias e imposições do interesse publico. Dahi
podem ser tiraida.s as consequencias da experiencia.

IH. - Theoria mixta.

SO'b este titulo, podem-se cO'mprehender as numerosas theo-


rias que procuram conciliar as doutrinas extremas, acima estu-
dadas, ou differenciar, no cO'mplexo das operações que inte-
gram as diversas modalidades de emprestimO's publicos, O's ele-
mentos que mai.s se apprO'ximam do direito publicO' ou do di-
reito privadO'.
Assim, MANTELLINI (16) O'bserva que, embora revistam-se
de feições contractuaes, essas condições não podem ser, todavia,
cO'nsideradas comO' taes. E' que razões de O'rdem política mis-
turam-se com fundamentos de natureza privada, dandO' a essas
relações jurid,icas caracter de todo e em todo' peculiar.
E" tambem a opinião expedida por GRAZIANI (17), que
recO'nhece, nestes contractos de emprestimO's publicos, caracte-
res differentes, de accordO' cO'm a natuerza da O'peração. Assim,
se o EstadO' estabelece relações com os particulares para a exe-
cução de um serviço publicO', teremos uma rel,açãO' de O'rdem
privada; O' mesmo não occorre, pol'ém, se o Estado lança um

(16) Lo Stato e il codice civile, voI. lI, pg. 395.


(17) II debito pubblico in Primo Trattato de Orlando, vol. IX, pa-
gina 590.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 137

emprestimo publico; nesse caso, estabeleOO-se um vinculo, sui


generis, de natureza especial, contendo elementos de direito
publico.
MEYER, citado por GRAZIANI, tem um ponto rde vista pe-
culiar, porque equrpara o Estado aos particulares, proclamando
a natureza de direito privado das relações juridicas provenien-
tes desses contr~tos, como a de qualquer deved'Or c'Om o seu
credor, salvo quando não determinar o contrario uma lei es-
pecial sobre emprestimos publicos.
Dentr'O dessa corrente eclectica, incluem-se a maioria dos
autores, como SANTI ROMANO (18) e aquelles acima enumera-
dos que estudaram as peculiaridades que differenciam a gene-
ralidrude dos negocios juridicos dessa natureza.
Temos como certo que, embora a relação juri1dica que se
estabelece entre 'O portador do titul'O e o devedor possa ser
equiparada a qualquer relação creditoril3. entre prurticulares
(19). não se pode, entretanto, desconhecer o direito inherente
ao. Estado de modificar as clausulas dos contractos, por mo-
tiv'O de interesse publico, impôr contribuições fi<scaes que re-
caiam sobre os proprios titul08, etc. Do contrari'O, ter-se-ia que
impugnar, o que só se faria por absurdo, a legitimidade da con-
versão de emprestimos publicos 'por mei'O da alteração d'O typo
e oos juros, bem como as numer088iS modalidades de alterações
nos contractos de emprestimos que envolvem, apenas, uma ada-
ptação das clausulas contractuaes á ca'!)aCidade financeira do
Estado.
Pouco importa que o portador do titulo seja detentor de
um direito creditorio c'Ontra o Estado. Esta circumstancia,
por si só, não basta para caracrerisar 'O oontracto, desde que,
como observa VELASOO, não dispõe o portador de meios exe-
cutorios para tornar effectivo o pagamento dos juros ou da pro-
pria divida pelo Estado.

(18) Principii di Diritto ammlinistrativo italiano, n. 463.


(19) Ver o nosos parecer in Do mandado de segurança, 2." edição.
Ver tambem o accordão da Su'prema Côrte in BENTO DE FARIA, De-
;cisões da CÔ'I'te Suprema, pg. 530.
138 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

T.odas essas circumstancias imprimem ao emprestimo pu-


blic.o um cunho muito peculiar ás instituições de direito publico.
São estas as considerações de ordem geral que .orientam
o estudo dos contracto,s de emprestirrios realizados pelas pes-
sôas de direito p u b l i c o . '
Conf.orme refere SALVADOR MONTANO, em um interessante
trabalho (20), a Cô,rte Suprema da Argentina, depois de reco-
nhecer a natureza de direito privad.o aos emprestimos contrahi-
d.os pel.o Estado, devenldo-Ihes ser applicadas as' normas do di-
reito civil, no entretanto declarou que: "cadaem!p,restim.o, do
mesmo modo que qualquer contracto publico ou privado, tem"
dentro das normas geraes que correspondem á sua naturez~
os caracteristicos especiaes que .os seus c.ontractantes tenham
querido imprimir, declarando o alcance de suas estipulações que
constituem lei entre partes.
E' verdadeim a observação, desde que se comprehendaa
liberdade das estipulações contractuaes dentro do quadro das
instituições de direito publico, onde o interesse geral sobrelev~
de muito, a c.onveniencia das partes.
Seria fóra das medildas deste livro o exame detalhado das
differentes modalidades dos em'P!'eStimos puhlicos, bem como
de sua conversã.o e outras numerosas transformações por que
passam. Remettem.os aos autores especializad.os sobre o as-
sumpto; principalmente aquelles que versaram a materia no
terreno financeiro (21).
Tratando-se da natureza administrativa dôs emprestimos
publicos não seria licito esquecer o argumento tirado do pro-
prio texto da nossa Constituição de 1934, que, a.o fixa"!" a com-
petencia do Tribunal creado pelo artigo 79 attribuiu-Ihe exprel"-

(20) Emprestitos publicas provinciales y municipales, in Rivista de


la famtltad de ciencias ecanomicas comerriales y politicas da Universi-
dad Nacional del Litoral, Tmnos IV e V, 1935/193.6.
(21) JosÉ BONIFACIO OLINDA DE ANDRADE, Emprestimos Publicos
nas relações internaciQ'YU1,es de direitos dos portad'Ores de titulos.
~IGA FILHO, Sciencias das fin(J)nças.
A'MARO CAVALCANTI, Elementos de Finanças.
V'er especialmente as pU!blicações da Commissão de estudos economi-
cos e finane,eiros onde se enoontram, na integra, os elll!prestimos contrahi-
d,os pela União, Estados e Municipios.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 139'

samente a de julgar privativamente "os litigi08 entre a União-


e os seus credores, derivados dos contractos publicos ".
Ora, não haverá relação juridica de natureza creditoria
mais typicamente de direito publico do que aquella prove--
niente de emprestim08 publicos.
Assim, a exemplo do que fizeram a França e a ltalia at-
tribuinoo competencia ao Conselho de Estado para o conhe-
cimento dos litigios que versam sobre emprestimos publicos,
reconhecendo-lhes peculiaridades e aspectos juridicos que não-
se confundem com as relações judd-icas concluidas entre par-
ticulares, o legislador constituinte brasileiro definiu uma ten--
dencia que deve ser respeitada no estudo da materia.
Remettemos por isso ao que já dissemos- ao tratarmos da
estructura e da cOIlld>etencia daquelle Tribunal impropriamente·
denominado administrativo (22). Deve-se nota!', tambem~
que a Constituição de 19\37, supprimindo aquelle Tribunal, mo-
dificou apenas a competencia especifica, que ficou implidta-
mente deferida ao Supremo Tribunal.
Tem, portanto, aquella referencia ao texto da Constituição
de 1934, valor historico mas constitue subsidio doutrinario de
.relevo.

(22) Ver no primeiro volume pg. 320 e seguintes, o estudo desen-


6

volvido da mater-ia.
CAPITULO VI

ACTOS DISCRICIONARIOS

Actos discricionarios - Actos politicos - Actos de lmperio


e actos de gestão.

Ha uma esphera em que é vedada a 'penetração de exame


do poder judiciario. E' aquella em que o poder Executivo age
dentro de suas attribuições discricionarias.
Cada poder do Estado tem a sua indole peculiar, inherente
á funcção que exerce na organisação política de C81dapaiz, e,
dentro dos limites dessa sua competencia especifica e privativa,
qualquer outro ,poder exhorbita, alli penetrando.
E' este um principio fundamental em toda a organisação
politica, e cujo desrespeito importa na violação do ~rincipic
da separação dos poderes.
Como demonstra MARSHALL, si o poder judiciario pudesse
conhecer de todas as questões constitucionaes, absorveria as
funcçóes legislativas. Si pudesse resolver tudo o que diz com
os tratados e leis, usurparia as funcções executivas, e o legis.-
lativo e o executivo seriam absorvidos pelo jUldiciario.
Ora, a acção discricionaria exerce-.se, precisamente, den-
tro daqueIla esphera de acção constitucionalmente demarcada a
cada um dos poderes, e é apenas na maneira de realisar a sua
finaJidade, na apreciação da opportunidade e na conveniencia.
do acto, que a acção de cada poder é soberana, inaccessivel á
actuação de outro poder.
O proprio poder judiciario, que em nosso regimen politico
se encontra em posição privilegiada, como interprete doa Consti-
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 141

tuição e das leis, como orgão tutelar dos direitos individuaes,


tem a 'sua competencia limitada pela acção discriciona.ri·a dos
outros pederes.
E isto impõe-se para que o Estado possa realisar a sua
finalidade, que é de zelar" não só pelo intereB8e individual.
IDas principalmente pelos interesses _collectivos, que se sobre-
põem a todos os demais.
Do poder executivo depende, especialmente, o funccciona-
mento de todos os serviços 'publicos, da saúde, da ordem e dc:t
segurança eollectiva, da vida, da subsistencia, do bem estar
social de todos os ch:ladãos.
Como. realisar essa finalidade, si todos 0.18 seus 'actos, si
toda a sua actividade sofifrer a continua fiscalisação, o contrôle
permanente do poder judiciario., com o seu criterio rigido de
apreciação dos phenomenos jurídicos, sem a capac1dade de en-
carar as questões administrativas, por seu aBlpecto superior-
mente politico, tendo em vista apenas os interesses superiores
do Estado?
Como ensina FRITz FLEINER (1), o poder executivo, a ad-
ministração em geral, tem r'esponsabilidades formidaveis, por-
que as leis precisam ser cumpridas, as sentenças devem ser
executadas, e isto tem de ser feito pela administração propria-
mente dita, pelo Governo, constituido por orgãos administra-
tivos complexos.
E, porisso, diz que os actos administrativos são, antes de
tudo,actos de autoridade (2).
A posição da administração publica, no conjuncto do me-
chanismo do Estado, tem sido mal comprehendida no. nosso di-
reito, o.nde a materia administrativa não se tem destacado
como. uma doutrina propria, desaggregada dos principios fun-
damentaes do direito privado, para constituir direito autono-
mo, moldado dentro. da estructurn politica do. Estado (3).

(1) Droit Administratif Allemand. pg. 2.


(2) Idem pg. 198.
(3) HANS KELsEN Teoria General del Estado, pg. 117.
142 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Os privilegios que lhe têm sido conferidos não podem ser


,coIliSiderados excessivos, porque correspondem aos graves onus
·que sobre elle ,pesam, na defeza e protecção dos interesses col-
lectivos, e, as mais das vezes, constituem imperiosa necessidade,
para ·que possa o poder publico realisar os seus fins.
A theoria dos actos discricionarios, tem, no entretanto,
Erav:es difficuldades, que consistem principalmente na fixação
,dos seus limites e dia sua natureza.
Aqui, como na maioria td08 casos, não é possivel fix~r em
uma formula rigida a noção do acto discricionario. Depende,
principalmente, do systema juridico dentro do qual tem de se
.definir a doutrina.
- Actos discricionarios - constitue uma expressão gene-
rica. Comprehende modali<'tades diversas, como, 'por exemplo,
.actos politicos,actos do Gov:erno, actos de polici~ etc.
E por isto mesmo que diifficil de definir, e pela sua imã
portancia' dentro do regimen administrativo, não ousariamos
.comprehendel-a em uma unica significação.
- Acto discricionario -:- é todo aquelle insusceptivel de
.apreci.ação por outro p()der que não aquelle que o pratiCOlU.
Comprehende, principalmente, de accordo com a doutrina do-
minante, uma esphera em que predomina o criterio da justiça,
·convenienda, ou opportunidade. Diz mais com o interesse de
·que com o direito, e, por esta razão. mais de ordem politica de
que juddica, o arbitrioé o elemento que o caracterisa.
Existe uma gradação nas diversas modalidades dos actos
·discricionarios.
A maioria dos autores, e entre elIes citaremos RoOOLPHO
LAUN (4), em uma preciosa monogr.aphil3" costumam distin-
:- guir o poder discricionario subordin3Joo ã lei, do poder diseri-
. ·cionario propriamente dito. Entre um e outro, existe uma
verdadeira escala, que comprehende grãos di.fferentes de dia-
. crição e de arbitrio.
O primeiro, presuppõe uma determinação legal, uma nor-
-ma juridica geral, que deixa apenas, ã autoridade que a vae

(4) Le Pouvoir Discrétionnaire, Rapport, 1984, InstitUi Internatio-


'na[ de Ikoit Publico
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 143

executar, a apreciação das circumstancias e peculiaridades de


cada caso.
O s'egundo é mais amplo. Nelle, a autoridade recebe uma
<ordem que LAuN chama - disjunctiva -. O legislador fa-
culta á autoridade administrativa maior numero de possibili-
dooes, eseolha maior na forma de executar a norma juridica.
ADOLPHO MERKL (5), faz a critica dessa differenciação
em termos que devem ser aqui resumidos:
A distincção, diz elle, dos actos discricionarios e dos con-
dicionados não ,pode ser absoluta. Está apenas no maior ou
menor conteúdo do elemento discricionario.
Assim, por exemplo, a declaração de guerra constitue, no
regimen a que se refere do seu paiz, um acto discricionario,
}>Ol'1que sendo da competencia constitucional do Kaiser, a este
,cabe decidir da convenienda ou opportunidade da medida.
Pode oocorrer, aiIlJd~, que a autoridade administrativa.,
responsavel pelo ;teto, esteja subordinada a um orgão technico,
-condicionada, portanto, á apreciação de um outro orgão, que
tenha a faculdade de declarar sobre as vantagens ou inconve-
niencia da medida.
As ponderações feitas ipOr este autor, dando maior elas-
ticidade á theoria, têm a sua razão de ser, porque, conforme
salientamos, ,reveste-se a funcção discricion.aria de variadissi-
ma:s modalidade,s.
A nos'sa technica constitucional creou a figura dos actos
politicos, que examinaremos em seguida, actos que, praticados
pelo legislativo ou lpelo executivo, são insusceptiveis de 'apre-
,ciação judicial. Assim, a declaração de guerra, do estado de
'sitio, do estado de guerra, da intervenção nos Estados, são in-
'susceptiveis de apreciação judióal, que só pode attingir os
-excessos 'Praticados na sua vigencia, quando lesivos dos direitos
.:assegurados pela Constituição.
Sob o ponto de vista puramente administrativo, a theoria
dos actos ;discricionarios comprehende, principalmente, a a,p.re-
-ciação da conv,enienCÍ'a ou opportunidade do acto. A faculdade

(5) Teoria General deZ DerecM Administrativo, pg. 198.


144 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

discricionaria cO'I1Stitue um circulo menor dentro doacto ·ad-


ministrativo; interessa mais directamente á execução do acto,
ou melhor, á maneira de executal-o.
Pode-se dizer que todo acto administrativo, a menos que
não haja uma determinação legal expI'lesS'a, pode ser executado
de diversas maneiras, dentro da facu~dooe concedida pela lei.
A oonveniencia, a opporbunidade, o meio de realisar o acto en-
contram-se dentro da esphera discricionaria, que não ~ode vio.-
1M o limite fixado pela lei.
Neste ultimo caro, a infracção desse limite i'IIl{PorUa na ille-
galiidade do acto, sujeita á apreciação do poder judiciario.
O direito subjectivo da administração importa, aBSim,
numa restricção ao direito subjectivo do particular e a elle
correspondente.

Actos politicos

Como já vimos, o maximo de arbitrio attribuido á admi-


nistração publica, comprehende-se dentro da theoria dos actos
politicos do Governo.
Os actos meramente politicos, ou, como diz a Constituição
em seu art. 94, exclusivamente politicos, estão fóra da apre-
ciação do 'poder Judiciario.

"E' vedado ao Poder J udiciario conhecer de ques-


tões exclusivamente politicas",

E' a velha questão, tão debatida por Ruy BARBOSA (6) ,.


no Supremo Tribunal Federal.
E' que a limitação constitucional aos actos dos ,poderes,.
qUaalto á competencia e a extensão das medidas por elIa ou-
torgadas, justifieo:u a doutrina ~ que, quando a acção dos
! poderes :politicos, no exercicio de suas attribuições constituci~
naes, ferir· direitos individuaes, o acto deixa de ser essencial-o

(6) O Direito do Amazonas, vo!. lo


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 145

mente, meramente, exclusivamente politieopara se tornar sus-


ceptivel de apreciação judicial (7).

E' a velha these dePEDao LEsSA:

"Desde que uma questão deva ser dirimida em


face dos preceitos legaes porque taes preceitos de-
terminam o modo de solver questões desta especie,
temos um assumpto judicial, IPOUCO importando que
as consequencias de qualquer sentença proferida em
litigio desta ordem, sejam politica.s, influam na poli-
tica ou que a. substancia do ,pleito sejapolitica" (8).

Depois de enumerar em 21 itens a orbita da. acçã.o discri-


cionaria do Congresso e do Executivo, diz RUY BARBOSA (9):

"Entre essas attribuições todas, cuja materia


na Constituição Brasileill'a, occupa o art. 34, ns. 1.
4, 5, 6, 10, 11, -12, 17, 18, 20, 21, 25, e art. 48,
na. 1, a 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14,
15, 16, evidentissimamente sobresae um traço com-
mum, que delinea a .physionomia do genero. Todas
ellas têm por objecto a fUJll'ecüu;ão de c01ll/Jeniencia8,
transitorias ou ;permanentes, mas sempre de natu-
reza geral. São considerações de interesse commum,
de ut~1úIade publica, de necessidade ou vantagem na-
cional, requerendo uma autoridade mais ou menos ar-
bitraria, subordinada a competencia dos que a exer-
cem aos freios da opinião popular e da moral social,
mas autonoma numa vasta Ol'bita de acção, dentro

. (7) Foi a doutrina, entre outros dos seguintes Accordãos: de 7 de


Agosto de 1922, Rev. S. T. F., vol. )ffi.V1I, pg. 63; Rev. S. T., voI.
XUTI, pg. 126.
(8) O Poder Judici.ario, pg. 299; WILI.OUGBY, The Supreme Court
01 the United States; HAYNES, The American Doctrine 01 Judicial Supre-
macy; OooLEY, Consto Limitations; OoUNTRYMAN, The Supreme Court oI
the United States; BLACK, Consto Law; MARSHALL, W'1'itings upon the Fe-
deral Const.; HAYER, , Cases in Consto Latw; BUBGESS, Political Science.
(9) O Direito do Amazona.s, pg. 164.

-10
146 THEMISTOCLES BRANDÃ:O CAVALCANTI

da qual a discriçãO' do legisladO'r e dO' administrador


se move livremente.
Eis o terreno meramente politico, defêso cO'mo
tal á ingerencia dos tribunaes.
ContrapO'sto a este, se estende, com divisas cla-
ras e sensiveis, O' terreno da. justiça, ass'ignalado exa-
ctamente pela caracteristica opposta de que as ques-
tões da sua alçada, em vez de obedecerem á awrecia-
ção de conveniencias} mais O'U menos geraes, enten-
dem cO'm a applicação do direito legal aos casos par-
ticulares, de ordem individual ou collectiva.
Onde quer que surja um problema juridico desta
natureza, embora nãO' seja extreme de elementos pO'-
líticos, desde que exclusivamente politico não é, tem
de receber a soluçãO' legal do poder constituido para
dar effeito ás garantias constituciO'naes, e cO':m ellas
valer a toda individualidade, natural O'U moral, le-
sada no seu direitO'''.

A questão fO'i sempre muito debatida entre nós, como Ja


havia sido nos E'stadO's Unidos, e os termos vagos em que a col-

divergencias.
.
locaram os escriptO'res e Tribunaes, permittiram sempre largas
.

Foi a razão pel,a qual a Reforma ConstituciO'n:al de, 1926


permittio que se incluisse no texto constitucional o § 5.° dos
artigos 59-60 da ConstituiçãO', que vedava o recurso judiciariO'
para a Justiça Federal ou loc:al, contra a intervenção nos Es-
tados, a declaraçãO' Ido estado de sitio, etc. (10).
Essa tendencia reaccionaria, felizmente, nãO' fO'i. conser-
vada. E as CO'nstituições pO'steriO'res de 1934 e 1937, vieram
restabelecer sO'b uma forma de clareza duvidO'sa, a velha dou-
trina que, applicada dentrO' de sua pureza, em nada prejudica
á acçãO' discricionaria da administraçãO' publica.
Talvez melhor hO'uvesse sido, todavia, ter deixado o que
dispunha O' ArtigO' 59 do Ante-PrO'jectO' ConstituciO'nal, e cujO'

(10) Arts. 59-60, § 5.°.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 147

paragrapho unieo, especialmente, define com segurança o ver-


<ladeiro aspecto da questão:

"Art. 59 - Nenhum recurso judiciario é per-


mittido contra a intervenção nos Estados, declaração
de estado de sitio, eleição presidencial, verificação
de poderes, reconhecimento, posse e perda de cargos
publicos electivos, tomada de contas ,pela A.8sembléa
e outros actos essencial e exclusivamente politicos,
reservados por esta Constituição ao arbitrio de outro
poder.
"Paragrapho UnilCo. - Os Juizes e Tribunaes
3Jlreciarão os actos dos outros poderes s6mente quan-
to á legalidade, excluidos os aspectos da opporluni-
dade ou conveniencia das medld'as".

Como se vê, os ,actoB discricionarios dentro da es:phera po-


litica soffrem apenas aquellas restricçóe8 impostas pela na-
tureza dos ,poderes constitucionaes. Tudo mais, está na eg-
phera da competencia judicial.
Como demonstra muito bem U. BORSI (11), esses actos
discricionarios da administração não se podem considerar ar-
bitrario8, porque ainda se acham vinculados a disposições
legaes.
Apenas, pela sua natureza, fica a administração publica
com relativa liberdade na sua applicação.
E' a mesma opinião de PRESUTTI (12) e de VELASOO (13) :

"La potestad de mando o reglada, imlJ)lica la


existencia de una norma jurildica que determina con-
juntamente el momento, eI contenido y la fOO'Illa de
la aetividad administrativa, que se cOlIlvierte en dia-
crecional cuandl() d~rece alguna de es'as limita-

(11) La Giustizia Âlmministrativa, pg. 24.


(12) 1st. di Diritto Amnnistrativo Italiano, voI. I, pg. 154.
(13) El Acto Amministrativo, pg. 152.
148 THEMISTOCLES BRANDkO CAVALCANTI

ciones. La discrecionalidad, por 10 tanto, resulta


frente a la ausencia de una norma juridica organica
y sin que se detenga ante los derechos subjetivos.
Pero esta discrecionalidad no implica arbitrariedad
ni injusticia, puesto que la Administracion no obra.
en pura conformidad a sua eleccion, sino en virtud
y como con.sequencia de su capacidad condicionada
por su fin".

Por ahi se vê como é restricta a acção da autoridade admi-


nistrativa no exercicio dos poderes discricionarios que nós cha-
mamos, na esphera puramente administrativa, de poder de
policia.
São de FRITZ FLEINER (14) as seguintes palavras de alto
alcance:

! "Les normes de la loi sont, cependant, infrangi-


, bles même pour le pouvoir discrétionnaire. Pa.r suite,
la question ou commence et ou finit le domaine du
pouvoir discrétionnaire de l'auiJorité est de nouveau
une question· de droit et non d'appréciation discré-
tiomiâlre. 'J.lexcés de pouvoir discrétionnaire (Er-
messensübersc'h:'eitung) constitue une illegalité.
Mais ces limites exterieures ne sont ;pas les seules
que l'autorité doive repecter. Son pouvoir discré-
tionnaire cOJll\pOlrte aussi des limites intérieures: il
lui est interdit d?agir arbitrairement-dans-la-Sphere
de Iiberté qui lui est lais.sée; elle ne doit, dans I'exer-
cice de son pouvoir discrétionnaire, se laisser in-
fluencer dana chaque espece que ~r les seuIs éle-
ments que la Ioi a vouIu voir prendre eu considéra-
tion dane un eas de cette nature. L'abus de pouvoir
1 discrétionnaire est juridiquement équivalent à l' ex-
f cés de pouvoir discrétiol1llaire".

(14) Droit Adm. Allemand, pg. 96.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 149

São esses os principios dictados pelas' normas reguladoras


da situação do Estrulo de Direito, cuja acção de :policia não
pode exceder os limites traçados jpela lei positiva (15).
E' esta, aliás, a opinião de AURELIANO LEAL, baseada em
autoridades incontestaveis (16).
A conveniencia ou opportunidade da medi,da, no entre-
tanto, fica vedada á mpreciação judicial, que verifica apenas
de sua legalidade.
Doutrina diversa tem sido sustentada na França, por e8-
criptores e pelo proprio Conselho de ElStado que, para veri-
ficar a opporlunidade da medida tomada pela 8ldministração
publica, examina si esta o foi em beneficio do interesse col-
lectivo (17).
Entre nós, tal doutrina seria insustentavel, dada a indole
do nosso direito, onde' não existe o contencioso nem tribunaes
administrativos .

.AIC't1oIs de impedo e actios de gestão

Ha uma antiga distineção dos actos administrativos, cujo


valor não se pode pôr em duvida pela influencia preponderante
que teve na historia e na formação do direito administrativo
moderno. Referimo-,nos á divisão dos actos administrativos
em actos de imperio e actos de gestão.
Principalmente os velhos autores francezes, como AuooQ,
DUCROCQ, BATBIE, DARES TE e especialmente LAFERRIÉRE, que
desem;olveu largamente a doutrina, fOl"am os que, com mais
vehemencia, sustentaram essa divis'ão.
O fundamento doutrimtrio da these está no principio da
divisão das duas jurisidicções: administrativa. e judicial
Os actos de autoridade ou de imperio eram da exclusiva
eompeteneia da juriBdicção administrativa, que os francezes

(15) o. RANELETTI, 1st. di Diritto Pubblico, pg. 102. GNEIST, Lo


Stato secondo il diritto.
(16) Policia e Poder de Polioia.
(17) A: GllOs, Survivance de la Raison d'État, pg. 217, onde se en- ,
contra largo debate' sobre a materia.
150 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

chamavam de contencios<> administrativo por natureza, em-


quanto que os actos de gestão não eram da compe"te:ncia da
jurisdicção administrativa e sómente se integravam dentro do
contencioso administrativo em casos exoepcionaes e por deter-
minação expressa da lei.
Justificando a d'istincção material entre uns e outros, diz
LAFERRIÉRE (18), que a autoridade administrativa exe.!'ce uma
dupla mis'são: de um ladQ, provê a administração da fortuna
publica e o seu emprego, assegura a percepção de rendimentos
destinados á receita commum e providencia para a sua appli-
cação no serviço publico; os actos assim praticados são cha-
mados de gestão. De outro lado, a administração é depositaria
de uma parte da autoridade do poder publico, um dos attributos
do poder executivo; dentro dessa finalidade tem o dever de exe-
cutar .as. leis, obrigar o seu cumprimento, regular a marcha e
o funccionamento do serviço publi{!o, etc. Os actos ag·sim pra-
ticados são chamados actos de autoridade, de imperio, de poder.
A completa separação entre o poder jUdkiario e o poder
administrativo é o fundamento juridico e politico dessa divisão.
Não !permitte a divisão de poderes que o judiciario inter-
venha na apreciação e julgamento daquelles actos praticados
~. pela autorid~de administrativa, jus imperii, isto é, naquelles
actos puramente de autoridade em que mais forte e evidente
manifesta...se a vontade do Estado como poder publico.
Mesmo na França, porém, a reacção contra essa doutrina
foi grande, e hoje, como mostra ROGER BONNARD (19), não
tem mais ella razão de ser pelos seguintes motivos,:
1.0 - Dentro de uma certa concepção do Estado, não se
admitte mais que elIe tenha e exerça um poder soberano e uma
autoridade de commando superior á dos individuos;
2.° - De outro lado, com a theoria juridica dos actoa. de-
correntes da manifestação unilateral da vontade, não é mais
neoessario recOl'irer á idéa de poder publico para explicar a
actividade unilateral da administMção publica;

(18) Traité de la Jurisdiction Administrative, voI. I, pg. 5.


(19) Précis de Droit Administratif, pg. 48
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 1M

3.0 - A distincção entre as diversas activid'ades do poder


publico é insustentavel, porque não se pode admittir esse dua- \.
lismo, que importa, afinal, no reconhecimento de uma duali-
dade de vontades, na mesma entidade juridica;
4. o - A razão primordial que impôz o abandono dessa dis-
tincção, foi a impossibilidade de estabelecer-se uma perfeita
divisão das duas càtegorias de actos.
DUGUIT (20), especialmente, combateu a velha doutrina
com argumentos' decisivos.
A administração, diz eIle, quando intervém, não o faz,
nunca, como qualquer particular. A sua intervenção tem uma
peculiaridade que é a de provêr o funccionamento do serviço
publico, e é esse o caracteristico que define o acto adminis-
trativo, qualquer que elIe seja.
BERTHELEMY (21) é dos poucos autores modernos que
ainda admitte a distincção já agora absolutamente condemna-
da (22).
M'as, como ensina RANELETTI (23), tratando da jurisdicção
administrativa na Italia, a doutrina tradicional actualmente De-
nenhum interesse tem e sempre deu lugar aos mais graves equi-
vocos e difficuldades na sua ~pp.Jicação.
Existem, effectivamente, certos actos que escapam ao co-
nhecimento da justiça, por isso que praticados em condições
excepcionaes pelo poder publico. São os actos chamados essen-
cialmente politicos, discricionarios ou de governo, que exami-
námos. Estes, porém, escapam ao conhecimento da IP,ropria ju-
risdicção administrativa ou judicial, por outros fundamentos
que serão apreciados devidamente no capitulo proprio.

(20) Les Transformations du Droit Public, pg. 150.-


Do mesmo autor, Traité de Droit Constitutionnel, vol. I, § 48.
RoLLAND, Précis de Droit Administrati!, § 85.
CARRÉ DE MALBERG, Theorie Générale de l'État, voI. I, pg. 528.

(21) Traité Elementaire de Droit Administratif, pg. 139.


(22) No mesmo sentido pode-se citar tambem na !talia, MARIO DE
LoBENZO em uma these recente "Limiti della giurisdizione ordiTU1lria nell4
tutela d;i diritti dei cittadini verso la pubblica amministrazione".
(23) La G1utrantigie della Giustizia nella Pubblica Amministrazio-
ne, pg. 49. - VlELAsoo, El Acto Administrativo, pg. 169.
152 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

A divisão dos aetos administrativos, de imperio e de ges-


tão, pode se considerar, assim, deslocada. E' preciso, porém,
accentuar que a doutrina tem continuado a considerar uma
certa categoria de actos de imperio, nelles incluindo os que a
I administração pratica, como .poder publico, e não como gestor,
, administrador, na realização dos actos commulJls de ·adminis-
tração.

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CAPlTUlLO VII

P,ODER DE OOLICIA

Definição - Diversas theorias . Manifestações - A per-


miissão ou autorização.

Nesta expressão, comprehendida em sentido amplo, enten-


de-se o exercicio do poder sobre as pessôas e ascousas, para
attender ao interesse publico.
Não se pode definil-o de maneira rigida, e isto mesmo re-
eonhecem os autores que mais proficientemente estudaram o
assumpto.
Inclúe todas as restricções impostas pelo poder publico
aos individuos, em beneficio 'do interesse collectivo, saúde, or-
dem publica, segurança, e ainda mais, os interesses economicos
e sociaes.
Ensina BIELSA (1) que o poder de policia do rEstado es-
1lende-se á protecção integral da vida e bem estar geral. Re-
solve-se em um conjuncto de limitações impostas ao individuo
e á propriedade para assegurar os fins geraes da sociedade,
como a segurança, a saúde, o conforto e a prosperidade.
OTTO MAYER define (2) como a manifestaÇlão do poder
publico tendente a fazer cumprir o dever geral do individuo.

(1) Derecho Administrativo, vaI. IH" pg. 183.


(2) Droit Administratif de l'Empire Allemand, v. H, pg. 13.
154 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

A jurisprudencia americana tem ampliado o conceito do


que chamam - Police Power - , e o JunGE CHARLES HOUGH
(3) o definiu como a expressão mesma da soberania.
A sua influencia na ordem administrativa, na ordem eco-
nomica e nas relações sociaes é immensa, e se estende a todas
as espheras da administração publica.
A ampliação do poder de policia, na jurisprudencia dos
Estados Unidos e na nossa, tem augmentado com a necessidade
de estabelecer um regimen de equilibrio social, incompativel
com a applicação rigida da lei.
Como mostra LAMBERT (4), a palavra - Policia - na
jurisprudencia daquelle paiz, designa o conjuncto das medi-
das de administração, tomadas para a defeza do interesse pu-
blico, contra os attrictos dos interesses e dos direitos indi-
viduaes.
A defeza da paz, da moral, da educação, da ordem publica,
da industria do Estado, do desenvolvimento dos recursos, da
riqueza e da fortuna, justificam plenamente restricções e re-
gulamentaºão da liberdade e dos direitos individuaes (5).
A jurisprudencia brasileira tem seguido os exemplos da
doutrina americana ,talvez sem a mesma extensão, menos por
motivos doutrinarios do que pela falta de opportunidade de
solver attrictos e resolver interesses da importancia daquelles
levados ao conhecimento dos Tribunaes americanos.
A doutrina seguida naquelle paiz tem, porém, fructificado
entre nós.
A tendencia do direito moderno é a de ampliar cada vez
mais o exercicio da faculdadde discricionaria pelo poder a quem
cabe cumprir e executar as leis.
Mas não sómente na amplitude das medidas de policia é
que se fixa a situação peculiar da administração perante o pu-

(3)' Due Process of Lano, Haward Law Revue, 232.


(4) Le Gouvernement des Juges, pg. 19.
(5) ISobre o assumpto, consuItar entre outros, os seguintes autores:
F'REuND, The Police Power; OJoLEY, A Treatise on the Constitutional Li-
mitation; AURELlNO lEAL, Policia e Poder de Policia, pg. 141; CASTRO
NUNES, Do Poder de Policia, these; ARAUJO OASTR(), Manual da Consti-
tuição Federal, pg. 369; H:AYNES, The American Doctrine of Judicial
Supremacy, pg. 256; A. Goos, Survivance de la Raison d'État. E'tc.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 155

blico. Tão importante quanto á extensão dessas medidas é a


maneira de agir da autoridade na sua execução.
Por isso mesmo que revestidas do caracter discricionario,
as medidas de policia não precisam estar predeterminadas pela
lei. Ellas se comprehendem perfeitamente dentro de uma certa
maneira de agir, limitada apenas pelos direitos e garantias as-
seguradas expressamente pela legislação.
.comprehendem medidas de prevenção e de repressão, des-
tinadaa todas á perfeita regularidade dos serviços publicos e ao
cumprimento das leis e dos regulamentos em vigor.
Sendo a Policia, antes de tudo, uma manifestação juridica,
que justifica as restricções aos direitos individuaes, afim de
attender á protecção do interesse publico, está implicitamente
comprehendida na sua propria definição a faculdade attri,buida
á autoridade incumbida de applicar as medidas de policia de
impôr a sua vontade por meio de determinações coercitivas,
que, em cada caso, se impõem.
Nem sempre deve a autoridade esperar que seja levada a
effeito a infracção regulamentar. Deve, por isso mesmo, tomar
as precauções indispensaveis afim de exitar o prejuizo decor-
rente daquella violação, impondo as restricções em cada caso
exigidas.
ggj;as medidas teem caracter preventivo, e, muitas ve-
zes, representam em sua essencia, restricçãci ao direito indivi-
dual, equivalente áquella que teria sido imposta pela autori-
dade, em sua acção repressiva.
Costumam os autores dividir a Policia em - Policia de
Segurança - e - Policia Administrativa.
A divisão,embora acceita pela generalidade dos autores,
merece ser criticada porque, difficilmente, será possivel esta.
belecer uma distincção perfeita entre as duas categorias de
policia.
A policia do trafego, por exemplo, ou a policia de constru-
cções, geralmente classificadas dentro da Policia Administra-
tiva, justificam-se plenamente como medidas de segurança col-
lectiva ,principalmente a primeira, que envolve a boa ordem e
a regularidade da circulação urbana.
156 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

A verdade é que, mesmo dentro de determinada manifes-
tação do Poder de Policia, a medida pode .se revestir ou de um
caracter ~dministrativo, ou puramente policial, quer a sua fi-
nalidade sej a a tranquillidade publica, quer o cumprimento de
um regulamento administrativo.
A classificação interessa, por conseguinte, mais á natu-
reza da medida, do que propriamente á esphera dentro da qual
deve agir a autoridade.
Temos sustentado que a divisão da policia em -preven-
tiva - e - repressiva - está plenamente justificada quando
se leva em consideração a maneira de agir da autoridade no
exercicio do poder de policia.
As medidas repressivas caracterisam-se me1hor pela sua
intima subordinação ás determinações legaes. E isto porque
ellas importam, quasi sempre, na applicação de penalidades
cuja legitimidade depende de uma determinação expressa de
lei.
As medidas preventivas, pelo contrario, embora im.portem
em restricção á liberdade individual, não são de molde a ferir
direitos essenciaes, acarretando, quasi sempre, uma pequena
restricção em beneficio do interesse publico.
Assim, por exemplo, independe da autorisação legislativa
a determinação do trafego na cidade, da direcção na circula-
ção dos vehiculos ou dos transeuntes, a prohibição de jogar
detrictos nas vias publicas, e tantas outras manifestações do
poder de policia, de caracter preventivo, mas cuja violação
poderá acarretar a applicação de multas ou outras sancções
autorisadas pela lei.
Nos paragraphos seguintes examinaremos as diversas ma-
nifestações do poder de policia, de segurança ou administrativa.
Teremos, então, opportunidade de verificar as multiplas
modalidades da applicação dos principios acima enunciados,
de aecordo com a natureza peculiar a cada caso.
Começaremos pelo estudo das medidas de segurança, que
interessam mais directamente á ordem publica, e de como pode o
ID.stado chegar até á suppressão das garantias constitucionaes,
para levar a effeito, sem 08 impecilhos da fiscalisação severa dos
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 157

outros poderes, as medidas impostas pelo interesse politico ou


pela ordem j uridica, para manter a ordem publica.

Autoriza~ ou permissão de policia

Uma das modalidades por que se manifesta o poder de


policia consiste na concessão de permissão ou autorização de
policia, que importa em uma excepção ás normas geraes de
policia, sempre restrictivas de direitos.
Podemos, assim, dizer que a permissão de policia esta-
belece um verdadeiro privilegio em favor de determinado indi-
viduo, dispensado de obedecer ás regrasrestrictivas impostas
como medida de policia.
Por isso mesmo observa AURELIANO LEAL, a prohibição
de policia, com reserva de permissão, deve se assentar na lei
ou no regulamento. Não deve ser acto arbitrario da auto-
ridade. (6).
O principio ,na pratica, talvez não mereça applicação tão
severa, porquanto, as mais das vezes, a concessão da permissãO
presuppõe situações imprevisiveis, attingindo pessoas e cousai;
que, normalmente, não poderiam gozar desses beneficios.
Outras vezes, a excepção está prevista na lei, decorre da
propria natureza da medida ou das pessoas que merecem, pela
sua posição funccional, aquelles privilegios .
.&ssim, por exemplo, o porte de armas, constitue uma pro-
hibição geral, mas sujeita, não sómente a excepções previstas
na lei, mas tambem a outras dependentes da discrição da auto-
ridade policial. Deve se notar, porém, que a legalidade do
eto pode ser apreciada, nesses casos, considerando-se, apenas,
a competencia da autoridade para a concessão da licença.
O porte de armas encontra na lei uma excepção, com re-
lação aos militares. mas não exclue a faculdade attribuida á
autoridade para conceder licença a outras pessoas, desde que
julgue justificado o uso e reconheça a sua idoneidade.

(6) Policia, e Poder de Policia, pag. 87.


158 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Nota BIELSA. com muita procedencia, que essa faculdade


discrecionaria pode ter uma comprehensáÓ muito ampla. (7)
Em materia de policia de construcções, por exemplo, pode oc-
correr que o constructor não tenha no mercado, para adquirir,
o material exigindo nas especificações comprehendidas nos Co-
digos de obras. Não se pode negar á autoridade municipal a
faculdade de permittir o emprego de material succedaneo que
offereça as mesmas garantias de segurança e resistencia.
O mesmo acontece em materia de trafego, onde numerOSOl:!
privilegios são concedidos p~la lei aos vehiculos que attendem
ao serviço publico, o que não exclúe, tambem, a faculdade attri-
buida ás autoridades para permittir certos favores, de accordo
com situações peculiares a cada caso. iE' o que occorre, nota-
damente, com a licença para estacionamento, ou para, com ca-
racter provisorio, dirigir o vehiculo independentemente de li-
cença. (8)
Essas licenças, permissões ou autorizações, têm um cara- .
cter restricto; só podem interessar a um numero determinado
de pessoas, por isso mesmo que representam excepções á re-
gra geral, só toleraveis em virtude de condições peculiarissi-
mas, sómente apreciaveis em cada caso concreto.
O caracter excepcional e diSCrlCIOnario é que define a per-
missão de policia. Presuppõe, no entretanto, precipuamente, a
competencia da autoridade para conceder o privilegio dentro
das normas geraes traçadas pela lei.
E' muito grande a importancia do assumpto no estudo deste
capitulo relativo ao exercicio do ,poder de policia. Não seria
posssivel, porém, comprehender todas as hypotheses em um qua-
dro geral, onde ,ficassem prefixadas as condições do exercicio
dessa faculdade pela autoridade policial. O assumpto será

(7) Dereoho administrativo, vol. IH, pg. 89: "Desde luego, la apre-
ciacion de las causas que fundan el permiso - sea el peligro previsto,
sea la responsabi1idad y confianza deI que' solicita la licencia - no pue-
den dejar se librada sino a la autoridad policial, y esta OOIIlced.era tal
permiso en uso de su facultad discrecional".
(8) GERMAIN WATRIN, La police de la circulation sur les voies pu~
bliques, pg. 67.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 159

desdobrado no desenvolvimento das differentes manifestações


do exercicio do poder de policia.

POLICIA DE SEGURANÇA

PolreJa de armas

Todo o commercio de armas, munições e explosivos está


sujeito a medidas de policia, cada vez mais rigorosas, tendo-se
em vista as condições de intranquillidade em que se encontram
todos os paises, e o effeito mortifero de toda especie de armas
augmentado extraordinariamente com o 11:&0 das armas de re-
petição.
Não. somente sob o ponto de vista puramente politico, jus-
tifica-se esta prevenção, mas ainda no terreno da criminalidade
commum, onde já se tem visto o uso desmedido dos mais peri-
gosos engenhos de guerra. O exemplo dos "gangsters" ameri-
canos é typico, e o successo de suas investidas é devido quasi
que exclusivamente á superioridade manifesta de seus arma-
mentos sobre o da generalidade dos individuos.
Outro aspecto da questão é aquelle que interessa ao fa-
brico de armas e munições, bem como á sua importação. Com-
prehende-se, ahi, a industria e o commercio de armas e mu-
nições. .
São dous aspectos differentes do mesmo problema, com:
dous sentidos bem diversos: o do contrôle, por parte das au-
toridades núlitares, na industria e no commercio de armas e
munições; e o da fiscalização, sob o ponto de vista puramente
policial, do commercio e do porte ou uso de armas e materias
e~plosivas.

F~br.idalçãlo e oommercio de .armas

Acha-se em vigor o decreto 24.602, de6 de Julho de 1934,


regulamentado pelo decreto"1.246, de 11 de Dezembro de 1936,
que provê á fiscalização, commercio e transporte de armas e
160 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

munições e explosivos, productos chimicos, aggressivos e ma-


terias primas correlatas".
Comprehende-se esta regulamentação na competencia at-
tribuida á União pelo artigo 15-V da Constituição, para:

"autorizar a producção e fiscalizar o commel,'cio de


guerra de qualquer natureza."

A regulamentação acima mencionada visa:


a) a fiscalização da organização e funccionamento das.
fabricas civis de armas e munições de guerra, quando para
isso autorizadas;
b) a fiscalização da organização e funccionamento das.
fabricas civis de armas, munições e explosivos, de que tratam
os artigos 3 e 6 do decreto acima referido, regulando sua pro-
ducção, commercio e transporte;
c) o registro das que se utilizarem de materias primas e
productos sujeitos á fiscalização, e, por isso, passiveis de utili-
zação militar;
d) o registro e fiscalização do commercio de armas, mu-
nições,explosivos e demais productos mencionados nesta re-
gulamentação, visando acautelar e garantir:
- os altos interesses da defeza militar do pais;
- a manutenção de sua ordem interna;
- a defeza da sociedade em face da fabricação, armazena-
gem e commercio de productos perigosos.
Dentro desse quadro é que se desenvolve a actividade das.
autoridades federaes, a quem a onstituição attribuiu compe-
tencia, não somente para regulamentar mas tambem para fis-
calizar o commercio de armas, munições e, de um modo geral,.
material de guerra. (1) .

(1) o I'egulamento comprehende :


As condições para o registro e fiscalização das fwbricas de armas.
munições, explosiVlos etc., bem como os orgãos de execução e fiscalização;
Registro . e fiscalização do commercio de armas e munições, explo-
sivos, productos ohimicos aggressivos e materiasprimas correlatas, com-
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 161

Esta fi~alização é exercida, ou por intermedio dos orgãos


do Ministerio da Guerra nos differenbes Estados, ou por meio
das autoridades policiaes, mais em contacto com os casos pes-
soaes e as' condições peculiares a cada localidade.
Em caso recente, suhmettido á apreciação da Justiça, por
meio de um mandado de segurança contra a policia local do
Districto Federal, a firma G. Laport & Cia. sustentou a these
de que a fiscalização do commercio de armas e munições era
da competencia privativa das autoridades militares. Em de-
feza da autoridade, sustentáimos, então, a these que se nos afi-
gurava mais procedente. AJs funcções das autoridades militares
estão comprehendidas dentro de sua natureza especifica, não
podem ferir as attribuições tambem inherentes á propria na-
tureza das funcções policiaes, de prevenção e de repressão dos
crimes e contravenções.
Seria desvirtuar o sentido das organizações militares pre-
tender que ellas transformem a sua funcção na de apparelho
policial.
Nada o pode justificar; nem a sua finalidade, nem a sua
organização o poderiam tolerar.
O proprio regulamento militar, em diversos artigos, faz
referencias ás autoridades policiaes. (2)
Com relação aos Estados, além da lei federal, numerosos
decretos complementares prevêm a fiscalização pelas autorida-
des estaduaes, sem quebra da supremacia da fiscalização fede-
ral. (3) O mesmo occorre com a policia do Districto Federal,

prehendendo o des'embaraço de mercadorias, a fiscalização das mercado-


rias em transito ou exportação;
A relação do material sujeito á fiscalização e que recahe sob a acção.
das autoridades miHtares ou policiaes;
As p,enalidades impostas em caso de infracção.
(2) Ver o reg. citado.
(3) Ver as seguintes leis e decretos:
S. Paulo, dec. 6.811 de 19 de Fevereiro de 1935.
Bahia, dec. 7.935, de 14 de Janeiro de 1932; dec. 8.241, d'e 27 de
Dezembro de 1'932.
Pernamibuco, dec. 277, de 21 de Março de 1934.
Ri,o Grande do S'ul, dec. 2.630, de 12 de Agosto de 193.1; dec. 29, de
9 de Dez~mbro de 193'5; dec. 98 de 20 de Janeiro de 1936.

-11
162 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

a quem a lei attribue igual competencia, autoridade sui ge-


".wis que tanto tem de federal como de local (4).

Porte de armas

A funcção policial, nestes casos, enquadra-se dentro. das


attribuições geraes de repressão, isto é, de apuração dos cri-
mes e contravenções e da prisão dos contraventores da lei
penal.
Effectivamente, o artigo 377 d;:I. Consolidação das leis pe-
naes pune. essa contravenção do porte de armas sem autoriza-
ção da autoridade policial.
Seguiu o nosso Codigo a corrente dos que subordinam o
porte de armas á fiscalização, ao contrario de outras legisla-
ções, como, por exemplo, a da França, que reconhece o princi-
pio geral da legitimidade do uso de armas pelos individuos que
assim o entenderem. (5)
A questão é mais da esphera das leis penaes, e não se com-
l)rehende no exercicio do poder propriamente de policia.

(4)Dec. 21.531, de 2 de Julho de 1934, art. 31, XIII.


Consultar:
( 5)
BIELSA, DereMo administrativo, llI, pg. 109. .
RANELETTI, Polizia di sicurezza, in Primo Trattato de Orlando, IV,
parte I,pg. 604 e segs.
BENTO DE FARIA, Annotações theoricas e praticas ao Codigo penal do
Brasil, vol. lI, pg. 377.
CAPITULO VIU

POLICIA SANITAlRIA

Natureza - Finalidade - Externa e interna - Defeza sa-


nitaria maritima, terrestre, aerea - Generos alimenNcios
- Molestías transmissíveis - Defeza sanitaria vegetal
e animal - Policia aduaneira.

A preservação da saúde publica e o desenvolvimento phy-


sico da raça por meio de medidas que visam preservar a socie-
.da de dos males provenientes de molestias, exigem um conjuncto
d~ medidas integradas dentro do quadro da 'chamada policia
.sanitaria.
Não é preciso maior demonstração para justificar a activi-
dade do Estado nesse terreno e a perfeita juridicidade das res-
tricções impostas á generalidade dos indivíduos para que possa
.a administraç·ão publica attingir os objectivos que deve ter em
mira.
Os problemas de saude publica são talvez aquelles que im-
põem maiores restricções ao individuo, e as medidas de preven-
·çãJo e repressão tomam caracter por vezes odioso pela somma
de arbitrio que encerram e pelas consequencias que acarretam
na esphera dos direitos individuaes. (1)

(1) Ver RoGER BoNNARD, Précis de Droit administratif, pg. 331.


BIELSA, Derecho administrativo, lII, pg. 153.
VJON STEIN, La scienza delta pubblica amministrazionJe.
CAMIMEO e CLNO VITTA, Primo Trattato de Orlando, IV, 2.' parte.
164 THEMISTOCLES BRAND.Ã!O CAVALCANTI

Certamente que essas medidas não. têm o. caracter indivi-


dual, não. visam o individuo co.nsiderado. co.mo tal, mas como
parte do. corpo. so.cial, exigindo. a pro.tecção e o. amparo do. poder
publico. Assim, em materia sanitaria pouco impo.rta ao. Estado.~
no exercicio. do. po.der de po.licia, intervir na vida individual
de cada um, impo.ndo-Ihe medico. o.U tratamento.. Po.de-lhe fo.r-
necer, co.mo. o.bra de assistencia so.cial, facilidades e recurso.s
de que não. disponha individualmente. Esta, porém, é uma
esphera de acção., que não se enquadra neste capitulo, mas sim
naquelle co.mprehendido na terceira parte do presente tra-
balho. (2)
As medidas de po.licia revestem-se de caracter co.activo e,.
po.r isso. mesmo, caracterisam-se melhor dentro do quadro do.
presente titulo. •
Essa coacção po.de....se exercer quer com relação. aos acto.s de
prevenção. e de pro.phylaxia, quer co.m o.S de assistencia, a que·
se devem sujeitar os do.entes de mo.lestia contagiosa, em bene-
ficio collectivo..
OAMMEO (3), estudando. a o.rganização. do Estado e a dif-
ferenciação das diversas formas de sua actividade, divide em
tres partes a organização. juridica dasaude publica:

a) uma parte estrictamente administrativa, que'


co.mprehende a acção positiva e directa do Estado -
administração, para promover a hygiene publica e o
bem estar geral e para co.nserval-o como.,' po.r exem-
plo, a funcção de vigilancia, o tratamento do.s pobres
mediante orgão.s apro.priado.s, e o sepultamento pu-
blico,
b) uma parte negativa, que tem o caracter de
po.licia, emquanto exercida como meio de coacção so-
bre as pesso.as, vedando e regulando a sua activi-
da de para a conservação da saude publica;

(2) Ver Volume I, pg. 589 e segs.


(3) In Primo Trattato de OrlandtJ, vol. IV, pg. 246.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 165

c) uma parte de organização para apparelhar


os orgãos que attendam ás duas actividades acima
indicadas.
Naturalmente que a estructura de toda essa organização,
·a technica preferida para os fins acima mencionados, os meios
.coercitivos, variam de paiz a paiz. Nos regimens federativos,
por exemplo, como o nosso, revestem-se de muito mais comple-
. xidade, exigem
.
o reajustamento
. de numerosos orgãos de admi-
. 'nistração das differentes entidades politicas que integram o
Estado federal. As medidas, administrativas ou legislativas,
precisam ser harmonisadas em um conjuncto que permitta a
distribuição da competencia administrativa e das actividades
legislativas, sem que uma invada o campo 'da outra e perturbe
o perfeito funccionamento dos serviços.
No primeiro volume, traçamos em linhas geraes os limites
das differentes actividades administrativas dentro do quadro
da organização federal; aqui vamos, apenas, estudar a admi-
nistração em movimento, usando os meios de prevenção e de
repressão necessarios para realizar a sua tarefa.
A policia sanitaria pode ser preventiva ou repressiva.
A policia preventiva consiste nas providencias necessarias
'para evitar o contágio e a propagação das molestias (1), em-
quanto que a repressiva comprehende os processos de cura das
mesmas molestias. Esta é a divisão preferida, entre outros,
por BIELSA, mas que diz mais com a technica sanitaria do que
com a natureza das medidas juridicas de caracter regulamen-
,tar e disciplinar.
As medidas podem ser internas ou externas; as primeiras
jnteressam á actividade da administração sanitaria relativa
ao interior do paiz, emquanto que as externas consistem nas
.medidas de defeza contra a penetração dos males vindos do
,exterior, comprehendendo-se os paises extrangeiros com rela-
,ção ao paiz, e os Estados da União uns com relação aos outros.
Os processos de penetração variam muito e, por isso mes-
mo, deve-se ter em attenção, principalmente, o vehiculo. Dahi
,a organização d~ um serviço de defeza sanitaria em terra, no
:mare no ar.
166 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Defeza sanitaria maritima

Comprehende a defeza sanitaria maritima, fluvial, inter-


nacional e interestadual, isto é, todos os serviços relacionados
com a defeza dos portos maritimos ou fluviaes, os serviços de-
portos, e serviços da marin,ha mercante.
A inspecção sanitaria das embarcações, a desinfecção, o
isolamento, a inspecção medica feita a bordo, o expurgo dos na-o
vios portadores de molestias infecciasas e transmissiveis, são·
outras tantas medidas impostas pela necesidade de estabelecer
uma perfeita rede de defeza sanitaria das populações contra os
males vindos do exterior, ou de Estado a Estado.
Numerosas convenções internacionaes têm regulado esta.
materia afim de facilitar a acção dos Governos e conjugar as·
medidas, evitando, por esta forma, uma perturbação maior aos.
interesses.
A conferencia do Rio de Janeiro, em 1904, de que resul-
tou uma convenção firmada entre o Brasil, a Argentina e ().
Uruguay, por exemplo, deve ser mencionada como de particu-
lar importancia pelas medidas que encerra de prevenção e de
l'epressão contra a peste bubonica, o colera e a febre amarella.-
Egualmente podem ser mencionadas outras convenções da.
maior importancia, como a de Washington, relativa ás medidas
sanitarias contra a invasão e propagação da febre amarella,
peste bubonica e colera. (4)
Esta convenção foi, em parte, substituida pelo Codigo sa--
nitario pan-americano, approvado em 1924 na cidade de Ha-
vana, visando a cooperação internacional contra as molestias
transmissiveis. (5)
A convenção sanitaria de Paris, de 17 de Janeiro de 1912,.
e a de 21 de Junho de 1926 trataram do mesmo assumpto. (6),

(4) Promulgada pelo decreto 11.560, de 26 de Abril de 1!H5.


(2) Dec. 5.693, de 13 de Agosto de 1929.
(6) Dinrio Official de 29 de Albril de 1922 e de 22 de Maio-
de 1930.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 167

De:fleza samtarla aexea

o desenvolvimento do trafego aereo internacional veio sug-


gerir, . egualmente, aos governos, medidas tendentes á defeza
sanitaria contra a transmissão de molestias infecciosas por
meio das aeronaves, equiparadas de todo em todo áquellas exi-
gidas com relação aos transportes maritimos ou fluviaes.
Numerosas convenções internacionaes foram, então, con-
cluidas, regulando especialmente o assumpto de accordo com
as peculiaridades inherentes á natureza dos transportes e aos
problemas delles decorrentes.
A defeza dos aerodromos, os documentos sanitarios, a fis-
calização sobre as pessoas, as mercadorias, as malas do correio,
foram outros tantos problemas ali tratados.
A principal convenção internacional foi a concluida
em Haya, á qual o Brasil adheriu em 3 de Abril de 1935, e que
se referiu a todos aquelles problemas, isto é, á defeza sanitaria,
ás mercadorias e correio, bem como ás medidas adoptadas em
caso de doenças infecto-contagiosas como a febre amarella, o
typho, a peste, etc. (7)

Defeza sani,laxia terl'!eStre

.. Quando as vias de communicação de Estado a Estado são


terrestres, estradas de ferro ou de rodagem, outras são as me-
didas impostas afim de prevêr a penetração de molestias con-
tagiosas. (8)
Os mesmos principios que regulam a defeza sanitaria ma-
rjtima ou aerea são aqui, mubatis mutandis, applicaveis.

(7) A convenção é de 12 de Abril de 1933. Ver o decreto 349 de


30 de Setembro de 1935, in Diario Official de 12 de Outubro de 1935.
Consultar AcCIOLY, Actos internacionaes, \1101. I, n. 57.
. (8) Ver o decreto 18.522, de 4 de Dezembro de 1928, sobne a de-
feza sanitaria da fronteira Brasil-U ruguay .
168 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Policia de g1en1eI'lOS alimenticios


A policia de generos alimenticios visa cohibir os abusos
provenientes não somente da deterioração dos g.eneros destina-
aos ao consumo publico, mas tambem a especulação e a fraude,
que consiste na adulteração de pesos, medidas e qualidade da-
queIles generoso (9)
Sob o ponto de vista sanitario, as primeiras medidas são
mais apropriadas porque dizem com a finalidade da saude pu-
blica na defeza dos interesses sanitarios da população. Ao con-
trario, af! adulterações de pesos e medidas dizem mais' com os
interesses fiscaes e economicos.
As medidas de ordem sanitaria são as seguintes:
a) exame dos generos alimenticios nos lab~ratorios;
'b) exame do local destinado á producção, fabrico, acondi-
cionamento, manipulação e guarda dos generos destinados ao
consumo;
c) fiscalização de hoteis, mercados, restaurantes, casas
de pasto, etc., afim de verificar as condições hygienicas daqc,<>
les estabelecimentos.
Estas são as principaes zonas de actividade da policia sa-
rJÍtaria em materia de generos alimenticios.
A acção s'anitaria tem um caracter quasi discricionario
quanto aos processos de fiscalização e quanto áquellas medidas
que julga necessarias á defeza sanitaria contra a deterioração
dos generos alimenticios. As normas regulamentares são ape-
llas indicativas de orientação, cabendo ás autoridades appli-
cal-as de accordo com o criterio technico que preside aos servi-
ços daquella natureza. Applica-se aqui o que já dissemos a
respeito da discricionaridade technica, fundada em principios
de ordem scientifica que não podem encontrar orientação
na lei.
Seria desnecessario reproduzir, aqui, as innumeras moda-
lidades de que se revestem os serviços de fiscalisação dos gene-

(9-10) O artigo 658 do decreto 16.3>00 de 1923 define generos ali-


menticios: "Consideram-se generos alimenticios para os ,effeitos do pre-
sente regulamento todas as substancias, solidas ou liquidas (excluidos os
medicamentos) destinadas a ser ingeridas pelo homem",
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVU BRASILEIRO 169

ros alimenticios. .As exigencias variam, naturalmente, de ac-


cordo com a diversidade dos generos sujeitos á fiscalisaç.ão, le-
vando-se em conta os elementos technicos fornecidos pelos la-
boratorios officiaes, que devem opinar de accordo com as leis
e os regulamentos, naquelles casos em que fôr impugnada a
venda dos generos para o consumo. (,U)
Sujeitos a especiaes cuidados, devem se mencionar - o
leite, lacticinios, e carnes.
A fiscalisação, com relação ao leite, attende, principalmen-
te. ao exame de suas qualidades, verificadas por meio de analy-
S'6S ohimicas, podendo a autoridade sanitaria até inutilisar o
producto, caso não satiRfaça o mesmo ás exigencias das leis
sanitarias.
Essa fiscalisação attinge, tambem, os animaes e os esta-
bulos, que devem satisfazer ás determinações dos regulamentos
sanitarios, bem como das posturas municipaes que orientam a
construcção desses estahelecimentos.
Os arts. 836 e seguintes, do decreto 16.300, de 1923, fi-
xam, discriminadamente, as normas de conducta dos funcciona-
rios da fiscalisação sanitaria do leite e lacticinios.
Como se vê, o poder de policia ahi é exercido de maneira
rigorosa, em beneficio da saude publica, permittindo-se até a
destruição do genero destinado a consumo, retirando-o do com-
mercio. como medida extrema.
Dentro do mesmo criterio, isto é, aJbrangendo não sómeen-
te os matadouros, mas tambein o proprio gado, antes e depois
de abatido, a inspecção sanitaria realisa-se por meio de seus
technicos veterinarios, seguindo norma de conducta mutatis
rnutandis. semelhante áquella, acima mencionada, para o leite.

(11) o regulamento do Departamento Nacional da Saude Publica


refere-se, especialmente, ao exame de cereaes, leguminosas, farinhas, mas-
sas, pão, biscoitos, conservas, geléas, doces, condimentos, vinhos, etc.,
prefixando os elementos que devem caracterisar a composição de cada
um desses generos, e aquelIas misturas ou comp'Üsições que, na genera-
lidade dos casos, são utilisadas na fraude. E~ pr'eciso, no entretanto,
notar que a variedade desses generos não permittiria ao Regulamento
considerar senão os elementos genericos, deixando ás autoridades sani-
tarias e a,os chimicos dos laboratorios a definição em especie dos casos
de fraude e de violação das normas traçadas pelo mesmo Regulamento.
THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Não exclue a acção preventiva .a applicação de sancções


[!,dministrativas e penaes, pela não observancia das exigencias
regulamentares. Dentro do nosso regimen federativo, divide-se
a fiscalisação pelas autoridades federaes e locaes, de accordo
com a natureza da medida e a esphera de attribuições daquel-
las autoridades.
Além do exame de generos alimenticios nos laboratorios t
éllvolve, tambem, a fiscalisação sanitaria o exame do local des-
tinado á producção, fabrico, acondicionamento, manipulação e
guarda dos generos destinados aQ consumo. (12)
Encontram-se, nesse terreno, os Codigos sanitarios e os
Codigos de Obras que, muitas vezes, como no Districto Federal"
emanam de poderes legislativos differentes. Existe, porém,
certa conciliação nas normas traçadas pelas duas autoridades,
que devem obedecer a exigencias hoje consideradas stalYliJ;ard8.
Naturalmente que, em caso de divergencia, deve ser atten-
di do aquelIe regulamento mais rigoroso ,devido a uma injusti-
ficavel falta de precisão na demarcação exacta' da esphera de
competencia de cada uma das autoridades.
Em these, nada justifica a intervenção da autoridade sa-
nitaria na determinação de exigencias que interessam, princi-
palmente, á construcção do predio destinado á fabricação ou
venda de generos, sómente pelo facto de impôr a technica sa-·

(12) O decreto 24.549, de 3 de Julho de 1934, regulamentou a ins-


pecção sanitaria do leite e seus derivados, quando destinados ao com-
merdo interestadual e internacional, subordinado ao Serviço de lnspe-
cção de Pro.ductos de origem animal do Minisrerio da Agricultura, abran-
gendo os seguintes estabelecimentos industriaes em todo o territorio na-
cional:
a) granjas leiteiras;
b) usinas de beneficiamento;
c) fa,bricas d·e lacticinros;
d) entrepostos de leite e derivados;
e) postos de refrigeração; .
f) postos de desnatação.
O decreto 24.550, de 3 de Julho de 1934, approvou tarnhem o regu-"
'amento da Inspecção Federal de Carnes e Derivados, tarnhem subordi-
nada ao Ministerio da Agricultura, interessando todos os estabelecimentos
onde forem fabricados, manipulados, preparados ou depositados productos
oriundos da carne e seus derivados, para comlnercio internacional ou inter-
estadual.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 171

nitaria medidas especiaes áquellas construcções. Os Codigos


de Obras devem, necessariamente, ser revistos pelos technicos.
da engenharia sanitaria, que constitúe, aliás, hoje em dia, ape-
nas um departamento do estudo da engenharia.
Os Regulamentos Sanita rios referem-se especialmente, ás
fabricas de doces e massàs, refinarias, fabricas de cerveja,_
aguas gazozas, hoteis, restaurantes, botequins, armazens, depo-
sitos, quitandas, casas de fructas, frigorificos e fabricas de gelo,.
açougues, mercados, padarias, etc.
Pàra cada um desses casos, existem exigencias especiaes,.
de accordo com a natureza do negocio, e que seria longo, aqui,.
enumerar, o que importaria, afinal, na simples transcripção.
do Regulamento.

~oJlicia de moluüas t$Dsmissiveis

Interessa especialmente, sob este titulo, o estudo de aspe-


ctos juridicos que representam as maiores restricções compre-
hendidas sob o titulo geral de policia sanitaria.
A, notificação compulsoria, a quarentena, a desinfecção, o
isolamento, a vaccinação obrigatoria, são modalidades peculia-
res ao exercicio daquelle poder, e que importam em restricções
á liberdade individual.
O caso da vaccinação obrigatoria, entre nós, é bem a ex-
pressão desse poder coercitivo do Estado sobre o individuo.
como medida de defesa collectiva contra a propagação de mo-
lestias infecciosas, cujo poder transmissivel é enorme.
A justificativa dessa intervenção do Estado está na these
geral de que, assim procedendo, nada mais faz do que prote-
ger os direitos individuaes á saude, ameaçados de perturbação.
Visa, portanto, a acção sanitaria a protecção de direitos
individuaes, pela segregação de elementos que se tornaram no-
civos á collectividade.
No caso da vaccina obrigatoria e de outras medidas sa-
nitarias equivalentes, discute-se a legitimidade da intervenção
do Estado, impondo este ou aquelle processo prophylatico con-
tra o qual podem-se insurgir esta ou aquella doutrina scien-
tifica. Aqui, voltamos á these da necessidad~ de reconhecer ao
172 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Estado, no exercicio do poder de policia, uma certa funcção


discricionaria, de natureza technica, que consiste em escolher,
entre os numerosos processos, um, que, no seu entender, melhor
satisfaça ás exigencias da experiencia, para applicar e impôr,
como processo technico a ser utilisado pelas autoridades.
Tratando da quarentena, por exemplo, observa BIEL-
SA (13), com muita justeza, que a forma e a extensão da acção
policial depende dos progressos que, na ordem scü:intifica, são
incessantemente alcançados; variam os prazos e as medidas
de prevenção coma natureza da molestia, prazos de incuba-
ção, meios de transmissão, etc. Domina, portanto, aqui, o ele-
mento puramente technico, que justifica alterações. na "me-
dida" da restricção policial, contra a qual não podem preva-
lecer, nem interesses economicos, nem commerciaes.
As determinações sanitarias, relativas á notificação COlll-
pulsoria, ao isolamento, etc., teem como corollario a imposição
de sancções administrativas que attingem as pessôas sujeitas
ao Regulamento, especialmente os profissionaes, (medicos, en-
fermeiros) que, embora não sejam funccionarios, prestam re-
levante serviço como auxiliares da fiscalisação sanitaria.
Os regulamentos administrativos relacionam as molestias
de notificação obrigatoria, bem como as de isolamento com-
pulsorio.
As demais exigencias dependem de condições peculiares
que dispensam maiores commentarios.
O que ficou bem certo, no estudo que acabamos de fazer
a respeito da policia sanitaria é que, hoje em dia, nenhuma
duvida pode mais haver quanto á legitimidade das restricçoos
impostas pelo Estado em beneficio da saude collectiva.
Este aspecto do poder de policia é aquelle qrte compre-
hende, em maior quantidade, o arbitrio e a discrição, enten-
dida esta, não sómente na maneira de levar a effeito as me-
didas, mas tambem nos fundamentos de ordem technica e
scientifica, que orientam o poder publico na escolha dos me-
thodos adoptados.

(13) BIELSA, Derecho Administrativo, In, pg. 160.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 173

Os direitos individuaes, que podem ser invocados contra


essas medidas de policia, são, apenas, aquelles que não se acham
implícita ou explicitamente restringidos pelas leis e regula-
mentós, ainda mais considerando-se estes ultimos com as pe-
culiaridades de que sempre se revestem, redigidos com uma
technica legislativa propria, de caracter normativo, com o in-
tuito de traçar ás autoridades encarregadas de sua execução
uma orientação geral, dentro da qual possam se mover li-
vremente.

Defesa. s'anitaria animal e vegetal

Não sóme:r:tte o homem merece, dos poderes publicos, a ne-


cessaria protecção contra as molestias infecciosas ou que, de
qualquer maneira, se possam transmittir.
As medidas dê policia sanitaria interessam, por isso mesmo,
tambem, aos vegetaes e animaes, exigindo por parte do Es-
tado, uma coordenação de actividades no sentido daqueIla
defeza.
A defesa sanitaria vege~l fiscalisa, especialmente, a im-
portação, o commercio, o transito, a exportação dos productos.
agricolas ou que interessem á agricultura, com o intuito de
evitar a introducção no paiz, ou o desenvolvimento, de vege-
taes que tragam comsigo germens de molestias prej udiciaes á
.agricultura.
O decreto 24.114, de 12 de Abril de 1934, que approvou
o regulamento de defesa sanitaria vegetal, traçou a organi-
zação dos serviços destinados áquelle fim, bem como as medi-
das de policia que autorizam as limitações ás actividades pri-
vadas para o fim acima determinado.
; A. desinfecção, a fiscalização do commercio, da importa-
oção, <> combate ás pragas e ás doenças dos vegetaes etc., são
outros tantos capitulos daquelle regulamento. o

Numerosas reuniões internacionaes têm sido convoca-


das' afim de serem reajustadas as medidas internacionaes de
odefesa sanitaria vegetal. Assim, por exemplo, a Convenção in-
ternacional para a protecção dos vegetaes promovida pelo Ins-
tituto Internacional de Agricultura de Roma, assignada em
174 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

16 de Abril de 1929 (14) firmou conclusões da maior impor..


tancia sobre o assumpto. Igualmente as differentes conferen-
cias internacionaes americanas formularam conclusões do ma-
ximo interesse sobre policia .ganitaria e vegetal.
Visaram essas conferencias, especialmente, a uniformiza-
·ção das medidas de defesa e o contrôle internacional dessas
.providencias.
A defesa sanitaria animal creada pelo decreto 24.548, de
,3 de Julho de 1934, orienta-se pelos mesmos principios juri-
dicos de restricções á liberdade de commercio, justificadas pelo
interesse da economia publica, neste caso, mais do que em qual-
quer outro, intimamente ligado aos interesses dos productores,
.€ portanto, á economia privada.

Policia aduan'eir,a

Dentro de uma determinada zona, nas fronteiras, podem


:as autoridades administrativas ou policiaes apprehender, como
contravenção, mercadorias cuja situação, sob o ponto de vista
fiscal, não estiver rigorosamente legalizada. Essa apprehen-
são é considerada sempre como flagrante.
Esta zona, que varia, em sua extensão, de paiz a paiz, é .
denominada "zona fiscal".
Assim, por exemplo, na Italia é de dez kilometros (15),
na França varia de 2 a 4 leguas, etc.
As leis brasileiras têm seguido tambem varios criterios;
a principio, era de 1/4 de legua de profundidade em toda a ex-
.tensão das fronteiras terrestres do littoral ou das margens dos
rios, lagôas e aguas interiores do paiz, mesmo na parte com-
prehendida dentro dos limites ul'lbanos das cidades, villas e
povoações. incluidas as ilhas não habitadas. (Reg. baixado

(14) Approvado pelo decr,eto 22.094, de 16 de Novembro de 1932.


Ver o interessa'Ilte trabalho de ARTHUR TORRES FILHO, sobre o as-
.sumpto, publicado no Boletim do Ministerio do Trabalho, voI. 18, pg. 335.
Consultar tambem BIELSA, Derecho administrativo, v()l. III, pg. 192.
Especialmente: E. PRESUTTI, L'amministrazWne pubblica dell'agricul.
,tura, in Primo Trattato de <>rlando, vol. IV. '
(15) Digesto Italiano, vb. DOGAiNAo.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 175

com o decreto 2.647 de 19 de Setembro de 1'860 - decreto


8.912 de 24 de Março de 1883).
O decreto 805 de 4 de Outubro de 1890 augmentou a ex-
tensão da zona para o limite dos municipios onde funccionarem
.as Alfandegas ou Mesas de Rendas. (16)
A situação do Rio Grande do Sul é muito peculiar na
nossa historia aduaneira. Assim, o artigo 9 do decreto 590,
,de 17 de Outubro de 1891, aboliu a zona fiscal naquelle Estado,
. mas distribuiu a fiscalisação por cinco secções em diversas
,cidades. (17)
O decreto 10.037, de 6 de Fevereiro de 1913, creou tres
,sub-delegacias respectivamente em Bagé, Quarahy e S. Borja,
e restabeleceu a zona aduaneira em toda a fronteira do Brasil
,com a Argentina e o Uruguay, nos trechos de percurso das
Estradas de ferro, nos Municipios proximos á fronteira e nas
demais localidades dentro da jurisdicção das coIlectorias.
Esse decreto tem sido impugnado por ter excedido á auto-
risação legislativa, e por não fixar com precisão a zona adua-
neira. (18) ,

(16) Revogado pela lei da receita para 1897.


(17) VIVEIROS DE CASTRO, O contrabando.
(18) Ver ALFREDO BERNARDES DA SILVA; Parecer sobre Z07UlS lis-
.caes, in Revista do S. T. F., vol. VIII, pg. 87.
CAPITULO IX'

POLICIA DE OOSTUMES

Policia de oostumes - Natureza - Mei10s Preventivos


Alcoolismo - Entorpecentes - Jogo - Loterias
M'endicancia - Vagabundagem - Prostituição.

Um dos fundamentos mais constantes da intervenção d{t


Estado, e que a justifica plenamente, é a necessidade de man~
ter a convivencia social dentro de um nivel compativel com a
dignidade humana. Por isso mesmo que de natureza geral, esse
principio desenvolve~se, em sua applicação, de accordo com a
natureza das actividades sujeitas á regulamentação.
A policia de costumes tem, por isso mesmo, um fundamen~
to ethico sobre o qual se assenta o seu exercido e que justifica
certa forma de intervenção em esphera apparentemente com~
prehendida no terreno privado.
Mas, assim é exclusivamente porque, para assegu-
rar a coexistencia dos individuos em um nivel compativel com
a sua dignidade, precisa o Estado usar dos meios de coerção
necessarios.
O alcoolismo, o uso de entorpecentes, a prostituição, in-
cluem~se, á primeira vista, dentro de um circulo inaccessivel á
autoridade policial, porque a pratica daquelles vicios é levada
a effeito, geralmente, sem que isto importe apparentemente na
perturbação dos legitimos interesses de terceiros. (1)

(1) Segundo VION STELN, La scienza della pubblica am,rrUnistrazione,.


pg. 720, no conceito j uridioo admilllistrativo de moralidade publica (Sitte),
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 177

Mas tal não occorre. A sociedade está directa e indirecta-


mente interessada eJIl cohibir a pratica daquelles vicios ou de.
pelo menos, evitar o escandalo publico ou as suas consequen-
das.
Dentro daquelle criterio geral acima fixado, desenvolve
o Estado a sua funcção, de conformidade com a natureza das
actividades que visa regulamentar. Variam ellas de caso a
caso e, por isso mesmo, vamos desdobrar o assumpto em diver-
sos paragraphos.

Alcoolismo

Intimamente ligado á defeza da ordem, pelas consequen-


cias que decorrem do abuso de. bebidas alcoolicas, fructo de
desordens e de crimes, bem como de degenerescencia, o que in-
flue directamente sobre a hygidez da raça, está o problema da
limitação do uso de bebidas alcoolicas. Está, portanto, legiti-
mado, por si só, o exercicio do poder de policia nesse terreno.
Essas liIl?-itações consistem na prohibição do uso de certas
bebidas em determinadas occasiÕ€s, horas e locaes, principal-
mente nas grandes agglomerações, ou quando não se coaduna
o uso dessas bebidas com a natureza das manifestações publi-
cas. A importancia do assumpto pode ser bem avaliada quan-
do se considera o que occorreu nos Estados Unidos, onde a
prohibition foi objecto até de uma emenda á Constituição Ame-
ricana, o que produziu os resultados mais inesperados pelo ra-
dicalismo da medida.
AJ:l Ligas de Temperança e outras organisaçÕ€s educati-
vas representam papel saliente, em diversos paizes, no auxilio
ás autoridades policiaes nas medidas de prevenção, quasi sem-
pre as mais efficientes nesses casos. (2)

encontra-se o dever do individuo de não ferir, na sua vida exterior, aquel-


las formas e exigencias que a communidade reconhece como sendo o li-
mite, que o grão de civilização imlpõe ao ,individuo, no exerci cio de sua
liberdade. A ethica faz surgir o contraste entre a conducta ~ndividual e
a moralidade publica na consciencia mora1 do individuo; o direito tutela
a moralidade publica com a policia de costumes.
(2) Ver BIELSA, Der(}cho Admilfi,stmtivo, In, pg. 204, nota 234.

-12
178 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

O relativo arbitrio attribuido a essas autoridades, dada a


natureza das medidas, caracterisa perfe~tamente o exercido
do poder de policia.
Geralmente, não se resente o commercio muito profunda-
mente com estas restricções, dado o caracter temporario de
que se revestem as medidas mais radicaes.
São essas as observações de ordem geral cabiveis no exame
de um assumpto cuja complexidade tem dado lugar aos mais
interessantes estudos, mas que, sob o ponto de vista restricto
em que nos collocamos, só admitte considerações de ordem mui-
to generica. (3)

E~ torpeQentes

Um dos males sociaes contra os quaes mais Imperiosa deve


ser a acção do poder publico é, certamente,. aquelle que se apre-
senta sob a forma do uso de entorpecentes, isto é, drogas como
tal consideradas pelas leis e regulamentos em vigor.
Os decretos 20.930, de 11 de Janeiro de 1932 e 24.505, de
29 de Junho de 1934, regulamentam o assumpto, relacionando
aquellas substancias, consideradas entorpecentes, para os fins
especiaes de controle e fiscalisação da producção, do 'trafego,
e do consumo.
O decreto 780, de 28 de Abril de 1936, por sua vez, creou
a Commissão Permanente de Fiscalisação de ,Eintorpecentes, di-
rectamente subordinada ao Ministerio das Relações Exteriores,
tendo a seu cargo o estudo e a fixação de normas geraes d~
acção fiscalisadora do cultivo, extracção, producção, fabricação,
transformação, preparo, posse, importação, reexportação, of-
ferta, venda, compra, troca, cessão, bem como a repressão do
trafico e uso illicitos de drogas entorpecentes.
Consagrando as normas já em vigor, bem como as exigen-
cias decorrentes de convenções internacionaes, como as de Ge-

(3) Sobre o assumpto ver o estudo e a numerosisssima bibliogra-


phia que se encontra no livro de EV'ARISTO DE MORAES, Ensaios de Patho-
logia Social, tambem, RENÉ PRuooN, Alcoolismo et Toxicomanie.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 179

nebra, de 1925 e 1931, ,achava-se, em discussão e estudos na


Camara dos Deputados, quando foi dissolvida, um projecto de
lei, que comprehendia os seguintes capitulos:
1) a definição das substancias entorpecentes em geral;
2) a producção, o trafico e o consumo;
3) a internação e a interdicção civil;
4) as infracções e as penas;
5) disposições de ordem geral;
A legitimidade da intervenção do poder publico ,nesse ter-
reno, decorre, especialmente, da garantia da ordem e da defeza
da raça, contra os effeitos maleficos dessas drogas, intervenção
hoje generalisada em todos os paizes.
Verifica-se, na elaboração e execução dessas leis, o exerci-
do pelo poder publico de uma certa discrição, orientado por
motivos de ordem puramente technica e scientifica, especial-
mente na classificação daquellas plantas consideradas, pela lei,
como indicadas para a extracção de substancias entorpecentes.
A influencia das restricções de ordem policial, neste ter-
reno, reflecte-se, não sómente nos individuos, sujeitos ás penas
mais severas, inclusive a incapacidade civil, mas tambem sobre
{) commercio, que soffre as limitaçOes ao livre plantio e venda
dessas plantas e desses productos. (4)

(4) 'Como exemplo do rigor das medidas policiaes, citaremos o dis-


positivo do art. 2. 0 do projecto acima mencionado:
"São prohibidos no territorio nacional o plantiQ, a cultura, a colheita
e a exportação, por particulares, da Dormideira "Papaver somniferum" e
sua variedade "Album" (Papaveraceae) da ooca "Erythroxylum coca" e.
suas variedades (Erythroxilaceae) do canhamo "cannabis sativa" e sua
-variedade "indica" (Moraceae) (Canhamo da India, Maconha, Meconha,
Diamlba, Liamba e outras denominações vul'gares) e demais plantas de
·que se possam extrahir as substancias entorpecentes mencionadas no ar-
tigo 1.0 desta lei e seus paragraphos.
§ 1.0 As plantas dessa rnatureza, nativas ou cultivadas, existentes
no territorio nadona!, serão destruidas pelas autoridades policiaes, sob a
direcção technica de representantes do Ministerio da Agricultura, cumprin-
do a essas autoridades dar conhecimento immediato dQ facto á Commis
.são Nacional de Fiscalização de Entorpecentes".
Ver, tambem, sobre o assumpto: RENÊ PRUDON, Alcoolisme et Toxi-
.comanie; JURANDYR AMARANTE, Criminosos intoxicados.
180 THEMISTOCLES BRANDÃ:O CAVALCANTI

Polida de jogo

Em nenhuma outra esphera tem-se verificado tantos abu-


sos e má comprehensão da lei quanto naquella que diz com a
pratica dos jogos de toda a natureza, bem como a sua explora-
ção commercial.
Ha uma razão de ordem moral que impõe ao poder pu-
blico uma fiscalisação rigorosa e uma regulamentação crite-
riosa nesse terreno: é aquella que provém da natureza dessa
exploração que tem por fundamento a paixão de certas pessoas
pelo jogo e pelo lucro facH, baseado na sorte. Dahi, a prohi-
bição legal da exploração de jogos de azar.
Por isso mesmo, o Codigo Penal pune aquelles que mantêm
casa de tavolagem para a exploração de jogOS de azar. (5)
Consideram-se jogos de azar aquelles "em que o ganho e a
perda dependem exclusivamente da sorte".
Assim devem se classificar entre elles: a) petits chevaux;.
b) a roleta; c) o lansquenet; d) o trente et quatre; e) (}
trente un; f) os dados como le passe de dix, la rafle, le creps.
l' oie, e outras variedades; g) le derby steeple chase; k) le
pharaon; i) o lotto ou a vispora; j) o biribi ou biribisso;
k) a ·bassette, a barbacole e a hoca variedades do pharaon;
l) a campista; m) a vermelhinha; n) o monte; o) o jaburú
p) o pinguelin; q) a machina fichet;r) o negocio de bookema-
ker; 8) o dominó; as loterias e rifas não autorisadas; u) ()
caipira; v) as machinas caça-nickeis; x) a ronda. (6)
Entre nós, esta classificação pode ser de muito ampliada,
notadamente nas variadissimas formas, imaginadas para ex-
ploração popular por meio de subterfugios, com que se procura
mascarar a sorte por meio de apparelhos mecanicos ou inter-
venção de jogadores, especialmente moças, que apparentam (}
concurso da dextreza afim de evitar a classificação do jogo.

(5) Artigos 369 e seguintes do Codigo penal. Ver os Commentarios.


de BENTO DE F ÁRIA em SlUliS Annotações theoricas e praticas ao Codig&
Renal.
So'bre a Jurisprudencia ver PIRAGIBE, Dicoionario de Direito Penal.
(6) Esta cl8lssificação encontra-se em ARMANDo VrnAL, O jogo a
administração e a Justiça, pg. 21 e segs.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 181

entre aquelles vedados pela nossa lei penal. Assim, o "skating


ball " , o "electro ball", o "cycle ball" e tantas outras modali-
dades.
A jurisprudencia tem assentado diuturnamente a compre-
hensão que se deve dar á applicação do dispositivo do Codigo
Penal e tem fulminado todas as concessões e cartas patentes
que mascaram, com uma apparencia de legalidade, a tolerancia
sobre taes explorações. (7)
Por isso mesmo é dever da policia, não sómente exercer a
mais severa repressão sobre as casas de tavolagem, como ainda
prevenir, por meio de medidas de vigilancia, a pratica desa-
busada dessa contravenção.
Já advertia AURELINO LEAL (8) que essa vigilancia sobre
certas pessoas consideradas suspeitas e conhecidas como con-
traventores está dentro das attribuições policiaes que, assim
agindo, não offendem, de maneira alguma, a liberdade indi-
vidual.
Temos igualmente sustentado, todas as vezes que nos tem
sido dado opinar sobre taes assumptos, que as medidas preven-
tivas e de vigilancia são indispensaveis para que possa a autori-
dade policial exercer as suas funcçoos. O que não pôde ser
tolerado é o aibuso, a perturbação do livre exercicio dos direi-
tos individuaes.
Em geral, essa, vigilancia é exercida nos logares publicos,
como na rua e dentro dos estabelecimentos abertos ao publico,
onde não pode ser considerada indevida a intervenção da po-
licia.
Este modo de entender tem merecido o amparo da Côrte
de Appellação do Districto Federal em diversos accordãos e cor-
'responde perfeitamente ás exigencias da ordem publica.
RANELETTI (9), com muita propriedade, denomina essa
funcção policial, ou melhor, este modo de agir da policia, de

(7) Especialmente os Accordãos in A rchivo Judiciario, voI. 5, pa-


gma· 398 e V'o1.6, pg. 14 onde se encontra uma. sentença interessante do
Juiz Federal no Districto Flederal, WALDEMAR MOREIRA.
(8) Policia e poder de policia, pg. 297.
(9) In PritmoTrattato de Orlando, voI. IV, parte 1.", pg. 316.
182 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

"attività di osservazione", que se manifesta pela presença da


autoridade em todos os, logares em que se torna nacessaria a
sua presença. Esta presença reveste-se de caracter todo "es-
pecial" em determinados lugares entre os quaes especialmente
"su coloro, che sono sospetti di tenere lotterie clandestine o-
altre giuochi di azzardo e d'invito."
As loterias
Tratando da acção da policia sobre as infracções da lei
penal relativas aos jogos de azar, não poderiamos omittir uma
excepção para as loterias, expressamente exceptuadas pela lei
federal, que regulamentou o assumpto. O ultimo decreto re-
lativo ás loterias foi expedido pelo Governo Provisorio e tem
o numero 21.143 de 10 de Março de 1932. Ali acham-se pre-
vistas as condições em que podem ser extrahidas as loterias em
todo o paiz.
Pelo regimen em vigor, permittiu o Governo federal a ex-
tracção de loterias tambem estaduaes, revogando, no entretan-
to, toda a legislação até então existente a respeito do assumpto,
quer federal, estadual, ou municipal.
As bases em que podem ser dadas as concessões, e exi-
gencias da maior severidade tendentes a impedir que se defor-
me o seu verdadeiro sentido, foram previstas pela lei afim de
evitar que aquelle jogo venha a se equiparar aos demais prohi-
bidos pela lei penal.
Não é do nosso systema entrar nos detalhes da nossa le-
gislação positiva, o que viria a dar a este trabalho a feição de
mera compilação legislativa, mas apenas fixar os pontos ca-
racteristicos das nossas diversas instituições administrativas.
Além dos caracteristicos acima citados, tem o nosso regi-
men de loterias o de beneficencia, isto é, o intuito da creação
das loterias foi o de drenar recursos obtidos pelos impostos
arrecadados, applicando-os em instituições de caridade' e na in-
strucção publica.

O decreto 21.143, por isso mesmo, determina:

"Artigo 11 - O producto liquido annual de cada


loteria deverá ser integralmente applicado em obras
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 183

de caridade e instrucção, não sendo licito, nem á União,


nem aos Estados, a partir de 1 de Janeiro de 1933, in-
corporaI-o, para qualquer outro effeito, á sua receita."

A acção da policia em materia de loteria está restricta ao


cumprimento da lei federal, provendo para que não sejam trans-
gredidos os seus dispositivos, quer pela venda das loterias de
um Estado no 'territorio de outro, quer pela venda por pessôa:-;
não autorizadas, etc. (10)
As vendas mediante sorteios têm sido, igualmente, oLjecto
de severa vigilancia das autoridades policiaes, porque, em sua
generalidade, representam processo de exploração dos incautos,
mediante offertas de vantagens muitas vezes illusorias. A's
autoridades fiscaes, porém, mais do que ás policiaes, cabe ve-
lar pelB boa ordem dessas actividades, geralmente baseadas em
cartas patentes obtidas do poder publico, muitas vezes e infe-
lizmente de influencias políticas e administrativas pouco con-
fessaveis.

Mendicanci\l1- vagabundagem - prostituição

A' policia" de"'costumes ' caracterisa-se~ pela'" variedade de


suas actividades, attingindo todos aquelles males sociaes que
corrompem a humanidade e deformam-na physica e moral-
mente. \
O estudo de qualquer uma dessas manifestações, levar~
nos-ia a considerações muito profundas, incompativeis com a
natureza deste trabalho, que visa, apenas d~monstrar a legiti-
midade da acção policial, principalmente de caracter preven-
tivo, acção caracterisada, especialmente, pelo fim de evitar a
criminalidade e readaptar elementos que se tornaram perigo-
sos ao meio social, incorporando-os, depois de rehabilitados, á
sociedade.
O processo therapeutico e prophylatico das autoridades po-
licies depende muito da individualidade de cada um, conside-

(10) Sobl'e o assumpto de loterias muito ter-se-ia que dizer. Muito


tem-se escripto sabre este assumpto, sob os seus differentes aspectos.
184 .THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

rando de formas differentes aquelles occasionalmente trans-


viados, e os degenerados ou habituaes.
A mendicancia, por exemplo, tem a sua solução relativa-
mente facil para aquelles realmente necessitados, que a aban-
donam desde que obtenham meios de subsistencia, ou encon-
trem asylo onde se possam recolher. Toma, porém, uma forma
repressiva a acção policial sobre aquelles que transformam a
mendicancia em uma verdadeira manifestação criminosa, exi-
gindo o emprego de meios coercitivos e de reeducação.
A vagabundagem é outra forma visinha da mendicancia,
e que exige os mesmos cuidados e attenções das autoridades po-
liciaes, de acc9rdo com a natureza das suas manifestações, e a
qualidade das pessoas sobre as quaes se exerce a acção po-
licial. (11)
A não ser, portanto, nos casos em que se caracterisa me-
lhor essa forma criminosa, exigindo o emprego de meios re-
pressivos e a punição dos que transgridem o Codigo Penal, em
todos os outros casos justifica-se o exercicio do poder de poli-
cia com o uso de processos de natureza preventiva, por meio
dos quaes se podem supprimir as causas principaes da men-
dicancia e da vagabundagem.
Assim, deve o Estado fornecer trabalho, pouso, asylo, fi-
nalmente, meios de subsistencia áquelles casualmente desoccu-
pados ou doentes, e forçar ao trabalho nas colonias aquelles que
possam ser comprehendidos nos vadios, vagabundos habit~aes,
inadaptaveis ao trabalho.
A regulamentação da prostituição constitue tambem um
dos aspectos mais importantes da actividade policial sob o pon-
to de vista da protecção individual e collectiva, na esphera da
moralidade.

( 11) Nlumerosissimos são os trabalhos sobre este assumpto. De-


",emos citar muito particularmente o exhaustivo estudo do Dezembagador
VICENTE PIRAGIBE que synthetisou tudo o que se tem feito á respeito da
repressão á vagabundagem, vadiagem e mendicancia no accordão de que
foi relator, publicado no A'1'chivo Judiciario, voI. 5, pg. 147.
EVARISTO DE MORAES, Ensaios de pathoZogia sovial.
O RANELETTI, La polizia di sicc.urezza. In Primo Trattato de Or-
lando, voI. IV, 969.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 185

Embora, como observa BARTHELEMY, (12) a prostituição


não possa ser considerada um crime, em torno della se desen-
volve uma larga actividade criminosa.
A acção da policia deve se exercer, portanto, não sómente
em torno da propria prostituição, fixando os limites dentro
dos quaes as suas actividades podem ser tidas como legitimas,
isolando-a do contacto com os elementos que devem ser consi-
derados moralmente sadios, mas tambem, intervindo mais di-
rectamente sobre as actividades que vivem da prostituição,
como o lenocinio, etc.
O problema da regulamentação da prostituição é dos mais
debatidos. Não se conciliam as opiniões extremadas por falta
de um exame das condições peculiares a cada caso, que variam
de accordo com os habitos locaes. Consiste, assim, a solução do
problema mais na medida da intervenção da policia, na sua
acção regulamentar, de conformidade com a vida e as condi-
ções especiaes peculiares a cada cidade.
A regulamentação à outrance com a officialização das ca-
sas de tolerancia, a inspecção obrigatoria e official das mulhe-
res, e outras medidas identicas constitue, afinal, uma verda-
deira deturpação da funcção policial, uma fonte permanente de
corrupção da policia, um processo, emfim, cuja inefficacia tem
sido proclamada pela experiencia. (13)
A acção policial deve consistir na protecção dos elementos
aindá não contaminados e cuja fraqueza natural exige a pro-
tecção da autoridade publica, como as menores, no isolamento
dos meios destinados a habitações familiares, na repressão dos
escandalos nas ruas, (racolage, etc.) nas facilidades á assis-

(12) Précis de Droit Public, pg. 88 onde se encontram interessantes


observações sobre o assumpto.
(13) 'Consultar o livro de PAUL GEMAHLING, professor da Universi-
dade de Strasblir~o: La reglementation administrative de la vrostitution
jugée d'apres les faits, 1933. Neste trabalho existe larga documentação,
inclusive os· estudos realizados pela Liga das Nações. A these do autor
é especialmente no sentido do fechamento das casas de tolerancia.
IEVARISTO DE MloRAES, Ensaios de pathologia social, onde o autor es-
tuda o problema entre nós e faz a critica do regimen regulamentar.
. E. ·DOLLEANS, La police des mreurs, onde o autor estuda de prefe-
. reneia o() ponto de vista penal do problema.
186 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

tencia anti-venerea e a repressão á contaminação, na lucta sem


treguas contra o lenocinio, o proxenetismo, o trafego de escra-
vas brancas, nacional e internacional.
Em linhas geraes devem ser estas as medidas de policia
que' se desdobram em numerosos sectores que merecem ser fis-
calizados para evitar que a falta de uma regulamentação syste-
matica importe nos inconveniente~ de uma excessiva liberdade.
Assim por exemplo, a fiscalização dos hoteis, dos lugares
frequentados particularmente por menores, devem estar na&
cogitações das autoridades policiaes. (14) A legitimidade des-
sa intervenção não pode ser posta em duvida, tratando-se ape-
nas da applicação do principio geral da fiscalização reconhe-
cido pela jurisprudencia dos nossos tribunaes. (15)
Visam essas medidas attender a exigencias comprehendidas
no poder geral de policia, implicitamente inclui das entre
as suas attribuições especificas, na defeza da moralidade pu-
blica e no isolamento dos elementos considerados perniciosos
á collectividade.
O caso da repressão ao lenocinio já se apresenta com ca-
racter repressivo e penal mais accentuado, constituindo-se essa
forma de exploração mais nitidamente como forma criminosa
contra a qual é licita a intervenção da autoridade judi-
ciaria. (16)
São essas as observações de caracter geral cabiveis no
exame da orientação das autoridades policiaes no exercicio de
suas actividades, principalmente preventivas, na defeza da mo-
ralidade publica. (17)

(14) BEATRIZ SOFIA MINEIROS, Codigo de Menores.


(15) Vier AVRELINO LEAL, Policia e Pode?" de Policia, A policia
e o meretricio, pg. 181.
(16) Ver:lJs segmintes con~nções internaeionaes: Paris, de 18 de
Maio de 1904; Decreto 5.5191 de 13 de Julho de 1905, in Diario Official
de 19 de Julho de 19'05.
Paris, oonvenção de 4 de Mai,o de1910, in Diario Official de 29 de
Agosto de 1924.
Genebra de 30 de Setembro de 1921; Drecreto 23.812 de 3{) de J·a-
neiro de 1934, Diario Official de 6 de Fevereiro de 1934.
Apud, H. ACCIOLY, Legislação internacional do Brasil.
(17) Em caso recente provocado por um mandado de segurança re-
querido contra o delegado Frota Aguiar, no exerci cio de uma energica e
salutar campanha contra a deturpação das finalidades dos hoteis, apresen-
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 187

tou o Chefe de Policia documentadas informações das quaes extrahimos


os seguintes topicos que reflectem a orientação hoje bem generalizada so-
bre esse assumpto:
"Em Strasburgo, depois d'e igual prohibição das casas de tolerancia
um arresto municipal de 31 de Maio de 1933, prohibe a todos que explo-
rarem um hotel, casas mobiliadas, cafés, cabarets, vendas de bebidas ou
outros estabelecimentos, de receber habitualmente, para se entregarem a
prostituição, mulheres de d,eboche ou individuos de maus costumes, sendo
então fechados pela autoridade mais de uma v,intena de casas clandesti-
nas, seguindo-se regras prohLbitivas contra o recrutamento por pessôas
que se entregam a prostituição nas proximidades desses estabelecimentos,
como actos de provocação ao deboche, de nature:z;a e perturbar a o'rdem e
a moralidade publica.
Em Vienna, com o mesmo objectivo de evitar a exploração da pros-
tituição alheia e da preservação da moral pUlblica, pelo art. 515 do Co-
digo Penal Austriaco, são tambem punidos com multas, a primeira vez,
e, ulteriormente, com penas de prisão e privação do commercio que ex-
ploram em seus esta!oolecimentos, cabarets, a~bergues, etc., aquelles que
fornecem a outr,emoccasiãJo de praticarem á prostituiçoo, ficando priva-
dos do exercicio de suas profissões os donos ou prepostos do alludidos
estabelecimentos. (Notas colhidas no oommunicado ao Conselho e aos
membros da 'Sociedade das Nações, numero offici-al G. 221, M,. 88, 1934,
IV, (CTIFE 612 (1) em Genebra 15 de Junho de 1934, pelo Comité do
Trafico de Mulheres e Crianças. A .ABOLIÇÃO DE CASA DE TOLE-
R.ANGIA;. "Serie de publicações da Sociedade das Nações, IV. Ques-
tões Sociaes, 1934, IV, 7)".
"Regras quanto á decencia das ruas, coibindo a exterioridade do me-
retric~o, existem tambem em Berlim, Hamburgo, Vienna, Inglaterra, Ita-
lia, Hespanha, Portugal, etc. Na Dinamarca, uma Legislação mais se-
vera equipara a prostituta hatbitual á vagabunda, punindo-a como tal, es-
tabeIeoendo ainda penas para as que recrutam homens, ofendem o pudor
publico ou inco\llmodem a visinhança. Tambem severamente as loeis da
Noruega punem os que exploram a prostituição ,sendo que as disposições
ordinarias do Codigo Penal permittem á policia prender as mulheres por
embriague:z;, pelo recrutamento e por outros delictos contra a decencia,
processando ainda as meretrizes oomo vadias e ficando sujeitas á pena
d·e prisã·o até dois annos as que exploram as outras em proveito proprio.
Na Hiolanda, o sy,stema mixto, tendo em vista principalmente a defeza dos
menores e a excitação á immoralidade, impõem, as ordenações locaes que
estabelecem o regimen para as ruas. Zurich domina igualmente uma
prohibição severa, pod'endo as meretrizes ser presas até oito dias quando
se offerecem para fins immoraes, expondo-se imprudicamente nas ruas".
E, em outro topico, sohre os hoteis:
"Em Genebra ,quando resultante de um julgamento ficar pr<J.Vado
que ha prostituição em um estabelecimento publico qualquer e em que
são incluídos os hoteis, o Conselho de Estado poderá ordenar o seu im-
mediato fechamento (·Cap. II, art. IV, das Leis e Regulamentos em vi-
gor para defender a moralidade publica pg. 31).
Em Praga; depois da suppressão das casas de tolerancia, interessados
em aufeTIir mali,O'l'Ies lrucros de prostituição a1heia, estabelecerem, pouco a
pouco, grande numero de bars, dancings, casas de belbidas, 1wteis e pre-
tensos salões de massagens.
Em Riga, após o fechamento das casas de tolerancia é prohibido ás
prostitutas' habitarem em hoteis, quartos mobiliados, hospedarias, etc.
CAPITULO X

POLICIA DE PROFISSõES

Liberdade de Profissões - Garantias e restricções constitu-


ciúnaes - Pú}icia do Trahalho - Profissões Hberaes -
'Condições de capacidade - Systemas - Regulamenta-
IÇOO - Dentistas, medioos, clinicas, engenheiros, advo-
gados - Commercio e Industria. .

Tal como as outras liberdades, a de profissões soffre as


restricções impostas pelo interesse publico, que exige a prova
previa :da idoneidade e. capacidade da:quelles que a exil"cem.
O Estado usa, assim., de um verdadeiro poder de policia,
que se pOderia enquadrar dentro de um titulo geral de Policia
das profissões.
Às restricções impostas á liberdade absoluta são determi-
nadas pela lei, dentro dos limites fixados pelo texto consti-
tucional.
A CGnstituição de 1891 declarava, em seu artigo 7, § 24:
.. E' garantido o livre exercicio de qualquer profissão moral,
intellectual e industrial ".
Embora sem limitações bem definidas, o texto aCima men-
cionado soffria, em sua applicação, restricçães plenamente jus-
tificadas. Tinha a amparaI-o a doutrina e a jurisprudencia
dos nossos Tribunaes.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 189

Commentando o aUudido texto, escreveu CARLOS MAxIMI-


LIANO, em perfeita synthese da interpretação dada á disposição
cons1Jitúcional (1):

"A liberdade consiste em não existir corpora-


ção de officio, em ser a classe accessivel a todos,
abertas, sem distincção, as matriculas das acade-
mias; permitte-se a humildes e poderosos a con-
quista do saber indispensavel para o exercicio de
profissões varias. Qualquer individuo, nacional ou
estrangeiro, pode ser medico, advogado, pharmaceu-
tico, chauffeur de automovel, piloto ,de navio brasi-
leiro, desde que prove ter adquirido os conhecimen-
tos necessarios. Não ha privilegio pessoal, mono-
polio nenhum; exis,te sómente uma garantia para o
publico".
"Não se conhece liberdade absoluta. Qual-
quer franquia tem por limite o interesse superior
da collectividade. E' este o espirito da Constitui-
ção, attestado pelos Annaes e pela unanimidade dos
jurisconsultos ".

Sob o regimen daquella Constituição, a liberdade profissio-


nal não soffria as mesmas restricções impostas pela lei de 1934
restricções conservadas na Constituição de 1937. Com rela-
ção aos estrangeiros, por exemplo, vigorava um regimen de
egualdade que não mais se encontra actualmente, conforme
veremos (2).

(1) Commeniarios á Constituição Brasielira, pg. 798.


Ver tambem: JOÃo BARBALHO Commentarios á Constituição, pg. 330;
ARISTIDES MJLTON, A Constituição Brasileira, pg. 414.

(2) Referindo-se ao direito dos estrangeiros escreveu RuY BAR-


BOSA, Qommentarios á Constituição Federal Brasileira, eoHigidm; por Hp-
MERO PIREs, VQl. VII, pg. 43,.
190 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Apeza.r de tudo, porém, restricções sempre foram oppos-


tas á liberdade absoluta ,de profissões (3). Não SÓJmente na-
quillo que interessa ás condições para exercel-as, mas àinda na
maneira de exerceI-as (4).
E1stes são o:s principios universalmente acceitos (5).
A Constituição de 1934 veio alterar bastante os termos
da questão, facultando ainda mais á lei OJ'dinaria maior regu-
lamentação da materia.

No mesmo sentido, diz a Constituição de 1937, em seu


art. 122, n. 8:

"a liberdade de escolha de profissão ou do genero


de trabalho, industria ou commercio, observadas as
condições de capacidade e as restricções impostas pelo
hem public'o, nos termos da lei".

·liC.í
(3) Ver, entre muitos, os accordãos do Supremo Tribunal Federal
in Revista d.o Supremo Tribunal Federal. Volume lI, pg. 9, idem vol. 35,.
pg. 16.
mi'~
(4) Voer o accordão do Supremo Tribooal Fedel'\al de 16 de Maio de
1927 sobre a obrigação de v,estes talares pe10 advogad()s, em que se lê o
seguinte voto vencedor da lavra do Ministro BENTO DE FARIA:
"A garantia que a Constituição offerece e assegura ao - livre oexer-
cicio - de qualquer profissão moral, industrIal, ou inteIlectual é ampla,
sem duvida, desd,e que, porém,o cidadão tenha adquirido o direito de
exercel-a pela observancia o que fôr estatuido por leis e regulamentos.
A liberdade, como qualquer outro direi,to, não pode ser absoluta, e,
assim não deve merecer o qualificativo de - juridica, uniDa suscepÍ'Ível
de protecç1Lo a que pl'\etenda superpôr a determinações editadas no in-
teresse, superior da ordem publica e das suas instituições, das quaes a
principal é a Justiça.
Por conseguinte, o Estado pode impôr aos graduados em direito, quan-
do exercitem a profissão de advogado, na pratica doe determinados actos,
o uso de certo vestuario, como succede com os magistrados e os membros
do Ministerio publico.
Não enxergo inconstitucionalidade nenhuma em tal prescripção".
Revista de Critica Judicicuria, voI. V, pg. 484.
(5) BERTHELEM'Y, Précis de 1J1'oit Administratif, pg. 334.
CooLEY, Constitutional limitations, pg. 890.
JAMES BRYCE, The americanCmnmonwealth, lI, pg. 620.
PoMERQYS, Constitutional Lf1IW, pg .532.
INSTITUIÇÕES DE DIREIT'O ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 191

A competencia para fixa.r 31S normas que devem regular


,o exercicio de todas as profissões competia ,á União, nos termos
do artigo 5, n.o XIX, letra k, da Constituição de 1934 (6).
A Constituição de 1937, porém, orientou-se no sentido de
uma tendencia menos centralisadora em materia profissional
-e educacional, podendo-se ter a exclusão do alludido dispo-
sitivo como manifestação dessa tendencia.
Mas não sómente as restricções previstas em lei podem ser
,-oppostas ao livre exercicio das profissões. O texto constitu-
donal oppôz restricções mais profundas, que attendem a rele-
vantissimos interes'ses de ordem publica, que não poderiam ser
consagrados em leis ordinarias sem ferir direitos e garantias
assegurados pela propria Constituição. Comprehendem-se
dentro Ide uma esphera ,propriamente constitucional.
Assim, o artigo 150, com relação ao exercicio das profis-
.sões liberaes por estrangeiros:

Art. 150 - Só poderão exercer profissões libe-


raes os brasileiros natos, e os naturalisados que te-
nham prestado serviço militar no Brasil, exceptuados
os casos de exercicio legitimo na data da Constituição
e os de reciprocidade internacional admittidos em lei.
Sómente aos brasileiros natos será permittida a re-
validação de diplomas profissionaes expedidos por
institutos extrangeiros de ensino".

O texto da Constituição contém, assim, diversas restric-


ções, não s6mente ao exercicio das profissões, mas tambem á
validade ,dos diplomas e~edidos por institutos de ensino no
~xtrangeiro. Mesmo os extrangeiros que cursarem institu~
de ensino no Brasil, só poderão exercer a profissão quando sa-

(6) Compete privativamente á União:


XIX - Legislar sobre: •
..............................................., .................... .
k - condições de capacidade para o ex.erci'CiQ de profissões liberaes
e technico-scientificas, assim Domo o jornalismo.
192 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
------
tisfizerem as condições ali mencionadas, isto é, a naturalização
e a prestação do s'erviço militar.
A medida visou, especialmente, evitar a infiltração de ele-
mentos extrange~ros em centros de immigração, e a o.rgani-
zação de nucleos de populações completamente independentes e
inaccessiveis á penetração de elementos' naciOOlaes. O exerci-
cio das profissões liberaes, especialmente a medica, pelos' ex-
trangeiros, viria crear uma situação excepcional, permittindo
que essas populações bastem-se a si proprias, Cireando verda-
deiras autarchi'as economicas dentro do quadro das instituições:
administrativas ,do nosso paiz.
O artigo 149, como umcorollario das medidas impostaS'
para assegurar a defeza nadonal, exige, egualmente, a ria-
cionalidade brasileira pa:ra exercer a profissão de pratico nas
barras, portos, rios e lagos' do paiz. A exigencia justifica-se
por si só.
Mas, não sómente restricções impõe a Constituição ao.
exercicio da divemas profissões, especialmente as liberaes.
O a,rtigo 136 permitte que os que as exercem gosem das
mesmas garantia's e beneficios concedidos pela legislação so-
cial. Depende, porém, da possibiUdade da adaptação desta le-
gislação aos casos concretos.
São esses os principios geraes que il"egem a materia, liga-
dos em sua maioria ás garantias constitucionaes, consagradas
em diversos dispositivos da nossa ,Constituição.
Examinaremos, em seguida, as leis ordinarias que regu-
lamentam o exercicio de diversas profissões.

Policia do Trabalho

A liberdade do trabalho é um' axioma do nosso regimen


juridico. E' um corollario do direito á subsistencia. As me-
didas de policia, comprehendida essa e~ressão em seu sentido
generieo, têm por fim discipHnaressa liber.dade, asseguil"ando~
ao mesmo tempo, aos que trabalham, os seus direitos contra os.
excessos inheren1les á desegualdade social.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 193

A liberdade do trabalho não justifica os excessos, por ve-


zes verificados, e que consistem na imposição por meios vio-
lentos ou pacificos de exigencias mais ou menos justas.
O direito de greve só pode ser reconhecido nas sociedades
em que os direitos do trabalho não se acham aSJSegurados, pois
que as greves, naquelles ;pa.izes de trabalho organisado, violam
os contractos do trabalho e as soluções proferidas pelas Juntas
de conciliação e pelos Tribunaes de trabalho.
Como já vimos no primeiro volume, eSltabelecida a pari-
dade na coostituição .dessa justiça es'pecial, tornam-se as suas
soluções equitativas.
Além dessas considerações de ordem geral, pode-se incluir,
entre. as· medidas de policia decorrentes da acção do Estado
sobre a legislação trahalhista, ainda mais:
a) a lei de oito horas de trabalho;
b) a chamada lei dos dois terços;
c) as ferias remuneradas;
d) o trabalho de mulheres nas fabricas e estabelecimen-
.tos comme:reiaes;
e) o trabalho de menores;
f) a estabilidade no emprego, por tempo de serviço, etc.
Compete a repartições integradas na organisação admi-
nistrativa a fiscalis'ação dessas leis trabalhistas, constituindo-se,
igualmente, instancias collectivas de julgamento, cujas decisões
teem, em nosso regimen, força executoria por via judicial.
Em linhas gemes, são estas as noções es'senciaes sobre a
policia do trabalho, que co~iste, afinal, em uma di'sciplina, cuja
finalidade primordial é estabelecer o justo equilibrio entre pa-
trões e empregados.

Registro de diplomas

O exercicio das profissões liberaes sujeitas á regulamenta-


ção do poder 'publico presuppõe, necessariamente, a existencia
de um ,diploma scientifico, expedido por instituto reconhecido
pelo Governo.

- 13
194 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

E'sta tem sido uma das questões debatidas .pelos interes-


sados, masque tem encontrado, pelas autoridades competentes,
uma interpretação seguida e uniforme no s-entido de conside-
rar-s.e o diJp;loma expedido pelo estabelecimento de ensino a
unica prova representativa da capacidade profissional.
Constitue, as:sim, o diploma, um justo titulo, que estabelece
uma presumpção de capacidade em favor do seu portador. Uma'
das consequencias, tambem, do reconhecimento dessas facul-
dades está, precisamente, no direito de e~di.r diplomas ou
titulos scientificos (7).

(7) A respeito desse assumpto vale a pena mencionar o voto pro-


ferido pelo Ministro CoSTA MANSO, na Côrte Suprema, na appellação ci-
v·el 6.606, in Jornal do Comnnercio de 11 de Setembro de 1937, que con-
tem intere·ssante resumo da nossa legislação:
"Toda a nossa legislação faz r·efer·encia ao di<ploma, como mei·o de
prova da colIação de gráu academico. Citarei, ao acaso, alguns textos,
sufficientes para com<provar o assert-o:
Od,ecreto n. 19.851, de 11 de A'bril de 1931, que dispõe sobre o en-
sino universitario, preceitúa:
"Art. 87. - A-s universidades brasileiras expedirão diplomas e cer-
tificados para assignalU/r a habilitação em cu.rsos seriados ou avul-sos ...
Art. 88. - Os diplomas, referentes a cursos profi.ssionaes superio-
r,es, habilitam ao exerciaio legal da respectiva profissão.
Art. 89. - Os certificados destinam-se a provar a habilitação em
·cursos avulsos ou de aperfeiçoamento ou especialiazção ... "
Já aqui vemos a differença ·entre um diploma e um simples certifi-
cado. O diploma é que habilita o individuo ao ,exercicio da profissão li-
[·eral.
'O decreto n. 19.852, da mesma data, referente á Uni:versidade do
Rio de Janeiro, dispõe, no art. 20 que esse Instituto "conferirá os se-
guintes diplomas". . .. A seguir, os enumera. Ao -invés deaIluüir ao grau,
refere--se ao diplOWlJ, como o coroamento dos diversos cursos.
O art. 5'1 dispõe:
"Ois diplomados em paiz estrangeiro, que pretendam revalidar os seus
-diplomas, d-everão sujeitar-st!" etc.
Revalida-se o diploma, não apenas o grau, provado por qualquer pro-
cesso. -O mesmo vem prescripto no -art. 132:
"Os medicos que desejarem habilitar-se para o exercicio profissional
no Brasil deverão requerer a revalidação do diploma ou titu10 de medico,
a·o director das F·aculdades de M,edicina, apresentando os seguintes do-
-cumentos:

II - Diploma ou titulo ... "


No art. 191, tratando d,o curso de engenharia, ainda mais clara-
mente aIlude ao diploma original.
O decret-o n. 16.782-A, de 13 de Janeiro de 1925, que reformara o
ensino secundar.io ,e superior, não é menos expr·essivo. Depois de nos
dispositivos referentes ás diversas Faculdades, aIludir á revalidação de
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 195

o reco.nhecimento desses diplo.mas pelo Governo. é que


.-constitue o. valor primordial da equiparação das faculdades
livres.
Assim, o.S diplomas expedidos por essas faculdades e pelas
offic1aes, constituem uma presumpção. de capaciJda.de do. seu
portado.r, até pro.va em oontrario, isto é, pela demonstração
,de sua falsidade, material ou intellectuaI.
Nesses casos, o diploma deixa de ter valor jurídico., res-
pondendo. o. seu portador, e os autores da fraude, criminal-
mente, pelo. crime que ho.uverem porventura praticado..
Numero.sos são esses casos. Individuos portadores desses

.diplomas, tráta, no art. 261, da equiparação de estabelecimentos parti-


culares, deste modo:
"O Governo ... pod'erá equiparar para o effeito da validade dos res-
· pectivos titulos ou diplomas, as Faculdad·es ... " etc.
O decreto leg.islativo n. 5.616, de 28 de Dezembro de 1928, logo no
.art. 1.0 dispõe:
"As Universidades que se cri;arem nos Estados, com personalidade
juridica, que satisfizerem os requisitos constaIlltes do art. 2.°, terão ad-
·ministração eco no mica, e os diplomas que expedirem reconhecidos pela
União."
·E, no ar!. 5.°:
"O Governo regulamentará a fiscalização estabelecida no artigo an-
terior, determinando:
a) - que a faculdade de expedir diploma possa ser suspensa sem-
.pre que ... " etc.
Ainda neste documento legislati.vo se vê a expedição do diploma como
.0 maxÍll'Jo objectivo dos est!libeLecimentos de ensino superior.
lO decreto n. 20.179, de 6 de Julho de 1931, oontém estes dispositi-
vos, que mostr.am a oontinuidade do pensamento legislativo no tocante aos
. dIplomas:
"Ar!. 1.0 - Serão officialmente reconhecidos como vaHdos para o
· exercicio profissional no territorio da Republica, observadas quaesquer
outras disposições administra.tiovas fedeI"aes ou estadoaes, os diplomas ex-
pedidOS pe).os insti.tutos de ,ensino superior, congregado ou não em Uni-
versidades, mantidos pelos Governos dos Estados nas condições prescri-
ptas por este decreto.
Art. 7.° - ISerão igualmente reoonhecidos como vali.dos para o exer-
· cicio profissional no territorio da Republica. .. os diplomas expedidos pelos
institutos livres -de ensino superior etc.
,Alrt. 9.0 - A concessão d·as prerogativas do reconhecimento de di-
· plom a ... .
AJrt. 22 0 - Serão tambem validos nos termos deste decreto os di-
· plomas expedidos pelos institutos J'ivres de ensino superior aos alunmos
nelIes já matriculados na data da inspecção preliminar".
Funalmente a nova Constituição da RepubJ.ica no a,rt. 133, aHude á
revalidação de diplomas profissionaes expedidos por institutos e~trangei­
: ros de ensino.
196 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

titulos, nunca tiveram op.portunidade de cursar qualquer facul-


dade, obtendo esses diplomas por meiO' de fraudes que se reves-
tem das mais variadas mO'dalidades.
A policia desses diplomas é exercida, não s6mente pelas
diversas organizações profissionaes, como a Ordem dos Advo-
ga.dos; o Conselho de engenharia, mas tambem pela repartição
competente no Ministerio da Educação, incumbida do registro
de diplomas.

Profissão de dentista

Essa prO'fissão é das que permittem com mais facilidade,.


principalmente no interior do Brasil, a burla das medidas de:
fiscalizaçãO' impostas pela lei para o exercicio profissional (8).
O numero de dentistas praticos. existentes entre nós exigiu,.
mesmo, do poder publico, medidas excepciona.es que visavam,.
antes de tudo, contemporisar com uma situ~ão de facto, que
não era licito ao legislador desconhecer.
Assim, O' .decreto 20.862, de 28 de DezembrO' de 1931, para.
attender a esta situação, permittiu que, nos Estados', praticas-
sem a arte dentaria, os dentistas não diplomados mas conside-
rados dentistas praticos, que exercessem a profissão por mais
de dez annos continuos, em determinada localidade, e desde que·
satisfizessem outras condições secundarias" previstas no artigo,
8 do mesmo decreto.
No Districto Federal não havia a mesma tolerancia. At-
tendeu, naturalmente, o Governo Provisorio, á circumstaneia de'
que as condições do meio eram outras, não se verificando a.
mesma escassez de profissionaes constatada nos Estados, prin-
cipalmente no interior.
O decreto 21.073, de 22 de Fevereiro de 1932, veio regular-
a situação dos dentistas, no Districto Federal, determinando
que poderiam exercer a profissão aquelles que tivessem diplo-·

(8) Vier os S'eguintes decretos: 20 :862, de 28 de Dezembro de 1931;:


21.073, de 22 de Fevereiro de 19~2; 22.501, de 27 de Fevereiro de 1933;
23.540, de 4 de Dezembro de 1933.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO '197

ma, e .os que tivessem mais de cinco annos de pratica no Dis.


tricto Federal, e se submettessem a um exame de habilitação.
O mesmo decreto ~ncluiu, entre .os dentistas praticos, aquel-
res que possuissem diplomas expedidos por faculdades estadoaes
.ou institutos não equiparados.
O decreto 22.501, .de 27 de FevereirQ de 1933', veiu, porém,
, -equiparar, de alguma forma, a situação dos dentistas no Dis-
tricto Federal á dos dentistas praticos nos Estados, dispensan-
do-os da ,prestação do exame e das mais provas de habdIitação.
São essas as principa.es med,idas legislativas que regulam
.o exerciciQ da prQfissão de dentista. Deve-se, porém, accres-
centar que .o decreto 23.540, de 4 de Dezembro dé 1933, res-
tringiu os favQres concedidQS pelas leis então em vig~r sómente
áquelles que satisfizessem as cQndições acima enumeradas e que
requeressem a licença até o ,dia 30 de Junho de 1934 (9).
A' transgressão das disposições legaes importa em respon-
sabilidade criminal e outras sancções previstas nas leis, de na-
tureza administrativa.

Medicos

O exercido da profissão medica e~ge medidas de grande


importancia, dada a natureza do paJpel que preenchem no con-
juncto das actividades humaans.
A responsabilidade do Estado na fisea:Iização do exerciciQ
-da medicina, pela verificação continuad,a de que os mesmos
preenchem as condições ,legaes, tanto maiQr quanto mais nu-
merQsas e frequentes são ~ modalidades de fraudes e bôa fé
'POPular em tratamentos e remediQs prescriptos por individuos
'ignQrantes, curandeiros e mystificadores.

'(9~ V'er o ,interessante opuscu10 do sub-inspector da fiscalização do


exerClCIO profiss,ianal n,o Districto Federal, JoSÉ BENTO DE FARIA, Ma-
:teria odontologica, onde o assumpto é tratado, e mencionada uma biblio-
;graphia especi.alizada sobre o assumpto.
LoPES DA OoSTA, Direito profissional do cirurgião detttista.
ROGER, GoOON et DUCUING, Gode du chirurgien dentiste.
Ver sobre as medidas impostas em outros paizes, F. CAMMEO e C.
'V'ITTA Sanità pubblica no vol. IV, parte lI, do Trattato de Orlando, pa-
;gina 478.
198 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Por isso mesmo, a actividade policial e fiscalisadora do·


Estado deve-se estender, não sómen"te áquelles que se dizem:
portadores de diplomas scientificos e que exercem abertamente·
a Iprofissão medica, como tambem ás praticas manifestamente-
irregulares, notadamente o falso espiritismo, curandeirismo,
magia, etc.
Geralmente, essas ultimas modaLidades revestem-se, afinal,.
de caracter criminoso, incidindo aquelles que as praticam nas'
sancções do Co digo Penal (10) ..
A actividade policial, portanto, deve-se revestir de me-
didas preventivas e de fiscalisação, afim de cohibir os abusos
e evitar que se consumam os effeitos damnosos dessas praticas.
Sob o ponto de vista administrativo, deve a autoridade con-
trôlar o exercicio normal da medicina, verificando previamente·
a legitimidade dos diplomas com que se apresentam os medicos
e outros profissionaes que se dizem habilitados legalmente (11).
A policia da profissão medica exige, tambem, a fiscalisação>
das declarações de obitos, bem como das notificaçõesl das mo-
lestias contagiosas, quando compulsorias, afim de que não sof-
fra o interesse publico com o exercicio negligente d~ profissão·
medica.
Para isso, numerosas são as leis que regulam a especie,.
assim como as que estabelecem as condições es,peciaes das acti-
vidades profissionaes dos enfermeiros, das parteiras praticas,
dos pharmaceuticos, etc. Constitue todo o oonjuncto dessa I€--
gislação uma verdadeira disciplina especial, sujeita a disposi--
,ções muito peculiares.

Chimicos

A pro!issão de chimico, tambem, acha-se sujeita a uma.:


rigorosa fiscalização, de accordo com a lei que regula o seu;
exereicio.

(10) Ver o acc. da Côrte de AppeIlação do Distr-icto Federal, Arck~


Jud., voI. 21, pg. 36.
(11) Dec. de 11 de Janeiro de 1931.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIR::> 199

o decretO' 24.693, de 12 de JulhO' de 19,34, estabeleceu as


linhas geraes dessa regulamentaçãO', mais tarde, em parte, alte-
rada e posta ,de cO'nfO'rmidade com as disposições constituciO'-
naes que regulam o exercicio das p1'ofissÕ€s.
Presuppõe aquelle exercicio a prO'va de capacidade, ;presu-
mida pela exhibiçãO' de titulO's seientificos.
A fiscalisação do cumprimento da lei cabe ao MinÍ'sterio
dO' TrabalhO', pO'r meiO' de seus orgãJos, como o Departamento
NaciO'nal do Trabalho e as Inspectorias Regionaes nO's Estados.
A disciplina da profissão de chimicO' é um imperativo das
funcçÕ€s cO'mpleX:as que cabem a essa categoria de prO'fissiO'-
naes, a quem cO'mpete exercer attribuições da maiO'r respon-
sabilidade.
A fé que devem merecer os pareceres e O'S laudos profe-
ridO's pelO's chimicos e a responsabilidade deHes decorrentes.
tornam necessariO' um cO'ntrôle severo do poder !publicO' para
que, a simples qualidade pO'r elles invocada, traga uma segu-
rança para o publico, dispensado, por ess'a fO'rma, de maiores
investigações, da sua capacidade prO'fissiO'nal e da idO'neidade
dos seus laudos.
Por isso mesmO', a lei reconhece e dá fé publiCa aos certi-
ficadO's de analyses chimicas, pareceres, attestados, laudos ,pe-
riciaes e pr~jectos relativos á especialização, assig:nadO's por
prO'fissionaes, devidamente habilitados.
Da mesma forma, para O' preenchimento de cargos techni-
cos sãO' exigidas provas de habilitaçãO' e diplO'mas, e~didO's de
aceordO' com a lei.
Esta regulamenta, egualmente, o exercicio da prO'fissãO' de
chimiicO' Q)Or extrangeiros, bem comO' O' respeito á lei dos dO'is
terços.
Quanto á revalidação dO's diplO'mas expedidJos por faculda-
des extrangeiras, deve-se O'bservar a restricçãO' constituciO'nal
acima menciO'nada, respeitadO's apenas O's direitos adquiridos,
para aquelles que já tiverem a sua situação perfeita e acabada,
de conformidade com a legislaçãO' anterior, que regulava O' as--
sumptO'. Para os demais,deve-se applicar a prohibiçãO' consti-
tuciO'nal, dada a natureza da prO'fissão.
200 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Finalmente, quanto âqueUes que já exerciam a prO'fissãO',


sem 'prO'va de hal;Ulitação em institutO' scientifico de ensinO',
deu-lhes a nO'va lei uma denO'minação peculiar de "licenciadO's".
SãO' essas, cO'm relação aO's chimicos, as principaes dis'po-
siçóe8 impostas pelO' EsUw:lO', nO' exerciciO' legitimO' de seu di-
reitO' de policia sobre as prO'fissões. Deve-se, nO' entretantO',
consultar a legislaçãO' citada, que contem numerO's'as disposi-
ções regulamentares dO' maiO'r interesse:

Engenheiros, architectos,etc.

Os engenheirO's, architectos,agrimensO'res, fO'ram agrupa-


dO's, pela lei, em uma determinada categoria de profissiO'naes,
sujeitos a disposições regulamentares quasi semelhantes, e su-
bO'rdinados á fiscalização de um mesmO' O'rgão de classe, denO'-
minadO' "CO'nselhO' Federal de Engenharia e Arch itectura " ,
cujas attribuições foram descentralizadas pelO's diversO's Con-
selhos RegiO'naes, com séde nO's ElstadO's, em numerO' de tantos
. quantO's se tO'rnarem necessariO's.
O decreto 23.569, de 11 de DezembrO' de i933, cO'nstitue
a lei fundamental dessa O'rganização. NeIla se encO'ntra a de-
finiçãO' das differentes categorias de prO'fissiO'naes, os cursO's
que devem seguir para serem cO'l1O'cadO's em cada uma dessas
categO'rias, bem comO' as condições geraes de habilitação que
devem preencher.
As nO'rmas sãO' as mesmas a que O'bedecem O'S demais regu-
lamentO's, feitas, apenas, algumas mO'dificações peculiares a
cada prO'fissãO'.
O ConselhO' Federal de Elngenha~ia e Architectura, e as
suas instancias menO'res, têm O' caracter das instancias admi-
nistrativas cO'mmuns, e agem dentrO' das attribuições que lhes
recO'nhece a lei. Não têm, porém, a amplitude e a s'ignificação
da Ordem dos Adwgados, instituida cO'mO' O'rgão de classe, fe-
chada dentrO' de uma organização cTeada 'Pela l'ei, mas' cujO's
O'rgãO's directores emanam da eleição pela propria ClBlSSe dO's
advO'gadO's.
E' bem verdade que, tambem, O' CO'ns'elhO' de Engenharia,
cO'nstitue-se pela eleiçãO' indirecta, isto é, pelo vO'tO' dO's syndi-
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 201

catoo, das organizações profissionaes e dos institutos scienti-


ficos de engenharia, mas a presidencia do Conselho cabe, obri-
gatoriamente, ao representante do Governo.
Está, portanto, o Conselho de Engenharia, integrado na
organização administrativa da União, embora deva-se-Ihe re-
conhecer relativa autonomia, concretizada, eSlpecialmente, no
caracter definitivo das decisões proferidas pelo ConseLho Fe-
deral, sem recurso para a autoridade administrativa superior,
que deveria s'er, eventualmente, o Conseltho Nacional do Tra-
balho (12).

Advogados

A regul<amentação da 'Profissão de Advogado já foi, em li-


nhas geraes, examinada, quando tratámos, no volume primeiro,
da Ordem dos Advogados.
Mostrámos, alli, como, depois de um regimen de relativa
liberdade e de falta de organisação da classe, constituiu-se a
OMem dos Advogados, com uma estruetura muito peeuHar, de
caracter corporativo, gosando de autonomia administrativa, ou,
pelo menos, de um systema de auto-administração, fundado em
um regimen eleitoral, de que participa toda a clas'se.
Divers'as foram as tentativas anteriormente feitas, no
Brasil, antes do decreto do Governo Provisorio que instituio a
Ordem, notando-se o projecto de SALDANHA MARINHO e BA-
PTISTA PEREIRA, apresentado em 1880 á Gamara dos Deputados
crea.ndo a Ordem, como orgão de contrôLe da classe, e o pro-
jecto do Deputado CELSO BAYMA, apresentado em 1911, todos
eIles sem resultado.
Entre nós, sempre repugnou aos espiritos republicanos a
instituição da Ordem que se lhes afigurava uma reminiscencia
das co:nporações de officio (13).

(12) ACôrte Suprema tem conhecido de numerosas reclamações


judidaes interpostas das decisões dos Conselhos, admittindo a sua com-
petencia para pl'oferir' decisões de natureza administrativa que interessa
á classe.
. (13) V'er CARLOS MAXIMILIANO, Commentarios á Constituição pa-
gina 804.
2D2 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

gssa barreira, wrém, foi trans'posta e verificou-se que


nenhum attentado aos prfncipios republicanos representava essa
nova organização, cujo objectivo maior está em estabelecer
maior solidariedade de classe, permittir um contrôle mais di-
recto das actividad,es ,profissionaes, etc.
A limitação das actividades profissionaes de advogado está
circumscripta, pode se dizer, á p!"ova de capacidade represen-
tada na exhibição ,do diploma scientifico e no gráo de bacharel.
Não existem entre nós aiS gradações pelos dive!"sos Tl!'ibunaes
e instancias de julgamento, de accordo com a categoria de cada
Tribunal. o. exercicio da advocacia é accessivel a todos quan-
tos preencham as condições geraes de capacidade (14).
Foi preciso, evidentemente, de inicio, admittir certà tole-
rancia, para aquelles queex€!'dam a profissão, deaccordo com
as leis em vigor, especialmente para com os solicitadores, nas
localidades onde não se encontram profissionaes habilitados;
essa tolerancia, porém, em nada feriu o principio geral cuja
observancia tem sildo controlada pela Ordem e pelos orgãos
technicos do Ministerio da Educação.
A materia reveste--se de aspecto casuistico, no que diz
reg,peito com a applicação das leis e regulamentos, o que não se
enquadra nos limites deste livro.

.,."..:;.
.~

Commercio-industria

Deste assumpto já tivemos oPlportunidade de tratar na
parte UI do primeiro volume, quando estudámos a intervenção
do gstado na ordem economica, impondo medidas restrictivas
da liberdade de commercio e da industria, em beneficio do inte-
resse publico. Pois bem, o que ali foi escripto pode se compre-
hender dentro da esphera que o Estado se reservou para o
exercicio de sua acção fi-scaJizadora e, porta.nto, policial, sobre
aqueIIas categorias de acti'Vidooe.

(14) A historia do BarI'leau na Franç'8. é especialmente interessante.


V'er Le minis tere Public et le Barreau, com prefacio de BERRYER, Pa-
ris 1860. .
Ver para a Italia, SeIALOJA, Dizionario, verbo Ordine forense, Avv·o-
cato
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 203-'

Outras medidas de policia podem ser enumeradas, cO'mo a


limitação das horas de trabalho para determinadas industrias,
o fechamento e o horario das casas commerciaes, emfim nume-
rosas ,posturas, quasi sempre de origem municipal, relativas, ás
taboletas, mostuarios, vitrines etc.
A naJtureza/ dessas posturas variam com o lugar, a época.
o negocio; todla8 ellas, porém, consistem na imposição de reg'-
tricções que disciplinam O' exercicio. das actividades commer-
ciaes e asseguram os direitos de terceiros .

. ~ "

,,:

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..
.,
CAPITULO XI

POLICIA DE ASSOC1A!ÇõES

Policia: de Associações - Natureza - Diversas especies -


Regulamentação do exercicio da liberdade de associação,
de reuniã:o, de' agrupamento - Associações religIosas -
Liberdade de pensamento - Liberdade de Imprensa -
,Censura de Imprensa, telegraphica, postal, theatral, cima-
tographic~.

O direito de associação é fundamental no homem. O pro-


prio Estado é o producto do temperamento gregario do homem'
, e do seu poder de organização.
Este é o phenomeno de todos os tempos, que seria desne-
cessario demonstrar porque elle resal,ta em todos os periodos da
historia da humanidade, sob as formas mais variadas.
A associação reveste.-se, portanto, de innumeras modali-
dades, de accordo com os fins a que se destina e as condições
em que se desenvolve a sua organízação.
Pode ter o caracter commercial, civil, scientifico, de bene-
ficencia, politico, etc. A regulamentação obedece ao criterio
de cada paiz, ,de accordo com o regimen legal das associações.
O agrup.amento de individuos, movidos pelü<S mesmos in-
teresses e obedecendo aos mesmos motivos, cOIl&titue um phe-
nomeno natural, inherente á natureza humana e que, por isso
mesmo 'apresenta-se com um caracter de legitimidade indis-
cutivel.
O que torna indesejaveis essas iniciativas é a sua finali-
dade anti-social e anti-juridica.· As associações :para fins im-
moraes ou subversivos perdem a protecção do Estado, por isso
. que não servem para· a realização de suas finalidades, dos seus
objectivospoliticos e juridicos.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 205

o poder de policia, aqui, como sempre, reveste-se de ca-


racter preventivo ou repressivo. Preventivamente, o Estado
age impedindo a formação de associações destinadas a fins
subversivos das instituições organizadas, ou que, de qualquer
forma, tenham como objectivo actividades consideradas atten-
taJtorias da moralidade ou prejudiciaes á socieda.de.
Effectivamente, o Estado não pode reconhecer ou tolerar,
em seu seio, organizações que, veladamente ou ostensivamente,
se constituam para a subversão da ordem .publica, ou possam
ser consideradas uma ameaça ás instituições.
A Constituição vigente, em seu artigo 122, n.o 9, segue
essa orientação:

Art. 122. A Constituição assegura aos brasilei-


ros e estrangeiros residentes, etc. - 9. A liberdade
de associação, desde que seus fins não sejam contra-
rios á lei penal e aos bons costumes.

o texto actual como o de 1934, é mais claro e não se con-


funde oom o da Constituição de 1891, que incluia o direito
de reunião e o de associação dentro do mesmo quadro. A se-
paração dos dois dispositivos veiu melhorar, de muito, a te-
chnica Constitucional, e definir com mais precisão a natureza
dos direitos assegurados, bem como das restricções que possam
ser oppostas ao seu exercicio.
A lei n.o 38, de 4 de Abril de 1935, veio regulamentar ()
disposto na Constituição de 1934, art. 113, n.o 12, definindo
as associaçõés destinadas a fins illicitos, e as formalidades pro-
cessuaes impostas para a sua dissolução legal.
Em seu artigo 30, prohibe a existencia de "~rtidos, cen-
tros, aggremiações ou juntas de qualquer especie, que visem a
subversão, pela ameaça ou violencia, da ordem politica 011
social".
Naturalmente que não se pode admittir a hypothese do
reconhecimento, pelo Es~do, .de associações destinadas a fins
prohibidos, pelo menos ostensivamente, mas pode occorrer, 011
que a associação tenha fins occultos, mais tarde postos a evi-
'206 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

dencia, ou que venham a exerceractividades subversivas das


instituições.
A lei n. o 38 deu inteI'lpretação muito especial ~ texto
Conmi,tucional, conciliando os interesses da or,dem publica com
as exigencias constitucionaes da intervenção judicial.
Assim, permitte que o Governo feche, preventivamente,
taes aggremiações, pelo ,prazo de seis mezes, emquan'to se pro-
·cessa á dissolução judicial, mediante a competente acção a ser
.desde logo proposta.
Por conseguinte, o fechamento, pelo prazo de seis mezes,
tem caracter Ipreventivo, por prazo limitado, acautelando-se,
de .alguma forma, os interesses da associação.
Assim procedeu o Governo, logo em seguida á votação da-
quella lei, com a Alliança Nacional Libertadora, .fechada pelo
Governo e, mais tarde, dissolvida judicialmente.
-Com relação ás associações profissionaes, a lei estabeleceu
regimen mais discricionario para o Governo, porque permittiu
o seu des'a'Pparecimento, pela simples c3iS'sação do acto que as
reconheceu, mediante representação do chefe de tPOlici'a.
O problema vem se revestindo, nos ultimos tempos, de
caracteres novos, muito peculiares, pela multiplicação de asso-
.ciações, ligas, partidos de finalidade muito duvidosa, porque
encobrem, sob um aspecto legal, desportivo, beneficiente ou so-
·ciaI, ver.d·a:deiras organizações de combate, de "choque", ten-
dentes a se arpoderarem do Governo. Fardam-se, organizam-se
,militarmente, distribuem-se (por regiões, grrupos, etc., ostensi-
vamente, como se tives:sem fins licitos, desportivos, sociaes, e,
assim preparam o golpe cOiIltra as instituições.
Sob o 'Ponto de vista Constitucional, um dos exemplos mais
interessantes é o da França com os Croix de Feu e com a
Action Française, esta ultima dissolvida em 13 de Fevereiro
,de 193,6.
Naquelle paiz, a grande these em debate ainda é aquella
qq.e consiste em saber qual a forma de dis:solução, si deve ser
admittida como legitima a decretação da dissolução Por acto do
·Conselho de Ministros, ou se é obri'gatoria a dis'solução judicial.
A lei de 10 de Janeiro de 1936 permittio a primeira. modà1i..
. dade, desde que a as'sociação tenha por fim attentar contra a
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 207

integridade do territorio nacional ou contra a forma re,publi-


cana de Governo (1).
Fóra desses casos, continua em vigor a lei de 1 de Julho
de 1001, que prevê a intervenção judicial, mediante processo,
cujo rito foi, de muito, abreviado pêl'O decreto-lei de 23 de Ou-
tubro de 1935.
Portanto, o poder de policia das associações tem, antes de
tudo, por fim, provêr a que ellas não se desviem dos fins para
.os quaes foram cons,tituid,as, desde que esta deturpação das
finalidades attinjam os interesses geraes do Estado ou da col-
lectividade (2).
Sómente neS'sa esphera, e mediante aquellas restrieções,
pode o Estado ex:ercer o seu .poder de policia.
A protecção geral attribuida á sociedade justifica, tambem,
.a sua interferencia no sentido de evitar a exploração dos indi-
viduos, por certas associações, que se apresentam como de be-
neficieneia ou de economia collectiva.
Para isso, o E,stado exerce sobre ellas uma severa fiscali-
zação de suas condições financeiras e das operações que reali-
zam com o publico em geral.
Reveste-se ,aqui, a fiscali~ação, mais de um caracter ad-
ministrativo, que recae sobre as Oiperações em geral, os juros
de suas o,perações com os particulares, os calculos actuariaes
.queservem de base aos seus negocios, etc.
Por isso mesmo, certas categorias de associações parti-
'culares, de fins nitidamente commerciaes, soffrem uma fiJSca-
lização das mais rigorosas, fiscalização de todo em todo jus-
tificada pelo inrteresse publico, pelo qual cumpre vigiar, para

(1) Ver BARTHELEMY, Précis de Drait Public, pg. 242.


(2) 'Exist€m numerosas obras sobre o assumpto. Citaremos, es-
'pecialmente, as seguintes:
O. RANELETTI, La {J1.~bblica sicurezza, in Primo Trattato completo di
Viritto am'ministrativo de Orlando, vol. IV. parte I, pg. 490.
'G. CHIARELLI, La personalità giuridica delle associazione proles-
.-sionali.
A;RAUJO ,CASTRO, A Nova Constituição Brasileira, pg. 404.
BARTHELE1IIY, Précis de Droit publico
ESMEIN, Droit Canstitutionnel français et comparé.
208 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

evitar operações considerarias illicitas pelo muito que ellas pos~


sam conter de especulação e lucros excessivos, usurariolS.
Assim, as companhí'as de seguros (3), os bancos em geral,
especialmente sobre certas operações ( 4), as Caixas' e compa-
nhias de economia collectiva (5), as' casas de penhores (6) etc.
O poder de policia que o Estado exerce sobre essas asso-
ciações manifesta-se, não lSómente por meio de restricções le-
gaes, mas tambem por uma fiscalização continua sobre o cum-
primento das· disposições legaés e a obediencia ás normas res-
trictivas d'a ampla liberdade commerciaI. São manifestações
complexas do poder de policia, que submette essas categorias

(3) A questão dos seguros está na ordem do dia, pela tendencia


accentuada, verificada em tod{}S os paizes, de tomar o Estado a iniciativa
na ol'g1linização das emprezas destinadas á exploração desse ramo de ne-
gocios, constituindo-se ,em monopoHo do Estado, como occorre no Chile.
no Uruguay, na Italia. Outra solução muito recommendada consiste em
attribuir-se o Estado um conrrôle, por mei'o da creação de um Instituto de
reseguros. Seguia OIS seUJs tramites, na Garoara dos Dep'UJtados, quando
foi dissolvida, um pr,ojeoto governamental, apresentado pello ministro do
Trabalho, o iHustre jurista Drr. AGAMMEMNON MAGALHÃES, para a nacio-
naliazção das Companhias de seguros. Embora a iniciativa seja de todo
reaommendavel, tem, todavia, sido o seu andamento retardado pelos mul-
tiplos obstaculos levantados, attendendo aos enormes interesses de ordem
financeira que se julgam prejUJdicados com a iniciativa, de caracter emi-
nentement·e naciónal, e que 3Jttende preferencialmente a este aspecto do'
probJoema. Sobre a fiscalização de seguros ver o que escrevemos no· vo-
lume I,pg. 469.
,(4) A fiscalização dos Hancos e do seu fU!llccionamento consiste em
um conjuncto de medidas que se desenVlo,Ivem desde a sua constituição,
condi'ções, autorização do Governo para funccionar, capital, depositos" na-
tureza das operações e fiscalização directa das pl'opri'as operações. Um
projecto de lei' bal!lcaria, que tem por base a fundação -de um Banco Cen-
tral de Reservas, foi apresentado pelo Governo á Gamara. A sua appro-·
vação importará na creação entre nós, de um systema bancario da maior
impo rtancia, e que terá por base um contrôl.e mais directo' sobre as ope-
rações bancarias, com um sentido nitidamente nacionalista. Tem sido esta
a orientação univel'salmente seguida, especialmente pela AHemanha, pelos.
IE\stados Unidos etc. Oonsultar sobre o este assumpto:
DAUPHrN, MEUNIER, La Banque.
ElRNESTO BIASE, lstituzione di Diritto Bancaria.
NATALIO MURATTI, Algunas nociones sobre los Bancos Centra!.es.

(5) Ver os decret{}S 24.503, de 29 de JU!Ilho, e 24.766, de 14 de'


Julho do mesmo anno. Sohre o assumpto, consultar o livro de Huoo·
GpNTHIER: Sociedades de economia collectiva, onde as questões attinen-
tes á fiscalização acham-se bem estudadas.
(6) A tendenci.a expressa ,nos ultimos reguIamentos das Caixas eco-
nomicas é o de attl'Lbuir o monopoHo dos penhores áquellas instituições~
cujos fins de previdencia e de interesse commum justificam a medida.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 209

deemprezas e associações a um regimen de policia, justificado,


antes de tudo, pela natureza dos interesses que visa proteger.

Policia de reunião e dos agrupamentos

Comprehende este capitulo as differentes mod,alidades de


agrupamentos. .As reuniões publicas, os meetings, as' reuniões
internas, e, finalmente, as associações, syndicatos etc.
A liberdade de reunião, embora sej:a um direito fundamen-
tal que deeorre da iP'ropria natureza do regimen democratico,
baseado na livre manifestação das massas, soffre limitações
impostas, não sómente pela necessidade da protecção da coIle-
ctividade contra as perturbações provenientes do exercicio da-
queHe direito, mas ainda pela necessidade de evitar as detur-
pações criminosas do exercicio do direito .de reunião.
Vamos examinar, antes de tud.o, a primeira m.odalidade
do direit.o de reunião, que consiste no "comparecimento volun-
tarios de varias 'pessôas em logar determinado, mediante ac-
,cordo prévio, Ipara .o fim de deliberarem s.obre definido as-
sumpto" (7). '
. Estas reuniões podem-se revestir de multi pIas modalida-
des; segundo BARTHELEMY (8), devem-se differenciar os c.orte-
jos, as manifestações, das reuniões propriamente ditas, sendo
que aquelles nã.o comp.ortam, p.or exempl.o, discursos; podem
ter, IpOr .outro lado, caracter muito mais e~ntaneo, serem rea-
lizados n.a via publica, occasi.onando lesão muit.o men.or a.o tra-
feg.o e a.os interesses IPublicos do que as reuniões, commumente
chamadas "meetings".
A C-on.stituição de 1891, em seu artig.o 72, § 8, assegurava

(7) . Ver ARAUJO CASTRO, A Nova Constituição Brasileira, 2." edição.


pg .. 402.
(-8- Précis de Droit Public, 1987, pg. 117, onde se encontra, em
resumo, a nova legislação do Ministerio LavaI em 1935 sobre a regula-
ment.açào do direito de reunião, manifestações publicaS, porte de armas
etc ....

- 14
210 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

o exerClClO d.o direito de reunião, c.onfundindo n.o mesm.o dis-


positiv.o, tambem, a garantia d.o direito de associação, in verbis:

"A todos é licito associarem-se e reunirem-se


livremente, sem armas, não podendo intervir a po-
licia senão para manter a ordem publica".
,
O dispositivo Constituci.onal da n.ossa primeira carta repu-
blicana continiha, antes de tud.o, a affirmação de um direito.
A restricção consistia, ~penas, na facuLdade attribuida á poli-
cia de manter a .ordem publica.
A restricçã.o era, evidentemente, anodina, iPorque ella se
continha, implicitamente, na pr.opria affirmação do direito.
Dahi as duvidas sempre surgidas dos limites da intervenção
policial, bem com.o a medida das precauções a serem tomadas
para manutenção da .ordem publica. Sustentou-se, mesmo, a
inconstituci.onalidade das restricções de natureza preventiva,
como a l.ocalis:açã.o etc.
Apezar de todos .os debates em torn.o dessas questões, a
J urisprudencia ,d.os iIlOSSOS Tribunaes, especialmente d.o Supre-
mo Tribunal Federal, tem se orientado, sempre, no sentido de
legitimar a iniciativa policial disciplinando o direito de reu-
nião c.om medidas de ordem preventiva, especialmente pela
localização dessas reuniões onde seja facil manter a .ordem e
acautelar o,s interesses da visinhança, especialmente o commer-
cio, por vezes, grandemente prejudicado com certas manifes-
tações.
As restricções, nesses casos, tanto mais se justificam,
quanto é certo que eHas visam a pr.otecção de outros direitos,
são sagrad.os quanto o de reunião e que não podem ser locali-
sados onde approuver aos interesses ou á autoridade publica.
A J urisprudencia anterior á actual Constituição podia se
resumir na ementa seguinte de um 'd.os ultimos acc.ordãos do
Supremo Tribunal Federal, antes do regimen discricionario
de 193{):

"No cumprimento do dever que a Constituição


lhe impõe de manter a .ordem ,publica, a !pOlicia tem
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 21~

o direito de: a) localimr as "meetings", ou desi-


gnando loga.res para. a sua realização, ou indicando
os em que não podem ter logar; b) prohibindo que
elles se realizem, sempre que tenha fundados motivos
para receiar que ,seja perturbada a ordem publica ou
quando o objecto desses "meetintgs'" fôr manifesta-
mente criminoso".
Sobre este assumpto, escreveu AURELINO LEAL paginas do
maior interesse, encarando a questão, não s6men1le sob o ponto
.de vista geral, da legitimi'dade da restricção imposta pela po-
licia, ma.s ainda do dever desta proteger os interesses de ter-
,ceiros eventualmente iprejudicado:s com as reuniões publicas
-nos logradouros accessiveis á população toda (9).
Esta facuLdade não se exerce sÓlnen'lle com relação ás ma-
nifestações e outras reuniões publicas, porque é, apenas, uma
'~pplicação exteruliva. do poder que tem a policia de regul'ar o
'transito e a circulação.
A Constituição de 1934 veio alterar, em sua essencia, os
'termos da Constituição de 1891, assegurando, em dis-posições
differentes, os direitos inherentes á liberdade de reunião e
:aquelles que interessam á liberdade de associação, e, ao mesmo
-tempo, dando maior elasticidade ao exercicio do poder de po-
'licia, adaptando as condições desse exercicio aos ,interesses da
,collectividade.
A Constituição de 1937, dentro do. mesmo criterio, mas
autorizando ainda a prohibição d'a reunião para garantir a
:segurança publica dispoz em seu artigo 122, n. 10:
"Todos têm direito de reunir-se pacificamente e
sem armas. As reuniões a céo, aberto podem ser sub-
mettidas á formalidade de declaração, podendo ser
interdictas em caso de perigo immediato para a se-
gurança publica".

(9) Policia ,e poder de poUcia, pg. 243 e 293. Onde se encontram


,diversos trabalihos desse nosso constitucionalista, quando chéfe de poli-
cia do DistrIctoFederal, como ainda as decisões judieiaes proferidas pelo
Supremo Tribunal Federal e as conclusões da Conferencia policial reu-
'nida nesta Capita1 em 1917.
212 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Ahi estão impos<l;a;s restricç<>es ao direito de reum.ao e á.


autoridade publica na maneira de tornar effectivo o exercicio
do poder de policia.
A nova Constituição veio, assim, racionalizar o iPrincipio,
dando-lhe a feição consagrada, tanto pela nossa jurisprudencia
dos tribunaes, como ;pela Ipratica dospaizes onde o principio se'
apresentava com maior pureza.
Segundo os autores inglezes, notadamente DICEY (10) o
direito de reunião não é um direito estpeeificado nas leis da-
quelle paiz, mas decorre da liberdade individual e da necessi-
dade da transmissão de idéas, sem o que a pratica da demo-
cracia tornar-se-ia illusoria. A firmeza dessa affirmação não·
tem impedido, porém, que, naquelle paiz, medidas severas' te-
nham sido tomadas contra a liberdade de reunião, como occor-
reu em todos os tempos, notadamente em 1795, 1799, 1819, etc.,
para sómente referir factos historicos de maior relevo (11).
O mesmo aconteceu na França, onde a legi,slação tem os-
cillado de accordo com as necessidades e as condições políticas.
do momento (12). Ainda em 1935, o decreto-lei de 20 de Ou-
tubro impôz condições restrictivas severas (13).
Em um regimen de paz e de tranquillidade, todos esses.
direitos podem ser encarados dentro de um ponto de vista pu-o
ramente ideologico, em toda a sua pureza, mas o mesmo não
acontece quando as ludas politicas tomam aspectos graves e.
procuram abrir mais fortes abysmos entre os homens (14).
Apezar de todas es!sas restricções, esse direito acha--se as-·
segurado pela maioria das Constituições (15). As reuniões

(10) lntrodtuction to the Consto Law.


(11) Ver JOHN RUSSELL, Essai sur l'histoire du gouvernement et·
de la Constitution Britannique, pg. 297. E. MAY, Histoire Constitution-·
neUe de l'Angleter'1'e.
(12) ESMEIN, Droit Consto Français et comparé, pg. 1151.
(13) J. BARTHELEMY, Précis de Droit public, 1937, pg. 117 e segs.
(14) VON .STEIN, La scienza della pubblica amministrazione, pg. 3.38.
(15) Consultar especialmente a Constituiçoo hespanhola de 1931,.
art. 38, a Constitui,ção de Weimar artigo 7. Da Austria art. 10-0,.
a Constituição Argentina arts. 22 e 33. Dos Estados Unidos, emenda
n. 1, e as número·srus Canstituições E,stadoaes, etc.
Na Argentina, tem sid{) o assumpto sujeito a divers·as regulamenta-·
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 213

-eom praça publica, ou em recinto fechado, ainda constituem uma


das formas mais sinceras e elevadas da livre propaganda de
opiniões e de idéas Ide toda a natureza. Sem ella, o homem
ter-se-ia de encerrar dentro do circulo das imposições do poder
publico, e teria desapparecido uma das grandes formas renova-
doras da lpolitica e ,da consciencia publica.
As medidas .policiaes são lim1tarlas, apenas, á garantia da
,ordem publica e de outros direitos tão dignos de amparo quanto
o de reunião. Todas as medi.dl&.'! ostensivas ou veladas que
importem, directamente ou indirectamente, em impedir o exer-
,cicio do direito de reunião, deve ser tida como violadora da
librdade assegurada pela Constituição. Todas as outras, p0-
rém, de natureza preventiva ou repressiva, que se conwrehen-
·dam dentro dos limites do ;poder de policia, acham-se, eX(plici-
tamente, autorizadas pelo texto Constitucional.
Nessas condições, pode a autoridade impedir as reuniões
-queparalysem o transito publico, impeçam o livre exercicio do
commercio, perturbem o socego e a tranquillidade de certos
logares como os hospitaes, importem em accinte a certas asso-
ciações ou reuniões contr~ias, etc. (16).
Dahi, a necessidade da localização e, :portanto, do aviso pré-
vio com indicação de logar e hora afim de serem tomadas as
devidas Iprovidencias policiaes para os fins acima indicados.
Em 'Principio, desde que a reunião attenda á localisação
imposta pela policia e seja levada a effeito pacificamente e sem
armas, nada justifica a intervenção da autoridade policial Em

·ções nas dHferentes Provincias. Na Capital, deve-se mencionar a regu-


lamentação policial de 16 de Março de 1932, a qual exige aviso previo
,onde fique declarado o seguinte:
a) designação de dia e hora;
b)' designação de .lagar;
c) fins da rewnião;
d) pessoas que nella deverão usar da palavra.
As passeatas operarias só são perrnittidas no dia 1 de Maio. As
horas das reuniões devem obedecer tamboern a um horario, que varia se-
gundo se tr·ata de reunião ao ar livre ou em sitio fechado. Sobre este
assumpto, ver o estudo detalhad,o publicado na Revista da Faculdade de
Direito e de sciencias sociaes de Buenos Ayres, Tomo X, IflS. 38/39, de
,Janeiro a Junho .de 1932, pg. 129.
(16) Vier BIELSA, Derecho Admin., lII, pg, 115 .
.RA.NELETTI, Ist. DirittD pubblicD, pg. 96.
214 THEMISTOCLES BMNDÃO CAVALCANTI

caso contrario, deve a policia intervir para manter a ordemt.


e applicar as sancções !de nàtureza policial ou penal co.nsagra.,..
das nas leis em vigo.r (17).

Liberdade religiosa

Já tivemos opportunidade de pôr em relevo, no primeiro,


volume deste livro, as differentes o.rientações seguidas na do.u-
trina relativa á intervenção do. Estado em materia religiosa~.
pelo menos naquella que maior interesse representa para nós:.
a instrucção religiosa.
As multiplas faces deste problema foram aIli focalizadas,.
dentro do criterio geral adoptado por outros paizes e, parti-
cularmente, naquelle que diz com a orientação ma.is adaptavel
á nossa indole e ás nossas tradições.
A liberdade religiosa, pel'a sua natureza, reveste-se de mo-
dalidades differentes; intimamente, qualquer um pode ter o.
culto o.U a fé que mais lhe convier, sem que o Estado possa pe-
netrar ou vio.lar os sentimentos de cada um. O mesmo não se·
dirá, porém, quanto ás manifestaç~ desses sentimentos reli-
giosos, manifestações que se achaanl subordinadas~ aos' inte-
resses da ordem 'Publica, dos bo.ns costqmes e dos direitos da.
colIectividade. Certas praticas religio.sas offen.sivas á moral
são, necessariamente, proihibidas, bem como aquellas manifes-
tações que possam provocar tumultos ou perturbações da ordem
publica.
E essa liberdade consagrada no. artigo 122, n. o 4, da Cons-
tituição, é tanto mais evidente quanto mais radical é o absten-
cionismo do E,stado em materia religiosa, sendo vedado, pelo.
artigo 32, a subvenção ao exercido de qualquer culto, aIlianças,.
dependencias, com qualquer Egreja.

(17) O Codigo penal pune a :reunião contraria ás disposições le-


gaes ,especialmiente a reunião com arma;s. Nestes casos, ficam sujeitos'
os Infractores ás penas da lei ,de accordo com a ·natureza da sua violação .
. A. noss'o vêr, o Codigo penal, ·artigo 123, encerra dispOsitivo por de-
malS lIheral que não se coaduna com o exercícIo do legitimo poder de'
poli.ci.a. Notadamente a questão do aviso, deve ser encarada com maior-
rigor, sob pena de burlar-se a disposição constitucional, que admitte, já:
agora, a localizaçã'o das reuniões.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 215

Dentro dessa neutralidade, sympathica a todas as mani-


festações de caracter religioso, pode o Estado attingir á sua
finalidade, sem prejuizo dos beneficios de ordem espiritual que
trazem as instituições e os cultos religiosos ao progresso moral
do paiz.
Seria descabido, aqui, quando tratamos apenas dos limites
da intervenção do Elstado na policia dos cultos, trazer maiores
esclarecimentos. Em todos os paises, este assumpto está su-
jeito a estudos, de accordo com a indole de cada regimen po-
litico. Infelizmente, a necessidade de certos regimens, e as
imposições ipoliticas de alrgumas organizações totalitarias, têm
deformado a natureza do poder temporal, procurando amoldar
a mentalidade e a crença de alguns povos ás exigencias poli-
ticas das instituições dominantes. Seria, porém, demasiado
pretender penetrar no estudo dessas instituições de todo em
todo differentes da nossa (119).

Liberdade de I~prensa

Uma das grandes conquistas da civilisBiÇão foi, sem du-


vida nenhuma, a liberdade de manifestação do pensamento
escripto. Foi devido a essa conquista que o mundo conseguio
soffrer as grandes transformações politicas, desde o seculo
XVIII. Devido tambem a essa liberdade foi que a indisciplina
nas idéas gerou a perturbação da ordem política.
Dahi, como nota BARTHELEMY (20), o eclipse dessa liber-
dade, naquelles paizes em que a necessidade da garantia da
ordem e da estabilidade das instituições enquadrou o pensa-
mento da Imprensa dentro das formulas traçadas pelas dicta-
d·uras. E' assim, diz BARTHELEMY, em Roma, em Berlim, em
Moscou.
A O>nstituição de 1891 consagrou ,principio semelhante ao
.da Constituição do Imperio, de accordo com o criterio liberal,
já hoje incompativel com a doutrina vigente.

(18) E' o que 'Occorre, notadamente, na Russia e na AlIemanha, sob


formas differentes, mas inspirado nos mesmos princípios políticos.
(19) Précis de Droit Public, pg. 150 e segs.
216 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Aquella Constituição assegurava a livre manifestação do


pensamento pela imprensa ou pela tribuna, sem dependencia de
censura, respondendo cada um pelos abusos que commettesse,
de accordo com a lei (21).
A Constituição de 1937, em seu a-rtigo 122, n.o 15, embora
reconhecendo a liberdade de imprensa, subordinou o seu exer-
cicio ás restricções legaes, asseguradorasda ordem, dos bons
costumes e direitos dos cidadãos em geral.
A lei n.o 38, de 4 de Abril de 1935, definiu a or:dem poli-
tica - aquella que resulta da independencia, soberania e inte-
gridade territorial da União, hem como da organisação e acti-
vidade dos po.deres politicos, estabelecidos na Constituição da
Republica, nas dos Estados, e nas Leis Organicas res·pectivas.
Quanto á ordem social, declarou a mesma lei que é -
aquella estabelecida pela Constituição e pelaIS leis, relativa-
mente aos direitos e garantias individuaes, e sua protecção civil
e penal; ao regimen juridico da propriedade, da família e do
trabalho; organisação e funccionamento dos se-rviços publicos
e de utilidade geral; aos direitos e deveres das pessôas de d~
reito publico para com os individ'!los e recip,rocamente .
.A!pezar .dessas restricções, o regimen ainda vigente, entre
nós, é o da liberdade de imprensa, independentemente de cen-
sura. Nenhuma medida de ordem preventiva pode ser tomada
pela autoridade policial, no sentido de evitar a livre manifes-
tação do pensamento. E' bem de vê!" que, durante o estado de
emergencia ou de guerra, nos termos do art. 168, letra b da
Constituição, poderá ser estabelecida a censura prévia, não
sómente da imprensa, mas tambem de toda a correspondencia
particular.
Questão do maior interesse é aquella que diz com as res-
tricções nas publicações pornographicas, ou prejudiciaes á saude
ptlblica, como, por exemplo, o annundo de certos medicamen-
tos. Neste caso, afigura-se-nos legitima a intervenção do poder

(20) V'er a Consto do Imtperio, art. 179, n.· 4 e Consto de 1891, ar-
tigo 72, § 12.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 217

publico, afim de cohibir os effeitos damnosos dessas publica-


ções (2~).

Censura theatraI

A liberdade da manifestação do pensamento é um dos prin-


cipios consagrados pela Constituição, que independem da cen-
sura .previa pela autoridade publica.
O proprio texto constitucional, porém, em seu a~t. 122,
o
n. 15, exceptua expressamente, dessa garantia irrestricta, os
espectaculos e diversões publicas, reporduzindo o que dispunha
a Constituição de 1934.
Vieram, assim, as ultimas disposições constitucionaes PÔ]
termo as duvidas sempre suscitadas na interpretação do antigo
texto da Constituição de 1891, que, no entender de mUItos,
abrangia, em sua generalidade, todas as formas de manifesta-
ção de p~msamento,inclusive os espectaculos e diversões pu-
blicas.
A censura theatral, ape~ar disso, tem, no Brasil, uma his-
toria que vae buscar a sua origem na mais remota vida do nosso
direito administrativo.
o,s antecedentes das ,dis'posições legaes em vigor podem
ser encontrados segundo mostrou MAFRA DE LAET, em these
que apresentou á Conferencia Judioiaria PoHcial, reunida nesta
C3/pital, em 1917, no Aviso n. o 123, de 21 de Julho de 1829.
Esse A v1so, expedido em nome d9 Imperador pelo Inten-
dente Geral da Polida, ordenava ao administrador do Theatro
S. Pedro de Alcantara que fizesse examinar previamente as
peças pelo Dezembargador Intendente (23).
Este foi, dahi ,por diante, o rumo seguido pela nossa legis-
lação sobre o assumpto.

(21) Citaremos, como exemplos, os seguintes:


.'0 art. 253 do dec. 16.300. de 31 dezembro d.e 1923.
Atrts. 112 e 123, do dec. 20.377, de 8 de Setembro de 1931.
Com relação' ás loterias e annuncios de loterias estaduaes, ver os
decs. 8.597, d,e 8 de Março de 1911, art. 38, § 5.°; dec. 15.775, de 6
de N()~mbro de 1922, art. 92, § 7.°; dec. 21.143, de 10 de Março de
1932, art. 59. '
(22) Annaes da Conferencia Judiciaria Policial de 1917.
218 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

o art. 11 do decreto 435, de 19 de Julho de 1845, já dizia:

"No caso de se annunciar alguma peça que não


tenha o visto do Chefe de Policia, este fará saber,
immediatamente, á Directoria das peças, que o Thea-
tro será fechado naqueHa noite, quando não faça an-
nunciar outra; o que mandará pu.blicar por cartaz
na porta do mesmo e mais lugares de costume, para
co.nhecimento do publico. Os interessados ficam com
o direito salvo de haver da mesma Directoria indem..
nisação dos prejuizos que o Theatro possa ter por
essa sUiSipensão de trabalho." (24).

A no.ssa legislação, dahi po.r deante, talvez co.m menos


rigor, pelo meno.s no. emprego. do.s meios co.ercitivos, mas diu-
turnamente, exigiu a censura previa.
Constituiram-se commiss'ões especialisadas, notadamente
aquellas creadas pelo. decreto 14.529, de 9 de Dezembro. de 1920.
so.bre casas de diversões, e pelo. decreto. 16.590, de 10 de setem-
bro. de 1924.
A jurisprudencia tem amparado largamente a medida po.-
licial, po.dendo-se citar ~ caso. da peça "A Aguia Negra" e o.U-
tros, tão bem analysados por AURELINO LEAL e ARMANDO VI-
DAL (25). Em to.dos esses caso.s, mereceu a acção da po.liciH
a manifes~ação. unanime da Côrte de Appellação do. Districto.
Federal e do Supremo Tribunal, em suas decisões (26).
As obras mencio.nadas, de AURELINO LEAL e ARMANDO VI-
DAL, merecem ser co.nsultadas, po.rque trazem um largo subsi-
dio. e do.cum.entam muito bem o.S diverso.s casos occo.rridos en-
tre nós.
So.b o. regimen da Constituição. vigente, não vemos co.mo
po.ssa haver duvidas quanto. á legitimidade da censura previa,
porque, no. texto. co.nstitucio.nal, ficaram bem consagradas as

(23) !Ver PAULA PEssoA, Codigo de Proces8o Oriminal Brasileiro.


pg. 404. nota 2440 e segs.
(24) AURELINO LEAL, Policia e Poder de Policia, pg. 219,.
~DO VIDAL, O Teatro e a Lei.
.(25) Ver Rev. do S. T. F., voI. IH, pg; 32 •.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 219

nossas tradições juridicas e os exemplos tirados da doutrina


extrangeira.
Aqui as limitações oppostas pela censura devem se refe-
rir especialmente, segundo a lição dos autores:
a) á moralidade e decoro publico;
b) ao respeito ás autoridades constitui das ;
c) á protecção da dignidade pessoal contra as allusões iu-
juriosas á vida privada;
d) á segurança das instituições e o respeito ás nações ex-
trangeiras e ás religiões.
Comprehende-se, tambem, na censura, segundo nota BlEL-
SA (27), a prohibição de exhibições brutaes, deshumanas, ou
que ponham em perigo a vida dos artistas.
Na França, embora exista a censura, a sua efficacia é
muito duvidosa porque é entregue ao Ministro respectivo, que
não dispõe de um orgão efficiente para levar a effeito essa
difficil tarefa.
A reacção contra a censura verificou-se na Allemanha com
a Constituição de Weimar, que a aboliu (28), mas foi restabe-
lecida com a tendencia totalitaria do nacional-socialismo alle-
mão. i
São essas as orientações principaes dos diversos paizes em
materia de censura theatral, devendo-se chamar a attenção~
tambem, pará a regulamentação existente nos paizes do Norte
da Europa, na ltalia e nos Estados Unidos. (29)

Censura Postal e Telegrapbica

De accordo com o texto constitucional, a censura previa,.


em regimen normal, só se pode exercer sobre espectaculos e di-
versões publicas; excluidas, portanto, estão as censuras prévias

(26) Derecho Administrativo, voI. IH, pg. 215.


(27) F. FlLEINER, Droit Administratif Allemand, pg. 248, nota 6.
(28) WALiNE, Manuel Élementaire de Dtoit Administratif, pg. 310.
O. RANELETTI, La Polizia de Siccurezza in Primo T'1'attato de 0'1'-
lomdo. vo1. IV. parte 1.0, pg. 744.
220 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

da Imprensa e da correspondencnia, qualquer que ella seja, pos-


tal, telegraphica radiographica, telephonica, etc.
Em estado de emergencia, porém, ou estado de guerra, as
garantias constitucionaes relativas a esses assumptos, acham-
se expressamente suspensas, visto como ellas se comprehendem
nas medidas de policia ao estado de emergencia, e, a fortiori,
de guerra, autorisadas explicitamente pelo atr. 166 da Gons-
tituição Federal (30).

Censura cinematographica

Mais recente do que a censura theatral ou de imprensa,


pela ordem natural das cousas é a censura cinematographica.
Reveste-se, além do mais, de rigor ainda maior.
Mesmo na Allemanha que, como vimos, pela Constituição
de Weimar, havia abolido a censura theatral prévia, ficou, no
entretanto a censura cinematographica em plena execução. (31)
O mesmo occorre na França e na Inglaterra (32), especial-
mente neste ultimo paiz onde grande é o rigor das leis e das
autoridades na sua applicação.
Na França ella está entregue a um regimen burocratico,
executada por funccionarios despidos de todo caracter especia-
lisa do.
A censura cinematographica tem por fim especialmente
proteger a moral publica e evitar possiveis difficuldades poli-
ticas internas ou externas, permittindo a exhibição de certos
films provocadores de odios, luctas e resentimentos politicos
de toda ordem.
Entre nós a censura cinematographica foi inicialmente le-
vada a effeito, apenas como uma extensão da lei sobre a cen-·
sura theatral. (33)

(29) ARAUJO CAsTOO, A Nova Constituição Brasileira.


BoNTES DE MIRANDA, Commentari08 á Constituição.
(3·0) Vá F. FLEINER, Droit administrati!, pg. 248, nota 7.
Ver tambem o artigo 118, n. 2 da Constituição de 1934.
(31) BARTHELEMY, Précis de Droit administrati!, pg. 200.
{32) Ver no paragrapho anterior o estudo sobr~ a cEln~Ur~ theatral..
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 221

Sómente pelo decreto 14.529 de 9 de Dezembro de 1920 fi-


cou o assumpto regulado em lei especial.
Actualmente a Commissão de censura cinematographica é
organisada de accordo com o decreto 21.240 de 4 de Abril de
1932 e as instrucções de 22 de Abril de 1932 modificadas pelo
decreto 24.651, de 10 de Julho de 1934 e pela portaria de 26 de
Agosto de 1935. (34)
A censura prévia dos films, visa especialmente a verifica-
ção da conveniencia na sua exhibição ou sob o ponto de vista
moral ou politico.
A restricção sob o ponto de vista moral attinge principal-
mente a prohibição da frequencia dos menores, o que t.em mo-
tivaJdo divemos recursos judiciaes (35). Não existe até hoje,
entre nós, uma prohibição exJpressa da entrada de menores nas
casas de diversões publicas, limitando-se a acção da commis-
são de censura a uma simples advertencia, de effeito pura-
mente platonico, pois que fica ao criterio dos paes ou dos res-
ponsaveis a frequencia dos menores indica'dos.
No entretanto grande numero de paises adoptam o systema
mais rigoroso que consiste em vedar expressamente a entrada
de menores, de accordo com as reSipeCti'vas edades e a natu-
reza .do filmo
A lei alIemã de 12 de Maio de 1922 prohihe expressamente
a entrada de menores de 18 annos, acompanha;dos ou não, em
divertimentos'que lhes possam ser nocivos.
A Belgica, pela lei de 1 de Setembro de 1920 e decreto 11
de Maio de 1922, prohibe a entrada de menores em cinemas
desde que as fitas sejam consideradas impropriaos.. Da mesma
maneira o Luxemburgo, a Noruega, a Suecia, a HolIanda, a
Italia, a Polonia, etc. (36). Nos E,stados Unidos, o rigor não

(33) Ver o Diario Olfiç.ial de 27 de Agosto de 193&.


(34) V;er () Acc. da Oôrte de .A!ppellação d{) Districto Federal, de
1 de Març.o de 1928. Ver, tambem, ALVARENGA NETTO, Codigo de Me-
nores.
BEATRIZ SOFIA MINEIOO, Codigo de Menores.
(35) Estas indicações for.am obtidas no Relato·rio da C'ommissáo de;
Censura dnematographica ,de 15 de Julho de 1935.
222 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

·é menor, na confecção dos films, salvo naquelles destinados


it exportação (37).
Quanto ás razões politicas que exigiriam a intervenção da
.autoridade policial, bastaria citar como exemplo a "Garçon-
ne" cuja exhibição poderia ser considerada como umapropa-
ganda desfavoravel aos habitos de moralidade do :povo fran-
·cez. Motivou a sua emibição uma intervenção policiaL
O Governo francez, deante do successo escandalÇ)so do
filro, prohibiu a sua exportação, deixando o escandalo para o
uso interno daquelle paiz (48).
Aconteceu, porém, que o film veiu para o Brasil, motivando
..a sua exhibição uma intervenção da Embaixada franceza.
Provocou a acção policial um recurso dos interessados ao
'Poder Judiciario, recul'lso que mereceu provimento, porque, se-
:gundo verificou o Juiz OCTAVIO KELLY, que proferiu a sen-
tença, achava-se o film devidamente censurado e supprimidas
-as scenas de escandalo que haviam provocado a iniciativa do
,Governo francez.
O recurso ao Poder Judiciario constitue, nó entretanto,
(caso muito excepcional, porque, geralmente, a censura respeita
muito as susceptibilidades internacionaes, como QCCorreu, no-
tadamente, com o film "Missão Ide Amor", que motivou, igual-
:1Ilente, uma reclamação do Governo do Mexico (39).

(36) Ver ARMANDO VIDAL, O Teatro e a Lei, pg. i29 e sega.


(37) BARTHELEMY, Préc;is de DroitPubüc;, pg. 200.
(38) ÂJS âecisões judiciaese <OS detalhes acerca desses incidenres
,.estão estudados no livro citado de ARMANDO VIDAL, O Teatro e a Lei.
. CAPITULO XII

POLICIA URBANA

Policia urbana - Tr>lLfego - Limitações a circulação - Ve-


hi'culos - Seus conductones - Oondições de capacidade.

Policia do trafego

Uma das manifestações de maior interesse e opportuni-


dade do exercicio do poder de policia é aquella que diz com o
trafego, em suas dififerentes modalidades .
. EspeCialmente o trafego de vehiculos de tracção urbana,
. deve ser 'aqui examinado, deixando a policia das estradas de
ferro e o trafego aereo para quando tratarmos ido assumpto
em capitulo proprio.
A ,policia do trafego pode interessar, ou ao regimen mes-
mo Ida utilização da via 'Publica sob o ponto de vista adminis-
trativo, e neste caso temos a policia das concessões; ou, então,
ás medidas de ordem propriamente de prevenção policial, e,
neste CMO, comprehende-se dentro 'do ,poder de policia em seu
sentido restricto.
E' este ultimo aspecto que aqui nos interessa.
Deve, assim, attender ás seguintes questões principaes:
.~
a) condições do conductor;
b) condições do vehiculo;
c) condições da circulação e do transito .
. . .Cada um desses elementos precisa ser considerado iso-
ladamente. Sómente a regulamentação ·de cada um delles e a
224 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
--------------------------------------------------
sua disciplina e obediencia, podem levar a uma perfeita regu-
laridade do trafego.
A natureza dos vehiculos, as condições de capacidade pes-
soal dos seus conductores, os diversos problemas relacionados
com a velocidade, a direcç.ão do trafego, a segurança dos pas-
sageiros, tratando-se especialmente de. tranS>pOrte coIlectivo, as
horas de trafego, o estacionamento, o barulho, são outras tan-
tas questões que interessam á acção da policia do trafego em seu
sentido mais restricto, sem falar nos problemas úrbanos de
caracter mais premente, que exigem das administrações mu-
nicipaes grandes esforços.
A ligação que existe entre os dous problemas, isto é, o da
policia do trafego e o do urbanismo propriamente dito, os
tem caracterisado como da esphera nitidamente Municipal.
No Estado de São Paulo, o serviço de transito foi organi-
zado .pelo Estado para tornar effectivo o cumprimento do Re-
gulamento geral, pela Directoria do serviço de transito (1).
No Districto Federal, a Inspectoria do Trafego, como todo
o s'erviço policial, acha.-se a cargo ria União, embora a fiscali~·
zação das concessões e as licenças para a eXiploração das linhas
de bondes € omnibus estejam a cargo da Prefeitura, que :regu-
lamenta os alludidos serviços.
A legitimidade do poder de ,policia, em materia de regu-
lamentação do trafego, decorre da necessidade de attender aos
interesses da collectividade, ligados á segurança do publico, á
sua tranquillidade, socego e facilidades de trans1J)Orte de toda
natureza.
Nesse terreno, muito amplo é o poder 'de policia. O prin-:-
cipio da limitação legal desse poder e a exigencia de uma ex-
pressão formal especial, de caracter legislativo, não se coadu.:.
nam com as necessidades do ,publico.
Assim, por exemplo, a determinação da direcção do tra-
fego, a' circulação \dos vehiculos, não podem estar subordinados:
a determinações e~ressas dê lei, mas apenas a instrucções,

(1) Regulamento baixado pelo decreto 6.856 de 10 de Dezembro.


de 1934. t
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 225

portarias e outras medidas regulamentares, expedidas de ac-


cordo com os interesses do transito publico e da circulação dos
vehiculos.
Muitas vezes, cireumstancias occasionaes, como as condi-
ções de viabilidade das estradas ou ruas publicas, exigem o
desvio do trafego, a mudança na sua direcção, e outras limita-
ções que attingem directamente a liberdade na circulação dos
vehiculos e mesmo dos pedestres. Pois bem, essas limitações
acham~se comprehendidas como um ,presupposto do exercicio
do poder de policia, sem o qual este tornar-se-ia uma ficção, .
impossivel de ser exercido.
Não é, portanto, indispensavel uma determinação legal
para legitima-lo, porque eUe existe comlo razão de ser da pro-
pria auto!"idade.
Naturalmente que a medida dessas attri'buições discriciona-
rJas varia de accordo com as ci'.'cumstancias, com o lugar, etc.
Quando se exerce dentro do dominio privado, ella é muito
menor, soffre desde logo a limitação natural decorrente do
direito de ,propried'ade. Tudo o mais está subordinado á von-
tade do particular, do proprietario, daquelle que exerce os di-
reitos inherentes ao dominio, di!"eitos que devem ser respeita-
dos, emquanto não ferirem os de terceiros.
'Já nos lugares abertos ao publico, maR não do dominio
publico, aautorildade age com maior liberdade. A sua pro-
teeção sobre o publico é maior.
Finalmente, quando se trata da via publica, nenhuma res-
tricção de dominio pode-Ihe ser opposta. Maior é a sua liber-
dade. Quem regula o seu uso, pode-se dizer, é a autoridade
publica, que exerce o poder de policia em toda a sua plenitude,
dentro das leis e regulamentos em vigor, mas, com a necessaria
discrição inhe!'ente á natureza de sua funcção.
Este é o quadro fixado com muita felicidade por WATRIN,
em sua magnifica monographia sobre a policia de circulação
na via publica (2), quadro que pode se!' bem applicaJdo aos
principios vigentes entre nós.

(2) GERMAIN WATRIN, La police de la circulation SUT les voies pu-


bliques pg. 14 e segs.

-15
226 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Ao prefaciarmos este livro,a;dvertimos da extensão da


mate"!'ia nelle tratada e mostrámos como seria preciso incluir
essa materia em um trabalho que comprehendesse um volume
para cada aspecto differente do direito administrativo, porque
cada um del1es deveria ter o desenvolvimento de uma verda-
deira monographia.
Pois bem, a questão Ido trafego e dos di!"eitos que se podem
comprehender no desenvolvimento do assumpto, é bem um
exemplo.
Deve--se attender, na regulamentação do poder de policia,
aos seguintes elementos:
a) ao conductor do vehiculo;
b) ao proprio vehiculo;
c) ao trafego propriamente dito;
d) ao regimen repressivo, fiscal e penal.

I - O CONDUCTrOR DO VEHICULO precisa satisfazer


condições pessoaes, ,physicas, technicas, fiscaes, que o autorizem
a dirigir o vehiculo.

Direito de conduzir

As provas de habilitação variam, naturalmente, de accord<?


com o vehiculo e o fim a que se destinam. Pode-se trata!" de
um automovel, para transporte individual ou collectivo, de um
bonde, de um aeroplano etc.
Por outro lado, pode-se tratar Ide um profisisonal ou de
um amador; as eondições de capacidade variam, os conheci-
mentos exigidos são muito maiores para os profissionaes por-.
que têm muito mais reslponsabilidade. Estabelece-se, para
quem toma o vehiculoem aluguel, uma presumpção de capaci-
dade do seu con:ductor, uma segurança muito maior no vehiculo
destinado ao uso do publico.
De qualquer maneira, só podem ser mat!"iculados como
conductores de vehiculos as pessoas habilitadas pela policia, de
accordo com as exigencias impostas pelos !"egulamentos, em
cada caso.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 227

As condições para obter a licença dependem da natureza


do vehiculo e os fins a que se destina.
Assim, com relação a todos os cOll'ductores existem condi-
ções geraes, de fiscalização, por parte da policia. Determina-
das infracções acarretam a perda da licença, exigindo-se novas
provas de habilitação que permittam verificar, por exemplo,
se a infracção foi devida a condições pessoaes ~do conductor,
como a visão, audição, etc.
O poder de ,policia corresponde, assim, ao exercicio do di-
reito de dirigir. As limitações devem, por isso mesmo, seguir
. a mesma natureza do direito que lhe correspon:d:e, trate-se da
'pessõa do conductor, do vehiculo ou do proprio trafego.

II - QUANTO AO VEHICULO - Deve-se tambem con-


siderar a sua natureza.
As condições de segurança, porém, são sempre exigidas,
como o seu bom funccionamento, freios, lanternas, businas, etc.
Mais rigorosas são, todavia, as exigencias para alguns ve-
hiculos, especialmente aquel1es destinados a transporte col-
lectivo.
A regulamentação desse$ serviços exige, do poder publico,
uma especial attenção, não bastando a IegisJação, que attribue
uma responsabilidade presumida da Companhia ou do proprie-
tario do vehiculo, em caso de accidente occorrido com seus pas-
sageiros, quando transJX)rta!dos pelos· alludidos vehiculos.
As medidas de ,prevenção devem ser das mai,s rigorosas,
interessando, especialmente, o seguinte:
a), provas de habilitação e licenças;
b) medidas de segurança do vehiculo;
c) medidas relativas ao trafego;
d) . disciplina do trafego.

As medidas de segurança do vehiculo dizem com os meios


de aviso, como businas, etc., com a ilIuminação por meio de
phàróes, lanternas, com os freios de diversas naturezas, estado
do motor etc.
228 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Os regulamentos devem .prever, detalhadamente, to'das es-


sas circumstancias, bem como a natureza dos vehiculos, alguns
destinados a fins especiaes.
Exemplificando, apenas, podemos mencionar:
a) os vehiculos de tracção animal de qualquer natureza;
b) os automoveis ,particulares;
c) os automoveis de aluguel;
d) os auto-omnibus;
e) os de transporte de carga para dive'!"sos pesos e capa-
cidade;
f) os de transporte de inflammaveis;
g) os destinados a attender a diversos serviços publicos,
como dos bombeiros" da limpeza publica, da policia, da assisten-
cia publica, Id'e transporte de tropas, coches funeb':.'es etc. etc.;
h) diversas especies de vehiculos como bicycletas, moto-
cycletas etc.
Esses vehiculos podem ser de tracção animal, tracção hu-
mana, motores de diversas naturezas, movidos a gazolina. o ~eo
crú, etc.

IH - OIRCULAÇÃO E T<RANSlITO - São esses proble-


mas dos mais complexos, porque exigem, pa':.'a a sua soluçã,o, o
concurso de m~ior numero de elementos, desde aquelles pura-
mente poIiciaes, até os de urbanismo e engenharia municipal.
Os ,prineipaes são aquelles relativos á direcção do trafego,
ao estacionamento dos vehiculos, aos signaes, á determinação
da velocidade maxima e minima e á illuminação da via publica.
As rest'!"icções impostas aos co"nductores de vehiculos, em
tudo quanto se possa referir á obediencia ás normas que orien-
tam a autoridade policial, na predeterminação das condições do
trafego, são incontestavelmente legitimas e ,decorrem do mais
elementar poder de policia.
Fica, tambem, incluida nessa attribuição, a medida dessas
restricções, dentro, naturalmente, dos limites razoaveis que não
attinjam os direitos asseguraJdos pela propria natureza da li-
berdade de transito, reconhecidos pela Constituição e ,pelas lei!':
em vigor.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 229

o principio geral que deve presidir a todo esse regimen de


policia é o seu fundamento legal. Não seria licito, porém, levar
essa exigencia a extremos que importariam, afinal, na proprla
negação dessa faculdade attribuida áautoriódade publica. pela
imposição de reservas quanto á maneira de tornar effectiva a
medida permittida pelo texto legal.
Por outro lado, não seria licito á autoridade deixar de at-
tenlder a considerações de ordem particular, imprevisiveis, que
justificam a transgressão da norma regulamentar pelos indivi-
duos. Assim, por exemplo, e sóme;nte para exemplificar, por-
que a pouca amplitude deste capitulo não permitte systematisar
a m;ateria, a questão do excesso de velocidade ou a do estacio-
namento precisam ser consideradas em concreto, attendendo
aos motivos de força maior. a conveniencias imprevistas que
devem ser attendid3is, 7l1IUitas vezes, em beneficio do proprio
interesse publico.
Na França, a jurisprudencia do Conselho de Estado tem
vacillado, e numerosos julgados têm procurado definir, inutil-
mente, a verdadeira natureza do estacionamento dos vehiculos
e os direitos dos proprietarios de immoveis ás calçad3is frün-
teiriças.
Especialmente o interesse do commercio levantou, faz ,pou-
cos annos, larga ce}euma, no caso da "Ligue pour la defense
du commerce parisien" onde se discutio os limite,s do estacio-
namento necessario e os do estacionamento legitimo, bem como
as consequencias do abuso do estacionamento (3).
Entre nós, os regulamentos fixam as normas que devem
orientara autoridade na determinação dos logares deestacio-

(3) InteressantJes foram a:s observações do OommIssario do Go-


v.erno Rivet: "Les limites du stationnement :nécéssaires, di.ffiles à tracer
en théorie, Ie sont p,IUiS enoore dans Ia p'ratique; et den, H faut Ie re-
connaitre, ne ressemble plus à la voiture qui stationne devant ume vi-
trine pendant que son conducteur effectue des achats dans un magasin,
que Ia voiiture abandonnée discretement sous l'égide protectrice de Ia
même enseigne commerciale par Ie touriste desireux doe connaitre Ies res-
sources de Ia vi.J1e". A,pud. GERMAIN W ATRIN, La police de la circulation
sur les voies publiques, 1935, pg. 150. '
230 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

namento, das horas de estacionamento, dos vehiculos que po-


dem estacionar em determinados logares, e as franquias outor-
ga!das a determinadas categorias de pessoas e vehiculos (4).
Infelizmente, a falta de Tribunaes de policia e .a ausencia
de juizados es:pecialisados tem impedido de se formar uma
jurisprudencia segura a respeito dessas questões de policia.
Geralmente, fica ao arbitrio das autoridades ,policiaes o exame
e a verificação :dos casos concretos, sem um c!"iterio juridico
seguro que permitta imprimir maior uniformidade ao nosso
regimen de policia.
Etssas observações que fizemos a respeito do estaciona-
mento poderiam ser repetidas, devidamente adaptadas á natu-
reza dos casos, com relação ás questões de orientação do tra-
fego (mão), velocida!de etc.
Concluiremos,portanto, dizendo que, mesmo nos. paises
onde essas questões têm merecido mais acurado estudo, pode
se estabelecer um criterio muito pouco definidO' com relação a
cada caso. O que se deve observar é uma dupla esphera. A
primeira, de caracter normativa, fundada nas leis e regula-
mentos, muito geral, restricta ao dominio em que se estabelece
a limitação dos direitos individuaes; a segunda, que sle pode
comprehender em tudo quanto disser com a execução das me-
didas policiaes indispensaveis á regularidade do trafego e á
protecção dos interesses confiados á autoridade policial:
As instrucções, as portarias, as ordens de serviço, as re-
soluções, emfim, todas as formas usada,s pelas autoridades
administrativas para o cumprimento das leis e execução idos
serviços.
Numerosas excepções comporta, egualmente, o regimen
normal do trafego, que autorizam medidas excepcionaes. Cor-
tejos, procissões, paradas militar,es, manifestações po,pulares e
civicas, enterramentos, corridas etc. Seria longo enumerar
todas,' bem como reproduzir as determinações dos regulamentos
em vigor.

(4) Vier o Reg. babcado com o Decr. 15.614, de 16 de agosto de


1922.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 231

IV - RE<PRESSÃO - Além das medidas deprevençãil


devem os regulamentos provêr, egualmente, ás de repressão,
visando a punição daquel1es que, apezar das ,precauções to~
das peloO poder publico, transgridem as determinações policiaes.
Essas medidas pOldem ter 00 caracter puramente policial
ou disciplinar, ou, então, rey;estir-se da natureza penal.
As medidas ,polkiaes consistem, especialmente:
a) na °apprehensãoO da licença;
b) na apprehensão do vehiculo;
c) na multa.
Antes de apreciarmos, embora ligeiramente, cada uma des-
sas medidas de policia, vamos examinar a legitim~dade de sua
decretação pelo poder executivo oou em virtude de acto das au-
toridades policiaes independentemente de lei es'peciaL
As medidas coercitivas, impostas pelo poder publico, po-
dem consistir, ou no uso normal da força, que independe, na
generalidade doOS casos, de determinação es'peeial, consistindo
apenas noO exercicio de um processo normal de defeza da pro-
pria autoridade que a emprega, oou de penalidades es,pecificas
que importem na diminuição do patrimonio do infractor, ou na
,proOhibição doO exercicio de uma faculdade que era legitima-
mente exercida.
E' preciso não confundir a pena considerada em si, com o
exercicioO, pela autoridade, de seu poder coercitivo, para forçar
o cumprimento dos regulamentos, por individuos muitas vezes
refractarios á obediencia á lei.
E' assim que, se, em these, não seria licito reconhecer a
legitimidade da imposição de certas sancções, senão quando
expressamente àutorisadas em lei, deve-se, to'd'avia, reconhecer.
na autoridade policial, eventualmente, o direito de coagir o
individuo por meio de processos coercitivos á obedecer ás dis-
posições regulamentares. E, entre ellas, deve-se mencionar,
especialmente, a apprehensão das carteiras dos conrd'uctores e
dospro.prios vehiculos.
232 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

A subsistencia de carteiras prof'issionaes: ou meràmente


de amadores, com individuos reconhecidamente incapazes, por
diversas cireumstancias, de continuar a dirigir vehiculos, ,prin-
cipalmente de transporte collectivo, constitue erro incompre-
hensivel, que envoIv.e as aut.oridaJdes na responsabilidade po.r
certos accidentes.
Por isso 'mesmo, não pode ser encarado o assumpto den-
trq da these liberal" que c.onsidera essas medidas policiaes
de todo em todo semelhantes ás nume'!"osas medildas de caracter
penal, cuja legItimidade está sub.ordinada ás especificações
legaes.
O regulamento em vig.or no Districto Federal, da Inspe-
ctoria ,de Vehiculos, baixado com o decreto 15.614, de 16 de
Agosto de 19'22, emb.ora antiquad.o, reconhece a legitimidade
da apprehensão da licença para obriga'!" o pagamento da multa.
Este é .o ,ponto menos sensivel da questão e de imp.ortancia se-
cundaria, quando se considera a apprehensão da lieenç.a .ou do
vehiculo, c.omo meio coercitivo para obrigar o cOlllductor a su-
jeitar-se ás disposições regulamentares, em benefici.o d.o tra-
fego e do interesse publico.
São essas as considerações geraes que devemos fazer, c·om
relação á parte disciplinar e fi,scal do problema da policia do
trafego.
As procissões e outras manifestações publieas d.o culto re-
ligioso são, egualmente, permittidas, desde que autorisadas
pelos re:r;lresentantes d.os respectivos cultos afim de evitar abu-
sos e o desrespeito ao credo de cada um.
Naturalmente, porém, que o exercicio desse direito não
exclue o poder de p.olicia por parte da autoridade c.ompetente,
dentro 'da separação reconhecida d.os poderes entre as autori-
dades espirituaes e temporaes, e do respeito que, entre si, de-
vem mutuamente.
Dentr.o dessa ordem de cousas, 'deve a autoridade religios'a
sujeitar-se ás medidas garantidoras Ida ordem, do transito pu-
blico e d.os direitos de terceiros, procurando eonciliar os inte-
resses do culto com as determinações das autoridades tem-
poraes.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 233

Como observa WATRIN (5), a liberdade Idos cortejos, entre


os quaes devem-se incluir as procissões, decorre, de um lado,
da liberdade de ir e vir, de outro lado da libe,da1de de opinião,
,em seu sentido mais lato. Apropria jurisprudencia dos Tri-
bimaes francezes tem assim decidido, não obstante as restric-
ções feitas, naquelle pais, ao exercicio !do culto '!'eligioso (6).
Entre nós, o principio geral é o da ,permissão, subordi-
nado, apenas, ás r;estricções geraes de policia, acima mencio-
nadas. Por i,sso mesmo, o accordão do Supremo Tribunal Fe-
deral, sempre citado, de 14 de Abril de 19,17, decidio o seguinte:

"As procissões, senldo manifestações de culto


externo, estão sujeitas á acção da policia que, no
cumprimento de um dever de assegurar o transito
publico e a ordem publica, tem o incontestavel di-
reito de estabelecer o res,pectivo trajecto, e mesmo
o de prohibi, que 'ellas se realizem em certas occa-
siões" (7).

Este accordão define bem a doutrina consagrada entre nós.


Quanto ásreliniões no interior dos templos, deve a policia
ser exerci'd'a pelas autoridades religiosas a quem fôr defe!'ida
competencia de accordo com a organização da seita respecti,va.
Salvo, naturalmente, a intervenção da policia, desde que se
torne necessaria, á requisição daquella auto,:,idade.

(5) La polioe dela circu1ation SUtr la voie pu.blique, pg. 102.


(6) NaquelIe paiz, a, materia acha-se regulamentada notando-se a
classificação das procissões: tradiciQnaes' e não tradicionaes. Numerosos
são os julgados do Oonselbo de Estado, cuj,a, jurisprudencia liberal deve
ser posta em relevo.
(7) Ver ARAuJO CASTOO, A Nova Constituição Brasileira, pg. 382
CAPITULO XIII

POLICIA DE CONSTRtUCÇõES

Policia de construcções - Restricções de ordem esthetica, hy-


gienica,eoonomica, e de segurança - Acção discriciona-
ria e a sua feição technica - Relatividade das normas.

A acção do poder publico na tutela dos interesses colle-


ctivos deve-se exercer, egualmente, na fiscalização 'das cons-
trucções, quer sob o ponto de vista esthetico, quer das condi-
ções em que s'e effectua a construcção, que deve obedecer a
normas de hygiene, segurança e dimensões, de accordo com as
leis e regulamentos em vigor.
Assim, deve ser a questão examinada sob diversos aspectos.

A - Alinhamento

A - alinhamento. E' a determinação dos limites das vias


de communicação (1). Ou, como o define o Codigo de Obras
do Districto Federal:

"E' a linha ,projectada e locada ou indicada pela


Prefeitura, para marcar o limite entre o lote de ter-
reno e o logradouro publico" (2).

(1) Definição de WALINE, Précis de Droit administratif, pg. 53().


(2) IOodi'go de Obras do Districto Federal, d'ec. n. 6.000 de 1 de
Julho de 1937.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 235

Todos quantos constróem junto a um logradouro, estão


sujeitos ao alinhamento fixado pela administração municipal.
A licença para construir depende dessa determinação, bem como
da expedição do respectivo alvará que fixa a locação do predio
a construir.
Nas antigas posturas do Rio de Janeiro, eram precisas as
regras relativas ao alinhamento 'dos ,predios (3). Os funccio-
narios incumbidos desse serviço eram denominados "arruado-
res" e a elles incumbia zelar pelo alinhamento dos predios
dentro dos planos levantados pela Camara Municipal.
O recuo dos p!"edios a serem construidos tambem varia
de accor:do com a zona e as condições peculiares a cada logra-
douro (4).
Depende, naturalmente, do plano urbanistko de cada ci-
dade, cabendo, na generalidade dos casos, a determinação do
alinhamento e a altura da soleira á repartição municipal com-
,petente. E' o que occorre no Districto Federal (5).
Normas especiaes são, egualmente, previstas pelas leis mu-
nicipaes, com relação ao recúo dos predios, em C3!SO de modi-
ficação do alinhamento do logradouro ou do predio a construir.
Quando o novo alinhamento attinge o predio já construido,
o alargamento só pode ser levado a effeito mediante desapro-
priação, nos termós das leis em vigor, mediante indemnização
calculada de accordo com o valor locativo do predio sujeito a
recúo total ou ,parcial. Quando a desapropriação attinge mais
da metade do preldio, pode o seu proprietario exigir a indemni-
sação da totalidrude do immovel; é o que determina a lei de
desapropriação, em vigor (6).

(3) Ver, notadamente, os editaes de 12 de Setembro de 1878, de-


creton. 5, de 4 de Janeiro d.e 1893. Consolidação baixada com o decreto
5.160 de 1904.
Artig,o 20 da lei organica do Districto Federal, 196 de 1936.
(4) Ver, sobre o, assumpto WASHINGTON AIzEvEDo, A urganização
technica d08 Municipios, pg. 141-
(5) Artigo 117 d.o decreto 6.000 acima citado.
(6) Decreto 4.956, de 9 de Setehbro de 1903.
236 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Quando, porém, o novo alinhamento attinge terreno em


que se vae construir, porcede-se ao recúo ou á investidura (7)
antes da concessão da licença, avaliando-se, previamente, a in~
demnização a ser paga por quem fôr devida.
A lei organica do Districto Fed'eral (8) dá ao termo assi-
gnado ,pelos interessados pa!"a a clfectivação das modificações
no alinhamento, valor de escriptura publica.
Essa modificação pode occor!"er, tanto com a incorporação
de uma propriedade particular a um log-radouro, como de um
lograldouro a um terreno particular (9).

B - Altura

B - Altura. A dete!"minação das alturas maximas ou


minimas dos edificios comprehende-se, tanibem, na competen-
cia da autoridade municipal por motivos de diversas ordens:
a) esthetica;
b) hygienica;
c) economica ;
d) de segurança.
A questão da esthetica só tem sido V'entilada em casos ex-
cepcionaes, quando em determinadas zonas a belleza do con-
juncto architectonico exige uniformidade na aItura Idos edi-
ficios. E' o que acontece, notadamente, na Praça central da

(7) Chama se investidura "a i.ncorporação a uma propriedade par-


ticular, de uma area de terreno pertencente ao Iogradouro publico e ,adja-
cente á mesma propri€ld,ade, para o fim de executaJr um projecto de ali-
nhamento ou de modificação de alinhamento approvado pela Prefeitura".
(8) Artigo 59: "'Tambem ,a incorporação ás pl"opriedades contiguas
das areas resultantes da modificação do alinhamento dos logradouros pu-
blicos (inv,estidura) se fará por simples termo lavrado no livro proprio
da repartição competente, que servirá de titulo para transcripção no Re-
gistro de immoveis. Ais certidões desses termos, extrahida,s dos livros em
qu.e foram lavradas por funcdonarioos da repartição a que pertencem, com
o V'isto do d,irector fazem plena fé em juizo ou fÓ,ra deUe ... "
,(9) A disti-ncção é ,sempre feita na te~hnica do direito municipal.
Como vimos na nota acima, a investidura presuppóe a incorporação de
uma parte de um Iogradouro por particular, emquanto que o recuo r,epre-
senta a operação iJ;r..,>ersa, isto é: "a incorpo,ração ao logradouro publico
de uma area de terreno pertencente ,a propriedade particular e ad'jacente
ao mesmo logradouro, para o fim de executar umpl"ojecto de alinhamento
ou de modificação d,e alinhamento approvado pela Pl"efeitura".
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 237

Esplanada do Castello, no Disti'icto Federal, de accordo com


o plano Agache.
OutraS vezes, e é a hypothese mais commum, a lei fixa
uma altura minima e maxima de accordo com a largura do
logradouro e as condições e destino especial de cada zona. As-
sim, quer a zona residencial, industrial ou commercial, gozam
de situação peculiar, que merece ser attendida na determina-
ção dos diversos padrões de construcção.
Obedecem essas construcções a certas condições estheticas
comprehendidas no plano urbanistico que lhes serve de base.
Mais importante do que as exigencias de ordem esthetica,
é aquella de ordem hygienica, que tem relação directa com a
largura dos logradouros e com as necessidades de uma aeração
mais completa, verificada muito particularmente em certos
bairros residenciaes e nas zonas in1dustriaes, onde se concen-
tram as populações operarias, gera..lmente agglomeradas em
massa.
A altura dos edificios, nas differentes zonas, obedece a
estudos que devem ser apreciados, tendo-se em consideração
condições de clima, posição em relação com a proximidaJde do
mar, emfim exigencias de caracter loca;l difficeis de prede-
terminar.
O aspecto economico do problema é outro da maior im-
portancia. A elevação desmedida dos preços dos terrenos e a
agglomeração das ,populações foram as causas principaes do
augmento do numero de andares dos edificios de escriptorios
e de habitação. O Estado não pode deixar de attender a essas
considerações, na determinação do numero de andares. A li-
mitação a um minimo que não corresponda a uma remuneração
justa do capital empregado na acquisição do terreno constitui-
ria solução anti-economica e prejudicial ao desenvolvimento da
propriedade urbana. Dahi, esse novo aspecto a· ser attendido
pela administração na fixação da altura dos predios nas dif-
ferentes zonas.
Finalmente, a questão da segurança perdeu, hoje em dia,
o seu maior interesse, dado o aperfeiçoamento da technica de
construcção, que permitte o levantamento de edificios de grande
altura, mesmo naqueHes terrenos onde essas construcções po-
238 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

der-se-iam apresentar com maiores difficuldades. A' adminis-


tração cabe, apenas, usar dos meios de fiscalização necessarios
para evitar acddentes provenientes da falta de precauções exi-
gidas pela bôa technka na materia (10).
A legitimidade dessas limitações pode-se deduzir dos mes-
mos principios que regulam a generalidade das restricções im-
postas pelo Estado ao uso pleno da propriedade. Novas con-
side!'ações de caracter esthetico, por exemplo, vêm dar maior
amplitude á noção de policia, que não mais se restringe á mera
protecção dos interesses economicos ou sanitarios da collecti-
vidade. Essas restricções, ,porém, são, hoje, geralmente aJdmit-
tidas, e não ha como impugna-las (11).
Por outro lado, a generalidade da norma, a sUJelçao re-
vestindo-se de caracter obrigatorio de todos quantos estejam
comprehendidos na ,determinação legal, confere á restricção ou
limitação de direitos um cunho de legitimidade e ju!'icidade
indiscutivel.

(10) WASHINGTON AzEVEDO, A Organização technica dos Munici:


pios, pg. 112, aconselha as seguintes regras na fixa~ão da altura dos
edificios:
1) as alturas existentes, para que a transição de alturas irrazoaveis
para aLturas determinadas sej a operad'a convenientemente;
2) conveniencia de concentração de população;
3) possihilidade dos serviços de utilidade publica;
4) distribuição do trafego.
(11) BIELSA, Restricctiones y servidumbres administrativos pg. 148,
faz, soore o assumpto, as seguintes considerações de ordem juridica:
"Adviertase que esta restriccion es una de las tantas que atemperan
el d,erecho absoluto deI proprietario, tal como lo define bizarramente el
al'ticulo 2.1518 deI Codi~o Civil, segun el cuaI "el proprietario es dueno
exclusivo deI espado aereo" y "puede extender en el sus oonstrucciones,
aunque quiten aI vecino la luz", pues la ley no tutela en esto caso el
interes privado; pera ningun proprietario puede privar de luz J.li aire a
la colectividad, toda vez que el inbe:res publico prev,aIece sobre el inte-
res privado, y el primero tiene su tutela en el derecho publico que pri-
ma sobre el segundo, es decir sobre el interes privado.
Esta restriccion importa, en eI fondo, una servidumbre de non altius
tollendi, como se considera en alguna'S legi'slacio'lles; pero es una limd-
tacion gen,eral impuesta en interes reciproco de los habitantes; y como no
hace a la exclusividad deI domini'o (aI cual no desmiembra) sino a lo
absoluto de el, es ,sempre restriccion y no servidumbre".
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 239

c- Hygiene

c - Hygiene. Uma das limitações mais continuamente


impostas pelo poder publico, com relação ao tdireito de cons-
truir, é aquella que diz com as exigencias de ordem hygienica,
isto é, com as medidas necessarias para assegurar ás habita,;.
ções e outras construcções destinadas a varios fins, condições
que ,preencham as exigencias aconselhadas pela technica (12).
Aeração, ventilação, cubagem minima dos aposentos, e ou-
tras tantas exigencias de ordem sanitaria, exigencias que va-
riam com a natureza -do edificio, com a sua posição, Ipre-estabe-
lecem as cOIlJdiçõesem que podem ser concedidas as licenças
;para construir, bem como o "habite-se".
Não caberia, aqui, o exame dos regulamentos sobre cons-
truccões, cujas normas variam, 'como já dis,semos, de accordo
·:!om as condições peculiares a cada meio mas, apenas, fixar o
principio e a sua justificativa perante o direito vigente.
Essas normas podem attingir, egualmente, os -predios já
construitdos. Nestes casos, podem as autoridades municipaes
ou sanitarias exigir a satisfação das disposições novas. Os
regulamentos devem, porém, conside!'ar essas situações novas,
e salvaguardar os interesses dos proprietarios, facultando-Ihes
prazo e outras concessões para adaptarem os predios já cons-
truidos.
Numerosas são as medidas administrativas ou jutdiciae!3

(12) Uma das questões mais interessantes, que ,envolve .Q estudo da


materia, é o caracter discricionario dessas medidas, quer por parte do le-
gislador que tem a sua acção acobertada pelo principio que lhe faculta
impôr essas l1estrkções, quer por parte da administraçã>o que applica a
norma leg-al aos casos concretos. A generalidade da norma juridica di-
ctada pelo legislad:or deve permittir que a .autoridade adminisofrati-va te-
nha reJ.atiVio .arbitrio na sua applicação. Sem que isto importe em repe-
tir o conceito, pod-e-se dizer que a lei deve ter caracter typicamente nor-
mativo, permittindo nella enquadrar as variadissimas formas de sua appli-
cação, ,sem que se torne preciso modificar o criterj.o predeterminado pela
lei. Como' já tivemos occasiã>o de mostrar, a discricionariedade technica
constitue um proc-esso -perfeitamente legitimo e que não fere, de modo al-
gum,o nosso regimen juridico da mais absoluta garantia dos direitos in-
dividuales. Essa discrlcionariedade nasce desde a formação da lei. quando
o legislador pode estabelecer as restricçõese exigencias technicas neces-
sarias para acautelar 'os -iJntereSses coUectivos que servem de base á ela-
boração da J.ei.
THEMIST'ÜCLES BRANDÃO CAVALCANTI

que podem ser usadas pelO. poder publico para obrigar o cum-
primento das posturas. A multa, o embargo, e até a demolição,
na o!"dem administrativa, são notadam~mte, as mais communs.
Contra os actos das autoridades administrativas cabem, de ac-
cordo com o nosso regimen ,o.s recursos judiciaes. O seu co-
nhecimento pelo judiciario depende naturalmente das hypo-
theses que se apresentarem (13).
Além dais exigencias feitas com relação ás habitações par-
ticulares e, de um modo geral, ás residenciaes, os COIdigos de
posturas e as leis sanitarias devem estabelecer normas para as
construcções ,para fins co.mmerciaes, ou collectiv3!S, e aquellas
destinadas a fins es,peciaes.
Nas categorias acima indicadas, podem-se mencionar:
a) os coUegios;
b) os hospitaes;
c) as ca,sas de espectaculos publicos, como theatros, ci·-
nem as etc.
d)as fabricas, de um modo geral;

(13·) Mencionaremos, como exemplo, e pela natureza das theses ali


ventiladas, o accordão da Côrte de .AjppeIlação do Distri'cto 'Federal, de
30 de Abril de 1936, cuJa 'ementa é a seguinte; e cujas conclusões, se-
gundo nos parece, vêm ferir o exerci cio do poder de policia da Municipa-
Hdade, como bem salienta o v,oto vencido do Dezemlbargador JosÉ LI-
NHARES:
"Interdicto prohibitorio concede-se contra a Municipalidade para im-
pedir a demolição de muro feito com licença. A simples aIlegaçã,o do
exercido do jus imperii não justifica o arbitrio das autoridacLes admini,s-
trativas, sacrificando o direito dos cidadãos. A melhor conceituação do
acto de imperio se define na acti'Vidade unilateral da autoridade publica,
visando defender e assegurar o interesse publico.
Ooncedida uma licença para obras, fh'1lla-se um vinculo juridico en-
tre o propdetario que t,em o direiro de executar a obra, e a M:unicipali-
dade, que a fiscaliza e obriga a observancia de p,l'aoflJtaa;poprovada. A aIle-
gação de ter a obra sido constru.ida contra a licença envolve a confissão
da autoridade de não ter fiscalizado. Só em oproces'so regular, com plena
garantia de d.efesa, pode o proprietario ser forçado a demolir uma obra
feita com fiscalização <das autoridades. A medida poss.essoria é meio re-
gular para impedir a demoHção determinad,a pela Municipalidade, mas
fica assegurado áauministração o direito de pl'ovar, em processo regular,
que a planta não foi observada, e, só então, determinará o ,Juiz a de-
moli çã,o " .
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 241

e) os açougues, quitandas, padarias etc.


/) as garages, depositos de inflammaveis, etc.
Para cada uma dessas categorias de construcções, e outras
destinadas a fins especiaes, devem as leis e regulamentos fazer
as exigencias peculiares á natureza de cada uma.
A fiscalização da construcção, o "habite-se", e o funccio-
namento desses estabel·ecimentos, bem como tudo quanto se re-
fere á sanÍ'dade das habitações, compete, dentro da esphera de
cada um, ás autoridades sanitarias e ás da municipalidade, ge-
ralmente constituidas dentro de organizações separadas. Am-
bas têm interesse no bom cumprimento dos regulamentos. Por
isso mesmo, as suas attribuições entrelaçam-se, encontrando-
se, na organização dos serviços Ide Saúde publica, uma parte de
engenharia sanitaria, cuja importancia é fundamental no func-
cionamento do mechanismo especializado daquelle Departa-
mento da administração.
E' que, tambem, se !deve incluir, nas determinações de
ordem sanitaria, algumas medidas que, embora não !digam com
apropria estructura da edificação, fazem parte do conjuncto
das utilidades ligadas ao seu uso, notadamente as installações
sanitariaJs, agua, eX'gotos, fossas, escoamento das aguas, lixo etc.

D- Estbetica

D - Esthetwa. A parte esthetica das-habitações consti-


tue um dos terrenos mais delicados, ~r isso mesmo que mais
difficeis de serem regulamentados.
Não se ,poderia, effectivamente, pretender admittir a in-
tervenção do ElStadõ nessa esphera, ao ponto de reconhecer a
legitimidade de uma imposição até do estylo das fachadas e
outros detalhes, que devem ficar á escolha e ao criterio de
cada um.
O poder publico deve ter a preoccupação de proteger a im-
pressão de conjuncto dos grupos architectonicos, e evitar que
o gosto esthetico 'de um ou mais individuos venha prejudicar
. a esthetica ul'lbana e ferir as susceptibHidades artisticas da
media das tendencias estheticas em determinada época.

- 16:
242 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Nota BIELSA (14) que a preoccupação do poder publico,


com relação á architectura e ornamentação das cidades, teve a
sua origem no direito romano, no seu periodo imperial, quando
fm.'am traçadas numerosas disposições sobre o assumpto (ne
aspeciJus urbis deformetur). Numerosas eram as restricções
impostas ,pelas leis Romanas por motivos estheticos como, por
exemplo, a prohibição da retirada de columnas que embeleza-
vam as casas (15).
Assim, no Districto Federal, o plano Agache predetermi-
nou o estylo, a altura e as condições qe construcção dos predios
-em certas Praças e logradouros :destinados a construcções mo-
numentaes.
Em certas ruas do centro urbano, a Prefeitura do mesmo
Districto exige a construcção de arcadas e em outros, a de
t

.. , mal'quises", etc.
BIELSA, na obra já referida, cita diversas exigencias da
municipalidade de Buenos Ayres, no mesmo sentido.
A justificativa :dessas limitações está comprehendida na
necessidade do progresso urbano e na protecção dos s,entimen-
tos artisticos da população, bem como de sua educação. Não
é, tambem, de desprezar o aspecto commercial visado, com a
apresentação, ao turismo, de beHezas urbanas que attraiam os
extrangeiros. E' um dos aspectos mai,s inte"!"essantes do pro-
blema urbano.

E - Segurança

E - Segurança. Intimamente ligado a esses problemas


,é o da &egurança das habitações. Os modernos regulamentos
de obras entram em detalhes na determinação das condições
technicas que devem preencher os projectos e os calculos
apresentados, especialmente, nasconstrucções de cimen-
to armado. O calculo de resistencia dos materiaes, e dos
,demais detalhes da construcção, dev~m ser revistos pelos, or-

(14) Restricciones y servidumbrf3s administrativas, pg. 141.


(15) V,er tambem WINDSCHElD, Pandeite, § 211-a.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 243

'gãos competentes de engenharia deconstrucç.õeS. Não deve


:ser feita a menor concessão, nesta materia, aos. responsaveis
pela obra, responsaveis que devem satisfazer, tambem, ás .exi-
:gencias impostas pela lei para o exercicio da profissão de enge-
nheiro ou architecto. .
Este é um dos ramos mais importantes da policia admi-
nistrativa; porque, do preenchimento :d,ag formalidades legaes
para o exercicio da profissão, decorre, pelo menos, uma pre~
:sumpção 'de capacidade que não pode ser reconhecida a priori
·naoquelles que não :demonstraram, por meio de ,provas de habi-
litação, a sua capacidÇl;de technica e profissional.
A responsabilidade da administração, nos erros e nas con-
: sequencias da má execução da obra, não vae, certamente, ao
:ponto de ter de responder, civil ou criminalmente, pelos damnos
· que dahi resultarem, mBlS fica a responsabilidade funccional,
·pelo desleixo na fiscalização dos projectos, que dependem, para
:a sua execução, da fiscalimção e do placet das autoridades
· administrativas.
Por isso mesmo, a lei impõe obrigações severas na elabo-
·ração dos projectos e no exame dos mesmos. Não seria licita
· justificar a ,demora no despacho dos mesmos pela administra-
· ção, se esta demora não tivesse uma finalidade superior, qual
·a de assegurar a sua perfeita conformidade com as normas
· traçadas pela lei e .pelos regulamentos.
Os obices burocraticos, naturaes na machina do Estado,
-tornam-se, por isso mesmo, necessarios, porque visam um ob-
jectivo. superior aos interesses pessoaes. Variam, naturalmen-
·te. as exigencias regulamentares, com a natureza da obra e os
-fins a que se destina. Precauções especiaes são feitas para as
-fabricas, habitações collectivas, appartamentos etc. A segu-
-rança dos mesmos precisa ser muito maior.
Elevadores, apparelhamento contra incerudio, escadas de
: soccorro e outras ll1!8didas de protecção, integram a construcção
,das caS'as de espec~culos, hab.itações colIectivas, fabricas, hos-
. pitaes, emfim, os Jogares onde os meios de pro.pagação dos in-
<cendios é maior, que comportam maior agglomeração de 1)eS-
.soas e que exigem mais numerosos recursos para attender á
;segurança e a vida. :de cada um.
244 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Especialmente os elevadores representam, hoje em dia,


papel importante: o seu numero para attender ao movimento
dos grandes edificios, a relação entre a area edificada, o nu-
mero de andares e a frequencia do edificio, a idoneidade dos·
cabineiros, suas condições pessoaes, os freios e outros meios.
de protecção contra os aceidentes e as quedas bruscas dos ap-
parelhos, a fiscalização do seu material, representam outros.
tantos pontos difficeis de uma solução geral, a ser prevista nos.
regulamentos.
A protecção contra o fogo, especialmente nos depositos de
inflammaveis ou explosivos, a localisação desses depositos e o
seu i!solamento dos grandes centros urbanos são problemas cor-
relatos com a policia de construcções, objecto do presente
capitulo. .
A legitimidade das restricções impostas pelo poder publico
não precisa ser encarecida. Basta attender a que ell8iS estão
subordinadas ao mais elementar inter~ publico e á ,protecção
do povo.

"\ ':
CAPITULO XIV

POLICIA DE EXTRAlNGEmOS

Entrada de eXltrangeiros - Immigl"antes e não ,immigrantes -


. O problema da immigraçã'O ~ as restricçõesconstitucio-
naes - Entrada, naturalisação e expulsão de extran-
gelros.

A constituição dos Estados, com personalidade juridica e


<com expressão nitidamen~e' definida, pelo menos ,politicamente,
'veio crear, na ordem internacional, um regimen juridico, de
todo em todo semelhante áqueIle que existe nas demais socie-
.dads organizadas.
O caracter internacional, porém, da maioria das ideolo-
:gias politicas em voga, e o phenomeno migratorio entre os po-
vos, estabeleceram uma situação que hoje se define mais do que
nunca, por um regimen de restricções, dentro do qual exerce
«> Estado o seu ~der ,de policia.
A protecção da vida interna de cada Estado reveste-se dos
,-caracteres mais diversos, porque ella se orienta, não sómente
pela defeza de suas instituições politicas, mas tambem de sua
..economia, da saude de seus habitantes, da estructura moral
.que serve de base ás organizações sociaes peculiares, a cada
:Estado. .
As medidas de prevenção contra a falta de adaptação de
,certos elementos raciaes, as tendencias absorventes de certos
::povos, a miseria organica ou moral de outras populações, ou,
246 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

ainda, as condições pessoaes de certos elementos extrangeiros"


constituem out!"as tantas manifestações do poder de policia,.
justificado plenamente pela nossa legislação em vigor.
A nossa primeira Constituição republicana resentia-se do-
liberalitsmo que a inspirou, liberalismo inteiramente compre-
hensivel, então, quando o mundo ainda desconhecia as diffi-
culdades trazidas pelo progresso e pela civilimção do XX.o.
seculo.
A Constituição vigente, porém, como já o havia feito ·a.
de 1934, integrou em nosso regimen certas medidas tornadas:
indispensaveis á protecção da colIectividade brasileira, legi-·
timando, por meio de restricções constitucionaes, a serem re-·
gulamentadas pela lei o:rdinaria, as medidas de policia ne-·
cessarias áquelle fim.
O atrigo 16', lU, da Constituição, por si só justifica o>
poder de policia de extrangeiros:

Artigo 16: Compete privativamente á União o poder de'


legislar sobre as seguintes materias:

lU - A naturalização, a entrada no te:rritorio.


nacional e sahida deste territorio; a emigração e immi-
gração, os passaportes, a expulsão de extrangeiros.
do territorio nacional e prohibição de pe:rmanencia.
ou de estada no mesmo, a extradicção.

Este e outros textos constitucionaes consagram restricções:


que, como veremos, attendem a necessidades imperiosas da.
saude, da integridade ethnica e moral do nosso pais.
A policia de extrangeiros tem a sua actividade distribui da,.
não sómente na fiscalização de sua entrada no pais, mas tam-
bem de sua permanencia e incorporação ao grupo de seus na-
cionaes.
Assim pode-se comprehender neste capitulo:
a) entrada de extrangeiros;
b)' policia de en:rangeiros;
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 247

.c ) expulsão de extrangeiros;
·d) naturalização de extrangeiros.·

A - Entrada de extrangeiros

Regula o texto constitucional a materiá acima enumerada,


que indica as normas geraes a que deve obedecer. a legislação
nacional ao fixar as medidas de ordem administrativa, que
devem orientar as autoridades brasileiras, no tratamento dos
extrangeiros.
A entrada dOIs extrangeiros no territorio nacional ,pode oc-
correr, ou com o intuito de aqui permanecer, ou com o caracter
transitorio. No primeiro caso, devem ser considerados immi-
grantes os incluidos nos termos do decreto 24.215, de 9 de
Maio de 1934: todo extrangeiro que pretenda, vindo para o
Brasil, nelIe permanecer por mais de trinta· dias, com o intuito
de exe!",eer a sua actividade em qualquer profissão licita e lu-
crativa que lhe assegure a subs.istencia propria e a dos que
vivam sob a sua dependencia (1).
Os immigrantes podem ser agricultores ou não agriculto-
res (2), e devem satisfazer, ,para penetrar no territorio nacio-
nal, condjções physicas, moraes e intelIectuaes, fixadas pela lei.
Além dos immigrantes podem entrar no pais os extran-
geiros que disponham de meios de subsistencia prefixados pela
• lei, e apres·entem pessôa idonea que se responsabilise, não só-
mente pela sua conducta, mas tambem ,pelo seu repatriamento.
Para i!sso, creou a leias "cartas de chamada", em virtude das
quaes pessoas domiciliadas no Brasil, e idoneas, assumam a
responsabilidade, perante a autoridade polidal, pelo extran-
geiro que deseja vir para o Brasil (3).
Finalmente, podem entrar no Brasil, de accordo com a lei
em vigor, os extrangeiros que desejam visitar o pais para fins

(1) Artig.o 2, § primeiro do decreto 24.215, de ~ de M,aio de 1934.


(2) Artigo 1, do decreto 24.258, de 16 de Ma10 de 1934.
(3) As exigencias estão discriminadas no artigo 14, do dec. 24.258
de 1934, acima l1eferido, que estahelece as differentes distincções entre
as diversas modalidades de immigrantes.
248 'THEMISTOCLES' 'BRANDÃO CAVALCANTI

turisticos, de estudos, culturaes, !iterarios, artisticos etc.; com-


prehendem-se entre aquelles para os quaes a lei dis,pensa da
"carta de chamada". Para todos elles, porém, a lei estabelece
condições e exigencias, de accordo com a sua posição e os fins
que os trazem ao Brasil.
Os decretos acima mencionados, 24.215, de 9 de Maio de
1934 e n.o 24.258, de 16 ,de Maio de 1934, regulam detalhada-
mente a materia, fixando restricçoos e os differentes meios de
contrôle de que se podem utilizar as autoridades para exercer
o seu poder de policia.
A Constituição em seu artigo 151, justifica essas limi-
tações á entrada de extrangeiros immigrantes, nos seguintes
termos:
Art. 151: A entrada, distribuição e fixação de
immigrantes no territorio nacional estará sujeita ás
exigencias e condições que a lei' determinar, não po-
dendo, porem, a corrente immigratoria de cada paiz
exceder 'annualmente, o limite de dois por cento sobre
o numero total dos respectivos nacionaes fixados no
Brasil durante os ultimos cincoenta annos".

Para esse fim, o texto Constitucional de 1934, mais ca-


suistico do que o actual, estabelecia as seguintes medidas:

a) a fixação das quotas immigratorias, que não


poderão exceder, para cada ,pais, annualmente, o li-
mite de doi,s por cento sobre o numero total dos res-
pectivos nacionaes fixados no Brasil durante os ulti-
mos cincoenta annos;
b) prohibição da concentração dos immigran-
tes em qualquer ponto do territorio nacional, e de-
terminação de normas que attendam ã selecção, lo-
calização e assimilação do alienigena.

A fixação das quotas immigratorias e a localização dos im-


migrantes constituem os dous problemas mais graves de onlem
social, que interess'am á formação ethnica do Brasil.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 249

o dispositivo constitucional tem sido objecto de regula-


mentação e a sua execução levada a effeito por meio de nume-
rosas .instrucções expedidas pelo Ministerio do Trabalho, de
accordo com as bases fixadas no texto da Constituição (4).
O historico das medidas legislativas, que vem sendo to-
madas contra a livre entrada de extrangeiros, mostraria a evo-
lução soffrida entre nós, desde 1921, quando começaram a se
tornar mais severas as ,providenci81S e as restricções impostas
á entrada de extrangeiros indesejaveis.
O justo equilibrio,no entretanto, precisa ser mantido, e
a determinação precisa das qualidades que devem ter os immi-:-
grantes, sob o ponto de vista ethnico, moral, inteIlectual, cond-
titue a grande difficuld3Jde do problema immigratorio.
As restricções impostas pela lei, de accordo com a Consti-
tuição, não podem, evidentemente, attingir os individuos aptos
para o trabalho e que possam collaborar no desenvolvimento
do pais (5).
E' ,preciso, aliás, reconhecer a larga contribuição que as
correntes immig!"atorias trouxeram para a nossa economia,
especialmente para o desenvolvimento da agricultura· (6). Não
fosse a immigração, e não teriamos certamente cons~ido
atravessar a grav'e crise do trabalho, consequente á abolição
da eseravatu!"a (7).

(4) Ver a Portaria de 16 de Abril de 1926,. As quotas. para o


exercicio de 1937 foram fixad,as pela portaria de 19 de AlbrH de 1937.
(5) JEAN BASTET, Le travail lorcé et l'organisation internationale.
(6) iCH.OALVO, Etude sur l'emigration. NeIle se estuda o valor das
di"ersas questões relacionadas com o problema immigratorIo e os diffe-
rentes systemas preoonisados.
A. MONNIER, Les indesirables.
(7) Os dados que se encontram nos trabalhos da conferencia Par-
lamentar Internacional do -Comm'ercio do Rio de Janeiro em 1927, reve-
lam que, de 1908 a 1924, entraram no Brasil cerca de 1.40.0.00.0 traba-
lhadores eXltrang'leiros. Segundo OLIVEIRA V,IANNA (Evolução do povo
Brasileiro, pg. 149), de 1890. até 1901 entraram 670.443 immigrantes de
differentes nacionalidades. .
As ultimas estatisticas accusam uma cifra de 4.142.913, no numero
deimmigrantes entrados no Brasil, em cincoenta annos (1884 a 1934),
send'o que, só no decennio1904 a 1913, entraram ma~s de 1.00.0.0000 e
. de 1884 a 1893, peri,odo IÍmmediato á aboli.ção, 892.222, sendo de mais de
meio milhão de italianos. Estes ultimos e os portuguezes representam
250 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
---

As condições do mundo moderno são, porém, bem diversas,


e, já agora, não seria licito attribuir ás cor--:entes immigrato-
i-las, pelo menos a algumas dellas, o caracter que anterior-
mente tinham, unicamente agricola e de supprimento de braços
ao trabalho. Objectivos imperialistas e absorventes animam,
por vezes, as correntes immigratorias, que se transformam em
verdadeiras dejecÇ-Ões .de elementos indesejaveis, sob todos os
pontos de visia, inassimilaveis e impossiveis de serem conside-
rados como cooperadores dos trabalhadores nacionaes.
A legislação extrangeira, os congressos internacionaes, têm
consagrado a legitimidade das restricções legaes, hoje incor-
poradas ao regimen juridico de todos os paires.
A visita sanitaria, a identificação dos immigrantes, a ve--
rificação dos antecedentes policiaes, são outras medidalS de
policia adoptadas pelas nossas leis, de accordo com principioc:;
universalmente consagrados (8) pelas legislações internas dos
diversos paises e pelos congressos e convenções internacionaes.
Assim, a Convenção de Havana de 1928, apiprovada pelo
Governo do Brasil (9), as leis internas da Inglaterra, do Ca-
nadá, da Australia, da Nova Zeelandia, dos Estados Unidos,
da Argentina, da Venezuela etc. (10).
mais de cincoenta por cento da corrente immigratoda. (Boletim do Mi-
nisterio do Trabalho, v()l. XV, pg. 269). Infelizmente a situação actual
não é muito ausp.iciosa, porque a immigração italiana, que ta!lJ1:os oonefi-
cios nos trouxe, vem sendo substituid'a de maneim alarmante, pela Japo-
neZia, que no anno d,e 1935, empaTelhou-se, em numero, com a portu-
gueza. ,em quanto que se verificava o dlecresoimo das demais. E' o qua-
dro actual que se apresenta aos governos para resolver.
(,8) ConsuLtar as numerosas obras sobre o assump,to, notadamente a's
seguintes:
BIELsA. Derecho administrativo, voI. UI, pg. 460.
V .. GOOSSI, Emigrazione, in Primo Trattato de Orlando, voI. IV,
2_" pal'te.
V<er tambem o interessante parecer de HAroLDO V ALLADÃO s·obre o
ante-projecto da sub commlÍssão 1egislativa nomeada pelo Governo Pro-
visorio, em 1930, pa'ra a elaboração de leis sobre extrangeiros, naturali-
zação etc.
(9) 'Decreto 5.647, de 7 de Setembro de 1929, e 18.966, de 22 de-
Outubr,o de 19·29.
(10) Ver especialmente, a seguinte legislação.:
A ingleza (aJi.en ord'er, 1920 modificada posteriormente), Canadá. Aus-
tralia, Nova Zelandia (leis 1. 9ü1-1. 925, 1. 9100-1924, 1908 e RAeperto-ire du
Dl'oit InternaNonal. LAPRADELLE et NIBOYET, voI. 7-566/7); a dos Es·tados
Unidos da America do Norte (Irnrmigration Laws Rules Qf J.anuary 1,
1930. publicação official, com-as em'endas até 19-31, da legisl~ão vig,ente.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 251

Em linhas geraes, são estes os principios que orientam a


policia de. immigrantes, comprehelididaa expressão "policia ,.
em seu sentido mais lato, isto é, em sua significação politica;.
talvez a mais importante e de mais difficil execução.

B ~ Expulsão de extrangeiros

Outra faculdade inherente á soberania do Estado é aquelIa


de e:lq)ulsar os extrangeiros considerados perniciosos aos inte-
resses do ,pais.
O principio' tem seu pleno fundamento no direito intena-
cional, que não admitte qualquer duvida de .caracter doutri-
nario.
No Brasil, foi esse direito sempre exercido desde o Impe-
rio (11). Na Republica, comquanto não houvesse nenhuma
disposição constitucional que expressamente o autoris3JSse, a
jurisprudencia considerou legitima essa faculdade que se arro-
gou o Poder Executivo, e consagrou a legislação ordinaria, no-
tadamente as leis ns. 1.641, de 7 de Janeiro de 19017" regula-
mentada pelo decreto 6.483, de 23 de Maio de 190'7, lei n.o-
2.741, de 8 de Janeiro de 19<13, e n.o 4.247, de 192[.
A reforma constitucional de 1926 veio esclarecer melhor
o assumpto, hoje pacificamente resolvido pela Constituição em
vigor, que permitte a expulsão do territorio nacional dos ex-
trangeiros perigosos á ordem publica ou nocivos aos inte,:esses
do paiz.
A eXpulsão constitúe aeto discricionario do Presidente da
Republica e o 'seu processo administrativo é summario. E', no
entretanto, o Poder Executivo o juiz exclusivo na apreciação
da causa da expulsão, limite unico de sua acção discricionaria.

verdadeira consolidação de todos os actos respeotiV'Os, leis de 26-2-1885,


19-X-1888, 28-4-1902, 5-2-1917, 19-5-1921, 26-5-1924, etc .... ); d'll Argen-
tina, lei 817 de 19-X-1876, e decreto 21-12-1923; da Venezuela:, l,ei de 16-
7-1925, secção lI; as Iei,s do Peru, 7-X-1931 e 27-4-1002, e do Uruguay,
de 19-7-19'32.
(11) Constituição do IrnqJerio, art. 179, § 6.°. Regulamento n.O 120,
de 31 de J aneiTo de 1842. Decreto 1531, de lO de Janeiro de 1855. E
Decreto 2.466, de 21 de Setembro de 1859.
252 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

A intervenção judicial só se tem tornado legitima para a


apreciação da legalidade do· processo, bem como .dos excessos
por ventura praticados como medida preventiva, antes da ex-
pulsão. Assim, por exemplo, o art. 46 da iei n.o 38, de 4 de
Abril de 1935, só admitte a pri<São provisoria .do expulsando
pelo prazo de tres mezes (12).

c- Naturalisação

Interessa directamente ao direito administrativo, ,pelo me-


nos em sua parte processual, a naturalisação dos extrangeiros.
Os casos de naturalisação estão previ,stos na Constituição
Federal, e podem ser - voluntaria, - ou - tacita, - nesta
comprehendida a grande naturalisação.
O art. 69 .da Constituição de 1891 fixava os casos de na-
turalisação que foram, em linhas geraes, mantidos pelo art. 115
da Constituição vigente, excluidos, porém, para o futuro, os
ea·sos de acquisição da nacionalidade brasileira pelo siÍnlples
facto dos extrangeiros serem casados com brasileiras, terem
filhos brasileiros ou possuirem bens immoveis no Brasil (13).
Innumeras questões podem 'ser suscitadas, em torno, prin-
cipalmente, da naturalisação tacita, dadas as differentes mo-
dalidades de que se revestem os casos individuaes.
Assim, por exemplo, a ques,tão do titulo declaratorio para
os casos de naturalisação tacita, tem sido objecto de controver-
sias perante a doutrina e a legislação (14).
A legislação sobre o assumpto comprehende as seguintes
leis e decretos: Lei n. o 569, de 7 de Junho de 18991, que d~­
termina as condições de peJ:'lda e a reacquisição dos direitos

(12) Sobre o assumpto ver: LACERDA DE ALMEIDA, Expulsão de ex-


t r angeir o8; BENTO Da FARIA, D}reito de E(1)pulsão; RoDRIGO OCTAVIOj
Diccionario de Direito Internacional Privado, verbo - Expulsão - onde
se encontra exposta a jurisprudoencia da Suprema Côrte e do Supr.emo T~i­
bunal Federall.
(13.) Ver RJoDRIGO OCTAVIO, Diccionario de Direito Internacional
Privado.
(14) RiODRIGO OCTAVIO, idem, verbo - "Nacionalidade".
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 253

politicos e de cidadãos brasileiros; Lei n.o 1. 904, de 12 de No-


vembro de 1912, que dá re~ulamento á naturalisação dos ex-o
trangeiros; Lei n.o 2.004, de 26 de Novembro de 190,8; Regu-
lamento approvado pelo decreto 6.948, de 14 de Junho de 1908"
que regula o processo de naturalisação.
: ~ .- ~ l' .- - - ~

As exigencias aqui feitas são, em resumo, as seguintes:


o extrangeiro que pretender naturalisar-se deve requerer
ao Presidente da Republiea, por intermedio do Ministerio da
Justiça, provando a sua identidade, maioridade legal, residen-
cia por mais de dois annos no Brasii, bom procedimento moral
e civil, e não estar processado no Brasil por nenhum dos cri-
'mes' previstos no·mesmo decreto, a saber: por crime de homi-
ci.dio, furto ou roubo, bancarrota, falsidade, contrabando, es-
teIlionato, moeda falsa, e lenocinio.
Depois de devidamente processado o requerimento, deve-
ser o titulo expedido.
Pl'Ievê ainda o decreto diversas outras formalidades, espe-
cialmente com relação á naturalisação de extrangeiros resi-
dentes nos Estados, antes da ex.pedição do titulo declaratorio,.
e outras.
Reportamo-nos, para melhor estudo da jurisprudencia, ao,
Diccionario do Direito internacional privado de RODRIGO OCTA-
VIO (15).
Um dos aspectos mais interessantes da poli.ci.a sobre os ex-
trangeiros é aquelle que diz com a ;perda da nova nacionali-
dade, isto é, aquella adquirida por meio da naturalisação.
Sendo a naturalisação um aeto voluntario, e constituindo·
uma tolerancia do Estado para com os naturaes dos outros
paises, estabelece a lei interna de cada pais as eondiçõesde'
Requisição ou perda da nacionalidade por meio da naturalisação ..

(15) Verbo "nacionalidade" é "natUTaUzaçáo".


'Oonsulta:r tambem: BOURBOUSSON, Traité general de la nationaUté;
POOSPERO FEDO-,ma, Trattato di diritto internazio1U1le, vol. I, pg. 319 e
seguintes.


'254 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

oartigo 116, c, da. Constituição previa, expressamente,


-essa hypothese e condicionou o cancellamento da natu!'alisação
,.a determinadas exigencias:

"mediante porcess.o adequad.o tive!' revogado a sua


naturalização por exercer actividade política ou so-
cial nociva ao interesse nacional".

A definiçã.o desses crimes contra a ordem politica ou so-


·c~al ,está feita nas leis n.o 38, de 4 de Abril de 19'35 (16) e 136,
"de 14 de Dezembro do mesmo anno. O processo judicial, tam-
bem f .oi aIli fixado.
Assim, pode-se definir com precisão o. que se dev3t en-
tender pela policia dos extrangeiros, bem como dos natura li-
..sados. Esta é a esphera que interessa ao direito administra-
tivo. Fóra dahi, penetramos no terreno da repressão penal,
.que não interessa a este trabalh.o.

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TITULO In

Do Serviço Publico
OAtPITTULO I - Do Serviço Publico
Do Serviço Publico - Noções geraes - Theorias diver-
so.s - Gaston Jeze. Duguit, Berthele.my - Presutti e os
autores italianos - Bielsa -'-- Serviços Publicas proprios e
improprios - A theoria sustentada por Odilon de Andrade e
a sua critica - Quaesos serviços que devem ser considera-
dos publicos - Serviços de utilidade publica - Public Uti-
lities - Établissements d'Utilité Publique.
CAlBIT'lJLO II - Nacionalização
Estatisação - Socialisaçiio - Nacionalisaç/úJ - Muni-
cipalisação - Distincções e caracteristicos - Administração
directa pelo Estado - Repa;rtições Publicas - Serviços au-
tonomos - Subvencionados - O Estadoaccionista - Con-
cessões.
O.AjBI'PUILO ITI - O Estado Aecionista
O Estado accionista - Regimen da economia mixta "-
M.odalidades diversas .- Bancos, e'mprezas industriaes, etc.
CABITULO IV - Emprezas Subvencionadas
Regimen das Subvenções -,- .Garantia de juros - A u-
xilio ás instituições e emprezas particula1·es.
()AiPlI'llUDO V - Concessões de Serviço Publico
Concessão de Serviços Publicas - Execução - Natu-
reza Juridica - Autorisação ou permissão e concessão -
Distincções - Diversas Theorias - , Theoria do aoto unila-
teral - Theoria contractual - Contracto de Direito Pri-
vado - Contraoto de Direito Publico - A,cto Unilateral -
Detalhes Doutrinarios. .
(}AtPITULO VII - . Fiscalização da Execução dos Serviços Pu-
blicos Concedidos
FiscaEisação dos Serviços Puhlicos Concedidos ~ A Fe-
deral Power OQmmission do Direito A mBf"icano - Fixação
de Tarifas e os diversos crite1"ios legaes e financeiros -
Custo Historico e Custo A,ctutil ~ Criterio Teohnico, Com-
mercial e Economico qué devem presidir á Fiscalisação.
256 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

OAPI'IlULO VLI - Revisão de Contractos e Concessões


Revisão de conrractós e concessões - Natureza regula-
mentar das concessões - Fixação de tarifas - Criterios di-
versos - A. Constituição e o Codigo de aguas - Criterúl
legal entre nós.

OAiPI'ffi.JILO ViliN - Tarifas


Fixação de tarifas (continuação) - Custo historico e
custo aatual - A justa remuneração do capital e os melho-
1'amentos do serviço --..: Competencia do poder judiciario -
As "commissions" do direito americano.

OA\W'fIULO IX - Clausula Ouro


Clausula ouro ,- e os contractos de concessão de servi-
ços publicos - A extincção do curso forçado e a sua influen-
cia sobre os contractos em curso - Os decretos do Governo
Provisorio de 1933 _ A Jurisprudencia dos Tribunaes A me-
ricanos e da Cárie Internacional de Haya.

OAiPlI'TIULO X - Terminação ou Extincção da Concessão


Terminação das concessões - Reversão - Resgate
Encampaçõ;o - Caducidade - RescisÜlo - Revogação
Renuncia - Fallencia.
CAlPI;TUiI.(O XI - Isenções de Sellos e outros Impostos
~mtprezas concessionarias - Isenções fiscaes - Privi-
legias e"clusivos.

OAlPlTULO XIJI - Correios e Telegraphos


C01"f'eios ~ telegraphos ' - Monopolio do Estado - CO;m-
petencia da União - Tarifas - Responsabilidade - Tele-
graphos - Sua exp~oração - Regirnens diversos - Tele-
grapho subrmarino - Radiocommunicação -, Diversos syste-
mas - Contrôle do Estado - Regimen de concessão.

CAlPITUlLO Xln - Estradas de Ferro


Estradas de ferro - Seu historico - Diversas especies
- T-ramways - Diversos regimens vigentes no Brasil -
Tarifas de estradas de ferro - Diversas especles - Fisca-
lização - Contadoria Central de Tramsportes - ' Inspectoria
Federal de Estradas - Policia ferrovw,ria.

OAIRITlULO XIV - Portos


Portos - Concessões para Construcção e Exploração de
Rorios - Administração - Fiscalisação - Departamento
Nacional de Portos e de Navegação.
CAPITULO I

DO SERVIÇO PUBL.ICO
'.

N'oção - DiveI1s:lls theorias - Dlu.guit - Berthelemy -


Jeze - Presu.tti - Sentido commum e sentido techn1-
co - A divisão de Bielsa - Serviços publicas proprios
e improprios - Servj.ços de utilidade publica .

. A noção do serviço .publico no estudo do direito adminis- .


trativo é· de uma importancia muito grande~ porque ella repre-
senta uma idéa central no conjuncto das actividades da admi-
nistração.
Para a generalidade dos autores, a finalidade do Estado
consiste, especialmente, em prover á manutenção e execução
dos serviços publicos.
Constitue, assim, essa noção um dos pontos essenciaes de
todas as doutrinas que interessam ao direito administrativo.
Alguns autores têm, mesmo, subol'ldinado a integração de
um serviço dentro do serviço publico á finalidade que lhe at-
tribue o Estado no conjuncto de suas actividades.
Dahi, tambem, a relatividade do conceito de serviço pu-
blico, variavel de accordo: com as cO:llidições peculiares a cada
pais, em determinadas condições e épocas. E' a· noção que
nos dá, especialmente, DUGillT:

"Les activités dont l'accomplissement est con-


sideré comme obligatoire pour les go:uvernants for-

- 17
258 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

ment l'objet des services publics. Quelles sont ces


activités? Quelle en est exactement l'étendue? n
est impossible de faire á la question una réponse gé-
. nerale.
Déjà en 1911 nous ecrivions: "Quelles sont
les activités dont l'accomplissement constitue pour
'les gouvernants une obligation? A ,cette question
on ne peut point faire une réponse fixe. 11 y a lá
quelque chose d'essentiellement variable, d'évolutif
au premier degré. 11 est mêmedifficile de fixer le
sens genéral de cette évolution. Tout ce que l'on
peut dire, c'est que, à mésure que la civilisation se
developpe, le nombre des activités susceptibles de
servir de support à des services publics, augmente
et que le nombre des !services s'accroit par la même.
C'est logique. En effet, la civilisation on peut dire
qu'elle consiste uniquement dans l'accroissem,ent du
nomlbre des besoins de tous ordres ,pouvant être sa-
tisfaits dans un moindre temps. Par suite, á me-
;sure que la civilisation progresse, l'intervention des
gouvernants devient normalement plus frequente,
parce qu'elle seule peut r·ealiser ce qu'est la civili-
s·ation".
~.

Este conceito de DUGUIT merece ser t!"anscripto, porque


representa um pensamento muito preciso da relativida;de da
noção do serviço publico, que .pode ser verificada, quer na dou-
trina, quer nas realisações praticas dos differentes regimens
administrativos.
Em um regimen liberal, de livre concurrencia, em que a
intervenção do Estado é restrictae limitada a um certo numero
de actividades, [ficando as demais entregues á iniciativa par-
ticular, os monopolios são desconhecidos, o Estado pouco se
interessa em absorver aquelles serviços que não se comprehe:n-
dem dentro das suas finalidades necessarias eobrigatorias.

(1) Les transformations du droit public, pago 47.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 25~

o mesml{) não ocoorre, porém, naquelles paises em que o


;eontrôle e a direcção do Estado tornam-se mais notaveis, por
uma tendencia mais accentuadamente socializante, procurando
·0 poder ,publico, por esta forma, distribuir mais equitativa-
mente as vantagens e os resultados das actividades individuaes,
pela collectividade, ou então, evitar a especulação e os abusos
provenientes do desequilibrio social e economico. As causas
,dessa intervenção, constituiriam capitulo de direito politioo
.dos mais fascinantes, mas, aqui, apenas constatamos as conse-
. quencias desses desequilibrios, e a iniciativa tomada pela gene-
ra:lidade dos. Estados, de intervir mais decididamente, e em
maior numero .de sectores.
Nume~osas são as theorias existentes a respeito da noção
I do serviço publico. O que é o serviç.o publico? Quaes os ser-
. viços que devem ser considerados como taes? Quaes as diver-
:sas categorias de serviços .publicos?
São estas indagações a que vamos agora responder, nos
,diversos titulos deste capitulo.
Segundo a opinião da maioria dos autores franceses, a
noção do serviço publico confunde-se com a do' proprio direi'to .
:administrativo. "Direito Administrativo é o conjuncto das
regras relativas aos serviços publicos" (2), ensina o professor
JÉZE. Os se!'viços publicos têm por fim, accrescenta, attender
: aos interesses geraes. Os governantes, os agentes, os con~
:sionarios dos serviços publicos são encarregados de organiza-
'los, faze-los :funccionar ,para satisfazer o bem estar material,
:moral, intellectual, dos administrados e dos individuos.
Por conseguinte, incluem-se nesta categoria, não sómente
. aquelles serviços directamente explorados pelo Estado, mas
. ainda aquelles que podem ser explorados por meios indirectos,
,especialmente por meio de concessões dadas pelo poder publico.
Dentro dessa mesma corrente, encontra-se o professor
'.DUGUIT, que leva a importancia da theoria do serviço publico

(2) Les prillcipiesgenera~ du droit administratif - lII, pag. 1


e.e seg'S~
260 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

ao ponto de conferir-lhe a qualidade de ter substitui do a po-


sição attribuida anteriormente á theoria da soberanja (3).
De outro lado, BERTHELEMY foge á definição do, serviço
publico, julgando o seu conceito secundario e dispensavel na
determinação do conceito do direito administrativo.
Não parece ser este o correctivo aos excessos da doutrina
sustentada por JÉZE. Observa, por isso mesmo, WALINE (4),
que a noção do serviço publico não comprehende todo o direito
administrativo, pois que a este tambem interessam outros pro-
cessos e formas deactividade da administração, como, de um
iado, as diversas formas de policia e de regulamentação, e, 'de
outro lado, o auxilio ás actividades individuaes, nos serviços.
de interesses geraes.
Não nos parece, porém, interes,sante definir o serviço pu-
blico, em funcção, sómente, da definição do direito adminis-
trativo. E'preciso encarar a questão dentro de termos mais~
restrictos: quaes os serviços que podem ser considerados pu--
blicos?
Todos os serviços realizados directamente pelo E,stado po--
dem ser considerados serviços publicas? Sómente aquelles ser-
viços realizados pelo Estado podem ser como taes considera--
dos? . Como se distinguem dos serviços de utilidade ,publica?
PRESUTTI faz, a respeito da noção do serviço publico, ob--
servações do maior interesse (5).
Distingue o serviço propriamente administrativo do ser--
viço publico. Os primeiros são aquelles que interessam,
apenas, aos orgãos do Estado, emquanto que os segundos devem:
ser comprehendidos em um sentido mais lato.
Pode-se comprehender o serviço publico de duas maneiras:'
no primeiro caso, em attenção á ;pessôa que provê á sua explo-
ração (pode ser o Estado ou qualquer outra pessôa a quem o
Estado- tenha dado essa incumbencia) ; na. seg!UIlda hypothese,
em razão da pessoa que delle se pode utilizar, isto. é, podendo

(3) Traité de Droit Constitutionnel, voto I, pago 100.


( 4) Traité élémentaire de Dl"oit admmistratij, pag. 333 e segs.
(5) lstituzione di Diritto amvrninistrattivo Italiano, vol I, pago 198.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 261

ser beneficiado por qualquer pessôa, mesmo que apenas algu-


mas, individualmente, usufruam de seus beneficios.
Attende o autor italiano, assim, não sómente á qualidade
da pessôa que ex;plora o serviço, mas tambem ao objectivo, á
finalidade de attender ao publico.
Nota, porém, PRESUTTI, que não é possivel encontrar uma
definição que comprehenda o conjuncto dos elementos objecti-
vos necessarios para considerar-se um serviço como serviço
publico.
Portanto, encontramos, aqui, a primeira cagetoria de auto-
res: aquelles que definem os serviços publicos attendendo a
dous elementos essenciaes:
a) exploração directa pelo Estado ou 'por meio de con-
cessões;
b) satisfação das necessidades do publico em geral, em-
bora delles se beneficiem apenas, alguns individuos.
O autor italiano, como se vê, colloca-se em um ponto de
vista por demai,s restricto, no apreciar a finalidade dos ser-
viços comprehendidos nessa categoria. Dentro desse criterio,
chegariamos a ex.cIuir dessa especie até certas formas de mo-
nopolio do Estado.
O que parece attender melhor á determinação da finali-
dade não é a possibilidade potencial de ser utilizado o serviço
por qualquer pessôa que pos'sa ou que o queira, mas a finali-
dade collectiva, o fim social que prepondera em todas as mani-
festações dessa actividade.
. Por isso mesmo, FLEINER (6), historiando o desenvolvi-
mento que tomaram os serviços a cargo do Estado, depois da
guerra, i~clusive naquelle terreno anteriormente mais intima-
mente ligado aos interesses e á actividade privada (como por
exemplo seguros etc.), encontra nos serviços publieos dous ca-
racteres essenciaes:
a) O interesse commum, no serviço publico, prepondera
sobre todos os que se lhes podem oppôr:

;('~) DrDü administratif de l' Empire Allernand, pag. 200.


262 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

1) a creação e a exploração de um serviço publico não-


podem ser prejudicadas por qualquer outro meio de,
direito privado;
2) os orgãos dos serviços considerados de direito publico,
têm competencia para proteger directamente ~. exe-
cução do serviço;
3) os cidadãos devem acceitar certas restricções á sua.
propriedade no interesse do serviço publico;

b) O caracter de direito publico manifesta-se de maneira


particularmente nitida, nas relações entre os serviços publicos.
e os que delles se utilizam:

1) A autoridade só pode usar deis meios coercitivos para


forçar a utilização de um serviço publico naquelles
casos em que a lei o autoriza;
. 2) Utilizando-se do serviço, o particular incorpora-se ao,
regimen de direito publico inherente á natureza juri-
dica do serviço;
3) a natureza de direito publico manifesta-se, egualmen-
te, na responsabilidade assumida ,pelo serviço com re-
lação aos que deUe se utilizam. .

Este é o quadro dentro do qual ]i:.,EINER reune as qualid~·


des peculiares ao serviço publico. Comprehende-se, aqui, uma.:
esphera muito mais ampla, procurando-se caracterisar os ser-
viços publicos sem limitações, que encontrariam, necessaria-
mente, na pratica, os mais continuos desmentidos.
BIELSA (7) abrio, dentro da vasta seara que é hoje a ques-
tão da intervenção do Estado, questão que interessa directa-
mente á definição dos serviços publicos, um caminho que, de-
alguma forma, veio esclarecer e orientar a doutrina. Referi-
mo-nos á distincção feita por aquelle autor, entre os serviços:

,(7) Los. serPicios Publicos. Systemas de prestcwión -- Revista Cllt_


pago 38.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 263

. ;publicos propi'ios e improprios. Os primeiros são os prestados


pela administração publica: 1) directamente; 2) indirecta-
mente (segundo a esphera politica, "estatização", municipali-
zação etc.).
Os segundos, os improprios, são os prestados por parti-
culares, sem concessão, por mera autorização, sujeitos a um
regimen' administrativo, que assegure a continuidade do ser-
viço e a uniformidade das tarifas (ainda que esta ultima con-
dição não seja essencial).
Não se define ,ahi, o serviço publico, isto é, quaes aquelles
. serviços publicos que podem ser executados directamente pelo
Estado ou dados em concessão, nem se distinguem dos que po-
dem ser explorados por mera permirss·ão ou autorização, mas
define-se uma' orientação que serve de norma para saber-se
qual o regimen juridico a que deve obedecer .determinado
serviço.
Foge, tambem, o autor á definição material do serviço 'Pu-
blico, e observa como varia a distribuição das actividades
pelos particulares e pelo Estado ou seus concessionarios, de
accordo com o regimen politico e -social de cada pais (8).
Mas a verdade é que a comprehensão co;mo serviço publico,
mesmo daquelles considerados como impróprios, permitte in-
cluir dentro daquelle regimen uma grande variedade de servi-
ços, ampliando a esphera de influencia do direito ;publico e a
regulamentação administrativa pelo Estado.

(8) Observa o autor que as razões dreterminantes d'o predominio


do regimen dos .serviços publicos improprios em certos EstadQs de Ü'rga-
nização Iitberal foram:
1) A concepção do Eistado po~icia;
2) Um oonceito exageradQ da liberdade individual em relação á in-
dustria e aro commercio;
3') Um senrtirdro demlasLado la,to dado aA) )vbentlársmo eCOII1omico. De
outro lado, as razões que justificam o predomlinio dos serviços publoicos
propri,os são os seguintes:
1) A idéa de 'attrilbuir uma funcção social ao Estado;
;2) O crescimento das necessidades coHectivas,não das geraes, por-
que estas não influem na definição do serviço publico; .
3) F,inailmente, o caracter economico financeiro do serviço publico e
sua ·unidade o~ganica.
264 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Dahi as seguintes conclusões do mesmo autor:

1) . De uma maneira geral, ou em sentido muito ·lato, "ser-


viço publico é toda actividade publica ou privada re-
gulada pelo Poder publico, e que se realiza com o fim
de satisfazer de forma geralmente continua necessi-
dades collectivas". Mas esse conceito de serviço pu-
blico comprehende tanto os chamados impro,prios como
os proprios, e corresponde ã funcção do Estado poli-
cia, considerado hoje em dia conceito inacceitavel.
2) O serviço publico não deixa de ser considerado como
tal, segundo o exposto, ainda que o Estado intervenha
sÓInente para regula-lo, em maior ou menor grão, de
. accordo com a esphera do poder de policia.

São estas algumas das principaes conclusões e que interes-


sam mais directamente ao assumpto que estamos apreciando.
Cada vez mais o conceito do serviço publico se afasta da
inteUigencia que lhe davam os autores antigos. O Estado evo-
luio, os processos economicos, as estructuras dos apparelhos do
Estado e das emprezas ,particulares adaptaram-se ás. novas con-
dições economicas, de sorte que se tornou possivel attribuir a
organi'zações apparentemente particulares funcções de direito.
publico. Como veremos adeante, o Estado começou a surgir
como socio de em prezas particulares, cOIl!stituiram-se organiza-
ções autonomas, contrôladas ou tuteladas pelo poder publico
para realizar serviços até então ·exclu~dos das actividades pu-
blicas, de sorte que não foi mais possivel subordinar-se o ser-
viço publico ã noção de actividade essencial do E,stado (9).
Surgiram, então, as suas funcções secundarias, occasionaes, mas
todas ellas marcadas com os traços caracteristicos das institui-
ções publicas.
O professor ODILON ANDRADE procurou ~estabelecer o
antigo conceito do serviço publico, sob a forma de uma doutrina

. (9) Serviços publrcos e de utilidade publica, pag. 52. Este tra-


balho foi tambem publicado na Revista Forense - Novembro-Dezem-
bro 1935.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 265

propria, na qual figura como ponto essencial a posição do indi-


viduo perante o Estado ou a entidade a quem cabe explorar o
serviço. As conclusões que apresenta ao seu trabalho sio as
seguintes:

a) A theoria justifica e a nossa actual legislação confir~


, ma uma divisão bastante nitida dos serviços de cara-
cter publico, em serviços que o Estado impõe, o cida~
dão soffre e são assegurados por meio de coacçáo, pou-
co importando a forma desta, comtanto que attinja
uma das liberdades publicas, e serviços que o Estado
põe á disposição do cidad'ão e que elle pode acceitar
ou recusar em qualquer caso sem nenhuma consequen-
cia ,para as suas liberdades;
b) sempre que defrontarmos um serviço da primeira es-
pecie, podemos dizer, devemos dizer, que estamos em
frente de um· serviço publico e que são funccionarios
publicos sujeitos a estatuto, todos os que nelle traba-
lham seja qual fôr a natureza ,dos actos que pratiquem,
si conco!'rem para o serviço;

c) si, ao envez, o serviço pertencer á segunda especie, es-


taremos deante de um serviço de utilidade publica e
os que nelle trabalham serão simples empregados, sub-
mettidos ao regimen do contracto de locação, com as
modificações estabelecidas pela legislação social, pouco
importando que o serviço seja explorado pelo Estado.

Embora não se possa negar a habilidade da construcção


juridica creada por aquelleautor, difficilmente poder-se-ia re-
eonhecer a possibilidade de adaptar a rigidez daquella formula
.ás nossas instituições administrativas.
O serviço publico não constitue, em sua essencia, um regi-
men de coacção, attende mais especificamente uma finalidade
realiz~da directa ou indirectamente pelo Estad'o. Existem ins-
tituiçQes de direito privado regUlamentadas pelo poder publico
e que presuppõemj para a sua existencia, as mais severas res-
266 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

tricções aos direitos individuaes, o mesmo regimen de coacção


imposta a toda uma classe de individuos e que nunca se poderiam
comprehender no quadro traçado pelo eminente cathedratico de
BelIo Horizonte. Sómente para exemplificar: A contribuição
obrigatoria para as Caixas de Aposentadorias e Pensões de
qualquer empreza particular.
Estas contribuições ohrigatorias, impostas coercitivamen-
te pelas emprezas, repres,entando severa restricção á liberdade
individual não caracterisam de ~neira nenhuma o serviço
publico.
O D~partamento Nacional do Café, entidade autonoma,
impõe restricções enormes ao commercio do café, prohibindo
muitas vezes a sua exportação, limitando as vendas, impondo
tributos etc.; deve-se caracterisar como serviço publico. No
entretanto, os funccionarios daquelle Departamento não são
funccionarios publicos, nem empregados publicos, meros func-
cionarios daquelle Departamento cujo estatuto independe dos
estatutos dos funccionarios ,publicos, da União.
Voltamos, assim, á these que acima sustentámos. A con-
ceituação do serviço publico não pode ser comprehendida em
uma formula a priori traçad'a; depende de circumstancias. Pode
o Estado ser accionista de uma empreza e não se considerar
aqueIle serviço como publico, (o Banco do Brasil não tem sido
considerado como tal) ao mesmo tempo que podem emprezas
particulares realizar serviços ;publicos. (Especialmente as
concessões) .
O essencial no serviço publico é {) regimen juridico a que
obedece, a parte que tem o Estado na sua regulamentação, no
seu contrôle, os beneficios e privilegios de que goza, o inte-
resse colIectivo a que visa servir.

Muito exacto é, por isso, o conceito de JÉZE:

"Sont uniquement, exclusivement, services pu-


blics les besoins d'interêt général que les gotlver-
nants, dans un pays donné, á une epoque dOimée,
ont decidé de s,atisfaire par le procedé du service
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 267

publie. L'intention des gouvernants est seule à con-


siderer" (10).
, ~.

Essa formula ex.prime bem a relatividade do conceito, tal-


vez de forma um poueo rude, mas que exprime a realidade dos,
factos; serviço publico é aquelle considerado como tal pelo>
Estado (11).

(10) Les principes generaux du droit administratif, pa:g. 16.


(11) Não é hoje miais possivel chegar a urnJa c!Jassi,fi!caçã:o d'os servi-
ços oonsideI'ladQs de u1iilidade publica, que em certas épocas podem abran-
ger as mais variadas modaoJidades, por vezes imprevistas.
ANHAIA MELLO, assiml reproduz a classIficação de GLAESER que só
abrange os serviços estricíamente considerados de utHid'ade publica, não,
abrangendo os serviços sociaes.
"Serviços de transporte (Common Carriers).
a) Rodovi3Js, pontes, ferries.
b) Transporte vehicular sobre rodovias: taxis, buses, caminhões.
c) Vi'as dag'Ua; artificiaes; canaes, rios canalizados e portos.
d) Transporte pela agua, de qualquer especie.
e) TranspoI'loo ferrovia rio de passageiros, carga e correspondencia.
f) Tramways urbanos e inte:çurbanos para transporte de passagei.·
rOs e carga.
g) Transporte aereo de passageiros, carga e cor,respondenda.
h) 'Canalizações especiaes para transporte de oleos e gaz natural.
Serviços complementares do transporte.
a) Eiquipamento .especializado: cal'l'OS frigorificos, dormitorios, res-
taurantes.
b) Axmazens, deposi,tos e eIevadores.
c) Docas e serviços de estações terminaes e de transferencia.
Serviços que facilitam as communicações.
a) .serviço postal.
b) Serviço teleg'll'aphico com ou sem fio; cabos suhmarinos.
c) Sevv,iço te!Lephonioo, local e de longa distancia, com e sem fios ~
d) Radio "broadcasting".
Fornecimento de força, lu~, calor e frio.
a) InstaJllações de gaz natural e artificial.
b) Installações para supprimento de energia electrica.
c) Installações para. supprimento de vapOT e agua quente.
d) InstaHações para supprimento de gêlo.
· Installações para supprimento de agua e saneamento das communidades:
a) Agua potavel ou não.
b) Es'gotos.
Supprimento de agua palra a agricultura e defesa cmúra as aguas.
a) 'Obras para irrigação..
b) Protecçáo contra [nundações.
c) Drenagem".
268 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Voltamos, :porém, á gradação feita pelo professor BIELSA.


Ha serviços publicosproprios, necessarios, que poderiam ser
incluidos naqueHa categoria de serviços que PRESUTTI inclue
entre os serviços .propriamente administrativos do Estado, como
uma categoria mais restricta de serviços publicos.
Mesmo, porém, essa classificação, ,depende muito do regi-
men juridico; o que occorre, por exemplo, com os serviços de
instrucção :publica é typico, cada vez mais integrados entre os
serviços essenciaes do Estado (12).
Dentro da nossa estructura constitucional, é preciso, ainda,
collocar em uma posição singular certas actividades do Estado
que não se enquadram na categoria geral dos orgãos destina-
dos á execução de serviços publicos, pois que se constituem com
a finalidade de attender ao funccionamento da 'propria vida do
Estado, em sua expressão constitucional e politica.
Assim, a Justiça, a funcção legislativa, a funcção executi-
va, naquilIo que ellas têm de peculiar e discricionario, as forças
armadas, emfim tudo quanto é essencial ao Estado, é indecli-
navel e indelegavel. Comprehende-se tudo isso em uma cate-
goria especial que alguns autores chamam de funcção publica.

(12) M<erece tambem ser mencionada a seguinte classificação dos


serviços pubHcos, que se pode ,encontrar na interessante olbra de MURATTI:
Municipalizacion de los serviços pu,blioos, pg. 43.
"Las princi.p.aJ1es clasif.icaciones que pueden hacerse de los servidos
s'On a) en razon de la entidad publica de que dependen: nacionales (deI
Estado), provioncIales y comunales; b) atendiendo a su importancia; esen-
ciales (para e1 Eostado: defensa nacIonale, justicia y policia - hay au-
tores que los consideran verdad,eras funcio·nes esencralles - ; para lias
Comunas: policia urbana y rural, luz, agua etc.); secundarios (para el
1E<stado: i'nsrrucion publica, benefidenda, etc. para las Gomunas: trans-
pOl'tes teJ.efonos etc.); c) en atencion a su utilizacion: necesados, por
razon de intereses social se impene su uso a .10s particulares: instrucion
prImada; voluntarios, de libre aceptacitlTI: trans·por>tes·, telefonos etc.; por
eI caracter de los uS'U!I!rios: generales no se estabelecen cat6g'Orias; trans-
portes, correos; espedaIes para determinad!l!s personas· (pobres): asis_
tenda medica, gratuita, beneficença y d) segun la obligatoriedad de esta-
beJ.ecerlos: obligatorios, cuandQ las entidades publjc.as estan obligadas a
prestarlos(las provincias y comunas, v. gr. instrucion publica). EI Es-
tado juridicamente - entendi:en los autores - no puede ser obligado a
organizar un determinado servidO'; .v~1untari,os, de [Iibre acci'Oll deI Es-
tado". .
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 269

_ Observa ARNALDO DE VALES (13) que a divergencia na


determinação segura do que se deva entender por serviço pu-
blico decorre da difficuldad:e em definir os dous, elementos com-
ponentes dessa expressão: "serviço" e "publico".
E isto ,por uma razão simplissima, que a expressão "ser-
viço publico" é usada, na pratica, com uma significação global
que não corresponde á significação particular do substantivo
e do seu attributo. E, assim, encontram-se tantas variedades
de opiniões sobre o conceito do - "serviço publico", porque
se o significado do attributo é incerto, o substantivo está ligado
á multiplicidade de sentidos em que pode ser t<;>mado, tendo-se.
assim, uma noção differente, ao cons1d:erar-se as duas idéas em
conjuncto..
Segundo ainda, DE VALES, o ponto de partida deve ser o
seguinte: a pratica designa, sempre, como serviço publico, al-
gumas formas d~ actividade a respeito das quaes não pode
haver duvida, estradas de ferro, correios, telegraphos, illumi-
nação, etc. Ao lado dessas formas bem definidas, existe uma
vastissima zona cinzenta, que pode ou não ser considerada
como serviço publico.
Ma~, o pensamento que segue, sempre, a definição é aquelle
que estabelece a relação entre o serviço e o seu destino, isto é,
o destino de attender ao publico, a qualquer que delle se queira
utilisar.
Indaga, ainda, esse autor, si esse conceito co~um, pra-
tico, vulgar, corresponde a um criterio scientifico e juridico,
ao que responde ;pela affirmativa, trazendo em favor da sua
these largos e interessantes argumentos, tirados das differen-
res sign~ficações da palavra - Serviço - , na Inglaterra, na
França, na Allemanha e em outros paizes: - Civil Service - ,
Public Service -, Service Public - , etc.
Estas considerações estão de pleno accordo com a media
das doutrinas dominantes, e correspondem, na pratica, a uma
relatividade no conceito do serviço publico, que não permitte
determinar com maior pre,cisão a sua definição ju,ridica.

. (13) I Servizi Pubblioi, in PriYmo TrattaJo Completo di Ditritto Am-


ministrativo de Orlando, vol. VI, parte I, pg. 384.
:270 THEMIS'l'OCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Serviços de utilidade publica

Costuma-se fazer urna, distincção entre os serviços publi-


,cos e serviços de utilidade publica. Talvez a distincção tenha
.mais razãO de ser na technica administrativa dos Estados Uni-
dos, sob o regimen das "public utilities". Mas a verdade é que,
.a nosso ver, os serviços considerados de utilidade publica com-
prehendem de forma generica todos os serviços que de uma
forma geral não podem estar catalogados entre os serviços es-
.senciaes do Estado, mas podem se comprehender na definição
geral dos serviços publicos que demos acima.
No regimen administrativo francez, a distincção é mais ni-
tida por'que ·existe a differenciação dos "établissements publics"
-e dos "établissements d'utilité publique".Os primeiros, mais in-
tegrados na administração, correspondendo a uma 'verdadeira
-repartição publica; os outros constituindo-se como emprezas
-particulares, mas gozando de favores e privilegios do Estado,
conforme já vimos no primeiro volume deste livro (14).
Os primeiros são creados pelo proprio Estado, os segundos
existem como cons-equencia de um .acto de reconhecimento pelo
Estado, que os instituio com ,personalidade peculiar a essas
·organizações (15).
A nossa orientação administrativa, porém, como já vimos,
ao tratarmos da regulamentação dos serviços autonomos do
Estado, é bem diversa porque a noção de utilidade pubUca, ap;.
plicada ás numeros8ls instituições creadas pelos Particulares
·tem objectivos muito mais restrictos.
No nosso direito é preciso ter bem em vi·sta o que dispõe
o Codigo Civil (art. 16), que cons1dera os estabelecimentos de
utilidade publica como pessoas de direito privado.
Qual será, :porém, o sentido dessas associações?
Não nos parece que se possa dar grande importancia á na-
-tureza de taes associações, a não ser quanto a vantagens' e be-

(14) Ver a questão estudadanQ primeiro volume destas Institui-


.ções, pg. 145 e seguintes.
(15) Ver RIoGER BoNNARD, Preeis de Droit admi1Üstratif, pg. 538.
L. RoLLANDJ Précis de Droit administratif.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 271

neficios, inclusive subvenções, dado o caracter peculiar de que


sempre se· revestem e da sua finalidade social.
A lei n. o 91 de 28 de Agosto de 1935, determina as regras
pelwr quaes são as sociedades declaradas de utilidade publica;
a saber, quando satisfazem os seguintes requisitos legaes:
a) tenham personalidade juridica;
b) funccionem regularmente e sirvam desinteressada.-
mente á collectividade;
c) não sejam os cargos de sua directoria remunerados.
Os favores, porém, concedidos por essa tei dizem apenas
com as regalias de uso exclusivo de emblemas, flammulas, ban-
deiras, distinctivos proprios e da menção do titulo concedido.
O Estado exige, em troca, que tenham as final1dades decla-
radas na lei e apresentem relatorios annuaes dos serviços pres-
tados, sob pena de cassação do titulo.
E' 'preciso, todavia, reconhecer quão mesquinhos são os fa-
vores concedidos a taes associações, cuja finalidade, por isso
mesmo, muito se distancia ,daquellas destinadas á execução do
serviço publico.
Mas, especialmente nos Estados Unidos, tomou a questão
um rumo inteiramente novo, pela creação de unia categoria de
serviços denominados de utilidade 'JYUblica, mas cuja significa-
ção presuppõe menos a estructura da organisação que a explora
de que as finalidades em vista.
Diz WILLIAM PRENDERGAST (16), que o :serviço de utilidade
publica é aquelle que não escolhe cliente nem consumido!"eB,
po~ue serve o publico e todo o publico.

O mesmo autor americano, examinando as origens desse


serviço. mostra como, em seu conceito actual, elle data apenas
de pouco mais de vinte annos, e insiste em caracterisal-o em
'sua estructura como um serviço que, mesmo quando prestado
por emprezas ,particulares, soffre sempre o contrôle, a :fiscali-
'sação directa do Estado (17).

(16) Public ·utilities and the people.


(17) Op. cit., pg. 2: "But the trend of modern thought and action
.l.s to suhject these prwately ()wned utilUties to .governrnental regulation in
respeCII to their capitalixati'on, l'Iates, and servüce."
CAPITULO 11
.. -

NACIONAlLIZkÇÁO

Nacionalização - Socialimçã.o - Estatização - Municipali~


zação - Diversas distincções - Definições - Os textos
Constitucionaes ,- A MunicipruLização, origem, definição
- MontemaI'tini - O phenomeno nos E<stados Unido-s
- A Liga das M1l!n~cj.paHd.ades - Administra,ção di-
recta - Serv,iços autonomos.

Antes de tudo, convém salientar que deixamos de lado,


neste titulo o estudo daquellas funcções consideradas essEtl-
ciaes do Estado, isto é, aquellas que se comprehendem no
estudo que fizemos no primeiro volume, onde apreciámos o
organismo do Estado e o seu funocionamento, de accordo com
a distribuição dos poderes constitucionaes.
Vamos agora tratar daquellas funcções, ou, mais propria-
mente, daquelles serviços considerados publicos porque atten-
dem aos interesses collectivos e que V'odem ser directamente ou
por meio de delegação, exercidos por terceiros.
Não podemos fazer uma divisão ,de accordo com esse cri-
terio, porque, mesmo dentro da actual organização administra-
tiva do nosso pais, o mesmo serviço pode ser executado directa-
mente ou por meio de concessão, depende da orientação, do cri-
terio e das conveniencias da. entidade publica que executa o
serviço. E' o que occorre com os serviços de aguas, sanea-
mento, estradas de ferro etc.
Vamos de preferencia, portanto, definir os ,differentes' sys-
temas e examinar .as suas vantagens e inconvenientes, bem como
a maneira ,por que são realizados os. principios, e Q regimen
!'egulamentar a que devem obedecer.
IN8TITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 273

Nacionalização - Socialização - Estatização


- Municipalização

Naciona1ização, estatização, socialização e municipalização


corresrpondem a manifestações semelhantes de uma mesma ten-
dencia -sãoformas usadas pelo Estado para absorver as acti-
vidades ou iniciativas privadas.
A socialização representa o maior gráo de intervenção, por-
que, de accordo com o emprego mais corrente dado a esta ex-
pressão, a socia'lização importa na integração completa no Es-
tado de certa actividade ou de toda a economia.
Constitue, levada a extremos, uma das finalidades essen-
ciaes da política marxista: A socializ~ção de todos os meios de
producção.
Esta é, po"!'ém, uma applicação extremada d.o principio; a
socialização pode ser parcial, pode comprehender apenas alguns
meios de producção, algumas materias primas (como por exem-
plo as minas, as quedas dagua etc.) attendendo, assim, a inte-
resses preponderantes da economia publica, da defeza na-
cional etc.
Representa, então, a 'Socialização uma modalidade da esta-
tização, ou pelo menos uma tendencia de todo em todo seme-
lhante.
Por sua vez, a municipalização é, apenas, a applicação do
mesmo principio a uma esphera política e administrativa mais
restricta como á cidade ou o Municipio.
Foi a Constituição de Weimar, a primeirá das Constitui-
ções que, sem alterar 'a estructura politica e social do, pais, pro-
curou integra"!' no regimen o processo de socialização ou esta-
tização de emprezas industriaes e economicas privadas "susce-
ptiveis de serem socializadas" (1).

(1) Segundo observa JAMES, Les formes d'e?Ztreprises, pg. 496,


pode se comprehender ·no texto <lo artigo 1'56 da Constituição de Weimar,
trez modalidades diofferentes de sociaIi2Jação: ou por meio da expropriação
da inu'ustr:ba privad'a passando a sua direcção ao ES1'ad'o, oU pela fedeTa-
lizl3.ção de too'a,s as .Í:ndustrLlIis sob a dLrecção d·e um ul1iÍco o.rgão nacional,
de composição mixta, com a particIpação de elementos interessados, ou,
fi'nalmente, pela organização de emprezas denominadas de econornj·a mix-

- 18
27'4 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

A Constituição hespanhola, tambem, orientou-se no mesmo


sentido, prevendo em um .de seus dispositivos a socialização e
a nacionalização da propriedade e dos serviços publ:ieos.
Deve-se notar, nos dispositivos do artigo 44 da Constitui-
ção daqueUe pais, o emprego, indifferentem~mte, das duas ex-
pressões, socialização e nacionalização, permittindo, .de um lado
a "socialização da propriedade" e de outro lado a "nacionali-
zação dos serviços publicos e das explorações que aiffectem ao
interesse commum". A exegese do texto, porém, de accordo
com alguns autores, permitte que se empregue as. duas palavras
no mesmo sentido (2). E' que a palavra nacionalização não
se comprehende aqui no sentLdo internacional, como relação de
Estado a Estado mas de incorporação aos bens da Nação desta
ou daquella industria ou actividade privada.
O nosso texto constitucional resentia-se tambem dessa mul-
tiplicidade de technica, empregando-se indifferentemente-
nacionalização - em sentidos que permittem duvidas sobre a
applicação que se lhe deva dar.
A questão acaba de ser suscitada, com especial calor, dada
a importancia da questão doutrinaria e dos interesses em jogo,
ao se discutir na Camara dos deputados o :projecto governa-
mental relativo á nacionalização das emprez:as de seguros.
Pretendem alguns que a nacionalização a que se referia o
texto do artigo 117 da Constituição equivalia, na pratica, á na-
cionalização das emprezas extrangeiras, no sentido de trans-
formar essas emprezas em sociedades nacionaes, isto é, com-
prehendida essa expressão de accordo com os princípios de
direito privado que regem a nacional,idade das sociedades. Não
importa essa solução, ,de forma alguma, em interess'ar o Estado
directa ou indirectamente nos negocios da emp,reza, mas equi-
para esse dispositivo constitucional aos outros que dizem com a
"nacionalidade" das emprezas commerciaes.

ta. Sómente a primeira formula não teve applicação e a ultima mereceu


completa acceitaçãQ.
(2) NlOOLAZ PIEREz SERRANO, um d·os ma,is conhecidos commenta-
dores daConstitui'ç·ão de 1931, mostra o inconveniente do uso de termos
vagos, como es~e usado por aquella ConSltiotu~çãO. Quanto á soci'alização,
salienta que naquene p·aiz foram suscitadas as mesmas qu.estões debati-
das tambem na Allemaillha ao discutirem a Consti.tuição de Weimar.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 275

Pretendem outros que, do momento que a Constituição


usava de termos differentes, em seus diversos dispositivos, ora
falando em "nacionalização progressiva" (art. 119-4), ora em
simples "nacionalização" (art. 117) ora exigindo a direcção de
brasileiros bem como de accionistas tambem brasileiros.
o.s debates constitucionaes pouco esclarecem e diffricilmen-
te poder-se-ia encontrara intenção dos constituintes na elabo-
ração do texto. Mas, a verdade é que não seria licito pretender
equiparar o dispositivo que fala expressamente em "nacionali-
zação" áquelles que estabelecem exigencias quanto á com-
posição da ,direc.toria ou mesmo da sociedade de certas em-
prezas que exploram serviços publicos (3).
Nacionalizar é, pelo menos, integrar com nacionaes o corpo
social da empreza, identifica-lo com a Nação, constituindo o
seu patrimonio com o capital nacional.
Não 'pode ficar esta imposição de ordem publica sujeita ás
determinações mais vagas e variadas dos principios de direito
privado, regulados, além do mais, pelas regras imprecisas do
direito internacional privado (4).
Quando a Constituição fala em. nacionalização, quer dizer
a organização dessas emprezas unicamente por nacionaes, iden-
tificadas nos seus membros e nos seus capitaes com os elemen-
tos nacionaes que podem contribuir para a sua constituição.
Não impede, evidentemente, essa solução intermediaria que,
em um periodo mais avançado do processo de nacionalização,
venha o Estado a se apoderar dos institutos de seguros, como
dos Bancos de depositos etc. Não o faria isso directamente
neste momento porque não se concilia essa solução, com o con-
juncto da nossa estructura jurídica (5).

(3) Ver oS artbgos 119, 131, 136, da Constnltuiçã.o de 1934.


(4) ARRIGO CAVAGLIERI, Diritto internazionele commerciale in Trat-
tuto di Diritto Internazionale de Fedo7lZi-S. Romano, valo V.
MARCEL CUQ, La nationalité des societés.
(:5) A questão da naoionaMzação dos seguros tem tido soluções m8lis
radicaes. Mluitos paizes de ·economia capitalista como a Italia, o Uru-
guay, Costa Rica, a Turquia (desde 1917), a Nova Zelandia etc. têm se-
gu!do oocididamente essa orienta~ão.
Consultar sobre este assumpto: Agamemnon Ma,ga;1hães. O ante-pro-
jecto denacionalrzação das sociedades de seguros e ° Instituto Federw1 de
276 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

o capitulo, como vimos, da nacionalização é vasto e con-


tem materia muito complexa. Def:inimos acima algumas ten":
dencias geraes, que obedecem, naturalmente, muito á indole' e
feitio juridico dos seus defensores; mostraremos em diversos
capitulos como deve ser applicado o principio, notadamente
quando tratarmos das concessões e das emprezas cO'lloeessiona-
rias de serviços publicos, quando estudarmos o problema da
pesca e da' sua nacionalização, das minas, e tantos outros com-
prehendidos dentro' dos limites do direito administrativo.
Fica aqui bem clara a identidade pOlitica ,das diversas ex-
pressões: nacionalização, estatização, socialização. São formas
de absorpção das actividades' privadas, ,pelo Estado. A palavra
nacionalização é de preferencia usada, segundo parece, pelo
temor (aliás infundado) ,de ser a socialização tomada em sen-
tido muito extremado. As consequencias, porém, ,são as
mesmas.
Identioos considerações poderiam ser feitas· com relação ao
dispositivo Constitucional relativo aos Bancos de deposito, cuja
nacionalização previa o artigo 117. Não suscitou, porém,
o assumpto a opinião dos technicos nem dos interes,sados, pOr-
que ainda não foi objecto Ide debate legislativo (6).
A Constituição de 1937 esclareceu a situação dos bancos de
deposito e as emprezas de seguros (art. 145) exigindo que todos
os seus accionistas sejam brasileiros. Mas quanto ás minas, e
quedas dagua, a duvida, si existe, não ficou esclarecida (arti-
go 144).

reseguros. Tambem os interessantes debates na Camara dos Deputados


no Diario do Poder Legislativo de 20 de Ou,tubro de 19'37.
Numero-sosautores têm versado a m.ateria, principalmente os de Fi-
nanças, como NITTI, autor do primeiro projecto italiano, de nacio.naltização
do seguro, WAGNER, FiLORAJ e tantos outros. Interessantes são egual-
mente as consideTações que se enoon~ram na obra deVoN STEIN, La
scienza della pubblica amministrazione, Não tem, p'ortanto, a nacionaI.i-
zação dos seguros e bancos de deposilÍos a forma subvel'siva que muitos
lhe pretl'mdem dar. Oonstitue antes uma garantia da justiça e do equi-
líbrio social. .
(6) V>er sOIbre as tendencias actuaes no sentido da nacionalização
dos Bancos, A. DAUPHlN MEu N lER, La Banque, 19'19-19'35.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 277

A Munieipalização

o problemà da municipalização comprehende uma esphera


de ac1Jividade muito menos ampla do que a do Estado. O seu
conceito confunde-se com o do Municipio, interessando princi-
palmente o conjuncto dos problemas urbanos.
E' assim que os ,serviços sujeitos ás regras da municipali-
zação limitam-se geralmente ás necessLda,des mais immediatas
das ,populações urbanas como, por exemplo, aquelles relativos
ás aguas, saneamento, transportes de toda natu!'eza, especial-
mente omnibus, bondes, etc.
Esse é o quadro dentro do qual se desenvolve a questão da
chamada Municipalização ,dos serviços publicos.
Representa a munidpalização um papel economico rele-
vante, reflectindo-se o phenomeno não sómente sobre a pro-
pria entidade 'Publica mas tambem sobre a economia das
em prezas privadas e de todos os cidadãos.
MONTEMARTINI, que escreveu sobre este assumpto, uma
obra das mais interessantes (7), resumio em quatro itens as
bases sobre as quaes se deve construir a theoria economica da
municipalização. Essas bases, embora revestindo caracter eco-
nomico, exprimem bem o sentido dessa orientação.
Costunla-se attribuir a influencias politicas ou á incapa-
cid3lde do Estado o fracasso desse regimen. E' preciso, entre-
tanto, considerar que as emprezass concessionarias não são ex-
tremes de interesses e corrupção politica, e que as mesmas
soccorrem-se do Estado para obter isenções de direitos e de
impostos, subvenções, augmentos de tarifas, e outras vanta-
gens, para occorrer ás suas difficuldades financeiras, decorren-
tes, menos de uma má a.dministração, de que de outras contin-
gencias economicas, que attingem a todos, Estados ou parti-
culares, em con8equencia da crise do regimen ecomonico
vigente.
O phenomeno da - Municipalisação - apresenta assim
o maio~ interesse.

(7) Munivipalizzazione dei pubblico servigi, pg. 47.


278 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Segundo BIELSA (8), decorre o problema de um phenome-


no novo, chamado Urbanismo, que outra cousa não é senão a
intensificação da vida urbana.
Este conceito é, porem, por demais restricto. A sua signi-
ficação deve !Ser mais ampla.
Ha, effectivamente, um importante problema economico a
considerar nesta urbanisação, o que torna a sua solução mais
de ca'racter politico do que propriamente administrativo. A
intensificação da vida urbana e a importancia dos serviços
subordinados á administração municipal vieram fortalecer a
autonomia municipal, que facilmente absorveu a direcção dos
serviços municipaes.
O Munici:pio teve rde crear os seus orgãos technicos, os s'eus
elementos de contrôle (9).
Especialmente nos Estados Unidos, o phenomeno da Muni-
cipalisação é muito antigo e se foi ac{!entuando de maneira
apreciavel nestes ultimos 50 annos. Vamos encontrar a sua
origem no serviço de Aguas da cidade de Boston, em 1652, e
na cidade de Philadelphia, no serviço de Gaz, em 1841.
Hoje, o regimen acha-se amparado 'por fortissimas orga~
nizações publicas e particulares, notadamente a "Public. Owner-
ship League of America" cuja actividade é extraordinaria; a
People Legislative Service, The National Popular Government
League, the League for Industrial Democracy, que todas têm
mereddo apoio do governo, notadamente daquelle ora no poder
chefiado pelo Presidente Roosevelt.
A obra de reconstrucção iniciada por este Presidente exige
a iniciativa do Estado em uma immensa extensão, mórmente
no que diz com a energia hydro electrica pelo. aproveitamento
"do Tennessee bem como ,do Rio Colorado, abrangendo reflores-
tamento, valorisação e fertmsação das terras, pro ducção , dis-.
tribuição e venda da energia electrica. Tudo por iniciativa e
execução directa do Governo Federal.
Já anteriormente a 1933, anno em que o Presidente RÓose-
velt lançou a iniciativa daqueHas obras, a questão da Muniei-

(8) Principios de Regimen Municipal pg. 194.


(9) N,. MURATTI, Municipalizacion de los Servidos Publicos.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 279

palisação havia tomado um incremento prodigioso nos Estados


Uindos. O que já se havia realísado em Los Angeles, Seattle,
Tacoma, Sipringfield, Illinois, J acksonville, Florida, Jamestown
e New York (10), bem o demonstra..
O Dr. JOHN BAUER, estudando os resultados verificados
em Los Angeles, mostra as vantagens do serviço municipalisa-
do, constatadas principalmente pela preferencia do publico e
as baixissiinas taxas alli cobra.das. Sem monopolio, serve o
Municipio a cerca de 58 % dos consumidores· e 79 % da area
total do Municipio (11).
Os resultados dess'as explorações directas, mostraremos
mals detalhadamente adeante. Cabe aqui, porém, tratando-se
da munici[lalisação, referi'r o que foi realisado em Ontario, com
d Ontario Hydro, administrada pela "Hy:dro Electric Power
Commission of Ontario", apontada como modelo de taes orga-
nisações.
A Ontario Hydro é uma organisação cooperativa que serve
a diversas Municipalidades, chamada por isso "Liga das Muni-
cipalidades", e cuja direcção goza de autonomia administrativa,
.alheia assim ás influencias políticas.
A sua instituição data da lei Estadual de 1906, embora
os estudos fossem anteriores.
Já em 1908, cerca de trinta Municipalidades haviam con-
tractado os seus serviços; em 1928 já forneeia a 550, mais de
1.000.000 de eavallos de força. Adquiri0, para isso, novas
e formidaveis installações.
Em 1.930, o capital invertido subia a $ 359.648.041,83, sen-
do que $ 99.054.264,47 fornecido pelas MunicÍJ)alidades, e o
resto repres,entando o capital pela propria Commission inver-
tido nas oonstrucções, projectos, etc.
O rendimento em 19,30 subio a $ 28.555.998,47.
Não iremos aqui examinar o preço da energia e a sua com-
paração com as demais emprezas particulares ou Municipaes.

(10) WILLIAM A. PRENDERGAST, Pu~lic Utilities and the people, pa-


gina 2,20.
(11) The National Municipal Re'view, onde trata dos assumptos re-
lativos ás "PUlblic Utilities".
280 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
-----------------------------
o debate travado nos Estados Unidos e os dados technioos que
S€!"vem de base á discussão só podem ser apreciados dentro de
um severo criterio technico.
Os proprios elementos de comparação constituem objectos
de duvida e discussões, que não poderiam ser honestamente
aqui examinados (12).
Reportamo-nos, por isso, á enorme litteratura alli :publi-
cada, não sem antes salientar os indubitave1s resultados obtidos
pelo serviço municipalisado nos Estados Unidos e no Canadá,
e que bem se verificam pelas indicações e estatisticas acima apre-
sentadas, que valem pela demonstração do successo daquelle
systema (13).
A Municipalisação abrange os mais variados serviços.
Agua, por e:mmpl(), é explorado ,pelo Estado no Districto
Federal e em quasi todas as cidades do Brasil, o mesmo occor-
rendo na Allemanha, na Belgica, na Italia, etc. (14).
llluminação Publica e telephones, notadamente na Ingla-
terra, onde diversos acts determinaram a encampação da ener-
gia electrica nas cidades, o mesmo occorrendo na Suissa e na
França, onde a luz electrica de· Paris pertence ao Estado.

Administração directa- Repartições publicas

O meio normal de execução dos serviços publicos, pelo me-


nos' aquelles consi,deradOis essenciaes, proprios, peculiares á ad-
ministração do Estado, é o que se realiza por meio de prepos-
tos do Estado, de ~unccionarios destinados especialmente para
attender ao funccionamento de serviços organizados, custeados,
providos pelo poder publico.
Como já vimos, na ,segunda parte do :primeiro volume, a
organização do Estado tem duas divisões bem distinctas, uma

. (12) ID' este um dos pontos controvertidos, achando os opposito-


re3 do syst·~ma que a sua defeza se assenta em bases di,scutiveis, deViendo
se leyar em conta a si,tuação peculiar das emprezas municipalisadas.
(12.,) W. MOSHER, The Crisis inPublic Control in Electrical Utilities.
STEt'HEN RANSHENHUSH, The Power Fight, e a bibliographia alli citada.
(14) V'er E. GUYOT, Le Socialisme et l'évolution de l'Angleterre con-
ternporaine, 1914.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 281

politica, constitue a superstructura do Estado, são os grandes


orgãos direeto!'es e orientadores do Estado interna e externa-
mente; a outra, administrativa, integra-se com o conjuncto de
apparelhos destinados a dar movimento áquella organização
politica . a que acima nos. rerferimos.
Ora, '0 serviço publico, em sua expressão mais rest!'icta,
confunde-se oom a finalidade mesma da administração do Es-
t~do. A incumbencia precipua dos orgãos administrativos é a
de prover á execução dos serviços publicOis.
A caracterisaçãodos elementos que d·evem ser reuni,dos
para constituir-se uma repartição publica não depende da lei
nem de uma declaração expressa do poder publico mas da na-
tureza do regimen, da organização administrativa etc.
Não nos parecem felizes as derfiniçôes apresentadas por
alguns autores, como HAURIOU, dos elementos que devem neces-
sariamente concorrer par,a a existencia de uma repartição pu-
blica, sem os quaes deve-se considerar a alludida organização
como de outra categoria, (estabelecimento publico ou de utili-
dade publica por exemplo).
A repartição publica a que se referia o artigo 113 n.o 35
da Constituição comprehende, a nosso ver, uma ex:pressão gene-
rica 'que abrange todos aquelles departamentos administrati-
vos que executam os serviços destinados ao publico e que, por-
tanto, realizam as finalidades do Estado na execução dos ser-
viços publicos, ou directamente ou por delegação ou concessão.
A modalidade mais simples de executar esses se!'Viços con-
s~ste, como dissemos acima,em utilizar o Estado seus proprios
funccionarios, dentro da organização administrativa por elle
organizada, custeada etc.
Foi o que examinámos na segunda parte do primeiro vo-
lume onde estudámos a organização administrativa da União.
Entre os serviços explorados d1rectamente pelo Estado,
deve-se citar, entre nós, não sómente aquelles que por natureza
devem estar integrados dentro da admin1stração publica, como
- Correios e Telegraphos, Instrucção, Saúde, mas ainda ou-
tros como Estradas de Ferro e Navegação, de natureza indus-
.trial, mas que o Estado por vezes explora.
282 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

No Brasil, são innumeras a.s Estradas de FerrO' explora.-


das directamente quer pela União (15) quer pelos Estados (16).
A sua admi,nistração está entregue a engenhei,ros da Ins-
pectoria Federal de Estradas (17), e sujeita ao contrôle directo
,desse orgão da. administração publica.
Existe uma larga corrente em favor da autonomia admi-
nistrativa dessas estradas (18) dando-lhes uma feição mais in-
dustrial, embora. continuandO' integradas no organismO' do
Estado.
O regimen deficitario em que vivem algumas dessas estra-
das ,dirigidas por particulares, tem levado o Governo Fede-
ral á sua encampação, de maneiTa a poderem continuar a pres-
tar s'erviços ás zonas que atravess'am.

Serviços autonolnos

Uma das variedades mai,s communs de organização admi-


nistrativa. é aquella que consiste em desa'gregar da adminis-
traçãO' do Estado ,determinado serviço para constitui-lO' com ca-
racter autonomO', sob o controle, ou a tutela do Estado, dirigi-
do por funccionarios de sua immediata confiança.
Esses serviços são O'rganizados dentro dO' qu~dro que j'á
tivemos occasiãO' de traçar no primeiro vO'lume, e são geral-

(15) As Es,tradas de Ferro administradas pela União, são: A Es-


trada de Ferro Oentral do Brasil, a Rêde de Viação Cearense, a Estrada
de Foerro Nloroeste do Brasil, a de S. Luiz a Theresina, a Gentral ·do
Pitauhy, a Central do Rio Grande do Nórte, a de P.etroIina a Theresina, a
Estrada de Ferro de Goyaz. Foram encampadas igualmente: a Rêde
P.ara.ná-Sta. Crutharina a Madeira-M1amoré, a Maricá, e a Este Bra-
sIleira.
(16) Os E,s·tados de S.' Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Geraes,
possuem igualmente rêd,es ferroviarIas importantes, administradas peLo
E'stado. A ,Sorocabana, a rêde ferl'oviaria do Rio Grande do Sul, a Sul
Mineira, são exemplos frisantes.
(17) O Decreto 24.574, de 14 de Julho de 1934 e o seu regulamen-
to reorgwIl!isaram o serviço de adml~I1Iistração dlessa;s Estradas.
(18) .A:ntes de deixar a pasta da Viação, o Mintstro José Ame-
rico de Almeida apres,entou um Amte-Projecto sobre o as,sumpto, que deve
ser aqui referido. Acha-se igualmente em discussão na Caroara dos Depu-
tados um projecto dando autonomia administrativa á Estrada de Ferro
°
Centrail do Brasil, com fim de dar uma feição mais industrial á sua ex-
ploração, emancipa'ndo-ade influencillis· poHticas.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 283

mente· denominados autarchias ou melhor, o!"gãos de adminis-


tração autonoma.
Essa desagregação a que acima alludimos, constitue afi-
nal, um processo de descentralização por serviços, mas sob uma
feição peculiar, pois que corresponde a organização daquelles
serviços a uma autonomia quasi completa dos orgãos autarchi-
008, naquillo que diz com a administração dos seUiS serviços, e
com a parte financeira.
As variedades de que se podem revestir esses serviços fo-
ram examinadas com certos detalhes no primeiro volume; alli
verificamos como a autono~ia desses orgãos de administração
não corres'Ponde a um padrão unico, a medida do contrôle ou
da tutela nem sempre é a mesma, como não é tambem cons-
tante a natureza juridica dos empregados dessas instituições
autonomas .
.varia a organisação dess'as entidades autonomas com a
finalidade que teem em vista, dependendo, quasi sempre, a sua
estructura, de imposições de or.dem technica communs ás insti-
tuições de natureza privada. E" o que acontece particular
mente com às emprezas industriaes dirigidas pelo Estado, bem
como os estabelecimentos de credito, que devem necessariamente
obed'eCer ás exigencias de ordem technica, industrial, de conta-
bilidade etc., sem as quaes falhariam á sua finalidade.
Já examinámos detalhadamente a natureza dessas organ::'.
zações, como as Caixas Economicas, os serviços industriaes, o
Lloyd Brasileiro, as differentes instituições de .previdencia, e
verificámos como se estabelecem as relações de dependencia e
subordinação das mesmas com o Estado. A medida dessa re-
lação e as modal~dades varias de que se podem revestir, cons-
tituem outros tantos capitulos que desenvolvemOiS ao tratarmos
dos differentes processos de descentralização dos serviços pu-
blicos preconizados pelos diversos regimens administrativos.
--As autarchias representam o segundo grao nessa escala
de dependencia dos orgãos administrativos perante o Estado;
são parcellas da administração que se desagregaram.
A maneira do Estado intervir naquella esphera geralmente
tida como reservada ás actividades particulares é que cara-
284 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

cterisa o regimen actual intervenci.onista, dentr.o daquelIes pai-


ses onde ainda d.omina a econ.omia capitalista.
Em vez de crear em,prezas ipteiramente dependentes da
administração d.o Eostad.o, procuram-se constituir serviços indus-
triaes, sujeitos á administração do Esta.do por meio de seus. re-
presentantes, mas g.ozando de relativa autonomia.
Muitas vezes, a intervenção d.o Estad.o realisa-sepor mei.o
de auxili.os indirectos, denominados - subvenções - , que se
podem revestir de formas variadas de acoor,do com a natureza
do serviç.o e as conveniencias da adm.inistraçã.o.
Gom.o veremos adeante, conhecem-se as Subvenções kilo-
metricas nas Estradas de ferro, ás SubV1enções annua.es pela
prestação de certos serviços, como de navegação aerea ou ma-
ritima, etc.
Conciliando os ,dois systemrus, pode-se mencionar tambem.
.o regimen da econ.omia mixta, no qual, como veremos no capi-
tulo seguinte, o Estado cO'llabora com .os particulares, asso-
cia-se c.om eIles, fundand.o emprezas -em que ambos figuram
com.o accionistas.
Finalmente, examinarem.os .o regimen da ex(ploração de
serviços publicas por mei.o de concessões .dadas a terceiros, que
se substituem ao Estad.o na realisação de .obras .ou expl.oraçã.o
de serviços que n.ormalmente poderiam ser executados pelo
Estado.
Nos capitulos seguintes, estudaremos cada uma dessas mo-
dalidades.
.,~ .

CAPITULO lU

o ESTADO ACCIONISTA

o Estado· á~cionista - O chamado regimen de ec()[Jomia mixta


- Bancos· de !Estado -Emprezas industriaes.

Outra modalidade de intervenção do Estado é aquella que


consiste na sua participação como accionista ou socio nas em-
prezas, juntamente com o capital particular.
E' o que se tem denQminadoeconomia mixta.
E este é um dos aSJpectos interessantes da intervençã<J do
Estado ,porque elle se apresenta romandQ uma forma peculiar
ás instituições de direito privadQ, dentro da qual pode me-
lhor desenvolver as suas actividades sem as peias inherentes á
administraçã<J publica..
Já tratámos, no primeiro vQlume, das f<Jrmas de direito
publico, especialmente das entidades autarchicas, organizações
provenientes do isolamento, como instituição aut<Jnoma, de cer-
tos ramos da administração que adquirem, por concessão da lei,
persQnalidade juridica propria, capacidade paTa ser titular de
direitos e Qbrigações, por intermedio dos seus proprios orgãos
dirigentes.
O EstadQ acdonista, porém, é Q Estado revestido de todos
os caracteristicos da pessôa privada, integrado no regimen das
leis commerciaes, obediente aos estatutos das sociedades anQ-
nymas, embQra o p.redominio numerico, geralmente verificado
no capital da sociedade.
286 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

o exemplo mais frisante do Elstado accionista entre nÓlS,


actualmente, é o do Banco do Brasil.
Seguio o Brasil o exemplo da maioria dos paises que orga-
nisaram o seu systema banca rio com a participação de elementos
ext!"anhos ao officialismo, mas sob o contrôle directo de re-
presentantes do proprio E:stado.
A forma que mais favorece essas organizações, é precisa-
mente a sociedade anonyma.
O Banco do Brasil constitue-se por esta fO!"ma, sendo a
maioria dos seus directores nomeados ,pelo Governo; ou di,re-
ctamente ou pela sua preponderancia na assembléa dos accio-
nistas, portador que é da grande maioria das acções.
Verifica-se desta maneira, o que os autores chamam de
,paIlticipação financeira majoritaria, porque a participação do
Estado faculta-lhe um contrôle financeiro quasi absoluto (1).
Observa REUTER (2) que a sociedade anonyma representa
apparentemente um typo ideal para tornar effectiva essa par-
ticipação financeira do Estado com os particulares, pOl!"que, "os
seus orgãos essenciaes são coIlectivos e permittem, por Lsso
mesmo, dividir commodamente os elementos de influencia
entre a administração e 08 particulares, participantes da socie-
dade': 'cada um nomeará um certo numero de representantes
incumbidos da ,defeza de seus interesses. No conselho de ad-
ministração, orgão essencial encarregado da direcção da em-
preza, um certo numero de administradores serão nomeados pelo
Estado, os outros pelos accionistas; nas assembléas, o Estado
terá representantes que terão assento lado a lado com os ac-
cionistas".
~' -

(1) PAUL REuTER, La société anonyme au service des collectivités


publiques, pg. 35: "Les participations financieres majoritair.es consti-
tuent des regies commercioales lorsqu une seu'Le collectivité publi1:}ue pos-
sede la totaMté ou la quasi totalité des aoti{)ns et par consequent, des
pouvoirs. L'avantage q:u.e l'administration peut trouver à constituer des
entreprises sous rette fonne est d'être affranchi.e des régles de droit pu-
blic. El1e f,era des aotes de corrnnerce, sera dispensée des formalités
concemant les oont:mtsllidministratifs, la compl1abilité publique etc. Que
cette ,]ilberrté eXitreme donnoo a l>Administrat~on oit facheuse, on a pu le
pretendre" .
(2) REUTER, op. cit., pg. 25.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 287

Nota, porém, aquelle autor que esta const~ucção tem ape~


nas um caracter ideal, porque, na realidade, o Estado tendo
uma finali.d'ade social, absorve as actividades dos accionistas
e transforma a sociedade em uma empreza de serviço publico.
E' egualmente a opinião de CHERON que conisdera a acção do
Estado como absorvente, eliminando pela sua influenci'a pre-
JKlnderante toda iniciativa particul3Jr (*).
EMILE JAMES, expende, porém, observações de todo diffe-
rentes most!"ando os beneficios desta forma de emprezas mix-
tas, quer sob o ponto de vista do interesse particular, cuj as
actividades são largamente aproveitadas pelo Estado, quer
ainda pelo gráode prosperidade economica a que frequente-
mente attingem (**).
A outra forma de intervenção, ou melhor, de !participação
preconizada por alguns é a "participação minoritaria". Nesta,
o Estado participa com a minoria das acções; deixa por isso
mesmo, de ter a preponderancia na adminisiJ!"ação e na desi-
gnação ou eleição dos orgãos directores.
Desta forma o Est3Jdo não sómente contribue para a vida
e desenvolvimento da empreza com o seu auxilio financeiro,
m3JS ainda tem a ;p0.8si,bilidade de exercer maior coniJ!"ôle do
que se ficasse inteiramente ~xtranho á organi~ação da empreza.
E' o que se pode chamar de contrôle interno, porque elIe se

('*)De l'actionnarat des collectivités publiques, pg. 419, apud REU-


TER, 'opcit., pg. 31: "L'étude impal'tiale des faits demontre tant en
France qu'a Fetranger, que dams toutes sociétés avec particuliers pour une
euvre écononii.que d'in.têret general, Ia pui,ssance puhlique a une tendance
à devenir économique et 'a s'emparer de la d1Tection de l'entreprise".
(**) EMlLE JAMES, Les formes d'entreprises, pg. 497: "A these
deSSle autor é de muÍlto intereSise, s'ob o ponto de vista doutrinario, por-
que procura elle demonSitrar, que o systema de economia mixta não tem
o caracter sociaHsta. Nem é mesmo uma forma etatista, appl1i:cando-se
de prefoerencia as empreza:s anteriormente vivendo sob o regimen da sub-
venção. As 'sociJedades de economia mlxta com a p'articipação dos parti-
culares e do Estado, acham-se generalizadas, encontrando-se tanto na
França, Clomo TI'a lta]ia, como:rua .Mlemanha, corno na R:ussia ('Torgs). A
simples admissão dos particulares constitue uma trans igenc ia com os prin-
cipios eta,tii'st!lls, que poderia o :E.s~rud,o dispensar, desde que fosse orien-
tado exclusivamente por um princ'ipio sociaJl:ista.
Os elemerrJltos que traz o autor para o exame da questão convencem
<la procedencia de sua argumentação, porque acha-se baseada em fa,rta
d'ocumentação e exemplos colhidos no'8 diversos paizes onde o systema tem
sido app'Hcado.
288 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
- - - ------ -_._----
rea,Jiza legalmente pelo associado, attendendo unicamente a essa
sua situação.
A lei franoeza de 30 de Outubro de 1935 organizou o con-
trôle do Estado sobre os syndicatos, sociedades e associações
de toda natureza que dependem do concurso financeiro do Es-
tado, sob a forma de emprestimo, adeantamentos, participação
ou garantias de juros.
O alludido decreto procu!"ou, antes de tudo, systematisar
as regras e as normas a serem observadas com relação a todas
as emprezas incluidas naquelles casos acima enumerados. Es-
tabeleoe o Estado, desta maneira, um regimen egual e equita-
tivo para todos e que comprehende uma se'vera fiscalização in-
terna da vida e da administração das mesmas emprezas.

Bancos do Estado

Uma das modalidades maiseemmuns da participação fi-


nanceira do Estado e dos particulares em organizações ou socie-
dades é aquella que se verifica nas instituições bancarias.
O regimen economico e financeiro vigente tem como um
dos seus pontos Lundamentaes, no actu'al momento, a organi-
zação de um systema bancario intimamente' ligado á propria
actividade do Estado.
A França, a Italia, OiS Estados Unidos, a Allemanha, a
Argentina, têm seguido essa orientação e todos esses paises .
possuem o seu Banco Nacional, com maior ou menor partici-
pação do Estado no seu capital e na sua administração.
Um eminente jurista argentino Já sustentou com brilho,
mesmo, a these de que (} Banco central daq,uelle pais, o,rgani-
zado como sociedade .anonyma, constituia um serviço publico
tendo-se em consideração as suas finalidades, que consistem afi-
nal em levar a effeito o contrôle financeiro. e bancario do pais
por um duplo proc·esso de concentração e unificação da política
emissionista e das reservas bancarias (3). Considerados as-

(3)AIgunas nociones sobre los bancos centrales pelo professor NA-


TALlO M'URATTI,193,5 a;pud Revista de la facultad de ciendas economicas
commerciales y politicas da Universidad del 'Litoral, Tomo V, pg. 299.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 289

sim, o monopolio das emissões, e a regularização do credito e


da circulação como funcções essenciaes do Estado e a sua exe-
cução por um instituto creado e. controlado .pelo Governo, não
resta duvida de que a these se apresenta com caracter muito
seductor, embora tenha-se de attender egualmente á forma
commercial de que se revestem esses institutos para definil-os
em sua estructura juridica,
Na Allemanha e na Italia foram esses problemas- tambem
ventilados e a elles nos referimos pelo seu interesse.
Com relação ao Banco da. Italia, por exemplo, são funda-
mentaes as divergencias, <1:,evendo se notar que, ao mesmo tempo
que a Jurisprudencia continua aaffirmar o seu caracter pu-
blico, contra ella se manifestam as mais autorisadas opiniões
c_orno as de PRESUTTI (4), CINO VITTA (5), FADDA e BENS A
(6), GERBINO (7).
Não tem a questão maior interesse para o nosso pais onde
o Banco do Brasil tem sido sempre considerado como pessôa de
direito privado em virtude da forma de que sempre se tem
revestido. Não estariamos longe, porém, de admittir como
acertada a these de MURATTI a que acima já nos referimos, le-
vando em cons'ideração as peculiaridades bem caracteristicas
de um certo numero de suas operações, mormente as que consti-
tuem monopolio daquelle Banco e que só se justificam e legiti-
mam quando realizadas directamente pelo Estado. E' bem ver-
dade que se é o proprio Estado que lhe attribue a funcção e que
constitue o estabelecimento sob a forma anonyma, não é me-
nos certo, porém, de que a funcção estatal, por si só, permi.tte

(4) Istituziani di Dirito ammtirÍistrativo, voI. lU, pg. 277: E antica


giurisprudenci1a cui' io nou ho mai saputo aderiu:e, che iSltituto pubbltico debba
qUallificarsi la Banca d'ltalia, per il ser·vizio di emissione dei biglieti di
banca e di tesor.eria delilo Stato cui essa attende".
(5) IDiritto amministrativo, vo.J. I, pg. 1316 -no mesmo sentido.
(6) N'otas ás Pandectas de Winscheid, voI. IV·, pg. 236 onde à. ques-
tão é examinada com a proficiencia costumada daquelles eminentes au-
tores. A posição j.uridica do Reichsbank tambem é estudada, á luz da
doutrina aHemã. Merece ser lida a parte da -nota rela,tiva ao assumpto
pela maneira por que é elle enC81rado.
(7) L'attività della amministrazione pubblica, in Primo Trattato de
Orlando, v-oI. IX, parte U, pg. 88 onde é criticada a opinião de ThRRARA
que aftribue personaUiidade de direito publ,ico a Banca de Italia, pelo facto
de praticar aotos caracteristicos da funcção publica.

- 19
290 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

que se reconheça na sociedade uma representação do Estado


que dividio com os .particulares os direitos e os enca-rgos ex-
pressos na lei que organizou o Banco.
Desde que a participação do Estado na empreza revestio-a
de uma form'a peculiar ás sociedades commerciaes, não vemos
como se lhe possa negar a feição puramente commercial e, por-
tanto, rigorosa~ente de direito privado.
Pensamos, po* que deveria ser melhor considerado,
em materia de competencia, o in"teresseda União nas alludidas
emprezas, principalmente naquellas em que se verifica a par-
ticipação majoritaria do Estado (8).
A precedencia, neste 'processo de collaboração, deve-se á
Allemanha, por meio das sociedades denominadlaS "gemischt-
wirtschaftliche Unternehmung" (9).
As formas preferidas para a collaboração do 'Capital pri-
vado e da contribuição do Estado para exploração dos serviçOs
publicos, têm sido as das sociedades anonymas ou lPOr comman-
dita, pelas faeilidades naturaes de sua estructura juridica, sem
OiS inconvenientes dias sociedades em nome collectivo, em que o
Estado ficaria em situação manifestamente desvantajosa.
E' geralmente citado como primeiro exemplo .dle organisa-
ção dessas sociedades aquella realizada em virtude do con-
traeto de conces.são feito pela cidade de Strasburgo, na Allema-
nha, em 1895, com a A E G, e no qual a Municipalidade reser-
vou-se 40 % do capital, e uma representação no Conselho
Administrativo proporcional á sua partidpação.
Dahi por diante, naquelle paiz, o regimen tomou um incre-
mento extraordinairo (10) e o seu exemplo foi seguido por

(8) Sobre estes assumptos, convem consultar, além das obras ge-.
r~~ sobre d~rertoadministrativo e admini.stração financeira, economia po-
hhca etc., a1nda CHERON, De l'avtionnaire des collectivités pubUques, Si-
rey, 1928.
PIERRE LAPIE, L'Etat actionaire.
)GASTON STEFANY, Situation Juridique de l' Etat actionnaire et adrni-
nistrateur des sociétés.
(9) G. FASOLIS, Scienze delle finanze e diritto finanziario, pgs. 98
e s,egu~ntes. ISELLA, La Concorrenza. FRITZ FLEINER, Droit .adm. allem.,
pg. 82.
(10) FRrrz FLEINER, cita os seguintes exemplos, op. cit., p. 83:
A transformação do N1ecka-r e do Danubio em grandes vi·as de- navegação
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 291

diversO's paizes, comO' a Belgica, a Ingla.terra, a Suecia, a


Tchec~SlO'va.quia, a Austria, a Suissa, a França.
A ltalia tem, igualmente, se utilisado,prineipalmente den-
:trO' do regimen fascista, de taes organiBações, podendo se citar
~ intervenção na Sociedade Ansaldo Cogne, em que o EstadO'
Italiano chegou a jpOS5uir 78 mil dias 150 mil acçóes da SO'cie-
«fade anonyma..
Outro typo usado pelo Estado Fascista é aquelle consti-
tuido em 11926, na Hazienda Generale Italiana Petroli, em que
.0 Estado se associou a duas outras emprezas autarchicas, o
.Istituto N aziO'nale delle Assegurazione, e a Cassa N azionale
.delle Assegurazione Sociale, respectivamente com 60 mil acções,
.e 20 mil acções em cada uma.
São estes, dois exemplos bem suggestivO's da intervenção
.do Estado nesse terreno.
Na França, esse systema é usado, embora com restricçães,
:pi'evendo as leis em vigor que a administração não deve ter l:a
:maioria das acções ou do capital, para que a empreza não perca
.a sua natu.reza de serviço concedido.
A lei de 16 d~ OutubrO' de 1919 prevê as organisações de
.. emprezas de econO'mia mixta para explorações hydrO' electri-
.cas concedidas.
O exemplo mais. notavel neste sentidO' foi o do aproveita-
:ménto dO' Rhodano,sob -o ponto de vista da fO'rça. motriz, ~
,navegação e da irrigação, o que foi CO'nseguido sómente depois
.de muito trabalho e difficuldades pelO' decreto de 5 de JunhO'
.de 1934, que apprO'vO'u os Estatutos da Companhia Nacional dO'

ie a ·exploração de grandes usInas electricas nas suas margens, foram le-


. vadas a' effeito por emprezas em que o Estado é a.ccioriista.
A cidade de Berlim .explora os seus serviços de agua. gaz e electrici-
.dadepor meio de sociedades anonymas, e os serviços de tramways de uma
,sociedade IHmitad·a, em que o !Estado é socio.
A Prussia, por uma ~ei de 9 de Outubro de 1923, transferiu a explora-
. ção de suas minas a uma sociedade por acções, denominada Preuss'ag,
i em que é acdonista o Estado.
O Consortium Industrial (Sociedades por A!oções das Emprezas Indus-
'triaes Reunidas)reun.e 40 emprezas (Bancos, E!xtploração de Energia Ele-
'ctrica, Industrias de A!Z,uminium, e Azotato de Calcium, etc.), e está cons-
,.tituido em fôrma de sociedade privada, em que o Estado tem parte ou
;,totaIidade das acções.
292 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Rhodano, de 11 de Outubro de 1982, e a Conv~ção de 20 de


Dezembro de .1933, entre o Ministerio de Obras Publicas e a.
Companhia (11).
No Brasil, foi igualmente usado o mesmo regimen, na or- ~
ganisação de certas emprezas, em que a intervenção do. Estado,
só se deveria exercer na direcção, em virtude da necesSidade-
de alheiar o serviço publico de certas influencias administra--
tivas e politicas, e !PIara que pudesse conservar a necessaria au-
tonomia financeira.
E' predso distinguir esta forma de organisação de certas'
autarchias integradas dentro do regimen do Estado, visto não,
terem propriamente forma de sociedades privadas.
Entre aquellas, já citamos o Instituto do Alcool e Ass uca!" ,,
o Departamento Nacional do Café, as Caixas de Aposentadoria,
e Pensões, subordinadas integralmente a um regimen estatuta-
rio, reformave1 no fundo e na forma pela vontade unilateral e-
absoluta do Estado. Nsts casos, não ha apenas a oollahoração,
do poder publico, mas a sua integral absorpção, que tira a taes,
entidades administrativas a forma das instituições particulares,-
em que o Estado se apresenta apenas como collaborador dos
particulares, Boba apparencia de accionista, embora quasi
sempre com a maioria do capital.
O Banco do Bra,sil, (12) o Lloyd Brasileiro, (13) em uma.
das phases mais importantes, da sua transformação, são exem-
plos bem frisantes desta modalidade de intervenção do Es-iado_

(11) RoGER BoNNARD, Précis de Droit Administratij, pg. 547.


(12) Ver VEIGA lt"1LHO, Sciencia das Finanças, pg. 376.
(13) O Lloyd Brasileiro, viveu, depois sob o regimen da intervenção:-
federal ,por força do decreto de 19 de Dezembro de 1930. Anteriormente,
porém consti'ttlÍ'ra-se em Sociedade Anonyma, transferindo o governo todo,
o acervo do IlIintigo Uod Bra.sileiro (p'atrimonio Nacional) para a nov,a.
empreza, ficando com a quasi totalidade das acções e a hypotheca dos al-
ludidos bens. O resultado pode ser aquilatado pe:La necessidade que se
tornou irreprimível da intervenção.
Ver sobre o assumpto o voI. I, pg. 246.
CAPI'DULO IV

EMfREZAS SUBVENOIONAD~

Emprezas subvencionadas - Garantias de juros - Origens


- Di'versGS systemas.

o auxilio financeiro do Estado a emprezas que realisam


:serviços 'publicos pode-se revestir de diversas modalidades, des-
de a simples subvenção em dinheiro, mensalmente ou annual-
mente paga, em importancia certa e determinada, até o regi-
men de garantia de juros do capitaI empregado.
A subvenção constitue, aliás, o meio de que se utilisa lar-
gamente o Esaado 'para attenderás necessidades de serviços
sociaes reaU,sados por emprezas particulares, que, polI" iniciati-
va própria, ou por delegação do poder publico, su])stituem-se
ao Estado no preenchimento de uma de suas mais importantes
finalidades.
A subvenção liga a eII1!preza ou a instituição ao Estado,
subordina a realisação do serviço á fiscalisação, e, muitas
vezes até, á orientação do poder publico, obrigando-a a uma
·contra prestação de 'serviços, imposta pela lei ou pelo contracto.
Referimo-nos aqui, apenas, ás emprezas de serviço publico
.subvencionadas, especialmente ás emprezas de navegação, que
recebem as subvenções em troco da manutenção de certas li-
nhas e outras vantagens concedidas ao serviço do Estado, como,
por exemplo, transporte de funccionarios, de malas de correio,
,de dinheiros publicos, sementes, mudas de plantas, instrumen-
294 T~EMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

tos agrarios e outros objectos destinados á administração pu-


blica.
O regimen de subvenção constitue, assim, uma fo.rma. in-
termediaria entre a concessão e o serviço realisado directamente·
pelo Estado. (1)

Garan1lia de juros

A questão da garantia de juros, concedida ás emprezas' con-


cessionarias de serviço publico, notad1amente ás estradas de·
ferro, em uma época de desconfiança e de difficuldades no em-
prego de capitaes em nosso paiz, tem importancia grande.
Foi esta, uma pratica tão largamente seguida, especial,,:
mente nas concessões de estradas de ferro, que não seria licito·
excluir o assumpto quando se estuda precisamente os pr.ivile-
gios e os favores constantes dos contractos do Poder publico,
com as emprezas que executam, pelo Estado, serviços indus-
triaes ou de transporte.
A lei de 26 de Junho de 1852, que autoris'ava o Governo a:
conceder a uma 01,1 mais Companhias a construcção total ou par-
cial de um caminho de ferro, que, partindo do Municipio d·a,:
Côrte, fôsse terminar nos pontos das Provincias de Minas Ge-
raes e de São Paulo, nos pontos considerados mais convenientes,.
incluia em seu art. 1, § 6.°, a conces'são da garantia de juros:
até 5 % do capital empregado na construcção da estrada.
Nas diversas concessões dadas !PIOr leis geraes· ou provin~
ciaes á São Paulo Railway, á Mogyana e á Paulista, ficaram
estipuladas estas garantias, nas condições geraes inherentes ti
natureza denas.
O mesmo succedeu com as concessões dadas á Estrada de-
Ferro Pedro lI, e ás da Leopoldina Raihyay.
O deereto 5.561, de 28 de Fevereiro de 1874, de impor-
tancia capital na nossa legislação ferroviaria, pois que regu-
lamentou os decretos n.o 641, de 26 de Juniho de 1852, e 2.45()'

(1) Ver decrs. 18.305, de 4 de julho de 1928, e 19.199, de 2 de:


maio de 1930.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 295

de 24 de Setembro de 1873, e que constituio a norma geral de


todas as concessões dadas naqueHa época, determinou" em
seu art. 10:

"ALém dos favores já mencionados, poderia o


Governo conceder garantia de juros até o maximo
de 7 % sobre o capital despendido b(Yf/,(J, fide ás COm-
panhias que se pr()lpuzerem construir estradas de
ferro da competencia da administração geral, ou de-
cretada-s pelas Assembléas Legislativas Provinciaes,
que sirvam de principal communicação entre os cen-
tros productores e os de exportação dM Provincias".

o d~reto 6.995, de 10 de Agosto de 1878, por sua vez,


regulou expressamente o systema de concessão de estrada de
ferro, com fiança ou garantia de juros pelo Estado.
Alli se acham mencionadas todas as exigencia'S· legaes,
dentro das quaes o E'stado concede os referidos favores, e as
contra-jprestações impostas aos concessionarios- como retribui-
ção pelas mesmas garantias.
Seria longo examinar aqui o historico de todas as questões
suscitadas em torno do assumpto, porque seria reproduzir a
vida de todas as grandes emprezas ferroviarias que desbrava-
ram o nosso interior e o ligaram ao littoral.
O systema da garantia de juros não foi invenção nossa,
nem constitúe privilegio das nossa,s estipulações contractuaes.
O systema foi largamente empregado, notadamente na França~
conforme se vêm em KAUFFMANN (2):

"Le régime des chemins de fer en France est le


résultat de deux séries de conventions passées entre
l'État et les Compagnies.
'Les prémiéres, furent celles de 1859, sous' le
Second Empire. Les grandes lignes étaient dejá
construites et commençaient dejá á donner des bé-

(2) La Politique des Chemins de Per en France.


296 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

néfic~s.Mais il s'agissait des lign~s secondair~s. et


les Compagnies n~ voulaient pas s'en charger sans
une garanrti~ d'inte~êt de 4 pour cent (4,65 avec
amortiss~m~nt) .

Alors on imagina l~ systém~ ingénieux du dé-


versoir, c'est-à-dir~, qu~ la garanti~ de l'État ne
fonctionn~rait pour l~s lignes du nouv~au réseau
qu'aprés que la Compagnie aurait dév~rsé sur celles
ci les excédents de r~cettes d~ l' anci~n réseau. Les
somm~s paYlées en garantie étaient d'aill~urs rem-
boursables-quand le rend~ment dépasserait une limi-
te fixée".

Naquell~ paiz, a garantia de juros, era concedida por duas


formas: ou a titulo de subvenção, ou a titulo de· empres-
timo (3).
o primeiro systema, que em outros paiz~s, como Ipor exem-
plo a ltalia, tomava a forma de uma subvenção kilometrica,
tem o inconvenienre d~ não inc~ntivar a exploração industrial
da ~strada de ferro ou da empr~za, qu~ terá por qualquer forma
o seu rendim~nto garantido, s~m uma r~tribuição s~gura de
serviço (4).
Entre nós, porém, o systema usado, pode-se dizer, em
todas as eoncessões com garantia de juros, foi o segundo, isto
é, o do ~mpr~stimo. Uma v~z que 'a empreza concessionaria rem
os seus lucros elevados á importancia superior aos juros con-
cedidos, rerá de dividir o excesso com o Estado concessionario.
E' por isso que CARVALHO DE MENDONÇA (M. I.) ensina
que nos nossos costumes, ~ garantia de juros aff~cta sempre
a forma d~ um adeantamento com a ·partici:pação nos lucros
por parre da administração. A garantia de juros tem mesmo
como consequencia es'sa participação nas vantag~ns da empreza
favorecida.

(3) BoUCHARD & JÉZE, Élements de la science des finances, ro1. I.


pg. 446 e s.eguintes.
(4) G. ZANOBINI, L'esercizio privato delle funzioni e dei servizi pu-
bblici, in Primo Tru,tMo Completo di Diritto Amm. Italiano di Orlando,
vol. lI, Parte IlI, pg. 486.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 297

E accrescenta:

"Mais claramente: o governo por um lado faz


o adiantamento total ou parcial necessario para co-
brir certa taxa de juro do capital empregado e, 'POr
outro lado, na distribuição dos lucros, deve ser se-
parada uma porcentagem destinada aO' reembolso
das quantias com que o governo tiver entrado.
De onde .se vê que a garantia de juros é um adi-
antamento reembolsavel desde que o producto liqui-
do da empreza favorecida exceda o juro garantido.
E' por isso que ella só se deve realisar em relação
ás sommas efifectivamente empregadas".

Ainda mais:

"A garantia de juros é sempre feita a titulo de


subvenção ou de emprestimo, dissemos.
O systema francez e tambem nosso é o ultimo.
Desde que só ha por tparte do Estado um simples
adiantamento, sendo que o reembolso se opera mes-
mo antes do termo fixado para a duração da ga-
rantia, uma vez que o minimo taxado seja de facto
excedido.
Pode ~nda o Estado concedente estipular a par-
tilha dos "Qeneficios, desde o momento em que os
dividendos ',attinjam a um certo nivel".

Dahi conclúe o mesmo CARVALHO DE MENDONÇA que a


garantia de juros é um contracto sui generis e devendo ser
os juros reembolsados, deve-se approximar da figura juridica
do contracto de mutuo gratuito (5).
Pode-se tomar como exemplo de taes contractos o da Es-
trada de Ferro D. Pedro lI, (decreto 1.599 de 9 de Maio de
1855), bem como o da São Paulo Railway, que em 1890, com-

(5) CARVALHO DE MENDONÇA (M. I.), Das Concessões Administra-


tivas e da Natureza Juridica da Garantia de Juros.
298 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
----------------------
prehendendo que ~ garantia de juros se tornara nominal, visto
não haver probabilidade de descer a renda liquida da estrada
abaixo de 70;0, julgou conveniente desistir, como de facto de-
sistiu, da garantia de juros, pela vantagem de não continuar
a Ipartilhar com o Governo a renda excedente de 8 %. E' de
notar, porém, que no periodo de 1874 a 1890, recebeu o Go-
verno Imperial de sua parte nos lucros, a importancia de
~ 994. 045,W shillings e 4 pence (6).
A Companhia Paulista e a Companhia Mogyana, igual-
mente, pelos contractos reaUsados em 1873 ,obriga!'am-se á.
divisão dos lucros liquidos excedentes de 8 e 9 0;0 respectiva-
mente, para indemnisar os adiantamentos feitos, (7).
Perante o Juizo Federal da LaVara do Districto Federal,
tivemos ()Ipportunidade de p!'opôr pela União uma acção ordi-
naria contra a The Leopoldina Railway, para cobrar o exce-
dente dos juros garantidos pelo decerto 10.119 de 15 de De-
~embro de 1888, na concessão dada pelo Governo para cons-
trucção do ramal de Santo Eduardo á Cachoeira de Itape-
mirim.
O alludido contracto estipulava, em sua clausula 36, que
logo que os dividendos fossem além de 80;0, o excedente seria
repartido igualmente entre o Governo e a Companhia, cessan-
do a divisão logo que fossem embolsados ao Estado os juros
(pOr este pagos. A Companhia ingleza sustentava que os di-
videndos a que se referia o contracto, não eram os do ramal,
cuja concessão havia sido dada ~lo alludido decreto, mas os
dividendos da The Leopoldina Rai1way.
O argumento era manifestamente capcioso, porquanto o
que estavam em jogo e interessava directamente á concessão era
o capital invertido naquelle trecho de estrada de ferro, que
não poderia supportar os prejuizos dos demais trechos ferro-
varios explorados pela mesma Companhia.
O interesse da questão é evidente, mas, por maiores que
fossem os esforços dos seus patronos, não conseguiram que a

(6) 'Eoctranha soLução, que veio ibLidir a finalidade do contracto


e o reembolso integral dos jU110S adeantados.
(7) AooLPHO A~ PINTO, Historia da Viação Publica de S. Paulo.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 299'

these fosse reconhecida contra o que muito legitimamente pre-


tendia a Fazenda, pelo que tiveram decisão contraria em pri-
meira instancia, aguardando ainda a decisão definitiva do Su-
premo Tribunal.
O que é preciso, em summa, aqui salientar é a natureza
juridica da clausula de garantia de juros, dentro do nosso
regimen administrativo (8).
Esta, já se acha perfeitamente caracterisada pelos exem-
. pIos acima citados" que dispensam maiores ~sclarecimentos,.
que poderiam envolver afinal, sem proveito para este estudo,.
o exame de toda a nossa legislação ferroviaria e as muitas de-
zenas de contractos realisados no Imperio e na Republica pelo
Governo Geral e pelos Governos lacaes.

.'

(8) No Estado de Massachussets e na cidade de Bosíon especial-


mente foi concedida essa g13.rantia a emprezas de serviços muni'cipaes, sob
dilversas modalid!ades - Ver L. R. WASH - The economic of public uii-
lities. pg. 49).
CAPITULO V

OONOESSõES DE SERVIço PUBLICO

Concessões d,e serviços pu!blicos - Execução - Natureza ju-


ridi-ca - Autorização ou permissão e c<Joncessão - Dis-
tincções - Diversas rheorias - Theorias do acto unila-
teral - Theoria contractual - Contracto de di-reito pri-
vado - Oontracto de di,reito pUblico - Acto unilateral
-:- Detalhes doutdnarios.

o's serviços publicos nem sempre são executados pe~o


Estado. RazÕes de ordem économicae mesmo de ordem po-
litica e administrativa, exigem que o Estado permitia que ter-
ceiros executem serviços publicos. Dentro desse genero, di~
vers-as são as modalidades conhecidas- e que cumpre desde logo
distinguir para que possa a expressão usada ser entendida em
seu sentido technico e não usual, commum.
O Estado pode assim, apenas, autorisar, permittir que' par-
ticulares exerçam o serviço publico, como pode conceder, dele-
gar, attribuir a terceiros, com as mesmas vantagens e os mes-
mos onus, aquelles serviços~
Dahi a differenciação technica da simples autorisagão {)u
permissão da concessão.
Na primeira categoria, comprehendem-se as simples licen-
ças, dadas de accordo com as leis e regulamentos por acto'
da administração publica. Assim, por exemplo, o trafego de
automoveis e certos serviços de transportes, a exploração de
pedreiras, pesca, etc.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 301

E' evidente que só se entende necessaria a autorisação r


permissão ou .licença quando o serviço ou actividade está su-
bordinado ao consentimento da administração publica.
BIELSA (1), embora reconhecendo que os serviços que de-
pendem de simples autoris'ação realisam~se por simples parti-
culares e sob o regimen da livre concurrencia, assim justifica
a limitação:
- a) limitação da forma de exercer a actividade, por mo-
tivo de interesse publico (comprovação de idoneidade, p. ex.~
exame de chauffeurs) ;
b) necessidade de identificação, registro e contrôl e;
c) uniformidade de tarifa;
a) obrigatoriedade da sua prestação a quem se utilisa
do serviço, isto é, ao publico em geral.
VELASOO (2), fazendo a, distincção entre-õs--aetO-s--de-ad-
missão e os de autorisação, diz que os Iprimeiros são aquelles
que declaram a existencia do requisito necessario para o exer-
cicio de um direito ou de uma faculdade - (ex.: a admissão
a cargos publicos mediante concurso de todos quantos satis-
façam as condições da lei) ; os segundos são aquelles em que
não se cream direitos mas permittem o seu exercicio suppri-
mindo as limitações - ( ex: circulação de carros, occupação
de terreno,- estabelecimento de industrias, etc.).
A idéa primitiva da simples concessão para a execução de
obras publicas foi substituida por um conceito mais amplo -
a gestão, a exploração de todo um serviço publico.

BLONDEAU assim define a concessão (3):

"L'acte par lequel un particulier s'engage á as-


surer, á ses frais, risques et perils, le fonctionne-

(1) Derecho Administrativo, voI. I; pg. 126.


(2) Actos administrativos, pg. 165. Ver rambem OTTO MAYER, Droit
adm. allem., vo'l. lI, pg. 57.
,( 3) La Concession du service public, pg. 54.
THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

ment d'un service public, moyennant une remune-


ration consistant normalement dans les profits qu'il
. tirera de l'exploitation du service, generalement des
taxes qu'il reçoit et autoris'ation de percevoir sur les
usages du service".

A d'istincção, a nosso vêr, entre a silIliPles licença e a con-


<cessão, não se acha na forma unilateral ou bilateral da re-
lação juridica, mas na propria natureza da situação do ex-
J)lorador do serviço, nas obrigações que assume para com o
publico, e nos direitos que decorrem de sua substituição ao
:EiStado na execução do serviço.
Neste caso, o concessionario confunde-se com a adminis-
tração, cujos interesses acham-se a elle intimamente ligados. -----
E' um caso de "administração propria", como diz OTTO
MAYER (4), ou uma forma de administração descentralizada,
.como entende DUGUIT (5).
As consequencias que decorrem dessa situação constituem
:motivo de maior exame.
''-. A subordinação do concessionario ao Estado, a sua inte-
.gração, embora sob forma autonoma, ao organismo adminis,-
trativo, importa evidentemente em lhe conferir direitos e pre-
-rogativas que só o EstadQ pode gozar, mas implicitamente lhe
'impõe onus da maior gravidade, não só perante o publico,
·como ainda e principalmente perante o Estado, a quem fica

_.
-sujeito no contrôle dos seus serviços como de seus lucros e
"beneficios. .....
Este é o corollario necessario do principio (6).
Mas taes favores são inherentes ás concessões, favores que
-não podem ser dados nos casos de mera autorisação. .
Mesmo, porém, fazendo-se a distincção entre a simples li-
Icença e a concessão, é preciso distingUir as differentes aspe-
tCies de licenças, se para uso individual ou para uso publico.
r
(4) Droit adm. allem., IV, pg. 154.
(5) Droit COT/.8tit., II, pg. 66. .
(6) Contra RANELE'I"l'I, La Guarantigie delle Giustizie, pg. 39.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 303

Aquellas a que já nos referimos acima não têm os ca-


racteristi~os do serviço publico. Outras, isto é, as licenças
para a execução de serviço publico quasi se confundem com as
concessões prQpriamente ditas. E' preciso, portanto, distin-
guil-as. '
Os autores italianos costumam differenciar as concessões
_ unilateraes, ou concessão licença, das concessões bilateraes, ou
concessões contractos.
GIORGI (7) assim estabelece a differenciação:
"Existem duas especies de concessões. Algumas são mê-
ras permissões, pelas quaes paga-se apenas uma taxa de li-
cença; o concedente pratica um acto de autoridade, obriga-se
apenas a manter uma certa tolerancia. Taes concessões não
admittem estipulações especiaes, e conferem méro precario,
revogaveis portanto, ad nutum, pela auto,ridade concedente.
Outras ;ao envez, são acompanh.ad~s, de uma disciplina con-
tractual, em que a autoridade assume a situação de contra-
hente, subtrahe a cousa ao uso publico, etc.".
Assim, as 'permissões são meros actos administrativos pra-
ticados "jus imperii".
E' preciso, porém, não confundir o direito de uso da cousa
~ommum, que constitue apenas uma manifestação de um di-
reito individual, como por exemplo, o trafego de pedestre, com
o uso da cousa publica ou a exploração de um serviço sujeito á
licença es.pecial do poder publico.
No primeiro caso, o uso está sujeito aos regulamentos ad-
ministrativos, mas no segundo çaso, é preciso uma manifes-
tação de assentimento de vontade da autoridade adminis-
trativa.
Nem sempre taes licenças são concedidas a uma só pessôa·;
.é da. sua essencia mesmo a possibilidade de serem dadas a di-

'(7) La Dotfrina delle per.sone Giuridiche o Corpi moraU", Vol. lI,


;§ 134.
304 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

versas pessôas, (8) a menos que haja impossihilidade mate-


rial ('9).
Assim, por exemplo, entre nós, para trafego de qualquer
automovel é exigida a licença, bem como para trafego de certos
vehiculos de serviço puhlico, como omnibus, em que não se torna
indispensavel o privilegio e que podem ser explorados 'por qual-
quer pessôa, de accordo com os regulamentos da Prefeitura do
Districto Federal (Dec. 3.400, de 29 de Dezembro de 1930)
(10).
Neste ultimo caso não se exige contracto, mas apenas a
assignatura de um termo em que a empreza que pretenda ex-
plorar o serviço publico declare acceitar as condições impostas
pelos regulamentos, sem outros favores (11).
Ficou bem clara a distincção entre simples auto,rização e'
a concessão de serviços publicos, no que dispõe o nosso codigo,
de aguas.
Erffectivamente, regulando o aproveitamento das quedas,
d'agua para fins industriaes de fabricação de energia electri-
ca, estabelec(~ o :referido decreto a imprescindibilidade da in--

(8) BATRE: "L'autorisation n'a d'aHleurs pas toujours un caracté-


re exclusif au profit de celui qui l'dbtient; eIle permet l'exerci.ce d'une fa-
culté Q'ui peut appartenir á plusieurs tandis que Ia concession cO!ll'fére
un droit propre á 1"exclusi>OOl de toutes pers'Orunes autres que les conces-
si,onaires", .
(Prévis du cours de droit Public et administratif pg. 727).
(9) Oomo -na hypothese das autoriza&.ões para pesquims de jazi-
dais a que se referem os al'1ts. 13 esegU/intes do Codigo d1e Minas. (Dec.
n. 24.642, de 10 de Julho de 1934).
(l-O) A demonstração dessa these fizemos em parecer proferido na
Junta dle Sancções, no p,l'Iocesso reIa'tivo á .isenção de direitos de impor-
tação da Elmpreza de auto-omni>bus "Excelsior" que pretendia goza,r dos
mesmos privjl]egios das Oompanhias concessionarias de bondes no Distri-
cto F·ederal.
Sobre o mesmo assum,pto ver o interessante parecer do Dr. OLlVEmA
VIANNA in Boletim do Ministerio do Trabalho. n;· 15,).
(11) A' pI1imeira categoria desses actos os autores costumam. cha-
mar de "admi'ssão". que segundo MAZAGÃO se di-stingue da autorização por
não ser um acto discricionario, limitando-se a adminis-tração ao reoo-nhe-
cimento de um d'ireÍro preexDSltente e cuja v.alidade não se pode negar,
quando se verifica o concurso das exigenC'ias ;~egaes.
Não vemos razão para essa distincção, porque o fact.o da possrbilidade:
da escolha não i-mporta em attribuir-se ao acto caracter dis'criC'iona-rio.
INSTITUIÇÕES DE DIREIT<> ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 305

tervenção do poder publico, que se póde exercer por duas


fórmas': ",I.i.!,~
a) - por meio de autorização;
b) - por meio de concessão.
A autorização, diz o codigo em seu art. 170, não confere
delegação do ,poder publico ao permissionario, e será dada por
acto do Ministro da Ag,ricultura, emquanto que as concessões
feitas por contracto e concessão do Presidente da Republica
importam, noo termos do art. 150 e seguintes do mesmo co-
digo, numa delegação de funcções e concessões de favores inhe-
rentes aO :p:!"oprio Estado e que só por esse podem ser exercidos
e portanto delegados .
. Esta é a differença formal entre autorização e concessão
ali estabelecida. Nos seus elementos mai;eriaes, e quanto ás
finalidades de cada um dessesactos administrativos é que as
distincções melhor se caracterisam. Assim, no caso particular
do Cod~go acima citado (12):
1.0) - A concess,ão é indis'pensavel:
a) - para o aproveitamento de quedas d'agua e outras
fontes de energia hydraulica de potencia superior a 150 kW.,
seja qual fôr a sua applicação;
b) - para o aproveitamento de energia destinada a ser-
viço de utilidade lPuhlica ou ao commercio de energia seja
qual fôr a sua potencia;
2.°) -,- A autorização é necessaria, nos demais casos, sal.;.
vo para o aproveitamento de quedas d'agua de pequena poten-
da ou destinada a uso exclusivo de seu proprietario.
Por esses exemplos póde-se bem estabelecer a diiferen-
ciação entre o uso commum que independe de licença, e a
licença ou autorização administrativa, para uso da cousa com-
mum e, ainda mais, a concessão do serviço puplico.
A objecção feita por VELASCO (13) "de que com a autori-
zação não se cream direitos, mas se permitte o seu exercicio,

(12) Art. 119, da Constituição.


(13) El ato administrativo, pg. 165. '

- 20
3{)6 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

supprimindo OS limites que impedem esse exercicio" não nos pa-


rece procedente, 'porque na maioria dos casos o direito é poten-
cial, a sua existencia depende de condições pessoaes, exigen-
cias tchnicas, etc., ,que precisam ser reconhecidas pela au-
toridade.
Não qu~r isto dizer que, embora unilateral o acto, seja elle
discricionario. Não, a autorização está em regra disciplinada
quer na fórma de sua concessão quer na sua exploração pelas
leis e pelos regulamentos (14).
OTTO MAYER fez o exame completo das confusões corren-
temente verificadas entre os actos administrativos chamados
autorizações e as concessões, (15) mostrando o perigo das con-
fusões doutrinarias, principalmente no que diz com o regimen
do serviço publico.
De accordo ainda com certa corrente doutrinaria, as con-
cessões consideradas como actos administrativos unilateraes
são tidas como méras autorizações ou licenças. E' a conhecida
theoriade MANTELLINI e de alguns outros autores italianoo (16).
E' preciso não considerar a natureza ~o aeto administra-
tivo sómente pelo seu sentido formal e não confundir a s-im1)les
licença para o uso individual com a autorização para uso pu-
blico (17). Esta ultima se approxima mais das concessões
mM lhe faltam certos _caracteres distinctivos que dão- ás con-
cessões peculiaridades inconfundiveis.
Não nos seria licito terminar este capitulo, sem referir a
-opinião de CARVALHO DE -MENDONÇA (M. L), talvez o autor
brasileiro que melhor tenha estudado o assumpto (18:

(14) CINO VITA, Diritto amministrativo, 1933, pg. 2'97, que faz uma
completa discriminação das diversas cathegorias de autoriUl-Ções admi-
nIstrativas. -
(15) Op. cit., Vol--. 3. 0 , pg. 227 e seguintes.
(16) Lo Stato ed' il Codice Civile, VoI. 2.°, pg. 505. DE ANGELIS,
Natura giurüJica delle concezione amministrati've, pg. 102.
(17) O Codigo de Minas (dec. 24.642, de 10 de Junho de 1934)
denomina de autorização o acto do poder publico que faculta a pesquiza de
jazidas e de "concessão" o acto que transfere ao particular o direito de
explora'r e e:x;trahiT substancias mineraes (aTts. 13 e seguintes).
(18) Das conoessões Adninistrativas e da natureaz juridica da ga-
rantia de juros.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 307

"A concessão deriva-se da actividade social or-


ganizadora do Estado; - a autorização decorre de
sua actividade conservadora e juridica. Quando o
Elstado concede, age com poder discricionario, em
virtude de regras de direito publico. Elle mani-
festa então o poder exclusivo daquillo que os alle-
·mães chamam a autolimitação (SeLbsbestimmung),
emquanto que na autorização só põe em acção a fa-
culdade da autolimitação, precisando porém da pos-
sibilidade, ao menos abstracta, de uma lei preexis-
tente (Selbstbes~hrankurig).
Na autorização, intervem o Estado, julgando do
-interesse social e tornando actual um direito que
existia no individuo' em estado potencial; mas ahi ella
nada cria, só permitte o exercicio de um direito".

:E mais adeante:

"Assim, casos existem em que a autorização de-


pende de uma prova de capacidade anterior; ha ou-
tros em que ella 3.iPparece como uma verdadeira res-
tituição feita ao individuo de direitos, cujo exercicio
lhe fôra prohibido; outros finalmente, em que per-
mitte aquiHo que potencialmente já existia como di-
reito proprio.
A tutela do Estado, porém, não se resume em
restituir direitos nas autorizações; ella tambem os
pode crear nas concessões. A concessão é então a
relação juridica pela qual o Estado cria no parti-
:cular "ex-novo" e "ex-integro", uma faculdade da
.alçada propria da administração e de que o :parti-
'cular tinha unicamente a possibilidade, conferindo-
. lhe um privilegio de utilidade em vista de um in-
teresse publico ou da satisfação de um publico ser-
viço".

Como se verifica, o autor estabelece distincções radicaes


entre o acio da concessão e a mera autorização administrativa.
308 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Outra condição para que se verifique a concessão de ser-


viço publico é que este serviço possa ser tido como publico,.
caracterisando-se, assim, a delegação.
Não basta, na lição de GASTON JEZE, a intervenção da au-·
toridade administrativa, quer para a fundação quer para a
fiscalização do estabelecimento; para que se pos.sa caracterisar
o serviço publico é preciso ter bem em conta a finalidade, o
regimen juridico a que se acha sujeito, e a natureza do ser-o
viço executado (19).
Caracterisada a natureza desta ultima, examinaremos em
seguida as differentes theorias sobre a natureza juridica da.
concessão de serviços publicOrs, a saber:
a) - Aquella que a c'onsidera acto unilateral;
b) -.- contrácto de direito privado;
c) - contracto de direito publico.

I) - THEORIA DO ACTO UNlLATE'RAL

A primeira theoria pretende que a conces.são é um act();


unilateral, 'acto administrativo praticado ;pelo Estado, que
exerce, assim o seu" jus imperii".
A theoria é especialmente do agrádo dos autores allemães
e alguns italianos.
E' assim que neste ultimo paiz, CAMMEq(20) sustenta.
que: "As concessões não podem ser consideradas contractos
porque delles não têm nem. a fórma, nem mesmo, o que' é mais.
importante, a substancia; nem o seu obljecto nem o consenti-
mento das partes, nem a causa, nem a capacidade para obri-
gar-se, nem os seus effeitos, perante terceiros, são aquelles.
exigjdos 'pelo Codigo Civil para realização do contracto".
Essa affirmação,. porém, deve ser tomada em termos, por~
que não se pode levar em conta na apr~iação das ,relações ju-

(19) Vier - Principes generaux de droit administratif, Vol. II -


Ver tambem RANELETTI, Teoria generale ,delle autorizruioni e concessiont
amininistrative. "
(20) Digesto [talúlno, verb. Demanio.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO ~09

ridieas formadas pelo eontracto, sómente as disposições vigen~


tes do Codigo Civil, nem mesmo para fixar~se o aspecto for~
mal dos eontraeros passados pela administração.
. Em outros termos se manifesta o autor allemão FRITZ
FLEINER (21) :

"D'une façon generale, l'autorité compétente dá-


cide discrétionnairement si elle veut aecorder ou non
une eoncession authentique. Ce n'est qu'excepcion~
nellement que la loi donne aux partieuliers le droit,
si eertaines conditions sont remplies, d'obtenir la
eoneession. La eoneession repose sur un acte de
souveraineté étatique unilateral, une disposition. H
se peutque par exception la forme légale soit exigée
pour eette dis!p<>sition".

OTTO MAYER, depois de ex~inar as diversas theorias do


<contraero de direito :privado, aero de direito publico, e contra--
:eto de direito publico, declara (22):

. "Tous ces effets, rous ces détours, ne servent


qu'á embrouiller les choses les plus simples; elles
s'expliquent par le fait qu'on n'a pas eneore une
idée assez claire et précise de l'acte administratif.
Pour nous, la coneession est un aete ad:ministratif,
:spécialement une disposition determinant disere-
tionnairement ce qui doit être de droit dans le eas
individueI. C'est un acte juridique de droit 'publico
La possibilité !pour cet aete de créer des droits et
des devoirs va de soi - du moins dans le systéme
de l'État regi par le droit que ~ous nous flattons de
posséder".

Doutrina semelhante, embora, com outra modalidade é a


de RANELETTI.

(21) Droit Admin. de l'Empire Allemanul, pg. 213.


(22) OTTO MA"YER, Droit Admin., IV, pg. 166.
310 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Para elle, todas as concessões são actos administrativos:


unilateraes do poder publico, ao qual accede o concessionario,
por meio de um acto igualmente unilateral, concordando com
as disposições regulamentares e disciplinares impostas pelo-
Estado.
Assim, a concessão completa-se pela realisação de dous·
negocios juridicos distinctos - o acto do Estado, de autori-·
dade, decreto ,de concessão que obriga o Estado e confere di-
reitos ao particular - e o acto deste ultimo, que vincula o'
particular que assume obrigações, e confere direitos ao Estado ..
Não existe, assim, um acto uni co, porque o Estado exerce·
uma funcção de autoridade, de imperio com o ql,lal não se·
pode apresentar o particular na mesma situação de igualda:de ..
Ha em nosso modo de entender, manifesto equivoco na
theoria acima, porque o que caracterisa o contracto é a par-
ticipação das duas vontades, embora não se possa deixar de-
reconhecer a situação privilegiada do E·stado que tem a facul-
dade de usar na realização e execução da concessão, de attri...
buições inhe.rentes á sua qualidade de poder publico. E, nessa.
qualidade, pode contractar, mas dentro das, condições impostas
pela natureza do serviço e a sua intervenção na relação con-
tractual.
Apezar de todas as allegações contra essa theoria, eUa é-
sustentadaaind'a por VELASOO (23), e o nosso ALCIDES:
CRUZ (24). -
Apezar da fragilidade dessa theoria perante os principios:
tradicionaes do nosso direito, é força convir que ella tem em
seu favor serios argumentos, que dizem principalmente com
a preponderanciado acto administrativo praticado pelo poder-
publico na reaHzação do contracto.
-Neste sentido deve ser citado o que diz CINO VITA (25):-
"f. preciso, diz elle, verificar o que succede quando o consensÜ'
do 'particular não é dado desde logo; si a relação juridica se-

(23) El ato administrativo, pg. 12,8, tratando das concessões". "En.


estos casos no hay contrato sino ato unilateral d'e concecuencias bilate-
rales, el contenid!) es sempre de derech<l publico".
(24) Ver Direito Administrativo Brasileiro, pg. 232.
(25) f)iritto OIlI'I<ministrativo, pg. 3-30.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 311

completa desde a data da acceitação, ou retro age á data do


acto que deu a concessão". Mais uma vez é preciso salientar
em resposta, que o acto administrativo é preponderante e a
concessão produz os seus effeitos desde a sua data.
Ainda mai~. é preciso ter em vista que o acto adminis-
trativo ainda pr~pondéra para garantir apropria existencia
do accordo; este pot:erá ser revogado, quando convier ao inte-
resse publico, ainda qJe no contracto tal clausula não fique
estipulada.
Finalmente, não convence o argumento apresentado po,r
SANTI ROMANO, de que o concessionario é um verdadeiro au-
xiliar da administração, porque esta qualidade não lhe é at-
tribuida, decorre do acto administrativo da concessão; antes
desse se realisar-, ou melhor, completar, o concess'Íonario deve
ser considerado como méro particular.
São estas, em resumo, as observações deste autor, obser-
vações que pelo seu valor devem ser postas em relevo.
Ainda partídario desta theoria temos na ltalia G. ZANO-
BINI (26),' que ensina: não é contracto o acto pelo qual o Estado
cede a um particular o exercicio de um 'poder exclusivamente
seu e a gestão de um serviço declarado de sua exclusiva com-
petencia.
NQtaremos, porém, que não basta esta circumstancia para
ti,rar ao acto o caracter bi-lateral e contractual; serve apenas
para melhor caracterisar a natureza juridica da concessão,
conforme em seguida demonstraremos.
Finalmente, dentro desta mesma orientação, que nega o
caracter contractual á concessão, deve-se citar, por ser um
autor moderno, RoGER BONNARD (27), que considera a con-
cessão um acto complexo, visto como, embora realisado por
:partcular, não perde o seu caracter typicamente de serviço
publico, condição necessaria da sua propria existencia e fi-
nalidade .

. (26) L'ezercizio privato delle funzione ed dei Servizie Pubblici -


in Primo trattato completo di ditritto amministrativo italiano de OrlandCJl,j
1935, V,ol. 2.c, parte 3,pg. 427.
(27) Précis de Droit Administratif, pg. 551.
312 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

II) - A THEORIA CONTRACTUAL

Pelo nosso' Direito, nenhuma duvida póde haver quanto á


natureza contractual da concessão, e isto porque o contraeto
é elemento essencial para sua validade (28).
Qual será, porém, a natureza desse contraeto? Neste
ponto, as theorias se bifurcam, preferindo alguns autores ap-
proximar-se dos :principios de direito privado, considera.ndo
a concessão um contraeto de direito privado, e outros, dos de
direito publico, considerando-a contraeto de direito publico.
São estas duas theorias que examinaremos em seguida.

A) - Contracto de direito privado

Pensam os partidarios dessa theoria que sendo os COll-


traetos instituições de direito privado, devem ficar condiciona-
das ás normas fixadas pela lei civil as relações juridicas eon-
tractuaes realizadas entre o Estado e o particular.
A theoria teve o.s seus defensores na França, onde é - a
doutrina tradicional. Merece o apoio dos que não reconhecem
a legitimidad:e da intervenção do Estado nem os privilegios de-
correntes desta intervenção, em beneficio do interesse publico.
Naquelles paizes de tendencias civilistas que reagem con-
tra os principios dominantes de direito publico, é muito logica-
mente a doutrina preferida.

i (28) A!MAOO CAVALCANTE, Responsabilidade Civil do Estado, pgs. 5,


7, 3; Codigo de Agu.a.s; Co digo de Contabilidade Publioa.
A Mbliographla sobre esse assumpto é extensa, citando ZANOBINJ,-
(c/p. dot. 426), 'os seguintes auto-res: OIANZANA, Le acque nel dir. civile
italiano, voI. I, p~s. 324 e segs.; GroRGI, Dottrina delle personi giuri-
diche, vOlL I, n.o 155; vaI. lI, n.· 1218 e 221; MANTELINE, Lo stato e ü
codice civile, vaI. lI, pgs. 505 e segs.; BATBIE, Traité de dr. adminis-
trati!, vaI. VII, pg. 338; DUCROQ, Qours de dr. administratif, voI. lI, pgs.
212 e segs.; HAURIOU, Précis de dr. administrati! et de dr. public,.6." edi-
ção, pg. 69<8; BERTHÉLEMY, Dr. Administrati!, pgo 680; MoREAU, Dro Ad-
ministratif, pgs o 66, 606 e seg·s o; F\)RTI, Natura Giuridica delle voncessioni
amministrative (Giuro italo, 1000, IV, pgo 369); GASCA, L'esercizio delle
st1'ade ferrate, vaI. I, pgs o 182-185; BARASSI, II contratto di lavaro, cito,
pgs o 346 e segs o; RAGGI, Sull' atto amministrativo, cit., pg. 186 e nota 2;
CIMBA LI , Le strade ferrate, voI. VII, parte L", pgso 524 e segso
· INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 313

VacHIam, porém, os autores, na classificação do contracto


- locação de rserviço, sociedade, ou simples mandato, ou mesmo,
como parece entender BERTHELEMY (29), contracto nominado,
porém de natureza privada.
Segundo BIELSA (.30), repetindo os principios dominantes
na Argentina, a concessão seria um contracto entre o Estado
e o concessionario, em que ambos se obrigam a cumprir as
clausulas convencionaes e as legae8, que se consideram parte
integrante da conceSis-ão.
Em nota, porém, parece o autor divergir da doutrina alli
dominante, preferindo attribuir -ao contracto de concessão, na-
tureza de direito publico ou mixta.
Nos Estados Unidos aquella theoria é slli!tentada pela
maioria dos autores, como POND (31), FREUND (3-2 e os julga-
dos dos tribunaes americanos.
Outras, porém, devem ser actualmente as tendencias dos
juristas e tribunaes daquelle paiz, contagiados pelas novas
tendencias ;politicas da legislação e da economia americana
do New Deal que applica em larga escala a theoria do" police
power".
Entre nós não faltam defensores á theoria privatistica,
'Principalmente entre os juristas e advogados. EUa vem, aliás,
da tradição do Imperio (33), que atravessou a Republica gra-
ças á predominancia das idéas civilistas felizmente agora ca-
hindo em desuso, em virtude das novas tendencias do nosso
direito publico.
CARVALHr() DE MENDONÇA (J. X.), embora reconhecendo
ôs valiosos interesses publicos a serem protegidos por taes con-

(29) Traité Elementaire de Droit Administratif, pg. 615.


(30) Derecho Administrativo, VoL 1.0, pg. 122.
(31) Public Ulti:1ities,. § 6.° - "The municipal conporation in con-
tracting for the construction or purchase of plants providing such public
utilities as gas, water, ar electric Iig"ht; whillre enactement, either expressely
or by necessary implieation, .is not· exercising its governamental functions
but is acting in i.ts private business capacity for its own special' benefit
and the advantage of Í'ts dtizens and is ,liarble in the same way and to the
same .extent as private individual Or corporation".
(32) IPoUce power, pg. 3,60 e seguintes.
(2)31) Pareceres do Conselho de Estado, entre outr-os: nas consu:ltas
de 3 de Julho de 1871 e 28 de Dezembro de 1867.
314 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
-------------------------------------------------------
tractos feitos pelo E,stado, não admitte que possa ser o Estado
parte e juiz nos contractos que conclue. Para elle o conces-
sionario tem sobre o objecto da concessão uma propriedade re-
soluvel, e o E,stado que tudo pode modificar, alterar e inter-
pretar, nos actos administrativos que pratica, fica, no entre-
tanto, uma vez celebrado o contracto, sujeito exclus-ivamente
ao direito privado (34).
Menos intransigente neste ponto de vista é o CARVALHO
DE MENDONÇA (M. L) civilista (35). Depois de admittir que
a concessão é contracto synalagmatico e a t1tulo oneroso, pro-
cura eSlSe autor conhecer os pontos de semelhança da concessão
com os divel"'sos contractosd~ direito civil, comO' os de locação.
de serviço e de sociedade. Não chega porém a uma solução~
pOl"'que, por isso mesmo que as concessões participam da dupla
natureza destas duas categorias de contractos civis, não é
possivel nos casos praticos, lhes applicar simultaneamente as
duas séries de regras dos ditos contractos'.
E a -these que procurava a principio sustentar, tem assim
a sua conclusão no reconhecimento de que o co~tracto realisa-
do com o Estado tem um cunho dê especialidade que o separa
daquellesrealisados entre os individuos.
Fica assim, implicitamente, reconhecida a inapplicabilidade
dos ':principios que regem a formação e a execução dos con-
tractos de direito civil, como a locação de serviços e a socieda-
de, para regular as concessões de serviço publico, embora exiso..
ta entre uns e outros pontos de contacto.
Equiparam ainda as concessões aos contractos de Direito
Privado, entre outros, MENDES PIMENTEL (3Q), ASTOLPHO
REZENDE (37), PLINlO BARRETO (38) e muitos outros.
A theoria mereceu o apoio da jurisprudencia já agora no
entretanto vacillante, como occorreu notadamente no recente
julgado sobre o aggravo da Este Brasileiro, na acção posses-

(34) Rev. S. T. Federal, VaI. 81, pgs. 341 e seguintes,


(35) Das concessões administrativas e da natureza juridica das ga-
rantias de juros.
(36) Rev. de Direito, VoI. 59, pg. 481.
1(37) Rev. de Jurisprudencia Brasileira, Vol. 1, pg. 38.
(38) Rev. de Jurisprudencia Brasileira, Vo!. 1, pg. 45.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 31S

·soria com que procurou mutilisar a sua encampação pelo Go-


verno Federal.

B) Contracto de direito ]YUblico.

A theoriada concessão como contracto de direito publico


é a mais logica e de aecordo com a realidade.
IC
A natureza contractual da concessão se nos afigura ma-
-nifesta, porque a sua existencia e obrigatoriedade decorre de
uma dupla manifestação da vontade do poder concedente e do·
concessionario. E' indispens'avel, assim, o accordo de vontades~
. Pouco importa que hajam clausulas obrigatorias, decor-
rentes de normas ge"!'aes e impessoaes dictadas pela lei e que
.preexistem, e a ellas se acham subor.dinadas as autoridades
administrativas na estipulação das clausulas contraetuaes.
Quem, a nosso vêr, melhor sustentou a 'bheoria foi GAS-
TON JÉZE (39), na França e tambem Uoo FoRTI (40), na
Ita1ia, além de muitos outros, que adeante citaremos.
Uoo FoRTI assim argumenta, respondendo ás criticas fei-
tas á theoria do contraeto de direito publico:

Não existe de facto heterogeneidade entre os


dous contrahentes, Estado e particular, na realisação·
do contracto, porque ambos têm personalidade juri-
dica, capazes de direito, baseando-se na theoria de
JELLINEK, da autolimitação dos poderes do Estado,.
que permitte a este conservar a sua predominancia
na execução do contracto.

Quanto á segunda allegação de que não pode haver uma


relação juridica mixta, publica e privada, responde FoRTI com
o argumento de que não é possivel estabelecer uma se;paração
nitida entre os dous ramos de direito.

(39) Les principes généraux du Droit Administratif,


(40) Natura Giuridic.a delle Concessioni amministrative, in .Gim'is-
-prudencia Italiana, it 1900, parte IV, pgs. 369, 429,
-316 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Apezar do valor da sustentação deste autor italiano, ê


preciso cons-iderar que a posição do problema deve estar menos
no seu aspecto theorico do que na applicação, isto é, nas fina-
lidades praticas da doutrina a ser construida.

KAMMERER diz com muito acerto:

"Para determinar si um contracto é de direito


publico ou de direito privado, diremos com REliM
que é preciso desde logo indagar em beneficio de
quem foi elle concluido. Si o foi no interesse com-
mum, i,sto é, no interesse publico, será de direito pu-
blico; si o foi, pelo contrario, no interesse privado,
será de direito privado. lVIas o contracto pode ser
ao mesmo tempo de interesse publico e de interesse
privado. E' preciso, então, decidir qual o interesse
predominante (41).

GAS'.OON JÉZE, \porém, foi, a nosso vêr, quem collocou o


assumpto em seus devidos termos:
Quando para s,atisfazer um interesse geral foi creada uma
organisação publica, um serviço publico propriamente dito,
pergunta-se des,de logo' por quem deveria ser executado <>
serviço.
Quando é o proprio poder !publico que se encarrega de
administrar, não ha duvida sobre a natureza do serviço.
Si, no entretanto, a administração encarrega um individuo,
uma sociedade de fazer funccionar e explorar o serviço publico,
temos uma concessão.
Mas qual a natureza dessa delegação de funcções, como
esta se realisa?

(41) La fonction publique en Allemagne, pg. 96, nota de SEYDEL: "Um


contrado não pode ser ao mesmo t,empo de direIto publico e de direi,to pri-
vado. Um contract-o que é dominado em seu conjuncto pelo direito pu-
blico, pertence em seu conjuncto ao dir,eito pubHco. E' especialmente im-
possivel dividir uma -rela-ç,ão de dIrei,to entre varios ramos de direito, por-
que os direitos e deveres dependem uns dos outros".
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO B.i\ASILEIR0 317

A concessão, diz JÉZE, contém cinco elementos essenciaes.


1.0 - é um contracto administrativo propriamente. dito;
2.0 - tem por fim a exploração e o funccionamento. de
um serviço publico;
3.o -" a exploração é realisada, assumindo o concessiona-
rio os reSjpectivos riscos;
4. 0 - . a remuneração consiste no direito de concessionario
de perceber em seu beneficio e do publico uma taxa fixada pelas
tarifas,durante todo o periodo da concessão;
5. 0 - a concessão é um contracto a prazo lon~.

Ca:racterisando por esta forma a concessão, está o pro-


fessor JÉZE bem rufastado da theoria do contracto de direito
privado. . Este, diz elIe; suppõe dous contractantes colIocadoS:
no meámo !pé de igualdade; o contracto administrativo, pelo
contrario, suppõe essencialmente dous contractantes que se
recOnhecem coUocados sob o pé da desegualdade: um repre-
senta o: interesse geral; o serviço publico; o outro, o interesse
privado do contractante (42).
A theoria ,de JÉZE está de accordo com a j urisprudencia
fra~c~za a mais antiga (43).
Entre n6s, o assumpto foi estudado com muita profundeza
!pelo professor MARIO "MAzAGÃO, que sustenta essa ultima theo-
dá com .larga proficiencia, analysando todos os argumentos
êxpendidos a favor e contra a theoria (44).
Demonstra o alludido autor que a figura do contracto não'
é peculiar áo direito civil, que a ausencia de discussão das clau-
sulas não impede que se tenha a relação juridica como verda-
deiro contracto, em sua forma como em seu conteúdo, é que a
ausenciado 'concessionario, não dá por si s6 ao aeto caracter
unilateral.

:
(42) Le fontionnement des services publics, pg. 300.
(43-) LAFFERRiERE, Jurisd. Administrative, l, pg. 604.
,. (44) Natureza Juridica da concessão de serviço publico,
:318 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Não temos duvida em que, pela nossa legislação, em


materia de estradas de ferro, de portos, ou de qualquer
.serviço publico, a concessão tem caracter essencialmente con-
tractual. A lei ordinaria estabelece, muitas vezes,' a norma
geral de taes contractos, fixando condições e peculiaridades que
.servem para dar cunho especial ao serviço contractado.
Ha em todo contracto feito com a administração, o. conhe-
.cimento !prévio do contractante que a execução da obrigação
se acha subordinada a condições inherentes á natureza do ser-
viço e a posição juridica de uma das partes, e ahi se acha pre-
·cisamente a legitimidade de certas medidas tomadas pelo Es-
tado durante a vigencia do contracto. .
Temos, porém, como indiscutivel que o concessionario do
.serviço publico gosando das vantagens e regalias de sua po-
.sição perante o publico, subrogado como se acha nas funcções
do E<stado, a elle se acha subordinado no que diz com a fisca-
lisação dos serviços, na restricção dos lucros da empreza e ou-
tros sacrificios que pode o interesse publico impôr ao Estado.
A legitimidade da delegação está, assim, sujeita a uma
.condição, a saber, que o Estado com essa delegação não venha
.a sacrificar o interesse publico.
Sómente assim justificam-se as vantagens excepcionaes
(isenções de impostos, direito de desapropriação, etc.) conce-
didas pelo Estado aos que exploram serviços publicos (45).
Toma, assim, o contracto de concessão a forma de um ser-
viço publico administrado pelos particulares, mas com os be-
neficios e as consequencias onerosas decor.rente& dessa pre-
missa.
Regulando de maneira definitiva o assumpto, os arts. 147
·da Constituição promulgada, estabelecem normas controlado.
ras dos serviços explorados pelas emprezas concessionarias, não
.SÓmente no que diz com a sua composição e organisação, como
ainda determinando a elaboração de uma lei federal destina-
da a regular a fiscalisação e a revisão das tarifas dos ser-

(45) PHILIPPE CúMTE, Essal d'une théorie d'ensemble de laconces-


.sion de service publico
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 319

viços explorados, para que, n.o interes-se c.ollectiv.o, os lucros


d.os conces·si.onarios .ou delegad.os não excedam á justa retri.
buiçã.o do capital.
N.os term.os da Constituição em vigor, não podem mais
subsistir as duvidas até hoje existentes em d.outrina quanto á
natureza da c.oncessão de serviç.o public.o. Não seria licit.o pre-
a
tender attribuir a taes contractos natureza privada, quand.o
o Estad.o nelles se reserva .o direito de intervir em qualquer.
temp.o na m.odificação posterior de obrigações assumidas.

':: ". l.>


CAPITULO VI

FISCALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS


PUBLICOS CQNCEDIDOS

Fiscalisação dos Serviços Publicos Concedidos - A Federal


Power Commission do Direito Ameri<cano - Fixação de
Tarifas e os Diversos Criterios Legaes e Finànceiros -
Custo Historico e Custo Actual' - Criteri-o Technico,
Commercial e Economico que devem presidir á Fis~a-
,lisação. .

E' este um dos pont08 mais delicados em materia de con-


cessões.
Substituindo-se ao Estado· na realisação e execução dos
serviços, gosando de vantagens especiaes inherentes a essa
condição, como isenção de impostos, privilegios, favores, inclu-
sive muitas vezes o proprio monopolio, taes empr·ezas nã:;-
podem deixar de soffrer o contrôle do Estado, até limites já
hoje imprevisíveis, deante das novas coneepções juridicas.
Em geral é a propria administração pelos seus orgãos
administrativos, quem fiscalisa a execução do serviço con-
tractado. E' o systema em vigor entre nós; não, porém, ()
mais aconselhavel.
Os Estados Unidos, notadamente, crearam um apparelho
complexo cuja actuação attinge os elementos essenciaes do
serviço publico. E' a eh.am.ada Federal Power Commission
que serve de modelo ás commissões municipaes alli institui das
para o contrôle effectivo da exploração das aguas publicas e
da industria hydro electrica.
INSTITUIÇÕ'ES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 321

A sua or~gem historica merece ser aqui examinada.


Nos E,stados lJnidoo, o systema de contrô,le tornou-se mais
intenso, desde a applicação do Interstate Commerce Act, de
1887, em 1906, e especialmente da lei do E:stado de Wisconsin,
em 1907. Esse anno é que se pode ter como o ma~co inicial
do contrôle dos serviços publicos pela administração.
Os estados tomaram a si esse encargo pela iIlllpossibili-
dade dos Municipios poderem exercer o contrôle effectivo, es-
pecialmente pela falta de apparelhos technicos necessariospara
resolver problemas intrincados ligados a esse serviço.
Seguiram-se os Estados de Washington, Oregon, Nebraska.
Hoje, todos os Estados com excepção de Delaware, teem com-
missões de contrôle. Igualmente, dispõem dessas commissões
os Districros de Columbia, Alaska, Hawaii, Puerto Rico e as
Ilhas Phili:ppinas.
Em dezoito Estados, são os membros eleitos pelo povo;
Ein South Carolina são elles eleitos pela legislação; em Vir-
gínia, pela maioria de votos da Assembléa. Nos demais
Elstadoo, a8 Commissões são nomeadas.
O numero de seus membros varia. Variam, igualmente,
os poderes e attribuições (1).
Segundo CLAY (2), essas commissões foram em geral
constitui das para os seguintes fins:
, 1) para regular as tarifas standards;
2) para regular o serviço;
3) para garantir a segurança.
Os trabalhos dessas commissões são extremamente dis-
pendiosos., Segundo refere MOSHER (3), trinta e nove Estados
dispenderam no anno de 1926, a somma de $4.927.574 com as
commitSBões de contrôle de serviços de utilidade publica, e s6-
mente em um caso trazido pela cidade de New York ao conhe-
cimento da Commissão , a Companhia gastou $ 4.000.000, em
despezascom engenheiros, custas, etc.

(1) Essas informações encontram-se na obra de WILLIAM A. PREN-


DERGAST, "Public utilities and the people", pgs. 9 e seguintes.
(2) CASSIUS M. OLAY, Hegulation of public utilities, pg. 144.
(3,) Electrical Utilities, The Crisis in Public Control, pg. 13, nota 7.

- 21
322 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Na fixação das tarifas e das indemnisações em caso de


encampação, etc., tem uma importancia grande o criterio a
seguir para a avaliação.
Discute-se, especialmente, si esse criterio deve ser o do
capital investido, ou custo historico, isto é, da época em que
o capital fO'i empregado, ou do custo actual, tambem cha~ado
de re:producção.
Ao primeiro, chamam os Americanos de "investment cost",
"original cost", "prudent investment"; ao segundo, de "repro-
duction cost" (4).
O primeiro criterio é advO'gado principalmente pelas Mu-
cipalidades; é a solução liberal.
Os debates travados nos Estados Unidos sobre o assumpto
são os mais interessantes e dizem principalmente com a funcção
attribuida ás CO'mmissõe& de fixar as tarifas.
A discussão funda-se principalmente em duas circumstan-
cias, a saber:
1.0) a divergencia- entre o criterio legal que seria O' do
preço historico, e O' criterio econO'mico, isto é, o do custo
actual;
2.°) a depreciação dO' valor da moeda, que veio, natural-
mente, se reflectir sobre a apuração do custo historico.
Dahi a reacção natural que ultimamente se vem fazendO'
-contra o valO'r do custo historico, preferindo os interessados,
isto é, as empresas, a avaliação pelo valor actual, isto é, pelo
custo de reproducção.
O caso classico na historia da JuriS!Pl'udencia Americana
é o - S'MITH versus AMES - onde fO'i seguido o criteriO' do
custo historico, que foi tambem segundo mostra L. R. NASH (5),
o de numerosas commissões, notadamente de Massachussets e
da CO'sta do Pacifico.
BAUER, GLAESER, FRANKFURTER, BONBRIGHTS, etc., teem
sidO' os campeões dessa doutrina, tão brilhantemente sustentada

(4) CLAY, op. cit., pg. 19.


(5) The economic Df Public Utilities, 1931, pg. 186.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 328

por Justice Brandies, no caso Southwestern RelI Telephone,


em 1923 (6).
E' preciso, porém, reconhecer que não raras são as decisões
da Côrte. Suprema, dos Tribunaes inferiores, e das Commissões
em favor do custo actual (7).
E' de salientar a opinião de JUDGE HOLMES, no já citado
caso - Southwestern BelI Telephone Case - 1:923 - onde
ella se acha largamente sustentada.
Os partidarios do custo actual baseam-se principalmente
na oscillação ,d~ valor da moeda.
Si alguem comprou uma casa por $ 10.000 ha dez annos
atraz, ninguem lhe poderá censurar por vende1-a agora por
$ 20.000, desde que seja este o seu valor actual. O mesmo
occorre com o seu valor locativo, que varia de accordo com
a valorisação ou desvalorisação da propriedade.
Si, por outro lado, a casa que fôr adquirida por $ 10.000
se desvalorizar a $ 5.000 ou $ 6.000, este será o seu valor
actual pelo qual tem de se vender (8).
Este será effectivamente o argumento usual, dentro do
sentido estrictamente commercial. M~ a nosso ver, repugna
applical-o com relação aos serviços de utilidade publica.
Aqui, torna-se mister indemnizar as emprezas do capital
effectivamente dispendido, pelo que foi realmente gasto. A
medida do valor é, aqui, a moeda, e o capital empatado estará
sujeito ás fluctuações do valor monetario.
Foram, tambem, imaginados outros criterios, cuja fina-
lidade é de estabelecer um· valor medio entre o custo historico
e o custo actual.

(6) L. R. NASH, The economic 01 Public Utilities, 1931; pg. 192.


(7) ,PHILIP CAooT & .DEA.NE W. MALLOTT, em Um importante trabalho,
Problems in public uülity management, pg. S5 e segs., offerecem interes-
sante estatistica sobre o assump·to.
(8) Codigo de Aguas, decr. 24.643, de 10 de Julho de 1934:
"Art. 180: Quanto ás tarifas ·raz·oaveis, aHnea b) do art. 178, o
·Serviço de Aguas füxará,n-ienna:lmente, as mesmas:
1- ......................................... .
II ~ tendo em consideração, no avaliar a propriedade, o custo histo-
X:CO, isto é, o capi-tal effectivamente gasto menos a depreciação".
324 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Entre estes, pode-se notar aquelle. usado pela l'ublic Ser-


vice Commission, de Maryland, em 1933.
Fixou-se, alli, o valor, attendendo-se á media entre duas
avaliações, procedidas em eSipaço de tempo relativamente gran-
de (no caso, 10 annos).
A Commission tomou por base indices determinados por
criterios technicos julgados certos pela propria Commission.
Fixou, por esta forma, ella propria, o criterio' dentro do' qual
deveria proceder á avaliação.
A Côrte Suprema dos Estados Unidos não considerou ~
tisfactoria a solução, quer attendendo á sua complexidade, que
não preenchia condições de simplicidade e de justiça que
deveriam orientar a Commission, quer pela falta de funda-
mentos nos indices que serviram de base ao calculo (9,).
Nota-se, porém, uma tendenciaaccentuada do Governo
Americano, segundo a politica do Presidente Roosevelt, em pre-
ferir o custo historico como criterio base para o calculo das
indemnisações.
E' o qUe acqnse1ha abertamente o actual Presidente dos
Estados Uni<los, em seu livro "Looking Forward".
Em um parecer muito interessante, no qual procura dar uma
interpretação ao art. 137 da Constituição de 1934, FRANCISCO
CAMPOS sustenta qu~ se deve levar em consideração na fixação
das tarifas, não apenas o capital já invertido, mas tambem o
necessario á expansão e melhoramento do serviço. Cita; em
aboD,o desse çriterio, entre outros, o julgado da Suprema Côrte
dos Estados Unidos, no caso Bluefield Water Works V. P. S'. C.
of W. Virginia, no qual declarou aquelle Tribunal: "a remune-
ração deveria ser razoavelmente sufficiente, para que a solidez
financeira da Companhia inspira:sse confiança e fôssi€ capaz
sob uma direcção efficiente e economica, de manter o' seu cre-
dito, permittindo-Ihe obter o capital necessario ao conveniente
exercício dos seus deveres publicos.

(9) Ver ODILON ANDRADE, Serviços Publicos e de Utilidade Publica,


pg. 130.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 325

"Uma renda fraca, incerta ou irregular, faz baixar os :pre-


ços dos titulos e os capitaes passam a exigir juros mais ele-
vados" (lO).
O custo historico acha-se consagrado em nos'S'a legis~ação
de aguas, art. 180 (11), que foi objecto de um largo estudo do
seu relator na Sub-Commissão legislativa, Ministro ALFREDO

(10) FRANCISOO CAMPos, Pareceres, 2." serie, pg. 19l.


(11)' "Douttiina acceita pela Interestate Commerc.e Commission, e por
BAVER e GLAESER ,sustentada, é a de que a avaliação deve ser feita obede-
cetido ao "custo historico".
O successo da regulamentação, como expõe BAUER, está em estabele-
cer-se uma base não sujeita a fIuctuações (a nonshiftable 1·ate base), para
essa avaliação das propriedades physkas das em'préZaS, para o calculo
das tarifas.
E issos.e obtem adop,tado o criterio do "custo historico"; jámais
adoptado o ·criterio do "custo de ·reproducção".
"O innexoravel defeito do "custo de reproducção" como base geral
para o estabelecimento ·dastarifas, consi.ste em que o mesmo varia com a
mudança do nivel dos ,preços ou igualmente com as fluctuações dos pre-
ços dos elementos que fazem parte das propri·edades. Constitue uma som-
ma inconstante, que não póde ser coIlocada debaixo de um contrôle de
contabt1idade, ma:s precisa ser rede terminada na correspondencia de cada
movimento de preço 'para prover á retribuição a que os que appHcam ca-
pitaes nas emprezas (investors) , têm direito".
Adoptado que eFLe fosse "lutariamos constantemente com o proble-
ma de repetidas av.aliações... teríamos extremas diffi.culdades e incom-
modos durante um ·periodo de alta de preços e augmento de custos para
ajustar tarifas para acima, e abaixo. A cada momento appareceriarn in-
teresses divergentes, das emprezas e dos consumid·ores. Para tomar uma
decisão, nécessarias se tornariam longas audiencias... '0 processo poderia
'embaraçar sobremodo a machina de regulamenta,ção, com prejuizo tanto
pará o publico como 'para as emprezas". •
E muho bem observa GLAESER que, economi·camente, si o "custo de
reproducção" se ajusta ao capital empregado nas industrias de livre' con-
'cui'rertcia, é inadmissivel relativamente ás industri'as d·e utilidade publica
conduzidas com monop.oli·o:
"O valor capita:1izado de uma renda debaixo de concurrencia tende a
. :corresponder ao custo da su1bstituição da propriedadephysica que produz
a renda. Isto porém, só é verdade se nova propriedade, adquirida pelos
preços correntes, é livre de concorrer com a velha propl'1i;edade. A reLação
entre a rend.a e o valor da propriedade que a produz, é sempre primaria e
dtlrerminante; emquanto a relação entre o custo de reproducção da pro-
prIedade e seu valor é secundaria ficando debaixo das condições de c·on-
eurrencia. Quando se elirntna a cOIicurrertda, a affinidade entre o custo
de reproducção e o valor ·tambem fica eliminada".
Por fim, outro mal ainda do systema do "custo de reproducção", como
.aponta BAUER; é o de que elIe favorece a inflação".
(P'arecer sobre ó projecto de Oodigo de Aguas ~ A. VALLADÃO).
326 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

V ALLADÃO, e ao qual não nos podemos deixar de referir, pelo


seu alto valor.
Sobre o assumpto existe uma vasta bibliographia; além
daquella já citada, e uma abundante jurisprudencia d~s Côrtes
Americanas (12).
Outra diffículdade consiste em saber qual o capital real-
mente investido na construcção.
Tratando do Capital garantido pelo regimen da garantia
de juros, já dizia, com o seu innegavel espírito :pratico, o Con-
selheiro .ANTONFO PRADO, Ministro da Agricultura, em seu re-
latorio de 1866, que um dos motivos do fracasso desse regimen
decorria do facto de ter o Governo acceitado as declarações
feitas pelas Companhias, tendo sido apurada a falsidade dos
elementos apresentados .

.(12) Ca.so Smyth V. Ames - (1893) Justice Harlan - Minnesota


Rate Oases - (1913).
Gal'feston EILect. Co. v. - Galveston (192131) iavoravel ao custo his-
todco) .
Southwestern Bell case (1923) e Bluefield Water Works case (1923)
ambos contrarios ao custo de reproducção - Egualmente Georgia Ry and
P.ow,er Co. V.' RaHsr·oad Oommission (1923).
A' respeito ver as aulas de G1LAESER - "Ou/Unes 01 Public utilities
economics.
CASSIUS M" 'OLAY - "Regulation of Public utilities" onde se acha
larga bilblHographia e numerosas decisões dos tribunaes a.mericanos.
(13) Ver aI'lIlS. 212 e ;Soe,i{.U'intes do Ante-Proj'ecto da Sub-Commissão
do OOdigo de Aguas, in verbis:
"Art. 212. A Com:n:Jo1ssão Federal de For·ç·as Hydraulicas, com séde
na Oapi,tal da RepU'bHca, compôr-se-á de sete Collli1Ilissarios, nomeados
pel<1 PI"esidente da Republica, com approvação do· Congresso, dentre bra-
sileiros natos, de no,tavel expel'iencia, talento adminis,trativo e reputação,
e que contem mais de 35 annos de idade; e terá as delegações de que
trata o art. 218.
§ 1.0 Nào podem exercer o cargo de co:rrumissarios as pessôas:
a) que tioverem qualquer ligação directa ou indirecta, iunccional ou'
eoonomica de qualquer natureza mesmo de simples acciOinista, com as
emprezas soh a jurisdicção da Oommissão;
b) que' tiV'erem qualquer interesse nas'. invenções, apparelhos, IIUl-
chinas, processos ou I!lIrtigos patenteados no todo ou em parte, que possam
ser empreg.ados ,nos servi(Ç.os das mesmas emprezas.
§ 2.· Os commissarios não pod·erão exercer qualquer outra funcção
publica ou commissão, embora não remunerada e são obrigad{)s a tempo
integral.
Art. 213. Terão os commissarios as mesmas g·arantias e os mesmos
vencimentos conferidos 8iOS juizes do Tribunal de Contas".
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 327

o Reg. de 1874 adoptou o regimen da bOrLa lide, em vir-


tude do qual só merecia aquelle favor o capital que as emprezas
demonstrassem com elementos comprobatori08.
Em 1878, foi esse regimen modificado, e preferido o q.
mandava fixar o CBlPital antes da execução das obras, segundo
calculos então effectuados, sem levar-se em consideração os ex-
cessos e alterações do plano.
Em lSS0,. o decreto 7.960, de 29 de Dezembro restabelecia
o regimen da bOrLa lide.
As difficuldades de contrôle pelo Governo e as falsidades
que, naquella époea, já traziam comsigo os dados fornecidos
por certas emprezas, são examinadas pela· seguinte forma no
alludido relatorio:

"Pelo quadro que em seguida ofofereço á Voss'a apreciação,


resumindo o movimento financeiro das ferrovias, torna-se ain-
da objecto de reparos o elevadissimo custo kilometrico da maior
parte das vias de tracção mecanica. construi da por emprezas
subvencionadas. Este facto só encontra explicação na mesma
causa: a confiança depositada nos estudos e orçamentos apre-
sentados por seus agentes para fixação do capital garantido,
quando os trabalhos preliminares desse genero só deveriam
ter sido executados iPOr agentes do Governo. A fiscalisação·
a que estavam 'sujeitos nem sempre foi efficaz, como irufeliz-
mente. traduzem os resultados, sendo approvados orçamentos
muito superiores aos que seriam rigorosamente necessarios para
a execução das obras, o que a experiencia deixa hoje provado
de modo irrefragavel", e accrescenta:
Assim, nos orçamentos approvados para a construcção da
ferrovia de Quarahim a Itaqui, e para a dos ramaes de Ceará
Mirim -a Timbó, cujos ca;pitaes garantidos excedem de .....
1,0.000 :000$000, a differença obtida pelo severo exame dos
orçamentos apresentados, ascendeu a cerca de 2. 300 :000$000,
o que quer dizer uma reducção de 23 % sobre os orçamentos
apresentados pelas respectivas emprezas.
Cita, em seguida, os casos da Estrada de Bagé a Cacequy,
e de Cacequy a Uruguayana. cujos orçamentos foram muita-
328 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

simos majorados, e os da Rio Grande do Sul Railway Co. Ltd.,


cujos orçamentos apresentados excediam de 43% o seu valor
real !
Neste c-ãpitulo, muito. poder-se-ia dizer, citando factos e
dados contemporaneos, mas que se medem pela mesma bitola
daquelles acima apontados.
Dahi, a neceS'S~dade de um orgão íiscalisador tec:hnica e
moralmente idoneo, e ao qual passamos a nos referir;
O projecto do Codigo de Aguasattribuia a funcção fisca-
lizadora a Commissões de Força Hydraulica, sendo uma Com-
missão Federal e outras congeneres nos estados.
E,ssas Commissões, cuja autonomia só poderia ·augmentar
o seu prestigio, seria constituida de verdadeiros magistrados
com todas as garantias de independencia e estabilidade asse-
guradasaos membros do Tribunal de Contas (14).
O Codigo, no entretanto, modificou o projecto, determi-
nando em seu art. 178:

"No desempenho das attribuições que lhe são


conferidas, o Serviço de Aguas do Departamento Na.-
cional da Producção Mineral, com approvação previa
do Ministro da Agricultura, regulamentará e fiscali-
zará o serviço de producção, transmissão, transfo.r-
mação e distribuição da energia hy:dro-electrica, com
o triplice objectivo de:
a) assegurar serviço adequado;
b) fixar tarifas razoaveis;
c) garantir a. estabilidade financeira das em-
prezas".

E declarando os limites de sua acção fiscalizadora em seu


art. 184. detérminou:

(14) Ver a nQl!a 13.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 329

"Art. 184 - A acção fiscalizadora do Serviço


de Aguas extende-se:
a) a todos os contractos ou accordos, entre as
emprezas, de operação e seus associados, quaesquer
que estes sejam, destinem-se os mesmos contractos
ou accordos á direcção, gerencia, engenharia, con-
tahilidade, consulta, compra, supprimentos, construc-
ções, emprestimos, venda de acções ou mercadorias,
ou a fins semelhantes;
b) a todos os contractos ou acordos relativos
á acquisição das emprezas de controle de qualquer
genero, ou por outras emprezas".

Mas não só nos Estados Unidos, e não sómente com relação


áó regimen hydro electrico é que se exerce a funcção :riscaliza-
dora do ,poder publico sobre os serviços concedidos. EUa tem
um caracter mais amplo, e, segundo ZANOBINI (15), tem um
triplo caracter:

1.0 - technico;
2. o - commercial;
3.o - economico.

Sob estas tres formas, exerce o Poder publico a sua alta


vigilancia para que, quando realisado' pelo Estado ou por ter-
ceiros, possa preencher a sua finalidade, e não exceda dos justos
limites traçados para a satisfação do interesse publico, dentro
daquillo. que deve ser considerado justo e razoavel para remu-
neração do capital invertido.
Quer nos serviços de viação urbana, quer nos de estradas
de ferro e navegação, a natureza da concessão, o auxilio finan-
ceiro quasi sempre prestado pelo E.stado, os favores e· privi-
legio!! a elles inherentes, devem impôr uma contra prestação

(15) G. ZANOBINI, L'esercizio privato delle funzione i dei serV1Cl


pubblici, in Primo Trattato Completo di Viritto Amministrativo Italiano de
V. E. Orlando, voI. lI, parte 3.", 1935, pg. 523.
33.0 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
-----------------
por parte· dos seus concessionarios, que decorre de sua inte-
gração dentro do regimen da administração publica.
A fiscalização é, assim, um corollario indispensavel da
prQpria situação contractual. Dena não podem fugir as em-
prezas particulares ou aquellas pertencentes ao Estado, mas de
organização autonoma (16) .
. Entre nós, as diversas Inspecto!"ias, a Contadoria Central
de Transportes (17), constituem o apparelhamento. do Es-
tado na fiscali~ação dos serviços publicos e por meio do qual
se estabelece a relação administrativa entre o concessionario
e o Estado.
Dentro dos limites de suas attribuiçÕ€s, asseguradoras do
perfeito funccionamento dos serviços publicos e do cumpri-
mento das obrigações contractuaes, devem as Inspectorias e
serviços de fiscalização ter a mais ampla liberdade, ainda
mesmo do exame da contabilidade (18).

(16) Departamento Nacional de BOl'tos e N av.egação, decreto 23.067,


de 11 de Ag:osto de 1933. Inspectoria Federal de Estradas.
(17) Reformada pelLo decreto 1.9'7'7, de 24 de Setembro de 1937, com-
posta de um Conselho Administrativo e de um Conselho de Tarifas.
(18) JEnsin:a BAUER, Effective regulations of Public Utilities, que
para preencher a sUla triplice qualidade, dle fixar tarifas razoaveis, as-
segurrur serviço -adeqoodo e garantir a estabilid'ade fina:nce~ra das empre-
zas, "the OOII11Tol of accounting metho-ds" é uma das mai.s importantes con-
dições de successo das ÍllIncções fiscalizadoras.
Ver ° dec. 1'5.673, de 7 de Setembro de 1922, aJrt. 5.°. - Reg. para .
a segul"ança, .policia e trafego das E,stradas de F-err-o.
OAPITULO VII

REVISÃO DE OONTRACTOS E CONCESSõES

Revisão de contractos e concessões - Natureza 'regulamentar


IdlllS concessões - Fixação de tlm"ifas -Criterios dtversos
A Oon,~tuição e o Codigo de Agua:s - OrHerio legal en-
tre nós.

A questão da revisão dos contractos administrativos deve


ser assim collocada:

Pode o poder concedente, na vigencia de um con-


tracto de serviço publico, modificar as clausulas do
mesmo contracto, ou por exigencia do proprio serviço,
ou ,pela necessidade de applicar novos processos te-
chnicos, ou ainda pela vigencia de novas disposições
regulamentareslque interessam e attingem os serviços
concedidos?

Em toda' a parte tem sido a questão muito discutida, mor-


mente levando-se em conta as transformações technicas sof-
fridas pela industria, graças ao aperfeiçoamento dos ,processos
seientificos: bem como considerando-se as novas exigencias do
serviço publico.
A imprevisão de taes occurrencias e aperfeiçoamentos, ao
serem realisados os alludidos contractos, geralmente a prazo
muito longo, tem dado logar á applicação da chamada theoria

la"
332 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

da imprevisão, cujos principios têm justificado a modificaçã()


de contractos em curso.
A nosso vêr, trata-se apenas, na generalidade dos casos,
de uma applicação da doutrina geral, commum a todos os con-
tractos, aos casos concretos que se apres,entam nas relações de
direito publico. GASTON JEZE, examinando o assumpto, assim
colloca o problema (1):

.. A administração terá o direito e o poder de mo-


dificar na vigencia do contracto, para mais ou para
menos, a medida das prestações dos contractantes do
. ?
,servIço.
Terá a administração o poder de pôr termo, a
todo momento, á execução de um contracto adminis-
trativo?"

Evidentemente que não se pode encontrar solução com-


pleta, collocada a questão em these. O problema só pode ser
resolvido em hypothese, attendendo não só ás condições em que
se derem as modificações de situação, mas ainda, e iprincipal-
mente, levando-se em consideração as clausulas contractuaes.
Resume, porém, o aIludido autor as suas conclusões" nos
seguintes itens, que merecem ser aqui transcriptos, dada a re-
levancia do assumpto:
1. o - a administração pode a todo tempo modificar a me-
dida das prestações a S'erem effectuadas pelo contractante;
pode mesmo pôr termo á execução do contract:o. Assim pro-
cedendo, não commette a administração qualquer' falta con-
tractual.
2. 0 - " o contractante não se pode o.ppôr a taes modifica-
ções, mesmo á revisão, mas fica-lhe reservado o direito de ser
indemnisado plenamente. Si a modificação fôr mais forte.
pode mesmo exigir a rescisão em seu proprio beneficio. .
Ainda mais: Nenhuma clausula contractual pode tirar â
administração o ~ireito de impôr suas soluções, porque o prin-

(1) Les Contrats Administratils, 11, pg. 244.


INSTITUIÇÔES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 333

ci.pio é de ordem publica, e a administração não pode renunciar


á essa faculdade inherente á sua propria condição tutelar do
interesse publico.
O que pode estabelecer o contracto são as condições em
. que se deverá realizar a revisão, especialmente quanto ás for-
malidades ass~guradoras dos direitos das partes.
O eminente escriptor francez, como se verifica, generalisa
o problema, e colloca a questão em these, comprehendendo todos
os casos de revislW e de resgate, que examinamos em -capitulo
proprio.
Desde que haja interesse publico, conveniencia technica
incontestavel, pode e dev·e a administração publica impôr a
revisão do contracto de concessão.
Pode occorrer que tal imposição não importe em grave p!'e-
juizo para o concessionario, obrigado a reformar as suas ins-
tallações de serviços, ou ainda a sujeitar-se apenas a novas
normas adminisüativas, novas exigencias.
Neste caso, processar-se-ha normalmente a revisão dos
termos contractuaes, sem direito á indemnização.
Como diz VELASCO (2), o contracto administrativo mantém
a sua inflexibilidade emquanto o serviço publico não exigir a
sua modificação.
E' que taes contractos differem fundamentalmente daquel-
les puramente privados, porque nelles está em causa um ser-
viço publico e uma das partes é a administração, que pode
exercer a sua vontade unilateral para modificação ou termina-
ção do contracto.
RoGER BONNARD (3), igualmente, examina a questão de
modo systematico e com muita clareza.
A primeira regra, já condemnada pela jurisprudencia, mas
que constitúe doutrina ainda sustentada pelos que não teem
a concepção moderna do serviço publico, é de que nenhuma mo-
dificação pode ser imposta no contracto de concessão pelo
poder publico; que taes modificações só podem. decorrer de

(2) Los contrMtos administrativos, pg. 151.


(2·) PrécW, pg. 560.
334 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

um novo accordo entre a administração e o concessionario;


que assim os concessionariospodem recusar se a acceitar a
reforma dos contractos e exigir uma indemnização pela sua
violação.
Taes conclusões decorrem, no entretanto, de idéas anti-_
quadas, considerada a c0I?-cessão como mero contraeto de na-
tureza privada.
A jurisprudencia franceza, e de um modo geral a jurispru-
dencia moderna, consagram os seguintes -principios :
1.0 - a autoridade concedente pode trazer por decisão
unilateral modificações ao acto de eoncessão em tudo quanto
diz respeito á organisação e funccionamento do serviço, nota-
damente ás tarifas; em outras palavras, em tudo quanto diz
respeito á parte regulamentar, excluida a parte contractual;
2.° - o concessionario fica obrigado ao cumprimento das
novas condições impostas;
3. ° - si, porém, taes modificações importam em prejuizo
financeiro, quebra do equilibrio economico e diminuição dos
lucros, tem direito o concessionario á indemnização pelo res-
tabelecimento do equilíbrio financeiro, e restituição dos pre-
juizos soffridos;
4.° - conserva a administração a escolha discricionaria
quanto á forma de indemnização do concessionario, por meio
de subvenções, tomando a seu cargo certos serviços, etc. (4).
Eis ahi os principios fundamentaes que presidem ao estu-
do do 8ssumpto.
Hoje em dia, a situação dos concess.ionarios de serviços
publicos acha-se universalmente regulamentada. Normas ge-
raes ,presidem á sua eX"ploração até no que diz com o regimen de
tarifas, etc.
Assim, uma das questões mais relevantes - e de maior
opportunidade consiste em saber como e quando podem vigorar
as normas legaes e regulamentares sobre concessões já exis-
tentes.

(4) iP'HILIPPE CoMTE, Essai d'une Théorie d'ensemble de la conces-


sion de Servioe Public, pg. 120.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIR:) 335

A revisão dos contractos de concessão interessam princi-


palmente á sua parte financeira, isto é, aquella que diz com as
tarifas.
Ora, a doutrina tem assentado de maneira definitiva que
as tarifas têm caracter regulamentar, dependem de uma deter-
minação expressa do poder publico a quem cabe .fixar o seu
valor, de accordo com os elementos de ordem technica, econo-
mica e política, que influem directamente sobre o ,preço do ser-
viço prestado representado pelas tarifas (5).
Afigura-se-nos, por conseguinte, de todo em todo, inca-
biv.el, o debate sobre a legitimidade de qualquer indemnização,
em virtude de modificações ,porventura effectuadas sobre os
contractos de concessão; a materia estando sujeita ás varia-
ções impostas pelas necessidades dos serviços e o interesse do
publico, nada impede que o poder publico, usando de um
justo criterio, imponha aos particulares, emprezas concessio-
narias, aquellas tarifas calculadas de conformidade com os ele-
mentos fornecidos pelos technicos.
Não exclue, porem, essa fixação de tarifas, a J)rotecção
dos direitos individuaes, toda vez que o poder publico ferir
garantias previstas em lei e desobedecer ao criterio legal, pre-
judicando os legitimos interesses juridicamente protegidos, dos
concessionarios.
Resumindo as condições em que. a lei ou o regulamento
podem attingir o contracto sem que isso importe no direito á
i~emnização, diz A. Bosc (6):

1) E' preCiso que a medida não tenha podido entrar nas


previsões das partes no momento em que foi concluido o con-
tracto;
2) E' preciso que a medida não seja proveniente de uma
simples v'erificação de um estado de facto de natureza econo-
mica, de todo independente da administração;

(5) ALBERTO ASQUINI, Del contratto di Trasporto, pg. 157 .


•(6)Revue de Droit Public,XLIV, pg. 182.
336 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
---------------

2.) Quando verifkadas as .duas condições acima mencio-


nadas, devem-se procurar os elementos que determinaram a in~
tenção da administração, m{)dificando o contracto;
4) E' preciso que a medida tenha attingido os proprios
fundamentos d{) contracto, e que, -por este facto, o contractante
tenha sofffrido um prejuizo real e especial.
Essa systematização dos principios que devem regular
fundamentalmente a·s consequencias verificadas nas modifica-
ções dos contractos administrativos, é do maior interesse, mas
deve ser apreciada de ac{!oooo com o nosso direito.
- E' o que faremos, em segui.da, sob titulo ,proprio, depois
de estudarmos a doutrina que prevalece nos diversos paizes.
A revisão effectua-se, portanto, como vimos, nã{) em vir-
tude de medida individual, particular, mas de ordem geral, re-
gulamentar, que rege todas as concessões existentes.
ROGER BONNARD (7), tratando .do assumpto, estabelece as
seguintes regras, ainda dent.ro dos principios geraes traçados
pelos autores já mencionados:
1.° - Pode-se decidir sem hesitação que o concessionario
deve supportar os encargos de medidas geraes e que não pode
allegar a onerosidade das mesmas para fugir ao cumprimento
de medidas regulamentares;
2.° - Mais difficil é resolver sobre o direito á indemniza-
ção devida como compensação pelosp·rej uizos provenientes da
aggravação dos encargos.
Alguns autores nãoadmittem a indemnização, sob o fun-
damento de que as modificações regulamentares decorrem de
autorisações legislativas. Outros, porém, entendem que a al-
teração do equilibrio financeiro que servia de base á explo-
ração do serviço, justifica plenamente uma compensação por
parte da administração publica.
O que é certo, porém, é que as disposições regulamen-
tares ou legaes attingem os contractos preexistentes em tudo
quanto não importar na modific'ação de clausulas contractuaes,

(7) RIOGI':R BONNARD, i"récis de Droit 'Administ1'atif, pg. 564.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 337

cuja alteração só po.de ser realisada com a aggravação de en-


cargos que resultem em manifesto. desequilibrio financeiro..
Neste ultimo. caso, ficam os contracto.s sujeitos á revisão
que po.de ser decretada, co.mo. adeante veremo.s, por acto unila-
teral do. po.der publico.
Outro. ponto que se discute é si, po.r exemplo., as tarifas
fixadas pelo contracto. ,podem ser co.nsideradas direito subje-
ctivo. do concessionario., ou si, pelo. co.ntrario, a sua fixação
deco.rre do po.der discricio.nario da administração publica.
A these tem sido especialmente examinada pelos autores
franeezes, que se estendem em largas co.nsiderações do.utrina-
rias de interesse philo.so.phico (8).
O Conselho. de Estado. da França (9) tem dirimido as
duvidas po.r ventura levantadas no senti.do de admittir a natu-
reza regulamentar d'a fixação das tarifas, que po.dem ser assim
mo.dificadas ,por acto. da administração.

o artigo 147 da Constituição e a sua interpretação

A nossa Co.nstituição vigente e a legislação. post-revo.lucio·


naria, notadamente o Co digo. de Aguas, fixam em termos bem
claros o pro.blema entre nós.
O Art. 12 das Dis,posições Transito.rias ,da Constituição de
16 de Julho. dispunha:

"Os particulares ou emprezas que ao tempo


da promulgação desta Constituição. explorarem a
industria de energia hydro-electrica o.U de minera-
ção, ficarão. sujeitos ás normas de regulamentação
que forem co.nsagradas na lei federal, procedendo.-se,
para esteeffeito, á revisão do.s contractos existentes".

(8) Ver GASTÃO JÉZE, Contrats Administratifs; DUGUlT, Les Trans-


formations du Droit PubZic, o mesmo 'autor, Droit Constitutiunnel; BLAE-
VOET, Des Modifications apportées au regime des distriúuticms d'énergie
electrique, in Rev. Dr. Pub" 1926, pg. 53.
(9) PHILIPPE COMTE, E ssai, pg. 82, onde se enoontra a jurispru-
dencia franceza.

- 22
338 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
------------------- ---------
Como se vê, é o pleno regimen da vigencia do Ipoder regu"
lamentar sobre os contractos existentes.
Por sua vez, o Art. 137 da mesma Constituição completan-
do o que dispunha o Art. 12- das Disposições Transitorias,
.determinava:

"A lei federa!" regulará a fiscalisação e a revi-


são das tarifas dos serviços explorados por conces-
são ou delegação, para que, no interesse collectivo
os lucros dos concessionarios ou delegados não exce-
dam á justa retribuição ,do capital, 'que lhes permitte
attender normalmente ás necessidades publicas de
expansão e melhoramento desses serviços" (10).

A mesma cousa dispõe o art. 147 da nova Constituição de


1937, embora com outra redacção.
O exame do texto Constitucional suggere duas questões do
maior interesse, a saber:
a) qual o limite do poder federal ou da lei federal na
regulamentação das concessões;
b) o que se deve entender por justa retribuição do ca-
pital.

(10) O Professor OmWN ANDRADE, (Serviços publicos e de utili-


dade publica, pg. 117) cl1itica eSlSa illter:pr<etaçãlo que demos ás d]sposi-
ções Constitucionaes, pretendendo que, tivessem os a.ttribuid'o ás disposi-
ções transitorias mai-oramplitude do que aquellaque se pode d'ar ao ar-
tigo 137, o que considera, muito acertadamente um absurdo. O que dis-
semos e aqui repetimos é que o art. 12 das Disposições transitorias, im-
po>rta na plena Vlig-encia do p'Oder reglUlamentar sobre os cQlntractoS' exis-
tentes, QU'er dizer que, ,a propria ·Oonsütuição previo o a,rgumento· con-
trario á v-ig-encia dos novos regulamentos sobre os contractos existentes,
invocando-se; pa.ra isso, direitos adquiridos. iE, prevendo o argumento,
lowo ,esclareceu que a regulamenta.ção teria plena efficacia sobl'le os con-
tractos exilstenrl!es devendo ser revistos para -amoldar-se ás d'i'spos'ições da
l,e1 federal. Reporta'Va-se, assim, impiLicitamente. ao artigo 137, que de-
termina a extensão a s-er dada ao poder federal, na regulamentação dos
serviços publicas.
Fica, assim, hem escloarecido o nosso pensamento, um pouco laconica-
mente manifestado na primeira edição ,e, talvez por isso mesmo, mal in-
~erpretado, pelo iUustre professor da Universidade de Minas Geraes.
,O art. 147, da Constituição de 1937, veio, porém, pô-r termo á con-
troversia.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIR:) 339

A) A natureza normativa da lei federal nos assumptos


que inter,€ssam tambem á esphera das entidades politicas me-
nores, é um dos traços caracteristicos da distribuição da com-
petencia entre a União, os Estados e o Municipios.
Temos mostrado por diver.sas vezes como se desenha este
aspecto constitucional na distribuição .da competencia, espe-
cialmente em materia educacional, quando definimos o valor
do plano nacional de educação no conjuncto dos problemas que
interessªm á organização do ensino no paiz e a legislaçãü sobre
o assumpto.
Ha evidentemente umaesphera em que essa competencia
se confunde, devido muito especialmente á imprecisão da de-
finição constitucional e a interpretação que se deva dar ás ex-
pressões usadas.
O artigo 147 da Constituição estabelece uma competencia
para a "fiscalisação e a revisão das tarifas dos serviços explo-
rados por concessão".
Ora, o sentido da Constituição está ,perfeitamente defi-
nido quando, não sómente attribue á União competencia para
determinar as normas, mas ainda procura declarar o que deve
se entender por tarifas justas e razoaveis. E, ao fazel-o, in-
siste em d·eclarar não os direitos dos concessionarios, mas a
limitação a esses direitos com relação ás tarifas.. Estas não
devem exceder á justa retribuição do capital, sem naturalmente
suffocar economicamente a emp:reza, impedindo-lhe de attender
ás necessidades da expansão e melhoramentos dos seus serviços.
A lei federal deve estabelecer, portanto, antes de tudo, o
que se deve entender por justa retribuição do capital, como deve
ser calculado o rendimento legitimo do capital empregado no
serviço; qual a base da sua avaliação; quaes os elementos que
devem ser considerados na determinação dos lucros etc.
Sobre essas bases é que deve ser regulada a revisão dos
contractos.
A' lei federal cabe mais determinar a maneira de fisca-
lizar a execução dos serviços publicos,. a maneira por que são
cobradas as tarifas, colhendo, ao mesmo tempo, os dados ne-
cessarios ao calculo das tarifas sempre sujeitas á revisão.
240 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
--------- -----
Mas se estas normas são geraes e attingem todos os servi-
ços sujeitos á fiscalização, porque o regimen das concessões su-
bordina a empreza ao Estado, em outros casos, certos serviços
obedecem a um regimen especial, dada a sua natureza e ao inte-
resse constitucional que envolvem.
O artigo 143 da Constituição, 'por isso mesmo, abrio uma
situação excepcional com relação ao aproveitamento industrial
das minas e das jazidas mineraes, bem como das aguas e da
ene-rgia hydraulica.
Nesses casos, é o texto constitucional quem o declara, esss
aproveitamento depende de autorização federal.
E' bem verdade que a Constituição só se refere ao aprovei-
tamento das minas e jazidas mineraes bem como das aguas e'
da energia hydraulica, mas não seria licito a outro poder que
não ao da União darem concessão serviços que, de qualquer
forma, importem como elemento essencial, a exploração indus-
trial das aguas, da energia hydraulica, bem como das minas e
jazidas mineraes.
E' preciso, porém, estar bem attento ao systema complexo
traçado pela Constituição, que, por vezes, entrelaça as attri-
buições da União com a dos Estados. Isto se verifica espe-
cialmente, quando, no artigo 143 § 3.° transfere aos Esta'dos
as attribuições constantes do artigo, desde que possuam os ser-
viços technicos e administrativos necessarios.
Quando se verifica essa situação? Quem será o juiz para
verificar o gráo de capacidade dos Estados para satisfazer ás
"necessidades do serviço?
Sómente o Governo da União, a nosso vêr, pois que a at-
tribuição originaria lhe foi deferida ópela Constituição, e, só-
mente por delegação ou trausferencia poderá ser a attribuição
deferida a outra entidade.
Por conseguinte, pode-se concluir de tudo o que foi exposto
o seguinte: Que á União compete, de um modo geral, pelo ar-
tigo 147 da Constituição regular a fiscalização e a fixação dos
serviços concedidos, mas com relação ao 'aproveitamento indus-
trial das jazidas e das minas, bem como das aguas e da energia
hydraulica, cabe-Ihe ainda mais dar a autorização, salvo a.
restricção contida no artigo 143 § 3.° da Constituição.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 1341

FRANCISOO CAMPOS, nos seus já meniconados "Pareceres"


encontra no texto Oonstitucional de 1934, uma tendenda accen-
tuada para entregar a faculdade de autorizar a exploração das
minas e 'quedas daguasaos Estados, ficando a União com o di-
reito de determinar condições que os Estados devem satisfazer
para assumir a responsabilidade por essas concessões.
"Assim, a autorização para o aproveitamento !de
minas e quedas dagua situadas nos limites territo-
riaes dos· Estados, só será dada pela União ernquanto
não votada a lei que prescrever as condições me-
diante as quaes Poderão os proprios Estados conce-
del-a, ou ainida depois de votada a lei, mas neste caso,
tão sómente aos Estados que não satisfizerem as
.condições nella estipuladas.
A pro,pria Constituição reconhece, pois que, em
ultima analyse, a competencia para autorizar a ex-
ploração ou aproveitamento das minas e quedas da-
gua localizadas nos territorios estaduaes deve caber
aos Estados, á União ficando apenas reservada a com-
petencia ide prescrever, em lei especial, as condições
a que os Estados devem satisfazer para poderem en-
trar no ,pleno exercicio de sua jurisdicção sobre as
riquezas naturaes a que ella se refere".

Fica, por:ém, ainda para ser respondida a duvida: quem


será o juiz da opportunidade dessa transferencia?
Sendo a competencia originaria da União, pela Constitui-
ção e pela nature~a dos serviços objecto da concessão, estamos
certos de que sómente por accordo, justificar-se-ia a transfe-
rencia de attribuição da União para o Estado.
B) A outra questão de interesse a ser examinada é aquel-
la que consiste em determinar qual a justa retribuição do Ca-
pital a que se refere a Constituição em seu artigo 147.
Este assumpto será examinado no Capitulo proprio, onde
teremos opportunidaJde de cotejar as differentes orientações
seguidas de accordó com os elementos de ordem technica e con-
tabil que orientam a determinação dos lucros das emprezas de
342 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

serviços e consideram o valor da indemnização nos casos ,de


expropriação ou reversão.
E' o que faremos no capitulo relativo ás tarifas dos ser-
viços publicos.
As disposições constitucionaes acima citadas, portanto,
consagram os principios já fixados anteriormente, relativos á
legitimidade da revisão dos contractos.
Por ahi se verifica que sómente .pela revisão de suas clau-
sulas, poder-se-á chegar á sua adaptação aos principios· legaes
que devem regulamentar o regimen das concessões ou autori-
zações.
O effeito retroactivo, ou melhor, a influencia dessas
normas sobre os contractos em curso, é um imperativo. das dis-
posições constitucionaes acima citadas, exigindo-se a revisão
de taes contractos sómente naquillo que só poderá ser refor-
mad,Q ou revisto por meio de um estudo e exame de condições
technicas, devidamente fixadas pela lei, como, por exemplo.
verificação do custo, fixação de tarifas, etc. Em tudo o mais,
devem ser applicadas as leis vigentes em obediencia aos dispo-
sitivos da Constituição.
Quanto aos serviços e explorações ,que não forem conce-
didos, que não estiverem sendo executados por delegação, mas
por mera autorisação ou licença, dispensavel se torna qualquer
revisão, visto serem oriundos da vontade unilateral do poder
,publico, a quem cabe applicar, :de officio, as disposições legaes
em vigor. A nenhuma dependencia de obrigações contractuaes,
está ligada a administração. Oseffeitos da lei recahem, desde
logo, sobre os que exploram serviços nestas condições.
A lei e os regulamentos constituem as normas,obrigato-
rias, a que todos se devem subordinar.
Não vemos difficuldaJdes na applicação dos principios ge-
raes de direito aos casos individuaes. O que se torna apenas
necessario é o uso do arbitrio technico e administrativo para
a adaptação da lei aos casos particulares (11).

(11) Sobre este a:ssu~tfo, 1} eminente jurista que então occupava a


Pasma da Agri'cuff,tura, dentro de cuj'lIis alttribuJçõoo se acha a de reso.I<ver
tão deHcado assu~to, baiiXou as seguintes i.nJstrucções:
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 343

A alteração das condições de fixação das tarifas presup-


põe um estudo previo, o calculo do rendimento dos serviços
concedidos e do capital investido na concessão.
E-ssa limitação dos lucros é imposta pelo interesse publico
e por isso torna-se legitima. A conciliação dos interesses das

"Lidos e estudados os pareceres até agora emittidos e considerando:


1.0 - que a Constituição mod'ificou profundamente o anterior regi-
me juridico dia propriedade sobre o sub-solo e sobre as quédas dagua, dis-
tinguindo-a da .pl'lopri'edadle do ,solo para o effeito de exploração OUalpro-
veitamento 'rndustriafr - (Artigo 118);
2.° - q.ue a distincção se fez para subordinar tal pro·priooade ás li-
mitações e conveniencias 'impostas pelo interesse sodal ou co~lectivo, na
fôrma do numero 17, do artigo 113; .
3.° - que, pOor força do artigo 119, o "a'proveitamento industrial"
da pJ1o,priedade desdobrada· altnd,a quando seja el1a p,rivadia, está posto sob
a dependenc-ia de autorização 'ou concessão do poder pu'hHco federal, dire-
ctamenteou por delegação nos 'termos do pa'ra~rapho 3.. °;
4.° - qU!e, por isso, a Constituição assegurou ao GovernOo Federal o
direito expresso d,e submetíel-o a todas as exigendas presentes e futuras
do interesse social ou ,eol[ectivo, tanto ás de ordemestrioctamente technica,
como ás de ordem. technico-economica e adminIstr,ativa;
:5.° - que o intuito dess'arte manifestado, plenamente se justifica:
I - pela experienci'a de outros povos, já agora em po·sição difficill
para sysrematizar e radona'lim:r o eIIliprego de suas forças hydrauiicas,
com a possivel obediencia de um plano geral;
II - pelJ!lJs novas d'irectivas traçadas no sentido do aperfeiçoamento
do trabalho colIectivo das nações, sobretudo nas desproVlÍdas de minas car-
boniferas;
6.° - que nenhum inconveniente pôde haV'er na acceitação desse
intu'ito porque eUe, de seu 'turno, se acha disciplinado e contido pela lei,
expressão contInua do equilIibrio das tendencias 'e dos interesses do povo a
que tenha de se applicar, tendencias e interesses normalmente condicio-
nados, nos poaizes novos, pelo empenho de faCÍllitar o emprego de ca-
pitaes em emproezas de ,pr,oducção de energia electrica;
7.° - que no Br,asil a "Lei Federa:l" é que permanentemente regula
dito aprovehamento industrial de quédas de agua, "ex-vi:" do artigo 5.°,
XIX, letra "j", da Constituição, ,embora os seus effeHos se restrinjam
sabi.amente peI'o disposto no artig'o 113, numero 3.°, que os impede de
prejudicar - "o direito adq.uirido, o acto juridico perfeito e a coisa
julgada";
8.° - que a Constituição, porém, exceptuou da dependoenCÍ'a de auto-
rização ou concessão o aproveitamento das quédas dagua já utilizadas in-
dustrialmente na data de sua promulgação (artigo 119, parag,rapho 6.°),
d1essa maneira subtr.!lJhindo-o á possibilidrude de ser transferido, pela Ad-
ministração F'ederal, das pessoas physicas ou juridiocas que o já detinham;
9." - que, na especie em exame, o direi.to adquirido perante o qual
devem cessar os effeitos da llei federal nova, é o do aproveitamento in-
dustrial das quédas dagua dentr'oo das condições e~tabelecidas pelas con-
cessões federaes, estadoaes ou municipaes, - ou pelos contractos de natu-
reza privada, por que se ordenava dito aproveitamento ao ser iniciado;
344 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

emprezas com os do pu.blico é assumpto melindroso e s6 ,pode


ser attingido dentro de um criterio geral a ser fixado pela lei
federal.
A limitação dos lucros, a fixação das tarifas, as condições
de fiscalisação impõem uma organisação e um apparelhamento
technico da mais alta relevancia.

. 10: 0 - que :~sas condições, insusceptivei,s de alteração por acto ad;mi-


nLstratlvo, da U~1i'ao, SalIvo OIS de poder de poHcia, podem soffrer todavia
as v,ariações recLamadas pelo interesse publico, desde que dete~.nadas
pelo Pod·er Legislativo feder·al e que não eÇJ)cluam o interesse industrial
rn,:evisto ~ara o. aproveitamento da quéda dagua, cil'cumstancia esta que
nao se flx;a afInal senão mediante apreciação do Poder Judiciario em
cada caso;
11. 0 - que, com effeito, em se tl'atando dos direi.tosadquiddos rela-
tivos á ordemeconomica ou patrimonial, a garantia juridica que lhes as-
segura ,a exigiibiUdade ,sobco·acção de força publioa, não resulta doacto
em si, de sua acquisição e sim do regime legal que admi,tte e .condici~
em abstracto, {} "direH!o" a adqui'rir-,se, não sendo o acto de acquisição mais
do que a condição de applicação da lei;
12.
0
que, cO[1segui,ntemente, as modificações, operadas no regime
-

legal do direito a.adquirir-se, visto em absfracto, ·a,pplicam-se, desde Ioga,


ao sy;stema do ,exercÍ'Ci'o do.s direitos já adquiridos, de identka: espeéie;
13. o - que, o que a leI nova não póde é modificar aquellas condições
de exerc1:d,o liVl'e e contractualmente estatuídas pelas partes interessad·as
no acto de acq,âsição, quando taes condições tenham sido perrnittidas pela
lei vigente ,ao tempo de sua pratica;
14. 0 - que,alinda 'anally<sando 'o assel'Í'O do item 10, a prvncipral con-
dição de exercicio de um direito pel'tinente á ordem economicacomo o de
aproveitamento 1ndustrial de quéd.as dagua, é ,a da producção das vanta-
gens normalmente pl'evisiveis para o' seu estabelecimento;
15.0 - que se :assim acontece de ordinario e de um modo gera!t, no
atti'nente á hypOothese ,em ex;ame, a: indagação ca:rece de importanCÍoa por-
que aCooflstituição, no artigo 12, doas m'sposições Transito rias, expHcita-
mente suspende o 1:Hsposto no artigo 11J3 numero 3, para o fim de sujei-
tar ·os lexceptuados no p'aragrapho sexto, do artigo 119, "ás noromas de re-
gulamentação qu,e forem consagradas ,na lei federal", par.a o que se pro-
cederá "á revisão do,s contractos eX!Í'stentes";
. 16. 0
- que, pal'ia a boa comprehensão dos textos constitucionaes ci-
tados, maxiomese posteis de rellllçoo com o art~ 137 á luz dlo enunCÍ'ado
do thema em .analyse, faz-Soe essencial distinguir "autorização" ou "con-
cessão", para aproveitamento indw;trial de quédas dagua, de "concessão"
ou "delegação" pa'l'a exploração de serviços publicos;
17.0 - que no aBusivo á 'exp~o'ração doe "serviços pubHcos", a "con-
cessão" pode ser, ou não, federal, sendo por vezes estadoal, f' maJis frequen-
temente mllmicipal, segundo as condições para taes serviços instituidas
na lei estadorul de oI1g·animção dos municípios;
lK
O
- que a atribuição dada á União peloo a,rtigo 137, palia regu-
lar a fiscalização e ·a revisão de tOJrifas, não é da oompetencia do Poder
Executi'vo mas do ,po~er LegIslativo e sómente a'brange as "concessões"
ou "deIegações" de serviços publicos, ficando ipso facto subentendido que
â União cabe apenas dispor legislativamente sob1'e a maneira pela qual se
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 345

Deve.,.se ao eminente Ministro 'do Tribunal de Contas, hoje


infelizmente aposentado, Alfredo Valladão, um es,tudo detalha-
do das possibilidaJdes de sua adaptação entre nós.
Ao elaborar o Co digo de Aguas, como relator da Sub-
Commissão legislativa nomeada pelo Governo Provisorio, pro-
duzio o eminente juris,ta um trabalho que esgotou por assim
dizer o assumpto, fixando as bases de uma organisação que

~evem ef{ectuar .e sobre as bases e limites a que devem obedecer, compe-


trndo ao -poder .concessor", o encargo Iegal de reruNsal-as, reaJ.izando-as a
AJdministr'ação Federal tão só quando se trate d'e "serviços" de sua pro-
pria concessão;
19. 0 - que, se assim não fosse, ,sem alcance pratico fioariJa a auronQ-
mi,a d'os Es,tadOiS e dos MW1icipios visto ser funcção primacj.al de suas
adrnlinllstrações a de liv:remenre decidir s,obre os serviços publicos exig~dos
pelas collectivida<les a cujos interesses taes administrações por definição,
se d,evem deV'otar;
20,0 - que, á Vli:sta disso, as "normas de regulamentação", ref,eridas
pelo artigo 12, são as de exigencj.a possive1 nos "contractos" de "con-
-cessão de aproveitamento" de quédas qagua de dominio publico ou de "con-
cessão de serviços ,pubHco,s" com emprego de quédas dagua consideradas
de dominio privado, mas tão sómente na paNe em que taes contractos se
refiram ao aproveitamento industrial das menciona<las quédas, nunca po-
rém na parte em que disponham sobre 'a maneira especifica da execução
dos ditos serviços publicos, menos ainda na I'efeI'ente ás tarifas de con-
sumo de energia electrica, que pelo artigo 137 fic-am sempre sujeitas a
revisões na fórma indica-da pela lei a s.er ,elabor.ada;
21. 0 - que o IHmLte de applicação das "normas ou regulamentação"
estabel'ecidas pela lei nova, tem que variar dea'ccordo com as circumstan-
das, afim de que não prejudiquem o minimo dos interesses normalmente
prevlstos para o apI'oveHam.ento j,nd·ustri,al das respectivas qu&:las dagu-a,
nisso consistindo ,o direito adquirido expressamente resalvado pelo para-
grapho 6.", do artigo 119, combinado com a imperativ-a disposição do
artigo 12, das Dispos,jções Transitorias;
22.
0
- que. á vi,sÍlt disso a revisão exp1icitamente determinada por
este ultimo t.exto da Constituição Flederal nã·o poderá ser Ievada aos
prazos que os "contl1actos" 'estabeleçam para a util-ização da quéda dagua,
quando excedentes dos marcados peLa lei nova, pois, pelo commum. as
insta Ilações para a1prov-eHamento industrial de quéda dagua se fazem at-
tend,eooo-se ao tempo de -amo,rtiza~ão dos capitaes empregados, salvo se
a lei nova permittir augmentos compensadores nas tarifas de consumo
de energia;
23. 0 - que na ausencia de prazo para a utilização da quéda dagua,
cUI11iPre respei'Íar, por identico motivo, o das "concessões" dos serviços pu-
blicos para os quaes se operou o aproveitamento e em cuja organização
este -assume caraCter de accessorio;
24. 0 - que nos casos <le aproveItamento indumial de quéda dagua
sem "concessão", "autor.i21ação" ·ou "conÍ'l"acto", imprati.cavel s'e torna a
applicaçã.o do artigo 12, cujo texto só se refere a revisão de contractos,
devendo-se em tal hypothese distinguir:
346 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

infelizment€ não mereceu a approvação do Governo dis-


cricionario.
E talvez devido a essa lacuna do nosso Codigo de Aguas,
não teremos um regimen de contrôle das emprezas de serviços
publicos exploradores da industria hydro-electrica á altura das
necessidades do nosso paiz.
Esperemos, no entretanto, do orgão legislativo competente,
o reconhecimento das vantagens de organisar-se entre nós um
apparelho technico com as indispensaveis condições de indepen-
dencia e autoridade para lutar contra os interesses das podp
rosas organisações financeiras extrangeiras que exploram no
Brasil a maioria desses serviços.
Sustenta o Ministro ALFREDO VALLADÃO, Ide accordo com
a experiencia dos outros paizes, notadamente da Allemanha e
dos Estados Unidos, que o systema de concessões deve ser o
caminho para a socialização potencial das emprezas de servi-
ços publicos. Isto, ,porém, só poderá ser attingido com a maior
intervenção do Estado na regulamentação e fiscalisação Idos
serviços.
A disparidade entre as tarifas cobradas, nas diversas loca-
lidades (12) ,aelevação crescente· dos lucros, os abusos con-
sequentes á falta de fiscalisação das emprezas concessionarias,

I - os casos de apr.oveitamento iUegitimo, para .os quaes não preva-


lev·e a exoepção d.o paragrapho 6.° ,do artigo 19, pois injuridico seri.a as-
segurar-se protecção constitucional a um facto irHegal;
II - ·os de aproveitamento legitimo ou tolerado, mas não· sujeHo a
quaesquer condições contractuaes, casos em que integralmente se appli-
cam os dispositivos da l'ei nova, restringindo-se o benefici.o da e~cepção
criada pelo paragrapho 6.°, do artigo 119, a occupação da quéda dagua,
que não poderá ser concedüda a outrem;
25. 0 - que ass·im tem que ser, pois, do contrario, estariam esses
aproveitadores 'irregulares de quéd.as dagua mais' protegidos peLa lei do
que os que, a 'esta .obediente, se apr'essaram em legalizar por vi·a contra-
ctual os seus aproveitamentos, o que de' maneiora alguma poderia esta'r
nos propositos da Assembléa Constituinte.
Tudo posto., determino que o ServIço de A,guas, do Departamento Na-
cional de P,roducção M1neral, formule as instrucções a serem bai~d.a'S
pelo Ministro para e~ecução d.o artigo 12 d,as Dispos'ições Tl1ansitorias, da
Constituição Flederal em exacto accordo com as considerações acima ar-
ticuladas. - Rio de Janeiro, 16 de Novembro de 10015. - Odilon Braga".
(12) 'São do parecer eLaborado pelo Ministr.o A. V~Uadão os seguin-
tes dados:
J Al\iES MALOONI (National Municipal Review; Flebruary, 1929), traz
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 347

levaram os paizes em que a intervenção do Estado é mais ac-


centuaJda a estabelecer normas que felizmente tornaram-se le-
gitimas entre nós pelas disposições constitucionaes acima ci-
tadas e que, como veremos adeante, tiveram consagração no
Codigo de Aguas já vigente.
Effectivamente, o mesmo Codigo estabelece, para as con-
cessões de serviços de exploração da industria hydro-electrica,
normas severas.

Assim, o Art. 163 determina:


OI!!" .. ,.;..,
!''':::': ::. -'-' ~ ,-" ...
"As tarifas de fornecimento da energia serão
estabelecidas, exclusivamente, em moeda corrente do
,pais e serão revistas de tres em tres annos".

Por sua vez, o Art. 180 do aIludildo Codigo estabelece o


seguinte criterio para a fixação das chamadas "tarifas ra-
zoaveis" :

I - Sobre a somma do serviço pelo custo, levando-


se em conta:
a) todas as despezas e operações, impostos
e taxas de qualquer natureza, lançados
sobre a empreza, excluídas as taxas de
beneficio;

uma tabeHa muito interessante, comparando a conta correspondente ao


consumo médio mensal em cid,ades da mesma população:
Consumo
mensal Conta Conta
CLdades de Ontari'o médio em média Cidades de New York média
K.W.H.

28.000 hbs. Brantford 122 $1.84 Kingston .... (28.099) $ 7.68


52.600 hbs. Windsor . , . 125 $2.32 Troy ........ (72.223) $10.00
63.300 hbs. London .... 116 $1.77 Schenectady (92.0.00) $ 5.84
122. 240 hlbs. Hamilt,on . . 109 $1.74 UHca ....... (101.&00) $ 7.15
118.000 hbs. Ottawa ... . 179 $1.75 Albany ..... (117.820) $14.32
542.190 hbs. Toront,o .. . 94 $1.63 Buffalo ..... (538.016) $ 4.36
IElsta differença de ta'rifas do serviço domestico se nota da mesma
fôrma no serviço commercial; no iIIldustrial, para grandes consumos men-
saes, a differença é menor, mas sempre sensível.
348 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

b) as reservas para a depreciação;


c) a remuneração do capital da empreza.
II - Tendo em consiideração, no avaliar a pro.prie-
dade, o custo historico, isto é,. o capital effe-
ctivamente gasto, menos a depreciação.
III - Conferindo justa remuneração a esse capital.'
IV - Vedando estabelecer distincções entre consu-
midores dentro da meSma classificação e nas
mesmas condições de utilisação do serviço.
V - Tendo em conta as despezas de custeio fixa-
das annualmente :de modo semelhante.

A questão do custo historico é das- mais relevantes, porque


evita a especulação em torno da valorisação que beneficia ape-
nas o concessionario aproveitando este de uma situação for-
tuita' (13). O custo historico corresponde precisamente ao
capital investido na empreza.
O professor ANHAIA MELLO tambem, em um trabalho de
alto valor, examina o assumpto com larga proficiencia, ba-
seando-se em opiniões e dados, largamente examinados no ex-
trangeiro, notadamente o Electricity Act de 1926 (14), que é
a lei ingleza vigente sobre o assumpto, e da qual tiramos va-
liosos elementos para o criterio consagrado no nosso Coqigo
de Aguas.

(13) Ver o capitulo seguinte:


(14) Apud AlNHAIA MELLO, P.roblemas de urbaniMno "The price
shall be asum 110 flle calpi.tal properly expended for thepromission of the
Ia.lIid, buildings, worlM, material and planrts in ~, OT available and suj.ta~
mIJe f.or use et the time of the purchalse, less d~recitatj.o.n".
CAPITULO VIII

TARIFAS

~ixação d'e tari:fas (continuação) - Custo histori'cü e custoO


actual - A justa remuneração do capital e oos melho-
ramentos do serviço - Competencia do pOder judicia-
rio - As coOrmnissioons do direito americano.

A fixação das tarifas talvez seja o problema mais: difficil


de quanros interessam o regimen de concessões. Os interesse.:!
em jogo deformam muitas vezes o verdadeiro sentido do pro-
blema, e transformam uma questão q.ue énvolve essencialmente
o interesse publico, em um problema em que o criterio com-
mercial (1) sobr€leva ao estrictamente economico e social.
Não se ,pode mais pôr em duviida, entre nós, deante das
novas disposições constitucionaes (2), a legitimidade da fixa-
'ção das tarifas, e sua revisão pelo poder publico. Seguimos,
assim, a trilha da moderna legislação americana.
O effeito retroactivo, isto é, o seu effeito sobre os con-
tracros em custo, é hoje geralmente admittido porque decorre
de :disposições regulamentares, alteraveis por motivos impe-
riosos de ordem publica (3).

(1) THEODORE DREISER faz, em seu livro "L'Amerique tragique", a


critica sever.a dos interesses em choque na fixação das tarJfas e no con-
trôle das emprezas de utilidade publica.
(2) Constituição Federal, art. 147.
(13!) Ver Regulation Df Public Utilitie8, pür CASSIUS M. CLAY, pa-
gina 109. J. BAuER, Elfective Xegulation of Public Utilities.
350 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
-------------------------------------------------
Este assumpto, aliás, já foi devidamente explicado no ca-
pitulo anterior, onde mostrámos a natureza puramente regula-
mentar da parte dos contractos de concessões que interessa á
fixação das tarifas.
De conformidade com o artigo 147 da Constituição a lei
federal deverá regular a fiscalização e revisão das tarifas dos
serviços explorados por concessão ou delegação para que, no
interesse collectivo

"dellas retire o capital uma retribuição justa ou


adequada, e sejam attendidas convenientemente as
exigencias de expansão e melhoramentos desses
serviços" .

Qual a Iparte que o publico pode exigir na fixação das tari-


fas? Quaes os Idi.reitos que podem os concessionarios plei-
tear, em beneficio do seu capital invertido na empreza oi
. São essas as questões que deve a lei federal, em uma ana-
lyse, resolver afim de orientar o poder competente na determi-
nação, nos casos concretos, do preço dos serviços concedidos.
A justa retribuição a que se refere o dis.positivo Consti-
tucional está alli subordinada a diversas condições, a saber:
a) que não exceda ~ justa retribuição do capital;
b) que essa justa retribuição do capital comprehenda
uma certa margem que permitta attender normalmente ás
necessidades publicas de expansão e melhoramento desses
serviços.
De accordo com esse criterio a justa retribuição do capital
deve attender principalmente á natureza do serviço, ao tempo
em que fôr realizado e ás condições locaes.
Deve a fixação da tarifa attender ás necessidades do des-
envolvimento do serviço, ou, pelo menos, a um lucro que per-
mitta a renovação do material em beneficio do proprio serviço
e do ,publico.
Como observa muito bem ODILON ANDRADE (4), a retri-
buição deve attrahir a inversão do capital e o capital só será

(4) Serviços publicas e de utilidade publica, pag. I3Q.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 351

attrahido si o juro não ficar aquem do que encontra em condi-


ções correntes de garantia.
E' preciso, porém, não levar a excesso o interesse pela re-
muneração do capital porque isto ,poderá levar ao sacrificio do
publico. Nesses casos é que melhor se verifica a contingencia
da municipalização dos serviços publicos supportando o poder
publico a responsabilidade ,pelos deficits da empreza.
O professor FRANCISCO CAMPOS (5) cuja opinião sempre
invocamos devido ao estudo consciencioso que fez do assumpto,
. cita em abono da these ,sustentada por aquelles que levam em
conta, na fixação das tarifas a necessidade de novos capitaes
indispensaveis á expansão e melhoramento dos serviços, as de-
cisões da Côrte Suprema, no caso Bluefield Water Works, já
por nós mencionado e o caso Black River Te!. Co. onde a Com-
missão dos serviços publicos declarou:

"Devemos determinar qual a remuneração suf-


ficiente para permittir á Black River Telephone Co.
a manutenção do seu credito, de maneira a lhe tornar
possivel pela confiança na sua posição financeira,
obter o capital necessario á extensão reclamada aos
seus serviços".

E-ste capitulo encerra um dos aspectos, mais difficeis e me-


lindrosos da intervenção do Estaldo nas suas relações com os
concessionarios dos serviços publicos, ,pois que falta um cri-
terio seguro e definitivo que permitta determinar com precisão
qual a remuneração do capital que corresponde aos justos inte-
resses da empreza sem attentar contra o interesse do publico.
Nem sempre é possivel predeterminar siquer as taxas dos
juros, porque estas variam de accordo comas peculiaridades
de cada paiz e coma situação financeira e economica que oscil- '
]a consideravelmente, reflectindo-se sobre a situação dos ca-
pitaes. Por outro lado, d,esde que se trata de levar em contaf
o melhoramento do serviço, ainda aqui toma a questão maior

(5) Parece1'es, segunda série, pag. 191.


252 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

com; ~exidade pela oscillação dos preços do material, o aug-


mento dos salarios e outras condições inclusive as contribui-
ções das emprezas para as caixas de seguros sociaes, reduc-
ções de horas de trabalho etc.
Todos esses argumentos levam, necessariamente, a reforçar
a these da municipalização para evitar que as tarifas to:rnem-
se confiscatorias, não para as emprezas, mas para o publico em
geral.
Muito sabiamente declarou, portanto, o texto constitucional
que, em beneficio do interesse publico, os lucros NÃO DEVgM
EXCEDEH A JUSTA REiTRIBUIÇÃO DO CAPITAL. Con-
sagrou, portanto, antes de tudo, o interesse publico. Apenas
assegurou, aos concessionarios, tarifas que não representam o
anniquilamento do capital empregado e dos serviços objecto da
concessão.
Passando do dominio da theoria ,para o das realizações le-
gislativas, devemos examinar o que têm a jurisprudencia e a
legislação considerado - tarifa razoavel.
A Jurisprudencia americana tem oscillado entre o valor do
custo e o valor de serviços (6).
O nosso COIdigo de Aguas procurou resolver uma das faces
do problema em seus artigos 180 e seguintes, seguindo a dou-
trina mais corrente nos paizes que vêm applicando o systema.
A tarifa deve ser calculada levando-se em conta os seguin-
tes elementos:
a) todas as despezas de operações, impostos e taXas, ex-
cluidas as taxas de beneficio;
b) as reservas para depreciação (7);
c) a remuneração do capital.

(6) L. R. NASH, The Econ011'lic of Public Utilities, pago 121.


(7) L. R. NASH, op. cit., pags. 201 e seguintes; KnoxviUe Water
Co., 212, U. S. 1; Mlinnesota &ate Cases, 230, U. S. 352; Re Pioneer
Telephone & Telegraph Co., 118 Ps. 354; Re Bonbright, 210 Fed. 44;
Re KJings Connt LTghting Co., 156, A..pp. Div. N. Y. 603; Gonsolid,ated Gas
Co. Vis. Newton 267 Fed. 231.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 1353

o systema em vigor entre nós tem assim uma vantagem


desconhecida :Q.os Estados Unidos, qual seja a da existencia do
criterio legal para avaliação das tarifas.
Naquelle paiz, grande parte das duvidas decorrem preci-
samente da falta de uma definição exacta do que se entende
por "tarifas justas e equitativas". A determinação exacta
dessas tarifas fica, assim, ao 'arbitrio das commissions, que
seguem onze theorias Idifferentes.
Como vimos, porém, a nossa lei de Aguas estabeleceu as
bases dessa fixação de tarifas em termos bem -claros, a saber:
"Art. 180 - Quanto ás tarifas razoaveis" afinea b) do
art. 17S, o Serviço de Aguas fixará, triennalmente as mesmas:

, r - sobre a soinma do serviço pelo custo levando-se


em conta:
. a) todas as despezas de operações, impostos
e taxas de qualquer natureza, lançados
.sobre a empreza, excluidas as taxas de
beneficio;
b) as :reservas ,para a depreciação;
c) a remuneração do capital da empreza.
II - tendo em consideração no avaliar a proprie-
dade, o custo historico, isto é, o capital ef-
fectivamente gasto menos a depreciação.
IIr - conferindo justa remuneração a esse capital.
IV - vedando estabelecer distincção entre consu-
mido:res dentro da mesma classificação e nas
mesmas condições de utilisação do serviçll.
V - tendo em conta as despezas de custeio fixadas
annua.hnente de modo semelhante".

A lei organica do Districto Federal, votada pela Camara


dos Deputados em 1935, estaheleceu eg"almente criterio geral

- 23
354 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

para fixação de tarifas (8); segundo o alludiído dispositivo,


as tarifas dos serviços de utilidade publica explorados por con-
cessão ou delegação deverão ser fixados de modo a permittir
uma remuneração justa para o capital nelle investido e garan-
tir a permanencia e continuildade dos serviços locaes e compati-
veis com as exigencias da collectividade.
A generalidade da norma está, pOI1ém, sujeita a inter-
pretações e duvidas que' têm constitui do objecto dos maiores
debates.

COMPETElNCIA DO PODER JUDICIARlO

Mas, haverá recurso idas decisões sobre tarifas para o Po-


der J udiciario ?
Nos E,stados Unidos, ainda aqui a questão revestiu-se de
.gravidade excepcional.
A revisão das decisões proferidas pelas Commissões tem
sido admittida pelo POIder Judiciario. Não tem sido faci1, en-
tretanto, fixar os limites das attribuições peculiares a cada um.
O Poder Judiciario dentro de suas attribuições ampliadas
pela applicação do chamado "due process" (9), arrogou-se,
muitas vezes, a faculdalde de entrar no exame da solução eco-
nomica ,proferida pelas Commissões, revendo até o systema
preferido para a fixação das tarifas (10).
Superpôz-se, porém, o Judiciario, nestes casos, á sua
funcção especifica, que se limita apenas ao julga.mento da le-
galidade ou constitucionalidade da applicação da lei, fugindo
á apreciação Ida justiça ou legitimidade do criterio economico.
As Côrtes americanas têm tomado sobre si a competencia
de revêr certas tarifas quando não compensadoras e nisso tal-

(8) Art. 38. '.


(9) .REED POOWELL, The Supreme Court and the Constitution, 1919-
1920, Polítical svience quartely, XXXV, dezembro 1920, pag. 439, define
"due process" ·aquillo que a Côrte Suprema decloara como ta~. Ver taJl1bem
LAMBERT, Le Gouvernement des Juges, pags. '57 e seguintes.
·(1'0) FlRANCISCO CAMPOS, Pareçeres, pg. 21011 ;CLAY, Re.gulations of·
Public Utilities, pg. 47, dtando o Pl'óf, JOH-N GRAY, The Sta.te Abdicotes,
Procedings of the Academy of Political Science, voI. X,IV, pg. 61. .
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 355

'vez tenham fugido á sua funcção especificamente judiciaria.


E' preciso, todavia, reconhecer que as suas decisões se têm
.orientado no sentido de attribuir ao poder competente a fa-
.culdade exclusiva ide fixar tarifas. Apenas quando injustas,
desarrazoadas, confiscation rates, é que se tem arrogado com-
petencia para invalidar os actos das Commissões (11).
No caso Interstate Gommerce CQmmission vs. Union pa-
.cific Rai1tway Co., assim definiu a Suprema Côrte a sua po-
'sição no julgamento dos recursos interpostos das decisões pro-
-feridas :pelas Commissões (12).
As decisões proferidas pelas Commissões :devem ser tidas
·como finaes, excepto:
1.0 - .quando estejam fóra da competencia das referidas
'Çommissões, competencia conferida pela Constituição ou pelos
:Estatutos;
2. 0 - quando tiver por fundamento o recurso um erro
.de direito;
3. o - quando as tarifas fixadas forem verdaJdeiramente
'confiscatorias o que importaria na apropriação indevida da
propriedade pelo Estado;
4.0 - quando manifestamente injustas as tarifas, ou fo-
-rem fixadas sem as devidas provas e outros elementos de in-
:formação;

(11) Vler NASH, The econorruic of Public Utilities, pg. 138;PREN-


'DERGAST, Public Utilities and the people, pg. 29,7; H.AINES, The American
Dootrine of Judicial Supr~macy, pg. 322. FiXa.nd,o a competencia dos
'TribunlVes e das Oornttnissrvons, diz o Pmf. PELGRUM: "The functú'olll of the
·Oorurts is ,to l'!ly down the ibas'us of confiscation; to set the ~l'r.ed'llci.bIe mi-
-nimum below whiich CommilSsions may oot legruH:y go in determming ra-
tes. .. The duties of reguLay bodies J;s not the negative one Ílx:i,ng r!lltJes
'which mlerely escape c01llfiscation, but raAlhe.r the positive druty of fixing
'which are ap'equalte from abusiness sliaJlldpoint" (.Legal versus Economic
-Princip.1es in Utility Vialuation,) The Journal of Lanr and Publio Utility
:Economics, VI, p.g. 127 (M.ay-August, 1930).
(12) O Juiz d.a Oôrte Suprema, CARDO:ZO, e:x;amínou a questão em
:um trabalho publiiclIldo ·na YaleUniversity Press (1921), The Nature Df
.the Journal Pr.ocess, apud GLAY, Regulation o/ public utilities, pg. 88.
356 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

5.° - si a autorildade agiu com manifesto abuso de poder


ou usou de modo injusto e arbitrario de suas attribuições (13) ~
. E' esta, em synthese, a orientação da Suprema Côrte Ame-
ricana, na fixação de sua competencia jurisdiccional quanto
ao julgamento dos recursos interpostos das decisões proferidas
pelas Commissions.
Mas, pergunta-se, poderá o nosso Poder Judiciario leva:r
a taes extremos as suas attribuições no julgamento dos recur-
sos por ventura interpostos Idas decisões sobre tarifas ou da sua
fixação ;pelo poder publico?
Não. Não nos parece, pelas seguintes razões:
No projecto do Codigo de Aguas, a competencia judiciaL
estava fixada nos arts. 249 e seguintes (14).
/

(13) Apud Parecer sobre o Codigo de Aguas pelo seu reLator na'
Sub-'Commissão Legi.slatirva, Ministro Alfredo Valladão. pag. 5131.
Art. 249. Das dedüsões da Connn.issão, nos termos do paragrapho
seguinte, haverá recurso:
a) para o Supremo Tribunal F'ederal, d,as decisões proferidas pela
Oommissão Federal de Forças, Hydraulicas originariamente ou em gráu
de recurso de suas ,delegações.
b) para os Superiores Tribunaes de Justiça dos E1stados; das deci-,
sões profer.idas pelas Comrrnissões Estadua·es.
§ 1.0 10 'recurso só terá lugar si as ,decisões:
a) infringirem preceitos constitucionaes;
b) est'iwrem fóra dos poderes que foram conferidos ás mesmas'
Commissões,' p'eTas respectivas leis :l'.ederaes ou estaduaes;
c) forem baseadas sobre um erro de direito;
d) consagrarem tarifas tão baixas, que cheguem a ser confiscatorias
para as emprezas, ou tão altas que cheguem .a ser confiscatorias para o,s.
consumidores, violando a prohibição constitucionlllL da apropri·ação da pro-·
priedade sem ·0 processo legal;
e) as mesmas Commissões agirem com tamanho arlbitri.o, que fixem
tarifas c.ontrarias á prova, ou ·sem prova.
§ 2.° Não é permittido esse r.ecurs'o, ·si as partes .antes não h(}Uve-·
rem recorrido para as proprias COIml1'issões. .
§ 3.° O recurso ,poderá ser interposto dentro do prazo de 30 dias,
depois de intimadas as partes, das decisões d.as COill1!ll1Jissões.
§ 4,° O recuI"SO penuente dos Tribumes JudLciarios não SIIlspende'
as decisões das Oornrrnissões, salvo si, ·a seu criterio, as Commissões ou
os Tribunaes o detenninarem, depois de devida notifIcação, e caução pres-·
tada pela parte.
§ 5.0 Si QS Tribunaes Judiciarios no exame do processo reconhecem.
que a prova apresentada é differente da que foiofferecida á Commissão,
ou é uma prova a.dicional, deverá devolver {) processo á Oommissão, para.
que esta o examine procedendo a novo julgamento como primeira· instancia
(14) Ver a nota anterior.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 357

o Codigo de Aguas, preferia, porém, dar feição puramente


administrativa ao serviço, integrando-o dentro dos orgãos nor-
maes e communs da administração publica. Com isto, porém,
tirou o prestigio e a autonomia do apparelho que tem de en-
frentar os vultosos interesses das emprezas de serviço publico .
.os resultados dess~ solução parcial não se farão esperar.
Segundo nos parece, porem, e apezar disso, o Poder Ju-
diciario poderá apreciar, a:penas, da legalidade dos actos admi-
nistrativos, da applicação da lei, e não da sua bôa ou má ap-
plicação, como, igualmente, não poderá apreciar da justiça ou
injustiça doacto, ou do criterio economico preferido para attin-
gir o objectivo visado pelo Codigo, quando manda fixar as ta-
rifas.
Pode-se impugnar perante o Poder Judiciario a validade de
uma decisão administrativa que preferiu o custo actual ao
">Custo historico; que deixou de levar em conta no calculo da
-tarifa a depreciação, ou que deixou de computar as rdespezas
de 'ope!"ações, impostos, taxas, etc., mas nunca se poderá ter
-camo illegitima por illegal a decisão que considerou ser esta
'e não aquella a mais justa remuneração do capital, ou que pre-
-feriu este a outro qualquer processo de escripturaçJo ou pro-
.cesso technico de contabilidade para attingir o objectivo de-
terminado ,pela lei.
E" preciso, assim, distinguir o ponto de vista technico do
aspecto legal,porque, dentro daquelle, se enquadra a funcção
.disericionaria de apreciação technica, vedada ao julgamento
tdo Poder Judiciario.
Fóra dos limites deste trabalho es,taria maior desenvolvi-
:mento da materia, IDÓrmente quando esta, pode-se dizer, ainda
:não teve applicação. As duvidas, as questões, as divergencias,
::sómente a 8pplicação da lei poderá resolver em definitivo .
.Aqui ficam 31penas como observações de caracter geral, as di-
l"ectrizes que nos parecem mais eonsentaneas com a indole do
nosso regimen, e que, a nosso vêr, deverão orientar o poder
publico.
OAPlWW IX

CLAUSULA OUiRO

A Clausula Ouro e os Contractos de Concessões de Servi-


ços Pu'bJtioos - A E~tincção do Curso Forçado e a sua,
InfluencIa sobre os Contractos em Ourso - Os Decre-
tos do Governo Provisorio, de 1933 - A J urispruden--
cj.a' dos Trubunaes Americanos e da Côrte Internacional.
em Haya.

A questão do pagamento em ouro, ou melhor, da estipu--


lação nos contractos, de remuneração integral ou parcialmente
em ouro, interessa fundamentalmente ao estudo do direito ad-
ministrativo em, nosso paiz, porque taes estipulações são com-
muns, não só nos, contractos de serviço publico, como ainda
nas compras de mercadorias adquirid'as no extrangeiro, e mes-
mo em certos impostos ou tarifas alfandegarias.
Quasi toldos os contractos, principalmente os de forne--
cimento de energia electrica, e de gaz, fixam tarifas integral
ou parcialmente em ouro, sob o pretexto de, por esta forma,-
remunerar a acquisição de materiaes comprados no extran-
geiro, e portanto em ouro, bem como de evitar a fluctuação das
tarifas, e a variabiHdade dos preços em consequencia das os-
cillações cambiaes (1).

(1) SIlV".oN PIROTTI - La cluuse oro


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 359

. A legitimidade de taes estipulações presu;ppõe entretanto,


um regimen monetario ide curso legal em que a moeda ouro tem
o mesmoeffeito liberatorio da moeda papel (2).
Desde que, porém, foi decretado o curso forçado do papel
moeda perdeu. a moeda ouro o seu poder liberatorio e, conse-
quentemente, foram prohibidas as estipulações contractuaes
que autorisem ou imponham o pagamento em ouro.
Não cabe aqui discutir a conveniencia ou não das theorias
financeiras em voga. O que se deve apreciar é apenas a legi-
timMade da extincção dos pagamentos em ouro, ou da decre-
tação do curso forçado do papel moeda, bem assim as suas con-
sequencias na vida administrativa do paiz.
Essa distincção agora feita decorre apenas da necessidade
de examinar exclusivamente o valor juridico :da moeda, e não
o seu valor economico, ou, como diz ScADUTO (3), o seu valor
nominal e não o seu valor de troca.
O valor economico da moeda,a conveniencia de sua fixi-
dez, as medidas que devem ser tomadas para a sua estabilidade
e valorisação, são questões que se acham dentro da esphera da
economia e das finanças, que preexistem e servem de base ao
exame do ;problema legal.
Como demonstra NUSSBAUM (4), a estipulação da clau-
sula ouro é frequentemente objecto de intervenções legislativas,
que são tão legitimas e se justificam tanto quanto á da expor-
tação ;do ouro, do calculo do agio ouro, etc.

(2) R. LAWSON - Les destinées nouvelles de la clause de paie-


ment en Or et de ses succedanés.
(3) Il debiti pecuniari e' il deprezzamento monetario, pags. 24 e
segs. ",Se sotto n riguardú economico il v.alore deI denaro é dato dalla
sua poteIll2la dj acqu~sto, sotto il dgua'l"do giuI1idic() iJ valoo.re del denaro é
quello attribuitogli deU'ord'inamento giuridico. Giá MbLINEO riconosceva
che il V1a~()re delle monete, come mezzo giuridieo dei p.wgamentt dev'esse-
re regolato clella legg.e, perehé questa ad esse dá appunto queI.la destina-
zione. In ques<to senso, qualunque sia la base sulla quahle la legge fissa
il vallOre, g.i tratta sempre di un Vi8Jlore legale. H v·al()re IegaIe é di regola
il vaIare 'nominaIe, e dó sp'Lega l'identificazione corrente tra essi': ma l'or-
dinamento giuridko puó acogliere come vaIore deIla moneta, e quindi
come vaIore legale ·alternativamente, o i1 vaolore metaIlifero o ~l valore di
scam'bio o un vaIore nominale".
(4) ·Teoria giuridica deI dinero, pag. 279.
360 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

A crise da moeda e ,o desequilibrio financeiro da maioria


dos paizes levaram as legislações de após guerra, notadamente
da Allemanha, Belgica, Rumania, Grecia, Bulgaria, a declara-
rem sem vigor, até nova ordem, as clausulas ouro estipuladas
antes da guerra.
Posteriormente, os Estados Unidos, ide accordo com a po-
litica financeira e eoonomica de Roosevelt, entraram no mesmo
caminho, como adeante veremos.
O Brasil foi obrigado a seguir igual orientação e o decreto
23.501, de 27 de Novembro de 1933, declarou nuHa qualquer es-
tipulação em ouro ou em determinada moeda, ou por qualquer
outro meio tendente a recusar ou restringir nos seus effeitos o
curso forçado do mil reis 'papel.
Como se verifica pelo exame dos consideranda do alludido
decreto, fundou-se a medida salutar, tomada pelo Governo
Provisorio, na orientação geral de uma nova política finan-
ceira, relativa ao valor da moeda e ao systema monetario bra-
sileiro e não apenas ás estipulações ou contractos de paga-
mento em moeda ouro.
As consequencias que dahi decorreram foram natural-
mente da maior influencia na nossa vida economica, porque,
importaram na revisão de innumeras situações contractuaes
já em curso ha muitos annos.
Não se pode em absoluto, pôr em Iduvida a legitimid'ade da
intervenção do Estado nesse terreno. Negar-lhe eSse direito,
importaria no proprio desconhecimento de uma das manifes-
tações mais caracteristicas da sobearnia do Estado, qual seja
a de fixar o valor e a natureza de sua moeda.
Povos tradicionalmente conservadores como a França e
até a Inglaterra, tiveram de chegar a medidas ex(;remas nesse
terreno, e nelles se desconhece a escravisação financeira e eco-
nomica a outros paizes de moeda valorisada que invertem os
seus capitaes na exploração de serviços publicos, exigindo no
extrangeiro uma remuneração de seus capitaes que não podem
usufruir em seus proprios paizes. Exigem para isso a estipula-
ção contractual de tarifas em moeda ouro.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 361

o decreto 23.501 obedeceu a fundamentos da mais alta


relevancia, que ;por si só justificam a medida tomada pelo G0-
verno Provisorio.
Já anteriormente, o Ministro Oswaldo Aranha apresentára
ao Chefe do Governo provisorio -considerações do mais alto in-
teresse (5), justificando aapprovação do projecto e modifica-
ções naquelle outro projecto que, com caracter mais restricto,

(5) "Rio de Janeiro, 25 de Novembro de 1933. - Exmo. Sr. chefe


do Gov;el'no Provisorio.
:Ao "projecto d'e decreto" "el:iimmndo OS pagamentos em OUI'O pO'r
servlLços industriaes prestados IlJO paiz", e18lbol'adlo pelo itHustre ministro da
Viação, houv.e por bem V. Ex. "despachar":
"Tratando-s'e de ~ssum)pto que se 'I'Ielacionacom o Ministro da Fa-
7Jend·a, remetta-se o expediente áquellaSecretaria de Estado, 'para que o
exami'ne d,evidamente, com um criterro amp,Lo e tendo em vista a validade
dos cO'ntractos ou convenções paI'lticuJares que estipuLam pagamentos em
ouro ou util'ilsam outros artifiicios para subtrahiir, dJerutro do territorio na-
ci'onal, O' cl'edor privilegiado ao regimen do p,apel moeda de cursO' forçado,
instituido por uma lei de ordem pU'Mica e exteriO'risação da propria so-
herania do paiz."
Sinto-me á vontade ·ao emittir as considerações que se seguem.
IDe na muito vinha pensando assim.
:Em reunião mi'nister1al tive ensejo de sus'tentar identico ponto de
vista. F'olgo ,em constatar, portanto a benemerencia na proposição do ti-
tular da Vii,ação.
FOl1mulei, porém, um "iSUbstiJtuti'V'o", que IliSSim, passo a justificar:
11 - E' principio inconteste, a força de lei aos contr,actos "lega.Jmen-
te" concluidos, para as .partes contractantes.
A guerra mundial, porém, veiu, com uma série de desequilíbrios eco-
nomicos e financeiros, Cl'ear, por ciI'lcumstancias imprevistas extra-con-
tractuaes, uma "excessiva onerosidade", falseando, bruta,lmente, a eco-
nomia do contracto. A 'Lei Faillot a,dmittiu a suspensão e até a resolução
dos contractos concluidos "antes da guerra". Apesar das reservas com
que foi 'recebida pela juris'prudencia frilnceza de' então, - posteriormen-
te, quando surgiu a Lei de 6 ,de julho de 1925, autorizando a "revisão dos
.oontractos de locação", ninguem mais discutiu sua integral applicação.
2 - Qual o fundamento dessas medidas "extremas"? Eis o que en-
sina RIPPERT:
" A revisão nos conrora'Ctos é permittida, desde que se vedfique um
aconteci.mento extraordinario, fóra da previsão humana, tornando a exe-
cuçã'Ü tão 'Ünerosa que venha a constituir uma lesão desproporcional com
as v·antagens previstas ao se firmar o contracto."
~- FIoi o que se verificou, "entre nós", com o d,ecroeto n. 19.573, de
·7 de Janeiro de 1931, !J)ermittindo a "resolução" ou "modüicação" das 10-
ca·ções de pred'ios, feitas por funccionarios publicos demittidos, l'emovidos,
ou cujos vencimento!? h()uves~m sielo reduzIdo·s em m~is de 2'5 %. iEiste
362 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

apresentara o Ministro Ida Viação José Americo de Almeiáa.


propondo a eliminação do pagamento em ouro dos serviços in-
dustriaes prestados ao paiz.
A orientação seguida :pelo Governo Proviso!"io foi, sem
duvida, das mais acertadas. Não se poderia dar, effectivamen-
te, a revisão dos contractos, no sentido :de tornar sem effeito·
a clausula ouro nelles estipulada, sem uma previa decretação do·
curso forçado do papel moeda, e a consequente prohibição de
pagamentos ou promessas de pagamentos em moeda ouro, qual-
quer que 'fosse a natureza desses contractos.

decreto mereceu os applausos de CLOVIS BEV'ILAQ;UA. Vêde Direito das'


Obrigações, 3.· edição, Rio, 1931, .pag. 346/7.
4 - Posteriormente: decreto n. 19.47'3., de 10 de Thezembro de 1930,
rectificadO' pelo de n. 19.754, de 18 de Março de 19301, regulando os co_o
nheC'imentos de transpO'rtes de mercadorias (art. 11, parag. unico) e o'
decreto n. 22.626, de 9 de A!bril de 19'33 (regulando a usura), extrema-
mente "retroactivos", são paradigmas desses principios.
5 - O ques.e deve procurar nos contractos é a commum intenção das
partes: cessa essa O'bl1igação quando a "primitiva" situação economica,.
soffTer uma imIPrevista modificação. (DT. A'LBERT WALL, in Revue Tri-
mestrielle de Droit Civil, 1918, pagina 65).
6 - Surge, então, a funcção do "governo polHico" ordenando oS
ajustamentos por classe de negocios, tendo em vista as relações de meio,
e tempo, ante a swpervenienda "imprevista e imprevi,sirvel" constitutiva'
para o credor duma fonte de enriquecimento inesperadO',. (Cfr. ARNALDO'
MEDEIROS, cas·o fortuito e theoria da imp·revisão, Rio, 1931, pago 195;.
ARTHUR ROCHA. Da intervenção do E.stado nos contractos concluidos, Rio,.
1932., pag. 149).
7 - O até aqui expedido, tem integral applicação quanto á clausula
"O'uro" convencionada como moeda unica dO' contracto, mesmo quando es-
tipulada como "garantia doe cambio", permittindO' a liberação em moeda
pelo valor correspondente á meta1lica na occasião d·o pagamento.
a) "Le cours forcé écarte toute conVlenm-on contTadre qu'elIe lui est
su.péri.eure et qu'il la domine, paTce que d'ordre puhlil?. "La cla:use de
paiement en O'T" est paralisée tant que dure le cours forcé". EUGENE
SCHKAFF, La depréciation monétaire, 8e8 effets en droit privé, Paris,
1925, p,ag. 163.
b) "Les lois nouve}.Jies qui ohangent la valeur intrinseque de la
monnaie ont un effet immédiat s.ur les contrats en cours ...
"On a dito alors que ~es lois nouvoelles que mooifi,ent le régime moné-
ta:ire "devaient s'appJ.iquer aux contrats en COUTS comme IO'is d'ordre pu-
blic contractue'l". Mais cela n'est point suffisant paur definir les effets
de la loi nouv·elle, c.ar on .pour.rait crQire que .Ila loi nouvelle a effet seu-
lemant vis-a-vis des débiteurs contractuels. Or, c'est la une el'Teur évi-
Qiente: la loi ·nouV'elle e effet vis-a-vis de tOi\lS les débdreuns, que IeI\lr
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 36S:

E' que a prohibição para ser tida como de or:dem :publica


deveattingir não aos contract08 ou ás estipulações em ouro
nelles introduzidas, mas ao proprio regimen' monetario vigente
no paiz.
Si alguma duvida pudesse ser levantada contra a revisãO'
de clausulas contractuaes, esta desappareceria deante da gene-
ralidaJde e impessoalidade da medida legal, que, por isso mesmo
que geral e impessoal, lhe dá maior cunho de legitimidade, de:
moralidade e de justiça.

détte V'ienne d"uu cont11alt ou qu'eHe vieooe d'ullle a'1ltre source . EIt pr'eci-
sement, si elIe a effet dans les contr.atsen cours" c'est parce qu'eNIe n'est
pas une Ioi relative a une situation contractuelJe, "mais une loi reIative
a un statut lég.al, le statut de Ia monnaie; la 10,i, considerée com:me loi de
droit 'public, atteint tous les sujets de ,IPEta.t", elle lesaíteinte aussi liien
dans liOO contrats "qll'en dehors ,de tout contratt"; c'este u.ne er1"eur de
considerer que la loi est relative aux contrats". (PAUL RIoUBIER, Les con-
flits des lois temps, Paris, VTOC, vol. 2, pags. 126 et 127).
c) "Les lois q.ui out établi le cours forcé du bin.et de banque ont
fait de celui-ei une monnaie fiduciaire obNga;toire, ayant Ia m.ême va1eur
Hbératoü'e que }a monnaie métalique". (CAPITANT).
d) "Sous le régime intérieur, elle est nuHe, car e11e pO:l'te atteinte a
l'ordre pubHc, par l'Obstacle qu'el1e oppose a Ia libre circul1ation des
bHlets; eHe contrevient directement aux ,lois qui, dans un intérêt supé-
rieur, ont édicté le cours forcé. "Oes lois constituent de véritables lois de
police et de surete, d'une portée terrHoriale, et s'imposant a t01,1S" (art. 3.°,
a,l. I, Civ.); eHes sont même assOO'ties d'une sanction pénale par l'art,
47'5, § II Pen., qui punit de peines de simples police le fait de refuser
en paÍlement une monnaie ay,ant oours legal. - Bar'is, 22 févr. 1924,
DuMAS e GRENOILLEAU (Clunet, 1924, pago 691) et ses conc1usions de
M. DREYFus (Gaz. Pal. 1924, 1, 364; OoLMAR, 2Q Nov. 1921 (Rev. jur,
als. Lorr., 19,22, pagi,na 9,7) CoLMAR, 13 M.ai, 1924 (Ibid., 1924, pag. 284,
note WILHELM); Trib. civ., Strassbourg, 17 Déc. 19,2'5 (Ibid, 1926, pago
167, note WILHELM). AKlde WILHELM, 8tipulation en monnaie depreciée
(Ibid., 19,24, pago 145 et s.)".
"'De fait, La doctrine s'accorde avec la jurispru<1ence relatée si-dessous
pour a..Imuller la clawse d'orsous l,"aspect qUk vient déêtre indiqué. GÉNY,
La val1xlité juridique de la clause payable en ar (Rev. trim. de droit civil,
1926, pag .557 et s.); NIOGAIW, Impossibilité d'une clause-or (Rev. trim.
de dr. civ., 1925, p.ag. 5 et 1); NlOOYET, Des conflits dJe lois relatifs aux
paiements depuis la derniere guerre (Notre Revue, 1~25, p. 161; V ALÉ-
RY. La clause payable en '<Ir et le cours farcé (Olunet, 1916, pag. 1.1132)".
(LAPRADELLE et NIBOYET, Repertoire de droit internationel, voI. 3-, V'b.
change, oour8 forcé, monnaÍ'e de paieme1'lt, vaIorisation,ns. 30 e 32,
pago 240).
Eim face do exposto, justificada pela doutrina jurídica univer.sal, con-
sagrada pela legis1ação de rodos os paires e sa.nccionada pella jurispruden-
da d'e todos os poVoos cultos, o presente decreto constituirá mais um ines-
timavel serviço que V. Ex. presta á Nação. (a.) - Oswaldo Aranha".
364 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Efieito retroactivo do Decreto 23 "501

Precisamente por ser de caracter geral e impessoal; é legi-


tima a modificação do regimen legal da moeda e a sua applica.,.
ção sobre todas as situações juridicas em curso.
Neste particular, e comprehendendo-se o principio da, re-
troactividade como o da efficacia da lei nova sobre os- çon-
tractos já existentes, pode-se affirmar, de accorido com os prin-
ópios do direito vigente, que o decreto 23.501 tem effeito re-
troactivo (6).
Trata-se de um verdadeiro estatuto legal, segundo a velha
iheoria de HAURIOU, sustentada com uma grande cOlPia de ar-
gumentos pelo tratadista que m()ldernamente melhor estudou a
questão dos conflictos de lei no tempo.
ROUB~ER, seguindo a theoria do estatuto legal, e tratando
do regimen monetario, diz o seguinte:

"On a dit, alors,· que les lois nouvelles qui modi-


fient le régime monétaire devaient s'appliquer aux
contrats en cours, comme lois d'ordre public con-
tractuel. Mais cela n'est point suffisant pour définir
les effets Ide la loi nouvelle, car on pourrait croire
. que la loi nouvelle a effet seulement des débiteurs
contractuels. Or, c'est lá uneerreur évidente: la loi
nouvelle a effet vis-á-vis de tous les débiteurs, que
leurs dettes viennent d'un contrat, ou qu'elles vien-
nent d'une autre source. Et précisement, si elle a
effet dans les contrats en cours, c'est parce qu'el1e
n'est pas une loi rélative á une situation contrac-
tuelle, mais une loi rélative á un statut légal, le statut
de la monnaie; la loi, considérée eomme loi de droit
,public, atteint tous les sujets de l'Etat, elle les atteint
aussi bien :dans leurs contrats qu'en dehors de t()ut
contrat; c'est une erreur de considérer que]a loi est
rélative aux contrats" (7).

(6) ReLativamente á lei da usura e seu effeito retroacti'Vo ver B~-_


TQ DE FARIA, Applicação e retroactividade da lei, pg.. Hl8.
(7) Les Conflits de lois dans les temps,_ v~l.", n, I?&:", 1.27",
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRr) 865

A i!'etroactividadee a legitimidade da applicação da nova


lei· aos contractos em curso, já foi admittida ~la nossa juris-
prudencia, não só nos julgados relativos á chamada Lei da
Usura, como ainda nas applicações do decreto 23.50!.
Citaremos entre outros o Accordão da Côrte de Appella-
ção de São Paulo, de 4 de Setembro de 1935, que mandou -ap-
plicar com effeito retroactivo o alludido decreto, embora com
fundamentos mais restrictos, admittindo a legitimidade da abo-
lição da clausula ouro nos contractos em curso, apenas :por ter
o decreto 23.501 emanado do Governo Provisorio, que não es-
tava obrigado a respeitar os direitos adquiridos (8) .
. Pelos motivos acima expostosacceitamos apenas a con-
clusão do accordão do Tribunalld'e São Paulo, porque não ve-
mos como possa haver direito 'adquirido contra a ordem publica,
e como se possa admittir a validade de pagamento em uma moe-
da e por um valor desconhecidos pela nossa lei.

lNlFlLUENCIA' DO DE,CRETO N. 23.501 SOBRE OS CON-


TRACTOS DE SERVI'ÇO PUBLICO

A origem da iniciativa tomada pelo Governo Provisorio·


de abolir o pagamento em ouro e as estipulações contractuaes
fixando tarifas ou convencionando o pagamento total ou par-
cial em moeda ouro, foi a necessidade de revêr o contracto ce-
lebrado entre o Governo Federal e a Societé Anonyme du Gas
do Rio de Janeiro, para o fornecimento de gaz e energia ele-
ctrica destinada á illuminação, contracto que determinava que·
a importancia do consumo seria paga metade em moeda cor-
rente e metade ao cambio par.

(8) Jornal do Commercio, d,e 25 de Outuhro de 1935, Accordão cuja


'ementa é a seguinte: "ClausuLa ouro; o decreto 23.501, de 1933 tem effei-
to retl"oactivo. O seu ,ar.t. 1. °refere-se ás clausulas d<l pagamento em
outo, existentes nos contractos já celehrados na data dodecret<l; o a.rt. 0 2:
nós contractos futuros. Não obsta áque~le effei:to retroactiV'o, o disposto
no al'lt. 13 n. O 3 da 'Constituição; o que esse art., visou foi impedir que de'
futuro se promulgassem leis com caJl"acter retroactivo; não pretendeu re-
vigorar ou Illn11iUll!ar os decretos do GloVlerno Provisorio, que estabelecera a.
retroactiViidade. A convenção em moeda extrangeill"a é, .portant<l, Dulla_
C<Jnvenção illicita e irnanol'lal, o que seja". .
366 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

o Ministro da Viação, naquelIa época o Dr. José Americo,


llrOipôz ao Chefe do Governo Provisorio a 8JPprovação :de um
projecto 00 lei, tendente á abolição da exigibHidade de paga-
mentos condicionados a taxa cambial em retribuição de serviços
publicos executados no paiz.
O principal funda;mento desta medida, segundo os Con-
:sideranda do alIudido projecto, estava em que taes estipula-
,ções attendiam unicarrienteaos interesses da empreza conces-
sionaria, em ;detrimento dos da colIectividade, que incumbia
ao Governo precipuamente acautelar.
Notava ainda o mesmo projecto, que o pagamento em ourn
.constituia uma verdadeira anomalia e representava um regimen
·de excepç~o em face das outras emprezas de concessão federal,
como sejam as das estradas de ferro, portos e navegação, cujos
serviços são remunerados em moeda corrente do paiz e sujeitos
.á revisão das tabellas de preços, inclusive 'as que recebem sub-
venção ou garantia de juros.

Ainda mais, pelos seguintes fundamentos:


·que,por mais respeitavel que seja julgado o interesse da
remuneração do capital extrangeiro invertido no Brasil, res-
guardado como se acha por um instrumento de garantias re-
ciprocas, não pode prevalecer sobre a afflictiva situação ma-
terial de uma população em .peso, no momento em que as con-
juncturas financeiras do mundo modificaram o imperativo
moral dos proprios compromissos internacionaes;
que, além disso,' não pode ser· regulada a economia do
'mestica como está, aos imprevistos da oscillação cambial;
que o principio ;da equidade, pelo menos, deverá determi-
nar que nessas contingencias os sacrificios sejam communs;
que os serviços publicos industriaes concedidos a emprezas
particulares não podem ser objecto de lucros illimitados, prin-
cipalmente tendo em vista as modernas directivas sociaes, que
outorgam ao Estado o direito de restringir no interesse colle-
.ctivo a propria liberdade economica;
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 367

que o modo de calcular a cobrança em ouro, exigindo ope-


rações de conversão cambial, torna as contas de difficil en-
tendimento, gerando no espirito publico a desconfiança contra
a honestidade da empreza concessionaria e contra o proprio
,Governo que a fiscalisa (9).
Depois de approvado e sanccionado o decreto 23.501, e
pelos fundamentos acima transcriptos, baixou o Governo o
decreto 23.703 de 5 de Janeiro de 1934, estabelecendo dispo-
sições transitorias e um criterio justo para composição das
novas tarifas da Société du Gas, pela média geral das impor-
tancias pagas desde a vigencia do contracto de 1909 até o da
,decretação de sua nullidade.
Naturalmente que a extincção do ,pagamento em ouro
·exige medidas mais severas por parte da administração pu-
blica na fixação das tarifas, que devem ser uniformisadas, afim
de evitar as disparidades e differenças que as tornam iniquas
-perante o publico. No capitulo proprio sobre a revisão dos
,contractos :de serviço publico está a questão examinada dentro
,das possibilidades deste trabalho.
O proprio Governo brasileiro deu, aliás, o exemplo, revo-
:gando a estipulação do pagamento em ouro dos impostos e
,outras contribuições devidas ao Estado pelos particulares.
Assim, pelo decreto 23.480 de 21 de Novembro .de 1933,
-extinguio a percepção nas repartições publicas em mil reis ouro,
considerando este para to'dos os effeitos, como se fosse mil
reis papel de curso legal; pelo decreto 23.481, substituio nas
'repartições arrecadadoras o antigo mil reis ouro por uma taxa
.correspondente a oito, mil reis por cada mil reis ouro, com o
intuito .de evitar a queda brusca das rendas alfandegarias e
,consulares; pelo ,decreto 23.498 de 24 de Novembro do mesmo
-anno substituio a antiga taxa de 15 shillings arrecadada pelo
Departamento Nacional do Café, por uma taxa fixa, corres-
pondente ao seu valor, de accordo com a conversão cambial e
sem os inconvenientes de sua oscillação, por uma taxa fixa de
,45$000 em moeda nacional.

(9) Ministro JosÉ ÂMERlOO DE ALMEIDA, O Cyclo Revolucionario do


.Minist. da Viação, pg. 3,67.
368 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Deu,por esta forma, inicio a novapolitica monetaria, com


a suppressão das estipulações' em moeda ouro dentro do paiz.

A J urisprudencia dos Tribunaes Americano,s

Interessa-nos eSipecialmente, no estudo do assumpto, a po-


litica seguida pelo Governo dos Estados Unidos, e a signifi-
cação e o alcance que lhe deu a jurisprudencia dos seus tri-
bunaes, na interpretação da política orientada pelo Presidente
Roosevelt.
Veremos o acatamento dado pelos juizes daqueUe paiz
aos decretos financeiros expedidos :pelo Governo Roosevelt, e
as consequencia;s, principalmente sobre os contractos em curso.
Nota-se, 'que não titubearam os juizes da Sup!'ema Côrte
em attingir ás ultimas consequencias na interpretação do de-
creto que supprimiu a clausula ouro naquelle paiz, embora
alli não se tivesse chegado ao extremo de supprimir, como suc-
cedeu entre nós, o curso lega;l do pa'pel moeda, e institui do o
seu curso forçado.
Effectivamente, o que succedeu na;quelle paiz foi o se··
guinte: No dia 6 de Março de 1933 (10,), o Presidente ROOSB-
velt, por motivos de ordem publica e invocando uma velha lei
de guer:ra, decretava o fechamento, por trez dias de todos os
Bancos e prohibia ao Thezouro que effectuasse pagamentos em'
ouro (11).
De aCC<lrdo com o Congresso, procurou retirar o ouro da
circulação e a consequente entrada desse ouro nos cofres da
nação.
Finalmente, para terminar a primeira phase de sua nova
p-olitica, o Congresso, como complemento á lei de 12 de Maio
de 1933, votava a lei de 5 de Julho do mesmo anno segundo
a qual "toda estipulação tendente a dar ao credor o direito de
exigir um pagamento em moeda ouro ou em uma especie par-

(10) O Presidente RooseveIt assumi0 o Governo no dia 4 de Março.


(11) O Pl'esidente RooseveIt, em seu livro - "Oil1 Our Way" - nar-
ra as peripecias que cercaram as primeiras medidas tomadas pelo seu
governo Com relação á poHtica do ouro.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 369

ticular de numerario ou de bilhetes seria contraria á ordem


publica".
Em consequencia: "taes estipulações ficaram prohibidas
. desde aquella data".
Foi em torno dessas resoluções que a Côrle Suprema teve
de se manifestar, inicialmente em dous julgados ambos de 18
de Fevereiro de 1935, da maior importancia quer nos seus fun-
damentos, quer em suas conclusões. O primeiro -relativo á va-
·!idade da clausula ouro nos contractos passados :por pessoas
privadas ou collectividades publicas que não o governo fe-
d~ral, o segundo relativo a obrigações do governo federal.
A primeira questão resolveu a Côrte favoravelmente ao
governo, isto é, pela validade da lei que supprimiu a clausula
ouro, e isto, pelos seguintes fundamentos:
~W~·~· _
a) pelos poderes conferidos ao Congresso pelo art. 1 -
Secção do art. 5 da Constituição, de bater moeda e fixar o seu
valor (12);
b) :pelos poderes conferidoo ao Congresso de annullar
os contractos em curso desde que os mesmos entravem o exer-
cicio de sua autoridade constitucional (13);
c) porque motivos poderosos levam a acreditar na pro-
cedencia das razões que obrigaram o Congresso a abolir a clau-
sula ouro, que, portanto o mesmo Congresso não agio arbitra-
ria ou caprichosamente (14).
Dahi concluio pela validade e constitucionalidade da de-
cisão do Congresso.
A segunda questão levada ao c~mhecimento da Côrte, o foi
pelo portador de uma obrigação de 10.000 dollars que continha
a seguinte clausula:

(12( Assenta-se este fundamento em antigas decisões como; Me.


CuHochs v. Miaryland; Knox v. Lee; JuHiard v. Greenmann.
(13) 'H)udson WaterCo. VI. Mlac. Carter; United States v. ViUage of
Hiulbtard; Philadelphia Baltimore and Washington Railroad Cy. v. Schu-
bart, onde se resolveu sobre o effeilto retroaorivo das dispoSlilÇóes sobre acci-
dentes de tra.ba:lho.
(14) Everard's Breveries v. Day.

- 2'4
370 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

"Os juros e o principal do presente titulo, serão


:pagaveis em moeda ouro dos Estados Unidos do typo
de valor actual" (of the present standard of value).

Pretendeu o portador receber 16.931 dollars 25 cents. em


moeda ide curso legal, importancia attribuida aos 10.000 dollars.
ouro.
A Côrte Suprema, proclamou a inconstitucionalidade da
resolução de 5 de Julho de 1933, mas decidio tambem que o
portador não poderia exigir o pagamento de uma importancia
superior ao valor nominal declarado no titulo. Não tinha ha-
vido, portanto, nenhum prejuizo que merecesse reparação.
Mas, decretando a inconstitucionalidade, fundou-se 'a Gôrte
em uma disposição constitucional peculiar áquelle paiz, da qual
decorria o acto do Congresso no exercicio de suas, attribuições.
Referia-se a Côrte ao XIV amendment, secção 4, (15) que ef-
fectivamente excluia da medida tomada pelo Congresso 'as di-
vidas publicas dos Estados Unidos (16).
Ahi temos, em synthese, os principaes julgados dos tri-
bunaes americanos cujo texto integral foi nos dado conhe-
cer (17). São do maior interesse para n6s. Aqui, porem não
se encontram na nossa Constituição os obstaculos ali verifi-
cados. A solução encontra.da entre n6s foi mais radical e não
vemos como legitimamente impugnar-se a validade da extinc-
ção da clausula ouro mesmo ;para os contractos em curso.
Como a Suprema Côrte Americana, tambem o tribunal de
Haya, em diversos casos, julgou valido o pagamento em papel.

(15) "'The vaJiidity of the public debt of the Uini.red ,S'tates, authori-
zed by law, inc1uding delits incurred por payment of pens-ions and ban-
dies for services in suppressing insurrection or reheNion, shall not be
qnestioned".
(16) Sobre estes julg,ados, ver o trabalho de ANDRÉ PERCEROU -
"Les amets de la Cour Supreme des ~tats Unj.s sur les "Clauses-or", An-
nales de Droit Commercial français, étranger et international, 1935, n,o 1.
(17) Em sentid'o contrario ao que exposamos, ver o interessante tra-
balho do Dr. ELMANO Cruz, no Jornal do Commermo, de 2.0 de Janeiro
de 1935, onde se acham examinadas as decisões dos tribunaes ing1ezes.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO AD~INISTRATIVO BRASILEIRO 371

No primeiro caso, a respeito das obrigações dO'llars da


RO'yal-Dutch (18), refO'rmO'u a CÔIrte a sua decisãO' anteriO'r de
15 de JaneirO' de 1934 que havia julgado em favO'r do paga-
mento em O'urO', decidindO' pelO' ,pagamentO' em papel; nO' segun-
do casO', ida Companhia Batava (19) cO'nfirmO'u a sua decisão
primitiva, sempre pela validade do pagamento em ;papel (20).
Ha uma tendencia universal para acceitar cO'mO' validas as
leis internas de O'rdem publica, e entre ellas sO'brelevam as que
dizem cO'm a defesa do O'urO' e a politica monetaria que necessi-
tam de medidas idrasticas para a salvaçãO' das finanças de
quasi tO'dos os paizes.
E é este o argumento decisivO', mesmO' nas questões de
ordem juridica, no mO'mento que atravessamos.

(18) S. A. ,Compa.gnie Royale Nieerliand,aise PQur l'e:x;pLoi,ctation de


gi-sements petroJiféres aux Indes Neerlandaises, v. Vereeniging voor den
Ef'fectenhandel.
(19) De Vereeniging v'oon den IElffectenhandel, v. S. A.Companie
Petrolifere Batave.
(20) Decisões de 15 de Janeiro de 1935, verem F. H. H. TRANSSEN.
La Clause Or devant la Cour d'Appel, de la Haye.
OAPlTULO X

TERMINlAÇÃO ou EXTrNCÇÁO DIA CON.CESSÃO

Terminação das Concessões - Reversão - Resgate - En-


oampação - Caducidade - RJescisão - Revogação -
'Renuncia - Fallencia.

A terminação do contracto podedeeorrer ou de uma es-


tipulação contractual ou da vontade das pârtes.
Nem sempre, esta ultima hypothese pode 'ser entendida
em sentido rigoroso, porque si é exacto que a administração
publica pode usar de privilegios inherentes á sua natureza,
podendo resgatar e IdesaprO/priar os serviços concedidos, está,
na maioria das vezes o concessionario adstricto á sua situa-
ção contractual.
Nesses casos, bem se accentúa a natureza da concessão
e a sua posição peculiar no systema administrativo.
Diz muito bem G. JÉZE que duas idéas essenciaes. do-
minam a materia - direito da administração, garantia do
concessionario - (1), direitos e garantias que são :de ordem
publica e que por is'so mesmo não podem ser modificados pelo
contraeto. •
A extincção da concessão deve attender, assim, ao inte-
resse publico e á vontade das partes expressa na concessão.

(1) Les Contrats Administratifs, lI, pg. 759.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 373

A doutrina tem, no entretanto, classificado as diversas


maneiras de extincção d,a concessão.
BIELSA (2), systematisando o assumpto, assim enumera
os seguintes casos de extincção da concessão:

A) - terminação do prazo; reversão.


B) - revogação, resgate ou encampação.
C) - caducidade, rescisão, revog.ação.
D) - renuncia.
E) - fallencia.

Examinaremos em seguida cada uma dessas hypotheses,


cuja complexidade verifica-se bem na pratica administrativa.
Todas essas formas importam no desaPIlarecimento jdos laços
obrigacionaes e na substituição do concessionario do serviço
publico pelo Estado.

A) - Terminação do prazo

E' a forma regular e normal da terminação do contracto.


Extingue-se por essa forma a relação ,por força da propria
estipulação contraetual.
Nestes casos, fica o Estado com a plena propriedade do
serviço 'publico, com ou sem indemnização ao concessionario,
conforme veremos adeante.
Em geral, taes prazos são longos para permittir uma
larga remuneração ,do capital empregado, quasi sempre vul-
toso, em emprezas que devem satisfazer interesses do serviço
publico concedido e da população que o usufrúe (3).

(2) Derecho Administrat., voI. I, pg. 138.


(3) 'EINAUDI, ju.lga desa·conselhavel o prazo l'Ougo de 50 annos, de-
vido as variações de 'preços e processos' technicos de execução dos servi-
ços publicos. O autor considera razoavel o prazo de 10 e 20 annos, afim
de permittir uma justa retribuição do capit!IJl invertido na empreza. (Prin-
cipii di scienza della finanza, pago 40). Por ahi pode se ver como é
relativo o que se pode chaII1/ar "prwzo longo"; depende do pa'iz, das con-
374 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Quasi todos os contractos encerram clausulas de reverslo


por terminação do prazo da concessão. O que se dá nessa hy.
pothese é uma ve!'"dadeira devolução, no sentido proprio ao
regimen de concessões.
O decreto 5.561 de 28 de Fevereiro de 1874, que regu-
lava o regimen de concessões de Estradas de Ferro, dizia em
seu art. 21, § 6.°:

"Findo o prazo da concessão, a não haver expres.-


sa estipulação em contrario, reverterão para o Es-
tado todas as obras da Estrada, bem como o respe-
ctivo material rodante sem indemnização alguma".

Como se vê, o principio geral era da reversão, ida· devo-


lução, sem qualquer indemnização.
Esse regimen justificava-se tanto mais quanto a subven-
ção e a garantia de juros constituiam clausulas communs em
todos os contractos daquella natureza.
M·ais moderno, o Codigo de Aguas determina em seu ar-
tigo 165:
"Findo o prazo das concessões, revertem para a
União, para os Estados ou :para os Municipios, con-
forme o dominio a que estiver sujeito o curso dagua,
todas as obras de captação, de regularisação e de de-
rivação, principaes e accessorias, os canaes adducto-
res dagua, os conductos forçados e canaes de des-
carga, bem como a machinaria para a producção e
transformação da energia e linhas ide transmissão e
distribuição".

Por sua vez, o art. 166 declara:


rJ,.'5:~ ·'c i. - ~ \ .1 - • • • ,- ~ :. A_
~t-'!&:."'" .":'~'='::. . . . --." - -<":"~"'.c~Jt'i!fe'!9
"Nos contractos serão estipuladas as condIções
de reversão, com ou sem indemnização.

dições . de rend!mento do capital!, da natureza do serviço etc. O p'l'azo


precomzado antigamente era de 90 annos, prazo de alguns de nossos im..
portantes contractos de serviços publicos.
INSTITUIÇÕES DE DIREIro ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 375

§ unieo. N.o cas.o de reversão com indemniza-


ção, será esta calculada pel.o custo historico, menos
a depreciaçã.o, e com deducção da am.ortisação Já ef-
fectuadá quand.o houver".

o pràZO normal da concessão, diz o art. 157, sel'lá de 30


annas, salvo quand.o a importancia do caJpital invertido não
puder ser amortisada dentr.o daquelIe prazo, caso em que po-
derá ser elevado, no maxim.o a 50 annos.
Dependem, assim, com.o se verifica, de estipulação con-
tractual as condições de reversão, não só em materia de serviço
hydraulic.o, mas de um mod.o geral, em todas as c.oncessões
de serviç.o publico.
E' commum, no entretanto, a volta do serviço gratuita-
mente a.o Estado.
Dá-se essa hyp.othese, principalmente nas concessões a
longo prazo.
E' .o que ensina R. BONNAlID (4).
Mesmo n.o caso de indemnização, .o Codigo de Aguas .prevê
o criterio dessa indemnizaçã.o pel.o custo historic.o, menos a
depreciaçã.o e com :deducção da am.ortisação já effectuada.
Gom.o se verá adeante, bem outr.o é .o criteri.o da encam-
pação. A distincção é, antes de tudo, uma questão de praz.o.
Segu'ndo OTTO MAYER, .o valor da reversão c.om indemni-
sação deve s·er calculad.o sobre o val.or bruto da empreza (5).
Questão interessante é a de saber si, no silenci.o d.o con-
tracto, prevalece .o principio da reversã.o. CINO VITTA (6) exa-
mina a questão c.om grande amplitude e, fundado nos .princi-
pios do direito .de propriedade, c.onclúe pela negativa, IJelo
menos n.o que diz com o direito á indemnisaçã.o.

(4) Préois, pg. 582: "La dul'ée des concessions est généralement as-
sez longue. Ainsi, poul' les chemins de fer co.ncedés, el1e est de 99 ans.
C'est qu'en effet, comme á l'expiration de lia concession de service public
doit fail'e 1'9oour gratuit á l'adaninistration concédante, il faut que celle-ci.
rut disposé d'un temps assez long poul' avoir pu recuperer ses dépenses
d'organization du service".
(5) Droit adrniisftratif allernand, pg. 182.
(6) Diritto A mministrativo, pg. 362.
376 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

gste, porém, é um direitO' do Estado que não está subor-


dinadO' á terminaçãO' dO' prazo. A desapropriação ou encam-
pação do serviço :publico pode ser uti1is~da desde logo.
A lei ferrO'viaria de 1877, que acima citámos, bem como o
CO'digo de Aguas, admittem a reversão pura e simples, sem in-
demnisação - salvO' estipulaçãO' contractual - aliás sempre
exigida para todas as cO'ncessões. Difficilmente poder-se-hia
O'mittir clausula tãO' importante.
NO's contractos a prazo longo, porém, justifica-se plena-
mente a simples devO'luçãO' aO' Estado dO' serviço que por eBe
deveria ser prestadO' ao publico.

B) - Revogação, resgate, encampaçãO'

Occorre muitas vezes que, no curso do contracto, antes de


sua terminaçãO', o EstadO', por qualquer motivO', s·e queira a.po-
derar do serviço cO'ncedidO'.
E' uma forma rd'e expropriação, :peculiar a taes serviços,
visto sempre O' EstadO' reservar-se nos contractos essa facul-
dade, o que tira ao acto o caracter de desapropriação, no sen-
tido rigorosamente juridicO' da palavra (7).
Segundo OTTO MAYER (8), O' direito de resgate só pode ser
exercidO', quando o concessiO'nario o autorisO'u expressamente.
Neste casO', O' direitO' se exerce pO'r acto prO'pirO' da autO'ridade,
que nãO' tem O' caracter de uma cO'mpra, mas da suspensãoo, da
cassaçãO' de um serviçO' por parte dO' concessionario.
Contraria a essa these, e dentro de um pO'nto de vista mais
acertado, a nosso ver, ROGER BONNARD (9) sustenta que a res-
cisão com resgate (encampação) é sempre um direito da ad-
ministração, mesmo sem estipulaçãoo contractual, nãO' podendO'
ella siquer renunciar a esse direitO', pO'rque constitue um meio
de assegurar o bO'm funccionamento dos serviços ·publicos.
NO' mesmo sentido, CINO VITTA (10).

(7) BIELSA, Derecho administmtivo, pg. 139.


(8) Droit adm. allemand, IV, pg. 182.
(9) Précis, 582.
(10) Diritto Amministrativo, pg. 563: "Ques·to c1driltto di l'i'scatto é
una pof.está riconosciute alI'amm. pub. di trouca.re per afto unilateral e
di sUJa vo11Ontá gn effetti della conc:essi'cme prima deIla sua norma ca-
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO ;)77

E' bem de. vêr que isso occorre somente nos casos de si-
lencio absoluto do contracto.
O professor CIRNE LIMA (11) coIloca-se em ponto de
vista inteiramente Oipposto, fundando-se na autoridade de WHI-
TAKER, segundo o qual "a propriedade particular só se trans-
fere ao Estado por este meio, quando, nas concessões de ser-
viço publico, previamente tal clausula é estabelecida pelos in-
teressados" .
Não nos parece que possa prevalecer o direito do conces-
sionario contra o serviço publico e contra o ;proprio publico,
e não seria licito á administração tolerar o .máo funcciona-
mento do serviço somente para attender a interesses muito
precarios dos concessionarios faltosos.
A distincção feita por ZANOBINI, entre revogação e res-
gate, merece ser resaltada (12), para evitar confusões que pos-
sam levar a considerar a encampação ()!U resgate, como de todo
em todo egual á revogação. AqueIla, isto é, a encampação é uma
modalidade da revogação.
A tendencia da jurisprudencia italiana, e da maioria dos
seus escriptores, é de não admittir a revogação pura e simples
nos casos de concessão contracto, e isto por motivos de alta
relevancia juridica.
A revogação simples, presuppõe um acto unilateral da ad-
ministração, sem attendera estipulações contractuaes. Ora esta
solução nem sempre é possivel quando existe contracto. Salvo
casos excepcionalissimos não poderia ser juridicamente tole-
rada essa solução.
Dar-se-ia, então, o processo de rescisão, de accordo com as
normas geraes que presidem á nullidade dos contractos e outro::'!
actos bilateraes, como veremos no sub-titulo seguinte.
Existem casos, porem, em que a revogação e a encam-
pação tomam feição muito peculiar.

den~, affLnché questa nem a:bhiaa cot1ll!in:ual'le a dispieg'llre gli effetti mo-
desilno quando 'I"usulti oontl'ana ai pubblici interessi" .
. (11) Principios de Direito administrativo brasileiro, pg" 154"
(12) ZANOBINI, L'esercizio privato delle funzioni e dei sm"vizi pub.
blic.o.
378 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Figure-se a hypothese ;de uma concessão com privilegio


exclusivo ;para a illuminação a gaz de determinada cidade (gaz
ou qualquer outro processo de illuminação) ; descobre-se novo
processo, mais barato, mais eHiciente, completamente integra-
do no uso corrente. Poder-se-ha, por acaso, somente para at-
tender a estipulação contractual, manter esse contracto até o
seu termo? Estaria fora das normas e dos principios de direito
publico, a rescisão desse contracto? Não parece que a admi-
nistração pudesse vacillar entre as alternativas de manter um
serviço obsoleto, ou a revogação da concessão, ,para substituil-a
por outra mais consentanea com as necessidades do publico.
E' a hypothese citada por JÉZE, na qual o Conselho de
Estado na França resolveu que quando a autoridade local qui-
zer reorganizar um serviço publico de illuminação electrica,
quando ainda em vigor uma concessão com privilegio exclusivo,
em favor de uma sociedade de illuminação a gaz, deve a Muni-
cipalidade propor a esta ultima a reforma do serviço, substi-
tuindo o gaz pela electricida;de, intimal-a para satisfazer a nova
imposição, e caso não queira, poderá conceder a outra empreza
a exploração do serviço (13).
E' o caso da revogação da concessão, contra a vontade do
concessionario, pelo facto de não ter a empreza de serviço
publico acceito a imposição da administração.
Por isso é que BIELSA, consolidando os principios juridi-
cos que devem presidir á regulamentação e ao funccionamento
dos serviços publicos, assim alguns delles resumiu em um de
seus artigos.
"El concedente puede revocar la concesion cuando
falten los motivos presupuestos en cuya virtud esta se
otorgó. Por ejemplo cua~do un invento o procedi-
mento tecnico superior, o una nueva ada;ptacion deI
servicio conveviera mas aI interes publico, tanto en
punto a la eficiencia o comodidad, como ai :precio. En
tal caso, en egualdad -de propu estas, será preferido
el concessionario que prestó el servicio anterior. Esta

(13) Principes generaux de drait administratif, pg. 297.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 379,

clausula debe ser insertada en rodos los contratos de


concesion; no obstante, aun cuando no lo fuere, el
concedente ejercerá tambien ese derecho, pero indem-
nizará aI concesionario, sobre bases documentadas,
especialmente por pericias tecnicas y en constancias
administrativas (certificaciones de aduana, etc.) s"iTI
perjuicio de las que obraren en los libros de conce-
sionario si el concedente lo considerare necessario.
La determinacion en otros casos podrá ser judicial o
arbitral ".

A applicação dos princlpIOs geraes que regulam a vida e


a validade dos contractos está subordinada á natureza juridica
CIos mesmos, devendo se levar em consideração especialmente
o interesse publico e as peculiaridades inherentes ás concessões
de Serviços publicos.
Diz o art. 167 do novo Codigo de Aguas dentro dess!Â
theoria:

"Em qualquer tempo ou em épocas que ficarem


determinadas no contracto, poderá a União encampar
a concessão, quando interesses publicos relevantes o
exigirem, mediante indemnisação previa.
§ unico: A indemnisação será fixada sobre a
base do capital que effectivamente se gastou, menos
a depreciação e com deducção da amortisação já ef-
fectuada quando houver" (14).

o criterio para avaliação da indemnisação é differente


do caso de reversão. Leva-se em conta naturalmente o menor
tempo decorrido e, por conseguinte, a amortisação parcial do
eapital empregado.
Em geral, os contractos estipulam um prazo minimo, antes
do qual não poderá occorrer a encampação do serviço publico.

(14) O criterio preferido foi assim o do custo historico, de accordo


com o art. 17 do Codigo de AgUlU
380 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Assim ,por exemplo o decreto 1.746 de 13 de Outubro


de 1869, sobre construcção de portos, só permittia o resgate
depois dos 10 primeiros annos de sua conclusão.

C) - Rescisão, caducidade

A reSClsao em suas diversas modalidades pode occorrer


por mutuo consentimento e accordo das partes, ou por acto
unilateral da administração.
No primeiro caso, dá-se a rescisão por conveniencia re-
ciproca; ambas a:s ;partes resolvem pôr termo ao contracto, ou
por impossibilidade de continuação do serviço, ou pela neces-
sidade de modificar as condições de sua execução.
A administração tem a faculdade de pôr termo ao contracto
por sua vontade unilateral, reconhecida a incapac~dade do çon-
tractante, fallencia, etc., ou em virtude de negligencia ou culpa
na execução do contracto, ou ainda, quando assim o exigir o
interesse publico (15), nas condições previstas pela lei.
Pode,ainda, naturalmente, a ;parte pedir ou promover a
rescisão quando a administração deixa de cumprir a obriga-
ção, ou quando tornar-se impossivel o cumprimento do con-
tracto, ou ainda quando occorrerem factos imprevistos que im-
ponham modificações no contracto, que o tornem impossivel
de execução.
Occorre a caducidade das concessões quando o concessio-
nario deixa de cumprir as obrigações contractuaes assumidas.
Segundo BIELSA (16), duas são as hypotheses que podem
ser previstas:
a) quando o concessionario não inicia a obra dentro do
prazo;
b),quando o coneessionario executa suas obrigações dó
modo irregular ou incompleto;

('15) 'DE AJNGELlS, Natura G.iurülica e limiti delle concessioni ammi-


nistrativi, pg. 149; BIELSA, op. cit., I, pg. 150.
(16) Derecho administrativo, r, pg. 140.
INSTITUIÇÕES DE DIREIT'Ü ADMINISTRATIVO BRASILEIRO aSl

A caducidade d.o c.ontracto importa desde logo na perda


da caução.
O C.odigo de Aguas estabelece as c.ondições de caducidade
das concessões.
Egualmente o Codig.o de Mina:s, em seus arts. 56 e segs.
A caducidade tem, assim, .o objectiv.o de substituir .o con-
cessi.onari.o por .outrem que possa executar .o serviç.o publico,
nas c.ondições exigidas pelo publico. Presuppõe a incapacida-
de d.o concessionari.o ou a sua inactividade v.oluntaria .ou não.
o que justifica a rescisão da concessão.

D) - Renuncia

O serviç.o publico concedido representa uma .obrigação, um


onus pata o concessionario. Nã.o pode, este, assim, espontanea-
mente renunciar a essa obrigação, sem que isso importe nas
consequencias da inexecução de qualquer obrigação.
LUIGI RAGGI, em sua obra classica (17), distingue aquel-
las concessões consideradas actos unilateraes porque a admi-
nistração concede apenas direitos sem vantagens proprias, da-
quellas que importam em obrigações para o concessionario e
beneficios lla"!"a a administração. Nas primeiras, admitte-se
a renuncia bastando notificar a administração da resolução de
renunciar aos direitos que lhe foram outorgados. Nas se-
gundas, p.orém, é preciso um novo acto bilateral.
OTTO MAYER (18) observa muito bem, que a renuncia não
pode ser livre, depende da administraçã.o que pode acceital-a,
mas ,pode impôr c.ondições de toda ordem para a sua acceita-
çã.o, c.omo a entrega das obras e dos materiaes mediante ju:sta
indemnisação.
D.o mesmo modo de pensar é BIELSA (19).

(17) Cantributo alla dottrina delle rinuncie nel di'T'itto pubblico, pa-
gina 212.
(18) Dir. Adm. All. IV, pg. 180.
(19) Derecho adm., I, pg. 141.
382 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Segundo DE ANGELIS (20), os autores allemães distinguem


tres theorias differentes:

A primeira - de que todo direito publico sub-


jectivo é susceptivel de renuncia, salvo disposição ex-
pressa de lei;
A segunda - de que a regra é a irrenunciabi-
lidade, salvo autorisação expressa de lei;
A terceira - que distingue a natureza do direito,
admittindo a renuncia em certos casos.

Reconhece, entretanto, o alludido autor, que ninguem até


agora formulou uma doutrina que fixe um criterio distinctivo,
preciso e seguro, para saber quaes os direitos subjectivos re-
nunciaveis e quaes os que não o são; nenhuma dessas theorias
conseguio construir uma doutrina integral que re!?olva o pro-
blema. •
O que parece bem assentado na doutrina, é que a renuncia
não pode contrariar o interesse publico, nem pode o concessio-
nario fugir aos termos da concessão e ás consequencias do seu
acto, de accordo com as normas juridicas relativas ao contracto.
E' preciso não confundir, além do mais, a renuncia a cer-
tos direitos com os onus impostos a todos, de que nem siquer
pode a administração isentar todos os cidadãos sem ferir o
principio da igualdade (21).
A materia de concessão é de natureza contractual e aos
seus principios deve estar sujeita (22). Não ha como se at-
tender somente aos interesses dos conces:sionarios, sem con-
siderar o interesse publico.

E) - Fallencia

A fallencia pode determinar effectivamente a revogação e


rescisão da concessão, resalvados os direitos dos credores, por-

(20) Op. oit., pg. 158.


(21) F. FLEINER, op. cit., pg5. 91 e segs.
(22) OTTO MAYER, Droit Adm. Allemand. lI, pg. 36; DE .Alo<GELIS,
op. cit., pg. 158, onde se acha a materia largamente examinada e citados
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIR:l '383

que importa, desde logo., na incapacidade juridica do. co.nces-


sionario.
Não pode ser o pU'blico. repentinamente privado de serviço.s
de que, na maio.ria das veres, não. Po.de prescindir.
Assim a lei -de fallencias (23), em seu art. 180, deter-
mina que
"a fallencia das emprezas o.U so.ciedades ano.ny-
mas concessionarias de _serviços :publico.s federaes, es-
taduaes, e municipaes, não. interro.mperá esses servi-
ços, e a construcção das obras necessarias co.nstantes
dos respectivos co.ntractos".

Caso fique resolvido o. pro.seguimento. dessas obras, taes


serviço.s proseguirão sob a direcção. do. syndico ou liquidatario.,
junto ao qual haverá um fiscal nomeado pela pessôa adminis-
trativa concedente.
A intervenção desse fiscal é ampla e segundo. a lei "será
o.uvido so.bre todos o.S acto.s do. 'syndico ou liquidatario., relati-
Vo.S áquelles serviços e o.bras, inclusivamente so.bre a no.meação.
do pessoal technico. e o.rganisação pro.visoria de taes serviços
e obras, e poderá examinar todos os livros, papeis, escripturação.
e contas da em preza fallida e do. syndico ou liquidatario".
Finalmente, depende de consentimento da pessôa adminis-
trativa concedente a transferencia a terceiro.s da concessão e
direito.s della decorrentes.
E', como se vê, uma forma de rescisão., o.U melhor, de ex-
tincção :da concessão pelo. menos em relação á pessôa do co.n-
cessio.nario primitivo..

entre outros: W. SCHOENBüM, Studien ZU1" Lehre vom Verzicht im otten-


Uichen Recht; FADDA, Sulla teoria delle rinunzie nel diritti p!1-bblico; ZORN,
Straatrecht, lI, pg. 46.
(23) 'Dec. 5.746, de 9de Dezembro de 1929.
OAJPITULO XlI

ISENÇõES DE SELLOS E OUTROS IMPOSTOS

- >·'1
J _

Empr,ezas concessiona;rias - Isenções fiscaes - Privilegios


exclusivos.

Entre os privilegios de que gosam as Emprezas concessio-


narias de serviços publicos na execução dos seus contracros.
encontra-se o da isenção de seBos e de certos impostos.
O fundamento desse :privilegio está na propria situação
dessas emprezas, que executam o serviço em nome do Estado,
por uma delegação de funcções já anteriormente examinada,
e que têm a sua razão .de ser em poderosos motivos de ordem
politica e economica.
Quando o Estado executa, pessoalmente, taes serviços, é
obvio que se acha dispensado de toda e qualquer contribuição,
dispensa que, num regimen federativo, como o nosso, é reci-
proca entre a União, Estados e Municipios, que não podem
tributar bens, rendas e serviços uns dos outros (1).
E' o que ensina RUY BARBOSA, .referindo-se ao art. 16.0 da
Constituição de 1891 (2): -

"A prohibição instituida no art. 10 da nossa


carta republicana deriva da essencia mesma do re-

(1) Art. 32, da Coru;tituição vigente. .


(2) Commentarios á Consto Federal B-rasileira, voJ. I, pg. 345.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 385

gime federativo, e não seria menos obrigatoria, de


parte a parte, entre a União e os Estados, si a lei
constitucional, em vez de se declarar, como entre nós
se declara, emudecesse neste ponto, como noutros pai-
ze~ emudece.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a Constitui-
ção não se pronuncia, de maneira alguma, negando á
União o direito de tributar serviços ou instituições
estadoaes, nem aos Estados o de tributar instituições
ou serviços federaes. Não ha, comtudo, principio mais
solidamente assentado que o da reciprocidade nesta
isenção tributaria entre a União e os Estados".

Tem sido ultimamente sustentada a these de que as em-


prezas concessionarias de serviço publico teem ampla isenção
de todos os impostos federaes, como os de seIlo federal, im-
posto .de renda, e os juros dos emprestimos, isto é, dos ti-
tulas nominativos ou ao portador, para tal fim emittidos.
RUY BARBOSA, nos alludidos Commentarios, estuda o as-
sumpto com a sua proficiencia reconhecida, fundando-se não
só nos dispositivos constitucionaes da Constituição de 1891,
mas ainda na Jurisprudencia e na doutrina americana.
CARLOS MAxIMILIANO, entre O's antigos commentadores,.
ensina, por sua vez:

"O ,proprio Poder (Federal, Estadual ou Muni-


cipal), que contractou um serviço, está privado de
o tributar, salvo si o contrario foi expressamente
declarado no instrumento da obrigação". (3).

e em outro trecho:

A resalva expressa pelo art. 10.0 aproveita áSI-


cc

Emprezas particulares que contractam serviços com


a União, Estados ou Municipios; não podem ser di-

(3) Comrnentarios á Constituição, pg. 25{).

-25
386 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
---------------------------------------------
rectamente tributadas. A regalia estende-se aos im-
moveis, moveis e semoventes necessarios aos traba-
lhos contractados, bem como aos vencimentos .dos em-
pregados: assim acontece com as Companhias ou in-
dividuos que, mediante concessão accordo ou parte,
exploram loterias, caes ou porto; fornecem agua, luz,
esgôtos, telephones, ou transporte urbano; constróem
estradas e pontes, melhoram lagos, rios e canaes" (4).

E' evidente que taes isenções não podem abranger todos os


impostos, diredos ou indirectos, nem aquellas operações extra-
nhas ao objecto da concessão.
AURELINO LEAL cita uma valiosa jurisprudencia adminis-
trativa e judicial relativamente ao assumpto (5).
A justificativa destas isenções, como vimos acima, é ape-
nas uma contraprestação do Estado pelas vantagens offerecidas
pelos concessionarios de serviços publicos, que se devem su-.
jeitar ás normas perscriptas pela administraçã,o e aos sacri-
ficios a elles impostos em beneficio do publico.
A não ser assim, taes isenções teriam um aspecto .profun-
damente lesivo e immoral e nada poderia justificaI-as.
Tdda isenção fiscal temcaracte!" restrictivo. e, por isso
mesmo, só pode abranger aquillo que interessa directamente
ao proprio serviço concedido.
Em um excellente estudo em que este assumpto.é exami-
nado á luz da legislação e da jurisprudencia Argentina o· Dr.
RODOLF'O PICCIRILLI (,6) mostra como rep!"esenta a observan-
da de um elementar principio de egualdade inherente ao re-
gimen a distribuição equitativa :dos encargos fiscaes por todos

(4) . Commentarios á Constituição, pg. 249.


(5) Theoria e Pratica da Constituição Bmsileira, pg. 149. Além dos
ACC01,dãos citados por AURELINÚ LEAL, p.odem{)s mendonar 008 seguintes:
Jurispi'udencia de l'898,pg. 287. - O Direito, voI. 80, pg. 351..s voI. 91,
pg. 65. - Revista de Direito, vol. 38, pg. 521, vol. 46, pg. 568, vol. 47,
pg. 120, vaI. '69, pg. 298, e vaI,. 104, pg. 143. - OcTAVIO KELLY, Manual
·de Jurisprudencia Federal, n." 138, I." Supplementa, n.O HXt3 e 1{)16; 4.0
Supplementa, n.O 482. - Annuario de Jurisprudencia Federal, 1930, nume-
ro 1089.
(6) El privilegio en las concesiones de servicios publicos, pg. h3~.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 387

tOS cidadã.os e, p.or isso mesmo, .o sentid.o muit.o limitado da in-


-.terpretaçã.o das clausulas ex.oneratorias de imp.ostos.
. O Estad.o m.odern.o representa a organização de t.odas as
,classes, em contraposiçã.o ao Estad.o antigo que c.onsistiria na
.organização de uma classe que gozava :de todos os privilegios.
Dahi c.onclue que, tratand.o-se de isenção fiscal, a duvida
.deve ser resolvida contra .o c.oncessi.onario.
Em principi.o a these sustentada pelo alludido autor, alias
-c.om pr.oficiencia, é rigor.osamente exacta, mas é precis.o atten-
,der a outra circumstancia d.o mai.or valor qual a que justifica
a isenção fiscal, nã.o c.om.o um privilegio mas c.om.o uma im-
p.osiçã.o de necessidades econ.omicas, muito ponderaveis.
A isençã.o fiscal traz, em c.ompensaçã.o, pesad.os .onus para
:as em prezas ; impõe-lhes um regimen juridic.o que é antes de
'sub.ordinação ao p.oder public.o e ás exigencias d.o interesse
:collectiv.o.
Infelizmente nã.o tem sid.o bem c.omprehendid.o esse as-
:pecto do pr.oblema porque, a.o mesmo tempo que pretendem va-
ler-se de benefici.os e vantagens, nã.o reconhecem no Estad.o o
poder de regular as suas tarifas e c.oncilial-as c.om os inte-
.resses publicos.
A C.onstituição de 1934, em seu artig.o 17 declarava:
Art. 17. E', vedad.o á Uniã.o, a.os Estados,a.o District.o
:Federal e aos Municipios:

X. 'Dributar bens, rendas e serviços uns dos


.outr.os, estendendo-se a mesma prOihibição ás c.onces-
sões de s·erviç.os publicos, quantO aos pr.opri.os servi-
ç.os concedidos e ao respectiv.o apparelhamento ins-
tallado e utilizad.o exclusivamente para .o .object.o da
concessã.o".

- A interpretaçã.o que se ,pretendeu dar a esse dis.p.ositivo


~s.offreua influencia de sua redacçã.o vaga e defeituosa.
Com relação á primeira parte d.o inciso, a amplitude do
text.o não perrnitte grandes divergencias. As entidades de di-
-reito public.o, não podem tributar reciprocamente .os seus ser-
388 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

viços, rendas e bens; não se verificam limitações, duvidas, dis,


tincções. A generalidade da norma legal tem justificado até a
isenção do imposto federal sobre a renda dos funccionarios
estaduaes quando essa renda é representada pelos seus ven-
cimentos.
-A jurisprudencia pacifica do Supremo Tribunal tem, por -
is-so mesmo consagrado os seguintes principios expendidos pelo
Ministro COSTA MANSO no mandado de segurança n. 316 do;
Amazonas:

"A União não pode tributar serviços a cargo dos


Estados. Tirar uma parte dos vencimentos :do func-
cionario estadual é tributar o serviço que elle desem-
penha. Se o Estado julga necessario que o funccio-·
nario, para se manter dignamente deva perceber o
vencimento "x" não tem a União faculdade para re-
duzir esse vencimento a "X-Y", tirando delle o valor-
do imposto".

A mesma facilidade não se encontra na applicação do-


texto ás emprezas concessionarias dos serviços publicos.
Quer com relação ao imposto de renda, quer quanto ao.
imposto de importação, quer com relação ao pagamento do
imposto de industrias e profissões, numerosas são as opiniõEs.
conhecidas em sentidos muito differentes.
Quanto ao imposto df': r.enda, a tributação federal :deve cons-
tituir a regra geral, de accordo com a jurisprudencia adminis--
trativa (7) e judicial (8).

(7) Ver sobre este assumpto, OSWALDO REZENDE, Pratica do Regula-


mento do Imtposto de renda onde a pg. 24 encontram-se as seguintes de-
cisões do Conselho de Contribuintes citadas:
Acc. n. 2.120 em que é recorrente a Companhia Mineira de E-lectri-·
cidade, in revista Fiscal de 1 a 15 de Abril de 1936. -
Acc.n. 2.434 da Companhia Te~ephonica Brasileira, Revista Fiscal de-,
16 a 31 de M.aio de 1936. -
Acc. n. 2.435 em que é reOOl'T'ente 81 The São Paulo Gas Company'
na mes.m.a Revista mesmo numero.
(8) Etntre os Alccmdãos da Suprema Côrte sobre o assumpto deve-
mos mencionar aqueUe relatado pelo Snr. Ministro BENTO DE FARIA de 2Qo
INSTITUIÇõEs DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 389

Os privilegios concedidos pelo texto Constitucional não •


podem beneficar as emprezas concessionarias de serviÇOiS pu-
blicos.
O mesmo poder se ha diz.er com relação aos impostos de
importação em sua generalidade, como tem decidido tambem o
'Supremo T!"ibunal, bastando mencionar as decisões proferidas
nos mandados de segurança requeridos pela Société Anonyme
du Gas de Nictheroy que pretendia estar isenta do imposto de
jmportação sobre o 'carvão destinado á sua exploraçã'o indus-
trial, objecto da: concessão.
Numerosas questões podem ser suscitadas em torno deste
:assumpto, assim, a extensão dessa isenção aos impostos fe-

.de Novernlbro de 193,6, em que foi requerente do mandado de segurança a


The Rio de Janeiro Improvements Oy; cujos fundamentos principaes foram
os seguintes:
"I - A recorrente invocando os seus contractos para demonstrar a
,qualidade de concessiona:ria de serviços publicas, pl'etende, por essa razão,
achar-se isenta de tributação sobre a sua renda.
Não pederlia I1JeIl~!'S assentar Slemelhanrte entendí'Inento" dês que as
isenções 'então deferild'!IiS peto Poder concedente, foram limitad'asaos im-
postos de importação, exportação'e expediente.
Aliás, ella propria tal não contesta, mas, antes, expressamente, o reco-
nhece em um dos passos das suas razões de recurso, in verbis:
"O dirreito da recorrente não se basea no contracto.
iDeste ,não resuLta, Niem com fundamento no contracto foi pedido o
mand,ado de segurança. O direito da recorrente vem da Constituição, onde
.está expresso",
'Conseguintemente, a questão se ;circumscreve ao exame do texto con-
'Stitucion8J no qual se arrima pa;ra enfrentar a exigencia fiscal,
II - Elsse mandamento é do artigo 17 n. X da vigente Constituição,
formulado nestes termos:
"E~ vedado á União, aOS Estados, ao Districto Federal e a{)s muni-
eipios:
..
- " " ..... ...
' , " .' ..... , ., " " ., ., .. ... .. . .,.
', , , ,
- tributar ,bens, rendas e serviços uns dos outros, extendendo-se a
mesma prohi-bição ás concessões de serviços puMicos, aos proprios servi-
ços ooncedidos e M respectivo appaTelhamento insta.llado e utilisado exclu-
sivamente para o objecto da concessão".
Dahi não resulta, entretanto, que a União fique im.pedida de tributar
-rendas, embora provenientes de serviços de sua propria concessão, rsto é,
-de serviços de natureza federal.
A prohIbição está limitada - aos bens, rendas e serviços dos Estados,
,80 Districto 'Pederal e dos ~MunicipÜJ8. '
Conseguintemente, o mandamento transcripto não pode ,amparar a pre-
rtenção ~rn·apreço".
3,90 THEMISTOCLES BRANDÃO CA VALCANl'I

deraes para as, concessões estaduae.s e municipaes e vice versa,.


a subordinação da applicação desses principios á !'egulamen--
tação pelo poder legislativo ordinario etc.
·Especialmente com relação aos impostos de industri3!S e·
profissões e outros impostos ou taxas :de nature~a municipal a_
Jurisprudencia tem sido antes limitativa, comprehendendo a-
isenção, apenas, rigorosamente, aquelles apparelhos e serv~ços,
destinados exclusivamente á exploração da concessão (9).
O artigo 32 da Constituição de 19'37 e seu paragrapho,.
viera modificar a tradição de nossas Constituições republi--
canas, :!"etirando do texto Cons·titucional a extensão do privi--
legio att-ribuido ás entidades de direito publico maiores, a
União, os Estados e os Muniópios tambem ás. emprezas con--
cessionarias de serviços publicos.
O texto Constitucional é expresso, inclue em dispos'lções:
differentes aqueUas entidades maiores a que nos referimos:
e os serviços publicos concedidos.
Com relação á União, aos Estados e aos Municipios, de--
clara que é vedado:

"c) tributar bens; rendas e serviços uns dos~


outros".

(9) Muitas vezes a isenção tem fundamentt> em disposições especiaes;


dos pro.prios co.ntractos. Nlesses caso.s a interp'retação deve obedecer ás
normas geraes ode interpretação. E' o caso por exemplo do imposto de
industriaos e profissões que, de accordo com o. contracto firmado entre a
Pl'Iefeitura do Dilstricto Flederal e Light and Pbwer, comprehendia-se na:
isenção fiscal. Acontece que o aIludido imposto é cobrado pela União, em
virtude de um ,accordo firmado entre a União e o Districto Federal. P01s.
bem, reso'!lveu a Côrte Suprema que essa circumstancia não modificava a
natureza do impo.sto que continuava a ser da competencia Municipal, tran-·
sitoriamente cobrado pela União. Reconheceu, assim a IJoegitimJdadoa da
isenção pleiteada, aliás, firmada em' disposição contractual expressa que'
não pooderia estar revogadla, peJ.o SlÍrnlp!les facto Ide Dera UniJão assumido a
cobrança dlaqueHe imp-msro.
Não ~m sido, porém" Cloooiderado o imposto d,e industrias e profis--
SÕeJs como fazendo parte da 1sen:ção 3JIIIIp~a. a que se referia o a,rtilgo·
17 da Constimição Federal. Foi a these que sustentamos contra a The
Leo.po.ldina Railway e que mereceu ·0 apoio. da Côrte Suprema. Não se-·
pooe consider.ar o imposto de industrias e pro.fissões como attingindo o
proprio. serviço. concedido poi,s que elle interessa mais a actividaode pura·-
mente co.mmercial da empreza que explora o. serviço e que por isso me.s··
mo, so.ffre as imposições fisca·es que interessam diI'lectamente o. seu ne·-
gacio.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 391

Com relação ás emprezas de serviços publicos:

"paragrapho unico. Os serviços publicos conce-


didos não gozam de isenção tributaria, salvo a que
lhes for outorgada, no interesse commun, po"!" lei es-
pecial ".

O dispositivo nesta segunda hypothese deu mais ampli-


tude ao regimen das isenções embora lhe houvesse tirado ()
. caracter constitucional. Technicamente a solução só me~ece
louvores porque poz termo ás confusões e duvidas a que dava
logar a inter.pretação dos termos obscuros do antigo dispo-
sitivo Constitucional.
As isenções fiscaes comprehenderão assim, aquelles tri-
butos p!'evistos expressamente na lei especial. Aqui tambem,
verificou-se a cautela do legislador Constitucional; não basta
que a isenção esteja previ sita no acto da concessão, mas que de-
corra de uma disposição expressa de lei.
Modlficou se, como se vê, o regimen de isenções no sentiào
de individualizar-se por lei especial a extensão e os limites
da isenção fiscal.
Em virtude dessa disposição ficaram sus1pensas as isenções
até que uma lei especial disponha a respeito .

.PRIVILEGIOS - DIVERSAS ESPECIES - PRIVILE'GlIOS


EXCLUSIVOS - MONOPOLIOS

Outra vantagem de que podem gozar as emprezas conces-


sionarias de serviços é a do privilegio para execução dos ser-
17iços concedidos.
Para fixar bem os principios é preciso não levaI-os a ex-
tremo~· Ha um JUsto limite em que se deve ter como razoavel.
aentro da situação actual, a outorga de vantagens que com-
pensem a inversão de grandes capitaes, de maneira a permittir
um rendimento justo para o capital investido naempreza.
Em sua comprehensão technica, a palavra "monopolio"
tem um sentido muito mais amplo. Entende-'se a exclusividade
392 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

de um certo commercio ou industria, o que só pode ser tolerado


quando exercido pelo proprio Estado por motivo de interesse
publico.
Constitue, porém, caso excepcional cuja exploração por ter-
ceiros, que não o Estado, os sãos principios repellem como
attentatorios do regimen.
E' bem verdade que RUY BARBOSA usa da expressão "mo-
nópolio", no sentido ,de privilegio exolusivo outorgado a tercei-
ros, pelo Estado, para execução de serviços publicos, mormente
os de viação, fornecimento de energia electrica, gaz, luz, tele-
phones etc., segundo a technica juridica dos Estados Uni-
dos (100); faz no ent!'etanto, o mesmo autor, a distincção bem
nitida entre o monopolio illicito e o privilegio legitimo, im-
posto por situações de facto que o recommendam.
Ha ,dentro da these collectivista interesse na abolição do
privilegio. E' que a organização capitalista não poderia re-
sistir a um regimen de livre concurrencia, ;porque difficilmente
supportaria a lucta, obtendo rendimento razoavel para o ca-
pital empregado nas grandes emprezas de serviços puhlicos.
Mas, dentro da these capitalista, não se poderia deixar de
considerar legitimos esses privilegios, :desde que se transija
com a doutrina liberal, tão de seu agrado, da livre concurrencia.
Sob o ponto de vista da economia, o assumpto é relevante,
e ninguem talvez o tenha melhor estudado em nossos dias do
que RICHARD ELY (11), que apresenta uma classificação de mo-
nopolios do maior interesse.
Esses privilegios attribuidos á exploração dos serviços pu-
blicos revestem..;se de um caracter de todo em todo peculiar á
natureza desses serviços, porquanto elles só podem ser exer-
cidos, ou directamente pelo Estado, e nesse caso constituem
verdadeiros monopoHos, ou por delegação do Estado, por meio

(10) "Os pri'Vilegias ,exclusdvos na JuriJSprudencia Atme,ricana", onde


se acha uma larga biMiographia dos auto'res ,americanos sobre o assumpto.
(11) Monopolies and trusts, pg. 145,. Vier tambem a obra de G.
MjoNTEMARTINI - Municipalizazione dei pubblice servizi, pg. lSOI e se-
guintes onde a questão é bem estudada.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 393

de concessões e, nesse caso, os serviços trazem comsigo os ele-


mentos que lhe são pecuUares pela sua natureza (12).
O privilegio, porem, hoje em dia com o aperfeiçoamento
da technica, principalmente naquillo que diz com os meios de
tranBiporte, tem um sentido relativo, porque os processos se vão
multiplicidade, estabelecendo uma concurrencia, menos nos m€ios
de transportes :do .que na multfplicid'ade doo processos empre-
gados para attingir os mesmos objectivos. Ninguem ousaria
levar, por ex~mplo, a concurrencia entre as estradas de ferro,
de rodagem e de aviação ao ponto deattribuir ao concessiona-
rio de qualquer um desses serviços o direito de invocar em
seu beneficio o privilegio de zona, com.prehendendo todos esses
meios de transportes.
Não menor absurdo se nos afigura, ;pretender ampliar o
priVilegio das linhas de .bondes ao ponto de prohibir a explora-
ção dos caminhos de ferro subterraneos por outra empreza.
Dahi a necessidade de coor:denar todos esses serviços em um
systema unico, em que cada um complete a actividadê do outro
afim de que todos correspondam ás necessidades do serviço
dentro da esphera que lhe attribuir o plano geral. E'a unica
maneira de assegurar perfeito rendimento e resultado finan-
ceiro a todas as emprezas interessadas.
No estudo dessa importantissima questão é preciso atten-
der muito ás circumstancias de facto que variam, e, por isso
mesmo, devem ser consideradas em primeiro plano.
O que convence, portanto, da legitimida:de desses privi-
legios é a circumstancia de terem os mesmos fundamento na-
tural, e não terem caracter absoluto, como mostra NASH, em
sua O'bra já citada. E' assim que as estradas de ferro competem
com os navios, as companhias electricas com as de gaz, estas
ultimas com as de carvão, oleo, etc. (13).

(12) G. ZANOBINI, L'esercizio privato delle funzione e dei servizi


pubblici, in Primo Tr(J)/tato de Orlando, vol. U, pane lU, pg. 433.
(13) The economic.s 01 public u.tilities, pg. 15.
394 THEMISTOCLES BRANDÃO _CAVALCANTI

Ha, por conseguinte, um meio termo dentro do <lual deve-.


se ter como legitimo o Iprivilegio. Assim, o que se assenta em
uma situação de facto ou que se imponha para a realização de
um serviço publico, :deve ser tido como legitimo e aconselhavel.
Fora dahi, para satisfazer interessespessoaes, seria odioso e
contrario á finalidade de sua instituição.
Em nossa vida administrativa, taes monopolios ou privile-
gias justificam-se plenamente pela neces,sidade de attender a
interesses publicos prementes, o que só se poderia obter, con-
ferindo aos portadores de capitaes a segurança de uma au-
sencia de concurrentes, dentro de certas actividades industtiaes,
ou de dete!ininada zona.
Na questão entre a Sociedade Anonyma do gaz e a Com-
panhia Ferro Carril Jardim Botanico, quando aquella empre-
za impugnava por inconstitucional o privilegio para illumina-
ção electrka da Capital, decidio o Supremo Tribunal Federal,
que o privilegio concedido não offendia a Constituição (art. 72,
§ 24) porque a Constituição ali garantia o livre exercicio de
qualquer profissão, e não a exploração de serviços que nem
todos podem explorar como o fornecimento de energia, agua,
esgotos, etc.
Na all udida decisão ficou bem clara a natureza do se:viço
concedido eas razões de ordem economica e financeira que
justificam a concessão de vantagens e favores, decorrentes da
nature2'Ja do serviço e da imporlancia do capital empregado (14).
Não se deve, assim, confundir o privilegio com a conces-
são; pode occorrer até que o prazo do privilegio seja menor do
que o da concessão, circumstancia que bem cj:l.racteriza a fina--
lidade dos favores comprehendidos no :privilegio (15).
O privilegio pode ser, de facto, portanto, precario, ou
de direito, isto é, reconhecido e protegido pelo Estado, privi-
legio exclusivo.

(14) Vier a questão exposta em RUY BARBOSA - Commentarios á


Constituição Federal Brasileira, voI. VI, P'g. 29.
(15) Ver OARVALHO DE MENDONÇA (M. I.), Administração dos tro-
balhos e serviços de Engenharia Civil, Minas, Artes e Manufacturas,. pa-
gina 76.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 395

I - O monopolio ou privilegio de facto é aquelle que de-


corre ou de uma circumstancia material, consequente á natu-
reza de uma installação ou occupação, :por exemplo, de via pu-
blica por trilhos, o que exclue naturalmente a occupação por'
terceiros, ou de uma circumstancia de facto que exclue impli-
citamente, pelas condições do serviço, a, sqa exploração por
outros interessados.
São taes mOll<woliOS tidos como privilegios de facto, por-
que não se acham sanccionados por uma garantia qualquer do
poder publico que pode, como nota JÉZE (16), por motivos im-
previstos, autorizar terceiros a collocar, por exemplo, outros
trilhos de bondes na mesma rua já trafegada por outra em-
preza.

II - O privilegio exclusivo, decorre de um garantia ex-


pressa do poder publico, geralmente de natureza contractual.
Deve ser, porém, limitado aos termos em que fÔIl" concedido,
Não attribue uma faculdade absoluta ao concessionario, mas
soffre restricções que impedem a sua conversão em um mono-
poli o odioso, prejudicial a terceiros.
Como vimos acima, elle só se justifica por uma situação
de facto, contingencia fortuita e excepcional; deve, portanto,
ser inter:pretado estrictamente.
GASTON JÊZE (17) tira, por isso, desses prineipios, os se-
guintes corollarios:
1.0) o privilegio exclusivo não crêa um monopolio de di-
reito para o concessionario (18);

2.°) a concessão a titulo exclusivo não tira ao Estado a


faculdade de reor~anizar o serviço concedido ou de crear outro
complementar;
3.° a concessão a titulo exclusivo confere ao concessio-
nario o direito de explorar o serviço concedido.

(16) Les principes generaux du droit administratij, pg. 377.


(17) Les contrats administratij, lU, pg. 381.
(18) Assim o Estado pode -expIo-rnr dkec_íamente ou dar concessão
para ,expIo-ração de seus proporios serviços, dentro da zona privil'egiada,
Acc. B.T. F., in Rev. S. T. F" voI. 3D, pg. 247.
396 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Em these; devem taes principios Ser acc~itos, respeitadas


no entretanto, situações contractuaes creadas sob o regimen
de grande premencia para o nosso desenvolvimento economÍeó,
o que aliás, justificaria a revisão dos contractos.
Privilegio de zona - Um dos privilegios mais. commu-
mente invocados é aquelle queattribue ao concessionario a ex..
clusividade da exploração do serviço publico dentro de uma
determinada zona (19).
A nossa historia fe!"roviaria é abundante em casos dessa
natureza, revestindo-se de modalidades diversas. Assim a
nossa primeira lei geral ferroviari:a, de 26 de Junho ·de 1852
estabeleceu em seu art. 174 que "durante o tempo :do privile-
gio não se poderia conceder outros caminhos de ferro dentro
de distancia de cincó leguas, tanto de um como de outro lado
e na mesma direcção, salvo si houver accordo da Companhia".
E1ssa distancia, porém, não foi sempre respeitada, nota-
damente em S. Paulo onde variou de· 31 a 20 kilometros.
Outra clausula do maior interesse é a que se refere á na-
tureza dos serviços que podem ser executados na zona privi-
legiada. Alguns contracto,s, como o da S. Paulo RailW1aY e da
Estrada de Ferro de Santos a Jundiahy, têm estipulado que
o privilegio concedido não excluia o direito de outras empre-
zas de construir E1stradas de Ferro, que partindo do mesmo
ponto seguis1sem outra direcção, poden:do cruzar a zona privi-
legiada, comtanto que dentro della não deixassem nem rece-
bessem passageiros ou cargas sujeitos ao pagamento de frete.
Numerosos litigios :pro'V'OCaram essas clausu~8iS contrac-
tuaes, como os verificados entre a Paulista e a Companhia
Ytuana, e entre a estrada de ferro Principe de Grão Pará e ~
estrada de ferro Magé.
Esta ultima questão foi submettida ao Conselho rle Estado
que resolveu contra a primeira Companhia por não se veri-
ficar serem paraI1elas as duas estradas, devendo-se interpre-

(19) E' por exemplo o caso dos serviços de bondes no Districto Fe-
<leral concedido, dentro de cert'o perimetro a um grupo de emprezas. (de-
creto 1142, de 9 doS Outubro de 1907).
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 397

tar ~ clausula contractual de forma a não obstar o desenvol-


vimento .íerroviario e nos termos da lei de 1852 (20).
Muitos outros casos podiam ser citados, como aquelle ve-
rificado entre a PauHsta e a Mogyana por occasião da cons-
trucção da linha :de S. Simão a Casa Branca e do ramal de
Santa Veridiana, por esta ultima Companhia. Seria, no en-
tretanto, sem maior interesse.
Não se pode deixar de concluir, de accordo com as nossas
leis e a jurisprudencia dos nossos tribunaes, pela legitimidade
da construcçãode outr,as estradas dentro da zona privilegiada;
o que o privilegio garante, é apenas o direito exelusivo de re-
ceber passageiros e cargas na zona privilegiada (21).
Tratando do privilegio de zona ou "zona de influencia",
diz PICCIRILLI (22): "La zona de influencia tiene un funda-
mento economico y está' en la misma esencia de los ferrocariles
aI necesitar estos de un trafico para trans:portar, y la obliga-
cion de que se los respete para sostenerlos, a fin de cumplir
con las óbligaciones deI servi cio publico. Eu una palabra: la.
zona de influencia se vincula con el trafico".
"La zona de influencia se ha estabelecido para evitar los
efectos desastrosos de la concorrencia: a) despilfarro de ri-
quezas; li) duplicacion inutil de los gastos de instalacion;
c) servicios deficientes; d) las empresas se funden o se :ponen
de acuerdo".
"La libre concurrencia, diee TERRY - produce la lucha de-
dos o mas compafiias que se dirigen ai mismo punto terminal"
para concluir o con la ruina de alguna de las empresas o con
la union de todas, y las serias perdidas sufridas durante la com-
petencia son resarcidas en seguida por el pobre :publico, por el
productor y por la industria deI pais o de la zona recorrida".

(20) Resoluções de 23 de Fevereiro de 1884.


(21) Accordão do Supremo Tribunal Federad, de 20 de Maio de'
1927. A tr,amway Rural Fluminense, v. a Leopoldina Rai'lway CO. in'
Rev. S. T. F., vaI. XXXXI. pg. 204; v.er tambem, mesma Revista, voI.
lI, pg. 338.
(22) ROD9LFO PICCIRILLI, El privilegio en las concesiones de ser-
v.vcios publicos, pg. 85.
'398 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Algumas leis, com'O a italiana, attribuem a'O c'Oncessi'Onario


preferencia para a expl'Oração das linhas comprehendddas den-
tr'O da zona de influencia, isto é, dentro d'Os limites que se c'Om-
prehendem n'O privilegi'O da c'Oncessã'O (23).
Ha, portant'O razões ec'On'Omicas de alta relevancia que
a.conselham .o respeit'O a essa categ'Oria deprivilegios. Corres-
ponde, p'Or 'Outr'O lad'O, a um direiro que p'Ode ser c'Onsid,erad'O
inherente á pr'Opria natu!"eza da c'Oncessão.
O privilegi'O de z'Ona, p'Oder-se-ia considerar, a'ssim, um
verdadeir'O ,privilegi'O natural. Como, porém, vem 'O mesm'O fe-
rir interesses e di!"eit'Os de terceir'Os preCisam c'Onstar de clau-
sulas expressas ,00 contraero de concessão.
Outros privilegios ou favores - As isenções de impostos
geraes e aduaneiros, o direito de desapropriação e as demais
vantagens que, de aecordo com as circumstancias, podem ser
dadas ás emprezas concessionarias de serviç'Os pub1ic'OS nãn
têm caracter de exclusividade. Esta se deve assentar princi.
palmente em eontingencias de facto, que legitimam a sua 'Ou-
torga pelo poder publico.
Este capitul'O é da mai'Or importancia n'O noss'O regimen
:de concessões. Tal como Decorre com a garantia de juros tende
a desapparecer em consequencia das concepções novas em ma.
ter~a de execução de serviços publicos.

(23) 'G. CIMBALJ, Le Stnide 'Ferra te, in Primo Trattato 'completo de


. Orlando, vaI. VII, p'a<rte l, pg. 701.
CAPITULO XII

OORRE:IOS E TELEGRAJPHOS

Correios ,e t'elegraphos - l\I[onopolio do Estàdo - Competen-


cia da U.nião - Tarifas - ResponsabiEdade - TeIegra-
phos - Sua exploração Regimens div,ersos - Telegrapho
submarino - Radiocommunicação - Diversos systemas
- Controle do Estado - Regimens doe concessão.

, Um dos serviços mais typicamente considerados como do


monopolio exclusivo do Estado, dentro da nossa organização
constitucional é o de Correios, pois que, nem siquer está pre-
visto na disposição Constitucional a concessão desse serviço aos
Estados ou aos particulares.
A Constituição, effectivamente dispõe em seu artigo 15:
"Compete privativamente á União:
VI manter os serviços de eorreios.
E' que, pela sua natureza, entre nós, como na maioria do~
paizes, tem o Governo Central o maior interesse em manter o
contrôle da correspondencia, ficando a seu cargo a bôa exe-
cução do mesmo (1).

(1) Ver MAZ'ZIOTTI. La posta, il tele,grafo, il telefono, in P1'imo Trat-


tato de Orlando, vol. VII, parte II, pg. 300.
400 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Uma parte desse serviço está mesmo entregue á aviação


militar que leva a correspondenciaa todos os recantos mais
longinquos do paiz (2).
O Monopolio attribuido á União não dispensa tambem, mui-
tas vezes, o auxilio particular, como, por exemplo, das compa-
nhias de navegação ,particular, da aviação e estradas de ferro
particulares, mas o meio de transporte não é inherente ao mono-
polio, sendo o transporte de correspondencia uma das clausu-
las obrigatorias de tOdo e qualquer contracto de concessão ou
simples autorização para transportes de toda natureza.
Por outro lado, a propria lei, por vezes, exclue do mono-
polio certas categorias de malas; é o que faz o decreto 14. 72?
de 16 de Ma,:,ço de 1921 (3) mas é preciso entender aquellas
concessões como a titulo :precario, pela difficuldade do appare-
lhamento federal em attendera todas as necessidades do
serviço.
Promptas communicações e intercambio de idéas e de no-
ticias, constituem necessidades prementes, e cujo aperfeiçoa-
mento crescente tem sido um dos maiores serviços prestados ao
homem pelo progresso e pela sciencia.
Antigamente, essas communicações se faziam com todas
as dirfficuldades inherentes aos meios de transporte entã,>
existentes.
A evolução destes ultimos, é que veio encurtar as distancias:
e tornar a vida social mais facil e mais intensa, porque fez.
sahir o homem do seu isolamento.
Esses serviços, pela sua natureza, foram assumídos pelo
Estado, que os organisou em moldes satisfactorios :para as ne··
cessidades actuaes (4).

(2) A autorização alludida foi conferida pelo decreto 24.603 de 6:


de Julho de 1934.
(3)Artigos 4, 6, 297.
(4) 8egundo ensina G. JEzE, Principes généraux du droit adminis-
trati! lII, pg. 45, é antiqui:ssimo o principio desse monopo.LIo, que dll'ta
de 1681. '
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 401

CORREIOS

No Brasil, o monopolio do Estado para o Serviço de Cor-


reios é antigo; data de 1797, quando foi considerado rescindido
o privilegio que para esse serviço havia sido concedido ao Conde
de Pennafiel.
Desde então, passou o serviço para o Estado.
Segundo BERTHELEMY (5), são quatro os factos impor-
tantes na hi'storia dos Correios:
a) a utilisação de novos meios de communicação para o
transporte de correspondencia;
b) a invenção do sello de Correio; (6)
c) a fusão dos Correios e Telegraphos; (7)
d) a realisação da União Postal Universal~que reunio
em uma convenção unica todos os ,paizes do mundo (4 de Julho
.de 1891) (8).
São esses os elementos mais importantes no desenvolvi-
mento desse serviço realisado pelo Estado.
Discute-se tambem a sua natureza juridica. Como nota
BIELSA, não constitue propriamente materia de direito admi-
nistrativo. Mas é importante saber qual a relação jurídica
entre o Estado e o particular. Sob esse aspecto, não merece
fugir aqui ao exame da questão.

,('5) Traité Élémentaire, pg. 719.


(6) O uso dos seUos do Correio é relativamente recente. Quem
primeiro os utiJ.isou foi a Inglaterra, em 1930, graças a Rowland HiU.
,(7) 'Só recentemente foi effectuada entre nós pelo decreto, 20.889,
de 26 de Dezembro de 1931. A exposição de motivos do Ministro José
Americo convence das v,antagens da medida .
., (8) (São os seguintes actos a que o Brasil adheriu:
Dec. 6581, de 25 de Ma,Io d'e 1877, ao Tratado de Berna de 1874.
Dec. 7229, de 29 de Março de 1879, á Convenção Postal Universal ce-
lebrada em Paris, em 1 de Junho de 1878.
Dec. 531, de 17 de Dezembro de 189'8, Convenção Postal Universal de-
Washington, em 15 de Julho d'e 1897, e outras Convenções Postaes: de
Roma, ,em 1906, M.adrid, em 192()1, Pan-Americana em 1921, Stockolmo,.
em 1924.

- 26
402 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

As theorias correntes são, na opinião de BIELSA:


1.0) Theoria contractual, de direito privado. O Estado
faz uma proposta ad incertam personam, que se transforma em
contracto pela sua acceitação. E' um verd~eiro contraeto de
transporte, em que se eIliContram: os contractantes, o objecto,
e o preço.
2.°) Theoria do acto administrati~'.o unilateral.
Os seus
partidarios negam a existencia di() contracto. Trata-se de um
serviço publico, executado pela forma legal, que todos podem
utilisar mediante uma prestação. Não ha proposta. nem accei-
tação, mas o uso de um serviço que tem a sua organisação e,
funccionamento sujeitos aos regulamentos a· que se acham su-
bordinados os agentes 'do poder publico (9).
Não nos parece necessario fugir do sy.stema geral 'da
execução d~ serviços ,publicos, de ordem estatutaria, especial,
para explicar a natureza juridica do serviço do Correio.
As normas da administração, a sua responsabilidade, estão
prefixadas e .satisfeitas na forma da organisação administra-O
tiva em vigor.
A lei é a fonte da obrigação do .poder publico, e não se
poderia fugir ás contingencias de suas disposições. Não ha
necessidade de procurar outra solução fora do quadro geral que
preside ao funccionamento dos serviços publicos, para incluir
o serviço postal dentro do systema juridico.
Essa a natureza juridica desse serviço prestado pelo
Estado.
No Brasil, o serviço é .de natureza federal.
O art. 7, n.o 4 da COIliStituição de 1891 attribuia á União
competencia para decretar as taxas de Correios e T:elegraphos,
e, em seu art. 34, n.o 15, dava competencia ao Congresso Na-
cional para legislar sobre os serviços de Correios e Telegraphos.

(9) AlIguns autores discutem ainda a natureza civil ou commer-


dai do s€rviço. E'ntendem aI'guns qt:,e é de natureza commerci!tb, como
B::lLAFFIO, Comm. I, n.O 63; NAVARRINI, Trat. lU, n.O 901; RAMELLA, Della
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 403

A 'Constituição de 1934, em seu art. 5, declarava:


"Compete privativamente ~ União:

VII - Manter os serviços de Correios".

"
E o art. 15 VI da Constituição de 1937 manteve identico
<:dispositivo.
E' este um serviço typicamente federal, porque regula
transportes e relações interestaduaes.
Em todos os paizes em que vigora o regimen federativo, o
serviço de Correios é federal:
A Allemanha (10), os Estados Unidos (11), a Argentina,
,cujo art. 67 inc. 13 e 40 da Constituição attribuem exclusiva-
mente á competencia federal a exploração dos serviços do
Correio (12).
O mesmo occorre com a Austria (13).
Não nos ;parece poss-ivel deixar de con:siderar o interesse
:federal nesse serviço, cuja importancia é ca.da vez maior, o
·que pode ser avaliado pelas cifras e estatisticas (14).

Tarifas

O pagamento do transporte de correspondencia postal e


-telegraphica é effectuado de accordo com as tarifas fixadas

"G01-respondenza, pg .. 317. Contra: VIVANTE, Trat., I, no" 73; GIANINÍ,


'Trattato di Diritto Postale, no" 43. apud A. ASQUlNI, Del Oontratio di
'Trasporto in God. Gomm. Commentato, BOLAFFIO, VIVANTE, vol. VI, pg. 68.
(10) Art. 88, da Constituição de Weimar.
(11) Art. 1.0, secc. 8, no" 7 da Constituição decfllara:
"CorLgress shalI have power ............ t{) ·establlish p.ost O'ffices
:and poSlt I'oads". Ver OooLEY, Principles of Consto Latw, pg. 00. Po-
MEROYS, An int. to the Consto LlbW, § 411.
(12) BIELSA, op. cit., lII, pg. 269.
(13) A'rt. 10 da Constituição.
(14) São do ultimo I'elatorio do eníinente Ministro José Amerko de
Almeida os seguintes dados e o·bservações, que peIo seu valor e indice
,.express:vo do nosso desenvolvimento() d,evem ·ser aqui apresentados:
404 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Movimen- Corresponden-
to de malas da ordinaria, Ool"respondencia c/ valor
com registrada
correspou- e declarado
expressa ('*)
1930 15.629.384 1.910.175.737 4.508.517 - 1.540.432:323$00~
1931 13.139;34{) 1.822.343.006 4.339'.894 - 1.108.683:375$OO~
1932 11.262.952 1.404.481.111 .3.852.447 1.137.284:647$000
1933 14.007.744 1.71{).207.072 4.718.437 1. 323. 906:8{)3$000·
Correspondencia aérea (**)
1930 ................................... 1.565.747 c/quilos 29.249,324
1931 .................. '. . . . . . . . . . . . . . .. 3.3.27.854"" 52.0·94,488
1932 ....................................4.704.075"" 64.77'7,788-
1933 ." ................................. 6.966.993" " 98.999,451.
RENDA pOSTAL (**'*)
1930 46.187: 982$002
1931 37.991:101$354
1932 37.455:542$234
1933 41.360:808$400
Em 1931, a renda decresceu, deaccordo com a diminuição das corres-
pondencias e :reducção d'a 1Ja.rifa.
COIN,DUÇAO DE MALAS POSTAES

DE LINHAS
,NUMERO (****) QUILOMETRAGEM VIAGENS

1930 I 1934 1934'


-
I
Em estradas de
ferro .......•
A cavallo .... ,. I
265
1.211
288
1.115
33.017
73.137
36.609 88.078
67.911 180.5.08
I 101.647
172.87O'
Ped·estres ....•• 1.028 843 6.078 54.016 289.477' 491.79 2
Fluvis,es .....•• : 86 96 46.824 9.678 7.165 12.123
Em automoveis .. 122 184 11.006 15.955 27.444 47.741
Em bondes ....•
Maritimas ..•.•.
r 20
12
27
8
161
1.237
199
144
8.405
3.086
15.277
4.219
. I
Em carros e di-
Hgencias ••••• t .
~
--
123
--
2.003 ( 1.7IÜ2
-- --
43.9'70 62.654
--
,) 2.927 2.684 17131.763 186.214 648.128 908.:323
(*) Em 1935, .segundo estatísticas offrdaes a correspondencía tro-
cada subio a 1. 976.231. 708.
(-) ,Cor:respoondenciaa.erea em 19315 = 8.942 ..610.
('***) Renda postal em 193·5 = 58.607:002$000.
(**'**) Numero de linhas em 193,5 = 2.654.
KHometragem ........................... 136.553
Viagens ................ '. . . . . .. .. . . ... . . .. 904.296
-
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 405

pelo poder publico. A natureza dessas tarifas varia com os


,serviços a ser effectuados.
As tarifas postaes são pagas em sellos, e o seu valor de-
pende não só da natureza da correspondencia, mas ainda de
peso e da distancia. São estes os tres faetores predominantes.
, Assim as nossas tarifas postaes em vigor dividem· essa
.correspondencia da seguinte forma:

a) Cartas e cartas bilhetes;


b) Cartas pneumaticas, urbanas;
c) Impressos em geral;
d) Jornaes e .publicações periodicas;
, e) manuscriptos;
f) livros;
g) amostras;
h) encommendas;
i) pequenas encommendas (petits paquets) ;
j) correspondencias officiaes.

Quanto á distancia, são uniformes as tarifas para cada


;uma ,dessas categorias:
ti) interior;
b) pan americana;
c) universal.

Quanto ao peso, fixa a tarifa um mínimo.


Finalmente, devem-se considerar as tarifas de registro,
'expressas, etc. (15).
As tarifas telegraphicas obedecem ao criterio do numero
de palavras, dentro de um limite convencionado pela lei, além
, Ida taxa fixa.
O decreto 19.561, de 1933, que fixou as novas tarifas te-
legraphicas, creou, igualmente, um serviço de conferencias te-

(15) Deixamos de entrar em maiores minucias em torno do assumpto,


;por faltar ao objecto deste trabalho.
406 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

legraphicas da maior utilidade, especialmente ·para a im-


prensa (16).

Responsabilidade

Está ainda em vigor o decreto 14.722, de 16 de Março)


de 1921, que reorganisou o serviço de Correios. Alli se esta-
belece igualmenrte a responsabilidade da União pelas perdas e·
extravio total ou parcial de correspondencia. Deve-se, porém,
entender a questão ,da responsabilidade dos funccionarios, de:
aecordo com as leis subsequentes, a saber: o decreto 20.869"
de 26 de Dezembro de 1931, e decreto 24.216 tle 9 de Maio·
de 1'!)34.
O decreto de 1921, attribúe á União a responsabilidade-
pelas importancias e valores contidos nos vales postaes e nas·
cartas, devendo pagar aoS' emittentes ou destinatarios a im--
portancia total ou parcial dos valores declarados, segundo se:
tratar de extravio total ou parcial.
Quid, ,porém, das cartas s,imples, impressos e outras cor-o
respondencias ?
O Regulamento dos Correios fixa indemniS'ações modicas,.
desde que provado fique que o destinatario não os recebeu,
não se responsabilisando, porém, a União pelos valores não,
declarados.
A responsabilidade civil e criminal do funccionario decor-
re do decreto 24.216, de9 de Maio de 1934, quando se ve-
rificarem actos criminosos por elle praticados' no exercicio de·
suas funcções.
O decreto 20.859, de 26 de Dezembor de 1931, impõe, não
só a pena disciplinar, de suspensão e demissão, mas ainda:
a de multa (17), nos casos de e!'ros commettidos na execução-
do serviço, e dos 'quaes resultem prejuizo para o publico e para

(16) Essas t!l!rifas foram modificad,as pela lei n. 137, de 11 d~


Outubro de 1937 que fixou ·as tarifas geraes para os serviços de CorreioS"
e Telegl'aphos, respeitando as convenções internacionaes assignadas pelo;
Brasil. .
(17) Art. 126.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 407

a repartIção. E', porém, limitado o valor da multa, ao valor


da gratificação pro labore de um a oito dias.
Estes principios relativos á responsabilidade do Estado
pelo se!'viço dos Correios, são igualmente applicados, na maio-
ria dos paizes (18).

TEiLEGRAJmIlOS

o serviço telegraphico e radiotelegraphico pode ser Na-


cional, ou Internacional.
O serviço radiotelephonico pode se!" aqui incluido igual-
mente.
O primeiro serviço telegraphico no Brasil, deve-se ao
Barão de Capanema, em 1857, com uma linha entre Rio e
Petropolis.
O decreto 2.614 de 21 de Julho de 1860 regulamentou ()
serviço e fixou as tarifas (19). Dahi por deante, desenvol-
veu-se o serviço entre nós (20).
Regulam a materia sobre competencia as disposições cons-
titucionaes seguintes:

Art. 15: Compete privativamente á União:

.............................................
VII - Explorar ou dar em concessão os serviços
de telegraphos, radio communicação, ...

(18) Ver BIELSA, op. oit., pg. 275; GASTON JEzE, op. cit., pg. 47.
(19) $080 até 20 palavras, e mais $020 por legua de 3<0100 Qraças.
(20) Até a pr.esente data foram expedidos os decretos citados por
COuro DE SOUZA, As telecommunicações em face da Constituição.
408 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

o ,decreto 19.881, de 17 de Abril de 1931 já determinava:

"Os serviços telegraphicos em todo o territorio


nacional são de exclusiva competencia da União".

e ainda:

"O serviço telegrapbico entre pontos do territo-


rio nacional ou interior será executado:
"a) pela propria União, por intermedio da Re-
partição dos Telegraphos;
b) pelas estradas de ferro, mediante permissão
do Govel'lllo da União;
c) pelas emprezas de cabos submarinos até ex-
pirarem os prazos das respectivas concessões".

Não existe a mesma unanimidade de orientação em todos


os paizes federativos.
A Argentina (21), desde a lei n. o 750, de 7 de Outubro
de 1875, dispõe de telegraphos nacionaes e provinciaes.
Os primeiros são de p!'opriedade da Nação, os que são
por ella garantidos ou subvencionados, e os que ligam duas
ou mais provincias ou um Territorio federal a uma ou mais
Provincias.
Os segundos, são explorados pelas Provincias, por meio de
concessão do Governo Federal.
A nossa Constituição de 19134, é preciso, porém, salientar,
permittindo a concessão do serviço telegraphico pela União,
deu preferencia aos E'stados para a concessão federal em seus
. respectivos territorios (22), quebrando assim, em parte o prin-
cipio firmado pela Constituição de 1891 - Seria difficil, porém,
admittir que a União pudesse dar em concessão esse serviço.

(21) BIELSA, Derecho administrq,tivo, vol. III, pg. 270.


(22) Art. 5, § 2.°, da Constituição.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 409

Embora supprimido esse dispositivo na Constituição de


19'37, não ficou exclui do o direito dos Estados a executar esses
serviços por concessão.

TEILEGRAPHO SUBMARINO
A morosidade com que se vinha de~envolvendo o serviço
. telegraphico para outras Provincias, levou desde cedo o Go-
verno Imperial a conceder a emprezas particulares a explora-
ção do serviço ·por meio de Cabos Submarinos, a principio ligan-
do as Provincias, e mais tarde, o Brasil com paires estrangei-
ros (23).
A primeira concessão dada em 1870, pelo decreto 4.491,
de 23 de Màrço, a Charles T. Bright, E. B. Webb e William
F. Jones, abrangia linhas para o Norte até á cidade de Santa
Maria do Pará, e para o S'ulaté á cidade de S. Pedro do Rio
Grande ,do Sul, passando respectivamente pelas Provincias do
Rio de Janeiro, Espirito Santo, Bahia, Sergipe, Alagôas, Per-
. nambuco, Parahyba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauhy e
Maranhão; e São Paulo, Paraná e Santa Catharina.
Esta concessão foi mais tarde, por diversas vezes, trans-
ferida á Telegraph Construction and Maintenance Company;
pelo decreto 5539, de 31 de Janeiro de 1874, á Western and
Brazil Telegraph Company, constituindo-se. a Western Tele-
g~aph Company Ltd., de accordo com o decreto 3.3017, de 6 de
Junho de 1899.
O serviço exterior tambem foi objecto de especial cuidado
do Governo Imperial. O decreto 5.0,58, de 16 de Agosto de
1872, outorgou ao Barão de Mauá (24) uma concessão para
lançamento de um cabo submarino entre o Brasil e Portugal.
Esta concessão foi, mais tarde, transferida pelo decreto
5.313, de 16 de Julho de 1873, á Brazilian Submarine Telegraph
Company, e ainda pela sua fusão com a Western and Brazilian
Telegraph Company, á Western Telegraph Company.

(23) Apud A'c. CoUTO DE SOUZA, As telecommunicações em face da


Canstit!dção Federal, pg. 37.
(24) ALBERTO DE FARIA, Mauá, 2." edtção, pg. 215.
410 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Além dessas concessões, devem-se mencionar: a Amazon.


Telegraph Company, pelo decreto 7.481, de 29 de Julho de 1909,
transferida ,de Richard J. Reidy; Compagnies des Cables Sud-
Americains, Recife - Fernando Noronha - Dakar - decretos
de 11 de Abril de 1891, 300 de Julho de 1892, e 18 de Março de
1914; All America Ca:bles, Inc., cabos de Rio de Janeiro a
BuenO's Ayres, e de Santos a Montevidéo, e de São Paulo a
Santos - diversos decretos, entre outros O's, de 23 de Outubro
de 1919 e 1 de Dezembro de 1923;
Compagnia Italiana dei Cabi Telegrafici Sottomarini, com
o serviço de Rio de Janeiro - Fernando Noronha - Roma
- e de - Rio de Janeiro a Montevidéo - bem como - Rio
de Janeiro - São Paulo - Santos - decreto 17.156 de 23 de
Dezembro de 1925.
Todos, ou quasi todos, esses serviços foram concedidos com
vantagens privilegios e até subvenções, como o da Amazon Te-
legraph CO'mpany.
Si usufruimos vantagens grandes com essas concessões nos
máos tempos, a verdade é que, já agora, estamO's pagando caro
demais os beneficios que j,á anteriormente goz.ámos.
O decreto 19.881, de 17 de. Abril de 1931, com um grande
senso patriO'tico, veio melhorar essa situação, sem comtudo poder
inutilisar o que já estava feito por meio de contractos a p-..:-azos
longos, com clausulas de privilegios e exclusividade, profunda-
mente perturbadores dO' mO'nopolio do Estado sobre taes ser-
viços. Regulamentou, porém, o assumpto, dentro do possivel~
estabelecendo: .
a) que as concessões não podem ser pro rogadas, uma
vez expiradas, devendo os serviços reverterem para a
União (25).
b) que os cabos submarinos só podem ser collocados na.
costa, e portant,o attender ás cidades do littoral (26).

(25) Arts. 2, 3 e seguintes.


(26) Arts. 5, 7 e segUlintes.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 411.

c) que o .trafego mutuo só é permittido por meio do


t

Telegrapho Nacional (27).


Essa regulamentação, imprescindivel em um regimen de
concessões dadas de accordo com os interesses de momento,.
veio pôr termo a um regimen verdadeiramente chaotico em.
assumpto de tanta relevancia.

o desenvolvimento enorme da radio communicação, sob,


todas as suas modalLdades, veio crear um problema de grande
interesse, não sómente technico, mas ainda de ordem admi-
nistrativa, politica e economica.
A nossa primeira lei sobre radio communicação foi a de-
numero 3.296, de 10 de Julho de 1917, que outorgou á União,
muito sabiamente, o monopolio dos serviços de radio commu-
nicação.
Não poderia, no entretanto, a doutrina alli consagrada,.
deixar de êxcitar a cobiça de capitaes sempre interessados na
exploração de serviços publicos rendosos. Assim, as leis nu-
meros 4.262, de 13 de Janeiro de 1922, 4.55-5 de 10 de Agosto-
de 1922, e 5.186 de 9 de Junho do mesmo anno, attingiram de
frente o preceito da lei de 1917, e abriram o caminho á ex-
ploração de emprezas particulares.
Dahi, as· concessões dadas para exploração com o exte-
rior á Companhia Radio Telegraphica Brasileira, e á Compa-
nhia Internacional Radio do Brasil.

(27) Art. 11. As concessões dadas á Western pelo decr. 15.193, de'
24 de Dezembro de 1921 e á Itacable pelo decr. 17.240, de 10 de Março
de 1926, para estabelecer linhas terrestres, o foram sem pri.vHegi-o. ou mü-
nopolio, e ficaram aquellas Companhias obrigadas a pagar as taxas ter-
minaes ao Telegrapho Nacional, pelo servi~ interior. N o juizo arbitral
instituido para resolver duvidas relativas á interpretação' d~sses contractos,
ficou decidido pelo arbitro, Ministro Hermenegildo de Barros que as ta-
xas terminaes seriam ,sempre devidas pelo serviço intel1i-or. (Sentença, 3-
de MarÇQ de 1932) .
413 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

A primeira constituio-se por um consortium das seguintes


Companhias: Compagnie de Telegraphie Sans Fil, Marconis
Wireless TelegraphCompany, Radio Corporation of America,
e Drathlose Telegraphie Gesellschaft. (Decretos 14.712 de 7
de Março de 1921, 19.246 de 13 de Março de 1930).
Quanto ,á Companhia Internacional de Radio, obteve a sua
cüncessão pelo decreto 19.247 de 13 de Junho de 1930.
O serviço interior, já foi tambem explorado, felizmente em
caracter transitorio pela Agencia Americana Sociedade Ano-
nyma (Decretos 15.841 de 14 de Novembro de 1922, e 5.186
de 9 de Novembro de 1927).
Os decretos 19.520, de 23 de Dezembro de 1930, e 19.843
de 10 de Abril de 1931 vieram em bôa hora revogar essa
concessão.
A Constjtuição actual attribue á União competencia priva-
tiva para os serviços de radio communicação, podendo esta, to-
davia, dar concessões aos Estados, que poderão usal-as pa,ra
os seus serviços ~dministrativos. Para isso podem elles usar
de sua competencia legislativa suppletiva.
Vigoram actualmente ~ntre nós, a respeito do assumpto, o
decreto '20. 047 de 27 de Maio de 1931, e o seu Regulamento
1

expedido pelo decreto 21.111 de 1.0 de Março de 1932, que fi-


xam normas completas, quer sob o ponto de vista technico,
quer ~dministrativo. .
Os serviços de radiocommunicação, ali se classificam como
interior ou internacional - 0:8 primeiros relativos a commu-
nicações entre quaesquer estações brasileiras, fixas, terrestres
ou moveis, dentro dos limites de jurisdicção territorial do paiz,
os segundos relativos 'a communicações entre quae:squer esta-
ções brasileiras, fixas,. terrestres ou moveis e estações extran-
geiras; e entre estações brasileiras, terrestres ou moveis, e es-
tações brasileiras, fixas, terrestres ou moveis e estações ex-
trangeiras dentro da jurisdicção territorial do paiz..
E1m relação aos fins a que se destinam podem ser: pu-
blico, publico restricto, limitado, radiodiffussão, especial, de ac-
cordo com a natureza do serviço.
Relativamente á exploração dos s·erviços vigoram as se-
guintes normas legaes:
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 413

1.° - A e:lq)loração do serviço interior publico constitut'.


monopolio da União.
2.° - O serviço internacional publico será explorado pela
União e por terceiros, mediante concessão do Governo Federal.
3.° - As concessões para o serviço internacional publico
serão dadas, pelo prazo renovavel de ,dez annos, a companhias
nacionaes idoneas, que constituam a sua. directoria com dous
terços, no minimo, de braslleiros; que admittam somente ope-
radores brasileiros; que empreguem, effectivamente, nos outros
serviços, quer technicos, quer administrativos, dois terços, no
minimo, de pessoal brasileiro; e que se subordinem álS demais
condições estabelecidas neste decreto e respectivo regulamento.
4.° - O Governo Federal, todavia, nos casos em que julgar
conveniente ou necessario, poderá permittir que o serviço in-
ternacional publico restricto seja executado pelos concessiona-
rios do serviço internacional publico, de que trata o art. 7.°
deste decreto, e que o serviço interior publico restricto e o
serviço internacional publico restricto sejam realizados pelos
permissionarios do serviço interior limitado, a que se refere
_ o art. 10, ns. 1 e 2. Em qualquer caso, entretanto, tais ser-
viços serão feitos em trafego mutuo com a Repartição Geral
dos Telegraphos.
6.° - Os governos dos Estados da União, com prévia per-
missão do Governo Federal, poderão, sob sua directa adminis-
tração e responsabilidade, installar e utilizar, em pontos dos
respectivos territorios, estações para a execução do serviço in-
terior limitado, destinado exclusivamente ás communicações,
radiotelegraphicas officiaes de interesse administrativo do·
Estado.
7.° - O serviço interior limitado poderá ainda ser exe-
cutado, mediante permissão do Governo Federal, a titulo pre-
cario, por individuos, companhias e corporações nacionaes, que:
empreguem exclusivamente technicos e operadores brasileiros.

Essas permissões só serão dadas:


1.° - para prover á segurança, orientação e administra-
ção do trafego terrestre, maritimo, fluvial ou aereo;
414 THEMIST00LES BRANDÃO CAVALCANTI
---------------------------------------------
2.0 - para attender ás communicações de interesse pri-
vado, entre localidades não servidas ou entre uma localidade
servida e outra nào servida pela Repartição Geral dos Tele-
graphos, e até que o sejam;.
3. 0 - para a recepção, pelas emprezas de publicidade, do
serviço internacional de imprensa transmittido por estações
do exterior, ou do serviço interior de imprensa, transmittido
pela Repartição Geral dos Telegraphos, destinado ás mesmas
emprezas, otaervadas as condições que forem estabelec1d·as.
Refere-se o decreto 21.111, egualmente aos demais servi-
·ços de radiodiffusão, com fins educacionaes, scientificos etc.
Existe junto ao Ministro da Viação e Obras Publicas uma
·Commissão Technica de Radio, creada pelo decreto 2:0.047
de 27 de Maio de 1931 e reorganizada pelo decreto 24.65,5 de
11 de Julho de 1934, com attribuições delibe!"ativas e consul-
tivas concernentes á parte technica do serviço de radio.
Sob o ponto de vista educacional e da publicidade a im-
portancia da radiodiffusão é enorme. Dahi a creação de um De-
partamento de administração incumbido da publicidade e dif-
fusão cultural, em que tem grande relevo a questão do radio.
A questão da radiodiffusão tem, sob o ponto de vista pra-
tico importancia excepcional. A segurança nacional exige me-
didas de grande severidade com o intuito de evitar a sua
utilização como elemento de desordem. Dahi a tendencia ge-
neralizadapara o monopolio do Estado, consagrado pela quasi
totalidade dos paizes, como a Allemanha, a Belgica, a Dina-
marca,a Hespanha, a França, a Inglaterra, etc. Em posição
singular ficam apenas os Estados Unidos· da America por
motivos de ordem interna que talvez· justifiquem essa politica
liberal (28).

(28) V~r a l~gis!Jaçãovigente no livro do Dr. A. OoUTO DE SoUZA, •


.As telecommunica~;ões em face da Constituição Federal; pags. 9 e seguintes.
CAPITULO IX
,.
ESTRA!DAS DE FERRO

Elstradas de Ferro - Seu Histol1ico - Tl1amways - Diversas


Reg1imens Vigentes no Brasil - Tarifas de Estradas de
F\erro - Diversas Especies - FiscaHsação - Cemtado-
rta Cen~ral Ferro-Viari.a - Inspectoria Federal de Es-
tradas.

Ha na technica 31dministrativa o maior interesse em de-


finir o que se entende por estrada de ferro, para que se possa,
d€ntro de um criterio rigorosamente technico, estudar a sua
feição juridica.
Em seu sentido generico, mais amplo, deve-se comprehender
eomo estrada de ferro, não somente aquelles systemas de trans-
porte que assim denominamos em linguagem corrente, mas ainda
todo e qualquer transporte sobre trilhos, comp:ehendendo os
tramways, etc.
Tempo houve, 'quando os tramwaysainda não haviam ad-
quirido o dese~volvimento e aperfeiçoamento hoje de todos
conhecidos, em que innumeras foram as concessões para cami-
nhos de ferro urbanos que faziam serviços limitados á cidade
e suburbios.
Dentro da nossa technica muitas emprezas denominam-se
ferro carris.
Na maioria dos paizes chamam de Tramways, tramvia:s,
'os transportes urbanos sobre trilhos.
Na Belgica, na Hollanda, na Inglaterra e na Allemanha
'são numerosas as linhas de tramways que ligam duas ou mais
cidades proximas, e que correspondem, assim a estradas de
ferro de caracter puramente local.
416 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Os francezes denominam "chemins de fer vidnaux" (1)


que vivem sob um regimen muito peculiar, inconfundivel, quer
com o dos caminhos de ferro, quer com os dos tramways (2)
que ligam cidades, departamentos e que c-orrem muitas vezes
pelos caminhos ou estradas publicas.
Na Allemanha existem egualmente dessas pequenas estra-
das de ferro locaes - locaal sporwegen kleinbahnen (3).
Na ltalia travou-se largo debate em torno da conveniencia
de definir e distinguir as estradas de fe"!'ro e os tramwaysl,
tendo a commissão encarregada de rever a lei de 1865, termi-
nado por discriminar as differentes categorias de estradas de
ferro, publicas e particulares, de natureza geral e local, discri-
minação que, no entretanto, provocou muitas criticas (4).
Na nossa historia administrativa a velha distincção reside
na differença entre as estradas de ferro geraes e 'Provinciaes,
federaes e estaduaes, de accordo com a entidade de direito pu-
blico de quem emanou a concessão ou que explora directamente
o serviço.
Mas existe um outro criterio, e este se nos afigura o mais
seguro, para attribuir a uma via ferrea o caracter local. E'
aquelle fixado pela lei do Estado de São Paulo de 1892. Esta
lei, não sómente differenciou os caminhos de ferro dos tram-
ways, mas ainda estabeleceu as condições em que as municipa-
lidades poderiam dar as concessões para exploração desses
serviços.
Definem-se as linhas de bondes ou tramways pelo facto
de só servirem a um Municipio, cabendo então 4s municipalida-
des o direito de prover ao funccionamento dos seus serviços (5) ..

(1) BERTHELEMY, Traité de Droit administrat#, pg. 700.


(2) iRJOLLAND, Précis de Droit admmistratif, pg. 440 que examina.
a legisJação em vigor.
(3) F. FLEINER, Droit administratif allemand, pg. 215, nota 8.
(4) OIMBAL, Le Strade ferrate, in Primo Trattato de Orlanulo,
voI. VII, parte I, pgs. &15 e 1000.
M)ONTEMARTINI, La municipalizazione dei pubblici servizi, pg. 2.67.
(5) Oonsultar AooLFO PINTO, Historia da Viação Publica. Princi-
pa;lmente () capitul10 sobre T:ramrways e Tramvie de G. CIMBALI, Le strade
ferrate, in Primo TrCfJttato de Orlando, voI. VII, parte 1, pg. 993 e segs.
Ver o parecer do Conselho de !Eistado pU/blicado na "Legislação fer-
roviaria federal do Brasil, voI. II, pg. 126 e segs.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 417

Desde que, porém, sirvam a mais de um Municipio, per-


dem o caracter puramente local e apresentam-se como estradas
de ferro de fins geraes, da esphera estadual ou Municipal.
Examinaremos, antes de tudo, o regimen de estradas de
ferro entre nós, e a sua evolução, encarando os problemas con-
nexos pelo seu aspecto principalmente juridico. .
O nosso regimen ferroviario tem o seu marco inicial na
Resolução legislativa de 31 de Outubro de 1831, promulgada
pelo Regente Diogo Antonio Feijó, autoris'ando o Governo a
conceder privilegio a uma ou mais companhias para a cons-
trucção de estradas de ferro, do Rio de Janeiro para as ca-
pitaes das Provincias de Minas Geraes, Rio Grande do Sul
e Bahia.
Foi então o Visconde de Barbacena encarregado pelo Go-
verno Imperial de organisar uma Companhia, em Londres,
para tornar effectiva a Lei de 1835, o que não poude conseguir
dadas as novas condições naquella época.
A interpretação dada ao Acto Add-icional, favor~vel á
competencia das assembléas provinciaes para legislarem sobre
as concessões ferroviarias locaes, veio facilitar o desenvolvi-
mento, graças ao interesse despertado, principalmente na en-
tão Provincia de São Paulo (6).
Neste ·primeiro periodo surgio a primeira tentativa para
a construcção de uma Estrada de Ferro do Rio de Janeiro á
Provincia de São Paulo. Foi a proposta feita por Thomaz
Cochrane, que, apezar de todas as vantagens e prorogações
successivas dadas pelo Governo, não levou adeante essa tarefa.
O segundo período, inicia-se com a Lei de 26 de Junho de
1852.
Permittia essa Lei que o Governo Imperial concedesse pri-
vilegio para construcção de. uma Estrada de Ferro para os
pontos mais convenientes das Provincias de Minas Geraes e
São Paulo.

(6) Lei Provincia.l de 30 de Março de 1838.

- 27
418 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

A1ém de todas as vantagens anteriormente concedidas,


ainda facultou a concessão de garantias de juros até 5% do
capital empregado.
Ainda 'aqui tentou Thomaz Cochrane levar a effeito o seu
plano, o que não conseguio .
. Resolveu, então, o Governo, depois de varias tentativas,
contractar a construcção de uma estrada para a Provineia dê
São Paulo com E. Rice.
Foi organisada uma Commissão, composta de homens emi-
nentespara organisação de uma sociedade por acções e para
tratar de sua incorporação, o que foi feito pelo decreto n. 1. &99
,de 9 de Maio de 1855, com o nome de D. Pedro lI, ;privilegio
exclusivo :de 90 annos, e juros garantidos de 7% sobre o ca-
pital.
Estava j\á aberto o trafego até a cidade de Vassouras,
,quando, em 1865, foi a Estrada encampada pelo Governo Im-
perial, por meio de apolices internas, jur()s de 6 %. Foi, en-
tão, a E,strada levada até Cachoeira, dando-se a inauguração
.em 1895.
Neste periodo, talvez o mais importante da nossa Hist()ria
ierroviaria surgiram as Estradas de Ferro Paulista (7), M()-
,gyana (8), Santos e Jundiahy (9), ytuana (10), Sorocabana
(11), São Paulo ao Rio de Janeir() (12), que completou o trecho
da Pedro lI, de Cachoeira a São Paulo, e o.titras de meno~
imp()rtancia.
Tambem neste periodo, concedeu-se e construi()-se a ;pri-
meira Estrada de Ferro do Nordeste. Pelo decreto 1030, de
7de Agosto de 1852, foi e()ncedido privilegio a Eduardo de
Mornay e Alfredo de Mornay para a construcção de uma estra-
da de Recife a Agua Préta. Em 1858, inaugura-se o primei-
ro trecho dessa Estrada, a primeira do Nordeste.

(7) Iniciada em 1867.


(8) Iniciada 'em 1873.
(9) Iniciada em 1855.
(0) Iniciad~ em 1870.
(11) Iniciada em 1872.
(12) Iniciada a construcção até Cachoeira em 1871.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 419

São, então, concedidas, a Estrada de Ferro Central de Ala.


~gôas - Contracto de 15 de Setembro 187'0 - ; de Ceará - Lei
Provincial de 1872 - ; Parahyba - Concessão Provincial de
1872, E.strada de Ferro Conde d'Eu - ; Rio Grande do Norte
- Lei Provincial de 8 de Agosto 1873, Contracto de 2 de Julho
1874, Lei Geral de 20 de Fevereiro 1875.
A terceira phase é antes de tudo Ide desenvolvimento. Ini-
rcia-se em 1880.
Coincide com a reforma da lei de 1850, pelos decretos
'7969 e 7960, de Dezembro de 1880.
Modificou-se, então, o regimen da garantia de juros, que
-voltou a ser o do capital bona fi.de, revogando-se, assim, o Re-
'gulamento de 1878, que mandava fixar o capital garantido
:antes da concessão.
A quarta e ultimaphase iniciada coma lei de 1891 e por-
tanto, com a Republica, foi o grande periodo de desenvolvimen-
to do trabalho arduamente iniciado na Monarchia. A federa-
,ção não veio dar maior incentivo aos Estados pela realização
,de novos emprehendimento.s ferroviarios. São Paulo, por exem-
-pIo deve ao seu regimen Provincial, ainda na Monarchia, a
·quasi totalidade de suas iniciativas que tiveram, no regimen
-republicano, apenas uma continuação condizente com o progres-
:so economico daquella Provincia.
Ha uma tendencia natural do poder central para a inter-
'venção em assumptos de cO:tnmunicações que, na maioria d3iS
'vezes, interessa a economia de tOldo o paiz.
Embora se possa ter em grande conta o desenvolvimento
:ferroviario neste periodo, graças ao aperfeiçoamento industrial
.e technico, 'não se pode desconhecer a influencia preponderante
daquillo que foi feito, principalmente na segunda phase, em
'beneficio do nosso systema ferroviario.
A' marg·em das questões de ordem puramente juridica
-que constituem objecto dos presentes estudos, não estão fora de
P!'oposito certas considerações que interessam directamente á
,'administração, porque sobre ~ssa situação de facto é que tem
de se desenvolver a actividade da administra~ã'O, quer com re-
TIação aos seus proprios serviços, quer áquelles concedidos.
420 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

o desenvolvimento do systema rodoviario de todos os pai-


zes e a facilidade com o barateamento dos meios de transportes,.
por meio de automoveis destinados a transportes collectivos de
passageiros ou de mercadorias, vieram crear problemas novos,.
não sómente de ordem economica e financeira, mas ainda de
natureza juridica que dizem com a propria concessão e com o
trafego mutuo dos diversos meios de transportes, combinados
por meio de accordos.
Uma das razões da facilidade e do desenvolvimento dos
meios de transportes por meio de vehiculos sem trilhol>, tem
sido a liberdade até agora admittida como regra na exploração
desses serviços.
E' possivel que a concurrencia venha tornar necessaria_
a regulamentação mais rigorosa dessas explorações, mas a ver-
dade é que ellas representam, já agora, uma seria concurrencia
até aos transportes ferroviarios que com ella se têm resentido
muito seriamente.
As estatisticas são muito impressionantes na generalidade
dos paizes, notadamente nos Estados Unidos, na Inglaterra, na.
Allemanha (13).
As medidas regulamentares as mais severas foram por isso
mesmo tomadas em muitos paizes, e que sómente para exempli-·
ficar podemos aqui mencionar.
Na Inglaterra o "Road and rail Trafic act" de 1936 su-
bordinou o transporte, Ipor estradas de rodagem, de mercado--
rias, para fins commerciaes, ao regimen da concessão, estabe-
lecendo um contrôle rigoroso das condições dos transportado-o
res, dos seus vehiculos, da natureza de mercadoria e das tarifas ..
Em Portugal as condições ainda são mais rigorosas, pois
que as tarifas são fixa~as em relação ás cobradas pelas estra--

(13) A respeito de estatisti.cas desses paizes citaremos o trabalho,


publicado sobre o assumpto na revIsta franceza "Le Mois" de Agosto de,
1932, -onde são citadoo diversos estudos realizados por especialistas fran-·
cezes, allemáes oe inglezes, onde fica bem comprovado o effeIto desas-
troso para as estradas de ferro proveniente da concULt'Tencia que com ellas.
mantem o transporterodoviari-o, 'especialmente devido aos pneços inferio--
reg deste U1Hirno. Numerosos dados são &li fornecidos pa.ra os que se in-
i'er·essam mai,g detalhadamente pelo assumpto.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 421

das de féro; por outro lado, ainda é prohibido expressamente


que as emprezas constituidas sob o regimen do novo decreto,
explorem serviços em concurrencia com o das estradas de ferro,
,desde que estas se promptifiquem a executaI-os.
Estas e outras medidas da mesma natureza são ali previs-
tas afim de assegurar a subsistencia e a vida das estradas de
fe!'ro, bem como os privileg~{)S de direito ou de facto que fazem
parte integrante ida generalidade dos contractos ou concessões
-dessas estradas.
A França, dentro da mesma corrente, fixou normas rigo-
rosas para as concessões de transportes de mercadorias, pelos
decretos leis de 19 de Abril de 1934 e de 13 de Julho :de 1935,
-normas que têm lpor objectivo principal, como declaram
expressamente os 'alludidos decretos, "permittir o estabeleci-
mento de planos de repartição dos transportes publicos de mer-
ccadorias por estradas de rodagem e de ferro" (14).
A .lei italiana não foi menos previdente com relação ás con-
sequencias da crise proveniente daquelle phenomeno, e o de-
creto 1349 de 20 de Junho de 1935 regulamentou os serviços de
transportes de mercadorias em vehiculos automoveis (15).
Outras medidas são aconselhadas em congressos e dispo-
,sições legislativas para reduzir os effeitos da concurrencia,
que se estabelece em condições muito peculiares e que ameaça
.seriamente capitaes vultosos invertidos nas emprezas ferrovia-
rias. Essas medidas consistem na coordenação dos serviços,
na fixação de tarifas e na determinação de condições de segu~
rança que importem na reducção do numero de concurrentes
-e no exercício de uma ;policia mais efficaz sobre esses meios
de t!'ansporte.
As conclusões do VIII Congresso da Camara de Commer-
cio Internacional, reunido em Paris no anno de 1935, são do
maior interesse e acham-se orientadas no sentido da coordena-

(14) Vier O Boletim de Estradas de rodagem do Estado de São


Paulo nume.ro de Janeiro de 1936, pgs. 106 e seguintes.
(Ui) Ver Rivista di Dkitto pubblico, 1935, pg. 507.
422 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

ção e contrôle dos meios de transpürte afim de minora"!' os ef--


feitos da crise (16).
Este é o sentido geral, aliás, de toda a regulamentação dos.
se"!'viços de transportes rodoviarios de passageirüs e principal--
mente de mercadorias.
A essa categoria de transporte não se po.de applicar dê-
modo geral 'Os principios que regulam as concessões, principal-
mente aquellas que se podem revestir de beneficios especiaes-
como o privilegio exclusivo etc. O ,regimen nürmal éü da liber-
dade e o da livre concurrencia, limitada naturalmente pelo p'Üder'
de policia inherente á natureza dos serviços e ás exigencias do.
interesse publico a ser considerado em primeira linha.
Da regulamentação do poder de policia e da sua medida
depende necessariamente a bôa regularidade do serviço, quer'
sob o ponto de vista da segurança e do conforto, quer dos resul--
tados economicos da empreza e dos serviços concurrentes.
Para attingir esses objectivos é que se legitima a intervenção·
do Estado, que só,' a rigor, excede os seus poderes legitimo.,,:
quando attende a interesses e conveniencias pessoaes.
Entre nós a regulamentação pode ser comprehendida oU!
cüm relação aüs transportes de passageiros na viação urbana,.
ou com relação aos transportes de cargas ou passageiros nas,
estradas interesiaduaes e intermunicipaes.
No primeiro caso, do trafego interestadual, ex-vi düs ar-
tigü 15, n. o VII da Constituição, a competencia é da União; no>
segundo C'aso é dos Estados, quer se trate de concessões quer-
no de simples legislação ou regulamentação.

(1-6) Um dos pontos essenciaes desse projecto está o de evitar o


desequiJi.brio dos meios de transporte, afim de que não excedam as ne-
cessidades reaes das exig-encias das zonas a que devem servir; egual--
mente a fixação das taxas devem obedeoer a um criterio economico e·
não pura.mente fiscal. Devem por i·sso mesmo -revestir-se de todos os:
caracteristicos das taxas correspondentes ás necessidades da cons-ervação·
das estradas.
A lei franceza aoima citada, de 19315 considerou muito pa·rticular-
mente a necessidade de verificar a capacidade do trafego da região, por
meio de um controle e um systema de regisliro, que servirão, de base á.
fixação da:s tarifas e aos regulamentos para as licenças e concessões'
dessa natureza.
INS'I'ITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 423

Tratando-se de transporte interestadual, deve o pedido de:


licença ser solicitado ao Ministerio da Viação, a cuja regula--
mentaçãoacha-se sujeito o serviço e a quem cabe determinar
as taxas e impostos devidos pela exploração bem como as con-·
diçôes indispensaveis á sua bôa normalidade (17).
Os Estados procuraram tambem regulamentar o assumpto,.
dentro de um quadro semelhante, levando sempre em considera-
ção as condições acima enumeradas e os, interesses, não sómen-
te das emprezas que exploram os serviços, mas tambem das
que concorrem em differentes condições.
O transporte collectivo, mais do que qualquer outro, exige
o cuidado e a attenção dos poderes publicos, porque a relação
que se estabelece entre o transportador e os passageiros ou os
donos das mercadorias, tem de se sujeitar a uma no·rma prede-
terminada pelos poderes publicos, a que devem adherir quan-
tos tenham interesse no transporte. Não seria possivel esta-
belecer para cada um certas condições de transporte. Princi-
palmente com relação ás tarifas e ás exigencias geraes de se-
gurança devem prover os poderes competentes.
A tendencia para a fiscalização muito directa dQ Estado,
quando este não absorve totalmente a direcção do systema fer-
roviario, constitue hoje um principio dominante em quasi todos
os paizes, ainda naquelles em que se verifica maior de."lenvol-
vimentodas actividades particulares e o incontestavel successo
de suas iniciativas.
Nos Estados Unidos a estatização não tendo sido possivel,
recorreu o Presidente Roosevelt a meios rigorosos pa·ra pôr
termos á seria crise que se verificou nas estradas de ferro Ame-
ricanas. Para isso a Emergency Railroad Transportations
act de 1933 creou um regimen de coo~denaçãó dos serviços fer-
roviarios sob a direcção immediata de um representante dA
Governo Americano (18).

(17) Vier a portaria de 22 de Janeiro de 1935, do Ministro da


Viação e Ofbras publicas in Diario Official de 25 do mesmo mez. Tam-
bem o decl1eto 18.323, de 24 de Julho de 1928.
(18) Ver. La luJte contre la crise' aux Etats Unis - Bureau In-,
ternationa!} du Tlravail, Serie B, n. 19 .
. Informa ID. JAMES, Les formes d'entreprises, pg. 43'7, nota 1. que o
424 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

As attribuições desse coordenador são as mais amplas, o


que importa em um contrôle muito rigoroso das· estradas de
ferro daquelle paiz pelas autoridades federaes.
Na Allemanha o x-egimen orienta-se ainda por uma inter-
venção mais directa do Estado, tendo-se naturalmente em vista
as directrizes geraes dada pelo regimen social democrata.
Na França caminha-se rapidamente para a estatização de
toda a rêde ferroviaria.
Entre nós, se a tendencia não tem sido esta, havendo ppti-
mas estradas de ferro particulares, no entretanto, numerosos
têm sido os casos de encampação a que foi obrigado o Governo
Federal sob a pressão de condições financeiras mais do qu~ de-
ficitarias das emprezas. Outras, embora se mantendo, recor-
rem a favores e auxílios officiaes para não cahi,rem em com-
pleto descredito (19).
A solução para evitar os males da estatizaçãoe burocrati-
zação das emprezas industriaes do Estado estaria no regimen
de autonomia financeira e technica, sob a administração do
Estado, mas controlado por orgãos interessados no bom resul-
tado e efficiencia do serviço publico. E' outra modalidade de
organização, de que já tratámos no primeiro volume ao estudar-
mos as "autarchias", capitulo a que nos reportamos para maio-
res detalhes, inclusive naquillo que diz com o regimen de fisca-
lização financeira.

TARIFAS DE ESTRAiDAJS DE FERRO

O preço do serviço executado pelas estradas de ferro e con-


cessionarios dos serviços publicos, chama-se - tarifas --.
GASTON JÉZE (20) faz a distincção entre as tarifas pagas
pelo Estado aos concessionarios, e aquellas devidas pelo publico.

coordenador nomeado pelo governo Roosevelt - M. Easliman é um dos


mais convictos partidarios da estatização das estradas de ferro ameri-
canas dependendo apenas .dos necursos para a encam'P'ação de todas eMas.
(19) Basta faIlar nas encampações d·o Governo ProvisOll'io e poste-
riormente a da Leste Brasileiro.
(20) Cours de Dvoit Public, 193'2, pg. 100.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 425

De um modo geral, as tarifas são taxas devidas por aquelles


que se utilisam de um serviço, como retribuição dos beneficios
de que gosam.
,A questão das tarifas, suas distincções, sua limitação e mo-
dificações é das mais complexas, e pode ser encarada, não só-
mente sob o ponto de vista puramente juridico, mas ainda eco-
nomico e financeiro. Ha, portanto, questões de direito e ques-
tões de interesse a resolver.
As primeiras são examinadas em outro capitulo, e dizem
mais com as disposições legaes e normas juridicas que regulam
as relações entre o poder publico e o executor de seus serviços.
As segundas envolvem assumpto talvez mais complexo, por-
que joga com problemas de alto interesse economico e de conta-
bilidade financeira, e principalmente de ordem social, dentro
do criterio politico, que orienta a situação do poder publico e do
concessionario.
O :processo de fixação das tarifas varia segundo o criterio
legal ou financeiro que fôr convencionado.
Costumam os tratadistas de economia financeira e de con-
tabilidade mencionar as seguintes especies de tarifas:
a) tarifas geraes;
b) tarifas especiaes;
c) tarifas ,differenciaes;
d) tarifas moveis;
e) tarifas maximas.
Não iremos examinar aqui detalhadamente cada uma des-
sas especies de tarifas. Apenas mencionaremos algumas noções
geraes sobre cada uma.
As tarifas geraes são aquellas fixadas para todas as cate-
gorias de serviços. Nas estradas de ferro, por exemplo, para
todas as categorias de passageiros que fazem determinado per-
curso, variando apenas pela maior ou menor commodidade que
se lhes offerece.
Dividem-se geralmente em diversas classes.
426 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

A generalidade dessas tarifas não exclúe, entretanto, cer-


tos beneficios, como, por exemplo, abatimento em caso de ida
e volta, etc.
Diversas modalidades são conhecidas dessa especie de
tarifas (21).
As tarifas especiaes são aquellas que obedecem ás condi-
ções estipuladas nos contractos. Pode!'iamos chamaI-as mesmo
de convencionaes.
O art. 110 do decreto 15.673, de 7 de Setembro de 1922~
que regulamentou a lei sobre Segurança, Policia e Trafego das
Estradas de Ferro, limitou o uso dessas tarifas (22).
Tarifas :differenciaes são aquellas em que, fixado um p!'€-
ço por unidade de peso ou especie de mercadoria, o preço unita-
rio por tonelada varia de accordo com as distancias ou com ou-
tras condições peculiares ao contracto de servjço publico (23).
As ta·!'ifas moveis são as sujeitas a uma taxa addicional
variavel, de acc-ordo com certos elementos convencionados, como~
por exemplo, determinda taxa cambial.
No ultimo decennio do seculo passado, quer o Governo Fe-
deral, quer o gstado de São Paulo, permittiram a cobrança
de uma taxa addicional sobre as tarifas em viga:, desde que a
taxa cambial descesse a menos de 20 dinheiros por milreis. Essa
taxa variavel foi fixada ,pelo accordo então firmado com as
Companhias (24).
As tarifas maximas, finalmente, são aquellas fixadas pelo
contracto, mas que podem ser reduzidas pela vontade exclusiva
do concessionario.

(21) CESARE L. GASCA, L'Esercizio delle Strade Ferrate, voI. I.


pagina 59B.
(22) lE' prohibido á Estrada de ferro f.azer ajuste especial para as-
su,nú' compromisso de transporte em prazo certo, de determinada quanti-
dade de mercadoria, com p:roeterição de outros transportes que esteja igual-
mente obrigada a eff.ectuar".
(23) GASCA, op. oit., pgs. 600 e seguintes.
(24) A legitimidade deste favor é mui,to discutivel perante os prin-
cipios dominantes em materia de concessão, visto como a differença cam-
bia'l attinge tanto o consumidor quanto o conoessionario, cujo capital inte-
gralizado não poderi~ soffrer as consequencias da variação cambial. Os
verdadeiros beneficiarios foram os accionistas extrangeiros, cujos divi-
dendos não soffreram os effeitos da baixa cambial.
INSTITUIÇÕES DE DIREIT'Ü ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 427

Este regimen está legitimado, entre· outros, pelo decreto


já citado, 15.673, de 1922, subordÍnado, porém, ás condições.
previstas no art. 101, in verbis:

"A estrada de ferro, com excepção das arren-


dadas de propriedade do Estado, pode fazer trans-
portes por preços inferiores aos da tarifa 'appro-
vada, mas de mDdo geral e sem excepção. Neste-
caso, dará immediato conhecimento ao Governo,
sob pena de poder este tornar extensiva tal redu-
cção a todos os transportes pertencentes á rneRma
classe de tarifas".

E' o que, em resumo, deve ser aqui mencionado sobre o


assumpto.

Accordos internacionaes - Este é outro aspecto do 'pro-


blema do maior interesse, principalmente para aquelles paizes
que mantêm trafegD internacional ferroviario intenso, CDmo na
maioria dos paizes da Europa (25).
Podemos menciDnar o accordo firmado entre o Brasil e o
Uruguay para o t-rafego mutuo entre os dous paizes (26). Em
geral esses 'accordos contêm medidas da m~ior importancia,
inclusive fixação de tarifas que importam em estabelecer rela-
ções jurídicas muito peculiares, porque envolvem a efficacia
internacional de medidas regulamtmtares, de caracter interno.

Policia Ferroviaria

A regulamentação do trafego ferroviario comprehende-se


não sómente dentro das medidas de policia administrativa, que
interessam ao regimen das cDncessões, mas tambem das nDr-

(25) Consultar sobre este assumpto o capitulo da obra de ASQUINI:


Del contratio di traspario, voI. IV, do "codice di Commercio Commentato
de BoLAFFIO. VIVANTE".
(26) 'Convenção de 26 de Junho de 1926, modificada pela de 16
de Fevereiro de 1928, in Diario Ollidal de 5 doe Dezembro de 1928.
428 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

mas geraes a serem observadas pelo publico para perfeita re-


gularidade do trafego.
Essas medidas de policia revestem-se de caracteres muito
differentes, de accordo com a finalidade que têm em vista.
Interessa, particularmente, ao Governo da União, a fixação
do plano geral de viação ferrea, comprehendendo a coordenação
das actividades regionaes, na realização das medidas tendentes
á organisação do seu serviço fel"lrovi'ario e das concessões dadas
aos particulares.
São medidas de ordem geral, que dizem mais com o regi-
men das concessões e da execução dos serviços publicos por
administração, e que apreciaremos mais detidamente no capi-
tulo relativo ás estradas de ferro.
A policia das estradas de ferro é regulada, assim, de um
lado pelas normas traçadas pela lei, de outro lado pelos contra-
doS" de concessões que, embora obedecendo ás normas legaes,
prevêm ainda as cond~ções peculiares a cada concessão.
Assim, as condições de trafego, "taIrifas, favores diversos,
etc., constituem capitulos differentes das concessões.
Neste ambito, pode-se comprehender a policia administra-
tiva em seu sentido estricto, isto é, os principios reguladores
da acção exercida pela administração publica sobre os serviços.
Bem diversa é a esphera da polida de estradas de ferro,
no sentido IPuramente penal, da repressão dos crimes e con-
travenções, e da apuração da responsabilidade civil, de accordo
com os principios de direito privado que regem a materia.
o.s multiplos aspectos ;pÜ'rque pode ser encarado o estudo
dos serviços ferrovi'arios em suas relações com o Direito vem
determinando a constituição de uma disciplina nova, denomi-
nada Direito Ferroviario, dentro do qual se pode comprehender
toda a materia relativa ao assumpto e distribuid:a pelos diffe-
rentes capitulos do Direito Administrativo, do Direito Finan-
ceiro, do Direito Penal, etc.
A lei que regula, entre nós, a segurança, a politica e o tra-
.fego das estradas de ferro, é aquelIa baixada com o regula-
mento n. 15.673, de 7 de setembro de 1922. Comprehende:
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 429

a) a policia das construcções, obras, serviços de cons-


trucção das estradas de ferro e seu leito. E' a parte da policia
de construcções encarada sob o ponto de vista da technica LIa
engenharia;
b) a policia dos meios de segurança do publico, como a
das cercas, dos muros, signaes, cancellas, e outras obras de pro-
tecção, bem como de conservação do material rodante;
c) a policia das tarifas, das taxas e demais obrigações
relativas ao cumprimento das clausulas financeiras dos con-
tractos;
d) a policia especial aa estrada, que abrange o uso dos
~eios preventivos e coercitivos necessa:rios ao cumprimento,
por parte do publico, dos regulamentos baixados pelo Governo
ou pela Estrada, e que se relacionem com a segurança do tra-
fego, ,dos passageiros e das mercadorias. .
Cada um desses aspectos comprehende outras tantas moda-
lidades de policia, no sentido de prevenção e coerção necessa-
rias para o bom funccionamento do serviço. A base de todo o
systema consiste na obrigação, e no uso de meios admittidos
pela lei e pela natureza da acção policial, do cumprimento das
normas legaes e regulamentares.
Uma grande parte desse estudo relaciona-se com o regi-
men das concessões. Alli, apreciM"emos mais detalhadamente
as relações entre o Governo e os concessionarios.
E,specialmente a fiscalisação dos regulamentos e dos con-
tractos interessa ao Direito Administrativo, fiscaUsação levada
a efieito na organisação administrativa da União, pelas Inspe-
ctorias de Estradas de Ferro, pela Cont31doria Central Ferro-
viaria (27), e pelo Conselho de Tarifas (28).
Tratando-se de medidas de policia e de segurança, não seria
desarrazoado mencionar, aqui, uma das garantias maiores, of-

(27) Decreto 16.511, de 25 de junho de 1924.


JJecs. 21.317, de 25 de abril de 1931, e n.· 28, de Z5 de janeirO'
de 1935.
,(28) Art. 216, § 3.°, da lei 4.793, de 7 de janeixo de 1924.
IDec. 21.317, de 25 de abril de 1981, e n.· 28, de 25 de janeirO'
de 1935.
430 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

ferecidas ~os 'passageiros, pelo Esta.do, contra os desastres fer-


roviarios.
O decreto 2.681, de 7 de dezembro de 1919, estabeleceu,
em favor do passageiro, uma presumpção de culpa da Estrada
de Ferro, nos desastres que em suas linhas succederem, e de
·que'!"esultem mortes, ferimentos ou lesões corporaes (29).
Na esphera internacional, ô transporte ferroviario é re··
gulamentado por meio de convenções entre os paizes interes-
,sados. Numerosos são os actos internacionaes sobre o assum-
pto, devendo-se menciona.!', muito particularmente, as conven-
ções de Berna, de 14 outubro de 1890, de 1__ 0 dezembro 1924,
bem como a de G:enebra, de 9 de~~mbro 1923, sobre o r·egimen
internacional das Estradas de Ferro (30).
Do maior interesse ·para nós foi a Convenção de 26 de ju-
nho 1915, modificada em 16 feV'e!'eiro 1928, regulando o trafe-
:go mutuo do nosso paiz com o Uruguay (31).
As medidas de ordem policial são, aqui, muito amplas,
'porque comprehendem clausulas aduaneiras, que interessam aos
Idois paizes contractantes.
São essas as principaes observações que devemos fazer so-
'bre a materia.

(29) Art. 17 do Dec. 2.681, de 7 de dezembro de 1919:


"As Estradas de ferro :respond'erão peIos desas·tres que nas suas ~i­
'nhas succ'ederem .aos viajantes, e de que resultem mortes, ferimentos ou
~'esões corporaes. A culpa será sempre presumida, só se admittimlo em
contrario alguma das seguintes provas:
1 - Caso fortuito ou forQa maior.
2 - Culpa do vi'ajante, não concorrendo culpa da Estrada".
A disposição legal consagra, como s·e vê, o pr~ncipio da cuIpa con-
tractual, ou da responsabilidade objectiva, que inverte o onus da prova,
·esta:bel·ecendo uma 'p:resumpção de culpa da IElstrada de Ferro. E' o
mesmo principio consagrado tamlbemna Lei de accidentes do Trabalho,
,'em Que se pregume a culpa do pa~rão e a responsabiIidadepela yoepara-
ção do damno soff~ido pelo operario em 'serviço.
A jurisprudenda tem ampHado Iargamente a àppIica!ção dessa Lei
'a; todos os mei·os de transp·orte collectivo, mesmo aqueHes reaHsados· sem
trilhos, como, por exempl'o, os auto-omni·bus.
Numeros'a é a doutrina e a legislação sobre a materia.
(3,0) ASQUlNI, Del Contratto di Trasporto, voI. VI, parte 11, do
·Codice di Commercio Commentatto, BOLAFFIO-VIVANTE, pg. 24.
(31) Dia;rio Ollidai d,e 5 de d,ezembro de 1928. .
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 431

As .diversas indicações acima mencionadas e outras feitas


no capitulo especial sobre Estradas de Ferro, mostram a possi-
bilidade de constituir-:se como uma disciplina perfeitamente
systematica e com caracteres peculiares, o Direito Ferroviario.
Talvez não se justifique a solução sob o ;ponto de vista
scientifico ou da doutrina, em sua expressão pura, mas tem
finalidade pratica pelas facilidades decorrentes da systemati-
sação de toda a mateira relativa ao Direito das ERtrad'as de
Ferro em um corpo unico, que abrange todas as numerosas
modalidades, por que o assumpto possa ser encarado. Pode-se
encontrar alli desde o regimen das concessões ou da execução
dir,ecta dos serviços, até as questões de Direito Civil ou Com-
mercial, que regulam os contracros de transporte, e a respon-
sabilidade das Estradas de Ferro, e os prmClplOS financeitI"os
que regulam a fixação de tarifas, etc. (32).

(212) Ver sobre oassump.to:


F. CAMpOLONGO, II Reati Ferroviari e di Pericolo, onde, á pg. 110,
.encontra-se numerosa legislação, embora já antiquada, e que por isso não
transcrevemos.
A. ASQUINI, Del Contratto d·i Trasporto, voI. VI, parte 2. a , do Co-
,dice di Commercio Commentatto, BOLAFFIO-VIVANTE.
G. GASCA, L'Esercizio delle Strade Ferrate.
CLMBALI, Le St1!ade Ferrate, in Primo Trattato de Orlando, VII,
parte I. .
'G. JÉZE, Les Principes Généraux du Droit Administratij, vol. lU,
pagina 50.
BIELSA, Derecho Administrativo, vol. IH, pg. 249.
Ver tambem a lei italiana de 18 de janeiro de 1932, sobre a policia
,de Estradas de F·erro.
CAPITULO XIV

PORTOS

Portos - Concessões para Construcção e E'XIplOTação de Por-


tos - Administração - Fiscalisa.ç~o - Departamento
Nacional de Portos e de Navegação.

Em um paiz como o nosso, de grande desenvolvimento de


navegação costeira, e onde a população se accumula principal-
mente no littoral e nos lugares mais favorecidos para a cons-
brucção de portos, isto é, nas enseadas que offerecem abrigo se-
guro; tomou a questão da construcção dos portos ea sua explo-
ração importancia excepcional.
Bem cedo cogitou-se de regulamentar o regimen das. conces-
sões de construcção e exploração dos nossos portos maritimos
e fluviaes (13).
O decreto 1746, de 13 de Outubro de 1869, autorisou o Go-
v'erno a contractar a construcção dos' portos do Imperio, de do-
cas e armazens, dentro de normas geraes alli previstas, relatJ-
vamente á fonna de exploração, prazos de resgate, condições:
de fiscalisação, etc.
Mais tarde, o decreto 2917, de 21 de Junho de 1898, regulou
a execução dos serviços hydraulicos para melhoramento de rios~
portos e canaes.

(1) Ver AL~TO DE FARIA, Mauá, pago 169.


INSTITUIÇõEs DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 433

Pelo alludido decreto, taes serviços pàSSaram a ser


executados:
a) por concessão;
b), por empreitad'a;
c) por administração.
Em qualquer caso, regulavam o assumpro as disposições
(lontractuaes peculiares a cada uma das consttucções, sempre
i'ealisadas sob a fiscalisação direeta do Governo Federal.
Não é preeiso analyse especial da marieitã .de executar cada
uma das modalidades previstas pelo decreto de 1898. A con-
cessão, a emp:!'eitada ou a administração, têm cada uma o seu
sentido proprio dentro da technica administratiVa, e que será
examinrudo no capitulo relativo a cada uma dessas formas de
execução de serviços publicos.
O numero de concessões e de contractos para construcção
e exploração de portos, é enorme, e não caberia a sua enume-
ração e exame dentro dos limites deste trabalho.
O art. 5.°, n.o 19 da Constituição de 1934 attribuia privati-
vamente á União legislar sobre o regimen de portos e nave-
g,ação de cabotagem, principio conservado no art. 16 da Cons-
tituição outorgada.
A diversidade desses serviços obriga a distribuição por
differentes Ministerios das actividades da administração pu-
blica.
O deereto 24.447 de 22 de Junho de 1934, procurou re-
gularisar a parte ~dministrativa dos serviços dos portos.
Pelo alludido decreto, compete ao Ministerio da Viação e
Obras Publicas às obras de melhorament<>s dOs portos, ú appa-
relhamento destes, e sua exploração coiílínei'cial; bem 'como ó
julgamento da conveniencia dãs conee138ões dóstér,reilos d~
ma:!'inha ou accrescidos, do ponto de vista das exigencias pre-
sentes ou futuras das obras e apparelhamento dos 'poms.
Ãquelle Ministerio, ainda,por intermedio do Departa-
mento Nacional de Portos e Navegação, compete fiscalisar a
execução, ou executar direetamente as, obras de melhoramen...

- 28
434 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

tos ou ampliação das installações portua,rias, estudar a conve-


niencia das concessões ide terrenos de marinha, para evitar que
prej udiquem a ampliação das instaHações portuarias, bem como
a realisação de qualquer obra publica ou particular que preju-
dique aquella exploração.
Ao mesmo Ministerio ainda compete fiscalisar a execução
dos serviços de exploração commercial dos portos, assim como
resolver em primeira instancia as questões que se suscitarem
entre a administração Ido porto e as entidades que se utilisarem
dos serviços ou apparelhamento portuario, no que diz com a ,
applicação das tarifas e dos regulamentos de exploração
commercial.
Nos portos sujeitos á ,fiscalisação, nos termos do art. 2.°,
lettra B do decreto 23.077 de 11 de Agosto de 1933, ainda
-compete á administração Ido porto subordinada ao Ministerio
da Viação, realisar as obras de melhoramentos ou ampliação
das installações portuarias, quando devidamente autorisadas.
Ainda mais, realisar a exploração commercial dessas ins-
tallações, com todas as prerogativas indispensaveis á execução
de tal serviço, como: arrecadar a renda da applicação 'das ta-
rifas em vigor;' realisar a reparação, conservação e renovação
das instaUações <lo porto; realisar os serviços portuarios sob
todos os seus aspectos.
Ao Ministerio da Fazenda compete exercer as suas attri-
buições especificas quanto á policia, serviços aduaneiros, fisca-
lisação do seguro maritimo, e concessões de terrenos de mari-
nha e accrescDdos, de accordo com as leis e regulamentos em
vigor.
Nos portos organisados, o Ministerio da Faz·enda é rep'!"e-
sentado pelas Alfandegas e Mesas de Renda, ás quaes compete
exercer as suas attribuiçães regulamentares, isto é, fiscalisação
e policia aiduaneira, arrecadação de direitos e taxas, proceder
a despacha aduaneiro de mercadorias importadas do extrangei-
ro, apurar responsabilidade sobre avarias e outros damnos em
me'!"cadorias sujeitas ao pagamento de imposto aduaneiro, e
assim, todas as demais attribuições disc-:-iminadas no, art. 5.°,
§ LOdo decreto 24.447.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 435
----,
A.o Ministerio da Marinha compete, nos portos nacionaes,
.[) registro das embarcações, matricula do pessoal das equipa-
·gens, concessão de cartas de habilitação, praticagem, policia
nával, balisamento, .pharolagem, soccorros ás embarcações, e
:opinar nas concessões de terrenos de marinha, em tudo quanto
.se relaciona com as necessidades da Idefesa nacional.
Estas attribuições, em sua generalidade, acham-se previa-
. tas nos regulamentos das capitanias de portos, a quem cabe, nos
:portos nacionaes, representar o Ministerio da Marinha.
Ao Miooterio da Agricultura cabe zelar pela defesa ve-
getal e animal, fiscalisando as sementes, plantas e animaes
:importados, bem como certos productos a serem exportados.
Reportamo-nos, para isso, ao ,decreto 24 .114 de 12 de
· Abril de 1934, que estabeleceu as normas para efficiencia desse
:serviço.
Ao Ministm-io do Trabalho, pelas suas differentes repar-
· tições, fiscalisar a execução das leis sociaes, prestar assis-
· tencia social ao pessoal das equipagens, estivadores, e do ser-
'viço portuario, e fiscalisar o seguro maritimo.
Ao Ministerio da Educação e Satúde Publica, compete zelar
'pela defeza sanitaria dos portos, de accordo com os regula-
:mentos dos serviços da Saúde P.ublica, a que nos referimos no
~ lugar competente.
A' policia dos portos, exercida nos Estados pela Policia Es-
:tadual, e no Districto Federal pela Policia Maritima, compete
· a fiscalisação policial dos passageiros que embarcam ou desem-
· barcam e o policiamento dOs ancoradouros, praias e enseadas,
, de commum accordo com as policias aduaneira, naval, e as par-
· ticulares que forem organisadas para a guarda interna dos ser-
· viços portuarios.
As repartições e Ministerios, aos quaes interessa ao fisca-
,lisação e administração dos portos, são autonomas nas suas
,respectivas attribuições, dentro, naturalmente, de um espirito
de collaboração indispensavel á plena efficiencia do serviço
, publico.
436 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Nas questões que surjam entre a administração dos portos


e os armadores, ou dO'nO's de mercadoriaB, nO' que diz com a
applicação das tarifas portuarias, cabe a solução definitiva ao
Ministro da Viação. Em mataria aduaneira, ao Ministerio.
da Fazenda. E nos demais CaBOS, ao CoilselhO' de Marinha.
Mercante.
Diversos outros decretos regularam as taxas portuarias e-
definem os serviços prestados pela administração dos po,rtO'S
organizados.
Reportamos-nO's .aO's decretos 24.508 e 24.511 de. 29 .de,
junho de 1934, que regulamentam de maneira completa O' ser-o
viço Ide exploração dos portos sob a fiscalização do Departa-
mento Nacional de Portos e Navegação.
Uma das grandes transfO'rmações no regimen de explora-o
ção industrial pelo Estado verificou-se precisamente na explo-.
ração dos portos.
Como vimos no primeiro volume deste livro, a administra-o
ção autonoma do porto do Rio de Janeiro constituió uma trans-
fO'rmação radical em nosso regimen aldministrativo cujas con-
sequencias beneficas, sob o ponto de vista economico, não se
fizeram esperar.
A administração autonoma dos serviços industriáes cou-·
trolados pelo Estado não se pode cO'mprehender no capitulo-
das concessões, por isso que elles se constituem como autar.,.
chias administrativas, sob um regimen de subordinação que·
representa um systema medio de desagregação do serviço da.
O'rganização administrativa do Estado..
Assim, não ha como desenvolver mais do que já o fizemos
no primeiro volume essa materia, cuja relevancia, por si só,
exige, como vimos então, um regimen legislativo especial que-
varia de conformidade cO'm a natureza do serviçO' e o fim 'a:
que se destina.
TITULO IV

Dos bens·

'CAiPI'DULO I - Divisão de bens


Dos bens - Diversas especies de bens - Bens domi.-
nica.es - Bens patrimoniaes - Bens moveis e imm01lei8
Bens publicos - Inalienabüidade - l'lYIIpenhorabilidade
I mpre8criptibilidade - U socapião dos bens publicos.

QAlRI'I1ULO II - Bens da União, dos Estados e dos Municipios


Bens do, União - dos Estados, - OOS Municipios -
Discriminação - Sua dilficuldadé - A Doutrina - A Cons-
tituição - O Codigo de Contabilidade Publica - li'lVentario
d08 Bens da União.

()~PrDULO TIl - Dos bens ,de uso commum

Dos bens de uso commum - Uso comInum - Natureza


- Diversas the.orias - Uso privativo da COUBa publico,.

OAlffi'DULO IV - Mares, Aguas -ierritoriaes


Mares - Aguas territoriaes - Dominio marítimo ~­
Golfos e Bahias - Lagos e Lagl)as --' Aguas Publica8 -
Rios Nacionaes - Rios Publicos - Rios do, União, dos Es-
tados e dos Municipios '- Propriedade das aguas publicas.

CAlBI"I1ULO V - USO commum, especial e patrimonial


Ben8 de uso commum (continuação) Ruas, praças, logra-
·duwrqs - Bens de uso especial - Natureza - Destino -
Edificios A - Fortalezas - Estabelecitmentos militare8 - Ce-
438 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
-----------------
miterios - Bens patrimoniaes - Natureza Categorias - Es-
tradas de ferro - Terras devolutas - A lei de 1850 - As-
Constituições republicanas.

O.AlffiT,ULO W - Terrenos de maririha


Terrenos de Marinha -'- Definição - Historico - A'
quem perterwem - Diversas theorias - A nossa legislação·
a respeitn - A situação das M unioipalidades - Os Mcres--
cidos de marinha "- TOIXas de occupação - Servidão publica:
nas margens dos rios navegaveis - Terrenos de Mang'U$ --
Processo de aforamento. -

OAPI'I1Ul.JO V1!I - Servidão publica


ServidOO publica - Noção - Servidão á 'fY/LLrgem das es-
tradas de ferro e de rodagem - Servidão militar - Terre--
nos de Frronteira - Servidão em torno dos aeroportos.

OAlPITUlLO WH - Regimen das florestas


Florestas - Re.gimen florestal ~ Codigo florestal _ Le--
gislação - Policia das flarestas - Regimen administrativo.

OAIP1I'IlULO IX - Minas
-Minas, seu regimen - Systema fondiario - Systema do-
minical - Systemo. da occupação - , Systema das corwessões
- A Constituição - O Co digo de Minas - Jazidas e Minas:
- Pesquizas ,,- Concessões - Registro.

O.APlITUlLO X - Caça e pesca


, Caça e pesca - Regimen do Codigo Civil - Na()ionali~­
zação da Pesca - Pesca maritima e pesca interior - Codigo<
de caça e pesca - Entrepostos de pesca. '

ClAiPT'l1UUO X'I - Principios· communs a todas as aguas;


publicas
Anuas - Regimen de Aguas - Aguas publicas e Par-
ticulares - Aproveitamento Hydro Electrico - ConcesSões'
- Fiscalização - Tarifas.

C.AP[TULO XII - Desapropriação


Desapropriação - Quem pode desapropriar - Utilidade'
e necesidade publica - Seu conceito na Doutrina, na Legis-
lação e na Jurisprudencia - Indémmização - Criterio legal.'
,'; , - Requisições.
CAPITULO l

DIVISÃO DE BF..NS

Dos Bens - Diversas Eispecies de Bens - Bens Domini-


caes - Bens· Patrimoniaes - Bens Moveis e Immoveis
- Bens Publicos - Inalienabilidade - Impenhorabili-
,dade - Impre!!criptibilidade - Usocapião, dos Bens
Publicos.

A divisão dos bens quanto á sua propriedalde ainda pode


ser encontrada no velho direito romano. O que alli ficou es-
tabelecido pela doutrina ainda permanece hoje em suas linhas
mestras.
Os bens se dividem em "res nullius, communes, publicle
et pri~'lLttE".
Res nullius são aquelles que actualmente não se acham no
dominio de ninguem, ou porque não tenham dono ou porque
tenham sido por elle abandonados; estes como aquelles cedunt
primo occupanti, são as. perolas no fundo do mar, as feras
errantes pelos bosques, etc. (1) .
K_::
Communes são as cousas que não pertencem nem podem
pertencer a ninguem, o mar, a agua corrente, etc.

(1) LoMONAOO, Demanio dello Stato, pag. 76.


440 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Publicre s,ão as cousas que pertencem ao Estado sola enim


eapublica sunt qure populi romani sunt. Comprehendem o do-
minio terrestre, maritimo, lagos, rios, estradas publicas, etc.
E privatre - qure sunt in dominio singulorum, finalmente
as que pertencem aos illldividuos.
Ha, na doutrina e na opinião dos romanistas, divergencias
sobre o que se entendia por cousa destinada ao publico, achando
alguns, como REGELSBERGER (Pandekten, § 113) (2), que como
taes podem se considerar aquellas que se destinavam ao publico,
emquanto que outros, co.mo WINDSCHEID (Parnd. l, poaragra-
pho 146) assim consideravam os bens destinaldos a um ser-
viço publico.
Para elIe o destino proprio' dos bens, dominicaes é o de
servir ao uso puiblico, directa ou indirectamente, cointanto que
a cous'a seja utilisada sem necessidade de transformação ao
uso e goso publico. .
Os bens patrimoniaes, pelo contrario, são aquelles utilisa-
dos pelo Estado como meio economico Ide obter a satisfação da
necessidade publica.
E' bem verdade que o Codigo italiano, como o nosso, contém
uma enu1p.eração dos bens dominilCaes, mas é alli opinião do-
minante, como entre :Qós, que tal enumeração é apenas ~xem~
plificativa, e não discriminativa.
O nosso Codigo Civil, com muita felicidade, resQlvelJ a
quest~ ida classificação dos bens publicos. As duvida,s sus-
citadas quanto á utilisação directa ou indirecta da propriedade,
que constituem sempre objecto de grandes controversias, foram
resolvidas com a divisão que se encontra no art. 66 do Co-
digo Civil, em bens do uso commum do povo, e os Ide uso es-
pecial (3).

(2) Apud SCIADOJA, Dizionario di Diritto Privato verbo Demanio.


(3) O art. 66 do Codigo Civil brasile4ro assim divide os bens
publicos:
a) 'Os de uso commum do povo, como os mares, rios, estradas,
praças e ruas;
b) o.s doe uso especial, taes como os edificios 'ou terrenos applicados
a serviço ou estabelecimento federal, estadual ou municipa:l;
c) o.s dominicaes, isto é, os que constituem o 'patrimonio da União,
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 441

Esta divisão deve ser acceita de accordo com a classifica-


ção dos bens publicos alli consagrada, entre os que constituem
o dominio da União, dos Estados e dos Municipios.
O Estaldo exerce, porém, sobre todos os bens do seu patri-
monio, um verdadeiro direito de propriedade (4).
A Idade Media chamou a propriedade publica de Domi-
nio; que se dividia em: dominio fiscal ou regio, aquelle que
pertencia ao soberano; dominio feudal, aquelle concedido aos
feudos; dominio ci~'lÍco o que continuava a pertencer ás cidades
livres; e, finalmente, dominio allodial, o que pertencia pleno
jure aos particulares.
Nesse periodo de transição, a propriedade exprimia um re-
gimen social que se· havia de transformar com o augmento do
poder regio, que tromre para si o dominio de todos os bens
do Estado. Predominou, nesse periodo, o principio da unidade
do dominio.
O Codigo Civil francez, que representa um periodo mais
avançado, dispõe, no entretanto, que todos os bens não sujeitos
á propriedade privada, pertencem ao domínio publico. Neste
ponto reproduziu o dis.posto nos decretos revolucionarios de
23 de Novembro e 1 de Dezembro de 1790 (5).
O Codigo Civil italiano, em seu art.. 426, já seguio nova
orientação e dividiu os bens do E<stado em bens do dominio
publico e bens patrimoniaes, divisão hoje integrada na te-
chnica legal daquelle paiz (6).
A distincção entre bens do domínio e os do patrimonio.
nota DE RUGGIERO, não es,iJá feita na lei. O criterio geral
da distincção é forneddo pelo destino especial dos bens pu-
blicos.
Como se vê, a divisão dos bens do dominio publico sem-
pre foi objecto de largas controversias, principalmente' entre

O,os Estados ou dos Municipios, como .objecto de direito pessoal ou real


de cada uma, d'e~s entidades.
(4) DERNBURG, Pandette, vaI. I, parte 1.', pago 2070
(5) LAURENT, Cours élémentajre de Droit Civil, I, pag o 496 o

(6) ]j()M'ON AOO, Il Demanio dello 8t4to, pag 83


o o
442, THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

os autores francezes, que distinguiam os' bens publicos em


bens do dominio publico e bens do dominio do Estado (7) ~
Os italianos preferem distinguir os bens publicos emdomi-
nicaes e patrimoniaes (8), sendo que estes ultimos podem
ser disponiveis ou indisponiveis, distincção que as nossas leis.
não repelI em, como veremos adeante.

BENS MOVEIS E IMMOVEIS

Constituem os bens a parte positiva, material, do patl'i-


monio, segundo CWVIS (9). Está o seu conceito ligado 3.()
valor economico.
A divisão principal dos bens, segundo o direito modemo,.
é a ';dos bens moveis e immoveis, divisão consagrada em nosso.
Codigo Civil, e na maioria dos Codigos modernos.
Não deve, porém, ser tomada a distincção em seu sentido,
puramente physico, porque, como ensina SCIALOJA (10), a dis-
tincção é substancialmente juridica e em parte arbitraria, por-
que, além das cousas, ella se applica tambem aos direitos, e
chega-se a tratar como immoveis as cousas mais moveis .ie
todas como ,os corpos semoventes. Tal transformação soffri:da
por essa distincção decorre de razões historicas, que não vem
a proposito examinar: No direito romano, são substancialmen-
te immoveis as cous'as que não se podem mover, e moveis aqueI-
las que se movem.
Deve-se, porém, observar que as cousas são s,empre con-
sideradas como moveis ou immoveis em relação ao homem.
Em nosso direito, estas observações teem perfeito cabi-
mento como veremos em seguida.

(7) LAFERRIÉRE, assim estabelece a distincção entre o dominio pu--


blico e o dominio do Estado: aqueIle é o d'ominio chamado eminente, que
decorre da soberania, fóra da propriedade; este ultimo, pelo contrario,
const:Vrue propriedade do Elstado, é por eHe des1lÍnado ao serviço publico.
(Jurisdiction administrative, I, pag. 615).
(8) 1st. di Diritto Civile, lI, pago 329; CINO VITTA, Diritto Amnvt-
nistrattivo, pago 188. MEUCCI, 1st. di Diritto ~mministrattivo, pago 31S
e seguintes.
(9) Theoria Geral do Direito Civil, pago 209.
(10) Diritti J:Ceale, pags. 118 e segs.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 443.

Os immoveis constituem, talvez, a parte mais impo"!'tante-


do patrimonio.
A nossa lei civil, como os Regulamentos administrativos.
tomam a expressão em seu sentido legal, e não physico (11).
Assim, os bens. moveis comprehen:dem não sómente-
aquelles que o são por natureza, isto é, porque não se podem
transportar sem destruição de um para outro lado, como aquel-
les que assim devem ser considerados por accessão natural,.
por destino, ou em virtude de determinação legal (12).
Não cabe nos limites e nas finalidades deste estudo o'
exam~ detalhado dá questão. Apenas accrescentaremos que,_
além dos bens considerados immoveis pelo Codigo Civil brasi-
leiro (13), o Codigo de Contabilidade Publica (14) ainda consi-
dera como taes, para os effeitos da organisação dos inven--
tarios, os museus, as pinacothecas, as bibliothecas, os observa-
torios, os laboratorios, os estabelecimentos industriaes eagri-
colas, com os respectivos apparelhos e instrumentos, as es-
tradas de ferro com o material rodante necessario ao ::lel'viço~
os quarteis, as fortalezas desarmadas, as fabricas- de polvo!:'a,
de artefactos de guerra, os arsenaes e demais bens de igual
natureza do dominio privaldo da União.
O criterio legal predomina, como se vê, sobre o c!"iterio
physico, natural.
Os moveis são aquelles bens susceptiveis de movimento ou
de remoção por força alheia.
:ID' esta a definição 'do art. 4~ do Codigo Civil, a que se'
reporta o Regulamento da Contabilidade Publica, accrescen-
tando que entre taes bens ainlda se podem comprehender os di-
versos materiaes para os serviços publicos, o dinheiro, valores,
titulos, e os effeitos que existem na Caixa ou nos cofres do
Estado (15).

(11) Codigo de Contabilidade, arts. 807 e. segs.


(12) JOÃo LUIS ALVES, Codigo Civil annotado, 2." edição, vaI. l~
pagina 85. .
(13) ,Art. 43 e seguintes; ESPINOLA, Systema de Direito Civil Bra-
sileiro, voI. I, pag. 467.
(14) Ver a Circular da Oontadoria Central, n.· 22, de 3'1 de Ju-
lho de 1923.
(15) Arts. 808 e s,eguintes.
444 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

o.s bens moveis do Estado ainda se distinguem:


a) aquelles destinados ao serviço civil da administração
publica, como as mobilias das repartições, collecções de leis,
decretos e regulamentos, machinas, apparelhos, utensilios, ma-
teriaes para tra?sformações, consumo e outros;
b)os objectos moveis destinados á defeza nacional, isto
€, todo o material fluctuante, semovente, ou de guerra;
c) os direitos de obrigações e acções respectivas, nos ter-
mos do art. 48 do Codigo Civil (16).
Esta é a discriminação legal. Não se deve, todavia, levar
a rigor, porquanto tem caracter puramente exemplificativa, e
não tem sido uniformemente obedecida pelas diversas leis e
regulamentos.

C.A!RACTERES DOS BENS PUBLICOS

o.s principaes caracteres de todos os bens publicos são


os seguintes:
a) A inalienabilidade ..
b) A impenhorabilidade.
c) A imprescriptibilidade.

a) A inalienabilidade

- E' este o caracter essencial de todos os' bens publicos.


Não quer isto, porém, dizer que sejam indisponiveis; apenas
os de uso commum o são, pelo seu proprio destino, mas os pa-
trimoniaes só podem ser disponiveis quando satisfeitª's as con-
dições e exigencias legaes.
o. art. 67 do Co digo Civil é expresso quanto ao principio
geral da inalienabilDdade de todos os bens publicos. Offerece,

(16) Art. 809 do Codigo de ContaÔilidage.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 445
----
porém, á lei orldinariaa poss-ibilidade de autorisar a alienaçã()
de certos e determinados bens.
O . Codigo de Contabilidade Publica divide os bens publi-
cos, quanto á possibmdade de sua alienação, em dis·poniveis e
indisponiveis, seguindo uma classificação muito do agrado dos
autores italianos (17).
Disponiveis são os bens do Estado "qualquer que seja
a sua proveniencia, dos quaes se possa effectuar venda, per-
muta ou cessão, ou com os quaes se .póssa fazer operação fi-
nanceira em virtude de leis especiaes de autorisação".
Os indisponiveis, ou melhor, os não disponiveis, são aquel~
les que são necessarios e têm applicação aos serviços publicos,
e em relação aos quaes, quer pelo destino dos mesmos, quer
por disposição de lei, não póde o EstadO' vender, permutar, ou
ceder, ou com elles fazer operações financeiras.
A venda dos bens patrimoniaes do Estado, ou a sua per-
muta ou cessão, tem sido autorisada por diversas leis fe-
deraes (18).
Mes-mo em certas situações, é de notar, tem sido admit-
tida a alienação de bens do dominio publico.
Em direito internacional a compra e venda constitue um
dos modos de cessão do territorio (19).
Entre nós, o tratado de Petropolis, em 1903, importou afi-
nal na troca, e portanto, na alienação de uma parte do nosso
territorio com a Bolivia. E' preciso, ,porém, acto do Congresso.
àutorisando taes alienações.

(17) Art. 827, do mesmo CodigG.


(18) Leis ns. 4190, de 16 de Dezembro de 1897, a:rt. 23; 741, de'
26 de Dezembro de 1900, art. 3.°, e 3.089, de 8de JaneirQ de 1916, art.
12'1; -leis ns. 26, de 30' de Dezembro de 1891, art. 8.0, § 1.0; 429, de 10,
de Dezembro de 1896, 3Il't. 6.°, § 4.°; 3.232, de 5 d~ Janeiro de 1917,
art. 72; 4.242, de 6 de Janei·ro de 1921; arts. 106, 107 e 108; 4.632 de
6 de Janeiro de 1923, arst. 87 e 1'715; e 4.7-9.3, de 7 de Janeiro de 1924,.
arts, 178 e 209.
(19) LAFAYETTE, Direito Internaciemal, pag. 153.
·446 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

:h') A impenhorabilidade

Por serem inalienaveis, são impenhoraveis de accordo com


.a legislação em vigor toldos os bens do Estado, qualquer que
.sejaa sua natureza (20) . E' a lição de SOUZA BANDEIRA:

"Quando a Fazenda Nacional fôr condemnadapor


sentença a algum pagamento, estão livres de penhora
os bens nacionaes os quaes não podem ser alienados
senão por acto legislativo" (21).

Sob o regimen anterior á Constituição de 1934, os pa-


:gamel1tos feitos em virtude de sentença judiciaria quando a Fa-
zen/da era condeml1ada processavam-se por intermedio das au-
toridades administrativas, isto é, pelo Ministerio da Fazenda
'e Thesouro Nacional, que os encaminhavam ao Congresso Na-
,donal, que votava os creditos extraordinarios necessarios ao
pagamento da divida.
Não obedecia tal pagamento a nenhum criterio de ordem
.ou chronologico, motivo pelo qual se verificavam os maiores

(20) Art. 13,59 do Reg. 737 de 1850. - Acc. do S. T. F., de 8


de Junho de 1927, Arch. Jud., voI. IV, pago 3:
"Os bens dominicaes da União, dos Estados e dos Municipios, sendo
·em these, ina:Henaveis, não são sujeitos á apprehensão e penhora".
(21) Novo Manual do Procurador de Feitos da Fazenda, § 76, em
<cuja nota 66, vê-se o seguinte:
"O que dissemos 'dos bens nacionaes, tem applicação aos bens pro-
vinciaes, que não podem s'er alienad-os sem autórisação das Assembléas
provinciaes; e aos Municipaes, que só podem sel-Q com autorisação do
Ministro do Imperio na Côrte e das Assembléas nas Provincias (Idem
§§ 297 e 298 - Lei de 26 de Ma.io dte 1'840, arts. 23 e 24 - PQrt. de
'20 de Fevereiro de 1850. - Aviso de 28 de Julho de 1860. - Aviso
·n. 120 de 24 de Março de 1863. - Aviso n. 238, de 31 de Julho de
1867. - Aviso I n. 27 de 21 de Nov,embro de 1885. - Decr. n. 9.549,
'de 23 ,d'e Janeiro de 1886, art. 7.°. - TEIXEIRA DE FREITAS, Consolid.,
art. 586, § 2.·. Quando fôr condemnada a F-azenda Plro-vincia.l, pro-cede-se
como com a Gera-li; não podendo ser penhorados os seus bens, dirige-se
a recIa:ma:çãoo á A1sStembléa Provincial administrativamente, para consig-
nar fundos no -orçamento ou autorisar operações de cred.ito(Ord. n.
14'8. de 18 de Abril e n. 274, de 13 de Agosto de 1853)". CARLOS DE
CARVALHO, Nova Consolidação, art. 193, § 5.0; DmIMO DA VEIGA, Direito
.das Causas, pago 519; Acc. S'Ilp. Trib. Federal, 18-VI-1921 - Rev •
• J. '1.'. F. -VaI. XXXI, !}ag. 223.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 447

abusos, que por vezes tomavam até aspecto escandaloso, mór-


..: mente quando se tratava de creditos vultosos.
Para pôr termo a taes irregularidades, propuzemos, na
Commissão que elaborou o Ante-Projecto de Constituição, que
. taes pagamentos fôssem realisados por ordem rigorosa de an-
tiguidade dos precatorios, dentro de um unico credito aberto
para pagamento de' sentenças judiciarias, e por determinação
do Presidente da Côrte Suprema.
o Ante-Projecto, em seu art. 74, dispunha o seguinte:
"As dividas provenientes de sentença judiciaria
serão pagas na OI\dem rigorosa da antiguidade dos
precatorios, dentro dos creditos orçamentarios aber-
tos para esse fim".

A Constituição Federal de 19'34. consagrou prinCIpIO se-


melhante, embora fazendo certas modificações que importaram,
.afinal, apenas na regulamentação do principio acima citado.

,Diz o art. 182 dessa Constituição:


"Os pagamentos devidos pela Fazenda Federal,
em virtude de sentença judiciaria, far-se-ão na or-
dem de apresentação dos precato rios e á conta dos
(!reditos respectivos, sendo vedada a designação de
caso ou pessôas nas verhas legaes.
§ Unico. - Esses creditos serão consignados
peido Poder Executivo ao Poder Judiciario, recolhen-
do-se as importancias ao cofre dos de;PQsitos pu-
·blicos .. Cabe ao Presidente da Cô!-teSuprema ex-
pedir as ordens. de pagamento, dentro: das'. forÇas
do deposito, e, a requerimento do credor que allegar
I

preterição da sua precedencia, autorisar o sequestr<>


da quantia necessaria para o satisfazer, depois de
ouvildo o Procurador Geral da Republica".
Este dispositivo foi mantido, salvo a redacção, no art. 95
{da Constituição de 10 de Novembro de 1937.
448 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI.
------
Fica, assim, o Congresso dispensado de discutir o assuIÍl-
pto e de tantos dissabores que lhe causaram a discussão e o'
exame de certas vultosas condemnações da Fazenda NacioHaI.
Tratando-se de pagamento Idevido pela Fazenda, não seria ,
licito omittir o que dispunha o art. 12i, § 8. 0 da Cónstituição
de 1934, quando se trata de indemnisação. devida nos accideu'-
tes do trabalho em obras publicas da União, dos Estados e dos
Municipios.
Em beneficio dos accidentados ou de suas familias, dis-
pensou a Constituição todas essas formalidades dos precató-
rios, bem como a espera da vez para o pagamento da inrdemni-
sação. Mandou que esta fôsse feita pela folha de pagamento
dentro de quinze dias depois dá sentença. Embora não cúl1-
sagrado na Constituição de 1937, o p!"eceito não ·parece ter sido
revogado, pois que não se oppõe implícita ou explicitamente á
nova Constituição.· .
O cumprimento dessa disposição constitucional não éfaciI~
faltando um meio coercitivo que obrigue á Fazenda, ou melhor,
aos seus funccionarios, a obeJdiencia rigorosa á determinação
constitucional. A morosidade dos processos burocraticos pre-
judica, geralmente, a celeridade d~ taes liquidações, o que é
deveras lamentavel, dada a sua natureza. Em todo caso, a dis-
posição é altamente benefica e vem pôt termo a uma situação
insustentavel para as vietimas dos accidentes em obras publicas:
A boa vontade das autoridades administrativas terá, pelo
menos, em seu favor, uma dispos'ição legal.
O principio, porém, da impenhorabilidade não é absoluto
em certos paizes. Assim, BIELSA faz a restricção das cousas.
adquiridas para o uso publico, mas que ainda não se acham
incorporadas ao patrimonio do Estado, exigindo que a incor-.
pOl'á~ão tenha. sido i"eal' e actual para que Possa ser coberta:
P,elo 'privileg-io (22).

(22) lBIELSA, Derecho Administrativo, v·oI. lI, pg. 263-•.


INSTITU~ÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 449

A legislação italiana ainda é menos rigorosa, permittindo


expressamente a penhora dos bens patrimoniaes disponi-
veis (23).
'.
c) A imprescriptibilidade

E' este um dos caracteres mais importantes' dos bens pu-


blicos.
As divergencias doutrinarias que tiveram reflexo imme-
diato sobre a jurisprudencia Idos Tribunaes, tomaram um sen-
tido tão alarmante na falta de uma determinação legal que
declarasse express·amente a imprescriptibilidade dos bens pu-
blicos, que o Governo Provisorio em 1932 resolveu baixar um
decreto declarando que não poderia correr a prescripção acqui-
sitiva contra os bens publicos, qualquer que fôsse a sua na-
tureza (24).
E' que uma larga corrente d<lUt,:,inaria, e seguidos accol'-
dãos dos nossos tribunaes, declaravam que os bens publicos
simplesmente patrimoniaes, poderiam ser adquiridos por uso-
capião, quando satisfeitas as exigencias da nossa lei civil.
LAFAYETTE (25) já ensinava: "Estão fora do commercio
e portanto não se adquirem por prescripção:

3.° "As cousas do dominio publico, como os por-


tos, os rios navegaveis, as ruas, praças e estradas
publicas; os pateos e bal!dios dos Municipios e Paro-
chias, as que são directamente empregadas pelo Es-
tado em serviço de utilidade geral, como as fortale-
zas e praças de guerra.
Não entram nesta classe, e podem ser prescri-
ptas as cousas do dominio do Estado, isto é, aquellas
acerca das quaes o EstaJdo é considerado como sim-

(23) PRESUTTI, 1st. di Diritto Amministrativo, voI. I, pg. 241


nota 17-18; MIORTARA, Comment del Codice e delle legge di Procedu·re Ci-
vile, voI. I, pg'S. 200 e segs.
(23) Decreto 22.785, de 31 de Maio de 1933, art. 2.°. "Os bens
publioos, seja qual fôr a sua natureza, não são sujeitos ao usocapiào".
(25) LAFAYETTE, Direito das Cousas, § 62.

- 29
450 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
.'t,

pIes proprietario: taes como as terras devolutas, as


linhas formadas nos mares territoriaes, os bens em
que succede, na falta de herdeiros legaes do defunto".

Era esta a opinião dos autores mais antigos, como COELHO


DA ROCHA (26), ALMEIDA OLIVEIRA (27), LACERDA DE AL-
MEIDA (28), CAROOS DE CARVALHO (29), e antes destes, TEI-
XEIRA DE FREITAS (30) e CORREIA TELLES (31).
Todos esses autores, como nota PEREIRA BRAGA, em uma
-excellente monographia sobre oassumpto (32), baseavam-se
em textos e disposições legaes já antigas. CoRREIA TELLES e
COELHO DA RoCHA fundavam-se exclusivamente no direito ro-
mano. LAFAYETTE fundou-se -em COELHO DA ROCHA e em TEI-
XEIRA DE FREITAS. ALMEIDA OLIVEIRA, no mesmo autor. E
CARLOS DE CARVALHO, no decreto 736 de 1850, art. 80 e de-
,creto 857 de 1851.
TEIXEIRA DE FREITAS, por sua vez, baseia a sua opinião
no Regimento da Fazenda de 17 de Outubro de 1516, capo 210,
no Regimento das Contas de 3 Ide Setembro de 1627, capo 92,
na Lei n.o 243 de 30 de Novembro de 1841, art. 20, no De..,
ereto 736 de 20 de Novembro de 1850, art. 80, e no Decreto 857
de 1851, art. 9.°.
Mas, como nota PEREIRA BRAGA, na monographia já ci-
tada, estas disposições todas' referem-se restricta e exclusiva-
mente á prescripção Idas dividas activas da Nação, dando-lhe
-o prazo de quarenta annos, isto é, tratam apenas da pres-
eripção extinctiva ou liberatoria, e não da prescripção acqui~
,sitiva ou usocapião.
Mas si esta duvida era perfeitamente justificada sob o re-
.gimen anterior ao Codigo Civil, o que não se dirá depois de
decretado este ultimo que estabelece em seu art. 67 a inaliena-

(26) Instituições de Direito Civil Pm-tuguez, § 464.


( 27) Da Presvripção, pg. 2'82.
(28) Direito das Cousa.s.
0(29) Nova Consolidaçã,o das Leis Civis, art. 431.
,(30) Consolidação das Leis Civis, art. 1332, nota 5.
(31) Doutrina das Acções.
{32) Revista de Direito, voI. 52, pg. 262.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 451

bilid8ide de todos os bens publicos, qualquer que seja a sua


natureza, a não ser naquelles casos e na forma por que a lei
.o autorisar? '
Por consequencia, o principio da inalienabilidade é geral,
de uma rigidez absoluta, e só admitte excepções naquelles casos
.expressos em que a lei o autorisar.
Haverá, no entretanto, alguma lei que permitta a alienação
de bens publicos, qualquer que seja- a sua natureza?
Não conhecemos, e esta alienação só se tem dado indivi-
dualmente, em casos particularissimos, por aurorisação espe-
teial do orgão competente, individualisando os bens publicos
:sujeitos a essa alienação.
Em um parecer publicado na Revista de Direito, ensina o
Professor REYNALDO PoRCHAT (33):

"Quanto aos bens dominicaes ou patrimoniaes, o


direito anterior soffreu alteração: 1.0 - porque foi
extincta a prescripção de quarenta annos pois tendo
o Codigo regulado a materia daprescripção não se
Teferiu a es'Se prazo; 2. o - porque o Codigo, não
adoptanldo o dispositivo e rigorosamente juridico do
art. 81 do projecto primitivo do Prof. CLOVIS BEVI-
LAQUA, preferiu substituil-o pelo disposto no art. 67,
que, declarando inalienaveis todos os bens publicos.
sem distincção, confundiu implicitamente os bens
publicos, indo, de tal maneira, contra a natureza das
cousas, que as proprias necessidades da União, dos
Estados e Municipios hão de em breve determi-
nar-lhes a correcção.
Mas uma vez que está creada essa inconveniente
inaJienabilidade dos bens patrimoniaes, nos mes-
mos termos em que existe a dos bens de uso publico,
a consequencia é que, consoante a letra do Codigo, são
elles hoje tambem imprescriptiveis, não por causa
da sua inalienabilidade, pois os bens inalienaveis em
muitos casos são sujeitos ao usocapião (ALMEIDA

.(~~) Ke·vista de Direito, vaI. 49, pg. 227.


452 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

OLIVEIRA - obro cit., pago 253), mas porque a ina-


lienabilidade com que foram gravados não pode dei-
xar de ter por fund'amento senão motivos de ordem
publica, e taes bens por serem legalmente inaliena':
veis, ficaram fóra do commercio (art. 60.), não po-
dendo, por isso ser objecto de usocapião. (JosÉ OLFl-
GARIO MACHADO - Comment. del God. Civ. Argent'i-
no, § 1. 072, nota do art. 3.950).

Esta se nos afigura a bôa doutrina, deante dos te':'mos ex-o


pressos do art. 67 do Codigo Civil em vigor, com uma rigidez,
desconhecida na maioria das legislações, onrde a imprescripti-
bilidade decorre apenas da inalienabilidade dos bens do dominio,
publico (34).
A imprescriptibilidade dos bens do dominio publico, se-
gundo BIELSA, não decorre de nenhum texto legal, mas, a preso.
cri-pção acquisitivá funda-se numa presumpção de legitimidade
do titulo, em virtude' do qual tem-se a posse por um periodo.
determinaldo. Mas, não se póde presumir a legitimidade de·
um titulo de acquisição de uma cousa, a qual, como as do do-
minio publico, a nenhum titulO' se póde 'adquirir (35).
A jurisprudencia :dos nossO's tribunaes, anteriormente ao·
decreto 22.785, de 1933, não admitte pacificamente esta dou-
trina. Especialmente o Tribunal de Justiça de São Paulo era
divergente, preferindo fazer a dis1Jincção dos bens publicO's de-
uso commum, dos patrimoniaes, admittindo a prescripção·.
acquisitiva desses ultimos, por serem alienaveis (36).

(34) RoGER BONNARD, Précis de Droit Administratif, pg. 446; D.


PALLADINI, L'AlienChbilitá, pg. 682.
(35) BIELSA, Derecho Administrativo, voI. lI, pg. 163.
(3,6) Acc. da Côrte de A.ppeHação do Districto Federal, de 24 de·
Novembro de HXn, in Rev. de Direito, voI. 106, pg. 273. - ~c. do Trib.
de S. Paulo, de 13 de AJbrH de 19'32, in Rev. dos Tribunaes, voI. 82, pa-·
,gina 371. - Acc. do T,ribunal de S. PauJo, de 11 de Março de 19'30, in
Rev. dos Tribunaes, voI. 84,pg. 113. - Acc. do Tdbunal de Justiça de·
S. Paulo, de 23 de Abri,l! ,de 1930, ~ev. de Direito, vaI. 98, pg. 5917, e in'
Rev. dos Tribunaes, voI. 74, pg. 13'39. - Ace. da Côrte de A1ppellação do.-
mst.FederaI, de 24 de Novembro de 1931, in Arch. Jud., voI. 22, pg. 108.
Me. do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 11 de Março de 1931, in Ret' ..
dos Triburza.es, votli. 77, pg. 331. - A.cc. do Tribunal de Jrustiça de S.
Paulo, de 23 de Novembro de 1929, in Rev. dos Tribunaes, voI. 83, pg. 338-
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 453

Resta saber, finalmente, si' deante das novas disposições


do decreto 22.785, bem como o do 19.924, de 2r[ de Abril de 1931,
ainda pode ser sustentada esta ultima these, amparada por
,diversas decisões dos nossos Tribunaes.

o art. 1.0 do decreto 19.924 declara:

"Compete aos Estados regular a administraçã(),


concessão, exploração, uso e transmissão das terras
. devolutas, que lhes pertencem, exclui das sempre (Co-
,digo Civil, arts. 66 e 67) a acquisição por usocapião
e na conformidade do presente decreto e leis federaes
a pplicaveis".

o decreto 22.785 ampliou ainda mais esse dispositivo, que


.:se referia apenas ás terras devolutas, a todo e qualquer bem
publico, seja qual fôr a sua natureza.
O Prof. REYNALOO PORCHAT, no trabalho já acima citado,
,examinando o usocapião dos bens publicos, chega á conclusão
de que o Codigo Civil prohibiu terminantemente esta forma de
acquisição dos bens publicos pelos particulares e tem oppor-
'tunidade de estudar com autoridade indiscutivel, si o Codigo
Civil deve ser applicado com eífeito retroactivo para as pres-
cripções em curso.
Responde o ~rof. PORCHAT affrirmativamente a esta du-
vilda, mostrando com fundamento nas melhores autoridades,
-como GABBA, SAVIGNY, etc., que não podem proseguir deante
da lei nova os prazos para a prescripção acquisitiva.
E', aliás, a opinião expendida por RoUBIE&, em obra re-
,eente (37).

- Acc. T,rib. Justi'ça de ,8. Paulo, 24 de Março de 1931, in Rev. dos Tri-
bunaes, V'OI. 77, pg. 1090. - Acc. Trib. Justiça de 8. Paulo, 11 de Mar-
ça d'e 1931, Rev. dos Tribunaes, voI. 78, pg. 110. - Acc. Trib. Justiça
de S. Flaulo, 24 de Maio de 1931, Rev. dos Tri17/1,naes, voL. 79, pg. 374.
- Alce .Trib. Justiça de S. Paulo, 9 de Maio de 1913iÜ, Re'/J. dos Tribunaes,
voI. 74, pg. 356. - Alce. Trib. S. Paulo, 30 de Abril de 1931, Rev. dos
Tribunaes, voI. 7'9-, pg. 132" - Ace. Trib. Justiça de S. Paulo, 9 de AJgos-
·to de 1930, Re'/J. dos Tribunaes, vaI. 75, pg. 494. - Acc. Trib. Justiça de
.8. Paulo, 30 de Abril de 1930, Rev. dos Tribunaes, v'ol. 75, pg. 495.
(37) Les Conflits de lois dans le temps, voI. H, pg. 240.
454 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Constitue, porém, excepção constitucional ao principio, ()


que dispõe o art. 148 da Constituição vigente (38). A genera-
·lidade do principio ali firmado não admitte excepções, mormen-
te quando se tratar de terras devolutas.
Este principio está, aliás, na tradição do nosso direito. A
lei de 1850 (art. 8) e ,a provisão de 14 de março de 1822; man-
davam respeitar a posse dos terrenOs que forem occupados "com
effectiva cultura".
Constitue, portanto, essa fortna de acquisição, uma exte-
·pção áimpresc!iptibilidade dos bens do dominio publico (39)_

,
• :0;..

.. ,

(38) "TodQ brasileiro que, não sendo proprietario rurar ou urba-


no, occupar, por d'ez annos continuQs, sem opposi'ção nem reconheciment~
de ~omJinio alheio, um trec.ho de terra até dez hect~res, tornando o pro-
d1l!ctryo por ~u trahalho e tendo neHe a sua morada, adquirirá o dominio.
do solo, med'lante sentença declarato,ria devidamente transcripta".
. (3'9) Ruy CIRNE LIMA - Terras devolutas, pg. 47.
CAPITULO II

BENS DIA UNIÃO, DOS ESTADOS E nos MUNICIPIOS

Bens da União - dos Estados - dos Municipios - Discri-


minação - Sua Difficul<1ade - A Doutrina - A Con-
stituição - O Codigo de Contabilidade Publica - Inven-
tario dos Bens da Un·ião,

o dominio publico de uso commum ou patrimonial está


distribuido, qualquer que seja a sua natureza, entre a União,
os Estados e os Municipios, as tres pessôas de Direito pu-
blico susceptiveis de apropriação Idos bens publicos.
O principio geral predominante na Constituição vigente
em seus arts. 36 e 37, foi o de attrpibuir á lei ordinaria e á
legislação anterior, principalmente ás Constituições de 1891 e
19'34, a determinação do dominio da União e dos Estados.
Regulou expressamente, e como verdadeira excepção ao
principio geral, o dominio sobre os rios e suas margens, se-
guinldo mais ou menos a legislação do Governo Provisorio, como
veremos no capitulo proprio.
Quanto aos bens patrimoniaes, está entendido que o seu
dominio decorre da lei, quer pertençam á União quer aos Es-
tados e Municipios.
Deante do exposto, e como não tenha a Constituição de
1937 modificado o regimen da Constituição anterior, podemos
àcceita ... cnmo exacta, feitas apenas a1gumas restricções que
456 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

adeante apontaremos, a seguinte discriminação, que se encon-


tra em EDUARDO ESPINOLA (1):
"Pertencem á União:
a) no planalto 'central da Republica uma zona de 14.400
kilometros quadrados, para nella se estabelecer a futura Ca-
pital Federal (2);
b) o territorio que fôr indispensavel á defesa das fron-
teiras, fortificações, construcções militares e estradas de ferro
federaes;
c) os proprios nacionaes que fôrem pela União ju1gados
necessarioB aos seus serviços;
d) os mares territoriaes, comprehendidos entre a costa
e a linha de respeito;
e) os rios, lagos e lagôa~ que servem de limites da Re-
publica com as nações visinhas, comprehendendo os terrenos
accrescidos ás margens dos rios, respeitados os t"!'atados e ajus- .
tes internacionaes;
f) os terrenos de marinha e os accrescidos, salvo direi-
tos aidquiridos; as ilhas formadas nos mares territoriaes ou
nos rios federaes;
g)os bens vagos, quando se acharem em territorio da
União ou quando ahi fôr domiciliado o antigo proprietario;
h) os bens perdidos pelo criminoso condemnado pela jus-
tiça federal e pela do Districto Federal;
i) os bens do evento na Capital Federal;
j) as estradas de ferro, telegraphos, telephonios, fabri-
cas, officinas federaes;
k) os terrenos devolutas süos ·no Districto Federal, que.
não sejam do patrimonio deste;

(1) Systema, vaI. I, pg. 492.


(2) O art. 2,0 da Constituiçã<o de 1934, faz respeitar o dominio da
União adquirido de accordo com as leis vigentes.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 457

l) os bens que fôram do dominio \d'a C-orôa:


m) as margens dos rios navegaveis, no territorio do
Acre.
Pertencem aos Estados:
a) as terras devolutas situadas nos seus respectivos ter.
ritorios, comprehendendo mattas, aguas e quaesquer accessões,
exceptuada a porção que, para defeza .das fronteiras e para
construcções militares e de estradas de ferro, couber á União;
b) as minas existentes nas terras devolutas mencio-
nadas;
c) as margens dos rios navegaveis e dos que se fazem
(lS navegaveis na zona nellas reservada para servidão publica,
si por algum titulo legitimo não estiverem no dominio federal,
municipal ou particular, respeitaldo o limite do dominio ma-
ritimo;
d) as ilhas que se formarem nos rios publicos estaduaes;
e) os lagos e lagoas encravadús nas terras devolutas que
lhes pertencem; ou forem navegaveis ou entregues ao uso
publico;

f) os bens perdidos pelo criminoso condemnado pela res-


pectiva justiça;
g) os bens vagos e do evento;
h) os bens deixados pelos individuos Idomiciliados em seu
territorio, que fallecerem sem testamento e sem conjuge ou
parentes até o 6. 0 gráo por direito civil;
i) os bens que constituirem seu dominio industrial;
j) os proprios nacionaes, situados nos seus territorios,
que não forem necessarios para o serviço da União; os terre-
nos dos antigos aldeiamentos dos indios. ,
Pertencem aos Municipios:
a) os bens que por qualquer titulo adquirirem;
b) as minas existentes nos terrenos de sua propriedade;
458 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

as concessões de terras publicas feitas pelo poder


c)
competente;
d) as mattas, aguas e accessões dos terrenos de seu pa-
trimonio.
Bens particulares são os que pertencem:
a) ás pessoas na turaes ;
b) ás pessoas juridicas estrangeiras de direito publico;
c) ás pessoas juridicas, nacionaes ou estrangeiras de di-
reito privado".

Desenvolvendo esse quadro, dentro da esphera da União,


assim se manifesta C:WVIS BEVILAQUA, distribuindo os bens da
União segundo a sua natureza :
"São bens da União, pondo de lado as rendas que lhe attri-
bue a Constituição:
a) Patrimoniaes :
1) a zona que lhe reservou o artigo 3 da Constituição (3) ;
2) As ilhas que se formarem nos mares territoriaes ou
nos rios federaes (4); .
3) As estradas de ferro, telegraphos, fabricas, officinas·
e fazendas federaes;
4) Os terrenos devolutos, sitos no Districto Federal que
não sejam, por qualquer titulo juridico, do patrimonio do mes-
mo Districto;

(3) O artigo 3'6 da Constitui'ção de 1913'7 declara:


São do dominio federal:
a) Os bens que pertencerem á União, nos termos das leis actual-
mente em vigor.
(4) O artig'o 36 da Constituição de 1937 ainda determma:
São do dominio da União:
a) As ilhas fluviaes e lacustres nas zonas fronteiriças.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 459 1

5) Os terrenos de Marinha e accrescirlos;

6) Os bens que foram do dominio da Corôa;


7) Os bens perdidos pelo criminoso condemnado pela Jus..·
tiça Federal ou do Districto Federal;
8) Os bens do evento no Districto F~deral, os bens vagos
que apparecerem em territorio não incorporado aos Estados ou
ao Districto Federal, e os que provierem de associações civis
extinctas, quando não houver uma similar a quem passem os
bens, e a extin-cta houver funccionado em mais de um Estado;.
b) de uso especial:

1) os edifiCios publicos federaes, os terrenos applicadú&


ao serviço de repartições ou estabelreimeiltos federaes;
2) As fortalezas, fortificações, construcções militares,.
navios de guerra e material da marinha;
3) A porção de territorio de que a União se apropriar-
para defem das fronteiras, fortificações e construcções mi-
litares;
c) De uso commum:

1) o mar territorial, golphos, bahias, enseadas e portos;-


2) as praias;
3) Os rios navegaveis (assim como os rios de que se fa-
zem os navegaveis, sendo caudaes e perennes) que banhem mais·
de um Estado ou se estendam a territorio estrangeiro.
4) Os rios, lagos e lagô'as que servem de limites entre a
Republica e as nações visinhas;
5) As estradas e caminhos publicos, não sendo vias fer-·
reas, que façam parte da viação federal".
Essa discriminação, que tem caracter exemplificativo, re-
presenta um quadro dentro do qual pO'de-se desenvolver o estudo:
dos bens que, a àifferentes titulos, acham-se comprehendidos no-
460 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

dominio da União. Mas evidentemente não. abrange todos


os bens do dominio publico, pois que esse dominio distribue-se
pelas diversas entidades de direito publico que entre si dividem
as actividades politicas do paiz: União, Estados e Municipios.
Assim é que CARLOS DE CARVALHO (5), usando de outro
criterio mais amplo, pondo de lado a distribuição do dominio
pelos seus diversosproprietarios, discrimina os bens pela sua
natureza. O desenvolvimento que dá á alludida discriminação
dispensa-nos de transcrevel-a, reportando-nos á sua conhecida
e bastante divulgada Consolidação.
Veremos em seguida como o EstaJdo exerce o dominio sobre
as diversas naturezas de seus bens e qual o regimen juridico
que com relação a cada um delles vigora.

Do inVJenlÍlado dos bens da União

Velha preoccupação, ainda muito longe de ser uma reali-


dade, tem sildoa da organisação do cadastro dos bens que
constituem o patrimonio nacional.
As instrucções de 15 de Julho de 189,6, expedidas pelo
Governo, com {) intuito de proceder-se ao arrolamento, demar-
cações e discriminação dos proprios nacionaes, não obtiveram
o necessario exito.
Mais tarde,pelo rdecreto n. 2.083, de 30 de Julho de 1909,
foi creada a Directoria do Patrimonio Nacional, cuja finali-
dade consistia, não só na administração dos bens nacionaes~
como ainda na organisação do seu cadastro.
O inventario dos bens publicos deve-se ir processando na-
tural e progressivamente, mas nada se conseguirá sem uma
conjugação de esforços de todas as repartições civis e milita-
res, que teem sob sua acção proprio':: nacionaes, como ainda o
uso dos modernos processos de levantamento e a rigorosa ins-
cripção dos titulos de dominio, condição indispensavel para a
sua valida:de juridica.

(5) Nova Consolidação das leis civ'is, arts. 195 e seguintes.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 461

Sob o ponto de vista da contabilidade publica, devem ser


igualmente destacados, para effeito de inventario, aquelles bem,>
que produzem renda, afim de, por esse meio se verificar a
necessidade ou utilidade do seu aproveitamento para o Esta-
do (6).
O decreto n. 22.250, de 23 de Dezembro de 19'32, que
transformou a antiga Directoria do Patrimonio Nacional em
Directoria do Dominio da União, fez nova discriminação doe:;
bens da União, sujeitos á administração rdaquella Directoria,
que passou a exercer contrôle mais directo, discriminação feita
sem nenhum criterio legal, e que por isso nos dispensamos
de referir mais detalhadamente (7).

(6) o Ministerio da Guerra tem organisado um serviço especial de


tombamento, de accordo com as instrucções da Po.rtaria de 15 de Agosto
de 1928.
. (7) 'Bara effeHo do inventario, estabeleceu a C<>ntadoria Seccional as
seguintes bases, constantes de sua circula'r n.O 22 de 31 de Julho de 1923:
- ~
"Art. 1. 0 Os bens da Uniã'o dividem-se, }Iara. os fins do inventario e
seu regis'tro, em:
a)bens immoveis;
!b)bens de natureza industrial;
c) bens de defesa nacional;
d) bens scientificos e artisticos;
e) bens de natureza agricola;
f) bens semoventes;
g) bens moveIs.
Art. 2.· São bens immoveis os predios e terrenos de uso civil, taes
como:
Palacio Presidencial;
ISenado Federal;
Camara dos Deputados;
Secretarias de Estado (exreptuadas as militares que têm as suas sé-
d·es nos quarteis generaes);
,supremo Tribunal;
Juiws seccionaes;
Côr·te de ArppelIaoção;
Forum;
'Pretorias ;
Policia do Districto Federal;
Casa de Detenção;
Casa de Correcção;
iHospitaes Civis;
Departamento N acionaI de Saude PuMica e suas dependencias, quer
na Clapital, quer nos Estados;
-462 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Instituto BenJamin Constant;


Corpo de Bombeiras;
Instituto Nacional dos Surdos, Mudos;
Administração e Justiça do TerritOil'io do Acre;
Instituto M.edico-Leg-al;
Escola Premuni-íoria 15 de Novembro;
Gabinete de Identificação e Estatistica;
,'Embaixadas e Legações;
'Consulados;
Repartição de Aguas e Obras Publicas;
Thesouro Nacional;
-Caixa d,e Amortisação;
Directoria ,d'e Estatistica Cammercial;
Inspectoria de Seguros;
Delegacias F1iscaes;
Alfandegas;
Agencias aduaneiras, mesas d-e rendas, pastos e registros fi:scaes e
todos DS mais que Ee encontrem nos serviços estaduaes, munici-paes e ar-
rendados ou alugados a terceiros.
Art. 3. Cons1deram-se bens de natureza industrial os edificios em
0

-que funcdonam os estabelecimentos civis d'e producção para o Estado,


_as machinas, machiniosmos, ferramentas, materi-a.es de transformação e
.outros accessorios, necessarios ás diversas industrias; nelles esttão com-
prehendidos :
E'scolasd,e Aprendizes Artifices;
Correios;
Telegraphos;
Elstraodas de ferro federaes;
Portos;
Inspect'ori-a Federal das Estradas-;
Casa da Moeda;
Imprensa Nacional;
Art. 4.° Comprehendem~se como bens de defesa naci<mal:
Quaa:.teis;
Hospitaes milHares;
Arsenaes;
Navios de guerra;
lDiques;
Deposi tos de matel'ial belHco;
Fahricas ,de polvora e artefactos de guerra ;
'Campos de aviação e de exerdcios;
Fazendas de crililç:ão de utHidade milita.r;
Capitanias dos portos;
Esc<>las ,e coUegios miUtares;
,PoLicia ~ilitar do Districto Federal e todo o material preciso á sua
<organisaçã,o.
Art . .'5.0 'Constituem bens scientificos e artisticos:

Archivo Nacional;
,Bibliotheca Nacional;
Instituto Oswaldo Cruz;
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 463

Museus;
Jardim Botanico;
Observa to rios ;
IDscoIas de Minas;
Instituto de Chimica;
Escola Normal Wenoesláo Braz;
Instituto Biol'ogico de Defesa Ag.ricola;
Laboratorios e outros que se enquadrem neste titulo, incluindo-se
todo o material que lhes diz respeito para seu justo funccionamento.
Art. 6.· Ficam -entendidos como bens de natureza agricola;
Erscolasagronomicas;
Escola Sericicolill de Barbacena;
Fazendas N acionaes;
Nucleos coloniaes;
ICampO de experimentaçã-o e tudo mais que se relaciona com a cu 1-
'ÍUJI'a e a criação, comprehend~damente appar-elhos ,ferramentas, e o ne-
cessario aos trabalhos que lhe são peculiares.
Art. 7." Incluem-se como bens semoventes os animaes que se des-
tinem á tracçã-o de vehiculos ao servi,ço administrativo, desde que esse
.serviço não se enquadre nos de caracter industrial, agricola ou de defeflél
naoional.
Art. 8.° ·Pert,encem a-os bens moveis:
Os moveis destinados aos serviços de qualqu.er adIllJinistração publi-
'ca quer sejam de na.tureza civil, industrial, de defesa nacional, scienti-
-fica, adistica e agricola, desde que a sua applicação não seja technica
-du especial, porem commUm, e, como tal, se consideram as mobilias, coL-
lecções de leis, decretos e regulamentos, machinas de calcular e de escre-
ver, mimeographos e prensas para copiador" .

/ .
üAPITULO IH

DOS BENS nE USO COMMUM

Uso commum - Natureza - Diversas theorias - Uso p:r-J-


vativo da cousa publica.

A primeira categoria de bens que vamos examinar com-


prehende aqueIles destinados ao uso commum, isto é, os que
pertencem a uma das entidades de direito publico, a União, o!'r
Estados ou os Municipios.
Já vimos, no capitulo anterior, as discriminações geral-
mente admittidas desses bens. Vamos agora examinar alguns.
aspectos particulares, estudando o regimen jurildico dos prin-
. cipaes bens do dominio publico.
Vamos, porém, antes de tudo, bem caracterisar a natu-
reza do uso commum e quaes as diversas theorias sobre tão.
relevante assumpto.

DO USO COMMUM

Qual será a natureza do uso pelo publico dos bens desti-


nados ao uso oommum?
Segundo GUICCIARDI, em obra recente e de· muito valor
(1), quatro são as theorias que se desenvolvem em torno do a8-
sumpto, a saber: .

(1) Il Demanio, pg. 285.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 465,

o) os que o consideram comOo o exercicio de um direito


real sobre oos alludidos bens;
b) os que o consideram comOo a cOoncessãOo. de um direito
oou "interesse civicOo" por parte do Estado;
c) os que o justificam como manifestação, Ida liberdade
natural do homem;
d) finalmente, os que o consideram como decorrente de
uma vantagem proveniente da destinação ao uso commum.
I - E' a velha theoria das Pandectas Germanicas, com
REGELSBEGER (2) e BEKKER (3), hoje retomada por MEUCCI,
na Italia (4), que considera copropriedade !dos individuos, ver-
dadeira sociedade. Observa SCIALOJA (5) que essa doutrina
representa o exaggero do conceito positivo das "res commu-
nis omnium", e basea-se sobre uma falsa concepção do condo-
minio, porque neste a cOousa não é commum, mas apenas o di-
reito 'de propriedade sobre a cousa. Sobre 'a cousa commum,
pode haver uma coparticipação no seu uso e gozo, mas sem o.
caracter de propriedade. O conceito da co usa commum é mais
uma questão de bom senso e as fontes romanas são claras a
esse respeito: a cousa commum é uma cousa objecto de gozo,
garantido pelo direito, que não se obtem mediante uma relação
juridica de ordem patrimonial,' mas de ordem diversa.
O exame parti'Cular das co usas de uso cOommum poderá
esclarecer melhor a these.
OTTO MA YER igualmente mostra como se teria de ad-
mittir a theoria da servidão, dando-Ihe o caracter pessoal e
assim mesmOo sem sujeito, sem pessôa determinaJda a quem at-
tribuir o dominio directo.

(2) Pa:ndekten, I, pg. 422.


(3) . System des heutigen Pandektenrechts, I, pg. 382, que observa
ser direitorea:t especial, porque não pode ser adquirido nem perdido pelo
Indivliduo. Ver OTTO M.AYER, Droit adm. allem. UI, pg. 190, nota 11.
(4) 1st., pg. 400.
(5) Diritti Reali, pg. 296.

- ao
466 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

A these da associação talvez se justificasse


antigo di-
110
reito, como uma applicação das prerogativas da cidadania, como
regalia inherente aos membros da communidade (6), mas, como
demonstra OTTO MAYER, nada justifica mais essa doutrina, por-
que os interesses publicos não se organisam mais sob a base
da associação. O uso commum, entende-se: Q de todos os
homens.
JF'"::. .
n- A segunda theoria é aquella que attribue á genera-
lidade dos indivilduos o direito de utilisar-se de certos bens
publicas necessarios á sua vida. Constitue esse uso exigencia
,da pl'o,pria actividade dos cidadãos e por isso mesmo não ad-
mitte privilegios. Deve, assim, o Estado tolerar a sua utili-
sação por todos.
E' a theoria sustentada especialmente por Uoo FoRTI (7)
e RANELETTI (8) na Italia (9).
In - A terceira éa dos que assentam a legitimidade do
uso commum de certos bens publicos na liberdade natural d(;
homem, como exercicio desta liberdade.
E' a preferida dos autores francezes, bem como Ide alguns
allemães e italianos.
Segundo WALINE (10), o direito de trafegar nas ruas pu-
blicas, navegar nos rios navegaveis, e o accesso em certos edi-
ficios é o exercicio de uma liberdade publica - de ir e vir -.
E' assim liv:re a utilisação do dominio publico e egual para
todos, mas não exclue necessariamente limitações implicitas
em toda idéa de liberdade.
Os regulamentos administrativos podem impôr o paga-
mento de taxas, a localisação de estacionamento na via publica,
etc., o que não exclue, segundo esses autores, a existencia de
um direito subjectivo por parte da generalidade dos indivi-
duos (11).

DERNBURG, Pandectas.
(6)
Diritto Almministrativo, l, pg. 162.
(7)
(8) Principii di Diritti Ammin., l, pg. 465.
(9) Ver GUICCIARDI, Il Demanio, pg. 27,()I.
(10) Traité elementaire de Droit administratij, pg. 54!.
(11) Apezar de sustentada a these d,e que se trata de um direito
subjectivo, entre 'outros por MEUCCI, é a mesma fo'rtemente cont,estada
INSTITUIÇÕES DE DIEEIro ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 46,7

OTTO M.AYER (12) salienta, com muito pittoresco, as mul-


tiplas utilisações da via publica pelo povo.
SANTI ROMANO (13), embora não reconheça o direito de
gozo da cousa destinada ao uso commum como direito subje-
ctivo, considera-o, entretanto como uma decorrencia. da liber-
dade ,pessoal. Qualquer acto de autoridade que viole o direito
do individuo offende á liberdade individual, entendilda como
direito subjectivo e não de cidadania. Admitte, no emtanto, o
mesmo autor, as mesmas restricções de capacidade impostas
pela lei ao exercicio da generalidade dos direitos sujeitos á re-
gulamentação.
IV - A ultima theoria, finalmente, é aquella que consi-
dera o uso pelo povo Ida cousa publica mera consequencia de
facto, do p'!"oprio destino que lhe foi attribuido pela lei, de-
pendendo, assim, o exercicio desse direito da circumstancia de
ter sido a causa destinada pela lei ao uso commum.
. ---
.'
Estão impUcitas nesta concessão legal as restricções que a
propria lei pode impôr aos individuos.
F. FLEINER (14), especialmente, desenvolve a these da des-
tinação dada ·pela lei ás .cousas do dominio publico, com as res-
-tricções que a propria lei attribue.
E' a theoria que prevalece entre nós, como se vê em CAR-
:DOS DE CARVALHO (15) :

"O uso commum pode ser gratuito ou oneroso.


As leis administrativas determinam as modalidades
desse uso".

'Por JELLlNEK (Systema di Diritto Pubblieo sub;., pg. 65) que attribue ao
direito de gozo d'a cousa publica mera situação juridica decorrente do
·direito objectivo.
(12) Droit administratif allemand, voI. UI, pg. 201.
(13) La Teoria dei diritti pubblici subbietivvi, in Primo Trattato de
·Orlando, voI. I, pg. 188.
(14) Droit administratif allemand, pg. 229.
(15) Nova Consolidação das leis civis, art. 197.
468 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

E, com mais precisão, o nosso Codigo Civil, art. 68:

"O uso commum dos bens publicos pode ser


gratuito ou retribuído, conforme as leis da União,
dos Estados, ou dos Municipios, a cuja administra-
ção pertencerem".

Como veremos, em seguida, esta these está sujeita a mo-


dalidades que variam de accordo com a natureza dos bens.
Assim, por exemplo, si é incontestavel a faculdade da nave-
gação pelo publico dos rios publicos, porque esse direito decorre
da propria natureza da cousa, o mesmo não se poderá dizer
de cei'tos logradouros que precisam de acto especial, declarato-
rio, do p9der competente, affirmango esse direito, reconhecendo·
o caracter de log!'adouro,a este ou 3iquelle bem publico.
Assim, podemos incluir, com restricções, nesta categoria,
a doutrina consagrada pelo nosso direito positivo e pelos nossos
civilistas.

U80 privativo da cousa publica

o destino dado pelo Estado ás cousas publicas, que por to-


dos podem ser utilizadas, não exclue, entretanto, a concessão-
especial e ·privativa, para determinado individuo.
Como nota FLEINER, entra nesta categoria a utilização-
para fim individual, 'abstrahida qualquer idéa permittindo que
se confunlda com a utilização para uso geral.
As modalidades são muito numerosas; poderíamos, por-
exemplo, mencionar:
a) o estacionamento de vehiculos na via publica, facul-·
dade esta que se pode revestir de maior ou menos amplitude,.
conforme já vimos no capitulo sobre policia de vehiculos, nada.
tendo de commum com a utilização da cousa publica para fim
geral (16).

(16) Ma.nuel elementaire de Droit administratif, pg. 445.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 469

b) os direitos decorrentes do regimen da pesca, que pre-


suppõe a utilização da cousa commum para fim individual;

c) finalmente, com maior amplitude, as concessões da


via .publica para collocação de trilhos, cabos, destinados a at-
tender aos serviços de utilidade publica, como bondes, telegra-
pho, etc.
O destino dos bens publicos de uso commum soffrem, as-
sim, limitações impostas pela lei e que correspondem á propria
natureza da cousa e da utilização normal a que se destinam.
Assim, ·pode se eXplicar a disposição comprehendida no artigo
19'7 da Consolidação de CARLOS DE CARVALHO, a que acima já
nos referimos, e que. subordina o uso da cousa commum ás dis-
posições das leis administrativas que determinam as modali-
dades desse uso.
Nada impede, por exemplo, que o Estado. dê concessões ou
simples permissão a uma empreza de navegação para collocar
fluctuadores ou construir caes de desembarque sobre as mar-
gens dos rios navegaveis, como um presupposto do exercicio
da concessão para a exploração da navegação interior desse rio.
Essas limitações não tiram ao rio publico o caracter de
uso commum, mas apenas regulamentam o uso e a utilização
desse rio para fins indivilduaes ou conectivos.
Costumam, por isso mesmo, os autores distinguir o uso
commum em ordinario geral, ordinario especial, e excepcio-
nal (17).
O primeiro, que todos podem gosar; o segundo, aquelle
que decorre de uma situação de facto, como o confrontante; o
ultimo, finalmente, que se apresenta como privilegio, por exem-
plo, o concessionario.
Poder-se-ia, dentro desse criterio, considerar como uso
geral aquelle de qualquer individuo sobre a via publica, em-
quanto que o uso especial aquelle exercido pelo morador so-
bre a via publica que lhe fica fronteira. Decorre esse uso da

.(17) VITTA, Diritto ammmistrativo, voI. I, pg. 190.


470 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

situação peculiar, excepcional, em que se encontra com relação a


via publica (18).
Este ultimo exerce certos direitos decorrentes de sua po-
sição e que podem ser provenientes da contribuição que paga
para manter o calçamento e a via publica (limpeza, segu-
rança etc.).
Com relação ao estacionamento Ide vehiculos, pode-se men-
cionar, por exemplo, a licença especial concedida a certos esta-
belecimentos commerciaes para estacionamento e4Xclusivo de
vehiculos destinados a carga deante dos mesmos estabeleci-
mentos•.
Seria difficil systeniatizar principios e regras sobre as
numerosas modalidades de utilização dos 'bens do dominio pu-
blico, especialmente os chamados logradourospublicos; ficam,
porém, aqui, mencionados alguns exemplos que podem orientar
o estudo da materia, comprehendida mais especialmente na
esphera \ào direito municipal.

(18) SANTO RoMANO, Corso, pg. 198.


CAPITULO IV

MAlHES, AGUAS TERRlTORIAJES

Ma'res - Aguas TerritorIa,es - DominiQ Maritimo - Gol-


fos e B~hia:s - Lagos e Lagôas - Aguas p;ublicas -
Rios nacionaes - Rios Publicos - Rios da União, dos
Estados e dos Municipios - P:mpriedade das Aguas Pu-
blicas.

Entre os bens do dominio publico, encontra-se o mar ter..,


ritorial, sujeito á disposição das leis brasileiras e tratados in-
ternacionaes, mas incluido entre os bens do dominio da União,
porque dentro de seus limites têm vigor as leis brasHeiras.
(Art. 1. 0 do Codigo Civil).
Faz parte, assim, Ido dominio maritimo da União.
A natureza desse direito não pode ser, no entretanto, equi-
parado ao dominium, no sentido da exclusão do uso da pro-
priedade por qualquer outro. O Estado exerce um verdredeiro
jus imperium, mas não pode, por exemplo, impedir a nave-
gação dos navios de outras na'cionalidades. Pode, entretanto,
impedir a pesca e reservar a cabotagem para os seus nacionaes.
Este é, porém, um direito inherente á navegação e ao
commercio e não ao uso Idas aguas territoriaes (1).

(1) Ver DESPAGNET, DT. Int. Public, pg. 444; ver Dec. 6272, de
2 de Agosto de 187;6, com relação ao dominio aduaneiro que varia de 3.
a 12 milhas, e os decs. 6972, de 17 de Julho de 1912 e 16.197, de 21 de
Outubro de 1923·, relativamente á pesca.
472 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALC2\NTI

Neste sentido, encontra-se, entre outras, a dedsão do Ins-


tituto de Direito Internacional de Paris, 1894.
Questão interessante, tambem, é aquella relativa á juris-
dicção dos tribunaes sobre os factos occorridos dentro do mar
territorial. Em um caso famoso, os Tribunaes. inglezes tive-
ram de tomar conhecimento de um processo movido contra
Reyn, capitão de um vapor allemão "Franconia", por ter este
abalroado o vapor inglez "Sltrathclyde" nas proximidades de
Dover, dentro das aguas territoriaes britannicas. Discutio-se,
então, si o principio, a norma de Direito Internacional que
fixava o limite do mar territorial, podia se cop.siderar norma
de Direito Interno, unica que poderia ser applicada pelo Tri-
bunal inglez. E a Courtof Crown Cases Reserved, acompa-
nhando o voto de Lord Alessandro Cocklum, decidi o pela ne-
gativa, absolven1do, assim, o accusado.
A importancia do assumpto é enorme, e o caso citado pro-
vocou a elaboração do "Territoril1A~water jurisdiction fLct" de
1878, que supprio a lacuna do direito inglez.
Não cabe aqui maior desenvolvimento do as sumpto , que
constitue, no entretanto, um dos pontos culminantes do Direito
Internacional (2).
Mas si existe mais ou menos conciliação em torno da na-
tureza 'do mar territorial, o mesmo não se poderia dizer de sua
extensão e de seus limites.
As doutrinas a esse respeito são muito diversas: sessenta
milhas como queriam alguns autores do seculo XIV (3); a dis-
tancia correspondente a dous dias de viagem, como pretendia
Locenio; o horizonte visual de Raguenau.
BYNKERSCHOEK propôz, com acceitação de muitos autores,
GOOTIUS, VATTEL, BLUNTSCHLI, HAUTEFEUILLE, ORTOLAN, PRA-
DIER ~ODERÉ, propôz que fosse dado como limite o alcance dos
canhões. Seria essa a medida do poderio do Estado, até onde
seria possivel tornar effectiva a sua soberania.

(2) Vier E. TRIEPEL, Diritto Inte1"YUlzionale e Diritto Interno, p'gs.


151 e 272.
(3) BONFILS, Droit Int. Public, n. O 491.
- ..
INSTITUIÇOES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 473

E' preciso, porem, considerar arelatividatde desse concei-


tod, dada a variação cada vez maior do alcance dos canhões (4).
, Diversos tratados internacionaes e leis internas tentaram
precisar ora em 3, ora em 6 milhas, o limite do mar territo-
rial (5).
O Codigo de Direito Internacional elaboraJdo por EPITAClO
PESSÔA dispõe em seu art. 53:

"O mar territorial é constituido pelas aguas que


banham as costas dos Estados, até á distancia de seis
milhas maritimas contadas da linha da baixa
mar" (,6).

(4) O aviso de 4 de Maio de 1805, § 2.°; confirmado pela circular


n.O '92, do Mini,stro da Guerra fixava a distancia do tiro de canhão.
(15) Ver em BONFILS, DrQit Int. Public, pg. 491.
(6) ,Oodificação Americana do Direito Internacional, voI. IIl, pagI-
na 35, onde, em nota, publica 0tS seguintes dados, que transcrevemos p,ela
sua ,relevancia:
"Como é sabido, sáJo gu-andes as divergencias entre os escriptores a
respeito desta JIIIateria.
'TRAVERS 'TwISS, HiOLLAND, WHEATON, RoSSE, FlORE, etc., uns leva-
dos pela tradição, outros pelas estipU'~ações dos tratados, alguns ainda
por motivos de outra natureza, adoptam para o mar territorial' o limite
de tres milhas. WESTLAKE e CALVO pr'opõem cinco, limite que o Con-
gresso de Montevidéo, d,e 1889, preferiu e que já em 1864 era suggerido
á Legação bdtannlilca em( W,ashing,ton pelo M:irtistro norte-americano SE-
WARD. DEN B:EER PiORTUGAEL suggel'e cinco a seis. "M'ONTLUC seis, FIELD
tres leguas marinhas. QoDEY, como RAYNEVAL, opta pelo alcance medio
da vista, que o primeiro calcula em seis mi,lhas. LAPRADELLE é por um
limite variavel, segundo se trata de pesca, neutraHdade, policia aduanei-
ra ou policia sanitaria.
Quanto ás nações, salvo a Hespanha onde o mar territorial é de seis
mUhas, a Noruega onde é d.e quatl'o e uma ou outra mais, o accordo na
Europa tem-se feito em torno d'o limite de tres mi,Lhas, que é o seguido
na Inglaterra, sobretudo depois do tratado de 28 de Outubro de 1818,
oelebrado COJlIl Ü'S Eistad,os Unidos, o que aliás não impede que a Dina-
marca reclame para a I,sIandia um mar territor'la,l de dezoito mílllhas de
Jargo, o tratado anglo-chinez, de 1853, attribúa ás aguas territoriaes da
China uma largura de cem milhas, e a propria Inglaterra considere como
mar territorial a bahia de Funday com as suas sessenta e sete milhas
de lrurgura sobre cento e trinta ou cento e quarenta de fundo.
Entre nós, a medida geralmente adoptada é a ing}eza. Mas, como
observa CALV!O, quasi todos reconhecem hoje a insuff.iciencia d,esse limite,
que não está mais ,em relBição com o a.Lcance do canhão - o regulador
da extensão que sobre o ,mar deve ter o direito de' defesa do Elstado.
Por ou tI'O lado, entretanto, o principio de ,BYNKERSHOECK "ferre po-
testas finitur ubi finitur armorum vis não parece dever prevalecer com
todo o seu rigor depois que a peça de artilharia attingiu o extraordinario
474 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Dentro dos limites Ido mar territorial, dominio maritimo


do Estado, exerce a 'autoridade administrativa a sua jurisdic-
ção, ora sob o ponto de vista da fis<!alisação aduaneira (7),
ora no que diz com a pesca (8). policia e saude publica.

a.lcance dos canhões modernos. Aquelles que como HAUTEFEUILLE, F.


MARTENS, NÜGER, PEREIS, LAWRENCE, HEFFTER, GEssNÉR BLUNTSCHLI, etc.,
ainda hoje o defend'em, são logicos e tiram daquelle principio as suas
rigorosas e legitimas consequencias; mas esquecem que a qualidade de
ribeirinho impõe tamlbem pesados deveres que os pequenos Estados não
poderiam cumprir se o mar territorial devesse ter de largura o alcance
maximo dos canhões actuaes. Demais, como observa GoDEY, o navio de
guerra pode hoje ,regular o fogo de modo a nálo passar mais de tres ou'
quatro kHometros além do alvo .
E, por ultimo, são manifestos os inconvenientes, resultantes da falta
de fixidez dos limites do mar territol.'lial, obrigado a variar cada anno,
com os aperfeiçoamentos introduzidos na fabricação dos canhões.
Julgámos, por isto, a'certado ad'optar uma medida fixa e demos ás
aguas territoriaes a largura de seis mUhas que parece representar actu-
almenteo alcance media dos canhões e permitte aos Eostados ribeirinhos
acudir aos deveil"es que Ilhes incumbe. E' o limite que já em 1894, na
sessão de Parrs, consagrava o Instituto de Direito Internacional no seu
Regulamento sobre o mar territorial.
O territorial water jurisdiction ao! de 16 de Algosto de 1878 iI'eduz as
aguas territoriaes a uma milha para os effeit,os da jurisdioção penal.
Não v,emos, porém, motivo para esta restricção.
(7) O art. 298 da Nova Consolidação da Lei das Alfandegas, de-
teil"mina:
"A fi:scaHsação das Alfandegas ou M'esas de Rendas co-
meça desde a entrada do navi,o até a sua effectiva sahida dos
portos da R~ublica, e estende a sua aoção sohre os mares
territoriaes, enseadas bahia;s, portos, ancoradouros, praias, rios,
aguas interiores 'e fronteiras terrestres";
E o art. 315:

"A jurisdicção fiscal das Alfandegas e Mesas de Ren-


das é cumulativa nos mares territoriaes costas ou praias,
rios, lagôas e aguas interiores, e fronteiras terrestres da Re-
publica, pall'a a prev,enção, repressão dQ contrabando, e para
a execução dos Regulamentos fiscaes relativos ás embarcações,
vehiculos e pessôas que nelles forem encontradas infringin-
do suas disposições". (Reg. de 1860, art. 368).
,No dominio aduaneIro, o regulamento annexo aQ decreto 6272 de 2
de Agosto de 1860,estahelece os limites de tres a do?;e mUhas a contar
da costa, segundo se trata de embal'cações extrangei'l"as ou nacionaes.
Não nos parece, porém, em vigor tal disposi~ão, que não foi con-
solidada.
(8) Graves questões internacionaes já tem surgido a respeito da
liberdade de pesca nos IDllIres territoria,es, e me'smo fóra dos mares ter-
ritoriaes. N este ultimo caso temos as ques,tões entre a Inglaterra e os
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 47'5

Dentro .daquelles limites, teem vigor quer 'as leis civis (art. 1.0
do Codigo Civil), quer as leis penaes (art. 4 do Codigo Penal),

. --
quer as administrativas .
Quanto á pesca, desde muito que a nossa legislação esta-
belece restricções de grande importancia nas aguas territo-
riaes (9).
O Codigo de Caça e Pesca' (10) veio dar feição mais defi-
nitiva a essa legislação. '
Referindo-se á pesca maritima, em seu art. 3.°, declara
que a mesma comprehende:
lfl!!:.S
a) a pesca em alto mar;
b) a pesca costeira;
c) a pesca littoranea.
§ 1.0 - A pesca em alto mar é aquella que se exerce em
alto mar, além àas aguás territoriaes.
§ 2.° -
A pesca costeira éa exercida da costa até á dis-
tancia de 12 milhas a contar para f6ra.
§ 3.° A pesca littoranea é a exercida: nos portos, bahias, -
enseadas, lagôas, lagos e braços de mar, canaes e quaesquer
outras bacias de agua salgada ou salobra, ainda que s6 com-
muniquem com o mar pelo menos durante uma parte do anno.
O Codigo de Pesca estabelece as condições em que pode
ser exercido o direito de pescar, quaes as pessõas que o podem
fazer e as exigencias administrativas a ellas impostas. Dentro
dos limites fixados pelo referido Codigo exerce a autoridade
administrativa as suas attribuições.

Estados Unidos sobre a pesca de phoca no mar de Bhering, entre a Fran-


ça e a Inglaterra sobre a .pesca na bahia Terra Nova e a Ingbterra e os
Estados Unidos sobre a pesca no Atlantico Norte - Ver BONFILS, Dr.
lnt. Public, pg. 408; FEoozZI, Trattato di Diritto lnt. voI. I, pg. 395.
(9) Dec. 697.2, de 17 de Julho de 1912, art. 78. - Dec. 16.197, de
31 de Outubro de 1923, arts. 267 e seguintes. - Dec. 23..134, de 9 de
Setembro de 1933.
(10) Dec. 23.672, de 2 de Janeiro de 1934.
476 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

GOLFOS E BAHlAS

o Instituto de Direito Internacional estabelec~u o principio


de que o mar territorial segue as sinuosidades da costa, salvo
si se tratar de bahia, de embocadura relativamente pequena até
12 milhas entre as duas partes da costa.
EITACIO PESSÔA, no Co digo citado, consubstanciou o prin-
cipio do art. 54 e seu paragrapho unico (11). Depend~, en-
tretanto, a obrigatoriedade daquelles principios de tratados e
accordos internacionaes.
Na questão entre a Inglaterra e os Estados Unidos, no
caso dos Pescadores da Terra Nova, a Côrte Permanente de
Justiça Internacional' de Haya résolveu que, com relação ás
bahias, as tres milhas maritimas devem ser medidas por uma
linha recta tirada da parte em que a bahia perde a sua con-
figuração (12).
Não ha, porém, uniformidade nas decisões e opiniões dos
escriptores (13).
Finalm~mte, applicam-se ás bahias, golfos, etc., os mes-
mos principios de direito administrativo acima referidos, quer
no que toca á fiscalisação ,aduaneira, quer naquillo que se refere
ao regimen da pesca.

LAGOS E LAGôAS

De aecordo com as disposições dos arts. 36 e 37 da Cons-


tituição e dos arts. 2, letra b, § 2.°, e 11, n. 2 do rCodigo das
Aguas estão os lagos e lagôas navegaveis ou fluctuaveis sujei-
tos ao mesmo regimen que os rios, quer no que diz com o seu
dominio, quer com relação ao regimen de aguas.

(11) Art. 54 - Nos g()!lfos e bahias o mar territorial se mede de


uma linhF recta tirada entre os dous pontos extremos da parte mais es-
treita da entrada.
§ unico - ISi esta parte tiver mais de 12 miLhas de largura a me-
dição se fará na conformidade do artigo precedente, respeitados em to-
dos os casos os direitos actualimente reconhecidos.
(12) BONFILS, Droit Int. P.ublic, pg. 525.
(13) P'RÓSPERrO FEDüzzI, TrattrLto di Diritto Internazionale, V. I,
pg. ,3185.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 47([

A propriedade de suas margens e o regimen de navegação


ficam sujeitos ou ás leis nacionaes ou aos tratados interna-
cionaes, segundo se trata de uma lagôa que se ache toda no
territorio nacional ou sirva de limites com nação estrangei-
ra (14).

RIOS NACIONAES

A respeito do dominio dos rios, duas questões devem ser


suscitadas:
a) a qlãem pertencem os rios publicos que correm dentro
do territorio de um Estado;
b) a quem pertencem os rios que banham mais de um
Estado ou servem de limite entre dois ou mais Estados.
A primeira questão parece pacifica. Pertencem aos Esta-
dos, Municipios ou Territorios, dentro. dos quaes correm. E'
o que decorre do art. 21, II da Constituição de 19'34, art. 36 da
Consto de 1937, bem como dos principios geraes de direito (15).
A segunda questão é, no entretanto, mais complexa.
Já sob o regimen da Constituição de 1891, foi muito de-
batida, dividindo-se as opiniões por autoridades incontestaveis
como CARVALHO DE MENDONÇA, MENDES PIMENTEL, ALFREDO
VALLADÃ:O, RoDRIGO OCTAVIo.
Segundo entendemos, a Cons1Jituição de 1934 resolveu a
questão a contento. Uma ligeira disgressão sobre a materia a
esclarece~á.
No regimen anterior, isto é, da Constituição de 1891, CAR-
LOS DE CARVALHO, seguindo uma corrente doutrinaria, achava
que os rios que banham mais de um Estado pertenciam aos
Estados, porque o que a Constituição conferia á União era
apenas o direito de legislar sobre a navegação de taes rios.
Mas a Constituição em vigor põe termo a taes duvidas.
declarando expressamente que á União cabe o rdominio sobre
os rios que banham mais de um Estado.

(14) Ver AURELINiQ LEAL, Comm. á Const., pg. 586.


(15) Ver Codigo de Aguas, art. 29 e seguintes.
478 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
.--------------------------------------------------
Fica, assim; prejudicado, o unico argumento dos que attri-
buiam o dominio dos rios navegaveis aos Estados, fundados
em um dispositivo constitucional rde interpretação duvidosa
(16). Já agora, porém, temos lei expressa.
Aliás, mesmo sob o regimen de Constituição de 1891,
MENDES PIMENTEL sustentara o dominio da União sobre aquel-
les rios. Diz o sabio jurisconsulto:
"Existem rios:
a) nacionaes, ou do dominio da União e são aquelles que
banham mais de um Estado ou os que se estendem a territorios
estrangeiros. Esses são do dominio da União.
1.o Porque eram desse dominio no 'antigo regimen e ne-
nhuma lei posterior os transferi o aos Estados, ao contrario do
que se deu' com as minas e terras devolutas situadas nos res-
pectivos territorios, bem como os proprios nacionaes nelles
existentes e que não forem necessarios para serviços da União
(Constituição Federal, art. 64, § unico) e incluso unius ex-
clusio alterius.

(16) Era aopmla-o de A. VALLADÃO no projecto do Codigo de


Aguas. Fundava-se essa corrente na interpretação dada pela JUlris·pru-
dencia AmerIcana sobre o direito de ,legislar, bem como na Argentina.
AOOSTIN DE VIEDIA .em um livro famoso (MARTIN GARCIA' Y la juris-
diccion deZ Plata, pg. 359) diz o seguinte:
"~itre sotenia Ia doctrina de los norte americanos que
consag1Tó tambien Ia Suprema Corte Argentina; Ia plenitud
de Ia soberania ó deI dominio territorial', comprendidos Ios
rios, corresponde á los E,stados o Provincias, lo que no aler-
ta a los derechos de Ia soberania nacional, para legislar so-
bre Ias aguas".
AIs Côrtes Armericanas tambem levaram ao extremo as consequenci'as
do principio rirmado pela Constituiçã'o de que corntpete á União o direito
de regular o commercio e ·a navoega.ção - ver 'o caso Gibbons v. Ogden,
que é um leading vase na Jurisprudencia amer.ilcana - BoMMEROYS ' -
Consto Law, pg. 278 e s.egs.
Foi baseado nessa decisão que foi el-aborado '0 Interestate Commerce
Act (ver WILLOUGHBY, The Supreme Conrt of the United States, pg. 61).
A questão do domini,o não foi no entretanto examinada pela Supre-
ma CÔl'lte que limitou neste cama ,am outros casos o seu exame á com-
petencia legislativa dos poderes federaes. (Ver GadweIl v. American
River Bridges, apud WILLOUGHBY, The American Consto System. pg. 138').
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 479

2.°. Porque só á União é que compete legislar sobre a


navegação dos mesmos rios (Constituição Federal, art. 34,
n. 6) competencia esta que sómente pode derivar do dominio
sobre eBes".
. Estes eram os argumentos favoraveis á competencia fe-
deral sob o regimen da primeira ,Constituição republicana, aos
quaes agora se pode ajuntar o da dete!"lllinação constitucional
expressa (17).
Do lado contrario argumentavam CARVALHO DE MEN-
DONÇA e ALFREDO VALLADÃo. O primeiro chegava á conclusão
favoravel ao dominio dos Estados:
1) porque o dominio publico dos rios de uso commum
pertence principalmente aos Estados;
2) porque á U~ião cabe ô dominio dos rios que limitam
qualquer ponto do territorio nacional com uma nação estran-
geira;
3) Porque pertencem aos Municipios os rios que dentro
do territorio delles tiverem as suas nascentes e sua foz.
A these, hoje em dia, não tem mais o mesmo interesse
pelas soluções dadas na' legislação posterior a 1930, especial-'
mente pelo texto Constitucional.

(17) ;Da m~sma opinião de MENDES PIMENTEL são, entre outros,


CLoVIS B!EVILACQuA, Cod. Civil comment., art,s. 65 a 68, Theoria geral do
Direito Civil, pg. 257, nota 15; ARARIPE JUNIOR, Pareceres, voI. IH; pa-
gina 73.
O regulamento baixado pelo decreto estadual de Min.a.s Geraes nume-
ro 3735 de 2'6 de Outubro de 1912, já declarava em seu art. 42:
"Os ,rios existentes no territorio do Estado ou são federaes ou es-
taduaes ou munioipaes:
a) f'ederaes são. os rios que banham o terrioorio de mais de um
Elstado como tambem 'Os que se estendem a territorios extrangeiros;
b) estaduaes ou outros dos do dominio publtic,o que não pertençam
á UlIlião ('Const. FOO. art. 65, n.· 2 combinado com o art. 34, n.O 6)
e nem aos Munidpios;
c) municipaes os que se .acham ciTcumscriptos ao ambito territo-
rial do Municipio, neHe tendo nascente e foz, e que por lei estadual fo-
rem subordinados áadmi,nltstração munici'pal. (Const. Mineira liIrt. 30,
numero 11)".
VeTo R. OCTAVIO, op. cit., pg. 46.
480 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Com relação aos rios que banham mais de um Estado ou


que lhes sirvam de limites não procedem, a nosso ver, egual-
mente as divergencias suscitadas porque, entre os rios que
banham mais de um Estado encontram-se os que limitam os
Estados, devendo-se por isso applica!" a estes os mesmos prin-
cipios.
E' bem verdade que o decreto do Governo Provisorio nu-
mero 21.235, de 2 de Abril de 1932, referindo-se aos rios di-
visorios, determinava:

-"Art. 4.° - Quando os rios forem divisorios


de Estado, o dominio de cada margem com os seus
accrescídos caberá ao Estado em que eIla se encon-
trar".

Não estará, porem, esse !dispositivo revogado pela Cons-


tituição? Parece-nos que sim.
O Ante-Projecto do Itamaraty (18) attribuia o dominio
sobre as margens de todos os rios navegaveis aos Estados.
resalvado apenas á União o direito sobre as aguas e o de le-
g.islar sobre taes rios, não fazendo distincção entre rios que
. banham um ou mais Estados.
A Constituição de 1934 modificouaquelle dispositivo, con-
sagrando o principio ora vigente, entre nós, conservado como
f Di, no texto da nova Constituição de 193,7.
O Codigo de Aguas (art. 31) attribue o dominio geral das
margens aos Estados, salvo quando, por qualquer titulo, per-
tencem á União.
E neste meio encontram-se rios e aguas que banhem mais
de um Estado ou sirvam de limites entre elles (art. 29).
Está assim de accordo com o dispositivo Constitucional
que sempre' deve prevalecer.
Quantos aos rios que servem de Zirrvite com. 'f/JU)ão oof/raln-
geira, 'Constitue materia pacif.ica, quer na doutrina, -quer pe-
rante a nossa legislação.

(18) Art. 19.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 481

08 rios successivos pertencem á Nação em cujo territorio


passam e os contiguos se !dividem pelo thalweg. .

DOS RIOS PUBLICOS

o criterio da definição do rio publico está fixado na le-


gislação em vigor, dentro do nosso principio tradicional.
A navegabilidade (19), a fluctuabilidade e a sua perenni-
dade constituem criterio !distinctivo dos rios publicos. Dessas
condições decorre naturalmente a sua utilisação para o uso
publico.
A condição de fluctuabilidade, prescripta pelo Codigo de
Aguas, constitue um avanço já bem consideravel no conceito
do rio publico, ampliando o rdominio do Estado sobre os ri0.5.
E' bem verdade que paizes como por exemplo a Espanha,
como observa ALFREDO V ALLADÃO (20), não acceitam o criterio
da navegabilidade, seguindo a tradição romana, preponderante
nos paizes hispano-americanos, da ampla consideração do domi-
nio publico (21).
Não é corrente, porém, essa tendencia.
Na Allemanha, por exemplo, a perennidade constitue, se-
gundo FRITZ FLEINER (22), condição essencial, para caracte-
risar a natureza do rio mas a maioria das legislações exigem
a navegabilidade por navios ou jangadas (Baviera, Ba'<ien, etc.).
Naquelle paiz, a lei Prussiana de '1913 distingue as cor-
rentes de primeira, segunda e terceira classes, e gradúa a pos-
sibilidade de sua utilisação segundo as classes.

(19) Ord. L. II, titulo XXVI, § 8, Codigo Philippino, por CANDI-


00 MENDES, pg. 44, nota 3.
(20) Par.ecer sobre o Codigo de Aguas, Sub-Commissão Legislati-
va, pg. 57.
1(21) Ver R. BIELSA, Derecho Adm. voI. II, pg. 192, art·. 40'1, do
Qod. Civil Hespanhol:
"Son ,de domínio publioo:
1.0 - L{),s ri{)s y sus cauces naturales;
2. o - Las aguas continuas o discontinuas de manantiales y arroyo5'
que COl'ran pOT sus cauoos naturales, y estos .miSJllos cauces;
......... ........... .
,

Ley de Aguas, de 13 Ju,nio 1879.


(22) Droit adm. allem., pg. 227.

- 31.
482 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Attribue ao Estado (para as corrent~s Ide primeira classe)


ou aos ribeirinhos (para as correntes de 2.a classe) a proprie-
dade de direito privado não só sobre o leito como ainda sobre
a agua (23).
O art. 97 da Constituição de Weimar attribue no entre-
tanto() o dominio e a administração dos cursos de agua de in-
teresse publico ao Imperio.
Na França, soffreu o reg.imen das aguas grandes modi.
ficações.
O principio tradicional alli vigente era de que o dominio
publico fluvial comprehendia os rios navegaveis ou fluctuaveis
e os canaes (24).
As velhas ordenanças francezas (25) f,ixaram o criterio
da navegabilidaJde:

"Ce caractere de navigabilité, qui sert de crite-


rium pour classer les cours d'eaux, diz Berthelemy,
dans le domaine public, n'est d'ailleurs qu'un fait.
c'est l'aptitude materielle à porter bateau, que cette
aptitude soit naturelle ou artificiellement obtenue.
On y assimile l'aptitude à porter des taux Ide bois
ou., radeaux; c'est pour cela qu'on dit "navigables
ou flottables".

o art. 128 da Lei de Finanças de 5 de Abril de 1910


'Classificou os rios do dominio publico:
1.0 - Aquelles enumerados no quaáro annexo á oI'ldenança
de 10 de Agosto de 1935;
2. 0 - Aquelles que, embora não contando desse quadro,
I

hmha sido no entretanto declarada a sua navegabilidade pml.-

(2Z,)'FRITZ FLEINER,Op. cit., pg. 227, nota lL


(24) 'BERTHELEMY,'Dr. Adm. pg. 494.
(25) :De Algos~o de 1600 - Abril 1683 - Lei de 22 de Novembro e
·de Dezembro de 179<0 - Codigo Civil, art. 438 - Lei de 8 de Abril
de 1898.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 483

teriormente, ou nelles tenham sidú realisadas ob!'as de utilida-


de publica.
O decreto de 28 de Dezembro de 1926 veio, no entretanto,
modificar fundamentalmente a legislação anterior no que diz
'com a divisão dos rios dentro do criterio de sua navegabili-
fdaJde (26).
Em virtude desse decreto existem hoje em França tres
.categorias de cursos dagua:
a) os navegaveis e fluctuaveis, fazendo parte do dominio
:publico;
b) alguns cursos de agua que, embora não sendo consi-
·derados navegaveis e fluctuaveis, fazem parte do dominio pu-
blico;
c) os demais, cujos leitos pertencem aos ribeirinhos.
Como se vê a tendencia está na ampliação do dominio
:publico, seguindo o regimen em vigor nas colonias, abando-
nandO-se igualmente o criterio da navegabilidade.

PROPRIEDAIDE DAS AGUAS PUBLIOAS

Fixado o conceito do rio publico, cabe agora examinar a


'quem os mesmos pertencem.
Segundo a Constituição vigente, pertencem á União as
:aguas publicas de uso commum:
a) quando situadas no territorio do Acre ou qualquer
<outro territorio que a União venha a adquirir, emquanto o
"mesmo não se constituir em Estado ou fôr incorporado a outro
"Estado (art. 29, letra b do CodigQ de Aguas) (art 36, da
Constituição) ;
b) quando servem de limites da Repubíica com as na-
'ções visinhas ou se extelldem a territorio extrangeiro (art.

(26) RoLLAND, D1·. Adm., pg. 317.


484 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

29, l, c do Codigo de Aguas) ou banhem mais de um Estado.


(art. 36 da Constituição de 1937).
Pertencem aos Estados:
a) os lagos e qu~esquer correntes em terrenos 'do seu:
dominio;
b) as margens dos rios navegaveis destinadas ao uso pu-
blico, si por algum titulo não forem do dominio federal, muni--
cipal ou particular.
A legislação italiana ampliou extraordinariamente o do-
minio publico sobre as aguas.
O velho conceito do direito romano sobre a perennidade,
das aguas (27) serviu de criterio á antiga legislação italia-
na (28).
O Decreto Legislativo n. 2.161 de 9 de Outubro de 1919
veio ampliar ainda mais o conceito primitivo determinando que-
(art. 3) :

"saranno iscritte negli elenchi delle acque pubbliche,


tutte le acque sorgenti, fluenti e lacuali, che, consi--
derate, sia isolatamente per la loro portata o per-
l'ampiezza deI rispettivo bacino imbrifero, sia in re-
lazione aI sistema idrografico aI qual appartengo--
no, abbiano ad acquisitivo attitudine a qualsiasi uso>
di pubblico generale interesse" (29).

Commentan!do esse decreto diz SANTI RoMANO (30) qu~


um grande numero de aguas, antigamente não dominicaes, per--

(27) § 3:0 Inst. 2-1 fr. 112 D. 50-16. - ULPIANO, fr. § 3-.° D._
43.12., apud DE RUGGIERO, 1st. Dir. C. /tal., lI, pg. 335.
(28) Scialoja, Dizzionario, verbo AcqU6S.
(29) A ultima lei i,taliana d,e 11 de Dezembro de 1933, n.O 1775,.
em seu art. 1. 0 diz: "Sono pubblirche tutte le aeque sorgenti, fluenti e
Iacuali, anche :se artifialmente estratte daI sottosuoOlo, sistemate o in-
,crementale, '00 quali considerate sia isolatamente per Ia loro pol'tata ()
per ,!'ampiezza deI lispettivo bacino imbl"ifero, a.bbiano ad aequisitiv()I
.attitud.ine ad us·i dipubblioo generale interesse".
(130) Corso, pg. 185.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 485

tencendo a particulares, passaram á propriedade' publica, sem


'que aos seus antigos proprietari<'s fosse pága qualquer indem-
nisação (31).
A razão. de ser da dominicalidade, observa DE' RUGGIE-
"RO (31-a) , está no destino geral ao uso publico, e E!ste poderá
'provir da navegação ou da fIuctuação ou da satisfação de
outras fina.Jidades publicas, como a derivação para fins hygie-
TIicos ou industriaes.
O inte!'esse publico deve ser ajuizado pelo criterio technico,
levando-se em conta a natureza da bacia hytdrographica e a
finalidade da obra.
Assim, uma corrente d'agua, anteriormente do dominio
'privado, poderá com o decorrer do tempo ser considera!da pu-
blica por haver posteriormente adquiridQ uma funcção de uti-
lidade publica (302).
O Prof. CINJO VITTA (33) vae mais longe no seu conceito
,da utilidade publica e atdmitte até que, pela legislação moderna
italiana, se possa como .tal considerar o uso que um particular
possa fazer de parte da agua publiea com o fim de irrigar as
suas proprias terras ou de utilizal-a na força motriz, porque
toda a legislação mode'!'na inspira-se no intuito de regular o
'aproveitamento da agua pelos particulares. sem dispensar a
'intervenção da administração publica. coordenando os inte-
resses dos diversos particulares.

(31) A respeito da natureza do l1egistro tem se admittido que a sua


insaripção é simplesmente declarativa e nã,o constitui da do dominio, com
todas as consequencias que faz a lei tirar da illlscripçã,o - ver as de-
dsões: Casso civ. (,Sez Un.) 24 de Abril <te 193'1. in "Gim, i,t:" 1931,
I, 1, 733; 15 de Junho de 1931, idem I, 1, 982; 23 de N'ovembro de 1931,
ln "Giur. U.", M,assimario, 10011, 713; Trib. Sup. acque pubbliche 18 de
Mal'ço de 1930, in "Alcque e traspo,rti" no e 33,2; 28 de Junho de 1930,
idem, 1930, 228; 12 de Julho de 1932, idem 1932, 319 - apud GWSEPPE
LAMPIS, "lI nuovo regime deHe acque publiche", Rivista di Diritto Pubbli-
. ,co, 1934, I, pg. 73.
(31-13.) 1st. Diritto Civile, lI, pg. 336.
(32) D'ALESSIO, 1st. Dir. Amm., lI, pgs. 48 e seguintes.
(33) Diritto Amm., I, pg. 2(}3; ver Decisões Côrte CassaçãQ de
Rorntl, 30 de Julho de 1931, 23 Nov. 1'931.
486 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

A nossa legislação, como vimos acima, est3ibeleceu comoo


criterio geraI para a classificação das aguas publicas: o da
navegabilidade ou fluctuabilidade (34). E' de notar, no entre-
tanto, que o criterio só se manteve em sua rigidez com relação ao
dominio, visto como, nos demais dispositivos referentes ás aguas'
communs e áS particulares, o Codigo de Aguas estabeieceu taes:
restrieções quanto ao seu uso e aproveitamento que não se pÓ--
deria negar á nova legislação a virtude de ter acompanhado-
as tenldeneias mais modernas.

(34) Il)ANIEL DE CARVALHO contesta que a navegabilidade consti~,


tua, de acordo com a lJr-adiçã-o do nQ0S6O di·reirto, condiçã'O para caracte-
risaT os ri,os publioos. SegUllldo o mesmo eminente jux-i,sta "serão rioS'
pubI&cos os naV'elgaveis, os que concornem com os tributos de suas aguas.
para formar um rio navegavel, os affl!uentes de um rio navegavel que
modifi-cam as condições doa navegaçã{l dleste, emfim todos os rio,s cau-
daes e perenn.es". Segundo o mesmo autor o criterio da navegabd.lidade
{lU da fluctua:Hdade -não corresponde á evolução do nosro direito, onde-
os rios publicos definem-se peLos seus caracteristicos acima ap,ontados,
precisam .ser caudaes e perennes. Deflnindo es·sas qua'lidades, ac.cres-
cenm: "Na defin~ção do rio caudal tem sido geralmente acceita a Jdção.
de LAFAYETTlil, para quem caudal é toda corrente de aguas abundantes.
du grossas. O dr. JOÃo MlENDES, porem, propõe um modo origInal de:
entender essa palaVll'a, dJiaJendo "caudal é o r,io que prol<lnga a sua fluen-
cia além do predio em que nasce".
Perenne é () rio que corre em todo o tempo, ainda que seque, em:
todo ~u em _parte em algum estio mais forte (Lobão, Aguas, § 15; Proj ..
do Cod. de Aguas, art. 1 paragrapho unico). DANIEL CARVALHO, Pare-
ceres, 1919.
CAPITULO V

USO 001\'lMUlM, ESPECIAL E PATRIMONIAL

Bens de uso commum (continuação) - Ruas, Praças, Lo-


gra.douros - Bens de Uso Especial - Natureza -
Destino - Edificios - Fortaleza,s - E,stabelecimentos
militares - Cemiterios - Bens patrimoniaes - Natu-
reza - Categorias - Estrad,as, de ferro - As ter.ras de-
volutas - A lei de 1850 - As constituições repuhEcanas.

Entre os bens considerados de uso commum do povo, en-


contram-se as ruas, praças e demais logradouros destinados ao
uso do povo.
A expressão - logradouro publico - comprehende em
seu sentido generico todo aquelle terreno rdestinado ao uso do
povo. Dahi, a latitude dos bens incluidos nessa categoria, e
que CARLOS DE CARVALHO (1) assim classifica:
a) os baldios, pousios, mattos maninhos, etc.;
b) as praças de recreio, mercados, jardins publicos, caes;
c) os terrenos devolutos, destinados ao uso commum dos
moradores;
d) os lotes que nas terras devolutas, reservadas para fun-
dações de pov'oações, forem destinadas á' servidão publica.

(1) l-fova Consolidação das Leis Civis, art. 199.


488 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

e) os terrenos de marinha e accrescidos, reservados á


servidão publica;
f) as servidões marginaes dos rios navegaveis ou d·os
que se fazem os navegaveis.
Embora não se nos afigure rigorosa a classificação, pois
que não se devem considerar como taes as terras devolutas e
os terrenos de marinha, deve ser a mesma attendida porque
está de accordo com o nosso direito primitivo.
Já estudamos, no capitulo relativo ao uso commum, como
deve ser entendida essa expressão, e as limitações que podem
legitimamente ser impostas pelo Estado á utilisação desses
bens, como taes considerados pelo povo .
.Pode-se dizer que o maior interesse desse estudo no campo
do direito administrativo está precisamente em se fixar as limi-
tações ao uso e á justificação dessas restricções impostas pelo
poder de policia, sanitaria, edilica, de construcção, desegu-
rança, etc.
Com relação ás ruas, praças, e demais logradouros urba-
nos, precisam de umacto expresso do poder publico, para que
possam ser assim considerados. Não basta que seja aberta ao
trafego de vehiculos e de pedestres para considerar-se como
rua uma via urbana. E' preciso um acto expresso do poder
publico, que lhe tenha attribuido esse destino, por satisfazer ás
condições legaes, impostas pelos regulamentos em vigor (35).
Assim, a simples utilisação pelo publico não basta para
tornal-a logradouro publico (*), porque pode até occorrer que

(2) O decr·eto n." 48{)1, de 18 de abril de 1904, do Districto Fe-


deral, assim determina:
"Art. 1.0 - § 1.0 - Nenhuma praça, rua ou via publica de qual-
quer natureza sel'á franqueada ao transito publico, sem que previamente
seja acceita pela ·Pref,ei1Jura, e só o p'odendo ser dep(}i,s de conveniente-
mJente calçada e construida as obras d'e arte e assentes as respectivas ca-
nalirsações de agua, gaz e es'gô~os, e satisfeitas todas as ·exigencias d'O pre-
sente regulamento".
Ver tambem o decreto 1. 594, de 15 de abril de 1914 .e o decreto 2.258,
25 de setembro de 1920.
(*) O Oodigo de posturas do Districto Ftederal define "logradouro
publioo: "Toda pa,rte da superficie d'a cidade des,tinada ao transito pu-
blico, officirulmente reconhecida e designada p(}r um nome, de accordo
com a I'e·gislação em vigor".
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 489

dep9is de assim considerada venha o povo a deixar de utilisal-a


nOO perdendo por isso o caracter de logradouro (3).
Ruas existem, Ide propriedade particular, construidas em
terreno privado e que não se acham abertas ao transito pu-
blico. Nesses casos, as e~gencias para a sua abertura são ou-
tras, porque diverso é o seu destino, mas ainda assim a~ham-se
subordinad'as ás condições legaes, impostas pela Prefeitura,
pela Saúde Publica e pela Policia (4).
A abertura de ruas publicas pelo systema do loteamento
impõe, por outro lado, medidas mais severas que dizem não só
com a largura, pavimentação, alinhamento, mas ainda com o
numero de ruas que devem ser abertas em determinadas areas,
a sua orientação, com relação á ventilação, condições, emfim,
dentro das quaes deve se realisar a divisão dos lotes (5).
A policia das ruas e logradouros ,publicos constitue um dos
capitulos mais difficeis e complexos do direito administrativo
~unicipal. Deve-se, no entretanto, orientar qualquer estudo
sobre o principio geral do poder de policia, cuja legitimidade e
limites já traçámos 'em capitulo anterior.
Comprehende a actividade da autoridade Municipal nesse
terreno, a protecção da hygiene, conservação, limpeza e demais
exigencias do trafego, da esthetica e conservação desses logra-
douros.
Para isso as posturas Municipaes consagram 'disposições
muito variadas,que podem se resumir na expedição de normas
reguladoras dos principios acima delineados.
O 'alinhamento, a protecção dos logradouros contra as in-
vasões dos particulares, as medidas \de hygiene (aguas, destri-
ctos, etc.) e as providencias correlatas, de ordem preventiva e
repressiva, completam o regimen juridico dos bens de uso com-
mum, comprehendidos na expressão ,geralmente usada de 10-
gra'douros publicos.

(3) Ver FLITZ FLEINER, Droit Administ1'atif Allemand, pg. 225.


RIBAS, Direito CÍ1J il, voI. II, pg. 294.
(4) BERTHELEMY, Droit Administratif, pg. 475.
Ver odecroeto municiD'aI n.O 3.549. de 15 de junho de 19~1.
(5) Ver o decreto 3-. 549, acima citado.
1
490 THEMISTOCLES BRANDÃO. CAVALCANTI

Bens de uso especial e patrimoniaes


O~bens de uso especial são aqueIles bens patrimoniaes
do Estado que têm destino proprio, inherente á sua natureza e
finalidade.
Assim, entre os bens de uso especial, encontram-se:
a) os edificios publicos, os estabelecimentos do Estado;
b) as fortalezas, construcções militares, fortificações, etc. ;
c) a porção de territoiio reservado á União nas fr-on-
teiras (6).
A respeito do destino especial de determinados bens, deve
se levar em consideração, antes de tudo, sua natureza, por-
que todos os bens, mesmo aqueIles de uso commum, podem ter
destino especial. Basta para isso que se tenha por necessaria
ou possivel a sua utilisação individual.
Assim, mesmo os bens de uso commum, como as praias.
os rios, os mares, podem ter destino especial, em uma de suas
partes; basta que o Estado lhes dê esse destino,utilisando-os
para determinado fim, ou dando uma concessão especial para
o seu uso.
Seria o caso typico de balnearios nas praias, collocação de
trilhos nos logradouros publicos, etc.
FRITZ FLEINER (7) observa muito bem que essa utilisação
não crêa um direito real sobre a cousa; os materiaes utili-
sados pelos particulares não se incorporam á cousa publica,
mas deIla se podem destacar a qualquer tempo.
Mas, pela divisão consagrada entre nós, as cousas de uso-
especial são aqueIlas incluidas no dominio do Estado, e que.
pela lei, devem ter destino especifico, de accordo com a sua
natureza. Não se pode mudar o seu destino, porque estão af-
fectadas áqueIle fim, sem autorisação especial.
Os edificios publicos e estabelecimentos da ailmânistração
do Estado estão coUocados nessa catego~ia, porque o seu des-
(6) . Ver CLOVIS BEVILAQUA, Theoria Geral do Direito Civil, pa-
gina 250.
R.IBAS,Direito Civil, vaI. 11, pg. 239.
(7) Droit Administratif Allemand, pgs. 223 e 232.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO ~RASILEIRO 491

tino está prefixado, destinam-se ao uso do Estado, têm uma


~pplicação de utilidade publica.
OTTO MAYER (8), nega o caracter de bens do dominio pu-
blico aos edificios publicos, porque lhes falta o caracter de uti-
liJdade publica.
E' bem verdade, diz elle, que o seu uso é do maior inte-
resse para o Estado, mas as suas sortes não se acham tão in-
timamente ligadas que se justifique a sua incorporação (dos
edificios, escolas, quarteis, etc.), ao domÍ1:J.Ío publico.
Essa theoria provém, no entretanto, da applicação da dou-
trina que distingue, como já vimos, os bens patrimoniaes dos
dominicaes (9).
Assim, os edificios íPublicosestariam comprehendidos
entre os patrimoniaes, porque se acham incluídos entre os
bens do Estado, objecto de commercio.
Não se encontra, porém, em nosso direito, fundamento
para essa distincção.
Os bens patrimoniaes são indisponiveis; a sua venda ou
permuta estão sujeitas ás formalidades da autorisação legal
e o uso destinado ao serviço -publico, embora não sejam de uso
commum (10).
RIBAS (11) , classifica esses bens, ent!'e os bens publicos do
Estado, nacionaes.
CARLOS DE CARVALHO (12), porém, inclue os proprios na-
cionaes (art. 200-e) entre os bens patrimoniaes do Estado.
O Codigo Civil fugio a essa classificação e preferi o col-
local-bs em categoria distincta.
Com relação ás fortalezas, fortificações, construcções mi-
litares, navios de guerra, etc., as divergeneias não são bem
sensiveis embo!'a CARLOS DE CARVALHO (13) os inclúa entre os

(8) Op. cit., lI!, pg. 129.


(9) Ver sobre o assumpto - E. GUICClARDI, op. cit., pg. 116, que
s-egue a theoria de OTTO MAYER e traz a seu aJoono numerosa bibliographia.
\CA.MMEo, Demainio, pg. 294.
ROMANO, Cora0, pg. 217.
(11» Ver DE RUGGIERO, 1st. Diritto Civile, I!, pg. 3-38 .
(11) Direito Civil, I!, pg. 329.
(12) Consolidação áas Leis Civis, art. 197 e seguintes.
(13) Op _ cito ,art. 207.
492 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

proprios, segundo a lição de RIBAS (14) e TEIXEIRA DE FREI-


TAS (15), que obedeciam á legislação daquella época (16), in-
cluindo entre os bens patrimoniaes todos os que não se com-
prehendiam no uso commum.
Emquantotêm aquelle uso, são indis.poniveis pela sua pro-
pria natureza, e como tal incorporados ao dominio publico (17).
Os autores italianos, como D'ALESSIO, só consideram como
do domínio e não patrimoniaes aquelles bens Idestinados ao
uso das forças armadas, mas que não se destinam. directamen-
te á defeza do paiz. 8ó integram, por isso, no dominio indis-
ponivel, por força de lei, os estabelecimentos referidos no
art. 427 do Codigo Civil italiano, isto é, as fortalezas,. praças
de guerra, as fortificações, excluidos os a~senaes, quarteis,
etc. (18).
Outros, como CINO VITTA (19), distInguem os moveis dos
immoveis. Os navios, armas, aeronaves, etc., incluem entre
os bens patrimoniaes indisponiveis. Outros, ainda consideram
accessorios das fortalezas os estabelecimentos que dellas de- .
pendem e que, po~ isso, seguem o mesmo destino (20). Não
ha razão para ess'as distincções em nosso direito, porque 'todos
.se incluem no dominio do Estado, entre os bens de uso especial.
O dominio do Estado sobre as fortalezas comprehende uma
zona em que elIe exerce o dominio pleno, 15 braças em torno
e outra de servidão, 600 braças. Esta zona de servidão militar, .
estudaremos em seguida (21).

As Estradas de Ferro quando exploradas pelo Estado são


consideradas bens ,patrimoniaes, porque estão incluidas no pa-
trimonio privado do E-stado.

(14) Op. cit., pg. 329.


(15) Consolidação, art. 59.
(16) V'er SoUZA BANDEIRA, Novo Manual do Procurador dos Feitos,
a.rL 192.
(17) BERTHELEMY, op. cit., pg. 398.
(18)1st., pg. 82.
(19) Diritto amm., I, 'pg. 229.
(20) C. 'CoRRADINI, Diritw Amm. Militare, in Primo Trattato Com-
pleto de Diritto A.mm. de Orlando, vol. X, pg. 582.
(21) V~r capitulo pmpr.io.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 493.

A doutrina sobre a natureza desses bens não é pacifica,


m6rmente naquelles Pllizes onde mais accenturuda é a distincção
dos bens patrimoniaes e dominicaes.
Os primeiros são alienaveis e commerciaveis, emquanto
os segundos estão fóra do commercio e são inalienaveis (22).
,As estradas de ferro, dizem 08 defensores da natureza do-
minical, são verdrudeira,s estradas ordinarias, e por força da.
theoria. da destinação que é o uso commum, deve-se-Ihe attri-
buir a mesma natureza. Ora, estes s~ bens dominicaes des-
tinados ao uso commum (23).
Outros negam ás estradas de ferro o caracter dominical
porque lhes falta a condição especifica.
A meSma questão envolve o material empregado, inclusive
material rodante.
Na França, não tein o assumpto merecido maior exame
porque as estradas de ferro são consideradas bens do dominio
publico terrestre (24).
O mesmo não occorre na Allemanha, onde ainda predo-
mina a distincção entre os bens de uso commum e os bens
destinados á a"dministração - os primeiros "sachen in õffen-
tlichen Dienst" e os segundos "sachen in Gemeingelmench".
A maioria dos autores classifica as estradas de ferro na pri-
meira categoria (25).
Em nosso direito, devem ser as estradas de ferro do Es-
tado classificadas como bens patrimoniaes do Estado, porque
se acham integradas no seu patrimonio privado, embora tenham
a mesma situação juridica dos bens do dominio publico.
E' a classificação dada por ClJOVIS BEVILAQUA, embora
fugindo ao texto do Codigo Civil (26) que lhes dá destino-
especiaL

(22) GUlCCIARDI, Il Demanio, pgs. 2 e seguintes.


(23) R'UGGIERO,1st. di Viritto Civile italiano, 11, pg. 234.
(24) BERTHELEMY, Dr. Adm.inish'atif. pg: 508.
RooGER BONNARD, Précis de Droit Administratif.
(215) OTTO M.AYER, op. cit., voI. lU, pgs. 106 e seguintes.
G'WCpIARDI, op .. cit., pg. 144, nota.
Fl.J;JINER,OP. cit., pg. 216.
(26) Theoria Geral, pg". 249, com a.nota 5.
494 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

4. 4outrin~ mais interessante é aquella que collooaas es~


tradas de ferro entre os bens de uso co:rp.mum. E' uma velha
these, que não foi acceita, segundo CINO VITTA (27).
i;ivos historic08, lPorque originariamente foram objecto de ex-
:ploração exclusivamente particular.
O mesmo autor as classifica como bens indisponiveis, fa-
zendo parte dos bens commerdaes· ou indust!'iaes do Estado,
e com finalidade intimamente ligada á do Estado que não tem
fins de lucros mas o de attender ao interesse publico.
A nossa tradição não foi consider3lCla pela nossa Codifi-
-cação Civil. O decreto n.o 1.930, de 26 abril 1857, tinha as
·estradas de ferro como vias publicas, quer fossem adminis-
tradas pelo Estado, quer por companhias anonymas ou por
qualquer individuo ou corporação, e como vias publicas, su-
jeitas ás regras geraes de legislação concernente ao ar!'uamen-
to, esgotos de aguas, edificação lateral, etc., salvo às dis-po-
.siçães especiaes dús regulamentos.

OS CEMITERIOS

Os cemiterios, pela sua natureza e, em virtude de uma dis~


posição Constitucional que attribue ao Municipio o seu do-
minio, merecem ser aqui examinados em particula!' (28).
A Constituição vigente bem como todas as suas anterio-
res, de 1891 de 1934 reproduz a mesma disposição, danJdo-lhe,
porem, uma amplitude que não conhecia a Constituição de
1934 que permittia ás associações religiosas manter os cemi~
terios ;particulares.
A respeito do assumpto podem ser suscitadas as mais in-
teressantes questões.
O dominio - Duas correntes existem a respeito da natu-
.reza ,ào dominio da Municipalidade sobre os cemiterios. Al~

(27) Op. cit., lI, pg. 230.


(28) Artigo 122 da Constituição de 1937. Ver tarnroem o primeiro
texto legal, isto é, o -decreto do primeiro Governo ProviSOl'io da Repu-
'blica n. 789 de 27 de Setembro de 1'890.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 495

guns consideram os bens do dominio privado, notadamente


DUCROCQ que se alista nesta corrente (29), s'Üb o fundamento
.de que percehem rendas e são concessões de caracter p,:,ivado.
Não se comprehendem segundo esses autores entre as c,onces-
sões onerosas do dominio publico.
Ainda mais, segundo BATBIE, porque existem cemiterios
privados ou particulares submettidos áquelles mesmos prin-
cipios.
A segunda co,:,rente, mais numerosa, pretende ser. 'o Ge-
miterioum bem do dominio publico. E' a opinião ide OT'l'O
MAYER (30) que mostra o caracter pratico dessa doutrina que,
.alem do mais, tem base historica e é a que mais se acha de
Recordo com a logica.
Nessa mesma corrente, alistam-se BERTHELEMY (31),
HAURIOU (3'2), WALINE (33), que desenvolve a doutirna mais
moderna sobre o assumpto.
Nesta mesma opinião incluem-se os autores italianos
CAMMW (34), SANTI ROMANO (35), MEUCCI (36), ZANO-
BINI (37), CINO VITTA (38), D'ALESSIO (39) e GurCCIARDI (40').
BIELSA (41), sustenta a mesma theoria.
Naturalmente que o mesmo caracter não pode ser attri-
buido aos cemiterios particulares mantidos, as mais das vezes,
pelas sociedades religiosas.
Segundo a generalidade dos autores, estes ultimos cons-
tituem bens particulares das associações (42). Mas é preciso

(29) Cours de Droit administl'atif, V, pg. 270 e seguintes,


(8~) Droit administratif, vol. lII, pg. 121.
(31) Traité elementaire de Droit administratif, pg. 427.
(32) Précis de Droit adininistratif, pg. 826.
(2l3) Manuel elementaire de Droit administratif, pg. 551.
(34) Demanio, pg. 884.
(35) Prirwipii di Diritto amministrativo, pg. 538.
(86) Istituzioni di Diritto amministrativo, pg. 382.
(87) II concetto di pubblica vitilità.
(38) Diritto amministrativo, I, pg. 199.
(39) Istituzioni di Di'ritto amministrativo, lI, pg. 93.
(4,(]I)' II Demanio, pg. 158.
(41) De1'echo administrativo, lI, lI, pg. 177.
(42) CAMMEO e CINO VITTA, Sanità pubbüca, in Primo Trattato de
Orla:ndo, IV, parte lI, pg, 709.
·SCADUTTO, Diritto ecclesiastico, lI, pg, 29.
496 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

notar que esses autores não se adaptam ás exigencias das leis


brasileiras, que determinaram a natureza Municipal dos cemi-
terios, constituindo a sua exploração por particulares, uma to-
lerancia da administração, o que não lhes tira a natureza de
direito publico e a sua subordinação ás disposições das leis
administrativas.
Entre as medidas de ordem administrativa que demom-
tram a sua natureza de direito publico, está aquella que per-
mitte á Municipalidade fechar os cemiterios velhos e mudaI-os
por motivo de interesse publico (43).
A lei Municipal no Districto Federal (44), permitte o
fechamento provisorio ou definitivo ou a trasladação de um
velho cemiterio para outra localidade.
Quanto ás sepulturas, seguem, outro regimen porque são
passiveis de propriedade privada, direito real sobre o solo, que~
segundo TEIXEIRA DE FREITAS (45), não pertence ao dominio
do Estrudo de conformidade com o que diStPõe o decreto 1.496
de 15 de Julho de 1857.
A acção do direito administrativo sobre essa materia é
muito ampla porque abrange tudo quanto diz com o regimen:
de policia administrativa, em suas multiplas manifestações;"
inhumação, exhumação, medidas sanitarias, concessões, etc.

REGIM\IDN TERRITORIAL

Desde os primeiros tempos da colonisação, tem sido o pro-


blema territorial do Brasil um dos mais graves e que tem de-
safiado a visão politica dos- nossos homens de Governo.
Trouxeram os portuguezes de seu paiz de origem a legis-
lação e o regimen territorial. Dahi dizer um dos nossos es-
criptores que a historia territorial do Brasil começa em 'Por-
tugal (46).

(43) Ver BIELSA. op. cit., 11, pg. 178.


;(44) Dec. 2.401, de 22 de Janeiro de 1921, art. 325.
(45) Consolidação 'das leis civis, art. 52 § 2, nota 20.
(46) Ruy CIRNE LIMA, Terras devol'utas, pg. 9.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 497

Sob o ponto de vista legislativo, a affirmação é exacth,


apenas adaptada ás nossas condições peculiarissimas, desco-
:qhecidas na Metropol,e.
O primeiro regimen instituido no Brasi,l fundava-se na
concessão, de sesmarias, datas de terras, o que tinha uma expres-
são definida na legislação portugueza (47).
Segundo refere CIRNE LIMA (48), o primeiro movimento
das sesmarias no Brasil é a carta patente dada a Martim Af-
fonso' de Souza, na villa do Crato a 20 de Novembro de 1530,
em virtude da qual fez as primeiras concessões de sesmarias
no Brasil, a João Ramalho, na ilha de Guaibe, em 1531, e a
Braz Cubas em Piratininga a 10 de Outubro de 1532.
Segundo ensina CARLOS DE CARVALHO (49), "A concessão
de sesmarias era titulo de constituição ...
Terminado o regimen das Capitanias, modificou-se tam-
bem () regimen de concessão de terras no Brasil. Thomé de
Souza trazia comsigo essa t'."ansformação, que foi a origem de
toda a nossa organisação agraria.
A distribuiç~o de terras faz-se já, agora, com um criterio
mais nitidamente eeonomico, exige-se do requerente das ses-
marias condições que imponham o seu aproveitamento, a prova
de que são homens de posse. Caminha-se, assim, para um re-
gimen latifundario, concessõE*\ de grandes extensões terri-
toriaes.
Fidalgos portuguezes recebiam fartas doações de terras.
de muitas leguas de extensão.
As cartas regias tentaram pôr termo a taes abusos. A
de 17 de Dezembro Ide 1695 prohibiu que fossem concedidas
datas de sesmarias de grande extensão de leguas a um s6 do-
natario, primeiramente limitando-as a quatro leguas de com-
primento e uma de largura, sob pena de serem julgadas vagas
as zonas que ficassem incultas.

, (47) Ordenações Manuelinas, Tit. 67. L. 4. - Ord. Philippinas,.


Tit. 43. L: 4. - Ord. AI/ansinas, Tit. 81, L. 4.
(4'8) IQp. oIt., pg. 28.
(49) O Patrimonio Te1'1'itorial da Cidade do Rio de Ja;neiro, pg. 17.

- 32:
498 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

As quatro leguas idessa Carta Regia foram reduzidas a


trez pela Carta Regia de 7 de Dezembro de 16917. Provisão
de 20 de Janeiro de 1699 e 19 de Maio de 1726.
A Provisão de 15 de Março de 1731 determinou que não
se concedessem sesmarias Ide mais de uma legua em quadro.
As primeiras concessões foram dadas contando-se a tes-
tada pelo littoral, correndo os fundos para o sertão (50).
O regimen -das sesmarias terminou com a Revolução de
17' de Julho de -1822, que reconheceu o direito dos posseiros
sobre as terras que' -cultivassem.

TE~DEVOLUTAS

Terras devolutas, define a .lei n. 601 de 18 de SetembrQ


de 1850, art. 3.°:
"§ 1.0 As que não se acharem applicadas a algum uso pu-
~lico nacional, provincial ou municipal.
§ 2.° As que não se acharem no dominio ,particular por
qualquer titulo legitimo, -nem forem havidas por sesmarias e
'Outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não -incur-
sasem commisso -por falta do cumprimento das condições de
medição, confirmação e cultura.
§ 3.°
As que não -se acharem dadas por sesmarias ou
outras concessões do Governo, que, apesar de incursas em
commisso, forem revaHdadas por esta Lei.
§ 4.° As que não se achàrem occupadas por posses que,
apesar de não se fundarem-em titulo legal, forem legitimadas
_iPor esta Lei".
Desde o tempo do Imperio havia um tendenéia para en-
tregar as terras devolutas ás Provincias; quer para colonisR-
ção, quer como doação (51).

(50) V'er LUIS MIRANDA, in Rev: de JU1'isprudencia, voI. IX, pa.-


gina 301. -
(51) Leis n.· 514. d.e 28 de Outubro de 1848 e n. o 3397, de 24 de
NI(}vembro de -1888.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 499

A Constituição de 1891 considerou pertencentes aos Es-


·tados as terras devolutas (52) e as Constituições de 1934 e
-de 1937 respeitaram esse direito (53).
Dentro, porém, de uma faixa de cento e cincoenta kilo-
:metros ao longo das f:!oonteiras, nenhuma concessão de terras
.ou de vias de communic'ação se effectuará sem audiencia do
Conselho Superior da Segurança Nacional estabelecendo esse
o predominio de capitaes e trabalhadores nacionaes.
A Constituição estabelece, assim, restricções severas ás
<concessões e uso Ide terras .publicas, que, embora sujeitas a
,dominio dos Estados, estão subordinadas á alta policia do Go-
-vemo Federal em tUido quanto interessa á defeza do paiz.
Assim, vigora :para as terras de fronteira um regimen es-
'pecial, que concilia os interesses dominicaes dos Estados sobre
:as alludidas terras, e a cOniipetencia legislativa e da alta vi-
:gilancia do poder federal sobre as terras que interessam á
~defeza nacional.

.(52) Art. 64.


'(S3)' . Arts.: 20· e 2'L;~
Art. 166 da Oons1fLtuição <te .1934 .e: 165 d~ Consto .' d:e.1937 •
CAPITULO VI

TERRENOS DE MAiRINB.A

Terrenos de Miarinha - Definição - Historico - A quem


,pertencem - Diversas theorias - A nossa 1egislação a .
.:resptiJto - Asiitu,açãO das Municipalid'ades - Os aocres-
cidos de Mlarinha - Taxas de occupa.ç.ão - Servidão Pu--
bHca nas margens dos Rios navegaveis - TerrenQs de,
Mangue' - ProcessQ de aforamento.

Define o § 1.0 ido art. 1.° do Decreto n. 4.105, de 22 de~


Fevereiro de 1868:
"Sã,o terrenos de marinha todos os que banha-
dos pelas aguas do mar ou dos rios navegaveis vão·
até a distancia de quinze braças craveiras (33 me--
tros) para a parte da terra contadas desde o ponto·
em que chega o preamar medio".

o art. 13 ido Codigo de Aguas. de 19.34, reproduz o mesmo,


principio.
Aquelle decreto veio consolidar a legislação anterior:
A ordem regia de 4 de Dezembro de 1678 já dizia qUb

"estes mangues erão de minha regalia, por nascerem.


em salgado onde s6 chega o mar e com a enchente.
e serem muito necessarios ;para conservação desse
povo, engenhos e navios".
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 501

A ordem regia de 21 ide Outubro de 1710,por sua .vez


declara:

"que as sesmarias nunca deverião comprehender a


marinha que sempre deve estar desimpedida para
qualquer incidente do meu serviço, e defensa da
terra".

No mesmo sentido são as ordens regias (1):


de 7 de Maio de 1725.
.- de 10 de Dezembro de 1726.
.- de 10 de Janeiro de 1732 .
.- o Decreto de 21 de Janeiro ide 1809.
.- os avisos de 18 de Novembro de 1818.
Os avisos de 27 de Abril de 1826 e dé 13 de Julho de
.1827, fixaram em quinze braças.

"entre a terra firme e o bater do mar nas aguas


vivas".

No mesmo sentido são a ol'ldem do Ministro da Fazenda


,de 20 de Outubro de 1832 e as instrucções de 14 de Novem-
lbro de 1832.

"Art. 4.° Hão de considerar os terrenos de ma-


rinha todos os que banhados pelas aguas do mar ou
dos rios navegaveis, vão até a distancia de 15 braças
craveiras para parte da terra, desde os pontos a que
chega o preamar medio".

Deve-se ainda citar:


- a ordem n. 616 do M. Ida Fazenda de 21 de Outubro, 1833 .
.- n. 699 de 15 de Novembro, 1833.

«1) A. DE V. PAIVA, Nota8 sobre Terrenos de Marinha" 2.- parte,


mgs. '7 e seguintes.
502 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

- cirCular n~ 67 de 300 de Janeiro, 1836.


- ordem n. 5003 de 10 de Setembro, 1836.
São estas as principaes ordens, avisos, decretos e leis qu~
.regulam e definem os terrenos de marinha (2) ..
Gomo··se vê, o terreno Ide marinha s6 existe até onde vão·
as marés; mesmo nas margens dos rios, estes terrenos s6 se-
comprehendem até o IPonto em que chegam as marés. F6ra.
do alcance das marés não haterreno de marinha (3).
E' o que decorre da propria definição,. (4).
As 18 braç~ a que se referem as leis, decretos, avisos.
e ordens ,representam 33 metros.
Em contrario dispunham os projectos (Codigo Civil) de'
FELICIO DOS SANTOS que fixava 8 metros (art. 202) e COELHO"
RoDRIGUES (art. 127) (5).

os TERRENOS DE MAIlUNUA PERTENCEM N UNUO'

Desde o Imperio, todas as nossas leis (6) assim deter-o


minavam, e foi sempre este o modo de entender das melhores
autoridades, como. TEIxEIRA DE FREITAS (7), CARIJOS DE CAR-·
VALHO (8), EPITACIO PESSÔA (9), AURELINO LEAL (100), SOUZA.
BANDEIRA (11), DIDIMO DA VEIGA (12), CARVALHO DE MEN-

(2)Ver SoUZA BANDEIRA, Novo Manual do Procurador dos Feito8,.


§ 507; TEIXEIRA DE FREITAS, Nova Cons., arts. 54 e s·egs.
(3) TEIXEIRA DE FREITAS, op. cit., art. 55 e nom 50; C. DE CAR-
VALHO, Nova Cons., art. 203, § 2.0.
(4) ltmAS, Direito Civil, 11, pg. 311; C. DE CARVALHO, op. cit ...
art. 203.
(5) DIDIMO DA VEIGA, Direito das Cousas (Manual do Codigo CivIl)
numero 76 •.
(16) . Dec. 4105, de 22-2-1868.
(7) Nova Consolidação das Leis Civis. •
(8 ) Nova Consolidação.
(9) Rev. S. T. F., vo}.. 33, pg. 263.
(1{) :Theoria e Pratir<a da Consto Federal, pg. 577.
(11) Novo ManuaZ do Procurador dos Feito8.
,(12) Direito das Causas, n. o 76.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 50S

DONÇA (13), ARISTIDES MILTON (14), EDUARDO ESPINOLA (15),


CARLOS MAXIMILIANO (16).
- Contra essa opinião citam-se apenas JOÃo BARBALHO (17),
RODRIGO OcTAVIO (18), e ALFREDO VALLADÃO, o projecto apre-
sentado ao Senado em 1892 por diversos senador~ reconhe-
cendo o direito dos Estrudos sobre os terrenos de Marinha e
accrescidos, e o projecto approvado pelo Congresso em 1896
e vetado pelo Presidente da Republica.
A questão, talvez, hoje não tenha o mesmo interesse por-
que a jurisprudencia já firmou de maneira definitiva o direito
da União (19), bem como diversas leis ordinarias acima ci
tadas ,e outras relat~vas á arrecadação dos foros e laudemios.
Os que c'ombatem o direito da União, sustentam que os
terrenos de Marinha estão comprehendidos entre as terras de-
volutas attribuidas ,pela Constituição de 18911 (art. 64) aos
Estados e cuja situação não se acha alterada pela Constituição
em vigor.
Não ha como confundir os terrenos de marinha com as
terras devolutas.
Aquelles teem uma significação propria, uma definição
que vem do nosso mais antigo direito, o qual sempre attribuio
a propriedade á União.
O direito da União aos terrenos de marinha decorre, não
só implicitamente, das disposições constitucionaes vigentes, por
motivos que initeressam á defeza nacional, á vigilancia da
costa, á construcção e exploração dos portos, mas' ainda de
principios immemoriaes que só poderiam ser revogados por
clausula expressa da propria Constituição.

(13) O Direito, voI. 85, pg. 473.


(14) Comment. á Consto Federal.
(15) Systema, I, pg. 493. ,
_ (16) Commentwrios, pg. 699.
(17) Commentarios á Consto Federal.
(1-8) Do Dominio da União e dos Estados.
(19) Alce. S. T. F., de 15-8-1917, Rev. S. T. F., voI. 17, pg. 54;
Aces., 24-8-1917 e 29-12-1920; V,er especialmente o Acc. de 14-9-1927, in
, Arch. Jud., voI. 4, pg. 109.
504 THEMISTOCLES BRANDÂO CAVALCANTI

AURELINO LEAL, commentando O art. 34, 6 da COILStitui-


ção, diz com muita propriedade (,20) :

"Attribuir á expres,são - terras devolutas - a


synonimia de ~ terras publicas em geral - para
nellas comprehender os terrenos de marinha,é, antes
de tudo, quebrar a noção tradicional dos conceitos
que os separavam e os separam no direito imperial
e no actual. Uns e outros foram sem'[Yre considerados
como distinctos; e incorporal-os ou confundil-os numa
synonimia, quando, secularmente, tiveram conceitua-
ção diversa, é aberrar da bôa logica juridica. Terras
publicas e terras devolutas, sim, são synonimas, "são
as mesmas terras devolutas ou ainda agora desoc-
cupadas". (TEIXEIRA DE FREITAS, Cons., pago 54,
nota 19 á 3.a ed.). Ao passo que assim é, os ter-
renos de marinha tiveram sempre eonsideração á
parte, o que, aliás, se impunha pela diversidade de
destinos, os primeiros fadados á cultura, em geral,
os outros ás serventias varias, ligadas, no maior nu-
mero de casos, a depenJdencias do mar e rios nave-
gaveis".

EPITACIO PESSOA, em um trabalho exhaustivo sobre o as-


sumpto (21) examinando a questão do dominio das Munici-
palidades sobre os terrenos de marinha, direito reconhecido
por, entre outros, RODRIGO OCTAVIO, como tendo passado para
o regimen republicano (22), manifesta-se de maneira irres-
pondivel.
Não ha (pois, como negar-se o direito da União sobre os
terrenos de Marinha.

(20) Theoria e Pratica da Constituição, pg. 580.


(21) In Rev. S. T. F., voI. 33, pg. 263.
(22) Dominio da União e dos Estados, pg. 8.0.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 505

A SI'EUiA!ÇÃO DAS ,MUiNICIDALIDADES

Diz CARVALHO DE MENDONÇA (23), com muito acerto, que


no Districto Federal a Municipalidade é simplesmente uso-
fructuaria das marinhas cujo senhorio directo é a União. E
por isso o Governo local s6 pode dar em aforamento mediante
approvação do Ministro da Fazenda.
DIDIMO DA VEIGA (24), examinando a situação das Mu-
nicipalidades, diz que:

"desde que estas percebiam os foros, e a União co-


brava o laudemio pelas transferencias onerosas, ven-
Idas e doações in solutum - a emphyteuse ficava ca-
racterisada - em seus lineamentos juridicos nas leis
citadas".

,CARLOS DE CARVALHO, por sua vez, em um trabalho no-


tavel sobre o "jpatrimonio territorial da Municipalidade do Rio
de Janeiro e o direito emphyteutico", diz (25):

"Simples usofructuaria, a quem cabe o direito


de uso para logradouro publico, e do fructo, foro e
laudemio, suas pretenções não podi!m ir além da sua
condição juridica e assim a respeito desses terrenos,
quer de marinha quer de mangues cujo dominio
nunca foi seriamente contestado ao EstadO' ... "
~f~"~
Nenhum aforamento pOlde ser realizado sem autorização
do Ministro da Fazenda, pelos seus delegados. EO o que dis-
põe o art. 220 do Dec. n. 16.197 de 31 de Outubro de 1923.
Não fO'i, porém, sem grandes variações que se chegou até
essa solução.
O Dec. de 13 ide Julho de 1820, attribuio essa competen-
cia á. Repartição de Marinha, depois transferida pela lei de

(ID) O Direito, vol. 85.


(24) Direito das Cousaa, pg. 154.
(25) O patrimonio Territorial da Cidade do Rio de Janeiro, pg. 4'3.
506 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

15 de Novembro de 1831 (art. M) ao Ministro da Fazenda na


Côrte, e nas Provincias aos seus Presidentes de Conselho,
regimen que perdurou sob a vigencia da lei n. 38, Ide 1834
(art. 37) e de 186,s (art. 4 e segs.).
J á sob o regimen dessas ultimas leis, foi reconhecida si-
tuação especial aos aforamentos no districto da CÔlrte.
A lei n. 3.248 de 1887 deu ás Camaras Munidpaes das
Provincias competencia identica á já attribuida á Camara ido,
Rio de Janeiro, para aquelles terrenos de Marinha e accres-
cidos situados em seus respectivos municipios.
A Republica mante,ve a principio o.. mesmo regimen, su-
jeitando no entretanto ao Ministro da Fazenda a approvação
do aforamento na Capital Federal e no Estado do Rio ide Ja-
neiro, e aos Governadores nos Estados.
A lei n. 25 de 3 de Dezembro de 1891, tirou aos Muni-
cipios o direito de conceder aforamentos, com apenas a ex-
cepção do Districto Federal.
Dahi por diante as antigas attribuições das Camaras pas-
saram ás autoridades federaes, inspectores da Alfandega e De-
legados fiscaes.
O Dec. n. 2.887 de 31 de Janeiro de 189'8 (art. 18) por
fim, attribuio essa competencia aos delegrudos fiscaes, prin-
cipio firmado tambem pelos arts. 220 do Dec. n. 16.197 de 31
de Outubro de 1923 e art. 56 da lei n. 4.7913 de 7 de Janeiro
de 1924 (26).
A lei n. 4.783 de 31 de Dezembro de 1923 que orçou a
receita para 1924 consignou os foros dos terrenos de marinha
para a União, inclusive os do Districto Federal. Nesta parte~,
DIDIMO DA VEIGA (27) contesta, com razão, a legitimidade da
disposição legal, á vista dos antecedentes legislativos referen~
tes ao direito da Municipalidfl,de da Capital sobre os foros (28).

(26) Ver a esse respeIto A. V. PAIVA, Terrenos de Marinha) pa-


gina 64 e segs. '
(27) DmlMo DA VEIGA, op. cit., pg. 155.
(28) CARLOS DE CARVALHO, O Patritmonio Te?"rÍtorial' da Cidade 00
Rio de Janeiro.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO 'BRASILEIRO 50'T

Os Accrescidos

Define o art. 1.°, § 2.°, ido Dec. n. 4.105 de 1868:

"Todos os que natural ou artificialmente se ti-


verem formado ou formarem além do ponto deter-,
minado nos §§ 1.0 e 2.° para a parte do mar ou das:
aguas dos rios". (Res de Cons. de 31 de Janeiro de:
1852 e lei 1.114 de 27 ide Setembro de 1860, art. 11,.
§ 7.°) (29).

Estão comprehendidos nesta expressão tambem os terre-


nos de alluvião. Com relação aos accrescidos, toma a lei as'
necessarias Iprecauções para a sua demarcação, medição e a va-
liação, comprehendidos todos em um só termo.
Existem tambem accrescidos de accrescidos, para os qua.e~·
vigora o mesmo regimen.

TAXAS DE OCOUP.AJçÃO

Acontece que muitos terrenos Ide marinha se acham inde-


vidamente occupados por terceiros, sem que importe essa oc-
cupação em qualquer beneficio para a Fazenda, não obstante o·
manifesto dominio que tem sobre os referidos terrenos.
A lei n. 3.9,79 de 31 de Dezembro de 1919 e o Decreto,
n. 19.595 de 31 de Dezembro de 1920 crearam uma taxa de'
occupação que recáe sobre os terrenos de marinha e seus a>C-

,(29) Ver OARLoS DE CARVALHO, Nova Cons., art. 206.


O art. 16 do Codigo de Aguas, di,spõe:
"'Constituem aIluv,ião os accrescimos que successiva e imperceptivel-
mente se formarem para a parte do mar e das correntes a,;quem do ponto-
°
·a que chega preamar media ou do ponto mecHo das enchentes ordinarias,.
bem comia a parted'O alveo que se descobriT pelo afastamento das aguas.
§ 1.
0
- Os aecrescimos que por aHuvião, 'ou artificia~mente se pro-
dlu:zi:rem nas aguas publicas ou dominicaes são J)U1bldcos dominicaes, se'
não estiverem destinadas ao uso commum, ou si por algum titulo legiti-
mo não fo.rem d,o dominio pa.rticular".
508 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

crescidos occupados por quem não dispõe do indispensavel


titulo de aforamento.
Este ultimo decreto dispõe:
1.° Todos os terrenos de marinha e seus accrescidos oc-
eupados sem que os seus occupantes possuam titulo legitimo
como aforamento, arrendamento ou venda firmados ,pela União,
ficam sujeitos ao pagamento de uma taxa.
2.° A taxa de occupação será proporcional ao valor venal
do terreno.
3.° Essa taxa fica fixada em 4% para os terrenos da
zona rural e 6% para a zona urbana.
4.° O pagamento da taxa não importa no reconpecimen-
to de direito de propriedade por ,parte do governo, sendo tal
-occupação a titulo precario.
5.° Dá direito á preferencia para o aforamento do ter-
reno occupa!Io.
São esses os principaes direitos decorrentes da taxa de
-Q.Ccupação, Ide alguma forma já reconhecidos em ,parte, embora
sem a exigencia do pagamento da taxa, pelo art. 16 do De-
creto n. 4.105 de 22 de janeiro de 1868.

SERVIDÃO PUBLICA NAS MARGENS DOS RIOS

Depois da zona de influencia das marés nos' rios nave..


gaveis ou dos que se fazem navegaveis tem o Estado a ser-
vidão publica de suas margens.

Diz CARLOS DE CARVALHO (30):

"Nas margens idos rios navegaveis e dos que se


fazem os navegaveis são apenas reservados para ser-

(30) Nova Cans., art. 204.


Dec. 1507, de 1867, art. 39. Dec. 4105, de 1868, art.!.", § 2.°.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 509'

vidãopublica os terrenos que banhados pelas aguas:


dos ditos rios e fóra do alcance das marés, vão até.
á distancia de 15m,4 para a terra, contados desde o-
ponto medio rdas enchentes ordinarias".

E (31):

"O limite que separa o dominio maritimo do-


dominio fluvial para o effeito de medirem-se e de-
. marcarem-se 15m ,4 cm, 33 mm, conforme os terre-
nos estiverem dentro ou fóra do alcance das marés.
será indicrudo pelo ponto onde as aguas deixarem de
ser salgadas de um modo' sensivel ou não houver de-
positos marinhos ou qualquer outro fado geologico'
que prove a acção poderosa do mar".

Reproduz o Consolidador das nossas leis civis a legislação


anterior, revigoradas pelo Dec. n. 16.197 de 31 Ide Outubro
de 1923.
Este ultimo Decreto, em seu art. 216, paragrapho unico
dava attribuição ás Capitanias dos Portos para superintender
a,s margens dos rios navegaveis, emquanto o Governo não re-
gulamentasse o art. 110 da lei n. 3.644 de 31 de Dezembro
de 1918~ que autorizava a transferencia aos Estados dos ter-
renos marginaes Idos rios navegaveis.
O Governo Provisorio, afim de regularisar a situação,
baixou o decreto n. 21.235 de 2 de Abril de 1932, cujos termos,
pela sua importaRcia, devem ser reproduzidos (32).
O citado decreto talvez tenha levado muito longe o prin-
cipio da propriedalde dos Estados sobre as margens dos rios
que banham mais de um Estado, mesmo quando limitrophes .

. ,(31) Art. 205.


Dec. 4105~art. 1.0, §§ 14 e 15. - Citar Codigo de Aguas, artigo-
14 e 11S.
(3~)A'ft; 1.° - Fica assegurado aos Es-ta<ios o dOplJ1>1lio dos \er-
renos marginaes e acurescidos natUlralmente dos ,dos navegaveis que cor-
. rem em seus tel'ritorios, bem como das ilhas formadas nes~es rios, e o
das la.gõas navegaveis em todas as zonas não alcançadas pela influen-
cia das mares".
:510 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

E'queaConstituição de 16 de Julho diz em seu art. 20:.

"São do dominio da União:


II -. Os lagos e quaesquer correnteS em terre-
nos do seu dominio, ou que banhem mais ide um Es-
tado, sirvam de limites com outros paizes ou se es-
tendam a territorio extrangeiro".

Por outro lado, no art. 21 determina:

"São do dominio dos Estados:


II - As margens dos rios e lagos navegaveis,
destinadas ao uso puhlico, si por algum titulo não
forem do dominio federal, munici.pal ou particular".

Feita a exclusão do dominio federal, não vemos como pos-


:sam as margens dos rios limitrophes pertencer aos Estados.
E' isso tanto mais exacto que o Ante-projecto Constitu-
·cional áttribuia expressamente aos Estados o dominio sobre
.as margens dos rios navegaveis (33).
Por sua vez, o Co digo Ide Aguas (dec. n. 24.643 de' 16· de
.Julho de 1934) dispõe em seu art. 29 que pertencem á União
:as aguas publicas de uso commum bem como O' seu alveo :

"e) quando sirvam de limites entre dous ou


mais Estados ;
f) quando percorram parte do territor.i~ de
dous ou mais Estados".

e no seu art. 31, reproduz °


pensamento do texto constitu-
cional.
Ora, nada justifica a exeepção para as aguaS e o seu
:alveo, com exclusão dos terrenos marginaes.
O att .12 do Codigo de Aguas estabelece tambein ·uma
:Sérvidão. de transito, dentro de uma faixa de 10m,etros~ .para
.' ,.::
(33) Reproduzido 00 art. 36 da Constituição de 1937·,·.·
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 511

ós"~àgeiltes
da administração publica, quando em execução de
serViço naquellas correntes que não sendo navegaveis nem flu-
ctuaveis servem para formar outras fluctuaveis e não nave-
gaveis.

Servidão publica á marg1em dos riOoS navegaveis ou rios publicos


I , . •

Todas as nossas leis fixam uma faixa· á margem dos rios


publicos, destinada á servidão publica.
São esses terrenos aquelles banhados pelas aguas· dos ditos
rios, fóra do alcance ,dos mares; vão até a distancia de 7 braças
craveiras (15 metros e 40) para a parte da terra, contadas .
desde o ponto 'medio das enchentes ordinarias (34).
O Codigo de Aguas (35) regulamentou o assumpto com
mais precisão, fixando os seguintes ,principios:

a) São publicos dominicaes, si não· pertencem


ao uso commum ou não pertencem a particulares os
terrenos reservados nas margens ldas correntes pu-
blicas de uso commum, bem como canaes, lagos e
lagôas da mesma especie(36) ;
b) Nas margens das correntes não navegaveis
ou fluctuaveis mas que concorrem para formar ou-
tras fluctuaveis mas não navegaveis, fica reserva-
da uma faixa de 10 metros para servidão dos agen-
tes da administração publica quando em execução de
serviço, servidão Ide transito (37);
c) Os terrenos reservados são os banhados ,pelas
correntes navegaveis fóra do alcance das' marés; vão

(34) Lei n.· 1507, de 26 de Setembro de 1867, art. 34.


Dec. 4405, de 22 de F'ev,ereiro de 1868, art. 1.0.
Dec. 11.505, de 4 de Março de 1915. art. 175.
Dec. 16.197, d,e 31 de Outubro de 1923, art. 216.
I (35)1 A,uRELINO LEAL, Theoria e Pratica da Constituição, pg. 585 •
Dec. 24.64.'3., de 10 de Julho de 1004.
(36) Art. 11, n. O 2.
(37) Art. 12.
512 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

até a distancia de 15 metros para a parte da terra


contados !desde o ponto medio das enchentes ordina-
rias (38).

Estes são os principios vigentes sobre a materia. Dentro


desses limites não é possivel fazer construcções, obras, etc.,
sem previo consentimento das Capitanias dos Portos, segundo
a legislação em vigor.
O art. 712 da lei italiana de 13 de Julho de 19'11 deter-
mina, igualmente:

"i beni laterali ai fiumi navigabili sono soggettialla


servitú della via alzaia, detta anche di attiraglio o
Idi marciapiede. Dove la lunghezza di questa non e
determinata da regolamenti e consuetudini ingenti,
si entenderá stabilita a metri cinque. Assa insieme
alla spond'a sIno aI fiume, dovrá dai pro.p.rietari esse-
re lasciata libera da ogni incombro od ostacoIo aI
passaggio di uomini e di bestie da tiro" (39).

E' este ultimo o conceito da "servitude de halage" e da


"servitude de marchepied" de accordo com a legislação fran-
c~a:

"servitUJde de halage, diz BERTHELEMY, c'est l'obli-


gation de laisser sur le bord un chemin de 7 metres
50, pour le passage des chevaux. En outre, il est
interdit d'avoir des arbres ou des clôtu'!."es à moins
de 9 metres 75 du côté ou est établi le chemin de
halage.
La servitude de marchepied impose seulement
l'obligation de laisser un chemin de 3 metres 25 (40) ,o.

(38) A-rt. 14.


(39) D'ALEsSIO, op. cit., vol. lI, pg. 45.
(40) BERTHELEMY, op. clt., pg. 501.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 513

Exemplo frisante dessa servidão se encontra em ROL-


LAND (41) que cita o caso dos ribeirinhos da bacia do Sena,
que são obrigados a receber e deixar passar os feixes de ma-
deira que os negociantes embarcam ou desembarcam nas mar-
gensdos rios. Essa obrigação, imposta pela lei áquelles ribei-
rinhos, foi determinada pelo interesse publico e para facilitar
o aprovisionamento de Paris (42).
Por ahi bem se vê a extensão que pode ter a servidão im-
posta á ,prQ1>riedade privada á margem dos rios.
Finalmente é preciso considerar que em virtude do art. 37 da
nossa Constituição são do dominio dos Estados" as margens dos
rios navegaveis destinados ao uso publico, si por algum titulo
não forem do dominio federal, municipal ou parti.cular".
Já foi a questão examinada em outro capitulo, mas cha-
mamos novamente a attenção para o assumpto.
O art. 216, paragrapho unico do Dec. n. 16.197 de 31 de
Outubro de 1'9123, já advertia:

"Emqu~nto não fôr regulamentado o art. 110


da Lei n. 3.644 de 31 ,de Dezembro de 1918', auto-
ris'ando o Poder Executivo a transferir aos Estados
os terrenos marginaes dos rios navegaveis, conti-
nuam as Ca.p.itanias dos Portos a superinten-
del-os" (43).

Posteriormente e sob o regimen do Governo Provisorio, o


Dec. n. 21.235 de 2 de Abril de 1932, resolveu a questão de
modo mais expresso, asse~urando o dominio dos Estados sobre
as margens e ac.crescidos dos rios navegaveis e dos que se
formam os navegaveis bem como das ilhas formaJdas nesses

(41) Droit Administratif, pg. 331.


(42) Conseil d'État de 1911, BOUCHERON, Rec. 1911, pg. 1253,
(43) ATt. UO, da ,]ei 3:.644: "Os foros de terreno d,e marinha só
reoahirão sobre -os terrenos federaes, não sendo considerados como taes
os tel"l'enos das margens dos rios os quaes seguem sempre a condição
das terras devolutas pertencentes aos Estados".
- 303
514 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
--------------------------------------------------
rios e os das lagôas navegaveis em todas as zonas não alcan-
çadas pela influencia das marés.
Não pode, no entretanto, ser a questão examinada sem
attender a outras circumstancias como as que se referem aos
rios limitrophes ou que banham mais de um Estado.
Para isso remettemos para o capitulo proprio, onde o
assumpto já foi estudrudo.

TERRENOS DE MAiNGUE (44)

Sobre terrenos de mangue e a sua natureza, grandes du-


vidas foram sempre suscitadas, tendo diversas ordens e decre-
tos procurado equ1paral-os aos ide marinha (45).
A lei n. 3.979 de 31 de Dezembro de 1919, autorisou o
Poder Executivo a arrendar os terrenos de mangue "com as
garantias que a technica aconselhar" (art. 2.°, V, § 4). Em
virtude dessa autorisação, baixou o Poder Executivo' o Decreto
n. 14.596 de 31 de Dezembro Ide 1920.

Ahi ficou estabelecido:

1.0 que ficaria reservada uma faixa de 33 me-


tros ao longo da costa e das margens dos rios attm-
gidos por maré, onde seria absolutamente prohibida
a utilisação do mangue (46).
2.° os terrenos não compreheIlldidos na faixa
de 33 metros seriam divididos em lotes de 5 hectares
cada um, que poderiam ser subdivididos para facili-
tar o arrendamento;

(44) Sobre teremos de mangue - ver {} parecer que publlicamos


em appendke. .
(45) A. DE V. PAIVA, Notas sobre Terrenos de Marinha, pg. 22.
(46) O art. 236 do Reg. das Qapitanias (dec. 16.197, de 31-1Q-9·23)
dispoz que o corte de mangue só seria permittido com I-icença da Gapi-ta-
nia, que verif.icará si o corte de mangue altera o regimen da navegação.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 515

3. o nos lotes de exploração o corte de mangue


só poderia ser feito na altura de 1 metro acima,
pelo menos, do plano nivel do preamar maximo;
4. 0 o arrendamento seria feito .por concurren-
cia pelo prazo de nove annos;
-
5. o a falta de cumprimento do contracto im-
portaria em multa e a sua rescisão por falta de
pagamento de doze prestações.

Tudo justifica a these vencedora a respeito do assumpto.


Não ha como confundir os mangues com os terrenos de ma-
rinha, e as proprias medidas asseguradoras da navegação jus-
tificam as restricções im.postas pela lei aos arrendatarios.

PROCESSO DE AFORu\lMENil'O

o aforamento dos terrenos de marinha segue um pro-


eesso cuja finalidaJde é não só a demarcação exacta da area
-concedida, mas ainda a fixação de valor da propriedade e con-
sequentemente das taxas a serem pagas pelo concessionario.
O Dec.n. 4.105, de 22 de Fevereiro de 1868, mOldificado
:pelo Dec. n. 14.594 de 31 de Dezembro de 1920 estabelece as
1lormas geraes exigidas para concessão de aforamento. Nume-
rosas ordens, instrucções e portarias fixam as normas proces-
.suaes e administrativas que orientam as autoridades e os func-
donarios administrativos nas alludidas concessões.
O Delegado Fiscal em São Paulo, Dr. Manoel Madruga,
conhecedor profundo de tudo quanto se refere a terrenos de
marinha, consolidou, em uma portaria de 22 de Março de 1921,
as diversas instrucções a serem seguro·as nO' estudo e informa-
·ção dos ,pr~essos relativos a terrenos de marinha, seus accres-
·cidos ou quaesquer outros terrenos nacionaes (47).

(47) Portaria de 22 de Março de 1921 do Delegado Fiscal de São


.Paulo:
.A.rt. 1.0 Recebido na Delegacia Fiscal o requerimento do aforanren-
516 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Os termos dessa portaria devem ser aqui transcriptos, por-


que resumem as diversas legislações que tratam do assumpto,

to de um terreno acompanhado da planta, o Delegado. mandará ·que a


Contadoria inf.orme sobre essa pretenção.
O Contador deverá distribuir o processo a um escripturari,o, afim
de que na sua falta, haja quem conheça o assumpto e não se interrompa
a trediçãío de ta'es trabalhos na Delegacia. Por essa conveniencia se-
ria meLhor que não só um mas d'o.is esCl·ipturarios ti:vessem de estudar
a materia em cada caso.
O exame deve versar:
a) Se o pro.cesso· contem a planta do terreeno pretendido por afo-
ramento acompanhado de duas coplas do mesmo. Essa planta deve ser
assignada por profIssional que prove ser engenheiro ou 8gu-imens'or (l1)e-
ereto n.O 9827, de 31 de Dezembro de 1887).
A Escala da planta deve ser, de acco,rdo co.m a Lei n. 0 1145 de De-
zembro de 1903 (art. 32).
IDscala de 1/200, qlUando a frente do terreno de marjnha seja :me-
nor de 200 metros.
Escali3. de 1/500, quando a frente for entr,e 250 e 500 metros.
Escala de 1/1,000, quando. a f,rente for entre 500 e 1000 metro.s.
Elscala de 1/2000, quand'o a frente fo.r entre 1000 e 2000 metros.
Elssa escala é a menor p.ermittida.
b) Além da planta, deve no processo haver o desenho do perfIlou
perfis do terreno, bem assim dos detalhes, uns e outros des,enhados na
escala de 1/100.
Oada perfil, cujo numero dependerá da extensão da frente do ter-
reno, será Iocado. na planta pOlr um traço em carmim, com· letras nas ex-
tr,emida,des.
c) lEI' es'sencial que na planta esteja figul"ada a posição. da Hnha
da preamar media, com todos s'eus 'seguimentos, deV'idamente cotados com
as distancias e direcções; assim tambem se ,proced'endü com os d.emais
seguimentos do perimetro que ·encerra o. ,terreno. Não' se pode prescin-
dir da orientação da ,planta.
A po,Siição da pr,eama,r media é variavel, por effeito do movimento
das areias; manda a Lei que, s'empre que seja possivel, deve ser consi-
derada a posição ao tempo. da execução da Lei de 15 de No.vembr()
d,e 1831. .
d)Não deve faltar na planta 'o nome dos visillhos, ainda que se-
jamj meros occupantes.
Art. 2.° Se algumas ·das exigencias supras faltar no processo, as-
sim o deve informar a 'Oontadoria, e, por ser despacho publicad() nos jor-
naesda Capital, determinará o Delegado que a parte sane todas as ir-
regularidades, indo o processo novamente para a Contadoria, onde aguBlr-·
dará o. cumprimento desse despacho.
Quando. a juizo do Contado1", tiver a parte satisfeito as exigencias.
do despacho, submetterá o processo á deliberação, do. Delegad'o Fiscal.
:Art. 3.° ISe o Delegado conformar-se com esse parecer, será ()C-
casião de mandar ouvir a 'Prefeietura, a quem se enviará a copia da plan-
ta, advertindo-se delicadamente sob1"e 1) prazo que esta tem para se pro~
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 517

notando-se, porém, que se torna necessario attender á circums-


tancia de que a aIludiJd·a portaria refere-se ao processo a ser
seguido nas Delegacias Fiscaes, e não no Thesouro NacionaI.

nunci'ar e pedindo a devO'lução da planta com a rubrica do chefe do exe-


cutivo municipal, afim de evitar troca desse d'ocumento em caminho.
AIO mesmo tempo se abriráaudiencia do Ministerio da Marinha e da
Guerra, a,os quaes se remetterá uma cabal des1cripção do terreno; nada
impede que se envie uma .planta.
Nos E,stados, -excepto no Rio de Janeiro, aquelle Ministerio será
representado pela Capitania do Porto e este pelo Commando da Região
ou off,icial mais g'il'aduado na guarni,çã:o, a um e outro advertindo-se do
prazo de vinte dias que tem para dizer.
A audiencia do Ministerio da Guerra só éobrigatoria se proximo ao
terreno ha alguma fOTtaleza ou estabelecimento militar.
Se no local houver Obras de melhoramentos do porto, ou projecto
para isso, dever-se-á ouvir o Ministerio da VJaçã)o. Na duvida é melhor
sempre ouvir esse Ministerio.
Alrt. 4.° Ouvidas todas as autoridades, cuja.s opiniões constarão no
processo, mandará o Delegado pubHcar edital annunciando o pedida de
aforamento. Nesse editail será o terreno descripto quanto á sua situa-
ção, dimensões e confrontantes, os qua.es serã!o nom1nalmente referidas.
Além disso sempre que for possivel, serão elles pessoalmente citados, por
carta, a que darão o "sciente".
A .publicação do ed·ital será feita por 30 dias á custa da parte no
lo·calem que estiver o terreno; se ahi não houver jornal, na Gapitania do
Elstado. Será fixado tambem na porta da repartição arrecadadora federal
'lIllaIi·s prnxima ao terreno.
No edital é obrigatorio que se d.ec1are que a concessã)o do afora-
mento ficará sem effeito se a qualquer tempo se encontrarem no terreno
areias monaziticas ou metaes preciosos.
Alrt. 5.° 'Correndo o prazo do edital sem haver reclamação, as,sim
o cerM:flj.cará no processo o protocoHsta da Delegada. S.e houver, o De-
legado por seu despacho mandará juntaI-a ao processo para ulterior exa-
me. Convem mais uma vez dar vista á Contad·oria e depois ao Procura-
dor F,iscal.
Art. 6.° 'Conhecidos os pareceres d·o Contador e Pr.ocurador Fiscal
e estando o processo organizado co·mio oS a·utos forenses, !erá o tempo do
Delegado designar uma sessão da Junta de Fazenda para deliberar so-
bre a concessão.
A decisão dev.e ter f.orma de sentença, em que o Delegado funda-
mental-a-á tendo em vista os doclllIOOntos do processo.
Se o terreno for pretendido por mais de um individuo, sem direito
á preferencia de que trata0 art. 1.° do Decreto 410l) de 1868, será posto
em hasta publica, entregando-se a concessão a quem maiores vantagens
Qfferecer aos cofres publicos.
Não é permittido concedera um m.esmo individuo g.rande extensão
de terrenos de marinhas. O uso tem permittido, no emtant.o, não obedecer
a essa dispos.Lção sempre que ° tel1reno de marinha, ainda que extenso,
é a frente da totali<l.ade do terreno allod.ial do pretendente.
Qualquer que seja a dedsão, cabe recurso contra elle para o Sr. Mi-
nistro da Thzenda, por par.te de quem se considerar prejudicado.
A:rt. 7.° Se for a sentença concedendo° aforamento e se não hou-
518 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Feitas essas alterações, devem, ser respeitadas as normas


consignadas na mesma portaria.

ver recurso dentro de 10 dia,s após sua publicação, o Delegado designa,rá


um engenheiro, de preferencia funccionario federal, para proceder a ve-
rificação da planta, lavrando~se o termo d'e medição, demarcação, ava-
liação do terreno, e calculo de fôvo, nos, term·os das determinações em
vigor, especialmente os 3Jr,ts. 12, 13 e 15 da Lei n.· 3070, A de M de
Dezembro d'e 1915.
',Esse termo será lavrado por um funccionario nomeado escrivão
ad-/wc peIo Delegado ou seu representante, pelo Procurador F'iscal pelo
concessionario, pelos confrontant'es, e quaesquer outr.QS interessados.
Se houver confrontante que não assigne o termo, constará abi o
motivo. .
Se for caso de recurso o Deleg·ado encaminhal-o-á, informando, de-
pois de ouvir o Plrocurador F,iscal, com todo o .processo.
Art. 8. Se a sentença concedendO' o aforamento passar em jul'gado,
lavrado o termo supra, o DeLegado dará vista do processo ao Procura-
dor Fisca·1 que poderá requerer qualquer emenda ou diligencia.
Se o P,r·ocurador não julgar necessario requerer qualquer pr<lV'iden-
cia fa·rá lavrar a minuta do termo de emphyteuse que juntará aos autos
da concessão, por elIe devidamente rubr·icada, deixando tão sómente em
branco a data desse termo. Nessa minuta o terreno serád'escripto com
todos o,s seuscaracteristicos; constarão as obrigações a que fica sujeito
o foreiro ,como o fovo a pagar annualmente, e, se o não fizer pontual~n­
te, com a multa de 20 %; a ,não poder vender ou escambar o terreno sem
licença do senhorio, a quem declarará o preço da transacção, para que
este conceda a 'Licença, oobrando o laudemio d·e 5 % sobre o preço" ou
exer,ça o direito. de opção; no tenno tambem constará que o aforamento
ficará s,em efeito se em qualquer tempo' se encontrar no terreno areias
monasitic3is ou metaes preciosos.
Se a falta de pagamento do foro for pIOr tres annos será o afora-
mento declarado em commisso, bem cO'mo se o foreiro alienar o terreno
sem licença nos casos em que esta é necessaria.
O Sr. Delegado recebendo o processo com a minuta, sujeital-a-á a
approvação do Sr. MinÍostro da Fazenda; antes della não terá a con-
cessão qualquer v3ilimento .
.AJrt. 9,° .Se, a concessão forapprovada pelo Sr. M.inistro, será
occas,ião do Delegad'o mandar lavrar {) contracto no livro competente, de
accordo com a minuta approvada, assignando-o o PrO'Curador e o con-
cessionario com duas tes,temunhas. Seguir-se-á a exped,içã.Q do ti,tuIo que
em substancia conterá. os dizeres do contracto.
Se, porém, não poder ser approvada a concessão, por exigencias fei-
tas pel'o T'hesouro, a.Q receber o processo mandará o Delegado que essas
exigencias sejam satisfeitas !reformando-se a planta, OU os termos se
for caso disso, e submettendo novamente á decisão superiur todo o pro-
cessado.
Se a decisão for negando a approvação, mandará o Delegado archi-
var os autos. •
De todos esses' incidentes deve ser notificado o interessad'o pessoali.
mente ou por publicação nos jornaes da Oapital. - Dr. Manoel Madruga,
DeLegado Fiscal.
CAPITULO VII

SERVIDÃO PUBLICA

Servidão PuhHca - N/oção - S'ervidão á Ma·rgem das Es-


tradas de Ferro e de Rodagem - Servidão M.ilitar -
Terrenos de Fronteira - ServidãJo em torno dos aero-
pOirtos,

E' esta outra restricção imposta á propriedade particular


em beneficio do interesse publico.
Não se deve, no entretanto, confundir a serv~dão de di-
reito publico com a de direito privado, nem mesmo procurar
applicar o conceito desta áquella.
BIELSA define a servidão publica:

"Le servidumbre publica puede definirse como


un derecho publico real, constitu~do ,por una entidad
publica (Estado, Provincia o Comuna) sobre un
bien privado, con el objeto de que este sirva aI uso
publico, como una extension o dependencia deI do-
minio publico, En tal virtud, !econócese en esta
servidumbre los siguientes elementos esenciales:
1.0 una cosa de propriedad privada, que pasa me-
diante Ia constitucion de servidumbre, al regimen

(1) Xestriciones y servidumb?'e administrativa, pg, 108,


520 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

de la cosa ,publica, a la cual aprovecha o integra


en su funcC'ion; 2. 0 un uso publico atribuido poten-
cialmente a la administracion publica y material-
mente a la colectividad (universitas incolarum) ,
representada por la administracion publica, ya di-
recta, ya inJdirectamente (uti singuli, uti universi)".

Ninguem melhor, porém, do que OTTO MAYER, fixou a ver-


dadeira noção da servidão de direito publico, estabelecendo a
sua differença da de direito privado (2).
Por vezes tem sido o conceito levado ao extremo. Assim
na França, "toda modificação determinada pela lei ou pelos
regulamentos á ,propriedade illldividual em beneficio da utili-
dade publica" tem sido, como observa JUSSELIN em seu tratado,
considerado como servidão publica (3).
Como mostra BERTHELEMY «4), dentro desses principios
deve se conciliar a idéa de servidão com a de um encargo não
s6 in patiendo, mas tambem in faciendo. Nelle se comprehen-
dem as restricções impos,tas á propriedade individual, em razão
de serviços publicos (occupação temporaria, passagem, anco-
ragem, canalisação, etc. (5), e ainda a imposição da obriga-
ção de construir passeios, calçamentos, etc.
Parece exaggeraido o conceito. VELASOO observa com muita
razão que não se deve confundir a servidão propriamente dita
com a simples limitação ou restricção do dominio (6) :

"La servidumbre es una variedad de la limita-


cion. Esta resulta de la oI"dinacion juridicageneral
de la propriedad, mientras la primera se produce

(2) Op. cit., vaI. lII, pg. 273, ver tambem DERNBURG, Pam.dette,
vaI. I, parte lI, pg. 2830--3 letras a) e b).
(3) Traité des servitudes d'utilité publique, pg. 12 e segs.
(4) O.p. cit., pg. 623 e notas. .
( 5) C. BLAEVOET, Des atteintes á la p'l'ovrieté á raison des travaua:
publics, pgs. 7 e 130.
( 6) O. WIELAND, Les droit réeles dans le Code Civil Suísse, I,
pg. 657.
Los ContractoB administrativos, pg. 349.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 521

entre un fundo y un servicio ,publico. El simples


hecho de la limitacion no significa substraccion al-
guna a cualquieres de las manifestaciones que inte-
gren el concepro complexo de dominio; en tantos que
la servidumbresi resta o sustrae algunos Ide esos
elementos ".

Não se confunde a servidão com a limitação á proprie-


dade. Aquella presuppõe apenas o uso publico, 'a utilisação
pelo Estado de uma situação dominante, é a continuação de
um direito real preexistente, emquanto que esta é mais ampla,
comprehende tOld'as as restricções ao exercicio pleno do
dominio.
A Lei de Minas, com todas as suas restricções sobre o
seu aproveitamento; o Codigo Florestal, com todas as limi-
tações á exploração das florestas; o Codigo de Agua8, os Co-
digos de Posturas e de Policia, estão repletos de limitaçÕES
que não podem se confundir com as servidões publicas.
São restricções impostas pelo interesse publico (Police
Power). '
Não é lpossivel, porém, deixar de considerar a servidão
uma restricção ao dominio embora não se possa ter toda res-
tricção como servidão.
Esta tem de ser entendida dentro do seu conceito technico,
embora adaptado ao direito publico, com a amplitude que lhe
dá a natureza das relações juridicas em que o sujeito é o
Estado.
As servidões publicas podem ser, segundo CINO VITTA (7)
pessoaes ou prediaes.
Pessoaes são aqueHas pelas quaes são dadas á collectivi-
dade um uso parcial sobre a cousa privada, sem relação ao
uso que a collectividade faz de um determinado bem perten-
cente ao ente publico.
Assim o uso da cousa privada pela coIlectividade é uma
verdadeira servidão e não um simples limite á propriedade.

(7) Op. oit., pg. 216.


522 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Assim, constituem servidões pesso.aes os camin40s vici-


naes, as "villas", biblio.thecas, galerias, museus, aguas par-
ticulares.
As servidões prediaes são aquellas institui das sobre bens
particulares em beneficio de um bem ,publico, assim a servidão
á margem dos rios, etc.

Servidão á margem das estradas de ferro e de rodagem

Ao. lo.ngo. das estradas, impõe~se a necessidade de uma


protecção. especial indispensavel á efficiencia de seu aprovei-
tamento..
Para isso, admitte a lei a existencia de uma servidão..
Co.mo observa BIELSA (8), estas limitações se justificam.
por serem as estradas de ferrovias de communicação de todo
equiparadas aos caminhos publico.s.
O Regulamento de 26 de Abril de 1857 já estabelecia entre
nós limitaçÕés ás propriedades visinhasás estradas de ferro,
;pouco. tendo. a legislação posterior modificado. os termos da-
queUe regulamento.
O Dec. n. 15.67-3 de 7 de Setembro de 1922, que approvou
o. Regulamento para segurança, policia e trafego das estradas
de ferro, estabelece as seguintes dispo.sições relativas ao
assumpto:

1.o As estradas de ferro. são sujeitas ás regras


geraes da legislação con~ernente ás cerc~s, exgôtos
de aguas, arruamento, edificação lateral e a quaes-
quer outras não contrariadas por aquelle regula-
mento (9);
2.0 A desapropriação dos terrenos visinhos
pode abranger as pedreiras, lastreiras e arvores si-
tuadas nas suas visinhanças;

(8) Op. dt., pg. 135.


(9) AJrt. 8.° do citado Decreto 15.673.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 523

3.° Fóra das cidades e vilIas e na extensão de


seis metros de cada lado serão feitas vallas e cercas
,para evitar 'a passagem de bois e cavallos (10);
.,
4.° Nos terrenos contiguos á estrada ninguem
poderá ,plantar arvores que possam prejudicar a
linha ou ameaçar a segurança do trafego (11);
5.° A menos de 50 metros de distancia de cada
trilho exterior da estrada de ferro servida por loco-
motiva a vapor não se poderá depositar materiaes
combustiveis ~u casas de capé, folhas de palmeira,
etc., e a menos de 300 metros não poderão ser de-
positados explosiv<>s (12).

o Regulamento de 1857 mandava regular a questão das


construcções á margem das estradas de ferro dentro das ci-
dades e villas de accordo com a legislação local.
O Decreto de 1922, acima citado, silencia sobre o assump.-
to. Não se pode, porém, deixar de admittir no caso a supre-
macia da lei federal no estabelecimento de normas geraes rela-
tivas ao assumpto (13).
O regimen das estradas de rodagem é semelhante, bem
como das linhas telephonicas ou telegraphicas.

Servidão Militar

A defeza nacional, o interesse da disciplina e da vigilan-


cia, a conveniencia do isolamento dos estabelecimentos milita-
res, justificam a creação de servidões em torno das praças de
guerra (14).

(10) Airt. 12 do mesmo Decreto.


(11) Art. 153 do mesmo Decreto.
(12) Art. 154 do mesmo Decreto.
BIELSA, op. cit., pg. 135.
(1,3:) AURELINO LEAL, em seu livr{) Theom e Pratica da Consto Bra.
sileira, á pagina 17'8 examina interessante demanda jU'~gada afinRiI pelo
Supremo T;ribunal.
(14) Ver LoMONACO, Demanio dello Stato, pg. 87, nota 165.
524 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Taes servidões consistem na prohibição de construcções,


na limitação da altura dos predios contiguos ou de moradia.
Depende a sua existencia da natureza dos estabeleci-
mentos.
A nossa legislação sobre o assumpto é antiquada e não
mais satisfaz ás exigencias da technica militar moderna.
Pelo art. 65 das Ordenanças Militares de 20 de Feve-
reiro de 1708 e pela Resolução de 4 de Julho de 1750, ficou
prohibido semear, plantar sob as muralhas dos corpos das
praças, assim como fóra delIas, ou nas contra-escarpas ou
fossos, dentro de 15 braças, isto é, 32~ metros fóra da estrada
coberta.
Mais tarde o Regulamento Provisional do Real Corpo de
Engenheiros de 12 de Fevereiro de 1812, prohibio mais a edi-
ficação de casas, levantamento de muros, vallados e valIos, ca-
minhos cobertos ou quaesquer outras construcções dentro de
600 braças em torno das praças de guerra, fortalezas e pontos
fortificados (15).
""
A legislação moderna impõe necessariamente a limitação
tambem na altura dos edificios e outras exigencias junto aos
campos de aviação, polygonos de tiros, etc.
E' de citar a legislação italiana (16), sobre o assumpto,
que colloca em seus devidos termos a questão, revogando a
antiga legislação:

"Per esa (art. 1) si prendano in considera-


zione le proprietà che trovansi in vicinanza non solo
di opere di difesa militare propriamente detta, ma
anche di poiigoni di tiro, campi di esperienze, aero-
porti e campi di fortune, nonche di stabilimenti mi-
litari, in cui siano depositati o manipolati esplosivi
ed altre sostanze pericolose.
Le servitu stesse possono riguardarsi, altre
l'impedimento temporaneo aI transito od alla sosta,

'(15) V,er a senteIllÇa publica na Rev. S. T. F., voI. XVIII, pag,i-


na 317, que eX9:mina o assumpto.
(16) Lei de 20 de Dezemhro de 1932.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 525

l'obbligo di non costruirse o di costruirsl solo a de-


terminata altezza o con determinati materiali, non-
chê gli obblighi di non aprire strade, non iscavar
fossi, non fare elevazione di terra, non fare deter-
minate piantazioni, ne tenere focolari, fucine o de-
positi di materie infiammabili, ne impiantare linee
elettriche o condotte' di acqua o di gas (art. 2)" (17).

No mesmo sentido BIELSA (18) observa:

"Restricciones que tienen ·por fin la seguridad


publica (tutela de la vida fisica de los habitantes).
Son tales: 1.0 - las relativas a la defensa nacional;
limitaciones militares (prohibicion de edificar a
cierta distancia de las fortalezas, arsenales, etc.);
occupacion temporanea de campos o fincas por tro-
pas en marcha o acampamentos".

Essas restricções são u.niversalmente impostas ,pelo inte-


resse da defeza nacional, variando apenas nas diversas legis-
lações o vigor e a natureza das exigencias legaes (19).
A Constituição de 1891, em dois dispositivos referia-se ao
assumpto. Arts. 34, n. 31 (20), e 64 (21), embora procurando
neste ultimo artigo fixar mais a questão do dominio.
No ·art. 34, n. 31, no entretanto, encontra-se de modo ge-
nerico attribuida ao Congresso a competencia para regulamen-
tar a situação dos proprios empregados na defeza do paiz e o

(17) CINO VITTA, Diritto Amministrativo, pg. 219.


(18) Op. cit., pg. 132.
(19) BERTRELEMY, pg. 398.
(20) "Compete privativamente 8iO Cong.resso NaCional:
31 - Sulbmetter á legislação especial oos pontos do territorio da Re-
publica necessarios para a fundação de arsenaes ou outros estabelecimen-
tOos e. instituições' de conveniencia federal".'
(21) Art. 64: - Pertencem aos Estados a.s minas e terras devo-
,lutas situadas nos seus respecti,vos territorios. cabendo á União sómente
a porção de. territorios qf\le fôr indispensavel para a defeza das frontei-
.ras, fortificações, construcções militares e estradas de ferro federaes".
526 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

regimen legal a que deviam ficar 'sujeitos os estabelecimentos


militares bem como a região em que fossem construidos.
Os dispositivos citados mereciam ter sido regulamentados,
dada a natureza do assumpto e a sua importancia capital em
virtude da incerteza e imprecisão das relações de dominio
entre a União e os Estados.
Isso mesmo pedio ao Congresso o Presidente EPITACIO
PESSÔA salientando os inconvenientes da situação (22).
A elaboração da Constituição de 1934, veio collocar a
questão novamente em fóco. Na Commissão nomeada pelo
Governo, um dos seus componentes, General Góes Monteiro,
focalisou o problema da defeza nacional e alli ficou reservado
um capitulo especial na Constituição sobre a defeza nacionaJ.
O art. 86 e seus paragraphos, do Ante-projecto, serviu de
base ao art. 166 da Constituição que estabelecia os seguintes
principios :
1.o Dentro de uma faixa de cem kilometros ao longo das
fronteiras, nenhuma concessão de ~erras ou de via de commu-
nicação e a abertura dellas se executarão sem audiencia do
Conselho Supremo da Defeza Nacional;
2.0 Da mesma forma se procederá relativamente ao esta-
belecimento, nesta faixa, de industrias que interessem á De-
feza Nacional;
3. o Attendendo á Defeza Nacional e á defeza aduaneira
-e sanitaria, o Poder Executivo regulamentará na fronteira a
utilisação das terras publicas (23).
As limitações á propriedade ahi ,previs,tas incluem impli-
citamente a existencia, na zona fronteira, de servidões milita-
res, além de outras e não menos profundas restricções á appro-
priação e utilisação das propriedades privadas.' E' aqui de

(22) Ver AIuRELINO LEAL, Theoria 8 Pratica da COTl8tituição, pa-


gina 794, onde se encontra um ,estudo sobre as colonias mitHtares e a defe-
za das fronteiras.
(23) A Constituição de 1937, manteve com pequena Erlteração a pri-
meira alinea daquelle dispositi,V'o - d'ispondo· a ~esp.eito em seu artigo 165.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 527

citar o accordão do Supremo Tribunal Federal de 25 de Junho


de 1935 (24), 'cuja ementa é a seguinte:
"Terras de fronteiras. Na largura de dez leguas perten-
cem á União, continuando em vigor 'a lei n. 601, de 1850 e \)
decreto n. 1.318, de 1854. Os bens ,publicos, do dominio da
União, não são susceptiveis de apropriação".
Justificando o seu voto vencedor disse o Ministro Arthur
Ribeiro o seguinte:
"Segundo se verifica dos autos, a fazenda "São Marcos"
é um proprio federal, e. nessa fazenda está incluido o immovel
"FrechaI ", de que o autor se diz possuidor, conforme consta
do laudo pericial, tendo em vista o relatorio do Ministro da
Fazenda de 1878.
Si assim é, trata-se de um bem publico, do dominio da
União, que sómente poderia perder a inalienabilidade que lhe
é peculiar, nos casos e fórma ,prescriptos pela lei, segundo o
art. 67 do Codigo Civil.
Fóra desses casos, os bens dessa natureza estão fóra do
commercio e são insusceptiveis de apropriação, de sorte que a
sua posse não PQde ser adquirida por particulares.
A1ém disso, está em causa um terreno fronteiriço com a
Guyana Ingleza, e que, pela Constituição da Republica, não
passou ao dominio dos Estados.
O art. 64 da Constituição preceitua:
"Pertencem aos Estados as minas e terras devolutas si-
tuadas' nos respectivos territorios, cabendo á União sómente a
porção de territorio que fôr indispensavel para a defeza das
fronteiras, construcções militares e estradas de ferro fede-
raes" (25).
Como o mandamento constitucional não determinou qual a
-extensão da porção do territorio indispensavel para a defeza

(24) Diario de Justzça, de 25 de Junho de 1935.


(25) O art. 37 da Constituição de 1937, mantem a propriedade dos
E,stados, de confoJ:1midade com a legislação anterior.
528 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

das fronteiras, e lei ordinaria posterior não a determinou, de-


ve-se entender, de accordo com o accordão deste Tribunal, de
23 de Maio de 1908, que as terras devolutas existentes. nas
fronteiras continuaram a pertencer á União, na largura de
10 leguas, continuando em pleno vigor 'a lei n. 6001, de 18 de
Dezembro de 1850, e o decreto n. 1.318, de 30 de Janeiro
de 1854".

SERVIDÃO EM TORNO DOS AEROPORTOS

A necessidade de garantir a maio'!' segurança, não sómen-


te das aeronaves e seus passageiros, mas tambem dos mora...
dores das visinhanças dos aeroportos, impoz a determinação
de certas re~tricções ás construcções· levadas a effeito dentro
de determinada area (26).
A semelhança do que se tem feito em outros paizes, a lei
brasileira tambem previo a necessidade de estabelecer aqueIlas
restricções. O decreto 1.439 de 5 de Fevereiro de 1937 croou
com esse objectivo, uma ZQna de 1.20.0 metros, em torno dos
aeroportos, em que as construcções devem obedecer a uma limi-
tação na sua altura, no sentido decrescente, sendo as maio'!'e.5.
alturas mais distanciadas do centro daquelle circulo.
As elevações dos edificios nessa faixa bem como de qual-
quer installação, torres, chaminés, reservatorios, linhas de
transmissões, telegraphicas ou telephonicas, postes, mastrea-
ções, obstaculos de qualquer especie, não ,poderão exceder á
altura corres.pondente a um decimo da distancia medida do
limite exterior do aeroporto.
As medidas adma mencionadas têm caracter o mais' se-
vero, podendo ser embargadas aquellas construcções levadas
a effeito com violação dos dispositivos legaes que regem o
assumpto.
Caso não seja possivel o aproveitamento pelos particula-
res das areas comprehendidas na zona acima demarcada, po-

(26) V,er tambem o decreto 20.914, de 6 de Janei<ro de '1932, e o


D.ecreto Municipal 6.000 de 1 de Julho de 19;3,5, artigos 45 e seguintes.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 529

derá o Governo, nos termos do decreto 1.439 ordenar a sua


desapropriação; o mesmo poderá acontecer com todo e qual-
quer obstaculo, embora não comprehendido nos termos acima
mencionados mas que, por qualquer forma perturbe a partida
ou sa:hida das aeronaves.
A lei franceza de 4 de Julho de 1935 estabelece restric-
ções semelhantes bem como a obrigação de balisamento e illu-
minação dos pontos el~vados, em beneficio da navegação
aerea (27) .

.(27) Ver tambem () decreto de 00 de Outubro de 1935.


WALINE, Précis de Droit AdminisfJratif,pg. ~. .

- 34
CAPIruTÁ) VIII

REGIMEN DAS FLORESTAS

Florestas - Regimen florestal - Oodigo F-Iorestal - Le-


~Lslação - Policia das florestas - Regimen administra-
tivo.

A importancia das florestas, quer sob o ponto de vista hy-


drographico, quer sanitario, esthetico, scientifico, exige do Es-
tado uma legislação tendente ao 'aproveitamento das mesmas
ao fim peculiar a que se destinam.
O conjuncto das leis e regulamentos relativos ás florestas
e ao seu a.proveitamento e dominio é o que se chama direito
florestal, e comprehende todas as materias sujeitas á acção le-
gislativa, quer nas relações entre os particulares, quer entre
-estes e o Estado.
VON STElN denomina direito administrativo florestal
aquella parte que se refere ás attribuições das autoridades ad:-
ministrativas na applicação das normas do direito fluvial (1).
E' o que nos interessa neste trabalho.
A legislação florestal brasileira vem, pode-se dizer, desde
o seculo XVII (2) e teve a sua manifestação mais evidente na

(1) La scienz~ della pubblica amminist1"azione, pg. ~04.


(2) Lei de 15 de Outubro d'e 1827"
Lei n. 001, de 18 de Setembro :de 1850"
Regulamento de 12 de Dezembro de 1605"
Alvará de 5 de Janeiro de 1785, ,e de 1 de Agos,to de 1697.
Decreto de 13 de Novembro de 17'55.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINIS~RATIVO BRASILEIRO 531
---
defeza do m'Onopoli'O do páo brasil, defeza estendida pela legis..
lação posteri'Or ás fl'Orestas em geral (3).
A legislação federal sobre fl'Orestas não é muito abun-
:dante, devendo-se mencionar especialmente 'O decreto n. 4.421
de 28 de Dezembro de 1921 que creou o serviç'O florestal d'O Bra-
:si! e 'O seu regulamento baixado com 'O decreto n. 17:042 de 16 de
Setembro de 1925. Muito limitad'O, po!"ém, é o campo da regu-
lamentação anterior a'O decreto que sancci'Onou o Codig'O fl'Ores-
tal, que veio afinal dentro de um quadro systematico reunir
'as disposições que p'Odem interessar, principalmente sob o pon-
·to de vista administ!"ativo, á legislação florestal.
O Codigo fl'Orestal f'Oi publicado pelo decreto 23.793 de
23 de Janeiro de 1934.
Quanto ,á legislação estadoal, ella se tem desenvolvido de
~accordo com as condições peculiares a cada Estado.
Embora tenha a Constituição de 1937 em seu art. XIV,
reproduzind'O a de 1934 em seu artig'O XIX lettra j, attribuido
á União 'O direito de legislar sobre florestas, não excluio, antes
'O admittio expressamente, o direito dos Estados de legislarem
suppletivamente. .
Como sempre acontece, a legislaçã'O federal é normativa,
traça as linhas geraes do problema administrativo, mas não
'pode attender a todas as particularidades inherentes á admi-
nistração estadual.

(3) Observa RIBAs, Curso 'de Direito Civil Brasileiro, II, pg. 319:
"'Tambem desde o seculo XVII que se deram providencias para evi-
tar o estra~o das florestas no nossopaiz, e especialmente das nJilldeiras
proprias para a construcção naval. Mtandou-se que estas, quando situa-
das nos portos, costas doe mar e sua visinhança ficassem inteiramente re-
servadas; que os seus terrenos se não dessem de sesIlJialrias; e que os
-mesmos sesmeiros do intedoT não podessem corta.r maclekas grossas e
-de lei sem Hcenr;a do governador e capitão general da respectiva ca-
pitania. .
l\:'I-odernamente os juizes de paz foram inc.umbidos de' vigiar sobre a
cons·ervação das ma:ttas e florestas plllMicas; onde as houver,e obstar nas
particulares ao corte de madeira reservada por lei; e oomquanto fossem
,extinctas as conservatorias dos cortes de madeIras, continua a prohibição
de cortar as reservadas por lei sem 'Hcença do governo, ainda em ter-
renos ,particulares".
532 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

o Codigo classifica as florestas em quatro categorias, se-


gundo a sua utilidade ou finalidade.:
a) protectoras ;
b) remanescentes ;
c) modelo;
d) de rendimento.

As primeiras são aquellas' que servem para conservar (»


regimen das aguas, evitar a erosão de terras, auxiliar a defesa
das fronteiras, proteger sitios, assegurar condições de salubri-
dade Ipublica, etc.
As remanescentés são aquellas que formarem parques na--
cionaes, estaduaes ou municipaes; as em que abundam ou se
cultivam especimens preciosos'; ou as que o poder publico. re-
serva para pequenos parques ou bosques de gozo publico.
As florestas modelo são as artificiaes, constitui das por
limitado numero de essencias florestaes, indigenas ou exoti-
cas, cuja disseminação convenha seja feita na região.
As demais florestas consideram-se de rendimento.
As florestas ,protectoras e remanescentes consideram-se de
conservação perenne e são inalienaveis (4).
Os parques nacionaes são considerados monumentos pu-o
blicos.
A importancia desses monumentos considerados riquezal5
enormes da Nação, sob o ponto de vista da natureza, é muito·
grande e constitue em certos paizes preoccupação de todos os-
governos (5).

(4) Art. 8, sobre a inaHenabrlidade consultar PoRRLNI, amministra-


:mone forestale, in Primo Trattato de Orlando; vaI. IV, pg. 487 e ~.
(5) ~{)s E,stados Unidos por exemplo, encontram-se algumas deze-
nas de parques de maior importancia; sóme,nte o de YeIlostone tem mais.
de 0000 kilometro-s quadrados.
Sobre este assumpto ver o interessante livro de A. J. SAMPAIO inti-
tulado Biogeographia dynamica, onde a pg. 176 pode-se encontrar nume-
rosos exemplos d.e parques nacionaes.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 533

Na Argentina, por exemplot só de uma vez, no anno de


1935, o governo <;laquelle paiz gastou mais de 17.000 contos
no ,parque de Nahuel Huapi.
Entre nós, já ANDRÉ REBOUÇAS em 1877 pleiteava a crea-
,ção de parques nacionaes, o que só ultimamente foi levado a
effeito pela creação do parque rracional de Itatiaya (6).
A intervenção do Estado neste terreno é da maior impor-
tancia, ·porque é o. mesmo inaccessivel á iniciativa particular
:sem os elementos necessarios para retirar os rendimentos cor-
respondentes aos vultosissimos capitaes invertidos sem obje-
,etivo immediato de lucro.
Tratando das vantagens que traz a intervenção do Estado
·em taes assumptos, diz EINAUDI o seguinte:
a) o homem tem uma duração de vida muito limitada
.emquanto que o mesmo não acontece com o Estado que tem um
periodo de vida illimitado;
b) a administração florestal reveste-se de extrema sim-
plicidade o que torna extremamente facil a administração of-
iicial;
c) a administração do Estado é muito menos dispen-
,diosa;
d) o Estado tem maior interesse e mais directo na admi-
nistração florestal que lhe traz ao mesmo tempo maior rendi-
mento (7).
Além dessas, encontramos vantagem ainda maior, qual seja
.a de que o Estado pode empregar o seu capital sem e&perar
rendimento directo, contribuindo apenas para attender aos in-
:teresses da communidade.
As florestas de caracter privado poderão ser declaradas
:pro1;ectoras depois de verificado pelo Conselho Florestal a sua

(6) Esta inicIafiva representa um grande passo para a defesa do


'Ilosso patrillIDIlio florestal. G.randes são as riquezas encerradas na vasta
'zona em que se comprehende ° parque nacional, dentro do patrimonio do
.J ardim Jl,otal).ico, 'localizado na zona do Itatiaya.
J'O Principii di scienza della finanza pg. 15.
534 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

conveniencia, cabendo ao proprietario as indemnizaçoos devi-


das pelos damnos que porventura vier a soffrer (8).
O direito de desapropriação poderá ser exercido, desde que
haja eonvenienci~ de ser reconhecida uma floresta privada.
como remanescente, desde que seja julgado necessario o seu.
reflorestamento, etc.
:Favores e regimen especial attribue o C()digo para os pre-
dios onde houver eBipecimens raros, arvores de grande belleza ..
Restricções podem ser estabelecidas para o uso e gozo de:
taes propriedades.
Ao poder federal compete, pelo orgão competente do Mi-·
nisterio da Agricultura, classificar as florestas, localizar os·
parques nacionaes e organizar florestas modelos, sem excluir.
a competencia suppletiva dos poderes estadoaes e locaes (9).
A exploração das florestas do dominio publico é regulada.
em seus detalhes pelo Godigo, sob o regimen contractual, pre-
cedendo concurrencia publica (10) onde devem ser estipuladas.
todas as condições de ordem technica e economica.
A exploração pode ser intensiva quando soffre apenas li-
mitações impostas pelo Codigo, e pode ser limitada quando'
se restringe a certas e determinadas operações autorizadas pelo,
Ministerio.
A questão tem sido muito discutida. O systema do arren-
damento tem merecido sérias criticas dos que têm estudadQ o'
assumpto. G. RoCHER (11), na Allemanha e G. CLAVÉ, na Fran-
ça (12) pronunciaram-se contra o systeIr).a porque quasi' todo,
o capital é fornecido pelo proprietario e constitui do pela pro-
íPria floresta. O arrendatario irá sem duvida destruil-o pra-·
ticando toda a sorte de abusos, contra os quaes sÓIDenteuma.
fiscalização severissima se deve exercer, o que não compensa.
o arrendamento. Torna-se, por isso, preferivel a exploração.
pelo proprio Estado.

(8) Art. 11.


(9) No Min'j,sterio da AlgrLcultura .
.(10) Art. 36 e segUltntes.
(11) Recherches 8'wr divers sujets deoonomie politique.
(12) J!Jtude sur l'ecooomie forestiére, ambos apud. A. BoUCHARD;,
L'Evolution de la fortune de l'Etat, pg,. 86.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 535

Não. meno.s zelo. do. que as flo.restas publicas merecem a~


particulares, sujeitas pelo. Co.digo. a uma severa vigilancia e a
um regimen de po.lida que co.nstitue a ,parte mais desenvo.l-
vida do. Co.digo..
A policia florestcLl será exercida pelo.s Governos da União.,
dos Estado.s e do.s Municipio.s, segundo. a natureza da flo.resta,
po.dendo., no. entretanto., o. primeiro., em virtude de acco.rdo.,
ficar sómente com a inspecção. e a alta vigilancia, por meio.
de delegacias regio.naes, co.m a o.rganização., attribuições e hie-
rachia fixadas no.s regulamento.s.
A auto.ridade do.s guardas florestaes deve ser a mais se-
vera, dada a natureza das funcções e o.S perigo.s deco.rrentes
do. seu exercicio.. São. verdadeiro.s guardas da segurança pu-
blica, co.m attribuições policiaes e fiscaes, que ,permittem até
a imposição. de multas e prisão..
As infracções flo.restaes de caracter penal e administra-
tivo. estão. discriminadas no.s arts. 70 e seguintes do. Co.digo.,
que prescrevem igualmente a natureza do. processo. e as pe-
nalidades.
As impo.sições, embo.ra de caracter penal, não. excluem as
penas de natureza administrativa co.m os caracteres inheren-
tes a taes infracções como. reparação. do. damno., cujo. 'pro.ducto
terá destino. especial (13).
O fundo flo.!'estal co.nstitue, tambem, assumpto. do. maio.r
interesse. A sua co.nstituição. e fórma de arrecadação. de sua
renda estão. previstas na lei.
O Co.nselho. Flo.restal é o. orgão. technico. e administrativo.
que superintende todo. o serviço flo.restal.

(13) Art. 74.


OAPITULO IX

MINAS

Minas - ,seu Regi.men - Systema Fondiario - Systema


Dominical - Systema de Oooupação - Systema das
Concessões _. A .constituição - O Codigo de Minas -
Jazidas e Minas - Pesquizas - Concessões - Registro.

Do maior interesse pela importancia na economia publica


e pela influencia da administração na fiscalização do regimen
de Minas, quer na pesquiza, quer nas concessões, cabe neste
trabalho o estudo do nosso regimen de Minas, e da organi-
zação administrativa a que se acha ligado.
Diversos systemas têm sido applicados pelas differentes
nações no que diz com o regimen mineral. Podemos assim di-
vidir os diversos srstemas.

Os diVJel1SOS systemas (1)

I - O chamado systema fondiario, ou da accessão, segun-


do o qual a mina ;pertence ao proprietario do sólo. E' o sys-
tema mais diffundido e acceito pelos physiocratas. E' a base

(1) Ver A. BERIO, La riforma della le,qislazione mineraria, RoL-


LAND, Précis de Dr. Adminim-atif. :pg, 443; BERTHELEM:Y, Précis de Droit
Ad.ministratif. p.ag. 730.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 537

de todo o regimen mine'l'ario inglez e dos Estados Unidos com


certas restricções.
Foi acceito pelo art. 526 do nosso Codigo Civil.
Decorre do direito de propriedade em seu sentido mais
amplo, abrangendo o sólo, o sub-sólo e o espaço aereo (2).
Neste regimen, o Estado exerce um direito apenas de vi-
gilancia e de policia no sentido de orientar a exploração das
riquezas mineraes.
A nosso ver, nenhum fundamento juridico tem o attri-
buir-se a propriedade do sub-sólo pelo simples facto de pro-
priedade do sólo.
E' o regimen juridico classico, defendido pelos autores do
Codigo Napoleão como CAMBACERES, BERLIC, etc.
Economicamente, tem o defeito de dividir as minas.
E' este o regimen vigente na Inglaterra, com excepção das
minas de ouro e prata que pertencem á Corôa, a de estanho de
Cornwall e Devonshire, de ferro de Dean, e chumbo de Der-
byshire, para cuja exploração é assegurado o princ1pio rega-
liano. A legislação reconhece ao proprietario da superficie a
propriedade do sub-sólo e a faculdade de promoveras pesqui-
zas que entender sem precisar de concessões.
Não Ipar:ece mais sustentavel esse principio deante das mo-
dernas concepções juridicas que, não sómente attribuem func-
ção social á propriedade, como ainda favorecem o desenvolvi-
mento e o ap"!'oveitamento economico das riquezas.

'U - O segundo systema é chamado da dominialidade.

Por esse regimen, a mina é propriedade do Estado, é um


bem sem dono. Mas o Estado, não podendo exploraI-a, pode
dar concessões, ou mediante um preço fixo ou particLpando
nos lucros da exploração.

(2) Cujus est solum, ejus est usque ad sidera et usque ad inferos.
538 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Tem esse systema uma razão que o justifica.


Não tendo o proprietario contribuido pelo seu esforço para
o progresso e a producção da jazida, deve esta ser conside-
rada uma riqueza commum, pertencente a todos e portanto ao
Estado.
Contra esse systema, insurgem-se aquelles que não admit-
tem a socialisação ou a intervenção do Estado. Allegam os
inconvenientes do mOll<>Ipolio do E,stado e o perigo das impo-
sições fiscaes (3).
E' o systema em vigor no Mexico, por força do § 4.° do
art. 27 da Constituição de 1917, que voltou, assim, á tradição
colonial, depois de diversas reformas legislativas.
Como demonstra GABINO FRAGA JUNIOR (4) :

"La propriedad atribuida a la Nacion sobre las


substa~cias minerales, no es una propriedad privada
regida por las normas deI derecho civil, sino afec-
tada a la satisfacion de ciertos fines sociales como
son la necessidad de satisfacer exigencias de carac-
ter general, la de garantizar una eficaz explotacion
de los elementos naturales y de suprimir las cargas
que los prÜip·rietarios deI suelo representan para un
a provechamento regulado per el interes social".

IH - Systema de occupação.

A mina pertence ao descobridor, ao seu primeiro occupan·


te, salvo o direito do proprietario (em alguns casos) a uma
participação (5).
A mina é, assim, res nullius.
o systema ,apezar dos defeitos, tem grandes vantagens:
facilita o descobrimento e a exploração das minas.

(3) Ver BERTHELEMY, Précis, pago 732.


(4) Derecho Administrativo, pago 330.
(5) 'Ver BIELSA, Derecho amm. vaI. lII, pago 410; GoNZALEZ, Le.
gislacion de Minas, ,pa:g. 723.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 539
----,
Não se pode, entretanto, considerar, sob o ponto de vista
juridico, um systema perfeitamente justo, porque nem sempre
o descobridor tem os elementos necessarios para a sua explo-
ração, e este constitue o maior interesse do Estado para o seu.
desenvolvimento economico e exploração de suas riquezas.
Conciliar este systema com outros, princ1palmente com o'
da dominia:lidade, é do maior interesse, participando o inven-
tor nos resultados da exploração, podendo ser esta realisada
:pelo Estado. Isto importaria no maior desenvolvimento da
iniciativa particular e aguçaria mais o instincto e o interesse'
dos descobridores, o que constitue verdadeira especialidade,.
onde entra em grande parte conhecimentos technicos' de mine-
ralogia e geologia, que não se acham ao alcance de qualquer
pessõa.

IV - Systema da concessão ou industrial.

A mina iJ)ertence ao Estado res ComrY1/Unis. Não passa a


propriedade ao concessionario, que se substitue ao Estado na
exploração industrial da mina.
E' este o systema francez, desde a lei de 21 de Abril de
1810, lei Napoleonica, e tambem o da ltalia, desde a lei Sarda
de 1859, sendo essas as duas mais importantes legislações sobre'
o assumpto.
A legislação franceza não se preoccupa tanto com a ques-
tão da propriedade da mina, mas da sua exploração. Distingue
as minas subterraneas, as descobertas e as ,pedreiras. Para as
duas ultimas, admitte a sua propriedade e exploração pelo pro-
prio dono do s610. Para as primeiras, porém, o systema é da
concessão pelo Estado, por tempo indeterminado antes da lei
de 1919, e ,por tempo fixo desde essa ultima lei.
Finalmente,' a lei de 19,27 admitte a exploração por uma.
simples licença a prazo fixo até 34 annoa, sem a possibilidade'
de hypotheca.
A lei de 1922 estabeleceu um regimen especial para as
jazidas de petroleo e gaz combustivel, tratando detalhadamente
das permissões para as ,pesquizas e exploração.
540 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

A participação do Estado nos lucros da exploração está


igualmente prevista na lei de 1919. Essa participação bene-
ficia tambem o pessoal (6).
Ha, por conseguinte, um grande movimento de socialisa-
ção das minas, tendencia, aliás, universal, que se justifica por
si mesma.
A legislação italiana é igualmente interessante, conside-
rando-se a lei Sarda acima citada, ty,po de uma orientação
constante naquelle paiz.
E' preciso notar, porém, que a lei toscana de 1788 e a
napolitana de 1826 seguiram o systema fondiario;
a lei austriaea de 1854 - o systema regalistico;
a lei parmense de 1852 - o systema dominical (7).
Está em vigor, na Italia, o decreto lei de 19 de Julho de
1927, que segue o systema da lei Sarda (8).
No BrasH Imperial, as minas de ouro, bem como as de
diamantes, pertenciam á Corôa (9); aos partieulares, porém,
era licito eXiploral-as, pagando á Corôa.
A Republica veio consideraI-as de dominio privado, salvo,
naturalmente, as que se encontravam em terrenos devolutos.
A Constituição de 1891 dispõe:

(6) BERTHELEMY, op. cito ,pag. 752.


(7) V,er A. BERIO, La Riforma de la legislazione mineraria, 1928,
pagina 23.
(2) D'ALESSIO, 1st. II, ipag. 101, que ass·iJIll resume 'o systema
da ultima lei italiana:
"La legislazione minerada SI e unificata in ltalia ,solo nel 1927 ed
ha prevalso il sistema deUe LeggL Sarda e LOmJbarda, vigenti ancM in
aoltre Pr.ovinde (parma, ex ,Stato Pontificio, ·ecc.,), per ~ui é Ticonosciu·to
aUo Stato un d.iritto eminente >di l"egaVia su turtte leminiere; Questo di-
ritto deUo !;ltato é inaUenabile. Esso ne .cede il godiJlll,enó ai privati me-
diantle atti d& concessione, la cui natura giurridioa é analQga alle ooncessio·
ni di diritto eccezionale sul demanio pubbIi<'O." .
(9) RIBAS, Di'rei~o Civil, lI, pago 320. - Lei de 24 de Outubro de
1835; TEIXEIRA DE FREITAS,. Consolidação das Leis Civis, art.57, § 2.°;
LAFAYETTE, Direito das Cousas, § 26.
INSTITUIÇÕ'ES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 541

"Art. 72, § 17:

a) As minas pertenc€m ao proprieta~io d(}


sólo, salvo as limitações estabelecidas pela lei, a bem
da exploração das mesmas;
b) As minas e jazidas mineraes necessarias á
segurança e defeza nacionaes, e as terras onde exis-
tirem não podem ser transferidas a extrangeiros".

Os decretos ns. 2.933 de 6 de Janeiro de 1915 e 4.265-


de 15 de Janeiro de 1921 vieram regulamentar o assumpto.
As alterações ,profundas feitas nas referidas leis pejo de-
creto actuahnente em vigor, n. 24.642 de 16 de Julho de 1934,
dispensam-nos de um exam€ que teria, já agora, com este ulti-
mo decreto e as disposições constitucionae8 vigentes apenas,
VR101' retrosnectivo.

- Já o Ante-projecto Constitucional tratava em seu art. 115


de tão relevante ,assumpto, seguindo orientação mais de accor-
do com as necessidades de nossa riqueza -(10).
A Constituição de 16 de Julho de 1934, ainda veio tornar
mais clara a situação do dominio:
Art. 118 - As minas e demais riquezas do sub-sólo, bem
como as quedas dagua, constituem propriedade distincta da do
sólo, para o effeito de aproveitamento e e~ploração indus-
trial (11).
Art. 119 - O aproveitamento industrial das minas e das
jazidas mineraes, bem como as das aguas e da energia hydrau-

,(10) Art. 115 - "As riquezas do sub-sólo e as quédas dagua, si


umas e outr.as ineXiploradas, ficarão sob o r~imen da lei ordinaria a ser
votada pela Assembléa Nacional.
§ unico - A União pode fa1Jer concessões para exploração de mi-
nas e quédas dagua, mas só mente a brasileiros ou emprezas organizadas
no Brasil e com çapMal neUe integralisado. A lei regulará o regimell'
das concessões, fixando prazos e estipulando clausulas de reversão".
(11) Esta disposição foi conservada na Constituição de 10 de No-
vembrode 1937, art. 143.
542 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

lica, ainda que de propriedade privada, depende de autoris'a-


ção ou concessão federal na forma da lei.
§ 1.0 - As autorisações ou concessões serão confe!idas
exclusivamente a brasileiros ou a emprezas organisadas no.
Brasil, resalvado ao proprietario preferencia na exploração ou
..coparticipação nos lucros .
•••••••••••••• ••••••••••••••••••••••••••••••••• 0.0 •••••

§ 4. 0 A lei regulará a nacionalisação progressiva das


-

minas, jazidas mineraes e quedas dagua ou outras fontes de


energia hydraulica, julgadas basicas ou essenciaes á defeza
economica ou militar do Brasil".
Fugimos, assim, ao regimen da accessão, expressamente
revogado 'Por todos os textos constitucionaes e leis em vigor.
Permanecemos no regimen da' propriedade privada. Nada
impede, porém, que o Estado dê concessões sobre aquellas minas
que não estejam devidamente legalisadas.
Nos debates havidos na Commissão do Itamaraty, ao ela-
borar-se o Ante-proJecto de Constituição, propuzemos' que se
fixasse na Constituição um prazo para a legalisação dos titu-
los, sob pena de reversão ao Estado. A emenda não foi appro-
vada, mas teria o dispositivo a virtude de fixa!' dentro de um
'prazo certo quaes as minas em condições de ser eXiploradas.
A nova lei de Minas é o decreto n. 24.642 de 10 de Julho
de 1934.

Regimen de Minas
-
Depois das leis de 1915 e de 1921, estabeleceram a Cons-
tituição de 1934 e o, Codigo de Minas (dec. n. 24.6'42 de 1.0
.de Junho de 1934) um regimen mais avançado, no que diz com
o aproveitamento pelo Estado e pelos particulares das riquezas
do sub-sólo existentes em nosso paiz.
Fixaremos desde logo os pontos capitaes do problema, tal
-como se achava collocado nos arts. 118 e 119.dessa Consti-
tuição (12):

(12) Ver o art. 143 daConsti-tu~çã'O de 10 de N'ovembro de 1937.'


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 543

1. o - As minas e demais riquezas do sul-sólo constituem


.propriedade distincta da do sólo para o effeito de exploração;
2. 0
- O 'aproveitamento das minas e jazidas mineraes,
ainda que de propriedade privada, depende de autorisação ou
eoncessão do Governo Federal (13).

(13) Uma reacção se v,em processando contra o controle federal


'Sobre as minas e quédas dagua. !EiSta corrente é constituida princ:ipa.l-
-mente p.elos ooncessionarios ou interessados nas concessões.
O projecto de lei n. 384-A da Camara dos Deputados approvado em
193'5 mandava passar ,integralmente para os Estados que possuissem de-
terminado apparelhamento technico, a attribuição Ide conceder e o apro-
veitamento industrial das m/inas e jazidas mineraes, bem como das aguas
~e da energia hydl":l!ulica,a que se referia o art. 119 da Constituição.
O projecto, porém, não mereceu a sancção do Presidente da Republi-
ca que 'o v-etou em termos que devem ser aqui reproduzidos porque con-
sagra a verdadeira doutrina sobre o assumpto.
"O proj-ecto de lei n. 382-A, de 193'5, não pode ser sanccionado por
·estar em opposição a dispositivos expressos da Constituição da Republi-
'ca e oontrariar os intel'lesses nacionaes.
Sob o primeil"oaspecto, transforma em regra o que o constituinte
instituiu oom 'o oaract'er de excepção e igualment,e porque, como lei 0.1'-
.dinaria, dis:pensa <> que de ma'lbei'ra implicita se estatue na lei das leis.
'Dispõe o art. 119 citado, que "'o aproveitamento industrial das mi-
nas e jazidas mineraes, bem como das Iliguas e da energÍta hydraulica,
:ai,nda que de pl'Opri,edade privada, d.epende de autoriza!;ão ou concessão
federal; na fórma da 'lei". .Im/porta diz,er que a 'lei a tal regime se acham
vinculadas as proprias minas, jazida.s e quédaS dagua do dominio esta-
,du.a,l, 'UlIna V'ez que a Constituiç.ão não as distingue para exceptuar, dis-
tinguindo. entretant'o, mas para incluir, de modo expresso, as de proprie-
,dado privllida:
A essa regm, abre o § 3.·, o referido artigo, a s'eguinte .excepção:
"Satisfeitas as cond~ç'ões estabelecidas em l'ei, entre as quaes a de
possuirem os neces'sari·os serviçoS' technieos ·e administrativos, os Esta-
.dos passarão a exercer dentro dos respectiv'os territorios a attribuição
oonst.ante deste artigo".
MJalllrresto fica, ,pois, que os Estados sómente poderão exercer aquel-
'la attribuição quand'o satisfaçam outras ,condições além da que fo·i es-
pec:ficada. a saiber - "de possuirem os necessarioos serviços technicos e
administrativos" ,e só mente "dentro dos respectivos territorios". Ora, o
projecto. transformando em regra o o que era eXicep;ção, determina que
tal attribuição seja "integralmente" transferida aos Estados que satis-
faç.am a unica das condições que foi especificada, abrin.do mão das de-
rna:s que a OonstituiçãO quer que sejam estabeloecidas e que já constam
dos Decretos 24.,622 e 24.643, de 10 de Julho de 1934.
E ao fazel-o não exclue nem mesmo as autorizações e concesesões
"de minas, ja7Ji.dase aguas do dominio da União. Se essa interpretação
pudesse vingar. facil seria aos Estados organizar aquelles serviços, em-
'bora com 'pessoal idoneo, ficando, por consequencia, letra morta o que se
544 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

3. 0 - As autorisações ou concessões serão conferidas ex-


clusivamente a brasileiros .ou emprezas organisadas no Brasil;
resalvada a preferencia dos proprietarios para exploração ou
participação nos lueros;

contém, como essencial, na inovação deliberadamente acceita pela Assem-


b~a .constituinte e crys talisa da no art. 119, em apreço.
Mas, além, da apontada Inconstituciona1idade, {) pTojecto contraria
relevantes interesses nacionaes.
Em relação ao aproveitamento industrial das quédas daguá., ha a
di,stinguir:
a) as existentes em cursos do dominio da Uniã'o;
b) as de potencia consideravel;
c) as que possam interessar a mais de um Estado, seja por sua
situação geographica, seja por obras de reguIarizaçãQ ou accumulação
exigidas para seu racional aproveitamento.
-Competindo privativamente á União a gestão dos bens dQ seu do-
mi'nio, a transf'el'lencia dessa attrihwfção, para os E.stados, deverá proce-
der-se mediante accordo especial, co,nforme se tem feito, e não d.e modo
geTal, como impDieitamente' se dispõe no projectQ. As quédas dagua
existentes nos terri.tor.ios dos Estados, em curso do dornlnio da União, de-
vem ,ter o seu aproveitamento dependente da concessão federal, ainda que
processada segundo as normas estIpuladas nos convenios para esse fim
formados >entre ·os Governos federal e estadual.
A Consíttuição prevê (art. U9, § 4. 0 ) , a naci'ona.lização progressiva
das minas, jazidas mineraes, quédas dagua e outras fontes- de energia
hydraulica, julgadas basicas ou essenciaes á def.esa economica ou militar
do paiz. As quédas dagua de média e grande potencia, em um paiz de
escassas reservas de oombustiveis, representarão um papel preponderante
no seu desenv,olvimento industrial, devendo ser consideradas como basi-
cas ou essenci'aes á defesa economica e mesmo militar pela utilização da:
energia em industrias de caracter bellico.
O Codigo de Aguas estabeleceu como limite de p'Gtencia para as qué-
das dagua em condições de satisfazerem a esse requisHo e sUlbordinou-as
ao Governo F1ederal. E·sse limite não é absoluto e p,ode, opportunamente,
ser modificado num ou noutrosentido,se assim o exigiTem os interesses'
llIeraes ou loc:aes, Irias, o principio, que é constitucrona}l, deverá ser man-
tido e não eliminado, comoresuIta do pl'ojecto.
Finalmente, as quédas dagua, conslfiderad'as ble1ls pami,nwni'aes da
coUectivh:lade nacional, devem attender ás necessidades· da.s populações e
do desenvolvimento ind·ustrial dos territol'iosao alcance dos seus raios
de acção, independentemente das linhas lindeiras que vinculam as di-
versas unidades da federação. A situação geogTaphlca ou a natureza
das obras a execútar para o seu racional aproveitamento justifica a sua
conservação sob a competencia federal, unica capaz de conciliar a pos-
sivel diverg1encia de interesses dos Estados em causa. Essa supervisão-
do Gov·erno Central muito contribue para estreitaT os 'laços de fraterna
união a existir entre os diversos !Eistados empresta consideravel vigor á.
propria communhão nacional. Revela ainda ponderar que muito cancor:...
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 545

4.0 - A lei regulará a nacionalisação progressiva das


minas e jazidas mineraes julgad'as basicas ou essenciaes para
a defe~a economica ou militar do Brasil;

rerá para a maxima utilização technica das condiçõe's physiographicas de


cada fonte de energia. A resolt.r.ç.ão J.egis,lativa impugnada silencia sobre
eses casos, entregando a cada Estado, isoladamente, a solução do pro-
blema em seu conjunto.
R·elativamente ás minas e jazidas mineraes, constiderações da mesma
ordem, com amp.aro no texto constitucional aconselham, oem defesa dos
interesses conectivos, que se estipulem certas condições ao exercido pe-
los Estados das attribuições em apreço.
A la·vra das jazidas de metaes preciosos, sobretudo o ouro, deve
permanecer sob a jurisdicção dJirecta do Governo Federal. Cbm effeito,
dihr.ersos actos legislativos e executiv'os, entre oS qua.es a l'ei n. 4.440, de
31 de Dezembro de 1921,art. 56, e os decretos ns. 21-49'4, de 8-6-32,
e n. 23.53·5, de 4-12-33, e instrucções baixadas para sua execução pelo
Ministerio da Fa7Jenda em 7-5-34, e n. 24.193, de 3-5-34, nálo só regulam
o commercio do ouro e ·outros metaes preciosos de qualquer origem, inclu-
siv·e d'o ouro alluvi-onar, como determinam' que esse metal seja adquirido
pelo Banco d'o Brasil por conta e ordem do Thesouro Nacional, e con-
servado em deposito á disposição do Governo, que o destinará á forma-
ção d,e um lastro metallico ou remettel-o-á para o exterior a credito da
União. Confer·em, outrosim, ao MlÍnisterio da Fazenda a suprema fisca-
lização do serviço de compra do ouro e concedem favores especiaes ás
empresas que se constituirempara ex;ploração das jazidas auriferas.
Interessando, destarte, particular e exclusivamente á União a expIo-
ra,ç·ão dessa classe de jazidas, não se encontram motivos que legit-imem
a outorga aos Estados de poderes para autorizar a SUJa. pesquiza ou con-
ceder a sua lavra. Logica e racionalmente as explorações auriferas no
Paiz devem collocar-:se sob a jurisdicção e fiscalizaçálo immediata do uni-
co poder publico directamente interessado na accumulação de reservas
dessaespecie. .A necessidade dessa .pratica, d,ecorre, pois, do inciso cons-
titucional que determina a nacionaLização progressiva das j'azidas mine-
raes ,e quéd·as dagua.
E,sse mesmo preceito da Constituição autoriza subordina:ç'ão directa
ao Governo Federal, da pesquiza e lavra das jazidas de combustive.is, fos-
sis e de substancias betumdnosas. Seria ocioso esclarecer a decisiva in-
fluencia d'esses combustiveis sobre as condições economicas do Paiz, e,
principalmente, no que concerne á sua defesa militar. Em particuJ,ar, a
. exploração de petroleo federruI ficar exclusivament,e sob as vistas do Go-
verno Federal, quer seja fornecido directamente pela natureza, quer obti-
do -pela d~stillação de rochas betuminosas. As autorizações e concessões
legaes, tratando-se de campos oLei:feros devem, além di.sso, .por motivo de
ordem technica, emanar de um só' orgão administrativo que tenha igual-
mente a .seu cargo a fiscaLização dos traballhos de pesquiza e lav'l"a, afim
de evitar as per.tuTba:ç,ões e os prejuizos possiveis, quand,o viciosamente
orientados.
Pelas -razões expostas, prevaleço-me da autorização que me confere
o art. 45° da Constituição Federal para negar sancção ao projecto em
apreço.
RIo de Janeiro, 17 de Janeiro de 1,936. - Getulio Vargas."

- 35
546 THEMISTOCLES BRANDXO CAVALCANTI

5.° - Não depende de autorisação ou concessão o apro-


veitamento das minas em lavra ao ser promulgada a Consti-
tuiçã.o, ainda que transitoriamente suspenso (14);
6.° - A competencia para execução das disposições acima
citadas pass'ará para os Estados, desde que se achem technica-
mente apparelhados;
7.° - Finalmente, a competencia para legislar sobre a
mineração é da União (art. 16, XIV da Consto 1'937) cujas leis
serão applicadas para as explorações já existentes, e os seus

(14) O art. 143 da Constituição de 10 d.e Novembro d'e 1937 modi-


ficou em parte o~ disposto na Constituição de 1934 supiprimindo a refe-·
renda a concessao f-ederal para a explora.ção de minas, jazidas mine-
raes,aguas e eneI1gi'a hydraulica. Limitou-se o novo te~to a mencionar
apenas ,a necessidliide de autOTização .
. Observa o iHustre jornaolista Daniel de Carvalho, cujos estudos es'pe-
cializados sobre este assumpto já se vêm affirmando d'esde quando pro-
:lJedo como auxdHar juridico no Elstado de Minas Geraes, excellentes Pa-
neceI"es reunido's em v'olume, em artigo puibliC3ido no "J'OTnal d,o Com-
mercio", de 21 de Novembro ultimo, que ° novo texto da Carta Constitu-
ciona'} veio :d,ar ganho de causa áqueUes que combatiam a interpreta<;.ão
dada á Constituição de 1934 pela corrente chefiada pelo illustre Odilon
Braga, consiJd,erando a palavra "concessão" em seu sentido commum e não
puramente technico.
Diz Dan&el de Carvalho:
melhor sentido, a questão e encerrar o debate sobre o assumpto.
"A nova Carta Constitucional v.eio, porém, a meu sentir, cortar, no
,Assim é que em seu artigo 143, 1'l~roduz os artigos 115 e 119 da
Constituição de 1934, mas sUiPlPrime a referencia á "co.ncessão" federal.
Ora, justamente do ellllPrego dessa palavra, do seu sig-nificado techni-
co em dir,eito ad,:m;inistrativ,o se tirará partido para inculcar, com o au-
xilio dos antecedentes legis1ativos, que a autoritJação para o aproveita-
mento industrial não era a s~mples licença para utilização dos bens do
domin\o privado, mas antes verdadeiTa concessão para usa de bens de
dominio publiCa0 que importaria em aÍ'f'irmar o senhorio do E\sta,do sobre
as minas e quédas dagua.
O novo E'statuto, promulgado após o debate havido sobre o Godigo
de Minas e das Aguas, em que tudo se prerudia á pr.eUminar levantada
pelo Ministro da kgrlcultura de então e por elle defendida em exhaus-
tivas dissertações, mant.eve integralmente o texto inquinado de vicioSO e
do qual convirnha afastar "a suspeita calumniosa de que os membros da
Commissão de Redacção, por força de occultos interesses, tivessem frau-
dado o texto 'preferido em u~tima disoussão."
O que ,el1e não conservou foi a' reiteração da fórma interv.encionista
do Estado expressa por duas maneiras - autorização e concessão, pois
supprimiu a refer,encia á "concessão", de que se f'azia tanto cabedal.
NelIe fic,aram, porém, os varias dispositivos em que se pr,esuppõe a
INSTITUIÇÔES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 547

contractos serão revistos de conformidade com a legislação a


ser elaborada pelo Congresso.
Este é, em resumo, o nosso regimen minerario, quanto ao
dominio sobre as minas e jazidas mineraes, quanto ao que se
refere ao regimen de concessões e autorisações, e finalmente
quanto á competencia para legislar e conceder as pesquizas e
€XJplorações mineraes.
Actualmente, o serviço é superintendido pelo Ministerio
da Agricultura, cujo Departamento Nacional da Producção
Mineral tem a seu cargo todos os serviços relativos ao as-
sumpto (15).
Prevê, no entretanto, a disposição constitucional já ci-
tada, o mesmo fazendo o Codigo de Minas, art. 79, a passagem
desse serviço para os Estados, a quem caberá conceder ou au-
torisar a pesquiza e lavra de jazidas nas condições alli esta-
belecidas. Mas essa transferencia está condicionada, assim o
exige o texto constitucional, ao apparelhamento technico ad-
ministrativo necessario.
O Codigo de Minas, impõe o apparelhamento alli fixado,
como sejam: secções de geologia, laboratorios, secções de fis-
calisação, 'concessões e cadastros de minas.

e:lCistenda da pTopriedade rprivada sobre as minas e quédas dagua (§ § 1..,


2.° e 4.° do cito art. 143 e art. 144).
Isso Po.sto, Iparece-mei:r;recusavel que a nova Oonstituição põe termo
á controversLa, tornando mani·festa e indubitavel a subsi'Stencia da pro-
pri-edade privada s'obre as minas e quéd,as dagua, urnas 'e outras sujeitas
apenas a limitações ·eventua.es impostas pelo interesse publico".
Não n,os convece, porém, a argumentação, pelo menos á primeira
vista.
Tanto ,poderia ter sido a pa}vra "concessão" incluida no texto ante-
rior ,em sentido C01lllII1um, conforme sustentavam alguns, corno pode a pa-
1avra "autorização" ter um sentido gener,ioc que comprehende as diversas
modalidades de intervenção do poder publico nas actividades particula'res
relacionadas com a e:x;ploração das minas e quédas dagua. O que não
resta a menor duvida é que a propriedade privada sobre aquellas minas,
Jazidas, quédas dagua, etc., está sujeita á intervenção do poder publico.
Exi'Ste uma restI'icção imp,osta ao uso e eXJPloração daqueHas riquezas;
,que importa, afinal, no reconhecimento de um verdadeiro dominio imma-
nente do Estado sobre el1as. '
Nunoa, aliás, 'SUSltentamos a existencia do dominio dos Estados sobre
caqueIlas riquezas, o que viria contrariar o pro'prio regimen consagrado
pela Constituiçã'o, no que ,aliás fomos sempre vencidos.
(15) Ali se acham or,ganizados os orgãos technicos daquelle De-
partamento.
548 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Jazidas e Minas

o Codigo distingue, inicialmente, as jazidas e as minas. A


jazida é a massa de substancias mineraes ou fos,seis (16).
Tem assim simti'do natural, é a riqueza mineral.
A mina tem sentido economicó; está o seu' conceito li-
gado ao do aproveitamento da jazida; tem uma expressão
legal; é a jazida quando já em exploração.
E' preciso notar, porém, que a ConstituiçãÇ) não leva a
rigor a distincção tomada em seu sentido technico; confunde
seguidamente a mina com a jazida.
No seu art. 2.°, o Codigo de Minas classifica as jazidas
dentro de um criterio scientifico e economico (17).

Propriedade das jazidas

No tocante a este assumpto ha divergencias entre a Cons-


tituição e o Codigo de Minas, embora se possa ter comó uma
transigencia com o principio da prÚipriedade privada, o que
dispõe o § 1 do art. 143 da Constituição de 1937 que attribue
"-penas preferencia ao proprietario para a concessao ua 11l111~ ,

'1 para a participação nos lucros da explorac!5 r


,

Em todo o caso, a não ser nas hYipotheses previstas no


§ 4.°, ,em que se verificará a nacionalisação das minas, .o prin-

(16) Art. 1.0.


(17) "Art. 2.°:
CI8isse I - dos minel'lÍos metallicos em su:as jazidas primarias;
Classe II - dos lIlIinerios metalHcos ,em jazidas d'e a:luV'iões de var-
zeas antigas ou recentes;
Classe UI ~ dos minerios metalLi~os em aluviões de leitos de rios;
Classe IV - dos minerios e mineraes não metallicos em suas jazi-
das primarias;
alasse V - dos mine rios e mineraes não metaUicos em jazidas de
aluviões de varzeas an,tigas ou :recentes;
'Classe VI - dos minerios e mineraes não metalllicos em aluviões de
leitos de r.ios ou em praias de mar;
Classe VII - dos minerios terrosos;
ClIa,sse VIII - dos combustíveis fosseis Bolidos;
Ctasse IX - das rochas betuminosas e piro~ betuminosas;
Citasse X - do petroleo e gazes na,turaes;
Olasse XI - das. f,ontes de aguas mineraes, thermaes e gazosàs".
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 549

cipio da propriedade privada, ainda caracteriza o regimen vi-


gente.
E' a contragosto que reconhecemos a victoria desse prin-
cipio. E isto porque sustentamos na elaboração do. Ante-pro-
jecto co.nstitucional pela. Co.mmissão do Itamaraty, a necessi-
dade dà nacionalização de todas as minas cuja inscripção no
registro. competente não se fizesse dentro de certo prazo (18).
Mas a possibilidade da autorização ou mesmo a sua con-
cessão a terceiros, bem como a nacionalização de certas ja-
zidas constitue um progresso sob!'e o regimen anterior.
O Codigo. de Minas da Republica Argentina (19), estabe-
leceu reg-imen nacional; classificou as minas e estabeleceu para
cada Provincia um regimen de propriedade e de concessão dif-
ferentes, segundo o seu valo.r e a fórma de seu apro.veitamento
e exploração.

Pesquiza e lavra

Pesquiza são. os trabalhos necessario.s para o descobri-


. mento da Jazida e o conhecimento do seu valor econo.mico. (20).
'Co.mprehende duas phases distinctas:
a) a de ,prospecção ou trabalho de reconhecimento geo-
logico e mais investigações á superficie;
b) os trabalho.s do sub-sólo o.U pesquiza propriamente
dita.
Lavra é todo trabalho executado para extracção de subs-
tancias mineraes, e bem assim o seu beneficiamento in
loco (21).

(L8) A' margem do ante-projecto, pg. 129.


(19) BIELSA, Dereoho amnntnistrativo, valo In, pg. 412.
(20) ·Airt. 14 do Codigo de Minas.
(21) Airt. 30 do Codigo de Minas.
550 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Autorizações para pesquiza

Para a pesquiza basta autorizaçãó dada na f6rma legal


pela autoridade administrativa; não confere, no entretanto,
nenhum direito á lavra da mina.
A autorizaçãó, segundo dispõe o Codigo, pode ser dada a
.qualquer pessôa que assumirá as responsabilidades previstas
pela lei (22).
Deverá constar de decreto com todas as especificações.
Nenhuma duvida, no nosso entender, pode haver quanto
á vigencia desse dispositivo, deante do texto constitucional.
Attribuindo este preferencia ao proprietario, implicitamente
reconhece a ,possibilidade de ser dada autorização a terceiro.
O mesmo não oceorre, porém, quanto á preferencia dada
pelo art. 24 ao pesquizador para a lavra da jazida pesquizada.
A preferencia dada ao proprietario do s610 para a exploração
está exp~eS'8a na Constituição.
A caduci4ade ouannullação da autorizaçãó nos casos pre-
vistos pela lei, por abandono ou falta de cumprimento dos com-
promissos assumidos, serão processadas administrativamen-
te (23).
São casos de caducidade:
a)si 'as obras não forem iniciadas dentro de seis mezes
da data da autorização;
b) si os trabalhos iniciados forem interrompidos pelo
mesmo prazo, salvo motivo de força maior, a juizo do Governo;
c) si não forem apresentadas as plantas em tempo util,
para inicio das obras no prazo fixado;
d)· si findo o pr~zo da autorização não -forem apresen-
tados os relatorios sobr~ os serviços realizados.

(22) Art. 1·9.


(23) Arts. 27e seguintes.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 551

Concessões

Para lavra das jazidas mineraes, exige a lei a expedição


de titulo de concessão, depois de pesquizada com resultado sa-
tisfactorio verificado pelo Departamento Nacional de Produc-
ção Mineral ou a repartição estadoal competente (24).
A lavra é o trabalho executado para extracção de subs-
tancias mineraese bem assim o seu beneficiamento "in loco".
E', assim, a exploração industrial da jazida.
O processo da concessão está fixado no Codigo ao qual
remettemos.

Servidã~ visinhança, relações cOm o proprietario do solo

O regimen instituido pelo Codigo com relação á proprie-


dade das jazidas veio crear direito novo, no que diz com a
servtdão do sólo pelo concessionario, bem como no que se re-
fere á situação de visinhança.
Trata-se, apenas, de mera applicação dos principios geraes
do Codigo Civil, adaptados ás peculiaridades do regimen in-
dustrial a que muito especialmente se refere o Codigo.
E são elles os seguintes:
Pode o explorador ou pesquizador occupar na superficie
do sóIo as propriedades visinhas necessarias ,para:
a) construcção de officinas, engenhos, moradias de ope-
rarios;
b) abertura de ruas de communicação ou transporte;
c) conducção da agua necessaria ao serviço e ao pessoal
da obra;
á) passagens dos conductores de energia eIectrica;
e) escoamento das aguas.

(24)' .A.r.t. 3<0.


552 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

No. sub-sólo servidões de passagem do pessoal e material


necessario á exploração da mina.
Ao uso da servidão precede indemnização dos prejuizos,
e em caso de urgencia é exigida caução ,previa.
As demais relações de visinhança estão previstas nos. ar-
tigos 62 e seguintes do Co digo de Minas.

o REGISTRO

Em todo o nosso systema de propriedade a questão do re-


gistro tem importancia capital. Pode-se dizer que por elie se
constitue o dominio. Sob o ponto de vista administrativo tem
mais utilidade, não só no que interessa ao cadastro, como ainda
ao regimen fiscal. E' a unica maneira de exercer controle ef-
fectivo sobre as lavras mineraes.
O art. 83 do Co digo de Minas creou tres livros de registro
no Departamento competente do Ministerio da Agricultura:
a) Registro das jazidas e minas conhecidas onde devem
ser inscriptas as jazidas e minas manifestadas (25).
b) Registro das autorizações de pesquizas;
c) Registro de concessões de lavras.
Os Iproprietarios das jazidas conhecidas e os interessados
na sua exploração devem manifestaI-as. Sómente por esta
forma podem invocar titulo legitimo perante terceiros.
O Co digo de Minas regulamenta em detalhe o assumpto.

(25) Bara manifestar as jazidas e minas devem ser feitas as de-


clarações referidas no art. 16 do Oodigo.
CAPITULO X .
,;- - - . ~ .

CAÇA E PESCA

Caça e Pesca - Regimen do Co~Hgo Civil - Nacionalisação


da Pesca - Pes'ca Maritima e Pesca Interio!' - Codigo
de Caça e Pesca - Entrepostos.

Reunimos em um s6 titulo o estudo do regimen adminis-


trativo da caça e pesca porque ambos se encontram regula-
mentados em um mesmo Co digo administratirvo. Uma questão
de ordem nos impõe por isso o exame em conjuncto da caça
e ,pesca porque existem disposições communs consolidada~ no
Codigo promulgado pelo decreto n. 23.672 ,de 2 de Janeiro
de 1934.

Caça

Visa a regulamentação da caça proteger em nosso terri-


tOl'io as varias especies zoologicas (1).
Para isto são fixados os periodos de caça para as diffe-
rentes especies e nas diversas regiões do paiz.
A prohibição da caça de certas especies zoologicas está
determinada na lei que limita, ou autoriza o poder publico a

(1) Art. 126 do Codigo.


554 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

limitar, as regiões dentro das quaes podem os particulares exer-·


cer a caça de todas ou de certas especies zoologicas.
Uma razão de ordem publica impõe por esta fórma a re-
gulamentação. Já o nosso LAFAYETTE dizia que o exercicio da
caça, embora .livre, deve obedecer ás posturas municipaes (2).
A Constituição vigente, em seu art. 16 - XIV, attribue
competencia á Unfão para legislar sob!'e oassumpto, o que
não exclue naturalmente a actividade administrativa e sup-
pletiva das autoridades locaes.
As principaes restricções impostas pelo Codigo de Caça
e Pesca para o livre exercicio da caça são as seguintes:
1.0) E'prohibido em todo o territorio nacional a caça,
de animaes uteis á agricultura, passaros canóros e de orna-
mentação e outros de pequeno porte. E' ,prohibição geral que
abrange as especies que devem especialmente ser protegidas
pelo Poder Publico, onde quer que seja a caça (3);
2.°) E' prohibida a caça:
a) nos immo'Veis do domicilio publico (4);
O Co digo Civil já estabelecia expressamente essa limi-
tação em seu art. 594. "Observados os regulamentos adminis-
trativos de cada caça, poderá ella exercer-se nas terras pu-
blicas ou nas ,particulares, com licença de seu dono '~.
A legitimidade desse direito do Estado explica-se pelo cha-
mado direito de exclusão inherente ao dominio e pelo poder
de policia que justifica todas essas limitações.
b) Em immovel privado, sem autorização do proprieta-
rio ou de seu representante (5). E' este um principio igual-
mente consagrado no nosso Codigo Civil. O direito anterior
estabelecia uma distincção entre terrenos abertos e os mura·
dos ou valados (6). Como observa JOOÃo LUIZ ALVES o ,pro-

(2) Direito das COUBas, § 34.


(3) Alrt. 128 d{) Codigo.
( 4)Art. 128, Iletra b.
(5) ,Airt. 128, letra c.
(6) LAFAYETTE, op. e 1oc. cit., CARIJOS DE CARYALHO, Nova Con-
solidação das Leis Civis, art. 410, § 2.°.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 555

jecto CLOVIS mantinha esse principio tradicional mas que foi


depois modificado (7).
O Codigo Civil em seu art. 598 já impunha tambem, uma
penalidade a quem transgredisse esse preceito que era a se-
guinte: perderá para o dono do terreno a caça que apanhe e
responderá peLos damnos que cause;
c) Nas zonas urbanas e suburbanas (8) ou nas zonas
interdictadas ,por acto do serviço de pesca e caça (9').
E' intuitiva a necessidade desse dispositivo de policia ad-
ministrativa, legitimadas como se acham perante a .~outrina
e a lei as restricções ao exercicio da caça .
. 3.°) Quanto aos processos de caça, prohibe o Codigo o
emprego de visgos, alçapões e rêdes de qualquer especie ou
denominação, gaiolas, arapucas e chamarizes, com explosivos
ou veneno, com armas que surpreendam a caça, bem como á
noite com ,pharóes, fachos, etc. (10).
Principios de humanidade ditam essas prohibições se-
veramente reprimidas com penalidades. impostas pelo proprio
Codigo.

4.°) E' prohibida a caça sem licença (11).


Os arts. 142 e seguintes do Codigo estabelecem os proces-
sos ,para obtenção de licença que podem ser concedidas me-
diante a satisfação de certas exigencias legaes.
Essas licenças podem ser geraes ou especiaes, sendo que
as ultimas se destinam aos scientistas nacionaes e estrangeiros
bem como aos turistas (12).
A licença para a caça não exclue o registro e a licença
especial para o porte de armas, nos termos dos arts. 152 e
seguintes do mesmo Codigo.

(7) Godigo Civil armotado art. 594.


(8) Art. 128 letra 6 do Codigo.
(9) AJrt. 129, letra g.
(10) Ar.t. 128, letra h.
(11) Ar:t. 128, letra d.
°
:( 12 ) Ver decreto 22.698, de 11 de Maio de 1933.
556 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

5.°) Instituiu igualmente o Codigo de Caça e Pesca os


parques de refugio e reserva creados com o objectivo de con-
servar as especies de animaes sylvestres, evitar a sua ex4incção
e formar reservas que assegurem o repousamento das mattas
e campos.
Todos os immoveis ,do dominio publico são considerados
Iparques de refugio e de reserva (13), e alli podem ser crea-
das estações biologicas para estudos de ecologia e etiologia de
animaes sylvestres (14).
A execução das disposições do Codigo é feita pelo Minis-
terio d~ Agricultura, auxiliado pelo Conselho de Caça e Pes-
ca (15).
As infracções á lei e aos regulamentos são punidos com
as penas de prisão e multa, que não excluem a reparação do
damno causado.
Os guardas e demais agentes da fiscalização exercem am-
plas attribuições policiaes e fiscaes, estando entregues a elles
a execução directa dos dispositivos do mesmo Codigo.

Pesca

Em um ,p,aiz como o nosso de immensa costa e de rios de


grande volume, o problem~ da pesca Se reveste de importancia
capital. Não só no sentido da fiscalização do serviço, como
ainda da organização da industria de largas possibilidades
para a nossa economia.
Dentro de suas finalidades, a administração publica deve
prover as necessidades da economia publica e particular, esta-
belecendo um regimen que favoreça a repres'são aos abusos
que possam prejudicar o livre exercicio das actividades ou o
interesse publico.
O p!'oblema da pesca entre nós diz, tambem, com os in-
teresses da defeza nacional.

(13) Art. 1,316 do Codigo.


(14) Art. 138.
(15) Departamento Nacional da Producção Animal.
INS'IITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 557

E' assim que o art. 10 do Codigo de Caça e Pesca exige


a nacionalidade brasileira para a matricula e colonização do
pescador profissional.
Seguiu, assim, uma velha tendencia, a da nacionalização
do serviço de pesca.
Já o paragrapho unico do art. 3 do decreto 478 de 9 de
Dezembro de 1890, autoriz'ava o governo a fazer a regulamen-
, tação da pesca que seria nacionalizada.
_. As leis e diversos regulamentos sobre a navegação de ca-
botagem e a constituição de suas trtpulações, inclusive de pesca,
nunca exigiram a nacionalidade brasileira para a totalidade
das tripulações dos referidos navios (16).
Hoje em dia, no entretanto, vigora para os navios de pesca
um regimen especial distincto dos navios de cabotagem e com
classificação especial nas Capitanias de Portos (17). Não se
confunde, como se verifica pelo alludido decreto, bem assim
pelo disposto nos arts. 41 e seguintes do Codigo de Caça e
Pesca, a tripulação com os ,pescadores, sendo exigida apenas a
constituição da tripulação com pelo menos 2/3 de brasileiros
natos (18).
A exigencia maior está na nacionalidade das embarcações,
que devem ser brasileiras para exercer a pesca em aguas ter-
ritoriaes brasileiras (191).
Todo pescador matriculado na fórma da lei deve fazer
parte de uma colonia cooperativa dos pescadores, que se cons-
tituem de accordo com o Codigo (2.0) em uma organização
çomplexa de defeza da classe, constituida de federações e con-
federações, segundo os seus estatutos.

(16) Dec. 1,0.524 de 23 de Outubro de 1913. - Dec. 11.505, de


4 de Março de 1915 .. - Dec. 9.672, de 17 de Julho de 1912. - Dec.
1<6.197, de 31 de Outubro de 1933. - Dec. 16.183, de 25 de Outubro
de 1923.
(17) Dec. 24.288, de 24 de Maio de 1934. Ver D. Official de
4-7-19'34.
(18) Art. 54, paragrapho unico do Codigo.
(19) Art. '59 do Codigo.
(20) Art. 12 e seguintes do Codigo.
558 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Quanto á na;cionalidade das emprezas que exercem' e ex-


,pIoram a pesca e industrias correlatas, não menos exigente é
o Codigo de Pesca. Precisam ser brasileiras (21).
Consideram-se brasileiras as pessôas juridicas constitui-
das no Brasil, sendo composta de brasileiros a maioria da ad-
ministração das organizações de pesca e industrias connexas.
Segue, assim, o Codigo a orientação da Constituição quan-
to ás de serviço publko ou de il1teresse nacional.
Somente a pesca a pé, isto é, sem embarcação, e de terra,
é facultativa a todos os residentes no territorio nacional.
A pesca póde ser maritima ou .interior.
A pesca maritima póde ser: em alto mar, isto é, além
das aguas territo!'iaes (22). Costeira, até a distancia de
12 milhas a contar ,para fóra da costa (23). Littoranea, isto
é, a exercida nos portos, bahias, enseadas, lagôas, lagos e braços
de mar, canaes e quaesquer outras bacias de agua salgada ou
salobra, ainda que só communiquem com o mar pelo menos
durante uma parte do anno.
A pesca interior é a exercida nos rios, correntes, lagos,
lagôas e lagunas de agua' doce, nos canaes que não tenham
ligação com o mar e nos açudes ou quaesquer depositos de
agua doce, naturaes ou artificiaes.
Regimens differentes vigoram para a pesca maritima e a
pesca interior, principalmente no que diz com o systema de
apparelhos a serem empregados.
O Codigo de Caça e Pesca regulamenta' detalhadamente o
assumpto cujo exame mais minucioso não se acha dentro dos
limites deste trabalho.
O mesmo que com os apparelhos de pesca, acontece com as
embarcações cujos caracteristicos e especificações estão alli
previstos.

(21) Sobre este assumpto vêr o interessant,e trabalho dé FREDE-


RIDO VILLAR, A NaDionalização da Pesca e a regulamentação de seus
serviços.
(22) Art. 2.0 do Codigo.
(23') Ver C!1Jpitulo relativo ao domi'nio marítimo.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 559

Finalmente o Co digo estabelece regimen especial sobre a


exploração dos campos naturaes de moluscos e crusta~
ceos (24); sobre a colheita de algas, esponjas e ,plantas aqua-
ticas; sobre a pesca da baleia e outros cetaceos (25).
Quanto á propriedade do peixe, com as restriCções fixadas
pelo Co digo de Pesca e leis que forem promulgadas, vigoram
-os dispositivos dos arts. 669 e seguintes d-o Codigo Civil, isto
é, o priocipio geral do direito do pescador sobre o peixe que
pescar.

ENTRE,POSTO DE PESCA

o decreto 23.348 de 14 de Novembro de 1933, dentro


de uma orientação economica de maior interesse para a po-
pulação em geral, como para os pescadores e' apropria in-
dustria da ,pesca, creou os entrepostos, por onde deve passar
todo o pescado desembarcado no Districto Federal, com ape-
nas as excepções alli especificadas.
O entreposto, na technica administrativa, é um logar des-
tinado ao -deposito provisorio de mercadorias.
São os entrepostos muito usados para os effeitos adua-
neiros. Foram creados entre nós pelo Reg. annexo ao de-
creto 2.647 de 19 de Setembro de 1860 (26) e destinam-se
ao deposito de mercadorias importadas de paizes estrangeiros
e que se destinam á reexportação, sob as vistas e vigilancia
das autoridades alfandegarias (27).
O entreposto a que se refere o dec. 23.349, porém, des-
tina-se ao deposito para a venda do pescado, evitando, assim,
que o pescado seja arrebatado pelos negociantes de peixe cujas
condições permittem a escravização economica do iPescador.

(24) Art. 63 e rseguin tes .


(25) Art. 99 e seguintes.
(26) Ver igualmente: Decretos n. 3.217, de 31 de Deezmbro de
1863; 3.920, de 31 de Julho de 1867; 8.912 de 24 de Março de 1883; lei
n. 3.454, de 6 de Janeil'o de 1918. Nova Consolidação das Leis das Al-
fandegas J arts. 196 e seguintes.
(27) Ver AURELINO LEAL, Theoria e Pratica da Constituição, pa-
gina 563.
560 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

o entreposto é a libertação do pescador, a' quem a lei,


assim, assegura a liberdade da venda em leilão do' producto
de seu esforço, sem. a intervenção muitas vezes indebita do
commerciante.
A legitimidade do entreposto decorre da lei e da Cons-
tituição que estabelecem limitações ao commercio exigidas pelo
bem publico.
CAPITULO XI

PRINCIPIOS COMMUNS A TODAS AS AGUAS PUBLICAS

AgUJas - Regimen de Algu,as - AgUas Publicas e _Particula-


res - Aiproveitamento Hyd,ro Electrico - Concessões
- Fiscalisaçã,o - Ta.rifas.

As aguas estão sujeitas a um regimen administrativo es-


tabelecido COom 00 intuito de assegurar () seu perfeito aprOovei-
tamento, de aceordo com o interesse publico a que se destina
satisfazer.
O Codigo de Aguas inclúe, entre as aguas publicas, as
seguintes (1):
a) os mares territoriaes, nos mesmos incluidos os golfos,
bahias, enseadas e ~rtos;
b) as correntes, canaes, lagos e lagôas navegaveis e
fluctuaveis, não se podendo deixar de assim considerar os que
em alguns de seus trechos deixem de ,Ser navegaveis ou flu-
ctuaveis;
c) as correntes de que se façam estas aguas;
d) as fontes e reesrvatoriOos publicos;

(1) Codigo de Aguas.

- 36
562 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

e) as nascentes, quando forem de tal modo consideraveis


que, por si só, constituam o "caput fluminis".
f) os braços de quaesquer correntes publicas, desde que
os mesmos influam na navegabilidade ou fluctuabilidade;
g) as aguas situadas nas zonas periodicamente assoladas
pela secca, nos termos da legislação especial.
Sob o ponto de vista administrativo, trata especialmente:
r - Do aproveitamento das aguas IPublicas para a nave-
gação (2) nos mares territoriaes, correntes, cànaes e lagos.
I! - Dos principios geraes sobre as condições para appli-
cação na agricultura, na industria, das aguas publicas, e o re-
gimen das concessões e autorisaçÕ8s para aquelles fins (3) ,
o que examinaremos mais detidamente ao estudarmos as con-
cessões.
rI! - Da fiscalização, da limpeza e desobstrucção das
aguas publicas. AUi se estabelecem os seguintes prindpios (4) :
a) os utentes das aguas publicas communs, ou os pro-
prietarios marginaes, são obrigados a se abster de factos que
prejudiquem ou embaracem o regimen e o curso das aguas
-e a navegação ou fluctuação, excepto nos casos de concessão,
sob pena de multas ~
b) Os proprietarios marginaes de aguas publicas são
'Obrigados a remover os obstaculos que tenham origem nos seus
predioa e sejam nocivos á navegação, fluctuação ou regimen
dos cursos de agua (5).
IV - Da tutela da administração e dos particulares, re-
pondo no seu antigo estado as aguas publicas, bem como o
seu leito e margem occupados por particulares, pelo Estado

(2) ATt. 37.


(3) &rt. 43.
(4) Art. 53.
(5) ATt. 54.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 563
---
·ou Municipio, quando assim o exigir o interesse publico, ou
,quando a occupação fôr illegal ou contraria a qualquer acto
l(}a administração (6), ou quando prejudicial á navegação~
V -. De zelar peja salubridade das aguas e provêr ao sa-
:neamento de zonas pantanosas (7).
São essas as principaes formas de intervenção da admi-
:nistração publica. dentro de suas funcções, na exploração e
;aproveitamento das aguas publicas.

AGUAS COMMUNS E PARTICULARES

Mas, não sómente as aguas pUQlicas soffrem a vigilancia


(da administração. Ai3 communs e particulares, igualmente (8).
As communs e particulares, no interesse da saúde e da
:segurança (publica; as communs, no interesse dos direitos de
-:terceiros ou da qualidade, curso ou altura das aguas publicas.
Communs, define o Codigo, são as correntes não nave-
gaveis ou flijctuaveis e de que essas -se façam (9); particula-
:res são as na&Centes e todas as aguas situadas em terrenos
'que tambem o sejam, quando as mesmas não estiverem classi-
,:ficadas entre as aguas communs de todos, as, aguas publicas
·ou as aguas communs (10).
Como observa BERTHELEMY (11), com relação ás aguas
'particulares ou communs, a a'dministração exerce uma funcção
:policial por meio de providencias geraes e individuaes.
Zelando pela limpeza, pela salubridade, pelo curso normal
-das aguas, satisfaz o interesse publico e attende á conveni~mcia
.dos proprietarios de predios servidos, atravessados, ou banha-'
,dos pelas aguas. Para tornar effectivas essas providencias,
:applica sancções e impõe penalidades administrativas, previs-
tas pelos regulamentos fiscaes .

.,
(6) Art. 58.
(7) Arts. 109 e seguintes.
(-8) Cq.digo qe Águas, art. 68.
(9) ATt. 7.
(H» .Art. 8.
,(11) Droi! Administratif, pg. 506.
õ64 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

" As aguas publicas podem ser utilisadas por todos, satis-


fejtás~ no 'entretanto, as condições é exigenciasdos regulamen-
toS> -adtninistrativ6~ (12) .
A- competencia para legislar sobre esse assumpto é da
União (13)', o que não exclúe a conipetencia subsidiaria dos
Estados, que podem votar -leis complementares 'e suppletivas
sobre a/materia, súpprindo as lacunas edeficiencias da legis-
laçãôfederal~ sem dispensar as eXigencias desta (14).
O Co digo de Aguas é, 'hoje, entre nós, a lei fundamental
sobre esses assumptos, dependendo, em parte, de regula-
mentação.
Aacção administrativa do Estado se exerce nos lagos ~
lagôas,não sómente nas éxigencias da fiscalização e da na-
vegação, 'oomoainda do 'commercio e da pesca.
'A físealizaçãoexercida pela Capitania de Portos exten-
de-se ás aguas e lagôas que communiquem com oS IPortos, afim
de' assegurar por esta forma a perfeita vigilancia e segurança.
da navegação.
A policia é a mesma' dos portos e aguas territoriaes, e-
todos os meios' e processos utilisados alli, applicam-se ás aguai
interiores que liga~ com (} mar.
Por seu lado, as Alfandegas e Mesas de Rendas têm as
suas attribuições levadas até ahi, visto como o maximo inte--
resse existe em manter a vigil3incia e a fisc3ilização sobre as.
aguas interiores (15).

O art. 315 da Nova Consolidação é expresso:

"A J urisdicção fiscal das Alfandegas e Mesas:


de Rendas é cumulativa nos mares territoriaes, costas:
ou praias, rios, lagôas e aguas interiores e fronteiras.

(12) Art. 36, do Codigo de Aguas, A.BERlo, La Ri/orma della le--


gislazione Mineraria, pg. 55.
(13) Art. 16, XIV, da Constituição; art. 61, do Codigo de Aguas.
(14) Art. 18, letra a, da Constituição; art. 61, § Uinicó, do Codigo de
Aguas.
(1;5) Nova Consolidação das leis das Alfandegas, art. 298.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 565

terrestres da Republica, para a prevenção, repressão.


ao contrabando, e para execução dos regulamentos·
fiseaes, relativos ás embarcações, vehiculos e pessôas
que nelIes forem encontradas infringindo as suas dis-
posições" (Reg. de 1860, art. 368).

Pouco importa a quem pertença a lagôa ou lago; a com-


petenciaaqui prevista para a fiscalização aduaneira decorre
da Constituição.
Quanto á pesca, é eMa regulada pelo Codigo respecti-.
vo (16), que se refere expres~àmente á pesca interior, com-
prehendendo :

"A exercida nos rios, correntes, lagos, lagôas e


lagunas de agua doce, nos canaes que não tenham ne-
nhuma ligação .com o mar e nos açudes ou quaesquer
depositos de agua doce, naturaes ou artificiaes" (17).

OONCESSõES - FISCALIZA!CÃO - TARIF:AS

Um dos pontos mais importantes do nosso regimen de


:aguas é aquelle relativo ao seu 84proveitamento industrial, prin-
dpalmente no que se refere á industria hydro-electrica (18).

(16) Dec. 23.672, de 2 de Janeiro de 19~4.


(17) Ar.L 4.°.
(18) Sobl'e o desenvolvimento da industria hydro-electrica entre nós,
-podemos citar os seglLi·ntes dados fornecidoopela Directol'1ia de Estatistica
·da ,Prodl1.cção do Ministedo da Agricultura:
Em 1883 inst3Jl1ou-se no Br.as-il a primeira usina thermo-eLectriea, com
uma pot,encia total de '7.0 H. P. N o ultimo anno do regimen monarcruco
·3 empresas· eXiploravam a industria electrica no paiz, duas deIlas com
usinas hydro-eIectr,kas e a terceira com usina thermo-eIectrica. A poten-
da das duas primeiras attingia a 6.150 H.P. e a da ultima a 4.270,
sendo o total, por conseguinte, dle 10.420 H..P. De 1889 a 1910 a in-
dustria electrica desenvolveu-se lenta, mas constantemente, tomando, po-
rém, um vigoroso impulso no decenTllio·seguinte.
!Eim 1920 havia 3.06 empresas com 134 usinas thermo-electricas, 204
hydro-electrica's e '5 mixtas. A ·potencia de origem thermica eLevava-se
a !I05 :57'8 H. P. ade origem hyd'l'aulica 370.074 H. P ., perfazendo um
total de 475.'632 H.IP., servindo a 431 localidades. De 1920 a 1930 o de-
·senvollVirnento foi tambem 'accentuado, 7'91 empresas, com 337 usina's ther-
:mo-.electrica, 541 hydraulicas e 13 mixtas, urna potencia total de 391.464
566 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

o regimen de concessões e de autorizações acha-se hoje:


regulamentado pelo Codigo de Aguas, em seu livro 111, bem
como a fiscalização do serviço de producção, transmissão, trans-
formação e distribuição da energia hydro-electrica, com o'
objectivo de assegurar serviço adequado, fixar tarifas razoa-o
veis e garantir a estabilidade financeira das em'Prezas.
Dentro dessa multipla finalidade, tem a fiscalização attri-
buições amplas, ainda mesmo naquillo que interessa á conta-
bilidade das emprezas.
O estudo do regimen de concessões e autorizações para;
aproveitamento industrial das aguas já foi feito no titulo deste
livro relativo aos serviços publicos e ,para ali remettemos.

H.:Ao, dos quaes 170.789 de origem the~mica e 760.680 de origem hy,..


dcr-aulica, servindo a 1.536 localidades -eis o que se constatou em 1930.
De 1930 a 1934, period-o de crise e depressão, a industria electrica, em_o
bora num ·rythmo mais loento, mas reflecttndo nitidamente a nossa incoer-·
cível expansão economic·a Interna, não cessou de se des,envolver, pois a
31 de Dezembro de 1934 já havia no Brasil 952 empresas com 446 usi-·
nas thermo-electricas, 573 hydro-electricas e 16 mixtas. A potencía total
ascendia a 1.0W.546 H.P. dos quaes 175.934 de origem thermica e
834.612 de origem hydTauUca. O numero de localidades servidas attin-
gia a 1. 777. A extensão total das rêd.es de transmJ.ssão alcançava 16.041
kilometros. Nos Estados do Amazonas, Párá, Maranhão-, Piauhy, Rio'
Grande do Norte, Sergipe, Districto Federal e 'Derritorio do Acre, só se'
encontram usinas thermo-electricas. Nos' Estados do Ceará, Parahyba,.
Pernambuco e Rio Grande do SuL, ·são ma'is numerosas as usinas thermo-
electricas e maior o potencial de origem thermica. Em Allagoas, Bahia e'
Mf3,tto Grosso, comquanto seja maior numero de usinas thermo-el,ectricas,.
o potencial de origem hydrauVica é superior ao de origem thermica. Fi-·
nalmente, no Espil'lito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa'
Catharina, Goyaz e Minas GerllP--s, preponderam as usinas e a potenda:
hydro-electricas.
Sendo a energia de origem hydrau1ica aquella com que o Brasil:
mais pode e deve contar para a sua futura e:x;pansão economica, não dei-
xa de ser auspicioso e continuo - embora bem longe ainda de ser tão·
rapido quanto fô~a desejavel - desenvolv,imento da utilização da ener-
gia hydro-electrica entre nós. Sendo o pontenoial hydraulico total do Bra-·
sil, conforme as avaliações &nevitavelmente precarias ainda (e feitas pelas:
descargas minimas) do Serv.iço de Agtuas, pouco superior a 15.678.000'
C. V ., é evidente que a,proveitamos actua'1mente apenas uma porcenta-·
gem minima de tamanho potencial (que o Dl'. Antonio Alves de Souza,.
chefe do ServtÇlo de Aguas, julga não poder ser ·inferior a 50.000.000'
de C. V. e o Dr. Eurebio de Oliveira numa estimativa prudente orça:
IliUm mínimo de 25.000. (lQO de C. V . ). Temos, pois, que elevar muito,
a quantidade de H. P. uti1i~ada "per capita", para que a economia bra-
sileira em seu conjunto, isto é, para que no-ssa civilização possa eilqua-
d'rar-se na categoria da,s civilizações néo-technicas de Lewis Mtumford •.
CAPITULO XII

DESAPROP&IA'ÇÃO

Desapropr.iação - Quem pode desapropriar - Utilidade e


necessidade publica - Seu conceito, na Doutrina, na
Leg·islação e na Jurisprudencia - Indemnisação - Cri-
terio legal - Requisições.

A idéa de propriedade constitue, hoje, o campo onde se


debatem todas as doutrinas politicas e sociaes.
O seu conceito tem servido de pretexto para as maiores
lutas e debates, e não estariamos longe da verdade si reduzis-
semos a elle toda a crise que a:vassala, neste momento, os ho-
mens e as nações:
A propriedade individual, a propriedade collectiva. - A
propriedade direito individual, a propriedade funcção social.
Como quer que seja, a verdade dominante é que, absoluto
ou relativo o seu conceito, ella, ou melhor, o seu uso, se acha
limitado por um principio que zomba de todas as discussões
doutrinarias, qual seja o de que o Estado deHa se pode utilisar
e se a·poderar em beneficio do interesse publico.
Relatando a lei de desapropriação, ,dizia PISANELLI
em 1864:
" A .faculdade de occupar a proprledade privada para exe-
cução de obras destinadas a vantagens publicas, decorre de um
568 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

principio tão antigo quanto a propria sociedade: que o interesse


publico deve prevalecer sobre o privado. A .communhão social
não seria possivel sem a obrigação do individuo de sacrificar o
seu interesse privado em beneficio do bem commum. Como os
deveres entre os homens são correlativos e a communhão social
é uma condição de aperfeiçoamento do individuo, assim, o di-
reito individual termina onde começa o da sociedade" (1).
E' este, como se vê, um direito social que precede a trans-
formação das idéas politicas so.cialisantes (2), que vieram ape-
nas modificar a medida do poder do Estado no que se refere á
disposição da propriedade individual para fins de utilidade
publica.
A legitimidade desse poder. decorre, já se vê, da obrigaçã,~
imposta ao Estado de indemnisar a propriedade particular.
S6mente por esta forma é possivel conciliar essa fáculd'ade
de poder publico, com o conceito da propriedade individual.
Dentro do principio tradicional, reveste-se a desapropria-
ção do caracter de uma venda forçada, imposta pelo Estado,
em benefi.cio do interesse publico. A indemnisação equipara-
se ao preço na compra e venda, devendo. ser calculada de ac-
cordo com o valor da venda da propiredade (3).
E' preciso, .porém, que a questão seja examinada de forma
systematica, o que faremos em seguida.

(1) G. SABBATINI, Commento aUe leggi sulla apropriazione per la


pubblica utilitá, voI. I, pa·g. 10.
(2) Segundo a opinião dominante de grande numero de autores, a
desapropriação por utilidade publica já era conhecida no Direito Romano.
Nenhuma legisla.~ão especial, porém, regulava o assumpto; appHcava-se,
então, a legislação ordinaria e a maxima: "Quod principi placuit legis
habet vigorem". Apezar de tudo, as opiniões são divergentes a respeito
da materia, como se vê oos seguintes autores: SABBATINI, op. cit., vaI. I,
pgs. 12·e s'eguintes; PRiOUDHON, Domo,ine Public, voI. lI, pg. 198; GAR-
BOULEAu, Du domaine public en droit romain et en droit français.
E os textos romanos citados peLos aUudidos autores, que apresentam
nume.rosa bi'bliographia sobre esta questão de mero interesse historico.
(3) MEUCCI, 1st. di Diritto Amministrativo, pg. 545; WHITAKER -
Desapropriação; EURIOO SoDRÉ - Da desapropriação por necessidade ou
utilidade publica. Theoria e pratioa.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 569

QUEM PODE .DESAPROPRIAR

Sómente o Estado tem essa faculdade, é este um attributo


que decorre da propria soberania e das suas funcçôes especifi-
cas de amparar o interesse collectivo.
.E' este, aliás, um ponto pacifico, contra o qual nada se pode
arguir.
Quid inde, si a desapropriação tem de ser promovida por
empreiteiro ou concessionario de obras ou serviços publicos?
Neste Ponto, existe uniformidade em todas as legislações,
rio sentido de permittir a desapropriação por parte de taes
emprezas, mas com modalidades de maior interesse.
Na França, por exemplo, constituem excepção ao principio
geral da prohibição, apenas 'alguns serviços publicos, como os
de exploração de minas, producção de energia hydro-electrica,
e estradas de ferro (4).
Igualmente as leis italianas (5).
ZANOBINI (,6), examinando a doutrina que prevalece nesse
paiz, mostra que a utilidade publica decorre da propria natureza
da concessão, bastando demonstrar o destino da desapropria-
ção (7).
Mas é preciso, dentro dessa idéa, como observa OTTO
MA YER (8), que em cada caso particular se verifique a utili-
dade publica da desapropriação. Não basta que a empreza
seja concessionaria de serviço ,publico.
Muitas vezes, por isso mesmo, a lei fixa os limites e o
objeto da desapropriação .
.'

(4) RoLLAND, Précis de Droit Administratif, pg. 354; ROGER BON-


NARD, Précis, pg. 452; Leis de g. de Maio de 1841, 21 de .A!brU de 1914,
6 de NovembrQ de 1918 e 17 de Julho de 1921.
(5) Lei de 30 de Junho de 1889, e o texto unico de 1912.
(6) L'Esercizio privaio delle funzioni e dei servizi pubblici, in Trat-
tato di Orlando, voI. H, p. IH, pag. 497.
(7) LABAND, Droit Public de l'Empire AUemand, vol. I, pg. 312.
FRITZ FLEINER, Droit Administratif, pg. 183.
(-8) Droit Administratif de l'Empire Allemand, IH, pg. 14.
Ver tamoom a interesSlIinte dissertação de OCTAVIO MEIRA - Pará -
1934 - Do direito de desapropriação, pg. 60.
570 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
-- -----------------------------
A nossa legislação, comquanto admitta que as emprezas
de serviço publico possam promover a desapropriação dos bens
necessarios para a exploração do serviço concedido, submette-
as á autorização ex·pressa do Estado.
Está visto que, nestes casos, as emprezas apenas executam
os decretos de desapropriação expedidos pelo poder publico.
Nos termos do decreto 4.956, de 9 de Setembro de 1903~
art. 17, que consolidou o decreto 353 de 1845 e 16,64 do mesmo
anno, podem taes emprezas usar dos mesmos direitos dos re-
presentantes do ·poder publico.
Como observa SOLIOON~O LEITE (9), os emprezarios ou
companhias concessionarias ficam subrogados nos direitos da
administração desapropriante, e sujeitos ás suas obrigações
para com os proprietarios e demais interessados.
A tradição do nosso direito é toda no sentido de outorgar
essa faculdade aos concessionarios, e a lei de 7 de setemb t\')
de 19·22 declara explicitamente:

"Art. 10 - A approvação ·pelo Governo das plan-


tas e projectos relativos ao estabelecimento ou de-
senvolvimento da estrada de ferro equivale, para
todos os effeitos, ao decreto de desapropriação dos
terrenos nelles determinados como necessarios á
estrada".

e no art. 12 -

"Para a construcção e desenvolvimento da es-


trad'a de ferro, o direito de desapropriação extende-
se não sómente aos terrenos e bemfeitorias a que se
refere o art. 10, mas tambem ás pedreiras, lastreiras
e arvores situadas nas ruas, e que, a juizo do Go-
verno, forem necessarias á estrada".

Veio, assim, o alludido decreto ampliar a faculdade das em-


prezas.

(9) Da desapro'[Yri.ação por utilidade publica, 3.' edição, pg. 88.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 571

Não exclúe, ·porém, segundo pensamos, a prova segura de


que os referidos terrenos se destinam effectivamente á com.-
trueção da estrada (10).

A UTILIDADE E NECESSIDADE PUBLICA

Como vimos acima, sómente por utilidade ou necessidade-


punblica é licito ao Estado desapropriar a propriedade indi-·
vidual.
A nossa primeira lei sobre desapropriação, de 9 de Setem-·
bro de 1826, distinguia a necessidade publica da utilidade pu-
blica, e assim considerav'a em seu art. 1.0 a necessidade publica::
1 - defeza do Estado;
2 - segurança publica;
B-" ,-
3 - soccorro publico em tempo de fome ou outra extm-
_"__ o

ordinaria calamidade publica;


E no art. 2.°, considerava utilidade publica:
1.° - instituições de caridade;
2.° - fundação de casas de instrucção da mocidade;
3.° - commodidade geral;
4.° - decoração publica.
A lei n.o 353 de 12 de Julho de 1845, mantendo a definiçã()
. anterior da necessidade, modificou em seu art. 1.0, o conceito-
da utilidade, da seguinte forma:
1.0 - construcção de edificios e estabeleeimentos publlcos.
de qualquer natureza que sejam;
2.° - fundação de povoações, hospitaes e casas de carida-·
de ou instrucção;

(10) .Ver Aicoordão do S. T. F., in Revi8ta do S. T. F., voI. I~


par.te 11, pg. 147-151-167.
572 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

3.° - abertura, alargamento ou ·prolongamento d-e -estra-


das ,ruas, praças e canaes;
4.° - construcção de pontes, fontes, aqueductos, portos,
diques, caes, pastagens e de quaesquer estabelecimentos desti-
nados á commodidade ou servidão publica;
5.° - construcções ou obras destinadas á decoração ou
salubridade publica.
Finalmente, o art. 590 do Codigo Civil, ainda mantendo a
antiga discriminação da necessidade publica, assim considera
os casos de utilidade publica:
1 - a fundação de povoações e de estabelecimentos de as-
sistencia, educação e instrucção;
2 - a abertura, alargamento ou prolongamento de ruas,
praças, canaes, -estradas de ferro em geral de quaesquer vias
publicas;
3 - a construcção de obras ou estabelecimentos destina-
dos ao bem geral de uma localidade, sua decoraç~o e hygiene;
4- a exploração de minas (11).
o decreto vigente sobre desapropriação, seguindo a evolu-
ção dos principios juridicos ampliou o exercicio de faculdades
maiores no sentido de restringir o uso da propriedade indi-
vidual.
Não só as obras e os. serviços de utilidade publica mas
ainda a viação urbana, a saude e até a esth-etica urbana, jus-'
tificaram a desapropriação. Deve-se notar es-pecialm-ente a
moderna legislação italiana sobre o assumpto (12).
Outra modalidade, consignada, aliás, no proprio texto
constitucional (13), é. a .constituição de melhoria que a admi-

(11) Ver decretos 2.933, de 6 de Janeiro de 191,5 e 24.642, de 10


de Julho de 1934 (Codigo de Minas). .
(12) Ver CrNo VrTTA, Diritto Amministrativo, VlO!. n.
(13) Referimos a lei n. 196 de 18 de Janeiro de 1936,'
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 573.

nistração pode cobrar dos beneficiados pelas obras publicas, e:


pela valorização dos immoveis.
A lei organica do Districto Federal (14), permitte a de-,
sapropriação dos immoveis cuja valorização fôr superior a
20%, em consequencia
, . de sua proximidade de obra projectada.
A importancia do principio áu firmado rep!'esenta um gran-
de avanço no terreIlo economico e uma notavel transformação.
no. CQnceito da necessidade publica. Representa uma verdadei-
ra, contribuição do particular para a melho.ria e desenvolvimen-
io da cidade.' , '
Deve-se notar, porém, a inferioridade da taxa de valori-
zação, que pouco. representa em um paiz novo e onde às condi-
ções de valorização verificam-se em proporções excepcionaes.
Finalmente devemos salientar que, nada justifica a discri-
minação dos casos de utilidade e necessidade publica bem como
essa distincção que tem ca!'acter mais academico (15).
A apreciação da necessidade publica constitue hoje facul.-
dade discricionaria da administração, e nada 'Pode contrariar a
imposição da necessidade publica, cujo conceito varia de accordo
com as peculiaridades de cada caso, e a intervenção do Estado
na ordem privada representa uma, tendencia contra a qual não-
se podem insurgir doutrinas e interesses individuaes.

00 PROCESSO JUDICIAL ,DA DESAPROPRIAÇÃO

Quando não tenha a administração publica conseguido che-


gar a um accordo amigavel com o proprietario do immovel"
sobre o valor da desapropriação, deve recorrer aos meios judi-
ciaes onde se resolvem todas as controversias não só aquellas

(14) Art. 13 V. 2) "que a utilidade da desapropriação poderá,


ainda "declarair-se com' respeito aos immoveis que, em razãO' de sua pro-
ximidade ne obra ,projectada, 'conseguirem uma valorização superior
a 20 % .
.(15) _ SOLlOONIO LEITE, Da Desapropriação por Utilidade Publica, pa-
gina 42.
574 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

relativas as questões de facto, como aquellas de direito sujeitas


.a divergencias (16).
O pedido é feito pelo representante do desapropriante em
juizo, Procuradores da Republica, Procuradores dos Feitos da
. Fazenda, segundo a organização judiciaria da entidade des-
.apropriante, instituido com os documentos que comprovem a
resolução de desapropriar o immovel por parte do poder publico
ou seu delegado (no caso das emprezas concessíonarias) como
.0 decreto de desapropriação, a planta do predio ou terreno, a
certidão do imposto predial e, finalmente, o preço que se offe-
.rece (17).
A citação deverá ser pessoal quando residam o proprie-
tario ou interessados no fôro immovel e conhecido o seu para-
deiro, ou por editos pelo prazo de 30 dias quando ausentes (18),
residirem fora ou em logar desconhecido.
N a primeira audiencia deve ser accusada a citação quan-
,do deve o réo comparecer para declarar si acceita .o preço of-
ferecido, ou, si não o acceita, louvar-se em perito que proceda,
,com o perito da Faz..enda, ao arbitramento.
Deve o proprietario indicar, então .o nome do inquilino ou
inquilinos que tiver, bem como exhibir copia do contracto de
.locação.
Quando houver orphãos ou pessoas a elles equiparados
poderá o juiz autorizar seus tutores ou curadores a acceitarem a
offerta quando estes julgarem do interesse de seus tutelados
,ou curatelados.
Quand.o acceita a offerta, será desde logo o accordo homo-
logado pelo juiz; no caso c.ontrario, as partes e o juiz louvar-
.se-ão em peritos, sendo o juiz desempatador, que procederão
á avaliação dos bens.
Em caso de revelia, nomeará o juiz, o avaliador da parte
revel, e quando f.orem muitos os interessados, não concordando

(16) Discute-se a natureza do processo de deaa.propriação;si admi-


nistrativo ·OU litigioso, prevalecenóo a primeira opinião, como se vê in
Rev. S. T. F,., voI. 4;0, pg. 105, voI. 26, pg. 213.
(17) Ver art. 4.° do dec. 1.664 eLe 1855 e art. 18 do reg. de 1903.
(18) Ver Acc. S. T. F., Julho de 1928, in Arek. Jud., ·vol. 7,
-pagina 264.
INSTITUIÇÕES DE DffiEITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 575

todos sobre a pessôa do perito, a sorte decidirá dentre os que


houverem sido indiCados.
Resolvida a indicação e acceitação dos louvados e em dia
,e hora previamente marcados, reunir-se-ão as partes e ospe-
l'itos sob a presidencia do juiz, para, á vista das plantas e
documentos offerecidos, resolverem sobre o valor da proprie-
dade, o que se dará em discussão publica, no mesmo dia da
dilig·encia.
De' tudo' será lavrado um laudo, escripto .pelo terceiro pe-
rito e por todosassignados, que será homologado pelo juiz (19).
No caso de desaccordo entre os peritos das partes fixará
.o terceiro perito o quantum da indemnização entre o maximo
,e o minimo por elles propostos.
Da sentença que homologou o arbitramento cabe appellação
eom effeito devolutivo; o recurso, porém, só pode versar sobre
a nullidade do processo por falta de formalidades essen-
ciaes (20).
lndemfl,ização -.- Todas as nossas Constituições, cada qual
dentro de sua indole peculiar têm conferido ao Estado o direito
de desapropriar, condicionado, entretanto, a uma indemnização
previa e justa, :r:esalvado apenas em tempo de guerra ou com-
moção a faculdade de usar da propriedade particular mediante
indemnização ulterior.
Esta ultima faculdade não exclue, entretanto, a genera-
: lidade do principio consagrado, no nosso direito, da indemni-
'Zação previa correspondente ao justo valor da causa desapro-
priada, valor que deve ser apreciado no processo de desapro-
priação.
A avaliação da propriedade é, assim, uma das questões
mais importantes do ·processo. A lei pão deixou a medida do
'valor da propriedade inteiramente ao arbitrio technico dos pe-

(19) Ver .Aocc . .s. T. F., de 19 de DezembI:o de 19;30, in Arch.


.Jud., vol. 17, pg. 460.
(20) Acc. S. T. F., in Rev. S. T. F., vol. 28, pg. 243.
576 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

ritos, sujeitou-o a um criterio legal que varia de accordo com a


natureza da propriedade (21). '
O seu valor entretanto não será nem inferior ás offértas
dos promotores, representantes ou agentes da desapropriação
nem superior ás exigencias dos proprietarios e interessados (22).
Regulam a avaliação dos bens a serem desapropriados as
seguintes normàs legaes que devem ser aqui enumeradas:
a) nas desapropriações dos predios e terrenos sómente
em parte, os avaliadores avaliarão em seu todo, fixando em se-
guida o valor da parte a ser desapropriada (23).
b) SI a pro-priedade estiver sujeita ao imposto predial,
o quanturn., da indemnização não será inferior a dez nem su-
perior a quinze vezes o valor locativo, deduzida previamente
a importancia- do imposto e tendo por, base o mesmo imposto
lançado no anno anterior ao decreto de desapropriação (24) ~
c) nos predios occupados pelos donos ou pessoas pobres
e estalagens o valor locativo será computado sem o descontÜ'
previsto no art 12, n. 1 e § 2. 0 do dec. 7.051 de 1878 e art. 13
n.1 e § 2, 4 § 4. 0 do decreto municipal n. 432 de 1903 (25).
d) Si a propriedade não estiver sujeita ao imposto pre':'
dial o valor da indemnização será verificado e calculado sobre
a base do aluguel do ultimo anno (26).
e) Si a -propriedade tiver sido reconstruida em data pos-
terior ao lançamento do ultimo anno, o quanturn., da indemni-

(21) Ver sobre ,o assumpto as observações feitas por BlELSA, op.


cit., voI. II, pg. 287.
(22) Dec. n. 353 de 1845, art. 24 - Dec. n. 664, de 1855, art.
12, § 1.°. - Ver Acc. da Côrte de Appellação do Districto Federal, de
9de A~osto de 1927, in Arch. Jud., voI. 3,pg. 547.
(23) Art. 13:1, § 4.°, ,da lei ~e 1003 .
. (24) Art.31, § 5.°, da lei de 1903. - Ace. da Côrte de App. dó
D. F., in Arch. Jud., voI. 6, pg. 36.
(25) Art. 31, § 6.°, da lei de 1903. - Os descontos a que se refe-
re o dispositivo supra são aquelles dados pelos regulamentos do im-
posto predial sobre o valor 10catiVlO dos predioo ennumerados' no mesmo
dispositivo. _
(26) Art. 31, § 7.°, da lei de 1903.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 577

zação será fixado sobre a base do valor locativo dos immoveis


em- condições analogas (27).
n Si a propriedade estiver em ruinas, ou tiver sido con-
demnada, os arbitradores, estimando a importancia das obras
necessarias á precisa reparação ou re'Construcção, poderão fixar
um valor 'minimo, não inferior ao do valór locativo com os
abatimentos (28);
g) quando a propriedade estiver sujeita a aforamento
ou emprazamento perpetuo, o valor do dominio directo ou do
, senhorio será o de vinte foros e um laudemio e o do dominio
util; quando foreiro ou emphyteutico, o do valor do predio de-
duzido o do dominio directo; o dos subemphyieutas será esse
mesmo valor, deduzidas vinte pensões suoomphyteuticas equi-
valentes ao dominio do emphyteuta principal (29) ;
h) os arbitradores na fixação do maximo e minimo das
indemnizações l~varão em conta o valor da propriedade, sua
situação, estado de conservação e segurança, preço de sua
acquisição, etc. Ao prudente criterio dos arbitradores, cri-
terio que não exclue a obediencia aos principios legaes fixados,
fica a bôa avaliação da propriedade, levando em conta os melho-
res elementos que possam contribuir para o arbitramento de
um justo e honesto valor (30).
Severa critica' tem sido feita ás restricções impostas ao
recurso da sentença que homologa o laudo (31), mas é preciso
considerar a necessidade superior da celeridade do processo
judicial de desapropriação, sob 'pena de illidir-se a finalidade
da lei.
Immissão de posse - O objecto da desapropriação con-
siste na utilização da propriedade; deve, portanto, a autorida-
de desapropriante providenciar para a sua immissão na posse.

(27) Airt. 31, § 8.·, da lei de 1903.


(28) Art. 31, § 9.0 da Lei de 1903.
(29) Art. 33 da ,lei de 1903.
(30) Ver LoBÃO, Tratado pratico das avaliações e a obra de SABBA-
TINI, já citada.
(31) V:er Revista de Critica Judiciaria, vol. 18, pg. 291.
ÜELSO SPINOLA, Desáp7fopriação, pg. 140.

- 37
578 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Em principio esta só se pode realizar depois de preenchi:..


das as formalidades do arbitramento que fixa o valor da pro-
priedade (32).
Mas, em caso de urgencia, pode o desapropriante, deposi-
tando o maximo da indemnização, ser immittido na posse, por
despacho do juiz (33). E' o que dispõe o art. 2.° §. 3~0 da lei
n. 1.021 de 1903, consagrando dispositivo sujeito á critica (34)
no que diz com o valor do deposito exigido pela lei.
Retrocessão - O dec. 4. 956 de 1'903, prevê, em seu art.
9.°, o caso em que a obra não se realize. Occorre, então, ao pro-
prietario o direito de rehavera cousa, restituindo a impor..
tancia recebida e indemnizando das bemfeitorias porventura
ali effectuadas que tenham augmentado o seu valor locativo.
A doutrina tem procurado ampliar essa faculdade autori-
zando o proprietario a rehaver o immovel, quando este não
tenha tido o destino declarado no processo de desapropriação.
Em these a doutrina seria sustentavel, não fôsse a natureza da
desapropriação e o fundamento de ordem publica que a justi-
fica perante os interesses individuaes (35)".
O instituto da retrocessão, de origem franceza, me"!"ece o
maior cuidad? na sua applicação para evitar abusos e prejuizos
para o -poder publico. Desde que foi o proprietario indemni-
zado do valor da propriedade expropriada não será certamente
qualquer pretexto que poderá levar a retrocessão do bem e a
consequente annullação do acto do poder publico, realizado para
attender ao interesse -publico.
Presuppõe o decurso do prazo dentro do qual a expropria-
ção deve ser levada a effeito. Verifica-se desta forma, uma
verdadeira decadencia do direito da Fazenda sobre os alludi-

(32) Me. S. T. F., in Rev. S. T. F., voI. 36, pg. 48.


(33) Ace. S. T. F., in Rev. S. T. P., vol. 36, pg. 59; vol. 44,
pg. 99; voI. 51, pg. 367; vol. 54, pg. 52; voI. 16, pg. 285; vol. 57,
pagina 212.
(34) ,SoLIDONIO LEITE, op. cit., n. 137.
(35) EuRIOO SODRÉ, Desapropriação por necessidade ou utiUdade
publica. - SoLIDONIO LEITE - op. cit., pg. 82.
(;36) 'Ver SoLIDONIO LEITE, op. cit., pg. 50 e 137.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 579

dos bens, p€lo não uso da propriedade para o fim a que foi deil-
tinada ao proceder-se á desapropriação.
A lei italiana (37) prevê as duas hypotheses, ou o não uso
-da propriedade -para os fins a que foi destinaqa pelo decreto
de desapropriação ou p€lo facto de não ter tido a utilização
referida, dentro do -prazo. Neste ultimo caso, observa LEN-
'TINI, a declaração de utilidade publica tornou-se inefficaz
pelo decurso do prazo sem que tivesse sido utilizada a pro-
priedade.
Obedece o principio da retrocessão á- propria indole do
instituto, que só admitte a desapropriação nos casos de com-
;provada utilidade publica.
Questões muito varias suggerem a applicação do princi-
pio da retrocessão, tal como o -do valor da propriedade no mo-
mento da retrocessão, á manéira de proceder-se á nova ava-
liação etc.
São outras tantas questões que, pelo seu desenvolvimento
:remettem?s aos autores de monographias sobre desapropria-
,ção que vimos citando.
Aguas - Minas etc. - O decreto 4.956 de 1903 estabelece
~gualmente regras espec"iaes sobre a desapropriação de agua<J
(art. 37 e seus paragraphos e das minas (vêr decrs. 4.265 de
15 de Janeiro de 1921, dec. 15.2.21 de 28 de Dezembro de 1921
-e Codigo de Minas, dec. 24.193 de 3 de Maio de 19·34).
As questões que podem surgir no processo de desapropria-
,ção por necessidade ou utilidade são muito numerosas e para o
,seu estudo remettemos aos trabalhos especialisados notadamen-
te, dos nossos Solidonio Leite, Withaker, Eurico Sodré, e de Sab-
batini Lentini - Giorgi, Dellaleau et Josselin, Sabatier, além
,dos tratadistas de direito administrativo.
Requisições militares - Em caso de calamidade publica,
-perigo imminente de guerra, commoção intestina, pode a au-
toridade ,publica usar da propriedade particular até onde o
exigir o bem publico, resalvada a indemnização posterior.

(37) ARTURIO LENTINI, Le espropriazione per causa di pubblica uti-


litá; pg. 248.
580 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Constitue essa uma peculiaridade da desapropriação, de


caracter transitorio mas que se limita a maioria das vezes á
simples· utilização da propriedade.
Existe processo especial de requisições militares, fixadOi
pela lei (38).
A questão merece especial attenção quando realizadas as:
requisições em tempo de paz - por
motivos de ordem mil i-
_tar (39).
São estas, em synthese, as questões fundamentaes que in-
teressam a desapropriação da propriedade particular por ne-
cessidade ou utilidade publica. Em geral ella .se processa
entre nós, normalmente, sem grandes questões de direito de-
batidas nos autos.
Excepcionalmente esta ultima hypothese occorre, em pro-:
cessos ruidosos que" envolvem vultosos interesses patrimo-
niaes (40).

(38) Dec. 2.117, -de 3 de Mar.çode 1932; Dec. 21.608, de'l1 de


Julho de 193·2; Dec. 22.137, de 25 de Novembro do mesmo anno;. ver,.
egualmente, o d-ecreto 4.263, de 14 de Janeiro de 1921.
(39) Ver C. MAXIMILIANO, Commentarios á Constituição, n. 444.
(40) ~o as seguintes as nossas prindpaes leis sabre desapro-
priação:
Lei de 9 de Setemibro de 1826; n. 353, de 12 de Julho de 1845; nu--
mer-o 816, de 10 de Julho de 1855 e regulamento n. 1.664, de 27 de Oü-
. tubro de 1855; Dec. 1.021, de 23 de Ago'sto- de 1903; Decreto 4.956, .de
9 de Setembro de 1903.
TITULO. V

IDos .Funccionarios Pu blicos

CAPlITULO I - Funccionario e Empregado Publico


Funccionario ~ Empregado Publico - Serviço Publico
- Funcção H onoraria o - . Natureza da relação entre o func-
danaria .e o Estado - Diversas Theorias -- Colliracto de
Prestação de Serviço - Contracto Innominado - Contracto
de Adhesão - Uandato - Theoria Estatutaria - Estatuto
dos Fimccionarios Publicos ~ Tentativas e Projectos - A
Constituição de 1934 - Funocionarios de Facto - Sua No-
ção - Validade dos Aetos por elles praticados.

CA.Pil'DULOIl - Provimento dos cargos publicos


Provimento dos Cargos Publicos & - A Nomeação - A
.Eleição - O Sorteio - O Conccrso como Principio Consti-
tucional - O Systema Inglez e a Organisação do Public Ser-
vice - A Constituição Chineza dos Cinco Poderes - A Or-
ganisação das Mesas Examinadoras - Classificação de Pro-
vas - Concurso de Titulos - Nacionalidade - Idade -
Sexo - ErMmes de Sanidade.

OAPa:1!ULO 'lir! - Estabilidade dos Funccionarios Publicos


Estabilidade dos Funccionarios Publicos - Funcciona-
rios Vitalícios - Demissão em Virtude de Sentença Judicial,
ou Processo Adiministrativo & - Demissão ad nutum - Clau-
sula Bem Servir - Funccionarios Interinos e em Commis-
swo - Sua Nomeação - Seus Proventos - Sua Estabili-
dade - Das Substituições - Jornaleiros, Diaristas, Con-
tractados.
582 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

CAPITULO IV ~ Remoção
Remoção - Inamovibilidade como Garantia Constitucio-
nal - Disponibilidade - Supressão do Cargo.

O~J11UW V- AccumuIação Remunerada


Accumulação Remunerada - Historico - A Tradição·
ck nosso Direito - As Constituições Republicanas - As-
nossas Leis :- A Jurisprudencia dos Tribunaes as Praxes
Administrativas.

OAlPIruLO W - Fiança
Flinança - Quaes os Funccionarios Obrigados - Garan-
tias de Gestão e Administração dos Dinheiros Publicos -
Sequestro dos Bens dos Responsaveis ...:... Penas Disciplinares-
- Processo Administrativo - Prisão Administrativa - Res-
ponsabilidade dos Funccionarios.

CiAiPI'I\ULO VlJJI - Aposentadoria


Aposentadoria - Invalid~z - Compulsoria - Volunta-·
ria - Montepio - Direito ao Montepio - Reversão ,- Le-·
gislação - Instituto de Previdencia.

CAiPlTULO VIII - Da responsabilidade dos funecionarios


Responsabilidade civil dos funccionarios - Diversas. theo-
rias .- Responsabilidade disciplinar -:- Responsabilidade cri-
minal - Processo administrativo - R~sponsabilidq,de civil -
Solidairiedade com o Esta40 - Acção regressiva - Jurispru-
dencia.
CAPIWLO I.

DO FUN'CCIONARIO PUBLICO - NoçÃO

Funccionario e Empregado Publico .:.- Serviço Publico -


Funoção Honoraria - Natureza da Relação entre o Ju-
dicial'io e o Estado - Diversas Theonas - Contracto
de ·Prestação de Serviço - ' Contracto Innominado -
Oontracto de Adhesão - Mandato - Theoria Estatutaria
- /Estatutos dos Funccional'lios Publicos - Tentativas e
fuojectos - A Constituição de 1004 - Funccionarios de
Facto - Sua Noção - Vla,lidade dos Actos por eliles
praticados.

Nada mais difficil do que' definir o que seja funccionario


publico. De um modo geral, presuppóe o exercicio de uma
funcção publica.· Mas o aposentado, aquelle que se acha em
disponibilidade, não exerce effectivamente a funcção e não
pel'lde por isso a sua qualidade. Por outro lado, ha pessôas
que exercem funcção iPublica e não são funccionarios: o ju-
rado, o advogado.

Como diz KAMMERER (1):

"Tout fonctionnaire effectue un service public,


mais tout service public n'est pas effectué par un
fonctionnaíre. Par suíte, le fait de rendre un ser-

(1) La Fonction PubUque en Allemagne, pg. 46; LABAND, Droit Pu-


blic de l'empire allemand, pagillla 102 . .
584 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

vice public ne confere pas toujOUl"S la qualité de


fonctionnaire ".

A confusão vem da palavra funccionario que faz pres~­


mir o exercicio da funcção (2).
E' preciso, porém, saber o que se entende por funcção,
que tem significação muito generica.

Segundo JÉZE (3):

"Les caractéres essentiels auxquels on reconnait


l'agent au service,public proprement dit, le fonctiorv-
naire propr~ment dit, sont au nombre de deux:
~ " 1.° - collaboration à un service public vérita-
I ble; s'il n'y apas service public, H n'y a pas fonc-
tion publique;
2.° -' caractére permanent, normal, ordiruJJire
i de l'emploi conféré à l'individ1,l. Ce qui doit être per-
/ manent, e'est l'emploi et non l'agent. Ordinairement
'-,
l'agent affecté à un emploi permanent est lui-même
permanent; mais ce n' est pas indispensable. Par
exemple, le juré c-riminel ou d'expropriation, le mi- o

litaire résen',iste, l'individu non agregé chargé, dans


une Faculté de Droit, pour un an, d'un cours perma-
nent, sont des agents publics proprement dits, car
l'emploi qti'ils occupent de maniêre non permanente
o

est pourtant un emploi permanent et qu'ils rempHs-


sent normalement. Ce sont des fonctionnaires".

Achamos mais consentanea: com a nossa technica legal a


distincção entre "serviço" e "cargo" publico.
o O advogado, como diz o Regulamento da Ordem dos Advo-
o

gados, exerce um serviço publico federal, o mesmo o jurado;

(2) O mesmo acontece na F,rança - Fonctionnaire, Fonction - na


Allemanha - Beamter, Am.t. o

(3) Les contrats Admini8tratij, voI. I, ,pg. 184. o


lNSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 585

-() tutor. São encargos impostos ,pelo Estado, obrigatoriamente


()u facultativamente. Emquanto que o cargo publico, synonimo
de emprego, tem significação mais restricta, presuppõe um
laço, uma subordinação hierarehicana esphera administrativa
-que bem caracterisa a funcção.
Ha portanto, uma larga categoria de pessôas que, em-
bora exercendo um encargo ou serviço publico, não são só
por isso funccionario8. -
• A funcção honorifica, IPor" exemplo, que tem. as suas rai-
zes no direito anglo-saxonico, na formação do self-government
local, abrange uma larga categoria de pessôas" que exercem
-munu.<J publicus, ou por imposição do Estado ou facultativa-
mente, como contribuição para os seus serviços, ou em vir-
tude de eleição ( 4).
Os empreiteiros de serviços do Estado, todos quantos com
-:elle contractam ou para elle contribuem com os seus servi-
ços não são :f.unccionarios, embora exerçam funcções do Estado.

Segundo ROGER BONNARD (5) em obra recente:

"Sont fonctionnaires publiques ceux qui sont at-


tachés à un service publique volontairement de leur
pa~ pour y tenir un eIllJPloi" permanent prevu dans
'. les éact-res d' organisation du service et dont lá pro-
fession prinápale est de remplir cet emploi, ordinai-
rement, mais pas necessairement, en y faisant car-
riêre.
Ainsi rentrent dahs la notion du fonctionnaire
lesidées suivantes-l'acceptation volontaire de la fonc-
tion par le fonctionnaire, lapermanencé de san em
,ploi, le faft que cet erri.ploi es( prévu par les dispo-
sitions wénérales que fixent les. cadres de l'organi-

(4) Ver GNEIST, La Constit. C01nmunale en Angleterre, V, pg. 269;


<GooDNOW, Le Droit A,dministratif aux Etats-Unis, pg. 256.
(5) Précis de d1'oit administratif, 193·5, pg. 3163.
586 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

satiQn du service, l'exercice de la fondion à titre de_


profession principale et de carriere" (6).

Por sua vez BERTHELEMY já havia, sob um ponto de vista.


mais simplista, definido o funccionario publico:

"Ceux qui ayant accepté une nomination de-


l'administration à un poste determiné, collaborent
d'une maniere continue à la gestion de la chose pu-
l
(
blique" (7).
"Les caractéres essentiels auxquels ont recon-
nait l' agent au service publique proprement dit, leso
fonctionnaires proprement dits, sont au nombre de:
deux:
. l.°)collaboration à un service publique veri-
table; s'il n'y a pas service publique, il n'y a pas'
fonction pubHque;
2.°) caractére permanent, normal, ordinaire de-
, l"emploi conferé à l'individu. Ce qui doit être per-o
manent, e'est l'emploi et non l'agent".

Por outro lado LABANiD (8) sustenta que nem toda a re-·
lação de serviço do Estado pode conferir a qualidade de func-·
cionario e define o funccionario:

"Le service du fonctionnair.e se distingue du ser-o


vice du sujet en ce que ce dernier doit l'executer sans:
s'y être engagié par une d~ision de sa volonté libre,o
et il se distingue du service de l'homme loué par'
l'État en ce que celui ci est pour l'État un eontractant
de droits égaux au siens. Le rapport de service, ainsi

tido.
(6) Em nota cita ° referido autor farta jurisprudencia neste sen-
(7) Droit Administratif, pg. 45.
(S) Droit Public de l'empi?'e allemand, voI. 2,pg. lOS.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 587-

~elimité par cette double position, constitue le c:t:i--


terium decisif et essentiel de la notion juridique de-
fonetionnaire" .

Segundo ROUVIÉRE (9), pelos -principios em vig'Ü"!" na


França, considera-se funecionario todo o individuo que faz:
parte dos quadros da administração, collabora a titulo perma--
nente para a execução de um serviço publico (10).
O conceito expresso na nossa Constituição, art. 156, pri-
meiro, é mais amplo:

"O quadro dos funceionarios publicos compre--


henderá todos que exerçam cargos publicos, seja qual:
fôr a f6rma do pagamento".

Está, assim, a defiriição subordinada ao entendimento que-


se dê á expressão "cargo publico".
Ora, cargo tem uma significação generica. Comprehende-
a generalidade do serviço de Estado, electivo ou não.
O Pre8idente da Republica, os Ministros de Estado, exer-
cem cargo publico, não fazem parte, no entretanto, do quadro-
dos funccionarios publicos porque exercem funcção transito ria, _
electiva ou de confiança.
Não se lhes pode, porém, negar a qualidade de funccio--
narios no seu sentido mais amplo.
A verdade é que não se pode comprehender todas as ca--
tegorias em uma definição generiea.
FLEINER, diseri_mina de maneira interessante as diversas.-
categorias de funccionarios, de accordo com a legislação da.
Allemanha (11).
Nos Estados Unidos faz-se a distincção entre oftices e-
employments. Os primeiros presuppõem investidura, perma--

(9) Les contrats administratijs, pg. 74.


(10) Definif,"ão dada pelo commissario d'o Governo Cahen Salvador-
no Conselho de Estado, 3de Julho de 1935, de Mestral, Leb. pg. 639.
(11) FtEINER, Droit Awm. All., pg. 63, nota 3.
.588 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

nen{!ia, vencimentos e obrigações. Os segundos são de dura-


,ção limitada e de natureza especifica (12).
Neste ultimo caso, são verdadeiros contractantes de ser-
viços publicos. Caracterisa a sua funcção, não a natureza do
.serviço mas a forma de sua nomeação e as condições a que se
,obrigaram (13).
Pode-se, assim, fazer uma distincção entre a funcção ho-
norifica e a profissional.
De um modo generico, gratuito ou não, honorario ou de
·carreira, o exercício da funeção ,publica importa na qualidade
de funccionario. Não, porem, no sentido restricto, puramente
.administrativo, considerado o funccionario como integrado den-
tro do corpo da administração publica.
Voltamos, assim, á distincção entre os que exercem serviço
publico e os que exercem cargo publico, podendo estes 'ultimos
. ser comprehendidos entre os fu~ccionarios publicos.
A Constituição, aliás, usa da expressão cargo (Art. 156),
.comprehendendo como fazendo ,parte do quadro dos funcciona-
rios publicos todos os que exerçam cargos publicos, seja qual
. fôr a forma do pagamento.
Compr'ehende assim todos os funccíonarios publieos, de-
vendo ser excluidos da expressão aquelles que não exercem
,cargos publicos, ou não sejam remunerados. Estão, assim, ex-
·cluidos os que exercem funcção honorifica.
Em materia penal, ou quanto á questão de responsabili-
dade, o conceito deve ser mais amplo, de accordocom a dou-
trina ,predominante (14).
VIVEIROS DE CASTI«>, depois de uma larga enumeração,
observa (15):

"Em minha opinião, tem o caraeter de funccio-


nario publico, para os effeitos da lei penal, o cidadão

(12) PoMMEROYS, oOp. dt., § 533.


(13) F. GOODNOW, Le Droit Adm. aux E. U., pg. 250.
(14) !OTTO MAYER, I, pg. 300.
(15) Jurisprudencia Crim., pg. 321.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 589;

que agiu no exercicio de uma funcção publica, qual-


quer que seja a sua especie e natureza".

Mas adverte:

"A expressão deve ser tomada em sentido largo·


e não restrictivo. O fim da lei é evitar a venalida-
de da administração e da justiça, a corrupção dos
prepostos do Estado. Estão, portanto, comprehendi-
dos na expressão - funccionario publico - todos·
aquelles em caracter publico, quer em desempenho·
dos dever.es do cargo, quer no cumprimento de. uma.
missão de que foram encarregados".

E' aliás este o conceito de GARRAUD (16), contra o de VON-


LrszT (17).

N/aturem da Irelação entre o funccionario e o Estado

E' este um terreno onde multiplas são as divergeneias dou--


.trinarias. Estas attendem principalmente quanto ao caracter
unilateral ou bilateral da relação juridica que se estabelece,
entre o funccionario e o Estado (18).
t;~;z:;;}~ -,- -- - .
I - Acto bIlateral;
II - Locação de serviços;
III - Mandato;
IV - Contracto (sui generis,· nominado, de adhesão) ;-_
V - Estatuto.

(16) Droit Penal, valo III, pg. 333<.


'(17) Droit ·Penal de l'Empire Allem., vaI. II, pg. 431. Ver Iam--
bem: Archivo Judiciario, voI. VI, pg. 304 ,e voI. IV, pgs. 507 e 535.
(18) M. FETROZIELLO, Il rapporto di pubblico impiey'O in Nuovo'
Trattato Completo di Diritto Amministrativo de Orlando, vaI. II, pg. III.
.590 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Theoria contractual

A primeira theoria, a mais importante, éa do contracto


Assim KAMMERER (19) acha que é um contracto de di-
.xeito publico. Um contracto, porque nelle se descobrem todos
<os elementos do contracto:
a) capacidade das partes;
b) liberdade de consentimentos;
c) obrigações reciprocas .
.Não vê esse autor situação' privilegiada para o Estado,
'porque a sua funcção soberana se exerce contra todos os sub-I
-ditos.
Contra essa opinião se contrapõe entre os antigos escri-
dores, a de LAFERRIÉRE, por exemplo, que embora admittindo
uma relação contractual entre o funccionario e o E-stado, sus-
·tenta que esta relação decorre da lei e não do contracto; nem
o Estado nem o funcciónario podem modifical-a a seu arbitrio,
'por vontade exélusiva das partes.
A natureza do serviço, a amovibilidade do funccionario,
·ou a perpetuidade do titulo, o tratamento, a pensão e as con-
'dições de aposentadoria decorrem da lei.
LABAND (20)' acha q.ue se estabelece o vinculo contractual
'porque ha um aceordo de vontades entre o Estado e o func-
·cionario. Mas funda a obrigação do serviço no dever de su-
jeição:

"Le rapport du s'ervice du fonctionnaire de l'État


repose sur un contrat ,par lequel tout à fait comme
dans l'ancienne commendation, le fonctionnair,ese
"voue" à l'État, contracte un devoir particulier de
service et de fidelité, s'~ngage à un dévouement par-
tieulier, à une obéissance particuliere, et par lequel

(19) Le fonstion publique en Allemagne, pg. 90.


(20) Le droit public de l'Empire Allemand, V. lI, pg. 119.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 591

l'État accepte cette promesse, ainsi que le rapport de


puissance particulier qui lui est offert et assure en
retour au fonctionnaire, protection, et, d'ordinail'e
aussi, entretien".

Como se verifica, o elemento contractual está apenas no


:accordo de vontades para a realisação do serviço, porque a idéa
,de sujeição caracterisa bem o acto de autoridade.
MEueCI (21) admitte certas modalidades e adopta uma
-theoria mixta distinguindo as funcções das diversas catego-
rias de funccionarios: a uns attribue a qualidade de funccio-
-n;:trios directos (ministros, prefeitos, magistrados, agentes di-
:plomaticos, etc.); os outros são funccionarios indirectos (en-
~genheiros, professores, conselheiros de Estado e muitos outros
.empregados) .
Os primeiros exercem verdadeiro mandato; os segundos
-uma locação de serviços.
A feição contractual dessa relação decorre da sua natu-
reza bilate"!'al, que inspira desde logo a idéa de contracto.
Da mesma forma, as obrigações e direitos reciprocos que
·correspondem ás determinações legaes, permittem aventar-se
-a idéa de contracto.
Mas a nosso vêr, o que falta para que este se caracterise
-é a liberdade de convenção dos direitos contractuaes - a fa-
~culdade das partes contractantes de estabelecer o que fôr mais
conveniente ou de maior interesse para as mesmas partes. A
-manifestação da vontade é apenas a acceitação.
Seria quando muito um contracto de adhesão.
Mas, tal não se dá. O Estado é uma entidade de Direito
Publico. As normas geraes, o estatuto legal é por elle dictado
- é elle quem fixa 'a situação legal de seus funccionarios, que
-teem de se sujeitar ás normas alli fixadas, adquirindo, pelo
-facto de sua nomeação, os direitos assegurados pela lei, pelo
-estatuto legal.

(21) 1st. pg. 198.


592 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

E' b€m verdade qU€ n€m todos os funccionarios estão su-


jeitos sómenre ás disposições l€gaes. Ha uma categoria de,
funccionarios contractados, e cujos d€v€res muitas V€ZeS estão-
reconhecidos no contracto, que é uma verdadeira locação de
serviços. Pelo menos, o prazo de sua investidura está alli fi-
xado, 'embora estejam os Iparticulares sujeitos ás normas l€-
ga€S que fixam a comperencia e os deveres dos' funccionarios,
da mesma caregoria. Esse processo é muito usado para certos.
cargos rechnicos, bem como no Professorado.
Dahi 'a theoril!- estatutaria que como as demais estuda·-
remos em seguida.
A jurisprud€ncia americana é contraria á idéa do con,;..
tracto (21-a). E' o que accentua CARLOS MAXIMILIANO (22),-
citando copiosa doutrina e julgados das Côrtes Americanas~

Locação de serviços

Uma das theorias sobre a relação entre os funccionarios e-


o Estado é de que esta nada mais é do que uma "locatio COll-
ductio operarium".
Como diz KAMMERER (23), €ssa theoria, em vez de fazer
do tratamento ou remuneração um accessorio, considera-o como·
essencial, assimila ainda mais o funecionario a um empregado ..
Ha manif€sta confusão na definição da qualidade. do func-
cionario. Este não é como o locatario de serviço, mero em~

(21-a) ·V,er PoMEROYS, An introduction to lhe constitutional law, pa-,


gina 449. "There is no contract either express or implied, between a pu-
blic officer and the government whose agent he is".
"The case of Connol v. TheCity of New York directly presenred'
the question for decision. The oourt held that in creaNng an offite ei~
ther by the. state constitution or by state legislation, and in appointing
an individual thereto, no contract arose between him and the state, that
he occupated only a position of personaI trust". -
(22) Commentarios á Constituição, pg. 553.
(23) La fonction publique en Allemangne, pg. 69, que cita os se-
guintes partidarios desta theoria - KREss, Disertatio jurídica de jure
officiorum est oficialium,cap. 2, § 15,; WOLFF, Institutiones juris nature-
et gentiwm; NEUMANN, Meditationes juris principum; HALLER, Restaura-
tion der staatswissenschaften,· STRUBEN, Rechtliche Bedenken. São, como-
N) vê, autores anti~s.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 593

pregado, obrigado a attender ás determinações do locador, mas


ás estipulações legaes, com uma amplitude desconhecida na
simples locação de serviços.
MEUCCI (24) igualmente critica a theoria com argumen-
tos semelhantes.
Segundo LABAND (25), tambem, esta th,eoria insustenta-
vel e foi abandonada por inexacta e inconveniente, não estando
o serviço do Estado compreendido entre os operae illiberalis.

Mandato civil

E' outra theoria que merece ser examinada.


Para os que a admittem, a funcção publica decorre de uma
delegação do Estado para determinado individuo exercer certa
funcção administrativa, agindo em nome do Estado que eUe
representa.
Como nota KAMMERER (26), essa theoria não só se esquece
do tratamento, elemento essencial do Estado, como ainda não
considera o mandato de accordo com a doutrina Romana e a
legislação da maioria dos paizes, que têm o mandato como es-
sencialmente gratuito: Além do mais, desconhece as garantias
de estabilidade inherente á funcção publica.
MEUCCI (2'71) syrnpathico á the.oria, cita: TRoPLONG, MER-
LIN, DEMOLOMBE, DURANTON,BALLERINI e .prindpalmente
LAURENT, todos civilistas.
O autor iÚlliano distingue, no entretanto, entre as funcções
daquelles que ajem directamelite em nome do Estado, e os in-
directos, que só ajem por encargos emoora no interesse do
Estado.
Naquelles, diz o mesmo autor, divisa-se a indole do man-
dato, porque a representação decorre do mandato. Nestes, ao

. (24) 1st. di Diritto Amm., pg. 188.


(25) Droit Public de l'Empi1'e allemand, V'oL. 2, pg. 114, que cita
uma decisão favoraveI á theoria da Côrte de Leipzig, de 3 de Setembro
de 1863.
(26) La fonction publique en Allemagne, pg. 72.
(27) Istituzione, pg. 179.

- ::18
594 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

contrario, verifica-se a existencia da locação de serviço, quer


quantos aos technicos que exercem profissões libe!"aes, quer
quanto aos amanuenses e outros subalternos illibera1.e ..
O erro da doutrina, a nosso ver, decorre da confusão de
certos principios de direito, privado com os de direito publico.
Aquelles são inapplicaveis ás relações com o Estado, quando
este aje como ,poder .politico.
A locação desse serviço é um contracto nominado, e o man-
dato tem uma feição propria, soffre limitações impostas pelos
interesses economicos em jogo, de todo inapplicaveis ao Direito
Publico.
As relações do Estado são muito mais amplas. A vontade
do E·stado pelos seus orgãos supremos, não tem a liberdade que
se verifica. entre particulares.
Ainda mais, não se verifica a subordinação da vontade dos
agentes do Poder Publico aos funccionarios subalternos, ou te-
chnicos, a que se refere MEUCCI.
A theoria não tem applicação com a feição que lhe em-
presta o Direito CIvil, e isto basta para afastaI-a, a menos que
se lhe não tenha de dar uma estructura juridica diversa daquella
que tiveram originariamente no Direito Romano, e se encon-
tram na moderna legislação civil, quer o mandato, quer a loca-
ção de serviço.
Entre n6s a theoria é inacceitavel em um regimen de es-
tabilidade dos funccionarios, e qu~ndo vigora um regimen de
responsabilidade do Estado pelos actos dos seus funccionarios,
incompativel com os principios civilistas. que presidem á inte-
gração das relações juridicas ora examinadas.
Segundo SANTI Ro~NO (28), foram essas theorias aban-
donadas pelos motivos que largamente expõe:
Não se p()d~ effectivamente, como demonstra esse autor,
admittir a theoria contractu~i ou do mandato, quando existem
iunccionarios não remunerados ou que exercem funcçÕe8 em
virtude de lei, o que exclue aquellas relações juridicas.

(28) Gorso di Diritto Amministrativo, pg. 11'0.


INSTITUIçõES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 595

Contracto

Pode ser esta theoria sub-dividida segundo a natureza do


.oontracto :
a) contractp sui generis;
b) contracto innominado;
c) oonttacto de adhesão.

a) Contracto sui generis ou simplesmente contracto de


~Direito Publico.
As theo.rias contractuaes. partem de um principio pura-
=mente civilista de que as relações decorrentes do emprego s6
.,se realisam mediante um accordo de vontades que estabelece o
:laço juridico entre o funccionario e o Estado.
Diante da evidencia de que este contracto não se confund~
.com os de direito privado, deram-lhe uma feição sui generis;
,denominaram assim a maioria dos autores taes contractos como
(de serviço publico, ou de serviço de Estado, como querem os
:allemães (Staatsdienstvertrag) ('29).
KAMMERER (30) mostra que esta theoria, embora civilista,
,constitue uma transacção dos principios de Direito Privado
.com os de Direito Publico a que ficam sujeitos os funccionarios.
A observação é exacta e a acceitação que tem a theoria
'contractual ,por parte de muitos autores modernos é bem a de-
· monstração dessa verdade. ..
Fortes argumentos, porém, levantam-se contra a theoria
.contl'actual. A situação juridica do funccionario, salvo os di-
·reito8 adquiridos em virtude de lei (não se trata de funccio-
:narios contractados), pode ser alterada por vontade unilateral
· do Estado, bem como as suas attribuições, competencia, natu-
l'eza do se!"viço, estipendio, horario de serviço, etc., a menos

(29) LABAND, op. cit., VoI. 2, pg. 115, ond.e está citada a bi,blio-
~grap,h!,a dos autores aILemães partidarios da theoria ,como: EiMERMANN,
.;Rheinischer Bund de Winkopp; LEIST, Straatsrecht, JORDAN, Lehrbuch; e
!principalmente BUDDEUS, Rechslexikon de Weiske.
(3:0) IÜp. dI.. pg. 76.
596 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

que se queira dar a feição sui generis a taes contractos, atten-


dendo a essas circumstancias.
A critica á theoria contractual não é de hoje, não decO'rre
da concepção moderna dO' EstadO'.
Já LAFERRIÉRE a havia feito' com a clareza de sua argu-
mentação, conforme já vimos (s.1).
GASTON JÉZE, (32) adversariO' da dO'utrina cO'ntractual, só
a admitte nos casos de locaçãO' de serviço pelo Estado, de pes-·
sôas extranhas á administração, que nk sejam funcciO'narios"
e que prestam serviç.os permanentes ou transitorios.
No primeirO' caso, o cO'ntractO' é de Direito PublicO', tra-
tandO'-se de funcção permanente. NO' ultimo casO', é de Direito,
Privado, tratando-se de funcção transitoria.
No caSO' do funcciO'nariO' publico, porém, a situaçãO' juri-
dica é regulamentar e não contractual. '
Entre nós é a theO'ria contractual, sem duvida, a preferida.
na doutrina e na jurisprudencia dos nossos T'ribunaes.

CARVALHO DE MENDONÇA (M. I.) (33) ensina:

"A natureza do traço que une o Estado aos func-


cionariO's publicos é eminentemente contractual.
Entretanto tal contracto não é uma locação de
serviços nem um mandato, nem tão poUCO' uma gestãO'
de negociO's. E' um contracto sui generis, inO'mi-
nado, dependente das condições de nomeação, previs-
tas nas respectivas leis e regulamentos. Nelle ha,
mister a capac.idade da.s partes, livre cO'nsentimentO'
e obrigações reciprocas entre o poder nomeante e ().
nomeado".
~:~~ ~ ?-~~-;. -
Em parecer publicado na Revista Geral de Direito 1(34 }.
manifesta-se ,pela mesma fórma CLOVIS BEVILAQUA.

(31) Jurisdidiqn Administrative, VoI. 1.0, pg. 619.


(32) Des contrats administratifs, VoI. 1, pg 180.
(33) Direito ao Emprego.
(34) Op. cit., 2, pg. 780.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 597

b) Contracto inominado é uma modalidade da theoria


precedente (35).
Como observa KAMMERER, (36) é esta uma fórma de dar
o nome a um contracto para o qual não se encontra demoni-
nação na terminologia das fórmas conhecidas de contractos.
As observações acima feitas relativamente á theoria an-
teriormente examinada applicam-se mutatis mutandi á critica
da theoria do contracto inominado. Ambas, como mostra
D' ALESSIO (37) devem ser rejeitadas, porquanto são de ordem
privada, quando as relações do emprego publico presuppõem um
r,egimen especial só encontrado. no Direito Publico.
c) Contracto de ad;hesão. O que caracterisa a natureza
,desse contracto é a exigencia da manifestação da vontade do
particular 'acceitando as condições impostas pelo Poder Pu-
,blico.
E' esta uma formula mais humana de estabelecer uma si-
tuação de direito, quando uma das partes como o Estado, por
-exemp[o, é mais poderosa.
Esta theoria é hoje muito applicada na definição dos cha-
mados contractos collectivos de trabalho, que estabelecem nor-
mas geraes que se tornam definitivas pela acceitação, ou me-
,lhor, pela adhesão ou manifestação da vontade de 'ambas as
partes.
Ha quem ponha em duvida até a natureza contractllal da
relação juridica por esta fórma creada (38).
As theorias sobre o assumpto baseam-se no gráo de liber-
dade da manif.estação da vontade (39).
O equivoco provem do principio falso em que se baseiam
quasi todos os autores, qual seja o da autonomia da vonta-
,de (40).

(35) LABAND, op. cLt., Vio!. 2. 0 , pg. 115, que cita como pMtidario
dessa theoria WESTPHAL - Deutsches Staatrescht.
(36) Op. cit., pg. 73.
(37) Istituzione di Viritto Amministrativo, VoI. 2.°, pg. 218; Ro-
:LAND, Précis de Droit Administratif, pg. 58; GIOVANI MIELE, La manifes-
.tazione di volontá del Privato nel Diritto Amministrativo.
(308) GASTON JÊZE, Précis Généraux de Droit Administratif, pg. 11.
(3'9) RoUVIÉRE, Contrat Administratif, pg. 17.
,(40) GffiloRGE RlPERT, De la régle morale, pg. 100.
598 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
----------------------------------------------
o contracto de adhesão é, na feliz expressão de HAU--
RIOU (41), um estado permanente de offerta.
Seria longo aqui examinar em detalhe a theoria geral dos:
contractos de adhesão, mais da esphera do Direito Civil, mesmo
nas relações decorrentes dos contractos de trabalho (4,2).
Apezar de suas semelhanças com a admissão ao emprego,
e da situação de estabilidade que caracterisa este contracto, não,
se lhe pode applicar os mesmos principios do serviço publico.
O contracto de adhesão é um contracto, não pode ser alte--
I rado por nenhuma das partes sinão naquelles casos excepcio--
naes em que todos os contractos estão sujeitos ás eventualidades:
e imprevisÕ€s; liga inteiramente. as partes contractantes com
a mesma rigidez e clausulas penaes inherentes áquella catego-·
ria de ·obrigações civis.
A funcção publica está no entretanto subordinada á lei,.
que pode modificar situações juridicas em curso, respeitando-
. apenas os direitos adquiridos sob o regimen da 1ei em vigor~_
direitos que se integram no patrimonio do funccionario e que-
se lhe não pode arrebatar sem manifesta violencia.
Por outro lado, as clausulas rescisorias e penaes que podem
ser applicadas, principalmente estas ultimas, -contra os parti-o
culares, não estão previstas nas relações de emprego e não são·
da essencia da funcção publica (43).

Theoria do estatuto

As duvidas e divergencias suscitadas tendo por base as;


doutrinas inspiradas nos principios de direito civil, levaram os.
tratadistas a crear a chamada "thooria dos est~tutos".
As condições do serviço publico, segundo os partidarios.
dessa theoria, não dependem do funccionario; este acceita ape--
nas as condições impostas pela lei e pelos regul,amentos, por-

(41) Principes de Droit Administratij, pg. 145.


(42) DEMlOGUE, Declaration de Volonté, pg. 229.
(43) CARNELUTTI - Teoria deZ Hegolamento Colletivo, pg. 115 ..
.'"
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 599

tanto pelo Estado. A manifestação da vontade consiste unica-


mente no acto da acceitação.
O que caracterisa, portanto, a rela~ão de direito, o que fixa
as suas normas é o regulamento, são os estatutos.
Como observa D'ALESSIQ (44), a admissão á funcção pu-
blica é um acto de imperio. A relação de emprego constitue
um instituto juridico bem definido dentro do direito adminis-
trativo, com caracteres proprios e, discLplina autonoma, na sua
essencia, no seu conteúdo, no seu desenvolvimento.
As consequencias decorrentes dessa. theoria são as se-
gui1).tes:
L" - Os mesmos principios, as mesmas normas, regem a
situação juridica' de todos os funccionarios. Não ha situações
individuaes em materia de estatuto ou regulamento.
2.° - Deve o funccionario conformar-se com as modifica-
ções feitas pela lei ou pelos regulamentos em seu estatuto, salvo
o direito á indemnisação sómente quando venha ferir d~reitos
adquiridos, ou disposições constitueionaes (45).
Os defensores dessa theoria, como DUGUIT, HAURIOU~
D' ALESSIO, consideram a nomeação uma forma particular de
requisição, como diz HAURIOU ( 46) , ou, na expressão de
D'ALESSIO, a preposição de um individuo ao serviço do Es-
tado (47).
BERTHELEMY (48) faz a essa theoria severa critica, mos-
trando as contradicções do iprincipio na pratica. Procura re-
solver a questão por meio de uma distincção entre os "funccio-
nanos de autoridade" e os "funccionarios de gestão".
Dahi decorre uma theoria mixta. De um lado, os que
commandam, qualquer que seja a sua categoria; de outro lado.
os que praticam actos apenas de gestão.

(4'4) 1st. Diritto A,mministrativo, 11, pg. 222.


(4:5) RJoLLAND, Précis de Droit Administratif, n.O 98.
(46) Pré eis, pg. 572.
(47) Istituzione, I, pg. 223,.
(48) Traité Elémentaire, pg. 48. E'sta theoria se assemelha á de
M'EUCCI, já por nós ·examinada.
600 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Essa distincção, que attinge apenas a natureza das func-


ções, dispensa o exame da relação entre o funccionario e o Es-
tado. O exame da funcção publica é o que interessa (49). .
Não vemos como insistir em distincções, quando se torna
facil explicar a situação dos funccionarios pela theoria do es-.
tatuto legal (50).
Esta theoria é largamente acceita em França, pelas me-
lhores autoridades (51).

ESTATUTOS DOS FUNCCIONARIOS

A Constituição Federal de 16 de Julho de 1934, c-omo uma


de suas grandes innovações, creou um titulo especial sobre func-
cionarios publicos, onde se encontram eompendiados. os p:in-
cipaes dispositivos sobre o estatuto daquelles funccionari·os (52).
Alli se acham consagradas as garantias fundamentaes da
funcção publica asseguradoras da sua fixidez, agora não mais
sujeita ás alterações da legis'lação ordinaria pelo menos em sua
estructura fundamental..
O dispositivo constitucional tem seus precedentes na maio-
ria das Constituições modernas. As da AUemanha (53), Aus-
tria (54), Baviera (55), Finlandia (56), Grecia (57), Polo-
nia (58), Russia (59), Rumania (60), Tcheco-Slovaquia (61),
Turquia (62), Yugo-Slavia (63), conteem todas disposições ex-
pressas sobre o assumpto.

(49) Ver DuGUIT, L'État, le Gouvernement et les Agents, pgs. 397


e seguintes.
(50) RlOGER BONNARD, Précis, pg. 367.
(51) GASTON JÉZE, Contmts Administratifs, I, pg. 184.
(52) Art. 188 e seguintes da Const. de 1934, e art. 156 da Consto
de 19'B7.
(53) Const. de 1919, arts. 128 e segs.
(54) Const. de 1-W-1921, revista em 1925, ar!. 21.
(55) Const. de 19-8-1919, § 68 oS segs.
(56) Const. de 17-7-1919. arts. 84 e segs.
(57) Const. de 17 -7~1927, arts. 6, 26, 40, 114.
(58) ,Const. de 17-7-1926, art. 97.
(59) Const. de 30-11-19,20,' arts. 77 e segs.
('GO) IConst. de 29-3-1923, a,rt. 8.
(61) Const. de 18-10-1918, arts. 3, 20, 64 e 99.
(62) Oonst. de 3-0-4-1934, arts. 92 e segs.
(63) IConst. de 28-6-1921, arts. 104 e segs.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 6Dl

Desde o ante-projecto constitucional, elaborado pela Com-


missão nomeada pelo Governo Pro viso rio, foram as garantias
constitucionaes dos funccionarios publicos objecto de exame. Os
art~gos 90 e seguintes do ante-projecto estabeleceram normas
que muito se apptoximam das disposições constitucionaes em
vigor (64).
Veio a materia incluida na Constituição antes que se pu-
desse ter levado a effeito a elaboração do Estatuto dos funccio-
narios publicos, consolidação das normas existentes sobre o
assumpto (65). E' esta uma velha aspiração mas cuja effecti-
vaçãopor motivos varios tem sido adiada (66).

(64) .A!ctas da Oommissão elwboradora do Ante-Projecto Constitucio-


nal, Diario Official.
(65) For,am 'os seguintes o.S prindpaes pr,ojectos de E.statu1tos de
funccionarios publicas:
IEm 1907, ,proj1ect.o JUSTINIANO DE SERPA, estabelecendo direitos e at-
tribuiçoos dos funccionarios pu'blicos, bem como as condições de sua es-
tabilidade;
Em 1910, igualmente, ALCINDO GUANABARA;
Em 1911, pro.curo.u o deputado GRACCHO CARDOSO em projecto submet-
tido. á consideração da Camara, definir a situação dos funccionarios pu-
blicos, prescrevendJo as normas geraes de sua nomeação, promoção, dispo-
nibilidade, aposentadoria e penas disclplinares;
Em 1913, ,o deputado MONIZ SoDRÉ reno'vou a tentativa apresentando
uma brilhante exposição de lIliOtivos;
Em 1914, CA'MILLO DE HoLLANDA, igualmente, f~rmu~ava novo pro-
jecto;
Em 1915, a lei n." 2924 em seu art. 125 fixou as oondições de esta-
biHdade dos funcdonarios e as formas g'era.es do processo administrativo;
Em 1916 o. presid,eniJe WENCESLÁO BRAZ, pelo Dec. 12.296, de 6 de De-
zembro mandava oonsolidar as disposições regulamentares em vigor, depen-
dendo doe referendum do Congresso J o que não foi feito.
Em 1921, uma commissão nomeada pelo Prs. EPITACIO PlESSÔA e pre-
sidida pelo Senador JOÃo LYRA e Dr. MANOEL CICERO, organisou um pro-
jecto de Estatutos de funccionarios publicos;
Em 1923, o Mjinistro da Fazenda, HoMERO BAPTISTA, nomeou uma Com-
missão oompo.~ta dos nrs. ALBERTO BIOLCHINI e OSCAR BORMANN para
cons'olidar as normas exi,stentes sobre o assumpto;
'Em 1929, os Deputados GRACCHO CARDOSO, HENRIQUE DODSWORTH,
DANIEL DE CARVALHO, MAURICIO DE MEDEIROS 'e SÁ F,lLHO elaboravam um
pl'ojecto de Estatutos de Funcoionarios Publicos;
Em 1931, a Sub-Commissão legislativa, de que faziam parte os Drs.
MIRANDA VALVERDE, FIGUEIRA DE MELLO e QUEIROZ LIMA renovaram os
estudos no mesmo sentido, entregues á Commissão competente da
CamaTa dos Deputados, que até a sua dissolução em 1937, não havia ter-
minado o seu trabalho.
(66) E,sta situação. não é singular ao Brasil. A França, apezar de
todos os esforços, não tem até hoje o seu Estatuto de FunccilOnarios. Foi
602 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Ha manifesta confusão entre "garantias" e estatuto~


Aquellas podem existir independentemente do estatuto, decor-
rendo ou da Constituição ou de leis ordina"!'ias. A vantagem
do estatuto está, principalmente, na uniformidade das normas
regulamentares para todos os funccionarios, e na difficuldade-
de reformas que venham quebrar a unidade do Estatuto, -em
seu sentido fo"!'mal e doutrinario. O estatuto tem, neste caso,
o sentido de uma verdadeira lei organiea, collocada entre a lei
ordinaria e a Constituição.

FUNCCIONARIOS DE FACTO

Por vezes, são os funecionarios indevidamente nomeados,


ou porque não o tenham sido de accordo com a lei, ou Porque
o foram em virtude de uma demissão illegal de seus antecesso-
res, no exercicio do cargo.
Este ultimo caso estava previsto na Constituição de HI34,.
art. 173:

"Invalidado por sentença o afastamento de qual-


quer funccionario, será este reintegrado em suas
funcções, e o que houver sido nomeado em seu lugar
fieará destituido de plano, ou será reconduzido ao
cargo anterior, sempre sem direito a qualquer in-
demnisação" (67).

Este dispositivo, embora não tenha sido incluido no texto


da Constituição de 19;37, contém principio geral de direito.
susceptivel de applicação.

em 19017 segundo refere Roger Bonnard, que se começou a cogitar do as-


s UIIJiP to, em virtude de certas agitações no funccionaLismo contra o Mi-
nisterio COMBES. Diversas prop'ostas foram apresentadas á Camara, ten-
do mesmo o Governo apresentado um pr·ojecto de Elstatuto, em 1909, re-
petido ·em 1910, que deu mo·tivo ao parecer MAGINOT, em 12 de Julho de
1911. Depo,is da guerra, ,o Ministro MILLERAND renovou a iniciativa que
não teve andamento. (RoGER BoNNARD, Précis Dr. Administrati!, pg. 371).
(67) Pareceres, pg. 117.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRAT~VO BRASILEffiO 603·

Mas qu~d dos actos por esse funccionario p!"aticados?


Responde a essa questão, com muita propriedade, o Dr~
FRANCISOO DE CAMPOS, citando a Jurisprudencia dos nossos·
rrribunaes :

"a irregularidade na investidura das funcções


publicas não induz á nullidade dos actos praticados
'Pelo funccionario irregular desde que tal irregula-·
ridade não assuma o caracter de uma verdadeira
usur.pação da autoridade publica, a saber, desde que
revista a investidura certo. caracter de plausibilidade
e de regularidade externa, de maneira a induzir os·
terceiros de bôa-fé á crença na sua regularidade in-
trinseca, por ser presupposto, como á primeira in-
tuição se eVidencia, que o funccionario nomeado por
autoridade competente e munido do respectivo titul(}
em devida forma e exercendo regularme1.lte os actos
que são ,por lei designados á sua competencia, seja de
facto e de direito, depositario incontestavel e legitimo
da parcella do poder publico, que lhe é attribuida pela
sua competencia legal.
Este principio se funda, a um só tempo, como·
observa GASTON JÉZE (Droit Administratif, pagi--
nas 445-448) no legitimo interesse dos terceiros e na
propria natureza dos serviços publicos, cuja conti-
nuidade é presupposta pelo caracter da organização:
do Estado moderno, considerado, primordial e emi-
nentemente, com o conjuncto dos serviços publicos
permanentemente organizados em vista da commo-
didade e utilidade dos jurisdiccionados".

Não resta duvida, assim, que os actos praticados por func.


cionarios nomeados ilIegalmente são validos. E' esta a dou-
trina e pratica administrativa (68).

. (68) Ver RoGER BONNARD, pg. 218. "Lorsqu'un individu a été l'objet
d'unenominati.on ou d'une él,ection illégale, qui dans la suite a été annullée,
il s'est trouvé êtr·e irréguliérement investi. Cependant, ses actes sont re-
604 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Não se confunde essa situação com a do usulipador. Neste


caso, nenhuma apparencia de legalidade tem () acto de sua in-
vestidura, queie reveste de caracter fraudulento, sem qual-
.quer intervenção da autoridade publica.
Finalmente, quanto aos funccionarios de facto, cuja inves-
tidura decorre de um Governo de facto, instituido por um mQ-
vimento revoluciQnario, cumpre fazer menção especial, porque,
como observa ainda BONNARD, é preciso distinguir o Gover-
no instituido do que ainda se acha no curso de uma insur-
reição.
Na nossa pratica administrativa destes ultimos annos, po-
-demos citar dous actos que definem bem a situação politica,
embora se possa discutir o criterio que os dictou.
O .primeiro é o decreto n.o 21. 517 de 13 de Junho de 1932,
que declara ficarem sem effeito as nullidades decorrentes de
incompetencia, em actos iPraticados por juizes e serventuarios
forenses, nomeados por autoridades e commandan1Jes revolu-
danarias, em substituição dos funccionarios effectivos no pe-
riodo de 3 de Outubro de 1930 até á data do decreto.
Este acto reconhece a validade dos actos praticados por
iunccionarios de facto nomeados pelos insurrectos, que depois
se tornaram victoriosos, portanto, já na época em que prati-
caram as nomeações, G/Utoridades de facto.
O segundo é o decreto n.O 21. 640 de 18 de Julho de 1932,
€xpedido durante o movimento subversivo de São Paulo. De-
clara nullos e de nenhum effeito os actos ;praticados pelos func- .
cionarios insurrectos que estiverem participando do movimento
revol ucionario.
A differença entre os dois decretos decorre do resultado
precario dos movimentos subversivos, que podem ou não tor-
nar-se Governos de facto.
Na primeira hypothese, os seusactos tornar-se-ão natural-
mnente revalidados. Na outra hypothese, serão considerados

I
connus comme valables. Il était fonctionnaire de fait". (C. F. BOUSQUIÉ,
2 Niov. 19,23, pg. 699). GABINO FRAGA JUNIOR, Derecho Administrativo,
pg. 184. GASTON JÉZE, Principes Genemux de Droit Administ., pg. 296.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO Am..UNISTRATIVO BRASILEIRO 605·

praticados por autoridades que usurparam ,pela violencia as at-


tribuíções dos legitimos detentores dos cargos.
Foi a solução dada em França por occasião da Communa,.
cujos actos, inclusive pagamento de impostos, foram em parte
invalidados e sem effeito liberatorio.
Uma lei posterior veio, no entretanto, por força das cir-
cumstancias, revalidar taes actos, cuja nullidade viria preju-
dicar de muito as situações individuaes.
A questão está larga e documentadamente examinada pelo
escriptor mexicano GABINO FRAGA JUNIOR, que estuda casos
concretos do maior interesse (69) .
Em quaesquer circumstancias, a tendeI}.cia é para reconhe-
cer a legitimidade dos actos praticados por funccionarios de
facto, inclusive usurpadores (70).
E' que interesses superiores assim o exigem, além de diffi-
culdades insupera'veis no restabeiecim.ento de situações jurí-
dicas já modificadas por actos apparentemente legitimos.

(69) DereCM administrativo, pg. 186 e segs.


(70) E' de dtar o Accordão do Tribunal do Rio Grande do Sul, ºe
28 d~ JuLho de 1008: "Dos actos prat,icados pelos Governos de facto não
resultam direitos si taes actos não forem sanccionados posberiormente pelo>
povo". in O Direito, voI. no. pg.. 96.
CAPITULO II

PROVIMENTO DOS CARGOS ~úB:t;.ICOS"

Provimento dos Cargos Publicos - A N omeaçãó- A Elei-


ção - O Sorteio - O Concurso como Principio Constj...
tucional - O Systema Inglez e a Organisaçã"o do- Public
Servioe - A Constitui'Ção Chineza dos -Cinco Poderes -
A Organisação das Mesas Examinadoras - Cl!assificação
de Provas - Concurso de TituJlos - Nacionalidade
Idade - ,Sexo - Exames de Sanidade.

Um dosiProblemas fundamentaes do funceionalismo é o


do provimento dos cargos.
E' manifesto que o principio geral inherente ao regimen
tdemocratico de que todos teem direito ao accesso ás funcções
publicas, sem distincção de sexo ou estado civil está subordinado
"ás condições estatuidas pela lei, entre as quaes se encontra ne-
cessariamenh~ a da fórma de selecção, no sentido de recrutar
os servidores do Estado entre os mais idoneos e os mais capazes.
Por outro lado, e é este um velho principio vigente entre
:nós, quanto mais rigoroso o processo de" selecção, maiores
garantias acompanham o funccionario.
O processo de recrutamento do funccionario varia "natu-
ralmente de accordo com a natureza da funcção; inconfun-
diveis são as situações do engenheiro, do medico, do technico
emfim, com a dos demais funccionarios administrativos."
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 6017

GASTON JÉZE (1) divide em tres os processos de escolhas:


1.°) - A nomeação;
2.°) - A eleição;
3.°) - O sorteio.
A nomeação - é a designação feita por um só individuo;
A eleição - é a designação feita por diversos individuos;
O sorteio - é a designação feita pelo acaso, sem a inter-
venção da vontade humana.
Estes processos se revestem de modalidades diversas.
A não ser com relação aos funccionarios electivos, o que
.comprehende uma categoria a pa!"te, o proces'so normal de
.de,signação do funceionario é a nomeação (2).
Por este meio, pôde ser feita maior selecção, quer quanto
;á idoneidade, quer quanto á qualidade e competencia do func-
-cionario, melhor capacidade technica e maior responsabilidade
.de quem nomeia.
Permitte, no entretanto, o filhotismo, o favoritismo de
uma classe e a preterição de exigencias de aptidão e idoneidade .
.aptidão e idoneidade.
Para contornar, porém, taes defeitos, varias soluções pó-
.dem ser postas em pratica.

o sorteio
O processo de sorteio só se verifica em casos excepciona-
lisismos, como o preenchimento de certoS' cargos de juiz por
·exemplo~
Na Constituição de 1934 foi, no entretanto, o processo es-
-colhido para a organisação do Tribunal Superior de Justi~
:Eleitoral (Art. 82, § 1.0) .

.( (1) Rev. de Dr. Public, vol. XLIV, pg. 400.


(2) A nomeação -de todos os funccionarios compete ao Presidente
.da Republica. .
608 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Alli se determinava:
§ 2.°) - O Tribunal Superior com1JÔr-se-ha do Presi-
dente e Juizes effectivos e substitutos, escolhidos do modo se-
guinte:
a) um terço sorteado entre os Ministros da Côrte Su-
prema;
b) outro terço sorbeado dentre os Desembargadores do
Districto Federal;
c) o terço restante nomeado pelo Presidente da Repu-
hlica dentre seis cidadãos de notavel saber juridico e repu-
tação illibada, indicados pela Côrte Sup'rema.

A Eleição

O processo de eleição dos funccionarios publicos, isto é, o


provimento dos cargos publicos por meio de eleição é uma uto-
pia democratica, uma consequencia da applicação extremada
do principio electivo.
A Revolução franceza deu amplas expansões á democra-
cia, fundada no regimeri eleitoraL ,
Tudo alli se procedia por eleição. Constituio, assim, este
o processo por excellencia do provimento dos cargos publicos.
administrativos e até judiciaes.
Mas, o systema não permittia o' fortalecimento do Estado
nem satisfazia ás necessidades dos serviços ,publicos, motivo,
pelo qual cedo modificou-se.
Veio mais tarde um regimen hierarchico a,purado, que póz,
termo ao processo electivo (3).
A' critica feita, notadamente, nos Estados Unidos, a esse
processo de designação tem merecido as mais severas expres-
sões de alguns autores, como LAWRENcE LoWELL (4).

(3) F'lEL1X GARAS, La selection des fonctionnaires, 1936, pg. 23.


(4) L'Opinion Publique et le Gouvernement popu}.cttire, pg. 281.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 609

Encontra-se uma modalidade do systema applicado entre


nós, embora a indicação se realize por um eleitorado de senso
alto. A nomeação dos Jui~s Federaes era antigamente feita
em virtude de lista organisada pela Côrte Suprema.
Ora, nesses casos, a indicação é realisada por meio de elei-
ção, por escrutinio secreto, em geral por todo o Tribunal.
A natureza do processo e as suas peculiaridades, porém,
tiram áquellas indicações o caracter electivo (5).

Nomeação

O verdadeiro processo posto em ,pratica é o ·da nomeação,


que é da responsabilidade do poder executivo, especialmente do
Presidente da Republica.
Antes, porém, de apreciarmos os proceSsos de nomeação,
devemos referir alguns casos excepcionaes ,previstos pela Con-
stituição:
1.°) - Os Ministros de Estado são de livre nomeação e
demissão do Presidente da Republica (art. 88 da Consto de
1937).
2.°) - Os Ministros do Supremo Tribunal são de livre no-
meação do Presidente da Republica entre os brasileiros natos
de notavel saber juridico e reputação illibada, alistados elei-
tores, não po.dendoter mais de 58 e menos de 35 annos.
Esta nomeação sob o regimen anterior, quer da Constitui-
ção de 1891, quer da Constituição de. 1934, estava sujeita á
approvação do Senado, mas em virtude da mOdificação verifi-
cada na estructura Constitucional pela Carta outorgada em
1937, passou essa competencia para .G Conselho Federal.
3.°) - Para os juizes as determinações' constitucionaes são
menores; embora de nomeação do poder executivo (no Distri-
eto Federal pelo Presidente da Republica e nos Estados pelos

(5) Negamos a estes actos caracter electivo. São actos comple-


xos porque pratkados por corpos collectivos.

- 39
610 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
-------------------
respectivos Governadores), de.pendem da sua indicação pelos
Tríbunaes de AppeUação dos Estados em lista de trez nomes
(art. 103 letra a) da Constituição outorgada).
Este é um processo peculiar de selecção feito por um orgão
technico especializado. O arbitrio do poder executivo é menor,
no entretanto o contrôle em vez de ser 'feito a posteriori, veri-
fica-se antes da nomeação pela indicação.
4.°) - Os Ministros do Tribunal de Contas são nomea-
dos de accordo com as mesmas normas que presidem á nomea-
ção dos Ministros do Su.premo Tribunal Federal, antiga Côrte
Suprema (artigo 100 da Constituição de 1934 e 114 da actual
Constituição) .
5.°) - O Procurador Geral da Republica é de livre no-
meação do Presidente da R'epublica.
Essas são as principaes excepções ao principio geral da
livre nomeação.
A 1wm.eação constitue por definição um acto discriciona-
rio do poder competente, salvo quando a lei estabelece fórma
es.pecial.
Essa discrição traz comsigo todas as vantagens e incon-
veniencias do systema. Depende primordialmente das quali-
{}ades daquelle que pratica o acto, sua isenção, seus propositos,
sua categoria, sua dedicação ao serviço publico, suas qualida-
des pessoaes de escolha e selecção.
Mas é preciso notar que, de qualquer fórma, essas condi-
ções devem ser preenchidas, individualmente quando a respon-
sabilidade é de uma só autoridade, collectivamente quando a
escolha é feita iJ}or uma commissão ou jury de concurso. .
Não é possi'Vel isolar o individuo do seu julgamento, ex-
cluir as condições subjectivas de quem faz a escolha. Por isso
o criterio do arbitrio tem suas vantagens e seus grandes incon-
venientes.
Mas, nem sempre o direito de nomear importa no direito
de escolher e por isso a lei estabelece grandes restricções pré-
eisamente com relação á escolha, á selecção de capacidades.
Na nossa organisação federal, compete ao Presidente da
Republica a nomeação de todos os funccionarios public08 fe-
deraes.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 611

E' uma attribuição constitueional consagrada na Consti-


'tuição vigente, e que soffre ~xcepções, apenas, naquelles casos
.-e em outros previstos expressamente nas leis ordinarias (6).
J á o decreto de 27 de janeiro de 1928 determinava que as
:nomeações'para os cargos 'publieos federaes, resalvadas as res-
'tricções constitucionaes, seriam privativamente feitas pelo Pre-
sidente da Republica em decreto subscripto pelo Ministro a
.cuja pasta pertencesse a repartição a que eram relativas
,(Art. 3.°).
Mas, o proprio decreto abria excepção á regra geral at-
-tribuindo ao Ministro de Estado as nomeações por portaria nos
.casos de interinidade, licenças, oommissões até um anno
,(Art. 4.°).
Não tem, porém, a mesma elasticidade a legislação ora em
-vigor, mesmo na ,parte que interessa aos funccionarios contra-
I.ctados (Decr. 8171, de 1 de junho de 1936) cuja nomeação se
.acha centralisada e contrôlada pelo Presidente da Republica.

Processos de Selecção

'Todo o systema de ,provimento dos cargos publicos gyra


fem torno da selecção moral, intelleetual e physica dos candi-
tdatos.
Existem processos classicos, universalmente acceitos, como
'o concurso, a apresentação de diplomas e outras provas de
~habilitação.
Antes, porém, de examinarmos cada uma dellas, vamos
referi"!." com maior minucia á organisaç.ão dos differentes orgãos
,creados em diversos paizes ha longos annos e agora adaptados
·entre nós.

(6) Disposiçã'O mantida no art. 74 l, da CQnstituiçáJo de 1934. Deve-


,-se notar, 'P'O'rém, que as restricç.ões contidas na Constituição de 1937 são
muito menores, pois que, até a faculdade atiribuida anter,io'rmente aos tri-
"buna:es, de nomear lOS funccionarios de sua secretaria foi supprimida neste
rultimo texto.
612 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

o serviço publico civil nos Estados Unidos (7)

Depois da Inglaterra, foram os Estados Unidos os primei-


ros a crear uma organisação especial para fiscalisar o provi-
mento dos cargos publicos para a administração. -
As origens do Civil Service, como é denominado esse appa-
relho nos Estados Unidos, eXiprimem bem as difficuldades alli
surgidas e a luta travada entre a conveniencia do serviço e
a conveniencia da política para impôr ao Poder Executivo li-
mitações ao livre arbitrio na escolha dos funccionarios do Es-
tado, .que têm de provêr ás necessid'ades do serviço publico.
A, theoria sustentada por JACKSON de que a funcção pu-
blica deveria ser transitoria e o funccionario nomeado por tem-
po indeterminado, foi a primei~a manifestação no 'sentido de
estabelecer um systema regulando o provimento dos cargos
(publicos e a estabilidade dos funccionarios.;
Este regime é denominado, na Historia americana, spoils-
'8Ystem, e isto devida á phrase lançada por JACKSON em 1929',
"To the victors belong the spoils ".
Esse Presidente applicou desde logo o systema demittindo'
em massa funccionarios para substituir por outros de sua im-
mediata confiança politica. De 1845 a 1865 marca-se o apo--
geu do Spoils System naquelle iP'aiz.
A eleição presidencial passou a ser um acontecimento po·-
litico, cujo preço era o Serviço Civil (8).
As consequencias desse regimen não se fizeram esperar:-
Em 1865, um advogado, Thomas AlIen Jenclres, tomou a ini-·
ciativa perante a Camara dos Representantes de uma reforma.

(7) Civil Service Act & Rules Statutes, Executive Orders. -& Regu-.
latio?Ul, 1934.
Annual Report 01 the U. S. Civil Service Commission, 1~35,.
National Civil Service Reform League, "The Business Value of the'
Merit System".
,([,he Classilied Executive Civil Service 01 the U. S. Governement.
1935. • .
United States Civil Service Commission, 19316, "Reinstatement & Re--
employmenf', "Removal, Reduction, Suspension & F'Illough", "General In-
formation" _
(8) CARL RUSSELL FISH, The Civil Service and the Patronage.
,"

INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 613

no serviço publico, e apresentou um projecto de lei naquelle


sentido.
Sob a administração do Presidente Grant, foi feito um
novo esforço para a renovação do regimen de provimento dos
.cargos publicos e estabilidade dos funccionarios, do qual resul-
tou a lei de 1872, que instituioo chamado merit system, sob a
inspiração do Partido Liberal Republicano (9').
Não cessou, porém, o movimento em torno de uma reforma
radical do regimen e da instituição de um systema mais per-
feito.
S'ubio então ao governo James Garfield, que desde 1870
era um partidario vigoroso de uma reforma radical e completa.
Apezar dos esforços que soube empregar, foi o Presidente
Garfield victima do proprio systema que julgava desacerta-
.do (10).
Em 1883 foi finalmente votada a lei do Serviço Civil que
teve por base estabelecer um regimen em que pred{)minava
:a comprovação de capacidade, sem attender a considerações de
-ordem politica {)u religiosa.
O Serviço Civil americano éra dirigido, pela lei de 1883.
;p<>r uma Commissão de tres membros, subordinada directa-
mente ao Presidente da Republica, e cuj as attribuições com-
prehendiam a organisação das n{)rmas que deviam regular o
-provimento dos cargos publicos, a organisação d{)s exames e
··concursos e as investigações relativas ás condições moraes dos
<candidaros.

(9) Lê-&e em uma pIataforma de&se Partido: "The civil service af


t:he Government has become a mere instrument of partisan tyranny and
'personal ambition, and an obj.ect of seIfi.sh g-reed. It is a scandal and
a reproach upon free institutions, and breeds a demoralisation dangerous
to the p-erpetuity of republican government. We, therefore, regard a
thorough reformaf the dvil service as one of fhe most pressing neces-
'sities of the hour; that honesty, capacity, and fidelity constitute the
only valid claims to pu'blic employment; that the offices of the Gover-
nment cease to be a matter of arbitrary favoritism and patronag.e and
that public station shall hecome again a post of honor. To this endit
is imperatively required tha:t no President shall be a candidate for re-
élection" .
(10) Garfloeld foi -assassinado, no dia 2 de Julho de 1881, por Char-
1es J. Guiteau, identificado como um individuo que assediava a Casa
:Branca, pleiteando qualquer emprego federal.
614 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

A lei de 1883, composta de 15 artigos, fQi apenas uma ten--


tativa, mais tarde oompletada pelas leis de 1896, 1903 e de 15,
de setembro de 19134, que constituem, hoje, um Codigo CQm-
pleto regulando o Civil Service.
Apezar das vantagens indiscutiveis do systema, ainda nã<r
conseguio o Civil Service provêr a t<>dos os cargos federaes,_
estando ainda excluidos de sua autoridade cerca de dois terçQs .
.daquelles empregos.

o Serviço Civil na Inglaterra

o systema inglez segue a índole de todo o regimen juri~


dico daquelle ,paiz, fundado principãlmente na Common Law.-
Alli, Q contrôle é exercido por uma Civil Service Commis--
sion, composta de tres membros: um prQfessor publico, um ho-
mem de sciencia e um funccionario.
A Commissão dispõe de um corpo numerOSQ de exam~na­
dores e a nomeação depende de tres gráos, a saber: concurso,
exame pessoal do candidato (Competitive Interview), e no--
meação.
A ordenança de 4 de Junho de 1870 constitue a base de-
toda a organisação idealisada pela Commissão Gladstone em.
1855, e nella se exige como condição primordial o concurso para.
todos os serviços, salvo aquelle technicos eS!pecialisados e os .
nomeados pela Corôa.
A ordenança de 1870 foi revista e aperfeiçoada por Mac'
Donnel, em 1914, e por uma Commissão presidida por Lord~
Gladstone, em 1919 (11).
Na Inglaterra existem duas categorias ou divisões de·
funccionarios: uma süperior e outra inferior; aquella com--
prehende uma categoria que exige qualidades muito maiores-
de capacidade, até o curso universitario.
Os conhecimentos especiaes só pódem se-radquiridos depois:
de concurso, o que não se torna difficil para aquelles que têm o--
preparo geral e o conhecimento de um certo numero de ma-

(11) ,GASTON JÉZE, Rev. de Droit Public, voI. 44, pg. 589.
INSTITUIÇÕES DE DIREIT'Ü ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 615

teiras indispensaveis, dependendo o desenvol'Vim~nto p<>ste~


rior da pratica do serviço publico (12).
Não têm assim os concurs'Os caracter especialisado.
O serviço civil divide-se em quatro classes:
La) a classe dos amanuenses (Writing Assistants
Class), cujos membros executam um trabalho puram~nte me-
chanico;
2. a ) a classe dos escripturarios (Clerical Class), cujos
membr'Os estão incumbidos do trabalho mais elevado, de pri-
meira classe;
3. a ) a d'Os executivos (Executive Class), que desempe-
nham as funcções mais altas dos Departamentos de Almoxa-
rifado e de Contabilidade e de outros ramos executiv'Os ou
especialisados d'O serviço civil.
Esse trabalho abrange um campo vasto, e exige em diffe-
rentes grá'Os qualidades de julgamento, iniciativa e engenho.
O recl'utam~mto para essa classe faz-se tambem mediante con-
curs'O de provas escriptas, devendo os candidatos ter pelo me-
nos dezoito a dezenove annos;
4. a ) a classe dos administrad'Ores (Administrative
Class), á qual incumbe traçar directrizes para assegurar a c'O-
'Ordenação e o melhoramento da machinaria governamental,
da administração geral e d'O contrôle d'Os depa':'tamentos de
serviç'O publico. Para essa classe exige-se 'O mais alto padrão
de qualificação, sendo 'O seu recrutamento feito parte dentro
do serviço, parte fóra delle (13).
O Civil Servic~ comprehende toda a organisação do func-
ci'Onalismo inglez, perfeitamente racionalisado, standardisado.
com normas h'Omogeneas e seguras que permittem o perfeito
funccionamento da machina burocratica daquelle ,paiz.

(12) lLAWRENCE LoWELL, Le GOlwernement de l'Angleterre, vaI. I,


pg. 189 e segs.
(13) Dados fornecidos por Sir RICHARD REDWAY, in Correio da
Manhã, d·e 8 de Ag'osto de 193-5.
616 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

o Serviço publico civil no Brasil

Tambem entre nós, tornou-se necessario constituir-se um


orgão puramente technico encarregado de promover todas as
medidas tornadas necessarias para o regular provimento dos
cargos e preenchimento de vagas verificadas no quadro dos
funccionarios, bem como outras providencias e~ressamente
previstas na lei.
Constituio-se esse orgão de accordo com a lei 284 de 28 de
Outubro de 1936, sob a denominação de Conselho Federal do
Serviço Publico Civil. As suas attribuições já foram exami-
nadas no primeiro 'Volume deste trabalho (14).
Directamente subordinado ao Presidente da Republica tem
as suas funcções integradas como orgão technico na propria
funcção daquella autoridade, a quem assiste com o caracter
consultivo e technico.
Seguio, portanto, a organização administrativa do nosso
paiz a mesma orientação dos outros paizes quando creou ()
Conselho Federal, por isso que a sua finalidade tem de se con-
ciliar com a posição e as attribuições do Presidente da Repu-
blica dentro do nosso regimen Constitucional.
A funcção de nomear é especificamente do chefe do poder
executivo a quem cabe. em ultima ratio, exercer a suprema
autoridade sobre o funccionalismo.

Dos meios de provimento

A) - O CONCURSO é o meio normal e regular de pro-


vimento dos cargos publicos. E' o que diz a Constituição,
estabelecendo em seu art. 156-b:

"A primeira investidura nos postos de carreira


far-se-a mediante concurso de provas ou de titulos".

E' a consagração de um velho principio. Nos Estados


Unidos só com muita difficuldade foi isso cumprido. A luta

(14) Volum-e L, pg. 377.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 617

para esse fim, conta GooDNOW (15) foi renhida. A theoria


sustentada por JACKSON, de que' a funcção publica deveria
Ser transitoria, e o funccionario nomeado por tempo indeter-
minado (spoiis system) foi acceita mas deu máos resultados.
Hoje, nos Estados Unidos, envereda-se francamente nesse
caminho, seguindo, aliás, a orientação da Inglaterra.

Diz LAWRENCE LOWELL (16):

"Nós tomamos á Inglaterra a idéa da reforma


do serviço civil, o processo da nomeação em razão
dos meritos em vez do favor publico; reduzimos as-
Isim consideravelmente o dominio do patronato de
partido e o systema dos despojos, mas até aqui só
temos applicado o systema em parte. Adoptamo-Io
principalmente para os empregos necessitando um
trabalho mechanico, de rotina, muito pouco para os
/postos superiores implicando um. certo poder dis-
cricionario".

o criterio seguido tem caracter eminentemente pratico.


A Regra III do Civil Service assim dispõe: (17)

"The Commission shall prepare and hold open


competitive examinations for admission to the clas-
sified service, which examinations shall be of a
,praticaI and suitable character, and shall be held
at such times and places as may most nearly meet
the convenience of applicants and the needs of the
service".

Na França, o concurso é uma idéa victoriosa e a Legis-


lação Franceza tem se orientado da mesma fórma.

(15) Principes du Droit Administratif aux États Unis, pg. 295.


(16) L'Opinion Publique et le Gouvernement Populaire, pg. 307.
(17) . Civil Service Ad & /(,ules Etatutes, Executive Orders & Regu-
lations. United States Civil Service Commission, 1934, pg. 19.
618 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
-- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Como obse"!'va ROGER BONNARD (18-19), o systema de con-
curso constitue processo cada vez mais generalisado.
O exame e indicação dos candidatos classificados é feito
jpor um jury cuja composição depende da lei ou regulamento.
O poder competente para a nomeação fica sujeito á clas-
sificação feita pelo jury; aqueUe, porém, tem liberdade na no-
meação que não deixa, assim, de ser uma funcção discricio-
naria que tem a sua limitação exclusivamente na indicação e
classificação do candidato.
Naturalmente que a natureza do concurso depende da
funcção (20). As materias e as provas de capacidade variam.
GASTON JÉZE observa no entretanto o defeito visceralda
pratica, naquelle paiz, do regimen de concurso dominado pelo
"favoritisme et la routine", graças ainda á ,predominancia da
faculdade discricionaria da nomeação e á prevalencia do prin-
cipio . da antiguidade na escolha dos candidatos.
O systema· inglez da cultura geral e dos conhecimentos
technicos não é adoptado naquelle paiz, onde se exigem conhe-
cimentos demasiados no ingresso da carreira e insufficientes
nas categorias superiores, com graves damnos para o ser-
viço (21).
Por outro lado a falta de um jury permanente, tal como
na Inglaterra e hoje em dia tambem na Ualia, conforme ve-
remos, permitte a composição de mezas examinadoras nomea-
das discricionariamente de accôrdo com os interesses de mo-
mento. _~:
O mesmo occorre na Allemanha (22).
A Republica Chineza em sua lei organica de 8 de Outubro
de 1928, institue cinco !poderes, sendo um delles o de exame
o chamado "yuan" de exame - (art. 37) "o supremo
orgão de exame do Governo nacional, encarregado de exa-
minar e de classificar os funccionarios; nenhum funccionario

(18-19) Précis de Droit Administratif, 193'5, pg. 381.


(20) Ver G. JÉZE in Revue de Droit Publique, voI. LIV, pg. 1'91.
(21) G. JÉZE, Loc. cit., pg. 593.
(22) KAMMERER, op. oit.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIV;) BRASILEIRO 619-

póde ser nomeado senão de accôrdo com as leis e depois do·


exame e classificação feitos pelo "yuan" de exame" (23).
O renovador da China, San Wen, jul.ga tão fundamental.
o recrutamento dos funccionarios do Estado pelo concurso que·
é este um dos postulados do seu programma de reconstrucção·
da sua terra.
A Constituição do seu paiz só se póde dar, no seu en-
tender, depois de uma tutela milita"!" e da organisação do Es-
tado, e um!! das condições dessa organização está precisamente-
no recrutamento e selecção dos funccionarios.
A Inglaterra, ,por sua vez, dentro das normas do Civil.
Service, conhece tres processos de exame, a saber. (24) :
a) o exame escripto ·(written examination) assim deno-·
minado porque, mesmo que existam concomitantemente outras
provas como as oraes e de laboratorio, predomina a escripta;
b) a interview, que é uma modalidade de exame oraL
Neste caso, o candidato conversa com a banca examin:;tdora,
que possue o relatorio dos conhecimentos do candidato e de
suas qualidades pessoaes. A classifieação é feita segundo o·
resultado desse exame, e conforme o numero de vagas.
c) o composite test, que é uma combinação dos dois sys-
temas anteriores. A apuração das qualidades pessoaes é feita
IPOr meio da interview, emquanto que os conhecimentos são ve-
rificados na prova escripta. Sommados os pontos das duas
provas, procede-se á classificação.
O regimen na Inglaterra tem, assim, feição eminentemente·
pratica e tem por fim 3.ipurar conhecimentos geraes para o in-
gresso na funcção publica.
Quanto aos outros paizes da Europa, como a Suecia, a
Russia, a Yugo-Slavia, o Vaticano, variam os processos (25) ..

(23) Ver KARY OHSINTSONY, La Constitution des cinq pou.voirs_


(24) Report of His Majesty's Civil Service Commissioners on the Year
1935, pg. 23.
(25) V-er na obra de FELIX GARAS, já citada, os diversos systemas,.
pgs. 135 e seguintes.
620 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

No Brasil, o concurso tem sido o meio mais indicado para


1provimento dos cargos technicos, notadamente os de profes'"
sorado e de Fazenda, não obstante a inconstancia, irregulari-
dades e excepções, infelizmente seguidas, e que têm desmorali-
sado o systema entre nós.
O provimento dos eargos ·por concurso constitue. mesmo
postulado constitucional, que não pode ser illidido 'com sophis-
mas, tal a sua clareza. As investiduras no primeiro grão da
Justiça, no Magisterio official, e em qualquer carreira admf. .
nistrativa, ou nos cargos technicos, dependem rigorosamente
do üoncurso, segundo dispõe o art. 156-b da Constituição.
A lei ordinaria vem respeitando o principio, que merece
ser prestigiado, ,porque encerra uma norma altamente mora-
lisadora. Neste sentido, a lei que instituio o serviço publico
eivil entre nós (Lei n. o 284, de 28 de outubro de 1936) é ta-.
xativa.
Tem-se sustentado que os funecionarios contractados, in-
terinos, ou em commissão, podem ser effectivados independen-
temente de concurso. Embora tenha sido usada essa praxe,
eom fundamento em textos legaes, ella se nos afigura viola-
dora do texto constitucional.
jll esas examinadoras -
Em França organiza-se mesa para
cada concu~so,
sendo 0<8 membros escolhidos pelo Chefe.
Para as Faculdades officiaes dá-se, no entretanto, uma
-excepção para evitar o favoritismo. Na Faculdade de Direito,
pelo menos um dos membros do jury deve ser escolhido fóra
da Faculdade, e na Faculdade de Medicina a sorte resolve.
Entre nós, a regra geral é a da organisação de mesas exa-
minadoras para cada caso, di.scricionariamente .pela adminis-
tração (26).
Ha no entretanto excepções (27), notadamente para os
institutos de ensino superior.

(26) Vier. especialmente as portarias do Ministro do Trabalho, In . .


dustriae Commerdo in D. O., de 18. . 6 . . 35.
(27) OE,statuto Universitario (dec. 19.851 de 11 . . 4 . . 1931) esta . .
belece um criterio especial. technico para organisação de mesas de con . .
.cursos para o lagar de pr-ofessor.
Art. 54 - O julgamento do concurso d,e titulos e d·e provas de que
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 621

Na Inglaterra, existe um jury de concurso permanente~


São os commissarios do "civil service", pessôas capazes, selec-
cionadas, sabios e professores. Trabalham sempre e expedem
certificados para todos os serviços subalternos (open compe-
tition), o que não eXiClúe os concursos limitados para certas e
determinadas funcções.
Nos Estados Unidos, o systema é semelhante.
Ha uma preoccupação bem nitida de não envolver a polí-
tica nos exames sendo uma condição do examinador a sua
situação apolitica (28).
Conforme nota GOODNOW (29), as condições de qualida-
des e predicados intellectuaes e a sua prova em concurso são
fixadas pelos regulamentos expedidos pelo Presidente da Repu-
blica, que obrigamos chefes dos serviços.
Ha porém uma larga categoria de funccionarios consi-
derados operarios (tomada a expressão em sentido lato) que
estão dispensados da prova.
O systema de exames varia, naturalmente de accôrdo com
a natureza da funcção.
São grandemente elucidativas as observações feitas no
Fourteenth Report of the Civil Service Corrvrnission, que encon-
tramos na preciosa obra de GooDNOW (30).
A lei italiana de 16 de Junho de 1932 estaibelece normas
sobre o concurso, de grande interesse.
No mez de Dezembro de cada anno, cada administração
.
do Estado deverá communicar ao primeiro Ministro:
a) o numero de logares a serem preenchidos por con-
curso;
b) a repartição a que pertence o cargo;

tratam! 'Os artigos anteriores será realisado por uma commissão compos-
ta de cinco membr'Os que deverão possuir conhecimentos aprofundados
da disciplina em concurso, dos quaes d'OUS serão escolhidos pelo Conse-
lho technico administrativo dentre professores de outros institutos de ensi-
no superior ou profissionaes especialisados de instituições technicas ou
scienti:llicas". D.isposição s'emelhante estasbelece o art. 131 do decr. 19.852
. da Universidade do Rio de Janeiro, embora adaptando 'Outra modaHdade.
(28) Diz a regra n.O IV do Civil Service. "Nenhuma mesa (exami-
,nadara) será constituída sómente com adherentes doe um paortido quando
outros estiverem em condições de serViir".
(29) PrinDipes de Droit Administratif des États Unis, pg. 298.
(30) Op. oit., pg. 3M.
'622 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

c) O diploma de estudos necessarios á participação ao


,concurso;
d) o limite maximo da idade (31).
O processo foi largamente applicado com: uma concurren-
,cia extraordinaria. E" um systema que vale aqui ser apon-
tado, este da periodicidade dos concursos.
Aquelles consistem em um exame das materias que inte-
ressam á 'actividade que vae o concurrente exercer. Consistem
em provas escriptas, oraes e Ipor vezes praticas, analyses de
laboratorio, desenho, dissertações e palestras.
Nos concursos para professor é sempre exigida a defesa
o.da these feita pelo candidato sobre a monographia com que se
.apresenta para o concurso.
O concurso de titulos consiste na apresentação de do-
'cumentos que ,provem a habilitação do candidato: diploma
profissional, documentos, escriptos, livros e outras provas de
!Capacidade. Varia de accôrdo com a natureza da funcção (32).

(2,1) RoMEO PuBLI, Per la Hiforma del Sistema del Conoorso a.gli
impie,qhi Pu.bblico, in "Rivista Dir, PubbHco", 1934, voI. I, pg. 87.
(32) jE.ra o processo usado por exemplo pa'ra a nomea·ção dos· juizes
fedemes (art. 27, da lei n,' 221, de 1894, art. 14 do dec. 848 de 1890,
,e art, 184 do Regimento interno da Côrte Suprema).
Assim o Estatuto da Universidade do Rio de Janeiro (doec. 19.851,
.~e 11-4-1931, di~ o .seguinte:

"O concurso de titulos constará da' apreciação dos se-


guinteselementos oompl'oba1!orios do merito do candidato:
I - dos diplomas e quaesquer outras dignidades uni-
versitarias acadoemicas apresentadas pelo candidato;
11 - de estudos e trabalhos sCientifioos, especialmente'
daquelIes qu,e assignalem pesquizas originaes, ou revelem
conceitos doutrinarios pessoaoes de real valor;
111 - de actividades didacticas eX'ercidas pelo candi-
dato;
IV - de realisações praticas, de natu~eza technica e pro-
fissional, 'particu~armente
daQueIlas de interesse colIeotivo.
§ UULCO - O simpIes desempenho de funcções publi-
cas, technicas ou não, a apresentação de trabalhos cuja au-
torianão possa ser authoenticada e a apresentação de attes-
tados graciosos não constituem documentos idoenos.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 623

Esses concursos são em geral validos por um certo periodo,


dous ou tres annos.
Glassifiçação e prova de habilita.ção. - E~ o processo de
~xame, muito usado para o preenchimento de cargos technicos.
Na Marinha, tem sido muito utilisado (33).
Não se confunde com o concurso, porque ,presume apenas
a satisfação de certo numero de requisitos que por si só bas-
tam para a admissão, sem necessidade de outros elementos de
habilitação.
Algumas legislações adoptam o principio do noviciado,
como tal se entendend9 o periodo dentro do qual o funccio-
nario não goza das garantias inherentes ao exercicio effectivo
do cargo.
~' o systema dos Arts. 485 e 416 do antigo Regulamento
dos Correios (34).

B) _. APRESENTAÇÃO DE DIPLOMAS

Para o exercicio de muitos cargos technicos póde eXIgIr


a lei a apresentação de diplomas scientificos que estabelecem
uma presumpção de capacidade em favor de seus portadores.
A liberdade profissional já não constitue principio amplo
oe sem restricções. O art. 122-3 da Constituição vigente
permitte a exigencia de prova de capacidade para o exercicio
de qualquer profissão, e, com mais forte razão, pódem as leis
e regulamentos impõr conClições especiaes de capacidade para
.() exercicio de muitos cargos technicos.
Essa tendencia é cada vez maior e se vae accentuando na
legislação em vigor.
Assim, o dec. 23.196, de 12 de Outubro de 1933, que re-
gula o exercicio da profissãoagronomica, determina que só os

(33) Acc. Supremo Tribunal Fed,eral. in Archivo Judiciario, vol. VU,


pag:na 17:6.
(34) Dec. 9080, de 3 doe N,ov·embro de 1911.
624 THEMISTOCLES .BRANDÃO CAVALCANTI

profissionaes diplomados poderão exercer a profissão - e


no art. 3.°:

"os funccionarios publicos federaes, estaduaes e


municipaes que~ posto não satisfaçam as exigencias
dos arts. 1 e 2, estiverem, á data deste decreto,
exercendo cargos ou funcções que exijam conheci-
mentos de agronomia, poderão continuar no respe-
ctivo exercicio~ mas não poderão ser promovido=?
nem removidos .para outros cargostechnicos" (35) ~

o dec. 23.569, de 11 de Dezembro de 1933, que regula


o exercicio das profissões de engenheiro, de architecto e agri~
mensor, além de dispositivo semelhante áqueIle acima citado,
ainda dispõe:
Art. 91.° - "A União, os Estados e os Munici~
pios, em todos os cargos, serviços e trabalhos de
engenharia, architectura e agrimensura,. s6mente
empregarão profissionaes diplomados pelas escolas
officiaes ou equiparadas, préviamente registrados
de accôrdo com o que dispõe este decreto, resalva~
das unicamente as excepções nelIe previstas".

Estabelece mais o alludido decreto (art. 28) até a es;pe-


cialisação de funcções, respeitado apenas o direito dos que
já exercem cargos.
O Regulamen1:9 do decreto n. 57, de 20 de Fevereiro de
1935 (36) que regula o exercicio da profissão de chimico
ainda estabelece normas mais severas. Assim determina:

Art. 9 - "EJ livre o exercicio da profissão de


chimico em todo o territorio da Republica, observa-
das as condições de capacidade technica e outras
exigencias previstas no presente regulamento".

(35) Diario Official, de 15 de Dezembro de 1933,.


(36) Diario Official, de 23 de F,evereiro de 1935.
Approva o re-
gulamento para a execução do d,ec. 24.693, de 12 de Junho de 1934.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 625

c) - "Aos que, ao tempo da publicação do


Dec. 24.693, de 12 de Julho de 1934, se achavam
no exercicio effectivo de funcção publica ou parti-
cular, para a qual seja exigida a qualidade de. chi-
mico, desde que requeiram, até 31 de Julho de 1935,
o registro de que trata o art. 2.° de presente Re-
gulamento".

e no seu art. 11.°:

"No preenchimento de cargos publicos; para os


quaes se faz mister a qualidade de chimico resal-
vadas as especialisações referidas no § 2.° do art. 10,
a partir da data da publicação do decreto 24. 69,3
de 12 de Julho de 1934, requer-se como condição
essencial, que os candidatos préviamente hajam sa-
tisfeito as exigencias do art. 9 deste Regulamento".

Finalmente póde se citar o dec. 19.581, de 11 de Abril


de 1931, que exige o diploma profissional para a inscripção
no concurso para provimento de cargos de professores da
Universidade do Rio de Janeiro.
Como se verifica, são cada vez mais rigorosas ·as exigen-
cias de ordem profissional para o access? ás funcções publicas
de natureza technica.
E isto de toda fórma se impõe, não só pela valorisação
dos diplomas expedidos pelos Institutos superiores ou profis-
sionaes, estimulo natural para os estudos technicos, como ainda
pela conveniencia de separar os funccionarios technicós daquel-
les puramente burocraticos. . .

NACIONALIDADE

Os cargos publicos são accessiveis a todos os brasileiros.


Estão entendidos nesta expressão os naturalisados, admit-
tidas apenas as excepçÕ€s constitucionaes que exigem a quali-
dade de brasileiro nato.

- 40
62,6 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

São estas:
1) O Presidente da Republica (Art. 81 da Constituição
outorgáda) •
2) Os Ministros de Estado (art. 83 § unico da Consti-
tuição) .
3) Os Ministros do Supremo Tribunal Federal (artigo
98 da Constituição de 1937).
4) Os membros do Conselho Federal (artigo 51 da COflS-
titui~ão de 1937).
5) O Procurador Geral da Republica (artigo 99 da Cons-
tituição outorgada).
A razão é obvia, decorre da natureza das funcç.óes.
A Constituição de 1934 permittia tambem a nomeação de
extrangeiros para o magisterio publico (art. 158, § 1. 0 ), mas só-
mente contractados por tempo certo. E' esta uma categoria
de funccionarios de natureza technica, que não gozam, no en-
tretanto, dos direitos assegurados pela Constituição aos func-
donarios do quadro.
Quanto aos cargos estaduaes, dependem da organisação
de cada Estado, cujos principios devem estar subordinados
.aos da Constituição Federal, sendo de bôa technica a asseme-
lhação dos càrgos (37).

EDAiDE

Uma d'as restriççÕ€s impostas pela lei quanto ao exercicio


das funcções publi,cas é a da edade.
PÓ de a lei estabelecer uma edade minima ou maxima, de
.accôrdo com a natureza das funcções.

(37) N,a Iinglaterra (a), como nos E-stllJdoo Unidos (b) é pr.eciso
ser de nadonalidade ingleza ou am~icana. Não raro, porém, são as ex-
cepções v'eri:1)ica:d,as naquel1e paiz em consequencia da guerra e neSlte ul-
timo, devido a actuação de certos paizes da America Central.
(a) Civil service ast. cito rule V, pg. 21.
(b) Report, já cit., pg. 53.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINiSTRATIVO BRASILEIRO 627

Essa restricção constitue uma exigencia do serviço pu-


blicp que interessa não só ao desenvolvimento inbellactual
:mas ainda ás êondições de capacidade e responsabilidade do
:funccionario.
Em diversos cargos electivos, a propria Constituição fixa
,edade minima. Assim, o Presidente da Republica (38), o Mi-
nistro do Supremo Tribunal (39), o Conselho Federal (40).
A questão da édade merece ser apreciada não só no ac-
,cesso mas tambem na terminação do exercicio da funcção
publica. E' a questão da aposentadoria compulsoria, applica-
·da não só ao funccionario civil, mas tambem ao militar graças
.á reforma.

SEXO

Uma das eonquistas femininas mais indiscutiveis, mór-


-mente entre nós, é a da egualdade juridica dos sexos quanto ao
direito deaceesso aos cargos publicos.
NenhUillla duvida já agora poderia subsistir deante do
,disposto no art. 168 do texto constitucional de 1934 (40), que
. reconhece o direito da mulher ao accesso a todos os cargos pu-
-blicos, não podtmdo, as'sim, o sexo justificar qualquer diffe-
~renciação nas condições de capacidade para o exercicio da
funcção. Todos se acham sujeitos ás mesmas exigencia.

(38) Art. 81, da ConsHtuição.


(39) Art. 74, da OonstH!Uição de 19M e 98 dia Const. piromulgada.
(4{)1) Art. 51 da Co,nstituição.
(41) "Ois ,cargtos pu'hHcos são aocessiveis a todos os brasLlJeiros, sem
; distincção de sexo ou estado civil, observadas as condições que a lei es-
rtatuir" .
E' de notar, porém, que a Constituição promuIgada em 10 de No-
v'embro d'e 1937, redU'z~o os termos em que foi affirrnadlo aquelle princi-
. pio, dispondo em seu artigo 112, n. 3:
"Os cargos publicos são accessiveis a todoo os brasileiros, observa-
odas as condi-ç,oos de capaoidade pl'escripta nas leis e regulamentos".
A affirmaçruo do principio é menos <9xpress,a mas, não tendo sido
-feita a distinoção de seXiOS, devem ser tidos como assegurados os mesmos di-
'reitos a todos os brasUei'ros, E Isto tanto mais se impõe quando se con-
!'sid,era que ás mulheres foi assegurado o direito d'O voto, (art. 117).
628 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Naturalmente que isto importa nos mesmos deveres: o


exercieio da funcção ,publica é antes de tudo um regimen de
deveres uma regulamentação de attribuições. Os direitos de-
correm precisamente da necessidade de uma retribuição pelo's
serviços presrudos.
Nenhum privilegio admitte, assim, a Constituição, em
virtude do sexo.
Já se vê que a obediencia ás disposições constitucionaes.
não constitue privilegio, como por exemplo a isenção do ser-
viço militar para as mulheres.
Na Allemanha já a Constituição de Weimar declarava.
art. 128... "ficam derrogadas todas as dis,posições de exce-·
pção contra os funccionarios mulheres ... "

EXAlME DE SAlNIDAiDE

O art. 170, n. 2, da Constituição de 1934, entre as exigen--


eias necessarias para o 'accesso á funcção publica, incluia o
exame de sanidade. Como imposição constitucional era des-
nece~saria, motivo pelo qual foi supprimida pela Constituição
promulgada em 1937.
O criterio da sanidade physiea é reJativa á natureza do.
serviço.
Ha funcções em que a perfeita visão é exigida, em outros.
casos a .audição e a robustez physica completa são condiçõ,es; .
para o exercicio do cargo.
Por outro lado, as molestias contagiosas, especialmente
certas doenças (como a tuberculose, a lepra) constituem im--
pecilho para o ingresso na funeção publica.
O Estado não póde ter em seu serviço individuos physi-
camente incapazes. Não só o perfeito funccionamento do ser-o
viço publico isso impõe, mas tambem a necessidade em que se:
acha o Estado de não onerar os cofres ;publicos com uma.
invalidez ;Precoce que daria direito a uma aposentadoria sem--
pre dispendiosa.
_ CAPITULO IH

ESTAlBILIDADE DE mUINCCION:ARIOS PUIBLICOS

EstaJbiHdacLe dos Funccionarios Publicos - Funccionarios V:i-


talicios - Demissão em V,irtude de sentença Judicial, ou
Processo Administrativo - Demissão ad Nrutum - Clau-
sula .Eanquanto Bem Servir - Funccionaroos Interinos e
em Commissão - Sua Nomeação - Seus Proventos -
Sua Estabilidade - Das Substituições - Jornaleiros,
Diaristas, Contractados.

Deante do nosso t-exto constitucional, a estabilidade em


principio do funccionario publico está incorporad-a de maneira
indiscutivel ao _nosso systema administrativo.
A demissibilidade, póde se dizer, é uma excepção.
Evidentemente que essa estabilidade está sujeita a mo-
dalidades diversas, desde o processo judiciario até a determI-
nação da justa causa para a sua dispensa do serviço.
Dahi uma· possivel divisão dos funccionarios pelo seu gráo
de estabilidade:
1.0) os vitalicios - só demissiveis em virtude de pro-
cesso e condemnação judicial;
2.°) os que só pódem ser demittidos por justa causa ou
motivo de interesse publico;
3.°) os que só pódem ser demittidos em virtude de sen-
tença judicial ou processo administrativo;
4.°) os demissiveis ad nutum.
63ú THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
--------------------------

FUINCCIOiNARIOS VITALICIOS

Constituem uma classe excepcional. No nosso regimen:


constitucional s6mente os magistrados, os militares, os Minis--
tros do Tribunal de Contas gozam dessa regalia excepcional
de s6 (poderem ser demittidos em consequencia de condemnação,
em processo criminal.
A questão da vitaliciedade constitue motivo de grandes-
debates porque é incontestavelmente um privilegio, contrario.·
aos principios democraticos.
Por isso tem sido admittido e sustentado que a vitalicie-
dade não póde ser decretada por lei ordinaria, devendo pro--
manar de um texto constitucional.
A these é discutivel: tem sido debatida entre nós. E"
preciso, no entretanto, attender a uma distincção que ora fa-
zemos entre OIS funccionarios vitalicios cuja demissão depende·
de condemnação judicial, e outros que dependem a.penas de·
processo administrativo.
Rigorosamente dentro dessa technica, s6mente os primei~
ros são vitalicios, no sentido constitucional, do termo.
A questão da vitaliciedade imposta em lei ordinaria não,
tem mais o mesmo interesse á vista das disposições constitu--
cionaes vigentes.
No direito anterior, no entretanto, varias correntes se-
formaram (RUY BARBOSA, JOÃO BARBALHO, PEDRo LEsSA).

FUNCCIONlAiRIOS QUE Só PODEM. SER DEMITTID OS ,


COM JUSTA CAUSA OU MOTIVO DE
INTERESSE B-UBLJCO

E' a garantia geral ampla, assegurada a todos os func.:.-


cionarios com menos de dez annos de serviço publico e mais;
de dous, quando nomeados em concurso de provas.
E' bem de vêr que o conceito do interesse publico ou da
justa causa tem uma grande elasticidade; independe natu-
ralmente a sua comprovação do processo administrativo· ou:
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 631

criminal, mas deve ser evidenciada pelos meios que a natu~


reza do processo ou a causa de demissão permittirem (1).
Justa causa póde ser uma infracção grave, uma incom-
patibil~dade .verificada pa·ra o serviço publico, interesses da
administração, suppressão do cargo, emfim, circumstancias
que deveriam ser prefixadas e qualificadas em lei ordinaria.
Dentro de um certo criterio, poder-se-hia comprehender
nesta categoria o conceito do bem servir, de aecôrdo com ~
doutrina, a nosso vêr mais acertada, .que exige a prova do máo·
serviço para justificar a demissão dos funccionarios nomeados'
com aquella clausula.
Como demonstrou ENÉAS GALVÃO em um notavel Accor-
dam do S. T. F.:

"As expressões emquanto bem servir consti-


tuem de modo claro uma garantia para o funccio-
nario não ser dispensado sem a prova da falta que
torna incompativel .com o emprego; com aquellas
mesmas expressões, como bem se adverte no ac-
cordam embargado, se garante com a maior exten-
são a permanencia na mais alta funcção judiciaria
na America do Norte.
Absurdo inqualificaveI, occasionando a mais
revoltante injustiça seria entender que daquelle
modo se deixou ao superior hierarchico o direito de
demittir livremente os funccionarios, justificando-
se, dest'arte, a destituição por interesse de ordem
parlidaria, ou por motivos pessoaeS''' (2).

Semelhante doutrina é sustentada entre nós, entre outros,


por RUY BARBOSA (3), PRUDENTE DE MORAES (4), PEDRO
LESSA.

(1) Em sentido contrallio ·resolveu a Côrte Suprema, em accordão de


Outubro de 1937.
(2) Acc. de 13 de Outubro de 1915, in Rev. S. T. F., voI. VIII.
pagina 54.
(3) Demissão dos Ouradores de Orphão8, pg. 5-9.
632 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

RUY BARBOSA em um parecer notavel chega ãs seguintes


conclusões :

"Do eX!posto nesta sessão, das nossas allega-


ções, resulta:
1.0) que'a resalva emquanto bem servir das
leis brasileiras corresponde exactamente á que as
leis inglezas e americanas enunciam nas expres-
sões tradicionaes during good belbaviour;
2.°) que portanto essas duas clausulas encer-
ram para os funccionarios publicos lá e cá o mes-
mo systema de protecção e formulam a mesma ga-
rantia".

Contra essa opInião encontram-se as de EPITACIO PESSÔA,


PIRES ALBUQUERQUE, CARVALHO DE MENDONÇA.

Parece-nos que está com a razão ARAUJO CASTRO (5) :

"A nomeação com ~ clausula emquanto bem


servir póde ser comparada, a nosso vêr, ao que os
escriptores americanos chamam nomeação condicio-.
nal sem causa especificada, cabendo ao Poder Ju-
diciario, quando provocado pela parte, examinar
si o motivo em que se baseou o Executivo era ou
não sufficiente para exp~dição do acto .
.. O processo administrativo tornar-se-há mesmo
dispensavel Ipara os funccionarios de menos de dez
annos de serviço, si o Executivo puder fazer esta
prova independentemente de tal formalidade.

(4) Ministerio Publico, pg. 56, apud ARAUJO OASTRO, Estabilidade


dos Fttncmonarios Publicos, pg. 74.
(5) Estabilidade dos Fttnccionarios Publicos, pg. 83.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 633

E quer parecer-nos que se não afasta deste pon-


to de vista o Accordão do Supremo Tribunal Federal
de 16 de Agosto de 1914:
"A clausula legal a ser conservado o funccio-
nario em quanto bem servir exclue o arbitrio na sua
demissão que, para se justificar, é preciso se fun-
dar em faltas que denotem que o funccionario servia
maio cargo em que foi investido".

A theoria vem do Direito Americano e Inglez, conforme


se vê em KAMMERER (6):

"a) En Angleterre, depuis l'act of Settlement


de 1700, les juges de peuvent être destitués qu'en
cas de forfaiture (mis-behaviour), ils sont nommés
par la Reine, à vie, during good behaviour, et la
révocation doit être precedée de la constatation de
forfaiture, au moyen d'une procédure entamée de-
vant le Parlement, dans des formes analogues à celle
de l'impeachment (mise en accusation des minis-
tres). Une adresse est ensuite envoyée par les deux
chambres du Parlement à la Reine, quo statue sur
la destitution demandée".

No direito americano, é este um principio firmado, como


, se vê em THROOP:

"The doctrine that an officer can be removed


only upon notice after a hearing, where the tenure
of his office is during good behaviour or until re-
moved for cause or for a definitive term subject
to be removed for cause is recognised in other ame-
rican cases and may be regarded as settled law in
this country" 07.

(6) Op.cit., pg. 383.


(7) On Public Officers, § 364.
634 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
---------------------------------------------------
TODD (8), igualmente:
"Mais si tout gouvernement doit nécéssairement
posséder le droit théorique de revoquer ceux de ses.
agents qui tiennent leurs offices "during pleasu!e",.
toutes les fois qu'il juge la mesure dictée par les,
exigences des services publics, néammoins, c'est une
regle reconnue que les personnes, tenant de la .cou-
ronne un office non politique, ne doivent être révo--
quées que pour incapacité ou mauvaise conduite".

A Jurisprudencia tem oscillado muito sobre este assumpto,_


mas é força reconhecer que nestes ultimos annos tem predo-
minado o conceito de que a clausula emquamo bem servir cor-
responde á demissibilidade ad nutum, conforme se verifica dos
julgados do Supremo Tribunal Federal e da Côrte Suprema (9).

(8) Le Gouvernement Pa1'lem&ntaire en Angleterre, I, pg. 27lo


(9) No senti'do de que a demissibilidade dos funccionarjos nomea-
dos ernquanto hem servir nãQ depende- d'e prova:
A.cc. do 8. T. F., de 2,9 de Junho de 1932, in Jurisprudencia da
Suprema Côrte, pg. 474.
A,cc. da Suprema Côrte, de 8 de Janeiro de 1932, in Diario de Jus-
tiça, de 29 de Agosto de 19,32.
Acc. do S. T. F., de 6 de Sebembro de 1927.
Contra:
Declaração in Arch. J'ud., voL VI, pg. 479, nota L
Acc. do S. T. F., de 13 de Outlllbro de 1915, in Rev. S. T. F., volu-
me VIII, pg. 54.
A,ce. do S. T. F., de 27 de Abril de 1921, in Rev. S. T. F., voI. XVIII.
pagina 303.
Acc. do S. T. F., de 16 de Junho de 1915, m Rev. S. T. F., voI. V,
pagina 34.
Aec. do S. T. F., de 15 de Agosto de 1923, in Diario de Justiça, de-
4-7-32.
Acc. do ,8. T. F., de 8 de Abril de 1914, in Rev. de Di?'eito, vol. 33;.
pagina 96.
Aec. do S. T. F., de 23-de Abril de 191&.
Acc. do 8. T. F1., de 27 de Dezembro de 1918, Rev. S. T. F., voI. 63,.
pagina 102.
Ace. do S. T. F., de 9 de Mai'o de 1923, in Rev. S. T. F., voI. 55.
pagina 97.
A:cc. do S. T. F., de 17 de Outubro de 1919, Rev. S. T. F., voI. 25,
pagina 172. -
Aec. do S. T. F., de 16 de Junho de 1924, Rev. S. T. F., voI. 67.
pagina 285.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 635·

FUNICCIONlAruOS QUE SólVIEN'l'E PODEM SER DEMIT·-


TIDOS EM VIRTUDE DE SENTENÇA JUDICIAL OU
PROCESSO A1DMINISTRATIVO

E' esta igualmente uma velha these discutida entre nós.


Houve tempo em que sómente os funccionarios de concurso
gosavam dessas garantias notadamente os professores de In-
stitutos officiaes.
Uma grande confusão sempre dominou a jurisprudencia
sob o regimen d~ leis anteriores á lei n. 2.924, de 1915. Esta
veio, porém, fixar um criterio mais seguro, estabelecendo as
necessarias garantias devidas aos funccionarios com mais de.
dez annos de serviço.
Dispôz o art. 125 daquella lei:
"O funccionario ou empregado publico federal,_
salvo os funccionarios em commissão, que contar dez
ou mais annos de serviço publico federal, sem ter
soffrido penas no cumprimento de seus deveres, só·
poderá ser destituido do mesmo cargo em virtude
de sentença judicial ou mediante processo adminis-
trativo".
A Constituição de 16 de Julho veio crear um criterio mais-
liberal, extinguindo a exigencia da falta de penas no cumpri-
mento dos deveres, para que possa ser assegurada a estabili--
dade do funccionario.
O art. 169 daquella Constituição reconheceu a existencia de
,duas situações, criterio mantido na Constituição promulgada
em 1937 (art. 156):
a) dos funcionarios nomeados em virtude de concurso
de provas;
b) dos funccionarios nomeados por outra fórma.

Para aquelles a estabilidade se verifica com dois annos de


effectivo exercicio. Para estes ultimos, no entretanto, sómente
depois de dez annos.
636 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

A estabilidade consiste na indemissibilidade, independente


de processo criminal ou administrativo, com todos os elemen-
tos de defeza.
Fixado esse criterio pela Constituição, desapparece o arbi-
trio da lei ordinaria na modificação dos princípios' constitu-
cionaes bem como na creaÇão de privilegios ou preferencias para
certas e determinadas' categorias de funccionarios.

FUNtOC10NAlRIOS DEMISSIVEIS AlD NIUTIUlM

Nesta categoria se encontram todos aquelles que não go-


zam de garantias expressamente declaradas em lei, ou porque
não tenham o tempo de serviço sufficiente, ou porque seJam
iunccionarios de natureza temporaria, como os em commis-
são (10).
Comprehendem-se tambem, entre estes, os nomeados "em-
quanto bem servir". A fórmula, no entretanto, como vimos no
capitulo proprio, não tem a significação que lhe tem atribuido
certa corrente doutrinaria com o apoio de numerosos julgados.

FUNCCIONARIOS INTERINOS

São aquelles que, ou substituem um funccionario effectivo


na sua falta ou impedimento, ou que provêm temporariamente
a um cargo publico.
Taes funccionarios não gozam de qualquer garantia de es-
tabilidade (11) ,podendo-se fazer a respeito dos que tiverem
mais de dez annos de serviço, as mesmas observações feitas
com relação aos em commissão. Quando substituem funccio-
nario em licença ou férias ,percebem por uma verba especial,

(10) Acc. do S. T. F., de 7~8-1921, Rev. S. T. F., voI. XXXVII, .


pagilUl 8&.
«11) .Funccionario interino - Demissão - Não tendo. garantias
de estabilidade, o funccionario interino tanto p'ode ser demittid.o pela au-
toridade que o nomeou como pela autoridade a ella superior".
Acc. de 27 de Abril d.e 1932, in Diatrio de Justiça, de 24 de D~zem­
boo de 1932.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 637

correspondendo a sua remuneração a uma parte dos vencimen-


tos do effectivo. Corre seu pagamento pela verba - 8'Ubsti-
tuições (12). .
De acordo com a lei n. 158, de 30 de Dezembro de 1935,
quando a substituição se realizar por outro funccionario pu-
blico, este perceberá os vencimentos integraes do cargo, não
excedendo os dos substitutos.
Quando estes continuarem a perceber os seus vencimentos
integraes durante a licença, correrá o pagamento do substituto
. pela verba "eventuaes ", bem como as quotas e percentagens
devidas.
Considera-se substituição interina, para effeito de venci-
mentos, o exercicio do emprego cujas funcções forem diversas
das a que os funccionarios forem obrigados pela natureza do
cargo.
Os funcionarios interinos, quando nomeados para exer-
. éer cargos vagos, percebem, nos termos do art. 3.° do decreto
n. 21.208, de 28 de Março de 1932, os vencimentos integraes
do cargo.
Disposição semelhante já se achava no art. 2.° do decreto
n. 20.128, de 18 de Junho de 1931, que dispunha:

"As pessôas extranhas aos quadros dos func-


cionarios ou empregados federaes, nomeadas interi-
namente ou em commissão para o exercicio de car-
gos vagos, terão direito aos vencimentos integraes
dos mesmos cargos, observadas as disposições que
lhes forem applicaveis".

Em relação á substituição de pessôas extranhas ao func-


cionalismo, em virtude de licença ou férias, o dec. n. 14.662~

(12) Dec. 19.582, de 12-1-1929, in Arch. .fud., voL. XVII.


Dec. 19.765, de 19-3-1931, - D. O. 22-4-31.
Dec. 2{).000, de 22-5-1931 - D. O. 29-5-31-
Dec. 20.128, de 18-6-1931, - D. O. 27-6-31.
J)ec. 21.208, de 28-3-1932 - D. Q. 1-4-32.
'ô38 THEMISTOCLES BRAND.~O CAVAI,-CANTI
------
ode 1.0 de Fevereiro de 1921, mandava que percebessem o que
,os substituidos deixassem de receber (13).

o dec. n. 21.208, de 1932, igualmente dispõe:

"Art. 2.° - Nas substituições que se derem au-


tomaticamente, em virtude de dispositivos regula-
mentares, os substitutos funccionarios civis ou mi-
litares perceberão os. seus ordenados, ou soldo, acres-
cidos da gratificação de exercicio perdida pelo sub-
stituido.
§ 1.0 - Iguaes vantagens perceberão os que,
nomeados interinamente, substituam funccionarios
licerbCiados com descO'flt.o".

Si, porem, o substituido nada perder, deverá o substituto


perceber, caso haja verba orçamentaria, como o exigem ex-
pressamente os decs. n. 19.765, de 19 de Março de 1931, e
n. 20.030, de 22 de Maio de 1931 (14), e nos termos do arti-
.go 3. 0 , § 1.0 do dec. n. 21.208, de 28 de Março de 1932, "uma
gratificação equivalente á dó cargo" (15).
E' preciso notar a reacção deste ultimo decreto contra
.a substituição de funciona rios em férias ou licenciados, por
pessôas extranhas ao quadro. E" o que decorre do seu art. 5. 0 :

(13) "As pessôasextranhas, nomeadas para servir interinamente,


por motivQ de licença do funccionario effectivo, peroobe·rão unicamente Q
que perd,eram os substituidos, exceptuados os que forem nQme.ados para
substituir chefes de serviço que nãJo tenham substituto legal". (A'i"t. 27).
(14) "A excepção estabelecida na parte final da modificação intro-
duzida pelo dec. 19.7165, de 19 de Março ultimo, nQ § 2.· do art. 9,·, do
dec. 1'9.5i82, de 12 dJe Janeiro anterior, só será admittida nos casos em
que haja verba no orçamlentQ,' por onde possa taxativamente correr a
despeza prevista na citada modificação".
(15) O dec. 20.128, de 18 de Junho dJe 1931, d'ava direito a dois
terços dos vendmentos. In verbis "Si porém o substituido nada perder,
.seja por férias, licença ou QUITO qualquer motivo, a substituição não dará
direito ao suhstituto a qualquer vantagem ou gratificação que não sej'll
a do seu cargo eff'ectivo, salvo quando se tratar de oorgos vag(JlS ou
,quando o substituto não ·tiver vencimentos proprios, cabendo-lhe então, na
primeira hypothese a V'antag.em referida no § 1.0 e na segund·a uma remu-
neração igual a 2/3 dos vencimentQS do cargo".
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 639
--~-

"Nas substituições por motivo de serviço no


jury, ou de férias regulamentares, concedidas nos
termos do art. 29 do dec. n. 14.663, de 1.0 de Fe-
vereiro de 1921, os substitutos percebem apenas os
vencimentos do seu cargo effectivo".
~L:-
O mesmo decreto trata, aliás, mais especialmente das li-
.cenças com ou sem perda de vencimentos.
Referem-se as disposições acima citadas aos interinos e
.em commissão e extranhos aos quadros dos funccionarios. Das
.substituições normaes trataremos no capitulo proprio das sub-
stituições. Para certos cargos, não se encontram no quadro
.substitutos obrigatorios, devendo a administração recorrer a
.extraooos.

A QUEM COMPETE A NOMEAJç.A:O DOS FUNCCION!ARlOS


INTERIlNOS

Os arts. 4. e seguintes do regulamento baixado com o de-


0

,ereto n. 18.088, de 27 de Janeiro de 1928, dispunham:

"Art. 4.0
Nos casos de interinidade por li-
-

cenças, commissães, suspensões, as nomeações até


um anno serão feitas por portaria do respectivo Mi-
nistro.
Art. 5.° - Nos casos de impedimentos as desig-
nações para substituição, nos cargos singulares, e
nas classes de accesso, quando necessarias, serão
feitas pelos directores de serviço,desde que a substi-
tuição não esteja determinada por disposição regu-
lamentar.
Art. 6.° - Nos Estados, por vagas de qualquer
natureza e nas interinidades, inclusive por licenças e
impedimentos, as' designações para o exercicio do
cargo ou funcção serão feitas pelos directores e che-
640 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

fes de serviço e prevalecerão até que seja feita a


nomeação por decreto ou por portaria".

Sob o regimen discricionario todas as nomeações, mesmo


as interinas, passaram a ser feitas pelo chefe do governo,
ex-vi do art. 1.0, paragrapho unico, do dec. n. 19.398, de 11 de
Novembro de 1930. Parece, porém, que dentro do regime~
constitucional, cessando os poderes discricionarios, voltou no-
vamente a vigorar o dec. n. 18.088, de 1928; e isto tanto mais
se impõe diante· .do disposto no art. 174-1, da Constituição,
que dá competencia ao Presidente da Republica, para "prover
os cargos federaes, salvas as excepções previstas na ConstituÍ-
ção e nas leis".

DAS SUBSTITUIÇõES

Das substituições - O provimento dos cargos publicos,


em virtude de afastamento temporario do funccionario, por
férias ou licenças, ou pela vacanciatemporaria do cargo, impõe
'a substituição do funccionario fóra do exercício ou o supri-
mento temporario do cargo.
E' o que se chama na nossa technica administrativa -
substituições.
Estas se podem dar ou por pessôa extranha ao funccio-
nalismo, como já vimos no capitulo proprio, relativo aos func-
cionarios interinos ou em commissão, ou por outro funcciona-
rio publico.
Essas substituições podem decorrer de uma nomeação in-
terina, o que se dá especialmente quando occorre o preenchi-
mento de cargo vago. Neste caso, o funccionario que substitue
outro, como já dispunham os decs. n. 20.030, de 22 de Maio
de 1931, e n. 20.128, de 18 de Junho de 1931, perderá os
vencimentos do seu proprio cargo ou emprego, para receber
os do cargo que estiver exercendo.
IE' este o principio geral fixado no art. 1.0 do decreto nu-
mero 21.208, de 28 de Março de 1932:
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 641

"Nas substituiçÕes decorrentes de cargo vago,


os substitutos, funccionarios civis ou militares, per-
ceberão os vencimentos integraes dos cargos que
exerçam, sómente nos casos de nomeação interina,
pela autoridade competente".

Outro, no entretanto, é o regimen, quando a substituição


é regulamentar, em virtude de férias, serviço do jury, etc.,
casos em que o substituido não perde nem soffre desconto de
vencimentos. Nestas hypotheses, o substituto nada perceberia
senão os vencimentos do cargo effectivo.
Finalmente, quando se tratar de licença, ou substituição
em virtude de commissão, o substituto terá direit9, além dos
seus vencimentos, ao que o substituido perde, não excedendo,
porém, os vencimentos do substituto aos do substituido (16).
Isto occorre mesmo quando a licença do substituido fôr
com vencimentos integraes, devendo, então, ser a differença
percebida pelo substituto, paga pela verba "eventuaes".
O mesmo ocorrerá com as quotas e percentagens do sub-
stituto.
Identico principio se aplica, quer a substituição se dê por
funccionario, quer por extranho.
E' o systema do § 2.° do art. 9.° do dec. n. 19.765, de
1931 e do art. 5.° do dec. n. 21.208, de 28 de Março de 1932,
acima citados (17).
Principio mais liberal quanto á gratificação do substituto
pres'crevia o art. 26 do dec. n. 14.663, de 1.0 de Fevereiro
de 1921.
O art. 170, n. 10, da Constituição de 1934, assegurou aos
funccionarios os vencimentos integraes durante as férias an-
nuaes a que têm direito, principio mantido no art. 156 da Con-
stituição promulgada em 10 de Novembro de 1937.
Em certos casos, de licença, os funccionarios soffrem des-
contos durante o seu gozo, perdem parte ou a totalidade de

(16) Lei n.O 1'58, dtS 30 d,e Dezembro de 19<35.


(17) A lei n. 158, de 30 de Dez,embro de 193·5, só se refere á substi-
tuições por licença.

- 41
642 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

seus vencimentos (vêr arts. 15 e seguintes do dec. n. 14.663,


de 1921, acima citado).
Nestes casos, vigora o principio do § 1.0 do dec. n. 19.765,
de 19 de Março de 1931, consubstanciado hoje no art. 2.° do
dec. n. 21.208, de 1932:

"Nas substitiuições que se derem automatica-


mente, em virtude de dispositivos regulamentares,
os substitutos, funcionarios· civis ou militares, per-
ceberão o seu ordenado ou soldo, acrescido da gra-
tificação do exercicio perdida pelo substituido".

o art. 4.° do mesmo decreto estabelece principio identico


para substituições, consequentes ao sorteio militar.
Certos cargos têm os seus supplentes, como era o caso
dos juizes federaes. Para estes, o § 1.0 do art. 3.° do decreto
n. 21.208 determinava que teriam direito a uma gratificação cor-
respondente á do cargo, quer o substituido perdesse ou não essa
gratificação, caso em que a mesma vantagem seria abonada ao
substituto. O referido dispositivo, porém, só se applica quando
o supplente não tenha vencimentos proprios, como por vezes
occorre.

FUNCCIOiNARIOS EM COMMilSSÃO

De accordo com a doutrina, tem decidido o Supremo Tri-


bunal que o funccionario em commissão é aquelle:
a) encarregado de funcções especiaes e temporarias;
b) que é investido de jurisdicção oli attribuições extra-
ordinarias sobre certas materias ou objectos, como por exem-
plo, os funccionarios incumbidos de inspeccionar ou fiscalizar
certos serviços, tomar conta a outros funccionarios ou exercer
jurisdicção fóra do respectivo termo ou comarca (18).

(18) Ver Acc. do S. T. F., de 6-9-1928, in Rev. Jur. Bras., voI. lU,
pg. 73 e seg.s., ver tambem App,el. Civel, n.O 5.151.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 643

Podem, por isso, ser demittidos ad nutum (19).


Os juizes não podem exercer outros cargos em commis-
.são, ainda que estejam em disponibilidade de accordo com de-
.terminação Constitucional.
A opinião dominante sob o regimen da lei n. 2.924, de 5
.de Janeiro de 1915, era de que asegurando esta lei a estabili-
.dade aos funccionarios com mais de 10 annos de serviço pu-
.blico federal effectivo,

"a preceituação assim mandada respeitar exclue ex-


pressamente de suas garantias o funccionario ou em-
pregado publico - nomeado em commissão - pouco
importando o seu tempo de serviço ou a exemplari-
da de no cumprimento de seus deveres" (20).

O art. 169 da Constituição de 1934, no entretanto, em vez


.{le exercicio effectiv.o, assegurava a estabilidade aos funcciona-
.rios com mais de 10 annos de effectilvo exercicio, parecendo
..assim exigir apenas a prova do real exercicio do cargo e não
.de que seja o mesmo funccionario effectivo, isto é, tenha tido
uma nomeação effectiva para o cargo.
A Constituição de 1937, no art. 156 - c, diz apenas "depois
de dez annos de exercicio", o que torna ainda mais explicito
.este ultimo entendimento.

MENSALISTAS, . DIARISTAS, TAREFEIROS

Ha uma categoria de funccionarios que percebem por dia


,de trabalho e cujo serviço póde ser utilisado de accordo com
as necessidades da administração.

(19) Acc. do S. T. F .• de 27-8-1921, in Rev. S. T. F., vol. XXXVII,


.pagina88.
Acc. do S. T. F., de 18-5-1932, Diario de Justiça, 24 de Agosto
.-de 193'2.
Acc. do S. T. F., de 19-8-1931, Diario de Justiça, 19 de Agosto
.-d·e 1932.
(20) Acoordão do Supremo Tribunal F·ederal, de.4 de Maio de 1928,
644 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Taes empregados são verdadeiros operarios (21), que em:.


geral prestam serviços braçaes e são nomeados pelo chefe de·
serviço, ou director da repartição.
Sobre eIles diz PORTO CARRERO, em· seu exceIlente estudo.
de Direito Administrativo:

"Si o serviço é braçal ou mecanico, os agentes:


deIle não são considerados' funccionarios nem em-
pregados publicos; serão assalariados, jornaleiros,
serventes, diaristas ,que podem ser dispensados pela.
mesma autoridade que. os contractou e admittio,.
como na vida privada se admitte e despede um sim-o
pIes famulo" (22).

Talvez já hoje não se possa entender com tanto rigor a~


definição, dada a tendencia em reconhecer garantias e direitos
aos mensalistas e jornaleiros depois de um certo tempo de ser-o
viço. Effectivamente, o art. 156 da Constituição de 1937, man-·
da incluir no quadro dos funccionarios publicos t'Odos os que-
exercem cargos publicos, qualquer que seja a forma de paga-o
mento. Ha, portanto, um nivelamento maior de categorias.
O movimento em favor dos diaristas e jo.rnaleiros é an-·
tigo e se vem repetindo periodicamente.
Na primeira Constituinte Republicana Alexander Stokler,.
com o apoio de muitos, como Barbosa Lima, já havia apre-
sentado uma emenda mandando abolir a distincção entre jor-·
naleiros e funccionarios publicos, incorporando aquelles ao-
quadro do funccionalismo (23).
Como se sabe, a emenda não foi approvada, mas o seu~
pensamento está, ao que parece, bem claramente expresso na.
disposição constitucional ora em vigor, acima citada.

(21) o dlSc. 871, d·e 1 de Junho de 1936 assim determina:


"Considerem-se op,erarios os que forem admittidos para a execução·
de obras, serviços de campo e outros trabalhos ruraes, de natureza tran-·
sitoria:"
(22) Lições de direito administrativo, pg. 204.
«23) Annaes da Constituinte, VIOI. 3.·, pgs. 595, 605, 700 e 853 •.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 645

o dec. n. 18.088, de 27 de Janeiro de 1928, incluiu os jor-


naleiros, diaristas, mensalistas, sem cargos creados em lei,
"'entre os contractados, dispondo em seu art. 7.°:

"Todos os que executarem serviços necessarios


á administração publica, permanentes ou não, diaris-
tas, mensalistas e serventes sem cargos creados em
lei, serão contractados directamente por portaria do
Ministro, ou pelos Directores e Ohefes de Serviço,
mediante autorização, por escripto, do respectivo
Ministro" (24).

o decreto 284, - de 28 de Outubro de 1936, classifica-Qs


,como extranumerarios.
E' preciso, porém, -não confundir taes funccionarios com
,os chamados ,cOO1Jtractados, isto é, aquelles que prestam servi-
ços em virtude de um contracto escripto com a administração,
no qual se acham estipuladas as condições, prazos, vencimen-
tos em que o serviço deve ser prestado.
E' evidente que taes condições de exercicio, bem como a::;
;garantias e as obrigações decorrentes do contracto, estão pre-
vistas nas suas cIa.usulas.

(24) o.s diversos paragraphos desse dispositivo regulam o assumpto


_mdnuciosamente:
•• § 1.° - Neste ultimo oaso os di-rectores ou chefes de
serviço fariijo organizar opportunamiente rolhas nas quaes
constarão os nomes dos cO'ntractados com a esp.ecie do lo-
cal dO' serviÇlO com o jornal diaria ou mensalIdade que lhes
deva ser paga, não só para os serviços permanentes como
para os outros -casos, quandO' necessaroiO's, authenticadas as
folhas .com a sua a·ssignatura para approvação do Ministro·.
§ 2.0 - Nos Estados as folhas podem ser proposta-s por
telegramma e por essa fórma pode ser a approvação, tudQ
depois confirmado por officio ou portaria".
O art. 1'0 garante o direito á inscJ:"ipc:.ão nas Caixas de Pensões e
.Institutos de Previdencioa.
646 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Contractados

Ai questão dos contractados tem sido objecto de muitas-


duvidas e divergencias na nossa vida administrativa.
O decreto n. 871, de 1 de J u~ho de 1936, veio, porém,
pôr um pouco de ordem na nossa technica administrativa, fa-
zendo distinccções que tornam mais clara a situação dessa ca-
tegoria de funccionarios, em relação a outro.s de natureza es-
pecial.
Assim, referindo-se aos operarios, considerou como taes,.
os que forem admittidos para a execução de obras, serviços
de campo e outros trabalhos braçaes de natureza transitoria,.
sendo, neste caso, arbitrada uma diaria de accordo com a es-
pecialidade.
Uma vez terminado o serviço, para o qual foram tomados,.
ficam automaticamente dispensados (artigo 24).
Por conseguinte, o operario distingue-se não sómente pela
natureza braçal do serviço, mas ainda pelo s~u caracter tran-
sitorio e a fórma de pagamento.
Os contractados, porém, devem se collocar em outra cate-
~~. I
Geralmente, a essa expressão. tem sido dado um sentid~
improprio, comprehendendo aquelles que prestam serviço á ad-
min~stração financeira em caracter transitorio.
O decreto n. 10.088, de 1928, que regulamentou a lei nu-o
mero 5,,426, procurou dar o perfeito significado á expressão
"contractado", dentro de um criterio technico, quando. em seu
artigo 7. declara que certos encargos do serviço publico, como
0

aquelles realizados pelos diaristas, mensalistas e serventes, po-


der'ão ser realizados pela simples nomeação do Ministro com--
petente, de pessoas contractadas para esse fim.
iEntende-se, portanto, por "contractados", pessoas aluga-·
das, escolhidas especialmente para esse fim, para executarem
determinado serviço.
Nesse sentido commum, usual, é que deve ser entendida a
expressão que passou para a nossa technica administrativa.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 647

Não exclue, porém. essa categoria de empregados, a existen-


cia de outros effectivamente contractados por prazo certo e sob
condições determinadas.
O decreto n. 871, de 1.0 de Julho de 1936, prescreveu nor-
mas especiaes e considerou diversas categorias de funcciona-
rios co.ntractados, a saber:
a) os que executarem serviços necessarios á administra-
ção publica, de natureza transitoria, e cujo prazo, de accordo
com a lei, não poderá exceder um exercicio financeiro;
b) os que desemperuharem cargos technicos, que não pos-
sam ser-'incluidos no quadro do funccionalismo;
c) os que se incumbirem de serviços permanentes ou não,
sêm cargos creados em lei especial, que tenham sido regular-
mente admittidos com autorisação escripta do respectivo Mi-
nistro.
A lei prevê diversas categorias de contractados, levando
tambem em consideração os seus vencimentos.
Presuppõe a admissão ao serviço o concurso de diversas
condições, notadamente a prova de sua habilitação para o ser-
viço, e de capacidade para o exercicio do cargo.
As nomeações devem ser feitas pelo Presidente da Repu-
bUca, mediante proposta do Ministro respectivo.
São essas noçõesgeraes que definem a posição do empre-
gado ou funccionario contractado, dentro do nosso regimen ad-
ministrativo. ,EUa se caracterisa, prindpalmente, pela natu-
reza transitoria da funcção e a limitação do prazo do exerci-
cio, salvo as pro rogações admittidas pela lei ordinaria.
Apezar de tudo, têm sido geralmente reconhecidos certos
direitos inherentes aos funccionarios publicos, como, por exem-
plo, a licença (25).

(25 I Vier o parecer do ConsuHor Gera1 da RepwbIica F'RANCISCO


CA!MFOS, in Diano Official, de 20 de Frevereko de 1934.
648 THEMISTQCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Licenças

A interrupção do serviço Ipor motivo de força maio!l' não


pode acarretar para os funccionarios senão prejuizos ;relativos.
Para isso, o Estado ereou um regimen espeCial, 'segundo o qual
o func:cionario pode faltar ao serviço mediante as condições
prefixadas pela lei.
Só a molestia, as ferias, ou a licença devidamente con-
cedida, justificam a falta do. func:cionario ao serviço. E-xami-
naremos antes de tudo a licença:
A licença pode ser concedida:
a) Ipor motivo justificado a juizo da competente auto-
ridade;
b) por motivo de molestia comprovada;
c) por motivo de molestia contagiosa ou accidente.
No primeiro caso, é preciso que o funccionario tenha mais
de dous annos de serviço effectivo, diz o art. 15 do dec. 14.663,
de 1 de Fevereiro de 1921 (26), e a licença não exceda de
um anno.
Perderá igualmente direito aos vencimentos' e só poderá
gozar nova licença depois de dous annas de exercicio.
No segundo c'aso, proceder-se-á a inspecção de saude si
exceder de tres mezes a licença; no caso contrario, basta o
attestado medico.
Pode a licença ser obtida tambem para attender ao estado
de saude de pessôa que viva na d€!pendencia do funccionario.
Deve este provar as duas condições: a dependencia e o es-
tado de saude.
Finalmente, pode ser obtida a licença quando se tratar
de molestia contagiosa, ou adquirida em serviço. Nesses casos,
a licença será de um anno, findo o qual proceder...ge~á a nova

(26) Ver os decs. 4.255, de 11 de Janem-o de 1921, 4.061 de 16 de


Janeiro de 1920 e 14.257, de 5 de Maio de 19~O. Tamibem a iei n. O 208
de 27 de M,aio de 1936, que prevê os casos de licença para as muLheres
casadas com funccionarios publicos.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 649

inspecção; si não tiver havido cura, será prorogada por um


anno. N a terceira inspecção a licença será por tempo inde-
terminado até ser decretada a aposentadoria ou reforma.
Em linhas geraes são essas as condições de licença. .Quanto
aos vencimentos, soffrem descontos nos casos de licenças pa!'a
tratamento de saude:

a) da gratificação do exercicio, qualquer que seja o tempo


.da licença;
i.
b) da quarta parte do ordenado ou do soldo, de seis
mezes a um anno;
c) da metade do ordenado ou s'Üldo, de um anno a de-
'zoito mezes;
d) de tres quartas partes do ordenado ou soldo, de de-
:zoito mezes a dois annos.
Quando se trata de doença em pessôa da familia:
a) metade do ordenado ou soldo até seis mezes;
b) de tres quartas partes do ordenado ou soldo, de seis
mezes a um anno;
c) perda de vencimentos quando exceder de um anno
.ou tiver outro motivo.

Quando se tratar de molestia incuravel, lepra, cancer, tu-


berculose, ou quando fôr ferido o funccionario ou adquirir mo-
.lestia em serviço, será concedida licença até um anno com o!"-
denado ou soldo. Na primeira prorogação, serão reduzidos os
vencimentos á metade do ordenado ou soldo.
No caso de gravidez da mulher, a lieença será de dois
mezes, a contar do ultimo mez de gestação, e com todos os ven-
.cimentos.
A licença não será concedida a funccionariosinterinos, em
·commissão, quando não recebam gratificação fixa, ou quando
(salvo em caso de molestia) requererem a licença os nomeados
tem commissão.
650 THEMISTOCLESBRANDÃO CAVALCANTI
--------------------------------------------
o decreto 14.663 de 1921, em seu art. 3.°, determina quaes:
as autoridades competentes para conceder a licença, salvo os'
casos previstos por leis especiaes.

Licença premio é aquella concedida ao funccionario que-


durante certo numero de annos não houver gozado licença, e-
não se tiver 'afastado do serrviço. E' assim, um premio mere-
cido ao funccionario assiduo.
Foi creada essa licença pela lei 4.061 de 16 de Janeiro-
de 1920 e dec'l'eto 14.157, de 5 de Maio do mesmo anno. O
prazo alli fixado era de seis mezes ,por cada vinte annos de:
serviço, podendo ser gozados parcelladamente.
O decreto 20.063, de 2 de Junho de 1981 só considerou
o tempo de licença para o effeito de aposentadoria.
Finalmente, o decreto n.o 42, de 15 de Abril de 1935,.
restabeleceu a licença premio e reduzio a dez annos consecuti-
vos o tempo de exercido continuado para dar direito á licença
,premio.
Essa lei regula detalhadamente o assumpto e estabelece as
condições e vantagens della decorrentes. O seu não uso dá.
logar tambem a beneficios que aIli se acham consignados .

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CAPITULO IV

REMOÇÃO

Remoção - Inamovibilidade como Garantia Constitucional -


Disponibt~idade- Supressão do Cargo.

A Inamovibilidade é garantia constitucional assegurada


aos magistrados, salvo, quando esta se der a pedido, por p"!"o-
moção acceita ou pelos votos de 2/4 dos juizes effectivos do
Tribunal Superior competente em virtude de interesse publico.
A lei n. 2.083 de 30 de Julho de 1893 assegura, no en-
tretanto, a inamovibilidade ao funccionario de Fazenda (1). O
decreto n. 21.212 de 28 de Março de 1932 dis,poz egualmente:
Assegurada por lei, a garantia é naturalmente valida. Não é,.
porem, inherente á estabilidade.
Para os que já gasam dessa ultima garantia é preciso
attender a que a remoção não pode importar em uma dimi-
nuição na funcção e nos vencimentos.
Nos casos de entrancia, verifica-se isto muito bem .
. O Decreto do Governo Provisorio n. 20.778 de 12 de De--
zembro de 1931· (2), estabeleceu com relação á inamovibili-
dade dos funccionarios, inclusive membros do Poder Judicia-
rio e serventilarios da Justiça os seguintes prindpios:

1.0 - que a vitalicieclade e a inamovibilidade


. não podem ser tomadas em sentido estricto, poden-
do o funccionario

(1) Acc. S. T. F., de 25-8c20, in Rev. S. T. F., VoI. XXVII, pg. 129._
(2) Diario Official de 18-12-1931.
>·652 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

a) ser removido· da séde de seu cargo, func-


ção, repartição ou serviço com a obrigação de con-
tinuar a desempenhar na nova séde a mesma func-
ção que exercia anteriormente;
b) ser aproveitado, uma vez extincto o seu
cargo em outro analogo, para o que se deva presu-
mir a sua habilitação, como por exemplo, o lente em
relação ás cadeiras da mesma secção, o magistrado
em relação a quaesquer funcções judiciarias;
c) ser reduzido em seus vencimentos quando
fôr essa reducção decretada de modo geral e unifor-
me, ou em relação a todos os funccionarios da mesma
categoda ou classe;
d). ter direito á volta á séde primitiva si res-
tabelecido o lug'ar ou creado outro identico e analogo.

o dec. n. 21.212, de 28 de Março de 1932, posteriorme~te


tratando de funccionarios de Fazenda, determina:

"Art. 5.° - O funccionario que attingir o nu-


mero 1 de sua classe só poderá ser transferido em
virtude de processo em que fique apurada a sua culpa,
ou com promoção".

A remoção, no primeiro caso, como se vê, está entendida


-como verdadeira ,penalidade. .0 art. 4 do mesmo decreto igual-
mente declara:

"Art. 4.° - Os funccionarios de segunda en-


trancia transferidos de uma para outra 'repartição
em virtude de processo, pena disciplinar ou a pedi-
do, irão occupar o ultimo lugar .da classe a que per-
tencerem" .

o a'rt.
82 da .lei n.o 284, de 28 de outubro de 1936, que
estabeleceu diversas providencias relativas ao funccionalismo
:publico da União, determina:
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 653

"O Governo, att€nd€ndo ás conveniencias dos serviços, e


por Iproposta da Commissão de Efficiencia, poderá transferir
ou temover qualquer funccionario de uma para outra loca li-
dad€ ou repartição de cada Ministerio, guardadas as resalvas
constitucionaes e respeitada a especialisação technica".
O texto legal não poderia, entr€tanto, deixar de resalvar as·
garantias legaes, como as entrancias, que representam cate-
gorias de funccionarios, classificadas muitas vezes de accordo
com os seus vencimentos, etc.
Assim, as garantias de inamovibilidade não preCÍ'sam estar
expressas na Constituição, mas podem estar implicitamente
ass€guradas como um corollario das garantias ge!"aes attribui-·
das aos funccionarios ,publicos.
Não constitue porém uma garantia geral assegurada MS
demais funccionarios.
Relativam€nte aos magistrados dispõe o texto constitu-
cional:

"Salvas as restricções expressas· na Constituição·


os juizes gozarão das garantias seguintes:
............................................
b) inamovibilidade salvo r€moção a pedido por-
promoção aeceita ou pelo voto d€ dois terços dos
juizes effectivos do Tribunal Superior competente,.
em virtude de interesse publico" (3).

Ha, Ipor conseguinte uma tendencia 'para a inamovibilidade


dos funccionarios judiciaes, principalmente nos Estados onde
a remoção vem, por vezes, ferir. direitos inherentes á estabi-
lidade do cargo.
E!;se dispositivo veio supprir a uma lacuna do texto da
Constituição de 18911, que s6 assegurava a vitaliciedade. O'
Decreto n. 848 de 11 de Outubro de 1890, no entretanto, es-
tabelecia:

(3) Art. 87 da Oonstituição, reproduzido no art. 90-b, da Const ..


promulgada em 1937.
:654 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
---------------------------------------.------
Art. 2.° - Os juizes federaes são vitalicios e
inamoviveis e não poderão ser privados dos seus car-
gos ISinão em virtude de sentença proferida em Juizo
competente e passada em julgado".

A Constituição de 19~4 e a de 1937, deram IPorém, maior


1llalIeabilidade ao principio, embora respeitando-o dentro da
,theoria da separação de poderes, onde encontra o seu fun-
d'amento.
Todas as cautelas foram tomadas pelo legislador constitu-
·donal para evitar a corrupção, e a pressão sobre o Poder Ju-
diciario chegou ao ponto de permittir até que o juiz prefira
disponibilidade com vencimentos integraes a remover-se com a
mudança da séde do juizo.
Mesmo a promoção tem sido muitas vezes pretexto para
transferir um Juiz (4).
Por isso a Constituição só permitte a promoção, quando
.acceita, prevendo e admittindo como legitima a recusa do Juiz.
Mesmo quando determinada pelo poder Judiciario, exige ainda
que a deliberação seja tomada Ipor um numero certo de juizes
effectivos afim de evitar com essa cautela, tanto quanto pos-
sivel, a intervenção da politi0a ou a imposição de uma maio-
. ria oceasional.
Na França, na Allemanha, na Inglaterra, a inamovibili-
dade é um principio tradicional. A,s excepções só se justificam
mediante cautelas especiaes e um processo rigoroso (5).

DISPONIBILIDADE

Razões de diversas naturezas podem exigir a disponibili-


-dade do funccionario, isto é, o seu afastamento da activid:ade,
embora isso não importe no afastamento definitivamente do
,cargo.

(4) Ver, C. MAXIMILIANO, Com. á Const., pg. 609.


(5) KAMMERER, La Fonction Publique en Allemagne, pg. 387.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 655

Asuppressão do cargo por motivos de ordem disciplinar


<-€o interesse da administração podem impô r essa medida.
As condições da disponibilidade variam, concedendo mui-
-tas vezes a lei até as mesmas vantagem;, que aos funccionarios
em actividade, inclusive augmento de vencimentos.
Conta-se entre esses casos o dos professores contando mais
de dez annos de serviço. Com relação a estes permittiu-s'€ que
ficassem em disponibilidade com todas as vantagens, etc., em-
bora prestando serviços em mesas examinadoras e outros ser-
-viços.
Grandes duvidas têm sido levantadas na applicação desse
decreto. A administração pretende que taes dis,ponibilidades
não passam de aposentadorias simuladas, sem di!'eito dos seus
beneficiariOiS ás vantagens dos professores da activa.
A judslprudencia tem vacillado na apreciação dos casos
,concretos sublmettidos aos tribunaes; prepondera, porém, a opi-
nião favoravel á disponibilidade.

SUPPRESSÁO DO CAlRGO

Pode ser esta outra forma de extincção do emprego.


E' facultado ao Poder Publico por interesse superior sup-
-primir empregos e, russim, tirar aos seus titulares os direitos
inherentes ao exercicio da fun{!çoo.
E' bem de vêr-se igualmente que a suppressão do cargo
.só pode importar em prejuizo do funcciónario Ipublico quando
não tiver este a amparar-lhes os direitos, as garantias assegu-
a
'radas pela lei para sua estabilidade (6).
O dec. n. 20. ~78 de 12 de Dezembro de 1931 prevê os
,casos de extincção do cargo e estabêlece as seguintes regras:

1.° - O funccionario de cargo extincto poderá


ser aproveitado em outro analogo, devendo se con-

.(6) Acc. S. T. F., de 19-8-1927, Arch. Jud., voI. V, pg. 123; Acc.
S. T. F., de 6-9-1924, Rev. S. T. F., voI. LXXXI, pg. 172. Ver Accs. de
:23-7-1926 e 24-12-1926, in Arch. Jud., VoI. VI, pg. 83 e 84.
656 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

sideral-o a,pto tal como o lente em relação ás ca-


deiras d'a mesma secção o magistrado em relação a
·quaesquer funcções judiciarias (art. 1.0, n. 2).
2.° -' Si depois da transferencia da séde de qual-o
quer cargo, funcção, repartição ou serviço, fôr crea-
do outro identico ou analogo, no mesmo local pri-
mitivo, ou si fôr restabelecido o cargo extincto, terão
os funccionarios ou serventuarios, que dahi hajam
sido removidos ou que serviam no mesmo cargo ou
funcção, preferencia paJI'a voltarem a exercer o mes-
mo cargo ou funcção na sua séde anterior (art. 2.°) ..

Esses principios continuam em vigor, salvo naturalmente.


naquillo em 'que collidirem com a Constituição.
A disposição constitucional de 1934 sobre os professores,.
dava luga!' a duvidas, porque na sua forma imperativa deixa
sempre margem a uma apreciação arbitraria como seja o que'
se contem na parte final, isto é, a prova de habilitação para
a regencia de outra cadeira que não aqueIla extincta.
Ao poder judiciario já .foi levado um ca1:!O concreto, qU&
não mereceu o amparo solicitado (7).

(7) Referimos-nos ao lIlWldado de segurança requerido por uma pro ..


fessora da eXitincta cadeira de desenho do Instituto Surdos Mudos, que pre-
tendia ser .aproveitada em egual cadeira na Escola Nacional de Belas Axtes~
CAPITULO V

Accumulação Remunerada - Historico - A Tradição do


noss'o Direito - As IConstituiçóe5 RepuhLicanas - As
nossas Leis - A J urisprudencia dos Tribunaes e as
Praxes Administrativas.

Uma das questões mais debatidas em nosso direito tem


sido a das accumulações remuneradas.

o art. 73 da Constituição de 1891, dis'punha:

"Os cargos publicos civis ou militares são acces-


siveis a todos os brasileiros, observadas as condições
de capacidade eS,pecial que a lei estatue, sendo porém
vedada,s as a.ccumulações remuneradas".

Segundo esclarece CARLOS MAXIMILIANO (1), é antiga, em-


bora raras vezes proficua e victoriosa, a hostilidade dos pu-
blicistas e legisladores brasileiros e portuguezes, á accumula-
ção de funcções remuneradas. E cita numerosos Avisos, Al-
varás e Decretos que datam de tempos remot06 (2).

(1) Com. á Const., pg. 817.


(2) Carta Regia de 6 doe M,ai'o de 1623; alvarás de 8 de JaneiTo de
1,627 e 27 de OUJtU!bro de 1644. Decreto de 18 de Julho de 1681: Carta

- 42
658 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Os maiores abusos foram sempre praticados, de accordo


com a conveniencia e os interesses do momento. E isto occor-
reu mesmo na Republica, contra disposição expr~sa do texto
incluido na Constituição Republkana em virtude de uma emen-
da dos constituintes BAPTISTA DA MOTTA e outros (3).
Embora claro e positivo o texto constitucional, acharam
em todos· os tempos os nossos governos de estabelecer res-
tricções.
As leis ns. 28, de 6 de Julho de 1892, e 44-B, de 2 de
Junho do mesmo anno, crearam excepções para os cargos
scientificos, technicos ou estrictamente profissionaes.
Verdadeira derogação da disposição constitucional, segun-
do BARBALHO (4).
Foi este, entretanto, um principio vencedor nas' nossas
praxes administrativas de todos os tempos, embora seguidas
as decisões dos nossos Tribunaes (5).

Regia de 6 de Agosto de 1862; Decreto de 3 de Setembro de 1682; Decreto


de :210 de Março de 1686; Decre~o de 20 de FeVJereiT"o de 1688;. Decreto de
12 de Novembro de 1701; Decreto de 13 de Fevereiro d,e 1822; Decreto de
18 de Junho de 1823; Aviso 89: de 4 de Junho de 1847; A:viso 77: de 21
de Março de 1'864.
(3) A:rmaes da Constituinte, VaI. lI, pg. 329; JOÃo BARBALHO, Com-
mentarios á Constituição, pg. 339; A. MILTON, A Constituição fkJ Brasil,
pg. 43,8.
(4) Apud. A. CASTRO, Manual da Constituição Brasileira, pg. 308.
(5) Ver entre muit'os os seguintes accordãos do Supremo Tribunal:
de 14 de Abril de 19'09; de 2 de De~embro de 1911; de 27 de Junho de 1914,
onde se encontra . um voto de PEDOO LIilSSA e cuja ementa é ·a seguinte:
"São vedadas as accumulações 'remuneradas. O empI'legado publico jubIla-
do, de qualquer ord'em ou cathegoria, que acceitar emprego ou commissão
I'emunerada, perderá durante o exercicio doeste as vantagens da jubHação".
In Revista Suprerrqo Trib'unal Federal, vaI. lI, pg. 217.
Acc. do S. T. F., de 2 de Dezembro de 1918, In Revista S. T. F.,
vaI. XIX, pg. 29.
Acc. de 7de Agosto de 1920: "A ninguem é licito accumtdar remune"
rações de dois ou mais cargos publicos, sejam federaes ou locaes". In Rev.
S. T. F., vol. 25,pg. 79, onde igualmente se encontra voto de PiEDRO LESSA
estudando o assumpto sob todas a's suas modalidades.
Acc. de 2 de Agosto de 1916: "Adispa,siç.ã:o do art. 73 da Constituição
Federal véda expresamente a accumulação de vencimentos, sem fazer dis-
tincção entr,e os cofres federal, estad'oal ou municipa'l". In Rev. S. T. F.,
voI. 8, pg. 39\3.
Mais recent,es os accol'dãos de 13 de Abril de 1928: "São vedadas as
accU'lllulações remuneradas. No caso de ,exercício em maís de um cargo é
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 659

Esta questão de tanta relevancia tomou novo rumo com


o Governo Provisorio instituido pela Revolução de 1930. Este
procurou regulamentar a questão, tendo baixado nesse sentido
diversos decretos.
Por elles pode-se verificar a preoccupação de transigir
com o princtpio, tirando-lhea rigidez da disposição constitu-

obrigatoria a opção do funccionario por um dos cargos em cujo exercI CIO


€stiv;er, e vaIe como opção a permailencia do funccionario no exercicio de
um dos cargos". Arch. Judicia;ria, voI. 6, pg. 47,9.
"O principio consagrado no art. 73 da Constituição é de caracter 'geral
e ,absoluto, comprehensivo de toda e qualquer accumulação de remunerações,
seja de cargos federaes, seja de cargo federal, estadoal ou municipal, re-
vista· a remuneração a modalidade que revestir, desde que são vedadas as
accumwlações remuneradas.
Essa prohibição das accumulações remuneradas de cargos publicos, civis
ou militares, é um principio constitucional da União, cujo respeito é im-
posto aos Estados pelo .A!rt. 63 da Oonstituição". (A~c. S. T. F., de 24
de AIgosto de 1928, In Areh. Ju4iciwrio, voI. 8,pg. 29Q).
Igualmente: "O preoeito do artigo 73 da Constituição Federal vedando
as accumulações remuneradas, é absoluto e contra elle não pod,e ser alle-
gado nenhum direito adquirido." (Acc. S. T. F., de 3 de Outubro de ~928,
In Arch. Judiciario, val. 8, pg. 404).
Deve-se citar igualmente o Decreto n. 7.500,. de 12 d,e Agos,to de
1909, subscripto por N.ILO PEçANHA e todo o Ministerioo, com o intuito
de tornar efficaz a disposição constitucional que véda as accumullações
remuneradas. NeHe se encontram as seguintes considerações com a deter-
minação final:
. "Oonsiderando que a Consotituição, no seu artigo 73, pro-
hVbe de modo absoluto as accumulações remuneradas;
Considerando que, para os effeitos da proh1bição aUudida
pouco importam as d,iscriminações com que se pretende dis-
tinguir a remuneração das funcções e dos cargos publicos, cha-
me-se a essa remuneraçã:o vencimento, subsidio, gratificação,
commissão, ordenado, honorarios, SQldo, pois, a Constituição a
ninguem ou a nenhuma class'e exceptuou e ao contrario, a
todos prohibiu as accumulações remuneradas, sendo que até
no Imperio os officiaes de terra e mar, quando exerciam
quaesquer cargos publicas ou commissÕeg administrativas, per-
diam o respectivo soldo, e a Constituição não o resalvou da
prohibição do art. 73:
... , Resolve que os empregados ou funccionarios que se
acham no exercicio cumulativo de dois ou mais empregos e
cargos publicos federaes remunerados, sejam as respectivas
funcções de natureza igualou differente, são obrigados a
optar, desde a d·ata do presente decreto pela remuneração de
Udll só dos ditos cargos ou empregos, sob pena de ser a opção
feita pelo Governo, que lhes mand!lJrá pagar uma só das re-
munerações até então accllill).u1adas".
660 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

cional e dando a certas situações de facto o apoio de uma de-


terminação legal.
Os Decretos ns. 19.57:6 pe 8 de Janeiro de 1931 e 19.949
de 2 de Maio de 1931, trataram especialmente do assumpto. Os
seus dispositivos soffrem, porém, as restricções impostas pelo
texto da Constituição de 16 de Julho, que mais amplamente
referiu-se ao assumpto, fixando um criterio novo. Devem, ~or
isso, as suas disposições ser interp!'etadas de accordo com a
legislação, salvo naquillo que implicita ou explicitamente haja
sido revogado pela nova Constituição.
A origem daquella disposição constitucional encontra-se no
ante-projecto do Itamaraty que foi approvado, com. outra !'e-
dacção, pela Assembléa Constituinte (6).
A Constituição de 1934, fixou os seguintes principios fun-
damentaes:

"E' vedada a accumulação de cargos remunera-


dos da União, dos Estados e dos Municipios".

E' a determinação fundamental, já consagrada pelo di-


reito anterior, pela jurisprudencia já citada e pelo art. 2 do
Decreto n. 19.576, de 1931.

Incidem

"na prohibição deste decreto as accumulações de re-


.muneração recebida dos cofres .publicos, por titulos
diversos ainda que de entidades administrativas dis-
tinctas como a União, o Estado, o Município ou o
Districto Federal".

Nada, effectivamente, justificaria qualquer restricção


quanto á procedencia dos vencimentos ou remuneração. A·

(6) Dispunha o arti&'o 95 do ante-projecto: E'veda.da a accumu-


lação de cargos l'Iemunerados na União, nos Estados e nos' municipios.
quer se trate de cargos exclusivamente federaes, estadoaes e municipaes.
quer de uns oi! outros simuHaneamente".
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 661

prohibição constitucional é eXipressa, ~ as. excepções a1li pre-


vistas, decorrem apenas da natureza do cargo ou da remune-
ração e não dos cofres onde é percebida.
Resta entretanto saber si as prohibições constantes das
leis anteriores ainda se acham em vigor, como' por exemplo.
a accumulação com vencimentos percebidos em emprezas, com-
panhias, institutos dependentes do GDverno (7).
Não parece que Ipossa haver duvida a esse respeito.
Por mais justificavel que seja a prohibição contida no
decreto do Governo Provisorio, não se pode dar á prohibição
constitucional es-sa amplitude. Diz o art. 172 da mesma Gons-

(14) O decreto 19.576, de 8 de Janeiro de 1931, dispõe: "Art. 3. 0


E' igualmente prohibida a accumulação de qualquer vantagem perce-
bida pelos cofres publicos aom funcção ou emprego l'Iemunerado em es-
tabelecimento,empreza, companhia, instituto ou serviço de qualquer na-
tureza, desde que, dependentes do Governo ou por ella subvencionados".
Por sua v'ez o decreto 19.949, de 2 de M.ai,o de 193,1, dizia:
"Art. 13.° - Os institutos, 'emprezas, companhias ou servi'ços depen-
dentes do Governo a que se refere o art. 3. 0 do Decreto 19.576 sao os
que ·explorem concessão d'e serviços publicas, ou constituem por si mes-
mo serviço pubHco, ainda que não remunerado pelos cofres publicos; ou
moeSllIlo que ex:p1orem serviço partk~lar, maIlJtenhamcontrac!to com o
poder pubHco, precisem de autorização especial, gozem de favor confe-
rido por lei ou pelo Governo, ou tenham administrador designado pelo
Governo; e finalmente os de que a Fazenda Publica seja associada, accio-
nista ou pelos quaes tenha responsabilidade, ou v,antagem pecuniaria, ain-
dSl. que subsidiaria".
IRe feria-se esse decreto ás -emprezas concessionarias de serviços pu-
blIcas, hem como ao Lloyd Brasileiro, Banco do Brasil, etc.
Os proprios decre~os, porém, se encarregaram de estabelecer .as ,ex-
cepções, como .~ vê dos art,s'. 4 e 5 do decreto 19.949, de 1931, in verbis:
§ 1.0 - !E\x:ceptuam-se os d,e natureza technica e scientifica que não
env'olva:m funcção ou autoridade adminIstrativa, judicial ou politica, e
os de ensino.
§ 2.° - As pensões tambem não, poderão ser accumuladas. salvo se,
reunidas, não excederem o Hmite maximo fixad'o por lei, ou resultarem
de ·cargos cuja accurrnulaçã'o é permittida.
§ 3. 0 - Não se consid'era accumulatorio o exercicio de commissão
teniporaria ou de confiança decorrentes do proprio· cargo ou da mesma
natureza deste.
§ 4.° - A acceitaçã.o de cargo remunerado importa na perda dos
vencimlentos da inactividade. Quando se tratar de cargo electivo, ficará
su,spensa integralmente a percePção dos vencimentos da inactividade, si
o sUlbsidio daquelle fôr annual, ou durante as sessões, si estipendiado ex-
clusivamente emquanto ellas durarem".
662 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

tituição: "é vedada a accumulação de cargos publicos remune-


rados da União, Estados ou Municípios".
, Ora, cargo publico tem uma significação technica incon-
fundivel, e como tal não pode ser tido qualquer emprego ou
cargo exercido nas emprezás ou institutos referidos nos allu-
didos decretos.
As excepções ao principio geral fixados naquella Cons-
tituição, !'esolvem em sua generalidade as duvidas e divergen-
cias verificadas sob o regimen da Constituição anterior.
Eram ellas as seguintes, que apreciaremos separadamente:

I) "Exceptuam-se os cargos de magisterio e


technicos-scientificos que poderão ser exercidos cumu-
lativamente, ainda quepo!' funccionario administra-
tivo, desde que haja compatibilidade dos horarios de
serviço".

O ante-projecto não esposava integralmente o principio,


fazendo ainda uma restricção quanto aos funccionarios admi-
nistrativos. Dizia (8): "exceptuam-se os de natureza techni-
ca e scientifica, que não envolvam funcção ou autoridade admi-
nistrativa, judJicial ou politica, e 08 de ensino".
O ante-projecto seguia a tendencia dos decretos do Go-
verno Provisorio que admittiam a accumulação de cargos te-
chnicos, mas sómente os de natureza technica, excluidos os
administrativos.
Mas a Constituição exigiu a compatibilidade de horarios,
o que constitue criterio seguro para definir a fncompatibili-
dade.
A accumulação de cargos technicos, principalmente de ma-
gisterio, é um velho thema, já focalisado no regimen da Cons-
tituição de 1891.
Difficilmente poder-se-ia contrariar a tolerancia, dados os
j)recedentes infindaveis cread'os ,pelas praxes administrativas,

(8) Al't. 59, § 1. 0 •


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 663

que nunca admittiram a inconstitucionalidade do art. 1.0 da


lei n. 28, de 8 de Janeiro de 1892.

"Não são incompativeis os cargos federaes e


estadoaes em materia de ordem puramente profis-
sional, scientifica ou technica, que não envolvam 'au-
toridade administrativa, judiciaria ou politica, na
União e nos Estados".

RUY BARBOSA sustentou em entrevista concedida á "Ga-


zeta de Noticias" sobre a lei vetada pelo Presidente da Re-
publica em 1913, a these favoravel á validade da lei, com ar-
gumentos de inconfundivel interesse.
Certo ou errado, o velho texto constitucional não pode-
ria autorizar distincções arbitrarias que viessem ferir ~ ri-
gidez da fórmula alli consagrada.
Pelo systema da lei de 1892 acima citada, a prohibição de
accumulação era mais rigida, porque comprehendia os cargos
administrativos. Tolerada era apenas a accumulação de duas
ou mais funcções technicas.
O decreto 11. 19.576, de 1931, era igualmente severo nessa
prohibição. Cedo porém, o decreto n. 19.949 do mesmo. anno
veio diminuir o rigor, permittindo no seu art. 1.0 a accumu-
lação, desde que as funcções administrativas e as technicas
fossem uma nocturna e a outra diurna.
Aquelle primeiro decreto foi de um rigor excessivo para
os nossos habitos e praticas administrativas. Tornou-se im-
praticavel, deante de casos concretos que representavam irre-
gularidades por tal fórma consolidadas, que não seria TIl'ais
possivel, sem um rigor extraordinario, derogar.
Assim é que, mesmo para as funcções technicas ou scien-
tificas, exigia que fossem congeneres e dependentes (9).

(9) O decreto 19.949, de 1931, assim definiu aqueHas funcções:


0
"Art. 9. - Funcções congeneres d·e natureza scientifica, profissio-
nal ou technica, mencionadas no art. 6 do decreto 19.576, são as pro-
prias de profissiona1 ou technico, do mesmo ramo generico de estud~
664 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

A Constituição de 1934 acabou com todos os suhteriugios


e distincçÕ€s anteriores, deu mais elasticidade á excepção do
que o proprio ante-projecto do Itamaraty que não permittia
a accumulação de ca!'go administrativo com funcção techniça
ou de ensino, permittiu pelo contrario todas asaccumulações de
cargos technicos-scientificos e do magisterio, com os adminis-
trativos, com uma unica limitação - a compatibilidade dos
horarios,. sem a qual não é licito accumular..
O criterio portanto foi o da possibilidade material do exer-
cicio cumulativo dos cargos. Desappareceu assim o criterio
da Constituição de 1891, mais democratico, mais social, porque
permittia uma distribuição dos cargos e funcções ,Publicas por
um maior numero de cidadãos.
Certo ou errado é o que ahi está consagrado naquella
Constituição, como uma determinação geral, insusceptivel de
interpretações e divergencias, que afinal importavam em dis-
tincções feitas de accordo com os interesses de momento.
"'.: :.---
II) "As pensões de monte'pio e as vantagens da inacti-
vidade só poderão ser accumuladas, si, reunidas, não excede-
rem o maximo fixado por lei ou si resultarem de cargos le-
galmente accumulaveis".
Encerra esse dispositivo a solução de gr~ndes e velhas
controversias sohre aaccumulação de pensões e iproventos da
inactividade.
A redacção, porém, é defeituosa, porque dá lugar a uma
duvida que merece ser aqui apresentada.
A accumulação de que trata o paragrapho, refere-se só-
mente a duas ou mais pensÕ€s, duas ou mais inactividades, á
pensão com as vantagens da inactividade, ou a pensões, pro-
ventos da inactividade, ·e o exercicio de outro cargo?
t!

scientificos, ainda que não da mesma di·sdplina particularisada, ou da


mesma especialidade; ,e os de ·O'Utros cargos de ensino, ainda que não de
magist·erio, como inspectores ou fiscaes, observadas sempre as condições
de diversidade dos estabelecimentos, de compatibilidade com os horarioOs
de serviço,s e de limitaçãio .do numero e cargos.
Art. 10. - As funcções dependentes a que aHude o artigo 6 do
decreto 19.57,6, são as de direcçã.o ou administração do mesmo estabe-
lecimento em que o funccionario exerce o magisteri-o".
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 665

o § 4. 0 resolve em ,parte a questão. Regula de modo


expresso a accumulação da actividade com a inactividade, pro-
hibindo-a.
Está essa solução de. accordo com a nossa tradição. Já
na monarchia o art. 33 da lei n. 3.396, de 24 de Novembro
de 1888, dispunha que o aposentado ou jubilado, que acceitasse
emprego remunerado, perderia as vantagens da aposentadoria
ou jubilação.
Mais tarde o art. 7. 0 da lei n. 117, de 4 de Novembro
de 1892, acceitou o mesmo principio.
O decreto n. 4.853, de 12 de Setembro de 1924 igualmente
vedava a aposentadoria ou reforma em mais de um cargo e
com vencimentos maiores dos da actividade.
Finalmente os decretos ns. 19.576 e 19.949, de 1931, man-
tiveram a ,prohibição, como adiante veremos.
O dispositivo o,:,a em exame, portanto, tratou de accumula-
ção de pensões e de proventos de inadividade.
Ainda aqui a disposição constitucional tem menos rigor
do que a legislação anterior, e apropria jurisprudencia admit-
te ao princip~o duas excepções: primeiro, quanto ao limite fi-
xado pela lei (10) ; segundo, que provenha de accumulação per-
mittida.
Principio identico consagrava o art. 13 do dec. n. UI. 949,
de 1931:
"A accumulação dos proventos de mais de uma
aposentadoria, disponibilidade ou reforma, ou de uma
ou de outra, conforme a legislação vigente ao tempo
de sua concessão, será admissivel sómente quando
permitta a accumulação dos ,proventos corresponden-
tes á actividade das funcções ou cargos de que se
trate" (11).

O ante-projecto igualmente permittia essa excepção, adop-


tada mais tarde pela Assembléa Constituinte.

(10) R,eproduzindo a legisla·ção anterior o art. 19 do decNto 22.414,


de 30 de Janeiro de 19·33, limit,ou em 3 :600$.000 annuaes.
(11) Ver ·os Decs. 21.0832, d·e 15 de Setembro de9~2; 22.414, de
3.0 de J an,eiro de 19'2'3.
666 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

lU) "E' facultado o exercicio cumulativo e remunerado


de commissão temporaria ou de confiança decorrente do pro-
prio cargo".
Não ha nesta hypothese propriamente accumulação de
vencimentos, mas, em regra, de gratificação decorrente de
uma commissão. Isto se explica pela correlação das funcções
do cargo com a da commissão.
, Muito justo 'era o dispositivo do art. 5.°, § 2.° do decreto
n. 19.576, de 1931:

"Não se comprehendem nas disposições deste ar-


tigo e § 1.°, as commissões que o funccionario civil
ou militar, exercer em razão do proprio cargo, posto
ou patente, caso em que perderá sómente a grati-
ficação do mesmo cargo, posto ou patente, para per-
ceber, juntamente, o ordenado ou soldo, a gratifica-
ção que a lei attribue ao exercicio da nova funcção".

A Constituição de 1934 sem duvida excluiu a restricção con-


tida no final do artigo quanto á gratificação, permittindo a
accumulação das duas gratificações ou dos vencimentos in-
tegraes.

IV) "A acceitação do cargo remunerado inl}Porta a sus-


pensão dos proventos da inactividade".
o presente dispositivo decorre de uma emenda da Com-
missão da Assembléa Constituinte de que foram relatores os
Deputados Nogueira Penido e Fernando de Abreu, 'ao que dis-
punha o art. 95, § 4.° do ante-projecto do Itamaraty, in verbis:
"A acceitação de cargo remunerado importa na perda dos ven-
cimentos da inactividade".
Dizia a Commissão: "Não nos parece justo que o funccio-
nario aposentado, jubilado ou reformado, investido de novaEl
funcções ,publicas perca os vencimentos da inactividade. Quan-
do muito deverão ser suspensos esses vencimentos emquanto o
funccional"io estiver no exercicio de qualquer outro cargo ou
commissão administrativa".
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 667

E a emenda foi approvada e afinal incorporada áquella


Constituição.
A doutrina consagrada parece-nos a verdadeira e está na
tradição do nosso Direito, como se vê do seguinte voto de PE-
.DRO LEsSA, vencedor no acoordão do Supremo Tribunal Fe-
deral; de 27 de Julho de 1914, e que consubstancia com feli-'
cidade a questão (12):

"De inteiro accordo com a decisão ora profe-


rida. Para bem interpretarmos a parte final do ar-
tigo 7) temos dois monumentos legislativos decisivos:
a lei n. 3.396, de 24 de Novembro de 1888, feita um
anno antes da proclamação da Republica, e a lei nu-
mero 917, de 4 de Novembro de 1892, votada ;pelos
mesmissimos deputados e senadores, que, pouco antes,
reunidos em Assembléa Constituinte, tinham elabo-
rado e promulgado a Constituição Federal. O ar-
tigo 53 da primeira dessas leis reza assim: "Da data
desta lei em diante o funccionario publico de qual-
quer ordem ou c'ategoria, que, depois de aposentado
ou jubilado, acceitar do governo geral ou provincial
emprego ou commissão remunerada, perderá duran-
te o exercicio todas as vantagens da aposentadoria,
jubilação ou reforma". E o 'art. 7.0 da segunda lei
citada dispõe o seguinte: "O funccionario aposen-
tado considera-se incompativel para qualquer empre-
go publico, e quando acceite emprego ou commissão
estadual ou municipal, com vencimentos, perderá
ipso facto o vencimento da aposentadoria". Ahi está
manifestada com uma clareza inexcedivel o pensa-
mento que dictou a ultima parte do art. 73 da Cons-
tituição. O legislador constituinte não vedou sómen-
te a accumulação de 'dois ou mais cargos remunera-
dos. Vedou ,por mais forte r~zão a accumulação de
duas ou mais remunerações, uma das quaes corres-

(12) ~ev. s. T. F., v'ol. 2. 0 , pg. 22Q; Rev. S. T. F., voI. 25,
pg. SI}.
668 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

pondente a um logar actualmente exercido, e a outra,.


ou as outras, percebidas a titulo de aposentadoria,
jubilação ou reforma. Si o legislador prohibiu ao
individuo valido accumular o exercicio de dois ca!"-
gos remunerados, como havia de tolerar que o in..,
valido, o incapaz de trabalhar, o inapto para o exer-
cicio de funcções publicas, além de .perceber a sua
aposentadoria, ainda receba vencimentos pelo exer-
cicio illeglal de um cargo que não podia occupar?
Assim tenho invariavelmente julgado. Assim julga.
ram sempr·e os ministros Manoel Murtinho, Espi-
nola, Godofredo Cunha, Epitacio Pessôa e outros.
Algumas decisões contrarias ao texto expresso da
Constituição não constituem motivo juridico para se
não aPiplicar um dos mais claros e terminantes pre-
c·eitos que encerra a nossa lei fundamental. Para
haver direito adquirido é indispensavel que se possa
invocar uma lei, em que repouse o direito. Não ha
direito adquirido, quando a sua acquisição é termi-
nantemente vedada pela lei, e pela lei fundamental:
a Constituição".

. Dentro do rigor com que interpretava o texto constitu-


cional, PEDRO LESSA reconhecia a procedencia da argumen-
tação, aliás tambem sob outro aspecto defendida por RUY BAR-
BOSA na entrevista á "Gazeta de Noticias" acima citada.
O dec. n. 19.57,6, de 1931, continha principio semelhante
prohibindo a accumulação de vencimentos durante o exerci-
cio de cargo si exercido em commissão, mas a sua perda dle-
finitiva, si o segundo cargo fosse effectivo.
O dec. n. 19.949, de 19B1, embora contendo o mesmo prin..
cipio, abre no entretanto, excepção para os cargos de magis-
terio, bem como aquelles cuja accumulação fôr excepcional-
mente permittida.
A conjugação do § 4.° com o § 2.° do art. 172 da Cons-
tituição de 1934, daria, na verdade, lugar a sérias duvidas, não
fossem os termos expressos do § 4.° que estabelece uma norma
taxativa que parece abrir excepção á :egra geral do § 2.°. Diz
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 669

a segunda parte do § 4. 0 : "A suspensão será completa em se


tratando de cargo electivo r,emunerado com subsidio annual;
si porém o subsidio fôr mensal cessarão aquelles proventos
apenas durante os mezes em que fôr vencido".
Com outra redacção é o mesmo principio do ante-projecto.
Deve ser, assim, o paragrapho entendido com o art. 164,
paragrapho unico da mesma Constituição relativo aos militares,
in verbis: "Emquanto perceber vencimentos ou subsidio pelo
desempenho das funcções de outro cargo, o official aggregado
não terá direito 'aos vencimentos militares".
Vieram estas determinações constitucionaes pôr termo a
, um dos debates mais sérios" e sensacionaes da primeira Re-
publica, quer com relação aos funccionarios civis, quer aos
militares.
Para aquelles teve PEDRO LESSA, em um caso sensacional
debatido no Supremo Tribunal Federal, que enfrentar um ex-
traordinario debate que passou os limites dos Tribunaes e que
teve larga repercussão até pela Imprensa (13).
Quanto aos militares, tiveram em RUY BARBOSA um a':"-
doroso defensor de seus direitos á accumulação. Considerava
o sabio jurisconsulto que, s'endo o soldo inherente á patente,
não poderia aquelle ser suspenso sem suspensão da propria
patente, o que viria ferir de frente a disposição' do art. 74
da Constituição (14).
O debate tem hoje muito valor e maio!" interesse, porque
voltámos ao velho texto Constitucional.
A Constituição de 19'34 havia resolvido a questão com fe-
licidade. Póde-se-Ihe criticar a solução dada, mas a verdade é
que o alludido texto constitucional teve a virtude de esclarecer
duvidas e tornar possivel Qm criterio urfiforme sobre um as-
sumpto que, entre nós, tomou importancia desconhecida na
maioria dos paizes (15).

(13) Rev. S. T. Federal, voI. 25, pg. 80.


(14) Diario do Congresso, de 8 de Novembro de 1923 pg. 4.589 e
seguintes. A'ccordãos do S. T. Feder~I, de 3 de Outubro de '1928; In Jor-
nal do Cornnnercio, de 1>6 de Novembro de 1928.
(15) CARLOS MAXIM:ILIANO, op. cit., pg. 823. onde se encontra a
leg-islação extrangeira, que va1e a pena consultar.
"
670 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

A Constituição de 10 de Novembro de 1937, recentemen-


te promulgada, voltou ao texto antigo, com pequena variante,
declarando em seu artigo 159:

"E' vedada a accumulação de cargos publicos re-


munerados da União dos Estados e dos Municipios".

Sobre a interpretação que se deva dar a essa disposição,


Ja tratamos com o desenvolvimento que o caso merece por
isso nos reportamos ao que já dissemos no inicio deste ca-
pitulo, e aos commentarios que fizemos ao dispositivo consti-
tucional de 1891.

"
CAPITULO VI

FIANÇA

Fiança - Quaes os Funccionarios Obrigados - Garantias


de Gastá'o e Administração dOiS Dinheiros Publkos - Se-
questro dos Bens dos Responsaveis - Penas Discipli-
nares - Processo Administrativo - Prisão Administra-
tiva - Responsabilidade dos Funccionarios.

Aos funccionarios ou prepostos do Estado, quando têm


sob a sua guarda ou responsabilidade dinheiros publicos, para
garantia de sua gestão, exige o poder ,publico uma fiança ou
caução.
O principio é tradicional e tem as suas origens no Di-
reito Romano, conforme observa AFFONSO FRAGA (1).
Funda-se esse principio no facto de ser a Fazenda Pu-
blica equiparada, quanto á sua posição juridica e encarada
como pessôa juridica, aos menores e aos incapazes, que não
.podem por si administrar os seus bens, entregando a outrem
esse mistér (2).
Esta garantia é devida, segundo LAFAYETTE (3):
1.0) ,pelos funccionarios publicos que recebem dinheiros
publicos;

(1) Penhor, antichrese e hypotheca pg. 735.


(2) DIDIMO DA VEIGA, Direito Hypothecario, pg. 110.
(3) Direito das Gomas, voI. 2.', § 203.
672 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

2.°) pelos administradores dos bens publicos;


3.°) pelos particulares que contractam com a adminis-
tração publica a arrecadação de impostos.
Referindo-s,e á hypotheca legal que é uma das garantias
dadas ao Estado, diz o dec. n. 169:..A, de 19 de Janeiro de 1890:

"Art. 3.° - Esta hypotheca legal compete:


§ 5.° - á Fazenda Publica Geral, a de cada Es-
tado e á Municipal, sobre os immoveis de seus the-
soureiros, collectores; administradores, exactores, pre-
postos, rendeiros, contr-actadores e fiadores".

Disposição identica ainda se encontra no art. 8~7, n. V,


do Codigo Civil.
Como mostra AFFONSO FRAGA" essa hypotheca suppõe sem-
pre para sua existencia, pessôas que estejam para com as
juridicas, em relação que lhes cream responsabilidades pela
arrecadação, guarda e restituição dos dinheiros ,publicos, que
respondam por prestações de contas e pelas perdas e damnos
resultantes da culpa ou dólo do desempenho do cargo, por-
tanto, essa hypotheca não pode affectar os bens dos empre.:-
gados cujos cargos ou officios, são ,por sua natureza libertos
de tal responsabilidade, como os inspectores de thesourarias
de Fazenda e das Alfandegas, cujos encargos consistem só-
mente em fiscalizar a arrecadação e ordenar o seu emprego,
os guarda-livros das Prefeituras, do Thesouro Est~doal ou Fe-
deral" (4).
As fianças podem ser em dinheiro, em apolices ou em
immoveis.
O decr. n. 9.285, de 30 de Dezembro de 1911, que dava
novas instrucções para os serviços das collectorias, declarava
em seu 'art. 17 que as fianças dos collectores só poderiam ser
prestadas em dinheiro, cadernetas das caixas economicas, ga-
'rantidas pela União e apolices da Divida Publica Federal (5).

(4) Op. cit., pg. 786. \


(5) Dec. 15.783, d'e 8 de Novembro de 1922, arts. 850 e seguintes.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 673

o Codigo de Contabilidade Publica, que systematiwu as


normas geraes relativas a esse assumpto (6), depois de de-
clarar que as cauções seriam fixadas em regulamentos ou, em
falta destes, em tabeUas organizadas triennalmente pelos Mi-
nisterios e registradas pelo Tribunal de Contas, declara que a
eaução a que se refere o art. 850 será sempre pignoraticia e
constituida por apolices da divida publica federal, cadernetas
das Caixas Economicas federaes ou dinheiro, salvo
'a) tratando-se de importancia superior a 5:000$000,
em que é permittida a garantia hy:pothecaria (7);
b) ou, quando inferior a Rs. 10 :000$000 e o permittirem
regulamentos especiaes, poderá ser prestada caução fidejus-
soria, dada por Associações de classe ou outras instituições de
notoriedade reconhecida pelo Governo (8-9).
As cauções superiores a 10 :000$000 serão obrigatoria-
mente prestadas no Thesouro Nacional ou nas Delegacias Fis-
caes dos Estados e 'as demais poderão ser ,prestadas na The-
sourariada repartição do funccionario, sendo que as garantias
reaes pelos simples depositos dos valores.
Sómente as garantias hypothecarias estão sujeitas ao
exame do Tribunal de Contas (10) e deverão ser prestadas
dentro de 60 dias da data da nomeação.
Os responsaveis pelos bens publicos respondem tambem
iP'elosactos de seus fieis, prepostos ou ajudantes (11) ..
A tomada de 'contas é irtdispensavel pata o levantamento
da caução, formalidade sujeita ao exame do Tribunal de Contas.

, (6) O Dec. 24.5102, de 29 de Junho de 1934, art. 32, permitte que


a fiança seja prestada em dinhe~ro, de accordo com a taoolIa annexa ou
por terceiros.
(7) A lei franceza (de 26 de Deoombra de 1908, de 16 de Janeiro
de 19019 e 24 de Dezembro de 1926) prevê mais a hypotheca. legaD sobre
todos os bens presentes e futuros, bem como um privilegio legal sobre oS
immoveis adquiridos depois da nomeação. (Ver TROTABAS, P'dois de
Science et Legislation Finanoiere, HlI313·, pg. 125).
. (8-9) Ü dec. 20.702, de 23 de Novembro de 1981, regulou a presta-
ção de fiança pelas associações de. classes oS outras instituições de notaria
idoneidad~ fiscalisada pelo Governo.
(lO) Art. 853 e seguintes.
(11) Codigo de Contabilidade Publica, Dec. citado, art. 855.

-4:3
674 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

As catUções em dinheiro ou titulos são recebidas por meio


ue guias, que dev~m especificar o cargo e o nome do funccio-
narioe car,acterisar especificadamente a garantia (12).
Para asapolices e cadernetas maiores formalidades são
flxigidélS, acauteladoras, não só do interesse do Estado, como do
funccionario que terá sempre o direito de receber os respecti-
vos juros (l3).
A garantia hypothecaria deve satisfazer igualmente exi-
gencias e condições especiaes, como a prova de quitação com
os impostos, a legalisação do titulo de propriedade e a prova
·de estar o immovel desembaraçado de todo e qualquer
onús (14).
O valor do immovel dado em .garantia, deve exceder da
terça parte do valor da caução, afim de acautelar os interesses
da Fazenda (15).
Deveser igualmente processada perante o Jui:w da União
a especialização da hypotheca legal, de conformidade com a
lei em vigor e inscripta devidamente para valer (16).
CAUÇÃO FIDEIJUSiSORIA - Depende a sua prestação
,da prova de idoneidade da instituição que a offerece (17).
Ocriterio ;para isto está fixado em lei, a saber que não
seja o seu capital inferior á metade do valor total da ;fiança ou
das fianças prestadas, o que se prova com o ultimo balanço e
.a apresentação dos estatutos (18).
Em caso de inexistencia da fiança devida, ou insolvabili-
dade do fiador, deve o responsavel, funcciopario, exactor, etc.,
prestar nova fiança, satisfazendo ás novas exigencias le-
gaes (19).

(12) Codigo de Contabilidade Publica, Dec. citado, al't. 858.


(13) Codigo de Contabilidade Publica, Dec. citado art. 860 e segs.
(14) Codigo de Contabilidade Publioa, art. 864.
(15) iCodigo de Contabilidade Publica, Dec. citado a·rt. 869. Igual.
mente ,riec. 2.4-53, de 26 doe Abril de 1865, arts. 144 e seguintes. Dec.
37,0, de 1890, art. 131, § 7.°, Codigo Civil, art. 84J4; SoUZA. BANDEIRA, Novo
Mia.nu(J,l r;1o Procurador dos Feitos da Fazenda, § 277 e seguintes.
(116) Art. 45, da Lei n.· 221, -de 1894.~
(t7) Codigo de Contabilidade Publica, 31't. 851, letra b e 872.
(l8) Codigo de Contabilidade Publica, art. 874.
(19) Codigo de Contabilidade Publica, art. 875.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVQ BRASILEIRO 675

Estão assim os responsaveis de direito e de facto, por di-


nheiros, valores e outros bens, sujeitos á jurisdicção do Tribu-
nal de Contas, e por conseguinte á prestação de contas pelo
·mesmo tomada opportunamente.
O art. 880 do Codigo de Contabilidade. Publica acima ci-
·tado declara qUe estão sujeitos á prestação de contas os se-
,-guintes responsaveis: os thesoureiros, pagadores, fieis de ar-
•mazens, administradores de mezas de rendas, de ,postos fiscaes,
,de trapiches e capatazias, de PrQprios e fazendas da União, os
,almoxarifes, claviculares, os collectores, os commissarios,
-cirurgiões e pharmaceuticos da armada, os agentes comprado-
•res, os directores de arsenaes e hospitaes, os mestres e contra-
·mestres dasofficinas dos estabelecimentos industriaes civis
,e miiitares, os capitães dos portos, os encarregados dos pha-
róes, os thezoureiros das caixas economicas e montes de soc-
<corro, os engenheiros dos districtos telegraphicos, os adminis-
· tradores e agentes dos correios, estações telegraphicas e de es·
· tradas de ferro cus·teadas Ipela União, os cobradores, os encâr.
regados dos consulados e todos os demais responsaveis, por
,qualquer fórma comprehendidos no art. 876.
Sujeitos á prestação ainda estão todos quanto receberem
,dinheiro por adeantamento ou para commissões, ou tiverem va·
lores sob sua guárda, em virtude de contractos com o Go·
· verno, ete.
O art. 114, da Constituição vigente reproduzindo o dis-
· posto no art. 99· da Consto de 1-9134 dá ao Tribunal de Contas
rdirectamente ou por delegações organisadas de accordo com a
:lei a competenciapara julgar" as contas dos responsaveis por
~dinheiros ou bens publicos".

TOMAJDA 'DE CONTAS

Ficou implícita a legitimidade da intervenção das delega.


,.ções do Tribunal de Contas, que foram objecto de diversas leis,
.:conforme opportunamente veremos.
676 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

As tomadas de contas devem ser annuaes. No caso de ter-


minar a gestão dos responsaveis, devem ellas- no entretanto~
ter inicio dentro de dois mezes, depois do termo da gestão (20) ..
No caso de desfalque ou desvio de bens da União, a toma-
da de contás deve ter inicio immediatamente.
Quando o responsavel fôr julgado em debito com a fazen-
da, e não acudindo pessoalmente ou os seus herdeiros e fiado-:-
res, tproceder-se-ha á alienação administrativa da caução, pro-
seguindo-se na execução, na conformidade das leis em vigor ..
(Art. 896).
. O processo administrativo para alienação, fixado pela lei,.
é o seguinte: a alienação administrativa da caução será reque··
.ri;da pelo representante do Ministeriopublico junto ao Tribu·-
nal de Contas, expedindo-se logo em seguida ordem á R-epar-
tição competente para recolher aos cofres publicos a impor-
tancia, caso o tribunal defira o pedido, como renda eventual,_
a totalidade ou parte da caução, quanto baste para cobrir (».
alcance, juros da móra e demais despezas.
Si sobrar algum saldo em favor do devedor, ficará escri--
pturado em nome do seu possuidor. Na hypothese, poré~, em:
que a caução não baste tJ)ara o pagamento do debito, serão o~:
documentos,inclusive a copia do accordão do Tribunal de Con--
tas, remettidos ao representante do ministeriopublico em jui--
zo para proceder á cobrança executiva do saldo devedor.
Para essa cobrança a lei permitte o uso do processo dos~
executivos fiscaes, de conformidade com os arts. 77, letra a)..
e 78, do dec. 10.902, de 20 de Maio de 1912. (21)

(20) Codigo de Con~abilidade Publica, art. 876, § 1.0.


(21) "Considerar-se-á liquida e cena, para o effeito da Fazenda:
Nacional entrar em jui~o, com sua intenção fundada de facto e de di-·
reit", quando consistir em somma fixa e determinada, e se prova-r pela.
oonta corrente do alcance julgada definitivamente, por certidão authen-
ticl!. extrahida dos livros respectivos, de onde conste a inscripção da di-
vi·da de origem fiscal, por documento incontestave1 nos casos em que as.
leis permittem a via executiva, quanto ás dividas que não tem origem ri-
gorosamente fiscal".
Objecto de discussão é saber-se si o accordão do Tribunal de Contas.
é indispensavel para o procedimento judicial. Pú; decisões são diver--
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 677

SEQUESTRO DOS BENS DOS RESPONSA!VKIS

Tratando-se de divida de alcance e quando se tornar ne-


-.cessario o recurso á medida de segurança para garantir opa':'
gamento da divida fiscal, ou por não ter sido o devedor encon-
trado, ou pelo pe-rigo que o mesmo venha a delapidar os seus
bens, poderá a Fazenda Nacional requerer em juizo o sequestro
dos bens do devedor.
O processo foi institui do pelo decreto 9885, de 1888, e tem
curso summarissimo, podendQ ser a medida conseguida inde-
pendentemente de justificação previa e recahir sobre todos os
bens do devedor.
Segundo refere SOUZA BANDEIRA (22) ,esta medida já era
autorizada pela lei de 22 de Dezembro de 1761, titulo 3.0 e es-
1,Pecialmente recommendada pelo dec. 657, de 5 de Dezembro de
1.849.
E' preciso naturalmente apresentar prova sufficiente de
·estar o devedor alcançado.
Rege a materia actualmente o dec. 10.902, de 1914, que
·em seu art. 79 determina: "si a divida fôr de alcance ou se si
fizer necessa~ia a medida de segurança, não só nos casos de
'insolvabilidade ou mudança de estado, mas ainda no de impos-
:sibilidade de prompta intimação do mandado, por estar o de-

gentes, prevaleoendo porém a opinião dos que cons'ideram dispensavel o


julgamento daqueIle Tribunal:
'~A divida uma' vez provada por certidão extrahida do
livro competente, pode ser cobrada executivamente, indepen-
doendo oomo na hypothese da tomada de contas". (Accordão
do S. T. F., de 23 de Julho de 19'31, In Archivo Judidario,
voI. 22, pg. 78). .

'Contra:
"E,ssencial é para qualquer executivo seja a divida li-
quida e certa. Illiquido e incerto é o' alcance: a) - que
ainda depende de prestação ou tomada de oontas; b) - que
não foi definitivamente julgado. (Accordão do S. T. F., de
26 de Setembro de 1930, Archivo Judiciario, voI. 19, pg. 11).
(22) Novo Manual dlo Procurador dos Feitos, § 93; Ver tambem
IGruSEPPE ,SPINELLI -Le preleggi penali finanziarie, pg. 180.
678 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

vedor ausente ou não ser encontrado, será requerido desde'


logo mandado de sequestro dos bens do devedor.
O sequestro para a segurança da Fazenda Nacional será.
concedido sobre todos os bens do devedor, independentemente
de justificação".
PERDIGÃo MALHEIROS (23) distingue o sequestro por al--
cance do sequestro ,por segurança.
Admittida a distincção é preciso considerar apenas o pri--
meiro como privilegio, devendo o segundo segui!" o processo
das medidas dessa natureza requeridas por qualquer particu-
lar, mas será resolvido em penhora si não compare{!e"!' <> deve--
dor para pagar dentro das vinte e quatro hOl'as a contar da in--
timação (24).
Tratamos aqui apenas da primeira hypothese que cons--
titue um dos privilegios da Fazenda, porque decorre de sua
propria situação.
Sequestro nos '[ffocessos criminaes - As medidas assecu-
ratorias dos interesses da Fazenda não se exercem sómente·
contra os funccionarios. Afim de assegurar a completa repa-
ração dos damnos soffridos pela Fazenda Publica em caso de
crime, instituiu o dec. 21.367, de 5 de Maio de 1932, uma nova.
fórma de sequestro contra os bens moveis ou immoveis quando-
haja indicio de terem sido os mesmos adquiridos com o p"!'o-
ducto do crime commettido contra a Fazenda Nacional.
O art. 9 do alludido decreto attribue a competencia para.
sua iniciativa ao procurador criminal da republica no Distri-
cto Federal e aos procuradores da Republica nos Estados, no ,.
exercicio de suas attribuições criminaes.
O ,processo alli fixado é summarissimo. Passada em jul--
gado a sentença condemnatoria, o juiz a requerimento do re-
presentante do ministerio publico providenciará para que os-
bens sequestrados, feita a respectiva avaliação, sejam vendi--
dos e as importancias apuradas em dinheiro recolhidas ao,;,
cofres publicos, mediante simples guia do juiz.

(28) Manual, § 148.


(24) Dec. 10.902, de 1914, art. 102.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 679'

Como significa a medida alli prevista, garante plenamen-


te os interesses da Faz·enda a quem {!ünfere ve"!'dadeiro direitu
de sequela para ir buscar o producto do crime em poder d~
quem quer que seja.
Esta iniciativa constitue uma ampliação da faculdade que
tem a Fazeooa Nacional de sequestrar os bens dos responsa-
veis pela guarda e administração dos bens publicos, nos casos
de alcance, conforme examinamos no capitulo proprio. Esta
medida, como se viu acima, estende-se até contra terceiros.
A faculdade concedida pela lei teve no fôro do Districto·
Federal rumorosa applicação no sequestro dos bens adquiridos
por terceiros aos responsaveis pelo famoso caso da Caixa de
AmorUsação, em que foram accusados Antonio da Cunha Ma-
chado e outros. A questão, sob o aspecto ju"!'idko, foi ahi lar-
gamente discutida pelo Procurador Criminal da Republica, Dr.
Alfredo Machado Guimarães Filho, que sustentou desenvolvida-
mente a these.

REINTEGRA'ÇÁO DE FUNCCIONARIOS DEMITTIDOS

o funccio'YWlrio illegalmente demittido ou afastado do cac-


go, tem direito á reintegração. E' o que dispunha o art. 173
da Constituição de 1934 (25):'

"Invalidado por sentença o afastamento de qual-


quer funccionario, será este reintegrado em suas
funcções, e o que houver sido nomeado em seu logar
ficará destituido de plano ou será reconduzido ao
cargo anterior, sempre sem direito á qualquer in-
demnização" .
;;------
t,.,_-,-
A nova disposição constitucional veio modificar o regimen
anterior quando as sentenças que annullavam as demissões me,

(25) Este dispositivo não consta da Constituição prom~gada em


1937. Mias, embora excluido da nossa k~gislação positiva, mantemos o
c!lipitulo da 1. "edição dessas "Instituições", pela rebevancia dos principio,s
ahi estudados.
680 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

gaes tinham por effeito apenas a percepção dos vencimentos


ou proventos do cargo. O poder judiciario não tinha o poder
de reintegrar um funccionario demittido. O regimen da sepa-
ração dos poderes não podia tolerar essa incursão do poder ju-
diciario na eSiphera de attribuições do executivo, a quem cabe
nomear e demittir por determinação constitucional, os funccio-
rios publicos.
No regimen anterior á Constituição de 1934, não existindo
nenhuma determinação semelhante ficavam assegurad·os ape-
nas os proventos economicos, sujeita a sua percepção ás diffi-
culdades inherentes á execução das stmtenças contra o poder
publico.
Deante, porém, do disposto no art. 173 da mesma Cons-
tituição, poderia o poder judiciario determinar ao executivo
a reintegração dos funccionarios? Parece-nos ser esta uma
consequencia da sentença; della decorre necessariamente, de-
vendo, assim, fazer parte do julgado.
A CÔlrte Suprema. teve opportunidade de examinar o
assumpto em uma hypothese de reintegração consequente á con-
cessão de um mandado de segurança a um funccionario de-
mittido.
Indagava-se, então, qual a fórma que deveria ser usada
pela Côrte para determinar ao· Executivo o cumprimento do
julgado; si essa determinação não importava em violação do
!principio da separação dos poderes.
Evidentemente que o poder coercitivo do judiciario súbre
o executivo se converte afinal em processo de responsabilidade,
mas não pequeno interesse representa para caracterisar a na-:-
tu reza da decisão proferida pelú judiciario a formula a ser
empregada na communicação do julgado ou os termos do man-
dado judicial concedido.
Nos debates então travados na CÔlrte Suprema (26) , col-
locou a questão, com muita felicidade, o Sr.· Ministro Costa
Manso, observando que não seria licito ao poder judiciario dei-
xar de cumprir o mandamento constitucional que ordenava a

(26) Vier Jornal do Commercio, de 11, 18 e 24 de Julho de 1925.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 681

expedição do mandado para garantir os direitos certos e in-


contestaveis violados pelo poder publico (27).

(27) " ... o citado preceito constitueional determina expressamen-


te: "Dar-.se-á mandado de s·egurança ... "
Logo, não é possivel se recuse esse mandado ao titular do direito
certo e incontestaveJ. reconhecido na senten~a. A seguir, a Constitúição
estabeLece para o novo flem€dio de direito o processo de "habeas-corpus".
Logo, a d·ecisão terá de ser executada como se executa a proferida no
"habeas-corpus", Isto é, por meio de mandado.
Olbjecta-se que a Oôrte não deve expedir uma ordem ao Pod,er Exe-
cutivo. Mas o que eUa não póde é desübedecer á Constituição, recusando
áparte aquillo que a Constituição manda dar. As formulas de deferen-
cia, aliás, podem ser resalV'adas, dando-se ao mandado redacção adequaJda,
como esta, por exemplo:
F., ministro presidente da Côrte Suprema de... resoIveu conhecer
o presenbe Mand·ado de Segurança em favor de F ... , para o fim de ...
nos termos da petição e accordão do teor seguinte: ... "
Seria uma communicaç,ão delicada do conteúdo da decisão, sem pre-
juizo da denominação estabelecLd'a na Constituição.
T,em-se discutido a questão de poder ou não a Côrte determinar a
nomeação e .reintegração de funccionarios.
Quanto á nomeação, decidiu a Côrte que só Lhe compete reconhecer
o dir,eito do prejudicada (C/aso Romero Zand,er - União). O mandado
expedido mencionará tal circumstancia.
Quanto, porém, á reintegração, que é o caso do peticionario, o arti-
go 172" da Constituição é terminante. Manda que, invalidado por senten-
ça o afastamento de 'algum funccionario, seja elle 1'eintegrado em suas
ftwcções, ficando destituido de plano, ou seja - automaticamente - o
que ·estiVler occupando o Lugar. O Poder Judiciario ficou, com a facul-
dade de invaEdar por sentença o af.astamento iUegal do funccionario, para
o dfeito da reintegr.ação immediata. Não se limita mais, como regimen
da Constituição de 1891, a assegurar-lhe os direitos patrmoniaes. Logo,
a sentença terá de ser executad:a nos termos em que fôr proferida, isto é.
pela reintegr3:i~,ão d'Ü funccionario. A antiga jurj,sprudencia, cünforme á
doutrina dominante na America do Norte, só continúa em vigor e outras
hypotheses, não reguladas de modo diverso.' Bôa ou má, a norma esta-
beloecida na Constituição é lessa, e a ella somos ohrigados a prestar obe-
diencia.
'E' possiv-el que o "mandado norte-amerkano seja inidoneo para se
expedirem determinações judiciaes ao Poder Executivo. ElIltTe nós, ao
contrario, o "mandado de segurança" é exactamente o remedio que a
Constituição criou para a garantia de direito certo e incontestavel amea-
çado ou violado por acto manif.estamente inconstitucional ou illegal de
"qualquer autoridade (Iart. 113, n. 33, cit.), inclusive o chefe do Poder
!Bxeeutivo ,e os seus immediatos auxiliares, pois o artigo 76 letra "i" ex-
pressamente confére á aôrte Suprema a attribui'ção de processar e julgar.
- " o mandado de s.egurança contra actos do Presidente da Repu-
blica ou de Ministro de Elstado".
"A differença entre ,a nomeação e a reintegração é patente. No 1.0
caso, o individuo não dispõe de titulo com que possa entrar no ,exercicio
do cargó á cuja nomeação tenha direito. A Oonstituição não conferiu ao
Judidario aattribui'ç,ão de criar ess'e titulo por sentença. Limita-se elle,
pois, a decla·rar o direito. Se a administr·ação obed,ece e fornece o titu-
682 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Como dissemos acima, essas normas, por serem de cara-


cter geral e decorrerem da propria essencia do regimen, na-
quillo que não foi alterado, continuam em vigor embora não
constem do novo texto Constitucional.
Igualmente a outra consequencia é a demissão do func-
cionario illegalmente nomeado ou a volta ao seu logar primiti-
vo. Esta consequencia é implicita na Constituição e contra ella
nada se póde arguir, nem mesmo a bôa fé.
Qualquer indemnização é vedada e nenhuma reparação
. , é
devida áquelle que foi illegalmente nomeado.

PRISÃO AJDIDNISTRATIVA

Em caso de desfalque de dinheiro publicos podem as au-


toridades administrativas - o Ministro da Fazenda, os Ins-
pectores das Alfandegas e Delegados Fiscaes - determinar
a prisão dos Thezoureiros, Collectores, Recebedores ou Contra-
ctadores, com o fim de obrigaI-os a effectivar a entrada dos
dinheiros publicos (28).

Io, fica encerrada a questão. Se não o faz, sujeita-se á responsah:Jidade


criminal pela desobedienci<a e p,orque impõe ao erario pu:blico o onus de
irndemnizar o prej'uldioodo, inderrmimção que este pedirá por acção judi-
cata. Na hy;pothese de reintegl'açã·o, o i,nteressado já possue o titulo, ex-
pedido por quem de direito. O J,udidario apenas remove o ohstaculo op-
po,sto a'o uso desse titulo. Dahf o effeito diorecto da sentença estabeleciao
no artigo 173 d'a Lei Fundamental.
Assim, já decidiu unanhuemente a Côrte Suprema, em julgamento de
embargos, na app·eIlaçãJo civel n. 6.092, entre partes - a Faz,enda Fe-
deral e o Dr. João Pedro Leão de Aquino - e nos mandados de segu-
rança ns. 43 (M'ajor Luis Santiago - a União) e 83, (Tenente-Coronel
Benedicto Alves do Nascimento - a União). Neste ultim.o processo é
que foi suscitado o incidente ora em. exame.
Aliás. a questão dos effeitos do mandado deve ser reslolvida na sen-
tença e não no mandado. Se a Côrte deferir o pedido de reintegração -
como, na hypothese, d,ef.eriu - cumpre se .expeça o mandado para a re-
integração" .
(28) Dec. 657, art. 4.° - Elsta:s prisões assim ordenadas serão
sempre oonsideradas meramente administrativas, destinadas a compelir os
thezoureiros recebedores, -co1Iectores ou cont.ra.ctadores ao cumprimento
dos seus dev.eres quando forem omissos em fazer effectivas as entradas
dos dinheil'os publico-s existentes em seu pod-er; e por isso não obrigarão
a qualquer procedimento jUdicial uJt,erior.
Art. 5.° - V,erificadas as prisões, o Presidente do Thesouro, e oS
inspecto'I"Ies das thesourarias marcarão aos pneS'Os um pra2!o razoavel
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 683:

Esta medida 'Coercitiva foi creada pelo dec. 657, de 1849


que tem sido sanccionada pela legislação posterior, pela juris-·
prudencia e por uma Ipratica constante.
A lei n.o 221, de 1894, art. 14 manteve a jurisdicção da au-
toridade administrativa e indicou os casos em que poderia ser
requerido o "habeas-corpus" contra os possiveis excessos das
autoridades administrativas. O mesmo occorreu com os decre-
tos 392 de 8 de Outubro de 1896 e 2.4'09 de 23 de Dezembro
do mesmo anno.
A jurisprudencia do Supremo Tribunal Federal tem reco-·
nhecido a legalidade das prisões e só tem concedido "habeas-
corpus" nos casos de manifesta improcedencia da prisão (29),
incompetencia da autoridade (3'0) que a determinou e final-
mente excessos de prazo (31).
Este é o aspecto estrictamente legal da questão. Sob o
;ponto de vista da necessidade ou legitimidade estão as autori-
dades administrativas sujeitas ao Tribunal de Contas na sua
funcção contenciosa graciosa.
E' o que decorre dos artigos 27 e seguintes do dec. 15.77'0,
de 1.0 de Novembro de 1922 (32).

para dentro delle effectuar,em as entradas dos ditos dinheiros publicos a


seu cargo, e dos respectivos juros devidos na conformidade do ar,t. 43·,
da lei de 28 de Outubro e 184J8.
A..rt. 6.° - Si os thesoureiros, recebedores, conecto.res e contracta-·
dores, depois de PI',esos não verHÍ'carem as entradas dos dinheiros publi-
cos no prazo marcado ,se presumirá terem extravi,ado, consumido, ou
apropriado os mesmos dinheiros, e por. cons-eguinte se lhes mandará for-o
miar culpa pelo crime de peculato, continuando a prisão no caso de p'ro-
nuncia, e mandando-se proceder civilmente contra. seus fiadores".
(29) "Sómente podem s'er presos administr'ativamente os thezourei-
ros, recebedores, collecto'res, etc., e não pessôalS extranhas á administra-
ção, ainda que cumplioes, ou co-autores de um crime contra a Fa.eznda
Nacoinal, ou que, funccionario publico não tenha dinheiro sob sua guar-
da". A,ccordãos do Supremo T-rj,bunal F,ederal, de 6 de Janeiro de 1928,
de 16 de Albril de 1919 e de 8 de Agosto de 1921.
(30) Accordão do. Supremo Tribunal Federal n.O 6.348, de 30 de
.Agosto de 1920; BroLCHINI, Godigo de Contabilidade Publica, voL lII, pa-·
gina 415.
(31) ~'Justifica a concessão do "habeas-corpus" ser conservado o·
accusado na prisão administrativamente por tempo excedente ao prazo'
legal. Accordãos do Supremo Tribunal Federal, de 30 de Maio de 1922 e
17 de MaLo de 1932, in Jurisprudencia, voI. I, pgs. 3,13 e 322.
(32) Igualmente alIei n. 156, ~e 24 de Dezembro de 1935.
684 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

o alludido decreto, em seu artigo 29, dá competencia ao


Tribunal de Contas para:
- - ordenar a prisão dos responsaveis condemnados por
sentença definitiva ou que intimados lpara dizerem sobre o al-
cance apurado procurarem se ausentar furtivamente ou aban-
donarem o emprego;
- - julgar da legalidade da prisão decretada pelas au-
toridades fiscaes competentes.
Como se verifica, a prisão administrativa constitue acto
discricionario da administração publica, que póde ser applica-
do dentro dos limites fixados ,pela lei, ficando ao arbítrio da
autoridade administrativa ajuizar da conveniencia ou opportu-
nidade da medida, subordinada apenas áapreçiação posterior
do Tribunal de Contas.
Fóra dahi, está sujeito á pris'ão, ao julgamento da justiça
commum, que poderá apreciar de sua legalidade e cohibir 08
abusos por ventura praticados pela autoridade administrativa.
PROCESSO ADMINlSfrRATIVO - O funccionario' ,pu-
blico que goza das garantias de estabilidade só póde ser demit-
tido em virtude de processo administrativo ou de condemnação
criminal.
E' o principio fundamental que basta para caracterisar a
estabilidade do funccionario (33).
As diversas leis e regulamentos rfixam normas proprias
relativas ao processo administrativo, devendo ter, porém, como
fundamental o direito de defeza assegurado aos funccionarios
pela Constituição (34).

(33) O art. 169 da Constituição de 1934, conservando, salvo a re-


dacção no art. 156, letra c) da Cons. de 1937: - "Os funccionarios pu-
blicos, depois de dous annos, quando nomeados em virtude de concurso
de provas, e, em ,geral, depois de dez annos de effectivo ex.er.cicio, só
poderão ser destitui dos em virtude de sentença judiciaria ou rnlediante
processo administrativo regulado por rei, e no qual lhe será assegurada
'Plena defesa".
(34) O processo administrativo, applicaodo em geral aos funcciona-
rios está regu1ado pela lei de 1915; No M:inisterio da Viação regula a
materia a portaria n. 873, d,e 17 de, Agosto de 1932.
CAPITULO VII

APOSENTADORIA

Aposentadoria - Inv,abidez - COIII!Pulsoria - V<l'luntaria -


M/ontepio - Di,reito ao Montep.io - Revel'são - Legis-
lação - InstHuto de Previdencia.

Uma das vantagens concedidas aos que trabalham no ser-


viço ,publico, e hoje extensiva pela lei federal á maioria dos qu~
exercem actividade util, é o direito á dispensa da prestação.
.delle mediante remuneração correspondente ao salario e ao
tempo de serviço, para os que completarem certo numero de
annos de serviço, ou se invalidarem no exerci cio ou não da
funcção.
. O instituto da aposentadoria é antes de tudo uma con-
quista social, fundada em um principio de justiça que não per-
mitte o abandono na miseria, depois da velhice ou da invalidez"
daqueUe que prestou o seu serviço á sociedade.
O Estado provê á manutenção de seus empregados, e regu-
lamentou a instituição de organisações financeiras, capazes de
poderem, com peculio proprio, constitui do por contribuições
diversas, inclusive do proprio empregado, provêr a subsisten-
cia deste em caso de aposentadoria ou, de sua familia, no caso
de inorte.
O direito á aposentadoria é um preceito constitucionaL
A Constituição de 1891 já estabelecia, art. 75:
686 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
-----------------------
"A aposentadoria só poderá ser dada aos funccio-
narios publicos em caso de invalidez no serviço da
Nação (1).

Mas as Constituições de 1934 e 193,7 estabeleceram nor-


:mas muito mais liberaes.

(1) Sobre as condições >em qu.e deve ser concedida a aposentadoria


fez o Presidente da R,epublica em Janeiro de 1936, expedir as seguintes
instrucções:
Sr. MIÍ'nistro - O Sr. Presidente da RepUiblica incumbe-me de com-
municar a V. Ex., para os dev~dos fins, que tendo em vista as conclu-
sões a que tem chegad.o o Consultor Geral da Republica no estudo de
papeis submettidos ao seu exame pelas diversas Secretarias de Estado,
.deliberou recommendar que no preparo de todos os processos dle aposen-
tadoria e forma dos funccionarios publicos civis e dos miUtares sejam
liesp'3it3!das as seguintes normas.
I - Não se achando abS<lIutamente cornprehendidas nas disposições
do titulo VII da Constituição Fedel"al, as praças de pret - assim defini-
·das pela legislação militar - terão r,egulada exclusivamente p'elas leis
.especirues a sua reforma, que continuará a faZier-se como Ilnteriornrente
a Constituição, com as modificações que depoi·s desta vier a estabelecer
. a Iei ordinaria.
II - Aos officiaes das fOl'ç,as armadas federaes só se applicam' ex-
oepcionalmenve a,s disposições do ti>tulo VlI. Por isso, a ;reforma doS
'militar,es se fará de aecordo com a Ilegislação especial, anterior ou pos-
terior á Constituição, sendo, porém, necessario attender aos dispositivos,
desta ultima, que, a este ·respeito, expressa,mente a elles se refere, is·to é,
o paragrapho 4.° ·do artigo 17>0, que autoriza a reforma compulSQria pQr
invalidez e conClede vencimentos integrwes po,r tri'nta anos de servl.ço.
III - o.s funccionarios civis são aposentados compulso.riamente ao
.completarem 68 annos de idade. Para esse fim, as Secretarias de Esta-
,do manterão e registro da idade de todos os funccionarios dos r.espectivo,s
ministerios, os quaes deverão, no pr:azo de 60 .dias, a contar da notificação
·desta circula'r, ap,liesentar á secção indicada das secretarias ·seus documen-
tos comprobatorios d~ idade. A verjficação do imp.lemento de idade fi-
cará a cargo' da secção citada, a qual iniciará o respectivo .processo da
,aposentadoria.
Os vencimentos desta ultima são proporci9naes aorempo. cl'!'l servj-
ço e caLculados na base do eargo que o funccionar,io esteja exercendo ha
mais de dois annos, ou do cargo anterior, não houver ainda dois annos
de ,exerci cio do actua!.
IV - Emquato não se verificar a .hypothese prevista do § 5.° do
art. 104, combinado com o artigo 105 da Constitui,ção, os juizes têm fi-
xada em 75 annos a idade da aposentadoria compulsorLa, a qual se con-
cede'm com vencimenros proporcionaes, na fórma do item anterior, e ob-
:servadas as disposições do mesmo item, mutatis mutandis, no que ,diz res-
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 687

, A aposentadoria pode ser de tres naturezas:


1) lpor invalidez;
2) compulsoria;
a) 'fa'cultativa, depois de cel.'to tempo de serviço.
Examinaremos cada um desses casos.

I - A Invalidez - A legislação vigente trata quasi que


exclusivamente desse primeiro caso, á vista da disposição cons-
titucional acima referida.

peito a'o inicto dQ processo.' Para ,esse fim ,o Sr, Ministro da Justiça e
Negocios Interiores se· entenderá com a ,Côrte Suprema .e demais tribunaes.
V - O funccionario que contar mais de 30 annos de serviço tem
di'l'eito á aPQs·entaldoria, se VJedficada a sua invalidez, com vencimentos
integraes do cargo que estiver exercendo, qualquer que seja o tempo de
.exerci cio no Ill!esmo.

VI ~ Aos juiws que contarem mais de 30 annos de serviço, a apo-


'Sentadoria será concedida com VJenoimentos integraes, independentemente da
veT'ificaçãJo ou daaUegação de invaHdez. Os vencimentos calculam-SI! na
·fórma do item anterior,
VII - Tambem com vencimentos integraes, q~lquer que seja o seu
·tempo de serviÇto e o exerci cio do car-go, será concedida aposentadoria
ao funccionario que se invalidar em' consequencia de acrcidente occorrido no
;servi-ço ou aãnda em consequencia de molestia adquirida nesse serviço,
istJo é, moles~ia que ~e deva attribuír, com relação do eff,eito e causa, ás
·condições inherentes 'a esse servi-ço ou a factos nelle oecorridos.
Quanto aos militaores, p.revalecem as disposições da legislação es-
-pecial.
VIII - Igualment.e com v·encimentos integraes será a aposentadoria
nos demais casos ·espeoiaes já previstos na lei, como o do decreto legis-
'!ativo n. 5.565, de 1928,
IX - ' Nos demais casos a aPQsentadoria será concedida com ven-
,cimentos proporcionaes ao tempo de s.erviço ,veriÍÍ'cada a invalidez. Essa
proporcionalidade será, porém, até 29 annos de serviço, a fixada pela le-
gisLação ordiinariaantedor á Constituição, até que seja reformada. Con-
tando' o funcc!,onario :20 annos de serviço, ap,pNca-se o dispositivo no
item V.
o.s v,encimentosda aposentadoria 'serão calculados na base do cargo
que o funccionaoTioestiver ex.erceooo na mais d(}is annos; no caso con-
trario, serão os do cargo anterior, na forma da legislação vigente.
X - Em qualquer hypothese, não subsiJSte a exigencia do mínimo
,de 10 annas de serviço, fa7leOOD-Se, po-rém, '0 calculo dos vencimentos es-
688 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

A prova da invalidez é feita por meio d4il exame medico.


O dec. n. o 11.447, de 20 de Janeiro de 1915, exigia dois
exames, de sanidade, com o intervallo de tres mezes. Havendo
divergencia no segundo exame, e concluir este pela validez do
funccionario, podia elle appellar para um terceiro.
Os exames eram feitos pelos medicos do Departamento Na-
cional de Saúde Publica, salvo os do Ministerio da Guerra, onde
se acha constituida uma Junta especial destinada a esse fim.

trictamien!te de aocardo com o tempo de effectivo serviço, respeitada a


reIação do o'rdenado para 25 annos, e!,tabelecida na legislação vigente.
XI - A aposentadoria 'por moIestia contagiosa ou por moleSltia in-
curavel que ilnhrubiHne para o exerci cio do cargo será conced,ida com ven'-
cimentos propo,rcionaes, nas cond'ições geraes do item IX.
XII - Os proventos da aposentadoria nunca excederão os venci-
mentos da actividade.
XIII - Os funcCÍOIIlarios da justiça serão aposentados por acto do
Plod,er Executivo e oos mesmas condições dos demais, o :mesmo succe-
dendo com os juizes, respeitadas, quanto a estes as restricções constan-
tes dos Hens anteriores.
XIV - Cons'ideram-se equivalentes os termos "inva1idez" e "inhabi-
litação para o exercicio do cargo". Ellas são relativas a esses mesmos
cargos, isto é, um funccionario é d,eclarado invalido para o exerci,cÍ'o
das funcções de um deterrn1nado cargo. As autoridades incumbidas do
serviço de insp'ecção .medica, palra os fins de apos'entadOTia, prO'Videncia-
rãopal1a que a mesma se faça com o maximo rigor, só devendo ser de-
clarado a invalLd,ez quando a molestia' ou a lesão' for de tal natureza que,
tornando o funcciona:rio estrktamente ilIlcapaz para o serviÇlo não se pre-
suma convenientemen:te SiaJIlada dentro do prazo que a lei concede para
o licenciamento. AJssim, tamlbem devem ser definidos os cOlIlceitos de mo-
restia contagiosa e molesHa incul'laveJ.. Para esse fim, a repartição
competente expedirá, desde log.o, as necessa,rias instrucçoos, dentro da
J.egislação vigente, e ,encaminhará ás aUJtoridades superiores suggestões de
ordem .technica para a elaiboração de um proj,ecto, de lei sQ/bre a materia
de inspecção, invalidez e molestias contagiosas ou incuraveis que inhabi-
li tem paI"a o s'erviço.
XiV - O proces'so de aposentadoria por invalidez poderá ser Ílnicia-
do pelo funccionario Ílljteoossado ou pO>l" determinaç~o de autoridade.
ElSta, porém usará da pr.udencia necessaria para evitar quaesquer abu-
sos 'em detrimento do TresouTo e dos fUinccionarios.
X'VI - O "serv~~lo" e o "exercicio" a que se refere a Constituição'
é o def,inido na leg!i,s'lação vigente. AJssim, não se contará o estadoal ou
municipal para a >aposentadoria ou reforma em cargo federaI, a não ser
quando a lei vier a concedel-,o.
XVII - Na fó,rma da ,legislação vigente' não haverá aposenrt:adoria
para corutractados, diaristas, etc., que não exerçam cargos propriamen-
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 689

o dec. n. o 19.838, de 9 de Abril de 1931, reduzio a uma


·unica inspecção de saúde para effeito de aposentadoria (2).
No caso do laudo não reconhecer a invalidez nessa inspe-
cção, só poderá ser o funccionario inspeccionado tres mezes
depois, e a juizo do Governo. Os laudos de inspecção para o
effeito da aposentadoria, devem ser detalhados e discriminar
a natureza e a séde do mal que invalidou o funccionario para
o exercicio das funcções.
O Governo, pelo alludido decreto, reservou-se o direito de
submetter o funccionario a nova inspecção por profissionaes
de sua immediata confiança, e cuja designação deve ser feita
pelo titular da Ip~sta em que serve o funccionario.
O decreto n. o 19.582, de 12 de Janeir.o de 1932, estabeleceu
normas geraes sobre aposentadoria, especialmente dos func-
cionarios em disponibilidade, mas que pela sua natureza tran-
sitoria, apenas merecem referencias ligeiras aqui.

te ditos, -isto é, cargos criados por lei com remuneração e attribuições pro-
pI"ias, e regUlarmente providos. O tempo de exerci cio respectivo conti-
nuará,porém, a contar-se, na fórmla das leis existentes.
XVIII - Aos fUJlocionarios diplomados e ConSulaTes deverá ser
aindaapplicada a legislação -especial, em pleno vigor, a que estão sujeitos
(decreto numero 24.239, de 15 de Maio de 1934; e decreto numero 24.113,
de 12 de Abril de 1934).
XIX - Os decretos de aposentadoria C'OrnipulsOll'ia dirão: "reSlOlve
aposeIllt~.~O:rl!a nos termo-s, etc.". Para a reforma, analogamente. .
'Jl'@I'· .:".1l'~ ..
XX - Deverão. ser revistas as aposentadorias concedidas após a cons-
titucionalização do paiz, afim de serem obedecidas as presentes illiStruCções.
XXI - As I"econmrendações acima vigorarão até ordem em contrario
ou até que o Poder Legislllltivo, no uso da sua competencia privativa, re-
forme a Iegis1ação vigente sobre a materia.
Aprov:eito o -ensejo para reiterar a V. Eoc., os protestos da minha
a~ta estima e distincta consid.el'lação - Luiz VergO/ro" secretario, in-
terino".
(2) Sã os seguintes os decretos prinaipa..es relativos á aposen-
tadori-a:
Decretos: 117, de 4 de Novembro de 1892; 385, de 14 de Agosto de
1896; 1980 de 22 d.e Outubro de 1008; 2544, de 4 de JaneÍlr'O de 1912; Lei
2924, de 5' de Janeiro de 1915; Dec. 11.447, de 20 de Jane~ro de 1916;
Leoi'S: 4853·, d.e 12 de Setembro de 1924; 5434, de 10 de JaneIro de 1928;
559-2-A de 6 de Deezmbro de 1928; Dec. 19.838, de 9 de Abril de 1931.
Ver a iegis-Iação' 1110 liv;ro de J. MATTOS VASCONCELLOS, Assistencia social
. do Estado.

- 44
690 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

As Constituições de 1934 e 1937, dentro de um criterio re-


gulamentar, fixaram as seguintes normas geraes a respeito da
aposentadoria:
a) a invalidez para o exercicio do cargo ou posto detel'-
minará a aposentadoria ou reforma, que, nesse caso, se contar
o funccionario mais de trinta annos de serviço ,publico effe-
ctivo, nos termos da lei, será concedida com os vencimentos
integraes; (3)
b) o prazo para a concessão de aposentadoria com venci-
mentos integraes por invalidez, poderá ser excepcionalmente
reduzido nos casos que a lei determinar; (4)
c) a invalidez consequente a accidente occorrido no ser-
viço será concedida com vencimentos integraes, qualquer que
seja o tempo de serviço; (5)
d) os atacados de doença contagiosa ou incuravel, que 03
inhabilite para o serviço do cargo, serão tambem aposen-
tados; (6)
e) os proventos da aposentadoria ou jubilação nunca ipo-
derào exceder os vencimentos da actividade (art. 156 - g -
da Constituição de 193,7).
São estas as normas obrigatorias fixad~s pela Constitui-
ção, e que garantem os direitos dos funccionarios, normas su- .
jeitas naturalmente á regulamentação pela lei ordinaria.
A questão da aposentadoria tem um aspecto medico e outro
social da maior relevancia.
Sob o ponto de vista medico, um criterio muito seguro
deve presidir á elaboração do laudo, levando-se em consideraçã\~
as condições pessoaes do funccionario sujeito a exame, a idade,
e a natureza do cargo que exerce.

(3) Art. 170, n.· 4, dia Constituição de 1934 e 156-e, da Constitui-


ção ,eLe 1937.
(4) Art. 156-e, da ConSlti·tuição de 10017.
(5) ATt. 1156-1, da Constituição de 1937.
(6) .Art. 17,n.· 6 da Constituição de 1934, sllWrimido pela ConstI-
tuição de 1937.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 691

A capaciadde physica e o criterio da invalidez tem, nesses


.casos, um caracter "tyipicamente funccional e exige um estudo
:meticulosoO, espeeialisadoO.
. Os estudoOs sobre este assumpto são numerosos, e envolvem
.as mais complexas questões medicas e psychologicas.
Não se pode ter o mesmo criterio para apreciár a inva.-
.lidez de um professor e 'a de um funccioOnario burocratico. As
.situações inherentes ás funcções que exercem e o perfeito pre-
·enchimento dessas attribuições funccionaes, constituem elemen-
;tos essenciaes no julgamento da aposentadoria.
Sob o lponto de vista social, a 3iposentadoria por invalidez
:se nos apresenta CoOmo um dever do Estado, consagrado pela
:lIlossa legislação, que impôz esse dever ás emprezas concessio-
.narias de serviço publico, obrigadas a organisar e contribuir
::para as Caixes de Pensões e Aposentad.orias, que examinare-
:mos em seguida (7).

II - Compulsoria - Occorre aposentadoria compuls.oria.


'quando o íunccionario attinge certo limite de idade.
Neste caso, volta o funccionario á inactividade obrigato-
riamente, independentemente de ,pedido .ou de invalidez.
A fixação do limite de idade deve ser objecto de estudo,
:attendendo-se não só á natureza do serviço 011 da funcção,
·como ainda ás condições de clima, etc.
A Constituição fixa, expressamente, esse limite, quer para
'.os magistrados, quer para .os demais funccionarioOS publicos.
Par3i oOS primeiros, a idade limite, prevista 110 art. 64 da
'Constituição, era de 75 annos alterada para 6,8 na Constituição
de 1937, os funccionarios publicos assim como que se aposen-
tam coOmpulsoOriamente com 68 annos, de accordo com o art. 150.
,desta ultima CoOnstituição.
Discutio-se muito, sob o regimen da Constituição de 1891,
..a constitucionalidade da reforma compulsoria dos officiaes do
-exercito e da armada.

_.
(7) Ver Capitulo propl'1iQ sobre as Caixas de- AposentadorÍ<!IJS e
:Pensões .
692 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

o Supremo Tribunal Federal, porém, contra os votos, e


verdade, de. alguns eminentes magistrados como VIVEIROS DE:
CASTRO, MANUEL MURTINHO, sempre reconheceu a constitu-
cionalidade de taes reformas, á vista dos proprios dizeres do
texto constitucional (8).

lU - Facultativa, ou voluntaria - A terceira forma de·


aposentadoria decorre apenas da vontade da parte. E' por isso
chamada voluntaria, ou meramente facultativa.
S6 excepcionalmente é possivel reconhecer a legitimidade
dessa forma de atPQsentadoria, porque ao Estado só cabe o de-
ver de amparar os seus funccionarios na inact.ividade, quando
verificada a sua invalidez, ou quando pela sua idade e tempo de-
serviço, merecem a protecção economica, como um premio pelos-
serviços prestados e um auxilio na velhice.
Este principio se achava consagrado na Constituição de'
1891, e foi mantida na Constituição de 1934 em seu art. 170 e-
na actual no seu art. 156.
Ha, no entretanto, excepções ao princ1pio. Aos militares
é facultada a reforma sem ser por invalidez, e aos magistra-
dos faculta o art. 91, lettra A, da Constituição, a aposenta-
doria, . desde que tenham, porém, mais de 30 annos de serviço
publico prestado.
Não é, todavia, da indole da aposentadoria esse caracter-
facultativo ou voluntario.

Tempo de serviço

A contagem do tempo de serviço é de grande importancia~


nos casos de aposentadoria.
A lei 2.356 de 31 de Dezembro de 1910, dispunha em seU'
art. 95, que, para effeito da aposentadoria, seria contado o'

(8) ALFREDO PALACIOS, La Fatiga y sus protecC'iones sociales; Acc ..


do -S. T. F., de 8 de Novembro de 1916, in Rev. de Direito, voI. 43, pg ..
72; Acc. in Rev. do S. T. F., volo lI, pg. 324, e voI. XIX, pg. 393.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 693

-.tempo integral dos serviços prestados em cargos l()caes, pro-


vinciaes ou Estaduaes, geraes ou federaes, indistinctamente (9).
A lei n. o 2.924 de 5 de Janeiro de 1915, veio alterar a si-
-tuação, dispondo em seu art.121:

(( d) para effeito da aposentadoria só será com-


,putado o tempo de serviço federal".

A Constituição em vigor não faz distincção, referindo-se


.apenas a serviço publico effectivo, o que pode dar lugar, sem
duvida, a uma nova interpretação dessa ultim'a disposição legal.
-E isto tanto mais se justifica, quando se considera a impossi-
bilidade de accumulação em vhiude de prohibição expres, a
da Constituição, de cargos publicos federaes, estaduaes e mu-
nicipaes.
Si essa interpretação podia se justificar sob o regimen
da Constituição de 1934, cuja interpretação deu motivo até a
um véto do Presidente da Republica a uma resolução legislativa
que permittia contagem do tempo de serviço estadual, com mais
forte razão será aquella que necessariamente se impõe á vista do
.artigo 159 da Constituição outorgada em 193·7. (10)
Segundo ainda dispõe o artigo 6 do decreto n. 42 de 15
de Abril de 1935, o tempo que o fUlnccionario estiver afastado
'do serviço em gozo de licença premio será computado como
tempo- de serviço para todos os effeiws e contado em dobro
quando não se quizer beneficiar com a licença.

MONTE·PIO

A protecção do funceionario pelo Estado ainda se estende


;além de sua ,pessôa. O Estado protege tambem a sua familia,

(9) "A aposentadolfia dos funccionarios publicos e magistrados da


Uinião será dada COm! as vantagens do cargo que estiverem exercend.o
'ha um anno, ficando :reduzido a esSte mesmo período o prazo pa\1a que
-possam ser applicad8.Js ao aposentado as vantagens d!as tabellas que aug-
mentam OIS venoimentos, e será contado o tempo integral d'os serviços
;presta'dos em cargos locaes provinciaes ou estadua.es geraes, ou federaes
lndistinctamente. "
(10) Ver J. MATTQS VASCONCELLOS, op. cit., pg. 22 e seguintes.
694 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
------
mesmo depois de sua morte, isto é, aquellas pessôas a quem elle
devia alimentar e cuja manutenção elle provia.
E isto se impõe por um dever de justiça social, porque o-
assalariado ganha apenas para provêr á sua subsistencia dia--
ria. O que percebe, não chega (para constituir peeulio, -ou ca-
pital, cujo rendimento chegue para a manutenção da familia.
O decreto 942 A, de 31 de Outubro de 1890, que instituío
o montepio para os funccionarios da Fazenda declara expres-
samente que o montepio
.~. <\ \',.

- "tem por fim provêr á subsistencia e amparar o fu-


turo das familias dos mesmos empregados, quando-
estes fallecerem ou ficarem inhabilitados -para sus--
tentaI-as decentemente" (11).

Nenhuma relação existe entre a contribuição do funccio--


nario e a pensão. Aquella não importa em estabelecer uma di-
vida para o Estado.
O contribuinte corre os riscos futuros, de accordo com as,
normas legaes que regulam a materia. Nenhuma relação tem
com os vencimentos, como observa' D' ALESSIO; a pensão cons-
titue direito autonomo, di,stincto doestipendio (12).
Esta premissa é importante pelas consequencias de ordem
pratica que delIa lpodem decorrer.

(11) Elste decreto foi ampliado posteriormente pelo d'ecr _ 95:6, de


6 rue Novembro de 1890, para ,os fUlncCÍoonarios do Ministedo da Justiça.
iPelo dec. 948, de 8 de Novembro de 1890, para 00 d'o M6nisterio
da Mfal'üilia '.
P1elo dec. 1. 036, de 14 de Novembro de 18-90, p'lIIra os do Mdnisterio<
do Inter'i'Or.
Pelo dec. 1.Q45, de 21 de Novembr<J rue 1890, para os do M'inist:erio
da A,gricultllira.
Belo dec. 1.077, de 27 de Novembro de 1890, p'ara os do Ministerio·
da Instrucção.
E pelo dec. 1. 092, de 28 de Novembro de 1890, para os do Mi.niste--
rw das Relações lE·xteriores.
(12) 1st. Diritto Amministrattivo, voL I, pg. 466 e segs. Contra:
RoGER BONNARD, Préois, pg. 410, que cOonsidera a pensão um p:rolonga--
mento dos vencimentos e não uma renda, porque a co.ntribuição do func-
donario não caJplitaliza para mais tarde permi-ttir determinado rendimento._
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 695

Costuma-se dividir em tres os systemas de pensões, sys-


temas Glassicos, tradicionaes, mas que, conforme veremos em
seguida, vêm se modificando nos ultimos tempos com modali-
dades novas, a saber:

1.o -, systema inglez;


2. o - systema allemão;
3.0 - systema francez.

o systema inglez reconhece o direito do funccionario á


pensão. O -serviço de pensão acha-se inteiramen~ a cargo do
Estado, e, finalmente, este 'pode substituir á pensão um certo
capital ou dinheiro pagavel de uma só vez.
O systema allemão é semelhante ao inglez, com a differen-
ça que, no allemão, deve a pensão ser paga como ,pensão OUI
contribuição mensal a cargo exclusivamente do Estado, sem
contribuição do funccionario.
O systema francez, que soffreu grandes transformações,
reconhece o direito do funccionario, mas obriga-o á contri-
buição, e o Estado a uma subvenção (13.
O nosso systema muito se approxima deste ultimo; ape-
;nas nelle não se constitue uma Caixa, mas apenas a respon-
sabilidade do Estado que fixa a contribuição do funccionario
e assume a responsabilidade pela pensão. (14)
Está, porém, soffrendo o systema uma grande reforma,
substituindo-se a velha organisação do monte,pio, tão oneroso
para o Estado, pelo seguro.

(13) Ver BOUGARD & JEzE, Élements de la science des finamces,


VQ!. I, pg. 425; ver tambem R,oGER BoNNARD, op. et loco cit., onde se
achamexami::nad,as as grandes refolrmas de 1~24, sobre aIS pensões dos
funccionario,s.
(14) .os fundos do MIontepiQ são constituidos de aceordo com a lei
n.O 94'2-A, de 1'890, e lei,s posteriQreg:
a) pelas contrj,bui-ções mensaes e joias;
b) peLos emolumJEmtos, titulos e certi'dões;
c) pelas pensões extinctas ou prescriptas;
d) ,pelas pensões não applicadas e que reverteram ao montepio;
e) pellos :legados, doações e outros beneficios dados pelos contri-
buintes,extranhQs ou pelo Estado.
696 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Como mostra PETROmIELlJO, em um completo estudo sobre


o assumpto (15), este ultimo regimen, agora em vigor na Ita-
lia como entre nós (resalvado apenas direitos adquiridos),
apresenta vantagens de celeridade, simplificação, e menos one-
rosidade para o Estado, que o tornam preferido.
Naquelle paiz, como já agora no Brasil, as Caixas de Pre-
videncia e Caixas de Pensões e Aposentadorias, mult~plicam-se
assegurando, dentro dos modernos planos, de seguros, grandes
beneficios ao Estado, aos funccionarios e emprezas .de ser~
viços publicos.

Dos contribuintes

o primeiro montepio instituido foi o dos empregados do


Ministerio da Fazenda, por iniciativa de RUY BARBOSA, que
commetteu a sua organização a uma commissão especial (16).
Foi o decreto 942' A, de 31 de Outubro de 1890 que insti-
tuio esse montepio.
Diversos decretos posteriores estenderam aos funcciona-
rios dos demais Ministerios as vantagens do monú!!pio, e dis-
criminaram os funccionarios que podem contribuir para elle.
O decreto 8.904, de 16 de Agosto de 1911, mandou que
. fossem contribuintes obrigatorios do montepio os funcciona-
~ios effectivos de logar que dê direito ao montepio, a partir do
mez em que ohtiveram ou obtiverem a primeira nomeação para
emprego da União, devendo indemnizar os atrasados pela deci-
ma parte do ordenado,
O decreto 4.963, de 5 de Outubro de 1925, sanccionou a Re-
solução legislativa do art. 2, §§ 1 e 2 da lei n. o 4569, de 25 de
Agosto de 1922, referente ao montepio dos funccionarios civis,
e mandou que se extendesse a todos os contribuintes civis e
militares (17).

(15) 11 Il'apporto de pubblico imp·iego, OCCLXII, in Nuovo Trattato


di Diritto Amministrattivo Italiano de Orlando, voI. 11, parte lU, 1935,
para onde l'Ismettemos no estudo ,detalhado sobre o assumlPto.
(16) 'Ruy BARBOSA, Relatorio da Fazenda, 1891, e annexo.
(17) O dec.5.13'7, de 5 de Janeiro de 1927, regulou o montepio
dos Mlinistros do ,Supremo Tribunal ~eral.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 697

São benefiicarios do montepio, aquellas pessôas da familia


-ennmeradas no art. 33 do dec. 942 A de 31 de Outubro de
1890, alterado pelo art. 16 do dec. 22.414 de 30. de Janeiro
.de 1933 (18).
As contribuições de montepio variam, naturalmente, de
accordo com os vencim~mtos dos funccionarios, e com o calculo
.actuarial que serve de base para a fixação da pensão.
Acha-se actualmente em vigor a lei n. 436 de 2'3 de Maio
de 1937 que fixou a contribuição para o montepio dos funccio-
narios publicos federaes em um dia de ordenado do cargo ef-
fectivo, até o maximo de 60.$0.0.0 descontados mensalmente.
A pensão mensal do herdeiro do contribuinte será corres-
.iPonden~e á metade do ordenado do cargo effectivo, não po-
·dendo exceder de '900.$00.0..
Estas e outras disposições transitarias relativas aos apo-
sentados e inactivos, encontra-se na alludida lei.

(18) Alrtigo 16 do decreto 22.414 de 1933·: "Por morte do COIntri-


buli-nte têm dirêito á pensão as pess'o'as d~ sua famiLia nomeadas na de-
clruração a que 81e referem os ~tigos 9 a 15, tendo pr.efel'encia, com ex-
'C'lusão de outros parentes e na ordem que se segue:
§ 1.0 - A viuv:a, si- em acçã-o de desquite não foi cons!derada conju-
'g1e éulpada e vivia em famiiJiia; os filhos menor,eg" Il! aIS filhas soHeiras
que vivem na companhva do contribuinte ou fora della com seu consen-
timento, Ieg·itímos, legitimad,os, nruturaes reconhecLdos e adoptivos, caben-
do a metade da pensão á viuva e a outra metade repartidamente aos fi-
'lhos ,e filhas.
§ 2. 0 - Ois filhos e flilh!\ls nas condições do § 1.0, repartida entre
eUes a pensãq si Q contribuilnte era vi'llvo, si a v:iuva não vi:via em fa-
miNa, si :fio i considerada conjuge culpada em acção de desquite, si tornar
a casar, si vier a fallecer.
§ 3.° - Ai:; filhas viuvas d1esamparadas, que viÍviam em companhia
· do contrÍlbuinte ou eram por eUe sustentadas, a mã·e viuva ou solteira, sem
outro arrimo e o pae invalido ou decrepito, SbnãO tiver outro amparo,
diVlidida a pensão em partes egua,es peIos ascendentes e descendentes.
§ 4.° - Âs iJrmãs soltei,ras e viuv,as, sem outro qua,lquer arrimo, que
'vivúam na companhia do contribuinte ou eram por elIe sustlentadas.
§ 5. 0 - Nta falta de qualquer dos herdei.Tos indicados em cada um
· dos paragraphos acima" a pensão será dividida igualmente pelos outros
ooncur.rentes cLassifioados na mesma ordem.
§ 6.0 - -Cons~itue requi1sito essencial para {) recebimento da pensão
·a prova de honestidade, que deverá ser feita anlllUalmente por meio de
attestado, plllSSado p:e1a autoridade policial do local em que residir a be-
neficiada. "
698 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
~----------------------------------------~--------~

Grandes divergencias tem havido, especialmente com re-


lação ao direito da mulher desquitada e dos :fiilhos naturaes (19.
A jurisprudencia do Tribunal de Contas tem, no entre-
tanto, reconhecido o direito de uns e de outros, sendo que para.
a mulher, mister se torna que ella prove a sua honestidade,.
condição geral, aliás, imposta para ser beneficiada pelo mon-
tepio, mesmo sem haver desquite.

Da reversão

Por morte do beneficia rio ou quando o contribuinte fal-


Iece sem deixar beneficiarios, reverte a pensão, no primeiro
caso, para um outro parente proximo, de accordo com a de-
terminação legal, no segundo caso, para o proprio monte-
_ pio (20).
Não vigoram os mesmos principios no montepio civil e rio>
militar.
O Montepio da Marinha de 23 de Setembro de 1795 nos
seus arts. 5, 9, 22, o decreto n. 695 de 18 de Agosto de 1890,.
art. 24 e seguintes, regulam a reversão do Monte,pio Militar.
O art. 33, § 4 do dec. n. 947~A de 31 de Outubro de
1890 consagra as regras gerae~ sobre reversão do montepio
civil.
O dec. n. 22.414 de 30 de Janeiro de 1933 modifica em
alguns pontos a antiga legislação sobre montepio interessando.
espec"ialmente aquelles funccionarios que antigamente já eram
seus contribuintes.
O referido decreto assegurou (} direito daquelles já ins-
criptos, funccionarios em actividade, aposentados, addidos e·
em disponibilidade, e fixou normas mais seguras e rapidas.
para a percepção das vantagens pelos beneficiarios.

(19) Ver Arohivo Judiciario, volo 19 - Supp.l<emento, pg. 17.


(20) Vier o art. 20 do d:ec. 22.414, de 3 de Janeiro de 1933, que:
trata da reversão.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 699'

Declara egualmente em que condições .os funcci.onarios-


demittid.os podem continuar a contribuir para o m.ontepi.o.
Garante ainda o direito dos filhos varões maiores que se-· .
j am invalid.os .ou interdictos.
F1inalmente, entre as disposições de maior importancia.
deve se referir as que facilitam .o processo de habilitação, (21)
os que fixam limite da accumulação (22) e .o prazo da pres--
cripçã.o.
Deve ser este decreto consultado porque na variedade de-
suas disposições encontram-se algumas de muita importancia.

Abono provisorio

o decreto 24.272 de 21 de Maio de 1934, regula o abono·


iPr.o~isori.o do montepio civil. Alterand.o .os decretos 22.214 de
30 de Janeiro de 1933 e o de numero 5.465 de 9 de Fevereir.o de
1918, veio simplificar .o process.o do montepio, e o seu paga-
mento pelo Estado, notadaIl).ente no que dliz com o ab.on.o pro-
visorio concedido á familia, durante o processo.
Este abono é concedido por simples despach.o á vista d.os.
d.ocumentos exigidos pelo art. 21 d.o dec. 22.414 de 30 de J a-
neir.o de 1933, .o que determina a immediata inclusão na folha.
de ,pagamento. Uma dotaçã.o propria, pr.overá a este paga--
mento.
As vantagens asseguradas ás familias dos funccionanos.
ficaram, assim, previstas pela lei que apparelhou a adminis~
tração publica para attender com a maior brevidade áquellas-
necessid'ades prementes, bem como .o auxilio para funeraes.
Estas disposições abrangem egualmente o m.ontepio dos
militares e.o abono provisorio dos militares (dec. 5465 de 9 de-
Fevereiro de 1928).

(21) O decreto 24.272, de 21 de Maio de 1934, veiu alterar algumas-


disposições relativas á inscripção. _
(22) Vier o cap~tulo relativo ás accumulaçées remuneradalS.
'70.0. THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Privilegios

As pensões, montepios, tenças, e outras rendas seme-


lhantes, estão sujeitas a regimen especial de privilegim:; e van-
-tagens, concedidos pelo ~stado, em vista das condições inhe-
rentes áquellas rendas.

I - O art. 263, n. o_ I do Codigo CJvil as excluio da com-


munhão, e, por conseguinte, determinou a incommunicabili-
{jade daquellas rendas, sem excluir naturalmente, nos termos
do art. 265 do mesmo Codigo, as rendas provenientes dos pe-
"eulios integralmente recebidos como capital.
II - Apezar da determinação constante do artigo supra,
a legislação vigente attribue a meiação ao conjuge sobreviven-
te, nos termos do Codigo Civil (23).
II -
A impenhorabilidade constitue uma das garantias
~rimordiaes asseguradas ás pensões, montepios, etc.
O decreto 942 A, de 31 de Outubro de 1913.0, já declarava.
"em seu art. 41:
c _ I

"As pensões desse montepio não podem, em caso


algum, soffrer penhoras, arrestos ou embargos, nos
termos do decreto n. o 2.813, de 27 de Outubro de
1877".

O art. 1430. do Codigo Civil declara, igualmente, isentos de


pleno direito, de todas as execuções, os montepios e pensões
:alimenticias.
Os decretos 17.778, de 20. de Abril de 1927, e 24.653 de
1934, decla:am que os peculios e pensões não são passiveis de
lJenhoras, sequestros, arrestos ou embargos.

(23) Art. 46 do decreto 24.563, de 3 de JuLho de 1934, decla,ra:


"Par morte do contribuJiinte, e p'reenchida,s as fm'malidades estabe-
-lecidas IlIes/1e decreto, adquirem d'ireito ,ao pecuHo instituido, na razão
da metade, o conjuge sobrevi'vente, e, pelo que conoezme a outra metade,
:na ordem de sucDessão .......• "
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 701

Finalmente, todas as nossas leis processuaes, desde as·


mais antigas como o Regulamento 737 de 185.0, consagram o
principio da absoluta impenhorabilidade das pensões, tenças
e montepios (24).
IV - As pensões e montepios são ainda pessoaes e in-
transferiveis, e extinguem-se com a morte do beneficiario. E'
o que determina o art. 49 do dec. 24.563 de 3 de Julho de 1934,
reproduzindo o art. 17 do decreto 17.778, de 20 de Abril de
1927: "A pensão é pessoal e irreversivel, extinguindo-se com a.
morte do beneficiario, do mesmo modo que o direito eventual
ao peculio attribuido ao menor do sexo masculino" (25).
Deste princ~pio decorre a necessidade de lei expressa au-
torizando a reversão e estipulando taxativamente os casos e·
as condições em que pode a mesma se realizar.
V - Isenção de impostos e exclusão de inventario ou par-
tilha judicial, constituem, finalmente, outras vantagens asse-·
guradas ás pensões e montepios, e outras equivalentes.
O art. 50 do decreto 24.563, já citado, assegura, expressa-
mente, essas vantagens, considerando nulla toda e qualquer'
venda ou cessão de que sejam objecto essas pensões ou a cons-
tituição de quaesqm~r onus que sobre ellas recaiam, vedada
egualmente a outorga de poderes irrevogaveis, ou em causa.
propria, para a percepção das respectivas importancias.

Prescripção de dividas de montepio

Passivel de duvidas, ou, pelo menos, de debates, tem sido·


a, questão da prescr~pção do direito á pensão ou montepio.
As divergencias devem, porém, ser attribuidas á appli-
cação da velha legislação, já revogada hoje por disposições
expressas, que não admittem duvidas.
Os que admittem a imprescriptibilidade do direito ao mon-
tepio fundam-se eS\pecialmente no art. 43 do decreto 942 A, de·
31 de Outubro de 1890, que instituio o montepio civil.

(24) Este prl'llCLplO acha-se cOl1iSagrado igualmente no decrete·


22.414, de 30 de Jrunei-ro de 1933.
(25) BIELSA, Derecho Administrativo, voI. lI, pg. 107.
'702 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Por mais respeitavel que seja tal entendimento, o certo é


que não se pode ter como revogados o decreto n.o 857, de 12 de
Novembro de 1851, e a lei n.o 1939, de 28 de Agosto de 1908,
-que estabeleceram a prescripção quinquennaria de toda e
.qualquer acção contra a Fazenda.
Posteriormente, o Codigo Civil consagrou principio iden-
.tico, em seu art. 178, § 10, VI.
Entendem outros, e com isto tem concordado julgados do
.Supremo Tribunal Federal (26), que a prescripção só corre
para as pensões anteriores aos cinco annos, isto é, aquellas
prestações vencidas anteriormente.
Era o que dispunha o art. 5 do decreto 857 de 12 de N 0-
vembro de 1851, a que fazia remissão o art. 43 do decreto
:942, de 1890. In verbis:

"Quando o pagamento que se tiver de fazer aos


credores fôr dividido por prazos de mezes, trimes-
tres, semestres, ou annos, e se der a negligencia da
parte dos mesmos credores, a IPrescripção se irá
verificando a respeito daquelle ou daqueIles paga-
~entos parciaes que se forem comprehendendo no
lapso de cinco annos; de sorte que por se ter perdi-
do o direito a um pagamento mensal, trimestral, ou
annual, não se perde o direito aos seguintes a res-
peito dos quaes ainda não tiver corrido o prazo da
prescripção" .

Não estará, porém, esse princIpIO derogado pelo Codigo


'Civil? E' o que parece, porque a segunda alinea no n.o VI,
§ 10 do art. 178, refere-se expressamente aos paragraphos an-
teriores, e não ao dispositivo que fixa o prazo da prescripção da
divida activa da União, Estados e Municipios.
Finalmente, o decreto 20.910, de 6 de Janeiro de 1932.
<dispõe:

(26) Acc. de 17 de Janeiro de 1917,in Rev. Direito, voI. 57, pa-


:gàna 498, qUfcita outras decisões.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 703

"Art. 2.0 - Prescrevem igualmente no mesmo


prazo (5 annos), todo o direito e as prestações cor-
restpondentes a pensões vencidas ou por vencerem,
ao meio soldo e ao montepio civil e militar, ou a
quaesquer restituições ou differenças.
Art. 3. 0 - Quando o pagamento se dividir por
dias, mezes, ou annos, a prescripção attingirá pro-
gressivamente as prestações, á medida que comple-
tarem os prazos estabelecidos no presente decreto".

E' a legislação em vigor, (27) que veio, sem duvida, em


;sua dubiedade, Levantar novas divergencias sobre um assum-
.pto já resolvido definitivamente pelo Codigo Civil.

INSTITUTO DE PREVIDENCI~ DOS FUNCCIONARIOS


PUBLICOS

o antigo systema de montepios dos funccionarios publi.


-cos, foi substituido em virtude do decreto 5128 de 31 de De-
zembro de 1926, por um novo regimen de peculios, baseado nas
instituições de seguro.
O alludido decreto, reorganisando o montepio dos funccio-
narios publicos civis da União, creou, com a qualidade de pes-
sôa j uridica, o Instituto de Previdenda dos Funccionarios Pu-
blicos da União, com o fim de constituir e assegurar peculio
ou pensão, em beneficio da Íamilia de todo contribuinte fal-
Jecido.
Os decretos 17.778, de 20 de Abril, e 5407, de 30 de De-
..zembro de 1927, ns. 19.646, de 30 de Janeiro de 1931, e 20.9'32,
·de 12 de Janeiro de 1932, eM.56'3, de 3 de Julho de 1934, mo-
.dificaram a sua estructura primitiva.
Actualmente, este ultimo decreto subordinou o Instituto
Nacional de Previdencia, como (passou a denominar-se, ao Mi-

(27) Dec. 22.414, de 3.0 de Janeiro de 1933, art. 28: - "O di-
reíto ás pensões e áJs prestações não reclamadas 'em tempo opportuno
.prescreve em cÍlnco anno's, de accord'o com a legisLação em vigor".
704 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

nisterio do Trabalho, Industria e Commercio, bem como am-


pliou a sua finalidade. ;?'i
Assim, além de assegurar peculio ou pensão á familia do-
contribuinte fallecido, proporciona a acquisição de cas'as para
contribuintes e beneficiarios e facilita emprestimos e outras
vantagens.
São contribuintes obrigatorios os funccionarios de mais
de 18 até 60 annos de idade que, pelo exercicio de funcção em_
cargo permanente civil ou militar, creado em lei ou regula-
mento, receberam dos cofres publicos federaes ou do Instituto,.
vencimentos ou est~pendios de qualquer natureza, salarios ou
percentagens superiores a 2 :000$000 annuaes, desde que não
sejam contribuintes dos montepios civil e militar, nem das Cai-
xas de Aposentadorias e Pensões subordinadas ao Conselho.
N acionai de Trabalho ou de corporações de genero analogo ao,
do referido Instituto.
Além desses contdbuintes, existem outros de caracter fa-
cultativo, como os que estiverem no exercicio de funcções tem-
porarias, e pessôas extranhas ,ao funccionalismo, a quem a. lei
concede, especialmente, esse favor, como, por exemplo, os so-
cios da Associação Brasileira de IIlljprensa, os membros ·da
Ordem dos Advogados do Brasil, os despachantes aduaneiros, e
todos aquelles á quem o Conselho deliberativo 9,0 Instituto per-
mittir a inscripção, ad referendum do Ministro do Trabalho~
Existem duas especies de inscripções: uma obrigatoria, e
a outra facultativa. A primeira é proporcional aos vencimen-
tos annuaes percebidos pelo contribuinte obrigatorio do Insti-
tuto. Assim, os que Ipercebem vencimentos annuaes de 2 :000$
a 3 :600$, teem a inscripção obrigatoria de um peculio corres-
pondente a 5 :000$, emquanto que os func'Cionarios que per-
cebem mais de 30 :000$ por anno são contribuintes obrigatorio8.
de um peculio correspondente a 30 :000$, tudo isto dentro de,
uma escala proporcional e ascendente, de aecordo com os ven-
cimentos de cada funccionario.
A ins'Cripção facultativa não [pode ser inferior a 5 :000$,-
nem exceder a 100 :000$, maximo do peculio incluida a parte:
obrigatoria.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 705

A inscripção facultativa, addicionada ,a parte obrigatoria,


não poderá exceder á importancia de tres annos de vencimen-
tos, nem o maximo de 10'0' :000$ e sujeita a um per iodo de ca-
rencia de tres annos.
São beneficia rios do peculio institui do, na razão da meta.:-
de o <conjuge sobrevivente, e a outra metade os he"!"deiros ne-
cessarios, na ordem de su'Ccessão prevista jp€lo Codigo Civil,
isto é, descendente, ascendente, conjuges e coHateraes.
Applicam-se, em linhas geraes, aos beneficiarios dos pe-
culios instituidos, com pequenasàlterações previstas nos arts.
46 e seguintes do decreto 24.563 as disposições da nossa legis-
lação civil.
Existe, igualmente, no Instituto de Previdencia, uma caixa
de emprestimos com o ~im de adeantar, aos funccionarios,
°
emprestimos em dinheiro, mediante desconto em rolha, e pro-
iPorcionalmente aos vencimentos, tempo de serviço, e importan-
cia do peculio.
A administração do Instituto e a sua fiscalisação estão en-
tregues a um Presidente e a um Conselho Deliberativo.
O Presidente, livremente nomeado pelo Presidente dt. Re-
publica, permanecerá no cargo emquanto bem servir,com
amplos poderes de ·administração.
O Conselho deliberativo é um orgão de fiscalização. Com-
põe-se de cinco membros, sendo quatro com o titulo de Con-
selheiros, ê o quinto de Presidente do Instituto. Os Conselhos
serão nomeados pelo Presidente da Republica, e exercerão o
cargo pelo periodo de quatro annos, podendo ser reconduzidos
biennalmente pela metade.
Ao Cons~lho DeHberativo compete fisca:lizar os serviços
do Instituto, julgar da legalidade dos peculios e pensões e au-
torisa'r o seu pagamento, organisar o orçamento do Instituto~
resolver os recursos interpostos dos despachos do Presidente, E':
as demais attribuições discriminadas no art. 82 do decreto
acima citado.
São estas, em linhas geraes, as prin'Cipaes diS/POsições em
vigor sobre ·a organisação e funccionamento do Instituto de
Previdencia.

-45
706 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Já se discuio sobre a natureza juridica dessa instituição.


Não parece que possa haver duvida sobre a sua personali-
dade juridica, mas sómente para effeito puramente patrimo-
nial, visto como a sua integral subordinação ao poder publico e
() referendum indiSipensavel do Ministro do Trabalho para a
validade dos actos mais importantes de sua administração, im-
portam em sua integração no systema administrativo daquelle
Ministerio.
A sua autonomia administrativa, ou melho!' financeira, é
apenas uma imposição do systema de seguros, que serve de
base ao seu funccionamento, e sem o qual não seria possivel
manter .o equilíbrio financeiro do Instituto.
Embora tenha um Procurador que o represente em juI-
zo, não se lhe pode reconhecer uma personalidade inteiramente
autonoma, separada da administração publica, á qual se acha
subordinada, e sem cujo amlparo e contrôle não pode viver.
a Instituto Nacional de Previdencia constitue um largo
progresso no sentido de um amparo financeiro mais efficiente .
ao funccionalismo publico. A sua finalidade se foi ampliando
com ,a creação de Caixas de Emprestimos, com ou sem garantia
aos f'bnccionarios publicos, sendo de realçar 'a construcção de
uma Villa Operaria, cujas casas podem ser adquiridas me-
diante contribuição modica dos funccionarios, cujos vencimen-
tos são limitados.
Pode-se equiparar o Instituto Naci.onal de P.revidencia, sob
certos aspectos, ás Caixas de Aposentadorias e Pensões, que
já examinamos no 1.0 volume.
a espirito, a finalidade economica e social que ditou a
'creação dessas ultimas Caix·as foi .o mesmo que inspirou a
creação do Instituto de Previdencia, e representa uma nova
era no amparo social das classes menos protegidas.
CAPITULO VIII

DA RESPONSABILIDADE OOS FUNCCIONARIOS

Res.ponsaMHdade ClÍvil dos funccionarios - Diversas Theo-


llÍ1l1'S - Responsabilidade d'isclp1iIlill/r - Responsabilida-
de crimiJnal - Processo admlin:1strativo - Responsabi-
lidade Cbvlil - Solidariooade com o Estado - Acção re-
gr-essiva - J urispriUd1enoia .

Os· funccionarios publicos devem, para perfeita regulari-


dade do serviço publico, obedecer a um regimen disciplinar.
Presuppõe esse regimen a obediencia a um certo numero de
normas, de deveres e obrigações inherentes ás funcções que
exercem. Esses deveres correspondem aos direitos de que go-
zam, cujo reconhecimento acha-se intimamente ligado á ma-
neira por que cumprem as suas obrigações funccionaes.
Os dev,eres geraes dos funccionarios publicos comprehen-
dem-se dentro de um Codigo especia'l de ethica funccional, com
peculiaridades, proprias não sómente a cada f'llncção mas tam-
bem aos diversos paizes.· Em algun'S, os laços de subordinação
;são maiores, as dependencias do poder publico mais accentua-
da, o regimen disciplinar mais rigido, a obediencia aos poderes
publicos e ao E-stado encerrada dentro de laços mais fortes.
Pode-se, no entretanto, mencionar entre os principaes de-
veres dos iunccionarios: a obediencia aos seus superiores, o
respeito e obediencia ás leis, aos regulamentos, etc., a assidui-
dade e a diligencia no serviço, a polidez, o sigillo dos actos pu-
blicos, principalmente aquelles de caracter confidencial, ou
-reser'\ados, a bôa conducta civil.
708 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Naturalmente que dentro dessa enumeração, alguns deve-


res existem mais directamente ligados á funcção, ouja violação
importa na applicação de sancções de caracter interno varia-
veis de accordo com a natu!"eza' da falta e a sua gravidade.
Numerosas questões podem ser suscitadas em torno dessa
these. Os laços de subordinação que ligam u funccionario ao
Estado variam de accordo com a natureza do regimen, da func-
ção etc. Assim, por exemplo, o militar deve ser considerado
com particularidades proprias, obedecendo a vineulos especiaes
de subordinação, obediente a um juramento prestado.
Nos regimens totalitarios, em regra, o funccionario deve
sujeitar-se não sómente aos deveres geraes mas tambem a uma
subordinação especial ao regimen ali dominante. E' o que suc-
cede notadamente na Allemanha onde s·e exige actualmente, sob
o regimen "nazista", o juramento de fidelidade ao partido,
isto é, a obediencia ao chefe do partido.
Nos regimens democraticos, deve-se, porém, separar a func-
ção publiea das actividades partidarias: os partidos passam, as
situações politicas mudam mas o Estado fica, como expressão
da vontade do povo organizado.
O funccionario deve, por isso mesmo, obediencia aos seus
superiores porque o poder que elles detêm emanam da lei; não.
deve, assim, o funccionario acatar as ordens dos seus supe!'io-
res quando sejam as mesmas evidentemente inconstitucionaes
ou illegaes (1).

(1) BIELSA, Derecho administrativo, lI, pg. 118 - co,nsidera ()


dever de obediienc.iJa em .r.ell:ação :a sua forma legal e em seu conreudo.
Deve por i58<o mesmo para ser obedeci'da emanar a ordem não sómenre de
um superilQlr h'i'erarchico mas tambem que ·tenha l'eIação oom o serviço,.
isto é, que dig>a reS[>eito a uma obrig,a'ção imposta ao funccioll8Jl1io rcla-
cionadacQlIIl o se~ç.o . Rome o funcdonarIo ex.amÍlIlar se a OTdeÍn ema-
na de um SlUperior hierarchWco 'ou se foi dad·a em forma legal, ~sto é sa-·
tisfaça as condnções 'i11Jllrmseca,s e extmnsecas.
O conteudo da ordem,pQr s'ua vez, deve se referir neoessa'l"Ílamente, á
gestão administrativa a cujo cumprimento está obrigado aquelle que a
recebe.
Deve-se almda accr,escentlllr, que a apreoiação da Legalidade da or-
dem p'ode toma>r feições muM:o panl!iculares porque mui'taIs vezes eHa vem.
fer.iT direvtos eLementares cuja . apreciação é acoessltvel a qualquer in-
dividuo.
O cUffiJPl'Iimento de uma ,ordlem illegal pode, assim, aC8Jl'll"el1;al possi-
velmente até a responsab~1idade do funccionario que a pl'laticou, tudo de-
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 709

A prohibição do exercicio de actividade político partidarla.


por parte do funccionario, é tambem um principio consagrado
em algumas legislações; deve-se porém, considerar essa dispo-
sição em termos, porque teriamos, por essa forma, excluido das
actividades partidarias um grande numero de cidadãos capazes.
O que se deve prohibir é a utili7Jação dos cargos publicos para
fins eminentemente partidario, de tal maneira que possa a vir
o funccionario a utilizar-se da funcção publica com objectivos
de todo em tódo particulares. Algumas Constituições modernas
são terminantes nessa prohibição.
A lei que actualmente regula o serviço civil nos Estados
Unidos é expressa a esse respeito (2):

"Nenhuma pessôa comprehendido no serviço ci-


vil poderá usar de sua autoridade official com o fim
de interferir em eleições ou em seus resultados. As
pessoas que, em virtude da presente lei estiverem
. comprehendidas dentro dos quadros do serviço civil,
embora tenham o 'direito de voto como entenderem
e o de manifestar particularmente a sua opinião em
todos os assumptos politicos, não poderão todavia,
tomar parte activa em organizações politicas ou em
campanhas politicas".

A formula da 'lei Americana exprime a tendencia natural


dos regimens democraticos, onde a Uvre manifestação da von-
tade do eleitorado deve-se conciliar com o interesse superior do
serviço publico.
Não existe entre nós esta prohibição expressa, mas a sua
observancia está na indole do regimen e deveria ser observada
como umÇl. imposição das boas normas de direito administra-

pende das circumstancias, da natureza da ordem, do grão de illegalidade


que possa comportar. ..são circumstancias de facto que dependem da apre-
ciação d>o caso concretO.
(2) Oivil services rules promulgated in Aan-il 15 de 1003 and re-
l1ised to September 15, 1934 - Este disposi.tivo consta da emenda de
Junh>o de 190'7. .
710 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

tivo sem as quaes o serviço publico estaria sujeito ás mais la-


mentaveis perturbações.

A falta de observancia das normas impostas pela lei ou im-


plicitas na propria funcção publica importa para o funcciona-
rio em penalidades, cuja natureza e severidade v~riam de ac-
cordo com a falta commettida.
Naturalmente que as penas disciplinares correspondem a
faltas menos graves, á inobservancia de deveres puramente ad-
ministrativos, interessa mais directamente o funccionamento
interno dos serviços. Dahi a observação de BIELSA de que a
pena di'sciplinar tem por objecto melhorar o serviço publico,
por meio de uma acção sobre o íunccionario que executa esse .
serviço, afastando-o do serviço quando não se tornar possivel
concili3Jr a permanencia do funccionario no serviço com o seu
bom funccionamento.
Dahi a divisão das penas disciplinares em a) correctivas;
b) expulsivas ou depurativas (3).
As principaes penas administrativas geralmente applica-
das entre nós são as seguintes:
a) advertencia ;
b) reprehensão verbal ou por escripto;
c) suspensão;
d) disponibilidade;
e) aposentadoria administrativa;
f) demissão.

Esta é classificação das penas administrativas 3Jdoptada


pelo projecto de estatuto dos funccionarios publicos, e que ool"-
responde ao estado actual do nosso direito disciplinar.

(3') Derecho administrativo, voI. II, pg. 151.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 711

Em outros paiz.es (4) pode-se accrescentar, não sómente a


reducção dos vencimentos mas ainda a multa, a preterição no
quadro de accesso, etc.

,As penas disciplinares militares ainda comprehen-


dem (4. a ):

a) a detenção;
b) a prisão;
c) o afastamento temporario das funcções;
d) o licenciamento..

A falta de cumprimento das no.rmas regulamentares e a


ino.bservancia das obrigações inherentes ao. serviço publico. jus-
tificam a applicação. das sancções disciplinares, attendendo á
gravidade da falta e á sua natureza.
As penas mais severas só podem, na generalidade dos ca-
So.S, ser applicadas pela auto.ridade hierarchicamente superio.r.
Dahi tambem uma certa hierarchia na medida das penas.
No. capitulo deste vo.lume so.bre as relações do direito. ad-
ministrativo. co.m o direito. disciplinar, mostramos a natureza
da funcção disciplinar e o.S principios que regem essa manifes-
tação. da actividade do. Estado em relação. ao.s funccionario.s;
mostramo.s, então., como. se distinguia o. po.der disciplinar da
acção. repressiva e como. se deveria applicar co.m restricções os
principio.s que orientam a acção. repressiva do. Estado.. A au-
to.nomia do. direito. disciplinar constitue especialmente um dos
capitulo.s mais interessantes dessa materia.
Responsabilidade criminal - Independente da respo.nsa-
bilidade pelas faltas que po.dem ser inclui das entre aquellas
susceptiveis de uma pena disciplinar, enco.ntra-se a responsa- .

(4) Ver PlETROZzIELO, Il rapporto di pubblico impiego, in Primo


Trottato di Dirittoammirzistrativo de Orlando, vol. lI, parte III, pagi-
na GOXXXIII.
(4-a) V'er o recente regulamento disciplinar do exercHo, dec. 1.899,
de 19 doe Agosto de 1937.
712 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

bilidade criminal que acarreta para o funccionario os -effeitos


da repressão penal, de accordo com os principios e as normas
que orientam a applicação da lei penal.
Nesta categoria cumpre distinguir os crimes de natureza
funccional e aquelles crimes cuja pratica pode produzir, como
consequencia da applicação da pena criminal, effeitos que attin-
gem o funccionario no exercicio de sua funcção, isto é, o afas-
tamento ou a perda do cargo.
Na primeira categoria comprehendem-se os crimes func-
cionaes, isto é, aquelles que os funccionarios praticam no exer··
cicio da funcção, como funccionario e que, po'rtanto, só por eUes
podem ser commettidos.
Assim, todos aqueUes crim-es previstos rio titulo V da Con-
solidação das leis pena-es e que comprehende os' crimes contra a
bôa ordem e administração publica, como o peculato, a preva-
ricação,a falta de exacção no cumprimento do dever, a concus-
são, o excesso e o abuso de autoridade. Todos esses crimes
presuppõem a acção dolosa ou culposa dqs funccionarios que o
tornam passivel da acção penal.
Esses crimes acarretam a applicação não sómente das pe-
nas corporaes como a prisão, mas ainda a suspensão ou a perda
do emprego, com a inhabilitação temporaria ou definitiva para
o exercicio de qualquer funcção publica..
Essas penas ·accessorias decorrem da natureza do delicto
e da inidon-eidade do funccionario para .continuar a exercer o
mesmo cargo, ou qualquer outro, e isto porque se exige do func-
cionario condições de idoneidade moral e funccional inherentes
ao serviço publico.
Nesta hypothese, portanto, incluem-se as penas de natu~
reza funccional, decorrentes do exercicio .criminoso da funcção
.publica.
Na segunda hypoth-ese, as cons-equencias da pena affectam
ao funccionario não porque tenha elle agido criminosam-ente
no exercicio de sua funcQão publica, mas porque, ou pela natu-
reza do delicto ou pelo gráo na applicação da pena, ou melhor,
na sua medida, tornou-se o funccionario incompativel com I)
serviço publico.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 713

E', notadamente, o caso previsto na Constituição pa!'a os


militares que soffrerem penas restrictiv·as de libe!'dade por
tempo superior a dous annos, ou praticarem crimes julgados
infamantes.
Pode o crime não ser de natureza militar, nem ter o mi-
litar praticado o deHcto nessa qualidade, mas ser de tal natu-
reza que o incompatibilize com o serviço da Nação.
O principio geral de direito é que a pena disciplinar não
exclue a pena criminal; é uma hypothese em que, como já vi-
mos, não se applica o principio do bis in idem-o Poder-se-ia
mesmo sustentar que a applicação da pena criminal impõe,
como consequencia, a acção discip.linar.
Outro aspecto interessante da questão é aquelle em que
Decorre a absolvição do funccionario no procedimento crimi-
nal. Pergunta-se: importará essa decisão no cancellamento
da pena disciplinar?
Depende naturalmente do caso e, principalmente, dos fun-
damentos da decisão no juizo criminal. Pode o facto impu-
tado ao funccionario não ser criminoso, e, no entretanto, justi-
ficar a imposição da pena disciplinar por uma questão interna,
de disciplina da repartição; pode a falta não constituir crime
e constituir infracção disciplinar. A medida da pena deve cor-
responder á medida da falta, ser o facto passivel de uma sanc-
ção disciplinar e não integrar uma figura delictuosa.
Pode tambem occorrer que o juiz de crime negue a exis-
tencia do facto ou a sua autoria; nessa hypothese, se-ria de con-
ciderar a decisão judicial, a menos que a infracção disciplinar
revista-se de modalidades inteiramente diversas, quer em rela-
ção á pessôa ou ao proprio facto.
E' preciso attender, na applicação da pena disciplinar,
á sua natureza, ao ca-racter quasi discricionario de que geral-
menté se reveste quanto á conveniencia ou necessidade da ap-
plicação da pena. Sómente aquellas penas manifestamente
contrarias á lei são susceptiveis de impugnação judicial; nesse
caso, cabe ao poder judiciario considerar o acto da autoridade
perante o texto legal e verificar a sua conformidade ou não
com a lei.·
714 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Remettemos ao que já dissemos sobre este assumpto no


capitulo relativo ao direito disciplinar onde tivemos occasião
de examinar detidamente o limite da intervenção do poder j u-
diciario em materia disciplinar.

Do processo administrativo

A' applicação de qualquer pena disciplinar deve preceder


o processo administrativo, instaurado pela autoridade adminis-
trativa competente, o Ministro ou o chefe da repartição segun-
do o caso, afim de apurar, com a assistencia do funccionario, a
existencia do facto punivel, a sua gravidade e outros elemen-
tos que concorreram para o crime ou a falta disciplinar, afim
de se verificar qual a pena applicavel bem como a sua medida.
Variam, de accordocom as repartições, as formalidades
desses processos que, no entretanto, deveriam obedecer a for-
mulas prefixadas e uniformes afim de evitar o arbitrio dos
encarregadas desses inqueritos na determinação dos meios de
defeza e dos prazos, bem como' a confusão geralmente verifica-
da por falta de tirocinio dos seus presidentes.
O que as nossas Constituições e 'as nossas leis têm assegu-
rado, é a mais ampla defeza, afim ae evitar 'as perseguições
muitas vezes verificadas na vida interna das repartições, assim
como um julgamento apressado e leviano sobre a actividade
Lunccional do accus'ado.
Os meios de defeza devem obedecer, de um modo geral, ás
formulas judiciaes correntemente usadas, notadamente os re-
cursos conhecidos para levar ao conhecimento do funccionario
a accusação, evitando não só o andamento do processo á sua
revelia, como ainda a determinação de prazos para a defeza e
apresentação de provas.
A conveniencia da preterminação dos prazos e formulas
processuaes obedece naturalmente a uma questão de ordem,
para evitar tambem que a autoridade por demais liberal incida
no erro contrario, que poderá levara inculpabilidade de um
funccionario responsavel, pela difficuldade de uma regular apu-
ração dos factos de que foi inculpado.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 715

As differentes leis de organização das numerosas repal-


tições federaes regulam o processo administrativo de cada
uma; não existe um padrão unico, uma bitola dentro da qual
seja possivel predeterminar prazos e formalidades processuae.;,
no entretanto, todas ellas obedecem áquellas exigencias de or-
dem geral que consistem em assegurar ampla defeza aos ac-
cusados.
Sómente á vista do inquerito administrativo é que pode a
autoridade com.petente applicara pena, respeitados os recursos
hierachicos que no caso couber, de accordo com a lei.

, Da responsabilidade civil

Não basta, porém, examinar a responsabilidade do func-


cionario sob o seu aspecto puramente disciplinar ou penal, cum-
pre egualmente verificar aJté onde o seu patrimonio responde
pelos crimes e pelos erros praticados no exercicio da funcção
publica. Este é o aspecto que vamos examinar sob o titulo de
responsabilidade civil de funccionario.
Numerosas são as theorias sobre este assumpto e as legis-
lações consagram principios differentes, de accordo com as ten-
dencias doutrinarias ali dominantes.
A responsabilidade civil decorre do exercicio doloso ou
culposo da funcção publica, que importe em ,prejuizo de tercei-
ros. Segue-se desta forma, a theoria geral da responsabilida-
de civil, tal como se acha consagrada na legislação commum,
applicavel á determinação dos casos de responsabilidade civil
no exercicio da funcção publica.
Na applicação da doutrina, porém, ao direito publico é
preciso estabele.cer certas particularidades que decorrem do
direito publico.
Assim, devem ser mencionadas especialmente duas dou-
trinas tiradas do direito francez na determinação da respon-
sabilidade civil do funccionario; ou attende-se á gravidade da
falta, ou á finalidade do acto considerado lesivo.
No primeiro caso, a falta pessoal, seguindo a doutrina
franceza do' Conselho de Estado, admitte a responsabilidade
716 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

.do funccionario quando a sua falta avisinha-se do dolo, neste


caso, o acto doloso deve ser considerado, em si, destacando-se
da funcção publica, para considerar-se como acto pessoal do
funccionario (5).
Quando, porém, a falta é leve, quando a falta imputada
ao funccionario não foi praticada dolosamente, neste caso não
se pode attribuir ao funccionario responsabilidade pessoal.
Regra inj usta, na observação de DUEZ (6),' porque asse-
gura á victirna da lesão uma garantia inversa á gravidade da
falta attribuida ao funccionario.
Quando este pratica acto doloso, a garantia limita-se ao
valor de seu patrimonio, quando o acto é culposo o Estado as-
segura o resarcimento do damno causado pelo funccionario.
Domina, assim, um criterio subjectivo, o da culpa do func-
cionario, o que não se concilia com a responsabilidade objectiva
que domina hoje a theoria da responsabilidade .civil.
O decreto 24.216 de 9 de Maio de 1934, consagrou aquella
doutrina da responsabilidade civil pelos actos criminosos, entre
nós, dispondo:

"Artigo 1 - A União Federal, o Estado ou o


Municipio não respondem civilmente .pelos actos cri-
minosos dos seus representantes, funccionarios ou
prepostos, ainda quando praticados no exercicio do
cargo, funcção ou desempenho de seus serviços, sal-
vo se nelles foram mantidos após a sua verificação".

Esta doutrina consagrada no alludido decreto, correspon-


de, como se vê, a uma corrente franceza, que recebeu, aliás, o
amparo do Conselho de Estado. Deve-se notar, porém, a soli-
dariedade que se estabelece com o Estado, caso este se torne
connivente com o funccionario consentindo na sua ;permanen-
cia no serviço.
Verenios adeante como deve ser a questão examinada á
luz da nossa legislação posterior.

(5) DEMOGUE, Traité des obligatWns en general, V, pg. 578.


(6) La responSQ;bilité de la puissance publique, pago 1{15.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 717

A doutrina que prevalece na ltalia distingue nitidamente


a responsabilidade do funccionario para com terceiros e para
com o E,stado. No primeiro caso só éadmittida pIOr facto pes-
soal, excluido o caracter funccional como .condição especifica
do proprio acto (7). Na ltalia, predomina a doutrina da res-
ponsabilidade do Estado e dahi decorre, como observa PETRO-
ZIELLO (8) a necessidade de examinar com o maior interesse
a responsabilidade "interna", isto é, a que decorre da relação
do funccionario perante o Estado, de preferencia á responsa-
bilidade externa que diz mais especialmente .com as relações
entre os funccionarios e terceiros.
Funda-se a responsabilidade na culpa e no damno e acha-
se regulada pelo artigo 82 da lei de 18 de Novembro de 1923,
in verbis:

"O funccionario que, por acção ou omissão, ain-


da que sómente culposa, no exercicio de sua funcção,
causa damno ao Estado, está obrigado a resarcil-o".

Esta disposição impo'7ta em uma protecção do Estado que


pode usar da aeção regressiva contra o funccionario que causar
damno a terceiros, pelos quaes o Estado, de accordo com a dou-
trina predominante naquelle paiz, responde (9).
Na Argentina regula a materia o proprio Codigo Civil
que em seu artigo 1.112 determina:

"Os actos e as omissões dos funccionairos publi-


cos no exercicio de suas funcçÕ€s, por cumprir de
modo irregular suas obrigações legaes, comprehen-
dem-se nas disposições deste titulo".

(7) :Ver D'AiLESSIO, Istituzwni di Diritto a,mministrativo italiano, lI."


elNo V'lTTA, Dilritto amministrativo, Viol. lI.
'PRESUTTI, Istituzioni di Diritto amministrativo italiano, n. 543.
(8) II rapporto di pubblico impiego, in Primo Tra,ttato de Orlando,
vaI. lI, paTte 3, pag. aCXXXnL
(9) VeIr ZANOBINI, Corso dJi Diritto amministrativo, voI. I, pago 382
q'U!e cita a aburuiante bibli10graphia que exli'Sl1le sobre o assumptQ bem
como a legislação HaíldJa:na sobre as di:tlferentes modalidades de que se
re"este a responsabillidade ciV1iJI.
718 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

o alludido ,titulo
trata da responsabilidade civil em gerai,
fundada na theoria subjectiva da culpa.
Segund'O mostra BIELSA (10), a Suprema Côrte -daquelle
paiz tem applieado o principio fundand'O a responsabilidade
civil do funcci'Onario na simples transgressã'O das 'Obrigações
legaes do funccionari'O ou empregado publico.
D'Omina, portanto, 'Ocriteri'O rig'Oroso do cumprimento da
lei, devendo-se ter como legitima e insusceptivel de responsa-
bilidade civil, o acto praticado de accôrd'O com a lei, mesmo
quand'O fôr esta declarada inconstitucional.
Na Allemanha a tendencia éa mesma, ist'O é, ,de ligar o
conceito da responsabilidade civil d'O funcci'Onari'O aos princi-
pi'Os que orientam a responsabilidade civil em geral, mas ada-
ptadas convenientemente essas d'Outrinas ás necessidades do
direito publico.
Dahi OTTO MAYER estabelecer as duas seguintes condições
para que se verifique a responsabiiIdade d'O funccionario (11) :
a) que elle tenha negliceneiad'O o cumprimento dos seus
deveres em relação a terceir'Os. Presuppõe-se;por isso, o seu
dever para com terceiros e um~ 'Obrigação p'Ositiva de praticar
determinado acto ou agir de certa forma;
b) que a'O mesmo tempo em que se verifica a sua falta
para com terceiros tambem inc'Orra em falta para c'Om o Estado.
P'Or iss'O mesmo o C'Odigo Civil creou uma situação juri-
dica especial com relação á responsabilidade .civil dos funccio-
nari'Os. Exige, assim, que a falta attribuida ao funccionari'O
importe na violaçã'O de seus deveres funccionaes. Observa
MA YER que este principio pode ac'Obertar muit'Os actos funccio··
naes apparentemente susceptiveis de responsabilidade, mas que,
examinados de accordo com essa doutrina, pode acarretar o'
rec'Onhecimento de sua legitimidade em face das necessida4es
-do Estad'O. O acto, diz elle, pode ser illegal, e p'Or isso mesmo
annullavel, e não constituir um acto illicito e não ser tido como

(10) Derecho administrativo, voI. lI, pago 134.


(11) Droit administratif allemand, voI. r, pago 298.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 719

ilIegal para o funccionario, considerando-se a sua responsabi-


lidade para com terceiros.
A tendencia do di!"eito allemão, portanto, é para fixar a
natureza da relação do funccionario para com o Estado, dentro
de um criterio muito peculiar, de onde decorre a natureza d~
sua responsabilidade civil, intimamente ligada ás suas obriga-
ções funccionaes e aos laços de :dependencia que ligam os func-
cionarios ao' se!"viço publico (12).
A violação dos deveres profissionaes constitue, assim, um
ponto fundamental no estudo da theoria no direito allemão (13).

(12) 1E\m uma wl1Jbenessante conferencia realizada entre nós pelo


Professor H,ans P.erer d'a Universidade de Berlim s·obre as carac1eristi-
c~,:; e natur~as dio direi.to do funccLonaHsmo publico a:Uemão, reve occa-
s~a.o ·aquelle 11lustde professor de oexpender as seguJintes considerações a
:respeito da questão da responsabilHdade civ~l dos funcciona11Íi()s e do
Estado:
Uma peculiaridade do Direito do Funccionalismo .Mlemão é a res-
ponsab~lkIade 1(10 Eis:tad'o pelo·s actos praticados .peLo funccionario quando
taes amos constituam inf.racçã,o dos devo9res profisScÍlonaes. AiSlsim se
com um acto dessa natU!r~a, sej a ou não prD'posltru1mente praticado,
adlVier algum daIIJl(l!o para terceiro, 'a respOillsabiUdade desse damno e a
obrü,gajç.ã;o de indemn~al-o não cabe ao funccionaTlio, mas ·ao ESJt>ado, á
communa ou á entidade de Direito Publico, á cujo serviço esteja o culpado.
O .prejuidicado póde desde logo II"eclamar db Estado ou da pes:soa
jurídl,ca de DDreito Pub]Ílco ,responsav.el, a repar.,a,ção d·o darono soffrido,
,gem ter ;necessidade de interpe11a.r antes o funccionarioo, autor d·o acto
lesivo, nem d·e verificar se o mesmo funccionario está ou não .em condi-
ções de Lndem!lllÍZaJr o prejuizo ca'Usad·o. Nem sempre., a.liás, é facil cons-
ta:tar, se la funcci'onamo vi·olou lJ"ealmlente ou não deveres profissionaes.
Assim, por exemplO, uanI 'inspector de vehiculos intervem numa perturba-
ção de transito e ha um accidente. N,ão faltarão ,apiiIlÍões para attribuir
a eulpa ao policial, entendlendo que a hl1ervençã.{) deste era d'esnec·essaria
e foi nociv.!!!. Outros terã·o umiponto de vista diíferente, e, de qu:a.lquer
forma, será difficil alPurar se tendo de agir com presteza, numa circums-
tanci-a em que se impunha uma decisão r;aJ:liida, pode a sua acção ser
censurada.
Es'sa verLfiC8\ção dle .culpabilidade, a indagação de· haver ou não haver
iinfracção de dev:eres prof~ssiona.es, é, entTletant.o, de summa dmportanci.a
para decidlir da responsabilidade pel-o acto llratica.do da appli'cação das
medidas jurjd'vcas, s'obretudo criminaes, que ahi possam decorrer. Entre
aquelles, deve ser menciOOlada 'a responsahi~idade subsidiaria do funccio-
nario culpado, o qual nunca terá die .pagar dtirectamente á pessoa lesada
o damno causado, mas, em certos casos, será obr.igado a .resareir ao iEs-
tado a indemniz3Jção a que este, por sua culpa, tiver sido condemmado.
(In "Jornal do CO:rnJmercio" de 1 de Ago,gto de 1937).
(13) .Sobre () d~r dle subo:oo.'inação e obediencia d{) funccionrurio e
o direLto anrel'lLOr ·ao Oodigo ewi·l allemlão ver LABAND, Droit public de l'Em-
pire allemand, vol. lI, pg. 173.
Consultar tambem, FLEINER, Droit administratif allemand, pag. 173.
720 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

No direito anglo-saxonico a doutrina é bem diversa. A


irresponsabilidade dos funccíonarios de gráos superiores, isto
é, de categoria mais elevada, é a regra, o que exclue implicita-
mente a responsabilidade daquelles cujas funcções são subor-
dinadas e de menor iIIl;portancia.
Na Inglaterra estão tambemexcluidos da responsabilida-
de, salvo quando praticarem erro grave, um grupo de funccio-
narios, como os juizes, a policia, os empregados a duaneiros e
sanitarios.
Mas, naquelle paiz, como nos Estados Unidos, subsiste ape-
nas a responsabilidade pessoal do funceionario, exclui da a do
Estado que só pode ser apurada em determinadas condi-
ções (14).
Segundo ensina GOODNOW, a responsabilidade do funccio-
nario só se pode justificar quando o acto não se reveste de
ce!'tas particularidades de direito publico; por isso, a victima
deve se apresentar como titular de um direito decorrente de um
prejuizo soffrido como particular, e não como fazendo parte do
publico em suas relações com a administração.
As distincções feitas na Inglaterra e nos Estados Unidos
sobre este capitulo tem subtilezas muito peculiares ao direito
administratiV'O daquelles paizes. Deve-se, porém, partir do prin-
cipio da irresponsabilidade do Estado, encarando-se a questão
da responsabilidade do funccionario menos sob o prisma da
fUllCção publica do que como decorrente da lesão produzida pelo
acto em si.

('14J) N. KARADGE - ISKNOW - La letteratura ingIese ed america-


na sul diritto amministrativo deI dopo guerra - in Rivista di Diritto
Pubblico, 1931, pago 127, onde se enoontram dtadasas seguintes obras:
LASKY, The responsability of the State in England - in Hwrvard
Law Review, voI. 32, n. 5, Mar90" 1929, pags. 447-472 .
..ii~ C.,g. E'MDEN, The scope of the public authorities protection act. 1893
in The Law quartely Rev1;ew, voI. 39, n. 1'55, Ju:lho, 1923, pago 341-
J. B. GIoROON - The State as a litigant na mesana :OOVlÍsta, voI. 45,
n. 178, 1929, pago 286.
BERYADAL KJERTH. CIaim by and against the crown in Journal of
comparative legislation and inte1'naJional Law, 3.· serie, voI. X, parte
IV, 1928.
E. M. BORCHARD, Government responsability in torto Jale Latw JO'U/r-.
nal, voI. 34 e 36. Theories of governamental re8pOTl8ability in tort --
Columbia LI1IW review, voI. 28. .
W ATKINS - The State as a party litigant.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 721

Cumulação da responsabilidade do Estado com a do funecio-


nario. A solidariedade.

Existe tambern outro aspecto da questão que merece ser


examinado, principalmente devido á im;portancia que vem to-
mando entre nós. E' o da cumulação da responsabilidade ou
da solidariedade na responsabilidade.
Ensina DUEZ (15) que a não cumulação foi o principio
dominante até certa época, devendo-se a transformação da dou-
trina no sentido da cumulação á influencia de DUGUIT e JÉZE.
DUGUIT (16), depois de fazer o historico da evolução
da doutrina e da jurisprudencia franceza do Conselho de Es-
tado mostra como ella se transformou no sentido de augmentar
a responsabilidade do Estado e a abolição de distincções de
todo injustificaveis.
Mas o resultado pratico da cumulação de responsabilida-
des do Estado e do funccionario culpado está, precisamente, na
solidariedade na obrigação de indemnizar o damno produzido
pelo acto lesivo.
Entre nós, a Constituição de 1934 veio modificar os ter-
mos da questão dando forma processual nova, sentido proprio,
para que, na mesma acção contra o Fazenda, ficasse determi-
nada a responsabilidade do funccionario (17). Foi o que oc-

(15) La responsabilité de la puissance publiq,ue, pago 154.


(16) Les transfor1'lULtions du droit publico
(17) Sobre o historico do dispositiov<l do art. 171 daquella Consti-
tuição reproduzimos o qUle consta do voto proferido pelo Dezemlbargador
do T(rlfuoo·rul de São IPau~O', A<ntão de Moraes no accordão de 27 de No-
VIe1llIb<ro de 1936, publicado no "Jornal do Commercio de 1-2 de Março
de 1937:
"Quem teve de inicio a idéa foi o Sr. Themistocles Cavalcanti, que
assim redligiu o di1sposli.tivo: "Nas acções propostas contra a União, Es-
tadO' oU Ml\lJlÜlCipdo pela vluctima da~são, será sempre cItado, como assis-
tente, o autor do acto que ·poderá ser condemnado na propria acção, apu-
rada a sua respO'llS81)iJI!idade na fõrma da lei." Isto foi no seiO' da Com-
mioSSão encal'1l"egad a de elaborar o ante-ProjectO' consti,tucional (aeta da
1

2-5.' .sesgã<l). A emenda SUlscitO'u logo du,as observações. O Sr. João


Mangabeira, por não se ter cogitado ainda da sol~aried~d~, ponderou
<;J.ue, se () íunccionario fosse cul'pado, por es~ emenda a ~lctlma conser-
va,roia, não obstante, a faculdade de 'se cobrar so d'a F8$nda. O Sr .. AdTa-
nio de Mello Franco, presidente da commissão, declarou-se contrano, por

- 46

7o,
722 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

correu com o artigo 171 daquella Constituição, que, substituio


a antiga aeção regressiva pelo litisconsorcio obrigatorio (18).
Discutio-se muito sobre a obrigação da citação do funccio-
nario autor do acto, no inicio da lide, para ser demandado junta-,
mente com a Fazenda Publica; neste sentido ,tem variado a J u-
dsprudencia principalmente dos Tribunaes dos Estados.

entender que devia ser mam:tiJdo o principio geral da ~ regressiva,


adoptado por todos o.s paizes eu,Uos. Hiavend'o o Sr. Antonio Cados', ob-
servado que o funcdionar,io culpado e condemnado podia não ter meios
oom que satiS'fa'zoeI' a vluctima, suggel'lilU, então,o Sr. ThemmsfocIes Ca-
valcanti, se estabelecesse a solidariedade. Não esteve por isso, o Sr. Os-
waldo .A,r\lIJIlha, que disse importar essa medida na inversão do principio
geral de que ,a responsabilidade da União é a 1'1'incipaI e a do fUJILCcio-
nario suibsldialria. FIoi qua<ndo o Sr. Themi:stocles Oavalcanti, observou
consoante ,se lê na acta: "O Sr. ThemistoclesCav:alcanti friza que o tesa-
do pod:erá tentar aeção isoladamente contra a União, ou conjuntamente
contra a União e o funccionari'o" (Mendonça. d'e Azevedo, "Elaborando
a ConstitIulição Nacional", pag. 762). Ignoro o que aconteceu depois na
Assembléa Constituinte. O oerto é que as duas ,Lembranças do Sr. The-
mi,stocIes Oavalcanti vingaram: lá está no art. 171 a solidar:iedade e no
paragrapho 1.0 a citaçãoobrigatoria do fUI1!ccionano. P,arece não ser in-
Mscreção maioradmittLr que taes idéas penetram na ConstittI1ção com o
vinco origitnal, pois () Sr. ''Nlemistocles Cavalcanti, como vimos, fr~sou que
o liesado poderIa agir só contra a: Fazenda, ou, conjunctame.I1te, contra
elIa e o funccionaT'io. Como jurista eminente que é, o Sr. ThemiosJtocles
Cavalcanti outra ,coisa nã{) podia dizer ante a soUdari,edade passiva quê
estabeleceu. Vê-,se, d,essa,rte qru.e o ellemento histonco auxJUa a intelli-
g;enci.a que estdU dando ao artigo. .A,ccresce haver o Sr. ThemistocLes
Cav,rokanti adduzido qu.e, pela sua emend'a, a Fazenda ficaria mais de-
fend~da, porque o propl'j>() f11Illccional"io -llhe forneoeri:a elementos para a
defesa. "
(18) O historico da acção regressi'va contra o funccionario por parte
da Fazenda que lê o actual Mlindstro do Supremo T,ribuna:l Ounha Mello
quando juiz federal, no seguinte topico dle uma sentença.
"Isto posto: - A frequenci,a cada V'ez ma'ror de deciJSões jud1cioarias,
condemnando a União, a rooarcir prejuizos, causados ,por actOos illegaes
da administração publica federal, lesivos de direitos lindJivliduaes, desper-
tO'u pela primeira vez em 1914 a3:!ttenção do legislador, que procurou
desde logo, acaUJtelaros interesses do erano nacional, mediante a adopção
de medidas que tornassem effectiva a responsabilidade, traçad3:! no arti-
go 82 da entãovli,gente Carta de H~91 - Provendo o Congtresso, naquelle
anno, sobre certo pagamento, dev,ido a deterIlÍlnado offieial do Exercito,
em vi,rtude de sentença confi.rmada' pelo Supremo Tri:bun8lt, votou o pro-
j.ecto que se converteu no decreto n. 2.945, de 9 de janeiro de 1915, no
qual addio á auto~isa~,ão pa'ra 3Jbertura de credito, o seguinte dispositivo:
"Art, 2. 0 - S'em~re que a União for condemnada por sentença judicia-
ria a pagamento resultante de lesões de direitos ind1v1iduaes, o MJinistro
da Fa71enda, na mesma oocasião em que ordenar o pagamento, enviará á
autoridade competente os papeis respec~ivos, afim de ser proposta. pelo
representante da Fazenda Nacional acção regressiva, contra a autoridade
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADM;:.NIS'!.'~_·Vl'TVO BRASILETRO

A verdade é que, sob o reglmen da Constituição de 1934,


embora se nos afigurasse bem cla-ro o texto Constitucional, sem
embargo do erro que para nós representava o litisconsorcio
obrigatorio, nunca foi possivel chegar-se a uma orientação de-
finitiva (19).

que deu ~us~ á cond-:mnaçã1>. - § 1.0 - Incorrerá nas pellalS do crime


de prevarl caça0 ~'CodlgO P,enal, art. 207), o Ministro que não fizer a
remessa dos papel'S ordenada neste artigo e o representante da F.az.enda
que dentro de 30 di!l!s! não proplliZer a acção respectiva, mo<f.i,fLcado assim
o art. 13 § 14, dia 1el n. 221, de 20 de novenibro de 1892. § 2_0 - A
aoç:ão criminal nos caso,s do paragrapho anterior pode ser iniciada me-
diante representação de quaIquer cidadão". A,pesar de haver recrude-
cido dali em deante, o mal que por essa forma se visára remediar, a leI
de 1915 quasi que não chegou a ter applicação (salvante o caso da de-
manda conrra o marechal F,ontoura), acabando por se converter em pura
letra morta no ·cargo da legi,slação patria. - E' mesmo muito signifi-
cativo e .por isto digno de reglsto, que a Iiei· nem sequer foi ap,plicada ao
. proprio oaso, .cujo exame determinara a conveniencia de sua feitura.
v,oltou-se, doze annos depois, a cogH:ar dQ assumpto no Congresso Na-
danaI, onde encontrou echo a suggestão seguinte, contida em ent>revista
do saudoso Ministro Guimarães Natal, dada a um dos orgãos da impren-
sa d1esta didade ("O JQrnal", de 10 de maio de 1927); "Melhor seria que
em vez da platonica !l!oção regressiva se preceituasse na lei que para as
acções de indemnização intentadas contra a Fazenda PUlblJ.ca por actos
illegaes do Go'verno, fossem citados tambem os autores de taes ados, e
que, juLgada ella procedente, se executasse a sentença principalmente so-
bre os bens destes, e 'só subsidiatriamente, i,sto é, quando elles não bastas-
sem, sobre os da União. - Nesse caso, a effectfi,vidade da applica.ção da
pena civill resultaria directamente da Lei e seria promovida pela parte
lesada, independente de qualquer intervenção do Ministerio Publico." -
Formulou-se nessa ordem de .idéas um projecto, que não logrou alcançar
os t,ermos finaes da elaboração legislativa, enca'Lhado que ficou, no Se-
nado, em 1929. Consoante o artigo 1.0 do projectQ, as acções destina-
das a annuIlar os effeitos dos actQ,S iHegaes da administração lesivos de
direitos individuaes, dev,el'liarn ser propostos, "ao mesmo tempo, contra a
União Federal .e contra a autoridade administrativa, de quem houvesse
emanado a medida ou decisão impugnada". -(lSentença de 19 de janej'ro
·de 1937).
(17) Definiu mwito bem a questã·o o fi1lustre Procurador da Repu-
blica Luiz Galloti, no seguinte topico de um parecer publicado no "Jornal
-do Commercio", de 9 de Outubro de 1937, cujos fundamentos subscrevemos:
Preliminarmente - E' evidente a nullidade resultante de não ter sido
cumprido o disposto no art. 171 paragrapho 1.°, da Constituição (citação
do funccionario a quem o autor attribue a lesão de seu pretendido di-
reito) . _
Procura o autor excusar-se dessa falta, aHegando que a sua acção,
embora proposta já na vLgencia da actual Constituitçã1>, antes desta nas-
ceu, e, por i'sso, não se lhe pode applicar aque~le preceito constitucional.
Entreta-nto, a verdade é que, tratando-se de uma disposiçãQ processual,
de ordem publica, só ha concluir pela sua applicação ás aoções propostas
E-pÓS a sua vigencia (IOOUBIER, Les conflits de Lois.• 1933, voI. lI, pago 685;
724 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

A Constituição outorgada em 1'9 37 modificou sensivelmen.


1

te o texto ante!'ior naquillo que diz com o processo, dispondo


apenas:

"Artigo 158 - Os funccionarios publicos são


!'esponsaveis solidariamente com a Fazenda Nacio-
nal, Estadual ou Municipal por quaesquer prejuizos·
decorrentes de negligencia, omissão ou abuso no
exercicio de seus cargos".

Technicamente, isto é, sob o ponto de vista da responsa-


bilidade administrativa, o texto novo é mais perfeito porque
define mais nitidamente a natureza da responsabilidade do
funccionario.

JOSSERAND, Cours de Droit Civil, 1932, voI. I, pag. 56; COLIN et CAPI-
TANT, Cours, 1934, voI. I, 'pago 52; C'uNHA GoNÇALVES, Tratado de Dir.
Civil. 1929, voI. I, pago 374, f; CLOVIS, Cod. Civ. Commentado, 2." ed.,
voI. I, pago 99, n. 9). .
O ensinamento de RJoUBIER, por exemplo, é terminante: "Les condi-
tions requises pour agir 'en justice d'aiven être apréciées d'apres la loi
~n vigueur au jour ou l'action este intentée" (v 01. cit., pag. 697, n. 141).
Argumenta tamlbem o autor que á União é que cllmlPria fa~r obseT-
var ·0 disposto no a'rtigo 171, paragrapho 1.0, da Lei Magna.
üra, o preceito constitucional é deste teor: "Na acção proposta con-
tra a Faoonda Pu:bEica, e fundada em lesão praticada por funccionari.o,
este será sempre 'citado como Utis-consorte".
Não podJias.er mais categorica a determdnação: o runccionario será
sempre citado como .litis-consorte.
Se a Constitu1Jção, como pretende o autor, qu.wesse ob11Ígar apenas a
Fazenda PubHca, d[sporia que esta .promovesse a citação em apreço.
Mas não é isso o que dispõe. O que ordena é que o f.unccionario
seja sempre citado ,
Está visto, por consegudnte, que o mandamento da. Constituição ha de
ser obedecido por todos, e não sómente pelo Poder PubHco.
E', aliás, o que ensinam os Miestres.
PONTES DE MIRANDA, por exemplo, de rnanei,ra muLto precisa, accen-
tua: "Sob pena de nulUdade, porque essa é a sancção implícita no arti-
go 171, paragrapho 1.0, na acção pro,posta contra a F'azenda Pu.blica e
fundada em lesão por fUMcioTWlr'ÍO, esse ha de ser citado como lins-con-
sorte. Trata-se, pois, de citação imcial" (Commentarios á Constituiç.ão~
2.0 voI., pags. 486-487).
O autor j,nvoca um ju1gado da .oôrte de Appel!lação de S. Paulo.
Pois bem: o que essa Egregia Côrte vem reiteradamente decidtnd(), e
que - não citado o au~or do acto como litis-consorte, a acgão é mula por
inobservancia de preceito constitucional de O'I'dem publica (aces. n() Ar-
chivo Judiciario, voI. 40, pagl 287, e voI. 42, pag .. 281).
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 725

Observa, com muita procedencia, o illustre CÀSTRO NUNES


em um livro recentemente publicado (20) :

"O que a Constituição estabelece, no passo ci-


tado, é uma cumulação de acções em beneficio do
terceiro prejudicado, acções que este teria contra a
Fazenda ou o funccionario ou agente que deu causa
á lesão. Mas o fundamento das duas responsabili·-
dades pode não ser o mesmo.
A do funccionario é seIDJ>re culposa, isto é, terá
de assentar necessariamente na apuração de' uma
falta inexcusavel do seu dever funccional. Isso está
na lição dos expositores e resulta da evidencia do
nosso texto constitucional. Importa em dizer que
para o funccionario chamado a juizo .com a Fazenda
não haverá responsabilidade sem culpa".

Foi o que consagrou de modo explicito o texto da Consti-


tuição de 1937, de accordo com a bôa doutrina.
Quanto á responsabilidade do Estado ella deve ser collo-
cada em outros termos, a sua comprehensão é mais ampla, de-
fine-se melhor dentro do conceito da "legalidade", comprehen-
de-se mais rigorosamente em seu sentido "objectivo", da .con-
. formidade ou não do acto lesivo com a lei.
E' o preceito do artigo 15 do Codigo Civil que define o::
limites dessa. responsabilidade, subordinando-a ao procedimen-
to illegal ou culposo dos seus funccionarios.
Chegamos, assim, a um dos capitulos mais extensos do di-
reito administrativo não sómente pelas theorias que se têm
multiplicado mas ainda pela variedade de suas applicações.
Já vimos, no entretanto, no principio deste capitulo, as
differentes tell'dencias sobre este assumpto, de accordo com as
directrizes geraes do regimen politico vigente (21).

(20) Do Mamdado de Segurança, pg. -3-50-.


(21) \Consultar sobre este assumpto: A'MARO CAVALCANTI, Respon-
sabilidade Civil do Estado.
LACERDA DE ALMEIDA, Das pesSlOas ;uridicas.
NUMA P. 00 V!ALE, Da responsabilidades dos Estados.
726 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

o principio predominante entre nós,é o da responsabilida-


de do Estado quando os seus agentes procedem contrariamente
ao direito ou são negligentes no exercicio de suas funcções.
Quanto aos actos legislativos, o principio da irresponsabi·
lidade é a regra geral, dada a natureza daquelles actos com-
prehendidos nas suas attribuições, desde que tenham caracter
especifico. Naturalmente que aqui não se pode comprehender
aqueIles actos considerados na esphera puramente administra-
tiva que, neste caso, segue a doutrina commum a todos os actos
daqueIla natureza. '
F' a doutrina predominante em todos os paizes.

MATTOS VASOONCELLOS, Direito Administrativo•


.A.. GIAQUINTO, Teoria generale della responsabilitá.
R. BONNARD, De la responsabilité des PersUMes rmbliques.
SALEMI, De la responsabilitá della pubblica amrminiBtrazione.
DuEz, La r6sponsabilité de la puissanoermblique.
BIELSA, Contribuoion al ea:aanen de algunas instituciones Jurídicas.
DESMARET, De la responsabüité oivile des jonctionnaires.
GILIBERTO MESSINA, Responsabilitá Divile deUo Stato e delle persO'M-
giuridiche. '
GooDNOW, Principes du droit administratif des Etats Unis.
TITULO VI

Do Contencioso Admi nistrativo .

OAlPI'DUDO I - O Contencioso no Regimen Imperial


o Contenoioso no Regimen Imperial -.:.... Uruguay - Tri-
bunaes do Thesouro - CQmpetencia - Conselho de Estado
no Brasil - Sua Organisação - Transformações - R'eforma
- O Acto Addioional - A Lei de 184:2 - Competencia do
Conselho de Estado - Pimenta Bueno.
CAiffiTULO LI - A Administração julgando seus proprios actos
A Administração julgamdo os seus 'JWoprios aotos - Biel-
sa Meucci - O Tribunal Administrativo do Artigo 79 da
Constituição de 19/14 - O Tribunal Maritimo Administrativo.

CAJHITUiLO lU - Noção do Contencioso Administrativo


Noção do contencioso administrativ.() - Sentido formal e
material - A jurisdioção admrmstrativa e os tribunaes admi-
nistrativos - Diversos systemas.

CAPITUlLO IV - Systema judicial


Systema Judioial - Sua Origem no Direito Anglo-Saxo-
mco - . O Systema Belga - O Habeas-Corpus - A Acção
Summaria Especial - Os Interdictos - O Mandado de Se-
gurança _ Executivos Fiscaes - Privilegios da Fazenda -
Prescripç'"'ao.

OAlPlTUlJO V - Dos recursos administrativos


Os Reawrsos Administrativos - O Recurso Hierarchico,
e as Instancias Collectivas - Conselho de Contribuintes -
Sua Organisação e Competencia - Conselho Nacional do Tra-
balho - Conselho de Recurso da P'/'Iopriedade Industrial.
728 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

OAPI'DULO VI - Conselhos
Conselhos (continuação) - Conselhos technicos - Con-
selhos consultivos - Conselhos admúnistrativos - Conselho
Superior da Segurança Nacional - Conselho Penitenciario -
Conselho do Almirantado - Conselho Nacional de Educação
- Conselho Florestal - Conselho de Caça e Pesca - Con-
selho Universitarlo e Conselhos technico-administrativos
Outros Conselhos de menor imtpO'rlancia.

OAPI'DUtLO WI - Perempção e reconsideração


Recursos Administrativos - Da Sciencia da Decisão -
Do Pedido de Reconsideração - Da Cousa Julgada - Pe-
rempção dos Recursos. '
TITULO VI

DO OONTEiNiCIOSO ADMINISTRATIVO

A noção do contencioso administrativo está ligada intima-


mente á do privilegio da administração publica no julgamento
e processo das questões suscitadas em torno dos seus proprios
aetos (1).
, E' esse em sua pureza, o conceito classico do contencioso
administrativo que obedeceu, antes de tudo, á tendencia das
doutrinas sobre a separação dos poderes.
Nenhuma lei definio até hoje a sua natureza mas apropria
jurisprudencia encarregou-se de fixar os limites das questões
propriamente da esphera do contencioso administrativo.
LAFERRIÉRE (2) foi quem com maior proficiencia estudou
a natureza do contencioso e fez seu elogio mostrando, com a
sua analyse, que a sua existencia nas legislações de quasi todos
os povos decorre da propria natureza das cousas e é da essen-
cia dos regimens.
Contra essa tendencia absorvente da administração, for-
mou-se uma corrente no sentido de distinguir os actos de im-
perio e de gestão, cabendo sómente aquelles dentro das attri-
buiçães contenciosas administrativas, ficando estes ultimos na
alçada dos tribunaes ordinarios.

(1) V,er BIELSA, Derecho administrativo, voI. I, pg. 3'73.


(2) Traité de la J7l1'isdiction Administrative, vol. I, pg. I}.
730 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Nota, porém, BERTHELEMY (3) que voltou a jurisprudencia


do Conselho de Estado ao criterio primitivo, absorvendo nova-
mente todas as questões relativas aos actos praticados pela ad-
ministração.
Assim, o debate em torno do que se entende por jurisdicção
graciosa e contenciosa perdeu em parte o seu interesse, p'orque
todas as questões se confundiram dentro da competencia geral
dos Tribunaes administrativos.
Esta tendencia é caracteristica principalmente do systema
francez, da unidade de jurisdicção, contra o systema belga que
se caracterisa especialmente pela dualidade de jurisdicção,' de
accordo com a distincção dos actos administrativos que ferem
ou não direitos subjectivos.
Tal como a Italia, passamos pelos dous systemas, embora
com peculiaridades inherentes aos dous -paizes conforme ve-
remos adeante. Mas, do maior interesse é o exame do regimen
vigente na França e nos outros paizes porque só assim pode
bem ser caracterisado o regimen.

(3) Op. cit., pg. 947.


CAPITULO I

o OONTENCIOSO AlDMIlN1ISTRATIVO

o Contencioso no RegtÍllllen Imperial - Uruguay - Trihunaes


do Thesouro - COlllIPetencia - Conselho de EstJado no
Brashl - Sua Organilsaçã() - TranSJf'ormações - Ref()r-
ma - O Aeto Add!icionall - A Lei de 1842 - Compe-
tencia do Conselho de Estado - Pimerut>a Bueno.

Existiu no regimen Imperial. Foi uma consequencia }o-


gica do systema administrativo então vigente, pelo menos em
um periodo de organisação mais avançada do Imperio.
Como nota URUGUAY (1), coube ao Marques de Pombal
emancilJlar o conhecimento d,as questões administrativas da oom- .
petencia dos Tribunaes judiciaes attribuindo tal competencia
a um Conselho de funcções puramente administrativas.
As duas leis de 22 de Dezembro de 1761 organisaram o
Thesouro Geral e o Real Erario e o Con,selho de Fazenda, ao \
qual ficou confiada toda a jurisdicção voluntaria e contenciosa,
em todos os requerimentos, causas e dependencias que vertes-
sem sobre a ar'!."ecadação das rendas de todos os direitos e bens
da Corôa, de qualquer natureza que fossem.
Esse conhecia, diz URUGUAY, em uma s6 instancia, e tudo
determinava definitivamente sem outro recurso que não fôsse
o de Consulta a El-Rey, nos casos em que o mesmo Conselho
aehasse que eram dignos disso.

(1) URUGUAY, Ensaio de direito administrativo, voI. I, pg. 136.


732 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

o Cons-elho d~ Fazenda -ex-ercia a jurisdicção voluntaria


nas habilitações administrativas e rendws em qu-e d-eviam pra-
ticar arr-endamentos d-e oons, direitos que d-eviam ser arrema-
tados por contracto.
Por outro lado, a jurisdicção conronciosa exercia-s-e em
tudo quanto dizia respeito á arrecadação da divida activa.
A l-ei de 4 d-e Outubro d-e 1831, que reorganisou o Thesouro
Nacional, extinguio o Conselho de Faz-enda e passou as suas
attribuições contenciosas para os juizes Territoriaes, com re-
curso para a Relação do Districto, e a jurisdicção voluntaria
para o Tribuna:l do Thesouro.
R-epr-esentou isso um retroc-esso na evolução do conten-
cioso administrativo.
O Decreto n. O 736 de 20 de Novembro de 1850, e o Regula-
mento d-e 22 d-e Nov-embro de 1851, qu-e formaram o Thesouro
Publico Nacional -e as Thesourarias das Províncias, reorgani-
saram o T,ribunal do Thesouro Nacional e alargaram o conron-
cioso administrativo do Thesouro.
O Tribun~l do Thesouro era composto de quatro membros:
Director Geral das Rendas Publicas, Director Geral da Des-
pezà Publica, Dir-ector Geral da Contabilidade, Procu"!"ador
Fiscal do Thesouro.
As suas attribuições foram fixadas no art. 2. 0 e entre ellas
"algumas se achavam de caracror conroncioso, a swber:

julgar os recursos inrorpostos das decisões das


Repartições fiscaes;
determinar a prisão e o sequestro dos responsa-
veis que não apresentassem suas contas dentro do
prazo que lhe fôra fixado;
iIlllPÔr multas nos casos em que as leis.e os regu-
lamentos conferissem essa attribuição ao Thesouro.

Além dessa competencia ainda tinha o Tribunal do The-


souro outras de natureza consultiva e administrativa.

(2) Voer URUGUAY, Ensaio, voI. T, pg. 236.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 733

o decreto 2.343 de 29 de Janeiro de 1859 ainda ampliou


mais o contenci.oso administrativo. Alli ficou o Tribunal do
Thesouro consagrad.o como Tribunal administrativo nos termos
expressos dos artigos constantes do seu capitulo 2.°.
O artig.o 3.° do alludido decreto dispunha que o Tribunal
do Thesour.o continuaria a ter voto deliberativ.o:

1.0) quand.o os recursos interpostos das deci-


sões proferidas pelas repartições fiscaes em materia
contenciosa versarem sobre .o lançamento, aPlPlica~
çã.o, isenção, arrecadação e restituição de impos-
tos e rendas publicas .ou sobre qualquer questão en-
tre a administração e o contribuinte a respeito das
ditas imposições;
2.°) quando .o~ recursos interpostos das deci-
sões das mesmas repartições fiscaes e das autori-
dades administrativas versarem sobre ap'prehensões,
multas .ou penas cor;POraes nos casos de fraude, des-
caminho e contrabando ou por infracção das leis e
regulamentos fiscaes.

Por outro lado, ainda attribuia a.o Ministro e Secretario de


Estado da Fazenda competencia para "conhecer quer em pri-
meira instancia, quer em gráo de recurso das reclamações sobre
o contencioso administrativo da Fazenda nacional, salvo nos
casos em qlle .o Tribunai d.o Thesouro tem V.oto deliberativo".
E ainda mais, nos casos em que a deliheração pertencia ao
M-inistro era. elle competente para decidir dos recursos que
pelas leis e regulamentos podiam ser intertpostos das decisões
da Thesouraria d;;t Fazenda e dos 'chefes das repartições fiscaes
da Côrte e da Pr.ovincia do Rio de J aneir.o.
Como se vê, era o plen.o regimen do contencioso adminis-
trativo, consagrado de maneira explicita pelo artigo 25 do
mesmo decreto, que dava força de sent.ença dos Tribunaes de
Justiça ás decisões dos chefes de repartições da Fazenda, do
Tribunal do Thesouro e do Ministr.o da Fazenda, nas materias
de sua competencia que f.ossem de natureza contenciosa.
734 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Finalmente o Conselho de Estado tinha attribuições p&.r~


annullar as decisões administrativas contenciosas em caso de
incompetencia, excesso de 'poder, violação da lei ou de formulas
essenciaes.
Os principios e normas regulamentares do contencioso ad-
ministrativo das diversas repartições de Fazenda, Alfandega,
Mesas de Renda, Recebedoria estão espalhados pel08 diversos
decretos regulamentos, ordens do Thesouro, etc.
A analyse de toda essa le~islação, já revogada em grande
parte, escapa aos limites deste trabalho e não offerece qualquer
interesse de ordem ~pratica.

Conselho de Estado no Brasil

No Brasil lmperio, teve o Conselho de Estado diversas or-


ganisações e finalidades. Em torno de sua creação e suppres-
são lutaram os partidos. Os 'Conservadores viam na sua exis-
\ tencia apropria essencia do poder moderador, base do regimen
! .
constitucional do lmperio. "A suppressão do Conselho de E8-
tado, disse THEOPHILO OTTONI, em um dos seus ataque aquella
instituição, era tambem um grande t~iumpho da idéa liberal,
pois que annuHava em sua essencia o poder moderador, causa
de tantas apprehen8ões durante o primeiro reinado".·
Por outro lado, URUGUAY attribuia o fracasso do Conse-
lho de Estado ao pessoal que o constituia.
O precursor do Conselho de Estado no Brasil foi o Con-'
selho dos Procuradores Geraes das Provincia. Foi elle c'reado
:pelo Principe Regente Pedro l, pelo decreto de 16 de Fevereiro
de 1822, movido por uma necessidade justificavel de se rodear
de uma corporação de homens que o auxiliasse com a sua ex- .
periencia e conselhos na obra diff.icil da administração.
O Conselho dos Procuradores era nomeado pelos eleitores
das parochias e tinha como attribuições:
1.0 - Aconselhar o Principe todas as vezes que fosse soli.,
citado em todos os negocios mais importantes e difficeis;
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 735

2.° - examinar ·15 ~andes projectos de reformas que se


deveriam realisar na administração geral ou particular do
Estado;
3.° - propôr ao Principe as medidas que julgasse urgen-
tes e vantajosas á administra~ão;
4.° - zelar pelas utilidades de suas Provincias. (3)
A Assembléa Constituinte, pela lei de 20 de Outubro de
1823, extinguio esse Conselho, e não admittio procuradores do
povo que não fossem os seus deputados e Conselheiros do Im-
perador outros que não os seus Ministros.
A dissolução da Constituinte impôz novamente ao Regente
a creação. de um Conselho que o assistisse na administração e
cuidasse com elle das cousas publicas. O decreto de 13 de N 0- ('
vembro de 1823, creou um Conselho de E,stado composto de dez I
membros, incluidos os Ministros, seus membros natos, que ti-
nham como attribuição ainda a elaboração da Constituição.
A primeira Constituição do Imperio manteve a mesma or-
ganisação dada pela lei de 1823, fixando a sua competencia e
attribuições nos arts. 137 e seguintes:

"Art. 137. - Haverá um Conselho de Estado


composto de Conselheiros vitalícios nomeados pelo
Imperador ..
Art. 138. - O seu numero não excederá de dez.
Art. 139. - Não são comprehendidos neste nu-
mero. os Ministros de Estado nem estes serão repu-
tados Conselheiros sem especial nomeação do Impe-
rador para esse cargo.

Art. 142. - Os Conselheiros serão ouvidos em


todos os negocios graves e medidas geraes da pu-
blica administração, principalmente sobre a decla-

(3) URUGUAY, Ensaio sobre o Direito Administmtivo, voI. l, pa-


gina 235.
736 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

ração de guerra, aj ustes de paz, negociações com as


nações extrangeiras, assim como em todas as occa-
siões em que o Imperador se proponha exercer qual-
quer das attribuições proprias do poder moderador
indicadas no art. 101, á excepção da sexta".

Por ahi se vê cOmo era restricta a funcção administrativa


do Conselho. As suas atribuições eram· mais de caracter poli-
tico. Bem longe dos Conselhos de Estado como o da França,
onde multiplas sempre foram as attribuições contenciosas ad-
ministrativas.
A sua propria composiç'ão lhe tirava qualquer possibilidade
de efficiencia (4).
A reacção liberal tinha como ponto capital do seu pro-,
gramma a extincção do Conselho de Estado. Estava isto logi-
camente dentro de suas finalidaqes. E assim o Acto Addicio-
nal, em seu artiggo 32, não podendo supprimir,' o poder mode-
rador, devido em grande parte á resistencia do Senado, suppri-
, miu o Conselho de Estado:

"Fica supprimido o Conselho de Estado, de que tra-


ta o Titulo 5.°, capitulo 7.° da Constituição".

Não cessou, porém, ahi a lucta em torno do Conselho. O


debate doutrinario continuou até que em 1841 o Imperador, em
sua falla de 13 de Maio, por occasião da abértura das Cama-
ras, chamava a attenção dellas para a necessidade da creação
do Conselho de Estado.
Neste mesmo anno, foi o projecto apresentado e teve an-
damento. O debate foi longo e a discussão versou principal-
mente sobre a sua composição, a constitucionalidade do resta-
belecimento do Conselho deante do Acto Addicional, a perpe-
tuidade do exercicio de seus membros, e a sua amovibilidade.
ALVES BRANCO, BERNARDO DE VASOONCELLOS, PAULA
SOUZA, distinguiram-se particularmente nos memoraveis de-

(4) PIMENTA BUENO, Direito Publico Brasileiro, pg. 286; URUGUAY,


op. cIt., pg. 238; SOUZA BANDEIRA, Evocações e outros escriptos, pg. 134.
INSTITUIÇÕES DE DIREITo ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 737

bates. Veio por fim a lei de 23 de Novembro de 1841 regula-


mentada em 5 de Fevereiro de 1842.
Por essa lei, o Conselho de Estado tinha doze membros
ordinarios, além dos Ministros de Estado.
As suas sessões seriam conj unctas ou em secções, as pri-
meiras presididas pelo Imperador e as ultimas pelos Ministros
a que pertencessem os objectos das consultas.
O regulamento de 1842 dividiu o Conselho em quatro
secções:

La) Negocios·"do Imperio;


2. a) Negocios da Justiça e dos extrangeiros;
3. a ) Negocios da Fazenda;
4.a ) Negocios da Guerra e da Marinha. (5)

Quánto á vitaliciedade, prevaleceu um criterio interme-


diario. A lei de 1841 admittia em principio a perpetuidade, po-
dendo no entretanto o Imperador dispensar o Conselheiro de
Estado por tempo indeterminado do exercicio. de suas funcções.
Os ,Conselheiros de Estado eram ainda responsaveis pelos
conselhos dados ao Imperador que fossem contrarios á Con-
stituição e aos interesses do Estado, devendo responder por
esses crimes perante o Senado.

(5) Alrt. 7.°, da Lei de 23 de Noverobl'O de 1842 - "Incumbe ao


Conselho de 'Estado consultar em todos os negocios em que o Imperador
houv·er por bem ouvil-o, para resolveI-os; e principalmente:
1. ° - em todas às occasiões em que o Imperador se propuzer exer-
cer qualquer das attr~buições do Poder Moderador indicadas no art. 101
da Constituição. . .
2. ° - sobre declaração de guerra, ajustes de paz e neg,ociações com
as nações extrangeiras. . .
3.° - sobre questões de prezas e indemnisações.
4.0 - sobre con:fiHctos de jurisdicção entre as autorida.des a.dminis-
trativas e entre estas e as judiciarias. •
5.° - sobre abusos das autoridades ecclesia.sticas.
6.° - sobre decretos, <regulamentos e instrucções para a bôa exe-
cução das leis, e sobre propostas que o Poder Eocecutivo tenha de apre-
sentar á Assemlbléa Geral.

- 47
73-8 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
-----
o
que interessa mais directamente á materia deste livro
é o estudo da competencia do Conselho, mórmente na orbita
administrativa.
A GOMPErrE4NCIA DO CONSELHO DO ESTADO foi
fixada no art. 7.° da lei de 1841 e no respectivo regulamento.
l As suas atribuições eram politicas e administrativas. Co-
,I
mo diz URUGUAY (6):

"O Conselho de IEstado auxiliava o poder execu-


tivo no exercício de todas as outras attribuições po-
líticas e em todas as administrativas.
Digo em todas as outras attribuições políticas,
porque algumas se prendem por tal modo com o ad-
ministrativo, que não é possivel instituir uma, sepa-
ração completa e minuciosa."

Por isso, suggeria URUGUAY a divisão das attribuições


d entre um Conselho Privado e um Conselho de Estado, aquelle
'I
para as questões políticas e este para as administrativas.
Desdobrando as attribuições conferidas pela lei ~ pelo re-
gulamento de 1842 ao Conselho de Estado, assim divide URU-
GUAY as suas funcções:

l.a) Do Poder Moderador.


2. a ) Do Poder Executivo, politico ou governa-
mental.
3. a ) Do poder administrativo gracioso.
4. a ) Do poder administrativo contencioso.

I - Junto ao Poder Moderador. Era talvez esta a fun-


cção mais delicada do Conselho. O exercicio do Poder Modera-
dor ficava em grande parte apoiado sobr~ a responsabilidade
do Conselho em assumpto da mais alta relevancia política para
a Corôa.

(6) Op. cit., voI. I, pg. 280.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 739

A convocação das Assembléas Geraes, a approvação ou


.suspensão das resoluções das Assembléas Provinciaes, a sus-
pensão dos magistrados, a concessão da amnistia, a escolha dos
.Senadores, eram assumptos sobre os quaes sempre poderia ser
,uuvido o Conselho de Estado, cuja opinião era ou não acata-
.da mas que nem por isso influia menos na politicageral do
paiz.
U - O poder politico ou governamental comprehendia im-
portantes materias como a declaração de guerra, os ajustes de
paz, as relações e negociações com as nações extrangeiras ou
com o poder espiritual.
. lU - Com relaç'ão á jurisdicção administrativa graciosa,
.que- PIMENTA BUENO chama de qu~~! _~?E-~enci'?sa. E' este tal-
vez o ponto mais interessante sobre o aspecto que se relaciona
com o direito administrativo.
Neste terreno verifica-se a intervenção do Conselho de
Estado como funcção consultiva mas sobre materia accentua-
.damente administrativa.

Diz PIMENTA BUENOS (7)


"
"Ha alguns assumptos administrativos que par-
ticipam . do caracter contencioso sem que, todavia,
possa este predominar sempre, já porque não se dá
propriamente litigio, já porque alguma vez é neces- '
sario conservar á administração uma certa liberdade
ou latitude de acção a respeito, como indispensavel
aos interesses publicos. Neste caso estão as questões
de guerra, os conflictos de attribuições, as questões
de competencia entre autoridades administrativas e
os recursos por abusos das autoridades eclesias-
ticas".

(7) Op. cit., pg. 294.


740 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

A intervenção do Conselho de Estado é, em todos casos,.


porém, sempre facultativa, cabendo ao Imperador sempre a
iniciativa da consulta.
IV - Nos negocios contenciosos. Finalmente, relativa-
mente a esses assump.tos ainda prevê a lei li intervenção .do
Conselho de Estado com o caracter meramente consultivo e.
~acultativo.

Verifica-se ,no entretanto, a sua audiencia:


a) nos conflictos entre a jurisdicção administrativa e a.
j udiciaria ;
b) nos reéursos interpostos das resoluções dos Presiden-·
tes das Provincias em materia contenciosa ou das' decisões dos..
Ministros de Estado;
c) nos embargos oppostos ás resoluções Imperiaes.
Os artigos 24 e seguintes do Regulamento de 5 de Feve-
reiro de 1842, estabelecem a forma de processo e os caso.<:! em
que se verifica o recurso e a intervenção do Conselho de Es-
tado. (8) .
Sob o ponto de vista administrativO; duvidosa foi a effi-·
ciencia do ,Conselho de IEstado na Monarchia. O contencioso,
administrativo, ou melhor, a jurisdicção administrativa prati-·
camente não tinha existencia, faltando-lhe os elementos indis-
pensaveis ao funccionamento normal e obrigatorio dos orgãos
jurisdiccionaes inherentes áquelle syswma.
Prestou, no entretanto, o Conselho de Estado grandjils· be-
neficios ao regimen. Dil-o muito bem, citando factos, o nosso
SOUZA BANDEIRA. (9)
A lei de 1842 extinguio-se com o regimen, não obstante as.
tentativas de reforma, entre as quaes deve ser citada a do>
Marquez de São Vicente, em 1867.

(8) Ver PIMENTA BUENO, op. ci t., Ipg. 304 e segs.


(9) Evocações e outros esc1"iptos, pg. 146.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 741

A Republica modificou por completo o systema adminis-


trativo dó Impe:io, supprimiu o Conselho do Estado, enfeixan-
.do nas mãos do Pode: Executivo, pelos seus diversos orgãos,
toda a autoridade administrativa.
O movimento de reacção contra a hypertrophia do Exe-
,cutivo não se fez -esperar. Tentou-se, sob a vigencia da Consti-
tuição de 24 de Fevereiro, restabelecer, embora sob nova forma,
o velho Conselho de Estado. (10)
A ela~oração da Constituição nova, depois da Revolução
de 1930, veio novamente trazer á baila o asumpto. A Commis-
.são que trabalhou no Itamaraty, sob a presidencia do Minis-
tro Afranio de Mello Franco, para a elaboração do Ante-Pro-
jecto Governamental de Constituição, debateu a questão sob a
forma de uma proposta de seu Presidente, que suggeria a crea-
-ção de um Conselho Supremo da Republica, que não mereceu,
no entretanto, approvação da Assembléa Constituinte.
Esta preferiu prejudicar a, idéa primitiva, substituindo
:aquelle Conselho por um Senado, que passou a fazer parte do
chamado Poder Coordenador.
Teve, porém, vida eph-emera esse Poder Coordenador. O
Senado foi substituido, na Constituição outorgada em 1937, por
um outro orgão, denominado Conselho Nacional.

(10) Referimo-nos ao Projeeto ABNOLFO .ArmvEoo, em, 1910, que


creava o ,Conselho Federal dl\ RepUiblica, que-- tinha po.r fim:-!'d.eliberar,
mediante consulta de todos os poderes da Republica - federaes, esta-
dua.es e municipaes - . sobre todos os assUlDlPtos de ordem política e 00-
ll1inistratIva.
CAPITULO II

A AlDMINIST&A;ÇÃO JULGANDO OS SEUS


PROPRIOS ACTOS

A Administração julgando os seus prop,rios actos - BieliSa


Meucci - O Tribunal Administrativo do artigo 79 da"
'Constituição de 1934 - Tribunal Maritimo administra-
tiv{).

E' esse o regimen vigente naquelles paizes em que não.


existe um organismo extranho á administração para conhecer
e julgar das reclamações contra os actos por ella praticados
A arguição que se faz contra esse systema, é o da par-
cialidade do poder publico, que não pode ser ao mesmo tempo.
juiz e parte.
m' a objecção que fazem, entre outros, ORLANDO e
MEueCI (1).
Deve-se, porém, distinguir si o orgão da administração.
que julga as questões contenciosas administrativas, é I) pro-
prio poder, a mesma autoridade que praticou o acto, ou si é
a chamada justiça administrativa.
A distincção é importante, porque, si no primeiro caso a
sujeição parece manifesta, no segundo, o mesmo não occorre,
porque a justiça administrativa, embora integrada dentro do
systema da administração publica, a ella se sobrepõe pela I>ro-
pria natureza de sua funcção jurisdiccional.

(1) 1st. di Diritto Ammlinistrattivo, pg. 63.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 743

Nenhuma collisão existe, portanto, do principio que serve


de base á instituição da justiça administrativa, com a idéa ge-
ralmente acceita no direito moderno, da separação de poderes.
Como observa BIELSA (2), para attingir o seu objectivo,
a. acção administrativa deve ser continua e integral. Assim con-
cebida, diz o aludido autor, a jurisdicção administrativa é con-
siderada apenas uma faculdade jurisdiccional do poder admi-
nistrativo, e não um desmembramento da jurisdicção judicial,
por isso que não pode ser considerada uma jurisdicção, no sen-
tido technico e formal.
Os tribunaes administrativos são orgãos jurisdiccionaes,
por meio dos quaes o poder executivo impõe á administração o
respeito ao direito. Os tribunaes administrativos não transfe-
. rem as suas attribuições ás autoridades judiciaes; são apenas
úma das formas por meio das quaes se exerce a autoridade ad-
ministrativa.
O .conceito, tão apregoado por MEDeCl, "nemo judex in
causa propria", só se applicaria, assim, aos casos em que o pro-
prio administrador, que representa a administração e que prati-
cou o acto objecto do litigio, julga a divergencia.
Mas, tal não occorre senão muito excepcionalmente. Con-
siderado o Estado em seu largo sentido, dentro da unidade que
o caracterisa, não seria impossivel chegar:..se, nesta ordem de
idéas, a admittir-se até a parciálidade de qualquer dos orgãos
jurisdiccionaes do Estado n~s controversias em que esse fôsse
parte.
Entre nós, este systema tão criticado pelo autor italiano,
teve largo emprego desde a Republica. A abolição do conten-
cioso administrativo (embora sempre imperfeitamente appli-
cado) , attribuio ás autoridades administrativas a decisão sobre
as controversias de natureza administrativa. Delegados fi8caes)
Ministros, sempre decidiram as controversias e as questões
suscitadas na esphera da administração publbica.
Mas a superioridade do novo ;regimen está em que cabe
sempre recurso para a autoridade judiciaria, contra qualquer
acto administrativo lesivo de direitos individuaes.

(2) Derecho Administrativo, voI. I, pg. 3-68.


744 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Conciliamos, assim, os dois principios: a autoridade admi-


nistrativa decide soberanamente, dentro da esphera adminis-
trativa. EUa é parte e juiz, ao mesmo tempo, dos seus proprios
actos. Contra estes, só existe o recurso judicial limitado, no en-
tretanto, á apreciação da legalidade dos actos administrativos,
vedado como se acha, ao conhecimento da justiça, da oP'Portuni-
dade ou da conveniencia que dictaram á administraç.ão publica
a pratica desses actos.
O conceito "nemo judex in causa propria", na espheraad-
ministrativa, pode ser verdadeiro portanto apenas no que diz
com a apreciação da legalidade do acto.
O tribWl'/.lf1,l administrativo do art. 79 da Constituição de
1934 - A Constituição de 1934, attendendo a uma necesidade.
inadiavel autorizou a creação de um tribunal administrativo.
mas integrado dentro do nosso systema judiciario. /
Não quebrou, assim, a estructura do nosso regimen de na-
tureza essencialmente judiciarista, podendo-se dizer que a na-
tureza administrativa do tribunal planejado pela Constituição
tem aquelle caracter apenas em consequencia de suas funcções
especialisadas.
Não restabeleceu a nova 'Constituição o contencioso admi-
nistrativo do Imperio, nem creou uma jurisdicção paraUela á
dos tribunaes ordinarios, antes assegurou, implicita e explicita-
mente, a permanencia da unidade do poder judiciario.
O ante-projecto de Constituiç.ão, elaborado no Itamaraty,
já havia previsto a creação de um tribunal que, a exemplo do
americano (Court of Claims), denominou de tribunal de re.-
clamações.
O objectivo aUi visado, foi não só o de aliviar as multi-
pIas attribuições da Côrte Suprema, sobrecarregada de servIço
como ainda de crear um tribunal especialisado, composto de
juizes afeitos ao estudo do direito administrativo e cuja com-
petencia abrangesse todas as causas em que a União fosse
interessada.
A exemplo do que occorre na Argentina, permittia igual-
mente que aquelle tribunal conhecesse dos recursos interpostos
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 745

'nos-conselhos de contribuintes. (3) Esse dispositivo, no entre-


·tanto, viria quebrar o systema e integrar aqueu,es conselhos
.administrativos no poder judiciario. O Tribunal do art. 79 da
·Constituição não chegou a ser uma realidade.
A sua creação, no entretanto, se nos afigura imprescindi-
'vel, não só ao bom funccionamento dos serviços publicos, como
:ainda ao desenvolvimento e á autonomia do nosso direito ad··
:ministrativo (4).
A Constituição de 1937, não previo a creação de outros
'Tribunaes federaes alem· do Supremo Tribunal Federal.

TRIBUNAL MARITIMO ADMINISTRATIVO

Sitdà.ção sui generis no nosso regimen administrativo, dada


;a natureza de suas decisões e a circumstancia de caber recurso
judicial de suas decisões é a do Tribunal Maritimo adminis-
trativo creado pelo decreto n. 20.829 de 21 de Dezembro
,de 1931 que creou a Directoria da Marinha Mercante e cuja
.autonomia decorre do decreto 22.900 de 6de Julho de 1933.
Compõe-se o Tribunal de cinco juizes nomeados pelo Pre-
:sidente da Republica, peritos em navegação e juristas sob a
.Presidencia do Director da Marinha Mercante.
As suas attribuiçõesestão fixadas no decreto 24.585 de
.5 de Julho de 1934. Compete-lhe especialmente fixar a na-
tureza e a extensão dos accidentes occorridos na costa do paiz,
nos mares interiores e rios navegaveis.
Tem funcções arbitraes, egualmente, da maior importan-
.eia nas questões maritimas.

(3) BIELSA, op. cit., vol. I, pg. 4J3~O; "Y Mi, en efecto, lá Supre-
'ma Cor,te ha declarado que el recurso creado por el articulo 14 de la
1ey sobre competencia de los tribunales federales es pro<:edente contra la
sentencia definitiva que afecte la Constitución o leyes nacionales, aunque
'll0 sea di{'tada en juicio ordinario, sino en juicio contencioso administra-
tivo. (FaI:los en t. LXXVI, pg. 351; t. CXIII, pg. 294).
(4) N·ão pode ser ~ittida aqui referencia ao projecto do tribunal
.:administrativoorganizado····por determinação do Governo Provisorio pela
.comrnissão presidida pelo Ministro BENTO DE FARIA.
746 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

o alludido regulamento permitte recurso extraordinario-


para a Côrte Suprema das decisões do Tribunal que impuzerem
a pena de inaptidão para a profissão maritima ou contraria-
rem a Constituição e leis federaes.
Embora se nos afigure constitucionalmente duvidosa a
legitimidade desse recurso bem como a amplitude das com....
petencias attribuidas a esse tribunal, com exclusão dos ju~zes
e tribunaes federaes communs, é todavia de salientara inno-·
vação que representa a creação desse tribunal dentro do noss(}
regimen administrativo.
Por esse caminho voltaremos ao regimen do contencios(}
administrativQ, visto como, pela sua formação e competencia.
não se o pode ter como tribunal judiciario.
CAPITULO IH

.NOÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO

Noção do contencioso administrativo - Sentido formal e ma-


terial - A jurisdicçãQ admini'strativa e os tribunaes ad--
administrativos - Diversos systema,s.

Toda a controversia sobre a competenda juris~iccional


para conhecer se uma questão deve ser resolvida pelos tribunaes
ordinarios ou por Uma jurisdicção administrativa, deve pre-
suppõr antes de tudo o ,perfeito conhecimento do que se entende:
por contencioso administrativo.
A confusão geralmente feita sobre a definição do conten-
cioso administrativo, vem da preoccupação de procurar-se a sua
noção nas velhas formas dos autores classicos do direito admi--
nistrativo que se fundaram em instituições já hoje inexistentes.
O contencioso administrativo pode ser definido sob o ponto
de vista formal ou material.
No primeiro sentido deve se attender á natureza das partes
que intervêm na controversia, no segundo, deve-se levar em'
consideração a natureza do acto que serve de base, de funda-
mento, ao litigio;
Quanto ao primeiro aspecto da questão, é preciso consi-
derar-se sempre a intervenção do Estado, o seu interesse im-
mediato, para ter-se como de natureza administrativa a con-
troversia .. E' preciso que o acto tenha emanado de uma au--
toridade administrativa ou que, embora praticado por um par-
ticular, imponha a sua intervenção para a defeza do seu legi--
timo interesse na controversia.
;748 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

A amplitude do interesse do Estado, como moOstra RiOGER


BONNARD (1), vaeaté aos oOrgãos autonomos, que coOnservam.
a sua qualidade de agentes do poder ·publicoO.
Neste sentido foOrmal, o contencioso administrativo resu-
.me-se á intervenção do poder publicoO na coritroOverisa.
Dahi decorre o segundoO principio, o quecaracterisa o con-
tencioso administrativoO pela natureza material do actoO, si de
.direito publicoO oou de direito privadoO. Sóm,ente no primeiro
·caso admitte-se a intervenção da jurisdicção administrativa,
isto é, quando a controOversia tiver por objectivoO resolver-se
uma relação de direito publico.
Dentro desse quadroO é que se estabeleceu 00 debate, qual
.a jurisdicção competente para julgar as questões em que é parte
.a administração ou em que estiver em jogo, um acto adminis-
trativo oou, finalmente, uma relação juridica em que for inte-
ressada a administração.
A decisão da controversia pela propria administração é
um systema repellido, embora tenha a sua justificativa do prin-
·cipio da separação de poderes, mas, dentroO desse postulado do
,direito publico moderno, outras soluções foram de caracter in-
termediario, que variam segundo o systema peculiar a cada
paiz.
Levando-se as distincções ás formulas mais simples, -
,chega-se, porém, a estabelecer apenas doOus systemas distinctos:
a) . aquelle que reconhece a existencia de um contencio-
soo administrativo, isto é, a de orgãos integrados no systema ad-
:ministrativo para resolver um certo numero de coOntroOversias
que interessam ao poder publicoO;
b) aquelle que attribue sempre ao poder judiciario com-
petencia para julgar todoOs os actos em que o Estado for directa-
mente interessado (2).

(1) Le Controle Jurisdictionnel de l'Administration, pg. 25.


(2) Esta formula não exclue as combinações dos differentes syste-
mas. Pode-se, por exemplo, attrihuir aos tribunaes jud-iciaes communs
<ou especiaes, mas integrados no organismo judiciario, {) conhecimento das
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 7491

No primeiro caso temos o contencioso administrativo. A


estructura, a compos~ção, a organização e a competencia desses
orgãos variam, mas o que lhes serve de ponto de referencia,
o que os caracterisa é precisamente o poder jurisdiccional,.
com exclusão dos tribunaes ordinarioB, para conhecer de um
certo numero de questões que sob o ponto de vista formal ou
material estão incluidas, ex vi legis, na sua competencia.
Ha uma tendencia cada vez mais accentuada para que
esta distincção entre as duas jurisdicções - administrativa.
e ordinaria - seja mais definida, outorgando-se aos tribunaes
administrativos, maior autonomia.
Dentro dessa concepção, existiriam duas jurisdicções pa-
rallelas, com as mesmas garantias; dous poderes judiciarios,
distinctos apenas na separação de suas competencias. Ambos,.
porém, independentes da administração, mesmo sob o ponto de·
vista organico.
Mas as legislações modernas ainda não chegaram a esse:
processo de simplificação. Como veremos em seguida, pre-
ferem conservar subtilezas, que se assentam em principios dou-·
trinarios que representam a transigencia com systemas mui-o
tas vezei'l antagonicos.
E)' o que apreciaremos em um rapido exame do regimen:
vigente na França e na Italia .
. O .c;yste"rna frwncez é regulado pelos seguintes principios.
fundamentaes :
a) separação das autoridades administrativas e judi-
ciarias;
b) separação da administração activa da contenciosa (3) ..
Esses prinCipios vêm das leis revolucionarias de 16-24 de
Agosto de 1790 (art. 13) e de 7-14 de Outubro de 1790.

causas contenciosas administrativas. Estessy,stemas, porém, devem ser


considerados cOllllPrehendidos na segunda categ,oria, salvo a distincção dos
actos ad.min~stratiV'os feita, de accordo com a SUQ natureza. (-ConsultaT
o livro de BIELSA - I deas generales sobre lo contencioso administrativo).
(3) RoGER BONNARD, Préois de Droit Administratif, pg. 108; idem,.
Le Contrôle Ju,risdictionnel. .
<75.0 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Dahi decorrem os seguintes coroIlarios:


1.0 - Prohibição dos tribunaes judiciarios de conhecer
.dos actos administrativos;
2.° - Instituição dos tribunaes administrativos;
3.°_ Direito attribuido á administração de reivindicar por
meio de conflictos as questões administrativas submettidas aos
tribunaes judiciarios (4).
Dentro dessa formuia é que se exerce a jurisdicção admi-
nist-rativa e se acha garantido o seu ·pleno funecionamento.
Costumam os autores como LAFERRIÉRE (5) ,RoLLAND (6)
ete., dividir os r€Cursos contenciosos em quatro categorias:
1 - De plena jurisdicção, resolvendo de facto e de di-
reito os litígios suscitados perante a jurisdicção administrativa.
2 - De annullação, por meio do qual se pede a decre-
tação da nullidade de um acto administ-rativo, pela sua não
·conformidade com a lei.
3 - De interpretação, por meio do qual declara-se o ver-
,dadeiro sentido de um aeto administrativo, obscuro por occa-
sião de um litigio já ajuizado.
. 4 - De repressão, finalmente, para a pumçao de contra- .
venções, compeumcia já muito -reduzida depois do decreto de
28 de Dezêmbro de 1926, que transferio parte dessas attribui-
·ções aos tribunaes judiciarios.
Dentro desse quadro, fica separada a competencia admi-
nistrativa da con1;enciosa, bem como da judiciaria.
Resta saber-como se resolvem os conflictos de attribuições
entre os tribunaes administrativos e judiciarios.
Como observa RoGERBONNARD, tem essa questão de con-
flictos importancia fundamental, porque constitue a defeza da
.administração contra o poder judiciario (7).

(4) LAFERRIÉRE, Tralité de la Jurisdictl0n Administrative.


(5) IÜp. cit., pgs. 8 e seguintes.
(6) Précis de Droit Administratif, pg. 209.
(7) Le Contrôle Jurisdictionnel, pg. 174.
INSTITUIÇÕES- DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 751

Mas esse problema se resolve de forma inteiramente fa-


voravel á administração, visto como a solução é dada por um
tribunal de natureza administrativa, den01Jlinado Tribunal de
,Conflictos.
Na legislação do anno VIII, os conflictos eram resolvidos
pelo Conselho de Estado, mas essa solução nãa satisfazia, afi-
naJ, porque era o chefe de Estado que tinha a ultima palavra
no dirimir o conflicto.
Justificavam os partidarios desse systema que o Poder
E,xecutivo constituia um poder neutro, que ficava entre o J u-
.diciario e a administração. Nada, porém, menos exacto, por-
.que o Chefe de Estado está integrado dentro do systema admi-
nistrativo, e não judiciario.
A Republica de 1848 creou um Tribunal de Conflictos,
,constituido como juizo arbitral, mas o Segundo Imperio resta-
beleceu, desde logo, a competencia do Conselho de Estado.
O Tribunal deConfl:ictos foi institui do com caracter de-
finiti~o pela lei de 24 de Maio de 1872.
Ficou elle composto de tres Conselheiros á Côrte -de Cas-
sação, tres Conselheiros de Estado, eleitos pelos seus ,pares, e
mais dous outros membros, e dous supplentes, escolhidos pelos
demais.
O Ministerio Publico é constituido por dous commissarios
,do Governo designados por decreto.
O Conflicto pode ser positivo ou negativo. No primeiro
-caso, a.s duas jurisdicções, a judiciaria e a administ"!'ativa, se
julgam competentes. No segundo, ambas se consideram ill-
-competentes.
O Conflicto -positivo não pode ser suscitado por uma au-
toridade judiciaria; à questão é resolvida, então, pelo Conse-
lho de Estado, que resolve o conflicto.
_Quando, porém, um Tribunal J udiciario conhece de um
:processo e o Tribunal administ"!'ativo considera-se competente
para conhecer da materia, á administração compete levantar
-o Conflicto perante o Tribunal de Conflictos, que então, resol~
vel'á sobre a_ materia da competencia.
O Conflicto pode ser suscitado pelos prefeitos e, em casos
excepcionaes, quando se trata dos chamados actos do Governo,
752 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

pode o Ministerio levantara questão perante o Conselho de:


Estado.
Os conflictos negativos, isto é, quando as duas jurisdic-
çõesse julgam incompetentes, aos interessados cabe levantar-
o conflicto.
A lei de 28 de Abril de 1933 deu ao Tribunal de Con--
flictos mais amplas 'attribuições, que não se restringem ao
simples julgamento da questão de competencia.
Quanào os Tribunaes judiciarios e os administrativos de-
cidirem differentemente litigios sobre o mesmo objecto, podem.
os interessados levar a questão perante o Tribunal de Con--
flictos, que deverá dirimir os conflictos e julgar o merito do-
litigio (8).
O Con.selho de Estado, na Franç.a, passou, desde as suas-
origens, pelas maiores reformas.
No antigo regimen, era apenas um Conselho do Rei; di-
vidia-se em diversas secç.ões, com, variadas attribuiçÕ€s admi-
nistrativ,as e consultivas.
Mais tarde a lei de 27 de Abril - 5 de Maio de 1791, deu--
lhe o nome de Conselho de E'stado, que nada mais era do que'
o Conselho de Ministros.
Na Constituição do anno VIII, o ConJelho 'passou a ter'
attribuições legislativas, bem como 'a deassistencia adminis-
-trativas ao Chefe de Estado.
Depois do Segundo Imperio, perdeu, definitivamente, po--
rém, as funcçôes legislativas, ficando, apenas, com attribuições:
de caracter consultivo.
O seu papel, no regimenadministrativo francez, veio-
transformai-o em um verdadeiro Tribunal administrativo, de
competencia muito ampla.
O Con.%lIw de Estado compõe-se de um Presidente -, o'
Ministro da Justiça - 35 conselhei!'os ordinarios e 27 extran-
ordinarios.

(,8) Ver RJoGER BONNARD, Le Contrôle Jurisdictionnet. pg, 17'5,..


nota 1.
R. JACQUELIN - La jurisdiDtion administrative.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 753

Os primeiros são nomeados ,por decreto e os outros são


altos funccionarios da administração chamados a decidir ques-
tões relativas aos diversos departamentos da administração
publica.
Existem mais 37 "maitres de requêtes", 18 auditores de
primeira classe, e 22 auditores de segunda classe, nomeados por
formas differentes, óra livremente, ora por accesso, ora por
concurso (9).
Divide-se o Conselho de E,stado em secções, de accordo
com as attribuições do Conselho, sendo quatro administrativas
e duas contenciosas.
A - A competencia admimistrativa é consultiva quando
o Conselho é chamado a se manifestar:
1.0) sobre os projectos de lei elaborados pelo' Governo;
2.°) sobre os projectos de regulamentos administrativos;
3.°) sobre as decisões administrativas do Presidente e
dos Ministros, o que comprehende a maiori.a dos trabalhos do
Conselho.
B - A competencia jurisdiccional ou contenciosa se exerce
como Tribunal de Cassação, de Appellação, e de primeira e
ultima instancia, e, finalmente, como juiz de plena jurisdicção
e de annullação por excesso de poder.
Este ultimo aspecto merece especial menção.
O recurso por Excesso de Poder diz. com a validade dIos
actos administrativos, e visa a repressão dos vicios de illega-
lidade por meio de annullação.
Como mostra ROGER BONNAlID (10), o recurso por excesso
de poder não se achava estabelecido na lei. Foi obra, exclusi-

. (9) Voer sohre ° Conselho de E,stado: Lei de 19 de Julho de 1845;


Lei de 3 de M'arço de 1849; Lei de 24 de Maio de 1872, modíficada em
1878, 1879, 1887, 1900, 1910, 1911, 1919, 1921, 1923" 1926; e decreto lei.
de 5 de Mraio de 1934.
(10) Précis de D1'oit AiJ:rninwtratif, pg. 192.

- 48
754 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

vamente da J urisprudencia, bem como a sua regulamenta-


ção (11).
Systema italiano - Na Italia o systema j urisdiccional
relativo ao actos da administração oscillou entre o systema
belga, de natureza judicial e o francez.
Em 1865, seguindo a tendencia contraria aos Tribunaes
administrativos foi instituido pela lei de 25 de Março um regi-
men que assim pode ser resumido:
a) á autoridade judicial competia julgar as controver-
sias sobre direitos civis e politicos, de actos emanados da ad-
ministração publica;
b) á autoridade administrativa competia resolver as
questões de mero interesse, excluídas aquellas que envolvessem
direitos, e em que fosse parte a. administração.
Em 1889, u1Ilj3. nova lei, de 2 de Junho, tira á adminis-
tração o conhecimento desses ultimos casos e crea o Cçmselho
de Estado, de natureza consultiva e jurisdiccional.
Finalmente as leis de 7 de Março e 17 de Agos1;ç de 1907
conferem ao Conselho de Estado funcções de plena jurisdicção,
isto é, ·poder de annullação dos actos administrativos.
Finalmente a lei de 1923, confere ao Conselho de Estado
attribuições de juiz ordinario para julgamento da legalidade
dos actos administrativos, quando esteja em jogo apenas a
administração.
Divide-se o Conselho de Estado em cinco secções - as
tres prirri·eiras são consultivas e as duas ultimas jurisdiccionaes.
A quarta secção conhece dos recursos de illegitimidade,
. que envolve trez aspectos differentes, incompetencia, exce3SO
de poder e violação da lei.
A incompetencia decorre da inopservancia de lei, na dis-
tribuição da competencia administrativa.

(11) "Le Conseil d'État statue souveninement sur les demandes


<i'annulation pour excés doe .pou'V'oir, formées contre les actes d·es diverses
autorités a;dmi,nistratives" .
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 755
----
o excesso de poder, não se pode definir em uma formula
unica, mas como U. BORSI pode-se dizer que é um vicio de ori-
gem do acto adm,inistrativo, ou uma deformação do fim espe-
.cifico que attribue a lei ao acto administrativo. A violação da
lei tem sentido generico, comprehende a insolvencia de normas
legaes como ainda de praxes, costumes, e falsa applicação da
lei etc.
A quin,ta secção, tem a sua competencia fixada pela lei.
.E'. o que chamam julgamento de merito, isto é, jurisdicção ple-
na de annullação e modificação do acto administrativo.
O systema de recursos é complexo e remettemos aos inm.i-
meros tratados e monographias existentes sobre o assump-
:to '(12).
Existem na Italia outras jurisdicções administrativas
-como a Côrte de Contas, os Conselhos de Prefeitura etc., e as
juntas ·provinciaes.
A synthese acima feita, basta para definir o regimen
jurisdiccional vigente naquelle paiz.
Di?:ersos outros systemas vigoram na Allemanha, na Aus-
tria, na Suissa, naPolonia, na Grecia e nos demais paizes da
Europa (13), bem como na Argentina (14), no Mexico (15) etc.
:as mais variadas combinações de systemas cujas peculiaridades
:Só poderiam. ser 'apreciadas em monographia especializada.
Aqui ficam as linhas geraes das principaes organizações
-cujo estudo serve ,para bem caracterisar, pelo processo compa-
rativo, o regimen vigente no Barsil, que passamos a examinar.

(12) U. BoRSI, La Giustizia AmminisitraJiva; O. RANELETTI, La


.!J1.UlfI"entigie della giustizia nella pubblica amministrazionej PRESUTTI, 1st•
.di Diritto A mministrati'lJ,o j ICA!MiMEO, Comrmentan'io della leggi BUlla giusti-
..zia Amministrativa; CHJiOVENDA, Principii di diritto proce8suale civile;
MORTARA, Commentario del Codioe e delle leggi di 'JY1'ocedure ci:vile.
(13) Ver sobre o assuIDiPto lOOGER BoNNARD, Le controle jurisdic•
.tionnel de l'administrationj Étude de droit adrruini8tratif oomparé. que es-
.tuda a legi,slação dosprincipaes paizes.
(14) BIELSA, op. cit., voI. I, pg. 363 e seguintes.
(15) GABINO FRAGA, Derecho Administrativo.
CAPITULO IV

SYSTEMA JUDICIAL

Systema Judicia:l - Sua Origem no Direito Anglo Saxoni-


co - O Systema Belga - O Habeas-Corpus - A Acçãe>
ISummaria Eispecial - Os Interdictos - O Mandado de-
Segurança - Executivos Fiscaes - Privilegiosda Fa-
zenda - Prescripção.

O systema judicial em vigor em nosso paiz não é peculiar


ao nosso regimen politico.
A intervenção do poder judiciario para dizer em defini-
tivo sobre os litigios administrativos, teve a sua origem na
Belgica. E' por isso chamado correntemente -systema belga.
Foi apenas ad8iptado e ampliado nos paizes anglo-saxo-
nicos, e depois, no Brasil.
O systema em vigor ·na Belgica (1), desde a Constituição
de 1831, decorre da necessidade indiscutivel de prover-se á
reparação dos damnos causados pela administração publica aos
direitos individuaes.
A falta -de um tribunal administrativo naquelle paiz; im-
pôz ao poder judiciario; como uma necessidade imperiosa, a
attribuição de attender a uma exigencia fundamentl:ll para l;l.
iPropria existencia do Estado.

(1) RoGER BONNARD, Le Contrôle Jurisdictionnel de l'Administra-


tion, pagina 181.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 757

Anteriormente á Constituição de 1831, e sob uma forma


mais primitiva e indefinida, a lei de 24 de Agosto de 1815,
attriJbuia expressamente aos tribunaes judiciarios competencia
para resolver as contestações relativas aos direitos indivi-
duaes,incluidas aquellas em que fôsse interessada a adminis-
tração publica.
Mas, apezar da competencia ampla conferida pelo art. 107
da Constituição de 1831, que lPermittia até a 'apreciação da le-
galidade desses actos administrativos, não ousou a jurispru-
dencia belga levar ás ultimas consequencias a applicação do
principio constitucional.
Ao contraIlio do que occorreu nos paize sanglo-saxonicos,
a jurisprudencia belga restringiu a amplitude do texto cons-
titucional, e, os direitos que mereceram o amparo do poder ju-
diciario foram apenas aquelles que a doutrina belga chamou de
civis (2), em contra.posição aos politicos, que envolvem o in-
teresse geral, e que, por isso mesmo, escapam á aeção e ao~
,effeitos das decisões judiciarias.
Não se pode negar á orientação da jurisprudencia belga a
influencia das doutrinas francezas relativas á separação dos
poderes, bem como á divisão tão de agrado dos autores fran-
eezes, em actos de imperio e de gestão, doutrinas que leva-
riam fatalmente ás restricções feitas pelos tribunaes belgas ao
princ1pio consagrado na Constituição.
Apezar da amplitude da intervenção judiciaria nos paizes
que seguiram o systema em vigor nos Estados-Unidos e no
nosso, é forçoso reconhecer a influencia decisiva que teve a
distincção dos diversos actos da administração publica e da res-
tricção feita ao poder judiciario na apreciação dos chamados
,actos politicos e discricionarios.
O :systema em vigor nos Estados-Unidos e no Brasil é o
judicial, systema que tem por base a limitação de poderes.
Todos têm sua competencia expressa na Constituição e nas
leis. Dentro da lei e da Constituição, cada poder é soberano,
isto é, não admitte a ingerencia do outro .

(2) •
EnnERA) Dro# Public B.elge, pg. 246.
758 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Mas, sendo um regimen essencialmente legal,. isto é, da.


supremacia absoluta da lei, é preciso um poder que tenha com-
petencia para conhecer da sua applicação.
Os escriptores americanos costumam chamar este um re-
gimen de supremacia do poder judiciario, porque, a este poder,.
conferiu a pratica constitucional daquelle iPaiz até a faculdade
de annullar, por inconstitucional, uma lei do Congresso ou um
acto do poder executivo.
Remettemos aqui aos trabalhos de Direito constitucional,.
onde se acha a questão estudada á luz da jurisprudencia e da.
doutrina (3).
As nossas Constituições republicanas ado'ptaram regimen
identico ao americano. A supremacia da' lei e a consequente~
intervenção do poder judiciario para conhecer da violação de
todos os direitos individuaes praticados pelo poder executivo e
pela administração em geral, veio estabelecer o regimen da uni-
dade da jurisdicção, mesmo naquella esfera reservada anterwr-·
mente á competencia dos tribunaes administrativos.
O chamado contencioso administrativo foi totaJmente abo-
lido pela Republica.

São de RUY BARBOSA as seguintes palavras:

"Ante os artigos 59 e 6'0 da nova Carta políti-


ca, é impossivel achar acommodação no direito br~­
sileiro para o contencioso administrativo.' EUa não,
se limitou a adoptar a magistratura essa vitalicie-
dade (art. 57) que, na opinião de autoridade como·
Minghetti e Ouro Preto bastaria ,para o excluir. Não ..
Entregou formalmente, aos juizes, e tribunaes fe-·
deraes, a competencia de "processar e julgar todas
as causas ,propostas contra o Governo, da União ou
Fazenda Nacional, fundados em disposições da Cons-

(3)' The American D'octrine 01 Judicial Su.premaey, pgs. 14


HAINES,
e segs. BEARD, The Supre~e Court and the Constitution; J. M. BECK, La'
Constitution des États-lJinis; STORY, On the Constitution, vaI. .1, pg. 320;
BoMERiOYS, Constitlltional Law.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 759
---
tituição, leis e regulamentos do poder executivo ou
em contractos celebrados com o mesmo Governo".
Pronunciando-.se nesses termos, a noSiSa Cons-
tituição actual aboliu positivamente os elementos de
contencioso administrativo existentes sob a monar-
chia, e cerrou a porta a qualquer tentativa ulterior
de revivescencia daquella instituição" (4) .

. Não se poderia em synthese, dizer melhor e definir com


mais precisão e systema judicial de reacção contra o conten-
cioso administrativo, abolido com a Republica.

o HABEAS-CORJ~US

Não se poderia omittir, aqui, ao examinar os remedios


especi:f.icos contra os actos da administração publica, referencia
ao habeas-corpus, de influencia decisiva em certo periodo da
Historia republicana, usado largamente na falta de outro re-
medio idoneo, contra os actos da administração (5).

A AOÇÁO SUMIMAlRIA ESPECIAL

Mim de permittir a rapida reparação de damnos soffri-


dos pelos individuos por actos da administração, lesivos de di-
reitos individuaes, croou a lei n.o 221 de 189'4, em seu art. 13,
a chamada Acção Summaria Especial.
O alludido dispositivo legal attrilbuio competencia aos jui-
zes federaes para processar e julgar as causas que se funda-

(4) Commentarios á Constituição Fiederal Brasileira, voI. IV, pg. 429.


(5) A fa1'ta de remedibs judiciarios especificos levaram os nossos
tribunaes a ampliar o conceito cla,ssico do "habeas-corpus", admittindo o
. seu uso para garantir direitos ~ndiv'j,duaes ,para cujo exercicio era neces-
saria a liberdade de ~ocomoção.
A Hberalidade se foi ampliando, mesmo depois da reforma constitu-
cional de 1926, até que a instituLção do mandado de segurança veiu anual'
os interessados de r·emedio idoneo para defeza de direitos individuaes que
não os de simples liberdade physica. M:ateria de direito judiciario Hmita-
mo~I).os aqui aligeira referencia.
76,0 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
----------------------------------------------------
rem na lesão de di!'eitos individuaes, 'por actos ou decisão das
autoridades administrativas da União'.
Constitue, portanto, um ,processo especifieamente dirigido
contra a administração publica, cujos actos soffrem, assim, o
contrôle judicial, dentro, aliás, do regimen vigente.
Esse contrôle se exerce, de accordo com a lei, em especie,
em casos concretos, e p!'es'uppõe a existencia de uma lesão de
um direito individual, praticada pela autoridade administra-
tiva, dentro de suas attribuições.
O contrôle judicial não se confunde com o contencioso ad-
ministrativo. A ,sua indole é inteiramente diversa. Está res-
tricta á apreciação da legalidade do acto, e não de sua con-
veniencia ou opportunidade.
Esta competencia do poder judiciario decorre da propria
Constituição, e do regimen constitucional vigente desde a p!'o-
clamação da Republica.
E' preciso, porém, comprehender a verdadeira indole do
procedimento judicial. Não pode a autoridade judiciaria de-
cidir a controversia, senão depois de pr,oferida a decisão pela
autoridade cujo acto pode ser annullado por meio da' acção
summaria especial.
Dentro de sua finalidade, a acção summaria especial at-
tinge o proprio acto administrativo, e é por isso que a lei
n.o 221 declara que:

"Verificando a autoridade judiciaria que o acto


ou resolução é illegal, o annullará em todo ou em
,parte, para o fim de assegurar o direito do autor" (6).

E logo declara o que se deve considerar· como illegal,


isto ê:

"Os actosou decisões aàministrativas em razão


da não applicação ou indevida applicação do direito
vigente".

(6) Lei n." 221, art. 13, § 9. 0



INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 761

A acção summaria especial tem, assim, uma finalidade


mais restricta do que as acções ordinarias. Estas, podem se!'
propostas para o reconhecimento de um direito, emquanto que
aquella tem uma finalidade especifica, declarada na lei: a an-
nullação do acto administrativo.
Sómente pelo prisma da legalidade podem esess actos ser
apreciados, e não pelo da sua conveniencia ou opportunidade,
porque esta constitue uma esphera discricionaria da adminis-
tração publica, vedada á ap!'eciação do poder judiciario. Neste
ultimo caso, declara a lei, a nullidade só pode ser declarada,
quando fôr manifestamente incompetente a autoridade que pra-
ticou o acto.
A acção summaria especial prescreve em um anno, a conta!'
da data em que foi publicado o acto cuja nullidade se pretende.
O seu uso tem sido constante entre nós, e uma abundante
jurisprudencia veio se formando, mas cuja analyse não cabe
a'qui, e sim em um tratado de direito judiciario.

OS .lNTE<RDICTOS

O outro remedio judicial, commumente empregado contra


os actos da administração, foram sempre os interdictos.
Em torno dessa questão, do cabimento ou não dos inter-
dictos, formou-se um largo debate doutrinario, de grande in-
teresse, porque envolve o estudo da propria natureza do ins-
tituto, e isto porque taes recursos se dirigem, contra actos ad-
mipistrativos, que não envolvem questões do dominio ou posse,
mas apenas direitos pessoaes lesados por actos administra-
tivos, tidos como illegaes ou inconstitucionaes (7).

(7) Remettemos aos estudos de direito judici<arios que tratamos


do assumpto, especialmente os seguintes: RuY BARBOSA, Da posse dos di-
reitos pessoaes; CESARlOO CONSOLO, Trattato teorWo 'Pratico del/t Processo e
delle Azione Possessorie; R. LEOOURT, Traité theorique et Pratique de
l'Action reintegrande et des amiones possessoires d'(})prés la Jurisprwlence
Moderne; T1TO FULGENCIO, Da posse e das A,cções possessorias; JORGE
AlMERICANO, Da posse dos direitos pessoaes; VICENTE RÁo, Da posse dos
direitos pessoaes; AS'l'OLPHO REzENDE, Acções possessorias e a Jurispru-
762 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

o l\fANOADO DE SEGURANÇA

A confusão havida em consequencia da apíllicação inade-


quada para os fins a que se destinavam, notadamente doha-
beas-corpus e dos interdictos, e da inefficacia da acção sum-
maria especial para reparar as lesões de direitos individuaes.
soffridas em consequencia de actos praticados pela adminis-
tração publica, levaram o legislador Oonstituinte de 1934 a
crear um remedio especifico para amparo dos di~eitos certos
e incontestaveis, feridos 'pelo poder publico (8).
Embo~a não o tenha a Constituição de 1937, -consagrado
como remedio Constitucional, um decreto lei o integrou no'
nosso regimen processual com restricçõesapenas com relação
a algumas autoridades, como o Presidente da Republica, Mi-
nistros etc.

EXECUTIVO FISCAES

E' um antigo privilegio do fisco, que teve a sua origem no


velho direito romano, o de usar de um processo judicial ra-
pido e especial para cobrança de suas dividas de natureza
fiscal (9).
O direito portuguez já acceitava, o .principio, como se vê
das Ordenações, livro lI, titulos 52 e 53, e leis posteriores
de 22 de Dezembro de 1761, decreto 4. 181 de 6 de Maio de

dencia dos Tribunaes e o Direito das Oousas, vol. 7 do Manual do Codi-


go Civil.
E' preciso, porém; accr,escentar que em r,egra o seu uso para a posse
dos direitos pessoaes tem sido repellida pelos tribunaes.
(8) O mandado de segurança, teve o seu processo reguramentado
pela lei n.o 191, de Jane1r,o de 1936. O seu uso só se justifica para de-
fez a de di,reito.s certos ·e incontestaveis contra actos da administração. A
jurisprudencia dos tri'bunaes tem vacilIado' na applicação do instituto por-
que a apreoiação da certeza e liquidez de um dir,eito, embora fundada em
uma situação juridica objectiva, dep.ende do criterio subjectiv.(), da con-
V'icção ,pessial do julgador. Remettemos ao nosso livro, Do mandado de
segurança, onde o instituto foi estudad,o em seus elementos his,toricos e em
sua natureza.
(9) Novela 17, capo 7, § 1.°. Interest rei publicae ut debita fiscafia
quam cistissime exigantur; SOUZA BANDEIRA, Novo Manual do Procurador.
dos Feitos, § § 83 e seguintes; PERDIGÃO MALHEIROS, Manual, § 9'2.
'INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 763':

1861, decreto 9.885 de 29 de Fevereiro de 1888, decreto 9.893·


de 7 de Março do mesmo anno, e finalmente, decreto 10.902·
de 20 de Maio de 19'14, actualmente em vigor para cobrança
da divida activa da Fazenda Nacional, com ligeiras mo-
dificações.
Este ultimo decreto permitte o uso do processo executivo
para cobrança das dividas do Estado, que forem ce!'tas e li-
quidas (10), e provenientes:
a) dos alcances dos responsaveis;
b) dos tributos, impostos, contribuições lançadas e:
multas;
c) dos contractos de outra origem, posto que não sejam
rigorosamente fiscaes,. quando disposição expressa de lei ou
contracto assim o auto ris ar.
Definindo o que se entende por - divida liquida e certa
- diz o mesmo decreto 10.902, em seu art. 78, que se deve
considerar liquida e certa: para 'o effeito da Fazenda Nacional
entrar em juizo com sua intenção, fundada de facto e de direito,
quando consistir em somma fixa e determinada, e se provar
pela conta corrente do alcance, julgada definitivamente, por
certidão authentica extra:hida dos livros respectivos, de onde'
conste a divida de origem fiscal, por documento incontestavel,
nos casos em que as leis permittem a via executiva, quanto
aquellas dividas que não teem origem rigorosamente fiscaL
O prOCesso a seguir é de natureza summarissimo e per-
mitte á Fazenda Nacional assegurar-se desde logo o pagamen-
to da divida ,quando não fôr a mesma ,paga dentro de 24 horas
da data da citação inicial. Proceder-se-á então, á penhora dos
bens do devedor, proseguindo-se de conformidade com o rito
das acções executivas.
O processo commum dos executivos fiscaes não exclúe o
sequestro, como medida preliminar para garantia da divida,
sequestro que se converterá em penhora, si não comparecer
o réo dentro de 24 horas para se defender.

1(10) Decreto 10.902, art. 77.


'764 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

o executivo fiscal pode ser intentado:


a) contra o devedor;
b) contra os herdeiros, cada Um in sólidum dentro das
forças das heranças (11);
c) cont!"a o fiador (12);
d) contra qualquer· possuidor de bens hypothecados á
Fazenda Nacional;
e) contra os socios e interessados do devedor, nos con-
traetos de venda de bens e arrematação de direitos, celebrados
'com a Fazenda Nacional, cada um in solidum;
f) contra o devedor do devedor, quando a divida tenha
-o!"igem fiscal, ou ainda que não tenha, si aquelle, no acto da
penhora, confessa a divida e ass1gna o auto;
g) contra o successor no negocio, pela divida do ante-
cessor, quando a ella fôr obrigado. .
São estas, em linhas geraes, as noções que devem ser aqui
mencionadas relativamente á cobrança das dividas activas da
União.
O assumpto é mais da esph-era do direito J udiciario, visto
trata!"-se especialmente, não só do rito processual dos executi-
vos fiscaes, como ainda do seu cabimento.
N os demais casos, isto é, quando a lei não permittir ex-
pressamente o uso da via executiva, regem a materia os prin-
cipios geraes do processo civil, com algumas modificações re-
lativas aos prazos, ,previstos nas leis especiaes (13).

(11) Art. 1. 796, do Codigo C~vi1.


(12) Arts. 1.481 e seg·s. do Oodigo Oivil. - Art. 850 do Dec.
15.783, de 8 de Novembro de 1922, (Codigo de Contabilidade Publica).
(13) Sobre o assumpto, ver MARIO ACCIOLY, Execuções Fiscaes;
AFFONSO DIONYSIO DA GAMA, Das A,cções Ea;ecutivas; SOUZA BANDEIRA,
op. cit. ; PERDIGÃO MALHEIRIOS, op. cit.; LEITE VELHO, Execuções de
Sentenças; LEÃO, Processo Executivo; ALMEIDA OLIVEIRA, A Lei das Exe-
cuções.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 765.

PRIVILEGIOS CREDITORIOS

No concurso de credores tem a Fazenda Nacional prefe-


rencia, devendo o seu credito ser pago antes dos demais.
E' este um velho principio consagrado por todas as nossas
leis, constituindo um exemplo quasi sem precedentes entre as
demais legislações (14).
O Codigo Civil incluiu a Fa~enda Nacional entre os cre-
dores com privilegio geral pelos impostos devidos no anno cor-
rente e no anterior.
'.. O-privilegio assim não seria considerado um direito pes-
soal nem um direito real, mas decorre da natureza do credito
e del1a é que nasce o privilegio creditorio (15).
No caso da Fazenda pode-se applicar o principio, não só'
porque a preferencia provém da natureza do titulo com que se
apresenta ao concurso e a sua odgem fiscal, como ainda porque
estes têm sobre os demais creditos da Fazenda direito á
iprecedencia.
Largo debate travou-se em torno da questão da preceden-
cia do credito da Fazenda sobre as dividas hypothecarias an-
teriormente inscriptas.
DIDIMO DA VEIGA (16) foi quem melhor defendeu a these
favoravel á Fazenda, amparado aliás em ALMEIDA OLIVEI-
RA (17), LEITE VELHO (18 e DUARTE DE AzEVEDO (19).
Contra esta these, no ent:etanto, se insurgiram autorida-
des como AZEVEDO MARQUES (20), AFroNSO FRAGA (21), fun-
dados em TEIXEIRA DE FREITAS, PEDRO LESSA (22), LAFAYET-
TE, COSTA MANSO e em accordãos dos nossos Tribunaes.

(14) Alvarás de 27-5-1772. 18-9-1784. REG::> BARROS, ApontamentoS'


sobre o contencioso administrativo, pag. 486 e seguintes.
(15) C. GASCA, I privilegi nel rapporti cal tenro.
(16) Direito Hypothecario, pg. 247.
(17) Execuções, pg. 259.
(18) Execuções de Sentença.
(19) Controversias Juridicas.
(20) Da Hypotheca.
(21) Penhor, antichrese e Hypotheca, pg. 669.
, (22) Dissertações e polemicas. SOuZA BANDEIRA, NoVQ Manual dO'
Procurador: pg. 155. MARIO ACCIOLY, Execuções fiscaes, 2." ed. pg. 30:L
-766 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

A questãO' tem indiscutivel interesse mas deve ser exami-


nada á luz dO' nO'sso direito actual.
O decreto 22.866, de 28 de JunhO' de 1933, veiO' pôr termO'
,ás controversias declarandO' a preferencia da Fazenda NaciO'-
nal sO'bre tO'da e qualquer divida, de tO'dO' e qualquer tempo.
A dis'pO'siçãO' legal agO'ra citada veiO', 'ComO' se vê, esclare-
cer as divergencias, creandO' para a Fazenda Publica Federal
uma situaçãO' privilegiada, contra a qual nãO' se póde O'ppor
nem siquer as dividas hypothecarias contrahidas e inscriptás
em qualqu~r tempo.
Não ha possibilidade de interpretação dO' texto legal, tal
,a clareza dO's termos do nO'vO' decretO'. Restaria a.penas saber
dO' effeito retrO'activo dO' nO'vO' dispositivo sobre O'S creditos an-
teriO'rmentecO'ntrahidO's e, cuja precedencia se deveria reger
,pela legislaçãO' anterior.

DA PRESORIPÇÃO

Materia de direito civiJ ou de direito judiciariO' civil, mas


,que interessa directamente a.o direitO' administrativO', desde
que esteja 'em jogO' a administraçãO' publica O'U a pessôa de' di-
reito publico cO'mO' sujeitO' activO' O'U passivO', a Prescripção dO's
direitO's da Fazenda O'U contra a Fazenda deve ser aqui exa-
minada.
O nO'ssO' direitO' tem estabelecidO' desde as suas O'rigens,
um privilegio de EstadO' naquillO' que cO'ncerne a sua divida
passiva, cujO' prazo ,para prescripçãO' é mais curto dO' que aquel-
le das dividas particulares.
A prescripçãO' pO'de ser aqui considerada, tendO'-se- O' Es-
tado comO' credO'r ou devedor. NO' primeirO' caso, a prescripçãO'
geral é de trinta annos, de accordo com oCodigO' Civil, em-
bora se possa ter, na opinião de alguns, cO'mO' imprescriptivel
. o direitO' do Estado cO'mO' titular de direitO', salvO' as excepções
previstas na lei. No segundO' casO', deve-se applicar O' principio
,geral dO' art. 178, § 10, n. VI, do CO'digo Civil, cujO's termO's
. são expresEOS:
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 767

"As dividas passivas da União, dos Estados e


dos Municipios, e bem assim toda e qualq~er acção
contra a Fazenda federal, estadual ou municiopal, de-
vendo o prazo da prescripção correr da data do acto
ou facto, do qual se 'originar a mesma acção".

A origem do privilegio da Fazenda pode se!" encontrada,


'originariamente, no Regimento da Fazenda, de 1516, que es-
tipulava o seguinte: "Passando cinco annos, as partes que
nelles não requererem as dividas que lhes El-Rey dever, per-
cam o seu direito".
. Estava em vigor naquella época, no entretanto, a Orde-
nação, Titulo 79, Livro 4.°, que estabelecia a prescripção geral
de trinta annos ,p'ara todos os direitos pessoaes, sem a excepção
.consagrada no' Regimento da Fazenda, de 1516.
As duvidas susCitadas foram resolvidas, afinal, pela Lei
de 30 de Novembro de 1841, que mandava applicar, de 1.0 de
,Janeiro de 1843 em deante, em beneficio da Fazenda Publica,
,() Regimento de Fazenda de 1516.
Observa o Dr. LUCIANO PEREIRA, em um brilhante pare-
.cer p!"oferido na qualidade de consultor juridico do Ministerio
da Agricultura, que (23), embora a referencia feita pelo
Regimento de 1516 ás dividas que prescreviam apenas em cinco
a,nnos fosse limitada "ás tenças, assentamentos e mantimen-
tos, que se dão ordenadamente cad~ anno na nossa Fazenda
por nossos officiaes", no entretanto grande foi a amplitude que
na pratica se deu á lei de 184!.
O decreto n. 857, de 12 de Novemb!"o de 1851 ,pode ser
.considerado como a origem da prescripção geral de cinco annos
.em favor da Fazenda Publica, embora se lhe possa increpar
.defeitos de redacção (24).

(23) Ver Diario Official, de 14 de N,ovembro de 1932.


(24) "krt. 2.° - Esta ;prescripção comprehende: 1.0) o direito que
.alguem tem a ser declarado credor do Estado sob qualquer tituto que seja;
:2,0) o direito que alguem tenha a haver pagamento de uma divida qual-
.quer que seja a natureza della."
768 THEl\{ISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

A lei n. 1.939, de 28 de Agosto de 1908, veio, finalmente.


antes do Codigo Civil, dar a amplitude desejada áquelle pri-
vilegio da Fazenda, determinando em seu art. 9. 0 :

"A prescripção quinquennal, de que gosa a Fa-


zenda Federal, se appUca a todo e qualquer direito
ou acção que alguem tenha contra a dita Fazenac._
e o prazo de .prescripção corre do acto ou facto, do
""1-'" t>e originar o mesmo direito ou acção, salvlJ __
interrupção pelos meios legaes".

Dahi por deante, vigorou o Codigo Civil, que estabeleceu


principio quasi identico.
A lei n. 5.761, de 25 de Junho de 1930, veio alterar, em
alguns pontos, a legislação vigente anteriormente, esclarecendo
pontos de doutrina que davam lugar a duvidas e vacillações
na jurisprudencia (25).
O decreto de 6 de Janeiro de 19132 pro'curou, finalmente,
fixar normas, cuja importancia é enorme na esphera admi-
nistrativa (26).

(25) "Art. 1.0 - Não corre a prescripção de que trata o art. 178,
§ 1<0.0 do COdigo Oivil, durante a demora que, no estudo, no reconheci'-
menta, na liquidação ou no pagam~nto da divida, tiverem as repartições
ou funcdonarios que della .se occuparem.
Art. 2.° - A pro'va de entrada do requerimento do credor nos li·
vros ou protocollos das repartições publicas, com designação de dia, mez
e anno, bem como certificad·o do Correio da remessa em tempo doses-
clarecimentos reclamados, provam a data em que se interrompeu a pres-
cripção. "
(26) "A:rt. 1.0 - ÁJS dividas passivas da União, dos Estados e dos
Municípios ,bem assim todo o direito ou acção contra a Fazenda Federal
estadoal ou municipaL, seja qual fôr a sua natureza, prescrevem em cin~
co annos contadOos da data do acto ou facto, do qual se odginaram.
Art. 2.° - Prescrevem igualmente no mesmo prazo, todo o direito·
e as prestações correspondentes a pensões vencidas ou por vencerem, ao
meio soldo e ao montepio ciVlil ou militar, ou a qualquer restituições ou
. differenças.
Art. 3.° - Quando o pagamento se' dividir por dias, mezes ou annos,
a prescrip~ão attingirá progressivamente as prestações, a medida que com-
pletarem os prazo's estabelecidos pelo pr,esente decreto.
Art. 4." - Não cOorre a prescripção durante a demora que, no estu-
do, no reconhecimento ou no pagamento da divida, considerada liquid~,
tiver,em as repartições ou funccíonarios encarregados de estudar e apuraI-a.
Paragrapho uni co. - A suspensão da prescripção, neste caso, verÍ-
f:car-se-á pela entrada do requerimento do tbtular do direito ou do cre-
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 769

o alludido decreto estabelece aprescripção geral de cinco


annos para todo e qualquer direito ou acção contra a Fazenda,
abrangendo todo o direito e as prestações' correspondentes a
pensões vencidas ou por vencerem, ao meio soldo e ao mon-
tepio civil ou militar, ou a quaesquer restituições ou daffe-
,renças.
São esses os principios sobre a prescripção geral, esta-
tuida pela lei, em beneficio da Fazenda.
Remettemos aos innumeros tratados geraes ou es,peciali-
sados em direito civil, que tratam do assumpto.

dor nos livms ou protocollos das repartições publicas, com designação


do dia, mez e anno.
Airt. 5.0 - Não tem effeito de suspender a prescripção a demora
do tItular do direito ou do credit{) ou do seu representante em prestar
os escIarecimentos que .lhe forem reclamados ou o facto de não promover
o andamento do feito judicial ou do processo administrativo durante os
prazos respectwamente estabelecidos para extineção do seu direito á acção
ou reclamação.
Ar.t. 6. 0 - O direito á reclamaçãoadmini.strati-va, que não tiver
prazo fixado em disposição de lei para ser formulada, prescreve em um
anno a contar d·a data· do acto ou facto do qual o mesmo se origJinar.
Art. 7,° - A citação inicial não n-rompe a prescrlpção quando,
por qualquer motivo, o procesS<l tenha sido annullado .
.A.rt. 8.° - A prescripção somente poderá ser interrompida uma vez.
Art. 9,° - A prescripção interrompida recomeça a correr, pela me-
tade do prazo, da data do acto que a interrmnpeu ou do uItim{) acto ou
termo do respectivo processo.
Art. 10. O disposto nos artigos anteriores não altera as prescripções
de menor prazo, constantes de leis, e regulamentos,. as quaes ficam su-
bordinadas ás mesmas regras.
Art. 11 - Revogam-se as disposições em contrario,
Rio de Janeiro, 6 eLe Janeiro de 1932, 111 0 da Inde,pendencia e 43°
da RepUJblica. - Getulio Vargas - Oswaldo Aranha.

- 49
CAPITULO V ,

DOS RECURSOS .AlDM:INISTRATIVOS

Os Recursos Administrativos - O Recurso Hierarchico; e


as Instancias Collectivas - Conselho de Contribuintes
- Sua Organilsação e Oompetencia - Conselho Nacio-
nal do Traba:lho - Conselho de Recurso da P~oprieda­
de Industrial.

o systema das duas instancias, que é uma das fórmulas


garantidoras de todo o regimen processual, tem toda applica-
ção na esphera administrativa.
Nos paizes onde existe o contencioso administrativo, como
ve'!'dadeiro systema jurisdiccional autonomo e c<Jm fórmas pro-
cessuaes peculiares, prazos e formalidades muito semelhantes
ás que vigoram perante a justiça ordinaria, o recurso é cha-
mado contencioso (1).
A mesma !"igidez não se verifica, porém, em regra, nos
out!"os .paizes onde não existe o contencioso administrativ,o,

Dahi o denominar-se taes recursos de kierarckiCoQs, isto é.


recursos para uma autoridade administrativa superior.

(1) U:MBER'OO BORSI - "La giustizia arnminist1'ativa", pg. 54.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 771

BIELSA (2) define.o recuros hie!'archico:

"una reclamación prom.ovida contra un acto o deci-


si.on de un agente administrativo ante el superior
jerarquic.o de este, c.on el .objeto de que es modifi-
que o revoque esa decision, por c.onsiderar que le-
siona un de!'ech.o o interes legitimo deI recorriente,
y imp.orta una transfusion de normas legales que
. imperan en la actividad administrativa".

Não se pode, n.o entretanto, dizer que em n.osso regimen


administrativ.o taes recurs.os não se acham adstrict.os á fór-
mulas e te!'mos e prazos bem como á satisfação de condições
essenciaes para o seu seguimento, sob pena de .perempçã.o do
recurso.
Os n.ossos regulament.os administrativos impõem exigen-
das de prazos e de garantias (Deposit.o, Fiança), de grande
importancia e de applicaçã.o rigida.
Finalmente, entre os recursos devem se!' mencionados os
disciplinares, que assistem a todos .os funccionarios, e cuj a im-
portancia é tanto maior ,quant.o decorre de uma garantia c.ons-
tituci.onal expressa (3).

Instaneias CoIlectivas

Na Fazenda. - Em noss.o regimen administrativ.o existe


hoje uma nova modalidade de tribunaes administ!'ativos, ins-
tancias collectivas de recu!'so que offerecem, ás partes, novas e
seguras garantias contra o tão decantado arbitri.o da nossa
.administraçã.o publica.
.. Dos tres systemas conhecid.os na c.omposição dos tribunaes
administrativos ou constituid.os pela p!'opria administração, ou

(2) IOp. cit., vol. I. pg. 383.


(3) Art. 17'0, § 8.· da Constituição de 1934: - "Todo o fu,nccio-
nari.o publico terá direito a recurso contra decisão disc~linar e, nos ca-
sos determinados, á revisão do processo em que se lhe imponha penali-
dade, salvo as 'excepções da lei militar." (Não foi este dispositivo repro-
<luzido na Constituição d.e 19,37).
772 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

neutros, verdadeira jurisdicção administrativa, ou mixtos,


constitui dos de elementos da administração e dos contribuin-
tes, preferiu a nossa organização administrativa fazendaria
este ultimo.
Foram assim instituidos os chamados Conselhos de Con-
tribuintes.
Mas, teria a instituição das instancias collectivas modifi-
cado o systema brasileiro no que diz com a força das decisões
administrativas e a apreciação das mesmas pelos tribunaes?
Não nos parece.
No regimen ante!'ior os recursos das decisões proferidas
em primeira instancia eram in1;Qr,postos para o Ministro de
Estado. O que o systema novo veio modificar foi a'penas
a instancia de recurso, e assim mesmo em algumas repartições
como a Fazenda, Trabalho.
Nos demais Ministerios, como Educação e Saude Publi-
ca (4-5), Agricultura, o recurso deve ser interposto para o Mi~
nistro respectivo.
Mesmo, porém, com a instituição das instancias collecti-
vas, ficou sempre mantido o recurso para o Ministro das de-
cisões por ellas proferidas.
Mas, o que é mais de resaltar, os julgamentos adminis-
trativos só fazem cousa julgada em materia administrativa.
Não excluem nem podem excluir a sua revisão .pelo Poder Ju-
diciario, quando verificada a lesão do direito individual pelo
acto administrativo praticado individual ou collectivamente.
Assim tendo decidido a Côrte Suprema na execução ju-
dicial das condemnações proferidas pelos Conselhos de Con-
tribuintes, bem como daquellas tambem proferidas pelo Con-
selho Nacional do Trabalho.

(4-5) Ver Regullamento da Repartição de Aguas e EiXgotos, Decre-


to 20.591, de 1'8.de Janeiro de 1932, art. 36: "D1lS decisões que impu-
zerem multas haverá recursQ para o M,inistro da Educação e Saude Pu-
blica, no prazo de 30 dias a contar da data em que a applicação da multa
fôr publicada no DiariQ Official, e mediante prévio deposi,to da impor-
tancia na T.hesouraria da Inspectoria de Aguas e Exgotos".
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 773

.
CONSELHOS DE CONTRIBUINTES

O Decreto n. 5.155, de 12 de Janeiro de 1927, autorizou


a revisão dos regulamentos de Fazenda, bem como a institui-
ção de uma instancia collectiva para julgamento dos recursos.
Resalvou, no entretanto, a faculdade do Ministro da Fazenda
para reforma daquellas decisões (6).
Usando dessaattl1ibuição e dos poderes discricionario:>
conferidos ,pela Revolução, o Governo Provisorio baixou o De-
creto n. 2'0.350, de 31 de Agosto de 1931, creando o Conselho
de Contribuintes, constituido em partes eguaes de funcciona-
rios da Fazenda e de contribuintes.
As suas attribuições comprehendiam o julgamento dos re-
cursos até aquella data, interpostos para o Ministro da Fa-
zenda, das autoridades fiscaes nos Estados e no Districto Fe-
deral.
Mais tarde, foi creado igualmente um Conselho de Con-
tribui~s do Imposto sobre a Renda.
O estudo desses decretos não exige maior desenvolvimen-
to, porque já se acham modificados pelo decreto n. 24. {)I36, de
26 de Março de 1934, que reorganizou os serviços da adminis-
tração geral da Fazenda Nacional.
Em seus arts. 150 e seguintes declara o alludido decreto:
As questões entre a Fazenda e os contribuintes origina-
das de interpretação da lei, de cobrança de impotsos, taxas,
emolumentos, de infracção ou divida fiscal, são resolvidas em
duas instancias, uma singular e uma collectiva.

(6) "Art. 1.0 - Fica o governo autorizado a rever os regulàmen-


tos das repartições fiscaes subordinadas ao l\Iinisterio da Fazenda, para
o fim especial e excluswo de estabelecer que os recursos dos contri-
buintes em materia fiscal, sobretudo no tocante aos impostos de consu-
mo, sejam julgados e resolvidos por um' conselho, constituidos em par-
tes iguaes, por funccionarios da administração publica e por contribuin~
tes, nomeados estes pelo governo por propostas das principaes associa-
ções de classe, representat1vas do commercio e da industria, o qual func-
cionará sobre a presidencia do Mlinistro da Fazenda ou da autoridade fis-
cal ,por esse designada.
Paragrapho unico - As deliberações do conselho não poderão obri-
gar as decisões fÍ'naes do Ministro da Fazenda, sempre que este não se
conformar com aquellas deHberaçães".
774 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Nas instancias singulares decidem - os delegados fiscaes,


inspectores da Alfandega, Directores das Recebedorias, Dire-
ctor e Chefes de Secção do Imposto de. Renda - as questões
de rendas internas decidem - os delegados fiscaes e os Di-
rectores das Recebedorias - as questões relativas ao imposto
de renda, no Districto Federal, o Director e nos Estados, os
chefes das respectivas secções.
Nas instancias collectivas, julgam os Conselhos de Contri-
buintes e o Conselho Superior de Ta!'ifas.
O Decreto n. 24.036 creou dois Conselhos de Contribuin-
tes e um Conselho Superior de Tarifas.
O primeiro conselho decide os recursos interpostos nas
questões relativas ao imposto de renda, imposto de sello e im-
posto sobre vendas mercantis.
O segundo conselho, as questões relativas ao imposto de
consumo, taxa de viação e os demais impostos, taxas e contri-
buições internas que não estiverem attribuidas ao primeiro
conselhó.
Ao Conselho Superior de Tarifas compete decidir as ques-
tões de classificação, de valo!', de contrabando e quaesquer de-
correntes das leis e regulamentos aduaneiros.
A este ultimo conselho ainda compete zelar pela uniformi-
dade das classificações aduaneiras, propor as alterações tari-
farias julgadas convenientes aos interesses do paiz, e dize!'
sobre a conveniencia de accordos commerciaes, indicando as
tarifas que devam ser applicadas.
Os Conselhos compõem-se de seis membros cada um, sendo
tres de livre escolha e nomeação do Presidente da Republica.
entre funccionarios de Fazenda, e tres extranhos ao quadro do
funccionalismo como representantes dos Contribuintes.
A lei fixa o proces'so e julgamento dos recursos (7), mas
resalva sempre ao representante da Fazenda, o recurso para
o Ministro das decisões que não forem unanimes e não pare-
cerem de accordo com a prova dos autos e a lei applicavel.

(7) 'Dec. 24.76'3<, ·de 14 de Julho de 1934. (D. O. 14-7-1934).


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 775

Estes são os principios que regem ao-..:-ganização e func-


cionamento das instancias collectivas.

CONSELHO NACION!AL DO TRAJBALHO

A instancia collectiva em materia de trabalho, como tri-


bunal de recurso é o Conselho Nacional do Trabalho (8), cujo
ultimo regulamento teve o n. 24.784, de 14 de Julho de 1934.
Oalludido Conselho é "uma organização technica consul-
tiva e ju}gadora das questões que interessam á economia, ao
trabalho e á previdencia social, com funcções administrativas,
nestas comp!'ehendidas as de fiscalização e punição" .
.O Conselho é dividido em tres Gamaras e é constituido por
dezoito membros escolhidos livremente ;pelo Presidente da Re-
publica, sendo quatro dentre os empregados, quatro dentre os
empregadores, quatro dentre os funccionarios mais graduados
do Ministerio do Trabalho, e seis entre pessôas reconhecida-
mente competentes em assumptos sociaes.
O trabalho é distribuidoequitativamente entre as tres
Camaras.

As funcções do Conselho são:

a) consultivas;
b) administrativas;
c) deliberativas;
d) de julgamento.

Esta ultIma attribuição é a que mais directamente inte-


ressa a este Capitulo, e comprehende (9), as reclamações contra
actos das Caixas e Institutos de Aposentadoria e Pensões e
das Emprezas e Estabelecimentos a umas e outros ligados no

(,8) Cl'eado pelos decretos 17.496, de 30 de Outubro de 1926, e


18.074, de 19 de Janeiro de 1928.
(9) Art. 13.
776 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

tocante á estabilidade e outras garantias asseguradas por lei


aos respectivos empregados, e bem assim os recursos inter-
postos ex-officio pelas juntas e conselhos administrativos de
suas decisões e pelos terceiros a que ellas affectam.
Das decisões do Conselho, cabe, no entretanto, recurso para
o Ministro do Trabalho.

CONSELHO DE REOURSO DA PROPRIED'l\DE


INDUSTRIAL

o Decreto n. 24.67.0, de 11 de Julho de 1934, creou igual-


mente uma instancia collectiva para julgar todos os recursos
das decisões do Director Geral do Departamento Nacional da
Propriedade Industrial ,sobre questões de privilegio de inven-
ção, de melhoramentos, de modelos de utilidade, desenho ou
modelo industrial, garantia de prioridade, marcas de industria
e commercio, nome de estabelecimento e concurrencia desleal,
e bem assim os relativos á applicação de dispositivos constan-
tes de convenções ou tratados internacionaes (art. 1.0).
Compõe-se o reefrido Conselho dos seguintes membros:
directores geraes da Directoria Geral de Expediente da Se-
cretaria de Estado do Ministerio do Trahalho, Industria e Com-
mercio, dos Departamentos Nacional da Propriedade Indus-
trial e da Industria e Commercio, e do Instituto de Technolo-
gia, e de um auditor, e terá por presidente effectivo o Minis-
tro do Trabalho (art. 1.0).
As decisões proferidas pelo Conselho serão definitivas,
mas o Ministro do Trabalho podel'lá avocar o processo julgado
pelo Conselho e modificar a decisão proferida, quando fôr ve-
rificado a seu juizo ,que a decisão é manifestamente contraria
á lei ou á jurisprudencia assentada (10).

(110) Anteriormente o Decreto 16.009, de 11 de Abril de 1923, creou


o Oonse~ho Superior de OotmnercLo e Industria, e ° Decreto 18.264, de
1923, que modificou a legislação sobre o privilegio de invenção, mandou
que o referido conselho fosse ouvido sobre concessões de patentes como
orgão consultivo. O resultado dessa inovação foi bem apreci,ado por (
CERQUElRA em seu livro, Privilegias de invenção e 1Ilnrcas de fabrica e de
commercio", voI. 2, pg. 479, nota 1.
CAPITULO VI

CONSELHOS

Co.nselho.S (continuação.) - Co.nselhos technico.s - Conse-


lh{)s co.nsu~tivo.S - Oonselhos administrativos - Oonse-
Lho.Superio.r da Segurança Nacional - Conselho Peni-
tenciario - Conselho do. A:lmirantado - Conselho Na-
donal de Educação - Conselho FlorestaI - Conselho
de Caça e Pesca - Conselho Universitario e Co.nselho
technico administrativos - Outros Conselho.s de menor
importancia.

Além dos orgãos já examinados no 1.0 volume, como a


Ordem dos Advogados, Conselho Federal de engenharia e ar-
chitectura, cujas attribuiçõesautonomas permitte consideral-
os em logar proprio, bem como das instancias collectivas de
recurso, outros orgãos existem, integrados dentro do nosso sys-
tema administrativo, de funcções mais de ordem technica e
consultiva, sem todavia perderem o caracter administrativo,
dada a influencia directa de suas deliberações sobre os actos e
decisões tomadas pelas autoridades administrativas superiores.
Não é possivel, e isto só acontece com um numero reduzido
de Conselhos, admittir orgãos exdusivamente consultivos, ex-
cluida qualquerparceia de funcção administrativa.
Aqui, porem, vamos apreciar 'alguns desses ~onselhos de
natureza mais nitidamente consultiva e technica.

bONSEOOO SUPERIOR DE SEGOOA1NÇA NACIONAIL

Orgão technico - E' o antigo Conselho da Defeza N acio-


naI, reorganizado pelo decreto 23.873 de 15 de fevereiro de
778 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
--------------------------------------------------
1934, cujo regulam~mto baixado pelo decreto n. 191 de 19 de
Junho de 1935, fixa as suas attribuições technicas consultivas
e coordenadoras das actividades dos diversos ministerios den-
tro das necessidades da segurança e defeza nacional (1).

CONSELHO PENITENCIARIO

E' um orgão technico e consultivo, creado pelo decre-


to 16.665 de 6 de N overbmo de 1924 que regulamentou o ins-
tituto do livramento condicional e constitui do de tres juristas,'
dous medicos e dos representantes do Ministerio Publico fe-
deral e local de livre nomeação do Presidente da Republica
A audiencia do Conselho é obrigatoria sob pena de nulli-
dade nos casos de concessão do livramento.
Tem assim, o Conselho funcção consultiva obrigatoria,
embora não esteja a auto!'idade judiciaria adstricta ao seu
parecer.
A natureza technica sob o ponto de vista juridico e medica
dá ao Conselho importancia excepcional. O referido decreto,
que o organizou, estabelece as attribuições fiscalizadoras do
Conselho sobre os estabelecimentos penitenciarios.

CONSELHO DO ALMIRANTADO

Orgão tecknico consu;ltivo -- Foi reorganizado pelo de-


creto 22.070 de 10 de Novembro de 1932. E' o supremo orgão
consultivo dos negocios da marinha. Constitue-se de todos os
almirantes em serviço activo.

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

Orgão technico consultivo -- Creado pelo dec. 19.850 de


11 de Abril de 1931 -- é urp. orgão consultivo subordinado
ao Ministerio da Educação e saude publica.

(1) Ver o Diario Official de 31 de Julho de 1936.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 779

Compõe-se de conselheiros nomeados pelo Presidente da


Republica na forma do art. 3. 0 do alludido decreto.
Não tem funcções administrativas mas opina sobre as-
sumptos technicos e didacticos e emitte pareceres sobre ques-
tões administrativas.
Devido á sua composição, homens escolhidos entre os mais
conceituados membros do magisterio secundario e superior do
paiz, é grande a sua influencia sobre a orientação geral do
ensino (2).

o CONSELHO FLORESTAL
E' um conselho technico administrativo. Foi creado pelo .
decreto 23.798 de 23 de Janeiro .de 1934, que approvou o Co-
digo Florestal.
Os seus membros são até o numero de onze, isto é, cons-
titue-se. cornos representantes do Museu Nacional, do Jar-
dim Botanico, da Universidade do Rio de Janeiro, do Ser-
viço de Fomento da Producção Vegetal, do Touring Club do
Brasil, do Departamento Nacional de Estradas, do Serviço
de Florestas ou de Mattas da Municipalidade do Distrlcto Fe-
deral, e por outras ·pessôas até o numero de quatro, de no-
toria competencia especialisada nomeadas pelo Presidente da
Republica.
O Conselho Florestal tem attribuições consultivas, admi-
nistrativas e a iniciativa de medidas tendentes a orientar as
autoridades florestaes, e de infundir em todo o paiz a edu-
cação florestal, e a protecção á Natureza.
Essas attribuições são exercidas pelo Conselho Florestal
Federal, .que terá actuação em todo o territorio nacional.
O art. 102 do Codigo Flórestal assim discrimina essas
attribuições :
a) Orientar as autoridades florestaes sobre a applicação
do Fundo Florestal;

(2) Vier no 1.0 volume, pg. 499, onde foram estudadas as reformas
posteriores.
780 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

b) Pr.omover e zelar pela fiel .observação dos codig.os,


leis e regulamentos relativos ao serviço florestal, bem com.o re-
solver os cas.os omissos e ·propôr a.o G.overno as alterações que
se tornarem necessarias ás disposições legaes vigentes;
c) Pr.omover a c.ooperação official e particular na obra
de conservação das fl.orestas e no replanti.o;
d) Diffundir em todo o paiz a educação fl.orestal e ins-
tituir premios de animação á silvicultura e por serviços pres- •
tados á protecção das fl.orestas e .organisar congress.os e c.on-
ferencias.
Além do C.onselho Florestal Federal poderão ser .organi-
.sados C.onselhos nos varios Estados, que serã.o C.onstituidos
pel.os representantes de institu:tos congeneres áquelles que com-
põem o Conselho Federal, e mais tres pessôas de n.otoria com-
petencia especialisada, nomeadas pelo Presidente do Estad.o.
O Director d.o Serviço c.ompetente da União poder~ tomar
parte nas reuniões e será considerad9 membro hon.orario.
Os municipios poderão igualmente ter .o seu Conselh.o,
cujas attribuições estender-se-ão ao territori.o respectivo.
Quando a materia, porém, interessar mais de um munici-
pio .ou a municipio .onde não haja Conselho, será competente
.o Conselho Estadual.

CONSELHO DE CAÇA E PESCA

Apparelho technico administrativo e consultivo, o C.on-


selho de Caça e Pesca é constitui do, nos termos do C.odig.o de
Caça e Pesca (3), de onze membr.os indicados pelo Ministro
de Agricultura e n.omeados pelo. Presidente da Republica.
São elles os seguintes: um representante do Serviç.o de
Caça e Pesca, um representante dos ,pescad.ores, um represen- .
tante d.os caçadores, um representante dos armad.ores de em-
barcações de pesca, um representante dos. industriaes de con··

(3) Decreto 23.672, de 2 de Janeiro de 1934.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 781

serva do pescado, um representante da marinha de guerra,


um representante do Museu Nacional e mais quatro membros
de notoria competencia espedalisada (4).
As attribuições do Conselho de Caça e Pesca estão fixaoas
no Co digo, em seu art. 161 e são as seg1:lintes:
a) Collaborar com o Ministro da Agricultura na apph-
cação dos recursos oriundos da renda de caça e pesca;
b) Promover e 7ielar pela fiel observancia do Codigo, leis
e regulamentos relativos á Caça e Pesca, bem como represen-
tar ás autoridades sobre as necessidades do serviço e as exi-
gencias do interesse publico;
c) Promover a -cooperação dos poderes publicos e insti-
tuições particulares na obra de conservação e construcção das
!'iquezas piscicolas e de caça;
d) Diffundir em todo o paiz a educação tendente á pro-
tecção da natureza e instituir premios, organisar congressos e
conferencias e a realisação de ex,posições e concursos;
e) Propugnar pela inclusão nos ensinos primario e se-
cundario do estudo da fauna aquatica e terrestre;
f) Resolver sobre os casos omissos no Codigo, propC-..
ao Governo a sua emenda ou alteração e emittir parecer sobre
as questões importantes sujeitas ás decisões das repartições
competentes.

CONSE,LHO UNIVERSIT ARIO E OONSE,LH'OS


TECRNICOS ADMINISTRATIVOS

. Orgãos tecknicos a4ministrativos - O regimen univer-


sitario, como uma estructura bem definida, representa uma uni-
dade quasi autonoma dentro do systema educacional.

(4) Art. 160, do Codigo.


782 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Para a sua direcção dispõe de orgãos complexos constitui-


dos em diversas instanciascom funcções delioorantes e" con-
sultivas de maior importancia.
Essas funcções, dentro do nosso systema universitario,
reorganizado pelo dec: 19.851 de 11 de" Abril de 1931, compõe-
se, alem das Congregações das Faculdades, de um Conselho
Technico administrativo para cada Faculdade de que se compõe
a Universidade e de um conselho universitario constituido em
instancia superior.

OUTROS CONSELHOS DE MENOR IMPORTANCIA

Assim o Conselho Superior de Economia de Guerra, creado


pelo decreto 20.921 de 6 de Janeiro de 19'32, encarregado àa
arrecadação, de regular a repartição e fiscalizara applicação
das economias geraes do M. da Guerra, de accordo com as ne-
cessidades do serviço.
O Conselho economlico da Marinha, reorganizado pelo de-
creto 22.098 de 17 de Novembro de 1932, semelhante ao Gon-
selho Superior de economias da guerra, com funcções a/dmi-
nistrativas e fiscalizadoras.
o ConselhoTechnico da Producção do Ministerio da Agri-
cultura, creado pelo dec. 22.914 de 1 de Julho de 1933, com
funcções consultivas limitadas.
O Conselho de Fiscalização das exped.ições artísticas e
Scientificas no Brasil, creado pelo decreto 22.698 de 11 de
Maio de 1933, composto de 7 membros, especializados em di-
versas repartições, e a cujo encargo se acha a defeza do nosso
patrimonio contra as incursões indevidas de ex-pedições sc:en-
tificas extrangeiras, de fins comme"!"cÍaes.
CAPITULO VII

PEREMPÇÃO E RECONSIDERAÇÃO

Recursos Administrativos - Da Sciencia da Decisão - Do


Pedido de Reconsideração - Da Cousa Julgada -
PereII\pção dos Recursos.

Como os actos judiciarios, tambem os actos administra-


tivos passam em julgado, isto é, contra elles não cabe mais
recurso, nem para a mesma autoridade, nem para instancia
administrativa superior.
Para que isto aconteça, é preciso ou que decorra o prazo
fixado pela lei, ou que a decisão seja de uma iristancia de-
finitiva.
Examinaremos, assim, as duas hypotheses mais impor-
tantes: da pere1npção dos recursos; e dos casos de reconsi-
deração.

Da "sciencia" da decisão

Os prazos começam a correr da sciencia da decisão pelo


intel'essado ou da sua publicação. Em regra, este ultimo prazo
é muito maior (1).

(1) Ver artigo 158, do Decreto 24.036, de 1931.


784 THEMJSTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

A sciencia do interessado faz-se por intimação promovida


pela propria repartição, ou pessoalmente, ou pela imprensa,
ou po!' carta registrada pelo correio, como prevê o regulamen-
to do imposto da renda (Decr. n. 16.838, modificado pela le-
gislação posterior).
Diz o alludido decreto em seu art. 123:
....................................................
§ 1.0 Os recursos serão interpostos dentro de cinco dias,
contados da data em que a publicação tiver sido feita no "Dia-
rio Official", quando a decisão se referir á resi4entes ou do-
miciliados no Districto Federal e a partir da data em que o
contribuinte fôr notificado da decisão, quando a residencia ou
domicilio do interessado estiver nos Estados.
§ 2.° A notificação poderá ser feita pessoalmente, pela
imprensa, ou po!' carta registrada pelo correio.
§ 3.° Si a notificação foi feita pessoalmente, o prazo cor-
rerá da data da respectiva certidão passada por quem ef-
fectuar a diligencia; si fôr publicada, o prazo será contado da
data da publicação e, finalmente, quatro dias depois de en-
t!'egue ao correio, si foi feita por carta.
A questão tem, como se vê, interesse indiscutivel. A scien-
cia da decisão é um presupposto sem o qual perde a decisão a
sua autoridade e a cousa julgada torna-se uma verdadeira
burla.
Como observa GIACOMO FALCÓ (2), si a notificação é feita
por meio de carta com recibo de volta, deve-se ter como exacta
a data em que o recibo foi passado. O mesmo não occorre,
porém, si a notificação é feita ·por simples carta sem registro.
E' por isso que se acham largamente em uso, entre nós,
as cartas registradas, cujo recibo comprova a data da sciencia,
ou, pelo menos, uma presumpção. '

(2) Decadenza e perenzione, nei prooidbmenti amministrati'IJi, pg. 64.


INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 785

Na pratica, deve-se no entretanto notar que, muitas vezes,


a parte interessada desconhece o recebimento da carta regis-
trada, cujo recibo por outrem foi passado.
São modalidades que devem ser desprezadas, dada a dif-
. - ficuldade manifesta de ,promover-se a intimação pessoal dos
interessados.

Pedido de reconsideração

Os abusos inqualificaveis decorrentes dos pedidos de re-


consideração interminaveis nos processos administrativos, mui-
tas vezes dependentes d,e situações inteiramente fortuitas, le-
varam o Governo Provisorio a baixar o decreto n. 24. 848,
de 23 de Dezembro de 1931; onde ficaram estabelecidas nor-
mas seguras sobre o ,assumpto

a) da decisão resolutoria de ultima instancia.


e da qual já tenha havido pedido de reconsideração,
não cabe direito a out!"o pedido, ficando -encerrado
o feito;
b) a administração pode por acto proprio re-
formar as decisões contra ella proferidas;
c) não se conhece do .pedido de reconsidera-
ção feito após um anno da data da primeira decisão,
proferida em ultima instancia;
.d) o pedido d~ reconsideração feito ás auto-
ridades inferiores não interrompe os prazos de re-
curso para as autoridades para as quaes cabe o re-
curso;
e) os pedidos de reconsideração. não impedem
a cobrança executiva da divida fiscal;
f) como medida transitoria, foram considera-
dos pelo alludido decreto encerrados todos os pro-
cessos, nos quaes já tivesse havido pedido de re-

- 50
786 THEMISTOCLES' BRANDÃO CAVALCANTI
------~--------------------------------~---

consideração nos termos alli fixados, e consequente-


mente arehivados os mesmos.

A medida tomada pelo alludido decreto, por maiores que


sej am certas restricções que se lhe possam fazer, no que diz'·
com o privilegio da Fazenda, merece os mais sinceros lou- .
voves. Veio pôr termo á irregularidades e abusos que prejudi-
cavam grandemente á administração .
. A perempção para inter·posição dos recursos, a limitação
dos mesmos, fixaram um sentido de que muito necessitava o
nosso direito administrativo.
O decreto n. 24.036, de 26 de Março de 1934, igualmente
admitte pedido de reconsideração das decisões dos Con~lhos
de 'Contribuintes (art. 17,6), mas sómente uma vez.
Este pedido deve ser apresentado dentro de vinte. dias
da sciencia do interessado ou da publieação official do ac-
cordam. .
Não sendo apresentado, passará em julgado. No caso con-
trario, resolvido o pediêlo, a questão estará finda, salvo o re-
curso do representante da Fazenda (art. 178). .
Quanto a estas ultimas decisões, o art. 165 as considera
irrevogaveis e definitivas, uma vez .proferidas.
Está. entendido que, quanto aos demais pedidos de recon-
sideração, são elles regidos pelo decreto n. 20.949, de 1931.

Da perempção dos recuvsos

Pode a parte, pela falta de cumprimento de obrigações


regulamentares e processuaes, perder o seu direito. E' este
um principio geral admittido em doutrina, mas que, na orbita
puramente administrativa e dentro do nosso regimen, deve ser
entendido de modo restricto, dada a possibilidade, sempre re-
conhecida, de poder o direito lesa'do obter reparação por via
judicial.
Na instancia administrativa, porém, a perempção decorre
de principios, firmados em lei, cujo cumprimento' se impõe
para a boa marcha e ordem dos processos administrativos su-
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEffiO 787

jeitos, como os judiciaes, a prazos e prescripções consideradas


de ordem ·publica.

-La perenziQne, -, define GIAOOMO F ALOO em


sua excellente monographia (3) - pu6 esser~ de-
finita come la sanzione giuridica all'omissione di
qualsiasi atto procedurale in un periodo di tempo
stabilito dalla legge, e consiste nella perdita deI di-
ritto a ,continuare la procedura e rendi inefficaci gli
atti procedurali anteriormente computi".

A perempção do recurso é o que se pode chamar com


:RANELETTI, "l'abandono deI ricorso" (4), segundo a technica
,da legislação italiana.
E' este, aliás, um principio qniversalmente acceito (5).
A perempção do recurso importa na validade da decisão
'Proferida, não podendo subir o recurso á instancia adminis-
trativa superior.
Não exclue, apenas, a discussão perante o poder judicia-
rio e a competente annullação da decisão proferida, mediante
procedimento proprio.
,Os nossos regulamentos administrativos estabelecem exi-
gencias especiaes para que possa a parte inter.pôr o recurso
,quando condemnada na instancia ihferior.
A' semelhança dos decretos anteriores (6), determinam
i()S arts. 158 e 159 do decreto n. 24.036 de 2 de Março de 1934:

"Resolvido o processo em primeira instancia, a


parte' interessada terá o prazo de 20 dias, contados
da sciencia da decisão, ou 60 da sua publicação no
jornal official, para interpôr o seu recurso sob pena
de incorrer em perempção.

(3) Decadenza e perenzione nei procedimenti amministrativi, pg. 171.


(4) O. RANELETTI, La Guarentigie delta Giustizia nella pubblica
,4mministrazione, pg. 479.
( 5 ) F. FLEINER, óp. cLt., pg. 14'7; RoLLAND, Préci.s de Droit Adm.,
numero 375.
(6) Ver o Dec. 20.·3ÓO, de 31 de Agosto de 1931.
788 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
--- -------- -------------
Art. 159 - Nenhum recurso será encaminha..;.
do sem o prévio deposito das quantias exigidas ou..
da fiança idonea, quando prestada em seu, lugar,.
fiança idonea é sómente permittida quando a' im-o
portancia total em litigio exceda de cinco contos
de reis".

E' a caução imposta pela lei como garantia da execução,.,


que tira afinal ao recurso o seu caracter suspensivo.
No regimen anterior ao' decreto n. 20.350, que creou os;
conselhos de contribuintes e portanto as instancias colIectivas
de recursos, ao Ministro da Fazenda cabia julgar da existencia.
ou não da perempção. Decorria essa attribuição do art. 231"
paragrapho unico do decreto n. 17.464 de 6 de Outubro de: '
1926.
Actualmente taes recursos não são mais encaminhados
quando interpostos fóra do prazo ou quando não satisfeitasi
as exigencias legaes.
E' de ponderar, porém, que mais de uma vez razões d~!
equidade deram maior elasticidade a 'comprehensão das dispo:"·
sições legaes, razões que admittiram o levantamento da pe--
rempção uma vez reconhecidas a força maior ou a justificativa.
da demora da interposição do recurso. E,ra o que ocoorria tl&
regimen anterior 'ao decreto n. 20.350, como se vô da ordem.:.
n. 225 de 19 de Agosto de 1930.
Essa praxe foi, no entretanto, revogada, como se vê da'
decisão do Ministro da Fazenda, in "Diario Official", de 22'
de Junho de 1933.
A, rigidez do systema actual não permitte, na verdade, tae&'
decisões de equidade.
A PPE N D'l C. E
PARECER

Desapropriação de terrenos de mangue - A quem cabe pagar o


laudemio - Os mangues da cidade no-va do Districto Fe-
deral, a quem pertencem - A funcção da cidade do Rio
de Janeiro- segundo os historiadores e chro-nistas - Díreito
da Ulnião á cobrooça dos fôros e laudemios - Os limites
da concessão dada á Caroara Munici,pal para perceber os
fôros e laudemlios ~ As desapropriações da rua General
Bedra e Senador Pompeu para construcção da nO<Va esta-
ção PedTO II - A quem cabe receber o laudemio e o di-
reito da M1unicipaHdade tratando-se de desapropriação pelo
s&nho'rio d~,recto, para melhoramentos urbano-s.

A desapropriação, ora promovida pela União Federal,


expropriado do laudemio exigido pela Prefeitura do Districto
Federal sobre o valor das expropriações, se nos afigura de
inteira procedencia pelas Seguintes razões, de facto e de direito,
que passamos a eJqJor:
A desapropriação, ora promovida pela União Federal,
attinge em suas consequencias objectivo dos mais vastos, pois
que comprehende, não só, o desenvolvimento da actual estação
Pedro II, mas ainda um largo plano de urbanização que inte-
ressa immediata e precipuamente á Prefeitura do Districto
Federal.
Não seria demasiado calcular em mais 'de 90% o benefi-
cio para a ..I>refeitura dos serviços de desapropriação, pois que,
esta importará, não só no alargamento da praça fronteira senão
tambem na demolição e reconstrucção de grande parte das ruas
General Pedra e Senador Pompeu, que serão alargadas consi-
dera velmente.
São considerações de facto que influem directamente sobre
a situação juridica da Prefeitura perante a União e os proprie-
tarios dos predios expropriados, visto como, admittida a hy'po-
these que seja a Prefeitura a senhoria di!'ecta daquelles ter-
792 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
---------------------------------------------------
renos, a sua transformação em logradouro publico importará
necessariamente na consolidação do seu dominio sobre os allu-
didos terrenos.
Mas, outras theses de não menos relevancia devem ser aqui
apreciadas. Discutindo-se sobre o pagamento do laudemio,
deve ser examinada, desde logo, a questão do dominio, porque,
se o laudemio só deve ser pago ao senhorio directo como in-
demnização 'por não ter exercido o seu direito de opção na
venda effectuada (Lafayette -- Direito das Coisas, pa-ragra-
pho 132) é logico que este pagamento presuppõe duas condi-
ções fundamentaes: a primeira, de que aquelIe que o reclama,
seja effectivamente o senhorio directo; e a segunda, que a
transferencia do dominio util tenha sido effectuada a terceiros
por não ter o senhorio di-recto usado do seu direito de preferen-
da (Gluck, Pand. voI. 6, pago 656 -- Winscheid -- Pand., pa-
ragrapho 221. Ord. liv. 4.° tit. 38 -- princ. apud. Didimo da
Veiga -- Direito das Coisas -- 105).
Gollocamos á margem desde logo e, para -responder a uma
objecção tantas vezes formulada, a affirmação de que o laude-
mio não é devido pelo facto de ser forçada a vEmda nos casos
de expropriação.
E isto porque, embora seja esta a tradição do nosso direito,
como se vê do alvará de 13 de Dezembro de 1788, pa-ragrapho
12, reproduzido na nossa legislação ·posterior como se vê em
Lafayette -- Direito das 'Coisas, pago 414, Carlos de Carvalho
-- Nova Consolidação das Leis Civis, arts. 649, 651, paragra-
pho 1.0, tem, no entretanto, contra si valiosas opiniões em con-
trario fundadas no art. 686 do Codigo Civil, como se vê no acc.
do Supremo Tribunal Federal de 30 de Maio de 1928 -- in-
verbis:
"O laudemio não é devido quando o senhorio directo pre-
fere ficar com o dominio util; sómente é devido quando elle
consente na alienação do dominio util a terceiros -- Applicação
da Ordenação do liv. 4. 0 tit. 38 -- Cod. Civil art. 686 e Dec.
4.956, art. 33 (Rev. S. T. F., voI. 56, pago 120).

A situação dos terrenos desapropriados

A formação da cidade do Rio de Janeiro processou-se da


parte onde o seu fundador plantou o marco inicial da cidade.
no antigo morro do Castello, para os lados do actual canal do
Mangue e São Christovão.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 793

Contam os historiadores e os que se dedicaram ao assum-


-pto que, num periodo mais avançado da vida da cidade, esta se
limitava por uma muralha que partia do morro da Conceição
até ao de Santo Antonio, isolando a parte construida por uma
vasta area ~hamada "Campo da Cidade" destinada a uma
"'Servidão Militar", onde era vedado construir, para que, melhor
~ mais efficientemente, se defendesse a cidade contra a invasão
-estranjeira.
Sobre o assumpto, diz Haddock Lobo em seu livro "Tom-
bos das Terras Municipaes":
"Chamava-se Campo da Cidade toda a vasta superficie
wmprehendida entre o antigo fosso (rua da Valla) e os man-
gues de S. Diogo, (líoje, Cidade Nova). Ainda em 1711 toda
esta immensa area era assim designada nas memorias que rela-
tam a tomada da cidade pelos francezes apezar de se achar já a
esse tempo retalhada e edificada em muitos logares, por diffe-
rentes chacaras. O que della ficou restando, como logradouro
-publico propriamente dito, foi o intitulado Campo de N. S. do
Rosario, demarcado e alinhado pela Camara em 22 de Dezem-
bro de 1705, de 103 braças de comprimento por 50 de largo.
-Seus limites contavam-se desde a rua do Ouvidor até a da AI-
-fandega, e da Vallaaté a do Fogo. _ Este mesmo logradouro
-quasi que desappareceu pelos aforamentos que ahi se fizeram
de 1750 em diante, restando hoje delle apenas a pequena area
'Conhecida pelo nome de - Largo do Rosario - (Pg. 10 -
Nota 2)".
Além do Campo da Cidade, por conseguinte, construiu-
'se a Cidade Nova sobre os aterros dos antigos mangues e ala-
·gados -que se espraiavam desde o antigo Sacco de S. Diogo
até mais ou menos o Campo de Sant' Anna.
O Engenheiro João da Costa Ferreira em seu excellente
trabalho: "A Cidade do Rio' de Janeiro e seu termo", assim
-presta o seu depoimento de estudioso sobre esse assumpto:
"Sabe-se que toda essa região, comprehendida -pela rua
Frei Caneca (48) desde Riachuelo ao Barro Vermelho e largo
do Estacio de Sá de um lado; e, do outro lado, a orla dos
-morros do Pinto (49) e de S. Diogo era um grande brejal ou
cambôa que em muitos logares emergia na vasante para sub-
'mergir-se completamente, quando a preamar - entrava pela
embocadura do sacco de S. - Diogo. Neste brejal ou cambôa
-grande, na sua maior parte coberto de mangue, desembocava
o supposto Rio Iguassú (50) depois de haver atravessado a
>estrada do Mata Porcos (Frei Caneca), proximamente onde
794 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

começa hoje 'a rua Magalhães, espalhando-se em seguida pelo>


sacco de S. Diogo".
" 0 Nos estudos feitos pelo Engenheiro Costa Ferreira e das

plantas conhecidas, inclusive a que se encontra na publica-


ção feita pela Prefeitura do Districto Federal "O Rio de Ja-·
neiro no seculo XVI" á pago 52, é licito estabelecer duas con-·
c!usões, a primeira, de que os terrenos comprehendidos na des-·
. apropriação, encont'!"avam-se na parte da cidade que desde 00'
primeiros tempos da formação do Rio de Janeiro, denominava-
se Cidade Nova; a segunda, de que os alludidos terrenos são.
aterrados de mangue.
Em abono desas affirmação poderiamos adduzir as se~
guintes considerações: a) dos innumeros processos que se
encontram na Directoria do Dominio da União, relativos ao·
aforamento de terrenos da Cidade Nova, pode-se mencionar'
diversos com este titulo "Aforamentos do Mangue da Cidade·
Nova, e relativos á terrenos da rua de S. Diogo, hoje General
Pedra, rua do Sabão (hoje São Pedro) que 'se prolongava pela.
rua Visconde de Itaúna ", etc....
"Officio da Camara, 13 de Janeiro de 1852, relativo ao·
aforamento do terreno de Mangue na Cidade Nova, Antonio-
José Soares de Castro. •
"Officio da Camara Municipal, de 23 de Agosto de 1851,.
relativo ao aforamento do terreno de Mangue da Oidade Nova,.
á rua S. Diogo, 2 br. José Francisco Dutra.
"Officio da Camara Municipal de 23 de Março de 1852,.
relativo ao aforamento do terreno de Mangue da Cidade Nova,.
á rua de S.Diogo 3 br. para José Pinho.
"Officio da Camara Municipal de 2 de Agosto de 1851,.
relativo ao aforamento do terreno de Mangue da Cidade Nova ...
á rua S. Diogo nã 97, a Joaquim Germano de Seicha-s.
"Officio da Camara Municipal de 8 de Julho de 1852,.
relativo ao aforamento do terreno de Mangue da Cidade Nova,.
á rua S. Diogo 3 br. a João Antonio da Silva.
"Officio da Camara Municipal de 26 de Novembro de 1853"
relativo ao aforamento do terreno de Mangue da Cidade Nova ..
á rua do Sabão n. 141, a Manoel Machado Coelho.
"Officio da Camara Municipal de 18 de Novembro de 1851,.
relativo ao aforamento de Mangue da Cidade Nova, á rua
Nova de S. Diogo ao bacharel Justino José Tavares, etc.... ,,..
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 795·

b) nas sondagens a que se procedeu para construcção


das fundações da nova estação ficou constatada a natureza da--
quelles terernos, incontestavelmente aterrad<Js de mangue.

o Dominio da União sobre os mangues da Cidade Nova

Não ha mais como negar á União o dominio di"!"eeto sobre-


os aterrados de mangue existentes no Districto Federal.
A propria Municipalidade a<J arrecadar os fóros e receber
os laudemios <J faz, apenas como usuf"!"uctuaria, utilizand<J-se-
de uma concessão especial,. conferida pela Lei a pedido da Mu-
nicipalidade, afim deattender a premencia de sua situação·
financeira.
Ninguem melhor do que Carl<Js de Carvalho estudou hoje-
esta situação.
Reproduzimos aquillo que em seu livro "O Patrimonio·
Territorial da Municipalidade do Rio de Janei"!"o e o Direito-
Emphyteutico", escreve a folhas 43:
~:::-:; .... ;~~.,:- . ' _ _ . __ , ___ .__ -~ii~L~{~

" No estado actual da legislação, as marinhas da cidade


e os mangues da Cidade Nova (103), ainda sã<> d<J dominio da
Republica. Ella é o senhorio. A' Municipalidade, por força do-
artigo 37, paragra-pho 2 da Lei de 3 de Outub"!"o de 1834 e em
consequencia de ter sido constituido da acção financeIra da.
Pr<Jvincia do Ri<J de Janeir<J, foi conferido o direito de cobrar-
os fóros, direito que pelo art. 9, n. 27 da Lei n. 60 de 20 de
Outuhro de 1838, cómprehendia o de percepção do laudemio,
aliás sem caracter permanente, o que só alcançou em.
1876 (104). Nas instrucções que o Ministerio da Fazenda,.
logo após o advento da Republica, publicou para execução da
Lei, n. 3.348, de 20 de Outubr<J de 1887, no art. 8, n. 3 (105),
accentuaram-se as relações de direito, mantidas e confirmadas
. as servidões. do Decreto de 1868. Simples usuf"!"uctuaria, a.
quem cabe o direito de uso ,para logradouro publico e do fructo,
fôro e laudemio (106), suas pretensões e assim a respeito des-
ses terrenos, quer de marinhas, que!" de mangues (107), cujo
dominio nunca foi seriamente contestado ao Estad<J, sómente
interessa á Municipalidade a solução das seguintes questões".
Efiectivamente o art. 37 da Lei n. 38 de 3 de Outubro
de 1834, declarava:
"Ficam desde já pertencendo a Camara Municipal do Rio,
de Janeiro: § 2.°. Os rendimentos dos fóros da ma"!"inha, na
comprehensão do seu município, inclus'Íve os do mangue vi-o
'796 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI
------- -----------------------------.--~-----------

zinho á Cidade Nova, podendo aforar para edificações. Os


que ainda não estiveram reservados, os que o Governo desti~
nar a estabelecimentos publicos, salvo o prejuizo que taes afo-
ramentos possam ·causar aos estabelecimentos da Marinha Na-
· cional.
Mais tarde, o decreto n. 4.105, de 22 de Fevereiro de 1868,
em rSeu artigo 10.° determinou:
"Os aforamentos de terrenos de marinha comprehendidos
no districto da Côrte e do mangue vizinho á Cidade Nova (Lei
de 3 de Outubro de 1834, art. 38, § 2.°) continuarão a ser
· feitos pela Illma. Camara Municipal da Côrte e submettidos.
á approvação do Ministerio da Fazenda, o qual, a respeito
dos terrenos de marinha, ouvirá previamente o Ministerio da
· Guerra, quando se derem as circumstancias da parte final do
· art. 4.° e o da Marinha, para os effeitos do art. 13 do Re-
gulamento de 19 de Maio de 1846, sendo necessario".
Finalmente, o artigo 3.° da lei 1.741, de 26 de Dezembro
de 1900 attribue á Prefeitura do Districto Federal apenas a
renda do aforamento daquelles mangues e isto porque o do-
· minio directo ,pertence á União.
Nenhuma contestação póde merecer estas· affi"!'mações,
· quanto ao dominio da União; mesmo aquelles que, c-omo Ro-
drigo Octavio, punham em duvida o direito da União sobre
os terrenos de marinha e de mangue situados no Districto
Federal, tiveram de se render á evidencia dos argumentos
· em cont"!'ario.
Em um dos seus brilhantes pareceres como Consultor
"Geral da Republica, assim manifestou-se Rodrigo Octavio, tra-
tando dos terrenos adquiridos pelo a"!'razamento do morro do
. Senado:
"Essa não seria certamente, como aliás já ficou indica-
· do, a solução, se se tratasse de terrenos de marinha ou dos
terrenos do chamado Mangue da Cidade Ncn'a; em relação a
'estes o dominio é da União, tendo a Municipalidade apenas
o uso e fructo delles que se traduz no direito de os aforar e
· perceber os respectivos fóros por expressa concessão da União.
· E quanto a esse ponto devo fazer uma rectificação do que disse
a folhas 80 in fine do meu Dominio da União e dxJs EsiJltiloe,
onde attribui ás Municipalidades o dominio dos terrenos de
-marinha acc1"escidos.
A despeito do prestigio que essa opinião trouxe, a concor-
·dancia expressa da autoridade de João Barbalho (Commen-
tarios á Constituição, p. 272), e de Alfredo Valladão (Dos
.Rios Publicos e Particulares, p. 99) é justo reconhecer a pro-
INSTIT~IÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 797·

. cedencia da c!"itica do Sr. E,pitacio Pessôa quando Procurador


Geral da Republica. (Resposta ao Memorial dos Estados na
questão dos Terrenos de Marinha, no Supremo Tribunal F~­
deral, pago 87 e seguintes). De facto a expresão do dominio
que empreguei na referida passagem de meu livro não me·
pare\!e hoje· justificada pelos p~ecedentes legislativos; o que
o Estado havia transferido ás Municipalidades da antiga dôrte,
desde 1834 e ás demais das antigas Provincias, desde 1887
não foi dominio mais simplesmente direito de aforar os ter-
renos de marinha, tanto assim que em 1891, pela Lei n. 25
de 30 de Dezembro ficou implicitamente revogada essa con-·
cessão em relação ás Municipalidades das provincias, pelo facto-
de se haver incluido na Receita da União o producto dos fóros.
de terreno de marinha, excepto os do Districto Federal, (Sil-
veira da Motta, Op. cit., ,pago 141)".
E ainda em outro topico· do mesmo parecer reaffi!"ma o'
m~smo jurisconsulto, que em relação aos, terrenos de mangue"
a Municipalidade ,percebe fóros, não por direito proprio "mas
por delegação do Governo Central, como fructuaria, por isso·
que não· só os terreno.'5 de 'fYW,rinha., como os do chamado
Mangue da Cida4e Nova são do dominio da União e não da
Municipalidade (Carlos de Carvalho, Nova Consolidação, ar-·
~igo 2.217, I b n. 4.105 de 1868, art. 10; Lei n. 3.348 de
1887, art. 8.°, n. 3; Theodosio Silveira da Motta, Relatorio
sobre os Proprios Nacwnaes, cit., p. 142".
De tudo quanto acima ficou dito decor!"e consequencia de'
maior relevanda, a de saber-se, por exemplo, se póde a Muni-
cipalidade usar do direito de preferencia "Jus 'pretimoseum"·
desde que tenha apenas o usufructo dos fóros de laudemios.
Não ha, como reconhecer, porém esse direito á Municipa-·
lidade porque, como diz Carlos de Carvalho, pertencendo a sua.
propriedade á Republica, a esta cabe o direito de prelação ou
opção, fundando-se em Corrêa Telles, cuja these applica ao
caso concreto da Municipalidade.
As instrucções do Ministro da Fazenda de 28 de Dezem-·
bro de 1889 (Ruy Barbosa) não deixam a menor duvida de
que a Municipalidade nada mais faz do que exercer, por de-
legação, o direito do senhorio, na hypothese a Fazenda Nacional..
. Seria longo e desnecessario desenvolver aqui esta these.
A conclusão deduz-se necessariamente das premissas fixadas
que consag!"am irrespondivelmente o direito da União a usar'
de todos os direitos decorrentes de sua qualidade de senhorio·
directo dos terrenos de mangue da Cidade Nova.
A consolidação do dominio só se poderia dar, portanto,
na pessoa da União e a percepção do laudemiopor parte da

/
'798 THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI

Prefeitura só poderia logicamente occorrer, se ainda fossem d~


mangue os alIudidos terrenos, depois de ter o senhorio directo
declarado não acceitar ou melhor não pretender usar do di-
reito de preferencia ou de prelação, que a ella e só a elIa, a
lei faculta, mas isto não occorre porquanto se trata de accres-
,cidos, cujoO laudemio pertence á União, (Inst. de 28 de Dezem-
bro fie 1889).
Mas, se é a propria União quem promove a desapropria-
ção, se é elIa quem extingue, por assim dizer, o aforamento,
,é manifesto que não usou, nem poderia ser utilizado, de uma
preferencia de que elIa propria abriu mão em beneficio da
Municipalidade.
Effectivamente aqui occorre situação extranha, em vir-
tude da desapropriação, passam para a Municipalidade para
serem utilizados como logradouros publicos os terrenos expl·oO-
priados, por conseguinte quando fosse a Municipalidade nua
]>roprietaria veria agora extinguir-se o aforamento ,passando
.a ter 00 dominio pleno, teria adquirido o dominio util dos ter-
renos expropriados, resgatando o aforàmento.
Isto, porém, na hypothese de s:er ella senhoria directada-
<quelles terrenos.
Este argumento final vale para responder á arguição que
seria levantada de que os alIudidos te-rrenos estavam compre-
-hendidos nas antigas sesmárias da cidade.
Não está nos limites deste parecer o exame dos titulos com
que se poderia apresentar a Municipalidade, invocando direitos
-contra a Fazenda Nacional, mas não vemos como o poderia fazer
juridicamente diante da legislação secular que já citamos e
-que vem diuturnamente applicando sem um protesto, sem uma
reclamação. O Dominio da União sobre os terrenos da ma-
rinha, accrescidos, e de mangue, faz parte do seu dominio pu-
blico, em quanto que as sesmarias quando estivessem devida-
mente legalizadas não se poderiam revestir do mesmo caracter.
Dentro dos limites deste parecer nada mais tem esta Pro-
,curadoria a dizer.
Estamos certos, de que, passando os terrenos expropria-
dos para o dominio da Prefeitura afim de serem utilizados em
logradouros publicos ou para a Central do Brasil, afim de
attenderem aos melhoramentos daquella via ferrea, não é de-
vido o laudemio. Pensa no entretanto esta Procuradoria que
emquanto não ficar definitivamente resolvida administrativa-
mente esta questão, deve ficar depos'Ítádo em Juizo a impor-
tancia correspondente, a 20 fóros e 1 laudemio, nos termos do
art. 33 do decreto n. 4.956, de 9 de Setembro de 1903, para
:ser levantado opportunamente por quem de direito.
INSTITUIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO 799

Requer po!' isso esta Procuradoria se officie á Prefeitura


·-do Districto Federal, afim de que essa informe .com a necessa-
-ria urgencia qual a importancia do laudemio de 20 fóros do .
predio expropria-do para que se proceda na conforminade deste
parecer, caso entenda este Juizo ser esta a forma mais assegu-
:raodra dos interesses em jogo.

Rio de Janeiro, 11 de Fevereiro de 1937 - Tkemistocles


.Brandão Cava."lcanti, 1.0 Procurador da Republica.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

S. D. I. . B I BLI O T E C A
Esta obra deve ser devolvida na 61tlma dota carimbada.

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STf/SDI- 03

Borsoi & Cia. - Imprimiram.

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