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RENOVAR

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Escola BÁSICA E Secundária de Passos Manuel PROGRAMA DE MODERNIZAÇÃO DAS ESCOLAS SECUNDÁRIAS
RenOVaR
Escola básica e Secundária de Passos Manuel

R
Coordenação
Teresa Heitor
eestruturar o Parque Escolar pode
parecer, à partida, uma tarefa
Índice
árdua e difícil, complexa e financei-
Assistência à Coordenação Enquadramento Institucional | 04
ramente significativa. É tudo isso e
Catarina Frazão Texto da Srª Ministra da Educação
Beatriz Pité mais: um desafio gratificante, uma
Texto do Presidente da Parque Escolar, E.P.E.
renovação de espaços ocupados
Fotografia sistematicamente por professo-
Nuno Pires/ Luís Calixto
Reforma de Passos Manuel de 1836
res, funcionários e novos alunos, – O Plano dos Liceus Nacionais | 06
José Manuel
uma aproximação à comunidade. Alexandra Alegre
Arquivo da Parque Escolar

Design Na passagem de um projecto Edifício Centenário | 08


Albuquerque à concretização confrontámo-nos com muitos obstáculos, João Paulo Leonardo
é certo, mas na fase final é extraordinário perceber a adesão
© De esta edição: ME
© Da obra: ME
da comunidade escolar a quem se destina, registar as suas A caminho de duzentos anos
© Dos textos: ME memórias e entender que estamos a construir espaços de educação no Liceu Passos Manuel | 10
de futuro e com futuro. Mário Henriques Z. Cabeças
Maio 2011
A escola não é um local de passagem. É um refúgio, uma cáp- Modernização do Liceu Passos Manuel | 14
ISBN Victor Mestre e Sofia Aleixo
sula protectora onde se projectam sonhos e ideias, onde cres-
978-989-96106-5-1
cemos e aprendemos a conviver. É aqui que podemos adquirir
Depósito Legal conhecimento e ferramentas para construir o futuro. A escola Intervenção Estrutural | 18
é um lugar fundador de princípios e valores. Deverá ser enten- João Appleton
dido nessa dimensão humana para que possamos valorizar
Tiragem de forma real e eficaz as escolas que temos. Intervenção no Espaço Exterior | 20
500 Luís Cabral
Importa agora preservar o trabalho feito. A renovação do Par-
Liceu Passos Manuel: a perspectiva
que Escolar obedeceu a critérios de qualidade e de inovação,
da economia patrimonial | 25
espelhando preocupações ambientais e de gestão de relações
humanas. A renovação dos equipamentos escolares, este pro- José Maria Lobo de Carvalho
jecto que se concretizou e no qual se apostou o máximo
de esforços, não se limitou a ser uma operação à superfície.
Testemunhos | 44

A renovação foi profunda, indo ao encontro das necessidades


reais de cada população escolar, aceitando diferenças, com-
preendendo tradições e a história de cada estabelecimento
de ensino. Ao mesmo tempo, imprimiu-se um espírito de mo-
dernidade, abrindo os espaços, seleccionando materiais
e criando soluções potencialmente eficazes para cada projecto
curricular. Um dos motes desta modernização do Parque Esco-
lar implicou a aceitação de que as escolas não são todas iguais,
os generalismos, ideias feitas e preconceitos,
foram recusados.

Cada escola foi entendida como uma velha casa que precisava
de carinho, de uma nova face, melhor e funcional, aberta
à comunidade e às pessoas. Cada escola vale por si. Ontem,
hoje e amanhã.

Teresa Heitor,
Vogal do Conselho de Administração da Parque Escolar, E.P.E.
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Programa de
modernização

N
os últimos anos, Portugal realizou um profundo investimento
na modernização dos seus edifícios escolares, nomeadamente
na requalificação das escolas secundárias, graças ao Programa de
Modernização do Parque Escolar, lançado em Março de 2007 pelo
Ministério da Educação, e executado pela Parque Escolar E.P.E.
Isabel Alçada
Ministra da Educação

Hoje, de norte a sul do país, a qualidade das · A utilização intensiva e permanente de re- nheiros, paisagistas e outros técnicos, com
escolas já requalificadas testemunha o valor cursos de informação, em vários suportes, directores, docentes e outros parceiros da
que a nossa sociedade atribui à educação. nas salas de aula, nas bibliotecas escolares, educação. As construções resultaram sóbrias,
Para trás ficou o tempo de intervenções nos espaços de trabalho, mediante a dispo- funcionalmente adequadas às exigências da
avulso, lançadas para acorrer a emergências nibilização de equipamentos tecnológicos e aprendizagem, atentas às questões energéti-
pontuais, um tempo em que edifícios de gran- de internet em área aberta; cas, bem integradas no espaço urbano e ofe-
de valor histórico e patrimonial se mantinham recendo garantias de sustentabilidade.
desactualizados, degradados, sem esperança · A disponibilização de pavilhões e auditórios Quero felicitar o presidente da Parque Escolar
de recuperação. para actividades culturais e desportivas, E.P.E., Eng. João Sintra Nunes, bem como toda
de refeitórios, de espaços para trabalho e a sua equipa, pelo empenhamento no projec-
O Programa de Modernização do Parque Esco- para convívio de alunos e de docentes e não to, pela competência técnica demonstrada e
lar decorreu de uma estratégia para o desen- docentes. pela obra notável que conseguiu realizar.
volvimento do ensino secundário, que elencou Ao legar às novas gerações um assinalável
como prioridades: A requalificação dos edifícios escolares foi conjunto de edifícios requalificados o nosso
objecto de avaliação externa pelo Centre for país está a preparar o futuro e a assegurar que
· A universalização de um ensino de qualida- Effective Learning Environments (CELE) da a educação se continua a reger pelos valores
de, através do alargamento da escolari- OCDE, em Dezembro de 2009. Esta avaliação de equidade, da exigência e do rigor.
dade obrigatória para 12 anos e da oferta salientou a adequação do modelo aos fins
de cursos profissionais diversificados, na propostos, a eficiência dos procedimentos
escola pública, a par dos cursos científico- adoptados e o elevado padrão de qualidade
humanísticos; que marcou as intervenções realizadas.
Além de beneficiar anualmente centenas
· A criação de ambientes estimulantes do en- de milhares de alunos, o programa de reabi-
sino e da aprendizagem, assegurando uma litação do parque escolar funcionou como
efectiva igualdade de oportunidades; estímulo da economia, pois representa um
investimento total de 2,5 mil milhões de euros
· A transformação das escolas em organiza- e envolve milhares de empresas, contribuindo
ções eficientes, com capacidade de se ajus- para a criação de dezenas de milhares de pos-
tarem às exigências de qualificação numa tos de trabalho.
economia global baseada no conhecimento; Graças ao investimento na escola pública e ao
Programa de Modernização do Parque Esco-
· A abertura da escola à comunidade, ofere- lar, desenvolveu-se no nosso país uma arqui-
cendo à população adulta novas oportuni- tectura escolar contemporânea que, em par-
dades de formação e qualificação; ceria com a engenharia e com a construção,
teve a oportunidade de ganhar experiência e
· O recurso a pedagogias contemporâneas de se afirmar.
nos currículos e nas práticas escolares, As escolas que acolhem os alunos do século
tais como a experimentação laboratorial no XXI valorizam o património histórico e reflec-
ensino das Ciências ou a prática oficinal nos tem os valores da modernidade.
diferentes cursos profissionais; Os projectos foram concebidos no quadro de
um frutuoso diálogo entre arquitectos, enge-
Escola básica e Secundária de Passos Manuel | 5

e
m Março de 2007 arrancámos para este
ambicioso desafio de requalificar e modernizar
330 escolas até ao ano de 2015, cumprindo
o Programa de Modernização do Parque Escolar
destinado ao Ensino Secundário, aprovado pela
Resolução de Conselho de Ministros nº 1/2007.
João Sintra Nunes
Presidente da Parque Escolar

No passado recente as construções escolares fundamental garantir a plena utilização das


procuraram responder ao desafio da massi- instalações e, por fim, dar uma resposta eficaz
ficação do ensino, canalizando todo o esforço às necessidades de intervenção pontual de re-
financeiro para a construção de novos edifícios paração ou às intervenções programadas de
e para o alargamento da rede a todo o territó- conservação e manutenção.
rio nacional (78% do parque escolar construído
nos últimos 40 anos). A concretização do Programa
O Programa de Modernização do Parque Es- de Modernização
colar destinado ao Ensino Secundário procura
responder ao desafio da qualificação dos edifí- A prioridade das intervenções é definida em
cios escolares. conjunto com o Ministério da Educação, em es-
treita articulação com as Direcções Regionais
Requalificar e modernizar os edifícios de Educação, atendendo o grau de degradação
dos edifícios; a carência de instalações em fun-
Pretendemos potenciar as condições para a ção do número de alunos previstos; a gestão
concretização de uma cultura de aprendiza- optimizada dos financiamentos comunitários
gem alargada, facilitando a divulgação do co- disponíveis e ainda a adaptação ao modelo de
nhecimento e aquisição de competências, as- contratação, garantindo escala por região.
sente em seis vectores de intervenção: Sobre a metodologia de abordagem das inter-
Corrigir os problemas construtivos existentes; venções, importa sublinhar que após a selec-
Melhorar as condições de habitabilidade, com ção das escolas a intervencionar, se inicia um
particular ênfase na acústica, higrotérmica, percurso conjunto, envolvendo cada escola, a
qualidade do ar, segurança e acessibilidade; Parque Escolar e os projectistas. Este proces-
Adequar os espaços e modernizar os equipa- so implica a definição do programa da interven-
mentos dos laboratórios e oficinas, bibliotecas ção, pelo acompanhamento das diversas fases
e centros de recursos, redes e salas de tecnolo- de projecto e pela fixação do faseamento cons-
gias de informação e comunicação, secretarias trutivo da obra. A participação de cada escola
e zonas de recepção ao público em geral; é uma marca do Programa, uma nova forma de
Garantir espaços de trabalho e de pausa para o trabalhar na Administração Pública, em que os
corpo docente, bem como adequados espaços utentes são participantes activos, desde a de-
para convívio e trabalho informal de alunos; finição do programa de intervenção até à con-
Garantir flexibilidade e adaptabilidade dos es- clusão da obra.
paços à diversidade curricular e à evolução das Em Junho/Julho de 2007 iniciaram-se quatro
práticas pedagógicas, de modo a maximizar a intervenções piloto, abrangendo seis institui-
utilização e a minimizar investimentos no fu- ções de ensino. O objectivo era o de aprofundar,
turo; consolidar e aferir conceitos programáticos de
Garantir a eficiência e auto-suficiência energé- intervenção, práticas construtivas e orçamen-
tica dos edifícios escolares, face ao aumento tos de intervenção.
significativo dos consumos previstos resultan- Até 2014 serão requalificadas instalações cor-
tes do reequipamento dos edifícios escolares. respondentes a 330 escolas com ensino secun-
dário, abrangendo uma população estudantil
Abrir a escola à comunidade de cerca de 400.000 alunos. Trata-se de um in-
e um sistema de gestão vestimento sem paralelo nas construções es-
colares, correspondente à intervenção em 4,2
Temos como objectivo também o recentrar a milhões de m2, dos quais cerca de 70% são de
escola nos meios urbanos em que se inserem, requalificação integral.
criando condições espaço-funcionais e de se- O Programa de Modernização do Parque Esco-
gurança, para que nos horários pós ou extra lar Destinado ao Ensino Secundário constitui
escolares, os edifícios possam ser utilizados uma das maiores operações de requalificação
pela comunidade no âmbito das actividades as- global e integrada de edifícios escolares na
sociadas à formação pós-laboral, aos eventos Europa. É um desafio para a Administração
culturais e sociais, ao desporto e ao lazer. Pública, para Arquitectos e Engenheiros, para
Para garantir a sustentabilidade do programa o sector de serviços de fiscalização e gestão
ao longo do tempo é fundamental a concepção de segurança e para a indústria da construção
e adaptação de um modelo de gestão que ga- civil e obras públicas. Esperamos que todos os
ranta, após a operação de requalificação, o fo- parceiros desta operação estejam à altura do
mento da correcta utilização das instalações e desafio para que juntos possamos construir
dos equipamentos, formando, acompanhando escolas de futuro .
e responsabilizando os utilizadores; é, ainda,
6 | RenOVaR

Reforma de
Passos Manuel
de 1836 – O Plano
dos Liceus Nacionais
Alexandra Alegre

Com a publicação da Reforma de Jaime Moniz


em 1894-95 e da Reforma de Eduardo Coelho
em 1905, o ensino liceal experimenta
um forte impulso de modernização.

O ano de 1836 constitui um marco particu- evidente no conjunto de espaços propostos a nível nacional, o modelo proposto. Durante
larmente relevante para o ensino em Portu- no seu programa: Biblioteca, Laboratório Quí- este período os liceus eram frequentados por
gal, salientando-se, do conjunto de reformas mico, Gabinete com três divisões para Física um número muito reduzido de estudantes,
publicadas por Passos Manuel, o decreto da e Mecânica, Zoologia e Mineralogia, e como optando os restantes alunos por estudar em
reforma da Instrução Secundária que apro- anexo, um jardim experimental destinado às casa ou no ensino privado, frequentando os
va o Plano dos Liceus Nacionais, em 17 de No- aplicações de Botânica. No mesmo diploma é liceus públicos apenas para a realização de
vembro, que irá substituir as aulas dispersas ainda estabelecido o custo da frequência do exames e obtenção dos seus diplomas.
pelo país, criadas pela reforma pombalina liceu, as habilitações e ordenado dos profes- Com a publicação da Reforma de Jaime Moniz
em 1759. Passos Manuel dá um claro sentido sores, e as formas de avaliação, inspecção e em 1894-95 e da Reforma de Eduardo Coelho
ideológico às suas propostas ao instituir a gestão do ensino. em 1905, o ensino liceal experimenta um for-
denominação de Liceu, inspirada no modelo Na realidade, a reforma de Passos Manuel te impulso de modernização. Põe-se termo à
republicano francês de lycée, garantindo uma nunca viria a ser verdadeiramente executada. instabilidade vivida até então, propondo a sua
ligação simbólica aos ideais republicanos, que Assente num regime de ensino por disciplinas articulação e a organização a nível nacional,
orientam o novo conceito de ensino público e e sem um plano que as articule, deixa nume- assente na adopção do regime simultâneo de
obrigatório. rosos pontos por esclarecer, nomeadamen- ensino por classes, e atribuindo-se uma maior
A prioridade atribuída à reforma do ensino se- te, o número de anos de frequência do curso importância às disciplinas de carácter cien-
cundário é expressa no preâmbulo do decreto liceal, as matérias a leccionar em cada ano e tífico e ao ensino activo e experimental, bem
e justifica-se pela utilidade que se pretendia a sua carga horária. O problema das instala- como às questões higienistas e de saúde es-
atribuir ao ensino nos liceus. Esta reforma ções liceais dificultou também a sua imple- colar, responsáveis pela promoção de novas
procura, por um lado, o desenvolvimento de mentação: por um lado, o Estado não possuía práticas higiénicas e pela obrigatoriedade da
uma sociedade industrial, assente na instru- meios financeiros para a construção de no- prática de exercício físico .
ção técnica, científica e artística de “grandes vos edifícios para acolher a população liceal
massas de Cidadãos, que não aspiram aos es- e, por outro, as condições arquitectónicas e Fonte:
tudos superiores”, assegurando que o objecti- pedagógicas das instalações existentes não BARROSO, João; Os Liceus. Organização pedagógica e
vo do ensino secundário não se centre apenas cumpriam as exigências da reforma de 1836, administrativa (1836-1960), Volume I, Colecção Textos
no acesso aos estudos superiores. Por outro que estabelecia a instalação de dois liceus em Universitários de Ciências Sociais e Humana FCG-
lado, responde à necessidade de um ensino Lisboa e um liceu em cada capital de distrito. JNICT, Novembro 1995.

laico, exigido pela extinção das ordens religio- Na prática, os liceus ocuparam construções CARVALHO, Rómulo de; História do Ensino em Portu-
sas em 1834, que dominaram anteriormente o já existentes, sobretudo edifícios de seminá- gal, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 1986.
ensino em Portugal. rios, conventos extintos, antigos colégios dos VALENTE, Vasco Pulido; O Estado Liberal e o ensino. Os
A planificação curricular da reforma de Pas- Jesuítas, hospitais abandonados, casas parti- Liceus portuguesas (1834-1930), Gabinete de Investi-
sos Manuel engloba disciplinas das áreas hu- culares, armazéns, igrejas, etc. gações Sociais, Lisboa 1973.
manísticas e integra novos programas das O período que se segue à criação dos liceus
áreas científicas, procurando atribuir um sen- e que decorre até 1894/95, caracteriza-se
tido prático e moderno ao ensino e preconi- pela instabilidade e indefinição na organiza-
zando um método de aprendizagem indutivo ção desta instituição, demonstrando uma
e experimental. Este facto é particularmente incapacidade por parte do Estado em aplicar,
NÚMERO DE ALUNOS

0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
35000
40000
45000
50000
55000
60000
65000
70000
75000
80000
85000
90000
95000
100000
105000
110000
115000
120000
125000
1848-49

1850-51
1852-53

Feminino
Masculino
1854-55

1856-57

Total de alunos
1858-59

1860-61
1862-63

1864-65

ANOS LECTIVOS
1866-67

1868-69
1870-71

1872-73

1874-75
1876-77

1878-79
1880-81

1882-83
1884-85

1886-87
1888-89
1890-91

1892-93
1894-95

1896-97
1898-99

1900-01
1902-03
1904-05

1906-07
1908-09

1910-11
1912-13
1914-15

1916-17
1918-19

1920-21
1922-23

1924-25
1926-27

1928-29
1930-31
1932-33

1934-35
1936-37

1838-39

1940-41
1942-43
1944-45
1946-47

1948-49
1950-51
1952-53
1954-55

1956-57
1958-59
1960-61
1962-63

Porto, Edições ASA, Outubro 2003, pp. 28-29.


“Liceus de Portugal” Histórias, Arquivos, Memórias”,
Dados retirados de: António Nóvoa e Ana Teresa Santa-Clara (coordenação);
1964-65
1966-67
1968-69
1970-71

1972-73
Escola básica e Secundária de Passos Manuel | 7
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um
Edifício
centenário
João Paulo Leonardo
Director da Escola

“Propomos pensar na renovação, remodelação


e modernização dos espaços escolares,
adaptando-os aos desafios do séc. XXI”.

A origem da actual Escola Básica e Secundá- tectónica e tecnológica no edifício centenário


ria de Passos Manuel remonta à fundação dos e emblemático (classificado pelo IGESPAR),
liceus em Portugal, no século XIX, pelo então situado no Largo de Jesus, no coração de Lis-
ministro do Reino, Manuel da Silva Passos. boa.
Depositária de um legado relevante, esta es- Volvidos quatro anos sobre esse incitamento,
cola é uma instituição de referência na His- podemos hoje presenciar uma reabilitação
tória da Educação em Portugal. Assumindo- capaz de fazer permanecer quase intacta a
se como estabelecimento de referência na memória histórica e de enobrecer a herança
prossecução das finalidades educativas que cultural de uma escola que continua a desejar
a natural evolução dos tempos e transforma- projectar-se no futuro.
ções sociais iam exigindo, esta escola cumpriu Actualmente sede do Agrupamento de Esco-
sempre com ânimo e responsabilidade a no- las Baixa-Chiado, instituição que integra mais
bre função de instruir, educar, formar e orien- de 1700 crianças e jovens dos 3 aos 20 anos
tar os milhares de crianças, jovens e adultos de idade, provenientes de uma diversidade ét-
que por ela passaram, tendo participado e nica e cultural sem precedentes em Portugal
contribuído para a formação de muitas perso- (mais de trinta nacionalidades), este magní-
nalidades proeminentes das últimas mais de fico edifício volta agora a reflectir a imagem
dezassete décadas da história, da cultura e da de uma escola pronta para assumir com brio a
ciência portuguesas. sua contemporaneidade. Repto que passa por
No ano em que se comemora o centenário da conceber a escola actual como um espaço de
primeira aula no actual edifício e os 175 anos encontro e transmissão cultural, de cogitação
da criação dos liceus em Portugal, é de realçar e de debate, em suma, como um instrumento
a capacidade de sobrevivência deste Lyceu simultaneamente activo e dinamizador, tanto
Central de Lisboa (1836) o qual, tendo deam- do desenvolvimento individual, como do de-
bulado por diversos espaços na cidade de Lis- senvolvimento comunitário e social no qual as
boa veio a estabelecer-se nas actuais instala- Famílias se revejam e queiram participar e no
ções, na freguesia das Mercês, em 1911. qual os nossos Alunos desenvolvem com or-
“Propomos pensar na renovação, remode- gulho um forte sentimento de pertença .
lação e modernização dos espaços escola-
res, adaptando-os aos desafios do séc. XXI”.
Foi com estas palavras que, em Fevereiro de
2007, a Parque Escolar incitou toda a comuni-
dade escolar - professores, alunos, técnicos,
funcionários e outros utentes - a participar no
projecto de uma profunda intervenção arqui-
10 | R e n O V a R

A caminho de
duzentos anos
de educação
no Liceu Passos Manuel
Mário Henriques Z. Cabeças
Antigo Professor da Escola Secundária de Passos de Manuel
Escola básica e Secundária de Passos Manuel | 11

O Decreto-Lei de 17 de Novembro de 1836 (o acto fundador dos


liceus portugueses), emanado do então Ministro do Reino Manuel
da Silva Passos, determinava para a cidade de Lisboa a criação
de dois liceus, sendo um deles “substituído pelo Colégio dos Nobres
reformado, se ficar colocado em Lisboa” e o outro instalado
junto da Academia das Ciências, da qual formaria uma secção,
participando “dos mesmos Estabelecimentos”, e tendo
”em comum com a mesma Academia a primeira cadeira desta”.

A capital viria, porém, a contar apenas com um se 70 anos de exclusividade de ensino liceal
liceu – o Liceu Nacional de Lisboa – para o que na capital, terminou o ‘monopólio’ do liceu de
contribuiu, entre outros factores, a extinção Lisboa - ou Liceu do Carmo, como passou a ser
do Colégio dos Nobres (Janeiro de 1837) e a vulgarmente conhecido a partir de 1893, data
transferência dos seus bens para a Escola Po- em que foi ocupar o Palácio Valadares, no Lar-
litécnica. go do Carmo -, com a fundação daqueles que
Pela Reforma de Luciano de Castro, de 1880, o viriam a ser os Liceus Camões (1902) e Pedro
liceu de Lisboa ascendeu à categoria de Liceu Nunes (1905). Por Despacho de 17 de Julho de
Nacional Central, por nele serem ministrados 1908, o primeiro liceu de Lisboa foi autorizado
os cursos geral e complementar, este último a ostentar o nome “Liceu Passos Manuel”, em
com bifurcação na área das Letras ou Huma- homenagem ao ministro que instituiu os liceus
nidades e na área das Ciências. Ao fim de qua- no nosso país. Ao longo do século XX, foram
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O Liceu Passos Manuel foi


na realidade um dos primeiros
liceus a funcionar de facto
e o único da capital até
às primícias do século XX

criadas várias secções do Passos Manuel: em Pedroso, Borges Grainha, Manuel de Arriaga
1914, a secção de S. Vicente (depois Liceu Gil (depois primeiro Presidente da República),
Vicente); no início da década de 30, a secção etc. Dos seus alunos, muitos deles viriam a ser
masculina do Carmo; nos anos 60 e princípios figuras notáveis da sociedade portuguesa nos
de 70, as secções de Sintra, Queluz, Amadora mais diversos domínios, como na Literatura
(actuais escolas secundárias dessas localida- (Cesário Verde, Mário de Sá-Carneiro…), nas
des) e a Escola Preparatória D. Fernando II, em Artes Plásticas (Rafael e Columbano Bordalo
Sintra. No pós-25 de Abril, entraria num novo Pinheiro, Roque Gameiro, Mário Eloy…), na Mú-
ciclo da sua vida, desde logo com a própria mu- sica (Alfredo Keil, Viana da Mota, Lopes Gra-
dança de designação para Escola Secundária ça…), no Teatro (Felisberto Robles Monteiro,
Passos Manuel, nome que ainda hoje conserva. João Vilaret…), na Medicina (José Curry Cabral,
À semelhança dos restantes liceus portugue- Miguel Bombarda, Adelaide Cabette…), etc…
ses, o Liceu Nacional de Lisboa conheceu vi- O Liceu Passos Manuel foi na realidade um
cissitudes várias na sua organização e instala- dos primeiros liceus a funcionar de facto e o
ção, bastantes delas motivadas pelo desfasa- único da capital até às primícias do século XX,
mento entre as intenções legislativas e a reali- circunstância esta que mereceu a crítica do
dade do país, devendo juntar-se a ausência de reitor Silva Amado, no discurso de abertura
reformas educativas coerentes e adequadas à solene das aulas, em 1883: “Não conheço ne-
situação. Estabelecido inicialmente no extinto nhuma outra cidade da Europa, em condições
cenóbio de S. João Nepomuceno, deambulou, análogas, que não possua mais de um liceu.”2
de forma precária e provisória, ao longo de Não obstante, se ser único na capital até ao li-
todo o século XIX, por diversas zonas da cida- miar de Novecentos não era propriamente um
de (Largo do Poço Novo, Rua de S. José, edifí- situação de que a cidade e o país se orgulhas-
cio dos Paulistas, Rua Portas de Santo Antão, sem, os quase 70 anos de ‘solidão’ não deixa-
Largo do Intendente, Largo do Carmo) até que ram, todavia, de lhe criar o orgulho próprio de
em 1911 ocuparia o edifício construído para o um pioneiro.
efeito, no Largo do Convento de Jesus, tendo Contas feitas, já lá vão quase 174 anos de edu-
sido leccionada, na novel edificação, a primei- cação no Passos Manuel, a caminho, portanto,
ra aula a 9 de Janeiro desse ano. Todavia, ainda dos 200 anos. Do presente e do futuro, espe-
mal tinha sido inaugurada e já a nova casa se ra-se que o riquíssimo património histórico
mostrava insuficiente para uma população es- integrado que o Liceu nos foi legando ao longo
colar de 1158 alunos, sendo por esta altura o da sua existência seja efectivamente preser-
maior liceu do país em número de alunos. vado e usufruído - porque “Pátria de palavras
O Liceu Passos Manuel deteve um papel indis- apenas tem a superfície” (Ruy Belo) .
cutível no contexto da educação em Portugal.
Conforme escreveu o seu reitor Guerreiro
Murta, em 1953, na monografia Evocação His- Sobre as fontes e bibliografia relacionadas com
tórica do Primeiro Liceu de Lisboa e do País, o o Liceu Passos Manuel, consultar Mário Cabeças,
“Liceu Passos Manuel, em Lisboa”, in António Nóvoa e
Liceu Passos Manuel teve “maior número de
Ana Teresa Santa-Clara (coord.), “Liceus de Portugal”,
cadeiras do que qualquer outro”, “dele irra-
Histórias, Arquivos, Memórias, Porto, Edições Asa,
diaram noções, normas para muitos outros”1. 2003, pp. 507-533.
De facto, por ele passaram como professo-
res personalidades proeminentes da socie- 1: José Guerreiro Murta, Evocação Histórica do Primeiro
dade portuguesa, participando nos debates Liceu de Lisboa e do País (Discursos e Anotações),
sobre o ensino, influenciando as reformas da Lisboa, Centro Gráfico de Famalicão, 1953, p. 10.

instrução secundária, quer enquanto agen-


2: J. J. da Silva Amado, Discurso da Abertura Solemne
tes da educação, quer enquanto figuras que
das Aulas, Lisboa, Imprensa Nacional, 1895, p. 12
se moviam nos principais círculos culturais
e políticos do país. Como liceu da capital era
aquele que estava mais próximo do poder po-
lítico, sendo, em certa medida, o dispositivo
que permitia avaliar a eficácia das diferentes
reformas educativas. Entre docentes da ins-
tituição contam-se figuras como Henrique Mi-
dósi, Augusto Soromenho, Cândido Figueire-
do, Ferreira Deusdado, Leite de Vasconcelos,
David Leite, Agostinho de Campos, Consiglieri
14 | R e n O V a R

modernização
do Liceu PASSOS MANUEL
Victor Mestre e Sofia Aleixo
Arquitectos

A metodologia de intervenção no Liceu baseou-se


no respeito absoluto do conjunto arquitectónico,
reabilitando e refuncionalizando o sistema estrutural
com recurso a acções pontuais

O
Ficha de projecto e de obra Liceu Passos Manuel in- vado pé-direito, resultado do ainda presente
corpora uma restrita lis- conceito higienista do século XIX que viria a
Projecto de Arquitectura
Victor Mestre | Sofia Aleixo Arquitectos ta de edifícios escolares revolucionar os edifícios públicos, com es-
classificados do século pecial relevância para os hospitais e institui-
Projecto de Estabilidade
A2P Consult - Engº João Appleton XX, em parte pelo reco- ções de ensino.
nhecimento da sua arqui- Este edifício modelo permanecerá intacto até
Projecto de Instalações Hidráulicas
Termifrio: Engº Serafin Graña
tectura mas também por aos nossos dias ainda que apresente alguns
se lhe reconhecer um especial apreço por sinais de degradação em virtude do intenso
Projecto de Instalações de Gás ter sido o primeiro Liceu português planea- uso ao longo de praticamente um século. Con-
Termifrio: Engº Serafin Graña
do de raíz a partir dos conceitos inovadores tudo, destacam-se os assentamentos dife-
Projecto de Instalações Eléctricas defendidos e proclamados pelo fundador do renciais verificados na ala Sul, resultando em
e de Telecomunicações
Engº Luís Alegra ensino moderno em Portugal, o advogado Dr. visíveis fissuras em padieiras de vãos, onde a
Manuel da Silva Passos (1801-1862), conheci- execução de sondagens informou o tipo de re-
Projecto de Sistemas de Segurança
Multitec, Consultores Técnicos Associados, Lda.
do por Passos Manuel. paração/reabilitação implementado.
O local escolhido não poderia ser mais sim- O valor patrimonial atribuído pela classifi-
Verificação do RSECE / Certificação Energética bólico, por se encontrar implantado entre o cação e sobretudo a estima pública que lhe
NaturalWorks, projectos
de Engenharia Unipessoal, Lda. Convento de Jesus, um bastião do ensino lec- é conferida pela comunidade em geral e em
cionado pelos jesuítas e o Convento dos Pau- particular por ex-alunos, ex-professores e ex-
Projecto de Condicionamento Acústico
Acústica e Ambiente, Lda: listas que integra um edifício de grande eru- funcionários, eleva este edifício a um estatu-
Engº Pedro Martins da Silva dição destinado a Biblioteca. Ao lado do Con- to de excepção em que património material e
Projecto de Resíduos Sólidos
vento de Jesus, e ocupando parte deste, está imaterial são um único.
Ecoserviços: Engº José Santiago sediada a Academia das Ciências e, a comple- A intervenção que se efectuou no Liceu
tar este triângulo de instituições relevantes, Passos Manuel assentou em três vectores
Arquitectura Paisagista
Arpas, Arqtos Paisagistas Associados, Lda. encontra-se o Museu Geológico. fundamentais respectivamente, a reinfra-
Arquitecto Luís Cabral A visita do Rei D. Carlos à obra, ainda em fun- estruturação do(s) edifício(s) e espaços ex-
Gestão e Fiscalização dações, é reveladora da importância deste teriores, a introdução de novas valências e
Gesbau, Cenor empreendimento que se pretendia exemplar respectiva adaptabilidade ao edificado, no-
Empreiteiro Geral
na reorganização e modernização do ensino meadamente com a implantação de um novo
HCI Construções, S.A. em Portugal. Viria a ser o modelo que se pre- polidesportivo, e a valorização patrimonial
tendia implementar em todo o país. O atraso da identidade arquitectónica.
das obras e o regicídio com a consequente A metodologia de intervenção no Liceu ba-
implantação da república terá condiciona- seou-se no respeito absoluto do conjunto ar-
do o andamento das obras acabando por se quitectónico, reabilitando e refuncionalizan-
verificar um faseamento ao longo de alguns do o sistema estrutural com recurso a acções
anos, sendo inaugurado apenas em 9 de Ja- pontuais, tendo-se evitado a remoção e subs-
neiro de 1911. tituição de materiais e tecnologias, reparan-
O último projecto da responsabilidade de do-as e reforçando alguns dos elementos da-
Rosendo Carvalheira resultará de uma sim- nificados. O recalçamento de fundação a Sul
plificação do método construtivo e por con- foi efectuado o que permitiu a implantação do
sequência num “aligeiramento” da estrutu- novo refeitório escolar a uma cota inferior ao
ra, recorrendo a tecnologias recentemente actual piso -1. Esta escavação permitiu tirar
utilizadas, o que veio a conferir ao conjunto partido desta consolidação estrutural e inte-
arquitectónico uma nova modernidade. O grar arquitectonicamente uma das funções
Liceu apresenta-se com uma escala que o de maior dimensão no contexto desta obra. A
torna quase monumental, em virtude do ele- sala de refeições foi projectada no quadrante
Sul, abrindo-se para um pátio em elipse ajar-
dinado, onde uma escada rampeada pontua a
vista enquadrada do exterior, tornando-se o
elemento organizador deste novo espaço de
encontro e de lazer.
A implantação de um piso intermédio na ala
Sul para instalação de Departamentos Cur-
riculares, bem como a reorganização interna
do edifício dos laboratórios, com a introdução
de novos pisos, constituem as intervenções
de fundo no edifício existente. De salientar
que a manutenção dos Laboratórios Históri-
cos implicou o seu cuidadoso desmonte e res-
tauro tendo sido cautelosamente reposicio-
nado após as intervenções estruturais.
As obras de conservação e restauro prevale-
ceram na maioria do edifício. A re-infraestru-
turação das redes a par da introdução de ele-
mentos de correcção térmica e acústica bem
como máquinas de climatização instaladas
no desvão das coberturas complementaram
esta reabilitação física ao nível do conforto,
com especial acuidade na qualidade do ar, da
segurança e da acessibilidade.
As actividades desportivas do Liceu concen-
tram-se agora num novo Polidesportivo, par-
cialmente construído abaixo da cota do terre-
no, permitindo a implantação de dois ginásios
interiores, salas de aulas e balneários, e ainda
a instalação de campo de jogos exterior na co-
bertura, minimizando o impacto volumétrico
deste equipamento.
Potenciou-se uma melhor utilização dos es-
paços exteriores, onde se encontram ago-
ra espaços de lazer, de desporto informal,
bem como os pavilhões do Clube de Alunos
e dos Antigos Alunos, de modo a estimular a
vivência deste local com actividades do seu
interesse. Igualmente o restauro da Casa do
Reitor, bem como dos pequenos edifícios da
Portaria e Casa do Guarda, mantiveram os
seus elementos identitários.
A nossa proposta procurou assim instalar um
conceito de integração máxima no território,
de modo a salvaguardar a identidade arqui-
tectónica do Liceu Passos Manuel que assim
continuará a destacar-se do seu contexto pai-
sagístico e urbano .
18 | R e n O V a R

modernização
do Liceu PASSOS MANUEL

intervenção
estrutural
João Appleton
Engenheiro (A2P Consult)

A intervenção estrutural no âmbito do projec- Como aspecto da maior relevância deve salien-
to de modernização do antigo Liceu Passos tar-se a constatação das excelentes caracte-
Manuel foi desenvolvida em duas vertentes rísticas estruturais do velho edifício, em boa
distintas: por um lado, houve a necessidade de medida determinadas pela distribuição homo-
realizar um conjunto relevante de alterações génea de grossas paredes de boa alvenaria;
no edifício do Liceu, incluindo medidas de re- tais características, inerentes ao próprio de-
paração e de reforço para fazer face a deficiên- senho da Escola, com os seus pátios fechados,
cias e debilidades estruturais, nomeadamente permitiram reduzir ao mínimo as necessidades
relacionadas com problemas de fundações do de reforço estrutural para garantir a seguran-
corpo de ligação do edifício principal ao bloco ça sísmica deste edifício.
dos laboratórios; por outro lado, o projecto de Anote-se, finalmente, como uma curiosidade
modernização contemplou a construção e no- que não é de somenos importância, que o pro-
vas edificações destinadas a espaços dedica- jecto original do Liceu Passos Manuel foi ino-
dos a serviços de apoio como o refeitório e co- vador no que se refere ao uso do betão armado,
zinha, o auditório e o polidesportivo, os quais utilizado em paredes interiores, com soluções
colocaram interessantes desafios estruturais muito interessantes, conhecidas da bibliogra-
associados às características específicas des- fia internacional mas raramente encontradas
tas zonas e aos problemas colocados pela exis- em Portugal .
tência de um colector de grande dimensão com
traçado que interferia com toda a área enter-
rada dos novos edifícios escolares.
20 | R e n O V a R

Intervenção
no espaço
exterior
Luís Cabral
Arquitecto Paisagista (Arpas)
Escola básica e Secundária de Passos Manuel | 21

1. Introdução aos jovens destas idades, necessitados de gas- Enquanto área patrimonial, procurou-se uma
tar energias nos intervalos das aulas. intervenção discreta, de realce dos elementos
O projecto dos espaços exteriores do Liceu Neste jardim era dominante a presença de ár- de qualidade presentes, recuperados segun-
Passos Manuel, incidiu numa área com cerca vores diversas, algumas de grande porte, onde do tecnologia apropriada, se necessário com
de 11.880 m2, a envolver um edifício histórico e ressalta um exemplar monumental de Phytola- auxílio de técnicas e materiais da época da sua
a necessitar de restauro. ca dioica e Aroeiras que aqui apresentam um construção.
O recreio do liceu apresentava diversas situa- invulgar porte arbóreo. O limite orçamental era apertado para a recu-
ções pouco compatíveis com um ambiente es- Embora permanentemente aberto, o recinto peração do existente, já que incluía cantarias
colar saudável, nomeadamente o acesso viário estava vedado com redes altas em grande par- de grande dimensão e ferros fundidos degra-
ao Quartel da GNR no miolo do quarteirão e o te coroadas por arame farpado. dados, a necessitar de profundo restauro. O
parqueamento automóvel abusivo nas áre- terreno acidentado e a recuperação dos ma-
as de recreio, estudo e jogo, passando todo o teriais de origem inflacionam o valor de obra
trânsito à porta principal do edifício. 2. Objectivos e Princípios e obriga a opções de projecto por materiais e
Na plataforma da entrada, após a passagem de Concepção aplicações de custo muito reduzido, estrategi-
pela entrada do edifício, encontrava-se um camente nas áreas mais extensas.
jardim com restos de traçado característico de O projecto dos espaços exteriores pretendeu
princípio de séc. XX, nomeadamente canteiros criar um espaço de qualidade, com vocações
periféricos e o que resta de sebes que delimi- claras para o estudo, recreio e actividades des-
tam as áreas plantadas. Este tipo de traçado, portivas escolares e da comunidade local, que
para além de fragilizar as áreas plantadas, era também usufrui destas instalações.
incompatível com o tipo de recreio apropriado
22 | R e n O V a R

Procurou-se, neste projecto de arquitectura · profusas sombras para protecção da luz e do turas acedem à plataforma superior a norte,
paisagista, a criação de: calor; por circuito autónomo. Sob a rampa de acesso
aproveita-se o esconso para criar um compar-
· equipamento desportivo (formal e informal) · acessibilidade segura a alunos, professores, timento de apoio ao jardim e recolha de lixos.
e recreativo necessário, próprio para o jogo e funcionários e do apoio ao funcionamento Passada a entrada, a calçada envolve o edifício
recreio das idades escolares, espaços amplos da escola, bem como uma área de estaciona- por caminhos laterais, que foram recuperados
e livres de obstáculos para os mais activos; mento automóvel segregada; desempenando as bases e os buracos. As fai-
xas onde os veículos ainda terão de passar es-
· áreas de lazer, convívio e estudo ao ar livre di- · enquadramento do conjunto. tão levemente marcadas por linhas intermiten-
ferenciadas, quer na sua localização, quer no tes de pedras pretas e um padrão que associa
tipo de pavimento, quer ainda na exposição os dois tipos de pedra.
ao sol e ao vento, permitindo a diversificação 3. Descrição da Proposta Os recreios são vistos como áreas de descon-
de ambientes apropriada às faixas etárias em gestionamento próprio de intervalos entre
presença e aos diferentes grupos que natu- Os pátios interiores do edifício, com desenhos as aulas, e propõe-se diversificados. A grande
ralmente se geram; em calçada miúda de calcário e basalto, foram área de recreio a norte do edifício tem um con-
levantados e recolocados tal como estavam, junto de árvores polarizadas pela notável e es-
· pavimentos de cor suave, ecológicos e per- mas desempenados, após renovação das infra- cultural Phytolaca, que foi enquadrada por di-
meáveis, uns em pedra recuperada junto ao estruturas. versas cantarias existentes que, aproveitadas
edifício, outros contínuos para correrias; O acesso e portões do recinto foram recupera- em bancos corridos, vieram proteger as raízes
dos e equipados com controlo remoto. As via- e o pavimento envolvente. A aposta neste es-
Escola básica e Secundária de Passos Manuel | 23

paço reduziu-se a introduzir algumas árvores colocadas mesas, num topo que se quer mais
e limpar o traçado desadequado de vegetação sossegado, para não incomodar os vizinhos.
herbácea e arbustiva que impedia o jogo e cria- Diversos conjuntos de elementos arbóreos de
va regras inúteis de preservação dos canteiros. folha caduca foram dispostos de modo a con-
O pavimento ficou em agregados britados com finar e estruturar os espaços, a introduzir um
aglutinante de cal e cimento branco, uma arga- grau de conforto elevado no interior do recinto
massa pobre e aberta, relativamente elástico, e a enquadrá-lo no interior do quarteirão.
ecológico, económico e plenamente drenante.
Este grande espaço foi rematado por bancos
e mesas de madeira, que permitem apoio e es-
tudo, material confortável e que absorve o im-
pacto do habitualmente muito activo recreio.
Num canto à sombra desenharam-se em cal-
çada preta, jogos tradicionais do tipo xadrez,
damas, macaca, etc.
Outra área de recreio e jogo propõe-se na ex-
trema sul, onde podem ser implantados postes
para pendurar redes de voleibol, e onde serão
Escola básica e Secundária de Passos Manuel | 25

Liceu Passos Manuel:


a perspectiva
da economia
patrimonial
José Maria Lobo de Carvalho
Arquitecto

Do ponto de vista puramente patrimonial, o antigo Liceu


Passos Manuel constitui certamente o mais importante
edifício escolar do universo em análise e, neste sentido,
uma responsabilidade acrescida para qualquer projectista.

A
actual renovação do par- o primeiro Liceu de Portugal. Trata-se de
que escolar destinado ao um edifício notável, quer pelo pioneirismo
ensino secundário público da sua tipologia arquitectónica, quer pelas
incide sobre um universo características arquitectónicas em que se
heterogéneo de edifícios materializou.1 Do ponto de vista puramente
que reflectem a evolu- patrimonial, o antigo Liceu Passos Manuel
ção dos programas esco- constitui certamente o mais importante edi-
lares ao longo de um século de ensino liceal fício escolar do universo em análise e, neste
em Portugal. Neste contexto, destaca-se o sentido, uma responsabilidade acrescida
conjunto de liceus antigos construídos entre para qualquer projectista. Não se trata ape-
os finais do século XIX e 1935, considerados nas de intervir num objecto de reconhecido
‘históricos’ pelo seu valor patrimonial e uma valor cultural (classificado como Imóvel de
importante herança cultural com significa- Interesse Público desde 2003), respeitando
tivo valor emocional para várias gerações a sua autenticidade histórica e material, mas
de estudantes. É neste grupo que se inclui o sobretudo acomodar as novas exigências
Liceu Passos Manuel, construído nos alvores técnicas e funcionais definidas pela Parque
da instauração da República que agora come- Escolar E.P.E. (por exemplo, com caracterís-
mora o seu primeiro centenário. ticas técnicas padronizadas para o isolamen-
Na verdade, a actual Escola Básica e Secun- to térmico, condições acústicas e ventilação
dária de Passos Manuel – que toma precisa- mecânica). Actuar num edifício histórico,
mente o nome do autor da Reforma do En- nestas condições, é sempre doloroso e re-
sino Público em 1836, na origem do actual quer a definição de zonas de sacrifício e uma
ensino secundário – representa a primeira gestão racional e inteligente de equipamen-
experiência de uma tipologia arquitectónica tos e cablagem técnica, a fim de respeitar os
liceal, concebida de raiz ainda no tempo da valores patrimoniais em causa e responder à
Monarquia e inaugurado já em 1911, como funcionalidade-modelo pretendida.
26 | R e n O V a R

(melhores acessos ou estacionamento,


mais segurança, nova infra-estrutura
desportiva para a comunidade)

Perspectiva patrimonial te núcleo museológico de Ciências Naturais, para estudantes e professores (melhores con-
combinando ambas as colecções. Neste senti- dições de ensino-aprendizagem e interacção
(edifício e quarteirão) do, os projectistas propuseram alargar a sua social), outros actores locais poderão também
intervenção aos imóveis vizinhos, mediante a beneficiar da intervenção (melhores acessos
A recente intervenção dos arquitectos Victor interligação de todo o interior do quarteirão, ou estacionamento, mais segurança, nova in-
Mestre e Sofia Aleixo partiu de um rigoroso nomeadamente a criação de um espaço verde fra-estrutura desportiva para a comunidade)
respeito pela fábrica original, na dupla compo- interior comunicando com o jardim histórico ou sentirem-se prejudicados por esta (mais
nente física (técnicas construtivas e decorati- do Palácio Pombal e uma ligação pedonal di- trânsito, menos estacionamento, menor visibi-
vas originais) e tipológica (relações espaciais, recta entre as diferentes frentes urbanas do lidade pública).
que ilustram o programa inicial), integrando o quarteirão, nomeadamente entre a Rua da Na perspectiva da economia patrimonial (Lobo
conjunto edificado numa diferente organiza- Academia das Ciências e o Largo do Convento de Carvalho, 2007), a intervenção num determi-
ção funcional que inclui duas novas valências de Jesus. Apesar do seu interesse cultural e nado bem cultural imóvel resulta num conjun-
escolares/comunitárias (o refeitório e o cam- da dinâmica urbana que esta proposta certa- to de custos e benefícios que decorrem, numa
po de jogos), preservando no entanto a sua mente traria, a solução acabou por ser aban- análise simplista, do investimento realizado e
leitura volumétrica de origem ao ‘enterrar’ os donada por falta de receptividade das insti- do retorno obtida. Do somatório de ambos re-
novos espaços num piso subterrâneo a Sul, tuições vizinhas. sulta a mais-valia da intervenção, sendo que,
que se prolonga para Oeste, com acesso direc- Vem a este propósito a noção de custo e be- de um modo geral, os benefícios são normal-
to ao nível da Travessa do Convento de Jesus. nefício de uma intervenção patrimonial, no- mente sobrevalorizados face aos custos, com
Mas a abordagem dos projectistas não se li- meadamente a percepção de que actuar a o objectivo de justificar a correcta alocação de
mitou ao imóvel e estendeu-se a uma análise esta escala no tecido histórico edificado da fundos públicos (Greffe, 1999).
mais vasta e ambiciosa de todo o quarteirão, cidade é actuar sobre uma realidade comple- Os benefícios podem ser tangíveis (quantifi-
justificada pelo seu particular enquadramen- xa, na qual coexistem diferentes agentes eco- cáveis em valores monetários) ou intangíveis
to urbano. Construído nos terrenos da antiga nómicos, com perspectivas diferentes sobre a (traduzíveis noutro tipo de valor social) e são
cerca do Convento de Jesus da Ordem Tercei- intervenção. comummente divididos (ICOMOS, 1993) em
ra de São Francisco, o edifício encontra-se directos, indirectos e induzidos ou, de modo
delimitado a Norte pelo conjunto edificado da mais simples, em primários ou secundários,
Igreja Paroquial das Mercês/Hospital de Je- Perspectiva económica consoante estes benefícios revertam directa-
sus/Convento de Jesus (Museu Geológico) e mente para o imóvel ou sejam consequência
(comunidade)
Academia das Ciências de Lisboa, a Este pelo indirecta da beneficiação deste na comunida-
Palácio do Marquês de Pombal, Escola Supe- de envolvente. Por exemplo, o restauro de um
rior de Dança de Lisboa e edifício do antigo Um dos modelos de análise do tipo custo-bene- monumento induz maiores receitas directas
jornal O Século (Ministério do Ambiente) e a fício (ou de impacto) mais interessantes a este pelo acréscimo de visitantes e maiores recei-
Sul pela Igreja de Santa Catarina e o antigo respeito é o do Impacto Comunitário (Lichfield, tas indirectas com o consequente aumento das
Convento dos Paulistas, actual sede da GNR. 2003), segundo o qual actuar numa determina- vendas turísticas no comércio local. Nos casos
No seu todo, estes imóveis delimitam um da área do território implica interagir com to- em que a actividade do comércio e serviços lo-
quarteirão vazado em cujo interior se encon- dos os actores presentes, que de forma directa cais dão origem a maior dinâmica na economia
tra o Liceu, com acesso a Sul pela Travessa do ou indirecta são afectados pela intervenção e circundante (ao longo da cadeia de fornecedo-
Convento de Jesus. que deste modo se podem mostrar favoráveis res, distribuidores, etc.), obtêm-se receitas ou
Tendo como base o excepcional acervo de mi- ou contra essa intervenção. Do ponto de vista benefícios induzidos. À parte destes valores
neralogia pertencente ao Museu Geológico, económico, os modelos de análise do tipo cus- quantificáveis existem ainda outros benefícios
instalado desde 1857 no antigo Convento de to-benefício reconhecem impactos directos e relacionados com a melhoria da qualidade de
Jesus, e a colecção de animais empalhados do indirectos, no entanto Lichfield salienta que vida, imagem urbana, orgulho local, acessibili-
antigo Liceu Passos Manuel, preservada em estes podem ser positivos ou negativos, conso- dade, segurança, entre outros, que constituem
excelentes condições desde a sua constru- ante o actor em causa. Assim, se a reabilitação os benefícios intangíveis.
ção, surgiu a ideia da criação de um importan- do antigo liceu constitui uma óbvia mais-valia
Simplificadamente, pode-se considerar que nibilização pública de novas infra-estruturas
no caso da reabilitação do antigo Liceu Passos educativas (conferências, cursos de formação,
Manuel, os benefícios directos decorrem da ensino nocturno), sociais (restauração) e des-
melhoria das suas condições de utilização para portivas (campos de jogos).
alunos, professores e funcionários, alargadas Finalmente como benefícios induzidos salien-
ainda à comunidade escolar alargada.2 Acres- tam-se, por um lado, as eventuais mais-valias
ce a capacidade adicional de obter receitas sociais decorrentes de melhor aproveitamento
directas com a rentabilização dos espaços de escolar dos alunos (esta escola encontra-se
restauração e desporto para o exterior. Como actualmente integrada no Programa dos Ter-
benefícios indirectos incluem-se aqueles de- ritórios Educativos de Intervenção Prioritária
correntes da beneficiação das instalações para – TEIP2), maior alcance dos apoios sociais às
a comunidade envolvente, nomeadamente famílias (49,4% com carência económica) e de
no envolvimento das famílias (encarregados maior integração étnico-cultural dos alunos
de educação), na relação com as instituições estrangeiros (17% do total), por outro lado,
locais (Junta de Freguesia, Associação de An- as possíveis sinergias com outras instituições
tigos Alunos, entidades vizinhas) e na dispo- locais e o potencial efeito de revitalização do
tecido social, nomeadamente reforçando a fi- traduzem também um maior envolvimento e, Existem duas dimensões inerentes a qualquer
xação de famílias jovens no tecido histórico en- consequentemente, maior responsabilidade edifício histórico: a sua natureza imobiliária e a
volvente, para quem a escola representa uma directa ou indirecta. No caso da melhoria das sua natureza cultural. No primeiro caso, qual-
âncora social fundamental. condições gerais de segurança nas imediações quer investimento realizado é passível de ren-
Porém, a intervenção não se resume aos bene- do Liceu, por exemplo, permitem que as auto- tabilização directa através do mercado (venda,
fícios apenas e inclui custos directos e indirec- ridades se concentrem noutros locais priori- aluguer, etc.), no segundo, representa uma
tos diferenciados também segundo cada agen- tários, porém, é igualmente expectável que a mais-valia social, nem sempre reflectida em va-
te local. A análise do quadro da página seguinte renovada imagem urbana do liceu seja acom- lores de mercado. Porém, na perspectiva finan-
mostra como estes se parecem concentrar panhada de melhorias no espaço público envol- ceira, a decisão de intervir não se resume ao
progressivamente nos agentes mais distan- vente, nomeadamente nos espaços verdes, no investimento inicial apenas, antes implica um
ciados da intervenção, enquanto os benefícios trânsito e no estacionamento. De igual modo, conjunto de custos ao longo da vida útil do imó-
incidem sobretudo nos agentes directamente os benefícios decorrentes da melhoria das ins- vel (o chamado Life Cycle Cost ou custo global)
relacionados com o edifício. Na verdade, alguns talações escolares representam também um que incluem os custos iniciais de investimento
benefícios constituem igualmente custos, na custo directo na sua conservação futura (ma- (projectos e obra), os custos correntes (funcio-
medida em que, para alguns agentes económi- nutenção contínua). namento e exploração) e ainda os custos futu-
cos, as mais-valias resultantes da intervenção ros associados à sua manutenção regular. 3
Conclusão GREFFE, Xavier, 1990. La valeur économique du pa-
trimoine -. La demande et l’offre de monuments, Ed.
2: O novo projecto foi concebido para 48 turmas, envol-
vendo 1.000 alunos, 150 docentes e 75 funcionários, po-
Anthropos, Paris. rém o universo de pessoas directamente relacionadas
GREFFE, Xavier, 2003. La valorisation économique du com a nova infra-estrutura escolar é maior pelo facto
A análise da intervenção no antigo Liceu Pas- patrimoine, Colecção Questions de Cultures, Ministère de esta constituir também a sede do Agrupamento Ver-
sos Manuel, à luz do conceito de impacto co- de la Culture et de la Communication - DAG-DEP, tical de Escolas Baixa-Chiado (AVEBC, 2009), composto
munitário, permite perceber como interven- La Documentation Française, Paris. por quatro jardins-de-infância, cinco escolas básicas
ções desta natureza extravasam o objecto HARWOOD, Elain (2010), England’s Schools: History,
do 1º ciclo e uma escola secundária com 2º e 3º ciclo,
architecture and adaptation, English Heritage.
arquitectónico e influenciam a comunidade representando um total de 1.700 alunos. Os benefícios
ICOMOS, 1993. Conservation Economics - Cost Benefit
envolvente, de modo diferenciado. Se, por um indirectos desta intervenção referem-se assim a uma
Analysis for the Cultural Built Heritage: Principles and
comunidade mais alargada de alunos, docentes, funcio-
lado, os benefícios recaem sobretudo sobre os Practice, International Scientific Committee, Colombo.
nários e pais, que se estima em cerca de 5.700 pessoas.
agentes económicos directamente envolvidos LICHFIELD, Nathaniel, 1996. Community Impact Evalua-
na operação, os custos (directos e indirectos) tion, Routledge, 2ª edição (2003), Londres.
LOBO de CARVALHO, José Maria, 2007. Conservação do 3: A estes acresce o custo de oportunidade para a
distribuem-se também por outros agentes sociedade (Frey e Oberholzer-Gee, 1998), uma vez que
Património – Políticas de Sustentabilidade Económica,
económicos, co-responsabilizando-os ou pe- Tese de Doutoramento apresentada ao Departamento os recursos empregues na intervenção poderiam ser
nalizando-os, nem sempre de modo evidente. de Engenharia Civil e Arquitectura do Instituto Superior utilizados alternativamente e, em particular no caso
O interesse deste tipo de análise está na possi- Técnico (não publicada). de edifícios localizados em centros históricos, devido
também ao valor dos terrenos em que se situam.
bilidade de antecipar os obstáculos previsíveis
1: Projecto original datado de 1896, da autoria do Ar-
e as sinergias possíveis, em intervenções desta
quitecto Rosendo Carvalheira, trata-se uma estrutura
natureza, com o objectivo de definir estraté-
de alvenaria autoportante de volumetria imponente,
gias para melhor trabalhar com a comunidade assente em fundações contínuas com mais de vin-
envolvente. te metros de profundidade, inserida no “modelo de
edifício único de configuração compacta com pátios
encerrados, filiado no modelo conventual dos antigos
Referências bibliográficas colégios” (PE, 2010). Define-se, sobretudo pelo seu
programa funcional inovador, que traduz para a arqui-
AVEBC, 2009. Projecto TEIP 2 – PASSOS XXI, Agrupa- tectura o ‘novo’ curriculum liceal, com salas de aula,
mento Vertical de Escolas Baixa-Chiado (Documento biblioteca, laboratórios de química, de física, de geogra-
electrónico consultado em http://www.abc.edu.pt fia, de ciências naturais e espaços para a prática
COELHO, Alexandra Prado (2010), “As novas escolas de educação física.
querem mudar o ensino em Portugal”, jornal Público,
07.06.2010.

BENEFÍCIOS/ BENEFÍCIOS DIRECTOS BENEFÍCIOS INDIRECTOS CUSTOS DIRECTOS CUSTOS INDIRECTOS


CUSTOS
Condições Novas Integração Novas Espaço Novas Novas Espaço
De Ensino Instalações Étnica-social Segurança Infraestruturas Urbano Instalações Segurança Infraestruturas Urbano

Alunos
Comunidade

Docentes
escolar

Funcionários

Famílias

AVEBC*
Comunidade

Entidades vizinhas

Junta de Freguesia
local

Assoc. antigos alunos

Câmara Municipal
Comunidade

Ministério da Educação
ALARGADA

Parque Escolar

* Agrupamento Vertical de Escolas Baixa Chiado


Corte

Alçado Sul

Alçado Norte
44 | R e n O V a R

Testemunhos

G
excelência de carácter, uma moralida- comunidades concretas, de heranças Para Napoleão, o ler, escrever, e con-
de que inspirou a influência de Platão culturais específicas, de diferenças tar, ensino primário, era indispensá-
e Cícero no pensamento ocidental. A acolhidas pela unidade existente ou vel aos soldados que tinham o dever
teoria política, que foi desenvolvida procurada. de contar armas e munições, número
desde Machiavelli a Montesquieu, dos membros das fileiras, e entender
afirmou que cada comunidade gera E, por isso, a educação lida hoje, num as ordens escritas dos superiores; um
e é sustentada, na sua identidade, mundo globalizado sem governança, ensino médio, era indispensável para
pelo carácter dos cidadãos, e pela com o gravíssimo e desafiante proble- gerir os pequenos grupos em que se
espécie de ordem organizada. Lem- ma de relacionar a unidade procurada dividiam as forças combatentes, pelo
bremos, com a divulgada síntese de e traduzida em interdependências que o quadro de sargentos ganhou
Roger Scruton, que, de acordo com múltiplas, com a salvaguarda das es- a conhecida indispensabilidade; fi-
esses clássicos Platão e Aristóteles, pecificidades humanas e culturais nalmente, a direcção superior dos
“a verdadeira virtude é apenas uma; que parecem crescer de evidência e exércitos, e o alto saber de conceber
para ser verdadeiramente corajoso em perigo à medida que a interdepen- a estratégia, exigia a preparação de
um homem deve ser sábio, para ser dência se aprofunda. É por isso que a nível universitário, que as chamadas
sábio deve ser justo, para ser jus- crise do Estado, sendo este a fórmula grandes écoles também fariam.
uardo do Liceu Passos Manuel algu- to deve ser prudente”. De facto, é a de governança das sociedades que
mas das melhores recordaçães da mi- questão dos valores que se torna do- herdámos e faz parte integrante do A sociedade civil, em que a primeira
nha vida. Aprendi imenso com os seus minante, e que não se refere apenas nosso pensamento ocidental, não se forma do capitalismo industrial alas-
excelentes professores e também com aos bens económicos como parece confunde com a crise das identidades trava, precisava simetricamente de
os meus colegas de curso. Gostava de ser tendência do ocidente em declí- das comunidades para cuja gover- operários que, sabendo ler, escrever,
salientar os nomes de Joel Serrão (que nio, mas a “ideais, motivos, sentimen- nança foi inventado. Tendo em vista a e contar, podiam contar as peças, as
me iniciou na Filosofia), Maria Lucília tos, acções”, segundo o mesmo autor, problemática europeia, e nela o nosso ferramentas, os elementos, os ges-
Estanco Louro (grande professora de inclinando-me para dar preferência caso, a nossa crise de governança, tos a praticar, ler as instruções para a
História), e Soledade Castro Fernandes ao entendimento de Kant, segundo o parcela da crise mundial, tem expres- acção física; de igual modo, pequenos
(que me abriu as portas da Biologia). qual os valores são imperativos. são na crise visível do Estado portu- grupos de trabalho cooperante, exi-
Recordo também Garcia Pereira (um guês, mas esta tem de ser conside- giam a direcção de homens treinados
extraordinario professor de Inglês, e Estas breves referências, recolhidas rada em plano diferente de qualquer para tal função, os contramestres que
Maria Wallenstein (na área do Fran- de textos vulgarizados, destinam-se pretensa crise identitária da nação. E eram os sargentos da indústria, e aos
çês). O ambiente, humano e intelectual a fazer alguma crítica ao critério que esta questão identitária tem que ver, quais as escolas médias, comerciais e
que estes mestres criavam, muito me orienta o projecto da unidade euro- fundamentalmente, com a concepção industriais, forneceriam a capacida-
ajudou durante o período perturbado e peia que domina, com fragilidades, do modelo de educação que se tenha de de servir a realidade portuguesa;
confuso da adolescência. a entrada no milénio, e está longe posto em exercício: formar uma socie- finalmente, para a alta direcção polí-
do tempo e época em que Passos dade da informação e do saber, sem tica, económica, científica, técnica, as
Mas para além da notável humanida- Manuel, entre 1836 e 1837, fundou lhe acrescentar a sabedoria dos valo- universidades ensinavam as grandes
de que encontrei no Passos Manuel, liceus, conservatórios de artes e ofí- res, e portanto o objectivo clássico da disciplinas do direito, da economia,
quero ainda referir o invulgar espaço cios, escolas politécnicas, que, no di- virtude, o que é um dos alarmes da cri- da medicina, da engenharia, e assim
arquitectural que a escola oferecia. zer da excelente História de Portugal, se em que nos encontramos, não vai por diante, todas essas formações
O Liceu Passos Manuel é um edificio coordenada pelo já ilustre Rui Ramos contribuir para uma reacção eficaz. dependentes do critério estratégico
nobre, elegante na sua traça funda- (2009), “foi sobretudo literatura para É tendo esta grave circunstância em dos liceus.
mental, amplo, pronto para ensinar o Diário do Governo, tal como tinha conta que tentarei enumerar algumas
subconscientemente o que são as sido o ensino obrigatório decretado das mudanças que se verificaram des- Esta complexa definição institucional,
proporçôes harmónicas e enriquecer em 1835”. A história desta instituição, de Passos Manuel até à data em que para retomar a linguagem de Amartya
a criatividade. Por certo que alimentou Liceu Passos Manuel mostra que a estamos. Sen, foi lenta em enquadrar a totali-
a imaginação de quem lá viveu durante simples literatura foi ultrapassada, e dade da população, uma ambição de
sete anos. que pode ajudar a corrigir tendências Não se trata do longo tempo de varia- longo alcance a até de difícil realiza-
  actuais. ções do sistema político português, ção, com o índice de insuficiência que
  mas sim das alterações da sociedade se podia ler na percentagem do anal-
Antonio Damásio No conceito de Delors, que foi um dos civil e das suas relações com o apare- fabetismo, que entre nós se manteve
David Dornsife Professor mais eficazes e convictos presidentes lho de ensino. alta até recentemente.
of Neuroscience Director, da Comissão Europeia, o objectivo
Brain and Creativity Institute, actual é constituir uma sociedade da De facto, a virtude, de que falam os Mas havia um dever cívico, que era o
informação e do saber, e para isso a clássicos, é o objecto de uma inte- serviço militar obrigatório, o qual em

P
University of Southern California
ambição teve expressão directiva gração social definida segundo uma parte apreciável acudiu a essa chaga
no Processo de Bolonha. Quando concepção do mundo e da vida, que social, com uma integração específi-
se medita no relativismo dominan- diferencia as áreas culturais, e que ca, que ao mesmo tempo ensinava os
te, que fez do interesse económico produz por vezes o confronto entre valores nacionais e cívicos, procurava
e financeiro o denominador de uma as áreas culturais de que hoje nos fala tornar letrados os recrutas, e dotá-los
sociedade em crise, e que substituiu Huntington. Para tornar esta refe- de uma competência profissional ain-
o valor das coisas pelo preço das coi- rência clara, tenho falado na maneira da que modesta.
sas, levando ao desastre em que nos portuguesa de estar no mundo.
encontramos, talvez não seja difícil Chegados a esta viragem do milénio,
aceitar a urgência de meditar sobre Não obstante as guerras civis, as acontece que muitos desses com-
se, à informação e ao saber, não será invasões, as guerras coloniais, e as- ponentes do aparelho integrador ou
necessário acrescentar a sabedoria, sim por diante, a fidelidade à manei- mudaram de definição, ou enfraque-
isto é, uma doutrina de valores que ra portuguesa de estar no mundo, ceram, ou foram até eliminados por
ponha limite ao avanço da fronteira foi dominante, embora sofrendo as novas formas que a técnica permitiu
da pobreza, não apenas material mas influências dos vários mundos por criar, e a governança da integração
também cultural, que na viragem do onde andámos, estes entregues a um não conseguiu sempre orientar.
milénio avançou do sul do Saara para conjunto de instituições das quais o
o norte do Mediterrâneo. Resumida- aparelho educativo, em que se nota- Em primeiro lugar a família mudou
mente, repensar na virtude. bilizou Passos Manuel, era apenas um radicalmente no ocidente, e por con-
elemento de cada área cultural, que tágio foi crescentemente mudando
or difícil que seja ter uma definição Uma meditação que talvez nos orien- acompanhando o globalismo, se foi em cada área cultural. A fórmula
de educação que faça convergir os te no sentido tão defendido hoje tornando ao mesmo tempo complexa ocidental, de regra sacramentada e
que, por um lado, entendem a cultu- pelo famoso Amartya Sen (A ideia e variável. tendo por compromisso a responsa-
ra como o produto e não a causa de de justiça, Almedina, 2010), de que bilidade pelos filhos que nascessem,
específicas formas de sociedade, e não basta o que chama “viabilidade Todavia, durante anos, que alguns viu mudar a função doméstica da
os que, por outro lado, entendem de um acordo transcendental único”, chamaram de vida habitual, a inte- mulher, tornada complexa pelo que
que a cultura, com os seus costumes, porque “se um diagnóstico sobre ar- gração das crianças, sofrendo o tem- se chamou sem poesia a igualdade de
hábitos de vida em comum, crenças ranjos sociais perfeitamente justos po igualmente longo de integração, género, com profissões e sem tempo
religiosas, sentido de raízes, é final- se mostrar irremediavelmente pro- estava entregue a um conjunto de para as caseiras tarefas clássicas, ao
mente trave comum de um grupo, blemático, então toda a estratégia intervenções e responsabilidades: a mesmo tempo que as exigências de
de uma região, de um povo, talvez o do institucionalismo transcendental família, o pároco de intervenção tão sustentação do agregado e dos no-
sentido clássico de virtude possa ser ficará seriamente comprometida, longamente fundamental na socieda- vos hábitos exige o trabalho e salário
adoptado como o objecto de educa- ainda que todas as alternativas pos- de civil, e depois, de acordo com o pen- de marido e mulher: a função de in-
ção, ficando problemático entender o síveis e imaginárias estejam à nossa samento napoleónico, a orientação tegração enfraqueceu. Mas também
que significa essa virtude. disposição e parecem acessíveis”. De para uma sociedade civil complexa e enfraqueceu porque a sociedade civil
facto, não se trata apenas da escolha hierarquizada, ainda quando os re- multiplicou as formas de organização
Na tradição greco-romana, a virtude de instituições formais e uniformi- gimes se afirmaram liberais e depois familiar, em primeiro lugar eliminando
era entendida, com Aristóteles, como zadoras, trata-se de identidades, de democráticos. a primazia da família sacramentada,
Escola básica e Secundária de Passos Manuel | 45

facilitando a redução do compromis- Na sua História das ideias republica- cessivamente só perante o desafio, Estava longe de imaginar a impor-
so matrimonial a um troço do cami- nas em Portugal (3.ª edição, 1910) com o conceito de equipa pedagógi- tância que este liceu iria ter na minha
nho, com os efeitos colaterais que são afirma logo na Introdução: “Pelo cri- ca descurado, com o estatuto social vida.
conhecidos; por isso, simplificando os tério positivo restabelece o acordo dos professores despromovido, e em
ritos, a união de facto ganhou prática entre a conservação e a revolução; todo o caso persistentes, responsá- Quando lá cheguei, para me inscrever,
e respeito, acrescentando a legalida- as ideias, como agentes imediatos de veis, e fiéis. Fiéis ao conceito de que, fiquei impressionado pelo edifício.
de de outras formas, pelo que a con- todas as transformações individuais para além de toda a informação do Enorme, antigo e frio.
tribuição da família para a integração e sociais, têm raízes mais ou menos saber, que a sociedade exige, tratam Mas rapidamente me adaptei e sem
diminuiu, dando lugar a intervenções profundas na inteligência e na vida de formar cidadãos livres de escolher grande esforço.
de instituições de mercado, de solida- dos povos, e essas raízes são a sua as escalas de valores, mas sabedores
riedade, de caridade, e sempre de limi- história, cujo conhecimento é indis- das escolhas que não serão dispen- Hoje continua enorme, menos antigo
tada intervenção na integração social pensável para, segundo a sua maior sados de fazer. Por mim, espero ter e quente.
em mudança causada pelo multucul- generalidade, determinar por ela a correspondido, com outros muitos,
turalismo, uma novidade crescente na marcha consciente ou de evolução ao que aqui me ensinaram. O que me fez mudar?
sociedade ocidental, sendo que na Eu- entre as duas forças indisciplinadas
ropa, por exemplo, vivem 18 milhões da revolução e da conservação”. Adriano Moreira Primeiro ter amigos que faziam, de
de muçulmanos não integrados. Presidente do Instituto manhã, o mesmo caminho. A pé da
Na data em que enfrentamos uma de Altos Estudos da Academia Avenida de Roma até ao metro de En-
O relativismo que foi dominando o das mais severas crises nacionais, das Ciências de Lisboa trecampos e daí até ao Rossio, depois
globalismo afastou crescentemente a europeia e mundial, de nossa memó- Presidente do Conselho Geral outra vez a pé até ao Liceu, subindo
filiação (com prática ou sem ela) nas ria, esta celebração do centenário do da Universidade Técnica de Lisboa até ao Chiado, e depois descendo a

D
religiões institucionais, incluindo a nosso Liceu Passos Manuel obriga- Calçada do Combro.
católica, tal como as estatísticas vão nos a recordar o paradigma de ensi-
demonstrando, e ainda informando no que instaurou, a testemunhar a Uma aventura!
que o apelo à transcendência aumen- vivência pessoal de cada um dos so-
ta: também nesta área ou a função da breviventes que aqui se formaram, o Depois o bairro antigo, as raparigas,
integração enfraqueceu, quando não valor das instituições que é um dos não só do Passos como da Escola Dª
desapareceu, ao mesmo tempo que valores que tendem para esquecidos. Maria que ficava da Calçada do Com-
as deslocações descontroladas das Não vou recordar todos os mestres, bro, os matraquilhos na Travessa do
populações, da sua área cultural para mas apontarei alguns que ficaram Convento de Jesus e os meus novos
o seio de diferentes áreas culturais, na memória dos que os escutaram, amigos. Não tanto pela qualidade das
desafiou o modelo de valores a pre- no património do Liceu, e no exemplo aulas porque, devo confessar, o meu
sidir à integração. Finalmente, talvez cívico legado ao país. Começarei por interesse estava bastante disperso e
em parte porque o avanço das técni- destacar Lopes de Oliveira, o profes- um jovem daquela idade não se podia
cas exige gente mais qualificada e me- sor de história e do civismo, que um concentrar em tudo. Professores
nos gente, também o serviço militar dia foi preso na Calçada do Combro sim. Houve um punhado de que ainda
deixou de ser um dever cívico, passou por escrever nos cartazes de propa- hoje me lembro, com saudade, pela
a contratualizado, e isto significa uma ganda do Estado Novo, a pergunta: qualidade, pela pedagogia e pelo es-
mudança radical do tipo de relação va- quem paga esta propaganda? E assi- forço de ensinar, primeiro em ditadu-
lorativa com a bandeira, porque o de- nava. No dia seguinte um jornal par- ra e depois do 25 de Abril. Souberam
ver do contrato não tem coincidência tidário anunciava que estava detido estar presentes quando se protes-
com o dever cívico. um não identificado energúmeno que o Passos Manuel lembro-me das co- tava, antes, contra a guerra colonial
andava a escrever inconveniências boiadas que fazíamos no jardim, dos e, depois, no meio daquela festa per-
Com tamanha alteração do complexo pelas paredes. Ficou nosso herói para vários grupos rivais… o chefe do meu manente de RGA’s, manif´s, bancas
aparelho integrador na maneira de sempre, e o seu livro …Mesmo contra grupo era um rapazinho de cor, o Calú. das juventudes partidárias, eleições,
estar no mundo que dá identidade a a Maré um catecismo de coragem cí- Andávamos sempre no meio das árvo- associação de estudantes e de uma
cada povo, o aparelho educativo en- vica. Lembro João de Barros, o doutri- res, a correr… um dia dei um trambo- indisciplina autoregulada.
controu-se como que isolado em face nador da escola onde se praticariam lhão e levei quatro pontos.
da missão integradora, e de regra três virtudes, a liberdade, o civismo, e Ainda aqui tenho a marca! (Que mos- Saudável liberdade!
afectado pelo facto de as sociedades a solidariedade; António Pereira For- tra, na palma da mão.)
ocidentais terem sido orientadas para jaz, ao mesmo tempo professor da Mas eu era um menino da mamã. Nem Foi no Liceu que iria fazer muitos dos
o modelo de sociedade de informação Escola Politécnica, que nos inspirava fui dos que fiz muitas guerras. Quan- melhores amigos que ainda hoje me
e do saber ao serviço dos interesses a ambição do ensino superior. As ins- do saía da escola, por vezes, a minha acompanham. Foi aqui que comecei
económicos, ou, mais prosaicamente, talações, hoje tão melhoradas, eram mãe seguia-me, a ver se eu ia para a desenhar para os outros e foi aqui
do chamado desenvolvimento susten- já magníficas para o tempo, a biblio- casa. Se não ia, tinha de explicar bem que aprendi muito do que sou hoje.
tado, enfraquecendo ao mesmo tem- teca era já excelente, e o professora- por onde tinha andado. Eram outros Foi aqui que conheci a mãe dos meus
po a capacidade de encaminhar para do insubmisso à política partidária. tempos. A miudagem era mais contro- filhos e foi ainda aqui que pratiquei,
o culto dos valores que asseguram a Na secção do Carmo (a Mitra), notabi- lada. Não digo que fosse melhor… era sempre de óculos, futebol – à baliza!
identidade dos povos, a solidariedade lizaram-se nomes como os de André diferente! - e volei. Foi aqui que também fugi à
da sociedade civil, a paz das relações Velasco, Palma Carlos, Mexia de Brito, polícia quando os “fachos” cercaram
baseadas na confiança. Carlos Moreira. Morava eu no Beco Amadeu Garcia dos Santos o Liceu, e ainda ajudei a impedir que
de Estêvão Pinto, à beira do antigo General as viaturas da GNR pudessem entrar e

C
Foi tal descaso crescente pelas huma- Colégio dos Jesuítas, onde estacio- sair do perímetro do liceu já que a en-
nidades que marcou o processo de in- nava o Regimento de caçadores 5, e trada para as garagens se fazia pelo
tegração em curso, com as responsa- hoje está a Universidade Nova. Todos portão principal. O ”nosso” portão.
bilidades cimeiras entregues ao cada os dias a ida e volta para o Liceu era
vez mais solitário aparelho do ensino a pé, com o nosso pequeno farnel, Depois das aulas, ao fim do dia, havia
de vários países, nem sempre estes e companheiro dessas caminhadas um lento regresso a casa, fazendo o
orientados pela convicção de que os está vivo o Vicente Loff. Hoje são caminho inverso também em grupo,
homens se distinguem pela maneira mais cuidadas as condições e apoios ou em “manada”, como dizíamos. De-
como vivem e não pela maneira como sociais aos estudantes, mas alguma pois da penosa subida da Calçada do
ganham a vida. coisa está a ser descuidada. Primei- Combro, a passagem pelo Chiado e a
ro a convicção de que a socialização descida ao metro. Parava-se em qua-
É indiscutível a crise de Estado, in- entregue ao ensino tem em vista uma se tudo. No Camões para ver, na Brasi-
ventado para uma época finda, mas sociedade do saber, e da informação, leira para beber nem me lembro o quê,
o Estado é uma criação cultural para como proclamou a Europa de Delors, na Valentim de Carvalho para namo-
servir a comunidade, que o deve re- mas que lhe falta insistiu na compo- rar e ouvir música ou no Rossio para
fundar, sempre que necessário, para nente essencial da sabedoria, dos apanhar outra vez o metro. A sensa-
salvação e manutenção dos seus va- valores, das humanidades; depois, a ção era única depois continuada com
lores. fraca consciência governativa de que a passagem para Belas-Artes onde
os apoios à integração social que a respirei o mesmo ar e as mesmas ge-
Tomemos de exemplo a radical refun- longa caminhada do ensino tem a seu ógrafas agora com outros amigos e
dação do Estado que foi a República, e cargo, perdeu muita da cooperação com outros interesses.
a importância então não esquecida da e eficácia dos outros componentes onfesso que quando me transferiram
maneira portuguesa de estar no mun- do processo, a começar pela família, – por excessivo bom comportamento É por isso que apesar de ter estudado
do e dos seus valores. Lembremos por e tem o desafio dos meios de infor- sublinhe-se – do Padre António Vieira em vários liceus de Lisboa o Passos
exemplo palavras de Teófilo Braga, mação, tudo mais condicionada pelo para o Passos Manuel detestei a ideia. Manuel será sempre o meu liceu.
nesta data de comemoração do cen- preço das coisas do que pelo valor Era longe de minha casa, não estavam
tenário da República. das coisas; e finalmente, a insuficien- lá muitos dos meus melhores amigos Henrique Cayatte
te atenção ao facto dessa mudança e era numa zona da cidade que eu co- Designer
ter deixado o aparelho do ensino ex- nhecia mal.
O
me inscreveram na Fernão Lopes (na
Rua das Chagas) para fazer o Prepa-
ratório. Eu vivia na Lapa e tive de re-
correr à morada do meu irmão para
me poder inscrever naquela escola.
Acabei por usar o mesmo truque
quando chegou o 7º ano e o Passos
Manuel.

Desci da Rua das Chagas até ao Pas-


sos Manuel com alguns amigos e co-
legas de turma mas sempre com a
mesma dúvida: seria o Passos Manuel
o liceu do meu bairro? É que na minha
rua, os miúdos dividiam-se em dois
grupos: os do Pedro Nunes e os dos
s anos em que frequentei o Passos Salesianos.
Manuel foram os da ressaca da “Revo-
lução”, entre 77 e 79 - dominava então Eu era o único que todos os dias fazia
um ambiente político de grupos muito um caminho diferente para a escola.
claros, cada um no seu cantinho e com Primeiro sozinho, dois anos mais tar-
os seus estilos visuais a “rigor”. Eu vi- de com o Laurindo do prédio ao lado,
nha de uma pequena escola pouco or- que os acasos do Ministério da Edu-
todoxa onde fui colega de carteira do cação atiraram para o Passos. Melhor
António Costa, que nessa altura tam- para mim.
bém transitou para o Passos Manuel
para a turma de letras. Embora tives- Naqueles anos todos, já nem sabia
se uma simpatia política mais virada qual era afinal o meu bairro. Vivia na
para os ideais de extrema esquerda, Lapa mas passava o dia entre São
vi-me envolvido com solicitações des- Bento e o Bairro Alto. Foi aí que fiz
se meu antigo colega, que numa alian- muitos dos melhores amigos. O Pas-
ça táctica com uma também ex-cole- sos Manuel era um liceu que retratava
ga da antiga escola oriunda do PCP, na perfeição os bairros que o circun-
conseguiram fazer eleger uma lista davam, uma mistura e uma riqueza
conjunta para o Conselho Directivo que, sinceramente, não sei se ainda
num liceu onde dominavam os blocos se encontram com facilidade. Nunca
da UDP (que controlava o ALPA, a bem gostei tanto de outra zona de Lisboa.
sucedida equipa de andebol que tinha Ainda hoje quando me perguntam:
uma prestação exemplar no campeo- “Mas tu moravas onde?”, a resposta
nato nacional) e o bloco “unido PSD/ surge em duas fases: “Eu? Na Lapa…
CDS”. Eu fui “eleito” como suplente mas andei sempre no Passos
e participei activamente nalgumas Manuel!”.
reuniões desse conselho, assim como
representei esse organismo em algu- Ricardo Costa
mas reuniões inter-associativas. Jornalista

Curiosamente, dei-me com pessoas


de vários quadrantes políticos, sobre-
tudo com o dirigente da Juventude
Centrista, José Segarra, com o qual
escrevi a meias numerosos contos
de índole surrealista. Lembro-me de
ter ido com ele inscrever o Manuel
Monteiro ao Largo do Caldas. Associo
o espaço desta escola às leituras que
fiz na altura do grupo de Orfeu (Alma-
da, Pessoa, Sá-Carneiro, etc.), não sei
porquê. Tive maravilhosas aulas na
grande árvore, sobretudo de filosofia,
com o professor David, que um dia,
dentro da aula, numa classe em que
pretendia demonstrar um aconteci-
mento previsível (a causalidade, meu
Deus!), atirou um giz ao ar dizendo: “e
tudo o que sobe cai!”, mas o giz não
caiu, uma vez que ficou por cima da
calha de um candeeiro. O que me fez
adorar as excepções.

Pedro Proença

P
Artista Plástico

assaram 30 anos e penso que já pos-


so contar que cometi uma pequena
ilegalidade quando vim para o Passos
Manuel.

Na verdade, a ilegalidade começou


dois anos antes quando os meus pais
O PROGRAMA DE MODERNIZAÇÃO
DAS ESCOLAS DESTINADAS
AO ENSINO SECUNDÁRIO

O objectivo do PROGRAMA DE MODERNIZAÇÃO DAS Reposição da eficácia funcional através de:


ESCOLAS DESTINADAS AO ENSINO SECUNDÁRIO (criado
por Resolução de Conselho de Ministros a 3 de Janeiro · Oferta diversificada e qualificada de espaços lectivos
de 2007) assenta em princípios de exigência de qualidade, e não lectivos;
colocando o ensino português como potencial referência · Melhoria do sistema de sinalização, dispositivos
internacional. Ao mesmo tempo, pretende-se promover de informação e de exposição;
nos espaços escolares a divulgação de conhecimentos, · Equipamento robusto, flexível e ergonomicamente
informação, competências dos alunos, estimulando adequado;
e apoiando a aprendizagem e formação de uma forma · Investimento na criação de uma “imagem”
integrada, a tempo inteiro e envolvendo a comunidade contemporânea para a escola.
exterior. Visa-se actuar de forma integrada ao nível
da requalificação das infra-estruturas físicas; da abertura Nível 2: abertura da escola à comunidade, através de:
da escola à comunidade e da manutenção e gestão dos
edifícios após a requalificação.Este programa contempla Criação de condições espaço-funcionais e de segurança,
intervenções em 332 escolas, fortalecendo uma potencial para permitir a utilização de partes da escola pela
rede escolar nacional o que, estrategicamente, confere comunidade em horários pós ou extra-escolares no âmbito
importância absoluta a este programa e à construção das actividades associadas à formação pós-laboral,
de uma nova cultura de aprendizagem. aos eventos culturais e sociais, ao desporto e ao lazer.

NESTE ÂMBITO REFORÇA-SE Nível 3: manutenção e gestão dos edifícios


A INTERVENÇÃO NO ESPAÇO ESCOLAR após a requalificação, através de:
OBJECTIVANDO A:
· Realização de contratos de manutenção e conservação
Reposição da eficácia físico-construtiva através de: para cada escola por períodos de 10 anos;
· Respostas atempadas às intervenções pontuais
· Correcção de problemas construtivos existentes; de reparação;
· Reparação e/ou substituição parcial de redes · Correcta utilização das instalações e dos equipamentos
e infra-estruturas de águas de esgotos através de acções de formação, acompanhamento
e de electricidade; e responsabilização dos vários utilizadores;
· Melhoria das redes informáticas;
· Melhoria das condições de segurança e de acessibilidade; PRINCÍPIOS DE INTERVENÇÃO
· Preservação da integridade arquitectónica do conjunto
edifi cado,com recurso a acções de conservação O modelo de edifício escolar proposto, não é uma escola-
e restauro em edifícios com valor patrimonial. tipo, mas um tipo de escola que convirja na direcção do
projecto educativo proposto por cada uma das escolas,
permitindo responder adequadamente às necessidades,
Reposição da eficácia ambiental através de: objectivos e características das suas comunidades
escolares e garantindo a durabilidade e sustentabilidade
· Melhoria das condições termo-higrométricas, da intervenção num prazo dilatado.
lumínicas e acústicas, de ventilação e de qualidade do ar; Este modelo proposto baseia-se na articulação funcional
· Criação de sistemas de tratamento de resíduos; dos vários sectores lectivos e não lectivos; na garantia de
· Criação de condições para a curto/médio prazo ser condições para o seu funcionamento integrado e abertura
garantida a auto-suficiência energética das escolas de alguns sectores à utilização pela comunidade exterior
através do recurso a energias renováveis. em períodos pós-lectivos; na criação de espaços
atractivos, multifuncionais, seguros, acessíveis
e inclusivos permitindo a utilização alargada a pessoas
com mobilidade condicionada e necessidades educativas
especiais; na aposta em soluções duradouras em termos
físico, ambientais e funcionais, de modo a garantir
a redução de custos de gestão e de manutenção.

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