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23/02/2021 A decepção de dois mestres - 03/10/2020 - Opinião - Folha

OPINIÃO LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

A decepção de dois mestres


Mergulhamos na ortodoxia liberal e no populismo

3.out.2020 às 23h15

EDIÇÃO IMPRESSA (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/fac-simile/2020/10/04/)

Luiz Carlos Bresser-Pereira


Professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (1987, governo Sarney),
da Administração e da Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (1995-1998 e 1999, governo
FHC)

Em sua coluna na Folha, em 18 de setembro último, Silvio Almeida


(https://www1.folha.uol.com.br/colunas/silvio-almeida/2020/09/guerreiro-ramos-ensinou-que-nome-correto-de-reformas-

que-so-criam-privilegios-e-entreguismo.shtml)falou
de Alberto Guerreiro Ramos (1915-1982), o
notável sociólogo negro que foi um dos meus mestres nos anos 1950, quando
eu tinha 20 anos. Em conjunto com Ignácio Rangel, Hélio Jaguaribe
(https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/09/helio-jaguaribe-foi-o-pensador-de-um-brasil-que-acreditava-no-futuro.shtml),

Roland Corbisier e Álvaro Vieira Pinto, Guerreiro foi um dos grandes


intelectuais nacionalistas e desenvolvimentistas
(https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/02/1591233-economista-critica-liberais-e-desenvolvimentistas-em-

livro.shtml)que
se reuniram no Iseb (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) e
repensaram o Brasil.

Eles o fizeram a partir das ideias de revolução nacional e industrial


(https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/10/industria-cresce-32-em-agosto-ainda-sem-eliminar-rombo-da-

https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/10/a-decepcao-de-dois-mestres.shtml 1/5
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pandemia.shtml),
as quais, para seSua
concretizar,
assinaturaimplicavam
vale muito. a crítica sistemática à
dependência ou ao entreguismo das elites liberais locais e ao imperialismo das
ENTENDA
grandes potências. Conforme diz Silvio Almeida, Guerreiro Ramos é “a síntese
de tudo aquilo que o atual governo brasileiro vem se empenhando em
combater: uma pessoa negra, um intelectual, um defensor da soberania
nacional e um servidor público preocupado com o Brasil”.

O professor e ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira - Karime Xavier - 17.dez.19/Folhapress

Naquela época, o Brasil tinha um projeto nacional de desenvolvimento


baseado na ideia de industrialização e um líder político comprometido com
esse modelo, Getúlio Vargas (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/07/getulio-vargas-retorna-a-
presidencia-pelas-urnas-e-responde-a-crises-com-suicidio-ouca.shtml), o estadista que o Brasil teve no

século 20.

Guerreiro e seus colegas apostaram na associação da burguesia industrial com


os trabalhadores, a burocracia pública e os intelectuais desenvolvimentistas

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em torno desse projeto porque essa coalizão


Sua assinatura valeera uma realidade naquela época,
muito.
não obstante suas ambiguidades e contradições. Estava acontecendo e estava
ENTENDA
dando certo. Entre 1930 e 1980, o Brasil experimentou um desenvolvimento
econômico acelerado que deu origem a uma grande classe operária e a uma
grande classe média de natureza tanto gerencial e profissional quanto
empresarial.

Entre 1930 e 1960, sob o comando ou a inspiração de Getúlio Vargas, e entre


1964 e 1980, sob o comando dos militares, (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/03/conheca-
os-fatos-que-levaram-ao-golpe-de-1964-e-os-seus-desdobramentos.shtml) o Brasil se industrializou e se

tornou um grande exportador de bens manufaturados.

Mas, já nos anos 1970, surge uma teoria da dependência


(https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/12/18/dinheiro/3.html) associada, de origem marxista, que

era equivocada —tanto ao negar que a burguesia pudesse ser nacionalista


quanto ao afirmar que o imperialismo não era contra nossa industrialização.
Equivocada, mas que ganhou os intelectuais brasileiros porque estes eram
democráticos e os militares haviam se tornado desenvolvimentistas.

Conheci bem Guerreiro. Eleito deputado federal em 1960, foi cassado em 1964
e se exilou nos Estados Unidos, onde se tornou professor da Universidade da
Califórnia, em Los Angeles. Morreu em 1982, profundamente decepcionado
com o Brasil e seus intelectuais.

Decepção semelhante aconteceu com outro grande intelectual brasileiro,


também meu mestre, Celso Furtado. Ao morrer, em 2004, ele já via a
economia brasileira (https://www1.folha.uol.com.br/mercado/economia-em-debate/) semiestagnada
desde 1980 e, desde 1990, dominada pela ortodoxia liberal.

Nos anos 2000, Lula (https://www1.folha.uol.com.br/folha-topicos/lula/)tentou reverter esse


quadro, mas a alternativa que os desenvolvimentistas ofereciam ao liberalismo
econômico era pobre, baseada apenas na política industrial; faltava uma
macroeconomia do desenvolvimento.

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Desde 2013, depois de 33 anos


Sua de quase-estagnação,
assinatura vale muito. mergulhamos em uma
grande crise política e econômica, enquanto se aprofundava a subordinação à
ENTENDA
ortodoxia liberal do Norte, não obstante essa ortodoxia venha sendo
abandonada pelos países ricos desde então.

Há alguma esperança para o Brasil? O país pode voltar a ter um projeto


nacional de desenvolvimento (https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/10/replica-convite-a-repensar-
o-desenvolvimento-do-pais.shtml)?
Não estou seguro. Há dois grandes líderes políticos hoje
no Brasil, Lula e Ciro Gomes (https://www1.folha.uol.com.br/folha-topicos/ciro-gomes/); e há um
terceiro, jovem, que aponta para o futuro, Guilherme (https://www1.folha.uol.com.br/folha-
topicos/guilherme-boulos/)Boulos (https://www1.folha.uol.com.br/folha-topicos/guilherme-boulos/). Ciro é o que

está mais próximo a ter um projeto.

Mas Getúlio Vargas tinha por trás de si uma sociedade que se repensava,
ajudada por seus intelectuais. Isso não acontece hoje.

Nossas elites intelectuais estão perplexas. Tão perplexas quanto as do Norte,


que dizem, equivocadamente, que sua crise é a crise da “democracia liberal”.
Na verdade, é a crise do neoliberalismo americano, que é dominante naquele
país desde 1980, diante do bem-sucedido desenvolvimentismo chinês.

É uma crise que está levando os países ricos, um a um, a abandonar o


liberalismo econômico e a adotar políticas desenvolvimentistas, enquanto o
Brasil, ao invés de se repensar, como fizeram seus intelectuais nos anos 1950,
mergulha no liberalismo econômico e no populismo de direita.

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