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O Município como Ente Federado:


Uma Nova Perspectiva para a Questão da Participação
The Municipality as a Federal Entity:
A New Perpesctive to the Participation Issue

Gustavo Tavares Cavalcanti Liberato*

Recebido para publicação em agosto de 2005

Resumo: O presente trabalho procura colocar em questão uma objeção bastante recorrente por
aqueles que não aceitam a Municipalidade como ente federado: “a questão da lei da participação
na formação da vontade política do Estado Federal”. Com base nesta, diz-se que o Município não
pode ser considerado ente federado por não preencher um dos requisitos para tanto: eles não parti-
cipariam da formação da vontade política da Federação. Se, à primeira vista, a questão se apresenta
substanciosa, uma vez que os Municípios não contariam com uma Casa Legislativa específica para
lhes representar os interesses dentro do processo legislativo federal, por outro lado tal objeção pode
ser bem respondida ao se analisar uma nova perspectiva da formação da vontade política da Fede-
ração e ao se colocar tal processo sob o prisma da formação da opinião pública, a qual apresentar-
se-á quando da escolha dos membros do Poder Legislativo Federal (inclusive quando da eleição
dos membros do Senado Federal), o que vem a desmistificar a questão da “lei da participação”,
mostrando como as peculiaridades de Estados Federais distintos a afetam, produzindo formações
Federais diferentes, mas nem por isso menos adequadas às realidades políticas, históricas e sociais
de onde emergem. O papel da descentralização do Estado Federal pelas municipalidades, assim,
tem ganho cada vez mais espaço no plano da práxis democrática, como forma de manter acesa a
ligação entre Estado Federal e cidadania.
Palavras-Chave: Teoria do Estado Federal. Município. Ente Federado.
Abstract: The present work tries to point out a very persistent objection by those that does not ac-
cept the Municipality as a Federal entity: “the law of participation in the formation of the political
will of the Federal State” By this, it is said that the Municipality cannot be considered as a Federal
entity because it does not fulfill one of the requirements to be such one: they do not participate in
the formation of the political will of the Federation. At the first sight, it seems to be a very good ob-
jection, once the Municipalities don’t have a particular legislative house to represent their interesses
into the federal legislative process; but, in the other hand, such objection can be well responded
if analyzed by the public opinion point of view, which will present itself when the election of the
members of the Federal Legislative Power happens (inclusive when the election of the members of
the Senate took place). By viewing the issue in this point of view it will demystify the objection of
the “law of participation” showing how the peculiarities of distinct Federal States affect it, produ-
cing different Federal formations, nevertheless proper to the political, historical and social realities
from where they emerged. The role of the decentralization of the Federal State by the unicipalities,
therefore, has gain more and more space in the democratic praxis, as a path to keep present the
conection between the Federal State and the citizenship.
Key Words: Theory of the Federal State. Municipality. Federal Entity.

* Advogado. Professor de Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza – UNIFOR, Mestre em Direito Constitucional
pela mesma Universidade.

Revista Brasileira de Direito Constitucional - Nº 6 - Jul./Dez - 2005


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1. Introdução que tal pretensão seria uma temeridade


científica. Entretanto, não é impossível que
O tema escolhido para o presente se proceda a um adequado trato indicativo
trabalho é: O Município como Ente Fe- do problema a partir da bibliografia nacio-
derado: Uma Nova Perspectiva para a nal e estrangeira disponível, procurando,
Questão da Participação. A questão que se pela análise desta e pela verificação do real
coloca diz respeito a uma objeção bastante peso dos chamados “requisitos dos entes
recorrente por parte dos publicistas apega- federados”, a elaboração de uma possível
dos ao “modelo clássico” de federalismo, solução (ainda que superficial), a ser de-
o qual remonta à Constituição Americana senvolvida em outras circunstâncias e em
de 1787. Com efeito, a pretexto de defen- outro momento.
der uma concepção “pura” de federalismo, Destarte, é este o labor a que se vê
tem-se oposto que, apesar da consagração vocacionado o presente opúsculo. A sua
constitucional, os Municípios não estariam maior pretensão, nestas condições, é indi-
a preencher uma condição essencial para
car - por superficial que seja a sua análise -
ocupar a categoria de ente federado: não
a necessidade de uma mudança nos termos
participariam da formação da vontade fe-
de discussão e de perspectiva da questão
deral. Aparentemente, trata-se de uma ob-
da participação municipal na formação da
jeção substanciosa, de porte, uma vez que,
vontade federal.
diferentemente dos Estados-Membros, as
Municipalidades não contariam com uma 2. O Estado Federal
Casa Legislativa específica (tal como o Se-
nado Federal) que lhes representasse os in- Antes de se abordar a questão central
teresses dentro do processo legislativo de deste trabalho, parece ser bastante útil o re-
âmbito nacional. gistro - ainda que perfunctório - da origem
Nada obstante isto, esta questão ofe- moderna da forma de Estado Federal, bem
rece uma série de possibilidades a serem como o destaque de suas principais carac-
exploradas, das quais foi escolhida uma: terísticas contemporâneas.
a mudança da perspectiva, no âmbito mu-
nicipal, da questão da participação na for- 2.1. Um Breve Registro da Gênese do Es-
mação da vontade federal. Não se trata de tado Federal Moderno
simples “afastamento”, prática esta cada
vez mais recorrente entre os juristas que se O Estado Federal moderno nasceu
viram confrontados com o assunto. A rigor, com a Constituição dos Estados Unidos da
trata-se do reconhecimento da necessida- América, em 1787. No ano de 1776, treze
de de uma substituição efetiva de visão, colônias britânicas da América declararam-
mudança esta que, longe de ignorar o pro- se independentes, passando a constituir,
blema, está a situá-lo em seu devido lugar, cada uma delas, um novo Estado. Alguns
como um dos pontos centrais da colocação anos depois estes novos Estados celebra-
do Município como ente federado. ram entre si um Tratado, o qual ficou co-
Por certo que o presente trabalho não nhecido como Artigos de Confederação.
pretende oferecer uma solução definitiva Por meio deste Tratado, as ex-co-
para tão momentosa questão. No momento, lônias inglesas buscavam aliar-se para,
tratar-se-ia de empreendimento por demais primordialmente, preservarem a indepen-
arredio aos limites materiais e temporais dência recém-conquistada. É interessante
existentes - com certeza, poder-se-ia dizer observar que, já em 1643, quatro colônias

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haviam formado a Confederação da Nova subsistência da Confederação. Com vistas


Inglaterra, a qual tinha por objeto a reu- a estes problemas é que se procurou pro-
nião de esforços nas guerras com povos in- ceder à revisão dos Artigos de Confedera-
dígenas e na resistência à expansão holan- ção, de sorte a profligar as falhas e lacunas
desa na América. Em 1754 reuniu-se, pela manifestas na prática. Assim, os Estados,
primeira vez, um Congresso Intercolonial, por meio de representantes, reuniram-se
no qual Benjamin Franklin apresentou um em uma Convenção na cidade de Filadélfia
plano de união das colônias, plano este em maio de 1787, ausentando-se apenas o
que não logrou aprovação. Este Congresso pequenino Estado de Rhode Island.
continuou a reunir-se, o que veio a ser de Desde logo evidenciou-se a dispari-
decisiva influência para a Declaração de dade dos posicionamentos dos membros
Independência de 1776, assinada conjun- da Convenção, os quais polarizavam-se
tamente pelas treze colônias. em torno de duas vertentes básicas, descri-
O passo seguinte deu-se após prolon- tas por Dalmo de Abreu Dallari:
gados debates e resultou na assinatura, a 1º “De um lado estavam os que preten-
de março de 1781, dos já citados Artigos diam que se fizesse apenas a revisão dos
de Confederação, pelo que passou o Con- Artigos de Confederação, tornando mais
gresso a denominar-se: Os Estados Unidos precisas as obrigações dos Estados mas
Reunidos em Congresso. Estava formada a sem afetar sua soberania. De outro lado
Confederação, a qual passou a chamar-se estavam os adeptos da transformação da
Os Estados Unidos da América, e se propôs Confederação em Federação, propon-
a ser uma união permanente. É de ver-se, do que todos os Estados adotassem uma
contudo, que a configuração da Confedera- Constituição comum e se submetessem,
ção preservava a Soberania, a Liberdade e para determinados assuntos, a um governo
a Independência dos Estados Confederados, central, que teria suas atribuições definidas
detendo os mesmos os poderes, jurisdição e na própria Constituição e, para desempe-
direitos que não houvessem sido delegados nhá-las, teria suas próprias fontes de recur-
de forma expressa para os Estados Unidos sos financeiros, sem depender de requisi-
(governo central desprovido de poder im- ções ou de contribuições voluntárias dos
positivo de suas decisões). Destarte, bem Estados” (1986:13).
observa Dalmo de Abreu Dallari: Como não poderia deixar de ser, uma
“Obviamente, sendo um tratado o tão relevante decisão provocou acalorados
instrumento jurídico da aliança, e preser- e intensos debates. Os adeptos da simples
vando cada signatário a sua soberania, revisão das cláusulas do Tratado alegavam
liberdade e independência, qualquer dos que não possuíam mandato específico para
signatários que o desejasse poderia desli- a tomada de tal decisão. De fato, não lhes
gar-se da confederação, mediante simples eram desconhecidas algumas implicações
denúncia do tratado” (1995:216). cruciais que haveriam de decorrer desta
Pouco tempo depois de fixados os decisão. Isto significaria a perda da Sobe-
laços da Confederação, o decorrer dos fa- rania e da Independência pela qual tanto
tos começou a indicar a sua fragilidade e a lutaram. Logo, procuravam dissuadir os
pouca eficácia da união dela derivada. Mes- partidários da Federação pela alegação de
mo nutrindo sentimentos de solidariedade que só haviam recebido poderes para revi-
generalizada, tomavam corpo conflitos de são das cláusulas dos Artigos de Confede-
interesses de monta, os quais prejudicavam ração, o que acarretaria a invalidade jurí-
as ações conjuntas e ameaçavam a própria dica de qualquer ato que se lançasse além

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destes limites. Para alguns, seria o mesmo ainda hoje a predominante na maioria das
que a total traição da confiança depositada federações; consiste em atribuir poderes
pelos representados. enunciados à União e os poderes remanes-
Como se pode ver, o principal te- centes aos Estados-Membros. Sua grande
mor residia no caráter centralizador que virtude desde o início foi atender perfei-
a Federação poderia ter, uma vez que re- tamente a exigências aparentemente con-
presentaria a submissão de todos à figura traditórias. A União, pela enunciação das
de um governo central, criando, na própria competências que recebia, surgia suficien-
América, um substituto para a antiga do- temente forte para impor-se em matérias
minação britânica. Os líderes da proposta específicas aos Estados-Membros. Estes,
federalista, buscando afastar esta objeção por sua vez, tinham também a certeza de
(e outras mais), lançaram-se com afinco na continuar inteiramente soberanos, em tudo
busca de uma forma adequada para que se aquilo que não dissesse respeito às delega-
pudesse realizar uma composição em torno ções expressamente feitas (1994:252).
da proposta federalista. Assim, passaram a A questão pertinente à ausência de
explicar as bases do mecanismo de gover- mandato expresso, entretanto, mostrou-se
no almejado e, em alguns pontos, a realizar inafastável, e foi solucionada da seguin-
adaptações necessárias para a eliminação te forma, bem sintetizada por Dalmo de
de resistências mais encorpadas. Abreu Dallari:
Com efeito, aponta Celso Ribeiro “Quanto ao aspecto processual, re-
Bastos: lativo ao problema da inexistência de
“De um lado havia a necessidade de mandato dos representantes, para decidir
organizar-se um poder central forte e, de o ingresso na federação, foi proposto e
outro, havia a entranhada convicção de aceito que a Constituição só entrasse em
que os Estados não deviam abrir mão de vigor depois de ratificada por nove, pelo
sua soberania. A solução encontrada pelos menos, dos membros da confederação”
constituintes de Filadélfia foi a de atribuir (1995:217).
ao Estado federal tão-somente os poderes Destarte, resta posta uma ligeira tra-
que fossem expressamente enunciados jetória histórica da gênese moderna de Es-
na Constituição. Destarte, apenas aquelas tado Federal, a evidenciar a importância do
competências que passaram a ser definidas processo histórico para a sua composição
no Texto Constitucional como da alçada final. Isto não vem a cristalizar uma forma
da União é que podiam ser desempenhadas de federação como a única aceitável (ou
pelo órgão central de poder. É preciso re- mesmo “pura”) senão a indicar com clareza
conhecer o caráter extremamente pragmá- o relevo das experiências históricas (além
tico do comportamento dos constituintes de outros fatores) na formação de um dado
da Filadélfia. Cumpria, antes de mais nada, “tipo” de federalismo. De fato, isto não está
resolver o problema do conflito aparente a impedir que povos que tenham passado
de objetivos entre um governo central for- por processos históricos distintos possam
te e autonomias locais, também robustas. gozar dos benefícios da forma federativa
(...) Quanto aos Estados-Membros, passa- de Estado, senão que o “tipo” resultante
ram eles a contar com todos os poderes que tende a apresentar algumas peculiaridades
não fossem delegados à União ou que não significativas, precisamente em razão des-
estivessem expressamente proibidos de te processo histórico e de outros fatores (à
exercitar, pela Constituição Federal. Essa guisa de exemplo poder-se-iam indicar as
técnica de repartição das competências é variantes culturais).

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2.2. As Características do Estado Federal federações adotem as mesmas técnicas de


partilha das competências, nem o façam
Sem descuidar da possibilidade de segundo as mesmas dosagens. Como de-
variantes no “tipo” de Estado Federal em corrência natural dessa primeira caracterís-
razão dos distintos processos históricos tica, tivemos desde o início, e ainda temos,
pelos quais tenham passado, a literatura a necessidade de assegurar que essa par-
em geral tem buscado assinalar um certo tilha de competência não seja subvertida
núcleo de características peculiares à esta no funcionamento normal das coisas. Em
forma de Estado. Neste passo parece ser outras palavras, é preciso que o disposto
oportuna a busca de uma sistemática ela- na Constituição não se revele, na prática,
boração de quais seriam as principais ca- letra morta. E para isso recorreu-se ao for-
racterísticas do Estado Federal. talecimento do Poder Judiciário, elemento
Celso Ribeiro Bastos intentando também indispensável em toda federação.
destacar as principais características assi- De nada adiantaria preocupar-se em repar-
nala: tir as competências entre União e Estados,
“1ª) uma descentralização políti- se não houvesse um órgão em condições
co-administrativa constitucionalmente de superiormente dirimir os conflitos entre
prevista; 2ª) uma Constituição rígida que ambos. Daí porque, desde o início, ter o
não permita a alteração da repartição de Poder Judiciário americano desfrutado de
competências por intermédio da legisla- um grande prestígio na vida nacional. Pres-
ção ordinária. Se assim fosse possível, tígio este que mantém, de resto, até hoje.
estaríamos num Estado unitário, politica- Como em muitos outros aspectos, a Fede-
mente descentralizado; 3ª) existência de ração americana acaba por ser uma criação
um órgão que dite a vontade dos membros da Suprema Corte daquele país, pela inter-
da Federação; no caso brasileiro temos o pretação que faz do Texto Constitucional.
Senado, no qual reúnem-se os representan- É ainda inerente a toda federação um Tex-
tes dos Estados-Membros; 4ª) autonomia to Constitucional no qual se façam essas
financeira, constitucionalmente prevista, instituições presentes. Texto esse que não
para que os entes federados não fiquem na fique ao sabor de alteração por via de leis
dependência do Poder Central; 5ª) a exis- ordinárias, mas que só possa ser modifica-
tência de um órgão constitucional encar- do por uma emenda à Constituição, pro-
regado do controle da constitucionalidade duzida mediante a satisfação de requisitos
das leis, para que não haja invasão de com- bastante exigentes, envolvendo, inclusive,
petências” (1994:146). a participação dos próprios Estados. É esse
Mais adiante, o mesmo autor expõe: elemento de estabilidade que acaba por
“É curioso notar como certas carac- assegurar a manutenção da partilha inicial
terísticas fundamentais da federação não de competências. Uma constituição escri-
se alteram com o tempo e continuam até ta e uma constituição tecnicamente rígida,
hoje a refletir fielmente as preocupações quer dizer, aquela que só por via de uma
com que se houveram os constituintes da emenda constitucional pode ser alterada,
Filadélfia. Assim, a repartição de compe- constituem ainda hoje traços essenciais do
tências enunciadas, estabelecida em 1787 federalismo. São as seguintes característi-
pelo recurso à técnica de competências cas principais de uma federação: - a união
enunciadas e competências remanescen- de certas entidades políticas autônomas
tes, permanece até hoje um elemento indis- (os Estados) para finalidades comuns; - a
pensável à federação, embora nem todas as divisão dos poderes legislativos entre o go-

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verno federal e os Estados componentes, de ser possível sua denúncia por qualquer
divisão regida pelo princípio de que o pri- dos contratantes, o que não acontece com
meiro é um ‘Governo de poderes enume- a Constituição. Na federação não existe
rados’, enquanto os últimos são governos direito de secessão. Uma vez efetivada a
de ‘poderes residuais’; - a operação direta, adesão de um Estado este não pode mais
na maior parte, de cada um desses centros se retirar por meios legais. Em algumas
de governo, dentro de sua esfera específi- Constituições é expressa tal proibição, mas
ca, sobre todas as pessoas e propriedades ainda que não o seja ela é implícita. Só o
compreendidas nos seus limites territo- Estado Federal tem soberania. Os Estados
riais; - a provisão de cada centro com o que ingressarem na federação perdem sua
completo aparelhamento de execução da soberania no momento mesmo do ingres-
lei, quer por parte do Executivo, quer do so, preservando, contudo, uma autonomia
Judiciário” (Bastos, 1994:253-254). política limitada. Pelo próprio conceito
A rigor pode-se observar uma certa de soberania se verifica ser impossível
confusão na enumeração do referido autor. a coexistência de mais de uma soberania
Com efeito, ao lado de algumas repetições no mesmo Estado, não tendo, portanto,
parecem aparecer, a cada momento, nu- qualquer consistência a pretensão de que
ances novas não levadas em consideração as unidades federadas tenham soberania
previamente. Não que os aspectos apresen- limitada ou parcial. No Estado Federal as
tados não sejam relevantes. Longe disto. A atribuições da União e as das unidades fe-
sua exposição é que parece não se mostrar deradas são fixadas na Constituição, por
muito sistemática, o que vem a dificultar a meio de uma distribuição de competências.
compreensão das características realmente Não existe hierarquia na organização fede-
“essenciais” do Estado Federal. ral, porque a cada esfera de poder corres-
Mantendo algumas das característi- ponde uma competência determinada. No
cas enunciadas por Celso Ribeiro Bastos, caso norte-americano os Estados, que esta-
o professor Dalmo de Abreu Dallari, vam organizando a federação, outorgaram
mais sistematicamente assinala: certas competências à União e reservaram
“São as seguintes as características para si, conforme ficou expresso na Cons-
fundamentais do Estado Federal: A união tituição, todos os poderes residuais, isto é,
faz nascer um novo Estado e, concomitan- aquilo que não foi outorgado à União. Esta
temente, aqueles que aderiram à federação regra tem variado nas Constituições dos
perdem a condição de Estados. No caso Estados Federais, havendo alguns que tor-
norte-americano, como no brasileiro e em nam expressa a competência dos Estados
vários outros, foi dado o nome de Estado a e outorgam à União os poderes residuais,
cada unidade federada, mas apenas como havendo casos, ainda, de atribuição de po-
artifício político, porquanto na verdade deres expressos à União e às unidades fe-
não são Estados. A base jurídica do Es- deradas. Modernamente, tornou-se comum
tado Federal é uma Constituição, não um a atribuição de competências concorrentes,
tratado. Baseando-se a união numa Cons- ou seja, outorga de competência à União
tituição, todos os assuntos que possam e às unidades federadas para cuidarem do
interessar a qualquer dos componentes da mesmo assunto, dando-se precedência,
federação devem ser conduzidos de acordo apenas nesse caso à União. A regra, por-
com as normas constitucionais. O tratado tanto, no Estado Federal é a distribuição de
é mais limitado, porque só regula os as- competências, sem hierarquia. Assim sen-
suntos nele previstos expressamente, além do, quando se tratar de assuntos de compe-

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tência de uma unidade federada, esta é que relevante, qual seja, a necessidade de exis-
pode legislar sobre o assunto, não a União, tência de um órgão constitucional encar-
e vice-versa. A cada esfera de competência regado do controle da constitucionalidade
se atribui renda própria. Este é um ponto das leis, para que não haja invasão de
de grande importância e que se só recen- competências.
temente começou a ser cuidadosamente Como se pode ver, não é tarefa sim-
tratado. Como a experiência demonstrou, e ples delinear as características tidas por
é óbvio isso, dar-se competência é o mes- “essenciais” de um Estado Federal. Nada
mo que atribuir encargos. É indispensável, obstante isto, as duas caracterizações ora
portanto, que se assegure a quem tem os apresentadas, mesmo em sua amplitude,
encargos uma fonte de rendas suficientes, denotam uma complementaridade naquilo
pois do contrário a autonomia política se em que não coincidem.
torna apenas nominal, pois não pode agir, Assim, poder-se-ia reconhecer e in-
e agir com independência, quem não dis- dicar, em um rol exemplificativo, as se-
põe de recursos próprios. O poder político guintes características do Estado Federal:
é compartilhado pela União e pelas unida- I - O nascimento de um Estado novo e a
des federadas. Existe um governo federal, conseqüente perda, por parte das unidades
do qual participam as unidades federadas federadas, da condição de Estado; II - O
e o povo, e existem governos estaduais Estado Federal tem por base uma Consti-
dotados de autonomia política, podendo fi- tuição, e não um Tratado; III - Inexiste, no
xar sua própria orientação nos assuntos de Estado Federal, o direito à secessão; IV -
seu interesse, desde que não contrariem a Apenas o Estado Federal possui Soberania,
Constituição federal. Para assegurar a par- cumprindo não confundir Estado Federal
ticipação dos Estados no governo federal com a União; V - Uma descentralização
foi constituído o poder legislativo bicame- político-administrativa, prevista constitu-
ral. O Senado é o órgão de representação cionalmente, da qual decorre a correspon-
dos Estados, sendo praxe, embora haja dente autonomia política e administrativa;
algumas exceções, assegurar-se a todas as VI - Há uma divisão de competências de
unidades federadas igual número de repre- sede constitucional entre os entes federa-
sentantes. Na outra Casa do poder legisla- dos, de sorte a determinar suas atribuições
tivo é o povo quem se faz representar. Os e impedir a sua mudança ao bel-prazer dos
cidadãos do Estado que adere à federação mesmos; VII - A cada esfera de competên-
adquirem a cidadania do Estado Federal e cias se atribui renda própria, o que equiva-
perdem a anterior. Não há uma coexistên- le dizer que se reconhece a necessidade de
cia de cidadanias, como não há também, autonomia financeira dos entes federados;
em relação aos direitos de cidadania, um VIII - Há uma partilha de poder político
tratamento diferençado entre os que nas- entre os entes federados, tanto pela outor-
ceram ou residam nas diferentes unidades ga de autonomia política dentro da esfera
da federação. A Constituição Federal es- de competências correspondente como
tabelece os direitos básicos dos cidadãos, pela possibilidade das unidades federadas
que as unidades federadas podem ampliar, participarem da formação da vontade fede-
não restringir” (1986:15-24, grifos do ori- ral (via de regra em uma Casa Legislati-
ginal). va específica para a sua representação - o
Esta caracterização do Estado Fe- Senado); IX - Os cidadãos do Estado que
deral, por sua vez, mesmo sendo mais adere à federação perdem a sua cidadania e
sistemática, deixa de registrar um ponto adquirem a do Estado Federal; e, X - Deve

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existir um órgão constitucional encarrega- todos aqueles poderes que decorrem da na-
do do controle de constitucionalidade das tureza mesma do sistema federativo, desde
leis, de sorte a impedir a invasão de com- que tudo se faça na estrita observância dos
petências. princípios básicos da Constituição federal.
A participação e a autonomia são proces-
2.3. Duas Notas para o Ente Federado sos que se inserem na ampla moldura da
Federação, envolvidos pelas garantias e
Observou-se acima quais seriam as pela certeza do ordenamento constitucio-
principais características do Estado Fede- nal superior - a Constituição federal, ci-
ral. Entretanto, antes de encerrar este passo, mento de todo o sistema federativo. Tanto
cumpre observar que há, no conjunto destas a participação como a autonomia existem
características, dois elementos de grande em função das regras constitucionais su-
importância, não apenas para a caracteriza- premas, que permitem ver na Federação,
ção do Estado Federal, mas também para a como viu Tocqueville no século XIX, duas
caracterização de ente federado. sociedades distintas, ‘encaixadas uma na
Estes dois elementos são a autonomia outra’, a saber, o Estado federal e os Esta-
e a participação, chamados, por alguns, de dos federados harmonicamente superpos-
princípios capitais de todo o sistema fede- tos e conexos (1995:181).
rativo. Paulo Bonavides apresenta tais ele-
mentos sob a condição de verdadeiras leis 2.3.1. A “Lei da Participação”
do federalismo. Diz ele esclarecendo o seu
significado: Quanto à participação, é registro dos
“Há, segundo George Scelle, dois mais insignes autores a sua importância na
princípios capitais que são a chave de todo caracterização de um ente federado. Vê-se
o sistema federativo: a lei da participação e este traço com Amaro Cavalcanti em seu
a lei da autonomia. Mediante a lei de parti- “Regime Federativo e a República Brasi-
cipação, tomam os Estados-membros parte leira”:
no processo de elaboração da vontade po- “Não há dúvida, também pensamos
lítica válida para toda organização federal, nós, que é na organização toda especial do
intervêm com voz ativa nas deliberações poder público, que reside o caráter distin-
de conjunto, contribuem para formar as tivo da Federação ou Estado-federal, em
peças do aparelho institucional da Federa- confronto com o Estado simples ou unitá-
ção e são no dizer de Le Fur partes tanto na rio; e é igualmente de admitir, que o que
criação como no exercício da ‘substância dá especialidade àquela organização, é,
mesma da soberania’, traços estes que bas- precisamente, a participação dos Estados
tam já para configurá-los inteiramente dis- federados na formação da vontade sobera-
tintos das províncias ou coletividades sim- na da União (1983:75, grifos do original).
plesmente descentralizadas que compõe o Georg Jellinek, em sua “Teoria
Estado unitário. Através da lei da autono- Geral do Estado” observa que, ainda que
mia manifesta-se com toda clareza o cará- o poder do Estado Federal decorra tão-
ter estatal das unidades federadas. Podem somente da Constituição como resultante
estas livremente estatuir uma ordem cons- da unidade do “povo federal” (sem que se
titucional própria, estabelecer a compe- leve em conta o poder dos Estados-Mem-
tência dos três poderes que habitualmente bros) deve-se ver que os Estados-Mem-
integram o Estado (executivo, legislativo e bros, ainda assim, deverão participar do
judiciário) e exercer desembaraçadamente poder federal. São palavras suas:

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“También en el segundo caso se reco- sejam igualmente representados na casa


noce a los Estados el derecho a participar dos Estados ou Senado, que cada Estado
en el poder federal; de suerte que los Esta- componente, independentemente do seu
dos miembros son órganos de este poder, tamanho, isto é, sem se levar em conta a
lo que significa, en general, una exaltación extensão do seu território ou o número de
de su influjo político y de la situación del seus habitantes envie o mesmo número de
poder. Todos los Estados republicanos fe- representantes à Casa dos Estado ao Se-
derales tienen una de sus dos cámaras or- nado. (...) Essa composição da Casa dos
ganizada como cámara de los Estado, en la Estados, ou Senado, garante que os Esta-
que todos éstos son iguales por tener igual dos componentes, as comunidades locais,
número de representantes” (2000:664). ‘como tais’, tomem parte no processo
A Carré de Malberg essa marcan- central de legislação, o que equivale a um
te exigência da época também não passou elemento de descentralização. Mas esse
despercebida, tal como registra em sua elemento de descentralização, baseado na
“Teoria Geral do Estado”: idéia de igualdade dos Estados componen-
“El signo distintivo del Estado fede- tes é quase completamente neutralizada
ral, a este respecto, consiste en efecto en pelo fato de que a Casa dos Estados aprova
que los Estados particulares son llamados as suas resoluções de acordo com o princí-
como tales a participar em su potestad y pio de maioria. Em virtude disso o seu ór-
a concurrir a la formación de su voluntad. gão legislativo é destituído do seu caráter
(...) Pero los Estados particulares partici- internacional” (1998:454).
pan en la potestad federal porque preci- Esta última observação de Kelsen
samente son llamados por la constitución já acena no sentido da necessidade de se
federal a ser órganos del Estado federal. ter uma certa cautela em se erigir a “lei de
Esta participación es una condición esen- participação” em um critério inexorável
cial del Estado federal: el mismo nombre para a consideração de um dado ente como
de este Estado implica en si federalismo. ente federado, pois, se bem observada, a
Además, es por su condición de Estados realidade institucional dos povos tende a
por lo que los Estados particulares reciben mitigar o peso da crença na “real e efetiva”
de la constitución federal el derecho a par- participação dos entes federados na forma-
ticipar, como órganos, en la formación de ção da vontade do Estado Federal. Não é
la voluntad federal “(2001:113)1. outra razão que faz com que Javier Perez
Carl Schmitt em sua “Teoria da Royo em seu “Curso de Derecho Constitu-
Constituição” constata de forma sintética cional” assinale que:
e precisa: “Tanto la composición de la Cámara
“La Federación, como unidad políti- como el procedimiento de designación de
ca, necesita ser representada. Representan- sus miembros varía muchísimo. En algu-
te de la Federación es, por razón natural, nos casos los Estados miembros están en
la Asamblea federal como Asamblea de re- posición de absoluta igualdad, indepen-
presentantes de las unidades políticas que dentiemente de su población y extensión
forman la Federación” (1996:364). territorial, como en los Estados Unidos,
Por fim, este mesmo entendimento é mientras que en otros se toman en conside-
esposado por Hans Kelsen ao expor, em ración los criterios de población y territó-
sua “Teoria Geral do Direito e do Estado”: rio para determinar el número de represen-
“Corresponde ao tipo ideal do Es- tantes en la Segunda Cámara, aunque com
tado federal que os Estados componentes correciones que favorecen a los Estados

Revista Brasileira de Direito Constitucional - Nº 6 - Jul./Dez - 2005 (Artigos)


O Município como Ente Federado: Uma Nova Perspectiva... 313

com menos población, como en Alemania” por vezes, à substituição desta pela descri-
(1995:697). ção exemplificativa das características que
Com vistas a isso, ele percebe que, se consideram indispensáveis a um Estado
relativamente à sistemática de nomeação Federal (Royo, 1995:673).
de tais representantes, há diversos critérios Da mesma forma, Jorge Miranda,
adotados nos diversos Estados Federais: em sua “Teoria do Estado e da Constitui-
“Por lo que a la designación de los ção”, após apresentar como um dos “prin-
miembros de la Cámara se refiere, se siguen cípios diretivos” do Estado Federal a “in-
vários criterios: 1. Elección por el cuerpo tervenção institucionalizada dos Estados
electoral. 2. Designación por el Parlamento Federados na formação da vontade políti-
o por el Gobierno de los direrentes Estados ca e legislativa federal, através de órgãos
miembros. 3. Libertad en la fijación del federais com adequada representação dos
procedimiento de designación a los Estado Estados (senados ou conselhos federais, os
miembros” (Royo, 1995:698). primeiros com titulares eleitos e os segun-
Como assevera este autor, tendo o dos com titulares delegados dos Governos
Estado Federal surgido com o fito de equi- locais)” (2002:309), salienta que:
parar-se (e, mesmo, superar) ao Estado “Naturalmente, são diferentes as
Unitário, isso fez com que a teoria do Es- concretizações destes princípios. Porém,
tado Federal se tenha formado, particular- mais do que isso, nem sempre eles se ve-
mente, a partir da experiência americana. rificam e, por isso, torna-se necessário
Com efeito, diz o ilustre professor considerar Estados federais de mais de um
espanhol: tipo ou grau: pelo menos, Estados federais
“Por eso, no existe ninguna teoria perfeitos e imperfeitos. Os primeiros são
del Estado Federal antes de la existência os que apresentam todas aquelas carac-
de éste, a diferencia de lo que ocurrió res- terísticas (como os Estados Unidos ou a
pecto del Estado Unitario. No existía ni Suíça). Os segundos são os que apresen-
siquiera el nombre. El Estado Federal se tam a maior parte delas, mas não todas,
impone en la práctica y una vez que se há nomeadamente a intervenção dos Estados
impusto se inicia la racionalización teórica nas modificações da Constituição federal
del mismo y se le da el nombre de Estado (como o Brasil ou a Rússia)” (2002:310,
Federal. Y por eso también, el concepto de grifos do original).
Estado Federal es un concepto mucho me- Como se pode ver, os requisitos para
nos preciso que el concepto de Estado Uni- a consideração de um dado ente como ente
tario. Mientras
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que en el concepto de Esta- federado não se apresentarão sempre da
do Unitario se reflejan procesos históricos mesma forma, cabendo analisar o peso da
en lo que tienen de homogéneos política, formação histórico-político-social de cada
social y económicamente en prácticamente Estado Federal para se definir até onde se
todo el mundo, el concepto de Estado Fe- verificarão mitigações, ausências ou alte-
deral lo que se reflejan son las circunstan- rações nas características básicas de um
cias históricas particulares de cada uno de Estado Federal e, por via de conseqüência,
los Estados constituidos de esta manera” de um ente federado.
(Royo, 1995:673). Isso se deve ao fato de que, se até
O resultado disso é por ele constata- mesmo os Estados-Membros são consi-
do como sendo a incapacidade da doutrina derados como criações constitucionais,
de se por de acordo acerca de uma defini- obtendo da Constituição Federal o seu sta-
ção única do Estado Federal, recorrendo, tus e competências, é a mesma Constitui-

(Artigos) Revista Brasileira de Direito Constitucional - Nº6 - Jul./Dez - 2005


314 Gustavo Tavares Cavalcanti Liberato

ção que poderá, como resultado do Poder 1º), lhe confere competência (art. 30) e lhe
Constituinte Originário, estabelecer cita- discrimina rendas (art.156). Encerra-se,
das peculiaridades quanto ao Estado Fede- com isso, a polêmica doutrinária sobre a
ral por ela criado, em relação ao modelo natureza do Município, que alguns enten-
norte-americano. diam não ser entidade federativa por ter
Esse posicionamento é muito bem sido omitido no texto do art. 1º da EC n.
lembrado por Amaro Cavalcanti ao dizer: 1/69. A competência que lhe é concedida
“De certo; é, como órgãos, devida- pela Constituição, o é, aliás, nos mesmos
mente reconhecidos ou autorizados pelos termos que a da União. Esta e o Municí-
dispositivos da constituição federal, que pio têm os poderes enumerados; os Esta-
eles tomam parte na formação a vontade dos-Membros, os poderes remanescentes”
do Estado coletivo ou do Estado-federal, e (2005:70).
não, em virtude de outro poder ou direito, Outros autores, como Luiz Alberto
que lhes sejam essencialmente inerentes, David Araújo e Vidal Serrano Nunes Jú-
como pessoas jurídicas independentes. nior, procuram apresentar a questão pelo
(...) Juridicamente, é sem dúvida necessá- menos referencialmente. Dizem eles:
rio considerar os Estados-membros, como “Como já vimos, a doutrina discute
criações da Constituição federal, a fim de sobre a integração ou não do Município
guardar à federação o caráter de Estado e no Estado Federal. Alguns autores enten-
a unidade da soberania. Quais, e quantos, dem que não é parte essencial da Federa-
sejam os direitos e faculdades que devam ção. Afirmam, para tanto, que, quando do
constituir o poder dos Estados particula- nascimento da Federação, o Município não
res, e até onde devam os mesmos contri- integrava as duas ordens jurídicas necessá-
buir, como órgãos do poder federal, - não rias à formação do Estado Federal. Asseve-
há uma regra fixa ou padrão obrigado; tudo ram ainda que o Município não tem todos
depende da Constituição federal – cujas os característicos do Estado-membro, pois
disposições concernentes, para guardar a não possui representação na elaboração a
devida prudência e critério, deverão ajus- vontade geral (Senado Federal), nem tam-
tar-se, o melhor possível, aos dados histó- pouco sobre intervenção da União Federal.
ricos, e às relações existentes dos interes- Realmente o Município não tem tais ca-
ses e condições da vida política local para racterísticos, mas inegavelmente integra a
com a nacional e vice-versa”(1983:77). Federação brasileira. O art. 1º traz o Muni-
Tal raciocínio (escorado particu- cípio como integrante da forma federativa
larmente nos artigos 1º, caput e 18 caput de Estado, preconizando que a República
da C.F./88) é que tem tornado palatável à Federativa do Brasil é ‘formada pela união
doutrina constitucional brasileira contem- indissolúvel dos Estados e Municípios e do
porânea aceitar – sem desenvolver maiores Distrito Federal’. Dessa forma, o Municí-
cogitações sobre a “lei da participação” em pio integra a ordem administrativa e polí-
relação aos entes federados – a figura do tica, tendo reconhecida a sua autonomia,
Município como ente federado, bastando como se verifica do art. 18 da Constitui-
para tanto a expressa qualificação consti- ção Federal. Ademais, a autonomia muni-
tucional. cipal é tema prestigiado pelo constituinte
Da mesma forma Manoel Gonçal- federal, que a colocou entre os princípios
ves Ferreira Filho preleciona: sensíveis, de necessária obediência pelo
“A Constituição Federal prevê o constituinte decorrente (art. 34, VII, c) e
Município como entidade federativa (art. cuja inobservância implica a decretação

Revista Brasileira de Direito Constitucional - Nº 6 - Jul./Dez - 2005 (Artigos)


O Município como Ente Federado: Uma Nova Perspectiva... 315

de intervenção federal no respectivo Esta- entes Federados.


do-membro. Assim sendo, afigura-se-nos A opinião de Jorge Miranda bem re-
indisputável a natureza federativa dos Mu- vela o quanto pode ser tormentosa a ques-
nicípios dentro dos parâmetros da Carta de tão:
1988” (2005:283, grifos do original). “Situação particularíssima vem a
No entanto esse posicionamento tem ser a do Brasil, onde se articulam federa-
feito com que autores dissonantes, como lismo em nível de Estados e regionalismo
José Afonso da Silva (mesmo aceitando político em nível de Municípios. (...) Os
aparentemente a municipalidade como municípios são, pois, entidades políticas
ente federado) tenham buscado apresentar integrantes da estrutura do Estado, embora
outras normas constitucionais, que não tra- não propriamente entidades estatais de 2º
tariam os Municípios como entes federa- grau” (2002:311).
dos, a fim de “provar” o erro daqueles que Se o ilustre professor português quis,
assim os qualificam. Com efeito, diz ele: com isso, dizer que os Municípios são en-
“Mas no Brasil o sistema constitu- tes federados de 3º grau, nada a reparar.
cional eleva os Municípios à categoria de No entanto, se procurou disfarçar uma nota
entidades autônomas, isto é, entidades do- autárquica descaracterizadora do Municí-
tadas de organização e governo próprios pio como ente federado, (o que não pare-
e competências exclusivas. Com isso, a ce ser sua intenção, diga-se) andou muito
Federação Brasileira adquire peculiarida- mal, uma vez que desconsiderou a autono-
de, configurando-se nela, realmente, três mia política deste, item que falta aos entes
esferas governamentais: a da União (go- administrativos estatais.
verno federal), a dos Estados Federados
(governos estaduais) e a dos Municípios 2.3.2. A “Lei da Autonomia”
(governos municipais), além do Distrito
Federal, a que a Constituição atual confe- Já no que tange à autonomia cum-
riu autonomia. E os Municípios transfor- pre assinalar que não se há de confundi-la
maram-se mesmo em unidades federadas? com a Soberania, pois, como bem expla-
A Constituição não o diz. Ao contrário, nam Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra
existem 11 ocorrências das expressões Martins:
‘unidade federada’ e ‘unidade da Federa- “Soberania é o atributo que se confe-
ção’ (no singular ou no plural) referindo-se re ao poder do Estado em virtude de ser ele
apenas aos Estados e Distrito Federal, nun- juridicamente ilimitado. Um Estado não
ca envolvendo os Municípios” (2005:300, deve obediência jurídica a nenhum outro
grifos do original). Estado. Isto o coloca, pois, numa posição
As referidas ocorrências citadas por de coordenação com os demais integrantes
José Afonso da Silva são pertinentes aos da cena internacional e de superioridade
seguintes artigos: 34, II, IV e V; 45, § 1º; dentro do seu próprio território; daí ser
60, III; 85, II; 132; 159, § 2º; 225, § 1º, possível dizer da soberania que se trata de
III da Constituição Federal e os artigos 13, um poder que não encontra nenhum outro
§ 4º e 34, § 9º do ADCT (2005:300, nota acima dele na arena internacional e ne-
25). A análise deles revela que, em várias nhum outro que lhe esteja, nem mesmo em
ocasiões, a interpretação sistemática exige igual nível, na ordem interna. A autonomia,
que eles se reportem apenas às entidades por outro lado, é a margem de discrição de
a que se referem, o que não traz nenhum que uma pessoa goza para decidir sobre os
óbice à consideração dos Municípios como seus negócios, sendo essa margem sempre

(Artigos) Revista Brasileira de Direito Constitucional - Nº6 - Jul./Dez - 2005


316 Gustavo Tavares Cavalcanti Liberato

delimitada pelo próprio direito. Daí porque cia de órgãos governamentais próprios,
se falar que os Estados-Membros são autô- isto é, que não dependam dos órgãos fe-
nomos, ou que os municípios são autôno- derais quanto à forma de seleção e inves-
mos; ambos atuam dentro de um quadro ou tidura; (b) na posse de competências ex-
moldura jurídica definida pela Constitui- clusivas, um mínimo, ao menos, que não
ção Federal. Autonomia, pois, não é uma seja ridiculamente reduzido. Esses pressu-
amplitude incondicionada ou ilimitada de postos da autonomia federativa estão con-
atuação na ordem jurídica, mas tão-somen- figurados na Constituição (arts. 18 a 42)”
te, a disponibilidade sobre certas matérias, (2003:100).
respeitados, sempre, os princípios fixados Pois bem, os dois elementos, quais
na Constituição. Autonomia, destarte, é sejam, a autonomia (política, administrati-
uma área de competência circunscrita pelo va e financeira) e a participação, é que se
direito, enquanto a soberania não encontra prestariam para caracterizar a unidade fe-
qualquer espécie de limitação jurídica. O derada, o ente federado. Deste modo, vale
Estado Federal é soberano do ponto de vis- a pena considerar o Município como legí-
ta do direito internacional, ao passo que os timo ente federado desde que se verifique a
diversos Estados-Membros são autônomos coexistência destes elementos na sua con-
do ponto de vista do direito interno. Eles figuração. É o que se pretende ver a seguir,
gozam, como visto, de uma ampla margem inclusive com uma abordagem diferencia-
de autonomia dentro das competências que da da questão da participação.
lhes são fixadas pela Constituição Federal
(1988:219-220).
A Soberania pertenceria, assim, ao 3. O Município Brasileiro como Ente Fe-
Estado Federal tomado como um todo, derado
apenas “tomando de empréstimo” à União
alguns órgãos para a manifestação da So- É chegado o momento de lançar vis-
berania na ordem internacional. Dizem os tas sobre a posição do Município brasileiro
mesmos autores: na organização nacional, especialmente
“Com relação a quem seria soberano sob a perspectiva dos dois elementos que
dentro do Estado Federal já muito se dis- parecem ser tidos como capazes de denotar
cutiu. Houve época em que se entendeu um ente federado quais sejam, a autono-
fossem os Estados-Membros os soberanos. mia e, notadamente, a questão tormentosa
Em outras ocasiões preferiu-se dizer que da participação destes na formação da von-
a soberania caberia simultaneamente aos tade federal.
Estados-Membros e à União. Hoje preva- Antes de proceder a esta análise,
lece a doutrina segundo a qual soberano é contudo, mostra-se interessante fazer um
o Estado total, é a República Federativa breve e perfunctório registro da situação
do Brasil, que expressa a sua soberania na das municipalidades dentro da história ins-
ordem internacional através dos órgãos da titucional brasileira.
União” (Bastos; Martins: 1988:220).
Para José Afonso da Silva, a autono- 3.1. Breves Notas sobre a Autonomia Mu-
mia federativa denotar-se-ia pela presença nicipal na História Institucional Brasileira
de dois elementos básicos. Eis a sua ob- Tratar-se-ia de grande atrevimento
servação: pretender abordar a fundo, neste pequeni-
“A autonomia federativa assenta-se no estudo, a trajetória da autonomia mu-
em dois elementos básicos: (a) na existên- nicipal na história institucional brasileira.

Revista Brasileira de Direito Constitucional - Nº 6 - Jul./Dez - 2005 (Artigos)


O Município como Ente Federado: Uma Nova Perspectiva... 317

Entretanto, a indicação da sua ampliação natureza ampla, comportando, inclusive,


ou restrição pode ser útil à formação de uma certa parcela do Poder Judiciário para
uma visão mais ampla das dificuldades en- o julgamento de certas causas.
contradas na afirmação de sua autonomia Com a independência e a outorga
tríplice (política, administrativa e finan- da Constituição Imperial de 18242, foram
ceira), elemento este de suma importância instituídas Câmaras Municipais em todas
para a caracterização de ente federado. as cidades e vila existentes - bem como
O primeiro momento a ser observa- seriam nas que porventura fossem sen-
do sucintamente é o do período colonial do criadas. Estas Câmaras teriam caráter
do Brasil. Com efeito, como assinala Hely eletivo e seriam presididas pelo vereador
Lopes Meirelles: mais votado. Sua competência abrangia o
“No período colonial, a expansão governo econômico e municipal das cida-
municipalista foi restringida pela idéia des e vilas e, especialmente, o exercício de
centralizadora das Capitanias, afogando suas funções municipais, a formação das
as aspirações autonômicas dos povoados suas Posturas policiais, a aplicação das suas
que se fundavam e se desenvolviam mais rendas, e outras atribuições a serem defini-
pelo amparo da Igreja que pelo apoio dos das e regulamentadas em lei ordinária. O
donatários. Mesmo assim, as Municipali- advento desta lei se deu em 1º de outubro
dades de então tiveram inegável influência de 1828, cuidando do processo de eleição
na organização política que se ensaiava no dos vereadores e juízes de paz, além de ca-
Brasil, arrogando-se, por iniciativa pró- talogar todas as atribuições das Câmaras
pria, relevantes atribuições de governo, Municipais. A surpresa se fez em relação
de administração e de justiça. Realizavam à autonomia municipal. Esta lei veio trazer
obras públicas, estabeleciam posturas, a mais estrita subordinação administrativa
fixavam taxas, nomeavam juízes-almota- e política aos presidentes das Províncias.
céis, recebedores de tributos, depositários Destruíam-se, por meio desta lei ordinária,
públicos, avaliadores de bens penhorados, as franquias locais conquistadas na Carta
alcaides-quadrilheiros, capitães-mores Magna do Império.
de ordenanças, sargentos-mores, capi- Como assinala Hely Lopes Meirel-
tães-mores de estradas, juízes da vintena les:
e tesoureiros-menores. Julgavam injúrias “O centralismo provincial não con-
verbais e, não raras vezes, num incontido fiava nas administrações locais e poucos
extravasamento de poder, chegaram essas foram os atos de autonomia praticados pe-
Câmaras a decretar a criação de arraiais, las Municipalidades, que, distantes do po-
a convocar ‘juntas do povo’ para discutir der central, e desajudadas pelo governo da
e deliberar sobre interesses da Capitania, Província, minguavam no seu isolamen-
a exigir que governadores comparecessem to, enquanto os presidentes provinciais
aos seus povoados para tratar de negócios cortejavam o Imperador, e o Imperador
públicos de âmbito estritamente local, a desprestigiava os governos regionais, na
suspender governadores de suas funções, ânsia centralizadora que impopularizava
e até mesmo depô-los, como fez a Câmara o império. Na vigência da Lei regulamen-
do Rio de Janeiro com Salvador Correia de tar de 1828, que perdurou até a República,
Sá e Benevides, substituído por Agostinho as Municipalidades não passaram de uma
Barbalho Bezerra” (1996:34-35). divisão territorial, sem influência na po-
O papel desempenhado por estas mu- lítica e sem autonomia na gestão de seus
nicipalidades, tal como se pode ver, era de interesses, ante a expressa declaração da-

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318 Gustavo Tavares Cavalcanti Liberato

quele diploma de que as Câmaras eram terminaram as atribuições municipais cabí-


corporações meramente administrativas veis. Entretanto, na prática, isto não se deu.
(art. 24). Desprestigiadas politicamente, Como observa Hely Lopes Meirelles:
jungidas à Província e despojadas do poder “Durante os 40 anos em que vigorou
judicante, as Municipalidades do Império a Constituição de 1891, não houve auto-
contrastaram gritantemente com a orga- nomia municipal no Brasil. O hábito do
nização anterior, do Município colonial, centralismo, a opressão do coronelismo e
que desfrutava de franquias mais largas e a incultura do povo transformaram os Mu-
consentâneas com as suas finalidades. Esse nicípios em feudos de políticos truculen-
sufocamento das Municipalidades tornou- tos, que mandavam e desmandavam nos
se tão evidente que o Ato Adicional (Lei ‘seus’ distritos de influência, como se o
16, de 12.8.1834), ao reformar a Consti- Município fosse propriedade particular e o
tuição Imperial de 1824, enveredou pela eleitorado um rebanho dócil ao seu poder”
descentralização, mas incorreu em igual (1996: 37, grifos do original).
erro ao subordinar as Municipalidades às A Constituição de 1934 trouxe uma
Assembléias Legislativas provinciais em orientação nova para a questão municipal.
questões de exclusivo interesse local (art. Acenava-lhe com um merecido renasci-
10). Mais tarde, em 12.5.1840, a Lei 105 mento. Valendo-se da funesta experiência
procurou remediar o mal, dando interpre- do regime anterior, a qual deixou bem cla-
tação mais ampla a dispositivos do Ato ro que não bastava a enunciação da auto-
Adicional, de modo a restituir algumas nomia municipal para que esta de fato se
franquias ao Município. Nem assim fica- efetivasse, os constituintes observaram
ram as Municipalidades aptas a uma boa com acerto que as Municipalidades preci-
administração, porque a Lei regulamentar savam não só de um governo próprio, mas,
de 1828, que uniformizara toda a organiza- antes e acima de tudo, de rendas próprias
ção dos Municípios, não lhes dava órgãos que lhe garantissem a realização de seus
adequados às suas funções” (1996: 35-36, serviços públicos e viabilizassem o pro-
grifos do original). gresso material do Município. Hely Lopes
A proclamação da República veio a Meirelles coloca:
instaurar o Federalismo, inclusive decla- “Fiel a essa orientação, a Consti-
rando os Estados-Membros “Soberanos” tuinte de 1934 inscreveu como princípio
ao invés de autônomos, imprecisão esta constitucional a autonomia do Município
que marcou época nas Constituições esta- em tudo quanto respeite ao seu peculiar
duais que a repetiram. A Constituição re- interesse, especialmente a eletividade do
publicana de 1891 veio ofertar um modelo prefeito e dos vereadores, a decretação
novo a ser desenvolvido no âmbito estadu- de seus impostos e a organização de seus
al: tratava-se do resguardo, pela Lei Maior serviços (art. 13). Depois de dar os line-
da autonomia Municipal em tudo que fosse amentos da autonomia, concretizando-a
de seu “peculiar interesse”, o que deveria em providências, passou a Constituição de
ser observado pelos Estados-Membros 1934 a discriminar as rendas pertencentes
quando se organizassem. As Constituições ao Município (art. 13, § 2º, I a V). Pela pri-
estaduais buscaram moldar as Municipali- meira vez uma Constituição descia a tais
dades com maior ou menor amplitude na minúcias, para resguardar um princípio
administração, de sorte a efetivar o que ga- tão decantado na teoria quanto esquecido
rantia a Magna Carta. Por sua vez, as Leis na prática dos governos anteriores” (1996:
Orgânicas reafirmaram este princípio e de- 38, grifos do original).

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O Município como Ente Federado: Uma Nova Perspectiva... 319

A brevíssima vigência desta Carta questão uma tríplice autonomia: política,


não permitiu, contudo, uma ponderação administrativa e financeira. O que se bus-
segura dos frutos desta inovação. cava, a rigor era patrocinar uma descentra-
O período posterior à Carta Magna lização política de porte e eqüitativa, de
de 1937 trouxe um regime ditatorial, for- forma a desmontar a estrutura hierárquica
temente marcado pelo intervencionismo hipertrofiada moldada pelo poder ditatorial
do poder central nas demais esferas fede- antecedente, bem como conferir autonomia
radas. O ditador nomeava o interventor harmônica à União, Estados e Municípios,
de cada Estado, o qual assumia, de fato, de forma a não se comprometer a estrutura
o caráter de governador. Por sua vez, este Federal nem se destruir ou desequilibrar a
interventor escolhia prepostos para ocupa- autonomia de Estados e Municípios. Mais
rem as prefeituras. A leitura de Hely Lopes uma vez é Hely Lopes Meirelles quem as-
Meirelles é bem acertada ao dizer que: sinala com percuciência que:
“Todas as atribuições municipais en- “Dentro desse esquema, ficou asse-
feixavam-se nas mãos do prefeito, mas aci- gurada a autonomia política, administrati-
ma dele pairava soberano o Conselho Ad- va e financeira: pela eleição do prefeito e
ministrativo estadual, órgão controlador de dos vereadores (art. 28, I); pela adminis-
toda a atividade municipal, que entravava tração própria, no que concerne ao seu
eficientemente as iniciativas locais. Àque- peculiar interesse e especialmente à de-
le tempo os interesses municipais ficaram cretação e arrecadação dos tributos de
substituídos pelo interesse individual do sua competência e à aplicação das suas
prefeito em manter-se no cargo à custa de rendas, bem como à organização dos ser-
subserviência às interventorias. (...) Pode- viços públicos locais (art. 28, II). Além das
se afirmar, sem vislumbre de erro, que, no rendas exclusivas do Município (art. 29), a
regime de 1937, as Municipalidades foram Constituição de 1946 lhe deu participação
menos autônomas que sob o centralismo em alguns tributos arrecadados pelo Esta-
imperial, porque, na Monarquia, os inte- do e pela União (art. 15, §§ 2º e 4º, 20, 21 e
resses locais eram debatidos nas Câmaras 29)” (1996: 40, grifos do original).
de Vereadores e levados ao conhecimento A ditadura militar de 1964 trabalhou
dos governadores (Lei de 1828) ou das As- a Constituição de 1967 e, em seu recrudes-
sembléias Legislativas das Províncias (Ato cimento, trouxe funestíssimas mudanças
Adicional de 1834), que proviam a respei- com a Emenda Constitucional nº 01/1969,
to, ao passo que, no sistema interventorial a qual, para muitos, seria uma nova Carta
do Estado Novo, não havia qualquer res- Constitucional. Estava novamente vigente
piradouro para as manifestações locais em um regime de forte vocação centralizadora,
prol do Município, visto que os prefeitos trazendo para o seio do Executivo federal
nomeados governavam discricionariamen- a maior monta de poderes, nada obstante
te, sem a colaboração de qualquer órgão houvesse sido mantido o regime federativo
local de representação popular” (1996: 38- e reconhecida a autonomia estadual e mu-
39, grifos do original). nicipal. As franquias conquistadas pelas
Já em 1946 o Município ressurgia, Municipalidades foram sendo limitadas,
novamente, em suas feições de self-go- tendo lugar assim uma degeneração da trí-
vernment de natureza local. A Constituinte plice autonomia (política, administrativa
redemocratizadora que precedeu a Consti- e financeira). Exemplos destas limitações
tuição de 1946 veio cristalizar a força do podem ser vistos na obrigatoriedade da
municipalismo e consagrar no texto em nomeação de prefeitos das Capitais, das

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320 Gustavo Tavares Cavalcanti Liberato

estâncias hidrominerais e dos Municípios constituinte ao incluir o município como


declarados de interesse da segurança na- parte integrante da Federação. O argumen-
cional (v. art. 15, § 1º, alíneas “a” e “b”); to principal é que, sendo a autonomia mu-
na sujeição da remuneração dos vereadores nicipal um dos centros de polarização de
aos limites e critérios estabelecidos em lei competência constitucional a ser exercida
complementar federal (art. 15, § 2º, com de forma autônoma, não se vê por que não
a redação dada pela Emenda nº 04/1975); hão de, os municípios, figurar naquele pró-
na ampliação dos casos de intervenção do prio artigo que fornece o perfil jurídico-po-
Estado no Município (art. 15, § 3º, alíneas lítico da República Federativa do Brasil”
“a” a “f”), etc. (1994: 258).
E aduz mais adiante, buscando con-
3.2. A Autonomia Municipal na Carta ceituar a Municipalidade dentro desta nova
Constitucional de 1988 realidade:
“O princípio federativo brasileiro
O fim do regime militar e a redemo- se traduz pela autonomia recíproca cons-
cratização nacional trouxeram uma nova titucionalmente assegurada da União, dos
Constituição: a “Constituição Cidadã” de Estados Federados e dos Municípios. O
1988. Marco no Constitucionalismo bra- Município é peça estrutural do regime fe-
sileiro, esta obra trouxe um alento ímpar derativo brasileiro, à semelhança da União
para a sofrida autonomia municipal. O e dos próprios Estados. A Constituição Fe-
Brasil lança-se na vanguarda da tipologia deral estabelece uma verdadeira paridade
federativa ao acolher o Município com en- de tratamento entre o Município e as de-
tidade federada de terceiro grau (observe- mais pessoas jurídicas, assegurando-lhe
se que inexiste hierarquia!). Paulo Bona- autonomia de autogoverno, de administra-
vides assinala com entusiasmo: ção própria e de legislação própria no âm-
“Não conhecemos uma única forma bito de sua competência (arts. 29, I, e 30 e
de união federativa contemporânea onde incisos). Autonomia que se confirma pelo
o princípio da autonomia municipal tenha disposto no art. 35, que proíbe a interven-
alcançado grau de caracterização política e ção do Estado nos Municípios, salvo ocor-
jurídica tão alto e expressivo quanto aque- rendo uma das hipóteses autorizadoras. O
le que consta da definição constitucional Município pode ser definido como pessoa
do novo modelo implantado no País com jurídica de direito público interno, dotado
a Carta de 1988, a qual impõe aos aplica- de autonomia assegurada na capacidade de
dores de princípios e regras constitucionais autogoverno e da administração própria”
uma visão hermenêutica muito mais larga (Bastos, 1994: 276-277).
tocante à defesa e sustentação daquela ga- De fato, a Constituição Federal de
rantia” (1999: 314). 1988 pretendeu integrar o Município na
Observando o significado de uma tal Federação como entidade de terceiro grau,
configuração, Celso Ribeiro Bastos asse- pelo que deu conformação ímpar na histó-
vera: ria nacional à sua tríplice autonomia (polí-
“Embora isso desatenda àqueles es- tica, administrativa e financeira). É o sentir
tudiosos que preferiam a adoção de um de Hely Lopes Meirelles:
modelo mais clássico de federação, onde “A característica fundamental da atu-
se desconhece a ordem municipal no pró- al Carta é a ampliação da autonomia muni-
prio nível da Constituição, não se pode cipal no tríplice aspecto político, adminis-
negar que nesse particular andou bem o trativo e financeiro, conforme estabelecido

Revista Brasileira de Direito Constitucional - Nº 6 - Jul./Dez - 2005 (Artigos)


O Município como Ente Federado: Uma Nova Perspectiva... 321

nos arts. 29 a 31, 156, 158, e 159, outorgan- Alexandre de Moraes, alterando um
do-lhe inclusive, o poder de elaborar a sua pouco a terminologia, também reconhece
lei orgânica (Carta Própria), anteriormente a existência desta tríplice autonomia muni-
adotada apenas pelo Estado do Rio Grande cipal na Magna Carta de 1988. Diz ele:
do Sul, desde a Lei de Júlio de Castilhos, “A autonomia municipal, da mesma
de 12.1.1897. (...) A posição atual dos Mu- forma que a dos Estados-membros, con-
nicípios brasileiros é bem diversa da que figura-se pela tríplice capacidade de auto
ocuparam nos regimes anteriores. Libertos organização e normatização própria, au-
da intromissão discricionária dos gover- togoverno, e auto-administração. Des-
nos federal e estadual e dotados de rendas sa forma, o município auto-organiza-se
próprias para prover os serviços locais, os através de sua Lei Orgânica Municipal e,
Municípios elegem livremente seus verea- posteriormente, por meio da edição de leis
dores, seus prefeitos e vice-prefeitos e rea- municipais; autogoverna-se mediante a
lizam o self-government, de acordo com a eleição direta de seu prefeito, vice-prefeito
orientação política e administrativa de seus e vereadores, sem qualquer ingerência dos
órgãos de governo. Deliberam e executam Governos Federal e Estadual; e, finalmen-
tudo quanto respeite ao interesse local, sem te, auto-administra-se, no exercício de suas
consulta ou aprovação do governo federal competências administrativas, tributárias
ou estadual. Decidem da conveniência ou e legislativas, diretamente conferidas pela
inconveniência de todas as medidas de seu Constituição Federal” (2005: 254, grifos
interesse; entendem-se diretamente com do original).
todos os Poderes da República e do Estado, No mesmo sentido, José Afonso da
sem dependência hierárquica à Adminis- Silva assevera:
tração federal ou estadual; manifestam-se “A autonomia municipal, assim,
livremente sobre os problemas da Nação; assenta em quatro capacidades: (a) capa-
constituem órgãos partidários locais e re- cidade de auto-organização, mediante a
alizam convenções deliberativas; e suas elaboração de lei orgânica própria; (b) ca-
Câmaras cassam mandatos de vereadores e pacidade de autogoverno, pela eletividade
prefeitos no uso regular de suas atribuições do Prefeito e dos Vereadores às respectivas
de controle político-administrativo do go- Câmaras Municipais; (c) capacidade nor-
verno local. Em face dessas atribuições, já mativa própria, ou capacidade de autole-
não se pode sustentar, como sustentavam gislação, mediante a competência de ela-
alguns publicistas, ser o Município uma boração de leis municipais sobre áreas que
entidade meramente administrativa. Dian- são reservadas à sua competência exclusi-
te de atribuições tão eminentemente polí- va e suplementar; (d) capacidade de auto-
ticas e de um largo poder de autogoverno, administração (administração própria,
a sua posição atual, no seio da Federação, para manter e prestar os serviços de inte-
é a de entidade político-administrativa de resse local). Nessas quatro capacidades,
terceiro grau, como bem salientavam os encontram-se caracterizadas a autonomia
comentadores da Constituição (1996: 42 e política (capacidades de auto-organização
43, grifos do original). e de autogoverno), a autonomia normativa,
Desta forma, os Municípios na atual (capacidade de fazer leis próprias sobre
composição do Estado Federal brasileiro matéria de sua competência), a autonomia
gozam, efetivamente, da mais ampla auto- administrativa (administração própria e or-
nomia tripartida (política, administrativa e ganização dos serviços locais) e a autono-
financeira). mia financeira (capacidade de decretação

(Artigos) Revista Brasileira de Direito Constitucional - Nº6 - Jul./Dez - 2005


322 Gustavo Tavares Cavalcanti Liberato

de seus tributos e aplicação de suas rendas, nos Municípios, como partes integrantes
que é uma característica da auto-adminis- da Federação brasileira. O que define e ca-
tração)” (2003:621, grifos do original). racteriza o ‘interesse local’, inscrito como
Assim, sua autonomia política lhes dogma constitucional, é a predominância
confere a capacidade de se auto-organizar, do interesse do Município sobre o do Es-
elaborar a legislação local, bem como de tado ou da União” (1996: 101, grifos do
eleger diretamente seu prefeito, vice-pre- original).
feito e vereadores, pois desde que a Cons- Por fim, a autonomia financeira das
tituição pretendeu garantir a existência de Municipalidades manifesta-se na capaci-
um self-government, de um governo local dade constitucionalmente assegurada de
próprio, não se poderia deixar de observar instituir e arrecadar os tributos que se en-
a escolha, pelos próprios eleitores locais, contram em sua competência constitucio-
dos seus representantes no Executivo e no nal, além de aplicar suas rendas sem qual-
Legislativo municipal. quer subordinação a Estados ou, mesmo,
Por sua vez, a autonomia administra- à União, prestando contas e publicando
tiva das Municipalidades resta evidenciada balancetes nos prazos previstos em lei (v.
e pela capacidade de possuir uma adminis- art. 30, inciso III da Magna Carta).
tração própria, com a conseqüente organi- Neste passo, vale ressaltar algumas
zação dos serviços públicos (e de utilidade valiosas observações de Hely Lopes Mei-
pública) locais e a organização do territó- relles:
rio municipal. Como salienta Hely Lopes “Continuamos a entender que o Mu-
Meirelles: nicípio não pode criar impostos além dos
“O conceito de administração pró- que lhe estão constitucionalmente destina-
pria não oferece dificuldade de enten- dos, seja na totalidade, seja em percentual.
dimento e delimitação - é a gestão dos Em matéria de impostos, pode-se dizer que
negócios locais pelos representantes do a competência do Município é meramente
povo do Município, sem interferência dos regulamentar dos que se acham instituídos
poderes da União ou do Estado-membro. na Constituição da República ou que lhe fo-
Mas a cláusula limitativa dessa administra- rem atribuídos em lei federal ou estadual.
ção exige exata interpretação, para que o Na expressão ‘instituir tributos’, usada pelo
Município não invada competência alheia, constituinte (CF, art. 30, III), não se compre-
nem deixe de praticar atos que lhe são re- ende a criação do imposto, mas sim a fixa-
servados. Tudo se resume, pois, na precisa ção do quantum a ser arrecadado e a forma
compreensão do significado de ‘interes- de sua arrecadação, para atender ao preceito
se local’. Interesse local não é interesse que veda a exigência, a elevação e a cobran-
exclusivo do Município; não é interesse ça de tributo sem lei que o estabeleça (art.
privativo da localidade; não é interesse 150, I) e a cobrança no mesmo exercício da
único dos munícipes. Se se exigisse essa lei que o instituiu ou aumentou (art. 150,
exclusividade, essa privatividade, essa III). Tendo o Município poder para instituir
unicidade, bem reduzido ficaria o âmbito (regulamentar) e arrecadar seus impostos,
da Administração local, aniquilando-se a tem-no também para conceder isenções tri-
autonomia de que faz praça a Constituição. butárias, nos que forem de sua competência,
Mesmo porque não há interesse municipal porque tal atividade está contida no âmbito
que não o seja reflexamente da União e do de seu interesse local. Quanto às imunida-
Estado-membro, como, também não inte- des constitucionais (art. 150, VI), embora
resse regional ou nacional que não ressoe recaiam sobre bens situados no território

Revista Brasileira de Direito Constitucional - Nº 6 - Jul./Dez - 2005 (Artigos)


O Município como Ente Federado: Uma Nova Perspectiva... 323

do Município, ou serviços nele executados, efetivamente o Município como ente da


devem ser obedecidas pela Administração Federação, a questão da necessidade de
local. Quanto às taxas, a capacidade impo- participação por parte deste na formação
sitiva do Município é ampla, porque amplo da vontade federal, como condição para a
é o seu poder de criar serviços públicos, so- qualidade de ente federado não passou des-
bre os quais pode cobrar a contraprestação percebida em outros países. Neste sentido,
correspondente, e de policiar as atividades é de ver-se o registro de Paulo Bonavides:
exercidas em seu território (CF, art. 145, II). “Não é somente no Brasil que se têm
O essencial é que atenda aos preceitos per- congregado vastas correntes de opinião
tinentes da lei complementar, disciplinado- para alargar a esfera do município na or-
ra do Direito Tributário, em conformidade ganização estrutural da forma de Estado.
com o art. 146 da CF, e não tome, para a Também na República Federal da Alema-
cobrança da taxa, a mesma base de cálculo nha esteve essa idéia tão viva e presente
que tenha servido para a incidência de im- que dela se ocupou a Comissão da Câmara
posto (CF, art. 145, § 2º)”(1996: 103-104, dos Deputados (Bundestag), incumbida
grifos do original). de fazer uma enquete sobre a reforma da
Deste modo parece irrefutável que a Constituição. A Comissão, contudo, ao
primeira condição para que se possa reco- contrário do que esperavam algumas for-
nhecer o Município como um ente federa- ças políticas, emitiu parecer negativo a
do resta plenamente preenchida. Com efei- toda inovação que viesse alterar a posição
to, a autonomia do Município jamais teve constitucional do município no ordena-
tal amplitude, o que o torna um ente, desde mento federativo alemão. Pelo que consta
já, diferenciado ainda que se não queira do famoso Relatório intitulado Beratungen
aceitá-lo como ente federado. und Empfehlungen zur Verfassungsreform
(II), Bund und Laender (1973-1976), a Co-
3.3. - A Questão da Participação na Forma- missão rejeitou a proposta de introduzir-se
ção da Vontade Federal: Uma Perspectiva no Conselho Federal (Bundesrat), equiva-
Possível lente ao nosso Senado, uma representa-
ção dos municípios, por entender que isto
Como já foi visto, para que se re- conduziria a uma completa ‘federalização’
conheça um ente como ente federado pa- (Vollfoederalisierung), não somente das es-
recem ser indispensáveis dois elementos, feras estatais, mas também das municipais,
quais sejam: autonomia e participação na provocando assim alteração substancial da
formação da vontade federal. ordem federativa, bem como mudança de
Também foi visto que, no caso dos qualidade e estrutura do Bundesrat” (1999:
Municípios brasileiros na Constituição 312, grifos do original).
Federal de 1988, o primeiro elemento, a A indicação da discussão travada
autonomia, encontra uma dimensão jamais alhures parece sugerir como solução para a
conhecida na história institucional do país. questão da participação municipal na for-
Entretanto, para alguns autores, a Munici- mação da vontade federal a criação de uma
palidade não possui o segundo elemento, câmara representativa - ou mesmo a am-
pelo que não poderia ser vista como ente pliação do Senado Federal para que receba
federado sem grave equívoco técnico. representantes das Municipalidades. Nada
Observando um tanto mais deti- mais impraticável.
damente a questão, pode-se ver que, se Basta, para se chegar a esta conclu-
o Brasil veio a ser o primeiro país a pôr são, observar-se o seguinte: no presente

(Artigos) Revista Brasileira de Direito Constitucional - Nº6 - Jul./Dez - 2005


324 Gustavo Tavares Cavalcanti Liberato

momento, o Senado Federal conta com no necesitan instrucciones del Estado que
81 Senadores e a Câmara dos Deputados los ha nombrado. ������������������������
Esto se dice expresamen-
conta com 513 parlamentares (v. arts. 45 te en la Constitución suiza (art. 91). En la
e 46 da Magna Carta, bem como o art. 1º Unión Americana del Norte, donde anti-
da Lei Complementar nº 78/1993). Entre- guamente los senadores votaban según las
tanto, existem mais de 5.000 (cinco mil) instrucciones de sus Estados, la costumbre
Municípios. contraria há sido establecida hoy. (...) En
Partindo-se do pressuposto de que, estas condiciones es algo difícil – por más
para que haja uma efetiva participação das que diga Le Fur (op. cit., pp. 631 ss) – sos-
Municipalidades na formação da vontade tener que, por el hecho de su tratamiento
federal seria necessária a escolha de, pelo em pie de igualdad en la segunda Cámara,
menos, um representante para cada Co- ejercen los Estados particulares uma ver-
muna, resta evidente que isto tornaria por dadera participación en la potestad federal.
demais lento e oneroso o processo legisla- Los diputados a esta Cámara representan
tivo federal. Nem se pense em propor, por realmente, en un sentido, a los diversos
outro lado, a criação de uma representação Estados, pero propriamente hablando esa
indireta dos Municípios, uma vez que isto representación es tan relativa como la del
significaria um dano de grande monta para a diputado em el régimen instituído por la
consolidação da incipiente democracia bra- Constitución francesa de 1791, donde di-
sileira e, ao mesmo tempo, redundaria na cho representante había de encontrar-se
criação de uma certa supremacia dos muni- libre de toda subordinación con respecto a
cípios mais populosos e ricos, em detrimen- su colegio electoral” (2001: 118-119).
to dos municípios menores e mais pobres. Exemplificando esta dificuldade, o
Isto parece deixar a questão sem so- mesmo autor destaca ao analisar a questão
lução. E, de fato, ela não pode ser resolvida da representação dos Cantões e dos Esta-
nos moldes em que é proposta, sem levar dos na Suíça e nos Estados Unidos:
em consideração que a esfera municipal da “Por el contrario, en Suiza y en los
federação possui particularidades relevan- Estados Unidos, donde los miembros del
tes, que estão a exigir a colocação desta Consejo de los Estados y los senadores vo-
mesma questão em uma outra perspectiva. tan libremente, y donde inclusive los vo-
A propósito, convém observar que a tos de dos enviados de un mismo Estado
“lei de participação”, se já não se mostra pueden contradecirse y por lo tanto neutra-
inexorável pelo fato de existirem forma- lizarse, no puede decirse que los Estados
ções federalistas com bases políticas, his- particulares, por mediación de la segunda
tóricas e sociais distintas, por outro lado Cámara, tengan una participación real y
também não produz os efeitos decantados directa en la voluntad federal” (Malberg,
quando se observa que a formação de um 2001: 119).
Senado não garantirá, necessariamente, a Hodiernamente, a doutrina parece
efetiva participação dos interesses dos Es- tender para o afastamento do problema,
tados-Membros na formação da vontade como sendo um pseudo-problema ao invés
política da Federação. de enfrentá-lo a partir da sua observação
Isso é bem exposto quando Carré de em consonância com as peculiaridades do
Malberg, em sua “Teoria Geral do Esta- Município enquanto ente federado. Afas-
do”, assinala: tando-se um pouco desta postura Celso
“Conviene observar, en efecto, que Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins
los diputados a la Câmara de los Estados apontam para fatores relevantes:

Revista Brasileira de Direito Constitucional - Nº 6 - Jul./Dez - 2005 (Artigos)


O Município como Ente Federado: Uma Nova Perspectiva... 325

“E, de outra parte, não queremos formais de participação popular no Estado,


crer que o só fato de os Estados-Membros parecem poder ofertar uma nova perspecti-
terem direito a se representarem por sena- va da participação municipal na formação
dores no seio da União fosse de molde tal da vontade federal.
a justificar a exclusão dos municípios do De fato, ao se analisar a “perspectiva
nosso modelo federativo. É matéria esta ‘federativa’”, tal como a denomina Rei-
toda apegada a preconceitos responsáveis nhold Zippelius, em sua “Teoria Geral do
pela convicção até certo ponto generaliza- Estado” observa-se que uma de suas tare-
da de que os conceitos e as locuções jurí- fas mais importantes é efetivamente o que
dicas têm essências. Nesta linha de idéias, este autor chama de “criação de âmbitos
haveria uma essência federativa, da qual de vida e de função de dimensão humana”.
o município não faria parte. O certo é que Constatando que o crescimento do Estado
existem apenas Estados que, em razão de Federal em face dos demais entes federa-
certas afinidades e analogias, mas nunca de dos é capaz de, progressivamente acarretar
identidade, possuem alguns atributos a que a dissolução das “tradicionais e acolhedo-
se convencionou chamar Federação. O que ras comunidades de vida”, faz-se neces-
existe, portanto, são Estados Federativos sário criar e conservar âmbitos de vida
concretos, todos, de resto, diferentes entre dotados de uma certa autonomia que lhes
si em múltiplos aspectos” (1988: 232). permita regular e resolver seus próprios as-
De fato, trata-se de matéria afeita suntos (peculiar interesse local, poder-se-
aos preconceitos de um pretenso “espírito ia dizer), pois, como assinala este autor:
clássico” que se esgueira dentro da comu- Da mesma forma que a intimidade e
nidade jurídica nacional e, com isso, em- a solidariedade se sentem mais fortemente
baça as vistas daqueles que só cogitam de em âmbitos de vida mais próximos do ci-
tipos ideais, desconsiderando a multifária dadão do que em unidades mais distantes
realidade política, histórica e social como dele, também o sistema político global é
fatores condicionantes da estruturação do uma pátria sentida tanto mais intensamente
Estado. Entretanto, isto não quer dizer que pelos seus cidadãos, quando mais este sis-
a citada questão deva ser banida sumaria- tema promover a vida própria das peque-
mente, sem que se tente, ao menos, ofe- nas comunidades (1997: 505-506).
recer uma perspectiva para o trabalho de Prosseguindo em sua exposição, o
uma possível solução. mesmo autor salienta:
A perspectiva que se pretende ofere- “Na mesma direcção aponta também
cer neste momento é a de uma visão que a reivindicação democrática de, através de
não se deixe prender pela simples, formal uma descentralização política e democrá-
e pouco produtiva equiparação entre os tica, assegurar ao indivíduo a maior par-
entes federados, tal como se todos fossem ticipação possível na formação da vonta-
rigorosa e substancialmente iguais. Como de comunitária e na regulação das tarefas
já dito os Municípios apresentam, em cada públicas. As oportunidades de uma parti-
país, peculiaridades significativas, e ao tra- cipação democrática e responsabilidade cí-
zê-los para a estrutura federal o que se pode vica do indivíduo são tanto maiores quanto
esperar é que estas peculiaridades se façam mais poder de decisão for depositado nos
sentir na sua conformação neste novo sis- níveis organizativos mais baixos” (Zippe-
tema. Assim, a Filosofia e a Ciência Políti- lius, 1997:506).
cas tendo envidado esforços no sentido de Viabilizando um maior controle
estudar algo mais do que os mecanismos do poder político por parte da população

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326 Gustavo Tavares Cavalcanti Liberato

dessas comunidades menores, ainda há a por outro motivo é que o Município, enten-
possibilidade de se conseguir a formula- dido como agrupamento territorial restrito,
ção, por via mais transparente e de maior precede ao próprio Estado. E moderna-
consenso (formado a partir da discussão de mente, não se pode deixar de conceder ao
propostas e do debate de idéias), de deci- Município boa parcela da responsabilidade
sões políticas e econômicas da comunida- pela democracia. É por isso que se tem, por
de política. Como diz Zippelius: outro lado, de lhe deferir os poderes que
“Em unidades descentralizadas, há a ele devem competir” (2003:823, 824 e
muito maior probabilidade de as relações 826, grifo do original).
entre custos e benefício, beneficiários e Para caracterizar o que foi dito, tome-
contribuintes de prestações públicas, se se, então, um exemplo já consagrado e que
tornarem mais transparentes e previsíveis bem demonstra a formação da opinião pú-
para os interessados, aos quais deverá ca- blica, que é oferecido por Darcy Azambu-
ber, neste contexto, um máximo de parti- ja ao explicitar de forma lapidar:
cipação responsável na decisão sobre a “Um comerciário, ou bancário, ou
distribuição dos bens e encargos públicos” funcionário público, pela manhã, antes de
(1997: 506). ir trabalhar, ao tomar o seu café, lê no jor-
Demonstrando sensibilidade a esta nal que se cogita de estabelecer a pena de
perspectiva, sem, contudo, desenvolver o morte para certos crimes graves. No mo-
problema da “lei de participação”, pode- mento, não liga maior importância ao as-
se ver com André Ramos Tavares, em sunto. No bonde encontra um amigo, que
seu “Curso de Direito Constitucional”, a é advogado, e em palestra emite seu ponto
compreensão da relevância do Município de vista, contrário ou favorável, à pena de
como peça basilar para a consolidação da morte. No espírito do nosso homem come-
democracia e vivência da mesma. Diz ele, ça a esboçar-se um germe de opinião. À
com pertinência tarde, o vespertino que costuma ler inicia
“De início é preciso relembrar as uma enquête e reproduz o parecer de um
memoráveis lições de Tocqueville, que já jurista e um médico, em que vêm os ar-
acentuava residir no próprio Município a gumentos pró e contra a medida. No dia
força dos povos livres. Isto porque, segun- seguinte, entre seus colegas de trabalho,
do o seu pensamento, a centralização do debate-se a questão e ele toma parte na dis-
poder apenas se presta ao enfraquecimen- cussão, expondo, dos argumentos que an-
to do povo e à perda de seu sentimento de tes ouvira e lera, os que mais o impressio-
cidadania. (...) Os Municípios representam naram. Passam-se alguns dias, e os jornais
uma excelente fórmula de descentraliza- continuam a publicar entrevistas e artigos.
ção administrativa do Estado. Quanto mais Um cinema aproveita a oportunidade e tor-
descentralizado o exercício do poder do na a exibir um filme em que o personagem
Estado, maiores as chances de participa- principal é acusado de ter assassinado um
ção política do cidadão e, por conseqüên- amigo, tem todos os indícios contra si e é
cia, mais elevado o nível democrático que executado. Alguns anos depois, verifica-se
se pode alcançar. (...) O reconhecimento da sua inocência. O nosso homem assiste ao
importância dos Municípios deve-se, so- filme e sai profundamente impressionado.
bretudo, à circunstância de que se trata de Acompanha agora com interesse os arti-
um agrupamento de sólidas bases, porque gos e entrevistas dos jornais, ouve confe-
o relacionamento dos interessados se dá de rências difundidas pelas estações de rádio
maneira mais aberta e intensa. Aliás, não e televisão, discute com os amigos. Tem

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O Município como Ente Federado: Uma Nova Perspectiva... 327

opinião formada sobre a pena de morte. E, uma sociedade civil que se distancia tanto
como ele, dezenas e dezenas de milhares do Estado como da economia” (1997: 23
de outros homens, no país inteiro, adota- e 24).
ram um ponto de vista sobre assunto que É de cogitar-se, então, o que de fato
até então não os preocupara. É assim que vem a ser a “vontade federal”, em cuja par-
se formou a opinião pública pró ou contra ticipação reside a condição de ente federa-
a pena de morte. Vê-se, pois, que diversos do. Pois bem, por esta locução, como já se
fatores que influem no espírito do indiví- viu logo no início deste trabalho, denota-se
duo e da sociedade para formar opinião a vontade política válida para toda a or-
são os variados modos de comunicação do ganização federal. Ora, como se viu, a for-
pensamento: a conversação, a imprensa, mação da vontade política válida para toda
livros, discursos, conferências, o rádio, a a organização federal não há de seguir ape-
televisão, o cinema etc” (2000: 286-287, nas os caminhos institucionalizados, senão
grifo do original). que se abre à intervenção e participação
Ora, poder-se-ia tentar impugnar o de uma opinião pública atuante e que se
presente exemplo em razão de contar com mostre capaz de exercer pressão sobre os
interferências externas à órbita da Munici- caminhos institucionalizados.
palidade. Contudo, não se pode deixar de Parece ser evidente que o papel do
perceber que apenas as informações é que, Município nesta nova perspectiva passa a
via de regra, foram recebidas de fontes ex- ser o de arena primeira dos processos de
ternas. Os processos de interação social, de interação social, pelo que a vontade pre-
discussão e reflexão deram-se inteiramente dominante neste, desde que partilhada por
em sede municipal. outros Municípios, pode fazer valer a sua
Neste sentido, faz-se interessante ob- força por um caminho não institucionaliza-
servar o quão pertinente à esta nova pers- do, mas igualmente eficaz.
pectiva participativa municipal é a visão Também é evidente que para que te-
de Jürgen Habermas acerca do novo ar- nha lugar um funcionamento ótimo deste
ranjo da estrutura social contemporânea e sistema faz-se necessária alguma educação
da nova perspectiva de Soberania Popular política. Entretanto, isto não é um óbice
que se dá neste meio: inquebrantável, uma vez que o próprio
“A opinião pública, transformada em Município, de acordo com a sua capacida-
poder comunicativo segundo processos de de auto-organização, pode muito bem
democráticos, não pode ‘dominar’ por si fomentar práticas de democracia partici-
mesma o uso do poder administrativo; mas pativa que iniciem, ainda que em âmbito
pode, de certa forma, direcioná-lo. (...) A municipal, a reflexão e o amadurecimento
soberania do povo, retira-se para o anoni- político da população.
mato dos processos democráticos e para a Neste sentido é imperiosa a indica-
implementação jurídica de seus pressupos- ção do interessantíssimo trabalho de Adol-
tos comunicativos pretensiosos para fazer- fo Ignacio Calderón, “Democracia Local
se valer como poder produzido comunica- e Participação Popular”, no qual o autor
tivamente. Para sermos mais precisos: esse procede à uma análise bem fundamentada
poder resulta das interações entre a forma- da elaboração da Lei Orgânica do Muni-
ção da vontade institucionalizada consti- cípio de São Paulo, indicando, inclusive,
tucionalmente e esferas públicas mobili- as diversas propostas que foram oferecidas
zadas culturalmente, as quais encontram, no sentido de ampliar a participação dos
por seu turno, uma base nas associações de cidadãos na direção da vida política muni-

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328 Gustavo Tavares Cavalcanti Liberato

cipal. À guisa de exemplo podem-se citar Como bem se pode ver da análise in-
as propostas relativas à criação da “Tri- dicativa procedida, a autonomia municipal
buna Popular”, de diversos Conselhos na jamais foi tão ampla, o que vem contri-
Administração Municipal, da necessidade buindo decisivamente para o fortalecimen-
de realização de Audiências Públicas em to destes entes na inserção da organização
determinados temas, etc (2000: 71-109). política nacional.
A partir da implementação de meca- Inobstante, revelou-se que a partici-
nismos como este é que se pode, efetiva- pação municipal na formação da vontade
mente, dar passos relevantes para a obten- federal não pode ser vista sob a mesma
ção de uma educação política mais sólida e perspectiva utilizada para o caso dos Es-
mais capaz de conscientizar os cidadãos de tados-Membros, mas está, outrossim, a
seu real papel na estrutura democrática do demandar uma nova perspectiva, mais pró-
Estado Federal. xima da democracia participativa, a qual
Assim, é de ver-se que a participação viabiliza obter-se a tão almejada participa-
municipal na formação da vontade federal ção municipal na formação da vontade fe-
há de ser posta não da mesma maneira que deral. Sem descurar das peculiaridades mu-
é posta para os demais entes federados, se- nicipais, muda-se o caminho para se chegar
não, em uma perspectiva nova, de demo- ao mesmo objetivo: a efetiva participação
cracia participativa, a qual faculta obter-se municipal na formação da vontade federal.
a tão almejada participação municipal na Observou-se, por igual, que a obje-
formação da vontade federal. Atendendo-se ção da “lei da participação” pode ser bem
às peculiaridades municipais, muda-se o ca- respondida ao se analisar uma nova pers-
minho para se chegar ao mesmo objetivo. pectiva da formação da vontade política da
Federação e ao se colocar tal processo sob
o prisma da formação da opinião pública,
4. Conclusões a qual apresentar-se-á quando da escolha
dos membros do Poder Legislativo Federal
(inclusive quando da eleição dos membros
O objetivo deste trabalho, obviamen- do Senado Federal), o que vem a desmis-
te, não poderia ser o esgotamento de um tificar a questão da “lei da participação”,
tema tão amplo, tormentoso e cheio de nu- mostrando como as peculiaridades de Es-
ances. Com efeito, o seu escopo é apenas o tados Federais distintos a afetam, produ-
de chamar a atenção para um problema que zindo formações Federais diferentes, mas
vem sendo um tanto quanto negligenciado nem por isso menos adequadas às realida-
pelos entusiastas do municipalismo. des políticas, históricas e sociais de onde
Assim, a busca pela verificação da emergem. Da mesma forma, desmascarou-
qualidade de ente federado dos Municípios se esta objeção ao se perceber que a mera
a partir dos dois elementos tidos por bá- existência de representantes dos estados-
sicos para todos os entes federados, quais membros não garante a efetiva participa-
sejam, a autonomia e a participação na for- ção destes na formação da vontade política
mação da vontade federal, indica que ain- federal, pois, como se viu, não estão eles
da residem alguns elementos capazes de, obrigados a nenhum mandato preestabele-
transcendendo a vitória normativa obtida cido acerca de como se portarão, podendo,
na Constituição Federal de 1988, questio- até mesmo, anularem-se uns aos outros.
nar e pôr em dúvida a qualidade pretendida Em razão disso e da crescente comple-
pelo Município. xidade do Estado Federal enquanto instância

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O Município como Ente Federado: Uma Nova Perspectiva... 329

central de poder, o papel da descentraliza- CAVALCANTI, Amaro. Regime Federativo e a


ção do Estado Federal pelas municipalida- República Brasileira. Brasília: Editora Univer-
des, assim, tem ganho cada vez mais espaço sidade de Brasília - UnB, 1983.
no plano da práxis democrática, como uma DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Te-
forma de preserva a conexão entre Estado oria Geral do Estado. 19ª Edição. São Paulo:
Federal e participação política. Saraiva, 1995.
___________. O Estado Federal. São Paulo:
Para além disto, é de observar-se que,
Ática, 1986.
sendo o Federalismo, tal como a Democra-
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Cur-
cia, um processo no qual não se pode pres- so de Direito Constitucional. 31ª Edição. São
cindir de um constante aperfeiçoamento, o Paulo: Saraiva, 2005.
refino da teoria Municipalista, bem como HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia:
o da teoria Federalista podem conduzir entre faticidade e validade. Volume II. Trad.:
para um ponto de convergência, capaz de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro:
harmonizar adequadamente os anseios e Tempo Brasileiro, 1997.
as restrições que se vêem hoje ainda em JELLINEK, Georg. Teoría General del Estado.
tensão. Trad.: Fernando de Los Rios. México, D.F.:
Por outro lado, a identificação de uma Fondo de Cultura Econômica, 2000.
tal questão e da conseqüente perspectiva KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do
que se apresenta como capaz de equacionar Estado. 3ª Edição. Trad.: Luís Carlos Borges.
este problema só vem mostrar o quanto se São Paulo: Martins Fontes, 1998.
faz necessária a ampliação da participação MALBERG, R. Carré. Teoría General del Esta-
política no âmbito municipal, uma vez que do. 2ª Edición. México, D.F.: Fondo de Cultura
Econômica / Facultad de Derecho – UNAM,
a partir desta é que se pode verdadeiramen-
2001.
te construir uma Federação não de Municí-
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal
pios, mas sim, com Municípios. Brasileiro. 8ª Edição. São Paulo: Malheiros,
1996.
MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Cons-
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40ª Edição. São Paulo: Globo, 2000. 1995.
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titucional. 16ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1994. Trad: Francisco Ayala. Madrid: Alianza Edito-
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(Artigos) Revista Brasileira de Direito Constitucional - Nº6 - Jul./Dez - 2005


330 Gustavo Tavares Cavalcanti Liberato

bastante intensa e, mesmo, decisiva para a


legitimação da Carta outorgada. Diz ele: “No
NOTAS Brasil é também o poder municipal anterior ao
Estado e à Nação, tendo sido com os Senados
1
É certo que, como se verá adiante, a crítica das Câmaras aquele poder que conferiu base
deste autor será por demais relevante para des- de legitimação ao constitucionalismo imperial,
mistificar o entendimento clássico sobre a par- fundador de nossas instituições. Sem a verdade
ticipação ente federado na formação da vontade histórica e política do município, a outorga da
do Estado Federal. Carta imperial durante o Primeiro Reinado teria
2
Neste momento, segundo registra Paulo Bo- ficado aquém de toda a legitimidade” (1999:
navides, a influência do poder municipal foi 318).

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