Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ACORDES NA CIDADE:
Música Popular em Teresina nos anos 1980
TERESINA
2013
HERMANO CARVALHO MEDEIROS
ACORDES NA CIDADE
Teresina e música popular nos anos 1980
TERESINA
2013
HERMANO CARVALHO MEDEIROS
ACORDES NA CIDADE
TERESINA E MÚSICA POPULAR NOS ANOS 1980
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________
Prof. Dr. Francisco de Assis de Sousa Nascimento – UFPI
Orientador
________________________________________________
Prof. Dr. Alcides Freire Ramos - UFU
Examinador Externo
________________________________________________
Profª Drª Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz – UFPI
Examinadora Interna
________________________________________________
Prof. Dr. Frederico Osanan Amorim Lima – UFPI
Suplente
AGRADECIMENTOS
1
WISNICK, José Miguel. O coro dos contrários: a música em torno da semana de 22. São Paulo, Duas Cidades:
Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1977, p.13.
O Rato e a Rosa
This paper analyzes the Brazilian popular music produced in the city of Teresina, Piauí in the
time frame that covers the 1980s through some of its spaces and artistic practices. From the
analysis of some artists, concerts, festivals, albums, interviews and a cultural project aiming
to promote music popular in the state, which focused its actions in the capital, was perceived a
markedly plural present musical practices in this city period. The 1980s was also the time
when, through a timid production music, popular music artists in Teresina, contributing his
musical repertoire, marked their presence as cultural producers of Brazilian popular music.
The sources used for analysis in this study were: news stories, articles and music reviews
present both in The Day newspaper, the Morning Journal and People's Daily, as in cultural
magazines and Attendance Reports in Teresina, interviews with musicians, composers and
interpreters period in question, and LPs recorded by artists piauienses in the 1980s. By
reading authors like Mark Napolitano, Jose Geraldo de Morais and Vince Arnaldo Contier
sought to reflect on the connections between history and music, especially popular music
Teresina, as well as reading of Michel de Certeau think that helped spaces and practices of
popular music in the city.
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 10
1.1. Shows, festivais e lugares: um olhar sobre os espaços musicais em Teresina nos anos
1980................................................................................................................................ 19
2.1. Projeto Torquato Neto: mecenato público e alguns debates em torno dos fazeres da
música popular em Teresina ............................................................................................ 55
2.2. Mapeando os fazeres musicais: pluralidade sonora no cenário musical teresinense ... 70
Este trabalho é reflexo de minhas vivências pessoais e profissionais. Fruto de algo que
é muito importante para a formação de qualquer pessoa: a experiência. Durante mais de dez
anos, desde o primeiro violão até a última apresentação musical que fiz eu tive uma relação
bastante intensa com a música. Aprendi a tocar violão com cancioneiros2 comprados em
bancas de jornais e revistas. A influência de meu pai foi algo determinante, uma vez que ele
havia estudado música. Aliás, o primeiro instrumento que me lembro de ter visto na vida foi
um violão dele. Aquilo me fascinou. Mas ainda iria demorar um pouco até que eu ganhasse o
meu.
1995 foi o ano que ele chegou. Um Di Giorgio 3 onde comecei aprender meus
primeiros acordes. Mas o interesse não era me tornar um grande instrumentista. Queria
mesmo era me expressar. Cantar canções e conquistar garotas. Logo, eu, meu irmão, Gabriel
Medeiros, e um amigo, Daniel Campos formamos uma banda que ensaiava num quartinho no
fundo de um quintal. Banda Madame Baterflai. Tocamos nos principais bares, boates e
eventos de Teresina. Fizemos shows em algumas cidades do interior do Piauí e também
tocamos na paradisíaca Jericoacoara no Ceará. Como registro sonoro, a Bateflai deixou um
CD demo 4, intitulado “um Lugar”, de 2001, e o primeiro e último trabalho mais expressivo da
banda que foi o disco “Senhora ou Senhorita” de 2005.
O sentido dessa brevíssima trajetória de vida é o de me identificar, enquanto autor,
com o território de abordagem aqui trabalhado que é um pouco da história da canção popular
brasileira feita em Teresina nos anos 1980 e alguns de seus espaços e práticas musicais 5. Por
conta da estreiteza desses laços, me permitirei escrever esta introdução na primeira pessoa, ao
passo que o restante do texto utilizará o plural de modéstia, afinal, um trabalho como este
sempre é escrito com mais de duas mãos.
Esse recorte temporal está intimamente ligado a uma mudança de percurso no
andamento de minhas pesquisas. O objetivo inicial era trabalhar o rock brasileiro dos anos
2
Cancioneiros são revistas com musicas cifradas. Geralmente vem acompanhada apenas dos acordes das
canções, sem sua linha melódica. As músicas destas revistas geralmente são de artistas de grande alcance
popular.
3
Marca de violão brasileira bastante popular para quem deseja iniciar os estudos neste instrumento. Para mais
informações ver em: http://www.digiorgio.com.br.
4
A expressão “demo” é abreviatura de demonstração. No caso, o cd demo é um trabalho de apresentação de
bandas que estão começando uma carreira.
5
O sentido de prática aqui abrange os diversos fazeres da música popular. Sua composição, suas apresentações,
seus produtos musicais, seus debates ideológicos e as relações propiciadas em seus espaços de sociabilidade
musicais. Tudo isso se insere no que entendo ser a prática musical.
1980 feito em Teresina. Este período ganhou notabilidade por ter concentrado um número
muito grande de expressões musicais produzindo e influenciando gerações através de suas
canções.6. Muitos dos grupos dessa época ainda são responsáveis por atrair milhares de
pessoas para assisti-los em seus shows. Para exemplificar no caso teresinense podemos citar o
festival criado em 2004, o Piauí Pop, onde grandes bandas de reconhecimento nacional se
apresentaram na capital piauiense. Entre as principais atrações estavam os grupos que
surgiram justamente na década de 1980: Titãs, Paralamas do Sucesso, Kid Abelha, Capital
Inicial, Biquini Cavadão e Lulu Santos atraíram um aglomerado de mais de 50 mil pessoas em
cada uma das edições do evento, o que mostra a força presente da produção daquele período
que ainda é consumida por parte de um público contemporâneo que se identifica com
referências de um passado recente, o que fez minha curiosidade sobre essa temática se aguçar
e resolvi partir para as investigações no cenário teresinense.
Entretanto, as fontes desviaram os caminhos da pesquisa. Ao investigar os jornais
piauienses “O Dia”, “Jornal da Manhã” e “Diário do Povo” com o objetivo de pesquisar o
comportamento jovem, sua produção musical e as sociabilidades possibilitadas por estas, a
partir do cenário musical popular urbano teresinense dentro do estilo conhecido como pop-
rock no contexto sócio-histórico dos anos 1980, encontrei nas matérias jornalísticas outras
possibilidades no território da canção popular. Identifiquei grupos, festivais, projetos, shows e
músicas que me seduziram ao ponto de querer dar uma interpretação dessas histórias. Ou
melhor, vi que toda essa ambiência tinha uma história pra contar sobre uma cidade que, apesar
de pequena na época, já era atravessada por uma pluralidade musical em que orbitavam
gêneros que iam do rock à música regional. Logo, o objetivo se deslocou para o
questionamento central do trabalho: Quais foram as diferentes práticas e espaços musicais em
Teresina nos anos 1980 que a marcaram como possuidora de diferentes virtualidades artísticas
no território da canção popular?
Além desta problemática central, outros questionamentos se desdobraram e serviram
de norteadores para as análises: Quais as dinâmicas, harmonias e dissonâncias que esses
espaços e suas práticas, exercidas por alguns artistas da música popular na capital piauiense,
revelam de sua época? Quem eram os grupos e artistas que produziram na época que podem
6
A banda Legião Urbana e seu líder Renato Russo são um bom exemplo disso, sendo que os mesmos são
motivos para diversos trabalhos acadêmicos no terreno da história. Podemos citar como exemplos a
monografia intitulada Legião Urbana e os jovens da revolução: cultura e identidade nacional nos anos 1980, de
autoria de Francisco das Chagas Alves Viana Júnior pela Universidade Federal do Piauí; e os trabalhos de
Luciano Carneiro Alves: Flores no deserto – A Legião Urbana em seu próprio tempo, dissertação de mestrado
pela Universidade Federal de Uberlândia; e História e Rock Brasileiro:Renato Russo e a Juventude dos Anos
1980, tese de doutoramento pela Universidade de São Paulo.
nos revelar a pluralidade estético-musical de Teresina? Quais os principais espaços de
consagração desses artistas? Quais as iniciativas públicas e privadas que promoviam eventos
musicais em Teresina e quais os objetivos de tais promoções? Quais os debates que
movimentavam o universo da música popular em Teresina? Que materiais sonoros foram
registrados e o que a sua feitura e seu conteúdo revelam sobre a canção popular teresinense
nos anos 1980?
A canção popular urbana é uma produção da cidade não restrita, entretanto, aos seus
limites. Carrega em si uma dupla natureza7 indissociável: linguagem falada e linguagem
sonora. Palavra e música. É popular no sentido em que pode ser realizada tanto por quem
domina ou não as técnicas racionalizadas dessas duas linguagens. É ela quem está mais
diretamente ligada ao cotidiano das pessoas através dos rádios, TVs e diversos aparelhos
tecnológicos que possibilitam a escuta de canções:
Trabalho a partir desta concepção sobre a música ou canção popular – onde os dois
termos serão aqui empregados no mesmo sentido – uma vez que as músicas utilizadas como
fonte se inserem nesse tipo de construção musical, ou seja, composições que buscavam
colocar-se enquanto formas estéticas a serem apreciadas em meio às disposições
socioculturais mediadas pelo mercado, como reflete o historiador Marcos Napolitano:
7
NAPOLITANO, Marcos. História & Música. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. p. 78.
8
MORAES, José Geraldo Vinci. História e música: canção popular e conhecimento histórico. Revista Brasileira
de História, São Paulo, v.20, n.20, p.203-221, mar. 2000. p. 204.
9
NAPOLITANO, Marcos. História e música popular: um mapa de leitura e questões. Revista de História, São
Paulo, n.157, p.153-172, 2007, p.155.
Ou seja, a música popular tal qual concebo neste trabalho, busca ser entendida para
além de suas concepções de linguagem musical. Outros fatores entram em jogo nas análises
abordadas neste trabalho, como mostrarei a seguir.
Assim como a história, a música popular é múltipla possuindo gêneros, temas variados
e possibilidades de consumo. Música para dançar e esquecer a morte. Música para pensar a
vida. Música para rir, se engajar, incitar o ódio e amar. Ela é uma experiência individual
submersa no coletivo. A música, assim como todas as artes, nos leva a uma reflexão interior
que está sempre imersa dentro do contexto de uma coletividade historicamente constituída 10.
“A música fala ao mesmo tempo ao horizonte da sociedade e ao vértice subjetivo de cada
um”, reflete o musicólogo José Miguel Wisnick 11. Em meio a essas nuances diferenciadas de
possibilidades de abordagens históricas no território da música, o historiador Arnaldo Contier
diz que:
A partir dessa reflexão, Contier aponta para duas direções em que se podem concentrar
as análises musicais: a primeira se direciona para as formas e para a linguagem musical e a
segunda se dirige sobre o quê a música pode revelar de algumas condições socioculturais de
seu tempo. Minha perspectiva analítica se concentrou no segundo tipo de abordagem teórico-
metodológica ao analisar: os espaços musicais da cidade ocupados por diferentes práticas
musicais; os eventos que ajudaram a constituir um repertório musical e um grupo de artistas
dominantes nos meios de comunicação e nos aparelhos institucionais do Estado; as relações
entre artistas e o Estado; os debates e tensões em meio às produções musicais; a diversidade
artístico-musical presente na cidade; e alguns produtos culturais, os discos, que foram um dos
10
HALBWACHS, Maurice. A memória Coletiva entre os músicos. In: A Memória Coletiva. São Paulo:
Centauro, 2006, p. 193-222.
11
WISNICK, José Miguel. O som e o sentido: uma outra história das músicas. São Paulo: Companhia da letras,
2009. p. 13.
12
CONTIER, Arnaldo Daraya. Música no Brasil: História e Interdisciplinariedade Algumas Interpretações
(1926-80). In: Simpósio da Associação Nacional dos professores de história, 1991, Rio de Janeiro. Anais...
Rio de Janeiro, 1991. p.151-189, p.151.
resultados das dinâmicas relacionais entre intérpretes, compositores e músicos no cenário da
musica popular em Teresina nos anos 1980.
Uma referência que me ajudou a pensar o trabalho foi o livro “Metrópole em sinfonia:
história, cultura e música na São Paulo dos anos 30” em que José Geraldo Vinci de Moraes
mostra um panorama musical paulista num período em que a cidade se inseria na indústria
cultural através dos rádios e discos. A cultura musical popular é analisada através das
modinhas, das rodas de choro, dos cordões de carnaval, do samba, e da música caipira para
mostrar a multiplicidade paulistana como resultado de diversas condições históricas que
ajudaram a moldar feições cosmopolitas à da cidade de São Paulo. Pensei então em montar
um panorama parecido para Teresina nos anos 1980 em que suas várias facetas fossem
percebidas e que ajudassem a pensar a capital piauiense atravessada por diversas
possibilidades musicais, das mais localizadas às mundializadas através dos mais diferentes
fazeres de sua canção popular. Os trabalhos de Marcos Napolitano a respeito das relações
entre História e Música, sobre questões metodológicas de aplicação nas análises das fontes
musicais e sua tese de doutoramento em que discute a chamada “Era dos Festivais” e os
impasses que gestaram a sigla MPB nos anos 1960 em torno desses eventos musicais também
são importantes referências para a construção deste trabalho por mostrar alguns percursos de
pesquisa.
A leitura de Michel de Certeau, através da obra “A Invenção do Cotidiano: Artes de
Fazer”, foi de fundamental importância na medida em que me ajudou a entender que os
espaços e as práticas são duas dimensões sociais intimamente imbricadas, pois as operações,
ou os modos de usar, realizadas em um determinado lugar modelam seus caracteres de acordo
com as ocasiões e a temporalidade que os atravessam. Bares, ginásios, praças, auditórios,
teatro, festivais, discos ou páginas de revistas e jornais foram muitos dos espaços praticados
pela música popular em Teresina nos anos 1980 e muito dizem das operações e dos usos
feitos pelos intérpretes, compositores e músicos que os constituíram. “Os jogos dos passos
moldam os espaços. Tecem os lugares [...] só se deixa então captar o resíduo colocado no não
tempo de uma superfície de projeção [...] o traço vem substituir a prática” 13. Operando a partir
desse entendimento busquei os vestígios que dão indícios de algumas das diferentes
manifestações na música popular na capital piauiense.
13
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p. 163.
As fontes utilizadas foram alguns discos e seus fonogramas; entrevistas temáticas a
partir dos procedimentos metodológicos propostos pela história oral14; textos que variavam
entre artigos e críticas sobre música; matérias jornalísticas e propagandas de shows são os
principais vestígios com os quais trabalho.
Os discos utilizados foram os LP´s resultantes de festivais como o FMPBEPI e o
Geleia Gerou; o LP coletivo de artistas Cantares; o disco Suíte de Terreiro do grupo Candeia;
e o split das bandas Megahertz e Avalon. Estes discos atuam como exemplos da diversidade
musical que atravessou Teresina durante o período aqui estudado.
As entrevistas merecem uma nota de ressalva. Foram feitas a partir da problemática
inicial, que era a da pesquisa sobre o rock dos anos 1980 produzido em Teresina. Muitas das
questões colocadas para os entrevistados partiram dessa problemática e só posteriormente
desloquei o questionamento central deste trabalho. Contudo, e para minha sorte, iniciei as
entrevistas com artistas que transitavam entre o universo do rock e da MPB, logo, muitas
informações puderam ser aproveitadas. Os músicos André Luiz Oliveira Eugênio, Edvaldo
Nascimento, Durvalino Couto Filho, e Geraldo Brito eram alguns dos que transitavam entre
esses universos. Esses músicos e compositores foram colaboradores recorrentes com críticas e
artigos sobre música popular no período aqui estudado, o que intensifica ainda mais suas
relações com o tema. Wiliam Rodsam, que foi integrante das bandas Avalon e Megahertz foi
o único entrevistado que vivenciou apenas o universo do rock and roll, mas ainda assim sua
fala foi de fundamental importância para as análises deste gênero musical como um dos
matizes da música popular em Teresina.
Nos jornais O Dia, Jornal da Manhã e Diário do Povo encontrei diferentes
modalidades de fontes para a pesquisa. De propagandas promocionais de shows a debates
sobre música popular brasileira entre articulistas teresinenses. Tais fontes, pelo seu volume
encontrado, se constituíram como a base sobre a qual construí o texto. De acordo com Juan
Pablo Gonzáles e Cláudio Rolle, as fontes presentes em meios jornalísticos sobre música
popular são importantes, uma vez que:
14
Entre os procedimentos que adotamos para a realização das entrevistas podemos citar: a seleção dos
testemunhos orais de acordo com a temática; a elaboração de um roteiro prévio para as entrevistas; a escolha
adequada do local de sua realização; os cuidados com a transcrição e a análise dos documentos produzidos.
Ver em: BONAZZI, Chantal de Tourtier. Arquivos: propostas metodológicas. In: AMADO, Janaína;
FERREIRA, Marieta de Moraes (Coord.). Usos e abusos da história oral. São Paulo: FGV, 2005. p. 233-246.
informações musicais que surgem do registro do que os habitantes do
passado julgavam digno e necessário destacar. Editores musicais;
construtores e importadores de instrumentos; promotores de concertos, teatro
e festas; selos discográficos; almanaques e lojas de música necessitam
informar a seus consumidores e estimular sua demanda [...] Essa promoção
musical de alcance massivo não seria possível sem o acelerado crescimento
experimentado pela sociedade ocidental em começos do século XX, que
encontrava nas fontes impressas seu principal meio difusor 15.
Importantes meios difusores dos espaços e práticas musicais teresinense nos anos
1980, os jornais nos forneceram informações com as quais pudemos cruzar com os diferentes
meios de comunicação, as entrevistas e algumas informações contidas nos discos no sentido
de melhor entender algumas das dinâmicas desse universo cultural.
Outras fontes importantes foram as revistas culturais Presença e Cadernos de Teresina,
ambas as publicações de responsabilidade de poderes públicos, sendo a primeira de
responsabilidade do Governo Estado do Piauí e a segunda da Prefeitura Municipal de
Teresina. A revista “Veredas: Culturarte” publicada pela Universidade Federal do Piauí
também forneceu uma importante fonte para este trabalho. Estas revistas publicaram artigos
sobre música popular que trazem fragmentos dos debates em torno desta e que ajudam a
vislumbrar seus choque e encontros.
Contar uma das várias histórias possíveis da música popular brasileira é um dos
intuitos deste trabalho. A história de um tempo através de suas canções e do universo cultural
que o circunda. É um trabalho que busca caráter horizontal que aponte caminhos e
possibilidades de verticalizações futuras, ou seja, de aprofundamentos em questões
específicas. Busca abrir um território pouco explorado na historiografia piauiense acerca de
reflexões feitas em torno de sua canção popular. Algumas poucas monografias de conclusão
de curso foram realizadas16 sobre o assunto. Outros trabalhos que discutem as relações entre
História e Música também foram realizados no programa de pós-graduação da Universidade
Federal do Piauí, mas em apenas um deles a música se relaciona com Teresina 17. Daí a
15
GONZÁLES, Juan Pablo; ROLLE, Cláudio. Escuchando el pasado: hacia una história social de la música
popular. Revista de História, São Paulo, n.157, p.31-54, 2007, p.40
16
Entre os trabalhos encontrados citamos: RODRIGUES, Jeany da Conceição de Maria. No tempo dos festivais:
história e música no Piauí (1960 – 1980). Teresina. 2005. Monografia (Licenciatura Plena em História) -
Centro de Ciências Humanas e Letras, Universidade Federal do Piauí, Teresina; VASCONCELOS JUNIOR,
Francisco das Chagas Paiva de. A emergência da música popular em Teresina (1970-1990). Teresina. 2008.
Monografia (Especialização em História) – Faculdades Integradas de Jacarepaguá, polo Teresina; ROCHA,
Pedro Cesário da. História e Música: a memória da música na cidade de Picos. Teresina. 2011. Monografia
(Licenciatura Plena em História) – Universidade Federal do Piauí, Picos.
17
Entre os trabalhos cito um que se relaciona ao cantor e compositor Raul Seixas e o outro que se concentra nas
relações entre música popular e consumo em Teresina. São eles, respectivamente: NERY, Emília Saraiva.
Devires da música popular brasileira: as aventuras de Raul Seixas e as tensões culturais no Brasil dos anos
1970. 2008. Dissertação (Mestrado em História do Brasi) – Centro de Ciências Humanas e Letras,
importância que imputo a esta pesquisa como uma contribuição em torno de reflexões iniciais
sobre a canção popular brasileira feita em Teresina a partir do olhar da história.
Teresina na década de 1980 era uma cidade que apresentava uma diversidade musical
muito grande. Diferentes grupos e artistas produziram os espaços da música. Do regional
nordestino, passando pela MPB, que abrange diferentes tipos de expressões musicais, até às
diferentes vertentes do rock and roll foram alguns das principais manifestações que
produziram os fazeres da canção popular em Teresina, identificados a partir de um grupo
específico de artistas que ocupavam recorrentemente as páginas dos jornais, revistas e discos
produzidos no período. Shows, festivais, LP´s, projetos e polêmicas culturais, mercado de
trabalho e canções são as principais notas musicais com as quais tento montar alguns dos
acordes, por vezes dissonantes, que forjaram o caráter de pluralidade musical manifestado nas
práticas e nos espaços da música popular na cidade de Teresina nos anos 1980.
Diante deste quadro introdutório, o trabalho foi elaborado da seguinte maneira: no
primeiro capítulo, chamado A CIDADE E A MÚSICA POPULAR: Teresina e os espaços
de prática musical nos anos 1980, serão analisados, num primeiro momento, os diversos
espaços da música popular em Teresina e algumas das apresentações musicais que
movimentaram esses ambientes que variavam entre o teatro, ginásio, bares e praças da cidade.
No segundo momento do capítulo analiso três eventos específicos: os festivais FMPBEPI, I
Encontro de Compositores e Intérpretes do Piauí e o I FENEMPI-PI. Festivais que gozaram
de ampla divulgação no período, pontos de convergência de músicos, compositores e
intérpretes. Espaços que ensejaram debates em torno da música popular na capital piauiense.
O segundo capitulo da dissertação, O ESTADO E OS ARTISTAS: mecenato,
tensões e variedades na música popular teresinense, discutirá qual foi a relação entre o
Estado e os artista a partir da criação do Projeto Torquato Neto. Este projeto surgiu como uma
política pública para o incentivo da música popular no Estado gerando algumas tensões e
contendas entre alguns atores sociais desta pesquisa. Refletirei ainda sobre a diversidade
musical teresinense, a partir de alguns artistas, apontando para as suas experiências musicais
plurais, remarcando a importância dos mesmos como movimentadores do cenário
sociocultural da cidade.
No terceiro capítulo, intitulado A PRODUÇÃO FONOGRÁFICA EM TERESINA:
diversidades sonoras da capital piauiense, refletirei sobre alguns aspectos do cenário
Universidade Federal do Piauí, Teresina; COSTA, Fernando Muratori. Seu gosto na berlinda: Um estudo do
consumo musical nos anos 1970. 2012. Dissertação (Mestrado em História do Brasi) – Centro de Ciências
Humanas e Letras, Universidade Federal do Piauí, Teresina.
fonográfico teresinense; sobre algumas das diferentes produções feitas no período no sentido
de captar quais as diferentes texturas sonoro-musicais presentes na cidade que evidenciam o
caráter de pluralidade musical nos anos de 1980; e sobre como esses discos se constituíram no
momento de inserção piauiense no repertório da música popular brasileira, a partir de
discussões já iniciadas nos capítulos anteriores.
As produções e as movimentações musicais feitas por músicos, intérpretes e
compositores em Teresina são reveladoras de diferentes práticas e dinâmicas da música
popular brasileira e agitaram a capital piauiense nos anos 1980. Com este trabalho busquei
analisar a música popular trilhando uma das muitas veredas possibilitadas pela história.
Pensar Teresina e seus fazeres musicais neste período foi transitar por esses caminhos.
CAPÍTULO 1: A CIDADE E A MÚSICA POPULAR: TERESINA E OS ESPAÇOS DE
PRÁTICA MUSICAL NOS ANOS 1980
1.1 Shows, festivais e lugares: um olhar sobre os espaços musicais em Teresina nos
anos 1980
A capital piauiense contava com 377.774 habitantes no início da década de 1980, segundo
dados do censo demográfico do IBGE18. Este número revela, em termos populacionais, que
Teresina era uma capital pequena em relação a outros centros urbanos nordestinos como
Recife e Salvador que contavam à mesma época com uma população de 1.203,89919 e
1.491,64220 de habitantes respectivamente, levando-se em conta o mesmo recorte estatístico
aqui delimitado, o que necessariamente aumenta a complexidade social para diferentes setores
econômicos e culturais de uma cidade. Apesar de não possuir a mesma densidade
populacional das grandes capitais brasileiras, Teresina, contudo, além de estar inserida no
circuito dos grandes shows musicais nacionais, dentro do mercado do entretenimento da
indústria cultural – não como centro difusor desta, mas como um mercado consumidor de
seus produtos, como shows e discos – também foi palco produtor de uma pluralidade artística
no território da música popular brasileira. Deter-nos-emos agora a mapear alguns espaços de
expressão da música popular na capital piauiense nos anos de 1980 como um percurso
introdutório para a análise de algumas das diferentes práticas musicais presentes na cidade no
mesmo período produzidas por alguns de seus atores sociais.
O espaço é aqui entendido, conforme Michel de Certeau, como um lugar praticado. Os
modos de usá-los os instituem de acordo com as operações de seus usuários. Logo, um teatro,
um ginásio, um bar ou uma praça puderam ser moldados como espaços da música popular por
compositores, músicos e intérpretes a partir de suas relações socioculturais que possibilitaram
18
Dados da população residente por situação de domicílio e sexo.Ver: IBGE. Censo Demográfico: dados gerais,
migração, instrução, fecundidade, mortalidade. Rio de Janeiro: IBGE, 1982-1983. Disponível em:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20%20RJ/CD1980/CD_1980_Dados_Distrita
is_PI.pdf.>. Acesso em: 4 set. 2012.
19
Dados da população residente por situação de domicílio e sexo.Ver: IBGE. Censo Demográfico: dados gerais,
migração, instrução, fecundidade, mortalidade. Rio de Janeiro: IBGE, 1982-1983. Disponível em:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20%20RJ/CD1980/CD_1980_Dados_Distrita
is_PE.pdf> Acesso em: 4 set. 2012.
20
Dados da população residente por situação de domicílio e sexo.Ver: IBGE. Censo Demográfico: dados gerais,
migração, instrução, fecundidade, mortalidade. Rio de Janeiro: IBGE, 1982-1983. Disponível em:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20%20RJ/CD1980/CD_1980_Dados_Distrita
is_BA.pdf> Acesso em: 4 set. 2012.
a tessitura desses espaços. Lugares que nos anos 1980 em Teresina tiveram suas
sociabilidades mediadas pela música, por suas harmonias e dissonâncias. Sobre isso Certeau
afirma que:
Os dois principais espaços que acolheram em Teresina nos anos 1980 artistas da música
de outros estados foram o ginásio “Verdão” e o Theatro 04 de Setembro. Ambos receberam
diversos artistas e seus espetáculos e a observação dessas diferentes apresentações por toda a
década permite perceber a existência de um público para música popular na cidade que já
vinha sendo formado ao longo das décadas anteriores, pois boa parte dos artistas que neles se
apresentaram surgiram e ganharam notoriedade nos anos 1960 e 1970. Os shows desses
artistas faziam parte das turnês que percorriam o Brasil e levavam consigo outras informações
musicais que estavam sendo produzidas pelos grandes centros urbanos do país.
A presença de músicos de outros estados e de toda uma estrutura material, técnica e
humana causou fascínio que ficou na memória de algumas pessoas que vivenciaram o
período, principalmente entre os músicos, pois estavam mais atentos aos detalhes das
apresentações por se tratar de seu território de atuação. “Alceu Valença, Rita Lee, Paralamas,
Barão, Luís Melodia, todo mundo que vinha, vinha com cenário. Eu lembro da Rita com
cenário enorme.”22 recorda o guitarrista André Luiz Oliveira Eugênio, que participou
intensamente da movimentação cultural musical de Teresina no período aqui estudado. Outro
episódio é lembrado pelo músico em entrevista a nós concedida, onde ele fala sobre estas
novidades vindas de fora. O relato a seguir se refere a um encontro dele com o grupo paulista
Premeditando o Breque23 quando da sua passagem por Teresina no Theatro 04 de Setembro
pelo Projeto Pixinguinha24:
21
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p. 184.
22
SOUZA, André Luíz Oliveira Eugênio de. André Luíz Oliveira Eugênio de Souza [31 jan. 2012] Entrevistador:
Hermano Carvalho Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular
Teresinense concedida como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela
Universidade Federal do Piauí.
23
A banda “Premeditando o Breque” ou “Premê” assim era definida nos anos 1980: “Numa época em que
triunfam principalmente os talentos individuais, o Premê se desenvolve coletivamente, num projeto
independente que vem a cada dia alcançando mais gente e afirma que encontra seu sentido na falta de sentido
das coisas, sofrendo influências de todos os lados: da música erudita tradicional e da contemporânea, do jazz
e do rock, dos jingles, da música brasileira dos geniais chorões e dos sambistas de breque”. Para uma
Era a abertura do Pixinguinha pro “Premê”, Premeditando o Breque.
“Tavam” fazendo um sucesso louco na época. Aí eu lembro que antes da
cortina abrir eu tava atrás vendo a pedaleira 25 Boss do Mário Manga... eu lá
namorando aquele troço... aí ele veio pra mim e disse “aí cara, tu vai
tocar?”26
Esses espaços de práticas musicais em Teresina foram uma “janela” para as novidades
das produções musicais de outros estados como o exemplo acima explicita. Pode-se notar o
maravilhamento que André Luiz narra ao observar o equipamento que o guitarrista da banda
paulista levou para sua apresentação. Mesmo passados 30 anos desse encontro – o show do
Premê em Teresina aconteceu em 1982 e a entrevista foi realizada em 2012 – o músico
cearense residente na capital piauiense ainda recorda esse acontecimento como algo marcante,
pois vincula o impacto causado pelo equipamento musical através da metáfora do namoro, de
uma relação afetiva com um objeto inanimado. Em Teresina neste período as dificuldades de
acesso a equipamentos musicais ajudam a explicar em certa medida o “namoro” entre André
Luiz e a pedaleira da marca Boss de Mário Manga. Esses espaços da música funcionavam
como mediadores de trocas de informações dessa natureza, logicamente com os músicos que
tinham acesso aos bastidores desses shows na cidade, mas que consequentemente acabavam
por partilhar essas informações em outros espaços de sociabilidades mediados pela música na
capital piauiense.
Os shows que ocorreram nos anos 1980 no ginásio poliesportivo Dirceu Mendes
Arcoverde, o “Verdão”, construído no final dos anos 1970 e localizado na Rua João Cabral,
centro da cidade, atraiam milhares de pessoas para assistir estrelas já consagradas na música
popular brasileira atestam a inserção de Teresina no circuito cultural das grandes
apresentações musicais. Vários espetáculos ao longo da década aconteceram com artistas da
música como Roberto Carlos, Caetano Veloso, Alceu Valença, Gal Costa, Fagner, Rita Lee,
informação mais detalhada do grupo ver: GRUPO paulista é esperado na segunda. Jornal O Dia, Teresina,
p.7, 22 jul. 1982.
24
Projeto cultural criado pela Fundação Nacional de Arte em 1977 por Hermínio Bello de Carvalho. Seu
objetivo era “valorizar, difundir e formar plateia para a música popular brasileira e para o trabalho de artistas
fora da evidência do mercado. Para isso, promoveria a circulação de espetáculos musicais pelo país.” Ver:
ALMEIDA, Gabriela Sandes Borges de. Projeto Pixinguinha: 30 anos de música e estrada. 2009. Dissertação
(Mestrado em História Política e Bens Culturais) – Centro de Pesquisa e Documentação da História
Contemporânea do Brasil, CPDOC.
25
Instrumento eletrônico capaz de alterar o som de uma guitarra através de efeitos como a distorção, delay,
reverb, etc. Possui vários dispositivos, chamados de pedais, que tem como função mudar os efeitos de acordo
com a música ou em diferentes momentos de uma mesma música.
26
SOUZA, André Luíz Oliveira Eugênio de. André Luíz Oliveira Eugênio de Souza [31 jan. 2012] Entrevistador:
Hermano Carvalho Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular
Teresinense concedida como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela
Universidade Federal do Piauí.
Gilberto Gil, e Geraldo Azevedo. Grupos e artistas em ascensão no circuito musical nacional
na época como Ritchie, Blitz, Roupa Nova, Ultraje a Rigor, Kid Abelha, Marina e Lulu
Santos também tocaram seus acordes na capital piauiense 27. Os shows no “Verdão” marcaram
uma geração e sua fama transbordou28 para as décadas seguintes. Mais uma vez recorremos à
memória do guitarrista André Luiz, que entre os nossos entrevistados sobre a temática deste
trabalho foi quem mais ofereceu detalhes sobre sua vivência musical em Teresina no recorte
pesquisado. Ele relata com nostalgia como eram disputados os shows que aconteciam no
“Verdão”, devido à quantidade de pessoas que queriam estar presentes nas apresentações do
ginásio:
Uma coisa que faz muita falta é o Verdão [...] que tinha uma acústica
maravilhosa. Passavam todos os shows importantes por aqui. Eu lembro que
eu fui ver o RPM no auge mesmo, eu e minha namorada a gente não
conseguia [...] tinha aquela corrente de seguranças [...] era gente demais. A
gente com ingressos na mão. Aí ele disse: “olha, eu vou levantar o braço um
segundo, quem passar, passou!” ele olhando pra mim [...] “se você não
passar fica. Ela vai só”. O cara levantou... a gente pulou pro outro lado! Lá
dentro se você tirasse o pé, não tinha onde colocar... tinha que colar em cima
de outro pé. Quer dizer, todos os shows [...] Eu lembro que o Alceu também,
da época do Cavalo de Pau. Teve uma hora que teve um problema com a
guitarra do Paulo Rafael. Ele começou, simplesmente o Verdão cheio, lotado
e ele começou a brincar, fazer Repente enquanto se resolvia o problema [...]
agradeceu todo mundo pela compreensão e aplaudiram quase 15 minutos o
cara. Era cheio em cima e em baixo29.
Diferentes artistas da música popular brasileira, como o relato acima nos informa,
levaram ao ginásio grandes públicos através de diversos estilos musicais. O Rock e a música
regional nordestina, representados na citação pelo grupo RPM e por Alceu Valença,
27
As notícias sobre as apresentações desse diversos artistas foram encontradas nas seguintes matérias
jornalísticas: ROBERTO Carlos chega hoje e canta no Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 18 jul. 1980;
CAETANO Veloso chega e fala sobre Torquato. Jornal O Dia, Teresina, p. 11, 21, ago. 1980; ALCEU hoje
à noite no Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p.8, 17 set. 1980; GAL Tropical: o maior show do Brasil. Jornal
O Dia, Teresina, p. 11, 11 out. 1980; RAIMUNDO Fagner: Homem do coração alado. Jornal O Dia,
Teresina, p. 10, 24 nov. 1980; RITA Lee chega hoje às 9 horas. Jornal O Dia, Teresina, p. 2, 14 fev. 1981;
GIL: Ninguém liga mais pra abertura. Jornal O Dia, Teresina, p.8, 01 jul 1981; GERALDO Azevedo canta
hoje à noite no Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 30 mar. 1987; RITCHIE em Teresina. Jornal O Dia,
Teresina, p. 7, 28 out. 1983; BLITZ faz show hoje no ginásio Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 1, 23 jan.
1986; ROUPA Nova no Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 1, 19 out. 1986; ULTRAJE a Rigor dia 10 no
Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 23 nov. 1987; KID Abelha e os Abóboras Selvagens no Verdão. Jornal
O Dia, Teresina, p. 10, 02 maio. 1988; MARINA hoje no Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 24 maio,
1988; LULU Santos se apresenta quinta feira no Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 8, 12 set. 1988.
28
Como nasci durante os anos 1980 não pude participar de nenhum show ocorrido no Verdão. Apenas ouvi
diversas histórias a seu respeito, sobre as apresentações e de como eram concorridas pelo público. Daí o
“transbordamento” da fama do ginásio para outra geração que só conheceu sua notoriedade.
29
SOUZA, André Luíz Oliveira Eugênio de. André Luíz Oliveira Eugênio de Souza [31 jan. 2012] Entrevistador:
Hermano Carvalho Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular
Teresinense concedida como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela
Universidade Federal do Piauí.
respectivamente, foram alguns deles. O samba carioca também levou grandes públicos para os
espaços do ginásio. Sobre este último gênero musical citado é uma matéria jornalística que
nos informa sobre sua movimentação em Teresina:
33
As notícias sobre as apresentações desses artistas foram encontradas nas seguintes matérias jornalísticas:
MACALÉ e Doris Monteiro Chegam hoje a Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 6 out. 1980; ARTISTAS
chegam hoje para show no teatro. Jornal O Dia, Teresina, p.8, 13 out. 1980; PAULINHO da Viola faz último
show no teatro. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 22 out. 1980; JOÃO Bosco chega hoje para shows. Jornal O
Dia, Teresina, p. 7, 3 nov. 1980; PIXINGUINHA virá de novo para Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p. 8,
21 jun. 1983; SIVUCA e Joyce no Pixinguinha. Jornal O Dia, Teresina, p. 8, 6 nov. 1980; ARTISTAS do
Pixinguinha estão empolgados com Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 6 set. 1983; TISO e Leila abrem o
2ª o Pixinguinha. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 27 jun. 1988; ZIZI Possi canta hoje no 4 de setembro. Jornal
O Dia, Teresina, p.7, 24 abr. 1986; ARRIGO encerra o projeto Pixinguinha no teatro. Jornal O Dia,
Teresina, p. 7, 3 ago. 1988.
34
As notícias sobre as apresentações desses artistas foram encontradas nas seguintes matérias jornalísticas:
PROJETO Pixinguinha vai ser aberto amanhã. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 12 jul. 1983; LAURENICE e
Varanda participam do projeto Pixinguinha sábado. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 14 jul. 1983; COMEÇA
hoje a 2ª etapa do projeto Pixinguinha no PI. Jornal O Dia, Teresina, p. 8, 20 jul. 1983; PROJETO
Pixinguinha vai ser aberto amanhã. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 12 jul. 1983; TISO e Leila abrem o 2ª o
Pixinguinha. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 27 jun. 1988;
35
As notícias sobre as apresentações desses artistas foram encontradas nas seguintes matérias jornalísticas: UM
SHOW muito quente: Edvaldo Nascimento e banda. Jornal O Dia, Teresina, p. 5, 09 jan. 1981; THEATRO
apresenta segunda Lena Rios com “Renascer”. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 24 dez. 1982; LÁZARO lança seu
disco no 4 de Setembro. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 17 jun. 1985; GRUPO Venus anuncia show para o
Theatro. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 24 jan. 1984; GRUPO de rock se apresenta no teatro e deputado brilha.
Jornal O Dia, Teresina, p.7, 20 jun. 1988.
seja como abertura para outros shows ou como músicos acompanhantes de outros artistas.
Espaço por onde alguns artistas piauienses tinham trânsito livre e praticavam suas
sociabilidades:
Lembrado com nostalgia por músicos que utilizaram seu espaço, o 04 de Setembro,
como é chamado em Teresina, mais de vinte anos depois perdeu essa condição de local
privilegiado para a música: “Eu lembro do teatro, coisa que não acontece mais hoje, o teatro
enchia que não ficava gente sentada. Todo mundo ia ver e todo mundo dançava” 37. Não
apenas em relação à música, mas frequentar o teatro deixou de ser uma prática para o público
de Teresina, como relata o poeta e compositor Durvalino Filho: “A gente morava no teatro e
isso infelizmente acabou. Hoje as pessoas têm medo de ir a espetáculos no centro, com medo
de ser assaltados, do carro ser roubado. É lamentável” 38.
O Theatro 04 de Setembro e o ginásio Verdão foram espaços importantes para a
música popular em Teresina. O teatro, principalmente, era local privilegiado que servia como
vitrine para as produções musicais da cidade. Entretanto, outros lugares também constituíram
o ambiente musical de Teresina. Lugares esses que realizavam, como nos dois anteriormente
citados, shows sazonais, preparados com antecedência e que contavam com uma produção
mais elaborada, como a confecção de cartazes e panfletos para divulgação do evento; aluguel
de som e confecção de cenário para o dia da apresentação e contatos com a imprensa para
uma divulgação de maior porte para os shows. O auditório “Herbert Parentes Fortes” e o
36
COUTO FILHO, Durvalino. Durvalino Couto Filho [15 fev. 2012] Entrevistador: Hermano Carvalho
Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense concedida
como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela Universidade Federal do
Piauí.
37
SOUZA, André Luíz Oliveira Eugênio de. André Luíz Oliveira Eugênio de Souza [31 jan. 2012] Entrevistador:
Hermano Carvalho Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular
Teresinense concedida como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela
Universidade Federal do Piauí.
38
COUTO FILHO, Durvalino. Durvalino Couto Filho [15 fev. 2012] Entrevistador: Hermano Carvalho
Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense concedida
como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela Universidade Federal do
Piauí.
“Centro de Artesanato”39 foram palco de vários dos músicos e grupos teresinenses que usaram
desses expedientes para suas apresentações.
O primeiro fica localizado no cruzamento entre as Avenidas Frei Serafim e Miguel
Rosa, duas importantes vias de deslocamento da cidade. Foi um local por onde a pluralidade
de gêneros musicais pôde se expressar em Teresina. Era um pequeno auditório para pouco
mais de 150 pessoas onde se apresentaram grupos como a banda de rock “Green City Band”
do guitarrista e compositor Edvaldo Nascimento, que nesse grupo tocava baixo. Além dele
também fez parte do grupo Durvalino Couto Filho na bateria e Edino Neiva na guitarra. Esse
conjunto, formado no final dos anos 1970, tocava músicas de grupos internacionalmente
conhecidos como Led Zeppelin e Black Sabbath em apresentações que atraíram bons públicos
para o auditório 40. Já o show intitulado “Amora”, mais regional, com toques da música
internacional, realizado por Cruz Neto, Janete Dias, André Luiz e Drout também se
apresentou neste auditório. Acompanhados por instrumentos como o violão, viola, percussão
e uma guitarra “discreta”, os músicos tocaram seus xotes, xaxados, baiões e blues 41.
O Centro de Artesanato fica do lado oposto ao Teatro 04 de Setembro, tendo também a
sua frente à Praça Pedro II, foi a sede da Polícia Militar do Piauí até 1978 e depois se tornou
local para comercialização de produtos artesanais produzidos no Estado. Nesse lugar
ocorreram shows para grandes públicos, devido às grandes dimensões de seu espaço,
principalmente eventos de rock. Uma das edições do festival Setembro Rock aconteceu ali. As
bandas Dorsal Atlântica, do Rio de Janeiro; Vodu e Viper de São Paulo; Ácido de São Luís e
as locais Grito Absurdo, Megahertz e Avalon estavam na programação de uma das edições do
evento que prometia “explodir Teresina” visando “contribuir para o engrandecimento do
movimento do rock da capital” 42. A partir da segunda metade da década de 1980, Teresina
presencia o aparecimento de muitos grupos de rock formado por jovens produzindo e
praticando a cidade através de suas músicas.
Esses lugares praticados da música popular em Teresina nos anos 1980 – o ginásio
Verdão, o Theatro 04 de Setembro, o auditório Herbert Parentes Forte e a Central de
Artesanato – constituem-se naquilo que Pierre Nora chama de “Lugares de Memória”, pois
sua existência física remete a uma experiência social passada que só é possível de ser
39
Hoje a Central de Artesanato se chama “Mestre Dezinho” em homenagem ao artesão Dezinho de Valença,
falecido no ano 2000.
40
NASCIMENTO, Edvaldo do. Edvaldo do Nascimento [13 fev. 2012] Entrevistador: Hermano Carvalho
Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense
concedida como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela Universidade
Federal do Piauí.
41
“AMORA” se apresenta hoje no Herbert Parentes Fortes. Jornal O Dia, Teresina, p. 7 11 fev. 1982.
42
SHOW de Rock começa hoje em Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p.2, 26 set. 1987.
lembrada a partir da materialidade desses lugares para aqueles que vivenciaram o universo
artístico musical teresinense naquele período, ou como afirma Nora:
Outros espaços permitiam uma assiduidade maior dos músicos e de seu público,
tecendo sociabilidades mais frequentes entre seus praticantes. Alguns bares se notabilizaram
nesse aspecto, pois neles a frequência de apresentações musicais era bem maior do que a dos
locais anteriormente citados. O “Nós & Elis” e o “Tarot Bar” são dois exemplos disso, pois
foram estabelecimentos que contaram com apresentações musicais em suas programações de
entretenimento semanalmente. Outras manifestações artísticas fizeram parte desses lugares,
agregando maior valor cultural a esses ambientes. Literatura, artes plásticas e cênicas
estiveram na programação desses bares.
Na comemoração de aniversário, o “Tarot bar”, fundado em 1988, contou com
apresentações artísticas musicais, performances teatrais e recital de poemas. “Tudo isso para
comemorar o primeiro aniversário do Tarot Bar que, desde seu surgimento, tem sido um
espaço cultural alternativo em Teresina” 45. Os músicos e intérpretes que se apresentaram no
bar, segundo as informações que encontramos nas fontes jornalísticas, transitavam no
universo musical da MPB interpretando alguns de seus nomes consagrados, além de canções
43
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto história: Revista do Programa de
Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP. São Paulo, p 7-28, 1981.
Disponível em: < http://www.pucsp.br/projetohistoria/downloads/revista/PHistoria10.pdf>. Acesso em: 19 jul.
2012, p. 22.
44
Ibid., p. 13.
45
TAROT comemora um ano com muita festa. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 18 nov. 1989.
de compositores piauienses, como podemos exemplificar no trecho da matéria jornalística a
seguir:
A bela voz do piauiense Rubens Lima estará no palco do bar Tarô, próximo
ao Jockey Center, a partir das 23h, hoje à noite. Rubens interpretará Caetano
Veloso, Djavan, Luís Melodia, além de outros nomes da MPB. Alguns blues
e músicas de compositores da terra, entre eles Geraldo Brito, Abraão Lincoln
e Boy também estão no repertório46.
A importância do bar “Nós & Elis” para alguns músicos teresinenses pode ser
sintetizada na fala do poeta e compositor Durvalino Couto Filho: “o grande momento musical
dos anos 1980 [...] sem dúvida” 47. Tal opinião foi compartilhada por muitos músicos,
intérpretes, compositores, poetas e frequentadores do bar por meio de um livro escrito por um
coletivo de autores48 que busca, através de suas narrativas, constituir um lugar de memória
para as experiências vividas naquele espaço. Nora nos ajuda mais uma vez a refletir sobre este
conceito: “Os lugares de memória são, antes de tudo, restos [...] e vivem do sentimento que
não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, manter aniversários, organizar
celebrações [...]”49.
Através de saudosos relatos, o livro “No Nós & Elis a gente era feliz – e sabia”
procura criar esse arquivo das vivências produzidas pelo bar, inaugurado em 1984, sendo seu
nome uma homenagem à cantora Elis Regina. Diferente das apresentações do Theatro 04 de
Setembro ou do Ginásio Verdão, este ambiente propiciava atitudes mais espontâneas, tanto
por parte de quem se apresentava, como por parte dos consumidores que realizavam esses
espaços. A penumbra do ambiente e a possibilidade de consumo de bebidas alcoólicas
requeriam outras performances. A comunicação variando entre a grandiloquência, sussurros
ao pé do ouvido e troca de olhares tecia-se constantemente. Ver e ser visto foi uma das lógicas
da sociabilidade do bar. Tudo isso no pulso da música popular. A boemia também é outro
traço característico que permeia as memórias sobre o bar e a bebida como uma catalisadora de
46
O CANTOR Rubens Lima inova repertório e volta aos shows. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 26 out. 1989.
Além desta matéria, referenciamos outras que nos dão indícios sobre os tipos de apresentações musicais que
ocorriam no Tarot Bar em que se mesclavam canções de artistas consagrados da MPB e canções de artistas
piauienses. São elas: FÁTIMA Lima faz show no Tarot. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 30 nov. 1989; JABUTI
Fonteles volta com “Cria do Mundo”. Jornal O Dia, Teresina, p. 11, 15 nov. 1989; RORAIMA faz show
com nova banda. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 1 nov. 1989.
47
COUTO FILHO, Durvalino. Durvalino Couto Filho [jan. 2012] Entrevistador: Hermano Carvalho Medeiros.
Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense concedida como
fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí
48
O livro em questão se chama “No Nós & Elis a gente era feliz – e sabia”, organizado por Joca Oeiras.
49
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto história: Revista do Programa de
Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP. São Paulo, p 7-28, 1981.
Disponível em: < http://www.pucsp.br/projetohistoria/downloads/revista/PHistoria10.pdf>. Acesso em: 19
jul. 2012, p.12-13.
sensibilidades juntamente às canções e melodias tocadas no Nós & Elis. O intelectual
Feliciano Bezerra assim relembra:
Em meio a toda carga simbólica que o bar representou para esse grupo social, – reduto
de sociabilidades de classe média e de universitários com capital cultural orbitando em torno
dos mesmos interesses no que se refere à fruição de produtos culturais como música, poesia,
política, teatro, cinema e artes plásticas – ele foi, segundo as narrativas de músicos e
intérpretes contidas no livro, um momento de valorização e reconhecimento do artista tanto
como um profissional que deveria ser remunerado por sua arte como na sua relação com o
público, que na maioria dos relatos destes mesmos músicos e intérpretes é descrito como um
consumidor atento de seus trabalhos.
A música foi a tônica predominante dos dois bares acima comentados. Elemento que
agregava valor e principal atrativo para a convergência de pessoas em suas instalações. Pontos
de produção, difusão e consumo cultural em Teresina e que nos ajudam a perceber a
movimentação e a pluralidade musical produzida na cidade uma vez que artistas de variados
gêneros musicais passaram por seus palcos.
Outros eventos em Teresina não ligados diretamente à música também se constituíram
como seu espaço de atuação e possibilitaram suas práticas em meio a outras manifestações
artísticas. Foram eles o Salão de Humor do Piauí e a Feira Popular de Arte da Praça Saraiva.
O primeiro, que iniciou em 1982, buscava uma interlocução entre diferentes linguagens
artísticas, tendo como eixo central os cartuns. Assim foi noticiado quando da sua quinta
edição: “O V salão de humor terá ainda exposição de trabalhos, danças folclóricas, shows,
bailes, apresentação de peças teatrais, feira de arte, mostra de cinema, além de feira de
humor”51. As três edições do Salão de Humor que encontramos em nossas pesquisas também
50
BEZERRA, Feliciano. Nós e o Elias. In: OEIRAS, Joca (org). No Nós & Elis a gente era feliz – e sabia.
Teresina: Gráfica Halley, 2010, p. 45.
51
SALÃO de Humor será aberto quarta feira. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 25 ago. 1986.
traziam consigo essa diversificação cultural e ocorreram no Theatro 04 de Setembro e na
Praça Pedro II. Estes dois espaços compõem um tradicional complexo cultural da cidade.
A Feira Popular de Arte da Praça Saraiva acontecia aos domingos e teve seu início no
fim da década de 1970, organizada pela Secretaria de Cultura do Estado. Local de intensa
circulação cultural, a praça atraía, segundo relato de um cronista da época, “uma fauna
heterogênea de artistas, gatinhas e gatões, desocupados, alguns senhores ocupadíssimos e o
povo em geral. Um barato.”52 Esse pluralidade de pessoas frequentando este espaço de
sociabilidade também se refletia nas apresentações que ocorreram na praça. Grupos de
diferentes estéticas sonoras tocaram no palco da feira, como o grupo Candeia e suas temáticas
regionalistas e a banda Vênus e o som globalizado do rock. Podemos perceber mais uma vez a
ideia de feira, de mistura presente nas movimentações da praça na citação a seguir:
A década de 1980 em Teresina foi repleta de festivais musicais como outros espaços
das práticas musicais teresinenses além dos anteriormente citados. De natureza variada,
apresentavam gêneros musicais diversos dentro de um mesmo evento. O argumento central
presente nas notícias sobre estes festivais era o de promover a música piauiense. Variavam
entre competitivos ou não. Eram promovidos por grupos dos bairros ou por iniciativa privada
em parceria com o poder público. A multiplicidade de estilos musicais contida nestes festivais
mostra as produções presentes na cidade atravessadas por diferentes influências musicais,
sejam elas nacionais ou estrangeiras.
O FMPBEPI, já citado; o I Festival de Sanfoneiros do Piauí; o FESPAPI, festival de
música do Bairro Parque Piauí; o FEMBA, festival de música do Bairro Buenos Aires; o
FEMIP, festival de música instrumental do Piauí; o FEMP, festival estudantil de música
popular; o I Encontro de Compositores e Intérpretes do Piauí também já citado; o FMPBEVI,
festival de música popular do Bairro Bela Vista; o Festival Setembro Rock; o FENEMP- PI,
52
LUIZ, André. Arte X Culinária. Jornal O Estado, Teresina , 02 maio. 1983.
53
SHOW musical na Feira de Arte no próximo domingo. Jornal O Dia, Teresina, p. 5, 01 ago. 1984.
festival nordestino de música popular; o festival musical do Bairro Vermelha; o festival Tri-
Lance e o festival de música do Bairro Lourival Parente foram os eventos encontrados, alguns
com mais de uma edição como é o caso do FEMIP, FESPAPI, FEMP e o Setembro Rock 54.
É possível que tenha havido relação de influência entre estes eventos localmente, uma
vez que alguns desses festivais se notabilizaram mais do que outros, ganharam ampla
divulgação nos jornais impressos e muitos de seus participantes alçaram destaque no meio
musical teresinense. Mas o histórico da música popular brasileira, que tiveram nos festivais
realizados nos anos 1960 um dos espaços privilegiados de consagração de muitos músicos,
compositores e intérpretes de projeção nacional, como Chico Buarque de Hollanda, Caetano
Veloso, Gilberto Gil, Elis Regina, Edu Lobo, Geraldo Vandré, dentre outros, também pode
ajudar a explicar a recorrência de realizações deste tipo de formato de promoção musical em
Teresina.
Apesar dos grandes festivais realizados em São Paulo e no Rio de Janeiro terem tido
sua fórmula esgotada ainda no fim dos anos 1960 e início da década de 1970, quando os
espaços de consagração da música popular se deslocaram dos festivais e da TV para a
indústria fonográfica55, esse tipo de evento poderia ainda guardar em si muito de seu fascínio
herdado desta época. A TV Globo continuou transmitindo alguns festivais na década de 1970
e 1980 que atraiam compositores e intérpretes em busca de notoriedade. O cantor e
compositor piauiense Cruz Neto chegou a participar de uma das eliminatórias transmitidas
pela emissora, o festival MPB-80, com a canção “coração noturno”56. Embora não tenha sido
vencedor, sua participação mostra como esses festivais ainda eram pontos de convergência
desses artistas e uma ferramenta bastante utilizada por órgãos públicos, privados ou por
associações de moradores de bairros em Teresina na década de 1980 como uma forma de
estabelecer trocas socioculturais mediadas pela música popular.
O primeiro Festival de Sanfoneiros do Piauí foi uma realização da Secretaria de
Cultura do Estado no intuito de difundir a música e a cultura popular, além de ser “uma
54
As notícias sobre as apresentações desses artistas foram encontradas nas seguintes matérias jornalísticas:
SANFONEIROS disputam prêmios em Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p.5, 19 jul. 1980; FESTAPI começa
hoje à noite. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 11 jul. 1981; CSU comemora terceiro aniversário com festival.
Jornal O Dia, Teresina, p. 5, 04 nov. 1981; ANIVERSÁRIO da FM será comemorado com um festival. Jornal
O Dia, Teresina, p. 7, 11 jan. 1982; FESTIVAL classifica as cinco melhores. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 31
ago. 1982; FESTIVAL prossegue no Bela Vista. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 05 dez. 1986; FESTIVAL
musical na Vermelha. Jornal O Dia, Teresina, p. 2, 21 abr. 1988; MÚSICOS piauienses fazem festival. Jornal
O Dia, Teresina, p. 8, 07 jul. 1988; JOVENS organizam festival. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 31 jul. 1988
55
NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a canção: engajamento político e indústria cultural na MPB (1959-1969).
São Paulo: Versão Digital, 2010. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/49477747/39107265-SEGUINDO-
A-CANCAO-digital>. Acesso em 13 set. 2011.
56
“TODO PRAZER” no Theatro em dezembro. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 29 nov. 1980.
excelente oportunidade para que os sanfoneiros anônimos do sertão ou da cidade mostrem, em
praça pública, o seu talento [...]”57. O FESPAPI, organizado em 1975 por um grupo de
moradores do bairro Parque Piauí, surgiu, segundo seus idealizadores, como um espaço para
que novos compositores e intérpretes pudessem mostrar seus trabalhos. Este festival lançou
em 1981 na sua sétima edição um disco em vinil que levou o mesmo nome do evento com
suas quatro músicas vencedoras58. O primeiro FEMBA foi um festival organizado em
comemoração ao aniversário do Centro Social Urbano do Bairro Buenos Aires e contou com a
presença de algumas autoridades, como a então primeira dama do Estado, Myriam Nogueira
Portella Nunes, e o secretário do Trabalho e Ação Social Francisco de Assis Carvalho e Silva.
Mais uma vez o formato de festival aparece como um mecanismo difusor da música popular e
como uma das práticas mais recorrentes onde a mesma podia se manifestar, até mesmo numa
pequena ação social de um órgão de governo. Os vencedores desse festival ganharam
instrumentos musicais 59.
O primeiro Festival de Música Instrumental do Piauí – FEMIP60 foi uma ação conjunta
entre a Secretaria de Comunicação Social do Estado, a Prefeitura Municipal de Teresina e do
jornal e rádio O Dia. Daí por que a imensa cobertura dada a este festival por este veículo de
imprensa. “O concurso é destinado a instrumentistas da capital e visa dar maior divulgação ao
trabalho de músicos autônomos que vivem por aí, como amadores ou como profissionais”61.
Doze instrumentistas participaram da final do FEMIP. Os gêneros das músicas variavam entre
jazz, baião, valsa, samba-canção e a discoteque62. O festival foi realizado no centro de
convenções de Teresina repleto de pessoas com a presença de várias autoridades públicas.
Houve premiações em dinheiro para os três primeiros colocadas pagas pelo Governo do
Estado, Prefeitura Municipal e pelo jornal e FM O Dia 63.
O III Festival Estudantil de Música Popular – FEMP tinha como objetivo “em
primeiro lugar, abrir espaços para os novos músicos e em segundo lugar, reafirmar os antigos
57
SANFONEIROS disputam prêmios em Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p.5, 19 jul. 1980.
58
FESTAPI começa hoje à noite. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 11 jul. 1981; FESTIVAL de música do Parque
Piauí tem inscrições. Jornal da Manhã. Teresina, p.6, 27 maio. 1981; VII Fespapi. Jornal da Manhã. Teresina,
p. 8, 29 jun. 1981. O disco resultante deste festival foi: VII - FESPAPI: Festival de Música Popular do Parque
Piauí. Teresina: Discos Sapucaia, p1982. 1 disco
59
CSU comemora terceiro aniversário com festival. Jornal O Dia, Teresina, p. 5, 04 nov. 1981.
60
Apesar de estar fora da delimitação pretendida neste trabalho por se referir à música instrumental e não à
canção popular, merece ser mencionado, pois se insere neste espaço de produção e consumo da música em
Teresina que foram os festivais e ganhou ampla cobertura jornalística por parte do jornal O Dia.
61
ANIVERSÁRIO da FM será comemorado com um festival. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 11 jan. 1982.
62
PARTICIPANTES do 1º FEMIP, selecionados, vão fazer gravação. Jornal O Dia, Teresina, p. 8, 18 fev. 1982.
63
1º FEMIP realizado com êxito. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 16 mar. 1982.
compositores e cantores”64. Tal afirmação mostra uma preocupação por parte dos
organizadores em não só revelar novos talentos, mas também preservar certa tradição da
música popular urbana que ainda estava se consolidando em Teresina. Organizado pela
Secretaria de Cultura do Diretório Central dos Estudantes – DCE, o evento contou com duas
eliminatórias, um júri compostos por diferentes profissionais da cultura e premiação em
dinheiro para os cinco primeiros colocados65.
Outros festivais não traziam em sua proposta o caráter competitivo. Neles, os indícios
que mais encontramos divulgados nas fontes jornalísticas era o de encontros festivos onde os
diferentes participantes podiam compartilhar e trocar experiências musicais. Os festivais do
Bairro da Vermelha, o Tri-Lance e o Setembro Rock são exemplos disto. Eventos onde a
música não funcionava como um elemento de disputa – pois não possuíam avaliações e
julgamentos que visavam hierarquizar produções musicais através de um corpo de jurados –
os seus espaços poderiam se configurar num ambiente onde as trocas artísticas poderiam
acontecer de forma mais espontânea.
Três dias de música, teatro, poesia, dança e debates sobre temáticas culturais fizeram
parte da programação do segundo Encontro Cultural do Bairro Vermelha. Por lá estavam
programados para se apresentar Geraldo Brito, Zezinho Piau, Machado Junior, as bandas
Avalon, Contrabanda, Megahertz e Grito Absurdo. As apresentações teatrais ficaram por
conta de Galdiram Cavalcanti, teatro de bonecos e do grupo Raízes de teatro. Também
estavam programadas palestras sobre os temas “Arte e Ideologia” e “A Indústria Cultural e
Perspectivas” ministradas pelo músico e intelectual Ramsés Ramos. As informações sobre
este evento nos permite perceber um caráter multifacetado, onde a diversidade foi um
elemento presente em suas movimentações. Da MPB de Geraldo Brito ao Trash Metal do
Megahertz, além das diferentes linguagens artísticas nele presentes.
O Tri-lance foi um festival de produção independente, organizado pelas bandas
Avalon, Contrabanda e Edvaldo Nascimento. O evento se pretendeu uma mistura, “união de
três estilos diferentes: O Avalon apresenta o rock pesado, enquanto Edvaldo Nascimento
apresenta Jazz-Rock. Já a Contrabanda apresenta uma música mais popular” 66. O rock, música
de origem norte americana, é um forte conector identitário entre seus consumidores. O gênero
transpôs as fronteiras físicas e culturais e veio se amalgamar a outros referenciais estéticos
musicais presentes no Brasil como o exemplo acima explicita, ao integrar diferentes estilos
64
FESTIVAL classifica as cinco melhores. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 31 ago. 1982.
65
III Femp prossegue hoje e acaba dia 10. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 03 set. 1982.
66
MÚSICOS piauienses fazem festival. Jornal O Dia, Teresina, p. 8, 07 jul. 1988.
musicais numa mesma apresentação. Contudo, o rock também soube remarcar sua diferença
em Teresina. O Festival Setembro Rock pode ser entendido como um remarcador dessa
diferença. Sua “promoção visa contribuir para o engrandecimento do movimento rock da
capital”67. O Setembro Rock iniciado em 1983 é exemplo de uma fronteira estética, mas
também de uma possibilidade nos fazeres musicais teresinenses.
Esses espaços de sociabilidade possibilitadores das práticas musicais em Teresina,
exemplificados nos espaços físicos e nos festivais citados, são alguns dos ambientes
mapeados nesta pesquisa por onde parte dos artistas da música de Teresina transitavam e
estabeleciam suas relações socioculturais. Analisaremos a seguir especificamente alguns
festivais, pois os mesmo foram importantes espaços de ressonância nos anos 1980 para as
diferentes expressões musicais teresinenses, ainda pouco numerosas na pequena capital no
período. Deter-nos-emos mais detalhadamente a seguir sobre três deles ocorridos em
diferentes momentos da década: O FMPBEPI do ano de 1980; o I Encontro de Compositores
e Intérpretes do Piauí de 1984 e o I FENEMP - PI ocorrido de 1988. Três eventos de música
em Teresina onde seus praticantes puderam mostrar suas diferentes propostas estéticas
sonoras nesses espaços. A escolha desses três eventos é no intuito de demonstrar as dinâmicas
dessas práticas e como elas se constituíram em espaços hierarquizados, consagradores e
perpetuadores de alguns artistas em Teresina na década de 1980 e como também foram
instituidores de um repertório para a música popular da cidade.
67
SHOW de Rock começa hoje em Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p.2, 26 set. 1987.
desobrigar dos afazeres (alguns trabalham com ponto marcado) enquanto
outros procuravam os cabeleireiros para arrumar o penteado 68.
Depois de quase uma década em que não mais se ouviu falar em calouro ou
programa de auditório, surgem de repente, como que a denunciar a “represa”
de valores artísticos desamparados, 48 nomes para disputar 12 colocações
que irão “desaguar” na gravação de um LP com músicas e artistas
exclusivamente piauienses [...] Goza o FMPBEPI do apoio decisivo do
Governo do Estado (com Cr$ 100 mil em dinheiro), da prefeitura (Cr$ 80
mil) e ainda da TV Rádio Clube, que pela primeira vez em toda sua
existência parte para realizar a sua primeira gravação de externa, o que não
aconteceu em nenhum carnaval e até na visita do Papa João Paulo II 72.
68
TUDO pronto para o início do festival. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 9 ago. 1980.
69
Os valores em dinheiro da época foram: Quinze mil cruzeiros para o primeiro colocado, além do troféu
Lucídio Portella, então governador do Estado à época; Dez mil cruzeiros para o segundo colocado e o troféu
dona Helena Conde Medeiros, então primeira dama do município de Teresina; Cinco mil cruzeiros para o
terceiro colocado e o troféu Associação de Prefeitos Municipais do Piauí. Ver em: FMPBEPI terá ensaio final
na segunda. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 9 ago. 1980.
70
FESTIVAL já tem 48 músicas selecionadas. Jornal O Dia, Teresina, p.11, 31 jul. 1980
71
As canções foram gravadas nos estúdios da TV Rádio Clube e foram prensados mil discos pela Copacabana
Discos para comercialização. O Lp custou Cr$ 160.
72
TUDO pronto para o início do festival. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 9 ago. 1980.
A matéria jornalística busca imprimir notoriedade ao festival. A notícia da articulação
de um aparato material para a transmissão televisiva do evento que nem o carnaval ou o Papa
João Paulo II conseguiram mobilizar em Teresina confirmam isso. Entretanto, a informação
acima citada sobre o “desamparo” de valores artísticos musicais “represados” pela falta de
espaços de expressão vai de encontro com um texto publicado em 2002 em famosa revista
cultural teresinense. Escrito pelo músico, compositor e também “guardador” de memórias da
música popular piauiense Geraldo Brito, o texto é intitulado “Música no Piauí: anos 1960,
1970”73.
O texto é escrito em tom memorialístico, pois Geraldo Brito vivenciou como músico
os anos 1970 em Teresina, e relata uma série de festivais que ocorreram antes do FMPBEPI
realizados por estudantes da Universidade Federal do Piauí a partir de 1973, tendo boa parte
dos artistas que participaram desses festivais também inscritos no FMPBEPI. O próprio
Geraldo Brito que foi vencedor do festival universitário de 1977 ficou entre os doze
escolhidos para gravar uma música no Lp do FMPBEPI.
Esses festivais universitários, ainda segundo Brito, foram pontos de partidas para
outras manifestações musicais que movimentaram a cidade na década de 1970, como por
exemplo, a organização do show coletivo de artistas intitulado “Nortristeresina” com aquelas
que foram consideradas as melhores canções do festival universitário de 1974. Este show
apresentado na cidade de Londrina no Paraná causou frustração na expectativa de parte do
público da cidade paranaense “pelo fato de ter esperado um show de violas e repentes, e, de
repente, ter visto uma temática nordestina nas letras, com canções por demais urbanas” 74.
Geraldo Brito ainda afirma que “os anos 70 foram para a nossa música assim como foram os
60 para a MPB”75 num claro posicionamento tendencioso para as suas vivências pessoais na
música, mas que também revela que nos anos 1970 não foram ausentes os espaços e as
expressões para a música em Teresina, como a matéria de jornal afirmou quando da
divulgação do FMPBEPI.
Outra informação apresentada no trecho jornalístico citado foi a ajuda concedida ao
FMPBEPI, constantemente lembrada nas matérias de jornais 76, da Prefeitura Municipal de
73
BRITO, Geraldo. Música no Piauí: anos 1960, anos 1970. Cadernos de Teresina, Teresina, n. 34, novembro.
p. 54-61, 2002, p.60
74
Ibid., p. 58.
75
Ibid., p. 60
76
As matérias jornalísticas encontradas que reforçam o apoio governamental municipal e estadual para a
realização do festival são: FESTIVAL de música abre inscrições. Jornal O Dia, Teresina, p. 6, 2 jul. 1980;
DIVULGADA programação do aniversário de Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 8 ago. 1980;
FMPBEPI terá ensaio final na segunda. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 9 ago. 1980; TUDO pronto para o início
Teresina e do Governo do Estado do Piauí que pode ser entendida como uma forma de
vincular ações governamentais a atividades culturais, carreando mais prestígio e distinção a
esses dois poderes como incentivadores e patrocinadores da cultura. O historiador Marcos
Napolitano afirma que no início do processo de reabertura democrática brasileira, que
culminaria com o fim da ditadura civil-militar no Brasil implantada no ano de 1964 e no qual
parte do recorte de estudo aqui trabalhado se insere, alguns setores militares buscaram
aproximação com as produções culturais brasileiras, uma vez que o desgaste do regime
ditatorial por conta de questões econômicas e da repressão social extrema precisava de
alguma forma ser minimizado:
Não é intuito aqui afirmar que a realização do FMPBEPI foi uma iniciativa articulada
com o Governo Federal para efetivar esse estreitamento entre governo militar e sociedade
civil no Piauí. Entretanto, o evento pode ter funcionado indiretamente, em meio ao processo
de reabertura democrática, como uma forma de aproximação entre a Prefeitura de Teresina e o
Governo do Estado com setores sociais mais ligados aos segmentos da cultura local, dada a
ampla divulgação do festival e sua vinculação a estes dois poderes governamentais como seus
patrocinadores. Pois, apesar de serem civis, tanto o governador da época, Lucídio Portela
Nunes como prefeito José Raimundo Bona Medeiros assumiram seus cargos através de
indicações do governo federal, vinculando diretamente suas gestões ao regime militar.
O apoio financeira além ter dado viabilidade para a promoção do festival, também foi
um grande atrativo para os participantes, pois possibilitou a premiação em dinheiro, a
gravação de um disco, além da notoriedade local que o evento conferiria aos seus ganhadores,
via divulgação através da imprensa e do LP gravado que era o meio físico com o qual os
músicos poderiam demonstrar seus trabalhos.
do festival. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 9 ago. 1980; PRÊMIOS do FMPBEPI entregues hoje. Jornal O
Dia, Teresina, p.1, 21 nov. 1980.
77
NAPOLITANO, Marcos. Cultura brasileira: Utopia e massificação (1950-1980). São Paulo: Contexto, 2008.
p. 107.
Os gêneros musicais inscritos para se apresentarem no festival, segundo informações
de sua organização78, variavam entre sambas, rock´s e o que foi classificado como “música
romântica”. Os temas das letras de grande parte das canções falavam principalmente de
relações amorosas. Para as apresentações foi disponibilizado um conjunto musical para o
acompanhamento dos participantes que não dispusessem de banda própria, mas é interessante
notar que “50 por cento dos candidatos selecionados preferiram se apresentar com os próprios
grupos a que pertencem”79. Isso é um dado que permite perceber a existência de grupos
ensaiando música regularmente em Teresina, ou seja, praticando a música em espaços
informais, mesmo sem a existência de muitos lugares para apresentações periódicas.
O FMPBEPI surgiu para esses grupos e artistas como uma oportunidade de expressão
para suas produções musicais, que pode ser observada no número de inscrições para a
participação do festival que registrou 120 candidatos, cada um podendo competir com até
duas composições. Foram contabilizadas na época 210 músicas concorrendo no evento,
quantidade de canções que podemos associar a uma prática musical que já vinha se
desenvolvendo através do processo de composição musical, quer seja ele individual ou em
grupo; de ensaios para a construção de arranjos para essas canções e de uma expectativa
criada por parte de quem participou desse processo, pois a música quando é feita, assim como
outras artes, demanda um público que irá usufruir do resultado final da atividade artística e o
festival surgiria como uma etapa importante dessas práticas musicais, como uma instância de
consagração para esses músicos.
A comissão julgadora do festival ficou a cargo de pessoas de diferentes ramos
culturais e foi escolhida através de sorteio entre 54 nomes indicados pela organização do
evento. Os membros da comissão foram em número de dezoito por eliminatória e apenas na
final poderia se repetir o nome dos avaliadores das eliminatórias anteriores. O perfil
sociocultural dos escolhidos para participar do sorteio foi variado 80 e abrangeu desde maestros
– membros permanentes da banca avaliadora – músicos, um economista e comentaristas
esportivos. Mas também houve jornalistas, radialistas, cartunista, funcionários públicos,
sacerdote católico, poeta, escritores, colunistas sociais, empresários, políticos, fotógrafo,
78
A organização artística do FMPBEPI ficou a cargo do músico e artista plástico Assis Davis, do discotecário
Lucídio Avelino, do cantor e compositor Jeovani e do diretor artístico da Rádio Clube Alexandre Carvalho.
79
TUDO pronto para o início do festival. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 9 ago. 1980.
80
Nomes conhecidos da cultura local teresinense estavam entre os possíveis sorteados. Podemos destacar o
intelectual Arimatéia Tito Filho, o maestro Reginaldo Carvalho, o escritor Herculano Moraes, o professor
Cinéas Santos, a colunista social Elvira Raulino, o jornalista Arimatéia Azevedo, o radialista Gilberto Melo e
o comentarista esportivo Dídimo de Castro.
seresteiro, professor, teatrólogo e um policial federal responsável pelas prováveis censuras às
canções, pois o país ainda vivia sob a censura do regime civil-militar.
A amplitude desses possíveis julgadores revela como a música popular funciona como
elemento de amálgama de diferentes grupos sociais. Pode-se notar que apesar da variedade
das atividades exercidas, o que torna essa lista de nomes em comum é o fato da maioria das
pessoas citadas pertencerem a grupos que são comummente chamados de formadores de
opinião81 em suas respectivas áreas de conhecimento. Podemos concluir com isso que o
festival pretendia estabelecer identificação com o maior número possível de pessoas ao
escalar em distintos setores da sociedade aqueles que julgariam as canções. Essa
interatividade, sociedade/evento, pode ser percebida em outra forma de escolha dos
avaliadores das canções em cada eliminatória, como podemos perceber na informação de um
jornal à época: “Em cada grupo de 18 jurados, dois serão convocados do auditório, com
chamada por número de cadeira” 82.
As doze músicas vencedoras do 1º FMPBEPI foram: “Quintal de passarinhos” (Paulo
José Cunha e George Mendes) e “Reconstrução” (José Luís Santos) que ficaram empatadas
com o primeiro lugar; em segundo lugar “Todo Prazer” (Cruz Neto); em terceiro lugar
“Milagre na terra” (Naeno); em quarto lugar “Uma certa Maria” (Franci Monti); em quinto
lugar “Teresina” (José Rodrigues e Aurélio Melo); em sexto lugar “Pedra do sal” (Aurélio
Melo e José Rodrigues); em sétimo lugar “Desafio” (Lázaro); em oitavo lugar “Carta aérea”
(Geraldo Brito); em nono lugar “Vida de vaqueiro” (Batista Brasil); em décimo lugar “A volta
do Jerico” (Jurdan); em décimo primeiro “A filha do Sol” (Edvaldo Nascimento). Essas doze
canções foram as selecionadas para fazer parte da gravação do Lp do festival. As premiações
para melhores intérpretes ficaram com a cantora Laurenice França e com o cantor e
compositor Cruz Neto83.
Apesar do empenho por parte dos organizadores do festival para o seu bom
andamento, as dificuldades técnicas foram questões observadas quando da execução das
81
“Pessoas que influenciam contingentes de pessoas, que levam as massas a concordar com uma dada opinião ou
a consumir determinado produto, assistir determinado espetáculo, ler determinada revista ou jornal [...] É
também um conceito que a atual teoria da comunicação rejeita por não aceitar que um indivíduo tenha poder
de formar a opinião da massa. Formador é exagero. O que temos, e muito, são pessoas que influenciam a
opinião de outros. Quando se descarta o conceito de "massa manipulável" percebe-se que a população é
heterogênea e interpreta as mensagens segundo seus códigos [...] Alguns estudiosos afirmam que formador
de opinião é quem consegue se destacar na atividade que exerce. Pessoa com grande grau de reconhecimento
(de forma positiva) do público”. Disponível em:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/o_que_e_um_formador_de_opiniao. Acesso em 7 ago
2012.
82
TUDO pronto para o início do festival. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 9 ago. 1980
83
ROSA, Raimundo. As marcas que ficaram de um festival. Jornal O Dia, Teresina, p.10, 19 ago. 1980.
músicas em todas as fases eliminatórias, dificuldades essas que não escaparam às análises de
parte da imprensa local. Não só em relação a estrutura técnica, mas a pouca experiência dos
participantes do festival – não só dos concorrentes, mas também de seus organizadores –
contribuiu para que contratempos acontecessem em algumas das canções apresentadas no
FMPBEPI. Em matéria jornalística que deu grande destaque ao evento, essas condições foram
observadas:
Várias questões podem ser observadas nesta fala de Geraldo Brito. Uma delas é a
recorrente constatação dos músicos do período em relação às dificuldades materiais e técnicas
tanto na execução de músicas quanto em suas gravações em estúdio. Nas entrevistas
realizadas com os Músicos Geraldo Brito, André Luiz, Durvalino Filho, Willian Rodsam,
84
Ibid., p. 10.
85
BRITO, Geraldo. Geraldo Brito [14 abr. 2012] Entrevistador: Hermano Carvalho Medeiros. Teresina, 2012.
Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense concedida como fonte para
elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí.
Sérgio Simeão, Edvaldo Nascimento e em algumas fontes encontradas, tal observação em
relação às dificuldades materiais esteve presente como ponto em comum de suas falas.
Instrumentos e equipamentos de som eram de baixa qualidade devido aos elevados preços de
instrumentos mais sofisticados e a falta de um mercado musical profissional consolidado
economicamente na cidade que justificasse investimentos por parte dos músicos na aquisição
de tais produtos dificultavam o desenvolvimento musical nesse setor. Quem dispunha de tais
instrumentos eram as bandas profissionais que tocavam nos bailes de Teresina 86, grupos
formados para animar festas com interesses estritamente mercadológicos, pois tocavam
apenas os sucessos radiofônicos, não reservando espaço para a criação musical em suas
práticas. Um desses grupos famosos que atuou em Teresina nos anos 1970 e 1980 foi o
conjunto “Os Cartolas”.
Outro aspecto da citação sobre o festival diz respeito ao público consumidor da música
popular urbana em Teresina. O espanto que causou em Geraldo a imagem de um ginásio
lotado revela que existia demanda para as produções musicais na capital piauiense, como foi
comentado anteriormente. Apesar da memória do músico não ser exata quanto ao
acontecimento – ele erra o intervalo de um mês apenas, pois o festival ocorreu em agosto e
não em julho – ela também é um ponto comum que percorre as falas dos outros entrevistados:
os shows nesse período produzidos no universo musical contemplado por esta pesquisa
contaram com boa audiência de público, principalmente para o consumo das canções
produzidas por artistas teresinenses. Isso permite pensar num cenário musical constituído no
início da década de 1980, que segundo Geraldo Brito remontava aos anos 1970. O FMPBEPI
é um dos exemplos que mostra toda a movimentação existente da música popular produzida
em Teresina que teve no festival um dos instrumentos para manifestar suas práticas artísticas.
Apesar disso, o público local que consumia as produções musicais teresinenses não era
suficientemente grande para poder subsidiar economicamente os músicos, intérpretes e
compositores da cidade.
Outro festival que teve grande repercussão no meio musical e que funcionou também
como um espaço importante por onde puderam se expressar alguns dos nomes mais
86
Interessante a fala de Durvalino Couto Filho a esse respeito: “Era muito difícil aqui, fazer música. Por
exemplo, acesso a instrumentos. Na época, no Brasil tinha uma lei absurda, que era a lei do similar nacional.
Então, se tinha fabricante de bateria no Brasil ficava caríssimo importar uma bateria boa americana. Os
músicos tinham uma dificuldade muito grande de acesso a bons instrumentos. Aqui em Teresina, por
exemplo, só quem tinha sintetizador, baixo Fender e uma guitarra Fender era o Magalhães dos Cartolas”.
COUTO FILHO, Durvalino. Durvalino Couto Filho [jan. 2012] Entrevistador: Hermano Carvalho Medeiros.
Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense concedida como
fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí.
recorrentes noticiados pela imprensa que praticavam a música na capital piauiense foi o I
Encontro de Compositores e Intérpretes do Piauí, realizado em 1984 através do Projeto
Torquato Neto87 pela Fundação Cultural do Piauí, órgão ligado à Secretaria de Cultura e
Desporto do Estado. O projeto tinha, inicialmente, como seu principal objetivo fazer com que
a música produzida em Teresina atravessasse os limites da cidade e do estado e tentou inserir
as produções musicais piauienses em outros circuitos culturais que não apenas os locais.
Apesar de não levar o título de festival em seu nome, esse encontro musical possuía o
formato competitivo e seu funcionamento foi descrito da seguinte maneira pela imprensa à
época:
O festival foi aberto para outras cidades do Estado do Piauí, mas toda sua organização,
estrutura e realização ficaram sediadas na capital, como, por exemplo, as inscrições, que só
puderam ser feitas no Theatro 04 de Setembro e na Diretoria de Assuntos Culturais da
Fundação Cultural do Piauí, ambos localizados em Teresina. Cidades do norte e sul do estado,
desde Luis Corrêa a Cristalândia do Piauí, tiveram seus representantes inscritos para o
evento89.
A gravação do material musical resultante do I Encontro de Compositores e Intérpretes
do Piauí, assim como ocorreu no FMPBEPI de 1980, foi um esforço por parte dos envolvidos
na organização do festival em registrar e criar um repertório da música popular em Teresina,
uma vez que eram poucos os registros sonoros-musicais a partir de produções desenvolvidas
no Piauí90. A produção desse repertório também funcionaria como uma forma de introduzir a
produção musical de artistas de Teresina, e, por conseguinte do Piauí, nos debates em torno da
87
O Projeto Torquato Neto foi um projeto criado para patrocinar e incentivar a cultura, criado pelo estado e que
será objeto de análise no segundo capítulo.
88
CUTLURA fará encontro de compositores. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 10 jul. 1984.
89
PROJETO T. Neto tem 520 músicas para encontro. Jornal O Dia, Teresina, p.5, 8 set, 1984.
90
Até 1985, ano de gravação do disco “Geleia Gerou”, fruto do I Econtro de Compositores e Intérpretes da
Música Popular, tivemos contatos com os seguintes discos: EP de Janete Dias “Fruta Proibida” de 1982, o
disco resultante do VII FESPAPI, Festival do Parque Piauí, também de 1982 e o disco “Teresina 134 anos:
Grupo Candeia” de 1985.
música popular brasileira nos grandes circuitos nacionais. Ou pelo menos era essa a
expectativa de alguns músicos e intérpretes ganhadores do festival quando da gravação do LP.
O poeta e músico Durvalino Couto Filho, que compôs letra de música que ficou
gravada no disco, assim declarou em matéria jornalística à época: “É o primeiro disco a ter
uma presença significativa da produção musical de Teresina [...] a partir dele, a música
piauiense vai andar com mais velocidade” 91. A intérprete Ana Miranda afirmou o seguinte
sobre a gravação do disco: “estamos atingindo uma maturidade com nossa música,
procurando abrir caminho no mercado musical brasileiro [...] muitos artistas de outros estados
se revelaram a partir de trabalhos em grupo como esse. Agora é a nossa vez”. 92 Outro músico
que também à época deixou transparecer perspectivas otimistas em relação ao LP foi
Garibaldi Ramos:
Esse disco vai dar uma ideia do que seja a música feita no Piauí, que chega a
ser desconhecida até pela maioria das pessoas daqui. O disco vai funcionar
também como elemento de aproximação entre os próprios artistas, disc-
jockeys e o público. E é o grande cartão de visita de nossa música no âmbito
nacional. Vamos entrar no cenário de igual para igual 93.
91
COMPOSITORES fazem show no Theatro 04 de Setembro. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 29 maio, 1985.
92
Ibid.
93
Ibid.
através do Projeto Torquato Neto, que foi ao longo dos anos 1980 administrado por outras
pessoas ligadas ao universo cultural da cidade. O evento, sob sua organização, buscou repetir
algumas das experiências do festival ocorrido quatro anos antes, como a gravação de um LP
coletivo. Tal iniciativa foi uma forma para dar consistência a um campo artístico que buscava
ocupar seus espaços em Teresina.
Cada inscrito no festival poderia concorrer com mais de uma música e os números
apresentados em diferentes matérias jornalísticas noticiavam entre 164 e 167 candidatos. O
resultado disso se refletiu em um número bastante elevado de canções disputando uma das
vagas a serem gravadas no LP do evento. A quantidade noticiada pelos jornais variavam entre
520 e 521 músicas inscritas em diferentes gêneros musicais 94. Esse número muda
consideravelmente na contracapa do LP gravado com as vencedoras do festival que
contabilizou 620 músicas postulantes a uma vaga no disco 95. O número de músicas do I
Encontro de Compositores e Intérpretes do Piauí em relação ao FMPBEPI aumentou
consideravelmente, pois no evento de 1980 foram contabilizadas 210 canções.
Contudo, isso não se refletiu proporcionalmente no aumento de inscritos que foi de
120, em 1980, para um número que ficou entre 164 e 167, em 1984. Isso pode ser explicado
pelo fato de no festival ocorrido em 1984 não ter havido limitação ao número de músicas por
candidato, diferente do FMPBEPI em que cada candidato só poderia concorrer com no
máximo duas músicas. Apesar de não ter havido aumento proporcional entre o número de
inscritos e o número de músicas, houve um aumento no número de composições que dão
indícios da intensidade da produção musical dos artistas convergindo para o festival.
As eliminatórias foram realizadas nos dias 21 e 22 com a final no dia 25 de setembro
no ginásio de esportes Verdão. A Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo, presidida à
época por Jesualdo Cavalcanti Barros, trouxe como atração para a grande final os artistas
Pepeu Gomes, Baby Consuelo e Jorge Ben96. Edvaldo Nascimento, músico e compositor que
teve uma de suas músicas selecionada para participar do festival assim recorda a final do
concurso, em entrevista a nós concedida para este trabalho: “Teve os festivais promovidos
pelo Estado através do Projeto Torquato Neto. [...] Veio o Pepeu Gomes fazer um show no
final junto com Jorge Ben [...] Foi o maior barato!” 97. O guitarrista André Luiz, que também
94
As matérias de jornal que vincularam essas informações são: PROJETO T. Neto tem 520 músicas para
encontro. Jornal O Dia, Teresina, p.5, 8 set, 1984; SAI hoje resultado de concurso musical. Jornal O Dia,
Teresina, p.7, 11 set, 1984.
95
Geleia Gerou. Rio de Janeiro. Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo. p1985. 1 disco.
96
CUTLURA fará encontro de compositores. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 10 jul. 1984.
97
NASCIMENTO, Edvaldo do. Edvaldo do Nascimento [13 fev. 2012] Entrevistador: Hermano Carvalho
Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense concedida
participou como músico desse festival, recorda o último dia das apresentações do I Encontro
de Compositores do Piauí:
[...] foi um festival importante demais aqui, lotou. Pra você vê, as atrações
depois da final foram Pepeu e Jorge Ben Jor. Dois caras desses! Imagina a
loucura que era! E tudo cheio. Depois da gente. Foi antes não, foi depois. A
gente abriu o show pra eles. E eu tava tocando lá, todo mundo tocou lá e se
emocionou [...]98
As construções que a memória toma para si quando tenta reconstituir um tempo vivido
atuam no sentido de tornar mais coerentes os relatos em relação ao presente de quem os narra
e silencia os conflitos que possam trazer desconfortos. As duas narrativas acima explicitadas
demonstram em comum uma positividade relativa ao acontecimento. O espaço de produção
musical aparece nessas narrativas como livre de disputas e tensões. As sensibilidades dos dois
músicos demonstram, sob a perspectiva de um grupo comum ao qual pertencem, um
compartilhamento de sensações positivas entre ambos através da memória:
Os dois relatos dos músicos, Edvaldo Nascimento e André Luiz, operam aqui no
sentido de trabalho seletivo da memória sobre o I Encontro de Compositores e Intérpretes do
Piauí como a citação acima reflete. Apesar da limitação dos indícios escolhidos pela
seletividade da memória dos músicos, as duas falas revelam que o festival, para quem dele
participou, foi um importante meio pelo qual esses artistas puderam se expressar, tanto em
como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela Universidade Federal do
Piauí.
98
SOUZA, André Luíz Oliveira Eugênio de. André Luíz Oliveira Eugênio de Souza [31 jan. 2012] Entrevistador:
Hermano Carvalho Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular
Teresinense concedida como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela
Universidade Federal do Piauí.
99
GOMES, Ângela de Castro. Guardiã da memória. Acervo – Revista do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, v.9,
nº1/2, p.17-30, jan/dez 1996, p. 22.
relação às suas produções como em relação às sensibilidades nas trocas sociais propiciadas
por estes espaços de produção e consumo musical.
Das 32 canções selecionadas para participar das duas eliminatórias do festival,
encontramos muitos nomes que estiveram presentes no FMPBEPI e nomes de outros músicos
que também serão recorrentes nas fontes levantadas para a construção deste trabalho. Entre os
que estiveram presentes no festival de 1980 e que também concorreram para disputar a final
do festival de 1984 encontramos: Edvaldo Nascimento concorrendo com as músicas
“Ulisses”, “Moldura” e “Dada”; Franci Monti concorrendo com a música “Bailarina”; Naeno
com a música “Balakubana”; Cruz Neto com a música “Repente”; José Rodrigues com a
música “Num-se-pode” e Geraldo Brito com as músicas “Mágica Serpente”, “Zeus”, “Licute”
e “No Tom”.
As doze canções eleitas para serem gravadas no LP foram: “Nós” (Garibaldi Ramos);
“O mundo que venci deu-me um amor” (Mário Faustino, Medeiros e Nascimento); “Zeus”
(Durvalino Filho e Geraldo Brito); “Repente” (Cruz Neto); “Desejo” (Magno Aurélio e
Abraão Lincoln); “Segredos do Prazer” (Raimundo Nonato Alcântara); “Estrada de Carroçal”
(Climério Ferreira e Júlio Medeiros); “Mágica Serpente” (Paulo José Cunha e Geraldo Brito);
“Consequência” (Ronaldo Bringel e Pierre Baiano); “Toda a rosa sabe-se a cor” (Abraão
Lincoln); “Pedra do Sal” (Felipe Cordeiro e Zezé Fonteles); “Meu Frevo” (Elder Wilson O.
Jales de Carvalho e Renato Castelo Carvalho) 100.
Esse disco trouxe consigo algumas tensões e debates em torno de sua feitura no meio
musical e cultural de Teresina. Abordaremos esses debates no segundo capítulo por tratar de
outras questões que não as referentes apenas aos festivais como espaços de produção musical,
mas que problematizaram alguns dos fazeres da música popular em Teresina a partir do
Projeto Torquato Neto.
Ocorrido no final do mês de maio de 1988, o I FENEMP (Festival Nordestino de
Música Popular no Piauí) foi um dos últimos grandes festivais competitivos que aconteceram
em Teresina na década de 1980. Promovido pela Universidade Federal do Piauí, através da
Comissão de Assuntos Culturais – CAC e pela Fundação Monsenhor Chaves, órgão público
responsável pelas ações artístico-culturais da cidade de Teresina, o I FENEMP foi uma
iniciativa que também buscou “promover o intercâmbio artístico-cultural entre os artistas da
região Nordeste, divulgando o trabalho de compositores, arranjadores e intérpretes” 101.
100
Geleia Gerou. Rio de Janeiro: Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1985. 1 disco sonoro.
101
ABERTA inscrição para festival de música nordestina. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 13 abr. 1988.
O evento trouxe como atração principal para abertura do festival o grupo
pernambucano Quinteto Violado que trazia como suas principais características as referências
regionais nordestinas em suas composições musicais. Segundo as informações de seus
organizadores aos jornais da época, o festival foi aberto para que outros Estados também
pudessem concorrer. Assim foi noticiado sobre suas inscrições:
102
Ibid.
103
A lei Sarney permitia que todo e qualquer contribuinte do Imposto de Renda poderia abater da “renda bruta
ou deduzir como despesa operacional o valor das doações, patrocínios e investimentos em favor de pessoas
jurídicas de natureza cultural cadastradas no Ministério da Cultura”. Ver em: TERESINA será cenário
artístico do Nordeste. Jornal O Dia, Teresina, p.2, 23 abr, 1988.
Com o evento, o Piauí vai ocupar seu espaço musical, já que nosso Estado
possui excelentes compositores, músicos, arranjadores e intérpretes que
agora encontram oportunidade de divulgar seus trabalhos, já que o que foi
feito até agora ficou restrito a Teresina. Segundo a professora Selma Duarte,
uma das coordenadoras do festival, “o acontecimento cultural já começa a
despertar interesse de muitos artistas e repercutir nos espaços culturais da
região Nordeste o que vai contribuir para tirar o Piauí do anonimato [...]”. 104
104
Ibid.
Eugênio. O artigo intitulado “Um festival com reserva de mercado”, faz uma dura crítica em
relação ao festival, principalmente com os músicos piauienses. O artigo inicia tecendo
observações sobre o tradicionalismo regional ao qual o festival defendia, imprimido logo de
início em seu nome – Festival de Música Nordestina – em detrimento do que ele entendia por
música popular:
O crítico faz uma aberta defesa ao seu posicionamento em torno de uma discussão que
atravessa os debates da música popular e que representaram as “duas linhas mestras do debate
historiográfico que atravessaram o século” 106 XX em torno do tema: o embate entre o local e
as referências estrangeiras nas composições e performances dos artistas da música. André
Luiz, como um guitarrista, instrumento bastante associado ao rock, gênero musical
globalizado, deixa claro sua concepção de música popular como algo cuja delimitação é
bastante flexível, podendo absorver referências musicais às mais diversas, de locais a
estrangeiras, logo, sendo incômodo para ele a delimitação regionalista empregada no nome do
evento, restringindo, assim, um campo tão pluralizado como o da música popular.
O artigo continua no mesmo tom, contundente, e parte para a escolha do júri do
festival e para a questão que dá nome a seu texto sobre o evento, com o qual ele diz que o
festival funcionou como uma reserva de mercado para os músicos piauienses:
Das quarenta músicas escolhidas pelo incompetente júri local (formado por
Collares, Ribeiro, Josias e Maria Amélia, todos com formação acadêmica-
careta e sem o menor contato com a música popular), vinte e sete eram
piauienses, ou seja, quase que exatamente três quartos do total de músicas
participantes. Do resto do Nordeste ficaram treze [...] Fica difícil imaginar
que a Bahia, Pernambuco, Alagoas ou o Rio Grande do Norte não mandaram
boas concorrentes 107.
105
LUIZ, André. Um festival com reserva de mercado. Jornal da Manhã, Teresina, p. 2, 05 jun, 1988.
106
NAPOLITANO, Marcos. A historiografia da música popular brasileira (1970-1990): Síntese bibliográfica e
desafios atuais da pesquisa histórica. ArtCultura, Uberlândia, v. 8, n. 13, p. 135-150, jul-dez. 2006.
107
LUIZ, André. Um festival com reserva de mercado. Jornal da Manhã, Teresina, p. 2, 05 jun, 1988.
lugar de poder exercido por aqueles que os ocupam. Mas ao fazer isso também quer delimitar
sua voz dentro desse campo social. Ao se posicionar como um contraponto crítico do festival,
o autor procura legitimar seu poder de julgamento e o poder de sua fala – pois o mesmo se
considera um músico popular – em relação às falas institucionalizadas da academia, que para
ele, estavam descredenciadas por não conhecerem o universo de criação da música popular,
que possui uma linguagem mais intuitiva e espontânea do que a linguagem formal e
sistematizada da academia. Portanto, para ele, a academia não possuía as habilidades
legítimas de avaliar tais manifestações culturais, fato este que comprometia a avaliação das
canções, segundo o autor.
Outro aspecto ressaltado na citação é a questão de uma possível manipulação nos
resultados das músicas escolhidas para participarem das eliminatórias do festival, formando
assim o que ele chama de “reserva de mercado” para a música piauiense. Os dados
apresentados pelo artigo e confirmados pela organização do evento 108 apresentam um número
significativo de músicas piauienses com relação ao número de vagas conquistadas para as
eliminatórias, vinte e sete vagas num universo de quarenta (67,5% das vagas). Entretanto, o
autor não considera o número de inscritos dos outros Estados. Quantos foram? Esse dado
poderia ou não afirmar a estranheza do crítico, pois se o número de inscritos de outros Estados
tivesse sido menor, por questões de dificuldades de deslocamento, por exemplo, isso pode ter
acarretado esse número tão elevado de músicas piauienses inscritas no festival em relação às
inscritas de outros Estados.
As críticas mais contundentes ficam reservadas aos músicos e suas performances
apresentadas para o festival e que parecem ser o ponto central no qual as observações
anteriores parecem apontar.
108
DIVULGADA relação das músicas classificadas para o FENEMP . Jornal da Manhã, Teresina, p.6, 18 maio,
1988.
109
LUIZ, André. Um festival com reserva de mercado. Jornal da Manhã, Teresina, p. 2, 05 jun, 1988.
Junto a essas observações o autor expõe suas análises técnicas para embasar tais
críticas que recaem sobre a limitação musical dos artistas piauienses, fato este associado a
falta de profissionalismo dos músicos locais, na opinião do autor. O texto ainda encontra
espaço para o saldo positivo que foi o fato do intercâmbio possibilitado pelo mesmo aos
músicos piauienses, mas faz suas ressalvas:
110
LUIZ, André. Um festival com reserva de mercado. Jornal da Manhã, Teresina, p. 2, 05 jun, 1988.
111
ARAÚJO, Raimundo Nonato Uchôa. Reflexões sobre um momento cultural. Veredas: Culturarte, Teresina,
n.4, p. 29-32, jul. 1988. p. 31.
112
Ibid., p. 30.
preparo do evento onde, segundo Araújo, foram normais as falhas e os contratempos
ocorridos nas noites do festival, mas que não comprometeram a sua realização.
O texto também reconhece a limitação dos músicos piauienses que participaram do
festival em relação aos participantes de outros Estados, mas o tom de sua crítica não é
agressivo como a do texto anterior:
As impressões que alguns músicos piauienses tiveram das canções dos artistas de
outros Estados, Araújo as direciona rumo a sua própria impressão e constatação sobre
realidade musical em Teresina: o amadorismo musical por parte dos participantes do festival e
uma suposta arrogância destes músicos, pois os mesmos precisariam de humildade para o
recebimento das críticas. Essas duas observações também estão presentes no artigo de André
Luiz. Outro ponto em comum nos dois artigos foi a observação da possibilidade, através do
contato com o outro, de trocas e intercâmbios musicais que o festival permitiu aos músicos
locais. Mas tal possibilidade, de reatualização de referências musicais, só teria efeitos,
segundo ambos os críticos do festival, se os artistas piauienses se mostrassem abertos a essas
informações. Infelizmente, o festival não deixou nenhum registro sonoro para que
pudéssemos ouvir e analisar tais informações musicais desses artistas de fora e vislumbrarmos
as diferenças explicitadas nos dois textos entre as produções piauienses e as de outros
Estados.
Araújo confirma a observação que fizemos anteriormente sobre a proporção desigual
de inscrições entre os candidatos piauienses e os de outros Estados: o volume de inscrições
locais foram muito maiores, mas em compensação, a classificação para a final teve esse
cenário invertido. O autor chama os seus leitores para reflexão sobre que tipo de música
estava sendo produzida no Piauí em ocasião de seu baixo aproveitamento nas músicas
classificadas para a final do festival:
113
Ibid., p. 30.
Os músicos do Piauí, como era esperado, face ao volume de músicas
inscritas, tiveram 27 trabalhos selecionados para a fase eliminatória, o que
representa um índice de 67,50%. No entanto, classificaram para a
finalíssima, somente 04 composições, o que leva a um aproveitamento igual
a 14,81%. Os músicos de fora participaram com 13 músicas (apenas
32,50%). No entanto, chegaram a final com 06 músicas, atingindo um índice
de aproveitamento igual a 46,15%, além de terem conquistado, com
excessão(sic) do primeiro lugar, todos os demais prêmios de destaque. Isto
merece uma reflexão!...114
As tensões apresentadas pelos dois textos ocasionadas por uma suposta arrogância dos
músicos locais que a todo o momento se queixaram sobre questões como a qualidade do som;
o curto prazo para preparação da apresentação; o corpo de jurados de outros Estados –
questões estas que, segundo Araújo, não foram comentadas pelos participantes de fora – são
frutos, ainda segundo os dois textos, da falta de humildade de muitos dos músicos que
participaram do festival. Estas duas reflexões, indiretamente, apontam, para além do
amadorismo apresentado nos textos, para uma espécie de crise criativa por parte dos músicos
piauienses que se dispuseram a competir neste festival, pois os dois críticos recorrentemente
abordam em suas análises aspectos relacionados ao imperativo de abertura desses músicos
para novas influências sonoras. Ainda a esse respeito, o artigo publicado na revista Veredas
conclui
Por último, além do alto nível dos trabalhos apresentados, este I FENEMP-
PI marca, profundamente, uma vez que formula um convite para que
revejamos nossos métodos de trabalho e avaliação, na medida em que pôs
sob questionamento valores artísticos tidos, até então, como mitos, quando
se sabe que muitos outros se ressentem por não poderem penetrar neste clã
de privilegiados, cada vez mais sedimentado em várias iniciativas em que se
tenta promover a música e os músicos do Piauí. A compreensão e aceitação
desses fatos é, sem dúvida, a maior contribuição do I FENEMP à música do
Piauí. Grandes motivos para a permanente reflexão: não somos tão bons
quanto pensávamos!115
Para nós, mais importante do que saber a que figuras cristalizadas, “mitificadas” no
meio cultural ele se refere – que monopolizavam espaços de destaque na cena musical popular
de Teresina – é perceber como esses espaços de produção musical em Teresina produziam
reflexão em torno de seus próprios fazeres, de sua própria música, independente de critérios
relativos a gostos hierarquizados socialmente, como os apresentados nos dois textos que a
114
Ibid., p. 30.
115
Ibid., p. 32.
todo o momento colocaram a música piauiense em um patamar amadorístico em relação às
músicas dos outros Estados apresentadas no festival.
Os três festivais apresentados, FMPBEPI, I Encontro de Compositores e Intérpretes do
Piauí e o I FENEMP-PI foram importantes espaços por onde a música em Teresina pôde
expressar suas produções. Espaço de consagração para a produção local, apesar das
dificuldades materiais e humanas em uma cena musical que buscava se fortalecer através das
autoafirmações artísticas presentes em três diferentes festivais ocorridos em momentos
também distintos da década. Tais eventos tiveram uma importância maior ainda para a música
popular de Teresina, pois foram lugares que estimularam o exercício de criação e composição
musical, possibilitadores da constituição de um repertório para a música piauiense e foram,
sobretudo, espaços de reflexão, revisão e redimensionamento sobre as práticas musicais
locais, seus artistas e suas produções ainda bastantes dependentes de ações institucionais do
Estado para desenvolver suas práticas.
CAPÍTULO 2: O ESTADO E OS ARTISTAS: MECENATO, TENSÕES E
VARIEDADES NA MÚSICA POPULAR TERESINENSE
2.1. Projeto Torquato Neto: mecenato público e alguns debates em torno dos fazeres da
música popular em Teresina
O universo musical aqui delimitado, do qual faziam parte alguns artistas que
produziam um repertório para a música popular urbana teresinense, permite afirmar a
impossibilidade de sobrevivência econômica a partir da comercialização de sua arte, pois não
possuíam a estrutura que outros artistas contratados de grandes gravadoras multinacionais
gozavam para divulgar e popularizar seus trabalhos nacionalmente, obtendo assim viabilidade
econômica em suas carreiras musicais. A música para esses artistas piauienses, portanto, não
era um meio de vida economicamente viável nos anos 1980 em Teresina.
Mesmo para as bandas de baile, cujas produções visavam atender às demandas
estritamente mercadológicas ao tocar apenas os sucessos radiofônicos, o território para a
prática musical era bastante instável na cidade 116. Os artistas que não dependiam diretamente
da música como meio de sobrevivência buscavam outras formas de ocuparem os espaços
musicais da cidade, quer seja por meio de iniciativas próprias ou vinculadas às instituições
públicas. O Estado era o principal viabilizador das produções de boa parte desses artistas, via
órgãos culturais, como, por exemplo, a Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Estado
do Piauí. Por meio deste órgão público alguns artistas conseguiram desenvolver seus
trabalhos e ocupar os espaços da cidade através de projetos culturais subsidiados por esta
instituição. O exemplo mais marcante que encontramos nas nossas pesquisas sobre esse
envolvimento entre o Estado e a música popular urbana teresinense foi a criação do Projeto
Torquato Neto.
O nome do projeto é uma homenagem ao poeta piauiense Torquato Pereira de Araújo
Neto. Este fez parte do que foi chamado de movimento tropicalista, ocorrido no final dos anos
1960. Tal manifestação cultural teve grande repercussão no meio musical brasileiro no intenso
116
Entre as matérias jornalísticas que abordam essa questão encontramos: MÚSICOS enfrentam a falta de
trabalho. Jornal O Dia, Teresina, p.4, 24 mar, 1980; CAMPO de trabalho é ruim para os músicos. Jornal O
Dia, Teresina, p.6, 17 dez, 1981; MÚSICOS preocupados com situação no seu dia de comemoração. Jornal
O Dia, Teresina, p.6, 22 nov, 1982; ORDEM dos músicos do Piauí ameaçada de fechamento. Jornal O Dia,
Teresina, p.7, 13 jan, 1989.
debate em torno dos fazeres da música popular urbana do período. O tropicalismo teve como
núcleo central, além de Torquato Neto, artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé,
José Carlos Capinam dentre outros117.
O Projeto Torquato Neto foi de início pensado para acontecer nos moldes do Projeto
Pixinguinha, com a diferença que os grupos e artistas do projeto piauiense percorreriam
apenas as principais cidades do Nordeste brasileiro apresentando seus espetáculos musicais118
e não em quase todo território nacional como acontecia no Pixinguinha. Ao longo de sua
duração, o projeto realizou outras iniciativas no campo da música, dentre as quais podemos
destacar: o I Encontro de Compositores e Intérpretes do Piauí, a gravação de discos coletivos
de compositores e intérpretes e a realização de pesquisas em torno da música popular
piauiense. Era um projeto que a princípio atendia apenas às demandas do segmento musical.
Criado sob a gestão do deputado estadual Wilson de Andrade Brandão na pasta
cultural do Estado em 1981, o projeto antes mesmo de se concretizar já foi pauta de matéria
jornalística que assim noticiou a informação:
Como a citação acima informa, o Projeto foi pensado de maneira conjunta entre o
representante do poder público e representantes do segmento musical teresinense para
articular a melhor forma com a qual o Estado poderia contribuir para o desenvolvimento da
música produzida no Piauí através de sua intervenção como patrocinador cultural.
Obviamente, por maior que fosse a intenção de reunir um grande número de artistas da
música através do projeto, possibilitando a realização de seus trabalhos via mecenato, a
iniciativa do “Torquato Neto” dificilmente contemplaria a todos e apenas alguns grupos e
pessoas seriam beneficiados por este projeto. Boa parte dessas artistas beneficiados pelo
117
Para entender melhor a discussão em torno da tropicália e sua contribuição para a música popular brasileira
ver os livros: BRANCO, Edwar de Alencar Castelo. Todos os dias de paupéria: Torquato Neto e a invenção
de tropicália. São Paulo: Annablume, 2005; FAVARETTO, Celso Fernando. Tropicália: alegoria alegria.
2.ed.rev. São Paulo: Ateliê Editorial, 1996; NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a canção: engajamento
político e indústria cultural na MPB (1959-1969). São Paulo: Versão Digital, 2010. Disponível em:
<http://pt.scribd.com/doc/49477747/39107265-SEGUINDO-A-CANCAO-digital>. Acesso em 13 set. 2011.
118
TORQUATO Neto será nome de um projeto. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 17 fev, 1981.
119
PROJETO Torquato Neto sai logo. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 18 fev, 1981.
projeto já vinham praticando a música em Teresina desde os anos 1970, logo, foram eles que
puderam tirar proveito do espaço aberto dentro de um órgão institucional que por sua vez
poderia se beneficiar politicamente como um fomentador cultural através das ações desses
artistas.
Foram salientadas entre as discussões em torno do projeto questões como a
profissionalização do músico e o fortalecimento da música popular piauiense para além de
suas fronteiras:
120
PROJETO Torquato Neto sai logo. Jornal O Dia, Teresina 18 fev, 1981.
121
PROJETO Torquato Neto começa hoje. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 10 jul, 1981.
122
PROJETO já tem grupos inscritos. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 18 jul, 1981.
Partes dos critérios explicitados nesse trecho de matéria de jornal são de ordem
subjetiva e não deixam muito claro a partir de que referências seriam balizadas os
julgamentos. Que tipo de “conteúdo” os avaliadores estavam levando em conta nas
composições musicais? O que significava “comunicação verbal”? Seria a interlocução entre
artista e público? Quais performances eram as esperadas para que os artistas tivessem seus
trabalhos aprovados? As referências balizadoras do julgamento só apareceram após a escolha
dos artistas, pois a partir deles e de suas produções ficou evidente que tipo de canção e artistas
o Estado queria ver vinculado às suas ações culturais.
O projeto contemplou em 1981 apenas dois grupos e dois artistas para as
apresentações em diferentes cidades do interior do Piauí, como Picos, Floriano, Parnaíba,
além de Teresina; e nas capitais nordestinas, Fortaleza e São Luís. Entre os conjuntos
aprovados no projeto estavam o Grupo Candeia e o Grupo Varanda e entre os artistas
individuais estavam a cantora Laurenice França e o cantor e compositor George Mendes. A
esperança de profissionalização dos músicos através do projeto não se concretizou quando
lançamos um olhar retrospectivo sobre esta iniciativa, pois além de ter-se restringido a uma
parcela muito limitada de artistas, foi uma iniciativa de ações pontuais e não possibilitadora
da constituição de uma cena musical independente do mecenato público em Teresina.
Entretanto, ela foi importante, pois possibilitou uma movimentação musical para os artistas
que dele participaram ao longo da década de 1980.
O músico Aurélio Melo em entrevista concedida a um jornal no ano de 1988 fala de
sua experiência ao ter participado desse primeiro momento do projeto, que à época da
realização da entrevista ainda vigorava como uma política pública cultural: “Esse projeto é
nosso. Em 81 quando começou o projeto mambembe, de tocar por aí, como nós fizemos, pra
mim não aconteceu coisa mais importante”123. O músico André Luiz Oliveira Eugênio, que
participou do conjunto Varanda, assim recorda as viagens em que acompanhou o grupo pelo
projeto:
O projeto Torquato Neto, sim, esse aí funcionou muito bem. Por exemplo, eu
lembro que eu fui tocar com o Varanda em Fortaleza no dia do músico... dia
da música, 22 de novembro, se não me engano. A gente tocou na praça do
Ferreira [...] a praça central naquela época[...] Custeados pelo projeto [...] a
gente andava no interior todo. Era ritmo de turnê. Era um ônibus, você
tocava numa cidade e depois ia pra outra aí voltava pra Teresina. 124
123
PROFISSÃO: Músico. De verdade. Diário do Povo, Teresina, p.9, 13 mar, 1988.
124
SOUZA, André Luíz Oliveira Eugênio de. André Luíz Oliveira Eugênio de Souza [31 jan. 2012]
Entrevistador: Hermano Carvalho Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a
Música Popular Teresinense concedida como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História
do Brasil pela Universidade Federal do Piauí.
Esse formato do projeto, que seguia a estrutura itinerante do Projeto Pixinguinha, só
aconteceu no ano de 1981, não se repetindo mais nos outros anos. No ano seguinte o
“Torquato Neto” se restringiu a comemoração dos 10 anos da morte do poeta tropicalista
através de projeção de slides e filmes, exposição de livros e realização de debates e
conferências com poetas sobre arte e cultura brasileira 125. O ano de 1982 não reservou espaço
de destaque para a música, motivação inicial do projeto. A tal situação foi imputada a falta de
recursos financeiros por parte do Estado para custear ações semelhantes às acontecidas no ano
de 1981. Contudo, outras iniciativas ao longo da década foram realizadas no intuito de
fomentar a música popular produzida no Piauí, concentrando suas atividades
predominantemente em Teresina.
Importante lembrar que o Projeto Torquato Neto foi um espaço para músicos que
dispunham de uma posição dentro do cenário musical da cidade e possuíam uma produção
musical, que apesar de não registrada de forma material por meio de LP, tal produção era feita
através das práticas musicais empreendidas por esses músicos que atuavam em Teresina, por
meio de shows e espetáculos. Logo, tal projeto diz respeito a um recorte específico na cultura
musical da cidade, mas nem por isso deixa de revelar seus movimentos e as dinâmicas
musicais da capital piauiense.
O Projeto Torquato Neto apresentou tensões que revelam os lugares que cada músico
ocupava dentro de uma hierarquia no campo musical em Teresina. Tais disputas e tensões
emergiram quando do lançamento de dois discos coletivo de artistas piauienses através do
projeto. O primeiro, de 1985, foi o resultado do festival I Encontro de Compositores e
Intérpretes do Piauí realizado no ano anterior ao lançamento do disco. O segundo foi o LP
Cantares, gravado em 1987, também foi uma produção que pôs em questão a música popular
praticada em Teresina e sua relação com os aparelhos institucionais de Estado.
A mobilização dos compositores e intérpretes para a gravação do disco “Geleia
Gerou”, com as músicas vencedoras do I Encontro de Compositores e Intérpretes do Piauí,
criaram expectativas nos artistas que participaram deste acontecimento. A movimentação para
viabilizar o pagamento dos custos de viagem foi feita através de espetáculos musicais. O
registro do LP foi feito no Rio de Janeiro. Dois dias de apresentações no Theatro 04 de
Setembro com a presença de alguns dos artistas que gravariam o disco: Ana Miranda,
Ronaldo Bringel, Solange Leal, Geraldo Brito, Edvaldo Nascimento, Garibaldi Ramos,
125
Ver estas informações em: TORQUATO Neto-82 será mais animado. Jornal O Dia, Teresina, p.9, 10 jul,
1982; LUIZ, André. Dançamos. O Estado, Teresina, 20 dez, 1982.
Rosinha Amorin, Raimundo Alcântara, Mira e Zezé Fonteles, além da presença de outros
convidados, como as cantoras Laurenice França e Janette Dias 126. Como afirmamos
anteriormente, este disco trazia para seus participantes a esperança de poder introduzi-los, e
consequentemente introduzir Teresina e o Piauí, nos circuitos nacionais de circulação musical.
A viagem dos artistas foi assim noticiada pela imprensa da época:
Aqui percebemos mais uma vez a mão institucional do Estado marcando sua presença
como possibilitadora de certas práticas musicais da cidade. A citação acima nos dá mais um
indício que os artistas dependiam deste tipo de apoio institucional uma vez que a cidade ainda
não oferecia condições para que os mesmos pudessem prescindir dessa estreita relação com o
Estado. Tal situação foi propulsora de reflexões sobre os fazeres musicais da cidade e o disco
“Geleia Gerou” como produto deste contexto foi tema de debates sobre o que se estava
fazendo e o que se queria em relação a musica popular teresinense nos anos 1980.
A primeira crítica após o lançamento do disco foi feita pelo músico, escritor e crítico
de arte Ramsés Ramos e ensejou o início dos debates. Ele começa suas análises fazendo as
seguintes afirmações:
Ramos coloca o disco “Geleia Gerou” como o marco inicial de uma música
contemporânea, moderna que estava sendo feita em Teresina. O disco, segundo a colocação
acima, inseria a capital piauiense no que havia de atual, para ele, nas produções em música
popular no Brasil, pois afastaria a “imagem barroca de que no Piauí só existiria música
126
COMPOSITORES fazem show no Theatro 4 de Setembro. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 29 maio, 1985.
127
COMPOSITORES piauienses gravam no Rio. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 05 jun, 1985.
128
RAMOS, Ramsés. GELEIA Gerou: mas chegou. Jornal da Manhã, Teresina, p.8, 01 set, 1985.
folclórica”129. Para Ramsés Ramos, o disco “Geleia Gerou” trazia uma música eminentemente
urbana, cosmopolita, tendo seus deslizes técnicos e repetindo alguns lugares comuns da
música popular feita na cidade, como a presença de alguns xotes, mas para ele, nada que
comprometesse o conjunto da obra. Para Ramos, um dos pontos altos do disco é o arrojo de
modernidade se manifestando nas músicas de três compositores, que articulavam Teresina
como uma cidade em sintonia com as novidades do mundo musical e criadora também de suas
próprias novidades. Assim ele fala a respeito dos compositores em questão:
129
Ibid., p.8.
130
Ibid., p.8.
131
Ibid., p.8.
132
BRITO, Geraldo. A Geleia Gerada Entre a Broa e o Sanduíche . Jornal da Manhã, Teresina, p.8, 2 nov, 1985.
Mas para além das discussões das análises dos conteúdos formais presentes nas
músicas do disco ou de sua tentativa de se inserir num mercado mais amplo da música
popular brasileira, um questionamento de ordem mais conjuntural foi levantado a propósito
do lançamento do Geleia Gerou: Qual era a música piauiense, produzida em Teresina, que se
estava fazendo àquela época, que em ocasião do lançamento do LP se debruçava sobre a
figura quase que onipresente daquele que foi a maior referência musical contemporânea do
Estado, Torquato Neto? Essa questão foi elaborada pelo músico e crítico musical André Luiz
de Oliveira Eugênio que travou debates interessantes a este respeito a partir do disco e do
Projeto Torquato Neto com o jornalista e produtor cultural Kenard Kruel e com o poeta e
jornalista Chico Castro.
O primeiro texto, intitulado “Uma geleia dietética”, André Luiz inicia em tom irônico
e debochado falando sobre os comentários feitos a respeito do disco, segundo ele,
maliciosamente apelidado por alguns à época de “Geleia Gorou”. Ele não explica o motivo de
tal fato fazendo parecer que a menção a esse nome, “Geleia Gorou”, não passasse de um mero
recurso humorístico aplicado a seu texto. Entretanto, ele afirma que o disco foi “certamente o
registro musical mais bem produzido da nossa música” 133 até aquele momento. Mas o ponto
central de sua argumentação vai partir das seguintes indagações, sugestionadas pelo conteúdo
imagético da capa do disco que trazia a foto de Torquato Neto em destaque, sendo a única
foto em toda a capa do Lp:
Por que razão, me digam, a foto de Torquato Neto está estampada na capa
desse disco? Mais uma homenagem ao poeta? Será que o cordão umbilical
ainda não se rompeu? [...] por que ainda Torquato Neto? Ou melhor, o que o
poeta tem a ver com esse disco?134
O crítico entende a importância do poeta piauiense, e afirma isso em seu texto, mas
não entende o porquê dessa reinterada louvação à sua figura. E continua: “Será que já não
temos nomes (Geraldo Brito, Magno Aurélio, Durvalino Couto, só para citar alguns)
talentosos o bastante para dar consistência e importância a um disco como esse?” 135 E segue
afirmando que preferia ver as fotos dos vários artistas que participaram do disco em sua capa.
Entendemos que tal reflexão se fez no sentido de reforçar uma identidade 136 musical
133
LUIZ, André. UMA GELEIA dietética. Jornal da Manhã, p.8, 15 set, 1985.
134
Ibid., p.8.
135
Ibid., p.8.
136
Entendemos identidade, a partir das análises de Stuart Hall, uma conformação social múltipla, atravessada por
diferentes referênciais e não como algo fixo, estável e não sujeita a mudanças, transformações e reinvenções
teresinense, a partir de si mesma, de seus movimentos, atrações e tensões e não na insistência
de se vincular a música de Teresina como devedora perpétua de uma “tradição” tropicalista
personificada na figura de Torquato Neto. O texto é finalizado chamando outros interlocutores
ao debate reafirmando a necessidade de se colocar no centro das discussões as práticas
musicais que estavam se fazendo à época: “Ainda há muito o que se falar sobre a relação entre
o que Torquato fez e o que nós estamos fazendo AGORA.”137
O Jornalista Kenard Kruel se posiciona sobre essa questão debatida nas páginas do
Jornal da Manhã. Ele responde ao chamado para o diálogo, em texto intitulado “Publique-se e
Cumpra-se”, afirmando não ver nenhum problema em se utilizar qualquer referência a
Torquato Neto uma vez que a iniciativa do disco partiu de um projeto que leva o nome do
artista. Para Kruel, o autor de “Uma geleia dietética” não discutiu as questões que realmente
interessam ao disco, como por exemplo, fazer suas análises sob a ótica das formas estéticas
musicais, uma vez que André Luiz também era um músico:
Não vejo motivo [...] para que a ira do André Luiz faça com que ele se
esqueça de analisar o concreto para se deter no abstrato [...] Leio, por
demais, tudo o que o André Luiz escreve. Acho-o uma pessoa das mais
informadas e das mais preparadas, e que, com propriedade, poderia deitar e
rolar em cima do disco. Fazer um trabalho de análise que desse um tom no
som da rapaziada [...] fica o André Luiz intimado a nos dar uma crítica ao
Geleia Gerou. Desta vez sem querer ciscar um terreno já bastante ciscado, e
por isso mesmo não original138.
Kruel concorda com a afirmação de André Luiz sobre as qualidades dos artistas de
Teresina que poderiam ter seus rostos estampados na capa do disco. Entretanto, achava mais
importante as análises sobre o conteúdo do LP e o que ele trazia de informações musicais, ao
invés de preocupações com questões como o quê o disco poderia revelar sobre os fazeres
musicais da cidade.
A tréplica do músico e crítico saiu no dia seguinte ao convite de Kenard Kruel para
continuar o debate através de suas análises sobre o conteúdo musical do disco. Ele inicia o
texto reiterando que o “Geleia Gerou” tinha sido uma das iniciativas mais importantes que já
havia acontecido na música popular do piauiense. Entretanto, reafirma seu posicionamento
sobre a questão de que tipo de práticas musicais Teresina estava fazendo à sua época:
a partir das tradições. Ver: HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro:
DP&A, 1999.
137
LUIZ, André. UMA GELEIA dietética. Jornal da Manhã, p.8, 15 set, 1985.
138
KRUEL, Kenard. PUBLIQUE-SE e Cumpra-se. Jornal da Manhã, p.8, 18 set, 1985.
Acredito que no meu artigo falei bastante do disco e quem leu com atenção
percebeu que o assunto “abstrato” ao qual me referi é muito real e concreto
[...] Vale dizer que esse disco só saiu depois de muita briga por parte dos
músicos com a Secretaria e quase todo (senão todo) o mérito desse LP cabe
aos artistas e não à Secretaria. Falar do Geleia Gerou como se fala do último
disco do Caetano é uma insensatez. Não tem nada a ver. Na órbita desse
disco circulam assuntos vários e a intenção é essa, questionar a realização
deste trabalho. Valeu a pena ou não? Claro que valeu. Mas por que o disco
não está disponível nas lojas? Qual o critério utilizado na distribuição? E por
que o Geleia Gerou não está tocando nas rádios? Por que o nome do disco
não foi, por exemplo, Nós, que é inclusive o título de umas das músicas mais
interessantes desse disco, de autoria de Garibaldi Ramos? E Por que, meu
caro Kenard, as fotos dos artistas não estão nem dentro nem fora da capa do
LP? O nome de Torquato já está por demais onipresente neste projeto
cultural (falo aqui do projeto em si e não do LP) [...] É isso, Kenard, não vou
ficar rasgando sêda em cima do Geleia Gerou. Fazer uma análise em cima do
tom do som da rapaziada é importante e isso vai ser feito, mas de baixo pra
cima, começando pela estrutura que sustenta essa pirâmide cultural, onde, no
topo ficam os artistas e não a Secretaria de Cultura, como muita gente
pensa.139
A citação acima é longa, mas levanta temas interessantes sobre esse recorte específico
da música popular teresinense, temas estes presentes no contexto daquele período. O cerne
central da questão é, para o crítico musical, que a música em Teresina precisaria se definir
primeiro, resolver seus problemas fundamentais, como constituir um cenário local expressivo,
com seus artistas e produções movimentando a cidade. Os questionamentos do crítico recaem
justamente sobre como o projeto não foi eficaz na promoção dos artistas presentes no disco,
uma vez que não houve estratégias para a promoção e divulgação deste trabalho, de acordo
com a citação acima. A crítica é contundente sobre aqueles que geriram o projeto Torquato
Neto, pois o texto deixa claro que tal iniciativa cultural não colocava no centro do produto
final, o LP, quem era de direito: seus compositores e intérpretes.
A ausência das fotos dos artistas na capa e a vinculação do disco à figura de Torquato
Neto, por exemplo, para André Luiz, segundo a nossa interpretação, revelam um território
musical ainda carente de representações sobre si mesmo. As representações musicais são aqui
entendidas como os meios sonoros e imagéticos que dão corpo a essa representatividade.
Como uma iniciativa que ajudou a constituir a música feita em Teresina, o disco Geleia Gerou
poderia ter sido um desses espaços de representação da música popular feita em Teresina.
Porém, esta possibilidade para o crítico André Luiz aconteceu de forma ilegítima.
Na falta da tal representação de si, o que necessariamente era uma das condições
fundamentais para a constituição de um cenário musical expressivo, a representatividade
139
LUIZ, André. DA PRODUÇÃO de geleias. Jornal da Manhã, p.8, 19 set, 1985.
artística dos participantes do disco foi vinculada na figura cultural de Torquato Neto.
Associação esta proporcionada pelo Estado que a utilizou para se colocar como o grande
beneficiador e promotor da cultura. Mas para o crítico, quem fazia a cultura eram os artistas e
não o Estado, logo eram eles que deviam estar no centro das questões culturais como
instauradores de suas práticas e constituidores de seus territórios de atuação, como explicita
André Luiz ao dizer, por exemplo, que foram os músicos que possibilitaram a feitura do
disco. Só com essa condição estabelecida e resolvida, de instituição de um território musical
representativo a partir de si mesmo, é que se poderia avaliar a produção artístico-musical do
disco Geleia Gerou sob seu viés estético.
A resposta final de Kenard Kruel ao debate entre ambos é feita em tom de desabafo a
partir das problemáticas no território musical levantadas por André Luiz, que emergiram por
conta do Projeto Torquato Neto. Ele avalia os rumos que o projeto estava tomando desde a
sua criação até o momento em que ambos travavam estas reflexões. Kruel se coloca como um
dos poucos benfeitores do projeto em sua fala:
No primeiro ano eu e dona Sulica e o José Elias, com peito e garra, saímos
por aí. Levamos o Projeto Torquato Neto para Parnaíba, Floriano, Picos,
Fortaleza e São Luís. Os músicos, compositores e intérpretes gostaram.
Público novo e dinheiro no bolso. Certo que foi pouco mas teve. Iríamos
continuar levando nossa música para outros lugares que não só o Teatro 04
de Setembro, entretanto muito olho grande na jogada (bem como um carrego
dos diabos) botou tudo a perder. Disseram que a gente não tinha capacidade
e nem era do meio pra poder ficar na frente do Projeto. Tudo bem. Tudo mal.
A partir daí ele foi de água abaixo.140
Para ele, as pessoas que coordenaram o projeto não deram as prioridades necessárias
que ele precisava e cita os nomes de quem o coordenou entre 1981 e 1985. Chega a indicar o
nome de Ramsés Ramos, músico e intelectual piauiense, como coordenador para o então
secretário de Cultura do Estado afim de que o “Torquato Neto” pudesse continuar a ser uma
iniciativa efetiva para a cultura do Piauí. O projeto, inicialmente pensado para ser mais uma
ferramenta para o apoio institucional, revelou-se, segundo Kruel, como mais uma iniciativa
que se esfacelou devido à falta de interesse presente nas suas diferentes coordenações:
Nisso tudo, meu caro André, fica claro o seguinte: de mão em mão o Projeto
Torquato Neto vai afundando para a felicidade geral dos macunaímas [...] É
necessário, portanto, que o Secretário Jesualdo Cavalcanti Barros reestruture
o Projeto Torquato Neto, e coloque para a sua coordenação uma pessoa com
mais poder de fogo. Uma pessoa que tenha tempo suficiente e sensibilidade
140
KRUEL, Kenard. A GELEIA está girando e gerando. Jornal da Manhã, p.8, 20 set, 1985.
mil para acertar todos os ponteiros das artes (manhas) piauienses. Vejo em
Ramsés Ramos, por exemplo, esta pessoa. É poeta, compositor, cineasta,
teatrólogo, jornalista, tradutor [...] tem tempo, sensibilidade e
competência.141.
Outro interlocutor que também entrou no debate foi o jornalista e poeta Chico Castro.
Sua avaliação sobre o disco também é feita em tom crítico sobre os encaminhamentos de sua
produção e consequentemente sobre a forma como o Projeto Torquato Neto conduziu esse
processo. Entretanto, ele afirma ter sido uma iniciativa importante para a música popular
piauiense. Sua crítica atenta para o fato do disco ter sido uma produção coletiva e que por
conta disso não podia ser avaliado como um produto elaborado a partir de uma dinâmica
individual, de artista ou de grupo musical. Isso imprimia ao disco, portanto, uma dinâmica
bastante fragmentária em seu repertório, escolhido não pelos artistas que dele participaram, e
sim através de um festival:
Apesar de ter gostado do disco, Chico Castro fala que a feitura do Geleia Gerou
pareceu um cumprimento de cronograma, uma ação meramente burocrática e não uma
iniciativa que buscasse realmente mostrar os valores e o que se estava fazendo na música em
Teresina. Kenard Kruel, por sua vez, nos dá pistas sobre os rumos do projeto de 1981 a 1985,
a propósito do debate em torno do Geleia Gerou, e os pontos que o produtor cultural
acreditava serem os que limitavam o projeto, como a falta de interesse dos muitos
coordenadores que o dirigiram. André Luiz aponta o deslize cometido por parte daqueles que
141
Ibid., p.8.
142
CASTRO, Chico. Qual o sabor desta geleia? Jornal da Manhã, sem data, 1985. Esse artigo, deduzimos ter
sido escrito após os debates entre André Luiz e Kenard Kruel uma vez que logo no seu início ele relata sobre
como os debates que estavam ocorrendo em torno do disco o incentivaram a escrever seu texto e por ter sido
publicado também no Jornal da Manhã, veículo de comunicação onde estavam ocorrendo os debates.
conduziam o projeto à época do lançamento do disco por não terem valorizado devidamente
os músicos, quem realmente fizeram o LP, em detrimento de uma insistência em associar à
música teresinense e piauiense à figura do Torquato Neto e não ao que se estava produzindo
de atual em sua música popular.
As três falas, suscitadas pelo disco e pelo projeto, revelam através de abordagens
diferentes muitos aspectos da situação em que se encontrava a música popular praticada em
Teresina no universo dos artistas aqui estudados e sua relação com as políticas públicas do
Estado ligadas a cultura e que mostram que o território da música popular estava em constante
movimentação, não só através da ação de seus artistas, mas também através da própria ação
do Estado.
Outro disco feito através Projeto Torquato Neto foi o também coletivo “Cantares”
lançado em 1988, três anos após o Geleia Gerou. Algumas questões foram colocadas a
respeito da gravação do LP e apontam outros pontos presentes sobre as práticas musicais
teresinenses à época. Uma delas foi a questão colocada sobre o porquê dos músicos de
Teresina não terem participado do processo de gravação do disco. Esse questionamento é
mais uma vez levantado pelo crítico musical André Luiz em tom de ironia. Ele faz analogia ao
disco e a sua arte gráfica da capa, que se assemelha a uma imagem de uma foto tirada do
espaço sideral, à metáfora de uma nave espacial e seus astronautas tripulantes, para levantar
suas questões:
André Luiz agora não fala como crítico musical e sim como músico que ficou de fora
do processo de feitura do disco. A ironia bem humorada demonstra, a nosso ver, certo
ressentimento por parte do músico. Porém, ela faz sentido se considerarmos como ponto de
partida uma das justificativas para a produção do disco, ao tomarmos as palavras do diretor
artístico do LP, Durvalino Couto Filho, que escreveu um artigo intitulado “Vamos Cantares”
143
LUIZ, André. Disco é voador. Diário do Povo, Teresina, 27 fev. 1988.
analisando o desenvolvimento do processo de produção, direção, gravação e arranjos do
disco. Ele afirmou à época que:
144
DURVALINO FILHO. Vamos Cantares? Diário do Povo. Teresina, 18 abr. 1988.
em matéria jornalística, provavelmente se referindo a pessoas ligadas a cultura que ocupavam
lugares de poder institucional e a seu cinismo diante de uma produção musical meramente
burocrática, inexpressiva em termos de retorno artístico perante um público mais amplo, a
exemplo de uma mesma iniciativa anterior, como foi o caso do disco Geleia Gerou:
145
LUIZ, André. CANTARES e quereres. Diário do Povo, 6 mar, 1988.
146
Ibid.
147
Ibid.
148
Ibid.
pôde discutir, mais uma vez as práticas e as condições da música popular em Teresina, seus
movimentos, suas produções, seus limites e suas possibilidades.
A atuação dos agentes musicais aqui analisados, que ocupavam e faziam os espaços da
música na cidade, girava muitas vezes em torno do Estado. O Projeto Torquato Neto e os
festivais de música popular, que também contaram com o apoio e patrocínio do poder público,
foram um dos meios através dos quais músicos e compositores puderam exercer sua arte, uma
vez que tal campo de atuação não oferecia ainda condições para que esses artistas pudessem
se sustentar economicamente por meio desse ofício. Muitos desses artistas praticavam outras
atividades profissionais para sua sobrevivência, restando aos mesmos buscarem se vincular ao
poder público como uma forma de poder fazer música. O que não quer dizer que esses artistas
também não buscassem outros meios de atuação através de iniciativas próprias.
Esses músicos, compositores e intérpretes produziram e instituiram um repertório
próprio para a música popular de Teresina, através de seu registro em discos coletivos e de
suas atuações nos espaços musicais, como o teatro, ginásios, bares e festivais. E nesse
encontro entre a capacidade criativa dos artistas e sua submissão a outros vetores sociais,
como a dependência do subsídio do Estado em face de um mercado ainda incipiente para a
música popular em Teresina, é que surgiram as tensões que movimentaram a música popular
na capital piauiense, problematizando-a através de questionamentos sobre suas práticas, sobre
como essa música popular buscava constituir-se a si mesma, por meio dos diversos festivais
realizados e dos diferentes discos coletivos e individuais lançados, que buscaram
constantemente reposicionar Teresina, e consequentemente o Piauí, como um Estado
colaborador no processo de constituição da cultura musical brasileira. No próximo tópico
deste segundo capítulo analisaremos alguns dos artistas produtores desse repertório buscando
realçar alguns aspectos da pluralidade estético-musical que encontramos no cenário musical
teresinense nos anos 1980 e os gêneros musicais com os quais os mesmos buscavam se
vincular.
Os espaços e as práticas quem os fazem são as pessoas. Pensá-los é pensar nos agentes
que os produzem e os reproduzem. Partindo dessa obviedade reflexiva analisaremos agora
alguns dos artistas que produziram a música popular teresinense na década de 1980 e que
ocuparam e instituíram seus espaços. As escolhas que apresentaremos neste tópico foram
feitas no sentido de remarcar uma característica musical que esteve presente na cidade durante
este período e que pudemos detectar em nossas pesquisas: a disposição para a diversificação,
o pluralismo da experiência musical popular, apontando a cidade de Teresina como
possuidora de um cosmopolitismo cultural remarcando os fazeres de sua música popular.
Em trabalho feito sobre a cidade de São Paulo, o historiador José Geraldo Vince de
Moraes reflete sobre a música popular paulistana na década de 1930 e atenta para a sua
diversidade musical. Tal estudo nos ajudou a pensar Teresina como um contraponto em
relação à capital paulista, pois os processos de desenvolvimentos da sonoridade musical da
cidade de São Paulo, na década de 1930, obedecem a diferentes procedimentos de
constituição e a cidade já era uma metrópole cinquenta anos antes do período que aqui se trata
em relação a capital piauiense. Para Moraes, São Paulo vivia uma condição de um “eterno vir
a ser” devido ao ritmo acelerado de suas mudanças e transformações, daí sua propensão à
pluralidade, à diversidade. A cultura musical popular é analisada através das modinhas, das
rodas de choro, dos cordões de carnaval, do samba, e da música caipira para mostrar a
multiplicidade paulistana como resultado de diversas condições históricas que ajudaram a
formar as feições da cidade e a constituir essas diversas manifestações culturais em sua
música149.
Teresina ainda andava longe de ser metrópole nos anos 1980. Entretanto, a diversidade
musical era uma das características que lhe moldava. Diferentes virtualidades artísticas das
mais variadas tendências musicais produziram na cidade. Esse “eterno vir a ser” paulista pode
ser interpretado na capital piauiense por outro sentido, diferente do excesso causado pelas
constantes transformações de uma metrópole. Aqui ele atuou pelo lento ritmo urbano que
criou ansiedades, gestando a necessidade da busca de “ser” algo e essa procura se constituiu
no experimento de possibilidades outras que se manifestavam nas buscas musicais por parte
de seus praticantes. Espaço de expressão nos limites de uma pequena capital. Encontramos
assim alguns artistas produzindo em diferentes gêneros musicais, ou misturando-os. Essa
característica da música popular de Teresina já era notada por parte dos que também refletiam
sobre ela à época. O músico e intelectual piauiense Ramsés Ramos atentou para essa questão
em um pequeno texto intitulado “Música popular piauiense”, publicado em 1983 na revista
cultural “Presença”:
149
MORAES, José Geraldo. Metrópole em sinfonia: História, cultura e música popular em São Paulo nos anos
30. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.
A Música Popular Piauiense é marcada pela busca dos elementos folclóricos
tradicionais do povo para inspiração. Como exemplo disso temos vários
grupos populares, como o grupo Varanda, especialistas em xotes e baiões e o
grupo Candeia, também especialista nesses e outros ritmos populares [...]
Outra corrente se preocupa em mesclar nossa cultura com outras,
universalizando assim nossa música e num processo de permuta cultural [...]
surge assim, o “samba em jazz” de Geraldo Brito, o “blues” de Magno
Aurélio ou Cruz Neto, matizando nossa música com a expressão de outros
povos ocidentais [...] Em termos de riqueza harmônica e variedade melódica
e de ritmos, a música piauiense é uma das mais ricas do Brasil, não se
prendendo jamais a um só tipo de composição. O artista piauiense faz tudo,
desde a bossa-nova ao baião150.
150
RAMOS, Ramsés. Música popular piauiense. Revista Presença,Teresina, n. 9, p. 22, out-dez 1983.
cidade buscando reiteradamente problematizar suas questões. Em texto chamado de
“Triângulo e sintetizador: Por que não?” ele faz as seguintes reflexões:
A argumentação acima vai de encontro com a de Ramsés Ramos, pois André Luiz
afirma que apesar dos músicos teresinenses possuírem talento e produzirem tanto no universo
regionalista nordestino como no universo globalizado do rock and roll, grupos que muitas
vezes se colocavam como antagonistas entre si, eles estavam empobrecidos de criatividade
por se fecharem em seus territórios específicos de criação e não buscarem a mistura entre os
gêneros que, para ele, enriqueceria os fazeres da música popular de Teresina, sendo a forma
mais sensata de se fazer música.
Em outros momentos do texto cita exemplos de artistas e grupos para fundamentar
sua argumentação que aconselha a mistura de diversas influências musicais para as produções
musicais teresinenses: sugere que o Grupo Candeia introduza uma guitarra em seu
instrumental regionalista; que a banda de rock Vênus insira triângulo e acordeom nas suas
músicas repletas de sons distorcidos de guitarras; que os compositores Cruz Neto, George
Mendes, Rubeni Miranda e Geraldo Brito se desapeguem das fórmulas composicionais do que
151
LUIZ, André. Triângulo ou sintetizador: Por que não? Revista Presença, Teresina, n. 10, p.38-39, 1984.
ele chama de “duvidosa constelação da música popular brasileira”, referindo-se aos seus
artistas consagrados. Faz apenas uma ressalva a Geraldo Brito que acreditava ser o que mais
tentou desenvolver em suas produções essa mescla entre referências nacionais e estrangeiras,
dando assim maior inventividade às suas composições.
André Luiz continua afirmando em seu texto não existirem fórmulas para se
desenvolver uma música que traga em si uma identidade e sugere a maneira como achava que
deveriam ser feitas essas experiências musicais a fim de forjar tal identidade: por meio de um
processo de mesclas, maleabilidades e de procedimentos cambiantes nas formas de
composição musical. A partir disso a identidade musical teresinense poderia ser construída.
Tal procedimento nos remete à experiência tropicalista e suas misturas estéticas na sonoridade
musical brasileira e vincula a visão do crítico, em certa medida, ao que ele chama de
“duvidosa constelação da música popular brasileira”.
Apesar dos olhares diferirem nas formas de tratamento à música popular produzida em
Teresina, tanto André Luiz quanto Ramsés Ramos convergem em suas análises para a
existência de uma diversidade musical na capital piauiense no período aqui abordado. A
capital do Piauí era um mosaico musical onde tradição e modernidade constantemente
transitavam nos espaços dos fazeres musicais da cidade e esses diferentes matizes artísticos
eram o caráter de suas experiências musicais. Ora se misturando, ora se repelindo, algumas
dessas manifestações sociais presentes nesse universo de tradição e modernidade,
constituíram diferentes experiências musicais em Teresina que inserida em um processo de
abrandamento e posterior fim das censuras político-culturais no Brasil, iniciado no final da
década de 1970 e consolidado com o fim da ditadura civil-militar na década de 1980,
possibilitou a expressão mais livre para as mais diferentes expressões artísticas em todo o
país.
Os grupos Candeia e Varanda e suas raízes mais ligadas às referências regionais
nordestinas; intérpretes compositores e músicos mais ligados a MPB como Geraldo Brito,
Ana Miranda, Cruz Neto, Rubeni Miranda, Rubens Lima, Laurenice França, Janette Dias,
ZeZé Fonteles, Jabuti Fonteles, Roraima, entre outros; o rock and roll e suas mais variadas
vertentes através de Edvaldo Nascimento e grupos como Wagarc, Avalon, Megahertz, Vênus,
SNI, Fator RH, Noigrandes, Grito Absurdo, Flor de Opus e Bat Blue Band são alguns dos
principais nomes que figuraram recorrentemente nas páginas dos jornais teresinenses durante
a década de 1980. O que liga esses diferentes universos musicais é justamente o que os
separa, a diversidade, e que tornou a cidade esse núcleo de atravessamentos musicais tão
distintos.
Alguns desses artistas ainda continuam produzindo e movimentando a música
teresinense no presente em que este trabalho se insere e tal permanência nos meios musicais
da cidade mostra como tais músicos e compositores continuaram moldando, influenciando,
sendo influenciados e tornando-se referências para a história da música popular de Teresina.
A delimitação dos artistas e músicos analisados neste tópico de capítulo obedece a uma
escolha que se baseou em uma presença recorrente dos mesmos em matérias, artigos e
crônicas jornalísticas, além da participação nos registros físico-sonoro através dos Lp`s e
compactos gravados na década e opera, principalmente, no sentido de demonstrar a
diversidade, e não a totalidade, da música popular presente em Teresina nos anos 1980.
Uma dessas diferentes formas de manifestação da música popular brasileira pode ser
encontrada em Teresina sob a influência de referenciais ligados ao regionalismo cultural
nordestino, principalmente relacionados a temas ou formas do folclore, em um trabalho com
as raízes culturais populares. É o caso do Grupo Candeia, fundado na capital piauiense em
1978, e que também foi um conjunto bastante atuante nos espaços da música popular
teresinense nos anos 1980. O principal líder do grupo e músico de conhecimento erudito,
Aurélio Melo, assim definia um pouco do trabalho do conjunto ao falar sobre o lançamento do
show “Catavento” em 1980 em citação por ele feita no seguinte texto jornalístico:
Tal pretensão musical do grupo candeia unia tradição e modernidade, pois apesar de
eleger temáticas e formas de composição relacionadas a manifestações culturais fortemente
presentes nas cidades do interior do Piauí que ainda resguardavam em si elementos das
sociedades rurais, remetendo a uma ancestralidade pré-capitalista e se pautando em
referências que fizeram parte da vivência de cada um dos músicos – como no caso de Aurélio
Melo que na mesma matéria jornalística acima citada informa sobre suas influências de
infância: “são suas reminiscências dos alto falantes que no seu tempo de criança animavam as
noites com os forrós de Luiz Gonzaga misturado com o estilismo mirabolante de Jackson do
Pandeiro, Marinês e sua gente e outros” [...]153 – as práticas musicais do grupo Candeia,
152
SHOW Catavento: musical. Jornal O Dia, Teresina, 10 jun. 1980.
153
Ibid.
entretanto, partiam de uma realidade costurada ao tecido urbano, utilizando-se de meios e
instrumentos da modernidade, como os jornais impressos e o rádio para a divulgação de seu
trabalho, os espaços urbanos e suas tecnologias para as apresentações de suas músicas e o
disco como um meio de registro e uma das marcas da indústria cultural154.
O grupo Candeia passou por diversas formações até constituir o conjunto que foi
responsável pela gravação de seu disco, “Suíte de Terreiro”, sendo esta formação composta
por Aurélio Melo (voz e violão), Paulo Aquino (Contrabaixo e guitarra), Netinho da Flauta
(flauta), Nonato Monte (bateria) e José Rodrigues (voz e flauta). O grupo, por estabelecer
essas vinculações a referenciais nordestinos, foi utilizado algumas vezes como representante
cultural da cidade, e consequentemente do Estado, como na ocasião da gravação do compacto
em comemoração aos 134 da cidade de Teresina, em 1986, patrocinado pela prefeitura da
capital, através da Fundação Cultural Monsenhor Chaves.
O Lp compacto continha duas canções do grupo Candeia, uma delas “Teresina” – uma
das doze canções classificadas no FMPBEPI de 1980 para a gravação do disco do festival já
citado – e que se tornou uma das músicas mais emblemáticas da cidade. Assim escreveu sobre
esta canção a cantora e compositora Janette Dias à época quando do lançamento do Lp Suíte
de Terreiro que também continha esta canção: “O grupo compôs ‘Teresina’, música que soa
como um hino da capital, e de tamanha popularidade que veio sensibilizar o prefeito Wall
Ferraz, a financiar a gravação do compacto ‘Teresina 134 anos’, em 1986” 155. Em meio a um
universo de possíveis artistas, o escolhido foi o grupo Candeia que era um dos principais
representantes culturais da “nordestinidade” piauiense.
Outro representante dessa faceta musical regionalista em Teresina, bastante presente
na imprensa teresinense nos anos 1980, foi o Grupo Varanda. Assim noticiou matéria
jornalística a estreia do grupo em julho de 1977, apresentando no Theatro 04 de Setembro o
show intitulado “Sorriso Verde”, “onde a maioria das canções pertencia a autores nordestinos,
com temas sobre a seca, os retirantes e os sertanejos, a chegada do progresso e a chuva no
nordeste”156. Posteriormente o grupo passou a produzir suas próprias canções tendo na figura
154
Assim define Theodor Adorno os principais elementos da industria cultural: “Não é por acaso que o sistema
da indústria cultural surgiu nos países industriais mais liberais, nos quais triunfaram todos os seus meios
característicos: o cinema, o rádio, o jazz e as revistas”. Aqui ele não inclui o disco diretamente como um
mediador da indústria cultural, mas ao enumerar o rádio e o jazz como alguns de seus principais elementos,
mesmo que nos seus inícios as rádios executassem ao vivo muitas das canções, o disco se tornou
posteriormente um fundamental meio para a movimentação desta mesma indústria. Ver em: ADORNO,
Theodor. Indústria cultural – o Iluminismo como mistificação das massas. In:______. Indústria cultural e
sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p.24.
155
DIAS, Janette. Candeia, uma luz na música piauiense. Cadernos de Teresina, Teresina, n.2, p. 26, 1987.
156
PIXINGUINHA não será mais realizado no Piauí. Jornal O Dia, Teresina, 15 set. 1980.
do cantor e compositor Naeno Rocha seu principal criador musical, sendo o mesmo elogiado
pela crítica de outros estados, como o registro a seguir informa: “Para Rubem Confete, crítico
da Tribuna da imprensa, Naeno é um compositor de muita pureza e que ainda não perdeu a
originalidade de suas raízes”157.
O grupo Varanda era formado por Naeno (voz, violão e cavaquinho), Assis (Voz,
violão e viola), André (voz, viola e guitarra), Netinho (voz e flauta transversal), Chagas (voz e
percussão), Vécio (baixo elétrico), Luizão (sanfona e percussão miúda) e Beto (Bateria) 158.
Apesar de o grupo buscar suas referências no regionalismo nordestino, o Varanda também
absorvia referências outras, não só na linguagem musical, mas na própria performance dos
artistas no palco. Assim Lembra o guitarrista André Luiz em entrevista a nós concedida sobre
sua experiência no conjunto:
O Varanda o eixo era o Naeno [...] Era tudo autoral, então era em torno do
Naeno por causa da prolixidade da composição do cara... tinha cada
música... uma mais linda que a outra [...] E o Netinho tocava comigo. Aí
ficávamos eu e Netinho na esquerda, por que o outro lado da banda ficava na
direita e era o lado mais regional mesmo. Quando tinha frevo a gente fazia
guitarra com distorção e flauta tocando em terças, como o Alceu Valença
fazia na época. Tava começando a fazer. Só que a gente fazia a mesma coisa
sem saber direito. É aquela coisa da chamada antena, né?! Aí a gente
enlouquecia quando fazíamos os dois... Era um grupo que não ensaiava, mas
quando chegava em cima do palco dava tudo certo e todo mundo se
esbaldava de dançar [...] era um grupo que tocava frevo, forró, tocava bolero,
mas a atitude do grupo era completamente rock and roll [...] era a coisa mais
esculhambada[...] era um grupo que não ensaiava. Era uma festa o negócio.
Eu lembro do teatro, coisa que não acontece mais hoje, o teatro enchia que
ficava não ficava gente sentada. Todo mundo ia ver e todo mundo
dançava159.
O Varanda era um grupo que diferia do Candeia, ainda segundo André Luiz que tocou
em ambos os grupos, em suas práticas musicais e performáticas. Enquanto o primeiro era
mais aberto à espontaneidade e ao improviso, o segundo se pautava na disciplina e no ensaio,
refletindo tais posturas em suas apresentações musicais. Ambos, entretanto, apesar de
privilegiarem os temas e as formas musicais de um regionalismo nordestino, também se
mostraram abertos ao longo de suas carreiras a experimentarem e incorporarem elementos da
música globalizada, como a introdução das guitarras e de baixo elétricos em ambos os grupos
157
VARANDA é a próxima atração do Torquato. Jornal O Dia, Teresina, 26 out. 1981.
158
Ibid.
159
SOUZA, André Luíz Oliveira Eugênio de. André Luíz Oliveira Eugênio de Souza [31 jan. 2012]
Entrevistador: Hermano Carvalho Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a
Música Popular Teresinense concedida como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História
do Brasil pela Universidade Federal do Piauí.
e de teclados elétricos no Candeia. Mesmo em grupos que buscavam deixar bem remarcado
suas identidades estéticas, suas experiências socioculturais estavam inseridas no ambiente
urbano que incidia neles, inevitavelmente, os ritmos e as marcas da cidade em suas práticas
musicais.
Em 1981 foi lançado o show intitulado “Relativamente Louco” – nome este derivado
de uma canção chamada “Samba Relativamente Louco” de Durvalino Filho e Geraldo Brito –
do músico e compositor Geraldo Brito e contou com a participação de várias figuras ligadas
ao segmento cultural de Teresina, como o poeta Durvalino Filho, o ator e diretor de teatro
Assaí Campelo e o artista gráfico Arnaldo Albuquerque. O espetáculo buscou mostrar uma
inventividade artística fluida, sujeita a interpenetrações de diferentes linguagens. O show foi
elaborado para ser uma mescla de música, teatro e poesia e esteve programado para acontecer
em várias capitais do país. As multifacetas pretendidas pela apresentação de Geraldo Brito são
um espaço de experimentos e de proposição de experiências musicais e visuais onde
diferentes referências artísticas convergiram para sua realização. A ligação com a tropicália 160
de Torquato Neto, Gilberto Gil e Caetano Veloso pode ser percebida nessa espécie de
happening musical, mescla de linguagens, assim como definiu o próprio Geraldo Brito à
época em um relato onde a economia política do espetáculo foi pautada pela sensibilidade e
pelos sentidos.:
O nosso trabalho [...] é um show com muito swing, humor e ritmo, para que
se torne uma coisa leve e faça a plateia participar e dançar. Por isso está
sendo programado um roteiro mutante exatamente para que a apresentação
de Parnaíba seja diferente da do Rio de Janeiro e assim por diante. Esse
espetáculo está sendo preparado tanto para quem o faz como para quem o
assiste. É uma declaração de amor que não cabe dentro de nenhuma
ideologia ou política 161.
160
A tropicália buscou incorporar aquilo que parte do modernismo brasileiro da década de 1920 chamou de
“antropofagismo” cultural, ou seja, incorporar diferentes elementos culturais nos fazeres artísticos. Celso
Favaretto assim bem definiu o que seria o tropicalismo: “Pode-se dizer que o tropicalismo realizou no Brasil
a autonomia da canção, estabelecendo-a como um objeto enfim reconhecível como verdadeiramente artístico
[...] Reinterpretar Lupicínio Rodrigues, Ary Barroso, Orlando Silva, Lucho Gatica, Beatles, Roberto Carlos,
Paul Anka; utilizar-se de colagens, livres associações, procedimentos pop-eletrônicos, cinematógrafos e de
encenação; misturá-los, fazendo-os perder a identidade, tudo fazia parte de uma experiência radical da
geração dos 60 [...] O objetivo era fazer a crítica dos gêneros, estilos e, mais radicalmente, do próprio veículo
e da pequena burguesia que vivia o mito da arte. [...] mantiveram-se fiéis à linha evolutiva, reinventando e
tematizando criticamente a canção. FAVARETTO, Celso Fernando. Tropicália: alegoria alegria. 2.ed.rev.
São Paulo: Ateliê Editorial, 1996, p.15.
161
GERALDO Brito tem show diferente no Maranhão. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 27 maio. 1981.
crítica em relação àqueles que não estavam abertos a esse tipo de atitude artística. Em
entrevista concedida em 1981 a um jornal de Teresina quando da divulgação do show
“Relativamente Louco”, o músico fez a seguinte afirmação, quando perguntado sobre outros
artistas da música de Teresina, se tinham também trabalhos “loucos”, loucura essa associada à
criatividade artística que rompe com o ordinário do cotidiano social:
162
CONFIRMANO: Geraldo Brito está mesmo relativamente louco! Jornal O Dia, Teresina, 27 jul. 1981.
163
NAPOLITANO, Marcos. A síncope das ideias: a questão da tradição na música popular brasileira. São Paulo:
Editora Fundação Perseu Abramo, 2007, p. 6.
jovem-guarda e tropicália como importantes referenciais para se pensar a música brasileira ele
assume a condição de representante de tais referenciais e busca dar continuidade a “tradição”
híbrida presente na MPB. O espetáculo que tomamos como exemplo, “Relativamente Louco”,
busca operar dentro desse limite flexível, sem perder de vista os principais a tradição da
música popular em relação aos quais ele se coloca, indiretamente, em sua citação, como
herdeiro. Dentro desse imenso guarda-chuva da MPB, do qual se refere Marcos Napolitano,
Geraldo Brito se posicionava, para nós, numa em uma região intermediária, mais aberta às
influencias tanto nacionais quanto estrangeiras.
A despeito de Geraldo Brito ter registrado trabalho solo como compositor apenas em
2001, sua intensa movimentação nos espaços musicais de Teresina, a partir dos anos 1970, o
coloca como um dos principais nomes da música popular da cidade. O exemplo que tomamos
do show “Relativamente Louco” como uma forma de tentar delinear o tipo de produção
musical através da qual Geraldo Brito buscava se posicionar como um agente da música
popular pode ser estendido para outros espetáculos do músico e compositor. Geraldo Brito
remarcou seu espaço de atuação nos diversos espetáculos individuais que realizou como um
representante da MPB com marcas tropicalistas. Podemos notar a influência do notório modo
subjetivo de explicar os fazeres artísticos do compositor baiano Caetano Veloso presente na
fala de Geraldo Brito citada em matéria jornalística a seguir, ao comentar sobre o seu show
“Figurante Amor” do final de 1983:
Mesmo atentando para as ressalvas que devam ser feitas a respeito das fontes
jornalísticas, suas possíveis edições através de supressões ou enxertos de fatos ou opiniões
nos textos dos jornais impressos, essa marca de um subjetivismo explicativo de suas
atividades artísticas continua presente em Geraldo Brito em outro momento da década e ajuda
a reforçar a ligação de Geraldo Brito a uma música popular mais intelectualizada. Assim ele
se expressou, segundo matéria jornalística, a respeito de seu outro espetáculo musical
realizado em 1987, chamado “Um Lance de Dardos”: “apesar da semelhança com o título do
164
GERALDO Brito vai a Parnaíba. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 6 dez. 1983.
poema do poeta francês Mallarmé, o show nada tem a ver com algum conteúdo Malarmáico.
É tudo uma questão de signo poético”165.
Infelizmente, encontramos pouca repercussão sobre a realização desses eventos
musicais de Geraldo Brito que nos ajudem a adensar as marcas de suas práticas artísticas
como um dos matizes que compõem a música popular de Teresina. Muito do que se escrevia
nos jornais sobre espetáculos e eventos musicais, e isso vale para todos os artistas
encontrados, se referia à divulgação e promoção dos shows com respectivos currículos dos
artistas. O retorno crítico sobre esses shows musicais após o seu acontecimento pouco ocorria
nos anos 1980. Um dos poucos retornos que encontramos foi a crítica feita ao show
“Figurante Amor”, e mais uma vez é André Luis quem nos ajuda a vislumbrar um pouco mais
sobre as limitações e as possibilidades dos diferentes fazeres da música popular teresinense
através de uma dos espetáculos musicais de Geraldo Brito.
Intitulado “E quem disse que não pode?”, o texto fala sobre o bom público do show
que movimentou, segundo seu autor, o marasmo musical da cidade, só perdendo em produção
para o show "Lances" da intérprete Laurenice França. Ainda sobre a produção, faz uma
interessante observação sobre os bastidores do espetáculo e o seu cenário afirmando que os
artistas locais precisavam dar mais valor a esses artifícios e pararem de lamentar a falta de
dinheiro, pois o show de Geraldo Brito foi exemplo de como se pode fazer um espetáculo de
qualidade com poucos recursos. Mais uma vez fala do amadorismo da música local ao apontar
as falhas da apresentação: O número excessivo de pessoas no palco, ele enumerou treze
instrumentistas, o que causou uma confusão sonora, comprometendo em muitos momentos os
arranjos das canções. E conclui da seguinte maneira a crítica:
Falhas a parte, 1984 começou muito bem para Geraldinho, que é algo assim
como uma unanimidade ao meio musical e cultural da cidade. Ele já mostrou
que é um músico de primeira, um bom compositor [...] mas o certo mesmo é
que ele não tem mais nada o que fazer por aqui. Ele inclusive corre o risco
de estagnar sua produção caindo no embalo do mormaço dessa quente e
acomodada Teresina. Geraldinho tem mais é que parar de fazer shows
apenas bons (e por que só três dias? Teresina já comporta temporadas
maiores), juntar os trapos, comprar um violão novo e botar o pé na estrada,
porque como ele mesmo falou, quem disse que não pode166?
Geraldo é alçado pelo texto a uma condição de artista de grande reconhecimento local
que o coloca apto a ocupar os espaços da música popular brasileira nos grandes centros
165
GERALDO abre temporada hoje no Theatro. Jornal O Dia, Teresina, p.2, 3 fev. 1987.
166
LUIZ, André. E quem disse que não pode? Jornal O Estado, Teresina, 30 Maio. 1984.
urbanos do país. O marasmo cultural tratado pelo texto é contrariado quando o mesmo
apresenta a cidade trazendo junto de si condições para temporadas maiores de espetáculos
musicais como o “Figurante Amor” de Geraldo Brito. Este exemplo nos mostra como desejo
por outros mercados e públicos para a música popular produzida em Teresina, aliado a falta
de condições da cidade em proporcionar a estes artistas a sobrevivência material a partir de
sua arte, criou, ironicamente, ambiente para que diferentes músicos, compositores e
intérpretes praticassem, produzissem e reinventassem a música popular em Teresina através
da constante movimentação deste espaço urbano não inserido nos grandes circuitos nacionais
da música popular brasileira.
Ana Miranda foi uma das mulheres que fizeram parte da cena musical popular de
Teresina nos anos 1980. Assim como Geraldo Brito, iniciou sua carreira nos anos 1970 e se
posicionava como uma intérprete da MPB que atuou, além da capital piauiense, na cidade do
Rio de Janeiro. Participou como cantora da banda do maestro, saxofonista e arranjador Paulo
Moura fazendo shows no eixo Rio-São Paulo apresentando-se em locais como o Circo
Voador no Rio de Janeiro e no Sesc Pompéia em São Paulo. Toda a movimentação da artista
piauiense nesses meios culturais desses grandes centros urbanos do país a fizeram gozar de
prestígio entre reconhecidos intelectuais da música popular brasileira, como o jornalista,
crítico, produtor musical, pesquisador e escritor Sérgio Cabral 167 que assim se referiu a
intéprete:
167
Entre suas obras publicadas podemos destacar: “As Escolas de Samba - o que, quem, onde, como, quando e
porque" (1974), "Pixinguinha, Vida e Obra" (1977), com o qual venceu o concurso de monografias sobre
música popular, instituído pela Funarte, "ABC do Sérgio Cabral" (1979), "Tom Jobim" (1987), "No Tempo
de Almirante" (1991), "No Tempo de Ari Barroso" (1993), "Elisete Cardoso, Vida e Obra" (1994), "As
Escolas de Samba do Rio de Janeiro" (1996), "A Música Popular Brasileira na Era do Rádio" (1996),
"Pixinguinha Vida e Obra" (1997), "Antonio Carlos Jobim - Uma biografia" (1997), "Mangueira - Nação
Verde e Rosa" (1998) e "Nara Leão - Uma biografia" (2001). Ver em:
http://www.dicionariompb.com.br/sergio-cabral/biografia. acesso em 21/11/2012.
168
ANA Miranda: Em busca do seu lugar ao sol. Revista Presença, Teresina, n.18, p. 20, 1986.
A citação acima enumera várias qualidades de Ana Miranda como artista e chama a
atenção para seu cuidado com o repertório da música popular produzida no Piauí, sendo ela
além de intérprete e divulgadora da música de sua terra natal, também compositora. Realizou
em Teresina um grande show intitulado “Ana Miranda e Grupo” no ginásio “Verdão” em
1986 para mais de duas mil pessoas trazendo em seu repertório “do xote ao rock do Lobão,
passando pela bossa nova e lindas canções românticas” 169. Mais indícios sobre o repertório
apresentado neste show do Verdão são apresentados na seguinte matéria jornalística e nos
podem informar sobre o universo musical no qual transitava a intérprete: “No repertório do
show [...] Ana Miranda cantará compositores piauienses, Guilherme Arantes, Marina, Caetano
Veloso, João Bosco e Aldir Blanc, Dorival Caymmi, e fará uma homenagem a Elis
Regina”170. A variedade do repertório apresentado por Ana Miranda neste show explicita uma
identificação da intérprete com alguns dos principais referenciais da MPB.
Mas é interessante notar também que Ana Miranda incorporou ao seu repertório
canções de artistas que se estabeleceram como figuras centrais da música popular brasileira a
partir dos anos 1980. Nomes como Lobão e Marina Lima, artistas citados nas matérias
jornalísticas e com canções presentes no repertório de Ana Miranda, fizeram parte daquilo
que a imprensa especializada da época chamou de BRock ou Rock Nacional 171, expressão que
serviu para colocar no mesmo bojo uma série de virtualidades heterogêneas, mas que
possuíam como um fio condutor em comum esse gênero musical oriundo dos Estados Unidos
da América. Entre seus principais expoentes podemos citar bandas como a Legião Urbana,
RPM, Ultraje a Rigor, Paralamas do Sucesso, Titãs, Blitz, entre outros. Esses e outros artistas
conseguiram grande sucesso comercial “vendendo milhões de discos, tocando para o povo e,
ao mesmo tempo, transportando o país à realidade tecnológica e musical do pop
internacional”172.
Em Teresina, a partir da segunda metade da década de 1980, surgem diversos grupos,
formados em sua maioria por jovens entre dezenove e vinte e cinco anos, influenciados
diretamente pelo “Rock Nacional”. Uma nova geração de compositores e músicos começa a
ocupar na capital piauiense os espaços da música popular e a delimitar uma outra forma de
produção musical cuja a demanda de público já se fazia presente na cidade, inclusive em
locais de tradição social mais conservadora como, por exemplo, uma instituição de ensino
169
Ibid.
170
ANA Miranda fará shows em outubro no ginásio Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 2, 29 set. 1986.
171
DAPIEVE, Arthur. Brock: o rock brasileiro dos anos 80. Rio de Janeiro: Ed.34, 2005.
172
ALEXANDRE, Ricardo. Dias de luta: o rock e o Brasil dos anos 80. São Paulo: DBA Artes Gráficas, 2002,
p. 7.
católica onde os espaços para tal manifestação musical, muitas vezes ligada, em sua origem, a
rebeldia e a desobediência, puderam ser praticados. A matéria jornalística a seguir noticia o
seguinte acontecimento:
O repertório da banda citada acima sofreu uma censura prévia por se tratar de um
espaço ocupado em sua grande maioria por crianças e adolescentes, buscando preservar as
regras de conduta prezadas por uma instituição de ensino religiosa. “Não poderiam ser
tocadas músicas com letras que desrespeitassem as normas do estabelecimento. ‘Filho da...’
do Ultraje a Rigor nem pensar” 174, referindo-se ainda a mesma matéria jornalística a uma das
músicas deste conjunto de rock paulista de muito sucesso nos anos 1980. Além das limitações
do repertório, o olhar vigilante das freiras disciplinava a diversão: “Toda a programação foi
acompanhada [...] atentamente por inúmeras irmãs, que, em locais diferentes do ginásio
vigiavam atentamente os alunos se divertirem” 175.
O rock and roll comportado foi apresentado no colégio pela banda Fator RH formada
por Gleyson (guitarra), Gomery (guitarra e vocal), Maurício (bateria) e Marcio (baixo). “Eles
fazem o estilo de alguns grupos de rock em evidência atualmente, como Engenheiros do
Hawaii, Legião Urbana, Titãs e Ira” 176, sendo assim definido o grupo em texto jornalístico da
época que também traz a seguinte fala de um dos integrantes da banda: “Nós gostamos de
rock por que é um som que toca diretamente os jovens. Em nossas letras nós falamos de
problemas sérios que atingem o Brasil, como ecologia, violência e discriminação racial” 177. A
preocupação com temáticas ligadas a questões sociais, políticas e relacionadas ao cotidiano
juvenil é uma referência direta aos grupos usualmente enquadrados como pertencentes ao
173
JR, Osório. O rock invade as escolas. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 20 abr. 1989.
174
Ibid.
175
Ibid.
176
FATOR RH positivo. Jornal O Dia, Teresina, p. 11, 18 mar. 1989.
177
Ibid.
rock nacional e que também abordam em muitas de suas letras de músicas essas mesmas
temáticas, principalmente os grupos anteriormente citados como influências diretas do Fator
RH, como as bandas Engenheiros do Hawaii, Legião Urbana, Titãs e Ira.
Apesar de não ter deixado registro gravado em disco, o que compromete as análises
das músicas uma vez que a linguagem verbal está estritamente ligada a linguagem musical
quando se trata do formato canção, ou seja, letra e música como elementos indissociáveis para
sua interpretação, encontramos, no entanto, nos jornais algumas letras das canções do grupo
Fator RH que trazem as temáticas por eles elencadas anteriormente na matéria jornalística
como os motivos inspiradores de suas composições. O conteúdo temático da letra da canção
intitulada “Protesto” são indagações superficiais sobre questões motivadoras de tensões
sociais em todo o mundo, buscando a saída para essas mesmas questões através de um
pacifismo justificado numa suposta igualdade entre os indivíduos, onde as soluções para esses
conflitos poderiam ser realizadas de formas simples, por meio de pequenos gestos. Segue
abaixo a letra da canção em que seu narrador aparece atônito e confuso diante das injustiças
do mundo:
A banda SNI formada em 1987 foi outro grupo de rock teresinense que buscou
também em suas temáticas musicais a preocupação com questões de cunho social. O nome do
grupo é uma referência irônica ao Serviço Nacional de Informação, órgão responsável pela
espionagem e contra-espionagem do regime ditatorial militar brasileiro instaurado em 1964.
No caso do grupo, a sigla SNI significava Sem Nada a Informar. Entretanto, ao contrário do
que o nome da banda sugeria, os integrantes do conjunto desejavam “conscientizar” seu
público através das mensagens presentes nas letras de suas músicas. Assim falou Roberto
178
Ibid.
Plant, integrante do grupo, em depoimento a um jornal da época em que mostrava as
aspirações da banda e buscava definir o conceito musical com qual o grupo trabalhava:
“Tentávamos subverter as mentes alienadas, sem se rotular a qualquer estilo de rock, com
letras que são um verdadeiro Raio X do presente e do passado do Brasil” 179.
Assim como aconteceu com o grupo Fator RH, uma letra da música da banda SNI
também foi publicada nas páginas de um jornal teresinense. Umas das poucas fontes que
tivemos acesso acerca das produções desses grupos são essas letras publicadas pelos jornais
da cidade. O SNI chegou a gravar uma “demo tape” 180 intitulada “Juventude Consumista”
com oito músicas do grupo, formado por Sérgio Luiz (baixo e voz), Adolfo Vale (guitarra) e
Roberto Plant (bateria). A letra da música “Juventude Consumista”, trazia um teor crítico
social, cujo alvo principal, como o próprio título da canção diz, seriam as práticas juvenis as
quais os compositores da música consideravam alienantes, desprovidas de senso do que eles
entendiam ser a realidade:
179
S.N.I joga pesado no rock piauiense. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 16 mar. 1989.
180
A gravação de demo tape era um recurso utilizado por banda que não tinham condições de gravar disco em
estúdio. A gravação era feita em fitas k7 por gravadores, muitas vezes de uso doméstico, o que comprometia
a qualidade da gravação.
181
S.N.I joga pesado no rock piauiense. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 16 mar. 1989.
como conscientes diante do contexto histórico no qual estavam inseridos através de uma
postura que questionava suas realidades e que propunham ações, mesmo que de forma
poética, para mudar tais condições sociais. A letra de “Juventude Consumista” traz uma série
de contestações sobre a condição de ser jovem e a presente mercantilização de vários
símbolos relacionados ao comportamento enquadrados no sistema capitalista, representado
pelos punks de boutiques, pela TV, pelo cheesburguer, pela cooptação do rock e por hippies
asseados. Apesar da mensagem acreditar que nem tudo está perdido é a descrença que além de
iniciar também encerra a letra da música, carregada de incertezas. Tais temáticas nas
composições também remarcavam intencionalmente sua identificação com os grupos do
chamado Rock Nacional, como foi noticiado pela imprensa à época sobre as influências
musicais da banda SNI através de seu baterista Roberto Plant:
Atualmente ele diz que passou a observar melhor o rock nacional e já tem
até alguns ídolos da terra. Entre eles estão o grupo gaúcho Engenheiros do
Hawai. “Adoro as letras. Queria escrever como eles”. Os Titãs: “as letras são
boas e cheias de energia” e o Legião Urbana do qual fazem um “cover” da
música “Ainda é Cedo” [...]182.
Por outro lado, existiu em Teresina nos anos 1980 uma vertente do rock que não
procurou identificação musical nesse universo heterogêneo usualmente chamado de Rock
Nacional. Grupos de jovens mais ligados às produções musicais de fora do Brasil que
tocavam rock com um som chamado por seus praticantes de “pesado”, tendo como suas
principais características as distorções nos sons das guitarras e o rápido andamento com o
qual as músicas eram executadas. Apesar de poucos grupos ligados aos subgêneros do rock
conhecido como heavy metal e trash metal183 terem surgido à época em Teresina, eles
movimentavam um circuito cultural alternativo que tinha uma dinâmica própria, conforme
podemos perceber neste interessante depoimento de William Rodsam que tocou em três dos
principais grupos de rock inseridos nesse universo, ao falar de como era o funcionamento de
divulgação e troca de informações a partir do principal grupo no qual tocou, o Avalon:
182
Ibid.
183
Tanto o heavy metal quanto o trash metal são duas vertentes do rock and roll que em suas composições
musicais e deram ênfase às distorções e solos de guitarras e às performances dos músicos transformando os
shows em grandes espetáculos musicais. O heavy metal abrange um leque de maior heterogeneidade de
grupos, daí ser difícil estabelecer uma categorização mais específica, sendo os seus principais representantes
bandas como Leed Zeppelin, Deep Purple e Black Sabbath. Já o trash metal é um estilo mais rápido em seu
andamento e com ausência da influência rítmica do blues o que aliado às performances e às representações
que tais grupos faziam de si mesmos, geralmente associadas à violência, imprimiam em si a marca da
agressividade. Seus principais representantes são as bandas norte americanas Metallica, Slayer e Megadeath.
Fizemos vários eventos aqui na época. Os shows eram produzidos por nós
mesmos. O Avalon gravando muitas demos que era o que se podia fazer na
época, gravar demo-tape. Você gravava pelo menos 4 ou 5 músicas numa
fita k7, mandava pros fanzines, os fanzines divulgavam pelo Brasil e até o
exterior, mas inicialmente a gente tinha muito contato com gente do resto do
país e ficava aquela troca de informações através dos fanzines. Saía a
resenha da demo no fanzine, as pessoas divulgavam seu endereço, você
começava a receber carta [...] era um mercado bem underground mesmo.
Você divulgava seu trabalho através das fanzines e ao redor disso girava
muitas pessoas comprando, outras bandas de som similar entrando em
contato e você trocando informação, viabilizando shows em outros lugares.
Nessa época a gente foi tocar em São Luís, em Fortaleza dessa forma. As
pessoas de lá que conheciam a gente através dos fanzines levando, custeando
tudo e até a gente trazendo bandas pra cá. Teve um show famosíssimo no
Centro de Convenções que a gente trouxe uma banda de fortaleza e veio uma
galera de Fortaleza [...]184
184
RODSAM, Wiliam. Wiliam Rodsam [jan. 2012] Entrevistador: Hermano Carvalho Medeiros. Teresina, 2012.
Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense concedida como fonte para
elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí.
185
Tipo de revista publicada de forma independente a baixo custo cujo conteúdo se refere a um determinado
nicho cultural, como música, quadrinhos, literatura, dentre outros.
186
Lp em que duas bandas dividiam os lados A e B do disco entre si, prática muito comum nos anos 1980
principalmente entre grupos de punk rock, hardcore, indie rock e heavy metal.
187
“A expressão ‘selo musical’ deriva do inglês record label, que definia antigamente as divisões internas das
grandes gravadoras, as chamadas majors. Com o passar do tempo, foram nascendo selos musicais
independentes, livres de vinculo às holdings (majors), sendo os mesmos responsáveis pelo gerenciamento e
produção das obras. Os selos não são gravadoras propriamente ditas, pois em geral não possuem estrutura
completa de produção, como contratação, gravação, divulgação e comercialização de artistas no mercado. Os
selos contam com um pequeno efetivo humano em termos de equipe de trabalho, pequeno cast de artistas e,
na maioria dos casos, dependendo de outras empresas fonográficas para gravar, divulgar, comercializar ou
distribuir”. Ver em: http://www.abmi.com.br/website/faq.asp?id_secao=9. Acesso em 29/11/2012.
188
Banda mineira reconhecida internacionalmente, formada em 1984 pelos irmãos Max e Igor Cavalera.
No Brasil as entidades que se dizem culturais não se interessam pelo rock
que, como todos sabem, é uma das mais importantes manifestações da
cultura dos povos e é o estilo que mais cresce no mundo. O rock é
universalidade, só o brasileiro não descobriu isso. Ainda falta muito para
acontecer essa descoberta. Não existe apoio dos homens que detém o poder,
seja no Estado ou na sociedade189.
Interessante notar que boa parte das bandas de trash metal buscavam se inserir como
grupos de um mercado independente, entretanto, não deixavam de se submeter às imposições
desse mesmo mercado alternativo do qual faziam parte. As duas bandas teresinenses, Avalon
e Megahertz iniciaram cantado suas músicas em português, mas por um desejo de alcançarem
um maior público passaram a compor suas canções em língua inglesa. Kasbafy comenta que
deixou uma primeira oportunidade de gravar um LP com o Megahertz por conta do selo
Cogumelo Records ter exigido que as letras das músicas fossem em língua inglesa. Assim ele
falou em matéria jornalística à época: “O dono da gravadora se interessou pelo nosso rock...
infelizmente ele exigiu que as letras fossem cantadas em inglês, com o que não concordamos.
Depois, com a nova formação, tanto de integrantes como de ideias, resolvemos aceitar o
desafio”191. Um dos integrantes da banda Avalon, Ico Almendra, também falou sobre essa
questão em entrevista a um jornal teresinense à época: “Vamos gravar em inglês seguindo a
tendência de outras bandas do país, por que o mercado aqui é pequeno” 192, referindo-se ao
mercado internacional para o estilo musical de sua banda. Mercado este que havia consagrado
189
MEGAHERTZ prepara o primeiro Lp. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 12 set. 1989.
190
RODSAM, Wiliam. Wiliam Rodsam [jan. 2012] Entrevistador: Hermano Carvalho Medeiros. Teresina, 2012.
Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense concedida como fonte para
elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí.
191
MEGAHERTZ prepara o primeiro Lp. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 12 set. 1989.
192
RIBEIRO, Efrém. Rock teresinense vai ao Canadá. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 26 dez. 1988.
a banda brasileira Sepultura e que se abria como um horizonte de possibilidade para que esses
grupos também desejassem se firmar nesse universo da música popular.
O percurso narrativo apresentado neste tópico deste segundo capítulo procurou
construir um trajeto que percorresse uma entre as inúmeras possibilidades da música popular
existente em Teresina nos anos 1980. Do regional, representado por grupos como o Candeia e
o Varanda, ao heavy metal, representado por Megahertz e Avalon. E entre esses dois extremos
aqui elencados, alguns artistas que se situavam na região central deste percurso, como
Geraldo Brito, Ana Miranda, Fator RH e SNI. As escolhas dos artistas aqui analisados
implicam a renúncia de outros artistas que também poderiam compor esse cenário musical
teresinense. Tais escolhas se fizeram no sentido de reforçar o caráter plural presente nas
produções musicais teresinenses no período aqui abordado e que se constituíram, a nosso ver,
em sua marca identitária.
Outro elemento que ajudou a forjar o universo musical popular de Teresina foi a
recorrente associação da cidade por parte dos que a pensavam e faziam sua movimentação
musical a um marasmo cultural que ironicamente reinventou e deu vida aos espaços da
música popular teresinense através de artistas e músicos que buscando justamente responder a
um suposto estado de inércia, de um “eterno vir a ser” cultural que não se concretizava na
cidade, se expressaram através de produções artísticos musicais as mais variadas,
experimentando e produzindo a cidade por meio de regionalismos musicais urbanos,
reapropriações tropicalistas, contestações poéticas juvenis e de ruidosas distorções de
guitarras que ajudaram a moldar a feição da música popular da cidade de Teresina. Feição
esta que pode ser melhor realçada a partir do que foi produzido nos anos 1980 na capital
piauiense por meio de seus registros em fonogramas musicais, os LP´s.
3. A PRODUÇÃO FONOGRÁFICA EM TERESINA: DIVERSIDADES SONORAS DA
CAPITAL PIAUIENSE
Os registros fonográficos feitos por artistas atuantes em Teresina, ainda que pouco
numerosos no período aqui estudado, são fontes importantes que ajudam a montar o mosaico
de algumas das práticas e experiências da música popular na capital piauiense. O músico e
compositor Geraldo Brito, também um pesquisador da música popular piauiense, afirmou em
texto escrito para a revista cultural “Cadernos de Teresina” que “foi nos 80 que tivemos um
contato mais constante com a indústria fonográfica” 193. Ainda sobre os registros de discos
piauienses, Geraldo Brito em entrevista concedida para este trabalho relatou:
A citação acima mostra uma incipiente produção fonográfica piauiense nos anos 1960
e 1970. Ao passo que na década de 1980 houve um maior volume de gravações de artistas do
Estado, mas em quantidade ainda irrisória se comparada aos grandes centros urbanos do país,
onde as multinacionais da indústria fonográfica estavam instaladas com toda sua
complexidade na produção de discos que envolviam grandes aparatos tecnológicos de
gravação, estratégias de marketing, pesquisas de mercado e toda uma divisão de trabalho para
estas áreas específicas de atuação, no sentido de racionalizar seu funcionamento para o maior
acerto nas produções deste negócio 195, faziam parte de uma realidade muito diferente da
193
BRITO, Geraldo. Geraldo Brito [14 abr. 2012] Entrevistador: Hermano Carvalho Medeiros. Teresina, 2012.
Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense concedida como fonte para
elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí.
194
Ibid.
195
As informações sobre o mercado fonográfico brasileiro nos anos 1980 podem ser encontradas em: VICENTE,
Eduardo. Música e disco no Brasil: A trajetória da indústria nas décadas de 80 e 90. 2002 .Tese. (Doutorado
em Comunicação) - Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo.
realidade teresinense nos anos 1980. Os poucos estúdios que existiam em Teresina não
possuíam condições materiais e humanas para inserir-se no contexto brasileiro da produção
fonográfica196 marcado pela competitividade entre as grandes empresas deste setor197.
Contudo, as regiões de menor visibilidade em relação aos grandes circuitos nacionais
de circulação musical também foram lugares de expressão e os artistas da capital piauiense
produziram seu repertório para a música popular de forma independente. Entretanto essa
independência era apenas contingencial, ou seja, muitos desses artistas e grupos piauienses
almejavam entrar nestes circuitos de circulação musical e a produção independente desses
discos funcionava como um material de apresentação do trabalho de cada músico, intérprete e
compositor. A produção independente funcionava como uma alternativa em face de uma
impossibilidade de fazer parte do elenco das gravadoras que dominavam estes espaços de
consagração para os artistas da música 198. Eduardo Vicente em trabalho sobre a indústria
fonográfica brasileira faz uma interessante observação acerca deste assunto:
196
Entre os poucos estúdios de gravação que pudemos ter notícias em nossas pesquisas através das entrevistas
realizadas com diferentes músicos que atuaram em Teresina nos anos 1980, como Geraldo Brito, Edvaldo
Nascimento, André Luiz, Durvalino Filho e William Rodsam, os mesmos relataram que a maioria dos
estúdios faziam parte de agências publicitárias e não haviam sido construídos com a finalidade apenas para a
produção musical. O principal estúdio do período em Teresina, citado por todos os entrevistados, foi o
estúdio do Pepe que funcionou em Teresina até o final dos anos 1990, mas que também gravava muitos
jingles publicitários em suas instalações. Além das informações dos entrevistados sobre este estúdio eu
também tive oportunidade de conhecê-lo já no fim de suas atividades.
197
Sobre a competitividade no setor da indústria fonográfica no Brasil Eduardo Vicente assim nos informa: “[...]
embora o crescimento do mercado do final dos anos 60 até o final dos 70 tenha efetivamente viabilizado a
criação e sobrevivência de pequenas empresas, os sinais da concentração do mesmo nas mãos de grandes
conglomerados nacionais e estrangeiros ficavam, como vimos, cada vez mais evidentes, com as grandes
gravadoras nacionais passando a enfrentar crescentes dificuldades para a sua sobrevivência. O selo
pernambucano Mocambo, criado em 1954 por José Rozemblit como extensão da sua fábrica de discos e que
contou, até 1966, com um cast formado por artistas exclusivos como Jorge Ben e Sílvio Caldas, passava por
problemas dramáticos; a Chantecler, fundada em 1958, era absorvida pela Continental ainda em 1974 e a
RGE, empresa de larga tradição no mercado, comprada pela Rede Globo em 1979. A própria Continental
experimentou, ao longo das décadas seguintes, uma progressiva perda de importância diante das empresas
internacionais ao ponto de, em 1984, já nem mais ser relacionada entre as principais empresas do setor no
país.” Ver em: VICENTE, Eduardo. Música e disco no Brasil: A trajetória da indústria nas décadas de 80 e
90. 2002 .Tese. (Doutorado em Comunicação) - Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São
Paulo, São Paulo, p. 72-73.
198
Existia também a produção independente que remarcava um posicionamento distanciado, intencional em
relação ao grande mercado fonográfico O caso brasileiro mais notório nos anos 1980 foi o Lira Paulistana.
Sobre ele Eduardo Vicente diz: “O Teatro Lira Paulistana foi inaugurado no bairro paulistano de Pinheiros no
final de 1979 e polarizou, a partir de então, a cena e mesmo o debate sobre a produção musical independente
no país. Se até seu advento os nomes de destaque nesse campo eram Antônio Adolfo, Francisco Mário, Boca
Livre, Céu da Boca e Luli & Lucinha, entre outros, o Lira trouxe a público um novo grupo, formado por
artistas como Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Premeditando o Breque, Passoca e Língua de Trapo. O
Lira, como se sabe, não foi um movimento musical, mas sim uma iniciativa empresarial que consistiu na
montagem de um núcleo de produção e difusão artística formado por um teatro, uma gráfica e um selo
fonográfico, tendo sido esse último criado em 1981. Esse núcleo permitiu a aglutinação dos artistas acima
citados e forneceu os meios de seu acesso ao público.” Ver em: VICENTE, Eduardo. Música e disco no
Brasil: A trajetória da indústria nas décadas de 80 e 90. 2002 .Tese. (Doutorado em Comunicação) - Escola
de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 130.
A produção independente surgiria como uma estratégia possível dentro da
carreira do artista (qualquer artista) que, a princípio, não implicaria
necessariamente num questionamento da estrutura da indústria do disco e,
menos ainda, da sociedade como um todo [...] A alternativa independente
foi, na verdade, largamente utilizada também por artistas que atuavam em
mercados regionais, na música sertaneja, na música instrumental e em
segmentos do rock ignorados pelas grandes gravadoras 199.
Boa parte da produção musical piauiense estava vinculada de alguma forma aos
subsídios institucionais dos poderes públicos, através de projetos culturais que acabaram
resultando em discos. Entretanto, houve os que buscaram se articular desvinculados do
financiamento público e gravaram seus trabalhos nos circuitos independentes de outros
Estados brasileiros. Mas ambos os exemplos – quer sejam as produções subsidiadas pelo
poder público, quer sejam as produções realizadas desvinculadas de tal apoio – procuraram
através de seus trabalhos inserir-se no mercado da indústria fonográfica que era o grande
facilitador da consagração de artistas para um público mais ampliado.
Para além destas tentativas de consolidação de carreiras através da inserção em um
mercado mais ampliado da música popular, que não apenas os limites territoriais piauienses, o
que vamos analisar são as produções criadas a partir de uma realidade que não possibilitava
em si mesma a popularização de artistas da música. Analisaremos agora cinco registros
fonográficos produzidos por artistas piauienses com forte atuação na capital do Estado e que
nos ajudam a perceber que tipo de produção musical esteve presente em Teresina nos anos
1980. Os fonogramas resultantes do FMPBEPI, o Lp Geleia Gerou, o Lp do grupo Candeia, o
Lp Cantares e o Lp split das bandas Megahertz e Avalon são as produções sobre as quais
debruçaremos as reflexões e que remarcam o caráter plural da música popular teresinense 200 e
fixam em meios materiais os produtos de suas diferentes práticas musicais.
199
VICENTE, Eduardo. Música e disco no Brasil: A trajetória da indústria nas décadas de 80 e 90. 2002 .Tese.
(Doutorado em Comunicação) - Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo,
p. 127-128.
200
Os procedimentos metodológicos de análise das canções contidas nos discos serão inspirados nos
procedimentos oferecidos por Marcos Napolitano em seu livro História e Música – História Cultural da
Música Popular que se baseiam nas análises das características gerais da forma canção, constituída por letra,
música e seus parâmetros poéticos-musicais; nas diversidades de séries informativas que podem estar
presentes na estrutura da composição – como indícios sociológicos, históricos, psicológicos, biográficos e
estéticos – além das instâncias de análise contextual que Napolitano engloba como fazendo parte elementos
da criação artística, produção, circulação e apropriação. Nem todas estas indicações de análise metodológica
para os discos aqui elencados serão supridas por falta de fontes que nos pudessem fornecer todas as
informações requeridas. Ver em: NAPOLITANO, Marcos. História & Música – História Cultural da música
popular. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
3.1. OS FONOGRAMAS DO FMPBEPI
A canção que mais reforça o caráter regionalista no disco, tanto em seus aspectos da
estrutura musical quanto em seus motivos poéticos é a música “Milagre na Terra” do cantor e
compositor Naeno. Nela estão presentes tanto o ritmo, o baião, quanto a instrumentação,
composta por flauta, triângulo, zabumba, baixo, acordeon e violão. A letra da canção fala das
agruras dos períodos de seca na região nordestina sendo a chegada da chuva encarada como
um milagre. Assim diz um trecho da letra: “Não deixou planos para o ano que vem /Foi
definido para o que convém/ Não aceitou a posição do céu /E foi lavrado o milagre na
terra”202.
As ligações ao universo globalizado, através de formas musicais identificadas com o
espaço urbano estão presentes nas canções “Carta Aérea” e a “Filha do Sol”. A ênfase nas
guitarras em ambas as músicas é um indício de tal vínculo, onde a primeira é um reggae
psicodélico e a segunda uma balada rock and roll. O disco possui também outras formas
201
LÁZARO; MIRANDA, Rubeni. Desafio. Intérpretes: Rubeni Miranda; Lázaro. In: FMPBEPI. Teresina,
p1980.
202
ROCHA, Naeno. Milagre na terra. Intérprete: Naeno Rocha. In: FMPBEPI. Teresina, p1980.
musicais como um samba abolerado (Todo Prazer), um fado (Uma certa Maria) e uma balada
ao som de bandolins (Quintal de passarinhos).
Os temas presentes nas letras do disco variam. Ecologia, natureza, pacifismo,
liberdade, saudade, paixão, amizade, além das temáticas relativas ao nordeste como o
vaqueiro, a seca, a cidade e o campo. Encontramos também entre algumas das letras um ponto
de reflexão poética em comum: um desencanto com o presente, sendo que o refúgio buscado
em função desse mal-estar ou se dá na esperança de um futuro melhor, como na letra da
balada/blues da canção “Reconstrução”:
203
SANTOS, José Luis. Reconstrução. Interprete: José Luís Santos. In: FMPBEPI. Teresina, p1980.
204
CUNHA, Paulo José; MENDES, George. Quintal de passarinhos. Interprete: Solange Leal. In: FMPBEPI.
Teresina, p1980.
Curiosamente o romantismo amoroso, assunto tão comum na música popular, aparece
em poucas músicas do disco. Ou como tema secundário, como no enredo da canção “Pedra do
Sal” que canta a solidão da liberdade:
Pedra do sal
Salgada seja
Cavaleiro errante quero encontrar
Cavalo espora, de olhos de fome
Tem todo meu corpo a me saciar
Nuvens escuras
Luz do amanhecer
Bom dia natura por me querer
Do verde e azul eu nasci castanho
Eu sou o próprio cavaleiro errante
Nasce a cada sol e a cada manhã
Vive em cada lua e sempre a chorar
Confessando tudo, do peito a viola
Que o amor que eu tive foi se embora205
209
RAMOS, Garibaldi. Nós. Interprete: Ronaldo Bringel; Rosa Lobo. In: Geleia Gerou. Rio de Janeiro:
Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1985. 1 disco sonoro. Lado A, faixa 1.
210
COUTO FILHO, Durvalino; BRITO, Geraldo. Zeus. Interprete: Ana Miranda. In: Geleia Gerou. Rio de
Janeiro: Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1985. 1 disco sonoro. Lado A, faixa 3.
211
FAUSTINO, Mário; MEDEIROS; NASCIMENTO, Edvaldo. O Mundo que venci deu-me um amor.
Interprete: Edvaldo Nascimento. In: Geleia Gerou. Rio de Janeiro: Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo
do Piauí, p1985. 1 disco sonoro. Lado A, faixa 2.
212
AURÉLIO, Magno; LINCOLN, Abraão. Desejo. Interprete: Ronaldo Bringel. In: Geleia Gerou. Rio de
Janeiro: Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1985. 1 disco sonoro. Lado A, faixa 5.
213
CRUZ NETO, Joaquim Antonio da. Repente. Interprete: Mira. In: Geleia Gerou. Rio de Janeiro: Secretaria
de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1985. 1 disco sonoro. Lado A, faixa 4.
analisar este disco é a mesma do disco anterior: os diferentes projetos contidos em um mesmo
produto cultural. Entretanto, o Geleia Gerou traz uma uniformização no que diz respeito à sua
direção musical, de Antonio Adolfo, e à sua instrumentação, pois todas as músicas foram
gravadas por um mesmo grupo de instrumentistas, o que dá ao disco uma certa uniformidade
sonora e de execução.
A polêmica abordada no segundo capítulo sobre a capa do Geleia Gerou girou em
torno da ausência dos intérpretes e compositores no material gráfico do disco que foi
representado pela imagem do poeta Torquato Neto, como a figura a seguir nos mostra:
(GELEIA GEROU. Rio de Janeiro: Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1985. 1 disco
sonoro.)
3.3 O LP CANTARES
Gravado em 1987, dois anos após o disco Geleia Gerou, o LP Cantares traz em seu
design gráfico as fotos dos compositores e intérpretes que participaram do trabalho. As
fotografias aparecem no interior da capa do disco, juntamente com as letras das canções e
214
PIETROFORTE, Antonio Vicente. Uma imagem da música:Análise semiótica de uma capa de disco.
Cadernos de Semiótica Aplicada . v. 2. n.2, p. 7-8. dez. 2004. Disponível em:
http://www.fclar.unesp.br/grupos/casa/CASA-home.html. Acesso em: 10/12/2012.
215
“O design gráfico, na elaboração dos mesmos, trata da organização formal de elementos visuais que
compõem peças gráficas feitas para reprodução com objetivo expressamente comunicacional (ou seja, feito
para comunicar; não comunica por acaso ou porque tudo comunica, mas porque este é seu objetivo
fundamental). A análise atenta-se também a um olhar sobre este intermediador visual e sua relação entre o
espectador e a obra musical contida no disco.” Ver em: ROCHEDO, Aline do Carmo. Rock- A arte sem
censura As capas dos LPs do BRock dos anos de 1980. História, imagens e narrativas, n.13, p.1-40,
out.2011, p.2.
materializam através das imagens as fisionomias dos artistas. Não se pode afirmar que a
presença destacada das fotografias dos artistas no interior da capa se deu em função de sua
ausência no disco anterior e dos debates que tal fato ensejou, mas o enquadramento
fotográfico nos rostos de quase todos os músicos e intérpretes enfatizam as figuras dos
mesmos, vinculando suas imagens ao produto musical contido no disco.
(CANTARES. Rio de Janeiro: Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1987. 1 disco
sonoro.)
O nome disco, Cantares, é uma referência à estrela Antares que representa o Piauí na
bandeira brasileira. A capa do disco é uma imagem do céu e do espaço, do sol, de algumas
nuvens e estrelas com destaque para aquela que é a estrela Antares e sua cor avermelhada. A
referência a Torquato Neto se limita ao nome do projeto no canto inferior direito da capa. No
canto inferior esquerdo aparece escrito “Autores e Intérpretes da Música Popular do PIAUÍ”,
uma espécie de reafirmação da origem do produto cultural.
(CANTARES. Rio de Janeiro: Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1987. 1 disco
sonoro.)
Diferentemente dos dois discos analisados anteriormente, a seleção das músicas deste
LP não foi feita através de um festival. A grande maioria dos compositores e intérpretes
presentes neste disco participou dos discos do FMPBEPI e Geleia Gerou, quer seja apenas em
um ou em ambos os trabalhos musicais gravados anteriormente. A escolha dos artistas que
fizeram parte do Cantares, feita pela coordenação do projeto Torquato Neto àquela época
conduzida pela cantora Ana Miranda, indica que um grupo de compositores e intérpretes da
música popular teresinense já havia se consolidado como seu principal representante. Suas
produções e práticas artísticas anteriores lhes conferiam um capital cultural simbólico para
ocupar esses espaços musicais institucionais privilegiados, como, por exemplo, um disco
financiado pelo Estado216.
O LP cantares contou com a direção artística de Durvalino Filho e direção musical de
Luizão Paiva foi gravado e mixado em estúdios no Rio de Janeiro. Durvalino Filho assim
relatou a experiência de participar da produção deste disco, numa espécie de prestação de
contas informal de seu trabalho neste seguinte trecho de um artigo escrito por ele e publicado
em um jornal de Teresina:
Nos dias todos que permaneci no Rio a rotina foi uma só: a partir do meio
dia até nove da noite (e em certas ocasiões até bem mais que isso)
trancávamo-nos no estúdio eu, Luizão Paiva, o engenheiro de som Toninho
Barbosa (também piauiense) e mais os músicos convidados de cada faixa –
numa maratona de mais de 100 horas de gravação, onde tive a oportunidade
de aprender como se faz a produção de um disco e vários outros macetes
musicais e técnicos [...] Gostaria de deixar claro que a minha função de
diretor artístico, estabelece para mim algumas fronteiras [...] minhas
atribuições iam até onde começavam as de outros, como o diretor musical, o
diretor de produção (Toninho Barbosa) e todos outros autores e intérpretes
do disco. Espero que os colegas reconheçam que não é fácil conciliar o
temperamento de mais de 20 pessoas, cada uma com uma concepção de
disco diferente na cabeça. Evidentemente que, se fosse um trabalho
individual meu, faria outra coisa. Para o momento artístico nosso, acho que o
importante é fazer, ou assumir posturas que induzam à ação. E assumir sem
medo os riscos de todas as contradições 217.
218
DIAS, Janette. Esse Brasil. Interprete: Janette Dias. In: Cantares. Rio de Janeiro: Secretaria de Cultura,
Desporto e Turismo do Piauí, p1987. 1 disco sonoro. Lado A, faixa 1.
219
Segundo Alexandre (2002) o “single (o popular “sete polegadas” ou “compacto”) foi criado em março de
1949 pela RCA-Vitor americana como formato concorrente dos long-plays (Lp) da CBS lançados três anos
antes. Se o Lp (de dez e depois de doze polegadas) tinha a capacidade de condensar mais informação,
armazenando até 45 minutos de música, o single trazia a vantagem da praticidade. Sendo menor, mais
resistente e mais barato e tendo velocidade de 45 rotações por minuto (contra 33 1/3 do Lp), apresentava
excelente qualidade sonora”. Ver em: ALEXANDRE, Ricardo. Dias de luta: o rock e o Brasil dos anos 80.
São Paulo: DBA Artes Gráficas, 2002. p. 161.
220
DIAS, Janette. Vai-e-vem das estrelas. Teresina: Discos Sapucaia Ltda, p1982. 1 disco sonoro.
221
A canção “Fruta Proibida” foi interditada pela censura, o que impossibilitou a comercialização do compacto
causando prejuízos a Janette Dias, uma vez que toda a produção e gravação do disco foi possibilitada com
recursos da própria cantora. O veto teria sido ocasionado devido à palavra “baseado”, presente na letra da
música, em que os censores entenderam ser uma alusão ao consumo de maconha. Com o fim do regime
militar, a cantora buscou entrar com uma ação judicial contra o governo federal pedindo uma indenização por
conta dos prejuízos sofridos com a censura de sua música. Janette Dias afirmou à época que: “Não recebi
nenhuma explicação do Departamento de Censura da Polícia Federal quando minha música foi vetada. Na
época fiquei tão chateada com tudo que nem procurei liberá-la. Mas agora, esse negócio de Nova República,
resolvi fazer alguma coisa”. CANTORA censurada vai processar o governo. Jornal O Dia, Teresina, p. 6, 04
jul. 1985.
O disco Cantares pouco traz de novidades no que diz respeito a uma estética sonora e
em relação às temáticas das letras se comparado ao disco anterior, Geleia Gerou, apesar dos
áudios de seus fonogramas possuírem uma melhor qualidade em relação aos dois discos
anteriormente aqui analisados. A fragmentação de gêneros musicais do disco é constituída por
samba, jazz, blues, rock, rumba, xote e balada. As letras abordam temas como o
existencialismo (“Boulevard Frei Serafim” e “Veleiro”) e principalmente relacionamentos
amorosos (“Coração Noturno”, “Encontros”, “Encanto”, “Bibiana”, “Aghata”, “Balakubana”).
Há letras que falam sobre a relação do homem com a cidade (“Boulevard Frei Serafim” e
“Rock nas estrelas”) e com a natureza (“Rio Parnaíba, Velho Monge”). Umas das críticas
relacionadas a esse disco foi feita em relação a idade de algumas de suas músicas, pois eram
composições que não representavam o que o momento criativo musical dos artistas
registrados no LP estavam produzindo no contexto em que estavam inseridos na capital
piauiense. Assim disse uma crítica em um jornal da época:
Apesar da crítica se ressentir pelo fato do disco não representar, segundo o seu autor, o
que se fazia de atual à época na música popular em Teresina, ela não negou o valor e a
qualidade das canções, segundo seus padrões de julgamento: “as músicas mais antigas, por
sinal, estão entre as melhores do disco e quer passem mais sete ou dezessete anos, vão
continuar lindas”223. A crítica evidencia ainda um aspecto já analisado no capítulo 2: a
necessidade por parte dos artistas do registro musical e como consequência disso, fazer parte
na construção do repertório da música popular para a cidade e o Estado. Os três discos
coletivos analisados, FMBEPI, Geleia Gerou e Cantares são exemplos de um esforço coletivo
222
LUIZ, André. Cantares: o que se faz ou o que se faz? Diário do Povo, 06 mar, 1988.
223
Ibid.
– não articulado entre si como uma espécie de movimento cultural – de um grupo de artistas
para produzir e registrar a música popular em Teresina para além de suas práticas do cotidiano
musical, como os espetáculos ou apresentações musicais. Tais discos revelam um mosaico
musical multifacetado que, apesar de limitado apenas a um pequeno grupo de artistas que
estiveram presentes nos discos aqui analisados, são um espectro das possibilidades musicais
que orbitavam na capital piauiense nos anos 1980.
No Barroco, uma Suite era uma peça instrumental formada por vários
movimentos de dança. Porém, neste trabalho, o termo Suite é usado com
uma nova concepção, isto é, representando não só as variações de
andamentos e rirmos, mas cada canção como se fora parte (movimento) de
um todo (própria Suite). Em síntese, SUITE DE TERREIRO representa,
aqui, todo um arsenal folclórico de nossa cultura (Nordeste/Piauí). Nossa
SUITE DE TERREIRO foi feita de maneira consciente, com o objetivo de
preservar o nosso folclore (principalmente lendas e mitos) utilizando uma
linguagem lítero-musical, como se percebe na letra de cada canção e na
rítmica de cada mélica, de forma criativa e universalista, porém, fiel as
nossas raízes224.
224
GRUPO CANDEIA. Suíte de terreiro. Rio de Janeiro. p1986. 1 disco sonoro.
225
CONTIER, Arnaldo Daraya. Música no Brasil: História e Interdisciplinariedade Algumas Interpretações
(1926-80). In: Simpósio da Associação Nacional dos professores de história, 1991, Rio de Janeiro. Anais...
Rio de Janeiro, 1991. p.151-189, p.151.
Entretanto, por mais regionalista que possa aparentar as intenções da citação de Zé
Rodrigues, o LP não se furtou de dialogar com as modernidades em sua textura sonora, a
começar pela instrumentação utilizada, composta por violão, viola, acordeom, flautas, baixo,
guitarra, bateria, percussão, piano elétrico e por músicas que traziam em seu ritmo referências
musicais internacionais, como é o caso da trágica, porém bem humorada história de amor da
canção “O rato e a rosa”, tocada em ritmo funk norte americano.
Assim é a capa e o verso do disco “Suíte de Terreiro”:
226
PIETROFORTE, Antonio Vicente. Uma imagem da música:Análise semiótica de uma capa de disco.
Cadernos de Semiótica Aplicada . v. 2. n.2, p. 7-8. dez. 2004. Disponível em:
http://www.fclar.unesp.br/grupos/casa/CASA-home.html. Acesso em: 10/12/2012.
227
DIAS, Janette. Candeia, uma luz na música piauiense. Cadernos de Teresina, Teresina, n.2, p. 26, 1987
228
Feira popular em Teresina, localizada às margens do rio Parnaíba que além de realizar o comércio comum
também realiza trocas comerciais entre produtos diferentes, daí ser popularmente conhecida como feira do
troca-troca.
229
A ponte João Luís Ferreira, popularmente conhecida como ponte metálica, pois grande parte de sua estrutura
é feita de metal, liga Teresina à cidade de Timom no Estado Maranhão.
a lenda da “Num-se-Pode”230 que assusta até “os cabras machos do sertão”231 e histórias de
amores proibidos, como a lenda de Zabelê 232, completam o repertório temático do disco.
Com este trabalho, o grupo Candeia articulou tradição popular, através de referências
folclóricas e de alguns ritmos característicos, com uma modernidade sonora em sua
instrumentação e nos arranjos das canções. A cidade de Teresina aparece como uma das
principais referências do LP e a partir dela são construídas parte da narrativa do disco,
articulando a cidade a elementos como as lendas e as tradições populares, cujos poderes
institucionais urbanos querem disciplinar ou eliminar em nome de um controle e de uma
estabilidade racionalizada 233 de seus espaços. O grupo Candeia, através de suas músicas
presentes neste LP, devolve esses espaços sensíveis, de imaginação, à cidade por meio dos
mitos, lendas e das invenções transgressoras das disciplinas urbanas, como a imagem do ato
de lavar roupas na beira do rio Parnaíba cantada numa das canções do disco. Certeau assim
reflete sobre a racionalidade urbana incidindo sobre as lendas e tradições na cidade:
O disco “Suíte de Terreiro” parece inverter essa lógica e torna Teresina uma cidade
habitável por uma sensibilidade, apropriando-se dela como sua casa e seu espaço de
reconhecimento identitário, de pertencimento, oferecendo esse olhar sobre a cidade àqueles
que escutam seu disco.
Contudo, esse tipo de identificação a partir de referenciais coletados junto às tradições
do folclore popular não estava no projeto musical de uma parcela de artistas, jovens em sua
maioria, que produziam suas músicas por meio de outras influências, estas mais globalizadas,
230
Lenda urbana teresinense que fala de uma bela mulher que assustava os homens que frequentavam as noites
da cidade ao se tornar gigante para acender o cigarro que pedia aos mesmos nos lampiões a gás que
iluminavam a cidade.
231
RODRIGUES, Zé; RUBENI. Num-Se-Pode. Interprete: Candeia. In: GRUPO CANDEIA. Suíte de Terreiro.
Rio de Janeiro. p1986. 1 disco sonoro. Lado B, faixa 6.
232
Lenda do amor proibido entre dois índios de tribos diferentes, a índia Zabelê e o índio Metara, que acaba na
morte dos dois, ocasionada pelos ciúmes do índio Mandahu por Zabelê.
233
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
234
Ibid., p. 173.
na Teresina dos anos 1980. As bandas heavy metal Avalon e Megahertz em 1989 dividiram os
dois lados de um mesmo LP, o split “Stop the fire” e “Technodeath”, cantavam suas canções
em inglês visando, principalmente, o mercado internacional. Esses grupos evidenciam o quão
era plural o universo da música popular na cidade. O músico William Rodsam, que chegou a
tocar em ambos os grupos, mas que gravou esse disco pelo Avalon, assim recorda o processo
de produção do LP, em entrevista concedida para este trabalho:
A produção independente das duas bandas de rock, segundo o relato acima, teve um
saldo positivo: atenuou uma imagem socialmente negativa, vinculada a este gênero musical
comumente associado, como o relato acima mostra, a drogas e à marginalidade. A produção
do disco pelas bandas Avalon e Megahertz demonstrou, na visão de William, um
deslocamento na representação da imagem do roqueiro: a de artistas organizados e
comprometidos com seu trabalho como músicos em relação à ideia de desregramento social
comumente associada ao universo deste gênero musical.
A agressividade sonora do disco, o “som pesado” como é comumente chamado esse
estilo musical por seus praticantes e consumidores devido às distorções nos timbres das
guitarras e à velocidade de execução das músicas, pode ser notada no design gráfico de cada
banda presente na capa do disco, como se pode notar nas imagens a seguir:
235
RODSAM, Wiliam. Wiliam Rodsam [jan. 2012] Entrevistador: Hermano Carvalho Medeiros. Teresina, 2012.
Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense concedida como fonte para
elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí
Imagem 5 – Capa split Megahertz/Avalon
(AVALON; MEGAHERTZ. Stop the fire /Technodeath. Belo Horizonte: Cogumelo produções, p1989. 1 disco
sonoro)
A instrumentação dos dois grupos no disco é constituída por guitarras, baixo e bateria.
As composições seguem um formato característico, com introduções instrumentais e solos de
guitarra, sendo este instrumento o protagonista neste estilo musical. As melodias das letras
tem apenas a função de comunicar sua mensagem, não sendo um elemento estético marcante
nas músicas. Contudo, apesar dessas semelhanças, as diferenças entre as bandas se fazem
notar nas imagens das capas e refletem as diferentes temáticas abordadas por suas
composições.
Intitulado “Technodeath”, também nome de uma das músicas do disco, o lado do LP
gravado pela banda Megahertz é mais homogêneo quanto suas temáticas nas letras. As
músicas do LP são: “Fuck yourselves” (Kasbafy e Mike); “Technodeath” (Kasbafy e Mike);
“March” (Kasbafy); “Panic” (Kasbafy e Mike); “That´s Brazil” (Kasbafy, Mike e Edivan).
Todas seguem uma linha de crítica social em tons apocalípticos, carregadas de violência
através da descrença com os progressos da tecnologia, como a própria capa do disco sugere:
um esqueleto em frente a um computador cuja tela traz a imagem da morte e logo acima o
nome da banda em vermelho, como se fosse escrito a sangue. Assim diz a letra da música que
nomeia o lado do disco do grupo, “Technodeath”, sintetizando algumas das ideias centrais do
LP:
Decadent humanity
Running on edge of the abyss
Marching in a row
Like troops training
It´s guided to another direction
It´s used like a tool
Eight hours of work
Eight hours of prison
Eight hours are wasted
It´s just technodeath
Castigated humanity
By men, by the gods
From one side corrupts
From other side diseases
There are doubts in their minds
Where is the real hell?
Maybe it´s here on earth
So tell me where we´re goin236
As faixas do disco da banda Avalon são: “No fun” (Ico e Avalon); “Stop the fire” (Ico
e Avalon); “C.H.C” (W.A. Mozart); “This time” (Thyrso, Ico e Avalon); “Insane evolution”
(Ico e Avalon). As propostas temáticas das letras deste grupo são mais variadas. A capa do
disco do Avalon, intitulado “Stop the fire”, é um desenho de uma paisagem devastada pelo
fogo, referindo-se a uma das músicas do disco cujas preocupações ecológicas, como as
devastações das florestas causadas pelos “jogos dos negócios”237, são seus temas centrais.
236
“humanidade decadente/Correndo na beira do abismo/Marchando em uma linha/Como tropas em treinamento/É
orientada para outra direção/É usada como uma ferramenta/Oito horas de trabalho/Oito horas de prisão/Oito
horas são desperdiçadas/É apenas a tecnologia da morte/humanidade castigada/Pelos homens, pelos
deuses/De um lado corrompida/Por outro lado adoecida/Há dúvidas em suas mentes/Onde está o verdadeiro
inferno?/Talvez seja aqui na terra/Então me diga onde estamos indo”. KASBAFY. Technodeath. Interprete:
Megahertz. In: AVALON; MEGAHERTZ. Stop the fire /Technodeath. Belo Horizonte: Cogumelo
produções, p1989. 1 disco sonoro, Faixa 2.
237
Trecho traduzido da música “Stop the Fire” em que diz: “the forest is a business game to all of you”.
ALMENDRA, Ico. Stop the Fire. Interprete: Avalon. In: AVALON; MEGAHERTZ. Stop the fire
/Technodeath. Belo Horizonte: Cogumelo produções, p1989. 1 disco sonoro , faixa 2.
Curiosamente na contramão do senso comum que costuma associar o rock a drogas, uma das
músicas do grupo é uma apologia contra o seu uso. O grupo faz ainda um arranjo de uma
música do compositor clássico Wolfgang Amadeus Mozart, evidenciando influências de
setores mais formais da música em seus trabalhos 238. Músicas que falam sobre a nostalgia de
lembranças passadas e questionamentos sobre o progresso e a evolução humana fecham o
repertório do disco e revelam um conjunto heterogêneo de abordagens temáticas nas letras do
Grupo Avalon neste LP.
Grupos musicais como Avalon e Megahertz com suas agressividades sonoras; o grupo
Candeia e sua sensibilidade musical calcada nas tradições populares e os diversos matizes das
canções presentes nos discos coletivos de artistas como o Cantares, Geleia Gerou e
FMPBEPI, variando entre o blues e o xote, o jazz e o baião, são mostras da pluralidade da
música popular presente em Teresina nos anos 1980 registrados em produções fonográficas
que puderam ter essa dimensão fixada em um espaço material, o disco de vinil, e traçam
trajetórias de músicos, intérpretes e compositores para além das performances artísticas de
seus shows. Revelam intercâmbios e permanências culturais através de tradições folclóricas,
sonoridades globalizadas e os entrelaçamentos entre ambas. Estes discos marcam o momento
de inserção da música popular urbana teresinense no repertório musical brasileiro e são
remarcadoras das diferentes práticas e produções musicais na capital piauiense.
Os discos analisados são um dos indícios com os quais podemos vislumbrar algumas
dimensões do passado musical teresinense através de seus sons construídos em seu tempo.
Apontam o desejo e a ação de intérpretes, compositores e músicos de se colocarem enquanto
atores sociais do universo da música popular em Teresina na década de 1980. Desejo e ação
que se processava na busca destes artistas da música em se reinventar constantemente através
de shows, espetáculos, polêmicas culturais e produção de discos, vetores aqui utilizados para
montar uma das possibilidades do mosaico cultural da música popular na capital piauiense.
238
Essa influência também foi tema para uma crítica positiva sobre o grupo em matéria de jornal publicada em
1988. Ver em: LUIZ, André. O Heavy Vivaldi do Avalon. Jornal da manhã, Teresina, caderno 2, p.1, 12 jun
1988.
Conclusão
A lição básica que a escrita da história nos ensina é a compreensão de sua dupla
condição: a primeira é o seu condicionamento às fontes, vestígios das práticas socioculturais
de um outro tempo, que limitam a visualização das operações sociais, seus modos de agir e
usar inseridos em seus contextos, ou como assevera Certeau sobre estas:
239
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p.76-77
Percebemos em nossas análises que os festivais foram importantes iniciativas que
consagraram muitos artistas na cidade durante a década de 1980. Espaços de ressonância e
produção do universo musical teresinense. Foram eventos por onde boa parte dos artistas aqui
estudados e com recorrente atuação musical em Teresina nos deram mostras da
heterogeneidade musical presente na capital piauiense e também foram palcos de tensões e
debates em torno dos fazeres da música popular na capital piauiense. Os festivais também
funcionaram como importantes constituidores de um repertório de sua música popular e
revelaram uma interação entre o público e artistas.
Os três festivais onde se concentraram as análises, por sua grande repercussão nos
meios de comunicação, FMPBEPI, I Encontro de Compositores e Intérpretes do Piauí e o I
FENEMP-PI, ocorridos em diferentes momentos da década, são exemplos das movimentações
acima elencadas, ações fermentadoras do universo musical teresinense no período.
A impossibilidade financeira por parte do meio musical que englobava os artistas de
música popular, criadores musicais que diferiam dos músicos das bandas de baile, estes
reprodutores de um repertório musical voltado apenas para a animação de festas, acabou por
estreitar a relação daqueles com as instituições culturais do Estado. Nos anos 1980 em
Teresina o Projeto Torquato Neto foi o principal meio com o qual o Estado se relacionou com
compositores, intérpretes e músicos. Tal projeto teve como importância a tentativa de inserir
as produções musicais do Piauí num universo mais amplo da música popular brasileira,
através de shows itinerantes em várias cidades do Nordeste e a produção de dois discos
coletivos de artistas. Contudo, tais iniciativas não foram livres de tensões e revelaram algumas
disputas no seio da música popular teresinense, através da qual pudemos detectar as
harmonias e dissonâncias presentes na relação entre artistas e o Estado.
A produção de um repertório para a música popular foi resultado de uma ação
conjunta, mas não organizada, de uma diversidade de artistas da música na cidade. Da música
referenciada no folclore nordestino e dita regionalista à música cantada em língua inglesa em
ruidosas distorções de guitarras, o mosaico musical era formado entre artistas que tinham
iniciado suas carreiras ainda nos anos 1970 e jovens músicos que iniciaram suas trajetórias
musicais ainda nos anos 1980. Os grupos Candeia e suas raízes mais ligadas às referências
regionais nordestinas; intérpretes e músicos mais ligados a MPB como Geraldo Brito e Ana
Miranda; o rock and roll e suas mais variadas vertentes através das bandas Avalon,
Megahertz, SNI e Fator RH foram os artistas aqui analisados, em meio a tantos outros, no
sentido de remarcar a pluralidade musical teresinense.
O universo musical delimitado por este trabalho foi responsável por produzir e fixar
um repertório para a música popular em Teresina por meio da gravação de LP´s, uma vez que
este produto artístico foi fabricado com mais recorrência por artistas piauienses nos anos
1980. Apesar da produção fonográfica piauiense ter tido um pequeno número de discos e
terem sido independentes em relação à indústria cultural dos discos, elas marcam os esforços
dos artistas de tentarem se posicionar como produtores da cultura brasileira para além dos
limites da cidade e do Estado.
Os três discos coletivos analisados, FMPBEPI, Geleia Gerou e Cantares, consolidaram
um grupo de compositores e intérpretes da música popular em Teresina como seus principais
representantes, cristalizando como consagrados alguns artistas em Teresina no período aqui
estudado. Mais do que obras pensadas como um produto cultural que articulasse a diversidade
musical teresinense desenvolvida à época, os discos coletivos fixaram em um meio material a
música popular da cidade para além de suas práticas do cotidiano musical, como os
espetáculos ou as apresentações musicais.
Além dos discos coletivos acima citados, outros como Suíte de Terreiro e o split
Technodeath/Stop the fire foram importantes registros de uma tímida produção fonográfica
piauiense e delinearam a pluralidade das práticas musicais em Teresina nos anos 1980. A
música popular produzida na capital do Piauí se constituiu como outro espaço da música
popular brasileira, tomando-se como referencial os grandes centros de produção cultural do
país como os Estados do Rio de Janeiro ou São Paulo, e posicionava-se fora dos circuitos de
divulgação e circulação da música popular nacional. Contudo, a cidade foi um espaço de
diferentes práticas e movimentações musicais, como os exemplos dos discos acima
explicitam.
Este trabalho buscou analisar alguns dos artistas, seus espaços e práticas que
produziram a música popular teresinense na década de 1980. As escolhas aqui apresentadas
foram feitas no sentido de remarcar uma característica musical que esteve presente na cidade
durante este período e que pudemos detectar em nossas pesquisas: a disposição para a
diversificação, o pluralismo da experiência musical popular, apontando a cidade de Teresina
como possuidora de um cosmopolitismo cultural remarcando os fazeres de sua música
popular.
REFERÊNCIAS
1- DOCUMENTOS INSTITUCIONAIS
IBGE. Censo Demográfico: dados gerais, migração, instrução, fecundidade, mortalidade. Rio
de Janeiro: IBGE, 1982-1983. Disponível em:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20%20RJ/CD1980/CD_198
0_Dados_Distritais_PI.pdf.>. Acesso em: 4 set. 2012
IBGE. Censo Demográfico: dados gerais, migração, instrução, fecundidade, mortalidade. Rio
de Janeiro: IBGE, 1982-1983. Disponível em:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20%20RJ/CD1980/CD_198
0_Dados_Distritais_PE.pdf> Acesso em: 4 set. 2012
IBGE. Censo Demográfico: dados gerais, migração, instrução, fecundidade, mortalidade. Rio
de Janeiro: IBGE, 1982-1983. Disponível em:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20%20RJ/CD1980/CD_198
0_Dados_Distritais_BA.pdf> Acesso em: 4 set. 2012
2- FONTES JORNALÍSTICAS
ABERTA inscrição para festival de música nordestina. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 13 abr.
1988
ALCEU hoje à noite no Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p.8, 17 set. 1980
“AMORA” se apresenta hoje no Herbert Parentes Fortes. Jornal O Dia, Teresina, p. 7 11 fev.
1982
ANA Miranda fará shows em outubro no ginásio Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 2, 29 set.
1986
ARRIGO encerra o projeto Pixinguinha no teatro. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 3 ago. 1988
ARTISTAS chegam hoje para show no teatro. Jornal O Dia, Teresina, p.8, 13 out. 1980
BLITZ faz show hoje no ginásio Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 1, 23 jan. 1986
CAETANO Veloso chega e fala sobre Torquato. Jornal O Dia, Teresina, p. 11, 21, ago. 1980
CAMPO de trabalho é ruim para os músicos. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 17 dez, 1981
CANTORA censurada vai processar o governo. Jornal O Dia, Teresina, p. 6, 04 jul. 1985
COMEÇA hoje a 2ª etapa do projeto Pixinguinha no PI. Jornal O Dia, Teresina, p. 8, 20 jul.
1983
COMPOSITORES piauienses gravam no Rio. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 05 jun, 1985
CSU comemora terceiro aniversário com festival. Jornal O Dia, Teresina, p. 5, 04 nov. 1981
CUTLURA fará encontro de compositores. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 10 jul. 1984
CULTURA já vende ingressos para o show dos piauienses. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 18
set. 1984
FÁTIMA Lima faz show no Tarot. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 30 nov. 1989
FESTIVAL de música do Parque Piauí tem inscrições. Jornal da Manhã. Teresina, p.6, 27
maio. 1981
FESTIVAL já tem 48 músicas selecionadas. Jornal O Dia, Teresina, p.11, 31 jul. 1980
FMPBEPI terá ensaio final na segunda. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 9 ago. 1980
GAL Tropical: o maior show do Brasil. Jornal O Dia, Teresina, p. 11, 11 out. 1980
GERALDO abre temporada hoje no Theatro. Jornal O Dia, Teresina, p.2, 3 fev. 1987
GERALDO Azevedo canta hoje à noite no Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 30 mar.
1987
GERALDO Brito tem show diferente no Maranhão. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 27 maio.
1981
GERALDO Brito vai a Parnaíba. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 6 dez. 1983
GIL: Ninguém liga mais pra abertura. Jornal O Dia, Teresina, p.8, 01 jul 1981
GRUPO de rock se apresenta no teatro e deputado brilha. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 20 jun.
1988
GRUPO paulista é esperado na segunda. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 22 jul. 1982
GRUPO Venus anuncia show para o Theatro. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 24 jan. 1984
III Femp prossegue hoje e acaba dia 10. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 03 set. 1982
JABUTI Fonteles volta com “Cria do Mundo”. Jornal O Dia, Teresina, p. 11, 15 nov. 1989
JOÃO Bosco chega hoje para shows. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 3 nov. 1980
KID Abelha e os Abóboras Selvagens no Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 02 maio.
1988
LÁZARO lança seu disco no 4 de Setembro. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 17 jun. 1985
LULU Santos se apresenta quinta feira no Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 8, 12 set. 1988
MACALÉ e Doris Monteiro Chegam hoje a Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 6 out.
1980
MAIS de cinco mil viram Jorge Ben. Jornal O Dia, Teresina, p. 8, 13 maio. 1982
MÚSICOS enfrentam a falta de trabalho. Jornal O Dia, Teresina, p.4, 24 mar, 1980
ORDEM dos músicos do Piauí ameaçada de fechamento. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 13 jan,
1989
PAULINHO da Viola faz último show no teatro. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 22 out. 1980
PIXINGUINHA não será mais realizado no Piauí. Jornal O Dia, Teresina, 15 set. 1980
PIXINGUINHA virá de novo para Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p. 8, 21 jun. 1983
PRÊMIOS do FMPBEPI entregues hoje. Jornal O Dia, Teresina, p.1, 21 nov. 1980
PROJETO já tem grupos inscritos. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 18 jul, 1981
PROJETO Pixinguinha vai ser aberto amanhã. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 12 jul. 1983
PROJETO T. Neto tem 520 músicas para encontro. Jornal O Dia, Teresina, p.5, 8 set, 1984
PROJETO Torquato Neto começa hoje. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 10 jul, 1981
PROJETO Torquato Neto sai logo. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 18 fev, 1981
PÚBLICO lota o Verdão e aplaude Alcione. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 08 jun. 1982
RAIMUNDO Fagner: Homem do coração alado. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 24 nov. 1980
RITA Lee chega hoje às 9 horas. Jornal O Dia, Teresina, p. 2, 14 fev. 1981
ROBERTO Carlos chega hoje e canta no Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 18 jul. 1980
RORAIMA faz show com nova banda. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 1 nov. 1989
SAI hoje resultado de concurso musical. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 11 set, 1984.
SALÃO de Humor será aberto quarta feira. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 25 ago. 1986
SANFONEIROS disputam prêmios em Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p.5, 19 jul. 1980
SHOW Catavento: musical. Jornal O Dia, Teresina, 10 jun. 1980
SHOW musical na Feira de Arte no próximo domingo. Jornal O Dia, Teresina, p. 5, 01 ago.
1984
SHOW de Rock começa hoje em Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p.2, 26 set. 1987
S.N.I joga pesado no rock piauiense. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 16 mar. 1989
TAROT comemora um ano com muita festa. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 18 nov. 1989
TERESINA será cenário artístico do Nordeste. Jornal O Dia, Teresina, p.2, 23 abr, 1988
THEATRO apresenta segunda Lena Rios com “Renascer”. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 24
dez. 1982
TISO e Leila abrem o 2ª o Pixinguinha. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 27 jun. 1988
TORQUATO Neto-82 será mais animado. Jornal O Dia, Teresina, p.9, 10 jul, 1982
TORQUATO Neto será nome de um projeto. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 17 fev, 1981
TUDO pronto para o início do festival. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 9 ago. 1980
UM SHOW muito quente: Edvaldo Nascimento e banda. Jornal O Dia, Teresina, p. 5, 09 jan.
1981
ZIZI Possi canta hoje no 4 de setembro. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 24 abr. 1986
ANA Miranda: Em busca do seu lugar ao sol. Revista Presença, Teresina, n.18, p. 20, 1986
BRITO, Geraldo. A Geleia Gerada Entre a Broa e o Sanduíche . Jornal da Manhã, Teresina,
p.8, 2 nov, 1985
BRITO, Geraldo. Música no Piauí: anos 1960, anos 1970. Cadernos de Teresina, Teresina, n.
34, novembro. p. 54-61, 2002
CASTRO, Chico. Qual o sabor desta geleia?. Jornal da Manhã, sem data, 1985
DIAS, Janette. Candeia, uma luz na música piauiense. Cadernos de Teresina, Teresina, n.2, p.
26, 1987
KRUEL, Kenard. A geleia está girando e gerando. Jornal da Manhã, p.8, 20 set, 1985
______. Cantares: o que se faz ou o que se faz? Diário do Povo, 06 mar, 1988
______. E quem disse que não pode? Jornal O Estado, Teresina, 30 Maio. 1984
______. O Heavy Vivaldi do Avalon. Jornal da manhã, Teresina, caderno 2, p.1, 12 jun 1988
______. Triângulo ou sintetizador: Por que não? Revista Presença, Teresina, n. 10, p.38-39,
1984
______. Um festival com reserva de mercado. Jornal da Manhã, Teresina, p. 2, 05 jun, 1988
OSÓRIO JUNIOR. O rock invade as escolas. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 20 abr. 1989
RAMOS, Ramsés. Geleia Gerou: mas chegou. Jornal da Manhã, Teresina, p.8, 01 set, 1985
ROSA, Raimundo. As marcas que ficaram de um festival. Jornal O Dia, Teresina, p.10, 19
ago. 1980
4- ENTREVISTAS EM JORNAIS
CONFIRMADO: Geraldo Brito está mesmo relativamente louco! Jornal O Dia, Teresina, 27
jul. 1981
ROCK teresinense vai ao Canadá. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 26 dez. 1988
5- FONTES ORAIS
BRITO, Geraldo. Geraldo Brito [14 abr. 2012] Entrevistador: Hermano Carvalho Medeiros.
Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense
concedida como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela
Universidade Federal do Piauí
COUTO FILHO, Durvalino. Durvalino Couto Filho [jan. 2012] Entrevistador: Hermano
Carvalho Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música
Popular Teresinense concedida como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em
História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí
NASCIMENTO, Edvaldo do. Edvaldo do Nascimento [13 fev. 2012] Entrevistador: Hermano
Carvalho Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música
Popular Teresinense concedida como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em
História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí
RODSAM, Wiliam. Wiliam Rodsam [jan. 2012] Entrevistador: Hermano Carvalho Medeiros.
Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense
concedida como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela
Universidade Federal do Piauí
SOUZA, André Luíz Oliveira Eugênio de. André Luíz Oliveira Eugênio de Souza [31 jan.
2012] Entrevistador: Hermano Carvalho Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital.
Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense concedida como fonte para
elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela Universidade Federal do
Piauí
6- DISCOS
DIAS, Janette. Vai-e-vem das estrelas. Teresina: Discos Sapucaia Ltda, p1982. 1 disco sonoro
GELEIA GEROU. Rio de Janeiro. Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo. p1985. 1 disco
VII - FESPAPI: Festival de Música Popular do Parque Piauí. Teresina: Discos Sapucaia,
p1982. 1 disco
7- FONOGRAMAS
ALMENDRA, Ico. Stop the Fire. Interprete: Avalon. In: AVALON; MEGAHERTZ. Stop the
fire /Technodeath. Belo Horizonte: Cogumelo produções, p1989. 1 disco sonoro, faixa 2.
AURÉLIO, Magno; LINCOLN, Abraão. Desejo. Interprete: Ronaldo Bringel. In: Geleia
Gerou. Rio de Janeiro: Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1985. 1 disco
sonoro. Lado A, faixa 5
COUTO FILHO, Durvalino; BRITO, Geraldo. Zeus. Interprete: Ana Miranda. In: Geleia
Gerou. Rio de Janeiro: Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1985. 1 disco
sonoro. Lado A, faixa 3
CRUZ NETO, Joaquim Antonio da. Repente. Interprete: Mira. In: Geleia Gerou. Rio de
Janeiro: Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1985. 1 disco sonoro. Lado A,
faixa 4
______. Todo Prazer. Interprete: Cruz Neto. In: FMPBEPI. Teresina, p1980
CUNHA, Paulo José; MENDES, George. Quintal de passarinhos. Interprete: Solange Leal. In:
FMPBEPI. Teresina, p1980
DIAS, Janette. Esse Brasil. Interprete: Janette Dias. In: Cantares. Rio de Janeiro: Secretaria
de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1987. 1 disco sonoro. Lado A, faixa 1
KASBAFY. Technodeath. Interprete: Megahertz. In: AVALON; MEGAHERTZ. Stop the fire
/Technodeath. Belo Horizonte: Cogumelo produções, p1989. 1 disco sonoro
Faixa 2
MELO, Aurélio; RODRIGUES. Pedra do Sal. Interprete: Grupo Candeia. In: FMPBEPI.
Teresina, p1980
RAMOS, Garibaldi. Nós. Interprete: Ronaldo Bringel; Rosa Lobo. In: Geleia Gerou. Rio de
Janeiro: Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1985. 1 disco sonoro. Lado A,
faixa 1
ROCHA, Naeno. Milagre na terra. Interprete: Naeno Rocha. In: FMPBEPI. Teresina, p1980
SANTOS, José Luis. Reconstrução. Interprete: José Luís Santos. In: FMPBEPI. Teresina,
p1980
BIBLIOGRAFIA
ALEXANDRE, Ricardo. Dias de luta: o rock e o Brasil dos anos 80. São Paulo: DBA Artes
Gráficas, 2002
ALMEIDA, Gabriela Sandes Borges de. Projeto Pixinguinha: 30 anos de música e estrada.
2009. Dissertação (Mestrado em História Política e Bens Culturais) – Centro de Pesquisa e
Documentação da História Contemporânea do Brasil, CPDOC
BEZERRA, Feliciano. Nós e o Elias. In: OEIRAS, Joca (org). No Nós & Elis a gente era feliz
– e sabia. Teresina: Gráfica Halley, 2010, p. 45
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009
COSTA, Fernando Muratori. Seu gosto na berlinda: Um estudo do consumo musical nos anos
1970. 2012. Dissertação (Mestrado em História do Brasi) – Centro de Ciências Humanas e
Letras, Universidade Federal do Piauí, Teresina
DAPIEVE, Arthur. Brock: o rock brasileiro dos anos 80. Rio de Janeiro: Ed.34, 2005
FAVARETTO, Celso Fernando. Tropicália: alegoria alegria. 2.ed.rev. São Paulo: Ateliê
Editorial, 1996
GOMES, Ângela de Castro. Guardiã da memória. Acervo – Revista do Arquivo Nacional, Rio
de Janeiro, v.9, nº1/2, p.17-30, jan/dez 1996
GONZÁLES, Juan Pablo; ROLLE, Cláudio. Escuchando el pasado: hacia una história social
de la música popular. Revista de História, São Paulo, n.157, p.31-54, 2007
HALBWACHS, Maurice. A memória Coletiva entre os músicos. In: A Memória Coletiva. São
Paulo: Centauro, 2006, p. 193-222
MORAES, José Geraldo Vinci. História e música: canção popular e conhecimento histórico.
Revista Brasileira de História, São Paulo, v.20, n.20, p.203-221, mar. 2000
______. Metrópole em sinfonia: História, cultura e música popular em São Paulo nos anos 30.
São Paulo: Estação Liberdade, 2000
______. A síncope das ideias: a questão da tradição na música popular brasileira. São Paulo:
Editora Fundação Perseu Abramo, 2007
______. Cultura brasileira: Utopia e massificação (1950-1980). São Paulo: Contexto, 2008
______. História e música popular: um mapa de leitura e questões. Revista de História, São
Paulo, n.157, p.153-172, 2007
NERY, Emília Saraiva. Devires da música popular brasileira: as aventuras de Raul Seixas e
as tensões culturais no Brasil dos anos 1970. 2008. Dissertação (Mestrado em História do
Brasi) – Centro de Ciências Humanas e Letras, Universidade Federal do Piauí, Teresina
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto história: Revista
do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da
PUC-SP. São Paulo, p 7-28, 1981. Disponível em: <
http://www.pucsp.br/projetohistoria/downloads/revista/PHistoria10.pdf>. Acesso em: 19 jul.
2012.
PIETROFORTE, Antonio Vicente. Uma imagem da música: Análise semiótica de uma capa
de disco. Cadernos de Semiótica Aplicada . v. 2. n.2, p. 7-8. dez. 2004. Disponível em:
http://www.fclar.unesp.br/grupos/casa/CASA-home.html.
ROCHA, Pedro Cesário da. História e Música: a memória da música na cidade de Picos.
Teresina. 2011. Monografia (Licenciatura Plena em História) – Universidade Federal do
Piauí, Picos
ROCHEDO, Aline do Carmo. Rock- A arte sem censura As capas dos LPs do BRock dos
anos de 1980. História, imagens e narrativas, n.13, p.1-40, out.2011
VASCONCELOS JUNIOR, Francisco das Chagas Paiva de. A emergência da música popular
em Teresina (1970-1990). Teresina. 2008. Monografia (Especialização em História) –
Faculdades Integradas de Jacarepaguá, polo Teresina
WISNICK, José Miguel. O coro dos contrários: a música em torno da semana de 22. São
Paulo, Duas Cidades, Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1977
______. O som e o sentido: uma outra história das músicas. São Paulo: Companhia da letras,
2009
WEBSITES
http://www.abmi.com.br
http://www.dicionariompb.com.br
http://www.digiorgio.com.br
http://www.observatoriodaimprensa.com.br
ANEXO
O CD em anexo é uma compilação de algumas canções dos discos analisados neste
trabalho. Seu intuito é o de possibilitar o contato com as produções musicais aqui analisadas
para além do texto escrito. A seleção das músicas obedeceu a critérios como a menção das
composições no corpo do texto, bem como a visibilidade que algumas delas ganharam no
período. Tal seleção traz consigo as marcas da subjetividade do autor que deixou escapar,
propositalmente, algumas de suas preferências. Espera-se que estas músicas ajudem na leitura
e no vislumbre proposto pelo texto. Boa audição.