Você está na página 1de 131

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO – PRPG


CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS – CCHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DO BRASIL – PPGHB

HERMANO CARVALHO MEDEIROS

ACORDES NA CIDADE:
Música Popular em Teresina nos anos 1980

TERESINA
2013
HERMANO CARVALHO MEDEIROS

ACORDES NA CIDADE
Teresina e música popular nos anos 1980

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História do Brasil, do Centro
de Ciências Humanas e Letras da
Universidade Federal do Piauí, para obtenção
do grau de mestre em História do Brasil.
Orientador: Prof. Dr. Francisco de Assis de
Sousa Nascimento.

TERESINA
2013
HERMANO CARVALHO MEDEIROS

ACORDES NA CIDADE
TERESINA E MÚSICA POPULAR NOS ANOS 1980

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História do Brasil, do Centro
de Ciências Humanas e Letras da
Universidade Federal do Piauí, para obtenção
do grau de mestre em História do Brasil.

Aprovada em ____ de ____________ de 2013.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________
Prof. Dr. Francisco de Assis de Sousa Nascimento – UFPI
Orientador

________________________________________________
Prof. Dr. Alcides Freire Ramos - UFU
Examinador Externo

________________________________________________
Profª Drª Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz – UFPI
Examinadora Interna

________________________________________________
Prof. Dr. Frederico Osanan Amorim Lima – UFPI
Suplente
AGRADECIMENTOS

Agradecer é preciso. Começarei pelo início de minha jornada enquanto aprendiz de


historiador. Agradeço aos meus queridos amigos de graduação da Universidade Estadual do
Piauí – Campus Clóvis Moura. Aos colegas de turma Adão Soares, Jairon Veras, Ruy
Rodney, Rondynelle Veloso, Gisvaldo Oliveira, Cícero Damásio, Fabrício Benigno, Eliane
Aparecida e Jackson; aos professores(as) Rosângela Assunção, Nilsângela Cardoso,
Raimundo Lima, Aldaíres e Cláudio que me possibilitaram uma grande experiência de vida
através do convívio, quase diário, pelos corredores da Academia e pelos bares da vida, através
dos quais pude desfrutar muitas anedotas que me ensinaram que a vida é bem melhor quando
se está sorrindo, o que me ajudou muito para a conclusão deste trabalho.
Agradeço aos professores das disciplinas do Programa de Pós-Graduação do Mestrado
em História do Brasil da Universidade Federal do Piauí: Edwar de Alencar Castelo Branco,
Áurea da Paz Pinheiro e Alcides Nascimento por suas contribuições que me ajudaram a
pensar outros possíveis da História.
À Professora Elizangela Cardoso ao me ensinar que o conhecimento também é
articulado a serenidade e a ternura quando da condução da disciplina Seminário de Linha I
que sacudiu minhas zonas de conforto e me permitiu repensar o trabalho.
Ao professor Denilson Botelho por me possibilitar o intercâmbio universitário com a
PUC-RS, experiência essa que me fez viver outro universo social onde pude perceber
diferenças e semelhanças com a nossa realidade sociocultural e acadêmica.
À professora Cláudia Fontineles pelos direcionamentos teórico-metedológicos durante
a qualificação deste trabalho. Sua leitura crítica e competente muito ajudou na reestruturação
do texto.
À professora Teresinha Queiroz que desde a minha graduação, apesar de a época
pertencer a outra instituição de ensino superior, sempre solícita fez leituras de meus projetos
de monografia e mestrado e do texto de qualificação desta dissertação. Além do título do
trabalho, ideia sua, muitos dos direcionamentos tomados na pesquisa partiram de suas
sugestões na qualificação da dissertação.
Ao meu orientador Francisco Nascimento pela liberdade que me deu nos
encaminhamentos da pesquisa e na construção deste trabalho. Um questionador que sempre
buscou me deslocar das zonas de seguranças a fim de fortalecer a pesquisa. Sua simplicidade
e humildade pautaram a orientação e foram muito importantes para me dar segurança na
construção deste trabalho.
Aos entrevistados Durvalino Couto Filho, Geraldo Brito, Edvaldo Nascimento,
William Rodsam e Sérgio Simeão por gentilmente se disporem a relatar suas experiências
musicais para este trabalho.
A André Luiz por, além de conceder uma extensa entrevista sobre o tema, também
disponibilizar parte de seu acervo documental, jornais e discos, que foram de fundamental
importância para alguns direcionamentos da pesquisa.
Aos amigos feitos nesta 8ª turma do Mestrado em História do Brasil: a Fagno Soares
com quem compartilhei, além das angústias da pós-graduação, as vivências de homens de
família; a Thiago Silveira com quem aprendi que não basta saber. É preciso também saber
falar; a Hélio Secretário por suas conversas impublicáveis; a Fábio Leonardo, Vinícius Leão,
Josilene Lima, Mona Ayala, Ivana Campelo, Débora Soares, Michelle Dias, Patrícia Santos e
Thyego Carvalho com quem aprendi que o conhecimento e a juventude nem sempre se
estranham.
A Débora Viana, Benilton Lacerda e Genimar Carvalho com quem pude também
trocar impressões sobre o universo de dentro e de fora da academia, apesar da nossa pouca
convivência.
A minha prima Jayra Barros e meu “brow” Paulo Muniz com os quais a intensificação
dos laços extrapola as palavras de um texto. Poucas palavras para vocês. Parafraseio Wisnick:
“Prefiro amigos a teses”1.
Agradeço a meu sogro Marcos e minha sogra Sérgia pela torcida e apoio.
Agradeço a meus pais, Mauro e Rejane, por quem eu posso estar sendo a todo o
momento. A meus irmãos, Moema e Gabriel pela cumplicidade, o compartilhamento e o amor
fraterno. A meus sobrinhos, Mahina, Elói e Sara por encher nossa família de vida.
A quem dá sentido a tudo que interessa. Mulheres da minha vida. Mariana, Lis e Mel.

1
WISNICK, José Miguel. O coro dos contrários: a música em torno da semana de 22. São Paulo, Duas Cidades:
Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1977, p.13.
O Rato e a Rosa

O Rato do reino gostava da Rosa


Filhinha do peito do Rei meu senhor
Moleque atrevido escolado na prosa
Falou para Rosa de coisas de amor

“Meu Deus que será desses dois namorados!”


Gemiam comadres medrosas num beco
“Se o Rei botar as patas no cabra safado
O bolha se molha e se borra de medo”

A Rosa gamou no danado do Rato


E o Rato na Rosa, justiça se faça
Uniram-se assim de direito e de fato
No beijo e na bala, no peito e na raça

O Rei meu senhor soube tudo ao jantar


Enquanto pastava um banquete baiano
Regado a batidas de côco e cajá
E a molhos assim de capim sergipano

“Então me aparece um Mané-baixa-renda


Metido a poeta-burguês-liberal
Fatura a menina e me joga nas ventas
Direito iguais ou besteiras, que tal?”

Parece que o Rato morreu de repente


Caiu e bateu com a cabeça no chão
E a Rosa procura esquecer o acidente
Curtindo um romance de televisão

Netinho da Flauta/Fernando de Oliveira


RESUMO

Este trabalho analisa a música popular brasileira produzida na cidade de Teresina-Piauí no


recorte temporal que compreende a década de 1980 através de alguns dos seus espaços e
práticas artísticas. A partir da análise de alguns artistas, shows, festivais, discos, entrevistas e
um projeto cultural com a finalidade de promover a música popular no Estado, que
concentrou suas ações na capital, foi percebido um caráter marcadamente plural presente nas
práticas musicais na cidade neste período. A década de 1980 foi também o momento em que,
por meio de uma tímida produção fonográfica, os artistas da música popular em Teresina,
contribuindo com seu repertório musical, marcaram sua presença como produtores culturais
da música popular brasileira. As fontes utilizadas para análise deste estudo foram: matérias
jornalísticas, artigos e críticas musicais presentes tanto nos jornais O Dia, Jornal da Manhã e
Diário do Povo, como nas revistas culturais Cadernos de Teresina e Presença. Foram
realizadas entrevistas com alguns músicos, compositores e intérpretes do período em questão,
além da análise de LP´s gravados por artistas piauienses na década de 1980. Através da leitura
de autores como Marcos Napolitano, José Geraldo Vince de Morais e Arnaldo Contier
buscou-se refletir sobre os entrelaçamentos entre História e Música, especificamente a música
popular teresinense. Recorreu-se também ao conceito de “Lugar de Memória” de Pierre Nora
para se pensar alguns espaços da música em Teresina, bem como a leitura de Michel de
Certeau que ajudou a refletir sobre os espaços e as práticas da música popular na cidade.

Palavras-Chave: Música Popular; História; Teresina; Sociabilidades


ABSTRACT

This paper analyzes the Brazilian popular music produced in the city of Teresina, Piauí in the
time frame that covers the 1980s through some of its spaces and artistic practices. From the
analysis of some artists, concerts, festivals, albums, interviews and a cultural project aiming
to promote music popular in the state, which focused its actions in the capital, was perceived a
markedly plural present musical practices in this city period. The 1980s was also the time
when, through a timid production music, popular music artists in Teresina, contributing his
musical repertoire, marked their presence as cultural producers of Brazilian popular music.
The sources used for analysis in this study were: news stories, articles and music reviews
present both in The Day newspaper, the Morning Journal and People's Daily, as in cultural
magazines and Attendance Reports in Teresina, interviews with musicians, composers and
interpreters period in question, and LPs recorded by artists piauienses in the 1980s. By
reading authors like Mark Napolitano, Jose Geraldo de Morais and Vince Arnaldo Contier
sought to reflect on the connections between history and music, especially popular music
Teresina, as well as reading of Michel de Certeau think that helped spaces and practices of
popular music in the city.

Keywords: Popular Music, History, Teresina; Sociabilities


LISTA DE IMAGENS

Imagem 01: Geleia Gerou ................................................................................................ 100

Imagem 02: Contracapa Cantares ..................................................................................... 102

Imagem 03: Capa Cantares .............................................................................................. 103

Imagem 04: Capa e verso de Suíte de Terreiro . ............................................................... 108

Imagem 05: Capa split Megahertz/Avalon........................................................................ 111


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 10

CAPÍTULO 1: A CIDADE E A MÚSICA POPULAR: Teresina e os espaços de prática


musical nos anos 1980 ................................................................................................... 19

1.1. Shows, festivais e lugares: um olhar sobre os espaços musicais em Teresina nos anos
1980................................................................................................................................ 19

1.2. Os Festivais: espaços de produção da música popular em Teresina ........................... 34

CAPÍTULO 2: O ESTADO E OS ARTISTAS: mecenato, tensões e variedades na


música popular teresinense ........................................................................................... 55

2.1. Projeto Torquato Neto: mecenato público e alguns debates em torno dos fazeres da
música popular em Teresina ............................................................................................ 55

2.2. Mapeando os fazeres musicais: pluralidade sonora no cenário musical teresinense ... 70

CAPÍTULO 3: A PRODUÇÃO FONOGRÁFICA EM TERESINA: diversidades


sonoras da capital piauiense ......................................................................................... 91

3.1. Os fonogramas do FMPBEPI ................................................................................... 93


3.2. O LP Geleia Gerou ................................................................................................... 98
3.3. O LP Cantares .......................................................................................................... 101
3.4. O LP Suíte de Terreiro e o Split Technodeath-Stop the Fire ...................................... 107

CONCLUSÃO ............................................................................................................... 115

REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 118

ANEXO ......................................................................................................................... 129


INTRODUÇÃO

Este trabalho é reflexo de minhas vivências pessoais e profissionais. Fruto de algo que
é muito importante para a formação de qualquer pessoa: a experiência. Durante mais de dez
anos, desde o primeiro violão até a última apresentação musical que fiz eu tive uma relação
bastante intensa com a música. Aprendi a tocar violão com cancioneiros2 comprados em
bancas de jornais e revistas. A influência de meu pai foi algo determinante, uma vez que ele
havia estudado música. Aliás, o primeiro instrumento que me lembro de ter visto na vida foi
um violão dele. Aquilo me fascinou. Mas ainda iria demorar um pouco até que eu ganhasse o
meu.
1995 foi o ano que ele chegou. Um Di Giorgio 3 onde comecei aprender meus
primeiros acordes. Mas o interesse não era me tornar um grande instrumentista. Queria
mesmo era me expressar. Cantar canções e conquistar garotas. Logo, eu, meu irmão, Gabriel
Medeiros, e um amigo, Daniel Campos formamos uma banda que ensaiava num quartinho no
fundo de um quintal. Banda Madame Baterflai. Tocamos nos principais bares, boates e
eventos de Teresina. Fizemos shows em algumas cidades do interior do Piauí e também
tocamos na paradisíaca Jericoacoara no Ceará. Como registro sonoro, a Bateflai deixou um
CD demo 4, intitulado “um Lugar”, de 2001, e o primeiro e último trabalho mais expressivo da
banda que foi o disco “Senhora ou Senhorita” de 2005.
O sentido dessa brevíssima trajetória de vida é o de me identificar, enquanto autor,
com o território de abordagem aqui trabalhado que é um pouco da história da canção popular
brasileira feita em Teresina nos anos 1980 e alguns de seus espaços e práticas musicais 5. Por
conta da estreiteza desses laços, me permitirei escrever esta introdução na primeira pessoa, ao
passo que o restante do texto utilizará o plural de modéstia, afinal, um trabalho como este
sempre é escrito com mais de duas mãos.
Esse recorte temporal está intimamente ligado a uma mudança de percurso no
andamento de minhas pesquisas. O objetivo inicial era trabalhar o rock brasileiro dos anos

2
Cancioneiros são revistas com musicas cifradas. Geralmente vem acompanhada apenas dos acordes das
canções, sem sua linha melódica. As músicas destas revistas geralmente são de artistas de grande alcance
popular.
3
Marca de violão brasileira bastante popular para quem deseja iniciar os estudos neste instrumento. Para mais
informações ver em: http://www.digiorgio.com.br.
4
A expressão “demo” é abreviatura de demonstração. No caso, o cd demo é um trabalho de apresentação de
bandas que estão começando uma carreira.
5
O sentido de prática aqui abrange os diversos fazeres da música popular. Sua composição, suas apresentações,
seus produtos musicais, seus debates ideológicos e as relações propiciadas em seus espaços de sociabilidade
musicais. Tudo isso se insere no que entendo ser a prática musical.
1980 feito em Teresina. Este período ganhou notabilidade por ter concentrado um número
muito grande de expressões musicais produzindo e influenciando gerações através de suas
canções.6. Muitos dos grupos dessa época ainda são responsáveis por atrair milhares de
pessoas para assisti-los em seus shows. Para exemplificar no caso teresinense podemos citar o
festival criado em 2004, o Piauí Pop, onde grandes bandas de reconhecimento nacional se
apresentaram na capital piauiense. Entre as principais atrações estavam os grupos que
surgiram justamente na década de 1980: Titãs, Paralamas do Sucesso, Kid Abelha, Capital
Inicial, Biquini Cavadão e Lulu Santos atraíram um aglomerado de mais de 50 mil pessoas em
cada uma das edições do evento, o que mostra a força presente da produção daquele período
que ainda é consumida por parte de um público contemporâneo que se identifica com
referências de um passado recente, o que fez minha curiosidade sobre essa temática se aguçar
e resolvi partir para as investigações no cenário teresinense.
Entretanto, as fontes desviaram os caminhos da pesquisa. Ao investigar os jornais
piauienses “O Dia”, “Jornal da Manhã” e “Diário do Povo” com o objetivo de pesquisar o
comportamento jovem, sua produção musical e as sociabilidades possibilitadas por estas, a
partir do cenário musical popular urbano teresinense dentro do estilo conhecido como pop-
rock no contexto sócio-histórico dos anos 1980, encontrei nas matérias jornalísticas outras
possibilidades no território da canção popular. Identifiquei grupos, festivais, projetos, shows e
músicas que me seduziram ao ponto de querer dar uma interpretação dessas histórias. Ou
melhor, vi que toda essa ambiência tinha uma história pra contar sobre uma cidade que, apesar
de pequena na época, já era atravessada por uma pluralidade musical em que orbitavam
gêneros que iam do rock à música regional. Logo, o objetivo se deslocou para o
questionamento central do trabalho: Quais foram as diferentes práticas e espaços musicais em
Teresina nos anos 1980 que a marcaram como possuidora de diferentes virtualidades artísticas
no território da canção popular?
Além desta problemática central, outros questionamentos se desdobraram e serviram
de norteadores para as análises: Quais as dinâmicas, harmonias e dissonâncias que esses
espaços e suas práticas, exercidas por alguns artistas da música popular na capital piauiense,
revelam de sua época? Quem eram os grupos e artistas que produziram na época que podem

6
A banda Legião Urbana e seu líder Renato Russo são um bom exemplo disso, sendo que os mesmos são
motivos para diversos trabalhos acadêmicos no terreno da história. Podemos citar como exemplos a
monografia intitulada Legião Urbana e os jovens da revolução: cultura e identidade nacional nos anos 1980, de
autoria de Francisco das Chagas Alves Viana Júnior pela Universidade Federal do Piauí; e os trabalhos de
Luciano Carneiro Alves: Flores no deserto – A Legião Urbana em seu próprio tempo, dissertação de mestrado
pela Universidade Federal de Uberlândia; e História e Rock Brasileiro:Renato Russo e a Juventude dos Anos
1980, tese de doutoramento pela Universidade de São Paulo.
nos revelar a pluralidade estético-musical de Teresina? Quais os principais espaços de
consagração desses artistas? Quais as iniciativas públicas e privadas que promoviam eventos
musicais em Teresina e quais os objetivos de tais promoções? Quais os debates que
movimentavam o universo da música popular em Teresina? Que materiais sonoros foram
registrados e o que a sua feitura e seu conteúdo revelam sobre a canção popular teresinense
nos anos 1980?
A canção popular urbana é uma produção da cidade não restrita, entretanto, aos seus
limites. Carrega em si uma dupla natureza7 indissociável: linguagem falada e linguagem
sonora. Palavra e música. É popular no sentido em que pode ser realizada tanto por quem
domina ou não as técnicas racionalizadas dessas duas linguagens. É ela quem está mais
diretamente ligada ao cotidiano das pessoas através dos rádios, TVs e diversos aparelhos
tecnológicos que possibilitam a escuta de canções:

Entre as inúmeras formas musicais, a canção popular (verso e música), nas


suas diversas variantes, certamente é a que mais embala e acompanha as
diferentes experiências humanas. E provavelmente [...] ela está muito mais
próxima dos setores menos escolarizados (como criador e receptor), que a
maneja de modo informal (pois como a maioria de nós, também é um
analfabeto do código musical) e cria uma sonorização muito própria e
especial que acompanha sua trajetória e experiências8.

Trabalho a partir desta concepção sobre a música ou canção popular – onde os dois
termos serão aqui empregados no mesmo sentido – uma vez que as músicas utilizadas como
fonte se inserem nesse tipo de construção musical, ou seja, composições que buscavam
colocar-se enquanto formas estéticas a serem apreciadas em meio às disposições
socioculturais mediadas pelo mercado, como reflete o historiador Marcos Napolitano:

A música popular, sobretudo na sua manifestação específica que é a canção


registrada em fonograma, não se define unicamente pelos seus atributos
estruturais melódico-harmônico pensados como propriedades internas
definidoras de formas e gêneros. A rigor, a forma privilegiada da música
popular é a canção, tal como consagrada pela indústria do disco9.

7
NAPOLITANO, Marcos. História & Música. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. p. 78.
8
MORAES, José Geraldo Vinci. História e música: canção popular e conhecimento histórico. Revista Brasileira
de História, São Paulo, v.20, n.20, p.203-221, mar. 2000. p. 204.
9
NAPOLITANO, Marcos. História e música popular: um mapa de leitura e questões. Revista de História, São
Paulo, n.157, p.153-172, 2007, p.155.
Ou seja, a música popular tal qual concebo neste trabalho, busca ser entendida para
além de suas concepções de linguagem musical. Outros fatores entram em jogo nas análises
abordadas neste trabalho, como mostrarei a seguir.
Assim como a história, a música popular é múltipla possuindo gêneros, temas variados
e possibilidades de consumo. Música para dançar e esquecer a morte. Música para pensar a
vida. Música para rir, se engajar, incitar o ódio e amar. Ela é uma experiência individual
submersa no coletivo. A música, assim como todas as artes, nos leva a uma reflexão interior
que está sempre imersa dentro do contexto de uma coletividade historicamente constituída 10.
“A música fala ao mesmo tempo ao horizonte da sociedade e ao vértice subjetivo de cada
um”, reflete o musicólogo José Miguel Wisnick 11. Em meio a essas nuances diferenciadas de
possibilidades de abordagens históricas no território da música, o historiador Arnaldo Contier
diz que:

Os sentidos enigmáticos e polissêmicos dos signos musicais favorecem


diversos tipos de escutas ou interpretações – verbalizadas, ou não – de um
público ou de intelectuais envolvidos pelos valores culturais e mentais,
altamente matizados e aceitos por uma comunidade ou sociedade. A partir
dessas concepções, a execução de uma mesma peça musical pode provocar
múltiplas “escutas” (conflitantes ou não) nos decodificadores de sua
mensagem, pertencentes às mais diversas sociedades, de acordo com uma
perspectiva sincrônica ou diacrônica do tempo histórico12.

A partir dessa reflexão, Contier aponta para duas direções em que se podem concentrar
as análises musicais: a primeira se direciona para as formas e para a linguagem musical e a
segunda se dirige sobre o quê a música pode revelar de algumas condições socioculturais de
seu tempo. Minha perspectiva analítica se concentrou no segundo tipo de abordagem teórico-
metodológica ao analisar: os espaços musicais da cidade ocupados por diferentes práticas
musicais; os eventos que ajudaram a constituir um repertório musical e um grupo de artistas
dominantes nos meios de comunicação e nos aparelhos institucionais do Estado; as relações
entre artistas e o Estado; os debates e tensões em meio às produções musicais; a diversidade
artístico-musical presente na cidade; e alguns produtos culturais, os discos, que foram um dos

10
HALBWACHS, Maurice. A memória Coletiva entre os músicos. In: A Memória Coletiva. São Paulo:
Centauro, 2006, p. 193-222.
11
WISNICK, José Miguel. O som e o sentido: uma outra história das músicas. São Paulo: Companhia da letras,
2009. p. 13.
12
CONTIER, Arnaldo Daraya. Música no Brasil: História e Interdisciplinariedade Algumas Interpretações
(1926-80). In: Simpósio da Associação Nacional dos professores de história, 1991, Rio de Janeiro. Anais...
Rio de Janeiro, 1991. p.151-189, p.151.
resultados das dinâmicas relacionais entre intérpretes, compositores e músicos no cenário da
musica popular em Teresina nos anos 1980.
Uma referência que me ajudou a pensar o trabalho foi o livro “Metrópole em sinfonia:
história, cultura e música na São Paulo dos anos 30” em que José Geraldo Vinci de Moraes
mostra um panorama musical paulista num período em que a cidade se inseria na indústria
cultural através dos rádios e discos. A cultura musical popular é analisada através das
modinhas, das rodas de choro, dos cordões de carnaval, do samba, e da música caipira para
mostrar a multiplicidade paulistana como resultado de diversas condições históricas que
ajudaram a moldar feições cosmopolitas à da cidade de São Paulo. Pensei então em montar
um panorama parecido para Teresina nos anos 1980 em que suas várias facetas fossem
percebidas e que ajudassem a pensar a capital piauiense atravessada por diversas
possibilidades musicais, das mais localizadas às mundializadas através dos mais diferentes
fazeres de sua canção popular. Os trabalhos de Marcos Napolitano a respeito das relações
entre História e Música, sobre questões metodológicas de aplicação nas análises das fontes
musicais e sua tese de doutoramento em que discute a chamada “Era dos Festivais” e os
impasses que gestaram a sigla MPB nos anos 1960 em torno desses eventos musicais também
são importantes referências para a construção deste trabalho por mostrar alguns percursos de
pesquisa.
A leitura de Michel de Certeau, através da obra “A Invenção do Cotidiano: Artes de
Fazer”, foi de fundamental importância na medida em que me ajudou a entender que os
espaços e as práticas são duas dimensões sociais intimamente imbricadas, pois as operações,
ou os modos de usar, realizadas em um determinado lugar modelam seus caracteres de acordo
com as ocasiões e a temporalidade que os atravessam. Bares, ginásios, praças, auditórios,
teatro, festivais, discos ou páginas de revistas e jornais foram muitos dos espaços praticados
pela música popular em Teresina nos anos 1980 e muito dizem das operações e dos usos
feitos pelos intérpretes, compositores e músicos que os constituíram. “Os jogos dos passos
moldam os espaços. Tecem os lugares [...] só se deixa então captar o resíduo colocado no não
tempo de uma superfície de projeção [...] o traço vem substituir a prática” 13. Operando a partir
desse entendimento busquei os vestígios que dão indícios de algumas das diferentes
manifestações na música popular na capital piauiense.

13
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p. 163.
As fontes utilizadas foram alguns discos e seus fonogramas; entrevistas temáticas a
partir dos procedimentos metodológicos propostos pela história oral14; textos que variavam
entre artigos e críticas sobre música; matérias jornalísticas e propagandas de shows são os
principais vestígios com os quais trabalho.
Os discos utilizados foram os LP´s resultantes de festivais como o FMPBEPI e o
Geleia Gerou; o LP coletivo de artistas Cantares; o disco Suíte de Terreiro do grupo Candeia;
e o split das bandas Megahertz e Avalon. Estes discos atuam como exemplos da diversidade
musical que atravessou Teresina durante o período aqui estudado.
As entrevistas merecem uma nota de ressalva. Foram feitas a partir da problemática
inicial, que era a da pesquisa sobre o rock dos anos 1980 produzido em Teresina. Muitas das
questões colocadas para os entrevistados partiram dessa problemática e só posteriormente
desloquei o questionamento central deste trabalho. Contudo, e para minha sorte, iniciei as
entrevistas com artistas que transitavam entre o universo do rock e da MPB, logo, muitas
informações puderam ser aproveitadas. Os músicos André Luiz Oliveira Eugênio, Edvaldo
Nascimento, Durvalino Couto Filho, e Geraldo Brito eram alguns dos que transitavam entre
esses universos. Esses músicos e compositores foram colaboradores recorrentes com críticas e
artigos sobre música popular no período aqui estudado, o que intensifica ainda mais suas
relações com o tema. Wiliam Rodsam, que foi integrante das bandas Avalon e Megahertz foi
o único entrevistado que vivenciou apenas o universo do rock and roll, mas ainda assim sua
fala foi de fundamental importância para as análises deste gênero musical como um dos
matizes da música popular em Teresina.
Nos jornais O Dia, Jornal da Manhã e Diário do Povo encontrei diferentes
modalidades de fontes para a pesquisa. De propagandas promocionais de shows a debates
sobre música popular brasileira entre articulistas teresinenses. Tais fontes, pelo seu volume
encontrado, se constituíram como a base sobre a qual construí o texto. De acordo com Juan
Pablo Gonzáles e Cláudio Rolle, as fontes presentes em meios jornalísticos sobre música
popular são importantes, uma vez que:

Desde que começou a se desenvolver uma atividade musical pública,


primeiro ligado a cena e logo a indústria cultural, e foi adquirindo
importância na imprensa periódica, nos encontramos com referências e

14
Entre os procedimentos que adotamos para a realização das entrevistas podemos citar: a seleção dos
testemunhos orais de acordo com a temática; a elaboração de um roteiro prévio para as entrevistas; a escolha
adequada do local de sua realização; os cuidados com a transcrição e a análise dos documentos produzidos.
Ver em: BONAZZI, Chantal de Tourtier. Arquivos: propostas metodológicas. In: AMADO, Janaína;
FERREIRA, Marieta de Moraes (Coord.). Usos e abusos da história oral. São Paulo: FGV, 2005. p. 233-246.
informações musicais que surgem do registro do que os habitantes do
passado julgavam digno e necessário destacar. Editores musicais;
construtores e importadores de instrumentos; promotores de concertos, teatro
e festas; selos discográficos; almanaques e lojas de música necessitam
informar a seus consumidores e estimular sua demanda [...] Essa promoção
musical de alcance massivo não seria possível sem o acelerado crescimento
experimentado pela sociedade ocidental em começos do século XX, que
encontrava nas fontes impressas seu principal meio difusor 15.

Importantes meios difusores dos espaços e práticas musicais teresinense nos anos
1980, os jornais nos forneceram informações com as quais pudemos cruzar com os diferentes
meios de comunicação, as entrevistas e algumas informações contidas nos discos no sentido
de melhor entender algumas das dinâmicas desse universo cultural.
Outras fontes importantes foram as revistas culturais Presença e Cadernos de Teresina,
ambas as publicações de responsabilidade de poderes públicos, sendo a primeira de
responsabilidade do Governo Estado do Piauí e a segunda da Prefeitura Municipal de
Teresina. A revista “Veredas: Culturarte” publicada pela Universidade Federal do Piauí
também forneceu uma importante fonte para este trabalho. Estas revistas publicaram artigos
sobre música popular que trazem fragmentos dos debates em torno desta e que ajudam a
vislumbrar seus choque e encontros.
Contar uma das várias histórias possíveis da música popular brasileira é um dos
intuitos deste trabalho. A história de um tempo através de suas canções e do universo cultural
que o circunda. É um trabalho que busca caráter horizontal que aponte caminhos e
possibilidades de verticalizações futuras, ou seja, de aprofundamentos em questões
específicas. Busca abrir um território pouco explorado na historiografia piauiense acerca de
reflexões feitas em torno de sua canção popular. Algumas poucas monografias de conclusão
de curso foram realizadas16 sobre o assunto. Outros trabalhos que discutem as relações entre
História e Música também foram realizados no programa de pós-graduação da Universidade
Federal do Piauí, mas em apenas um deles a música se relaciona com Teresina 17. Daí a

15
GONZÁLES, Juan Pablo; ROLLE, Cláudio. Escuchando el pasado: hacia una história social de la música
popular. Revista de História, São Paulo, n.157, p.31-54, 2007, p.40
16
Entre os trabalhos encontrados citamos: RODRIGUES, Jeany da Conceição de Maria. No tempo dos festivais:
história e música no Piauí (1960 – 1980). Teresina. 2005. Monografia (Licenciatura Plena em História) -
Centro de Ciências Humanas e Letras, Universidade Federal do Piauí, Teresina; VASCONCELOS JUNIOR,
Francisco das Chagas Paiva de. A emergência da música popular em Teresina (1970-1990). Teresina. 2008.
Monografia (Especialização em História) – Faculdades Integradas de Jacarepaguá, polo Teresina; ROCHA,
Pedro Cesário da. História e Música: a memória da música na cidade de Picos. Teresina. 2011. Monografia
(Licenciatura Plena em História) – Universidade Federal do Piauí, Picos.
17
Entre os trabalhos cito um que se relaciona ao cantor e compositor Raul Seixas e o outro que se concentra nas
relações entre música popular e consumo em Teresina. São eles, respectivamente: NERY, Emília Saraiva.
Devires da música popular brasileira: as aventuras de Raul Seixas e as tensões culturais no Brasil dos anos
1970. 2008. Dissertação (Mestrado em História do Brasi) – Centro de Ciências Humanas e Letras,
importância que imputo a esta pesquisa como uma contribuição em torno de reflexões iniciais
sobre a canção popular brasileira feita em Teresina a partir do olhar da história.
Teresina na década de 1980 era uma cidade que apresentava uma diversidade musical
muito grande. Diferentes grupos e artistas produziram os espaços da música. Do regional
nordestino, passando pela MPB, que abrange diferentes tipos de expressões musicais, até às
diferentes vertentes do rock and roll foram alguns das principais manifestações que
produziram os fazeres da canção popular em Teresina, identificados a partir de um grupo
específico de artistas que ocupavam recorrentemente as páginas dos jornais, revistas e discos
produzidos no período. Shows, festivais, LP´s, projetos e polêmicas culturais, mercado de
trabalho e canções são as principais notas musicais com as quais tento montar alguns dos
acordes, por vezes dissonantes, que forjaram o caráter de pluralidade musical manifestado nas
práticas e nos espaços da música popular na cidade de Teresina nos anos 1980.
Diante deste quadro introdutório, o trabalho foi elaborado da seguinte maneira: no
primeiro capítulo, chamado A CIDADE E A MÚSICA POPULAR: Teresina e os espaços
de prática musical nos anos 1980, serão analisados, num primeiro momento, os diversos
espaços da música popular em Teresina e algumas das apresentações musicais que
movimentaram esses ambientes que variavam entre o teatro, ginásio, bares e praças da cidade.
No segundo momento do capítulo analiso três eventos específicos: os festivais FMPBEPI, I
Encontro de Compositores e Intérpretes do Piauí e o I FENEMPI-PI. Festivais que gozaram
de ampla divulgação no período, pontos de convergência de músicos, compositores e
intérpretes. Espaços que ensejaram debates em torno da música popular na capital piauiense.
O segundo capitulo da dissertação, O ESTADO E OS ARTISTAS: mecenato,
tensões e variedades na música popular teresinense, discutirá qual foi a relação entre o
Estado e os artista a partir da criação do Projeto Torquato Neto. Este projeto surgiu como uma
política pública para o incentivo da música popular no Estado gerando algumas tensões e
contendas entre alguns atores sociais desta pesquisa. Refletirei ainda sobre a diversidade
musical teresinense, a partir de alguns artistas, apontando para as suas experiências musicais
plurais, remarcando a importância dos mesmos como movimentadores do cenário
sociocultural da cidade.
No terceiro capítulo, intitulado A PRODUÇÃO FONOGRÁFICA EM TERESINA:
diversidades sonoras da capital piauiense, refletirei sobre alguns aspectos do cenário

Universidade Federal do Piauí, Teresina; COSTA, Fernando Muratori. Seu gosto na berlinda: Um estudo do
consumo musical nos anos 1970. 2012. Dissertação (Mestrado em História do Brasi) – Centro de Ciências
Humanas e Letras, Universidade Federal do Piauí, Teresina.
fonográfico teresinense; sobre algumas das diferentes produções feitas no período no sentido
de captar quais as diferentes texturas sonoro-musicais presentes na cidade que evidenciam o
caráter de pluralidade musical nos anos de 1980; e sobre como esses discos se constituíram no
momento de inserção piauiense no repertório da música popular brasileira, a partir de
discussões já iniciadas nos capítulos anteriores.
As produções e as movimentações musicais feitas por músicos, intérpretes e
compositores em Teresina são reveladoras de diferentes práticas e dinâmicas da música
popular brasileira e agitaram a capital piauiense nos anos 1980. Com este trabalho busquei
analisar a música popular trilhando uma das muitas veredas possibilitadas pela história.
Pensar Teresina e seus fazeres musicais neste período foi transitar por esses caminhos.
CAPÍTULO 1: A CIDADE E A MÚSICA POPULAR: TERESINA E OS ESPAÇOS DE
PRÁTICA MUSICAL NOS ANOS 1980

1.1 Shows, festivais e lugares: um olhar sobre os espaços musicais em Teresina nos
anos 1980

A capital piauiense contava com 377.774 habitantes no início da década de 1980, segundo
dados do censo demográfico do IBGE18. Este número revela, em termos populacionais, que
Teresina era uma capital pequena em relação a outros centros urbanos nordestinos como
Recife e Salvador que contavam à mesma época com uma população de 1.203,89919 e
1.491,64220 de habitantes respectivamente, levando-se em conta o mesmo recorte estatístico
aqui delimitado, o que necessariamente aumenta a complexidade social para diferentes setores
econômicos e culturais de uma cidade. Apesar de não possuir a mesma densidade
populacional das grandes capitais brasileiras, Teresina, contudo, além de estar inserida no
circuito dos grandes shows musicais nacionais, dentro do mercado do entretenimento da
indústria cultural – não como centro difusor desta, mas como um mercado consumidor de
seus produtos, como shows e discos – também foi palco produtor de uma pluralidade artística
no território da música popular brasileira. Deter-nos-emos agora a mapear alguns espaços de
expressão da música popular na capital piauiense nos anos de 1980 como um percurso
introdutório para a análise de algumas das diferentes práticas musicais presentes na cidade no
mesmo período produzidas por alguns de seus atores sociais.
O espaço é aqui entendido, conforme Michel de Certeau, como um lugar praticado. Os
modos de usá-los os instituem de acordo com as operações de seus usuários. Logo, um teatro,
um ginásio, um bar ou uma praça puderam ser moldados como espaços da música popular por
compositores, músicos e intérpretes a partir de suas relações socioculturais que possibilitaram

18
Dados da população residente por situação de domicílio e sexo.Ver: IBGE. Censo Demográfico: dados gerais,
migração, instrução, fecundidade, mortalidade. Rio de Janeiro: IBGE, 1982-1983. Disponível em:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20%20RJ/CD1980/CD_1980_Dados_Distrita
is_PI.pdf.>. Acesso em: 4 set. 2012.
19
Dados da população residente por situação de domicílio e sexo.Ver: IBGE. Censo Demográfico: dados gerais,
migração, instrução, fecundidade, mortalidade. Rio de Janeiro: IBGE, 1982-1983. Disponível em:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20%20RJ/CD1980/CD_1980_Dados_Distrita
is_PE.pdf> Acesso em: 4 set. 2012.
20
Dados da população residente por situação de domicílio e sexo.Ver: IBGE. Censo Demográfico: dados gerais,
migração, instrução, fecundidade, mortalidade. Rio de Janeiro: IBGE, 1982-1983. Disponível em:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20%20RJ/CD1980/CD_1980_Dados_Distrita
is_BA.pdf> Acesso em: 4 set. 2012.
a tessitura desses espaços. Lugares que nos anos 1980 em Teresina tiveram suas
sociabilidades mediadas pela música, por suas harmonias e dissonâncias. Sobre isso Certeau
afirma que:

O espaço é um cruzamento de móveis. É de certo modo animado pelo


conjunto dos movimentos que aí se desdobram. Espaço é o efeito produzido
pelas operações que o orientam, o circunstanciam, o temporalizam e o levam
a funcionar em unidade polivalente de programas conflituais ou de
proximidades contratuais21.

Os dois principais espaços que acolheram em Teresina nos anos 1980 artistas da música
de outros estados foram o ginásio “Verdão” e o Theatro 04 de Setembro. Ambos receberam
diversos artistas e seus espetáculos e a observação dessas diferentes apresentações por toda a
década permite perceber a existência de um público para música popular na cidade que já
vinha sendo formado ao longo das décadas anteriores, pois boa parte dos artistas que neles se
apresentaram surgiram e ganharam notoriedade nos anos 1960 e 1970. Os shows desses
artistas faziam parte das turnês que percorriam o Brasil e levavam consigo outras informações
musicais que estavam sendo produzidas pelos grandes centros urbanos do país.
A presença de músicos de outros estados e de toda uma estrutura material, técnica e
humana causou fascínio que ficou na memória de algumas pessoas que vivenciaram o
período, principalmente entre os músicos, pois estavam mais atentos aos detalhes das
apresentações por se tratar de seu território de atuação. “Alceu Valença, Rita Lee, Paralamas,
Barão, Luís Melodia, todo mundo que vinha, vinha com cenário. Eu lembro da Rita com
cenário enorme.”22 recorda o guitarrista André Luiz Oliveira Eugênio, que participou
intensamente da movimentação cultural musical de Teresina no período aqui estudado. Outro
episódio é lembrado pelo músico em entrevista a nós concedida, onde ele fala sobre estas
novidades vindas de fora. O relato a seguir se refere a um encontro dele com o grupo paulista
Premeditando o Breque23 quando da sua passagem por Teresina no Theatro 04 de Setembro
pelo Projeto Pixinguinha24:

21
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p. 184.
22
SOUZA, André Luíz Oliveira Eugênio de. André Luíz Oliveira Eugênio de Souza [31 jan. 2012] Entrevistador:
Hermano Carvalho Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular
Teresinense concedida como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela
Universidade Federal do Piauí.
23
A banda “Premeditando o Breque” ou “Premê” assim era definida nos anos 1980: “Numa época em que
triunfam principalmente os talentos individuais, o Premê se desenvolve coletivamente, num projeto
independente que vem a cada dia alcançando mais gente e afirma que encontra seu sentido na falta de sentido
das coisas, sofrendo influências de todos os lados: da música erudita tradicional e da contemporânea, do jazz
e do rock, dos jingles, da música brasileira dos geniais chorões e dos sambistas de breque”. Para uma
Era a abertura do Pixinguinha pro “Premê”, Premeditando o Breque.
“Tavam” fazendo um sucesso louco na época. Aí eu lembro que antes da
cortina abrir eu tava atrás vendo a pedaleira 25 Boss do Mário Manga... eu lá
namorando aquele troço... aí ele veio pra mim e disse “aí cara, tu vai
tocar?”26

Esses espaços de práticas musicais em Teresina foram uma “janela” para as novidades
das produções musicais de outros estados como o exemplo acima explicita. Pode-se notar o
maravilhamento que André Luiz narra ao observar o equipamento que o guitarrista da banda
paulista levou para sua apresentação. Mesmo passados 30 anos desse encontro – o show do
Premê em Teresina aconteceu em 1982 e a entrevista foi realizada em 2012 – o músico
cearense residente na capital piauiense ainda recorda esse acontecimento como algo marcante,
pois vincula o impacto causado pelo equipamento musical através da metáfora do namoro, de
uma relação afetiva com um objeto inanimado. Em Teresina neste período as dificuldades de
acesso a equipamentos musicais ajudam a explicar em certa medida o “namoro” entre André
Luiz e a pedaleira da marca Boss de Mário Manga. Esses espaços da música funcionavam
como mediadores de trocas de informações dessa natureza, logicamente com os músicos que
tinham acesso aos bastidores desses shows na cidade, mas que consequentemente acabavam
por partilhar essas informações em outros espaços de sociabilidades mediados pela música na
capital piauiense.
Os shows que ocorreram nos anos 1980 no ginásio poliesportivo Dirceu Mendes
Arcoverde, o “Verdão”, construído no final dos anos 1970 e localizado na Rua João Cabral,
centro da cidade, atraiam milhares de pessoas para assistir estrelas já consagradas na música
popular brasileira atestam a inserção de Teresina no circuito cultural das grandes
apresentações musicais. Vários espetáculos ao longo da década aconteceram com artistas da
música como Roberto Carlos, Caetano Veloso, Alceu Valença, Gal Costa, Fagner, Rita Lee,

informação mais detalhada do grupo ver: GRUPO paulista é esperado na segunda. Jornal O Dia, Teresina,
p.7, 22 jul. 1982.
24
Projeto cultural criado pela Fundação Nacional de Arte em 1977 por Hermínio Bello de Carvalho. Seu
objetivo era “valorizar, difundir e formar plateia para a música popular brasileira e para o trabalho de artistas
fora da evidência do mercado. Para isso, promoveria a circulação de espetáculos musicais pelo país.” Ver:
ALMEIDA, Gabriela Sandes Borges de. Projeto Pixinguinha: 30 anos de música e estrada. 2009. Dissertação
(Mestrado em História Política e Bens Culturais) – Centro de Pesquisa e Documentação da História
Contemporânea do Brasil, CPDOC.
25
Instrumento eletrônico capaz de alterar o som de uma guitarra através de efeitos como a distorção, delay,
reverb, etc. Possui vários dispositivos, chamados de pedais, que tem como função mudar os efeitos de acordo
com a música ou em diferentes momentos de uma mesma música.
26
SOUZA, André Luíz Oliveira Eugênio de. André Luíz Oliveira Eugênio de Souza [31 jan. 2012] Entrevistador:
Hermano Carvalho Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular
Teresinense concedida como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela
Universidade Federal do Piauí.
Gilberto Gil, e Geraldo Azevedo. Grupos e artistas em ascensão no circuito musical nacional
na época como Ritchie, Blitz, Roupa Nova, Ultraje a Rigor, Kid Abelha, Marina e Lulu
Santos também tocaram seus acordes na capital piauiense 27. Os shows no “Verdão” marcaram
uma geração e sua fama transbordou28 para as décadas seguintes. Mais uma vez recorremos à
memória do guitarrista André Luiz, que entre os nossos entrevistados sobre a temática deste
trabalho foi quem mais ofereceu detalhes sobre sua vivência musical em Teresina no recorte
pesquisado. Ele relata com nostalgia como eram disputados os shows que aconteciam no
“Verdão”, devido à quantidade de pessoas que queriam estar presentes nas apresentações do
ginásio:

Uma coisa que faz muita falta é o Verdão [...] que tinha uma acústica
maravilhosa. Passavam todos os shows importantes por aqui. Eu lembro que
eu fui ver o RPM no auge mesmo, eu e minha namorada a gente não
conseguia [...] tinha aquela corrente de seguranças [...] era gente demais. A
gente com ingressos na mão. Aí ele disse: “olha, eu vou levantar o braço um
segundo, quem passar, passou!” ele olhando pra mim [...] “se você não
passar fica. Ela vai só”. O cara levantou... a gente pulou pro outro lado! Lá
dentro se você tirasse o pé, não tinha onde colocar... tinha que colar em cima
de outro pé. Quer dizer, todos os shows [...] Eu lembro que o Alceu também,
da época do Cavalo de Pau. Teve uma hora que teve um problema com a
guitarra do Paulo Rafael. Ele começou, simplesmente o Verdão cheio, lotado
e ele começou a brincar, fazer Repente enquanto se resolvia o problema [...]
agradeceu todo mundo pela compreensão e aplaudiram quase 15 minutos o
cara. Era cheio em cima e em baixo29.

Diferentes artistas da música popular brasileira, como o relato acima nos informa,
levaram ao ginásio grandes públicos através de diversos estilos musicais. O Rock e a música
regional nordestina, representados na citação pelo grupo RPM e por Alceu Valença,

27
As notícias sobre as apresentações desse diversos artistas foram encontradas nas seguintes matérias
jornalísticas: ROBERTO Carlos chega hoje e canta no Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 18 jul. 1980;
CAETANO Veloso chega e fala sobre Torquato. Jornal O Dia, Teresina, p. 11, 21, ago. 1980; ALCEU hoje
à noite no Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p.8, 17 set. 1980; GAL Tropical: o maior show do Brasil. Jornal
O Dia, Teresina, p. 11, 11 out. 1980; RAIMUNDO Fagner: Homem do coração alado. Jornal O Dia,
Teresina, p. 10, 24 nov. 1980; RITA Lee chega hoje às 9 horas. Jornal O Dia, Teresina, p. 2, 14 fev. 1981;
GIL: Ninguém liga mais pra abertura. Jornal O Dia, Teresina, p.8, 01 jul 1981; GERALDO Azevedo canta
hoje à noite no Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 30 mar. 1987; RITCHIE em Teresina. Jornal O Dia,
Teresina, p. 7, 28 out. 1983; BLITZ faz show hoje no ginásio Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 1, 23 jan.
1986; ROUPA Nova no Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 1, 19 out. 1986; ULTRAJE a Rigor dia 10 no
Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 23 nov. 1987; KID Abelha e os Abóboras Selvagens no Verdão. Jornal
O Dia, Teresina, p. 10, 02 maio. 1988; MARINA hoje no Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 24 maio,
1988; LULU Santos se apresenta quinta feira no Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 8, 12 set. 1988.
28
Como nasci durante os anos 1980 não pude participar de nenhum show ocorrido no Verdão. Apenas ouvi
diversas histórias a seu respeito, sobre as apresentações e de como eram concorridas pelo público. Daí o
“transbordamento” da fama do ginásio para outra geração que só conheceu sua notoriedade.
29
SOUZA, André Luíz Oliveira Eugênio de. André Luíz Oliveira Eugênio de Souza [31 jan. 2012] Entrevistador:
Hermano Carvalho Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular
Teresinense concedida como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela
Universidade Federal do Piauí.
respectivamente, foram alguns deles. O samba carioca também levou grandes públicos para os
espaços do ginásio. Sobre este último gênero musical citado é uma matéria jornalística que
nos informa sobre sua movimentação em Teresina:

Aproximadamente cinco mil pessoas assistiram anteontem o show do cantor


e compositor Jorge Ben, no ginásio Dirceu Arcoverde (Verdão) [...] O
espetáculo montado em estilo simples, quase um recital, apenas com a
presença do cantor e sua banda no palco montado sem nenhum artifício, só
foi ser concluído as 23h30 com aplausos para Jorge Ben30.

Um aglomerado maior de pessoas esteve presente na apresentação da cantora


maranhense Alcione: “um público de aproximadamente 12 mil pessoas aplaudiu ontem à
noite a cantora Alcione no Verdão durante show musical”31. Apesar de poderem ser
contestáveis os números apresentados pela imprensa local, pois não traziam em suas
informações de onde se haviam coletados a quantidade do público expectador presente nesses
espetáculos, as notícias sobre esses shows revelam que em Teresina existia um público
consolidado para o consumo de música popular, principalmente músicas produzidas em um
contexto urbano, e o Ginásio Dirceu Mendes Arcoverde foi um espaço que fomentou na
década de 1980 tanto a constituição de um público para música na capital piauiense quanto
também foi um espaço de práticas musicais de maior porte produzidas em Teresina.
Entre as produções de espetáculos musicais teresinenses encontradas durante a
pesquisa que se apresentaram no ginásio Verdão podemos destacar o I FENEMP - PI, o
Festival da Música Popular Brasileira de Estado do Piauí (FMPBEPI) e o I Encontro de
Compositores e Intérpretes do Piauí32. Sobre estes três festivais serão feitas análises mais
detalhadas no tópico seguinte deste capítulo, onde será dado um espaço específico para a
discussão da importância desses festivais para a cidade. Resta adiantar que os mesmos foram
responsáveis por atrair também um grande público quando das suas realizações, o que mostra
que não apenas os artistas de outros estados eram capazes de aglomerar consumidores para
suas canções. A produção artístico-musical de Teresina teve seus consumidores que
frequentavam os espaços de expressão da criação musical local. Contudo, devido ao seu
tamanho, o ginásio Verdão não foi um espaço muito requerido para shows produzidos em
Teresina e os artistas locais, em apresentações individuais, não possuíam o mesmo apelo
30
MAIS de cinco mil viram Jorge Ben. Jornal O Dia, Teresina, p. 8, 13 maio. 1982.
31
PÚBLICO lota o Verdão e aplaude Alcione. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 08 jun. 1982.
32
As informações sobre estes festivais podem ser encontradas nas seguintes matérias jornalísticas: ABERTA
inscrição para festival de música nordestina. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 13 abr. 1988; TUDO pronto para o
início do festival. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 9 ago. 1980; CULTURA já vende ingressos para o show dos
piauienses. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 18 set. 1984.
popular que músicos de outros Estados. Estes, contratados por grandes gravadoras e com
estrutura material e midiática necessários para atrair grandes públicos eram os que mais se
apresentavam no ginásio.
O Teatro 04 de Setembro, localizado em frente à Praça Pedro II, uma das mais
famosas praças da cidade, no centro da capital, foi um dos principais lugares onde a música
em Teresina pôde se expressar. Em seu palco também passaram artistas de outros estados sem
o mesmo alcance de popularidade dos que se apresentavam no Verdão. Entretanto, boa parte
desses artistas eram reconhecidos como referências na canção popular brasileira. Em shows
de menores proporções, como os que aconteciam no Projeto Pixinguinha, o teatro recebeu
Jards Macalé, Luís Melodia, Paulinho da Viola, João Bosco, Ivan Lins, Sivuca, Moreira da
Silva, Wagner Tiso, Zizi Possi, Arrigo Barnabé, dentre outros33.
Esse projeto também foi palco para artistas teresinenses que já ocupavam um lugar de
destaque no cenário musical local desde a segunda metade da década de 1970. Entre os que se
apresentaram podemos destacar Geraldo Brito, Cruz Neto, Maria da Inglaterra, Laurenice
França, Grupo Varanda, Rubeni Miranda, André Luiz e Júlio Medeiros, Rosinha Amorim,
dentre outros34. Grande parte desses mesmos artistas também produziram seus próprios shows
no teatro durante esse período. Além dos artistas piauienses já citados como participantes do
projeto Pixinguinha, podemos destacar outros nomes como Edvaldo Nascimento, Lena Rios e
Lázaro do Piauí fazendo shows no teatro. As bandas de rock Vênus e Grito Absurdo também
fizeram shows no Theatro 04 de Setembro 35. Muitos desses compositores, intérpretes e
músicos fizeram mais de uma apresentação no teatro, quer seja como atração principal, quer

33
As notícias sobre as apresentações desses artistas foram encontradas nas seguintes matérias jornalísticas:
MACALÉ e Doris Monteiro Chegam hoje a Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 6 out. 1980; ARTISTAS
chegam hoje para show no teatro. Jornal O Dia, Teresina, p.8, 13 out. 1980; PAULINHO da Viola faz último
show no teatro. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 22 out. 1980; JOÃO Bosco chega hoje para shows. Jornal O
Dia, Teresina, p. 7, 3 nov. 1980; PIXINGUINHA virá de novo para Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p. 8,
21 jun. 1983; SIVUCA e Joyce no Pixinguinha. Jornal O Dia, Teresina, p. 8, 6 nov. 1980; ARTISTAS do
Pixinguinha estão empolgados com Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 6 set. 1983; TISO e Leila abrem o
2ª o Pixinguinha. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 27 jun. 1988; ZIZI Possi canta hoje no 4 de setembro. Jornal
O Dia, Teresina, p.7, 24 abr. 1986; ARRIGO encerra o projeto Pixinguinha no teatro. Jornal O Dia,
Teresina, p. 7, 3 ago. 1988.
34
As notícias sobre as apresentações desses artistas foram encontradas nas seguintes matérias jornalísticas:
PROJETO Pixinguinha vai ser aberto amanhã. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 12 jul. 1983; LAURENICE e
Varanda participam do projeto Pixinguinha sábado. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 14 jul. 1983; COMEÇA
hoje a 2ª etapa do projeto Pixinguinha no PI. Jornal O Dia, Teresina, p. 8, 20 jul. 1983; PROJETO
Pixinguinha vai ser aberto amanhã. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 12 jul. 1983; TISO e Leila abrem o 2ª o
Pixinguinha. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 27 jun. 1988;
35
As notícias sobre as apresentações desses artistas foram encontradas nas seguintes matérias jornalísticas: UM
SHOW muito quente: Edvaldo Nascimento e banda. Jornal O Dia, Teresina, p. 5, 09 jan. 1981; THEATRO
apresenta segunda Lena Rios com “Renascer”. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 24 dez. 1982; LÁZARO lança seu
disco no 4 de Setembro. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 17 jun. 1985; GRUPO Venus anuncia show para o
Theatro. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 24 jan. 1984; GRUPO de rock se apresenta no teatro e deputado brilha.
Jornal O Dia, Teresina, p.7, 20 jun. 1988.
seja como abertura para outros shows ou como músicos acompanhantes de outros artistas.
Espaço por onde alguns artistas piauienses tinham trânsito livre e praticavam suas
sociabilidades:

[...] houve uma época em que o local de apresentação da música popular do


Piauí foi o Teatro 04 de Setembro. Nós éramos donos do teatro. A gente
vivia no teatro. Toda a tarde eu ia no teatro como quem vai pro happy hour
tomar uma cervejinha. A gente entrava no teatro pela porta dos fundos.
Tínhamos acesso aos camarins, ao proscênio. Tudo o que a gente fazia no
teatro lotava 36.

Lembrado com nostalgia por músicos que utilizaram seu espaço, o 04 de Setembro,
como é chamado em Teresina, mais de vinte anos depois perdeu essa condição de local
privilegiado para a música: “Eu lembro do teatro, coisa que não acontece mais hoje, o teatro
enchia que não ficava gente sentada. Todo mundo ia ver e todo mundo dançava” 37. Não
apenas em relação à música, mas frequentar o teatro deixou de ser uma prática para o público
de Teresina, como relata o poeta e compositor Durvalino Filho: “A gente morava no teatro e
isso infelizmente acabou. Hoje as pessoas têm medo de ir a espetáculos no centro, com medo
de ser assaltados, do carro ser roubado. É lamentável” 38.
O Theatro 04 de Setembro e o ginásio Verdão foram espaços importantes para a
música popular em Teresina. O teatro, principalmente, era local privilegiado que servia como
vitrine para as produções musicais da cidade. Entretanto, outros lugares também constituíram
o ambiente musical de Teresina. Lugares esses que realizavam, como nos dois anteriormente
citados, shows sazonais, preparados com antecedência e que contavam com uma produção
mais elaborada, como a confecção de cartazes e panfletos para divulgação do evento; aluguel
de som e confecção de cenário para o dia da apresentação e contatos com a imprensa para
uma divulgação de maior porte para os shows. O auditório “Herbert Parentes Fortes” e o

36
COUTO FILHO, Durvalino. Durvalino Couto Filho [15 fev. 2012] Entrevistador: Hermano Carvalho
Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense concedida
como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela Universidade Federal do
Piauí.
37
SOUZA, André Luíz Oliveira Eugênio de. André Luíz Oliveira Eugênio de Souza [31 jan. 2012] Entrevistador:
Hermano Carvalho Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular
Teresinense concedida como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela
Universidade Federal do Piauí.
38
COUTO FILHO, Durvalino. Durvalino Couto Filho [15 fev. 2012] Entrevistador: Hermano Carvalho
Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense concedida
como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela Universidade Federal do
Piauí.
“Centro de Artesanato”39 foram palco de vários dos músicos e grupos teresinenses que usaram
desses expedientes para suas apresentações.
O primeiro fica localizado no cruzamento entre as Avenidas Frei Serafim e Miguel
Rosa, duas importantes vias de deslocamento da cidade. Foi um local por onde a pluralidade
de gêneros musicais pôde se expressar em Teresina. Era um pequeno auditório para pouco
mais de 150 pessoas onde se apresentaram grupos como a banda de rock “Green City Band”
do guitarrista e compositor Edvaldo Nascimento, que nesse grupo tocava baixo. Além dele
também fez parte do grupo Durvalino Couto Filho na bateria e Edino Neiva na guitarra. Esse
conjunto, formado no final dos anos 1970, tocava músicas de grupos internacionalmente
conhecidos como Led Zeppelin e Black Sabbath em apresentações que atraíram bons públicos
para o auditório 40. Já o show intitulado “Amora”, mais regional, com toques da música
internacional, realizado por Cruz Neto, Janete Dias, André Luiz e Drout também se
apresentou neste auditório. Acompanhados por instrumentos como o violão, viola, percussão
e uma guitarra “discreta”, os músicos tocaram seus xotes, xaxados, baiões e blues 41.
O Centro de Artesanato fica do lado oposto ao Teatro 04 de Setembro, tendo também a
sua frente à Praça Pedro II, foi a sede da Polícia Militar do Piauí até 1978 e depois se tornou
local para comercialização de produtos artesanais produzidos no Estado. Nesse lugar
ocorreram shows para grandes públicos, devido às grandes dimensões de seu espaço,
principalmente eventos de rock. Uma das edições do festival Setembro Rock aconteceu ali. As
bandas Dorsal Atlântica, do Rio de Janeiro; Vodu e Viper de São Paulo; Ácido de São Luís e
as locais Grito Absurdo, Megahertz e Avalon estavam na programação de uma das edições do
evento que prometia “explodir Teresina” visando “contribuir para o engrandecimento do
movimento do rock da capital” 42. A partir da segunda metade da década de 1980, Teresina
presencia o aparecimento de muitos grupos de rock formado por jovens produzindo e
praticando a cidade através de suas músicas.
Esses lugares praticados da música popular em Teresina nos anos 1980 – o ginásio
Verdão, o Theatro 04 de Setembro, o auditório Herbert Parentes Forte e a Central de
Artesanato – constituem-se naquilo que Pierre Nora chama de “Lugares de Memória”, pois
sua existência física remete a uma experiência social passada que só é possível de ser
39
Hoje a Central de Artesanato se chama “Mestre Dezinho” em homenagem ao artesão Dezinho de Valença,
falecido no ano 2000.
40
NASCIMENTO, Edvaldo do. Edvaldo do Nascimento [13 fev. 2012] Entrevistador: Hermano Carvalho
Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense
concedida como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela Universidade
Federal do Piauí.
41
“AMORA” se apresenta hoje no Herbert Parentes Fortes. Jornal O Dia, Teresina, p. 7 11 fev. 1982.
42
SHOW de Rock começa hoje em Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p.2, 26 set. 1987.
lembrada a partir da materialidade desses lugares para aqueles que vivenciaram o universo
artístico musical teresinense naquele período, ou como afirma Nora:

Porque, se é verdade que a razão fundamental de ser um lugar de memória é


parar no tempo, é bloquear o trabalho do esquecimento, fixar um estado de
coisas, imortalizar a morte, materializar o imaterial para [...] prender o
máximo de sentido num mínimo de sinais [...]43.

A existência desses lugares de memória também é um trabalho da História, pois ela


também os estabelece por sua fixação no texto escrito, operação esta que esta dissertação se
propõe a fazer ao elaborar uma interpretação sobre os vestígios da música popular teresinense
e ajudando a ancorar seus lugares de memória. Mais uma vez Nora nos ajuda a refletir sobre
esta questão:

E se, em compensação, a história não se apoderasse deles para deformá-los,


transformá-los, sová-los e petrificá-los eles não se tornariam lugares de
memórias. É este vai-e-vem que os constitui: momentos de história
arrancados do movimento da história, mas que lhe são devolvidos. Não mais
inteiramente a vida, nem mais inteiramente a morte44.

Outros espaços permitiam uma assiduidade maior dos músicos e de seu público,
tecendo sociabilidades mais frequentes entre seus praticantes. Alguns bares se notabilizaram
nesse aspecto, pois neles a frequência de apresentações musicais era bem maior do que a dos
locais anteriormente citados. O “Nós & Elis” e o “Tarot Bar” são dois exemplos disso, pois
foram estabelecimentos que contaram com apresentações musicais em suas programações de
entretenimento semanalmente. Outras manifestações artísticas fizeram parte desses lugares,
agregando maior valor cultural a esses ambientes. Literatura, artes plásticas e cênicas
estiveram na programação desses bares.
Na comemoração de aniversário, o “Tarot bar”, fundado em 1988, contou com
apresentações artísticas musicais, performances teatrais e recital de poemas. “Tudo isso para
comemorar o primeiro aniversário do Tarot Bar que, desde seu surgimento, tem sido um
espaço cultural alternativo em Teresina” 45. Os músicos e intérpretes que se apresentaram no
bar, segundo as informações que encontramos nas fontes jornalísticas, transitavam no
universo musical da MPB interpretando alguns de seus nomes consagrados, além de canções

43
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto história: Revista do Programa de
Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP. São Paulo, p 7-28, 1981.
Disponível em: < http://www.pucsp.br/projetohistoria/downloads/revista/PHistoria10.pdf>. Acesso em: 19 jul.
2012, p. 22.
44
Ibid., p. 13.
45
TAROT comemora um ano com muita festa. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 18 nov. 1989.
de compositores piauienses, como podemos exemplificar no trecho da matéria jornalística a
seguir:
A bela voz do piauiense Rubens Lima estará no palco do bar Tarô, próximo
ao Jockey Center, a partir das 23h, hoje à noite. Rubens interpretará Caetano
Veloso, Djavan, Luís Melodia, além de outros nomes da MPB. Alguns blues
e músicas de compositores da terra, entre eles Geraldo Brito, Abraão Lincoln
e Boy também estão no repertório46.

A importância do bar “Nós & Elis” para alguns músicos teresinenses pode ser
sintetizada na fala do poeta e compositor Durvalino Couto Filho: “o grande momento musical
dos anos 1980 [...] sem dúvida” 47. Tal opinião foi compartilhada por muitos músicos,
intérpretes, compositores, poetas e frequentadores do bar por meio de um livro escrito por um
coletivo de autores48 que busca, através de suas narrativas, constituir um lugar de memória
para as experiências vividas naquele espaço. Nora nos ajuda mais uma vez a refletir sobre este
conceito: “Os lugares de memória são, antes de tudo, restos [...] e vivem do sentimento que
não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, manter aniversários, organizar
celebrações [...]”49.
Através de saudosos relatos, o livro “No Nós & Elis a gente era feliz – e sabia”
procura criar esse arquivo das vivências produzidas pelo bar, inaugurado em 1984, sendo seu
nome uma homenagem à cantora Elis Regina. Diferente das apresentações do Theatro 04 de
Setembro ou do Ginásio Verdão, este ambiente propiciava atitudes mais espontâneas, tanto
por parte de quem se apresentava, como por parte dos consumidores que realizavam esses
espaços. A penumbra do ambiente e a possibilidade de consumo de bebidas alcoólicas
requeriam outras performances. A comunicação variando entre a grandiloquência, sussurros
ao pé do ouvido e troca de olhares tecia-se constantemente. Ver e ser visto foi uma das lógicas
da sociabilidade do bar. Tudo isso no pulso da música popular. A boemia também é outro
traço característico que permeia as memórias sobre o bar e a bebida como uma catalisadora de

46
O CANTOR Rubens Lima inova repertório e volta aos shows. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 26 out. 1989.
Além desta matéria, referenciamos outras que nos dão indícios sobre os tipos de apresentações musicais que
ocorriam no Tarot Bar em que se mesclavam canções de artistas consagrados da MPB e canções de artistas
piauienses. São elas: FÁTIMA Lima faz show no Tarot. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 30 nov. 1989; JABUTI
Fonteles volta com “Cria do Mundo”. Jornal O Dia, Teresina, p. 11, 15 nov. 1989; RORAIMA faz show
com nova banda. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 1 nov. 1989.
47
COUTO FILHO, Durvalino. Durvalino Couto Filho [jan. 2012] Entrevistador: Hermano Carvalho Medeiros.
Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense concedida como
fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí
48
O livro em questão se chama “No Nós & Elis a gente era feliz – e sabia”, organizado por Joca Oeiras.
49
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto história: Revista do Programa de
Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP. São Paulo, p 7-28, 1981.
Disponível em: < http://www.pucsp.br/projetohistoria/downloads/revista/PHistoria10.pdf>. Acesso em: 19
jul. 2012, p.12-13.
sensibilidades juntamente às canções e melodias tocadas no Nós & Elis. O intelectual
Feliciano Bezerra assim relembra:

Refúgio da arte e da cultura piauiense, lugar de exercício da imaginação, de


consumo delicioso de farras estéticas, o Nós & Elis tinha algo de aráutico,
não se repetia, não tinha reprodutibilidade (contrariando Walter Benjamim).
Ir ao Nós & Elis era um ato natural de plena significação, sabíamos de
antemão que valeria a pena sair de casa. Os shows, os recitais, as conversas,
os papos cabeças dos intelectuais em transe, os pequenos torneios
ideológicos, os diagnósticos políticos, os projetos culturais traçados ali entre
copos e mentes, os encontros furtivos, os exercícios de fidelidade conjugal,
tudo animava as noites etílicas, alegres e abertas 50.

Em meio a toda carga simbólica que o bar representou para esse grupo social, – reduto
de sociabilidades de classe média e de universitários com capital cultural orbitando em torno
dos mesmos interesses no que se refere à fruição de produtos culturais como música, poesia,
política, teatro, cinema e artes plásticas – ele foi, segundo as narrativas de músicos e
intérpretes contidas no livro, um momento de valorização e reconhecimento do artista tanto
como um profissional que deveria ser remunerado por sua arte como na sua relação com o
público, que na maioria dos relatos destes mesmos músicos e intérpretes é descrito como um
consumidor atento de seus trabalhos.
A música foi a tônica predominante dos dois bares acima comentados. Elemento que
agregava valor e principal atrativo para a convergência de pessoas em suas instalações. Pontos
de produção, difusão e consumo cultural em Teresina e que nos ajudam a perceber a
movimentação e a pluralidade musical produzida na cidade uma vez que artistas de variados
gêneros musicais passaram por seus palcos.
Outros eventos em Teresina não ligados diretamente à música também se constituíram
como seu espaço de atuação e possibilitaram suas práticas em meio a outras manifestações
artísticas. Foram eles o Salão de Humor do Piauí e a Feira Popular de Arte da Praça Saraiva.
O primeiro, que iniciou em 1982, buscava uma interlocução entre diferentes linguagens
artísticas, tendo como eixo central os cartuns. Assim foi noticiado quando da sua quinta
edição: “O V salão de humor terá ainda exposição de trabalhos, danças folclóricas, shows,
bailes, apresentação de peças teatrais, feira de arte, mostra de cinema, além de feira de
humor”51. As três edições do Salão de Humor que encontramos em nossas pesquisas também

50
BEZERRA, Feliciano. Nós e o Elias. In: OEIRAS, Joca (org). No Nós & Elis a gente era feliz – e sabia.
Teresina: Gráfica Halley, 2010, p. 45.
51
SALÃO de Humor será aberto quarta feira. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 25 ago. 1986.
traziam consigo essa diversificação cultural e ocorreram no Theatro 04 de Setembro e na
Praça Pedro II. Estes dois espaços compõem um tradicional complexo cultural da cidade.
A Feira Popular de Arte da Praça Saraiva acontecia aos domingos e teve seu início no
fim da década de 1970, organizada pela Secretaria de Cultura do Estado. Local de intensa
circulação cultural, a praça atraía, segundo relato de um cronista da época, “uma fauna
heterogênea de artistas, gatinhas e gatões, desocupados, alguns senhores ocupadíssimos e o
povo em geral. Um barato.”52 Esse pluralidade de pessoas frequentando este espaço de
sociabilidade também se refletia nas apresentações que ocorreram na praça. Grupos de
diferentes estéticas sonoras tocaram no palco da feira, como o grupo Candeia e suas temáticas
regionalistas e a banda Vênus e o som globalizado do rock. Podemos perceber mais uma vez a
ideia de feira, de mistura presente nas movimentações da praça na citação a seguir:

Um grande show musical, com a participação de artistas da terra, será a


principal atração da Feira Popular de Arte [...] na Praça Saraiva. A
informação foi prestada pela coordenadora da feira [...] adiantando que o
espetáculo, a exemplo de vezes anteriores, será bem variado, o que garantirá
a presença de um grande público. Dentre os artistas que participarão a
coordenadora adiantou que já está certa a presença de Janete Dias, Geraldo
Brito e André Luiz. Contudo, contatos estão sendo mantidos para também
assegurar a presença de Edvaldo Nascimento, Durvalino Couto e outros
grupos musicais 53.

A década de 1980 em Teresina foi repleta de festivais musicais como outros espaços
das práticas musicais teresinenses além dos anteriormente citados. De natureza variada,
apresentavam gêneros musicais diversos dentro de um mesmo evento. O argumento central
presente nas notícias sobre estes festivais era o de promover a música piauiense. Variavam
entre competitivos ou não. Eram promovidos por grupos dos bairros ou por iniciativa privada
em parceria com o poder público. A multiplicidade de estilos musicais contida nestes festivais
mostra as produções presentes na cidade atravessadas por diferentes influências musicais,
sejam elas nacionais ou estrangeiras.
O FMPBEPI, já citado; o I Festival de Sanfoneiros do Piauí; o FESPAPI, festival de
música do Bairro Parque Piauí; o FEMBA, festival de música do Bairro Buenos Aires; o
FEMIP, festival de música instrumental do Piauí; o FEMP, festival estudantil de música
popular; o I Encontro de Compositores e Intérpretes do Piauí também já citado; o FMPBEVI,
festival de música popular do Bairro Bela Vista; o Festival Setembro Rock; o FENEMP- PI,

52
LUIZ, André. Arte X Culinária. Jornal O Estado, Teresina , 02 maio. 1983.
53
SHOW musical na Feira de Arte no próximo domingo. Jornal O Dia, Teresina, p. 5, 01 ago. 1984.
festival nordestino de música popular; o festival musical do Bairro Vermelha; o festival Tri-
Lance e o festival de música do Bairro Lourival Parente foram os eventos encontrados, alguns
com mais de uma edição como é o caso do FEMIP, FESPAPI, FEMP e o Setembro Rock 54.
É possível que tenha havido relação de influência entre estes eventos localmente, uma
vez que alguns desses festivais se notabilizaram mais do que outros, ganharam ampla
divulgação nos jornais impressos e muitos de seus participantes alçaram destaque no meio
musical teresinense. Mas o histórico da música popular brasileira, que tiveram nos festivais
realizados nos anos 1960 um dos espaços privilegiados de consagração de muitos músicos,
compositores e intérpretes de projeção nacional, como Chico Buarque de Hollanda, Caetano
Veloso, Gilberto Gil, Elis Regina, Edu Lobo, Geraldo Vandré, dentre outros, também pode
ajudar a explicar a recorrência de realizações deste tipo de formato de promoção musical em
Teresina.
Apesar dos grandes festivais realizados em São Paulo e no Rio de Janeiro terem tido
sua fórmula esgotada ainda no fim dos anos 1960 e início da década de 1970, quando os
espaços de consagração da música popular se deslocaram dos festivais e da TV para a
indústria fonográfica55, esse tipo de evento poderia ainda guardar em si muito de seu fascínio
herdado desta época. A TV Globo continuou transmitindo alguns festivais na década de 1970
e 1980 que atraiam compositores e intérpretes em busca de notoriedade. O cantor e
compositor piauiense Cruz Neto chegou a participar de uma das eliminatórias transmitidas
pela emissora, o festival MPB-80, com a canção “coração noturno”56. Embora não tenha sido
vencedor, sua participação mostra como esses festivais ainda eram pontos de convergência
desses artistas e uma ferramenta bastante utilizada por órgãos públicos, privados ou por
associações de moradores de bairros em Teresina na década de 1980 como uma forma de
estabelecer trocas socioculturais mediadas pela música popular.
O primeiro Festival de Sanfoneiros do Piauí foi uma realização da Secretaria de
Cultura do Estado no intuito de difundir a música e a cultura popular, além de ser “uma

54
As notícias sobre as apresentações desses artistas foram encontradas nas seguintes matérias jornalísticas:
SANFONEIROS disputam prêmios em Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p.5, 19 jul. 1980; FESTAPI começa
hoje à noite. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 11 jul. 1981; CSU comemora terceiro aniversário com festival.
Jornal O Dia, Teresina, p. 5, 04 nov. 1981; ANIVERSÁRIO da FM será comemorado com um festival. Jornal
O Dia, Teresina, p. 7, 11 jan. 1982; FESTIVAL classifica as cinco melhores. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 31
ago. 1982; FESTIVAL prossegue no Bela Vista. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 05 dez. 1986; FESTIVAL
musical na Vermelha. Jornal O Dia, Teresina, p. 2, 21 abr. 1988; MÚSICOS piauienses fazem festival. Jornal
O Dia, Teresina, p. 8, 07 jul. 1988; JOVENS organizam festival. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 31 jul. 1988
55
NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a canção: engajamento político e indústria cultural na MPB (1959-1969).
São Paulo: Versão Digital, 2010. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/49477747/39107265-SEGUINDO-
A-CANCAO-digital>. Acesso em 13 set. 2011.
56
“TODO PRAZER” no Theatro em dezembro. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 29 nov. 1980.
excelente oportunidade para que os sanfoneiros anônimos do sertão ou da cidade mostrem, em
praça pública, o seu talento [...]”57. O FESPAPI, organizado em 1975 por um grupo de
moradores do bairro Parque Piauí, surgiu, segundo seus idealizadores, como um espaço para
que novos compositores e intérpretes pudessem mostrar seus trabalhos. Este festival lançou
em 1981 na sua sétima edição um disco em vinil que levou o mesmo nome do evento com
suas quatro músicas vencedoras58. O primeiro FEMBA foi um festival organizado em
comemoração ao aniversário do Centro Social Urbano do Bairro Buenos Aires e contou com a
presença de algumas autoridades, como a então primeira dama do Estado, Myriam Nogueira
Portella Nunes, e o secretário do Trabalho e Ação Social Francisco de Assis Carvalho e Silva.
Mais uma vez o formato de festival aparece como um mecanismo difusor da música popular e
como uma das práticas mais recorrentes onde a mesma podia se manifestar, até mesmo numa
pequena ação social de um órgão de governo. Os vencedores desse festival ganharam
instrumentos musicais 59.
O primeiro Festival de Música Instrumental do Piauí – FEMIP60 foi uma ação conjunta
entre a Secretaria de Comunicação Social do Estado, a Prefeitura Municipal de Teresina e do
jornal e rádio O Dia. Daí por que a imensa cobertura dada a este festival por este veículo de
imprensa. “O concurso é destinado a instrumentistas da capital e visa dar maior divulgação ao
trabalho de músicos autônomos que vivem por aí, como amadores ou como profissionais”61.
Doze instrumentistas participaram da final do FEMIP. Os gêneros das músicas variavam entre
jazz, baião, valsa, samba-canção e a discoteque62. O festival foi realizado no centro de
convenções de Teresina repleto de pessoas com a presença de várias autoridades públicas.
Houve premiações em dinheiro para os três primeiros colocadas pagas pelo Governo do
Estado, Prefeitura Municipal e pelo jornal e FM O Dia 63.
O III Festival Estudantil de Música Popular – FEMP tinha como objetivo “em
primeiro lugar, abrir espaços para os novos músicos e em segundo lugar, reafirmar os antigos

57
SANFONEIROS disputam prêmios em Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p.5, 19 jul. 1980.
58
FESTAPI começa hoje à noite. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 11 jul. 1981; FESTIVAL de música do Parque
Piauí tem inscrições. Jornal da Manhã. Teresina, p.6, 27 maio. 1981; VII Fespapi. Jornal da Manhã. Teresina,
p. 8, 29 jun. 1981. O disco resultante deste festival foi: VII - FESPAPI: Festival de Música Popular do Parque
Piauí. Teresina: Discos Sapucaia, p1982. 1 disco
59
CSU comemora terceiro aniversário com festival. Jornal O Dia, Teresina, p. 5, 04 nov. 1981.
60
Apesar de estar fora da delimitação pretendida neste trabalho por se referir à música instrumental e não à
canção popular, merece ser mencionado, pois se insere neste espaço de produção e consumo da música em
Teresina que foram os festivais e ganhou ampla cobertura jornalística por parte do jornal O Dia.
61
ANIVERSÁRIO da FM será comemorado com um festival. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 11 jan. 1982.
62
PARTICIPANTES do 1º FEMIP, selecionados, vão fazer gravação. Jornal O Dia, Teresina, p. 8, 18 fev. 1982.
63
1º FEMIP realizado com êxito. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 16 mar. 1982.
compositores e cantores”64. Tal afirmação mostra uma preocupação por parte dos
organizadores em não só revelar novos talentos, mas também preservar certa tradição da
música popular urbana que ainda estava se consolidando em Teresina. Organizado pela
Secretaria de Cultura do Diretório Central dos Estudantes – DCE, o evento contou com duas
eliminatórias, um júri compostos por diferentes profissionais da cultura e premiação em
dinheiro para os cinco primeiros colocados65.
Outros festivais não traziam em sua proposta o caráter competitivo. Neles, os indícios
que mais encontramos divulgados nas fontes jornalísticas era o de encontros festivos onde os
diferentes participantes podiam compartilhar e trocar experiências musicais. Os festivais do
Bairro da Vermelha, o Tri-Lance e o Setembro Rock são exemplos disto. Eventos onde a
música não funcionava como um elemento de disputa – pois não possuíam avaliações e
julgamentos que visavam hierarquizar produções musicais através de um corpo de jurados –
os seus espaços poderiam se configurar num ambiente onde as trocas artísticas poderiam
acontecer de forma mais espontânea.
Três dias de música, teatro, poesia, dança e debates sobre temáticas culturais fizeram
parte da programação do segundo Encontro Cultural do Bairro Vermelha. Por lá estavam
programados para se apresentar Geraldo Brito, Zezinho Piau, Machado Junior, as bandas
Avalon, Contrabanda, Megahertz e Grito Absurdo. As apresentações teatrais ficaram por
conta de Galdiram Cavalcanti, teatro de bonecos e do grupo Raízes de teatro. Também
estavam programadas palestras sobre os temas “Arte e Ideologia” e “A Indústria Cultural e
Perspectivas” ministradas pelo músico e intelectual Ramsés Ramos. As informações sobre
este evento nos permite perceber um caráter multifacetado, onde a diversidade foi um
elemento presente em suas movimentações. Da MPB de Geraldo Brito ao Trash Metal do
Megahertz, além das diferentes linguagens artísticas nele presentes.
O Tri-lance foi um festival de produção independente, organizado pelas bandas
Avalon, Contrabanda e Edvaldo Nascimento. O evento se pretendeu uma mistura, “união de
três estilos diferentes: O Avalon apresenta o rock pesado, enquanto Edvaldo Nascimento
apresenta Jazz-Rock. Já a Contrabanda apresenta uma música mais popular” 66. O rock, música
de origem norte americana, é um forte conector identitário entre seus consumidores. O gênero
transpôs as fronteiras físicas e culturais e veio se amalgamar a outros referenciais estéticos
musicais presentes no Brasil como o exemplo acima explicita, ao integrar diferentes estilos

64
FESTIVAL classifica as cinco melhores. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 31 ago. 1982.
65
III Femp prossegue hoje e acaba dia 10. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 03 set. 1982.
66
MÚSICOS piauienses fazem festival. Jornal O Dia, Teresina, p. 8, 07 jul. 1988.
musicais numa mesma apresentação. Contudo, o rock também soube remarcar sua diferença
em Teresina. O Festival Setembro Rock pode ser entendido como um remarcador dessa
diferença. Sua “promoção visa contribuir para o engrandecimento do movimento rock da
capital”67. O Setembro Rock iniciado em 1983 é exemplo de uma fronteira estética, mas
também de uma possibilidade nos fazeres musicais teresinenses.
Esses espaços de sociabilidade possibilitadores das práticas musicais em Teresina,
exemplificados nos espaços físicos e nos festivais citados, são alguns dos ambientes
mapeados nesta pesquisa por onde parte dos artistas da música de Teresina transitavam e
estabeleciam suas relações socioculturais. Analisaremos a seguir especificamente alguns
festivais, pois os mesmo foram importantes espaços de ressonância nos anos 1980 para as
diferentes expressões musicais teresinenses, ainda pouco numerosas na pequena capital no
período. Deter-nos-emos mais detalhadamente a seguir sobre três deles ocorridos em
diferentes momentos da década: O FMPBEPI do ano de 1980; o I Encontro de Compositores
e Intérpretes do Piauí de 1984 e o I FENEMP - PI ocorrido de 1988. Três eventos de música
em Teresina onde seus praticantes puderam mostrar suas diferentes propostas estéticas
sonoras nesses espaços. A escolha desses três eventos é no intuito de demonstrar as dinâmicas
dessas práticas e como elas se constituíram em espaços hierarquizados, consagradores e
perpetuadores de alguns artistas em Teresina na década de 1980 e como também foram
instituidores de um repertório para a música popular da cidade.

1.2 OS FESTIVAIS: ESPAÇOS DE PRODUÇÃO EM TORNO DA MÚSICA


POPULAR EM TERESINA

A preparação para o grande evento musical começava para seus participantes. O


cotidiano precisou ser reorganizado para que a presença fosse garantida nos quatro dias em
que a música popular mereceu uma atenção especial em Teresina. Assim noticiou matéria
jornalística da época que deu grande destaque a esse acontecimento:

Uma verdadeira mobilização por parte dos organizadores do FMPBEPI já se


observou pela manhã. Nos bastidores os candidatos procuravam se

67
SHOW de Rock começa hoje em Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p.2, 26 set. 1987.
desobrigar dos afazeres (alguns trabalham com ponto marcado) enquanto
outros procuravam os cabeleireiros para arrumar o penteado 68.

No dia 2 de julho de 1980 foram abertas as inscrições para o 1º Festival de Música


Popular Brasileira do Estado do Piauí, o FMPBEPI. O festival, que aconteceu no mês de
agosto do mesmo ano, foi uma iniciativa da TV Rádio Clube de Teresina em parceria com o
Governo do Estado e a Prefeitura Municipal da capital. As premiações foram dadas para as
dezoito canções melhores colocadas e os três primeiros lugares receberam pagamento em
dinheiro que ficou a cargo das duas instituições governamentais citadas e pela empresa de
69
comunicação TV Rádio Clube . Também foram previstos prêmios para melhor arranjo,
interprete e figurino. O certame foi realizado em quatro etapas, sendo doze músicas escolhidas
para participar da última fase do evento, que contou com mais de duzentas composições
musicais inscritas70.
Quarenta e oito músicas foram selecionadas para participar das três primeiras
eliminatórias de onde saíram as escolhidas para a final do festival. As apresentações foram
realizadas entre os dias 12 e 15 de agosto no ginásio poliesportivo Dirceu Mendes Arcoverde,
o Verdão, com preços de ingressos que variaram entre trinta e oitenta cruzeiros, nas cadeiras e
arquibancadas. O FMPBEPI teve como resultado a gravação de um LP 71 com as canções
vencedoras das disputas e gerou expectativas no meio cultural musical teresinense. O jornal O
Dia deu grande destaque ao FMPBEPI como um espaço promotor da música popular feita no
Piauí:

Depois de quase uma década em que não mais se ouviu falar em calouro ou
programa de auditório, surgem de repente, como que a denunciar a “represa”
de valores artísticos desamparados, 48 nomes para disputar 12 colocações
que irão “desaguar” na gravação de um LP com músicas e artistas
exclusivamente piauienses [...] Goza o FMPBEPI do apoio decisivo do
Governo do Estado (com Cr$ 100 mil em dinheiro), da prefeitura (Cr$ 80
mil) e ainda da TV Rádio Clube, que pela primeira vez em toda sua
existência parte para realizar a sua primeira gravação de externa, o que não
aconteceu em nenhum carnaval e até na visita do Papa João Paulo II 72.

68
TUDO pronto para o início do festival. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 9 ago. 1980.
69
Os valores em dinheiro da época foram: Quinze mil cruzeiros para o primeiro colocado, além do troféu
Lucídio Portella, então governador do Estado à época; Dez mil cruzeiros para o segundo colocado e o troféu
dona Helena Conde Medeiros, então primeira dama do município de Teresina; Cinco mil cruzeiros para o
terceiro colocado e o troféu Associação de Prefeitos Municipais do Piauí. Ver em: FMPBEPI terá ensaio final
na segunda. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 9 ago. 1980.
70
FESTIVAL já tem 48 músicas selecionadas. Jornal O Dia, Teresina, p.11, 31 jul. 1980
71
As canções foram gravadas nos estúdios da TV Rádio Clube e foram prensados mil discos pela Copacabana
Discos para comercialização. O Lp custou Cr$ 160.
72
TUDO pronto para o início do festival. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 9 ago. 1980.
A matéria jornalística busca imprimir notoriedade ao festival. A notícia da articulação
de um aparato material para a transmissão televisiva do evento que nem o carnaval ou o Papa
João Paulo II conseguiram mobilizar em Teresina confirmam isso. Entretanto, a informação
acima citada sobre o “desamparo” de valores artísticos musicais “represados” pela falta de
espaços de expressão vai de encontro com um texto publicado em 2002 em famosa revista
cultural teresinense. Escrito pelo músico, compositor e também “guardador” de memórias da
música popular piauiense Geraldo Brito, o texto é intitulado “Música no Piauí: anos 1960,
1970”73.
O texto é escrito em tom memorialístico, pois Geraldo Brito vivenciou como músico
os anos 1970 em Teresina, e relata uma série de festivais que ocorreram antes do FMPBEPI
realizados por estudantes da Universidade Federal do Piauí a partir de 1973, tendo boa parte
dos artistas que participaram desses festivais também inscritos no FMPBEPI. O próprio
Geraldo Brito que foi vencedor do festival universitário de 1977 ficou entre os doze
escolhidos para gravar uma música no Lp do FMPBEPI.
Esses festivais universitários, ainda segundo Brito, foram pontos de partidas para
outras manifestações musicais que movimentaram a cidade na década de 1970, como por
exemplo, a organização do show coletivo de artistas intitulado “Nortristeresina” com aquelas
que foram consideradas as melhores canções do festival universitário de 1974. Este show
apresentado na cidade de Londrina no Paraná causou frustração na expectativa de parte do
público da cidade paranaense “pelo fato de ter esperado um show de violas e repentes, e, de
repente, ter visto uma temática nordestina nas letras, com canções por demais urbanas” 74.
Geraldo Brito ainda afirma que “os anos 70 foram para a nossa música assim como foram os
60 para a MPB”75 num claro posicionamento tendencioso para as suas vivências pessoais na
música, mas que também revela que nos anos 1970 não foram ausentes os espaços e as
expressões para a música em Teresina, como a matéria de jornal afirmou quando da
divulgação do FMPBEPI.
Outra informação apresentada no trecho jornalístico citado foi a ajuda concedida ao
FMPBEPI, constantemente lembrada nas matérias de jornais 76, da Prefeitura Municipal de

73
BRITO, Geraldo. Música no Piauí: anos 1960, anos 1970. Cadernos de Teresina, Teresina, n. 34, novembro.
p. 54-61, 2002, p.60
74
Ibid., p. 58.
75
Ibid., p. 60
76
As matérias jornalísticas encontradas que reforçam o apoio governamental municipal e estadual para a
realização do festival são: FESTIVAL de música abre inscrições. Jornal O Dia, Teresina, p. 6, 2 jul. 1980;
DIVULGADA programação do aniversário de Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 8 ago. 1980;
FMPBEPI terá ensaio final na segunda. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 9 ago. 1980; TUDO pronto para o início
Teresina e do Governo do Estado do Piauí que pode ser entendida como uma forma de
vincular ações governamentais a atividades culturais, carreando mais prestígio e distinção a
esses dois poderes como incentivadores e patrocinadores da cultura. O historiador Marcos
Napolitano afirma que no início do processo de reabertura democrática brasileira, que
culminaria com o fim da ditadura civil-militar no Brasil implantada no ano de 1964 e no qual
parte do recorte de estudo aqui trabalhado se insere, alguns setores militares buscaram
aproximação com as produções culturais brasileiras, uma vez que o desgaste do regime
ditatorial por conta de questões econômicas e da repressão social extrema precisava de
alguma forma ser minimizado:

A partir de 1976, a abertura, embora tímida e limitada, parecia irreversível.


Na vida cultural esse processo gerou uma situação ambígua, com o governo
tentado utilizar a cultura e a imprensa como uma forma de se aproximar de
intelectuais e formadores de opinião. A aproximação de Geisel com setores
da imprensa liberal e a Política Nacional de cultura do MEC, encomendado
pelo ministro Ney Braga, foram exemplos dessa nova postura77.

Não é intuito aqui afirmar que a realização do FMPBEPI foi uma iniciativa articulada
com o Governo Federal para efetivar esse estreitamento entre governo militar e sociedade
civil no Piauí. Entretanto, o evento pode ter funcionado indiretamente, em meio ao processo
de reabertura democrática, como uma forma de aproximação entre a Prefeitura de Teresina e o
Governo do Estado com setores sociais mais ligados aos segmentos da cultura local, dada a
ampla divulgação do festival e sua vinculação a estes dois poderes governamentais como seus
patrocinadores. Pois, apesar de serem civis, tanto o governador da época, Lucídio Portela
Nunes como prefeito José Raimundo Bona Medeiros assumiram seus cargos através de
indicações do governo federal, vinculando diretamente suas gestões ao regime militar.
O apoio financeira além ter dado viabilidade para a promoção do festival, também foi
um grande atrativo para os participantes, pois possibilitou a premiação em dinheiro, a
gravação de um disco, além da notoriedade local que o evento conferiria aos seus ganhadores,
via divulgação através da imprensa e do LP gravado que era o meio físico com o qual os
músicos poderiam demonstrar seus trabalhos.

do festival. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 9 ago. 1980; PRÊMIOS do FMPBEPI entregues hoje. Jornal O
Dia, Teresina, p.1, 21 nov. 1980.
77
NAPOLITANO, Marcos. Cultura brasileira: Utopia e massificação (1950-1980). São Paulo: Contexto, 2008.
p. 107.
Os gêneros musicais inscritos para se apresentarem no festival, segundo informações
de sua organização78, variavam entre sambas, rock´s e o que foi classificado como “música
romântica”. Os temas das letras de grande parte das canções falavam principalmente de
relações amorosas. Para as apresentações foi disponibilizado um conjunto musical para o
acompanhamento dos participantes que não dispusessem de banda própria, mas é interessante
notar que “50 por cento dos candidatos selecionados preferiram se apresentar com os próprios
grupos a que pertencem”79. Isso é um dado que permite perceber a existência de grupos
ensaiando música regularmente em Teresina, ou seja, praticando a música em espaços
informais, mesmo sem a existência de muitos lugares para apresentações periódicas.
O FMPBEPI surgiu para esses grupos e artistas como uma oportunidade de expressão
para suas produções musicais, que pode ser observada no número de inscrições para a
participação do festival que registrou 120 candidatos, cada um podendo competir com até
duas composições. Foram contabilizadas na época 210 músicas concorrendo no evento,
quantidade de canções que podemos associar a uma prática musical que já vinha se
desenvolvendo através do processo de composição musical, quer seja ele individual ou em
grupo; de ensaios para a construção de arranjos para essas canções e de uma expectativa
criada por parte de quem participou desse processo, pois a música quando é feita, assim como
outras artes, demanda um público que irá usufruir do resultado final da atividade artística e o
festival surgiria como uma etapa importante dessas práticas musicais, como uma instância de
consagração para esses músicos.
A comissão julgadora do festival ficou a cargo de pessoas de diferentes ramos
culturais e foi escolhida através de sorteio entre 54 nomes indicados pela organização do
evento. Os membros da comissão foram em número de dezoito por eliminatória e apenas na
final poderia se repetir o nome dos avaliadores das eliminatórias anteriores. O perfil
sociocultural dos escolhidos para participar do sorteio foi variado 80 e abrangeu desde maestros
– membros permanentes da banca avaliadora – músicos, um economista e comentaristas
esportivos. Mas também houve jornalistas, radialistas, cartunista, funcionários públicos,
sacerdote católico, poeta, escritores, colunistas sociais, empresários, políticos, fotógrafo,

78
A organização artística do FMPBEPI ficou a cargo do músico e artista plástico Assis Davis, do discotecário
Lucídio Avelino, do cantor e compositor Jeovani e do diretor artístico da Rádio Clube Alexandre Carvalho.
79
TUDO pronto para o início do festival. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 9 ago. 1980.
80
Nomes conhecidos da cultura local teresinense estavam entre os possíveis sorteados. Podemos destacar o
intelectual Arimatéia Tito Filho, o maestro Reginaldo Carvalho, o escritor Herculano Moraes, o professor
Cinéas Santos, a colunista social Elvira Raulino, o jornalista Arimatéia Azevedo, o radialista Gilberto Melo e
o comentarista esportivo Dídimo de Castro.
seresteiro, professor, teatrólogo e um policial federal responsável pelas prováveis censuras às
canções, pois o país ainda vivia sob a censura do regime civil-militar.
A amplitude desses possíveis julgadores revela como a música popular funciona como
elemento de amálgama de diferentes grupos sociais. Pode-se notar que apesar da variedade
das atividades exercidas, o que torna essa lista de nomes em comum é o fato da maioria das
pessoas citadas pertencerem a grupos que são comummente chamados de formadores de
opinião81 em suas respectivas áreas de conhecimento. Podemos concluir com isso que o
festival pretendia estabelecer identificação com o maior número possível de pessoas ao
escalar em distintos setores da sociedade aqueles que julgariam as canções. Essa
interatividade, sociedade/evento, pode ser percebida em outra forma de escolha dos
avaliadores das canções em cada eliminatória, como podemos perceber na informação de um
jornal à época: “Em cada grupo de 18 jurados, dois serão convocados do auditório, com
chamada por número de cadeira” 82.
As doze músicas vencedoras do 1º FMPBEPI foram: “Quintal de passarinhos” (Paulo
José Cunha e George Mendes) e “Reconstrução” (José Luís Santos) que ficaram empatadas
com o primeiro lugar; em segundo lugar “Todo Prazer” (Cruz Neto); em terceiro lugar
“Milagre na terra” (Naeno); em quarto lugar “Uma certa Maria” (Franci Monti); em quinto
lugar “Teresina” (José Rodrigues e Aurélio Melo); em sexto lugar “Pedra do sal” (Aurélio
Melo e José Rodrigues); em sétimo lugar “Desafio” (Lázaro); em oitavo lugar “Carta aérea”
(Geraldo Brito); em nono lugar “Vida de vaqueiro” (Batista Brasil); em décimo lugar “A volta
do Jerico” (Jurdan); em décimo primeiro “A filha do Sol” (Edvaldo Nascimento). Essas doze
canções foram as selecionadas para fazer parte da gravação do Lp do festival. As premiações
para melhores intérpretes ficaram com a cantora Laurenice França e com o cantor e
compositor Cruz Neto83.
Apesar do empenho por parte dos organizadores do festival para o seu bom
andamento, as dificuldades técnicas foram questões observadas quando da execução das

81
“Pessoas que influenciam contingentes de pessoas, que levam as massas a concordar com uma dada opinião ou
a consumir determinado produto, assistir determinado espetáculo, ler determinada revista ou jornal [...] É
também um conceito que a atual teoria da comunicação rejeita por não aceitar que um indivíduo tenha poder
de formar a opinião da massa. Formador é exagero. O que temos, e muito, são pessoas que influenciam a
opinião de outros. Quando se descarta o conceito de "massa manipulável" percebe-se que a população é
heterogênea e interpreta as mensagens segundo seus códigos [...] Alguns estudiosos afirmam que formador
de opinião é quem consegue se destacar na atividade que exerce. Pessoa com grande grau de reconhecimento
(de forma positiva) do público”. Disponível em:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/o_que_e_um_formador_de_opiniao. Acesso em 7 ago
2012.
82
TUDO pronto para o início do festival. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 9 ago. 1980
83
ROSA, Raimundo. As marcas que ficaram de um festival. Jornal O Dia, Teresina, p.10, 19 ago. 1980.
músicas em todas as fases eliminatórias, dificuldades essas que não escaparam às análises de
parte da imprensa local. Não só em relação a estrutura técnica, mas a pouca experiência dos
participantes do festival – não só dos concorrentes, mas também de seus organizadores –
contribuiu para que contratempos acontecessem em algumas das canções apresentadas no
FMPBEPI. Em matéria jornalística que deu grande destaque ao evento, essas condições foram
observadas:

Pintou de tudo no FMPBEPI, do apito de boca à cabacinha [...] se os


candidatos desafinaram, alguns músicos desafinaram também seus
instrumentos, principalmente os de corda [...] Para quem fez parte do júri a
coisa mais difícil que teve foi distinguir a voz dos interpretes do alto som do
conjunto. O próprio público se queixou da falta de som nas caixas. A voz
que saia dos microfones se perdia no eco do instrumental [...] Na primeira
noite, nada menos que cinco músicas foram julgadas sem o júri conhecer a
letra. Faltaram cópias e um só original teve de passar de mão em mão84.

Apesar da descrição do observador não poupar críticas às limitações técnicas e


materiais do festival, a realização do FMPBEPI foi um momento marcante para a época, pois
mobilizou muitas pessoas em torno do evento, não só as envolvidas em segmentos artísticos
culturais, mas também um público que na capital piauiense do período estava interessada em
consumir sua música popular. As produções musicais que se desenvolviam em Teresina
atraíam e cativavam sua audiência. O músico Geraldo Brito, que teve a música “Carta aérea”
selecionada para ser gravada no LP do FMPBEPI, assim lembra o festival:

Isso aí foi uma produção do Zé Costa, que era um radialista, Lindenberg


Leite e chamaram o Assis Davis que era um músico [...] Eles produziram
esse festival. No Verdão, cheio, lotado. Três apresentações. Eu me espantei
muito, “pôrra, a música tá crescendo!” Cheio de gente. Virou disco. Isso foi
mais ou menos em julho e quando foi em outubro o disco foi gravado aqui,
precariamente, lá no teatro com a aparelhagem da secretaria de
comunicação. Isso foi o ápice de uma fase que vinha desde os anos 70... 74,
75 e culminou com esse disco85.

Várias questões podem ser observadas nesta fala de Geraldo Brito. Uma delas é a
recorrente constatação dos músicos do período em relação às dificuldades materiais e técnicas
tanto na execução de músicas quanto em suas gravações em estúdio. Nas entrevistas
realizadas com os Músicos Geraldo Brito, André Luiz, Durvalino Filho, Willian Rodsam,

84
Ibid., p. 10.
85
BRITO, Geraldo. Geraldo Brito [14 abr. 2012] Entrevistador: Hermano Carvalho Medeiros. Teresina, 2012.
Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense concedida como fonte para
elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí.
Sérgio Simeão, Edvaldo Nascimento e em algumas fontes encontradas, tal observação em
relação às dificuldades materiais esteve presente como ponto em comum de suas falas.
Instrumentos e equipamentos de som eram de baixa qualidade devido aos elevados preços de
instrumentos mais sofisticados e a falta de um mercado musical profissional consolidado
economicamente na cidade que justificasse investimentos por parte dos músicos na aquisição
de tais produtos dificultavam o desenvolvimento musical nesse setor. Quem dispunha de tais
instrumentos eram as bandas profissionais que tocavam nos bailes de Teresina 86, grupos
formados para animar festas com interesses estritamente mercadológicos, pois tocavam
apenas os sucessos radiofônicos, não reservando espaço para a criação musical em suas
práticas. Um desses grupos famosos que atuou em Teresina nos anos 1970 e 1980 foi o
conjunto “Os Cartolas”.
Outro aspecto da citação sobre o festival diz respeito ao público consumidor da música
popular urbana em Teresina. O espanto que causou em Geraldo a imagem de um ginásio
lotado revela que existia demanda para as produções musicais na capital piauiense, como foi
comentado anteriormente. Apesar da memória do músico não ser exata quanto ao
acontecimento – ele erra o intervalo de um mês apenas, pois o festival ocorreu em agosto e
não em julho – ela também é um ponto comum que percorre as falas dos outros entrevistados:
os shows nesse período produzidos no universo musical contemplado por esta pesquisa
contaram com boa audiência de público, principalmente para o consumo das canções
produzidas por artistas teresinenses. Isso permite pensar num cenário musical constituído no
início da década de 1980, que segundo Geraldo Brito remontava aos anos 1970. O FMPBEPI
é um dos exemplos que mostra toda a movimentação existente da música popular produzida
em Teresina que teve no festival um dos instrumentos para manifestar suas práticas artísticas.
Apesar disso, o público local que consumia as produções musicais teresinenses não era
suficientemente grande para poder subsidiar economicamente os músicos, intérpretes e
compositores da cidade.
Outro festival que teve grande repercussão no meio musical e que funcionou também
como um espaço importante por onde puderam se expressar alguns dos nomes mais

86
Interessante a fala de Durvalino Couto Filho a esse respeito: “Era muito difícil aqui, fazer música. Por
exemplo, acesso a instrumentos. Na época, no Brasil tinha uma lei absurda, que era a lei do similar nacional.
Então, se tinha fabricante de bateria no Brasil ficava caríssimo importar uma bateria boa americana. Os
músicos tinham uma dificuldade muito grande de acesso a bons instrumentos. Aqui em Teresina, por
exemplo, só quem tinha sintetizador, baixo Fender e uma guitarra Fender era o Magalhães dos Cartolas”.
COUTO FILHO, Durvalino. Durvalino Couto Filho [jan. 2012] Entrevistador: Hermano Carvalho Medeiros.
Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense concedida como
fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí.
recorrentes noticiados pela imprensa que praticavam a música na capital piauiense foi o I
Encontro de Compositores e Intérpretes do Piauí, realizado em 1984 através do Projeto
Torquato Neto87 pela Fundação Cultural do Piauí, órgão ligado à Secretaria de Cultura e
Desporto do Estado. O projeto tinha, inicialmente, como seu principal objetivo fazer com que
a música produzida em Teresina atravessasse os limites da cidade e do estado e tentou inserir
as produções musicais piauienses em outros circuitos culturais que não apenas os locais.
Apesar de não levar o título de festival em seu nome, esse encontro musical possuía o
formato competitivo e seu funcionamento foi descrito da seguinte maneira pela imprensa à
época:

As inscrições serão efetivadas com a apresentação de uma fita gravada com


a(s) músicas; letra em quatro vias datilografada(s); preenchimento de ficha
de inscrição; declaração, por escrito, de ineditismo das obras. Entende-se,
aqui, por inédita a música não gravada em disco. Serão realizadas duas
eliminatórias, em dias alternados, com o máximo de 16 músicas cada uma,
sendo selecionadas pela comissão até oito músicas por eliminatória. As
selecionadas, em número máximo de 16, serão apresentadas na final para a
escolha de 12 premiadas, que serão gravadas em LP. 88

O festival foi aberto para outras cidades do Estado do Piauí, mas toda sua organização,
estrutura e realização ficaram sediadas na capital, como, por exemplo, as inscrições, que só
puderam ser feitas no Theatro 04 de Setembro e na Diretoria de Assuntos Culturais da
Fundação Cultural do Piauí, ambos localizados em Teresina. Cidades do norte e sul do estado,
desde Luis Corrêa a Cristalândia do Piauí, tiveram seus representantes inscritos para o
evento89.
A gravação do material musical resultante do I Encontro de Compositores e Intérpretes
do Piauí, assim como ocorreu no FMPBEPI de 1980, foi um esforço por parte dos envolvidos
na organização do festival em registrar e criar um repertório da música popular em Teresina,
uma vez que eram poucos os registros sonoros-musicais a partir de produções desenvolvidas
no Piauí90. A produção desse repertório também funcionaria como uma forma de introduzir a
produção musical de artistas de Teresina, e, por conseguinte do Piauí, nos debates em torno da

87
O Projeto Torquato Neto foi um projeto criado para patrocinar e incentivar a cultura, criado pelo estado e que
será objeto de análise no segundo capítulo.
88
CUTLURA fará encontro de compositores. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 10 jul. 1984.
89
PROJETO T. Neto tem 520 músicas para encontro. Jornal O Dia, Teresina, p.5, 8 set, 1984.
90
Até 1985, ano de gravação do disco “Geleia Gerou”, fruto do I Econtro de Compositores e Intérpretes da
Música Popular, tivemos contatos com os seguintes discos: EP de Janete Dias “Fruta Proibida” de 1982, o
disco resultante do VII FESPAPI, Festival do Parque Piauí, também de 1982 e o disco “Teresina 134 anos:
Grupo Candeia” de 1985.
música popular brasileira nos grandes circuitos nacionais. Ou pelo menos era essa a
expectativa de alguns músicos e intérpretes ganhadores do festival quando da gravação do LP.
O poeta e músico Durvalino Couto Filho, que compôs letra de música que ficou
gravada no disco, assim declarou em matéria jornalística à época: “É o primeiro disco a ter
uma presença significativa da produção musical de Teresina [...] a partir dele, a música
piauiense vai andar com mais velocidade” 91. A intérprete Ana Miranda afirmou o seguinte
sobre a gravação do disco: “estamos atingindo uma maturidade com nossa música,
procurando abrir caminho no mercado musical brasileiro [...] muitos artistas de outros estados
se revelaram a partir de trabalhos em grupo como esse. Agora é a nossa vez”. 92 Outro músico
que também à época deixou transparecer perspectivas otimistas em relação ao LP foi
Garibaldi Ramos:

Esse disco vai dar uma ideia do que seja a música feita no Piauí, que chega a
ser desconhecida até pela maioria das pessoas daqui. O disco vai funcionar
também como elemento de aproximação entre os próprios artistas, disc-
jockeys e o público. E é o grande cartão de visita de nossa música no âmbito
nacional. Vamos entrar no cenário de igual para igual 93.

A expectativa em torno do disco é aliada a sua valorização, afinal, são os músicos e


intérpretes presentes no LP falando sobre o mesmo. Esses artistas ao valorizarem o LP como
um elemento importante para a música piauiense, uma espécie de marco divisório entre um
“antes” e um “depois”, buscam inserir-se também como agentes instituidores da música
popular brasileira feita em Teresina, criadores de um repertório local e divulgadores deste em
território nacional, no intuito de remarcar os espaços de poder da música, pois seriam eles os
instituidores dessa como um importante campo cultural da cidade.
A presença do compositor George Henrique de Araújo Mendes na coordenação do
Projeto Torquato Neto à época do festival, projeto este que possibilitou a realização do
concurso musical, pode ser outro indício desse esforço de criação de repertório, mesmo que
indiretamente. Ele compôs em parceria com o jornalista Paulo José Cunha a canção “Quintal
de passarinhos”, uma das primeiras colocadas no FMPBEPI, que, como já foi dito
anteriormente, também foi registrada em disco coletivo de vários artistas.
Mendes, que havia participado como concorrente no festival de 1980, em 1984
participou como integrante da organização do I Encontro de Compositores e Intérpretes do
Piauí. Ocupava um importante espaço para a música dentro do Estado, um espaço de poder,

91
COMPOSITORES fazem show no Theatro 04 de Setembro. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 29 maio, 1985.
92
Ibid.
93
Ibid.
através do Projeto Torquato Neto, que foi ao longo dos anos 1980 administrado por outras
pessoas ligadas ao universo cultural da cidade. O evento, sob sua organização, buscou repetir
algumas das experiências do festival ocorrido quatro anos antes, como a gravação de um LP
coletivo. Tal iniciativa foi uma forma para dar consistência a um campo artístico que buscava
ocupar seus espaços em Teresina.
Cada inscrito no festival poderia concorrer com mais de uma música e os números
apresentados em diferentes matérias jornalísticas noticiavam entre 164 e 167 candidatos. O
resultado disso se refletiu em um número bastante elevado de canções disputando uma das
vagas a serem gravadas no LP do evento. A quantidade noticiada pelos jornais variavam entre
520 e 521 músicas inscritas em diferentes gêneros musicais 94. Esse número muda
consideravelmente na contracapa do LP gravado com as vencedoras do festival que
contabilizou 620 músicas postulantes a uma vaga no disco 95. O número de músicas do I
Encontro de Compositores e Intérpretes do Piauí em relação ao FMPBEPI aumentou
consideravelmente, pois no evento de 1980 foram contabilizadas 210 canções.
Contudo, isso não se refletiu proporcionalmente no aumento de inscritos que foi de
120, em 1980, para um número que ficou entre 164 e 167, em 1984. Isso pode ser explicado
pelo fato de no festival ocorrido em 1984 não ter havido limitação ao número de músicas por
candidato, diferente do FMPBEPI em que cada candidato só poderia concorrer com no
máximo duas músicas. Apesar de não ter havido aumento proporcional entre o número de
inscritos e o número de músicas, houve um aumento no número de composições que dão
indícios da intensidade da produção musical dos artistas convergindo para o festival.
As eliminatórias foram realizadas nos dias 21 e 22 com a final no dia 25 de setembro
no ginásio de esportes Verdão. A Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo, presidida à
época por Jesualdo Cavalcanti Barros, trouxe como atração para a grande final os artistas
Pepeu Gomes, Baby Consuelo e Jorge Ben96. Edvaldo Nascimento, músico e compositor que
teve uma de suas músicas selecionada para participar do festival assim recorda a final do
concurso, em entrevista a nós concedida para este trabalho: “Teve os festivais promovidos
pelo Estado através do Projeto Torquato Neto. [...] Veio o Pepeu Gomes fazer um show no
final junto com Jorge Ben [...] Foi o maior barato!” 97. O guitarrista André Luiz, que também

94
As matérias de jornal que vincularam essas informações são: PROJETO T. Neto tem 520 músicas para
encontro. Jornal O Dia, Teresina, p.5, 8 set, 1984; SAI hoje resultado de concurso musical. Jornal O Dia,
Teresina, p.7, 11 set, 1984.
95
Geleia Gerou. Rio de Janeiro. Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo. p1985. 1 disco.
96
CUTLURA fará encontro de compositores. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 10 jul. 1984.
97
NASCIMENTO, Edvaldo do. Edvaldo do Nascimento [13 fev. 2012] Entrevistador: Hermano Carvalho
Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense concedida
participou como músico desse festival, recorda o último dia das apresentações do I Encontro
de Compositores do Piauí:

[...] foi um festival importante demais aqui, lotou. Pra você vê, as atrações
depois da final foram Pepeu e Jorge Ben Jor. Dois caras desses! Imagina a
loucura que era! E tudo cheio. Depois da gente. Foi antes não, foi depois. A
gente abriu o show pra eles. E eu tava tocando lá, todo mundo tocou lá e se
emocionou [...]98

As construções que a memória toma para si quando tenta reconstituir um tempo vivido
atuam no sentido de tornar mais coerentes os relatos em relação ao presente de quem os narra
e silencia os conflitos que possam trazer desconfortos. As duas narrativas acima explicitadas
demonstram em comum uma positividade relativa ao acontecimento. O espaço de produção
musical aparece nessas narrativas como livre de disputas e tensões. As sensibilidades dos dois
músicos demonstram, sob a perspectiva de um grupo comum ao qual pertencem, um
compartilhamento de sensações positivas entre ambos através da memória:

A memória é um trabalho. Como atividade, ela refaz o passado segundo os


imperativos do presente de quem rememora, resignificando as noções de
tempo e espaço e selecionando o que vai e o que não vai ser “dito”, bem
longe, naturalmente, de um cálculo apenas consciente e utilitário. Quem
aceita fazer o trabalho da memória, o faz por alguma ordem de razões
importantes, dentre as quais estão a busca de novos conhecimentos, a
realização de encontros com outros e consigo mesmo, de forma a que os
resultados sejam enriquecedores sob o ponto de vista individual e coletivo. A
rememoração pode ser um difícil processo de negociação entre o individual e
o social, pelo qual identidades estejam permanentemente sendo construídas e
reconstruídas, garantindo-se uma certa coesão à personalidade e ao grupo,
concomitantemente99.

Os dois relatos dos músicos, Edvaldo Nascimento e André Luiz, operam aqui no
sentido de trabalho seletivo da memória sobre o I Encontro de Compositores e Intérpretes do
Piauí como a citação acima reflete. Apesar da limitação dos indícios escolhidos pela
seletividade da memória dos músicos, as duas falas revelam que o festival, para quem dele
participou, foi um importante meio pelo qual esses artistas puderam se expressar, tanto em

como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela Universidade Federal do
Piauí.
98
SOUZA, André Luíz Oliveira Eugênio de. André Luíz Oliveira Eugênio de Souza [31 jan. 2012] Entrevistador:
Hermano Carvalho Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular
Teresinense concedida como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela
Universidade Federal do Piauí.
99
GOMES, Ângela de Castro. Guardiã da memória. Acervo – Revista do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, v.9,
nº1/2, p.17-30, jan/dez 1996, p. 22.
relação às suas produções como em relação às sensibilidades nas trocas sociais propiciadas
por estes espaços de produção e consumo musical.
Das 32 canções selecionadas para participar das duas eliminatórias do festival,
encontramos muitos nomes que estiveram presentes no FMPBEPI e nomes de outros músicos
que também serão recorrentes nas fontes levantadas para a construção deste trabalho. Entre os
que estiveram presentes no festival de 1980 e que também concorreram para disputar a final
do festival de 1984 encontramos: Edvaldo Nascimento concorrendo com as músicas
“Ulisses”, “Moldura” e “Dada”; Franci Monti concorrendo com a música “Bailarina”; Naeno
com a música “Balakubana”; Cruz Neto com a música “Repente”; José Rodrigues com a
música “Num-se-pode” e Geraldo Brito com as músicas “Mágica Serpente”, “Zeus”, “Licute”
e “No Tom”.
As doze canções eleitas para serem gravadas no LP foram: “Nós” (Garibaldi Ramos);
“O mundo que venci deu-me um amor” (Mário Faustino, Medeiros e Nascimento); “Zeus”
(Durvalino Filho e Geraldo Brito); “Repente” (Cruz Neto); “Desejo” (Magno Aurélio e
Abraão Lincoln); “Segredos do Prazer” (Raimundo Nonato Alcântara); “Estrada de Carroçal”
(Climério Ferreira e Júlio Medeiros); “Mágica Serpente” (Paulo José Cunha e Geraldo Brito);
“Consequência” (Ronaldo Bringel e Pierre Baiano); “Toda a rosa sabe-se a cor” (Abraão
Lincoln); “Pedra do Sal” (Felipe Cordeiro e Zezé Fonteles); “Meu Frevo” (Elder Wilson O.
Jales de Carvalho e Renato Castelo Carvalho) 100.
Esse disco trouxe consigo algumas tensões e debates em torno de sua feitura no meio
musical e cultural de Teresina. Abordaremos esses debates no segundo capítulo por tratar de
outras questões que não as referentes apenas aos festivais como espaços de produção musical,
mas que problematizaram alguns dos fazeres da música popular em Teresina a partir do
Projeto Torquato Neto.
Ocorrido no final do mês de maio de 1988, o I FENEMP (Festival Nordestino de
Música Popular no Piauí) foi um dos últimos grandes festivais competitivos que aconteceram
em Teresina na década de 1980. Promovido pela Universidade Federal do Piauí, através da
Comissão de Assuntos Culturais – CAC e pela Fundação Monsenhor Chaves, órgão público
responsável pelas ações artístico-culturais da cidade de Teresina, o I FENEMP foi uma
iniciativa que também buscou “promover o intercâmbio artístico-cultural entre os artistas da
região Nordeste, divulgando o trabalho de compositores, arranjadores e intérpretes” 101.

100
Geleia Gerou. Rio de Janeiro: Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1985. 1 disco sonoro.
101
ABERTA inscrição para festival de música nordestina. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 13 abr. 1988.
O evento trouxe como atração principal para abertura do festival o grupo
pernambucano Quinteto Violado que trazia como suas principais características as referências
regionais nordestinas em suas composições musicais. Segundo as informações de seus
organizadores aos jornais da época, o festival foi aberto para que outros Estados também
pudessem concorrer. Assim foi noticiado sobre suas inscrições:

As inscrições serão individuais mesmo se tratando de trios, duplas ou grupos


maiores. Os concorrentes devem enviar fitas cassetes com duas músicas
inéditas, acompanhada do Currículum Vitae do candidato [...] o festival
acontecerá em quatro etapas e no final serão premiadas as três melhores
músicas, o melhor intérprete, o melhor arranjo102

O festival teve duzentas músicas inscritas e participaram, além dos compositores


locais, representantes dos estados da Bahia, Ceará, Pernambuco e Minas Gerais. O nome
“Nordestino” no festival foi escolhido apenas por se localizar nesta região, mas foi aberto para
todo o país. Quarenta canções participaram das duas eliminatórias, de onde somente dez
concorreriam na final. Os três dias do evento ocorreram no ginásio Verdão, com uma média
de público diária em torno de três mil pessoas e contou com premiações em dinheiro para os
primeiros colocados.
Interessante é notar que, assim como nos outros dois festivais analisados
anteriormente, este festival tinha uma preocupação em inserir intérpretes, compositores e
músicos atuantes em Teresina em um contexto mais amplo, como agentes cujas produções
também poderiam se tornar referências artísticas nacionais. Um exemplo disso foi o esforço
por parte dos organizadores do I FENEMP em divulgar e abrir o festival para músicos de
outros Estados. Tal esforço partia da necessidade de afirmação cultural por parte de seus
organizadores, necessidade esta que atravessou alguns artistas e produtores culturais ao longo
de toda a década de 1980 em Teresina. O Festival Nordestino mostrou essa intenção em sua
justificativa na busca do apoio junto à instituições oficiais, como o Governo Federal através
da lei Sarney para “obter mais recursos financeiros para a realização de promoções culturais
que promovam nossa região” 103 conforme afirmou uma das coordenadoras do festival, Selma
Duarte em matéria jornalística sobre o FENEMP à época. A mesma matéria continua
afirmando que:

102
Ibid.
103
A lei Sarney permitia que todo e qualquer contribuinte do Imposto de Renda poderia abater da “renda bruta
ou deduzir como despesa operacional o valor das doações, patrocínios e investimentos em favor de pessoas
jurídicas de natureza cultural cadastradas no Ministério da Cultura”. Ver em: TERESINA será cenário
artístico do Nordeste. Jornal O Dia, Teresina, p.2, 23 abr, 1988.
Com o evento, o Piauí vai ocupar seu espaço musical, já que nosso Estado
possui excelentes compositores, músicos, arranjadores e intérpretes que
agora encontram oportunidade de divulgar seus trabalhos, já que o que foi
feito até agora ficou restrito a Teresina. Segundo a professora Selma Duarte,
uma das coordenadoras do festival, “o acontecimento cultural já começa a
despertar interesse de muitos artistas e repercutir nos espaços culturais da
região Nordeste o que vai contribuir para tirar o Piauí do anonimato [...]”. 104

As condições que impuseram uma menor visibilidade ao Piauí no cenário cultural


artístico brasileiro, segundo a citação acima, em relação a um maior alcance de suas
produções no território nacional são de ordens diversas, desde políticas, econômicas e
culturais. Não nos ocuparemos aqui em analisar essas condições e sim o que foi feito pelos
atores sociais que buscaram constantemente inventar esse campo de atuação artístico
independente de suas poucas condições de se imporem enquanto difusores de tendências
musicais brasileiras em um âmbito mais amplificado do no território nacional. A vida cultural
musical da cidade de Teresina, principal centro cultural do Estado, seguiu paralela a essa
necessidade de se inserir como referência musical nacional, pois seus artistas prosseguiam
praticando e produzindo seus espaços de atuação, tanto músicos, intérpretes e produtores
culturais.
O FENEMP foi tema de debates que revelaram algumas das tensões existentes nas
práticas musicais de Teresina que ajudam a entender o campo musical da cidade através de
sua problematização, como a observação das fragilidades técnicas e materiais em relação a
outros estados e regiões que dispunham de maior capital econômico, político e simbólico que
se refletia em suas produções artísticas mais numerosas e elaboradas em relação às produções
piauienses.
Analisaremos duas críticas feitas ao festival, uma ligada à organização do evento e
publicada na revista “Veredas” produzida pela Universidade Federal do Piauí e um artigo
publicado no Jornal da Manhã. Os dois textos, produzidos a partir de lugares sociais
diferentes apresentam, no entanto, muitos pontos comuns em suas análises, mas também
resguardam suas diferenças, e fornecem pistas sobre como estas limitações e sobre como
determinados segmentos da cultura local pensavam a música popular em Teresina na década
de 1980.
O artigo publicado no dia cinco de junho de 1988 foi escrito pelo músico, cronista e
crítico musical cearense residente em Teresina, já citado anteriormente, André Luiz Oliveira

104
Ibid.
Eugênio. O artigo intitulado “Um festival com reserva de mercado”, faz uma dura crítica em
relação ao festival, principalmente com os músicos piauienses. O artigo inicia tecendo
observações sobre o tradicionalismo regional ao qual o festival defendia, imprimido logo de
início em seu nome – Festival de Música Nordestina – em detrimento do que ele entendia por
música popular:

Fruto de um projeto ambicioso (aplaudido por órgãos culturais de outros


Estados), na prática, o Festival mostrou-se pouco mais do que a reprise de
um filme já visto muitas vezes, em bolorentas e soporíferas sessões da tarde:
um acentuado protecionismo à música nordestina (leia-se xote, baião,
bumba-meu-boi, etc) e não uma abertura à música popular, que, como se
sabe, não sobrevive apenas de zabumba e triângulo105.

O crítico faz uma aberta defesa ao seu posicionamento em torno de uma discussão que
atravessa os debates da música popular e que representaram as “duas linhas mestras do debate
historiográfico que atravessaram o século” 106 XX em torno do tema: o embate entre o local e
as referências estrangeiras nas composições e performances dos artistas da música. André
Luiz, como um guitarrista, instrumento bastante associado ao rock, gênero musical
globalizado, deixa claro sua concepção de música popular como algo cuja delimitação é
bastante flexível, podendo absorver referências musicais às mais diversas, de locais a
estrangeiras, logo, sendo incômodo para ele a delimitação regionalista empregada no nome do
evento, restringindo, assim, um campo tão pluralizado como o da música popular.
O artigo continua no mesmo tom, contundente, e parte para a escolha do júri do
festival e para a questão que dá nome a seu texto sobre o evento, com o qual ele diz que o
festival funcionou como uma reserva de mercado para os músicos piauienses:

Das quarenta músicas escolhidas pelo incompetente júri local (formado por
Collares, Ribeiro, Josias e Maria Amélia, todos com formação acadêmica-
careta e sem o menor contato com a música popular), vinte e sete eram
piauienses, ou seja, quase que exatamente três quartos do total de músicas
participantes. Do resto do Nordeste ficaram treze [...] Fica difícil imaginar
que a Bahia, Pernambuco, Alagoas ou o Rio Grande do Norte não mandaram
boas concorrentes 107.

O articulista do jornal se posiciona claramente em sua fala. Ao criticar um júri


formado por acadêmicos incumbidos de avaliar as produções da música popular, questiona o

105
LUIZ, André. Um festival com reserva de mercado. Jornal da Manhã, Teresina, p. 2, 05 jun, 1988.
106
NAPOLITANO, Marcos. A historiografia da música popular brasileira (1970-1990): Síntese bibliográfica e
desafios atuais da pesquisa histórica. ArtCultura, Uberlândia, v. 8, n. 13, p. 135-150, jul-dez. 2006.
107
LUIZ, André. Um festival com reserva de mercado. Jornal da Manhã, Teresina, p. 2, 05 jun, 1988.
lugar de poder exercido por aqueles que os ocupam. Mas ao fazer isso também quer delimitar
sua voz dentro desse campo social. Ao se posicionar como um contraponto crítico do festival,
o autor procura legitimar seu poder de julgamento e o poder de sua fala – pois o mesmo se
considera um músico popular – em relação às falas institucionalizadas da academia, que para
ele, estavam descredenciadas por não conhecerem o universo de criação da música popular,
que possui uma linguagem mais intuitiva e espontânea do que a linguagem formal e
sistematizada da academia. Portanto, para ele, a academia não possuía as habilidades
legítimas de avaliar tais manifestações culturais, fato este que comprometia a avaliação das
canções, segundo o autor.
Outro aspecto ressaltado na citação é a questão de uma possível manipulação nos
resultados das músicas escolhidas para participarem das eliminatórias do festival, formando
assim o que ele chama de “reserva de mercado” para a música piauiense. Os dados
apresentados pelo artigo e confirmados pela organização do evento 108 apresentam um número
significativo de músicas piauienses com relação ao número de vagas conquistadas para as
eliminatórias, vinte e sete vagas num universo de quarenta (67,5% das vagas). Entretanto, o
autor não considera o número de inscritos dos outros Estados. Quantos foram? Esse dado
poderia ou não afirmar a estranheza do crítico, pois se o número de inscritos de outros Estados
tivesse sido menor, por questões de dificuldades de deslocamento, por exemplo, isso pode ter
acarretado esse número tão elevado de músicas piauienses inscritas no festival em relação às
inscritas de outros Estados.
As críticas mais contundentes ficam reservadas aos músicos e suas performances
apresentadas para o festival e que parecem ser o ponto central no qual as observações
anteriores parecem apontar.

Infelizmente, quando confrontada ao vivo – e em clima de festival, notou-se


o total despreparo dos músicos do Piauí, um amadorismo sem concorrentes
nos arranjos e na falta de canja no palco que faria inveja às fundações de
nosso pré-metrô. Claro que muitos se salvaram, como foi o caso de
Laurenice França, Solange Leal e o Grupo Candeia [...] mas foram exceções
que fugiram à regra. [...] É lamentável mas tem que ser dito: os artistas
piauienses desafinaram, semitonaram e esbanjaram uma tão completa
despreocupação com o que estavam fazendo que deu no que deu [...] Já o
pessoal de fora não veio com arranjos de última hora, com retoques
apressados; veio para competir mesmo, sem essa de ficar brincando de
música 109.

108
DIVULGADA relação das músicas classificadas para o FENEMP . Jornal da Manhã, Teresina, p.6, 18 maio,
1988.
109
LUIZ, André. Um festival com reserva de mercado. Jornal da Manhã, Teresina, p. 2, 05 jun, 1988.
Junto a essas observações o autor expõe suas análises técnicas para embasar tais
críticas que recaem sobre a limitação musical dos artistas piauienses, fato este associado a
falta de profissionalismo dos músicos locais, na opinião do autor. O texto ainda encontra
espaço para o saldo positivo que foi o fato do intercâmbio possibilitado pelo mesmo aos
músicos piauienses, mas faz suas ressalvas:

Apesar de tudo, o saldo do Festival foi extremamente positivo, isto é se os


músicos piauienses (ou a maior parte deles) tiverem aprendido alguma coisa.
Aprender, conviver com artistas de outro locais, trocar ideias são coisas
muito saudáveis num Estado como o nosso, onde os artistas parecem que já
sabem tudo e não sabem de nada [...]110

O artigo publicado no mês de julho na revista Veredas: Culturarte por Raimundo


Nonato Uchôa Araújo, servidor da Universidade Federal do Piauí e lotado na Coordenação de
Assuntos Culturais da mesma instituição, departamento responsável pela organização do I
FENEMP- PI é uma defesa do festival que em muitos momentos aponta para as mesmas
críticas apresentadas no texto de André Luiz. A primeira dessas defesas foi em relação ao
nome do festival que muitas vezes foi associado a um festival regionalista:

Regional ou regionalista? [...] houve ainda aqueles que, ou por ignorância ou


por falta de argumento, tentaram confundir o caráter do Festival, cuja
proposta foi promover a música produzida na região, não importando, desta
forma, o gênero (rock, baião, xaxado, bolero, etc) ou o tema enfocado. Não
procede, portanto, qualquer justificativa que vise colocar como falha da
comissão organizadora do I FENEMP, a classificação ou desclassificação de
músicas que sejam ou não de caráter regionalista, ou ainda, privilegiar este
ou aquele gênero musical111.

Intitulado “Reflexões sobre um momento cultural” o texto de Raimundo Araújo


começa com uma frase de efeito em defesa da organização do evento, direcionada àqueles
“que preferem o comodismo do estilingue (só atirar pedras) à audácia e ao arrojo da
vidraça”112, uma vez que a maioria das críticas que recaíram sobre o festival, principalmente
por parte dos músicos participantes, não levaram em conta os diversos aspectos que deveriam
ser considerados para a realização de tal empreendimento, como organização de estrutura
física, de pessoal, divulgação e tudo que envolve uma logística operacional necessária no

110
LUIZ, André. Um festival com reserva de mercado. Jornal da Manhã, Teresina, p. 2, 05 jun, 1988.
111
ARAÚJO, Raimundo Nonato Uchôa. Reflexões sobre um momento cultural. Veredas: Culturarte, Teresina,
n.4, p. 29-32, jul. 1988. p. 31.
112
Ibid., p. 30.
preparo do evento onde, segundo Araújo, foram normais as falhas e os contratempos
ocorridos nas noites do festival, mas que não comprometeram a sua realização.
O texto também reconhece a limitação dos músicos piauienses que participaram do
festival em relação aos participantes de outros Estados, mas o tom de sua crítica não é
agressivo como a do texto anterior:

Quem andou entre o público durante a apresentação das músicas de fora e


contactou com artistas daqui, pôde perceber, nos depoimentos e até nos
semblantes, algo que, entre outras coisas, traduzia surpresa, admiração,
autocrítica e reconhecimento da qualidade do trabalho apresentado pelos
visitantes, se contrapondo ao espontaneísmo e amadorismo, refletidos na
maioria dos trabalhos levados ao palco pela “prata da casa”. Isto é posto sem
conotação pejorativa, mas com o intuito de se estabelecer, racionalmente,
uma revisão da música que se está fazendo, e, se for aceito (é preciso
humildade!) favorecerá um salto na qualidade de nosso produto musical
futuro113.

As impressões que alguns músicos piauienses tiveram das canções dos artistas de
outros Estados, Araújo as direciona rumo a sua própria impressão e constatação sobre
realidade musical em Teresina: o amadorismo musical por parte dos participantes do festival e
uma suposta arrogância destes músicos, pois os mesmos precisariam de humildade para o
recebimento das críticas. Essas duas observações também estão presentes no artigo de André
Luiz. Outro ponto em comum nos dois artigos foi a observação da possibilidade, através do
contato com o outro, de trocas e intercâmbios musicais que o festival permitiu aos músicos
locais. Mas tal possibilidade, de reatualização de referências musicais, só teria efeitos,
segundo ambos os críticos do festival, se os artistas piauienses se mostrassem abertos a essas
informações. Infelizmente, o festival não deixou nenhum registro sonoro para que
pudéssemos ouvir e analisar tais informações musicais desses artistas de fora e vislumbrarmos
as diferenças explicitadas nos dois textos entre as produções piauienses e as de outros
Estados.
Araújo confirma a observação que fizemos anteriormente sobre a proporção desigual
de inscrições entre os candidatos piauienses e os de outros Estados: o volume de inscrições
locais foram muito maiores, mas em compensação, a classificação para a final teve esse
cenário invertido. O autor chama os seus leitores para reflexão sobre que tipo de música
estava sendo produzida no Piauí em ocasião de seu baixo aproveitamento nas músicas
classificadas para a final do festival:

113
Ibid., p. 30.
Os músicos do Piauí, como era esperado, face ao volume de músicas
inscritas, tiveram 27 trabalhos selecionados para a fase eliminatória, o que
representa um índice de 67,50%. No entanto, classificaram para a
finalíssima, somente 04 composições, o que leva a um aproveitamento igual
a 14,81%. Os músicos de fora participaram com 13 músicas (apenas
32,50%). No entanto, chegaram a final com 06 músicas, atingindo um índice
de aproveitamento igual a 46,15%, além de terem conquistado, com
excessão(sic) do primeiro lugar, todos os demais prêmios de destaque. Isto
merece uma reflexão!...114

As tensões apresentadas pelos dois textos ocasionadas por uma suposta arrogância dos
músicos locais que a todo o momento se queixaram sobre questões como a qualidade do som;
o curto prazo para preparação da apresentação; o corpo de jurados de outros Estados –
questões estas que, segundo Araújo, não foram comentadas pelos participantes de fora – são
frutos, ainda segundo os dois textos, da falta de humildade de muitos dos músicos que
participaram do festival. Estas duas reflexões, indiretamente, apontam, para além do
amadorismo apresentado nos textos, para uma espécie de crise criativa por parte dos músicos
piauienses que se dispuseram a competir neste festival, pois os dois críticos recorrentemente
abordam em suas análises aspectos relacionados ao imperativo de abertura desses músicos
para novas influências sonoras. Ainda a esse respeito, o artigo publicado na revista Veredas
conclui

Por último, além do alto nível dos trabalhos apresentados, este I FENEMP-
PI marca, profundamente, uma vez que formula um convite para que
revejamos nossos métodos de trabalho e avaliação, na medida em que pôs
sob questionamento valores artísticos tidos, até então, como mitos, quando
se sabe que muitos outros se ressentem por não poderem penetrar neste clã
de privilegiados, cada vez mais sedimentado em várias iniciativas em que se
tenta promover a música e os músicos do Piauí. A compreensão e aceitação
desses fatos é, sem dúvida, a maior contribuição do I FENEMP à música do
Piauí. Grandes motivos para a permanente reflexão: não somos tão bons
quanto pensávamos!115

Para nós, mais importante do que saber a que figuras cristalizadas, “mitificadas” no
meio cultural ele se refere – que monopolizavam espaços de destaque na cena musical popular
de Teresina – é perceber como esses espaços de produção musical em Teresina produziam
reflexão em torno de seus próprios fazeres, de sua própria música, independente de critérios
relativos a gostos hierarquizados socialmente, como os apresentados nos dois textos que a

114
Ibid., p. 30.
115
Ibid., p. 32.
todo o momento colocaram a música piauiense em um patamar amadorístico em relação às
músicas dos outros Estados apresentadas no festival.
Os três festivais apresentados, FMPBEPI, I Encontro de Compositores e Intérpretes do
Piauí e o I FENEMP-PI foram importantes espaços por onde a música em Teresina pôde
expressar suas produções. Espaço de consagração para a produção local, apesar das
dificuldades materiais e humanas em uma cena musical que buscava se fortalecer através das
autoafirmações artísticas presentes em três diferentes festivais ocorridos em momentos
também distintos da década. Tais eventos tiveram uma importância maior ainda para a música
popular de Teresina, pois foram lugares que estimularam o exercício de criação e composição
musical, possibilitadores da constituição de um repertório para a música piauiense e foram,
sobretudo, espaços de reflexão, revisão e redimensionamento sobre as práticas musicais
locais, seus artistas e suas produções ainda bastantes dependentes de ações institucionais do
Estado para desenvolver suas práticas.
CAPÍTULO 2: O ESTADO E OS ARTISTAS: MECENATO, TENSÕES E
VARIEDADES NA MÚSICA POPULAR TERESINENSE

2.1. Projeto Torquato Neto: mecenato público e alguns debates em torno dos fazeres da
música popular em Teresina

O universo musical aqui delimitado, do qual faziam parte alguns artistas que
produziam um repertório para a música popular urbana teresinense, permite afirmar a
impossibilidade de sobrevivência econômica a partir da comercialização de sua arte, pois não
possuíam a estrutura que outros artistas contratados de grandes gravadoras multinacionais
gozavam para divulgar e popularizar seus trabalhos nacionalmente, obtendo assim viabilidade
econômica em suas carreiras musicais. A música para esses artistas piauienses, portanto, não
era um meio de vida economicamente viável nos anos 1980 em Teresina.
Mesmo para as bandas de baile, cujas produções visavam atender às demandas
estritamente mercadológicas ao tocar apenas os sucessos radiofônicos, o território para a
prática musical era bastante instável na cidade 116. Os artistas que não dependiam diretamente
da música como meio de sobrevivência buscavam outras formas de ocuparem os espaços
musicais da cidade, quer seja por meio de iniciativas próprias ou vinculadas às instituições
públicas. O Estado era o principal viabilizador das produções de boa parte desses artistas, via
órgãos culturais, como, por exemplo, a Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Estado
do Piauí. Por meio deste órgão público alguns artistas conseguiram desenvolver seus
trabalhos e ocupar os espaços da cidade através de projetos culturais subsidiados por esta
instituição. O exemplo mais marcante que encontramos nas nossas pesquisas sobre esse
envolvimento entre o Estado e a música popular urbana teresinense foi a criação do Projeto
Torquato Neto.
O nome do projeto é uma homenagem ao poeta piauiense Torquato Pereira de Araújo
Neto. Este fez parte do que foi chamado de movimento tropicalista, ocorrido no final dos anos
1960. Tal manifestação cultural teve grande repercussão no meio musical brasileiro no intenso

116
Entre as matérias jornalísticas que abordam essa questão encontramos: MÚSICOS enfrentam a falta de
trabalho. Jornal O Dia, Teresina, p.4, 24 mar, 1980; CAMPO de trabalho é ruim para os músicos. Jornal O
Dia, Teresina, p.6, 17 dez, 1981; MÚSICOS preocupados com situação no seu dia de comemoração. Jornal
O Dia, Teresina, p.6, 22 nov, 1982; ORDEM dos músicos do Piauí ameaçada de fechamento. Jornal O Dia,
Teresina, p.7, 13 jan, 1989.
debate em torno dos fazeres da música popular urbana do período. O tropicalismo teve como
núcleo central, além de Torquato Neto, artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé,
José Carlos Capinam dentre outros117.
O Projeto Torquato Neto foi de início pensado para acontecer nos moldes do Projeto
Pixinguinha, com a diferença que os grupos e artistas do projeto piauiense percorreriam
apenas as principais cidades do Nordeste brasileiro apresentando seus espetáculos musicais118
e não em quase todo território nacional como acontecia no Pixinguinha. Ao longo de sua
duração, o projeto realizou outras iniciativas no campo da música, dentre as quais podemos
destacar: o I Encontro de Compositores e Intérpretes do Piauí, a gravação de discos coletivos
de compositores e intérpretes e a realização de pesquisas em torno da música popular
piauiense. Era um projeto que a princípio atendia apenas às demandas do segmento musical.
Criado sob a gestão do deputado estadual Wilson de Andrade Brandão na pasta
cultural do Estado em 1981, o projeto antes mesmo de se concretizar já foi pauta de matéria
jornalística que assim noticiou a informação:

O secretário Wilson de Andrade Brandão esteve reunido ontem em seu


gabinete com os principais representantes da música Popular Piauiense para
discutir com todos eles a criação e elaboração do Projeto “Torquato Neto”,
que tem como objetivos dinamizar, divulgar e dar condições para que os
músicos da terra sejam cada vez mais assistidos na realização de seus
trabalhos, uma vez que serão bem remunerados e terão todo apoio da
Secretaria de Cultura na apresentação de novos trabalhos 119.

Como a citação acima informa, o Projeto foi pensado de maneira conjunta entre o
representante do poder público e representantes do segmento musical teresinense para
articular a melhor forma com a qual o Estado poderia contribuir para o desenvolvimento da
música produzida no Piauí através de sua intervenção como patrocinador cultural.
Obviamente, por maior que fosse a intenção de reunir um grande número de artistas da
música através do projeto, possibilitando a realização de seus trabalhos via mecenato, a
iniciativa do “Torquato Neto” dificilmente contemplaria a todos e apenas alguns grupos e
pessoas seriam beneficiados por este projeto. Boa parte dessas artistas beneficiados pelo

117
Para entender melhor a discussão em torno da tropicália e sua contribuição para a música popular brasileira
ver os livros: BRANCO, Edwar de Alencar Castelo. Todos os dias de paupéria: Torquato Neto e a invenção
de tropicália. São Paulo: Annablume, 2005; FAVARETTO, Celso Fernando. Tropicália: alegoria alegria.
2.ed.rev. São Paulo: Ateliê Editorial, 1996; NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a canção: engajamento
político e indústria cultural na MPB (1959-1969). São Paulo: Versão Digital, 2010. Disponível em:
<http://pt.scribd.com/doc/49477747/39107265-SEGUINDO-A-CANCAO-digital>. Acesso em 13 set. 2011.
118
TORQUATO Neto será nome de um projeto. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 17 fev, 1981.
119
PROJETO Torquato Neto sai logo. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 18 fev, 1981.
projeto já vinham praticando a música em Teresina desde os anos 1970, logo, foram eles que
puderam tirar proveito do espaço aberto dentro de um órgão institucional que por sua vez
poderia se beneficiar politicamente como um fomentador cultural através das ações desses
artistas.
Foram salientadas entre as discussões em torno do projeto questões como a
profissionalização do músico e o fortalecimento da música popular piauiense para além de
suas fronteiras:

Cerca de 20 representantes musicais estiveram reunidos ontem com o


secretário da cultura e todos chegaram a mesma opinião de que, através
desse projeto, eles terão mais condições para chegarem a um nível
profissional que é a meta prioritária para todos no momento [...] Os grupos
que integrarem o projeto terão, impreterivelmente, de trabalharem somente
com o que seja de relação com o nosso Estado, ou seja, devem promover na
totalidade o que é feito no Piauí, no campo musical. O que foi aceito pelos
presentes sem alguma opinião contrária120

A preocupação em posicionar as produções piauienses, principalmente as realizadas


em Teresina por se tratar da maior cidade do Estado, em um contexto mais amplo da música
popular brasileira foi um dos pontos centrais que identificamos no Projeto Torquato Neto. Tal
perspectiva pode ser entendida como uma tentativa de dar maior visibilidade aos artistas
piauienses em meio a produção cultural brasileira, tirando-os de uma condição de menor
visibilidade no cenário nacional. Mas isso só seria possível através de um desenvolvimento do
nível de profissionalização desses músicos – condição que o mercado de Teresina ainda não
oferecia – e os mesmos viam no projeto a possibilidade desse desenvolvimento profissional
custeado pelo Estado.
O Projeto Torquato Neto foi lançado no dia 10 de julho de 1981 na galeria de arte do
Theatro 04 de Setembro com exposições de fotos, depoimentos e textos sobre Torquato Neto
além de apresentação de um coral cantando suas canções, as quais o consagraram como um
dos principais poetas da tropicália 121. A seleção dos artistas e grupos para as turnês nas
cidades foi feita através de apresentações competitivas no teatro 04 de Setembro julgadas por
uma comissão constituída pela Secretaria de Cultura. “A comissão examinará o número dos
participantes o arranjo e a técnica musical; proporção do espetáculo e sequência; comunicação
verbal; a “mise en seéne” e o conteúdo.”122

120
PROJETO Torquato Neto sai logo. Jornal O Dia, Teresina 18 fev, 1981.
121
PROJETO Torquato Neto começa hoje. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 10 jul, 1981.
122
PROJETO já tem grupos inscritos. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 18 jul, 1981.
Partes dos critérios explicitados nesse trecho de matéria de jornal são de ordem
subjetiva e não deixam muito claro a partir de que referências seriam balizadas os
julgamentos. Que tipo de “conteúdo” os avaliadores estavam levando em conta nas
composições musicais? O que significava “comunicação verbal”? Seria a interlocução entre
artista e público? Quais performances eram as esperadas para que os artistas tivessem seus
trabalhos aprovados? As referências balizadoras do julgamento só apareceram após a escolha
dos artistas, pois a partir deles e de suas produções ficou evidente que tipo de canção e artistas
o Estado queria ver vinculado às suas ações culturais.
O projeto contemplou em 1981 apenas dois grupos e dois artistas para as
apresentações em diferentes cidades do interior do Piauí, como Picos, Floriano, Parnaíba,
além de Teresina; e nas capitais nordestinas, Fortaleza e São Luís. Entre os conjuntos
aprovados no projeto estavam o Grupo Candeia e o Grupo Varanda e entre os artistas
individuais estavam a cantora Laurenice França e o cantor e compositor George Mendes. A
esperança de profissionalização dos músicos através do projeto não se concretizou quando
lançamos um olhar retrospectivo sobre esta iniciativa, pois além de ter-se restringido a uma
parcela muito limitada de artistas, foi uma iniciativa de ações pontuais e não possibilitadora
da constituição de uma cena musical independente do mecenato público em Teresina.
Entretanto, ela foi importante, pois possibilitou uma movimentação musical para os artistas
que dele participaram ao longo da década de 1980.
O músico Aurélio Melo em entrevista concedida a um jornal no ano de 1988 fala de
sua experiência ao ter participado desse primeiro momento do projeto, que à época da
realização da entrevista ainda vigorava como uma política pública cultural: “Esse projeto é
nosso. Em 81 quando começou o projeto mambembe, de tocar por aí, como nós fizemos, pra
mim não aconteceu coisa mais importante”123. O músico André Luiz Oliveira Eugênio, que
participou do conjunto Varanda, assim recorda as viagens em que acompanhou o grupo pelo
projeto:

O projeto Torquato Neto, sim, esse aí funcionou muito bem. Por exemplo, eu
lembro que eu fui tocar com o Varanda em Fortaleza no dia do músico... dia
da música, 22 de novembro, se não me engano. A gente tocou na praça do
Ferreira [...] a praça central naquela época[...] Custeados pelo projeto [...] a
gente andava no interior todo. Era ritmo de turnê. Era um ônibus, você
tocava numa cidade e depois ia pra outra aí voltava pra Teresina. 124
123
PROFISSÃO: Músico. De verdade. Diário do Povo, Teresina, p.9, 13 mar, 1988.
124
SOUZA, André Luíz Oliveira Eugênio de. André Luíz Oliveira Eugênio de Souza [31 jan. 2012]
Entrevistador: Hermano Carvalho Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a
Música Popular Teresinense concedida como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História
do Brasil pela Universidade Federal do Piauí.
Esse formato do projeto, que seguia a estrutura itinerante do Projeto Pixinguinha, só
aconteceu no ano de 1981, não se repetindo mais nos outros anos. No ano seguinte o
“Torquato Neto” se restringiu a comemoração dos 10 anos da morte do poeta tropicalista
através de projeção de slides e filmes, exposição de livros e realização de debates e
conferências com poetas sobre arte e cultura brasileira 125. O ano de 1982 não reservou espaço
de destaque para a música, motivação inicial do projeto. A tal situação foi imputada a falta de
recursos financeiros por parte do Estado para custear ações semelhantes às acontecidas no ano
de 1981. Contudo, outras iniciativas ao longo da década foram realizadas no intuito de
fomentar a música popular produzida no Piauí, concentrando suas atividades
predominantemente em Teresina.
Importante lembrar que o Projeto Torquato Neto foi um espaço para músicos que
dispunham de uma posição dentro do cenário musical da cidade e possuíam uma produção
musical, que apesar de não registrada de forma material por meio de LP, tal produção era feita
através das práticas musicais empreendidas por esses músicos que atuavam em Teresina, por
meio de shows e espetáculos. Logo, tal projeto diz respeito a um recorte específico na cultura
musical da cidade, mas nem por isso deixa de revelar seus movimentos e as dinâmicas
musicais da capital piauiense.
O Projeto Torquato Neto apresentou tensões que revelam os lugares que cada músico
ocupava dentro de uma hierarquia no campo musical em Teresina. Tais disputas e tensões
emergiram quando do lançamento de dois discos coletivo de artistas piauienses através do
projeto. O primeiro, de 1985, foi o resultado do festival I Encontro de Compositores e
Intérpretes do Piauí realizado no ano anterior ao lançamento do disco. O segundo foi o LP
Cantares, gravado em 1987, também foi uma produção que pôs em questão a música popular
praticada em Teresina e sua relação com os aparelhos institucionais de Estado.
A mobilização dos compositores e intérpretes para a gravação do disco “Geleia
Gerou”, com as músicas vencedoras do I Encontro de Compositores e Intérpretes do Piauí,
criaram expectativas nos artistas que participaram deste acontecimento. A movimentação para
viabilizar o pagamento dos custos de viagem foi feita através de espetáculos musicais. O
registro do LP foi feito no Rio de Janeiro. Dois dias de apresentações no Theatro 04 de
Setembro com a presença de alguns dos artistas que gravariam o disco: Ana Miranda,
Ronaldo Bringel, Solange Leal, Geraldo Brito, Edvaldo Nascimento, Garibaldi Ramos,

125
Ver estas informações em: TORQUATO Neto-82 será mais animado. Jornal O Dia, Teresina, p.9, 10 jul,
1982; LUIZ, André. Dançamos. O Estado, Teresina, 20 dez, 1982.
Rosinha Amorin, Raimundo Alcântara, Mira e Zezé Fonteles, além da presença de outros
convidados, como as cantoras Laurenice França e Janette Dias 126. Como afirmamos
anteriormente, este disco trazia para seus participantes a esperança de poder introduzi-los, e
consequentemente introduzir Teresina e o Piauí, nos circuitos nacionais de circulação musical.
A viagem dos artistas foi assim noticiada pela imprensa da época:

Os vencedores do I encontro de Compositores e Intérpretes do Piauí já


viajaram ao Rio de Janeiro, onde ainda esta semana, com o patrocínio da
Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo, através do Projeto Torquato
Neto, começarão a gravar um Lp com as 12 músicas classificadas. Ontem
viajaram ao Rio de da Janeiro os compositores Geraldo Brito, Garibaldi
Ramos, Alcântara, Ronaldo Bringel e Edvaldo Nascimento. Segunda-Feira
viajarão as intérpretes Solange Leal, Mira, Ana Miranda, Rosinha e Zeze
Fonteles. A Gravação será feita por Antonio Adolfo Produções Musicais 127.

Aqui percebemos mais uma vez a mão institucional do Estado marcando sua presença
como possibilitadora de certas práticas musicais da cidade. A citação acima nos dá mais um
indício que os artistas dependiam deste tipo de apoio institucional uma vez que a cidade ainda
não oferecia condições para que os mesmos pudessem prescindir dessa estreita relação com o
Estado. Tal situação foi propulsora de reflexões sobre os fazeres musicais da cidade e o disco
“Geleia Gerou” como produto deste contexto foi tema de debates sobre o que se estava
fazendo e o que se queria em relação a musica popular teresinense nos anos 1980.
A primeira crítica após o lançamento do disco foi feita pelo músico, escritor e crítico
de arte Ramsés Ramos e ensejou o início dos debates. Ele começa suas análises fazendo as
seguintes afirmações:

Sabemos que Teresina é uma cidade relativamente nova e que em termos de


música contemporânea jovem até agora não se tinha um registro sério de
nossas obras. O FMPBEPI tentou, com um disco, cobrir essa lacuna, mas
gerou um Lp falho, tecnicamente ultrapassado e com composições que não
podiam abranger no todo nossa cultura musical atual128

Ramos coloca o disco “Geleia Gerou” como o marco inicial de uma música
contemporânea, moderna que estava sendo feita em Teresina. O disco, segundo a colocação
acima, inseria a capital piauiense no que havia de atual, para ele, nas produções em música
popular no Brasil, pois afastaria a “imagem barroca de que no Piauí só existiria música

126
COMPOSITORES fazem show no Theatro 4 de Setembro. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 29 maio, 1985.
127
COMPOSITORES piauienses gravam no Rio. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 05 jun, 1985.
128
RAMOS, Ramsés. GELEIA Gerou: mas chegou. Jornal da Manhã, Teresina, p.8, 01 set, 1985.
folclórica”129. Para Ramsés Ramos, o disco “Geleia Gerou” trazia uma música eminentemente
urbana, cosmopolita, tendo seus deslizes técnicos e repetindo alguns lugares comuns da
música popular feita na cidade, como a presença de alguns xotes, mas para ele, nada que
comprometesse o conjunto da obra. Para Ramos, um dos pontos altos do disco é o arrojo de
modernidade se manifestando nas músicas de três compositores, que articulavam Teresina
como uma cidade em sintonia com as novidades do mundo musical e criadora também de suas
próprias novidades. Assim ele fala a respeito dos compositores em questão:

[...] destaco as composições de Geraldo Brito, Magno Aurélio e Garibaldi


Ramos. Geraldo Brito pela incrível modernidade e harmonias
contemporâneas e sutis que fazem dele o nosso compositor mais bem
dotado, e que aliás fez um solo felicíssimo numa de suas faixas [...] É
realmente um mestre com quem só temos a aprender. Magno Aurélio pela
doçura de suas melodias que encantam pela simplicidade com que consegue
compor e traduzir em pouco papo muitas coisas do amor. É um grande
expoente da nossa música. Finalmente Garibaldi Ramos que deu um golpe
de mestre fazendo a primeira música em compasso 7/4 das bandas de cá e
ainda colocando um samba em 3 na segunda parte a fim de maltratar os
corações musicais atrasados 130.

A fala do crítico se direciona no sentido de reforçar o caráter moderno trazido em


algumas composições do disco, através de algumas análises no conteúdo formal das canções
que traziam os indícios do novo contra o que ele chama de “corações musicais atrasados”. O
Lp para Ramsés Ramos é uma iniciativa positiva para colocar no incipiente mercado
piauiense da música popular “uma pitada de música séria e coerente” 131. Boa parte das
pessoas que faziam o meio cultural musical de Teresina viram no disco um momento
importante, pois foi através dele que os artistas da cidade também se inseririam como
colaboradores de um repertório para a música popular brasileira.
Contudo, o músico e compositor Geraldo Brito discordou no que diz respeito ao
caráter moderno do disco apontado por Ramsés Ramos, ao enfatizar a presença ainda forte de
canções com temáticas regionais. Em artigo publicado sobre o LP, o músico afirmou: “o
Geleia Gerou não difere muito do FMPBEPI. E podemos até considerá-lo um new FMPBEPI
melhor gravado em oito canais” 132. O compositor fala sobre as dificuldades da gravação de
um disco com doze diferentes artistas e do pouco tempo para uma melhor finalização do
disco, o que para ele comprometeu a qualidade final do trabalho.

129
Ibid., p.8.
130
Ibid., p.8.
131
Ibid., p.8.
132
BRITO, Geraldo. A Geleia Gerada Entre a Broa e o Sanduíche . Jornal da Manhã, Teresina, p.8, 2 nov, 1985.
Mas para além das discussões das análises dos conteúdos formais presentes nas
músicas do disco ou de sua tentativa de se inserir num mercado mais amplo da música
popular brasileira, um questionamento de ordem mais conjuntural foi levantado a propósito
do lançamento do Geleia Gerou: Qual era a música piauiense, produzida em Teresina, que se
estava fazendo àquela época, que em ocasião do lançamento do LP se debruçava sobre a
figura quase que onipresente daquele que foi a maior referência musical contemporânea do
Estado, Torquato Neto? Essa questão foi elaborada pelo músico e crítico musical André Luiz
de Oliveira Eugênio que travou debates interessantes a este respeito a partir do disco e do
Projeto Torquato Neto com o jornalista e produtor cultural Kenard Kruel e com o poeta e
jornalista Chico Castro.
O primeiro texto, intitulado “Uma geleia dietética”, André Luiz inicia em tom irônico
e debochado falando sobre os comentários feitos a respeito do disco, segundo ele,
maliciosamente apelidado por alguns à época de “Geleia Gorou”. Ele não explica o motivo de
tal fato fazendo parecer que a menção a esse nome, “Geleia Gorou”, não passasse de um mero
recurso humorístico aplicado a seu texto. Entretanto, ele afirma que o disco foi “certamente o
registro musical mais bem produzido da nossa música” 133 até aquele momento. Mas o ponto
central de sua argumentação vai partir das seguintes indagações, sugestionadas pelo conteúdo
imagético da capa do disco que trazia a foto de Torquato Neto em destaque, sendo a única
foto em toda a capa do Lp:

Por que razão, me digam, a foto de Torquato Neto está estampada na capa
desse disco? Mais uma homenagem ao poeta? Será que o cordão umbilical
ainda não se rompeu? [...] por que ainda Torquato Neto? Ou melhor, o que o
poeta tem a ver com esse disco?134

O crítico entende a importância do poeta piauiense, e afirma isso em seu texto, mas
não entende o porquê dessa reinterada louvação à sua figura. E continua: “Será que já não
temos nomes (Geraldo Brito, Magno Aurélio, Durvalino Couto, só para citar alguns)
talentosos o bastante para dar consistência e importância a um disco como esse?” 135 E segue
afirmando que preferia ver as fotos dos vários artistas que participaram do disco em sua capa.
Entendemos que tal reflexão se fez no sentido de reforçar uma identidade 136 musical

133
LUIZ, André. UMA GELEIA dietética. Jornal da Manhã, p.8, 15 set, 1985.
134
Ibid., p.8.
135
Ibid., p.8.
136
Entendemos identidade, a partir das análises de Stuart Hall, uma conformação social múltipla, atravessada por
diferentes referênciais e não como algo fixo, estável e não sujeita a mudanças, transformações e reinvenções
teresinense, a partir de si mesma, de seus movimentos, atrações e tensões e não na insistência
de se vincular a música de Teresina como devedora perpétua de uma “tradição” tropicalista
personificada na figura de Torquato Neto. O texto é finalizado chamando outros interlocutores
ao debate reafirmando a necessidade de se colocar no centro das discussões as práticas
musicais que estavam se fazendo à época: “Ainda há muito o que se falar sobre a relação entre
o que Torquato fez e o que nós estamos fazendo AGORA.”137
O Jornalista Kenard Kruel se posiciona sobre essa questão debatida nas páginas do
Jornal da Manhã. Ele responde ao chamado para o diálogo, em texto intitulado “Publique-se e
Cumpra-se”, afirmando não ver nenhum problema em se utilizar qualquer referência a
Torquato Neto uma vez que a iniciativa do disco partiu de um projeto que leva o nome do
artista. Para Kruel, o autor de “Uma geleia dietética” não discutiu as questões que realmente
interessam ao disco, como por exemplo, fazer suas análises sob a ótica das formas estéticas
musicais, uma vez que André Luiz também era um músico:

Não vejo motivo [...] para que a ira do André Luiz faça com que ele se
esqueça de analisar o concreto para se deter no abstrato [...] Leio, por
demais, tudo o que o André Luiz escreve. Acho-o uma pessoa das mais
informadas e das mais preparadas, e que, com propriedade, poderia deitar e
rolar em cima do disco. Fazer um trabalho de análise que desse um tom no
som da rapaziada [...] fica o André Luiz intimado a nos dar uma crítica ao
Geleia Gerou. Desta vez sem querer ciscar um terreno já bastante ciscado, e
por isso mesmo não original138.

Kruel concorda com a afirmação de André Luiz sobre as qualidades dos artistas de
Teresina que poderiam ter seus rostos estampados na capa do disco. Entretanto, achava mais
importante as análises sobre o conteúdo do LP e o que ele trazia de informações musicais, ao
invés de preocupações com questões como o quê o disco poderia revelar sobre os fazeres
musicais da cidade.
A tréplica do músico e crítico saiu no dia seguinte ao convite de Kenard Kruel para
continuar o debate através de suas análises sobre o conteúdo musical do disco. Ele inicia o
texto reiterando que o “Geleia Gerou” tinha sido uma das iniciativas mais importantes que já
havia acontecido na música popular do piauiense. Entretanto, reafirma seu posicionamento
sobre a questão de que tipo de práticas musicais Teresina estava fazendo à sua época:

a partir das tradições. Ver: HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro:
DP&A, 1999.
137
LUIZ, André. UMA GELEIA dietética. Jornal da Manhã, p.8, 15 set, 1985.
138
KRUEL, Kenard. PUBLIQUE-SE e Cumpra-se. Jornal da Manhã, p.8, 18 set, 1985.
Acredito que no meu artigo falei bastante do disco e quem leu com atenção
percebeu que o assunto “abstrato” ao qual me referi é muito real e concreto
[...] Vale dizer que esse disco só saiu depois de muita briga por parte dos
músicos com a Secretaria e quase todo (senão todo) o mérito desse LP cabe
aos artistas e não à Secretaria. Falar do Geleia Gerou como se fala do último
disco do Caetano é uma insensatez. Não tem nada a ver. Na órbita desse
disco circulam assuntos vários e a intenção é essa, questionar a realização
deste trabalho. Valeu a pena ou não? Claro que valeu. Mas por que o disco
não está disponível nas lojas? Qual o critério utilizado na distribuição? E por
que o Geleia Gerou não está tocando nas rádios? Por que o nome do disco
não foi, por exemplo, Nós, que é inclusive o título de umas das músicas mais
interessantes desse disco, de autoria de Garibaldi Ramos? E Por que, meu
caro Kenard, as fotos dos artistas não estão nem dentro nem fora da capa do
LP? O nome de Torquato já está por demais onipresente neste projeto
cultural (falo aqui do projeto em si e não do LP) [...] É isso, Kenard, não vou
ficar rasgando sêda em cima do Geleia Gerou. Fazer uma análise em cima do
tom do som da rapaziada é importante e isso vai ser feito, mas de baixo pra
cima, começando pela estrutura que sustenta essa pirâmide cultural, onde, no
topo ficam os artistas e não a Secretaria de Cultura, como muita gente
pensa.139

A citação acima é longa, mas levanta temas interessantes sobre esse recorte específico
da música popular teresinense, temas estes presentes no contexto daquele período. O cerne
central da questão é, para o crítico musical, que a música em Teresina precisaria se definir
primeiro, resolver seus problemas fundamentais, como constituir um cenário local expressivo,
com seus artistas e produções movimentando a cidade. Os questionamentos do crítico recaem
justamente sobre como o projeto não foi eficaz na promoção dos artistas presentes no disco,
uma vez que não houve estratégias para a promoção e divulgação deste trabalho, de acordo
com a citação acima. A crítica é contundente sobre aqueles que geriram o projeto Torquato
Neto, pois o texto deixa claro que tal iniciativa cultural não colocava no centro do produto
final, o LP, quem era de direito: seus compositores e intérpretes.
A ausência das fotos dos artistas na capa e a vinculação do disco à figura de Torquato
Neto, por exemplo, para André Luiz, segundo a nossa interpretação, revelam um território
musical ainda carente de representações sobre si mesmo. As representações musicais são aqui
entendidas como os meios sonoros e imagéticos que dão corpo a essa representatividade.
Como uma iniciativa que ajudou a constituir a música feita em Teresina, o disco Geleia Gerou
poderia ter sido um desses espaços de representação da música popular feita em Teresina.
Porém, esta possibilidade para o crítico André Luiz aconteceu de forma ilegítima.
Na falta da tal representação de si, o que necessariamente era uma das condições
fundamentais para a constituição de um cenário musical expressivo, a representatividade

139
LUIZ, André. DA PRODUÇÃO de geleias. Jornal da Manhã, p.8, 19 set, 1985.
artística dos participantes do disco foi vinculada na figura cultural de Torquato Neto.
Associação esta proporcionada pelo Estado que a utilizou para se colocar como o grande
beneficiador e promotor da cultura. Mas para o crítico, quem fazia a cultura eram os artistas e
não o Estado, logo eram eles que deviam estar no centro das questões culturais como
instauradores de suas práticas e constituidores de seus territórios de atuação, como explicita
André Luiz ao dizer, por exemplo, que foram os músicos que possibilitaram a feitura do
disco. Só com essa condição estabelecida e resolvida, de instituição de um território musical
representativo a partir de si mesmo, é que se poderia avaliar a produção artístico-musical do
disco Geleia Gerou sob seu viés estético.
A resposta final de Kenard Kruel ao debate entre ambos é feita em tom de desabafo a
partir das problemáticas no território musical levantadas por André Luiz, que emergiram por
conta do Projeto Torquato Neto. Ele avalia os rumos que o projeto estava tomando desde a
sua criação até o momento em que ambos travavam estas reflexões. Kruel se coloca como um
dos poucos benfeitores do projeto em sua fala:

No primeiro ano eu e dona Sulica e o José Elias, com peito e garra, saímos
por aí. Levamos o Projeto Torquato Neto para Parnaíba, Floriano, Picos,
Fortaleza e São Luís. Os músicos, compositores e intérpretes gostaram.
Público novo e dinheiro no bolso. Certo que foi pouco mas teve. Iríamos
continuar levando nossa música para outros lugares que não só o Teatro 04
de Setembro, entretanto muito olho grande na jogada (bem como um carrego
dos diabos) botou tudo a perder. Disseram que a gente não tinha capacidade
e nem era do meio pra poder ficar na frente do Projeto. Tudo bem. Tudo mal.
A partir daí ele foi de água abaixo.140

Para ele, as pessoas que coordenaram o projeto não deram as prioridades necessárias
que ele precisava e cita os nomes de quem o coordenou entre 1981 e 1985. Chega a indicar o
nome de Ramsés Ramos, músico e intelectual piauiense, como coordenador para o então
secretário de Cultura do Estado afim de que o “Torquato Neto” pudesse continuar a ser uma
iniciativa efetiva para a cultura do Piauí. O projeto, inicialmente pensado para ser mais uma
ferramenta para o apoio institucional, revelou-se, segundo Kruel, como mais uma iniciativa
que se esfacelou devido à falta de interesse presente nas suas diferentes coordenações:

Nisso tudo, meu caro André, fica claro o seguinte: de mão em mão o Projeto
Torquato Neto vai afundando para a felicidade geral dos macunaímas [...] É
necessário, portanto, que o Secretário Jesualdo Cavalcanti Barros reestruture
o Projeto Torquato Neto, e coloque para a sua coordenação uma pessoa com
mais poder de fogo. Uma pessoa que tenha tempo suficiente e sensibilidade

140
KRUEL, Kenard. A GELEIA está girando e gerando. Jornal da Manhã, p.8, 20 set, 1985.
mil para acertar todos os ponteiros das artes (manhas) piauienses. Vejo em
Ramsés Ramos, por exemplo, esta pessoa. É poeta, compositor, cineasta,
teatrólogo, jornalista, tradutor [...] tem tempo, sensibilidade e
competência.141.

Outro interlocutor que também entrou no debate foi o jornalista e poeta Chico Castro.
Sua avaliação sobre o disco também é feita em tom crítico sobre os encaminhamentos de sua
produção e consequentemente sobre a forma como o Projeto Torquato Neto conduziu esse
processo. Entretanto, ele afirma ter sido uma iniciativa importante para a música popular
piauiense. Sua crítica atenta para o fato do disco ter sido uma produção coletiva e que por
conta disso não podia ser avaliado como um produto elaborado a partir de uma dinâmica
individual, de artista ou de grupo musical. Isso imprimia ao disco, portanto, uma dinâmica
bastante fragmentária em seu repertório, escolhido não pelos artistas que dele participaram, e
sim através de um festival:

O “Geleia Gerou” não é fruto da ideia de um Geraldo Brito, de um


Durvalino Couto, de um Garibaldi Ramos, só para citar alguns nomes, mas o
resultado da opinião coletiva de um júri que, no ano passado, escolheu entre
tantas outras músicas, estas que compõem o vinil. Portanto, o disco é mais
um ajuntamento de várias músicas e de várias ideias, do que um trabalho
previamente elaborado e com objetivos outros, que não este de simplesmente
homenagear o nosso poeta Torquato Neto. Talvez a palavra ajuntamento não
seja a ideal, mas o que quero dizer é que o disco cheira mais a o
cumprimento de um cronograma estabelecido pela Secretaria de Cultura, do
que realmente mostrar o nível em que se encontra a nossa música, e os novos
caminhos que os nossos artistas poderiam trilhar a partir da edição deste
trabalho. Apesar de tudo o disco está bom: isso é o que mais conta [...] O LP
pelo menos gerou esta discussão, que espero continue abrindo terreno para
outras análises 142.

Apesar de ter gostado do disco, Chico Castro fala que a feitura do Geleia Gerou
pareceu um cumprimento de cronograma, uma ação meramente burocrática e não uma
iniciativa que buscasse realmente mostrar os valores e o que se estava fazendo na música em
Teresina. Kenard Kruel, por sua vez, nos dá pistas sobre os rumos do projeto de 1981 a 1985,
a propósito do debate em torno do Geleia Gerou, e os pontos que o produtor cultural
acreditava serem os que limitavam o projeto, como a falta de interesse dos muitos
coordenadores que o dirigiram. André Luiz aponta o deslize cometido por parte daqueles que

141
Ibid., p.8.
142
CASTRO, Chico. Qual o sabor desta geleia? Jornal da Manhã, sem data, 1985. Esse artigo, deduzimos ter
sido escrito após os debates entre André Luiz e Kenard Kruel uma vez que logo no seu início ele relata sobre
como os debates que estavam ocorrendo em torno do disco o incentivaram a escrever seu texto e por ter sido
publicado também no Jornal da Manhã, veículo de comunicação onde estavam ocorrendo os debates.
conduziam o projeto à época do lançamento do disco por não terem valorizado devidamente
os músicos, quem realmente fizeram o LP, em detrimento de uma insistência em associar à
música teresinense e piauiense à figura do Torquato Neto e não ao que se estava produzindo
de atual em sua música popular.
As três falas, suscitadas pelo disco e pelo projeto, revelam através de abordagens
diferentes muitos aspectos da situação em que se encontrava a música popular praticada em
Teresina no universo dos artistas aqui estudados e sua relação com as políticas públicas do
Estado ligadas a cultura e que mostram que o território da música popular estava em constante
movimentação, não só através da ação de seus artistas, mas também através da própria ação
do Estado.
Outro disco feito através Projeto Torquato Neto foi o também coletivo “Cantares”
lançado em 1988, três anos após o Geleia Gerou. Algumas questões foram colocadas a
respeito da gravação do LP e apontam outros pontos presentes sobre as práticas musicais
teresinenses à época. Uma delas foi a questão colocada sobre o porquê dos músicos de
Teresina não terem participado do processo de gravação do disco. Esse questionamento é
mais uma vez levantado pelo crítico musical André Luiz em tom de ironia. Ele faz analogia ao
disco e a sua arte gráfica da capa, que se assemelha a uma imagem de uma foto tirada do
espaço sideral, à metáfora de uma nave espacial e seus astronautas tripulantes, para levantar
suas questões:

Resta dar um toque ao comandante em chefe da nossa estação espacial: nas


próximas viagens siderais, nós, músicos astronautas, estamos plenamente
capacitados a fazer parte da tripulação do próximo disco voador. Sem
desmerecer os anos luz de talento e experiência dos músicos e astronautas
que viajaram neste disco, sem a menor cerimônia, nos consideramos ótimos,
caso contrário não estaríamos acompanhando constantemente a quase todos
os compositores intérpretes astronautas que fizeram essa inesquecível
viagem. No mais, certos músicos astronautas sabem muito bem o quanto
anda caro fazer um disco voador. O que nós queremos é que as pastilhas
proteicas sejam democrática-espacialmente divididas, o que seria a
democracia nas estrelas (ou das estrelas?)143

André Luiz agora não fala como crítico musical e sim como músico que ficou de fora
do processo de feitura do disco. A ironia bem humorada demonstra, a nosso ver, certo
ressentimento por parte do músico. Porém, ela faz sentido se considerarmos como ponto de
partida uma das justificativas para a produção do disco, ao tomarmos as palavras do diretor
artístico do LP, Durvalino Couto Filho, que escreveu um artigo intitulado “Vamos Cantares”

143
LUIZ, André. Disco é voador. Diário do Povo, Teresina, 27 fev. 1988.
analisando o desenvolvimento do processo de produção, direção, gravação e arranjos do
disco. Ele afirmou à época que:

[...] estávamos todos apaixonados pelo trabalho, envolvidos totalmente na


busca de um resultado musical e técnico capaz de gerar, num estúdio de oito
canais de gravação muito bem equipado, um disco de boa qualidade,
competitivo e competente, que resumisse e levasse ao público uma visão
geral das possibilidades da música popular do Piauí (grifo meu). 144

Tomando o trecho em negrito como um dos objetivos centrais para a feitura do LP


Cantares, o de mostrar as possibilidades da música que acontecia no Piauí e mais
especificamente em Teresina, tal objetivo não foi alcançado por completo uma vez que a
banda base para as gravações foi formada por músicos contratados na cidade do Rio de
Janeiro. Os arranjos das canções ficaram por conta do respeitado músico piauiense Luizão
Paiva, mas o mesmo teve toda sua formação e experiência musical construída fora do Piauí.
Apenas o grupo Candeia teve arranjo próprio para sua música feito por Aurélio Melo,
integrante do grupo. Ou seja, as possibilidades musicais teresinenses ficaram restritas apenas
às composições e não se estenderam para as performances de execuções musicais específicas
praticadas por aqueles que faziam a música em Teresina.
Também merece análise a dupla condição ocupada pelo diretor artístico do disco,
Durvalino Filho, pois se posicionava ao mesmo tempo em dois lados dessa produção: o de um
dos gestores do LP e de compositor incluído no mesmo. Esse posicionamento ao passo em
que pôde ter gerado situações conflitantes no desenvolvimento do trabalho, de ambiguidade,
por colocá-lo em lugares diferentes no processo de feitura do disco, também possibilitou a ele
um olhar mais amplo sobre o trabalho. Ocupava duplamente uma posição de poder: a de
artista reconhecido na música popular piauiense, participando com uma composição no disco
que tinha por objetivo ser uma vitrine do que de melhor poderia representá-la e de agente
institucional, participando como diretor artístico do disco. Não só Durvalino ocupou esse
posicionamento de duplicidade, de artista e gestor. Ana Miranda, coordenadora do Projeto
Torquato Neto, também participou do disco como intérprete.
Outras dissonâncias emergiram por ocasião do lançamento do disco, como, por
exemplo, o posicionamento de alguns artistas que participaram de sua gravação e que viam no
LP uma forma de se fazer política não preocupada em realmente criar condições para o
desenvolvimento da música popular na cidade. A intérprete Zezé Fonteles assim disse à época

144
DURVALINO FILHO. Vamos Cantares? Diário do Povo. Teresina, 18 abr. 1988.
em matéria jornalística, provavelmente se referindo a pessoas ligadas a cultura que ocupavam
lugares de poder institucional e a seu cinismo diante de uma produção musical meramente
burocrática, inexpressiva em termos de retorno artístico perante um público mais amplo, a
exemplo de uma mesma iniciativa anterior, como foi o caso do disco Geleia Gerou:

Aí está um disco inegavelmente bom [...] condenado, historicamente (vide


Geleia Gerou) a servir como brinde a umas raras “afortunadas criaturas” que
no máximo olharão (não se dignarão a ouvir) com alguma condescendência
para o que elas chamarão de “produção nativa” 145.

Outro intérprete do disco, Ronaldo Bringel, também menciona o disco, na mesma


matéria jornalística acima citada, como uma iniciativa meramente política de se fazer cultura
pelo Estado: “Eu não fiz e nem faço festa. Esse é um disco meio misterioso, com muita
política no meio [...]”146. Ainda nesta mesma fonte jornalística, o cantor e compositor Naeno é
bem mais contundente em suas considerações sobre o LP Cantares e outros supostos
interesses que o circundavam:

O cantares teve planejamento, conversa com os artistas e no final saiu tudo


distorcido. Inclusive pessoas que nem participaram das reuniões apareceram
no disco fazendo direção artística, que foi o caso do Durvalino. Com coisas
desse tipo, o ideal seria não aceitar mais isso, chega de política na cultura.
Queria deixar bem claro que isso aconteceu com a compactuação dos artistas
pela passividade 147.

Os três posicionamentos citados revelam tensões e partem de lugares de fala que


estavam orbitando fora dos espaços de poder institucionais da cultura em Teresina e por isso
provocavam certo descompasso com as iniciativas engendradas pelo Projeto Torquato Neto.
Contraditoriamente, esses mesmos artistas não deixaram de participar de tal empreendimento,
como o fim da fala de Naeno afirma. Ronaldo Bringel, em outro trecho de seu relato aqui
mostrado também fez uma afirmação nesse sentido: “Mesmo assim estou disposto a fazer um
grande lançamento, desde que sejam dadas todas as condições, uma boa produção e tudo
mais”148. O disco, portanto, não deixou de ser visto como mais uma iniciativa importante para
a música popular teresinense, apesar das críticas ao seu processo de condução, pois além de
ser um registro de repertório, algo tão difícil à época, foi um momento importante em que se

145
LUIZ, André. CANTARES e quereres. Diário do Povo, 6 mar, 1988.
146
Ibid.
147
Ibid.
148
Ibid.
pôde discutir, mais uma vez as práticas e as condições da música popular em Teresina, seus
movimentos, suas produções, seus limites e suas possibilidades.
A atuação dos agentes musicais aqui analisados, que ocupavam e faziam os espaços da
música na cidade, girava muitas vezes em torno do Estado. O Projeto Torquato Neto e os
festivais de música popular, que também contaram com o apoio e patrocínio do poder público,
foram um dos meios através dos quais músicos e compositores puderam exercer sua arte, uma
vez que tal campo de atuação não oferecia ainda condições para que esses artistas pudessem
se sustentar economicamente por meio desse ofício. Muitos desses artistas praticavam outras
atividades profissionais para sua sobrevivência, restando aos mesmos buscarem se vincular ao
poder público como uma forma de poder fazer música. O que não quer dizer que esses artistas
também não buscassem outros meios de atuação através de iniciativas próprias.
Esses músicos, compositores e intérpretes produziram e instituiram um repertório
próprio para a música popular de Teresina, através de seu registro em discos coletivos e de
suas atuações nos espaços musicais, como o teatro, ginásios, bares e festivais. E nesse
encontro entre a capacidade criativa dos artistas e sua submissão a outros vetores sociais,
como a dependência do subsídio do Estado em face de um mercado ainda incipiente para a
música popular em Teresina, é que surgiram as tensões que movimentaram a música popular
na capital piauiense, problematizando-a através de questionamentos sobre suas práticas, sobre
como essa música popular buscava constituir-se a si mesma, por meio dos diversos festivais
realizados e dos diferentes discos coletivos e individuais lançados, que buscaram
constantemente reposicionar Teresina, e consequentemente o Piauí, como um Estado
colaborador no processo de constituição da cultura musical brasileira. No próximo tópico
deste segundo capítulo analisaremos alguns dos artistas produtores desse repertório buscando
realçar alguns aspectos da pluralidade estético-musical que encontramos no cenário musical
teresinense nos anos 1980 e os gêneros musicais com os quais os mesmos buscavam se
vincular.

2.2. MAPEANDO ARTISTAS E GÊNEROS: PLURALIDADE ESTÉTICA NO


CENÁRIO MUSICAL TERESINENSE

Os espaços e as práticas quem os fazem são as pessoas. Pensá-los é pensar nos agentes
que os produzem e os reproduzem. Partindo dessa obviedade reflexiva analisaremos agora
alguns dos artistas que produziram a música popular teresinense na década de 1980 e que
ocuparam e instituíram seus espaços. As escolhas que apresentaremos neste tópico foram
feitas no sentido de remarcar uma característica musical que esteve presente na cidade durante
este período e que pudemos detectar em nossas pesquisas: a disposição para a diversificação,
o pluralismo da experiência musical popular, apontando a cidade de Teresina como
possuidora de um cosmopolitismo cultural remarcando os fazeres de sua música popular.
Em trabalho feito sobre a cidade de São Paulo, o historiador José Geraldo Vince de
Moraes reflete sobre a música popular paulistana na década de 1930 e atenta para a sua
diversidade musical. Tal estudo nos ajudou a pensar Teresina como um contraponto em
relação à capital paulista, pois os processos de desenvolvimentos da sonoridade musical da
cidade de São Paulo, na década de 1930, obedecem a diferentes procedimentos de
constituição e a cidade já era uma metrópole cinquenta anos antes do período que aqui se trata
em relação a capital piauiense. Para Moraes, São Paulo vivia uma condição de um “eterno vir
a ser” devido ao ritmo acelerado de suas mudanças e transformações, daí sua propensão à
pluralidade, à diversidade. A cultura musical popular é analisada através das modinhas, das
rodas de choro, dos cordões de carnaval, do samba, e da música caipira para mostrar a
multiplicidade paulistana como resultado de diversas condições históricas que ajudaram a
formar as feições da cidade e a constituir essas diversas manifestações culturais em sua
música149.
Teresina ainda andava longe de ser metrópole nos anos 1980. Entretanto, a diversidade
musical era uma das características que lhe moldava. Diferentes virtualidades artísticas das
mais variadas tendências musicais produziram na cidade. Esse “eterno vir a ser” paulista pode
ser interpretado na capital piauiense por outro sentido, diferente do excesso causado pelas
constantes transformações de uma metrópole. Aqui ele atuou pelo lento ritmo urbano que
criou ansiedades, gestando a necessidade da busca de “ser” algo e essa procura se constituiu
no experimento de possibilidades outras que se manifestavam nas buscas musicais por parte
de seus praticantes. Espaço de expressão nos limites de uma pequena capital. Encontramos
assim alguns artistas produzindo em diferentes gêneros musicais, ou misturando-os. Essa
característica da música popular de Teresina já era notada por parte dos que também refletiam
sobre ela à época. O músico e intelectual piauiense Ramsés Ramos atentou para essa questão
em um pequeno texto intitulado “Música popular piauiense”, publicado em 1983 na revista
cultural “Presença”:

149
MORAES, José Geraldo. Metrópole em sinfonia: História, cultura e música popular em São Paulo nos anos
30. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.
A Música Popular Piauiense é marcada pela busca dos elementos folclóricos
tradicionais do povo para inspiração. Como exemplo disso temos vários
grupos populares, como o grupo Varanda, especialistas em xotes e baiões e o
grupo Candeia, também especialista nesses e outros ritmos populares [...]
Outra corrente se preocupa em mesclar nossa cultura com outras,
universalizando assim nossa música e num processo de permuta cultural [...]
surge assim, o “samba em jazz” de Geraldo Brito, o “blues” de Magno
Aurélio ou Cruz Neto, matizando nossa música com a expressão de outros
povos ocidentais [...] Em termos de riqueza harmônica e variedade melódica
e de ritmos, a música piauiense é uma das mais ricas do Brasil, não se
prendendo jamais a um só tipo de composição. O artista piauiense faz tudo,
desde a bossa-nova ao baião150.

Ramos fala de duas vertentes nas produções musicais em Teresina. De um lado


representada por músicos e compositores que estão mais ligados a uma tradição musical do
folclore nordestino e remetente a exaltação de cenários mais rurais em contraposição ao
espaço urbano. Tais produções, porém, eram pensadas, produzidas e executadas por estes
grupos regionalistas a partir dos espaços da cidade. Do outro lado, os músicos e compositores
mais abertos a influências que não apenas as da região nordestina, mas que também
absorviam em seus processos criativos elementos da música globalizada, referenciada por
Ramsés Ramos como música universal.
Por fim, a citação de Ramos faz grande elogio à música piauiense, especificamente a
de Teresina, pois todos os grupos e compositores elencados atuavam predominantemente
nesta cidade, utilizando como argumento para tanto, o fato da capital piauiense apresentar em
sua música popular urbana uma diversidade sonoro-musical que abrangiam desde gêneros
mais ligados às raízes da tradição popular, como o baião, à músicas eminentemente urbanas e
cosmopolitas, como a bossa-nova e suas influências do jazz norte-americano. Para Ramsés
Ramos a única dificuldade encontrada pelos artistas da música piauiense à época era a falta de
condições do mercado local para que esses músicos pudessem se estabelecer através de seus
trabalhos.
André Luiz Oliveira Eugênio, um dos recorrentes interlocutores da música popular de
Teresina na década de 1980 cujas outras reflexões já analisamos anteriormente, também
escreveu a respeito do caráter heterogêneo das manifestações musicais teresinenses.
Entretanto, ao apontar a diversidade das produções em Teresina, faz isso remarcando seu
constante posicionamento de contraponto crítico acerca das práticas e produções musicais da

150
RAMOS, Ramsés. Música popular piauiense. Revista Presença,Teresina, n. 9, p. 22, out-dez 1983.
cidade buscando reiteradamente problematizar suas questões. Em texto chamado de
“Triângulo e sintetizador: Por que não?” ele faz as seguintes reflexões:

Os nossos tímidos e recatados músicos decerto ainda não pensaram com o


entusiasmo necessário sobre essa crucial e importante questão [...] música
regional, folclórica, acústica e provinciana versus a tão combatida e
incompreendida música cosmopolita, urbana, elétrica e de vanguarda. Uns
defendem a pureza da música regional, lutam em favor da conservação de
nossas raízes (e troncos e galhas e folhas) ante a avassaladora (e real)
invasão de ritmos outros que não os do nosso querido e endividado país. Os
do outro lado defendem com igual ardor a rápida e urgente modernização-
eletrificação [...] de nossa música com a escancaração [...] de nossos portos
às riquezas musicais de outros povos e se riem da ingenuidade dos ditos
puristas [...] Mas outros (mais ajuizados, creio) propõem uma singular e
cristalina alternativa: por que não juntar as duas coisas, o que aliás já vem
sendo feito por aí e que, portanto, não vem a ser novidade nenhuma? [...] a
primeira providência é limpar a cabeça de todas as estrelas dessa hoje
duvidosa e suspeita constelação musical brasileira [...] Feito isso, o próximo
passo será o de se acercar de toda e qualquer informação sobre o que se anda
fazendo musicalmente [...] em São Paulo, Tokyo, Rio, Londres [...] A
música feita no Piauí carece rapidamente de personalidade, força e voz ativa.
Exuberância, competência e talento nós já temos de sobra. Está faltando
mesmo é mais informação, ligação, contemporaneidade. Não há nem vão
existir nunca fórmulas prontas de como se fazer esse som [...] É hora de abrir
as comportas e deixar o som rolar [...] fugir da mesmice e inventar um som
teresinense, piauiense [...] Misturar triângulo com sintetizador, zabumba com
pedal de volume, xote com rock, jazz com baião, experimentar, errar e
acertar, descobrir a cara musical de Teresina[...]151.

A argumentação acima vai de encontro com a de Ramsés Ramos, pois André Luiz
afirma que apesar dos músicos teresinenses possuírem talento e produzirem tanto no universo
regionalista nordestino como no universo globalizado do rock and roll, grupos que muitas
vezes se colocavam como antagonistas entre si, eles estavam empobrecidos de criatividade
por se fecharem em seus territórios específicos de criação e não buscarem a mistura entre os
gêneros que, para ele, enriqueceria os fazeres da música popular de Teresina, sendo a forma
mais sensata de se fazer música.
Em outros momentos do texto cita exemplos de artistas e grupos para fundamentar
sua argumentação que aconselha a mistura de diversas influências musicais para as produções
musicais teresinenses: sugere que o Grupo Candeia introduza uma guitarra em seu
instrumental regionalista; que a banda de rock Vênus insira triângulo e acordeom nas suas
músicas repletas de sons distorcidos de guitarras; que os compositores Cruz Neto, George
Mendes, Rubeni Miranda e Geraldo Brito se desapeguem das fórmulas composicionais do que

151
LUIZ, André. Triângulo ou sintetizador: Por que não? Revista Presença, Teresina, n. 10, p.38-39, 1984.
ele chama de “duvidosa constelação da música popular brasileira”, referindo-se aos seus
artistas consagrados. Faz apenas uma ressalva a Geraldo Brito que acreditava ser o que mais
tentou desenvolver em suas produções essa mescla entre referências nacionais e estrangeiras,
dando assim maior inventividade às suas composições.
André Luiz continua afirmando em seu texto não existirem fórmulas para se
desenvolver uma música que traga em si uma identidade e sugere a maneira como achava que
deveriam ser feitas essas experiências musicais a fim de forjar tal identidade: por meio de um
processo de mesclas, maleabilidades e de procedimentos cambiantes nas formas de
composição musical. A partir disso a identidade musical teresinense poderia ser construída.
Tal procedimento nos remete à experiência tropicalista e suas misturas estéticas na sonoridade
musical brasileira e vincula a visão do crítico, em certa medida, ao que ele chama de
“duvidosa constelação da música popular brasileira”.
Apesar dos olhares diferirem nas formas de tratamento à música popular produzida em
Teresina, tanto André Luiz quanto Ramsés Ramos convergem em suas análises para a
existência de uma diversidade musical na capital piauiense no período aqui abordado. A
capital do Piauí era um mosaico musical onde tradição e modernidade constantemente
transitavam nos espaços dos fazeres musicais da cidade e esses diferentes matizes artísticos
eram o caráter de suas experiências musicais. Ora se misturando, ora se repelindo, algumas
dessas manifestações sociais presentes nesse universo de tradição e modernidade,
constituíram diferentes experiências musicais em Teresina que inserida em um processo de
abrandamento e posterior fim das censuras político-culturais no Brasil, iniciado no final da
década de 1970 e consolidado com o fim da ditadura civil-militar na década de 1980,
possibilitou a expressão mais livre para as mais diferentes expressões artísticas em todo o
país.
Os grupos Candeia e Varanda e suas raízes mais ligadas às referências regionais
nordestinas; intérpretes compositores e músicos mais ligados a MPB como Geraldo Brito,
Ana Miranda, Cruz Neto, Rubeni Miranda, Rubens Lima, Laurenice França, Janette Dias,
ZeZé Fonteles, Jabuti Fonteles, Roraima, entre outros; o rock and roll e suas mais variadas
vertentes através de Edvaldo Nascimento e grupos como Wagarc, Avalon, Megahertz, Vênus,
SNI, Fator RH, Noigrandes, Grito Absurdo, Flor de Opus e Bat Blue Band são alguns dos
principais nomes que figuraram recorrentemente nas páginas dos jornais teresinenses durante
a década de 1980. O que liga esses diferentes universos musicais é justamente o que os
separa, a diversidade, e que tornou a cidade esse núcleo de atravessamentos musicais tão
distintos.
Alguns desses artistas ainda continuam produzindo e movimentando a música
teresinense no presente em que este trabalho se insere e tal permanência nos meios musicais
da cidade mostra como tais músicos e compositores continuaram moldando, influenciando,
sendo influenciados e tornando-se referências para a história da música popular de Teresina.
A delimitação dos artistas e músicos analisados neste tópico de capítulo obedece a uma
escolha que se baseou em uma presença recorrente dos mesmos em matérias, artigos e
crônicas jornalísticas, além da participação nos registros físico-sonoro através dos Lp`s e
compactos gravados na década e opera, principalmente, no sentido de demonstrar a
diversidade, e não a totalidade, da música popular presente em Teresina nos anos 1980.
Uma dessas diferentes formas de manifestação da música popular brasileira pode ser
encontrada em Teresina sob a influência de referenciais ligados ao regionalismo cultural
nordestino, principalmente relacionados a temas ou formas do folclore, em um trabalho com
as raízes culturais populares. É o caso do Grupo Candeia, fundado na capital piauiense em
1978, e que também foi um conjunto bastante atuante nos espaços da música popular
teresinense nos anos 1980. O principal líder do grupo e músico de conhecimento erudito,
Aurélio Melo, assim definia um pouco do trabalho do conjunto ao falar sobre o lançamento do
show “Catavento” em 1980 em citação por ele feita no seguinte texto jornalístico:

Este trabalho é um paralelo entre a poesia de cordel e a própria cultura


nordestina como um todo. Pois, para nós, a música nordestina não se limita
apenas ao “baião”, nem o “xote” muito menos o “xaxado”, pois ela é rica
tanto nos seus ritmos, como suas melodias e suas harmonias. A música
nordestina se encontra no “aboio do vaqueiro”, no verso do repentista, nas
rezas, nas danças, no folclore152.

Tal pretensão musical do grupo candeia unia tradição e modernidade, pois apesar de
eleger temáticas e formas de composição relacionadas a manifestações culturais fortemente
presentes nas cidades do interior do Piauí que ainda resguardavam em si elementos das
sociedades rurais, remetendo a uma ancestralidade pré-capitalista e se pautando em
referências que fizeram parte da vivência de cada um dos músicos – como no caso de Aurélio
Melo que na mesma matéria jornalística acima citada informa sobre suas influências de
infância: “são suas reminiscências dos alto falantes que no seu tempo de criança animavam as
noites com os forrós de Luiz Gonzaga misturado com o estilismo mirabolante de Jackson do
Pandeiro, Marinês e sua gente e outros” [...]153 – as práticas musicais do grupo Candeia,

152
SHOW Catavento: musical. Jornal O Dia, Teresina, 10 jun. 1980.
153
Ibid.
entretanto, partiam de uma realidade costurada ao tecido urbano, utilizando-se de meios e
instrumentos da modernidade, como os jornais impressos e o rádio para a divulgação de seu
trabalho, os espaços urbanos e suas tecnologias para as apresentações de suas músicas e o
disco como um meio de registro e uma das marcas da indústria cultural154.
O grupo Candeia passou por diversas formações até constituir o conjunto que foi
responsável pela gravação de seu disco, “Suíte de Terreiro”, sendo esta formação composta
por Aurélio Melo (voz e violão), Paulo Aquino (Contrabaixo e guitarra), Netinho da Flauta
(flauta), Nonato Monte (bateria) e José Rodrigues (voz e flauta). O grupo, por estabelecer
essas vinculações a referenciais nordestinos, foi utilizado algumas vezes como representante
cultural da cidade, e consequentemente do Estado, como na ocasião da gravação do compacto
em comemoração aos 134 da cidade de Teresina, em 1986, patrocinado pela prefeitura da
capital, através da Fundação Cultural Monsenhor Chaves.
O Lp compacto continha duas canções do grupo Candeia, uma delas “Teresina” – uma
das doze canções classificadas no FMPBEPI de 1980 para a gravação do disco do festival já
citado – e que se tornou uma das músicas mais emblemáticas da cidade. Assim escreveu sobre
esta canção a cantora e compositora Janette Dias à época quando do lançamento do Lp Suíte
de Terreiro que também continha esta canção: “O grupo compôs ‘Teresina’, música que soa
como um hino da capital, e de tamanha popularidade que veio sensibilizar o prefeito Wall
Ferraz, a financiar a gravação do compacto ‘Teresina 134 anos’, em 1986” 155. Em meio a um
universo de possíveis artistas, o escolhido foi o grupo Candeia que era um dos principais
representantes culturais da “nordestinidade” piauiense.
Outro representante dessa faceta musical regionalista em Teresina, bastante presente
na imprensa teresinense nos anos 1980, foi o Grupo Varanda. Assim noticiou matéria
jornalística a estreia do grupo em julho de 1977, apresentando no Theatro 04 de Setembro o
show intitulado “Sorriso Verde”, “onde a maioria das canções pertencia a autores nordestinos,
com temas sobre a seca, os retirantes e os sertanejos, a chegada do progresso e a chuva no
nordeste”156. Posteriormente o grupo passou a produzir suas próprias canções tendo na figura

154
Assim define Theodor Adorno os principais elementos da industria cultural: “Não é por acaso que o sistema
da indústria cultural surgiu nos países industriais mais liberais, nos quais triunfaram todos os seus meios
característicos: o cinema, o rádio, o jazz e as revistas”. Aqui ele não inclui o disco diretamente como um
mediador da indústria cultural, mas ao enumerar o rádio e o jazz como alguns de seus principais elementos,
mesmo que nos seus inícios as rádios executassem ao vivo muitas das canções, o disco se tornou
posteriormente um fundamental meio para a movimentação desta mesma indústria. Ver em: ADORNO,
Theodor. Indústria cultural – o Iluminismo como mistificação das massas. In:______. Indústria cultural e
sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p.24.
155
DIAS, Janette. Candeia, uma luz na música piauiense. Cadernos de Teresina, Teresina, n.2, p. 26, 1987.
156
PIXINGUINHA não será mais realizado no Piauí. Jornal O Dia, Teresina, 15 set. 1980.
do cantor e compositor Naeno Rocha seu principal criador musical, sendo o mesmo elogiado
pela crítica de outros estados, como o registro a seguir informa: “Para Rubem Confete, crítico
da Tribuna da imprensa, Naeno é um compositor de muita pureza e que ainda não perdeu a
originalidade de suas raízes”157.
O grupo Varanda era formado por Naeno (voz, violão e cavaquinho), Assis (Voz,
violão e viola), André (voz, viola e guitarra), Netinho (voz e flauta transversal), Chagas (voz e
percussão), Vécio (baixo elétrico), Luizão (sanfona e percussão miúda) e Beto (Bateria) 158.
Apesar de o grupo buscar suas referências no regionalismo nordestino, o Varanda também
absorvia referências outras, não só na linguagem musical, mas na própria performance dos
artistas no palco. Assim Lembra o guitarrista André Luiz em entrevista a nós concedida sobre
sua experiência no conjunto:

O Varanda o eixo era o Naeno [...] Era tudo autoral, então era em torno do
Naeno por causa da prolixidade da composição do cara... tinha cada
música... uma mais linda que a outra [...] E o Netinho tocava comigo. Aí
ficávamos eu e Netinho na esquerda, por que o outro lado da banda ficava na
direita e era o lado mais regional mesmo. Quando tinha frevo a gente fazia
guitarra com distorção e flauta tocando em terças, como o Alceu Valença
fazia na época. Tava começando a fazer. Só que a gente fazia a mesma coisa
sem saber direito. É aquela coisa da chamada antena, né?! Aí a gente
enlouquecia quando fazíamos os dois... Era um grupo que não ensaiava, mas
quando chegava em cima do palco dava tudo certo e todo mundo se
esbaldava de dançar [...] era um grupo que tocava frevo, forró, tocava bolero,
mas a atitude do grupo era completamente rock and roll [...] era a coisa mais
esculhambada[...] era um grupo que não ensaiava. Era uma festa o negócio.
Eu lembro do teatro, coisa que não acontece mais hoje, o teatro enchia que
ficava não ficava gente sentada. Todo mundo ia ver e todo mundo
dançava159.

O Varanda era um grupo que diferia do Candeia, ainda segundo André Luiz que tocou
em ambos os grupos, em suas práticas musicais e performáticas. Enquanto o primeiro era
mais aberto à espontaneidade e ao improviso, o segundo se pautava na disciplina e no ensaio,
refletindo tais posturas em suas apresentações musicais. Ambos, entretanto, apesar de
privilegiarem os temas e as formas musicais de um regionalismo nordestino, também se
mostraram abertos ao longo de suas carreiras a experimentarem e incorporarem elementos da
música globalizada, como a introdução das guitarras e de baixo elétricos em ambos os grupos

157
VARANDA é a próxima atração do Torquato. Jornal O Dia, Teresina, 26 out. 1981.
158
Ibid.
159
SOUZA, André Luíz Oliveira Eugênio de. André Luíz Oliveira Eugênio de Souza [31 jan. 2012]
Entrevistador: Hermano Carvalho Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a
Música Popular Teresinense concedida como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História
do Brasil pela Universidade Federal do Piauí.
e de teclados elétricos no Candeia. Mesmo em grupos que buscavam deixar bem remarcado
suas identidades estéticas, suas experiências socioculturais estavam inseridas no ambiente
urbano que incidia neles, inevitavelmente, os ritmos e as marcas da cidade em suas práticas
musicais.
Em 1981 foi lançado o show intitulado “Relativamente Louco” – nome este derivado
de uma canção chamada “Samba Relativamente Louco” de Durvalino Filho e Geraldo Brito –
do músico e compositor Geraldo Brito e contou com a participação de várias figuras ligadas
ao segmento cultural de Teresina, como o poeta Durvalino Filho, o ator e diretor de teatro
Assaí Campelo e o artista gráfico Arnaldo Albuquerque. O espetáculo buscou mostrar uma
inventividade artística fluida, sujeita a interpenetrações de diferentes linguagens. O show foi
elaborado para ser uma mescla de música, teatro e poesia e esteve programado para acontecer
em várias capitais do país. As multifacetas pretendidas pela apresentação de Geraldo Brito são
um espaço de experimentos e de proposição de experiências musicais e visuais onde
diferentes referências artísticas convergiram para sua realização. A ligação com a tropicália 160
de Torquato Neto, Gilberto Gil e Caetano Veloso pode ser percebida nessa espécie de
happening musical, mescla de linguagens, assim como definiu o próprio Geraldo Brito à
época em um relato onde a economia política do espetáculo foi pautada pela sensibilidade e
pelos sentidos.:
O nosso trabalho [...] é um show com muito swing, humor e ritmo, para que
se torne uma coisa leve e faça a plateia participar e dançar. Por isso está
sendo programado um roteiro mutante exatamente para que a apresentação
de Parnaíba seja diferente da do Rio de Janeiro e assim por diante. Esse
espetáculo está sendo preparado tanto para quem o faz como para quem o
assiste. É uma declaração de amor que não cabe dentro de nenhuma
ideologia ou política 161.

A mutabilidade do show pretendida por seus organizadores seria a tentativa de não


estabelecer limites criativos ao espetáculo. Uma produção aberta a informações diversas que a
música e outras linguagens artísticas poderiam oferecer. Geraldo Brito tinha uma postura

160
A tropicália buscou incorporar aquilo que parte do modernismo brasileiro da década de 1920 chamou de
“antropofagismo” cultural, ou seja, incorporar diferentes elementos culturais nos fazeres artísticos. Celso
Favaretto assim bem definiu o que seria o tropicalismo: “Pode-se dizer que o tropicalismo realizou no Brasil
a autonomia da canção, estabelecendo-a como um objeto enfim reconhecível como verdadeiramente artístico
[...] Reinterpretar Lupicínio Rodrigues, Ary Barroso, Orlando Silva, Lucho Gatica, Beatles, Roberto Carlos,
Paul Anka; utilizar-se de colagens, livres associações, procedimentos pop-eletrônicos, cinematógrafos e de
encenação; misturá-los, fazendo-os perder a identidade, tudo fazia parte de uma experiência radical da
geração dos 60 [...] O objetivo era fazer a crítica dos gêneros, estilos e, mais radicalmente, do próprio veículo
e da pequena burguesia que vivia o mito da arte. [...] mantiveram-se fiéis à linha evolutiva, reinventando e
tematizando criticamente a canção. FAVARETTO, Celso Fernando. Tropicália: alegoria alegria. 2.ed.rev.
São Paulo: Ateliê Editorial, 1996, p.15.
161
GERALDO Brito tem show diferente no Maranhão. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 27 maio. 1981.
crítica em relação àqueles que não estavam abertos a esse tipo de atitude artística. Em
entrevista concedida em 1981 a um jornal de Teresina quando da divulgação do show
“Relativamente Louco”, o músico fez a seguinte afirmação, quando perguntado sobre outros
artistas da música de Teresina, se tinham também trabalhos “loucos”, loucura essa associada à
criatividade artística que rompe com o ordinário do cotidiano social:

Só o nêgo Edvaldo Nascimento porque o Edvaldo é um dos poucos que tem


abertura para ouvir todo tipo de música. A grande maioria carece de
informações, de história musical. Esse pessoal, eu já disse, precisa ouvir
João Gilberto e entender mais sobre a Tropicália, o porquê da Jovem
Guarda. Esse pessoal pegou o bonde sem olhar o itinerário, então eles
precisam ouvir os grandes cantores e cantoras, com Gal, Núbia Lafayette,
Dalva de Oliveira. Duvido que eles conheçam (canta) “Ah, um lencinho
branco que me entristeceu...” Eles precisam saber tocar melhor seus
instrumentos e tudo mais162.

Geraldo Brito claramente se posiciona como tributário e representante das discussões e


tensões em torno da música popular brasileira que se desenvolveram a partir da década de
1960 e que deram surgimento a sigla MPB, período em que a mesma foi redimensionada no
contexto das discussões em torno do engajamento artístico e de sua inserção na indústria
cultural. O engajamento na música como um meio para artistas e intelectuais popularizarem
suas produções e como um instrumento de conscientização em torno das questões nacionais
em tensão com as demandas de um nascente mercado para a indústria fonográfica brasileira
foram elementos que gestaram a sigla MPB, mais como um emblema que carregava em si o
debate cultural da época do que como um gênero estético bem delimitado. Assim define a
MPB o historiador Marcos Napolitano:

O caráter híbrido, aberto, provisório da ideia de música popular brasileira


(com minúsculas) explica, em parte, por que a MPB (com maiúsculas), mais
do que um gênero específico, é um guarda-chuva de vários gêneros,
movimentos e estilos tão diferenciados que, mal parafraseando Cecília
Meireles, todo mundo sabe o que é, mas ninguém consegue explicar. A
MPB, portanto, defini-se mais como uma instituição sociocultural,
depositária de uma tradição e de um conjunto de cânones estéticos e valores
ideológicos163.

A citação anterior de Geraldo Brito incorpora a definição acima. Ao enumerar


diferentes representantes consagrados da música popular brasileira, passando pela bossa-nova,

162
CONFIRMANO: Geraldo Brito está mesmo relativamente louco! Jornal O Dia, Teresina, 27 jul. 1981.
163
NAPOLITANO, Marcos. A síncope das ideias: a questão da tradição na música popular brasileira. São Paulo:
Editora Fundação Perseu Abramo, 2007, p. 6.
jovem-guarda e tropicália como importantes referenciais para se pensar a música brasileira ele
assume a condição de representante de tais referenciais e busca dar continuidade a “tradição”
híbrida presente na MPB. O espetáculo que tomamos como exemplo, “Relativamente Louco”,
busca operar dentro desse limite flexível, sem perder de vista os principais a tradição da
música popular em relação aos quais ele se coloca, indiretamente, em sua citação, como
herdeiro. Dentro desse imenso guarda-chuva da MPB, do qual se refere Marcos Napolitano,
Geraldo Brito se posicionava, para nós, numa em uma região intermediária, mais aberta às
influencias tanto nacionais quanto estrangeiras.
A despeito de Geraldo Brito ter registrado trabalho solo como compositor apenas em
2001, sua intensa movimentação nos espaços musicais de Teresina, a partir dos anos 1970, o
coloca como um dos principais nomes da música popular da cidade. O exemplo que tomamos
do show “Relativamente Louco” como uma forma de tentar delinear o tipo de produção
musical através da qual Geraldo Brito buscava se posicionar como um agente da música
popular pode ser estendido para outros espetáculos do músico e compositor. Geraldo Brito
remarcou seu espaço de atuação nos diversos espetáculos individuais que realizou como um
representante da MPB com marcas tropicalistas. Podemos notar a influência do notório modo
subjetivo de explicar os fazeres artísticos do compositor baiano Caetano Veloso presente na
fala de Geraldo Brito citada em matéria jornalística a seguir, ao comentar sobre o seu show
“Figurante Amor” do final de 1983:

“Figurante Amor”, segundo o compositor “é um show musical cheio de


aventuras, em meio à violência apocalíptica, e dentro desse caos de
hipocrisia política que surge diante de tudo isso como ideologia do amor,
para revitalizar a crise em todos os sentidos, por que é a maneira mais
universal de falar do amor, de conseguir juntar as pessoas num clima
apoteoticamente amoroso”. A letra da canção diz muito disso: “Figurante
amor, eterna figura que a mim vem lunar/ forte vibrante/ suprema/vital/ luz
que se fixa em mim” 164.

Mesmo atentando para as ressalvas que devam ser feitas a respeito das fontes
jornalísticas, suas possíveis edições através de supressões ou enxertos de fatos ou opiniões
nos textos dos jornais impressos, essa marca de um subjetivismo explicativo de suas
atividades artísticas continua presente em Geraldo Brito em outro momento da década e ajuda
a reforçar a ligação de Geraldo Brito a uma música popular mais intelectualizada. Assim ele
se expressou, segundo matéria jornalística, a respeito de seu outro espetáculo musical
realizado em 1987, chamado “Um Lance de Dardos”: “apesar da semelhança com o título do
164
GERALDO Brito vai a Parnaíba. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 6 dez. 1983.
poema do poeta francês Mallarmé, o show nada tem a ver com algum conteúdo Malarmáico.
É tudo uma questão de signo poético”165.
Infelizmente, encontramos pouca repercussão sobre a realização desses eventos
musicais de Geraldo Brito que nos ajudem a adensar as marcas de suas práticas artísticas
como um dos matizes que compõem a música popular de Teresina. Muito do que se escrevia
nos jornais sobre espetáculos e eventos musicais, e isso vale para todos os artistas
encontrados, se referia à divulgação e promoção dos shows com respectivos currículos dos
artistas. O retorno crítico sobre esses shows musicais após o seu acontecimento pouco ocorria
nos anos 1980. Um dos poucos retornos que encontramos foi a crítica feita ao show
“Figurante Amor”, e mais uma vez é André Luis quem nos ajuda a vislumbrar um pouco mais
sobre as limitações e as possibilidades dos diferentes fazeres da música popular teresinense
através de uma dos espetáculos musicais de Geraldo Brito.
Intitulado “E quem disse que não pode?”, o texto fala sobre o bom público do show
que movimentou, segundo seu autor, o marasmo musical da cidade, só perdendo em produção
para o show "Lances" da intérprete Laurenice França. Ainda sobre a produção, faz uma
interessante observação sobre os bastidores do espetáculo e o seu cenário afirmando que os
artistas locais precisavam dar mais valor a esses artifícios e pararem de lamentar a falta de
dinheiro, pois o show de Geraldo Brito foi exemplo de como se pode fazer um espetáculo de
qualidade com poucos recursos. Mais uma vez fala do amadorismo da música local ao apontar
as falhas da apresentação: O número excessivo de pessoas no palco, ele enumerou treze
instrumentistas, o que causou uma confusão sonora, comprometendo em muitos momentos os
arranjos das canções. E conclui da seguinte maneira a crítica:

Falhas a parte, 1984 começou muito bem para Geraldinho, que é algo assim
como uma unanimidade ao meio musical e cultural da cidade. Ele já mostrou
que é um músico de primeira, um bom compositor [...] mas o certo mesmo é
que ele não tem mais nada o que fazer por aqui. Ele inclusive corre o risco
de estagnar sua produção caindo no embalo do mormaço dessa quente e
acomodada Teresina. Geraldinho tem mais é que parar de fazer shows
apenas bons (e por que só três dias? Teresina já comporta temporadas
maiores), juntar os trapos, comprar um violão novo e botar o pé na estrada,
porque como ele mesmo falou, quem disse que não pode166?

Geraldo é alçado pelo texto a uma condição de artista de grande reconhecimento local
que o coloca apto a ocupar os espaços da música popular brasileira nos grandes centros

165
GERALDO abre temporada hoje no Theatro. Jornal O Dia, Teresina, p.2, 3 fev. 1987.
166
LUIZ, André. E quem disse que não pode? Jornal O Estado, Teresina, 30 Maio. 1984.
urbanos do país. O marasmo cultural tratado pelo texto é contrariado quando o mesmo
apresenta a cidade trazendo junto de si condições para temporadas maiores de espetáculos
musicais como o “Figurante Amor” de Geraldo Brito. Este exemplo nos mostra como desejo
por outros mercados e públicos para a música popular produzida em Teresina, aliado a falta
de condições da cidade em proporcionar a estes artistas a sobrevivência material a partir de
sua arte, criou, ironicamente, ambiente para que diferentes músicos, compositores e
intérpretes praticassem, produzissem e reinventassem a música popular em Teresina através
da constante movimentação deste espaço urbano não inserido nos grandes circuitos nacionais
da música popular brasileira.
Ana Miranda foi uma das mulheres que fizeram parte da cena musical popular de
Teresina nos anos 1980. Assim como Geraldo Brito, iniciou sua carreira nos anos 1970 e se
posicionava como uma intérprete da MPB que atuou, além da capital piauiense, na cidade do
Rio de Janeiro. Participou como cantora da banda do maestro, saxofonista e arranjador Paulo
Moura fazendo shows no eixo Rio-São Paulo apresentando-se em locais como o Circo
Voador no Rio de Janeiro e no Sesc Pompéia em São Paulo. Toda a movimentação da artista
piauiense nesses meios culturais desses grandes centros urbanos do país a fizeram gozar de
prestígio entre reconhecidos intelectuais da música popular brasileira, como o jornalista,
crítico, produtor musical, pesquisador e escritor Sérgio Cabral 167 que assim se referiu a
intéprete:

Ana Miranda é cantora. Uma cantora excelente, alegre, brasileiríssima e


estudiosa da nossa música [...] Encanta-me bastante sua passagem como
cantora da banda de Paulo Moura, pela amplitude do repertório e pelo
exercício de cantar. Assim me deixa muito feliz o seu interesse em registrar
a música popular de sua terra, o Piauí, divulgando-a e recriando-a. E como
carioca não posso deixar de manifestar a minha alegria pelos mergulhos de
Ana Miranda no fundo do acervo do samba carioca, do qual está recolhendo
verdadeiras joias do repertório dos antigos compositores. Em síntese, quero
mesmo é dizer que estou muito orgulhoso de apresentar Ana Miranda 168.

167
Entre suas obras publicadas podemos destacar: “As Escolas de Samba - o que, quem, onde, como, quando e
porque" (1974), "Pixinguinha, Vida e Obra" (1977), com o qual venceu o concurso de monografias sobre
música popular, instituído pela Funarte, "ABC do Sérgio Cabral" (1979), "Tom Jobim" (1987), "No Tempo
de Almirante" (1991), "No Tempo de Ari Barroso" (1993), "Elisete Cardoso, Vida e Obra" (1994), "As
Escolas de Samba do Rio de Janeiro" (1996), "A Música Popular Brasileira na Era do Rádio" (1996),
"Pixinguinha Vida e Obra" (1997), "Antonio Carlos Jobim - Uma biografia" (1997), "Mangueira - Nação
Verde e Rosa" (1998) e "Nara Leão - Uma biografia" (2001). Ver em:
http://www.dicionariompb.com.br/sergio-cabral/biografia. acesso em 21/11/2012.
168
ANA Miranda: Em busca do seu lugar ao sol. Revista Presença, Teresina, n.18, p. 20, 1986.
A citação acima enumera várias qualidades de Ana Miranda como artista e chama a
atenção para seu cuidado com o repertório da música popular produzida no Piauí, sendo ela
além de intérprete e divulgadora da música de sua terra natal, também compositora. Realizou
em Teresina um grande show intitulado “Ana Miranda e Grupo” no ginásio “Verdão” em
1986 para mais de duas mil pessoas trazendo em seu repertório “do xote ao rock do Lobão,
passando pela bossa nova e lindas canções românticas” 169. Mais indícios sobre o repertório
apresentado neste show do Verdão são apresentados na seguinte matéria jornalística e nos
podem informar sobre o universo musical no qual transitava a intérprete: “No repertório do
show [...] Ana Miranda cantará compositores piauienses, Guilherme Arantes, Marina, Caetano
Veloso, João Bosco e Aldir Blanc, Dorival Caymmi, e fará uma homenagem a Elis
Regina”170. A variedade do repertório apresentado por Ana Miranda neste show explicita uma
identificação da intérprete com alguns dos principais referenciais da MPB.
Mas é interessante notar também que Ana Miranda incorporou ao seu repertório
canções de artistas que se estabeleceram como figuras centrais da música popular brasileira a
partir dos anos 1980. Nomes como Lobão e Marina Lima, artistas citados nas matérias
jornalísticas e com canções presentes no repertório de Ana Miranda, fizeram parte daquilo
que a imprensa especializada da época chamou de BRock ou Rock Nacional 171, expressão que
serviu para colocar no mesmo bojo uma série de virtualidades heterogêneas, mas que
possuíam como um fio condutor em comum esse gênero musical oriundo dos Estados Unidos
da América. Entre seus principais expoentes podemos citar bandas como a Legião Urbana,
RPM, Ultraje a Rigor, Paralamas do Sucesso, Titãs, Blitz, entre outros. Esses e outros artistas
conseguiram grande sucesso comercial “vendendo milhões de discos, tocando para o povo e,
ao mesmo tempo, transportando o país à realidade tecnológica e musical do pop
internacional”172.
Em Teresina, a partir da segunda metade da década de 1980, surgem diversos grupos,
formados em sua maioria por jovens entre dezenove e vinte e cinco anos, influenciados
diretamente pelo “Rock Nacional”. Uma nova geração de compositores e músicos começa a
ocupar na capital piauiense os espaços da música popular e a delimitar uma outra forma de
produção musical cuja a demanda de público já se fazia presente na cidade, inclusive em
locais de tradição social mais conservadora como, por exemplo, uma instituição de ensino

169
Ibid.
170
ANA Miranda fará shows em outubro no ginásio Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 2, 29 set. 1986.
171
DAPIEVE, Arthur. Brock: o rock brasileiro dos anos 80. Rio de Janeiro: Ed.34, 2005.
172
ALEXANDRE, Ricardo. Dias de luta: o rock e o Brasil dos anos 80. São Paulo: DBA Artes Gráficas, 2002,
p. 7.
católica onde os espaços para tal manifestação musical, muitas vezes ligada, em sua origem, a
rebeldia e a desobediência, puderam ser praticados. A matéria jornalística a seguir noticia o
seguinte acontecimento:

O rock´n roll invadiu o Colégio das Irmãs. Um dos mais tradicionais


colégios de Teresina, famoso pelas suas rígidas normas de educação e
conduta cedeu ao apelo geral de seus alunos para comemorarem a posse do
novo grêmio estudantil ao som dançante das guitarras. Ninguém se
arrependeu de ter pago um cruzado novo para participar da festa. Cerca de
setecentos alunos – o colégio tem quase três mil - da classe média e alta de
Teresina soltaram os braços e pernas no ginásio coberto da escola [...]
Parecia uma mistura de “Cassino do Chacrinha” com show no Verdão.
Houve coreografia de braços levantados ao ritmo da música, garotos jogados
pra cima, chuva de papel picado e balões coloridos no final, já por volta do
meio dia e meia173.

O repertório da banda citada acima sofreu uma censura prévia por se tratar de um
espaço ocupado em sua grande maioria por crianças e adolescentes, buscando preservar as
regras de conduta prezadas por uma instituição de ensino religiosa. “Não poderiam ser
tocadas músicas com letras que desrespeitassem as normas do estabelecimento. ‘Filho da...’
do Ultraje a Rigor nem pensar” 174, referindo-se ainda a mesma matéria jornalística a uma das
músicas deste conjunto de rock paulista de muito sucesso nos anos 1980. Além das limitações
do repertório, o olhar vigilante das freiras disciplinava a diversão: “Toda a programação foi
acompanhada [...] atentamente por inúmeras irmãs, que, em locais diferentes do ginásio
vigiavam atentamente os alunos se divertirem” 175.
O rock and roll comportado foi apresentado no colégio pela banda Fator RH formada
por Gleyson (guitarra), Gomery (guitarra e vocal), Maurício (bateria) e Marcio (baixo). “Eles
fazem o estilo de alguns grupos de rock em evidência atualmente, como Engenheiros do
Hawaii, Legião Urbana, Titãs e Ira” 176, sendo assim definido o grupo em texto jornalístico da
época que também traz a seguinte fala de um dos integrantes da banda: “Nós gostamos de
rock por que é um som que toca diretamente os jovens. Em nossas letras nós falamos de
problemas sérios que atingem o Brasil, como ecologia, violência e discriminação racial” 177. A
preocupação com temáticas ligadas a questões sociais, políticas e relacionadas ao cotidiano
juvenil é uma referência direta aos grupos usualmente enquadrados como pertencentes ao

173
JR, Osório. O rock invade as escolas. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 20 abr. 1989.
174
Ibid.
175
Ibid.
176
FATOR RH positivo. Jornal O Dia, Teresina, p. 11, 18 mar. 1989.
177
Ibid.
rock nacional e que também abordam em muitas de suas letras de músicas essas mesmas
temáticas, principalmente os grupos anteriormente citados como influências diretas do Fator
RH, como as bandas Engenheiros do Hawaii, Legião Urbana, Titãs e Ira.
Apesar de não ter deixado registro gravado em disco, o que compromete as análises
das músicas uma vez que a linguagem verbal está estritamente ligada a linguagem musical
quando se trata do formato canção, ou seja, letra e música como elementos indissociáveis para
sua interpretação, encontramos, no entanto, nos jornais algumas letras das canções do grupo
Fator RH que trazem as temáticas por eles elencadas anteriormente na matéria jornalística
como os motivos inspiradores de suas composições. O conteúdo temático da letra da canção
intitulada “Protesto” são indagações superficiais sobre questões motivadoras de tensões
sociais em todo o mundo, buscando a saída para essas mesmas questões através de um
pacifismo justificado numa suposta igualdade entre os indivíduos, onde as soluções para esses
conflitos poderiam ser realizadas de formas simples, por meio de pequenos gestos. Segue
abaixo a letra da canção em que seu narrador aparece atônito e confuso diante das injustiças
do mundo:

Poder, guerras, armas, fome


Conflitos mortes. Pra quê?
E essa desigualdade por cor ou religião
Lutamos contra o apartheid
Por que discriminação?
Por que?
Prá que violência? Prá que diferença?
Se somos iguais
E temos a mesma imagem?
Hoje ainda existe muita guerra e violência
Mas ainda há tempo
Jogue fora as armas
Troque-as por flores 178

A banda SNI formada em 1987 foi outro grupo de rock teresinense que buscou
também em suas temáticas musicais a preocupação com questões de cunho social. O nome do
grupo é uma referência irônica ao Serviço Nacional de Informação, órgão responsável pela
espionagem e contra-espionagem do regime ditatorial militar brasileiro instaurado em 1964.
No caso do grupo, a sigla SNI significava Sem Nada a Informar. Entretanto, ao contrário do
que o nome da banda sugeria, os integrantes do conjunto desejavam “conscientizar” seu
público através das mensagens presentes nas letras de suas músicas. Assim falou Roberto

178
Ibid.
Plant, integrante do grupo, em depoimento a um jornal da época em que mostrava as
aspirações da banda e buscava definir o conceito musical com qual o grupo trabalhava:
“Tentávamos subverter as mentes alienadas, sem se rotular a qualquer estilo de rock, com
letras que são um verdadeiro Raio X do presente e do passado do Brasil” 179.
Assim como aconteceu com o grupo Fator RH, uma letra da música da banda SNI
também foi publicada nas páginas de um jornal teresinense. Umas das poucas fontes que
tivemos acesso acerca das produções desses grupos são essas letras publicadas pelos jornais
da cidade. O SNI chegou a gravar uma “demo tape” 180 intitulada “Juventude Consumista”
com oito músicas do grupo, formado por Sérgio Luiz (baixo e voz), Adolfo Vale (guitarra) e
Roberto Plant (bateria). A letra da música “Juventude Consumista”, trazia um teor crítico
social, cujo alvo principal, como o próprio título da canção diz, seriam as práticas juvenis as
quais os compositores da música consideravam alienantes, desprovidas de senso do que eles
entendiam ser a realidade:

Foram tantas conquistas


Tantas ideologias vencidas pra o futuro
Cabelos grandes, etc e tal
Que o presente consome
Hippies pré-lavados. Paz é slogan
Rock é chique no comercial de TV
Tropicalismo, e daí? Você entendeu...?
Dark é depressão de burguês psicopata
As estrelas viajam sem paz e amor
Punk é passado presente em boutique
Revolução sexual. Bacanal do mal
Comunismo e direita tudo é igual
A TV impõe e você aceita
Você liga o vídeo e fecha o livro
Você cruza os braços. O computador te diz
Você sente fome e come um cheesburguer
Pra contradizer tantas conquistas que o presente consome
Pra estacionar seu corpo. Pra alienar sua mente
Apagamos a luz. Mas devemos acender
Se cruzarmos os braços o futuro vai desaparecer
Será que tudo valeu?
Será que tudo valeu?181

O que encontramos em comum na letra desta canção com a anteriormente mostrada,


do grupo Fator RH, é a necessidade por parte dos compositores das letras de se colocarem

179
S.N.I joga pesado no rock piauiense. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 16 mar. 1989.
180
A gravação de demo tape era um recurso utilizado por banda que não tinham condições de gravar disco em
estúdio. A gravação era feita em fitas k7 por gravadores, muitas vezes de uso doméstico, o que comprometia
a qualidade da gravação.
181
S.N.I joga pesado no rock piauiense. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 16 mar. 1989.
como conscientes diante do contexto histórico no qual estavam inseridos através de uma
postura que questionava suas realidades e que propunham ações, mesmo que de forma
poética, para mudar tais condições sociais. A letra de “Juventude Consumista” traz uma série
de contestações sobre a condição de ser jovem e a presente mercantilização de vários
símbolos relacionados ao comportamento enquadrados no sistema capitalista, representado
pelos punks de boutiques, pela TV, pelo cheesburguer, pela cooptação do rock e por hippies
asseados. Apesar da mensagem acreditar que nem tudo está perdido é a descrença que além de
iniciar também encerra a letra da música, carregada de incertezas. Tais temáticas nas
composições também remarcavam intencionalmente sua identificação com os grupos do
chamado Rock Nacional, como foi noticiado pela imprensa à época sobre as influências
musicais da banda SNI através de seu baterista Roberto Plant:

Atualmente ele diz que passou a observar melhor o rock nacional e já tem
até alguns ídolos da terra. Entre eles estão o grupo gaúcho Engenheiros do
Hawai. “Adoro as letras. Queria escrever como eles”. Os Titãs: “as letras são
boas e cheias de energia” e o Legião Urbana do qual fazem um “cover” da
música “Ainda é Cedo” [...]182.

Por outro lado, existiu em Teresina nos anos 1980 uma vertente do rock que não
procurou identificação musical nesse universo heterogêneo usualmente chamado de Rock
Nacional. Grupos de jovens mais ligados às produções musicais de fora do Brasil que
tocavam rock com um som chamado por seus praticantes de “pesado”, tendo como suas
principais características as distorções nos sons das guitarras e o rápido andamento com o
qual as músicas eram executadas. Apesar de poucos grupos ligados aos subgêneros do rock
conhecido como heavy metal e trash metal183 terem surgido à época em Teresina, eles
movimentavam um circuito cultural alternativo que tinha uma dinâmica própria, conforme
podemos perceber neste interessante depoimento de William Rodsam que tocou em três dos
principais grupos de rock inseridos nesse universo, ao falar de como era o funcionamento de
divulgação e troca de informações a partir do principal grupo no qual tocou, o Avalon:

182
Ibid.
183
Tanto o heavy metal quanto o trash metal são duas vertentes do rock and roll que em suas composições
musicais e deram ênfase às distorções e solos de guitarras e às performances dos músicos transformando os
shows em grandes espetáculos musicais. O heavy metal abrange um leque de maior heterogeneidade de
grupos, daí ser difícil estabelecer uma categorização mais específica, sendo os seus principais representantes
bandas como Leed Zeppelin, Deep Purple e Black Sabbath. Já o trash metal é um estilo mais rápido em seu
andamento e com ausência da influência rítmica do blues o que aliado às performances e às representações
que tais grupos faziam de si mesmos, geralmente associadas à violência, imprimiam em si a marca da
agressividade. Seus principais representantes são as bandas norte americanas Metallica, Slayer e Megadeath.
Fizemos vários eventos aqui na época. Os shows eram produzidos por nós
mesmos. O Avalon gravando muitas demos que era o que se podia fazer na
época, gravar demo-tape. Você gravava pelo menos 4 ou 5 músicas numa
fita k7, mandava pros fanzines, os fanzines divulgavam pelo Brasil e até o
exterior, mas inicialmente a gente tinha muito contato com gente do resto do
país e ficava aquela troca de informações através dos fanzines. Saía a
resenha da demo no fanzine, as pessoas divulgavam seu endereço, você
começava a receber carta [...] era um mercado bem underground mesmo.
Você divulgava seu trabalho através das fanzines e ao redor disso girava
muitas pessoas comprando, outras bandas de som similar entrando em
contato e você trocando informação, viabilizando shows em outros lugares.
Nessa época a gente foi tocar em São Luís, em Fortaleza dessa forma. As
pessoas de lá que conheciam a gente através dos fanzines levando, custeando
tudo e até a gente trazendo bandas pra cá. Teve um show famosíssimo no
Centro de Convenções que a gente trouxe uma banda de fortaleza e veio uma
galera de Fortaleza [...]184

O quadro apresentado por Wiliam ajuda a revelar um circuito musical funcionando


sem depender diretamente dos tentáculos institucionais do Estado no período aqui analisado.
Os fanzines185, de acordo com o depoimento acima, eram um dos principais meios de
articulação para esses grupos poderem disseminar seus trabalhos. Essas redes de
comunicações e contatos possibilitaram para dois grupos teresinenses a gravação de um
“split”186 pelo selo musical187 mineiro “Cogumelo Records”, famoso por ter lançado a banda
brasileira de trash metal, reconhecida internacionalmente, Sepultura188. As duas bandas
teresinenses em questão foram Avalon e Megahertz, sendo, inclusive, um dos pouquíssimos
grupos a conseguirem gravar um disco sem apoio financeiro de órgãos institucionais do
Estado, conforme apontou Hortêncio Filho, conhecido como Kasbafy, fundador da banda
Megahertz que no final dos anos 1980 em ocasião dos preparativos do grupo para a gravação
do Lp assim falou em matéria jornalística:

184
RODSAM, Wiliam. Wiliam Rodsam [jan. 2012] Entrevistador: Hermano Carvalho Medeiros. Teresina, 2012.
Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense concedida como fonte para
elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí.
185
Tipo de revista publicada de forma independente a baixo custo cujo conteúdo se refere a um determinado
nicho cultural, como música, quadrinhos, literatura, dentre outros.
186
Lp em que duas bandas dividiam os lados A e B do disco entre si, prática muito comum nos anos 1980
principalmente entre grupos de punk rock, hardcore, indie rock e heavy metal.
187
“A expressão ‘selo musical’ deriva do inglês record label, que definia antigamente as divisões internas das
grandes gravadoras, as chamadas majors. Com o passar do tempo, foram nascendo selos musicais
independentes, livres de vinculo às holdings (majors), sendo os mesmos responsáveis pelo gerenciamento e
produção das obras. Os selos não são gravadoras propriamente ditas, pois em geral não possuem estrutura
completa de produção, como contratação, gravação, divulgação e comercialização de artistas no mercado. Os
selos contam com um pequeno efetivo humano em termos de equipe de trabalho, pequeno cast de artistas e,
na maioria dos casos, dependendo de outras empresas fonográficas para gravar, divulgar, comercializar ou
distribuir”. Ver em: http://www.abmi.com.br/website/faq.asp?id_secao=9. Acesso em 29/11/2012.
188
Banda mineira reconhecida internacionalmente, formada em 1984 pelos irmãos Max e Igor Cavalera.
No Brasil as entidades que se dizem culturais não se interessam pelo rock
que, como todos sabem, é uma das mais importantes manifestações da
cultura dos povos e é o estilo que mais cresce no mundo. O rock é
universalidade, só o brasileiro não descobriu isso. Ainda falta muito para
acontecer essa descoberta. Não existe apoio dos homens que detém o poder,
seja no Estado ou na sociedade189.

Apesar das queixas apresentadas por Kasbafy, a movimentação em torno do rock


acontecia em Teresina, mesmo que timidamente. Os roqueiros ocupavam os espaços da
cidade e trocavam informações e experiências a respeito do universo do heavy e do trash
metal. Wiliam nos relata como eram esses encontros que ocupavam um dos lugares mais
tradicionais das sociabilidades da capital piauiense, a Praça Pedro II:

Uma coisa interessante também na época que tinha um ponto de encontro


bem curioso na Praça Pedro II que tinha uma banca de revistas em frente ao
teatro. Ali no fim da tarde juntava todo mundo, era notório, todo mundo com
a camisa preta e aí era uma multidão na banca de revista. Todo mundo
trocando informação, trocando discos, demo tape, revistas, fanzines. Às
vezes ia até a imprensa lá, mostrar tudo e começou a ser desvendado isso
aqui, por que era o nascimento de um novo movimento cultural... rock and
roll, heavy metal e tal190.

Interessante notar que boa parte das bandas de trash metal buscavam se inserir como
grupos de um mercado independente, entretanto, não deixavam de se submeter às imposições
desse mesmo mercado alternativo do qual faziam parte. As duas bandas teresinenses, Avalon
e Megahertz iniciaram cantado suas músicas em português, mas por um desejo de alcançarem
um maior público passaram a compor suas canções em língua inglesa. Kasbafy comenta que
deixou uma primeira oportunidade de gravar um LP com o Megahertz por conta do selo
Cogumelo Records ter exigido que as letras das músicas fossem em língua inglesa. Assim ele
falou em matéria jornalística à época: “O dono da gravadora se interessou pelo nosso rock...
infelizmente ele exigiu que as letras fossem cantadas em inglês, com o que não concordamos.
Depois, com a nova formação, tanto de integrantes como de ideias, resolvemos aceitar o
desafio”191. Um dos integrantes da banda Avalon, Ico Almendra, também falou sobre essa
questão em entrevista a um jornal teresinense à época: “Vamos gravar em inglês seguindo a
tendência de outras bandas do país, por que o mercado aqui é pequeno” 192, referindo-se ao
mercado internacional para o estilo musical de sua banda. Mercado este que havia consagrado

189
MEGAHERTZ prepara o primeiro Lp. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 12 set. 1989.
190
RODSAM, Wiliam. Wiliam Rodsam [jan. 2012] Entrevistador: Hermano Carvalho Medeiros. Teresina, 2012.
Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense concedida como fonte para
elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí.
191
MEGAHERTZ prepara o primeiro Lp. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 12 set. 1989.
192
RIBEIRO, Efrém. Rock teresinense vai ao Canadá. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 26 dez. 1988.
a banda brasileira Sepultura e que se abria como um horizonte de possibilidade para que esses
grupos também desejassem se firmar nesse universo da música popular.
O percurso narrativo apresentado neste tópico deste segundo capítulo procurou
construir um trajeto que percorresse uma entre as inúmeras possibilidades da música popular
existente em Teresina nos anos 1980. Do regional, representado por grupos como o Candeia e
o Varanda, ao heavy metal, representado por Megahertz e Avalon. E entre esses dois extremos
aqui elencados, alguns artistas que se situavam na região central deste percurso, como
Geraldo Brito, Ana Miranda, Fator RH e SNI. As escolhas dos artistas aqui analisados
implicam a renúncia de outros artistas que também poderiam compor esse cenário musical
teresinense. Tais escolhas se fizeram no sentido de reforçar o caráter plural presente nas
produções musicais teresinenses no período aqui abordado e que se constituíram, a nosso ver,
em sua marca identitária.
Outro elemento que ajudou a forjar o universo musical popular de Teresina foi a
recorrente associação da cidade por parte dos que a pensavam e faziam sua movimentação
musical a um marasmo cultural que ironicamente reinventou e deu vida aos espaços da
música popular teresinense através de artistas e músicos que buscando justamente responder a
um suposto estado de inércia, de um “eterno vir a ser” cultural que não se concretizava na
cidade, se expressaram através de produções artísticos musicais as mais variadas,
experimentando e produzindo a cidade por meio de regionalismos musicais urbanos,
reapropriações tropicalistas, contestações poéticas juvenis e de ruidosas distorções de
guitarras que ajudaram a moldar a feição da música popular da cidade de Teresina. Feição
esta que pode ser melhor realçada a partir do que foi produzido nos anos 1980 na capital
piauiense por meio de seus registros em fonogramas musicais, os LP´s.
3. A PRODUÇÃO FONOGRÁFICA EM TERESINA: DIVERSIDADES SONORAS DA
CAPITAL PIAUIENSE

Os registros fonográficos feitos por artistas atuantes em Teresina, ainda que pouco
numerosos no período aqui estudado, são fontes importantes que ajudam a montar o mosaico
de algumas das práticas e experiências da música popular na capital piauiense. O músico e
compositor Geraldo Brito, também um pesquisador da música popular piauiense, afirmou em
texto escrito para a revista cultural “Cadernos de Teresina” que “foi nos 80 que tivemos um
contato mais constante com a indústria fonográfica” 193. Ainda sobre os registros de discos
piauienses, Geraldo Brito em entrevista concedida para este trabalho relatou:

O registro mais antigo gravado é do Sambrasa e dos Milionários. O primeiro


foi os Milionários. Isso em 1965. Depois o do Sambrasa em 68. Depois disso
teve esse hiato todo. Teve um em 73, o Franci Monte, compositor daqui [...]
O Tiradentes ia começar no campeonato nacional e ele fez o hino do
Tiradentes, Tigrão. Era um compacto e ele colocou no lado B “Peixe azul”
que era uma música que ele tinha ganho um festival. Tinha os festivais da
Beira Rio que era uma churrascaria na Avenida Maranhão [...] foram pra
Fortaleza gravar [...] que era onde se podia gravar qualquer coisa lá ou em
Recife na Mucambo. (pergunto sobre estúdios de gravação em Teresina).
O primeiro foi o do Joel Silva: Eco Publicidade. Passou a gravar Lp´s dos
bregas em 80... eu chamo assim, mas não tem nada de pejorativo. Era
Heloídice, a Ferinha, Antonio cearense, uma plêiade de gente... de música
bem popular. Algumas pessoas passaram a produzir compactos. O Alcântara
fez um compacto com a música “Rio Punaré”. Tocou muito na FM194.

A citação acima mostra uma incipiente produção fonográfica piauiense nos anos 1960
e 1970. Ao passo que na década de 1980 houve um maior volume de gravações de artistas do
Estado, mas em quantidade ainda irrisória se comparada aos grandes centros urbanos do país,
onde as multinacionais da indústria fonográfica estavam instaladas com toda sua
complexidade na produção de discos que envolviam grandes aparatos tecnológicos de
gravação, estratégias de marketing, pesquisas de mercado e toda uma divisão de trabalho para
estas áreas específicas de atuação, no sentido de racionalizar seu funcionamento para o maior
acerto nas produções deste negócio 195, faziam parte de uma realidade muito diferente da

193
BRITO, Geraldo. Geraldo Brito [14 abr. 2012] Entrevistador: Hermano Carvalho Medeiros. Teresina, 2012.
Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense concedida como fonte para
elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí.
194
Ibid.
195
As informações sobre o mercado fonográfico brasileiro nos anos 1980 podem ser encontradas em: VICENTE,
Eduardo. Música e disco no Brasil: A trajetória da indústria nas décadas de 80 e 90. 2002 .Tese. (Doutorado
em Comunicação) - Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo.
realidade teresinense nos anos 1980. Os poucos estúdios que existiam em Teresina não
possuíam condições materiais e humanas para inserir-se no contexto brasileiro da produção
fonográfica196 marcado pela competitividade entre as grandes empresas deste setor197.
Contudo, as regiões de menor visibilidade em relação aos grandes circuitos nacionais
de circulação musical também foram lugares de expressão e os artistas da capital piauiense
produziram seu repertório para a música popular de forma independente. Entretanto essa
independência era apenas contingencial, ou seja, muitos desses artistas e grupos piauienses
almejavam entrar nestes circuitos de circulação musical e a produção independente desses
discos funcionava como um material de apresentação do trabalho de cada músico, intérprete e
compositor. A produção independente funcionava como uma alternativa em face de uma
impossibilidade de fazer parte do elenco das gravadoras que dominavam estes espaços de
consagração para os artistas da música 198. Eduardo Vicente em trabalho sobre a indústria
fonográfica brasileira faz uma interessante observação acerca deste assunto:

196
Entre os poucos estúdios de gravação que pudemos ter notícias em nossas pesquisas através das entrevistas
realizadas com diferentes músicos que atuaram em Teresina nos anos 1980, como Geraldo Brito, Edvaldo
Nascimento, André Luiz, Durvalino Filho e William Rodsam, os mesmos relataram que a maioria dos
estúdios faziam parte de agências publicitárias e não haviam sido construídos com a finalidade apenas para a
produção musical. O principal estúdio do período em Teresina, citado por todos os entrevistados, foi o
estúdio do Pepe que funcionou em Teresina até o final dos anos 1990, mas que também gravava muitos
jingles publicitários em suas instalações. Além das informações dos entrevistados sobre este estúdio eu
também tive oportunidade de conhecê-lo já no fim de suas atividades.
197
Sobre a competitividade no setor da indústria fonográfica no Brasil Eduardo Vicente assim nos informa: “[...]
embora o crescimento do mercado do final dos anos 60 até o final dos 70 tenha efetivamente viabilizado a
criação e sobrevivência de pequenas empresas, os sinais da concentração do mesmo nas mãos de grandes
conglomerados nacionais e estrangeiros ficavam, como vimos, cada vez mais evidentes, com as grandes
gravadoras nacionais passando a enfrentar crescentes dificuldades para a sua sobrevivência. O selo
pernambucano Mocambo, criado em 1954 por José Rozemblit como extensão da sua fábrica de discos e que
contou, até 1966, com um cast formado por artistas exclusivos como Jorge Ben e Sílvio Caldas, passava por
problemas dramáticos; a Chantecler, fundada em 1958, era absorvida pela Continental ainda em 1974 e a
RGE, empresa de larga tradição no mercado, comprada pela Rede Globo em 1979. A própria Continental
experimentou, ao longo das décadas seguintes, uma progressiva perda de importância diante das empresas
internacionais ao ponto de, em 1984, já nem mais ser relacionada entre as principais empresas do setor no
país.” Ver em: VICENTE, Eduardo. Música e disco no Brasil: A trajetória da indústria nas décadas de 80 e
90. 2002 .Tese. (Doutorado em Comunicação) - Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São
Paulo, São Paulo, p. 72-73.
198
Existia também a produção independente que remarcava um posicionamento distanciado, intencional em
relação ao grande mercado fonográfico O caso brasileiro mais notório nos anos 1980 foi o Lira Paulistana.
Sobre ele Eduardo Vicente diz: “O Teatro Lira Paulistana foi inaugurado no bairro paulistano de Pinheiros no
final de 1979 e polarizou, a partir de então, a cena e mesmo o debate sobre a produção musical independente
no país. Se até seu advento os nomes de destaque nesse campo eram Antônio Adolfo, Francisco Mário, Boca
Livre, Céu da Boca e Luli & Lucinha, entre outros, o Lira trouxe a público um novo grupo, formado por
artistas como Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Premeditando o Breque, Passoca e Língua de Trapo. O
Lira, como se sabe, não foi um movimento musical, mas sim uma iniciativa empresarial que consistiu na
montagem de um núcleo de produção e difusão artística formado por um teatro, uma gráfica e um selo
fonográfico, tendo sido esse último criado em 1981. Esse núcleo permitiu a aglutinação dos artistas acima
citados e forneceu os meios de seu acesso ao público.” Ver em: VICENTE, Eduardo. Música e disco no
Brasil: A trajetória da indústria nas décadas de 80 e 90. 2002 .Tese. (Doutorado em Comunicação) - Escola
de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 130.
A produção independente surgiria como uma estratégia possível dentro da
carreira do artista (qualquer artista) que, a princípio, não implicaria
necessariamente num questionamento da estrutura da indústria do disco e,
menos ainda, da sociedade como um todo [...] A alternativa independente
foi, na verdade, largamente utilizada também por artistas que atuavam em
mercados regionais, na música sertaneja, na música instrumental e em
segmentos do rock ignorados pelas grandes gravadoras 199.

Boa parte da produção musical piauiense estava vinculada de alguma forma aos
subsídios institucionais dos poderes públicos, através de projetos culturais que acabaram
resultando em discos. Entretanto, houve os que buscaram se articular desvinculados do
financiamento público e gravaram seus trabalhos nos circuitos independentes de outros
Estados brasileiros. Mas ambos os exemplos – quer sejam as produções subsidiadas pelo
poder público, quer sejam as produções realizadas desvinculadas de tal apoio – procuraram
através de seus trabalhos inserir-se no mercado da indústria fonográfica que era o grande
facilitador da consagração de artistas para um público mais ampliado.
Para além destas tentativas de consolidação de carreiras através da inserção em um
mercado mais ampliado da música popular, que não apenas os limites territoriais piauienses, o
que vamos analisar são as produções criadas a partir de uma realidade que não possibilitava
em si mesma a popularização de artistas da música. Analisaremos agora cinco registros
fonográficos produzidos por artistas piauienses com forte atuação na capital do Estado e que
nos ajudam a perceber que tipo de produção musical esteve presente em Teresina nos anos
1980. Os fonogramas resultantes do FMPBEPI, o Lp Geleia Gerou, o Lp do grupo Candeia, o
Lp Cantares e o Lp split das bandas Megahertz e Avalon são as produções sobre as quais
debruçaremos as reflexões e que remarcam o caráter plural da música popular teresinense 200 e
fixam em meios materiais os produtos de suas diferentes práticas musicais.

199
VICENTE, Eduardo. Música e disco no Brasil: A trajetória da indústria nas décadas de 80 e 90. 2002 .Tese.
(Doutorado em Comunicação) - Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo,
p. 127-128.
200
Os procedimentos metodológicos de análise das canções contidas nos discos serão inspirados nos
procedimentos oferecidos por Marcos Napolitano em seu livro História e Música – História Cultural da
Música Popular que se baseiam nas análises das características gerais da forma canção, constituída por letra,
música e seus parâmetros poéticos-musicais; nas diversidades de séries informativas que podem estar
presentes na estrutura da composição – como indícios sociológicos, históricos, psicológicos, biográficos e
estéticos – além das instâncias de análise contextual que Napolitano engloba como fazendo parte elementos
da criação artística, produção, circulação e apropriação. Nem todas estas indicações de análise metodológica
para os discos aqui elencados serão supridas por falta de fontes que nos pudessem fornecer todas as
informações requeridas. Ver em: NAPOLITANO, Marcos. História & Música – História Cultural da música
popular. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
3.1. OS FONOGRAMAS DO FMPBEPI

No disco do festival FMPBEPI estão as doze canções melhores colocadas resultantes


do evento realizado em 1980. Por conta disso não é um trabalho feito a partir da concepção de
um artista ou grupo. Contudo, apesar de possuir diferentes compositores e intérpretes, pode-se
perceber muitos elementos em comuns entre algumas das músicas presentes no disco. Sua
importância reside no fato de ter sido o primeiro registro de uma coletividade da música
popular brasileira produzida em Teresina, mesmo contando apenas com um pequeno número
de artistas participantes de sua gravação. Infelizmente, só tivemos acesso aos fonogramas
digitalizados do disco através do músico e compositor Geraldo Brito e as informações
relativas ao conteúdo visual e à ficha técnica da sua produção não puderam ser analisadas,
bem como as letras de algumas canções em que não conseguimos identificar alguns de seus
trechos devido a reduzida qualidade sonora dos fonogramas.
As doze músicas presentes no Lp gravado em Teresina são: “Quintal de passarinhos”,
composição de Paulo José Cunha e George Mendes, interpretada por Solange Leal;
“Reconstrução” composição de José Luís Santos, interpretada por ele mesmo; “Todo Prazer”
composição e interpretação de Cruz Neto; “Milagre na terra” composição de Naeno e
interpretação de Naeno e do grupo Varanda; “Uma certa Maria” composição e interpretação
de Francy Monte; “Teresina” e “Pedra do sal” composições de José Rodrigues e Aurélio
Melo e interpretadas por Aurélio Melo e Grupo Candeia; “Desafio” composição de Lázaro e
Rubeni Miranda interpretada por Rubeni Miranda; “Carta aérea” Composição de Geraldo
Brito e a interpretada por Laurenice França; “Vida de vaqueiro” composição de Batista Brasil;
“A volta do Jerico” composição de Jurdan, interpretada por ele mesmo; “A filha do Sol”
composição de Edvaldo Nascimento, interpretada por ele mesmo. As informações relativas
aos intérpretes dessas canções também foram obtidas através do material disponibilizado por
Geraldo Brito. Nelas não constam quem foi o intérprete da canção “A volta do Jerico” e nem
quem eram os componentes da banda de apoio que gravaram as composições dos artistas
individuais.
As canções que assumem abertamente identificação com as temáticas regionais
nordestinas são em número de seis, metade das músicas do disco. Por se tratar de uma
produção patrocinada pelo Governo do Estado do Piauí, pela Prefeitura Municipal de Teresina
e por um grupo de comunicação, a TV Rádio Clube, boa parte das músicas escolhidas, no
nosso entender, buscavam retratar, através das seis músicas que aqui enquadramos como
“regionais”, aquilo que se esperava ser a principal marca identitária de uma cidade e de um
Estado nordestino. Na instrumentação musical destas canções, repleta de sanfonas, zabumbas,
violas, chocalhos e triângulos, estão presentes também instrumentos tipicamente urbanos
como o baixo elétrico, bateria, guitarra, saxofone, piano, violão, flauta e teclado. A presença
desses instrumentos nas canções que buscam nas influências regionalistas motes para sua
criação, aparece como uma atualização, uma releitura dessas referências a partir do lócus
urbano.
No baião “Desafio” de Lázaro e Rubeni Miranda o vínculo ao regionalismo nordestino
está presente em seu ritmo, um baião, e na letra que fala sobre os males causados pelo homem
no mundo recorrendo à algumas representações religiosas católicas. Assim diz um trecho da
letra desta canção:

Destape bem seu ouvido


Escute o que eu vou contar
Se o mundo tá desse jeito
Garanto que não foi feito pra tá do jeito que tá
O supremo criador quando fez a obra prima botou tudo no lugar
O homem é que com a mão pôs dor onde tinha amor [...]
Nasceu pra desarrumar [...]
Valei-me Nossa Senhora! O mundo tá diferente
É gente matando gente correndo pra ultrapassar
É o rolo da violência por cima da inocência
Não dá nem pra acreditar201

A canção que mais reforça o caráter regionalista no disco, tanto em seus aspectos da
estrutura musical quanto em seus motivos poéticos é a música “Milagre na Terra” do cantor e
compositor Naeno. Nela estão presentes tanto o ritmo, o baião, quanto a instrumentação,
composta por flauta, triângulo, zabumba, baixo, acordeon e violão. A letra da canção fala das
agruras dos períodos de seca na região nordestina sendo a chegada da chuva encarada como
um milagre. Assim diz um trecho da letra: “Não deixou planos para o ano que vem /Foi
definido para o que convém/ Não aceitou a posição do céu /E foi lavrado o milagre na
terra”202.
As ligações ao universo globalizado, através de formas musicais identificadas com o
espaço urbano estão presentes nas canções “Carta Aérea” e a “Filha do Sol”. A ênfase nas
guitarras em ambas as músicas é um indício de tal vínculo, onde a primeira é um reggae
psicodélico e a segunda uma balada rock and roll. O disco possui também outras formas
201
LÁZARO; MIRANDA, Rubeni. Desafio. Intérpretes: Rubeni Miranda; Lázaro. In: FMPBEPI. Teresina,
p1980.
202
ROCHA, Naeno. Milagre na terra. Intérprete: Naeno Rocha. In: FMPBEPI. Teresina, p1980.
musicais como um samba abolerado (Todo Prazer), um fado (Uma certa Maria) e uma balada
ao som de bandolins (Quintal de passarinhos).
Os temas presentes nas letras do disco variam. Ecologia, natureza, pacifismo,
liberdade, saudade, paixão, amizade, além das temáticas relativas ao nordeste como o
vaqueiro, a seca, a cidade e o campo. Encontramos também entre algumas das letras um ponto
de reflexão poética em comum: um desencanto com o presente, sendo que o refúgio buscado
em função desse mal-estar ou se dá na esperança de um futuro melhor, como na letra da
balada/blues da canção “Reconstrução”:

De tempos em tempos percebo uma desilusão


No homem que fez isto tudo com o coração
Pois tudo agora é ódio, guerra, fome, nódoa, lama e destruição
A máquina fria acabou com a doce emoção
De olhar o horizonte tão limpo sem poluição
Estrela já não acho, só fumaça, lixo atômico a matar em vão
E a criança inocente é quem sofre sem compreender
O porquê disso tudo que o adulto se diz entender
E na impunidade tiram dela a liberdade de também viver
Quero amor a enfrentar as praças de lazer
Quero flores a enfeitar a vida pra você
E olhar meu passado sem dele me envergonhar
Preservei esta terra pra outro também habitar
E com dignidade exigir da mocidade a natureza amar 203

ou em nostalgias do passado inocente da infância, como na letra de “Quintal de passarinhos:

Naquele tempo era o sol


Um passarinho escondido na minha mão
Era um quintal de sorrisos
A fruta doce, madura no coração
Naquele tempo era um canto, era uma chuva na terra, era um prazer
Uma centelha, um espanto, um bilhetinho, uma rosa meu bem querer
Um passarinho voa, voa por outros quintais
E se desfaz nos labirintos da imaginação
Ela só quer de novo um tempo que ficou pra trás
Estende a mão, mas só recolhe um resto de ilusão[...]
Naquele tempo era o doce
Uma fruta sorrindo na minha mão
Hoje é quintal esquecido
Um passarinho ferido no coração204

203
SANTOS, José Luis. Reconstrução. Interprete: José Luís Santos. In: FMPBEPI. Teresina, p1980.
204
CUNHA, Paulo José; MENDES, George. Quintal de passarinhos. Interprete: Solange Leal. In: FMPBEPI.
Teresina, p1980.
Curiosamente o romantismo amoroso, assunto tão comum na música popular, aparece
em poucas músicas do disco. Ou como tema secundário, como no enredo da canção “Pedra do
Sal” que canta a solidão da liberdade:

Pedra do sal
Salgada seja
Cavaleiro errante quero encontrar
Cavalo espora, de olhos de fome
Tem todo meu corpo a me saciar
Nuvens escuras
Luz do amanhecer
Bom dia natura por me querer
Do verde e azul eu nasci castanho
Eu sou o próprio cavaleiro errante
Nasce a cada sol e a cada manhã
Vive em cada lua e sempre a chorar
Confessando tudo, do peito a viola
Que o amor que eu tive foi se embora205

Ou na representação oposta de uma idealização do amor romântico ou do amor “dor-de-


cotovelo”, como na canção “Todo Prazer” que é uma celebração do encontro de corpos, onde
o amor é mediado pelo sexo e seus jogos de atração e recusa:

A felicidade é a mãe de todo o prazer


E a beleza é uma loucura
Que só com os olhos de loucura
A gente pode ver
No escuro de meu quarto vive
Essa princesa doidivana desvairada
Que às vezes me abandona, não diz nada
Só me causa dor
Outras vezes me procura com a fúria de seus beijos
Se alucina de desejos
Comigo faz amor 206

A complexidade de se analisar um disco coletivo é a presença de vários projetos


artísticos diferentes dentro de um mesmo produto cultural. As frações de cada artista que
compõem o todo do disco dão a ver apenas pequenos fragmentos de suas experiências
socioculturais por meio de suas músicas. Entretanto, o que podemos encontrar de indício é
que no início dos anos 1980 a predominância das formas musicais regionais nordestinas no
LP do Festival de Música Popular Brasileira do Estado do Piauí, o FMPBEPI, aponta, como
dissemos anteriormente, para um vínculo de reafirmação de uma identidade regional por meio
205
MELO, Aurélio; RODRIGUES. Pedra do Sal. Interprete: Grupo Candeia. In: FMPBEPI. Teresina, p1980.
206
CRUZ NETO, Joaquim Antonio da. Todo Prazer. Interprete: Cruz Neto. In: FMPBEPI. Teresina, p1980.
das representações musicais ligadas à nordestinidade através daqueles que organizaram e
financiaram o festival e o seu registro em disco.

3.2 O LP GELEIA GEROU

Fruto do I Encontro de compositores e Intérpretes do Piauí, o disco o Geleia Gerou foi


um trabalho que não trouxe as marcas predominantes do regionalismo nordestino em suas
composições musicais, apesar dessas referências aparecerem em algumas canções. O disco
traz em si temáticas que rementem preponderantemente ao espaço urbano, a começar por sua
instrumentação, predominantemente composta por guitarra, baixo, bateria, piano elétrico e
sintetizador207. A gravação, feita no Rio de Janeiro no STUDIO V em 1985, contou com os
arranjos de Antônio Adolfo 208. Os músicos que gravaram as canções do disco foram: Arthur
Maia (baixo), Heitor T.P (guitarra), João Cortez (bateria e percussão) e Antônio Adolfo
(piano elétrico e sintetizadores). Dos músicos piauienses participaram os intérpretes Ronaldo
Bringel, Rosa Lobo, Edvaldo Nascimento, Ana Miranda, Mira, Raimundo Alcântara, Rosinha
Amorim, Solange Leal e Ana Fonteles. Como instrumentistas participaram apenas Garibaldi
Ramos e Geraldo Brito. Apesar de possuir composições de piauienses, a execução
instrumental do LP foi feita predominantemente por músicos contratados de outros Estados,
não revelando assim as performances dos músicos piauienses que acompanhavam esses
mesmos intérpretes e compositores em Teresina.
As músicas do disco estão assim divididas: Lado A: “Nós” de Garibaldi Ramos,
interpretada por Ronaldo Bringel e Rosa Lobo; “O mundo que venci deu-me um amor” de
Edvaldo Nascimento, Medeiros e poema de Mário Faustino, interpretada por Edvaldo
Nascimento; “Zeus” de Durvalino Filho e Geraldo Brito interpretada por Ana Miranda;
“Repente” de Cruz Neto, interpretada por Mira; “Desejo” de Abraão Lincoln e Magno
Aurélio, interpretada por Ronaldo Bringel; “Segredos do Prazer” de Raimundo Nonato
Alcântara, interpretada por ele. O lado B: “Estrada de carroçal” de Júlio Medeiros e Climério
207
Instrumento musical que produz sons eletronicamente, de forma analógia ou digital. A sua sonoridade, a
partir de uma tecnologia eletrônica, está associada a uma suposta artificialidade das máquinas em detrimento
dos instrumentos mais tradicionais, daí o nome sintetizador, pois produziria um som sintético, não natural.
208
Músico, pianista e arranjador iniciou sua carreira musical na década de 1960. Trabalhou como músico e
arranjador com artistas como Beth Carvalho, Elis Regina, Mick Jagger, Chico Buarque, Caetano Veloso,
Nara Leão, Maria Bethânia, entre outros, além de gravar vários discos e lançar livros sobre teoria musical.
Mais informações ver em: http://www.dicionariompb.com.br/antonio-adolfo/dados-artisticos. Acesso em
27/12/2012.
Ferreira, interpretada por Rosinha Amorim; “Mágica Serpente” de Geraldo Brito e Paulo José
Cunha, interpretada por Ana Miranda; “Consequencia” de Ronaldo Bringel e Pierre Baiano,
interpretada por Ronaldo Bringel; “Toda rosa sabe-se a cor” de Abraão Lincoln, interpretada
por Solange Leal; “Pedra do Sal” de Zezé Fonteles e Felipe Cordeiro, interpretada por Ana
Fonteles; “Meu Frevo” de Renato Castelo de Carvalho e Elder Wilson O. Jales de Carvalho,
interpretada por Mira.
Os temas presentes nas letras das canções variam bastante, sendo o amor e a paixão os
que aparecem com maior intensidade e sob diferentes olhares. Sambas que cantam: o
reencontro amoroso sob o céu da cidade: “Sim/Qualquer dia a gente vai se rever [...]/na
cidade que eu conheci/[...] a beleza do céu morena/ me faz perder a cabeça [...]/ a loucura
dessa visão/ me deixa assim perdido/ o nosso amor é lindo”209; fins de relacionamentos mal
superados: “Eu tentei fazer um verso/que cantasse ao universo/o amor que tenho é teu
[...]/mas aqui vai a mensagem/nosso amor é mais imagem/ de tudo que aconteceu/ lembrança
não é problema/vejo tudo num cinema/filme em que o vilão sou eu” 210; ou sobre a
intempestividade e a amplitude do amor: “O mundo que venci deu-me um amor/alado
galopando em céus irados/por cima de qualquer muro de credo/por cima de qualquer fosso de
sexo”211.
O amor neste disco é cantado também através de outras formas musicais como uma
balada blues que fala sobre a passividade na relação a dois: “O que seduz os olhos/maravilha
o coração/que se delicia na magia/do extremo prazer de ser a presa/surpresa/pros meus olhos
de querer/mesmo sem te ver/ me fiz escravo de você” 212; Ou em forrós que cantam a leveza de
se estar apaixonado: “Se eu fosse um passarinho/ e soubesse ‘avoar’/eu faria o meu ninho/na
sombra do teu olhar/é de azul reluzente/a pedra do meu anel/quando brilha nos teus
olhos/lembra um pedaço do céu”213.
As outras temáticas presentes nas letras das canções do disco são bastante variadas: a
lascívia, as relações entre cidade e campo, progresso e tradição, o fazer poético, a saudade e
questões existenciais estão entre os motivos poéticos das músicas. A problemática de se

209
RAMOS, Garibaldi. Nós. Interprete: Ronaldo Bringel; Rosa Lobo. In: Geleia Gerou. Rio de Janeiro:
Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1985. 1 disco sonoro. Lado A, faixa 1.
210
COUTO FILHO, Durvalino; BRITO, Geraldo. Zeus. Interprete: Ana Miranda. In: Geleia Gerou. Rio de
Janeiro: Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1985. 1 disco sonoro. Lado A, faixa 3.
211
FAUSTINO, Mário; MEDEIROS; NASCIMENTO, Edvaldo. O Mundo que venci deu-me um amor.
Interprete: Edvaldo Nascimento. In: Geleia Gerou. Rio de Janeiro: Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo
do Piauí, p1985. 1 disco sonoro. Lado A, faixa 2.
212
AURÉLIO, Magno; LINCOLN, Abraão. Desejo. Interprete: Ronaldo Bringel. In: Geleia Gerou. Rio de
Janeiro: Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1985. 1 disco sonoro. Lado A, faixa 5.
213
CRUZ NETO, Joaquim Antonio da. Repente. Interprete: Mira. In: Geleia Gerou. Rio de Janeiro: Secretaria
de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1985. 1 disco sonoro. Lado A, faixa 4.
analisar este disco é a mesma do disco anterior: os diferentes projetos contidos em um mesmo
produto cultural. Entretanto, o Geleia Gerou traz uma uniformização no que diz respeito à sua
direção musical, de Antonio Adolfo, e à sua instrumentação, pois todas as músicas foram
gravadas por um mesmo grupo de instrumentistas, o que dá ao disco uma certa uniformidade
sonora e de execução.
A polêmica abordada no segundo capítulo sobre a capa do Geleia Gerou girou em
torno da ausência dos intérpretes e compositores no material gráfico do disco que foi
representado pela imagem do poeta Torquato Neto, como a figura a seguir nos mostra:

Imagem 1 – Geleia Gerou

(GELEIA GEROU. Rio de Janeiro: Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1985. 1 disco
sonoro.)

Quando do lançamento do disco em Teresina, a indagação sobre o porquê da imagem


de Torquato Neto em sua capa, uma vez que o nome do poeta apenas dá título ao projeto
cultural que financiou o disco, pode ser entendida a partir da seguinte perspectiva:

A capa de um LP ou de um CD, como qualquer capa de revista e de DVD ou


VHS, estabelece uma relação com o conteúdo daquilo que ela apresenta. Na
maioria das capas dos trabalhos de Chico Buarque ou Paulinho da Viola há
uma foto do compositor/interprete, ou seja, elas apresentam o conteúdo
desses trabalhos, figurativizado pelo artista. O conteúdo, nesse caso, não é o
homem, mas seu papel social de cancionista, com seu estilo e suas
composições214.

A ausência dos artistas e compositores no material imagético do disco, no seu design


gráfico 215, não estabelece a relação entre o conteúdo do disco e a imagem que lhe representa.
A fotografia do jovem Torquato Neto no Lp Geleia Gerou dá a impressão de uniformidade
sob a figura do poeta da tropicália em contraposição à heterogeneidade musical presente no
disco. A imagem comunica a reverência a essa importante personagem no cenário cultural
brasileiro, o desejo de perpetuar seu legado artístico nas memórias de uma coletividade
teresinense-piauiense vinculando-o as suas produções musicais. Alguns compositores
presentes no disco fazem questão de remarcar sua identificação artística com Torquato Neto e
a tropicália, como é o caso de Durvalino Couto Filho e Geraldo Brito. Entretanto, mesmo que
se avente a influência desse importante momento da música popular brasileira, capitaneado
por Caetano Veloso e Gilberto Gil, incidindo sobre os compositores piauienses que tiveram
suas músicas gravadas no LP, justificando assim a imagem de Torquato Neto na capa, a falta
de uma representação daqueles que foram os produtores das canções do disco,
movimentadores de um circuito musical na capital piauiense nos anos 1980 através de suas
práticas nas ocupações dos espaços da música popular na cidade, oculta a visualidade dos
diferentes matizes musicais presentes no disco. Fato este que não se repete no outro disco
coletivo de artistas lançado pelo mesmo Projeto Torquato Neto.

3.3 O LP CANTARES

Gravado em 1987, dois anos após o disco Geleia Gerou, o LP Cantares traz em seu
design gráfico as fotos dos compositores e intérpretes que participaram do trabalho. As
fotografias aparecem no interior da capa do disco, juntamente com as letras das canções e

214
PIETROFORTE, Antonio Vicente. Uma imagem da música:Análise semiótica de uma capa de disco.
Cadernos de Semiótica Aplicada . v. 2. n.2, p. 7-8. dez. 2004. Disponível em:
http://www.fclar.unesp.br/grupos/casa/CASA-home.html. Acesso em: 10/12/2012.
215
“O design gráfico, na elaboração dos mesmos, trata da organização formal de elementos visuais que
compõem peças gráficas feitas para reprodução com objetivo expressamente comunicacional (ou seja, feito
para comunicar; não comunica por acaso ou porque tudo comunica, mas porque este é seu objetivo
fundamental). A análise atenta-se também a um olhar sobre este intermediador visual e sua relação entre o
espectador e a obra musical contida no disco.” Ver em: ROCHEDO, Aline do Carmo. Rock- A arte sem
censura As capas dos LPs do BRock dos anos de 1980. História, imagens e narrativas, n.13, p.1-40,
out.2011, p.2.
materializam através das imagens as fisionomias dos artistas. Não se pode afirmar que a
presença destacada das fotografias dos artistas no interior da capa se deu em função de sua
ausência no disco anterior e dos debates que tal fato ensejou, mas o enquadramento
fotográfico nos rostos de quase todos os músicos e intérpretes enfatizam as figuras dos
mesmos, vinculando suas imagens ao produto musical contido no disco.

Imagem 2 – Contracapa Cantares

(CANTARES. Rio de Janeiro: Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1987. 1 disco
sonoro.)

O nome disco, Cantares, é uma referência à estrela Antares que representa o Piauí na
bandeira brasileira. A capa do disco é uma imagem do céu e do espaço, do sol, de algumas
nuvens e estrelas com destaque para aquela que é a estrela Antares e sua cor avermelhada. A
referência a Torquato Neto se limita ao nome do projeto no canto inferior direito da capa. No
canto inferior esquerdo aparece escrito “Autores e Intérpretes da Música Popular do PIAUÍ”,
uma espécie de reafirmação da origem do produto cultural.

Imagem 3 – Capa Cantares

(CANTARES. Rio de Janeiro: Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1987. 1 disco
sonoro.)

Diferentemente dos dois discos analisados anteriormente, a seleção das músicas deste
LP não foi feita através de um festival. A grande maioria dos compositores e intérpretes
presentes neste disco participou dos discos do FMPBEPI e Geleia Gerou, quer seja apenas em
um ou em ambos os trabalhos musicais gravados anteriormente. A escolha dos artistas que
fizeram parte do Cantares, feita pela coordenação do projeto Torquato Neto àquela época
conduzida pela cantora Ana Miranda, indica que um grupo de compositores e intérpretes da
música popular teresinense já havia se consolidado como seu principal representante. Suas
produções e práticas artísticas anteriores lhes conferiam um capital cultural simbólico para
ocupar esses espaços musicais institucionais privilegiados, como, por exemplo, um disco
financiado pelo Estado216.
O LP cantares contou com a direção artística de Durvalino Filho e direção musical de
Luizão Paiva foi gravado e mixado em estúdios no Rio de Janeiro. Durvalino Filho assim
relatou a experiência de participar da produção deste disco, numa espécie de prestação de
contas informal de seu trabalho neste seguinte trecho de um artigo escrito por ele e publicado
em um jornal de Teresina:

Nos dias todos que permaneci no Rio a rotina foi uma só: a partir do meio
dia até nove da noite (e em certas ocasiões até bem mais que isso)
trancávamo-nos no estúdio eu, Luizão Paiva, o engenheiro de som Toninho
Barbosa (também piauiense) e mais os músicos convidados de cada faixa –
numa maratona de mais de 100 horas de gravação, onde tive a oportunidade
de aprender como se faz a produção de um disco e vários outros macetes
musicais e técnicos [...] Gostaria de deixar claro que a minha função de
diretor artístico, estabelece para mim algumas fronteiras [...] minhas
atribuições iam até onde começavam as de outros, como o diretor musical, o
diretor de produção (Toninho Barbosa) e todos outros autores e intérpretes
do disco. Espero que os colegas reconheçam que não é fácil conciliar o
temperamento de mais de 20 pessoas, cada uma com uma concepção de
disco diferente na cabeça. Evidentemente que, se fosse um trabalho
individual meu, faria outra coisa. Para o momento artístico nosso, acho que o
importante é fazer, ou assumir posturas que induzam à ação. E assumir sem
medo os riscos de todas as contradições 217.

O poeta e músico Durvalino Filho ao narrar a sua experiência, descreve de forma


sucinta o processo e os vetores que atravessaram a feitura do disco. Reconhece a dificuldade e
os limites de conciliar diferentes projetos artísticos em um só trabalho. Porém, diz ser um
momento importante para a música piauiense, pois mesmo em meio a contradições e
equívocos que pudessem estar presentes no LP, mais uma vez os músicos piauienses, atuantes
principalmente na capital do Estado, deixariam as marcas de suas expressões artísticas na
música popular brasileira. O diretor artístico fala de um posicionamento social específico e
embora visualize os pontos frágeis da iniciativa do produto cultural Cantares, não deixa de
defender seu lugar de fala, através da descrição dos sacrifícios e das mediações de conflitos
que precisou equacionar para a materialização do disco.
O Lp possui onze canções que ficaram assim dispostas no disco: lado A: “Esse Brasil”
de Janette Dias; “Coração Noturno” de Cruz Neto; “Boulevard Frei Serafim” de Rubeni
Miranda; “Encontros” de Aurélio Melo e William Mello Soares; “Encanto” de Abraão
216
Entre os músicos, compositores e intérpretes que participaram dos três discos, FMPBEPI, Geleia Gerou e
Cantares, podemos citar Geraldo Brito, Edvaldo Nascimento, Cruz Neto e Durvalino Filho.
217
DURVALINO FILHO. Vamos Cantares? Diário do Povo. Teresina, 18 abr. 1988.
Lincoln e Ubiratan Cavalcante. Lado B: “Bibiana” de Edvaldo Nascimento e Nonato
Medeiros; “Rio Parnaíba, Velho Monge” de Magno Aurélio e Peinha do Cavaco; “Aghata” de
Durvalino Filho e Geraldo Brito; “Balakubana” de Naeno; “Veleiro” de Edu Lobo e Torquato
Neto; “Rock nas estrelas” de Arimatam Martins e Geraldo Brito.
Assim como o Geleia Gerou, o Cantares tem como fio condutor de homogeneidade do
disco a sua direção musical. A instrumentação que serviu de base para a maioria das
gravações foi constituída por Piano acústico, teclado, guitarra, baixo, bateria e instrumentos
percussivos, variando em cada canção a presença ou ausência de alguns desses elementos da
base instrumental, com acréscimos de outros, como sax, trompete, flauta e cellos, de acordo
com o que cada gênero musical requeria para suas características sonoras ou a intenção que
mensagem musical quisesse suscitar.
Neste último caso, temos como exemplo a canção que inicia o LP Cantares, “Esse
Brasil”, um samba cujos solos de guitarra, elementos marcantes nesta música, remetem ao
rock, sua agressividade e rebeldia e aparecem como um artifício complementar à mensagem
da letra, uma espécie de ufanismo crítico sobre o país: “Brasil eu te quero eternamente/ver teu
povo e tua gente/na avenida a desejar um Brasil melhor [...]/ Brasil tua brasa é brasileira/bota
o couro pra esquentar/não deixe que teu povo morra à míngua” 218. As guitarras também são
referências a sua compositora e intérprete, Janette Dias, umas das mulheres pioneiras em
Teresina ao assumir o rock como uma referência musical, já tendo gravado um compacto219
de rock and roll em 1982 chamado de “Vai-e-vem das estrelas”220, que além de ser a música
título do disco compacto, também possui em seu lado B do disco a canção “Fruta Proibida”
que à época chegou a ser censurada 221.

218
DIAS, Janette. Esse Brasil. Interprete: Janette Dias. In: Cantares. Rio de Janeiro: Secretaria de Cultura,
Desporto e Turismo do Piauí, p1987. 1 disco sonoro. Lado A, faixa 1.
219
Segundo Alexandre (2002) o “single (o popular “sete polegadas” ou “compacto”) foi criado em março de
1949 pela RCA-Vitor americana como formato concorrente dos long-plays (Lp) da CBS lançados três anos
antes. Se o Lp (de dez e depois de doze polegadas) tinha a capacidade de condensar mais informação,
armazenando até 45 minutos de música, o single trazia a vantagem da praticidade. Sendo menor, mais
resistente e mais barato e tendo velocidade de 45 rotações por minuto (contra 33 1/3 do Lp), apresentava
excelente qualidade sonora”. Ver em: ALEXANDRE, Ricardo. Dias de luta: o rock e o Brasil dos anos 80.
São Paulo: DBA Artes Gráficas, 2002. p. 161.
220
DIAS, Janette. Vai-e-vem das estrelas. Teresina: Discos Sapucaia Ltda, p1982. 1 disco sonoro.
221
A canção “Fruta Proibida” foi interditada pela censura, o que impossibilitou a comercialização do compacto
causando prejuízos a Janette Dias, uma vez que toda a produção e gravação do disco foi possibilitada com
recursos da própria cantora. O veto teria sido ocasionado devido à palavra “baseado”, presente na letra da
música, em que os censores entenderam ser uma alusão ao consumo de maconha. Com o fim do regime
militar, a cantora buscou entrar com uma ação judicial contra o governo federal pedindo uma indenização por
conta dos prejuízos sofridos com a censura de sua música. Janette Dias afirmou à época que: “Não recebi
nenhuma explicação do Departamento de Censura da Polícia Federal quando minha música foi vetada. Na
época fiquei tão chateada com tudo que nem procurei liberá-la. Mas agora, esse negócio de Nova República,
resolvi fazer alguma coisa”. CANTORA censurada vai processar o governo. Jornal O Dia, Teresina, p. 6, 04
jul. 1985.
O disco Cantares pouco traz de novidades no que diz respeito a uma estética sonora e
em relação às temáticas das letras se comparado ao disco anterior, Geleia Gerou, apesar dos
áudios de seus fonogramas possuírem uma melhor qualidade em relação aos dois discos
anteriormente aqui analisados. A fragmentação de gêneros musicais do disco é constituída por
samba, jazz, blues, rock, rumba, xote e balada. As letras abordam temas como o
existencialismo (“Boulevard Frei Serafim” e “Veleiro”) e principalmente relacionamentos
amorosos (“Coração Noturno”, “Encontros”, “Encanto”, “Bibiana”, “Aghata”, “Balakubana”).
Há letras que falam sobre a relação do homem com a cidade (“Boulevard Frei Serafim” e
“Rock nas estrelas”) e com a natureza (“Rio Parnaíba, Velho Monge”). Umas das críticas
relacionadas a esse disco foi feita em relação a idade de algumas de suas músicas, pois eram
composições que não representavam o que o momento criativo musical dos artistas
registrados no LP estavam produzindo no contexto em que estavam inseridos na capital
piauiense. Assim disse uma crítica em um jornal da época:

Cantares, antes da primeira audição, já chama atenção pela idade das


músicas: num total de onze, cinco das composições (Coração Noturno,
Bibiana, Agatha, Balakubana, e Veleiro), tem em média sete anos de idade,
isso sem citar algumas outras, como Esse Brasil, que tem no mínimo dois
anos. Uma média um pouco alta para um disco que pretende mostrar o que
se faz de bom na música piauiense. Mostrar o que se FAZ ou o que já se
FEZ? Qualquer um pode argumentar que quando a música é boa resiste ao
tempo [...] Mas conhecendo um pouco a história de cada uma, fica claro o
desejo de cada autor em preservar no vinil composições que, de outro modo,
estariam perdidas até na memória de seus autores. Apesar dessa volta ao
passado, numa evidente tentativa de se perpetuar, através de um disco
coletivo, canções que há muito deviam ter extrapolado as mesas dos bares da
nossa etílica capital, fica solto no ar um certo marasmo, de que não há nada
mais interessante, mais urgente, mais efervescente acontecendo no meio
musical de Teresina222.

Apesar da crítica se ressentir pelo fato do disco não representar, segundo o seu autor, o
que se fazia de atual à época na música popular em Teresina, ela não negou o valor e a
qualidade das canções, segundo seus padrões de julgamento: “as músicas mais antigas, por
sinal, estão entre as melhores do disco e quer passem mais sete ou dezessete anos, vão
continuar lindas”223. A crítica evidencia ainda um aspecto já analisado no capítulo 2: a
necessidade por parte dos artistas do registro musical e como consequência disso, fazer parte
na construção do repertório da música popular para a cidade e o Estado. Os três discos
coletivos analisados, FMBEPI, Geleia Gerou e Cantares são exemplos de um esforço coletivo

222
LUIZ, André. Cantares: o que se faz ou o que se faz? Diário do Povo, 06 mar, 1988.
223
Ibid.
– não articulado entre si como uma espécie de movimento cultural – de um grupo de artistas
para produzir e registrar a música popular em Teresina para além de suas práticas do cotidiano
musical, como os espetáculos ou apresentações musicais. Tais discos revelam um mosaico
musical multifacetado que, apesar de limitado apenas a um pequeno grupo de artistas que
estiveram presentes nos discos aqui analisados, são um espectro das possibilidades musicais
que orbitavam na capital piauiense nos anos 1980.

3.4 O LP SUÍTE DE TERREIRO E O “SPLIT” TECHNODEATH – STOP THE FIRE

Em 1986 o Grupo Candeia e o músico e compositor Zé Rodrigues gravaram o disco


“Suíte de Terreiro” em que este último assim definia o conceito do disco por eles produzido:

No Barroco, uma Suite era uma peça instrumental formada por vários
movimentos de dança. Porém, neste trabalho, o termo Suite é usado com
uma nova concepção, isto é, representando não só as variações de
andamentos e rirmos, mas cada canção como se fora parte (movimento) de
um todo (própria Suite). Em síntese, SUITE DE TERREIRO representa,
aqui, todo um arsenal folclórico de nossa cultura (Nordeste/Piauí). Nossa
SUITE DE TERREIRO foi feita de maneira consciente, com o objetivo de
preservar o nosso folclore (principalmente lendas e mitos) utilizando uma
linguagem lítero-musical, como se percebe na letra de cada canção e na
rítmica de cada mélica, de forma criativa e universalista, porém, fiel as
nossas raízes224.

A citação de Zé Rodrigues, ao definir o trabalho do grupo, mostrou-se herdeira de uma


concepção musical defendida por intelectuais brasileiros como Mário de Andrade e Renato
Almeida nos anos 1920 e 1930, em que os mesmos refletiram sobre a identidade musical
brasileira como uma síntese de elementos oriundos dos materiais folclóricos populares
articulados à linguagem musical tradicional erudita europeia em busca de uma brasilidade
sonora, livre de exotismos locais ou modismos estéticos internacionais, e que por conta disso
pudesse se tornar também universal225. O grupo Candeia buscou nessa síntese, por meio de
referenciais nordestinos, o que eles acreditavam ser a identidade nordestina a partir de
músicas marcadas pelos ritmos e temáticas populares.

224
GRUPO CANDEIA. Suíte de terreiro. Rio de Janeiro. p1986. 1 disco sonoro.
225
CONTIER, Arnaldo Daraya. Música no Brasil: História e Interdisciplinariedade Algumas Interpretações
(1926-80). In: Simpósio da Associação Nacional dos professores de história, 1991, Rio de Janeiro. Anais...
Rio de Janeiro, 1991. p.151-189, p.151.
Entretanto, por mais regionalista que possa aparentar as intenções da citação de Zé
Rodrigues, o LP não se furtou de dialogar com as modernidades em sua textura sonora, a
começar pela instrumentação utilizada, composta por violão, viola, acordeom, flautas, baixo,
guitarra, bateria, percussão, piano elétrico e por músicas que traziam em seu ritmo referências
musicais internacionais, como é o caso da trágica, porém bem humorada história de amor da
canção “O rato e a rosa”, tocada em ritmo funk norte americano.
Assim é a capa e o verso do disco “Suíte de Terreiro”:

Imagem 4 – Capa e verso de Suíte de Terreiro

(GRUPO CANDEIA. Suíte de terreiro. Rio de Janeiro. p1986. 1 disco sonoro)


A cor predominante na capa é o amarelo intenso que remete a terra seca e ao clima
quente comumente associado à região nordeste. As imagens são dos integrantes do grupo. Na
capa e no verso, como se pode observar, os quatro integrantes alternam suas posições, ora de
frente, ora de costas, se mostrando quase por completo. O design gráfico da capa é simples,
com destaque para o nome do disco e as imagens dos músicos contornadas, transformado-os
em desenhos. A representação dos integrantes do grupo na capa do disco não simula apenas as
figuras de seus componentes. Apresenta também “quatro músicos que estão prestes a tocar
assim que o LP for colocado na vitrola”226.
As nove canções do LP ficaram assim dispostas: Lado A: Teresina (Aurélio Melo e Zé
Rodrigues); Pajador (Aurélio Melo); Lua Lua (Aurélio Melo e Zé Rodrigues); Guerreira
(Aurélio Melo e Zé Rodrigues). Lado B: O Rato e a Rosa (Netinho da Flauta e Fernando
Oliveira); Num-se-pode (Zé Rodrigues e Rubeni); O mar de minas (Aurélio Melo e
Arimatan); Zabelê (Aurélio Melo e Zé Rodrigues); Patativa (Netinho da Flauta e Climério
Ferreira). Os arranjos do disco, gravado no Rio de Janeiro, foram feitos por Aurélio Melo,
Paulo Aquino e Netinho da flauta, todos integrantes do grupo, além de seu baterista Nonato
Monte. Os ritmos são bem variados, como a própria proposta do disco traz em seu nome,
Suíte, dialogando não apenas com os ritmos nordestinos como o xote, o baião e o afoxé, mas
também com a guarânia paraguaia 227 e o funk norte americano.
As temáticas presentes em suas letras versam preponderantemente sobre as lendas do
folclore popular piauiense e sobre as imagens urbanas e naturais de sua capital, através de
suas principais referências como a feira do troca-troca228, o calor da cidade, o rio Parnaíba e a
ponte metálica229. A lua aparece como fonte inspiradora dos compositores e as noites de
Teresina e suas lendas do folclore urbano teresinense também estão presentes nas letras, como

226
PIETROFORTE, Antonio Vicente. Uma imagem da música:Análise semiótica de uma capa de disco.
Cadernos de Semiótica Aplicada . v. 2. n.2, p. 7-8. dez. 2004. Disponível em:
http://www.fclar.unesp.br/grupos/casa/CASA-home.html. Acesso em: 10/12/2012.
227
DIAS, Janette. Candeia, uma luz na música piauiense. Cadernos de Teresina, Teresina, n.2, p. 26, 1987
228
Feira popular em Teresina, localizada às margens do rio Parnaíba que além de realizar o comércio comum
também realiza trocas comerciais entre produtos diferentes, daí ser popularmente conhecida como feira do
troca-troca.
229
A ponte João Luís Ferreira, popularmente conhecida como ponte metálica, pois grande parte de sua estrutura
é feita de metal, liga Teresina à cidade de Timom no Estado Maranhão.
a lenda da “Num-se-Pode”230 que assusta até “os cabras machos do sertão”231 e histórias de
amores proibidos, como a lenda de Zabelê 232, completam o repertório temático do disco.
Com este trabalho, o grupo Candeia articulou tradição popular, através de referências
folclóricas e de alguns ritmos característicos, com uma modernidade sonora em sua
instrumentação e nos arranjos das canções. A cidade de Teresina aparece como uma das
principais referências do LP e a partir dela são construídas parte da narrativa do disco,
articulando a cidade a elementos como as lendas e as tradições populares, cujos poderes
institucionais urbanos querem disciplinar ou eliminar em nome de um controle e de uma
estabilidade racionalizada 233 de seus espaços. O grupo Candeia, através de suas músicas
presentes neste LP, devolve esses espaços sensíveis, de imaginação, à cidade por meio dos
mitos, lendas e das invenções transgressoras das disciplinas urbanas, como a imagem do ato
de lavar roupas na beira do rio Parnaíba cantada numa das canções do disco. Certeau assim
reflete sobre a racionalidade urbana incidindo sobre as lendas e tradições na cidade:

São objeto de uma caça às bruxas, somente pela lógica da tecnoestrutura.


Mas esse extermínio (como das árvores, dos bosques e dos cantos onde
vivem essas lendas), faz da cidade uma “simbólica em sofrimento”. Existe
anulação da cidade habitável. Então, como diz uma moradora de Ruão: aqui,
“não, não há nenhum lugar especial, só lá em casa, é tudo... Não há nada”.
Nada de “especial”: nada de marcado, de aberto por uma lembrança ou um
conto, assinado por algo de outro. Só permanece crível a gruta da casa,
durante algum tempo ainda porosa a lendas, ainda penetrada por sombras. À
parte isso, segundo outro morador da cidade, “só há lugares onde não se
pode crer em mais nada!”234.

O disco “Suíte de Terreiro” parece inverter essa lógica e torna Teresina uma cidade
habitável por uma sensibilidade, apropriando-se dela como sua casa e seu espaço de
reconhecimento identitário, de pertencimento, oferecendo esse olhar sobre a cidade àqueles
que escutam seu disco.
Contudo, esse tipo de identificação a partir de referenciais coletados junto às tradições
do folclore popular não estava no projeto musical de uma parcela de artistas, jovens em sua
maioria, que produziam suas músicas por meio de outras influências, estas mais globalizadas,

230
Lenda urbana teresinense que fala de uma bela mulher que assustava os homens que frequentavam as noites
da cidade ao se tornar gigante para acender o cigarro que pedia aos mesmos nos lampiões a gás que
iluminavam a cidade.
231
RODRIGUES, Zé; RUBENI. Num-Se-Pode. Interprete: Candeia. In: GRUPO CANDEIA. Suíte de Terreiro.
Rio de Janeiro. p1986. 1 disco sonoro. Lado B, faixa 6.
232
Lenda do amor proibido entre dois índios de tribos diferentes, a índia Zabelê e o índio Metara, que acaba na
morte dos dois, ocasionada pelos ciúmes do índio Mandahu por Zabelê.
233
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
234
Ibid., p. 173.
na Teresina dos anos 1980. As bandas heavy metal Avalon e Megahertz em 1989 dividiram os
dois lados de um mesmo LP, o split “Stop the fire” e “Technodeath”, cantavam suas canções
em inglês visando, principalmente, o mercado internacional. Esses grupos evidenciam o quão
era plural o universo da música popular na cidade. O músico William Rodsam, que chegou a
tocar em ambos os grupos, mas que gravou esse disco pelo Avalon, assim recorda o processo
de produção do LP, em entrevista concedida para este trabalho:

Então, acabamos que em 89 as duas bandas se mexeram aqui, fizeram shows


pra juntar dinheiro para as despesas da viagem e fomos pra Belo Horizonte
gravar o split [...] A gente passava o dia no estúdio. Foram 15 dias em BH
gravando os dois discos do Avalon e do Megahertz, isso em 89. Aí fizemos
uma badalação legal em Teresina na época [...] Na época do lançamento do
split foi bem legal... Televisão, jornal foram cobrir. Inclusive, acho que foi
uma mudança... As pessoas começaram a ver a coisa de outra forma, a cena
musical rock and roll. Uma mudança de visão de todo mundo, por que
deixou de lado aquela coisa de marginal, drogado, tudo pra se tornar uma
coisa mais profissional, mais organizada. Enfim, duas bandas daqui estavam
gravando numa gravadora de fora né?!, de Minas Gerais 235.

A produção independente das duas bandas de rock, segundo o relato acima, teve um
saldo positivo: atenuou uma imagem socialmente negativa, vinculada a este gênero musical
comumente associado, como o relato acima mostra, a drogas e à marginalidade. A produção
do disco pelas bandas Avalon e Megahertz demonstrou, na visão de William, um
deslocamento na representação da imagem do roqueiro: a de artistas organizados e
comprometidos com seu trabalho como músicos em relação à ideia de desregramento social
comumente associada ao universo deste gênero musical.
A agressividade sonora do disco, o “som pesado” como é comumente chamado esse
estilo musical por seus praticantes e consumidores devido às distorções nos timbres das
guitarras e à velocidade de execução das músicas, pode ser notada no design gráfico de cada
banda presente na capa do disco, como se pode notar nas imagens a seguir:

235
RODSAM, Wiliam. Wiliam Rodsam [jan. 2012] Entrevistador: Hermano Carvalho Medeiros. Teresina, 2012.
Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense concedida como fonte para
elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí
Imagem 5 – Capa split Megahertz/Avalon

(AVALON; MEGAHERTZ. Stop the fire /Technodeath. Belo Horizonte: Cogumelo produções, p1989. 1 disco
sonoro)

A instrumentação dos dois grupos no disco é constituída por guitarras, baixo e bateria.
As composições seguem um formato característico, com introduções instrumentais e solos de
guitarra, sendo este instrumento o protagonista neste estilo musical. As melodias das letras
tem apenas a função de comunicar sua mensagem, não sendo um elemento estético marcante
nas músicas. Contudo, apesar dessas semelhanças, as diferenças entre as bandas se fazem
notar nas imagens das capas e refletem as diferentes temáticas abordadas por suas
composições.
Intitulado “Technodeath”, também nome de uma das músicas do disco, o lado do LP
gravado pela banda Megahertz é mais homogêneo quanto suas temáticas nas letras. As
músicas do LP são: “Fuck yourselves” (Kasbafy e Mike); “Technodeath” (Kasbafy e Mike);
“March” (Kasbafy); “Panic” (Kasbafy e Mike); “That´s Brazil” (Kasbafy, Mike e Edivan).
Todas seguem uma linha de crítica social em tons apocalípticos, carregadas de violência
através da descrença com os progressos da tecnologia, como a própria capa do disco sugere:
um esqueleto em frente a um computador cuja tela traz a imagem da morte e logo acima o
nome da banda em vermelho, como se fosse escrito a sangue. Assim diz a letra da música que
nomeia o lado do disco do grupo, “Technodeath”, sintetizando algumas das ideias centrais do
LP:

Decadent humanity
Running on edge of the abyss
Marching in a row
Like troops training
It´s guided to another direction
It´s used like a tool
Eight hours of work
Eight hours of prison
Eight hours are wasted
It´s just technodeath
Castigated humanity
By men, by the gods
From one side corrupts
From other side diseases
There are doubts in their minds
Where is the real hell?
Maybe it´s here on earth
So tell me where we´re goin236

As faixas do disco da banda Avalon são: “No fun” (Ico e Avalon); “Stop the fire” (Ico
e Avalon); “C.H.C” (W.A. Mozart); “This time” (Thyrso, Ico e Avalon); “Insane evolution”
(Ico e Avalon). As propostas temáticas das letras deste grupo são mais variadas. A capa do
disco do Avalon, intitulado “Stop the fire”, é um desenho de uma paisagem devastada pelo
fogo, referindo-se a uma das músicas do disco cujas preocupações ecológicas, como as
devastações das florestas causadas pelos “jogos dos negócios”237, são seus temas centrais.

236
“humanidade decadente/Correndo na beira do abismo/Marchando em uma linha/Como tropas em treinamento/É
orientada para outra direção/É usada como uma ferramenta/Oito horas de trabalho/Oito horas de prisão/Oito
horas são desperdiçadas/É apenas a tecnologia da morte/humanidade castigada/Pelos homens, pelos
deuses/De um lado corrompida/Por outro lado adoecida/Há dúvidas em suas mentes/Onde está o verdadeiro
inferno?/Talvez seja aqui na terra/Então me diga onde estamos indo”. KASBAFY. Technodeath. Interprete:
Megahertz. In: AVALON; MEGAHERTZ. Stop the fire /Technodeath. Belo Horizonte: Cogumelo
produções, p1989. 1 disco sonoro, Faixa 2.
237
Trecho traduzido da música “Stop the Fire” em que diz: “the forest is a business game to all of you”.
ALMENDRA, Ico. Stop the Fire. Interprete: Avalon. In: AVALON; MEGAHERTZ. Stop the fire
/Technodeath. Belo Horizonte: Cogumelo produções, p1989. 1 disco sonoro , faixa 2.
Curiosamente na contramão do senso comum que costuma associar o rock a drogas, uma das
músicas do grupo é uma apologia contra o seu uso. O grupo faz ainda um arranjo de uma
música do compositor clássico Wolfgang Amadeus Mozart, evidenciando influências de
setores mais formais da música em seus trabalhos 238. Músicas que falam sobre a nostalgia de
lembranças passadas e questionamentos sobre o progresso e a evolução humana fecham o
repertório do disco e revelam um conjunto heterogêneo de abordagens temáticas nas letras do
Grupo Avalon neste LP.
Grupos musicais como Avalon e Megahertz com suas agressividades sonoras; o grupo
Candeia e sua sensibilidade musical calcada nas tradições populares e os diversos matizes das
canções presentes nos discos coletivos de artistas como o Cantares, Geleia Gerou e
FMPBEPI, variando entre o blues e o xote, o jazz e o baião, são mostras da pluralidade da
música popular presente em Teresina nos anos 1980 registrados em produções fonográficas
que puderam ter essa dimensão fixada em um espaço material, o disco de vinil, e traçam
trajetórias de músicos, intérpretes e compositores para além das performances artísticas de
seus shows. Revelam intercâmbios e permanências culturais através de tradições folclóricas,
sonoridades globalizadas e os entrelaçamentos entre ambas. Estes discos marcam o momento
de inserção da música popular urbana teresinense no repertório musical brasileiro e são
remarcadoras das diferentes práticas e produções musicais na capital piauiense.
Os discos analisados são um dos indícios com os quais podemos vislumbrar algumas
dimensões do passado musical teresinense através de seus sons construídos em seu tempo.
Apontam o desejo e a ação de intérpretes, compositores e músicos de se colocarem enquanto
atores sociais do universo da música popular em Teresina na década de 1980. Desejo e ação
que se processava na busca destes artistas da música em se reinventar constantemente através
de shows, espetáculos, polêmicas culturais e produção de discos, vetores aqui utilizados para
montar uma das possibilidades do mosaico cultural da música popular na capital piauiense.

238
Essa influência também foi tema para uma crítica positiva sobre o grupo em matéria de jornal publicada em
1988. Ver em: LUIZ, André. O Heavy Vivaldi do Avalon. Jornal da manhã, Teresina, caderno 2, p.1, 12 jun
1988.
Conclusão

A lição básica que a escrita da história nos ensina é a compreensão de sua dupla
condição: a primeira é o seu condicionamento às fontes, vestígios das práticas socioculturais
de um outro tempo, que limitam a visualização das operações sociais, seus modos de agir e
usar inseridos em seus contextos, ou como assevera Certeau sobre estas:

Mesmo das práticas só se há de reter os móveis (instrumentos e produtos que


se colocam na vitrine) ou esquemas descritivos (comportamentos
qualificáveis, estereótipo de encenações, estruturas rituais), deixando de lado
o inarraigável de uma sociedade: modos de usar, as coisas ou as palavras
segundo as ocasiões 239.

A segunda condição é que a narrativa histórica, no entanto, é ampliada pelo conjunto


de possibilidades de configurações socioculturais levantadas pelo historiador na condução de
seu ofício, ou seja, na construção da história nos espaços onde as fontes já não podem nos
informar sobre um determinado tempo histórico.
Partindo deste posicionamento, buscamos neste trabalho apresentar alguns espaços e
práticas da música popular produzida em Teresina na década de 1980, por meio dos vestígios
de alguns desses móveis ou esquemas descritivos apontados por Certeau produzidos pela
música popular na capital piauiense. Elementos esses que vislumbram dinâmicas sociais
realizadas a partir de um grupo específico de compositores músicos e intérpretes que
produziam e ocupavam esses espaços por meio de festivais, shows, polêmicas culturais e
criações musicais.
Alguns dos espaços musicais da cidade detectados durante a pesquisa, como o Ginásio
Verdão e o Theatro 04 de Setembro, foram ocupados por shows de artistas de reconhecimento
nacional, mostrando a existência de um grande público para a música popular, apesar da baixa
densidade populacional da cidade em relação a outras capitais brasileiras. Tal fato foi uma
possibilidade de intercâmbios entre artistas locais e de outros Estados, pois aqueles entraram
em contato com outras informações musicais que estavam sendo produzidas pelos grandes
centros urbanos do país. Outros espaços também foram de suma importância para a
constituição do cenário musical aqui especificado. Bares, praças e outras instalações físicas,
como a Central de Artesanato e o auditório Herbert Parentes Fortes, foram importantes pontos
das dinâmicas musicais de Teresina nos anos 1980.

239
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p.76-77
Percebemos em nossas análises que os festivais foram importantes iniciativas que
consagraram muitos artistas na cidade durante a década de 1980. Espaços de ressonância e
produção do universo musical teresinense. Foram eventos por onde boa parte dos artistas aqui
estudados e com recorrente atuação musical em Teresina nos deram mostras da
heterogeneidade musical presente na capital piauiense e também foram palcos de tensões e
debates em torno dos fazeres da música popular na capital piauiense. Os festivais também
funcionaram como importantes constituidores de um repertório de sua música popular e
revelaram uma interação entre o público e artistas.
Os três festivais onde se concentraram as análises, por sua grande repercussão nos
meios de comunicação, FMPBEPI, I Encontro de Compositores e Intérpretes do Piauí e o I
FENEMP-PI, ocorridos em diferentes momentos da década, são exemplos das movimentações
acima elencadas, ações fermentadoras do universo musical teresinense no período.
A impossibilidade financeira por parte do meio musical que englobava os artistas de
música popular, criadores musicais que diferiam dos músicos das bandas de baile, estes
reprodutores de um repertório musical voltado apenas para a animação de festas, acabou por
estreitar a relação daqueles com as instituições culturais do Estado. Nos anos 1980 em
Teresina o Projeto Torquato Neto foi o principal meio com o qual o Estado se relacionou com
compositores, intérpretes e músicos. Tal projeto teve como importância a tentativa de inserir
as produções musicais do Piauí num universo mais amplo da música popular brasileira,
através de shows itinerantes em várias cidades do Nordeste e a produção de dois discos
coletivos de artistas. Contudo, tais iniciativas não foram livres de tensões e revelaram algumas
disputas no seio da música popular teresinense, através da qual pudemos detectar as
harmonias e dissonâncias presentes na relação entre artistas e o Estado.
A produção de um repertório para a música popular foi resultado de uma ação
conjunta, mas não organizada, de uma diversidade de artistas da música na cidade. Da música
referenciada no folclore nordestino e dita regionalista à música cantada em língua inglesa em
ruidosas distorções de guitarras, o mosaico musical era formado entre artistas que tinham
iniciado suas carreiras ainda nos anos 1970 e jovens músicos que iniciaram suas trajetórias
musicais ainda nos anos 1980. Os grupos Candeia e suas raízes mais ligadas às referências
regionais nordestinas; intérpretes e músicos mais ligados a MPB como Geraldo Brito e Ana
Miranda; o rock and roll e suas mais variadas vertentes através das bandas Avalon,
Megahertz, SNI e Fator RH foram os artistas aqui analisados, em meio a tantos outros, no
sentido de remarcar a pluralidade musical teresinense.
O universo musical delimitado por este trabalho foi responsável por produzir e fixar
um repertório para a música popular em Teresina por meio da gravação de LP´s, uma vez que
este produto artístico foi fabricado com mais recorrência por artistas piauienses nos anos
1980. Apesar da produção fonográfica piauiense ter tido um pequeno número de discos e
terem sido independentes em relação à indústria cultural dos discos, elas marcam os esforços
dos artistas de tentarem se posicionar como produtores da cultura brasileira para além dos
limites da cidade e do Estado.
Os três discos coletivos analisados, FMPBEPI, Geleia Gerou e Cantares, consolidaram
um grupo de compositores e intérpretes da música popular em Teresina como seus principais
representantes, cristalizando como consagrados alguns artistas em Teresina no período aqui
estudado. Mais do que obras pensadas como um produto cultural que articulasse a diversidade
musical teresinense desenvolvida à época, os discos coletivos fixaram em um meio material a
música popular da cidade para além de suas práticas do cotidiano musical, como os
espetáculos ou as apresentações musicais.
Além dos discos coletivos acima citados, outros como Suíte de Terreiro e o split
Technodeath/Stop the fire foram importantes registros de uma tímida produção fonográfica
piauiense e delinearam a pluralidade das práticas musicais em Teresina nos anos 1980. A
música popular produzida na capital do Piauí se constituiu como outro espaço da música
popular brasileira, tomando-se como referencial os grandes centros de produção cultural do
país como os Estados do Rio de Janeiro ou São Paulo, e posicionava-se fora dos circuitos de
divulgação e circulação da música popular nacional. Contudo, a cidade foi um espaço de
diferentes práticas e movimentações musicais, como os exemplos dos discos acima
explicitam.
Este trabalho buscou analisar alguns dos artistas, seus espaços e práticas que
produziram a música popular teresinense na década de 1980. As escolhas aqui apresentadas
foram feitas no sentido de remarcar uma característica musical que esteve presente na cidade
durante este período e que pudemos detectar em nossas pesquisas: a disposição para a
diversificação, o pluralismo da experiência musical popular, apontando a cidade de Teresina
como possuidora de um cosmopolitismo cultural remarcando os fazeres de sua música
popular.
REFERÊNCIAS

1- DOCUMENTOS INSTITUCIONAIS

IBGE. Censo Demográfico: dados gerais, migração, instrução, fecundidade, mortalidade. Rio
de Janeiro: IBGE, 1982-1983. Disponível em:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20%20RJ/CD1980/CD_198
0_Dados_Distritais_PI.pdf.>. Acesso em: 4 set. 2012

IBGE. Censo Demográfico: dados gerais, migração, instrução, fecundidade, mortalidade. Rio
de Janeiro: IBGE, 1982-1983. Disponível em:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20%20RJ/CD1980/CD_198
0_Dados_Distritais_PE.pdf> Acesso em: 4 set. 2012

IBGE. Censo Demográfico: dados gerais, migração, instrução, fecundidade, mortalidade. Rio
de Janeiro: IBGE, 1982-1983. Disponível em:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20%20RJ/CD1980/CD_198
0_Dados_Distritais_BA.pdf> Acesso em: 4 set. 2012

2- FONTES JORNALÍSTICAS

ABERTA inscrição para festival de música nordestina. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 13 abr.
1988

ALCEU hoje à noite no Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p.8, 17 set. 1980

“AMORA” se apresenta hoje no Herbert Parentes Fortes. Jornal O Dia, Teresina, p. 7 11 fev.
1982

ANA Miranda fará shows em outubro no ginásio Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 2, 29 set.
1986

ANIVERSÁRIO da FM será comemorado com um festival. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 11


jan. 1982

ARRIGO encerra o projeto Pixinguinha no teatro. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 3 ago. 1988

ARTISTAS chegam hoje para show no teatro. Jornal O Dia, Teresina, p.8, 13 out. 1980

ARTISTAS do Pixinguinha estão empolgados com Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 6


set. 1983

BLITZ faz show hoje no ginásio Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 1, 23 jan. 1986

CAETANO Veloso chega e fala sobre Torquato. Jornal O Dia, Teresina, p. 11, 21, ago. 1980

CAMPO de trabalho é ruim para os músicos. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 17 dez, 1981
CANTORA censurada vai processar o governo. Jornal O Dia, Teresina, p. 6, 04 jul. 1985

COMEÇA hoje a 2ª etapa do projeto Pixinguinha no PI. Jornal O Dia, Teresina, p. 8, 20 jul.
1983

COMPOSITORES fazem show no Theatro 04 de Setembro. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 29


maio, 1985

COMPOSITORES piauienses gravam no Rio. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 05 jun, 1985

CSU comemora terceiro aniversário com festival. Jornal O Dia, Teresina, p. 5, 04 nov. 1981

CUTLURA fará encontro de compositores. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 10 jul. 1984

CULTURA já vende ingressos para o show dos piauienses. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 18
set. 1984

DIVULGADA programação do aniversário de Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 8 ago.


1980

DIVULGADA relação das músicas classificadas para o FENEMP . Jornal da Manhã,


Teresina, p.6, 18 maio, 1988

FÁTIMA Lima faz show no Tarot. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 30 nov. 1989

FATOR RH positivo. Jornal O Dia, Teresina, p. 11, 18 mar. 1989

1º FEMIP realizado com êxito. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 16 mar. 1982

FESTIVAL de música abre inscrições. Jornal O Dia, Teresina, p. 6, 2 jul. 1980

FESTAPI começa hoje à noite. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 11 jul. 1981

FESTIVAL classifica as cinco melhores. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 31 ago. 1982

FESTIVAL de música do Parque Piauí tem inscrições. Jornal da Manhã. Teresina, p.6, 27
maio. 1981

FESTIVAL já tem 48 músicas selecionadas. Jornal O Dia, Teresina, p.11, 31 jul. 1980

FESTIVAL musical na Vermelha. Jornal O Dia, Teresina, p. 2, 21 abr. 1988

FESTIVAL prossegue no Bela Vista. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 05 dez. 1986

FMPBEPI terá ensaio final na segunda. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 9 ago. 1980

GAL Tropical: o maior show do Brasil. Jornal O Dia, Teresina, p. 11, 11 out. 1980

GERALDO abre temporada hoje no Theatro. Jornal O Dia, Teresina, p.2, 3 fev. 1987
GERALDO Azevedo canta hoje à noite no Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 30 mar.
1987

GERALDO Brito tem show diferente no Maranhão. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 27 maio.
1981

GERALDO Brito vai a Parnaíba. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 6 dez. 1983

GIL: Ninguém liga mais pra abertura. Jornal O Dia, Teresina, p.8, 01 jul 1981

GRUPO de rock se apresenta no teatro e deputado brilha. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 20 jun.
1988

GRUPO paulista é esperado na segunda. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 22 jul. 1982

GRUPO Venus anuncia show para o Theatro. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 24 jan. 1984

III Femp prossegue hoje e acaba dia 10. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 03 set. 1982

JABUTI Fonteles volta com “Cria do Mundo”. Jornal O Dia, Teresina, p. 11, 15 nov. 1989

JOÃO Bosco chega hoje para shows. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 3 nov. 1980

JOVENS organizam festival. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 31 jul. 1988

KID Abelha e os Abóboras Selvagens no Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 02 maio.
1988

LAURENICE e Varanda participam do projeto Pixinguinha sábado. Jornal O Dia, Teresina,


p. 7, 14 jul. 1983

LÁZARO lança seu disco no 4 de Setembro. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 17 jun. 1985

LULU Santos se apresenta quinta feira no Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 8, 12 set. 1988

MACALÉ e Doris Monteiro Chegam hoje a Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 6 out.
1980

MARINA hoje no Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 24 maio, 1988

MAIS de cinco mil viram Jorge Ben. Jornal O Dia, Teresina, p. 8, 13 maio. 1982

MEGAHERTZ prepara o primeiro Lp. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 12 set. 1989

MÚSICOS enfrentam a falta de trabalho. Jornal O Dia, Teresina, p.4, 24 mar, 1980

MÚSICOS piauienses fazem festival. Jornal O Dia, Teresina, p. 8, 07 jul. 1988


MÚSICOS preocupados com situação no seu dia de comemoração. Jornal O Dia, Teresina,
p.6, 22 nov, 1982
O CANTOR Rubens Lima inova repertório e volta aos shows. Jornal O Dia, Teresina, p. 9,
26 out. 1989

ORDEM dos músicos do Piauí ameaçada de fechamento. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 13 jan,
1989

PAULINHO da Viola faz último show no teatro. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 22 out. 1980

PARTICIPANTES do 1º FEMIP, selecionados, vão fazer gravação. Jornal O Dia, Teresina,


p. 8, 18 fev. 1982

PIXINGUINHA não será mais realizado no Piauí. Jornal O Dia, Teresina, 15 set. 1980

PIXINGUINHA virá de novo para Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p. 8, 21 jun. 1983

PRÊMIOS do FMPBEPI entregues hoje. Jornal O Dia, Teresina, p.1, 21 nov. 1980

PROJETO já tem grupos inscritos. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 18 jul, 1981

PROJETO Pixinguinha vai ser aberto amanhã. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 12 jul. 1983

PROJETO T. Neto tem 520 músicas para encontro. Jornal O Dia, Teresina, p.5, 8 set, 1984

PROJETO Torquato Neto começa hoje. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 10 jul, 1981

PROJETO Torquato Neto sai logo. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 18 fev, 1981

PÚBLICO lota o Verdão e aplaude Alcione. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 08 jun. 1982

RAIMUNDO Fagner: Homem do coração alado. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 24 nov. 1980

RITA Lee chega hoje às 9 horas. Jornal O Dia, Teresina, p. 2, 14 fev. 1981

RITCHIE em Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 28 out. 1983

ROBERTO Carlos chega hoje e canta no Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 18 jul. 1980

RORAIMA faz show com nova banda. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 1 nov. 1989

ROUPA Nova no Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 1, 19 out. 1986

SAI hoje resultado de concurso musical. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 11 set, 1984.

SALÃO de Humor será aberto quarta feira. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 25 ago. 1986

SANFONEIROS disputam prêmios em Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p.5, 19 jul. 1980
SHOW Catavento: musical. Jornal O Dia, Teresina, 10 jun. 1980
SHOW musical na Feira de Arte no próximo domingo. Jornal O Dia, Teresina, p. 5, 01 ago.
1984

SHOW de Rock começa hoje em Teresina. Jornal O Dia, Teresina, p.2, 26 set. 1987

SIVUCA e Joyce no Pixinguinha. Jornal O Dia, Teresina, p. 8, 6 nov. 1980

S.N.I joga pesado no rock piauiense. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 16 mar. 1989

TAROT comemora um ano com muita festa. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 18 nov. 1989

TERESINA será cenário artístico do Nordeste. Jornal O Dia, Teresina, p.2, 23 abr, 1988

THEATRO apresenta segunda Lena Rios com “Renascer”. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 24
dez. 1982

TISO e Leila abrem o 2ª o Pixinguinha. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 27 jun. 1988

“TODO PRAZER” no Theatro em dezembro. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 29 nov. 1980

TORQUATO Neto-82 será mais animado. Jornal O Dia, Teresina, p.9, 10 jul, 1982

TORQUATO Neto será nome de um projeto. Jornal O Dia, Teresina, p.6, 17 fev, 1981

TUDO pronto para o início do festival. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 9 ago. 1980

ULTRAJE a Rigor dia 10 no Verdão. Jornal O Dia, Teresina, p. 7, 23 nov. 1987

UM SHOW muito quente: Edvaldo Nascimento e banda. Jornal O Dia, Teresina, p. 5, 09 jan.
1981

VARANDA é a próxima atração do Torquato. Jornal O Dia, Teresina, 26 out. 1981

VII Fespapi. Jornal da Manhã. Teresina, p. 8, 29 jun. 1981

ZIZI Possi canta hoje no 4 de setembro. Jornal O Dia, Teresina, p.7, 24 abr. 1986

3- ARTIGOS E CRÍTICAS MUSICAIS

ANA Miranda: Em busca do seu lugar ao sol. Revista Presença, Teresina, n.18, p. 20, 1986

ARAÚJO, Raimundo Nonato Uchôa. Reflexões sobre um momento cultural. Veredas:


Culturarte, Teresina, n.4, p. 29-32, jul. 1988. p. 31

BRITO, Geraldo. A Geleia Gerada Entre a Broa e o Sanduíche . Jornal da Manhã, Teresina,
p.8, 2 nov, 1985
BRITO, Geraldo. Música no Piauí: anos 1960, anos 1970. Cadernos de Teresina, Teresina, n.
34, novembro. p. 54-61, 2002

CASTRO, Chico. Qual o sabor desta geleia?. Jornal da Manhã, sem data, 1985

DIAS, Janette. Candeia, uma luz na música piauiense. Cadernos de Teresina, Teresina, n.2, p.
26, 1987

DURVALINO FILHO. Vamos Cantares? Diário do Povo. Teresina, 18 abr. 1988

KRUEL, Kenard. A geleia está girando e gerando. Jornal da Manhã, p.8, 20 set, 1985

______. Publique-se e Cumpra-se. Jornal da Manhã, p.8, 18 set, 1985

LUIZ, André. Arte X Culinária. Jornal O Estado, Teresina , 02 maio. 1983

______. Cantares e quereres. Diário do Povo, 6 mar, 1988

______. Cantares: o que se faz ou o que se faz? Diário do Povo, 06 mar, 1988

______. Dançamos. O Estado, Teresina, 20 dez, 1982

______. Da produção de geleias. Jornal da Manhã, p.8, 19 set, 1985

______. Disco é voador. Diário do Povo, Teresina, 27 fev. 1988

______. E quem disse que não pode? Jornal O Estado, Teresina, 30 Maio. 1984

______. O Heavy Vivaldi do Avalon. Jornal da manhã, Teresina, caderno 2, p.1, 12 jun 1988

______. Triângulo ou sintetizador: Por que não? Revista Presença, Teresina, n. 10, p.38-39,
1984

______. Uma geleia dietética. Jornal da Manhã, p.8, 15 set, 1985

______. Um festival com reserva de mercado. Jornal da Manhã, Teresina, p. 2, 05 jun, 1988

OSÓRIO JUNIOR. O rock invade as escolas. Jornal O Dia, Teresina, p. 9, 20 abr. 1989

RAMOS, Ramsés. Geleia Gerou: mas chegou. Jornal da Manhã, Teresina, p.8, 01 set, 1985

______. Música popular piauiense. Revista Presença,Teresina, n. 9, p. 22, out-dez 1983

ROSA, Raimundo. As marcas que ficaram de um festival. Jornal O Dia, Teresina, p.10, 19
ago. 1980

4- ENTREVISTAS EM JORNAIS
CONFIRMADO: Geraldo Brito está mesmo relativamente louco! Jornal O Dia, Teresina, 27
jul. 1981

PROFISSÃO: Músico. De verdade. Diário do Povo, Teresina, p.9, 13 mar, 1988

ROCK teresinense vai ao Canadá. Jornal O Dia, Teresina, p. 10, 26 dez. 1988

5- FONTES ORAIS

BRITO, Geraldo. Geraldo Brito [14 abr. 2012] Entrevistador: Hermano Carvalho Medeiros.
Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense
concedida como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela
Universidade Federal do Piauí

COUTO FILHO, Durvalino. Durvalino Couto Filho [jan. 2012] Entrevistador: Hermano
Carvalho Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música
Popular Teresinense concedida como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em
História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí

NASCIMENTO, Edvaldo do. Edvaldo do Nascimento [13 fev. 2012] Entrevistador: Hermano
Carvalho Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música
Popular Teresinense concedida como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em
História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí

RODSAM, Wiliam. Wiliam Rodsam [jan. 2012] Entrevistador: Hermano Carvalho Medeiros.
Teresina, 2012. Arquivo digital. Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense
concedida como fonte para elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela
Universidade Federal do Piauí

SOUZA, André Luíz Oliveira Eugênio de. André Luíz Oliveira Eugênio de Souza [31 jan.
2012] Entrevistador: Hermano Carvalho Medeiros. Teresina, 2012. Arquivo digital.
Entrevista temática sobre a Música Popular Teresinense concedida como fonte para
elaboração de Dissertação de Mestrado em História do Brasil pela Universidade Federal do
Piauí

6- DISCOS

CANTARES. Rio de Janeiro: Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1987. 1


disco sonoro.

DIAS, Janette. Vai-e-vem das estrelas. Teresina: Discos Sapucaia Ltda, p1982. 1 disco sonoro

FMPBEPI. Teresina, p1980

GELEIA GEROU. Rio de Janeiro. Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo. p1985. 1 disco

GRUPO CANDEIA. Suíte de terreiro. Rio de Janeiro. p1986. 1 disco sonoro.


AVALON; MEGAHERTZ. Stop the fire /Technodeath. Belo Horizonte: Cogumelo
produções, p1989. 1 disco sonoro

VII - FESPAPI: Festival de Música Popular do Parque Piauí. Teresina: Discos Sapucaia,
p1982. 1 disco

7- FONOGRAMAS

ALMENDRA, Ico. Stop the Fire. Interprete: Avalon. In: AVALON; MEGAHERTZ. Stop the
fire /Technodeath. Belo Horizonte: Cogumelo produções, p1989. 1 disco sonoro, faixa 2.

AURÉLIO, Magno; LINCOLN, Abraão. Desejo. Interprete: Ronaldo Bringel. In: Geleia
Gerou. Rio de Janeiro: Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1985. 1 disco
sonoro. Lado A, faixa 5

COUTO FILHO, Durvalino; BRITO, Geraldo. Zeus. Interprete: Ana Miranda. In: Geleia
Gerou. Rio de Janeiro: Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1985. 1 disco
sonoro. Lado A, faixa 3

CRUZ NETO, Joaquim Antonio da. Repente. Interprete: Mira. In: Geleia Gerou. Rio de
Janeiro: Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1985. 1 disco sonoro. Lado A,
faixa 4

______. Todo Prazer. Interprete: Cruz Neto. In: FMPBEPI. Teresina, p1980

CUNHA, Paulo José; MENDES, George. Quintal de passarinhos. Interprete: Solange Leal. In:
FMPBEPI. Teresina, p1980

DIAS, Janette. Esse Brasil. Interprete: Janette Dias. In: Cantares. Rio de Janeiro: Secretaria
de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1987. 1 disco sonoro. Lado A, faixa 1

FAUSTINO, Mário; MEDEIROS; NASCIMENTO, Edvaldo. O Mundo que venci deu-me um


amor. Interprete: Edvaldo Nascimento. In: Geleia Gerou. Rio de Janeiro: Secretaria de
Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1985. 1 disco sonoro. Lado A, faixa 2

KASBAFY. Technodeath. Interprete: Megahertz. In: AVALON; MEGAHERTZ. Stop the fire
/Technodeath. Belo Horizonte: Cogumelo produções, p1989. 1 disco sonoro
Faixa 2

LÁZARO; MIRANDA, Rubeni. Desafio. Intérpretes: Rubeni Miranda; Lázaro. In:


FMPBEPI. Teresina, p1980

MELO, Aurélio; RODRIGUES. Pedra do Sal. Interprete: Grupo Candeia. In: FMPBEPI.
Teresina, p1980

RAMOS, Garibaldi. Nós. Interprete: Ronaldo Bringel; Rosa Lobo. In: Geleia Gerou. Rio de
Janeiro: Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí, p1985. 1 disco sonoro. Lado A,
faixa 1
ROCHA, Naeno. Milagre na terra. Interprete: Naeno Rocha. In: FMPBEPI. Teresina, p1980

RODRIGUES, Zé; RUBENI. Num-Se-Pode. Interprete: Candeia. In: GRUPO CANDEIA.


Suíte de Terreiro. Rio de Janeiro. p1986. 1 disco sonoro. Lado B, faixa 6.

SANTOS, José Luis. Reconstrução. Interprete: José Luís Santos. In: FMPBEPI. Teresina,
p1980

BIBLIOGRAFIA

ADORNO, Theodor. Indústria cultural – o Iluminismo como mistificação das massas.


In:______. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002

ALEXANDRE, Ricardo. Dias de luta: o rock e o Brasil dos anos 80. São Paulo: DBA Artes
Gráficas, 2002

ALMEIDA, Gabriela Sandes Borges de. Projeto Pixinguinha: 30 anos de música e estrada.
2009. Dissertação (Mestrado em História Política e Bens Culturais) – Centro de Pesquisa e
Documentação da História Contemporânea do Brasil, CPDOC

BEZERRA, Feliciano. Nós e o Elias. In: OEIRAS, Joca (org). No Nós & Elis a gente era feliz
– e sabia. Teresina: Gráfica Halley, 2010, p. 45

BONAZZI, Chantal de Tourtier. Arquivos: propostas metodológicas. In: AMADO, Janaína;


FERREIRA, Marieta de Moraes (Coord.). Usos e abusos da história oral. São Paulo: FGV,
2005. p. 233-246

CASTELO BRANCO, Edwar de Alencar. Todos os dias de paupéria: Torquato Neto e a


invenção de tropicália. São Paulo: Annablume, 2005

CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009

CONTIER, Arnaldo Daraya. Música no Brasil: História e Interdisciplinariedade Algumas


Interpretações (1926-80). In: Simpósio da Associação Nacional dos professores de história,
1991, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 1991. p.151-189

COSTA, Fernando Muratori. Seu gosto na berlinda: Um estudo do consumo musical nos anos
1970. 2012. Dissertação (Mestrado em História do Brasi) – Centro de Ciências Humanas e
Letras, Universidade Federal do Piauí, Teresina

DAPIEVE, Arthur. Brock: o rock brasileiro dos anos 80. Rio de Janeiro: Ed.34, 2005

FAVARETTO, Celso Fernando. Tropicália: alegoria alegria. 2.ed.rev. São Paulo: Ateliê
Editorial, 1996

GOMES, Ângela de Castro. Guardiã da memória. Acervo – Revista do Arquivo Nacional, Rio
de Janeiro, v.9, nº1/2, p.17-30, jan/dez 1996
GONZÁLES, Juan Pablo; ROLLE, Cláudio. Escuchando el pasado: hacia una história social
de la música popular. Revista de História, São Paulo, n.157, p.31-54, 2007

HALBWACHS, Maurice. A memória Coletiva entre os músicos. In: A Memória Coletiva. São
Paulo: Centauro, 2006, p. 193-222

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1999

MORAES, José Geraldo Vinci. História e música: canção popular e conhecimento histórico.
Revista Brasileira de História, São Paulo, v.20, n.20, p.203-221, mar. 2000

______. Metrópole em sinfonia: História, cultura e música popular em São Paulo nos anos 30.
São Paulo: Estação Liberdade, 2000

NAPOLITANO, Marcos. A historiografia da música popular brasileira (1970-1990): Síntese


bibliográfica e desafios atuais da pesquisa histórica. ArtCultura, Uberlândia, v. 8, n. 13, p.
135-150, jul-dez. 2006

______. A síncope das ideias: a questão da tradição na música popular brasileira. São Paulo:
Editora Fundação Perseu Abramo, 2007

______. Cultura brasileira: Utopia e massificação (1950-1980). São Paulo: Contexto, 2008

______. História & Música. Belo Horizonte: Autêntica, 2005

______. História e música popular: um mapa de leitura e questões. Revista de História, São
Paulo, n.157, p.153-172, 2007

______. Seguindo a canção: engajamento político e indústria cultural na MPB (1959-1969).


São Paulo: Versão Digital, 2010. Disponível em:
<http://pt.scribd.com/doc/49477747/39107265-SEGUINDO-A-CANCAO-digital>. Acesso
em 13 set. 2011

NERY, Emília Saraiva. Devires da música popular brasileira: as aventuras de Raul Seixas e
as tensões culturais no Brasil dos anos 1970. 2008. Dissertação (Mestrado em História do
Brasi) – Centro de Ciências Humanas e Letras, Universidade Federal do Piauí, Teresina

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto história: Revista
do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da
PUC-SP. São Paulo, p 7-28, 1981. Disponível em: <
http://www.pucsp.br/projetohistoria/downloads/revista/PHistoria10.pdf>. Acesso em: 19 jul.
2012.

PIETROFORTE, Antonio Vicente. Uma imagem da música: Análise semiótica de uma capa
de disco. Cadernos de Semiótica Aplicada . v. 2. n.2, p. 7-8. dez. 2004. Disponível em:
http://www.fclar.unesp.br/grupos/casa/CASA-home.html.

ROCHA, Pedro Cesário da. História e Música: a memória da música na cidade de Picos.
Teresina. 2011. Monografia (Licenciatura Plena em História) – Universidade Federal do
Piauí, Picos
ROCHEDO, Aline do Carmo. Rock- A arte sem censura As capas dos LPs do BRock dos
anos de 1980. História, imagens e narrativas, n.13, p.1-40, out.2011

RODRIGUES, Jeany da Conceição de Maria. No tempo dos festivais: história e música no


Piauí (1960 – 1980). Teresina. 2005. Monografia (Licenciatura Plena em História) - Centro de
Ciências Humanas e Letras, Universidade Federal do Piauí, Teresina

VASCONCELOS JUNIOR, Francisco das Chagas Paiva de. A emergência da música popular
em Teresina (1970-1990). Teresina. 2008. Monografia (Especialização em História) –
Faculdades Integradas de Jacarepaguá, polo Teresina

VICENTE, Eduardo. Música e disco no Brasil: A trajetória da indústria nas décadas de 80 e


90. 2002 .Tese. (Doutorado em Comunicação) - Escola de Comunicação e Artes da
Universidade de São Paulo, São Paulo

WISNICK, José Miguel. O coro dos contrários: a música em torno da semana de 22. São
Paulo, Duas Cidades, Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1977

______. O som e o sentido: uma outra história das músicas. São Paulo: Companhia da letras,
2009

WEBSITES

http://www.abmi.com.br

http://www.dicionariompb.com.br

http://www.digiorgio.com.br

http://www.observatoriodaimprensa.com.br
ANEXO
O CD em anexo é uma compilação de algumas canções dos discos analisados neste
trabalho. Seu intuito é o de possibilitar o contato com as produções musicais aqui analisadas
para além do texto escrito. A seleção das músicas obedeceu a critérios como a menção das
composições no corpo do texto, bem como a visibilidade que algumas delas ganharam no
período. Tal seleção traz consigo as marcas da subjetividade do autor que deixou escapar,
propositalmente, algumas de suas preferências. Espera-se que estas músicas ajudem na leitura
e no vislumbre proposto pelo texto. Boa audição.

Você também pode gostar