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técnica

T I R E PA R T I D O DA S UA C Â M A R A F O TO G R Á F I C A

O MUNDO
MÁGICO DAS
LONGAS
EXPOSIÇÕES
SE É FÃ DAS FOTOGRAFIAS À BEIRA-MAR OU SE
ADORA FOTOGRAFAR OS DIAS CINZENTOS – COM
NUVENS –, ENTÃO VAI ADORAR ESTE ARTIGO!
VAMOS ENSINÁ-LO A USAR UM FILTRO ND DE 10
STOPS. ESSE MESMO, O DAS LONGAS EXPOSIÇÕES.
TÃO LONGAS QUE CONSEGUEM CAPTAR TUDO. ATÉ
MESMO A ATMOSFERA ENVOLVENTE DA CENA A
FOTOGRAFAR.
or mais equilibrada que seja a nossa especialidade da família – permitir exposi-

P família, há um sempre um elemento


que se deixa atrair para o lado negro.
Neste caso, para o lado cinzento. Tipo aqueles
ções de vários segundos de forma a captar o
movimento – e transformou-a numa espécie
de actividade radical: o mergulho em
primos problemáticos, com fama de excên- apneia… nas profundezas do mundo da foto-
tricos e muito dados a comportamentos grafia.
extremos. Que é como quem diz, transformar os
A família dos filtros ND não foge à regra. segundos de exposição em longos minutos.
Concebido para diminuir a quantidade de luz Usando um filtro ND com factor de filtra-
que entra na lente sem, no entanto, interferir gem de 1000x e aumento de exposição de 10
com as cores e tonalidades, este tipo de filtro stops é possível esticar até aos limites o
permite fotografar, usando uma velocidade tempo de exposição, transformando um
de disparo mais baixa ou uma maior abertu- mísero segundo em 1000. Ou seja: bem
ra de lente. Ou ambos. acima dos 16 minutos.
Até aqui, tudo muito certo e limpinho. O Claro que não vai precisar dessa eternida-
problema é quando aparece o tal familiar de. Com o tempo e com o aperfeiçoar da té-
inconveniente que, além de tapar descarada- cnica, conseguirá acertar no alvo em 5 a 6
mente a passagem da luz, ainda tem a minutos. Que é o suficiente para que muita
mania de brincar com o tempo, forçando a coisa mude na cena a fotografar.
exposição até limites que a sua câmara As nuvens mudam de forma e de tom, o
nunca pensou existirem. sol vai ali e já volta, a água em movimento
Estamos a falar, obviamente, dos ND de 10 transforma-se em espuma, as pessoas e os
stop, uma espécie de ovelha negra – ou carros de passagem desaparecem sem deixar
antes, ovelha cinzenta – da família dos filtros rasto… o que pode dar jeito, quando se quer
de Densidade Neutra. capturar cenários urbanos frenéticos num
Basicamente, o ND de 10 stop agarrou na contexto nunca antes visto: desértico. >

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Fazer longas exposições, por exemplo ao meio-dia como nesta foto,
só é possível recorrendo a filtros ND que cortem muitos stops de luz.
Canon 5D MK II . 24mm . f/14 . 30" . ISO 100
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É este o poder das longas exposições: tudo tos ganham uma aura de mistério. Como que de do filtro poderá causar problemas na foca-
o que se mover ou ficará desfocado, ou então uma energia própria. gem e medição. É muito provável que o siste-
desaparecerá por completo, transformando Ou seja, os dias de inverno que se avizi- ma de focagem automática da sua câmara
totalmente as cenas do nosso dia-a-dia. nham são ideais para pôr em prática o que não funcione uma vez colocado o filtro ND.
No fundo, aquilo que um filtro ND de 10 aprender aqui. Ou, de forma ainda mais sim- Terá, por isso, que o regular para modo
stops lhe proporciona é a capacidade de ca- pática, já não há desculpa para se deixar ficar manual, fazendo a focagem da lente antes de
pturar em fotografia a atmosfera envolvente na cama, à espera de manhãs solarengas… aplicar o filtro.
da cena. Um nascer ou um pôr-do-sol pálido E quanto à medição, esqueça fazê-lo com a
ganham cor e vida de uma forma que Antes de apertar câmara regulada para prioridade à abertura.
nenhum programa de edição seria capaz de o gatilho… A subexposição é garantida! Até porque, com
recriar. Já sabemos que neste momento está mais este modo, a exposição medida mais longa
O que é mais surpreendente é que os dias interessado em saber como conseguir foto- que poderá atingir serão os 30 segundos.
cinzentos ou mesmo de tempestade acabam grafias tão arrebatadoras como as que ilus- Coisa pouca, quando se pode passar a barrei-
por também se revelar os mais indicados tram este artigo. Mas há uma ou duas coisi- ra do quarto de hora.
para o uso dos filtros ND de 10 stops. As tas que precisa de saber antes de apontar e Assim sendo, mude para o modo de expo-
nuvens negras que se arrastam no campo disparar. sição manual e seleccione o modo Bulb nas
visual durante a longa exposição acabam por Em primeiro lugar, há que ter em conta velocidades de disparo. Isto permitir-lhe-á
ser captadas como uma pincelada no céu, o que não será capaz de visualizar a cena cor- abrir o obturador durante o tempo que preci-
que confere um importante efeito dramático rectamente, através de um filtro ND de 10 sar.
à imagem. stop. Como tal, terá de compor a fotografia Já agora, é conveniente usar um comando
O mesmo acontece com os cenários costei- antes de aplicar o filtro, até porque o view- à distância de forma a que possa ter o obtu-
ros: um pontão, uma rocha submersa, pare- finder apresentará uma imagem escurecida, rador aberto sem necessidade de manter o
des do cais, tudo cenários aparentemente a não ser que a sua câmara disponha do botão de disparo da máquina apertado com
chatos e pouco convidativos ao clique. Mas LiveView (ver caixa). a mão. Até porque ao fazê-lo o mais provável
que ao fim de uma exposição de 2 ou 3 minu- Também deve ter em conta que a densida- seria que a câmara tremesse.

Sem filtro ND - Exposição 1/15” Com filtro ND 10 stops - Exposição 90”


Live View
Usar um filtro ND de
10 f-stop pode tornar-
se numa tarefa mais
simples, dependendo
do Live View da sua
câmara. Uma maior
sensibilidade da
máquina – a 5D MK II neste campo é excelente
– permitir-lhe-á ver se a imagem está suficien-
temente clara para alinhar os filtros ND Grad.
O resultado é uma poupança de tempo e tra-
balho, uma vez que em grande parte dos casos
terá de remover o filtro ND, recompor a ima-
gem e recolocar os filtros, de cada vez que qui-
ser mudar a câmara de sítio.

Quem são e o que fazem


Feitas as apresentações, é a hora de conhecer os diferentes filtros ND e a forma como as diferentes densidades afectam a exposição:

Sem filtro 0.6 ND (2 stop) 0.9 ND (3 stop) 1.2 ND (4 stop) 1.8 ND (6 stop) 3.0 ND (10 stop)
1/500 segs 1/125 segs 1/60 segs 1/30 segs 1/8 segs 2 seg.
1/250 segs 1/60 segs 1/30 segs 1/15 segs 1/4 segs 4 seg.
1/125 segs 1/30 segs 1/15 segs 1/8 segs 1/2 segs 8 seg.
1/60 segs 1/15 segs 1/8 segs 1/4 segs 1 seg. 16 seg.
1/30 segs 1/8 segs 1/4 segs 1/2 segs 2 seg. 32 seg.
1/15 segs 1/4 segs 1/2 segs 1 seg. 4 seg. 64 seg.
1/8 segs 1/2 segs 1 seg. 2 seg. 8 seg. 2 mins.
1/4 segs 1 seg. 2 seg. 4 seg. 16 seg. 4 mins.
1/2 segs 2 seg. 4 seg. 8 seg. 32 seg. 8 mins.
1 seg. 4 seg. 8 seg. 16 seg. 64 seg. 16 mins.

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Calcular a exposição
Um dos maiores dramas no uso deste tipo de fil-
tros é a dificuldade em calcular a exposição cor-
recta. Mas tenha calma que nós estamos cá para
ajudar. Comece por fazer uma leitura sem ter
ainda instalado o filtro ND. Agora procure o valor
obtido na tabela que lhe apresentamos em baixo
e verifique qual o valor correspondente.
DICA: Diz-nos a experiência que se der meio a um
stop de exposição para além da que seria nor-
mal, não faz mal nenhum, antes pelo contrário.
Isto é, se com o filtro tiver uma exposição de 1
minuto, deixe o obturador aberto por 1 minuto e
30 segundos a dois minutos. E pronto, está feito.
Agora só tem de dobrar a sua zOOm – ou então
recortar a tabela, que a revista é sua e faz dela o
que entender – e guardá-la no seu kit de fotogra-
fia.
Canon 5D MK II . 70mm . f/13 . 135" . ISO 100
Exposição não filtrada Exposição com filtro ND 10 stops
1/500 seg 2 segundos
1/250 seg 4 segundos
Ah e não esqueça do tripé. Sem ele, não há virtudes, certifique-se que o modo NR está 1/125 seg 8 segundos
“magia ND” para ninguém! desligado. Até porque perderá menos tempo 1/60 seg 16 segundos
a resolver o problema do ruído no seu pro- 1/30 32 segundos
Na prática grama de edição. 1/15 seg
1/8 seg
1 minuto
2 minutos
Em regra, boa parte dos fotógrafos – prin- Uma das vantagens desta técnica é que os
1/4 seg 4 minutos
cipalmente os de paisagem – trabalha com ficheiros RAW raramente precisam de muito
1/2 seg 8 minutos
ISO 100 e trabalha com f/8 ou f/11 para obter trabalho no Photoshop para que a imagem 1 segundo 16 minutos
uma qualidade de imagem elevada, usando fique perfeita. É claro que poderá ter que lim- 2 segundos 32 minutos
como variável apenas a duração da exposi- par uns quantos pixéis e, se a luz estiver 3 segundos 48 minutos
ção. mesmo “flat”, terá que subir o contraste, mas 4 segundos 1 hora
No entanto, quando os níveis de luz fica-se por aí.
ambiente são consideravelmente baixos, Outra questão importante: deve comple- Para além desta tabela – doravante designada de
como acontece no anoitecer ou na aurora, mentar o seu filtro ND com um outro gra- “Bíblia sagrada” – tem ainda ao seu dispor umas
pode ser recomendável subir o ISO até os 200 diente, também conhecido como ND Grad. quantas soluções. Por exemplo, se gostar de
ou mesmo os 400, de forma a que a exposi- Isto para impedir que a parte mais clara do fazer contas é só pegar na calculadora e pôr os
ção com o filtro ND colocado não seja exces- cenário – normalmente o céu – não fique dedinhos a trabalhar: 1/30 x 1000 dá 33.333
siva. Cinco a seis minutos serão mais do que sobreexposta. Deverá aplicá-lo com a ajuda (segundos). Enfim, é só fazer a conta, como dizia
suficientes. de um porta filtros, que se acopla ao anel de um antigo primeiro-ministro.
Se não precisar de uma grande profundi- rosca. O problema é que não é exequível ver Há também os fotógrafos da velha guarda, que
dade de campo – por exemplo, ao fotografar através do filtro ND de 10 stop, pelo que se não alinham em contas nem em cábulas mágicas
desde um ponto elevado – poderá abrir a torna impossível alinhar os ND Grad a olho. e, por isso, defendem com unhas e dentes o cál-
lente até f/4 ou f/5.6. Uma das opções é aplicar o porta filtro à culo da exposição “a olho”! Que é como quem
O grande problema das longas exposições lente, antes de inserir o filtro ND, depois diz: câmara no tripé, cena toda bem composti-
é, no entanto, o ruído, nomeadamente aque- fazer deslizar o ND Grad, alinhá-lo, remover o nha, lente focada, filtro ND no sítio e máquina
les pixels que parecem brilhar como pirilam- porta filtro – mas com o filtro (ND Grad) já regulada para modo Bulb… e depois, enfim, uma
pos quando abrimos a fotografia no compu- posicionado – e colocar o filtro ND na lente. exposição de 2 minutos, com f-8 e ISO 100, verifi-
tador. A alternativa é fazer “às escuras”, que é ca-se a imagem no histograma e a seguir vai-se
Para evitá-lo, algumas câmaras vêm já como quem diz compor a fotografia, visuali- aumentando e reduzindo a exposição conforme
equipadas com o sistema NR (Noise zar através do viewfinder, calcular quanto da as necessidades. Claro que se for um apaixonado
Reduction), mas torna o processo mais lento, imagem é o céu (metade, um quarto, um pela tecnologia e tiver um iPhone à mão pode
uma vez que cria uma segunda exposição terço), acoplar o filtro ND, adaptar o suporte sempre usar o NDcalconiPhone, um aplicativo
com a mesma duração da primeira, efectua- em cima e em seguida fazer deslizar o ND gratuito que lhe permite calcular a exposição, em
da com o obturador fechado. Ou seja, após Grad no suporte, de modo a que o ND tape a função do filtro que estiver a usar. Até faz a con-
uma exposição de 5 minutos, terá de esperar parte de cima da lente. Caso não acerte à pri- tagem e dispara um alarme sonoro quando for a
outros 5 para que a imagem apareça no meira, poderá ir acertando à medida que a altura do disparo. Só não clica por si, mas tam-
monitor. imagem apareça no monitor LCD. n Z bém você não está lá só para ver as vistas, certo?
Assim, se a paciência não for uma das suas

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PASSO-A-PASSO
Fotografar com um Edite o seu
ND de 10 stops
E pronto, acabou-se a parte teórica da aula.
Vamos à prática que é para isso que aqui esta-
ficheiro Raw
mos! Como pode ver na amostra, não há comparação
possível entre a imagem final e aquela que trouxe no
cartão da sua câmara, acabadinho de fotografar.
Tudo começa num simples ficheiro RAW e acaba
com uma pequena obra de arte. Como? Vá, não
queira saber tudo de uma vez. Primeiro leia atenta-
mente o nosso guia passo-a-passo.
1 Abra o ficheiro RAW no Adobe Camera RAW, Lightroom, ou o programa
conversor RAW que vinha com a sua máquina e faça os acertos neces-
sários na exposição, claridade e vibração. Ajuste a temperatura da cor de
modo a ter em conta o ‘cast’ (ou tonalidade predominante que oferece à
foto) do filtro.

1 Comece por montar a câmara no tripé, compor a cena sem o fil-


tro ND, fazer uma leitura da exposição a f/8 ou f/11 e anotá-la. 2 Faça o ajuste nas curvas, de
forma a aumentar o contraste e o
impacto. Não existe propriamente um
padrão, pelo que terá de ser feito em
função de factores como o seu gosto
pessoal e o sujeito e da cena fotogra-
fada. Em regra os negros são escure-
cidos e as luzes iluminadas.
Basicamente é formar a letra "S"
com a linha disponível. Grave a ima-
gem como TIFF.

2 Mude a focagem de modo automático para manual e foque a


lente manualmente. Regule o disparo para o modo B (Bulb) e
instale um dispositivo de comando à distância. Coloque o porta fil-
tros e alinhe o ND Grad de modo a que a parte com a cor fique a
cobrir o céu.

3 Se o seu ND de 9 ou 10 stops for de rosca, remova o porta fil-


tros, tendo o cuidado de não deslocar o ND Grad. Enrosque o fil-
tro ND na lente e ajuste o porta filtros e o Grad, tentando não o
3 Abra a imagem no Photoshop em formato TIFF. Usando a ferramenta
de “Crop” faça a conversão para um quadrado. Poderá também man- 4 Converta a imagem, usando os comandos Image > Adjustments >
Black & White. Poderá ainda seleccionar a opção Red Filter, que irá
ter o quadrado, premindo a tecla “shift” enquanto arrasta o ponteiro do conferir um tom dramático que assenta que nem uma luva a este tipo de
mover, pois isso iria desfazer o alinhamento. No caso de se tratar rato. imagens.
de um filtro de encaixe, coloque-o só após o gradiente.

5 Seleccione o mar, ou curso de


água, com recurso à ferramenta
Polygonal Lasso, com 50 pixels.
Depois, os níveis (‘Levels’) são ajus-
tados de forma a clarear o mar e a
dar-lhe um aspecto mais “espumo-
so”.

4 Calcule a exposição necessária usando a tabela publicada atrás


ou recorrendo a outro método de cálculo. Com o comando à
distância deixe o obturador aberto durante o tempo necessário.

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IMAGEM FINAL
Aumente o tamanho do canvas, de modo a criar uma borda branca em torno da imagem. Fica assim prontinha para ser impressa em papel de
qualidade e devidamente emoldurada, como peça de arte fotográfica.

6
Seleccione o elemento estático usando a ferramenta Polygonal Lasso e faça o ajuste das curvas criando uma
leve curva em “S”. Desse modo, aumenta o contraste e faz sobressair o detalhe. 7
Só falta seleccionar o céu e fazer o ajuste das curvas, criando um céu mais escuro e dramático. Empurre a
curva RGB para a direita, escurecendo assim os tons médios.

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