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Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 1

Nova tecnologia
no combate ao
Entrevista
“mal da vaca louca”
Metodologia detecta proteínas na ração e evita a contaminação de animais
Entrevista concedida a
Maria Fernanda Diniz

mal da vaca louca, conhecido cientificamente como


BSE (sigla em inglês para encefalopatia
espongiforme bovina), afeta o cérebro do animal,
provocando descontrole motor. As células morrem
e o cérebro fica com a aparência de uma esponja.
A vaca passa a agir como se estivesse enlouquecida, o que explica
o fato de ser conhecida popularmente como mal da vaca louca.
Não há tratamento conhecido para essa doença, que já foi
detectada em cerca de 20 países da Europa, atingindo mais de 180
mil cabeças de gado. Ao contrário da maior parte das enfermida-
des, o mal da vaca louca não é transmitido por fungos, vírus ou
bactérias, e sim por proteínas específicas denominadas prions.
Essa doença nunca foi detectada no Brasil e a sua entrada, certamente,
resultaria em um desastre para o país, que tem na pecuária um de seus
principais alicerces econômicos, representando ganhos de mais de R$ 55
bilhões por ano. Sem falar que o rebanho brasileiro é hoje maior do que a
soma dos rebanhos da Argentina, Paraguai e Uruguai. Diante da necessidade
urgente de conter a sua disseminação, a Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa), por meio de uma de suas 40 unidades de pesquisa,
a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, localizada em Brasília, DF,
desenvolveu um método para detecção de proteínas de origem animal em
rações destinadas a mamíferos, especialmente ruminantes, que tem como
objetivo monitorar a qualidade do alimento e evitar a transmissão de doenças
causadas por substâncias infecciosas, tais como prions transmissores de
encefalopatias espongiformes transmissíveis (TSE), principalmente o mal da
vaca louca.
O método, desenvolvido pela equipe do pesquisador Carlos Bloch Jr há
cerca de três anos, cuja patente foi depositada pela Embrapa em 2002, utiliza
aparelhos de última geração denominados espectrômetros de massa, para a
detecção das proteínas. Para se ter uma idéia do grau de modernidade e de
eficiência desses aparelhos, eles possuem tecnologia comparável à que está
sendo usada pelos robôs Spirit e Opportunity nas pesquisas que estão sendo
feitas pela NASA no Planeta Marte, para a detecção de outros tipos de
moléculas. De acordo com o pesquisador, esses aparelhos são hipersensíveis,
com um limite de detecção altíssimo, de uma parte por milhão, ou seja, se
fizermos uma comparação com uma balança na qual fossem colocadas um
milhão de pessoas, o espectrômetro de massa seria capaz de detectar a ausência
de apenas uma delas.

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Para falar sobre essa metodolo- nica durante o processo de fabrica- mitações da mesma natureza, ou seja,
gia e a sua importância para a pesqui- ção. A terceira etapa é a interpreta- não detectam diretamente a presen-
sa agropecuária brasileira, a revista ção dos dados para determinar os ça de proteína. O primeiro, e mais
Biotecnologia, Ciência & Desen- níveis de contaminação e a sua ori- utilizado ainda hoje na União Euro-
volvimento entrevistou o pesquisa- gem, ou seja, se as moléculas conta- péia é também o mais falho de todos,
dor da Embrapa Recursos Genéticos minantes encontradas eram proveni- já que a microscopia ótica não permi-
e Biotecnologia, Carlos Bloch Jr. Du- entes de bovinos, suínos, eqüinos, te a detecção de proteínas. O méto-
rante a entrevista, ele falou sobre o ovinos, aves, peixes, etc. do ELISA tem como fator limitante o
método desenvolvido por sua equi- fato de utilizar anticorpos específicos
pe e das vantagens que representa para determinadas classes de proteí-
sobre os outros métodos utilizados “O grande avanço propiciado nas, o que impede a identificação de
até o momento, além dos rumos por essa metodologia é o fato outros grupos; e o terceiro, o de PCR,
dessas pesquisas para o futuro. esbarra no problema do DNA ser
de poder detectar as proteínas fragmentado depois do processo de
BC&D – Em que consiste o inteiras ou fragmentos delas industrialização, tornando difícil a
método utilizado pela Embrapa com uma precisão de uma sua amplificação para a análise. Logo,
Recursos Genéticos e Biotecnolo- a espectrometria de massa aparece
gia e há quanto tempo foi desen-
parte por milhão (PPM).” como o método mais preciso para a
volvido? detecção direta e não indireta de
proteínas. O grande avanço propici-
Bloch – O método começou a BC&D – Qual é a vantagem da ado por essa metodologia é o fato de
ser desenvolvido pela nossa equipe espectrometria de massa sobre poder detectar as proteínas inteiras
há cerca de três anos, foi aperfeiçoa- os outros métodos utilizados para ou fragmentos delas com uma preci-
do ao longo de 2001 e em 2002 foi o controle dessas doenças? são de uma parte por milhão (PPM).
depositada a patente. O objetivo O que isso significa? Se fizermos uma
desse método é avaliar a qualidade Bloch – A espectrometria de analogia com uma balança na qual
das rações destinadas a ruminantes massa é um método muito mais sen- são colocadas um milhão de pessoas,
e, assim, evitar a transmissão de sível, rápido e seguro para se diag- o espectrômetro é capaz de detectar
TSE’s (encefalopatias espongiformes nosticar a presença desse tipo de a ausência de apenas uma delas. E os
transmissíveis), especialmente a molécula. Não é à toa que você níveis de detecção estão sendo me-
encefalopatia espongiforme bovina encontra espectrômetros de massa lhorados cada vez mais. Os últimos
(BSE), pela detecção de proteínas de espalhados por locais e em ativida- espectrômetros lançados já têm po-
origem animal, em particular daque- des que até bem pouco tempo atrás der de menos de uma parte por
las provenientes de restos de carca- não se poderia imaginar. Só para milhão, ou seja, menos de uma pes-
ças de animais abatidos que pudes- citar alguns exemplos, encontram-se soa, se continuarmos a seguir aquela
sem ser misturados à ração. O hoje espectrômetros de massa nos analogia, e tudo isso com muita rapi-
desenvolvimento dessa metodologia aeroportos, nos correios, nos espor- dez e eficiência automatizáveis. A
compreende três etapas: a primeira e tes, nos tanques e aviões de guerra, parte mais demorada desse processo
mais trabalhosa é a extração do ma- sem falar nas missões espaciais. São é a primeira etapa, na qual é feita a
terial protéico para separá-lo, princi- esses equipamentos que produzem, extração do material a ser analisado.
palmente de lipídeos e dos carboi- com mais rapidez e eficiência, res- Essa etapa pode demorar de 36 a 72
dratos. Em seguida, cada amostra postas sobre a presença ou não de horas, mas é comum a todos os
pode ser analisada em dois tipos de explosivos, material de guerra quí- outros métodos. Em suma, ao que
espectrômetros de massa simultane- mica ou biológica. Atualmente, são tudo indica, essa metodologia é o
amente, o primeiro analisa em pou- utilizados três métodos para monitorar que existe hoje de mais moderno e
cos minutos a presença de moléculas a qualidade dos alimentos dos rumi- seguro para monitorar a qualidade
de proteína animal, como a mioglo- nantes: o primeiro é o de microscopia dos alimentos oferecidos aos rumi-
bina, cadeias alfa e beta da hemoglo- ótica, que se baseia na procura de nantes e, logo, controlar a dissemina-
bina e proteínas plasmáticas, para fragmentos de pele, ossos etc. na ção das encefalopatias espongifor-
dizer se existe ou não algum indício ração; o segundo é o método ELISA, mes transmissíveis, ou TSE’s, como
de contaminação. O segundo analisa que utiliza anticorpos para detectar são conhecidas.
e quantifica os seus fragmentos as proteínas alvo; e o terceiro e mais
(peptídeos) derivados de moléculas novo é o método PCR, que detecta o BC&D – As TSE’ s , entre as
inteiras de contaminantes, que po- DNA das proteínas por meio de um quais a mais nociva é a BSE
dem se formar a partir do ataque de primer (um tipo de gene marcador). (encefalopatia espongiforme bo-
microrganismos e/ou da ação mecâ- Todos esses métodos apresentam li- vina), ou mal da vaca louca, re-

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presentam uma ameaça não ape- mais, a situação é bem mais séria, novos casos de BSE. Foram levan-
nas para os animais como tam- visto que já foi detectada em mais de tadas outras possibilidades de con-
bém para os seres humanos. 20 países da Europa, atingindo mais taminação, como por exemplo, a
Como se dá a contaminação e de 180 mil cabeças de gado. transmissão vertical da vaca para o
qual o tratamento existente hoje bezerro. Mas, o que se sabe de fato
para essas doenças? BC&D – Então a BSE tem se é que a epidemia do “mal da vaca
disseminado de forma rápida, es- louca” não teria acontecido se não
Bloch – As encefalopatias es- pecialmente na Europa. Como se houvesse disseminação por meio
pongiformes transmissíveis, ou TSE’s, dá a contaminação? da farinha de carne e ossos. Diante
são doenças progressivas e letais que disso, pode-se dizer que se um
afetam o sistema nervoso central e se Bloch – A natureza do agente bovino contaminado for introduzi-
caracterizam por alterações anatômicas infeccioso da BSE, assim como das do num país ou região onde não
localizadas no cérebro. Essas altera- outras TSE’s, é ainda motivo de existe BSE, como é o caso do Brasil,
ções são um tipo de lesão histológica, controvérsia. Acredita-se que as só poderá ocorrer uma epidemia se
constituídas de vacúolos e depósitos partículas infecciosas responsáveis a carcaça desse animal for utilizada
protéicos. As TSE’s podem resultar de pela BSE são predominantemente para produzir farinha destinada à
infecções espontâneas, transmissão proteínas específicas denominadas alimentação de ruminantes porque
hereditária ou exposição a materiais prions, que são compostas, em qua- isso gera um sistema de dissemina-
contaminados. As TSE’s incluem: a se a sua totalidade, de uma ção e amplificação do agente infec-
BSE, conhecida popularmente como glicoproteína de conformação anor- cioso na população animal. Após
“mal da vaca louca”; a scrapie, ou mal, que se prende à superfície o início da epidemia no Reino Uni-
paraplexia enzoótica dos ovinos, que externa das células. Em outras do, surgiu a teoria de que os primei-
afeta ovinos e caprinos em muitos palavras, a teoria mais aceita hoje ros casos de BSE teriam resultado
países há mais de 200 anos; e a afirma que o agente infeccioso, da utilização de carcaças de ovinos
doença de Creutzfeldt-Jakob (CJD) prion, é derivado de uma proteína contaminados com scrapie na ali-
que afeta seres humanos, principal- da membrana celular, que sofre mentação de bovinos e que uma
mente com mais de 50 anos de idade. uma mutação e forma um tipo inso- mudança no processo industrial de
Essa doença tem distribuição mundi- lúvel e patogênico de prion. Ainda produção de farinha de carne e
al, com incidência anual de aproxima- hoje não está totalmente esclareci- ossos teria diminuído a probabili-
damente um caso por milhão e ocorre do o mecanismo pelo qual essa dade de inativação do agente infec-
de três formas: esporádica (responsá- proteína anormal produz as altera- cioso. Entretanto, foram surgindo
vel por 85 a 90% dos casos). familiar ções patológicas no cérebro dos evidências de que a BSE e a scrapie
(associada a mutações genéticas, re- animais ou indivíduos afetados. são doenças diferentes, embora per-
presenta 5 a 10% dos casos) e tencentes ao mesmo grupo. Uma
iatrogênica, ou seja, por contamina- BC&D – Desde que foi diag- das evidências foi obtida a partir da
ção, (responsável por menos de 5% nosticada pela primeira vez no inoculação experimental de scrapie
dos casos). Logo, em humanos, a mundo, como se deu a evolução em bovinos, que resultou em uma
chance de desenvolver a doença por da BSE ao longo dos anos? doença diferente da BSE. Além
contaminação é de menos de 5%. Nos disso, a BSE mantém as suas carac-
outros 95% dos casos, a doença se Bloch – Os primeiros casos de terísticas durante toda a epidemia,
desenvolve naturalmente. Em ovinos BSE foram diagnosticados no Reino mesmo quando é transmitida a ou-
e bovinos, os principais sintomas são Unido, em 1986. No final de 1987, tra espécie animal, ao contrário da
agressividade e falta de coordenação o Departamento de Epidemiologia scrapie. Sem falar que essa doença
motora. Em humanos, os principais do Laboratório Veterinário Central não pode contaminar seres huma-
sintomas são: mioclonia – contração daquele país concluiu que a disse- nos, como é o caso da BSE. Na
muscular brusca e breve – e demên- minação da doença entre os bovi- verdade, o ponto em comum entre
cia. Não existe tratamento conhecido nos ocorria mediante o consumo de as TSE’s é a elevada resistência a
para a BSE, portanto, a única forma de farinha de carne e ossos, obtida a tratamentos físico-químicos de es-
combatê-la é evitando a contamina- partir de carcaças de animais conta- terilização.
ção. Cerca de 125 casos foram minados e incorporada à ração ofe-
registrados no mundo em humanos, recida aos bovinos. Essa teoria foi BC&D – Mas há indícios de
segundo os Centros de Controle e plenamente confirmada, já que a que a doença possa ter surgido
Prevenção de Doenças dos Estados proibição do uso daquele produto antes de 1986, não é verdade?
Unidos, e na Europa, aproximada- na alimentação de ruminantes teve
mente 100 pessoas morreram em fun- efeito claro, resultando em redução Bloch – Alguns relatórios téc-
ção dessa doença. Mas, para os ani- significativa no aparecimento de nicos mais recentes indicam que os

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casos de BSE diagnosticados a par- teste positivo. Ambas as formas fa- fato ela se encontrava, até o
tir de 1986 não teriam sido os pri- zem uso de procedimentos analíticos surgimento da BSE nos Estados Uni-
meiros casos da doença que, prova- para garantir a ausência de agentes dos. Contudo, se tomarmos a deci-
velmente, já existia no Reino Unido causadores das TSE’s na alimentação são de priorizar a vida, a qualidade
anteriormente. Alguns veterinários animal. Dentre esses procedimentos, e a sanidade dos alimentos que
britânicos alegam ter visto casos estão os que eu já descrevi na ques- chegam às mesas dessa geração e
semelhantes antes de 1986 que, na tão anterior, ou seja, a microscopia das próximas, essa tecnologia com
época, foram diagnosticados como ótica, o método ELISA e as análises certeza será de grande utilidade,
doenças metabólicas comuns em de DNA por PCR. A complexidade e não somente no processo de iden-
vacas de alta produção. Mas não há especificidade das biomoléculas têm tificação de contaminantes intenci-
comprovação científica sobre essas dificultado em muito a aplicação das onais ou acidentais, mas poderá
evidências. técnicas freqüentemente utilizadas didaticamente demonstrar interna-
para a identificação e caracterização mente e para o exterior que esse
BC&D – Então a causa mais de compostos inorgânicos e orgâni- país possui tecnologia de alto nível
provável para a transmissão da cos nas rações. Esse fato vem moti- para responder a problemas mun-
BSE em bovinos está mesmo na vando o desenvolvimento de técni- diais imediatos, bem como para
mudança no processo de fabrica- cas analíticas cada vez mais sofistica- oferecer alternativas mais inteligen-
ção de farinha de carne e ossos, das e eficientes, com ênfase na pre- tes e com visão de perspectiva para
que tornou possível a reciclagem cisão requerida pela moderna biotec- um setor tão importante como o do
do agente infeccioso? nologia. Dessa forma, chegamos hoje agronegócio. No que diz respeito
aos espectrômetros de massa que, aos aspectos legais dessa tecnologia,
Bloch – Essa, sem dúvida, é a como eu também já mencionei antes, ela já está patenteada e pronta para
causa mais provável para a transmis- são o que há de mais moderno e ser licenciada à iniciativa privada.
são dessa doença, o que tem repre- preciso para a detecção de proteínas Estamos aguardando propostas de
sentado um prejuízo para os produ- nas rações de ruminantes. empresas interessadas em utilizá-
tores em escala mundial, já que as la. Quanto ao governo brasileiro, a
rações à base de farinha de osso, BC&D – E quais são os passos Embrapa e o Ministério da Agricul-
sangue e carne vinham sendo larga- daqui pra frente, já existe alguma tura, Pecuária e Abastecimento
mente recomendadas e usadas na parceria para repasse dessa (MAPA) estão em entendimento
alimentação de animais, como uma tecnologia à iniciativa privada? para discutir a melhor forma de
fonte de proteína, devido à presença Existe alguma demanda do gover- implementá-la e, assim, dar um gran-
de aminoácidos essenciais, minerais no brasileiro para que essa de passo para reduzir ainda mais a
e vitamina B12. Além disso, essa tecnologia se torne obrigatória, possibilidade da presença de prote-
forma de aproveitamento é uma ma- de modo a evitar a entrada do ínas animais nas rações. Provavel-
neira eficaz de reciclar os subprodutos “mal da vaca louca” no Brasil? mente, será por meio de uma porta-
proveniente do abate, evitando cus- ria que obrigue as empresas a testa-
tos econômicos e ambientais adicio- Bloch – Creio firmemente que rem seus produtos. A nossa equipe
nais. No entanto, como os materiais antes de nos preocuparmos com da Embrapa Recursos Genéticos e
à base de osso e carnes de animais qualquer tipo de avanço tecnológi- Biotecnologia tem plenas condições
mamíferos presentes em dietas para co e sua comercialização, como é o de atender a essas demandas. Se-
ruminantes foram considerados a pro- caso desse método, devemos vê-lo rão necessárias apenas algumas
vável causa da BSE em bovinos, o seu como uma ferramenta de trabalho. adaptações nos laboratórios de es-
uso foi proibido na Comunidade Eu- Ela só poderá servir ao seu propó- pectrometria de massa, de forma a
ropéia, nos EUA e também no Brasil. sito e alcançar sua plenitude de uso torná-los mais aptos a prestar servi-
Diante das vantagens desse tipo de se houver a visão clara do objetivo ços – visto que hoje são laboratóri-
alimentação para os bovinos, várias final que queremos atingir. Ou seja, os de pesquisa – além da contratação
têm sido as tentativas de cessar a se o nosso objetivo final for o lucro de pessoal especializado. Nós já
transmissão das TSE’s, em particular imediato, puro e simples para satis- atendemos a uma demanda do
da BSE. Alguns trabalhos têm sido fazer acionistas, balanças de paga- MAPA para análise de 800 amostras
direcionados para a inativação das mentos e manutenção dos mesmos e, dessas, grande parte continha
partículas infecciosas, favorecendo, paradigmas de produção vigentes proteínas animais. No final do mês
assim, o aproveitamento dos resídu- há décadas, essa tecnologia terá um de fevereiro, teremos uma nova
os do abate. Outros têm visado elimi- impacto modesto e servirá somente reunião com a equipe do Ministério
nar a possibilidade da transmissão nos momentos de crise, como o que para fechar essa questão.
___________________________________
pela detecção de proteínas animais estamos vivendo hoje, caso contrá-
O e-mail do Professor Carlos Bloch Júnior é:
nas rações e a sua rejeição no caso de rio cairá no esquecimento, como de cbloch@cenargen.embrapa.br

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Carta ao Leitor

Prezados Leitores,

Já está bem divulgado o problema do “mal da vaca


louca” no mundo todo, principalmente sobre os surtos
que aconteceram na Europa e dizimaram milhares de
cabeças de gado, causando imenso prejuízo.
Aqui no Brasil, felizmente até agora, fomos poupados,
mas sabemos também que pode ser apenas uma
questão de tempo. Por isso mesmo o apoio à pesquisa
dessa importante doença é primordial para a pecuária
BIOTECNOLOGIA Ciência & Desenvolvimento no país.
KL3 Publicações Para falar sobre o assunto convidamos o Dr. Carlos
Bloch Jr., que desenvolve, na Embrapa-Cenargen, um
Fundador
método de combate à doença. Confira a entrevista.
Dr. Henrique da Silva Castro

Direção Geral e Edição Dr. Henrique da Silva Castro


Ana Lúcia de Almeida
E-mail
biotecnologia@biotecnologia.com.br
Nota: Todas as edições da Revista Biotecnologia Ciência &
Home-Page Desenvolvimento estão sendo indexadas para o AGRIS
(International Information System for the Agricultural Sciences
www.biotecnologia.com.br and Technology) da FAO e para a AGROBASE (Base de Dados
da Agricultura Brasileira).
Projeto Gráfico
KL3 Publicações LTDA

SHIN CA 05 Conjunto “J”


Bloco “B” Sala 105
Lago Norte - Brasília - DF
Tel.: (061) 468-6099
Fax: (061) 468-3214

Os artigos assinados são de


inteira responsabilidade
de seus autores.

ISSN 1414-4522
Conselho Científico
Dr. Aluízio Borém - Genética e Melhoramento Vegetal
Colaboraram nesta edição:
Dr. Henrique da Silva Castro - Saúde;
Dr. Ivan Rud de Moraes - Saúde - Toxicologia; Adriano Luiz Tonetti, Alessandra Pereira Fávero, Alexandre
Dr. João de Deus Medeiros - Embriologia Vegetal; Patto Kanegae, Ana Paula Pacheco Clemente, Anderson
Dr. Naftale Katz - Saúde; Kurunczi Domingos, Antonio Costa de Oliveira, Bruno
Dr. Pedro Jurberg - Ciências; Coraucci Filho, Carla M. Y. Lemos, Celso Omoto, David
Dr. Sérgio Costa Oliveira - Imunologia e Vacinas; John Bertioli, Eleni Gomes, Eliane Cristina Gruszka
Dr. Vasco Ariston de Carvalho Azevedo - Genética de Microorganismos; Vendruscolo, Elza Fernandes de Araújo, Enio Luiz Pedrotti,
Dr. William Gerson Matias - Toxicologia Ambiental. Erica Fuchs, Everaldo Gonçalves de Barros, Fábio Rueda
Faucz, Fernando Irajá Félix de Carvalho, Francismar Corrêa
Conselho Brasileiro de Fitossanidade - Cobrafi Marcelino, Gabrielle Mouco, Gaspar Malone, Gláucia Maria
Dr. Luís Carlos Bhering Nasser - Fitopatologia Pastore, Helena Maria Wilhelm, Jorge Fernando Pereira,
José Fernandes Barbosa Neto, Juliana Oliveira Lima, Karina
Fundação Dalmo Catauli Giacometti Proite, Karla Thomas Kucek, Luiz Pereira Ramos, Maira
Dr. Eugen Silvano Gander - Engenharia Genética; Jardim Bernardino, Marcio Antônio Silva Pimenta, Márcio
Dr. José Manuel Cabral de Sousa Dias - Controle Biológico; de Carvalho Moretzsohn, Márcio Nitschke, Marcos Barros
Dra. Marisa de Goes - Recursos Genéticos de Medeiros, Maria Fernanda Diniz, Maria José Araújo
Wanderley, Marisa Vieira de Queiroz, Marta Fonseca
Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares - IPEN Martins, Maurílio Alves Moreira, Melânia Lopes Cornélio,
Dr. José Roberto Rogero Monita Fiori de Abreu, Patrícia Messenberg Guimarães,
Paulo Alves Wanderley, Paulo Dejalma Zimmer, Paulo
Sociedade Brasileira de Biotecnologia - SBBiotec Henrique Machniewicz, Pilar Ximena Lizarazo Medina,
Dr. Luiz Antonio Barreto de Castro - EMBRAPA Ricardo Antonio Polanczyk, Roberto da Silva, Rodrigo
Dr. Diógenes Santiago Santos - UFRGS Barros Rocha, Ronaldo Stefanutti, Rubens Onofre Nodari,
Dr. José Luiz Lima Filho - UFPE Samuel Martinelli, Sérgio Batista Alves, Soraya Cristina
Dra. Elba P. S. Bon - UFRJ Leal-Bertioli, Valdir Marcos Stefenon.

Entrevista
Nova tecnologia no combate ao “mal da vaca louca” 2

Pesquisa
Silenciamento Gênico e Transgênicos 8
Detecção de resíduos de transgênicos em grãos e produtos derivados 14
Bacillus thuringiensis no Manejo Integrado de Pragas 18
Biodiesel 28
Biofertilizantes Líquidos 38
Iniciativas Genômicas 45
Associação de mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 53
Biosurfatantes a partir de resíduos agroindustriais 63
Controle de qualidade de ervas medicinais 68
Nitrato Redutase em Fungos Filamentosos 74
Glucoamilase:Estrutura e termoestabilização 86
Marcadores Moleculares no Melhoramento Genético de Araucária 95
Micropropagação de Macieira 100
Método Alternativo de Tratamento de Esgotos 109
Amendoim Selvagem 116
Bioética 120
Silenciamento Gênico
Pesquisa
e Transgênicos
Importância, mecanismos e modelos do silenciamento gênico

Eliane Cristina Gruszka Vendruscolo Introdução Em vários experimentos, fo-


MSc, Melhoramento Genético Vegetal. ram obtidas evidências do silencia-
Professora de Genética/UFPR - Campus Palotina
vendruscolo.1@osu.edu; A estrutura genômica de plan- mento gênico em plantas, que leva-
egvendru@vn.com.br tas pode ser alterada por transfor- ram à conclusão que, ao aumentar
mação genética durante o processo o número de cópias de um gene de
de transferência gênica utilizando- interesse em particular, poderia re-
se Agrobacterium tumefaciens, bio- duzir a sua expressão (MAZTKE &
balística e outras técnicas que inte- MAZTKE, 1995; DEPICKER & VAN
gram parte de um genoma (gene MONTAGU, 1997). WEI et al. (2001)
exógeno) em um outro genoma (no comentam sobre uma correlação
caso, vegetal). A transgenia tem sido positiva entre o número de insertos
usada com o propósito de integrar com pobre expressão gênica. Vári-
seqüências gênicas de interesse com os transgenes inseridos podem ser
conseqüente alteração da expressão silenciados após uma (relativamen-
gênica. A expressão desse transgene te) longa fase de expressão e po-
nem sempre pode ser predita. Desse dem, às vezes, silenciar a expres-
modo, o estudo das conseqüências são (parcialmente) de genes homó-
dessas transformações tem-se torna- logos localizados em posições
do relevante nos últimos anos ectópicas no genoma (FAGARD &
(VOINNET & BAULCOMBE, 1997; VAUCHERET, 2000). Em alguns ca-
WATERHOUSE et al., 1998; sos, o silenciamento gênico de
VAUCHERET et al., 2001). transgenes pode desencadear a re-
Vários termos podem ser en- sistência a vírus e, em outros casos,
contrados na literatura para descre- a infecção viral pode silenciar a
ver o silenciamento gênico. Esses expressão de genes endógenos nas
incluem cossupressão, RNAi (RNA plantas (BAULCOMBE, 1996).
de interferência) e quelling (inter-
rupção da seqüência gênica) em Mecanismos de
leveduras. A cossupressão seria o silenciamento gênico
termo aplicado ao silenciamento
gênico do gene endógeno pela ação O silenciamento gênico, como
do RNA do transgene. Aqui ambos processo, corresponde a uma intera-
os genes, exógeno e endógeno, são ção entre seqüências homólogas de
coordenadamente suprimidos. DNA ou RNA. Até hoje, sabe-se que
Quelling é um termo de cossupres- o RNA está envolvido em 2 tipos de
são usado em Neurospora crassa, e silenciamento gênico dependente de
o RNAi é aplicado ao silenciamento homologia (SGDH): 1) SGPTS (si-
gênico em animais, quando esse lenciamento gênico pós-transcricio-
acontece pela ação de uma fita du- nal), onde a degradação de RNAs
pla de RNA, causando a não transcri- homólogos no citoplasma levaria a
ção nem a tradução de determinado não tradução e 2) SGT (silenciamen-
gene(BAULCOMBE, 2002). to gênico transcricional), que está

8 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


relacionado com o bloqueio na trans- A resistência a vírus seria Modelos para explicar o
crição induzido por um RNA anti- explicada pelo fato de estes abRNA silenciamento gênico
senso derivado do próprio DNA, serem o molde para que as RNA
que promoveria uma metilação na polimerases dependentes de RNA Vários autores têm sugerido
região promotora, a nível nuclear, e (RPdR) do hospedeiro (vegetal) pos- modelos para os mecanismos mole-
a homologia para a metilação dirigida sam sintetizar pequenas moléculas culares envolvidos no silenciamen-
ocorreria nas regiões transcritas de RNA anti-sense (METTE et al., to gênico, que não são eventos mu-
(WASSENEGGER, 2000; FAGARD & 1999; MATZKE et al., 2001; tuamente exclusivos, mas que po-
VAUCHERET, 2000; VAUCHERET et MLOTSHWA et al., 2002). Esses pe- dem ser usados individualmente ou
al., 2001). quenos RNA antisense agiriam em em conjunto para explicar o silenci-
Embora os genes que interagem trans, em seqüências de RNA com- amento gênico.
podem estar muito próximos no plementares (RNA viral), levando à
mesmo cromossomo e iniciar a formação de RNA fita dupla (dfRNA). 1. Silenciamento mediado
inativação em cis, muitos sistemas Um complexo de RNAses específi- pelo pareamento DNA-DNA
estudados envolvem a interação de cas para esses dfRNAs (conhecidas
seqüências localizadas em diferen- como Complexo DICER ou RNAses Esse modelo tem sido proposto
tes cromossomos ou a trans- tipo III, específicas para as dfRNAs), para explicar certos tipos de cossu-
inativação. Ambos os tipos de SGDH levariam a degradação dessas molé- presssão (JORGENSEN, 1990; MEYER
estão freqüentemente associados culas híbridas e, em conseqüência, & SAEDLER, 1996); a trans-inativação
com metilações de novo em se- tornariam a planta resistente ao ví- (MATZKE & MATZKE; 1990;
qüências-específicas do DNA nu- rus (METZLAFF et al., 1997; CHANDLER & VAUCHERET, 2001) e
clear (KOOTER et al., 1999; CERUTTI, 2003). a paramutação (MEYER et al., 1993;
WASSENEGGER, 2000). No caso das integrações múlti- CHANDLER & VAUCHERET, 2001).
O mecanismo de silenciamento plas, como as cópias do transgene, o O pareamento de regiões homó-
gênico transcricional (SGT) estaria as- silenciamento se iniciaria por um logas do DNA, devido à interação
sociado a metilações de novo na região pareamento não recíproco entre o entre duas seqüências homólogas
do promotor do transgene, que pode- transgene e o gene endógeno, ou numa interfase da meiose, levaria à
riam ser meioticamente herdáveis entre os transgenes e, como conse- formação de estruturas em alças, que
(KOOTER et al., 1999). Essa metilação qüência desse pareamento, o locus seria o precursor da difusão de
seria induzida por pareamento de regi- receptor seria metilado, levando a metilações no DNA, induzindo o SGT
ões homólogas de DNA ou ainda DNA- uma terminação prematura da trans- (ENGLISH & BAULCOMBE, 1996).
RNA. Esse pareamento constitui o pas- crição (ENGLISH & BAULCOMBE, Os transgenes diferem muito em
so inicial para a iniciação do SGPT 1996; WASSENEGGER, 2000). sua capacidade de trans-inativar cópi-
(WASSENEGGER & PÉLISSIER, 1998). A posição de integração do as homólogas, o que parece estar asso-
O pareamento induziria a uma transgene também parece ser impor- ciado à capacidade de procurar outras
metilação dentro da região codificante tante para o silenciamento pelo fato posições cromossomais com homolo-
do transgene, que levaria a uma pre- de o loci silenciador usualmente con- gia. A presença de genes silenciadores
matura interrupção de sua transcrição. sistir de múltiplas cópias do transgene muito próximos ao telômero sugere
Como resultado dessa síntese irregular ligadas. Outro modelo que explica o que regiões teloméricas são sítios favo-
de mRNA, um RNA aberrante (abRNA) silenciamento de transgenes em có- ráveis para a interação com seqüências
seria formado (WASSENEGGER & pias múltiplas e invertidas é a forma- homólogas (MEYER & SAEDLER, 2001).
PÉLISSIER, 1998; HAMILTON & ção de um RNA em alça (alRNA),
BAULCOMBE, 1999; MATZKE et al., que, posteriormente, se transforma- 2. Degradação de RNA em
2001). ria em dfRNA pela ação de RNA excesso
Estudos recentes têm encontra- nucleases causando o efeito do silen-
do presença de um RNA de, aproxi- ciamento conforme foi descrito aci- Em transgênicos, é comum o
madamente, 25 nt em sense e ma (WATERHOUSE et al., 2001). De uso de promotores fortes para se
antisense, com homologia ao RNA modo similar, o dfRNA poderia tam- conseguir a alta expressão do
alvo, em plantas que apresentam bém ser usado como molde para transgene. Como conseqüência, para
cossupressão e resistência a vírus, algumas RNA polimerases que trans- a detecção de planta com o inserto,
mas que não são encontradas em creveriam moléculas de RNA anti- são esperados níveis altos do mRNA
plantas usadas como controle. Tal senso, homólogos aos mRNAs, for- do transgene. Nesse modelo, os
fato contribui para evidenciar que mando os dfRNAs e continuando o abRNA seriam produzidos devido a
existem diferentes formas de silenci- ciclo de silenciamento por indução uma alta taxa de transcrição do DNA,
amento, porém todas agindo num do SGT e SGPT (KOOTER et al., com isso, os altos níveis de mRNA. Se
mesmo mecanismo (HAMILTON & 1999; FAGARD & VAUCHERET, essa taxa de mRNA exceder a taxa de
BAULCOMBE, 1999). 2000). tradução, pode ocorrer, além da de-

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 9


gradação parcial desses mRNA, a 4. Modelo mediado por mento em trans seria quando uma
terminação abrupta da transcrição, o RNA antisenso região metilada teria homologia com
processamento irregular, originando a região promotora de um determi-
abRNAs e induzindo ao SGPT O RNA antisenso parece ser nado gene, dirigindo uma metilação
(WASSENEGGER & PÉLISSIER, 1998). fundamental nos mecanismos de de novo nessa região, para induzir o
Outrossim, o excesso de produ- cossupressão. As fitas duplas de RNA SGT. Tal fenômeno é conhecido
ção de uma determinada proteína pode seriam alvos gerados pelos promo- como metilação do DNA dirigida
transmitir um sinal para a maquinaria tores presentes no DNA do transgene por DNA (MDdD)(JONES et al., 1999;
de tradução a fim de induzir a termi- e pela ação de RNA polimerases METTE et al., 1999; WASSENEGGER,
nação de sua própria transcrição. As dependente de RNA ( RPdR) 2000).
proteínas em excesso seriam marcadas (LINDBO et al., 1993). Muitos genes eucarióticos e ele-
por ubiquitinas, por fosforilação ou WASSENEGGER & PÉLISSIER mentos transponíveis exibem uma
por outras modificações pós-transcri- (1998) ainda propõem que esse RNA forte correlação inversa entre den-
cionais (HOCHSTRASSER, 1996; poderia surgir devido à posição da sidade de metilação do DNA e ati-
WASSENEGGER & PÉLISSIER, 1998). seqüência de DNA produtora do vidade transcricional ou transposi-
RNA antisenso, próximo a um pro- cional. Ao certo, não se sabe se a
3. Híbridos DNA-RNA motor localizado adjacente a uma ação da metilação da citosina alte-
cópia de T-DNA integrado e em raria a estrutura da cromatina, mas
A observação de que o parea- anti-senso . estudos em plantas demonstram
mento DNA-RNA pode induzir pa- A produção de RNA antisenso uma correlação positiva entre o
drões de metilação sugere mudanças pelas RPdR dependeria de níveis número de cópias do transgene, o
no estado epigenético caracterizado específicos do RNA senso e do aumento da metilação e a diminui-
por um estado específico de metilação acúmulo de intermediários de RNA ção da atividade transcricional
do DNA ou da estrutura da cromatina, (durante o processamento ou trans- (KUMPATLA et al.,1997).
durante o período pré-meiótico ou porte). Essa hipótese se baseia no Em eucariontes, os resíduos de
de hibridização somática (MEYER & fato de que as RPdR reconheceriam citosina do DNA genômico podem
SAEDLER, 2001). Estudos indicaram os transcritos aberrantes, que seri- ser metilados na posição 5’da citidina.
que fragmentos de RNA poderiam am derivados de transcrição, trans- As enzimas das DNA metiltransferases
induzir uma hipermetilação em se- porte ou tradução incorreta do que realizam essa reação têm prefe-
qüências homólogas (pareamento transgene. A produção de abRNA rências por grupos CpG ou CpNpG.
DNA -RNA), causando as mudanças poderia induzir as mudanças Em ambos os casos, o DNA recente-
epigenéticas. Tal fenômeno foi com- epigenéticas do gene que influenci- mente replicado, que contém grupos
provado em estudos com plantas aria o seu processamento (MEYER & CpG ou CpNpG hemimetilados, são
transgênicas que continham o cDNA SAEDLER, 1996; WASSENEGGER, fortes substratos para a ação das
dos virióides do PSTV da batata. A 2000). DNA metiltransferases. Tal padrão
metilação no genoma do viróide foi Certos transgenes somente po- asseguraria as metilações de manu-
observada mesmo sem que a dem silenciar ou cossuprimir seqüên- tenção e de padrões de metilação
replicação do seu RNA tivesse ocor- cias caso contenham um final 3’ pré-existentes nos cromossomos fi-
rido (WASSENEGGER et al., 1994; homólogo, enquanto certos transgenes lhos (ATHERLY et al.,1999).
WASSENEGGER, 2000). com regiões 5’ homólogas não são Em transgenes, esse padrão de
Os transcritos poderiam induzir afetadas (ENGLISH et al., 1996). Essas metilação não é igual. As metilações
a metilação em regiões homólogas observações sugerem que os transcri- localizadas em resíduos de citosina
de DNA, que seria comum em trans- tos antisenso são feitos preferencial- não estão localizadas em seqüênci-
formantes, os quais acumulariam mente nas regiões 3’ do transgene as CpG ou CpNpGp. Os fatores que
grandes concentrações dos transcri- (WASSENEGGER & PÉLISSIER, 1998). especificam esse padrão de metilação
tos no núcleo, devido às altas taxas não simétrico são ainda uma incóg-
de tradução e do processamento irre- O papel da metilação e da nita, mas parece que a metilação do
gular desses RNAs. Como conseqü- estrutura da cromatina no DNA é dirigida por um RNA. Não se
ência dessa marcação, a proteína e silenciamento gênico sabe se esse RNA seria o sinal em
seus produtos, após degradação, po- todos os casos da metilação não
deriam reconhecer seqüências ho- Em recentes estudos sobre si- simétrica das citosinas em plantas
mólogas surgindo nos ribossomos, e lenciamento em plantas, a ocorrên- (FINNEGAN et al., 1998). Alguns
levando ao término prematuro da cia de pareamento entre seqüências autores denominam esse fenômeno
transcrição, além de uma deadenila- homólogas parece ser condição im- de metilação do DNA dirigida por
ção na posição 3’ e, com isso, ao portante para o silenciamento RNA (MDdR)(WASSENEGGER, 2000;
surgimento dos abRNAs e a indução (BAULCOMBE & ENGLISH, 1996; BAULCOMBE, 2002). Esse padrão
do SGPT (JONES et al., 1999). VOINNET et al., 1998). O silencia- também não parece ser conservado

10 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


durante a meiose, em contraste com silenciamento gênico parece estar nal, sendo parte integral do processo
o padrão de metilação simétrica envolvido com a defesa a ácidos de silenciamento, parece interagir com
(PARK et al., 1996; LUFF et al., nucléicos estranhos (COVEY, 2000; proteínas de membranas, movendo-
1999). JORGENSEN, 1995; MOURAIN et al., se de célula em célula através do
Estudos têm demonstrado que 2000), com a proteção do genoma floema (plasmodesmata), assemelhan-
a metilação do DNA e a estrutura da contra a inserção de elementos do-se com o padrão de infecção de
cromatina têm um importante papel transponíveis (KETTING et al., 1999; vírus nas plantas (PALAUQUI et al.,
no SGT e SGPT. Nessa forma de BAULCOMBE, 2002) e com a 1997; VOINNET & BAULCOMBE, 1997;
silenciamento, a região promotora regulação da expressão gênica de VOINNET et al., 1998; MLOTSHWA
e, às vezes, a região codificante dos famílias de multigenes ou ainda et al., 2002).
transgenes silenciados apresentam- genes duplicados em plantas O SGPT teria três fases: início,
se densamente metilados (KOOTER (TANZER et al., 1997; CHANDLER & manutenção e difusão propriamen-
et al., 1999). Plantas mutantes para VAUCHERET, 2001). te dita. Os transgenes, os vírus e até
o gene da proteína DDM1, que re- Uma outra questão poderia ser mesmo o DNA exógeno (proveni-
modela a cromatina, não apresenta- levantada, se seqüências homólogas ente da transformação) poderiam
ram o silenciamento gênico. Isso de DNA podem parear e se tornar iniciar o SGPT. Alguns autores su-
indica um possível papel da silenciadas, como então explicar que gerem que esse sinal seja na forma
metilação do DNA e da estrutura da membros de famílias de genes pode- de RNA, mas não é conhecido ainda
cromatina no estabelecimento e na riam escapar da inativação? MATZKE qual o tipo de RNA que estaria
manutenção de SGPT. Supõe-se que & MATZKE (1995) propõem a exis- envolvido: se abRNA, dfRNA ou
o aumento da metilação leve à tência de duas maneiras de prevenir ainda o asRNA (METTE et al., 1999;
heterocromatização do DNA e, com esse pareamento: ou pela divergên- KOOTER et al., 1999; MATZKE et
isso, ao difícil acesso às RNA cia de seqüências encontradas em al., 2001; MLOSTHWA et al., 2001).
polimerases, diminuindo a ação alelos (heterozigosidade) ou devido Esse conceito de difusão célula-
transcricional (YE et al., 1996; à redução do comprimento de se- célula e de transporte a longas dis-
WASSENEGGER & PÉLISSIER, 1998; qüências homólogas, o que sugere tâncias não pode ser descartado,
WASSENEGGER et al., 2000). um papel muito importante para os visto que o vírus tem seu genoma
Embora os modelos atuais pro- íntrons, que dividiriam a região composto por RNA e esse RNA di-
ponham que a produção de um codificante da proteína em segmen- funde-se para dentro da planta, po-
RNA aberrante, fruto de uma tos pequenos demais para realizar dendo se mover de célula-célula
metilação, seja o causador de uma um pareamento efetivo. através de proteínas codificadas pelo
finalização prematura da transcri- Parece bastante unânime en- seu próprio genoma (WATERHOUSE
ção do mRNA, existem estudos com tre vários autores que o silencia- et al., 2001).
linhagens defeituosas de N. crassa mento gênico tem como função Ainda não está completamente
para o gene da metilase da citosina principal prevenir a superexpres- elucidado como o sinal para o silen-
(dim2) que exibiram a mesma capa- são gênica, controlando o número ciamento pode se espalhar sistemi-
cidade de silenciamento que a li- de cópias de determinado gene ou camente pela planta e ainda ter seus
nhagem controle (dim +) (COGONI ainda ser um mecanismo de defesa efeitos amplificados. O silenciamen-
& MACINO, 1999). Fato semelhante contra a superexpressão de to parece ser um mecanismo de pre-
foi observado em estudos realiza- transgenes (WASSENEGGER & venção, como a vacina é para os
dos com plantas transgênicas de PÉLISSIER, 1998; KOOTER et al., humanos. Parece sensato estabele-
fumo, onde o gene nptII (neomicina 1999; WASSENEGGER, 2000). cer que o silenciamento nada mais é
fosfotransferase) metilado teve a que uma mensagem enviada pelas
transcrição e o SGPT normais quan- Difusão e amplificação do células já infectadas pelo vírus para
do comparado com uma cópia do silenciamento gênico aquelas que ainda não o foram, mas
gene nptII não metilado e não si- que estejam na iminência de o ser,
lenciado (VAN HOUDT et al., 1997). Um dos mais importantes aspec- para que essas preparem suas defe-
Tais fatos indicam que a metilação tos do silenciamento gênico é que sas contra o agente invasor. Se esse
não parece ser condição sine qua este é um mecanismo autômato, isto sinal contiver fragmentos da seqüên-
non para a indução e a manutenção é, pode ser induzido localmente e cia viral, as células receptoras pode-
do SGPT (PARK et al., 1996). pode se espalhar para distantes locais riam estar preparadas para degradar
no organismo (VOINNET et al., 1998; qualquer RNA que contivesse essas
Razões para a ocorrência do COVEY, 2000). Esse transporte seqüências, mesmo antes de o vírus
silenciamento gênico sistêmico do sinal de silenciamento chegar (RATCLIFF et al., 1997;
parece relacionar-se com um sinal WATERHOUSE et al., 2001).
Diversos autores têm levantado móvel, não metabólico, ainda não Esse modelo poderia explicar al-
o papel do silenciamento gênico . O completamente identificado. Esse si- gumas observações:1) de que plantas

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 11


transgênicas com transgenes deriva- Agradecimentos FINNEGAN, E.J. DNA methylation in
dos de vírus podem apresentar uma plants. Annual Review of Plant
recuperação, isto é, apresentar os sin- Aos pesquisadores Ivan Physiology and Plant Molecu-
tomas da infecção inicial do vírus, Schuster (Coodetec) e Maria Júlia lar Biology.49,223-247,1998.
seguida de crescimento sem os sinto- Corazza Nunes (UEM/PR) pelas HAMILTON, A.J. & BAULCOMBE,
mas e de resistência ao vírus. 2) plan- correções e sugestões dadas. Agra- D.C. A species of small antisense
tas transgênicas apresentando cossu- deço a Deus por tudo. RNA in posttranscriptional gene
pressão tendem, inicialmente, a apre- silencing in plants. Science 286,
sentar atividade do transgene, mas Referências bibliográficas 950-952, 1999.
um silenciamento progressivo em te- HOCHSTRASSER, M. Ubiquitin-
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deravelmente. Já existem evidênci- Current Opinion in Biology. 1264, 1997.
as de que características específicas 12(3),R82-R84,2002. JONES, L; HAMILTON, A. J.; VOINNET,
do DNA, como a metilação e a estru- CERUTTI, H. RNA interference: O.; THOMAS, C. L.; MAULE, A. J.;
tura da cromatina, são importantes traveling in the cell and gaining BAULCOMBE, D.C.. RNA-DNA
para o fenômeno do silenciamento. functions? Trends in Genetics. interactions and DNA methylation
Todavia, o seu mecanismo molecu- 19(1),39-46,2003. in Post-transcriptional gene
lar ainda não foi totalmente CHANDLER, V. & VAUCHERET, O. silencing. Plant Cell. 11, 2291-
elucidado, mas, em razão de obser- Gene activation and gene 2301, 1999.
vações funcionais dos RNA anti-sen- silencing. Plant Physiology. 125, JORGENSEN, R..Altered gene expression
so, abRNA, dfRNA, RNA polimerases 145-148, 2001. in plants due to trans interactions
e RNA nucleases, os estudiosos des- COGONI, C. & MACINO, G. Gene between homologous genes.
se assunto puderam elaborar mode- silencing in Neurospora crassa Trends in Biotechnology. 8:340-
los para os mecanismos de SGDH , requires a protein homologous to 344, 1990.
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É notória a existência de algu- Nature 399, 166-169, 1999. color patterns and metastable gene
mas dificuldades para o estudo do COVEY, S. Silencing genes silencing expression states. Science.
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nhas de plantas transgênicas consti- DEPICKER, A. & VAN MONTAGU, M A.; VAN LEUNEN, H. G.;
tuem uma grande barreira para o post-transcriptional gene silencing PLASTERK A.Mut-7 of C. elegans
completo estudo desses mecanismos. in plants. Current Opinion in required for transposon silencing
Duas linhas transgênicas não são Cell Biology. 9, 373-382, 1997. and RNA interference, is a
similares pelo fato de o transgene em ENGLISH, J. J. & BAULCOMBE, D. C. homolog of Werner Syndrome
cada planta se situar em diferente Ectopic pairing of homologous helicase and RNAse D. Cell
domínio no cromossomo, em dife- DNA and post-transcriptional 99:133-141, 1999.
rente arranjo e também devido à gene silencing in transgenic KOOTER, J. M.; MATZKE, M. A.;
associação com diferentes quantida- plants. Current Opinion in MEYER, P. Listening to the silent
des de DNA do vetor de transforma- Biotechnology.7:173-180,1996. genes: transgene silencing, gene
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al., 1997). BAULCOMBE, D.C. Suppression Trends in Plant Science. 4(9),
Apesar das dificuldades, vislum- of virus accumulation in transgenic 340-346, 1999.
bram-se para essa área da ciência plants exhibiting silencing of nu- KUMPATLA, S.; TENG, W.;
grandes e importantes descobertas: o clear genes .Plant Cell.8,787- BUCHLOLZ, W.; HALL, T.
completo entendimento da regulação 797,1996. Epigenetic transcriptional
gênica, a identificação dos fatores FAGARD, M. & VAUCHERET, H. silencing and 5-azacytidine-
que podem afetar a expressão gênica (Trans) gene silencing in plants: mediated reactivation of a
e dos transgenes (talvez se discuta no How many mechanisms? Annual complex transgene in rice. Plant
futuro algumas propriedades dessa Review of Plant Physiology Physiology. 115:361-373, 1997.
tecnologia) e, ainda mais, a compre- and Plant Molecular Biology. LINBDO, J. A.; SILVA-ROSALES, L.;
ensão dos mecanismos evolutivos. 51:167-194, 2000. PROEBSTING, W. M.;

12 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


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Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 13


Detecção de resíduos de
transgênicos em grãos e
Pesquisa
produtos derivados
A experiência da Universidade Federal de Viçosa

Francismar Corrêa Marcelino Mais de 58 milhões de hectares são análises tem sido demandada por em-
Mestre em Genética Molecular, Laboratório
de Análises Genéticas - AgroGenética
cultivados atualmente no mundo com presas exportadoras de grãos de soja e de
eg34680@vicosa.ufv.br espécies transgênicas, sendo a soja, o produtos derivados. Esses produtos são
milho, o algodão e a canola, as principais exportados, na maioria, para a Europa,
Marta Fonseca Martins delas. Os países com as maiores áreas Japão e Coréia. Já antevendo esse cená-
Doutora em Genética Molecular, Laboratório cultivadas com transgênicos são, nesta rio, a Universidade Federal de Viçosa
de Análises Genéticas - AgroGenética
mmartins@tdnet.com.br
ordem, os Estados Unidos, a Argentina, o (UFV), por intermédio do Instituto de
Canadá e a China. Estes países respondem Biotecnologia (BIOAGRO), desenvolveu
Marcio Antonio Silva Pimenta
por cerca de 99% da área total plantada e otimizou metodologias baseadas na
Doutor em Genética Molecular, com cultivos transgênicos. O cultivo de técnica de PCR (Polymerase Chain
Universidade Federal de Viçosa plantas geneticamente modificadas vem Reaction) para determinar a presença e
marciopimenta@vicosa.ufv.br
crescendo rapidamente em vários países, quantificar resíduos de transgênicos em
inclusive no Brasil, onde no mês de amostras de DNA extraídas de grãos,
Maurilio Alves Moreira
PhD, Bioquímica & Genética de Plantas,
setembro foi aprovado, embora com res- bem como de seus produtos derivados.
Universidade Federal de Viçosa trições, o plantio de soja transgênica para Recentemente, a AgroGenética, labora-
moreira@ufv.br o ano agrícola 2003/2004 (Medida Provi- tório incubado na Incubadora de Empre-
sória 131, de 25 de setembro de 2003). sas de Base Tecnológica da UFV, foi
Everaldo Gonçalves de Barros A demanda por análises da presen- credenciado junto ao Ministério da Agri-
PhD, Biologia Molecular de Plantas,
Universidade Federal de Viçosa
ça de resíduos de transgênicos em maté- cultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA)
ebarros@ufv.br rias-primas e em alimentos tem aumenta- - Portaria Nº 27, de 15 de maio de 2003,
do significativamente no Brasil, nos últi- para a “detecção de modificação genéti-
Ilustrações cedidas pelos autores
mos dois anos, principalmente após a ca em produtos de origem vegetal”.
comprovação do cultivo ilegal da soja As modificações genéticas intro-
transgênica, resistente ao herbicida duzidas que derivam os organismos
glifosato, destacadamente no estado do geneticamente modificados (OGMs)
Rio Grande do Sul, com sementes prove- podem ser produzidas por pelo me-
nientes da Argentina. A maior parte das nos três metodologias:

Figura 1 - Representação da construção presente na soja RR® (Roundup Ready).


Região promotora 35S do vírus do mosaico da couve flor, peptídeo de trânsito de
Petúnia, gene que codifica a proteína EPSPS, que confere a resistência ao herbicida,
e o terminador do gene da nopalina sintase (NOS).

14 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


- técnicas do DNA recombinante,
utilizando vetores para transforma-
ção de plantas;
- técnicas envolvendo a introdução
direta do material genético no
organismo;
- fusão celular por métodos não
naturais.

A construção genética utilizada para


produzir OGMs consiste de três elemen-
tos básicos: o promotor, que controla a
expressão do transgene no organismo;
a região codificadora, que codifica a
proteína de interesse; e a região
terminadora, que determina o final do
processo de transcrição do gene. Além
disso, pode ser usado um gene marcador
que serve para selecionar as células que,
de fato, foram transformadas. A soja
resistente ao herbicida glifosato, por
exemplo, tem como região reguladora o
promotor 35S do vírus do mosaico da
couve flor (CaMV); como região
codificadora, o gene para a proteína
EPSPS de Agrobacterium tumefasciens,
que confere a resistência ao herbicida, e
como região terminadora, o terminador
do gene da nopalina sintase (NOS),
também de Agrobacterium (Figura 1).
A identificação de alimentos geneti-
camente modificados pode ser feita facil-
mente com o auxílio de técnicas de
Figura 2 - Análise qualitativa de OGM em amostras de grãos de soja. O DNA das amostras foi
extraído pelo método Wizard e amplificado com primers específicos que anelam ou no gene
biologia molecular. OGMs podem ser
da lectina (controle A e B), ou na região do promotor 35S do CaMV (C e D), ou na região identificados pela detecção direta do DNA
terminadora NOS (E e F), ou na região codificadora do gene EPSPS (G e H). Após a reação de exógeno nele contido, do mRNA corres-
PCR, os produtos amplificados foram separados em géis de agarose. À esquerda (A, C, E e G) pondente produzido, da proteína resul-
está exemplificado um resultado negativo e à direita (B, D, F e H), um resultado positivo. Os
símbolos nas canaletas representam: (–), reação de PCR sem DNA (controle); N, soja normal tante ou, ainda, pela característica intro-
(controle); T, soja transgênica (controle); 1, 2 e 3, referem-se a amostras de grãos de soja. As duzida. Os principais métodos analíticos
setas indicam as bandas de DNA de interesse. de detecção utilizam a técnica da reação
em Cadeia da DNA Polimerase (PCR) para
detectar o DNA exógeno, ou métodos
imunológicos, como o ELISA, para detec-
tar a proteína. O método analítico escolhi-
do deve ser sensível, confiável,
reprodutível, minimizando, assim, falsos
positivos e falsos negativos.
Em nosso laboratório a detecção e
quantificação de resíduos de OGMs em
grãos, ingredientes e produtos derivados
é feita pela técnica de PCR. Para tal, é
necessária a extração de DNA das amos-
tras e amplificação do fragmento de inte-
resse. Para ser amplificado, o DNA purifi-
cado deve apresentar boa qualidade. Além
disso, como controle, um gene normal-
mente presente no organismo, é amplifi-
cado em uma reação paralela. Para pro-
Figura 3 - Curva de amplificação de uma análise quantitativa em PCR de tempo real. A dutos que contenham soja na sua compo-
determinação da porcentagem de resíduos de OGM é baseada na comparação da curva de
amplificação da amostra analisada com as curvas de amplificação de padrões certificados sição é utilizado o gene da lectina. Para
contendo quantidades conhecidas de OGMs. produtos à base de milho, é utilizado o

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 15


gene da delta zeína. Quando se quer
detectar a presença de OGM em uma
amostra de salsicha, por exemplo, ampli-
fica-se como controle o gene da lectina,
uma vez que a salsicha geralmente con-
tém pelo menos 2% de proteína de soja na
sua composição.
O nosso laboratório procura utili-
zar métodos validados internacional-
mente nas suas análises. Para a extração
de DNA das amostras é utilizada a
Figura 4 - Percentual dos diferentes produtos analisados para a detecção de OGMs em 2000. metodologia Wizard, método já valida-
do pela Comunidade Econômica Euro-
péia. O transgene, ou seja, o segmento
de DNA que foi introduzido na planta,
é amplificado com primers específicos.
Para a detecção do gene RR (Roundup
Ready) são utilizados primers que se
ligam ou à região do promotor 35S do
CaMV, ou à região codificadora, ou ao
terminador NOS. Após a reação de PCR
os produtos amplificados são separados
em géis de agarose. Para as análises
quantitativas, o DNA das amostras é
extraído pela metodologia PrepMan-
Ultra e a análise é baseada no método
TaqMan®, que utiliza a técnica de PCR
em Tempo Real, para amplificar a se-
Figura 5 - Percentual dos diferentes produtos analisados para a detecção de OGMs em 2001.
qüência de DNA do promotor 35S, o
qual está presente na maioria dos OGMs
comercializados até o momento. O pro-
cedimento é extremamente preciso de-
vido à perfeita complementaridade en-
tre os primers usados na reação de PCR,
a sonda TaqMan® e as seqüências alvo
de DNA que estão sendo amplificadas.
A fluorescência liberada durante a rea-
ção é lida pelo sistema de detecção ABI
PRISM® 7000 e os dados gerados são
analisados eletronicamente. Como a
metodologia é bastante sensível, pode-
se detectar, numa dada amostra, uma
contaminação da ordem de 0,01%. No
entanto, devido ao limite de recupera-
Figura 6 - Percentual dos diferentes produtos analisados para a detecção de OGMs em 2002 ção do DNA durante o processo de
extração e também aos erros inerentes
ao processo de amostragem, temos tra-
balhado com um nível de detecção e
quantificação da ordem de 0,1%. Isto é,
uma amostra contendo 0,1% de transgê-
nicos é classificada como positiva na
nossa análise, tendo como referência
um padrão certificado. Amostras com
uma contaminação menor que 0,1% são
classificadas como negativas. A Figura 2
mostra os possíveis resultados obtidos
em uma análise qualitativa, enquanto
que na Figura 3 pode ser visualizada
uma curva de amplificação numa análi-
se quantitativa em tempo real. A
Figura 7 - Percentual dos diferentes produtos analisados para a detecção de OGMs em 2003. quantificação de uma determinada amos-

16 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


tra é feita com base na comparação da mente, temos recebido amostras de con- tras desde o ano de 2000. Ao longo dos
sua curva de amplificação com as de dimentos e temperos, óleos, amido de anos que temos realizado análises de
padrões certificados contendo quanti- milho, sopas, fubá, entre outras. A partir OGM em grãos e diferentes tipos de
dades conhecidas de OGMs. de 2001 foram feitas as primeiras análi- alimentos, pudemos observar um au-
Desde o ano de 2000, o laboratório ses de produtos cárneos. A partir de mento gradual no número de amostras
vem realizando a detecção de OGMs em 2002 houve um aumento expressivo no positivas, demonstrando que embora
grãos e em produtos derivados. Inicial- número de análises para esse tipo de seja proibido o plantio e a comercializa-
mente a demanda era concentrada em produto. Naquele ano, 12,3% do total de ção de OGM no país, estes de alguma
amostras de grãos de soja e milho e em amostras analisadas foram de produtos forma estão presentes no mercado, pelo
diferentes tipos de preparações de pro- cárneos. Até setembro de 2003 a porcen- menos, desde o ano de 2000. Naquele
teínas de soja. Com o passar dos anos, tagem foi de 7,3%. ano apenas 5% das amostras analisadas
observamos um aumento na demanda As Figuras 4, 5, 6 e 7 mostram a foram positivas para a presença de
pelas análises bem como uma diversifi- porcentagem de cada classe de produto resíduos de OGM. Em 2001, esse
cação das amostras enviadas. Atual- analisado em relação ao total de amos- percentual subiu para 11,5%. Em 2002,
para 28,5%, e até setembro de 2003,
32,3% das amostras apresentaram resul-
tado positivo. A Figura 8 representa de
forma gráfica estes resultados.
A porcentagem de amostras positi-
vas dentro de cada classe de produtos
também sofreu elevação, principalmente
no caso de grãos de soja, farelo de soja e
ração. A porcentagem de amostras de
grãos de soja positivas para a presença de
OGM em 2000 foi de 3,89 % com relação
ao total de amostras analisadas. Com
relação apenas às amostras de grãos
analisadas, esse percentual foi de 12,96%,
atingindo 35,42%, 31,69% e 64,20%, res-
pectivamente, em 2001, 2002 e 2003. As
amostras de farelo OGM subiram de
1,11% do total de amostras analisadas,
em 2000, para 8,33% em 2003, enquanto
as de ração eram 1,82% em 2001 e 2,3%
Figura 8 - Percentual de amostras positivas para a presença de resíduos de OGMs com em 2003. A porcentagem de amostras de
relação ao número total de amostras analisadas, entre os anos de 2000 e 2003. produtos cárneos contendo resíduos de
OGM foi de 7,93% do total de amostras
Qu ad ro 1 - P o rcen tagem d e amo stras po sitivas d en tro d e cad a classe d e amo stras e co m relação ao to tal analisadas e 63,04% com relação ao total
d e amo stras an alisad as
% de % de % de % de % de % de % de % de
de amostras dessa classe de produtos em
amo stras amo stras amo stras amo stras amo stras amo stras amo stras amo stras 2002. Em 2003, esses valores foram de
T ipo d e
po sitivas po sitivas po sitivas po sitivas po sitivas po sitivas po sitivas po sitivas 5,32% e 73,17%, respectivamente. Com
pelo to tal d en tro pelo to tal d en tro pelo to tal d en tro pelo to tal d en tro
A mo stra
de d a classe de d a classe de d a classe de d a classe
relação às amostras de milho e derivados
amo stras an alisad a amo stras an alisad a amo stras an alisad a amo stras an alisad a apenas em 2003 começamos a detectar
em 2000 em 2000 em 2001 em 2001 em 2002 em 2002 em 2003 em 2003 algumas amostras positivas, o que reflete
So ja grão 3,89 12,96 7,74 35,42 6,16 31,69 9,22 64,20
Diferen tes a presença de outros cultivos transgêni-
tipo s d e
0,00 0,0020 0,00 0,00 0,96 3,91 2,13 7,41 cos, que não a soja RR®, no mercado
pro teín as
d e so ja
mundial. O Quadro 1 mostra a porcenta-
Farelo d e gem de amostras positivas em relação ao
1,11 11,76 1,37 14,64 7,93 54,72 8,33 54,49
so ja número total de amostras analisadas e
P ro d u to s
cárn eo s
0,00 0,00 0,00 0,00 7,93 63,04 5,32 73,17 dentro de cada classe de amostras.
Milh o grão 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 1,06 13,04 Os nossos dados permitem concluir
R ação 0,00 0,00 1,82 21,62 3,56 49,06 2,30 35,14 que no período de 2000 a 2003 houve um
Hid ro lisad o
d e so ja
0,00 0,00 0,23 4,76 0,00 0,00 0,18 25,00 aumento gradual da presença de resíduos
So pas 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 de transgênicos em grãos, ingredientes e
Fu b á d e
milh o
0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,18 14,29 alimentos derivados no país, especialmen-
C o n d imen - te com relação à soja. Os dados apontam
to s e 0,00 0,00 0,00 0,00 0,55 36,36 1,42 61,54 também para a necessidade de definição
tempero s
Lecitin a d e
de normas claras de rotulagem de alimen-
0,00 0,00 0,00 0,00 0,82 75,00 0,00 0,00
so ja tos. Para esse fim, é importante que se
Óleo s e
0,00 0,00 0,00 0,00 0,27 40,00 0,00 0,00 disponham de laboratórios qualificados
go rd u ras
Ou tro s 0,00 0,00 0,23 2,22 0,27 5,88 2,30 37,14 para realizar esse tipo de análise.

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 17


Bacillus thuringiensis
Pesquisa no Manejo Integrado de Pragas
Do uso convencional em Pulverização à Biotecnologia

Ricardo Antonio. Polanczyk 1. Introdução destaca-se o entomopatógeno


Engenheiro Agrônomo, Doutorando – Programa de
Pós Graduação em Entomologia (Escola Superior de
Bacillus thuringiensis (Bt). Esta bac-
Agricultura Luiz de Queiroz, ESALQ -USP). A exploração agrícola intensi- téria é capaz de produzir inclusões
rapolanc@esalq.usp.br va, necessária para atender à cres- cristalinas durante a esporulação,
cente demanda interna por alimen- que são responsáveis pela sua ativi-
Samuel Martinelli tos, aumento do volume de expor- dade tóxica. As suas toxinas, após a
Engenheiro Agrônomo, Doutorando – Programa de
Pós Graduação em Entomologia (Escola Superior de tações agrícolas e necessidade por ingestão, solubilização e ativação
Agricultura Luiz de Queiroz, ESALQ -USP). produtos como fibras, tem como no intestino do inseto, unem-se às
smartine@esalq.usp.br
fator limitante o impacto negativo células do epitélio, formando poros
nos ecossistemas. De acordo com e desestabilizando os gradientes
Celso Omoto
Engenheiro Agrônomo, Prof. Dr. Depto Tilman et al. (2001), diante da con- osmótico e iônico, fazendo com que
Entomologia, Fitopatologia e Zoologia Agrícola tinuidade dos impactos ambientais este cesse a alimentação, morrendo
(ESALQ-USP).
celomoto@esalq.usp.br
globais provocados pela agricultu- por inanição ou septicemia (Priest,
ra, 109 hectares de ecossistemas na- 2000; Glare & O´Callagham, 2000).
Sérgio Batista Alves turais serão convertidos em siste- Para que a patologia de Bt ocorra é
Engenheiro Agrônomo, Prof. Dr. Depto mas agrícolas até o ano de 2050. Do necessário que o intestino do inseto
Entomologia, Fitopatologia e Zoologia Agrícola mesmo modo, os agroquímicos, uti- permita a eficiente solubilização do
(ESALQ-USP).
sebalves@esalq.usp.br lizados para o controle de pragas cristal e que proteases ativem as
agrícolas são muitas vezes respon- protoxinas resultantes desta solubi-
Ilustrações cedidas pelos autores
sáveis por contaminações do meio lização. Estas etapas são essenciais
ambiente e intoxicações de produ- para que a toxina passe pela mem-
tores rurais. Portanto, é importante brana peritrófica e se ligue aos re-
o desenvolvimento e implementa- ceptores presentes na parede do
ção de táticas de controle de pragas intestino médio do inseto. Em fun-
menos agressivas, que estejam de ção da variabilidade genética, entre
acordo com as premissas do Mane- os insetos há diferenças específicas
jo Integrado de Pragas, e que, ao e não específicas com relação à
mesmo tempo, proporcionem o re- especificidade dos receptores das
torno econômico ao agricultor. toxinas de Bt. A especificidade do
Neste sentido, o controle bioló- receptor assume papel vital na defe-
gico é uma importante estratégia sa do organismo contra esta ação
que, através da liberação, incremen- inseticida, juntamente com a solubi-
to e conservação de insetos parasi- lização do cristal e ativação da toxi-
tóides, predadores e microrganis- na. A ausência de necessidade de
mos, impede que os insetos-praga solubilizar o cristal e ativar as toxi-
atinjam níveis populacionais capa- nas produzidas pelas plantas trans-
zes de causar dano econômico. Indi- gênicas pode influenciar a suscetibi-
retamente, diminui o impacto dos lidade dos organismos-alvos e não-
agroquímicos sobre o meio ambien- alvos de controle. A morte do inseto,
te, pois minimiza ou torna desneces- no caso de produtos à base de Bt é
sário o seu uso. Entre os microrga- uma interação da ação da toxina e
nismos com potencial para serem dos esporos; o primeiro fator leva à
empregados no controle biológico formação de poros no tecido epitelial,

18 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


causando desiquilíbrio osmótico e et al. (1993), através da inserção de do à sua alta especificidade e rápida
iônico e a segundo causa septicemia uma versão modificada do gene degradação do ambiente. No entanto,
devido à germinação dos esporos, truncado cry1Ab, conseguiram a ex- de acordo com Vaeck et al. (1987),
proporcionada pela redução do pH pressão da proteína Cry1Ab em al- independentemente das vantagens do
intestinal devido à ação das toxinas. tos níveis em plantas de milho e, uso de inseticidas à base de toxinas
No caso de plantas-Bt, a causa da em testes de campo, foi verificada a produzidas pela bactéria Bt, o empre-
morte é somente a toxina. proteção contra o consumo foliar e go destes produtos em escala comerci-
As primeiras tentativas de utili- perfuração de colmos por Ostrinia al é limitado em função da instabilida-
zação de Bt no controle de pragas nubillalis, uma importante praga de do cristal protéico em campo, devi-
foram feitas na Europa durante a da cultura do milho nos EUA. do à ação da luz ultravioleta e do seu
década de 30. Devido aos êxitos De acordo com Clive (2002), alto custo de produção. Em relação ao
iniciais, a produção deste patógeno estima-se que foram ocupados cerca efeito destas toxinas sobre insetos be-
começou na França em 1938. Nos de 58,7 milhões de hectares com néficos, Glare & O´Callagham (2000)
EUA, o interesse por este patógeno culturas transgênicas no ano de 2002, relatam estudos realizados sobre o
aumentou após 1950, principalmen- com um aumento de 11,6% em rela- efeito de várias subespécies e produ-
te para o controle de lepidópteros ção ao ano anterior (Figura 1). A tos à base de Bt sobre 9 ordens de
(Lambert & Peferoen, 1992; Beegle & Índia, o maior produtor mundial de predadores, distribuídos em 25 famíli-
Yamamoto, 1992). algodão, comercializou algodão-Bt as. Em relação aos parasitóides, os
Deve-se salientar que a pressão pela primeira vez em 2002. Também, mesmos autores enumeram uma série
da opinião pública quanto à saúde foi verificado um aumento da área de trabalhos realizados com Diptera
humana e preservação do meio ambi- pré-comercial de algodão-Bt na Co- (Tachinidae) e Hymenoptera
ente incentivou a utilização de produ- lômbia e em Honduras. O EUA foi o (Aphelinidae, Braconidae, Chalcididae,
tos microbianos, principalmente em país com maior área plantada, cerca Encyrtidae, Eulophidae, Eupelmidae,
hortaliças e frutíferas com alto valor de 39 milhões de hectares (66%), Ichneumonidae, Pteromalidae, Scelio-
comercial. Em 1970 foi lançado no seguido pela Argentina (23%), Cana- nidae e Trichogrammatidae). Em am-
mercado o Dipel (Bt kurstaki) que dá (6%) e China (4%). A China apre- bos os casos, embora os estudos te-
provou ser 20 a 200 vezes mais poten- sentou o maior incremento anual nham mostrado alguma variação nos
te que outros isolados desta bactéria (40%) entre 2001 e 2002 na área resultados, os produtos formulados com
(Beegle & Yamamoto, 1992). Este plantada com algodão-Bt, ocupando Bt e suas subespécies apresentam pou-
produto, atualmente, é utilizado para 51% da área cultivada com esta espé- co ou nenhum efeito sobre estes inimi-
o controle de mais de 167 lepidópteros- cie. Em termos mundiais, o milho gos naturais.
praga (Glare & O’Callagham, 2000). geneticamente modificado ocupou Os benefícios potenciais do uso
Além disso, em 1976 foi caracterizado 12,4 milhões de hectares (com au- de plantas geneticamente modifica-
um isolado eficaz para o controle de mento de 9% em relação à área de das como, por exemplo, milho-Bt,
insetos da ordem Diptera, denomina- 2001), seguido pelo algodão e canola não se limitam apenas à redução na
do Bt israelensis e em 1983 outro letal com 6,8 e 3 milhões de hectares, aplicação de inseticidas de largo
para coleópteros denominado de Bt respectivamente (Figura 2). espectro. Estudos mostram a dimi-
tenebrionis. O sucesso do uso de Bt nuição dos níveis de micotoxinas
no mundo só não é maior até agora, 2. Vantagens e Limitações nos grãos destas plantas (Munkvold
em função da existência de inseticidas et al., 1999).
químicos baratos que podem substi- O emprego de biopesticidas à De acordo com Obrycki et al.
tuí-lo no controle de lepidópteros. base de Bt é altamente desejável em (2001), os riscos ou limitações no
Além de ser utilizado como programas de controle de insetos devi- uso das plantas geneticamente mo-
bioinseticida, a partir da metade da
década de 1980, foram obtidas as
primeiras plantas transgênicas com
a incorporação dos genes codifica-
dores das proteínas tóxicas de Bt
em plantas de fumo e tomate (Dias,
1992). Segundo Ely (1993), mais de
50 espécies de plantas sofreram
transformações deste tipo com re-
sultados satisfatórios. Formas
truncadas dos genes que codificam
proteínas inseticidas de Bt na sua
forma ativa foram introduzidas e
expressas com sucesso em plantas
de fumo (Vaeck et al., 1987) e
algodão (Perlak et al., 1990). Koziel Figura 1. Adoção mundial de plantas geneticamente modificadas (GM)

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 19


dificadas podem ser agrupados em
três categorias: troca de material
genético entre as plantas genetica-
mente modificadas e espécies selva-
gens aparentadas por meio da dis-
persão de grãos de pólen; a seleção
de indivíduos resistentes na popula-
ção do inseto-alvo de controle e o
impacto da tecnologia sobre outros
insetos e organismos não-alvos do
controle. Com relação à troca de
material genético, segundo Ellstrand
et al. (1999), as plantas domestica-
das e utilizadas em sistemas agríco-
las não podem ser consideradas
como indivíduos evolutivamente se- Figura 2. Taxa de adoção mundial das principais culturas GM em 2002
parados de seus parentes selvagens.
Dentre as 13 mais importantes espé- genética, de uma espécie cultivada, Deve-se ressaltar que o im-
cies utilizadas para a produção de ou não, podem produzir mudanças pacto das plantas geneticamente
alimentos, 90% destas formam híbri- e promover a habilidade de um or- modificadas sobre os organismos
dos com seus parentes selvagens ganismo se tornar invasor de dife- não-alvos do controle pode ser
em algum local dentro de sua área rentes ecossistemas. Deste modo, a avaliado através de estudos
de distribuição agrícola. Deste modo, transferência de pólen de plantas de toxicológicos e/ou ecológicos
os centros de origem das espécies milho-Bt para plantas selvagens apa- (Obrycki et al., 2001). Nos estudos
seriam os locais mais suscetíveis a rentadas é uma preocupação decor- toxicológicos, o parâmetro avalia-
tal fenômeno. A taxa de fluxo gênico rente da adoção desta tecnologia do é a mortalidade dos herbívoros
neste caso tende a ser extremamen- (Bergelson et al., 1998). No entanto, e dos consumidores de pólen quan-
te variável e as suas conseqüências esta transferência é limitada a regi- do expostos às toxinas de Bt como
evolutivas dependem de sua magni- ões do México e América Central realizado por Losey et al. (1999).
tude. A conseqüência evolutiva mais onde ocorrem plantas do grupo dos Por sua vez, nos estudos ecológi-
clara do fluxo gênico é a sua tendên- teosíntos (Ellstrand et al., 1999). cos são observados os efeitos da
cia em homogeneizar a composição O impacto das plantas genetica- utilização destas plantas sobre os
genética das populações. A taxa de mente modificadas sobre a entomo- demais níveis tróficos constituin-
fluxo gênico pode ser efetivamente fauna benéfica começou a receber tes de uma cadeia alimentar (her-
zero entre plantas com incompatibi- grande atenção após a publicação de bívoros predadores e parasitóides).
lidade de cruzamento que estejam Losey et al. (1999) na revista Nature. Ainda existem questionamentos
isoladas espacialmente ou que não Este estudo mostrou que o pólen do quanto ao impacto das toxinas pre-
apresentem sobreposição de suas milho transgênico expressando toxi- sentes em plantas de milho-Bt so-
épocas de florescimento. Porém, os nas de Bt causou mortalidade de bre insetos polinizadores de ou-
autores chamam a atenção em parti- cerca de 50% das lagartas da borbo- tras plantas. Vandenberg (1990)
cular para os agroecossistemas. Em leta monarca (Dannaus plexippus) detectou valores significativos de
tais casos, o plantio concentrado de (Lepidoptera: Nymphalidae), quatro mortalidade de abelhas domestica-
uma espécie de interesse econômi- dias após a ingestão. Porém, este das quando expostas à solução de
co pode permitir que outras espéci- trabalho foi bastante criticado, prin- Bt tenebrionis, o qual é considera-
es (ex: plantas daninhas) sofram cipalmente, por não relatar precisa- do específico para coleópteros. Ain-
hibridização e introgressão de genes mente a quantidade de toxina utiliza- da, segundo Obrycki et al. (2001),
vindos do campo de produção agrí- da nos bioensaios. Outros estudos, os efeitos das plantas de milho-Bt
cola. Assim, o fluxo gênico entre as como os realizados por Leong et al. também deveriam ser avaliados
plantas domesticadas e seus paren- (1992) e Hansen & Obrycki (1999) sobre decompositores presentes no
tes selvagens apresenta potencial- indicam que este inseto pode ser solo (ex: Collembola) e outros pre-
mente duas conseqüências danosas: afetado pelo milho-Bt, porém os ní- dadores vertebrados. Estes últimos
o aumento da capacidade de inva- veis de mortalidade são bastante in- estudos se justificam já que algu-
são de ambientes por algumas espé- feriores aos verificados por Losey et mas espécies de pássaros e morce-
cies e o aumento do risco de extinção al., (1999). Glare & O´Callagham gos são predadoras de lepidópteros
destes parentes selvagens. De acor- (2000) ressaltam que o comporta- que freqüentemente ocorrem em
do com Wolfenbarger & Phifer mento do inseto, migração a partir de campos de milho.
(2000), modificações genéticas atra- áreas com esta toxina, poderia redu- Em relação ao efeito de plan-
vés do melhoramento genético, con- zir o efeito da toxina sobre esta tas transgênicas sobre inimigos na-
vencional ou através de engenharia espécie. turais, de acordo com Orr & Landis

20 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


(1997), o número de predadores e O desenvolvimento e mortali- mostraram que quando criados con-
o parasitismo de massas de ovos dade de formas larvais do preda- tinuamente sobre estilo-estigmas de
de O. nubilalis não foram adversa- dor Orius majusculus criadas so- milho convencional ou milho Bt as
mente afetados por plantas de mi- bre tripes Anaphothrips obscurus, ninfas deste percevejo predador
lho-Bt expressando Cry1A(b). En- alimentados com milho genetica- apresentaram 100% de mortalidade,
tre os predadores foram avaliados mente modificado expressando a sugerindo que estes insetos sofre-
adultos e ninfas do percevejo pre- d-endotoxina Cry1A(b), foi estu- ram com insuficiência nutricional
dador Orius insidiosus, bem como dado por Zwahlen et al. (2000). A nesta dieta. Porém, não houve dife-
adultos e larvas de coccinelídeos e atividade inseticida das plantas de rença significativa na mortalidade
crisopídeos. milho Bt foi comprovada através das ninfas do percevejo quando ali-
Pilcher et al. (1997) conduziram de bioensaios utilizando-se lagar- mentadas com estilo-estigmas de mi-
estudos em laboratório e campo para tas de O. nubilalis. Não houve lho-Bt ou convencional e ovos de O.
determinar os efeitos de milho-Bt diferença significativa na mortali- nubilalis em dias alternados.
expressando Cry1A(b) sobre insetos dade e no desenvolvimento das Segundo Barton & Dracup et al.
predadores. No laboratório, não foi formas imaturas do predador cria- (2000), as práticas agrícolas têm cau-
verificado qualquer efeito detrimen- das em A. obscurus alimentados sado impactos ambientais nos ecos-
tal agudo sobre o desenvolvimento com milho transgênico expressan- sistemas. Deste modo, os riscos e
pré-imaginal e sobrevivência de do a toxina Cry1A(b), quando com- benefícios em potencial da adoção da
Coleomegilla maculata, O. parados à testemunha criada com tecnologia de plantas geneticamente
insidiosus e Chrysoperla carnea. No tripes não expostos à proteína in- modificadas devem ser ponderados
campo, em estudo realizado por dois seticida de B. thuringiensis. Os tomando-se como referencial os im-
anos consecutivos, não foram ob- resultados obtidos não evidencia- pactos ambientais decorridos dos sis-
servados efeitos adversos sobre a ram efeitos letais ou subletais nos temas atuais de produção agrícola.
abundância de predadores de O. indivíduos de O. majusculus no Porém, os riscos ao ambiente das
nubilalis (coccinelídeos, crisopídeos modelo de interação tritrófica (mi- plantas geneticamente modificadas
e antocorídeos) quando compara- lho Bt – herbívoro – predador) devem ser avaliados antes de sua
das a áreas de milho não genetica- elaborado pelos autores. Segundo liberação para o plantio comercial, e
mente modificado. Ainda, os núme- os autores, a resposta de O. posteriormente as áreas ocupadas com
ros de predadores observados an- majusculus alimentados com tripes estas culturas devem ser monitoradas.
tes, durante e após a liberação dos expostos à Cry1A(b) pode ser Portanto, conforme apontado por
grãos de pólen pelas plantas de explicada pela insensibilidade des- Fernandes & Martinelli (2000), os es-
milho-Bt sugerem que movimento te percevejo à toxina ou pela baixa tudos com plantas transgênicas resis-
dos inimigos naturais no campo não quantidade de proteína inseticida tentes a insetos em áreas extensas
foi afetado por este tipo de pólen. ingerida pelos tripes que se ali- com o objetivo de se determinar quais
Os efeitos de presas alimenta- mentaram do milho Bt. são as espécies indicadoras de impac-
das com milho-Bt sobre a mortalida- AlDeeb & Wilde (2003) não to ambiental destas plantas em um
de e desenvolvimento de larvas do identificaram diferenças significati- determinado sistema devem ser
predador C. carnea foram estuda- vas entre parcelas com milho Bt priorizados. Ainda há a necessidade
dos em condições de laboratório por Cry3Bb1 e o isogênico, com relação de se padronizar métodos de avalia-
Hilbeck et al. (1998a). O predador ao número de insetos não alvos de ção e interpretação de resultados, pos-
foi criado com lagartas de O. controle coletados em armadilhas sibilitando a avaliação destas plantas
nubilalis, e Spodoptera litorallis ali- do tipo alçapão. As inspeções visu- por todo o Brasil. Deste modo, estes
mentadas com milho contendo a ais de adultos e formas imaturas de resultados poderiam ser levados a
toxina Cry1A(b). Foi observado pro- C. maculata , O. insidiosus e público promovendo uma ampla dis-
longamento no período larval de Hippodamia convergens também cussão sobre o tema.
crisopídeos criadas continuamente não mostraram diferenças significa- Não obstante, a evolução da re-
com presas que foram alimentadas tivas entre os materiais testados. sistência às toxinas presentes nas
com o milho geneticamente modifi- Segundo Al-Deeb et al. (2001), não plantas geneticamente modificadas
cado foi significativamente maior houve diferença significativa entre o resistentes a insetos é uma das prin-
comparada com a testemunha, bai- número de adultos e ninfas de O. cipais preocupações para a liberação
xo valor nutricional. Ainda, foi ob- insidiosus em plantas milho Bt ex- comercial destas plantas. De acordo
servado prolongamento no período pressando a toxina Cry1A(b) e mi- com Heckel (1997) a partir do mo-
larval de crisopídeos criados com lho convencional em condições de mento em que ocorrer a liberação
lagartas de O. nubilalis alimentas campo, em duas localidades estuda- para plantio em áreas extensas, as
com milho geneticamente modifica- das. Ainda os autores conduziram toxinas de Bt representarão um im-
do. Este efeito pode ser atribuído à teste em laboratório para avaliar os portante fator de mortalidade para as
exposição à toxina inseticida em efeitos de estilo-estigmas de milho- populações dos insetos-alvos. Esta
conjunto com o uso de presas de Bt na mortalidade de formas imatu- alta pressão de seleção pode condu-
baixo valor nutricional. ras de O. insidiosus. Os resultados zir à evolução da resistência a estas

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 21


toxinas inseticidas nas populações vamente mais rara, principalmente Já para H. virescens os trabalhos
dos insetos expostos. Existem várias devido ao fato de que estes são demostraram que os resultados de-
conseqüências negativas no desen- pouco utilizados, se compararmos pendem da linhagem do inseto estu-
volvimento de resistência às toxinas com a área tratada com inseticidas dada. Por exemplo: para a linhagem
de Bt. Além da perda das plantas químicos em todo mundo. SEL a herança mostrou-se autossô-
transgênicas que expressam tais to- Há dois modos de estudar a influ- mica, incompletamente dominante,
xinas como opção no controle de ência da variabilidade em populações e controlado por vários fatores ge-
insetos, há o risco de que o uso de naturais sobre a resistência a Bt. A néticos (Sims et al., 1991).
formulações comerciais de insetici- primeira envolve os estudo das dife- Em relação ao número de genes
das à base de Bt não seja mais viável renças na suscetibilidade entre e den- envolvidos na resistência, para P.
para a aplicação em lavouras de mi- tro de populações. Trabalhos neste xylostella há trabalhos que indicam
lho ou em outras culturas. Os produ- sentido foram desenvolvidos por van a ocorrência de mais de um gene
tores orgânicos perderiam uma im- Frankenhuyzen et al. (1995) e Huang envolvido (Tang et al., 1997). Po-
portante opção para o manejo de et al. (1997) para Choristoneura rém, segundo Glare & O´Callagham
pragas, o qual é certificado para o seu fumiferana e O. nubilalis, respectiva- (2000), a resistência deste inseto
sistema de produção. Além disso, as mente. Outra estimativa da variabilida- para Cry1Ab mostra-se recessiva
possibilidades de substituição destes de para genes de resistência em popu- controlada principalmente por um
produtos de origem biológica por lações naturais é medir a herdabilidade único alelo autossômico e recessivo,
outros são mínimas. O aumento da (h2) em experimentos laboratoriais a embora isto não seja sempre atribu-
utilização de inseticidas sintéticos partir de uma amostra da população. ído ao mesmo “loci”. Tabashnik et
também é outra conseqüência em Este índice representa a proporção da al. (1997) relatou que populações
potencial do desenvolvimento da re- variação fenotípica de um determina- do Hawai e Pensilvânia dividem um
sistência às toxinas de Bt (EPA, 1998). do caráter responsável pela variação “locus” em que uma mutação reces-
genética. Tabashnik (1994a) estimou o siva associada com a reduzida liga-
3. Evolução da Resistência h2 para 8 espécies de insetos, com valor ção ao receptor confere resistência
a Produtos à Base de Bt e relativamente alto para Plodia extremamente alta a 4 toxinas de
Plantas Geneticamente interpunctella, mostrando abaixa vari- Bt. Entretanto, outra população, das
Modificadas ação fenotípica e alta variação genética Filipinas, mostrou um controle
aditiva deste inseto. “multilocus”, de espectro mais re-
A resistência é um fenômeno A estimativa indireta da freqüên- duzido, e para algumas toxinas de
pré-adaptativo que se desenvolve cia dos alelos de resistência é Bt, a herança genética não é reces-
por seleção de indivíduos raros que fornecida por experimentos labora- siva e não está associada com a
podem sobreviver à aplicação de toriais que obtiveram êxito em sele- redução da ligação ao receptor. Já
um inseticida a uma determinada cionar populações resistentes a Bt para Heliothis virescens é provável
dose. Um grande número de fatores (Van Rie & Ferré, 2000). Nestes ca- que um gene principal parcialmen-
genéticos, bio-ecológicos e opera- sos, pelo menos uma cópia do alelo te recessivo confere resistência a
cionais influenciam a taxa de evo- de resistência deve estar presente várias toxinas: Cry1Aa, Cry1Ab,
lução da resistência. Os fatores ge- para o início da seleção. Em experi- Cry1Ac e Cry1Fa, causando modifi-
néticos incluem a variabilidade na- mentos com lepidópteros (Gould et cações no receptor (Gould et al.,
tural nas populações, número de al., 1992; 1995), a freqüência de 1995; Lee et al., 1995).
genes envolvidos na manifestação alelos de resistência nas populações Embora a resistência em labora-
da resistência e sua freqüência ini- testadas foi relativamente alta (de 1 tório seja obtida em poucas gera-
cial na população (Georghiou & a 5 x 10-3). ções em alguns insetos, ela é na
Taylor, 1977), a herança da caracte- Quanto à herança da resistên- maioria dos casos instável, reduzin-
rística (ex: grau de dominância) e cia, McGaughey (1985, 1988) mos- do logo após a diminuição da pres-
custo adaptativo associado à resis- traram que para P. interpunctella a são de seleção, como foi observado
tência (Van Rie & Ferré, 2000). O herança é autossômica de parcial- por Tabashnik et al. (1994) e Tang et
potencial das populações de inse- mente a completamente recessiva. al. (1997) para P. xylostella. O custo
tos em desenvolver resistência aos O mesmo foi verificado para Plutella adaptativo associado à evolução da
produtos formulados com Bt utili- xylostella por Tabashnik et al. (1992) resistência é a causa mais provável
zados no controle de pragas é uma e Tang et al. (1997). Em outro traba- da instabilidade da resistência em P.
das principais ameaças ao emprego lho com este mesmo inseto, (Ferré xyllostella. Groeters et al. (1994)
desta estratégia de controle de pra- et al., 1991) verificaram que a susce- mostraram tal redução no custo adap-
gas agrícolas. A evolução da resis- tibilidade da progênie F1 depende tativo, sendo que após 5 gerações, a
tência dos insetos para inseticidas do sexo do inseto no cruzamento eclosão das lagartas e fecundidade
químicos é bastante comum, com parental, ainda que a ligação com o foram reduzidos em 10% na linha-
mais de 500 espécies sendo resis- sexo tenha sido eliminada com base gem resistente em comparação com
tentes a um ou vários inseticidas Já na razão sexual 1:1 dos sobreviven- a suscetível. A compreensão desta
para os bioinseticidas é comparati- tes da F1 a várias doses da Cry1Ab. instabilidade pode indicar porque a

22 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


Tabela 1 - Relatos de desenvolvimento de resistência a produtos à base de Bacillus thuringiensis ou
toxinas em laboratório (modificado de Glare & O´Callagham, 2000 e Tabashnik et al., 2003).
Nível de Resistência
Inseto Subespécie Toxina(s)
resistência cruzada
Choriston eura
sotto 3,8 x - -
fumiferan a
Crysomela scripta - acima 5.000 x Cry3Aa Cry1Ba
ten ebrion is 59 x Cry3 -
Ephestia cautella kurstaki 7x - -
Homeoeosoma
kurstaki 1,7 x -
electellum
Heliothis armigera Cry1Ac 13 - 57 x -
H. virescen s kurstaki HD-1 mais de 24 x Cry1 -
kurstaki HD-1 12- 69 x Cry1Ab -
- 50 - 53 x Cry1Ac Cry1Ab, Cry2A
Cry1Aa, Cry1Ab,
- 10.000 x Cry1Ac Cry1F, Cry1B, Cry1C
e Cry2A
Leptin otarsa
Cry3A acima 100 e 400 x
decemlin eata
Ostrin ia n ubilalis - baixo nível Cry1Ab
kurstaki acima 73 x - -
Pectin ophora
- 3.100 Cry1Ac -
gossypiella
Plodia in terpun ctella kurstaki acima de 250 x - -
thurin gien sis,
kurstaki (Dipel) acima 250 x - kurstaki (menos
HD-1) e galleriae
kurstaki (Dipel) acima de 25 x - -
kurstaki (Dipel) acima 106 x Cry1Ab -
cerca de 875 x Cry1Ab -
kurstaki 140 x - -
aizawai 28 - 61 x - -
en tomocidus 21 x - -
Plutella xylostella kurstaki 15 - 66 x - -
Cry1C, Cry1Aa,
- 22 - 62 x Cry1Ab, Cry1Ac, Cry1F, Cry1J
Cry1F e Cry2
Cry1C 12.400 -
300 - acima de 6.800
Cry1Ac -
x
Spodoptera exigua kurstaki 1-2 x - -
Cry1Ab, Cry1C,
850 x Cry1C Cry1E/Cry1C, Cry1H
e Cry2A
S. frugiperda kurstaki 4,9 x - -
Cry1D, Cry1E e
S. littoralis aizawai mais de 500 x Cry1C
Cry1Ab
Trichoplusia n i 31 x Cry1Ab Cry1Aa ou Cry1Ac
kurstaki + aizawai 15 x - -
kurstaki HD-1 307 x - -
aizawai HD-112 e HD-1, 198, 133 e
28 e 97 x -
HD-133 HD-1, 112 e 198
en tomocidus HD-
32 x HD-1, 112 e 133 -
198
kurstaki + aizawai 164 e 62-100 x en tomocidus -

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 23


Tabela 2 - Relatos de possível desenvolvimento de resistência de insetos (Devriendt & Martouret, 1976), este
para Bacillus thuringiensis em campo (Glare & O´Callagham, 2000). inseto foi o primeiro a mostrar evo-
lução de resistência para Bt em
Inseto Subespécie Nível de resistência Toxina(s)
Helicoverpa armigera kurstaki - campo (Tabashnik et al., 1997),
Heliothis virescen s MVP II Tolerante Cry1Ac sendo, até o momento, o único
Plodia in terpun ctella kurstaki Baixo exemplo em que foi verificada a
Plutella xylostella kurstaki 25 - 426 x Cry1Ab evolução da resistência em campo
aizawai 3 - 20 x Cry1Ac de um inseto para Bt, embora para
Spodoptera frugiperda kurstaki 1,48 x outras espécies de lepidópteros (Ta-
bela 1) tenha sido sugerido esta
evolução da resistência ao Bt é tão (Tabela 1). Para a maioria das espé- possibilidade, porém pouca dife-
rara e pode auxiliar na elaboração cies testadas a resistência evolui rapi- rença na suscetibilidade foi verifi-
de estratégias para incrementar a damente para Bt kurstaki, Bt cada entre as populações de campo
utilização deste bioinseticida entomocidus e Bt tenebrionis ou Bt (resistente) e a de referência em
(Tabashnik et al., 1994). aizawai. Quando a diferença entre laboratório (suscetível). Segundo
A alteração da atividade proteo- as populações suscetíveis e resisten- Glare & O´Callagham (2000), ou-
lítica (ativação da toxina) foi verifica- tes é menor que 10, não fica claro se tros relatos de resistência deste in-
da em P. interpunctella para Bt a população desenvolveu resistên- seto a produtos à base de Bt foram
entomocidus e Bt kurstaki (Johnson cia, propriamente dita, ou se existe feitos em vários países como
et al., 1990; Oppert et al., 1997). Em tolerância entre subgrupos ou Tailândia, Havaí, Japão, Coréia, Chi-
trabalho semelhante realizado por genótipos da espécie em questão na, EUA e América Central.
Van Rie et al. (1990), foi observada a (Glare & O´Callagham, 2000). A espécie influencia a probabi-
redução de 50 vezes na afinidade da O primeiro exemplo de resistên- lidade de evolução da resistência
toxina pelo receptor. Porém, os auto- cia em laboratório ocorreu com Musca devido à variabilidade genética na
res não verificaram alteração no nú- domestica ao Bt thuringiensis, pro- população e à possibilidade de en-
mero de receptores presentes para vavelmente envolvendo b-exotoxina. contrar o inóculo. Por exemplo, o
Cry1Ab na linhagem resistente. Estes De modo semelhante, trabalhos mos- hábito migratório e polífago de
dados indicam que a resistência, nes- traram uma evolução de resistência Helicoverpa punctigera leva à dilui-
te caso, é devida a alterações no de 10 da mesma toxina para ção de qualquer população resisten-
receptor de Cry1Ab, pois o mesmo Drosophila melanogaster em 30 ge- te devido ao cruzamento de indiví-
decréscimo de afinidade não foi ob- rações (Harvey & Howell, 1964; Wil- duos resistentes com suscetíveis,
servado para Cry1Ca, que possui 3 son & Burns, 1968; Carlberg & entretanto, P. xylostella é um inseto
vezes mais receptores que a outra Lindstrom, 1987). com mobilidade limitada, não ocor-
toxina. Este elevado número de re- A partir do primeiro relato de rendo à diluição da resistência, pelo
ceptores pode explicar a alta susceti- resistência de Plodia interpunctella a cruzamento com insetos suscetíveis
bilidade da linhagem selecionada para d-endotoxina (McGaughey & vindos de outras áreas (Glare &
Cry1Ca. Para H. virescens foi verifica- Beeman, 1988), vários relatos de de- O´Callagham, 2000).
do por Lee et al. (1995) que a ligação senvolvimento de resistência em la- A incidência de resistência cru-
da toxina Cry1Aa ao receptor foi boratório foram feitos. Em alguns zada é geralmente baixa, mas foi
drasticamente reduzida, mas o mes- casos os estudos envolvem a suspen- verificada para várias toxinas (Ta-
mo não foi verificado para Cry1Ab e são esporo + cristal enquanto que em bela 1). Esta parece estar ligada a
Cry1Ac. Porém, as toxinas do grupo outros casos apenas toxina(s). Em composição da toxina do isolado
Cry1A dividem os mesmos recepto- alguns casos níveis elevados de re- utilizado. McGaughey & Johnson
res nesta espécie de inseto, portanto sistência foram obtidos em apenas (1994) realizam um estudo detalha-
Cry1Ac e Cry1Ab também se ligam algumas gerações usando-se alta pres- do abordando a resistência para as
ao receptor de Cry1Aa. Consequen- são de seleção, como por exemplo: toxinas individualmente após a se-
temente foi considerada a hipótese P. interpunctella para Bt kurstaki e P. leção para resistência aos isolados
que o receptor alterado para Cry1Aa xylostella para Bt aizawai Cry1C, de Bt kurstaki (HD-1), Bt aizawai (HD-
causa resistência ao 3 subclasses de 3 e 6 gerações respectivamente (Glare 112 e 133) e Bt entomocidus (HD-
Cry1A (Van Rie & Ferré, 2000). & O´Callagham, 2000). 198). Para P. interpunctella, HD-1
resultou em resistência para Cry1Ab
Exemplos de Resistência de In- 2) Em campo e Cry1Ac, mas não para Cry1Aa,
setos a produtos à base de Bacillus Cry1B, Cry1C e Cry2A. Resistência
thuringiensis: Embora alguns trabalhos reali- para HD-133 e HD-198 resultou em
zados em laboratório com alta pres- resistência a uma maior gama de
1) Em laboratório são de seleção de Bt sobre P. toxinas: Cry1Aa, Cry1Ab, Cry1Ac,
xylostella (traça-das-crucíferas) [sic] Cry1B, Cry1C e Cry2A. Os autores
Existem vários relatos de evolu- não tenha sido verificado alteração sugeriram que o espectro relativa-
ção da resistência a Bt em laboratório significativa na suscetibilidade mente limitado de resistência às

24 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


diferentes toxinas em Bt kurstaki tência seja funcionalmente reces- gia não seria adequada para o ma-
indicou que a resistência cruzada a siva. Deste modo, apenas restari- nejo de S. frugiperda já que está
outras subespécies era menos pro- am na área com plantas genetica- espécie apresenta alta mobilidade
vável de ocorrer, portanto produtos mente modificadas os indivíduos na sua larval. A técnica do plantio
baseados em Bt kurstaki deveriam resistentes. O refúgio pode variar em forma de mosaico envolve áreas
ser utilizados primeiro. A resistên- em tamanho e disposição e servir com plantas Bt expressando dife-
cia de Heliothis virescens é normal- como reservatório de insetos sus- rentes toxinas inseticidas. Deste
mente relatada à toxina Cry1Ac, cetíveis. O sucesso desta estraté- modo, os insetos estariam sofrendo
porém existem relatos de resistên- gia depende das seguintes condi- diferentes pressões de seleção ao
cia para outras toxinas como: ções: que o acasalamento seja ale- longo da faixa de plantio de áreas
Cry1Aa, Cry1Ab, Cry1F e Cry2A atório entre os indivíduos resisten- geneticamente modificadas. No
(Gould et al., 1992). tes e suscetíveis, que os insetos entanto, para que esta estratégia
suscetíveis migrem da área de re- funcione é importante que não ocor-
4. Manejo da Resistência fúgio para a área com as plantas ra resistência cruzada entre as toxi-
geneticamente modificadas e exis- nas empregadas. Além disso, exis-
Os programas de manejo da ta sincronia na emergência de in- tem críticas quanto à possível efici-
resistência apresentam 3 objetivos setos entre as duas áreas. ência das diferentes áreas Bt em
principais: evitar, retardar e rever- Outra estratégia possível para atuarem como reservatórios de sus-
ter a evolução da resistência (Croft, a liberação de plantas genetica- cetibilidade recíprocos, o que pos-
1990). Estes objetivos são os mes- mente modificadas é a mistura de sibilitaria a imigração de indivíduos
mos para o manejo da resistência a sementes transgênicas e convenci- suscetíveis entre as diferentes áre-
produtos à base de Bt sendo mui- onais na forma de linhas da cultura as para a diluição dos alelos de
tas táticas baseadas nos princípios ou faixas de plantio. Uma área que resistência.
mostrados para plantas genetica- utilize esta estratégia resulta numa Outra alternativa viável é a rota-
mente modificadas. No caso das mistura de plantas-Bt e convencio- ção de plantas dispondo deferentes
plantas Bt são preconizadas várias nais. Deste modo, o refúgio de toxinas inseticidas. Assim como no
estratégias, tais como plantas com plantas convencionais seria dis- caso do mosaico, a resistência cruza-
altas doses das toxinas associadas posto internamente na área com as da entre as toxinas pode comprome-
a áreas de refúgio, misturas de plantas transgênicas. Este refúgio ter a eficácia deste método. As bases
plantas com diferentes toxinas, mo- interno consistiria no reservatório teóricas na estratégia da rotação são
saicos de plantas geneticamente de suscetibilidade para o forneci- que o custo adaptativo associado à
modificadas, combinações de toxi- mento de indivíduos suscetíceis resistência leva a redução da fre-
nas com diferentes modos de ação, para acasalamento aleatório com qüência dos indivíduos suscetíveis e
ou a combinação de plantas ex- os resistentes que restariam nas a imigração de indivíduos suscetí-
pressando baixas doses das toxi- plantas geneticamente modifica- veis. (Hoy, 1988).
nas e controle complementar das das. A principal limitação deste A expressão da toxina de Bt em
pragas pelos inimigos naturais e a método é a taxa de movimento tecidos e estádio fenológicos ade-
expressão das toxinas em determi- entre plantas nas formas larvais da quados específicos é uma estratégia
nados tecidos ou em um período praga-alvo de controle. Esta tática que visa diminuir a pressão de sele-
de ataque mais intenso da praga é indicada para casos específicos ção das plantas-Bt sobre a popula-
(Neppl, 2000). nos quais a forma larval da praga ção de insetos (Frutos et al., 1999).
A estratégia empregada nos que se encontra nas plantas con- Esta estratégia é similar ao uso de
países com plantio de milho Bt vencionais não se disperse para áreas refúgio e mistura de sementes
onde as pragas apresentam hábito plantas geneticamente modificadas no sentido que a própria planta
migratório dos adultos e alta mobi- resistentes causando a morte dos pode atuar como refúgio (Mallet &
lidade nas formas larvais tem sido indivíduos suscetíveis. Porter, 1992). As plantas poderiam
a utilização de plantas expressan- A mistura de sementes na for- produzir as toxinas somente quando
do altas doses das toxinas associa- ma de linhas de plantio com semen- o nível de dano fosse alcançado ou
das às áreas de refúgio. Esta tática tes convencionais internamente à em determinados tecidos mais pro-
começou a ser adotada baseando- área de algodão Bt têm sido utiliza- pensos ao ataque. No entanto, esta
se no princípio de que os insetos da com sucesso no Arizona, EUA, estratégia não funcionaria para pra-
suscetíveis poderiam imigrar para para o manejo de lagarta rosada gas que atacam todas as partes da
uma área com predominância de Pectinophora gossypiella. Neste planta. Além disso, esta tática é
insetos resistentes e, por cruza- caso, a lagarta rosada permanece dependente de estudos avançados
mento, diluir os alelos de resistên- dentro das maçãs atacadas o que em biologia molecular a fim de se
cia na população da praga. Este limita o movimento das formas encontrar os promotores específi-
princípio apenas é valido com a larvais desta espécie entre as plan- cos que seriam responsáveis pelo
expressão das toxinas de Bt em tas garantindo a sobrevivência dos direcionamento da expressão das
altas doses de modo que a resis- indivíduos suscetíveis. Esta estraté- toxinas inseticidas.

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 25


Embora estudos conduzidos em dade agrícola, de maneira que os moth, Plutella maculipennis (Lep.:
laboratório relatem a casos de resis- extensionistas dificilmente atuam Hyponomeutidae). Entomphaga,
tência as toxinas de Bt e freqüência como agentes introdutórios de no- v.21, p.189-199, 1976.
inicial elevada de resistência, nos vas tecnologias e conhecedores do Ferré, J.; Real, M.D.; Van Rie,
países que adotam a tecnologia de seu impacto sobre o meio onde J.; Jansens, S.; Peferoen, M.
plantas Bt no manejo das pragas os atuam. Além de determinar o im- R e s i s t a n c e t o t h e Bacillus
programas de monitoramento não pacto das plantas transgênicas so- thuringiensis bioinsecticide in a
detectaram ainda aumento na bre o meio ambiente, é necessário f i e l d p o p u l a t i o n o f Plutella
frequência de resistência (Tabashnik também instruir e qualificar tanto o xylostella is due to a change in a
et. al.,2003). Exemplos de progra- agricultor como o extensionista so- midgut membrane receptor.
mas de monitoramento estabeleci- bre o potencial desta moderna táti- Proceedings of the National
dos e bem sucedidos incluem O. ca de controle de pragas. A imple- Academic Science of United State
nubilalis (Estados Unidos – 6 anos), mentação de estratégias de manejo of America, v.88, p.5119-5123,
P. gossypiella (Arizona-5 anos), de resistência e programas de mo- 1991.
Helicoverpa armigera (Nordeste da nitoramento são fundamentais para Frutos, R.; Rang, C.; Royer, M.
China-3 anos) e Helicoverpa zea (Ca- a exploração sustentável da tecno- Managing insect resistance to plants
rolina do Norte-2 anos). logia das plantas Bt. Estas ativida- producing Bacillus thuringiensis toxins.
Assim, torna-se fundamental o des são exigentes em mão-de-obra Critical Reviews in Biotechnology,
desenvolvimento de programas de treinada e apoio logístico pelos pro- v. 19, p.227-276, 1999.
monitoramento como parte dos pro- dutores rurais, órgãos de assistên- Georghiou, G.P.; Taylor, C.E.
gramas que visem manejar a evolu- cia técnica, grupos de consultores Operational influnces in the evolution
ção da resistência. Entretanto, as envolvidos com a cultura e das of insecticide resistance. Journal of
estratégias para o manejo da resis- empresas produtoras de sementes Economic Entomology, v.70, p.653-
tência somente obtêm o êxito espe- geneticamente modificadas. 658, 1977.
rado se forem adequadamente Por fim, não é correto se pensar Glare, T. R.; O´Callagham, M.
implementadas. É importante que o que as plantas geneticamente modi- Bacillus thuringiensis: biology,
agricultor compreenda estas estraté- ficadas serão a alternativa definitiva ecology and safety. Chichester:
gias, além do monitoramento e as- para o controle de pragas. O sistema Wiley & Sons, 2000. 350 p.
sistência técnica para o sucesso des- planta-inseto deve ser estudado e Gould, F.; Anderson, A.;
tes programas (Neppl, 2000). Ainda avaliada a relação custo x benefício Reylonds, A.; Bumgarner, L.; Moar,
são necessários estudos para otimizar da adoção destas plantas genetica- W.J. Selection and genetic analysis of
os resultados obtidos com as estra- mente modificadas resistentes a in- a Heliothis virescens (Lepidoptera:
tégias de manejo da resistência, en- setos. Deve-se conhecer toda a gama Noctuidae) strain with high levels of
tre estes, destacam-se as pesquisas de alternativas existentes e escolher resistance to Bacillus thuringiensis
voltadas para os hábitos dos insetos aquela que melhor viabiliza a ativi- toxins. Journal of Economic
(migração e acasalamento) que po- dade agrícola, porém levando-se em Entomology, v.88, p.1445-1559,
dem influenciar decisivamente na conta o seu impacto sobre o meio 1995.
viabilidade das táticas empregadas. ambiente em comparação às demais Gould, F.; Martinez Ramirez, A.;
Dificilmente pode-se assegurar o alternativas disponíveis para o con- Anderson, A.; Ferre, J.; Silva, F.J.;
êxito destes programas, pois em trole de pragas. Moar, W.J. Broad-spectrum resistance
campo muitas variáveis são soma- to Bacillus thuringiensis toxins in
das aos modelos propostos e, atual- 6. Referências Heliothis virescens. Proceedings of
mente, nenhuma das táticas acima the National Academic Science of
descritas são completamente aceitá- Carlberg, G.; Lindstrom, R. United State of America, v.89,
veis em termos de eficácia. Testing fly resistance to p.7986-7990, 1992.
Thuringiensin produced by Bacillus Groeters, F.R.; Tabahnik, B.E.;
5. Considerações Finais thuringiensis, s e r o t y p e H - 1 . Finson, N.; Johnson, M.W. Fitness
Journal of Invertebrate cost of resistance to Bacillus
O uso das estratégias de mane- Pathology, v.49, p.194-197, 1997. thuringiensis in the diamondblack
jo implica significativa demanda de Croft, Developing a philosophy moth (Plutella xylostella). Evolution,
mão-de-obra especializada, princi- and program of pesticide resistance v.48, p.197-201, 1994.
palmente no sentido de monitorar a m a n a g e m e n t . I n : Pesticide Harvey, T.L.; Howell, D.E.
evolução da resistência em áreas Resistance in Arthropods. Roush, Resistance in the house fly to Bacillus
cultivadas com plantas genetica- R. T.; Tabashnik, E. B. (Eds). New thuringiensis Berliner. Journal of
mente modificadas expressando York: Chapman & Hall, 1990. p. Invertebrate Pathology, v.7, p.92-
toxinas de Bt. Geralmente, a assis- 277-296. 100, 1964.
tência técnica disponível aos agri- Devriendt, M.; Martouret, D. Hoy, M. A.. Myths, models and
cultores limita-se a recomendação Absence of resistance to Bacillus mitigation of resistance to pesticides.
de insumos para viabilizar sua ativi- thuringiensis in the diamondblack Philosophical Transactions of the

26 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


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subsp. Kurstaki under selection Neppl, C. C. Managing Tabashnik, B.E.; Carriere, Y.,
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meal moth, Plodia interpunctella: basis of tabacco budworm resistance Bacillus thuringiensis in
comparasion of midgut proteases to na engineered Pseudomonas diamondblack moth (Lepidoptera:
from susceptible and resistant larvae. fluorescens expressing the d- Plutellidae) from Florida. Journal
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Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 27


Pesquisa
Biodiesel
Um projeto de sustentabilidade econômica e sócio-ambiental para o Brasil

Luiz Pereira Ramos, Ph.D. 1 - Introdução bre os mais eloqüentes interesses da


Professor Adjunto IV, Departamento de Química,
Universidade Federal do Paraná humanidade.
lramos@quimica.ufpr.br Desde o século passado, os com- O Brasil, apesar de não ser um
bustíveis derivados do petróleo têm grande emissor de gases poluentes,
Karla Thomas Kucek, B.Sc. sido a principal fonte de energia vem promovendo medidas condizen-
Mestranda em Química Orgânica, Departamento
de Química, Universidade Federal do Paraná
mundial. No entanto, previsões de tes com essa nova conjuntura, atra-
k.kucek@hotmail.com que esse recurso deva chegar ao fim, vés do desenvolvimento e da atuali-
somadas às crescentes preocupações zação periódica de inventários naci-
Anderson Kurunczi Domingos, B.Sc. com o ambiente, têm instigado a onais sobre o tema (Ministério da
Mestrando em Química Orgânica, Departamento
de Química, Universidade Federal do Paraná
busca de fontes de energia renovável Ciência e Tecnologia, 2002). No
anderson@quimica.ufpr.br (Ghassan et al., 2003). momento em que o mercado de car-
O Protocolo de Quioto, concebi- bono estiver regulamentado, esses
Helena Maria Wilhelm, Ph.D. do durante o fórum ambiental Rio-92 inventários terão uma importância
Pesquisadora, Unidade Tecnológica de Química
Aplicada, Depto. de Química Aplicada, Instituto
e ratificado, desde então, por mais de vital para que o país possa conquistar
de Tecnologia para o Desenvolvimento, LACTEC 93 países, vem tentando mobilizar a espaço e usufruir dessa nova estraté-
helenaw@lactec.org.br comunidade internacional para que gia de redistribuição de riquezas e de
Ilustrações cedidas pelos autores promova uma ação conjunta com o inclusão social.
objetivo de estabilizar na atmosfera a Sabe-se que as metas estabele-
concentração dos gases causadores cidas pelo Protocolo de Quioto so-
do efeito estufa e, assim, limitar a mente poderão ser alcançadas pelo
interferência antropogênica sobre o uso sustentado da biomassa para
sistema climático global (Greenpeace fins energéticos. No entanto, recen-
International, 2003). Infelizmente, os tes levantamentos demonstram que
termos do referido acordo somente apenas 2,2% da energia consumida
entrarão rigorosamente em vigor no mundo é proveniente de fontes
quando o conjunto de seus signatári- renováveis (Pessuti, 2003), o que
os somar, no mínimo, 55% do total de evidencia um extraordinário poten-
países emissores do globo, algo que cial para a exploração de outras
somente será possível com a ratifica- fontes. Considerando-se apenas a
ção de, pelo menos, uma das grandes biomassa proveniente de ativida-
potências mundiais, a Rússia ou os des agroindustriais, ou seja, resídu-
Estados Unidos. Em pronunciamen- os agrícolas, florestais e agropecu-
tos recentes, o Presidente da Rússia, ários, calcula-se que o potencial
Vladimir Putin, declarou estar ainda combustível desse material seja
avaliando as condições que levarão o equivalente a, aproximadamente,
seu país a tomar tal decisão, demons- 6.587 milhões de litros de petróleo
trando que, apesar da evidência de ao ano (Staiss e Pereira, 2001). Di-
que o acúmulo desses gases na at- ante de todo esse potencial, tem
mosfera comprometa fortemente o havido uma crescente dissemina-
equilíbrio dos diferentes ecossiste- ção de projetos e de ações voltados
mas terrestres, interesses geopolíticos para o uso de óleos vegetais e de
e/ou comerciais têm prevalecido so- resíduos urbanos e agroindustriais

28 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


para a geração de energia, particu- Outros autores (Goering e Fry, fluidez, e ajustar os seus índices de
larmente por meio de projetos de 1984; Kobmehl e Heinrich, 1998; viscosidade e densidade específica
co-geração (Cenbio, 2003). Ghassan et al., 2003) demonstraram (Shay, 1993, Stournas et al., 1995;
que a alta viscosidade e a baixa Ma e Hanna, 1999).
2 - Óleos vegetais como volatilidade dos óleos vegetais in
fonte de energia renovável natura podem provocar sérios pro- 3 - O biodiesel como
blemas ao bom funcionamento do alternativa para a matriz
Por se tratar de uma fonte de motor. Dentre os problemas que energética nacional
energia renovável e por seu uso geralmente aparecem após longos
sustentado não provocar danos ao períodos de utilização, destacam-se Por definição, biodiesel é um
meio ambiente, a biomassa tem atra- a formação de depósitos de carbono substituto natural do diesel de pe-
ído muita atenção nos últimos tem- por combustão incompleta, a dimi- tróleo, que pode ser produzido a
pos (Ministério da Indústria e do nuição da eficiência de lubrificação partir de fontes renováveis como
Comércio, 1985; Ministério da Ciên- do óleo pela ocorrência de polime- óleos vegetais, gorduras animais e
cia e Tecnologia, 2002; U.S. rização (no caso de óleos poli-insa- óleos utilizados para cocção de ali-
Department of Energy, 1998). Den- turados) e a atomização ineficiente mentos (fritura). Quimicamente, é
tre as fontes de biomassa pronta- e/ou entupimento dos sistemas de definido como éster monoalquílico
mente disponíveis, os óleos vege- injeção (Peterson et al., 1983; Pryde, de ácidos graxos derivados de
tais têm sido largamente investiga- 1983; Ma e Hanna, 1999). lipídeos de ocorrência natural e
dos como candidatos a programas Para resolver as desconformi- pode ser produzido, juntamente com
de energia renovável, pois proporci- dades descritas acima, houve um a glicerina, através da reação de
onam uma geração descentralizada considerável investimento na adap- triacilgliceróis (ou triglicerídeos)
de energia e um apoio à agricultura tação dos motores para que o uso com etanol ou metanol, na presen-
familiar, criando melhores condi- de óleos vegetais in natura pudes- ça de um catalisador ácido ou bási-
ções de vida (infra-estrutura) em se ser viabilizado, particularmente co (Schuchardt et al., 1998; Zagonel
regiões carentes, valorizando po- na produção de energia elétrica em e Ramos, 2001; Ramos, 1999, 2003).
tencialidades regionais e oferecen- geradores movidos por motores es- Embora essa tenha sido a definição
do alternativas a problemas econô- tacionários de grande porte. Nesses mais amplamente aceita desde os
micos e sócio-ambientais de difícil casos, o regime de operação do primeiros trabalhos relacionados
solução. motor é constante e isso facilita o com o tema, alguns autores prefe-
A utilização de óleos vegetais in ajuste dos parâmetros para garantir rem generalizar o termo e associá-
natura como combustível alternati- uma combustão eficiente do óleo lo a qualquer tipo de ação que
vo tem sido alvo de diversos estudos vegetal, podendo ser utilizada, in- promova a substituição do diesel
nas últimas décadas (Nag et al., 1995; clusive, uma etapa de pré-aqueci- na matriz energética mundial, como
Piyaporn et al., 1996). No Brasil, já mento (pré-câmaras) para diminuir nos casos do uso de: (a) óleos
foram realizadas pesquisas com os a sua viscosidade e facilitar a inje- vegetais in natura, quer puros ou
óleos virgens de macaúba, pinhão- ção na câmara de combustão. No em mistura; (b) bioóleos, produzi-
manso, dendê, indaiá, buriti, pequi, entanto, para motores em que o dos pela conversão catalítica de
mamona, babaçu, cotieira, tingui e regime de funcionamento é variá- óleos vegetais (pirólise); e (c) mi-
pupunha (Barreto, 1982; Ministério vel (e.g., no setor de transportes), croemulsões, que envolvem a inje-
da Indústria e do Comércio, 1985; foi necessário desenvolver uma me- ção simultânea de dois ou mais
Serruya, 1991) e nos testes realizados todologia de transformação quími- combustíveis, geralmente
com esses óleos em caminhões e ca do óleo para que suas proprieda- imiscíveis, na câmara de combus-
máquinas agrícolas, foi ultrapassada des se tornassem mais adequadas tão de motores do ciclo diesel (Ma
a meta de um milhão de quilômetros ao seu uso como combustível. As- e Hanna, 1999). Portanto, é impor-
rodados (Ministério da Indústria e do sim, em meados da década de 70, tante frisar que, para os objetivos
Comércio, 1985). No entanto, esses surgiram as primeiras propostas de deste artigo, biodiesel é tão-somente
estudos demonstraram a existência modificação de óleos vegetais atra- definido como o produto da tran-
de algumas desvantagens no uso di- vés da reação de transesterificação sesterificação de óleos vegetais que
reto de óleos virgens: (a) a ocorrên- (Figura 1), cujos objetivos eram os atende aos parâmetros fixados pe-
cia de excessivos depósitos de carbo- de melhorar a sua qualidade de las normas ASTM D6751 (American
no no motor; (b) a obstrução nos ignição, reduzir o seu ponto de Standard Testing Methods, 2003) e
filtros de óleo e bicos injetores; (c) a
diluição parcial do combustível no
lubrificante; (d) o comprometimento
da durabilidade do motor; e (e) um
aumento considerável em seus cus-
tos de manutenção. Figura 1. Reação de transesterificação de óleos vegetais e/ou gorduras animais.

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 29


DIN 14214 (Deutsches Institut für proporcionará maiores expectati- balho com vistas à utilizar óleos ve-
Normung, 2003), ou pela Portaria vas de vida à população e, como getais transesterificados na matriz
no 255 da ANP (Agência Nacional conseqüência, um declínio nos gas- energética nacional. Esse trabalho foi
do Petróleo, 2003) que, apesar de tos com saúde pública, possibili- recentemente materializado na for-
provisória, já estabelece as especi- tando o redirecionamento de ver- ma de um programa nacional,
ficações que serão exigidas para bas para outros setores, como edu- intitulado PROBIODIESEL (Portaria
que esse produto seja aceito no cação e previdência. Cabe aqui ain- no. 702 do MCT, de 30 de outubro de
mercado brasileiro. A grande com- da ressaltar que a adição de biodiesel 2002), cujo lançamento solene foi
patibilidade do biodiesel com o ao petrodiesel, em termos gerais, realizado em Curitiba durante a ceri-
diesel convencional o caracteriza melhora as características do com- mônia de abertura do Seminário In-
como uma alternativa capaz de aten- bustível fóssil, pois possibilita a ternacional de Biodiesel (24 a 26 de
der à maior parte da frota de veícu- redução dos níveis de ruído e me- outubro, Blue Tree Towers Hotel).
los a diesel já existente no merca- lhora a eficiência da combustão Naquela mesma ocasião, foi também
do, sem qualquer necessidade de pelo aumento do número de cetano divulgada a criação do CERBIO, Cen-
investimentos tecnológicos no de- (Gallo, 2003). tro Nacional de Referência em Bio-
senvolvimento dos motores. Por Em diversos países, o biodiesel combustíveis, nas dependências do
outro lado, o uso de outros com- já é uma realidade. Na Alemanha, Tecpar, em Curitiba. A missão do
bustíveis limpos, como o óleo in por exemplo, existe uma frota signi- CERBIO será a de desenvolver o
natura, as microemulsões, o gás ficativa de veículos leves, coletivos conceito de biocombustíveis em sua
natural ou o biogás requerem uma e de carga, que utilizam biodiesel plenitude, desde a certificação de
adaptação considerável para que o derivado de plantações específicas produtos até o desenvolvimento tec-
desempenho exigido pelos moto- para fins energéticos e distribuído nológico de novas rotas que contri-
res seja mantido (Laurindo, 2003). por mais de 1.000 postos de abaste- buam para o aumento da viabilidade
Do ponto de vista econômico, a cimento. Outros países também têm e competitividade técnica do biodiesel
viabilidade do biodiesel está relacio- desenvolvido os seus programas na- nacional.
nada com o estabelecimento de um cionais de biodiesel e, como conse- Ao longo dos últimos anos, o
equilíbrio favorável na balança co- qüência, o consumo europeu de bi- PROBIODIESEL vem se desenvol-
mercial brasileira, visto que o diesel odiesel aumentou em 200.000 ton. vendo por meio de ações integradas
é o derivado de petróleo mais consu- entre os anos de 1998 e 2000. Já nos entre instituições de tecnologia, en-
mido no Brasil, e que uma fração Estados Unidos, leis aprovadas nos sino e pesquisa, e empresas e asso-
crescente desse produto vem sendo estados de Minnesotta e na Carolina ciações direta ou indiretamente liga-
importada anualmente (Nogueira e do Norte determinaram que, a partir das ao tema, sob a forma de grupos
Pikman, 2002). de 1º/1/2002, todo o diesel consu- de trabalho que integram a chamada
Em termos ambientais, a ado- mido deveria ter a incorporação de, Rede Brasileira de Biodiesel. Esse
ção do biodiesel, mesmo que de pelo menos, 2% de biodiesel em programa tem como principal obje-
forma progressiva, ou seja, em adi- base volumétrica. tivo promover o desenvolvimento
ções de 2% a 5% no diesel de No Brasil, desde as iniciativas das tecnologias de produção e ava-
petróleo (Ministério da Ciência e realizadas na década de 80, pouco se liar a viabilidade e a competitividade
Tecnologia, 2002), resultará em uma investiu nesse importante setor da técnica, sócio-ambiental e econômi-
redução significativa no padrão de economia, mas a reincidência de tur- ca do biodiesel para os mercados
emissões de materiais particulados, bulências no mercado internacional interno e externo, bem como de sua
óxidos de enxofre e gases que con- do petróleo, aliada às pressões que o produção e distribuição espacial nas
tribuem para o efeito estufa setor automotivo vem sofrendo dos diferentes regiões do país (Andrade,
(Mittelbach et al., 1985). Sendo as- órgãos ambientais, fez com que o 2003; Ministério da Ciência e Tecno-
sim, sua difusão, em longo prazo, Governo atual iniciasse um novo tra- logia, 2002).

Tabela 1. Número de iodo e composição química em ácidos graxos de alguns dos principais óleos vegetais
e gorduras animais disponíveis para a produção de biodiesel (adaptado de Alsberg e Taylor, 1928).
Número Principais Ácidos Graxos
Fonte
de I odo Láurico Mirístico Palmítico Esteárico Oléico Linoléico Linolênico
Sebo bovino 38-46 - 2,0 29,0 24,5 44,5 - -
Banha (suínos) 46-70 - - 24,6 15,0 50,4 10,0 -
Côco 8,10 45,0 20,0 5,0 3,0 6,0 - -
Oliva 79-88 - - 14,6 - 75,4 10,0 -
Amendoin 83-100 - - 8,5 6,0 51,6 26,0 -
Algodão 108-110 - - 23,4 - 31,6 45,0 -
Milho 111-130 - - 6,0 2,0 44,0 48,0 -
Flax 173-201 - 3,0 6,0 - - 74,0 17,0
Soja 137-143 - - 11,0 2,0 20,0 64,0 3,0

30 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


4 - Principais matérias- dos oficiais da Embrapa (Peres e deia produtiva da cana (Campos,
primas para a produção de Junior, 2003), o Brasil apresenta 2003). Nesse contexto, o Brasil se
biodiesel um potencial de 90 milhões de encontra em uma condição que país
hectares disponíveis, em áreas de- algum jamais esteve na história do
De uma forma geral, pode-se gradadas e/ou não exploradas, para mundo globalizado. Com a eviden-
afirmar que monoalquil-ésteres de a expansão da atual fronteira agrí- te decadência das fontes fósseis,
ácidos graxos podem ser produzi- cola. Considerando-se apenas a uti- nenhuma outra região tropical tem
dos a partir de qualquer tipo de lização da soja como matéria-pri- porte e condições tão favoráveis
óleo vegetal (Tabela 1), mas nem ma para a produção de biodiesel, para assumir a posição de um dos
todo óleo vegetal pode (ou deve) serão necessários apenas 3 milhões principais fornecedores de biocom-
ser utilizado como matéria-prima de hectares, ou 1,8 bilhões de li- bustíveis e tecnologias limpas para
para a produção de biodiesel. Isso tros de óleo, para a implementa- o século XXI (Vidal, 2000).
porque alguns óleos vegetais apre- ção do B5 (mistura composta de
sentam propriedades não ideais, 5% de biodiesel e 95% do petrodi- 5 - O processo de produção
como alta viscosidade ou alto nú- esel), o que culminaria na geração de biodiesel por catálise
mero de iodo, que são transferidas de cerca de 234 mil empregos dire- homogênea em meio
para o biocombustível e que o tor- tos e indiretos. alcalino
nam inadequado para uso direto Além da soja, várias outras olea-
em motores do ciclo diesel. Portan- ginosas (e.g., Tabela 1), que ainda A transesterificação de óleos ve-
to, a viabilidade de cada matéria- se encontram em fase de avaliação getais ou gordura animal, também
prima dependerá de suas respecti- e desenvolvimento de suas cadeias denominada de alcoólise, pode ser
vas competitividades técnica, eco- produtivas, podem ser empregadas conduzida por uma variedade de ro-
nômica e sócio-ambiental, e pas- para a produção do biodiesel (Pa- tas tecnológicas em que diferentes
sam, inclusive, por importantes as- rente, 2003). A região norte, por tipos de catalisadores podem ser em-
pectos agronômicos, tais como: (a) exemplo, apresenta potencial para pregados, como bases inorgânicas
o teor em óleos vegetais; (b) a uso de dendê, babaçu e soja; a (hidróxidos de sódio e potássio e
produtividade por unidade de área; região nordeste, de babaçu, soja, bases de Lewis), ácidos minerais (áci-
(c) o equilíbrio agronômico e de- mamona, dendê, algodão e coco; a do sulfúrico), resinas de troca iônica
mais aspectos relacionados com o região centro-oeste, de soja, (resinas catiônicas fortemente ácidas),
ciclo de vida da planta; (d) a aten- mamona, algodão, girassol, dendê argilominerais ativados, hidróxidos
ção a diferentes sistemas produti- e gordura animal; a região sul, de duplos lamelares, superácidos,
vos; (e) o ciclo da planta (sazonali- soja, colza, girassol e algodão; e a superbases e enzimas lipolíticas
dade); e (f) sua adaptação territorial, região sudeste, de soja, mamona, (lipases) (Schuchardt et al., 1998; Ra-
que deve ser tão ampla quanto algodão e girassol (Campos, 2003; mos, 2003). Não há dúvidas de que
possível, atendendo a diferentes Peres e Junior, 2003). Várias dessas algumas dessas rotas tecnológicas,
condições edafoclimáticas (Ramos, oleaginosas já tiveram as suas res- particularmente aquelas que empre-
1999, 2003). pectivas competitividades técnica e gam catalisadores heterogêneos, apre-
Dada a grandeza do agrone- sócio-ambiental demonstradas para sentam vantagens interessantes como
gócio da soja no mercado brasilei- a produção de biodiesel, restando, a obtenção de uma fração glicerínica
ro, é relativamente fácil e imediado na maioria dos casos, um estudo mais pura, que não exija grandes
reconhecer que essa oleaginosa agronômico mais aprofundado que investimentos de capital para atingir
apresenta o maior potencial para ratifique os estudos de viabilidade. um bom padrão de mercado. Porém,
servir de modelo para o desenvol- Deve-se ainda destacar que a é também correta a afirmação de que
vimento de um programa nacional inserção do biodiesel na matriz ener- a catálise homogênea em meio alcali-
de biodiesel. Apenas como exem- gética nacional representa um po- no ainda prevalece como a opção
plo, dados divulgados pela Abiove deroso elemento de sinergia para mais imediata e economicamente viá-
(Associação Brasileira dos Produ- com o agronegócio da cana, cujo vel para a transesterificação de óleos
tores de Óleos Vegetais) demons- efeito será extremamente benéfico vegetais (Zagonel e Ramos, 2001; Ra-
tram que o setor produtivo da soja para a economia nacional (Ramos, mos, 2003). Um fluxograma simplifi-
já está preparado para atender à 1999, 2003). A produção de etanol cado do processo de produção de
demanda nacional de misturar até é expressiva em, praticamente, to- biodiesel, utilizando a transesterifica-
5% de biodiesel no diesel de petró- das as regiões do país, e o novo ção etílica em meio alcalino como
leo, sendo que proporções superi- programa somente terá a contribuir modelo, encontra-se apresentado na
ores a esta mereceriam uma nova para o aumento da competitividade Figura 2.
avaliação para que não haja dúvi- do setor, valendo-se, inclusive, da Seja qual for a rota tecnológica
das quanto ao abastecimento de rede de distribuição já existente e escolhida, a transesterificação de
óleo a esse novo setor da econo- do excelente desempenho das tec- óleos vegetais corresponde a uma
mia. Por outro lado, segundo da- nologias desenvolvidas para a ca- reação reversível, cuja cinética é

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 31


utilizada em cada região é diferente e
isso implica na necessidade de estu-
dos localizados, que permitam uma
otimização realística ligada a avalia-
ções confiáveis de toda a cadeia pro-
dutiva; e (b) as condições utilizadas
para a reação de metanólise não po-
dem ser transferidas para situações
em que outros álcoois, como o etanol,
sirvam de modelo. Com efeito, a tran-
sesterificação com metanol é tecnica-
mente mais viável do que a com
etanol comercial, porque a água exis-
tente no etanol (4%-6%) retarda a
reação. O uso de etanol anidro efeti-
vamente minimiza esse inconvenien-
te (Figura 2), embora não implique
solução para o problema inerente à
separação da glicerina do meio de
reação que, no caso da síntese do
éster metílico, é indiscutivelmente
muito mais facilitada (Freedman et al.,
1986; Schuchardt et al., 1998; Ramos,
1999). No entanto, basta um ajuste nas
condições de reação para que a sepa-
ração de fases aconteça espontanea-
mente, sendo que a eficiência do
processo de decantação (da fração
glicerínica) pode ser acelerada pelo
uso de centrífugas contínuas, auxilia-
das ou não pela adição de compostos
tensoativos (Ramos, 2003).
O processo de produção de bi-
odiesel deve reduzir ao máximo a
presença de contaminações no pro-
Figura 2. Fluxograma simplificado de produção de ésteres etílicos a partir de óleos
vegetais e gordura animal. duto, como glicerina livre e ligada,
sabões ou água (Figura 2). No caso
regida pelo princípio enunciado em à condução da reação em duas eta- da glicerina, reações de desidrata-
1888 pelo químico francês Henry- pas seqüenciais, que garantam ta- ção que ocorrem durante a combus-
Louis Le Chatelier (1850-1936) (Fi- xas de conversão superiores a 98%. tão podem gerar acroleína, um
gura 1). Portanto, o rendimento da Por outro lado, a eliminação de poluente atmosférico muito perigo-
reação dependerá do deslocamen- sabões, catalisador residual e so, que pode, devido a sua
to do equilíbrio químico em favor glicerol livre somente é possível reatividade, envolver-se em reações
dos ésteres, através da otimização através de etapas eficientes de la- de condensação, que acarretam um
de fatores, tais como a temperatura vagem. aumento na ocorrência de depósitos
de reação, a concentração e caráter De acordo com a literatura, a de carbono no motor (Mittelbach et
ácido-base do catalisador, bem reação de obtenção do éster metílico al., 1985). Sabões e ácidos graxos
como o excesso estequiométrico exige um excesso estequiométrico de livres acarretam a degradação de
do agente de transesterificação (ál- metanol igual a 100% (razão molar componentes do motor, e a umida-
cool). Porém, conversões totais se- álcool:óleo de 6:1), e uma quantidade de, desde que acima de um limite
rão literalmente impraticáveis em de catalisador alcalino equivalente a tolerável, pode interferir na acidez
uma única etapa reacional, pois, 0,5% a 1,0% em relação à massa de do éster por motivar a sua hidrólise
além de reversível, tem-se a ocor- óleo, para que sejam obtidos rendi- sob condições não ideais de estoca-
rência de reações secundárias como mentos superiores a 95% (Freedman gem. Por essas e outras razões, é
a saponificação. Para limitar a pre- et al., 1986). No entanto, duas obser- imprescindível que sejam definidas
sença de triacilgliceróis não reagi- vações limitam a simples aplicação de especificações rígidas para o biodi-
dos além dos limites tolerados pelo uma recomendação como esta: (a) esel, de forma que o sucesso do
motor, muitos processos recorrem primeiramente, a matéria-prima a ser programa não venha a ser compro-

32 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


metido por ocorrências associadas na geração de energia elétrica em a viabilidade do processo (Alsberg
ao mau controle de qualidade do grupo-geradores), talvez fosse ade- e Taylor, 1928). Oleaginosas de
produto. quada (e possível) a flexibilização baixo teor de óleo, como a soja,
Independentemente da rota das especificações com vistas a uma exigem procedimentos de extração
tecnológica, a aceitação do biodie- maior inserção das diferentes olea- caros e relativamente complexos
sel no mercado precisa ser assegu- ginosas que compõem o conjunto que praticamente restringem a via-
rada e, para isso, é indispensável de alternativas regionais de nosso bilidade dessa matéria-prima àque-
que esse produto esteja dentro das território. Essa flexibilização esta- las regiões em que já exista uma
especificações internacionalmente ria, portanto, restrita somente ao razoável capacidade instalada para
aceitas para o seu uso. No Brasil, uso do biodiesel em misturas, va- o esmagamento de grãos. Porém,
esses parâmetros de qualidade en- lendo-se do fator de diluição que a oleaginosas de maior teor em óleos
contram-se pré-fixados pela Porta- razão volumétrica definida pela vegetais, cujos processos de extra-
ria n o. 255 da ANP, cuja proposta foi mistura proporciona (Ramos, 2003). ção sejam mais simplificados, cer-
baseada em normas já existentes na Vale ressaltar que a adição de um tamente apresentarão melhor com-
Alemanha (DIN) e nos Estados Uni- biodiesel de qualidade ao diesel, petitividade econômica por não exi-
dos (ASTM). Tais características e/ até um limite de 20% (B20), não girem a instalação de operações
ou propriedades, determinantes dos modifica drasticamente as suas pro- unitárias complexas para esse obje-
padrões de identidade e qualidade priedades e não o desqualifica pe- tivo. Por outro lado, a qualidade do
do biodiesel, incluem ponto de ful- rante a Portaria no. 310 da ANP, cujo óleo poderá exigir uma etapa de
gor, teor de água e sedimentos, conteúdo estabelece as especifica- refino para que também a qualida-
viscosidade, cinzas, teor de enxo- ções para comercialização de óleo de no produto final seja garantida.
fre, corrosividade ao cobre, núme- diesel automotivo em todo o terri- Esse é certamente o caso da soja,
ro de cetano, ponto de névoa, resí- tório nacional. Obviamente, tal hi- que depende do refino para reduzir
duo de carbono, número de acidez, pótese precisa ser estudada em to- a presença de gomas e fosfolipíde-
curva de destilação (ou a tempera- das as suas implicações, pois preci- os no biodiesel. Mais uma vez, é
tura necessária para a recuperação sam ser dadas garantias para que a provável que essa observação te-
de 90% do destilado), estabilidade credibilidade do programa não so- nha pouco significado para regiões
à oxidação, teor de glicerina livre e fra o impacto de serem considera- onde a agroindústria da soja esteja
total, cor e aspecto (Agência Naci- das experiências mal sucedidas verticalizada ao óleo refinado, mas,
onal do Petróleo, 2003). Dentre possíveis falhas no funcionamento onde não haja esse potencial
esses parâmetros, alguns têm mere- do motor e o subseqüente aumento agroindustrial, seria desejável que
cido críticas da comunidade cientí- nos seus custos de manutenção. as matérias-primas selecionadas
fica por não apresentarem aplica- Da mesma forma como foram para a produção não apresentas-
ção direta ao biodiesel, como o definidos alguns aspectos agronô- sem tal limitação e pudessem sofrer
índice de corrosividade ao cobre e micos essenciais para que um deter- a alcoólise sem exigir a implanta-
a curva de destilação. Por essa ra- minado óleo vegetal apresente com- ção de uma unidade de refino. Há
zão, a especificação definida pela petitividade como matéria-prima evidências de que alguns óleos ve-
portaria é ainda provisional e pode- para a produção de biodiesel, im- getais podem oferecer essa vanta-
rá ser modificada em função de portantes aspectos tecnológicos tam- gem, como os de girassol e de
novas argumentações e dados ex- bém precisam ser atendidos e estes várias espécies de palmáceas (óle-
perimentais gerados pela comuni- estão relacionados: (a) à complexi- os laurílicos).
dade científica. dade exigida para o processo de O tipo e o teor de ácidos graxos
Um aspecto extremamente im- extração e tratamento do óleo; (b) à presentes no óleo vegetal (Tabela
portante da Portaria no 255 da ANP presença de componentes indesejá- 1) têm um efeito marcante sobre a
está relacionado com as limitações veis no óleo, como é o caso dos estabilidade do biodiesel diante do
que oferece para o aproveitamento fosfolipídeos presentes no óleo de armazenamento e da oxidação. Por
de todos os óleos vegetais que se soja; (c) ao teor de ácidos graxos exemplo, quedas bruscas na tem-
encontram disponíveis no território poli-insaturados; (d) ao tipo e teor peratura ambiente promovem o au-
nacional. No entanto, é importante de ácidos graxos saturados; e (e) ao mento da viscosidade e a cristaliza-
esclarecer que a especificação defi- valor agregado dos co-produtos, ção de ésteres graxos saturados
ne a qualidade do produto a ser como hormônios vegetais, vitami- que, eventualmente, podem causar
utilizado puro, ou seja, sem a sua nas, anti-oxidantes, proteína e fibras o entupimento de filtros de óleo e
diluição com diesel de petróleo. de alto valor comercial. sistemas de injeção. A tendência à
Por outro lado, se a concepção do Diferentes oleaginosas apre- “solidificação” do combustível é
programa nacional é a de facultar o sentam diferentes teores em óleos medida através dos pontos de né-
uso de misturas dos tipos de B2 a vegetais (Tabela 1) e a complexida- voa e de fluidez (ou de entupimen-
B20, restringindo o uso de B100 de exigida para a extração do óleo to), que devem ser tanto mais baixo
apenas a situações especiais (como pode contribuir negativamente para quanto possível. Abaixamentos no

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ponto de fluidez, muitas vezes mo- nio molecular. Todo esse processo esse valor constitui um dos parâme-
tivados pela aditivação de inibido- é geralmente resumido em três eta- tros de identidade dos óleos vege-
res de cristalização (Stournas et pas, denominadas de iniciação, pro- tais. Sendo assim, diferentes tipos
al., 1995; Ramos, 2003), represen- pagação e finalização. O processo de biodiesel apresentam números
tam menores restrições do biocom- de polimerização pode ser iniciado de iodo semelhantes aos dos trigli-
bustível à variações de temperatu- por traços de metais, calor (termó- cerídeos de origem. No entanto,
ra, evitando problemas de estoca- lise), luz (fotólise) ou radicais deve-se salientar que, quando o
gem e de utilização em regiões hidroxila e hidroperoxila, gerados objetivo é avaliar a estabilidade à
mais frias. Obviamente, esse pro- pela cisão homolítica de moléculas oxidação de um dado óleo, as infor-
blema não é exclusivo do biodiesel, de água expostas à radiação mações obtidas através desse mé-
pois o diesel de petróleo contém (Kumarathasan et al., 1992). todo não são adequadas, pois o
parafinas que apresentam tipica- Os peróxidos e hidroperóxi- número de iodo não discrimina que
mente o mesmo comportamento. dos produzidos através da reação compostos estão contribuindo para
A formação de depósitos por de auto-oxidação podem se poli- o valor encontrado. Desse modo,
precipitação também ocorre em fun- merizar com outros radicais e pro- há óleos diferentes com números
ção do envelhecimento e/ou oxida- duzir moléculas de elevada massa de iodo semelhantes, porém, com
ção do biodiesel. Testes realizados molar, sedimentos insolúveis, go- estabilidades à oxidação considera-
pela Bosch (Dabague, 2003), em mas e, em alguns casos, pode que- velmente distintas. Para se inferir
parceria com a ANFAVEA (Associa- brar a cadeia do ácido graxo oxida- previsões acerca da estabilidade à
ção Nacional dos Fabricantes de do, produzindo ácidos de cadeias oxidação de um dado óleo é, por-
Veículos Automotores), AEA (Asso- menores e aldeídos (Prankl e tanto, necessário que se conheça a
ciação Brasileira de Engenharia Schindlbauer, 1998). Estudos ante- sua composição percentual em áci-
Automotiva) e Sindipeças (Sindica- riores (Clark et al., 1984; Tao, 1995; dos graxos, o que só é possível
to Nacional da Indústria de Compo- System Lab Services, 1997) consta- através do emprego de métodos
nentes para Veículos Automotores), taram que a formação desses ácidos cromatográficos de análise.
constataram que a degradação pode estar ligada à corrosão do Somente através do conheci-
oxidativa do biodiesel gera resinifi- sistema combustível dos motores mento pleno das propriedades que
cação que, por aderência, constitui porque, devido à alta instabilidade determinam os padrões de identi-
uma das principais causas da for- dos hidroperóxidos, eles apresen- dade e a qualidade do biodiesel é
mação de depósitos nos equipa- tam forte tendência a atacar que será possível estabelecer pa-
mentos de injeção. Em decorrência elastômeros. râmetros de controle que garanti-
desse fenômeno, foi também ob- A maioria dos trabalhos até en- rão a qualidade do produto a ser
servada uma queda no desempe- tão realizados sobre a estabilidade incorporado na matriz energética
nho, aumento da susceptibilidade à diante da oxidação do biodiesel re- nacional.
corrosão e diminuição da vida útil ferem-se ao estudo de ésteres
dos motores. metílicos (Prankl e Schindlbauer, 6 - Aspectos ambientais
O ranço oxidativo está direta- 1998; Ishido et al., 2001; Pedersen e relacionados com o uso do
mente relacionado com a presença Ingermarsson, 1999), visto que a biodiesel
de ésteres monoalquílicos insatura- maioria dos países que instituíram o
dos. Trata-se da reação do oxigênio uso desse biocombustível não apre- Sabe-se que o aumento na con-
atmosférico com as duplas ligações senta disponibilidade nem infra-es- centração dos gases causadores do
desses ésteres, cuja reatividade au- trutura para produzir etanol como o efeito estufa, como o dióxido de
menta com o aumento do número Brasil. Esses trabalhos têm confir- carbono (CO2) e o metano (CH4), tem
de insaturações na cadeia (Moretto mado que, de um modo geral, o acarretado sérias mudanças climáti-
e Fett, 1989). Assim, por ser relati- biodiesel de natureza metílica se cas no planeta. Efeitos como o au-
vamente insaturado, o biodiesel de- oxida após curtos períodos de esto- mento da temperatura média global,
rivado do óleo de soja é muito cagem, e que sua inércia química as alterações no perfil das precipita-
susceptível à oxidação. Os ácidos está diretamente relacionada com ções pluviométricas e a elevação do
linoleico e linolênico, que, juntos, os óleos vegetais empregados na nível dos oceanos poderão ser catas-
correspondem a mais de 61% da sua produção (Prankl e Schindlbauer, tróficos frente à contínua tendência
composição desse óleo, apresen- 1998). de aumento da população mundial
tam, respectivamente, duas e três Um dos meios mais comumente (Peterson e Hustrulid, 1998; Shay,
duplas ligações, que podem reagir utilizados para se inferir sobre a 1993). Nesse sentido, a inserção de
facilmente com o oxigênio. susceptibilidade de um determina- combustíveis renováveis em nossa
A oxidação de óleos insatura- do óleo à oxidação é a avaliação de matriz energética precisa ser incenti-
dos representa um processo relati- seu número de iodo. O número de vada para frear as emissões causadas
vamente complexo que envolve re- iodo revela o número de insatura- pelo uso continuado de combustí-
ações entre radicais livres e oxigê- ções de uma determinada amostra e veis fósseis.

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Vários estudos têm demonstra- Outro aspecto de interesse am- Isso significa que a prática adotada no
do que a substituição do diesel de biental está relacionado com as emis- Brasil, isto é, a utilização do etanol,
petróleo por óleos vegetais transes- sões de compostos sulfurados. Sabe- derivado de biomassa, torna o biodi-
terificados reduziria a quantidade se que a redução do teor de enxofre esel um produto que pode ser consi-
de CO2 introduzida na atmosfera. A no diesel comercial também reduz a derado como verdadeiramente
redução não se daria exatamente na viscosidade do produto a níveis não renovável (Zagonel, 2000). Assim, por
proporção de 1:1, pois cada litro de compatíveis com a sua especificação envolver a participação de vários seg-
biodiesel libera cerca de 1,1 a 1,2 e que, para corrigir esse problema, mentos da sociedade, tais como as
vezes a quantidade de CO2 liberada faz-se necessária a incorporação de cadeias produtivas do etanol e das
na atmosfera por um litro de diesel aditivos com poder lubrificante. Con- oleaginosas, a implementação do bio-
convencional. Todavia, diferente- sumada a obrigatoriedade na redu- diesel de natureza etílica no mercado
mente do combustível fóssil, o CO2 ção dos níveis de emissão de com- nacional abre oportunidades para gran-
proveniente do biodiesel é reciclado postos sulfurados a partir da combus- des benefícios sociais decorrentes do
nas áreas agricultáveis, que geram tão do diesel, a adição de biodiesel alto índice de geração de empregos,
uma nova partida de óleo vegetal em níveis de até 5% (B5) corrigirá culminando com a valorização do cam-
para um novo ciclo de produção. esta deficiência viscosimétrica, que po e a promoção do trabalhador rural.
Isso acaba proporcionando um ba- confere à mistura propriedades lubri- Além disso, há ainda as demandas por
lanço muito mais equilibrado entre a ficantes vantajosas para o motor. mão-de-obra qualificada para o pro-
massa de carbono fixada e aquela Trabalhos já desenvolvidos no cessamento dos óleos vegetais, per-
presente na atmosfera que, por sua Brasil na década de 80, quando mitindo a integração, quando neces-
vez, atua no chamado efeito estufa. foram utilizados vários óleos vege- sária, entre os pequenos produtores e
Portanto, uma redução real no tais transesterificados, também de- as grandes empresas (Campos, 2003).
acúmulo de CO2 somente será pos- monstraram bons resultados quan-
sível com a diminuição do uso de do utilizados em motores de cami- 5 - Conclusão
derivados do petróleo. Para cada nhões e tratores, tanto puros quan-
quilograma de diesel não usado, um to em misturas do tipo B30 (Minis- A intensidade com que o tema
equivalente a 3,11 kg de CO2, mais tério da Indústria e do Comércio, biodiesel tem sido abordado em reu-
um adicional de 15% a 20%, referen- 1985). Mais recentemente, foram niões políticas, científicas e tecnoló-
te à sua energia de produção, deixa- realizados testes no transporte ur- gicas tem dado testemunho do inte-
rá de ser lançado na atmosfera. Foi bano da cidade de Curitiba com resse com que a sociedade e o setor
também estimado que a redução ésteres metílicos de óleo de soja produtivo vem encarando essa nova
máxima na produção de CO2, devi- (Laurindo, 2003). Cerca de 80 mil oportunidade de negócios para o
do ao uso global de biodiesel, será litros de biodiesel foram cedidos país. Com efeito, diante de tantos
de, aproximadamente, 113-136 bi- pela American Soybean Association benefícios, como a criação de novos
lhões de kg por ano (Peterson e (EUA) e testados na forma da mis- empregos no setor agroindustrial, a
Hustrulid, 1998). tura B20, apresentando resultados geração de renda, o fomento ao
A utilização de biodiesel no bastante satisfatórios em relação ao cooperativismo, a perspectiva de
transporte rodoviário e urbano ofe- controle. Os testes foram realiza- contribuição ao equilíbrio de nossa
rece grandes vantagens para o meio dos em 20 ônibus de diferentes balança comercial e pelos compro-
ambiente, tendo em vista que a marcas durante três meses conse- vados benefícios ao meio ambiente,
emissão de poluentes é menor que a cutivos, no primeiro semestre de pode-se dizer que o biodiesel tem
do diesel de petróleo (Masjuk e 1998; ao final dos trabalhos, os potencial para constituir um dos prin-
Sapuan, 1995; Clark et al., 1984). resultados obtidos mostraram uma cipais programas sociais do governo
Chang et al. (1996) demonstraram redução média da fumaça emitida brasileiro, representando fator de
que as emissões de monóxido e pelos veículos de, no mínimo, 35% distribuição de renda, inclusão soci-
dióxido de carbono e material (Laurindo e Bussyguin, 1999). al e apoio à agricultura familiar. No
particulado foram inferiores às do O caráter renovável do biodiesel entanto, neste momento em que as
diesel convencional, enquanto que está apoiado no fato de as matérias- bases do programa nacional estão
os níveis de emissões de gases nitro- primas utilizadas para a sua produção sendo ainda definidas, o desenvol-
genados (NOx) foram ligeiramente serem oriundas de fontes renováveis, vimento de projetos de cunho cien-
maiores para o biodiesel. Por outro isto é, de derivados de práticas agríco- tífico e tecnológico, que possam
lado, a ausência total de enxofre las, ao contrário dos derivados de oferecer maior segurança aos nos-
confere ao biodiesel uma grande petróleo. Uma exceção a essa regra sos tomadores de decisão, é, no
vantagem, pois não há qualquer diz respeito à utilização do metanol, mínino, estrategicamente imprescin-
emissão dos gases sulfurados (e.g., derivado de petróleo, como agente dível ao país.
mercaptanas, dióxido de enxofre) transesterificante, sendo esta a maté- No que diz respeito à evolução
normalmente detectados no escape ria-prima mais abundantemente utili- do programa nacional de biocom-
dos motores movidos a diesel. zada na Europa e nos Estados Unidos. bustíveis, algumas ações governa-

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 35


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Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 37


Biofertilizantes
Pesquisa Líquidos
Processo trofobiótico para proteção de plantas em cultivos orgânicos

Marcos Barros de Medeiros 1 - Introdução tância agrícola e 198 de importância


Doutor em Entomologia - ESALQ/USP
Professor Adjunto Centro de Formação de
médico-veterinária (Georghiou &
Tecnólogos / UFPB - Campus de Bananeiras. Nos países desenvolvidos e em Lagunes-Tejeda, 1991).
barros@iwpb.com.br; vários outros em desenvolvimento, Uma nova teoria, hoje ampla-
ciagra@cft.ufpb.br
como o Brasil, os organoclorados fo- mente difundida, converge ao expli-
Paulo Alves Wanderley
ram proibidos para o uso agrícola. car que, além destes fatores, estes
Doutor em Agronomia - FCAV/UNESP, Porém, essa foi apenas uma medida desequilíbrios também estão forte-
Professor nível E do Centro de Formação de isolada, uma vez que tais produtos mente associados ao estado de
Tecnólogos / UFPB - Campus de Bananeiras
circulam hoje por toda a biosfera proteólise dominante nos tecidos da
(Paschoal, 1995). O uso de produtos planta. Estudos comprovam que pro-
Maria José Araújo Wanderley
Doutora em Agronomia - FCAV/UNESP, químicos sem a observação da com- dutos químicos sintéticos, tais como
Bolsista de Desenvolvimento Científico Regional plexidade de fatores que interagem agrotóxicos e fertilizantes minerais
CNPq, UFPB Departamento de Ciências Básicas e
Sociais, Campus de Bananeiras
nos agroecossistemas tem sido a mai- solúveis, contêm substâncias que in-
or causa de desequilíbrio nesses siste- terferem na proteossíntese, provocam
Ilustrações cedidas pelos autores mas, tais como o desenvolvimento de o acúmulo de aminoácidos livres e
resistência ao pesticida, ressurgimen- açúcares redutores nos tecidos da plan-
to e desencadeamento de pragas se- ta, reduzindo sua resistência às pragas
cundárias e quebra de cadeias alimen- e doenças (Alves et al., 2001;
tares a partir da eliminação de seus Chaboussou, 1999; Tokeshi, 2002).
inimigos naturais (parasitóides e pre- Segundo Primavesi (1998), três
dadores) (Medeiros, 1998). condições são necessárias para que
Até 1945 os ácaros fitófagos eram uma planta seja atacada por pragas e
tidos como pragas secundárias da doenças: 1) a planta deve ser defici-
agricultura. No entanto, o desenvol- entemente nutrida, oferecendo algu-
vimento destas espécies nocivas vem ma substância utilizável para o agen-
atingindo, cada vez mais, uma eleva- te; 2) o agente possa se multiplicar
da significação econômica, ao mes- livremente sem controle biológico, o
mo tempo em que sua lista não pára que ocorre mais facilmente em
de crescer. Antes de 1946, havia monoculturas; 3) o sistema de auto-
apenas 10 espécies de insetos e car- defesa da planta deve estar desequi-
rapatos resistentes, todas a produtos librado, em função da nutrição e do
inorgânicos minerais. Em 1969 a re- uso de agrotóxicos. Estes princípios
sistência foi confirmada para 424 es- convergem com os fundamentados
pécies, sendo 97 de importância por Francis Chaboussou, então dire-
médica ou veterinária e 127 de im- tor do “Institut National de la
portância agrícola e florestal e de Recherche Agronomique” (INRA) na
produtos armazenados (Paschoal, França, que em 1979 formulou a
1979; Chaboussou 1980). Na década Teoria da Trofobiose. Segundo essa
de 90, pelo menos 504 espécies de teoria, todo processo vital está na
insetos e ácaros foram dadas como dependência da satisfação das ne-
resistentes a pelo menos um pesticida. cessidades dos organismos vivos,
Destas, 23 espécies são benéficas e sejam eles vegetais ou animais. Des-
481 são nocivas, sendo 283 de impor- sa forma, a planta, ou mais precisa-

38 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


tação) ou afetando o seu desenvolvi-
mento e reprodução.

2 - Biofertilizantes líquidos
e sua aplicação na
proteção de plantas

Os biofertilizantes possuem com-


postos bioativos, resultantes da
biodigestão de compostos orgânicos
de origem animal e vegetal. Em seu
conteúdo são encontradas células vi-
vas ou latentes de microrganismos
de metabolismo aeróbico, anaeróbico
e fermentação (bactérias, leveduras,
Figura 01. Simulação da cinética de crescimento celular e da produção de metabólitos algas e fungos filamentosos) e tam-
ao longo da fermentação aeróbica do biofertilizante no processo de CLC. Metabólitos bém metabólitos e quelatos organo-
primários: (Etapas de anabolismo e catabolismo): Açúcares, aminoácidos, ácidos
graxos, proteínas, lipídeos, bases nitrogenadas (nucleotídeos e ácidos nucleicos),
minerais em soluto aquoso. Segundo
precursores moleculares etc. Metabólitos secundários: (Biossíntese de macro- Santos & Akiba (1996), os metabólitos
moléculas de elevado peso molecular): toxinas, antibióticos, fitoreguladores (IAA são compostos de proteínas, enzimas,
e giberelinas), ácidos graxos de cadeia longa, fosfolipídeos, polissacarídeos, terpenos antibióticos, vitaminas, toxinas,
fenóis, polifenois, citoquininas, etc. fenóis, ésteres e ácidos, inclusive de
ação fitohormonal produzidos e libe-
mente o órgão vegetal, será atacado et al., 2002) Os adubos minerais rados pelos microrganismos.
somente quando seu estado bioquí- solúveis, especialmente os nitroge- Na citricultura paulista, os bio-
mico, determinado pela natureza e nados, e os agrotóxicos orgânicos fertilizantes vêm sendo produzidos
pelo teor de substâncias nutritivas sintéticos, que quando absorvidos pelo método de compostagem líqui-
solúveis, corresponder às exigências pelas plantas e translocados em seu da contínua em “piscinas” escavadas
tróficas (de alimentação) da praga ou interior, são capazes de interferir no solo, revestidas de lona plástica
do patógeno em questão. com a fisiologia vegetal, reduzem a de polietileno, com capacidade de
Estudando-se a relação entre o proteossíntese, desencadeando pro- até 50 mil litros. No processo são
estado nutricional de plantas e sua cesso de acúmulo de aminoácidos utilizados água não clorada e o
resistência às doenças constatou-se livres e açúcares redutores, substân- inoculante à base de esterco fresco
que toda circunstância desfavorável cias prontamente utilizáveis pelas bovino, e posteriormente enriqueci-
ao crescimento celular tende a pro- pragas e agentes fitopatogênicos, o do com um composto orgânico nutri-
vocar um acúmulo de compostos que foi correlacionado positivamen- tivo. O Microgeo é um composto
solúveis não utilizados, como açú- te com o aumento populacional des- orgânico, com registro no Ministério
cares e aminoácidos, diminuindo a ses organismos (Chaboussou, 1985). da Agricultura e certificado pelo IBD,
resistência da planta ao ataque de Na agricultura orgânica o uso de preparado à base de diversas fontes
pragas e doenças (Dufrenoy, 1936). biofertilizantes líquidos, na forma de orgânicas e inorgânicas, sendo enri-
Comprovou-se mais tarde que a ação fermentados microbianos enriqueci- quecido com rochas moídas que con-
dos agrotóxicos na planta resulta na dos, têm sido um dos processos mais têm cerca de 48% de silicatos de
inibição da proteossíntese, resultan- empregados no manejo trofobiótico magnésio, cálcio, ferro e outros
do num aumento de ácaros, pulgões de pragas e doenças. Essa estratégia oligoelementos, fundamentais para
e lepidópteros e de doenças é baseada no equilíbrio nutricional estimulação do metabolismo primá-
(Chaboussou, 1999; Tokeshi, 2002). da planta (trofobiose), onde a resis- rio e secundário das plantas. Segun-
Espécies de pulgões, cochonilhas, tência é gerada pelo melhor equilí- do Alves et al. (2001) biofertilizantes
cigarrinhas, cigarras, tripes, outros brio energético e metabólico do ve- obtidos com o Microgeo vêm sendo
insetos sugadores e várias espécies getal (Chaboussou, 1985; Pinheiro & utilizados, em pulverização sobre as
de ácaros fitófagos, não são capazes Barreto, 1996). Os biofertilizantes fun- plantas, em mais de 8 milhões de pés
de desdobrar proteínas em aminoá- cionam como promotores de cresci- de laranja no estado de São Paulo.
cidos para serem posteriormente mento (equilíbrio nutricional) e como A potência biológica de um bio-
recombinados à conveniência de elicitores na indução de resistência fertilizante é expressa pela grande
cada um. Por isso, eles dependem sistêmica na planta. Além disso, aju- quantidade de microrganismos ali
de aminoácidos livres existentes na dam na proteção da planta contra o existentes, responsáveis pela libera-
seiva das plantas ou suco celular e ataque de doenças, por antibiose ção de metabólitos e antimetabólitos,
de microrganismos simbiontes (Bettiol et al, 1998) e contra o ataque entre eles vários antibióticos e
(Chaboussou, 1980; Panizzi & Parra, de pragas, por ação repelente, hormônios vegetais. Castro et al.
1991; Pinheiro & Barreto, 1996; Gallo fagodeterrente (inibidores de alimen- (1992) e Bettiol et al. (1998) isolaram

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 39


to direto e residual e também funcionou
de forma sistêmica na planta.
A ação antibiótica e indução de
resistência sistêmica da planta são
provavelmente os principais meca-
nismos de ação do biofertilizante
sobre a praga (D´Andréa & Medeiros,
2002). Os fenômenos podem estar
diretamente associados à complexa
e pouco conhecida composição quí-
mica e biológica dos biofertilizantes.
Compostos metabólitos (micro e
macromoléculas), tais como enzimas,
antibióticos, vitaminas, toxinas, fenóis
e outros voláteis, ésteres e ácidos,
inclusive de ação fitohormonal têm
sido identificados nos biofertilizan-
tes (Santos, 1992). Um composto
coloidal, de consistência mucilagino-
sa (goma) e de composição ainda
não conhecida, foi observado por
Medeiros (2002) causando a imobili-
Figura 2. Produção de biofertilizantes pelo sistema de compostagem líquida contínua zação e morte do ácaro B. phoenicis
a céu aberto, em recipientes plásticos. sobre a folha devido à obstrução de
várias leveduras e bactérias, desta- Estudos recentes comprovaram a redu- seu sistema digestivo.
cando Bacillus subitilis, reconhecido ção de até 95% da fecundidade do ácaro
produtor de antibióticos. Atualmente rajado Tetranychus urticae, de hábito 3 - Processos envolvidos na
os biofertilizantes vêm sendo aplica- polífago, em concentrações entre 5 e produção de
dos em diversas culturas associadas 50% (Medeiros et al., 2000a; Berzaghi et biofertilizantes
com o fungo entomopatogênico al., 2001). Também verificou-se redu-
Beauveria bassiana, importante ini- ção de até 64% da população do pulgão Não existe uma fórmula padrão
migo natural de pragas. Aphis sp., quando utilizado o biofertili- para produção de biofertilizantes.
Os efeitos do biofertilizante no zante (10%) associado aos inseticidas Receitas variadas vêm sendo testadas,
controle de pragas e doenças de plantas Boveril® e Metarril®, 5 kg/ha, em cultivo utilizando-se componentes minerais
têm sido bem evidenciados. Efeitos de acerola (Medeiros et al., 2001). Apli- para o enriquecimento do meio de
fungistático, bacteriostático e repelente cações do biofertilizante associadas à cultivo (Santos, 1992; Magro, 1994).
sobre insetos já foram constatados. San- calda viçosa ou com o Bacillus O processo de fermentação é
tos & Sampaio (1993) verificaram uma thuringiensis reduziram significativa- complexo e os microrganismos exis-
propriedade coloidal do biofertilizante mente o ataque da traça (Tuta absoluta) tentes passam quatro fases distintas
que provoca a aderência do inseto e a broca pequena (Neoleucocinodes de crescimento celular: 1) Latência -
sobre a superfície do tecido vegetal. Os elegantalis) em tomateiros (Picanço et Compreende o período de adaptação
autores destacaram também o efeito al., 1999; Nunes & Leal, 2001). Também dos microrganismos, após o qual as
repelente e deterrente de alimentação foi constatado menor severidade de células dão início à fermentação. 2)
contra pulgões e moscas-das-frutas. oídio e de cigarrinha verde em plantas Crescimento exponencial – Nessa fase
Medeiros et al. (2000b) verificaram que de feijoeiro pulverizadas com diferen- ocorre elevado processo de divisão
o biofertilizante à base de conteúdo de tes misturas de biofertilizantes (Cunha celular, com a produção de biomassa
rúmen bovino e o composto orgânico et al., 2000). Trabalhos conduzidos por e liberação dos metabólitos primári-
MicrogeoÒ reduziu a fecundidade, perí- Medeiros (2002) no Laboratório de Pa- os: carboidratos, aminoácidos,
odo de oviposição e longevidade de tologia e Controle Microbiano de Inse- lipídeos, nucleotídeos, vitaminas e
fêmeas do ácaro-da-leprose dos citros, tos da ESALQ/USP comprovaram que o proteínas e enzimas. 3) Fase estacio-
Brevipalpus phoenicis, quando pulveri- biofertilizante líquido reduziu de modo nária – As células param de se dividir
zado em diferentes concentrações. Es- crônico e significativamente a fecundi- e as colônias, após juntarem-se, inici-
ses mesmos autores comprovaram que dade e o potencial de crescimento po- am um processo de diferenciação
este biofertilizante agiu sinergicamente pulacional e o tempo de desenvolvi- celular produzindo metabólitos se-
com Bacillus thuringiensis e o fungo B. mento de descendentes dos ácaros da cundários como forma de defesa (an-
bassiana, reduzindo a viabilidade dos leprose dos citros Brevipalpus phoenicis, tibióticos, toxinas, fenóis, ácidos or-
ovos e sobrevivência de larvas do bi- criados sobre plantas tratadas com bio- gânicos e outras proteínas de cadeia
cho-furão-dos-citros (Ecdytolopha fertilizantes. O estudo comprovou que longa, de alto interesse biotecnológi-
aurantiana) (Medeiros et al. 2000c). o biofertilizante testado agiu por conta- co). 4) Morte Celular-Esgotadas to-

40 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


gado no processo CLC. Iniciar o uso
do biofertilizante com aproximada-
mente 15 dias, após a mistura inicial
dos insumos. Manutenção da CLC:
Para manter a compostagem em meio
líquido de forma contínua, contabilizar
diariamente os volumes de biofertili-
zante consumidos repondo no tanque
os insumos nas seguintes proporções:
a) Reposição do composto orgânico:
para cada 30,0 a 40,0 litros de biofer-
tilizante usado, repor 1,0 quilo do
composto/inoculante. O intervalo de
reposição poderá ser semanal até
mensal, ou seja, intervalos menores
quanto maior o volume de biofertili-
zante utilizado. b) Reposição do ester-
co de gado: adicionar um volume de
esterco de gado (fresco) suficiente
para manter a mesma proporção
biomassa/ água do início do proces-
so, sempre quando se verificar com
Figura 3. Detalhes do experimento utilizando-se ácaros de B. phoenicis criados em ajuda do ‘rodo’ a diminuição da cama-
arena, sobre a folha a planta de Canavalia ensiformis. Fonte: Medeiros (2002)
da orgânica no fundo do tanque. c)
das as reservas de energia, as células máximo de 10% de biofertilizante, da Reposição da água: está em função do
começam a morrer numa velocidade sua capacidade. Exemplo: Para um volume de biofertilizante consumido,
exponencial. consumo diário de 100 litros de bio- da evaporação e das chuvas. O volu-
Cada microrganismo participan- fertilizante, o tanque deverá ter o me de água a ser adicionado deverá
te degrada alimento para outro, numa volume de 1.000 litros. ser o suficiente para a manutenção do
relação de interdependência mútua e nível inicial do tanque. A freqüência
harmônica e, assim, o processo de 4.2- CLC com uso de esterco e de reposição poderá ser diária, usan-
fermentação acaba sendo contínuo, composto orgânico enriquecido do-se registro bóia ou até mensal,
desde que seja alimentado com meio também em função do volume de
nutritivo, o que fundamentou o pro- Início da CLC: Para início da biofertilizante usado. Nos períodos de
cesso de compostagem líquida des- produção do biofertilizante, adiciona- chuvas, recomenda-se fechar os tan-
crito por D’Andréa & Medeiros (2002). se no tanque o esterco fresco de gado ques de até 1.000 litros nos momentos
(inoculante), um composto orgânico de ocorrência delas. Manter descober-
4 - Produção do enriquecido com minerais (Ex.: tos os tanques maiores de 1.000 litros,
biofertilizante pelo MICROGEO MCO) e água (não retirando para uso posterior o volume
processo de Compostagem clorada). No caso do Microgeo, do biofertilizante que eventualmente
Líquida Contínua (CLC) pesquisado e desenvolvido pela equi- poderá transbordar, armazenando-o
pe do Laboratório de Patologia e Con- em tambores. É importante sempre
4.1 - Dimensionamento da trole Microbiano da ESALQ, o preparo manter as proporções de composto
Produção é feito nas seguintes proporções:1,0 inoculante e esterco de gado, descri-
quilo do composto orgânico / 4,0 tas acima, evitando o uso do bioferti-
Tanques para compostagem do litros esterco de gado / 20,0 litros água lizante muito diluído (Microbiol, 2001;
biofertilizante podem ser utilizados (completando o volume ). Exemplo: D’Andréa & Medeiros, 2002).
para volumes de até 1.000 litros, cai- Para a produção de 1.000 litros de
xas de fibrocimento ou plásticas. Para biofertilizante, adiciona-se no tanque 5 - Recomendações de uso
volumes maiores constrói-se direta- 50 quilos do composto, mais 200 litros
mente no solo, ‘piscinas’ com as di- de esterco de gado de qualquer ori- Segundo Pinheiro & Barreto
mensões do volume pretendido, e gem, completando com água o (1996), devido aos elevados efeitos
com a profundidade máxima de um volume de 1.000 litros do tanque. hormonais e altos teores das substân-
metro, as quais são revestidas com Agitar duas vezes ao dia manualmen- cias sintetizadas, o uso de biofertili-
lona plástica. A localização do tanque te com um ‘rodo’, que também permi- zantes em pulverizações foliares nor-
deve ser em área ensolarada, manten- tirá determinar a espessura da camada malmente são feitos com diluições
do-o descoberto. Para o dimensiona- orgânica (biomassa) depositada no entre 0,1 e 5%. Concentrações maio-
mento do volume do tanque, deverá fundo do tanque, com o objetivo de se res, entre 20 e 50%, foram utilizadas
ser considerado um consumo diário quantificar a reposição do esterco de por Santos & Akiba (1996) com o

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 41


compostos para uso como agentes
de biorremediação.
O processo da biorremediação
consiste na descoberta e procriação
de bactérias capazes de “comer” os
agrotóxicos que ficam por muitos anos
no solo e na água. Estas bactérias
devoram os componentes químicos
existentes nos venenos, fazendo com
que o produto perca sua capacidade
de poluir o solo, a água e até mesmo
o organismo humano. Estas bactérias
também não são prejudiciais ao meio
ambiente. Caso os resultados da pes-
quisa sejam confirmados, será um
grande avanço para a preservação do
meio ambiente, pois o uso do veneno
é um grande vilão que prejudica o
solo, a água, os animais e o homem
(Azevedo, 1998). Uma saída promis-
sora para esses problemas seria a
Figura 4. Caracterização de cadáveres do ácaro da leprose dos citros Brevipalpus multiplicação em massa desses agen-
phoenicis: (a) control, (b) Ácaro morto por ação de contato do biofertilizante; (c) e (d) tes de biodegradação de agentes quí-
Foco microbiano e vista ventral e dorçal do gnatosoma e pernas anteriores aderidas
micos, em tanques abertos, adotando-
por uma substancia coloidal (goma). Fonte: Medeiros (2002).
se a técnica de cultura em composta-
biofertilizante “Vairo”. Porém, em va ou irrigação e os horários vesper- gem líquida contínua. A produção de
concentrações muito elevadas, o bi- tino ou noturno, evitando-se os perí- biofertilizantes líquidos, à base de
ofertilizante pode causar estresse fi- odos secos e as horas mais quentes resíduos oriundos da agricultura e da
siológico na planta retardando seu do dia. Altas concentrações do bio- indústria, modificados por microorga-
crescimento, floração ou frutificação. fertilizante podem provocar na plan- nismos, gerarão substratos úteis como
Isso se deve provavelmente ao ex- ta demanda de água muito maior fertilizantes de solo e como bioprote-
cessivo desvio metabólico para pro- para o seu equilíbrio. Mesmo assim, tores de plantas para a agricultura.
dução de substâncias de defesa. Para pulverizações com o biofertilizante, A partir de compostos ricos em
hortaliças recomendam-se pulveriza- na diluição de 1%, nos períodos se- nutrientes, facilmente acessíveis e de
ções semanais, utilizando entre 0,1 e cos são possíveis. Apesar de estarem baixo custo operacional, como os
3 % de concentração do biofertilizan- sob os efeitos do estresse hídrico, as resíduos sólidos e líquidos oriundos
te, considerando que as plantas são plantas estarão recebendo energia da agricultura e da indústria, é possí-
de ciclo vegetativo curto e possuem entrópica (não utilizável pelos inse- vel a adição de microrganismos (le-
maior velocidade de crescimento, com tos) e outros fatores de proteção. veduras, bactérias e actinomicetos,
demanda constante de nutrientes. por exemplo) previamente selecio-
Em fruteiras, pulverizações entre 1 e 6 - Biofertilizantes, nadas, com as condições necessárias
5% do biofertilizante com Microgeo bioinseticidas e de ecologia nutricional, que promo-
produziram resultados significativos biorremediação verem o rápido crescimento popula-
na sanidade na cultura. Este bioferti- cional, resultando em alta produção
lizante também vem sendo emprega- O aumento da população e a de massa microbiana.
do sobre o solo em concentrações de maior atividade industrial fizeram com Técnicas sofisticadas, porém com
até 20%. Este quando aplicado sobre que o problema da poluição do am- o mesmo princípio, têm sido utiliza-
o mato roçado, como “input” biente atingisse níveis alarmantes. das em laboratórios, sob condições
microbiano, é capaz de aumentar a Além de contaminação por detritos controladas em biofermentadores, na
compostagem laminar, isto é direta- pouco biodegradáveis, como plásti- produção líquida de inseticidas à base
mente no campo, acelerando os pro- cos e detergentes, soma-se o proble- de microrganismos entomo patogê-
cessos bioquímicos e potencializando ma dos resíduos de industrias e, prin- nicos (fungos, vírus, bactérias e
maior atividade microbiana sobre o cipalmente, dos resíduos agroindus- nematóides) capazes de controlar as
solo (D’Andréa & Medeiros, 2002). triais, como a vinhaça ou o vinhoto, pragas em níveis aceitáveis, econô-
As aplicações de biofertilizantes resultante da produção de etanol em micos e ecológicos (Alves, 1998).
deverão ser realizadas durante as grande escala. Estes problemas po- A preocupação em se gerar alter-
fases de crescimento e/ou produção, dem ser atacados pelo desenvolvi- nativas ecológicas ao problema dos
evitando-se no florescimento. Deve- mento de linhagens microbianas ca- rejeitos líquidos e sólidos na agricultu-
se dar preferência pelos dias de chu- pazes de degradar ou assimilar esses ra, transformá-los em insumos de bai-

42 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


xo custo e capazes de serem aplicados
na atividade produtiva primária, em
cultivos orgânicos, representa um gran-
de avanço na preservação do meio
ambiente. Contudo, serão necessários
alguns anos de investigação e desen-
volvimento, para que se produzam
metodologias de elevado alcance soci-
al, e grandes esforços no sentido de se
consolidar o emprego desses proces-
sos bioquímicos como forma de se
promover a sustentabilidade dos ambi-
entes agrícolas.

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44 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


Iniciativas
Pesquisa Genômicas
Aplicações da ciência genômica no melhoramento de plantas para as regiões de várzea do sul do Brasil

Paulo Dejalma Zimmer, Dr. melhoramento ge- caracterizadas por solos hidromórfi-
Professor do Departamentode de Fitotecnia
FAEM / UFPel nético de plantas cos, que têm o seu sistema agrícola
djzimmer@ufpel.tche.br tem contribuído de alicerçado na pecuária extensiva e
forma decisiva para no plantio do arroz irrigado. A ex-
Gaspar Malone o incremento da ploração inadequada dessa região,
Doutorando do Programa de Pós Graduação em
Ciência e Tecnologia de Sementes / FAEM / UFPel produção mundial possivelmente associada às dificul-
malone@gaspar.com.ar de grãos (BORLAUG, 1983). Entre- dades operacionais, não tem permi-
tanto, a necessidade e os desafios tido uma apropriada rotação de cul-
Fernando Irajá Félix de Carvalho, PhD.
Professor do Departamento de Fitotecnia
para as próximas duas décadas são turas nem o requerido tempo de
FAEM / UFPel imensos, o ganho genético para a pousio, o que favorece a infestação
carvalho@ufpel.tche.br
produtividade está se reduzindo a da cultura por espécies daninhas,
cada ano e já não acompanha mais o principalmente o arroz vermelho. A
José Fernandes Barbosa Neto, PhD.
Professor do Departamento de Plantas de Lavoura aumento da demanda por alimentos degradação das características físi-
Faculdade de Agronomia / UFRGS (BORLAUG, 1997; MANN, 1997 e cas do solo provocada pela intensa
jfbn@ufrgs.br
1999). Atualmente, grandes esfor- movimentação de máquinas e equi-
ços estão sendo direcionados no pamentos extremamente pesados
Antonio Costa de Oliveira, PhD.
Professor do Departamento de Fitotecnia sentido de elucidar o potencial ge- também impõe a necessidade de
FAEM / UFPel nético das espécies cultivadas, pousio (Figura 1).
acosta@ufpel.tche.br
objetivando incrementar a produti- Dessa forma, extensas áreas
Ilustrações cedidas pelos autores vidade e a qualidade. Para o lança- estão sendo inviabilizadas a cada
mento de novos cultivares que aten- ano, tornando-se, muitas vezes, ex-
dam à demanda crescente por ali- tremamente árdua a sua recupera-
mentos, os programas de melhora- ção. A busca de alternativas para
mento de plantas necessitam de gran- compor o sistema agrícola regional
des mudanças, principalmente no tem motivado iniciativas importan-
que tange à estrutura, à estratégia e tes nas Universidades Federais de
à própria ciência envolvida (STUBER Pelotas e do Rio Grande do Sul
et al., 1999; KOORNNEEF & STAM, (UFPel e UFRGS) e na Embrapa
2001). Além do foco na qualidade e Clima Temperado (PORTO et al.,
na produtividade, o melhoramento 1998). A inclusão de novas cultu-
genético também pode ser direcio- ras, como a aveia, o milho e o
nado no sentido de aumentar a adap- azevém, no sistema agrícola das
tabilidade das espécies. Essa tam- áreas de várzea tem recebido aten-
bém pode ser considerada uma for- ção especial, porém a simples in-
ma de incrementar a produção de trodução de genótipos não é sufici-
alimentos, pois áreas marginais po- ente para a correção, em função da
dem ser incorporadas ao sistema inexistência de constituições gené-
produtivo mediante o desenvolvi- ticas adaptadas à condição de en-
mento de genótipos adaptados. No charcamento dos locais. Desse
Sul do Brasil, há cerca de 6,8 mi- modo, há uma grande demanda por
lhões de hectares de terras baixas, iniciativas voltadas para a geração

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 45


de variabilidade genética, seleção de
constituições genéticas adaptadas às
condições do ambiente e aumento da
eficiência dos programas de melho-
ramento de plantas.

Advento das Técnicas


Moleculares

Até a década de 70, pouco se


conhecia sobre a organização do
DNA. A composição dos pequenos
segmentos com função conhecida,
os genes, era a jóia mais desejada
naquela época. Nos últimos anos,
com o surgimento das técnicas
Figura 1 - Sistema de preparação do solo para plantio de arroz pré-germinado em solos
moleculares, e entre elas a técnica de várzea, utilizando máquinas extremamente pesadas em solos inundados. Essa
de clonagem molecular, tornou-se associação afeta negativamente a estrutura física do solo. Cortesia Prof. Silmar Peske.
possível o isolamento e a purifica-
ção de porções genômicas. Esses tribuiu para a elucidação de impor- Sintenia e Genomas
avanços contribuíram para tornar a tantes vias de biossíntese. Modelos
molécula de DNA o foco das princi- No que tange aos desafios para
pais investigações nos últimos anos. tornar eficiente o melhoramento de A sintenia é caracterizada pela
A clonagem molecular consiste no plantas e para incrementar a produ- conservação na ordem e no conteú-
isolamento e na multiplicação de ção mundial de grãos, várias ferra- do de genes, ou grupos gênicos,
moléculas de DNA idênticas, e com- mentas moleculares podem ser in- entre espécies relacionadas. Essa
preende, pelo menos, dois estágios corporadas aos programas de melho- característica também é denomina-
importantes: primeiro, o fragmento ramento de plantas com o objetivo de da colinearidade, e poderá ser alta-
do DNA de interesse, chamado de otimizar a obtenção de genótipos mente informativa para estudos
inserto, é ligado a uma outra molé- superiores, por exemplo, a transgenia comparativos de função, ação e
cula de DNA, denominada vetor, (YE et al., 2000), a seleção assistida regulação gênica entre diferentes
para formar o que se chama de DNA por marcadores (FRARY et al., 2000), genomas (Figura 2). Embora não
recombinante; segundo, a molécu- a mutação induzida (MALUSZYNSKI, seja uma condição estável, pois a
la do DNA recombinante é introdu- 1998) e a genômica (LIU, 1998; sintenia pode ser perdida no decor-
zida numa célula hospedeira com- McCOUCH, 2001). rer da evolução, vários trabalhos
patível, num processo chamado A busca por soluções para diver- evidenciam a importância das regi-
transformação bacteriana. A célula sificar o sistema agrícola nas áreas de ões cromossômicas conservadas
hospedeira que adquiriu a molécu- várzea do sul do Brasil passa pela para estudos genéticos comparati-
la do DNA recombinante passa, elucidação dos mecanismos fisioge- vos (BENNETZEN et al., 1998; GALE
então, a ser chamada transformante néticos envolvidos na tolerância dos & DEVOS, 1998; DEVOS et al., 1999;
ou célula transformada. Atualmen- cereais ao encharcamento. Embora já FEUILLET & KELLER, 2002).
te, as fronteiras da Tecnologia do tenham sido relatadas (DANTAS et al., A sintenia é bastante estudada
DNA recombinante, principalmen- 2001), algumas respostas à deficiên- na família Brassicaceae e na família
te para fins comerciais, parecem ser cia de oxigênio no solo provocada Gramineae, atualmente denomina-
ilimitadas. Além dos reflexos dire- pelo excesso de água (encharcamen- da Poaceae. Essa família é constitu-
tos, a tecnologia do DNA recombi- to), ainda permanecem muitas dúvi- ída por muitas espécies, entre elas
nante proporcionou avanços em das relacionadas com as interações algumas das principais espécies agrí-
todas as áreas da bioquímica, da genéticas que facultam algumas espé- colas como milho, arroz, trigo, sorgo,
fisiologia e da genética. Esses avan- cies ou variedades a suportarem solos cevada, centeio e aveia (cereais).
ços permitiram a caracterização, a com hipoxia decorrente do excesso Além das variações fenotípicas e
identificação e a clonagem de uma de água. A incorporação de tecnologias genotípicas existentes entre os cere-
série de genes de enzimas, que se moleculares e a formação de ais, há muitas variações na estrutura
tornaram ferramentas decisivas para melhoristas treinados para selecionar desses genomas. A variação pode
o surgimento de técnicas como a de genes poderão se refletir em grandes ser no número de cromossomos, no
marcadores moleculares e de se- ganhos de eficiência nos programas nível de ploidia e no tamanho do
qüenciamento de DNA, o que con- de melhoramento de plantas. genoma - estimado em pares de

46 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


tituíram a base científica dos estu-
dos realizados até hoje. Na história
recente da Biologia de Plantas, uma
outra espécie apresentava muitas
características atraentes e surgia
como modelo entre as dicotiledône-
as; tratava-se da Arabidopsis
thaliana. Essa espécie vegetal é
membro da família Brassicaceae, a
qual inclui espécies cultivadas como
o repolho, o rabanete e a canola.
Embora a arabidopsis não possua
importância agronômica, essa espé-
cie apresenta vantagens importan-
tes para a pesquisa básica em gené-
tica e biologia molecular. Além dis-
so, ou como conseqüência disso,
essa espécie possui o maior volume
de informação disponível dentre to-
dos os vegetais. No entanto, o mo-
delo genético Arabidopsis thaliana
limitava-se principalmente ao siste-
ma genético das dicotiledôneas,
quando um complemento para as
Figura 2 – Sintenia entre os genomas do arroz, milho, cevada e trigo. As informações
provenientes do genoma menor podem ser utilizadas para guiar ações no sentido de
monocotiledôneas começou a ser
localizar, mapear e clonar genes em genomas maiores. Os pontos em amarelo procurado. Nos últimos anos, está
indicam o posicionamento de alguns genes e os números indicam o cromossomo sendo dispensada muita atenção a
(Modificado de GALE & DEVOS, 1998). uma outra espécie, o arroz (Oryza
sativa L.), por ele possuir também
bases (pb), podendo existir genomas sementes produzidas, com o tama- bons atributos para se tornar um
muito grandes como o genoma do nho do seu genoma, com a capaci- modelo genético vegetal. Embora
trigo, com cerca de 16 bilhões de dade de multiplicação em diferentes seu genoma seja pouco maior, cerca
bases, como também pode ocorrer ambientes, com a facilidade de ma- de três vezes maior que o genoma
genomas muito pequenos, como é o nipulação da polinização (direcio- de Arabidopsis thaliana L., ainda
caso do do arroz, com cerca de 430 namento de cruzamentos), com a assim é cerca de 40 vezes menor do
milhões de bases. A estratégia atual capacidade de cultivo in vitro e com que o genoma do trigo (Triticum
está sendo estudar e caracterizar os a disponibilidade de informações já aestivum L.). Entretanto, a estraté-
sistemas gênicos em genomas pe- existentes (banco de dados para a gia de direcionar os esforços para
quenos (arabidopsis e arroz) e, con- espécie). Essas características geral- tornar o arroz um genoma modelo
siderando a sintenia existente, infe- mente definem a facilidade de se está alicerçada no interesse de se
rir sobre os genomas grandes (milho obterem resultados, bem como o obter um modelo entre as gramíneas,
– 2 500 Mpb, trigo – 16 000 Mpb e seu volume e sua qualidade. A pri- principalmente aquelas produtoras
cevada - 4 800 Mpb, por exemplo). meira espécie vegetal utilizada como de grãos, pois, praticamente, todas
modelo para estudos genéticos foi a as ações dos programas de melhora-
Características de um ervilha (Pisum sativum L.), quando mento de plantas estão voltadas para
Genoma Modelo Gregor Mendel publicou os resulta- produtividade, resistência a molés-
dos dos primeiros estudos genéti- tias e adaptabilidade. Outro fator
A presença de determinadas ca- cos, no ano de 1865. É lógico que fundamental no interesse de tornar
racterísticas numa espécie pode naquela época Mendel não conside- o arroz um genoma modelo é a
torná-la altamente atraente para a rou os critérios utilizados atualmen- existência de sintenia ou colineari-
ciência. Sob esse enfoque, as carac- te, mas certamente escolheu a ervi- dade entre os genomas dessa famí-
terísticas mais atraentes numa espé- lha pela familiaridade que ele tinha lia. Atividades voltadas para a iden-
cie vegetal, as quais poderão contri- com o cultivo daquela espécie. Em- tificação e a clonagem de genes com
buir para que ela se torne um mode- bora as leis de Mendel não tenham a utilização de genomas modelos,
lo, estão relacionadas com a dura- sido validadas até o seu redescobri- como o arroz, são bem mais eficien-
ção do ciclo, com o número de mento, no início do século XX, cons- tes do que em genomas grandes.

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 47


Portanto, atualmente a estratégia
mais racional será estudar o arroz,
identificar, clonar e caracterizar seus
genes e, quando tudo estiver
mensurado, atingir os genomas mais
complexos, como os do trigo e do
milho. Dessa forma, os programas de
melhoramento de plantas poderão
aumentar em muito sua eficiência.
A particularidade que o arroz
possui, de ser cultivado sob irrigação
por inundação (várzeas) e sequeiro
(terras altas), também torna essa es-
pécie modelo para o entendimento
dos mecanismos que controlam a adap-
tabilidade das plantas. O Centro de
Genômica e Fitomelhoramento (CGF)
da UFPel está buscando, mediante a
utilização de tecnologias modernas, o Figura 3 – Esquema representativo do método de seqüenciamento desenvolvido por
Sanger (A) e do método de seqüenciamento automatizado (B). Consulte o texto para
entendimento do sistema de raízes do
conferir os detalhes de cada método.
arroz (modelo genético). A identifica-
ção de mecanismos morfofisiológicos incorporados pela enzima Taq poli- Na última década, o surgimento
e os respectivos controles genéticos merase (a enzima que amplifica o dos seqüenciadores automáticos, ali-
permitirão a identificação e a clonagem DNA), não permitem a inclusão do ado à elevada capacidade de proces-
dos genes envolvidos. A sintenia e a nucleotídeo seguinte por não apre- sar informações que a informática
utilização de ferramentas genômicas sentarem a hidroxila no carbono 3 da proporcionou, revolucionou a
adequadas conduzirão à rápida utili- dideoxi-ribose do nucleotídeo genômica, dando origem a bioinfor-
zação desse conhecimento para o de- terminador. Portanto, a síntese da mática. O seqüenciamento automáti-
senvolvimento e lançamento de molécula de DNA pára nesse ponto co mantém o mesmo princípio do
genótipos superiores, de diversas es- (Figura 3). método de seqüenciamento manual
pécies que poderão ser adaptadas aos Pelo método de Sanger, o pro- proposto por Sanger, mas a possibi-
solos encharcados do sul do Brasil. cesso de seqüenciamento é realizado lidade de utilizar ddNTPs marcados
em quatro reações independentes. fluorescentemente com cores distin-
Seqüenciamento de Em cada uma delas é adicionado um tas para cada um deles (ddCTP,
Genomas ddNTP diferente (ddATP, ddCTP, ddGTP, ddATP e ddTTP) permitiu
ddGTP e ddTTP), geralmente marca- automatizar o processo (veja Figura
Os primeiros passos para o se- dos radiativamente com 32P. Na cópia 3). Outra grande vantagem do se-
qüenciamento de DNA foram dados de cada fita de DNA, a partir do qüenciamento automático é a incor-
por Sanger, em 1977, com o desenvol- molde, as moléculas são sintetizadas poração de metodologias laser e pro-
vimento do método de seqüencia- até que incorporem o nucleotídeo gramas computacionais que fazem a
mento manual conhecido também terminador (ddNTP). O acúmulo de leitura dos resultados. As moléculas
como método da cadeia interrompi- moléculas terminadas numa mesma fluorescentes utilizadas nos ddNTPs,
da. Hoje o método de Sanger baseia- base possibilita sua visualização no quando sensibilizadas pelo laser, emi-
se na amplificação, por PCR, de frag- gel. A geração aleatória de moléculas tem um comprimento de onda, que é
mentos de DNA clonados previamen- terminadas nas bases distintas de uma capturada por uma câmera acoplada
te dentro de vetores conhecidos. Des- fita molde de DNA permitirá o estabe- ao seqüenciador. A informação é pro-
sa forma, oligonucleotídeos iniciado- lecimento da seqüência de nucleotí- cessada e transformada em seqüênci-
res (primers), complementares à se- deos do referido molde. A leitura da as nucleotídicas por softwares ade-
qüência do vetor, são utilizados para seqüência de bases é realizada medi- quados.
amplificar o inserto do DNA a ser ante a separação, num gel de poliacri- Devido à baixa capacidade de
seqüenciado. A metodologia foi cha- lamida de alta resolução, dos frag- produção proporcionada pelo méto-
mada de “cadeia interrompida” em mentos amplificados por PCR. Nesse do de Sanger, as primeiras seqüências
função de que são utilizados dNTPs tipo de técnica, é possível identificar nucleotídicas foram geradas para es-
(deoxi-Nucleotídeos Trifosfatos) mo- cerca de 200 a 300 nucleotídeos. A tudos pontuais, como o estabeleci-
dificados, os ddNTPs (dideoxi-Nucle- Figura 3 apresenta um esquema sinte- mento da seqüência de alguns genes
otídeos Trifosfatos), os quais, quando tizado dessa metodologia. e de pequenas regiões cromossômi-

48 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


Figura 5 – Esquema representativo das principais etapas na geração de bibliotecas
de seqüenciamento. A – Para seqüenciamento estrutural via construção de biblioteca
BAC (Bacterial Artificial Chromosomes). 1 – DNA genômico; 2 – Alinhamento de
fragmentos de 100 a 200 kb em mapa físico (Biblioteca BAC); 3 – Fragmentação
individual dos BACs; 4 – Subclonagem de fragmentos entre 2 e 5 kb. B – Para
seqüenciamento de ESTs (Expressed sequence tags) ou do transcriptoma. 1 – Extração
de RNA mensageiro; 2 – Síntese reversa utilizando RT-PCR; 3 – Síntese de cDNA dupla
fita; 4 – Clonagem dos cDNAs.

mada de Iniciativa Genoma da Arabi- a subespécie japonica. Essa associa-


dopsis (The Arabidopsis Genome ção teve início no ano de 1997, em
Initiative*, 2000). A seqüência, o mapa uma reunião do Simpósio Internacio-
e as anotações disponíveis atualmen- nal de Biologia Molecular de Plantas
Figura 4 – Detalhes de um exemplar de te são resultado de esforços conjun- realizado em Singapura. Naquela oca-
Arabidopsis thaliana L. cultivado em
tos do TIGR (The Institute for sião, o objetivo da comunidade cien-
laboratório. Cortesia Dra. M. E. Alvarez.
CIQUIB – CONICET, Universidad Nacio- Genomic Research), MIPS (Munich tífica era socorrer o idealizador do
nal de Córdoba – Argentina. Information Center for Protein projeto de seqüenciamento estrutural
Sequences) e TAIR (The Arabidopsis do arroz, o RGP (Rice Genome Project)
cas. À medida que foram desenvolvi- Information resource). Veja uma foto do Japão. O segundo esforço público
dos os seqüenciadores de nucleotíde- dessa espécie vegetal observando a foi liderado pela Academia Chinesa
os automatizados, a capacidade de Figura 4. de Ciências (Chinese Academy of
produção de seqüências foi aumenta- Sciences) de Beijing, China. Esse pro-
da muito rapidamente. Em função Arroz (Oryza sativa L.) – Fo- jeto iniciou-se em abril de 2000 e, dois
disso, surgiram, mediante a associa- ram empregados esforços públicos e anos mais tarde, seus resultados fo-
ção de grupos de pesquisa, várias privados para seqüenciar essa espé- ram publicados pela revista Science
iniciativas voltadas para o seqüencia- cie. O primeiro esforço privado foi (YU et al., 2002). A grande distinção
mento de alguns genomas. Os primei- realizado pela Monsanto (PENNISI, estabelecida entre as subespécies
ros esforços foram direcionados para 2000). Mais tarde, os resultados gera- seqüenciadas por esses dois esforços
alguns microorganismos e, em segui- dos seriam somados aos resultados do públicos foi em relação à importância
da, para a Arabidopsis thaliana (The IRGSP (International Rice Genome econômica e geográfica que elas apre-
Arabidopsis Genome Initiative*, 2000) Sequencing Project). O segundo es- sentam. A subespécie seqüenciada
e para a Drosophila melanogaster forço privado, uma associação entre pelo grupo liderado pelos japoneses,
(ADAMS et al., 2000), dois organis- duas empresas, a Myriad Genetics e a spp japonica, é amplamente cultiva-
mos utilizados como modelo na biolo- Syngenta, utilizou o método whole da no Japão, nos Estados Unidos, na
gia. Na seqüência, apresentaremos o genome shotgun, e não acrescentou Coréia do Sul e em parte da China. Por
que já foi realizado com o intuito de resultados significativos ao conjunto outro lado, a subespécie seqüenciada
gerar informações genéticas das prin- de dados disponibilizados pelos ou- pelos chineses, spp indica, é bastante
cipais espécies, com vistas ao melho- tros projetos (GOFF et al., 2002). cultivada na China e no Sudeste Asiá-
ramento vegetal. Foram implementados também dois tico, bem como no Sul do Brasil. Além
esforços públicos para o seqüencia- disso, as estratégias de seqüencia-
Arabidopsis thaliana - o mento do arroz. O primeiro deles, o mento utilizadas pelos dois grupos
genoma da Arabidopis (125 milhões Projeto Internacional de Seqüencia- foram distintas; enquanto o grupo dos
de nucleotídeos – 125 Mpb) foi mento do Genoma do Arroz (IRGSP – chineses focava a anotação de genes,
seqüenciado por uma associação in- International Rice Genome Sequencing pois utilizou a estratégia whole genome
ternacional de pesquisadores cha- Project), teve como objetivo seqüenciar shotgun, o grupo liderado pelo RGP

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 49


Figura 6 – Detalhes de uma lavoura de Figura 8 - Detalhes de uma lavoura de cevada (Hordeum vulgare), safra 2003, da
arroz irrigado do cultivar BRS 7 “Taim”. Linhagem CEV 97043 da propriedade do Produtor Adelar Crespi.
Cortesia Prof. Silmar Peske.

depararam-se com duas grandes bar- com a intenção de determinar a


reiras. A primeira delas se refere ao posição no mapa dos transcritos são
tamanho do genoma, que é, aproxi- coordenadas pelo International
madamente, de 16 bilhões de nucle- Triticeae Mapping Initiative. Os prin-
otídeos (16.000 Mpb) - cerca de 40 cipais esforços para a criação de
vezes maior que o genoma do arroz. uma coleção de ESTs representati-
A segunda delas é que o seu genoma vos do trigo estão sendo liderados
é diferente do do arroz e da pelos EUA (U. S. Wheat Genome
arabidopsis, ambos diplóides, en- Project), pelo Canadá (AAFC –
quanto o trigo é hexaplóide. Esses Agriculture and Agri-Food Canada)
impedimentos impuseram uma es- e pela Inglaterra (BBSRC –
tratégia preliminar para que fossem Biotechnology and Biological
determinadas as seqüências trans- Sciences Research Council). Veja uma
critas: o transcriptoma (bibliotecas foto dessa espécie vegetal obser-
de cDNA) de diferentes estádios do vando a Figura 7.
desenvolvimento da planta (Figura
5 B) Portanto, considerando a estru- Cevada (Hordeum vulgare) –
tura e o tamanho do genoma do os esforços para determinar a se-
Figura 7 – Detalhes de uma lavoura de trigo essa ação é mais lógica do que qüência de nucleotídeos da cevada
trigo (Triticum aestivum). Cortesia Prof. pensar num inexeqüível projeto de também sofrem impedimentos devi-
Silmar Peske. seqüenciamento estrutural dessa es- do ao tamanho do seu genoma ~ 4,8
focou, além da anotação dos genes, a pécie. De uma forma geral, a estra- bilhões de nucleotídeos (4800 Mpb).
geração de informações precisas ao tégia visa a gerar seqüências nucle- O primeiro passo para contornar esse
nível de estruturação e organização otídicas dos genes transcritos em impedimento foi a produção de ma-
do genoma, pois utilizou a técnica de determinados estádios de desenvol- pas físicos do genoma da cevada com
seqüenciamento estrutural via cons- vimento ou sob determinados alta densidade de marcadores; isso
trução de bibliotecas BAC (Bacterial estresses do ambiente. O esboço de proporcionará a realização de com-
Artificial Chromosomes) (Figura 5 A). uma associação internacional volta- parações com o genoma do arroz. O
Veja uma foto dessa espécie vegetal da para a geração dessas informa- próximo passo será a criação do
observando a Figura 6. ções começou a ser definido em transcriptoma da espécie. Essas deci-
1998, com a criação de uma ação sões estão sendo implementadas em
Trigo (Triticum aestivum) – Internacional Cooperativa para a pro- um esforço combinado entre cientis-
os esforços para determinar a se- dução de ESTs (Expressed Sequence tas da América do Norte (North
qüência de nucleotídeos do trigo Tags) de trigo. Atualmente, as ações American Barley Genome Mapping

50 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


Reflexos da Tecnologia na
Produção de Cereais

Os grandes avanços na produ-


ção mundial de grãos, gerados a
partir de meados do século passado,
são decorrentes de uma contribuição
decisiva do melhoramento clássico
de plantas (BORLAUG, 1983). Ao
contrário do que alguns entusiastas
esperavam, as grandes expectativas
decorrentes das inovações científicas
dos últimos 30 anos não se refletiram
em significativos incrementos na pro-
dução de grãos. Para que as
tecnologias moleculares possam ren-
der os resultados esperados, algu-
Figura 9 – Detalhes de uma lavoura de milho (Zea mays) e de espigas maduras mas barreiras precisam ser supera-
(direita inferior). Cortesia Prof. Silmar Peske. das. A principal delas diz respeito à
mudança de cultura nos programas
Project, USA e North American Barley 2002). Quarto, análises comparati- de melhoramento de plantas, sendo
Genome Mapping Project, Canadá) e vas do milho com o arroz (Oryza necessário selecionar genes ao invés
da Europa (Plant Genome Resource sativa) ou Arabidopsis sugerem que de selecionar plantas (KOORNNEEF
Centre, Alemanha e Scottish Crop a seqüência do genoma dessas duas & STAM, 2001). Superadas as barrei-
Research Institute, Inglaterra), para espécies não serão suficientes para ras culturais, a eficiência na imple-
criar uma biblioteca de ESTs entender detalhadamente o conteú- mentação de ferramentas molecula-
(Expressed Sequence Tags) o mais do de genes do milho e sua expres- res em programas de melhoramento
completa possível (Figura 5 B). Veja são (BENNETZEN et. al., 2001; de plantas poderá ser incrementada
uma foto dessa espécie vegetal ob- CHANDLER & BRENDEL, 2002). mediante a automatização dos pro-
servando a Figura 8. Além disso, algumas características cessos de extração de DNA, a gera-
no genoma do milho sempre dificul- ção de um maior número de seqüên-
Milho (Zea mays) – a principal taram a implementação de projetos cias ligadas (marcadores) a caracteres
iniciativa para seqüenciamento do de seqüenciamento da espécie. Des- de importância agronômica e o bara-
genoma do milho foi anunciada em taca-se a existência de várias teamento dos equipamentos e
setembro de 2002 pelo NFS (National subespécies importantes (Zea mays insumos utilizados. O treinamento
Science Foundation) dos Estados spp. Huehuetenangensis, Zea mays de novos melhoristas também deve-
Unidos. No entanto, há muito tempo spp. mays (mayze), Zea mays spp. rá merecer atenção especial, pois,
os geneticistas da área do milho mexicana (teosinto), e Zea mays além da sólida formação em melho-
buscavam somar esforços com esse spp. Parviglumis); o elevado con- ramento clássico e em estatística, é
objetivo (BENNETZEN et al., 2001). teúdo de DNA repetitivo (regiões recomendado que esses profissio-
Quatro fatores contribuíram para que duplicadas) presente no genoma do nais sejam treinados em genética
essa iniciativa fosse retardada até milho (HELENTJARIS, 1995) e o ta- molecular e técnicas moleculares
2002. Primeiro, os avanços na manho do seu genoma, cerca de aplicadas ao melhoramento de plan-
tecnologia de seqüenciamento re- 2500 Mpb. tas. Principalmente por que é através
duziram consideravelmente o custo Da mesma forma que está ocor- desses novos profissionais que os
em comparação com o passado. Se- rendo na geração de seqüências programas de melhoramento clássi-
gundo, novas metodologias de nucleotídicas da cevada e do trigo, o cos poderão incorporar as novas fer-
fingerprinting, de alta resolução e foco para o milho também será a ramentas da biologia molecular.
produção, permitiram aumentar a geração de seqüências dos genes (o O setor de melhoramento de
eficiência na seleção de clones para transcriptoma). As interações do sis- plantas também necessita se articu-
o seqüenciamento, reduzindo ao mí- tema gênico poderão ser obtidas em lar para melhorar a capacidade de
nimo a sobreposição de regiões genomas como o arroz, principal- processamento das informações já
seqüenciadas. Terceiro, foram de- mente devido à ocorrência da disponíveis, principalmente aque-
senvolvidas novas metodologias para sintenia entre os cereais. Veja uma las decorrentes dos diferentes proje-
preparar frações do genoma do mi- foto dessa espécie vegetal obser- tos de seqüenciamento de genomas.
lho ricas em genes (YUAN et al., vando a Figura 9. Atualmente, dois fatores contribu-

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 51


em para que as informações dispo- 10 billion people: the miracle the International Symposium
níveis não sejam aplicadas rotineira- ahead. Plant Tiss. Cul. Biotech. on Rice Germplasm Evaluation
mente. A primeira delas é que há v.3, n.3, pp. 119-127, 1997. and Enhancement. J.N. Rutger,
carência de bons sistemas de CHANDLER, V.S; BRENDEL, V. The J.F. Robinson, and R.H. Dilday,
informática capazes de trocar infor- maize Genome Sequencing Project. editors. Arkansas, USA. August 30
mações com os bancos de dados Plant Physiology, v. 130, p. 1594- – September 2, 1998.
com a agilidade requerida; a segun- 1597, December, 2002. MANN, C. C. Reseeding the Green
da é que poucos profissionais estão DANTAS,. B. F.; ARAGÃO, C. A.; Revolution. Science. v. 277, n.
habilitados a realizarem buscas e a ALVES, J. D. Cálcio e o desenvol- 5329, pp. 1038-1043, 1997.
fazerem comparações de seqüênci- vimento de aerênquima e ativi- MANN, C.C. Crop Scientists Seek a
as através de computadores. dade celulase em plântulas de New Revolution. Science. v. 283,
Buscando alternativas para com- milho submetidas a hipoxia. n. 5400, pp. 310-314, 1999.
por o sistema agrícola das várzeas do Scientia Agrícola. v. 58, n.2, pp. McCOUCH, S. R. Genomics and
Sul do Brasil, sugerimos a implemen- 251-257, 2001. Synteny. Plant Physiol, v. 125,
tação de ferramentas moleculares e DEVOS, K. M.; BELAES, J.; NAGAMURA, pp. 152-155, January 2001.
de bons sistemas de informática para Y.; SASAKI, T. Arabidopsis-rice: will PENNISI, E. Stealth genome rocks
os programas de melhoramento lo- colinearity allow gene prediction rice researchers. Science, Wa-
cais. Essas ações devem estar volta- across the eudicot-monocot divi- shington, v.288, n.5464, p.239-
das para a: i) identificação de genes de?. Genome research. v. 9, pp. 241, 2000.
de tolerância a estresses abióticos em 825-829. 1999. PORTO, M.P.; PARFITT, J.M.B.;
genomas “modelo” (arroz), com pos- FEUILLET, C.; KELLER, B. Comparative GASTAL, M.F.C.; et al. Culturas
terior caracterização em espécies de Genomics in Grass Family: Mole- alternativas ao arroz irrigado
interesse (trigo, milho, cevada, sorgo, cular Characterization of Grass nas várzeas do Sul do Brasil.
aveia e azevém); ii) caracterização Genome Structure and Evolution. Pelotas: Embrapa Clima Tempe-
molecular do germoplasma local; iii) Annals of Botany. v. 89, pp. 3- rado, 1998. 42p.
identificação de “genes maiores”, res- 10, 2002. STUBER, C.W.; POLACCO, M.;
ponsáveis pela adaptação do arroz FRARY, A.; NESBITT, T.C.; SENIOR, M.L. Synergy of empirical
ao encharcamento; e, iv) criação de GRANDILLO, S.; et al. fw2.2: A breeding, marker-assisted seletion,
um banco de mutantes para o sistema quantitative trait locus key to the and genomics to increase crop
de raízes. evolution of tomato fruit size. yield potencial. Crop Science,
Science, v.289, pp.85- 88, 2000. v.39, p.1571-1583, 1999.
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Food Production. Science. v.219, MALUSZYNSKI, M. Crop germoplasm Epigenetic Boundaries in Zea
pp.689-693, February 1983. enhancement through mutation mays. Genome Research, v. 12,
BORLAUG, N.E. Feeding a world of techniques. In. Proceedings of p.1345-1349, 2002.
_______________________________________
* A autoria deste trabalho deverá ser “The Arabidopsis Genome Iniative”. Uma lista completa dos colaboradores aparece no final do artigo original
(Nature, 408: 796-815).

52 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


Associação de mutações nos
Pesquisa
genes BRCA1 e BRCA2
Associação de mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 causadoras do câncer de mama hereditário

Paulo Henrique Machniewicz Resumo que o esperado, devido à transmissão


Biólogo - Faculdades Integradas “Esprírita”
Especialista em Genética Humana PUC-PR,
aumentada de algumas mutações, em
Responsável pelos laboratórios de Genética, Cerca de 10% dos cânceres de certas populações, devido ao efeito
Imunologia e Microbiologia do Centro Universitário mama podem ser associados a muta- do fundador. A população de Judeus
Campos de Andrade - UniAndrade - Curitiba-PR
paulo.mach@bol.com.br ções na linhagem germinativa. Em Askenazi é a que representa um exem-
1990, foi identificado, no cromosso- plo claro de mutações, devido ao
Fábio Rueda Faucz, Dr
Biologo - UFPR mo 17, o gene BRCA1, composto de efeito do fundador, por cultivarem
Mestrado em Ciências Biológicas - UFPR 24 exons e codifica para uma proteína suas tradições de união restrita. Por
Doutorado em Genética - UFPR
Professor adjunto - PUC-PR
de 1.863 aminoácidos. Mutações nes- conseqüência, as mutações encontra-
Professor Titular - UNICEMP-PR te gene são responsáveis por metade das nesta população são iguais em
fabiogenetica@yahoo.com de todos os casos familiares de câncer inúmeros países para onde migraram.
Ilustrações cedidas pelos autores de mama. Já em 1995, identificaram o Outras populações, como Espanhóis,
BRCA2, com 27 exons, codificando Indianos, Paquista-neses, Russos e até
para uma proteína de 3.350 aminoáci- tribos Aborígines do Canadá, também
dos. Este gene encontra-se no cro- apresentam algumas mutações que
mossomo 13. Mutações neste gene são mais freqüentes e que podem ser
são responsáveis por cerca de 35% atribuídas ao efeito do fundador.
dos casos familiares precoces de cân-
cer de mama. Estes dois genes, asso- 1. Introdução
ciados a outras proteínas, desencadei-
am a doença que mais mata mulheres. O nosso organismo é constituído
No Brasil, registram-se cerca de 35.000 por trilhões de células, que se repro-
novos casos de câncer de mama por duzem pelo processo de divisão celu-
ano. O câncer representa uma proli- lar. Este é um processo ordenado e
feração maligna das células ou lóbu- controlado, responsável pela forma-
los epiteliais que revestem os ductos ção, crescimento e regeneração de
ou lóbulos da mama. O câncer femini- tecidos saudáveis do corpo. Algumas
no é raramente encontrado antes dos vezes, no entanto, as células perdem
25 anos de idade, exceto em casos a capacidade de limitar e comandar
hereditários. A transmissão hereditá- seu próprio crescimento, passando,
ria de câncer de mama segue o clássi- então, a se multiplicarem muito rapi-
co padrão mendeliano de transmissão damente e de maneira aleatória e
autossômica dominante, com 50% das desordenada, formando nódulos.
crianças de carreadoras, herdando mu- O câncer surge por causa de
tações BRCA1. As portadoras femini- alterações no DNA, que resulta na
nas de mutações são estimadas a proliferação incontrolável de célu-
terem um risco de 85% de desenvolvi- las. A maioria dessas alterações en-
mento de câncer de mama e ovário, volve modificações seqüenciais re-
com maior incidência de câncer bila- ais de DNA. Elas podem surgir como
teral e mais de 50% dos cânceres de conseqüência de erros de replicação
mama, ocorrendo, antes dos 50 anos. aleatórios, exposição a carcinógenos,
A prevalência de mutações de BRCA1 ou processos defeituosos de reparo
e BRCA2 é ocasionalmente mais alta do DNA.

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 53


As lesões da mama limitam-se, SCHUTTE, et al. (1995), identifi- Os vasos linfáticos de grande
predominantemente, ao sexo femi- cou um gene na região 13q12-q13, parte da mama drenam para a axila.
nino por possuir uma estrutura ma- com seis mutações diferentes em famí- A borda anterior da axila é formada
mária mais complexa, volume ma- lias com câncer de mama e identificou pelos músculos peitorais; as bordas
mário maior e extrema sensibilidade como BRCA2. Mutações nesse gene posteriores incluem o subescapular e
às influências endócrinas predis- são responsáveis por aproximadamente o grande dorsal; a borda interna pelo
põem esse órgão a diversas condi- 35% dos casos familiares precoces de quadril cortal e músculo denteado
ções patológicas (COTRAN, KUMAR, câncer de mama. Estão ainda associa- anterior; e a borda externa pela parte
COLLINS, 2001). dos a um risco aumentado de câncer de superior do braço.
As neoplasias constituem as le- mama e de próstata em homens, e de Os gânglios axilares na parte
sões mais importantes da mama fe- câncer ovariano e pancreático. alta da axila, perto das costelas e do
minina, apesar de não serem as mais Estes dois genes associados a denteado anterior. Para dentro deles,
comuns. Elas podem surgir a partir outras proteínas desencadeiam a do- drenam canais provenientes de três
de epitélio escamoso, estruturas glan- ença que mais mata mulheres. outros grupos de gânglios linfáticos:
dulares e tecido conjuntivo. Para que se tenha uma avaliação
Existem três grupos de influên- precisa do risco de desenvolver um 1. o grupo peitoral ou anterior;
cias importantes no câncer de mama: câncer é necessário que se obtenha 2. o grupo subescapular (poste-
uma história da paciente, uma rior);
• Fatores genéticos; genealogia do câncer precisa, onde é 3. o grupo lateral;
• Influências hormonais; possível confirmar os tipos de cânce-
• Fatores ambientais. res através de documentos hospitala- Convém observar que nem to-
res e exames. dos os linfáticos da mama drenam
No Brasil, registram-se 35.000 Devido aos altos custos e difi- para a axila. Dependendo da locali-
novos casos de câncer de mama por culdades para testar mutações em zação de uma lesão no seio, a disse-
ano, 11.000 deles, só no Estado de São BRCA1 e BRCA2, são realizadas pro- minação pode se processar direta-
Paulo. Fatores de risco de câncer na vas nas mutações mais prováveis mente para os gânglios infraclavicu-
família, alimentação rica em gorduras, nas populações. Nas famílias de Ju- lares, para dentro dos canais profun-
início precoce da menstruação, me- deus as três principais mutações de dos existentes no interior do tórax ou
nopausa tardia, 1ª gestação após os 30 fundador mais freqüentes, 185 del do abdômen, e até para a mama
anos e o fato de a mulher nunca ter AG, 5382 ins C em BRCA1 e 617 del oposta (BATESE, HOCKENAM, 1982).
engravidado são alguns dos fatores T em BRCA2. Estas três mutações Na glândula mamária, os lobos
que influenciam para desenvolver um mais freqüentes respondem por mais possuem muitas subdivisões que
tumor maligno na mama. de 90% da população. Quando uma são chamadas de lóbulos; estes ter-
O câncer de mama representa mutação de fundador é encontrada, minam em dezenas de pequenos
uma proliferação maligna das célu- esta já é suficiente para autorizar a bulbos produtores de leite. Os lo-
las epiteliais que revestem os ductos blindagem para todos as três muta- bos, lóbulos e bulbos são interliga-
ou lóbulos da mama. É considerado ções (BAST, et al 2000). dos por tubos finos denominados
o mais comum em mulheres, poden- ductos. Estes ductos vão até o ma-
do existir por um longo período, 2. Localização da mama milo (papilo), localizado no centro
como doença não-invasiva ou da área escura da pele que se cha-
invasiva, mas não-metástica. Este A mama está localizada entre a ma auréola.
fato torna-se mais urgente a necessi- 2ª e a 6ª costela, entre a margem Somente com o início da gravi-
dade do diagnóstico precoce e da esternal e a linha medioaxilar. O dez é que a mama assume a
conduta apropriada. tecido mamário possui três compo- maturação morfológica e atividade
Cerca de 10% dos cânceres de nentes principais: funcional completa. Após a cessa-
mama podem ser associados a muta- ção da lactação, os lóbulos regridem
ções na linhagem germinativa. Esta • Tecido glandular: é organiza- e sofrem atrofia, havendo uma re-
área tem sofrido uma elevação notá- do em 12 a 20 lobos, onde cada dução notável no tamanho total da
vel com a identificação de genes qual termina num canal que se mama. A maioria das neoplasias
responsáveis por casos em famílias abre na superfície do mamilo. mamárias não contém tecido
(BATES, HOCKELMAN, 1982 ). • O tecido glandular é sustenta- adiposo e, em exames como a ma-
KING, et al. (1990), usou análise do por tecido fibroso, incluindo mografia, elas aparecem como mas-
genética de ligação para identificar o os ligamentos suspensórios que sas de maior densidade, contras-
gene BRCA1 localizado no cromos- estão conectados tanto à pele tando com o estroma circundante.
somo 17q21. Ele é responsável por quanto à fascia que fica por Por conseguinte, a mamografia é
aproximadamente metade de todos debaixo da mama. menos sensível em mulheres jo-
os casos familiares precoces de cân- • A gordura circunda a mama e vens, nas quais essas massas po-
cer de mama, bem como pela maioria predomina tanto superficial- dem ser obscurecidas por tecido
dos casos familiares de câncer de mente, quanto na periferia denso circundante (COTRAN,
mama e ovário. (SPENCER, 1991). KUMAR, COLLINS, 2001).

54 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


3. Sinais visíveis de Câncer que na mama direita. • T4: tumor de qualquer tama-
Mamário Os cânceres são bilatérias ou nho com possível extensão di-
seqüenciais na mesma mama em 4% reta a parede do tórax.
BATES, HOCKELMAN, (1982) ou mais dos casos. Entre os carcinomas • T4a: extensão a parede do
descreveram alterações na mama que de mama pequenos o suficiente para tórax.
caracterizam um tumor, entre elas identificar sua área de origem, cerca de • T4b: edema, ou ulceração, ou
destacam-se: 50% surgem no quadrante superior nódulos satélites na parede da
externo, 10% em cada um dos mesma mama.
• Produção de fibrose, ou for- quadrantes restantes e cerca de 20% na • T4c: quando encontra-se T4a
mação de tecido cicatricial; região central ou subareolar, o local de e T4b.
• Sinais de retração que inclu- origem influência de modo considerá- • T4d: carcinoma inflamatório.
em covas cutâneas, alterações vel o padrão de metástase linfonodal.
nos contornos mamários e acha- Os carcinomas são divididos em Gânglios Linfáticos (N)
tamento ou desvio do mamilo; carcinomas não–inflitrantes ou in situ
• Aparecimento de nódulo ou e carcinomas inflitrantes. • NX: quando não se pode afirmar
endurecimento da mama ou em- o comprometimento dos gânglios.
baixo do braço; ♦ Carcinomas in situ: • N0: sem metástase em gânglios
• Mudanças no tamanho e ou • Carcinoma ductal in situ; regionais.
formato da mama; • Carcinoma lobular in situ; • N1: metástase em gânglios axi-
• Alteração na coloração ou na lares unidos uns aos outros e a outras
sensibilidade da pele da mama ♦ Carcinomas Invasivos (infil- estruturas.
ou da auréola; trante): • N3: metástase em gânglios lin-
• Secreção contínua por um • Carcinoma ductal infiltrante fáticos da mama interna.
dos ductos; sem tipo específico;
• Retração da pele da mama ou • Carcinoma lobular invasivo Classificação Patológica
do mamilo; ou infiltrante;
• Inchaço significativo ou • Carcinoma medular; • PNX: quando não se pode
distorção da pele. • Carcinoma colóide; excluir a presença de gânglios.
• As alterações no contorno • Carcinoma tubular; • PN0: sem metástase em gân-
são identificadas por inspeção • Carcinoma papilar invasivo. glios regionais.
cuidadosa das superfícies nor- • PN1: metástase em gânglios
malmente convexas das ma- 5. Estágios de regionais laterais móveis.
mas e comparando uma mama desenvolvimento do • PN1a: somente micrometásta-
com a outra. Câncer de Mama ses < 0,2 cm.
• Edema de pele, produzindo • PN1b: metástase em gânglios
por bloqueio linfático. Os diferentes tipos de câncer de maiores de 0,2 cm.
mama, quando são diagnosticados e • PN1b1: metástase de 1 a 3
4. Classificação dos tipos confirmados com exame laboratorial, gânglios > 0,2 < 2 cm.
de Câncer de Mama são classificados conforme o seu ta- • PN1b2: metástases de 4 ou
manho e presença de metástases nos mais gânglios > 0,2 a < 2 cm.
O câncer de mama é subdividi- linfonodos e a distância. Esta classi- • PN1b3: quando atravesa a
do em dois grandes grupos: ficação foi criada para que o médico parede do gânglio < 2 cm.
possa saber indicar qual o tratamento • PN1b4: metástase a gânglios
• Carcinomas: que podem ser mais adequado para o paciente ( linfáticos de 2 cm ou massa e
diferenciados em câncer lobular HARRISON, et al. 1998 ). dimensão maior.
onde começa nos bulbos (pe- • PN2: metástase em gânglios
quenos sacos que produzem • TX: tumor primário que não axilares unidos uns aos outros e
leite); ou câncer dos ductal, pode ser demonstrado. a outras estruturas.
que se formam nos ductos que • T0: não existe evidência de • PN3: metástase em gânglios
levam o leite dos lóbulos para o tumor primário. linfáticos da mama interna.
mamilo (papila). • TIS carcinoma in situ: carci-
noma intraductal e carcinoma Metástase a Distância (M)
• Sarcomas: formam-se nos lobular in situ.
tecidos conjuntivos, onde é mais • T1: tumor de até 2 cm. • MX: presença de metástase à
comum o câncer se dissipar • T1a: tumor de até 0,5 cm. distância, mas que não pode ser
para outras partes do corpo. • T1b: tumor 0,5 > 1 cm. demonstrado.
• T1c: tumor 1cm > 2 cm. • M0: não há evidência de
O carcinoma é o mais comum. • T2: tumor com mais de 2 cm metástase à distância.
Ele é mais comumente encontrado e e menos de 5 cm. • M1: presença de metástase
diagnosticado na mama esquerda do • T3: tumor com mais de 5 cm. supraclaviculares.

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 55


São considerados cinco estágios A probabilidade de herança ge- fase S maior, e quantidade elevada
de desenvolvimento de tumor segun- nética aumenta se houver vários pa- de estrógeno e baixos receptores de
do o Comitê Americano de Câncer. rentes afetados e se for constatada a progesterona.
ocorrência do câncer numa idade
• Estágio 0:Carcinoma ductal in jovem. 7. Hereditariedade
situ e carcinoma lobular in situ. Dois genes são responsáveis pela
Sem evidência de tumor nos maioria dos cânceres de mama here- A transmissão hereditária de cân-
linfonodos e metástase à dis- ditário: o BRCA1 e BRCA2. cer de mama segue o clássico padrão
tância. O BRCA1, localizado no cro- mendeliano de transmissão autossô-
• Estágio 1: Quando o tumor mos-somo 17, quando mutante, é mica dominante, com 50% das crian-
tem até 2 cm , mas sem qual- capaz de produzir alto risco (talvez ças de carreadoras herdando muta-
quer evidência de ter se espa- até 85% ao longo da vida) de câncer ções BRCA1.
lhado pelos gânglios linfáticos de mama e também de câncer ovari- As portadoras femininas de mu-
próximos. ano (talvez50% de risco ao longo da tações são estimadas a ter um risco
• Estágio 2: Inclui tumores de vida). Cerca de 1/500 mulheres car- de 85% de desenvolvimento de cân-
até 2 cm, mas com envolvimen- regam uma mutação BRCA1 na linha- cer de mama e/ou ovariano, com
to de gânglios linfáticos, ou, gem germinativa, com freqüência, uma maior incidência de câncer bila-
então, um tumor primário de dando origem a uma história familiar teral e mais de 50% dos cânceres de
até 5 cm, com linfonodos axila- consistente. Homens com mutações mama ocorrendo antes dos 50 anos.
res afetados, porém móveis, sem BRCA1 podem ter um aumento mo- (BIESECKER, et al. 1993).
metástase à distância, ou tumor desto no risco de câncer de próstata.
com mais de 5 cm sem compro- “... o câncer de mama genético
metimento linfonodal nem “... há uma série de heteroge- incide, geralmente, em mulheres jo-
metástases distantes. neidade mutacional descrito para o vens, antes dos 50 anos de idade. A
• Estágio 3: Quando o tumor BRCA1, como em geral é o caso nos ocorrência de mais de 2 casos em
tem mais de 5 cm e há envolvi- distúrbios genéticos. Uma exceção são uma família de mulheres jovens,
mento dos gânglios linfáticos as populações Judia Askenazi, em com menos de 50 anos, sugere que
da axila do lado da mama afeta- que um de 100 indivíduos carregam existe a possibilidade de que seja um
da. uma deleção 2-pb particular a 185 defeito genético na família. Além dis-
• Estágio 4: Quando existem del AG no BRCA1.” 1 so, estes tumores costumam ser bila-
metástases distantes, como no terais; é freqüente que surjam nas
fígado, ossos, pulmão, pele ou Mutações em outro gene no cro- duas mama, ás vezes não ao mesmo
outras partes do corpo. mossomo 13, o BRCA2 também tempo. A ocorrência de múltiplos ca-
confere alto risco de câncer de mama, sos em mulheres jovens de tumores
6. Frequência e e um risco um pouco menor de bilaterais, chama a atenção para
epidemiologia câncer ovariano; em homens essas que esta seja pela falta de risco .
mutações também os tornam pro- Outro sinal se dá pelo fato de o câncer
O câncer de mama feminino é pensos ao desenvolvimento de cân- de mama estar associado, nestes ca-
raramente encontrado antes dos 25 cer de mama. sos genéticos, ao câncer de ovário. A
anos de idade, exceto em casos incidência, em uma mesma família,
familiares. A idade habitual que se “Estima-se que a freqüência das de uma mutação genética que pre-
identifica gira em torno dos 30–80 Mutações BRCA 2 seja cerca da disponha à ocorrência do câncer.
anos, sendo mais comum na meia metade da freqüência do BRCA 1 . Estes casos constituem, aproximada-
idade e velhice. Cerca de 1% de Judeus Askenazi mente, de 6% a 10% dos casos gené-
Encontra-se entre as doenças outra vez tem uma mutação comum ticos de câncer de mama. De 90% a
mais comuns e a que mais mata há 6174 del T .” 2 94% não temos uma história famili-
mulheres no Brasil. Dados do Insti- ar.” 3
tuto Nacional do Câncer –I NCA A incidência global do câncer de
mostram que foram diagnosticados mama é menor em mulheres negras. CROOP, et al (1990), constata-
neste ano cerca de 30 mil casos As mulheres nesse grupo desenvol- ram que mutações na linhagem ger-
novos e oito mil morreram por causa vem câncer com uma idade mais minativa do BRCA1 são responsáveis
da doença. avançada e apresentam um aumento por 2% a 4% de todos os cânceres
Este tipo de tumor foi considera- da taxa de mortalidade, em compara- mamários. Embora mais que 90%
do o 3º que mais mata no Brasil. A ção com as caucasóides. deles sejam casos esorádicos ocor-
obtenção de uma história familiar Os Estados Unidos e a Europa rendo em mulheres sem evidências
constitui um fator de risco para de- Setentrional apresentam a maior inci- de susceptibilidade hereditária, aná-
senvolvimento do câncer de mama; 5 dência da doença. lises de espécies de tumores mamá-
a 10% dos casos são atribuíveis á Tumores de mama associados _________________________________________________________________
1
COLLINS,Francis S. 1998.
herança de um gene autossômico ao BRCA1 são mais prováveis em 2
TRENT, Jeffrey M. 1998.
dominante. mulheres com filhos, possuem uma 3
Revista Hands nº3 , 2002.

56 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


rios sugerem que anormalidades kb codificando para uma proteína de ção, controle do ciclo celular e de-
somáticas adquiridas no BRCA1 pos- 3.418 aminoácidos. senvolvimento. O BRCA1 foi associ-
sam também desempenhar um papel Acredita-se que o BRCA1 e o ado com a RNA polimerase holoenzi-
em muitos desses cânceres. BRCA2 se comportam como genes ma 32 e fita CREB33, que implica na
supressores de tumores clássicos, e regulação de transcrição.
8. Estudo de associação que com a perda de uma cópia pre- Em uma mulher que desenvolve
dispõem o portador ao desenvolvi- câncer de mama, antes dos 40 anos, a
Os dois principais genes respon- mento do câncer (BAST, et al. 2000). chance que ela leva uma mutação em
sáveis pela transmissão hereditária do WOOSTER, et al. (1994), estuda- BRCA1 pode ser tão alta quanto 10%.
câncer de mama, o BRCA1 e BRCA2, ram o acoplamento do genoma em O que não é aplicado para BRCA2,
codificam proteínas de 1.863 e 3.350 15 famílias com alto risco de câncer que pode ser associado a uma idade
aminoácidos, respectivamente (Ane- de mama no BRCA1 em 17q21. Esta ligeiramente mais elevada.
xo 03). Ambos os genes são comple- análise descobriu um segundo lugar A prevalência de certas muta-
xos formados por mais de 20 exons. suscetível ao câncer de mama, o ções de BRCA1 e BRCA2 é ocasional-
O BRCA1 foi identificado no BRCA2 no cromossomo 13q12–q13. mente mais alta que o esperado,
lócus 17q21. Este gene codifica uma O estudo em BRCA2 confere um alto devido à transmissão aumentada de
proteína zíncica cujo produto pode, risco de câncer de mama e não con- algumas mutações, em certas popu-
portanto, atuar como fator de trans- fere um risco substancialmente ele- lações, devido ao efeito do fundador
crição. (FAUCI, et al 1998) descreveu vado de câncer ovariano, como é o (BAST, et al. 2000).
que este gene possui 22 exons codi- risco do BRCA1. Foram identificadas mutações de
ficantes e 2 exons não-codificantes, Várias pesquisas indicaram uma fundador características para BRCA1
estendendo-se por cerca de 100 kb associação entre BRCA1 e a proteína e BRCA2 em famílias de Judeus
de seqüência genômica. Seu produto p53, e o encarecimento subseqüente Ashkenazi e de descendentes na Is-
é uma proteína de 1.863 aminoácidos. de atividade de p53 incrimina BRCA1. lândia, Finlândia, Hungria, Rússia,
O BRCA2, localizado no cro- O BRCA1 forma complexos com França, Holanda, Bélgica, Suécia, Di-
mos-somo 13q12-q13, está associado BRCA2 e Rad 51, que é homólogo do namarca e Noruega. A maioria dos
com uma maior incidência de câncer gene Rec A da E. coli em humanos e estudos realizados em BCRA1 e
da mama em homens do que em que é essencial à recombinação nor- BCRA2 foram feitos em caucasóides
mulheres, (FAUCI, et al 1998). Este mal e estabilidade do genoma (BAST, dos Estados Unidos e Europa (BAST,
gene possui 27 exons dispersos por et al 2000). et al. 2000).
70 kb de DNA genômico, e seu trans- O BRCA1 também pode fazer Significantemente, existem me-
crito estende-se por cerca de 10 à 12 um papel de regulação na transcri- nos dados sobre as taxas de muta-
Tabela 1: Quadro comparativo mostrando as propriedades e funções dos genes BRCA1 e BRCA2
BCRA1 BCRA2
Cromossomo 17q21 13q12
Gene 100kb 70kb
Proteína 1.863 aminoácidos Componente da 3.418 aminoácidos
holoenzima RNA-polimerase
Função Supressor tumoral Interage com Supressor tumoral Interage com
proteínas nucleares Possível papel no proteínas nuclearesPossível papel no
reparo do DNA reparo do DNA
Mutações > 500 identificadas >200 identificadas
Risco de câncer de mama Mais de 70% aos 80 anos de idade Mais de 60% aos 70 anos de idade
Idade de início Idade mais jovem (quarta á quinta 50 anos; mais idosa do que o BCRA1.
década de vida)
Risco de outros tumores Risco de câncer ovariano de 30-60% aos Câncer de mama masculina, ovário,
70 anos de idade Próstata, cólon. bexiga, próstata, pâncreas.
Mutações no câncer não - Muito raras (<5%) <5%
familiar
Epidemiologia Mutações específicas mais comuns em Mutações específicas mais comuns em
alguns grupos étnicos (p. ex., presença alguns grupos étnicos
de uma mutação em 20 a 30% dos
cânceres de mama em mulheres Judias
Ashkenazi).
Patologia dos cânceres de Maior incidência:13% de carcinomas Tipos variáveis podendo depender de
mama medulares e tumores de maior grau mutações específicas.
Carcinoma ductal in situ menos
freqüente.
Fonte: COTRAN, R.S.; KUMAR,V.;COLLINS,T. 2001.

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 57


ções de BRCA1 e BRCA2 em famílias das ao câncer de BRCA2 não exibem cleotídeos alelo–específicos (ASO).
de outros grupos étnicos e raciais este efeito. Oito pacientes (3%) eram heterozi-
(BAST, et al 2000). Em segundo, o transporte de gotos para a mutação 185 del AG,
TRAVTIGIAN, et al (1996), ob- Rad51 para o núcleo estava defeituo- dois pacientes (0,75%) para 5382 ins
servaram como o BRCA1, a proteí- so em células que carregam uma C e oito pacientes (3%) para 6174
na de BRCA2 é altamente carrega- mutação associada ao câncer de del T. O risco vitalício para câncer
da, ¼ dos resíduos é ácido ou bási- BRCA2. Assim, BRCA2 regula a loca- de mama em Judeus Ashkenazi por-
co. Porém, havia poucas pistas so- lização intracelular e a habilidade de tadores do BCRA1 185del AG ou
bre a função bioquímica de BRCA2. ligação de DNA de Rad51. BRCA2 6147 del T foram calculadas
Foram observados níveis mais altos STRUEWING, et al. (1997), estu- para ser 36%, aproximadamente 3
de expressão em mama e timo, e daram 120 portadoras de mutações vezes o risco global para a popula-
ligeiramente níveis mais baixos em em BRCA1 e BRCA2. As mutações ção em geral.
pulmão, ovário e baço. Em estudo em BRCA1 estudadas eram 185delAG, Na Austrália, BAHAR, et al.
de 18 famílias, em 9 foi observado e 5382insC; a mutação de BRCA2 (2001), encontraram em Judeus
a deleção de 3 nucleotídeos que estudada era 6174delT. O risco calcu- Ashkenazi a mesma prevalência alta
altera a armação de leitura, e con- lado de câncer de mama em pacien- de 4 mutações do fundador, da mes-
duzem a mutilação da proteína tes com até 70 anos era de 56%, de ma forma que acha em Judeus
BRCA2. Os autores notaram que o câncer ovariano 16%; e de câncer de Ashkenazi nos Estados Unidos e Isra-
BRCA2 é notavelmente semelhante próstata 16%, não havia diferença el. As quatro mutações analisadas era
a BRCA1. Ambos possuem o exon significante no risco de câncer de 185 del AG e 5182 ins C em BRCA1;
11 grande; em ambos a tradução cólon entre os parentes dos portado- 6174 del T em BRCA2 e 11307K em
começa no exon 2; ambos têm su- res. Concluíram que de 2% de Judeus APC.
cessões de codificação que são ri- Ashkenazi levam mutações em STRUEWING, et al. (1995) de-
cas em Adenina; e são compostos BRCA1 e BRCA2, o que confere um clarou que mais de 50 mutações sem
de aproximadamente 70 Kb de Dna risco aumentado de câncer de mama, igual tinham sido descobertas no gene
genômico. O BRCA2 é composto de ovário e próstata. BRCA1, em indivíduos com câncer
27 exons. NEUHAUSEN, et al. (1998), ana- de mama e ovário. Em genealogias
WEBER, et al. (1996), estudaram lisaram famílias Judias e identificou 3 de alto risco, portadoras femininas
3 exons de BRCA2 ( exons 10, 11 e mutações mais freqüentes, possivel- de uma mutação de BRCA1 tiveram
27) em 69 amostras aleatórias de mente através do efeito do fundador 80 a 90% de risco vitalício em câncer
tumor de mama congelados. Eles que são: 185del AG e 5832 ins C em de mama e 40 a 50% de risco de
identificaram uma mutação somática BRCA1 e 6174 del T em BRCA2. câncer de ovário.
truncada de BRCA2 em carcinoma JERNISTON, et al. (1999), con- STRUEWING, et al. (1995), de-
ductal primário: deleção de 1 par de cluíram em seus estudos que os por- terminaram a freqüência da mutação
bases e substituídas pela adição de 9 tadores do BRCA1 e mutações do 185 del AG em 858 Ashkenazi, que
aminoácidos modernos e terminação BRCA2, que têm filhos, estão mais buscam prova genética para condi-
da tradução no códon 894. suscetíveis a desenvolverem câncer ções sem conexão para câncer, e em
CONNOR, et al. (1997), em seus de mama, antes dos 40 anos, que as 815 pessoas de referência não seleci-
estudos com ratos observaram que o portadoras que são nulíparas. Cada onadas pela origem étnica. Eles acha-
BRCA1 e BRCA2 são altamente ex- gravidez aumenta o risco de desen- ram a mutação 185 del AG em 0,9%
pressos proliferando células ao limi- volver câncer de mama. de Ashkenazi . Os resultados sugeri-
te de G1/S do ciclo celular da mama As mutações da linhagem ger- am que 1/100 mulheres de descen-
comum vistos em pacientes com minativa do BRCA1 são responsáveis dência Ashkenazi possam ter alto
mutações nestes genes, sugere que por 2% a 4% de todos os cânceres risco de desenvolver câncer de mama
BRCA1 e BRCA2 possam estar agin- mamários. Embora mais que 90% ou ovário.
do no mesmo tempo. deles sejam casos esporádicos, ocor- Entre as 39 mulheres Judias com
SARAN, et al. (1997), identifica- rendo em mulheres sem evidências câncer de mama antes dos 40 anos,
ram uma interação de proteína de de susceptibilidade hereditária, aná- (FITZ, et al. 1996) acha que 8 (2%)
BRCA2 com a proteína de DNA con- lises de espécies de tumores mamá- carregam a mutação 185 del AG.
serto Rad51. DAVIS, et al. (2001) rios sugerem que anormalidades Em câncer de mama esporádico,
mostrou que o BRCA2 faz um papel somáticas adquiridas no BRCA1 pos- (THOMPSON, et al. 1995) acha o
duplo na regulação da Rad51, que é sam também desempenhar um papel RNAm do BRCA1 em níveis notada-
uma proteína essencial para a recom- em muitos desses cânceres (CROOP, mente diminuídos durante a transcri-
binação homóloga e conserto de DNA. et al. 1990). ção de carcinoma in situ para câncer
Primeiramente, as interações de FODOR, et al. (1998) determi- invasivo.
Rad51 e o BCR3, ou regiões de BCR4 nando a freqüência do BRCA1 co- THOMPSON, et al. (1995), acha-
do BRCA 2, bloqueiam a formação de mum e mutações de BCRA2: 185 del ram que aquela inibição experimen-
filamentos nucleoprotéicos por AG, 5382 ins C e 6174 del T, o DNA tal da expressão de BRCA1 com oli-
Rad51. Alterações para a região de foi analisado para as 3 mutações gonucleotídeos antisense produziu
BCR3 que imitam mutações associa- através de hibridização de oligonu- crescimento acelerado de células nor-

58 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


mais e células malignas, mas não Alelos mutantes de genes ovário e mama, foram achadas 13
teve nenhum efeito em células supressores de tumores, quando her- mutações, das quais se tinham notíci-
epiteliais não mamárias. Eles inter- dados, predispõem os indivíduos a as de apenas 3, na Espanha. As dez
pretaram estes resultados como indi- tipos particulares de câncer. Além mutações modernas são: IVS5+1G>A,
cado que o BRCA1, normalmente de um envolvimento na suscetibili- 1491delA Leu 1086 Ter, e Gln 895Ter
pode servir como um regulador ne- dade herdada para câncer, estes em BRCA1; Glu 49 Ter, 5373del GTAT,
gativo de crescimento de células genes de supressão tumoral são 5947del CTCT, 6672 del TA, 8281 ins
epiteliais mamárias. objetivos para mutações somáticas A, e Pro 3039 Leu em BRCA2. Este
HEDENFALK, et al. (2001), em tipos de câncer esporádicos. Uma estudo, comparado com outros reali-
usando a tecnologia de microarray exceção é o BRCA1, que contribui zados no país, mostra que das várias
para determinar a expressão de com uma fração significante de cân- mutações encontradas na Espanha,
genes em câncer de mama, foi acha- cer de mama e ovário, mas sofre nenhuma parece ter relação, com efei-
do BRCA1 positivos como constata- mutação a taxas baixas em câncer to, do fundador.
do com cânceres de mama BRCA2 de mama e ovário esporádicos. Este KUMAR, et al. (2002), analisa-
positivos. A suspeita de que uma achado sugere que outros genes ram a sucessão de codificação do
diferença poderia ser achada veio possam ter como objetivo principal gene BRCA1 e BRCA2 em 14 pacien-
do fato que os 2 tipos de tumores causar mutações somática em carci- tes de câncer de mama hereditário
são freqüentemente distintos, noma de mama. O outro gene BRCA2 em mulheres Indianas. A análise foi
histologicamente. Além disso, tu- conta, neste estudo, com uma pro- realizada em gel de eletroforese sen-
mores com mutações de BRCA1 são porção quase igual a do BRCA1. O sível (CSGE), seguido de seqüencia-
geralmente negativos para estróge- BRCA1 e o BRCA2 se comportam de mento. Três mutações delas moder-
no e receptores de progesterona, forma dominante, tendo em vista nas no exon 7, enquanto a outra é um
considerando que a maioria dos que herda um alelo mutante e têm apagamento de par básico no exon
tumores, com mutações de BRCA2, um risco maior de desenvolver um 11 que resulta em mutilação de pro-
é positivo para receptores de tumor; tumores que eles desenvol- teína. A mutação 185 del AG, previ-
hormônios. Amostras de RNA de verem perdem o alelo do tipo selva- amente descrita, em Judeus Askenazi,
tumores primários de 7 portadores gem através da perda da heterogozi- também foi encontrada nesta popu-
da mutação de BCRA1 e 7 portado- dade. (TENG, et al. 2002.) lação. Mesmo este sendo o 1º estudo
res da mutação de BCRA2 foi com STEPHENSON, em (2003), estu- realizado com famílias da Índia (14
um microarray de 6.512 clones de dou mulheres com mutações no no total) sugestiona uma baixa
cDNA de 5.361 genes. BRCA1 e BRCA2, que têm um risco prevalência, mas com um envolvi-
ROA, et al. (1996), observaram a mais elevado de desenvolverem cân- mento definitivo de mutações no
mutação 185 del AG em 1,09% de cer de mama, se fizeram uso de gene BCRA1, entre mulheres India-
aproximadamente 3000 Judeus métodos contraceptivos orais, por, nas com câncer de mama.
Ashkenazi, e a mutação 5382 ins C pelo menos, 5 anos ou antes de 1975 A população do Paquistão pos-
em 0,13%, a análise do BCRA2 em (quando preservativos orais geral- sui uma taxa de câncer de mama
3.058 indivíduos da mesma popula- mente tinham um conteúdo de estró- extremamente alta para populações
ção mostraram uma freqüência de geno mais alto que os produzidos Asiáticas e uma das taxas mais altas,
portador de 1,52% pela 6174 del T. depois). Estas têm um risco vitalício mundialmente, do câncer ovariano.
Estes dois alelos são os mais freqüen- de 50 a 80% de desenvolverem cân- Neste estudo com 341 casos de cân-
tes, que predispõem o câncer de cer de mama. O estudo contou com cer de mama, 120 casos de câncer
mama hereditário entre Judeus 1311 pares de mulheres que eram ovariano e 200 controles femininos.
Ashkenazi . portadoras de mutações danosas, em A prevalência de mutações no BRCA1
BAR–SADE, et al. (1997), em um ou ambos genes, a metade de e BRCA2 em pacientes com câncer
estudo com 639 Judeus Iraquianos quem teve câncer de mama e a meta- de mama são de 6,7%, de câncer
saudáveis, que são um grupo de de de quem não tiveram. ovariano são 15,8%. Mutações no
pouco risco para a mutação 185 del LLORT, et al. (2002), em seus gene BRCA1 respondem por 84% das
AG, que é predominantemente em estudos com pacientes espanholas, mutações de câncer ovariano e 65%
Ashkenazi, foram identificados 3 in- analisando mutações em BRCA1 e das mutações de câncer de mama. A
divíduos portadores da mutação 185 BRCA2 têm uma proporção hereditá- maioria das mutações descobertas
del AG . As análises de haplótipo ria significativa baixa, no que diz são novas para o Paquistão. Cinco
iraquiano mostram que 2 comparti- respeito ao câncer de mama. O espec- mutações de BRCA1: 2080 ins A,
lham um haplótipo em comum com 6 tro mutacional nestes genes é muito 3889 del AG, 4184 del 4, 4284 del AG,
portadores Ashkenazi, e um terço grande, com centenas de mutações de e IVS14 – 1A>G , e uma mutação de
teve um haplótipo que diferiu por um BRCA diferentes mundialmente infor- BRCA2 3337C>T, foram encontradas
único marcador. Isto sugeriu que a madas. Mutações devido ao efeito do em múltiplos casos e representam
mutação 185 del AG do BCRA1 pode fundador têm uma fração significativa fortes candidatos ao efeito do funda-
ter sugerido antes da dispersão das de todas as mutações de grupos étni- dor, segundo (LIEDE, et al. 2002).
pessoas judias no Diáspora, pela cos. Em estudo com 35 famílias espa- TERESCHENKO, et al. (2002), es-
mesma época de Cristo. nholas que desenvolveram câncer de tudaram 25 famílias Russas com cân-

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 59


cer de mama e ovário, onde analisa- A detecção de mutações nos genes Em muitas populações, algumas
ram mutações nos genes BRCA1 e BRCA1 e BRCA2 é feita por técnicas de mutações tornam-se mais freqüentes
BRCA2, usando análise de heterodu- biologia molecular capazes de identifi- devido ao efeito do fundador. Uma
plex e multiplex. Além disso, foram car a alteração de uma única base na das populações que teve suas muta-
testadas 22 pacientes com câncer de seqüência de DNA. Devido ao grande ções amplamente estudadas foi o de
mama diagnosticados antes dos 40 tamanho das seqüências de BRCA1 e 2, Judeus Askenazi, onde cerca de 2%
anos, sem história familiar e 6 pacien- primeiramente, busca-se identificar qual da população leva mutações em
tes com câncer de mama bilateral. A exon contém o sítio mutado, antes de BRCA1 e BRCA2 o que confere um
freqüência de mutações no BRCA1 se proceder ao sequenciamento do risco aumentado de câncer de mama,
era de 16%. Uma mutação de BRCA1, DNA. A seqüência de DNA correspon- ovário e próstata.
5382 ins C, foi achada em 3 famílias. dente aos vários exons é amplificada Em Judeus Askenazi, as princi-
Este estudo juntamente com outro por PCR (reação em cadeia da polime- pais mutações encontradas devido
sugere que 5382 ins C no BRCA1 é rase) para a realização desses testes. ao efeito do fundador e que já
uma mutação de fundador na popula- Para o screening inicial de muta- foram descritas em inúmeros paí-
ção Russa. No BRCA2 foram encontra- ções, uma técnica muito utilizada é a ses, são a 185 del AG e 5382 ins C
das 3 mutações em pacientes com de single strand conformation no gene BRCA1, e no BRCA2 a 6174
câncer de mama sem história familiar, polymorphism - SSCP, combinada del T. A prevalência alta destas
2 em pacientes jovens e 1 em pacien- com heteroduplex analysis. A técnica mutações de fundador na linhagem
tes com câncer bilateral. Foram en- de SSCP baseia-se no fato de que a germinativa são responsáveis por
contradas 4 mutações modernas : 695 conformação tridimensional de frag- 2% a 4% de todos os tipos de câncer
ins T, 1528 del 4, 9318 del 4, S1099X. mentos de DNA de fita simples mamário.
No ano de 2000 foram diagnosti- depende da seqüência de nucleotí- Em pacientes Espanholas, das
cados quase 80.000 casos novos de deos, sendo que a diferença de um inúmeras mutações já analisadas em
câncer de mama na Índia. Embora a nucleotídeo altera o padrão de mi- BRCA1 e BRCA2 tem uma proporção
identificação de BRCA1 e BRCA2 au- gração eletrofo-rética. A técnica de hereditária significativa baixa. A com-
mentou a compreensão na genética heteroduplex analysis deriva da ob- paração com outros estudos realiza-
do câncer de mama em populações de servação de que, em reações de PCR, dos no país mostra que nenhuma tem
descendência da Europa Ocidental, o onde estão presentes moléculas de relação, com efeito, do fundador.
papel destes genes no restante da DNA selvagens e mutantes, durante Em mulheres indianas, 3 muta-
população indiana é inexplorado. A os últimos ciclos, podem ser forma- ções modernas foram encontradas e
análise de 20 pacientes com câncer de dos heteroduplex entre essas duas a 185 del AG foi amplamente encon-
mama com qualquer história familiar, espécies de moléculas, os quais terão trada. Existe uma baixa prevalência,
ou idade precoce, conduziu a identi- um padrão de migração eletroforética mas com um envolvimento definitivo
ficação de duas variantes (331+1G>T; diferente dos homoduplexes. Utili- de mutações no gene BRCA1.
4476+2T>C) em BRCA1 (10%) zando-se fragmentos de tamanho en- No Paquistão, dentre as muitas
(SAXENA, et al. 2002). tre 100 e 350 pares de bases, a taxa de mutações já descritas, a 3337 C>T no
RUIZ, et al. (2002), analisaram detecção de mutações para o SSCP BRCA2 representam uma forte
heteroduplex de pacientes mexica- como para o heteroduplex analysis, e candidata ao efeito do fundador.
nos com câncer de mama, onde a associação dos dois métodos pode Na Rússia, a mutação no BRCA1
identificaram mutação truncada em elevar essa taxa para perto de 100% 5382 ins C foi caracterizada por ser
BRCA1 e BRCA2 (3857 del T; 2663 – (sob condições bem controladas e uma mutação de fundador, e tribos
2664 ins A) e oito variantes raras de processamento semi-automatizado). do Canadá também têm 2 mutações
significação desconhecida, princi- Após a identificação do exon, que são estritamente freqüentes.
palmente no gene BRCA2, um caso que a abriga a mutação, esta é carac- A identificação de portadoras de
de câncer de mama masculino tam- terizada pelo sequenciamento do mutações BRCA1 está limitada a um
bém foi identificada. A maioria das DNA. Conhecida a mutação, torna-se número contado de laboratórios, com
alterações parecia ser distinta com possível, também, por sequenciamen- acesso para raras famílias, na qual a
uma única observada em mais de to, pesquisá-lo em outros membros análise de vários parentes oferece
uma família. da família do paciente, com vistas ao informação suficiente para identifi-
LIEDE, et al. (2002), encontra- aconselhamento genético. car carreadores com um alto grau de
ram duas famílias de descendência certeza. Com base na taxa de
aborígines, ambas com as mesmas 9. Discussão carreadoras de uma em 200 a 400
alterações de BRCA1 (1510 ins G; mulheres, a demanda para um
1506 A>G). As famílias representam Com a identificação dos dois rastreamento populacional será pro-
duas Aborígines de tribos canaden- principais genes responsáveis pelo vavelmente substancial.
ses, embora uma origem ancestral câncer de mama hereditário, o BRCA1 A atenção deve ser voltada para
comum é provável. Esta é a primeira e o BRCA2, a genética deu um grande os riscos sociais do teste genético,
evidência de uma mutação de BRCA1, salto em busca da cura de doenças como potencial perda de seguro,
específica para pessoas aborígines que são estritamente comuns e que estigmatização e discriminação do
do Norte da América. mais matam mulheres. empregado.

60 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


Uma vez que o gene BRCA1 e Guanabara, 2ªed. Rio de Janeiro. and BRCA2 mutations in
BRCA2 tenham sido identificados e 1982. Ashkenazi Jewish breast cancer
um teste clínico para mutações co- BIESECHER, B. B.; BOEHNKE, M.; patients. Am. J. Hum. Genet. v .
muns esteja disponível, os proble- CALZONE, K.; MARKEL, D. S.; 63: p.45-51. London, 1998.
mas levantados no aconselhamento GARBER, J. E.; COLLINS, F. S.; HARRISON, J.; FAUCI, A. S.;
de uma única família irão assumir WEBER, B. L. Aconselhamento BRAUNWALD, E.; ISSELBACKER,
enormes proporções. A prevalência genético para famílias com K. J.; WILSON, J. D.; MARTIN, J,
de carreadoras de mutações BRCA1, suceptibilidade hereditária a B.; KASPER, D. L.; HAUSEN, S. L.;
com um risco de aproximadamente câncer de mama e câncer ovari- LONGO, D. Medicina Interna.
85% de desenvolverem câncer de ano. JAMA.; v.269, p.1970–1974. Mc Grawhill, 14ª ed. Rio de Janei-
mama, em muito excedem a inci- Chicago, 1993. ro, 1998.
dência de qualquer outra doença CONNOR, F.; SITH, A.; WOOSTER, HEDENFALK, I.; DUGGAN, D.;
genética para qual o rastreamento R.; STRATTON, M.; DIXON, A.; CHEN, Y.; RADMACHER, M.;
pré-sintomático esteja atualmente CAMPBELL, E.; TAIT, T. M.; BITTNER, M.; SIMON, R.;
disponível. FREEMAN, T.; ASHWORTH, A. MELTZER, P.; GUSTERSON, B.;
O rastreamento para mutação Cloning, chromosomal mapping ESTELLER, M.; KALLIONIEMI, O.-
BRCA1 é provavelmente o 1º teste and expression pattern of the P.; WILFOND, B.; BORG, A.;
pré-sintomático que terá lugar na mouse Brca2 gene. Hum. Molec. TRENT, J. Gene-expression
prática clínica geral, e um sucesso Genet. v.6, p. 291-300. London, profiles in hereditary breast
ou falha desses esforços trará um 1997. cancer. New Eng. J. Med. v.
grande impacto no futuro deste cam- COTRAN, R.S.; KUMAR,V.;COLLINS,T.; 344: p.539-548. London, 2001.
po, com todo o seu potencial para o Patología estrutural e funcio- JERNSTROM, H.; LERMAN, C.;
avanço da medicina preventiva, nal. Guanabara Koogan, 6ª ed. Rio GHADIRIAN, P.; LYNCH, H. T.;
evitando doenças e reduzindo os de Janeiro. 2001. WEBER, B.; GARBER, J.; DALY,
custos da saúde. Tem-se a esperan- CROOP. C.S.; LIDEREAU. R.; M.; OLOPADE, O. I.; FOULKES,
ça de que, com o rastreamento ge- CAMPBELL. G.; CHAMPENE. W. D.; WARNER, E.; BRUNEET, J.
nético, a suscetibilidade ao câncer M.H.; CALLAHAN .R. Loss of S.; NAROD, S. A. Pregnancy and
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62 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


Biosurfatantes a partir de
Pesquisa
resíduos agroindustriais
Avaliação de resíduos agroindustriais como substratos para a produção de biosurfatantes por Bacillus

Márcia Nitschke Introdução Porém, o problema econômico da


Doutoranda em Ciência de Alimentos
Faculdade de Engenharia de Alimentos – UNICAMP
produção de biosurfatantes pode ser
nitschke@bol.com.br Os surfatantes constituem uma significativamente reduzido por meio
classe importante de compostos quí- do uso de fontes alternativas de nu-
Gláucia Maria Pastore micos amplamente utilizados em di- trientes facilmente disponíveis e de
Profa Dra - Laboratório Bioquímica de Alimentos versos setores industriais. Estima-se baixo custo.
Faculdade de Engenharia de Alimentos – UNICAMP
glaupast@fea.unicamp.br que a produção mundial de surfatan- Uma possível alternativa para
tes exceda 3 milhões de toneladas a produção de biosurfatantes seria
Ilustrações cedidas pelos autores
por ano (Banat, 2000), sendo utiliza- o uso de subprodutos agrícolas ou
dos principalmente como matéria- de processamento industrial. Atual-
prima na fabricação de detergentes mente, o aproveitamento de resí-
de uso doméstico. duos vem sendo incentivado por
A grande maioria dos surfatan- contribuir para a redução da polui-
tes disponíveis comercialmente é ção ambiental, bem como por per-
sintetizada a partir de derivados de mitir a valorização econômica dos
petróleo. Entretanto, o crescimento resíduos que seriam simplesmente
da preocupação ambiental dos con- descartados.
sumidores combinado com novas
legislações de controle do meio am- O que são biosurfatantes?
biente levaram os cientistas a
pesquisar surfatantes biológicos Os biosurfatantes possuem uma
como alternativa para os produtos estrutura comum: uma porção
existentes. lipofílica, usualmente composta por
Os biosurfatantes produzidos cadeia hidrocarbonada de um ou mais
por microrganismos vêm, nos últi- ácidos graxos, que podem ser
mos anos, despertando considerá- saturados, insaturados, hidroxilados
vel interesse devido à sua natureza ou ramificados, ligados a uma porção
biodegradável, baixa toxicidade e hidrofílica, que pode ser um éster,
diversidade de aplicações. Entre as um grupo hidróxi, fosfato, carboxilato
aplicações comerciais dos biosurfa- ou carbohidrato (Cameotra & Makkar,
tantes destacam-se a recuperação 1998; Bognolo, 1999). Os microrga-
do petróleo, biorremediação de nismos produtores distribuem-se em
poluentes, formulação de lubrifican- diversos gêneros, sendo a maioria
tes, além de diferentes utilizações produzida por bactérias. As princi-
na indústria têxtil, cosmética, ali- pais classes de biosurfatantes inclu-
mentícia e farmacêutica. em glicolipídios, lipopeptídios e
Atualmente, os biosurfatantes lipoproteínas; fosfolipídios e ácidos
ainda não são amplamente utilizados graxos; surfatantes poliméricos e sur-
pela indústria, devido ao seu alto fatantes particulados (Desai &
custo de produção, associado a mé- Desai,1993).
todos ineficientes de recuperação do Em relação aos surfatantes con-
produto e ao uso de substratos caros. vencionais, os biosurfatantes apre-

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 63


sentam vantagens como (Bognolo, na seleção de um resíduo está em Biosurfatantes produzidos por
1999): encontrar a composição adequada Bacillus
de nutrientes que permita o cresci-
• elevada atividade superficial e mento celular e o acúmulo do pro- Algumas bactérias do gênero
interfacial, o que os torna com- duto de interesse. Em geral, substra- Bacillus produzem diversos lipo-
paráveis ou superiores aos sinté- tos agroindustriais que contenham peptídeos que demonstram ativida-
ticos (detergentes aniônicos altos níveis de carbohidratos ou de de tensoativa ( Rosenberg & Ron,
sulfatados) em termos de lipídeos suprem a necessidade de 1999). As culturas de Bacillus
efetividade e eficiência; fonte de carbono para a produção subtilis produzem um lipopeptídeo
• maior tolerância a pH, tem- de biosurfatantes. O estabelecimen- cíclico conhecido como surfactina
peratura e força iônica; to de um processo biotecnológico a ou subtilisina (Arima et al., 1968),
• biodegradabilidade; partir desses substratos alternativos considerado um dos mais potentes
• baixa toxicidade. também apresenta outra dificulda- biosurfatantes conhecidos (Figura
de, que é a padronização devido às 1). A surfactina também demons-
Os biosurfatantes apresentam variações naturais de composição, trou atividade anticoagulante, anti-
ainda a vantagem de poder ser sin- bem como os custos de transporte , tumoral, antimicrobiana, e, mais re-
tetizados a partir de substratos armazenagem e tratamento prévio centemente, estudos comprovaram
renováveis e de possuir grande di- necessários. Entretanto, a utilização atividade antiviral e antimicoplas-
versidade química, possibilitando de resíduos pode diminuir os custos ma (Vollenbroich et al, 1997a,
aplicações específicas para cada caso de produção para níveis competiti- 1997b).
particular (Desai & Banat, 1997). vos em relação aos similares obtidos O objetivo deste estudo foi veri-
Outra vantagem dos biosurfatantes por via petroquímica e, ao mesmo ficar a potencialidade do uso de subs-
reside no fato de não serem com- tempo, reduzir os problemas ambi- tratos alternativos para a produção
postos derivados de petróleo, fator entais relativos ao descarte e aos de biosurfatante por isolados de
importante à medida que os preços custos do tratamento (Mercade & Bacillus.
do petróleo aumentam. Além disso, Manresa, 1994; Makkar & Cameotra,
a estrutura química e as proprieda- 1999a; Makkar & Cameotra, 2002). Materiais e Métodos
des físicas dos biosurfatantes po- Finalmente, deve-se considerar que
dem ser modificadas através de ma- o Brasil é um país essencialmente Foram utilizados cinco isola-
nipulações genéticas, biológicas ou agrícola e que, portanto, a quantida- dos de Bacillus sp. produtores de
químicas, permitindo o desenvolvi- de e a facilidade de acesso aos biosurfatante pertencentes à cole-
mento de novos produtos para ne- subprodutos agroindustriais é bas- ção de culturas do Laboratório de
cessidades específicas. tante significativa. Bioquímica de Alimentos. Para a

Substratos não convencionais

O sucesso da produção indus-


trial de biosurfatantes depende do
desenvolvimento de processos mais
baratos e do uso de matérias-primas
de baixo custo, uma vez que estas
representam entre 10% a 30% do
custo total (Cameotra & Makkar,
1998). Apesar disso, poucos traba-
lhos têm sido publicados com vistas
a produzir biosurfatantes a partir de
resíduos (Tabela 1). A dificuldade Figura 1. Estrutura da surfactina produzida por Bacillus subtilis.

Tab ela 1. E xemplo s d e u tilização d e resíd u o s n a pro d u ção d e b io su rfatan tes


Su b strato s C lasse q u ímica Micro rgan ismo R eferên cia
Efluente extração óleo oliva rhamnolipídeos Pseu domonas sp. Mercade et al., 1993
Residuos refino óleo de soja rhamnolipídeos P. aeru ginosa Abalos et al, 2001
Água lavagem de batatas lipopeptídeos B. su bt ilis Fox & Bala, 2000
Melaço lipopeptídeos B. su bt ilis Makkar & Cameotra,1997
Soro de leite rhamnolipídeos P. aeru ginosa Koch et al, 1988
Água de turfa lipopeptídeos B. su bt ilis Sheppard& Mulligan 1987
Óleo de fritura usado rhamnolipídeos P. aeru ginosa Haba et al, 2000
Óleo lubrificante usado glicolipídeos Rhodococcu s sp. Mercade et al, 1996
Soro leite desproteinizado sophorolipídeos C. bombicola Daniel et al, 1998
Manipueira lipopeptídeos B. su bt ilis Santos et al, 1999

64 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


produção de biosurfatante foram
utilizados:

• melaço (3% v/v sólidos solú-


veis) pH 6,0;
• manipueira (resíduo líquido
proveniente da fabricação de fa-
rinha de mandioca) pH 5,8-5,9;
• soro de leite (fabricação de
queijo mussarela) pH 6,4 ;
• meio sintético proposto por
Cooper et al. (1981) pH 6,8-6,9.

A manipueira foi tratada previa-


mente com aquecimento a 100°C,
por 3 minutos e centrifugação a
10.000 rpm, por 20 minutos, para
remoção de sólidos. O pH dos resí-
duos não foi ajustado. Os meios Figura 2. Percentagem de redução na tensão superficial obtida por isolados de Bacillus
foram esterilizados em autoclave a sp. em diferentes substratos.
121°C, por 20 minutos.
Uma alçada das culturas mantidas
a 4°C foi transferida para erlenmeyer de
50 mL, com 20 mL de caldo nutriente e
incubada em agitador rotatório a 120
rpm, 30°C, por 24 horas. Após, 1 mL de
cada cultura a ser testada foi inoculado
em frascos erlenmeyers de 50 mL con-
tendo 15 mL dos respectivos meios,
que foram incubados em agitador
rotativo tipo shaker a 30°C e 150 rpm,
por 72 horas. Os meios foram centrifu-
gados a 10.000 rpm, por 15 minutos, e
o sobrenadante, livre de células, utiliza-
do para determinações analíticas.
A tensão superficial foi determi-
nada em tensiômetro Krüss, modelo
K12, utilizando o método da placa. O
biosurfatante foi isolado do meio de
cultivo por precipitação ácida a pH
2,0, seguida de extração com cloro-
Figura 3. Atividade emulsificante (E24) de solução de biosurfatante frente à diferentes
fórmio/metanol (65:15), segundo
hidrocarbonetos. (1) Hexano, (2) Tolueno, (3) Heptano, (4) Decano, (5) Querosene,
Makkar & Cameotra (1999b). A ativi- (6) Tetradecano, (7) Hexadecano, (8) Óleo de soja, (9) Gordura de côco.
dade emulsificante (E24) foi realizada
em tubos com tampa rosca contendo colocadas em erlenmeyer de 250 mL, Resultados e Discussão
4 mL de solução aquosa, 1mg/mL de adicionando-se-lhe 20 mL de água
biosurfatante (obtido em manipueira) (frasco controle) e 20 mL de solução Os resultados obtidos nos en-
adicionados de 6 mL de hidrocarbo- aquosa 1mg/mL de biosurfatante ob- saios de produção de biosurfatante em
netos, sendo que cada tubo foi sub- tido (frasco teste). Os frascos foram diferentes substratos alternativos são
metido a vortex máximo por 2 minu- agitados a 150 rpm, por 12 horas em mostrados na Figura 2. Nota-se que
tos e deixado em repouso por 24 temperatura ambiente. Retirou-se todos os isolados testados demonstra-
horas. O índice E24 foi determinado deles o líquido da primeira lavagem e ram capacidade de produzir biosurfa-
medindo-se a altura da camada emul- procedeu-se a uma segunda adição de tante e, conseqüentemente, de reduzir
sionada (cm) dividindo-a pela altura 20 mL de água e biosurfatante, incu- a tensão superficial dos meios testa-
total de líquido x 100. A remoção de bando-os nas mesmas condições aci- dos, sendo que a manipueira forneceu
petróleo de areia contaminada foi ma. O líquido da segunda lavagem foi as maiores percentagens de redução ,
testada através da saturação de 60g de removido e a areia foi retirada do na ordem de 42% , para todos os
areia com 5 mL de petróleo. Porções frasco sendo colocada em estufa a isolados testados; entretanto, o soro de
de 20g da areia contaminada foram 50°C até a secagem. leite apresentou uma redução média

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 65


Figura 4. Capacidade de remoção de petróleo de amostra de areia utilizando solução de biosurfactante.
(1) Biosurfatantes, (2) controle, (3) água.
Tab ela 2. A tivid ad e
emu lsifican te d o b io su rfatan te
o b tid o em man ipu eira
Hidrocarboneto E 24 (%)
Hexano 66,6
Tolueno 72,7
Heptano 66,6
Decano 70,4
Querosene 70,4
Tetradecano 70,9
Hexadecano 69,0
Óleo de soja 74,0
Gordura e côco 70,9
Petróleo 69,0
de 10% , ressaltando que o isolado
LB5a não produziu surfatante nesse
resíduo. O melaço também demons-
trou boa potencialidade como substra-
to para produção de biosurfatante pe-
los microrganismos testados e apre-
sentou redução média de, aproxima-
damente, 33%. O meio sintético utili-
zado como padrão foi definido por
Cooper et al. (1981), para a produção
de surfactina por Bacillus subtilis ATCC
21332 e vem sendo utilizado, desde
então, como uma referência para a
produção de biosurfatantes de Bacillus. Figura 5 . Águas de lavagem da areia impregnada com petróleo.
Nota-se que, apesar de permitir a pro- A1-A2: água; BS1-BS2: solução biosurfatante 1mg/mL.
dução de biosurfatante por todos os
isolados, esse meio mostrou resulta- rais como P, K, Mg, Mn, S, Fe, Cu, Zn, et al, 1991). A capacidade emulsificante
dos inferiores (com redução média de Ca (Cereda, 1994). Segundo Cooper et do biosurfatante obtido em manipueira
21,5%) aos da manipueira e do mela- al. (1981), os sais minerais, principal- pelo isolado LB5a foi avaliada através
ço, sugerindo que estes dois resíduos mente Fe e Mn, são fatores nutricionais do índice E24 com diferentes hidrocar-
possuem uma composição de nutrien- importantes para a produção de surfa- bonetos (Tabela 2). Os índices obtidos
tes adequada para a produção de bio- tantes por linhagens de Bacillus. A (60%-80%) revelam alta especificida-
surfatantes. presença desses minerais, além de de do biosurfatante contra todos os
Embora a composição química fontes de carbono e nitrogênio, seja, hidrocarbonetos testados, formando
varie de acordo com a época do ano e provavelmente, o principal motivo de emulsões estáveis do tipo A/O (Figura
com o tipo de cultivar de mandioca, a haver maior produção de biosurfatan- 3). O composto obtido possui potenci-
manipueira possui em sua composição tes nesse resíduo. al para uso na biorremediação, recupe-
uma grande quantidade de carbohidra- Em adição à tensão superficial, ração de petróleo e emulsificação de
tos (40-60 g/L ) destacando-se ainda a a estabilização de emulsões é freqüen- óleos e gorduras.
presença de frutose, glicose e sacarose, temente utilizada como um indicador Com vistas a avaliar a capacida-
além de nitrogênio (1-2 g/L) e mine- da atividade superficial (Abu-Ruwaida de do biosurfatante produzido em

66 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


manipueira pelo isolado LB5a em re- CEREDA, M.P. Resíduos da in- MAKKAR, R.S.; CAMEOTRA, S.S.
mover petróleo de areia contamina- dustrialização de mandioca no Bra- Structural characterization of a
da, procedeu-se a um experimento sil. São Paulo, Paulicéia, 1994. 174p. biosurfatant produced by Bacillus
ilustrado nas Figuras 4 e 5, onde se COOPER, D.G.; MACDONALD, subtilis at 45°C. Journal of Surfactants
observa que a areia tratada com solu- C.R.; DUFF, S.J.B.; KOSARIC, N. and Detergents, 2(3): 367-372, 1999b.
ção de biosurfatante apresenta aspec- Enhanced prodution of surfactin from MAKKAR, R.S.; CAMEOTRA, S.S.
to mais claro e as respectivas águas de B. subtilis by continuous product An update on the use of unconventional
lavagem demonstram maior capaci- removal and metal cation additions. substrates for biosurfactant production
dade de recuperação do petróleo em Applied and Environmental and their new applications. Applied
relação ao tratamento sem tensoativo. Microbiology, 42: 408-412, 1981. Microbiology and Biotechnology,
DANIEL, H.J.; REUSS, M.; SYLDATK, 58: 428-434, 2002.
Conclusões C. Production of sophorolipids in high MERCADE, M.E.; MANRESA, M.A.;
concentration from deprotenized whey ROBERT, M.; ESPUNY, M.J.; ANDRES,
Entre os resíduos agroindustriais and rapeseed oil in a two stage fed batch C. De; GUINEA, J. Olive oil mill effluent
testados, a manipueira foi que de- process using Candida bombicola ATCC (OOME). New substrate for biosurfactant
monstrou a maior potencialidade para 22214 and Cryptococcus curvatus ATCC production. Bioresource Technology,
uso como substrato alternativo na 20509. Biotechnology Letters, 20: 1153- 43: 1-6, 1993.
produção de biosurfatantes por isola- 1156, 1998. MERCADE, M.E.; MANRESA, M.A.
dos de Bacillus, sendo que o compos- DESAI, J.D.; BANAT, I.M. Microbial The use of agroindustrial by-products
to obtido apresentou capacidade para production of surfactants and their for biosurfactant production. Journal
uso em biorremediação de poluentes commercial potential. Microbiology of American Oil Chemist´s Society,
e em recuperação de petróleo. and Molecular Biology Reviews, 71 (1): 61-64, 1994.
61(1): 47-64, 1997. MERCADE, M.E.; MONLEON, L.;
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antimicrobial properties of new BUSQUETS, M.; MANRESA, A. DAMASCENO, S.; CEREDA, M.P. Pro-
rhamnolipids produced by Pseudomonas Screening and production of dução de biosurfactantes por linhagens
aeruginosa AT10 from soybean oil rhamnolipids by Pseudomonas de Bacillus subtilis utilizando manipueira
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peptide lipid surfactant produced by KAPELLI, O.; FIECHTER, A. Genetic C.N. The production of surfactin by
Bacillus subtilis: isolation, characterization construction of lactose-utilizing Bacillus subtilis grown on peat
and its inhibition of fibrin clot formation. strains of P.aeruginosa and their hydrolysate. Applied Microbiology
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Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 67


Controle de qualidade
Pesquisa de ervas medicinais
Controle de qualidade de Phyllanthus niruri L. (quebra-pedra)

Gabrielle Mouco Introdução cálculos renais, impedindo a con-


Aluna de graduação em Farmácia - UNIP
gabimouco@yahoo.com.br tração do ureter e promovendo a
O controle de qualidade da sua desobstrução. Desenvolve ati-
Maira Jardim Bernardino droga vegetal é imprescindível, vidade diurética pela elevação da
Aluna de graduação em Farmácia - UNIP pois muitas espécies vegetais são filtração glomerular e excreção
mjb@ajato.com.br
vendidas sem nenhuma garantia urinária dos sais de uratos (Tona et.
de qualidade, o que favorece des- al., 2001; Teske et. al., 1995; Ogata
Melânia Lopes Cornélio, Ph.D
Farmacêutica, Ph.D- Química de Produtos Naturais de a venda de espécies falsificadas et. al., 1992).
Professora Titular da Disciplina de Farmacognosia até o armazenamento inadequado Outro estudo realizado mos-
UNIP - Universidade Paulista-SP
melaniacornelio@yahoo.com.br da droga vegetal durante a sua trou o efeito do Phyllanthus niruri
comercialização. A análise aqui des- sobre a cristalização do oxalato de
Ilustrações cedidas pelos autores
crita foi realizado com a droga cálcio in vitro. Por meio desse estu-
vegetal adquirida e conhecida po- do, pôde-se concluir que o extrato
pularmente como quebra-pedra. O de quebra-pedra interfere no cres-
controle de qualidade dessa droga cimento e na agregação dos cristais
vegetal foi feito a começar da sua na urina humana, sugerindo que
descrição microscópica, para veri- essa planta tem um papel potencial
ficar a autenticidade da espécie a na prevenção de cálculo renal ou
fim de evitar equívocos. Também do desenvolvimento (Barros, 2002;
foram realizados testes químicos Freitas et. al., 2002; Campos et. al.,
para confirmar as principais clas- 1999; Dias et. al., 1995).
ses de seus constituintes químicos
descritos na literatura (De Souza Materiais e Métodos
et. al., 2002; Duke, 2000). Os inte-
resses terapêuticos do Phyllanthus 1 - Dados da Amostra
niruri L. provêm principalmente
de suas propriedades diuréticas A amostra analisada foi adqui-
para o combate de cálculos renais. rida em uma farmácia comercial e
Devido a isso, estão sendo desen- apresentava as folhas secas em frag-
volvidos vários estudos para isolar mentos de 0,5 cm a 1,0 cm.
a substância responsável por tais Apresentava uma coloração
propriedades, além de elucidar a esverdeada que indicava que a
melhor maneira de tratamento amostra havia passado por proces-
(Teske et. al., 1995). so de secagem.
Estudos experimentais com as
folhas e as sementes também têm 2 - Controle Físico
demonstrado a sua ação hipoglice-
miante, antibacteriana e anticance- Processo de Catação -
rígena. Em ensaios especiais, mos- Determinação da Pureza
trou-se que é ativa contra o vírus da
hepatite B in vivo e in vitro. Além Esse processo visou a avaliar
disso, possui a virtude de dissolver se a amostra apresentava material

68 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


estranho, partículas que não cor- Extração Genérica de Taninos Reação com Solução de Acetato
respondessem à droga analisada. A de Cobre
quantidade de amostra analisada Pesou-se cerca de 2g da droga
foi de 25 g de material vegetal. (quebra-pedra) pulverizada; Em um tubo de ensaio colo-
Extraíram-se os taninos com cou-se cerca de 1,0 mL de solução
3 - Descrição cerca de 40 mL de água destilada, extrativa diluída na proporção de
microscópica deixando-a ferver durante, aproxi- 1:5. Adicionaram-se-lhe 1 ou 2 go-
madamente, 2 minutos; tas de solução aquosa de acetato de
Os fragmentos da parte da fo- Filtrou-se em papel de filtro, cobre a 5%.
lha foram submetidos a estudo procurando manter o pó no fundo Esperou-se para se observar a
histológico, e neles foram realiza- do recipiente; formação de um precipitado casta-
dos cortes do tipo paradérmico e Repetiram-se mais duas extrações, nho avermelhado.
transversal com cerca de 10 mL de água cada;
Filtrou-se novamente, como in- Reações Específicas de
4 - Análise química dicado anteriormente; Taninos:
Utilizou-se o filtrado para as Reação com Acetato de
As folhas secas foram submeti- reações de identificação seguintes. chumbo e Ácido Acético
das a processos químicos de iden- Glacial
tificação das seguintes classes de Reação com Cloreto Férrico
constituintes químicos: taninos, Em um tubo de ensaio coloca-
heterosídeos flavanoídicos, hetero- Em um tubo de ensaio colo- ram-se cerca de 3 mL de solução
sídeos saponínicos, heterosídeo cou-se cerca de 1,0 mL da solução extrativa e adicionaram-se-lhe cer-
antraquinônicos, alcalóides e óleos extrativa e adicionaram-se-lhe 5,0 ca de 2 ml de ácido acético glacial
voláteis (Costa, 2001). mL de água destilada e uma gota de a 10% e 3 mL da solução de acetato
A seguir serão apresentadas as cloreto férrico 2% (escorrendo-o de chumbo a 10%.
metodologias dos ensaios de iden- pela parede do tubo). Esperou-se para observar a for-
tificação das classes dos constitu- Foi necessário que se obser- mação de um precipitado castanho
intes químicos mencionados. Vale vasse a formação de um precipita- avermelhado que indicasse a pre-
lembrar que são testes qualitativos do ou o aparecimento de colora- sença de taninos gálicos.
com vistas a somente verificar a ções: preta, verde, azul, conforme o
presença ou a ausência do constitu- tipo de estrutura química. Obs: A adição de ácido acético
inte químico em questão. impede a precipitação de taninos
Reação com Solução Aquosa de catequínicos.
4.1 - Métodos de Identificação Alcalóides
Reação com Reativo de
4.1.1 - Taninos Em um tubo de ensaio colo- Wasicky
cou-se 1,0 mL da solução extrativa,
Os taninos são substâncias diluída a uma proporção 1:5. Adici- Eliminou-se o precipitado da
polifenólicas, polihidroxiladas, de onaram-se-lhe 5 gotas de ácido clo- reação com acetato de cobre (ante-
alto peso molecular, de origens ve- rídrico a 5% e 1 ou 2 gotas de rior) por filtração e utilizou-se o
getais, capazes de precipitar prote- solução de sulfato de alcalóides. filtrado.
ínas, pectinas, alcalóides e metais Esperou-se para observar a for- Adicionaram-se cerca de 0,5
pesados em solução aquosa (Simões mação de um precipitado branco mL de solução de poli-metil-amino-
et. al., 2001). ou castanho esbranquiçado. benzaldeído. Esperou-se para ob-
A estrutura química é complexa servar a formação de um precipita-
na sua maioria, apresenta caracterís- Reação com Acetato Neutro de do carmim ou róseo que indicasse a
ticas adstringentes ao paladar e são Chumbo presença de tanino catequínico.
capazes de curtir a pele dos animais,
transformando-a em couro. Em um tubo de ensaio colo- 4.1.2– Saponinas
Os taninos são sólidos, amorfos cou-se 1,0 mL da solução extrativa
na sua maioria, solúveis em água, diluída na proporção 1:5. Adicio- Saponinas são glicosídeos de
álcool, glicerina e polietilenoglicol. naram-se-lhe 1 ou 2 gotas de solu- esteróides ou terpenos policíclicos.
São insolúveis em solventes orgâni- ção aquosa de acetato neutro de Esse tipo de estrutura, que possui
cos apolares. chumbo a 10%. uma parte lipofílica (triterpeno ou
Classifica-se em gálicos, hi- Esperou-se para observar a for- esteróide) e outra hidrofílica (açú-
drolisáveis, catequínicos ou con- mação de um precipitado castanho cares), determina a propriedade de
densados. avermelhado volumoso e denso. redução da tensão superficial da

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 69


água, característica de suas ações gotas de solução de vanilina a 1% Reservou-se esse extrato para
detergente e emulsificante (Simões em ácido clorídrico. executar as reações gerais de iden-
et. al., 2001). Esperou-se para observar o tificação.
aparecimento de coloração azul que
Extração Genérica das se desenvolvesse somente a quente. Reações Genéricas de
Saponinas Identificação de Flavonóides
Reação com Reativo de
Em um aparelho de refluxo Sulfo-vanílico: No tubo de en- Reação de Shinoda: Adicio-
colocaram-se 90 mL de extrato aquo- saio onde se realizou a evapora- naram-se cerca de 5 mL do extrato
so 1% da droga. ção de 5 mL da fase orgânica, em um tubo de ensaio que continha
Adicionaram-se-lhe cerca de 10 adicionaram-se uma ou duas go- uma pitada de magnésio metálico.
mL de ácido clorídrico. tas de solução de vanilina 1% em Acrescentaram-se-lhe 0,5 - 1,0 mL
Deixou-se o processo em re- ácido sulfúrico. de ácido clorídrico.
fluxo por aproximadamente uma Esperou-se para observar o Observou-se o desenvolvimen-
hora para, em seguida, desligá-lo e aparecimento de coloração violeta- to de coloração rósea-avermelhada
deixá-lo esfriar. azulada. indicaria a presença de flavonóis;
Transferiu-se o líquido para um violeta indicaria a presença de
funil de separação de 200 mL e Reação de Liebermann: No flavanonas e laranja indicaria a pre-
adicionaram-se-lhe 50 mL de cloro- tubo de ensaio onde se realizou sença de flavonas.
fórmio. Repetiu-se a extração com a evaporação de 5 mL da fase Obs.: O desenvolvimento da
clorofórmio por mais duas vezes. orgânica, dissolveu-se o resíduo cor pode ocorrer imediatamente ou
Reduziu-se o volume a 75 mL em 2 mL de ácido acético glacial. após algum tempo.
em banho-maria. Adicionaram-se-lhe 1 ou 2 gotas
de cloreto férrico a 3%. Em se- Reação com Cloreto de Alu-
Processos Gerais de guida, verteram-se , pela parede mínio: Sobre um papel de filtro,
Identificação de Saponinas do tubo, 1 ou 2 mL de ácido demarcaram-se duas áreas A e B.
sulfúrico sem agitar . Na superfí- Depositaram-se em cada uma de-
Obs.: Para cada reação de iden- cie de contato entre os dois lí- las algumas gotas do extrato da
tificação, evaporou-se cerca de 5 quidos, poderia formar-se um droga e esperou-se secar. Em se-
mL da fase orgânica obtida anteri- anel com coloração pardo-aver- guida, colocou-se em uma das áre-
ormente. melhada ou verde, que indicaria as 1 gota de solução de cloreto de
a presença de derivados esteroi- alumínio 5% em etanol. Eliminou-
Reação de Rossol: No tubo de dais, ou com coloração azul, que se o etanol. Verificou-se o com-
ensaio onde se realizou a evapora- indicaria a presença de deriva- portamento da substância nas duas
ção de 5 mL da fase orgânica, adici- dos triterpenóides. áreas frente à luz ultravioleta. Ob-
onou-se uma gota de ácido sulfúri- servou-se o aspecto fluorescente
co concentrado. 4.1.3- Flavonóides que indicasse a presença de
Esperou-se para observar o flavonóides.
aparecimento de uma coloração ver- Os flavonóides, biossintetiza-
melha ou violeta que indicasse a dos a partir da via dos fenilpropa- Reação com Cloreto Férri-
presença da sapogenina. nóides, constituem uma importante co: Diluiu-se o extrato com água na
classe de polifenóis, presentes com proporção de 1:5, em seguida, co-
Reação de Mitchell: No tubo relativa abundância entre os locaram-se em dois tubos de ensaio
de ensaio onde se realizou a evapo- metabólitos secundários de vege- 5 mL do extrato diluído. Adicionou-
ração de 5 mL da fase orgânica, tais (Simões et. al. 2001). se pela parede de um dos tubos 1
adicionou-se uma gota de ácido gota de cloreto férrico 2%.
sulfúrico concentrado e vestígios Extração Genérica de Esperou-se para observar o de-
de nitrato de prata. Compostos Flavonoídicos: senvolvimento de cor, que poderia
Esperou-se para observar o apa- variar entre verde, amarelo-casta-
recimento de uma coloração aver- Pesaram-se cerca de 2,0 g da nho e violeta, de acordo com o tipo
melhada que indicasse a presença droga; de composto flavonoídico.
de sapogenina. Colocada em um béquer, adici-
onaram-se-lhe cerca de 15 mL de Reação com Hidróxido de
Reação de Rosenthalen: No etanol a 75%; Sódio: Diluiu-se o extrato na pro-
tubo de ensaio onde se realizou a Foi fervida por alguns minutos; porção de 1:5. Colocaram-se 5 mL
evaporação de 5 mL da fase orgâni- Em seguida, foi esfriada e fil- desse extrato diluído em um tubo
ca, adicionaram-se uma ou duas trada em papel de filtro; de ensaio e adicionaram-se-lhe 1

70 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


ou 2 gotas de NaOH 5%. sença da antraquinona na forma nar algumas gotas sobre o resíduo e
Observou-se o desenvolvimen- reduzida, ou de uma coloração observar desenvolvimento de colo-
to de coloração amarela, que varia avermelhada que indicasse a pre- ração amarelo claro.
de intensidade. sença da antraquinona na forma Reagente de Bourchardat - Adi-
oxidada. cionar algumas gotas sobre o resí-
4.1.4- Glicosídeos duo e observar o desenvolvimento
Antraquinônicos 4.1.5 - Alcalóides de coloração amarelo tijolo.
Reagente de Bertrand - Adicio-
São compostos naturais encon- Os alcalóides que contêm um nar algumas gotas sobre o resíduo e
trados sob forma glicosídica ou átomo de nitrogênio em um anel observar o desenvolvimento de co-
livres derivados do núcleo antra- heterocíclico são chamados de loração amarelo tijolo.
cênico. Relacionam-se diretamen- alcalóides verdadeiros e são classi- Reagente de Mayer - Adicionar
te com antraquinona, uma dicetona ficados de acordo com o sistema algumas gotas sobre o resíduo e
insaturada. Possuem ação catártica anelar presente na molécula. As observar desenvolvimento de um
e são classificadas, como catártico substâncias com o átomo de nitro- precipitado floculoso branco.
estimulante (Akisue, 2002). gênio que não pertença a um siste- Reagente de Dragendorff - Adi-
ma heterocíclico são denominados cionar algumas sobre o resíduo e
Extração dos glicosídoes de protoalcalóides. observar desenvolvimento de colo-
antraquinônicos Compostos nitrogenados com ração amarelo tijolo.
e sem anéis heterocíclicos, que não
Reação de Bornträeger: Pesou- são derivados de aminoácido, são 4.1.6 - Óleos voláteis
se cerca de 1g da droga, adiciona- chamados de pseudoalcalóides
ram-se-lhe cerca de 20 mL de etanol (Simões et. al., 2001). Os óleos voláteis são definidos
a 75% e foi aquecida durante 2 como produtos obtidos de partes de
minutos em banho-maria. Métodos de Identificação de planta por meio da destilação por
Em seguida, realizou-se a fil- Alcalóides arraste com vapor d’água. São mis-
tração em funil simples e adicio- turas complexas de substâncias vo-
naram-se ao filtrado cerca de 2mL Pesar cerca de 1g da droga em láteis lipofílicas, geralmente odorí-
de ácido sulfúrico que foi leva- um béquer, adicionar 30 mL de feras e líquidas (Simões et. al., 2001).
do ao banho-maria durante 1 mi- solução de HCL 1,5% e aquecer por Pesar cerca de 1 g da droga a
nuto. aproximadamente 3 minutos. Em ser analisada, colocar em um gral
Deixou-se o filtrado acidificado seguida, filtrar o sobrenadante em de vidro, adicionar cerca de 1 mL de
esfriar. algodão e transferir o filtrado para etanol absoluto e triturar. Pingar
Realizou-se a extração em um um funil de separação. uma gota em um papel de filtro,
funil de separação com 10 mL de evaporar e sentir o aroma, o qual
acetato de etila, e repetiu-se a ex- Testes de Identificação indica a presença de óleos voláteis.
tração por mais duas vezes.
Mediram-se cerca de 5 mL da Alcalinizar o filtrado obtido 5 - Resultados
fase orgânica e adicionaram-se-lhe anteriormente com solução de
cerca de 1 ou 2 gotas de hidróxido Hidróxido de Amônio (NH 4OH) Na amostra continha fragmen-
de amônio. até atingir um pH entre 9 e 10 tos de folhas e caules de tamanhos
Esperou-se para observar a for- (utilizar papel tornassol para de- que variavam de 0,1 a 1,0 cm de
mação de uma coloração amarela, terminar o pH). tamanho.
que indicasse a presença da antra- Em seguida, adicionar ao filtra- Observou-se que em 25 g da
quinona na forma reduzida, ou ver- do alcalinizado cerca de 15 mL de amostra que 0,75 g correspondia a
melha, que indicasse a presença da Clorofórmio (CHCl3) e agitar para fragmentos de materiais estranhos
antraquinona na forma oxidada. que os alcalóides presentes passem à planta. A Farmacopéia Brasileira
para a porção orgânica. Colocar recomenda que a porcentagem de
Reação com Hidróxido de cinco gotas do extrato em cada material estranho de outra parte da
sódio: Pesaram-se 0,5 g de dro- cápsula de porcelana, colocá-las em planta tenha um limite de tolerência
ga, que foi colocada em um vidro uma chapa e esperar secar, após em torno de 10%.
de relógio e adicionaram-se-lhe isso, dissolver o resíduo com 4 go- A análise microscópica da dro-
algumas gotas de hidróxido de tas de solução de HCl 1,5% em ga vegetal através dos cortes
sódio a 0,5%. todas as cápsulas e em cada uma histológicos e a sua descrição
Esperou-se para observar o adicionar o reagente de identifica- macroscópica foram comparadas
aparecimento de uma coloração ção de alcalóides: com dados da literatura, o que per-
amarelada, que indicasse a pre- Reagente de Sheibler - Adicio- mitiu confirmar que a droga vegetal

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 71


Tabela 1- Resultados das reações indicativas da presença ou ausência de taninos em P. niruri
Reativos Anacardium occidentale Phyllanthus niruri
Reação com cloreto Férrico (Gerais) PRECIPITADO AZUL -
Reação com Solução Aquosa de
PRECIPITADO CASTANHO -
Alcalóides
Reação com Acetato Neutro de
Chumbo PRECIPITADO CASTANHO -
Reação com Solução de Acetato de PRECIPITADO CASTANHO -
Cobre
Reação com Acetato de Chumbo e
PRECIPITADO CASTANHO -
Ácido acético Glacial
Reativo de WASICKY PRECIPITADO ROSA -
Reação com Cloreto Férrico
(Específica) COLORAÇÃO VERDE -
(-) ausência
Tabela 2- Resultados das reações indicativas da presença ou ausência de glicosídeos saponínicos.
Reativos Quilaia saponaria Phyllanthus niruri
Rossol + -
Mitchell + -
Rosenthalen + -
Reativo Sulfo-Vanílico + -
Liebermann + -
(+) presença
(-) ausência
Tabela 3- Resultado das reações indicativas da presença ou ausência de glicosídeos flavanoídicos.
Reativos Ginkgo biloba Phyllanthus niruri
Shinoda VERDE (flavonas) VERDE (flavonas)
Cloreto de Alumínio FLORESCÊNCIA AMARELO- FLORESCÊNCIAAMARELO-ACASTA-
ACASTANHADO ( flavonol) NHADO (flavonol)
AMARELO-ACASTANHADO
Cloreto Férrico VERDE (flavonas)
(flavonol)
Hidróxido de sódio AMARELA (flavonol) AMARELA (flavonol)
Tabela 4- Resultado das reações da presença ou ausência de glicosídeos antraquinônicos.
Reativos Dimorphandra mollis Phyllanthus niruri
Bornträeger vermelho vermelho
Hidróxido de Sódio vermelho vermelho
Tabela 5- Resultados das reações indicativas da presença ou ausência de alcalóides.
Reativos Chichona calisaya Phyllanthus niruri
Sheibler AMARELO CLARO AMARELO CLARO
Bourchardat AMARELO TIJOLO AMARELO TIJOLO
Dragendorff AMARELO TIJOLO AMARELO TIJOLO
Bertrand AMARELO TIJOLO AMARELO TIJOLO
Mayer BRANCO BRANCO
em análise era mesmo a espécie 5.1 - Saponinas 5.2 - Flavonóides
Phyllanthus niruri L (Souza, 2003).
Nos testes realizados para iden- Para as reações de identifica- Para as reações de identificação
tificar os taninos, foi usada como ção de heterosídeos saponínicos de flavonóides, utilizou-se como dro-
droga padrão o cajueiro (Anacardium foi utilizada como droga padrão a ga padrão a Ginkgo (Ginkgo biloba
occidentale), droga vegetal que tem quilaia (Quilaia saponaria) para ). Os resultados das análises mostra-
como principais constituintes quími- compará-la com a droga em estudo. ram que a espécie P. niruri apresen-
cos os taninos, e a droga em estudo Os resultados demonstraram que a tou flavonóides na sua composição
não indicou a presença de taninos P. niruri não possui saponinas (Ta- química, de acordo com que se pode
nos testes realizados (Tabela-1). bela-2). observar na tabela (Tabela-3).

72 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


5.3 - Glicosídeos no presente trabalho, mas que se vitro. J. Pharmacol, 47 (10):
Antraderivados sabe fazem parte da constituição 846-51, 1995.
química da planta. Acredita-se que DUKE, J. A. Handbook of
Para os resultados das rea- algumas dessas substâncias sejam Phytochemical Constituints of
ções indicativas da presença ou responsáveis pelo efeito terapêu- Gras Herbs and Other
ausência foi utilizada como droga tico atribuído ao quebra-pedra, Economic Plants. USA: CRC
padrão o faveiro (Dimorphandra porém não se sabe ao certo qual Press, 2000.
mollis ) e a droga vegetal em dessas substâncias é especifica- FREITAS, A. M., SCHOR, N.,
análise - P. niruri – apresentou, mente a responsável por tal pro- BOIM, M. A. The effect of
na sua composição química, priedade. Assim, os constituin- Phyllanthus niruri on
indicativo da presença de glicosí- tes identificados na análise inhibitor of calcium oxalate
deos antraquinônicos na forma fitoquímica foram suficientes para crystallization and other
oxidada, como podemos observar afirmarmos que a planta utilizada factors associated with renal
na tabela (Tabela-4). era realmente o Phyllanthus stone formation. BJU Int 89(9):
niruri, sendo identificada a droga 829-34, 2002.
5.4 - Alcalóides como verdadeira. OGATA, T., HIGUCHI, H.,
MOCHIDA, S., KATO, A. E.
Para as reações de identifica- Referências Bibliográficas T., KAJI, H. HIV-1 reverse
ção de alcalóides, utilizou-se como transcriptase inhibitor from
droga padrão a quina (Chichona AKISUE, G. Farmacognosia. Curso Phyllanthus niruri. AIDS Res.
calisaya) e a espécie P. niruri em de identificação de drogas ve- Hum. Retroviruses, 8 (11):
estudo apresentou resultado posi- getais. São Paulo: Pharmakon, 1937-44. 1992
tivo na presença dos reativos para 2002. SOUZA, G. S. Análise comparati-
alcalóides, como se pode observar BARROS, M. E. Efeito do va do desenvolvimento floral
na tabela (Tabela-5). Phyllanthus niruri sobre a em Hevea brasiliensis (Willd.
cristalização do oxalato de cál- Ex. Adr. De Juss) Muell. Arg.
5.5 - Óleos Voláteis cio in vitro, São Paulo, (Tese e em Phyllanthus niruri L.
de mestrado-Universidade Fe- (Euphorbiaceae). Tese de
No teste realizado para indi- deral de São Paulo), 72 p, mestrado- Centro de Energia
car a presença ou ausência de 2002. Nuclear na Agricultura- CENA,
óleos voláteis, não foi possível, CAMPOS, A. H., SCHOR, N. 2003.
por meio dele, verificar a presen- Phyllanthus niruri inhibits SIMÕES, C. M. O., SCHENKEL, E.
ça de óleos voláteis na espécie em calcium oxalate endocyte by P., GOSMANN, G., MELLO, J.
análise - P. niruri renal tubular cells: its role in C. P., MENTZ, L. A.,
urolithiasis. Nephron, 81(4): PETROVICK, P. R.
6 - Discussão 393-7, 1999. Farmacognosia da Planta ao
COSTA, A F. Farmacognosia. Lis- Medicamento. Porto Alegre:
Por meio das análises realiza- boa. Fundação Calouste Editora da UFSC, 3 ed. 833 p.
das, foi possível identificar a dro- Gulbenkian, 3ed , v. 3, 2001. 2001.
ga vegetal em estudo como DE SOUZA, T. P., HOLZSCHUH, TESKE, M., TRENTINI, A. M.M.
Phyllanthus niruri (quebra-pe- M. H., LIONCO, M. I., Herbarium – Compêndio de
dra). Antes de se utilizar qualquer GONZALEZ, O. G., Fitoterapia. 3 ed. São Paulo:
droga no preparo de medicamen- PETROVICK, P. R., Validation Herbarium Laboratório Botâ-
tos, deve-se submetê-la a uma of a LC method for the analysis nico Ltda, 1995.
análise rigorosa. A identificação e of phenolic compounds from TONA, L., MESIA, K., NGIMBI, N.
a pureza da droga, bem como a extract of Phyllanthus niruri P., CHRIMWAMI, B.,
avaliação de seus princípios ati- aerial parts. J. Pharm. Biomed OKOND’AHOKA, C. K.,
vos são tarefas indispensáveis Anal. 30 (2): 351-6, 2002. BRUYNE, T., APERS, S.,
àqueles que buscam produtos de DIAS, M. A., CAMPOS, A. H., HERMANS, N., TOTTE, J.,
qualidade. CECHINEL, V. F., YUNES, R. PIETERS, L., VLIETINCK, A.
De acordo com a literatura, o A., CALIXTO, J. B. Analysis of J., In-vivo antimalarial activity
Phyllanthus niruri apresenta em the mechanisms underlying of Cassia occidentalis,
sua constituição substâncias como the contract response induced Morinda morindoides e
glicosídeos antraquinônicos, fla- by hydroalcoholic extract of Phyllanthus niruri. Ann.
vonóides e alcalóides, além de Phyllanthus urinaria in the Trop. Med. Parasitol, 95(1):
outras que não foram investigadas guinea-pig urinary blad in- 47-5, 2001.

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 73


Nitrato Redutase em
Pesquisa
Fungos Filamentosos
O potencial multifuncional da nitrato redutase em pesquisas com biologia molecular de fungos

Jorge Fernando Pereira Introdução duas subunidades idênticas, cada uma


Biólogo, MS em Microbiologia Agrícola,
Doutorando em Microbiologia Agrícola;
composta de três grupos prostéticos
Universidade Federal de Viçosa. ungos filamentosos podem em domínios separados. Na extremi-
dgfernando@yahoo.com metabolizar uma série de dade C-terminal, localiza-se o domí-
Juliana Oliveira Lima compostos nitrogenados nio FAD, mais ao centro da proteína,
Bióloga; Mestranda em Microbiologia Agrícola; para obterem o requeri- o domínio heme, e, na extremidade
Universidade Federal de Viçosa.
ju.olima@bol.com.br
mento nutricional neces- N-terminal, o domínio molibdênio. A
sário para seu desenvolvi- reação catalítica envolve a transfe-
Rodrigo Barros Rocha
Biólogo; Mestrando em Genética e Melhoramento;
mento. Nesses organismos, o meta- rência de um par de elétrons do
Universidade Federal de Viçosa. bolismo do nitrogênio é um processo NADH ou NADPH para os domínios
rodrigobarrosrocha@yahoo.com.br altamente controlado por um com- FAD, heme e molibdênio e, então,
Pilar Ximena Lizarazo Medina plexo de proteínas reguladoras, que para o nitrato. A especificidade pelo
Bacteriologista; MS em Microbiologia Agrícola; assegura grande eficiência na utiliza- doador de elétrons é utilizada para
Doutoranda em Microbiologia Agrícola;
Universidade Federal de Viçosa.
ção das fontes de nitrogênio disponí- classificar as nitrato redutases
pixilime@hotmail.com veis. Esse complexo é constituído eucarióticas em 3 grupos: NADH-
Elza Fernandes de Araújo
por uma série de proteínas que são específica (EC 1.6.6.1), que está pre-
Bióloga; DS em Genética UFRGS; requeridas para que vários compos- sente na maioria das plantas superi-
Profª Titular do Departamento de Microbiologia; tos secundários sejam assimilados ores e em algumas algas, NADPH-
Universidade Federal de Viçosa.
ezfa@ufv.br
quando as fontes preferenciais de específica (EC 1.6.6.2), que é encon-
nitrogênio, isto é, o amônio ou a trada em fungos e NAD(P)H-
Marisa Vieira de Queiroz
Bióloga; DS em Genética e Melhoramento ESALQ-
glutamina, não estão disponíveis biespecífica, que é encontrada em
USP; Professora Adjunta do Departamento de (Caddick et al., 1994; Marzluf, 1997). algumas plantas e em algumas algas
Microbiologia; Universidade Federal de Viçosa. Entre os compostos secundários, o (Losada, 1976; Shen et al., 1976;
mvqueiro@ufv.br
nitrato inorgânico é uma excelente Renosto et al., 1982).
Ilustrações cedidas pelos autores fonte utilizável por muitos fungos Em 1989, foi descrito o isola-
filamentosos. Seu transporte para o mento do primeiro gene da nitrato
meio intracelular é mediado pela redutase de fungos filamentosos uti-
permease do nitrato, e após sua assi- lizando-se o organismo modelo
milação, ocorre a redução seqüencial Aspergillus nidulans (Malardier et al.,
do nitrato a nitrito e do nitrito a 1989). Desde então, genes que codi-
amônio, catalisada, respectivamen- ficam para a enzima nitrato redutase
te, pelas enzimas nitrato e nitrito vêm sendo clonados e seqüenciados
redutase. O amônio é considerado o em diversas espécies de fungos
ponto de partida para o metabolismo filamentosos representados por or-
anabólico do nitrogênio em fungos e ganismos modelos de estudos gené-
a sua incorporação em moléculas ticos em eucariotos, espécies com
orgânicas é, então, realizada por dois potencial de aplicação industrial ou
sistemas: glutamato desidrogenase com importância fitopatológica e
(GDH) ou glutamina sintase (GS)/ micorrízica. O interesse na clonagem
Glutaminaamida: 2-oxoglutarato desse gene é baseado, principalmen-
amino transferase (GOGAT), que pro- te, no estabelecimento de protocolos
duzem glutamato e glutamina (Griffin, de transformação genética cujo valor
1994) (Figura 1). A enzima nitrato biotecnológico é muito importante
redutase de fungos é um grande por representar um método de sele-
complexo multiredox, que possui ção geral e conveniente. Mas, além

74 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


de marca de seleção para transforma- (Banks et al., 1993) e Botryotinia nos genes que codificam a nitrato
ção, esse gene também pode ser fuckeliana (Levis et al., 1997a) e um redutase em eucariotos não inter-
utilizado para estudos de organiza- máximo de 12 íntrons para Hebeloma rompem a seqüência codificadora
ção e regulação gênica, análises cylindrosporum (Jargeat et al., 2000). em éxons com os respectivos domí-
filogenéticas, obtenção de mutantes, Em Aspergillus fumigatus, A. nios funcionais da enzima, sendo
estudos de grupos de compatibilida- nidulans, A. niger, A. oryzae, A. que a maioria deles parece estar
de vegetativa e como isca para parasiticus, Penicillium chrysogenum dentro e não entre os domínios fun-
detecção e isolamento de elementos e P. griseoroseum, ocorre a presença cionais (Zhou e Kleinhofs, 1996). A
transponíveis. Baseado nesse con- de 6 íntrons que, embora possuam localização dos íntrons é conservada
texto, este trabalho tem como objeti- tamanhos diferentes, estão localiza- dentro de fungos, algas e plantas
vo apresentar resultados que contri- dos nas mesmas posições (Johnstone superiores, em relação a genes para
buam para esse potencial multifunci- et al., 1990; Unkles et al., 1992; nitrato redutase, mas, mesmo assim,
onal do gene da nitrato redutase em Kitamoto et al., 1995; Chang et al., difere entre esses grupos. Em algas,
fungos filamentosos. Mesmo que, 1996; Haas et al., 1996; Amaar e os genes da nitrato redutase de
muitas vezes, dentro de uma mesma Moore, 1998; Pereira, 2001). Em Chlamydomonas reinhardtii e Volvox
espécie, esse gene possa não ser Leptosphaeria maculans e carteri possuem 15 e 9 íntrons, res-
utilizado com toda essa potencialida- Stagonospora nodorum, esse gene é pectivamente, localizados nos domí-
de, ele representa uma das maiores interrompido por 4 íntrons que cor- nios molibdênio, heme e FAD. A
versatilidades de uso na micologia respondem aos íntrons II, III, IV e VI posição de 8 dos 10 íntrons em Volvox
molecular. de Aspergillus e Penicillium (Williams é idêntica à de Chlamydomonas. Os
et al., 1994; Cutler et al., 1998), en- quatro íntrons presentes em Oryzae
Organização dos genes de quanto em Beauveria bassiana (nú- sativa, Phaseolus vulgaris, Lypersicon
assimilação do nitrato mero de acesso no Genbank X84950), esculentum e Nicotiana tobacum es-
Fusarium oxysporum, Gibberella tão localizados, precisamente, na mes-
O seqüenciamento e a compara- fujikuroi, Metarhizium anisopliae ma posição (Zhou e Kleinhofs, 1996).
ção das seqüências de genes que (número de acesso no Genbank Com base no número e na posição
codificam para nitrato redutase têm AJ001141) e Neurospora crassa, ape- dos íntrons presentes nos genes da
contribuído para estudos de organi- nas 1 íntron está presente na mesma nitrato redutase de fungos filamento-
zação gênica em fungos filamento- posição do íntron VI de Aspergillus e sos, algas e plantas, Zhou e Kleinhofs
sos, sendo esses estudos imprescin- Penicillium (Okamoto et al. 1991; (1996) não puderam afirmar se, du-
díveis para o conhecimento de carac- Diolez et al., 1993; Tudzynski et al., rante a evolução, os íntrons foram
terísticas importantes como número 1996). O gene da nitrato redutase de incorporados (gain hypotheses) ou
e tamanho de íntrons, seqüências H. cylindrosporum parece ser o úni- perdidos (loss hypotheses). Então, os
envolvidas com mecanismo de co que possui íntrons (11 e 12) na íntrons podem ter sido inseridos no
splicing, tamanho de regiões promo- região correspondente ao domínio gene da nitrato redutase após a diver-
toras, ligação de genes e sentido da FAD (Jargeat et al., 2000). Pode-se gência entre fungos e plantas, ou o
transcrição entre genes ligados. Um observar na Figura 2 que o tamanho ancestral desses grupos possuía to-
quadro comparativo da organização médio dos íntrons é de, aproximada- dos os íntrons e esses foram perdidos
gênica entre os genes da nitrato mente, 58 pares de bases (pb), sendo independentemente após a divergên-
redutase de 16 diferentes espécies de o menor de 46 pb e o maior de 92 pb. cia. Ainda, segundo esses autores, a
fungos filamentosos é apresentado Na grande maioria das vezes, esses hipótese de embaralhamento de
na Figura 2. íntrons não apresentam similaridade éxons (exon shuffling), em que as
A análise de seqüências do gene a não ser nas seqüências envolvidas seqüências que codificam regiões es-
da nitrato redutase revela a ausência com o processo de sua retirada truturais ou funcionais da proteína
de íntrons nos fungos Ustilago maydis (splicing). Os íntrons encontrados estariam delimitadas por íntrons, não
parece se aplicar a esse caso, pois as
seqüências que codificam os domíni-
os funcionais das proteínas nitrato
redutase apenas são separadas por
íntrons em H. cylindrosporum (íntron
9 entre domínios molibdênio e heme).
Além dos íntrons, a organização
dos três genes relacionados com a
assimilação do nitrato em fungos fila-
mentosos pode ser separada em, pelo
menos, quatro grupos diferentes (de
A a D). No grupo A, os três genes
estão ligados, mas os genes da nitrato
e nitrito redutase são transcritos em
direções opostas, sendo o gene do
Figura 1 - Assimilação de nitrato em fungos filamentosos. transportador transcrito na mesma

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 75


Figura 2 - Comparação da organização dos genes de assimilação do nitrato em fungos filamentosos. Em alaranjado, a região
promotora intergênica dos genes nos quais foram relatadas ligação entre nitrito e nitrato redutase. As setas representam o sentido
da transcrição nesses genes. As caixas abertas indicam a região estrutural com tamanho e posição dos íntrons em relação às regiões
codificadoras dos domínios molibdênio, heme e FAD. O tamanho da região promotora e dos íntrons é dado em pares de bases.
O número de aminoácidos das respectivas proteínas é dado à direita.

direção da nitrito redutase. Essa orga- A. Essa organização é encontrada em Regulação do gene da
nização é encontrada em A. nidulans, H. cylindrosporum (Jargeat et al., nitrato redutase
A. niger, A. parasiticus, A. fumigatus 2003). No grupo C, os genes da nitrato
e P. chrysogenum (Johnstone et al., e da nitrito redutase estão ligados, são As maiores contribuições para o
1990; Unkles et al., 1992; Chang et al., transcritos na mesma direção, mas o conhecimento da regulação do meta-
1996; Amaar e Moore, 1998; Haas e gene do transportador não está liga- bolismo do nitrogênio em fungos
Marzluf, 1995). O tamanho da região do, como é observado em L. maculans filamentosos baseiam-se nos traba-
intergênica é de 1.262 pb em A. e S. nodorum (Williams et al., 1994; lhos realizados com os organismos A.
nidulans (Johnstone et al., 1990), 1.668 Cutler e Caten, 1999). O tamanho da nidulans e Neurospora crassa
pb em A. niger (Unkles et al., 1992), região intergênica é de 1.438 pb em L. (Caddick et al., 1994; Marzluf, 1997),
1.670 pb em A. parasiticus (Chang et maculans (Williams et al., 1994) e 829 sendo que, nos últimos anos, estudos
al., 1996), 1.229 pb em A. fumigatus pb em S. nodorum (Cutler e Caten também têm sido relatados para ou-
(Amaar e Moore, 1998) e 661 pb em P. 1999). No grupo D, apesar da posição tras espécies como, por exemplo,
chrysogenum (Haas e Marzluf, 1995). do transportador ainda não ter sido Penicillium chrysogenum (Haas e
No grupo B, os três genes também determinada, os três genes não pare- Marzluf, 1995; Haas et al., 1996).
estão ligados, mas o gene do transpor- cem estar ligados, como ocorre em A utilização de fontes de nitrogê-
tador está entre os genes da nitrato e Neurospora crassa (Exley et al., 1993) nio secundárias é controlada de ma-
da nitrito redutase, sendo transcritos e em Gibberella fujikuroi (Tudzynski neira positiva e negativa, existindo
na mesma direção descrita no grupo et al., 1996). um sistema de controle global e um

76 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


específico. A desrepressão de mais de Outro gene importante para o específica entre os fatores de
100 genes estruturais, incluindo, por metabolismo do nitrogênio é o nmr regulação NIT-2 e NIT-4. Em N. cras-
exemplo, genes que codificam trans- (do inglês nitrogen metabolism sa, um acúmulo máximo de mRNA
portadores de aminoácidos, transpor- repressor), que atua de maneira nega- de nit-3 ocorre apenas 15 minutos
tadores de purinas, proteases tiva, reprimindo a síntese de vários após a indução por nitrato, sendo
extracelulares e enzimas catabólicas, genes. O gene nmr codifica uma que o acúmulo máximo de proteína
é dependente da presença do indutor proteína de 54,8 KDa, que não pos- ocorre após 60 minutos, e em P.
e da ausência de fontes preferenciais sui domínio de ligação ao DNA, mas chrysogenum transcritos de niaD são
de nitrogênio (amônio e glutamina). é capaz de se ligar a uma pequena detectados com 15 minutos de
Essa desrepressão é realizada tanto região do domínio de ligação ao indução, e atingem um nível máximo
pelo regulador global positivo areA DNA e à região carboxi-terminal da após 60 minutos (Okamoto et al.,
em A. nidulans e seus corresponden- proteína NIT-2 (e possivelmente de 1991; Haas et al., 1996). Até a presen-
tes nit-2 em N. crassa e nre em P. AREA), impedindo a ação dessa pro- te data, a única exceção é o
chrysogenum, quanto por regulado- teína, sendo a glutamina o possível basidiomiceto H. cylindrosporum,
res específicos. O gene areA codifica sinal para essa ligação (Xiao et al., onde o gene da nitrato redutase pos-
uma proteína reguladora de 876 resí- 1995). Pelo menos para AREA, ainda sui alto nível de transcrição na pre-
duos de aminoácidos que contém um existem outros dois níveis de sença de nitrato, uréia, serina e glicina,
único domínio de ligação ao DNA, o regulação: a transcrição de areA é sendo possível, neste caso, a
qual reconhece e se liga a seqüências auto-regulada e a estabilidade do inexistência de fatores de regulação
que contêm o core GATA (Kudla et mRNA de areA é menor em células específicos. Entretanto, na presença
al., 1990; Langdon et al., 1995). As que crescem em fontes de nitrogênio de amônio, ocorre uma forte, mas
proteínas AREA, NIT-2 e NRE possu- preferenciais (Platt et al., 1996). Des- incompleta, repressão desse gene,
em somente 30% de homologia, mas, sa forma, na presença de fontes pre- indicando a existência de um sistema
considerando apenas o domínio de ferenciais, além de uma menor esta- de regulação geral (Jargeat et al.,
ligação ao DNA, a identidade é de bilidade do mRNA do gene areA, o 2000). Recentemente, foi reportado,
98% (Haas e Marzluf, 1995). Em AREA, regulador NMR se liga à proteína para H. cylindrosporum, que a trans-
o domínio de ligação ao DNA é cons- AREA já sintetizada e impede que crição dos genes da permease do
tituído por um único dedo de Zn com essa proteína se ligue aos promoto- nitrato e da nitrito redutase também
quatro cisteínas, seguido de um domí- res e induza a transcrição dos genes não é induzida por nitrato, mas é
nio terminal básico, que apresenta relacionados com o metabolismo de completamente reprimida por amônio
uma estrutura compacta formada por fontes secundárias de nitrogênio. As- (Jargeat et al., 2003).
dois pares de folhas-β seguidas por sim, a célula assegura a assimilação
uma α-hélice e uma cauda não de nitrogênio a partir de compostos Relações filogenéticas
estruturada. As cadeias laterais ao que são prontamente metabolizáveis. baseadas na proteína
dedo de Zn fazem contato altamente A indução do gene da permease nitrato redutase
hidrofóbico no sulco maior da molé- do nitrato e dos genes da nitrato
cula de DNA e a cauda carboxi-termi- redutase (niaD para Aspergillus sp. e Apesar da proteína nitrato redutase
nal faz contato com o esqueleto de P. chrysogenum ou nit-3 para N. apresentar regiões comprovadamente
fosfato (Scazzocchio, 2000). Elemen- crassa) e nitrito redutase (niiA para importantes para seu funcionamento,
tos com, pelo menos, duas cópias de Aspergillus sp. e P. chrysogenum ou outras regiões parecem poder sofrer
seqüências GATA, que podem estar nit-6 para N. crassa) requer síntese variação sem acarretar perda de funcio-
na mesma direção, ou em direções de novo, sendo necessária a ausência nalidade para a proteína. A região N-
opostas, e com espaço de, pelo me- das fontes preferenciais e a presença terminal e 2 regiões curtas, entre os
nos, 30 pb, são considerados fortes de nitrato como indutor. Nesse caso, domínios molibdênio e heme e heme e
sítios de ligação para NIT-2 (Chiang e além do fator de regulação global, é FAD, apresentaram menor identidade
Marzluf, 1994). Para P. chrysogenum, necessária a presença de um fator entre 17 outras proteínas nitrato redutase
Haas e Marzluf (1995) descreveram específico chamado nirA em A. de plantas, algas e fungos quando fo-
fortes sítios de ligação de NRE como nidulans e nit-4 em N. crassa ram comparadas por Zhou e Kleinhofs
regiões com, pelo menos, duas se- (Caddick et al., 1994; Marzluf, 1997). (1996). Essa característica de apresentar
qüências GATA com espaçamento A proteína NIRA liga-se ao DNA a regiões conservadas que flanqueiam
entre 5 e 27 pb, configuradas na partir de um domínio na sua região regiões que podem sofrer variação é
mesma direção ou em direções opos- amino-terminal (Burger et al., 1991). interessante para estudos de filogenia.
tas. Elementos GATA separados por Essa proteína se liga à seqüência 5’- Esses mesmos autores verificaram que
74 ou 96 pb não demonstraram ser CTCCGHGG-3’, sendo que foram de- o gene da nitrato redutase pode ser
fortes sítios de ligação NRE (Haas e tectados sítios putativos ou já com- utilizado como relógio molecular, pois
Marzluf, 1995). Para A. parasiticus, provados para essa proteína em vári- genes de diferentes espécies evoluem
Chang et al. (2000) relataram a ligação as espécies de ascomicetos (Punt et em uma taxa constante, e, baseados
de AREA a segmentos de 42 pb da al., 1995). Para o reconhecimento de nesse gene, estimaram o tempo de
região promotora dos genes da nitrato cis-elementos e expressão do gene divergência entre fungos e plantas, em
e da nitrito redutase que continham nit-3 em N. crassa (Feng e Marzluf, torno de 1 bilhão de anos e, entre algas
um ou dois elementos GATA. 1998), é requerida uma interação e plantas superiores, em torno de 750

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 77


milhões de anos. Além do uso como (X84950), Botryotinia fuckeliana taxonomia clássica. Dessa forma, a
relógio molecular, estudos filogenéticos (U43783), Fusarium oxysporum seqüência de aminoácidos da prote-
com a proteína nitrato redutase de fun- (Z22549), Gibberella fujikuroi ína nitrato redutase apresenta uma
gos filamentosos têm revelado uma (X90699), Hebeloma cylindrosporum aplicação para estudos filogenéticos,
tendência de agrupar espécies que per- (AJ238664), Leptosphaeria maculans com forte reflexo da história natural
tençam a categorias taxonômicas co- (U04445), Metarhizium anisopliae dos fungos filamentosos.
muns (Williams et al., 1994; Cutler et al., (AJ001141), Neurospora crassa
1998). Assim, esse gene possui caracte- (X61303), Penicillium chrysogenum Obtenção de mutantes
rísticas interessantes para uso em estu- (U20779), P. griseoroseum (AY255803), deficientes na enzima
dos evolucionários. Na Figura 3 é apre- Stagonospora nodorum (AJ009827) e nitrato redutase
sentada uma árvore filogenética não Ustilago maydis (AJ315577). O alinha-
enraizada baseada na seqüência de mento de toda a seqüência de amino- Uma das grandes vantagens na
aminoácidos da proteína nitrato redutase. ácidos foi realizado no programa aplicação do gene da nitrato redutase
Para a construção dessa árvore, seqüên- Clustal X (Thompson et al., 1997), é a fácil obtenção de mutantes es-
cias da proteína nitrato redutase de 16 sendo o alinhamento resultante anali- pontâneos por seleção positiva via
fungos filamentosos e 1 planta foram sado pelo método de parsimônia no resistência ao clorato. Essa seleção
retiradas do GenBank na página do programa PAUP* versão 3.1 (Swofford, positiva, que favorece o crescimento
National Center for Biotechnology 1993). Foi feita uma busca heurística do mutante em relação ao selvagem,
Information (www.ncbi.nlm.nih.gov) e análise de bootstrap com 1.000 répli- é baseada na “similaridade” entre a
por meio dos seguintes números: cas para gerar índices de confiabilidade molécula de nitrato e seu análogo
Aspergillus fumigatus (AF336236), A. para cada ramo. tóxico, o clorato. Da mesma forma
nidulans (M58291), A. niger (M77022), Pode-se observar claramente a que o nitrato, o clorato presente no
A. oryzae (D49701), A. parasiticus tendência de se agruparem as espé- meio de cultura é transportado para
(U38948), Arabdopsis thaliana cies analisadas pela ordem à qual o meio intracelular pela permease do
(P11832), Beauveria bassiana essas pertencem de acordo com a nitrato e é reduzido a clorito pela
ação da enzima nitrato redutase. En-
tretanto, diferentemente do nitrito, o
clorito é um composto tóxico que
promove a morte da célula. A teoria
de que o clorato por si só não é
tóxico, mas se torna tóxico pela con-
versão a clorito como resultado da
ação da nitrato redutase, foi primei-
ramente sugerida por Aberg (1947) e
tem sido confirmada por uma série
de trabalhos. Análises do efeito do
clorito de sódio, tanto in vitro como
in vivo, sugerem que o clorito cause
estresse oxidativo em células de fun-
gos e, por causar oxidação de
biomoléculas importantes, torna-se
tóxico (Ingram et al., 2003). Dessa
maneira, a célula que apresenta uma
enzima nitrato redutase funcional
morre e aquela que apresenta uma
forma não-funcional sobrevive, pois
não é capaz de reduzir o clorato a
clorito.
Nesse momento, a colônia
mutante, que cresce no meio de cul-
tura, é resistente ao clorato, mas não
necessariamente é mutante para a
enzima nitrato redutase. Mutações
em, pelo menos, cinco genes podem
levar ao fenótipo de resistência ao
clorato: (i) mutação no gene da
permease do nitrato (crnA), que in-
capacite a célula de absorver o clorato
Figura 3 - Árvore filogenética não enraizada, baseada em análises pelo método de
parsimônia da seqüência de aminoácidos da proteína nitrato redutase de vários fungos
do meio extracelular; (ii) mutação no
filamentosos. Os números indicam porcentagem dos valores de bootstrap em análise gene do regulador específico da assi-
com 1.000 réplicas. milação de nitrato (nirA), que impos-

78 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


Figura 4 - Obtenção de mutantes nitrato redutase. 1-) Esquema do protocolo para obtenção de mutantes resistentes ao clorato e
testes de crescimento para anotação da mutação; 2-) Vias metabólicas envolvidas com o fenótipo de resistência ao clorato (possíveis
genes mutados são mostrados em laranja); 3-) Fenótipo de crescimento em placas contendo MM + nitrato (A), MM + nitrito (B) e
MM + hipoxantina (C) de mutantes de Penicillium griseoroseum resistentes ao clorato. Colônias que não crescem em A mas crescem
em B e C são mutantes nitrato redutase; S indica o tipo selvagem utilizado como controle positivo.

sibilite a célula de expressar a enzima (cnxA-J), que, não estando presente, obtenção das colônias resistentes ao
nitrato redutase; (iii) mutação no gene torna ineficazes a enzima nitrato clorato, é necessário fazer uma dis-
do regulador geral da assimilação de redutase e outras enzimas depen- criminação do fenótipo mutante por
nitrogênio (areA), que também im- dentes desse cofator; e (v) mutação meio de um fácil teste de crescimen-
possibilite a célula de expressar a no próprio gene da nitrato redutase to em meio mínimo contendo as
enzima nitrato redutase; (iv) muta- (niaD), impossibilitando a célula de seguintes fontes de nitrogênio: nitra-
ção em algum gene envolvido na sintetizar essa enzima (Cove, 1976; to, nitrito, hipoxantina, glutamato e
biosíntese do cofator molibdênio Cove, 1979). Dessa forma, após a amônio . O crescimento ou não nes-
Tabela 1 - Testes de crescimento de mutantes resistentes ao clorato, em diferentes fontes de nitrogênio.
Designação Testes de crescimento
Mutação
do mutante* Clorato Nitrato Nitrito Hipoxantina Glutamato Amônio
Nenhuma Selvagem - + + + + +
Nitrato redutase n iaD + - + + + +
Regulador específico n irA + - - + + +
Cofator molibdênio cn xA-J + - + - + +
Regulador geral areA + - - - - +
Permease crn A + + + + + +
* denominação dos genes para Aspergillus n idulan s; + indica crescimento e - indica ausência de crescimento.

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 79


sas diferentes fontes (Tabela 1) é, efeito de dominância. Mesmo assim, • Verificar o crescimento e ano-
então, correlacionado com a muta- algumas espécies de fungos não pro- tar os fenótipos mutantes;
ção em um dos cinco possíveis genes duzem esporos in vitro, e esse proto- • Separar e identificar os
acima relacionados (Figura 4). Como colo pode ser modificado para ob- mutantes nitrato redutase.
em todas as espécies de fungos tenção de mutantes por intermédio Assim, o sistema nitrato redutase
filamentosos estudadas até o mo- de fragmentos de micélio, onde seto- apresenta vantagens sobre outros
mento, apenas uma cópia funcional res resistentes ao clorato apresentam sistemas, como a fácil obtenção de
do gene da nitrato redutase foi en- crescimento mais vigoroso. Entretan- mutantes espontâneos por seleção
contrada, mutantes nitrato redutase to, em algumas espécies de fungos, a positiva via resistência ao clorato, e,
são reportados com alta freqüência. resistência ao clorato parece ser na- como não há emprego de mutagê-
A razão do teste de crescimento tural, o que impossibilita a obtenção nese, a possibilidade de mutações
em hipoxantina é que, além do re- de mutantes por essa técnica. secundárias que atinjam genes im-
querimento por NAD(P)H, as Protocolo para obtenção de portantes ou de interesse é reduzi-
enzimas nitrato redutase são depen- mutantes nitrato redutase (segundo da. Também esses mutantes apre-
dentes de uma molécula chamada Cove, 1976; Cove, 1979; Unkles et sentam um único fenótipo desejá-
cofator molibdênio. A ausência des- al., 1989): vel, não utilizar nitrato como única
se cofator impossibilita a célula de fonte de nitrogênio, sendo que esse
utilizar o nitrato como também • Preparar uma suspensão de fenótipo é dispensável sem alterar o
purinas como adenina, hipoxantina esporos em tween 80 0,05% crescimento ou fluxos metabólicos
e xantina como única fonte de nitro- contendo cerca de 10 7 .ml -1 importantes.
gênio. Os mutantes incapazes de esporos;
crescer em nitrato e hipoxantina • Plaquear 0,1 ml dessa solução Utilização de mutantes
apresentam uma perda pleiotrópica em meio mínimo (MM) sólido deficientes na utilização do
da atividade das enzimas nitrato (Pontecorvo et al., 1953) sem nitrato em estudos de
redutase e xantina desidrogenase, nitrato e acrescido de 470 mM grupos de compatibilidade
respectivamente. Como esses de clorato de potássio e 10 mM vegetativa
mutantes são defectivos na síntese de glutamato de sódio (clorato
de um cofator comum, tanto para a de potássio 57,6 g; glutamato Isolados de uma espécie fúngica
nitrato redutase como para xantina de sódio monobásico 1,87 g; podem ser caracterizados pela com-
desidrogenase, os genes envolvidos KH2PO4 1,5 g; KCl 0,5 g; MgSO4 patibilidade ou incompatibilidade ve-
na síntese desse cofator foram deno- 0,5 g; FeSO4 0,01 g; ZnSO4 0,01 getativa. A compatibilidade ocorre
minados cnx (do inglês common g; glicose 10 g; ágar 15 g; água quando micélios de diferentes isola-
component for nitrate reductase and destilada 1.000 ml; pH 6,8); dos podem sofrer anastomoses e ori-
xanthine dehydrogenase) (Pateman • Incubar as placas a 25oC por ginar heterocários (hifas que contêm
et al., 1964; Cove, 1979). Por meio cerca de 7 a 10 dias; núcleos geneticamente diferentes),
de testes de complementação entre • Transferir as colônias resis- enquanto a incompatibilidade ocorre
diferentes mutantes, Pateman et al. tentes ao clorato para placas quando não há formação de hetero-
(1964) reportaram a existência de contendo meio completo (MC) cários. Nem sempre é possível for-
vários loci (cnx ABC, E, F, G e H) sólido, Pontecorvo et al. (1953) mar essas anastomoses, principal-
relacionados com vários genes res- modificado por Azevedo e Cos- mente quando os cruzamentos são
ponsáveis pela produção do cofator ta (1973) [meio mínimo adicio- interespecíficos ou intergenéricos,
molibdênio, e Arst et al. (1982) rela- nado de peptona 2,0 g; caseína pois o fator determinante da intera-
taram a existência de outro locus hidrolisada 1,5 g; extrato de ção entre as células pode estar na
(cnxJ). Unkles et al. (1997) compro- levedura 2,0 g; solução de vita- parede celular manifestando-se como
varam que o locus cnxABC é parte minas 1,0 ml; (biotina 0,2 mg; bloqueio da fusão celular (Peberdy,
de um único gene que codifica uma ácido p-aminobenzóico 10,0 mg; 1991). Os isolados que apresentem
proteína com dois domínios catalíti- piridoxina 50,0 mg; tiamina 50,0 compatibilidade podem ser coloca-
cos requeridos para a síntese de um mg; ácido nicotínico 100,0 mg; dos dentro de um mesmo grupo,
intermediário do cofator molibdênio. riboflavina 100,0 mg; água des- formando um grupo de compatibili-
Um protocolo para obtenção de tilada 100 ml); ágar 15 g; água dade vegetativa (GCV). Em fungos
mutantes deficientes na enzima ni- destilada 1.000 ml; pH 6,8]; de reprodução assexuada, isolados
trato redutase é apresentado a seguir • Fazer purificação monospórica de um mesmo GCV são mais simila-
e está esquematizado na Figura 4. dos mutantes; res geneticamente que isolados de
Esse protocolo baseia-se em espéci- • Inocular as colônias resisten- diferentes GCV.
es que apresentam reprodução tes em placas de MM contendo A heterocariose também é a pri-
assexual e/ou sexual possibilitando 10 mM das seguintes fontes de meira etapa para que fungos
o uso de esporos na análise. Como na nitrogênio : nitrato de sódio, assexuados troquem material genéti-
grande maioria das espécies de fun- nitrito de sódio, cloreto de co por meio de um ciclo alternativo
gos filamentosos os esporos são amônio, hipoxantina e gluta- chamado parassexual. Nesse ciclo,
uninucleados e contêm genoma mato de sódio; os diferentes núcleos no heterocário
haplóide, a mutação é expressa sem • Incubar a 25oC por 3 a 5 dias; se fundem, originando diplóides he-

80 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


terozigotos, e, a seguir, ocorre a pro- speciales. Correl et al. (1986) também formação, os protoplastos são
dução de recombinantes por meio de utilizaram mutantes incapazes de plaqueados por pour-plate em meio
recombinação mitótica e haploidiza- metabolizar nitrato em testes de com- mínimo contendo estabilizador
ção (Pontecorvo & Roper, 1952). patibilidade vegetativa para identifi- osmótico e nitrato como única fonte
A detecção de heterocários pode car F. oxysporum f. sp. apii raça 2 de de nitrogênio. Apenas aquelas célu-
ser alcançada pelo cruzamento de uma população de raças de F. las mutantes onde o gene da nitrato
indivíduos portadores de diferentes oxysporum que colonizava raízes de redutase se integrar, serão capazes
mutações. Quando são formadas aipo. Assim, o teste de compatibili- de crescer (Figura 5). Para tanto,
anastomoses entre as hifas desses dade vegetativa é uma ótima ferra- pode-se utilizar um gene da nitrato
diferentes mutantes, o heterocário menta para estudos de diversidade redutase já isolado de um organismo
pode ser visualizado já que o núcleo genética constituindo marcadores ge- em uma espécie de interesse. Quan-
de um indivíduo contém o gene sel- néticos naturais que podem ser utili- do o gene é de uma espécie diferente
vagem que complementa a mutação zados para diferenciar isolados. Além da espécie receptora, o sistema é dito
do outro. As diferentes mutações disso, em fungos que se reproduzem heterólogo, e quando o gene foi
podem estar relacionadas, por exem- sexuadamente, esses estudos tam- isolado do organismo receptor, o
plo, à coloração da colônia, mas a bém são importantes para determi- sistema é dito homólogo.
obtenção de mutantes por técnicas nar genes relacionados com o tipo Nos sistemas heterólogos, geral-
de mutagênese tradicionais é muito sexual (mating type), importantes no mente há baixa similaridade entre o
trabalhosa, o que torna esse procedi- reconhecimento e desenvolvimento vetor de transformação e o genoma
mento difícil de ser empregado para do ciclo sexual. do organismo receptor, o que resulta
estudo com muitos isolados de cam- em baixa freqüência de transforma-
po. Assim, vários trabalhos reportam Transformação genética ção, integração aleatória e alto núme-
o estudo de GCVs utilizando muta- baseada no gene da nitrato ro de cópias do vetor. Esse padrão de
ções auxotróficas que incapacitem a redutase integração aleatório pode ser interes-
célula de utilizar nitrato como única sante para obtenção de mutantes pela
fonte de nitrogênio (Puhala, 1985; Um dos principais passos no de- técnica de REMI (do inglês restriction
Correl et al., 1986; Brooker et al., senvolvimento de uma tecnologia para enzyme-mediated integration), des-
1991). Nesses estudos, é suficiente manipulação e análise molecular de crita por Schiestl e Petes (1991), que é
fazer a triagem de populações utili- um organismo é o estabelecimento de uma variação da técnica de transfor-
zando indivíduos que contenham mu- um protocolo que permita introduzir mação, onde enzima de restrição é
tações únicas em diferentes genes da seqüências de DNA clonadas em uma adicionada à mistura de transforma-
assimilação do nitrato, que possam linhagem recipiente. A disponibilida- ção juntamente com o plasmídeo line-
ser testados para a sua habilidade de de de um sistema de transformação ar. Queiroz et al. (1998) verificaram
complementar as mutações e de for- oferece possibilidade de adição e de que o gene da nitrato redutase de F.
mar heterocário em meio contendo deleção de rotas metabólicas em um oxysporum se integrava aleatoriamen-
nitrato como única fonte de nitrogê- organismo de interesse, alterando o te no genoma de P. griseoroseum,
nio. Como o isolamento de mutantes fenótipo selvagem para uma aplica- sendo essa característica utilizada por
resistentes ao clorato gera mutações ção específica. As seqüências a serem Soares (2002) para obtenção de
de diferentes tipos, essas mutações introduzidas têm interesses distintos, mutantes de P. griseoroseum pela téc-
podem ser utilizadas como marcas dependendo do tipo de organismo nica de REMI.
de seleção para a formação dos hete- estudado. Dessa forma, o principal Mesmo assim, sistemas de trans-
rocários. Assim, esse sistema torna- objetivo da clonagem de genes que formação homólogos têm sido de-
se simples e rápido para ser utilizado codificam nitrato redutase é o estabe- senvolvidos para vários fungos fila-
para essa finalidade. lecimento de protocolos de transfor- mentosos, incluindo A. oryzae
Estudos de compatibilidade ve- mação baseados na complementação (Unkles et al., 1989), Cephalosporium
getativa são de particular interesse de mutações no gene da nitrato
em fungos que se reproduzem redutase. Nesse ponto, além das van-
assexuadamente, já que os indivídu- tagens inerentes a esse sistema, outra
os dentro de um GCV podem trocar característica importante é ser basea-
informações genéticas por meio de do na complementação de uma muta-
heterocariose e de ciclo parasexual. ção auxotrófica, o que evita a introdu-
Em fungos fitopatogênicos, os GCVs ção de genes de seleção baseados na
podem ser correlacionados com a resistência a drogas.
patogenicidade, embora essa corre- A transformação é realizada pela Figura 5 - Seleção de transformantes basea-
lação não esteja sempre ligada. introdução do gene da nitrato redutase da no gene da nitrato redutase. Placas com
Puhalla (1985) utilizou mutantes de- em um mutante nitrato redutase por meio mínimo contendo nitrato como úni-
ficientes na assimilação de nitrato biobalística ou Agrobacterium ca fonte de nitrogênio. (A) Controle neg-
para testar a compatibilidade vegeta- tumefaciens, sendo que o método ativo - protoplastos do mutante nitrato
tiva entre 21 isolados de F. oxysporum, mais comum é o da transformação de redutase que não foram transformados;
(B) protoplastos do mesmo mutante que
reportando que membros do mesmo protoplastos pela técnica do polieti-
foram transformados com gene homól-
GCV pertenciam à mesma formae lenoglicol (PEG)/CaCl2. Após a trans- ogo da nitrato redutase.

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 81


acremonium (Whithead et al., 1990), redutase como marcadores de sele- Uso da nitrato redutase
P. chrysogenum (Gouka et al., 1991), ção em experimentos de co-trans- para detecção e isolamento
Fusarium oxysporum (Diolez et al., formação para introduzir genes de de elementos
1993), G. fujikuroi (Tudzynski et al., interesse biotecnológico. Por exem- transponíveis
1996), B. cinerea (Levis et al., 1997a), plo, Ribeiro (2001) relatou a obten-
S. nodorum (Cutler et al., 1998) e P. ção de transformantes com até 89% Elementos transponíveis são se-
griseoroseum (Pereira, 2001). Na lite- de aumento na produção de poliga- qüências de DNA que podem se
ratura, existem relatos para A. oryzae lacturonase quando co-transformou mover no genoma integrando-se
(Unkles et al., 1989) e S. nodorum um mutante nitrato redutase de P. em regiões não homólogas, e que
(Cutler et al., 1998) de 100% de expansum com o plasmídeo pPE 15, constituem importantes agentes de
integração do vetor no locus da nitra- que carrega o gene homólogo de mutação e reorganização gênica,
to redutase, sendo que nesses estu- poligalacturonase, e o plasmídeo sendo também utilizados em siste-
dos foram analisados 22 transfor- pNH24, contendo o gene da nitrato mas de inativação de genes. Assim,
mantes para A. oryzae e 13 transfor- redutase de F. oxysporum como detectar e isolar esses elementos é
mantes para S. nodorum. Para B. marcador de seleção. Linhagens um importante passo para estudos
cinerea (Levis et al., 1997a), a análise transformantes de A. oryzae apre- de biologia básica e aplicada em
de 36 transformantes revelou 34 sentaram a produção de poligalactu- um organismo. Diferentes estraté-
integrações homólogas, sendo 29 ronase aumentada em até 3,2 vezes gias são empregadas para o isola-
eventos de troca gênica. Mesmo que quando transformadas com um gene mento de elementos transponíveis
a utilização de genes homólogos au- de poligalacturonase de Penicillium em fungos filamentosos. Entre es-
mente a probabilidade de ocorrência janthinellum, sendo os transforman- sas diferentes estratégias, o método
de integração em sítios homólogos, tes selecionados pela complemen- de armadilha para transposons
para fungos filamentosos e outros tação de uma mutação nitrato (“transposons trapping”) é o me-
organismos eucariotos, parecem ser redutase (Ishida et al. 1997). Cardo- lhor método para detecção e isola-
mais comuns eventos de integração so et al. (2003) utilizaram o gene mento de elementos transponíveis
heteróloga. Sistemas de transforma- homólogo da nitrato redutase de P. ativos. Esse método requer, além
ção homólogos, baseados na com- griseoroseum para introduzir uma de um sistema de seleção positiva
plementação de mutações nitrato construção do gene da pectina liase de mutantes espontâneos, que o
redutase, desenvolvidos para e obtiveram transformantes com au- gene alvo esteja clonado e caracte-
Cephalosporium acremonium mento expressivo na atividade des- rizado. Conforme discutido anteri-
(Whitehead et al., 1990) e P. sa enzima. ormente, um dos melhores siste-
chrysogenum (Gouka et al., 1991) mas para seleção positiva de
resultam, na maioria dos transfor- Utilização do gene da mutantes espontâneos é o sistema
mantes, na integração do vetor em nitrato redutase como nitrato redutase. Dessa maneira,
sítios diferentes do locus da nitrato vetor de expressão esse sistema vem sendo emprega-
redutase, enquanto que G. fujikuroi do com muito sucesso para o isola-
(Tudzynski et al., 1996) e F. Uma outra perspectiva na apli- mento de vários elementos trans-
oxysporum (Diolez et al., 1993) ocor- cação biotecnológica do gene da ni- poníveis em fungos filamentosos.
reu um número similar de integra- trato redutase é sua utilização como Os elementos Fot1, impala, Ant1,
ções, dentro e fora desse locus. vetor de expressão. Isso é baseado Vader, Flipper e hupfer, são exem-
Um sistema de transformação com nas análises de expressão onde são plos de transposons clonados pela
alta incidência de integração homólo- observadas grandes quantidades de seleção de mutações espontâneas
ga, especialmente troca gênica, pode transcrito do gene da nitrato redutase no gene da nitrato redutase em
ser utilizado para estudos de regiões apenas poucos minutos após sua Fusarium oxysporum, Aspergillus
importantes, tanto em nível de indução por nitrato (Okamoto et al., niger, A. fumigatus, Botrytis cinerea
regulação como em nível estrutural. 1991; Haas et al., 1996), sendo esse e Beauveria bassiana (Daboussi et
Assim, mutações geradas in vitro, indutor acessível e de baixo custo. al., 1992; Langin et al., 1995; Glayzer
como alteração dos sítios de ligação Essa perspectiva é importante uma et al., 1995; Amutan et al., 1996;
de proteínas reguladoras, podem ser vez que muitos genes de valor bio- Levis et al., 1997b; Maurer et al.,
introduzidas e avaliadas in vivo no tecnológico somente são expressos 1997).
exato local onde reside o gene. Além na presença de um indutor específi- Para isolar esses elementos utili-
disso, essa alta taxa de integração co que, muitas vezes, é oneroso e zando-se o sistema nitrato redutase,
homóloga é interessante em experi- acarreta a inviabilidade da aplicação é necessário isolar mutantes nitrato
mentos de co-transformação, pois di- industrial. Para tanto, a região estru- redutase e caracterizar, por hibridiza-
minui a probabilidade de integrações tural do gene de interesse pode ser ção com o gene alvo, o tipo de
em sítios heterólogos que sejam im- clonada sob controle do promotor do mutação que originou o fenótipo
portantes para o metabolismo celular gene da nitrato redutase, abrindo a mutante. Nos mutantes isolados po-
e/ou de interesse biotecnológico. possibilidade para a indução do gene dem ocorrer mutações de diferentes
Vários trabalhos relatam a utili- por uma fonte mais acessível e ape- tipos no gene da nitrato redutase,
zação de vetores de transformação nas no momento em que o indutor como, por exemplo, mutações pon-
que carregam o gene da nitrato estiver presente. tuais, deleções ou inversões. Além

82 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


Figura 6 - Esquema da detecção e isolamento de elementos transponíveis utilizando o gene da nitrato redutase como isca.
desses tipos, também pode ocorrer a Referências Bibliográficas Brooker NL, Leslie JF, Dickman MB,
inserção de um fragmento de DNA, 1991. Nitrate non-utilizing
como a inserção de um elemento Aberg B, 1947. On the mechanism of mutants of Colletotrichum and
transponível. Assim, espera-se que o the toxic action of chlorates and their use in studies of vegetative
resultado da hibridização apresente some relates substances upon compatibility and genetic
algum mutante com o fragmento do young wheat plants. Kungl. relatedness. Phytopathol. 81:672-
gene alvo maior quando comparado Lantbrushögskolans Ann. 15:37- 677.
ao tipo selvagem (Figura 6). Após a 107. Burger G, Tilburn J, Scazzocchio C,
obtenção de um mutante com a in- Amaar YG, Moore MM, 1998. 1991. Molecular cloning and
serção, pode-se fazer um teste de Mapping of the nitrate- functional characterization of the
estabilidade plaqueando-se esporos assimilation gene cluster (crnA- pathway-specific regulatory
do mutante em meio mínimo conten- niiA-niaD) and characterization gene nirA, which controls nitrate
do nitrato como única fonte de nitro- of the nitrite reductase gene assimilation in Aspergillus
gênio. Se a inserção for oriunda de (niiA) in the opportunistic nidulans. Mol. Cell. Biol. 11:795-
um transposon ativo, esse pode sal- fungal pathogen Aspergillus 802.
tar e reconstituir o fenótipo selva- fumigatus. Curr. Genet. 33:206- Caddick MX, Peters D, Platt A, 1994.
gem, apresentando maior instabili- 215. Nitrogen regulation in fungi.
dade. O fragmento inserido, ou parte Amutan M, Nyyssönen E, Stubbs J, Antonie van Leeuwenhoek
dele, pode ser recuperado por meio Dias-Torres MR, Dunn-Coleman 64:169-177.
de bancos genômicos parciais ou de N, 1996. Identification and cloning Cardoso PG, Teixeira JA, Ribeiro JB,
amplificação com oligonucleotídeos of a mobile transposon from Queiroz MV, Araújo EF, 2003.
específicos e, então, seqüenciado e Aspergillus niger var. awamori. Transformantes de Penicillium
caracterizado. Curr. Genet. 29:468-473. griseoroseum superprodutores de
Mesmo que o gene da nitrato Arst HNJr, Tollervey DW, Sealy-Lewis, pectina liase. Anais do Congres-
redutase não tenha sido clonado para HM, 1982. A possibly regulatory so de Genética, Sociedade Brasi-
uma espécie de interesse, há possibi- gene for the molybdenum- leira de Genética, Águas de
lidade de usar um gene heterólogo containing cofactor in Aspergillus Lindóia, S.P.
conforme realizado com sucesso por nidulans. J. Gen. Microbiol. Chang PK, Ehrlich KC, Linz JEL,
Daboussi et al. (1992). Esses autores 128:1083-1093. Bhatnagar D, Cleveland TE,
introduziram o gene da nitrato redutase Azevedo JL, Costa SOP, 1973. Exer- Bennet JW, 1996. Characterization
de A. nidulans em uma linhagem cícios práticos de genética. São of the Aspergillus parasiticus
mutante para nitrato redutase de F. Paulo: ed. Nacional, EDUSP, niaD and niiA gene cluster. Curr.
oxysporum e isolaram o elemento 288 p. Genet. 30:68-75.
Fot1 inserido no gene heterólogo. Banks GR, Shelton PA, Kanuga N, Chang PK, Yu J, Bhatnagar D, Cleveland
Assim, a fácil seleção de mutantes Holden DW, Spanos S, 1993. The TE, 2000. Characterization of the
nitrato redutase têm-se mostrado uma Ustilago maydis nar1 gene Aspergillus parasiticus major
ótima ferramenta no isolamento de enconding nitrate reductase nitrogen regulatory gene, areA.
elementos transponíveis ativos em activity: sequence and Biochim. Biophys. Acta 1491:263-
diferentes espécies de fungos fila- transcriptional regulation. Gene 266.
mentosos. 131:69-78. Chiang TY, Marzluf GA, 1994. DNA

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 83


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84 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


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xanthine dehydrogenase which adenine dinucleotide-dependent KL, Contreras R, Hawins AR, Van
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Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 85


Glucoamilase:
Pesquisa
Estrutura e termoestabilização
Estrutura e termoestabilização de glucoamilase por técnicas moleculares

Carla M. Y. Lemos Resumo locidade menor, a glucoamilase tam-


Lab. de Bioquímica e Microbiologia aplicada
IBILCE - UNESP, Pós Graduação em Microbiologia
bém atua hidrolisando as ligações α-
Aplicada IB/UNESP - Rio Claro-SP A glucoamilase (GA) é uma 1,6 (Fleetwood e Weigel, 1962). Su-
enzima hidrolítica que catalisa a libe- gere-se, portanto, que a ação da
Erica Fuchs ração sucessiva de β-D-glucose a par- glucoamilase ocorra através de um
Department of Food Science and Human Nutrition tir do amido e oligossacarídeos relaci- mecanismo multisseriado no qual a
Iowa State University, IA-USA
onados. A GA catalisa eficientemente enzima atua aleatoriamente em toda
Eleni Gomes
a reação de sacarificação do amido a molécula de substrato (James e Lee,
Lab. de Bioquímica e Microbiologia aplicada dentro de uma faixa estreita de tem- 1997).
Departamento de Biologia peratura. A sua termoestabilidade li- A glucoamilase (GA) é ampla-
IBILCE - UNESP - São José Rio Preto-SP
mitada afeta seu uso no processo mente usada na indústria alimentícia
industrial, onde a incubação prolon- para a produção de xaropes com alto
Roberto Da Silva
Lab. de Bioquímica e Microbiologia aplicada, gada em altas temperaturas é necessá- teor de glucose e também é empre-
Departamento de Química e Ciências Ambientais, ria. As estratégias tradicionais para gada na produção de álcool e xaro-
IBILCE - UNESP - São José Rio Preto-SP
dasilva@qca.ibilce.unesp.br
melhorar a termoestabilidade da GA pes com alto teor de frutose (1989;
de Aspergillus, tais como a imobiliza- Brumm, 1998; Mathewson, 1998).
ção e modificação química têm falha- Vários microrganismos, plantas
Ilustrações cedidas pelos autores
do no uso industrial. Atualmente, as e animais produzem glucoamilase.
técnicas de evolução dirigida utilizan- Estas enzimas disponíveis comercial-
do a biologia molecular proporcio- mente são, na sua maior parte, pro-
nam uma importante ferramenta para duzidas por linhagens dos fungos
melhorar ou mesmo criar novas pro- Aspergillus e Rhizopus. Dentre estas,
priedades nas enzimas existentes, em a glucoamilase de Aspergillus é a
um curto espaço de tempo. Esta revi- mais termoestável, apresentando a
são apresenta a importância, estrutura máxima atividade em torno do pH
e função da glucoamilase e as recen- 4,5, em temperaturas de 50 a 55°C,
tes estratégias da biologia molecular mas ela é rapidamente inativada em
como ferramenta para melhorar a ter- temperaturas próximas a 60°C
moestabilidade desta enzima. (Manjunath et al.,1983; Brumm, 1998).
A glucoamilase catalisa eficien-
1. Glucoamilase de temente a reação de sacarificação
Aspergillus dentro de um limite relativamente
estreito de temperatura, porque a
A glucoamilase (α-1,4-glucan sua conformação cataliticamente ati-
glucohidrolase, EC 3.2.1.3), também va muda com o aumento da tempe-
conhecida como amiloglucosidase, é ratura. Esta termoestabilidade limi-
uma enzima hidrolítica que catalisa a tada afeta seu uso no processo in-
quebra das ligações glicosídicas α- dustrial, onde a atuação prolongada
1,4 a partir de uma extremidade não em altas temperaturas é necessária.
redutora das moléculas de amilose Na produção de xaropes com alto
ou amilopectina do grânulo de ami- teor de glucose, uma pasta de amido
do e oligossacarídeos relacionados (30-40% BS) é primeiro liquefeita a
liberando β-D-glucose. Em uma ve- 105°C por 5 minutos e em seguida,

86 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


DC L DLS

Figura 1. Imagem da estrutura estendida da glucoamilase de Aspergillus niger idêntica a glucoamilase de Aspergillus awamori.
No lado esquerdo o domínio catalítico (DC), ao centro o filamento ligante ou “linker” (L) e à direita o domínio de ligação ao
substrato (amido) (DLS).
http://nte-serveur.univ-lyon1.fr/nte/heyde/www.public.iastate.edu/_pedro/glase/glase.html (10/10/03)
a 95°C por 2 horas, usando a a- endoplasmático (RE). Durante o sub- competente) é a GAII resultante da
amilase bacteriana termoestável, em seqüente processo de dobramento, perda do sítio de ligação ao substrato
pH 6.0-6.5. Finalmente, o amido ocorre a O-glicosilação do “linker”, localizado na extremidade C-termi-
liquefeito é resfriado a 60°C e filamento que liga o domínio catalítico nal. A GAII é uma mistura de
hidrolisado por mais 48 a 72 horas (CD) ao domínio de ligação ao subs- polipeptídeos de tamanhos entre 512
usando a glucoamilase (James e Lee, trato (DLS), e pontes dissulfetos são e 514 resíduos de aminoácidos, com
1997, Brumm, 1998). Está claro que formadas (Pryer et al, 1992; Gaut e atividade catalítica normal mas sem a
a termoestabilidade da glucoamila- Hendershot, 1993). Assim, a GA, na habilidade para se ligar ao amido no
se determina a velocidade do pro- sua conformação nativa estendida, estado natural, não gelatinizado
cesso como um todo. Trabalhar em assume uma forma de alteres, onde (Svensson et al., 1986).
altas temperaturas não apenas pode dois domínios volumosos, o domínio As proteínas originais de
acelerar a taxa da reação e conse- catalítico e o domínio de ligação ao Aspergillus niger e Aspergillus
quentemente diminuir o tempo do amido, estão ligados por um filamento awamori, cujas seqüências são idên-
processo, como também pode pre- fino como mostra a figura 1. Esta é ticas (Svensson et al., 1989; Nunberg
venir a contaminação microbiológi- uma imagem simplificada ilustrativa, et al., 1984), consistem de três prin-
ca, além de reduzir a viscosidade da uma vez que a estrutura real da GA cipais áreas funcionais (Coutinho e
mistura de reação. Portanto, o de- completa ainda não está disponível. Reilly, 1994 a-b, Coutinho e Reilly,
senvolvimento de uma glucoamila- A organização dos domínios da mo- 1997): (1) o domínio catalítico, cons-
se mais termoestável poderá contri- lécula tem sido deduzida através das tituído dos resíduos 1 ao 440, (2) o
buir para a otimização do processo diferentes técnicas biofísicas e rela- filamento ligante, formado pelos re-
de sacarificação do amido. Entretan- tos disponíveis (Coutinho, 1997; síduo 441 ao 512, que é altamente O-
to, o conhecimento da estrutura da Sauer, 2000). glicosilado, e (3) um domínio de
proteína e o processo de termoinati- As inúmeras proteínas desdo- ligação ao amido no estado natural
vação da enzima são necessários bradas, que entram no lúmem do RE, na extremidade C-terminal, conten-
para elaboração de prognósticos ra- devem ser protegidas de quaisquer do os resíduo 513 a 616 (Svensson et
cionais e planos efetivos de experi- agressões e serem mantidas em um al., 1986; et al., 1989). Além da região
mentos de estabilização da estrutura estado de dobramento-competente. de O-glicosilação do “linker”, dois
proteica. Dobramentos ineficientes ou muta- outros sítios de N-glicosilação estão
A glucoamilase de Aspergillus é ções em proteínas secretadas resul- localizados nos resíduos Asn 171 e
codificada por um único gene, mas tam em enzimas com conformação Asn 395 (Svensson et al., 1989; Aleshin
existem duas ou três formas variáveis incorreta e defeito na atividade et al., 1992). Acredita-se que os resí-
da enzima produzidas por proteólise (Bonifacino e Klausner, 1994). duos de carboidratos desempenham
limitada (Svensson et al., 1986). Pazur Em Aspergillus awamori, o gene uma importante função na estabiliza-
et al (1971) constatou que as formas codifica uma GAI de tamanho com- ção da glucoamilase (Manjunath et
da glucoamilases de Aspergillus niger pleto contendo de 615 a 616 resíduos al.,1983, Svensson et al.,1989;
são glicoproteinas que possuem quan- de aminoácidos (figura 2), bem como Williamson et al., 1992a). Em altas
tidades diferentes de glicosilações. o peptídeo sinalizador de secreção temperaturas, a GA de A. niger, qui-
Como em outras proteínas, após a no N-terminal. O peptídeo sinalizador micamente desglicosilada, (Shenoy
síntese no citoplasma, a GA é trans- é cortado após a secreção da proteí- et al., 1984) e a glucoamilase de A.
portada em um estado desdobrado na pela célula. O outro maior produ- awamori, geneticamente truncada,
através da membrana do retículo to de proteólise da GAI (diz-se da GA sem parte da região de O-glicosilação

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 87


(Evans et al, 1990), deterioraram-se
mais rapidamente do que as suas
formas selvagens. Além disso, a GAII
em que falta apenas do domínio de
ligação ao substrato, tem termoesta-
bilidade similar a da GAI (Svensson
et al., 1986), enquanto que uma
glucoamilase especial (GAI’), na qual
faltam parte da região O-glicosilada e
o domínio de ligação ao amido, é
menos estável do que a sua forma
original (Hayashida et al., 1989). A
região de O-glicosilação também fa-
cilita a secreção de GA (Evans et al.,
1990).
A estrutura da GA nativa é muito
difícil de determinar em função do
alto grau de glicosilação. Aleshin et
al (1992) determinou a estrutura cris-
talina de uma GA muito próxima da Figura 2. Seqüência de aminoácidos (1 letra) da GA de A. niger. Letras vermelhas: α-
helice; letras azuis: fita-β; C dentro dos retângulos: resíduos de cisteínas envolvidos
forma nativa denominada A. awamori
em pontes dissulfetos; N dentro dos retângulos: sitios N-glicosilados; T e S dentro dos
var. X100 (GA’) (figura 3), a qual foi retângulos: sítios O-glicosilados; E dentro dos retângulos: resíduos dos aminoácidos
obtida por proteólise limitada com catalíticos glutâmico 179 e 400; seqüências sombreadas: regiões conservadas S1 a S5;
subtilisina e apresenta os primeiros seqüência sublinhada: sitio de ligação ao substrato. Fonte: Flory, 1993.
470 resíduos de aminoácidos da pro-
teína original. Esta seqüência de ami- como os dois resíduos de aminoáci- com 2 unidades de glucoses ligadas
noácidos da GA’ é 99,4% similar a dos catalíticos localizados no fundo N-glicosidicamente nos resíduos Asn
GAI de A. niger e A. awamori, com do sítio (Harris et al., 1993; Sauer, 171 e Asn 395, formam um cinto de
uma deleção no resíduo 102 (Aleshin 2000). A estrutura em barril α/α do glicosilações ao redor do domínio
et al, 1992, 1994a). Assim, o estudo DC da GA de A. awamori, A. niger e catalítico (Aleshin et al, 1992). Foi
desta estrutura cristalina elucidou a de Saccharomyces fibuligera são si- sugerido que a outra parte altamente
conformação do domínio catalítico milares, sendo que esta última apre- O-glicosilada (aminoácidos de 472 a
completo e a conformação da primei- senta 14 α-hélices, 12 das quais estão 512) envolva o domínio catalítico
ra metade N-terminal da região O- na conformação barril α/α (Sevcik et como uma continuação do resíduo
glicosilada da glucoamilase de al, 1998; Sauer et al, 2000). Esta 471, fazendo com que o domínio de
Aspergillus. A estrutura cristalina da conformação contrasta com a ligação ao amido fique próximo ao
GA de A. awamori var. X100 mos- topologia de organização em barril sítio ativo (Sauer et al, 2000). O
trou que o domínio catalítico consis- α/β encontrada em outras enzimas segmento C-terminal do “linker” con-
te de treze a-hélices que compreen- amilolíticas tais como α e β-amilases tém cerca de 30 aminoácidos, princi-
dem cerca de 51% dos resíduos de (Buisson et al., 1987; e Mikami et al., palmente serina e treonina, sendo,
aminoácidos do polipeptídeo total, e 1993) e ciclodestrina glucosiltransfe- portanto, muito O-glicosilado. A esta
regiões menores de β filamentos rases (Klein e Schulz, 1991). Obser- parte particular do linker tem sido
antiparalelos. Doze das α-hélices vou-se uma pequena similaridade atribuída papéis na estabilidade, se-
estão arranjadas dentro de uma estru- entre a estrutura da GA e proteínas creção e na digestão do amido cru
tura denominada barril α/α, consis- transportadoras de glucose. Assim, a (Libby et al, 1994; Sauer et al, 2000).
tindo de seis α-hélices externas e seis organização das hélices na GA pode Embora algumas características como
internas que envolvem o sítio ser relevante para a conformação de a compactação da conformação do
catalítico em forma de funil, constitu- proteínas que transportam glucose barril α/α, a proteção dos carboidra-
ído por seis segmentos α/α altamen- (Aleshin et al, 1994a). tos e a região O-glicosilada, façam a
te conservados (Sauer, 2000). O sítio O segmento O-glicosilado está GA de Aspergillus mais estável do
catalítico da GA possui uma barreira numa conformação de cinto estendi- que algumas proteínas, uma maior
de resíduos hidrofóbicos no centro, do em torno do barril α/α catalítico. estabilidade ainda é requerida para
os quais separam o núcleo em duas Isto sugere que este segmento serve os processos industriais, como expli-
regiões de volume morto (void), con- como um elo de ligação estrutural cado anteriormente.
tendo apenas água. Uma serve como entre o domínio catalítico e o domí- O domínio de ligação ao amido
o sítio ativo propriamente dito e a nio de ligação. A primeira parte (ami- possui este nome por causa da sua
outra, tem uma função ainda não noácidos 441 a 471) desta região O- capacidade de se ligar ao grânulo de
conhecida (Aleshin et al., 1994a). O glicosilada possui cerca de 10 resídu- amido nativo e permitir sua digestão
sítio ativo contém Glu179 e Glu400 os de manoses expostos, que juntos pelo domínio catalítico (Svensson et

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existe uma ligação dissulfeto entre os
resíduos 509 e 604 que conecta o N-
terminal com o C-terminal do domí-
nio de ligação ao substrato (Coutinho
e Reilly, 1994 b).
Existem dois resíduos N-glicosi-
lados (Asn 171 e Asn 395) na GA, nos
arredores do sítio ativo. Em cada
caso, o N da Asn está ligado à posição
C1 do primeiro resíduo de açúcar (N-
acetil-D-glucosamina), que está liga-
do por β (1→4) ao segundo (N-
acetil-D-glucosamina) que por sua
vez se liga ao terceiro resíduo (D-
manose) (Aleshin et al., 1992). O
número total de resíduos de açúcares
para formar a cadeia glicosil ligada a
Asn 171 e Asn 395 é 5 e 8 respectiva-
mente (Aleshin et al., 1994 a). A
mutação Asn 395→ Gln que removeu
o sítio de N- glicosilação no resíduo
395, diminuiu drasticamente tanto a
secreção como a termoestabilidade,
mas não alterou a atividade específi-
Figura 3. Esquema da glucoamilase (GA’) de Aspergillus awamori var. X100 (Aleshin ca (Chen et al., 1994 b).
et al., 1992). α- hélices (H1 a H13) são simbolizadas por cilindros, sítios de O- Embora a GA de A. awamori
glicosilação são representados por hexágonos simples, e sítios de N-glicosilação são primariamente catalise a clivagem
simbolizados por cadeias de três hexágonos. hidrolítica de ligações a (1,4) com
al., 1983). Este domínio parece ter a et al., 1989). A estrutura tridimensional liberação de β-glucose a partir de
capacidade de ligar a GA à parede da da CGTase é globular, contendo de 6 uma extremidade não redutora da
célula isto porque tem afinidade por a 8 fitas β (Klein e Schulz, 1991). A cadeia de amido e oligossacarídeos,
α-1,4 e α-1,6 glucanos que pertencem estrutura do domínio de ligação ao ela também cliva ligações glicosídicas
à parede celular. Esta afinidade au- amido da GA revela uma estrutura a (1,6) com uma eficiência catalítica
menta a concentração de GA próxima bem definida em fitas β consistindo (Kcat/ Km) por volta de 500 vezes
da micromembrana da célula de um par paralelo e 6 pares menor do que para as ligações a (1,4)
(Neustroev et al., 1993). A GAII, na antiparalelos que formam um barril β (Fleetwood e Weigel, 1962).
qual faltam os resíduos 513 a 616, tem aberto na lateral. Dois sítios de liga-
uma habilidade semelhante a GAI ção para outros ligantes foram encon- 2. Termoestabilização da
para digerir amido solúvel, mas pos- trados neste domínio, sendo cada um Glucoamilase
sui uma habilidade drasticamente re- no final da molécula em faces opostas
duzida para se ligar e hidrolisar o (Sorimachi et al., 1996). O mecanismo 2.1. Estratégias tradicionais
amido nativo (Svensson et al., 1989). proposto de ligação deste domínio
Recentemente, foi demonstrado que aos grânulos de amido, parece envol- A modificação química e a imo-
o DLS isolado, atuando em grânulos ver a formação de um complexo de bilização são as duas principais estra-
de amido juntamente com a GAII, inclusão entre os resíduos hidrofóbicos tégias tradicionais que têm sido ex-
apresentaram um efeito sinergístico do domínio de ligação e os grânulos ploradas para melhorar a termoesta-
na degradação do substrato insolúvel, de amido (Goto et al., 1994). bilidade da GA.
sugerindo que o domínio de ligação Existem quatro pontes dissulfe- Modificação química: altera um
ao substrato se liga ao amido como tos na GA, das quais três estão no grupo funcional específico nas pro-
uma porção individual e rompe a domínio catalítico e uma no domínio teínas, tal como um grupo carboxila,
compacta estrutura do grânulo de de ligação. No domínio catalítico, as por reação química. Embora esta
amido facilitando a hidrólise pelo pontes estão entre os resíduos 210 e técnica tenha aumentado a estabili-
domínio catalítico (Southall et al, 1999; 213 (conectando o N-terminal com o zação da a α-quimotripsina em 1000
Sauer et al, 2000). O domínio de meio da hélice 7), 262 e 270 (conten- vezes (Moshaev et al., 1988), ela
ligação ao amido da GA possui uma do um filamento β antiparalelo) e 222 geralmente tem um rendimento ne-
significante similaridade de seqüên- e 449 (associando o trigésimo resí- gativo ou relativamente muito pe-
cia de aminoácidos com o domínio de duo O-glicosilado do “cinto” com o queno na termoestabilização da GA
ligação ao amido da ciclodextrina gli- domínio catalítico) (Aleshin et al., (Sinitsyn et al.,1978; Munch e Tritsch,
cosiltransferase (CGTase) (Svensson 1992). Experimentos sugerem que 1990).

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Imobilização: geralmente resul- et al., 1985) e em Pichia pastoris dentre as milhões de possibilidades,
ta em alguma perda da atividade (Fierobe et al. 1997), o que permitiu a solução ou as soluções corretas, ou
enzimática (Lee et al., 1976; Svensson o emprego da manipulação genética seja, a enzima que exibe a proprieda-
e Ottesen, 1981; Lenders e Crichton, como uma maneira de modificar a de desejada (Arnold, 1996).
1988), mas apesar disso, foi usada enzima para melhorar suas proprie- Em suma, este processo consiste
em GA porque ela permite o proces- dades catalíticas ou físicas. na combinação de técnicas da biolo-
so contínuo de operação. Embora Estas estratégias para criar novas gia molecular apropriadas para a
muitas GAs imobilizadas tenham ou melhoradas propriedades em mutação e expressão do gene,
melhor estabilidade do que as formas enzimas, atualmente podem ser sepa- acopladas a um eficiente e rápido
solúveis, elas ainda não substituíram radas em duas estratégias comple- sistema de seleção. (Reetz e Jaeger,
estas últimas no uso industrial, isto mentares 1) desenho racional e 2) 2000). A idéia é partir de uma enzima
porque as GAs imobilizadas devem evolução dirigida. O desenho racio- selvagem, realizar a mutagênese no
ser usadas em temperaturas operaci- nal de proteínas é baseado no conhe- gene que codifica a enzima e seleci-
onais baixas a fim de serem preserva- cimento detalhado da seqüência pri- onar os melhores mutantes de acor-
das por vários meses, e continuarem maria, estrutura, função e mecanismo do com a característica fenotípica
viáveis (Lee et al., 1976). Desde que de catálise. Através destes conheci- desejada (Zhang, 1997). Após a sele-
a energia de ativação para a atividade mentos, alterações são introduzidas, ção dos mutantes, segue-se novos
enzimática deva ser menor do que principalmente, por mutação sitio ciclos de mutações buscando melho-
para a inativação da enzima, uma dirigida, como será discutido abaixo. res mutantes.
temperatura de 38 a 40°C é recomen- A evolução dirigida, (Zhang, 1997) Quando a taxa de mutação, ta-
dada para a GA imobilizada. Entre- não exige conhecimento da relação manho da biblioteca e o processo de
tanto, o decréscimo na temperatura estrutura-função da enzima. A evolu- seleção são adequados, o fenótipo
operacional resulta numa baixa taxa ção dirigida é também chamada de desejado de uma enzima geralmente
de reação e em contaminação biotecnologia evolutiva (Arnold e aumenta a cada ciclo de mutações
microbiológica, que é menos facil- Volkov, 1999; Reetz e Jaeger, 1999; (Zhang, 1997).
mente controlado em fábricas do que Sutherland,2000). O termo evolução Existe um grande número de
em laboratório. Lee et al., (1976) dirigida subtende uma série de expe- diferentes estratégias de mutagênese
relataram que a GA imobilizada ren- rimentos que reproduzem, de forma para criar diversidade de seqüências,
deu xaropes com teores mais baixo acelerada e em tubos de ensaios, a tais como a mutação pontual ao aca-
de glucose, 1,0-1,5%, e de Dextrose evolução da diversidade natural e so por PCR mutagênico (error-prone
Equivalente (DE), 1,0-1,5 unidades, adaptação ambiental. Mutações e PCR), e o embaralhamento de DNA
do que aqueles produzidos por recombinações são feitas dando ao (DNA shuffling). Combinações des-
enzimas solúveis. Isto é atribuído a processo uma direção no sentido de tas técnicas também vêm sendo utili-
limitação da difusão de partículas de atingir a otimização de uma proprie- zadas. Tais estratégias serão discuti-
glucose, que resulta em um gradien- dade específica (Lehman e Wyss, das a seguir:
te de concentração de glucose e, 2001). Muitas pistas de como melho-
consequentemente, leva a uma mai- rar enzimas vêm dos estudos de como 2.2.1 Mutação Sítio Dirigida
or incidência de reações reversíveis as enzimas evoluem na natureza. As- (MSD)
do que se o gradiente não estivesse sim, esta poderosa técnica objetiva
presente (Lee et al., 1980). Além otimizar o processo de melhoramento É uma poderosa técnica na qual
disso, numa aplicação real, as altas das enzimas utilizando mecanismos apenas um ou poucos aminoácidos
concentrações do substrato estabili- envolvidos na evolução natural (mu- específicos são substituídos por ou-
zam tão bem a GA que o aumento da tação, recombinação e seleção natu- tros aminoácidos, por alteração nos
termoestabilização proporcionado ral). Entretanto, a evolução dirigida correspondentes nucleotídeos no
pela imobilização torna-se relativa- difere do processo natural no sentido gene codificador da proteína. Quan-
mente insignificante (Klesov e em que são os pesquisadores que do realizada com sucesso, ela tem a
Gerasimas, 1979). definem as propriedades a serem vantagem de melhorar a característi-
otimizadas e o processo biotecnológi- ca desejada da enzima sem afetar
2.2. Estratégias co acontece em um período curto de outras propriedades e até mesmo de
moleculares (Evolução tempo (semanas ou meses) (Reetz, criar mutantes carregando várias ca-
Dirigida de Enzimas) 1999). racterísticas melhoradas.
Num experimento de evolução Nesta ferramenta, as mudanças
O advento da engenharia de dirigida, primeiramente é induzida precisas, efetuadas na seqüência dos
proteínas, empregando técnicas de uma alteração no DNA visando uma aminoácidos, são baseadas no conhe-
biologia molecular, proporcionou resposta específica. Isto resulta em cimento detalhado da estrutura da
novas estratégias para a termoestabi- uma biblioteca de populações com proteína, função e mecanismo (Chen,
lização de enzimas. O gene da GA de diferentes graus de possíveis respos- 1999). Por exemplo, um resíduo par-
A. awamori foi clonado e expressado tas, incluindo ou não a resposta espe- ticular de aminoácido pode ser iden-
em Saccharomyces cerevisiae (Innis rada. O próximo passo é encontrar tificado como sendo importante para

90 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


a atividade catalítica da enzima (Reetz, adição de MnCl2, aumento na con- lado causa um baixo número de
1999), sendo assim, uma substituição centração de dCTP e dTTP e aumento mutações pontuais, mas se for dese-
individual deste aminoácido poderia na quantidade taq polimerase. Para o jado, mutações adicionais podem ser
provocar mudanças na estrutura se- propósito de evolução dirigida de incorporadas por PCR mutagênico
cundária resultando em enzimas com enzima, estas condições devem ser ou mutagênese por UV no “pool” de
características desejáveis (Chen, 1999). modificadas a fim de se obter uma genes (Stemmer, 1994a).
Entretanto, seria impossível predizer taxa média de 1 a 2 nucleotídeos A técnica de embaralhamento
qual dos 19 aminoácidos remanes- mutados por gene, levando a uma pode ser realizada com mutantes do
centes seria o melhor alvo para a mudança média de 1 aminoácido por mesmo gene e também com genes
mutação que resultaria em subsequen- enzima mutante (Reetz, 1999). A van- homólogos de diferentes espécies
te melhoria da propriedade procurada tagem de tal processo é que pode ser (family shuffling) (Reetz e Jaeger,
(Reetz, 1999). Muitas tentativas para realizado rapidamente envolvendo 1999). Esta recente adaptação permi-
alterar especificamente algumas das qualquer proteína, mesmo sem o te que duas ou mais seqüências que
propriedades das enzimas através conhecimento preciso de sua estru- ocorram naturalmente sejam usadas
desta técnica falharam, isto porque a tura (Zhang et al, 1997 e Jaeger e como material genético iniciador.
introdução de aminoácidos substitu- Reetz, 2000). Neste método, genes similares são
tos têm efeitos inesperados na estru- misturados, fragmentados aleatoria-
tura e função da enzima. (Kikuchi, 2.2.3. Embaralhamento de DNA mente e recombinados sob condi-
1999). Além disso, tem sido observa- (DNA shuffling) ções que permitam o anelamento e a
do que em muitos estudos de muta- extensão de fitas complementares
ção sítio dirigida, o aumento da ter- Este poderoso processo de evo- não idênticas (Christians et al, 1999).
moestabilidade está vinculada ao de- lução dirigida, que gera diversidade A recombinação que ocorre nesta
créscimo da atividade catalítica (Carrea por recombinação, é baseado na com- técnica é causada pela incorporação
e Colombo, 2000). As falhas também binação de mutações úteis de genes de um fragmento derivado de uma
podem ser porque este processo re- individuais. Bibliotecas de genes qui- seqüência dentro de outra, baseado
quer conhecimento de detalhes da méricos podem ser geradas por frag- na homologia.
estrutura tridimensional da enzima, mentação aleatória de um gene, se- Análises evolutivas de famílias
de seu mecanismo de catálise, bem guido por recombinação dos frag- de enzimas sugerem que mudanças
como um certo grau de intuição na mentos em uma reação de PCR drásticas na função da enzima exi-
escolha do aminoácido a ser substitu- (Crameri, 1998). gem uma considerável mudança na
ído (Reetz, 1997). Em muitos casos, O embaralhamento de DNA seqüência de aminoácidos de um
estas substituições foram feitas sem combinado com uma seleção para a polipeptídeo. Tais mudanças prova-
levar em consideração as proprieda- atividade pode acelerar a evolução velmente não ocorrem durante o pro-
des estruturais da proteína (Chen, 1999). dirigida das características deseja- cesso de evolução in vitro, no qual as
das. Nesta técnica, a diversidade é enzimas são principalmente melho-
2.2.2. PCR mutagênico (Error- introduzida a partir de uma bibliote- radas por mutações de ponto com
prone PCR): ca de mutações pontuais aleatórias uma tendência a transições e
(Christians et al, 1999). Os genes transversões limitando o acesso a um
A introdução de mutações atra- selecionados podem ser submetidos amplo espectro de substituições. Em
vés desta técnica envolve uma modi- a mais ciclos de mutações (reemba- contraste, a mutação natural, tipica-
ficação no protocolo de PCR (Jaeger ralhamento) e melhorar ainda mais a mente resultante de recombinação
e Reetz, 2000). Uma reação de PCR é sua mutação benéfica original sexual ou homóloga, gera deleções,
normalmente realizada de modo a (Stemmer, 1994a) simulando de for- inserções, duplicações ou fusões.
amplificar qualquer dado DNA com ma acelerada, o processo natural de Neste último processo, tais muta-
alta fidelidade. A atividade de corre- recombinação sexual (Christians et ções alteram o espaçamento entre
ção de erro 3’ → 5’ da DNA polime- al, 1999). os resíduos de aminoácidos e seg-
rase assegura que a amplificação do A técnica consiste basicamente mentos de cadeias de polipeptídeos
DNA siga de maneira precisa. Ocasi- na fragmentação de um gene com e pode resultar em mudanças na
onalmente, nucleotídeos errados são diferentes mutações pontuais por especificidade e novas atividades
incorporados durante a amplificação DNAse I. A recombinação dos frag- catalíticas (Chen, 2001).
levando a mutações com uma fre- mentos aleatoriamente resulta em “Screening” e Seleção: Grandes
qüência de 0,1 a 2x 10 -4 por moldes trocados e recombinados. Um bibliotecas de mais de 1010 genes
nucleotídeo para a DNA polimerase gene recombinante contendo 4 mutantes podem facilmente ser cri-
termoestável do Thermus aquaticus “crossovers” pode ser selecionado da adas usando as técnicas acima. Por-
(Taq polimerase). Esta baixa taxa de biblioteca de recombinantes basea- tanto, o desenvolvimento de um
erro pode ser aumentada para 7x 10-3 do na função melhorada. O conjunto sistema apropriado de seleção é de
por nucleotídeo através de um ou selecionado promove o ponto de importância chave no processo de
mais dos seguintes procedimentos: partida para outro ciclo de mutações evolução dirigida de enzimas (Reetz,
aumento da concentração de MgCl2, e recombinações. Este processo iso- 1999). Seleções efetivas, nas quais

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apenas aqueles clones carregando a tando em duas substituições de ami- especificidade pelo substrato seme-
característica desejada sobrevivam noácidos (Reetz e Jaeger, 1999). lhantes às da enzima selvagem, en-
ou cresçam mais rápido são raras Kikuchi et al (1999) aplicaram tretanto, a termoestabilidade foi au-
(Arnold e Volkov, 1999). No caso do esta técnica nos genes xylE e nahH mentada. O T50 (temperatura na qual
emprego de vetores (plasmídios), o que codificam para a enzima catecol as enzimas perdem 50% da sua ativi-
“screening” é feito para obter os 2,3-dioxigenase. Mais de 2000 clones dade) foi aumentado para 67°C para
mutantes que incorporaram o vetor híbridos foram criados e posterior- os dois mutantes mais termoestáveis
contendo o gene desejado. O vetor mente selecionados para estabilida- enquanto que a selvagem não ultra-
geralmente carrega um gene para de térmica. A melhor enzima quimé- passou 63°C.
resistência a algum antibiótico, por rica selecionada foi testada a 50°C e Experimentos com a GA usam
isso utiliza-se o plaqueamento das a vida média foi de 70 min, muito na sua grande maioria a MSD como
linhagens submetidas ao processo maior do que a enzima codificada ferramenta para a obtenção de carac-
de mutagênese em um meio conten- pelos genes selvagens xylE (2,7min) terísticas desejadas melhoradas, uma
do o antibiótico. As colônias que e nahH (5,4min). boa revisão neste assunto foi apre-
crescerem neste meio, certamente Yang et al (2000) criaram um sentada por Ford (1999). Várias abor-
incorporaram o vetor e podem ser mutante para o gene da subtilisina E dagens preconizadas para estabiliza-
escolhidas para a próxima etapa. Em através da técnica de PCR mutagênico. ção podem ser acessadas pela MSD,
outros casos, a mutação positiva Análises do seqüenciamento revela- como por exemplo, as substituições
resulta em reparo de algum defeito ram apenas uma substituição (A→G). dos resíduos flexíveis de glicina em
que poderá ser usado como ferra- O tempo de vida médio da atividade α-helices, substituições de seqüênci-
menta para a seleção. Por exemplo, da enzima mutante, quando encubada as susceptíveis a desamidação e que-
a recuperação da habilidade de pro- a 65°C, foi de aproximadamente 80 bra Asn-Gly, alterações em ligações
dução de enzimas formadoras de min enquanto que uma outra linha- frágeis como Asp-X, introdução de
halos na placa de seleção. A etapa gem mutante (mutante original usado prolina que reduz o número de con-
seguinte é a escolha de colônias que no PCR mutagênico) e a linhagem formações no estado desdobrado,
tenham a característica desejada, por selvagem apresentaram um tempo de acréscimo cisteínas para aumentar o
exemplo, o aumento na termoesta- 13 e 15 min respectivamente. número de pontes dissulfetos, além
bilidade enzimática. Assim, as Miyazaki et al (2000) usaram a de combinações destas abordagens
enzimas das colônias positivas no técnica de embaralhamento de DNA em mutantes múltiplos etc. (Ford,
“screening” serão submetidas a tes- em uma subtilisina S41 psicrofílica 1999; Sauer, 2000).
tes de termoinativação a fim de se com o objetivo de aumentar sua ter- Libby et al (1994) testaram o
isolar as colônias produtoras de moestabilidade e atividade. Após a efeito de deleções de aminoácidos
enzimas termoestáveis. terceira geração de bibliotecas cria- na região O-glicosilada da GA de
das por PCR mutagênico, três varian- Aspergillus awamori. Foram feitas
2.3. Enzimas tes termoestáveis foram identifica- deleções para remover os resíduos
termoestabilizadas por das. Das três, uma enzima mutante de 466 a 512 (GAI), de 485 a 512
estratégias moleculares em particular teve a maior atividade (GAII) e de 466 a 483 (GAIII). Anali-
residual após incubação a 70°C. Esta sando as frações intracelulares e
Akanuma et al (1998) introduzi- subtilisina S41 variante contém 7 subs- extracelulares, observou-se que a
ram o gene leuB (que codifica para a tituições de aminoácidos, todas con- região deletada da GAIII afetou a
3-isopropilmalato desidrogenase en- tribuindo para o aumento da sua secreção enquanto que a deleção da
volvida na biossíntese de leucina) no termoestabilidade. GAII contribuiu para a produção e
microrganismo termofílico Thermus A temperatura ótima da lipase uma estrutura estável da proteína.
thermophilus usando técnicas de evo- foi aumentada em até 15°C através Para todos os mutantes foram encon-
lução dirigida de enzimas. Após mu- da mutagênese aleatórea utilizando a tradas atividades catalíticas similares
tação no gene da enzima, eles obtive- técnica de PCR com tendência ao à selvagem indicando que as deleções
ram uma variante termoestável. A erro (Kohno et al, 2001). não afetaram o sítio catalítico.
estabilidade térmica da enzima Utilizando-se da técnica de em- Chen et al. (1994) substituíram
mutante foi 10°C acima da observada baralhamento de DNA Hayashi et al. a seqüência susceptível a desamida-
na enzima selvagem. (2001), obtiveram quimeras de β- ção, Asn182-Gly, por Ala182-Gly, o
A técnica da evolução dirigida glucosidase com a termoestabilidade que resultou em decréscimo de 2,5
foi aplicada à kanamicina nucleoti- aumentada em até 16°C quando com- vezes na taxa de termoinativação a
diltransferase (KNTase), uma enzima paradas com a enzima original. 60 e 65°C.
que confere resistência ao antibióti- A evolução dirigida foi também O efeito da substituição de resí-
co kanamicina. Variantes desta usada para melhorar a termoestabi- duos flexíveis de glicina por alanina
enzima apresentaram resistência a lidade da galactose oxidase (Sun et em quatro diferentes α-hélices na GA
kanamicina a uma temperatura de al, 2001). Foi observado que as de Aspergillus awamori foram estu-
63°C e foram produzidas por dois enzimas mutantes obtidas, manti- dados (Chen et al, 1996). Substitui-
ciclos seguidos de mutações resul- nham a atividade enzimática e a ções simples de Gly137 e Gly139 e

92 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


no mutante múltiplo contendo ambas tou aumento cumulativo de termoes- codificador são um campo aberto e
as mutações estabilizaram a GA con- tabilidade de 4,4 kJ/mol. com enormes perspectivas futuras.
tra a termoinativação irreversível. Estes experimentos, embora te-
Com o objetivo de estudar o nham como objetivo principal a me- Bibliografia
papel das regiões conservadas na GA lhora em propriedades da enzima,
de Aspergillus awamori, Sierks et al paralelamente desempenham um pa- Akanuma, S.; Yamagishi, A.; Tanaka,
(1993) realizaram substituições nos pel de extrema importância, o de N.; Oshima, T. Protein science,
resíduos de Leu177, Trp178 e Asn182 elucidar as funções de inúmeros seg- v.7, p. 698-705, 1998.
por His, Arg e Ala, respectivamente. mentos da cadeia polipeptídica da Aleshin, A.; Golubev, A.; Firsov, l. M.;
Quando se substituiu Leu177 por His proteína. Honzatko, R. B. J. Biol. Chem, v.
houve um grande aumento na ener- 267, p. 19291-19298, 1992.
gia de ativação para substratos com 3. Conclusão e Aleshin, A. E.; Hoffman, C.; Firsov, l.
ligação α(1→4) e α(1→6); na substi- perspectivas futuras M.; Honzatko, R. B. J. Mol. Biol.,
tuição Trp178 por Arg, a energia V. 238, p. 575-591, 1994a.
aumentou para substratos com liga- As técnicas de evolução dirigida Arnold, F.H.; Volkov, A. A. Current
ções α(1→6), mas não para α(1→4). disponíveis, associadas a considera- opinion in chemical biology, v. 3,
Estas substituições indicaram que os ções teóricas e às várias experiências p. 54-59, 1999.
resíduos de aminoácidos Leu177 e relatadas de sucesso ou não, disponí- Arnold, F. H. Chemical engineering
Trp178 estão localizados no subsítio veis na literatura, têm levado a uma science, v. 51, n. 23, p. 5091-
1 e 2 respectivamente. Por outro crescente seleção de mutações bem 5102, 1996.
lado, a substituição Asn182 por His sucedidas para termoestabilização da Brandani, W;. Peralta, R.M. Can. J.
não alterou os valores de energia de GA. Todavia, este sucesso ainda não Microbiol. v. 44, p. 493-497, 1998.
ativação para nenhum tipo de liga- refletiu significativamente na produ- Bonifacino, J. S.; Klausner, R. D.
ção do substrato, sugerindo que este ção de enzima industrialmente satis- Celular proteolytic systems., A.
resíduo não é crucial para o mecanis- fatória, deixando o campo ainda aber- Ciechanover and a. L. Schwartz,
mo catalítico da GA. to para novas experiências. eds (wiley – liss, new york), v.15,
Fiorobe et al. (1996) substitui- Os organismos atualmente dis- p. 137 – 160, 1994.
ram Ala246 por Cys, criando mais poníveis para clonagem e expressão Brumm, p. J. Cereal food world, v. 43,
uma ponte dissulfeto entre este resí- da GA são mesofílicos, criando difi- p. 804 – 807, 1998.
duo e o resíduo Cys320. O mutante culdades para a seleção de enzimas Buisson, G.; Duwe, E.; Haser, R.;
apresentou maior atividade residual mais termoestáveis. Além disso as Payan, F. Embo J., V. 6, p. 3909-
e atividade catalítica por 15 minutos linhagens de E. coli utilizadas são 3916, 1987.
comparado a linhagem selvagem. deficientes em glicosilação e forma- Carrea, G.; Colombo, G. Tibtech, v.
Fiorobe et al. (1998) produziram um ção de pontes dissulfetos, essenciais 18, p. 401-402, 2000.
mutante substituindo o Glu 400 por para a GA ativa. Pesquisas com Chen, H-M., Ford, C., Reilly, P. J.
Cys. A atividade do mutante, após bacterias termofílicas e/ou bacterias Biochem. J., V. 301, p. 275-281,
oxidação da cisteina para acido competentes para a clonagem e ex- 1994.
cisteinosulfínico, elevou a atividade pressão da GA estruturalmente ativa, Chen, H. M.; Li, Y. X.; Panda, T.;
do mutante para 160% em relação a podem ser alternativas viáveis para Buehler, F.; Ford, C.; E reilly, P. J.
linhagem selvagem. Entretanto, não reduzir tempo e manipulação. Protein engineering, v. 9, n. 6, p.
houve ganho de termoestabilidade. A maior parte das informações 499-505, 1996.
Uma ponte dissulfeto foi criada sobre seqüências de GA são dos Chen, R. Trends biotechnology, v. 17,
substituindo Asn20 e Ala27 por Cys fungos mesofílicos, A. niger e A. p. 344-345, 1999.
na GA de Aspergillus awamori e awamori. Informações de seqüênci- Chen, R. Trends biotechnology, v. 19,
observou-se um aumento na termo- as de GAs termoestáveis, seriam im- p. 13-14, 2001.
estabilidade de 1,2 kJ/mol a 65°C (Li portantes para orientação racional de Christians, F. C.; Scapozza, l.; Crameri,
et al, 1998). desenhos de experimentos de evolu- A.; Folkers, G.; Stemmer, W. P. C.
Mutantes contendo prolina em ção dirigida. Entretanto, poucas GAs Nature biotechnology, v. 17, p.
substituição a vários aminoácidos fo- termoestáveis de fungos termofílicos 259-264, 1999.
ram estudados por Allen et al. (1998). foram relatadas. Dentre estes estão Coutinho, P. M.; Reilly, P. J. Protein.
O maior sucesso com mutação sim- Humicola grisea var. thermoidea Eng., V. 7, p. 393-400, 1994a.
ples foi obtido no mutante Ser30→Pro, (Tosi et al. 1993), Aspergillus Coutinho, P. M.; Reilly, P. J. Protein.
resultando em um aumento da ener- fumigatus (Brandani e Peralta, 1998) Eng., V. 7, p. 749-760, 1994b.
gia livre de termoinativação de 1,6 kJ/ e Thermomyces lanuginosus (Li et al Coutinho, P. M.; Reilly, P. J. Proteins,
mol a 65°C. Os autores ainda combi- 1998). Informações sobre seqüências v. 29, p. 334-347, 1997.
naram diferentes mutações termoes- genéticas são ainda mais raras. A Crameri, A.; Raillard, S-A.; Bermudez,
táveis e obtiveram um triplo mutante procura por novas fontes de GAs E.; Stemmer, W. P. C. Nature, v.
contendo Gly137→Ala, Ser30→Pro e termoestáveis, bem como informa- 391, p.288-291, 1998.
Asn20→Cys/Ala27→Cys que apresen- ções sobre a proteína e seu gene Evans, R.; Ford, C.; Sierks,m.; Nikolov,

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 93


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94 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


Marcadores Moleculares
no Melhoramento Genético
Pesquisa
de Araucária
Caracterização da diversidade genética em Araucaria angustifolia

Valdir Marcos Stefenon Introdução 2000; Auler et al., 2002), fato que
Biólogo – Mestre em Biotecnologia inviabiliza a regeneração natural da
Depto. de Ciências Biológicas e da Saúde – UNIPLAC
gene_mol@hotmail.com
A exploração florestal foi uma espécie, devido à endogamia acentu-
importante alavanca para o desenvol- ada e à redução do fluxo gênico entre
Rubens Onofre Nodari vimento econômico do Sul do Brasil suas populações.
Eng. Agrônomo – Doutor em Genética
Departamento de Fitotecnia – CCA – UFSC desde o início do século XX, com Nos últimos anos, diversas dis-
intensidade crescente nas décadas de cussões a respeito desse tema vêm
Ilustrações cedidas pelos autores 1950 a 1970 (Guerra et al., 2002). apontando para a necessidade de se
A principal espécie explorada nes- desenvolver o melhoramento genéti-
se ciclo foi a Araucaria angustifolia co dessa conífera, com vista a regene-
(Bert.) O. Ktze., única representante rar a Floresta de Araucária e discipli-
da Família Araucariaceae no Brasil e nar os plantios com finalidade lucra-
principal espécie que compõe a flo- tiva, seja pela exploração da madeira,
resta ombrófila mista ou mata de seja pela venda das sementes comes-
araucária (Guerra et al., 2002). No tíveis ou de outros subprodutos.
Brasil, a distribuição natural dessa Entretanto, antes de os progra-
espécie se dá em amplas áreas nos mas de melhoramento genético serem
estados do Rio Grande do Sul, Santa implementados, é necessário que se
Catarina e Paraná, e em alguns pontos conheça a diversidade genética exis-
mais elevados de São Paulo, Rio de tente entre as populações remanes-
Janeiro e Minas Gerais (Reitz e Klein, centes e dentro delas. Esses estudos
1966). são importantes para que se interprete
Todavia, a alta qualidade de sua o efeito da fragmentação dos rema-
madeira para os mais diversos fins, nescentes sobre a estrutura genética
desde a construção civil até a produ- das populações: informação essencial
ção de celulose e de papel, fez com para o planejamento de programas de
que essa espécie fosse exaustivamente melhoramento.
explorada, tendo como conseqüência Esse conhecimento, além de re-
uma drástica redução das grandes re- duzido, tem sido produzido basica-
servas de A. angustifolia no sul do país. mente a partir de marcadores morfo-
Além dessa exploração desor- lógicos (Shimizu e Higas, 1980;
dena-da, o avanço das fronteiras agrí- Monteiro e Spelz, 1980; Kageyama e
colas foi outro fator responsável pela Jacob, 1980) e isoenzimas (Shimizu et
redução das populações naturais des- al., 2000; Auler et al., 2002; Mantovani
sa importante espécie florestal. et al., 2002).
Em função desses acontecimen- Considerando a utilização de mar-
tos, a araucária encontra-se hoje na cadores RAPD (Williams et al., 1990;
Lista Oficial de Flora Ameaçada de Welsh e McClelland, 1990) e AFLP
Extinção (IBAMA, 2002) e os rema- (Vos et al., 1995) para estudos genéti-
nescentes de floresta ombrófila mista cos em diversas espécies florestais, o
estão reduzidos a fragmentos isolados objetivo deste estudo foi determinar a
de diversos tamanhos. capacidade informativa desses marca-
Em alguns desses fragmentos, es- dores para a caracterização da diver-
tima-se que grande parte da diversida- sidade genética de populações natu-
de genética tenha sido perdida (Schögl, rais de A. angustifolia.

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 95


Material e Métodos:
Material vegetal e
Extração de DNA
O material vegetal utilizado neste
estudo foi composto por amostras foliares
de trinta indivíduos adultos de uma
população natural do Parque Ecológico
Municipal de Lages, Estado de Santa
Catarina, coletados e acondicionados Figura 1: Polimorfismo revelado em marcadores RAPD em A. angustifolia, entre os trinta
indivíduos da população do Parque Ecológico Municipal de Lages, utilizando o iniciador
em sacos plásticos que continham sílica
OPA04. Linhas 1 a 30: indivíduos da população. M= marcador de peso molecular 1kb.
gel. Inicialmente, foram testados sete
protocolos para extração de DNA vege- desidratado novamente com 1 mL de Reações AFLP
tal com base na utilização do detergente álcool etílico 95%. O material permane-
CTAB. Com esses testes, chegou-se à ceu por 10min a -20°C e centrifugado a Sete combinações de iniciadores
conclusão de que era necessário otimizar 8.000 RPM, por 5 min. O álcool etílico foi para reações AFLP foram selecionadas
um protocolo específico para a espécie, descartado e deixou-se o precipitado aleatoriamente no kit AFLP ® Analysis
a fim de eliminar os compostos contami- secar a temperatura ambiente. O DNA foi System I / Life Technologies ® (E-
nantes do DNA presentes nas folhas de diluído em 100 µL de TE, a temperatura ACG+M-CAC, E-ACT+M-CAA, E-
araucária (principalmente proteínas e ambiente, por um período de 12 a 16 ACA+M-CTT, E-ACG+M-CAG, E-
polifenóis) e a fim de evitar a liofilização horas, e armazenado a -20°C. AAG+M-CTG, E-ACC+M-CAT e E-
do material vegetal. A concentração de DNA foi de- ACC+M-CAC) e as reações foram desen-
Aproximadamente 150 mg de fo- terminada pela comparação com quan- volvidas de acordo com o protocolo de
lhas foram congeladas em nitrogênio tidades conhecidas de DNA de fago Vos et al. (1995), com pequenas modi-
líquido e maceradas completamente em lambda (20, 50, 100 e 200 ng/µL), após ficações. Inicialmente, realizou-se a res-
gral de porcelana. Ao pó resultante, eletroforese em gel de 0,8% de agarose, trição do DNA com as enzimas EcoRI e
acrescentou-se 1,5 mL de tampão de corado com solução de 0,02% de MseI, durante duas horas, a 36°C. A
extração [CTAB 2%; NaCl 1,5 M; EDTA 20 brometo de etídio. A leitura espectro- ligação dos oligonucleotídeos adapta-
mM; Tris-HCl (pH 8,0) 100 mM; PVP 2%; fotométrica da razão OD260/OD280 dores foi realizada por 2 horas, a 20°C,
2-mercaptoetanol 1%]. O material foi foi utilizada para determinar a pureza em um volume de 25 µL. Na etapa
transferido para tubos eppendorf de 2 mL das amostras frente à contaminação seguinte (pré-amplificação), o DNA foi
e mantido em banho-maria (60°C) por 40 por proteínas. amplificado com a utilização de inicia-
min. A cada 15 minutos, o material foi dores com uma base seletiva (EcoRI-A e
homogeneizado por inversão. Após essa Reações RAPD MseI-C). O DNA pré-amplificado foi
etapa, o material foi deixado sobre a diluído em uma razão de 1:25 e ampli-
bancada até alcançar a temperatura am- Para reações RAPD, foram utiliza- ficado novamente, utilizando-se inicia-
biente, quando lhe foram acrescidos, em dos seis iniciadores comercializados dores com três bases seletivas (EcoRI-
cada tubo, 600 µL de CIA [clorofórmio: pela Operon Technologies ® (OPA04, ANN e MseI-CNN). As etapas de restri-
álcool isoamílico 24:1]. O material foi OPA09, OPA17, OPC06, OPF16, ção enzimática, de ligação dos adapta-
homogeneizado durante três minutos, OPAN15). O coquetel da reação cons- dores e de amplificações foram realiza-
por inversão, e centrifugado a 13.000 tou de tampão de PCR 1X, 3,8 mM de das em termociclador PTC-100 (MJ
RPM, por 5 min. A porção aquosa que MgCl2, 0,4 mM de dNTPs, 0,4 µM de Research Inc.). Os produtos amplifica-
continha o DNA foi transferida para dois iniciadores, 1 U de Taq DNA polimerase dos foram separados por eletroforese
novos tubos e foram acrescidos a ela 5 µL e 1,5 ng/ µL de DNA. As reações de PCR vertical em tampão TBE 1X, em gel de
de RNAse A (10 µg/mL). Após 40 min, a foram desenvolvidas em termociclador 6% de poliacrilamida. As bandas foram
34°C, realizou-se uma segunda extração PTC-100 (MJ Research Inc.) em um visualizadas após coloração com nitrato
orgânica com CIA. Após a centrifugação volume de 13 µL. O programa utilizado de prata.
(13.000 RPM, por 5 min), a porção foi composto de uma etapa inicial de Para a coloração, os géis foram
aquosa foi transferida para novos tubos, desnaturação (4 min. a 92°C), seguida fixados com solução de 0,5% de ácido
aos quais adicionaram-se 50 µL de solu- de 35 ciclos de amplificação (45 s. a acético + 5% de etanol, por 10 min., e
ção de CTAB 10% [CTAB 10%; NaCl 1,4 92°C; 45 s. a 35°C; 1 min e 15 s. a 72°C), com solução de 1% de ácido nítrico,
M], a 60°C. Após a homogeneização, e terminada com uma etapa final de por três minutos. Posteriormente, fo-
realizou-se uma terceira extração orgâni- elongação das cadeias de DNA (3 min a ram impregnados com solução de ni-
ca com CIA. A porção aquosa foi 72°C). Os produtos amplificados foram trato de prata 0,2%, durante trinta mi-
transferida para novos tubos e o DNA foi separados por eletroforese horizontal nutos. Após esse tempo, uma solução
precipitado pela adição de 2/3 do volu- submersa em tampão TBE 1X, em gel de de 3% de carbonato de sódio + 0,2% de
me de álcool isopropílico gelado(-20°C). 1,5% de agarose, corado com solução formaldeído foi utilizada para a revela-
O material foi mantido por 30 min a - de 0,02% de brometo de etídio. As ção das bandas, durante o tempo ne-
20°C e, posteriormente, centrifugado a bandas foram visualizadas sob luz ultra- cessário. As revelações foram finaliza-
7.000 RPM, por 5 min . O álcool violeta e os géis fotografados com filme das com a utilização de uma solução
isopropílico foi descartado e o DNA Polaroid preto e branco. de 5% de ácido acético. Após cada

96 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


etapa, os géis foram lavados durante 20
segundos com água destilada. Todos
os tratamentos foram realizados sob
leve agitação. Após a secagem dos géis
em temperatura ambiente, as bandas
foram visualizadas sob luz branca e os
géis fotografados com máquina digital.

Caracterização da
Diversidade Genética e
Capacidade Informativa
Os índices de diversidade esti-
mados foram: a similaridade genética,
o número médio de bandas, a porcen-
tagem de bandas polimórficas e a
diversidade genética. Os padrões de Figura 2: Dendrograma de similaridade genética entre indivíduos, estimado pelo
bandas obtidos com os marcadores índice de Jaccard para a população de A. angustifolia do Parque Ecológico Municipal
RAPD e AFLP foram analisados e para de Lages, gerado a partir de 18 marcadores RAPD (r=0,83).
eles construiu-se uma matriz binária,
que identificava sua presença ou sua 1970). Como ambos os marcadores Resultados e Discussão:
ausência, codificadas por 1 ou 0, res- apresentam característica dominante,
pectivamente. A partir dessa matriz considerou-se cada banda amplificada A partir dos seis iniciadores utili-
de dados, com o auxílio do software como sendo um loco com dois alelos, zados para as reações RAPD, foram
NTSYS-pc 2.02 (Rohlf, 1990), foi de- presente ou ausente no gel. obtidos dezoito marcadores polimórfi-
terminado o índice de similaridade Para determinar a capacidade in- cos, de um total de 62 bandas
genética de Jaccard entre os indivídu- formativa dos marcadores RAPD e amplificadas, com uma média de 11,16
os e pelo método de agrupamento AFLP, foram utilizados para a compa- bandas amplificadas por iniciador. A
UPGMA (método das médias das dis- ração dados gerados a partir de mar- média de bandas polimórficas foi de
tâncias), foram gerados, separadamen- cadores isoenzimáticos (Auler et al., 3,0 por iniciador, com uma porcenta-
te e de maneira agrupada, os 2002) e PCR-RFLP (Schögl, 2000) pro- gem média de 26,9%. O índice de
dendrogramas para marcadores RAPD venientes da mesma população. Devi- diversidade de Shannon foi igual a 0,53
e AFLP. Para determinação da diversi- do à diferente natureza dos marcado- (Tabela 1). A figura 1 apresenta o
dade genética, foi utilizado o índice res, o índice de diversidade de padrão de bandas obtido com o inici-
de Shannon, dado pela fórmula H= - Shannon foi determinado para todos ador OPA04, para reações RAPD.
Σ pi ln(pi), onde pi corresponde à os dados e usado como parâmetro de As sete combinações emprega-
freqüência de cada alelo (Lewontin, comparação. das para as reações AFLP revelaram 62

Tab ela 1: In iciad o res u tilizad o s n as reaçõ es R A P D e respectivo s ín d ices d e d iversid ad e gen ética para a
po pu lação d e A . an gu stifo lia d o P arq u e E co ló gico Mu n icipal d e Lages.
Nú mero to tal Ban d as po lifó rmicas Ín d ice d e
In iciad o res
d e b an d as Qu an tid ad e % d iversid ad e (H)
OPA4 12 03 25,0% 0,58
OPA9 13 02 15,4% 0,59
OPA17 06 01 16,7% 0,58
OPC6 09 03 33,3% 0,52
OPF16 13 05 38,5% 0,56
OPAN15 09 04 44,4% 0,43
Méd ias para marcad o res R A P D 11,16 3,0 26,9 % 0,53
Tab ela 2: C o mb in açõ es d e in iciad o res u tilizad o s n as reaçõ es A FLP e respectivo s ín d ices d e d iversid ad e
gen ética para a po pu lação d e A . an gu stifo lia d o P arq u e E co ló gico Mu n icipal d e Lages.
Nú mero to tal Ban d as po limó rficas Ín d ice d e
In iciad o res d e b an d as d iversid ad e (H)
Qu an tid ad e %
E-AGC + M-CAC 90 4 4,4% 0,65
E-ACT + M-CAA 100 10 10,0% 0,45
E-ACA + M-CTT 60 3 5,0% 0,68
E-ACG + M-CAG 100 21 21,0% 0,55
E-AAG + M-CTG 80 6 7,5% 0,56
E-ACC + M-CAT 105 7 6,6% 0,55
E-ACC + M-CAC 90 11 12,2% 0,50
Méd ias para marcad o res A FLP 89,3 8,8 9,8% 0,54

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 97


marcadores polimórficos, em um total
de 625 bandas amplificadas. A média
de bandas totais amplificadas foi de
89,3 e de bandas polimórficas foi de
8,8 por combinação de iniciadores. A
porcentagem média de bandas
polimórficas foi de 9,8%. Para marca-
dores AFLP, o índice de diversidade
de Shannon foi de 0,54 (Tabela 2).
Quando os dois tipos de marca-
dores foram analisados conjuntamen-
te, o total de bandas amplificadas foi
de 687, com 80 bandas polimórficas,
que correspondiam a 11,6%. As médi-
as de bandas totais e polimórficas
amplificadas foram de 52,8 e 6,15 por Figura 3: Dendrograma de similaridade genética entre indivíduos, estimado pelo
iniciador, respectivamente. A diversi- índice de Jaccard para a população de A. angustifolia do Parque Ecológico Municipal
dade genética determinada pelo índi- de Lages, gerado a partir de 64 marcadores AFLP (r=0,83).
ce de Shannon foi de 0,54 (Tabela 3).
Marcadores isoenzimáticos (Auler
et al., 2002) empregados na mesma
população acessaram uma diversida-
de genética de Shannon de H=0,29, ao
passo que marcadores PCR-RFLP de
DNA de cloroplastos (Schögl, 2000)
detectaram um único haplótipo na
população, correspondendo a uma
diversidade virtualmente inexistente.
Nesse caso, marcadores RAPD e AFLP
mostraram-se altamente eficientes, de-
tectando uma diversidade genética
quase duas vezes maior (1,8 x) que
aquela determinada por isoenzimas.
Apesar de caracterizar-se pela aná-
lise da molécula de DNA da mesma
forma que as técnicas RAPD e AFLP, a Figura 4: Dendograma de similaridade genética entre indivíduos, estimado pelo índice
técnica PCR-RFLP aplicada a genomas de Jaccard para a população de A. angustifolia do Parque Ecológico Municipal de Lages,
de cloroplastos não possibilitou a gerado a partir de 18 marcadores RAPD e 62 marcadores AFLP agrupados (r=0,80).
detecção de diversidade nesta popu-
lação. Já as técnicas RAPD e AFLP não tras populações de A. angustifolia ana- ra 4). A maior similaridade genética
demonstraram limitações para acessar lisadas antes. entre indivíduos foi de 86% (indivídu-
a diversidade genética em populações Por outro lado, uma criteriosa os L11 e L13), com marcadores RAPD;
altamente exploradas, como a utiliza- seleção de combinações de iniciado- 81 % (indivíduos L5 e L26), com
da nesta pesquisa. res permite que a técnica AFLP apre- marcadores AFLP e 71% (indivíduos
Quando os valores obtidos no sente um polimorfismo muito maior L6 e L7), com o agrupamento dos dois
presente trabalho são comparados a (Stefenon, 2003). tipos de marcadores. Nesse ponto,
outros estudos que utilizaram as técni- A similaridade genética foi anali- percebe-se que o maior número de
cas RAPD e AFLP, estes podem ser sada em função dos três dendrogramas marcadores permite uma maior discri-
considerados baixos. Contudo, há de gerados: um, a partir dos 18 marcado- minação entre os indivíduos analisa-
se considerar que os estudos com res RAPD polimórficos (Figura 2), o dos.
isoenzimas e PCR-RFLP utilizados como segundo, a partir dos 62 marcadores A comparação entre os três
parâmetro para a comparação também AFLP polimórficos (Figura 3) e o ter- dendrogramas permite ainda perce-
apresentaram valores baixos para essa ceiro, a partir dos 80 marcadores RAPD ber que, no agrupamento dos marca-
população, quando comparados a ou- e AFLP polimórficos agrupados (Figu- dores, o maior número de bandas

Tab ela 3: Méd ias para o s ín d ices d e d iversid ad e gen ética estimad o s para a po pu lação d e A . an gu stifo lia
d o P arq u e E co ló gico Mu n icipal d e Lages, a partir d e marcad o res R A P D e A FLP.
Nú mero to tal Ban d as po limó rficas Ín d ice d e
Marcad o res
d e b an d as Qu an tid ad e % d iversid ad e (H)
Médias para marcadores RAPD 11,16 3,0 26,9% 0,53
Médias para marcadores AFLP 89,3 8,8 9,8% 0,54
Méd ias R A P D + A FLP 52,8 6,15 11,6% 0,54

98 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


AFLP fez com que o dendrograma de número de marcadores virtual- saio de 24 progênies de Araucaria
ficasse muito semelhante ao gerado mente neutros. Neste caso, dos resul- angustifolia (Bert.) O. Kuntze.
unicamente dos marcadores AFLP. tados obtidos no presente trabalho, IUFRO: Meeting on Forestry
Utilizando-se um valor máximo pode-se concluir que essas técnicas Problems of Genus Araucaria,
de 50% para a similaridade genética apresentam-se como poderosas ferra- Curitiba, Brasil, 1980, p.181-200.
entre os indivíduos, o dendrograma mentas para a caracterização da diver- REITZ, R.; KLEIN, R.M. Araucariáceas.
gerado a partir de marcadores RAPD sidade genética dos remanescentes de Flora Ilustrada Catarinense.
(Figura 2) dividiu-se em doze grupos. A. angustifolia, com vistas ao melho- Herbário Barbosa Rodrigues. Itajaí.
A maior similaridade genética foi ob- ramento genético da espécie. 1966, 62p.
servada entre os indivíduos L11 e L13, ROHLF, F. J. 1990. NTSYS-PC: Numerical
com 86% de similaridade e o ponto de Agradecimentos taxonomy and multivariate
união de todos os grupos apresenta analysis. Aplied Biostatiscs inc.
30,5% de similaridade. Ao CNPq, UNIPLAC e FUNCITEC New York. 1990, 139p.
O dendrograma gerado de mar- pelo apoio financeiro e à Prefeitura SCHLÖGL, P.S. Análise da diversi-
cadores AFLP (Figura 3) dividiu-se em do Município de Lages, pelo apoio na dade genética em regiões não
quinze grupos, utilizando-se 50% obtenção do material vegetal. codificadoras de DNAs de
como similaridade máxima; o ponto cloroplastos em Araucaria
de união de todos os grupos apresen- Referências Bibliográficas angustifolia por PCR-RFLP.
ta 24% de similaridade. Com esses Florianópolis, 2000. [Dissertação
marcadores, a similaridade genética AULER, N.M.F.; REIS, M.S.; GUERRA, de Mestrado, Universidade Fede-
entre pares de indivíduos variou de M.P.; NODARI, R.O. The genetics ral de Santa Catarina]
24% a 81%. conservation of Araucaria SHIMIZU, J.Y.; HIGAS, A.R. Variação
Deve-se considerar que existe uma angustifolia: I: genetic structure genética entre procedências de
relação entre o número dado a cada and diversity of natural Araucaria angustifolia (Bert.) O.
planta e sua proximidade geográfica, populations by means of non- Ktze. na região de Itapeva-SP,
sendo mais próximos geograficamente adaptative variation in the state estimada até o 6.º ano de idade.
os indivíduos cujos números são mais of Santa Catarina, Brazil. Genetics IUFRO: Meeting on Forestry
próximos. Dessa forma, pode-se ob- and Molecular Biology, 25 Problems of Genus Araucaria,
servar que os argumentos de plantas (3):329-338, 2002. Curitiba, Brasil, 1980 p.78-82.
são aleatórios, formados por indivídu- GUERRA, M.P.; SILVEIRA, V.; REIS, SHIMIZU, J.Y.; JAEGER, P.; SOPCHAKI,
os dispersos pelo Parque, em uma área M.S.; SCHNEIDER, L. Exploração, S.A. Variabilidade genética em uma
de 2,34 km2. Esse dado sugere que manejo e conservação da araucária população remanescente de
indivíduos geograficamente, os quais (Araucaria angustifolia). in: araucária no Parque Nacional do
podem ser aparentados, não apresen- SIMÕES, L.L.; LINO, C.F. Susten- Iguaçu, Brasil. Boletim de Pes-
tam grande similaridade genética. tável Mata Atlântica: a explora- quisas Florestais Colombo,
ção de seus recursos florestais. (41):18-36, 2000.
Considerações Finais São Paulo: Ed. SENAC São Paulo, STEFENON, V.M. Adaptação e otimi-
2002. p.85-101. zação de protocolos para a ex-
Um aspecto importante a ser con- IBAMA. Lista Oficial de Flora tração de DNA e para marcado-
siderado é que a A. angustifolia prova- ameaçada de extinção. Disponí- res moleculares em Araucaria
velmente possuía uma grande diversi- vel em <http://www2.ibama.gov.br/ angustifolia. Florianópolis, 2003.
dade genética antes da exploração ocor- flora/extincao.htm> acessado em 21/ [Dissertação de Mestrado, Univer-
rida durante o ciclo da madeira no sul 06/02 sidade Federal de Santa Catarina]
do Brasil (Auler et al., 2002). KAGEYAMA, P.Y.; JACOB, W.S. Varia- VOS, P.; HOGERS, R.; BLEEKER, M.;
Dessa forma, antes de qualquer ção genética entre e dentro de REIJANS, M.; VANDELEE, T.;
previsão de melhoramento genético é progênies de uma população de HORNES, M.; FRIJTERS, A.; POT, J.;
essencial conhecer a diversidade ge- Araucaria angustifolia (Bert.) O. PELEMAN, J.; KUIPER, M.; ZABEAU,
nética existente nas populações rema- Ktze. IUFRO: Meeting on Forestry M. AFLP: a new technique for DNA
nescentes, para possibilitar a seleção Problems of Genus Araucaria, fingerprinting. Nucleic Acid
de plantas e sementes a serem utiliza- Curitiba, Brasil. 1980, p.83-86. Research, 23:4407-4414, 1995.
das, tanto para a produção de mudas, LEWONTIN, R. C. The apportionment WELSH, J.; MCCLELLAND, M.
quanto para cruzamentos controlados. of human diversity. Evolutionary Fingerprinting genomes using PCR
A exemplo do ocorrido no Par- Biology, 6: 381-390, 1972. with arbitrary primers. Nucleic
que Ecológico Municipal de Lages, MANTOVANI, A.; MORELLATO, L.P.C.; Acids Research, 18(24):7213-
durante o ciclo da madeira, a seleção REIS, M.S. Variação genética em 7218, 1990.
promovida pelo homem até o mo- uma população de Araucaria WILLIAMS, J. G. K.; KUBELIK, A. R.;
mento, foi a retirada dos melhores angustifolia (Bert.) O. Ktze. LIVAK, K. J.; RAFALSKI, J. A.;
fenótipos, em detrimento dos demais. (Araucariacae). Anais do 48.º TINGEY, S. V. DNA polymorphism
Devido ao acesso aleatório a am- Congresso Nacional de Genéti- amplified by arbitrary primers are
plas regiões genômicas praticamente ca, Águas de Lindóia, Brasil, cd- useful as genetic markers. Nucleic
livres da ação da seleção natural, as rom, 2002. Acids Research, 18(22):6531-
técnicas RAPD e AFLP geram um gran- MONTEIRO, R.F.R.; SPELZ, R.M. En- 6535, 1990.

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 99


Micropropagação
Pesquisa
de Macieira
Avanços nos protocolos de micropropagação

Monita Fiori de Abreu Introdução nanciados pelo CNPq e FINEP. As


Acadêmica do curso de Agronomia,
Bolsista PIBIC/BIP/CNPq - Laboratório de
principais linhas de pesquisa foram
Morfogênese e Bioquímica Vegetal - CCA/UFSC. A cultura da macieira possui pa- no sentido de desenvolver metodo-
monitaf@yahoo.com pel de destaque no cenário frutícola logias que abrangem desde o isola-
brasileiro. Atualmente, a área cultiva- mento e inoculação in vitro de
Enio Luiz Pedrotti da no Brasil está estimada em 30 mil meristemas, até a aclimatização das
Ph.D., Prof. Adjunto IV , Departamento de
Fitotecnia - Laboratório de Morfogênese e hectares, com uma produção aproxi- plantas micropropagadas.
Bioquímica Vegetal -CCA/UFSC. mada de 967 mil toneladas (ABPM,
pedrotti@cca.ufsc.br
2003). Visando atender às demandas Metodologia
Ilustrações cedidas pelos autores de mudas da pomicultura nacional,
faz-se necessária a aplicação de méto- 1 - Isolamento e Inoculação
dos eficientes para garantir grande in vitro
quantidade de material vegetal de alta
qualidade genética e fitossanitária. A introdução e o estabeleci-
A produção de mudas da maciei- mento de meristemas in vitro é uma
ra tradicionalmente é efetuada atra- das fases mais delicadas da micro-
vés de técnicas de propagação vege- propagação. O isolamento de
tativa, como a enxertia de cultivares meristemas é um processo oneroso
copa sobre um porta-enxerto. Tradi- (Nunes et al., 1999) mas é primordi-
cionalmente a muda é obtida através al, pois é uma condição que garante
de mergulhia de cepa (Driessen & a produção de brotações livres de
Souza Filho, 1986). Porém, esse mé- patógenos. A oxidação e a contami-
todo restringe o número de mudas nação provocam grandes perdas do
obtidas, requer muito tempo, além material. Os meristemas extraídos
de poder resultar em mudas de baixa das gemas apicais apresentam taxas
qualidade fitossanitária. de oxidação acima de 40%. A per-
Diante da problemática relacio- centagem de contaminação é cons-
nada às técnicas convencionais de tatada em cerca de 35% dos
propagação, a biotecnologia através explantes. Num trabalho conduzido
do aperfeiçoamento das técnicas de com o porta-enxerto M.9, todos os
cultivo in vitro, tem sido uma exce- tubos de ensaio com meio de cultura
lente opção para a multiplicação des- contaminado apresentaram oxida-
ta frutífera (Figura 1). Possibilita a ção (Tabela 1). Os agentes contami-
produção de mudas de alta qualida- nantes como fungos e bactérias libe-
de sanitária oriundas da cultura de ram compostos que causam a oxida-
meristemas livres de vírus, evitando, ção. O estabelecimento in vitro é
desta forma, os problemas de disse- executado segundo metodologias
minação de vírus e outros patógenos consideradas clássicas para esta fase
durante a fase de propagação. (Pedrotti, 1993; Nunes et al. 1999).
Diversos trabalhos vêm sendo As gemas são extraídas com o auxí-
conduzidos no Laboratório de lio de um bisturi e estas, são subme-
Morfogênese e Bioquímica Vegetal tidas à lavagem com água destilada/
(CCA/UFSC) a partir de projetos fi- autoclavada e detergente Tween

100 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


Tabela 1. Contaminação, oxidação, números de gemas e brotos e balhos conduzidos no laboratório,
percentual de calos no porta-enxerto de macieira 'M-9' (Malus após a transferência dos meristemas
pumilla M.), a partir da cultura de meristemas e gemas axilares. provenientes de gemas apicais e seg-
Tratamentos mentos nodais com gemas axilares,
Parâmetros Analisados não ocorrem mais problemas de con-
Meristemas Gemas CV (%)
Contaminação (%) 38,6 a 32,2 a 14,1 taminação nem oxidação.
Oxidação (%) 42,3 b 58,4 a 12,5 O crescimento e desenvolvimen-
Nº médio de gemas por broto 3,0 b 5,0a 12,6 to dos meristemas e gemas axilares
Nº médio de brotos formados 3,0 a 4,0 a 9,6 são normalmente lentos até 30 dias
Calos (%) 62,3 a 12,4 b 14,1 após a inoculação, não sendo obser-
vado o crescimento de brotações.
Aos 60 dias, é possível observar o
desenvolvimento de brotações. Para
o porta-enxerto M.9, os meristemas e
gemas axilares introduzidos in vitro,
formam um número médio de 3 e 5
gemas por broto, respectivamente
(Tabela 1).
As diferenças observadas na in-
trodução in vitro e multiplicação po-
dem ser consequência do estado fisi-
ológico das plantas matrizes, onde
foram coletados os explantes como
salientaram Grattapaglia & Machado
(1990). Quando material vegetal co-
letado é retirado das matrizes no final
do verão, possivelmente, as gemas já
iniciam o processo de entrada em
dormência, o que diminui a sobrevi-
Figura 1: Frascos do cultivo in vitro de macieira vência dos meristemas e gemas intro-
duzidos in vitro. Desta forma, a épo-
20®por 20 minutos. Em seguida, as suplementação de fitorreguladores ca mais interessante para a introdu-
gemas são imersas em solução de (Souza et al.,2003). ção in vitro é aquela que correspon-
Anfotericina B®(25 mg.L-1) por 10 As gemas axilares introduzidas de a um intenso crescimento
minutos. Em câmara de fluxo laminar, in vitro têm apresentado oxidação vegetativo nas condições naturais.
as gemas são imersas em etanol 70% acima de 50%, enquanto que os mei-
por 1 minuto, seguida de solução de os de cultura contaminados com fun- 2 - Multiplicação do
hipoclorito de sódio 4%, por 10 mi- gos e bactérias são normalmente aci- material vegetal
nutos. Durante este processo os fras- ma de 30% (Tabela 1). Da mesma
cos são mantidos sob agitação con- forma, todos os tubos contendo meio A composição salina mais utili-
tínua. Posteriormente, faz-se uma de cultura contaminados apresenta- zada nos meios de cultura é a MS
tríplice lavagem com água destila- ram oxidação. Quando os explantes (Murashige & Skoog, 1962), geral-
da/autoclavada e as gemas perma- não apresentam oxidação nem con- mente suplementada com regula-
necem em uma solução de ácido taminação, são transferidos de tubos dores de crescimento que permi-
ascórbico 15% por 10 minutos até de ensaio com novos meios de cultu- tem direcionar as respostas morfo-
serem inoculadas em sais e vitami- ra para eliminar resíduos fenólicos genéticas (George, 1996). Para a
nas de MS (Murashige e Skoog, 1962), liberados pelas plantas no meio de fase de multiplicação in vitro da
sacarose (30 g.L-1), ágar (6 g.L-1) sem cultura inicial (Zanol, 1996). Nos tra- macieira, Ribas & Zanette (1992)
Tabela 2. Efeito de diferentes concentrações de BAP em meio de cultura MS sobre a resposta de na fase
de multiplicação in vitro de macieira (Malus platycarpa) após 45 dias de cultura.
Concentração de Nº de brotações Altura das Comprimento dos
Vitrificação (%)
BAP por explante brotações (cm) entrenós (cm)
0,00 µM 1,0 c 2,3 a 0,59 b 42,0 a
1,11 µM 2,0 b 2,6 a 0,59 b 18,0 c
2,22 µM 3,0 a 2,6 a 0,54 c 18,0 c
4,44 µM 2,0 b 2,9 a 0,65 a 24,0 b
CV (%) 14,2 15,3 13,3 18,9
Médias seguidas de mesma letra na vertical não diferem significativamente entre si, ao nível de 5% de
probabilidade, pelo teste de Duncan.

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 101


utilizaram o meio MS suplementa-
do com 1,0 mg.L-1 de BAP e 1,0
mg.L-1 de tiamina, e Modgil et al.
(1999) obtiveram a maior taxa de
multiplicação de brotações da culti-
var Tydeman´s Early Worcester adi-
cionando ao meio de cultura 4,4 µM
de BAP e 5,0 µM de KIN. Para o
porta-enxerto Marubakaido Nunes
et al. (1999) utilizaram concentra-
ções de BAP entre 1,11 e 4,44 µM.
Quando se pretende estudar o
comportamento de um novo genótipo,
os explantes são repicados para tubos
de ensaio (2,5 x 15,0 cm) contendo 15
mL de sais e vitaminas de MS, suple-
mentado com diferentes concentra-
ções de benzilaminopurina (BAP) (0;
0,25; 0,50 e 1.0 mg.L-1), 30,0g.L-1 de
sacarose, 6,0 g.L-1 de ágar. Para um
genótipo usado com planta indicadora
de viroses, é possível verificar que as Figura 2: Fenda do microenxerto de macie- Figura 3: Detalhes dos pontos de conexão
ira., início de brotação na copa, 30 dias após observados no corte histológico do microenx-
concentrações de BAP influenciam sua a microenxertia. erto de macieira, 90 dias após a microenxertia.
resposta in vitro (Tabela 2). O material
é mantido no escuro por 48 horas, após ção de quarentena em espécies ve- zir o porte da planta, o M9 aumenta
este período, é transferido para a sala getais cuja disponibilidade seja de a precocidade e é um dos poucos
de crescimento sob fotoperíodo de 16 apenas algumas gemas vegetativas, porta-enxertos que apresenta boa
horas e temperatura de 25 ± 2°C e 40 separação entre viroses e outras do- resistência à podridão do colo
µmol.m-2.s-1 de radiação luminosa, enças, além de estudos fisiológicos, (Phytophthora cactorum) (Barrit,
fornecidas por lâmpadas fluorescentes histológicos e histoquímicos nas 1999). O porta-enxerto Marubakaido
Phillips® Super 84. enxertias. Porem ainda é um desafio (Malus prunifolia Borkh.) é de ori-
promover com sucesso a enxertia de gem japonesa, sendo bastante utili-
3 - Microenxertia um material tão pequeno e frágil zado como porta-enxerto comercial
como aquele proveniente de plantas no Japão, Europa bem como no Bra-
Tendo em vista as características produzidas in vitro. (Obeidy & Smith, sil (Bessho et al., 1993). É vigoroso,
da cultura, a associação das técnicas 1991). Para garantir a viabilidade do apresenta resistência à podridão-do-
de micropropagação e microenxertia microenxerto é necessário que as colo, relativa resistência a Rosellinia
permite combinar as vantagens da células da base do microenxerto da sp. e é muito sensível a viroses
rápida multiplicação in vitro, com a cultivar copa, entrem novamente em (Denardi, 1986). A culitvar copa Gala
união de dois genótipos diferentes: divisão, pois são diferenciadas, ou (Malus domestica Borkh.) é a primei-
um clone copa, selecionado para seja, já deixaram o ciclo celular e ra em volume de produção no Brasil,
produzir frutos de alta qualidade, e não sofrem mais desdiferenciação. apresenta frutificação precoce, alta
um clone de porta-enxerto, que con- Na retomada do ciclo celular é pos- produtividade e boa adaptação a al-
fere à cultivar copa características sível induzir novas competências e titudes superiores a 1000m (Denardi,
relevantes, como: vigor, produtivida- diferenciar para estabelecer os teci- 1986).
de, qualidade de frutos, resistência a dos estruturais e condutores (Taiz &
fatores adversos como a patógenos Zeiger, 1991). O estabelecimento de 4 - Estudos histológicos
do solo, além de realizar funções novos tecidos condutores é o resul-
básicas de suporte da planta, forneci- tado do sucesso do método. A microenxertia é realizada em
mento de água e nutrientes e a adap- Nos trabalhos desenvolvidos no fenda simples conforme a metodo-
tação às condições de solo, clima e Laboratório de Morfogênese e Bio- logia proposta por Hartmann et al.
doenças. química Vegetal, como modelo, fo- (1990). Em câmara de fluxo laminar,
A micronexertia foi inicialmen- ram utilizados dois porta-enxertos a parte apical das plântulas dos
te desenvolvida por Murashige et al. (M9 e Marubakaido) e uma cultivar porta-enxertos é retirada e a altura
(1972) e posteriormente melhorada copa (Gala) de macieira. O porta- das plantas uniformizada em 5 cm
por Navarro et al.(1975), buscando a enxerto M9 (Malus pumila Mill.) é o de altura. Para a variedade copa
produção de citrus livres de viroses. mais utilizado no sul do Brasil, tendo Gala sãopreparados microgarfos
Esta técnica permite a obtenção de como característica principal dimi- com uma única gema lateral. Atra-
plantas livres de patógenos, aplica- nuir o vigor da planta. Além de redu- vés de um corte em fenda simples

102 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


Tabela 3. Número e comprimento de raízes em plantas micropropagadas dos porta-enxertos de
macieira M.7, M.9 e Marubakaido, submetidos a diferentes concentrações e formas de aplicação de
Ácido I ndolbutírico (AI B) e ao crescimento das raízes em diferentes substratos.
Número de raízes Comprimento das raízes (cm)
Tratamentos "M.7" "M.9" "Marubakaido" "M.7" "M.9" "Marubakaido"
1 4,0 ± 1,0 c 5,0 ± 1,0 a 10,0 ± 2,0 a 1,7 ± 0,1 b 2,7 ± 0,5 a 1,8 ± 0,4 b
2 6,0 ± 0,5 b 3,0 ± 1,0 b 3,0 ± 1,0 b 1,9 ± 0,1 ab 0,5 ± 0,2 c 0,5 ± 0,3 c
3 8,0 ± 1,0 a 0,0 ± 0,0 c 2,0 ± 0,5 c 2,2 ± 0,2 a 0,0 ± 0,0 d 0,4 ± 0,3 c
4 9,0 ± 1,0 a 5,0 ± 1,0 a 13,0 ± 2,0 a 2,2 ± 0.2 a 1,6 ± 0,2 b 3,4 ± 0,5 a
Médias na coluna seguidas da mesma letra não diferem estatisticamente entre si, ao nível de 5 % de
probabilidade, pelo teste de Tukey.
Tratamentos:
1 - Indução in vitro em 1.5 µM de AIB em ágar e crescimento das raízes in vitro em ágar;
2 - Indução in vitro em 1.5 µM de AIB em ágar e crescimento das raízes in vitro em substrato mineral;
3 - Indução in vitro com 0,49 M de AIB e crescimento in vitro em substrato mineral;
4 - Indução ex vitro com 0,49 M de AIB e crescimento das raízes em substrato mineral concomitante com a fase
de aclimatização.
Tabela 4.Enraizamento, número e comprimento de raízes de microestacas do porta-enxerto de
macieira M.9 (Malus pumila), tratadas com AIB e submetidas ao enraizamento ex vitro, em substrato
de casca de arroz carbonizada e vermiculita 1:1 (v/v), por um período de 30 dias.
AIB(mg/L) Enraizamento(%) Número deraízes Comprimento das raízes (cm)
0 64 b 3,5 b 3,5 a
500 82 a 6,0 a 4,1 a
1000 84 a 6,0 a 4,5 a
1500 30 c 7,5 a 4,7 a
* Médias seguidas de mesmas letras nas colunas não diferem significativamente pelo teste de Duncan a 5%.
ns - não significativo.

realizado nas plântulas dos porta- conexão dos microenxertos é 5 - Enraizamento de


enxertos, e um corte em bisel no vizualizada a partir de duas etapas. plantas micropropagadas
minigarfo da cultivar copa, é reali- O primeiro momento se dá em pou-
zada a enxertia com o auxílio de cos dias e é caracterizado pela mor- O enraizamento de microesta-
duas pinças. Os microenxertos são te de camadas celulares da interface cas é considerado por vários autores
então inoculados em frascos com do enxerto e pela formação de cé- um dos estágios mais críticos do
meio de cultura MS (Murashige & lulas parenquimáticas que preen- processo de propagação massal de
Skoog, 1962) e transferidos para a chem o ponto de enxertia, resultan- plantas perenes (Wang, 1991), pois
sala de crescimento, com tempera- do no desenvolvimento de uma depende do genótipo e de sua condi-
tura de 25±2ºC, fotoperíodo de 16 camada necrótica na fenda. Na se- ção fisiológica no momento da
horas e luminosidade de 40 µmol.m - gunda etapa, ocorre a proliferação indução ao enraizamento (Martins &
.s , onde permanecem até as cole-
2 -1
de um calo em associação com a Pedrotti, 2001). A emissão de raízes
tas dos segmentos. Para os estudos região vascular da copa e do porta- por uma microestaca pode ser dividi-
histológicos, de ambas as combina- enxerto, formando uma ponte na da em três fases, que compreendem
ções enxerto-porta-enxerto, Gala so- interface do enxerto. Posteriormen- a desdiferenciação celular, a indução
bre Marubakaido e Gala sobre M9, te, há a diferenciação de algumas e a organização dos primórdios
são realizadas 120 microenxertias, células do calo em novas células radiculares (Hartmann et al., 1997;
o que diminuem os erros experi- cambiais. Ocorre, então, a união Blakesley et al., 1991). Na maioria
mentais. O material vegetal coleta- entre os tecidos afins da copa e do dos protocolos estabelecidos para a
do é fixado em glutaraldeído 2,5% porta-enxerto resultando no esta- micropropagação de plantas, o enrai-
em tampão fosfato de sódio 0,1M – belecimento de uma conexão cam- zamento é induzido in vitro, utilizan-
pH7,2, desidratado em série etílica bial contínua. Na última fase, a do meios de cultura contendo uma
e emblocado em parafina (Johansen, continuidade da epiderme no pon- auxina (Harbage & Stimart, 1996;
1940). Os cortes são corados com to de enxertia é restaurada. O pos- Deklerk et al., 1997; Ferri et al., 1998).
azul de toluidina e montados, entre terior desenvolvimento da copa pelo Para a maioria das espécies, a auxina
lâmina e lamínula, com bálsamo do alongamento e desenvolvimento de é necessária na fase de indução das
Canadá. A análise dos cortes brotações caracteriza o sucesso da raízes enquanto que, na fase de dife-
histológicos é feita em microscopia microenxertia, observado em até renciação dos primórdios e no cresci-
óptica e em lupa, 30 e 90 dias após 30 dias em macieira (Abreu et al., mento das raízes, a presença de
a microenxertia (Figuras 2 e 3). A 2003). auxinas no meio de cultura pode

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 103


inibir o processo (Deklerk et al.,1995). No caso do porta-enxerto M.7, o 5.2 - Enraizamento ex vitro
A concentração de auxina a ser adici- enraizamento realizado in vitro em
onada ao meio de cultura para o ágar apresentou resultados inferiores Em função dos custos da fase de
estágio de indução, depende da con- quanto ao número de raízes. Provavel- enraizamento e aclimatização das
centração endógena deste hormônio mente as concentrações de AIB utiliza- plantas micropropagadas, uma série
em cada genótipo utilizado (Blakesley das não possibilitaram a indução do de trabalhos foram conduzidos no
et al., 1991), sendo que altas concen- mesmo número de raízes que foi ob- Laboratório de Morfogênese e Bio-
trações, por períodos de exposição servado para o ‘Marubakaido’, já que as química Vegetal (Pedrotti & Voltolini,
prolongados, podem determinar a respostas são dependentes do genótipo 2001). Os principais objetivos foram
formação de calos na base das micro- (Blakesley et al., 1991). É possível que, de induzir o enraizamento ex vitro
estacas. Para Pasqual & Ishida (1992), para este porta-enxerto, o pH do meio em substratos porosos que servem
o melhor enraizamento in vitro foi de cultura não tenha favorecido a ab- apenas de suporte para as plântulas
obtido em meio MS, geleificado, con- sorção de auxinas pelas células da como acontece na estaquia tradicio-
tendo 1 mg/L de AIB. base da microestaca, tendo em vista nalmente usada para a propagação
As condições de temperatura, a que a penetração de auxinas nas célu- de várias espéceis. Para isto, são
luminosidade da câmara de cresci- las depende do equilíbrio entre ácidos utilizadas miniestacas do porta-en-
mento e a disponibilidade de oxigê- livres e formas aniônicas, que são xerto M.9, de 2 a 2,5 cm de compri-
nio junto à base das microestacas, dependentes do pH (Harbage et al., mento, com dois pares de folhas,
além de fatores anatômicos inerentes 1998). O maior número de raízes obti- preparadas a partir de brotações mi-
ao genótipo, podem inibir a evolu- do para as microestacas do ‘M.9’ e do cropropagadas. A indução ao enrai-
ção do processo morfogenético in- ‘Marubakaido (Tabela 4), induzidas ex zamento é efetuada submergindo
duzido pelas auxinas. Apesar de vitro com o AIB dissolvido em água e 10mm da base das miniestacas du-
Harbage & Stimart (1996), Deklerk et transferidas diretamente para o subs- rante 10 segundos em diferentes con-
al. (1997) e outros autores utilizarem trato mineral para a aclimatização, re- centrações de ácido indolbutírico (0,
o processo de indução e crescimento força as conclusões emitidas por Rogers 500, 1000, ou 1500 mg/L ). Em segui-
das raízes in vitro, McClelland et al. & Smith, (1992). Estes autores aumen- da, as miniestacas são transferidas
(1990) ressaltam que as raízes produ- taram a eficiência no enraizamento de para bandejas alveoladas contendo o
zidas in vitro não são funcionais quan- roseiras quando utilizaram substratos substrato terra roxa e casca de arroz
do transferidas para a fase de aclima- minerais para o crescimento das raízes, carbonizada 1:1 (v/v.). As bandejas
tização. Para garantir a sobrevivência comparados com meios de cultura são então colocadas dentro de caixas
nesse estágio, é necessário que a geleificados. Estes resultados abrem plásticas com uma lâmina de água de
planta produza novas raízes, o que perspectivas concretas para o uso de 5 mm para manter a umidade relativa
demanda um grande consumo de substratos porosos para o enraizamen- elevada. As caixas são cobertas com
reservas que deveriam ser utilizadas to in vitro, o que diminui os custos de uma lâmina de vidro, conforme me-
para o crescimento da parte aérea. produção de plantas micropropaga- todologia descrita por Pedrotti (1993).
Além disto, Debergh & Maene (1981) das. Com esta metodologia é possível Durante 30 dias essas caixas são
salientam a necessidade de desen- substituir os meios de cultura conten- mantidas em câmara de aclimatiza-
volver sistemas de indução que per- do ágar por substratos minerais, o que ção com temperatura de 27±2 °C,
mitam a produção de raízes funcio- diminui custos e produz raízes de fotoperíodo de 16 horas com intensi-
nais para o processo de aclimatiza- melhor qualidade do que as produzi- dade luminosa de 30 µmol.m-2.s-1.
ção e para o aumento da qualidade das in vitro. Após esse período, as plantas são
das plântulas. avaliadas quanto ao percentual de
enraizamento, número e comprimen-
5.1 - Enraizamento in vitro to das raízes emitidas.
As maiores percentagens de en-
Os resultados obtidos com a raizamento com 82 e 84 % são obser-
indução in vitro de raízes em porta- vadas nas miniestacas tratadas com
enxertos de macieira, mostraram di- 500 e 1000 mg/L de AIB, respectiva-
ferenças em relação aos parâmetros mente O menor percentual de enrai-
avaliados, em função do genótipo e zamento (29,6%) é obtido com 1500
da concentração e forma de aplica- mg/L de AIB. As microestacas-con-
ção da auxina (Martins & Pedrotti, trole produzem em média 3,4 raízes.
2001). (Tabela 3). Resultados seme- Estes valores são inferiores
lhantes foram obtidos com macieira àqueles observados nos tratamentos
por Harbage et al. (1998), os quais com AIB. Para os níveis de AIB de
concluíram que a capacidade de emitir 500, 1000 e 1500 mg/L, o resultado é
raízes e de estabelecer um sistema Figura 4 : Crescimento de raízes em a produção de 5,6 a 7,6 raízes respec-
radicular, é uma condição intrínseca porta-enxertos de macieira, após indução tivamente, não diferindo estatistica-
de cada genótipo ao enraizamento mente entre si.

104 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


Considerando que o porta-en- Os níveis de AIB superiores a alta demanda evaporativa da atmos-
xerto M.9 é de difícil enraizamento 500 mg/L não aumentam a percenta- fera e de alta radiação luminosa.
é possível sugerir que o mesmo gem de enraizamento do porta-en- Quando transferidas para condições
necessite de níveis maiores de xerto M.9. Estes resultados podem ex vitro, as mudas normalmente apre-
auxinas ou outros coofatores para estar relacionados com os teores sentam altas taxas de transpiração,
aumentar o enraizamento, já que endógenos de auxinas produzidas em função da alta condutividade hi-
James & Thurnbon (1981) só obti- por gemas e folhas jovens, como dráulica de suas folhas e a funciona-
veram 45% de enraizamento com sugerem Hartmann et al. (1997), pois lidade dos estômatos (Brainerd &
este porta-enxerto quando adicio- mesmo sem aplicação de AIB, as Fuchigami, 1981; Schakel et al., 1990),
naram fluoroglucinol no meio de percentagens de enraizamento do o que, na maioria das situações, pro-
cultura. Possivelmente as condições porta-enxerto M.9 foram de 63,5 %. voca elevado déficit hídrico, poden-
de indução in vitro, utilizadas por A exposição das miniestacas ao AIB do provocar a morte das mudas (Díaz-
estes autores dificultaram a absor- por 10 segundos é suficiente para a Pérez et al., 1995).
ção da auxina, como constatado indução de primórdios radiculares e Apesar dos avanços nos protoco-
por Harbage et al. (1998). Além o desenvolvimento e crescimento los de multiplicação in vitro, poucos
disto, a intensidade luminosa da posteriores das raízes (Figura 4). trabalhos foram realizados no sentido
câmara de crescimento pode ter Jarvis et al. (1983) observaram um de elucidar problemas ligados à acli-
contribuído para inativar parte da aumento na síntese de RNA 20 horas matização das plantas (Avanzato &
auxina aplicada. Khosh-khui & Sink após a aplicação de auxina o que Cherubini, 1993). Para Ziv (1995), a
(1982) obtiveram aumento no en- corresponde às primeiras divisões aclimatização pode comprometer o
raizamento de roseira com o celulares. processo de micropropagação por en-
sombreamento da base das estacas. volver a neoformação de um sistema
Valores mais elevados no enraiza- 6 - Aclimatização radicular e a passagem para condi-
mento de pereira (Wang, 1991) e ções de cultivo ex vitro.
em macieira (Fortes & Leite,1993) Durante a fase de aclimatização, Durante a fase de multiplicação
foram obtidos com a manutenção as plantas micropropagadas devem das brotações in vitro, os estômatos
das plantas no escuro. A maior po- se adaptar a um ambiente completa- apresentam-se com formas e estru-
rosidade e aeração dos substratos mente diferente das condições em turas anormais (Blanke & Belcher,
utilizados também podem favore- que ela foi produzida in vitro. Duran- 1989) e a densidade pode ser dife-
cer a indução e o crescimento de te este período a planta deve compor rente das folhas de plantas cultiva-
raízes, como foi observado por Jay- uma estrutura anatômica e fisiológi- das ex vitro (Cappelades et al., 1990;
Allemand et al. (1992). ca capaz de suportar as condições de Sciutti & Morini, 1993). Para diver-

Figura 5.: Desenho esquemático da metodologia de aclimatização de plantas micropropagadas (Pedrotti, 1993).
A e B: Indução ao enraizamento in vitro.
C: Indução ao enraizamento ex vitro.
D: Início do processo de aclimatização.
E: Plantas sendo mantidas em sala com nebulização.
F: Fotoperíodo sendo mantido em 16 horas de luz para evitar a entrada em dormência.
G e H: Plantas transferidas à campo para completar o crescimento.

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 105


incidem com os de crescimento das
mudas (Figura 6). Maciel et al. (2002)
sugerem que a umidade relativa no
ambiente utilizado garantiu as con-
dições adequadas para a aclimatiza-
ção das mudas. Esta hipótese é cor-
roborada por Campostrini & Otoni
(1996), pois plântulas produzidas in
vitro não estão adaptadas ao novo
ambiente, pois não possuem meca-
nismos de proteção contra a desi-
dratação, já que seus estômatos ge-
ralmente se encontram abertos
(Schackel et al., 1990). No entanto,
segundo Pospíslová et al.(1997) e
Bolar et al. (1998), durante a aclima-
tização as mudas ativam os mecanis-
Figura 6: Crescimento e desenvolvimento de mudas de macieira após aclimatização. mos que permitem sua sobrevivên-
cia após a transferência para a casa
sos autores, (Pospisilova et al., 1997), parte aérea das plantas, os maiores de vegetação. Possivelmente as con-
os estômatos in vitro não são funci- valores são obtidos quando as plan- dições de aclimatização utilizadas
onais, permanecem contentemente tas receberam 1000 mg/L de AIB na neste trabalho possibilitaram a so-
abertos ou fechados e são insensí- fase de indução ao enraizamento. A brevivência da planta até a entrada
veis aos estímulos habituais de es- aclimatização pode ser efetuada em em funcionamento dos estômatos, o
curo, alta concentração de CO2, ABA câmaras de nebulização que man- que permitiu um maior controle so-
e potencial hídrico. Desta forma, a tém alta umidade relativa, o que bre as perdas de água, o que está de
grande transpiração pode causar di- diminuem as possibilidades de de- acordo com Sutter (1988).
ficuldades durante o processo de sidratação e morte das plantas. Neste
aclimatização. sentido, Maciel et al. (2002) Considerações Finais
A metodologia recomendada demostraram que é possível obter
por Pedrotti (1993) (Figura 5) e altos índices de sobrevivência de Os resultados obtidos nesse la-
utilizada no LMBV por Pedrotti & plantas do porta-enxerto M.7. Nes- boratório corroboram com aqueles
Voltolini (2001), possibilitou bons te processo, as bandejas são trans- que foram publicados por vários
resultados para vários genótipos de feridas para diretamente para a câ- grupos de pesquisa nacionais e es-
macieira. Neste processo, as plan- mara de nebulização. Aos 30 dias trangeiros. As metodologias desen-
tas são induzidas ao enraizamento após a transferência ex vitro, a per- volvidas permitem a produção co-
ex vitro e transferidas para bande- centagem de enraizamento é maior mercial de mudas de porta-enxertos
jas alveoladas. nas mudas que foram aclimatizadas e copa de macieira micropropagados.
As bandejas são colocadas em no substrato composto por casca de Em que pese as peculiaridades de
caixas plásticas cobertas com uma arroz carbonizada, já que esta au- cada genótipo a grande maioria dos
placa de vidro transparente. Esta menta o espaço poroso como foi clones utilizados atualmente podem
condição, permite a manutenção da observado por Lê & Collet (1991) e ser produzidos seguindo protocolos
umidade relativa em 100%. Com por Avanzato & Cherubini (1993). semelhantes. A perspectiva do uso
esta metodologia, a sobrevivência As altas percentagens de enrai- da indução ao enraizamento realiza-
das plantas situa-se entre 70 e 95% zamento coincidem com as de so- do simultaneamente à aclimatização
(Tabela 5). No que concerne à ma- brevivência, pois todas as plantas das plantas ex vitro pode diminuir em
téria seca produzida pelas raízes e que enraizaram sobreviveram, e co- até 50% o custo de produção de uma

Tabela 5. Sobrevivência, número e comprimento de raízes altura e número de folhas de miniestacas do


porta-enxerto de macieira M.9 (Malus pumila), submetidas ao enraizamento ex vitro, em diferentes
concentrações de AIB, 45 dias após a repicagem para substrato mineral.
AIB Sobrevivênciadas Número de Comprimento das Comprimento das Número de
(mg/L) plantas (%) raízes raízes (cm) brotações (cm) folhas
0 85 b 10,1 ns 12,0 ns 5,3 ns 7,5 ns
500 95 a 11,5 12,5 6,3 8,0
1000 70 c 1 6, 0 11 ,6 6,9 7,5
1500 73 c 20 ,0 11 ,3 6,9 7,8
* Médias seguidas de mesmas letras nas colunas não diferem significativamente pelo teste de Duncan a 5%.
ns - não significativo

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108 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


Método Alternativo de
Pesquisa Tratamento de Esgotos
Reator anaeróbio com recheio de bambu associado com filtros biológicos de areia

Adriano Luiz Tonetti


Resumo Introdução
Mestre em Saneamento e Ambiente - UNICAMP
atonetti@fec.unicamp.br ste artigo apresenta os re- O Brasil é um dos países que
sultados encontrados para possuem o maior fluxo interno de
Bruno Coraucci Filho, Dr o estudo de um sistema água. Porém, há uma enorme
Professor Associado da Faculdade de Engenharia
Civil - UNICAMP alternativo de tratamento disparidade na distribuição deste re-
de esgotos constituído por curso entre suas diferentes regiões.
Alexandre Patto Kanegae reator anaeróbio com re- Enquanto que no norte existe uma
Mestre em Saneamento e Ambiente - UNICAMP abundância hídrica, no sul e sudeste,
cheio de bambu associado a um filtro
biológico de areia. Tal combinaçaão industrializados e populosos, ocorre
Ronaldo Stefanutti, Dr
Doutor pelo CENA-USP
possui baixo custo e busca minimizar a escassez causada pelo elevado con-
o sério problema de saneamento pelo sumo e grande poluição dos rios,
Ilustrações cedidas pelos autores
qual o Brasil passa. resultante da precária situação do
O reator anaeróbio foi alimenta- saneamento básico.
do com uma vazão de 2 l/min e seu Este quadro alarmante acarreta
efluente era aplicado em cinco cargas sérios problemas à saúde pública e
hidráulicas (20, 40, 60, 80 e 100 l/m2) ao meio ambiente levando a mortan-
sobre a superfície de quatro filtros de dade de um grande número de espé-
areia com diferentes profundidades cies. Portanto, um dos desafios atuais
de leitos (25, 50, 75 e 100 cm). para a melhoria desta situação é o
Devido à ação dos microrganis- desenvolvimento de sistemas de tra-
mos anaeróbios e aeróbios, que ade- tamento simples, eficientes e adaptá-
rem à superfície do bambu e da areia, veis às condições econômicas e es-
obteve-se uma excelente remoção truturais do nosso país.
de matéria orgânica do esgoto que,
caso fosse lançada em um corpo de
água antes do processo de tratamen- O Tratamento Anaeróbio
to, levaria ao consumo de oxigênio e
a uma mortandade da fauna e flora O tratamento anaeróbio depen-
aquáticas. Quanto ao nitrogênio, ocor- de dos microrganismos que agem na
reu uma grande transformação da ausência de oxigênio, transforman-
sua parte orgânica em nitrato, de- do os dejetos gerados pela ação
monstrando a grande adaptação das humana em produtos mais simples
bactérias responsáveis por esta rea- como metano, gás carbônico e água
ção bioquímica ao meio formado (METCALF e EDDY, 1991). Estes
pela areia. Os organismos patogêni- compostos mais simples podem
cos foram em grande medida removi- retornar ao meio ambiente sem com-
dos, adequando o efluente a alguma prometer o planeta e seu ecossiste-
prática de reuso. ma. Apesar da boa eficiência deste
Palavras-chave: filtro de areia, sistema, entre 10 e 30% da matéria
pós-tratamento, efluente anaeróbio, orgânica não é degradada, o que
baixo custo. impede que seu efluente atenda à

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 109


trabalho inicial que, apesar dos bons O funcionamento deste sistema
resultados, havia a necessidade de se baseia-se na aplicação de afluente
realizar um pós-tratamento do intermitentemente sobre a superfície
efluente anaeróbio gerado pelo rea- de um leito de areia. Durante a infil-
tor de bambu, pois ele não se ade- tração do líquido ocorre a purificação
quava à legislação brasileira. Assim, por mecanismos físicos, químicos e
buscando manter as características biológicos.
de um tratamento alternativo e bara- O tratamento físico é resultan-
to decidiu-se aplicar o efluente gera- te do peneiramento e o químico
do sobre a superfície de filtros bioló- ocorre pela adsorsão de determina-
gicos de areia. dos compostos. A purificação de-
A associação do reator anaeró- pende principalmente da oxidação
Figura 1: Filtro anaeróbio de fluxo ascen- bio com filtros biológicos de areia bioquímica que ocorre no contato
dente. seria uma alternativa que preserva- do afluente com a cultura biológi-
legislação brasileira quanto a este ria o baixo custo total. Outro item ca. Devido a esta característica,
parâmetro, havendo necessidade de importante seria a possibilidade de Jordão e Pessoa (1995) afirmam
um pós-tratamento. dispor o efluente gerado diretamen- que este tipo de sistema é incorre-
O reator anaeróbio é caracteriza- te sobre os cursos d’água, ou tamente chamado de filtro, pois seu
do pela presença de um material de reutilizá-lo na irrigação, ou no con- funcionamento não possui como
recheio estacionário e inerte no inte- sumo não-humano, seguindo a ori- explicação primordial o peneira-
rior de um tanque fechado. O esgoto entação da Organização Mundial de mento ou a filtragem. Neste mesmo
penetra pela parte inferior e flui até a Saúde (OMS, 1989). sentido, KRISTIANSEN (1981) sus-
sua saída na área superior. No decor- No Brasil, esta combinação seria tenta que o leito de areia, em con-
rer do escoamento, o esgoto entra em aplicável nas pequenas cidades, em junto com os microrganismos, for-
contato com este material. Sobre a bairros isolados e condomínios fe- ma um filtro vivo.
superfície deste recheio ocorre a for- chados das metrópoles, onde a insta-
mação natural de um biofilme que lação de uma rede coletora de esgo- Material e Métodos
degrada o substrato contido no fluxo tos apresentaria custo elevado.
de esgoto (Figura 1). Este projeto de pesquisa está
O material de recheio no qual Filtros Biológicos de Areia instalado em uma área experimental
os microrganismos aderem deve situada na Estação de Tratamento de
ter as seguintes características: es- O filtro biológico de areia é um Efluentes Graminha, na cidade de
trutura resistente, ser biológica e método de tratamento bastante anti- Limeira, Estado de São Paulo. O es-
quimicamente inerte, leveza, po- go, inicialmente adotado na remoção goto bruto é originário de um bairro
rosidade elevada e preço reduzi- de turbidez da água potável. A partir residencial denominado Graminha.
do. Tal sistema possui a vantagem do século XIX, na Europa e nos Inicialmente esta água residuária pas-
de consumir pouca energia e pro- Estados Unidos, passou a ser apro- sa por um tratamento preliminar com-
duzir uma quantidade mínima de veitado na depuração de esgotos posto por grades de retenção e caixa
lodo, além de não depender da (MICHELS, 1996). de areia e em seguida, uma pequena
utilização de complexos equipa-
mentos mecânicos.
Pesquisadores da UNICAMP di-
agnosticaram que o uso de anéis de
bambu poderia satisfazer a tais pré-
requisitos (CAMARGO, 2000). Este
material apresenta a vantagem de
possuir um baixo custo e ser facil-
mente encontrado no Brasil. Desta
forma, construíram e operaram qua-
tro reatores que possuíam o bambu
como recheio e obtiveram uma re-
moção média de matéria orgânica
(DBO) superior a 75%. Quanto ao
nitrogênio orgânico, somente uma
parcela de sua concentração foi trans-
formada em amônia.
Pode-se concluir ao final deste Figura 2: Vistas externa (esquerda) e interna (direita) dos reatores anaeróbios.

110 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


Tab ela 1: Den o min ação d o s filtro s b io ló gico s e pro fu n d id ad es d o Para a distribuição uniforme
leito d e areia. do afluente sobre o leito dos filtros,
P ro fu n d id ad e d o Leito empregou-se uma placa quadrada
Filtro de 20 cm de comprimento, feita de
(cen tímetro s)
F025 25 madeira e posicionada no centro da
F050 50 camada superficial (Figura 4). Após
F075 75 o lançamento do afluente pela tu-
F100 100 bulação de distribuição, existe o
porção do seu fluxo é direcionada até suía 20 cm de profundidade. Logo choque do líquido com esta placa,
quatro reatores anaeróbios com re- acima estava a camada formada por distribuindo as gotículas sobre a
cheio de bambu. pedregulho, com 10 cm de profundi- superfície.
Cada reator possui volume de dade, que objetivava sustentar a areia, Buscando-se determinar a ca-
500 l e foi construído em aço inox impedindo que suas partículas fos- pacidade de tratamento dos filtros
tendo formato cilíndrico e fundo sem arrastadas para fora da estrutura biológicos de areia, foram aplica-
cônico, que funcionou como um do sistema. Quanto à camada de das as cargas hidráulicas de 20, 40,
compartimento para a distribuição areia, buscando-se determinar qual 60, 80 e 100 l/m2 de efluente prove-
do esgoto (Figura 2). O meio supor- era a espessura ideal para a realiza- niente dos reatores anaeróbios so-
te foi constituído de anéis de bam- ção do tratamento, empregou-se qua- bre as superfícies. Cada carga hi-
bu da espécie Bambusa tuldoides. tro filtros com diferentes profundida- dráulica foi empregada pelo perío-
O caule do bambu foi cortado em des de leito, conforme apresentado do de um mês entre as segundas e
pedaços de aproximadamente 5 cm na Tabela 1. sextas-feiras.
(CAMARGO, 2000). A areia empregada foi a popu- Na Figura 5 está apresentado de
Estes reatores anaeróbios foram larmente denominada de grossa co- forma esquemática o fluxograma de
operados com fluxo ascendente, ten- mercial, possuindo um diâmetro efe- funcionamento deste sistema de tra-
do uma vazão de 2 l/min e tempo de tivo (D10) de 0,093 mm. Salienta-se tamento em estudo.
detenção hidráulica de 3 horas, con- que estes materiais foram os mais As seguintes amostras foram ob-
trolados diariamente. comumente encontrados na região tidas semanalmente: esgoto bruto,
de desenvolvimento do projeto. efluente dos reatores anaeróbios com
Filtros de Areia Na construção dos filtros, foi recheio de bambu e efluentes dos
utilizada uma caixa cilíndrica com filtros de areia. Todas as análises
Na construção do leito dos fil- estrutura de fibra de vidro e diâmetro foram baseadas no Standard Methods
tros foram empregadas três camadas de 100 cm. Na Figura 3 há um esque- for the Examination of Water and
posicionadas a partir da base. A pri- ma da disposição das diferentes ca- Wastewater (AWWA/ANHA/WEF,
meira foi constituída por brita e pos- madas que compõem os filtros. 1999).
Os parâmetros físicos, quími-
cos e biológicos analisados foram os
seguintes: pH, demanda bioquímica
de oxigênio (DBO), série do nitro-
gênio (nitrogênio orgânico e
amoniacal, nitrito e nitrato) e
coliformes totais.

Resultados

pH

O estudo deste parâmetro é de


extrema importância em um sistema
biológico. Isto porque os microrga-
nismos responsáveis pelo tratamen-
to dos esgotos necessitam de um pH
que varie entre 4 e 8. Caso contrário
existe o impedimento da formação
do biofilme responsável pela depu-
ração do efluente.
De acordo com a Figura 6 pode-
se fazer uma divisão dos valores de
Figura 3: Esquema dos filtros de areia.

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 111


ca pode ser a formação de um siste-
ma tampão químico pela areia. As-
sim, apesar do consumo de compos-
tos alcalinos, haveria o impedimento
da queda do pH do efluente dos
filtros de areia.
A formação do sistema tam-
pão pelo leito de areia pode ser
comprovada pelo fato do filtro
F025, que possui o menor volume
de areia, possuir tendência aos
menores pHs e também por ter
Figura 4: Vista externa (esquerda) e superior sido o primeiro a apresentar os
(direita) de um filtro de areia, tendo ao centro valores mais baixos. O filtro de 100
a placa de distribuição de afluente. cm manteve valores altos de pH
pH encontrados para os filtros bioló- resultados esperados. De acordo com ate o final da aplicação da carga de
gicos de areia em dois grupos bási- a análise dos compostos nitrogena- 100 l/m 2.
cos. O primeiro engloba os pHs en- dos, esperava-se que a transforma- Vê-se também que o sistema,
contrados nas cargas hidráulicas de ção dos nitrogênios orgânico e mesmo sob condições temporárias
20, 40 e 60 l/m2 onde houve tendên- amoniacal em nitrato causasse a re- de aplicações de pHs bastante anor-
cia para valores superiores a 7. No dução do pH. Tal fato ocorreria devi- mais, conforme encontrado na sex-
segundo grupo, constituído pelas do à redução de alcalinidade ta semana, mostrou-se capaz de
cargas de 80 e 100 l/m2 nota-se valo- provocada pelas bactérias aeróbias amortecê-los. Isso também pode
res inferiores ao pH neutro. no processo metabólico da degrada- ser notado nas duas últimas sema-
A característica encontrada para ção da matéria orgânica. Uma possí- nas de aplicação da carga de 100 l/
o primeiro grupo não se adequa aos vel explicação para esta característi- m2, quando houve a geração de um
efluente ácido pelos reatores anae-
róbios de bambu. Observa-se que
nesta situação os efluentes dos qua-
tro filtros não tiveram uma tendên-
cia a acompanhá-lo nesta queda
brusca.
Quando se comparam os valo-
res encontrados para o pH com aque-
les exigidos pela legislação brasileira
(CONAMA 20/86), que permite a
emissão de um efluente cujo pH
Figura 5: Fluxograma do sistema de tratamento em estudo.
varie entre 4 e 9, nota-se que o
sistema propiciou valores bastante
satisfatórios.

Demanda Bioquímica de
Oxigênio - DBO

Caso seja lançado em um cor-


po de água uma grande quantidade
de matéria orgânica, haverá o con-
sumo parcial dela pelos microrga-
nismos presentes no meio. Como
conseqüência desta degradação,
esta colônia formada consome gran-
de quantidade de oxigênio, levan-
do à morte diversas espécies da
fauna e da flora.
No que se refere a DBO, parâ-
metro que determina a quantidade
Figura 6: Variação do pH durante as semanas de coleta. de matéria orgânica, os reatores

112 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


anaeróbios propiciaram uma remo-
Tab ela 2: R emo ção méd ia d e DBO n o sistema d e tratamen to n as ção média de aproximadamente
cargas h id ráu licas aplicad as. 48%. Este resultado está de acordo
P o n to d e R emo ção méd ia d e DBO (%) com as possibilidades dos micror-
C o leta 20 l/m2 40 l/m2 60 l/m2 80 l/m2 100 l/m2 ganismos anaeróbios e com os da-
F025 95,3 97,3 93,7 95,8 91,3 dos encontrados para materiais de
F050 98,0 98,9 98,7 96,5 94,9 recheio normalmente empregados
F075 97,5 98,9 98,8 98,3 97,0 em estações de tratamento de gran-
F100 97,6 98,8 99,4 99,3 98,7 de porte.
Quanto aos filtros de areia, vê-
se pela Figura 7 a excelente remoção
de DBO. O maior valor encontrado
foi de somente 29 mg/l, obtido no
efluente do filtro com 25 cm de
profundidade, durante a aplicação
da maior carga hidráulica. Este resul-
tado está muito abaixo do máximo
permitido pela legislação brasileira,
que é de 90 mg/l.
Outra característica observada
é que quanto mais profundo o leito
de areia, melhores foram os resulta-
Figura 7: DBO média para cada uma das cargas hidráulicas aplicadas. dos. Isto pode ser explicado pelo
fato de que quanto maior a profun-
didade, maior a quantidade de areia
revestida com biofilme. Assim exis-
te uma ampla possibilidade de con-
tato do material orgânico com os
microrganismos.
Quando se observa a Tabela 2,
que apresenta os percentuais de
remoção da DBO em todo o siste-
ma, observa-se o valor mínimo de
91,3%. O filtro com 100 cm de
profundidade nunca removeu me-
nos que 97,6%, independente da
carga de aplicação.

Nitrogênio

A remoção dos compostos nitro-


genados presentes no esgoto é de
extrema importância. Caso isto não
ocorra tem-se o lançamento de um
efluente tóxico que pode levar à
morte de micro e macrorganismos.
Tal fato ocorre devido ao nitrogênio
amoniacal ou devido à eutrofização,
que acaba por criar um meio propício
à floração de algas.
Pela Figura 8 percebe-se que
tanto o esgoto bruto como o
efluente dos reatores de bambu
eram constituídos de compostos
nitrogenados pouco degradados
Figura 8: Média para a concentração dos compostos nitrogenados no esgoto bru- (nitrogênio orgânico e amoniacal).
to e efluente dos reatores de bambu em cada carga hidráulica. Assim, desde a produção dos

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 113


completa nitrificação. Assim, a
somatória das concentrações de to-
dos os compostos nitrogenados era
muito semelhante à de nitrato.

Coliformes Totais

Os coliformes totais são uma


classe de organismos adotada pela
engenharia sanitária como um indi-
cador da presença de organismos
patogênicos. Assim, caso esteja em
pequenas quantidades, pode-se su-
por que a água também não conterá
seres vivos que possam causar algum
dano a saúde.
Ao analisar-se as concentrações
de coliformes totais pela Figuras 11,
vê-se que o afluente sempre possuía
valores superiores a 106 NMP/100 ml,
chegando em alguns casos a superar
109 NMP/100 ml. Desta forma, pode-
se constatar que os reatores anaeró-
bios com recheio de bambu realmen-
te não removem estes organismos,
conforme afirma a literatura.
Quanto aos filtros de areia, nas
baixas cargas o F025 já apresentava
valores mais altos que os outros três,
e no decorrer do desenvolvimento do
Figura 9: Média para a concentração dos compostos nitrogenados no filtro F025 e
F050 em cada carga hidráulica.
projeto, sempre possuía as maiores
concentrações. Por outro lado, o filtro
dejetos pelo ser humano até a che- existiu uma grande transformação com 100 cm de profundidade chegava
gada à estação de tratamento ocor- do nitrogênio orgânico e do a gerar um efluente capaz de atender
reram poucas transformações em amoniacal para nitrato, indepen- à legislação brasileira para a água
sua composição. Isto ocorre prin- dente da carga que era empregada. potável quanto a coliformes totais.
cipalmente devido ao fato de os Tal modificação é resultante das Ao observar-se a comparação
organismos responsáveis pela de- nitrobactérias, que em ambientes entre o afluente e o efluente do filtro
composição dos compostos nitro- aerados levam tais compostos à sua de areia apresentada na Tabela 3,
genados agirem somente em pre- forma mais oxidada. percebe-se a grande remoção de
sença de oxigênio. Para os filtros F025 e F050, a coliformes totais que este sistema
Ao comparar-se o esgoto bruto partir da carga de 60 l/m2 passa a propiciou. O filtro com menor pro-
com o efluente dos reatores de bam- haver um aumento da concentração fundidade de leito, o F025, apresen-
bu, nota-se que apesar da sua carac- de nitrogênio amoniacal, que foi tou altos percentuais, sendo no míni-
terística anaeróbia, a amônia na mai- ampliada na de 80 l/m2. Este au- mo igual a 84%. Os dois filtros mais
oria das situações superava o valor mento pode ser explicado pelo profundos tiveram valores superio-
de nitrogênio orgânico. Quanto às acréscimo de carga, que acarretou res a 99% em praticamente todas as
concentrações de nitrato e nitrito, na diminuição do tempo de contato situações em estudo.
observa-se que foram muito peque- entre o líquido que se infiltrava e a
nas para estes dois pontos de coleta. cultura biológica aderida à areia. Conclusões
Pelas Figuras 9 e 10, nota-se Quanto maior era a profundida-
que o efluente dos reatores anaeró- de do leito, maior era o processo de A análise destes resultados de-
bios de recheio de bambu ao nitrificação, ou seja, de transforma- monstra a grande viabilidade deste
infiltrar-se através do leito de areia ção do nitrogênio orgânico em nitra- sistema biológico para o tratamento
dos filtros biológicos sofreu gran- to. Assim, de acordo com a Figura 10, de efluente de pequenas comunida-
des alterações no que se refere aos nota-se que o filtro com 100 cm de des, utilizando materiais presentes
compostos nitrogenados. Ou seja, profundidade de leito propiciava uma nas próprias comunidades.

114 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


O efluente gerado estava em con-
formidade com o exigido pela legisla-
ção brasileira para a emissão em um
corpo receptor, sendo compatível com
aqueles produzidos nas grandes esta-
ções de tratamento existentes nas gran-
des cidades brasileiras. Outro ponto é
a possibilidade do reuso deste líquido
em alguma atividade humana, resguar-
dando os mananciais naturais para
usos mais nobres.

Agradecimentos

A FAPESP, CNPq, FINEP, Caixa


Econômica Federal e PROSAB pelo
apoio e financiamento na construção
do projeto e em sua manutenção.

Referências Bibliográficas

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methods for the examination of
water and wastewater. 19a edição.
Nova Iorque: American Public Health
Association, 1999.
CAMARGO, S. A. R. Filtro ana-
eróbio com enchimento de bambu
para tratamento de esgotos sanitári-
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Campinas: Faculdade de Engenha-
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KRISTIANSEN, R. Sand-filter
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8, v. 7, p. 45-48, 1996.
Tab ela 3: R emo ção méd ia d a co n cen tração d e C o lifo rmes To tais
OMS - ORGANIZAÇÃO MUN-
n o s filtro s b io ló gico s d e areia em cad a carga h id ráu lica.
DIAL DE SAÚDE. Directrices sa-
P o n to d e R emo ção d o s C o lifo rmes To tais (%)
nitárias sobre el uso de águas
C o leta 20 l/m2 40 l/m2 60 l/m2 80 l/m2 100 l/m2
F025 97,5 89,8 84,8 84,9 87,0 residuales en agricultura e
F050 99,9 99,2 98,0 87,4 96,3 aquicultura. Séries de reporta-
F075 100,0 99,9 99,4 99,5 97,0 gens técnicas. N 778. OMS, Gene-
F100 100,0 100,0 99,9 99,9 99,9 bra, 1989.

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 115


Amendoim Selvagem
Pesquisa

Uma fonte de resistência a pragas

Soraya Cristina Leal-Bertioli - PhD


Pesquisadora EMBRAPA Recursos
amendoim cultivado,
Genéticos e Biotecnologia, Arachis hypogaea, é
soraya@cenargen.embrapa.br uma das leguminosas
produtoras de grãos
Patrícia Messenberg Guimarães - PhD mais plantada em todo
Pesquisadora EMBRAPA Recursos o mundo, devido ao seu alto conteú-
Genéticos e Biotecnologia,
messenbe@cenargen.embrapa.br do de proteína e óleos insaturados. É
cultivado extensivamente na China,
Alessandra Pereira Fávero - MsC Índia e Estados Unidos, além de di-
Pesquisadora EMBRAPA Recursos versos países da América Latina e
Genéticos e Biotecnologia, África (Conab, 2002). Os principais
favero@cenargen.embrapa.br
problemas da cultura estão relacio-
nados ao ataque de fungos da parte
Márcio de Carvalho Moretzsohn - MsC
Pesquisador EMBRAPA Recursos
aérea e nematóides, necessitando pe-
Genéticos e Biotecnologia, riodicamente da utilização de defen-
marciocm@cenargen.embrapa.br sivos agrícolas (Hagan, 1998 ;
Subrahmanyam et al., 1983; Bailey,
Karina Proite - MsC 2002). Espécies silvestres de Arachis
Estudante de doutorado da UnB, têm-se mostrado altamente promis-
proite@cenargen.embrapa.br
soras como fonte de resistência a
diversas pragas que atingem o amen- foto ilustrativa
David John Bertioli - PhD
Pesquisador Universidade Católica de Brasília doim e outras culturas, sendo que já
david@pos.ucb.br foram identificadas algumas espéci- namarca) e Sainsbury’s Laboratories (In-
es com resistência a três fungos glaterra) na busca de genes de resistên-
Ilustrações cedidas pelos autores
foliares (Cercospora arachidicola, cia a fungos e nematóides patogênicos
Cercosporidium personatum e ao amendoim, e no desenvolvimento
Puccinia arachidis) e ao nematóide de um mapa genético para Arachis que
das galhas (Meloidogyne spp.). Bus- possibilite a utilização destes genes.
ca-se, agora, desenvolver ferramen-
tas para a utilização destas espécies Produção de um mapa
silvestres em programas de melhora- genético para facilitar a
mento genético, visando à obtenção seleção assistida
de cultivares de amendoim com re-
sistência mais duradoura (Fig.1). Espécies silvestres de Arachis pos-
O projeto “Identificação de resis- suem alta diversidade genética e cons-
tências a stress biótico em Arachis sel- tituem uma rica fonte de genes de
vagem e desenvolvimento de ferra- resistência. Diversos trabalhos têm mos-
mentas para o melhoramento genético trado que as espécies silvestres são
através de mapeamento e genômica muito mais resistentes a doenças do
comparativa” combina esforços e habi- que a espécie cultivada (Arachis
lidades de pesquisadores da Embrapa hypogaea) (Holbrook et al., 2000). O
Recursos Genéticos e Biotecnologia, amendoim cultivado é tetraplóide (tem
Universidade Católica de Brasília, IBONE quatro conjuntos de cromossomos, dois
(Instituto Botanico del Nordeste, Ar- conjuntos do chamado genoma A e
gentina), Universidade de Aarhus (Di- dois conjuntos do genoma B), enquan-

116 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


Fig.1 - Sementes de diferentes espécies de Arachis

to que a maioria das espécies silvestres parental recorrente é mantido para os Para a implementação de um
é diplóide (apenas dois conjuntos de demais locos. Em cada geração são esquema efetivo de seleção assistida
cromossomos). Esta diferença de selecionadas as plantas que apresen- por marcadores em programas de
ploidia dificulta a introgressão de genes tam a característica de interesse a ser melhoramento genético, três reque-
dos parentes silvestres, uma vez que os introgredida, e as demais característi- rimentos são essenciais: (1) alguns
híbridos obtidos de maneira tradicio- cas do parental recorrente. Este pro- marcadores devem estar fortemente
nal são triplóides estéreis. Por isso, cesso de seleção, após a introgressão, ligados aos genes que controlam as
para obter híbridos férteis, necessita-se pode ser otimizado através da cons- características de interesse; (2) os
fazer cruzamentos entre espécies sil- trução de mapas genéticos e da iden- marcadores devem estar facilmente
vestres com genomas AA e BB. Os tificação de marcadores moleculares disponíveis para a análise de grandes
híbridos obtidos (AB) são então sub- fortemente associados aos genes de populações e (3) as técnicas utiliza-
metidos a tratamento com colchicina interesse. Desta forma, é possível, em das devem ser reproduzíveis entre
para duplicar o número de cromosso- cada fase de seleção, a escolha dos laboratórios e com baixo custo.
mos, obtendo-se, assim, anfidiplóides indivíduos que contenham o máximo
sintéticos (AABB), que, em princípio, de características do parental recor- Mapeamento comparativo:
são compatíveis com o amendoim cul- rente, diminuindo assim o tempo do Um atalho para um mapa
tivado. Estes híbridos são então cruza- processo de melhoramento. Isso é genético
dos com A. hypogaea dando continui- particularmente importante em pro-
dade ao programa de pré-melhora- gramas que visam à introgressão de Espécies de Arachis têm geno-
mento de Arachis. genes de resistência a pragas. Neste mas muito grandes. O genoma
Tradicionalmente, nos programas caso, a seleção indireta através de haplóide de Arachis hypogaea tem
de melhoramento de plantas que en- marcadores moleculares possibilita, aproximadamente 1,74 x 109 pares de
volvem hibridações seguidas de retro- além da redução de tempo, a identifi- bases. Isto dificulta a identificação e o
cruzamentos, grande parte do genoma cação e seleção de genótipos resisten- mapeamento direto de genes de inte-
da parental doadora é incorporada ao tes na ausência do patógeno e a resse. Uma outra espécie da família
genoma da planta receptora e, por transferência e manutenção de mais das leguminosas, Lotus japonicus, tem
isso, são necessárias várias gerações de um gene de resistência principal um genoma bem menor, tem um
para a eliminação gradual dos genes durante a seleção (piramidização de mapa genético de alta resolução já
indesejáveis, enquanto o genótipo do genes de resistência). disponível e os projetos de seqüenci-

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 117


Estudos de expressão gênica
O estudo da expressão gênica tem
demonstrado ser uma importante ferra-
menta no entendimento dos processos
biológicos em nível molecular. Por exem-
plo, estes estudos podem ser utilizados
na identificação de uma rede de genes
expressos de fundamental importância
no desenvolvimento de uma determina-
da estrutura, ou na resposta de um
organismo a um estímulo externo. O
estudo da expressão gênica diferencial
pode contribuir para a caracterização de
resistências, pois possibilita a identifica-
ção de genes–chave desta rede através
da comparação da expressão gênica
durante o desenvolvimento de uma es-
trutura sob condições normais e em
organismos carregando uma mutação
ou submetidos a algum tipo de stress.
Fig.2 - Exemplo de estudo de sintenia: Marcadores moleculares (M1 a M4) em posições
Através do acúmulo de dados da expres-
colineares nos genomas de Lotus e Arachis.
são diferencial de vários genes sob dife-
amento de ESTs (expressed sequenced cromossômicas ortólogas (genes ho- rentes condições, pode-se reconstruir as
tags) e do genoma estrutural estão mólogos localizados em genomas de vias reguladas por estes genes, predizer
quase completos (Asamizu et al., 2000; diferentes organismos) tem sido reali- onde eles atuam e identificar novos
Sato et al., 2001). Por isso, L. japonicus zada através do desenvolvimento de genes associados ao processo.
tem sido considerada uma planta- um banco de ESTs de Arachis (Gui- Para o entendimento da função de
modelo para todas as leguminosas, marães et al., 2003 ). Este banco de um gene, é fundamental o estudo de
auxiliando no entendimento de ou- dados deverá acelerar o mapeamento onde e quando ele é expresso. Recente-
tras espécies de genomas mais com- do genoma de Arachis, a identificação mente, várias estratégias foram desen-
plexos. A comparação entre estes dois de resistências e o desenvolvimento volvidas para permitir o estudo da fun-
gêneros e a análise da ordem dos de marcadores a serem utilizados nos ção de vários genes simultaneamente,
genes nos cromossomos possibilita a programas de melhoramento. Um be- entre elas: a genética reversa (geração de
identificação de regiões correlatas nefício adicional do projeto é o desen- mutações específicas em genes de inte-
entre os dois genomas (chamada volvimento de um sistema genético resse), screens mutagênicos (geração de
sintenia), ou seja, o mapeamento com- unificado para a família das legumino- mutações randômicas e screening de um
parativo. Neste processo, são identifi- sas, pois trabalhando com Lotus que é pool de mutantes para se identificar
cados marcadores moleculares comuns considerado um dos gêneros mais fenótipos de interesse) e bioinformática
aos diversos genomas, chamados mar- adaptados desta família e Arachis que (a análise dos dados gerados por todas as
cadores-âncoras. Como exemplo de é considerado um dos mais primiti- estratégias acima). As estratégias acima,
transferência de informação da planta vos, qualquer região de similaridade associadas aos projetos genoma, que
modelo para leguminosas cultivadas encontrada provavelmente existirá em têm como objetivo o sequenciamento do
pode-se citar o caso dos fenótipos todas as leguminosas. Até o momen- genoma inteiro de vários organismos,
mutantes: uma vez que o gene res- to, já foram encontradas homologias têm possibilitado o estudo sistemático da
ponsável por um fenótipo mutante entre Lotus e Arachis em vários genes expressão diferencial de genes em nível
seja clonado em Lotus, a análise que codificam para enzimas envolvi- de genoma como um todo. A análise da
fenotípica comparativa e a informa- das em importantes cadeias metabóli- expressão diferencial de genes em res-
ção do mapa podem ser utilizadas cas, além da homologia entre genes posta ao ataque de um patógeno consti-
como base para identificar genes can- envolvidos na simbiose destas plantas tui, portanto, uma ferramenta importan-
didatos para o gene correspondente com bactérias fixadoras de nitrogênio te no isolamento de genes de resistência
em outras leguminosas. estarem sendo estudadas (Sandal, et ou de fatores envolvidos com a interação
No caso específico de Arachis, a al., 2003) (Fig. 2). A identificação de patógeno-hospedeiro.
análise genômica comparativa pode- tais regiões pode facilitar o isolamen- Neste projeto, a identificação de
rá auxiliar no desenvolvimento de to de genes envolvidos neste proces- genes expressos diferencialmente em
marcadores para o melhoramento ge- so, possibilitando o desenvolvimento germoplasma resistente de Arachis está
nético da cultura, o que certamente de variedades de Arachis com maior sendo realizada através da análise de ESTs
facilitará a clonagem de genes de capacidade de fixação de nitrogênio, e de microarranjos. Para tal, várias biblio-
interesse. A exploração da colineari- o que resultaria na redução da utiliza- tecas de cDNA foram construídas a partir
dade entre genes de Arachis e Lotus ção de fertilizantes nitrogenados, con- de Arachis stenosperma submetido a
buscando a identificação entre as duas tribuindo para uma produção de ali- diferentes situações de stress (inoculado
espécies e a identificação de regiões mentos mais sustentável. com nematóides e fungos) as quais estão

118 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


sendo seqüenciadas de forma massal coletor, Dr. José Francisco M. Valls. Neste Arachis) resistentes à ferrugem
visando à construção de um banco de banco de germoplasma, há acessos que (Puccinia arachidis). Anais do 46o
dados de ESTs e dos chips de DNA. representam todas as espécies de Arachis, Congresso Nacional de Genética,
Uma vez isolados e confirmada exceto uma, Arachis martii, considerada 19 a 23 de setembro de 2000 -
sua função, estes genes podem ser extinta. Águas de Lindóia- SP, p.533-534
introgredidos para o amendoim cultiva- A identificação de espécies resis- Fávero, A. P.; Moraes, S. A.; Vello, N. A.;
do ou transferidos a outras plantas de tentes a doenças e pragas e a localização Valls, J. F. M. Caracterização de espé-
interesse econômico, que sejam atingi- de marcadores associados aos genes de cies silvestres de amendoim quanto à
das pelas mesmas pragas, como a soja interesse auxiliarão sobremaneira a sele- resistência à mancha castanha visan-
e feijão, para as quais já existem dispo- ção de plantas com resistência, desde as do à introgressão de genes ao amen-
níveis métodos de transformação. primeiras fases do programa de melho- doim cultivado. Anais do I Congresso
ramento, até a obtenção de novas culti- de Melhoramento de Plantas, 03 a 06
O impacto da utilização vares. Acredita-se que a possibilidade da de abril de 2001 - Goiânia, GO.
destas novas técnicas no piramidização de genes tornará as novas Guimaraes, P.M., Leal-Bertioli, S., Seijo,
cultivo do amendoim cultivares com resistências mais dura- G., Parniske, M., Stougaard, J., Bertioli,
douras do que se fosse utilizada apenas D. (2003). The identification of
O Brasil produz atualmente apro- a seleção baseada em avaliação agronô- resistances to biotic stress in wild
ximadamente 170 mil toneladas de mica e fitopatológica das plantas, pois Arachis germplasm, and the
amendoim, sendo o maior produtor o será possível a identificação de marcado- development of tools for breeding by
estado de São Paulo, com aproximada- res moleculares ligados a genes de resis- genetic mapping and comparative
mente 60 mil ha plantados e 80-90% da tência localizados nos genomas A e B genomics. Annals of the 7th Congress
produção do país (Conab, 2002). Um oriundos de espécies silvestres e incor- of Plant Molecular Biology, Barcelo-
dos principais problemas dos produto- porados ao amendoim cultivado. na, 2003.
res de amendoim deste estado é o O projeto irá propiciar o diálogo Hagan, A (1998). Foliar diseases of
ataque de doenças fúngicas de parte mais intenso entre os parceiros na coope- peanuts. Alabama Cooperative
aérea, como a mancha barrenta ração científica e tecnológica entre a Extension System. ANR-369. (http//
(Didymella arachidicola), mancha cas- União Européia e América Latina. Isto www. Aces.edu /department/
tanha (Cercospora arachidicola), man- também beneficiará o treinamento de extcomm/publications/anr/anr-
cha preta (Cercosporidium personatum), jovens pesquisadores em tecnologias de 369.html)
ferrugem (Puccinia arachidis) e ponta em genômica e citogenética. Os Holbrook, C.C., Stephenson, M.G. e
verrugose (Sphaceloma arachidis). A mapas genéticos gerados e o mapeamen- Johnson, A.W. (2000). Level and
principal cultivar plantada no país é a to comparativo entre os genomas de geographical distribution of
cv. Tatu, com aproximadamente 80% Arachis e Lotus poderão facilitar o melho- resistance to Meloidogyne arenaria
da área plantada e é altamente suscep- ramento de amendoim e, possivelmente, in the US peanut germplasm
tível às doenças acima citadas. A última os programas de melhoramento de outras collection. Crop Science 40 1168-
cultivar de A. hypogaea lançada pelo leguminosas. O desenvolvimento de va- 1171.
Instituto Agronômico de Campinas riedades melhoradas de amendoim adap- Sandal, N., Madsen, L., Radutoiu, S.,
(IAC), a IAC-Caiapó, é de ciclo longo tadas à América Latina auxiliará na redu- Krusell, L., Madsen, E., Kanamori,
(com 130 dias) e possui resistência ção do uso de defensivos agrícolas e N., Sato, S., Tabata, S., James, E.,
moderada às cercosporioses, à mancha poluição associada, sem perdas na produ- Krause, K., Udvardi, M., Stougaard,
barrenta e a ferrugem (Conab, 2002). tividade, contribuindo para o desenvolvi- J. (2003). Mapping and Map based
As espécies silvestres da secção mento sustentável da agricultura. cloning of symbiotic genes in the
Arachis têm sido utilizadas no melhora- model legume Lotus japonicus.
mento do amendoim na Índia, Argentina, Bibliografia Citada Annals of the 7th Congress of Plant
Estados Unidos e Brasil. Várias das espé- Molecular Biology, Barcelona, 2003.
cies, que, na maioria, são brasileiras, Asamizu, E., Nakamara, Y., Sato, S., e Sato, S., Kanerko, T., Nakamura, Y.,
possuem níveis de resistência a pragas e Tabata, S. (2000). Generation of Asamizu, E. kato, T. e Tabata, S.
doenças superiores aos encontrados em 7137 non-redundant expressed (2001). Strucutural analysis of a Lotus
acessos de A. hypogaea (Stalker & Moss, sequence tags from a legume, Lotus japonicus genome. I. Sequence
1987; Fávero et al., 2000 e 2001). A falta de japonicus. DNA research 7 127-130. features and mapping of fifty-six
informações sobre o potencial destas Bailey, J. (2002). Peanut Disease TAC clones which cover the 5,4 Mb
espécies para o melhoramento de cultiva- Management. North Carolina Peanut regions of the genome. DNA
res é a principal barreira para seu uso. As Production Guide. Chapter 6. 19 pp. Research 8 311-318.
69 espécies silvestres de Arachis descritas Conab (2002). Conjuntura Semanal. Stalker, H.T., Moss, J.P. (1987).
e existentes são restritas ao Brasil, Bolívia, Especiais 16-2009. Ministério da Speciation, cytogenetics, and
Paraguai, Argentina e Uruguai, sendo 57 Agricultura, Pecuária e Abasteci- utilization of arachis species.
endêmicas ao Brasil. As expedições de mento . Companhia Nacional de Advances in Agronomy 41 1-40.
coleta realizadas desde 1959 têm permiti- Abastecimento-Conab. Subrahmanyam, P., McDonald, D.,
do a preservação de mais de 1600 acessos Fávero, A. P.; Moraes, S. A.; Vello, N. Gibbons, R.W. e Subba Rao, P.V.
no banco de germoplasma, localizado na A.; Valls, J. F. M. Caracterização de (1983). Components of resistance to
Embrapa Recursos Genéticos e Biotecno- acessos de germoplasma de espé- Puccinia arachidis in peanuts.
logia, através de seu curador e principal cies silvestres de Arachis (Secção Phytopathology 73 (2) 253-256.

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 119


Pesquisa
Bioética
Pluralidade e transdisciplinaridade

Ana Paula Pacheco Clemente


Bióloga, Especialista em Bioética, Direito e
A área das ciências biológicas é colaterais, ou seja, se estes forem
aplicações, coordenadora e professora dos cursos de a que mais privilegia o conceito de maiores que aqueles, o médico não
pós-graduação lato sensu e extensão em Bioética da
PUCMinas e UFLA, e do curso de extensão em
Bioética da forma como foi concebi- deve atuar, uma vez que a atuação
Tanatologia e Bioética do IEC-PUC Minas, membro do inicialmente. Ela possui um cam- médica deve sempre buscar o bem
da diretoria do Capítulo de Bioética da SBCM, po muito vasto de atuação para o do paciente.
consultora da Comissão de Bioética e Biodireito da
OAB-MG, membro fundador e da Diretoria profissional que transita entre a área O princípio da justiça prega o
Executiva da Sociedade Brasileira de Bioética da saúde e a do meio ambiente. livre acesso de todos a um tratamen-
Regional Minas Gerais.
paulaclemente@bioconsulte.bio.br; Segundo Potter, criador do termo, to médico de qualidade, e a livre
paulaclemente@bol.com.br que era biólogo e oncologista, a atu- distribuição dos progressos da medi-
ação da Bioética seria buscar a boa cina para todos os seres humanos.
qualidade de vida, pela interação do Deve-se ressaltar a existência,
ser humano com o meio ambiente. antes de Potter, dos movimentos
Esse conceito foi adaptado pelo Ins- pré-bioéticos, tais como o Código
tituto Rose e Kennedy de Reprodu- de Nuremberg, o qual estabeleceu
ção Humana e Bioética, que tornou regras mínimas para pesquisas clíni-
assim a Bioética voltada para a cas em seres humanos, e a Declara-
biomedicina e a biotecnologia. A ção Universal dos Direitos Huma-
Bioética tradicional, dos EUA, é ba- nos, que estipula direitos e garantias
seada em quatro princípios funda- mínimos de respeito à vida humana.
mentais, que são: Ambos buscaram impedir reincidên-
Autonomia: direito do paciente cias das atrocidades cometidas pela
de participar ativamente de seu trata- humanidade nas duas grandes guer-
mento, refutando, concordando, dis- ras mundiais.
cutindo e decidindo junto com o Hodiernamente, bioética é a
médico a melhor conduta a ser toma- parte da ética que cuida das questões
da. Esse conceito vem da filosofia, referentes à vida humana, à saúde,
uma vez que o termo supramencio- aos avanços da biotecnologia e aos
nado significa autogoverno. Entre- efeitos destes sobre o homem. Busca
tanto, para que tal aconteça, o sujeito sempre o bom e o melhor para o ser
(paciente) deve receber informações humano, possuindo, desta forma, um
claras e precisas sobre seu quadro caráter antropocentrista bastante
clínico, diagnóstico, tratamento e acentuado, que busca privilegiar a
prognóstico. interação homem/meio ambiente.
Beneficência e não-maleficência, A atuação do biólogo no meio
as quais possuem origem hipocrática. ambiente busca a proteção da biodi-
A primeira pugna por sempre buscar versidade, a manutenção de espécies
o bem do paciente; já a segunda em vias de extinção, a preservação
determina que, existindo dúvida do meio ambiente e da qualidade de
quanto ao bem a ser ofertado ao vida. O licenciamento ambiental e o
paciente e sobre os seus efeitos relatório de impacto ambiental de

120 Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003


responsabilidade técnica do biólogo nético pré-implantação; podemos de para utilizar tal prova; deve-se
é de extrema importância para evitar fazer a análise genética retirando um evitar contaminação do material,
acidentes ecológicos. O Brasil possui blastômero do embrião, ou seja, uma armazená-lo de forma adequada, ter
uma legislação ambiental que regu- célula totipotente, que poderá virar uma cadeia de custódia, solicitar au-
lamenta as atividades dos profissio- outro ser humano idêntico ao da torização por escrito nos casos de
nais que atuam na área. A Bioética célula de onde foi retirado. Dessa investigação de paternidade ou de
influencia nas decisões à medida forma, o diagnóstico é realizado no maternidade.
que analisa a interação do ser huma- embrião, não havendo necessidade Assim, as questões da bioética
no com o ambiente e os reflexos de retirar nenhum material biológico podem ser classificadas como emer-
causados pelas ações propostas pelo após a implantação, para não correr gentes, aquelas advindas do avanço
homem. o risco de um aborto. da biotecnologia e da biociência, e
Mais recentemente temos tido Com a descoberta de doenças persistentes as que possuem suas
discussões sobre transgênicos e genéticas pela micromanipulação de origens na má distribuição de recur-
OGMs, não só na área de meio embriões, é possível descartar esses sos e em um sistema econômico
ambiente, mas também na área mé- embriões “anormais” pondo em prá- excludente. Por esse motivo, a
dica, com a produção de animais tica a chamada Eugenia doce, que bioética deve recortar seu sujeito de
transgênicos para transplante de seria o descarte de embriões e fetos trabalho por etnia, raça, sexo e con-
órgãos, vacinas e medicamentos com defeitos congênitos. Aí surge a dição econômica, uma vez que a
manipulados geneticamente. Temos discussão sobre o que é normal e o busca do que é bom e melhor varia
também biotecnologia na formação que é anormal. Caso do casal surdo- de acordo com essas características.
de biomateriais, reprodução huma- mudo que recorreu ao banco de sê- Devido à complexidade dos va-
na assistida, que gera grandes polê- men para buscar um doador de sê- lores envolvidos em sua atuação,
micas por causa da doação de sê- men surdo para ter seu bebê. esse campo de discussão revela-se
men, óvulo, útero de substituição, A terapia gênica vai proporcio- como a ciência da composição, ou
que muda os pilares de filiação, nar através da utilização de vetores, seja, todos os assuntos dentro do
trazendo gêmeos em idades diferen- como vírus e bactérias, a cura das âmbito de atuação da bioética atin-
tes, crianças com até cinco pais, doenças das quais forem localizados gem toda a sociedade, logo, as deci-
crianças com material genético de os genes que as causam, removendo sões sobre eles devem ser tomadas
três pais em resultado de exame de ou acrescentando o gene saudável à com a participação de todas as par-
DNA com técnica de rejuvenesci- pessoa. tes envolvidas.
mento de óvulo; gestação após a Outra questão discutida pela A Bioética busca uma reflexão
morte dos pais biológicos, mudança Bioética é o direito à identidade ge- da biotecnologia apresentada pelas
de paradigma quanto à filiação, pri- nética nos casos em que a criança foi ciências biomédicas para que elas
vilegiando a paternidade e materni- adotada ou tenha nascido por inter- possam ser utilizadas em benefício
dade sócio-afetivas. médio de material genético doado, o da sociedade. Busca o melhor para a
O Projeto Genoma Humana com que não desfaz o vínculo de paterni- coletividade, fazendo interagir o ho-
a descoberta de todos os genes hu- dade; direito não para fins de heran- mem com o meio ambiente, com
manos , trará benefícios e proporcio- ça nem tampouco para negatória de vistas a propiciar a ele uma melhor
nará, daqui a alguns anos, a cura para paternidade, mas, simplesmente, pelo qualidade de vida. O trabalho
várias doenças. Nesse âmbito haverá direito de conhecer suas origens. O transdisciplinar faz-se necessário a
um avanço na medicina preditiva advento do exame de DNA trouxe a fim de proporcionar um atendimen-
que, através da avaliação genética, certeza biológica, mas muitos têm to mais humanizado e justo na área
pode fazer o diagnóstico de várias utilizado tal exame de forma errônea. das ciências da vida. Dessa forma,
doenças que poderiam se manifestar Deve-se ter sempre o exame de DNA buscam-se soluções novas para con-
ou não no futuro. Hoje já é possível como mais uma prova judicial a ser flitos novos.
fazer o diagnóstico de algumas doen- juntada aos autos do processo, a fim Destarte, a bioética representa a
ças, porém não é possível curá-las, os de preservar a dignidade e a privaci- ciência do diálogo transdisciplinar, ou
benefícios são apresentados na dade humanas. Ninguém é obrigado melhor, propõe a composição possí-
melhoria da qualidade de vida e da a fornecer prova contra si mesmo. vel com os vários estranhos morais,
adaptação do paciente. A banalização do exame de DNA pois um médico para atuar bioetica-
Já há algumas décadas, a medi- tem trazido conseqüências indesejá- mente deve respeitar a individualida-
cina fetal proporciona, através do veis não só para o Direito de Família de de seu paciente e o advogado que
diagnóstico pré-natal, a possibilida- e de Sucessões, mas também para a abraçar causa tão apaixonante deve
de de diagnóstico de doenças cro- Criminalística, porque ainda existem conhecer biomedicina e os avanços
mossômicas, como a síndrome de peritos despreparados para coletar o biotecnológicos. Assim como cada
Down. Hoje, contamos com a biotec- material biológico na cena do crime. profissional, na sua área de atuação,
nologia por meio do diagnóstico ge- É preciso seriedade e responsabilida- deve buscar essa composição.

Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31 - julho/dezembro 2003 121

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