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23/04/2019

TEXTOS DE APOIO
FILOSOFIA – 10º ANO

A NECESSIDADE DA ÉTICA
(...) Somos basicamente criaturas egoístas que querem viver tão bem quanto venha a ser
possível. Isto é a chave para entender a ética. A ética surge quando as pessoas
compreendem o que hão-de fazer para viver bem.
[O filósofo] Hobbes refere que cada um de nós vive incomensuravelmente [muito] melhor se
viver num sistema de cooperação social em vez de viver por conta própria. Os benefícios da
vida social vão além da camaradagem. A cooperação social torna possível a existência de
escolas, hospitais e auto-estradas; casas com electricidade e aquecimento central; aviões e
telefones, jornais e livros; filmes, ópera e bingo; ciência e agricultura.
(...) Sem a cooperação social perderíamos tudo isso. Assim, é vantajoso para cada um de nós
fazer o que é necessário para estabelecer e manter a sociedade cooperativa. Mas parece que
uma sociedade mutuamente cooperativa só pode existir se adotarmos certas regras de
comportamento — regras que exigem que se diga a verdade, que cumpramos as nossas
promessas, que respeitemos a vida e a propriedade dos outros, e assim por diante: Sem o
pressuposto de que as pessoas falam a verdade, não haveria razão para as pessoas
prestarem atenção ao que os outros dizem. A comunicação seria impossível. E sem
comunicação entre os seus membros, a sociedade entraria em colapso.
(...) Assim, para obter os benefícios da vida social, temos de celebrar um contrato uns com os
outros, em que cada um de nós concorda em obedecer às regras que este estabelece, desde
que os outros também o façam. Este “contrato social” é a base da moralidade. Logo, a
moralidade pode ser entendida como o conjunto de regras que pessoas racionais consentem
em obedecer, para seu benefício mútuo, desde que as outras pessoas também o façam.
Rachel, James (2003). Problems from Philosophy. New York: McGraw Hill, pp. 170-179 (Traduzido e
adaptado por Vítor João Oliveira)

“Na arte de viver, o homem é ao mesmo tempo o artista e o objeto da sua arte, é o
escultor e o mármore, o médico e o paciente.” Erich Fromm

Erich Fromm evidencia que nos construímos a nós mesmos, corno se cada um de nós fosse
uma estátua de sua autoria, e a retocar ao longo da vida. Construímo-nos no seio da
comunidade, em interação com os outros e integrados em instituições. São estas que nos vão
sugerindo o que é bom e mau, justo e injusto, correto e incorreto na comunidade a que
pertencemos e em que temos de nos comportar como sujeitos morais. E na convivência com
os outros que nos apercebemos da nossa singularidade, dignidade e liberdade e que
aprendemos a agir de modo a não ir contra a singularidade, dignidade e liberdade dos outros.
Fazer isto significa que não estamos encerrados em nós mesmos, antes abertos ao outro, que
respeitamos, e com quem queremos viver sem o mínimo de atrito. Em relação aos outros, que
sentimos como “próximo” desenvolvemos sentimentos como a amizade, o amor, a simpatia,
que contribuem para estabelecer uma convivência fraterna. Mas viver com os outros pode
gerar conflito e, daí, a necessidade de desenvolvermos a nossa capacidade crítica para
repensar a nossa atuação e a dos outros, assumir a nossa quota de responsabilidade e
encontrar formas de ultrapassar a situação. Em todo este processo de construção, contamos
com a família, a escola e outras instituições, que são sempre uma referência para nós e nos
propõem um conjunto de valores normas e padrões que contribuem para a modelação da
nossa estátua interior que, em termos morais, desejamos o mais correta possível.

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FILOSOFIA – 10º ANO

O carácter pessoal da moral


A moral possui carácter pessoal porque:
1. Cada um de nós é livre de seguir ou não as normas morais, arcando com a
responsabilidade da sua opção.
2. Cada um de nós é que adapta as normas gerais e abstractas aos casos particulares e
concretos.
3. Entre diferentes normas de actuação, cada um é que escolhe a que melhor se adapta ao
caso que vive, havendo mesmo casos para os quais não há normas que orientem a conduta,
tendo cada um de “inventar” como agir.

O caracter social da moral. A relação eu-outro.


O homem é um ser social, constituindo-se como pessoa na interacção com os outros. Partindo
da relação mãe-filho, é no convívio com o outro que decorre a socialização, processo em que
o eu se vai constituindo. O outro surge-lhe como um outro eu no qual se revê, mas também
como alguém que se lhe opõe, oferecendo resistência. É deste confronto do querer individual
com a vontade social que brota o sentido da sua liberdade e o sentimento de pertença a uma
comunidade. É nela que o eu se apercebe do que os outros esperam de si, tornando
consciência gradual dos papéis sociais que deve desempenhar. Com a interiorização dos
papéis e normas sociais, surge a noção do dever, sinal de que o ser humano é já uma pessoa,
assistindo-lhe a consciência moral para, de modo autónomo, saber como agir e como julgar os
seus actos.
Todo este processo ficaria comprometido sem a presença do outro que se relaciona com o eu
não apenas de forma directa, mas também de modo institucional.

Instituição
Designa-se por instituição qualquer entidade, prática social ou forma de organização que,
ordenada e integrada nos costumes sociais, permanece no tempo e tem por objectivo
promover a existência e a realização dos indivíduos num mundo estruturado.

Relação entre instituições e código moral


Instituição e código moral relacionaram-se, pois que as instituições é que apresentaram e
promovem os valores sociais, definindo o que na sociedade se considera o dever. Eles são
autênticos agentes de moralidade, contribuindo para a formação da consciência moral dos
indivíduos em todas as etapas da sua vida. Contudo, se as instituições não promoveram o
crescimento moral e, ao invés, se tornaram agentes de repressão, a pessoa pode assumir
condutas que de moral apenas tem a fachada ou, então, adoptar comportamentos de
obediência e conformismo exagerados, perdendo a autonomia de agente moral.

Consciência moral
Consciência moral é a capacidade de o indivíduo avaliar os seus actos e os das outras
pessoas em função de critérios discriminadores do que é bem e do que é mal.

Natureza da consciência moral


A consciência moral é de natureza racional, afectiva e social. O seu aspecto racional permite-
lhe pensar e analisar criticamente as acções praticadas, confrontando-as com o modo como
deviam ser. O lado afectivo da consciência moral e o elemento impulsionador das acções:
quer os sentimentos positivos e negativos quer as motivações inconscientes se constituem
como forças que, ao lado das racionais, impelem o sujeito a agir. Enquanto social, a
consciência moral conta com um dever-ser resultante da interiorização das normas e valores
que a sociedade lhe foi apresentando como bons ou como maus.

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Funções da consciência moral


A consciência moral desempenha várias funções relativamente ao sujeito moral. Ela é, em
primeiro lugar, uma voz interior. Nesse sentido, tem uma função apelativa, chamando o sujeito
moral para lhe apresentar valores e as normas básicas para os seguir. Desempenha também
uma função imperativa, dando-lhe ordens para agir de acordo com esses mesmos valores.
Mas a consciência moral é também uma espécie de juiz. Nesse sentido, tem funções
judicativas e punitivas. Julga os actos do sujeito, sancionando-o se esses actos foram
praticados de modo contrário ao dever.

A moral é um conjunto de prescrições ou normas que regulam as relações socialmente


estabelecidas entre os homens, remonta às próprias origens da vida social que dificilmente
seria concebida sem a existência dessas normas.

As normas morais são veiculadas pelos mecanismos de inserção social, de natureza familiar,
religiosa e educativa, e são interiorizadas pelos indivíduos.

A ética surge muito posteriormente à existência dos códigos morais. As primeiras reflexões de
natureza ética remontam ao pensamento socrático V a.C. na Grécia; portanto, é só com o
surgimento da filosofia que se constitui este domínio de reflexão.

Enquanto que a moral é constituída por regras práticas de conduta. Regras que regulam
imediatamente a vida dos seres humanos, a ética é reflexão teórica sobre o fundamento das
próprias regras práticas e sobre os objectivos e finalidades da conduta moral. A ética é,
poderíamos dizer, a “Ciência” dos fins da acção humana; reflecte sobre o fim mais correcto
para a vida humana e sobre as condições que tornam possíveis as condutas morais.
A ética, enquanto domínio teórico e reflexivo, reveste-se da maior importância para que cada
ser humano se transforme num sujeito consciente e verdadeiramente responsável pelas suas
acções. Só a reflexão ética permite que decidamos por nós mesmos, só na reflexão ética nos
permite assumir critérios morais correctos; esses critérios implicam que tenhamos informação
suficiente antes de decidirmos e que nos vigiemos no sentido de não considerarmos apenas
os nossos interesses mas também de não nos tornarmos joguete dos interesses dos outros.

A ética leva-nos a questionar a nossa prática, torna-nos mais autocríticos, permitindo assim
que eliminemos muitos erros.

Intenção e Norma
Para a moralidade de uma acção não basta o acordo extremo com a norma (ou seja, a regra
socialmente estabelecida); fundamental a intenção, isto é, o julgamento intimo que cada um
faz do que é permitido e do que é proibido, pois, só toma uma decisão ética (faz uma opção
moral) o individuo que se “obriga” a si mesmo a respeitar o fim que definiu como bom, visando
o seu aperfeiçoamento, ainda que só ele saiba qual a verdadeira intenção da sua opção.
No domínio da moralidade, ainda que haja pressão social, a única autoridade que guia cada
individuo e perante a qual tem de prestar contas é a própria consciência, e é também ele o
único responsável pelos seus actos, uma vez que a acção foi uma escolha sua. A liberdade (a
obrigação da pessoa de se orientar pela própria consciência moral) e a responsabilidade
moral (reconhecimento da autoria da acção e a obrigação de responder perante a própria
consciência) são duas características da acção moral.

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Falar em ética é falar em pessoas. Só pessoas são capazes de condutas éticas. Mas as
pessoas vivem integradas socialmente, e isso implica que a ética tenha não só uma dimensão
pessoal, como também uma dimensão social, sendo as duas indissociáveis.

A construção da pessoa como o sujeito ético implica necessariamente uma relação com o
outro. A imagem que criamos de nós próprios reflecte, quer queiramos quer não, a imagem
que os outros têm de nós; os outros criam expectativas a nosso respeito e essas expectativas
condicionam não só a nossa acção como também aquilo que somos. É esclarecedora a
posição de Sartre quando afirma que o sentimento de vergonha que podemos experimentar
em determinada situação só é possível se o outro “estiver lá”. Neste aspecto não vale a pena
tentar a fuga para a inautenticidade e dizer que não nos interessa nada a opinião dos outros;
claro que interessa, a realização da pessoa que supõe sempre a relação com os outros.

Mas o que é então uma pessoa? O que é ser pessoa?


Ser pessoa é ter uma dignidade que não reconhecemos nas coisas; estas são substituíveis,
têm um preço; um ser humano é único; irrepetível, insubstituível. A pessoa é, como diz Kant,
um fim em si mesma, sendo portanto eticamente condenável considerá-la, em qualquer
circunstância, como um meio para atingir determinado fim.

Os valores éticos são sempre valores que têm como suporte a pessoa, só as pessoas e nunca
as coisas podem realizar valores éticos, ser generosas ou mesquinhas, solidárias ou egoístas,
honestas ou desonestas. Impõe-se como um dever que temos de atender, são imperativos,
ordenaram-nos que façamos isto ou evitemos aquilo. Todos os seres humanos, para
realizarem a sua própria essência, têm de os estimar ou considerar; daí a universalidade
destes valores. Como a pessoa é um ser completo, uma verdadeira totalidade, não
fragmentável, invadem todas as esferas da conduta humana, a familiar, a profissional, a das
delações sociais — são totalitários.

O respeito pelos valores éticos, embora estes se apresentem sob forma de ordens, de
imperativos, supõe a liberdade da pessoa humana; só poderemos falar em moralidade
relativamente a seres dotados de liberdade da pessoa humana, pois só um ser livre pode
responder pelos seus actos, só a pessoa tem a capacidade de escolher e de se decidir em
função de valores.

A pessoa é, como diz Kant, legisladora e súbdita no domínio da lei moral, porque
simultaneamente se dá e se impõe a si mesma a lei moral, o dever.

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