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Leon Trotsky e o Direito
Leon Trotsky e o Direito
***
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1 - A VIDA DE TROTSKY
***
INTRODUÇÃO
Trotsky foi um grande líder político e teórico voltado aos problemas práticos
relativos à revolução socialista e à situação da Rússia. Sua atividade intelectual se
encontra profundamente ligada a sua atuação prática, ou seja, refere-se de um modo
1
Artigo escrito em 2011 no contexto do grupo de pesquisa “Cidadania e direito pelo
olhar da filosofia: tipologia da ação jurídica e política na teoria Marxista”, coordenado
pelo Prof. Alysson Barbate Mascaro.
2
Doutorando em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo e Mestre em Direito
Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
3
Mestre Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
4
Graduando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
geral aos problemas concretos do tempo em que vivia. Isto resta claro mesmo com um
rápido olhar pelos títulos de suas principais obras, como por exemplo, A Revolução
Permanente, A Revolução Traída e A História da Revolução Russa.
Neste artigo nosso intuito é seguir por este caminho de uma “reconstrução
teórica”, buscando compreender na teoria de Trotsky os pontos relevantes para a análise
do direito e como eles se articulam com sua compreensão do capitalismo e da transição
para uma sociedade emancipada. Isso não significa, no entanto, que devamos nos abster
de conhecer minimamente sua história de vida. Sempre que analisamos uma teoria é
relevante entender como ela encontra na realidade social seu locus de nascimento, que
5
O Marxismo de Leon Trotsky, Álvaro Bianchi. Disponível em:
http://www.pstu.org.br/teoria_materia.asp?id=4065&ida=29. Acesso em: 05 de
fevereiro de 2013.
6
Leon Trotsky. 1905. Resultados y perspectivas. Paris: Ruedo Ibérico, v. 2, 1971, p.
172.
relações formam a realidade que tornou aquele modo de pensar possível. Por isso, uma
breve análise cronológica visando à contextualização da vida e obra de Trotsky se faz
necessária. No entanto, como o foco deste trabalho é a construção da filosofia jurídica a
partir do pensamento do autor - bem como a análise de suas conseqüências, desde já
avisamos que este feito será realizado do modo mais breve possível.
1 - A VIDA DE TROTSKY
8
DEUTCHER, Isaac. TROTSKY – O Profeta Armado. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1968. P. 74
9
L. Trotsky. Sochinemia, II, livro 2, pags 142-3 apud DEUTCHER, Isaac. TROTSKY –
O Profeta Armado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. P. 180.
governo provisório e dando início a Revolução de Outubro (que na realidade seria hoje
a “Revolução de Novembro”, segundo o nosso atual calendário gregoriano).
Antes de sua morte, Lênin cria o cargo de Secretário Geral e indica Stalin
para esta nova e poderosa função. Este utiliza todo o poder do cargo para minar a base
de apoio trotskysta, excluindo aqueles que apoiavam o Comissário do Povo para
Guerras ao mesmo tempo em que realizava inúmeras novas indicações dentro do
partido, criando uma burocracia dependente de seu poder e que estava ciente de que sua
permanência no partido dependia da efetivação do Secretário Geral como líder do
partido.
Em seu novo exílio Trotsky foi expulso de vários países em que buscou se
estabelecer, especialmente por dois motivos: o primeiro deles era a força com que Stalin
usava seu aparelho diplomático para exercer pressão política e econômica sobre os
10
Garza, Hedda. Trotsky. São Paulo: Nova Cultural, 1987. P.73.
países que aceitassem o pedido de asilo feito por Trotsky; o segundo motivo se dava por
conta das frequentes tentativas de internacionalizar a revolução do proletariado, levando
em consideração sua teoria do desenvolvimento desigual e combinado, que será
desenvolvida e explicada no decorrer desse artigo. Estava, por assim se dizer, entre a
cruz e a espada: os países imperialistas o expulsavam por receio de suas atividades
revolucionárias, enquanto os países simpáticos à URSS o expulsavam por conta da
perseguição estalinista.
Neste período de exílio, viveu na Turquia (1929 até 1933), na França (1933 a
1935) e na Noruega (1935 a 1937), tendo passado seus últimos três anos de vida no
México, onde foi assassinado em 21 de agosto de 1940, por Ramón Mercader,
assassino provavelmente contratado pela polícia secreta de Stalin. Nestes últimos anos
de exílio, dedicou-se a aprofundar suas teorias da revolução permanente e do
desenvolvimento desigual e combinado, que já haviam sido concebidas anteriormente.
Além disso, também escancarou para o mundo o totalitarismo da burocracia stalinista
que reinava na Rússia em obras como A Revolução Traída. Trotsky chegou mesmo a
dizer em Estado Operário, Termidor e Bonapartismo, buscando uma nova estrutura
política soviética, que:
12
SAGRA, Alicia. Os 70 anos da Quarta internacional. Disponível em:
http://www.pstu.org.br/teoria_materia.asp?id=9084&ida=75, acessado em 21 de
novembro de 2010.
campo e a distribuição de terras aos camponeses. Nesse passo, Michel Löwy afirma que,
se havia alguma disputa entre as frações da Social-Democracia Russa, esta repousava no
papel do proletariado na revolução burguesa e suas alianças de classe: privilegiaria a
burguesia liberal (mencheviques) ou o campesinato (bolcheviques)? 13 Conforme analisa
o autor, Trotsky foi o primeiro e por muitos anos o único a colocar em questão esse
“dogma sacrossanto”. Ele foi, antes de 1917, o único a considerar não somente o papel
hegemônico do movimento operário na revolução russa – tese defendida também por
Parvus, Rosa Luxemburgo e, em certos textos, Lênin – mas também a possibilidade de
ultrapassar e superar a revolução democrática burguesa transformando-a imediatamente
em revolução socialista.
13
LOWY, Michel. O Profeta da Revolução de Outubro. Outubro, 1999, São Paulo, nº.
3, pp. 53-61. ISSN 1516-6333.
14
É importante ressaltar que análises feitas por Marx já no fim de sua vida apontavam
para a possibilidade de uma revolução socialista na Rússia.
15
Conforme analisa Michel Löwy: “O termo „revolução permanente‟, parece ter sido
inspirado por a Trotsky por um artigo de Franz Mehring na Neue Zeit de novembro de
1905; mas o sentido que lhe atribuía o socialista alemão era muito menos radical e mais
vago do que ele vai receber nos escritos do revolucionário russo. Trotsky foi o único a
ousar sugerir, desde 1905, a possibilidade de uma revolução executando „tarefas
socialistas‟ – a expropriação dos grandes capitalistas na Rússia – hipótese rejeitada
pelos outros marxistas russos como utópica e aventureira.” in LOWY, Michel. O
Profeta da Revolução de Outubro. Outubro, 1999, São Paulo, nº. 3, pp. 54. ISSN 1516-
6333.
16
Como explica Knei-Paz: “a expressão revolução do atraso não se encontra na obra de
Trotsky (...) a expressão mais conhecida “revolução permanente” (...) também não foi
criada por Trotsky, mas por ele aceita; ela pode, contudo, levar a equívocos, se implica
a idéia de uma revolução sem fim, estranha ao pensamento de Trotsky, que pensava em
da teoria e dos instrumentos conceituais do marxismo à análise da mudança nas
sociedades pré-capitalistas subdesenvolvidas”17. Trotsky formula esta teoria após ter
conhecido Alexandrer Helphand “Parvus”, que escreveu o prefácio de um artigo seu
sobre a situação da Rússia em 1905, após o massacre peticionista.18
Conforme analisa Michel Löwy19, Trotsky sem dúvida foi influenciado por
Parvus, porém, ressalva que este último jamais foi além da idéia de um governo
operário cumprindo um programa estritamente democrático (burguês): ele queria mudar
a locomotiva da história, mas sem sair dos seus trilhos.
20
TROTSKY, Leon. A Revolução Permanente. São Paulo, Expressão Popular, 2007,
p.137-138.
21
História da Revolução Russa, p.19
materiais e ideológicas das nações avançadas, ou melhor, são obrigados a assimilá-las
antes do “prazo previsto”, saltando, deste modo, por toda uma série de etapas
intermediárias. Porém, prossegue o autor, este salto não é, de forma alguma, absoluto,
estando sempre condicionado, em última instância, pela capacidade de assimilação
econômica e cultural do país.
22
TROTSKY, Leon. História da Revolução Russa (Tomo I). São Paulo: Sundermann,
2007, p. 20-21.
23
Ibid, p. 21.
avançados” 24, sendo que em alguns casos o ultrapassava. É, pois, essa contradição, não
somente a que possibilitaria uma revolução na Rússia, mas, precisamente, que essa
revolução fosse encabeçada pelo proletariado.
Por outro lado, Michel Löwy coloca a questão sob outra perspectiva, que
apesar de apontar a revolução permanente como uma possibilidade, afirma que com a
influência de fatores subjetivos e objetivos pode ser concretizada, nas palavras do
mesmo:
26
LOWY, Michel. O Profeta da Revolução de Outubro. Outubro, 1999, São Paulo, nº.
3, p.55. ISSN 1516-6333.
27
TROTSKY, Leon. “O que foi a revolução de outubro” in Revista Civilização
Brasileira, Ano III – Caderno Especial n. 1 - Novembro, 1967, p. 143-144.
do seu desenvolvimento, a revolução democrática se transforma
diretamente em revolução socialista, tornando-se, pois, uma
revolução permanente.”28
Tal teoria encontrou forte repúdio por parte da burocracia soviética, já que ela
colocava em questão a possibilidade da continuação da União Soviética como estava,
principalmente por conta de suas ações no exterior. Enquanto Stálin apoiou, na China, a
palavra de ordem da “ditadura do proletariado e do campesinato”, Trotsky julgava esta
posição equivocada, já que favorecia tendências pequeno-burguesas e impedia o
desenvolvimento da real consciência de classe, prescrevendo que a ditadura é do
proletariado em aliança com o campesinato:
Esta alegada diferença entre o pensamento dos dois talvez possa explicar seus
“desentendimentos” antes da revolução, como por exemplo, o ocorrido à época da cisão
30
Ibid. p. 208
31
Como explica Knei-Paz: “A revolução do atraso do século XX devia assumir a forma
de uma “revolução combinada”, isto é, na qual agissem juntas as forças resultantes de
duas era históricas, diferentes mas agora ligadas no tempo: a da revolução agrário-
burguesa e a da revolução industrial-socialista”. KNEI-PAZ, Baruch. “Trótski:
revolução permanente e revolução do atraso” in HOBSBAWM, Eric J. (org.). História
do marxismo V, op. cit., p. 182.
32
Conclusão alcançada por outro autor: “Parece evidente que Trotsky, diferentemente
de Lênin, atém-se à tipologia determinista-voluntarista da ação política”. Ibid., p. 194.
33
STRADA, Vittorio. “Lênin e Trótski” in HOBSBAWM, Eric J. (org.). História do
marxismo V, op. cit., p. 153.
entre bolcheviques e mencheviques, quando chega a acusar Lênin pessoalmente de,
entre outras coisas, ser uma “reles caricatura da trágica intolerância do jacobismo”34 e,
depois, quando do tratado de Brest-litovsk35. Tal crença em sua própria teoria o fez
criticar ferozmente o bolchevismo na cisão, dizendo que se ele não fosse erradicado e
destruído, ele acabaria por destruir a social-democracia e qualquer perspectiva de
realizar o socialismo na Rússia. No entanto, como observa Vittorio Strada “a teoria do
„desenvolvimento combinado‟ e da „revolução permanente‟ tinha um vazio: a
organização do partido revolucionário”.36
Mais tarde, porém, Trotsky iria perceber que sua teoria, ainda que
correspondesse à realidade, sem uma ação prática não poderia levar ao desabrochar da
revolução37. Isso o fez se unir a Lênin e seu partido revolucionário em 1917, revendo
suas opiniões anteriores, o que o levaria a dizer que tinha cedido anteriormente a um
“otimismo fatalista”38 e que todas as condições “suficientes para que irrompesse a
revolução eram, porém, insuficientes para assegurar a vitória do proletariado”39, pois
faltava o Partido Bolchevique. Sobre isso afirmou também que “nenhuma receita tática
poderia dar vida à Revolução de Outubro se a Rússia não a levasse nas suas próprias
entranhas. O partido revolucionário não pode desempenhar outro papel senão o de
parteiro que se vê obrigado a recorrer à operação cesariana”.40
34
Sobre as críticas de Trotsky a Lênin ver KNEI-PAZ, Baruch. “Trótski: revolução
permanente e revolução do atraso” in HOBSBAWM, Eric J. (org.). História do
marxismo V, op. cit., p. 192-193.
35
Quando Trotsky fez oposição à Lênin pois “afirmava que a ofensiva alemã terá
influência sobre o movimento operário internacional e suscutará um impulso
revolucionário de apoio ao poder soviético”. BETTELHEIM, Charles. A luta de classes
na União Soviética: primeiro volume (1917-1923). Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2ª ed.
1979, p. 339.
36
STRADA, Vittorio. “Lênin e Trótski” in HOBSBAWM, Eric J. (org.). História do
marxismo V, op. cit., p. 150.
37
Como escreve Knei-Paz: “Trotsky, naquele momento em que o tempo histórico, mais
do que uma aceleração, conhecia um paroxismo, captou a maturidade da situação para a
sua “revolução permanente” e aceitou o partido de Lênin como o último elo que faltava
à sua construção”. Op. Cit., p. 171.
38
TROTSKY, Leon, APUD KNEI-PAZ, Baruch. “Trótski: revolução permanente e
revolução do atraso” in HOBSBAWM, Eric J. (org.). História do marxismo V, op. cit.,,
p. 195
39
TROTSKY, Leon. “O que foi a revolução de outubro” in Revista Civilização
Brasileira, op. cit., p.145.
40
Ibid., p.138.
bolchevismo, teve repercussão em sua teoria, pois se nos anos da cisão ele considerava
que o centralismo do partido poderia levar ao fim da possibilidade de socialismo na
Rússia, depois passou a defender o partido único, negando-se a admitir que o embrião
do stalinismo pudesse já se encontrar neste papel desenvolvido pelo partido desde antes
da revolução. Isto em parte explica sua concepção de traição da revolução por parte da
burocracia, já que ele não podia admitir que o desenvolvimento desta fosse decorrente
lógico do bolchevismo.41
41
“De qualquer modo, Trotsky insistiu em que não se podia de modo algum concluir
que o “stalinismo” já estivesse “contido em potência no centralismo bolchevique” e aqui
o Trotsky bolchevique-leninista renegava o Trotsky menchevique de “As nossas Tarefas
Políticas”, de 1904, que profetizara o destino despótico do bolchevismo”.
SALVADORI, Massimo L.. “A crítica marxista ao stalinismo” in HOBSBAWM, Eric J.
(org.). História do marxismo VII: o marxismo na época da Terceira Internacional: a
URRS da construção do socialismo ao Stalinismo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986,
p.318.
42
TROTSKY, Leon. A Revolução Traída. São Paulo, Centauro, 2007, p. 91
claramente que Trotsky via necessidade, postulada por Marx, do Estado e do direito
desaparecerem, sendo para ele da ditadura do proletariado a incumbência de planejar
este desaparecimento, uma vez completada a expropriação dos exploradores: “O Estado
que realiza a ditadura tem por tarefa derivada, mas absolutamente primordial, preparar a
sua própria abolição” 43.
Analisando sua teoria da revolução permanente temos que dos três pontos que
a constituem, o principal ponto em que Trotsky se baseia para justificar o erro do
stalinismo e a não completude do socialismo na URSS, denunciada pela manutenção do
Estado e do direito, é o fato da revolução não ter se internacionalizado.
47
TROTSKY, Leon. A Revolução Traída, op. cit., p. 99.
48
Ibid., p. 103.
socialista demonstrou sua capacidade, fornecendo resultados de
produção jamais obtidos num curto período.”49
Seguindo esta linha de pensamento, Trotsky chega a afirmar que uma economia
socializada como a URSS, ultrapassando a técnica capitalista já teria assegurado
“automaticamente” um “desenvolvimento socialista”:
49
TROTSKY, Leon. “O que foi a revolução de outubro” in Revista Civilização
Brasileira, op. cit., p. 150.
50
Ibid., p. 151.
51
TROTSKY, Leon. A Revolução Traída, op. cit., p. 89
“A aplicação dos métodos socialistas a tarefas pré-socialistas é
agora o fundamento do trabalho econômico e cultural na URSS.
É verdade que a URSS ultrapassa hoje, pelas suas forças
produtivas, os países mais avançados do tempo de Marx. Mas,
em primeiro lugar, na competição histórica dos dois regimes,
trata-se muito menos de níveis absolutos que de níveis relativos:
a economia soviética opõe-se ao capitalismo de Hitler, de
Baldwin e de Roosevelt e não ao de Bismark, de Palmerston e
de Abraão Lincoln; em segundo lugar, a própria extensão das
necessidades do homem modificou-se radicalmente com o
crescimento da técnica mundial: os contemporâneos de Marx
não conheciam o automóvel, nem a telegrafia sem fio, nem o
avião. Ora a sociedade socialista no nosso tempo seria
inconcebível sem o livre uso de todos estes bens.”52
Ele elide a crítica feita com base no fato de que o desenvolvimento das forças
produtivas na URSS já era superior aos países capitalistas do tempo de Marx, dizendo
que o que importa não são níveis absolutos, mas sim níveis relativos de
desenvolvimento da técnica. Não podemos concordar com esta afirmação, pois com ela
Trotsky acaba por colocar o problema, ainda que por uma via indireta, no mesmo nível
que o colocou Stalin: há um cerco capitalista que “concorre” com a sociedade em
transição ao socialismo, por isso ela ainda não pode realmente ser considerada
“socialista”. Só se tornará socialista quando superar esse invólucro capitalista. Para
Stalin a maneira de superar é sendo mais poderoso militarmente, para Trotsky é
instalando este “método socialista” em todo o globo, para que as forças produtivas dos
países avançados sejam socializadas.
52
Ibid., p. 96
de Marx o socialismo não seria possível, ainda que com uma revolução mundial.
53
Veremos adiante neste trabalho que a crítica que Trotsky faz à burocracia, no sentido
em que esta traiu a revolução, coloca-a como superestrutura e não como parte estrutural
do próprio modo de produção oriundo da revolução de outubro.
54
BETTELHEIM, Charles. A Luta de Classes na URSS. Volume 1. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1976. p. 36.
“Os operários devem estar ligados a seu emprego, sujeitos a
serem transferidos; é necessário dizer-lhes o que devem fazer
(...) Antes de desaparecer, a coerção estatal atingirá, durante o
período de transição, o seu mais alto grau de intensidade na
organização do trabalho.”55
E ainda, que:
55
TROTSKY, Leon, apud BETTELHEIM, Charles. A Luta de Classes na URSS.
Volume 1. Op. Cit., p. 351.
56
TROTSKY, Leon, apud BETTELHEIM, Charles. A Luta de Classes na URSS.
Volume 1. Op. Cit., p. 351
57
Ibid., p. 351
longe de ser o que representa o marxismo, contrasta com esta filosofia:
Com a escolha deste caminho teórico que postula que a base de relações
sociais da URSS já é socialista e que o problema predominante (apesar de não único) é a
questão do baixo rendimento do trabalho, Trotsky entende que a burocracia não é classe
dominante. Julgá-la classe dominante implicaria que a estrutura não é em si socialista, o
que levaria o problema a situar-se não nas forças produtivas, mas nas relações de
produção. Ele parte então para uma argumentação que nos permite extrair apontamentos
para sua concepção do direito.
58
LÊNIN, Vladimir apud BETTELHEIM, Charles. A Luta de Classes na URSS.
Volume 1. Op. Cit., p. 357.
59
Como explica Salvadori: “Trotsky tem seu centro teórico na afirmação de que a
URSS sob o domínio de Stalin não deixa de ser socialista, em virtude da herança
constituída pelas transformações estruturais econômicas e sociais realizadas pelo poder
soviético no período de Lênin, e não qualitativamente renegadas pelo poder de Stalin,
embora no plano das superestruturas e das técnicas de domínio político o stalinismo
tenha realizado uma profunda distorção, de tal monta que se tornou uma verdadeira
“traição” em relação às finalidades de uma revolução proletária e às exigências de uma
ordem política e institucional socialista. Disso resulta a conclusão de que a essência do
stalinismo consiste na criação de uma contradição crescente entre a estrutura econômica
da URSS e as superestruturas”. SALVADORI, Massimo L.. “A crítica marxista ao
stalinismo” in HOBSBAWM, Eric J. (org.). História do marxismo VII, op. cit., p.308
59“Uma traição, porém, que era certamente muito grave, mas que se limitava – e aqui
reside uma outra peculiaridade de Trotsky – à esfera das superestruturas” Ibid., p.313.
à estrutura já socialista, ela na realidade está contra as bases sociais lançadas em 1917,
está, então, traindo a revolução:60
60
“Uma traição, porém, que era certamente muito grave, mas que se limitava – e aqui
reside uma outra peculiaridade de Trotsky – à esfera das superestruturas” Ibid., p.313.
61
TROTSKY, Leon. A Revolução Traída, op. cit., p. 244.
burguês conhece revoluções políticas que sem tocar nos
fundamentos econômicos da sociedade, subverteram as antigas
formações dirigentes (1830 e 1848 na França, fevereiro de 1917
na Rússia). A subversão da casta bonapartista terá, naturalmente,
profundas consequências sociais; mas não irá para além dos
limites de uma transformação política.”62
62
Ibid., p. 272.
63
Ibid., p. 242.
64
Ibid., p. 242-243.
65
“Partindo do ponto, para ele firme, de que existe uma classe dominante em
contraposição às outras classes sociais, somente quando aquela possui propriedade dos
meios de produção. Trotsky conclui que a burocracia não pode ser uma classe porque
não é proprietária. Mas a burocracia domina politicamente e goza de privilégios de todo
tipo. Portanto para Trotsky, ela é um “estrato”, uma casta dominante, não uma classe
dominante do tipo burguesia” SALVADORI, Massimo L.. A crítica marxista ao
stalinismo in HOBSBAWM, Eric J. (org.). História do marxismo VII, op. cit., p.314.
Apesar disto, ele deixa claro que de fato há uma espécie de “pertencimento” do Estado à
burocracia, o que parece contrariar sua definição da burocracia como superestrutura.
Resolve esta contradição dizendo que a inscrição deste “pertencimento” no âmbito do
modo de produção só se daria quando tais categorias se “legalizassem”, subvertendo de
vez a revolução:
66
TROTSKY, Leon. A Revolução Traída, op. cit., p 242.
67
BETTELHEIM, Charles. A Luta de Classes na URSS. Volume 1. Op. Cit., p 36.
perene sem a existência da propriedade privada legalmente afirmada. O foco na
problemática das forças produtivas impossibilita uma incursão aprofundada na questão
das relações de produção, levando à redução desta questão complexa a uma mera
operação jurídica. Em uma síntese de sua visão, o próprio direito, a própria legalidade, é
o que define se determinado modo de produção é socialista ou capitalista, como
confirmaremos adiante.
63
Ibid., p. 241.
69
Cf. MASCARO, Alysson. Critica da legalidade e do Direito Brasileiro. São Paulo:
Quartier Latin, 2008; e NAVES, Márcio Bilharinho. Marxismo e direito: um estudo
sobre Pachukanis. São Paulo: Boitempo, 2008.
Trotsky aqui se opõe não somente a Marx, mas as suas próprias afirmações
quando postula o fim do direito. Esta contradição insolúvel na qual seu pensamento se
debate, pode ser explicada por uma confusão que aparentemente ele próprio faz entre o
conteúdo e a forma do direito. Em certo ponto ele coloca as “normas burguesas” em
oposição às “normas socialistas”, do mesmo jeito que coloca a “propriedade burguesa”
em oposição à “propriedade socialista” como se criticasse não o direito como um todo,
mas apenas seu conteúdo burguês, que poderia ser substituído por um conteúdo
socialista.
70
Ibid., p. 238-239.
71
Ibid., p. 236.
72
Cooperativas de produção, colcoz, é um tipo de propriedade rural coletiva, típica da
União Soviética, no qual os camponeses formavam uma cooperativa de produção
agrícola. Os meios de produção eram fornecidos pelo Estado, ao qual era destinada uma
parte fixa da produção. Os colcozes constituíram a base do sistema de coletivização da
agricultura na URSS, implantado após a vitória da Revolução de Outubro.
rendimentos”73 Trotsky não faz destas considerações a base de sua análise e, o fato de
citá-las e depois prosseguir sem se deter nestes pontos, ao invés de contrariar, reforça a
idéia de que seu foco não recai nas relações de produção, como deveria.
O debate sobre o fim do direito e fim do Estado pode ser tomado como pedra
de toque para averiguar os limites teóricos de um autor, conforme o pensamento
marxista. É tema extremamente polêmico, de onde brotam inúmeras críticas às
demonstrações de Marx. Defendemos que tais críticas surjam, principalmente, em razão
de que tais previsões contrariam radicalmente o senso comum e todas as análises que se
limitam à superfície dos fatos.
73
Ibid., p. 237.
historicamente determinada. Por estes motivos não é possível aqui demonstrarmos o
caminho para se alcançar tais conclusões, mas tão somente dar uma explicação
superficial do seu desenvolvimento, e ao fim compará-las com as idéias de Trotsky.
A produção de mercadorias faz com que os bens que são trocados surjam
diante dos olhos dos homens como portadores de “valor”, que é uma medida necessária
para troca, ao passo que reduz as diferenças materiais, portanto qualitativas, dos
diversos bens a uma diferença meramente quantitativa. Uma geladeira é algo de
qualidade diferente de um avião, mas, ao serem ambos analisados sobre o prisma da
troca, suas diferenças materiais são apagadas e toma o lugar a ser mera diferença
quantitativa, uma diferença de “valor” - um bem vale x do outro. Marx demonstra que
esta igualdade que permite a troca, o valor que aparece como propriedade dos bens, algo
inerente a eles, é na realidade trabalho humano cristalizado. O trabalho humano é a
única igualdade presente nos diferentes bens, é isso que permite sua equivalência para a
troca. Ao mesmo tempo é só a existência de produtores individuais, que depois tem de
levar seu produto ao mercado para que ele seja socializado, que permite existir a relação
de trocas e assim do próprio valor. Em uma sociedade que produza coletivamente as
coisas não são trocadas e assim não aparecem como possuindo um valor.
74
MARX, Karl. O capital. Op. Cit., p. 62.
75
Ibid., p.79.
representantes de mercadorias e, por isso, como possuidoras de
mercadorias.”76
Ele, contudo, não teve tempo de completar sua análise para o direito e o
Estado, prevista para estar no último tomo de O Capital. Somente no início do século
passado foi que um grande jurisfilósofo soviético, Eugeni Pachukanis, tratou do direito
com fidelidade ao pensamento marxista, em sua grande obra Teoria Geral do Direito e
Marxismo. Os que anteriormente se debruçaram sobre a árdua tarefa não conseguiram
extrair do pensamento marxista toda a radicalidade de sua crítica ao capitalismo, que
depende da compreensão da forma mercadoria das relações sociais. Eles procuravam
reunir as citações dispersas da obra de Marx para explicar sua concepção de direito, e
não retirar de seu núcleo teórico as conclusões que pudessem embasar uma crítica do
direito.
76
MARX, Karl. O capital. Op. Cit., p. 79-80.
de vontade. As relações entabuladas por estes sujeitos adquirem a forma de relação
jurídica. A grande questão é: explicar por que estas relações, a partir de determinado
período tomaram a forma jurídica? Descobrir o desenrolar histórico e lógico do modo
dos homens se relacionar que deu origem a esta forma. Ora, como demonstrou Marx, o
direito enquanto superestrutura depende de modificações na estrutura, na própria base
econômica, assim, Pachukanis faz a correspondência entre as duas instâncias da vida
social:
77
PACHUKANIS, Eugeni. Teoria Geral do Direito e Marxismo. Coimbra, Centelha,
1977, p. 117.
78
Ibid., p. 149.
Simultaneamente, a norma reveste-se igualmente da forma
lógica acabada de lei geral e abstracta.”79
81
Ibid., p. 123.
82
Ibid., p. 182-183
83
TROTSKY, Leon. A Revolução Traída, op. cit., p 241.
84
Ibid., p. 135.
partir da mercadoria não é possível uma análise profunda do direito e, podemos dizer, é
impossível uma compreensão profunda do próprio marxismo, enquanto crítica radical
ao capitalismo. Como já dito esta pode ser considerada a pedra toque para se averiguar a
coerência com o pensamento marxista, e isto não por pouco, por diletantismo
intelectual, mas por revelar o núcleo da relação social que condiciona todas as outras
instâncias sociais em nosso modo de produção, a própria base geradora da consciência
humana nesta etapa histórica.
85
TROTSKY, Leon. A Revolução Traída, op. cit., p. 103.
“O fetichismo do dinheiro só receberá o golpe de misericórdia
quando o ininterrupto crescimento da riqueza social libertar os
homens da sua avareza a respeito do minuto suplementar do
trabalho e da sua humilhante inquietação quanto à quantidade de
rações. Quando perder o seu poder de trazer a felicidade e de
lançar o homem no vazio, o dinheiro se reduzirá a um meio de
contabilidade cômoda para a estatística e para o plano. Como
consequência, se viverá no futuro, provavelmente sem a
necessidade desta espécie de aval. Mas, este desejo poderemos
abandoná-lo aos nossos netos que não deixarão de ser mais
inteligentes que nós.”86
Podemos perceber que ele concebe o fim do dinheiro, mas considera que ele
“se reduzirá a um meio de contabilidade cômoda para a estatística e para o plano”. Ora,
a manutenção do dinheiro como mero meio de contabilidade já implica na manutenção
da forma valor, que só pode existir como forma de organização social em uma
sociedade de produtores de mercadorias87. Em uma sociedade em que a forma
mercadoria tenha desaparecido, a produção material libertar-se-á do jugo do trabalho
abstrato, assim o surgimento de uma “administração das coisas” prescindirá da forma
valor, já que as relações sociais aparecerão como tais, sem sua expressão reificada. Não
haverá então o que se falar em dinheiro como meio de contabilidade, pois como Marx
explica:
86
Ibid., p. 103-104.
87
“No seio de uma sociedade coletivista, baseada na propriedade comum dos meios de
produção, os produtores não trocam seus produtos; o trabalho invertido nos produtos
não se apresenta aqui, tampouco, como valor destes produtos, como uma qualidade
material, por eles possuída, pois aqui, em oposição ao que sucede na sociedade
capitalista, os trabalhos individuais já não constituem parte integrante do trabalho
comum através de um rodeio, mas diretamente.” MARX, Karl. Crítica ao Programa de
Gotha, in Karl Marx e Friedrich Engels: Textos. Volume I. São Palo, Alfa-Ômega,
1977, p. 231
transformar esta última em sua medida comum de valor, ou seja,
em dinheiro. Dinheiro, como medida de valor, é forma
necessária de manifestação da medida imanente do valor das
mercadorias: o tempo de trabalho.”88
Não se pode considerar dinheiro algo que não seja a própria expressão do valor
de troca, a “administração das coisas” comunista, assim, dispensará a contabilidade, que
se refere à medida do trabalho abstrato, o qual contabiliza, e não às coisas em si.
Trotsky, no entanto, com seu foco no aumento do rendimento do trabalho, continua a
tratar do dinheiro, defendendo e chegando até mesmo incentivar o próprio sistema
produtor de mercadorias.. Ao invés de dedicar todos os esforços no desenvolvimento de
88
MARX, Karl. O capital. Op. Cit., p. 87.
89
Ibid., p. 87, nota 50.
uma administração planificada da economia que pudesse substituir a socialização a
partir da forma valor, ele entende, já em 1936, que:
90
TROTSKY, Leon. A Revolução Traída, op. cit., p. 104-105.
manifestações mais óbvias: o dinheiro e o Estado e direito “burgueses”, como se fosse
possível existirem também em sua forma “não burguesa”.
BIBLIOGRAFIA:
LOWY, Michel. O Profeta da Revolução de Outubro. Outubro, 1999, São Paulo, nº. 3,
pp. 53-61. ISSN 1516-6333.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Capítulo VI. São Paulo: Martin Claret, 2004.
MARX, Karl. Crítica ao Programa de Gotha, in Karl Marx e Friedrich Engels: Textos.
Volume I. São Palo, Alfa-Ômega, 1977.
______. História da Revolução Russa (Tomo I). São Paulo: Sundermann, 2007.
______. O que foi a revolução de outubro in Revista Civilização Brasileira, Ano III –
Caderno Especial n. 1 - Novembro, 1967.