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MPG cece ct 8 = janeizo/fevereire/margo de 2007 3.1.2 Atividade politico-partidiiria por membros do Ministério Piblico: anilise da alinea “e” do inciso II do § 5° do artigo 128 na redacio da Emenda Constitucional n.” 45/2004 Renato Franco de Almeida Assessor Especial da Coordenadoria de Controle da Consttucionatidade do Ministerio Piblico do Estado de Minas Gerais. Promotor de Justica de Defesa do Consumidor em Belo Horizonte. Especialis- ‘ta em Direto Pili. Mestre em Dircto e Insiuigaes Potiticas. Doutorando em Ciéncias Juridicas & ‘Socials pla Universidad de! Museo Social Argentino. Professor de Pés-Graduago lato sens E-mail: renatofranco@np.mg.gox br RESUMO: Anaisa a consttucionalidade da Emenda Constitucionaln.° 45/2004 i uz dos direitos politicos exercidas pelos membros do Minis- teria Palco. PALAVRAS-CHAVI E: Fmenda Constitucional: Inconstitucionalidade: Principio Democrético, RESUMEN: Anatiza la constincionalidad de la Enmienda Constitucionaln.* 45/2004 a luz de os derechos politicasejereidos por los miembros del Piblico Ministerio PALABRAS-LLAVES: Enmersia Constitucfonal; Inconstituctonalidad; Principio Demoerdticn. 1 Introdugio A Emenda Constitucional (EC) n.° 45, de dezembro de 2004, denominada “Reforma do Judieiério”, introduziu mudancas ‘cujo objeto vai muito além daquilo que seu apelido possa refleti. Deefeito, e nfo obstante a aleunha, areferida Emenda trouxe mo- dificagdes em todas as InstituigBes cujas fungGes slo consideradas pela Constituigdio como essenciais i Justiga, Nese panorama, © presente trabalho tem por escopo analisar, lo que conceme a Instituigdio do Ministério Pablico, a ‘mudanga introduzida pela supracitada Emenda quanto a0 exer cicio de atividade politico-partidaria pelos membros do Parquet, cis que, pensamos, possaseressa, entre outras, a maior perda que a Insttuigo ministerial auferiu com a sobredita Reforma, Nao obstante, estamos que a redagdo proposta pela EC ‘no 45/2004 — quando enceta a proibigdo absoluta do exercicio de atividade politco-partidéria por Promotores e Procuradores de Justiga ~ padece de claro vicio de inconstitucionalidade, por no se conformar com prineipios maiores plasmados no nosso diploma constitucional. ‘A outro giro, a questo no é meramente académica, a tendo sido objeto de apreciaglo pelo Conselho Nacional do Mi- nistério Pablico (CNMP), que editou a Resolugdo n° 5, de 20 de ‘argo de 2006, sobre o tema Entretanto, esse Oraio, a nosso sentir, ficou a meio ca- ‘minho do destinde da questto, uma vez que, a0 aderit ao voto- condutor do eminente Consetheito Paulo Sérgio Prata Rezende, proferide no processo n.° 0,00.000.000006/20005-8 (CNMP) ~ segundo o qual a proibigo absoluta somente atingiria aquele ‘membro que ingressou na Instituig2o apés a promulgagio da Emenda — deslembrou que os préprios fundamentos do voto levam_ 6 intérprete & concluso de que a Emenda em sie no particular é incompativel com o texto constitucional por malferir um direito individual. Destarte, 0 objetivo do presente estudo é demonstrar essa particular incompatibitidade da Emenda Constitucional n.° 45/2004 como texto rigido da Constituigio de 1988 co equivoco perpetrado pelo CNMP. 2 Os direitos politicos como direitos fundamentals e a possibilidade de sua restrigiio ‘Caminhou o Conselho Nacional do Ministério Péblico no sentido de que os direitos politicos sto direitos fundamentais simile do quanto ocorre com aqueles previstos nos arts. 5° 2 7° dda Constituigio da Repiblica, Conquanto o acerto quanto a naturcza intangivel desses 1s, forgoso criticar a solugo encontrada pelo CNMP, a qual restou consignada na Resolugao n.° 5, de 20 de margo de 2006, uma vez que se mostra contraditéria com seus préprios fundamentos. De efeito, & possivel extrair do voto-condutor: A analise que farei basea-se, primordialmente, na seguinte assertiva: no se tata apenas de verifieagdo da possivel exis- ‘@ncia de direito adguirido a reyime juriieo, mas também, « principalmente, de harmonizagao da Emends n. 45 com as, ® 1 ea ‘nommas constitucionais que cuidam dos direitos politicos. E continua o eminente Relator: Ouira baliza importante a ser considerada é @ proibiglo de Emenda Constitucional endente a abolir os direitos ¢ garan- tins individuals (art. 60, § 4°, ineiso IV da Constituigdo). Portant, a vinculagdo do estudo da situacdo ora em anise apenas 3 existéncia de direito adquitido a regime juricico deixa de lado um fator de extrema importaneia: a perda de itos politicos passivos (dreito de servotado) detoda um classe que os possuia, pois, na redagio anterior do dispositive constitucional alterado, os membros do Ministério Publico cestavam proibidos de exercer atividade politco-partdiri, salvo nos easos de exeegdes previstas em leis da, sempre se enfendeu que oafastamento da careira, a qualquer ttulo—por cexemplo, licenga ~, gerava a possbilidade de candidatura & cargo cletive Apés, conelui que: Em face do exposto, chego is seguintes conclusdes quant ‘0 exercicio de atividade politice-purtidria por membros do Ministerio Pablico: 4) 0s membros do Ministrio Publica que ingressaram na carrera ap6s a promulgagao da Emends Consitucionaln. 45 estio proibidos de exerceratvidade politco-partdara: ) a vedagao do art 128, § 5°, Il, e, da CF, em sua nova redagdo, ni aleanga os membros do Ministério Publico que ingressaram na cameira antes da promulgaggo da Emenda, podendo, inclusive, permanseer no exereicio de mandate eletive agueles que se encontravam em tal situago na ree feria data Infere-se,a toda evidéneia, das partes transcritas do voto, « preocupagao do Relator com a aboligao, por meio de Emenda Constitucional, de direitos fundamentais, 0 que entendeu ser inconeebivel & luz do quanto disposto no art. 60, § 4°, IV da CRI88. Com efeito, @ andlise do documento constitucional promulgado em 1988 nos induz a algumas conclusBes no que concerne aos direitos fundamentais. E possivel inferir dai que ‘6 direitos fundamentais podem ser restringidas, na medida de sua necessidade, porém no poderdo, em hipdtese alguma, ser extintos (abolidos). Isso porquanto 0 artigo 60 da Consttuigao, ao instituir as chamadas “clausulas pétreas”, proibe, de forma peremptéria, a extingdo dos direitos e garantias individuais (at. 60, § 4°, 1V da CR). Via de conseqiiéncia, ¢ mister firmara tese segundo qual © Poder Constituinte Derivado ou Reformador, como ¢ cedigo, est limitado pela cldusula supracitada, estando proibido de ex- tinguir(ouabolir, na linguagem consttucional) quaisquer direitos ¢ garantias individuais Bem ao sabor da teoria de Ronald Dworkin (2002) e Ro- bert Alexy (1993), a atual Constituigdo da Repiiblica franqueta a ponderagao baseada na proporeionalidade, na hipétese de eon- ‘lito conereto entre os principios ali previstos, no que conceme especificamente sua restrigao. Todavia, obsta a sua extinga0 nas perspectivas abstrata e concreta, F que. como afirma Dworkin, enquanto a regra possui seu cédigo de abordagem no lcitoilici- 10, 0s principias ofertam uma orientag2o que, uma ver seguida, ni extinguiré definitivamente o grau de vineulagdo que outro prineipio possa oferecer (DWORKIN, 2002, p. 39). Assim, em lum conflito de regras, uma prevalecera em detrimento de outra, sendo que a preteridarestard extinta ou tera declarada sua invali- dez, segundo os padres aceitos do sistema juridico em questi. WL Ano IT n, 6 ~ jeneiz0/tevereizo/marco de 2007 © mesmo nio ocorte com os principios. Em eventual conflito aparente destes, aquele que prepondera ndo extingue a forga vvinculante do outro, senio no caso apreciado, diante da opgio feita pelo primeiro, Enfim, os principios enunciam “uma razio que conduz.o argumento em uma certadiregdo [." (DWORKIN, 2002, p. 41). Por efeito, os principios possum uma dimensio {que as regras nao tém, a dimensao do peso ou imporidncia, uma ‘Vez que, no que toca aquelas, ou so aplicdveis ou nfo 0 so na regulamentagao de um determinado comportamento. “Mas no podemos dizer que uma regra € mais importante que ‘uta enquanto parte do mesmo sistema de regras, de tal modo aque, se duasreprasestio em confi, uma supanta a outra, em virtude de sua importineia maior Se duas repr entram, em confit, uma delas nto pode ser vida. (DWORKIN, 2002, p. 43) Se é possivel sopesar prineipios em aparente conflito, conereto ou abstrato, na ambigncia constitucional positiva atual, abstratamente, no se mostra constitueionalmente adequado cextipar direitos que denotam direitos fundamentais ou sio des- dobramentos de prineipios fundamentais da prépria Repiblica Federativa Com efeito, na medida em que os direitos politicos encer- ram, desenganadamente, um desdobramento de prinefpio funda- ‘mental, traduz-se sua restrigo ou aboligio, através de emenda 2 Constituigdo, em subversdo do sistema constitucional vigente, ‘em um dos seus mais importantes ditecionamentos abstratos: 0 principio democratico. ‘Nessa linha de raciocinio légico-formal, José Afonso da Silva (1994, p. 305) conceitua direito politico como aquele consistente na dlisciplina dos metas necessirios ao exercico da soberania popular, © qu, em essénca,equivae, para 0 regime repe- sentative, & nogéo dada por Rosah Russomano, para quem 0 “direitos politicos, visualizades em sua acepedo restrta, encamamo poder de que spd oindividuo para interfer na estrutura govemamentl, airavés do voto." (Grifo do autor) Destarte,a obstrugdo desse exereicio da soberania popular (regime demoeritieo-representativo) mostra-seinadequadana me- «lida em que suprime ou restringe, de uma parcela da populagzo, © direito de ser votada. B, frise-se, mesmo para a sua restrigao, ‘mister a ponderagdo entre os direitos envolvidos, em face da natureza fundamental dos direitos politicos. E que, como ensina Gilmar Ferreira Mendes (202, p.211), “O dimbito de protegao de ‘um direto fundamental abrange os diferentes pressupostos fiticos (Tatbestéinden) contemplades na norma juridica (x: g.reunir-se sob determinadas condigdes) ea conseqliéneia comum, a protegio fundamental.” (Grifos do autor) Para o descobrimento do dimbito ce proter io de determina do direito fundamental, o Ministro do Supremo Tribunal Federal (2002, p. 212-3) propée: Nao obstante, com o propésito de lograr uma sistematizagio pode-se afrmar que a defnigdo do dmbito de protecdo exize ‘ analise da norma consttucional garantidora de direitos, tendo em vista (aa identificagto dos bensuridicos protegidos e amplitude dessa protege (imbito de provee oda norma): (b) a verificagdo das possiveis restrigdes contempladas, expressamente, na Constinigae (expressa reiedo constitu. ional) eidentifcagio das reservaslegais de indole resiritiva. (Grifos do autor) Acolitando tais escélios, & possivel extrair 2 conclusio ® MPG cece ct segundo a qual as hipdteses fiticas dos direitos politicos, em uma democracia de earéter representativo, radica na possiblidade do hhomem-social votar¢ ser votado, enquanto 0 aspecto conseqiien- cial refere-se aos direitos de participago no Governo, ativa ou passivament. Fixadas as premissas nevessérias, impende reconhecer que EC n.? 45 ~ na medida em que abole os direitos politicos dos ‘membros do Parjuet est maculada pela inconstitucionalidade, por extinguir direitos fundamentais através de Poder Constituinte Reformador. ‘Nossa Suprema Corte, de seu tumo, acolhendo as liges doutrindrias mais consentineas com o texto constitucional po- sitivo, deixou consignado na Medida Cautelar na Ago Direta de Inconstitueionalidade (ADI) 939-7/DF, Relator Min. Sydney ‘Sanches, que malfere cldusula pétrea Emenda Constitucional que bole principio da anterioridade tributiria. possivel colheressa ligo do voto do Ministro Celso de Mello, do seguinte teor: [1] admitir que © Unito, no exercicio de sua competéneia residual, ainda que por emenda constitucional, pudesse excep- cionar a aplicagao desta garanta individual do contribuinte, plica em canceder a0 entetributante poder que © const tuinteexpressamente The subiaiu ao vedar a deliberagto de proposta de emenda d consttuigdotendente aaboliros direitos © garantas individuais constitucionalmente assegurads, Forgoso ¢ admitir, portanto, que, neste particular, o Con- selho Nacional do Ministério Piblico, a0 entender que a nova cliusula constitucional somente se aplica Aqueles membros ue ingressaram na Insttuigaio apés a promulgagéo da Emenda Constitucional n.° 45/2004, ficou a meio caminho do deslinde 4 Bibliografia I~ n. 8 ~ janeizo/fevereiro/nargo de 2007 da questo mais adequado ao texto constitucional, eis que no islumbrou que a propria EC, no particular, & inerentemente inconstitucional, & luz da doutrina c jurisprudéncia regentes do tema. Destarte,fixou aquele Conselho, através da Resolugao n.° 3, que: “Art. 1" Esto proibidos de exercer atividade poltco-paridria (0s membros do Ministério Publico que inressaram na carreira ups publicagio da Emenda n° 45/2004". Divisa-se, portanto, 0 equivoeo perpetrado pelo CNMP na ‘medida em que proibe aos memibros do Parquet que ingressaram na Instituigdo apés a promulgagao da EC n:°45/2004 0 exereicio de atividade politico-partidaria, acolhendo norma juridica (EC) inconstitucional, por malferitdeito fundamental, desdobramento do principio democratico. Em compéndio, por se tratar de especie de direito funda- ‘mental, faz-se mister referir que os direitos politicos estio imunes 8 eliminagio por forga de reforma que venha a ser operada na através do Poder Constituinte Derivado ou Refor- mador, em razio de estarem aqueles confinados no nicleo fixo do texto constitucional 3 Conelusio A guise de conclusio, licto se mostra afirmar que, 20 contri do quanto dsposto na Resolugion.*5, de 20 de margo de 2005, do Conselho Nacional do Ministério Pablic, todos os membros do Parguct, independentemente da data de ingresso na Insttuigio, poderdo exerceratividades politico-partidérias nos limites que a lei de repéncia estabelecer,diante da cristalina inconstitucionalidade da alinea “e™ do inciso II do § 5° do art. 128 da Constituigdo da Republica, na redagdo ofertada pela Emenda Constitucional n° 45/2004, ALEXY, Rober. Teor de Jos derechos fulamoniales.Tradugio de Ernesto Garain Valdés. Madd: Centro de Estudios Polis y Constuionales, 1983, 607», WORKIN, Ronald. Levan os direitos asrio. Trad de Nelson Bosra Sdo Paulo: Martins Fontes, 2002, S68p. MENDES, Gilmar Femein: COELHO, Inocéncio Maire: BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermentutica conttincional e cietosfundamentts. Basia: Brasilia Juridica, 2002. 32p. SILVA, Jose Afbaso da. Curso de deta conuttucional postive. 9. ev. Sao Paulo: Mahe, 1994. 768

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