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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”


FACULDADE DE CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS

Keite Azevedo Lima

ANÁLISE DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO


DIETOTERÁPICO DE PACIENTES DIABÉTICOS ATENDIDOS NO PROGRAMA
SAÚDE DA FAMÍLIA DO MUNICÍPIO DE ARARAS-SP

Araraquara, SP
2004
KEITE AZEVEDO LIMA

ANÁLISE DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO


DIETOTERÁPICO DE PACIENTES DIABÉTICOS ATENDIDOS NO PROGRAMA
SAÚDE DA FAMÍLIA DO MUNICÍPIO DE ARARAS-SP

Dissertação apresentada ao programa de


pós-graduação em Alimentos e Nutrição
da Faculdade de Ciências Farmacêuticas
da Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho”, área de Ciências
Nutricionais, para obtenção do título de
Mestre em Alimentos e Nutrição.

Orientadora: Profª. Drª. Fátima Neves do Amaral Costa

Araraquara, SP
2004
Aos meus pais, Sebastião e

Alice, que sempre estiveram

presentes, me apoiando,

incentivando e acreditando em

meus sonhos.
Agradecimentos

À Deus, que é vida.

À minha família, que se alegrou com mais uma conquista.

À minha orientadora, profª. drª. Fátima Neves do Amaral Costa, pela

dedicação, pela amizade e por ter ampliado meus horizontes dentro do

conhecimento da educação e nutrição.

Às pacientes, que dedicaram seu tempo, atenção e carinho para que

meu projeto pudesse ser realizado.

À profª. drª. Maria Jacira Silva Simões, profª. drª. Sônia Maria Villela

Bueno, profª. drª. Lisete Diniz Ribas Casagrande e ao prof. dr. Edson do Carmo

Inforsato, pelas valiosas sugestões.

À Claudia, Sônia, Laura, funcionárias da pós-graduação da

Faculdade de Ciências Farmacêuticas, e à Kely, funcionária da pós-graduação da

Faculdade de Ciências e Letras, pelas informações e serviços prestados.

Aos funcionários da biblioteca da Faculdade de Ciências

Farmacêuticas, de modo especial à Irani e Sônia, pela correção atenciosa das

referencias bibliográficas e elaboração da ficha catalográfica.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

(CAPES) pela bolsa concedida.

À Prefeitura Municipal do município de Araras, pela autorização para

realização do projeto em uma unidade do Programa Saúde da Família.

Aos médicos, enfermeiras, dentista e agentes de saúde da unidade

do Programa Saúde da Família “Lucia Boquetti Meneguethi”, pelo carinho com

que me receberam e pelo auxílio no decorrer do trabalho.


Ao 4º pelotão de Polícia Militar Ambiental, na pessoa do tenente

Ênio Antonio de Almeida, por gentilmente haver cedido suas instalações em

Araras, para a realização das reuniões do grupo.

Às amigas Angélica e Luciana, pelos risos, pelas discussões

enriquecedoras, pela presença e pela amizade.


Agradecimentos Especiais

Ao meu pai, pelo amor e compreensão.

À minha mãe, pelo amor e compreensão, e também por preparar

com tanto carinho os pratos servidos nos encontros do grupo.

À Humberto, por ter participado de todo o percurso, dedicando seu

tempo, sua paciência e seu amor, contribuindo muito para a

realização deste sonho.


RESUMO

No presente trabalho buscamos compreender o processo de

construção de conhecimentos do paciente diabético atendido em uma unidade do

Programa Saúde da Família, no município de Araras-SP. O trabalho foi pautado

na metodologia da pesquisa qualitativa em saúde, com os seus respectivos

instrumentos: análise documental, entrevistas, observação participante, reuniões

de grupo e visitas domiciliares. A amostragem foi composta por 10 mulheres,

diabéticas, com idade entre 45 a 69 anos e escolaridade heterogênea. No

decorrer de um período contínuo realizamos um trabalho de educação nutricional,

segundo concepção de educação problematizadora de Paulo Freire. Ao final dos

encontros, quatro categorias foram identificadas como fundamentais à nossa

compreensão do processo educativo de construção de conhecimentos. Elas se

referem a doença, ao tratamento, a alimentação e ao significado da vida.

Percebemos que o diabetes traz consigo uma marca muito forte na vida das

pacientes, comprometendo muitas vezes o seu sentido. A aceitação da doença

não se mostrou um processo fácil, e algumas participantes, ao final dos encontros

ainda não conseguiam aceitar esse fato. O tratamento proposto muitas vezes

gera dificuldades intensas às pacientes. A principal dificuldade encontrada foi em

relação à adequação alimentar, principalmente pelo fato das orientações

recebidas prestigiarem uma dieta muito restritiva e fundamentada na orientação, e

não na educação nutricional.

Os resultados do trabalho se encaminham no sentido de evidenciar

que um processo de construção de conhecimentos, mediado pela educação

nutricional problematizadora, envolvendo as categorias encontradas, ocorreu de


forma individual e coletiva. Concluímos que o grupo favoreceu mais do que um

espaço educativo, cumprindo ainda uma função de apoio social e de lazer.

Palavras-chave: diabetes mellitus, educação nutricional, educação

problematizadora, pesquisa qualitativa em saúde.


ABSTRACT

The present work aims to understand the process of building the

knowledge from the diabetic patient assisted in a unity of the Family Health

Program, in Araras, São Paulo, Brazil. The work was based on the methodology of

the qualitative research on health with its respective instruments: documental

analysis, interviews, participant observation, group meetings and domiciliary visits.

The sample was constituted by 10 diabetic women aged between 46 years old and

70 years old with heterogeneous schooling. During a continuous period, a work of

nutritional education was carried out according to the conception of problematical

education by Paulo Freire. At the end of the meetings, four categories were

identified as fundamental to our understanding of the educational process of

building the knowledge. They refer to the disease, treatment, eating and meaning

of life. It is noticed that diabetes brings with it a very strong sign in the patient lives

committing its meaning. The acceptance of the disease did not show an easy

process, and some participants still could not accept the fact at the end of the

meetings. The proposed treatment often causes intense difficulties to the patients.

The main difficulty was related to the eating adequacy because the received

directions gave prestige to a very restrictive diet based on a direction not on the

nutritional education. The results of the work led to the sense of making evident

that the process of building the knowledge mediated by the nutritional

problematical education, involving the categories which were found, ocurred in an

individual and also collective way. We concluded that the group favored more than

an educational space, still accomplishing a function of social support and leisure.


Key words: diabetes mellitus, nutritional education, problematical education,

qualitative research in health.


Sumário

Introdução.............................................................................................................13
Seção 1. Considerações gerais sobre o Diabetes Mellitus..............................23
1.1 Definição e Epidemiologia................................................................................24
1.2 Classificação e Patogenia................................................................................26
1.3 Quadro Clínico, Complicação e Condições Associadas..................................27
1.4 Diagnóstico do Diabetes Mellitus.....................................................................29
1.5 Tratamento do Diabetes Mellitus.....................................................................32
Seção 2. Referencial teórico – Educação em Saúde e/ou Educação
Nutricional: Educação Nutricional como campo específico da Educação em
saúde.....................................................................................................................35
2.1 Educação em Saúde........................................................................................36
2.1.1 Recuperação Histórica..................................................................................36
2.2 Práticas Educativas Problematizadoras em Educação em
Saúde.....................................................................................................................50
2.3 Educação Nutricional.......................................................................................57
2.3.1 Recuperação Histórica..................................................................................57
2.3.2 Relembrando.................................................................................................78
2.3.3 Definição.......................................................................................................80
2.3.4 Importância da Educação Nutricional e os objetivos desse
Estudo....................................................................................................................82
Seção 3. Considerações teóricas: a metodologia da pesquisa
eleita......................................................................................................................86
3.1 Diferentes tipos de pesquisa qualitativa...........................................................89
3.2 Etapas de trabalho da metodologia qualitativa................................................92
3.2.1 Fase Exploratória..........................................................................................92
I Como definir os objetivos da pesquisa................................................................93
II Análise documental.............................................................................................94
III O processo de escolha da amostragem............................................................94
IV Triangulação......................................................................................................96
3.2.2 Trabalho de campo.......................................................................................96
I Instrumentos da pesquisa....................................................................................97
- Entrevista.............................................................................................................97
- Observação participante....................................................................................100
- Anotações de campo.........................................................................................101
3.2.3 Tratamento dos dados................................................................................102
3.2.4 Desafios da pesquisa qualitativa.................................................................105
Seção 4. O percurso metodológico construído..............................................108
4.1 O estudo exploratório.....................................................................................109
4.1.1 A inserção do pesquisador..........................................................................110
4.1.2 Local do estudo: aproximação à temática...................................................111
4.1.3 Entrevista inicial com a equipe....................................................................112
4.1.4 Definição dos critérios a amostragem.........................................................119
4.1.5 Os instrumentos da pesquisa......................................................................120
I Análise documental............................................................................................120
II Entrevista..........................................................................................................120
III Observação participante..................................................................................121
IV As reuniões do grupo.......................................................................................123
V As visitas domiciliares.......................................................................................124
4.3.6 A demarcação do tempo da pesquisa de campo........................................125
Seção 5. Organização do material obtido e discussão dos dados
empíricos............................................................................................................126
5.1 Caracterização dos sujeitos...........................................................................127
5.2 As entrevistas iniciais com os sujeitos...........................................................132
5.2.1 A primeira questão......................................................................................133
5.2.2 A segunda questão.....................................................................................136
5.3 Os encontros..................................................................................................148
5.4 As avaliações após cada encontro................................................................178
Seção 6. As marcas do caminho......................................................................192
Seção 7. A construção de conhecimentos do paciente diabético................208
7.1 A doença: a grande vilã.................................................................................209
7.2 O tratamento: minimizando traumas..............................................................213
7.3 A alimentação: tudo ou nada?.......................................................................214
7.4 A vida: resgatando seu sentido......................................................................216
Referencias Bibliográficas................................................................................221
Anexos................................................................................................................230
INTRODUÇÃO
________________________________________________________
Introdução

Nossa primeira experiência com o diabetes mellitus se deu no

âmbito familiar. Acompanhamos o tratamento proposto aos membros portadores

da doença, assim como a dificuldade que apresentaram em segui-lo.

No decorrer do curso de graduação o entendimento sobre a

patologia foi ampliado, tornando-se mais técnico. Fomos nos deparando

novamente com o tratamento do diabetes, agora não mais como sujeitos

passivos, mas como estagiários que interferiam e propunham as restrições

alimentares pautados na Dietoterapia.

Nosso terceiro contato com pacientes diabéticos ocorreu no ano de

1999. Já decorreram dois anos da formatura e iniciávamos o aprimoramento em

Nutrição Hospitalar oferecido pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de

Medicina da Universidade de São Paulo – USP, na cidade de Ribeirão Preto.

Durante o estágio na clínica médica realizamos o atendimento ambulatorial de

pacientes diabéticos. Nosso papel consistia basicamente na orientação da dieta

que, embora já padronizada pelas nutricionistas do hospital, diferenciava-se de

acordo com as calorias fornecidas. Muito provavelmente, o papel da educação

nutricional era negligenciado pelo fato do atendimento dar-se em nível

ambulatorial, com intervenções pontuais, não havendo tempo hábil para a

realização de um trabalho mais cuidadoso, sendo então, realizada a orientação

nutricional. Cabe dizer que a educação e a orientação nutricional se extremam em

razão de seus objetivos. A primeira vista, em médio ou longo prazo, modificar e

melhorar os hábitos alimentares dos indivíduos, enquanto a segunda prega uma

mudança imediata destes hábitos, não aceitando transgressões (Boog,1997).


O trabalho realizado era de orientação nutricional. Todavia,

percebíamos seus limites na medida em que, a cada retorno, os pacientes

apresentavam glicemias alteradas e muitas vezes demonstravam não haverem

conseguido atender às orientações técnicas propostas.

Em um segundo momento de nosso aprimoramento, já no ano de

2000, participamos do Programa de Reeducação Alimentar desenvolvido para

pacientes obesos mórbidos atendidos na Unidade Metabólica do hospital. Nesse

programa os pacientes permaneciam internados por oito semanas, nas quais

eram submetidos a uma dieta inicial de 1800 Kcal, que gradativamente ia

sofrendo modificações em seu valor calórico até atingir 300 Kcal. Durante o

período de internação e, posteriormente, nos retornos ambulatoriais, os pacientes

recebiam suporte de toda a equipe multiprofissional.

O papel do nutricionista na equipe, principalmente no período de

internação, era o de ministrar aos pacientes conceitos que visavam à sua

educação nutricional, sendo utilizada a Pirâmide de Alimentos como recurso para

se fazer conhecer os grupos de alimentos, como escolhê-los e também adequar a

alimentação às condições sócio-econômicas dos pacientes.

Nesse segundo momento já havia então, como foi visto, atividade

voltada para a educação nutricional, porém os resultados não eram satisfatórios.

Refletindo sobre nossas experiências e entrando em contato com

referências bibliográficas, fomos percebendo que os esforços empreendidos até

aquele momento não redundavam em sucesso pela não inserção de questões,

propostas aos pacientes, que os levassem a problematizar suas condições de

vida e à descoberta de maneiras para torná-la mais saudável.


Assim, foi tomando forma a idéia de associar a Educação Nutricional

e os pressupostos teóricos que preconizam a problematização da doença.

Chegamos à educação problematizadora de Paulo Freire, que muito teria a dizer

para o nutricionista que tenha de se defrontar com o tratamento do diabético.

O interesse pelo processo educativo especificamente voltado ao

paciente diabético não se deu unicamente pelo fato de existirem pessoas

diabéticas na família, ou por termos realizado trabalhos com diabéticos no

decorrer de nossa vida acadêmica e profissional, mas também pelo diabetes

mellitus ser uma patologia de importância mundial, com repercussões graves que

passam do nível individual a toda uma sociedade.

O diabetes mellitus é considerado uma patologia preocupante na

perspectiva da saúde pública. É definido como uma desordem metabólica de

múltiplas etiologias, que se caracteriza por hiperglicemia resultante de alterações

na secreção de insulina ou em sua ação. É considerada a quinta principal causa

de morte, além de ser a potencial origem de inúmeras complicações tais como,

cegueira, infarto do miocárdio, derrame cerebral e risco de amputação de

membros (SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2000).

O tratamento do diabetes é constituído por educação e modificações

no estilo de vida, incluindo aumento de atividade física, reorganização de hábitos

alimentares e, se necessário, uso de medicamentos.

A educação nutricional é um dos pilares fundamentais no tratamento

do diabetes, uma vez que um bom controle metabólico exige alimentação

adequada. Assim sendo, para adesão ao tratamento e conseqüente efetividade,

vale ressaltar a importância da educação nutricional, através da qual se possibilita


ao paciente a construção de um padrão alimentar individualizado, passível de ser

seguido no seu contexto de vida.

A educação nutricional encontra-se profundamente articulada com a

educação em saúde, tendo peso relevante no campo da atenção primária à

saúde (MOTTA e BOOG, 1991; BOOG, 1997, 1999).

A constituição da Conferência Alma-Ata (1978), que trazia como

eixo de discussão o tema “Saúde para todos no ano 2000”, já evidenciava a

educação em saúde como uma das estratégias necessárias para atingir tão amplo

objetivo. É possível concluir a partir de então ser fundamental pensar a promoção

da saúde com o desenvolvimento efetivo de ações educativas em saúde.

O histórico da educação em saúde no Brasil evidencia a sua

importância na abordagem de problemas relativos à saúde. Surgindo

sistematicamente no início do século XX, para combater as epidemias que

causavam transtornos à exportação do café do País, as práticas de educação em

saúde apresentavam características impositoras e normativas, desconsiderando a

população como um sujeito coletivo e ativo no processo de saúde (MELO, 1987;

SMEKE e OLIVEIRA, 2001).

Ao longo de um século de desenvolvimento, foram observados

vários momentos no campo da educação em saúde. É marcante, porém, o fato

de que sempre esteve atrelada aos interesses econômicos de determinados

grupos e que as necessidades da população pouco ou nada influenciavam

(SMEKE e OLIVEIRA, 2001; VASCONCELOS, 2001).

Melo (1987) apresenta, em linhas gerais, três discussões sobre o

tema educação e saúde que emergiam no Brasil, partindo da data oficial de


criação da área, 1919, quando o tema Educação Sanitária foi proposto em

conferência internacional sobre a criança nos Estados Unidos.

Com marcante influência da estrutura sanitária norte-americana

sobre a brasileira, a partir de 1920, e com o processo de escolarização se

ampliando, as medidas de prevenção e educação sanitária alcançam grandes

parcelas da população brasileira. Imperam na época o entusiasmo e o otimismo

pedagógico que influenciarão na criação de nova concepção relativa aos serviços

de saúde. Surge a Saúde Pública, objetivando a melhoria das condições de vida

do trabalhador para garantir uma mão-de-obra produtiva. Paula Souza reorganiza

os serviços sanitários do estado de São Paulo, tendo a educação sanitária como

base de ação (MELO, 1987; SMEKE e OLIVEIRA, 2001).

Nos anos de 1930 a 37 adentramos ao período do totalitarismo, com

nenhuma publicação sobre educação sanitária. Nesse período, o conteúdo

ameaçava o poder dominante. São extintos os centros de saúde, onde se discutia

melhorias das condições de trabalho, despontando a política sanitária.

Intelectuais brasileiros se especializam nos EUA, na área da

Educação em Saúde, e em meados da década de 80 são introduzidas novas

idéias sobre a organização comunitária e participação, como formas de se

integrar os setores atrasados no desenvolvimento nacional (MELO, 1987).

A partir de 1967 tem início reformulação geral na educação

sanitária, que passa a ser chamada educação em saúde pública ou educação em

saúde / para a saúde. Com o final do milagre econômico veio a recessão na

indústria, comércio e diminuição dos investimentos em todos os setores. Percebe-

se a clara necessidade da mudança do conceito saúde, assim como das

estratégias que alcançassem esse conceito em sua complexidade. Emergem


então as principais idéias do Sistema Único de Saúde, assim como o novo

conceito de saúde apresentado na Conferência de Saúde de 1988.

Desde então uma grande parte das práticas de educação em saúde

nos serviços tem como meta superar o fosso cultural existente entre a instituição

e a população, pois um lado não compreende a lógica e atividade do outro. Atua-

se a partir do problema de saúde específico, buscando entender, sistematizar e

definir conceitos, princípios e lógicas presentes para superar as incompreensões

e mal-entendidos e tornar conscientes e explícitos os conflitos de interesses

(LEFRÈVE, 1999; VALLA, 1999, 2001; VASCONCELOS, 2001).

Busca-se valorizar o papel do sujeito como protagonista no processo

saúde/doença, ampliando-o para além da visão tecnicista e biologicista. A doença

não compreende, unicamente, um agente causador, mas um universo amplo,

onde estão inseridos o saber popular, os medos, a cultura e a condição sócio-

econômica dos indivíduos. Valorizar o sujeito é preocupar-se com todos os fatores

envolvidos no processo de adoecer, tratar e curar (REMEN, 1993; GOMES e

MENDONÇA, 2002; VALLA, 1999, 2001, 2003).

Todos esses autores e suas pesquisas fazem parte de um conjunto

de idéias que está se incorporando no campo das práticas educativas em saúde e

vem ganhando espaço. Coloca-se em evidência o paciente enquanto sujeito

inserido em um campo social, econômico e cultural, e investe-se na aproximação

do saber científico ao saber popular como caminho de ampliação de consciências

e fortalecimento de autonomias.

São os pressupostos vistos que orientam este trabalho, colhidos

nos estudos citados sobre o processo de construção de conhecimentos do

paciente diabético, sendo referentes:


1. à necessidade do paciente portador do diabetes mellitus

encontrar, na educação nutricional efetiva, um dos pilares de enfrentamento rumo

ao seu equilíbrio metabólico e conquistar melhoria na sua qualidade de vida;

2. à necessidade da educação em saúde, no processo de

construção de conhecimento, ser considerada como um instrumento de

participação dos sujeitos, ao mesmo tempo em que aprofunda a ciência no

cotidiano destes.

Direcionando tais idéias para este estudo temos como objetivo,

buscar compreender o processo de construção de conhecimentos do

paciente diabético ao longo de um trabalho de educação nutricional.

O trabalho foi organizado em sete capítulos, a fim de propiciar o

desenvolvimento do processo de construção de conhecimentos, mediado pela

educação nutricional, dos pacientes diabéticos atendidos no Programa Saúde da

Família (PSF) do município de Araras-SP.

Nos três capítulos iniciais apresentamos as bases de dados teóricos

pesquisadas que serviram de fundamento.

O primeiro capítulo, “Considerações Gerais sobre o Diabetes

Mellitus”, trata de expor um quadro teórico relativo aos conhecimentos da

definição e epidemiologia, classificação e patogenia, quadro clínico, complicações

associadas, diagnóstico e tratamento da patologia. É destacado o papel da

educação nutricional como elemento imprescindível no tratamento, na medida em

que favorece a construção de um padrão alimentar possível de ser adotado pelo

paciente.

Os referenciais teóricos utilizados foram hauridos em diversas fontes

(MAHAN e ARLIN, 1995; GUYTON e HALL, 1997; ANDERSON, 1999; COTRAN


e CRAWFORD, 2000; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1999;

SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2000; FUNASA, 2002; AMERICAN

DIABETES ASSOCIATION 2003a, 2003b, 2004).

No segundo capítulo, “Referencial Teórico: Educação em Saúde

e/ou Educação Nutricional: Educação Nutricional como Campo Específico da

Educação em Saúde”, é apresentada a recuperação histórica da Educação em

Saúde, trazendo-se as discussões atuais que permeiam este ramo científico,

incorporando idéias da educação de um modo geral (BRANDÃO, 2001; PINTO,

2001) e da Educação Problematizadora nas práticas educativas em saúde

(FREIRE, 1988, 2002). Igualmente realiza-se análise histórica da Educação

Nutricional, até os dias atuais, enfocando o “Programa Fome Zero” (INSTITUTO

CIDADANIA, 2001; BELIK e GROSSI, 2003). Esclarecemos as estreitas relações

entre Educação Nutricional e Educação em Saúde e elaboramos o conceito de

Educação Nutricional incorporado ao trabalho. Destacamos a importância da

Educação Nutricional para a consecução de nosso objetivo, diferenciando-a do

processo de orientação nutricional.

Freire (1988, 2002); Melo (1987); L’Abbate (1988, 1989); Motta e

Boog (1991); Boog (1996, 1997); Smeke e Oliveira (2001); Vasconcelos (2001),

foram os autores que forneceram subsídios à elaboração do capítulo. Não

podemos omitir que utilizamos também pesquisas que apenas tangenciam nosso

tema, sendo destacada sua importância para as conclusões a que chegamos, não

obstante a diversidade de objetivos (BOOG, 1996; MOTTA, 1998).

No terceiro capítulo, “Considerações Teóricas: A Metodologia da

Pesquisa Eleita”, o foco é voltado à discussão teórica que envolve as relações

entre a saúde e a metodologia escolhida para o presente estudo (a qualitativa).


Em função do objetivo a ser alcançado no capítulo, o referencial utilizado foram os

trabalhos de Triviños (1987); Thiollent (1988); Bogdan e Biklen (1994); Minayo,

(1996, 2001); Lüdke e André, (2001), dentre outros.

No quarto, “O Percurso Metodológico Construído”, abordamos o

caminho adotado para compreender o processo de construção de conhecimentos

do paciente diabético, mediado pela prática da Educação Nutricional.

No quinto capítulo, “Organização do Material Obtido e Discussão

dos dados Empíricos”, apresentamos os dados obtidos, bem como a respectiva

análise.

A partir do sexto capítulo, “As marcas do Caminho” , sinalizamos

rumo aos marcos da construção de conhecimento a serem conquistados através

do processo de Educação Nutricional desenvolvido. Apresentamos então os

resultados e as possíveis contribuições e limitações deste estudo.

No sétimo, “A Construção de Conhecimentos do Paciente

Diabético”, destacamos as categorias recorrentes nos encontros: a doença, o

tratamento, a alimentação e a vida, expondo nossas considerações finais.


SEÇÃO 1. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O DIABETES
MELLITUS
________________________________________________________
1 Considerações gerais sobre o Diabetes Mellitus

1.1 Definição e Epidemiologia

Atualmente em todo o mundo, independentemente do nível sócio-

econômico, o diabetes mellitus é considerado um problema de saúde pública

muito preocupante (SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2000;

FUNDAÇÃO NACIONAL DA SAÚDE- FUNASA, 2002).

A patologia é definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS,

1999) como:

Uma desordem metabólica de múltiplas etiologias, caracterizada por


hiperglicemia crônica com distúrbios no metabolismo de carboidrato,
gordura e proteína resultante de defeitos na secreção de insulina, ação
da insulina ou ambos. (p.02). (tradução nossa)

Os dados epidemiológicos evidenciam que mais de 150 milhões de

pessoas em todo o mundo sofrem com esta doença (SOCIEDADE BRASILEIRA

DE DIABETES, 2000).

Nos Estados Unidos, tal doença atinge cerca de 18 milhões de

pessoas e destas apenas cerca de 5% tem diabetes tipo 1 – insulino-dependente

– já as demais apresentam diabetes tipo 2 – não-insulino-dependente –

(ANDERSON, 2000). Outro fator interessante é que metade dos indivíduos

diabéticos tipo 2 desconhecem seu diagnóstico (ANDERSON, 2000).

No Brasil, segundo uma pesquisa realizada na década de 80, em 9

capitais do país, o dado quantitativo é de aproximadamente, 5 milhões de

pacientes (FUNASA, 2002). Globalmente, essa pesquisa evidenciou que a

prevalência do diabetes no Brasil é de 7,6% da população entre 30 e 69 anos de

idade, apontando ainda, variações entre as capitais estudadas, sendo que o valor
mínimo foi de 5,22% e o máximo de 9,66%, respectivamente de Brasília e de São

Paulo (FUNASA, 2002).

Considerando-se o sexo, observou-se uma prevalência muito

parecida entre homens e mulheres de até 39 anos (FUNASA, 2002).

Esses dados poderiam sugerir um alerta, uma vez que o diabetes é

a quinta principal causa de morte e pode causar inúmeras complicações graves,

como cegueira - o motivo mais freqüente entre pessoas de 20 a 74 anos -, infarto

do miocárdio, derrame cerebral e impotência, além do risco da amputação de

membros (SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2000).

Outro fator significativo foi notado em relação aos tipos de diabetes.

Encontramos dados que evidenciam que 90% dos diabéticos apresentam o tipo 2

e apenas 5 a 10% o tipo 1, considerando-se ainda que 2% de indivíduos

apresentam o diabetes secundário ou associado a outras síndromes (FUNASA,

2002).

Os dados apresentados nos parágrafos anteriores nos fazem refletir

sobre a importância da realização de estudos com indivíduos diabéticos,

sobretudo na perspectiva de prevenção de danos a médio e longo prazo,

principalmente quando nos deparamos com o dado que indica que 5 milhões de

brasileiros são portadores da doença. Desta maneira, o conhecimento da

epidemiologia do diabetes mellitus tornou-se um importante referencial teórico de

nosso estudo, pois devemos considerar, como a própria Sociedade Brasileira de

Diabetes enfatiza, que se trata de um problema de saúde pública merecedor de

nossa total atenção.


1.2 Classificação e Patogenia

A classificação do diabetes mellitus foi publicada primeiramente em

1980 pela OMS, tendo sofrido algumas modificações em 1985. No ano de 1992, a

10ª revisão da Nomenclatura Internacional de Doenças (IND) avaliou a

classificação preconizada até então. Aceitou-se amplamente a classificação de

1985 que, a partir daquele ano, passou a ser utilizada internacionalmente.

A Sociedade Brasileira de Diabetes coloca em seu consenso uma

tabela resumindo a classificação adotada pela OMS. A Sociedade também lembra

que os termos “diabetes mellitus insulino-dependente“ e “não-insulino-

dependentes” foram eliminados.

Quadro 1: Classificação do diabetes mellitus


Tipo 1: destruição da célula beta, geralmente ocasionando deficiência absoluta de insulina, de
natureza auto-imune ou idiopática.
Tipo 2: varia de uma predominância de resistência insulínica com relativa deficiência de insulina, a
um defeito predominantemente secretório, com ou sem resistência insulínica.
Outros tipos específicos:
defeitos genéticos funcionais da célula beta
defeitos genéticos na ação da insulina
doenças do pâncreas exócrino
endocrinopatias
induzidos por fármacos e agentes químicos
infecções
formas incomuns de diabetes imuno-mediado
outras síndromes genéticas geralmente associadas ao diabetes

Diabetes gestacional1

Fonte: Consenso Brasileiro sobre Diabetes, Sociedade Brasileira de Diabetes, 2000, p.06.
1
O diabetes mellitus gestacional é a diminuição da tolerância à glicose, de magnitude variável,
diagnosticada pela primeira vez na gestação, podendo ou não persistir após o parto. Abrange os
casos de diabetes mellitus e de tolerância à glicose diminuída detectados na gravidez.
(SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2000, p.05).
Neste momento trataremos do diabetes tipo 1, no qual devido a

suscetibilidade genética, auto-imunidade ou agressão ambiental, encontramos

células β em número reduzido e desta maneira pacientes com grave deficiência

de insulina. Devido a essa deficiência torna-se necessário para sua sobrevivência

a administração da insulina, pois sem a mesma desenvolverão cetoacidose aguda

e poderão chegar ao coma (COTRAN e CRAWFORD,2000).

Em relação ao tipo 2 não temos uma patogenia completamente

esclarecida, mas alguns aspectos são claros: existe um distúrbio nas células β

que levam a uma secreção de insulina deficiente, assim como tecidos periféricos

respondendo de forma reduzida a esta insulina (COTRAN e CRAWFORD, 2000).

É também reconhecido que o estilo de vida do paciente representa

papel fundamental para sua prevenção ou desenvolvimento. No caso do diabetes

tipo 2, metade de seus portadores poderiam ter prevenido seu aparecimento se

houvessem evitado o excesso de peso e da mesma maneira, 30% poderiam tê-lo

evitado se não apresentassem um ritmo de vida sedentário (COTRAN e

CRAWFORD, 2000, FUNASA,2002).

Um outro dado reconhecidamente importante refere-se à genética,

gêmeos idênticos, por exemplo, apresentam fator de concordância entre 60 e

80% (COTRAN e CRAWFORD, 2000).

1.3 Quadro clínico, complicações e condições associadas

O diabetes mellitus tipo 1, assim como o tipo 2, associa-se a um

quadro clínico caracterizado por poliúria, polidipsia, polifagia, cetoacidose, perda

de peso e astenia. Nestes tipos de diabetes devido ao comprometimento da


insulina encontramos um metabolismo de glicose, lipídeos e proteínas

comprometido (GUYTON e HALL, 1997; COTRAN e CRAWFORD, 2000).

Vale ressaltar ainda uma outra complicação que surge nos casos

em que indivíduos diabéticos fazem uso da insulina. Essa utilização pode

desencadear um processo de hipoglicemia. Esse quadro de baixo nível glicêmico

pode ocorrer devido a um excesso da quantidade do hormônio utilizado, à uma

alimentação em quantidade insuficiente ou, até mesmo à falta de alguma refeição,

quando for suprimida pelo indivíduo diabético (ANDERSON, 2000).

Em ambos os tipos de diabetes, encontramos complicações que

podem ter seu início retardado se houver controle rigoroso da doença. As

complicações mais significativas relacionam-se às pancreáticas, vasculares,

oculares e neurológicas, advindas de distúrbios metabólicos causados pela

hiperglicemia (ANDERSON,2000; COTRAN e CRAWFORD, 2000).

As alterações pancreáticas contam com redução no número e

tamanho das ilhotas de Langerhans, infiltração leucocitária das ilhotas,

desgranulação das células β, sutil redução na massa de células das ilhotas de

Langerhans e com substituição amilóias das ilhotas, sendo as últimas específicas

do tipo 2 (COTRAN e CRAWFORD, 2000).

Em relação as alterações vasculares, encontramos ateroesclerose

acelerada ocasionando gangrena dos membros inferiores e microangiopatia

diabética (COTRAN e CRAWFORD, 2000).

As retinopatias, formações de cataratas ou glaucoma, são as

complicações oculares que mais freqüentemente se manifestam nos diabéticos

(COTRAN e CRAWFORD, 2000).


Já as complicações neurológicas e renais decorrem da neuropatia

diabética e da nefropatia diabética, respectivamente (COTRAN e CRAWFORD,

2000).

Reconhecendo que a ingestão de carboidratos, principalmente os

chamados “açúcares simples” como a sacarose, aumenta o nível glicêmico

sanguíneo e que este nível é controlado devido a ação da insulina, temos que

indivíduos diabéticos apresentarão glicemia elevada caso não se tratem com esse

hormônio, os hipoglicemiantes orais, ou ainda caso não controlem sua dieta.

A partir do quadro exposto, constatamos que a dieta representa um

importante fator no controle dos níveis glicêmicos sanguíneos. Torna-se

fundamental, portanto, a necessidade da educação nutricional para o controle do

diabetes. Através dessa prática é possível se obter o controle dos níveis

glicêmicos dos pacientes e conseqüentemente, evitar ou ao menos retardar

possíveis complicações decorrentes.

1.4 Diagnóstico do Diabetes Mellitus

Os exames para diagnóstico do diabetes mellitus devem ser

realizados nos indivíduos assintomáticos, a partir dos 45 anos de idade, sendo

repetido a cada 3 anos. No entanto, se o indivíduo tiver Índice de Massa Corporal

(IMC) maior ou igual a 25Kg/m2 e apresentar algum fator de risco adicional, como

por exemplo ser hipertenso, ter apresentado diabetes gestacional, não praticar

qualquer atividade física, dentre outros, recomenda-se que a idade para

realização de exames para diagnóstico do diabetes mellitus seja menor que 45

anos ou o intervalo entre cada exame seja menor que 3 anos (AMERICAN
DIABETES ASSOCIATION, 2003a). No entanto temos a recomendação de um

grupo de especialistas da Associação Americana de Endocrinologia Clínica, que

sugere a redução da idade para 30 anos, pois observou-se que no período de

1990 e 1998, houve um aumento de 33% para 76% dos casos de diabetes, em

indivíduos entre 30 e 39 anos (AMERICAN ASSOCIATION OF CLINICAL

ENDOCRINOLOGISTS, 2001).

Dentre os exames para o diagnóstico do diabetes podem ser citados

os testes químicos da urina e do sangue (GUYTON e HALL,1997).

A medida de açúcar na urina é um dos testes que pode ser realizado

(GUYTON e HALL, 1997). Sabemos, entretanto, que se torna inadequado se

utilizado como único método para monitorar o diabetes, uma vez que poderá

representar avaliações imperfeitas (MAHAN e ARLIN, 1995).

Nos exames sanguíneos, os critérios para diagnóstico do diabetes

são três, sendo que recomenda-se que seus resultados sejam confirmados no

dia seguinte, através de uma técnica diferente da utilizada, inicialmente

(AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2003a).

O primeiro critério para diagnóstico se baseia no indivíduo que

apresenta sintomas do diabetes, assim como sua glicose plasmática, colhida

aleatoriamente, em qualquer momento do dia, sem jejum prévio, seja maior que

200mg/dl (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2004).

O segundo critério, classifica o indivíduo como diabético, quando

sua glicemia de jejum for superior a 126mg/dl (GUYTON e HALL, 1997; OMS,

1999; SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2000; AMERICAN DIABETES

ASSOCIATION, 2004).
Quando os valores de glicose plasmática, no jejum, são maiores ou

iguais a 110mg/dl e menores que 126mg/dl, a glicemia é considerada alterada

(SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2000).

Na maioria dos indivíduos, o nível de glicose sanguínea de jejum se

encontra entre 80 e 90mg/dl (GUYTON e HALL, 1997).

O terceiro critério para diagnóstico de diabetes é realizado através

de um outro teste sanguíneo, o de tolerância a glicose, no qual é oferecido ao

indivíduo 75g de glicose anidra dissolvida em água e colhida uma amostra no

soro ou plasma, nos tempos de 0,5; 1; 1,5 e 2 horas após a ingestão da glicose

(GUYTON e HALL,1997; ANDERSON,2000; SOCIEDADE BRASILEIRA DE

DIABETES, 2000; AMERICAN DIABETES ASSOCITION, 2004). O indivíduo é

considerado diabético quando sua glicose plasmática 2 horas após a ingestão da

glicose for igual ou maior que 200mg/dl (SOCIEDADE BRASILEIRA DE

DIABETES, 2000; AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2004).

Em um indivíduo que não seja diabético, a glicemia que

normalmente, é de 90mg/dl, sobe para 140mg/dl e depois de 2 horas cai para um

valor abaixo do valor encontrado, normalmente. Já em um indivíduo diabético, a

glicemia de jejum é de cerca de 140mg/dl, e sobe para um valor muito maior,

além de voltar para o valor inicial apenas 4 a 6 horas após a ingestão, e nunca

atingindo um valor abaixo do inicial (GUYTON e HALL, 1997).

Atualmente não é recomendado o uso do teste da hemoglobina

glicosilada para diagnóstico do diabetes mellitus (AMERICAN DIABETES

ASSOCIATION, 2004).

Os valores apresentados são os recomendados, atualmente, para o

diagnóstico do diabetes mellitus. Um grupo de especialistas da Sociedade


Americana de Diabetes sugere algumas mudanças nesses valores, abaixando o

valor de glicose plasmática considerado normal de 110ml/dl, para 100mg/dl. A

glicemia de jejum passaria a ser considerada alterada quando seus valores se

mantivessem entre 100 e 125mg/dl, e não mais, maiores que 110mg/dl e menores

que 126mg/dl. Essas alterações, segundo o grupo, foram propostas com a

finalidade de prevenir as complicações associadas ao diabetes, pois sabe-se que

uma glicemia igual ou superior a 126mg/dl está associada ao risco de

desenvolvimento de retinopatia (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2003b).

1.5 Tratamento do Diabetes Mellitus

O tratamento do diabetes objetiva manter o indivíduo com sua

glicemia em níveis considerados normais, como por exemplo sua glicose

plasmática de jejum deve se manter em 110mg/dl e duas horas pós-prandial deve

estar em 140mg/dl. Além da preocupação com a glicose plasmática, o tratamento

visa também manter dentro dos níveis normais as taxas de colesterol, total, HDL e

LDL, assim como de triglicérides. Outro objetivo do tratamento é que o indivíduo

diabético apresente valores pressóricos dentro dos valores adequados e não

apresente sobrepeso e muito menos obesidade, mantendo seu IMC entre 20 e

25Kg/m2 (SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2000).

O tratamento do diabetes tipo 1, para todos os indivíduos, consiste

basicamente, na administração de insulina (FUNASA,2002).

Quanto ao tipo 2, 8% dos pacientes no Brasil utilizam insulina,

porcentagem que sobe para 25% em outros países. Em relação ao uso dos

hipoglicemiantes orais no tratamento do diabetes tipo 2, observamos que 40%


dos pacientes utilizam o medicamento. É importante considerar, ainda, que 40%

dos indivíduos diabéticos tipo 2 poderiam ter seu controle metabólico equilibrado

apenas através da dieta (FUNASA,2002). Ou seja, uma vez mais é afirmado o

papel da educação nutricional neste grupo de pacientes, expressivamente

superior ao do tipo 1.

A seguir, apresentaremos uma proposta esquemática de tratamento

do diabetes mellitus tipo 1, tipo 2 e gestacional (FUNASA, 2002).

Fonte: FUNDAÇÃO NACIONAL PARA A SAÚDE, 2002, p.03

Assim sendo, o tratamento do diabetes mellitus realiza-se

basicamente em dois planos: alimentação adequada e atividade física. Estes 2

itens podem estar associados ao uso de insulina, obrigatoriedade no caso do tipo

1. No caso do tipo 2, pode-se fazer uso, quando necessário, de hipoglicemiantes


orais ou insulina, e no diabetes gestacional, havendo necessidade, utiliza-se

insulina (SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2000; FUNASA,2002).

Considerando o objetivo do presente trabalho, “buscar compreender

o processo de construção de conhecimento do paciente diabético ao longo de um

processo de educação nutricional”, identificamos a possibilidade de concretizá-lo,

na medida em que lançarmos mão da Educação Nutricional como um instrumento

fundamental de auxílio na construção de hábitos alimentares mais adequados,

uma vez que o tratamento que prevê essas alterações nos padrões alimentares

tem como objetivo ‘fornecer aos indivíduos diabéticos um caminho para ter uma

dieta que os permita manter um estado metabólico próximo do normal”

(ANDERSON, 2000, p.1373). A intervenção visando a modificação desses

padrões, através da promoção de um controle dos índices glicêmicos, torna-se

uma estratégia para reduzir os custos com as complicações que acompanham o

diabético descompensado, o que, ao mesmo tempo, possibilita uma redução nos

índices de morbidade e mortalidade (ANDERSON, 2000).

Para a adesão e conseqüente cumprimento efetivo das mudanças

desejadas, vale ressaltar a importância da educação nutricional, uma vez que é

através dessa prática que se torna possível ao paciente construir um padrão

alimentar passível de ser realizado. Na perspectiva da educação nutricional, essa

busca considera não apenas o estado fisiológico do indivíduo, mas também

articulação com seu nível sócio econômico e cultural. Nesse contexto, a condição

alimentar poderá ser mais facilmente compreendida e assim adotada no cotidiano,

podendo não só auxiliar na manutenção do controle metabólico, mas também

proporcionar a conquista de melhor qualidade de vida ao paciente.


SEÇÃO 2. REFERENCIAL TEÓRICO – EDUCAÇÃO EM SAÚDE
E/OU EDUCAÇÃO NUTRICIONAL: EDUCAÇÃO NUTRICIONAL
COMO CAMPO ESPECÍFICO DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE
________________________________________________________
2 Referencial teórico: Educação em Saúde e/ou Educação Nutricional:

Educação Nutricional como campo específico da Educação em Saúde

Para a tarefa de nos aproximarmos da educação nutricional, como

um instrumento importante para a consecução do objetivo desse trabalho,

encontramos que a mesma está profundamente intrincada ao campo da educação

em saúde (MOTTA e BOOG, 1991). Assim sendo, iniciaremos uma retomada

conceitual a partir do campo da Educação em Saúde, passando pela Educação

Problematizadora para, a seguir, adentrarmos ao campo específico da Educação

Nutricional.

2.1 Educação em Saúde

2.1.1 Recuperação Histórica

Inicialmente, teceremos comentários sobre o enfoque e objetivos da

educação em saúde. Segundo Nutbeam, Smith e Calford (1996), em seu livro

publicado pela Organização Pan Americana da Saúde (OPAS), a educação tem

seu foco voltado para a população e para a ação. De uma maneira geral,

procuram incentivar as pessoas adotarem e manterem padrões de vida sadios,

usarem os serviços de saúde de forma criteriosa e, por fim, tomarem suas

próprias decisões, procurando uma melhora de suas condições de saúde e

também do meio ambiente.


Para os autores, o objetivo da educação em saúde é desenvolver

nos sujeitos a idéia de responsabilidade pela própria saúde e a da comunidade, e

também desenvolver sua participação na vida comunitária de forma construtiva.

No presente trabalho, adotaremos, porém, a idéia de educação em

saúde proposta por Vasconcelos (2001), o qual, acreditamos, expõe articulações

mais amplas do conceito, distribuindo a responsabilidade pela saúde entre o

indivíduo, os profissionais de saúde e a sociedade. Assim sendo:

A educação em saúde deixa de ser uma atividade a mais realizada nos


serviços para ser algo que atinge e reorienta a diversidade de práticas aí
realizadas. Passa a ser um instrumento de construção da participação
popular nos serviços de saúde e, ao mesmo tempo, de aprofundamento
da intervenção da ciência na vida cotidiana das famílias e da sociedade.
(VASCONCELOS, 2001:30).

Passemos ao nosso recorte histórico da educação em saúde no

Brasil, com o intuito de mostrar como vem sendo exercitada ao longo dos anos

em nosso país e a sua estreita relação com conotações impositoras e prescritivas,

fomentadas no início do século XX.

Smeke e Oliveira (2001) nos mostram que a educação em saúde

teve uma origem marcada por discursos e práticas normatizadores, que sugeriam

uma conduta racional frente a doença, e dessa maneira se contrapunham à

conduta religiosa da época. A educação em saúde no Brasil teve influências das

experiências européias dos séculos XVIII e XIX. Estas experiências admitiam a

necessidade de compreender a influência das condições de vida das pessoas na

saúde e a necessidade de intervir nessas condições.


- Década de 20

No início da década de 20, Oswaldo Cruz lidera a imposição de uma

política sanitária que adota medidas autoritárias de controle de enfermidades,

como a febre amarela, peste, varíola, tuberculose e sífilis (SMEKE e OLIVEIRA,

2001; VASCONCELOS, 2001).

Essa política de domínio sobre a situação sanitária foi adotada por

imposição da economia agroexportadora, que acabava tendo problemas com

epidemias daquelas doenças. Esse fato determina iniciativas de controle sanitário,

principalmente sobre as classes subalternas vistas como incapazes de

construírem qualquer modalidade de conceito e que, de certa forma, se

colocavam como obstáculo frente às oligarquias rurais vigentes (BUSS, 1995;

SMEKE e OLIVEIRA, 2001; VASCONCELOS, 2001).

Descontente com esse autoritarismo, a população, contando agora

com a participação dos imigrantes europeus, com uma cultura sabidamente

avessa às práticas dominadoras e exploradoras, se organiza em ações de

resistência. Tal resistência culmina na Revolta da Vacina e em greve geral, o que

acaba por trazer para o plano governamental novas exigências quanto às

relações com as classes que começam a mostrar sua força (COSTA,1987).

Embora a população continue sua luta, o movimento higienista,

como fica conhecido, tem sua influência ampliada com o novo Regulamento

Sanitário, criado em 1923, assim como regulamentação da assistência médica

das Caixas de Pensão e Aposentadoria (COSTA, 1987; LEVY et al., 1998).

Além disso, em 1924, Carlos Sá e César Leal Ferreira dão os

passos iniciais para a educação em saúde, criando o primeiro Pelotão de Saúde


em uma escola estadual fluminense. Já em 1925, é criada a Inspetoria de

Educação Sanitária e Centros de Saúde do Estado de São Paulo, que procuram

promover uma conscientização sanitária da população, assim como dos serviços

de profilaxia em geral (LEVY et al., 1998).

Neste período, tenta-se convencer as pessoas a substituir Deus e

sua hierarquia na terra pela racionalidade técnico-científica (SMEKE e OLIVEIRA,

2001).

O movimento higienista, cada vez mais, amplia seu poder de

atuação, influenciando na educação sanitária da população e em ações

governamentais. Tem-se a partir de então a inspeção médica dos imigrantes, o

confinamento de leprosos e tuberculosos, assim como a prioridade nos cuidados

com a saúde de crianças e de gestantes (COSTA, 1987).

Acontecem paralelamente dois movimentos liberais burgueses, um

que tenta diminuir, ou até mesmo terminar com o crédito do mito religioso que é

Deus e sua caridade, outro inicia-se na mitificação da ciência e da técnica,

baseando-se na produção e consumo de bens individuais (SMEKE e OLIVEIRA,

2001).

Tornam-se claros os fundamentos da formação da base biologicista,

que se apóia no pressuposto de que a ignorância da população sobre normas de

higiene é o principal fator responsável pelos problemas de saúde e que apenas

através de mudanças do seu comportamento esses problemas seriam

solucionados como um todo (PEREIRA, 1993)

Essa lógica de compreensão desvia o foco da questão saúde das

reflexões sobre políticas sociais de vida e trabalho da população e leva para o


indivíduo e ainda reforçou a doutrina higienista. Nela o indivíduo é que deveria

adequar-se às prescrições da Educação em Saúde, e para isso deveria seguir o

eugenismo, que traz a tona nada mais do que o lado facista desta doutrina, que

mascarada pelo discurso científico, de interesse para a ditadura Vargas, defende

uma vida puritana e o casamento eugênico, a fim de impedir o nascimento do que

chamavam de inaptos (COSTA, 1987; PEREIRA, 1993).

- Décadas de 30, 40 e 50

Na década de 30, é fundado o Ministério da Educação e Saúde, que

concentra as atividades sanitárias nas capitais brasileiras. Nessa década também

temos a inclusão, na Constituição Brasileira, de diretrizes de aprimoramento

eugênico da população, o que só vem corroborar o facismo da doutrina higienista,

que é vinculado aos interesses da ditadura da época, procurando manter a ordem

social e moral (COSTA, 1987; LEVY et al.,1998).

Até meados dos anos 40, o higienismo mantém sua influência.

Nesse momento, contudo, movimentos de organização da comunidade começam

a ganhar força. A rearticulação das forças sociais progressistas vai caracterizar

novas relações entre o Estado e a sociedade (COSTA, 1987).

Mesmo durante a era do higienismo e do eugenismo, período em

que a população brasileira carregava individualmente a culpa pelo seu estado

saúde/doença e a única saída apresentada era a biologização desse estado, já se

tinha uma nova concepção dos serviços de saúde, que vinha se formando desde

os anos 20. Era o movimento sanitarista, o qual propunha universalização dos

centros de saúde como serviços preventivos e assumidos pelo Estado, além de


manter a educação sanitária nas escolas, nos próprios centros de saúde e nas

campanhas sanitárias. Esse movimento não desperta o interesse das lideranças

no poder, que apoiavam a ditadura e suas arbitrariedades (MELO, 1987; SMEKE

e OLIVEIRA, 2001).

Ocorre no campo da saúde a hegemonização do conceito saúde,

que passa a ser visto como uma forma de se consumir a tecnologia através da

assistência médica. Isso ocorre em outros campos, os quais procuram aproximar

a vida e a ciência. Esse fato induz a valorização da tecnologia, da fábrica, da

cidade e do consumo, em fim, da valorização dos bens materiais, ícones do

capitalismo que, nessa época, procura se impor contra uma visão socialista. É um

momento em que as práticas privadas de medicina se instauram nos centros

urbanos e a assistência médica, para as classes menos favorecidas, se dá

através de uma Previdência Social ainda imatura em seus conceitos (MELO,

1987; BUSS, 1995; SMEKE e OLIVEIRA, 2001).

Em 1942, os Estados Unidos criam o Serviço Especial de Saúde

Pública (SESP), para a prestação de serviço sanitário, com vistas ao controle das

endemias da região amazônica, local onde se exploravam borracha e minérios

(MELO, 1987; BUSS, 1995; SMEKE e OLIVEIRA, 2001). Esse serviço utiliza

técnicas didáticas mais modernas e atribui aos profissionais de saúde, técnicos e

auxiliares a responsabilidade para com as tarefas educativas desenvolvidas para

grupos de gestantes, mães, adolescentes e comunidade de um modo geral. Esse

processo ocorre devido ao interesse de se educar o homem do campo que ainda

é considerado como incapaz de pensar e tomar suas próprias decisões. Isso faz

com que os indivíduos considerados detentores do saber se preocupem em

inculcar nesses sujeitos os conhecimentos necessários para se incorporar a


tecnologia da época (LEVY et al, 1998; VASCONCELOS, 2001; SMEKE e

OLIVEIRA, 2001).

Smeke e Oliveira (2001) mencionam que se começa então uma

nova ordem econômica e política, em que espaços vão sendo abertos onde até

então dominava a imposição, e assim, o país adentra em seu período

desenvolvimentista. Nesta fase inicia-se a percepção do sujeito em si,

constatando que pode intuir suas chances de superação dos limites existentes. A

alfabetização de adultos ganha força, nos moldes da proposta de Paulo Freire. No

entanto, todo esse processo é guiado por interesses econômicos, pois é

necessário que o homem do campo aprenda a trabalhar com a nova tecnologia

que começa a ser utilizada, podendo assim aumentar a produtividade (MELO,

1987; SMEKE e OLIVEIRA, 2001).

- Década de 60

Nos anos sessenta merece destaque a Medicina Comunitária, que

propicia aos integrantes das comunidades formarem pequenos grupos que

mantivessem interesses comuns e procurassem resolver seus problemas com

autonomia e, para isso, poderiam contar com a cooperação, solidariedade e união

entre si (SMEKE e OLIVEIRA, 2001).

Ainda nesse período, como nos anteriores, as práticas de educação

em saúde pressupõem que a principal responsável pela solução dos problemas é

a própria população, assim, procuram incentivá-la a tomar consciência da

necessidade de mudança de seu estado de doença para um estado de saúde

(PEREIRA, 1993).
Temos naquele momento o que Melo (1987) chamou de período

áureo da educação em saúde.

Com o regime militar, a educação em saúde fica limitada a

determinados espaços, uma vez que instituições são fechadas, gastos com

políticas sociais são diminuídos e serviços médicos privados expandidos. Foi um

período em que o Estado utilizou a educação em saúde apenas para impor a

questão do planejamento familiar (MELO, 1987; SMEKE e OLIVEIRA, 2001).

- Décadas de 70 e 80

No início da década de setenta, a conjuntura política, social e

econômica começa a sofrer algumas mudanças. A população questiona as

políticas governamentais e, conseqüentemente, vai se organizando em

movimentos por melhores condições de vida e pela posse da terra. Essa

organização se dá nas Comunidades Eclesiais de Base e em outros

agrupamentos, de modo que os processos educativos são realizados unidos à fé.

Da mesma forma, são abordados os problemas da mulher, dos transportes, da

saúde, da habitação e da educação (BUSS, 1995; SMEKE e OLIVEIRA, 2001).

Cresce a insatisfação popular e se organizam vários movimentos

sociais, como os sindicais e rurais. Tais movimentos empunham suas bandeiras

de luta, pressionam e obtêm conquistas. Esse período é marcado por uma

precária condição de saúde, o que se pode constatar revendo os altos índices de

mortalidade infantil, acidentes de trabalho e epidemias (MELO, 1987; SMEKE e

OLIVEIRA, 2001).
Vale ressaltar que no período entre 1964 e 1980, são criadas

superintendências, programas, e a educação sanitária passa a ser denominada

educação em saúde. Entretanto apenas a terminologia muda, pois os programas

criados pelo Ministério e pelas secretarias estaduais de saúde continuam

realizando apenas atividades assistenciais, não havendo mudança na

contextualização com a inserção da educação nos programas de saúde (LEVY el

al., 1998).

Já no período pós-regime militar, observamos uma reavaliação e

reorientação no campo da saúde, conquistas garantidas pelos avanços da

participação social e política. Surge a preocupação com a “autonomia dos

sujeitos”. As teorias e práticas da educação popular e da pesquisa participante,

de Paulo Freire, passam a ser obrigatórias. É o movimento sanitário que se

constitui. Cabe dizer que a partir daí a Constituição Brasileira recebe a inscrição

do direito à saúde (SMEKE e OLIVEIRA, 2001).

A Previdência Social sofre uma forte crise nos anos 80, o que obriga

representantes de ministérios, médicos, trabalhadores e prestadores privados a

buscar uma reorganização para o sistema de saúde do país, procurando reduzir

custos e controlar seus gastos. Nesse período, postos políticos do Ministério da

Saúde são assumidos por profissionais que atuaram no movimento sanitarista, o

que abriu um caminho para o projeto de reforma sanitária (BUSS, 1995).

Em 1988, a nova constituição amplia o conceito de saúde. Para

além de uma esfera estritamente biológica, a saúde é inserida em um campo

político e histórico. Contudo, ampliar esse conceito não significou colocá-lo em

prática (BOSI, 1994; GIOVANELLA, 1996). Mesmo com a constituição garantindo

a “saúde como direito de todos e dever do Estado”, e inserindo em seu conceito


as questões sociais e políticas, ainda na década de 80, o que se vê é um sistema

de saúde que na sua quase totalidade nega o interesse da comunidade e acaba

por se tornar excludente, não cumprindo com o princípio da universalização, base

do Sistema Único de Saúde criado nesta década (GIOVANALLA, 1996).

- Década de 90

A partir do início da década de noventa, passamos a ter uma

proposta de ação contra o modelo preventivista dominante. Esse modelo

hegemônico preventivo procura colocar toda a responsabilidade de saúde e

doença no comportamento do indivíduo e, para sanar os problemas, incentiva os

sujeitos a adotarem comportamentos mais saudáveis, como alimentação

adequada, abstinência do fumo, adoção de boas práticas de higiene, entre outras

(STOTZ, 1993; SCHALL e STRUCHINER, 1995; COSTA, 1996). Podemos

considerar que a prevenção das doenças se dá em três níveis. No nível primário,

a informação deve ser utilizada com a finalidade de promover a saúde da

população; já no secundário temos o diagnóstico da doença e seu tratamento,

sendo as informações referentes ao modo como a saúde pode ser restabelecida

e, no nível terciário, há a tentativa de potencializar a vida dos indivíduos

diagnosticados com doenças crônicas ou terminais (SCHALL e STRUCHINER,

1995).

A partir desse foco, que tem o indivíduo como responsável pelos

seus próprios males, sem levar em consideração as suas necessidades, assim

como suas crenças e seus valores, a educação em saúde deixa de lado as ações
socialmente sustentadas pelas práticas político-econômicas (STOTZ, 1993;

SCHALL e STRUCHINER, 1995).

Os indivíduos acreditam nisso e passam a ser novamente

subordinados. Algumas correntes pedem mais remédios, mais prontos-socorros,

esquecendo-se das relações sociais do indivíduo inserido em um contexto

histórico, cultural, político (SMEKE e OLIVEIRA, 2001).

Stotz (1993) dá ênfase para o aspecto pedagógico da educação em

saúde, daí Smeke e Oliveira (2001) denominarem tal tipo de abordagem de

“pedagógica”. Esse modo de lidar com o problema leva o indivíduo a

compreender a situação em que vive, embora ainda considere que o

comportamento individual é o principal fator de risco.

Encontramos atualmente outra concepção, que tem o

comportamento pessoal como fonte de saúde e doença, denominada

“desenvolvimento pessoal”. Tal concepção começa por buscar a

desmedicalização do sujeito. Para tanto procuram fortalecer sua autonomia,

através de um educador que potencialize a capacidade comunicacional, a gestão

de tempo e a auto-estima deste indivíduo (STOTZ, 1993).

Stotz (1993, p.19) ainda sugere que os indivíduos saiam desse

emaranhado que apenas os coloca como responsáveis, mas não lhes mostra uma

saída. Trata-se da abordagem radical, em que se estabelece que “as condições e

a estrutura social são as causas básicas dos problemas de saúde” e a Educação

em Saúde torna-se instrumento para uma luta política que vislumbre a melhoria

das condições de vida e saúde da população, através da intercessão do Estado

atuando como interlocutor dos movimentos de usuários dos serviços de saúde e


as medidas legislativas e normativas como responsáveis para a modificação das

condições patogênicas (STOTZ, 1993).

No entanto a abordagem radical também acaba por ser opressora,

pois propõe convencer os indivíduos das necessidades de transformar sua

condição, sem explicitar os meios de alterar a relação de dominação existente.

Percebendo que ambas as abordagens contém suas falhas, acaba-

se por dizer que o papel do educador em saúde deve estar mediado pelo

desenvolvimento pessoal e pela abordagem radical (STOTZ, 1993), o que

equivale a atribuir ao educador em saúde mais o papel de:

“ajudar o grupo a pensar do que pensar pelo grupo, mais de questionar do que

discursar, mais de assessorar do que decidir, [tendendo a fortalecer nesse grupo a]

solidariedade, autonomia e consciência.” (CARVALHO, 1978, p.30).

Vive-se um período no qual os meios de comunicação ganham força

na área sanitária, revelando-se capazes de estimular a criação de hábitos,

costumes, e até mesmo remodelar velhos conceitos, sendo certo que prestam um

serviço à educação em saúde. É oportuna, porém, uma análise crítica a esse

respeito, pois aqueles meios criam suas verdades como únicas, além de muitas

vezes utilizarem estratégias de comunicação ineficazes. Isso nos leva a pensar

em lançar mão de meios alternativos para realizar a educação em saúde, ou

encarar de modo mais crítico as campanhas veiculadas pelos meios de

comunicação em massa (CARVALHO, 1978; PITTA, 1995; VASCONCELOS,

2001).
Analisando toda a trajetória histórica da educação em saúde,

podemos concluir que esta se deu sob várias formas no âmbito da saúde de

nosso país.

Vemos que a educação em saúde foi utilizada pela oligarquia rural

para inculcar valores nos trabalhadores, que através dela a ditadura Vargas

camuflou seu facismo; que profissionais da área apenas utilizaram-na com o

intuito de instigar sujeitos contra a política de saúde vigente, sem propor saídas; e

também indivíduos culpabilizados pelo estado de doença e considerados os

únicos responsáveis pela sua saúde.

A educação em saúde já foi palco para manobras de interesse das

classes dominantes, perdendo sua essência libertadora. No entanto, sempre

restou um resquício de sua prática problematizadora, além de profissionais

interessados em ajudar a população a tornar-se consciente e capaz de lutar por

seus direitos. Esse fato não permitiu que a educação em saúde fosse totalmente

negligenciada e esquecida.

Atualmente, a educação em saúde retorna a sua posição de

destaque, sendo debatida em congressos, discutidas em políticas públicas e

implantada por muitos profissionais em seu cotidiano profissional. Essa retomada

dos valores das práticas de saúde, unidas à problematização de Paulo Freire,

pretende completar as lacunas do sistema de saúde nacional, tão carente de

soluções. Ouvir os principais interessados e planejar suas propostas, parece

constituir uma saída real para construirmos um país onde todos possam ter seus

direitos garantidos e para vermos a Constituição plenamente implementada.


Ao realizarmos uma análise da situação real encontrada em relação

ao planejamento de ações educativas em saúde, incluindo, obviamente, ações de

educação nutricional, evidenciando uma realidade um tanto quanto distante das

abordagens do desenvolvimento pessoal e radical, expostas anteriormente.

Em 1998, a União Internacional de Promoção a Saúde e Educação

para a Saúde (UIPES), uma organização não-governamental que procura

melhorar a saúde através da educação e demais ações próprias da promoção da

saúde, procurou definir a realidade das ações de educação da área no país,

através de uma pesquisa que objetivou identificar tanto as instituições que

ensinam e pesquisam a área de Educação em Saúde, como também conhecer

suas necessidades e dificuldades. Para isso, identificou prioridades na área,

construiu um Banco de Dados sobre as ações desenvolvidas no país, o qual

disponibilizou para os profissionais e demais interessados na Educação em

Saúde (LIMA et al.,1998).

Segundo os dados da pesquisa, podemos observar que embora

69,8% das respostas encontradas revelem a opinião de que o planejamento das

ações educativas é realizado com ajustamento às necessidades da população-

alvo, ao analisarmos as respostas dos participantes do planejamento, apenas

11% evidenciam a população-alvo como participante deste. Outro fator que

consideramos relevante diz respeito às dificuldades de implementação da

educação em saúde. Dentre as dificuldades apontadas pelas instituições

participantes, temos que a principal diz respeito aos recursos materiais. Os

profissionais (62,8%) apontaram a questão material como um entrave à

implantação de ações de educação em saúde. Já os recursos humanos perfazem


55,8% das respostas, enquanto os itens relacionados às questões político-

administrativas totalizam 17,9%.

Em relação aos recursos materiais, a principal dificuldade apontada

é a falta de recursos orçamentários, presente em 37,9% das respostas. Acusam

9,9% a falta de recursos materiais em geral, seguindo-se por carência de material

educativo ou recursos didáticos e falta de espaço físico para as atividades

educativas.

Quanto aos recursos humanos, 15,7% das dificuldades estão

relacionada à insuficiência de pessoal qualificado ou especializado, 7% à falta de

treinamento contínuo na área e 4,1% à ausência de conscientização da

comunidade acadêmica com referência à importância da educação, dentre outras

respostas.

Já no campo das dificuldades político-administrativas, 4,4%

consideram a crise econômica e social, falta de emprego e baixa escolaridade

como responsáveis pelas dificuldades encontradas na implantação de ações de

educação em saúde, aparecendo a falta de apoio institucional em 4% das

respostas. Além desses, outros fatores são apontados, tais como a

descontinuidade na administração, na prestação de serviços e no

desenvolvimento de programas (LIMA et al., 1998).

Pode-se perceber, a partir do exposto, a complexidade que envolve

as práticas educativas em saúde e como elas geralmente se distanciam das

necessidades da população a que se destina.


2.2 Práticas Educativas Problematizadoras em Educação em Saúde

Quando ouvimos ou dizemos que a população necessita de

educação, provavelmente, a primeira idéia que surge é da escola. Vemos as

pessoas sentadas em suas carteiras, ouvindo e anotando a matéria que o

professor coloca na lousa.

Essa é uma idéia de educação, mas existem diversos tipos de

educação em que todos ocupariam lugar de destaque na formação dos

indivíduos.

A educação existe sob várias formas, sendo que muitas vezes o que

é educação para uns, não é para outros. Antes de encontrarmos a educação

formal, que existe na escola, e sofre influências da pedagogia, temos a educação

informal, que não ocorre necessariamente dentro de uma sala de aula. A

educação ocorre em todos os lugares, em todas as partes, em todos os gestos

(BRANDÃO, 2001). A educação é completamente social, tanto no sentido de nada

se isentar de um processo educativo, como no sentido de a educação estar

presente em todas as fases da vida dos sujeitos (PINTO, 2001).

Primeiramente a criança recebe a educação dos pais, onde aprende

as regras básicas para sua sobrevivência. Quando atinge uma certa idade, vai

para a escola e lá é alfabetizada, aprendendo coisas que interessam para sua

inserção na sociedade. Brandão (2001, p.67) coloca em seu livro que: “o ‘fim da

educação’ são os interesses da sociedade, ou de grupos sociais determinados,

através do saber que forma a consciência que pensa o mundo e qualifica o

trabalho do homem educado.” .


De acordo com o que acabamos de ver, podemos observar que a

educação não se dá de maneira igual para todos. Desde a Grécia antiga e em

Roma, a educação é utilizada para manter as diferenças sociais existentes. Os

homens livres, mas pertencentes a plebe, eram educados para os trabalhos

técnicos, manuais. A elite era educada para as atividades teóricas, eram os

estudiosos, que não precisavam se preocupar com os trabalhos manuais

(BRANDÃO, 2001).

Atualmente, no Brasil, vemos que as leis garantem uma educação

igual para todos, porém a realidade encontrada mostra um sistema de ensino

público deficitário. A escola pública é mantida em segundo plano e forma

cidadãos nem sempre conscientes de sua cidadania (BRANDÃO, 2001).

Corroborando o que dissemos até o momento em relação ao tema

educação, em Pinto (2001, p.29 e 30) encontramos o conceito a seguir:

A educação é o processo pelo qual a sociedade forma seus membros à


sua imagem e em função de seus interesses. Por conseqüência, a
educação é formação do homem pela sociedade, ou seja, o processo
pelo qual a sociedade atua constantemente sobre o desenvolvimento do
ser humano no intento de integrá-lo no modo de ser social vigente e de
conduzi-lo a aceitar e buscar os fins coletivos.

A situação atual da educação em saúde tem se fundamentado em

uma concepção da educação popular pautada em Paulo Freire.

Aprofundando as possibilidades que diferentes formas de

abordagem educativas oferecem ao sujeito temos que na concepção bancária –

denominação adotada por Paulo Freire – ou concepção ingênua – termo utilizado

por Pinto – o educador é visto como um depositante e o educando como

depositário, ou seja, o educador julga deter os conhecimentos e acredita que o


educando nada sabe, nada traz consigo. O educador crê conhecer até mesmo as

necessidades do educando, sem antes questioná-lo, ouví-lo. Assim, o que quer e

vai ensinar será o que ele imagina que o educando quer aprender e também o

que entende ser importante o educando saber (FREIRE, 1988).

Tal concepção interessa ao educador, pois não permite que o

educando adquira uma visão crítica, apenas devendo aceitar passivamente o que

lhe é informado, narrado. O educador é quem pensa, é quem sabe, é quem

disciplina, é quem escolhe e transfere o conteúdo e, em resumo, é o sujeito do

processo. Já o educando é o pensado, é quem nada sabe, é o disciplinado, é

quem se acomoda à escolha do educador, sendo um mero objeto. O primeiro

detém o conhecimento, sabe analisar a situação e concluir o que é necessário

para a formação do educando. Já os educandos são os que obedecem, sem

questionar o educador, pois não conhecem nada, são ignorantes e precisam

aprender (FREIRE, 1988, 2002).

De forma oposta, pensando e propondo a educação em saúde sob a

perspectiva da educação problematizadora, fundamentada em Paulo Freire,

descortina-se um novo cenário. A educação problematizadora prevê uma relação

dialógica, onde o educador aprende com o educando e vice-versa, o

conhecimento não é apenas “depositado”, mas existe a preocupação de tornar o

educando um indivíduo consciente, capaz de analisar fatos, expor suas opiniões e

não aceitar passivamente o que lhe é imposto. Segundo Paulo Freire (1988), os

educandos deixam seu papel de receptores e passam a ser críticos de seu

processo educacional.

Na educação problematizadora, também chamada libertadora, o

educador considera a história do educando, respeita e utiliza os conhecimentos


prévios dele, nunca se julgando detentor do saber, mas percebendo que também

pode aprender com o educando, que, ao ter suas idéias respeitadas, consegue

respeitar-se (FREIRE,1988).

A estratégia problematizadora também é descrita por Maguerez

apud Bordenave e Pereira (2001) que a representa por um “arco” que propõe idas

e vindas à realidade para a resolução dos problemas. São os passos necessários

para a aplicação dos princípios da pedagogia problematizadora.

A primeira fase, identificada como observação da realidade,

representa a visão da realidade segundo os sujeitos.

A segunda fase, pontos-chave, é caracterizada pelo levantamento

dos pontos-chave dos problemas observados, que funcionam como fatores

associados a uma situação problema.

A terceira fase, a teorização, representa a busca das causas dos

problemas associados ao conhecimento existente sobre o mundo.

A quarta-fase, hipótese de solução, representa a fase de

planejamento de alternativas para a intervenção na realidade com a finalidade de

modificá-la para a resolução dos problemas identificados.

A quinta e última fase é, a aplicação à realidade, caracterizada pela

intervenção na realidade, nas causas determinantes dos problemas identificados.

A seguir apresentamos o diagrama que representa o método do

“arco”.
Método do Arco

Teorização

Pontos Hipótese de
chave solução

Observação Aplicação a
da realidade realidade

Realidade

Quando levamos essas concepções que inicialmente, foram

trabalhadas na área da educação, no interior de um sistema de ensino formal,

para a área da saúde, nos deparamos com a pertinência dessa discussão para as

práticas educativas em saúde.

Retomando a informação da pesquisa da UIPES, apenas 11% das

ações em saúde são planejadas com consideração ao que a população, usuária

do serviço público de saúde, vê como relevante e realmente necessário (LIMA el

al., 1998).
Podemos então concluir que o planejamento é feito pelos

“educadores” que não estabelecem uma relação de diálogo com a comunidade, a

fim de considerar suas necessidades reais, ou seja, não partem efetivamente da

realidade, mas de seus conceitos sobre essa.

É necessário que os profissionais de saúde levem em conta o saber

expresso no senso comum, o saber da população – passando a considerar que

todos os sujeitos são portadores de saberes diferentes, expressando o modo de

vida dos grupos dominados e núcleos de bom senso, sendo portadores de

elementos de resistência – e deixem de lado a visão de que senso comum é

opinião, conhecimento vulgar, forma de conhecimento não verdadeiro com o qual

precisam romper para tornar possível o verdadeiro (LEFÉVRE, 1999).

Precisamos ver o senso comum como um sistema cultural, com

suas crenças e juízos, com noções vagas, porém mais fortes que uma simples

relação de pensamentos iguais e apenas reproduzidos por todos os membros de

um grupo que vive em comunidade (FREIRE, 1988).

O senso comum retrata pensamentos organizados, pois suas

opiniões foram resgatadas diretamente de sua experiência (FREIRE, 1988).

É preciso existir diálogo entre profissionais de saúde e usuários do

serviço. Apenas dessa maneira, conseguiremos entender as reais necessidades

da população e concretizar projetos que satisfaçam essas necessidades, e não

que apenas encubram diagnósticos realizados por pessoas que vivem longe da

realidade e atendam ao interesse de uma minoria da sociedade (FREIRE, 1988).

Enfim, temos que a prática problematizadora é aquela onde o

educador e o educando criam uma relação dialógica, onde todas as idéias são
importantes, ninguém sabe mais ou menos, apenas detêm conhecimentos

diferentes que se complementam (FREIRE,1988).

2.3 Educação Nutricional

2.3.1 Recuperação Histórica

Em sua tese de doutorado (1996) e em um texto publicado em 1997,

Boog apresenta um resgate dos principais autores que trabalharam com a

educação nutricional e publicaram suas obras com o aval da OMS.

A seguir, trataremos das principais idéias dos textos de Boog (1996,

1997 e 1999), respeitando sua cronologia. Acrescentaremos, porém, dados

referidos por outros autores, de modo especial L’Abbate (1988, 1989), assim

como de Vasconcelos (2002), sobretudo quando retomamos a história da

formação do profissional nutricionista no país.

Nosso recorte histórico inicia-se na década de 30, onde temos o

início da publicação de trabalhos mais sistematizados sobre a Educação

Nutricional.

- Década de 30

Nesta década, encontramos centros de estudos em países de todos

os continentes se interessando pela temática nutrição e alimentação. Em 1934,

conseguiu-se realizar uma síntese dos principais temas tratados até então,
respeitando a trajetória política dos Programas de Alimentação e Nutrição

(L’ABBATE, 1988).

No Brasil desse período, observamos, principalmente no Rio de

Janeiro e em São Paulo, a formação de grupos especializados em estudos

relacionados a nutrologia. No período formaram-se duas vertentes de estudo. A

vertente hegemônica da época tratava os problemas alimentares sob uma

perspectiva social. Paralelamente, encontrávamos uma linha de discussão

técnica, que tinha como principal preocupação realizar pesquisas sofisticadas e

publicar os resultados obtidos (L’ABBATE, 1988).

Um estudioso de destaque na vertente social da nutrição no Brasil

foi Josué de Castro, que realizou os primeiros inquéritos alimentares do país, os

quais visavam “medir, avaliar e quantificar as carências alimentares a partir de

uma comparação com as despesas familiares com alimentação, incluindo, às

vezes, as despesas familiares com outros gastos” (L’ABBATE, 1988, p.90).

Através dos inquéritos, foi possível fornecer uma explicação

científica para uma realidade já conhecida – condições de vida e alimentação

precárias – “elevando” essas condições a dados científicos (L’ABBATE, 1988).

Nesse momento, os nutrólogos iniciaram uma campanha visando

ajustar a produção e comercialização de alimentos, assim como educar a

população utilizando exemplos e explicações de como se alimentar

adequadamente. Através do empenho nessa campanha, procuravam meios para

criar medidas políticas a fim de expandir para toda a população suas idéias

(L’ABBATE, 1988).
Não encontramos referências explícitas sobre a proposta de

educação sugerida pelos médicos nutrólogos da época. Provavelmente isso se

deva ao fato de tratar-se de um momento em que as idéias amadureciam e em

que ainda se buscava o apoio estatal para difundi-las. Dessa maneira, não

oficializaram uma metodologia para atingir seus objetivos de educar a população.

No entanto, realizando uma análise dos textos pudemos perceber

que, já na década de 30, a abordagem utilizada nesse processo de educação se

pautou mais na questão de “distribuir” informações, do que na educação

propriamente dita. Vale dizer que nas décadas seguintes essa primeira análise vai

se comprovando.

- Década de 40

Nesta década, evidenciávamos o interesse pela educação

nutricional, sendo que nos Estados Unidos foi formado um comitê de profissionais

de diversas áreas - médicos, antropólogos, educadores, psicólogos - com a

finalidade de investigar métodos eficazes para proporcionar as mudanças de

hábitos alimentares (BOOG, 1999).

No Brasil, foram criados em 1940 o Serviço de Alimentação da

Previdência Social (SAPS) e o Serviço Central de Alimentação, com a finalidade

de servir alimentação para os trabalhadores das empresas e promover a

educação destes, para que adotassem hábitos alimentares mais adequados. A

ação educativa da época ocorria através da distribuição de folhetos, cartazes e

panfletos, que visavam transmitir aos trabalhadores conhecimentos sobre os

valores nutritivos dos alimentos e as regras para uma alimentação adequada, de


acordo com a visão dos nutrólogos. Nessa época o Instituto de Aposentadoria e

Previdência dos Industriários (IAPI) era dirigido por Josué de Castro (L’ABBATE,

1988; BOOG, 1997).

Ainda nos anos 40, são criados o Serviço Técnico da Alimentação

Nacional (STAN) e o Instituto de Tecnologia Alimentar (ITA), que dão início a

parceria entre os nutrólogos e a indústria (L’ABBATE, 1988).

Os nutrólogos, nesse período, recebiam total apoio do Estado e

tinham suas idéias colocadas em prática com o aval do governo, além de

contarem também com seu apoio financeiro. A indústria se beneficiava da relação

nutrólogos e governo, na medida em que usufruía de investimentos da União para

pesquisar novas técnicas de produção de alimentos industrializados. Um bom

exemplo dos benefícios dessa parceria pode ser observado em relação ao

desenvolvimento de técnicas de desidratação que, por ser o alimento desidratado

utilizado sobretudo na merenda escolar, torna o Estado um dos maiores

compradores da indústria alimentícia (L’ABBATE, 1988).

Vimos que nessa década, Josué de Castro continua se empenhando

para a educação alimentar dos trabalhadores e também uma educação de nível

mais técnico para as elites. Em seu texto, L’Abbate (1988, p.110) deixa clara a

base dessa educação “educar é transmitir conhecimentos”.

Essa “transmissão” de conhecimentos era realizada através de

palestras radiofônicas, quando se destinava a população de um modo geral, e

através de uma publicação específica - Arquivos Brasileiros de Nutrição - quando

seu objetivo era informar a elite (L’ABBATE, 1988).


Nesse mesmo período, com o intuito de formar profissionais para

auxiliá-los nesse “processo educacional”, os nutrólogos idealizaram e formaram

os quatro primeiros cursos de nutrição no país (VASCONCELOS, 2002).

Inicialmente, os profissionais se formavam no nível técnico e, devido

a influências dos Estados Unidos, Canadá e Europa, eram chamados de dietistas.

Depois, através de influências argentinas, o curso passou a ser universitário

(VASCONCELOS, 2002).

Através de relações de interesses, foi se dando a educação

nutricional na década de 40. Esses interesses se davam entre os nutrólogos e o

Estado, a indústria de alimentos e os nutrólogos. No entanto nessas relações os

interesses da população acabaram sendo ignorados, pois, em momento algum,

ouviu-se as classes populares, que eram tomadas como ignorantes. Vimos uma

educação de transmissão de conhecimentos, do técnico detentor do saber para a

população ignorante, que precisava aprender a se alimentar.

Outra questão levantada diz respeito ao conteúdo ensinado. Era um

momento em que se vendia como alimentação nutricionalmente adequada os

novos produtos desidratados da indústria. Estes produtos eram mais caros do que

os gêneros in natura e de sabor desagradável ao paladar brasileiro. Como

exemplo podemos citar o leite em pó e a soja.

- Década de 50

Embora na década de 30 já observássemos o interesse pela

educação nutricional, foi apenas em 1951 que Ritchie publicou o primeiro livro

tratando do assunto (BOOG, 1996, 1997).


Ritchie nos coloca frente a uma concepção mais abrangente da

educação nutricional, não se pautando apenas nos aspectos “biológicos” da

alimentação, mas enfatizando que se alimentar configura-se num ato social e não

pode ser despido da cultura, etnia, religiosidade, dentre outros fatores inerentes

aos seres humanos (BOOG, 1996, 1997).

Outro item abordado em sua obra discute o planejamento de

programas verticais e o treinamento dos sujeitos que o executarão. A autora

orienta ainda métodos de ensino e avaliação dos programas. Para Boog, esse

trabalho de Ritchie destina-se a agrônomos e economistas domésticos,

profissionais que deveriam se responsabilizar pela educação nutricional da época

(BOOG, 1996, 1997).

Boog (1996, 1997) deixa claro que para Ritchie a educação

nutricional é capaz de promover a melhoria nas condições de alimentação

da população (grifo nosso) a que se destina. Embora essa publicação tenha

partido de uma concepção mais ampla da educação nutricional, não podemos

deixar de relatar que todos os conceitos teóricos abordados no texto foram

colocados em prática em países em desenvolvimento, como o Irã, Jamaica, Índia,

dentre outros. Esse fato mostra que os objetivos não foram unicamente realizar

uma educação nutricional, mas sim, acalmar o clima de tensão social nesses

países e coibir possíveis movimentos socialistas, comuns na época (BOOG, 1996,

1997).

No Brasil, o nutrólogo Josué de Castro inicia sua carreira na

Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), tendo

como marco uma conferência realizada em 1950, no Rio de Janeiro (L’ABBATE,

1988).
Nesse período, a organização das Nações Unidas (ONU) inicia um

programa de ajuda alimentar a vários países, dentre eles o Brasil. Fica evidente

que esse programa objetivou promover o escoamento do excedente agrícola dos

Estados Unidos e do Canadá. É somente devido a ajuda recebida pelos países

com produção agrícola excedente que, em 1955, é institucionalizada a Campanha

Nacional de Merenda Escolar (L’ABBATE, 1988).

Vários programas para intervenção nutricional são criados na época,

no entanto, mesmo observando que muitos deles se tratem de programas de

assistência e educação, L’Abbate (1988) não menciona a metodologia específica

utilizada para alcançar o objetivo de educar a população. Através de depoimentos

citados no texto e de uma única observação da autora sobre a forma como os

profissionais viam esse processo educativo, pudemos perceber que tratava-se

mais de uma transmissão de conhecimentos do que um processo educativo

pautado em uma concepção que respeitasse os sujeitos, suas histórias de vida,

seus desejos e necessidades.

Percebemos que a educação nutricional não passou por qualquer

evolução nessa década, mantendo-se apenas como uma atividade paliativa na

resolução dos problemas da fome, além do objetivo de minimizar tensões entre a

classe trabalhadora e o governo.

Em relação a formação dos nutricionistas, temos que na década de

50 foram criados mais dois cursos, um na Bahia e outro em Pernambuco

(VASCONCELOS, 2002).
- Década de 60

Nessa década, Boog (1996) analisa as autoras Burgess e Dean e o

segundo livro lançado por Ritchie, em 1968.

Ambos os livros foram lançados com a aprovação da OMS e

seguem praticamente a mesma linha da publicação da década anterior.

Continuam enfatizando que a educação nutricional engloba muitos outros

aspectos, e não apenas uma transmissão de informações. Relatam ainda que não

deve ser destinada exclusivamente as populações pobres, mas sim a todos os

indivíduos (BOOG, 1996, 1997).

Como outrora, as obras ainda não estabelecem um profissional ou

setor responsável pela educação nutricional (BOOG, 1996, 1997).

Burgess e Dean, em 1963, trazem uma importante colaboração

referente a incorporação de técnicas de ensino behaviorista2 à educação

nutricional, o que torna necessário um diagnóstico do processo educativo e a

formulação de objetivos educativos (BOOG, 1996, 1997).

Alguns anos depois, ainda na década de 60, Ritchie, em seu

segundo livro, observa que técnicos em nutrição não eram vistos como

responsáveis diretos pela execução dos programas de educação nutricional, mas

apenas assessores de outros profissionais. A autora mantém a ênfase aos

aspectos sociais da alimentação e a visão da educação nutricional, como

motivadores para alteração de padrões alimentares (BOOG, 1996, 1997).

2
Ensino behaviorista ou comportamentalista se caracteriza pelo primado do objeto (empirismo).
O conhecimento é uma ‘descoberta’ e é nova para o indivíduo que a faz. O que foi descoberto,
porém, já se encontrava presente na realidade exterior. Considera-se o organismo sujeito às
contingências do meio, sendo o conhecimento uma cópia de algo que simplesmente é dado no
mundo externo. (MIZUKAMI, 1986. p. 19).
No Brasil, as atividades desenvolvidas na área de educação

nutricional não sofrem muitas transformações, mantendo seu caráter na

transmissão das informações. Vimos que existe uma preocupação em diminuir os

níveis de subnutrição e aumentar a produção de alimentos. No entanto, os

interesses que envolvem essa preocupação são unicamente econômicos, pois o

homem é visto como uma máquina que precisa trabalhar e gerar lucros e, para

que desempenhe de forma satisfatória seu trabalho, precisa estar minimamente

nutrido, daí a preocupação em diminuir os níveis de subnutrição (L’ABBATE,

1988).

Embora a educação nutricional não tenha sofrido mudanças, os

cursos de nutrição passam por uma reestruturação e o que vimos nessa década é

o surgimento da Nutrição e Saúde Pública. Outro fato interessante, ocorrido no

período, é que o termo nutricionista foi oficializado em 1966, embora já fosse

usado em 1939 e 1957 (VASCONCELOS, 2002).

- Década de 70

Jelliffe, em 1970, aborda dois temas inéditos em relação a educação

nutricional. O primeiro diz respeito ao sofrimento do ser humano devido as más

condições de alimentação e de saúde. O segundo se refere ao estabelecimento

de metas educativas partindo dos problemas de saúde das crianças da região.

Outro ponto em que o autor se diferencia das autoras citadas anteriormente é

que, segundo elas, a educação nutricional era necessária a todos os sujeitos,

sendo uma educação global. Jelliffe prioriza a problemática da saúde infantil.


Como destaque, seria necessário determinar seu componente nutricional e os

hábitos alimentares nocivos deveriam sofrer modificações (BOOG, 1996, 1997).

Neste momento, torna-se clara a alteração do enfoque de caráter

social para o médico. A educação nutricional deixa seu ideal pedagógico-social e

passa a resolver problemas específicos, identificados através da epidemiologia da

doença (BOOG, 1996, 1997).

No ano de 1976, a autora Bosley afirma que a educação nutricional

não se trata apenas de transmissão de conhecimentos relativos aos alimentos e

ao modo de se alimentar. Através dela o profissional deveria criar nos sujeitos a

vontade de mudar sua alimentação, procurando melhorá-la, porém sempre

respeitando sua cultura, seus costumes, preferências e formas de preparo dos

alimentos (BOOG, 1996, 1997).

É com o trabalho de Bosley que o nutricionista é visto, pela primeira

vez, como o responsável técnico da educação nutricional e não apenas como seu

executor (BOOG, 1996, 1997). Caberia ao profissional, portanto, as fases de

concepção e execução de Programas de Educação Nutricional.

No Brasil, é criado o Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição

(INAN), no qual se centralizam os planos e programas em alimentação e nutrição.

Este instituto está vinculado ao Ministério da Saúde (L’ABBATE, 1989).

Nesse período os profissionais ligados ao INAN apresentam

características mais técnicas do que sociais, quando realizam seus estudos sobre

alimentação e nutrição (L’ABBATE, 1989).


Vimos, ainda na década de 70, a criação do Plano Nacional do

Desenvolvimento I e II (PND), e também do Programa Nacional de Alimentação e

Nutrição I e II (PRONAN) (L’ABBATE, 1989).

Esses programas são paliativos, não procurando sanar o problema

da má nutrição, através de resoluções que englobem as várias frentes de

combate, principalmente a distribuição de renda desigual. Os programas

preocupam-se com a suplementação de alimentos para a população carente, mas

não melhoram suas condições de vida. A nutrição não é encarada como um

amplo universo, mas sim de uma maneira restrita.

Vasconcelos (2002) relata que devido a uma exigência do PRONAN

- ampliação da formação e capacitação de profissionais para atuarem na área de

nutrição – o número de cursos existentes no país saltou de 7 para 30. Observou-

se também que universidades privadas passaram investir na criação desses

cursos (VASCONCELOS, 2002).

Outro programa criado nos anos 70 foi o Programa de Alimentação

do Trabalhador (PAT). Embora o programa tenha nascido com objetivos nobres,

como melhorar as condições de saúde dos trabalhadores, pudemos notar que seu

interesse principal relacionava-se com o aumento dos lucros. Os objetivos de

diminuir os índices de faltas no trabalho, bem como os de acidentes, visavam

acima de tudo o aumento da produtividade (L’ABBATE, 1989).

Enquanto, internacionalmente, a educação nutricional demonstrava

preocupação com a saúde das crianças, procurando tornar o padrão alimentar

mais adequado, mas sem perder de vista o respeito a cultura e hábitos dos

indivíduos, no Brasil, continuavam-se as preocupações com o lucro das


empresas, e a educação nutricional era concebida apenas como um instrumento

para tornar esse aumento possível.

Internacionalmente, o nutricionista aparece como o responsável

técnico por ações educativas em nutrição. No Brasil, os programas não citam a

participação do profissional em seu planejamento e nem em sua execução,

embora Vasconcelos afirme que o número de cursos para formação do

nutricionista tenha se expandido, devido a solicitação de profissionais na área.

- Década de 80

A OPAS, em conjunto com a OMS, publica em 1982 um trabalho de

Mushkin, segundo o qual, de acordo com a autora, o desenvolvimento econômico

e a educação sofrem influências dos investimentos na área da nutrição. No

primeiro caso, um trabalhador bem nutrido teria uma maior capacidade para o

trabalho e conseqüentemente aumentaria os lucros para o seu empregador, que,

por sua vez, poderia investir mais em sua produção e favorecer o

desenvolvimento local. Já no segundo caso, as crianças quando bem alimentadas

apresentariam uma menor incidência de doenças e de faltas escolares, o que

contribuiria para um ensino mais eficaz (BOOG, 1996, 1997).

Devido a essa visão, na qual os investimentos em nutrição são

transformados em benefícios econômicos, deu-se início às pesquisas para avaliar

o impacto dos programas nutricionais (BOOG, 1996, 1997).

Nesse momento, a nutrição deixou de ser um direito de todos os

seres humanos e passou a ser apenas uma maneira para obtenção de maiores

lucros.
No ano seguinte, Jelliffe, publicou um texto afirmando ser a

educação nutricional um processo educativo que deveria atingir a todos,

propiciando a introdução de hábitos alimentares saudáveis. Ela faz uma revisão

do trabalho de vários autores, procurando enfatizar a construção de conceitos a

partir das experiências relatadas por eles, ou seja, valoriza a participação ativa

dos pacientes no processo de educação nutricional. Assim como outros autores,

Jelliffe não faz referências sobre profissionais responsáveis pela educação

nutricional (BOOG, 1996, 1997).

Ainda em 1983, a OPAS publica um manual de treinamento voltado

para os responsáveis pela capacitação, supervisão e orientação dos trabalhos

comunitários de saúde. Através deste manual, almejava-se melhorar alguns

aspectos relacionados à nutrição, utilizando os serviços de atenção primária de

saúde (BOOG, 1996, 1997).

Esse manual consta basicamente de um caráter instrucional. Sua

prioridade é desenvolver habilidades específicas, sem levantar discussões e

problematizações a respeito dos assuntos abordados (BOOG, 1996, 1997).

Em 1988 a OMS publica outro manual, a partir de uma revisão

daquele, publicado anteriormente, em 1983.

Ainda em 1988, Oshaug, Benbouzid e Guilbert publicam, através da

OMS, um manual em que se constata que a grande preocupação dos autores

relaciona-se com as técnicas de planejamento e avaliação de um programa 3.

Nesse contexto, muito pouco sobre nutrição foi identificado. Por outro lado

observa-se a ênfase no planejamento pedagógico. O manual não considera em

3
Preocupação decorrente do ideário behaviorista implementado na Educação, tendo o
planejamento sistêmico como importante característica.
nenhum momento os aspectos sociais que permeariam os hábitos alimentares

(BOOG, 1996, 1997).

Nos anos 80, a educação nutricional apresenta momentos que

julgamos serem um retrocesso. Deixam-se de lado aspectos sociais da

alimentação e passam a se preocupar apenas com questões pedagógicas. Inicia-

se um processo que objetivava mais a obtenção de lucros pelas empresas que se

associavam ao governo e aos nutrólogos, do que o puro interesse de melhorar as

condições nutricionais da população. Esses são fatores que julgamos retrocessos,

pois a educação nutricional perde seu caráter social e sua preocupação em

garantir bem estar a população, respeitando sua etnia, cultura, religião (BOOG,

1996, 1997).

- Década de 90 a 2002

Uma vez mais, a OPAS publica um manual para ser utilizado nos

serviços primários de saúde, objetivando melhorar algumas questões

relacionadas à nutrição. Esse manual basicamente trata dos mesmos assuntos

dos manuais anteriores, de 1983 e 1988, sendo apenas uma revisão ampliada

(BOOG, 1996, 1997).

Já em 1991, para a OMS, um dos papéis da educação é fomentar

hábitos saudáveis e a escola seria o local onde isso poderia ocorrer. Desta

maneira, edita-se um guia para os professores do ensino fundamental (BOOG,

1996, 1997).

Williams, Moon e Williams, autores desse guia, abordam os

assuntos sem fazer referência as questões sociais, além de ignorarem as


condições de trabalho dos professores e a finalidade básica da escola (BOOG,

1996, 1997).

Mantém-se a falta da visão social da educação nutricional. O que

vemos de novo, nos anos 90, é o enfoque dado para a escola como um caminho

para se realizar a educação.

No Brasil, com o início da década, houve o fim de muitos programas

federais existentes, porém alguns programas se mantiveram, como o caso do

PAT, e outros foram criados.

Em 1993, foi criado o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e

Nutricional – CONSEA – e, pela primeira vez, houve a preocupação em se

incluírem questões como a geração de empregos e renda, em um programa de

combate à fome e à miséria. O programa foi bem sucedido em seu relativamente

curto período de existência (INSTITUTO CIDADANIA, 2001).

Após dois anos da criação do CONSEA, o governo Fernando

Henrique Cardoso iniciava seu primeiro mandato e extinguia o programa. Em seu

lugar o governo criou o Conselho da Comunidade Solidária que, embora

apresentasse estrutura semelhante ao programa extinto, possuía objetivos

diferentes. Esse conselho era caracterizado como um organismo de consulta, e a

questão da segurança alimentar foi deixando de ser prioridade para as políticas

governamentais da época (INSTITUTO CIDADANIA, 2001).

Dentre os programas específicos da década, destacamos a

continuidade do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), que mantinha

os objetivos de sua criação, ou seja, através da melhora das condições

nutricionais dos trabalhadores visava reduzir os acidentes de trabalho e aumentar


a produtividade. Além dessas vantagens aos empregadores, o governo

continuava fornecendo-lhes incentivos fiscais para que adotassem o PAT em suas

empresas (INSTITUTO CIDADANIA, 2001). Isso nos mostra que, mesmo após

anos de sua criação, o PAT ainda servia a interesses dos donos das empresas,

que visavam apenas aumentar seus lucros e somente por esse fator se

preocupavam em oferecer uma alimentação saudável e nutricionalmente

adequada a seus funcionários.

Com a extinção do INAN, criou-se o ICCN – Incentivo ao Combate

às Carências Nutricionais –, que contava com a distribuição de leite e óleo de soja

como forma de combate às carências nutricionais, além de uma parceria com a

Pastoral da Criança para o fornecimento da multimistura para crianças

desnutridas (INSTITUTO CIDADANIA, 2001). Esse programa foi

progressivamente substituído, a partir de setembro de 2001, pelo Bolsa

Alimentação.

O Bolsa Alimentação fornecia R$15,00 para gestantes e mães de

crianças até seis anos de idade, em situação de risco nutricional. Vale lembrar

que o valor máximo recebido por família era de R$45,00 (INSTITUTO

CIDADANIA, 2001).

O Programa Cestas Básicas, PRODEA, criado pelo governo de

Fernando Collor de Melo, com o nome de “Gente da gente”, se estendeu ao

governo FHC. Sua base estava na distribuição dos alimentos armazenados nos

estoques públicos e prestes a se deteriorarem. As cestas eram distribuídas em

casos emergenciais, como enchentes e secas (INSTITUTO CIDADANIA, 2001).


Muitos programas foram criados, como os cupons de alimentação, o

Bolsa Escola, as políticas de renda mínima, dentre outros. Esses programas

procuravam estancar a situação de miséria em que muitos brasileiros viviam,

porém quase sempre foram medidas paliativas. Oferecer alimentos para

indivíduos que passam fome não deixa de ser uma atitude necessária, porém não

oferecer oportunidades de melhora para estes citados, significa mantê-los em

suas condições de miséria e submissão às políticas criadas para “combater” a

fome e a miséria.

Percebemos que os programas vigentes na década de 1990 não

possuíam qualquer preocupação com a educação nutricional, que permaneceu

esquecida durante esse período.

Em relação a formação do profissional nutricionista no Brasil,

observou-se um aumento ainda maior no número de cursos oferecidos no país,

sendo que de 7 cursos oferecidos em 1975, em 2000 somavam um total de 106 e

8000 vagas (VASCONCELOS, 2002).

- Atualmente

Desde 1993, o direito à alimentação foi colocado ao lado dos demais

direitos do homem, estabelecidos em 1948, na Carta dos Direitos Humanos. No

Brasil, existe, desde 2001, uma proposta de Emenda Constitucional para

alteração do artigo 6º da Constituição Brasileira. Atualmente encontramos em

nossa constituição o “direito à vida”, que não deixa de forma clara o direito à

alimentação, mas apenas implicitamente.


A emenda em questão propõe a inclusão da alimentação como

direito fundamental do homem (BELIK e GROSSI, 2003). Através da inclusão da

alimentação como um direito do homem, ela deixa de ser apenas um atendimento

que pode ser oferecido à população e passa a ser uma função constitucional do

Estado, que passa a ter obrigação de garantir a segurança alimentar de sua

população (BELIK e GROSSI, 2003).

Embora exista uma proposta de emenda constitucional, o Brasil não

tem condições de fornecer um “serviço público de alimentação” (BELIK e

GROSSI, 2003, p.05).

Devido às enormes carências apresentadas por grande parte da

população, o Brasil, assim como outros países de terceiro mundo, não consegue

garantir todos os direitos básicos para toda sua população. No entanto, sabemos

que o direito à alimentação poderia ser garantido a toda a população carente, mas

seria necessário selecionar as famílias que apresentem maior carência alimentar,

para que recebessem o auxílio do Estado (BELIK e GROSSI, 2003).

A garantia de um dever constitucional não atingiria toda a população

carente, mas não podemos deixar de enfatizar, nesse momento, o programa

lançado em 2003, pelo governo que acabava de assumir seu mandato.

Esse novo programa é denominado “Programa Fome Zero”

(INSTITUTO CIDADANIA, 2001) e nele, vemos serem retomados aspectos que,

haviam sido abordados anteriormente, na década de 90 - geração de empregos e

renda -, mas que foram deixados de lado por todo o período restante.

No Programa Fome Zero, também existe a preocupação pontual de

saciar a fome de milhares de brasileiros que vivem em situação de extrema


necessidade. No entanto, o que o diferencia dos programas anteriores é a

preocupação em criar condições para que esses indivíduos possam deixar essa

situação de miséria e entrar em um processo de desenvolvimento auto-

sustentável (BELIK e GROSSI, 2003). Dentro desse contexto, o programa visa

mudar o modelo de desenvolvimento econômico vigente no país. Modelo esse

que gera a exclusão social, sendo esse fator o principal responsável pela fome,

pelo desemprego, pela concentração de renda e de terra e pela miséria

(INSTITUTO CIDADANIA, 2001). Desta maneira o objetivo do Programa Fome

Zero é: “Propor um conjunto integrado de políticas com o objetivo de garantir a

segurança alimentar.” (INSTITUTO CIDADANIA, 2001, p. 83).

E ainda:

[para assegurar] maiores níveis de crescimento e de emprego e


melhores salários, é fundamental de um lado que se implementem ações
para expandir a demanda por meio do barateamento da alimentação
para a população de mais baixa renda; e de outro, ações visando a
assistir diretamente aquela parcela da população que já sofre de fome e
que pode vir a ser comprometida se não se implantar algo de caráter
emergencial para acudi-las. (INSTITUTO CIDADANIA 2001, p.81 - 82).

Para cumprir seu objetivo e assegurar níveis de crescimento,

emprego e a melhora dos salários o programa se pauta em três políticas distintas:

as políticas estruturais, as políticas específicas e, por fim, as políticas locais.

O Programa Fome Zero, assim como outros programas citados

nesse capítulo, são ações próprias da política social que, visa amenizar as

conseqüências das políticas realizadas, as quais levaram a acumulação de bens

por parte de alguns e a falta de subsídios básicos para muitos (ABRANCHES,

1998).
A política social:

Reflete, assim, a direção política das relações econômicas. A


combinação específica, imposta pela correlação efetiva de forças, de
incentivos à acumulação e ao crescimento, recursos para a provisão de
meios de subsistência aos mais carentes e ações redistributivas visando
a alcançar um certo patamar de eqüidade. (ABRANCHES, S.H., 1998,
p.10).

As ações pertinentes à política social se dão em 3 linhas principais.

A primeira linha requer ações a médio e longo prazo, que visem corrigir os

processos que levaram a pobreza já enraizada na sociedade. É uma política

social que busca resultados permanentes, e para isso procura modificar o padrão

de consumo, assim como alterar a estrutura de oportunidades da sociedade. Essa

primeira linha traz mudanças nas políticas agrícolas, de abastecimento e

industriais (ABRANCHES, 1998).

Medidas de curto e médio prazo fazem parte da segunda linha de

ações da política social. Essas requerem uma efetiva participação do Estado que,

deve criar condições e oportunidades para que, os indivíduos que vivem em

condições precárias, adquiram condições de acesso aos bens essenciais, assim

como, se insiram no mercado de trabalho (ABRANCHES, 1998).

Programas visando amenizar os efeitos mais drásticos da pobreza,

fazem parte da terceira linha de ações, que deve ocorrer a curto prazo. Para isso,

medidas na estrutura fiscal do Estado seriam pertinentes (ABRANCHES, 1998).


O Programa Fome Zero, traz um planejamento que procura atuar

nas 3 linhas de ação das políticas sociais. A seguir transcrevemos do site oficial4

do programa suas três políticas de atuação:

Políticas Estruturais
São voltadas para as causas profundas da fome e da pobreza, que
devem ser desenvolvidas pelo poder público:
Geração de Emprego e Renda;
Previdência Social Universal;
Incentivo à Agricultura Familiar;
Intensificação da Reforma Agrária;
Bolsa Escola e Renda Mínima;
Segurança e Qualidade dos Alimentos
Políticas Específicas
São voltadas para atender diretamente às famílias carentes, no que se
refere ao acesso ao alimento. Podem ser desenvolvidas pelos governos
dos estados, dos municípios, e pela sociedade civil organizada:
Doação de Cestas Básicas Emergenciais;
Combate à Desnutrição Materno-Infantil;
Cozinhas Comunitárias;
Ampliação da Merenda Escolar;
Restaurantes Populares;
Programa Cartão-Alimentação;
Ampliação do PAT (Programa de Alimentação do Trabalhador);
Bancos de Alimentos;
Manutenção de Estoques de Segurança;
Educação para o Consumo e Educação Alimentar;
Segurança e Qualidade dos Alimentos.
Políticas Locais
Serão implantadas por prefeituras e pela sociedade civil organizada em
cada município:
Nas áreas rurais: apoio à agricultura familiar e à produção para
consumo próprio;
Nas pequenas e médias cidades: Bancos de Alimentos, parceria com
varejistas para doação de alimentos, feira do produtor, modernização
dos equipamentos de abastecimento, agricultura urbana;
Nas cidades grandes: restaurantes populares, bancos de alimentos,
parcerias com varejistas, modernização dos equipamentos de
abastecimento. (PROGRAMA FOME ZERO, 2003).

Vemos que entre as políticas específicas existe uma preocupação

com a educação nutricional dos indivíduos, porém não encontramos

4
http://www.fomezero.gov.br
especificações a respeito da metodologia proposta pelo governo para realizar

esse trabalho.

Finalizando nossa apresentação do Programa Fome Zero, temos

que o programa é inovador no sentido de buscar soluções definitivas para o

problema da fome e miséria no país. Essas soluções se baseiam em

modificações da economia vigente, visando com isso a inclusão social da maioria

miserável do país. Para que essa inclusão ocorra, há proposta de políticas que

melhorem a renda desses indivíduos.

Teoricamente, o programa busca solucionar um dos maiores

problemas da população brasileira, porém, na prática, ao final de um ano da

implementação do Programa Fome Zero, ainda descortina-se um cenário

desalentador. As políticas emergenciais, assim como outrora, são as únicas

colocadas em prática até momento. Já as políticas que vislumbram uma solução

definitiva para o problema da fome e da miséria continuam no papel. Esperamos

que no decorrer dos anos, as políticas estruturais, específicas e locais,

compreendidas no Programa Fome Zero, possam ser implementadas.

2.3.2 Relembrando

Terminada nossa recuperação histórica da educação nutricional

através de publicações da OPAS e OMS, cabe dizer que a educação nutricional

foi se delineando como um retrato cultural de cada época estudada. Como todo

processo educativo, a educação nutricional não pode deixar de existir isenta dos

interesses das classes dominantes. Devido a essa característica vemos o


interesse em transformar a classe proletariada em uma classe suficientemente

forte e apta ao trabalho (PINTO, 2001).

Desta maneira, a questão central da educação nutricional se deu em

torno de questões econômicas, em que métodos para levantamento de dados

antropométricos foram criados, a fim de se avaliar o estado nutricional e, desta

maneira, avaliar se os programas estavam sendo eficientes e capazes de

transformar trabalhadores desnutridos em bem alimentados, em máquinas de

produtividade. Outra grande preocupação foi com a prevenção da desnutrição e

da desidratação (BOOG, 1996).

Quando a educação nutricional poderia ser utilizada para prevenção

de doenças crônico-degenerativas, em que os hábitos alimentares passam a

constituir um risco para a saúde, esta área foi retirada de cena (BOOG, 1996).

Valente (1986) e Boog (1996) ainda ressaltam que os métodos

educativos tradicionais utilizados se aproximavam mais de uma forma de instruir

os indivíduos, de treiná-los, do que de transformá-los em cidadãos críticos e

capazes de buscar as transformações necessárias para seu melhor bem estar. O

processo de educação nutricional partiu da premissa de que a população é

ignorante e de que, individualmente, os sujeitos são os responsáveis pela sua

desnutrição ou sua obesidade (VALENTE, 1986).

Para o autor, a educação nutricional, além de educar para que o

indivíduo saia de seu estado de nutrição inadequado, também apresenta uma

função social de eliminar as diferenças existentes, fazendo, através da

socialização de conhecimentos, que o desnutrido aprenda não passar fome e o

obeso a comer de forma equilibrada (VALENTE, 1986).


Nesse texto, fica explícito que o principal objetivo da educação

nutricional é o fortalecimento das classes populares, a fim de que, possam mudar

a organização social de exploração em que se encontram. Além das ações

educativas ações políticas são colocadas como pilares para se alcançar as

mudanças desejadas, deixando clara a ênfase de que a educação constitui-se a

mediação para que as ações políticas possam se constituir (VALENTE, 1986).

Notamos, desta maneira, que a educação nutricional não foi

utilizada, ao longo dos anos, para uma efetiva ação educativa da população, mas

sim como mais uma manobra das classes dominantes para “domesticarem” os

sujeitos menos favorecidos de sua nação.

2.3.3 Definição

Para a tarefa de definir educação nutricional, faz-se necessário

identificarmos as estreitas relações entre a Educação Nutricional e a Educação

em Saúde. Desta forma, relembramos o conceito de Educação em Saúde

adotado em nosso trabalho:

A educação em saúde deixa de ser uma atividade a mais realizada nos


serviços para ser algo que atinge e reorienta a diversidade de práticas aí
realizadas. Passa a ser um instrumento de construção da participação
popular nos serviços de saúde e, ao mesmo tempo, de aprofundamento
da intervenção da ciência na vida cotidiana das famílias e da sociedade.
(VASCONCELOS, 2001, p.30).

Vasconcelos (2001) ainda acrescenta que a Educação em Saúde:

Não é o único projeto pedagógico a valorizar a diversidade e a


heterogeneidade dos grupos sociais, a intercomunicação entre os
diferentes atores sociais, o compromisso com as classes subalternas, as
iniciativas dos educandos e o diálogo entre o saber popular e o saber
científico. (VASCONCELOS, 2001, p.30).

Dessa forma, podemos afirmar que a educação nutricional não pode

deixar de respeitar as necessidades colocadas pela população a que se destina, e

sim, firmar com ela um compromisso de diálogo e respeito.

Durante nossas leituras não encontramos um conceito de Educação

Nutricional que se adequasse ao objetivo de nosso trabalho. Os conceitos

encontrados se respaldavam em uma concepção que deixava de lado o caráter

transformador e libertador do processo educacional, para colocar a Educação

Nutricional mais como uma imposição do profissional de saúde, detentor do

saber, sobre a população, ignorante.

Diante da dificuldade em encontrarmos um conceito que se

adequasse ao propósito deste trabalho, resolvemos criar um conceito próprio.

Nosso conceito tem como base Boog (1996), que, em sua tese de doutorado, nos

coloca frente às diferenças entre orientação nutricional e educação nutricional.

Assim sendo para nosso trabalho elaboramos como conceito de Educação

Nutricional:

“Educação Nutricional é, pois um processo educativo no qual,

através da união de conhecimentos e experiências do educador e do educando,

vislumbra-se tornar os sujeitos autônomos e seguros para realizarem suas

escolhas alimentares de forma que garantam uma alimentação saudável e

prazerosa, propiciando, então, o atendimento de suas necessidades fisiológicas,

psicológicas e sociais.” (LIMA, 2004, p.81).


Chamamos também a atenção para o fato de que a educação

nutricional, como especialidade, não poder atender aos objetivos a que se propõe,

quando os indivíduos não possuem condições mínimas para sua sobrevivência.

Da mesma forma, ela não os atinge se os indivíduos não estiverem preparados

para entender ou colocar em prática as metas estabelecidas pela educação

nutricional. Afinal de contas, muitos cidadãos com poder de aquisição razoável

não se alimentam adequadamente. Desse fato podemos notar que o poder

aquisitivo e a disposição de alimentos não proporcionam linearmente padrões

alimentares adequados (MOTTA e BOOG, 1991). Nesse ponto poderíamos

questionar: Qual ou quais são as relações possíveis entre Educação Nutricional e

o paciente diabético, temática privilegiada nesse estudo?

2.3.4 Importância da Educação Nutricional e os objetivos desse Estudo

Como estamos demonstrando ao longo de nosso texto, o enfoque

nutricional tem grande importância para o controle do diabetes e das

complicações relacionadas a patologia. Os indivíduos diabéticos deveriam

receber orientações nutricionais e de saúde em geral, visando o controle

metabólico, a melhora das habilidades de auto tratamento do paciente, a

prevenção e o retardo de complicações, a diminuição das complicações agudas, a

promoção de modificações no estilo de vida e a melhora da sua qualidade de vida

(BOOG et al., 1999).


Estas orientações poderiam ser trabalhadas por uma equipe

interdisciplinar, na qual, diferentemente da equipe multidisciplinar, existe uma

atuação conjunta dos especialistas e também uma discussão a respeito das

abordagens utilizadas (BOOG et al., 1999).

Relatado que as informações podem ser trabalhadas por equipe

interdisciplinar, encontramos como representantes profissionais dessa equipe os

médicos, nutricionistas, enfermeiros, farmacêuticos e psicólogos. Faz-se

necessário alertarmos que as informações relacionadas às orientações

nutricionais poderiam ser construídas com êxito, através da educação nutricional

realizada pelo nutricionista. A educação nutricional constitui atividade privativa do

profissional segundo a Lei Federal 8 341/91, que regulamenta a profissão de

nutricionista, e faz parte das atribuições deste profissional em todos os campos de

suas atividades (BOOG, 1996).

Podemos, neste momento, dizer que a temática da educação

nutricional, para que cumpra seus objetivos, necessita ter clareza conceitual para

permitir uma intervenção adequada. Chegamos, assim, a diferenças de

terminologia, pois estudando essa temática, encontramos uma relativa

inespecificidade entre os termos orientação nutricional e educação nutricional.

Seriam termos sinônimos? (MOTTA e BOOG, 1991).

Encontramos novamente em Boog (1996) uma construção teórica

que diferencia essa terminologia. Neste trabalho, assumiremos, como Boog, a

Educação Nutricional para alcançarmos nosso objetivo pretendido.

Num primeiro momento, podemos pensar que orientação e

educação nutricional sejam apenas denominações diferentes para uma mesma


atividade desempenhada pelo nutricionista, contudo cabe dedicarmos um espaço

para colocarmos as diferenças entre orientação e educação nutricional.

Temos que a orientação nutricional pode ser considerada uma

imposição pontual de conceitos e “saberes” do profissional, pois enfatiza a

mudança imediata dos hábitos alimentares, não se preocupando com os

costumes, cultura, fatores sócio econômicos, ou outros que possam interferir nos

hábitos alimentares dos indivíduos (BOOG,1996).

Para a orientação nutricional, o profissional dita as regras da

alimentação que o paciente deve ter, sendo que não são admitidos

questionamentos e, muito menos, transgressões da dieta estabelecida

(BOOG,1996).

Entretanto, quando direcionamos nosso olhar à educação

nutricional, temos uma completa mudança desse quadro, que passa a ser

centralizado na relação de diálogo entre o paciente e o profissional. Juntos eles

construirão o novo hábito alimentar necessário para a manutenção da saúde do

indivíduo que convive com uma patologia (BOOG,1996).

A educação nutricional leva em consideração a vida, os costumes

que o paciente já traz consigo. Ela procura estabelecer uma relação de confiança

entre paciente e profissional, o que permite esclarecimentos de dúvidas ou

mesmo modificações no plano estabelecido, envolvimento de ambas as partes

(BOOG,1996).

Enfim, podemos concluir que educação nutricional e orientação

nutricional se diferenciam no sentido da primeira ser um processo que visa, a

médio e longo prazo, modificar e melhorar os hábitos alimentares dos indivíduos,


enquanto a segunda prega uma mudança imediata destes hábitos, não aceitando

transgressões (BOOG,1996).

Para o propósito central deste trabalho, deveríamos considerar que

o “tempo” para as alterações de hábitos alimentares precisaria ser flexível. As

representações dos sujeitos sobre o comer e a comida necessitariam ser

valorizadas. O diabetes poderia ser ressignificado como um marco para o

crescimento e desenvolvimento do seu portador. Nesse processo, ainda esse

paciente encontraria caminhos que consolidassem sua autonomia.

No processo, desvios ou retrocessos seriam considerados

previsíveis, porém em todo o percurso, definido a partir das necessidades dos

pacientes, a perspectiva da esperança necessitaria ser enfatizada.

A partir do exposto, o presente trabalho tem como objetivo geral:

Buscar compreender o processo de construção de

conhecimentos do paciente diabético ao longo de um trabalho de educação

nutricional.

E como objetivos específicos:

- Desenvolver uma prática de educação nutricional com os

pacientes diabéticos atendidos no Programa Saúde da Família (PSF) do

município de Araras.

- Analisar o processo de construção do conhecimento

dietoterápico, dos pacientes que participaram do percurso da Educação

Nutricional.
SEÇÃO 3. CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS: A METODOLOGIA DA
PESQUISA ELEITA
________________________________________________________
3. Considerações teóricas: A metodologia de pesquisa eleita

Para o objetivo do presente trabalho, elegemos a Pesquisa

Qualitativa como caminho que nos possibilitaria a sua melhor aproximação. No

entanto, anteriormente ao momento de discorrermos sobre nosso procedimento

metodológico, é necessário situar a Pesquisa Qualitativa no seu contexto teórico,

conceitual.

Quando se fala em pesquisa qualitativa, deparamo-nos com uma

dificuldade para sua conceituação que decorre, segundo Bogdan e Biklen (1994)

e Minayo (1996), da possibilidade de tal pesquisa acabar assumindo diversas

formas e passar por múltiplos contextos. Esses contextos são provenientes das

correntes de pensamento intimamente ligadas às pesquisas sociais, nos quais a

pesquisa qualitativa tem aplicação.

Assim sendo, a modalidade qualitativa causa dúvidas entre seus

pesquisadores, pois abrange os conceitos teóricos diversos e a própria

especificidade de ação e limites que existem dentro de seu campo de atuação

(TRIVIÑOS,1987).

Além das dúvidas decorrentes de sua contextualização, para Lüdke

e André (2001, p.11) as várias terminologias encontradas dentro da pesquisa

qualitativa caracterizam outra dificuldade. Ocorre o uso de diversos termos, tais

como “pesquisa qualitativa, etnográfica, naturalística, participante, estudo de caso

e estudo de campo”. As autoras ressaltam ainda que esses termos são

inadequadamente empregados como equivalentes, quando existem diferenças

não apenas na denominação, mas também no seu conceito e metodologia em

cada caso (LÜDKE e ANDRÉ, 2001).


É oportuno, neste momento, lembrar que os termos citados

anteriormente servem para designar tipos de pesquisa qualitativa, já inseridas no

gênero “pesquisas sociais”. Isso quer dizer que tanto a pesquisa etnográfica,

quanto o estudo de caso e a pesquisa participante, dentre outras, são tipos de

pesquisa qualitativa que apresentam particularidades e aspectos em comum.

Para conceituar a pesquisa qualitativa, partiremos do conceito mais

amplo de pesquisa social, encontrado em Minayo (1996):

“Pesquisa social não pode ser definida de forma estática ou estanque. Ela só pode

ser conceituada historicamente e entendendo-se todas as contradições e conflitos

que permeiam seu caminho” (MINAYO, 1996, p.27).

Podemos então perceber que a pesquisa qualitativa, por se

encontrar no âmbito da pesquisa social, nos levará a abordar um determinado fato

que não poderá ser visualizado como isolado, mas como parte de um contexto

mais amplo, estando inserido em um momento determinado e recebendo

influências de situações anteriores.

Segundo Lüdke e André (2001): “o estudo qualitativo é o que se

desenvolve numa situação natural, é rico em dados descritivos, tem um plano

aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada”

(LÜDKE e ANDRÉ, 2001, p.18).

Minayo acaba por completar essa definição:

A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se


preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode
ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a
um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos
que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.
(MINAYO, 2001, p.21-22).
Para Bogdan e Biklen (1994) a pesquisa qualitativa se fundamenta

nas palavras das pessoas, procurando compreender um problema social.

Bauer et al. (2002, p.23) resumem essas conceituações afirmando

que a pesquisa qualitativa “evita números, lida com interpretações das realidades

sociais”.

Em conclusão, a pesquisa qualitativa busca a raiz do problema

estudado, não pontuando aspectos numéricos que representam os dados, mas

suas causas e efeitos nos sujeitos que vivem a situação pesquisada. Ela

considera toda uma história, não se precipitando em rotular, mas em buscar, no

contexto, o que levou àquela discussão e os caminhos que se apresentam para

solucionar a questão.

Os objetivos da pesquisa qualitativa englobam uma maior

compreensão da situação estudada, sempre se inserindo no contexto pesquisado.

Outro objetivo é contribuir para uma maior aproximação teórica do foco estudado

em sua múltipla relação, se preocupando em mostrar que o estudo se pauta em

referenciais teóricos bem estabelecidos e não, caindo apenas no subjetivismo.

3.1 Diferentes tipos de pesquisa qualitativa

Tendo sido mencionado acima que a pesquisa qualitativa pode

apresentar diferentes tipos, passaremos agora a sua compreensão.

A princípio, nos aproximamos da pesquisa ação e, para isso,

utilizaremos o conceito de Thiollent (1988), autor que trabalhou muito bem esse

dado:
Pesquisa ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é
concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a
resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os
participantes representativos da situação ou do problema estão
envolvidos de modo cooperativo ou participativo. (THIOLLENT,1988,
p.14).

Thiollent (1988) e Bogdan e Biklen (1994) ressaltam que, na

pesquisa ação, existe uma real ação dos indivíduos que estão envolvidos

ativamente na pesquisa, não sendo considerado algo simples o problema que se

busca solucionar, mas, antes, merecedor desse tipo de investigação. Vale

ressaltar, ainda, que o que diferencia a pesquisa ação de outros tipos de pesquisa

é que nela, os indivíduos que vivem o problema é que demandam aos

pesquisadores uma investigação, não é o investigador que entra em campo sem

solicitação prévia (THIOLLENT,1988).

Bogdan e Biklen (1994) relatam, ainda, que a pesquisa ação tem o

objetivo de modificar o ambiente social em que é aplicada.

A pesquisa participante, também chamada por Triviños (1987) e

Lüdke e André (2001) de participativa, é conceituada por Thiollent (1988) da

seguinte forma:

Pesquisa participante é, em alguns casos, um tipo de pesquisa baseado


numa metodologia de observação participante na qual os pesquisadores
estabelecem relações comunicativas com as pessoas ou grupos da
situação investigada com o intuito de serem melhor aceitos. Nesse caso,
a participação é sobretudo participação dos pesquisadores e consiste
em aparente identificação com os valores e os comportamentos que são
necessários para a sua aceitação pelo grupo considerado.
(THIOLLENT,1988, p.15).

Para Thiollent (1988), a pesquisa ação e a pesquisa participante se

diferenciam no sentido da primeira contar, como o próprio nome diz, com uma
ação por parte do investigador conjunta com a dos participantes. Já a pesquisa

participante conta apenas com a observação deste investigador.

Para Triviños (1987), a pesquisa participante visa, principalmente,

transformar a realidade que se estuda, o que nos permite entender que a

pesquisa participante também visa uma modificação social do seu objeto de

estudo.

Outra forma de pesquisa qualitativa, também citada por Bogdan e

Biklen (1994), é a pesquisa naturalista, com a qual o pesquisador terá o objetivo

de:

[...] aumentar o nível de à vontade dos sujeitos, encorajando-os a falar


sobre aquilo de que costumam falar, acabando por lhe fazer
confidências. Este terá de lhes dar provas, de forma, a merecer a
confiança que os sujeitos depositam nele, tornando claro que nunca irá
utilizar o que descobrir para rebaixar ou magoar alguém. (BOGDAN e
BIKLEN,1994, p.113).

A formalidade dá lugar à informalidade, na medida em que o

investigador permanece no campo de ação e estabelece relações com os

sujeitos.

Já Lüdke e André (2001) enfatizam outros dois tipos de pesquisa, o

estudo de caso e a pesquisa etnográfica.

Para as autoras o estudo de caso pode ser:

[...] simples e específico ou complexo e abstrato. O caso é sempre bem


delimitado, devendo ter seus contornos claramente definidos no
desenrolar do estudo. O caso pode ser similar a outros, mas é ao
mesmo tempo distinto, pois tem um interesse próprio, singular”(LÜDKE e
ANDRÉ, 2001, p.13).

Já a etnografia “tem um sentido próprio: é a descrição de um sistema

de significados culturais de um determinado grupo” (LÜDKE e ANDRÉ, 2001, p.13


e 14). A etnografia tenta compreender a forma como a ordem do mundo é

percebida, descrita e mesmo explicada pelas pessoas que a vivem (BOGDAN e

BIKLEN, 1994).

Sucintamente, podemos dizer que os tipos de pesquisa qualitativa se

assemelham, na medida em que buscam estudar uma situação inserida em

determinado contexto social e esse contexto torna-se parte do estudo. No

entanto, cada tipo apresenta suas particularidades, o que as torna apropriadas

para serem aplicadas em estudos diferentes e com objetivos diversos.

Outra similaridade entre elas é que não são estanques, estáticas

(TRIVIÑOS, 1987; MINAYO,1996).

3.2 Etapas de trabalho da Metodologia Qualitativa

Partiremos então para a metodologia da pesquisa qualitativa.

Dentro dos vários tipos de pesquisa qualitativa, a metodologia

apresenta alguma diferenciação, o que não impede que seja analisada em seus

aspectos gerais e comuns, aplicáveis em todos os casos.

3.2.1 Fase Exploratória

Temos que a pesquisa qualitativa exige como etapa inicial uma fase

denominada exploratória.

Esta fase é tão importante que, por si só, consiste em uma

pesquisa. É um momento em que o pesquisador deve planejar todo o seu

trabalho, desde a escolha de seu objeto de estudo, passando pela delimitação do


problema, até a definição de objetos e objetivos, para utilização de um enfoque

teórico. Por fim, o investigador optará pelos métodos de coleta de dados e

também pela forma através da qual irá explorar seu campo de pesquisa,

averiguando possíveis interessados e suas expectativas (THIOLLENT,1988;

MINAYO, 1996).

Bogdan e Biklen (1994) nos oferecem, em todo o seu trabalho,

conselhos práticos valiosíssimos, sendo que em relação à etapa inicial de

exploração do campo, nos alertam para a questão da praticidade. Devemos

escolher nosso estudo considerando nossas próprias capacidades e também nos

lembrar que mudanças podem ser efetuadas no decorrer do caminho.

Thiollent (1988) ainda ressalva que, neste momento exploratório,

problemas de ordem prática provavelmente surgirão. Como exemplo, cita a

formação da equipe de pesquisadores e, até mesmo, uma possível cobertura

financeira.

I Como definir os objetivos da pesquisa

Seguindo a proposta de Minayo (1996), a definição do objetivo pode

ser feita em forma de uma questão e, para que surja a primeira pergunta, o

investigador precisa realizar uma pesquisa bibliográfica.

Através dessa pesquisa plenamente teórica, serão obtidas as idéias,

hipóteses e até mesmo sinais de como o pesquisador deverá interpretar seus

dados (THIOLLENT, 1988).


Segundo Thiollent (1988), a formulação de hipóteses auxilia o

investigador a não se dispersar e permanecer voltado para o foco escolhido, ao

qual direcionará todo o seu trabalho.

II Análise documental

Após a definição dos objetivos da pesquisa, o investigador ainda

continuará em seu trabalho teórico, porém já pode entrar em seu campo de

pesquisa colhendo dados encontrados nos documentos que pretende estudar.

Definiremos documentos como “quaisquer materiais escritos que

possam ser usados como fonte de informações sobre o comportamento humano”

(PHILLIPS, 1974, p.187).

Entre o que chamamos de documentos, encontram-se textos escritos

pelos sujeitos, como diários, cartas, e até mesmo autobiografias; os documentos

oficiais, como os memorandos, arquivos escolares, leis; além de jornais, revistas,

programas de rádio, televisão, dentre outros (PHILLIPS, 1974; BOGDAN e

BIKLEN, 1994).

III O processo de escolha da amostragem

Neste momento, entra em cena a amostragem, que pode estar

muito bem definida para a pesquisa quantitativa, mas para a pesquisa qualitativa

ainda gera dificuldades.


O tópico da amostragem consiste, segundo Thiollent (1988) em

assunto controvertido para o pesquisador qualitativo, colocando-lhes três

posições.

Uma primeira posição exclui a amostra e, desta maneira, estuda

todos os envolvidos na questão. Por exemplo, se deseja estudar pacientes

diabéticos atendidos em um determinado centro de saúde, ao invés de selecionar

alguns indivíduos para o estudo, convocam-se todos os indivíduos diabéticos do

local. Contudo este tipo de escolha pode trazer sérios problemas ao investigador

caso o número de sujeitos seja demasiado grande (THIOLLENT, 1988).

Como segunda posição, temos o uso de uma amostra, que é

calculada através de dados estatísticos para que, desta maneira, se consiga

estudar um número representativo de pessoas (THIOLLENT, 1988).

A última posição traz uma amostra definida, utilizando de critérios

como a amostragem estatisticamente controlada e a amostragem interpretativa ou

argumentativamente controlada, sendo que essas duas amostras representam

critérios da pesquisa quantitativa e qualitativa, respectivamente (THIOLLENT,

1988).

Já para Minayo (1996, p.102), a amostragem de uma pesquisa

qualitativa não apresenta um critério numérico; é de aprofundamento da

compreensão do grupo social pesquisado. Para a autora “seu critério portanto

não é numérico [...] uma amostra ideal é aquela capaz de refletir a totalidade nas

suas múltiplas dimensões”.


IV Triangulação

Nesse momento, cabe dizer que um dos critérios de validade que a

amostragem deve seguir, para garantir o aprofundamento do estudo, é o de

permitir que haja uma triangulação, que consiste em não haver restrição a uma

única fonte de dados, mas em procurar abranger um número maior de

abordagens (MINAYO, 1996). Por exemplo, temos nossa pesquisa, que tem como

fonte de dados não só o paciente, mas também as referências teóricas,

organizacionais da instituição no campo do trabalho, assim como os profissionais

de saúde do serviço atuando segundo políticas públicas de saúde. Isso nos

coloca frente a uma diversidade de fontes de dados, o que propicia a

corroboração dos dados.

Triviños (1987) ainda nos coloca que, além do objetivo de ampliar a

compreensão do estudo, o princípio da triangulação é o de que não encontramos

um fenômeno social isolado, estando todo fenômeno inserido em uma história, em

uma cultura, possuindo vínculos com uma realidade social mais complexa. Nesse

processo o pesquisador dirige seu interesse:

Em primeiro lugar, aos processos e produtos centrados no sujeito; em


seguida, aos elementos produzidos pelo meio do sujeito que têm
incumbência em seu desempenho na comunidade e por último aos
processos e produtos originados pela estrutura sócio-econômica e
cultural do macroorganismo social no qual está inserido o sujeito.
(TRIVIÑOS, 1987, p.138 e 139).

3.2.2 Trabalho de Campo

Passaremos a seguir para a segunda fase de uma investigação

qualitativa, a fase de trabalho de campo.


Segundo Minayo (1996, p.105), o campo é “o recorte espacial que

corresponde à abrangência, em termos empíricos, do recorte teórico

correspondente ao objeto da investigação”. Também é uma fase muito importante

e sem a qual a pesquisa qualitativa não seria possível (MINAYO, 1996).

I Instrumentos da Pesquisa

Nesta fase continuamos a coleta de dados e, para isso, temos dois

componentes de extrema importância: a entrevista e a observação participante

(Minayo, 1996).

Sabemos que a qualidade do trabalho, independentemente do

método de investigação escolhido, passa necessariamente pelo estabelecimento

de relações entre o pesquisador e os sujeitos (BOGDAN e BIKLEN, 1994).

Abordaremos a seguir os instrumentos referidos acima.

- Entrevista

A entrevista é considerada a principal técnica de coleta de dados no

trabalho de campo (MINAYO, 1996; LÜDKE e ANDRÉ, 2001).

Lüdke e André (2001) afirmam que:

“Na entrevista a relação que se cria é de interação, havendo uma

atmosfera de influência recíproca entre quem pergunta e quem

responde.” (LÜDKE e ANDRÉ, 2001:33).

Através deste instrumento, o investigador conseguirá obter dados que

não encontrou disponíveis em outras fontes, e também, informações relacionadas


ao indivíduo entrevistado propriamente dito, como suas opiniões e crenças

(MINAYO,1996).

As entrevistas podem ser classificadas de acordo com a forma em

que se estruturam. Podem, por exemplo, ser classificadas em entrevistas

passivas, ativas, que podem utilizar técnicas como o questionário, história de vida,

entrevista semi-estruturada, entrevista aberta ou livre, entrevista estruturada ou

fechada (HONINGMANN, 1954; TRIVIÑOS, 1987). No entanto, podemos resumir

essas formas em entrevistas estruturadas e não-estruturadas (MINAYO, 1996).

A entrevista estruturada, ou padronizada, é aquela durante a qual o

entrevistador tem que seguir um roteiro de perguntas, que deve ser seguido

igualmente para todos os entrevistados, seguindo a mesma ordem. É

praticamente um questionário, que pode ser aplicado direta ou indiretamente pelo

pesquisador, sendo mais vantajoso o primeiro modo, uma vez que se podem

esclarecer eventuais dúvidas no momento de sua realização (MINAYO, 1996;

LÜDKE e ANDRÉ,2001).

Em relação às entrevistas não-estruturadas, especificamente falando

das semi-estruturadas, é permitida ao entrevistador uma certa liberdade. As

questões não são aplicadas rigidamente na mesma ordem, e adaptações no

decorrer da entrevista podem ser realizadas, podendo o pesquisador introduzir

questões ou mudanças de direcionamento com o intuito de aprofundar as

informações colhidas (MINAYO, 1996; LÜDKE e ANDRÉ, 2001).

Triviños (1987) define a entrevista semi-estrurada com maestria:

[...] aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em


teorias e hipóteses, que interessam à pesquisa, e que, em seguida,
oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que
vão surgindo à medida que se recebem as respostas do informante.
Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu
pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado
pelo investigador, começa a participar na elaboração do conteúdo da
pesquisa. (TRIVIÑOS, 1987, p.146).

Lüdke e André (2001) observam um ponto importante ao fazerem

referência ao fato de que, na entrevista, o investigador precisa levar em conta os

dados da comunicação não-verbal, como expressões e gestos do sujeito.

Nesse sentido, a forma de registro da entrevista passa por duas

etapas: a gravação e a anotação durante a entrevista. O emprego conjunto dos

dois métodos é o que confere maior eficácia ao trabalho, dada a possibilidade de

driblar mais facilmente as desvantagens de ambos.

Temos que, na gravação, todas as expressões orais, entonações,

silêncios, são registrados; o que deixa a desejar é não haver registro algum de

expressões faciais, de gestos, enfim, de todos os signos da comunicação não-

verbal. Todavia, a falha é suprida com o uso em conjunto das anotações (LÜDKE

e ANDRÉ, 2001). Essas anotações, realizadas durante as entrevistas, trazem os

dados, como já dissemos anteriormente, de toda a comunicação não-verbal. No

entanto, Jovchelovitch e Bauer (2002), quando falam sobre a entrevista narrativa,

colocam um dado, que na nossa opinião pode ser extrapolado para qualquer tipo

de entrevista, que se chama “fala conclusiva”. Essa fala nada mais é do que a

conversa que ocorre entre pesquisador e entrevistado depois que o gravador é

desligado, é a conversa informal e que muitas vezes ilumina os dados colhidos

durante a entrevista mais formal (JOVCHELOVITCH e BAUER, 2002, p.100).

Outra dificuldade da entrevista verifica-se em relação à sua

transcrição. Uma conversa, quando gravada, exige grande dispêndio de tempo

para sua transcrição, obtendo-se como resultado um material cru, que necessita
sempre ser comparado com a gravação e anotações do material (LÜDKE e

ANDRÉ, 2001).

Para finalizar este tópico, ressaltamos que para uma pesquisa na

qual é necessário avaliar o contexto em que as situações são vivenciadas,

observando valores, regras e as relações estabelecidas no grupo, a forma de

entrevista estruturada, principalmente o questionário, se mostra ineficiente, sendo

mais adequado o uso da entrevista não-estruturada, especificamente a entrevista

semi-estruturada (MINAYO, 1996).

- Observação Participante

Introduziremos a técnica da observação participante no conjunto dos

instrumentos da pesquisa qualitativa.

Minayo (1996, p.121) afirma que a entrevista é “complementada por

uma prática de observação participante”. Sendo que Schwartz & Schwartz (1955)

definem:

[...] observação participante como um processo pelo qual mantém-se a


presença do observador numa situação social, com a finalidade de
realizar uma investigação científica. O observador está em relação face
a face com os observadores e, ao participar da vida deles, no seu
cenário cultural, colhe dados. Assim o observador é parte do contexto
sob observação, ao mesmo tempo modificando e sendo modificado por
este contexto. (SCHWARTZ & SCHWARTZ, 1955, P.355).

O ato de observar não se resume em apenas olhar, mas em

investigar um fato, procurando captar toda a sua essência (TRIVIÑOS, 1987).

Porém, para que tenha valor científico, é necessário um planejamento deste ato, a

fim de definir o que vai ser observado e quais aspectos do problema escolhido

serão captados, assim como com qual “olhar” será visto (LÜDKE e ANDRÉ,

2001).
A observação tem a vantagem de colocar o investigador em contato

direto com o fenômeno estudado, o mundo real em que o indivíduo vive. Além

disso, através da observação, outros aspectos antes não conhecidos podem vir à

tona (LÜDKE e ANDRÉ, 2001).

Mesmo com a enunciação de tantas vantagens, as autoras também

lembram que a observação participante é passível de críticas, principalmente

quando afirmam que o meio estudado sofre alterações decorrentes da presença

do investigador, assim como o próprio investigador, em suas interpretações do

meio, pode ser conduzido a uma visão distorcida pelo seu relacionamento com os

investigados, que muitas vezes se torna íntimo (LÜDKE e ANDRÉ, 2001).

- Anotações de Campo

Definido o objeto a ser observado e iniciada a observação no campo,

é necessário que seja feita uma anotação de campo, ou seja o pesquisador

deverá anotar dados sobre o que vê e sente. Dessa maneira, temos que as

anotações de campo se dividem em dois tipos: descritivas e reflexivas

(TRIVIÑOS,1987; BOGDAN e BIKLEN,1994).

As notas de campo do tipo descritivas, como o próprio nome sugere,

trazem dados descritivos do ambiente, das pessoas, de conversas, enfim, procura

colocar a imagem e as falas em forma de texto. É uma descrição fria dos

acontecimentos. As pessoas são descritas de maneira que os leitores possam

imaginá-las fisicamente, conhecerem sua maneira de se vestir e falar. Em suma,

é elaborada uma descrição dos fatos como realmente são (TRIVIÑOS,1987;

BOGDAN e BIKLEN,1994).
Já as notas de campo do tipo reflexivo mostram os sentimentos, do

ponto de vista do observador, assim como preocupações e idéias, além de

hipóteses novas que podem ser criadas (TRIVIÑOS, 1987; BOGDAN e BIKLEN,

1994).

Para que uma anotação reflexiva seja bem feita, é necessário que o

investigador se dispa de todos os seus preconceitos, tarefa nada fácil.

Diariamente uma luta deve ser travada contra as idéias já incorporadas no

pesquisador, para que ele possa refletir de maneira a observar os dados com

exatidão (TRIVIÑOS, 1987).

Em relação ao momento para se realizarem as anotações, Lüdke e

André (2001) e Bogdan e Biklen (1994) sugerem que sejam feitas o momento

mais próximo da ocorrência, a fim de que nenhum dado possa ser perdido devido

a uma falha de memória.

3.2.3 Tratamento dos Dados

Adentraremos nossa discussão para a última fase de uma pesquisa

qualitativa, a fase de análise ou tratamento do material.

O pesquisador vai buscar, nesse momento, ter certeza do que seus

dados querem dizer, procurará outras leituras para complementar e corroborar

seus achados (MINAYO, 1997) e também irá inserir suas descobertas no contexto

social de onde suas mensagens foram tiradas (BARDIN, 2002). Nesse momento,

é fundamental a superação do conceito de que os dados falam por si, cabendo ao

pesquisador estabelecer relações de articulação entre os dados e o referencial

teórico.
A análise dos dados implica a ordenação de todo o material

recolhido, como as transcrições, notas de campo, documentos, com a finalidade

de compreender melhor esse material e depois transmitir o que foi encontrado

(BOGDAN e BIKLEN, 1994; LÜDKE e ANDRÉ, 2001).

Para a análise dos dados, encontramos uma técnica denominada

análise de conteúdo, sobre qual podemos dizer sucintamente que visa enxergar

os dados criticamente, saindo da visão do senso comum e do puro subjetivismo

(MINAYO, 1996).

Existe toda uma metodologia em torno desta análise, que Triviños

(1987) apresenta em três fases descritas a seguir.

A primeira fase, denominada pré-análise, consiste na organização

do material, a partir do qual o investigador procurará estudar as respostas obtidas

e os dados da observação. Enfim, nesse momento, o pesquisador irá escolher

seus documentos, formular os objetivos gerais, suas hipóteses e especificar o

campo em que irá focar sua atenção, utilizando indicadores nos quais,

provavelmente, se pautará sua interpretação final (TRIVIÑOS, 1987; MINAYO,

1996; BARDIN, 2002).

A segunda etapa é a descrição analítica ou exploração do material,

em que se inicia o processo de codificação, classificação e categorização dos

dados (MINAYO,1996; TRIVIÑOS,1987). Nesse momento, tem início o refino dos

dados até então brutos, procurando-se chegar a uma melhor compreensão do

texto (BARDIN, 2002)

A última fase é denominada interpretação referencial ou tratamento

dos resultados obtidos e interpretação, em que o investigador não só analisa os

conteúdos manifestos, ou seja, aqueles que são mais evidentes, mas também
analisa o conteúdo latente, que evidencia o fenômeno social como um todo, com

suas ideologias, representações, história (TRIVIÑOS, 1987; MINAYO, 1996).

Para completar essa análise dos dados, sugere-se o uso da análise

do discurso, que tem como objetivo compreender o sentido completo de uma

produção social – em que as palavras expressam ideologias dos sujeitos

inseridos em um contexto – e recuperar todo o processo no qual o texto adquire

significação (ORLANDI, 1987; MINAYO, 1996). Definiremos a análise do discurso

usando Orlandi (1987, p.11) que a define “como proposta crítica que procura

justamente problematizar as formas de reflexão estabelecidas”.

Após todas essas fases, não podemos nos esquecer de respeitar

alguns padrões de ética, principalmente porque, no interior da pesquisa social,

temos o envolvimento de pessoas. Alguns pesquisadores, no afã de pesquisar

determinados pontos, deixam de respeitar alguns destes códigos. Os

investigadores alegam que, para obter os dados de maneira fidedigna,

necessitam, por exemplo, esconder dos participantes o motivo da pesquisa, ou

submetê-los a situações de estresse ou ainda coagi-los para que tomem decisões

consideradas humilhantes ou erradas (KIDDER, 1987).

Para que não ocorra esse fato, o pesquisador deve procurar fazer

com que o indivíduo aceite voluntariamente participar, estando sempre ciente dos

objetivos do estudo, de possíveis perigos e de suas próprias obrigações. Quanto

aos riscos, eles não podem ser superiores aos benefícios que o sujeito possa

obter (BOGDAN e BIKLEN, 1994).


3.2.4 Desafios da Pesquisa Qualitativa

A pesquisa qualitativa se preocupa em trazer a tona uma investigação

cuidadosa e criteriosa a respeito de questões que se inter-relacionam com o fator

social, o cultural e, até mesmo, com questões políticas dos indivíduos (MINAYO,

1996). No entanto, o campo da pesquisa qualitativa sofre diversas críticas,

principalmente de pesquisadores que defendem apenas a pesquisa quantitativa

como científica, relegando a qualitativa ao empirismo e subjetividade.

Por conseguinte, teceremos uma análise sobre os desafios que a

pesquisa qualitativa enfrenta, para não suscitar dúvidas sobre seus resultados,

garantindo que são obtidos através de uma metodologia criteriosa e

fundamentada em bases científicas consistentes.

Primeiramente, discutiremos as questões relacionadas ao

pesquisador e a metodologia utilizada em um estudo qualitativo.

Colocamo-nos frente ao principal desafio em questão: a subjetividade

do pesquisador. Um pesquisador sensato deve assumir uma postura de aceitação

da impossibilidade de se destacar os valores pessoais do processo da pesquisa,

porém se respaldará em cuidados para controlar essa subjetividade. Uma das

maneiras sugeridas como medida preventiva é a sinceridade do pesquisador,

sinceridade esta que traz à tona os preconceitos do investigador, assim como

seus valores, o que torna possível um julgamento sobre o peso que estes

possuem sobre o estudo (LÜDKE e ANDRÉ, 2001; VASCONCELOS, 2001).

Outro desafio encontrado é em relação à validade dos dados. O

cuidado para a garantia dessa questão se dá quando o investigador coleta seus

dados nas mais variadas situações e momentos, utilizando fontes diversas de


informação. Isso faz com que o pesquisador cheque suas informações em

diferentes circunstâncias e, desta maneira, se certifique de sua validade (LÜDKE

e ANDRÉ, 2001).

Mesmo contando com essas críticas em um contexto nada promissor,

vemos a luta incansável de muitos profissionais que buscam, na educação em

saúde, na sua vertente e na pesquisa qualitativa, uma forma de redirecionar o

Sistema Único de Saúde, a fim de que este se volte para suas raízes ideológicas

e passe a cumprir seu papel, garantindo saúde para toda a população

(VASCONCELOS, 2001). Lembramos que a saúde referida diz respeito não só ao

processo biológico da doença, mas as suas implicações sociais e psíquicas.

Esmerados em cumprir seu papel nesse complexo sistema de saúde,

os heróicos profissionais, que se pautam na pesquisa qualitativa em educação

popular, precisam se respaldar em bases sólidas para atingir seus objetivos.

Desta maneira, Vasconcelos (2001) nos coloca frente a cuidados metodológicos

que permitem enfrentar os desafios que se colocam para a pesquisa.

Alguns desses cuidados já foram citados anteriormente, como a

questão de diversificar os instrumentos de coleta e análise de dados e a

sinceridade do pesquisador frente a pesquisa, o que exige que seja explicada a

sua motivação, assim como seu projeto utópico.

Outros cuidados dizem respeito à questão de se aceitar que muitos

fatos não são passíveis de explicação, pois a razão humana é limitada em

compreender muitas dimensões do contexto social. Contudo, aceitar esse fato

não implica não se esforçar por solucionar os mistérios humanos e assim, um

outro cuidado fica evidenciado, que é o da busca por um maior entendimento das

relações dos sujeitos envolvidos, como suas relações sociais, culturais, religiosas.
Este fato implica uma releitura da realidade com um olhar muito mais aberto

(VASCONCELOS, 2001).

Por fim, o autor sugere que o pesquisador se preocupe em analisar a

ação dos demais atores sociais e restrinja “sua própria ação a subgrupos e

aspectos bem delimitados” (VASCONCELOS, 2001, p.278).

Vemos que a pesquisa qualitativa sofre críticas, mas como uma

metodologia científica, possui um alicerce bastante forte, o que possibilita a

realização de uma pesquisa bem fundamentada e criteriosa.


SEÇÃO 4. O PERCURSO METODOLÓGICO CONSTRUÍDO
4 O percurso metodológico construído

Após explicitadas as características da metodologia qualitativa,

passaremos nesse capítulo a introduzi-la, destacando cada fase desenvolvida no

percurso metodológico de nosso trabalho.

4.1 O Estudo Exploratório

Definido o objetivo de nosso estudo, entramos na primeira fase

prática do trabalho – o estudo exploratório.

Neste momento houve a aproximação do pesquisador no campo.

Iniciamos nossos contatos com a Secretaria Municipal de Saúde no final de

janeiro de 2002. Obtida autorização para realização do projeto, inserimo-nos no

Programa Saúde da Família (PSF). O PSF foi escolhido devido às suas

finalidades favorecerem um trabalho como o proposto nessa pesquisa.

Já inseridos no PSF, realizamos uma entrevista com cada membro

da equipe, iniciamos o processo de definição de nossa amostragem, realizamos

visitas domiciliares e definimos instrumentos de coleta de dados que seriam

trabalhados com os nossos sujeitos – entrevistas e observação participante.

A seguir, apresentamos o trajeto percorrido em nosso estudo

exploratório.
4.1.1 A Inserção do Pesquisador

O primeiro passo foi procurarmos a responsável pelo Programa na

prefeitura do município de Araras e esboçarmos nosso projeto.

Após conversarmos com a responsável, fomos encaminhados para

uma conversa com o Secretário de Saúde do Município. Como encontramos

dificuldades para agendarmos o encontro, fomos atendidos pela Coordenadora de

Divisão de Saúde, que recebeu uma cópia de nosso projeto e relatou que

poderíamos realizar o trabalho na unidade por nós escolhida.

Com a autorização para iniciarmos nosso projeto, optamos por

efetuá-lo em uma unidade do PSF que estava sendo re-inaugurada.

Obtivemos informações sobre a enfermeira chefe da unidade, que

poderia nos introduzir no programa. Entramos em contato e marcamos uma

reunião na unidade onde ela estava trabalhando enquanto o novo prédio passava

pelos últimos ajustes.

Como nos contatos anteriores, explicamos nosso trabalho e

entregamos uma cópia do projeto. Combinamos entrar em campo vinte dias após

a inauguração do prédio, a fim de que os funcionários dispusessem de um tempo

para melhor se organizarem.

Na data marcada, comparecemos ao local, apresentamos-nos aos

profissionais e procuramos falar um pouco sobre o projeto. Notamos uma boa

receptividade e abertura à participação de todos, principalmente de uma das

médicas, que se mostrou curiosa e interessada pelo nosso trabalho.


4.1.2 Local do Estudo: aproximação à temática

O local escolhido para realização de nosso estudo foi uma unidade

do Programa Saúde da Família. Optamos trabalhar com o programa pelo fato

desse prever um envolvimento dos pacientes diabéticos com o serviço, o que

facilitaria nosso contato com os nossos sujeitos e a organização de um grupo.

Além desse envolvimento dos pacientes com o serviço, procuramos

relacionar a importância da inserção do profissional nutricionista nesse programa,

pois até o momento os profissionais que compõem o PSF se restringem a

médicos e enfermeiros. Assis et al. (2002) reforçam a importância da inclusão dos

nutricionistas na equipe do PSF, lembrando que o programa traz uma proposta

que possibilita alterar o modelo vigente para um modelo que propicie o

fortalecimento das ações de promoção da saúde. No entanto, o que encontramos

ainda é um modelo que não prestigia a inclusão de outros profissionais de saúde

que não médicos, enfermeiros e dentistas. A inclusão de outros profissionais de

saúde poderia pois, contribuir para a construção de um modelo de atendimento

que prestigiasse mais as propostas do PSF, possibilitando a efetivação das ações

de promoção de saúde (ASSIS et al., 2002).

Nesse momento, para uma maior compreensão do programa,

detalharemos a estrutura organizacional do nosso local do estudo.

A equipe formada para atender na unidade Maria Lúcia Boquetti

Meneghetti contava, no início de nossas atividades, com dois médicos, duas

enfermeiras, seis agentes de saúde e dois atendentes.


O serviço atende a população de três bairros vizinhos. Uma das

equipes, formada por: um médico, uma enfermeira, três agentes e um atendente,

é responsável pelo atendimento dos bairros Vila Dona Rosa e Jardim Marabá; a

outra equipe, formada pelo mesmo número e qualificação de profissionais, atende

o bairro denominado Parque Industrial.

Atualmente, as equipes sofreram algumas mudanças em relação a

sua composição e à contratação de agentes de saúde.

A seguir, será descrita a nossa inserção no programa em que o

trabalho se desenvolveu.

4.1.3 Entrevista inicial com a equipe

As entrevistas iniciais, tinham como objetivo propiciar uma

aproximação ao local com seus profissionais, suas rotinas e posturas profissionais

frente às mesmas, particularizando o cuidado dispensado ao paciente diabético.

Os dados obtidos nas entrevistas serão apresentados, respeitando-

se a privacidade dos sujeitos, a partir de nomes fictícios, e discutidos a seguir.

Foi realizada uma entrevista com a equipe de profissionais do PSF,

com a finalidade de obter dados referentes ao serviço e à postura dos

profissionais frente ao programa particularizando, como já mencionado, o

tratamento dispensado ao paciente diabético. Foram entrevistadas uma médica e

duas enfermeiras do serviço (Anexo C).


Nessa entrevista pudemos levantar dados sobre o tratamento

dispensado aos pacientes no serviço. Os dados revelaram a ausência de um

programa específico do PSF para os diabéticos, e a rotina de serviço estabelecida

pelos próprios profissionais do local. Outra questão encontrada nos revelou que a

equipe tem clareza sobre a importância da educação nutricional no tratamento do

diabético. Entretanto, na concepção da equipe, o processo educacional pode ser

realizado através de palestras.

A seguir apresentamos mais detalhadamente os dados encontrados

nessa entrevista com a equipe do PSF.

“Não tem um protocolo por escrito, mas a gente tem um programa do

diabético. O diabético aqui é consultado pelo menos a cada dois meses,

mas assim que é diagnosticado o diabetes, no momento ele é

consultado uma vez por semana, porque é feito o teste de ponta de

dedo.” (Drª. Rebeca)

“Alguns casos, inicia-se o medicamento, tratamento medicamentoso e

outros você aguarda, faz a dieta, faz orientação dietética e vai aguardar

uma semana pra ver se, e os demais exames, pra ver se é necessário o

tratamento medicamentoso ou não.” (Drª. Rebeca)

“Aí você consulta várias vezes e depois que entra na rotina, no equilíbrio,

numa taxa de cento e vinte e cinco, e trinta e cinco de glicemia você

mantém uma consulta de rotina a cada dois meses.” (Drª. Rebeca)

“Protocolo escrito também não. Em diabético ele passa, assim, em um

mês com o médico, até normalizar. Aí, depois ele também passa com o

enfermeiro.” (Maria)
A ausência de um programa, não propicia uma padronização no

atendimento que o paciente diabético será submetido. Devido à falta de um

protocolo que estabeleça quais as atividades serão atribuídas a cada profissional

no serviço, não fica claro para os profissionais qual deve ser seu papel diante do

paciente diabético. Como exemplo, citamos a fala das enfermeiras, na qual elas

relatam que seu trabalho consiste em reforçar a fala do médico.

“É, também, de dieta, medicação, mais reforçar mesmo.” (Maria)

“E as outras orientações em relação ao pé diabético, aos cuidados que

ele tem que ter, a alimentação que deve ser mantida. É feita uma

triagem e um reforço de tudo que o médico já orientou anteriormente,”

(Verônica)

Percebemos que o enfermeiro realiza um importante trabalho ao

orientar o paciente quanto a prevenção de complicações. No entanto, ficam duas

questões: se o reforço significa repetir a orientação do médico e se essas

informações repetidas são padronizadas. Caso não exista uma comunicação

entre os profissionais e caso não sejam semelhantes as informações reforçadas,

pode-se gerar um confronto de informações recebidas pelo paciente, o que

tornará sua compreensão ainda mais difícil.

Através dessa entrevista com a equipe, ficou claro que para ela a

alimentação representa um eixo importante no tratamento do diabetes e a

educação nutricional, por sua vez, é um meio para se conseguir que o paciente

modifique seus hábitos alimentares. Para a equipe, porém, essa educação se dá

por meio de palestras.


“E a gente faz um trabalho com eles também através de palestras.”

(Maria)

Vemos também que os profissionais têm consciência de que não

dispõem de tempo para realizar um processo de educação nutricional com os

pacientes, e que esse trabalho requer tempo e não pode ser feito apenas durante

uma consulta.

“Não, não tem, por enquanto não.” (Verônica)

“É o mais importante de tudo no diabetes. Eu tenho uma que em uma

consulta só, eu fiz uma orientação normal, que eu faço pra todas, pra

todos os paciente, e ela já seguiu a risca. Mas é difícil isso acontecer,

numa consulta só, num primeiro papo, é o paciente aceitar a mudança

do hábito de vida, uma mudança alimentar, e ela por acaso aceitou.”

(Drª. Rebeca)

“Às vezes, só com uma orientação dietética o paciente fica até sem

medicação, entendeu. Difícil é conseguir mudar esse hábito. (Drª.

Rebeca)

Percebemos que a médica apresenta uma consciência real do papel

da educação nutricional e do tipo de alimentação que o paciente deve ter. A dieta

não deve ser excessivamente restritiva, mas sim saudável e, por esse motivo,

pode ser seguida por todas as pessoas que busquem manter sua saúde e

prevenir diversas patologias.


“Pode, pode comer tudo. Essa orientação que eu dou dietética é pra todo

mundo, uma dieta saudável, é pra todo mundo. Custam em aceitar.”

((Drª. Rebeca)

Os profissionais abordam também a relevância do nutricionista na

equipe, não apenas realizando um trabalho com os diabéticos, mas com outros

pacientes.

“Mas a presença da nutricionista na equipe seria extremamente

importante, porque eles seriam acompanhados bem de perto [...]. Mas

do profissional que está habilitado a fazer isso, é o nutricionista.”

(Verônica)

“Você vê, mesmo minhas crianças desnutridas, as mães são todas

obesas. Não falta comida na casa, falta orientação mesmo. É outra parte

que depois você precisa dar uma força pra gente.” (Drª. Rebeca)

Analisando a entrevista, podemos observar que existe a ausência

de um programa norteador para o tratamento das doenças crônico-degenerativas,

como o diabetes mellitus. Questionando essa ausência, temos que ela pode

representar um espaço de criação da equipe, a qual pode ousar e se posicionar

frente às necessidades da comunidade local, criando um programa que atenda a

demanda e as particularidades do serviço. Seria uma ótima oportunidade para se

realizar a educação em saúde efetiva.

Por outro lado, essa lacuna poderia representar um obstáculo para

que haja uma padronização mínima e, desta maneira, não exista um controle

efetivo da doença e, muito menos, de suas complicações. Também poderia

ocorrer ausência na clareza das condutas tomadas pelos profissionais. Por


exemplo, o médico poderia não realizar uma orientação dietética durante a

consulta por considerá-la tarefa já realizada pelo enfermeiro. O enfermeiro, por

sua vez, achando que o médico já orientou o suficiente, procura apenas reforçar

alguns tópicos. Mas qual seria o conteúdo reforçado?

Percebemos que, caso exista uma comunicação pouco eficiente

entre a equipe, o paciente poderia receber orientações equivocadas e pouco

claras, em relação a seu tratamento.

Fica claro também que a comunicação entre a equipe é

fundamental para que se estabeleça um padrão eficaz de atendimento aos

pacientes portadores de doenças crônico-degenerativas.

Outra questão emergente no discurso dos profissionais é a

importância da educação nutricional como um dos pilares do tratamento do

diabetes. Entretanto, relatam a falta de tempo para que a educação nutricional

seja realizada. A médica do PSF mostra claramente que considera fundamental a

educação nutricional, evidenciando conhecimentos de que essa não acontece

pontualmente em uma consulta, mas faz-se necessário um tempo prolongado

para ocorrer.

Mesmo apresentando uma conscientização sobre o tempo

necessário para se realizar educação nutricional com os pacientes, os

profissionais implementaram algumas palestras na rotina de tratamento do

diabetes e sinalizam que consideram essas palestras como uma forma de

educação nutricional. A realização das palestras é contraditória, mas talvez seja a

única prática educativa em saúde possível no contexto desse serviço.


Outra questão contraditória se refere à importância da presença e

atuação do profissional nutricionista na equipe. Os profissionais do PSF

endossam essa importância, porém na prática o nutricionista não faz parte da

equipe do Programa Saúde da Família. Como transportar essa questão do

discurso para as práticas educativas em saúde?

Em sua tese de doutorado, Boog (1996) encontra essa mesma

questão, ou seja, os profissionais aceitam o trabalho do nutricionista no serviço de

saúde, no entanto, não existe uma efetiva mobilização para institucionalização de

seu trabalho. Percebemos uma longa distância entre a atuação do nutricionista,

praticamente como um voluntário nos serviços, e sua atuação oficializada

(BOOG, 1996).

Faz-se necessária uma reestruturação das políticas públicas para

que os nutricionistas ocupem espaços nos serviços públicos de saúde. No

entanto, na prática, Boog (1996) ainda nos coloca frente a duas questões para

solucionarmos esse impasse. Uma das questões mostra uma visão técnica do

problema, em que haveria necessidade da conscientização dos demais

profissionais, principalmente do médico, sobre os problemas relacionados à

nutrição e ao conhecimento do papel do nutricionista como profissional qualificado

para desenvolver esse trabalho especificamente. A segunda questão diz respeito

a uma visão política, em que se propõe que, através de medidas legais, os

dirigentes intervenham politicamente na questão ou que os nutricionistas

mobilizem sua categoria para conseguir conquistar seu espaço (BOOG, 1996).

Tal mobilização vem ocorrendo de maneira bastante fundamentada (ASSIS et al.,

2002).
Em nosso trabalho, observamos que os profissionais possuem

relativa conscientização sobre a importância do papel do nutricionista na equipe.

Desta maneira, a institucionalização do profissional poderia ser obtida através de

uma visão política dos dirigentes.

4.1.4 Definição dos critérios de amostragem

Utilizando a definição de amostragem proposta por Minayo (1996),

na qual torna-se relevante o fato da amostra representar a realidade a ser

investigada como um todo, buscamos, portanto, sujeitos que estivessem

realmente abertos a participar de um processo educativo e que pudessem

representar os pacientes diabéticos do serviço.

Outro critério para nossa amostragem, estabelecido no decorrer dos

encontros, foi a freqüência dos indivíduos nas reuniões, pois muitos entrevistados,

que estiveram presentes nas primeiras, deixaram de comparecer e, desta

maneira, foram excluídos de nossa análise e discussão.

Ao final do trabalho, pudemos relatar que nossa amostra contou

com dez indivíduos, todos do sexo feminino.


4.1.5 Os instrumentos da pesquisa

Os instrumentos que nos auxiliaram no decorrer desta pesquisa

relacionam-se à análise documental, entrevistas, observação participante,

reuniões de grupo e visitas domiciliares.

I Análise Documental

Nessa etapa da pesquisa, nos concentramos na leitura de trabalhos

desenvolvidos sob a perspectiva da pesquisa qualitativa em saúde e dos temas

pertinentes a educação nutricional e do diabetes mellitus que poderiam nos

auxiliar à consecução dos nossos objetivos.

II Entrevista

Após a avaliação do material existente no próprio local e com os

profissionais do PSF, realizamos uma entrevista inicial com os pacientes

sugeridos pelos agentes de saúde como potenciais participantes (Anexo D). A

escolha final foi confirmada através das visitas domiciliares. As visitas ocorreram

acompanhadas pelos agentes de saúde que nos apresentavam aos pacientes.

Depois ocorreram visitas exclusivamente realizadas pelo pesquisador, para

agendamento das entrevistas.


Nas entrevistas, utilizamos questões norteadoras, semi-

estruturadas, ou seja, semi-abertas, sobre as quais, o sujeito poderia discorrer,

sem que nós, como entrevistadores, previamente colocássemos algumas

condições (MINAYO, 1996). Dessa forma um questionário nos serviu de base e

pudemos realizar adaptações necessárias ao rumo que cada entrevista percorria

(LÜDKE e ANDRÉ, 1986). Estas entrevistas visaram coletar dados a respeito dos

conhecimentos do paciente sobre a origem de sua doença, a interferência que

esta exerce na sua qualidade de vida, seus conhecimentos gerais sobre o

diabetes, também para reconhecermos as principais necessidades das pacientes

a fim de elaborarmos um mapa diagnóstico para construirmos nossas reuniões.

As entrevistas também foram gravadas e depois transcritas para posterior

análise. Ao final das dezesseis entrevistas iniciais, obtivemos um número de 8

fitas gravadas em ambos os lados e as transcrições somaram 119 páginas

digitadas.

III Observação participante

Além das entrevistas, utilizamos como coleta de dados a

observação participante. Todas as observações realizadas foram anotadas em

um “diário de campo” onde procuramos relatar exaustivamente as informações

identificadas tanto no período de exploração do campo, como no decorrer do

desenvolvimento do trabalho.

As informações registradas no diário trazem um panorama dos

aspectos físicos tanto dos indivíduos, como do PSF e moradias visitadas, e


também um panorama das atitudes dos sujeitos durante as visitas, entrevistas e

das reuniões do grupo. Também registramos nossas impressões e sentimentos

tanto em relação as pessoas como às situações vivenciadas.

A seguir exemplificamos na íntegra uma parte de nosso diário.

“Batemos palma e uma linda cachorrinha poodle, branca com lacinhos

rosas nas orelhas, veio latindo em nossa direção. O portão estava

fechado e notei que a casa é bem segura, pois é toda fechada com um

muro e um portão que chegam até o teto. Dona Débora logo veio nos

atender. É uma senhora baixa, um pouco acima do peso e de pele

morena. Seu cabelo é curto, começando a apresentar fios brancos. É

uma senhora que fala pouco, pois não deu início a uma “boa” conversa,

como aconteceu com algumas pessoas que encontramos

anteriormente. Dona Débora segurou a cachorra no colo dizendo que

ela não pararia de latir se não fosse para o colo. Ela abriu o portão e

pediu para entrarmos, depois pediu para que nos sentássemos em

cadeiras que estavam dispostas em uma área em frente a porta de

entrada da casa. Nos sentamos e a agente de saúde começou fazer sua

visita de rotina. Após anotar os dados que precisava disse a dona

Débora porque eu estava fazendo a visita junto dela. A agente de saúde

terminou de falar e eu pude explicar a dona Débora com maiores

detalhes o porque de minha visita. Quando terminei de falar a senhora

disse que estava interessada em participar das reuniões. Combinei de

entrar em contato com ela para agendarmos uma entrevista inicial.

Depois nos despedimos e eu e a agente voltamos para o PSF. A

impressão que tive foi que dona Débora realmente se interessou em

participar, embora fosse uma senhora um pouco calada.”


IV As reuniões do grupo

Outra fonte de dados do presente estudo foram obtidas dos próprios

encontros com os pacientes.

Foram realizados vinte e três encontros5 no período de 01 de

outubro de 2002 até 02 de abril de 2003, sendo que, nos meses de dezembro e

janeiro, por ocasião das festividades de final de ano, houve um período de

recesso.

Esses encontros foram construídos seguindo os conceitos da

educação problematizadora de Paulo Freire (1988, 2002). Vale ressaltarmos que

essa educação parte do pressuposto de que “uma pessoa só conhece bem algo

quando o transforma, transformando-se ela também no processo” (BORDENAVE

e PEREIRA, 2001, p.10). Como conseqüência tanto os sujeitos quanto o

pesquisador deveriam estar abertos a transformações.

Dessa forma, apesar de termos sidos formados segundo uma

concepção bancária, em nossos encontros pretendíamos romper com essa

postura. Nesse sentido, incentivávamos os próprios pacientes a levantarem quais

os assuntos mais pertinentes em relação aos cuidados dietoterápicos exigidos

pela patologia, ou mesmo problematizavam outros assuntos cotidianos que

pudessem interferir na manutenção de seus padrões de normalidade. Os

problemas que trabalhamos foram reais e pertencentes ao cotidiano do grupo.

Exemplificamos com uma parte de nosso diário de campo, em que

descrevemos as reuniões.

5
As reuniões ocorreram em uma sala do prédio da Polícia Militar Ambiental, devido a falta de
uma sala disponível no prédio da unidade do PSF.
“Explicamos que a questão dizia respeito ao que elas gostariam de

aprender nos próximos encontros, acrescentamos que poderia ser sobre

qualquer assunto que julgassem necessário. Isabel perguntou se era

apenas sobre nutrição e eu disse que não era necessário, se

desejassem saber outras coisas poderiam colocar no papel e depois

veríamos quais assuntos apareceram mais e começaríamos a levar para

discussão no grupo. Começaram a discutir sobre a segunda pergunta.”

“Nossa impressão sobre o encontro de hoje é que a reunião foi produtiva

e elas saíram satisfeitas com a conversa. Confessamos que havíamos

planejado outra atividade para hoje. Planejamos que elas completassem,

em duplas, qual o tratamento que achavam que a patologia tinha.

Contudo, começamos a conversar sobre os problemas que afligiam o

dia-a-dia das participantes e julgamos que precisavam disso. Ao término

da reunião concluímos que discutirem sobre seus problemas particulares

foi mais útil do que se tivéssemos conversado sobre o tratamento do

diabetes. Na realidade o que falamos também faz parte do tratamento,

pois quando elas conseguem um estilo de vida melhor,

conseqüentemente a taxa de glicemia terá um valor melhor, pois

conseguirão controlar melhor.”

V As visitas domiciliares

As visitas domiciliares representaram o instrumento utilizado na fase

exploratória do estudo e também no decorrer do estudo. Consistiram em um

importante veículo de contato com as realidades das pacientes.

As visitas tiveram início no dia 15 de abril de 2002, e se estenderam

até 19 de novembro do mesmo ano.


4.1.6 A demarcação do tempo da pesquisa de campo

Para definição do tempo de pesquisa em campo não partimos de

uma data pré-estabelecida, mas sim de um critério que julgamos adequado para

garantir a consecução de nosso trabalho. Desta maneira o critério utilizado para

demarcação do tempo em que estaríamos em campo e, assim, do número de

reuniões com as pacientes, foi a possibilidade de trabalharmos de forma

exaustiva os principais temas levantados por elas durante as entrevistas iniciais e

também durante as reuniões propriamente ditas.

Considerando nossa presença junto à Secretaria de Saúde do

município e também no Programas Saúde da Família, incluindo o último encontro

pessoal realizado com cada sujeito participante dos encontros, o período de

coleta de dados compreendeu de 30 de janeiro de 2002 à 07 de maio de 2003.


SEÇÃO 5. ORGANIZAÇÃO DO MATERIAL OBTIDO E DISCUSSÃO
DOS DADOS EMPÍRICOS
________________________________________________________
5 Organização do material obtido e discussão dos dados empíricos

Serão considerados como processo de construção de

conhecimentos todos os dados decorrentes das interações realizadas pessoal e

coletivamente com os sujeitos no decorrer deste trabalho, que fundamentou-se na

educação nutricional inserida a um processo de educação em saúde onde:

- são questionados os efeitos das práticas pedagógicas persuasivas, da


relação autoritária entre educador e educando;
- é reconhecido o poder domesticador de ações educativas baseadas no
saber biomédico e unicausal do processo saúde/doença;
- é questionado o padrão de desenvolvimento socioeconômico capitalista
e as conquistas científicas, que agravaram a desigualdade social;
- é reconhecida a dimensão educativa das práticas dos profissionais de
saúde e sua articulação com as demandas e necessidades das classes
populares na formulação das políticas sociais. (SMEKE e OLIVEIRA,
2001, p.124-25).

5.1 Caracterização dos sujeitos

O grupo, formado pelas dez senhoras, era bastante heterogêneo

com relação a escolarização, condições sócio-econômicas e acesso a serviços de

saúde. A seguir, faremos uma caracterização das participantes, com nomes

fictícios, a fim de que se possa preservar a identidade das pacientes, e para que

possamos ter uma visão geral do grupo.

Nosso grupo foi composto de mulheres, onde a maioria, 60%,

apresentava idade na faixa dos cinqüenta anos6. Quatro participantes não se

6
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), é considerada idosa, a pessoa que tenha
atingido a idade de 60 anos.
incluíam nessa faixa etária, apresentando 45 anos, 62 anos, 63 anos e 69 anos

de idade.

Com relação à escolaridade, uma delas nunca freqüentou a escola,

sete cursaram de um a quatro anos e duas delas cursaram 12 a 13 anos.

A renda mensal de nossas participantes, assim como os demais

itens mostram a heterogeneidade do grupo, variando de 200 reais a 2000 reais.

Excetuando uma das participantes, que mora em uma casa alugada,

as demais moram em casa própria. Todas as casas são de alvenaria, com água

encanada, sistema de esgoto e coleta de lixo. Todas possuem fogão a gás e

geladeira.

Quanto ao tempo de diagnóstico do diabetes, também observamos

uma grande variação, sendo que uma delas fez seu diagnóstico há 6 meses e

outra já é diabética há 16 anos.

Judith: casada, com 62 anos de idade. Além das atividades

domésticas, faz bolos para vender e ajudar no orçamento doméstico, que,

segundo a paciente, é de cerca de duzentos reais mensais. Cursou a primeira

série do ensino fundamental. Mora com o marido e uma filha em uma casa de

sete cômodos. No início das reuniões era pouco comunicativa, mas com o passar

do tempo “soltou-se” mais. É diabética há 15 anos e não apresenta complicações

decorrentes da doença. Faz seu tratamento no serviço público de saúde, pois não

possui convênio médico.

Madalena: casada, 63 anos. Quando jovem tinha emprego, após se

casar passou a cuidar dos afazeres domésticos e deixou o trabalho fora de casa.

Cursou até a segunda série do ensino fundamental. Sua casa tem sete cômodos
e moram apenas ela e o marido, a renda familiar é de aproximadamente mil e

trezentos reais mensais. Seus filhos são casados, porém dona Madalena relata

que “ainda dão muita preocupação”. É uma senhora que se expressa bem. No

início dos encontros, ficava observando mais, já nos últimos relatava que tinha

feito amizades e ficou mais a vontade. Dona Madalena chegou a dizer que no

início não achou muito boa a idéia de várias mulheres se reunirem para

conversar, mas depois gostou muito. Pudemos perceber pelas reuniões e

entrevistas que é uma senhora muito deprimida. O diagnóstico do diabetes foi

feito há 6 meses do início das reuniões, no entanto, a paciente acha que é

diabética há muito mais tempo. A paciente se queixa de um “cansaço nas

pernas”, o que nos leva a crer que realmente é diabética há mais tempo do que o

do diagnóstico, pois suas queixas evidenciam complicações vasculares

relacionadas ao diabetes. Além de utilizar o atendimento médico do PSF, também

faz seu tratamento para o diabetes com um médico de seu convênio.

Sara: casada, 51 anos de idade, cuida dos afazeres domésticos.

Nunca freqüentou a escola. Em uma casa de sete cômodos, moram oito pessoas

entre filhos, netos e sobrinhos. Dona Sara relata que os sustenta com a

aposentadoria que recebe, o marido a ajuda , desta maneira vivem com uma

renda de duzentos e oitenta reais mensais. É uma senhora falante e parece ser

muito solidária com as pessoas, mesmo passando por dificuldades financeiras.

Sua casa é bem humilde e com condições de higiene não muito adequadas. É

diabética há 5 anos e apresenta complicações vasculares, pois sua queixa

principal é em relação a difícil cicatrização de uma ferida em seu pé. Utiliza

apenas o serviço público de saúde.


Débora: casada, com 56 anos de idade e dona-de-casa. Não

completou o ensino fundamental, não referindo até qual série cursou. Mora com o

marido e dois filhos, em uma casa de seis cômodos. A renda mensal da família

gira em torno de mil e setecentos reais. Nas entrevistas inicial e final foi falante,

entretanto nas reuniões não era muito comunicativa. É vizinha de dona Sara, mas

não parecem ser muito íntimas. É diabética há 16 anos, não apresenta

complicações decorrentes do diabetes propriamente dito, porém após o

diagnóstico apresentou um quadro de depressão. Débora também possui

convênio médico, por meio do qual realiza seu tratamento.

Isabel: casada, 45 anos, cuida da casa. Chegou a entrar na

faculdade, mas não terminou o primeiro ano. Mora com o marido, três filhos e o

pai, com uma renda de aproximadamente setecentos reais, vivem em uma casa

de seis cômodos. Dona Isabel procurou o grupo por achar que era diabética e

aguardava o resultado dos exames. Ao receber o resultado constatou que não era

diabética, mas pediu para continuar nos encontros por achar que eram bons para

aprender a ter uma alimentação balanceada e adequada para ela e a família.

Utiliza o serviço público de saúde.

Dalila: casada, 54 anos de idade, cuida da casa. Diz ter cursado o

ensino fundamental, no entanto, apresentou muita dificuldade para compreender

algumas questões levantadas nas entrevistas e no grupo. Mora com o marido e

um neto em uma casa alugada, com quatro cômodos. Não sabe precisar há

quanto tempo é diabética e não apresenta complicações, faz uso do serviço

público de saúde.

Ana: viúva, 69 anos de idade, dona-de-casa, sobrevive com uma

renda de duzentos e setenta reais mensais. Completou o ensino fundamental. Se


expressa bem. Morava só em uma casa de sete cômodos, porém ao final dos

encontros nos contou que a neta, de 19 anos de idade, passou a morar com ela.

É diabética há 3 anos e apresenta complicações vasculares, pois queixa-se da

dificuldade para cicatrização em um ferimento no dedo do pé. Faz seu tratamento

no serviço público de saúde, pois não possui convênio médico.

Ruth: casada, 50 anos de idade, trabalha cuidando de sua casa,

completou o ensino fundamental. Mora com quatro pessoas em uma casa de sete

cômodos. A renda mensal é de quinhentos reais. Durante as reuniões não

costumava falar muito. Faz 6 anos que é diabética e não apresenta nenhuma

complicação relacionada a patologia. Dona Ruth tem convênio e faz o tratamento

com um médico conveniado.

Marta: casada, 53 anos de idade, cuida dos afazeres domésticos,

terminou o ensino médio e completou um curso técnico em enfermagem. Mora

com o marido e dois filhos em uma casa de sete cômodos. A família vive com

uma renda de dois mil reais por mês. É uma senhora que se comunica bem,

esclarecida e sempre participou muito durante as reuniões, trazendo dúvidas e

comentários a respeito dos assuntos discutidos. Há 2 anos, descobriu ser

diabética e dizia apresentar alteração na visão quando sua glicemia está elevada.

É uma paciente que também faz tratamento com médico conveniado, utilizando

algumas vezes o serviço público quando não tem possibilidade de comprar todos

os medicamentos.

Esther: casada, 54 anos, dona-de-casa com o ensino fundamental

completo. Mora com o marido e duas filhas em uma casa de cinco cômodos e

vivem com oitocentos reais mensais. Nos primeiros encontros era calada, mas

nos encontros finais, durante as entrevistas mostrou-se mais comunicativa.


Diabética há 15 anos, não apresenta complicações relacionadas ao diabetes. Faz

seu tratamento com um médico de seu convênio.

5.2 As entrevistas iniciais com os sujeitos

Adentramos ao item sobre a análise e discussão dos dados .

A entrevista inicial ocorreu antes de nossas reuniões, e tinha como

principal objetivo identificar os conhecimentos que as pacientes traziam a respeito

da doença. Logo em seguida, nos preocupamos em identificar qual foi o impacto

da doença na vida dessas pacientes.

Com a entrevista também procuramos reconhecer quais as

principais necessidades das pacientes e, dessa forma, elegermos com elas os

possíveis temas que seriam trabalhados nos encontros.

Para atingirmos nosso objetivo, nesse momento inicial, optamos em

nos pautar por uma entrevista que trouxesse perguntas desencadeadoras –

entrevista semi-estruturada – a fim de provocarmos as pacientes para uma

discussão aberta sobre a doença e das possíveis representações dela em suas

vidas.

Ao final das entrevistas, identificamos que as pacientes percebem

fatores de ordem econômica, social e emocional interferindo na doença. Os

conhecimentos das pacientes mostraram-se fracionados e aderidos ao contexto

em que elas vivem.


Além das respostas às nossas questões principais, outros assuntos

vieram à tona no decorrer das entrevistas. Através desses temas levantados,

pudemos perceber que em muitos casos a procura pelo médico não ocorreu

devido a sintomas iniciais do Diabetes, mas de outras patologias, tais como;

hipertensão e complicações já instaladas do Diabetes em diferentes órgãos.

Apenas uma paciente apresentou sintomas relacionados a hiperglicemia,

especialmente poliúria e polidipsia, o que a levou a procurar um médico.

Diferentemente de nosso trabalho, onde 70% obtiveram diagnóstico ocasional e

apenas 10% apresentaram os sintomas clássicos do diabetes mellitus, Motta

(1996) encontrou uma prevalência de diagnóstico ocasional e realizado pela

presença de sintomas de hiperglicemia, de 35,4% e 29,2% respectivamente.

A seguir, apresentamos uma visão geral das entrevistas.

5.2.1 A primeira questão

A primeira pergunta realizada nos remete aos conhecimentos sobre

as causas do diabetes. Pudemos constatar com as respostas que, para esta

população, dentre as causas do diabetes, encontram-se: alimentação excessiva

(4), hereditariedade (3), sobrepeso (3), desconhecimento (2), nervosismo (1),

conhecimento específico (problema do pâncreas) (1), menopausa (1).

Observamos que o conhecimento sobre as causas do diabetes

giram em torno dos tópicos levantados por nossas pacientes, no entanto, existem

diferenças em sua prevalência. Em nosso estudo o motivo mais relevante foi a

alimentação excessiva, principalmente o consumo de doces, já em outra


população estudada observamos o fator “estresse emocional”, referido como a

principal causa do diabetes mellitus (MOTTA, 1996).

Com essas repostas, é possível detectarmos um panorama

heterogêneo do ponto de vista dos conhecimentos anteriores, apresentados pelos

sujeitos com relação à doença. Comprovaremos essa informação no decorrer da

apresentação dos dados.

Encontramos dados revelando total desconhecimento das causas do

diabetes:

“É, eu num sei explica porque isso aí”. (Ana)

Porém, de outro lado encontramos dados apontando conhecimentos

anteriores bastante específicos:

“Ah, eu acho que foi assim, pode ser hereditário, e pode ser aquele de

excesso, problema do pâncreas que às vezes não funciona direito.”

(Isabel)

As respostas também mostram que os conhecimentos passam pelo

reconhecimento dos fatores hereditários:

“Eu acho que causo porque veio da minha mãe. Hereditário”. (Judith)

“Minha mãe tinha, meu pai tinha, a minha irmã tem.” (Sara)

“Num é de família, ninguém tem, só eu.” (Madalena)

“Então, eu creio que tem na minha família.” (Marta)


“Eu num sei, eu acho que foi também o fator familiar.” (Marta)

As questões alimentares são encontradas como causa do diabetes e

a obesidade, é reconhecida como uma fator desencadeador do diabetes:

“Eu sempre gostei de comer muito doce. Adoro doce, eu penso, se fez

mal pra mim, tem que ser o doce, que o que eu exagero é no doce.”

(Madalena)

“Ah, Keite eu num sei, porque eu quase num comia doce, eu gostava

mais de coisa salgada. Num gostava de coisa doce. Num sei o que

aconteceu.” (Sara)

“Ah, eu fazia muito doce, sabe, doce ‘casêro’.” (Dalila)

“Ah, eu acho que é bastante alimentação, e a gente num ‘controlá’ o

peso, então eu acho que tendo aumento de peso.” (Ruth)

“Ah, dizem que é da gente, muita obesidade.” (Esther)

As questões emocionais também são relacionadas como causa do

diabetes mellitus:

“O meu, eu acho que foi de nervoso. Daí aconteceu que meu marido

‘aposentô’ e não ‘falô’ pra mim. Depois ‘aposentô’. O salário num dava.”

(Débora)

Algumas respostas evidenciam que os conhecimentos da paciente

sobre as causas do diabetes são amplos, passando por fatores hormonais, da

obesidade e hereditariedade, como podemos notar pela fala a seguir:


“Bem, eu acho que foi obesidade e a menopausa, porque eu não tenho

antecedente, por exemplo, eu num sei, meu pai, minha mãe num

tinham diabete, mas ‘meus irmão’ mais velhos, todos acima de

cinqüenta anos apareceram. Então, eu creio que tem na minha

família.” (Marta)

Analisando as falas apresentadas percebemos que elas quase que

esgotam os fatores patogênicos associados a ocorrência da doença –

hereditariedade, obesidade – sendo que a amostra se reflete nas diferentes

fontes das causas, dos fatores apontados como determinantes e

desencadeadores da doença (ANDERSON, 2000; SOCIEDADE BRASILEIRA DE

DIABETES, 2000; FUNASA, 2002).

Esses dados, quando associados à educação nutricional, podem

nos revelar que se algumas pacientes possuem determinados esboços de

conhecimentos, outras não os revelam, reforçando a pertinência de um trabalho

educativo a ser desenvolvido com essa população. Esse trabalho deve procurar

explicitar e construir os conhecimentos reclamados por aqueles indivíduos que

ainda não o tenham, ou que não o percebam de maneira clara, como também

fundamentar os conhecimentos dos indivíduos que esboçam traços desses.

5.2.2 A segunda questão

A segunda questão dizia respeito à principal dificuldade encontrada

pelas pacientes ao tomarem conhecimento do diagnóstico de sua doença.


Questionamos também possíveis mudanças que eventualmente realizaram em

seu dia-a-dia após a descoberta de “ser diabético”.

As respostas encontradas permitem visualizarmos uma realidade

bastante difícil para indivíduos que “de repente” se vêem diabéticos. Inicialmente

esses sujeitos não aceitam sua doença, chegando a vê-la como um castigo.

“Ah, ‘aceitá’. ‘Aceitá’. Eu ‘puis’ na cabeça que a minha mãe, como

morreu, nossa, eu ía morre ‘tamém’ do diabete.” (Judith)

“’Mudô’, porque eu fiquei, como que eu posso ‘dizê’, traumatizada, num

sei, sabe. Achava que eu num merecia ter essa doença, que eu achei

que foi um castigo.” (Madalena)

“Eu tinha vontade de ‘comê’ tudo que vinha na minha frente, pra vê se eu

morria mais depressa.” (Sara)

Outra dificuldade apresentada, e que ao longo do trabalho se

mostrou a principal delas, dizia respeito à dieta prescrita.

“Seria o regime. Porque geralmente a gente já gosta de come.” (Isabel)

“...eu ‘tô’ acostumada a ‘comê’, tem que ‘tirá’ tudo. Tirei pão, tirei doce,

tirei macarrão, tudo essas coisa, massa, tudo que era de massa ela

proibiu de ‘comê’. Aí a alimentação da gente fica mais fraca.” (Ana)

“Foi a parte da dieta. Porque até agora eu, é difícil, eu num consigo

‘colocá’ o adoçante. Então, as vezes até eu prefiro ‘tomá’ o leite sem

açúcar pra num “usá” o adoçante, porque ‘tá’ difícil.” (Ruth)

“Realmente foi a alimentação. Porque eu gostava muito de comer bem,

comer bastante, eu era gulosa mesmo. Gostava de doces. Eu nunca


pensei que fosse ter diabete, eu via diabetes nas outras pessoas, mas

achava que eu nunca ‘ía tê’. Gostava de ‘comê’, fazia doce, fazia bolo.

Depois não podendo, então a dificuldade foi a alimentação.” (Marta)

Para algumas pacientes a doença também afetou a qualidade de

vida no sentido de prejudicar até mesmo o convívio social, uma vez que deixaram

de realizar atividades que consideravam prazerosas.

“Então eu ‘tô’ me sentindo, ‘tô’ sentindo muita dificuldade pra mim me

‘alimentá’, pra mim ‘convivê’ assim com ‘as pessoa’.” (Madalena)

“Eu adorava passear. Ía ‘excurssãozinha’ aí que tinha que me convidava

eu ía. Depois disso num ‘tô’ indo mais. Mas eu ía, gostava de ir.”

(Débora)

Todas essas mudanças chegam a levar a paciente a um quadro

depressivo reconhecido por ela:

“Muita depressão, mesmo.” (Madalena)

As pacientes que utilizam insulina apresentam outra dificuldade,

aquela relacionada a aplicação da insulina.

“Ah, na hora que tinha que ‘tomá’ insulina. Eu ficava pensando, ‘aí,

tomá agulhada na barriga’.” (Dalila)


“O que foi mais difícil pra mim foi quando ela ‘começô passá’ insulina.

Eu não aceitava ‘tomá’ insulina. Do remédio, então tudo bem, tomava,

tudo. Mas quando ela ‘falô’ que eu tinha que ‘tomá’ insulina, pra mim

foi muito difícil. Nossa, eu achava o fim do mundo. ‘Cê’ todo dia tinha

que fura a gente, todo dia, todo dia, todo dia.” (Esther)

Percebemos que aceitar mudanças, muitas vezes radicais, em suas

vidas constituia-se em um problema muito sério para essas pessoas.

Modificar sua dieta e seu estilo de vida tornam essas pessoas seres

dominados pela patologia. Mantê-las com conhecimentos superficiais nos parece

que apenas contribuirá para que permaneçam nessa situação de dominação pela

doença.

Nesse momento, poderíamos nos perguntar: quem poderia

representar uma possibilidade de superação da dominação pela doença?

A resposta a essa pergunta nos remeteria ao profissional

devidamente qualificado, com competência para esclarecer ao paciente

conhecimentos fundamentais que possibilitassem sua libertação.

O conteúdo das falas dos pacientes revela o profissional médico

sendo considerado como aquele que poderia “reverter”, “resolver” e “ajudar” no

convívio com a doença. Esses aspectos podem ser associados à imagem de

“libertação” dos pacientes do jugo e dominação pela doença.

Contudo, o que observamos em nossas entrevistas foi uma relação

de dominação do profissional de saúde, que mantém o paciente em um nível de

conhecimento muito superficial. Através das falas, percebemos um elo frágil de

ligação entre o profissional de saúde e o sujeito diabético.


“Daí ele falô ‘não vou cuidá mais do seu diabete, num vou dá mais

exame para você fazê de sangue, vou tratá só da sua pressão, a

pressão você pode vir aqui, mas o papel do diabete num vou ti dá

mais’.” (Débora)

“Não, não ‘falô’ nada. Num ‘falô’ nada. ‘Falô’ que eu tava com a

doença, mas num ‘falô’.” (Madalena)

“Eu acho que ele é muito seco, assim, parece que ele num gosta de

‘entrá’ em detalhe, ‘passô’aquilo e ‘cabô’. É só aquilo.” (Madalena)

“Ela falou alguma coisa do tipo do diabetes?” (pesquisador)

“Não, pra mim não.” (Marta)

Percebemos que os profissionais atribuem toda a responsabilidade

do tratamento da doença aos pacientes, sem ao menos dar-lhes, através de um

processo educacional, subsídios para que possam ter uma maior capacidade de

compreensão e discernimento sobre qual deve ser sua conduta diante do

tratamento.

Em uma das entrevistas, pudemos perceber uma relação

comprometedora entre as partes, na qual o médico reforça apenas os aspectos

negativos da doença, sem ressaltar que o tratamento, quando seguido

corretamente poderia evitar as complicações associadas à patologia:

“Aí ele começou a falar que eu ia ‘ficá’ cega, que meu rim ‘ía paralisá’,

que eu ‘ía precisá amputá’ as pernas.” (Débora)


Diariamente, a educação em saúde deve fazer parte da atuação

profissional, de forma que se possam auxiliar os sujeitos a se tornarem

autônomos, como agentes do processo de melhoria de sua condição de saúde, e

a superarem suas deficiências (CARVALHO, 1996).

Aumentam as possibilidades de atingirmos esse nível ideal de

educação em saúde, à medida que for inserida nos currículos de graduação, o

mais rápido possível, a concepção da educação em saúde baseada na

problematização de Paulo Freire (SMEKE e OLIVEIRA, 2001).

Os novos profissionais precisam deixar de ver a relação paciente/

profissional como uma relação de subordinação, para vê-la na direção do que

aprende com o outro. Em síntese, temos um possível caminho que leve a

mudanças no sistema de saúde, nas concepções de educação em saúde, ao

aderirmos a realidade em que “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si

mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” (FREIRE,

1988, p.68).

O profissional de saúde deve representar o canal para a conquista

da autonomia desse sujeito, a fim de que, tendo em mãos os conhecimentos em

relação à doença, o paciente possa sentir-se seguro e perceber a importância e

necessidade de algumas mudanças em sua rotina. No entanto, é importante

ressaltar que a abertura a essas mudanças só pode ocorrer a partir do indivíduo

portador da doença e não do profissional. O profissional de saúde deve ser o

instrumento para a educação dos sujeitos, para sua autonomia e melhor

qualidade de vida e não condená-los a tratamentos restritivos, que negam toda

uma história de vida.


Essa postura profissional caracteriza a medicina moderna,

altamente tecnológica, que reduz a autonomia dos sujeitos, tornando-os cada vez

mais dependentes dos profissionais de saúde, principalmente médicos (HELMAN,

1994).

Continuando nossa análise da primeira entrevista e nos

fundamentando em Paulo Freire, temos que a possibilidade de libertação dos

pacientes está longe de ser alcançada uma vez que “problematizar é exercer uma

análise crítica sobre a realidade problema. [...] Enquanto na teoria da ação

antidialógica a elite dominadora mitifica o mundo para melhor dominar, a teoria

dialógica exige o desenvolvimento do mundo”. (FREIRE, 1988, p.167).

Percebemos primeiramente que as orientações a respeito da

doença e seu tratamento são monopólio de um grupo restrito de profissionais de

saúde. Em momento algum, as pacientes citaram ter recebido orientações de

outros profissionais que não médico. Cremos que esse fato por si só já demonstra

uma forma de dominação dos indivíduos, os quais não conseguem, dentro do

sistema de saúde vigente, ter a possibilidade de serem orientados pelos diversos

profissionais de saúde existentes.

A partir dessa constatação, partimos para outras questões que

acabam por estarem intrínsecas nessa teia. Por exemplo, a questão do

tratamento dietético proposto a esses indivíduos. As dietas prescritas são

altamente restritivas.

A dieta é um aspecto que poderia representar a libertação das

amarras da doença e incidir diretamente na qualidade de vida do sujeito,


entretanto as falas dos nossos sujeitos revelam uma dieta restritiva e difícil de ser

seguida:

“Oh, daí ela abaixo, eu consegui fazer a dieta certinha. Porque,

beterraba eu num ‘cômo’, cenoura eu num ‘cômo’, batatinha eu num

‘cômo’. Tudo que é de massa eu num ‘cômo’, feijão eu num ‘cômo’,

salgadinho eu num ‘cômo’, pode ser o salgadinho mais gostoso que for,

bem longe de mim. Que é triste, ‘sabê’ que você tem isso daí e num vai

‘podê comê’, então porque você vai ‘teimá de comê’.” (Sara)

“Ah, foi tudo porque se você fizer certinho, você num pode ‘comê’ nada,

nada. Mas eu já notei, eu tratei um tempo com a doutora [...], então ela

‘tirô’ tudo. Olha, mais se eu continuasse eu ‘ía acabá’ na cama mesmo,

se eu continuasse com o regime dela, porque você num agüenta. Você,

sei lá, num sei se é porque quando a gente está proibido, daí que quer.”

(Débora)

“...eu estou acostumada a ‘comê’, tem que ‘tirá’ tudo. Tirei pão, tirei

doce, tirei macarrão, ‘tudo essas coisa’, massa, tudo que era de massa

ela proibiu de ‘comê’. Aí, a alimentação da gente ‘ficô’ mais fraca. Leite,

só leite desnatado, queijo, só queijo light.” (Ana)

“Tirou toda massa, todo açúcar. Por exemplo, era três bolacha, tinha três

bolacha água e sal, ou um pãozinho pra substituir, mas ela me deu uma

dieta que não tinha pão, era três bolacha água e sal. ‘Pudia’ substituir

por torradas.” (Marta)

“Acostumada a ‘comê’ tudo, como a gente comia antes e ter que comer

só aquelas coisa aí.” (Esther)

Provavelmente o profissional ao orientar uma dieta altamente

restritiva baseia-se em um único fator, o biológico. Esse profissional não se atém

ao fato de que restringir alimentos pode significar a restrição de um prazer ou de


muitos prazeres, dependendo da representação do alimento na vida desse

indivíduo (GARCIA, 1992).

O paciente pode estar ingerindo, não um nutriente, mas um

simbolismo; o alimento deixa de ser apenas comida, para se transformar em

preocupações diárias (GARCIA, 1992).

Devemos lembrar que o alimento tem uma representação social na

vida dos pacientes, sendo fixado desde a infância, tanto pela família, como por

tradições, crenças e tabus da comunidade onde vive, o que significa que o ato de

se alimentar não se relaciona exclusivamente com a fisiologia (HELMAN, 1994;

MOTTA e BOOG, 1991; CASTRO e PELIANO, 1985).

Essa restrição mantém as amarras nos pacientes, que não

conseguem seguir a dieta, principalmente porque “as mudanças de hábitos

transitam mais pelo significado simbólico dos alimentos” (CASTRO e PELIANO,

1985, p.202) e os profissionais de saúde, em sua maioria, ignoram esse fato em

suas orientações.

Notamos que as dietas eram prescritas independentemente do

contexto econômico e das possibilidades do paciente, principalmente quando se

prescrevem alimentos light, que sabemos terem preços mais elevados que os

demais alimentos.

Quanto à questão de não se levar em consideração as condições

sócio-econômicas dos indivíduos, o mesmo ocorreu em relação aos

medicamentos prescritos.
“E no doutor [...] eu fui pra ver se ele ‘dáva’ um remédio mais barato.

Que custava cinqüenta e dois esse, trinta comprimido. Daí eu falei pra

ele ‘ah, tudo as mulher que toma remédio de pressão, aqui na rua, o

remédio é baratinho, deixa eu pedí porque’. Daí ele falô ‘sua pressão

num quer saber se o remédio é caro ou é barato’.” (Débora)

Outra questão detectada em nossa análise é a ausência de falas

relativas a outros aspectos que poderiam melhorar a qualidade de vida dos

pacientes, como, por exemplo, a atividade física e o suporte emocional. Em

relação à atividade física, muitas pacientes disseram ser uma questão importante

para controle da doença, mas apenas duas associaram essa questão com as

orientações médicas. Em seu trabalho, Motta (1996) também se depara com a

ausência de orientações a respeito de atividade física como um fator importante

do tratamento de indivíduos diabéticos, a autora encontra apenas um paciente

que teve uma abordagem a respeito de exercícios físicos. Isso pode evidenciar

que, ainda hoje, muitos profissionais não enfatizam a atividade física como parte

integrante e fundamental do tratamento do diabetes, embora se saiba que o

tratamento do diabetes deve ser realizado através da educação dos sujeitos para

manterem uma alimentação saudável, de uma atividade física regular e, quando

necessário, com uma medicação oral ou a insulina.

Guimarães e Takayanagui (2002) encontram dados semelhantes em

seu estudo, colocando que 82,8% dos pacientes analisados não receberam

orientação sobre atividade física como parte do tratamento do diabetes.


Continuando nossas análises identificamos que as pacientes

apresentam vários conhecimentos à respeito da doença, como já citamos no

início.

Quando observamos os conhecimentos advindos do saber do

profissional de saúde, vemos que se restringem basicamente ao tratamento

medicamentoso e a prescrição de uma dieta restritiva. Vale ressaltar que são

conhecimentos relatados pelas pacientes, ou seja, foram informações que os

profissionais transmitiram a elas.

Embora, em nosso trabalho a orientação dos pacientes associou a

adoção de dieta e medicamentos como plano de tratamento para o diabetes

mellitus, encontramos na literatura uma grande porcentagem, 89,2%, de

profissionais que dão início ao tratamento exclusivamente com hipoglicemiantes

orais, e outros ainda, 7,7%, com a insulina (MOTTA, 1996). Outras autoras

referem a mesma problemática, sendo que 70% das orientações iniciais

basearam-se na introdução de medicamentos e apenas em 27% dos

atendimentos os pacientes receberam orientações sobre mudanças alimentares

como primeiro passo no tratamento (GUIMARÃES e TAKAYANAGUI, 2002).

Podemos constatar a partir das falas das pacientes, que os

profissionais de saúde se preocupam basicamente em medicar e proibir a

ingestão de vários alimentos, contrariando o que vimos no decorrer de nosso

trabalho. O tratamento do Diabetes engloba um conjunto de fatores, dos quais

fazem parte, com ênfase inicial, um processo de educação do sujeito diabético, a

fim de que consigam manter uma alimentação saudável. São sugeridos também

exercícios físicos e, por fim, caso seja necessário, o tratamento prevê a utilização
de hipoglicemiantes orais ou insulina (FUNASA, 2002; SOCIEDADE BRASILEIRA

DE DIABETES, 2000).

Entretanto, de acordo com o tratamento que observamos ser

oferecido aos pacientes diabéticos, vemos que o indivíduo torna-se um órgão

doente, órgão que não produz insulina e precisa recebê-la através de

medicamentos. Não vemos a percepção desse “órgão” em um organismo, em

uma família, em uma sociedade. O indivíduo é lesado em seu direito

constitucional, não recebendo um tratamento que engloba todos os aspectos da

doença: biológico, psíquico e social.

Traçamos durante o nosso trabalho um paralelo entre a saúde e a

educação e, desta forma, pudemos ver que os profissionais de saúde se

assemelham a educadores opressores, que aceitam a realidade como uma

fatalidade, em que nada pode ser feito a não ser medicar e prescrever a dieta,

não considerando o saber popular e as condições de vida do sujeito (BRANDÃO,

2001; FREIRE, 1988)

Já os pacientes podem ser comparados aos educandos que são

oprimidos e muitas vezes não conseguem enxergar essa situação e se libertarem.

O modelo da Educação em Saúde identificado fundamentou-se nos

moldes que iniciaram a Educação em Saúde.

Dentre as possibilidades que encontramos na educação em saúde,

Stotz (1993) e Smeke e Oliveira (2001) nos colocam frente ao desafio de se

deixarem os dois extremos de pensamentos propostos anteriormente, em nossos

referenciais teóricos, – radical e pessoal – de forma a se adotar uma posição

mais flexível, segundo a qual se admite que a educação em saúde é dinâmica e


complexa e que, para conseguirmos abordá-la da forma mais completa possível,

é necessário utilizarmos aspectos de ambas as concepções.

Os profissionais precisam estar cientes de que também são capazes

de modificar a situação e podem auxiliar na educação dos sujeitos, que por sua

vez também devem se conscientizar. Esse profissional de saúde precisa assumir-

se também enquanto educador (SMEKE e OLIVEIRA, 2001).

Desde a década de vinte, ainda que através de uma concepção

impositora, a educação em saúde vem obtendo conquistas. Todavia, o que antes

era autoritário, impositivo, passa a ser orientado por uma metodologia de diálogo

no processo de ensino-aprendizagem. Começa-se a deixar de lado a assertiva de

que a culpa é unicamente do sujeito e compreendem-se determinantes sócio-

históricos na percepção do processo saúde/doença/intervenção (SMEKE e

OLIVEIRA, 2001).

5.3 Os encontros

Finalizadas as entrevistas iniciais com as pacientes, pudemos obter

nossos temas geradores. Sobre a procura dos temas geradores Paulo Freire

(1988, p.96) nos lembra ser um “esforço que cabe realizar, não apenas na

metodologia da investigação temática, [...], mas, na educação problematizdora

que defendemos”. Ainda nos sugere que “investigar o tema gerador é investigar o

pensar dos homens referido à realidade, é investigar seu atuar sobre a realidade,

que é sua práxis.” (FREIRE, 1988, p.98). O principal tema sugerido pelos
pacientes foi a alimentação. Todas as pacientes relataram algum tipo ou grau de

dificuldade em relação a esse assunto.

Com o tema em mãos, surgiu outra preocupação – a construção

metodológica dos encontros. A fim de planejarmos corretamente nossas reuniões

e realizarmos um trabalho em grupo fundamentado, partimos para uma pesquisa

bibliográfica. Para nosso trabalho educativo utilizamos Bordenave e Pereira

(2001), além de técnicas sugeridas no livro Recriando Experiências: técnicas e

dinâmicas para grupos7 e no material Educação em Saúde: coletânea de

técnicas8.

Além desse referencial teórico, não podemos deixar de ressaltar um

fator importantíssimo no planejamento de nossos encontros: a problematização.

Durante nosso trabalho, ressaltamos a importância da educação

problematizadora de Paulo Freire e, desta maneira, uma preocupação constante

em nossos encontros foi a utilização dessa concepção educacional.

Durante os encontros, procuramos levantar com as nossas

pacientes questões que as levassem a uma reflexão crítica sobre seu processo

saúde-doença. A cada encontro, buscávamos uma maneira de problematizar as

temáticas com as participantes. Procurávamos deslocá-las de uma situação

passiva para uma crítica, buscando construir conhecimentos referentes ao

diabetes.

Outra preocupação que tivemos nos encontros foi a de torná-los um

momento para se exporem problematizações e discussões em relação ao


7
INSTITUTO DA PASTORAL DA JUVENTUDE – LESTE II. Recriando experiências: técnicas
e dinâmicas para grupos. Ed. Paulus, 199?, p. 07, 13-14, 30.
8
SÃO PAULO. Secretaria de Estado da Saúde. CADAIS. Núcleo de Educação. Fesina.
Educação em saúde: coletânea de técnicas. S.n. 1993. p.15, 139-147.
diabetes e, ainda uma oportunidade para as pacientes perceberem que o

diabetes não impede que tenham uma alimentação prazerosa, mas que, mesmo

sendo necessárias algumas modificações nos hábitos alimentares, vários grupos

alimentares importantes podem ser mantidos de maneira equilibrada, como por

exemplo o consumo de sobremesas. Em nossas entrevistas pudemos perceber

que, em relação a alimentação, o fato de não poderem mais consumir doces era

considerado como que um fardo para as pacientes. Por acreditarmos que a

educação nutricional deva abranger aspectos nutricionais, fisiológicos, sociais,

psicológicos e culturais, nos propusemos a levar a cada encontro uma receita, de

pratos salgados ou doces dietéticos para que as pacientes degustassem. Além do

fator nutricional, procuramos levar preparações saborosas e que substituíssem o

doce feito tradicionalmente com açúcar, assim como preparações que fazem

parte do cotidiano das pacientes.

Ocorreram vinte e três encontros com freqüência de uma vez na

semana. Eram iniciados às 13:30h e tinham a duração de cerca de uma hora e

quinze minutos.

Cada reunião transcorreu de forma única. Embora sempre

trouxéssemos um planejamento prévio de atividades, a partir do Esquema do

Arco, elaborado de acordo com as solicitações das pacientes na reunião anterior,

muitas vezes eram necessárias mudanças nessa programação. Essas mudanças

se davam a fim de atender necessidades pontuais das pacientes. Esse processo

era compatível com o caráter da pesquisa qualitativa, onde se faz necessário

haver uma flexibilização e, o pesquisador ter sensibilidade para que perceba e

aceite as necessidades apresentadas pelos indivíduos naquele momento

adeqüando seus planos à mesma (MINAYO, 1996; TRIVIÑOS, 1987).


Ao final de cada reunião realizávamos uma avaliação do encontro.

Essa avaliação se dava através de uma entrevista, gravada e posteriormente

transcrita. Procuramos padronizar as entrevistas, porém, em alguns encontros

elas sofreram algumas mudanças de acordo com o diálogo que mantínhamos

com a paciente.

No início da entrevista, tínhamos o propósito de avaliar nossa

atividade educativa a partir das percepções dos sujeitos e, para isso,

questionávamos as participantes sobre como se sentiram, ao saírem do encontro.

Para responderem a essa pergunta apresentávamos algumas figuras de

rostinhos, copiadas do material Educação em Saúde: coletânea de técnicas

(p.139-147), com o seu significado escrito logo abaixo, por exemplo, feliz,

satisfeita, triste, cansada, entre outros. As participantes escolhiam uma ou mais

figuras e diziam com quais se identicavam, a fim de ficar registrado em nossa

gravação.

Após essa parte, seguíamos com a entrevista procurando levantar

questões que nos revelassem como se dava a construção de conhecimentos das

pacientes.

A seguir, apresentaremos os nossos encontros com seu respectivo

conteúdo teórico e metodológico.

1º Encontro – 01/10/2002

Nosso objetivo na primeira reunião foi o de facilitar a socialização

dos sujeitos participantes, enfatizarmos os objetivos de nosso trabalho e

definirmos o dia da semana que seria mais propício para realização das reuniões.
Nesse primeiro encontro, estávamos apreensivos, com a

possibilidade dos pacientes não comparecerem ou de que não saísse como o

esperado. Embora contássemos com uma base teórica forte em relação a

pesquisa qualitativa, a concepção problematizadora, e também com o domínio de

um conteúdo específico de nutrição, ainda assim conservávamos certa apreensão

para iniciarmos as reuniões.

Nessa primeira reunião, além dos pacientes entrevistados

previamente, compareceram alguns que não participaram das entrevistas, mas

foram convidados por participantes do grupo ou pelas agentes de saúde.

Explicitamos ao grupo a finalidade do trabalho e obtivemos o

consentimento de todos para a realização das reuniões uma vez por semana,

porém ainda não tínhamos um dia ou horários fixos.

Após essas primeiras explicações, demos início as apresentações.

Modificamos um pouco a técnica de socialização do livro Recriando Experiências:

técnicas e dinâmicas para grupos (p. 7), porém sua idéia principal foi mantida. O

nome da atividade é “Apresentação”.

Durante as apresentações os pacientes colocaram dados como o

tempo em que moram na cidade, as atividades de lazer e informações sobre

aspectos relacionados ou associados à doença – associações patológicas,

comprometimentos, tratamento, resistência à doença.

Após as apresentações e observando que algumas falas

manifestaram dúvidas em relação a dieta do diabético, reforçando os dados

encontrados nas entrevistas, perguntamos se concordavam em discutir no


próximo encontro a alimentação do paciente diabético. Todos concordaram com o

tema e confirmaram ser uma dúvida freqüente em seu cotidiano.

Servimos a sobremesa escolhida para o dia – pudim diet – e

realizamos a avaliação do encontro.

Para avaliação do grupo, escolhemos como método uma ficha na

qual o paciente assinalava uma figura que correspondia a sua opinião sobre o

encontro e na qual havia uma questão sobre a duração da reunião. Depois

colocamos duas questões, uma relacionada a importância do encontro para o

paciente e outra sobre como ele poderia aplicar o que aprendeu em seu dia-a-dia.

Essas duas questões seriam gravadas, pois encontrávamos no grupo pessoas

analfabetas ou com um nível de escolaridade muito baixo, o que poderia dificultar

a resposta das questões, pois poderiam apresentar dificuldade de expor suas

idéias na linguagem escrita.

No primeiro encontro optamos por não fazer as duas últimas

questões (Qual a importância desse encontro para você?; Como você poderá

colocar em prática, em seu dia-a-dia, o que discutimos aqui?), porque a reunião

girou em torno de assuntos práticos, como o horário, o dia do encontro, o motivo

por estarmos nos encontrando. Desta maneira, julgamos que não haveria uma

avaliação a respeito de como aplicar os conteúdos discutidos em seu cotidiano e

sua importância em relação a doença.

Marcamos o segundo encontro para a semana seguinte. Não

confirmamos o dia da semana, mas nos propusemos a avisá-los em suas

residências. Vale dizer que optamos por realizar os encontros semanalmente a

fim de estreitar os laços entre os participantes e o pesquisador, uma vez que o


grupo estava se constituindo enquanto tal, além de evitar que as informações se

dissipassem em um intervalo mais prolongado.

Ao sairmos da reunião, conversamos com alguns pacientes que

relataram ser a reunião uma forma de saírem de casa, de conversarem com

outras pessoas. Dessa maneira pudemos observar que o grupo cumpriria três

funções:

- construção de conhecimentos;

- socialização de experiências;

- grupo de lazer.

2º Encontro – 08/10/2002

Como não havíamos decidido na reunião anterior em qual dia seria

realizado o próximo encontro, levamos até a casa dos pacientes convites com o

dia e o horário da segunda reunião.

Logo no início do encontro, propusemos a escolha de um dia e

horários fixos para as reuniões. Conjuntamente decidimos que o melhor dia para

a sua realização seria às quartas-feiras, às 13:30h.

Após essa decisão passamos a atividade de socialização preparada.

Escolhemos a atividade “História do nome” (p.15), do material Educação em

Saúde: coletânea de técnicas.

Escolhemos essa técnica com a finalidade de aprofundarmos as

apresentações, fazendo com que os participantes fornecessem maiores detalhes

sobre suas vidas e se sentissem mais próximos.


Durante a atividade o grupo mostrou-se bastante ativo, com uma

boa interação entre os participantes.

Posteriormente, analisando a atividade, pudemos perceber que ela

levou os indivíduos a um contato com sua história. Através de seus nomes

conseguiram enxergar sua identidade, reconhecendo sua história.

Finalizada a tarefa, procuramos mostrar aos participantes que suas

histórias eram únicas em muitos pontos, porém comuns em determinados

aspectos. As histórias eram comuns em um “pequeno aspecto”, o fato de serem

diabéticos. Nosso objetivo, naquele momento, foi mostrar que, dentro de uma

história de vida, ser diabético representava pouco e que deveriam valorizar o

sentido completo de suas vidas e não se fixarem em um único ponto.

A seguir, passamos à discussão do tema da reunião – a alimentação

do diabético. Para explicarmos o que é diabetes construímos exemplos acessíveis

à compreensão dos pacientes. Como exemplo podemos citar a relação que

estabelecemos comparando a glicose a um passageiro e a insulina ao carrinho do

nosso organismo. Dissemos que no diabético às vezes não existe a produção da

insulina (carrinho) e por isso é necessário aplicá-la. Em algumas pessoas o

número de carrinhos é insuficiente, mas controlando a chegada de passageiros a

situação pode ser equilibrada. Explicamos que quando comemos o açúcar é como

se muitos passageiros chegassem ao mesmo tempo no ponto de ônibus e como

os carrinhos eram insuficientes não conseguiam levar todos os passageiros, que

ficavam sobrando e elevando a quantidade deles no sangue. Já quando comemos

um alimento que libera passageiro, ou seja glicose, lentamente, nossos carrinhos

conseguem levar todos aos seus destinos, dissemos que os destinos eram os

órgãos de nosso corpo.


Terminada nossa discussão, servimos a sobremesa do dia – doce de

pêssego em calda.

Nesse encontro, além da avaliação escrita, realizamos as gravações

das respostas às questões citadas anteriormente.

3º Encontro – 16/10/2002

A atividade de socialização escolhida para o terceiro encontro

objetivou melhorar a auto-estima dos participantes, mostrando-lhes que são

pessoas especiais e precisam gostar de si, lembrar de si e desta maneira cuidar

de sua saúde. A técnica escolhida para a atividade foi “O espelho”, do livro

Recriando Experiências: técnicas e dinâmicas para grupos (p.13-14).

Finalizada a atividade, questionamos quais as possíveis dúvidas

sobre a alimentação do diabetes. Iniciamos uma discussão sobre o assunto.

Durante a conversa, outros assuntos foram surgindo e uma das

pacientes disse que quando era jovem conseguia fazer várias coisas, mas agora

havia mudado muito. Aproveitamos a colocação para enfatizar que era necessário

que aprendessem a lidar com o diabetes. Colocamos que, durante a vida,

passamos diversas fases e necessitamos nos adequar a cada uma delas. Dessa

maneira, ser diabético era uma nova fase e era necessário se adequar a ela para

conseguir viver com qualidade de vida.

Antes de iniciarmos a avaliação da reunião, servimos para cada

participante uma fatia de panetone diet e um copo de suco artificial diet. Não

levamos o suco de fruta natural por já estarmos oferecendo uma fonte de


carboidratos, no caso o panetone, e também por julgarmos que o suco artificial já

faz parte do cotidiano de nossas pacientes.

4º Encontro – 23/10/2002

No quarto encontro, contamos com a presença de mais uma nova

integrante, convidada por uma das participantes. A nova integrante resolveu

participar porque o médico solicitou que fizesse um exame para averiguar se é

diabética. Isso nos mostrou sua preocupação e seu interesse pelo grupo, pois

antes mesmo de ter certeza do diagnóstico, que ainda poderia ser negativo, optou

por se informar e para isso procurou nosso grupo.

Nesse encontro, não realizamos atividade de socialização por

julgarmos que o grupo já possuía um bom relacionamento e já conheciam um

pouco mais sobre cada um.

Dessa maneira, a primeira atividade proposta foi a divisão em dois

grupos para discutirem sobre as maiores dificuldades encontradas depois de

diagnosticado o diabetes. Elas escreveram em uma folha suas dificuldades

(Anexo E). Nosso objetivo com essa atividade foi conhecermos um pouco mais as

dificuldades enfrentadas pelos sujeitos e dessa forma podermos construir nossos

encontros de maneira a discutirmos essas dificuldades, que muitas vezes,

pudemos constatar ainda eram presentes em suas vidas.

Entre as dificuldades encontradas, estavam: seguir a alimentação

proposta como tratamento, principalmente deixar de consumir açúcar e doces,

manter a dieta quando viajavam e lidar com os sintomas próprios da

hiperglicemia, como a poliúria e polidipsia.


Após nos entregarem as folhas, começamos a discutir as causas do

diabetes e aproveitamos a oportunidade para explicar a fisiopatologia do diabetes.

Terminada a discussão, e com o avançar da hora, resolvemos

questioná-las sobre o que gostariam de discutir no próximo encontro. Decidiram

que conversaríamos sobre colesterol e os nutrientes que compõem os alimentos.

Decidido o assunto da reunião seguinte, servimos um copo de suco

artificial diet, sabor pêra, uma porção de torradas com patê de ricota com

cenoura.

5º Encontro – 30/10/2002

Nesse encontro objetivamos discutir o assunto proposto no encontro

anterior, porém antes de iniciarmos a discussão havíamos preparado uma

dinâmica de grupo, com a finalidade de iniciarmos nossa discussão com as

questões levantadas na dinâmica. A dinâmica era “Duplinhas rotativas”, do livro

Recriando Experiências: técnicas e dinâmicas para grupos (p.30). No entanto, um

número menor de pacientes compareceu e isso comprometeria a evolução da

dinâmica. Dessa maneira, fomos direto para a discussão do tema do dia. Cabe

ressaltar que essa mudança mostra que em um trabalho com um grupo de

pessoas, há necessidade de adaptações segundo a realidade encontrada em

cada reunião. Como já visto anteriormente essa é uma realidade inerente a

pesquisa qualitativa.

Como combinado no encontro anterior, discutiríamos os nutrientes

dos alimentos e o colesterol.


Iniciamos com uma pergunta sobre o hábito da leitura dos rótulos

dos alimentos, daí partimos para os nutrientes relacionados nesses rótulos.

Dessa pergunta inicial, partimos para uma ampla discussão sobre

carboidratos, lipídeos, proteínas e fibras. A discussão foi se estendendo e a hora

já estava adiantada. Como não havíamos esgotado o assunto sobre os nutrientes

resolvemos prosseguir na semana seguinte.

Antes de darmos início às entrevistas de avaliação do encontro,

servimos maria-mole diet.

6º Encontro – 06/11/2002

Partimos agora para o sexto encontro onde iríamos discutir um

pouco mais sobre os nutrientes, como dito anteriormente, devido ao fato do

assunto não ter se esgotado na reunião anterior.

Antes mesmo de iniciarmos as discussões, uma paciente relatou

que precisava saber quais alimentos continham carboidrato, pois tinha dificuldade

para guardá-los. Aproveitando a dúvida da paciente, demos início a reunião,

perguntando às demais pacientes se poderiam dar exemplos de alimentos fontes

de carboidratos.

Depois de falarem, outra paciente fez uma questão relacionada a

um assunto que tinha visto em um programa de TV, no final de semana. Outros

assuntos foram surgindo de acordo com o interesse manifestado pelas pacientes.

Ao final desse encontro, percebemos que algumas pacientes,

embora apresentassem uma evolução em seus conhecimentos, algumas vezes

retrocediam, porém isso é visto como um dado importante em seu processo de


aprendizado. Como educadores, precisamos ficar atentos a isso e amenizarmos

nossas ansiedades em relação a construção do conhecimento, reconhecendo que

existem avanços, mas também retrocessos.

Como nos encontros anteriores, servimos uma preparação, que foi

bolo de maracujá diet.

7º Encontro – 13/11/2002

A questão dos nutrientes ainda era necessária e procurando fechar

sua discussão preparamos para esse encontro uma atividade. Recortamos

gravuras de alimentos e dispusemos sobre a mesa. As pacientes deveriam pegar

algumas gravuras e separar os alimentos de acordo com grupo a que pertenciam,

fontes de carboidrato, fonte de proteína e fonte de lipídeos.

Após terminarem a tarefa, questionamos quais haviam sido as

principais dificuldades e juntas fomos analisando os alimentos colocados em cada

grupo. Uma das pacientes comentou que a atividade era muito interessante, pois

nas consultas médicas eram informadas apenas sobre alguns alimentos que não

podiam consumir, mas não aprendiam a montar seus pratos e substituir

alimentos.

Perguntamos qual assunto gostariam de discutir no encontro

seguinte e optaram por ser o triglicérides. Embora em encontros anteriores

tenham relatado que gostariam de falar sobre o colesterol, optaram por outro

assunto. Mais uma vez vemos que as necessidades dos pacientes podem se

modificar de acordo com o momento que estão vivendo.

A sobremesa do dia foi biscoitinhos de coco.


Analisando essa reunião, mais uma vez sentimos nossa dificuldade

em problematizar, muitas vezes respondendo prontamente as dúvidas das

pacientes, sem criarmos um pergunta que as leve a pensar criticamente. Outra

questão observada é que, muitas vezes, mesmo quando perguntamos, alguns

pacientes não respondem e parecem esperar pela resposta. Devemos nos

lembrar que o desenvolvimento de uma visão crítica, que as leve a uma

autonomia é um trabalho árduo, que não se realiza em um curto espaço de

tempo.

8º Encontro – 20/11/2002

Nessa reunião, levantamos a questão do triglicérides, o assunto

proposto no encontro anterior.

Para darmos início a conversa, perguntamos sobre os exames de

sangue que realizavam e se alguém havia percebido uma alteração nos níveis de

triglicérides. As pacientes foram falando sobre seus exames e algumas tinham

níveis elevados do triglicérides. Questionaram o que era o triglicérides e como

tratá-lo.

Conversamos sobre o tema e outros assuntos também surgiram.

Um assunto que julgamos importante citarmos foi a necessidade dos pacientes

em receberem uma lista de alimentos proibidos e permitidos. Isso nos mostra que

essa forma tradicional de orientar um paciente é muito forte e mais fácil, tanto

para o paciente como para o profissional de saúde. Observamos as dificuldades

em levar os pacientes a uma situação de libertação, e autonomia.


Os pacientes precisam conquistar a liberdade das amarras

colocadas pelos profissionais de saúde. Mas a libertação implica uma busca

permanente, uma substituição das idéias inculcadas, por idéias próprias. O sujeito

é levado a construir um saber crítico, no entanto, muitas vezes ele teme essa

construção. Ele não se sente capaz de arriscar mudar, mantendo-se na opressão

(FREIRE, 1988).

Como profissionais de saúde procuramos oferecer subsídios para as

pacientes perderem o medo da libertação, porém, muitas vezes elas ainda se

mostraram amedrontadas frente a esse processo, mantendo-se ligadas aos

métodos opressores de tratamento.

Ao término da reunião servimos às pacientes um rocambole

recheado com creme e pêssego.

9º Encontro – 26/11/2002

O assunto discutido na reunião foi o colesterol. Propusemos esse

tema pelo fato dos sujeitos terem levantado interesse em discuti-lo em algumas

reuniões anteriores.

Iniciamos nossa discussão perguntando se sabiam o que era

colesterol, apenas uma paciente se manifestou, entretanto quando questionamos

sobre o tratamento dietético de um indivíduo com níveis elevados de colesterol

outra paciente respondeu.

Além do tema proposto, a pedido de uma paciente que estava

ausente no encontro anterior, retomamos o assunto discutido naquela semana.

Nesse momento, pedimos para que as pacientes explicassem para as colegas o


que haviam aprendido e uma delas leu suas anotações. Percebemos que há

alguns encontros certas pacientes traziam cadernos para anotar as informações

que discutíamos nas reuniões. Cremos que isso se deu pelo interesse em

guardarem o que estávamos tratando e também porque, para as participantes, os

encontros tem uma conotação de aula, de escola. Não se libertaram dessa idéia

de uma escola tradicional, onde o professor fala e os alunos anotam.

No decorrer do encontro, levantaram outro assunto, doação de

sangue, pois apresentavam dúvidas. Nós não soubemos esclarecer todas as

dúvidas e nos comprometemos a pesquisar sobre o assunto e levar uma resposta

na semana seguinte.

Terminada essa discussão questionamos as pacientes sobre os

níveis de colesterol considerados adequados. Todas relataram desconhecer

esses valores. Dessa maneira, escrevemos na lousa os níveis considerados

normais de colesterol total, HDL e LDL. Explicamos sobre o “bom colesterol” e o

“mau colesterol”. Muitas se manifestaram, dizendo que os profissionais de saúde

que as atendem não explicam esses valores, não relatam nada sobre os tipos de

colesterol, apenas informam se o nível de colesterol está alto ou normal. Mais

uma vez, pudemos perceber os profissionais de saúde dominando a situação,

sem nem ao menos transmitirem essas informações.

As pacientes degustaram nessa reunião uma fatia de bolo de laranja

diet.
10º Encontro – 04/12/2002

A atividade proposta para o dia foi a elaboração de uma lista de

alimentos permitidos e proibidos.

Nos propusemos a realizar essa atividade porque ter uma lista de

alimentos permitidos foi uma solicitação de uma participante. Com isso notamos

que o método prescritivo está enraizado nos sujeitos, o que acaba tornando uma

necessidade receberem uma lista de alimentos para orientarem sua alimentação.

Como nossa proposta não é manter os pacientes oprimidos e dependentes de

métodos bancários de educação, pensamos em uma maneira de transformar o

pedido em uma atividade libertadora na qual os pacientes pudessem desenvolver

uma visão mais crítica a respeito dos alimentos que podem ingerir. Dessa

maneira, entregamos folhas em branco para as pacientes e propusemos que

juntas fôssemos construindo a lista de alimentos.

Iniciamos a atividade solicitando que relatassem os alimentos que

consumiram no dia anterior, de acordo com cada refeição. Conforme as pacientes

iam relatando questionávamos se os alimentos eram adequados e se poderiam

entrar na nossa lista. Além dos alimentos citados pelas pacientes demos outros

exemplos, a fim de variarmos a lista das pacientes. Pedimos para que

continuassem montando suas listas em casa, de acordo com o que consumissem.

Experimentaram nesse encontro uma sobremesa denominada

gelado de ameixa.
11º Encontro – 11/12/2002

Na 11ª reunião, os assuntos propostos foram os macronutrientes do

arroz e feijão e os preparativos para a ceia de Natal. Conversamos sobre a

composição de carboidrato, lipídeos e proteínas do feijão porque no decorrer dos

encontros pacientes relataram que não consumiam feijão por ordem médica.

Como achamos inadequada essa orientação, levamos os dados para que

pudéssemos ver as quantidades de nutrientes existentes no alimento. O assunto

sobre a ceia de Natal foi levantado porque a data se aproximava e gostaríamos

de saber o que as participantes planejavam preparar para que pudessem

desfrutar da comemoração da melhor forma possível.

Finalizada nossa conversa, iniciamos a leitura do depoimento “Eu e

meu diabetes...”9, que relatava a experiência de um médico, diabético há vinte e

um anos e que não apresentava complicações. Resolvemos fazer essa leitura

para que as pacientes pudessem perceber que existem outras pessoas

diabéticas, e que através de um controle adequado podem viver com saúde, sem

complicações.

Após a leitura servimos suco de maçã diet pronto para beber e uma

pequena quantia de leite condensado diet caseiro. Optamos por levar o leite

condensado por ser um ingrediente utilizado em várias receitas e dessa forma as

pacientes poderiam prepará-lo em casa, o que diminuiria o custo com as receitas.

9
CÔRTES, M. Q. Eu e meu diabetes. In: OLIVEIRA, R. F. Diabetes dia-a-dia. 2. ed. Rio de
Janeiro: Revinter, 2002. p.260-264.
12º Encontro – 18/12/2002

Essa foi a última reunião de 2002 e resolvemos preparar algo

diferente, fizemos uma festa para as pacientes. Levamos patê de ricota com

salsinha, torradas, panetone diet e bolo de abacaxi com maçã diet, além do

refrigerante diet. Resolvemos terminar os encontros do ano dessa maneira

primeiramente para comemorarmos as festas de final de ano e também para que

as pacientes pudessem recordar e visualizar o que foi discutido, observando que

é possível participar das comemorações sem consumir alimentos que sejam

prejudiciais para sua saúde.

Fazendo uma sucinta análise sobre os encontros realizados até

esse momento, temos que as pacientes iniciaram um processo de

conscientização e começaram a ter uma visão mais crítica sobre sua doença e

sobre os alimentos que são mais apropriados para manter os níveis glicêmicos

controlados. Todavia, nós prosseguimos o processo de aprendizado, em que

encontramos algumas dificuldades em adotar uma metodologia problematizadora.

Muitas vezes, sentimos a deficiência causada por uma formação tradicional, que

nos coloca em uma posição de “mestres”, detentores do saber.

Nas reuniões seguintes, nos empenhamos mais em criar no grupo

uma consciência crítica e libertadora.

13º Encontro – 15/01/2003

Após o período de recesso de final de ano, voltamos a nos

encontrar.
Primeiramente, conversamos sobre como passaram as festividades.

Elas falaram sobre as festas, algumas se controlaram em relação a alimentação,

porém outras já consumiram uma quantidade maior de alimentos. Essa diferença

existente entre os comportamentos das pacientes – algumas conseguiram ter

uma alimentação adequada, outras consumindo alimentos inadequados para sua

patologia –, já é prevista quando se realiza a educação nutricional. A educação

nutricional, diferentemente da orientação nutricional, prevê que o paciente possa

ter alguns desvios no decorrer de seu processo de conscientização (BOOG,

1996).

Enquanto conversávamos, outro assunto foi colocado em discussão:

a dificuldade em deixar de consumir doce. Uma das pacientes levantou a questão

e quis saber a opinião das colegas e o que faziam para não consumir o doce.

Depois dessa discussão, apresentamos a atividade que havíamos

preparado para o dia. Pedimos para se dividirem em dois grupos e responderem

as questões: “O que você aprendeu nos encontros anteriores?” e “O que gostaria

de discutir nos próximos encontros?” (Anexo F).

A atividade foi realizada, em grupo, pelo fato de algumas pacientes

apresentarem dificuldades em se expressarem na forma escrita, dessa maneira o

contato com colegas do grupo facilitaria o desenvolvimento da atividade.

Sugerimos essa tarefa com a finalidade de averiguar quais conceitos já haviam

sido trabalhados pelos próprios sujeitos e quais temas eram interessantes para os

mesmos.

Com relação a primeira questão vimos que as pacientes

incorporaram conhecimentos sobre uma alimentação saudável, sugerindo o


aumento do consumo de legumes, verduras e frutas, assim como o fracionamento

da dieta em um maior número de refeições ao dia. Outro conteúdo fixado foi em

relação a leitura dos rótulos dos alimentos, com a finalidade de observarem se o

produto contém ou não ingredientes que não possam ser ingeridos, como por

exemplo o açúcar.

Em um dos grupos, as pacientes não citaram unicamente

conhecimentos referentes ao modo adequado de se alimentar, mas citaram

também itens que mostram que o grupo estava cumprindo um papel de apoio na

vida das pacientes. Esse grupo diz ter aprendido a superar dificuldades,

percebendo que estão inseridas em uma sociedade e podem levar uma vida

normal como qualquer indivíduo.

As respostas da segunda questão mostraram que as pacientes

desejavam aprender mais conteúdos sobre o diabetes, e também revisar

assuntos como o colesterol e triglicérides. Além de conhecimentos sobre o

diabetes e assuntos já discutidos, expressaram o desejo de aprender sobre

assuntos que não haviam sido abordados até aquele momento, como o ácido

úrico e perda de vitaminas no preparo dos alimentos.

Terminada a tarefa, servimos uma porção de sorvete nos sabores

leite e chocolate. Essa preparação foi escolhida especialmente porque uma das

pacientes sempre nos pedia uma receita de sorvete, pois dizia gostar muito e por

não encontrar nas sorveterias preparações dietéticas, não consumia uma

sobremesa que apreciava.


14º Encontro – 22/01/2003

Hoje tivemos que realizar uma adaptação na atividade programada.

Pretendíamos solicitar às pacientes que escrevessem sobre o tratamento do

diabetes e apresentassem sugestões sobre como gostariam que esse tratamento

fosse oferecido no PSF.

Logo que chegamos e começamos a conversar com as pacientes,

uma delas iniciou relatando que sua pressão arterial estava “descontrolada” e

que achava que estava muito nervosa. Continuando a conversa, outras relataram

que também estavam muito nervosas e por esse motivo não conseguiam

controlar seus níveis glicêmicos.

Percebemos que havia a necessidade de discutirmos esse assunto.

Dessa maneira, deixamos a atividade programada para atender uma necessidade

imediata das pacientes.

A discussão girou em torno do que poderiam fazer para se

acalmarem, pois duas pacientes relataram que sua glicemia estava elevada

devido a situações de estresse que estavam passando.

Servimos uma sobremesa chamada gelado de abacaxi e demos

início as entrevistas.

Nesse dia percebemos claramente a função terapêutica do grupo,

uma vez que as pacientes puderam expressar suas angústias e dificuldades

afetivas. Muitas pacientes relataram suas experiências e deram dicas de como

tentam se acalmar em situações estressantes.

Vemos que o pesquisador deve sempre estar aberto e ter

flexibilidade para poder adaptar sua programação a exigências dos participantes.


15º Encontro – 29/01/2003

Havíamos planejado realizar a atividade adiada na semana anterior,

no entanto, novamente adiamos. O número de participantes era pequeno e,

julgamos que a atividade era importante para todos os sujeitos do grupo.

Optamos por aguardar a reunião seguinte, contando com um número maior de

participantes.

Dessa maneira, resolvemos dar continuidade a conversa iniciada

anteriormente sobre as atividades que podem ser desenvolvidas para que elas se

sintam melhor e mais calmas.

Uma vez mais, tivemos a necessidade de modificar uma

programação a fim de nos adaptarmos a situação encontrada.

Embora ficássemos frustrados com a necessidade de realizar mais

um encontro com conversas, sentimos que foi útil para as pacientes, pois muitas

precisam desses momentos de conversa e abertura para se expressarem.

Em relação a sobremesa do dia, levamos um pudim diet, preparado

com pó para pudim, vendido em supermercados. A escolha dessa preparação se

deveu ao fato de procurarmos colocar as pacientes em contato com uma opção

de fácil preparo, além de propiciar que tivessem contato com um produto vendido

em supermercados, que muitas não consomem por receio de não gostarem.

Como a preparação não necessitava receita, optamos por levar a receita de um

prato, no caso, escolhemos macarrão com brócolis.


16º Encontro- 05/02/2003

Depois de conversarem um pouco, demos início a atividade do dia

que havia sido adiada por dois encontros consecutivos.

A atividade proposta era que escrevessem sobre o tratamento do

diabetes e apresentassem sugestões sobre aquele que gostariam que fosse

oferecido no PSF.

Se dividiram em três duplas e escreveram, em uma folha, o que se

lembravam sobre o tratamento do diabetes e também sugestões (Anexo G).

As respostas mostram que as participantes têm consciência que o

diabetes é uma doença incurável, porém que pode ser controlada através de uma

dieta balanceada, exercícios físicos e quando necessário medicamentos.

Um grupo cita, ainda, cuidados específicos com os pés e outro

chega a escrever o exemplo de um cardápio para ser seguido durante todo o dia.

Ao fim da atividade, servimos iogurte diet para as participantes. Uma

vez mais optamos por levar uma sobremesa que encontramos em supermercados

e que, talvez, podia não ter sido ainda experimentada. Levamos a receita de outra

preparação, berinjela recheada.

17º Encontro – 12/02/2003

Demos início a discussão sobre os temas sugeridos na primeira

reunião do ano. O primeiro assunto abordado foi em relação as dúvidas que

tinham sobre o diabetes.


Durante a discussão, as pacientes iam falando e dando exemplos de

situações em que já conseguiam utilizar o que aprenderam durante os encontros.

As falas mostravam que já se conscientizaram de que o consumo de doces é algo

que deve ser evitado, conseguem também associar alimentos do mesmo grupo

para substituí-los.

Percebemos que muitas questões já estavam claras e que as

pacientes começavam a associar o que aprendiam com seu dia-a-dia.

Para esse encontro levamos suco artificial diet, torradas e patê de

ricota com azeitonas.

18º Encontro – 19/02/2003

A discussão do dia novamente foi sobre colesterol, pois haviam

solicitado na primeira reunião do ano. Discutimos quais eram as taxas que elas

apresentavam e o que faziam para tentar deixá-las o mais próximo da

normalidade.

Outros assuntos foram, surgindo no decorrer da reunião. Uma das

pacientes comentou que havia participado de uma palestra com um médico da

cidade e que aprendeu muitas coisas. Dentre o que aprendeu citou a importância

das fibras. Depois comentou que naquele momento estava fazendo a dieta

corretamente, pois sua médica havia passado algumas orientações.

Com esses comentários, ficamos muito frustrados, pois foram

assuntos que conversamos em nossas reuniões. Procuramos educá-las para

realizarem escolhas saudáveis. No entanto, uma palestra ou a orientação de um

médico atinge mais o paciente do que um processo educativo.


Vemos que não são apenas os profissionais de saúde que estão

acostumados em apenas orientar sem questionar o paciente, sem abrir espaço

para uma conversa. Mas o paciente também está habituado e mostra um maior

interesse com essas abordagens do que quando é levado a pensar, a refletir, a

construir novos conhecimentos.

Além de estarem habituados a receberem as informações de forma

passiva, não podemos nos esquecer que têm o profissional médico como o

detentor do saber e, possivelmente, não depositam total confiança em outros

profissionais da área de saúde.

No 18º encontro experimentaram suco artificial de pêra diet, bolacha

wafer diet e de sabor chocolate. Como servimos bolachas industrializadas

levamos a receita de outra preparação, um molho de iogurte que substitui

maionese.

19º Encontro – 26/02/2003

Conversamos sobre triglicérides e também sobre ácido úrico, pois

haviam sugerido esses temas na primeira reunião do ano. Elas se interessaram

bastante quando falamos sobre o ácido úrico, que, embora não esteja relacionado

ao diabetes, algumas pacientes apresentam níveis elevados, ou mesmo

conhecem pessoas que o têm.

Uma outra discussão teve início quando uma paciente comentou o

atendimento que recebe de seu médico, alegando que ele não é muito atencioso,

não explica o que está acontecendo. Muitas outras pacientes se manifestaram a

respeito, concordando com a colega.


Como nos outros encontros, antes das entrevistas servimos uma

sobremesa, “ducking donuts” caseiros.

20º Encontro – 12/03/2003

Na semana anterior, não houve reunião pois foi a semana do

carnaval.

Nesse encontro, discutimos sobre a hipertensão, que foi um dos

assuntos que solicitaram quando retomamos nossos encontros em 2003.

A hipertensão é um problema de saúde que apenas uma das

participantes não apresentava. Discutimos sobre os sintomas e seu tratamento.

As pacientes compartilharam suas experiências e trocaram idéias.

O grupo abre esse espaço para troca de experiências, para as

pacientes relatarem seus problemas e, dessa forma se encontrarem.

Nessa reunião o prato servido foi uma torta de banana e maracujá.

21º Encontro – 19/03/2003

Devido a importância da atividade física como um dos componentes

de tratamento do diabetes e também de outras patologias, como a hipertensão

arterial e a hipercolesterolemia trouxemos esse assunto para nossa reunião.

Assim sendo, o tema do dia foi a atividade física e seus benefícios para a saúde.

Apenas duas pacientes presentes não faziam atividade física

alguma, as demais caminhavam ou faziam ginástica com uma professora

contratada pela prefeitura. As praticantes relataram que se sentem bem com os


exercícios físicos e duas relataram que só conseguiram controlar seus níveis

glicêmicos quando passaram a fazer atividades físicas.

Percebemos que a maioria das pacientes já se beneficia com a

atividade física. Durante a reunião, procuramos conscientizar as pacientes que

ainda não se exercitam, de que a atividade física faz parte do tratamento para o

diabetes e auxilia em seu controle.

Ao final do encontro servimos flan de chocolate caseiro.

22º Encontro – 26/03/2003

No início da reunião, as participantes conversaram sobre frutas que

podiam comer. Uma delas relatou que poderiam comer as frutas desde que não

em excesso, ficamos contentes por perceber que ela conseguiu relacionar o

consumo de frutas e sua quantidade adequada.

Terminada a conversa sobre frutas, passamos para a atividade

programada para o dia. A atividade tinha o objetivo de averiguar como os sujeitos

levariam para seu cotidiano o que aprenderam em nossos encontros.

Para cada paciente levamos um envelope contendo nomes de

vários alimentos. Cada paciente realizaria um trabalho de colagem, montando um

cardápio que considerassem adequado. Depois, em outra folha, colariam os

nomes dos alimentos que deveriam evitar (Anexo H).

No início do trabalho, algumas pacientes acharam a atividade

curiosa e compararam com atividades desenvolvidas em escolas. Depois se

adaptaram com a nova tarefa e a realizaram com bastante empenho.


Vale ressaltar que, como no grupo existe uma paciente analfabeta,

levamos um envelope com gravuras de alimentos e acompanhamos a paciente a

fim de orientá-la caso não fosse capaz de reconhecer alguma das figuras.

Analisando os cardápios propostos, vemos que as pacientes

reconhecem a importância de se fracionarem as refeições em cerca de 5 ou 6

vezes ao dia. De um modo geral, colocaram nas refeições principais um alimento

fonte de carboidratos, outro fonte de proteínas, além de legumes, verduras e

frutas.

Dentre os alimentos que devem ser evitados, encontramos os

alimentos que contém açúcar, assim como os que são ricos em gorduras.

Embora tenham demonstrado ter conhecimentos sobre os alimentos

que devem evitar, alguns alimentos citados mostram que conhecimentos

anteriores ainda não foram perdidos e provavelmente se manterão. Muitas

citaram a beterraba, a mandioquinha como proibidas, evidenciando que alguns

conceitos, mesmo que errados, ainda persistem, por estarem enraizados.

Finalizada a tarefa servimos um frozem iogurte.

23º Encontro – 02/04/2003

Esse foi o último encontro realizado com as pacientes.

Começamos fazendo uma revisão sobre o que vimos a respeito do

diabetes, até que uma paciente comentou sobre sua irmã que controla os níveis

glicêmicos, tomando refrigerante diet e româ. Após ela dar esse exemplo, outra

paciente comentou sobre uma erva que pode controlar a glicemia. Percebemos
que esse assunto despertou interesse nas pacientes. Dessa forma, deixamos que

as discussões corressem de acordo com suas necessidades.

Terminada a discussão sobre os medicamentos naturais, sugerimos

que se dividissem em 2 grupos e escrevessem sobre duas frases que levamos:

“Diabetes: eu quero apenas...” e “Ser diabético é...” (Anexo I).

As colocações encontradas na primeira frase mostram o desejo das

pacientes em conseguirem controlar sua glicemia e desta forma terem uma vida

que considerem “normal”.

“Controlar a diabetes e ter uma vida normal e saudável como qualquer

outra pessoa que tem saúde perfeita. Viver bem.” (Grupo 1)

“Controlar e viver bem.” (Grupo 2)

No grupo 1 uma das participantes coloca uma frase que mostra que

ainda não consegue aceitar a doença, pois refere o desejo de esquecer que é

diabética.

“Esquecer que tem diabete.” (Grupo 1)

No grupo 2 encontramos o desejo de conseguirem manter a

restrição ao açúcar.

“Conseguir viver sem o açúcar.” (Grupo 2)

Ainda nesse grupo vemos o desejo de serem vistas sem

preconceitos devido ao diabetes.


“Viver sem distinção.” (Grupo 2)

Encontramos como resposta à segunda frase uma visão bastante

otimista por parte da maioria do grupo. Nela, disseram que embora a doença não

tenha cura, serem diabéticas não significa serem diferentes, doentes, mas sim

serem pessoas normais e, que podem realizar todas as tarefas que desejam.

“Ser uma pessoa normal, desde que mude o hábito alimentar e observar

os cuidados com a doença pode ser feliz e viver bem como qualquer

pessoa, já que a doença não tem cura.” (Grupo 1)

“Continuar com a vida normalmente, fazendo tudo o que desejar, como

ginástica e outros exercícios físicos.” (Grupo 2)

No entanto, encontramos três frases que revelam que algumas

participantes ainda não aceitam a patologia e se mantêm em um estado de

depressão devido a mesma.

“Castigo, é ser castigado.” (Grupo 1)

“Ser triste, angustiado, limitado.” (grupo 1)

“É mudar tudo na vida.” (Grupo 2)

Elas terminaram a tarefa e antes de darmos início as entrevistas

desse último encontro do grupo, as participantes experimentaram um creme de

papaia.
5.3 As avaliações após cada encontro

Como já dissemos, após cada encontro as pacientes eram

submetidas a uma entrevista. Essa prática objetivava obter dados sobre as

percepções que elas apresentavam ao saírem da reunião, além dos conceitos

que ficaram das discussões. Dessa maneira, forneciam-se dados sobre como se

dava o processo de construção de conhecimentos das participantes.

Registramos 122 diálogos transcritos, totalizando 103 páginas

escritas.

Analisando as entrevistas transcritas, constatamos que as pacientes

se preocupavam com a questão da alimentação mais adequada ao indivíduo

diabético, procuravam transportar para seu dia-a-dia o que aprendiam nos

encontros, além de passar informações a parentes e amigos que não

participavam do grupo.

Nossas pacientes sempre estiveram muito abertas e receptivas a

novos conhecimentos, aproveitando a ocasião para discutir os assuntos e

aprender através da experiência das colegas, sempre trocando idéias.

O grupo, além da função de aprendizagem, de troca de idéias,

apresentou uma função social, tornando-se um momento em que as participantes

podiam encontrar apoio e abertura para falar de seus problemas.

Nossa análise das entrevistas realizadas após os encontros mostra

que um fator determinante para o sucesso do trabalho foi a receptividade das


pacientes, que se encontravam abertas ao novo. Mostraram-se interessadas em

adquirir novos conhecimentos, em aprender.

“E eu quero ‘aprendê’ mais.” (Madalena)

“Eu, depois desse encontro eu sempre procuro ‘seguí’ o que eu ‘aprendí’

aqui.” (Marta)

“’Tá’ muito bom. Gostei muito do encontro hoje. Aprendemos o que nós

‘num sabía’ ainda.” (Judith)

“Vou ‘comê’ um só, ‘aprendê’ agora.” (Débora)

“Porque ‘tô’ aprendendo muita coisa.” (Dalila)

“A gente vai aprendendo, então a gente já vai tendo mais conhecimento.”

(Ruth)

“Agora eu tenho, tenho que ‘aprendê’ a me ‘alimentá’.” (Esther)

Abertas à novos conhecimentos, mostraram que uma das maiores

preocupações era em relação à alimentação. Isso só veio corroborar o que

encontramos nas entrevistas iniciais. Muitas relataram o aprendizado sobre como

deveriam se alimentar corretamente, quais os tipos de alimentos mais adequados

ao indivíduo diabético, qual quantidade consumir e também sobre substituições

que podem realizar, tornando sua dieta mais variada e, ao mesmo tempo,

controlando sua glicemia.

“Que meu problema maior é na alimentação.” (Madalena)

“Tudo que eu posso ‘comê’, o que eu posso ‘comê’. É, o meu problema é

esse.” (Madalena)

“Ah, eu ‘cozinhá’ com pouco óleo. Num ‘comê’ doce.” (Madalena)


“A alimentação, que a gente ‘póde controlá’ a alimentação, ‘as receita’

que você dá pra nós.” (Sara)

“Do que nós vimos hoje, por exemplo, vendo os alimentos que tem

carboidrato, então eu posso, por exemplo, se eu comer a batata hoje, eu

num como arroz.” (Marta)

“O que nós ‘aprendêmo’ hoje, que a senhora ‘falô’ foi o que deve ‘comê’

e a quantidade. Foi ótimo.” (Judith)

“Ah, hoje eu aprendi o que ‘nóis póde comê’ no café da manhã, no

almoço.” (Judith)

“Que nem esse negócio de ‘comê’ demais. Isso a gente pode maneirar.”

(Débora)

“Muda bastante coisa, porque você sabe, você tendo noção do que o

ingrediente faz na sua alimentação, você começa agir diferente,

mudando a sua alimentação, mudando a maneira de comer, por o

prato.” (Isabel)

“E o macarrão, menos macarrão. E o doce sem açúcar, com adoçante.”

(Dalila)

“Ah, aprendi o negócio da gordura, que num pode ‘comê’ gordura. A

gordura faz mal.” (Dalila)

“Do que a gente pode da alimentação nossa. O que faz bem, o que num

faz.” (Ana)

“Aqui a gente já está aprendendo que tem mais coisa que a gente pode

por no lugar, coisas boa, que substituir.” (Ruth)

“Como você ‘explicô’, cinco, seis refeições, um pouquinho. Num ‘comê’

só no almoço e na janta como eu comia. Só tomava café da manhã,

almoçava e jantava. Agora não, pode ‘tomá’ o café de manhã, depois

come uma fruta, depois ‘almoçá, comê’ alguma coisa.” (Esther)

“Então, a gente ‘tá’ aprendendo como se ‘alimentá’.” (Esther)


Percebemos que as pacientes conseguiam transportar o que

aprendiam nos encontros para seu cotidiano, modificando a forma como se

alimentavam. Além de adquirirem conhecimentos para si e procurarem modificar

a própria alimentação, muitas procuravam levar o que aprendiam para os

familiares, os parentes e amigos. Algumas chegaram a modificar a alimentação

da família, mostrando interesse em tornar essa alimentação mais saudável.

“Aprendi e já vou ‘passá’ pro meu marido, que ele que tem problema de

ácido úrico.” (Madalena)

“Nossa, eu posso levar pro meu dia-a-dia. Eu vou mudar realmente os

meus hábitos alimentares e também passar pra minha família, outras

pessoas também, que precisem.” (Marta)

“Eu tô muito feliz, porque eu estou conseguindo separar a alimentação e

o meu prato fica cheio, não passo fome e não deixei de comer nem o

meu macarrão.” (Marta)

“Ah, dá pra leva pro dia-a-dia e pros parente, pros conhecido que num

participa, dá pra mim leva.” (Judith)

“As ‘receita’, encaixando o que a gente aprendeu hoje, no prato do dia-a-

dia.” (Isabel)

“Leva pro dia-a-dia, dá até pra ‘fazê’ pra família, pelo menos vai

prevenindo eles também.” (Ruth)

Como já mencionado anteriormente, as principais dúvidas

levantadas pelas pacientes diziam respeito ao modo como deveriam se alimentar

para manterem um padrão de vida bom e saudável e conviverem em harmonia


com o diabetes. Contudo, as dúvidas não giraram apenas em torno desse

assunto. Foram discutidas questões sobre a fisiopatologia do diabetes, além da

fisiopatologia de outras doenças e, ainda, o tratamento dietético para o controle

de outros problemas de saúde, como por exemplo a hipercolesterolemia, a

hipertrigliceridemia, a hipertensão arterial, e os níveis elevados de ácido úrico.

Outro assunto abordado foi a importância da atividade física para o controle da

glicemia.

“É, mais coisa sobre o colesterol, o triglicéride. Vou levando anotado.”

(Madalena)

“Eu gostei que ‘falô’ hoje do ácido úrico, que eu não sabia quase nada.”

(Madalena)

“Essa é a importância do encontro de hoje. Que a gente pode viver bem,

mesmo tendo diabete.” (Marta)

“Sim, deu pra gente recordar sobre o diabetes, sobre a doença. Então,

alguns pontos também que nós tínhamos dúvida, foi esclarecido, foi

muito bom.” (Marta)

“Eu ‘tô’ saindo contente como sempre. Porque cada dia a gente aprende

mais e se conscientiza mais do que a gente deve fazer para ter mais

saúde. Então como todos os dias, hoje a gente lembrou mais das coisas.

Hoje falamos sobre pressão alta.” (Marta)

“Vou até ‘tentá’ ‘começá’ ‘fazê’ exercício que eu num,estava fazendo.”

(Judith)

“É, da hipertensão. Fica mais orientada.” (Débora)

“Saí satisfeita. Satisfeita, contente, bem instruída, porque sobre o

triglicérides. Eu num sabia que o triglicérides era, como fala? Vem em


intermédio do diabete. O triglicéride, o colesterol, eu num sabia disso.

Achava que era totalmente independente. São independentes, mas.”

(Isabel)

“Hoje ‘tô’ contente. Sobre o colesterol, coisa que pra mim também era

novo, que eu num sabia, mas pouca coisa.” (Isabel)

“Também ‘falô’ sobre mais coisas, até sobre a pressão, sobre a anemia.

Isso é importante, porque as vezes a gente fica sem sabe como ‘agí’.

Então, já era pra mim ter perguntado sobre a anemia, mas semana

passada ‘passô’.” (Isabel)

“Ah, você ‘explicô’ o jeito que é a pressão. ‘Sabê’ de onde que veio

tudo.” (Dalila)

“Ah, ‘tá’ muito bom. A gente vai aprendendo cada dia melhor sobre

colesterol, sobre triglicérides, porque eu num tinha idéia do que era

essas coisa. ‘Aprendêmo’ melhor sobre a diabete, pra gente convive

mais com a diabete que a gente tem.” (Ruth)

“Você explica pra gente ‘fazê’ exercício, ginástica, é uma coisa melhor

pra saúde, pro diabete,.” (Ruth)

“Eu num tenho colesterol, mas é bom a gente sabe, porque se um dia

‘aparecê’, então a gente já ‘tá’ por dentro do que é o colesterol, como é a

alimentação, como você se ‘alimentá’, o que você tem que ‘fazê’.”

(Esther)

“Ah, você ‘falô’ de triglicéride, ‘falô’ de colesterol, ‘falô’ de diabete.”

(Sara)

Cada vez mais, fica evidente a crise da saúde em nosso país.

Praticamente nos deparamos com dois problemas em nosso sistema de saúde, o


acesso ao atendimento, tido como o principal, e a resolutividade dos problemas,

secundarizada (VALLA, 2003; VALLA, 2001).

Em nosso trabalho, pudemos perceber que as pacientes consideram

satisfatório o acesso ao serviço de saúde pública, embora muitas optem por um

atendimento privado através de seus convênios médicos. Contudo, em ambos os

tipos de atendimento, público e privado, notamos que os problemas de saúde não

são solucionados de forma a atenderem todas as necessidades das pacientes.

Vemos que o sistema oferece consultas, medicamentos, porém as pacientes

muitas vezes não conseguem manter seus níveis glicêmicos adequados, o que

mostra que o tratamento falha em algum ponto.

Muito provavelmente essa falha se dê pela falta de um atendimento

alternativo às pacientes. Não estamos nos referindo unicamente a um processo

de educação nutricional efetivo, mas a criação de um local onde os sujeitos

encontrem o que Valla chama “apoio social”, definido pelo autor como sendo:

Qualquer informação, falada ou não, e/ou auxílio material, oferecidos

por grupos e/ou pessoas que se conhecem, que resultam em efeitos

emocionais e/ou comportamentais positivos. (VALLA, 2001, p.44;

VALLA, 1999, p.10).

Nesse sentido, nosso grupo não apresentou apenas uma função de

esclarecimento e de problematização em relação à alimentação e à patologia do

diabetes e a outros problemas de saúde. Cumpriu um papel social, na medida em

que as pacientes encontraram nele um local de apoio, onde podiam se abrir,

expondo seus anseios, seus problemas. As reuniões tornaram-se um espaço para


que as pacientes fizessem amizades, conversassem, trocassem idéias. Os

momentos no grupo foram de aprendizado, conscientização, desabafo e

distração. Percebemos que algumas pacientes se sentiram melhor,

compartilhando suas experiências e ouvindo as experiências de outras pessoas,

não se sentiram mais como sendo as únicas que apresentavam diabetes, mas

perceberam que outras pessoas compartilhavam das mesmas angústias e

dúvidas.

“É, então, é um consolo. Um consolo, ‘sabê’ que não é só a gente que

‘tá’ passando por isso.” (Madalena)

“’Tô’ saindo feliz, porque estava gostoso. Aprendi bastante coisa.”

(Madalena)

“É, porque eu num converso com ninguém. Então ‘qué’ ‘dizê’ pra mim

é bom. Vim aqui eu converso um pouco. A gente ‘sái’, aprendendo

alguma coisa, sempre a gente aprende alguma coisa.” (Madalena)

“Foi bom, Keite, porque a gente conheceu mais amigo. A gente vai

‘sabê’ o que ‘comê’, o que ‘bebê’.” (Sara)

“’Tô’ saindo mais aliviada. Dei um pouco de risada ‘cas’ menina aí,

conversei com ‘ocê’. Já vou saí mais aliviada.” (Sara)

“Essa é a importância do encontro de hoje, que a gente pode viver

bem, mesmo tendo diabete, pode comer bem. Que bom.” (Marta)

“Bem, hoje eu estou saindo aliviada. Um pouco aliviada, sabe, porque

nós falamos aquilo que nós estávamos sentindo.” (Marta)

“Cada uma desabafou o que sentia, cada uma deu a sugestão do que

poderia fazer. Então, essa troca de idéias ajuda a gente.” (Marta)


“Então, ‘tá’ gostoso. Tudo certinho, ‘conversô’ direitinho. Cada um ‘falô’

qual os seus problema.” (Dalila)

“Tuda conversa dá para ‘ajudá’.” (Dalila)

“Eu ‘tô’ gostando. Eu achei interessante essas ‘coisa’. E acho que vou

‘gostá’ mais daqui pra frente.” (Ana)

“A gente aprende com outro, as vezes um fala uma coisa, outro fala

outra.” (Ana)

“Bom, bom. É isso que ‘tô’ falando, hoje foi uma palestra, todo mundo

‘falô’ um pouco. Quer ‘dizê’ que foi uma experiência a mais.” (Ana)

“Ah, eu achei muito importante, porque as vezes a gente num tem

muito contato com pessoas, assim, com o mesmo problema da gente.

Então a gente tendo esse encontro, então a gente vai vê que num é só

a gente que tem esse problema. Então a gente conversando com as

‘pessoa’, já anima mais pra gente vive o dia-a-dia.” (Ruth)

“Ah, ‘tô’ saindo contente. Hoje nós ‘batêmo’ papo, ‘conversâmo’

bastante sobre a vida. Sobre o que a gente pode leva, assim, no dia-a-

dia. Então a gente aprende muita coisa assim, assim, a gente encontra

mais as outras ‘pessoa’, cada um conta o seu problema. E daí a gente

vê que o problema da gente as vezes nem é só a gente que tem

problema, tanto quanto na diabete. Então, no dia-a-dia a gente, um

passa pro outro e a gente sai contente.” (Ruth)

“Além de se uma reunião muito, e foi divertida por causa de ‘colá’”.

(Judith)

O cumprimento dessa função social, através de trocas entre as

participantes, foi importante na medida em que permitiu às pacientes o encontro

de um local onde se sentissem acolhidas e desta forma passassem para um


estágio de abertura, podendo esclarecer todas as suas dúvidas, não se sentindo

constrangidas em questionar, em opinar. Procuramos realizar nos encontros uma

educação em saúde que realmente ouvisse e compreendesse os pacientes

participantes.

As pacientes puderam encontrar no grupo o espaço que muitas não

têm nos serviços de saúde.

Perceberam durante os encontros que o auxílio recebido no

decorrer das reuniões, não vinha exclusivamente de um profissional de saúde,

mas que o saber de cada participante contribuía para o crescimento de todas.

Isso só corrobora o apoio social do grupo, pois Valla (2003; 2001; 1999) coloca

que o apoio social é recíproco, atingindo de maneira positiva tanto quem oferece

o apoio como quem o recebe, propiciando manutenção de suas condições de

saúde devido a sua função mediadora. As participantes ofereceram e receberam

apoio durante os encontros. Provavelmente esse apoio amenizou possíveis

sofrimentos decorrentes do ser diabético.

Voltando a questão da abertura encontrada pelas pacientes nas

reuniões, cabe ressaltar que essa falta de abertura por parte dos profissionais,

não se dá exclusivamente nos serviços públicos de saúde, mas também nos

serviços conveniados, pois muitas de nossas pacientes possuem convênio

médico e fazem o acompanhamento com os profissionais que atuam nesses

serviços.

Em nossas entrevistas, percebemos que muitas vezes os

profissionais de saúde que atendem as pacientes, nesse caso, particularmente o


médico, não atendem as expectativas das usuárias, não esclarecendo as

pacientes sobre vários aspectos da patologia e mesmo sobre seu tratamento.

“Não, dá pra levar muita coisa, porque a gente conhecendo, toda vez

que o médico dá exames pra gente, como a gente não sabe muito.”

(Marta)

“Nunca tive, assim, pra ‘orientá’. Então a gente num sabia.” (Judith)

“E nós ‘tâmo’ aprendendo muito coisas boa, o que nós ‘podêmo’

‘comê’, o que não ‘podêmo’, porque eu num sabia antes.” (Judith)

“E o médico lá ‘falô’ assim pra ela que tem três tipo de diabete. Uma

deixa cego e o outro que cai, a terceira é essa que dá sintoma ruim

que num tem perigo, muito perigo, porque a gente ‘tá’ controlando ela

na boca.” (Dalila)

“Oh, ‘tá’ mais explicadinho. Porque os médico num explica não. Eles

‘fála’ ‘num pode isso, num pode aquilo’, mas você num sabe porque.

Assim dá pra gente ‘entendê’ mais direito.” (Débora)

Após observarmos como se dão as consultas, entendemos a

dificuldade apresentada pelas pacientes em visualizarem que as reuniões eram

espaços onde elas aprendiam e ensinavam. Em muitas falas, notamos que

chamavam os encontros de palestras, aulas. Nós pesquisadores somos vistos

como professores.

Embora nosso propósito tenha sido o de trabalhar com elas uma

concepção libertadora, na qual educandos e educadores se encontram em um

mesmo plano, ao final dos encontros algumas pacientes mantinham a visão de


professor e aluno, como já dito anteriormente, denominando nossos encontros de

aulas ou palestras.

“Mas da aula eu ‘tô’ saindo bem.” (Madalena)

“A gente vai, além da gente ‘tá’ assistindo a aula a gente ‘tá’ aprendendo

mais alguma coisa.” (Madalena)

“Você é uma boa professora pra nós.” (Sara)

“’Tá’ jóia. ‘Tão’ fazendo a lição, colando. ‘Tá’ bom demais.” (Sara)

“’Tá’ gostoso. Dá aula, ‘tá’ dando aula pra nós.” (Dalila)

“É isso que eu ‘tô’ falando, hoje foi uma palestra, todo mundo ‘falô’ um

pouco.” (Ana)

“Estou muito feliz, contente de ‘tá’ aqui participando dessa palestra.”

(Ruth)

Finalizando nossa análise das entrevistas realizadas ao final de

cada encontro, podemos afirmar que as reuniões atenderam nossa expectativa

em relação à educação nutricional realizada com as pacientes, sobre os tópicos

por elas levantados.

As pacientes disseram apreciar esse tipo de atividade e também ser

essa prática muito importante para a aquisição de conhecimentos capazes de

torná-las aptas a controlar seus níveis glicêmicos e a levar uma vida saudável.

“Eu comecei vim aqui, comecei conversa com as mocinha lá do centro

médico, já fui nessa doutora. Então, tudo que ‘tá’ me ajudando a

‘levantá’, porque eu ‘táva’ caída. Você lembra quando eu vim? Agora que

eu ‘tô’ começando a me ergue de novo.” (Madalena)


“Ah, ‘tô’ muito feliz de ter esse encontro com você, me ‘ajudô’ muito. Mas

num ponto eu ‘tô’ triste, porque ‘tá’ terminando, porque a gente vai ‘pará’

de ter esses encontro aí. Porque ‘ajudô’ muito a gente.” (Ruth)

“Ah, foi bom, porque aí a gente pode ‘pensá’ um pouco no que é o

diabete, no que a gente acha que a gente pode ‘vivê’ com ele. Pode

‘vivê’ uma vida normal, sem muito, muito assim, tristeza, pensa muito,

em ‘tá’ revoltada. Eu acho que a gente tem que ‘sabê’ controla na

alimentação e num ‘pensá’ que a gente ‘tá’ excluído. Tem que ‘pensá’

em ‘vivê’, da maneira melhor possível.” (Ruth)

“Essa é a importância do encontro de hoje: que a gente pode viver bem,

mesmo tendo diabete, pode comer bem.” (Marta)

“Aprendi. O que eu num fazia, agora eu faço.” (Sara)

“ ’Tô’ saindo contente. Foi ótimo esses encontro que nós ‘tivémo’ todas

as quarta-feira.” (Judith)

“Achei bom. Deu pra gente ‘expressá’ o que tinha sobre o diabete. O que

nós ‘aprendemô’,’ aprendemô’ aqui.” (Judith)

“Nem tanto só para o diabete, até pra gente, pra quem não tem nada é

excelente, porque já muda a maneira de se alimentar.” (Isabel)

“Vou ‘procurá comê’ maçã. Porque eu como com a casca mesmo. Mas é

que eu não sabia que tinha esse efeito. Comia pra ‘alimentá’, mas eu

não sabia.” (Ana)

“E a carne, que a carne tem gordura. Que num pode ‘comê’ muito.”

(Dalila)

“Que pena que vai ‘pará’. Mais vai ‘voltá’, né? Você vai ‘voltá’, uma hora

você volta, né?” (Dalila)

“É, porque a gente já praticava. Então, mas praticava, assim por ir. Mas

assim você falando que é necessário, que é preciso. Então a gente tem

mais força de vontade de continua ainda, mais ainda.” (Esther)


“Mas tendo uma pessoa que fala assim pra gente, então a gente já fica

mais instruída, sobre o que a gente sente também, os mesmos sintomas

que você ‘falô’ a gente também sente. E dos remédio, que tem que

‘tomá’ medicamento, então a gente. Foi bom, foi ótimo.” (Esther)

“Achei muito bom. Bem aproveitado. É bom mesmo.” (Débora)


SEÇÃO 6. AS MARCAS DO CAMINHO
________________________________________________________
6 As marcas do caminho

A partir de um processo educativo em saúde, que teve a educação

nutricional entendida como: um processo educativo no qual os conhecimentos

relativos à nutrição vão sendo construídos a partir das experiências trazidas,

tanto pelo educador, como pelo educando, visando, através do diálogo e do

respeito mútuos, a uma transformação dos hábitos alimentares. Essa

transformação procura tornar esses hábitos o mais adequados possíveis, a fim de

garantir uma alimentação saudável que vislumbre atender às necessidades

fisiológicas, psicológicas e sociais dos indivíduos. Faz-se necessário no momento,

um balanço entre o objetivo proposto no trabalho e o que efetivamente foi

alcançado.

Finalizadas as reuniões, agendamos um encontro final, realizado

individualmente com as dez pacientes participantes, onde pudemos identificar as

“marcas do caminho” que percorremos (Anexo J).

Naquele momento, procuramos desvendar quais as marcas de

construção conquistadas através dos encontros.

Assim como na entrevista inicial, questionamos às pacientes a

respeito das possíveis causas do diabetes. Uma vez mais, obtivemos respostas

que abrangeram a patogenia da doença, indo desde o fator hereditário, passando

pela alimentação excessiva até chegar às causas emocionais.

“De repente, parece que é porque é de família.” (Sara)


“Eu num acho, eu tenho certeza que causou minha diabetes foi eu

comia demais, principalmente carboidratos.” (Marta)

“Olha, eu acho, eu tenho a impressão que é de problema emocional”

(Madalena)

“Ah, em mim eu acho que foi nervoso.” (Débora)

Prosseguindo nossa entrevista, questionamos sobre a importância

do grupo para a paciente, sobre os conhecimentos aprendidos durante as

reuniões e se consideravam adequado o atendimento oferecido pelo PSF.

As respostas obtidas não diferiram significativamente das

encontradas na primeira entrevista. Percebemos, porém, que em um primeiro

momento as pacientes traziam conceitos esboçados, contudo, no decorrer dos

encontros, procuramos contemplar as raízes das justificativas para os conceitos

trabalhados. Dessa maneira, mesmo se as respostas, aparentemente, não se

diferenciassem entre o momento inicial e o final, pressupomos que elas trouxeram

uma maior compreensão dos fatores que levaram ao desencadeamento do

diabetes em cada indivíduo.

Algumas pacientes continuaram negando conhecer as causas da

patologia, evidenciando limites no processo de ensino-aprendizado desenvolvido.

“Ah, eu num sei explicá pra você o que causou mesmo o diabete em

mim, porque eu nem imaginava que eu tinha.” (Ruth)

Pudemos naquele momento comprovar a complexidade do processo

de ensino-aprendizagem. O processo educacional não é passível de controle de


variáveis palpáveis e isso acaba nos colocando em contato com um dos limites do

processo educativo. Limite este que nos coloca frente às dificuldades do

educador e de cada sujeito participante. Trabalhamos com sujeitos heterogêneos,

que trazem experiências particulares e únicas. Isso nos mostra que o

entendimento que cada um dos indivíduos tem dos temas abordados no decorrer

do trabalho também é único. Permanecemos em campo realizando os encontros

por seis meses, provavelmente para essas pacientes fosse necessário um tempo

maior para que conseguissem completar o processo de aprendizagem, fixando os

conceitos trabalhados no grupo.

Quando perguntamos a respeito do tratamento inicial, percebemos

que as pacientes foram avaliadas e receberam orientações de um único

profissional de saúde: o médico. Houve apenas uma exceção, em que a paciente

foi atendida por um nutricionista.

O tratamento proposto pelo médico era composto por uma dieta, na

maioria das vezes, muito restritiva, acompanhada de medicamentos orais ou,

quando necessário, a insulina. No caso em que a paciente foi orientada por um

nutricionista, o profissional orientou uma dieta mais ampla, porém percebemos

que este se preocupou apenas com a orientação, não se aprofundando em um

processo educativo. Além disso, embora o nutricionista tenha orientado uma dieta

mais ampla, o médico da equipe fez restrições em relação a alimentação, o que

pode ter causado confusão e dificuldade em adotar uma dieta adequada.

Fica evidente, nesse trabalho, que as equipes de profissionais

disponíveis para o atendimento da população contam basicamente com o médico

e o enfermeiro. A equipe multidisciplinar, sabidamente importante para um

atendimento complexo dos problemas vivenciados pela população, ainda hoje


não pode ser encontrada na maior parte dos serviços de saúde, incluindo os

Programas Saúde da Família.

“ Aí ela deu a dieta, que era pra ‘cortá’ isso, ‘cortá’ aquilo. ‘Falô’ o que eu

tinha que ‘fazê e passô’ os medicamento, que é esse medicamento que

eu ‘tómo’ até hoje.” (Ana)

“É o remédio. Nessa época ele ‘falô’ que o açúcar tinha que ‘tirá’ de tudo.

Que o açúcar era o principal. E ‘diminuí’ também coisas de massa,

fritura, ‘falô’ que tudo isso prejudica.” (Ruth)

“Primeiro era só a insulina. Agora com a doutora Rebeca, só ‘ficô’ o

comprimido. A dieta é laranja, é uma só, maçã, é uma maçã, uma

banana. E o arroz, uma colher e meia de arroz. Assim, ‘comê’ mais

verdura, assim, cozida sem óleo, sem gordura, com uma pitadinha de

sal. E a salada um pouquinho só de vinagre e o sal, nada de óleo.”

(Dalila)

“Ah, ele deu o Daonil pra mim ‘tomá’. Um por dia, na hora do café. E deu

que num era pra ‘comê’ massa, ‘diminuí’ a massa, o arroz.” (Débora)

“Ele deu a insulina [...] Ele ‘falô’ que era pra mim num ‘comê’ coisas

gordurosa, num era pra mim ‘comê’ fritura. Num era pra mim ‘comê’

coisa de massa, se eu comesse no almoço, num era pra ‘comê’ na

janta.” (Sara)

“Ela deu uma dieta. Ela era baseada em alguns alimentos eu tinha que

‘deixá’, algumas frutas tinha que ‘deixá’. Era arroz pouquinho, feijão num

podia. Açúcar também não. Mas eu ingeria ainda os carboidratos,

porque o meu corpo sentia aquela necessidade. Ela deu a dieta e o

remédio.” (Marta)
“O tratamento ela falo pra mim na alimentação [...] Deu remédio,

comprimido. Aí eu passei muito tempo com comprimido. A diabete não

resolvia, aí depois eu passei pra insulina.” (Esther)

Sabemos que o nutricionista é o profissional competente para

realização de um diagnóstico nutricional dos sujeitos atendidos em um serviço de

saúde, assim como é o profissional habilitado para realizar um trabalho de

educação nutricional, adequando seus conhecimentos técnicos-científicos à

realidade de cada paciente (ASSIS et al., 2002).

Outra observação, feita pelas pacientes em relação ao atendimento

médico, mostra que esse profissional não se preocupa em explicar

detalhadamente o tratamento. Os médicos preocupam-se em orientar em relação

ao medicamento e se prendem a uma lista de alimentos que os pacientes não

devem consumir. De acordo com os relatos, não existe interesse em nem ao

menos orientá-las para os alimentos que podem ingerir. Os profissionais deixam

de lado um trabalho educativo, priorizando apenas orientações rápidas e

superficiais. Sabemos que, muitas vezes, não há disponibilidade de tempo para

uma consulta mais detalhada e os profissionais fazem o que julgam correto. No

entanto, vemos que há um despreparo desses profissionais, que acabam

orientando dietas, sendo um trabalho para o qual muitas vezes não estão

preparados.

“Mas ele fala assim pra você ‘você num come, você num pode ‘comê’

feijão, você num pode ‘comê’ arroz, arroz é duas colher de arroz e

legume é uma colher, e verdura’. Isso daí eles ‘fála’ pra você. Mas ele

num explica direitinho como você, o pouco tempo que eu freqüentei com
você eu achei ótimo, só que aí você sabe o que você pode come.”

(Esther)

“Ía no médico. O médico num tinha esse, se ‘olha, num pode’, num

ficava falando. ‘Num pode isso’. Passa o remédio ‘cabô’.” (Judith)

“Ah, eles deram o papel com tudo que eu podia ‘comê’, que num podia.”

(Sara)

“Ele mesmo não ‘falô’ nada. Ele só ‘falô’ ‘não come gordura, não come

doce’. Foi só o que ele ‘falô’ pra mim. Num ‘receitô’ nada, num ‘falô’

nada.” (Madalena)

“Que você vai no médico ele num fica explicando coisa.” (Débora)

“Que os médico num tem tempo de ensina.” (Dalila)

“Não, ele só ‘falô’ que não podia, mas num explicô. Disse que podia dá

algum problema.” (Ruth)

“Porque através dos médico a gente num fica sabendo tudo certinho.

Eles só fala ‘você ‘tá’ com esse problema e você tem que diminui a

alimentação, tem que ‘tirá’ o açúcar’ e só. Só fala isso.” (Ruth)

Esses dados confirmam que o trabalho educativo dos médicos é

pautado no modelo da orientação nutricional, onde temos:

Ênfase na mudança imediata das práticas alimentares e nos resultados


obtidos; a preocupação precípua é a mudança de práticas e o
seguimento da dieta; a doença ou o sintoma é sempre um fato negativo
que deve ser eliminado ou controlado; pressupõe a heteronomia do
cliente ou paciente; o profissional responsável é uma autoridade cuja
orientação deve ser seguida; as mudanças relativas à alimentação
devem ser obtidas mediante o seguimento da dieta; não se aceita
transgressões e freqüentemente elas se tornam motivo de censura;
ênfase na prescrição dietética; predominância ou uso exclusivo de
métodos objetivos de avaliação; o objetivo do processo é estabelecido
em função de metas definidas pelo profissional, para controle dos
processos patológicos. ( BOOG, 1996, p.162).
Na prática, entretanto, encontramos profissionais que não

enfatizam o tratamento global orientado pela Sociedade Brasileira de Diabetes,

mas priorizam a questão medicamentosa (GUIMARÃES e TAKAYANAGUI,

2002).

Quando as pacientes foram questionadas sobre a maior dificuldade

que encontraram no momento em que o diabetes foi diagnosticado, confirmamos

as respostas dadas na entrevista inicial, na qual a maioria das pacientes disse

que a alimentação foi sua maior dificuldade.

“Ah, encontrei dificuldade, principalmente no açúcar, até hoje.” (Ruth)

“Foi muito difícil. Eu não conseguia’ pará’ com o doce. De vez em

quando eu comia doce, porque dava muita vontade. Também num

conseguia ‘fazê’ também direito toda a alimentação .” (Madalena)

“Não, eu tive um pouco de dificuldade, porque eu era acostumada a

‘comê’ de tudo. Eu era acostumada a ‘comê’ de tudo, então teve

dificuldade pra mim ‘seguí’ alimentação.” (Sara)

“Não consegui seguir. Eu tinha vontade de comer as coisas que eu

comia antes. Eu tentava, mas não conseguia.” (Marta)

No decorrer de nossas entrevistas, após questionarmos sobre o

tratamento inicial das pacientes, sobre o profissional de saúde que as

acompanhou desde o início do tratamento e também sobre qual teria sido a maior

dificuldade encontrada por elas, passamos para as questões que nos levariam ao

conhecimento das possíveis interferências das reuniões na vida dessas

pacientes.
Pudemos perceber que as pacientes gostaram da experiência dos

encontros em grupo.

De acordo com o que nos relataram, identificamos que o maior

legado do grupo foi em relação ao processo de construção de conhecimentos

sobre a alimentação. Muitas relataram que aprenderam a se alimentar, a preparar

os alimentos, além de conseguirem um auto controle que não possuíam antes do

início das reuniões.

“Ah, agora consegui ‘mudá’ muito, muito. Porque nós indo nesse

encontro da reunião, com a nutricionista, então ‘melhorô’ bastante

porque ela ‘ensinô’ ‘comê’. Se ‘comê’ o arroz, num ‘cóme’ o macarrão.

Se ‘comê’ o macarrão, num ‘cóme’ o arroz. Só aquele pouquinho, não

‘exagerá’.” (Judith)

“Eu comia normal. O que eu como agora. Só que agora eu diminui, eu

num misturo a batata com o arroz. Se eu ‘cômo’ a batata eu ‘cômo’ outra

coisa, se eu ‘cômo’ o arroz, eu ‘cômo’ arroz. Antes eu comia. Misturava.

Pegava batata, eu punha. Às vezes comia batata de mistura ‘co’ arroz.

Agora num faço mais. Comia o frango com a pele, agora num ‘tô’

comendo mais. ‘Tô’ evitando fritura, mas do resto. Parei com o doce.”

(Madalena)

“Eu aprendi a ‘fazê’ o doce com o adoçante.” (Madalena)

“Foi bom demais. Aprendi muita coisa que eu num sabia. Ah, o modo da

gente ‘comê’, o jeito de ‘fazê’ as coisa.” (Sara)

“Então eu fui pondo na cabeça. Como mais verdura, eu num gostava de

‘comê’ verdura. Agora eu ‘cômo’ verdura, era bem pouca verdura, agora

eu como mais verdura.” (Sara)


“Frango sem pele, peixe sem aquela pele preta de cima. E é cozido

também, num é frito.” (Sara)

“Ah, depois que comecei ir lá, eu falei ‘não, deixa eu ‘vê’ se eu ‘manéro’

esse negócio’, porque daí eu fui ficando mais calma, sabe.” (Débora)

“Ah, eu aprendi assim, coisa de ‘pensá’. Porque primeiro eu ía a olho.

Agora já, pra ‘comê’ já penso um pouco.” (Débora)

“Porque aí eu comecei a presta mais atenção no ‘juntá’ os alimentos.

Não ‘misturá’ o arroz com feijão, com batata, mandioca. Punha tudo o

que tinha.” (Isabel)

“Tudo, até os nuggets eu asso invés de frita.” (Isabel)

“Ah, aprendi que é pra ‘comê’ e o que num é pra ‘comê’. A ‘montá’ o

prato, eu aprendi.” (Dalila)

“Bem, eu tinha uma ansiedade, que eu, eu sou uma pessoa ansiosa, eu

ainda tenho, mas, foi mais assim, uma consciência. Uma

conscientização realmente. Então alguns alimentos que eu já, que num

podia, eu já podia ‘comê’ um pouquinho. Então isso ajudou muito. Então

eu já num fiquei com vontade. Então ajudou muito.” (Marta)

“Mudou muito. Radicalmente, as reuniões, porque antes eu num

conseguia ‘controlá’, eu era compulsiva. Agora não. Eu consegui

realmente melhorar a minha vida, a minha saúde.” (Marta)

“Então, depois que eu freqüentei com você que a gente aprendeu

alimentação sadia, o que, quanto, quantidade que a gente deve ‘comê’.

Quanto que deve ‘comê’ de legume, de verdura, quanto de arroz. O

açúcar, pra ‘fazê’ com adoçante.” (Esther)

“Depois que eu fui com você lá, que você ‘explicô’, que você vai numa,

‘jantá’ fora, tem que optar por uma comida. Se tem frango, então você

come só o frango. Num vai ‘comê’ o frango, vai ‘comê’ carne, vai ‘comê’

arroz, vai ‘comê’ feijão, macarrão, tudo junto, maionese, tudo. Então
come, e opta por uma comida, um pouquinho de arroz, um pedaço de

frango e um pouquinho, se ‘tivé’ maionese, um pouquinho de maionese,

o suficiente. Num precisa ‘comê’ tudo que tem na mesa.” (Esther)

O grupo cumpriu seu papel, ao possibilitar a construção, com as

pacientes, de um processo de conhecimentos em relação a suas dúvidas mais

freqüentes, que eram sobre alimentação. Todavia, as reuniões sinalizaram

também abrangerem outra questão bastante relevante no universo dessas

senhoras, o grupo foi uma oportunidade para que as pacientes pudessem

encontrar apoio, expressar opiniões e trocar idéias. Dessa maneira, além do

papel de esclarecimento de dúvidas a respeito de como o paciente diabético deve

se alimentar, o grupo trouxe uma socialização para as participantes.

“Porque lá você viu, uma conversa com a outra, uma explica pra outra.

Tudo elas falaram ‘pára de ‘comê’ tanta fritura’.” (Madalena)

“Porque uma troca idéia. Uma troca idéia com a outra.” (Dalila)

“Eu gostei. Eu fiz amizade. A gente fez amizade lá, conheceu bastante

gente. Bateu bastante papo. Uma fala uma coisa, outro fala outra”.

(Ana).

“Principalmente eu, que não sou daqui de Araras, quanta gente fiquei

conhecendo lá.” (Ana)

“[...]e também vendo a opinião de outras pessoas. Vendo que nós não

estávamos sozinhos, outras pessoas também com o mesmo problema.”

(Marta)

“Eu precisava de um apoio, e eu encontrei nesse grupo.” (Marta)


“A gente acha ‘nossa eu tenho isso daí’. As vezes a gente fala ‘tem as

pessoa que tem, que num tem’, mas a gente nunca ‘entrô’ em contato

mesmo assim, conversando com as pessoa. Então a gente conversando

a gente até anima mais. Fala ‘num é só a gente’. Divide o problema junto

com as outra pessoa.” (Ruth)

“Foi uma coisa boa. Uma forma que nós ‘encontrâmo’ também pra

‘conversá’, pra ‘discutí’ o problema, pra ‘sabê’ mais sobre as vitamina, a

alimentação.” (Ruth)

Uma vez mais evidenciamos o apoio social existente no grupo.

Houve troca de experiências. As pacientes ofereceram e receberam apoio, o que

pode ter contribuído para uma melhor aceitação da patologia e

conseqüentemente melhor adesão ao tratamento. O apoio social se dá de forma

recíproca, onde tanto quem recebe, como quem oferece ajuda, se beneficia

(VALLA, 1999, 2001, 2003).

“Eu acho que foi bom. Aprendi. Peguei mais amizade com as pessoa,

que ‘passáro’ coisa pra mim sobre a diabete também.” (Madalena)

“Foi assim uma ajuda mútua. A experiência de outras pessoas serviu pra

gente. Ajudou muito.” (Marta)

“Uma conta da sua vida, conta da sua doença. Eu achei que foi bom.”

(Ana)

Para finalizarmos nossa entrevista, perguntamos às pacientes como

se sentiam com o atendimento oferecido no PSF. Sabemos que muitas de nossas

pacientes realizam seu acompanhamento médico através de seus convênios,


porém, mesmo utilizando esse serviço, utilizam o serviço público, principalmente

para conseguirem os remédios prescritos. Apenas duas pacientes não utilizam o

serviço público. Uma porque os remédios que necessita não são oferecidos pela

rede pública e a outra porque não é diabética10, e desta forma não faz uso

constante de medicamentos.

“Porque os remédio que eu tomo num tem nenhum. Já fui, diz que num

vem esse remédio. Então eu num vou. Eu continuo com o meu, eu

tenho convênio, então eu continuo com o que eu tomo mesmo.”

(Débora)

De acordo com a entrevista final as pacientes estão satisfeitas com

o PSF, principalmente com o atendimento, que segundo elas, é muito

humanizado. No entanto, algumas demonstraram insatisfação com o serviço no

sentido de algumas vezes não encontrarem os medicamentos que necessitam.

“Ah, ali ‘tá’ ótimo o posto. O médico dali, os médico são ótimo,

excelente. A enfermeira. Tudo ali é ótimo, mas tem um problema ali,

que num tem, num é sempre que tem o remédio pro diabete. Pra

‘pegá’ o remédio, porque é dificilmente pode ter aqui, viu bem. Mas

do, sobre os médico, nossa, ‘tá’ ótimo esse posto aí. Médicos,

enfermeira, aqueles que, aqueles agente, vem na casa tudo. Nossa,

‘ficô’ ótimo. Só problema é o remédio. Porque num é sempre que tem

não. As vezes manda pouco, termina logo, porque tem muito diabete

ali.” (Judith)

10
A participante não era diabética, mas foi mantida no programa por sua insistência em
permanecer nas reuniões, demonstrando abertura a novos conhecimentos.
“Ah, o meu do jeito que ‘tá’, eu acho que ‘tá’ tudo bom. Que o meu

num ‘tá’ alto assim de eu precisa insulina, que fala, né? Ainda não, só

com esses remédio que eu ‘tô’ tomando ‘tá’ sendo bom. E as vezes

tem no posto, as vezes não. E isso aí é um grande problema também,

porque num tem posto, as vezes a gente num tem dinheiro também

pra ‘comprá’, mas é um probleminha que tudo mundo tem que

‘enfrentá’. Mas do resto eu acho que ‘tá’ bom.” (Madalena)

“Tem certos remédio que no centro médico num tem. Se você tem

condições de ‘comprá’ tem, se você num tem, fica sem, filha. Eles

‘precisa mandá’ mais remédio que a gente use. Que a insulina num

falta, que eu tomo duas vezes por dia, mas eu tomo aqui em casa,

minha filha faz. A insulina eles dão. Mas esse outro remédio que eu

mais preciso num tem, ‘tá’ em falta.” (Sara)

Já outras pacientes encontram os medicamentos que utilizam e,

dessa maneira, consideram o atendimento do PSF excelente.

“Eu fui lá porque os remédio é tão caro, é eu e o meu marido. Caro

demais e as vezes ficava devendo muito na farmácia,.” (Marta)

“Ah, eu acho que ‘tá’ bom, porque, porque sempre, pelo o remédio do

diabete sempre a gente encontra lá.” (Ruth)

Percebemos que os medicamentos são prioridade para as

pacientes, pois sua oferta torna-se um referencial de qualidade do serviço. Esse

fator faz com que a maioria das pacientes considere o serviço ótimo. Apenas uma

paciente relatou que o serviço poderia contar com outros profissionais da área de

saúde, como nutricionistas e psicólogos.


“Olha, falando em diabetes, nós, eu creio que teria que ter psicólogo,

nutricionista e médico. Aí eu acho que ficaria completo, porque ajudaria

muito. Porque mesmo eu, aí no médico, mas eu não consegui somente

com o médico controla a diabete. Eu só realmente consegui depois que

eu comecei a freqüentar o grupo que você formou aí.” (Marta)

Temos que o PSF foi criado objetivando a prevenção e não o

processo curativo em si, o que torna o programa um novo alicerce para a atenção

primária à saúde. Essa prevenção deveria ser realizada por uma equipe

multiprofissional, ou seja, englobando diversos profissionais da área de saúde e

não exclusivamente o médico, como vinha ocorrendo até então (ASSIS, et al.,

2002).

Entretanto, desde seu surgimento, em 1994, 96% das equipes que

atendem nos PSFs, são compostas, basicamente, por médicos, enfermeiros e

agentes de saúde, apenas números reduzidos de equipes contam com outros

profissionais de saúde. Por exemplo, 28,8% delas contam com o dentista, o

assistente social está presente em 9,3%, o psicólogo aparece em 5,3% das

equipes e o nutricionista está presente am apenas 4,5% das equipes atendendo

nos PSF (BRASIL, 1999).

Sabemos que os cuidados com a alimentação são primordiais para

manutenção da saúde, assim como para o tratamento de muitas patologias.

Mantendo-se a hegemonia médica entre as equipes de saúde, tolhe-se o

processo de democratização dos espaços profissionais, assim como priva-se os

usuários da atenção global que poderia ser oferecida. Urge a necessidade da

inserção do nutricionista nas equipes do PSF, afim de, garantir aos sujeitos um
atendimento de fato diferenciado, de acordo com o modelo proposto para o

Programa Saúde da Família.


SEÇÃO 7: A CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTOS DO PACIENTE

DIABÉTICO
7 A construção de conhecimentos do paciente diabético

Analisando todos os dados coletados em nossas entrevistas iniciais,

nas realizadas após os encontros, as narrativas registradas durante todos os

encontros e as entrevistas finais, pudemos observar que alguns temas emergiram

com maior freqüência e foram discutidos com maior ênfase.

Observamos que a doença atinge diversos aspectos da vida dos

indivíduos, afetando não apenas suas condições de saúde físicas, mas também

as psicológicas, assim como o seu convívio social. Dessa forma, destacaremos

quatro eixos principais em nossa análise, as quais poderiam ser considerados

categorias, uma vez que apresentam características comuns e se relacionam

entre si.

A eleição de categorias significou agrupar elementos, idéias,

expressões, em torno de um conceito abrangente, procurando reconhecer o que

estava por trás das falas (BARDIN, 2002).

7.1 A doença: a grande vilã

Para nós, desde o início procuramos construir com o paciente a

idéia de que:

“A experiência da doença se refere, basicamente, à forma como as


pessoas e os grupos sociais assumem a situação da doença ou nela se
situam. Diante disso, configuram-se significados e desenvolvem-se
modos rotineiros de se lidar com essa tal situação”. (GOMES e
MENDONÇA, 2002, p. 117).
Cada paciente mostrou ter uma representação única sobre a

doença, indo desde a aceitação do diabetes até uma grande revolta em relação a

ser diabético.

Em sua maioria, os pacientes, em algum momento, apresentaram

um certo grau de revolta por estarem doentes. Muitos não se conformaram com

essa condição quando receberam o diagnóstico, mas com o passar do tempo

foram aceitando a patologia. Quando descobrem que é possível viver

normalmente com a doença, passam a tolerá-la muito melhor.

A doença foi considerada como uma pausa, uma interrupção dos

padrões, dos hábitos nos quais vivemos, talvez irrefletida ao longo dos anos. Ela

pode nos fazer “questionar determinados valores, prioridades e maneiras [...]. Ela

pode despertar em algumas pessoas a necessidade de compreender mais

profundamente quem elas são e o que é importante.” (REMEN, 1993, p.99).

“Eu nunca pensei que fosse ter diabete, eu via diabetes nas outras

pessoas, mas achava que eu nunca ia ter.” (Marta)

“Agora eu tenho consciência, depois que eu fiquei ruim mesmo, sentindo

mal, os olhos, as dores, aquela depressão, aquela coisa ruim que eu

sentia. Depois que eu melhorei fazendo o tratamento, então eu percebi o

valor da gente fazer a dieta pra ‘controlá’, porque eu voltei a me sentir

bem.” (Marta)

“Eu tinha vontade de ‘comê’ tudo que vinha na minha frente, pra ‘vê’ se

eu morria mais depressa. Daí o médico ‘pois’ na minha cabeça que num

era assim. Ele ‘falô’ pra mim ‘a senhora precisa ‘vivê’, precisa ‘tratá’. Eu

já num pensava assim. Eu procurei de ‘tratá’ depois que o meu pai veio

‘morá’ comigo.” (Sara)


“Ah, pra mim já é uma rotina. Só que a gente, a diabete é uma coisa

simples, mas tem que ‘tomá’ muito cuidado, porque ela prejudica.”

(Esther)

“Da doença num tenho que ‘sabê’, você tem que ‘sabê’ como você tem

que se ‘alimentá’, pra você ‘tratá’ dela, porque essas coisa de massa,

essa coisa que num ‘podê comê’ coisa de açúcar, num ‘podê comê’ pão.

A doença num tem aquela dúvida de você ‘sabê’ como que vai ‘tratá’

dela. Você tem que ‘tomá’ um, se quer remédio, é remédio, se você

‘tomá’ insulina, é insulina. E a comida você tem que ‘sabê’ o que você

vai ‘comê’, pra controla ela. “ (Esther)

“Eu acho que isso daí é uma coisa que, uma coisa da vida. Que se tem

que ser pra gente, a gente tem que ‘aceitá’ e tem mais que conseguir

‘fazê’ a dieta e ‘levá’ pra frente.” (Ruth)

Uma das pacientes manifestou um sentimento de revolta muito

forte, de castigo perante a patologia. Sentia-se incapaz de lidar com as mudanças

que o diabetes provocou em sua vida. Dessa maneira, mesmo com o passar do

tempo não se considera capaz de deixar o estado de indignação para passar a

um estado de aceitação e convivência “pacífica” com a doença.

“’Mudô’, porque eu fiquei, como que eu posso ‘dizê’, ah, que nem um,

traumatizada, num sei, sabe. Achava que eu num merecia ter essa

doença, que eu achei que foi um castigo.” (Madalena)

“Num aceito, num consigo ‘aceitá’ o diabete.” (Madalena)

“Então, onde que traz muita dificuldade. Muita depressão, mesmo.”

(Madalena)
Saúde e doença co-existem em nossa sociedade e não podemos

priorizar uma ou outra. Há a necessidade da criação de meios que promovam a

saúde e ao mesmo tempo trate as doenças, priorizando dessa maneira o bem

estar dos indivíduos. Cabe ao Estado garantir que toda a população tenha

acesso aos recursos que possibilitem esse bem estar. Faz-se necessário o

diálogo entre as ciências sociais e as ciências biológicas, a fim de haver a

implementação de intervenções que visem a melhoria da saúde, atingindo todas

as esferas possíveis de causa e tratamento das doenças

(CONTANDRIOPOULOS, 1998).

Dessa forma, em nosso estudo a doença foi considerada como uma

ponte para o processo de construção de conhecimentos, permitindo, através das

colocações das pacientes e do encaminhamento do grupo, que os aspectos

relacionados à doença fossem inseridos em um contexto de desenvolvimento

pessoal e de maior consciência sobre si mesmas. Isso contribui para a busca do

bem estar geral de cada indivíduo.

Trabalhamos todo o tempo tendo muito presente que:

O que temos que fazer, na verdade, é propor, através de certas


contradições básicas, a situação existencial, concreta e presente [dos
indivíduos], [...] como problema que, por sua vez, o desafia e, assim lhe
exige resposta, não só no nível intelectual, mas no nível de ação. Nunca
apenas dissertar sobre [os problemas] e jamais doar conteúdos que
pouco ou nada tenham a ver com os anseios, com as dúvidas, com as
esperanças, com os temores [dos indivíduos]. (FREIRE, 1988, p.88).
7.2 O tratamento: minimizando traumas

Em relação ao tratamento, temos que para a grande maioria das

pacientes ele não se deu de uma forma natural, principalmente quanto à dieta.

Houve uma resistência muito grande em relação às mudanças dietéticas

necessárias a um tratamento eficaz do diabetes.

Dentro de nossa amostra, duas pacientes utilizavam insulina, o que

em termos percentuais representam 20% de nossas pacientes.

Essas pacientes relataram que não se importavam em tomar

medicamentos, porém quando foi necessário iniciarem a insulina não aceitaram

muito bem o tratamento. Com o passar do tempo, foram se habituando e

aceitando que para sobreviverem precisariam fazer uso desse hormônio.

Devido ao fato de o processo do adoecimento, necessariamente,


implicar alterações no modo de vida pessoal e social, podendo conter a
adoção de estratégias e novas percepções sobre essa nova situação,
as pessoas, ao experimentarem as condições de serem enfermas,
fazem escolhas e tomam iniciativas ou, em outras situações, podem ser
levadas a assumir essas atitudes. Para isso, em geral, elas se apóiam
em referências socioculturais. (GOMES e MENDONÇA, 2002, p.117).

O que mais as assustou foi o fato da insulina ser aplicada através de

injeções.

“O que foi mais difícil pra mim foi quando ela ‘começô’ passar insulina.

Eu não aceitava ‘tomá’ insulina.” (Esther)

“Do remédio, então, tudo bem., tomava, tudo. Mas quando ela ‘falô’ que

eu tinha que tomar insulina, pra mim foi muito difícil. Nossa, eu achava o
fim do mundo. Você todo dia tinha que ‘furá’ a gente, todo dia, todo dia,

todo dia. Mas é normal, agora a gente já ‘acostumô’, faz tanto tempo.

Mas quando ela ‘falô’ assim, que eu tava no consultório dela, que ela me

‘falô’, pra mim foi um baque.” (Esther)

“Ah, na hora que tinha que toma insulina. Eu ficava pensando ‘ái, tomá

agulhada na barriga’. Foi o mais difícil.” (Dalila)

O processo de educação nutricional desenvolvido ao longo dos

encontros buscou minimizar tratamentos mais invasivos e priorizou tratamento

focado na alimentação adequada, que foi tema recorrente nas dúvidas das

pacientes.

Priorizar o atendimento médico tem como uma de suas

conseqüências a utilização de medicamentos como um dos pilares do tratamento,

não atendendo as recomendações da Sociedade Brasileira de Diabetes (2000),

que prioriza a educação associada a uma alimentação saudável, atividade física

e, por fim, somente quando esses itens não conseguem manter os níveis

glicêmicos dentro dos padrões normais, orienta entrar com os medicamentos.

7.3 A alimentação: tudo ou nada?

Como já dissemos anteriormente, o tema alimentação foi bastante

discutido em nossas reuniões. O enfoque trabalhado no processo educativo

valorizou a educação nutricional que se pauta na:

Ênfase no processo de modificar e melhorar o hábito alimentar a médio


e longo prazo; preocupação com as representações sobre o comer e a
comida, com o conhecimento, as atitudes e a valoração da alimentação
para a saúde, além da mudança de práticas alimentares; a doença e a
conseqüente necessidade de mudança de hábitos pode ser considerada
uma oportunidade de crescimento e desenvolvimento pessoal; busca-se
a autonomia do cliente ou paciente; o profissional é um parceiro na
resolução dos problemas alimentares, com o qual o cliente discute, sem
constrangimento, seus problemas e dificuldades; as mudanças
necessárias ao controle das doenças, entre elas as relativas à
alimentação, devem ser buscadas numa perspectiva de integração e de
harmonização nos diversos níveis: físico, emocional e intelectual; a
descontinuidade no processo de mudança nos hábitos alimentares e as
transgressões são consideradas etapas previsíveis e pertinentes a um
processo difícil e lento; ênfase nos aspectos de relacionamento
profissional/cliente ou paciente e na dialogicidade; avaliação objetiva e
subjetiva da evolução do paciente; o objetivo do processo é
estabelecido em função das necessidades detectadas que são
discutidas com o paciente e das perspectivas e esperanças do cliente
ou paciente. (BOOG, 1996, p.162).

Sabemos que o paciente diabético necessita ter atenção

direcionada em relação a alguns pontos de sua alimentação, a fim de manter seu

nível glicêmico dentro da faixa considerada normal. A alimentação, como já foi

apresentado nesse estudo, representa a base para um tratamento eficaz,

principalmente para pacientes diabéticos que não utilizam insulina.

Mesmo sendo um item bastante importante, percebemos que não é

muito esclarecido para as pacientes. Elas disseram que compreenderam a

importância da dieta para um controle efetivo da doença, mesmo assim a

alimentação foi o assunto que mais gerou dúvidas. Isso se deu talvez por nosso

sistema de saúde ter profissionais que não se atenham em explicações

esclarecedoras, objetivas e fundamentadas em relação ao assunto. Outro fator

relevante evidenciou que os profissionais acabam orientando dietas muito

restritivas, o que dificulta ainda mais a aceitação do tratamento dietético por parte

dos pacientes.

Temos então, a falta de esclarecimento e a dieta restritiva

contribuindo para que as pacientes não consigam realizar uma parte fundamental

do tratamento, para controlarem seus níveis glicêmicos.


“Vou ‘fazê’ uma coisa, tenho medo, vou’ fazê’ outra, tenho medo,

porque eu acho que vai fazer mal. Então eu ‘tô’ me sentindo, ‘tô’

sentindo muita dificuldade pra mim me ‘alimentá’.” (Madalena)

“Gostava de ‘comê’. Fazia doce, fazia bolo. Depois não podendo,

então a dificuldade foi alimentação.” (Marta)

Em nosso estudo enfatizamos a importância da educação nutricional

como eixo principal do tratamento do indivíduo diabético.

O processo de construção de conhecimentos das pacientes

participantes do grupo foi favorecido, devido a ênfase dada a educação

nutricional, como parte importante do tratamento do indivíduo diabético.

Lembramos que essa prevê que a assimilação de novos conceitos é um processo

lento, que muitas vezes passa por retrocessos. Porém, através do diálogo entre

profissional de saúde e paciente, vão se construindo novos conceitos.

7.4 A vida: resgatando seu sentido

A doença e seu tratamento afetam a rotina de vida das pacientes,

pois trazem mudanças na alimentação e, muitas vezes, a necessidade de

fazerem uso contínuo de um medicamento, enfim, eles mudam a vida dos

indivíduos.

Em nossas entrevistas e reuniões, pudemos perceber que muitas

pacientes tiveram uma restrição em sua qualidade de vida, pois com a doença
deixaram de realizar tarefas que eram prazerosas e que faziam parte de suas

rotinas.

“Eu adorava passear. Ia ‘excurssãozinha’ aí que tinha que me convidava,

eu ia. É, isso, eu,saí assim, eu num pensava. Agora a gente sabe que a

gente é, você tem medo de ‘í’ passear,.” (Débora)

“Porque eu gostava muito de comer bem, comer bastante. Eu era gulosa

mesmo. Gostava de doces.” (Marta)

“Comia de tudo. Comia feijão, comia batata, comia o que vinha na frente.

Fritura, carne gorda. Eu tenho diabete e colesterol, eu tenho. Então

comia de tudo. Eu achava que comendo de tudo eu ia morre logo.

Depois que eu peguei meu pai pra ‘cuidá’, que eu comecei a ‘ponhá’ na

cabeça que eu tinha que ‘vivê’ pra ele. E hoje eu tenho que ‘vivê pros’

meu neto e ‘prás’ minha filha.” (Sara)

Ter afetadas as atividades que desempenham cotidianamente, e

mais ainda, as atividade que lhe são prazerosas, caracteriza mais uma

complicação devido ao diabetes. Não se trata de uma complicação biológica, mas

como foi enfatizado na Declaração de Alma-Ata, e posteriormente retomado na

Declaração de Adelaide, a saúde não consiste simplesmente na ausência de uma

doença.

Considerar a saúde apenas como a ausência da doença nos faz


analisar a saúde em termos de número: número de médicos que
consultamos, número de dias que faltamos, número de limitações que
sofremos. Essa abordagem quantitativa já não satisfaz muitas pessoas,
para as quais a saúde humana parece exigir algo mais, para as quais, a
vida possui valor, amizade, significado, propósito, humor, esperança e
direção. (REMEN, 1993, p. 45).
Durante nossas reuniões procuramos, através da educação

nutricional, tornar a alimentação das pacientes um momento de prazer,

mostrando-lhes que o controle glicêmico pode ocorrer através de uma

alimentação saudável e prazerosa.

Buscamos também, promover discussões que levassem as

pacientes à compreensão da importância do tratamento adequado do diabetes.

Permitindo que observassem que o controle glicêmico, preveniria complicações e

poderia levá-las a ter uma vida mais confortável.

Um amplo universo de descrições e análises foi desvendado nesse

trabalho e após esse percurso, é natural a tendência em comparar as muitas

propostas e o que efetivamente até aqui se construiu.

Compreender o processo de construção de conhecimentos do

paciente diabético ao longo de um trabalho de educação nutricional é um projeto,

sem dúvida ambicioso, dada a grandeza e importância da questão.

Permanentemente, alimentados pelos dados, em confronto com

análise teórica, pudemos obter pistas significativas para o entendimento do

processo a partir das seguintes categorias: a Doença; o Tratamento; a

Alimentação; a Vida.

A educação nutricional, atrelada à educação em saúde, chega aos

nossos dias fundamentada em algumas diretrizes que enfatizam a flexibilidade de

tempo para a construção de novos conhecimentos pelos indivíduos, prevendo

que esse processo se dê a médio e longo prazo. O profissional de saúde trabalha

em conjunto com o paciente, dialogando com esse e estabelecendo juntos os

objetivos pretendidos com o processo de educação nutricional. Por fim, sua


principal diretriz é alcançar a autonomia do indivíduo em relação à sua

alimentação. Para que essas diretrizes possam ser seguidas, o caminho

percorrido pela educação nutricional deve necessariamente nortear-se por

princípios educativos. E o pressuposto da educação problematizadora, nos coloca

frente à necessidade de educador e educando unirem seus conhecimentos e

educarem-se mutuamente. O diálogo é o principal veículo da comunicação

eficiente entre as partes. Lembrando que o diálogo respeita as falas do sujeito e

faz com que esse se veja como integrante do processo educativo. O profissional

de saúde, como educador, instiga o paciente ao questionamento e a construção

de conhecimentos críticos, capazes de levá-lo de fato a mudanças em sua vida,

em sua residência, em sua comunidade (CASTRO e PELIANO, 1985; VALENTE,

1986; BOOG, 1996, 1997, 1999; VASCONCELOS, 2001).

Buscamos tornar os indivíduos mais conscientes em relação ao seu

tratamento. Criamos situações onde os participantes poderiam sair da condição

de “pacientes”, passando para uma condição mais independente.

As informações técnico-científicas discutidas nas reuniões

enfatizaram as recomendações da Sociedade Brasileira de Diabetes. Priorizamos

a educação nutricional, fundamentada na Educação Problematizadora em saúde,

como pilar do tratamento do indivíduo diabético. Não deixamos de abordar temas,

como a fisiopatologia do diabetes, tratamento medicamentoso, atividade física,

além de outros assuntos sugeridos pelas pacientes, como hipercolesterolemia,

hipertrigliceridemia, hipertensão arterial, entre outros.

Finalizados os encontros, constatamos que muitas pacientes

gradativamente se aproximaram da compreensão da patologia e associaram uma


alimentação saudável como parte do tratamento. Libertaram-se das orientações

simplistas e passaram a um estágio mais crítico da compreensão.

No entanto, como previsto em um trabalho educativo, algumas

pacientes não conseguiram transpor as barreiras de uma consciência oprimida

para a libertação.

Sugerimos que essas limitações sejam enfrentadas com o

aprofundamento de pesquisas futuras. A realização de um processo de educação

nutricional, realizado pela equipe multiprofissional, destacando-se a emergência,

do nutricionista e do psicólogo, no acompanhamento permanente do serviço,

poderia ser um caminho a ser trilhado.


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ANEXOS
Anexo A: Autorização para realização do trabalho em uma unidade do
Programa Saúde da Família no município de Araras-SP
Anexo B: Termo de Consentimento e Compromisso

Eu, _______________________________________________, de
______ anos, cliente do Projeto Médico de Família Maria Boquetti Menegheti,
Parque Industrial, Vila Dona Rosa e Jardim Marabá, moradora à Rua
_______________________________________________, bairro
_____________________, município de Araras, aceito participar do “Chá das
Duas”, comprometendo-me a comparecer às reuniões semanais, nos dias e
horários previamente combinados pelo grupo. Estou ciente de que esse trabalho
de educação em nutrição é oferecido gratuitamente e faz parte do projeto de
pesquisa da nutricionista Keite Azevedo Lima, que se compromete a manter sigilo
sobre as informações coletadas, que só serão divulgadas sem o nome da pessoa
que as ofereceu.

Araras, _____/_____/______

________________________ ____________________
participante pesquisadora
Anexo C: Formulário para Entrevista com a Equipe

1-) Dados sobre a equipe

1.1-) Número total de integrantes:

1.2-) Funções dos integrantes:


( ) médicos Número: ___________
( ) enfermeiros Número: ___________
( ) auxiliares de enfermagem Número: ___________
( ) agentes de saúde Número ____________
( ) outros Número: ___________

1.3-) Jornada de trabalho.

1.4-) Contentamento geral com o serviço

2-) Entrevista

2.1-) Qual o procedimento realizado com o paciente a partir do momento em que


se diagnostifica o diabetes? Comente a rotina do serviço em relação ao paciente
diabético.
2.2-) Existe algum serviço de Educação Nutricional? É realizado, pelo médico,
enfermeiro, auxiliares ou mesmo agentes, algum trabalho voltado para esta
Educação Nutricional? Em caso positivo, quais os conhecimentos trabalhados
neste momento?
2.3-) Qual a percepção da equipe sobre o trabalho de intervenção em Educação
Nutricional?
Anexo D: Formulário para Entrevista Individual: Inicial

1-) Dados Pessoais

1.1-) Identificação

Data da Entrevista:_____________ Início: ________ Término: _____________


Número da Entrevista: _________ Número de matrícula: _________________
Nome: ___________________________________________________________
Data de nascimento:___/___/___ Sexo: _______________
Endereço: ______________________________________ Número: __________
Bairro: ____________________ Município: __________ Telefone: _________

1.2-) Escolaridade

( ) Nenhuma
( ) Primeiro grau
( ) Segundo grau
( ) Terceiro grau

Última série que cursou: ______________________


Profissão: _________________________________

1.3-) Estado Conjugal

( ) solteiro (a) ( ) divorciado (a)


( ) casado (a) ( ) viúvo (a)
( ) separado (a) ( ) amasiado (a)
( ) desquitado (a)
2-) Composição Familiar

Número de pessoas que moram na casa: _______________


Parentesco dos moradores:
( ) cônjuge Idade: ___________
( ) filhos Número: __________ Idades: ___________
( ) genros/noras Número: _________ Idades: ___________
( ) netos Número: _________ Idades: ___________
( ) outros Discriminar: __________________________________

3-) Renda Familiar Aproximada

Em reais ou salários: ____________

4-) Condições de Moradia

4.1-) Sua casa é:


( ) própria ( ) alugada ( ) cedida ( ) outro _________

4.1-) A construção é de:


( ) alvenaria ( ) madeira ( ) mista ( ) outro _________

4.3-)Quantos cômodos tem sua casa? ___________________________

4.4-) O banheiro utilizado é:


( ) interno ( ) externo ( ) não tem banheiro

4.5-) De onde vem a água usada para cozinhar?


( ) rede pública ( ) poço ( ) outro ____________

4.6-) Que tipo de fogão é utilizado para cozinhar?


( ) fogão a gás ( ) fogão a lenha ( ) outro _______________
4.7-) Sua casa tem geladeira? ( ) sim ( ) não
4.8-) Sua casa tem quintal? ( ) sim ( ) não
Em caso afirmativo: Há horta no quintal? ( ) sim ( ) não
Em caso afirmativo: O que é plantado na horta? __________________________

5-) Atividades

5.1-) Ocupação atual: _______________________________________________

5.2-) Atividades diárias:


Horário que se levanta: ______________________________________________
Atividades da manhã: _______________________________________________

Horário do almoço: _________________________________________________


Atividades da tarde: ________________________________________________

Horário do jantar: __________________________________________________


Atividades da noite: _________________________________________________

Horário de dormir: __________________________________________________


Duração média e qualidade do sono: ___________________________________

5.3-) Atividades físicas:


Tipo: ( ) laborativa ( ) recreativa e/ou lazer ( ) terapêutica
Duração:
Freqüência:

6-) Outros Hábitos

6.1-) O senhor (a) fuma? ( ) sim ( ) não, mas já fumou ( ) nunca fumou
Em caso de sim: quantidade e freqüência: _______________________________

6.2-) O senhor(a) toma bebidas alcoólicas?


( ) sim ( ) não, mas já bebeu ( ) nunca bebeu
Em caso de sim. quantidade e freqüência: _______________________________

7-) História da Doença

7.1-) Há quanto tempo começou a se manifestar seu diabetes? _____________

7.2-) Como começou? _______________________________________________


_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________

7.3-) Qual era seu peso habitual antes do diabetes se manifestar? ____________

7.4-) Qual era seu peso na época em que o diabetes foi diagnosticado? _______

7.5-) Qual foi o tratamento realizado quando diabetes se manifestou? __________


_________________________________________________________________

7.6-) O que você acha sobre o controle do seu diabetes?


( ) bom ( ) regular ( ) mau

7.7-) Você apresenta ou apresentou alguma complicação ou doença associada ao


diabetes? _________________________________________________________
Qual? ____________________________________________________________

Questões

1-)O que você acha que causou seu diabetes?


2-) Qual a maior dificuldade encontrada quando foi diagnosticado o diabetes?
3-) Qual foi o tratamento inicial para o seu diabetes?
4-) Qual o profissional que orientou todo o tratamento?
5-) Qual assunto você gostaria de discutir nos encontros?
Anexo E: Atividade desenvolvida no 4º encontro – 23/10/2002
Anexo F: Atividade desenvolvida no 13º encontro – 15/01/2003
Anexo G: Atividade desenvolvida no 16º encontro – 05/02/2003
Anexo H: Atividade desenvolvida no 22º encontro – 26/03/2003
Anexo I: Atividade desenvolvida no 23º encontro – 02/04/2003
Anexo J: Formulário para Entrevista Individual : Final

1-) Dados Pessoais

1.1-) Identificação

Data da Entrevista:_____________ Início: ________ Término: _____________


Número da Entrevista: _________ Número de matrícula: _________________
Nome: ___________________________________________________________
Data de nascimento:___/___/___ Sexo: _______________
Endereço: ______________________________________ Número: __________
Bairro: ____________________ Município: __________ Telefone: _________

2-) Atividades

2.1-) Ocupação atual: _______________________________________________

2.2-) Atividades diárias:


Horário que se levanta: ______________________________________________
Atividades da manhã: _______________________________________________

Horário do almoço: _________________________________________________


Atividades da tarde: ________________________________________________

Horário do jantar: __________________________________________________


Atividades da noite: _________________________________________________

Horário de dormir: __________________________________________________


Duração média e qualidade do sono: ___________________________________
2.3-) Atividades físicas:
Tipo: ( ) laborativa ( ) recreativa e/ou lazer ( ) terapêutica
Duração:
Freqüência:
Quem indicou: ________________________

Questões

1-)O que você acha que causou o seu diabetes?


2-) Comente sobre como o era sua alimentação antes de descobrir ser diabética?
3-) Depois que foi feito o diagnóstico qual foi o tratamento proposto pelo médico
que lhe atendeu?
4-) Você passou com algum outro profissional de saúde para receber
orientações? Quais foram os profissionais? Quais orientações passaram?
5-) As orientações que ele passou foram possíveis de serem cumpridas?
6-) Qual a maior dificuldade encontrada quando foi realizado o diagnóstico do
diabetes?
7-) Você pode relatar alguma provável relação com o que você está fazendo hoje
com as nossas reuniões? Quais relações? Que contribuições o grupo pode ter
trazido?
8-) Comente um pouco sobre a forma como o médico lhe orientou, lhe ensinou na
consulta.
9-) Agora comente sobre a forma de aprendizado que você encontrou no grupo.
10-) Qual das formas você considera que surtiu melhores efeitos para a adesão
ao tratamento, ou nenhuma delas melhorou sua adesão?
11-) Em relação a participar do grupo, existiu alguma dificuldade?
12-) Por que você acha que suas colegas também faltaram? E as que desistiram,
em sua opinião, o que as levou a isso?
13-) Quando recebeu o convite para participar do grupo, o que imaginava
encontrar?
14-) Você conseguiu ver alguma relação do grupo com uma melhora para sua
vida?
15-) Comente sobre sua experiência em participar dos encontros.
16-) Fale um pouco sobre o que você tem feito atualmente para melhorar sua
qualidade de vida.
17-) Na sua opinião qual deveria ser o tratamento do diabetes oferecido em um
serviço de saúde? Por que?
18-) Em fim, faça um resumo sobre o que você achou do grupo, qualidades e
possíveis melhoras,quais as conseqüências para sua vida, etc.

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