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Resumo: O presente trabalho procura colocar em questão uma objeção bastante recorrente por
aqueles que não aceitam a Municipalidade como ente federado: “a questão da lei da participação
na formação da vontade política do Estado Federal”. Com base nesta, diz-se que o Município não
pode ser considerado ente federado por não preencher um dos requisitos para tanto: eles não parti-
cipariam da formação da vontade política da Federação. Se, à primeira vista, a questão se apresenta
substanciosa, uma vez que os Municípios não contariam com uma Casa Legislativa específica para
lhes representar os interesses dentro do processo legislativo federal, por outro lado tal objeção pode
ser bem respondida ao se analisar uma nova perspectiva da formação da vontade política da Fede-
ração e ao se colocar tal processo sob o prisma da formação da opinião pública, a qual apresentar-
se-á quando da escolha dos membros do Poder Legislativo Federal (inclusive quando da eleição
dos membros do Senado Federal), o que vem a desmistificar a questão da “lei da participação”,
mostrando como as peculiaridades de Estados Federais distintos a afetam, produzindo formações
Federais diferentes, mas nem por isso menos adequadas às realidades políticas, históricas e sociais
de onde emergem. O papel da descentralização do Estado Federal pelas municipalidades, assim,
tem ganho cada vez mais espaço no plano da práxis democrática, como forma de manter acesa a
ligação entre Estado Federal e cidadania.
Palavras-Chave: Teoria do Estado Federal. Município. Ente Federado.
Abstract: The present work tries to point out a very persistent objection by those that does not ac-
cept the Municipality as a Federal entity: “the law of participation in the formation of the political
will of the Federal State” By this, it is said that the Municipality cannot be considered as a Federal
entity because it does not fulfill one of the requirements to be such one: they do not participate in
the formation of the political will of the Federation. At the first sight, it seems to be a very good ob-
jection, once the Municipalities don’t have a particular legislative house to represent their interesses
into the federal legislative process; but, in the other hand, such objection can be well responded
if analyzed by the public opinion point of view, which will present itself when the election of the
members of the Federal Legislative Power happens (inclusive when the election of the members of
the Senate took place). By viewing the issue in this point of view it will demystify the objection of
the “law of participation” showing how the peculiarities of distinct Federal States affect it, produ-
cing different Federal formations, nevertheless proper to the political, historical and social realities
from where they emerged. The role of the decentralization of the Federal State by the unicipalities,
therefore, has gain more and more space in the democratic praxis, as a path to keep present the
conection between the Federal State and the citizenship.
Key Words: Theory of the Federal State. Municipality. Federal Entity.
* Advogado. Professor de Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza – UNIFOR, Mestre em Direito Constitucional
pela mesma Universidade.
destes limites. Para alguns, seria o mesmo ainda hoje a predominante na maioria das
que a total traição da confiança depositada federações; consiste em atribuir poderes
pelos representados. enunciados à União e os poderes remanes-
Como se pode ver, o principal te- centes aos Estados-Membros. Sua grande
mor residia no caráter centralizador que virtude desde o início foi atender perfei-
a Federação poderia ter, uma vez que re- tamente a exigências aparentemente con-
presentaria a submissão de todos à figura traditórias. A União, pela enunciação das
de um governo central, criando, na própria competências que recebia, surgia suficien-
América, um substituto para a antiga do- temente forte para impor-se em matérias
minação britânica. Os líderes da proposta específicas aos Estados-Membros. Estes,
federalista, buscando afastar esta objeção por sua vez, tinham também a certeza de
(e outras mais), lançaram-se com afinco na continuar inteiramente soberanos, em tudo
busca de uma forma adequada para que se aquilo que não dissesse respeito às delega-
pudesse realizar uma composição em torno ções expressamente feitas (1994:252).
da proposta federalista. Assim, passaram a A questão pertinente à ausência de
explicar as bases do mecanismo de gover- mandato expresso, entretanto, mostrou-se
no almejado e, em alguns pontos, a realizar inafastável, e foi solucionada da seguin-
adaptações necessárias para a eliminação te forma, bem sintetizada por Dalmo de
de resistências mais encorpadas. Abreu Dallari:
Com efeito, aponta Celso Ribeiro “Quanto ao aspecto processual, re-
Bastos: lativo ao problema da inexistência de
“De um lado havia a necessidade de mandato dos representantes, para decidir
organizar-se um poder central forte e, de o ingresso na federação, foi proposto e
outro, havia a entranhada convicção de aceito que a Constituição só entrasse em
que os Estados não deviam abrir mão de vigor depois de ratificada por nove, pelo
sua soberania. A solução encontrada pelos menos, dos membros da confederação”
constituintes de Filadélfia foi a de atribuir (1995:217).
ao Estado federal tão-somente os poderes Destarte, resta posta uma ligeira tra-
que fossem expressamente enunciados jetória histórica da gênese moderna de Es-
na Constituição. Destarte, apenas aquelas tado Federal, a evidenciar a importância do
competências que passaram a ser definidas processo histórico para a sua composição
no Texto Constitucional como da alçada final. Isto não vem a cristalizar uma forma
da União é que podiam ser desempenhadas de federação como a única aceitável (ou
pelo órgão central de poder. É preciso re- mesmo “pura”) senão a indicar com clareza
conhecer o caráter extremamente pragmá- o relevo das experiências históricas (além
tico do comportamento dos constituintes de outros fatores) na formação de um dado
da Filadélfia. Cumpria, antes de mais nada, “tipo” de federalismo. De fato, isto não está
resolver o problema do conflito aparente a impedir que povos que tenham passado
de objetivos entre um governo central for- por processos históricos distintos possam
te e autonomias locais, também robustas. gozar dos benefícios da forma federativa
(...) Quanto aos Estados-Membros, passa- de Estado, senão que o “tipo” resultante
ram eles a contar com todos os poderes que tende a apresentar algumas peculiaridades
não fossem delegados à União ou que não significativas, precisamente em razão des-
estivessem expressamente proibidos de te processo histórico e de outros fatores (à
exercitar, pela Constituição Federal. Essa guisa de exemplo poder-se-iam indicar as
técnica de repartição das competências é variantes culturais).
verno federal e os Estados componentes, de ser possível sua denúncia por qualquer
divisão regida pelo princípio de que o pri- dos contratantes, o que não acontece com
meiro é um ‘Governo de poderes enume- a Constituição. Na federação não existe
rados’, enquanto os últimos são governos direito de secessão. Uma vez efetivada a
de ‘poderes residuais’; - a operação direta, adesão de um Estado este não pode mais
na maior parte, de cada um desses centros se retirar por meios legais. Em algumas
de governo, dentro de sua esfera específi- Constituições é expressa tal proibição, mas
ca, sobre todas as pessoas e propriedades ainda que não o seja ela é implícita. Só o
compreendidas nos seus limites territo- Estado Federal tem soberania. Os Estados
riais; - a provisão de cada centro com o que ingressarem na federação perdem sua
completo aparelhamento de execução da soberania no momento mesmo do ingres-
lei, quer por parte do Executivo, quer do so, preservando, contudo, uma autonomia
Judiciário” (Bastos, 1994:253-254). política limitada. Pelo próprio conceito
A rigor pode-se observar uma certa de soberania se verifica ser impossível
confusão na enumeração do referido autor. a coexistência de mais de uma soberania
Com efeito, ao lado de algumas repetições no mesmo Estado, não tendo, portanto,
parecem aparecer, a cada momento, nu- qualquer consistência a pretensão de que
ances novas não levadas em consideração as unidades federadas tenham soberania
previamente. Não que os aspectos apresen- limitada ou parcial. No Estado Federal as
tados não sejam relevantes. Longe disto. A atribuições da União e as das unidades fe-
sua exposição é que parece não se mostrar deradas são fixadas na Constituição, por
muito sistemática, o que vem a dificultar a meio de uma distribuição de competências.
compreensão das características realmente Não existe hierarquia na organização fede-
“essenciais” do Estado Federal. ral, porque a cada esfera de poder corres-
Mantendo algumas das característi- ponde uma competência determinada. No
cas enunciadas por Celso Ribeiro Bastos, caso norte-americano os Estados, que esta-
o professor Dalmo de Abreu Dallari, vam organizando a federação, outorgaram
mais sistematicamente assinala: certas competências à União e reservaram
“São as seguintes as características para si, conforme ficou expresso na Cons-
fundamentais do Estado Federal: A união tituição, todos os poderes residuais, isto é,
faz nascer um novo Estado e, concomitan- aquilo que não foi outorgado à União. Esta
temente, aqueles que aderiram à federação regra tem variado nas Constituições dos
perdem a condição de Estados. No caso Estados Federais, havendo alguns que tor-
norte-americano, como no brasileiro e em nam expressa a competência dos Estados
vários outros, foi dado o nome de Estado a e outorgam à União os poderes residuais,
cada unidade federada, mas apenas como havendo casos, ainda, de atribuição de po-
artifício político, porquanto na verdade deres expressos à União e às unidades fe-
não são Estados. A base jurídica do Es- deradas. Modernamente, tornou-se comum
tado Federal é uma Constituição, não um a atribuição de competências concorrentes,
tratado. Baseando-se a união numa Cons- ou seja, outorga de competência à União
tituição, todos os assuntos que possam e às unidades federadas para cuidarem do
interessar a qualquer dos componentes da mesmo assunto, dando-se precedência,
federação devem ser conduzidos de acordo apenas nesse caso à União. A regra, por-
com as normas constitucionais. O tratado tanto, no Estado Federal é a distribuição de
é mais limitado, porque só regula os as- competências, sem hierarquia. Assim sen-
suntos nele previstos expressamente, além do, quando se tratar de assuntos de compe-
tência de uma unidade federada, esta é que relevante, qual seja, a necessidade de exis-
pode legislar sobre o assunto, não a União, tência de um órgão constitucional encar-
e vice-versa. A cada esfera de competência regado do controle da constitucionalidade
se atribui renda própria. Este é um ponto das leis, para que não haja invasão de
de grande importância e que se só recen- competências.
temente começou a ser cuidadosamente Como se pode ver, não é tarefa sim-
tratado. Como a experiência demonstrou, e ples delinear as características tidas por
é óbvio isso, dar-se competência é o mes- “essenciais” de um Estado Federal. Nada
mo que atribuir encargos. É indispensável, obstante isto, as duas caracterizações ora
portanto, que se assegure a quem tem os apresentadas, mesmo em sua amplitude,
encargos uma fonte de rendas suficientes, denotam uma complementaridade naquilo
pois do contrário a autonomia política se em que não coincidem.
torna apenas nominal, pois não pode agir, Assim, poder-se-ia reconhecer e in-
e agir com independência, quem não dis- dicar, em um rol exemplificativo, as se-
põe de recursos próprios. O poder político guintes características do Estado Federal:
é compartilhado pela União e pelas unida- I - O nascimento de um Estado novo e a
des federadas. Existe um governo federal, conseqüente perda, por parte das unidades
do qual participam as unidades federadas federadas, da condição de Estado; II - O
e o povo, e existem governos estaduais Estado Federal tem por base uma Consti-
dotados de autonomia política, podendo fi- tuição, e não um Tratado; III - Inexiste, no
xar sua própria orientação nos assuntos de Estado Federal, o direito à secessão; IV -
seu interesse, desde que não contrariem a Apenas o Estado Federal possui Soberania,
Constituição federal. Para assegurar a par- cumprindo não confundir Estado Federal
ticipação dos Estados no governo federal com a União; V - Uma descentralização
foi constituído o poder legislativo bicame- político-administrativa, prevista constitu-
ral. O Senado é o órgão de representação cionalmente, da qual decorre a correspon-
dos Estados, sendo praxe, embora haja dente autonomia política e administrativa;
algumas exceções, assegurar-se a todas as VI - Há uma divisão de competências de
unidades federadas igual número de repre- sede constitucional entre os entes federa-
sentantes. Na outra Casa do poder legisla- dos, de sorte a determinar suas atribuições
tivo é o povo quem se faz representar. Os e impedir a sua mudança ao bel-prazer dos
cidadãos do Estado que adere à federação mesmos; VII - A cada esfera de competên-
adquirem a cidadania do Estado Federal e cias se atribui renda própria, o que equiva-
perdem a anterior. Não há uma coexistên- le dizer que se reconhece a necessidade de
cia de cidadanias, como não há também, autonomia financeira dos entes federados;
em relação aos direitos de cidadania, um VIII - Há uma partilha de poder político
tratamento diferençado entre os que nas- entre os entes federados, tanto pela outor-
ceram ou residam nas diferentes unidades ga de autonomia política dentro da esfera
da federação. A Constituição Federal es- de competências correspondente como
tabelece os direitos básicos dos cidadãos, pela possibilidade das unidades federadas
que as unidades federadas podem ampliar, participarem da formação da vontade fede-
não restringir” (1986:15-24, grifos do ori- ral (via de regra em uma Casa Legislati-
ginal). va específica para a sua representação - o
Esta caracterização do Estado Fe- Senado); IX - Os cidadãos do Estado que
deral, por sua vez, mesmo sendo mais adere à federação perdem a sua cidadania e
sistemática, deixa de registrar um ponto adquirem a do Estado Federal; e, X - Deve
existir um órgão constitucional encarrega- todos aqueles poderes que decorrem da na-
do do controle de constitucionalidade das tureza mesma do sistema federativo, desde
leis, de sorte a impedir a invasão de com- que tudo se faça na estrita observância dos
petências. princípios básicos da Constituição federal.
A participação e a autonomia são proces-
2.3. Duas Notas para o Ente Federado sos que se inserem na ampla moldura da
Federação, envolvidos pelas garantias e
Observou-se acima quais seriam as pela certeza do ordenamento constitucio-
principais características do Estado Fede- nal superior - a Constituição federal, ci-
ral. Entretanto, antes de encerrar este passo, mento de todo o sistema federativo. Tanto
cumpre observar que há, no conjunto destas a participação como a autonomia existem
características, dois elementos de grande em função das regras constitucionais su-
importância, não apenas para a caracteriza- premas, que permitem ver na Federação,
ção do Estado Federal, mas também para a como viu Tocqueville no século XIX, duas
caracterização de ente federado. sociedades distintas, ‘encaixadas uma na
Estes dois elementos são a autonomia outra’, a saber, o Estado federal e os Esta-
e a participação, chamados, por alguns, de dos federados harmonicamente superpos-
princípios capitais de todo o sistema fede- tos e conexos (1995:181).
rativo. Paulo Bonavides apresenta tais ele-
mentos sob a condição de verdadeiras leis 2.3.1. A “Lei da Participação”
do federalismo. Diz ele esclarecendo o seu
significado: Quanto à participação, é registro dos
“Há, segundo George Scelle, dois mais insignes autores a sua importância na
princípios capitais que são a chave de todo caracterização de um ente federado. Vê-se
o sistema federativo: a lei da participação e este traço com Amaro Cavalcanti em seu
a lei da autonomia. Mediante a lei de parti- “Regime Federativo e a República Brasi-
cipação, tomam os Estados-membros parte leira”:
no processo de elaboração da vontade po- “Não há dúvida, também pensamos
lítica válida para toda organização federal, nós, que é na organização toda especial do
intervêm com voz ativa nas deliberações poder público, que reside o caráter distin-
de conjunto, contribuem para formar as tivo da Federação ou Estado-federal, em
peças do aparelho institucional da Federa- confronto com o Estado simples ou unitá-
ção e são no dizer de Le Fur partes tanto na rio; e é igualmente de admitir, que o que
criação como no exercício da ‘substância dá especialidade àquela organização, é,
mesma da soberania’, traços estes que bas- precisamente, a participação dos Estados
tam já para configurá-los inteiramente dis- federados na formação da vontade sobera-
tintos das províncias ou coletividades sim- na da União (1983:75, grifos do original).
plesmente descentralizadas que compõe o Georg Jellinek, em sua “Teoria
Estado unitário. Através da lei da autono- Geral do Estado” observa que, ainda que
mia manifesta-se com toda clareza o cará- o poder do Estado Federal decorra tão-
ter estatal das unidades federadas. Podem somente da Constituição como resultante
estas livremente estatuir uma ordem cons- da unidade do “povo federal” (sem que se
titucional própria, estabelecer a compe- leve em conta o poder dos Estados-Mem-
tência dos três poderes que habitualmente bros) deve-se ver que os Estados-Mem-
integram o Estado (executivo, legislativo e bros, ainda assim, deverão participar do
judiciário) e exercer desembaraçadamente poder federal. São palavras suas:
com menos población, como en Alemania” por vezes, à substituição desta pela descri-
(1995:697). ção exemplificativa das características que
Com vistas a isso, ele percebe que, se consideram indispensáveis a um Estado
relativamente à sistemática de nomeação Federal (Royo, 1995:673).
de tais representantes, há diversos critérios Da mesma forma, Jorge Miranda,
adotados nos diversos Estados Federais: em sua “Teoria do Estado e da Constitui-
“Por lo que a la designación de los ção”, após apresentar como um dos “prin-
miembros de la Cámara se refiere, se siguen cípios diretivos” do Estado Federal a “in-
vários criterios: 1. Elección por el cuerpo tervenção institucionalizada dos Estados
electoral. 2. Designación por el Parlamento Federados na formação da vontade políti-
o por el Gobierno de los direrentes Estados ca e legislativa federal, através de órgãos
miembros. 3. Libertad en la fijación del federais com adequada representação dos
procedimiento de designación a los Estado Estados (senados ou conselhos federais, os
miembros” (Royo, 1995:698). primeiros com titulares eleitos e os segun-
Como assevera este autor, tendo o dos com titulares delegados dos Governos
Estado Federal surgido com o fito de equi- locais)” (2002:309), salienta que:
parar-se (e, mesmo, superar) ao Estado “Naturalmente, são diferentes as
Unitário, isso fez com que a teoria do Es- concretizações destes princípios. Porém,
tado Federal se tenha formado, particular- mais do que isso, nem sempre eles se ve-
mente, a partir da experiência americana. rificam e, por isso, torna-se necessário
Com efeito, diz o ilustre professor considerar Estados federais de mais de um
espanhol: tipo ou grau: pelo menos, Estados federais
“Por eso, no existe ninguna teoria perfeitos e imperfeitos. Os primeiros são
del Estado Federal antes de la existência os que apresentam todas aquelas carac-
de éste, a diferencia de lo que ocurrió res- terísticas (como os Estados Unidos ou a
pecto del Estado Unitario. No existía ni Suíça). Os segundos são os que apresen-
siquiera el nombre. El Estado Federal se tam a maior parte delas, mas não todas,
impone en la práctica y una vez que se há nomeadamente a intervenção dos Estados
impusto se inicia la racionalización teórica nas modificações da Constituição federal
del mismo y se le da el nombre de Estado (como o Brasil ou a Rússia)” (2002:310,
Federal. Y por eso también, el concepto de grifos do original).
Estado Federal es un concepto mucho me- Como se pode ver, os requisitos para
nos preciso que el concepto de Estado Uni- a consideração de um dado ente como ente
tario. Mientras
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que en el concepto de Esta- federado não se apresentarão sempre da
do Unitario se reflejan procesos históricos mesma forma, cabendo analisar o peso da
en lo que tienen de homogéneos política, formação histórico-político-social de cada
social y económicamente en prácticamente Estado Federal para se definir até onde se
todo el mundo, el concepto de Estado Fe- verificarão mitigações, ausências ou alte-
deral lo que se reflejan son las circunstan- rações nas características básicas de um
cias históricas particulares de cada uno de Estado Federal e, por via de conseqüência,
los Estados constituidos de esta manera” de um ente federado.
(Royo, 1995:673). Isso se deve ao fato de que, se até
O resultado disso é por ele constata- mesmo os Estados-Membros são consi-
do como sendo a incapacidade da doutrina derados como criações constitucionais,
de se por de acordo acerca de uma defini- obtendo da Constituição Federal o seu sta-
ção única do Estado Federal, recorrendo, tus e competências, é a mesma Constitui-
ção que poderá, como resultado do Poder 1º), lhe confere competência (art. 30) e lhe
Constituinte Originário, estabelecer cita- discrimina rendas (art.156). Encerra-se,
das peculiaridades quanto ao Estado Fede- com isso, a polêmica doutrinária sobre a
ral por ela criado, em relação ao modelo natureza do Município, que alguns enten-
norte-americano. diam não ser entidade federativa por ter
Esse posicionamento é muito bem sido omitido no texto do art. 1º da EC n.
lembrado por Amaro Cavalcanti ao dizer: 1/69. A competência que lhe é concedida
“De certo; é, como órgãos, devida- pela Constituição, o é, aliás, nos mesmos
mente reconhecidos ou autorizados pelos termos que a da União. Esta e o Municí-
dispositivos da constituição federal, que pio têm os poderes enumerados; os Esta-
eles tomam parte na formação a vontade dos-Membros, os poderes remanescentes”
do Estado coletivo ou do Estado-federal, e (2005:70).
não, em virtude de outro poder ou direito, Outros autores, como Luiz Alberto
que lhes sejam essencialmente inerentes, David Araújo e Vidal Serrano Nunes Jú-
como pessoas jurídicas independentes. nior, procuram apresentar a questão pelo
(...) Juridicamente, é sem dúvida necessá- menos referencialmente. Dizem eles:
rio considerar os Estados-membros, como “Como já vimos, a doutrina discute
criações da Constituição federal, a fim de sobre a integração ou não do Município
guardar à federação o caráter de Estado e no Estado Federal. Alguns autores enten-
a unidade da soberania. Quais, e quantos, dem que não é parte essencial da Federa-
sejam os direitos e faculdades que devam ção. Afirmam, para tanto, que, quando do
constituir o poder dos Estados particula- nascimento da Federação, o Município não
res, e até onde devam os mesmos contri- integrava as duas ordens jurídicas necessá-
buir, como órgãos do poder federal, - não rias à formação do Estado Federal. Asseve-
há uma regra fixa ou padrão obrigado; tudo ram ainda que o Município não tem todos
depende da Constituição federal – cujas os característicos do Estado-membro, pois
disposições concernentes, para guardar a não possui representação na elaboração a
devida prudência e critério, deverão ajus- vontade geral (Senado Federal), nem tam-
tar-se, o melhor possível, aos dados histó- pouco sobre intervenção da União Federal.
ricos, e às relações existentes dos interes- Realmente o Município não tem tais ca-
ses e condições da vida política local para racterísticos, mas inegavelmente integra a
com a nacional e vice-versa”(1983:77). Federação brasileira. O art. 1º traz o Muni-
Tal raciocínio (escorado particu- cípio como integrante da forma federativa
larmente nos artigos 1º, caput e 18 caput de Estado, preconizando que a República
da C.F./88) é que tem tornado palatável à Federativa do Brasil é ‘formada pela união
doutrina constitucional brasileira contem- indissolúvel dos Estados e Municípios e do
porânea aceitar – sem desenvolver maiores Distrito Federal’. Dessa forma, o Municí-
cogitações sobre a “lei da participação” em pio integra a ordem administrativa e polí-
relação aos entes federados – a figura do tica, tendo reconhecida a sua autonomia,
Município como ente federado, bastando como se verifica do art. 18 da Constitui-
para tanto a expressa qualificação consti- ção Federal. Ademais, a autonomia muni-
tucional. cipal é tema prestigiado pelo constituinte
Da mesma forma Manoel Gonçal- federal, que a colocou entre os princípios
ves Ferreira Filho preleciona: sensíveis, de necessária obediência pelo
“A Constituição Federal prevê o constituinte decorrente (art. 34, VII, c) e
Município como entidade federativa (art. cuja inobservância implica a decretação
delimitada pelo próprio direito. Daí porque cia de órgãos governamentais próprios,
se falar que os Estados-Membros são autô- isto é, que não dependam dos órgãos fe-
nomos, ou que os municípios são autôno- derais quanto à forma de seleção e inves-
mos; ambos atuam dentro de um quadro ou tidura; (b) na posse de competências ex-
moldura jurídica definida pela Constitui- clusivas, um mínimo, ao menos, que não
ção Federal. Autonomia, pois, não é uma seja ridiculamente reduzido. Esses pressu-
amplitude incondicionada ou ilimitada de postos da autonomia federativa estão con-
atuação na ordem jurídica, mas tão-somen- figurados na Constituição (arts. 18 a 42)”
te, a disponibilidade sobre certas matérias, (2003:100).
respeitados, sempre, os princípios fixados Pois bem, os dois elementos, quais
na Constituição. Autonomia, destarte, é sejam, a autonomia (política, administrati-
uma área de competência circunscrita pelo va e financeira) e a participação, é que se
direito, enquanto a soberania não encontra prestariam para caracterizar a unidade fe-
qualquer espécie de limitação jurídica. O derada, o ente federado. Deste modo, vale
Estado Federal é soberano do ponto de vis- a pena considerar o Município como legí-
ta do direito internacional, ao passo que os timo ente federado desde que se verifique a
diversos Estados-Membros são autônomos coexistência destes elementos na sua con-
do ponto de vista do direito interno. Eles figuração. É o que se pretende ver a seguir,
gozam, como visto, de uma ampla margem inclusive com uma abordagem diferencia-
de autonomia dentro das competências que da da questão da participação.
lhes são fixadas pela Constituição Federal
(1988:219-220).
A Soberania pertenceria, assim, ao 3. O Município Brasileiro como Ente Fe-
Estado Federal tomado como um todo, derado
apenas “tomando de empréstimo” à União
alguns órgãos para a manifestação da So- É chegado o momento de lançar vis-
berania na ordem internacional. Dizem os tas sobre a posição do Município brasileiro
mesmos autores: na organização nacional, especialmente
“Com relação a quem seria soberano sob a perspectiva dos dois elementos que
dentro do Estado Federal já muito se dis- parecem ser tidos como capazes de denotar
cutiu. Houve época em que se entendeu um ente federado quais sejam, a autono-
fossem os Estados-Membros os soberanos. mia e, notadamente, a questão tormentosa
Em outras ocasiões preferiu-se dizer que da participação destes na formação da von-
a soberania caberia simultaneamente aos tade federal.
Estados-Membros e à União. Hoje preva- Antes de proceder a esta análise,
lece a doutrina segundo a qual soberano é contudo, mostra-se interessante fazer um
o Estado total, é a República Federativa breve e perfunctório registro da situação
do Brasil, que expressa a sua soberania na das municipalidades dentro da história ins-
ordem internacional através dos órgãos da titucional brasileira.
União” (Bastos; Martins: 1988:220).
Para José Afonso da Silva, a autono- 3.1. Breves Notas sobre a Autonomia Mu-
mia federativa denotar-se-ia pela presença nicipal na História Institucional Brasileira
de dois elementos básicos. Eis a sua ob- Tratar-se-ia de grande atrevimento
servação: pretender abordar a fundo, neste pequeni-
“A autonomia federativa assenta-se no estudo, a trajetória da autonomia mu-
em dois elementos básicos: (a) na existên- nicipal na história institucional brasileira.
nos arts. 29 a 31, 156, 158, e 159, outorgan- Alexandre de Moraes, alterando um
do-lhe inclusive, o poder de elaborar a sua pouco a terminologia, também reconhece
lei orgânica (Carta Própria), anteriormente a existência desta tríplice autonomia muni-
adotada apenas pelo Estado do Rio Grande cipal na Magna Carta de 1988. Diz ele:
do Sul, desde a Lei de Júlio de Castilhos, “A autonomia municipal, da mesma
de 12.1.1897. (...) A posição atual dos Mu- forma que a dos Estados-membros, con-
nicípios brasileiros é bem diversa da que figura-se pela tríplice capacidade de auto
ocuparam nos regimes anteriores. Libertos organização e normatização própria, au-
da intromissão discricionária dos gover- togoverno, e auto-administração. Des-
nos federal e estadual e dotados de rendas sa forma, o município auto-organiza-se
próprias para prover os serviços locais, os através de sua Lei Orgânica Municipal e,
Municípios elegem livremente seus verea- posteriormente, por meio da edição de leis
dores, seus prefeitos e vice-prefeitos e rea- municipais; autogoverna-se mediante a
lizam o self-government, de acordo com a eleição direta de seu prefeito, vice-prefeito
orientação política e administrativa de seus e vereadores, sem qualquer ingerência dos
órgãos de governo. Deliberam e executam Governos Federal e Estadual; e, finalmen-
tudo quanto respeite ao interesse local, sem te, auto-administra-se, no exercício de suas
consulta ou aprovação do governo federal competências administrativas, tributárias
ou estadual. Decidem da conveniência ou e legislativas, diretamente conferidas pela
inconveniência de todas as medidas de seu Constituição Federal” (2005: 254, grifos
interesse; entendem-se diretamente com do original).
todos os Poderes da República e do Estado, No mesmo sentido, José Afonso da
sem dependência hierárquica à Adminis- Silva assevera:
tração federal ou estadual; manifestam-se “A autonomia municipal, assim,
livremente sobre os problemas da Nação; assenta em quatro capacidades: (a) capa-
constituem órgãos partidários locais e re- cidade de auto-organização, mediante a
alizam convenções deliberativas; e suas elaboração de lei orgânica própria; (b) ca-
Câmaras cassam mandatos de vereadores e pacidade de autogoverno, pela eletividade
prefeitos no uso regular de suas atribuições do Prefeito e dos Vereadores às respectivas
de controle político-administrativo do go- Câmaras Municipais; (c) capacidade nor-
verno local. Em face dessas atribuições, já mativa própria, ou capacidade de autole-
não se pode sustentar, como sustentavam gislação, mediante a competência de ela-
alguns publicistas, ser o Município uma boração de leis municipais sobre áreas que
entidade meramente administrativa. Dian- são reservadas à sua competência exclusi-
te de atribuições tão eminentemente polí- va e suplementar; (d) capacidade de auto-
ticas e de um largo poder de autogoverno, administração (administração própria,
a sua posição atual, no seio da Federação, para manter e prestar os serviços de inte-
é a de entidade político-administrativa de resse local). Nessas quatro capacidades,
terceiro grau, como bem salientavam os encontram-se caracterizadas a autonomia
comentadores da Constituição (1996: 42 e política (capacidades de auto-organização
43, grifos do original). e de autogoverno), a autonomia normativa,
Desta forma, os Municípios na atual (capacidade de fazer leis próprias sobre
composição do Estado Federal brasileiro matéria de sua competência), a autonomia
gozam, efetivamente, da mais ampla auto- administrativa (administração própria e or-
nomia tripartida (política, administrativa e ganização dos serviços locais) e a autono-
financeira). mia financeira (capacidade de decretação
de seus tributos e aplicação de suas rendas, nos Municípios, como partes integrantes
que é uma característica da auto-adminis- da Federação brasileira. O que define e ca-
tração)” (2003:621, grifos do original). racteriza o ‘interesse local’, inscrito como
Assim, sua autonomia política lhes dogma constitucional, é a predominância
confere a capacidade de se auto-organizar, do interesse do Município sobre o do Es-
elaborar a legislação local, bem como de tado ou da União” (1996: 101, grifos do
eleger diretamente seu prefeito, vice-pre- original).
feito e vereadores, pois desde que a Cons- Por fim, a autonomia financeira das
tituição pretendeu garantir a existência de Municipalidades manifesta-se na capaci-
um self-government, de um governo local dade constitucionalmente assegurada de
próprio, não se poderia deixar de observar instituir e arrecadar os tributos que se en-
a escolha, pelos próprios eleitores locais, contram em sua competência constitucio-
dos seus representantes no Executivo e no nal, além de aplicar suas rendas sem qual-
Legislativo municipal. quer subordinação a Estados ou, mesmo,
Por sua vez, a autonomia administra- à União, prestando contas e publicando
tiva das Municipalidades resta evidenciada balancetes nos prazos previstos em lei (v.
e pela capacidade de possuir uma adminis- art. 30, inciso III da Magna Carta).
tração própria, com a conseqüente organi- Neste passo, vale ressaltar algumas
zação dos serviços públicos (e de utilidade valiosas observações de Hely Lopes Mei-
pública) locais e a organização do territó- relles:
rio municipal. Como salienta Hely Lopes “Continuamos a entender que o Mu-
Meirelles: nicípio não pode criar impostos além dos
“O conceito de administração pró- que lhe estão constitucionalmente destina-
pria não oferece dificuldade de enten- dos, seja na totalidade, seja em percentual.
dimento e delimitação - é a gestão dos Em matéria de impostos, pode-se dizer que
negócios locais pelos representantes do a competência do Município é meramente
povo do Município, sem interferência dos regulamentar dos que se acham instituídos
poderes da União ou do Estado-membro. na Constituição da República ou que lhe fo-
Mas a cláusula limitativa dessa administra- rem atribuídos em lei federal ou estadual.
ção exige exata interpretação, para que o Na expressão ‘instituir tributos’, usada pelo
Município não invada competência alheia, constituinte (CF, art. 30, III), não se compre-
nem deixe de praticar atos que lhe são re- ende a criação do imposto, mas sim a fixa-
servados. Tudo se resume, pois, na precisa ção do quantum a ser arrecadado e a forma
compreensão do significado de ‘interes- de sua arrecadação, para atender ao preceito
se local’. Interesse local não é interesse que veda a exigência, a elevação e a cobran-
exclusivo do Município; não é interesse ça de tributo sem lei que o estabeleça (art.
privativo da localidade; não é interesse 150, I) e a cobrança no mesmo exercício da
único dos munícipes. Se se exigisse essa lei que o instituiu ou aumentou (art. 150,
exclusividade, essa privatividade, essa III). Tendo o Município poder para instituir
unicidade, bem reduzido ficaria o âmbito (regulamentar) e arrecadar seus impostos,
da Administração local, aniquilando-se a tem-no também para conceder isenções tri-
autonomia de que faz praça a Constituição. butárias, nos que forem de sua competência,
Mesmo porque não há interesse municipal porque tal atividade está contida no âmbito
que não o seja reflexamente da União e do de seu interesse local. Quanto às imunida-
Estado-membro, como, também não inte- des constitucionais (art. 150, VI), embora
resse regional ou nacional que não ressoe recaiam sobre bens situados no território
momento, o Senado Federal conta com no necesitan instrucciones del Estado que
81 Senadores e a Câmara dos Deputados los ha nombrado. ������������������������
Esto se dice expresamen-
conta com 513 parlamentares (v. arts. 45 te en la Constitución suiza (art. 91). En la
e 46 da Magna Carta, bem como o art. 1º Unión Americana del Norte, donde anti-
da Lei Complementar nº 78/1993). Entre- guamente los senadores votaban según las
tanto, existem mais de 5.000 (cinco mil) instrucciones de sus Estados, la costumbre
Municípios. contraria há sido establecida hoy. (...) En
Partindo-se do pressuposto de que, estas condiciones es algo difícil – por más
para que haja uma efetiva participação das que diga Le Fur (op. cit., pp. 631 ss) – sos-
Municipalidades na formação da vontade tener que, por el hecho de su tratamiento
federal seria necessária a escolha de, pelo em pie de igualdad en la segunda Cámara,
menos, um representante para cada Co- ejercen los Estados particulares uma ver-
muna, resta evidente que isto tornaria por dadera participación en la potestad federal.
demais lento e oneroso o processo legisla- Los diputados a esta Cámara representan
tivo federal. Nem se pense em propor, por realmente, en un sentido, a los diversos
outro lado, a criação de uma representação Estados, pero propriamente hablando esa
indireta dos Municípios, uma vez que isto representación es tan relativa como la del
significaria um dano de grande monta para a diputado em el régimen instituído por la
consolidação da incipiente democracia bra- Constitución francesa de 1791, donde di-
sileira e, ao mesmo tempo, redundaria na cho representante había de encontrar-se
criação de uma certa supremacia dos muni- libre de toda subordinación con respecto a
cípios mais populosos e ricos, em detrimen- su colegio electoral” (2001: 118-119).
to dos municípios menores e mais pobres. Exemplificando esta dificuldade, o
Isto parece deixar a questão sem so- mesmo autor destaca ao analisar a questão
lução. E, de fato, ela não pode ser resolvida da representação dos Cantões e dos Esta-
nos moldes em que é proposta, sem levar dos na Suíça e nos Estados Unidos:
em consideração que a esfera municipal da “Por el contrario, en Suiza y en los
federação possui particularidades relevan- Estados Unidos, donde los miembros del
tes, que estão a exigir a colocação desta Consejo de los Estados y los senadores vo-
mesma questão em uma outra perspectiva. tan libremente, y donde inclusive los vo-
A propósito, convém observar que a tos de dos enviados de un mismo Estado
“lei de participação”, se já não se mostra pueden contradecirse y por lo tanto neutra-
inexorável pelo fato de existirem forma- lizarse, no puede decirse que los Estados
ções federalistas com bases políticas, his- particulares, por mediación de la segunda
tóricas e sociais distintas, por outro lado Cámara, tengan una participación real y
também não produz os efeitos decantados directa en la voluntad federal” (Malberg,
quando se observa que a formação de um 2001: 119).
Senado não garantirá, necessariamente, a Hodiernamente, a doutrina parece
efetiva participação dos interesses dos Es- tender para o afastamento do problema,
tados-Membros na formação da vontade como sendo um pseudo-problema ao invés
política da Federação. de enfrentá-lo a partir da sua observação
Isso é bem exposto quando Carré de em consonância com as peculiaridades do
Malberg, em sua “Teoria Geral do Esta- Município enquanto ente federado. Afas-
do”, assinala: tando-se um pouco desta postura Celso
“Conviene observar, en efecto, que Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins
los diputados a la Câmara de los Estados apontam para fatores relevantes:
dessas comunidades menores, ainda há a por outro motivo é que o Município, enten-
possibilidade de se conseguir a formula- dido como agrupamento territorial restrito,
ção, por via mais transparente e de maior precede ao próprio Estado. E moderna-
consenso (formado a partir da discussão de mente, não se pode deixar de conceder ao
propostas e do debate de idéias), de deci- Município boa parcela da responsabilidade
sões políticas e econômicas da comunida- pela democracia. É por isso que se tem, por
de política. Como diz Zippelius: outro lado, de lhe deferir os poderes que
“Em unidades descentralizadas, há a ele devem competir” (2003:823, 824 e
muito maior probabilidade de as relações 826, grifo do original).
entre custos e benefício, beneficiários e Para caracterizar o que foi dito, tome-
contribuintes de prestações públicas, se se, então, um exemplo já consagrado e que
tornarem mais transparentes e previsíveis bem demonstra a formação da opinião pú-
para os interessados, aos quais deverá ca- blica, que é oferecido por Darcy Azambu-
ber, neste contexto, um máximo de parti- ja ao explicitar de forma lapidar:
cipação responsável na decisão sobre a “Um comerciário, ou bancário, ou
distribuição dos bens e encargos públicos” funcionário público, pela manhã, antes de
(1997: 506). ir trabalhar, ao tomar o seu café, lê no jor-
Demonstrando sensibilidade a esta nal que se cogita de estabelecer a pena de
perspectiva, sem, contudo, desenvolver o morte para certos crimes graves. No mo-
problema da “lei de participação”, pode- mento, não liga maior importância ao as-
se ver com André Ramos Tavares, em sunto. No bonde encontra um amigo, que
seu “Curso de Direito Constitucional”, a é advogado, e em palestra emite seu ponto
compreensão da relevância do Município de vista, contrário ou favorável, à pena de
como peça basilar para a consolidação da morte. No espírito do nosso homem come-
democracia e vivência da mesma. Diz ele, ça a esboçar-se um germe de opinião. À
com pertinência tarde, o vespertino que costuma ler inicia
“De início é preciso relembrar as uma enquête e reproduz o parecer de um
memoráveis lições de Tocqueville, que já jurista e um médico, em que vêm os ar-
acentuava residir no próprio Município a gumentos pró e contra a medida. No dia
força dos povos livres. Isto porque, segun- seguinte, entre seus colegas de trabalho,
do o seu pensamento, a centralização do debate-se a questão e ele toma parte na dis-
poder apenas se presta ao enfraquecimen- cussão, expondo, dos argumentos que an-
to do povo e à perda de seu sentimento de tes ouvira e lera, os que mais o impressio-
cidadania. (...) Os Municípios representam naram. Passam-se alguns dias, e os jornais
uma excelente fórmula de descentraliza- continuam a publicar entrevistas e artigos.
ção administrativa do Estado. Quanto mais Um cinema aproveita a oportunidade e tor-
descentralizado o exercício do poder do na a exibir um filme em que o personagem
Estado, maiores as chances de participa- principal é acusado de ter assassinado um
ção política do cidadão e, por conseqüên- amigo, tem todos os indícios contra si e é
cia, mais elevado o nível democrático que executado. Alguns anos depois, verifica-se
se pode alcançar. (...) O reconhecimento da sua inocência. O nosso homem assiste ao
importância dos Municípios deve-se, so- filme e sai profundamente impressionado.
bretudo, à circunstância de que se trata de Acompanha agora com interesse os arti-
um agrupamento de sólidas bases, porque gos e entrevistas dos jornais, ouve confe-
o relacionamento dos interessados se dá de rências difundidas pelas estações de rádio
maneira mais aberta e intensa. Aliás, não e televisão, discute com os amigos. Tem
opinião formada sobre a pena de morte. E, uma sociedade civil que se distancia tanto
como ele, dezenas e dezenas de milhares do Estado como da economia” (1997: 23
de outros homens, no país inteiro, adota- e 24).
ram um ponto de vista sobre assunto que É de cogitar-se, então, o que de fato
até então não os preocupara. É assim que vem a ser a “vontade federal”, em cuja par-
se formou a opinião pública pró ou contra ticipação reside a condição de ente federa-
a pena de morte. Vê-se, pois, que diversos do. Pois bem, por esta locução, como já se
fatores que influem no espírito do indiví- viu logo no início deste trabalho, denota-se
duo e da sociedade para formar opinião a vontade política válida para toda a or-
são os variados modos de comunicação do ganização federal. Ora, como se viu, a for-
pensamento: a conversação, a imprensa, mação da vontade política válida para toda
livros, discursos, conferências, o rádio, a a organização federal não há de seguir ape-
televisão, o cinema etc” (2000: 286-287, nas os caminhos institucionalizados, senão
grifo do original). que se abre à intervenção e participação
Ora, poder-se-ia tentar impugnar o de uma opinião pública atuante e que se
presente exemplo em razão de contar com mostre capaz de exercer pressão sobre os
interferências externas à órbita da Munici- caminhos institucionalizados.
palidade. Contudo, não se pode deixar de Parece ser evidente que o papel do
perceber que apenas as informações é que, Município nesta nova perspectiva passa a
via de regra, foram recebidas de fontes ex- ser o de arena primeira dos processos de
ternas. Os processos de interação social, de interação social, pelo que a vontade pre-
discussão e reflexão deram-se inteiramente dominante neste, desde que partilhada por
em sede municipal. outros Municípios, pode fazer valer a sua
Neste sentido, faz-se interessante ob- força por um caminho não institucionaliza-
servar o quão pertinente à esta nova pers- do, mas igualmente eficaz.
pectiva participativa municipal é a visão Também é evidente que para que te-
de Jürgen Habermas acerca do novo ar- nha lugar um funcionamento ótimo deste
ranjo da estrutura social contemporânea e sistema faz-se necessária alguma educação
da nova perspectiva de Soberania Popular política. Entretanto, isto não é um óbice
que se dá neste meio: inquebrantável, uma vez que o próprio
“A opinião pública, transformada em Município, de acordo com a sua capacida-
poder comunicativo segundo processos de de auto-organização, pode muito bem
democráticos, não pode ‘dominar’ por si fomentar práticas de democracia partici-
mesma o uso do poder administrativo; mas pativa que iniciem, ainda que em âmbito
pode, de certa forma, direcioná-lo. (...) A municipal, a reflexão e o amadurecimento
soberania do povo, retira-se para o anoni- político da população.
mato dos processos democráticos e para a Neste sentido é imperiosa a indica-
implementação jurídica de seus pressupos- ção do interessantíssimo trabalho de Adol-
tos comunicativos pretensiosos para fazer- fo Ignacio Calderón, “Democracia Local
se valer como poder produzido comunica- e Participação Popular”, no qual o autor
tivamente. Para sermos mais precisos: esse procede à uma análise bem fundamentada
poder resulta das interações entre a forma- da elaboração da Lei Orgânica do Muni-
ção da vontade institucionalizada consti- cípio de São Paulo, indicando, inclusive,
tucionalmente e esferas públicas mobili- as diversas propostas que foram oferecidas
zadas culturalmente, as quais encontram, no sentido de ampliar a participação dos
por seu turno, uma base nas associações de cidadãos na direção da vida política muni-
cipal. À guisa de exemplo podem-se citar Como bem se pode ver da análise in-
as propostas relativas à criação da “Tri- dicativa procedida, a autonomia municipal
buna Popular”, de diversos Conselhos na jamais foi tão ampla, o que vem contri-
Administração Municipal, da necessidade buindo decisivamente para o fortalecimen-
de realização de Audiências Públicas em to destes entes na inserção da organização
determinados temas, etc (2000: 71-109). política nacional.
A partir da implementação de meca- Inobstante, revelou-se que a partici-
nismos como este é que se pode, efetiva- pação municipal na formação da vontade
mente, dar passos relevantes para a obten- federal não pode ser vista sob a mesma
ção de uma educação política mais sólida e perspectiva utilizada para o caso dos Es-
mais capaz de conscientizar os cidadãos de tados-Membros, mas está, outrossim, a
seu real papel na estrutura democrática do demandar uma nova perspectiva, mais pró-
Estado Federal. xima da democracia participativa, a qual
Assim, é de ver-se que a participação viabiliza obter-se a tão almejada participa-
municipal na formação da vontade federal ção municipal na formação da vontade fe-
há de ser posta não da mesma maneira que deral. Sem descurar das peculiaridades mu-
é posta para os demais entes federados, se- nicipais, muda-se o caminho para se chegar
não, em uma perspectiva nova, de demo- ao mesmo objetivo: a efetiva participação
cracia participativa, a qual faculta obter-se municipal na formação da vontade federal.
a tão almejada participação municipal na Observou-se, por igual, que a obje-
formação da vontade federal. Atendendo-se ção da “lei da participação” pode ser bem
às peculiaridades municipais, muda-se o ca- respondida ao se analisar uma nova pers-
minho para se chegar ao mesmo objetivo. pectiva da formação da vontade política da
Federação e ao se colocar tal processo sob
o prisma da formação da opinião pública,
4. Conclusões a qual apresentar-se-á quando da escolha
dos membros do Poder Legislativo Federal
(inclusive quando da eleição dos membros
O objetivo deste trabalho, obviamen- do Senado Federal), o que vem a desmis-
te, não poderia ser o esgotamento de um tificar a questão da “lei da participação”,
tema tão amplo, tormentoso e cheio de nu- mostrando como as peculiaridades de Es-
ances. Com efeito, o seu escopo é apenas o tados Federais distintos a afetam, produ-
de chamar a atenção para um problema que zindo formações Federais diferentes, mas
vem sendo um tanto quanto negligenciado nem por isso menos adequadas às realida-
pelos entusiastas do municipalismo. des políticas, históricas e sociais de onde
Assim, a busca pela verificação da emergem. Da mesma forma, desmascarou-
qualidade de ente federado dos Municípios se esta objeção ao se perceber que a mera
a partir dos dois elementos tidos por bá- existência de representantes dos estados-
sicos para todos os entes federados, quais membros não garante a efetiva participa-
sejam, a autonomia e a participação na for- ção destes na formação da vontade política
mação da vontade federal, indica que ain- federal, pois, como se viu, não estão eles
da residem alguns elementos capazes de, obrigados a nenhum mandato preestabele-
transcendendo a vitória normativa obtida cido acerca de como se portarão, podendo,
na Constituição Federal de 1988, questio- até mesmo, anularem-se uns aos outros.
nar e pôr em dúvida a qualidade pretendida Em razão disso e da crescente comple-
pelo Município. xidade do Estado Federal enquanto instância