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Errata da autora

Na página 91, onde se lê: "Segundo o general Zenildo


Lucena, esses atentados eram de responsabilidade do general 11111111111111111111111111111111111
~. Dan- dslacari
Newton Cruz, chefe da Agência Central do SNI. A opinião
do general é a de que Newton Cruz desejava criar uma força TN: 97509 Lending Library: NDU
policial e moral, 'espelhada nos moldes da Gestapo [... ] que Title: SNI & ABIN : uma leitura da atuac.a-o dos
seria uma forma de controle e chantagem"'. servic.os secretos brasileiros ao longo do se·culo
XXI
Leia-se: "Segundo o general Zenildo Lucena, para a ~ Author: Antunes, Priscila Carlos Branda-o.
('(;
obtenção de maiores esclarecimentos sobre o caso Riocentro, c ..
seria necessário ouvir o general Newton Cruz, chefe da Agên- .....: Due Date: •!11111- Pieces: 1
cia Central do SNI. Na opinião do general Lucena, Newton
Cruz desejava criar uma força policial e moral para ampliar a
sua área de atuação".
Priscila Carlos Brandão Antunes ILL Office Hours: Monday-Friday, 7am to 4:30pm
Phone:831-656-7782
http://nps.illiad.oclc.org/illiad/illiad.dll

Errata da Editora

Em Fontes, p. 205, o entrevistado pela autora foi o ge-


neral Fernando Cardoso, e não Fernando Henrique Cardoso,
como publicado.
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ISBN - 85-225-0378-8

Copyright © Priscila Carlos Brandão Antunes

Direitos desta edição reservados à


EDITORAFGV
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no todo ou em parte, constitui violação do copyright (Lei n 2 5.988)

}li edição - 2002

REVISÃO DE ORIGINAIS: Sandro Gomes dos Santos

EDITORAÇÃO ELETRÓNICA: Cálamo Para Luciano e Eli Carlos


Para Celina, Celso e Cepik
REVISÃO: Fatima Caroni e Valéria Oliveira da Silva
Para meus pais e meu querido Álvaro Antunes
CAPA: Leonardo Carvalho

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca


Mario Henrique Simonsen/FGV

Antunes, Priscila Carlos Brandão


SNI & Abin: uma leitura da atuação dos serviços secretos
brasileiros ao longo do século XX I Priscila Carlos Brandão
Antunes.- Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002.
220p.
Inclui bibliografia.

1. Serviço de inteligência - Brasil. 2. Informações (Segu-


rança nacional) - Brasil. 3. Brasil- Política militar. I. Funda-
ção Getulio Vargas. II. Título
CDD-327.12
Sumário

Agradecimentos 9

Introdução 11

1. A atividade de inteligência: conceitos e processos 17

2. Os serviços de informações no Brasil: a construção


burocrática da rede 43

3. Práticas da comunidade de informações no Brasil 79

4. Os serviços de inteligência nos anos 1990 103

5. Abin: debate político e implementação 151

Conclusões 197

Fontes 205

Siglas 215
Agradecimentos

EsTE LIVRO É uma versão modificada de minha dissertação de mestrado,


apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Ciência
Política da Universidade Federal Fluminense.
Gostaria de registrar meus agradecimentos a Maria Celina D'Araujo,
que durante todo esse rito de passagem- mestrado, defesa de disserta-
ção e produção deste livro - não poupou esforços para me amparar,
instruir e incentivar. Sua paciência e sabedoria foram fundamentais para
o aprendizado e o amadurecimento alcançados nesse processo. Importan-
tíssimas também foram as co-orientações realizadas pelos professores Cel-
so Castro e Marco Cepik. Com sugestões valiosas e críticas sempre pon-
tuais, Celso fez da construção de minha dissertação uma lição de vida.
Amigo e sempre companheiro nas horas mais desesperadoras, Marco Cepik
abriu um universo de possibilidades pelas quais sempre lhe serei grata. Ao
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
(Cpdoc) da Fundação Getulio Vargas agradeço a oportunidade de ter
participado, como pesquisadora associada, do projeto Democracia e For-
ças Armadas, apoiado pela Finep e coordenado por Celso Castro e Maria
Celina D'Araujo. Participando desse projeto tive não só a motivação para
este estudo como também acesso a fontes de pesquisa sem as quais seria
impossível viabilizá-lo. À Capes sou grata pela bolsa de mestrado que me
concedeu por um período de 12 meses, e que contribuiu em muito para
que eu pudesse me dedicar à pesquisa que resultou nesta obra.
Alguns professores da Universidade Federal de Ouro Preto também
merecem meus agradecimentos, pois, se cheguei até este livro, é também
SNI & Abin

"culpá' deles. Agradeço ao Crisóston Terto Vilas Boas, Marco Aurélio


Santana, Fábio Faversan, Adriano Cerqueira e Sérgio Alcides pelas lon-
gas horas de discussão que antecederam a minha entrada no PPGACP da
Universidade Federal Fluminense. Ao professor Ronald Palito e à Marli
"Magrela", Meire Maria e Lucília, secretárias do ICHS, sou grata pelo
incentivo que sempre me deram.
Gostaria ainda de agradecer às companheiras do Cpdoc, em especial
a Leila Bianchi, que sempre encurtaram a distância existente entre Minas
e o Rio, repassando-me materiais sempre que necessário. Agradeço à as- Introdução
sessoria da Abin e do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputa-
dos e aos professores Maria Aparecida Aquino, da Universidade de São
Paulo, e Elliézer Rizzo de Oliveira, do Núcleo de Estudos Estratégicos da
Unicamp, pelas pertinentes críticas apresentadas em minha defesa de dis- EsTE TRABALHO ESTÁ inserido no contexto mais amplo de um projeto de
sertação. Aos meus queridos Villalta, Lucinha, Luiz Otávio, Carlinha, pesquisa sobre memória militar que vem sendo desenvolvido nos últimos
Cará e Cláudia, agradeço pela paciência, compreensão e pelas boas risadas anos pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporâ-
compartilhadas. Sou também muito grata a toda a minha família, que, nea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getulio Vargas. Pesquisa que já resul-
não sem alguma dificuldade, aprendeu a compreender e respeitar a mi- tou na trilogia que abordou a memória militar sobre o golpe de 1964, a
nha ausência. Ao sogrão agradeço as engraçadíssimas discussões sobre o repressão, a abertura e, em sua última fase, está fazendo o levantamento e
regime militar, e ao meu amor, Álvaro Antunes, creio que não existem a análise da memória militar sobre a democracia. O objetivo do projeto
palavras para registrar sua presença e força nessa longa caminhada. Democracia e Forças Armadas é examinar de que maneira os militares
têm-se inserido na nova ordem democrática que se seguiu ao fim dos
regimes militares no Brasil e nos demais países do Cone Sul.
No que compete a este livro, a análise terá um foco muito específico:
a memória militar sobre a atividade de informações/inteligência no Bra-
sil. Nesse sentido, os depoimentos coletados pelo Cpdoc foram de funda-
mental importância para acompanhar e compreender o processo de
institucionalização da atividade de inteligência no país. 1
A abordagem dessa atividade no Brasil sempre foi uma tarefa difícil,
devido à grande dificuldade de acesso à documentação e à postura assu-
mida pelos militares. Documentos relacionados à atuação da comunida-
de de informações vazam para o domínio público muito esporadicamen-
te e, na maioria das vezes, são veiculados através da imprensa de forma

1
Os depoimentos foram coletados, em sua maioria, pelos professores Maria Celina D'Araujo,
Celso Castro e Gláucio Ary Dillon Soares. São de militares que tiveram importante papel na
implementação e manutenção do regime militar ou que ocuparam importantes cargos no
Poder Executivo no regime democrático que se instaurou a partir de 1986.
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

sensacionalista. Por seu turno, o silêncio dos militares sobre o período mente do perfil assumido pelos órgãos de informações durante o último
autoritário constitui um empecilho ao interesse investigativo. Felizmen- regime militar.
te, um silêncio corporativo que vem sendo rompido, embora lentamente. Para melhor compreender a rejeição a esse debate no meio legislativo,
Ainda que seja escassa a documentação sobre os órgãos militares de optei por analisar historicamente as práticas e as funções dos órgãos de
informações e que sejam poucas as entrevistas consultadas, essas fontes informações e o papel que tiveram em nossa história. Trata-se de práticas
foram de extrema importância para o esboço da construção da complexa que foram minimamente divulgadas de forma oficial, que ainda conti-
rede de informações articulada no período militar. Na medida do possí- nuam resguardadas pela cultura do segredo e que podem ser consideradas
vel, os depoimentos e as notícias foram confrontados com outras fontes em grande parte responsáveis pela estigmatização da atividade de infor-
disponíveis, como a legislação e a bibliografia pertinente. 2 mações/inteligência no país.
Com a consulta aos depoimentos militares, aos seminários realizados Este trabalho também pretende trazer uma contribuição teórica para ·
pelo Poder Legislativo e às fontes impressas disponíveis, analisamos o pro- o estudo da atividade de inteligência no Brasil, assunto pouco analisado
cesso de institucionalização da atividade de informações no Brasil. Um no âmbito das ciências humanas, como prova a lacuna bibliográfica exis-
processo que se inicia em 1927, quando aparece pela primeira vez oficial- tente nessa área. Este assunto é polêmico, pois a finalidade e os meios de
mente na legislação brasileira, e se estende até a discussão e implementa- obtenção e manipulação de informações dentro da atividade de inteligên-
ção da atual Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em dezembro de cia são sempre questionáveis. Mas qual seria o problema imposto à demo-
1999. 3 cracia pela existência de serviços de inteligência?
A princípio, o objetivo era apenas analisar o processo político de cria- Acredito que a principal discussão a ser elaborada sobre o vínculo da
ção da Abin e apresentar como estariam articulados os órgãos de inteli- atividade de inteligência com o Estado democrático deve dizer respeito ao
gência militares. Entretanto, é praticamente impossível compreender os grau de constitucionalidade desse serviço, à regulamentação pública e ao
percalços que o Poder Executivo atravessou para aprovar a Abin sem levar conhecimento sobre os órgãos e cargos estatais responsáveis pela condu-
em conta os antecedentes históricos da atividade de inteligência no Brasil. ção da atividade de inteligência no país.
O governo enfrentou algumas dificuldades para implementar a agên- O Estado democrático tem o seu poder restrito pela Constituição e
cia, que, criada por força de medida provisória em 1995, apenas foi ofi- pela obrigação moral de ser responsivo aos direitos da cidadania. A rela-
cializada em 7 de dezembro de 1999. Houve resistência por parte da so- ção entre o Estado e os cidadãos que o legitimam sempre foi marcada pela
ciedade à sua implantação - sobretudo da imprensa - , que de alguma desconfiança, o que acarretou a divisão dos três ramos do poder: Legislativo,
forma se refletiu no meio congressual. Essa reação decorreu principal- Executivo e Judiciário. Mas, na formação dos Estados modernos, esses
três poderes passaram a operar no exercício da política, provocando novo
2
De forma a dinamizar a leitura e compreensão do texto, optamos por utilizar os termos desequilíbrio em favor do Poder Executivo.
inteligência e informações da forma como eles surgem no debate brasileiro. Foi em 1990
Esse desequilíbrio se deve ao fato de ser o Executivo, na divisão de
que o presidente Fernando Collor extinguiu o Serviço Nacional de Informações e criou,
dentro da estrutura da nova Secretaria de Assuntos Estratégicos, a Subsecretaria de Inteli- poderes, aquele que possui a responsabilidade constitucional de garantir a
gência. É certo que, nos serviços de informações das Forças Armadas, já havia, desde o segurança do cidadão, as relações externas, a integridade territorial, de
começo da década de 1980, discussões a respeito da renomeação da atividade, entretanto, executar os objetivos da políticà externa e, em última instância, garantir a
escolhi o ano de 1990 como referencial. Ou seja, quando se tratar da atividade responsável própria ordem constitucional. 4 Para o cumprimento dessa tarefa é preci-
pela coleta e análise de informações no Brasil antes de 1990, usarei o termo informações e
quando se tratar da atividade depois de 1990, inteligência. so que o Executivo possua instrumentos que são dispensáveis aos outros
3
Decreto nll 17.999, de 29 de novembro de 1927, e Lei nll 9.883, de 7 de dezembro de
1999. 4
Ver título V da Constituição de 1988.
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

sensacionalista. Por seu turno, o silêncio dos militares sobre o período mente do perfil assumido pelos órgãos de informações durante o último
autoritário constitui um empecilho ao interesse investigativo. Felizmen- regime militar.
te, um silêncio corporativo que vem sendo rompido, embora lentamente. Para melhor compreender a rejeição a esse debate no meio legislativo,
Ainda que seja escassa a documentação sobre os órgãos militares de optei por analisar historicamente as práticas e as funções dos órgãos de
informações e que sejam poucas as entrevistas consultadas, essas fontes informações e o papel que tiveram em nossa história. Trata-se de práticas
foram de extrema importância para o esboço da construção da complexa que foram minimamente divulgadas de forma oficial, que ainda conti-
rede de informações articulada no período militar. Na medida do possí- nuam resguardadas pela cultura do segredo e que podem ser consideradas
vel, os depoimentos e as notícias foram confrontados com outras fontes em grande parte responsáveis pela estigmatização da atividade de infor-
disponíveis, como a legislação e a bibliografia pertinente. 2 mações/inteligência no país.
Com a consulta aos depoimentos militares, aos seminários realizados Este trabalho também pretende trazer uma contribuição teórica para·
pelo Poder Legislativo e às fontes impressas disponíveis, analisamos o pro- o estudo da atividade de inteligência no Brasil, assunto pouco analisado
cesso de institucionalização da atividade de informações no Brasil. Um no âmbito das ciências humanas, como prova a lacuna bibliográfica exis-
processo que se inicia em 1927, quando aparece pela primeira vez oficial- tente nessa área. Este assunto é polémico, pois a finalidade e os meios de
mente na legislação brasileira, e se estende até a discussão e implementa- obtenção e manipulação de informações dentro da atividade de inteligên-
ção da atual Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em dezembro de cia são sempre questionáveis. Mas qual seria o problema imposto à demo-
1999. 3 cracia pela existência de serviços de inteligência?
A princípio, o objetivo era apenas analisar o processo político de cria- Acredito que a principal discussão a ser elaborada sobre o vínculo da
ção da Abin e apresentar como estariam articulados os órgãos de inteli- atividade de inteligência com o Estado democrático deve dizer respeito ao
gência militares. Entretanto, é praticamente impossível compreender os grau de constitucionalidade desse serviço, à regulamentação pública e ao
percalços que o Poder Executivo atravessou para aprovar a Abin sem levar conhecimento sobre os órgãos e cargos estatais responsáveis pela condu-
em conta os antecedentes históricos da atividade de inteligência no Brasil. ção da atividade de inteligência no país.
O governo enfrentou algumas dificuldades para implementar a agên- O Estado democrático tem o seu poder restrito pela Constituição e
cia, que, criada por força de medida provisória em 1995, apenas foi ofi- pela obrigação moral de ser responsivo aos direitos da cidadania. A rela-
cializada em 7 de dezembro de 1999. Houve resistência por parte da so- ção entre o Estado e os cidadãos que o legitimam sempre foi marcada pela
ciedade à sua implantação- sobretudo da imprensa-, que de alguma desconfiança, o que acarretou a divisão dos três ramos do poder: Legislativo,
forma se refletiu no meio congressual. Essa reação decorreu principal- Executivo e Judiciário. Mas, na formação dos Estados modernos, esses
três poderes passaram a operar no exercício da política, provocando novo
2
De forma a dinamizar a leitura e compreensão do texto, optamos por utilizar os termos desequilíbrio em favor do Poder Executivo.
inteligência e informações da forma como eles surgem no debate brasileiro. Foi em 1990 Esse desequilíbrio se deve ao fato de ser o Executivo, na divisão de
que o presidente Fernando Collor extinguiu o Serviço Nacional de Informações e criou,
dentro da estrutura da nova Secretaria de Assuntos Estratégicos, a Subsecretaria de Inteli-
poderes, aquele que possui a responsabilidade constitucional de garantir a
gência. É certo que, nos serviços de informações das Forças Armadas, já havia, desde o segurança do cidadão, as relações externas, a integridade territorial, de
começo da década de 1980, discussões a respeito da renomeação da atividade, entretanto, executar os objetivos da polídcà externa e, em última instância, garantir a
escolhi o ano de 1990 como referencial. Ou seja, quando se tratar da atividade responsável própria ordem constitucional. 4 Para o cumprimento dessa tarefa é preci-
pela coleta e análise de informações no Brasil antes de 1990, usarei o termo informações e
quando se tratar da atividade depois de 1990, inteligência.
so que o Executivo possua instrumentos que são dispensáveis aos outros
3
Decreto n° 17.999, de 29 de novembro de 1927, e Lei n° 9.883, de 7 de dezembro de
1999. 4
Ver título V da Constituição de 1988.
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

dois poderes. A atividade de inteligência se configura apenas como uma Para instrumentalizar essa análise, procurei estabelecer no primeiro
dessas ferramentas de atuação do Poder Executivo. capítulo uma definição mais precisa sobre a atividade de inteligência.
Com o fim da Guerra Fria houve um novo redimensionamento de Amparada no modelo teórico adorado por alguns países ocidentais, defi-
interesses no cenário político e económico mundial. Mudaram os inimi- ni, na primeira seção, quais seriam as funções, responsabilidades e capaci-
gos e os alvos a serem alcançados. Atualmente, o interesse dos países em dades da inteligência. 5 Esse padrão ocidental sempre foi citado como re-
produzir bombas atómicas, os movimentos terroristas, o narcotráfico, a ferência para a elaboração da Abin, sobretudo no que diz respeito ao modelo
bioespionagem, a espionagem industrial e económica e pretensões expan- canadense. Estabeleci algumas distinções entre inteligência & informa-
sionistas são as principais ameaças que justificam a existência desse tipo ções e inteligência & espionagem, e mostrei como interagem as agências
de atividade. de inteligência dentro de seus sistemas organizacionais. Desenvolvi algu-
A grande questão é que, como o próprio Executivo possui as prerro- mas discussões sobre segredo governamental, item fundamental para pensar
gativas para criar seus mecanismos de busca de eficácia, também tem con- a atividade de inteligência, e sobre o conceito de estigma, que será o fio
condutor deste trabalho. A segunda seção apresenta de forma sucinta a
dições de superdimensionar essas ameaças de acordo com o seu interesse.
formação histórica dessa atividade ao longo do século XX e a constituição
Por isso é extremamente importante que ele seja controlado, ou através
dos complexos sistemas de inteligência utilizados em alguns países oci-
da legislação, sua regulamentação formal, ou pela necessidade de ter que
dentais.
responder publicamente por seus atos.
No capítulo 2 procurei investigar as particularidades da constituição
É de fundamental importância conhecer o nível do envolvimento
e do funcionamento, em tese, da atividade de informações no Brasil. A
parlamentar nas discussões sobre a atividade de inteligência no Brasil e
ênfase recai sobretudo na elaboração dos órgãos de informações implan-
ampliar as discussões sobre ela no âmbito acadêmico e na sociedade em tados após o golpe militar de 1964. O capítulo enfoca o aspecto burocrá-
geral. Principalmente neste momento em que o Brasil vem instituindo o tico do processo de institucionalização da atividade de informações, to-
seu novo sistema de inteligência. mando por base a legislação a que tive acesso e os depoimentos coletados
A ocasião é oportuna para refletir sobre o tipo de atividade de inteli- pelo Cpdoc. A primeira seção apresenta a institucionalização dos órgãos
gência que queremos para o nosso país, para questionar quais demandas civis, Serviço Nacional de Informações (SNI) e o Serviço Federal de In-
por informações exigem a existência da atividade de inteligência no Bra- formação e Contra-Informação (Sfici); e a segunda, os órgãos de infor-
sil, que ameaças devem ser consideradas para a defesa do Estado e quais mações militares.
serão as bases de atuação ofensiva de inteligência no exterior, se realmente O capítulo 3 aborda a prática dos serviços de informações durante o
ela for necessária. Deveria ser estabelecida uma atividade de contra-inteli- regime militar até a extinção do SNI em 1990. O capítulo é fundamental
gência para auxiliar a ação do governo na preservação do Estado demo- para que se possa compreender o estigma dessa atividade no país, que
crático brasileiro contra o comportamento atentatório ao quadro institu- dificulta o estabelecimento de um debate político profundo sobre o as-
cional? Que mecanismos preservarão a privacidade e a segurança das sunto. Com base sobretudo nas perspectivas dos depoentes, analisaremos
comunicações e das transmissões eletrónicas de dados no país? as atividades desenvolvidas pelo SNI e pelos serviços de informações mi-
Essas e várias outras questões devem ser consideradas e analisadas de litares nesse período.
forma a possibilitar um exercício real de fiscalização sobre o Poder Execu- O capítulo 4 está divido em três seções. Acompanhando o processo
tivo, concretizando o princípio de que a atividade de inteligência é apenas de institucionalização da atividade no começo da década de 1990, a pri-
um dos instrumentos necessários ao Estado para a manutenção de suas 5
instituições democráticas. Para este estudo foram pesquisados, por exemplo, os serviços de inteligência dos Estados
Unidos, França, Canadá, Alemanha, Israel etc.
SNI & Abin

meira seção trata das mudanças ocorridas à época na área de inteligência


militar. A segunda analisa o processo de extinção do SNI e a tentativa de
rearticulação de um órgão civil de inteligência, tanto por parte do Poder
Executivo quanto do Legislativo. A última seção analisa o primeiro semi-
nário organizado pelo Poder Legislativo para discutir a atividade de inte-
ligência no Brasil. Busquei avaliar quais seriam as suas propostas para um 1
novo modelo de agência e que mecanismos procuraram estabelecer para
tentar superar o caráter estigmatizado da atividade de inteligência.
O quinto e último capítulo analisa, em sua primeira seção, o processo A atividade de inteligência:
político de criação da Abin, com a ênfase recaindo no debate parlamentar conceitos e processos
sobre o projeto de lei que instituía a agência. Na segunda é analisada a lei
que criou oficialmente a Abin. Nessa seção procuro estabelecer um estu-
do comparativo a partir do padrão ocidental citado como referência e o
que foi aprovado para a agência. A terceira seção apresenta parte do
arcabouço jurídico que serve de apoio à legislação da Abin, o que permi- EsTE CAPfTULO DISCORRE sobre os três conceitos básicos que permeiam
tirá ao leitor uma compreensão mais precisa do alcance e das capacidades
este livro: a atividade de inteligência, o segredo e o estigma.
da atividade de inteligência no Brasil. A última seção enfoca especialmen-
A atividade de inteligência é definida no âmbito de suas missões e
te as medidas estabelecidas pelo Poder Executivo para sensibilizar não só
capacidades, de forma a possibilitar a compreensão de sua competência.
a sociedade, mas, principalmente, o Poder Legislativo para a importância
Uma definição mais precisa permite estabelecer comparações e perceber
da atividade de inteligência na condução da política de defesa nacional e
os excessos cometidos por órgãos dessa área, bem como analisar a nova
sua importância no processo de modernização do Estado brasileiro. Im-
estrutura que está sendo proposta.
portância que ora passa a ser apresentada e discutida.
O conceito de "segredo governamental" é útil nessa discussão porque
aborda a relação do Estado com o manejo, a proteção e a publicização de
informações consideradas sensíveis para a segurança nacional. Nesse caso,
o objetivo é perceber que mecanismos foram e estão sendo criados para
proteger informações consideradas fundamentais à segurança do Estado e
observar os regulamentos criados para a classificação desses documentos.
O terceiro conceito a ser utilizado é o de estigma, na acepção dada
pelo sociólogo Erving Goffman. Trabalhei com esse conceito para tentar
perceber que mecanismos o Estado brasileiro vem adorando para fugir ao
caráter pejorativo e deteriorado a que ficou associada a atividade de inte-
ligência e de que forma esse estigma vem dificultando a implementação
daAbin.
Com a intenção de tornar o trabalho mais fluido e compreensível,
optei por dividir este capítulo em duas seções. A primeira aborda essen-
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

cialmente os conceitos utilizados e a segunda demonstra o processo fun- · A pile of newspapers on a decision makers desk does not constitute
cional de uma atividade de inteligência. intelligence. Even a set ofclippings ofthose newspapers, organized by subject
matter, is not intelligence. A subject clips, selected expressly for the needs of
i. the decision makers, is intelligence. 7

Essa definição implicaria, necessariamente, que toda informação ana-


Inteligência e informação para auxiliar uma tomada de decisões seria um produto de inteli-
desde uma pesquisa empresarial com a finalidade de saber a acei-
A atividade de inteligência é uma componente atual e significativa do de um produto no mercado até o desenvolvimento de submarinos a
poder de Estado, enquadrando-se no núcleo coercitivo que provê a pres- nuclear desenvolvidos na China. Conseqüentemente, qualquer
tação de serviços públicos de defesa externa e manutenção da ordem, as l!.d.lll~'uv ou instituição poderia ser considerado um serviço de inteli-
duas funções constituindo os atributos do monopólio legítimo do uso da em potencial.
força na acepção weberiana do Estado. Em contrapartida à posição de Sims, tem-se a definição de Abram
O grande fluxo de informações que marca o final do século XX de- ~.:Jnul:>l\.y. Esse autor restringe a área de atuação da atividade de inteligência
manda, em primeiro lugar, uma diferenciação entre informações e inteli- vincula à sua forma de organização, ao segredo, e à competição entre
gência. Essa distinção, embora útil como um ponto de partida operacio- rmados. Na nova dinâmica político-econômica mundial, extremamente
nal, será revista posteriormente à luz das especificidades do contexto ·. iharcada pela competitividade, o conhecimento e sua proteção se torna-
histórico brasileiro. Outra diferenciação faz-se necessária entre inteligên- ram fatores essenciais para assegurar aos Estados a sua sobrevivência. O
cia e espionagem. Tais separações buscam fugir das generalizações que ora fim da Guerra Fria e a rapidez da circulação da informação, provocada
classificam a inteligência apenas como espionagem, e ora a classificam ~elo advento da globalização, determinaram novas áreas de interesse a
como coleta e análise de quaisquer informações relevantes para uma to- serem protegidas. Mudou-se a concepção sobre segurança nacional e, con-
mada de decisão. seqüentemente, os interesses a serem resguardados.
No que se refere à diferença entre inteligência e informação é preciso Dessa forma, de acordo com Shulsky, como o governo tem que estar
buscar subsídios nos debates acadêmicos anglo-saxões, uma vez que a bi- sempre processando informações, é justamente o segredo e a necessidade
bliografia brasileira em relação ao assunto é extremamente escassa. de proteção que definem o que deve e o que não deve ser considerado um
Em meio ao debate sobre inteligência que surge na década de 1990, produto de inteligência.
Jennifer Sims afirmou que a inteligência não estaria envolvida apenas com Um segundo aspecto a ser considerado em sua definição é a competi-
o segredo, e que quaisquer tipos de informações coletadas para o processo ção entre os Estados. A inteligência tem um caráter conjlitivo e se encon-
de decisão seriam considerados inteligência. Em sua concepção, tra entre a diplomacia e a guerra. É extremamente importante se ater ao
"intelligence is best defined as information collected, organized, or analyzed caráter conflitivo dessa atividade, uma vez que lida com obtenção e nega-
on behalfofthe actors or decision makers. Sueh information include technical ção de informações.
data, trends, rumors, pictures, or hardware". 6
Intelligence comprises the collection and analysis ofintelligence information
De acordo com Sims, seria a organização particular do material cole-
- information relevant to the formulation and implementation of
tado, que se destina a auxiliar as tomadas de decisão, que transformaria
governmental national security policy (. ..). Therefore, intelligence as an
simples recortes de jornais em produto de inteligência:
7
6 <:::~. 1 ooc:;.A Sims, 1995:5.
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes
l
activity may be defined as that component ofthe struggle between adversaries Intelligence in government is based on the particular set oforganizations
that deals primarily with information. 8 with that name: the "intelligence services" or "intelligence community':
Intelligence activity is what they do, and intelligence knowledge, what
O terceiro aspecto é que um governo precisa organizar e estruturar they produce. 11
mecanismos para prover alguns tipos específicos de informação. O que
importa é saber o que são esses mecanismos estruturados pelo governo e o Ao se definir que inteligência é o que as organizações de inteligência
que eles identificam como inteligência. Trata-se de observar o fenômeno fazem e as ações que elas desenvolvem, fica muito mais prático estabelecer
para o qual o termo inteligência é aplicado: "Intelligence refers to information o que deve e o que não deve ser considerado inteligência. A inteligência
relevant to a governments formulating and implementing policy to forther its neste caso não é definida como um conceito - a partir do qual se possa
national security interests and to deal with threats to those interests from actual afirmar que informações sobre o meio ambiente não dizem respeito à
atividade de inteligência e que informações sobre a fabricação de arma-
or potential adversaries" .9
São informações que estão normalmente relacionadas com assuntos mento nuclear dizem - mas a partir do seu contexto organizacional.
militares, tais como plano de ação dos adversários, atividades diplomáti- Outra diferenciação que devemos fazer em relação à atividade de in-
cas e intenções, bem como as informações sobre inteligência. Ainda po- teligência diz respeito à sua compreensão enquanto espionagem. O senso
dem ser considerados inteligência, mesmo que o governo adversário não comum normalmente associa a atividade de inteligência a espionagem,
faça questão de proteger, assuntos que envolvam informações sobre casos trapaças e chantagens, imagem amplamente incentivada pela literatura
políticos internos, desenvolvimento social, assim como estatísticas demo- ficcional e pela mídia. Não obstante o termo intelligence ser um eufemis-
mo anglo-saxão para a espionagem, esta é apenas uma parte do processo de
gráficas e econômicas.
A definição de inteligência como coleta e análise de informações que inteligência, que é muito mais amplo e que será posteriormente discutido.
interessam à segurança nacional também é muito imprecisa, uma vez que Portanto, a atividade de inteligência refere-se a certos tipos de infor-
o próprio conceito de segurança nacional é obscuro. Os interesses de se- mações, relacionadas à segurança do Estado, às atividades desempenha-
gurança nacional estão diretamente relacionados ao tipo de governo, de das no sentido de obtê-las ou impedir que outros países a obtenham e às
regime político e com o contexto socioeconômico. As ameaças podem organizações responsáveis pela realização e coordenação da atividade na
incidir tanto sobre aspectos internos quanto externos de um país. Quanto esfera estatal. Trata-se de uma definição mais precisa sobre o escopo da
mais fechado for o regime, mais o governo está propenso a enfatizar a atividade de inteligência, que permite iluminar certas incompreensões que
segurança interna e preocupar-se com a repressão política dentro do pró- vêm sendo percebidas no debate brasileiro.
prio território.
Uma definição mais precisa sobre a atividade de inteligência é apre-
10
sentada por Michael Herman em Intelligence power in peace and war. Produção bibliográfica brasileira
Além de precisar as atividades relacionadas ao ciclo de inteligência, tam-
bém analisa sua influência e papel nas relações políticas nacionais e inter- O termo inteligência, entendido nesse sentido, passou a fazer parte
nacionais. Todavia, o que nos interessa neste momento é o aspecto orga- do debate político brasileiro principalmente a partir da década de 1990,
nizacional que o autor aborda. Segundo Herman: após a extinção do Serviço Nacional de Informações (SNI), não obstante
haver referências a este tipo de atividade desde 1927. O termo emergiu de
uma tentativa de acobertar e superar uma identidade deteriorada que ha-
8 Shulsky, 1991 :2. via se formado em torno da atividade de informações no regime militar,
9 Ibid., p. 1.
10 u _____ 1aat:: 11 '[__]" _____ 1nnl""_,....
Priscila Carlos Brandão Antunes
SNI & Abin

12 militar. Seria necessário que as Forças Armadas reexaminassem algumas


equivalente a repressão e violação dos direitos civis. No Brasil, assim
de suas premissas junto à sociedade civil. Para Góes, até 1988,
como nos demais países do Cone Sul, existe uma forte desconfiança em
relação a essa atividade, que decorre do perfil assumido por seus órgãos de o retraimento militar não havia se dado em escala suficiente para provocar a
informações durante o último ciclo de regimes militares. Nesses países, os revisão da dimensão e dos processos operacionais do serviço secreto. (. .. ) O
absentelsmo político estável das Forças Armadas poderá fazê-lo, tornando-se
serviços de informações converteram-se em estados paralelos com alto grau
um poder mais transparente e suscetível de controle. 14
de autonomia, enorme poder e capacidade operacional.
A produção acadêmica brasileira sobre a atividade de informações e Na produção acadêmica sobre inteligência de cunho mais conceituai,
inteligência é quase inexistente. A maioria dos trabalhos sobre o assunto destaca-se o trabalho de Luís Antônio Emílio Bittencourt, ex-diretor do
foi produzida no período imediatamente posterior à transição brasileira Centro de Formação, Aperfeiçoamento e Recursos Humanos (Cefarh), a
para o regime democrático. Contudo, tal produção era dirigida à discus- antiga Escola Nacional de Informações criada em 1972 (Esni). Em sua
são do controle e subordinação do aparato militar à sociedade civil e, dissertação de mestrado - "O Poder Legislativo e os serviços secretos no
Brasil"- procurou perceber a compatibilidade entre a atividade dos ser-
apenas por extensão, ao problema das missões, capacidades e controles
viços de informações e a nascente democracia brasileira. Tomou como
específicos das agências de informações e segurança. Na visão de autores
base a ação do Poder Legislativo em relação à atividade de informações no
como Walder de Goés (1988) e Alfred Stepan (1986), o controle civil
Brasil e o contexto analisado foi o da elaboração da Constituição de 1988.
sobre o governo atingiria o cerne dos serviços de informações do regime O autor fez uma discussão sobre os mecanismos de controle existentes, os
militar. limites e as possibilidades desses controles e buscou perceber se no Con-
Alfred Stepan alertou para a necessidade de as sociedades civil e polí- gresso havia, realmente, interesse em estabelecer tais mecanismos.
tica brasileiras envolverem-se em assuntos acadêmicos acerca da demo- Bittencourt afirma que o assunto foi tratado com superficialidade e criti-
cracia e das formas de controle sobre as Forças Armadas e os serviços de ca a falta de esclarecimento por parte do Legislativo em relação aos servi-
informações. 13 Para ele, o controle desses sistemas era requisito necessário ços de informações. Conclui que não foi necessariamente a ação do
para a consolidação democrática. Stepan propunha a desmilitarização do Legislativo, mas as repercussões indiretas do processo democratizante,
SNI e a formação de comissões permanentes no Legislativo ou nos gabi- associadas às contradições inerentes aos serviços de informações, que acar-
netes do governo, as quais deveriam ocupar-se exclusivamente da retaram o esgotamento da concepção do SNI.
monitoração e supervisão rotineira dos serviços de informações. Propu- Outro trabalho que não pode deixar de ser citado é A história da
nha ainda que se retirasse do chefe do SNI o status de ministro e que se atividade de inteligência no Brasil, 15 livro escrito por Lúcio Sérgio Porto
Oliveira que contém um preâmbulo apresentado pelo então chefe da Casa
suprimisse seu caráter operacional. O autor destacava, sobremaneira, a
Militar, general Alberto Mendes Cardoso, um dos principais envolvidos
necessidade de se aumentar o poder legislativo sobre esse órgão.
na criação da Abin. No entanto, o livro deve ser relevado mais como obra
Ao contrário de Stepan, para quem a iniciativa teria que partir das
de referência do que por seu conteúdo, uma vez que se trata de divulgação
sociedades civil e política, Walder de Góes afirma que a transparência e o
institucional, fortemente marcado pela necessidade de convencer o leitor
controle sobre o serviço de informações deveriam partir de uma iniciativa da importância da atividade de inteligência no Brasil. 16 Desse modo, a

Uma discussão a respeito das atividades de informações e inteligência no Brasil será feita 14
12 Góes, 1988:223.
15
no próximo capítulo. Obra produzida pela Subsecretaria de Inteligência da Casa Militar da Presidência da Re-
13 Nesta obra Alfred Stepan define como sociedade civil um conjunto de organizações cívicas pública em 1999.
16
e movimentos sociais de todas as classes. E, por sociedade política, o espaço da organização e Outra discussão a respeito da necessidade da atividade de inteligência no Brasil pode ser
_ _ _ _ _ .._ __ _j~ A • o_.,-, •I • ...,.,.,.,...
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

natureza do livro, ou seja, o fato de ser ele obra de divulgação, inviabili- definidos de informações, instalações, comunicações, pessoal, equipamen-
zou uma postura realmente crítica no que tange ao desempenho da ativi- tos ou operações. Uma das medidas de segurança considerada essencial
dade dos órgãos de informações durante o governo militar. dentro do Estado é a salvaguarda de assuntos sigilosos. As agências res-
Se na área acadêmica a produção e discussão sobre a atividade de ponsáveis pela atividade de inteligência, enquanto provedoras de infor-
inteligência é escassa, no debate político não é diferente. Salvo um semi- mações, bem como portadoras de informações consideradas sensíveis para
nário realizado em 1994 pelo Congresso Nacional em conjunto com al- a segurança nacional, têm importante participação dentro desse setor de
gumas universidades, inclusive americanas, e a audiência pública promo- segurança informacional.
vida em 21 de maio de 1996 pela Comissão de Defesa Nacional, a discussão A segurança de informações está relacionada com medidas de prote-
atual é superficial e vaga. 17 Existe no país, por conta da última experiência ção que se pautam por técnicas ofensivas de inteligência, que incluem
aútoritária, uma resistência a discussões que abordem aspectos relativos à restrição de pessoas a determinados lugares, proteção física de documen-
atividade de inteligência e à segurança nacional. Essa resistência, além de tos e pessoas, controle de viajantes, de contatos estrangeiros, além de re-
ter atrasado o projeto de criação da Abin no Congresso Nacional, tam- gras para a classificação, custódia e transmissão dos documentos. A litera-
bém dificulta o debate sobre a regulamentação dos mecanismos responsá- tura especializada estabelece alguns parâmetros internacionais para a área
veis pela classificação e proteção dos "segredos governamentais". de segurança de informações que fica dividida, basicamente, em três com-
ponentes: segurança defensiva, detecção e neutralização de ameaças, e frau-
de. Todas elas são disciplinas de defesa que, no entanto, podem envolver
atitudes ativas e/ou passivas.
Segurança e segredo
A segurança defensiva passiva se divide em segurança de comunica-
Na atividade de inteligência, ao mesmo tempo em que se procura ções, segurança de computadores e controle de emissão. A segurança de
obter informações de outros atares, precisa-se proteger e neutralizar as comunicações inclui segurança de transmissão, cripta-segurança, segu-
capacidades destes outros atares em relação às suas próprias informações: rança física de comunicações e segurança material de informações. A se-
"they want accurate information and good forecasts about other than them, gurança de computadores, uma atividade mais recen~e, procura proteger
but they also want to control what these others are able to find out about os computadores da invasão de hackers. O controle de emissão é respon-
them, so they erect information defenses". 18 sável pela limitação das emissões eletrônicas de todos os tipos, através de
Desse modo, os governos procuram manter em segurança um amplo satélites, cabos etc.
campo de informações sensíveis, considerando-se que, por segurança, Detecção e neutralização são disciplinas defensivas de segurança que
entende-se uma condição relativa de proteção na qual se é capaz de neu- têm postura ativa e que podem envolver a eliminação física de agentes,
tralizar ameaças discerníveis. contra-espionagem e contra-inteligência. À parte das medidas de segu-
Na atividade de inteligência, a proteção envolve uma série de medi- rança passiva, a defesa tem, às vezes, a possibilidade de eliminar ou neu-
das de segurança que visam a frustrar a inteligência adversária. No que tralizar a coleta de informações da inteligência adversária, através da pri-
compete aos órgãos de inteligência, em termos organizacionais, a segu- são de agentes, da expulsão de oficiais de inteligência sob cobertura
rança é obtida através de padrões e medidas de proteção para conjuntos diplomática, entre outros. Esse é um tipo de atividade que ocorre princi-
palmente em época de guerra.
17
Atividades de Inteligência em um Estado Democrático, primeiro seminário realizado pela A fraude (ou deception), é uma disciplina defensiva e ativa. Envolve o
Câmara dos Deputados (Brasília, 1994). Alguns aspectos abordados nesse seminário serão uso de agentes duplos e também é aplicada principalmente em época de
discutidos no capítulo 3.
guerra. É definida pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan)
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

como "those measures designed to mislead the enemy by manipulations, através do culto ao segredo, atuar em defesa do Estado de Segurança Na-
distortion or falsification of evidence to induce him to react in a manner cional. 20 Mas, a seguir os modelos teóricos, a segurança não deveria ser
prejudicial to h is interests". 19 vista como parte da atividade de inteligência, seria apenas um dos usuá-
Apesar de lidar com apenas um tipo de ameaça em especial - as rios da atividade de inteligência, embora houvesse um envolvimento ínti-
fontes humanas- a contra-espionagem também traz uma discreta con- mo entre eles.
tribuição para a segurança. Provê informações sobre ameaças discerníveis No Brasil, como em qualquer lugar, os órgãos de informações sempre
e produz evidências específicas do fluxo de penetrações tanto do seu lado privilegiaram o segredo como ferramenta de poder. Por segredo podemos
quanto do lado adversário, permitindo o fortalecimento do aparato de compreender um saber de acesso particularizado a uma informação privi-
segurança e impedindo a exploração de suas fraquezas pelos agentes ad- legiada, que cria alianças e divisões sociais e espaciais por aqueles que o
I •
versanos. compartilham. Em uma definição precisa, o segredo é "a piece ofinformation
A relação entre a atividade de inteligência e a segurança é estreita. O that is intentionally withheld by one or more social actor(s) from one or more
aparato de segurança precisa se basear na avaliação da inteligência para other social actor(s)". 21 Uma importante característica do segredo é que a
definir as medidas de segurança defensivas a serem tomadas, pois é ela informação em questão é intencionalmente retida. O mero fracasso em
quem faz a avaliação das ameaças existentes. Dessa forma, a atividade de transmitir uma informação não é bastante para que esteja estabelecido
inteligência se insere em um conflito constante entre as capacidades ofen- um segredo. 'The requirement that a secret be an intentional withholding
sivas e de segurança e o sistema de inteligência, enquanto órgão especiali- means that there must be a selfconscious and identifiable motivation for
zado na proteção e roubo de segredos. Entretanto, as responsabilidades keeping someone else in the dark about something in particular. "22
pela segurança não fazem parte da atividade de inteligência. Cabe ao Es- Os segredos normalmente escondem informações relevantes que são
tado manter um aparato específico, responsável pela proteção de docu- retidas, ou como proposta para influenciar as ações e o pensamento dos
mentos e segredos, e cabe às agências de inteligência- enquanto especia- outros, ou para proteger informações consideradas relevantes. 23
listas em roubo de segredos, responsáveis pelo monitoramento das Além da retenção intencional da informação, o segredo também pode
tentativas dos outros de roubarem segredos e geradoras de segredos - ser apresentado de duas formas diferentes: a mentira, em que se retém a
estabelecer um debate com os órgãos estatais responsáveis pela segurança. informação que é substituída por outra, e a meia-verdade, uma revelação
Elas têm um papel consultivo e não executivo. parcial do segredo. O conhecimento parcial de uma informação pode
No Brasil, a atividade de informações confundiu-se com a própria conduzir a diferentes tipos de inferências sobre a verdade que o outro
segurança nacional. Dois dos três órgãos de informações das Forças Ar- conhece plenamente. Ao mesmo tempo em que os fatos verdadeiros são
madas foram criados no final da década de 1960 para combater a subver- revelados, a meia-verdade cria uma impressão que é falsa.
são: o Centro de Informações do Exército (CIE) e o Centro de Informa-
20
ções e Segurança da Aeronáutica (Cisa). O único órgão de informações O SNI sempre possuiu militares em sua estrutura, embora fosse um órgão civil. Mas foi
principalmente a partir de 1967 que teve a maior parte de seus cargos de comando ocupa-
das Forças Armadas que já existia antes da tomada do poder pelos milita- dos apenas por militares.
res em 1964 era o Centro de Informações da Marinha (Cenimar), mas 21
Scheppele, 1988:12.
22
que, em função da entrada dos militares no combate à subversão, Ibid., p. 13.
23
redimensionou sua atividade. Em 1967 o SNI se uniu a estes órgãos para, Seria importante destacar que não se pode confundir segredo com privacidade. A privaci-
dade se encontra necessariamente relacionada à intimidade do indivíduo. Ela é uma condi-
ção na qual os indivíduos podem, temporariamente, ficar livres da expectativa e da deman-
19 North Atlantic Treaty Organisation (Nato). !ntelligence doctrine. 1984. p. A-3. Apud da dos outros. O segredo é apenas um dos métodos que o indivíduo pode usar para alcançar
Herman, 1996:170. essa condição.
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

Segredos estratégicos são aqueles retidos com uma motivação parti- entre a sociedade e os organismos responsáveis pela atividade de inteli-
cular de alterar as ações e os pensamentos dos outros. Eles não são um fim gência no Brasil e colabora substancialmente para a estigmatização dessa
em si mesmos, são meios realizados para alcançar outros fins e ocorrem atividade no país.
quando os interesses dos atores envolvidos não são coincidentes, quando
há uma assimetria de interesses relevantes.
O grau de um segredo pode ser especificado pelo exame do número e Estigma
da qualidade de diferentes contextos nos quais o fluxo de informações é
intencionalmente bloqueado. Quando a informação é mostrada em um Por estigma entende-se a situação de um determinado sujeito que se
contexto e restringida em outro, pode-se perceber as diferenças nos tipos encontra ipabilitado para a aceitação social plena. Este é um termo criado
de relações sociais. É possível discernir os dois grupos essenciais: "nós", pelos gregos "para se referirem a sinais corporais com os quais se procura-
que somos aqueles que retemos a informação, e "eles", aqueles a quem a va evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral
informação é bloqueada. de quem os apresentavà'. 24 Atualmente o termo é mais facilmente com-
No que diz respeito aos objetivos deste trabalho, interessa perceber a preendido pelo fator pejorativo que conota. A sociedade como um todo é
atuação do Estado perante os segredos conhecidos como "segredos gover- quem estabelece os meios de categorizar os sujeitos e o total de atributos
namentais", pois é a ele que cabe regular as informações que são classifica- considerados comuns e naturais para os membros de cada uma dessas
das como sensíveis para a proteção individual e para o interesse e a segu- categorias que são criadas. Quando o sujeito que possui algum desvio em
rança nacionais. Em geral, o controle é feito através da distribuição de relação ao que se entende por normal e aceitável é apresentado à socieda-
informações em duas categorias: uma relacionada a casos domésticos, em de, seus aspectos permitem prever sua categoria e atributos, determinan-
que o governo procura prescrever o que o cidadão pode fazer, e outra do-lhe assim uma identidade social. Esta identidade é atribuída a partir
relacionada a casos externos, em que o governo prescreve o que o cidadão das pré-concepções, que são transformadas pela sociedade em expectati-
pode saber. No primeiro caso encontramos uma regulamentação estatal vas normativas e em exigências que são apresentadas de modo rigoroso.
relacionada aos processos judiciais, à propriedade industrial e à privacida- Deixa-se de considerar o sujeito estigmatizado como alguém comum e
de dos cidadãos, e no segundo o Estado regulamenta os segredos relacio- total, reduzindo-o à estagnação. Quando a sociedade lhe faz este tipo de
nados à defesa nacional e à política externa. avaliação, normalmente não considera todos os seus atributos, mas ape-
Este segundo caso constitui um tipo de segredo particular em relação nas os que são incongruentes com o estereótipo que foi criado. Ou seja,
aos outros, pois nele a informação é retida do inimigo e também de uma um sujeito que poderia ter sido facilmente recebido na relação social quo-
vasta maioria daqueles a quem o segredo busca proteger. A permeabilidade tidiana possui um traço que se pode impor à atenção e afastar aqueles que
das redes de trabalho e a desconfiança da população são revelados por este ele encontra, destruindo a possibilidade de atenção para outros atributos
modelo de distribuição. Múltiplas comunidades de "nós" e "eles" são cria- seus. Desse modo, a sociedade reduz suas chances de vida social. Como
das, conduzindo não apenas para uma tensão na comunicação entre Esta- afirma Goffman, "constrói-se uma teoria do estigma, uma ideologia para
dos potencialmente em guerra, mas também para um isolamento das co- dar conta de sua inferioridade e dar conta do perigo que ele representa,
munidades militares e de segurança nacional, em relação ao público em racionalizando algumas vezes uma animosidade baseada em outras dife-
geral. No Brasil, a manutenção de alguns segredos por parte de pessoas renças".25
relacionadas com os órgãos de informações possibilitou que permaneces-
sem impunes vários crimes cometidos em nome da segurança nacional. 24
Goffman, 1982: 11.
25
Essa retenção de informações é responsável, ainda hoje, por um abismo Ibid., p. 15.
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

A sociedade não consegue dar ao sujeito estigmatizado o respeito e a 11


consideração que os aspectos não contaminados de sua identidade social Ciclo de inteligência e sistemas organizacionais
o haviam levado a prever e que o sujeito havia previsto receber. O impor-
tante, nesse contexto, é saber como o sujeito estigmatizado responde a tal A descrição do processo de funcionamento e das estruturas dos siste-
pressão. mas de inteligência tem por objetivo permitir uma comparação entre o
Existem várias formas de um sujeito estigmatizado responder a essa sistema brasileiro e o modelo que se tornou um padrão ocidental da ativi-
não-aceitação social. Ele pode se retrair; pode simplesmente optar por dade de inteligência. Trata-se da construção de um tipo ideal que procura
ignorar o estigma que lhe foi imposto (o que é mais difícil, uma vez que enfatizar as regularidades sobre as operações e organizações, que funda-
na sociedade atual o sujeito tende a compartilhar as mesmas crenças sobre mentam algumas generalizações sobre a natureza da atividade de inteli-
a identidade que a sociedade possui); pode atuar de forma defensiva e gência. É claro que essas regularidades não são aplicadas de igual forma
agressiva e pode ainda tentar corrigir diretamente o que considera a base para todos os sistemas, uma vez que os sistemas de inteligência são produ-
objetiva de seu defeito. tos do processo histórico específico de cada país, acrescidos dos recursos
O uso desse conceito neste trabalho explica-se pelo fato de que a disponíveis para a área de defesa e para o provimento da ordem pública. A
atividade de inteligência, em si mesma, já carrega uma conotação negati- atuação desses sistemas varia em relação a dois eixos. O primeiro, em
va ante a sociedade democrática, dado o conflito entre a vigilância estatal relação ao centro-periferia, e o segundo, em relação a democracias-dita-
que ela pressupõe e os direitos individuais do cidadão. No Brasil, onde a duras. Porém, algumas características e problemas, especialmente a com-
atuação dos órgãos de informações durante o governo militar, sobretudo plexa ligação entre inteligência e política, são comuns à maioria dos siste-
mas políticos.
no final da década de 1960 e no começo da década de 1970, se encontra
diretamente relacionada à tortura, corrupção, violação dos direitos e li-
berdades civis, essa estigmatização é ainda mais forte.
Como várias vezes enfatizado, a memória sobre a atuação desses ór- Ciclo de inteligência: apresentação
gãos e de suas práticas durante aquele período e a insistência em manter
em segredo certas informações vêm prejudicando o debate político e aca- A literatura especializada sobre a atividade de inteligência freqüente-
dêmico brasileiro a respeito da atividade de inteligência. A aprovação do mente se utiliza de um diagrama como forma de auxiliar a compreensão
projeto da Abin demorou mais de dois anos para se concretizar. Nesse da atividade de inteligência e seu processo de funcionamento. Ele é defi-
nido como Ciclo de Inteligência e pode ser observado nos principais
intervalo, a agência passou por uma situação delicada, na qual existia e
manuais de inteligência do mundo. No Brasil ele é encontrado nos ma-
funcionava sem que sua função fosse regulamentada. A resistência ao de-
nuais da Escola Superior de Guerra (ESG). 26
bate e a ignorância em relação ao assunto, aliadas à falta de vontade polí-
Entende-se por ciclo de inteligência a descrição de um processo no
tica, cooperaram na manutenção dessa situação.
qual as informações coletadas principalmente pelas agências de inteligên-
Um dos objetivos deste trabalho é justamente perceber quais meca-
cia são postas à disposição de seus usuários. Na realidade, ele pode ser
nismos foram e estão sendo criados pelo Poder Executivo e pelo Congres-
definido basicamente em duas grandes etapas: uma de coleta e outra de
so Nacional para tentar reverter esta situação, para chamar a atenção da
análise, que se encontram organizacionalmente estabelecidas, vinculadas
sociedade política e do público em geral, para a importância da
a diferentes órgãos estatais.
institucionalização da atividade de inteligência no país. Perceber o que
está sendo feito para superar o caráter autoritário da doutrina de seguran- 26
Essa definição padrão é adorada pela Otan e pelos países signatários da Junta Interamericana
ça nacional e a experiência dos órgãos de informações. de Defesa, inclusive o Brasil.
SNI & Abin
Priscila Carlos Brandão Antunes

Ciclo de inteligência
O fluxo dessas informações coletadas vai ser direcionado conforme o
pedido do usuário ou conforme o objeto de pesquisa solicitado. Após o
processo de análise, executado por Todas as fontes e/ ou Alto nível de avalia-
ção, o produto final será posto à disposição do usuário final.
Também fazem parte do ciclo de inteligência a proteção e a negação
Todas as fontes
de informações consideradas sensíveis para a segurança nacional, nas quais
Análise e
Agências disseminação se situam as atividades de contra-inteligência e contra-espionagem. Por
especializadas contra-inteligência entende-se a inteligência sobre as capacidades e inten-
Usuários
ções dos serviços de inteligência adversários e, por contra-espionagem, o
esforço produzido pela contra-inteligência no sentido de neutralizar ou
Alto nível de avaliação destruir as atividades de espionagem dos adversários.
A coleta de informações é, sem sombra de dúvidas, a função mais
Fonte: Herman, 1996:43.
conhecida dentro da atividade de inteligência. Compreende o primeiro
estágio do ciclo, no qual as informações solicitadas pelo usuário ou para
Nesse processo as informações são coletadas através de várias fontes preencher demanda da própria agência de inteligência são obtidas. São
diferentes. As agências especializadas são responsáveis pela coleta de tipos informações necessariamente relacionadas com a defesa e a segurança na-
específicos de informação. São agências com especialidades técnicas de- cional, coleta de dados relevantes sobre capacidades, potencialidades e
terminadas, tais como fotorreconhecimento, criptoanálise e espionagem. intenções de alvos que podem estar protegidos ou cujo acesso é restrito.
Após o processo de coleta essas informações são repassadas para a área de Uma especificidade da atividade de inteligência no processo de coleta se
análise, Todas as fontes e/ou Andlise e disseminação. Nesse estágio, todas as deve justamente ao fato de que as informações requeridas estão, normal-
informações coletadas pelas diversas agências especializadas são processa- mente, protegidas. "lntelligence collection is gathering information without
das, analisadas e transformadas em produto de inteligência. Paralelamen- targets cooperation or knowledge. Usually it is by special covert means designed
te a este tipo de análise, existe uma outra agência de análise definida como to penetrate targets organized secrecy. "27
Alto nível de avaliação, onde se faz um tipo de análise especial. São reuni- Esta característica não impede que também sejam coletadas informa-
dos vários departamentos diferentes na intenção de produzir uma opi- ções em fontes extensivas, como é o caso da televisão, da imprensa e da
nião sobre determinado assunto, em que é necessário se chegar a um con- Internet.
senso sobre o tema a partir das várias informações oferecidas. Por exemplo: Agências especializadas é o termo utilizado para se referir às agências
a agência necessita de informações sobre a situação da guerrilha na Co- responsáveis pelo processo de coleta de informações, que estão organiza-
lômbia para repassar ao presidente da República, que viajará para o país das por diferentes especialidades técnicas. Novamente destacamos que é
com o objetivo de estabelecer acordos de cooperação. Nessa agência espe- preciso sempre levar em conta as características peculiares de cada país
cificamente serão reunidas informações fornecidas por fotos tiradas de para pensar o alcance e as possibilidades dessas agências. Uma compara-
satélites, informes da imprensa, informes fornecidos pela embaixada etc., ção interagências entre países ricos e pobres chega a ser impraticável, pois
que serão reunidas, integradas e analisadas. Dessas informações, procura- existe uma enorme diferença entre a disponibilidade de recursos e de in-
se criar um quadro o mais próximo possível da situação, de forma a sub- vestimentos na área tecnológica, além de questões político-históricas que
sidiar o Poder Executivo em qualquer decisão que ele precise tomar em
relação ao assunto. 27
Herman, 1996:81.
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

levaram determinados países a investir muito mais em determinadas es- a averiguação da confiabilidade da fonte e da credibilidade da informa-
pecialidades do que outros, como foi o caso dos EUA e da extinta URSS, ção. Em terceiro, a análise, quando se identificam os fatos significantes,
na corrida pela construção de satélites ainda na década de 1960. Em fun- comparando-os com os fatos existentes. Após esse processo, as informa-
ção do grau de especialização técnica atingido dentro dessas agências, elas ções analisadas são integradas através da elaboração de um quadro, onde
acabaram, nesses países, por se traduzir em grandes organizações. 28 serão interpretadas e as decisões cabíveis serão tomadas em função das
Após a conclusão do processo de coleta realizado pelas agências técni- probabilidades esperadas.
cas especializadas, os dados são repassados às agências responsáveis pela Claro que se trata de uma simplificação do processo, uma vez que
sua análise e disseminação. Neste processo, as informações coletadas são cada um desses itens é subdividido em vários outros. O importante é que
sistematicamente examinadas e transformadas, tornando-se úteis ao pro- o resultado final deste processo é o que se pode denominar produto da
cesso de tomada de decisão. De acordo com a doutrina da Otan, a análise inteligência, que: será entregue aos usuários nos prazos e formatos necessá-
pode ser dividida pela seguinte seqüência: 29 rios.
Em primeiro lugar, há a colação, o trabalho de registro das informa- O papel das agências responsáveis pela análise é o de prover de dados
ções que entram. Em segundo, vem o processo de avaliação, no qual se faz os usuários, da melhor forma possível, além de serem as responsáveis pela
sua distribuição. O processo pelo qual o produto de inteligência é posto à
28
Dentro do tipo ideal construído pelos países ocidentais e encontrado principalmente na disposição do usuário é denominado disseminação. Os procedimentos de
literatura anglo-saxã, foram criados acrônimos como forma de identificar e definir os tipos
disseminação são cruciais para o complemento do ciclo, pois são os res-
de coleta existentes na atividade de inteligência. Entre as funções típicas desse processo
encontram-se: Humint/ Human !ntelligence, que responde atualmente por uma pequena ponsáveis pela distribuição e entrega da inteligência aos usuários. Esses
parcela das informações na atividade de inteligência. É um tipo de coleta relativamente sistemas de disseminação são complexos porque envolvem não apenas
barata, se comparada aos gastos com a produção de satélites e outros equipamentos. Em diferentes produtos para usuários igualmente diversificados, mas também
meio às relações internacionais, o papel desses coletores é obter informações onde pessoas
"porque envolvem crescentemente exigências de integração, segurança,
ligadas ao corpo diplomático não têm acesso; Sigint!Signals !ntelligence são as agências res-
ponsáveis pela transcrição de informações obtidas em línguas estrangeiras, pela decodificação interoperabilidade e velocidade nos sistemas digitais de armazenamento,
de mensagens criptografadas, pelo processamento de imagens digitais, além de outras fun- recuperação e comunicação de bases de dados e mensagens". 30
ções. A Sigint tornou-se a mais importante fonte de inteligência do século XX, pois tem sido Além de o ciclo estar dividido em duas etapas, a de coleta e a de
parte da revolução dos meios de comunicação, responsável até mesmo pelo desenvolvimen-
análise, existem outras separações importantes no trabalho de inteligên-
to dos primeiros satélites das superpotências; Imint/ !magery !ntelligence, que envolve a cole-
ta e o processamento de imagens obtidas através de fotografias, radares e sensores
cia, como é o caso da separação das áreas de interesse do ciclo em catego-
infravermelhos. O recurso à fotografia se tornou, em época de guerra, um dos maiores rias. Essa divisão é utilizada para direcionar o processo de coleta de infor-
elementos de inteligência para o reconhecimento de territórios, de trincheiras, para auxiliar mação, organizar o trabalho de análise e classificar os dados obtidos. Em
nos bombardeamentos e para o melhor emprego de divisões e munições, desempenhando primeiro lugar, a inteligência pode ser dividida em externa e interna. Por
importante papel desde a I Guerra Mundial. Parte das imagens analisadas em tempos de paz
consiste em uma coleta rotineira, também podendo ser obtidas através de fontes ostensivas,
inteligência interna ou doméstica compreendem-se "as informações so-
como é o caso das imagens veiculadas pela mídia, jornais e pela difusão de imagens televisivas, bre identidades, capacidades, intenções e ações de grupos e indivíduos
transmitidas por outros países; Techint!Technical !ntelligence é a inteligência obtida através dentro de um país, cujas atividades são ilegais ou alegadamente ilegíti-
de outros meios técnicos. A coleta é feita por agências especializadas que fazem uso de mas".31 Entretanto, os valores atribuídos a essas capacidades e a tolerân-
tecnologia altamente desenvolvida para a obtenção de informações que não são passíveis de
cia do Estado em relação à dissidência vão variar conforme o regime polí-
serem obtidas através de Sigint e Imint. São informações coletadas de forma passiva e que,
em geral, se encontram relacionadas com sistemas de vigilância oceânica, do espaço sideral
e com o monitoramento e detecção de explosões nucleares. 3
° Cepik, 1999.
29 31
Nato. Mi!itarv AíTencv for Standardisation (Aug. 1984), apud Herman, 1996:100. Ibid.
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

tico de cada país. O status da segurança interna é reflexo do processo Como se vê, a literatura especializada criou um diagrama, que, assim
político em que vive o Estado, de forma que, quanto mais fechado for o simplificado, demonstra como a atividade de inteligência opera na atual
regime, menor será a tolerância e maior será a segurança interna. E mes- escala e como pode ser avaliada:
mo em se tratando de democracias consolidadas, sempre existe uma ten-
são entre a vigilância estatal de um lado e a privacidade e os direitos indi- Requerimento de
viduais do outro. ~ informações ~
A inteligência externa está relacionada às capacidades, intenções e
atividades de Estados, grupos ou indivíduos estrangeiros. Esse termo pode Coleta e
Usuários
ser aplicado tanto para as relações interestatais, algum tipo de conflito análise
estabelecido entre dois ou mais estados, quanto para atores transnacionais,
como é o caso do terrorismo e do narcotráfico.
Nos países liberal-democráticos a maior parte da atividade de inteli-
gência é direcionada para a busca de informações sobre outros Estados e a
~ Disseminação
/
própria segurança interna está relacionada com a proteção externa, como Fonte: Herman, 1996:285.
se pode observar no caso inglês:
Nesse diagrama estão representados os usuários ou consumidores, que
The protection ofnational security and, in particular, its protection against são aqueles que determinam o tipo de informação que está sendo necessá-
threats.from espionage, terrorism and sabotage, .from the activities ofagents ria. Suas necessidades são transformadas em requerimentos concretos pe-
offoreign powers and .from actions intended to overthrow or undermine los administradores da inteligência e são repassadas aos coletores de for-
32
parliamentary democracy by political industrial or violent means. ma a direcionar os seus esforços. Os coletores obtêm as informações
requeridas, que são transformadas pelos analistas em produto de inteli-
Na prática, segurança e inteligência externa se confundem, pois amea-
gência. Esse produto final é distribuído para o consumidor e para os che-
ças externas possuem componentes internos e vice-versa. fes das agências, que formulam as novas necessidades e fazem os ajustes
necessários de maneira a prover a atividade de inteligência de mais eficá-
cia e efetividade.
Ciclo de Inteligência: práticas Entretanto, Michael Herman levanta uma importante questão: o dia-
grama só pode ser considerado uma mera simplificação da atividade de
A atual escala de produção da atividade de inteligência exige um fun- inteligência, uma vez que tem um caráter mais pragmático do que doutri-
cionamento permanente- homens e computadores operando 24 horas nário. A sua utilização apenas ajuda a pensar o gerenciamento da ativida-
por dia- e se encontra em uma situação bem diferente da que possuía de de inteligência, já que, na prática, esses estágios podem tomar propor-
até o fim da II Guerra Mundial. Essa mudança exigiu uma complexa ções e caminhos diferentes. Segundo Herman, é necessário se ater ao fato
reorganização administrativa, de modo a torná-la mais eficiente e efetiva, de que se essas agências se comportarem organizacionalmente, de forma
não apenas na aplicação das novas tecnologias, mas também na adminis- rigorosa, como define o diagrama, acabarão por introduzir ineficiência ao
tração e controle de um número de pessoas muito maior, na distribuição sistema. Isso ocorreria porque alguns tipos de requerimentos acabam por
dos recursos e produtos para os vários usuários em tempo hábil. obter mais status do que realmente seria necessário, "they have connotations
ofauthorisation: claiming and demanding by right and authority" .33
32 Security Service Act (1989), apud Herman, 1996:47. 33 U~---- 1 oot.:.'lot.:
Priscila Carlos Brandão Antunes
SNI & Abin

O ciclo de inteligência é, de fato, uma criação militar que parte do Longe de se tratar de um processo formal e estável, o ciclo de inteli-
princípio de que o processo de inteligência é estritamente formal, estável gência, na prática, adquire uma dinâmica própria, que decorre das infor-
e regular. Segundo a definição da Otan, o ciclo é mações obtidas e das informações ofertadas. Mas o fato de o diagrama
não representar a realidade do ciclo de inteligência não o invalida. Ao
a logical system ofthough and action for providing the intelligence required contrário, essa representação acaba se tornando útil, pois permite enten-
by a commander (... ) All intelligence work should be based on the der o funcionamento do ciclo, assim como o processo de qualquer outra
commander's intelligence requirements (... ) if it is to be effective and política pública. Da mesma forma que ocorre na implementação de uma
economic it must have a specific aim, and the aim is to provide the política pública, no ciclo de informações são localizadas a definição da
commander with what he needs. 34 agenda, a busca de informações e alternativas necessárias sobre o proble-
E como a inteligência civil não formulou uma doutrina formal para a ma, bem como a decisão de que ação deve ser empregada para a sua reso-
comunidade de inteligência, acabou-se por aceitar e utilizar esta formula- lução. Ou seja, a visão estagista do ciclo permite localizar sua fase de pla-
nejamento, de implementação, de avaliação e decisão, além de permitir a
ção militar.
Na realidade, como afirma Herman, longe de funcionar de forma compreensão de como a atividade de inteligência funciona e como deve-
estável e regular, o que existe dentro do ciclo de inteligência é uma oferta ria funcionar.
de informações. Os requerimentos refletem o que os chefes das agências
de inteligência pensam que os usuários podem precisar e o que eles acham
que a agência pode prover. Na prática, percebe-se que os fluxos que foram Sistemas organizacionais: uma visão geral
discutidos anteriormente podem ser invertidos, e que os requerimentos
de informações assumem uma dinâmica própria. Por sistemas de inteligência pode-se entender as organizações que aten-
dem à função de inteligência dentro de um determinado governo. Fala-se
em sistemas de inteligência, em vez de organização de inteligência, devi-
Fluxo informacional
do ao fato de que esta atividade surgiu de duas etapas distintas, que histo-
ricamente foram se especializando. A atividade de inteligência existe há
Pedidos
dos Departamentos muito tempo e sua importância já é reconhecida desde as guerras
usuários Múltiplas individuais napoleônicas. Entretanto, a atividade de inteligência separada
agências de Múltiplos
Múltiplos organizacionalmente surgiu apenas a partir da complexificação das guer-
análise usuários
coletores ras no final do século XIX. A partir desse período, a guerra passou a en-
Requerimentos
Dados para volver grandes exércitos e grandes territórios, aumentando as oportuni-
a demanda de produtos de
dades de vitória, que passaram a depender cada vez mais de um rápido
da agência inteligência
comando e de uma grande capacidade de concentração. Para atender a
essas novas necessidades, criaram-se staffi permanentes nos exércitos e,
Requerimentos de departamentos individuais para agências especializadas
posteriormente, nas marinhas, responsáveis pelo planejamento e suporte
Fonte: Herman, 1996:291. de informações que pudessem auxiliar os comandos nas tomadas de deci-
são e de controle.
Paralelamente ao seu desenvolvimento dentro do campo militar, a
34 Allied Intelligence Publication (1). Intelligence doctrine (Nato, 1984. §401), apud Herman,
atividade de inteligência passou também a se especializar como função
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

policial e repressiva. As polícias secretas surgiram no princípio do século A própria concepção de sistema ou comunidade de inteligência ape-
XIX e tinham como objetivo evitar revoluções populares, a exemplo da nas pode ser pensada a partir de meados do século XX, pois até o período
revolução francesa. Passaram a desenvolver mecanismos de vigilância, de entreguerras as agências de inteligência ainda pressupunham que o co-
informação e de interceptação de cartas. nhecimento sobre as nações estrangeiras deveria ser organizado em seg-
No século XX, após o fim da II Guerra, o medo de uma nova revolu- mentos, não como uma totalidade. Faltava ainda a essas agências habili-
ção popular já havia declinado no mundo ocidental, mas o comunismo dade para tratar de assuntos que escapavam à alçada militar, além de um
permaneceu como uma forte ameaça. Em decorrência, emergiram os de- mecanismo central de avaliação sobre a segurança, efetividade e o poten-
partamentos criminais de investigação, que começaram a recorrer ao uso cial das agências de inteligência. Novas estruturas emergiram no decorrer
das técnicas científicas para os problemas de detecção, apreensão, vigilân- da II Guerra Mundial que permitiram a análise integrada de assuntos tais
cia e armazenamento de informações sobre populações criminosas. O cres- como economia, política, assuntos militares, navais etc. Eram as agências
cimento internacional das organizações de segurança e o medo da espio- centrais de análise, que procuravam analisar o inimigo como um todo. A
nagem estrangeira ainda levaram os países a desenvolverem suas agências introdução da coleta e análise nacional de informações implicou a per-
de contra-espionagem. cepção de que a atividade de inteligência era algo mais do que um con-
Houve, nesse processo, uma mudança no status da atividade de inte- junto de organizações independentes.
ligência, que passou a se organizar e se institucionalizar, tornando cons- No início da Guerra Fria foram introduzidas duas grandes novidades
tante o processo de coleta e análise de informações. A partir de meados na atividade de inteligência. Em primeiro lugar, surge a função sistemáti-
dos anos 1940 firmou-se a crença de que a inteligência seria uma ativida- ca de avaliação, com a entrada dos acadêmicos nos assuntos de inteligên-
de fundamental para o processo de tomada de decisões governamentais. cia. Até então essa atividade era considerada um assunto restrito aos mili-
A autonomização da atividade acompanhou, de alguma forma, o proces- tares ou à polícia. Nesse contexto, um tipo diferente de problema foi
so de racionalização e complexificação estatal ocorrido nas formas de go- posto pela URSS. Informações que em outros países eram ostensivamen-
verno do século XX, vinculado à expectativa liberal e ao otimismo cognitivo te publicadas passaram a ser tidas como secretas pelos soviéticos, como
das ciências sociais. A atividade de inteligência, enquanto instituição per- era o caso, por exemplo, de sua densidade demográfica e de seu PIB. Na
manente, permitiria uma maior racionalização da ação governamental, extinta URSS, ou não se publicavam estas informações ou elas eram
afastando-a da conduta ideológica. Segundo Sherman Kent: publicadas de forma distorcida. Os EUA foram um dos países que mon-
taram o extraordinário aparato de análise, envolvendo os melhores experts
intelligence represented rationality, and the statesman who rejected it should do país.
recognize that he is turning his back on the two instruments by which Em segundo lugar, o crescimento da atividade de inteligência acom-
western man has, since Aristotle, steadily enlarged his horizons ofknowledge panhou a explosão tecnológica ocorrida no período pós-guerra. Para au-
- the instruments ofreason and scientific method. 35 xiliar a coleta de informação, surgiram as agências especializadas em si-
A organização do sistema de inteligência passou a fazer parte do pla- nais, imagens, criptografia, entre outros, que começaram a produzir
nejamento governamental como mais um mecanismo capaz de atribuir informações em grande escala e adoraram uma lógica completamente di-
racionalidade ao funcionamento do Estado, não obstante um governo ferente da adorada durante o século XIX. Vale ressaltar que este exemplo
poder funcionar sem uma atividade de inteligência, que, afinal, é apenas se aplica muito mais às grandes potências envolvidas no contexto de Guerra
uma atividade subsidiária ao processo decisório. Fria e difere-se substancialmente de países menos desenvolvidos.
Quando essas organizações surgiram, com o processo de racionaliza-
35 l (" " ' 1 ()(.;<;.<;
ção e de crescimento dos governos no pós-II Guerra, foram sendo retira-
SNI & Abin

das de dentro da área militar e muitas foram subordinadas ao controle


civil. Entretanto, as estruturas de inteligência das Forças Armadas não
foram desmanteladas. Havia outros interesses em jogo que diziam respei-
to principalmente à transferência de técnicas e de recursos envolvidos na
manutenção desses órgãos. Concomitantemente à existência das ativida-
des de inteligência dentro da Marinha, Aeronáutica e Exército, a ativida- 2
de também se inseriu nos ministérios de Defesa, de forma que houve uma
verticalização dentro do sistema. E é justamente devido a esta verticalização
que se pode pensar em sistemas de inteligência, ao invés de, simplesmente,
Os serviços de informações no Brasil:
organizações. a construção burocrática da rede
Sendo assim, tenham ou não o nome de sistemas de inteligência,
quase todos os países têm mais de um órgão envolvido nesse tipo de ativi-
dade. Uma vez expostas as estruturas e as especificidades de um sistema
de inteligência considerado padrão para o mundo ocidental, buscaremos EsTE CAPÍTULO TEM como objetivo principal abordar a constituição e o
perceber a construção do Sistema Brasileiro de Inteligência, nos atendo, funcionamento do sistema brasileiro de informações. 36 O estudo das es-
fundamentalmente, nas particularidades inerentes à sua consolidação. truturas e das práticas exercidas na "comunidade de informações" faz-se
imprescindível para que se possa compreender a construção do estigma
que lhe foi atribuídoY Esclareçamos, contudo, que a intenção não é ape-
nas apontar erros cometidos por esses órgãos. Este não é um trabalho
denunciatório, e muito menos busca minimizar os efeitos desses erros,
conhecidos por grande parte da sociedade. Procura, precisamente, perce-
ber os motivos que levaram tais órgãos a se engajar no combate à subver-
são e a se confundir com a própria segurança do país. Outro objetivo é
demonstrar em que a construção da comunidade de informações no Bra-
sil se diferenciou das comunidades de inteligência das grandes potências,
observadas no capítulo anterior.
Neste capítulo, o estabelecimento de um corte cronológico definitivo
não foi viável. Dividir a atividade de informações no Brasil a partir de
1927 - quando foi abordada pela primeira vez de forma oficial - até
1990 - quando o SNI foi extinto -seria um corte por demais arbitrá-
rio. Tal corte se daria em função da adoção do termo "inteligêncià' no
debate público brasileiro, como forma de desvincular a nova agência a ser

36 Vale relembrar que o termo "informações" é a apropriação dada à atividade de inteligência


no contexto brasileiro até 1990.
37
Uso o termo "comunidade", em função de ter sido amplamente utilizado para referir-se
aos vários órgãos de informações criados a partir do governo militar.
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

criada dos órgãos de informações anteriores. Entretanto, a atividade de rsse órgão concentrou durante os anos do governo militar. Entretanto, o
informações não pode ser tratada de modo uniforme. primeiro registro oficial relacionado a essa atividade remonta ainda ao
Na área civil, foi em 1990 que o presidente Fernando Collor extin- mandato do presidente Washington Luís, quando foi criado o Conselho
guiu o SNI e criou, subordinada à Secretaria de Assuntos Estratégicos, a de Defesa Nacional. O órgão foi instituído a partir do Decreto n2 17.999,
Subsecretaria de Inteligência. Mas na área militar, a partir de meados da de 29 de novembro de 1927.40 Possuía caráter consultivo e se reunia ordi-
década de 1980, já havia um interesse em associar os órgãos de informa- nariamente duas vezes por ano, com a função de estudar e coordenar as
ções a serviços de inteligência, como era feito na maioria dos grandes informações sobre "todas as questões de ordem financeira, econômica,
países ocidentais. 38 Muito antes da agência civil, os órgãos militares já bélica e moral, relativas à defesa da Pátria". Vale destacar que nesse decre-
tinham uma preocupação em desvincular suas agências de informações to já se detecta uma preocupação do Estado com a guarda e a classificação
da atividade de segurança e repressão, da qual ficaram responsáveis a par- de documentos considerados relevantes para a defesa do país. Segundo
tir do final da década de 1960. Como veremos na Aeronáutica, por exem- seu art. 82 , "todos os papéis, arquivos e mais objetos do Conselho ficarão
plo, alguns depoimentos levam a crer que a desvinculação e a reformulação
sob a guarda e responsabilidade do Estado-Maior do Exército, que os
das atribuições do Cisa em função das necessidades exclusivas da força
classificará" .41
passaram a ocorrer ainda no começo da década de 1970. Desse modo,
A criação do conselho naquele momento tinha o objetivo de acom-
ainda que durante os anos mais duros do período de repressão essas agên-
panhar e avaliar os agitados acontecimentos da década de 1920, pois não
cias civis e militares tenham se interligado profundamente, formando uma
só o Brasil passava por um período de turbulências, com as pregações do
grande rede, elas devem ser analisadas separadamente.
movimento tenentista e o surgimento do movimento operário, como o
O capítulo, desse modo, está dividido em duas seções: a primeira
mundo ainda se encontrava abalado com a vitoriosa revolução russa, além
aborda o surgimento da atividade civil de informações no país, onde te-
de estar enfrentando uma série de crises econômicas que culminaram com
mos principalmente a construção do Serviço Federal de Informações e
Contra-Informações (Sfici) e do Serviço Nacional de Informações (SNI). a quebra da Bolsa de Valores de Nova York em 1929.
Na segunda são apresentados os centros de informações do Exército, da Em 1934, após a regularização da condição de Getúlio Vargas como
Marinha e da Aeronáutica. 39 presidente do Brasil, houve uma nova organização no Conselho de Defe-
sa Nacional, quando se criaram a Comissão de Estudos de Defesa Nacio-
nal e a Secretaria de Defesa NacionalY A elas caberia a responsabilidade
de centralizar as questões relativas à defesa do país em cada pasta. Nesse
mesmo ano, a denominação do Conselho de Defesa Nacional ainda foi
O Conselho de Defesa Nacional alterada para Conselho Superior de Segurança Nacional (CSSN).
Após o golpe de Estado em 1937, Vargas decretou uma nova Consti-
No Brasil, quando falamos em atividades de informações, normal-
tuição Federal, que em seu art. 165 responsabilizava o novo Conselho de
mente nos lembramos do SNI, o que se justifica em função do poder que
Segurança Nacional (CSN) pela coordenação dos estudos relacionados
38
A discussão sobre a pertinência do termo "inteligência" pode ser observada no manual da
com a segurança. Durante o Estado Novo ainda houve uma nova
Escola Superior de Guerra de 1985.
40
39
As poucas informações coletadas sobre o funcionamento desses órgãos só puderam ser Os documentos citados neste trabalho foram obtidos de várias formas. Através da assesso-
obtidas com militares que participaram de sua estrutura, e isso vale para as três forças. Ainda ria do PT na Câmara dos Deputados, do Núcleo de Documentação da Câmara, da assesso-
não estão disponíveis outros documentos com os quais possamos confrontá-las. Mas como ria e da biblioteca da Abin, do Núcleo de Estudos Estratégicos, entre outros.
41
se trata de informações organizacionais, menos subjetivas, devem pelo menos permitir uma No capítulo 5 discutiremos a atual política brasileira de proteção de informações.
42
certa noção do funcionamento desses centros. Decreto n2 23.873, de 15 de fevereiro de 1934.
Priscila Carlos Brandão Antunes
SNI & Abin

redefinição de suas competências e organização. Como forma de auxiliar gência também se tornaram responsáveis pela detecção, apreensão, vigi-
o CSN no estudo das questões relativas à segurança nacional, foram cria- lância e armazenamento de informações sobre populações que poderiam
das, em todos os ministérios civis, comissões de estudo, uma comissão ser consideradas subversivas.
especial de faixa de fronteira e uma secretaria-geral. De acordo com o O começo da Guerra Fria de certa forma obrigou a maioria dos países
depoimento do general Rubens Bayma Denys, chefe do Gabinete Militar a uma nova reflexão em relação à sua segurança nacional, reformulando e
da Presidência da República entre 1985 e 1990, o conselho teve sua estru- criando suas agências de inteligência de acordo com suas perspectivas ideo-
tura organizacional criada nos moldes do Conselho de Segurança Ameri- lógicas. Os dois grandes eixos- Estados Unidos e União Soviética-
cano.43 A Secretaria Geral ficava subordinada diretamente à Presidência começaram a exportar homens e técnicas de treinamento na área de inte-
da República e tinha a importância de canalizar questões referentes ao ligência para os países sobre os quais exerciam influência.
conselho e à comissão de estudos, além de servir de ligação com as demais No Brasil concluiu-se que a Secretaria Geral do Conselho de Segu-
seções de segurança dos ministérios civis. 44 rança Nacional não era um órgão preparado para essa nova dinâmica in-
Apesar de todas as alterações na legislação e na nomenclatura do con- ternacional. Era necessária a criação de um órgão que tivesse a função de
selho não houve mudanças significativas no que diz respeito à atividade recolher e estudar as informações sensíveis à defesa do país de forma siste-
de informações. Como afirma Lúcio Sérgio, "a atividade permaneceu li- mática e permanente, e que tivesse suas atribuições precisamente defini-
mitada ao espectro antes estabelecido na origem do Conselho de Defesa das. Até então, as seções de segurança nacional haviam permanecido, se-
Nacional (1927), isto é, voltada para questões relativas à defesa da Pá- gundo o coronel Ary Pires, ex-funcionário da Secretaria Geral,
tria'' .45 absolutamente i nativas (. .. ) outras desvirtuaram-se de sua finalidade ou
por não terem contado com o prestígio dos titulares das pastas ou por se
terem absorvido nas soluções de problemas administrativos normais sem
A criação do Serviço Federal de Informações maior importância. 47
e Contra-Informações {Sfici)
Procurou-se reestruturar a organização do Conselho de Segurança
A partir do final da II Guerra Mundial a atividade de inteligência nas Nacional de forma a sanar suas deficiências. De acordo com o Decreto-lei
grandes potências ocidentais se desenvolveu de duas formas: autonomizou- n 2 9.775, de 6 de outubro de 1946, o presidente da República passou a
se em relação ao fazer a guerra, tornando-se uma instituição permanente; ser o responsável por estabelecer as bases de um plano de guerra. Como
e cresceu, em meio ao surgimento da Guerra Fria, como aparato criminal parte dessa diretriz, o presidente Outra, através do Decreto n 2 9.775-A,
de investigação, que passou a recorrer ao uso das técnicas científicas para dividiu a Secretaria Geral em três seções. Nessa divisão, coube particular-
a resolução dos problemas de subversão ideológica. 46 Os órgãos de inteli- mente à segunda seção coordenar os serviços de informação e contra-
informação que seriam de responsabilidade do Sfici, "organismo compo-
43 Rubens Bayma Denys, 1998. As entrevistas utilizadas neste trabalho foram quase todas nente da estrutura do Conselho de Segurança Nacional que passaria a ter
coletadas pelo Cpdoc, sendo uma parte ainda inédita e outra publicada. As inéditas serão o encargo de tratar das informações no Brasil". 48 Também eram funções
indicadas pelo nome do entrevistado e pelo ano do depoimento. As que estão publicadas da segunda seção: organizar a propaganda e contrapropaganda no que
serão indicadas pelo nome do depoente, pela data de publicação dos livros e pela página em
que são encontradas. Tais entrevistas constam de D'Araujo, Soares & Castro, 1994 e 1995.
interessasse ao plano político exterior e organizar a defesa do próprio sis-
44
Decreto-lei n2 4.783, de 5 de outubro de 1942.
45 Oliveira, 1999:25. 47
Oliveira, 1999:27.
46
Por grandes potências ocidentais entenda-se principalmente EUA, Inglaterra e França, e, 48
Decreto-lei nll 9.775-A, de 6 de setembro de 1946.
nnr "nhuPrc::Ín n ncn ciet-Prn-5'Nrn ri~ uinl~nri"l n'".lr'".l rnnÁ.-..r 11rn nrriPn'lrnPntn rnnct;t"11r;nn"ll
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

tema econômico, coordenando as medidas para a contra-espionagem e Nacional e tinha como secretário-geral o general Nelson de Melo, chefe
contrapropaganda no que interessasse ao plano econômico. do Gabinete Militar do presidente Juscelino. Ficava localizado no 1ܺ
Foi a primeira vez que se estabeleceu no país, oficialmente, a preocu- andar do edifício lnúbia na av. Presidente Wilson, cujas instalações foram
pação com a contra-espionagem e a contra-informação; não obstante, a cedidas pela Comissão do Vale do São Francisco, e contava com quase 60
efetivação do Sfici, como órgão produtor de informações, somente viria a funcionários, entre civis e militares das três forças. 50
ocorrer quase 12 anos depois, durante o governo Juscelino Kubitschek. O general Denys ficou responsável pela organização dos arquivos da
Nesse intervalo, foi novamente regulamentada a salvaguarda de in- secretaria, onde, de acordo com ele, os documentos eram organizados por
formações que interessassem à segurança nacional. Na realidade, o Decre- áreas e pessoas. As fichas arquivadas diziam respeito a pessoas eminentes
to nº 27.583, de 14 de dezembro de 1949, foi o primeiro instrumento nos meios político e social. Segundo exemplos do general,
legal a ter como objetivo principal proteger e classificar as informações
o Lacerda, que era muito radical de direita, teve a sua ficha aberta ld. O
julgadas pelo Estado brasileiro como sensíveis para a sua segurança.
Antônio [Francisco] Julião e o Miguel Arraes, que eram radicais de es-
A partir de 1956, com o acirramento da Guerra Fria, a atividade de
querda, assim como todas as pessoas ilustres, conhecidas, tinham que ter
informações passou a receber um novo tratamento por parte das autori-
uma ficha para a gente ter esses dados, independentemente das ideolo-
dades governamentais. Foi quando o presidente Juscelino Kubistchek in- gias. si
dicou o general Humberto Melo para ativar o Sfici. De acordo com o
depoimento do general Rubens Denys, que juntamente com o general As fichas seriam arquivadas por partidos, por agremiações políticas,
Humberto Melo foi um dos responsáveis pela ativação desse órgão, have- por sindicatos, por atividades de repercussão nacional e por área geográfi-
ria um compromisso do governo brasileiro com o governo americano de ca. Segundo Denys, a responsabilidade pela organização da parte política
se criar um serviço nos moldes da CIA (Central lntelligence Agency). A do serviço e pela parte estratégic a de montagem do serviço coube ao
criação de uma agência de informações no Brasil fazia parte de uma estra- coronel Humberto de Melo, ao major Knack de Souza, e posteriormente,
tégia de fortalecimento das estruturas dos estados integrantes da OEA ao coronel Canepa Linhares.
(Organização dos Estados Americanos) que era de extremo interesse para O depoimento do general leva a crer que, durante toda a existência
o governo americano. Este, além de prestigiar sua criação, teria dado todo do Sfici, sua parte operacional permaneceu em estado embrionário. O
o apoio e assistência necessários à construção da agência no Brasil. 49 que havia, segundo ele, era uma perspectiva de se criar uma agência cen-
Ainda segundo o general Denys, quatro pessoas foram enviadas aos tral nos moldes da CIA, para, posteriormente, criar uma agência opera-
Estados Unidos em 1956 com a intenção de compreender a estrutura e o cional. Essa parte operacional atuaria dentro do país, juntamente com
funcionamento dos serviços de informações norte-americanos: o coronel uma Polícia Federal, e fora do país, com o apoio do serviço diplomático. 52
Humberto Souza Melo, o major Knack de Souza, o delegado de polícia Os dados de informações de âmbito governamental federal seriam obti-
José Henrique Soares e o então capitão Rubens Bayma Denys. Participa- dos nos ministérios, através de ligações com a agência central, e no âmbi-
ram de reuniões no Departamento de Estado americano, na CIA e no to estadual, pelos serviços de informações que seriam criados pela Polícia
FBI, onde professores e instrutores os orientaram sobre o modo de orga- Federal. Segundo Denys:
nizar e montar um serviço de inteligência.
A partir de então, afirma o general, o Sfici começou a ser organizado 50
Rubens Bayma Denys, 1998.
51
dentro da segunda seção da Secretaria Geral do Conselho de Segurança Idem.
52
No Brasil não havia uma polícia federal organizada, o que havia era apenas um Departa-
mento Federal de Segurança Pública no Distrito Federal. A criação de uma polícia federal
49
Rubens Bayma Denys, 1998. ficou sob a responsabilidade do coronel Amerino Raposo.
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

quando, na drea da informação, se apurasse algo que constituísse crime principais organizações sociais de classe. Ao setor de contra-informações
contra o Estado por alguma razão - corrupção, segurança, seja o que coube a função de manter em dia o levantamento das atividades de pes-
for-, isso teria que ser investigado eprocessado judicialmente. Enquanto soas físicas ou jurídicas que poderiam ter atividades contrárias aos interes-
isso, a informação sobre o foto seguiria pelos canais de informação até a ses nacionais; manter em dia o levantamento da situação de agências que
Agência Central de Informações. 53 exploravam no país as comunicações de qualquer natureza; bem como
participar do planejamento de contrapropaganda. Segundo o depoimen-
A proposta era de que, com o amadurecimento da agência, ela se
to do ex-presidente Ernesto Geisel, essas subseções de segurança que fo-
desligaria da Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional e se
ram criadas no Sfici funcionavam praticamente como seções de informa-
tornaria um órgão autônomo, subordinado direramenre à Presidência da
ções e contra-informações. 54
República. Essa concepção tinha como modelo a organização norte-ame-
O governo aprovou outro regimento interno para a Secretaria Geral
ricana, em que a CIA e a secretaria do Conselho de Segurança ficavam
do CSN em dezembro de 1956. 55 A partir desse decreto a Secretaria Geral
subordinadas à Presidência e integravam a estrutura de planejamento es-
ficou responsável por elaborar um conceito estratégico nacional e por
tratégico do país.
orientar a busca de informações que interessassem à segurança nacional, e
Nessa perspectiva, foi elaborado o Decreto nº 44.489/A, publicado
dessa forma criou uma Junta Coordenadora de Informações, à qual cabe-
em 15 de setembro de 1958, que aprovava um novo regimento interno
ria o delineamento das informações que deveriam ser consideradas rele-
para a Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional. Coube à
vantes à segurança do país. Segundo o §1º do art. 4º,
secretaria "dirigir, coordenar e orientar as atividades de informações de
interesses para a segurança nacional, além de realizar os estudos necessá- as informações [de interesse para a segurança nacional] serão obtidas
rios para que o governo pudesse estabelecer as linhas de sua ação política através dos órgãos de administração federal estadual municipal autdrquica
de segurança". Ela permaneceu dividida em um gabinete, três seções e o e paraestatal das sociedades de economia mista, mediante um planeja-
Sfici. mento realizado pela junta Coordenadora de Informações.
A estrutura do Sfici ficou formada por quatro subseções: uma subseção
responsável por questões exteriores, à qual cabia proceder aos levanta- A Junta Coordenadora de Informações só foi regulamentada no ano
mentos estratégicos das áreas que lhe eram determinadas; uma dedicada a seguinte, através do Decreto nº 46.508-A. 56 Era presidida pelo secretário-
questões interiores, responsável por pesquisar e fazer o levantamento das geral do CSN e formada por integrantes dos estados-maiores dos ministé-
potencialidades nacionais; uma subseção de operações, responsável prin- rios militares, do Emfa, dos ministérios civis, do Departamento Federal
cipalmente por colaborar com outros órgãos governamentais no planeja- de Segurança Pública e pelo chefe de gabinete da Secretaria Geral do CSN.
mento de suas operações, quando fosse solicitado ao Sfici, e uma subseção A ela cabia definir a responsabilidade dos órgãos federais, estaduais e
voltada para a segurança interna. Constata-se também que já no governo municipais, entre outros, junto ao Serviço Federal de Informações e Con-
tra-Informações.
Juscelino Kubitschek havia uma grande preocupação com os movimen-
tos considerados de esquerda. Cabia à Subseção de Segurança Interna Na perspectiva de se criar uma agência central autônoma, o Sfici foi
(SSI) pesquisar e informar sobre possibilidades de ocorrências subversivas desagregado da segunda seção e vinculado diretamente ao secretário-geral.
de qualquer natureza; acompanhar a dinâmica dos partidos políticos; ela- Ainda que não fosse o desejável, ele já adquiria uma maior autonomia para a
borar estudos sobre as suas tendências e influências em relação à política condução e coordenação das atividades relacionadas a informações.
nacional, além de realizar o levantamento e manter em dia a situação das 54
D'Araujo & Castro, 1998:187.
55
Decreto n" 45.040, de 6 de dezembro de 1958.
53 RnhPn< R:wm" Oenvs. 1 <)<)8. 5G Decreto nll 46. "508/A. de 20 de setemhrn de 1 qc;q
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

De alguma forma, no começo da década de 1960, o Sfici já se encon- ma que o Sfici não foi um grande serviço. De acordo com seu depoimen-
trava estruturado. De acordo com uma declaração feita pelo coronel Ary to, o órgão "apenas fazia estudos de todos os conhecimentos humanos
Pires, encontrada no livro História da atividade da inteligência, o órgão, que o presidente precisava, para tomar decisões". 60
em 1960, já se encontrava muito bem estruturado. Em seus registras, o Percebe-se que a diferença é encontrada entre os depoimentos dos
coronel Pires afirma que o Sfici havia sido que tiveram uma participação ativa junto ao Sfici e entre as pessoas que
tiveram contato com sua estrutura após a criação do SNI. Os que atua-
estruturado nos moldes dos congêneres de países mais experimentados e [já ram na agência afirmam que ela funcionava muito bem, que estava muito
se encontrava] em condições de atender aos múltiplos e variados aspectos bem estruturada e equipada, e os que o ocuparam após o golpe alegam
da realidade brasileira, jd apresenta um acervo de trabalhos dos mais fe- que o serviço não funcionava de forma eficaz. Entre boa parte da oficiali-
cundos e eficientes propiciando elementos essenciais às decisões do governo, dade, inclusive, permanece a hipótese de que a queda de João Goulart se
57
através dos órgãos da alta administração pública do país. deveu justamente ao fato de não haver uma agência ativa, responsável
Outras informações sobre o Sfici ainda podem ser encontradas no pela coleta e análise de informações.
livro. Segundo o depoimento do suboficial da Marinha de Guerra, Acreditamos ser difícil estabelecer o grau de eficácia do Sfici. Entre-
Raimundo de Souza Bastos, ali contido, as transmissões feitas pela Sfici tanto, a principal questão a ser considerada em relação à atuação do servi-
naquele período eram consideradas muito seguras, uma vez que se utiliza- ço no começo da década de 1960 é: a interesse de quem a agência funcio-
58
vam os "mais modernos equipamentos de comunicação" . Raimundo nava? Não se justifica a hipótese da queda do governo Goulart em função
era especialista em comunicações e eletrônica, e trabalhava na Seção de da ineficiência do Sfici. O golpe estava sendo articulado principalmente
Comunicações do Sfici, que funcionava na rua México, na cidade do Rio por militares, ainda que contasse com grande apoio da sociedade civil, e
de Janeiro. Naquela época, a entidade funcionava no antigo prédio da eram militares os que praticamente monopolizavam a atividade de inteli-
Casa da Borracha, na av. Rio Branco com Uruguaiana, e ainda contava gência do país. Cabe refletir se o serviço era realmente ineficiente ou se
com uma seção de operações na av. Presidente Wilson. não seria de seu interesse manter o governo alheio a uma parte de sua
É interessante destacar que essas duas perspectivas são totalmente con- produção de informações.
trárias às outras opiniões dadas anteriormente sobre a competência do Em pronunciamento realizado em 18 de maio de 1994, durante o
Sfici. A quase inoperância desse serviço é um ponto praticamente comum I Seminário de Inteligência promovido pela Câmara dos Deputados, o pro-
entre os oficiais que depuseram. Segundo o depoimento do general Carlos fessor Oliveiras Ferreira, que trabalhava com o general Alberto Bittencourt
Tinoco, chefe do EME durante o governo José Sarney e que em meados em 1964, afirmou ter ouvido desse general que o Conselho de Segurança
de 1964 participou da operação de ocupação das dependências do Sfici, o Nacional sabia sobre a conspiração: "eu me lembro do general Bittencourt
serviço não tinha praticamente nenhum peso. "As informações àquela falando em março de 1964 'eu não entendo que no Conselho estavam
época eram coletadas de forma muito primária, funcionavam em função registrados todos os telefonemas trocados entre todos os conspiradores.
de recortes de jornais." 59 O general Tinoco não acredita que os dossiês ali
Havia tudo sobre a conspiração, o nome de todos e ninguém fez nadà".
encontrados tivessem, realmente, alguma confiabilidade. O general Ênio
Um artigo publicado recentemente na imprensa brasileira procurou
Pinheiro, que anos mais tarde seria chefe da agência central do SNI e o
envolver o Sfici na derrubada do presidente Goulart. A matéria apresen-
responsável pela criação da Escola Nacional de Informações, também afir-
tada no jornal O Estado de S. Paulo em 28 de maio de 2000 sugere o
envolvimento do Sfici na articulação do golpe de 1964, tendo como fon-
57 Oliveira, 1999:36.
58 lbid., p. 38.
9
60
~nio dos Santos Pinheiro, 1994:128.
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

te uma "Informação Confidencial n 2 2/63" com timbre da Presidência da A lei que criava o SNI foi aprovada em 13 de junho de 1964. 64 O
República. Embora o título da matéria seja" Serviço de informações atu ou Serviço Nacional de Informações foi instituído como órgão diretamente
na derrubada de João Goulart" e, no decorrer do texto, seja afirmado que subordinado à Presidência da República e operaria em proveito do presi-
o Sfici sabia da articulação do golpe mas não quis fazer nada, a documen- dente e do Conselho de Segurança Nacional. De acordo com essa lei, o
tação não comprova esse envolvimento. Apenas faz referências a críticas SNI tinha a responsabilidade de superintender e coordenar as atividades
por parte de membros do Sfici ao governo Goulart. Permanece assim a de informação e contra-informação no país, em particular as que interes-
dúvida acerca da ineficácia do Sfici ou do desinteresse de alguns de seus sassem à segurança nacional. Tinha como prioridades:
servidores em manter a Presidência da República a par da situação políti- subsidiar opresidente da República na orientação e coordenação das ativi-
ca do país. dades de informações e contra-informações; estabelecer e assegurar os ne-
cessdrios entendimentos e ligações com os governos de estados, com entida-
des privadas e quando for o caso com as administrações municipais; proceder
Serviço Nacional de Informações (SNI) à coleta, avaliação, integração das informações em proveito das decisões do
presidente da República e dos estudos do CSN; promover a difusão ade-
Logo após o golpe militar de 1964, o general Golbery do Couto e quada das informações.
Silva propôs ao presidente Humberto de Alencar Castello Branco que
apresentasse ao Congresso um projeto para a criação de um novo serviço O SNI incorporou todo o acervo do Sfici, inclusive os funcionários
de informações. A perspectiva vigente era de que se necessitava de uma civis e militares que nele exerciam funções, e ficou isento de quaisquer
sólida instituição de informações para permitir a consolidação do novo prescrições que determinassem a publicação ou divulgação de sua organi-
regime. Em 11 de maio de 1964, o presidente Castelo Branco apresentou zação, funcionamento e efetivos. De acordo com a lei, o chefe do SNI
61
o projeto que criava o Serviço Nacional de Informações (SNI). teria sua nomeação sujeita à aprovação prévia do Senado Federal e teria
O presidente destacou em sua exposição de motivos a necessidade do prerrogativas de ministro. O ministro-chefe do SNI não tinha poder de
órgão, uma vez que a gestão dos negócios do Estado "requeria informa- veto, considerado uma atribuição exclusiva dos ministros.
ções seguras". Castelo afirmou que o Sfici não se encontrava apto a de- Caberia à Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional apoi-
sempenhar as funções que lhe cabiam, pois faltavam-lhe "as facilidades e ar financeira e materialmente o funcionamento das agências regionais
a autoridade indispensável para estabelecer as relações entre os diversos durante aquele ano. Como naquela época o Rio de Janeiro era ainda con-
níveis da administração públicà' .62 Destacou também a dificuldade ope- siderado a capital política do país, a agência central do SNI permaneceu
racional que o Sfici encontrava para coordenar a coleta e a análise de nessa cidade, sob a chefia do coronel João Baptista Figueiredo. Também a
informações, enquanto órgão subordinado ao Conselho de Segurança integravam os tenentes-coronéis Otávio Aguiar Medeiros e José Luiz
Nacional. Coelho Netto.
Antes mesmo da aprovação da lei que criava o SNI, o general Golbery Segundo o depoimento do general Octávio Costa, chefe da Assesso-
do Couto e Silva, que viria a ser o primeiro ministro-chefe do SNI, já ocupava ria Especial de Relações Públicas (Aerp) durante o governo Médici, coube
a sala 17 do Palácio do Planalto. Segundo o depoimento do general Moraes ao coronel Figueiredo, naquele momento, "produzir informações refe-
63
Rego, uma sala que ficaria muito conhecida na história do SNI. rentes à estabilidade do movimento revolucionário". 65
61 Projeto de Lei n" 1.968, de 11 de maio de 1964. 64
Lei n11 4.341, de 13 de junho de 1964.
62 Oliveira, 1999:48. 65
Octávio Costa, 1994:260.
:>1~1 ()( ADin Priscila Carlos Brandão Antunes

Após uma relativa estabilização do regime foi aprovado o regulamen- Com a diferença de ter um número de efetivos bem menor do que a
to do SNI, através do Decreto nQ 55.194, de 10 de dezembro de 1964. Agência Central, as agências regionais também eram divididas dessa mes-
Um novo e importante item foi acrescentado neste regulamento, em rela- ma forma. Seus efetivos, de acordo com a grande parte dos depoentes,
ção ao seu decreto de criação, que merece ser destacado. Segundo seu art. foram recrutados inicialmente na área militar, tanto da ativa quanto da
5Q, o SNI seria compreendido por uma agência central com sede no Dis- reserva, e a força que tinha maior presença era o Exército. Alguns civis
trito Federal e por "agências regionais, tantas quantas necessárias, com também foram inicialmente contratados, mas normalmente para desen-
sede em capitais dos estados ou cidades importantes". Ou seja, o SNI foi volver atividades específicas, como escrivães etc. De acordo com o general
criado de forma flexível, que o possibilitava adaptar-se às novas conjuntu- Moraes Rego Reis, isso era compreensível, uma vez que o prazo de im-
ras que fossem surgindo. Essa plasticidade de sua estrutura permitiu ao plantação do serviço era curto e que os militares eram os únicos com
serviço criar um verdadeiro complexo de informações. A princípio, fo- alguma experiência na área. 66
ram criadas as agências do Rio, depois Brasília e São Paulo, ficando a Em julho de 1967 foi aprovado um novo regulamento para o SNI,
responsabilidade pela implantação das duas últimas a cargo do general que teve sua estrutura ampliada. 67 O decreto transformou as antigas se-
Ênio Pinheiro. Ele havia servido na segunda subseção do Estado-Maior ções de segurança nacional dos ministérios civis- órgãos complementa-
do Exército, órgão responsável pela área de informações dentro das For- res do Conselho de Segurança Nacional- em divisões de segurança e
ças Armadas. Posteriormente, foram criadas agências em várias capitais informações (DSis). As ASis, assessorias de segurança e informações, ins-
do país. taladas em diversas instituições públicas, e as DSis, nos ministérios civis,
A Agência Central era a responsável pelo processo de triagem da grande ficaram como órgãos complementares que compunham o Serviço Nacio-
massa de informações que eram recolhidas pelo SNI. De acordo com o nal de Informações.
Decreto nQ 55.194, compreendia uma chefia, uma seção de informações Também nesse ano foi regulamentada a salvaguarda de assuntos sigi-
estratégicas, uma seção de segurança interna e uma seção de operações losos. O Decreto nQ 60.417, de 11 de março de 1967, que aprovou o
especiais. À Seção de Informações Estratégicas cabia planejar a pesquisa e Regulamento para a Salvaguarda de Assuntos Sigilosos (RSAS) buscou
a busca de dados que lhe fossem determinadas, bem como reunir, proces- adequar a política de sigilo governamental à nova conjuntura política
sar e atualizar os dados colhidos e os estudos realizados. À Seção de Ope- nacional, substituindo o antigo decreto publicado em 1949.
rações Especiais cabia realizar a busca especializada de informes e partici- Até 1967 o SNI tinha como objetivo principal coletar e produzir
par do planejamento de operações a serem realizados com outras agências. informações, organizá-las na Agência Central, para assim torná-las dispo-
E, por fim, à Seção de Segurança Interna cabia identificar e avaliar os níveis à Presidência da República e à Secretaria Geral do Conselho de
antagonismos existentes ou em potencial, que pudessem afetar a seguran- Segurança Nacional. Antes da inserção dos serviços de informações no
ça nacional e realizar a análise e a adequada disseminação dos estudos combate à luta armada, que passou a se desenvolver principalmente a
realizados. Antes da criação do SNI, as Divisões de Ordem Política e So- partir do final de 1968, a Secretaria Geral tinha um papel muito impor-
cial (Dops) da Polícia Federal eram as agências operacionais responsáveis tante no Sistema Nacional de Informações. Há até mesmo quem diga que
por questões relativas à segurança interna. Segundo o depoimento do co- até então ela poderia ser considerada a cabeça do sistema. 68
ronel Amerino Raposo, que trabalhava no SNI e fbi alocado no Departa- Mas com o começo da luta armada e o endurecimento do regime no
mento Federal de Segurança Pública para reestruturar a Polícia Federal, final de 1968 houve uma grande transformação na área de informações.
os diretores do Dops normalmente eram coronéis que vinham das segun-
66 Gustavo Moraes Rego, 1994:150.
das seções das regiões militares, aquelas responsáveis pelo serviço de in-
67 Decreto n2 60.940, de 4 de julho de 1967.
formações e contra-informações dentro das Forças Armadas.
GH Como é o caso do general Rubens Bayma Denys.
Jl'tl U MUIII

Nas Forças Armadas foram criados serviços de informações em função Paralelamente à necessidade de uma agência responsável pela elabo-
desse combate, e o SNI, para atender a essas novas demandas criadas pela ração da doutrina nacional de informações, oficiais responsáveis pela ati-
oposição, expandiu-se de forma vertiginosa. Passou a ser um órgão super- vidade de informações se encontravam extremamente preocupados com
prestigiado, o cabeça da grande rede em que se transformaram os serviços a qualificação de seus agentes, que até então era feita principalmente no
de informações no período militar, quando passou a contar com recursos exterior. Havia poucas alternativas na área de treinamento de informa-
ainda maiores para o desempenho de suas missões. ções no Brasil. Na Escola Superior de Guerra, antes mesmo de 1964,
No começo do governo Médici o Poder Executivo criou um Plano funcionava um curso de informações considerado de bom nível, mas que
Nacional de Informações com o objetivo de otimizar a coleta e dissemi- não abordava necessariamente a área de operações e contra-informações.
nação de informações. O plano foi uma iniciativa da Agência Central e Segundo o sociólogo João Valle, a ESG contava apenas com colaborado-
buscava coordenar e fixar as prioridades do Sistema Nacional de Informa- res "que formulavam teorias ideológicas abstratas relativas ao papel das
ções, estabelecendo os canais de exploração e regulando os fluxos de in- . 1'. . "73
Forças Armadas no contexto soc1opo ltlco v1gente .
formações. Tinha como base os objetivos nacionais permanentes, traça-
No Exército havia o Centro de Estudos e Pessoal (CEP) que funcio-
dos pelo presidente da República e pelo Conselho de Segurança Nacional. 69
nava no Forte Duque de Caxias, no Leme. O CEP, segundo o general
O primeiro PNI foi elaborado pelo general Carlos Alberto Fontoura, que
Octávio Costa, é uma escola e um centro de pesquisas inspirado na Esco-
naquele período era o responsável pelo SNI. Segundo seu depoimento,
la de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), na Fundação Getu-
muita gente colaborou na elaboração do plano, que foi cumprido dentro .
lio Vargas e em alguns cursinhos que funcionavam isoladamente. Em seu
das possibilidades, "às vezes com falha, às vezes com erros, mas de uma
quadro próprio, em vez de professores, havia coordenadores de ensino,
maneira geral foi bem cumprido". 70
professores vinham de outras instituições. O CEP criou cursos de infor-
De acordo com o general Ênio Pinheiro dos Santos, um dos pontos
mações para oficiais e sargentos e começou a formar regularmente os es-
mais importantes estabelecidos pelo Plano Nacional de Informações era o
que atribuía ao SNI a responsabilidade de elaborar uma doutrina nacional pecialistas para equipar os órgãos de informações, o SNI e o Centro de
.
I nte ltgenoa
A d o Exerclto.
• ' . 74
de informações. 71 Esse item teria criado um novo problema, pois não se
sabia a quem atribuir, dentro do SNI, a responsabilidade pela elaboração Tanto na ESG quanto no CEP as noções de informações ainda eram
da doutrina. Segundo ele, a Agência Central não poderia ser responsabi- muito primárias e os militares tiveram a percepção de que não davam
lizada, pois estava diretamente ligada à Presidência. O ideal seria que a conta das novas demandas criadas pela oposição ao regime. O SNI en-
doutrina ficasse sob a responsabilidade do Estado-Maior das Forças Ar- contrava-se extremamente militarizado e já tinham sido criados os servi-
madas (Emfa), "pois podia se ligar tanto ao comando civil quanto ao ços de informações nas Forças Armadas para combater a contestação ar-
militar". Mas, de acordo com o general, o almirante responsável pelo Emfa mada. Entretanto, a guerra de guerrilhas era algo extremamente novo
naquele momento achou que esta seria uma tarefa muito grande para o para a área de informações e os militares viram que era preciso recorrer ao
órgão. O almirante então propôs ao presidente que a responsabilidade uso de novas técnicas como forma de superar este combate.
pela doutrina nacional de informações fosse atribuída à Escola Nacional Portanto, na expectativa de solucionar o problema da elaboração da
de Informações, a ser criada. 72 doutrina nacional de informações e de capacitação dos agentes da área de
informações, foi dada autorização para que se elaborasse a Escola Nacio-
69
Decreto nQ 66.732, de 16 de junho de 1970. nal de Informações.
7
°Carlos Alberto Fontoura foi chefe do Estado-Maior do Exército entre 1967 e 1969 e chefe
do SNI entre 1969 e 1974. Carlos Alberto Fontoura, 1994:90.
71 73 Valle, 1998.
Ênio Pinheiro, 1994:132.
74
72
Idem. Octávio Costa, 1994:263.
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

O general Alberto Fontoura reuniu uma série de oficiais, segundo informações da ESG, que de acordo com ele era o mais sofisticado; o
ele, "recrutada nos melhores quadros das Forças Armadas" e os enviou curso que veio transferido do CEP; e o curso da própria Esni. Cada um
para o exterior, com o objetivo de estudarem teoria sobre a área de infor- durava cerca de um ano. Havia ainda um outro curso direcionado aos
75
mações. Foram enviados à Alemanha, França e, sobretudo, aos EUA e ministros e secretários de Estado, que tinha uma duração de dois dias e
Inglaterra para estudarem técnicas de interrogatório. Esses oficiais se tor- ensinava essas pessoas a lidarem com as informações que lhes eram repas-
nariam os futuros instrutores da escola. sadas.
O general Ênio Pinheiro fazia parte deste grupo enviado ao exterior e No que diz respeito à elaboração teórica e estrutural da escola, o ge-
foi designado como o responsável pela criação da Esni?6 Segundo orien- neral Ênio contou com o amplo apoio dos norte-americanos. Foi-lhe ofe-
tações do general Fontoura, a escola deveria ser criada em Brasília, tinha recido um curso de seis meses no FBI e na CIA, do qual também partici-
que ser formada por civis e militares e o prazo para que fosse definitiva- pou o almirante Sérgio Doverty. Segundo seu depoimento, foi da
mente instalada era de cinco anos. documentação trazida desses cursos que se tiraram as bases para a estrutu-
Dessa forma, através do Decreto nº 68.448, 31 de março de 1971, ração da agência. Foram dadas umas "pinçadas" nos documentos trazidos
criou-se a Esni, com sede em Brasília e subordinada diretamente à Presi- e ele foi "fazendo os documentos baseados nos documentos americanos
dência da República. A Esni absorveu todos os cursos e estágios relaciona- sem citar a fonte". 78
dos à área de informações do CEP e da ESG. Ela tinha por finalidade: . Desde o momento de sua criação a Esni se empenhou na elaboração
de uma doutrina para a área de informações. O Gabinete do Serviço Na-
• preparar civis e militares para o atendimento das necessidades de infor- cional de Informações (GAB/SNI) através da Portaria nº 626, de 10 de
mações e contra-informações; dezembro de 1976, publicou o primeiro "Manual de informações" da
• cooperar no desenvolvimento da Doutrina Nacional de Informações; Esni, que, segundo o general Ênio, regulamentava a doutrina que já vinha
sendo usada em caráter experimental desde 1973.
• realizar pesquisas em proveito do melhor rendimento das atividades do O curso de informações foi ministrado durante toda a década de 1970
Sisni.
e formava cerca de 120 pessoas por ano. De acordo com os depoentes,
aproximadamente 3/4 dos formandos eram civis. Essas pessoas foram
De acordo com o depoimento de alguns militares, como é o caso do aproveitadas pelo SNI nos vários níveis de sua estrutura.
general Ivan Mendes, por exemplo, a Esni foi uma escola superdimensio- Com o fim da guerrilha do Araguaia em 1974, encerrou-se um perío-
nada, não obstante fosse "uma escola excelente e de alta qualidade". 77 do de enfrentamento armado que havia se desenvolvido desde o final do
Criada com recursos enormes, foi construída no setor policial de Brasília ano de 1968, obrigando o país a rever alguns de seus pressupostos relacio-
e equipada com o que havia de mais moderno em instrumentos eletrôni- nados à segurança nacional e à doutrina nacional de informações. Em
~os. A escola possuía até um stand de tiro subterrâneo. Segundo o general janeiro de 1977 o Decreto nº 79.099 novamente regulamentava a salva-
Enio, lá funcionavam os cursos de línguas como inglês, francês, alemão, guarda de assuntos sigilosos, adequando-a à nova conjuntura política.
italiano, chinês e russo, além de três outros cursos: o curso de analista de No final da década de 1970 esperava-se que houvesse um retrocesso
em relação à estrutura do SNI, uma vez que o combate à luta armada já
75
Alberto Fontoura, 1994:95. estava concluído. Mas ao contrário do que se esperava, durante o governo
76
Durante o governo Costa e Silva, o general Ênio Pinheiro organizou a Agência Central do
João Batista Figueiredo (que havia chefiado o órgão de 1974 a 1978) o
Serviço Nacional de Informações AG/SNI em Brasília e criou a Escola Nacional de Infor-
mações (Esni).
77
IYan de Souza Mendes, 1995:163. 78
Ênio Pinheiro, 1994:135.
rnsc11a Larlos tsranaao Amunes

SNI teve expansão substancial. Seu chefe durante o governo Figueiredo Não obstante essas mudanças, o SNI no governo Figueiredo conse-
era o general Octávio Medeiros, estando a Agência Central sob a chefia guiu se expandir de forma nunca vista e obteve grandes vantagens pecu-
do ~eneral Newton Cruz. Medeiros chefiou o SNI com amplo apoio do niárias.84 Mesmo após o fim do regime militar, continuou a contar com
presidente, recebendo todos os recursos humanos e financeiros que achou uma grande parcela de recursos da União e a receber fundos superiores
necessário. Segundo o depoimento do general Octávio Costa, depoimen- aos dos demais ministérios. 85
to com o qual boa parte dos oficiais concorda, o SNI de Medeiros teve No final do mandato do presidente João Batista Figueiredo houve a
um poder extraordinário, sendo considerado algo como uma quarta força
eleição do primeiro presidente civil no país, após 21 anos de regime mili-
armada. 79
tar. Tancredo Neves, candidato eleito do Partido do Movimento Demo-
O SNI montou um serviço médico próprio, que lhe permitia pres-
crático Brasileiro (PMDB), impossibilitado de assumir a presidência da
cindir do serviço médico das Forças Armadas; a Agência Central em Brasília
República devido a problemas de saúde, foi substituído por José Sarney,
criou uma tropa de operações especiais formada por pára-quedistas, e foi
antigo colaborador do regime militar.
montada, dentro do setor policial em Brasília, a Prólogo, indústria que,
Durante o governo Sarney, o chefe do SNI era o general Ivan de Sou-
segundo o general Carlos Tinoco, havia sido criada por influência da Se-
za Mendes. Naquele momento o perigo do inimigo interno, a luta arma-
cretaria de Informática da Presidência da República ainda no governo
80 da e a ameaça do comunismo internacional eram questões realmente su-
Geisel. No governo Figueiredo o SNI criou também o Centro de Pes-
quisa de Segurança de Comunicações (Cepesc), que mantinha uma es-. peradas e a Guerra Fria mostrava seus sinais de decadência. De acordo
treita ligação com o Ministério das Relações Exteriores, sobretudo na par- com o general Ivan, o SNI, que tinha como um dos objetivos principais
81
te de códigos. O SNI chegou até mesmo a montar um estúdio de televisão garantir a segurança do Estado, foi obrigado a rever suas posturas. Come-
em Brasília, no qual o presidente Figueiredo fazia seus pronunciamentos. çou a preocupar-se com uma série de questões relacionadas a problemas
Co~o declarou o general Octávio Costa, o general Medeiros conseguiu externos, como espionagem internacional, industrial, problemas de fron-
r~umr no SNI a inteligência da engenharia militar, dando-lhe um excep- teira, entre outros. 86
CIOnal poder tecnológico. 82 Em virtude dessa concepção, procurou-se, de certa forma, compati-
Uma das poucas mudanças ocorridas no SNI se deu em seu quadro bilizar a estrutura do SNI à nova realidade internacional. Não se pode
estrutural, mas foi de grande importância para a redução da presença e afirmar que houve um corte no que vinha sendo feito, mas, como disse o
limitação do poder das Forças Armadas dentro do SNI. Em primeiro brigadeiro Sócrates da Costa Monteiro, ex-ministro da Aeronáutica du-
lugar, foi reduzido a dois anos o tempo de permanência de oficiais do rante o governo Fernando Collor, houve "um processo de refreamento da
Exército da ativa dentro do SNI e, em segundo, reduziu-se de general atividade de informações". 87 O general Ivan procurou, segundo suas pa-
para coronel a patente dos ocupantes dos cargos de subchefe da Agência lavras, "dosar adequadamente o emprego dos meios que tinha para a
Central e de chefe das delegacias do Rio e de São Paulo. 83
79 84
fu opiniões de militares relacionadas ao crescimento do SNI são encontradas em D'Araujo, Segundo o depoimento do general Rubens Bayma Denys, houve uma época em que servir
Soares e Castro, 1995. no SNI proporcionava méritos e contava, inclusive, para missões no exterior. O pessoal
80
A Prólogo passou a desenvolver no Brasil a tecnologia dos cartões magnéticos e da mais prestigiado nas Forças Armadas seria aquele que servia no SNI e nas atividades de
criptografia. · informações.
81 85 Para informações sobre o orçamento do SNI, ver Baffa, 1989.
O general Carlos Tinoco, chefe do Emfa, em 1987 extinguiu a Prólogo. Seus resíduos
86
foram repassados à Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel), criada em 1975, incluin- Segundo seu depoimento, naquela época havia atividades estrangeiras dos EUA, Holanda
do suas dívidas trabalhistas. O Cepesc hoje se encontra alocado na Abin. e França no Brasil. No caso holandês, devido a problemas com o Suriname, e da França, a
82
Octávio Costa, 1995:118. problemas relacionados com a Guiana.
83
Góes, 1988:236. 87
Sócrates da Costa Monteiro, 1995.
.>I~ I Cj l-lU III

atividade de informações e dar maior importância às informações ex- 11


ternas" .88 Marinha
Não há, por enquanto, como apurar com rigor as mudanças ocorri-
das dentro do SNI nos primeiros anos da Nova República. Segundo ex- A Marinha foi a primeira das três forças a se preocupar com a área de
funcionários e alguns oficiais, o órgão passava por complexas mudanças informações. Ainda no início da Guerra Fria criou o Serviço Secreto da
quando ocorreu sua extinção em 1990. Essas mudanças faziam parte do Marinha (SSM), que teve como primeiro diretor o capitão-tenente
chamado Projeto SNI. 89 Como parte desse projeto, o presidente Sarney Humberto Fitipaldi. Na realidade, esse serviço só foi regulamentado em
transformou a Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional em 1955 com o nome de Serviço de Informações da Marinha (SIM). 92 O
Secretaria de Assessoramento de Defesa Nacional (Saden) 90 e aprovou um Ministério da Marinha, dessa forma, tornou-se o primeiro a instituir seu
novo regulamento para o SNI, onde já é encontrada uma referência ao órgão de informações singular, voltado especificamente para o_ trato das
habeas data. De acordo com o parágrafo único do inciso XIII do Capítulo IV: questões relacionadas à força.
O Centro de Informações da Marinha (Cenimar), órgão que se tor-
Compete privativamente ao ministro-chefe do SNI autorizar o forneci- nou famoso durante o regime militar devido à sua opacidade e eficiência,
mento de informações porventura existentes nos registras do SNJ, relativas foi criado em novembro de 1957 através do Decreto n2 42.687. Esse de-
àqueles que as solicitarem e decidir quanto aos pedidos de retificação, fei- creto alterou a estrutura do Estado-Maior, separando o Serviço Secreto da
tos pelos próprios interessados. Marinha da estrutura orgânica até então vigente, constituindo o Ceni-
O general foi o responsável pela elaboração de um novo "Manual de mar, com a finalidade de obter informações de interesse da Marinha e
informações" aprovado em março de 1989, cujo texto concebe uma nova subordinado diretamente ao Estado-Maior da Armada.
definição para o conceito de informações. O decreto que seguia à sua criação aprovava o regulamento do Ceni-
mar?' De acordo com ele, o centro era dividido em quatro seções: Seção
A atividade de informações é desenvolvida pelo organismo de informações, de Busca de Informações, Seção de Registro de Informações, Seção de
constituindo o exercício sistemático de ações especializadas orientadas para Seleção de Informações e Seção de Serviços Gerais. Seu quadro de pessoal
a produção da salvaguarda de conhecimentos, tendo em vista assessorar as era formado por um diretor, que teria que ser um capitão-de-mar-e-guer-
autoridades governamentais nos respectivos níveis e áreas de atribuição, ra do corpo da Armada, um vice-diretor, que teria que ser um capitão-de-
para o planejamento, a execução e o acompanhamento de suas políticas. 91 fragata, e três encarregados de divisão, que deveriam ser capitães-de-corveta
De acordo com Sérgio Porto, no final do mandato do presidente do corpo da Armada, além dos oficiais e praças que se fizessem necessá-
Sarney, criou-se no SNI um grupo de trabalho, que tinha a função de nos.
estudar as novas necessidades da agência, organizacionais e estruturais, Antes do final dos anos 1970 e do surgimento da luta armada o Ceni-
com o objetivo de propor novas medidas que permitissem a adaptação da mar tinha seu funcionamento totalmente direcionado para questões rela-
agência à nova realidade política do país. Mas o SNI foi extinto antes de cionadas à diplomacia e aos problemas da Marinha, como controle de
esse projeto ser concluído. fronteiras marítimas e preocupação com o pessoal da corporação. A partir
de 1968, com o endurecimento do regime e o aumento das ações
desencadeadas pelos grupos de esquerda, o Cenimar teve suas diretrizes
88
Ivan Mendes, 1995:166.
BY Para mais informações sobre essas mudanças, ver Oliveira, 1999. 92
90
Aviso Ministerial nQ 2.868, de 5 de dezembro de 1955.
Decreto nQ 96.814, de 28 de setembro de 1988.
91
'!l Decreto n2 42.688, de 21 de novembro de 1957.
Apud Oliveira, 1999:85.
SNI & Abin rnsCIIa Larlos tsranaao Antunes

redimensionadas. Assim como nas outras duas forças, foi atribuída à almirante Mauro César Rodrigues, ministro da Marinha durante o pri-
Marinha a tarefa de combater os grupos de esquerda e de zelar pela segu- meiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, "para que
rança nacional. Nesse sentido, foi aprovada uma nova estrutura para o não se criassem donos da área''. Segundo o almirante Serpa, os oficiais
Ministério da Marinha, através do Decreto n2 62.860, que responsabili- que na Marinha se especializavam em informações eram enviados para
zava a Marinha de Guerra por "garantir os poderes constituídos, a lei e a trabalhar no SNI.
ordem, através do emprego do poder marítimo" .94 Até então, o Cenimar No começo do regime militar o Cenimar tinha como responsabilida-
ainda funcionava subordinado ao Estado-Maior da Armada. Foi apenas de centralizar as informações das segundas seções, que respondiam pelo
em março de 1971 que passou a ser subordinado diretamente ao ministro setor de informações no Estado-Maior da Armada. Segundo Serpa, não
da Marinha, que ampliou sua atividade com a finalidade de intensificar o havia no EMA uma jurisdição específica para tratar da área de informa-
combate à subversão. 95 Uma nova alteração em sua estrutura somente ções. Desde o momento de sua criação, o Cenimar estaria voltado para
seria realizada no final de 1986, quando passou a se denominar Centro de questões externas e problemas relacionados à força e seria a partir do regi-
Informações da Marinha (CIM). 96 me militar que passou a acompanhar as associações de fuzileiros navais e
Informações precisas sobre o Cenimar são muito difíceis. O serviço marinheiros e a se preocupar com as forças de esquerda no Brasil. 98
de informações da Marinha é considerado o mais fechado, mesmo para os O Cenimar, segundo as opiniões da "comunidade de informações",
oficiais de outras forças que também trabalhavam na área de informações organizou o maior acervo de ~nformações do país sobre as forças de es-
durante a ditadura. O general Adir Fiúza de Castro, um dos responsáveis querda. Dentro do centro eram designados oficiais para realizar estudos
pela criação do Centro de Informações do Exército (CIE), por exemplo, sobre essas organizações, e cada qual especializava-se em uma organização
afirma em seu depoimento nada conhecer sobre o funcionamento do determinada. Segundo grande parte dos depoimentos aqui mencionados,
Cenimar, mesmo tendo boas relações com o diretor desse órgão, o almi- o Cenimar se tornou um dos mais profundos conhecedores da doutrina e
rante Teixeira de Freitas, à época em que servia no CIE. 97 do funcionamento do PCB, conhecendo inclusive seus membros e suas
Segundo o almirante Ivan da Silveira Serpa, ministro da Marinha divergências teóricas. 99
durante o governo Itamar Franco, o Cenimar era formado por uma maio- Além de realizar estudos sobre a esquerda, o Cenimar também infil-
ria de civis e apenas seis oficiais e funcionava numa pequena sala dentro trava pessoas nos navios. Segundo o depoimento do almirante Henrique
do Ministério da Marinha, no Rio de Janeiro. Essa maior presença de Sabóia, ministro da Marinha durante o governo Sarney, não se tratava de
civis se justificaria pelo fato de que os oficiais precisavam seguir carreira. agentes externos, mas normalmente de pessoas nomeadas pelo próprio
Na Marinha, de acordo com os depoimentos, servir ao Cenimar não era comandante do navio. O almirante até concorda que tenha havido um ou
uma posição cobiçada, pois obstaculizava a carreira. Além do mais, os outro caso de agentes dentro de navios sem o conhecimento dos coman-
oficiais não podiam permanecer por muito tempo no centro, onde havia dantes, mas afirma que, em 95% dos casos, o mais provável é que oco-
uma certa rotatividade entre os funcionários, de forma a evitar que as mandante soubesse da infiltração do agente. A não ser quando o próprio
pessoas se apropriassem do serviço de forma privada, ou, como disse o comandante merecia alguma vigilância especial por parte do Cenimar. 100
A partir da divulgação das diretrizes especiais no governo Médici e
94 Decreto nll 62.860, de 18 de junho de 1968. com a entrada do Cenimar no combate à luta armada juntamente com os
95 Decreto nJ! 68.447, de 30 de março de 1971.
96 Decreto nll 93.188, de 29 de agosto de 1986.
'!H Ivan Serpa, 1998.
97 O almirante Teixeira de Freitas foi chefe do serviço de informações da Marinha de novem- '!'!No PCB havia quatro oficiais da Marinha infiltrados, além de agentes dos outros serviços
bro de 1957 a novembro de 1961; de abril de 1964 a dezembro de 1965 e de abril de 1967 de informações.
100
a março de 1968. Henrique Sabóia, 1998.
Priscila Carlos Brandão Antunes

vários órgãos a elas subordinados, o Cenimar cresceu substancialmente, Segundo a perspectiva de vários oficias entrevistados, faltavam a esses ór-
tendo sua estrutura revista apenas no ano de 1986, no final do regime gãos os mecanismos que lhes possibilitassem agir de forma mais rápida e
militar. 101 eficiente. E decorria disso, portanto, a necessidade de criar um centro de
informações dentro do Exército.
O general Adyr Fiúza de Castro foi um dos primeiros oficiais a orga-
Exército nizar um curso de informações dentro do Exército, o que ocorreu quando
assumiu a chefia da segunda seção do EME, no final do governo Castelo
O CIE foi criado durante o governo Costa e Silva através do Decreto Branco. De acordo com o general, as segundas seções eram muito inócuas
nº 60.664, de 2 maio de 1967. De acordo com esse decreto, o órgão no que dizia respeito às informações internas, faltava-lhes coordenação.
ficava subordinado diretamente ao chefe do Estado-Maior do Exército Elas eram capazes de recolhê-las, processá-las e no entanto não sabiam o
(EME). Mas, no governo Emílio Médici, o ministro do Exército, o gene- que fazer com o resultado desse trabalho. A criação do CIE teria sido uma
ral Orlando Geisel, subordinou o CIE diretamente ao Ministério do Exér- sugestão do general Fiúza, como forma de solucionar o problema das
cito. 102 Novas alterações em sua estrutura ocorreram apenas em 1986, segundas seções. Para isso contou com o total apoio do general Sívio Fro-
quando foi dada nova organização ao Ministério do Exército. 103 ta, então chefe do gabinete do ministro Lyra Tavares.
O CIE era o serviço de informações que contava com o maior quadro O general Fiúza tornou-se o primeiro chefe do CIE. De acordo com
de pessoal e o que mais se empenhou no combate à luta armada. Criado seu depoimento, logo que o CIE foi ativado passou a receber informações
em função do combate à subversão, foi principalmente no governo Médici de todos os E2, do Cenimar, do Cisa, do SNI e do Departamento de
que o CIE cresceu. Naquela ocasião, o ministro do Exército era o general Polícia Federal e a centralizá-las. 105 O CIE começou a funcionar no 8º
Orlando Geisel e o CIE funcionava sob a chefia do general Milton Tavares, andar do Ministério da Guerra, na av. Presidente Vargas, e contava com
que foi um dos grandes planejadores do combate à repressão naquela épo- aproximadamente 80 pessoas. Segundo o general Fiúza, o órgão era for-
ca e contou com amplo apoio da Presidência e do Ministério do Exército mado, sobretudo, pelo pessoal antigo da segundaseção do Estado-Maior:
para exercer suas funções. sargentos, arquivistas, fotógrafos e especialistas em microfilmagens. Ha-
Antes da criação do CIE o órgão de informações do Exército era a veria entre eles pessoas capacitadas para abrir fechaduras e entrar em lo-
segunda seção do Estado-Maior, formada pelas E2. Essa seção produzia cais privados, além de cerca de 50 pessoas que ficavam responsáveis pela
informações sobre os exércitos de outros países, suas organizações, estru- escura, nos 50 canais telefónicos que o CIE possuía. Joc. O CIE ainda dis-
turas, material bélico etc. Ali centralizavam as informações que seguiam punha de uma rubrica específica que era usada para pagar agentes infor-
para o chefe do Estado-Maior e do EME e para o ministro do Exército. mais: os "olheiras do CIE ·: como reconheceria o general Antônio Veneu. 107
Segundo o depoimento do general Ivan Mendes, ela também era respon- As funções do CIE nada tinham a ver com os problemas relacionados
sável pelas informações sobre a situação nacional. Recebia informações a questões externas, pois, ao contrário do Serviço Secreto da Marinha, o
do EME e de outras fontes e as repassava para o ministro do Exército. 104 CIE foi criado justamente com o objetivo de combater a subversão. Os
problemas relacionados às questões externas continuaram sob a responsa-
101
As diretrizes especiais são encontradas no Decreto n2 66.862, de 8 de junho de 1970 e bilidade das segundas seções do Estado-Maior. Na estrutura do CIE foi
serão exploradas posteriormente.
102
Essa informação foi retirada do depoimento do general Antônio Luis da Rocha Veneu 1115
A relação entre os vários serviços de informações durante o regime militar ainda é um assumo
(1997), pois não foi localizado o decreto que determinou essa mudança.
103
controverso, procuraremos explod-lo na ültima parte deste capítulo.
Decreto n 2 93.188, de 29 de agosto de 1986. 1
"" Fiüza de Castro, I 994:42.
104
Ivan Mendes, 1995:167. 1117
Antônio Veneu, I 997.
)NI & AOin: entre a teona e a prática Priscila Carlos Brandão Antunes

criada também uma seção responsável pela contra-informação. O coronel tões relativas à repressão foram conduzidas pelos Codis e pelos DOis, que
Cyro Guedes Etchegoyen foi um dos responsáveis pela montagem dessa passaram a operar em conjuO:to com as polícias estaduais e federais, sob a
seção no CIE, que, inicialmente, era formada por um oficial e dois sar- direção e coordenação geral do ministro do Exército. A essa estrutura e
gentos. Em termos conceituais, pelo que pode ser observado em seu de- esse conjunto de operações deu-se o nome de Sistema Nacional de Segu-
poimento, a concepção de contra-informações é um pouco diferente da rança Interna (Sissegint).
que abordamos anteriormente. De acordo com a concepção aqui traba- De acordo com grande parte dos depoimentos coletados, os Codis e
lhada, a contra-informação diz respeito à proteção das informações, e no os DOis foram criados com a responsabilidade de coordenar as operações
CIE o setor de contra-informações foi usado como proteção no sentido de repressão à luta armada, evitar o desperdício de esforços que vinha
de segurança pessoal, de escolta. Como se pode confirmar com o caso das ocorrendo e evitar que esses órgãos "batessem a cabeça entre si" . 110
comemorações do Sesquicentenário da Independência. Coube ao setor Os Codis foram as unidades de comando responsáveis pelas opera-
de contra-informações, segundo o depoimento do coronel Cyro, fazer a ções de repressão à luta armada. Funcionavam dentro do Exército e cada
segurança do evento: "Era uma responsabilidade muito grande, princi- segunda seção tinha o seu comando de operações, dirigido pelo chefe do
palmente para um tenente-coronel. As dificuldades eram muitas". Outro Estado-Maior do escalão considerado. Os Codis ficavam subordinados
exemplo: ao EME e não ao CIE, e tinham uma característica peculiar: funciona-
Uma das principais [dificuldades] dizia respeito ao efetivo necessário para vam com membros das três Forças Armadas, cujos órgãos de informações
atender às missões normais de segurança do ministro e dos generais de deveriam repassar as informações do que estava acontecendo em suas áreas
gabinete. Começamos com um oficial e dois sargentos, e tivemos que cres- específicas.
cer para poder cumprir nossa missão. 108 Apesar de coordenada pelo ministro do Exército, a diretriz não esta-
belecia nenhum sentido de subordinação das outras duas forças ou mes-
Mas, dentro do Exército, os setores que diziam respeito estritamente mo do SNI em relação ao Exército. Segundo o general Moraes Rego,
à segurança eram os Codis (centros de operações e defesa interna) e os assessor do presidente Ernesto Geisel, essa estrutura organizacional não se
DOis (destacamentos de operações internas). 109 Os Codis e os DOis fo- desenvolveu de forma harmoniosa, pois sempre dependeu de dois fatores:
ram criados a partir da divulgação das diretrizes especiais para a defesa do relacionamento entre os comandantes das forças singulares e da rela-
interna, uma portaria na qual o presidente Médici atribuiu ao Exército e ção dos governadores estaduais com seus meios policiais específicos. 111
ao comando da Amazônia a responsabilidade pela segurança interna das Os DOis eram subordinados aos Codis e funcionavam como seus
áreas sob sua jurisdição. braços operacionais. De acordo com o general Moraes Rego surgiram em
Segundo o depoimento do general Rubens Bayma Denys, essa dire- São Paulo e teriam sido inspirados nas operações Bandeirantes (Oban) do
triz teve suas origens na subchefia política do gabinete da Secretaria Geral delegado Sérgio Paranhos Fleury. 112
do Conselho de Segurança Nacional e atribuiu ao ministro do Exército, Geralmente essas unidades eram comandadas por um tenente-coro-
naquele momento o general Orlando Geisel, a responsabilidade pela di- nel, que nesta função tinha as mesmas prerrogativas de um comandante.
reção de todas as ações repressivas do Estado. Com exceção das informa-
110
ções do SNI, que eram centralizadas na Agência. Central, todas as ques- Entre os depoentes que concordam com essa perspectiva, podem ser citados os generais
Octávio Costa, Adyr Fiúza de Castro e Leônidas Pires Gonçalves em D'Araujo, Soares &
Castro, 1994.
1
"x Cyro Etchegoycn. I ~94: 113. 111
Moraes Rego, 1994:155.
'J Esses órgãos ficaram conhecidos durante a repressão, arrav~s da sigla DOI-Codi. Entretanto,
111
112
A Oban montada em São Paulo no final da década de 1960 para combater a subversão
eram os destacamentos de opcraçôcs especiais que estavam subordinados aos centros de operação
era uma organização mista, formada por civis e militares, que contou com recursos do
e defesa interna.
empresariado paulista.
.) 1,.1 Ot: 1"'\U III

De acordo com o depoimento do general Fiúza de Castro, eram chama- um homem calmo, frio, inteligente e firme. ( .. )Havia sempre um supe-
das de destacamentos porque não possuíam uma estrutura detalhada e rior lhe monitorando. ( .. ) Quem caía ia para a planilha. ( .. )As pessoas
uma organização fixa, sua estrutura variava de acordo com as necessida- podiam ficar 30 dias presas, sendo 1O dias de incomunicabilidade. 118
des que surgissem. Os DOis estavam voltados estritamente para a ação e
Esse tipo de ação desenvolvida pelos Codis e DOis, órgãos que con-
recebiam contribuições de vários setores: das polícias militares, federais,
tavam com um amplo apoio e participação dos serviços de informações
dos destacamentos de operações do Exército. De acordo com o general
civil e das Forças Armadas, e a atuação desses serviços são os principais
Fiúza, ainda que não contassem com uma colaboração efetiva do Ceni-
responsáveis pela associação que a sociedade brasileira faz entre atividade
mar, os DOis também recebiam apoio dos fuzileiros do Distrito Naval. 113
de informações e de segurança e atividade de informações e operações
Apesar de funcionarem em conjunto com os estados-maiores, ao que pa-
clandestinas.
rece, os centros de informações das Forças Armadas, em específico, Cisa e
Cenimar, não colaboravam muito com os DOis. Formalmente estavam
acima deles, pois ficavam subordinados diretamente aos seus respectivos
Aeronáutica
ministros e estes eram apenas as agências locais. 114
Apesar de funcionarem subordinados ao Codi, os DOis mantiveram O ministério da Aeronáutica foi o último ministério das Forças Ar-
um alto grau de autonomia. Segundo Moraes Rego, suas atividades eram madas a criar um serviço de informações próprio. Inicialmente foi criado
reservadas, seu pessoal não andava fardado e usava viaturas disfarçadas. 115 apenas como um núcleo, o Núcleo do Serviço de Informações de Segu-
Possuíam instalações próprias, para onde levavam as pessoas que pren- rança da Aeronáutica (N-Sisa) em julho de 1968, no governo Costa e
diam. Dentro do Sissegint eram os responsáveis pela realização das bati- Silva. 119
das em aparelhos, da prisão de suspeitos e pela realização de interrogató- O brigadeiro João Paulo Moreira Burnier foi o responsável dentro da
rios. 116 Normalmente, os interrogadores eram membros do próprio DOI, Aeronáutica por sua elaboração. Em 1967 o brigadeiro havia atuado como
e alguns deles até haviam feito cursos de interrogatório na Inglaterra, no adido aeronáutico no Panamá, onde fez um curso de informações. De
Secret Intelligence Service. 117 acordo com seu depoimento, Burnier e mais três oficiais passaram seis
De acordo com o general Fiúza, o funcionamento do DOI sedava da meses estudando intelligence na Escola de Inteligência Militar em Fort
seguinte forma: Gullick, na cidade de Balboa, no Panamá. Fort Gullick recebia estudantes
de vários países da América do Sul, como Argentina, Chile, Peru, Venezuela,
O DOI pega, guarda e interroga. ( .. )Na captura, em geral, os chefes das
assim como do Brasil, e todos os oficiais que estudavam lá eram formados
diferentes turmas são tenentes, capitães, e a turma é constituída de sargentos.
( .. ) O pessoal da captura não é o mesmo do interrogatório. ( .. )As informa- dentro da idéia de combate ao comunismo. 120
ções eram repassadas à segunda seção do EME, onde I O a 15 oficiais especia- De acordo com Burnier, assim que foi designado para ir ao Panamá,
listas trabalham nisto. ( .. ) No interrogatório, o interrogador tinha que ser o ministro da Aeronáutica firmou com ele um compromisso de que, na
ocasião própria, seria criado na corporação um serviço de informações.
113
Fiúza de Castro, 1994:52. Designariam para o preenchimento dos quadros o pessoal necessário, que
114
A relação entre os serviços de informações será discutida na última parte do capítulo. seria recrutado e treinado.
115
Moraes Rego, 1994:155. Dessa forma, assim que voltou ao Brasil em janeiro de 1968, Burnier
116
Aparelho era o termo usado pelos grupos de esquerda para definir o local em que fica-
foi nomeado para chefiar a segunda seção do gabinete do ministro. Foi
vam, durante o tempo em que agiam clandestinamente.
117
Este é o nome do serviço de inteligência inglês desde sua criação em 1921, apesar de nos
IIR Fiúza de Castro, 1994:60-1.
depoimentos dos generais Moares Rego e Fiúza de Castro aparecer o nome British lnformation 119 Decreto n 2 63.006, de 17 de julho de 1968.
Service. 120
João Paulo Moreira Burnier, 1994:182.
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quando começou a elaborar as estruturas do futuro N-Sisa. De acordo No Cisa, assim como acontecia no Cenimar, também foram designa-
com ele, não havia a mínima condição de a segunda seção, responsável dos oficiais para acompanhar as forças de oposição no país. Foram criados
pelo se to r de informações do Ministério da Aeronáutica, realizar coleta de grupos para analisar astáticas que usavam e elaborar contratáticas a serem
informações, pois "contava apenas com um auxiliar, que era um telefonis- empregadas. .
ta, um tenente e o coronel Maciel, que era o antigo chefe". 121 Mas, à época de Burnier, parece que o leque de estruturas considera-
A estrutura do N -Sisa criada em julho de 1968 seguiu os modelos do das subversivas era um pouco mais amplo do que nas demais forças. Os
CIE e do Cenimar. Conforme compromisso estabelecido com o ministro tenentes estudavam desde a atuação da Igreja progressista, passando pelo
da Aeronáutica, Burnier, seu primeiro chefe, fez a relação das pessoas que Partido Comunista, até os grandes teóricos do momento, como Regis
fariam parte do núcleo e mandou-as para o treinamento. Esse pessoal fez
Debray e Herbert Marcuse. 125
especializações no Panamá, na Escola Superior de Guerra e também nos
A conivência do ministro da Aeronáutica, o brigadeiro Márcio de
cursos ministrados pelos oficiais que fizeram o curso no Panamá com o
Souza, com o radicalismo do brigadeiro Burnier começou, em um certo
brigadeiro.
momento, a incomodar a própria oficialidade da Aeronáutica. O Cisa
Segundo Burnier, foram criadas as seções de arquivo e de operações.
teria passado a extrapolar seus limites, interferindo no comando de outras
Para sua implementação, o núcleo recebeu verbas especiais e autorização
áreas sem autorização e conhecimento do oficial responsável. Normal-
para comprar equipamentos no exterior através dos adidos aeronáuticos,
mente, os oficiais de informações eram propostos pelo comandante, mas
de forma que o N-Sisa foi montado com equipamentos de última gera-
antes eram aprovados pelo Cisa. Não bastasse essa aprovação, o Cisa pas-
ção. Foram compradas máquinas fotográficas, aparelhos de escuta, apare-
lhos de visão, gravadores e até mesmo um misturador de vozes vindo da sou a nomear secretamente pessoas para a função de informações. Esses
122
Alemanha. Em 1969 o núcleo já haveria se desenvolvido amplamente e agentes repassavam ao Cisa relatórios exclusivos, info~mações secretas,
se inserido em todas as unidades da Força Aérea Brasileira. sem 0 conhecimento de seu superior. Isso era grave, p01s, nas Forças Ar-
Para se adaptar às novas funções determinadas pelo Sissegint, através madas, a indisciplina e a desobediência hierárquica eram (são) as piores
das diretrizes especiais do governo Médici, em 1970, a Aeronáutica extin- faltas cometidas. De acordo com o ex-ministro da Aeronáutica, Moreira
guiu o N-Sisa e criou o Centro de Informações e Segurança da Aeronáu- Lima, o chefe de informações passou a ter tanta força quanto um coman-
dante. Os comandantes passaram a ser esp10na , . c·1sa. 126
. d os pe lo propno
tica (Cisa), como órgão de assessoramento do Ministério da Aeronáutica
e a ele diretamente subordinado. 123 De acordo com o decreto, o Cisa Por outro lado, de acordo com os depoimentos recolhidos pelo Cpdoc,
incorporou todo o acervo da extinta segunda seção do gabinete do Minis- mais de 90% da força estavam alheios às atividades desempenhadas pelo
tério da Aeronáutica, doN-Sisa e parte da segunda seção do Estado-Maior Cisa, maioria que passou a se sentir incomodada com sua atuação, princi-
da Aeronáutica. Dessa forma, passou a funcionar no gabinete do minis- palmente no que dizia respeito ao seu desempenho dentro da Aeronáutica.
tro, para quem fornecia resumos diários, e manteve as ligações com todas Um fato ocorrido ainda em 1970 foi a gota d'água para que este
as segundas seções do EMA estabelecidas pelo núcleo. 124 órgão fosse reformulado. Foram enviados à serra do Cachimbo mais de
30 oficiais intendentes que o Cisa vinha acusando de corrupção. Esses
121
João Paulo Moreira Burnier 1994:187. oficiais foram segregados e submetidos a um intenso inquérito. O epis~­
122
Id., p. 189. dio possibilitou aos demais oficiais da força questionar a postura que VI-
123
Decreto n" 66.608, de 20 de maio de 1970. nha sendo adorada até então pelo gabinete do ministro Márcio de Souza
124
De acordo com o depoimento do brigadeiro, havia uma grande cooperação entre o Cisa
e os vários comandos da Aeronáutica, tendo como principais exemplos: a 3' Zona Aérea,
12
localizada no Rio, as bases do Galeão, dos Afonsos, de Santa Cruz, o Depósito Central de 5 Otávio Moreira Lima, 1998.
126
Intendência, a Diretoria de Rotas Aéreas, além da diretoria de Aeronáutica Civil. Idem.
ridades do setor de informações para a Aeronáutica: os conflitos regionais
e pelo brigadeiro Burnier. Em resposta a esse episódio, o presidente Médici
da América do Sul, sob os quais mantinha vigília permanente, e a área de
demitiu o ministro Márcio e afastou o brigadeiro Burnier do Centro de
Informações. desenvolvimento armamen tis ta. .
Após essas mudanças ocorridas em 1987, a legislação pertme~te .ao
Segundo o depoimento do brigadeiro Mauro Gandra, ex-ministro da
Aeronáutica do governo Fernando Henrique, com a saída do Burnier e a CIA só foi alterada em 13 de janeiro de 1988, quando a Aeronaunca
entrada do brigadeiro Araripe no ministério, o Cisa sofreu profundas recriou o Cisa, através do Decreto nº 95.638. .
modificações. A maioria do pessoal que atuava no órgão foi mandada A partir do começo da década de 1990 todos esses servtços das Forças
para a reserva e houve uma profunda diminuição de sua parte operacio- Armadas passaram por várias reformulações, _sendo s.uas ~~me_nclaturas
nal. O brigadeiro Araripe teria retirado o Cisa do processo de combate à alteradas de serviços de informações para serv1ços de mteltgenCia. _
repressão e o direcionado às questões inerentes à Aeronáutica. 127 A abordagem dessas alterações será feita _no ca~Ít~lo 4, onde serao
No âmbito dessas mudanças, o ministro Délio Jardim de Mattos, já analisados os serviços de inteligência no Bras1l nos ulnmos 10 an~s. ~al
no começo do processo de abertura, propôs uma reforma que pretendia abordagem nos permitirá observar se realmente houve m~dan~a: Sl?ntfi-
desvincular o Cisa do Ministério da Aeronáutica e subordiná-lo ao EMA. cativas no trato com as informações e com a atividade de mtehg:n.Cla em
Não conseguiu que essa transferência fosse aprovada. Mas os reflexos nas si, ou se ocorreu apenas uma mudança de nome, como estr~tegt_a p~ra
mudanças de concepção ficaram explícitos na nova nomenclatura do ór- afastar os amais centros de informações do estigma que lhes fo1 atnbutdo
gão, que, em 1987, passou a se chamar Centro de Informações da Aero- durante o regime militar. . ,
· · l d o proxlmo
' cap1
náutica (CIA). 128 A construção desses estigmas será o ponto pnnc1pa . .-
Apesar das mudanças ocorridas, ainda permaneceram vários dos anti- tulo. Por enquanto, este capítulo nos possibilitou perc~b~r as especifici-
gos resquícios na estrutura do CIA. O ministro Moreira Lima, que assu- dades da formação da comunidade de informações br~stlet~a, que_ fizera~
miu o Ministério da Aeronáutica em 1985, acreditava que ainda era pre- com que ela tivesse forma distinta daquelas dos demats patses ~ctdent~ts.
ciso fazer novas alterações nesse campo. "Não havia necessidade de termos Sempre quando questionados sobre a elaboração dos s~rv1ço~ de ~~­
um serviço tão grande como tínhamos, com ramificações em várias áreas formações brasileiros, os militares se reportaram_ aos padroes oCldentals
do Brasil" . 129 Dessa forma, segundo diz, encomendou ao Estado-Maior como modelo para a construção da rede. No Brastl, entreta~to: ~ constr~­
da Aeronáutica que se fizesse um estudo sobre a situação do CIA. Consta- ção da comunidade de informações passou por processos htstonc~s m~l­
tada a grande estrutura que ainda mantinha e a falta de necessidade de to distintos. Sua criação não fez parte da racionalizaç,ão e complex~ficaçt:
um serviço de informações daquela envergadura, o ministro extinguiu o estatal ocorrida nas formas de governo durante o secul~ XX e nao fo
CIA e criou em seu lugar a Secretaria de Inteligência da Aeronáutica resultado do aperfeiçoamento do aparato de guer~a. Asstm como en: boa
(Secint), que incorporou algumas de suas seções. A secretaria foi criada parte dos Estados latino-americanos, o desenvolvimento da comu~1d:~e
com uma estrutura bem mais modesta do que a do antigo centro e conti- de informações no Brasil obedeceu apenas a uma das dua~ etapa; hlsto~l­
nuou com a função de assessorar o ministro e os demais órgãos do minis- cas enfrentadas pelos países ocidentais, ainda que em dtmensoes e .c~r~
tério. A diferença era que a partir de então caberia a ela assessorar, "com os cunstâncias diferentes: a especialização da atividade como função pohcta
conhecimentos necessários a formulação e execução da política aeroespa-
cial" . 130 Moreira Lima também destacou duas áreas_ que se tornariam prio- e repreSSIVa. . · - f, · r
A construção da comunidade de informações brast~et~a nao Ol re~ 1-
127
zada tendo como base estes modelos ocidentais. ~ maton~ ~esses patses
Mauro Gandra, 1998.
128
Lagoa, 1983:35. possui agências técnicas especializadas para cada npo de anv1dade, e tem
129
Moreira Lima, 1998. suas áreas de atuação claramente demarcadas. O modelo adorado no Bra-
130
Decreto nº- 95.637, de 13 de janeiro de 1988.
)1~1 (5( ADIO

sil, _com_o ~bs_ervamos no caso do SNI, é o modelo centralizado do serviço


de mteligenCia russo, a KGB. Os oficiais brasileiros que foram ao exterior
estudar a estrutura desses serviços e as doutrinas de informações para aplicá-
los no país ao que parece não se detiveram no estudo sobre a estrutura da
CIA, FBI ou SIS. Dentro do contexto de Guerra Fria, valorizaram a dou-
trina elaborada por esses países, e exportada para uma série de outros 3
co~ o o~je:ivo d~,c?mbater e erradi~ar a ameaça comunista e a expansã~
da mfluencia sovietlca. Foram doutnnados para doutrinar.
O próximo capítulo permitirá elucidar ainda mais essas diferenças Práticas da comunidade de
~ue ficam explícitas na definição das responsabilidades dos serviços de informações no Brasil
mfo:~ações bras~leiros ~urante o regime militar. Veremos em que ponto
a pratiCa dos serviços de mformações brasileiros se distinguiu do conceito
padrão ocidental elaborado para a atividade de inteligência.
E ficou uma sigla muito interessante, porque DOI. ..
Fiúza de Castro

EsTE CAPfTULO ANALISA a área operacional dos órgãos de informações de


duas formas. Num primeiro momento, a ação desses serviços de modo
independente. Ou seja, quais eram as práticas exercidas pelo SNI, pelo
CIE, Cisa e Cenimar. No segundo, algumas ações que esses centros de-
senvolveram de forma coordenada e como se efetuava a relação de coope-
ração entre eles. A atuação desses órgãos, seja de forma isolada ou conjun-
ta, é uma questão essencial para que se compreenda a atual dificuldade do
país em abordar os assuntos relacionados à área de informações e inteli-
gência.
A atividade de informações no Brasil já existe de forma oficial desde
1927 e órgãos especializados existem desde o final da década de 1940,
impulsionados pelo surgimento da Guerra Fria (SIM, Sfici, SNI). Mas o
fator fundamental na construção do estigma da atividade foi a entrada
dos centros de informações na repressão política no final da década de
1960. Este será o nosso eixo de análise, pois foi a partir do momento em
que as Forças Armadas chamaram para si a responsabilidade pela manu-
tenção da lei e da ordem no país que começaram a ocorrer as várias "atro-
cidades do regime", responsáveis pela ojeriza que grande parte da socieda-
de passou a ter desse tipo de atividade.
É certo que uma série de violações aos direitos civis e humanos come- uma extensão, à política, das práticas judiciais e policiais brasileiras. Per-
çou a ocorrer imediatamente após o golpe de 1964, como cassações, pri- cebe-se que a tortura, a coação e a inquisitoriedade, "ao contrário de se-
sões e ocorrências de torturas, principalmente no Nordeste do Brasil. rem distorções do nosso sistema investigativo, são apenas alguns de seus
Entretanto, a expansão do SNI, a criação das agências de informações das componentes tradicionais" . 133
Forças Armadas e a reorientação doutrinária dentro do Cenimar passa- Parte dos interrogatórios conduzidos pelos serviços de informações
ram a se verific_ar a partir desse momento. configurava um tipo de procedimento no qual quem detinha a iniciativa
Neste ponto cabem algumas observações: as perseguições políticas no era o Estado, que partia de uma determinada "verdade", de uma verdade
país e a prática de tortura como validação de verdades não foram uma "produzidà', que buscava "confirmar". O Estado era representado pelo
novidade do regime militar. Na ditadura Vargas, por exemplo, assuntos interrogador, que, embora sendo apenas um funcionário, agia em seu
relacionados à oposição política eram tratados como caso de polícia e de nome, sem, necessariamente, ter sido delegado por ele para o desempe-
perseguição política. Como lembra Roberto Kant Lima, a tortura faz par- nho de determinadas funções.
te de uma prática jurídico-policial do Brasil, que remonta a tempos bem A título de exemplo, poderíamos citar o caso da Operação Mesopotâ-
longínquos. 131 Desde o período colonial são vigentes os procedimentos mia, realizada pelo CIE na região de Imperatriz, Maranhão, cujo relatório
de descoberta e validação de informações, amparadas pelos procedimen- anterior à atividade repressiva já nomeava todas as pessoas que deveriam
tos eclesiásticos de ênfase inquisitorial. Esta prática permaneceu indife- ser presas, qual o grau de envolvimento de cada uma com as atividades
rente aos novos ordenamentos jurídico-político-constitucionais que o país clandestinas e que tipo de contribuição elas poderiam dar nos interroga-
conheceu. tórios.134
Aqui predominou a prática do inquest, um tipo de procedimento pre- Mas, antes de nos envolvermos propriamente nas práticas exercidas
liminar, não necessariamente judicial, que consiste em uma iniciativa to- pela comunidade de informações, analisaremos as justificativas que o Es-
mada pelo Estado. Enquanto detentor de informações sobre um determi- tado apresentou para o envolvimento das Forças Armadas no combate à
nado delito, o Estado coleta, sigilosamente, indícios que possibilitem subversão.
descobrir sua autoria, a fim de atribuir as devidas responsabilidades. Na
prática judicial brasileira, após serem concluídas as investigações, o sus-
peito é interrogado e, caso haja indícios suficientes que possam lhe atri- As Forças Armadas no combate à subversão
buir a autoria, ele é indiciado. Dessa forma, quando uma pessoa é indiciada,
começa o processo judicial oficial, no qual a culpa do suspeito já é presu- De acordo com os depoimentos consultados, a perspectiva predomi-
mida e cabe ao interrogador manipular a condução das perguntas, de nante era de que havia grande necessidade da entrada das Forças Armadas
forma a induzir o suspeito- culpado ou não- a cair em contradições e no combate à subversão, pois acreditava-se que as estruturas policiais não
construir sua confissão. Uma vez arrancada a "confissão", esta justifica tinham preparo para desempenhar tal tarefa. De acordo com os generais
todo tipo de prática impetrada pelo inquisidor. 132 Fiúza de Castro e Rubens Bayma Denys, a questão era que a guerrilha
Essa tradição inquisitorial não fica restrita apenas às práticas judiciais envolvia todo o território nacional e não respeitava as jurisdições e as
e policiais, como veremos no caso da atuação dos nQssos serviços de infor- fronteiras estaduais. As polícias estaduais não tinham condições de agir
mações à época do regime militar. A prática imposta nesse processo foi em âmbito nacional e ainda não havia uma polícia federal estruturada.

Lima, 1993:62.
l.ll
133
132
Para maiores informações sobre o processo de produção de verdades no Brasil, ver Lima, Lima, 1992:97.
134
1993:62. Ridenti, 1998:8.
.JI..,I U MUIII l'nsclla Larlos l:lrandao Antunes

Segundo o general Carlos Tinoco, as Forças Armadas seriam as únicas tro das Forças Armadas, e resultaram na execução de grande parte das
que teriam "condições de centralizar o combate à subversão" .135 atrocidades cometidas no regime militar.
Embora alguns dos depoentes acreditassem que "a inteligência dos
mil i tares estava acima da capacidade de repressão dos órgãos policiais",
como é o caso do general Octávio Costa, nem todos acreditavam que as A relação entre os serviços de informações
Forças Armadas já estivessem preparadas para o combate à subversão. 136 no Brasil e os comandos paralelos
Na opinião do general Fontoura, "as Forças Armadas, tanto quanto a
polícia, não tinham qualquer preparo para combater a guerra de guerri- Ao alocar a responsabilidade de coordenação do combate à subversão
lhas (. .. ) tanto que levou muito tempo para acabar com a guerrilhà' . 137 no Ministério do Exército, o seu funcionamento passou a depender do
Desse tipo de pressuposto partem as justificativas para criação do CIE bom ou mau relacionamento dos respectivos comandantes militares das
e do Cisa, uma vez que já existiam o SNI e os E2. De acordo com eles, era três forças.
preciso criar mecanismos próprios para possibilitar às Forças Armadas o A coordenação do ministro do Exército sobre a direção das ações se
combate à subversão. dava em nível dos estados-maiores. Isso quer dizer que tanto o Cisa quan-
O brigadeiro Burnier é um dos oficiais que acredita que desde o gol- to o Cenimar, oficialmente, não tinham obrigação nenhuma perante o
pe, ainda em 1964, as polícias estaduais - civis e militares - não ti- Sissegint, pois na medida em que se subordinavam diretamente aos mi-
nham quaisquer condições de controlar "a penetração marxista dentro nistros ficavam acima desse sistema. Na prática, o sistema criado para
dos órgãos de comunicação e administração pública". Para ele, nem mes- centralizar as ações apenas conseguia fazê-lo quando havia colaboração
mo as Forças Armadas tinham esse preparo, mas por motivo de força dos devidos comandantes. De forma paralela à cadeia de comando, os
maior teriam sido obrigadas a entrar nesse combate. Segundo seu depoi- serviços de informações da Aeronáutica e da Marinha mantinham, nos
mento, foi em 1968 que Negrão de Lima, então governador da Guanabara, ministérios, ampla margem de ação, agiam normalmente com o conheci-
diante da incapacidade de sua polícia em combater o movimento de opo- mento de seus devidos comandos, colaborando com o sistema de acordo
sição, solicitou o apoio das Forças Armadas. 138 com os interesses de cada pasta ou do próprio órgão. Apenas o CIE, devi-
A oficialização da participação das Forças Armadas no combate à sub- do à sua subordinação direta ao ministro do Exército, tinha obrigações
versão se deu com a edição do AI-5 em 13 de dezembro de 1968, após o para com o Sissegint.
início dos seqüestros, que alguns setores de esquerda realizaram para for- De todo esse esquema, percebe-se que o funcionamento do sistema,
çar os militares a liberarem companheiros presos, e dos assaltos a bancos, em um nível geral, estava baseado nas relações pessoais entre os ministros
realizados com o objetivo de arrecadar fundos para a luta contra a ditadu- militares, entre os comandantes de áreas e entre seus respectivos serviços
ra. Esse combate foi regulamentado pelo presidente Médici em 1970, de informações. No nível interno a cada força ele ainda dependia das
com a edição das diretrizes especiais e a criação do Sistema Nacional de relações entre os comandantes, os chefes dos serviços de informações e
Segurança Interna (Sissegint). seus respectivos ministros.
As diretrizes especiais e a criação dos Codis e dos DOis deram ampa- Como veremos em seguida, tais relações não se davam de forma
ro jurídico a uma série de ações que já vinham sendo desenvolvidas den- consensual em nenhum desses níveis, nem na colaboração entre os servi-
ços de informações, nem no que diz respeito aos comandos internos das
135 Fiúza de Castro, 1994:41; Rubens Bayma Denys, 1998; e Carlos Tinoco, 1998. forças, onde foram criadas várias cadeias de comandos paralelos.
136
Octávio Costa, 1994:277. Afirmar o real relacionamento entre os vários serviços de informações
137 Alberto Fontoura, 1994:84.

138
João Paulo Moreira Burnier, 1994:191.
do país, inclusive o SNI, não é uma tarefa fácil, pois as fontes a esse res-
fii~LIIC \..OIIUl OIOIIUCU MIILUIIt:l

peito são extremamente díspares. Há quem diga que esses órgãos tinham Na Aeronáutica, pelo que indicam os depoimentos, o Cisa chegou a
um relacionamento tão profícuo "que se completavam". 139 Na opinião do ser uma presença invasiva, que extrapolava e interferia nos comandos de
brigadeiro Burnier, não havia segredos entre os vários serviços de infor- área. Segundo o depoimento do brigadeiro Sócrates Monteiro, houve uma
mações, eles eram muito bem relacionados, "os contatos eram muito di- busca obsessiva pelo inimigo dentro do Cisa, chefiada pelo brigadeiro
retas e havia confiança entre nós, (... ) havia honestidade de propósitos, Burnier - "um oficial mais radical do que a média" .146 Em todo lugar
então não existia competição" .140 Para o general Coelho Neto também havia inimigos, bastava uma certa desconfiança "e os agentes de informa-
"nunca houve choque entre eles" 141 e para o general Carlos Tinoco, como ções ligavam-se diretamente às centrais de informações sem dar conheci-
o SNI atuava como o órgão central do sistema nacional de informações, mento ao comandante do que estavam informando". 147 Um dos exem-
todos os outros órgãos lhe repassavam as informações para que ele as cen- plos mais citados na Aeronáutica foi o caso Para-Sar.
tralizasse, de modo que havia uma cooperação. 142 Em abril de 1968, com o aumento do número de passeatas estudantis
De certo modo, essa também era a percepção do general Denys. Se- na cidade do Rio de Janeiro, foi designada a 1ª Esquadrilha de Busca e
gundo sua descrição, cada serviço de informações ficava subordinado ao Salvamento, o Para-Sar, para "acompanhar" as movimentações estudan-
seu respectivo ministro e agia com total independência. Mas, no âmbito tis. Segundo a versão do capitão Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, o
do Sisni, "cada qual se articulava em nível federal com a Agência Central "Sérgio Macaco", intendente e oficial responsável pela esquadrilha, que
do SNI, com os centros de informações das forças co-irmãs e com a divi- estava de férias no momento da operação, os oficiais do Para-Sar foram
são de informações da polícia federal" . 143 Estes são apenas alguns exem- acompanhar a passeata estudantil à paisana e haviam recebido ordens para
plos de oficiais que tiveram grande inserção na comunidade de informa- matar estudantes e opositores do regime. Essa denúncia criou um grande
ções e que concordam com a prevalência da colaboração entre eles. conflito em torno das questões de "autoridade" dentro da Aeronáutica,
Entretanto, temos, por outro lado, depoimentos de vários partici- consubstanciada na disputa entre o brigadeiro Burnier e o capitão Sérgio.
pantes do regime militar, também ocupantes de cargos importantes na Este último, de menor patente, acabou sendo reformado e teve seus direi-
comunidade e que discordam dessa perspectiva, como é o caso do general tos políticos cassados por 1O anos. 148
Ivan Mendes, que foi ministro-chefe do SNI. De acordo com ele, "sem- Mas, de acordo com a concepção do próprio Burnier, responsável
pre há competição entre os órgãos de informações", o que, na sua concep- pela operação do Cisa, não existia na atividade de informações uma preo-
ção, chega até mesmo a ser positivo, uma vez que esta competição funcio- cupação em seguir uma linha direta de comando, "porque o órgão de
na como um estímulo à busca rápida e eficiente de informações. 144 Para o informações não comanda nada, apenas dá informações a seu comandan-
general Octávio Costa, que, apesar de não ter atuado em nenhum serviço te", que é quem determina as ações. 149 Estivesse sua concepção certa ou
de informações, teve um papel importante no governo Médici, era muito
errada, o que ficou claro é que seu comportamento causou revolta em
nítido que os órgãos de informações "batiam cabeçà', conforme o termo
parte dos comandantes da Aeronáutica nos anos de 1969 e 1970.
usado por eles. Segundo seu depoimento, eles viviam disputando a pri-
Mas o que aconteceu na Aeronáutica parece não ter sido muito dife-
mazia das ações e isso ocorria principalmente entre o CIE e o Cenimar. 145
rente do que ocorreu com o CIE dentro do Exército. Segundo o depoi-
139
mento do general Zenildo Lucena ao Cpdoc, havia no Exército escritó-
Amerino Raposo, 1998.
140
João Paulo Moreira Burnier, 1994:199.
146
141
Coelho Neto, 1994:234. Sócrates Monteiro, 1995.
147
142
Carlos Tinoco, 1998. Idem.
148
143
Rubens Bayma Denys, 1998. O capitão Sérgio foi promovido a um cargo superior ao seu, em 1990, após algum tempo
144
Ivan Mendes, 1995:170. de batalhas judiciais.
149
145
Octávio Costa, 1995:266. João Paulo Moreira Burnier, em O'Araujo, Soares & Castro, 1995:195.
Priscila Carlos Brandão Antunes

rios do CIE criados pelo general Coelho Neto, que funcionavam de for- tério com informações referentes à própria Marinha. Ele não foi criado
ma independente dos comandos, ainda que com o conhecimento dos como o Cisa e o CIE para combater a luta armada. Já havia uma cultura
mesmos. Esses escritórios eram operados por poucas pessoas, mas, de acor- anterior de informações e, mesmo que tenha sofrido mudanças no final
do com ele, sempre por pessoas com muito prestígio dentro da força. da década de 1960, é possível acreditar que ela tenha permanecido em
No Exército, a maioria dos depoimentos recolhidos também afirma parte.
que vários comandantes foram ultrapassados pelos E2 e pelos Codis. Po-
demos citar, como exemplo, os generais Moraes Rego, Octávio Costa,
Carlos Tinoco, Ivan Mendes, entre outros que partilham dessa concep-
A atuação da comunidade de informações
ção. Apenas na Marinha essa situação parece menos evidente. Os almi-
rantes Mauro César Rodrigues e Henrique Sabóia admitem que no mo- A partir do final da década de 1960 a comunidade de informações se
mento mais crítico do combate à subversão chegaram a ocorrer algumas tornou uma complexa rede, que tinha como principal função acompa-
"distorções" dentro da força, mas nada comparado à atuação do CIE e do nhar os vários campos da ação governamental. Na realidade, esta "rede"
Cisa. Os almirantes não negam possíveis "excessos" cometidos pelo Ceni- acabou por se inserir de forma institucionalizada nos vários níveis da nos-
mar e afirmam que em um ou outro caso eram infiltrados agentes dentro sa organização social. Atrás da justificativa de que a conjuntura social do
dos navios sem o conhecimento do comandante. Mas, segundo os depo- país exigia uma entidade capaz de manter a ordem na sociedade, as Forças
entes, isso apenas ocorria quando o comandante do navio era o próprio Armadas se inseriram no combate à subversão e na "preservação da lei e
suspeito de estar envolvido no movimento de subversão. da ordem". Passaram não só "a controlar a oposição armada, mas também
O mais interessante nos relatos relacionados à Marinha é que eles não ' . socte
a contro lar a propna . dade".!52
se contradizem em momento algum. Os depoentes procuraram o tempo Analisaremos como essa imensa rede estava articulada, como funcio-
todo enfatizar a organização e o profundo conhecimento que o Cenimar nava e a forma como se inseriu na vida cotidiana brasileira. Para o acom-
tinha sobre as organizações de esquerda, sua eficiência, mas não se releva panhamento desse processo recorreremos a algumas ações de responsabi-
a importância de uma cadeia paralela. Nas palavras do almirante Mauro lidade dos serviços de informações que já são do conhecimento público.
César, "a Marinha segurou a mão do Cenimar". I 5o
Apesar de criados como órgãos de informações, os serviços de infor-
É possível e provável que tenha havido mais do que "um ou outro mações, principalmente o Cisa e o CIE, foram estabelecidos como órgãos
caso de agentes infiltrados sem o conhecimento do comandante". Talvez responsáveis pela segurança do país e pela preservação da ordem. A co-
não se tenha ainda conseguido obter tais informações. Em primeiro lu- munidade de informações atuou de forma bastante independente no pe-
gar, porque o número de depoimentos recolhidos no pessoal da Marinha ríodo de maior fechamento do regime militar, extrapolando as funções de
é muito menor se comparado aos do Exército; 151 em segundo, ainda pre- um intelligence service e desenvolvendo um grande setor policial! opera-
valece o mito de que o Cenimar era o mais seguro e o mais eficiente cional. Como reconhecem alguns militares "um setor que cresceu muito
serviço de informações das Forças Armadas. mais do que o necessário". 153
É preciso ainda lembrar que quando foi criado o Cenimar- antigo Quando nos referimos a serviços de informações no Brasil, o senso
SIM- a ele havia sido atribuída a responsabilidade de subsidiar o minis- comum tende sempre a lembrar do SNI como o grande órgão de repres-
150 são do regime militar, principal responsável pelas prisões e torturas, nos
Mauro César Rodrigues, 1999.
151
Em relação à Aeronáutica, os números não são tão diferentes; são quatro depoimentos da
1 2
Marinha para cinco da Aeronáutica, mas como a atividade do Cisa foi tão intensa em um 5 D'Araujo, Soares & Castro, 1994:18.
período tão curto de tempo, não havia como não obter informação alguma. I 53 A título de exemplo temos o depoimento do general Carlos Tinoco, 1998.
.) I~ I ()( 1"\UIII

"porões da ditadurà'. Embora não fosse o "lugar por excelêncià' das pri- Mas, antes de prosseguir com os comentários a respeito da atuação
sões e torturas, os agentes do SNI tiveram participação ativa nesses pro- do SNI e dos serviços de informações, é necessário abrir parênteses para
cessos de busca e muito provavelmente colaboraram nos casos de tortura. situar o contexto político do país naquele período.
O que se percebe de interessante nos depoimentos consultados é uma Em meados da década de 1970 o presidente Geisel já havia iniciado o
tendência a "livrar" o SNI desse tipo de responsabilidade, atribuindo os processo de distensão "lenta, segura e gradual". Os custos da permanên-
"excessos" principalmente aos "comandos paralelos" das Forças Armadas. cia do poder pelos militares estavam muito altos, ao mesmo tempo em
Essa tendência está explícita principalmente no depoimento do gene- que declinavam os custos da democratização. De acordo com Donald
ral Fiúza de Castro, um general reconhecido como um dos mais radicais Share e Scott Mainwaring, os principais desafios a alterar os custos da
do período, que afirma que o SNI não tinha um setor de operações, "ja- permanência no poder pelos militares eram "a sucessão de liderança, a
mais operou e jamais efetuou qualquer prisão (... )jamais prendeu e inter- erosão na coesão das elites e o declínio da legitimidade" . 156 Essa incapaci-
rogou alguém" . 154 Ele não nega, entretanto, a prática corriqueira do SNI dade de sustentação do regime já era sentida no meio militar, como reco-
na violação de vários direitos civis do cidadão. nheceu o almirante Mauro César Rodrigues. 157 Mas, ao anunciar o pro-
O SNI interceptava correspondências, roubava documentos, fazia
cesso de distensão, o presidente Geisel trouxe à tona um conflito que
escuta telefónica e acompanhava a vida das pessoas, tanto dos adversários
sempre existiu dentro do regime, entre os oficiais que pretendiam perma-
políticos e suspeitos de subversão, como de integrantes da equipe gover-
necer no poder e aqueles que apenas desejavam restaurar a ordem civil e
namental. Infiltrava pessoas tanto nas organizações clandestinas quanto.
retornar aos quartéis.
nos organismos legalizados de oposição ao regime. O SNI inseriu agentes
nos setores políticos de oposição, como era o caso do MDB, e nos movi- A comunidade de informações, que nessa época contava com um alto
mentos sindicais e estudantis. Como reconhece o brigadeiro Sócrates grau de autonomia, passou a se sentir ameaçada. A abertura reduziria o
Monteiro: poder dos órgãos de informações e "sua liberdade para atuar impunemen-
te", como afirmou o general Moraes Rego.
houve toda aquela distorção conhecida da penetração do sistema [... ] o Esses radicais, inseridos principalmente nos órgãos de informações,
que era inicialmente programado para fazer uma coleta de informações, foram contra a abertura e passaram a criar resistências aos propósitos de
andlise de informações e produção de uma informação legitimada final se distensão do governo. Resistências que, segundo o general Moraes Rego,
tornou intensa atividade operacional na busca ou participação dos eventos. 1os
eram oferecidas contra a abertura "não por princípio, mas por interesses e
Até mesmo a Igreja Católica, uma das grandes colaboradoras do gol- vantagens" . 158
pe militar realizado em 1964, passou a ser foco de atenção por parte do Como forma de se manter no poder, a comunidade de informações
SNI em meados dos anos 1970. Os alvos principais eram o arcebispo de passou a criar inimigos imaginários, usando, para tanto, pessoas e insti-
Olinda e Recife, dom Hélder Câmara, e o bispo de São Félix do Araguaia, tuições reais. Segundo Alfred Stepan, "estes serviços eram alguns dos mais
dom Pedro Maria Casaldáliga. Como os movimentos guerrilheiros de es- ferrenhos partidários do argumento de que os conflitos sociais colocavam
querda já haviam sido aniquilados pelos militares, uma das grandes preo- ameaças para a segurança interna e para o desenvolvimento nacional e,
cupações dos serviços estava relacionada às discu~sões da Igreja sobre re- portanto, precisavam ser reprimidos" . 159
forma agrária e direitos humanos. Temiam o avanço da chamada esquerda
clerical dentro da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). I5G Share & Mainwaring, 1986:39.
157
Mauro César Rodrigues, 1999.
158
Moraes Rego, 1995:60.
154
Fiúza de Castro, 1994:45. 1
"' Stcpan, 1986:39.
1 5
5 Sócrates Monteiro, 1995.
rii;)I..IIO \,.OIIVl DIOIIUOU 1"'\IJLUIIt:::t

voltaram a planejar atentados, dessa vez com o fim de incriminar a es-


É essa_ resistência à saída do poder que explica uma série de atrocida- d
o d b !63
querda por aros subversivos e eter o processo e a ertura. .
des comendas pelos serviços de informações, como foi o caso das mortes Passaram a explodir bombas em São Paulo, atribuídas ao general Mil-
do jor~alista Wladimir Herzog e do operário Fiel Filho (1975 e 1976 ton Tavares. No Rio de Janeiro, explodiram bombas em bancas de jor-
respectivamente) mesmo depois de estar a luta armada completamente nais, na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), na Ordem dos Advoga-
aniquilada. 160 dos do Brasil (OAB) e no Riocentro. 164 Segundo o general Zenildo Lucena,
. ~om a s~ída do presidente Ernesto Geisel, o sucessor João Batista de esses atentados eram de responsabilidade do general Newton Cruz, chefe
Figueired~ tmh: como ~ma de sua~ tarefas dar prosseguimento ao pro-
da Agência Central do SNI. A opinião do general é a de que Newton
c~sso de distensao. Sancwnou o proJeto de anistia ainda em 1979 e con-
Cruz desejava criar uma força policial e moral, "espelhada nos moldes da
vidou pessoas que "participaram da oposição ao regime militar" para tra- . c d 1 h , J6s M
Gestapo (... ] que sena uma wrma e contra e e c antagem . as o
balhar no seu governo, como declarou à imprensa recentemente. I6I caso Riocentro, apesar de não ter sido rigorosamente investigado, pôs fim
Sem dúvida, a administração do general Figueiredo foi marcada por a quaisquer esperanças dos radicais de assegurarem uma possível candida-
conr:a~!ções. Ao me~mo tempo em que propunha a abertura política, . 166
tura do generalMd e euos a'P resi"dAencia dR
a epu'bl"Ica.
o

possib~lttou ~~ crescimento nunca visto em um dos alicerces principais O Riocentro e as bombas na ABI e na OAB são algumas das referên-
d~ regime m_Ihtar, o SNI. Uma justificativa encontrada para tal contradi-
cias em que encontramos o envolvimento do SNI em operações quere-
çao talvez sep a relação pessoal que o presidente Figueiredo tinha com 0 sultaram em morte. Um outro caso que envolve diretamente o órgão é o
chefe do SNI, o general Otávio Medeiros.
assassinato do jornalista Alexandre von Baumgarten em 22 de outubro de
Nessa época, a oposição à abertura vinha tomando proporções drásti-
c
1982, o 1amoso " caso Baumgarten".
cas., J?e acor~o com os ?~poimentos coletados pelo Cpdoc, o general Baumgartem foi um jornalista que manteve estreitas relações com o
Ota~IO Medeir~~ e o ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, SNI durante o governo Figueiredo e havia sido um dos responsáveis pela
apoiavam a polmca do presidente Figueiredo. No entanto, havia dentro angariação de fundos para o relançamento da revista O Cruzeiro, que vei-
dos serviços de infor~_ações "bolsões radicais" que não aceitavam o pro- cularia propagandas a favor do governo. O jornalista denunciou algumas
c_esso de abert~ra _pohuca e tramavam a sucessão presidencial. A perspec- irregularidades praticadas pelo SNI e pouco tempo depois foi encontrado
tiva desses radicais, de acordo com o almirante Mauro César, era a de morto. Baumgartem havia escrito um dossiê, no qual declarava que sua
fazer do general Medeiros o sucessor do presidente Figueiredo. 162 morte havia sido decidida em uma reunião da Agência Central. Na época
Mas _se os_ ser~iços de informações nessa época possuíam um poder da apuração dos fatos, o dossiê sumiu e o caso foi arquivado por fal_ta de
substanCial, nao tmh~m nenhuma representatividade institucional. Ape- provas. 167 Entretanto, não restam muitas dúvidas de que seu assassmato
sar de crescerem consideravelmente, na prática não tinham condições de
tenha sido uma queima de arquivo.
~udar a ordem dos acontecimentos, que por sua vez caminhavam em
~Ire_ção contrária a seus interesses. Eram necessários sérios motivos que !63 Uma exposição da atuação anterior desses radicais de direita pode ser encontrada em
JUstificassem a pe:~anência d?s mil_itares no poder, uma vez que 0 pro- Argolo, Ribeiro & Fortunato, 1996.
cesso de abertura p durava mais de cmco anos e não havia mais formas de I64 O caso Riocentro também será abordado quando tratarmos das atividades desenvolvidas pelo CIE.

se dar algum tipo de legitimidade ao regime. Foi quando esses radicais 16 5 Zenildo Lucena, 1999.
I66 Para informações detalhadas sobre a articulação da extrema direita em relação à abertura
160 o u'1 nmo fjoco de en firentamento armado ao regime foi a guerrilha do Araguaia um
o o política, ver Argolo, Ribeiro & Fortunato, 1996. .
confronto que durou mais de dois anos entre o governo e o PCdoB, e que havia termi~ado
167 Algum tempo depois inquérito foi reaberto, pelo fato de ter surgido uma testemunha
0
que afirmava ter visto o general Newton Cruz com o jornalista, poucos dias antes de su~
em 1974.
161 morte, bem próximo ao lugar onde o corpo foi encontrado. O general Newton Cruz foi
Renato, 1996.
162M auro C' esar Ro d.
ngues, 1999. processado c declarado inocente por unanimidade.
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Como pode ser observado, a participação do SNI em ações que im- E as ações não pararam por aí. Em 1987, como informa o depoimen-
plicaram mortes, prisões, fraudes e violação de direitos humanos e civis e to do general Carlos Tinoco, o SNI ainda preparava relatórios contendo
a expansão desse serviço durante o governo Figueiredo não corroboram a "a síntese da subversão no Brasil" .171 Durante as eleições presidenciais de
perspectiva dos depoimentos aqui analisados, que buscavam minimizar 1989 acompanhou o movimento dos candidatos de esquerda do país e
sua atuação durante o regime militar. infiltrou agentes no VI Encontro Nacional do Partido dos Trabalhado-
Os depoimentos indicam, contudo, que houve um redirecionamento res. 172
e uma redução do poder e das atividades do SNI durante o governo Sarney, Nesse período em particular, as principais violações cometidas pelo
como confirmam o general Fernando Cardoso, que foi chefe do CIE, e o SNI estavam relacionadas ao direito civil, à invasão de privacidade, de
próprio general Ivan de Souza Mendes, responsável pelo SNI durante correspondências e ao grampeamento de telefones. Entretanto, no que
aquele governo. diz respeito às violações dos direitos humanos ocorridas durante o perío-
De acordo com o general Ivan, em sua administração ele teria dispen- do militar, deve-se sempre levar em conta que o SNI foi o cabeça do
sado pessoas que não achava confiáveis, chamado novos quadros para 0 sistema técnico, e que atuou de forma isolada e/ou conjunta com os ór-
serviço, e reduzido o quadro de pessoal do SNI que em sua época giraria gãos de informações das Forças Armadas que tiveram sua atuação extre-
em torno de 2.500 pessoas. Teria feito também uma reformulação doutri- mamente ligada à repressão.
nária, procurando formar mais civis dentro da Esni. Chegou até mesmo a O CIE foi um dos serviços mais envolvidos com a repressão política,
convidar a imprensa para conhecer as dependências do SNI. 16 8 · o que se justifica, talvez, pelo fato de que coube ao Exército coordenar
Não obstante tivesse consciência de que o principal inimigo do país toda a atividade de repressão e a ele foram subordinados os DOis. O
fosse o externo, ao qual um serviço de informações deveria estar atento, próprio CIE já foi criado como um órgão de informações e operações,
durante o governo Sarney o general Ivan continuou acompanhando os muito diferente da atividade das segundas seções, que atuavam como ór-
movimentos grevistas, que, de acordo com seus cálculos, ultrapassaram a gãos de preparo e de decisão.
casa dos 5 mil naquele período. De acordo com os depoimentos, a parcela dentro do Exército que
Segundo ainda seu depoimento, nesta época o SNI agia em perfeita participava da atividade de informações e que tinha poder de comando
sintonia com o Ministério do Trabalho. Fazia relatórios mensais enviados operacional era muito pequena, como afirmam os generais Carlos Tinoco,
ao ministro Pazzianoto sobre a situação da segurança interna, para que Octávio Costa e Zenildo Lucena. 173 A maior parte da instituição se en-
fossem tomadas as devidas providências. 169 Contrariamente ao que foi contraria alheia à atuação dos destacamentos, às operações empreendidas
dito, as reivindicações trabalhistas ainda eram vistas como fator que afeta- e às pessoas que eles prendiam, embora soubessem o que acontecia lá
va a segurança interna do país. dentro. Essa pequena parcela seria formada, em seu nível mais elevado,
Outro "erro" cometido pelo SNI nesse período, como o próprio ge- por um grupo de radicais, justamente aquele que foi contra o projeto de
neral Ivan reconheceu, diz respeito ao Plano Cruzado, quando o órgão se abertura do governo Geisel.
engajou "na busca dos alimentos perdidos". De acordo com ele, "havia De acordo com o depoimento do general Adyr Fiúza de Castro, o
gente do SNI para caçar boi no pasto, porque era considerado interesse CIE tratava apenas de questões relativas à segurança interna do país. As
do Estado" yo · questões relativas ao exterior ainda eram de responsabilidade das E2 do
168
Ivan Mendes, 1995:162. 171
Carlos Tinoco, 1998.
169
Id., p. 157. 172
170 Sarkis & Navais, 1994:20-3.
Id., p. 168. 17 1
· Octávio Costa, 1995:116; Zenildo Lucena, 1999; e Carlos Tinoco, 1998.
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Estado-Maior, assim como cabia ao SNI a preocupação com atividades que cometiam. Nos dizeres do general, "levavam apenas uns tapinhas" e
de contra-informações. 17 4 diziam que haviam sido torturados. Na sua perspectiva, dava-se apenas
Para atender à responsabilidade de manter a segurança interna do "uns cascudos ou encontrões [e] isto não é tortura, tortura é outra coi-
país, o CIE tinha pessoal especializado para entrar em vários lugares e sa" . 177 O general Leónidas Pires, outro radical que comandou o Codi (res-
fazer interrogatórios. Interceptava cartas e investigava a vida de pessoas ponsável pelo DOI) por mais de dois anos, também não admite ter havi-
ligadas aos movimentos de esquerda, principalmente o PCdoB, e prendia '
d o tortura em sua area d urante o tempo em que esteve no coman d o. !?H
pessoas sem mandatos judiciais. Isso tudo justificado pela situação de Mas, pelo que foi visto, esses organismos eram os lugares por excelên-
excepcionalidade em que o país se encontrava. cia da prática de tortura no país, principalmente os DOis. As atividades
Segundo o general Fiúza, no CIE apenas não havia, inicialmente, desenvolvidas dentro deles eram super-reservadas, seu pessoal não andava
gente treinada especificamente para combater a prática de seqüestro, mas, fardado e utilizava viaturas "frias". De acordo com vários depoimentos,
em compensação, "contava com oficiais extremamente habilidosos em essas viaturas eram normalmente carros apreendidos em batidas e que
combate de rua, em combate corpo a corpo, uma equipe capaz de entrar não eram devolvidos, apenas trocavam-se suas placas. Era o pessoal do
no local e liquidar com todos os seq üestradores". 17 5 DOI o responsável pela captura, encarceragem e interrogatórios de presos
O CIE também tinha capacidade de grampear telefones, atividade considerados "subversivos".
que cabia apenas ao CIE, pois não era atividade do Exército e nem dos O general Fiúza disse que uma parte do pessoal responsável pelos
Codis e dos DOis. Como o CIE tinha autonomia para operar em todo o interrogatórios nos DOis fez treinamento no British Intelligence Service
Brasil, recebia informações obtidas através de grampos telefónicos de to- (sic). Buscavam conhecimentos sobre a doutrina de contra-insurgência
das as partes do país. desenvolvida pelos ingleses no combate ao comunismo durante a guerra
Pelo depoimento do general Fiúza no livro Anos de chumbo, podemos com a Malásia em 1954-57. O general até relatou exemplo de uma técni-
perceber que a tortura era_ uma prática comum, que ocorria, principal- ca aprendida com o pessoal do serviço de inteligência inglês:
mente, dentro dos DOis. E um dos poucos depoentes que admite a prá-
tica de tortura como algo corriqueiro dentro do regime militar. A maioria Interroga-se o prisioneiro de guerra logo que ele é aprisionado, porque
dos militares que assume a existência de tortura comenta apenas que real- nesse momento ele diz muita coisa. Depois que se recompõe, já não fala
tanto. Porque o medo é um grande auxiliar no interrogatório. Os ingleses
mente houve "alguns excessos" e que sempre foram cometidos por co-
recomendam que só se interrogue o prisioneiro despido porque, segundo
mandos paralelos. A prática de tortura nunca teria se dado em cumpri-
eles, uma das defesas do homem e da mulher, evidentemente, é a roupa.
mento de ordens superiores, como afirmou o ex-presidente Figueiredo,
em depoimento à imprensa. 176 Tirando a sua roupa, fica muito agoniado, num estado de depressão muito
grande. E esse estado de desespero éfavorável ao interrogador. [... ] É uma
Existem também aqueles que não admitem a prática de tortura em
técnica praticamente generalizada. 179
hipótese alguma, como é o caso do general Coelho Neto. Coincidente-
mente ele também foi um dos oficiais conhecidos como um dos mais Ele também descreve como se davam os interrogatórios nos DOis.
radicais do regime. De acordo com o general, não houve tortura e sim Declarou que o pessoal que participava do interrogatório não era o mes-
uma política das pessoas de esquerda de denunciar a prática de tortura. mo pessoal da captura, "porque as atividades desenvolvidas pelo interro-
Era, segundo ele, uma forma que encontraram para justificar as delações
177
174
Coelho Neto, 1994:238.
Fiúza de Castro, 1994:60. 178
O general Pires esteve à frente do I Exército entre 1974 e 1976. Ver Leônidas Pires,
175
Idem. 1994:242.
176
Renato, 1996. 179
Fiúza de Castro, 1994:62.
rrtsctta Lartos tHandao Antunes

gador e pelo captor são completamente diferentes". Os interrogadores ções de esquerda e pela imprensa. Alguns dos exemplos mais flagrantes
eram oficiais, em sua maioria majores, pois a prática de interrogatório são o caso da Barão de Mesquita no Rio e a "casa de Petrópolis", situada
exigia um grande nível de preparação. Os interrogatórios eram todos na rua Arthur Barbosa. Esta última foi designada pela imprensa como "A
monitorados através do uso de espelhos falsos e através de aparelhos de Casa da Morte". De acordo com o jornalista Elio Gaspari, ela era assim
escuta colocados dentro das salas. Seu andamento dependia sempre do denominada, porque "poucos foram os que saíram dela com vidà'. Mon-
tempo disponível para a obtenção das informações. Se havia tempo dis- tada em 1971, essa casa estava apensa à política de extermínio dos líderes
ponível, eram utilizados vários métodos psicológicos, como manter o preso
do terrorismo da esquerda. Era uma das centrais de "desaparecimento de
em uma sala escura, mantê-lo incomunicável durante 48 horas, entre ou-
pessoas". 183
tros. Quando não existia tempo, "ou desistia do interrogatório"- o que
Em depoimento à Folha de S. Paulo, o tenente Amílcar Lobo, discor-
é pouco provável- "ou se aplicavam métodos violentos". Ainda segundo
rendo sobre política da casa de Petrópolis, disse que haveria uma ordem
o próprio Fiúza, o pessoal no CIE não tinha escrúpulos, e vale lembrar
do próprio ministro do Exército, o general Orlando Geiscl:
que os DOis eram constituídos principalmente de agentes desse órgão. 180
Apesar de afirmar que as técnicas de interrogatório desenvolvidas eram para que todas as pessoas [que teriam sido presasJ que abandonaram o
inspiradas no modelo inglês, o general Fiúza procurou humanizar e/ou país, principalmente as que escolheram o Chile como refUgio, fossem mor-
amenizar a forma com que elas foram conduzidas. Segundo ele: tas após esclarecerem devidamente as atividades terroristas do grupo a que
. [.. .] os presos eram mterrogauos,
pertenczam . J .
e posterzormente mo rt os. 184
Nos DOis ( ..) quando o preso entrava, a primeira coisa que fazia é
identificd-lo. Ele era fotografado, tiravam-se as impressões digitais, e se Mas as práticas ilícitas cometidas pelo CIE não ocorriam apenas den-
fazia, inicialmente, um interrogatório muito ligeiro (. . .) E depois, eles tro desses "porões". O órgão também explodia bancas de jornais, seqües-
não podiam ficar com a roupa que estavam, porque podia esconder qual- trava pessoas, espancava. Foi um dos principais responsáveis pela morte
quer coisa. Então, eram mandados se despir, e era fornecida uma roupa de vários militantes do PCdoB durante a guerrilha do Araguaia.
especial, uma espécie de macaquinho. Para as moças (..) também era dado
Inclusive, a guerrilha do Araguaia continua como uma das grandes
imediatamente um "modess': porque a primeira coisa que acontece com a
incógnitas do regime militar. Ainda não se sabe ao certo quantos militan-
mulher quando é submetida a essa angústia da prisão é ficar menstruada.
tes foram mortos em combate e nem mesmo onde se encontram seus
E fica escorrendo sangue pela perna abaixo, uma coisa desagraddvel. Em
seguida, tomavam um banho, trocavam a roupa. O Frota fazia questão corpos. A guerrilha terminou em 1974 e até hoje existem buscas por cor-
de que cada cela tivesse roupas de cama limpas. 181 pos naquela região. As poucas referências sobre o número de militantes
que se encontravam naquela região vêm dos oficiais daquela época. Se-
Para perceber que a realidade foi diferente do que supõe o depoimen- gundo o depoimento do general Coelho Neto, subcomandante do CIE e
to do general, basta lembrar que oficiais brasileiros fizeram cursos na Ale- responsável pela "Seção de Comunismo Internacional", e que investigava
manha, Estados Unidos e Inglaterra, e que tiveram aulas de tortura mi- todos os contatos do PCdoB, havia pelo menos umas 60 pessoas fixadas
nistradas por estrangeiros no Brasil com o uso de prisioneiros políticos 11:1 rrr,i:ío, além de outros adeptos da cid:-~dé' C' dos milit:-~ntrs que- fic:-~v:-~m
como cobaias. 182 circulando entre o Araguaia e os grandes centros. 185
O CIE possuía lugares próprios para esse tipo 4e "interrogatório" que Essa guerrilha foi tratada durante muito tempo como segredo de Es-
ficaram conhecidos durante o regime militar pelo pessoal das organiza- tado; nem mesmo algumas pessoas do próprio Exército sabiam de seu
18
° Fiúza de Castro, 1994:60, 67-8. 183
Gaspari, 1999.
181 Id., P· 60. 184
A hora do lobo, a hora do carneiro. Folha de S. Paulo, 12-3-2000. (www.folha.com.br)
182
Os depoimentos sobre os cursos são encontrados em Arns, 1985. 18
5 Coelho Neto, 1994:233.
..}1"41 Ot: 1"\UIII
Priscila Carlos Brandão Antunes

desenvolvimento. Foi a última operação elaborada pela esquerda, mais


Na época foi aberto um inquérito militar para apurar essas explosões.
precisamente pelos militantes do PCdoB, como forma de enfrentamento
O IPM foi conduzido pelo então coronel Job Lorena de Sant'Anna, que
armado à ditadura militar. Depois de 1974, pode-se dizer que a oposição
concluiu que as bombas eram obras dos grupos de esquerda. O IPM apon-
armada ao regime havia sido aniquilada pelos militares.
tava os grupos Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Movimento
Após o fim da guerrilha e o começo do processo de Abertura, o CIE,
Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e Comando Delta como os res-
assim como o SNI, passaram a desenvolver ações que visavam prejudicar
ponsáveis pelo atentado. Não há dúvidas de que esse inquérito foi falacioso
o processo de distensão.
e de que não houve interesse real do presidente Figueiredo em apurar as
Documentos recentemente divulgados pelo general Antônio Bandei-
ra, ex-comandante do III Exército, demonstram que os serviços de infor- responsabilidades pelos atentados. Ao que tudo indica, o atentado ao
mações do Exército e da Aeronáutica acusavam o presidente Geisel de Riocentro foi obra dos agentes do DOI-Codi, do CIE e do SNI, ainda na
permitir, em 1975, a rearticulação dos movimentos de esquerda e alarma- tentativa de deter o processo de abertura.
vam os ministros militares para o perigo da retomada comunista. A constatação de que o Riocentro não foi, em hipótese alguma, obra
Nesse mesmo ano, em 25 de outubro, ocorreu o assassinato do jorna- dos grupos de esquerda é um dos poucos exemplos de consenso entre os
lista Wladimir Herzog, nas dependências do DOI do II Exército, e logo depoentes. Para esses oficiais, a atitude partiu de agentes da área de infor-
depois a morte de Manoel Fiel Filho. O presidente Geisel, com o objetivo mações, provavelmente do CIE e do SNI. No entanto, quase nenhum
de desestimular a onda do "terrorismo de direita", responsabilizou o co-. deles acredita que tenha sido um ato institucional. Apenas concordam
mandante Ednardo D'Ávila, do II Exército, a quem, em última instância, que se tratou de mais um ato isolado, desencadeado pelos comandos pa-
ficava subordinado aquele destacamento, e o exonerou do comando do ralelos da comunidade de informações. 187 Em declaração dada à impren-
Exército. sa, o general Golbery do Couto e Silva, que era chefe da Casa Civil da
Mas os radicais continuaram sua política de dificultar a abertura mes- Presidência da República, acusou o general Coelho Neto como mandante
mo após essa punição. No governo Figueiredo ainda ocorreram várias da explosão, mas nada foi apurado nesse sentido. 188
ações do CIE em conjunto com os outros órgãos de informações e com os Mas mesmo que não tenha sido um ato institucional, pessoas relacio-
órgãos policiais. Um dos exemplos mais conhecidos foi o caso Riocentro. nadas ao alto comando do SNI, como o general Newton Cruz, e ao alto
Embora não tenha sido a última tentativa de abortar o processo de aber- escalão do Exército tinham conhecimento desses planos e com eles foram
tura, foi um dos mais conhecidos casos de terrorismo de direita no Brasil coniventes. Caso o inquérito fosse conduzido de forma rigorosa, acabaria
e um dos grandes responsáveis pelo crescimento da desmoralização do por atingir pessoas do alto escalão do governo e de extrema intimidade do
governo militar junto à sociedade civil. presidente Figueiredo, como era o caso do general Otávio Medeiros, che-
Na noite de 30 de abril de 1981, num show musical em comemora-
ção ao Dia do Trabalho, durante o governo do general João Baptista Fi- 187
Existe uma informação que parece colaborar para o fato de os depoentes concordarem
gueiredo, duas bombas explodiram no Centro de Convenções do Rio de que o caso Riocenrro tenha sido "coisa do comando paralelo", principalmente do Exército.
Existe uma discreta relação cnrn: o caso Riocentro c as mortes do jornalista Wladimir Herzog
Janeiro, o Riocentro. Uma delas explodiu em um Puma, no estaciona-
e do operário Manoel Fiel Filho, que, sem dúvida, parecem t<:r sido um cnfrentamento dos
mento, e a outra, na casa de força. Na explosão que ocorreu dentro do radicais ao processo de aberrura. De acordo com os generais Moraes Rego e com o ex-
carro, morreu o sargento do DOI-Codi do I Exército, Guilherme do presidente Geiscl, o coronel José de Barros Paes era chefe da segunda seção em São Paulo em
Rosário, que estava com a bomba no colo, e foi ferido o capitão Wilson 1975 e 1976, quando ocorreram essas duas mortes, e, coincidentemente, era o chefe da
Machado, que estava no volante do carro. 186 segunda seção do Rio na época do Riocenrro. Outras fontes de informações que corrobo-
ram a atuação desses grupos de extrema direita podem ser encontradas em Argolo, Ribeiro
& Fortunato, 1996.
186
Após este acidente, o capitão prosseguiu normalmente em sua carreira militar. 188
Gaspari, 1999.
)J'll /SI ADtn Priscila Carlos Brandão Antunes

fe do SNI, e do general Newton Cruz, chefe da Agência Cemral. Houve seu movimento operacional os anos de 1969 e 1970, quando foi coman-
um movimento corporativista, no sentido de impedir que as informações dado pelo brigadeiro Burnier.
pudessem ser realmente averiguadas, com o qual o presidente Figueiredo Assim como o CIE, o Cisa também realizava grampos telefônicos,
concordou. 189 instalava aparelhos de escuta, além de seu pessoal se apropriar ilegalmente
Depois do caso Riocentro, agentes do CIE ainda fizeram panfletagens de carros apreendidos nas operações. O Cisa também participou da caça-
nos quartéis e picharam muros, associando a figura do candidato Tancredo da ao capitão Lamarca e colaborou com o CIE no combate à guerrilha do
Neves ao comunismo internacional, como tentativa desesperada de amea- Araguaia.
çar o processo de abertura, que, naquela ocasião, já estava praticamente Embora o brigadeiro Burnier, um dos oficiais mais radicais da Aero-
concluído. náutica, seja o único a negar a existência da atividade de tortura dentro
O CIE e o SNI foram dois dos principais responsáveis pelo terroris- dessa força, o Cisa teve sua atuação no combate à repressão também inti-
mo de direita ocorrido no país a partir do projeto de distensão. A partici- mamente ligada a essa prática. 193 Possuía um presídio na base aérea do
pação dos outros serviços de informações das Forças Armadas em relação Galeão, restrito ao pessoal da área de informações. De acordo com os
à abertura, ao que tudo indica, foi bem mais ponderada. depoimentos, as denúncias de tortura dentro do presídio incomodavam
As informações sobre a participação do Cenimar, além de serem pou- até mesmo a oficialidade da Aeronáutica. Foi lá que ocorreu o caso de
cas, são sempre vagas. O general Octávio Costa, ao abordar o assunto da Stuart Angel, filho da estilista Zuzu Angel, obrigado a aspirar o escapa-
repressão, disse que o CIE e o Cenimar foram os órgãos mais atuantes mento de um jipe e arrastado amarrado ao carro naquele pátio até a morte.
naquele momento, mas não deu referências a que tipo de atuação. 190 O Apesar de não mergulharmos minuciosamente nessa área ainda ne-
almirante Sabóia assume que, no momento em que tiveram que atuar no bulosa da recente história política brasileira (não era essa nossa proposta),
combate à subversão, "houve muitas distorções", mas também não as podemos perceber que foram essas práticas exercidas pelos serviços de
qualificou. 191 Já o almirante Mário César Flores afirmou que a participa- informações- mortes, torturas e perseguições- as principais responsá-
ção do Cenimar nas operações de repressão junto ao CIE e às polícias veis pela resistência criada pela sociedade em relação aos serviços de infor-
dentro dos DOis era diminuta, como já nos havia narrado o general Fiúza mações mesmo no período democrático.
de Castro. O que se sabe de mais concreto em relação à atuação do Ceni- Mas, uma vez conscientes da necessidade dessa atividade para a defe-
mar, informações repassadas pelo almirante Serpa, é que o órgão partici- sa nacional e para a condução política do país, o Poder Executivo, tanto
pou das buscas do embaixador americano, auxiliou o CIE tanto na caça- militar quanto civil, e o Poder Legislativo vêm, atualmente, buscando
da ao capitão Lamarca, quanto na guerrilha do Araguaia, e vasculhava a formas de readaptar seus órgãos de informações aos seus legítimos inte-
vida de seu próprio pessoal com o auxílio da área policial. 192 resses e de afastá-los da relação existente entre atividade de informações e
Informações sobre a atuação do serviço de informações da Aeronáu- violações aos direitos civis e humanos. Perceber quais mecanismos foram
tica são um pouco mais precisas do que as do Cenimar, talvez mesmo e estão sendo adorados por esses poderes para superar o caráter deteriora-
pelo fato de o Cisa ter tido uma intensa participação no período de re- do construído ao longo dos 20 anos de regime militar será o objetivo do
pressão em um espaço de tempo muito curto. O Cisa teve como auge de próximo capítulo.

189
O caso Riocentro foi reaberto em 1999 e em maio de 2000 o Superior Tribunal Militar
o arquivou pela segunda vez, cabendo ainda recursos ao caso.
190
Octávio Costa, 199 5: 106.
191
Henrique Sabóia, 1998.
192 1'1·1 João Paulo Moreira Burnier, 1994:203.
Ivan Serpa, 1998.
4
Os serviços de inteligência
nos anos 1990

EsTE CAPÍTULO ABORDA as principais mudanças ocorridas na área de inteli-


gência civil e militar no Brasil a partir dos anos 1990 e está dividido em
três seções. A primeira trata das mudanças ocorridas na legislação militar
e mapeia, a partir dos depoimentos de alguns ex-ministros militares desse
período, a área de atuação desses centros de inteligência.
A segunda aborda a área de inteligência civil na década de 1990. Com
a extinção do SNI, criou-se um vácuo na área civil de inteligência e abriu-
se um espaço para a atuação de agentes sem regulamentação estabelecida.
Dessa forma, até 1995 existiam apenas tentativas de elaboração de uma
nova agência, tanto por parte do Poder Legislativo quanto do Poder Exe-
cutivo.194 Essa seção analisa os projetos apresentados durante esse perío-
do, bem como os pareceres emitidos sobre eles.
Na última seção será analisado o I Seminário de Inteligência, realiza-
do em maio de 1994, por iniciativa da Comissão de Defesa Nacional da
Câmara dos Deputados, a fim de aprofundar o debate político acerca da
atividade e de diminuir o trauma em relação à compatibilidade da ativi-
dade de inteligência com um Estado democrático de direito.

1
~4
Ainda que a criaçao da Abin tenha sido homologada t:m 8 de dezembro de 1999, na
prática ela já funcionava dt:sdt: 1995, quando foi criada por mt:dida provisória.
Priscila Carlos Brandão Antunes

efetivos que haviam se desligado ou aposentado, houve um enxugamento


Aeronáutica "natural" do quadro.
O depoimento do brigadeiro Mauro Gandra, ministro da Aeronáuti-
Entre os ministérios militares, o primeiro a se preocupar em reorga-
ca no começo do governo Fernando Henrique Card_oso, tamb~n; tr_az
nizar e redirecionar a atividade de informações/inteligência para tarefas
informações importantes sobre a atuação da Secretana de Intehgenct~.
inerentes à sua força parece ter sido o da Aeronáutica. De acordo com o
De acordo com Gandra, um dos principais móveis de informações atuats
depoimento do brigadeiro Moreira Lima, no governo Sarney a Aeronáu-
da Aeronáutica é o estado de espírito da própria Força Aérea. A Secint faz
tica já se encontrava mais redirecionada para questões específicas. A área
enquetes semestrais para obter informações sobre o desenvolvimento e a
externa se tornou uma das prioridades da Secretaria de Inteligência (Secint)
situação em que se encontram os servidores do seu quadro, sendo que
que se preocupava em controlar o espaço territorial aéreo brasileiro e em
entre as principais preocupações da Aeronáutica está o envolvimento de
acompanhar o desenvolvimento de outras forças áreas estrangeiras.
seus oficiais com o tráfico de drogas e com o contrabando.
A regulamentação da Secint, feita na gestão José Sarney pelo briga-
deiro Moreira Lima, apenas foi oficializada em janeiro de 1991, durante
o governo Fernando Collor. 195 Sua oficialização e a mudança do termo
informações para inteligência fizeram parte de um novo dimensionamento Marinha
dentro da Aeronáutica, encabeçado pelo brigadeiro Sócrates da Costa
O Ministério da Marinha foi o segundo a reorganizar seu serviço de
Monteiro. De acordo com o brigadeiro, havia uma preocupação de rever-
informações e a adotar o termo inteligência. De acordo com ~ ~lmirante
ter a área de inteligência para a área militar, abandonando, integralmente,
Flores, ministro da Marinha do governo Fernando C:ollor c lllllllstro-chc-
a atuação na área política. As diretrizes presidenciais estabelecidas do go-
fe da extinta Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) entre outubro de
verno Fernando Collor foram muito claras em relação aos serviços de
1992 e dezembro de 1994, o redirecionamento na Marinha começou
inteligência das Forças Armadas. A ordem era abandonar quaisquer pre-
ainda na administração Henrique Sabóia, durante o governo Sarney. Nes-
tensões de penetração de elementos descaracterizados, de controle estu-
dantil, partidário e sindical. 196 sa época o Centro de Inteligência da Marinha (CIM) já se preocupava,
principalmente, com as questoes navats ou ~anttmas em gera1198
- • I "
..
Sócrates Monteiro também afirmou que, durante a administração do
O CIM (Centro de Informações da Mannha) tornou-se ofictalmente
brigadeiro Lélio Lobo no Ministério da Aeronáutica, entre outubro de
Centro de Inteligência da Marinha em janeiro de 1991, quando volt~u a
1992 e janeiro de 1995, houve uma migração de atividades de coleta e
ser subordinado ao Estado-Maior da Armada. 199 Entretanto, a subordma-
análise de informações para a área de comunicação social, muito mais
ção do CIM ao EMA não durou muito tempo. Ao definir a est~utura
utilizada naquele período. A Secretaria de Inteligência desenvolvia opera-
básica da organização do Ministério da Marinha em 1993, o p~estdente
ções de busca e análise em associação com a área de comunicação social,
Itamar Franco e o ministro da Marinha, Almirante Serpa, retiraram o
de acordo com as necessidades que fossem criadas. 197
CIM do Estado-Maior e o subordinaram novamente ao Ministério da
Em meio a essas mudanças, o brigadeiro afirma que não houve a
Marinha. 200 Em seu texto, o decreto estabelece como suas funções "tratar
necessidade de diminuição de quadros, uma vez que, ao não repor os
1 8
9 Mário César Flores, 1998.
1
~ O Decreto-lei nº 15, de 28 de janeiro de 1991, dispõe sobre a Secint.
5
I'J9Anteriormente 0 Centro de Informações era, como vimos, subordinado diretamcntc ao
196
Sócrates da Costa Monteiro, 1995. ministro da Marinha. Através do Decreto nº 16, de 28 de janeiro de 1991, passou a ser
197
Idem. subordinado ao Estado-Maior.
200
Decreto nº 967, de 29 de outubro de 1993.
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

d.a produç~o e salvaguarda dos conhecimentos dos campos do poder na- tamento do seu pessoal e os repassa às esferas pertinentes. Questões como
ciOnal, de Interesse da Marinha do Brasil". narcotráfico, contrabando e condições sociais são os principais proble-
O almirante Serpa declarou que, ao contrário do que ocorreu na Ae- mas.
ronáutica, houve um crescimento no número de oficiais que servem no O CIM também passou a se preocupar com a "favelização" dos ofi-
CIM nestes últimos anos, e que esse aumento deveu-se à ampliação da ciais da Marinha. De acordo com o almirante Serpa há um grande
área de atuação do órgão em "questões políticas, econômicas e sociais".20J percentual de subalternos e até mesmo de oficiais que residem em favelas
Não existem na Marinha cursos especializados de inteligência para a ou próximo a elas. A preocupação se justifica pelo fato de esses homens
capacitação de seu quadro. Segundo os depoentes, existe apenas um trei- passarem muito tempo no mar, longe de suas famílias. Pelo que se com-
namento básico, ministrado a todos os oficiais, que instrui sobre a seleção preende, a Marinha chamou para si a responsabilidade de cuidar das fa-
de documentos, a classificação das informações e de como se relacionar mílias dos marinheiros e oficiais quando eles estão em serviço.
com pessoas que passam informações, a fim de identificar a confiabilidade
O sujeito mora dentro de uma favela, o camarada começa a se preocupar:
da informação. O intercâmbio para capacitação do pessoal parece não ser
muito freqüente, mas ocorre, principalmente, com os Estados Unidos e
'a minha mulher pode ser assediada, tem que trazer a minha filha de não
sei de onde... "Eventualmente, a gente aciona o Cenimar [CIM] para verifi-
com a Inglaterra. Eles realizam visitas, fazem estágios e freqüentam cur-
sos. car se essa família está bem, ou se está havendo algum tipo de problema. 203

No que diz respeito à relação do CIM com os outros órgãos de inte- Na área econômica, principalmente antes da Medida Provisória
ligência das Forças Armadas brasileiras, ainda que não haja um profundo nº 150, que criou a Abin em 1995, o CIM prestava assessoria a alguns
entrosamento entre eles, existe contato permanente. Segundo os almiran- ministérios civis, investigando, a pedido, firmas ou pessoas. De acordo
tes Ivan Serpa e Mauro César Rodrigues, este último ministro da Mari- com o almirante Serpa, com a desativação do SNI e com a ausência de
nha durante a primeira gestão Fernando Henrique Cardoso, eles se reú- estruturas responsáveis por essas funções, o CIM acabou por suprir algu-
nem mensalmente em Brasília para trocar informações. 2° 2 mas necessidades da área de inteligência. Não se sabe se ainda continua a
Atualmente, a responsabilidade do Centro de Inteligência da Mari- prestar esse tipo de assessoria.
nha está relacionada aos problemas do controle portuário e aos limites Na área política, o almirante Serpa afirmou que o CIM atua princi-
marítimos, mas tem como alvo principal seus problemas internos. O CIM palmente na defesa dos interesses da Marinha. "Vasculhà' a vida de depu-
se preocupa principalmente com seus efetivos e com as condições políti- tados envolvidos na distribuição orçamentária, para descobrir quais po-
co-econômicas da Marinha. Essas informações são corroboradas tanto deriam ser cooptados para defender os interesses da Marinha. De acordo
p~lo almirante Serpa quanto pelo almirante Mauro César Rodrigues Pe- com o almirante, este era o tipo de levantamento que se realizava:
retra.
[O deputado] trabalhou não sei onde, fiz não sei o que, foi cheft de
De acordo com eles, o CIM produz e envia relatórios mensais para os
gabinete náo sei de quem. Levanta a vida da pessoa: votou dessa ou da-
comandos superiores, nos quais relata contravenções disciplinares e infor-
quela forma durante os últimos anos na Câmara. Enfim, ele prepara uma
mações que julga importantes para a força. O órgão passou a funcionar
ficha dessas. Ele faz um levantamento da vida da pessoa, onde não entra
como uma assessoria política e social para o ministro da Marinha. Na área
nada da parte pessoal, mas que permite a gente saber "bom, agora como é
social, coleta informações, faz análises e produz balanços sobre o compor-
que nos' vamos a bOr'<dar esse su;etto,
. . que tem essa ,.zn ha de pensamento "204
.
201
Ivan Serpa, 1998.
202 lll.l Ivan Serpa, 1998.
Idem; e Mauro César Rodrigues, 1999. 2 4
" Idem.
Jl''tll 01: MUIII
Priscila Carlos Brandão Antunes

Além de conter informações sobre seu quadro de funcionários e sobre


Fernando Collor e que trabalhou com o general Carlos Tinoco. 206 De
deputados úteis à sua causa, o almirante declarou que o CIM possui um
acordo com ele, a atividade de inteligência deveria estar sempre subordi-
dos maiores arquivos sobre vida de pessoas no Brasil, formado principal-
nada ao poder maior, nesse caso, ao Ministério do Exército, e que, apesar
mente no período militar. De acordo com Serpa o arquivo possui algu-
de ter sido feita a desvinculação, o ministro do Exército continuou a ser
mas relíquias, como, por exemplo, informações sobre a atuação de Carlos
visto como o principal cliente do órgão de informações.
Marighella no Partido Comunista Brasileiro em 1932.
Foi apenas na administração do presidente Itamar Franco, no final de
Um outro foco de interesse do CIM é o Movimento dos Sem-Terra 1992, que o CIE se tornou Centro de Inteligência do Exército, tendo
(MST). O almirante Serpa afirma que o órgão deixou de se preocupar como missão planejar, orientar e supervisionar o funcionamento do Sis-
com a subversão, mas preocupa-se com o MST, "que quer reeditar isto,
tema de Inteligência do Exército, executando e orientando a prática da
quer tumultuar a área(. .. ) a gente acompanha, fica lá olhando, assistindo.
atividade de inteligência necessária aos órgãos de nível político-estratégi-
De vez em quando tem um cara com uma bandeirinha do MST, que é do
co do Exército. Ainda subordinado ao Estado-Maior do Exército (EME),
Cenimar [CIM]. Está lá dentro para saber o que as pessoas estão dizen-
do ... "205 tem como principais usuários o gabinete do ministro, o EME, os departa-
mentos, as secretarias, o Comando de Operações Terrestres e os coman-
De acordo com ele, o acompanhamento político do MST não é atri-
dos militares de área.
buição do CIM, ele apenas acompanha o movimento para manter o mi- O que explica o fato de o CIE ser o último dos órgãos de inteligência
nistro informado dos acontecimentos.
a esvaziar suas funções pode ser a questão de ele ter sido o maior de todos
os órgãos de informações no regime militar, com atuação e alcance em
todo o território nacional. Acreditamos que a dimensão alcançada por
Exército esse órgão seja a principal responsável pela dificuldade existente em se
efetuar a reorientação do serviço de inteligência dentro do Exército.
O Ministério do Exército foi o último ministério militar a introduzir De acordo com o general Zenildo Lucena, até a sua administração,
o termo "inteligência" em seu órgão de informações. De acordo com 0 em 1992, os resquícios do regime militar ainda eram muito fortes. No
depoimento do general Zenildo Lucena, ministro do Exército do gover- governo Itamar, o CIE teria ainda a idéia de acompanhamento da política
no Itamar e durante o primeiro mandato do governo Fernando Henrique interna, continuava "vigiando" determinados partidos "radicais", sindica-
Cardoso, o CIE passou por algumas mudanças ainda no governo Sarney, tos e movimentos religiosos. Em sua administração teria procurado afas-
empreendidas pelo general Tamoio Pereira das Neves. Entretanto, as mu- tar as pessoas que trabalhavam no centro há mais tempo e mandado des-
danças mais bruscas teriam ocorrido apenas a partir do governo do presi- truir todo esse tipo de documentação, resguardando apenas "os
dente Fernando Collor, quando o general Carlos Alberto Tinoco documentos que po d enam . . d.tear a memona
preJU , . " .zo? E d e acord o com o
desvinculou o Centro de Informações do Exército do Ministério do Exér- depoimento do coronel Cyro Etchegoyen, na esfera das atribuições d~
cito e o subordinou ao Estado-Maior. Essa desvinculação causou descon- CIE durante o governo Itamar, ter-se-ia acabado com "tudo o que fot
forto dentro da corporação e enfrentou resistência por parte do pessoal possível acabar". 208 .
envolvido com a área de informação. Isso se deu em um grau tão elevado Com o objetivo de reabilitar o seu quadro de servtdores e preparar os
que, na prática, essa transferência não se concretizou. Foi o que declarou novos oficiais para a função de analistas de inteligência, dentro dos novos
o general Fernando Cardoso, chefe do CIE no começo da administração
211
Fernando Cardoso, 1999.
<'
205 2 7
Ivan Serpa, 1998. " Zenildo Lucena. 1999.
2
"x Cyro Guedes Erchcgoyen, 1994:117.
Priscila Carlos Brandão Antunes

parâmetros desejados, foi criada uma escola de inteligência dentro do EME, Pela observação das narrativas apresentadas podemos perceber que as
a Escola de Inteligência Militar do Exército (EsiMEx). A criação da esco- mudanças ocorridas na inteligência militar não foram tão significativas
la era uma proposta ainda do general Carlos Tinoco, mas somente foi quanto os depoentes pretendem. É claro que não há mais a busc_a e apre-
executada na administração do general Zenildo Lucena. De acordo com ensão de elementos considerados subversivos, mas a busca de mforma-
os depoimentos dos dois, a escola é pequena, funciona no setor militar ções e a vigilância de organismos de oposição instituídos legalmente den-
urbano e atende também a oficiais dos serviços de inteligência das duas tro do país ainda é patente. A atuação do CIM junto ao Congresso e ao
outras forças e à polícia rodoviária. Seu quadro docente é formado por MST é exemplo disso.
oficiais do próprio Exército, pelo pessoal "mais experimentado", inclusive Na próxima seção poderemos perceber que, assim como a, á_rea de
por alguns oficiais que lecionaram dentro da Esni. inteligência militar ainda não conseguiu se livrar de alguns resqmcws au-
toritários, na área de inteligência civil as barreiras ainda são enormes. Per-
ceberemos que passados tantos anos da extinção do SNI os pod~res ~~e­
cutivo e Legislativo ainda não conseguiram chegar a conclusões sans~a~onas
Ministério da Defesa
sobre 0 estabelecimento e a concepção de um novo papel para a anvtdade
Com a criação do Ministério da Defesa em junho de 1999 e a trans- de inteligência no país. Discussão essa que sempre esbarrou na dificulda-
formação dos ministérios da Marinha, Exército e Aeronáutica em esta- . de de se superar marcas de um passado que ainda é recente.
dos-maiores, os órgãos de inteligência passaram a se subordinar direta-
mente aos comandantes-em-chefe de cada estado-maior. 209
Além da existência dos serviços de inteligência em cada força, o Mi- 11
nistério da Defesa, que tem entre outras funções a responsabilidade pela
A extinção do SNI e o papel do Legislativo
inteligência estratégica e operacional no interesse da defesa e a formula- na regulamentação da atividade
ção de uma doutrina comum de inteligência operacional, também possui
uma subchefia própria para a atividade e um departamento de inteligên- Em cumprimento a uma promessa realizada durante a campanha pre-
cia estratégica. sidencial, o presidente Fernando Collor, logo após sua posse,. empreen-
A Subchefia de Inteligência do Estado-Maior de Defesa tem a função deu várias modificações na estrutura da Presidência da Repúbhca. Como
de propor as bases para uma doutrina comum de inteligência operacio- parte dessa reestruturação, extinguiu o Se~viço Nac~onal de !~formações,
nal, gerada pelas Forças Armadas, propor diretrizes para o emprego da e as divisões ou assessorias de segurança e mformaçoes subordmad_as_ a ele
criptologia no âmbito das Forças Armadas, bem como propor as bases e alocadas nos ministérios civis e nos órgãos equivalentes da admmtstra-
para a doutrina comum de emprego das atividades de guerra eletrônica, ção federal. O presidente ainda extinguiu a Secretaria de Assuntos de Defesa
telecomunicações, cartografia, meteorologia e imagem como apoio à ati- Nacional (Saden) criada no governo José Sarney e acabou com o status de
vidade de inteligência. Enquanto a subchefia fica com a responsabilidade ministro para o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (Emfa) e _do
de elaboração, o Departamento de Inteligência Estratégica tem função Gabinete Militar. Essa reorganização foi implantada através da Medtda
executiva. A ele cabe manter o exame corrente das· situações estratégicas; Provisória nº- 150, de 15 de março de 1990, e regulamentada através da
conduzir a atividade de inteligência e acompanhar a evolução do cenário Lei nº 8.028, de 12 de abril de 1990.
internacional, com ênfase nas áreas de interesse estratégico do país. Durante todo 0 governo Sarney, o primeiro presidente_ civil ~p-ós 21
anos de ditadura militar, um dos maiores baluartes do regtme mtluar, o
209
Decreto-lei n2 3.080, de 1O de junho de 1999. SNI, havia permanecido intacto, sobrevivendo até mesmo à elaboração
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

da nova Constituição Federal promulgada em 1988. Ao reformular aPre- A secretaria foi criada sem um quadro próprio e passou a recrutar
sidência e extinguir o SNI, o presidente Collor atingiu um dos pontos recursos humanos principalmente dentro das universidades e da iniciati-
nevrálgicos, considerado de grande valor estratégico para o poder militar, va privada. Sua estrutura organizacional era formada por um gabinete,
pois essas modificações diminuíram substancialmente sua área de poder uma Secretaria Executiva, uma Subsecretaria de Análise e Avalização (SAA),
político-institucional. uma Subsecretaria de Programas e Projetos (SPP); um Centro de Estudos
Não obstante as várias conjecturas feitas em relação à extinção do Estratégicos (CEE), um Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para a
SNI, a que mais se sobressaiu em meio a oficialidade foi a de que o SNI Segurança das Comunicações (Cepesc) e um Departamento de Inteligên-
havia sido extinto devido a problemas pessoais entre Fernando Collor e o cia (DI). O DI foi o herdeiro de boa parte do espólio do SNI e a ele foi
último chefe do órgão, o general Ivan de Souza Mendes. 210 atribuída apenas a função de implementar medidas de proteção a assun-
Segundo o general Carlos Tinoco, sua extinção teria criado no meio tos sigilosos, em nível nacional.
oficial e na comunidade de informações um sentimento de revolta. Com Segundo o depoimento do ministro Flores, concedido a Eugênio Diniz
o esvaziamento do serviço, muitas pessoas foram dispensadas. Teria havi- e publicado na revista Novos Estudos em julho de 1994, ao contrário do
do, aproximadamente, 2 mil demissões de funcionários que trabalhavam que se imagina, na prática, a SAE atuou como sucessora da Secretaria
sem estabilidade. Como conseqüência, declarou o general, muita gente Geral do Conselho de Segurança Nacional e não como sucessora do SNI. 213
que trabalhou na área "e que deu o sangue nisso" não se conformou, e a Todas as atividades rotineiras da antiga SG/CSN, transformada em Saden
alternativa encontrada pelos remanescentes foi procurar impedir que sua no governo José Sarney, foram transferidas para a SAE. Segundo Flores, a
extinção se desse na prática, preservando algumas de suas estruturas e o SAE era responsável pelo estabelecimento dos objetivos nacionais perma-
seu modus operandi dentro da recém-criada Secretaria de Assuntos Estra- nentes e por estabelecer as bases para a política nacional. Havia ficado
tégicos. 211 responsável pela construção do conceito estratégico nacional, por estabe-
De acordo com a revista Parcerias Estratégicas, órgão oficial de divul- lecer suas diretrizes, bem como por estudar assuntos relacionados com a
gação e de discussão da atividades desenvolvidas dentro das SAE, a secre- política de segurança nacional nos dois âmbitos, interno e externo.
taria foi criada como um órgão essencial da Presidência da República, Durante os primeiros anos do governo Itamar, a SAE era a responsá-
tendo como principais funções assistir o presidente no desempenho de vel pelo controle da utilização da faixa de fronteiras, fez vários estudos
suas atribuições, dando prioridade a assuntos considerados de relevância para o Conselho de Defesa Nacional, conduziu algumas discussões rela-
estratégica. Seria parte de sua área de atuação os campos de análise e ava- cionadas ao projeto Sivam, além de ter supervisionado o projeto Calha
liação estratégicas Norte. Ainda que coubesse à SAE a responsabilidade pela atividade civil
de inteligência, esta ficou extremamente relegada a segundo plano, dei-
na promoção dos estudos, elaboração, coordenação e controle de planos,
xando os funcionários do DI sem orientação em relação a suas funções e
programas estratégicos, inclusive no macrozoneamento ecológico econômi-
ao mesmo tempo livres para agirem da forma que melhor lhes parecesse.
co; na definição de estratégias de desenvolvimento; na formulação da con-
A displicência da SAE em relação à área de inteligência, tanto na
cepção estratégica nacional e na execução das atividades permanentes ne-
administração do almirante Flores, quanto do embaixador Ronaldo
cessdrias ao exercfcio da competência do CDN 212
Sardemberg, é justificada em função de três fatores: o primeiro, e prova-
210 Houve um episódio durante a campanha de Fernando Collor em que este teria se referi- velmente o mais importante, a dificuldade de compreensão da importân-
do ao general Ivan de Souza Mendes como um "generaleco". cia da atividade para a condução de várias questões políticas para a defesa
211
Carlos Tinoco, 1998.
212
Atividades da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE). Parcerias Estratégicas, 1(3), jun. 213
Diniz, l ~94: 115.
- ~
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

do país, em sua maioria, relacionadas à política externa. Em segundo lu- tinuava a funcionar. "Existe toda uma máquina bem montada que não foi
gar, em função do pesado estigma que a atividade de inteligência carrega, desfeita e que se encontra no setor policial em Brasília." 215
independentemente de quaisquer outros fatores, mas que no caso brasi- Em declaração à Gazeta Mercantil de 2 de novembro de 1994, o al-
leiro é extremamente agravado pela atuação dos órgãos de informações e mirante Flores falou da atuação da SAE nas favelas, nos morros, nas inva-
segurança durante o regime militar. E em terceiro, que de alguma forma sões de terra no Norte do país, e na observações de comícios políticos
nada mais é do que uma conseqüência do segundo fator e que procede considerados relevantes tanto do PT quanto do PSDB. 216
muito mais para a administração do embaixador Ronaldo Sardemberg, a Em junho de 1994 a Folha de S. Paulo divulgou documentos obtidos
dificuldade do corpo diplomático brasileiro, do próprio Itamaraty, em dentro da Polícia Militar de São Paulo, um dos prováveis fornecedores de
conviver com a atividade de inteligência. informações dos órgãos de inteligência, que relatavam informações sobre
Há um pensamento corrente no Brasil, tanto dentro do Poder Execu- o Movimento dos Sem-Terra. Os documentos afirmavam que o movimento
tivo, quanto das instituições militares e da academia, de que não é neces- recebia verbas do exterior para financiar invasões no território nacional, e
sária uma separação entre as atividades de inteligência interna e externa. que estava organizando uma "autêntica república marxista-leninistà' com
Essa corrente é amparada pelo fato de o Brasil ser considerado um país características stalinistas. 217 Essa matéria, muito provavelmente, serviria
pacífico, sem problemas de fronteiras (a última guerra que envolveu gran- de base para os relatórios da SAE sobre o MST.
des esforços do país foi a Guerra do Paraguai, há mais de 100 anos) e sem Outra reportagem publicada pela revista Veja relatou a descoberta de
inimigos externos explícitos. um aparelho de escuta na sede social da Confederação Nacional dos Tra-
Ao que tudo indica, durante a administração do almirante Flores e do balhadores na Agricultura (Contag) em Brasília. 218 O instrumento de es-
diplomata Ronaldo Sardemberg, questões como essas parecem ter sido cuta, um microfone acoplado a um transmissor de freqüência modulada,
ignoradas ou consideradas de pouca importância. Segundo o próprio Flo- foi encontrado por indicação de um agente da SAE, que declarou ser o
res, o Departamento de Inteligência da SAE se restringia à área externa, a órgão o responsável pelas escuras realizadas naquela sede. O agente tam-
fazer análises de matérias coletadas em fontes ostensivas e a obter infor- bém deu informações sobre sua atuação em missões do SNI e relatou à
mações de órgãos estrangeiros similares, referentes a delitos transnacionais, revista que, ao contrário do que se pregava, os vários agentes da secretaria
como são os casos do terrorismo e do narcotráfico. E, segundo ele, na preservam suas preocupações político-partidárias. Na reportagem, é rela-
administração Sardemberg, esse tipo de análise era praticamente inexis- tado o procedimento adotado dentro da secretaria em relação ao concur-
tente.214 so para analistas ocorrido em meados de 1995, em que um dos candida-
Em relação às questões internas, o almirante procurou destacar sua tos aprovados, ao ter sua vida vasculhada, foi identificado como filiado ao
importância para a condução política do país e buscou enfatizar o caráter Partido Comunista do Brasil. 219 Segundo o agente, a intenção inicial era
desideologizado com que a atividade vinha sendo empreendida. Não impedir que o candidato assumisse seu cargo, mas como estão previstos
obstante essa fosse sua intenção, algumas denúncias feitas na imprensa e mecanismos que impedem, oficialmente, a discriminação ideológica, essa
alguns de seus próprios depoimentos o contradizem, assim como o faz 215
Octávio Costa, 1995:133.
grande parte dos entrevistados que acreditam que uma boa parcela da 216
Embora sejam fàrtas as notícias encontradas na imprensa sobre a atuação da atividade de
estrutura operacional do SNI tenha sobrevivido dentro da SAE. Esse é o inteligência no país, optou-se neste trabalho por selecionar poucos arrigos, apenas para
caso do almirante Mauro César, do general Ivan Mendes e do general comparar os depoimentos com a prática que vem sendo observada nessa área.
217
Octávio Costa, que declarou que o SNI havia sido extinto, mas que con- Tognolli, 1994.
21
x Policarpo Júnior, 1995:30-2.
21
'J A pesquisa sobre a vida pregressa do candidato é uma condição imposta pelo edital e que
214 AKA .. ;n r~c~r PlnrPc.! 1 C)C)R
I

Priscila Carlos Brandão Antunes


SNI & Abin

supervisão congressual precisa se ater a duas questões básicas: o controle


alternativa foi descartada. A solução encontrada, segundo a reportagem,
foi repassar apenas missões de "segunda classe" para o agente- seja o que
da atuação das agências, que têm como condição de eficácia o segredo e a
220 ~landestinidade, e o controle orçamentário, pois trata-se de uma ativida-
isso signifique- e monitorar sua vida.
Desse artigo a impressão que fica é a de permanência de práticas pou- de altamente especializada, com pesados requisitos tecnológicos que
co claras dentro do órgão de inteligência civil. Como diz a própria repor- recolocam na agenda a tensão entre tecnocracia e governo representativo.
tagem, "o araponga queria mostrar que, ao contrário do que se faz crer, a Uma boa análise sobre a atuação do Legislativo brasileiro na área de
bisbilhotagem na vida de supostos adversários do governo ainda é rotina inteligência foi elaborada por Antônio Emílio Bittencourt em seu livro
O Poder Legislativo e os serviços secretos no Brasil (196411990). 222
na Subsecretaria de Inteligêncià'.
Como já foi dito, a partir do desmantelamento do SNI, a inteligência Bittencourt enfatiza a responsabilidade do Poder Legislativo na defi-
civil, além de ter sido desestruturada e esvaziada em suas funções, ficou nição não só do mandato e dos poderes de busca dos serviços secretos,
relegada a um segundo plano dentro da estrutura da SAE, o que permitiu mas também dos artifícios que permitem mantê-los sob efetiva fiscaliza-
a seus agentes continuarem a amar sem muita regulação. A criação da ção, "à luz da noção de equilíbrio entre os poderes que fundamentam as
Abin em janeiro de 1995, através de uma medida provisória (MP n 813),
2
democracias". 223 Discutindo a compatibilização entre a atividade desses
provocou ainda um problema político para o governo junto ao Congres- serviços e a nascente democracia brasileira, aborda os mecanismos de con-
so. Muitos parlamentares entendiam que para a criação de uma agência trole existentes, os limites e as possibilidades desses controles e o interesse
de inteligência dentro de um Estado Democrático era preciso que ela do Congresso Nacional no estabelecimento de tais mecanismos. O autor
221
fosse previamente discutida e aprovada pelo Poder Legislativo. Dessa destaca, veementemente, a falta de interesse do Poder Legislativo em esta-
forma, o Poder Executivo se prontificou a discutir, elaborar e regulamen- belecer tais mecanismos, observada em dois momentos distintos: no pro-
tar a nova agência juntamente com o Congresso. O projeto de criação da cesso de criação do SNI em 1964 e durante a elaboração da Constituição
Abin propunha regulamentações para a atividade de inteligência e alguns Federal de 1988. Bittencourt dá atenção especial a este segundo momen-
mecanismos de controle. Por isso, pode não ser coincidência o fato de as to, visto que, no período imediatamente pós-golpe, a própria capacidade
matérias terem sido divulgadas nesses momentos. Pode ter havido uma decisória do Legislativo era questionável. Dessa forma, sua tese principal
intenção de dificultar o debate congressual sobre o projeto de criação da é de que a atuação do Congresso em relação aos serviços secretos durante
o período de elaboração da nova Constituição se deu de forma extrema-
agência.
A permanência desse tipo de prática, associada às contradições na mente superficial e permitiu que a maioria das estruturas do SNI, emi-
administração da atividade e à sua questionável eficácia no Brasil, dificul- nentemente autoritárias, permanecesse quase intacta durante o processo
ta o debate sobre a atividade de inteligência. de transição política para a democracia.
Bitttencourt denuncia a falta de estudos aprofundados sobre o tema,
estabelecendo, metodologicamente, um estudo comparativo entre o con-
O debate congressual trole exercido pelo Congresso no Canadá e nos Estados Unidos e o que
foi exercido no Brasil até o final da década de 1980. O autor destaca
A participação do Poder Legislativo na elaboração e no controle da nesses países a existência de sistemas complexos e bem articulados que
atividade de inteligência é um aspecto crucial para a aprovação e para a têm por base comissões com a responsabilidade permanente ou periódica
legitimação dos investimentos que são feitos na área de inteligência. A 222
O que o auror define em seu rrabalho como serviços secreros é o que se define, nesre
trabalho, como arividade de inteligência. Ver Birrcncourt, 1992.
22
220 Policarpo Júnior, 1995:30-2. ~ Birrencourr, 1992:9.
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes r
I

de acompanhar a atividade das agências de inteligência e traça um perfil mos mais rígidos de supervisão da atividade. 226 Foram criados comitês
positivo do equilíbrio alcançado por esse mecanismo. De forma compa- que passaram a cobrar relatórios semestrais das atividades desenvolvidas
rativa, afirma Bittencourt, "há no Legislativo brasileiro uma enorme alie- e, nos anos 1980, houve uma complexa transformação na área de supervi-
nação diante dos serviços secretos" .224 Não teria havido aqui interesse do são, na qual os comitês passaram a exigir dados sobre determinadas ope-
Poder Legislativo em controlar os serviços secretos, nem se estabeleceu rações antes mesmo de elas serem realizadas. As mudanças propostas en-
qualquer sistema capaz de garantir a fiscalização específica dos serviços de frentaram grande resistência por parte do Poder Executivo, mas acabaram
inteligência. implementadas. Os comitês passaram a ser ''folly and currently informed of
Freqüentemente, cientistas políticos utilizam o modelo de supervisão ali intelligence activities [. ..] including any significant anticipated intelligence
congressual norte-americano como referência para a análise da atividade activity" .227 Atualmente, a regulamentação da supervisão congressual so-
de inteligência. Neste sentido, vale destacar os trabalhos de Pat Holt e bre a atividade de inteligência se encontra no Annual Intelligence Activities
Marco Cepik, que acompanham, entre outras questões, o desenvolvimento Authorization Act, legislação que ainda contém o orçamento da comuni-
do controle estabelecido sobre a atividade de inteligência naquele país. O dade de inteligência em um anexo secreto.
cientista político Marco Cepik, em sua tese de doutorado, vem analisan- Através de procedimentos de segurança especiais, esses comitês de
do a reformulação dos serviços de inteligência nos EUA após o fim da supervisão promovem investigações, audiências temáticas públicas e clas-
Guerra Fria, e Pat Holt aborda a tensa relação entre a democracia e a sificadas, e autorizam orçamentos anuais. Também formulam legislações
225
atividade de inteligência enquanto política pública. específicas, confirmam ou não certas autoridades indicadas pelo presi-
Dos dois trabalhos, pode-se concluir que a complexificação do siste- dente, analisam tratados e recebem produtos de inteligência na qualidade
ma político norte-americano, associada às características da Guerra Fria, de usuários. No Poder Executivo, cada agência possui um inspetor geral
possibilitaram um elevado grau de autonomia dos órgãos de inteligência que, no caso da CIA, é indicado pelo presidente, aprovado pelo Senado e
e segurança do Estado até pelo menos meados dos anos 1970, quando não pode ser demitido pelo diretor da agência. O presidente conta ainda
começaram a ser mais fortemente questionados e controlados. com uma comissão de notáveis para aconselhamento e supervisão sobre
A comunidade de inteligência norte-americana já havia sido criada assuntos de inteligência. Mas, como bem observa Marco Cepik, a relação
sob a supervisão de comitês congressuais, mas que apenas faziam o con- entre o Poder Executivo e os comitês não se desenvolve de forma harmo-
trole orçamentário das agências. Um sistema efetivo de supervisão passou niosa: "existe uma disputa de autoridade entre o Congresso e o Poder
a existir apenas a partir dos escândalos ocorridos em função da Guerra Executivo". 228 Os comitês enfrentam sérias dificuldades devido à forma
Fria, como o caso dos vôos dos U2s, da fracassada tentativa de invasão à fechada com que são conduzidas as operações na área de inteligência.
baía dos Porcos, e o caso Watergate, quando o Congresso norte-america- Em resumo, percebemos que, apesar das dificuldades, se o modelo de
no acusou o Estado de não medir as conseqüências políticas das ações controle norte-americano é atualmente um dos mais bem articulados,
desenvolvidas na área de inteligência. 221
'Outra imporrante discussão a respeito das "responsabilidades" atinentes à atividade de
A dificuldade de se imputar responsabilidades nesses casos e a recusa
inteligência pode ser encontrada em Lustgarren & Ian, 1994. Nesse livro, os autores discu-
dos envolvidos em responder às questões levantadas criou um movimen- tem como o sistema democrático pode resolver a questão da responsabilidade de determina-
to crescente dentro do Congresso, no sentido de se desenvolver mecanis- das ações, que se encontram relacionadas à questão de segurança nacional e de política
externa, que permitem uma esfera de ação autônoma, de ação não responsabilizada, não
imputável para autoridades públicas. Eles debatem mecanismos possíveis de resolução desse
Bittencourt, 1992:164.
224
Holt, 1995; e Cepik, Marco Aurélio. A reforma dos serviços de inteligência nos Estados
225
conflito.
227
Unidos nos anos 90. Tese de doutorado a ser apresentada ao Instituto Universitário de Holt, 1995:224.
22H A---··--~- Q,- r ___ :L
Priscila Carlos Brandão Antunes
SNI & Abin

Havia uma preocupação em direcionar a atividade de inteligência civil


isso se deve principalmente ao processo histórico que a atividade de inte-
para a área externa, para a neutralização das inteligências externas do país
ligência atravessou nestas últimas décadas. A implantação de um sistema
e para a proteção dos conhecimentos sensíveis à inserção econômica e
de controle rígido ocorreu de maneira gradual, como forma de restringir
tecnológica do Brasil na arena internacional.
o Poder Executivo na condução de determinadas ações. A própria atua-
Outra preocupação legítima se refere à supervisão. O projeto definia
ção das agências de inteligência nos Estados Unidos demandou novos
que o Secretário da SAE, provável responsável pela atividade, teria que
tipos de supervisão externa.
encaminhar ao Congresso Nacional semestralmente relatórios sigilosos
Dessa forma, a análise empreendida na segunda e terceira seções des-
sobre suas ações. O Congresso foi definido como o principal responsável
te capítulo trata das mudanças ocorridas no cenário político brasileiro a
pela fiscalização e controle da atividade, que teria a obrigação de garantir
partir dos anos 1990 à luz da atuação dos órgãos de informações/inteli-
e resguardar os preceitos constitucionais. O Poder Executivo esclarecia
gência do país. Houve alterações na atuação e no interesse dos parlamen-
em sua exposição de motivos que essa fiscalização se daria através da cria-
tares, no que diz respeito à área de inteligência, ou o quadro apresentado
ção de uma Comissão Mista Parlamentar, sem, entretanto, definir como
por Bittencourt válido para o período 1964-90 continua o mesmo?
seria constituída.
Os parlamentares dessa comissão receberiam credenciais de seguran-
ça para que pudessem acessar documentos classificados e fariam a fiscali-
Projeto do Poder Executivo - 1990 zação através de exame e pareceres sobre o relatório mensal. A comissão
também participaria, juntamente com o Poder Executivo, da elaboração
O primeiro projeto de lei que procurava regulamentar a atividade de
das dirctrizes e objetivos de inteligência definidos anualnwnte, apreciaria
inteligência enviado ao Congresso após o fim do SNI foi o Projeto de Lei
suas propostas e execução orçamentária, e também poderia requerer es-
n2 1.862, de 1991. Foi elaborado pelo Poder Executivo e dispunha sobre
clarecimentos excepcionais quando considerasse pertinente. A violação
a atividade de inteligência, sua fiscalização e seu controle.
do sigilo das informações foi definida como crime inafiançável e impres-
O projeto atribuía o desenvolvimento da atividade de inteligência à
critível.
Secretaria de Assuntos Estratégicos e a responsabilizava por proporcionar
Entretanto, o projeto abre os mesmos precedentes que foram abertos
conhecimentos especialízados, em nível estratégico, necessários ao exercí-
ao SNI ao regulamentar a SAE, isentando-a de publicizar a estrutura,
cio das atribuições constitucionais relativas à defesa do Estado e das insti-
organização e funcionamento da área relacionada à inteligência. Pelo que
tuições, bem como salvaguardar os interesses do Estado contra as ameaças
dele se compreende, apenas os parlamentares designados teriam autorida-
externas. Segundo o projeto, sua atividade compreenderia a execução de
de para conhecer essas questões.
ações direcionadas para a obtenção de dados e a avaliação de situações
Em sua exposição de motivos, o Executivo fala da importância que a
externas que pudessem implicar ameaças externas, veladas ou dissimula-
atividade de inteligência constitui como acessória na estrutura adminis-
das, e que fossem capazes de dificultar ou impedir a consecução dos inte-
trativa do país, "em particular no tocante às suas relações com o mundo
resses estratégicos do Brasil na cena internacional. Ainda caberia à SAE
exterior", sem no entanto definir essa importância. Destaca sua natureza
identificar, avaliar e neutralizar a espionagem promovida por serviços de
conflitiva e a pertinência de ela ser direcionada para questões externas:
inteligência adversos ou outros organismos estrangeiros, vinculados ou
não a governos, e proteger os conhecimentos científicos e tecnológicos a atividade é desenvolvida em proveito da defesa das instituições nacio-
considerados de interesse nacional. nais, contra, principalmente, a agressão externa, dissimulada e subterrâ-
O projeto apresentado era condizente com as intenções anunciadas nea, nas formas de espionagem, de colocação de obstdculos à proteção dos
o o 1 1 _- r: _____ ..J~ r~11~ ..
SNI & Abin
Priscila Carlos Brandão Antunes

interesses estratégicos na cena internacional e das pressões disfarçadas de Aplaudido por uns e criticado por outros, o Projeto de Lei n!.l 1.862
quaisquer natureza.
recebeu três propostas de complementação antes de ser retirado da pauta
Também é exposta de forma clara a dificuldade da maioria dos países pelo Poder Executivo, para que se fizessem novas modificações.
democráticos em equilibrar a tensão existente entre o controle estatal pre-
sumido na atividade de inteligência e a defesa dos direitos constitucio-
nais. Projeto do Deputado José Dirceu- 1991
O Executivo pressupunha que com este projeto poderia regulamen-
tar a atividade de inteligência, "imprescindível para a condução do país", O Projeto de Lei nº 1.887, de 1991, de autoria do deputado José
e ao mesmo tempo estabelecer os mecanismos necessários de controle Dirceu, do PT de São Paulo, foi o primeiro PL enviado à Câmara dos
sobre a atividade. Entretanto, ao isentar a SAE de divulgar sua estrutura, Depurados para complementar o projeto do Poder Executivo. Em sua
organização e funcionamento, inviabilizava a possibilidade real de con- proposta, o deputado preocupou-se em explicitar as atividades de inteli-
trole sobre a agência. gência e contra-inteligência.
Essa proposta de se direcionar a atividade de inteligência para a área Definiu a atividade de inteligência como a responsável pela reunião
externa foi vista com muitas restrições dentro do corpo diplomático, isso de dados, pelo processamento de informações e pela difusão das informa-
porque o ministro das Relações Exteriores, Francisco Rezek, acreditava ções sobre as capacidades, intenções e atuações dos Estados estrangeiros
que pudessem afetar a segurança de interesses nacionais. Também preen-
que o ltamaraty estava totalmente aparelhado para cumprir essas funções
cheu outra lacuna do projeto do Executivo, ao estabelecer a área de atua-
através do seu departamento de informações, e que haveria condições de
ção da atividade de contra-inteligência. De acordo com ele, essa atividade
suprir o governo com as informações externas que se fizessem necessá-
consisttna
rias.229
Ao contrário dessa perspectiva, a ênfase externa foi muito bem rece- na obtenção de conhecimentos e nas ações desenvolvidas de contra-espio-
bida dentro da academia, como destacou o coronel Geraldo Lesbat nagem, atuação de órgãos de inteligência estrangeiros e contra todas as
Cavagnari Filho, membro do Núcleo de Estudos Estratégicos da Univer- outras atividades atentatórias ao Estado democrdtico de direito e à sobera-
sidade Estadual de Campinas (NEE/Unicamp). O coronel afirmou que nia nacional, promovidos por Estados estrangeiros.
não deveria existir um serviço de inteligência interna e que todo o aparato
E destacou que os programas de segurança pessoal, de instalações, de
deveria estar voltado para o exterior, seguindo os exemplos norte-ameri-
documentos ou de comunicações não fariam parte das atividades relacio-
canos, canadenses e ingleses. Embora confirme a importância desse redi-
nadas à contra-inteligência.
recionamento, o coronel destacou ainda a necessidade de se formar um
O autor definiu a função da inteligência direcionando-a para o cam-
novo quadro profissional, de forma que o trabalho desses analistas no
po externo. Mas assim como o Projeto nQ 1.862 não deixou claro o que
exterior não causasse problemas diplomáticos para o país. O coronel deveria ser entendido por "conhecimentos especializados, em nível estra-
enfatizou a necessidade de se realizar um novo recrutamento para a área, tégico", também não especificou quais os interesses nacionais que pode-
uma vez que boa parte dos analistas lotados no Departamento de Inteli- riam ser afetados. A definição permaneceu vaga. 231
gência atuava no antigo SNI. Para ele, isso significava que a visão em Em relação à fiscalização das atividades, o projeto determinou que o
alguns setores da SAE continuava "autoritária e medíocre". 230 Poder Executivo ficaria responsável pelo âmbito interno e o Congresso
229
Ristow, 1991:10. 231
230
Ibid., p. 11. Assim como o termo "inteligência" vem sendo confundido e aplicado simplesmente
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

exerceria o controle externo. Para tanto, o Poder Executivo deveria esta- minantemente, sobre a fiscalização da atividade de inteligência. O proje-
belecer de forma bem clara e precisa os mandatos e os poderes de busca to não trouxe novidades em relação ao anterior apresentado pelo deputa-
dos órgãos de inteligência e as regras internas preventivas de violações do José Dirceu. Responsabilizava o Congresso Nacional pela fiscalização
criminais que impediriam o uso do sistema contra os cidadãos. Dentro e controle das atividades de inteligência, "com o propósito de assegurar e
das atribuições do Executivo também estavam a promoção de treinamen- resguardar os direitos e as garantias individuais e outros preceitos consti-
tos, e orientação para os novos agentes e uma reeducação dos agentes tucionais", autorizando-lhe a requisitar, ao Poder Executivo, informações
remanescentes do SNI. ou documentos complementares de natureza orçamentária e sigilosa, as-
O projeto propunha que o poder externo exercido pelo Congresso sim que julgasse conveniente. Não fez referência a quaisquer tipos de
Nacional deveria ser realizado pela Comissão de Relações Exteriores e autorização especial que o Congresso Nacional poderia ter para acessar
Defesa Nacional do Senado Federal e pela Comissão de Defesa Nacional documentos de natureza sigilosa, nem definiu como se daria essa fiscali-
da Câmara dos Deputados. Ou seja, além de definir que o controle seria zação (os projetas anteriores definiam que haveria, para isso, uma comis-
exercido por uma comissão mista formada por deputados e senadores, ele são mista). Assim como o projeto do deputado José Dirceu, também não
vinculou a regulamentação da atividade aos dois principais fóruns de de- define a quais tipos de penalidades estariam sujeitos os deputados ou se-
bate sobre defesa e relações externas no Poder Legislativo. nadores que violassem o sigilo dos documentos.
Essa comissão mista teria a função de avaliar o desempenho dos ór- Na exposição de motivos do projeto, constata-se que o interesse maior
gãos de inteligência, e apurar e investigar quaisquer denúncias de ilegali- do deputado era evitar que a atividade de inteligência incorresse nos erros
dade ou suspeição de ilegalidade realizadas envolvendo a agência. Para o do passado. Haddad desejava, com esse projeto, assegurar os mecanismos
desempenho de suas funções, os membros da comissão seriam considera- de fiscalização e controle da atividade a fim de resguardar a sociedade e o
dos possuidores de credenciais de segurança, que os possibilitariam acessar
cidadão das possíveis agressões ao direito à privacidade, plenamente asse-
os documentos de natureza sigilosa. Receberiam um relatório anual sobre gurados no texto constitucional.
as atividades desenvolvidas e também poderiam, a qualquer momento,
requisitar ou ter acesso a documentos classificados, tanto de natureza ope-
racional orçamentária quanto administrativa. Enquanto pessoas
credenciadas, ficariam sujeitas às normas legais e regimentais relativas ao Projeto do Deputado José Fortuna t i - 1992
manuseio dessas informações.
O terceiro projeto apresentado como complemento ao Projeto de Lei
Ainda que não pareça tão diferente, este novo projeto apresentou um
nº 1.862 do Poder Executivo foi o de nº 2.837, de 1992, de autoria do
avanço essencial em relação ao projeto anterior. Exigiu que o Poder Exe-
deputado José Fortunati do PT. Também dispunha, principalmente, so-
cutivo estabelecesse "de forma precisa e clara" os mandatos e os poderes
bre as formas de fiscalização e controle da atividade.
de busca dos órgãos de inteligência e determinou ao Poder Executivo
A definição de inteligência apresentada pelo deputado é mais ampla,
maior transparência na condução da atividade de inteligência.
mas também mais imprecisa. São considerados serviços de inteligência,

aqueles desenvolvidos por organismos estatais, de qualquer nível destina-


Projeto do Deputado Alberto Haddad- 1991 dos a prover o Estado brasileiro de dados que possibilitem ao governo uma
melhor compreensão e conhecimento da realidade nacional e internacio-
O segundo projeto enviado como complemento ao Projeto de Lei nº nal, bem como para a prevenção de delitos tipificados na legislação brasi-
1 Q(.;:') fn; n ,.tp ""'"'"''";" rln rlPn11t-'lrln AlhPrl"n H .,,..Jrl.,rl p ri Í<mnn h::~- nrf'clo- leira, que para tanto exerçam suas funções sigilosamente.
IIIi
Priscila Carlos Brandão Antunes
SNI & Abin

Nesse conceito não ficam explícitos os órgãos componentes do siste- informações tivesse atuado apenas em questões externas, ele também pre-
ma. Ou então, pelo que se depreende do texto, ao definir por serviços de cisaria ser regulamentado e controlado. E apesar de procurar estabelecer
inteligência "todos os organismos estatais de qualquer nível", no limite, o mecanismos como forma de fugir ao estigma da atividade, o projeto atri-
~i
I H.
buiu ao serviço de inteligência a responsabilidade de atuar na prevenção à
autor sugeria que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
por exemplo, poderia ser considerado um serviço de inteligência. Ao afir- criminalidade, o que extrapola a função clássica da inteligência.
mar que seriam considerados "inteligência"- no sentido estrito do ter- Com esse projeto do deputado José Fortunati encerraram-se as emen-
mo inglês intelligence- dados que possibilitem ao governo uma melhor das apresentadas ao projeto de lei no do Executivo. Mas, antes mesmo de
compreensão da realidade nacional e internacional, diluiu a atividade de serem emitidos os pareceres do relator da Comissão de Defesa Nacional
inteligência na idéia mais geral de informações. E ao atribuir aos serviços da Câmara dos Deputados sobre o projeto e as emendas, o Poder Execu-
de inteligência a função de prevenção de delitos tipificados na legislação tivo apresentou outro projeto de lei que regulamentava a atividade. O
brasileira, propôs que esses serviços invadissem as esferas de atuação das Projeto de Lei nº 3.031 retirava a atividade de inteligência das esferas da
polícias civis e militares brasileiras. Secretaria de Assuntos Estratégicos e propunha a criação do Centro Fede-
Em seu are. 22 , que tratava do controle orçamentário dos serviços de ral de Inteligência. 232 O projeto foi o resultado do trabalho conjunto dos
inteligência, atribui a responsabilidade pela fiscalização a uma comissão três ministérios militares e dos ministérios da Justiça, das Minas e Ener-
mista do Congresso Nacional. Os serviços de inteligência seriam obriga- gia, do Trabalho, da Administração e das secretarias de Ciência e Tecnologia
dos a prestar informações sobre todas as operações que desenvolvessem; já e de Assuntos Estratégicos. Esse novo projeto buscava atender ao pedido
as desenvolvidas no exterior necessitariam de uma autorização prévia da feito pelo presidente Fernando Collor para que se reorganizasse a SAE. A
comissão. Caberia à Lei de Diretrizes Orçamentárias definir um rito pró- intenção do presidente era permitir que a SAE concentrasse sua atuação
no planejamento, supervisão e controle dos programas de natureza estra-
prio para a execução orçamentária da atividade.
O projeto estabeleceu um prazo máximo de 30 dias a partir da publi- tégica, retirando-lhe a responsabilidade pela atividade de inteligência.
cação da lei para que o Congresso constituísse sua comissão mista, que, No que diz respeito a essa esfera, o projeto criava o Centro Federal de
em instrumento normativo próprio, estabeleceria os critérios para a utili- Intdigência como uma autarquia vinculada diretamente à Presidência da
zação, circulação, divulgação e guarda dos documentos sigilosos enviados República. Organizacionalmente o CFI incorporaria o Centro de Forma-
ção e Aperfeiçoamento de Recursos Humanos, o Cefarh- antiga Esni, e
à comissão.
No art. (52 do projeto, o autor imputou ao Poder Executivo a função o Departamento de Inteligência. O centro seria formado pela presidên-
de enviar no prazo de 30 dias, contados da publicação da lei, a relação de cia, por um conselho superior, por uma diretoria de inteligência, uma
todos os órgãos "federais" que desenvolvessem atividades de inteligência e diretoria de criptologia, uma de comunicações e informática, uma direto-
informações, juntamente com a abrangência e área de atuação do órgão e ria de formação e aperfeiçoamento de recursos humanos e, finalmente,
os nomes dos respectivos responsáveis. Anteriormente não havia sido es- por uma diretoria de administração. O conselho superior seria integrado
pecificado que os serviços de informações seriam federais; o art. 12 do pelo Ministério da Justiça, pelo chefe do Estado-Maior das Forças Arma-
projeto diz apenas "organismos estatais de qualquer nível". das e pelo secretário da SAE. A ele caberia a responsabilidade de estabele-
Na exposição de motivos, novamente o deputado destacou a necessi- cer as diretrizes de atuação do centro e acompanhar sua execução. Seriam
dade de controle da atividade à luz dos traumas existentes e reforçou a funções do CFI "planejar, coordenar e executar as atividades civis de inte-
importância da existência da atividade para a soberania nacional e até ligência do governo federal; salvaguardar segredos de interesse do Estado;
mesmo "na prevenção à criminalidade". Justificou a pertinência do con-
232
Projeto de Lei n2 3.031-A, de 29 de junho de 1992.
trole em função do passado, sem mencionar que, mesmo se o serviço de
SNI & Abin
Priscila Carlos Brandão Antunes

desenvolver programas e projetos de formação e aperfeiçoamento de re- cretaria de Assuntos Estratégicos. De acordo com ele, as atividades de
cursos humanos na área de inteligência". inteligência e contra-inteligência "destinar-se-ão, exclusivamente, a sub-
Para finalizar, o projeto autorizava o Poder Executivo a remanejar sidiar o presidente da República no processo de tomada de decisões de
créditos "para atender às despesas de instalação e manutenção do Centro interesses do Estado brasileiro". Como usuário exclusivo da atividade de
Federal de lnteligêncià'. O projeto não fez nenhuma referência à forma- inteligência, a Presidência da República, em última instância, era respon-
ção de comissões mistas, à supervisão congressual da atividade e ao con- sabilizada no projeto pelas violações dos direitos e garantias constitucio-
trole orçamentário que não fosse exercido pelo Poder Executivo. nais que pudessem ser exercidos contra os cidadãos e os partidos políti-
Entre as emendas que lhe foram apresentadas, vale destacar as propo- cos. Nesse caso, seria responsabilidade de uma comissão parlamentar mista
sições do deputado Jair Bolsonaro, da Comissão de Ciência, Tecnologia, de inquérito do Congresso Nacional realizar a apuração das possíveis vio-
Comunicação e Informática. Na ementa do autor, ele propôs que em vez lações praticadas pela agência.
de se criar o Centro Federal de Inteligência, deveria ser criada a Secretaria Outra alteração apresentada no projeto é o §2º do art. 12 , que deter-
de Inteligência e Assuntos Estratégicos. A nova secretaria ficaria responsá- minava a criação de um órgão central. Esse órgão, além de ser o responsá-
vel pela consecução das duas políticas, e a atividade de inteligência ficaria vel pelo estabelecimento das diretrizes para a condução da atividade de
no mesmo patamar estabelecido para a área de estratégia dentro da SAE. inteligência e das normas relativas à proteção de segredos de interesse do
Os conturbados acontecimentos políticos do ano de 1992 fizeram Estado, também coordenaria a execução das atividades de inteligência
com que o Poder Executivo retirasse o projeto da pauta política antes dos órgãos civis e militares.
mesmo que o relator apresentasse seu parecer. Com a saída do presidente Entretanto, destacamos que um único órgão para coordenar a execu-
Fernando Collor, o vice-presidente Itamar Franco assumiu a direção do ção da atividade de inteligência nas esferas militares e civis seria pratica-
país e deu nova organização à estrutura da Presidência da República. mente inviável, à luz das experiências existentes, pois o objetivo da ativi-
Reformulou a SAE, elevou seu secretário à categoria de ministro e criou dade de inteligência da área militar é muito diferente do da área civil. A
dentro de seus quadros a Subsecretaria de lnteligência. 233 Ficaram subor- atividade na área militar está direcionada, principalmente, para proble-
dinados à SSI o Departamento de Inteligência e o Cefarh, que passaram a mas relacionados à sua força, controle de fronteiras, desenvolvimento
integrar a segunda linha organizacional da SAE. O chefe da subsecretaria armamentista, organização das Forças Armadas de outros países, técnicas
continuou sem acesso direto à Presidência da República. Para fins de re- de combate, de comunicação etc. Além do mais, essa função criaria um
gulamentação, o então ministro Mário César Flores apresentou sua estru- problema de hierarquia, pois em 1993 não havia ainda Ministério da
tura regimental, publicada através do Decreto n2 782, de 25 de março de Defesa e cada força armada mantinha o seu status de ministério.
1993. Sempre houve no Brasil dificuldades para estabelecer um trabalho
integrado entre as Forças Armadas, como bem alertam Eugênio Diniz e
Foi também em 1993 que o deputado José Dirceu apresentou um
Domício Proença, do Grupo de Estudos Estratégicos da UFRJ. Antes da
novo projeto de regulamentação para a área de inteligência; o Projeto de
criação do Ministério da Defesa, nem mesmo o Emfa, que deveria ser o
Lei n2 4.349 buscava aperfeiçoar algumas questões referentes ao de n2
órgão responsável por integrá-los, conseguiu desempenhar o seu papel de
1.887 que apresentara anteriormente. Este foi o último projeto apresen-
"coordenação, integração, homogeneização e planejamento conjunto das
tado antes da criação da Abin em 1995. forças singulares". 234
O Projeto de Lei n2 4.349 definiu o presidente da República como o
Mas apesar de apresentar alguns problemas em relação ao modo ope-
cliente exclusivo da agência de informações, que ficaria a cargo da Se-
racional da atividade, constatam-se avanços teóricos em relação ao proje-
--------------------------- - -··------- ·-- --·---- ·------ ---
233 Lei n2 8.490, de 19 de novembro de 1992. l.H Proença & Diniz, 1998.
~
Priscila Carlos Brandão Antunes
SNI & Abin

que impliquem ameaças capazes de dificultar ou impedir a conceituação


to apresentado pelo deputado em 1991. José Dirceu apresentou uma jus- dos interesses estratégicos do Brasil no cendrio internacional. As ameaças
tificativa bem elaborada, na qual ficou nítido seu grau de envolvimento externas quase sempre veladas ou dissimuladas podem ser promovidas por
com os estudos relacionados ao tema: a percepção de que o maior proble- organismos estrangeiros ligados ou não a governos e até mesmo por pessoas,
ma da atividade de inteligência, que é válido para todos os países demo- grupos ou instituições independentes.m
cráticos, é a tensão entre as razões do Estado versus os direitos civis, tensão
essa que vai muito mais além do trauma estabelecido durante o regime O relator aceita o art. 22 , no qual o deputado define a atividade de
militar, e de que a atividade de inteligência é apenas uma política auxiliar contra-inteligência, embora dispense seu parágrafo único, que exclui das
e subsidiária à defesa dos próprios interesses do Estado democrático. competências da contra-inteligência a responsabilidade pelos programas
O deputado Marcelo Barbieri foi designado o relator responsável pela de segurança pessoal, de instalações e comunicações. Com pertinência, o
análise desses projetos, e embora o projeto inicial estivesse com a sua relator entende ser indispensável para a atividade de contra-inteligência
tramitação suspensa e todos os outros projetos apresentados fossem com- "a adoção de medidas de salvaguarda ou de proteção de segredos do inte-
plementares a ele, o relator optou por emitir suas opiniões sobre o segun- resse do Estado". Ainda que contra-inteligência seja um aspecto da ativi-
do projeto apresentado pelo deputado, diante da inegável importância do dade de inteligência direcionado a adquirir conhecimento das capacida-
assunto para o Estado. 235 Segundo Barbieri: des e intenções dos serviços de inteligência adversários, ela também
pressupõe um esforço de neutralização ou destruição da atividade de es-
No mundo moderno a produção de conhecimentos pelos organismos de pionagem adversária. Para tanto, requer sofisticados programas de prote-
inteligência se afirma como uma necessidade insofismdvel sendo conside- ção e segurança.
rada uma atividade tfpica de Estado e instrumento indispensdvel de asses- O art. 32 , que responsabiliza o Poder Executivo pela execução das
236
soria na estrutura administrativa de um país. atividades de inteligência e contra-inteligência, é aceito e acrescido de
Mais do que afirmar a necessidade da existência da atividade de inte- algumas observações. No § 12 , no qual o deputado escreve sobre as "ativi-
ligência através da repetida justificativa de que "todos os países democrá- dades de inteligência e contra-inteligência no âmbito do Poder Executi-
ticos têm", o relator procura destacar a expressão do país e de suas poten- vo", o relator destaca a impressão passada no artigo sobre a existência da
cialidades junto à comunidade internacional. atividade de inteligência fora das esferas do Poder Executivo, o que não
Outra observação importante do relator diz respeito ao envolvimen- procede. Em relação ao §22 , que confere exclusividade ao presidente como
to do parlamentar no estudo da atividade. Ele destaca o significativo pro- usuário da atividade, ele também concorda que não atende às necessida-
gresso que houve em relação ao anterior, mas também constata a des do processo decisório, o que, segundo a leitura do relator, também
obsolescência em relação aos conceitos e ao exercício desejável e sistemá- impediria "o intercâmbio de conhecimento entre os órgãos brasileiros e
os demais países amigos". Esse fato r limitaria as possibilidades do serviço
tico da atividade.
Em relação ao art. 12 , no qual o deputado define a atividade, o relator de inteligência no país.
o aceita, embora busque redefinir a inteligência através de um conceito Em relação ao §2º desse art. 32 , que apresenta a proposta de criação
de um "sistema de inteligência e contra-inteligência", formado por um
melhor estruturado.
órgão central de coordenação para as áreas civis e militares, o relator, ao
Compreende a execução de ações direcionadas para a obtenção de dados contrário do que foi considerado anteriormente, achou a proposta proce-
e/ou conhecimentos e produção de avaliações sobre intenções e situações dente, além de entendê-la como "uma importante evolução na organiza-

235 O projeto teve sua tramitação suspensa a pedido do próprio Poder Executivo. 237
Parecer emitido na sala de Comissão da Câmara dos Deputados em 24 de março do 1994.
236 Parecer emitido na sala de Comissão da Câmara dos Deputados em 24 de março de 1994.
1
SNI & Abin
Priscila Carlos Brandão Antunes

ção dos órgãos de inteligência''. Mas mesmo que possa ser pertinente a
do de justificar a pertinência da participação do Legislativo no processo
elaboração de um órgão central como coordenador da atividade, pensa- de supervisão:
mos que isso não se aplica para os órgãos civis e militares concomitante-
mente, visto serem eles órgãos cujos fins não são similares, ainda que nas democracias, o Poder Legislativo fiscaliza e contribui para que a ativi-
semelhantes. Isso sem fazer referência ao problema estrutural que o relator dade seja exercida em beneficio do Estado e interesse da sociedade. É, pois,
reconhece, de que não cabe ao Poder Legislativo dispor sobre a organiza- fundamental a participação cooperativa dos poderes da União na condu-
ção administrativa da União. ção das questões da inteligência do Estado brasileiro. A própria dinâmica
Em relação aos incisos apresentados nesse artigo, que dispõem sobre da tttividade e a variedade de órgãos envolvidos requerem disposição ver-
as funções do órgão coordenador, o relator sugere sua inserção em uma sdtil do Congresso Nacional na fiscalização, sem parâmetros e limitações.
comissão federal de inteligência a ser criada ou até mesmo no próprio Ao compartilhar responsabilidade, esta proposição espelha o alto grau de
amadurecimento que deve nortear o trato de questões relevantes ao Estado
Conselho de Defesa Nacional, a quem caberia "a formulação de uma po-
brasileiro pelos poderes da União. 238
lítica nacional de inteligência e contra-inteligência, sua fiscalização e con-
trole". Ao atribuir a fiscalização da atividade de inteligência ao Poder Legis-
O §3º desse artigo não é aceito pelo relator pelo simples fato de ser lativo e credenciá-lo ao acesso de informações consideradas sensíveis para
redundante. Afirma que as violações dos direitos e garantias constitucio- o próprio Estado democrático brasileiro em função de suas atribuições, os
nais dos indivíduos e dos partidos políticos constituem atos pelos quais parlamentares ficariam sujeitos às normas legais e regimentais relativas ao
responde o presidente da República nos termos do art. 85, da Constitui- trato dos conhecimentos sigilosos e, acrescentou o relator, essas responsa-
ção Federal. bilidades não se encerrariam com o desligamento da comissão, sua extinção,
O §4º também foi considerado desnecessário pelo relator. Isso por- nem tampouco com a perda do mandato parlamentar.
que atribui a uma comissão parlamentar mista de inquérito do Congresso Em seu julgamento final, o relator deu parecer positivo ao projeto
Nacional a apuração das possíveis violações, mas comissões mistas de in- apresentado pelo deputado José Dirceu, com a condição de que fossem
quérito já seguem um dispositivo constitucional próprio, conforme o §3º feitas as alterações por ele sugeridas. Entretanto, ao que tudo indica, a
do art. 58 da Constituição Federal. tramitação do projeto foi suspensa, ou não houve tempo de ele ser votado
Sobre o art. 4º, que fala da fiscalização interna e externa da atividade, antes que o Poder Executivo criasse a Abin em janeiro de 1995. Foi ape-
além de considerá-lo pertinente, o relator ainda sugere a criação de um nas no seminário de inteligência ocorrido em maio de 1994 que o relator
colegiado do Conselho de Defesa Nacional ou de uma comissão federal teve a oportunidade de apresentar o seu parecer e abrir a discussão à socie-
de inteligência, instituída como órgão complementar daquele conselho. dade civil.
O § 1ºdesse artigo dispõe sobre as responsabilidades do Executivo em Do envio de três projetas regulamentadores da atividade de inteli-
estabelecer, de forma clara e precisa, os mandatos e poderes dos órgãos de gência por parte do Poder Legislativo, de toda essa descrição burocrática e
inteligência, suas regras internas preventivas e a promoção de treinamen- das discussões estabelecidas, podemos perceber que, ainda que de forma
to periódico e readaptação dos agentes de inteligência. Mas, de acordo muito lenta, os parlamentares procuram mudar o quadro de desinteresse
com ele, estas seriam "matérias mais apropriadas para diretrizes internas apresentado por Antônio Bittencourt. O seminário de inteligência reali-
orientadoras da atividade". zado em meados de 1994 vem corroborar essa percepção.
Nos §§3º e 4º desse artigo, que dispõem sobre a fiscalização pelo 238

Poder Legislativo, ele corrobora as questões e os complementa, no senti- Parecer emitido na sala de Comissão da Câmara dos Deputados, em 24 de março de
1994.
1
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

III função inserir-se, descaracterizadamente, dentro de movimentos legal-


O Seminário de Inteligência de 1994 mente organizados. O professor acredita que o serviço de inteligência
dentro do Estado teria a função de agir tanto no âmbito externo, quanto
Entre os dias 18 e 26 de maio de 1994 realizou-se, nas dependências neste tipo de acompanhamento interno. Ele defende a inserção de agen-
da Câmara dos Deputados, o primeiro seminário sobre a atividade de tes do Estado em reuniões de cidadãos brasileiros e o faz na convicção de
inteligência, intitulado "As Atividades de Inteligência em um Estado De- que determinados grupos podem se propor a formar grupos paramilitares
mocrático - Atualidades e Perspectivas". O seminário foi uma iniciativa e ameaçar a integridade do território nacional com movimentos separa-
da Comissão de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e contou tistas. Mas, ao atribuir à atividade de inteligência uma função que é poli-
com a participação de representantes do Poder Executivo, de parlamenta- cial, corre-se o risco da repetição do passado que a memória do país vem
res, de representantes diplomáticos de vários países, bem como com a lutando para superar. O professor, atento a isso, defende a necessidade de
participação de professores das universidades brasileiras. O seminário foi se pensar a atividade "sem paixão", analisando-a como um órgão de defe-
aberto ao público em geral. sa do Estado democrático. 239
O primeiro painel apresentado no seminário tinha como objetivo Outra discussão estabelecida por Oliveiros diz respeito à ética dentro
fazer uma discussão conceituai sobre a atividade de inteligência e abordar da função de analista de inteligência, uma questão agravada após a extinção
os seus aspectos de legitimidade e legalidade. Contou com a participação do SNI, quando se criou um vácuo ocupado, aleatoriamente, por quem
do professor e jornalista Oliveiros da Silva Ferreira, do cronista político estava organizado. Aborda também a dificuldade de se controlar a ativi-
Márcio Moreira Alves e do também professor e jornalista Luiz Alberto dade de forma antecipada e defende o estabelecimento do plano de car-
Ferreira Bahia. reira para a função de analista como forma de incentivar o agente a per-
A primeira palestra apresentada foi a de Oliveiros Ferreira. Entre as manecer em suas funções dentro do Estado após sua especialização.
principais questões apresentadas, destacamos a indistinção que fez entre A meu ver, é legítima a preocupação do professor em criar mecanis-
inteligência civil e militar. Em sua compreensão, trata-se de atividades mos que contenham esses funcionários altamente especializados no qua-
similares. dro funcional do Estado. Entretanto, parece problemática a visão do au-
O expositor falou da dificuldade de se pensar a atividade de inteligên- tor de que os mecanismos de controle dos agentes sejam estabelecidos a
cia como um órgão subsidiário apenas do governo, uma vez que no siste- posteriori.
ma político presidencialista brasileiro a linha de separação entre chefe de Por fim, Oliveiros Ferreira atribui ao Poder Executivo a elaboração
Estado e chefe de governo é muito tênue, mas firmou a necessidade da das diretrizes da atividade e considera que o presidente deveria ser o prin-
atividade de inteligência como setor responsável pela proteção da integri- cipal cliente do serviço de inteligência, mas não o único, pois isso limita-
dade territorial do país. Para isso, Oliveiros defendeu a necessidade de se ria sua capacidade de auxiliar o processo decisório.
fixar, com precisão, qual seria o novo universo antagônico a ser considera- O segundo palestrante a se apresentar no dia 18 de maio foi o jorna-
do pelo Estado, de forma que a atividade não invadisse as esferas que não lista Márcio Moreira Alves. Em sua palestra destacou a pertinência da
lhe são pertinentes. atividade de inteligência, em face da inserção do país no cenário interna-
Entretanto, dentro da tarefa de defesa da integridade do país, atri- cional e por tratar-se o Brasil de um alvo de espionagem tecnológica,
buiu à atividade de inteligência uma função policial. Partindo da premis- biológica e econômica. Mas reafirma, como todos os outros, a necessida-
sa básica de que essa atividade refere-se a certos tipos de informações rela- de de esta atividade trabalhar a favor da sociedade e não contra ela: "seria
cionadas à segurança do Estado e às atividades desempenhadas no sentido
239
de obtê-las ou impedir que os outros países as obtenham, não seria sua Palestra proferida na Câmara dos Deputados, em 18 de maio de 1994.
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SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

bom que existisse um serviço de informações que, pelo menos, fosse pro- atividade de inteligência apenas se legitima "na proporção em que sabe
tetor" .240 distinguir ações permanentes de Estado das ações transitórias do gover-
Na área de espionagem tecnológica, o jornalista alerta para uma ques- no". Para ele, o mecanismo mais eficaz para evitar que essas barreiras se
tão que até então não havia sido explicitamente abordada nas outras dis- entrecruzem é o estabelecimento de um controle congressual. O Con-
cussões: o papel do Estado na área tecnológica, no acesso a conhecimen- gresso seria o responsável pelo estabelecimento dos limites de atuação, de
tos especializados e na proteção de sua própria capacidade tecnológica. suas autorizações e de sua dotação orçamentária. Para tanto, haveria a
Questiona qual seria a função do Estado nessa área, quais interesses cabe- necessidade de um maior envolvimento de sua parte, que ainda não sabia
ria a ele defender e a quem seria legítimo repassar as informações a que como utilizar e controlar a atividade de forma efetiva. De acordo com o
tivesse acesso. Se à indústria nacional, por exemplo, como seria estabele- jornalista, o primeiro passo nesse sentido seria dado através de uma revi-
cido o repasse dessas informações, uma vez que o repasse a uma indústria são constitucional.
específica se faria em detrimento de outras. Márcio Alves também ques- Essa primeira rodada de discussões contou com a intervenção de dois
tionou a legitimidade do Estado em utilizar recursos públicos na obten- deputados. O deputado Marcelo Barbieri alertou para a necessidade ur-
ção desses tipos de informações. gente de regulamentar e legitimizar a atividade; destacou a falta de prepa-
Abordou ainda questões relacionadas à clientela da atividade, na qual ro parlamentar no trato de assuntos de natureza sigilosa, e o problema de
se insere a Presidência da República, e àqueles que têm a necessidade de recrutamento de agentes, que inclui um plano de carreira e qualificação.
saber, "need to know" nas palavras do palestrante, embora não tenha espe- A segunda ocorreu por parte do depurado João Fernandes, que corrobo-
cificado quais seriam essas autoridades competentes. rou as questões levantadas pelo deputado Barbieri. Destacou sua preocu-
O autor se amparou no modelo norte-americano para defender a pação com o subemprego enfrentado por alguns ex-agentes do SNI que
posição de que o Brasil deveria ter uma atividade de inteligência direcionada continuaram como servidores do Estado (1994). O deputado também
a questões internas e outra direcionada a questões externas, e citou os chamou a atenção para a necessidade de se superar o preconceito em rela-
exemplos da CIA e do FBI: "A CIA, o serviço de informações clássico, ção à atividade de inteligência. De acordo com ele, seria necessário criar
voltado para o exterior, e o FBI, para crimes e atividades internas". "um eufemismo qualquer" para nomear a atividade, já que uma vez que
Por fim, destacou a lacuna existente no país dentro da área de inteli- se fala em serviço de informações no Brasil "todo mundo se arrepia".
gência externa, tanto no setor diplomático quanto no militar. Para ele, O segundo painel teve a função de conhecer os mecanismos de con-
essas áreas são extremamente limitadas, principalmente, em função das trole da atividade de inteligência em outros países. Para esse debate, o
dificuldades lingüísticas. painel contou com a participação de representantes dos Estados Unidos,
O terceiro palestrante do dia 18 foi o também jornalista LuizAlberto da França e da Alemanha.
Ferreira Bahia, cuja principal preocupação girou em torno da legitimida- John Michael Waller, do Conselho Americano de Política Externa,
de da "ação invisível" da inteligência. Ele alertou para a necessidade de se foi o representante dos Estados Unidos. Ponderou sobre a atividade de
atribuir a devida transparência à atividade, com o objetivo de compatibilizá- inteligência, estritamente como um serviço de defesa das instituições de-
la com o sistema democrático, excluindo de sua esfera de ação o poder de mocráticas. Entre os principais pontos, Waller falou da relação freqüente
concluir sobre quaisquer decisões a serem tomadas. existente entre o chefe da CIA e o presidente da República, uma relação
Assim como Oliveiras Ferreira, Luiz Alberto Bahia também se preo- que implica uma prestação de contas diária. Abordou a atuação da CIA
cupou em estabelecer distinções entre Estado e governo, uma vez que a no país, e o fato de ela estar rigorosamente proibida de fazer espionagem
doméstica de seus cidadãos, assim como de manter arquivo sobre eles; a
240
Palestra realizada na Câmara dos Deputados, em 18 de maio de 1994. atuação do FBI, a quem só é permitido fazer grampos dentro do país
,.,
SNI & Abin
Priscila Carlos Brandão Antunes

através de autorizações judiciárias, e a relação positiva que acabou sendo necessário controle parlamentar público. O que, de acordo com sua opi-
criada entre os comitês permanentes de fiscalização e controle e as agên- nião, é realizado na Alemanha de forma extremamente competente.
cias de inteligência. De acordo com Waller, ainda que em um primeiro Esses debates tiveram continuidade no dia seguinte, e o primeiro pai-
momento esta relação tenha sido estabelecida de maneira intensamente nel intitulado "Serviços de Inteligência no Brasil, Concepções de Atua-
conflituosa, e que ainda não seja uma relação completamente harmonio- ções e Perspectivas" abordava algumas concepções sobre a atividade no
sa, é justamente a atuação dos comitês no Congresso que tem assegurado Brasil. Contou com a participação do general Manoel Augusto Teixeira,
a existência e o grande repasse de verbas do Estado para a atividade. "É do professor da Universidade Federal de Pernambuco, Jorge Zaverucha, e
interessante perceber que, quanto mais controle ou supervisão o Con- do coronel Geraldo Lesbat Cavagnari Filho, membro do Núcleo de Estu-
gresso tem tido sobre a CIA e o FBI, mais dinheiro lhes tem destinado, dos Estratégicos da Universidade de Campinas.
porque desenvolveram uma confiança neste serviço que antes não tinham." O primeiro a se apresentar foi o general Manoel Teixeira, abordando
O representante seguinte a se apresentar foi o francês Jean Louis a importância da atividade de inteligência e a necessidade de se percebê-la
Milhou, que abordou a criação da atividade na França ainda durante o como essencial para a segurança do Estado. O general participou de algu-
reinado de Luiz XV, através do Cabinet Noir, e depois destacou a "vergo- mas reorganizações ocorridas dentro do SNI ainda durante o governo
nhosà' atuação francesa na Guerra do Golfo, que acarretou uma drástica Geisel e, a partir de sua experiência, destacou a necessidade de se estabe-
revisão na área de inteligência daquele país. De acordo com Milhou, a lecer um "acompanhamento psicológico" para os agentes da área. Este
França possui um plano nacional de inteligência, que é elaborado pelo acompanhamento teria a função de cultuar os valores éticos necessários
Poder Executivo, o principal responsável pelo controle da atividade. Não ao perfeito desenvolvimento da atividade, uma vez que ela mesma produz
havia na França, até 1994, uma estrutura definitiva de controle parla- vícios que inabilitam um agente para o trabalho.
mentar sobre a atividade, existia apenas uma comissão de defesa nacional. O general acredita ser necessária a definição de um projeto nacional
Eckerhar Shober foi o representante da embaixada alemã e falou so- para o país, a ser estabelecido pelo Executivo, com a ajuda de elementos
bre a distinção existente em seu país entre "serviços de informações" de significativos da sociedade em um Plano Anual de Informações (PAI)
um lado, voltado para as questões internas do país, e serviços de informa- aprovado pelo Congresso. Este PAI possibilitaria definir as funções da
ções exteriores, cujas esferas Shober afirmou não se misturarem. O con- atividade e deveria estar voltado para a segurança do Estado e não para a
defesa: "A segurança é muito mais ampla que a defesa".
trole administrativo da atividade é exercido pelo chefe administrativo do
No decorrer de sua explicação o general associou atividade de inteli-
governo federal e o controle externo é exercido por uma comissão de
gência com segurança e segurança com desenvolvimento. Em primeiro
controle parlamentar composta por oito membros eleitos no início de
lugar, trabalhou com um conceito vago para a atividade de inteligência,
cada legislatura. Sua função, fazer com que a observação dos limites legais
definiu-a como o "resultado de um estudo de uma série de informações".
da atividade seja controlável. De acordo com Shober, esta comissão se
Depois atribuiu a um órgão central de inteligência a ser criado a função
reúne secretamente uma vez por mês e suas decisões não têm força legal
de coordenar as informações ligadas ao desenvolvimento, "uma vez que
para o governo alemão que, no entanto, normalmente acata suas deci-
não foi criado, institucionalmente, nenhum outro órgão para realizar essa
sões. A comissão também discute o controle orçamentário da atividade,
coordenação". Na sua concepção, a atividade de inteligência se tornaria
que na Alemanha pode ser considerado objeto de tratamento por parte uma grande empresa de consultaria, ligada ao campo do desenvolvimen-
das comissões parlamentares de inquérito. to científico-tecnológico do país.
Para terminar, Shober falou sobre as funções do controle parlamentar A segunda palestra foi a do professor Jorge Zaverucha. Iniciou sua
que regula a tensa relação existente entre o necessário trabalho secreto e o apresentação estabelecendo uma definição conceituai para a atividade,
~

SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

que provavelmente foi retirada da obra The US. intelligence community, como estabelecer quais os tipos de cooperação que poderiam ou deveriam
de Jeffrey Richelson: "inteligência é produto resultante da coleta, avalia- existir entre eles. De acordo com ele, os militares, como profundos co-
ção, análise, integração e interpretação de todas as informações existen- nhecedores do assunto, poderiam colaborar com a "massa crítica" para a
tes, referentes a um ou mais aspectos de pessoas, países ou organizações elaboração da atividade civil. Inclusive, essa foi uma crítica do professor
estrangeiras ou de várias operações, imediatamente ou potencialmente Zaverucha, direcionada à Comissão de Defesa Nacional, que não incluiu
signficantes para o planejamento". Zaverucha procurou estabelecer a di- entre seus painéis uma discussão específica sobre a atividade militar.
ferença entre informações e inteligência e discorreu sobre duas funções A principal preocupação do professor Zaverucha esd relacionada ao
típicas da atividade: contra-inteligência e ações cobertas. Em sua palestra controle da atividade de inteligência, cuja liberdade usufruída até 1994
definiu contra-inteligência como a inteligência sobre as capacidades e in- permitia que os agentes usassem a atividade em benefício próprio. Ele
tenções dos serviços de inteligência adversários, e que grande parte da reivindicou uma maior atuação parlamentar na área de supervisão da ati-
bibliografia ocidental reconhece como segurança interna ou doméstica: vidade e sugeriu a criação de uma comissão parlamentar responsável pelo
"a contra-inteligência municia a inteligência externa e as forças de segu- seu controle. Essa comissão deveria efetivamente estar capacitada tecnica-
rança na neutralização de ações hostis que ponham em risco a soberania mente para supervisionar a atividade, tanto em relação às questões práti-
do Estado e nas democracias, do Estado democrático de direito" .241 cas operacionais, quanto às questões orçamentárias. De acordo com ele,
O professor também estabeleceu as esferas de atuação da atividade de haveria a necessidade de se criar três staffi distintos, cada um com seus
inteligência externa e interna. A inteligência externa seria a procedente do objetivos específicos: um para tratar de questões orçamentárias, um capaz
exterior, relacionada à segurança externa do país, e a interna se dividiria de detectar os erros ou problemas de programas, e um terceiro para avalizar
em duas áreas de atuação: uma inteligência interna para fins externos, que a eficiência dos programas e das operações. Como complemento, Jorge
teria procedência no país, mas que estaria relacionada com a segurança Zaverucha sugeriu a criação de uma assessoria para a Presidência daRe-
externa, e a inteligência interna para fins internos, que tem procedência pública, integrada por representantes de organizações conceituadas junto
no país, mas estaria relacionada à segurança interna do país. à sociedade civil, como é o caso da OAB, daABI, da CNBB, entre outras.
Em sua apresentação fica latente a preocupação em regulamentar es- Essa comissão teria a função de aconselhamento, ficando seus integrantes
sas esferas de atuação, para as quais sugere a criação de agências diferentes sujeitos a penas legais caso violassem os procedimentos impostos e deixas-
de inteligência, cada uma responsável por atribuições específicas, sejam sem vazar informações classificadas. Este seria um dos caminhos para se
elas políticas, científicas, tecnológicas etc., seguindo a orientação dos legitimar a atuação da atividade de inteligência.
modelos norte-americano e inglês. De acordo com Zaverucha, com as No que diz respeito aos mecanismos de controle internos, Zaverucha
áreas de competência explicitamente definidas, "fica mais viável estabele- destacou a necessidade do controle ex ante dentro da atividade, uma vez
cer a fronteira entre espionagem política dos cidadãos brasileiros e a legí- que o controle ex post deve surgir quando os mecanismos de controle
tima coleta de informações sobre a inteligência externa". O que também prévios falham. Um controle que deveria também ser extensivo às ativi-
estabeleceria um novo ponto norteador para a atividade dos atuais analis- dades de inteligência das Forças Armadas.
tas de inteligência da SAE, que, segundo ele, estariam perdidos quanto às Finalizando, o professor afirma que essas delimitações da área de atua-
suas atribuições. ção e de supervisão interna e externa serviriam como forma de vigiar a
Outro aspecto relevante para o qual chama a atenção é a necessidade atuação do Poder Executivo diante da lei, ao mesmo tempo que atuariam
de se delimitar a atuação da atividade civil e da atividade militar, assim no sentido de fortalecer as bases institucionais do país.
O último palestrante desse painel foi o coronel Geraldo Lesbat
241 n_t _____ --~C--:.L -~ rA~~~~ ,.IA< n ........ t~rlno Pm 1 C) rle m~io <le 1CJCJ4. Cavagnari, que começou sua exposição reafirmando a importância da ati-
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

vidade de inteligência no país e a necessidade do governo e do Congresso mandato legítimo capaz de estabelecer o projeto nacional de inteligência
I •

de se empenharem mais na discussão sobre o tema. De acordo com o necessano.


coronel, há uma displicência do país em relação à área de defesa, que Em sua concepção a atividade de inteligência deveria ser entendida
muitos procuram justificar, recorrendo à situação estável brasileira em como "uma necessidade de segurança que o Estado tem nas relações in-
termos político-estratégicos, sem a presença de inimigos personalizados e ternacionais e, para manter, no âmbito interno, o monopólio da força."
de ameaças explícitas. Entretanto, afirmou o coronel Cavagnari, todo Ela atuaria "em um alto nível na perspectiva do interesse nacional" e seus
Estado tem que ter a possibilidade de guerra como uma constante e pre- principais objetivos seriam as potências que operassem nas áreas de inte-
parar-se para tal. Preparação essa que envolve o conhecimento antecipado resse. Um "interesse nacional" que continuaria sendo uma categoria obri-
"das intenções, das possibilidades, das vulnerabilidades e das linhas de gatória no planejamento político estratégico e na execução da política
ação prováveis das potências consideradas objeto de política nacional". O nacional.
Estado precisa ter a capacidade de defender de forma autônoma seus inte- Vale destacar, em relação a essa definição, que o âmbito interno a que
resses, o que exige a presença de uma atividade de inteligência eficiente. o autor faz referência diz respeito à atividade de outras agências de inteli-
Para o coronel, a extinção do Serviço Nacional de Informações foi um gência dentro do país. Dessa forma, a atividade de inteligência interna
equívoco. Os erros cometidos pelo órgão não justificariam essa decisão: brasileira poderia visar à estabilidade político-institucional quanto à
seriam, na sua visão, motivo para que lhe imputassem profundas neutralização das atividades de inteligência de qualquer país no Brasil.
reformulações. No âmbito externo, a atividade externa visaria obter conhecimentos espe-
O coronel trabalha com uma definição vaga e ampla da atividade, na cíficos em outros países, recorrendo, inclusive, ao uso da espionagem.
qual inteligência "é um processo que produz conhecimentos úteis à deci- Para exercer a atividade interna, Cavagnari sugeriu a reciclagem e o
são" e defende a atividade de espionagem a partir do momento em que equipamento da Polícia Federal, sendo que a atuação externa ficaria sob a
não comprometa a política externa e nem os direitos do cidadão. responsabilidade de uma agência civil a ser criada.
Nas expectativas de Cavagnari, deveria ser criada uma agência central O segundo painel do dia 19 de maio abordou um dos temas mais
que teria a função de coordenar todas as outras agências de inteligência importantes para a legitimação da atividade de inteligência em um país
existentes, inclusive diplomáticas e militares (mais uma vez, incorreu-se democrático: a supervisão congressual. O painel foi intitulado "O Papel
no erro de querer coordenar concomitantemente esferas que são separa- do Legislativo nas Questões de Inteligência" e contou com as palestras
das e atividades que são distintas). Deveria haver uma separação clara dos deputados federais José Genoíno e Marcelo Barbieri.
entre a função de formulação de inteligência e a função de execução polí- O deputado José Genoíno começou sua exposição como a maioria,
tica. O chefe do serviço de inteligência atuaria unicamente como um defendendo a importância da atividade de inteligência dentro do Estado
assessor da presidência, sem que jamais pudesse fazer parte de qualquer democrático e destacando a tensa relação entre a atividade de inteligência
conselho que tivesse atribuições políticas. e a observância dos direitos civis. Ele afirmou a necessidade de se discutir
Para evitar essa inserção de atividades que não lhe são cabíveis, os o futuro, sempre tendo em vista as experiências do passado. Para o depu-
controles interno e externo da atividade seriam essenciais. Internamente, tado, o balizamento essencial da atividade se encontra no título I da Cons-
o coronel sugeriu um controle técnico exercido por um conselho tituição Federal, que se resume a dois pontos: a autodefesa do Estado
deliberativo integrado por usuários do próprio Poder Executivo, cuja prin- democrático e a relação de soberania nacional desse Estado com os de-
cipal função seria a de estabelecer as diretrizes de todo o sistema. A parti- mais Estados. De acordo com a perspectiva do deputado, a atividade de
cipação do Congresso se daria na aprovação e fiscalização do orçamento e inteligência seria um órgão subsidiário dentro do Estado, que o permiti-
..J __ -~: .. :,.1~,.1°~ ,.lo ;nrPJ;n-~nri'l 'PO"llnrln r.~v:w·n~ri. ele Seria 0 único COm ria tomar importantes decisões com uma margem de erro cada vez menor.
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

O deputado abordou uma questão essencial dentro desse debate, atividade com os parâmetros e cuidados necessários que a atividade re:-
muitas vezes relegada por outras pessoas, devido ao seu teor explosivo: quer e de atribuir-lhe um caráter permanente.
com muita cautela, o deputado afirmou a impossibilidade de uma ativi- Um último ponto a ser considerado na palestra do deputado José
dade de inteligência assegurar sua eficácia, agindo de forma totalmente Genoíno diz respeito aos agentes para a área de inteligência. Ele propõe
transparente. Mas destacou que é possível dar transparência a seus que os novos integrantes da agência passem por um rigoroso processo de
parâmetros mais importantes, de forma a garantir suas funções constitu- recrutamento e que haja a regulamentação da carreira de agente como
cionais e democráticas. Daí se justifica a necessidade do estabelecimento forma de assegurar a presença do agente especializado dentro da esfera
de um rigoroso controle sobre a atividade de inteligência. estatal. Atesta a necessidade de se criar uma carreira valorativa para o
José Genoíno propôs que o Congresso Nacional fosse o responsável analista de inteligência.
pela criação de uma agência de inteligência e pelo estabelecimento de seu A palestra do deputado Marcelo Barbieri destacou a necessidade de se
funcionamento. Caberia a ele elaborar seus objetivos e suas normas. O regulamentar a atividade que se encontrava em situação irregular e apre-
deputado destacou a lacuna existente dentro da Constituição Federal que sentou a análise do projeto do deputado José Dirceu.
não atribuiu a ninguém a responsabilidade pela elaboração de uma políti- Barbieri definiu a atividade de inteligência como uma função típica
ca de inteligência. Na ausência de legislação pertinente, sugeriu o Con- de Estado, como um instrumento indispensável de assessoria na estrutura
gresso como principal responsável tanto pela criação da nova agência quan- administrativa do país e enfatizou a orientação da atividade na defesa dos
to pelo controle de sua atividade. Essa seria uma forma de legitimar a interesses estratégicos brasileiros no cenário externo, tendo em vista a
atividade junto à sociedade civil. importante posição do país na comunidade internacional.
De acordo com a proposta apresentada pelo deputado, entre os me- Durante seu discurso ainda ressaltou a preocupação do projeto do
canismos de controle a serem exercidos pelo Congresso, caberia a ele a deputado José Dirceu em incutir no ordenamento jurídico brasileiro os
responsabilidade pela aprovação do diretor da agência, pelo estabeleci- conceitos básicos norteadores da atividade de inteligência e em estabele-
mento de uma relação direta com ela, no sentido de receber relatórios cer os limites de atuação e regras para seu efetivo controle e fiscalização.
periódicos e também pela aprovação anual de sua dotação orçamentária. Também discordou do conceito de José Dirceu, que atribui à atividade de
A agência deveria ser subordinada diretamente à Presidência e não deveria inteligência a função de defesa externa. Para Barbieri existe uma função
se dar de forma sistêmica, assim como não teria um caráter operativo e típica de inteligência que deve estar direcionada a questões internas, e
não poderia executar decisões. acredita que a lei poderia ser um pouco mais ampla do que aquela defini-
O deputado diferenciou a atividade de inteligência civil da atividade da por José Dirceu.
militar, enfatizando o direcionamento militar para as responsabilidades Ao final da exposição do deputado Marcelo Barbieri, o deputado fe-
do uso da força e da atividade civil para as questões de natureza interna e deral Aldir Cabral reafirmou a necessidade de o Congresso ingressar d<.:
externa, políticas e econômicas. forma efetiva nos debates sobre Defesa Nacional e assinalou o caráter
Genoíno demonstrou ter como uma de suas preocupações principais relegado que a própria Comissão de Defesa Nacional tem dentro da Câ-
a ausência de mecanismos constitucionais reguladores da área de defesa mara dos Deputados.
nacional, que, segundo ele, possibilitariam definir o escopo e o raio de As duas últimas conferências realizadas no dia 25 de maio de 1994
ação da atividade de inteligência. 242 Insiste na necessidade de se cercear a dizem respeito à perspectiva do Ministério da Justiça e do Ministério das
Relações Exteriores em relação à atividade de inteligência.
242 Em 1994 ainda não havia sido elaborada a atual "política de defesa nacional", o que, nos
A primeira conferência- ''As Atividades de Inteligência Civil para o
dias de hoje, também não possibilitaria uma definição eficaz da esfera de atuação da atividade
de inreli~>ência_
Brasil: a Perspectiva do Ministério da Justiçá'- contou com a participa-
~
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

ção do coronel Euro Barbosa de Barros como representante desse minis- geiros e, no campo interno, teria a função de desenvolver ações que visas-
tério. E foi nessa função que ele apresentou a proposta de criação de uma sem, exclusivamente, identificar as possíveis áreas de antagonismos que
comunidade de "informações", organizada de forma sistêmica e supervi- pudessem comprometer a política do governo e o bem-estar da população.
sionada por um conselho superior, cujo dirigente seria o próprio ministro A última conferência realizada no dia 25 de maio estava relaçionada
da Justiça. O conselho teria a participação do Poder Legislativo e do Mi- com a perspectiva do Ministério das Relações Exteriores, proferida pelo
então titular dessa pasta, José Vicente de Sá Pimentel.
nistério Público como seus órgãos fiscalizadores.
Em sua proposta de criação de um conselho superior de inteligência, Uma das primeiras questões levantadas por José Vicente diz respeito
o ministro da Justiça chamou para si a responsabilidade pela condução da à eficácia da atividade de inteligência. Seu questionamento tem como
atividade de inteligência. Nessa perspectiva, a Secretaria Federal de Inteli- base principal a atuação dos funcionários do SNI durante o regime mili-
gência não teria a função de agência central nessa comunidade, mas "seria tar. A grande preocupação do ministro está voltada para a invasão de com-
parte de um sistema setorial de informações para atender ao andamento petência que geralmente ocorre entre a atuação da atividade de inteligên-
constitucional de segurança pública, cujo responsável na União é este cia na área externa e o serviço diplomático.
• • I • ,
O ministro define a atividade como possuidora de duas vertentes: a
mm1steno.
O conselho disporia de uma secretaria geral diretamente subordinada primeira está relacionada com a coleta e análise de dados para "subsidiar
ao Ministério da Justiça, cujos objetivos seriam o de auxiliar na realização decisões de vários tipos em vários níveis". E a segunda, que está relaciona-
dos estudos pertinentes, e a comunidade de inteligência contaria com a da à coleta de dados necessários para a segurança do Estado e de suas
participação dos ·ministérios civis e militares da Secretaria Federal de Inte- instituições.
ligência. Estes atuariam de forma independente e não-hierarquizada. O De acordo com ele a atividade diplomática se encontra intimamente
CSI seria presidido pelo ministro da Justiça e teria entre as principais relacionada à primeira vertente. Para o seu desenvolvimento o corpo di-
funções definir a política nacional de inteligência, seus objetivos de inte- plomático passa por um longo processo de especialização, que o habilita-
ligência, assim como fiscalizar sua consecução. Sua secretaria teria a fun- ria para a coleta cuidadosa das informações e posterior análise, dentro de
ção de produzir informações e análises "sobre a conjuntura de interesse rigorosos padrões éticos, que o capacitaria a acessar fontes informais e
para o processo decisório nacional em seu mais alto nível", além de exer- oficiais fidedignas. De acordo com a perspectiva do ministro, somente os
cer as atividades de salvaguarda de assuntos sigilosos e de ser a responsável diplomatas e os adidos militares têm uma legitimidade atribuída pelo
pelo recrutamento e aperfeiçoamento dos recursos humanos para sua ati- Estado para a coleta de informações na relação entre Estados, na medida
em que são representantes oficiais de seus países.
vidade.
A atividade de inteligência foi definida, dentro da perspectiva do Mi- O ministro não reconhece nenhuma legitimidade e nem aceita a ati-
vidade de inteligência externa atuando através de suas embaixadas. Ele
nistério da Justiça, como:
reconhece a agressão mútua existente entre os Estados, mas acredita que a
o exercício permanente de ações especializadas orientadas para a produção alternativa mais viável para a resolução deste "conflito" é gerar meios de se
de conhecimentos em proveito da política nacional, especificamente no aumentar a confiança internacional, através de canais legítimos. Para o
tocante à soberania nacional e à defesa do Estado democrático e para a ministro, a atividade de inteligência dentro das embaixadas é clandestina
salvaguarda de segredos que ao Estado interessa proteger. e apenas põe a perder a relação de confiança entre os Estados. Segundo
Ela foi dividida em duas áreas. No campo externo, teria a função de sua perspectiva, os diplomatas e adidos seriam os responsáveis por coleta
desenvolver, em hipótese de guerra, ações direcionadas ao levantamento de informações no exterior, missão para a qual, acredita, estão plenamen-
' - ___ :L:t:..:l~rlo~ .,.. lnPr'lhilicl~rles e intencões de ações de países estran- te capacitados. De acordo com José Vicente, o ltamaratv e as adidâncias
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

militares vêm desempenhando a contento a função de buscar, analisar e complementadas por uma visão clara sobre as finalidades, prioridades,
integrar as informações procedentes do exterior, e os órgãos que ele define recursos e capilaridades desejadas para a atividade no país. No próximo
como "adidâncias de informações" são totalmente desaconselháveis, diante capítulo, que abordará o processo político de criação da atual Agência
da possibilidade de se misturarem e se confundirem as funções. "Desde a Brasileira de Inteligência, poderemos observar com mais precisão o grau
extinção do SNI não se tem notícias de problemas relacionados a carência de envolvimento do Poder Legislativo nesse debate e os mecanismos que
de informações ou deficiência de análises sobre acontecimentos na área o Poder Executivo adotou para atrair a sociedade e o Poder Legislativo
externa." para essa discussão.
O ministro reconhece a deficiência existente em relação à coleta de
informações que pudessem auxiliar o processo decisório interno do país.
Suas principais dúvidas estavam relacionadas aos objetivos que teriam o
novo serviço de inteligência a ser criado, quais seriam suas funções, que
tipo de informações buscaria, quais meios poderiam ser utilizados para
garantir a eficácia das operações, que tipo de profissionais e quais qualifi-
cações seriam necessárias para o desempenho das funções, e, principal-
mente, qual seria o "universo antagônico" da atividade de inteligência.
Além disso, o ministro questiona a concessão de credenciais de acesso e a
responsabilidade diante da violação do sigilo, ou seja, como seriam iden-
tificadas e atribuídas.
Por fim, com o objetivo de preencher uma lacuna a ser criada pela
ausência de coleta de dados no exterior, relacionados a informações cien-
tífico-tecnológicas, o ministro propõe o aumento do investimento estatal
na capacitação de estudantes brasileiros. De acordo com ele, no momen-
to em que o Estado passa a investir na pesquisa tecnológica, não necessita
roubar esses conhecimentos no exterior.
A palestra de encerramento realizada no dia seguinte foi proferida
pelo almirante Mário César Flores, cujos principais argumentos foram
apresentados no início deste capítulo. Mas até aqui, pelo que se percebe
dos projetos apresentados e das questões levantadas no decorrer do semi-
nário, podemos concluir que houve alguns avanços significativos dentro
do Poder Legislativo em relação à atividade de inteligência. A própria
elaboração do seminário é prova de um maior envolvimento parlamentar
no assunto. Entretanto, ainda que haja interesse por parte de uma peque-
na parcela em legislar sobre a atividade, a superficialidade com que essas
questões foram tratadas pôde ser claramente observada diante das inúme-
ras confusões conceituais apresentadas. As preocupações com a eficácia
,.~_ --~~~-1~ ~~.-~ .. ~~"~h ..,." "riuirl-,-IP rlP intPlio-~nri:::~ :::~inda orecisam ser
l

5
Abin: debate político
e implementação

EsTE QUINTO CAPíTULO analisa o processo político de criação da Agência


Brasileira de Inteligência iniciado em 1995 através da Medida Provisória
n2 813, de 12 de janeiro, e finalizado em 7 de dezembro de 1999 com a
sanção do presidente da República. Está organizado em quatro seções. A
primeira apresenta as estruturas propostas para a implementação da Abin.
A segunda analisa pontos que consideramos essenciais para a regulamen-
tação da atividade de inteligência apresentados na Lei nº 9.883, que cria a
Abin. A terceira seção, apesar de não fazer parte do processo de criação do
órgão, aborda alguns aspectos que apontam para problemas dos campos
da atividade de inteligência que não ficaram explícitos na Lei nº 9.883: a
busca e a classificação das informações. A quarta seção apresenta os meca-
nismos utilizados pelo Executivo para minimizar a desconfiança da socie-
dade em relação à atividade de inteligência.

Processo político de criação da Abin

Em 12 de janeiro de 1995 o presidente Fernando Henrique Cardoso


baixou medida provisória que reestruturava a organização da Presidência
da República. 243 Em seu art. 52 , Seção I, a MP n 2 813 manteve a Secreta-

243 Medida Provisória n" R 1 "\ ,.J,. ]l! ,.J,. i"n,.irn .-1,. 1 qq~
Priscila Carlos Brandão Antunes
SNI & Abin

externa da atividade. De acordo com o projeto de lei, a inteligência con-


ria de Assuntos Estratégicos como órgão de assistência direta à Presidên-
sistiria na coleta e processamento de dados e informes, e na difusão das
cia da República com a função de promover, elaborar, coordenar e con-
informações sobre as capacidades, intenções e atuações de Estados estran-
trolar estudos, planos, programas e projetas de natureza estratégica. Essa
geiros que pudessem afetar a segurança ou interesses nacionais. A contra-
reformulação manteve a Subsecretaria de Inteligência (SSI) subordinada
inteligência consistiria
àSAE.
Através dessa medida provisória o Poder Executivo se autorizou a criar na obtenção de conhecimentos e nas ações desenvolvidas contra-espiona-
a Agência Brasileira de Inteligência, que seria constituída como uma gem, atuação de órgãos de inteligência estrangeiros e contra todas as outras
autarquia federal vinculada à Presidência da República e possuiria, entre atividades atentatórias ao Estado democrático de direito e à soberania
suas finalidades, nacional promovidos por Estados estrangeiros.
planejar e executar atividades de natureza permanente relativas ao levan- Jacques Wagner definiu o presidente da República como o usuário
tamento, coleta, análise de informações estratégicas, planejar e executar exclusivo da agência e atribuiu ao Poder Executivo a organização de um
atividades de contra-informações, e executar atividades de natureza sigi- sistema de inteligência que incluiria os órgãos de informações federais,
losa necessárias à segurança do Estado e da sociedade. civis e militares, e que teria um órgão central, responsável pela coordena-
De acordo com a medida, a agência seria formada por um presidente ção geral.
e até quatro diretores, cuja nomeação seria de responsabilidade do presi- A esse órgão central que seria proposto pelo Executivo caberiam as
dente da República. E enquanto não fosse constituída, a atividade de in- funções básicas de estabelecer diretrizes para a execução das atividades de
teligência desenvolvida no âmbito da SSI, apesar de vinculada à SAE, inteligência e contra-inteligência do país; coordenar a execução das mes-
seria supervisionada pelo secretário-geral da Presidência da República e mas no âmbito dos órgãos de inteligência e contra-inteligência, civis e
não pelo secretário de Assuntos Estratégicos. militares, do governo federal e estabelecer as normas relativas à proteção
Em 1995 Fernando Henrique Cardoso nomeou o general Fernando de segredos de interesse do Estado brasileiro.
Cardoso, ex-chefe do CIE, para ser o responsável pela elaboração e im- O deputado, preocupado em evitar os abusos e ilegalidades que po-
plantação do novo órgão de inteligência do país. Ele foi nomeado assessor dem decorrer desse tipo de atividade, buscou delimitar, a priori, mecanis-
especial do presidente da República e ficou subordinado ao secretário- mos de controle. Definiu quem teria mandato para essa fiscalização e
geral da Presidência, José Eduardo Jorge. quais seriam suas responsabilidades. Além de precisar a participação do
Foi em meio a esse novo fato que o deputado Jacques Wagner, do PT Poder Legislativo na fiscalização da atividade, atribuiu, em última instân-
da Bahia, enviou à Câmara dos Deputados um novo projeto que dispu- cia, a responsabilidade ao presidente da República pelas possíveis viola-
nha sobre o assunto.
244 ções às garantias e aos direitos constitucionais dos indivíduos praticadas
durante a execução da atividade de inteligência. A apuração de tais viola-
ções ficariam a cargo de uma comissão parlamentar mista de inquérito do
Projeto de Lei no. 1.279, de novembro de 1995, Congresso Nacional.
de autoria do deputado Jacques Wagner O deputado Jacques Wagner justificou o envio do projeto à Câmara,
alegando a carência de legislação sobre a atividade de inteligência, a falta
Em seu projeto de lei o deputado apresentou uma definição para as de uma definição legal de suas funções, mandatos e poderes, assim como
atividades de inteligência e contra-inteligência, dando ênfase à atuação destacou a ausência de legislação que regulamentasse a supervisão da ati-
vidade. De acordo com o deputado, seu projeto permitiria
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

alcançar o equilíbrio pretendido através da transformação do sistema de ças Armadas (atuais chefes dos estados-maiores), pelo ministro das Rela-
inteligência em um instrumento de defesa do Estado democrdtico, servin- ções Exteriores, pelo ministro do Estado-Maior das Forças Armadas, pelo
do tecnicamente a seus sucessivos governos, sem se identificar com estes (... ) ministro-chefe das casas Militar e Civil da Presidência da República e
a exemplo do que ocorreu em democracias como os Estados Unidos, França pelo secretário de Assuntos Estratégicos, ficando a secretaria executiva da
e Inglaterra. Credena a cargo da Casa Militar- depois transformada em Gabinete de
Segurança Institucional da Presidência da República (GSI/PR).
Em um aspecto geral, o que mais se tornou evidente em sua proposta A audiência pública realizada no dia 21 de maio de 1996 foi organi-
foi a preocupação com as possibilidades de abuso por parte dos servidores
zada pela Comissão de Defesa Nacional, a pedido do deputado José
e responsáveis pela atividade de inteligência. O deputado procurou defi-
Genoíno, para debater questões relacionadas à futura agência a ser criada
nir de forma clara as responsabilidades do Poder Executivo como órgão
pelo Poder Executivo. A audiência contou com três palestras, proferidas
gestor da atividade e do Poder Legislativo como órgão responsável pelo
pelos generais Alberto Cardoso e Ariel Pereira da Fonseca, subchefe de
controle e avaliação do sistema.
Informações Estratégicas do Emfa e pelo almirante Mário César Flores.
Mas a discussão sobre esse projeto foi suspensa, assim como todos os
Entre os convidados podemos destacar a presença do professor Brás José
outros projetos anteriores, após as conclusões da audiência pública reali-
Araújo, da Universidade de São Paulo; do coronel Geraldo Cavagnari,
zada em 21 de maio de 1996 pela Comissão de Defesa Nacional da Câ-
membro do NEE; do professor Thomaz Guedes da Costa, coordenador
mara dos Deputados, na qual se optou por aguardar o Projeto de Lei do
de estudos estratégicos da SAE, e dos chefes dos serviços de inteligência
Executivo que regulamentaria a atividade.
Quando foi realizada a audiência pública no dia 21 de maio de 1996, do Exército, general Cláudio Barbosa de Figueiredo, e da Aeronáutica,
o general Fernando Cardoso não era mais o responsável pela implementa- brigadeiro José Alfredo Sampaio.
ção da Abin. Havia divergências entre a condução que o general queria Durante sua apresentação, o general Alberto Cardoso enfatizou a exis-
dar ao seu processo de implementação e a atenção que o Poder Executivo tência de um "sentido ético profundo" que se encontra intimamente liga-
estava dispensando ao assunto. Com a saída do general Fer~ando Cardo- do à produção de informações, com o pleno respeito ao Estado democrá-
so, a Subsecretaria de Inteligência foi transferida da Secretaria Geral da tico de direito. Ética que, de acordo com ele, se justifica em face da ameaça
Presidência da República para a Casa Militar, sob a responsabilidade do que representa a atividade de inteligência, sempre revestida de um grande
general Alberto Cardoso. Ao assumir essa missão em 14 de abril de 1996, potencial de poder. O general destacou a necessidade da neutralidade do
o general declarou que a agência a ser implantada iria cuidar com predo- analista e do controle político e judicial do serviço de inteligência, e apre-
minância das questões relativas à segurança da sociedade e do Estado, tais sentou as diretrizes do presidente Fernando Henrique Cardoso sobre a
como narcotráfico, contrabando de armas, espionagem e demais temas natureza da Abin: a agência teria que ser um órgão não ideologizado; um
relativos aos interesses estratégicos nacionais. órgão de Estado, e não de governo, que em hipótese alguma poderia ter
Antes da realização dessa audiência, o Poder Executivo havia criado, conotações político-partidárias; e sua criação teria que ser aprovada pelo
em 6 de maio de 1996, a Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacio- Congresso Nacional.
nal do Conselho do Governo. 245 A Credena tinha como responsabilida- De acordo com o general, em seu formato preliminar a Abin seria o
des formular políticas, estabelecer diretrizes, aprovar e acompanhar os órgão central do sistema de inteligência, composto por órgãos federais,
programas a serem implantados em várias matérias, inclusive as pertinen- como a Polícia Federal e os serviços de inteligência militar, por organis-
tes às atividades de inteligência. Em sua concepção original, a Credena mos setoriais técnicos, como é o caso dos ministérios, e ainda estaria aber-
era integrada pelo ministro de Estado da Justiça, pelos ministros das For- to a convênios com instituições públicas dos outros níveis da administra-
"lAC.. r.. n 1 on.:" .J_ L ..J~ -~: ...... _.l.,. 1 (\(\J(
ção pública e privada. Ressaltou que esses organismos setoriais seriam
SNI & Abin: entre a teoria e a prática Priscila Carlos Brandão Antunes

completamente diferentes das antigas divisões de segurança interna (DSis) cado não apenas às potências estrangeiras, mas também aos grupos que
da época do SNI. ameaçassem a segurança constitucional.
A agência teria a função de "produzir conhecimentos para um pro- Um último ponto enfatizado pelo general diz respeito à coleta de
cesso decisório do mais alto nível de direção do Estado" e seria controlada dados, que consiste "na consulta ao que já existe". A diferença entre coleta
por um conselho diretor, pelo Legislativo, através das comissões de Defe- e busca se daria no fato de que a busca é uma coleta sigilosa de dados.
sa da Câmara e do Senado, e pelo Judiciário. Este último seria o responsá- "Coleta imprescindível para a atividade, presente em todos os serviços de
vel pela autorização da realização de atividades sigilosas. À Credena cabe- inteligência dos países democráticos."
ria a elaboração das diretrizes da Abin. O general Ariel Pereira, que se apresentou logo após o general Cardo-
Segundo o general, a organização do sistema não conotaria nenhuma so, estabeleceu o seu entendimento da atividade de informações como "o
idéia de hierarquia. Os componentes do sistema não estariam subordina- resultado da reunião de dados e indicadores de toda espécie e origem, os
dos à Abin, e esta apenas produziria a integração das informações repassa- quais, após serem submetidos a um processo inteligente e peculiar, seriam
das pelos órgãos com vista à segurança do Estado. O chefe da agência reunidos num produto final. A informação estaria pronta para ser utiliza-
teria que ser nomeado pelo presidente e aprovado pelo Poder Legislativo. 246 da por aqueles que decidem" .248
A atividade de inteligência seria definida como uma "ação voltada Discorreu sobre a tipologia das informações e apresentou o ciclo de
para o interesse do Estado, com relação a grupos ou potências estrangei- inteligência descrito por nós no primeiro capítulo como o padrão funcio-
ras, baseadas em hipóteses de obstáculos ou impedimentos a interesses do nal da atividade: planejamento e reunião de dados, que implica coleta e
próprio Estado". O general definiu a atividade de contra-inteligência como busca de informações; processamento de informes, que compreende o
aquela que visa à defesa contra a inteligência estrangeira, restringindo-a exame e análise dessas informações; interpretação e avaliação das infor-
apenas às atividades praticadas dentro do nosso país. Também teceu co- mações e a sua difusão a quem seja de direito.
mentários sobre uma questão nevrálgica para a atividade no Brasil: a atua- O general apresentou sua perspectiva sobre quais seriam os princípios
ção da atividade de inteligência em relação aos grupos nacionais. Cardoso básicos que deveriam reger a atividade de inteligência:
argumentou que a defesa do Estado contra esses grupos seria indispensá-
o prevalecimento dos interesses nacionais sobre quaisquer outros, a obe-
vel e que ela significaria a busca por informações "sobre grupos nacionais
diência aos padrões de conduta recomendados à manipulação das infor-
que possam ameaçar a própria continuidade do Estado, a sua sobrevivên- mações; a consciência de se repassar ao usudrio informações necessdrias,
cia e os interesses da Nação brasileira". 247 em detrimento daquelas que apenas "poderiam lhe agradar mais':· a cren-
De acordo com ele, existem demandas sociais justas capazes de se ça na finalidade das informações, a responsabilidade do usudrio enquanto
articular em movimentos sociais que "trazem em si uma carga grande de usudrio e orientador das informações; a cautela contra campanhas adver-
frustração se não forem atendidas". Apesar de o Estado existir exatamente sas que visem desacreditar os órgãos de informações e a consciência de que
para atender às demandas sociais, ele deveria estar prevenido contra pos- produtor e usudrio trabalham para a Nação, que é sua beneficidria.
síveis manipulações dessas causas. Isso justificaria o acompanhamento do
Entre alguns comentários que gostaríamos de tecer destacamos o con-
Estado no campo interno. Segundo Alberto Cardoso, existiria até uma
ceito da atividade para o general Ariel Pereira, que se dilui na idéia mais
possibilidade de esta área ficar enquadrada no conceito de contra-inteli-
geral de informações de todo tipo para qualquer finalidade, uma idéia de
gência. Haveria uma reformulação desse conceito que passaria a ser apli-
onisciência da atividade. E, entre os princípios da atividadc apresentados
--- ---~-~--·-·------·

24
Alberro Cardoso, Brasília, 21 de maio de 19%. Deparramento de Taquigrafia, Revisão e
" pelo general, percebemos a insistente necessidade de se justificar a ética
Redação. Núcleo de Revisão de Comissões. Câmara dos Depurados.
247 24
Idem. H O general utiliza o termo informações para se referir ao que chamo de inteligência.
I'

SNI & Abin: entre a teoria e a prática Priscila Carlos Brandão Antunes

na condução da atividade e sua função como benfeitora do Estado visan- nicas e políticas atuais: "menos ideologia, menos segurança e mais econo-
do superar o estigma que a atividade carrega. mia, mais problemas sociais [grifo meu], mais ciência e tecnologià'.
Essas perspectivas do general foram, de alguma forma, corroboradas Após encerradas essas três apresentações, os participantes deram sua
na apresentação seguinte, proferida pelo almirante Mário César Flores. contribuição à audiência. O deputado José Genoíno apresentou duas preo-
Em princípio, Flores definiu a atividade de inteligência como o exercício cupações ao general Alberto Cardoso, que diziam respeito ao sistema de
de atividades que visam à obtenção, análise e disseminação de informa- informações a ser criado e aos mecanismos de controle que poderiam ser
ções "sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o exercidos pela agência. Pedia que o general Cardoso explicasse de que
processo decisório do Governo e para a defesa da sociedade e do Estado". forma a inteligência militar interagiria com a Abin. A resposta do general
No decorrer de sua apresentação enfatizou que um dos aspectos da inteli- Cardoso foi de que os órgãos de inteligência militar "contribuiriam" com
gência não se enquadra apenas na defesa da sociedade e do Estado. A informações da mesma forma que os outros órgãos setoriais do sistema,
influência da atividade de inteligência também implica informações úteis Ministério da Agricultura, da Ação Social etc. Apenas repassariam infor-
ao processo decisório em geral. mações técnicas para que a Abin as centralize junto às outras informações
Flores divide a atividade em três setores, e por "inteligência estratégi- coletadas.
cà' ele acredita que deveria se entender a inteligência de natureza civil Parece-me que a intenção do general era estabelecer que não haveria
orientada, entre outras coisas, para os assuntos capaz~s de afetar a sobera- o desenvolvimento conjunto de ações na busca por dados, e nem uma
nia, o ordenamento constitucional, a eficácia do Poder Público e a probi- relação hierárquica entre esses órgãos.
dade no trato com a coisa pública [grifo meu]. A inteligência de natureza A outra questão levantada pelo deputado José Genoíno foi sobre os
policial seria aquela paramentada pelas atribuições constitucionais e le- mecanismos constitucionais que possibilitariam legitimizar o fluxo de in-
gais da Polícia Federal e a inteligência militar, pelas atribuições constitu- formações entre a agência e os parlamentares que teriam acesso às creden-
cionais e legais das Forças Armadas. ciais de segurança no trato com as informações. Quais seriam as penalida-
Como os limites entre essas funções nem sempre são claros, o almi- des atribuídas aos parlamentares que infringissem o código de sigilo e
rante Flores sugeriu que independentemente da estrutura que fosse dada segurança da atividade. O deputado deixou claro que seria necessário que
ao sistema de inteligência, ele deveria possuir um órgão colegiado capaz eles ficassem submetidos às devidas penalidades da lei, não dispondo, nesses
de formular e propor uma política nacional de inteligência capaz de esta- casos, de imunidade parlamentar. Em relação a essa regulamentação o
belecer os liames necessários à atividade. general Cardoso afirmou que caberia ao próprio Congresso estabelecer os
O almirante também abordou questões relacionadas à inconveniên- procedimentos a serem adotados.
cia de se recriar um serviço de inteligência em 1990, quando foi extinto o Uma outra intervenção que gostaríamos de destacar é a da deputada
SNI; a necessidade de se recompor os resíduos do serviço secreto brasilei- Yeda Crusius. Ela discorreu sobre a atividade de inteligência, cuja essên-
ro, herdados pela SAE e pela Subsecretaria de Inteligência; e a dificuldade cia encontrar-se-ia na condução da espionagem e na coleta e processamento
de se superar situações adversas para estabelecer uma restauração "correta de dados de forma sigilosa como a única forma de justificar a existência
e eficiente da atividade de inteligência civil". Referia-se especificamente à da Abin, uma vez que já existiam grandes institutos de pesquisas nacio-
"síndrome do SNI" insistentemente veiculada pela imprensa. nais que poderiam fornecer informações importantes para o processo
Em resumo, ao encerrar sua palestra, Mário César Flores destacou a decisório, como o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (lpea), por
necessidade de se entender e tornar compreendidos os princípios, propó- exemplo.
sitos e os limites da atividade de inteligência, de se reciclar o quadro de Como um dos pontos interessantes dessa audiência destacamos a pre-
funcionários da SSI e admitir novos quadros dentro das perspectivas téc- sença de militares responsáveis pela condução da atividade de inteligência
-.,
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

no Exército e na Aeronáutica. Provavelmente o convite à participação campos de atuação da atividade e dos liames constitucionais do que é
militar durante essa audiência, entre outros motivos, tinha como meta necessário e legítimo.
evitar um lacuna que havia ficado aberta na audiência pública de 1994, O segundo significado abordado pelo professor Thomaz seria a defi-
também convocada pela Comissão de Defesa. Entre os convidados e par- nição, comum à cultura política brasileira, de que a inteligência tem como
ticipantes não faltou entusiasmo para destacar a presença desses represen- missão proteger o presidente de surpresas e escândalos na rotina político-
tantes das Forças Armadas, que, em um debate aberto à discussão públi- administrativa. Isso implica a investigação de comportamentos, de posi-
ca, trariam sua contribuição para a organização da nova agência, inclusive ções políticas contestatárias ou de suspeitas de atos ilícitos das pessoas.
nas formas de atribuir à atividade de inteligência um certo grau de trans- Tal concepção foi corroborada até mesmo pelo almirante Flores, que afir-
parência. mou ser da responsabilidade da atividade de inteligência civil "a probida-
Cláudio Barbosa de Figueiredo, chefe do CIE, afirmou que tinha de no trato com a coisa pública". 249
"grande satisfação" em ver assunto "tão hermético" vindo a público por A terceira visão sobre inteligência destacada pelo professor - e a
meio da Comissão de Defesa Nacional e que a discussão sobre a atividade menos defendida na administração pública- é a de que o elemento
de inteligência era fundamental. Afirmou ainda "que a inteligência mili- central da atividade de inteligência seriam as atividades sigilosas "para
tar está perfeitamente regulamentada". Essa posição foi reiterada pelo bri- reunir e processar informações nas relações entre países ou sobre organi-
gadeiro José de Alfredo Sampaio, que também manifestou seu entusias- zações, pessoas ou grupos que afetem interesses nacionais relevantes".
mo "ao ver em debate público um assunto tão delicado e tão importante Outra crítica do professor se fez em relação à proposta do general
da vida nacional". Como contribuição ao debate, o brigadeiro Sampaio Cardoso de se elaborar uma regulamentação simples para a atividade, de
afirmou que o Serviço de Inteligência da Aeronáutica "conduz-se dentro forma a possibilitar um andamento rápido da sua discussão e aprovação.
de um respeito próprio, de uma lei vigente, e está ansioso para contribuir Entretanto, como bem ponderou Thomaz Guedes da Costa, uma lei de
para que a Abin possa vir à ruà'. inteligência poderia se dar de forma simples se apenas permitisse a coleta
Entre as demais intervenções, ressaltamos a de Thomaz Guedes da de dados, ainda que de forma sigilosa, em fontes ostensivas. Mas uma vez
Costa. O professor discordou da colocação geral que vinha sendo dada à que a atividade abrange, principalmente, a busca por informações que são
atividade e afirmou a necessidade de se definir qual deveria ser o objetivo negadas, a regulamentação deveria ser bem explícita. E para isso seria
funcional da inteligência, que ainda não era algo consensual. No Poder preciso que se estabelecessem os mandatos e os ajustes legais que reduzis-
Executivo salientou que tem dominado o entendimento de que inteligên- sem as possibilidades da atuação sigilosa dentro e fora do país. 250
cia é oferecer informações para o presidente governar. "Defendem o co- O professor também afirmou que, ao contrário do que normalmente
nhecimento técnico e a necessidade no Brasil de um serviço de inteligên- é proposto para a elaboração de leis, a regulamentação da Abin não deve-
cia como das outras democracias." Entretanto, destacou um ponto que ria ser apresentada de forma resumida, perspectiva com a qual concorda-
vem sendo observado por nós no decorrer deste trabalho: o serviço de mos. É preciso que fiquem claros as missões, mandatos e os procedimen-
inteligência que se propõe a "dar informações para governar" é algo in- tos de fiscalização sobre a atividade. Um balizamento genérico para a
trinsecamente diferente das competências das atividades de inteligência atividade apenas contribuiria para manter inertes as disposições em que
observadas nos outros países. Dessa forma, a atividade definida como se encontravam a atividade de inteligência dentro da SSI.
subsídio de todos os tipos de informações para todas as tomadas de deci-
249
sões pode implicar a reprodução paralela de manejo das informações po- Mário César Flores. Brasília, 21 de maio de 1996. Departamento de Taquigrafia, Revisão
e Redação. Núcleo de Revisão de Comissões. Câmara dos Deputados.
líticas e administrativas. Essa definição, de fato, impede a delimitação dos 250
Esse tipo de regulamentação será discutido na sel!unda secão deste caoltulo_
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

De uma forma geral poderíamos afirmar que, entre as principais dire- Projeto de Lei n.o. 3.651 de autoria do Poder Executivo 252
trizes estabelecidas durante a audiência, ficou definido que o projeto a ser
De acordo com a Exposição de Motivos (EM), o texto apresentado
apresentado pelo Poder Executivo deveria propor a adoção de controles,
concomitante à definição política de seus planos e programas; deveria foi o resultado das diretrizes que haviam sido traçadas pelo presidente
constar uma clara separação jurídica e funcional entre atividade de inteli- para dar uma resposta efetiva à necessidade do Estado democrático
gência e contra-inteligência, e que a nova lei deveria explicitar os manda- de municiar o governo com informações estratégicas, produzidas em tempo
tos claros e inequívocos para a conveniência da sociedade das suas atividades hdbil e em absoluta sintonia com a Constituição e as leis do pais, assegu-
de Estado democrático. Entre os fatores que justificariam a regulamenta- rando-lhe o conhecimento antecipado de fotos efatores relacionados com o
ção da atividade de inteligência perante a sociedade, o Poder Executivo desenvolvimento e a segurança do Estado, em todas as dreas da vida nacional
deveria destacar os riscos que pressionam a autoridade, na ausência das
atividades de inteligência e contra-inteligência, e a situação do Brasil, onde Em seu art. 12 o projeto instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência
a ausência de um quadro legal e de um esforço institucional tem permiti- (Sisbin), que ficaria responsável pela integração das ações de planejamen-
do o subemprego de agentes especializados. Subemprego que pode gerar, to e execução das atividades de inteligência do país, cuja finalidade era
por um lado, a incapacidade de responder eficazmente às necessidades da fornecer subsídios ao presidente da República nos assuntos de interesse
Presidência da República diante de uma emergência e, por outro lado, nacional. O parágrafo único do artigo definiu como fundamento princi-
propiciar a atuação desses agentes de forma independente, sem que este- pal do Sisbin a preservação da soberania nacional, a defesa do Estado
jam submetidos a quaisquer tipos de controle. democrático de direito e a dignidade da pessoa humana.
Dessa forma, definidos o campo de atuação e o mandato que caberia Ressaltou-se na EM que esse parágrafo único limitaria as ações do
à nova agência, seria necessário ainda formar novos quadros e aperfeiçoar Sisbin ao imputar-lhe a "observância incondicional" dos princípios cons-
o existente, estabelecendo de forma clara o estatuto profissional da ativi- titucionais.
dade, que seria considerada típica de Estado, e instrumentalizá-los para o O art. 22 do projeto estabeleceu os setores governamentais que iriam
correto exercício de suas funções. compor o Sisbin, os órgãos e entidades da administração pública federal
Nessa audiência a Comissão de Defesa Nacional acertou também que que pudessem produzir conhecimentos de interesse das atividades de in-
não daria prosseguimento à tramitação dos projetos de lei sobre inteli- teligência, em especial "os responsáveis pela defesa externa, segurança in-
gência que se encontravam em andamento na Câmara dos Deputados e terna, relações exteriores, economia e finanças, orçamento, indústria, po-
que aguardaria a recepção do anteprojeto da Abin, que os agregaria. Des- líticas sociais e pesquisa". Em seu parágrafo único, o projeto de lei deixou
sa forma, a consecução da regulamentação passaria a depender de uma aberta a possibilidade de os órgãos das administrações públicas estaduais
proposta técnica e política por parte dos poderes Executivo e Legislativo, participarem do Sisbin. De acordo com a EM, o artigo procurou aplicar
do que deveria ser a função da atividade de inteligência no processo ao órgão as regras da "administração moderna", evitando superposições e
decisório brasileiro. desperdícios de esforços.
A discussão pública sobre a atividade de inteligência foi retomada em O art. 32 criou a Abin como órgão de assessoramento direto do presi-
dezembro de 1997, três meses após o Poder Executivo enviar o projeto de dente da República, na posição de órgão central do Sisbin, tendo como
lei que criava a Abin. Assim, em 19 de setembro de 1997 foi enviado o funções planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar as ativi-
Projeto de Lei n2 3.651, que regulamentava a atividade, juntamente com dades de inteligência do país. Em seu parágrafo único estabeleceu que as
a exposição de motivos da Casa Militar e do Ministério da Administração atividades de inteligência seriam desenvolvidas, no que se refere aos limi-
e Reforma do Estado. 25 1
252 Ver comentários sobre a regulamentação da Abin mais adiante.
SNI & Abin Priscila Carlos Brandão Antunes

tes de sua extensão e ao uso de técnicas e meios sigilosos, "com irrestrita de credencial de segurança compatível com o sigilo dos assuntos tratados.
observância dos direitos e garantias individuais, fidelidade às instituições Segundo a exposição de motivos, assim como os arts. 12 e 32 , este artigo
e aos princípios éticos que regem os interesses e a segurança do Estado". procurou assegurar o conteúdo ético e a transparência às atividades de
Na EM, o texto reafirmou os limites da atividade de inteligência ao inteligência no país.
condicionar o uso de técnicas e meios sigilosos à irrestrita observância dos O art. 72 permitia à Abin, observadas a legislação e as normas perti-
direitos e garantias individuais e à fidelidade às instituições e aos princí- nentes, firmar convênios, acordos, contratos e outros ajustes que se fize-
pios éticos que regem os interesses e a segurança do Estado. rem necessários. De acordo com a EM, essa elasticidade se justificaria em
O art. 42 definiu a competência da Abin como órgão de assessoria face do caráter estratégico da nova entidade, da relevância e da amplitude
imediata da Presidência da República no desempenho de suas funções. do trabalho que deveria realizar.
Caberia à Abin: O art. 82 estabeleceu regulamentações básicas ao funcionamento ad-
ministrativo da agência que seria constituída por um diretor-geral, cujas
I- planejar e executar ações, inclusive sigilosas, relativas à obtenção e
funções seriam estabelecidas pelo decreto que aprovasse sua estrutura or-
análise de dados para a produção de conhecimentos destinados a
ganizacional. O diretor-geral seria o responsável pela elaboração e edição
assessorar o presidente da República;
do regimento interno, que deveria ser aprovado pelo presidente da Re-
I I - planejar e executar a proteção de conhecimentos sensíveis, relativos
pública, e disporia sobre a competência e o funcionamento de suas unida-
aos interesses e à segurança do Estado e da sociedade;
des, bem como as atribuições dos titulares e de seus demais integrantes.
III- avaliar as ameaças, internas e externas, à ordem constitucional;
O art. 92 fixou diretrizes no sentido de preservar dados e informações
IV- promover o desenvolvimento de recursos humanos e da doutrina
que pudessem comprometer o resultado das missões da agência. De acor-
de inteligência, e realizar estudos e pesquisas para o exercício e apri-
do com ele, os atos da Abin cuja publicidade comprometesse o êxito de
moramento da atividade.
suas atividades sigilosas deveriam ser publicados em extrato. 253 Entre es-
Em seu parágrafo único, o art. 42 determinou que os órgãos compe- sas possibilidades o artigo destaca informações sobre o seu funcionamen-
tentes do Sisbin forneceriam à Abin os dados e conhecimentos específicos to, suas atribuições, atuação e as especificações dos respectivos cargos e a
relacionados com a defesa das instituições e dos interesses nacionais. De movimentação de seus titulares; essas publicações em extrato independem de
acordo com a EM, esse artigo estabeleceu que a atuação da agência estaria serem de caráter ostensivo ou sigiloso os recursos utilizados em cada caso.
mais voltada para a prevenção de ameaças externas e internas à ordem O art. 10 criou os cargos de diretor-geral e diretor adjunto e de natu-
constitucional e que caberia ao Poder Executivo a responsabilidade de reza especial e os cargos comissionados, que vêm expostos em anexo. O
aperfeiçoar seu quadro para o exercício de suas atribuições. artigo atribuiu ao presidente da República a responsabilidade exclusiva de
O art. 52 atribuiu à Abin a execução da política nacional de inteligên- escolha de seus diretores, cuja nomeação deveria ser aprovada pelo Sena-
cia, a ser fixada pelo presidente da República e supervisionada pela Credena. do Federal. A EM esclarece que houve um "pequeno acréscimo" no nú-
De acordo com a EM trata-se de uma praxe na maioria dos países desen- mero de cargos existentes que visam a atender ao aumento das responsabilida-
volvidos atribuir à Presidência da República a responsabilidade pela fixa- des da Abin como órgão central do Sisbin, sobretudo pelo fato de que
ção da política de inteligência.
a unidade técnica encarregada das ações de inteligência passa de um sim-
O art. 62 definiu as responsabilidades do Poder Legislativo no exercí-
ples órgão subalterno da Secretaria de Assuntos Estratégicos para assumir o
cio de supervisão da atividade. De acordo com ele, a fiscalização ficaria a
cargo de uma comissão mista do Congresso Nacional, que deveria ser 253
A publicação em extrato de documentos produzidos ou referentes ao sistema de inteli-
integrada por três senadores e três deputados, considerados possuidores gência divulga apenas a ementa, e, às vezes, um extrato da ementa.
Priscila Carlos Brandão Antunes
:>NI 1St ADin

Essas propostas não foram aceitas pelo relator José Aníbal, que as
nível de assessoramento direto e imediato do presidente da República e de
considerou questões inerentes à administração pública (condições de in-
coordenação de um sistema de abrangência nacional.
gresso e de progressão na carreira, bem como sua categorização como
Os últimos artigos do projeto de lei dizia~ respeito às ~~didas tran- carreira típica de Estado). O relator também considerou questionável a
sitórias e permanentes de caráter "admi~is,~ranvo, orçamentano e de con- conveniência de que todos os cargos da carreira de inteligência fossem
trole para o bom funcionamento da Abm · privativos de servidores cujo nível de escolaridade mínima fosse o terceiro
grau. De acordo com ele, pesquisadores e técnicos, por exemplo, pode-
Quadro profissional riam exercer eficientemente as suas respectivas atividades com fundamen-
to em cursos de ensino médio seguidos de especialização adequada.
Valor unitário Valor total A segunda emenda foi enviada pelo deputado Paulo Delgado, que
Código Quantitativo
6.400,00 6.400,00 propôs que a duração do mandato dos membros da comissão mista deve-
Natureza especial ria ser coincidente com a duração da respectiva legislatura. Ele justificou
6.400,00 6.400,00
Natureza especial 1
12.800,00 sua proposta por considerar que a inteligência é uma atividade complexa,
2 12.800,00
Total de caráter permanente, e que deveria ser desempenhada continuamente
26.000,00 no tempo. Para tanto, julgou o deputado ser necessária uma certa pereni-
5 5.200,00
DAS 101.5 dade dos membros designados para compor a comissão mista, "de modo
3.800,00 68.400,00
DAS 101.4 18
15.200,00 que sua experiência e seus conhecimentos não tenham que ser constante-
4 3.800,00
DAS 102.4 mente renovados, devido à substituição por novos membros". Essa rotati-
1.027,00 41.080,00
DAS 101.3 40
29.337,92 vidade, se feita de modo constante, acarretaria uma redução indesejada da
32 916,81
DAS 102.2 eficiência funcional da comissão. A proposta foi aceita pelo relator, que
827,89 9.934,68
DAS 102.2 12
também entendeu ser a coincidência de mandatos absolutamente consis-
189.952,60
Total 111 tente com a eficiência da fiscalização externa sobre uma atividade.
A última emenda apresentada foi de responsabilidade do deputado
~ c nal da EM a CMPR e o Mare afirmaram que
N a argumentaçao n1 . . " . José Genoíno, do PT de São Paulo, que na realidade apresentou um subs-
com esse projeto de lei estariam dotando o Est~do bras1leuo de. ma1s .um titutivo para o projeto apresentado pelo Executivo. Esse substitutivo foi
instrumento para a preservação de sua soberama, para a gar~n~la d.as l.n~­ parcialmente aceito pelo relator. Entre as principais alterações propostas
tituições com respeito absoluto à dignidade humana e aos d1re1tos mdlVl- pelo deputado destacamos algumas questões. Em seu art. }ll o deputado
duais". . · propôs a criação de três agências de inteligência, em vez de uma, e apre-
Dessa forma, 0 Projeto de Lei nQ 3.651 de autona do Poder Execuuvo sentou uma definição conceituai para a atividade. Criar-se-ia a Agência
f' • t do a' CaA mara dos Deputados em 19 de setembro de 1997, Brasileira de Inteligência Interna (Abii), a Agência Brasileira de Inteligên-
rol apresen a . . d s~
com quatro emendas. A deputada Dalila Flgue1redo, do ~SOB e ao cia Externa (Abie) e a Agência Brasileira de Contra-Inteligência (ABCI).
Paulo, e 0 deputado Abelardo Lupion, do PF~ do .P:ra~a, prop~seram O deputado definiu inteligência como:
que 0 projeto definisse 0 ingresso na carrei~a de mtehgenCla ~a Ab1~ atra-
vés de concurso público, exigindo o terceiro grau de escolandade, q~e a a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos sobre fotos e situações
carreira de inteligência fosse definida como típica de Estado; e ~ue o ~lre­ de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação
tor-geral do órgão fosse 0 responsável pela elaboração da carreua de mte- governamental e sobre a salvaguarda e a segurança do Estado. Para efeitos
ligência.
Jl'tll a 1-\UIII Priscila Carlos Brandão Antunes

desta lei inclui-se no conceito de inteligência a contra-inteligência, que de segurança máxima compatível com o sigilo dos assuntos que por ela
objetiva neutralizar a inteligência adversa. fossem examinados.
Em sua justificativa o deputado frisou tratar-se de uma responsabili-
De acordo com justificativas, sua intenção era possibilitar a constru-
dade nunca antes atribuída ao Poder Legislativo, que deveria ser encarada
ção de arranjos que implicassem a "vigilância e sinergia na execução da
como um dos mais importantes mecanismos de controle da atividade.
Política Nacional de Inteligência". O deputado citou a título de exemplo
Atividade esta que sempre esteve, "em toda a nossa história republicana, e
o caso norte-americano que, dependendo do critério utilizado, possui entre
mesmo antes dela, situada na tênue e rarefeita área cinzenta que separa a
17 e 34 agências relacionadas à atividade de inteligência.
legalidade democrática do arbítrio". O deputado José Genoíno atribuiu
O art. 22 do substitutivo definiu as atribuições do sistema de inteli-
ao Congresso Nacional a tarefa de se reciclar nesse campo, de forma a
gência, fixando as especificidades de cada agência. De acordo com ele,
ficar estruturado técnica e materialmente para a responsabilidade que se-
caberia ao Sisbin a responsabilidade pela "coleta, análise e disseminação
ria exigida dos membros componentes da comissão. Essa proposta foi
da informação necessária ao processo decisório do Poder Executivo, bem
aceita parcialmente pelo relator e suas sugestões podem ser observadas na
como pela salvaguarda da informação contra o acesso de pessoas ou ór-
lei que criou a Abin.
gãos não autorizados". À Abii caberia a responsabilidade pela atividade
O art. 42 do substitutivo definiu a competência do presidente daRe-
no território nacional, à Abie, a responsabilidade pela atividade fora do
pública em relação à política de inteligência. Seria o responsável pela de-
território nacional e à ABCI, a responsabilidade pela salvaguarda de in-
finição da Política Nacional de Inteligência (PNI) que deveria ser aprova-
formações dentro e fora do território nacional.
da pelo Congresso e executada pelos órgãos do Sisbin. Isso se daria sob a
A proposta de criação de três agências não foi aceita pelo relator, por
"não haver convicções no plano organizacional" de que esta seja a fórmu- supervisão da Credena e da comissão mista permanente do Congresso
la mais adequada, ao passo que tais áreas poderiam constituir domínios Nacional. Esse artigo é uma inovação, pois foi a primeira vez que se pro-
departamentais ou secretarias em benefício da Abin. Na percepção do pôs a participação parlamentar na elaboração das responsabilidades da
relator a centralização das atividades em uma única agência facilitaria o atividade de inteligência, o que ocorreria caso essas tivessem que ser apro-
seu controle e fiscalização pelo Congresso Nacional. Dessa forma, o relator vadas pelo Congresso Nacional.
acolheu a definição apresentada pelo deputado para a definição da ativi- O deputado José Aníbal entendeu que, para a análise da proposta de
dade de inteligência e a regulamentação da atividade do Sisbin e recusou participação do Congresso como co-gestor da política nacional de inteli-
a criação das agências. gência, deveriam ser levadas em consideração três questões de natureza
O art. 3 2 do substitutivo do deputado dispôs sobre a fiscalização e o político-institucional. Primeiro, que as políticas nacionais são prerrogati-
controle das atividades dos órgãos integrantes do sistema, que, de acordo vas presidenciais; segundo, que a "tradição constitucional brasileira e a
com a proposta, seria exercida por uma comissão mista permanente do forma vigente de organização do Estado como sistema presidencialista de
Congresso Nacional. Os órgãos componentes do Sisbin teriam a obriga- governo" reforçam o papel do presidente da República no tocante às ati-
ção de submeter à apreciação dessa comissão informações coletadas e do- vidades de inteligência; e, terceiro, que se deve evitar qualquer sugestão
cumentos produzidos independentes do seu grau de sigilo, propostas de de duplicidade de responsabilidade nas atividades daAbin. O relator apre-
regramento e procedimentos de ação, além de convênios, acordos, con- sentou uma proposta alternativa à do deputado José Genoíno que seria a
tratos e ajustes, que porventura fossem estabelecidos. Essa comissão não de incluir a participação do presidente da comissão mista do Congresso
se subordinaria ao grau de sigilo atribuído a quaisquer documentos ou na Credena, quando estivessem em pauta assuntos ligados à política na-
informações, sendo seus membros considerados possuidores de credencial cional de inteligência.
l'rJSCIIa Larlos Brandão Antunes

O art. 5º do substitutivo dispôs sobre o quadro diretor das agências. Senado Federal para ser apreciado. No Senado, o Projeto de Lei nº 3.651 b
De acordo com ele os órgãos do Sisbin seriam dirigidos por um diretor- foi registrado como PLC nº 007/99. Primeiro, o projeto foi analisado
geral e um diretor adjunto, escolhidos pelo presidente da República e pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, e, posteriormente,
aprovados pelo Senado Federal. Seu parágrafo único atribuiu a esses dire- seguiu para a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, onde
tores a responsabilidade de informar imediatamente à Comissão Mista foi aberto o prazo para a entrega de emendas.
Permanente qualquer solicitação do presidente que contrariasse a Consti- Entre as emendas apresentadas, a proposta pelo relator Romeu Tuma
tuição ou acordos, tratados e convenções dos quais a República Federati- foi a única aprovada. Dispunha sobre a reorganização, dentro do Poder
va do Brasil fizesse parte. De acordo com o deputado, o parágrafo único Legislativo, do órgão que exerceria o controle externo da atividade. Esse
desse artigo se traduziria "como um mecanismo imprescindível para con- controle seria exercido pelos líderes da maioria e da minoria na Câmara
cretizar as atribuições fiscalizadoras do Congresso Nacional sobre as ativi- dos Deputados e no Senado Federal, e com os presidentes das comissões
dades de inteligência". Pretendia-se dessa forma submeter o princi pai res- de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e do
ponsável pelo Sisbin a um rigoroso controle pelo Poder Legislativo. Senado Federal.
O relator não acolheu essa proposta que tenta impedir que ordens As propostas apresentadas pelos senadores José Eduardo Outra e
ilegais e inconstitucionais provindas do presidente da República sejam Marina Silva (PT-SE e PT-AC, respectivamente) foram rejeitadas. A pri-
cumpridas pelo Sisbin. De acordo com ele a idéia é nobre, mas parcial e meira proposta, assim como a do relator, também dispunha sobre a fisca-
equivocada. A obediência às leis é princípio constitucional universal e lização externa. Responsabilizava a Câmara dos Deputados e o Senado
obrigatório a todos os cidadãos e funcionários públicos. O fato de o prin- Federal pela elaboração das formas de controle e fiscalização da atividade.
cípio da "desobediência devida'' ou "obediência indevida'' estar sendo pro- Segundo o senador Eduardo Outra o art. 6º, ao afirmar que "o controle e
posto exclusivamente para as atividades de inteligência implica uma des- fiscalização externos da atividade de inteligência serão exercidos pelo Po-
confiança no presidente da República como princípio norteado r da criação der Legislativo na forma a ser estabelecida em ato do Congresso Nacio-
de uma norma. nal", esbarraria em duas grandes questões: em primeiro lugar, na irregula-
O art. 6º do substitutivo, que procurou disciplinar o funcionamento ridade e raridade com que são realizadas as reuniões conjuntas entre o
dos órgãos componentes do Sisbin, foi acolhido pelo relator com uma Senado e a Câmara, e, em segundo lugar, na dificuldade de aprovação de
alteração. De acordo com ele, seus integrantes apenas poderiam se comu- propostas relacionadas ao funcionamento conjunto do Congresso Nacio-
nicar com os demais órgãos de qualquer nível da administração pública, nal, "particularmente as de natureza orgânico-regimental". 2í 4 A emenda
com o conhecimento prévio da autoridade de maior hierarquia do respec- apresentada estabeleceria a imediata incidência e aplicação dos regimes
tivo órgão, ao que incluiu o relator, "ou, tendo em vista o princípio da das duas casas, fixando-se as competências das comissões de Relações Ex-
oportunidade, um seu delegado". De acordo com a justificativa, esta seria teriores e de Defesa Nacional das duas casas no que diz respeito à ativida-
uma forma de evitar a criação de centros de poderes paralelos aos órgãos de de inteligência. Outra sugestão apresentada pelo deputado Eduardo
da administração pública em todas as suas esferas. Outra refere-se ao art. 9º, ao acrescentar o seguinte parágrafo: "a classifi-
Essas foram as propostas mais significativas do substitutivo do depu- cação, guarda, conservação e acesso aos documentos públicos sigilosos da
tado José Genoíno que procuraram "contribuir para a consolidação do Abin observarão as regras dispostas na Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de
Estado democrático de direito, disciplinando, da forma mais transparen- 1991, e sua regulamentação". 255 Uma vez aceita a possibilidade de divul-
te possível, uma das funções típicas de Estado, a atividade de inteligência''.
Feitas as alterações propostas, o relator da Credena votou pela apro- 254
Aprovada a criação da Abin. jornal do Senado. Brasília, 12-11-1999. p. 4.
vação do Projeto de Lei nº 3.651/97 remetido em janeiro de 1999 ao 255 Idem.
rii)\.IICJ \..CJIIUl DldiiUdU f\lllUIIe~
..J !'III f.X 1"\UIII

Segurança Institucional, que assumiu, entre outras funções, todas as res-


gação de informações em extratos, o senador acredita ser essencial que
ponsabilidades relacionadas à extinta Casa Militar, inclusive as da Subse-
sejam observadas as disposições sobre o tratamento a ser dado a docu-
cretaria de Inteligência.
mentos públicos sigilosos, o que pode ser encontrado na referida lei.
Após a sanção presidencial, a SSI foi extinta, sendo criada a Abin
A última sugestão do senador Eduardo Dutra, também não acolhida, . d a p res1"dAenCla
. d a Repu'bl"tea. 256 Ana-
como órgão de assessoramento d treto
diz respeito à supressão da expressão "e os em comissão de que trata o
lisaremos, a partir de agora, alguns resultados concretos desses nove anos
anexo a esta lei", e à tabela de "cargos em comissão" do art. 11, que trata de discussões que culminaram com a criação oficial da Agência Brasileira
da criação dos novos cargos. O senador estranha a criação de 111 cargos
de Inteligência.
em comissão para a Abin no momento em que a preocupação maior da
República é a contenção de gastos na administração pública. Para o sena-
dor, a transferência para a Abin dos cargos e funções de confiança do 11
grupo Direção e Assessoramento Superiores, das Funções Gratificadas,
A Lei nº- 9.883
das Gratificações de Representação e da unidade técnica encarregada das
ações de inteligência que se encontravam alocadas na Casa Militar da Em 7 de dezembro de 1999 o presidente Fernando Henrique Cardo-
Presidência da República seria suficiente para dar a Abin as condições so sancionou a Lei nº 9.883, que instituiu o Sistema Brasileiro de Inteli-
para operar. gência (Sisbin) e regulamentou a criação da Agência Brasileira de Inteli-
A última emenda foi apresentada em plenário pela senadora Marina
gência (Abin). .. .
Silva, do PT do Acre, e também defendida pelo senador José Eduardo Em seu§ 1ºa lei instituiu o Sisbin com a responsabthdade de mtegrar
Dutra. Uma vez rejeitada a proposta anterior de Dutra, a senadora propôs as ações de planejamento e execução das atividades de inteligência do
que dois terços dos 111 cargos em comissão previstos para integrar aAbin país, o que inclui o processo de obtenção, análise e disseminação "de in-
deveriam ser preenchidos por servidores estáveis ou militares da ativa. formações necessárias ao processo decisório do Poder Executivo", bem
Uma das principais preocupações que se encontravam nessa proposta era como a salvaguarda da informação "contra o acesso de pessoas ou órgãos
a possibilidade de que se designasse um grande número de servidores não autorizados". O artigo também destaca como principais fundamen-
públicos aposentados e militares da reserva para esses cargos. O relator tos do sistema a preservação da soberania nacional, a defesa do Estado
Romeu Tuma deu parecer contrário à emenda, afirmando que a restrição democrático de direito e a dignidade da pessoa humana. Para efeitos de
"inibiria o administrador de buscar colaboradores em áreas de excelência, sua aplicação, a Lei nº 9.883 define a atividade de inteligência como:
como as universidades, áreas de ciência e tecnologia", o que, a seu ver,
uma atividade que objetiva a obtenção, andlise e disseminação de conhe-
prejudicaria o desempenho da Abin.
cimentos dentro e fora do território nacional sobre fotos e situações de
Devido à alteração feita em virtude da emenda do senador Romeu
imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação gover-
Tuma, o projeto de lei voltou à Câmara para aprovação e foi sancionado
namental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado ...
pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em 7 de dezembro de 1999.
e como contra-inteligência uma atividade que objetiva neutralizar a inte-
Entre o período em que o projeto foi votado pelo Senado e sanciona-
ligência adversa.
do pelo presidente Fernando Henrique Cardoso houve duas novas altera-
ções na estrutura da Presidência da República. Em janeiro de 1999 extin- O art. 2º define que todos os órgãos e entidades da administração
guiu-se a SAE, transferindo suas atribuições e competências para o gabinete pública federal que possam produzir conhecimentos de interesse das ati-
do ministro extraordinário de Projetas Especiais (a Abin permaneceu vin-
216 Medidas Provisórias nQ 1. 799-1 e nQ 1.999-10.
culada à Casa Militar) e, em setembro de 1999, criou-se o Gabinete de
I ............. ......... v ... ..,IUIIUUV T"\JilUII'Ç,J

vidades de inteligência, especialmente os responsáveis pela defesa externa, Em primeiro lugar, a exemplo dos serviços de inteligência existentes,
segurança interna e relações exteriores, farão parte do Sisbin e que, me- a atividade de inteligência deveria ser entendida como um componente
diante os ajustes necessários, as unidades da Federação poderão compor o de luta entre adversários. Em segundo, pela possibilidade de utilização
Sistema Brasileiro de Inteligência. soberana, observados os princípios constitucionais, de meios humanos e
Para um debate que já se arrastava há quase 1O anos, a regulamenta- técnicos para a coleta, análise e disseminação de informações relevantes
ção de um sistema brasileiro de inteligência deixou a desejar. Na realidade para os processos de tomada de decisão na área de relações internacionais,
não ficou claro o que podemos compreender como componentes do sis- política externa, defesa nacional e para o provimento da ordem pública.
tema, pois a atual definição poderia abranger desde o Conselho Nacional Essa coleta pode ser efetuada através de fontes ostensivas ou não.
de Trânsito, em um nível federal, até a Fundação de Amparo à Pesquisa de A área de competência da atividade também foi muito pouco defini-
Minas Gerais, em nível estadual, passando pelos centros de inteligência da na Lei nº 9.883. Nela encontramos "fatos e situações de imediata ou
potencial influência sobre o processo decisório governamental e sobre a
dos comandos maiores e pelos serviços de inteligência das polícias milita-
salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado". Não foi estabelecido
res estaduais. A lei também não dá informações sobre a subordinação do
o que se pode constituir como "fatos e situações de imediata ou potencial
Sisbin, não atribui a quem deve ser responsivo e não regulamenta que
influência sobre o processo decisório" e não se definiram quais os interesses
tipo de coordenação poderia ser exercida sobre os seus componentes. Não
que deveriam ser resguardados para a segurança do Estado e da sociedade.
fica claro se haverá um controle operacional da Abin sobre os componen- Também não ficou claro o que seria passível de ser protegido por
tes ou apenas uma coordenação teórica que passaria a depender do bom segredo governamental, em que nível esses segredos deveriam ser resguar-
relacionamento entre os dirigentes de cada órgão, a exemplo do que ocor- dados, a quem caberia a definição do que deveria ou não ser resguardado
reu com o Sissegint durante o período militar. A lei apenas institui o e quais seriam as responsabilidades atribuídas a quem deixasse vazar in-
Sisbin, atribuindo-lhe a responsabilidade de respeitar a Constituição Fe- formações sigilosas.
deral. Seria de extrema importância que esses fatores fossem claramente de-
As definições dadas à atividade de inteligência e contra-inteligência finidos. Da forma em que se encontra na lei, a competência da atividade
também são problemáticas. Como disse o general Alberto Cardoso, a ati- de inteligência dá margem a uma série infinita de interpretações, o que,
vidade de inteligência está imbuída "de um grande potencial de poder", e na cultura política brasileira, pode significar uma "grande possibilidade
isso exige que as definições sobre suas missões, mandatos e capacidades de abusos".
estejam muito claras na legislação brasileira. Pela definição exposta nessa pesquisa, percebe-se que o conceito de
Em tese, a conceituação apresentada significa a busca da onisciência contra-inteligência também se encontra aquém do padrão típico ociden-
na condução dos assuntos do governo. Mantém-se a acepção comum de tal, que sempre foi apresentado como modelo para o nosso sistema. 257
igualar inteligência ao processamento de informações para o processo 257
O general Alberto Cardoso destacou a adaptação do modelo canadense (Canadian Security
decisório. Diferente do que é proposto pelo modelo típico ocidental, a lntelligence Service - CSIS) para a construção da Abin. Mas, diferentemente do que foi
atividade foi confundida com a coleta de todas e quaisquer informações proposto para a agência brasileira, a legislação canadense cuidou de definir com precisão os
que possam auxiliar o governo em suas decisões (económicas, políticas, mandatos e os princípios segundo os quais é possível conduzir suas operações e avaliar sua
eficácia. As áreas de interesse para a atividade de inteligência canadense podem ser resumi-
sociais etc.). De acordo com esse modelo, teria sidó necessário reduzir o
das a sabotagem e espionagem; atividades influenciadas do estrangeiro; violência e terroris-
enfoque dado à atividade de inteligência, que possui associações histori- mo político e subversão, sendo esta última "cuidadosamente circunscrita para estabelecer a
camente determinadas com relações internacionais, defesa, segurança na- diferença entre o dissenso legítimo e as ações secretas e ilícitas que buscam minar o regime
cional e segredo. legalmente estabelecido". Bittencourt, 1992: 157. O claro estabelecimento de suas funções e
mandatos tornou o sistema canadense um dos mais controlados e fiscalizáveis do mundo.
1 II.J1..11U '-'UI IV~ UIOIIUOU MIILUIIt:.J

Contra-inteligência não se resume à neutralização das ações de espionagem plomacia e a guerra. E as operações de contra-inteligência, além de serem
estrangeira no Brasil, o que de alguma forma já envolveria a implementa- responsáveis pela proteção do Estado, particularmente em relação à capa-
ção de medidas ativas no estrangeiro, além da proteção dos segredos de cidade das agências de inteligência hostis, também envolvem ações ativas
interesse do país. Essa seria basicamente a tarefa da contra-espionagem, no estrangeiro e programas de segurança e contra-espionagem que bus-
que é capaz de produzir informações sobre ameaças discerníveis e desco- cam apreender e neutralizar essas agências, através dos vários recursos dis-
brir evidências específicas do fluxo de penetração de agentes. De acordo poníveis. Nenhum desses dispositivos é observado no artigo.
com o modelo ocidental, contra-inteligência envolve também o conheci- Avaliamos como um dos pontos positivos do projeto a participação
mento sobre as capacidades e intenções dos serviços de inteligência adver- parlamentar no exame da política nacional de inteligência a ser fixado
sários. pelo presidente da República e a responsabilidade de fiscalização do Con-
Em seu art. 3ºa Lei nº 9.883 cria a Agência Brasileira de Inteligência gresso sobre a atuação da Abin.
(Abin) como órgão de assessoramento direto ao presidente da República. As mudanças apresentadas no Senado Federal sobre a fiscalização ex-
A Abin será o órgão central do Sisbin e terá as funções de "planejar, execu- terna a cargo de uma comissão mista parlamentar foram um avanço na
tar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de inteligência do legislação, embora não se tenham definido, a priori, os níveis de acesso
país". Em seu§ 1ºestabelece que a atividade de inteligência será desenvol- dos parlamentares aos documentos sigilosos nem as sanções para o caso
vida, no que se refere aos seus limites e ao uso de suas técnicas, através da de vazamento de informações consideradas sigilosas. Caberá à comissão
irrestrita observância aos princípios constitucionais. Como as ações típi- congressual começar a funcionar de forma imediata, pois sua atuação será
cas de inteligência envolvem graus funcionais, legais e administrativos crucial para a aprovação e legitimação dos investimentos que serão feitos
diferentes, talvez seja necessário o estabelecimento de diretórios específi-
na área de inteligência.
cos para cada uma delas (cobertura internacional, contra-espionagem,
A Lei nº 9.883 responsabiliza o diretor-geral da agência, que deverá
inteligência tecnológica etc.), sendo suas prioridades funcionais claramente
ter seu nome aprovado pelo Senado Federal, pela elaboração e edição do
especificadas. Isso diminuiria a possibilidade de utilização desses recursos
regimento interno da Abin a ser aprovado pelo presidente da República.
no jogo político conjuntural.
Autoriza a publicação em extrato de informações que possam comprome-
A Lei nº 9.883 determinou entre as principais competências da Abin
ter o êxito de suas atividades, independentemente de serem informações
planejar e executar as ações relativas à obtenção e análise de dados para a
de caráter ostensivo ou sigiloso e apenas autoriza a Abin a se comunicar
produção de conhecimentos destinados a assessorar o presidente daRe-
com os demais órgãos da administração pública "com o conhecimento
pública, planejar e executar a proteção dos conhecimentos sensíveis, rela-
prévio da autoridade competente de maior hierarquia do respectivo órgão
tivos aos interesses e à segurança do Estado e da sociedade, avaliar as ame-
aças à ordem constitucional, tanto no nível interno quanto externo e ou um seu delegado".
promover o aperfeiçoamento dos recursos humanos e da doutrina de in- Entre as medidas administrativas finais destacamos o art. 11, que au-
teligência. toriza a criação dos cargos de diretor-geral e de diretor-adjunto (esse car-
Faltou ao artigo definir outras ações de planejamento que podem ser go não precisa ser aprovado pelo Senado) e dos cargos em comissão. Como
desenvolvidas pela atividade de inteligência, pois esta· não envolve apenas vimos na exposição de motivos conjunta apresentada pela CMPR e pelo
coleta, análise e proteção de informações sensíveis à segurança do Estado, Mare em 1997, o custo de criação daAbin, contados os 111 novos cargos
englobando também contra-inteligência e ações encobertas. em comissão, seria relativamente baixo, algo em torno de R$200 mil (se-
Ações encobertas buscam influir diretamente nos eventos políticos gundo a matéria, isso significaria um acréscimo de 30% ao gasto atual).
internacionais, já que é uma atividade que se situa no limite entre a di- Entretanto, como o general Alberto Cardoso declarou à imprensa que
Priscila Carlos Brandão Antunes

seria necessário dobrar a dotação orçamentária, de R$35 milhões em 1996 III


para R$70 milhões em 1997, supomos que este acréscimo de 30% se
refira apenas ao gasto com o novo quadro de pessoaJ.2 58 Em entrevista
Segredo governamental
com o coronel Ariel de Cunto, atual diretor-chefe da Abin, revela-se que Desde 1927, com a criação do Conselho de Defesa Nacional, o esta-
este orçamento de R$70 milhões envolve toda a organização, o que inclui do brasileiro vem adorando mecanismos para regular o manuseio, busca,
salário e benefício de pessoal da ativa e dos aposentados e pensionistas. guarda, acesso e a classificação dos documentos que podem ser considera-
De acordo com ele, os recursos disponíveis para o desenvolvimento da dos sensíveis para a segurança nacional. 260 Mas para efeito desse trabalho
atividade de inteligência no âmbito daAbin giram em torno de R$18-20 buscaremos abordar apenas alguns aspectos da legislação recente, válidos
milhões. 259
na atual relação da Abin com as informações.
Uma última questão a considerar é que a Lei n2 9.883 apenas regula- Como visto, existe uma íntima relação entre a atividade de inteligên-
menta a atuação da Agência Brasileira de Inteligência dentro do Sisbin. cia e segurança, de modo que as agências de inteligência, enquanto espe-
Não são regulamentadas as atividades de inteligência e contra-inteligên- cialistas em roubo de segredos, responsáveis pela vigilância das tentativas
cia das polícias estaduais, dos comandos maiores e nem mesmo da Polícia de outros de roubarem segredos e produtoras de segredo, são obrigadas a
Federal, que são de importância fundamental para o fortalecimento de estabelecer diálogos com os organismos estatais responsáveis pela segu-
nossas bases institucionais. rança do país. Como forma de auxiliar na proteção de informações sensí-
Esses são alguns dos pontos que consideramos mais importantes para veis à segurança nacional, bem como do desenvolvimento científico e
pensar e debater, de forma séria, a regulamentação da atividade de inteli- tecnológico brasileiro, foi criado o Plano Nacional de Proteção ao Co-
gência no país. Percebe-se que esse tipo de discussão ainda se encontra de nhecimento sob a responsabilidade da Abin.
forma incipiente e confusa no âmbito desta lei, que de uma forma geral
apenas diz que: o Sisbin coordenará a coleta de informações para subsi-
diar o processo decisório, através de seu órgão central, aAbin; que a Cons- Plano Nacional de Proteção ao Conhecimento (PNPC)
tituição Federal deve ser respeitada e que o Congresso e o Executivo fisca-
lizarão periodicamente suas atividades executivas sem, no entanto, De acordo com a divulgação do PNPC, o plano teria surgido da ne-
esclarecer quais seriam. Há uma ausência de definição sobre os limites de cessidade de se incutir na cultura brasileira a necessidade da proteção de
atuação e capacidade de operação da agência. conhecimentos sensíveis- aqueles cuja proteção adequada permite ao
Nessa próxima seção buscaremos analisar quais medidas o Estado pode Estado brasileiro uma melhor inserção no contexto internacional. O pro-
tomar para prover à Abin os recursos legais necessários que possibilitem grama será gerenciado pela Abin e atuará em consonância com a atual
sua atuação de forma eficiente e responsiva. Esse estudo permitirá clarear política de defesa nacional.
um pouco algumas das responsabilidades atribuídas à Abin e ao Sistema O objetivo é permitir que não seja comprometido, a médio e longo
Brasileiro de Inteligência em geral, e contribuirá para a percepção de al- prazos, o potencial brasileiro nos diversos campos do conhecimento, princi-
guns limites legais impostos ao sistema. 260
Assim como para a política de inteligência o conceito de segurança nacional também não
é um conceito claro para a política de defesa nacional. Além da ameaça interna, relacionada
258 à segurança dos membros da nação brasileira, existe o fato de que as medidas de segurança
Abin terá orçamento maior em 1997. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 30-10-1996. adoradas para a defesa desse Estado podem constituir-se em uma ameaça externa a outra
(www.estado.com.br)
259 nação. Esse potencial conflitivo gerado pela noção de "segurançà' implica a necessidade de
Ariel de Cunto, 1999.
um uso minimamente rigoroso e crítico da noção e aplicação do termo "segurança nacional".
Pmcila Carlos Brandão Antunes

palmente os de caráter estratégico. Como forma de alcançar esse objetivo, igualdade, à segurança e à propriedade, também regula o seu o acesso à
a Abin terá, entre outras funções, que assessorar pessoas e instituições, informação. Em seu inciso XIV, o artigo determina que todos têm direito
públicas e privadas, sobre as formas adequadas de se manipular e resguar- à informação, e o inciso XXIII garante a todos, isentos da obrigação do
dar conhecimentos sensíveis. pagamento de taxas, o direito a receber dos órgãos públicos informações
O primeiro passo do PNPC é desenvolver um trabalho de de seu interesse particular, coletivo ou geral, ressalvadas aquelas cujo sigi-
conscientização junto a determinados segmentos da sociedade brasileira lo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Os incisos
da importância de se proteger o conhecimento das ameaças ao desenvol- LXXII e LXXIII dispõem sobre a concessão do habeas data, que tem a
vimento nacional. Principalmente instituições relacionadas à economia, função de assegurar o conhecimento e/ ou a ratificação de informações
ciência e tecnologia. 261 pessoais junto aos organismos públicos. O habeas data é o principal ins-
Metodologicamente o PNPC utilizará entrevistas específicas para sua trumento legal para a garantia do direito à informação, obrigando legal-
apresentação e que, de acordo com as partes interessadas, serão seguidas mente os responsáveis a cederem as informações requisitadas. Diante de
por palestras de sensibilização e estágios. Esse trabalho de sensibilização sua presumida importância, gostaríamos de tecer um pequeno comentá-
dos possíveis usuários do PNPC abordará as técnicas, mecanismos e os no.
instrumentos utilizados pela espionagem industrial na busca por infor- Há no Brasil uma grande distância entre o reconhecimento legal e a
mações. A intenção é desenvolver um intercâmbio com órgãos governa- incorporação das expectativas na prática social. No que tange à publicização
mentais e instituições privadas nacionais que produzam e/ou custodiem de informações ainda existe uma "valorização explícita do conhecimento
conhecimentos julgados sensíveis, apresentando os cuidados essenciais para detido de forma particularizada, não universalmente disponível na socie-
a proteção desses conhecimentos. O PNPC também desenvolverá um dade" .262 O direito à informação figura associado com outros aspectos de
sistema destinado à proteção de informações classificadas. garantias do cidadão, e ao considerarmos que há distinção entre os direi-
Atualmente existe um grande arcabouço jurídico para amparar o tos de cidadania e os direitos que possibilitam a participação na cidada-
PNPC e a Abin na condução da atividade de inteligência em seu processo nia veremos que a caracterização civil do direito à informação não é tão
de guarda, classificação e disseminação de informações. Tendo como base clara.
a Constituição Federal de 1988 vemos que o Brasil desenvolveu vários O domínio público é um lugar controlado pelo Estado de acordo
dispositivos constitucionais para regulamentar a proteção de segredos com regras de difícil acesso, onde tudo é possivelmente permitido até o
públicos, bem como dispositivos que regem o acesso dos cidadãos à infor- ponto em que seja reprimido pela autoridade "que detém a competência
mação. para a interpretação correta da aplicação particularizada das prescrições
De forma simplificada, podemos entender segredos governamentais gerais". 26 3 No Brasil, a precariedade dos serviços públicos de atendimento
como uma retenção intencional de informações sob guarda do Estado e prestação de informações ao cidadão é, por si só, um indicador do cará-
que pode implicar alguma forma de sanção caso venha a ser de domínio ter autoritário do Estado. O pedido de habeas data é um ótimo exemplo
público. Direito à informação são os princípios legais que asseguram aos dessa práxis política.
cidadãos tanto o acesso a informações pessoais contidas em arquivos e Com a promulgação da Constituição Federal em 1988 houve um
bancos de dados governamentais, como informações sobre a administra- certo rebuliço na opinião pública, devido à instituição desse mecanismo
ção pública, ressalvadas as informações classificadas. · jurídico que possibilitaria aos cidadãos brasileiros obter informações so-
O art. 5º da Constituição, que assegura a todos os brasileiros e estran- bre o conteúdo de suas fichas, principalmente nos arquivos do Serviço
geiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
262
Lima, 1999: 116.
261
Homepage da Abin: www.abin.gov.br. 26 1
· lbid.
Nacional de Informações. Entretanto, logo em seguida, um parecer da dade responsável julga que a divulgação da informação não pode mais
Consultaria Geral da República deixava a cargo do chefe do SNI a avalia- colocar em perigo a segurança do Estado e nem as fontes ou os métodos
ção.de.quais dados poderiam ser revelados, em função da ressalva de sigilo empregados na obtenção daquela informação. A política de credenciais
no mctso XXXIII. Antônio Emílio Bittencourt faz uma análise mais deta- define as possibilidades de acesso a documentos classificados, o que vai
lhada desse processo, discorre sobre a frustração gerada por esse parecer e variar de acordo com o seu grau de sigilo.
confirma que os resultados do habeas data na prática foram muito menos O Decreto n2 2.134 também traz outras definições, como: a custó-
importantes do que se esperava. 264 A esse impedimento legal ainda se acres- dia; a responsabilidade pela guarda dos documentos; documentos osten-
centou a dificuldade de acesso aos canais institucionais regulares que pos- sivos, aqueles cujo acesso é irrestrito; documentos sigilosos, aqueles que
sibilitavam aos meios administrativos prorrogar o seu atendimento até a contêm assunto classificado e requerem medidas especiais de acesso; de
instância do Superior Tribunal Federal. Esses mecanismos se transforma- grau de sigilo, de gradação atribuída à classificação do documento sigilo-
ram em obstáculos quase intransponíveis para a utilização eficaz dessas so, que varia de acordo com a natureza do seu conteúdo e de reclassificação,
prerrogativas. como a atividade pela qual a autoridade responsável pela classificação dos
Na tentativa de regularizar o acesso a essas informações pessoais e a documentos altera a sua classificação.
proteção às informações, que por motivos de segurança devem ser retidas O decreto autoriza as instituições arquivísticas a criarem comissões
do conhecimento público, o Estado vem elaborando uma série de dispo- permanentes de acesso responsáveis pela análise periódica dos documen-
sições regulamentares que se tornaram parte da política de classificação e tos sigilosos sob sua custódia, submetendo-os sempre à autoridade res-
desclassificação de documentos. ponsável pela sua classificação. Essa autoridade constituída ainda deverá,
Por política de classificação pode-se entender os mecanismos de clas- no prazo regulamentar, efetuar, caso haja necessidade, a desclassificação
sificação e proteção de informações. Esses sistemas têm como práticas 0 de documentos.
uso de marcadores externos, de procedimentos de segurança e de restri- O decreto estabelece as seguintes categorias possíveis para os docu-
ções de acesso aos documentos relacionados com as informações que po- mentos sigilosos:
dem ser consideradas sensíveis para a defesa do país, ou então que fazem
parte de um programa de segurança de qualquer instituição pública ou a) ultra-secreto, para aqueles que requeiram excepcionais medidas de se-
privada. gurança e cujo teor só deva ser do conhecimento de agentes públicos
No que diz respeito a uma política nacional de classificação, esta sem- ligados ao seu estudo ou manuseio. São os documentos referentes à
pre depende da natureza do regime político, do grau de institucionalização soberania do Estado e à sua integridade territorial e os planos de guerra
da administração pública e das ameaças percebidas pela autoridade cons- e relações internacionais do país, cuja divulgação possa colocar em ris-
tituída. No caso brasileiro, a autoridade do Poder Executivo para classifi- co a segurança nacional. Esta classificação apenas poderá ser feita pelos
car documentos deriva do Decreto n2 2.134 de janeiro de 1997. chefes dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário federais;
Esse decreto regulamenta a política de classificação e de desclassifica-
b) secretos, para os documentos que requeiram medidas de segurança e
ção de documentos e também a política de credenciais de acesso aos se-
cujo teor ou característica possam ser do conhecimento de agentes pú-
gredos governamentais. A desclassificação de documentos significa are-
blicos que, embora sem ligação íntima com seu estudo ou manuseio,
moção do status de proteção previsto pela política· de classificação,
sejam autorizados a deles tomarem conhecimento em razão de sua res-
decorridos o tempo e/ou mudanças de contexto. Ocorre quando a autori-
ponsabilidade funcional. São documentos relacionados a planos ou
264
detalhes de operações militares, informações que indiquem instalações
Bittencourt, 1992.
estratégicas e assuntos diplomáticos que requeiram rigorosas medidas
Priscila Carlos Brandão Antunes

de segurança, cuja divulgação ponha em risco a segurança da socieda- arquivos públicos e privados. Ela confere ao poder público a responsabi-
de e do Estado. Essa classificação também poderá ser feita apenas pelos lidade pela gestão documental e pela proteção especial a documentos de
chefes dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário federais; arquivos como instrumento de apoio à administração, à cultura, ao de-
265
senvolvimento científico e como elementos de prova e informação.
c) confidenciais são aqueles documentos cujo conhecimento e divulgação
Amparada no art. 5º da Constituição, assegura a todos o direito a
possam ser prejudiciais ao interesse do país. Enquadram-se nesse perfil
receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de
os documentos cujo sigilo deva ser mantido por interesse do governo e
interesse coletivo ou geral, ressalvadas as informações classificadas. Atri-
das partes e cuja divulgação prévia possa vir a frustrar seus objetivos ou
bui ao Poder Judiciário a responsabilidade por determinar a exibição re-
ponha em risco a segurança da sociedade e do Estado. Além de ser feita
servada de qualquer documento sigiloso, sempre que indispensável à de-
pelos chefes dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário federais,
fesa de direito próprio ou esclarecimentos de situação pessoal da parte.
essa classificação também poderá ser feita por titulares dos órgãos da
Em 1998 o Poder Executivo baixou um outro decreto que procurou
administração pública federal, do Distrito Federal, dos estados, dos
atualizar a legislação de proteção de informações à realidade nacional,
municípios, ou ainda por quem haja recebido delegação para esse fim;
principalmente no que diz respeito aos avanços tecnológicos, adicionan-
d) por documentos reservados entende-se aqueles que não devam, ime- do ao Decreto nº 2.134 os procedimentos necessários para a salvaguarda
diatamente, ser do conhecimento público em geral. Aqueles cuja di- de documentos, materiais, áreas, comunicações e sistemas de informa-
vulgação, quando ainda em trâmite, comprometa as operações ou ob- ções de natureza sigilosa.
jetivos neles previstos. Sua classificação poderá ser feita por autoridades Documentos sigilosos são aqueles que requerem medidas adicionais
e por agentes públicos formalmente encarregados da execução de pro- de controle; materiais sigilosos são toda matéria, substância ou artefato
jetas, planos e programas. que, por sua natureza, devem ser de conhecimento restrito; áreas sigil~sas
são aquelas que custodiam documentos, materiais, comunicações e siste-
O decreto ainda fixa os prazos de classificação, que passam a vigorar a mas de informações sigilosas, que requerem medidas especiais de segu-
partir da produção dos documentos: 30 anos para os classificados como rança e permissão de acesso; comunicação sigilosa é a que contém dados,
ultra-secretos, 20 anos para os secretos, um máximo de 1O anos para os informações ou conhecimentos sigilosos.
documentos confidenciais e cinco para os reservados. De acordo com as O decreto busca estabelecer cuidadosamente os significados dos vá-
autoridades responsáveis, essa classificação pode ser renovada uma única rios termos utilizados dentro da política de classificação de forma a deli-
vez por igual período, ou então as informações devem ser desclassificadas mitar suas possibilidades de interpretação, como credencial de segurança,
e tornadas ostensivas. Apenas a autoridade máxima superior que classifi- necessidade de conhecer, investigação para credenciamento, entre outros.
cou o documento pode alterar o seu grau de sigilo. Em relação à gestão dos documentos sigilosos, determina os procedimen-
Esses documentos deverão ser guardados em condições especiais de tos necessários para sua classificação, para o controle dos documentos
segurança e os procedimentos relativos à emissão de credencial de segu- sigilosos controlados (DSC), e regula as possibilidades de indicações de
rança serão objeto de disposições internas de cada órgão ou instituição de grau de sigilo e sua reclassificação e desclassificação.
caráter público. A possibilidade de consulta a documentos pessoais de- Também dispõe sobre os cuidados necessários para a segurança das
penderá sempre da autorização prévia do titular da informação ou de seus informações classificadas no decorrer de sua expedição e comunicação,
herdeiros.
O Decreto nº 2.134 de janeiro de 1997 tem como respaldo jurídico a M Gestão de documentos é um conjunto de procedimentos c operações técnicas de produ-
ção, tramitação, uso, avaliação e arquivamento em fase corrente c intermediária, visando a
Lei nº 8.159 de janeiro de 1991, que regulariza a política nacional de
eliminação ou guarda permanente.
1 II.J\..IID \...DIIU) DIC211UdU 1-\IILUII~~

para o registro, a tramitação e guarda dos documentos e para a sua repro- res que justificam a existência de uma agência de inteligência, um dos
dução, preservação e eliminação. E regulamenta as normas para a imple- principais é justamente o fato de ela buscar, sigilosamente, informações
mentação das ações necessárias para a segurança das comunicações e dos que são negadas e/ou protegidas. Para ser eficaz, ela precisa interceptar
sistemas de informações, incluídas aí a criptografia, os materiais sigilosos comunicações, mas, se não possuir autorização legal para esse tipo de ati-
e a segurança das áreas sigilosas. vidade, estará agindo de forma ilegal. Entretanto, se não faz esse tipo de
Do ponto de vista da cidadania percebemos que essas leis e decretos busca de informações, não há justificativa para a sua existência, uma vez
estão muito mais voltados para os interesses do Estado em assegurar a que o Brasil possui várias instituições conceituadas que poderiam subsi-
posse de informações consideradas sensíveis do que para facilitar a con- diar o governo fornecendo informações de modo eficiente.267
cessão de informações de interesses do cidadão. A ausência de uma defini- Quando essa lei que regulamenta a interceptação de fluxos foi apro-
ção mínima do conceito de "segurança nacional" ainda poderá ser um vada em 1996, a Abin já havia sido criada através da Medida Provisória nº
instrumento importante na interpretação jurídica, que autorizará, ou não, 813, de janeiro de 1995, mas o Poder Executivo ainda estava buscando
a liberação de documentos pessoais. Poderíamos lembrar que na adminis- formas e subsídios para elaborar o projeto que deveria ser apresentado ao
tração José Sarney, já no regime democrático, a ocultação de gado pelos Congresso Nacional. A não autorização à Abin para operacionalizar a
criadores durante o Plano Cruzado foi considerada uma ameaça à segu- interceptação de fluxos deve ter sido feita propositadamente, visando a
rança nacional.2 66 limitar sua área de atuação. Uma nova tentativa de evitar que velhos erros
No que compete à Abin, essa legislação procurou dotá-la de mecanis- fossem cometidos. Mas se a intenção foi boa, na prática se transformou
mos legais necessários para a proteção de informações classificadas e para em um empecilho legal ao seu bom desempenho.
a neutralização das capacidades dos atores adversos. Todo esse esquema Como o Poder Legislativo ainda impõe uma resistência em relação à
de segurança envolve não apenas a guarda e classificação de documentos área de inteligência, acreditamos que caberá ao Executivo prosseguir na
como também a proteção física de instalações, pessoal e equipamento. tentativa de corrigir essa lacuna que impossibilita à Abin agir de forma
Embora as formas de acesso, proteção e custódia de informações clas- eficiente respeitando os preceitos constitucionais. O que o Poder Executi-
sificadas estejam definidas, o Poder Executivo ainda não dotou a Abin de vo já fez até então, no sentido de superar o estigma da atividade de inteli-
mecanismos legais que lhe possibilitem acessar informações através da gência, será o objeto desta última seção.
interceptação em sistemas de telefonia e informática. De acordo com a
Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, apenas é permitida a interceptação
de fluxos de comunicação para fins de investigação criminal e em instru- IV
ção processual penal. E, mesmo assim, sua licença dependerá de uma
Poder Executivo e estigma: elementos de fuga
autorização judicial que deverá seguir uma série de requisitos; entre eles, o
de terem sido esgotados todos os outros meios disponíveis para a obten- No decorrer dos últimos cinco anos o Poder Executivo vem tentan-
ção de provas. Sob forma alguma a agência se enquadra nessa determina- do, sob várias formas, atrair a simpatia das sociedades civil e política na
ção legal. intenção de que reconheçam a importância da atividade de inteligência
Provavelmente uma das novas metas do Poder Executivo deverá ser a como essencial para a segurança do Estado. Nesse sentido, um de seus
de enquadrar a Abin nesse instrumento legal ou criar ~ma nova regula-
mentação que a autorize recorrer a tais práticas. Vimos que entre os pila- 267
Mesmo se for realmente para o país assumir a atividade de inteligência enquanto "forne-
cedora de todo tipo de informação para todas as decisões", com certeza, por exemplo, a
266 Fundação Getulio Vargas poderá subsidiar a Presidência da República com análises econó-
Plano económico implantado na administração José Sarney que, entre outras medidas,
congelou o preço dos alimentos por um ano. micas muito mais bem elaboradas do que qualquer analista da Abin.
Priscila Carlos Brandão Antunes

objetivos principais seria o de convencer a sociedade de que a instituição


Memorin está situado no térreo do prédio A do complexo da Abin, no
de um Sistema Brasileiro de Inteligência faz parte do processo de reforma
setor policial de Brasília. Nele podem ser encontradas fotos dos di~igentes
do Estado brasileiro e visa, principalmente, ao fortalecimento das bases
do SNI, regimentos, normas e boletins desses órgãos, além de d1~lomas
institucionais da democracia.
concedidos a seus agentes e equipamentos utilizados no desenvolvimento
A estratégia inicial do governo foi a de dar uma maior visibilidade à
da atividade de inteligência, como minicamêras fotográficas e criptógr~fos.
discussão sobre a atividade de inteligência, possibilitando seu acesso tam-
Em 1999 a SSI disponibilizou um site da Abin na Internet e pubhcou
bém ao público. Essa postura foi defendida principalmente a partir do
um livro contendo passagens da história da atividade de inteligência no
momento em que o general Alberto Cardoso assumiu a responsabilidade
pela elaboração da Abin. 268 Isso significou, entre outras coisas, um grande Brasil. O site apresenta um amplo leque de informações sobre a ~~ência,
número de entrevistas concedidas pelo general à imprensa e a acadêmicos permitindo aos usuários da rede mais esclarecimentos sobre as at1v1dades
em geral. desenvolvidas pela agência. . . . .
Em março de 1998, a Subsecretaria de Inteligência participou do O livro faz um histórico do desenvolvimento da atlVldade clVll de
IV Encontro Nacional de Estudos Estratégicos, coordenado pela Unicamp. informações/inteligência brasileira, atendo-se principalmente ao p~oc.es­
Nesse encontro a subsecretaria organizou uma mesa-redonda sobre "A so de institucionalização da atividade. A intenção era oferecer ao pubhco
Atividade de Inteligência, o Estado e a Sociedade", que contou entre os acadêmico "fontes abertas, com registras precisos e cronologicamente es-
seus expositores com o general Alberto Cardoso, com o deputado José tabelecidos, que proporcionassem o pleno entendimento dos fatos e das
Genoíno e com o jornalista Antônio Carlos Pereira, de O Estado de S. situações que levaram os dirigentes nacionais a institucionalizá-la". 271
Paulo. Para isso, traz um "conteúdo ostensivo" de informações, e em deter-
Em dezembro de 1999 a Abin convidou o jornalista Carlos Chagas, minados momentos utiliza dados que haviam sido anteriormente consi-
autor de A guerra das estrelas, e o professor Marco Aurélio Cepik, do De- derados sigilosos. 272 Esse livro também serviu como ferramenta para di-
partamento de Ciência Política da UFMG, para proferirem palestras du- vulgar 0 novo papel da atividade d~ inte~i~ência no. cen~r~o ~acional e
rante a II Reunião Semestral Interna dos Diretores Regionais da Subse- reafirmar o aspecto ético que perme1a a at1v1dade de mtehgenCla.
cretaria de Inteligência. O objetivo desse convite era "estabelecer um maior
diálogo entre academia e imprensa" .269 A atividade deve ser essencialmente ética, fUndamentada em um quadro
de valores que cultue a verdade( .. ) a honra( ..) e a conduta pessoal clara.
No sentido de preservar a memória e de dar subsídios à pesquisa, a
Caberd à ética impedir que a lógica do analista o desvie para os trilhos da
SSI já havia inaugurado, em julho de 1998, o Memorial da Inteligência
opinião, ao invés de dirigi-lo para o campo aberto da verdade. 273
(Memorin). Com isso pretendia reviver a história da atividade de inteli-
gência no Brasil e mostrar sua trajetória, "seguindo as finalidades da mu- De acordo com a perspectiva do general Alberto Cardoso explícita no
seologia e da conservação ordenada e sistemática do passado". 270 O livro, a elaboração de um código de ética para a carreira de inteli~ência
268 dentro da Abin servirá também como um instrumento de controle mter-
Antes disso, acredito que não houve outra atitude por parte da Presidência da República
de abrir esse debate. Já havia sido criada a Abin através de uma medida provisória e o general no e externo sobre a agência e seus integrantes.
Fernando Cardoso, nomeado o responsável pela estruturação da agência. Há a hipótese de A postura dos analistas de inteligência na condução da atividade tem-
que o governo tenha resolvido elaborar um projeto de criação para a ·agência, após ter criado se destacado como uma das principais preocupações apresentadas tanto
uma situação de fato, após o constrangimento de ter sido criado um sistema de inteligência
pelo Poder Executivo quanto pela mídia e academia. As formas que o
sem passar pelo Legislativo, e nesta casa encontravam-se vários projetas de lei que tentavam
regulamentar a atividade. 271
269 Oliveira, 1999:11.
Pronunciamento do general Alberto Cardoso em 6 de dezembro de 1999. 272
270 Ibid., p. 12.
}orna! da Abin. Brasília, 1, dez. 1998. 273
Ibid., p. 10.
Poder Legislativo encontrou para tentar sanar este problema vêm sendo o técnicas utilizadas pelo Legislativo e pelo Executivo na campanha deva-
estabelecimento de controles externos sobre a Abin. O Poder Executivo lorização da atividade, seria frustrante não abordar os resultados obtidos,
também adorou suas medidas para dar mais confiabilidade a seus funcio- ainda que superficialmente. Por isso optamos por apresentar de forma
nários. Está elaborando o código de ética, que atuará sobretudo como bem sucinta algumas posições e atitudes colocadas em prática pela Subse-
uma norma de correição interna da Abin; vem desenvolvendo um traba- cretaria de Inteligência e pela Abin no decorrer destes últimos anos.
lho de reciclagem com os funcionários remanescentes do SNI, através de Entre as principais observações, constatamos que as declarações do
palestras e exposição de textos divulgados; e, em relação aos analistas que general Alberto Cardoso, dadas desde quando assumiu a responsabilida-
estão entrando na agência através de concursos públicos, está exigindo de da Abin, estavam, em alguns casos, se chocando com os fatos do co-
um estágio probatório de três anos para efetivar sua contratação. nhecimento público. Passemos a alguns exemplos. No editorial do jornal
Entretanto, vale frisar que essa exigência tem a função principal de da Abin de dezembro de 1998 o general Cardoso reafirmou que em ne-
minimizar os prejuízos que podem surgir da contratação de analistas atra- nhuma circunstância o serviço de inteligência poderia ter uma função
vés de concurso público. Como a Constituição prevê a admissão de pes- policial, fazendo investigações "ainda que tacitamente, informalmente". 275
soal apenas através desse processo, os encarregados da Abin vêm estudan- Entretanto, em pelo menos dois momentos distintos, o general Alberto
do formas alternativas de contratar agentes para seu quadro. 274 Trata-se de Cardoso ordenou à Abin conduzir investigações. A primeira vez foi du-
uma questão muito delicada, pois a admissão de agentes através de con- rante o "escândalo dos grampos", no processo de privatização das empre-
curso público abre as portas da agência a todo tipo de pessoas, inclusive a sas estatais de telefonia. Nesse escândalo foram envolvidos diretamente
agentes de serviços de inteligência adversários. Mas ao mesmo tempo se- agentes e diretores da Abin. Em princípio o general Alberto Cardoso co-
ria impraticável a contratação de todo o quadro da agência através de locou agentes do órgão para conduzir investigações sobre a procedência
requisição. Em primeiro lugar, como a Abin está sendo reorganizada e das fitas que foram encontradas. Apenas um mês depois as investigações
precisa reconstruir seu quadro de funcionários, seria absurdo requisitar a foram transferidas da Abin para a Polícia Federal. 276 "O caso dos gram-
contratação de centenas de pessoas. Em segundo, o processo de requisi- pos" deu notoriedade indesejada ao general Cardoso, além de ter suscita-
ção poderia explicitar uma coloração político-ideológica do governo. De do na imprensa um debate sobre o arquivamento do Projeto de Lei n2
qualquer forma, a nova alternativa que o governo encontrar para a forma- 3.651, que cuidava da regulação da agência. 277
ção do seu quadro encontrará resistências, principalmente da imprensa. A segunda foi quando o general Cardoso declarou que, a pedido do
Se ao adorar uma postura constitucional o governo foi muito criticado então ministro da Defesa Élcio Alvares, a SSI iniciaria ~s investigações
pela mídia, difícil imaginar a reação desta quando a forma de admissão sobre as denúncias do seu possível envolvimento com o crime organizado
for mudada. no Espírito Santo. 278 O general já havia declarado que casos de corrupção
Mas não será apenas essa alteração que fará com que a Abin continue sempre corroem a credibilidade do governo, e que por isso, quando soli-
enfrentando resistências da sociedade brasileira em relação à sua imple- citada pela Presidência da República, a Abin poderia fazer o levantamen-
mentação e atuação. Porque, além de desenvolver uma série de atitudes to de informações pessoais sobre pessoas que o presidente desejasse indi-
sérias e importantes para atrair a simpatia da sociedade, também vem
m jornal da Abin. Brasília, 1, dez. 1998. Editorial.
tendo uma atuação que pode ser considerada questionável. 276 Entre as várias fontes podem-se citar a entrevista que o general concedeu à revista Época,
A avaliação dos resultados do Executivo não é uma proposta dessa publicada na terceira semana de novembro de 1998, os jornais O Estado de S. Paulo (9-2 e
obra. Mas, apesar de o principal objeto de análise ser a abordagem das 27-5-1999) e O Globo (Rio de Janeiro, 26-5-1999).
277
O Estado de S. Paulo, 7-6-1999, e O Globo, 2-6-1999.
274
Entre os serviços de inteligência conhecidos, a Abin se destaca como a única agência do 278
Folha de S. Paulo, 2-10-1999.
mundo a contratar seus analistas por concurso público.
I II.J\.110 \..OIIU.J DI CIIIUOU 1"\.IILUIIt:)

car para algum cargo de confiança. 279 Isso é completamente diferente de apoiar as ações da polícia no desmantelamento do crime organizado e no
realizar investigações para comprovar ou não casos de corrupção. combate ao narcotráfico. Entretanto, já existe no âmbito da Polícia Fede-
Há outros dois problemas relacionados à Abin que talvez não sejam ral e das polícias estaduais setores de inteligência responsáveis por essa
percebidos pela sociedade de forma imediata, mas que pelo menos já cau- função, que deveriam ter missões muito diferentes da Abin. Agências,
saram certo incômodo na academia e na imprensa. Em primeiro lugar é inclusive, que não foram regulamentadas pela lei que criou o Sisbin.
estranho que em praticamente todas as ocasiões em que há declarações do Em relação à organização desse sistema poderíamos destacar um ou-
Executivo sobre alguma coisa relacionada à agência elas sempre envolve- tro ponto. Quando questionado sobre o fato da não regulamentação dos
ram o general Alberto Cardoso. É ele quem ordena levantamentos, quem vários órgãos de inteligência existentes no país, o general Alberto Cardoso
fala para a imprensa sobre aAbin, quem dirige suas atividades. No entan- afirmou ser necessário enviar uma lei enxuta para a criação da Abin e do
to, seria interessante relembrar que uma das formas de controle externo Sisbin, de forma que ela fosse aprovada rapidamente pelo Congresso. Era
do Legislativo sobre o sistema de inteligência seria a aprovação pelo Sena- preciso regularizar a situação da Abin. 281
do do nome indicado para diretor-geral daAbin, portanto a pessoa indicada Em reunião realizada pela Credena após o envio do Projeto de Lei nQ
para realizar sua administração. O general Alberto Cardoso nunca teve 3.651 à Câmara dos Deputados, o deputado José Genoíno questionou a
seu nome submetido à aprovação no Senado. Quem teve seu nome apro- regulamentação do Sisbin. Expôs opinião de que, se realmente fosse cria-
vado em 15 de março de 2000, após votação secreta em que obteve 60 do um "sistema de inteligêncià', seria necessário regulamentar também os
votos a favor e sete contra, foi o coronel Ariel de Cunto. O coronel De outros órgãos de inteligência. Mas caso o projeto não se propusesse a fazê-
Cunto está aparecendo como figurante dessa história. lo, seria mais prudente falar de convênios do que de sistema. 282
Uma possível explicação para a constante presença e atuação do gene- Em resposta ao deputado, o general Alberto Cardoso explicou que,
ral Alberto Cardoso nos assuntos relacionados à Abin poderia ser o fato da forma em que se pretendia organizar o sistema, não seria necessário
de ela estar subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional, que 0 regulamentar esses outros órgãos. A expressão "convênios" teria sido uti-
general chefia. Mas nesse caso entra-se em uma nova contradição. O ge- lizada anteriormente na elaboração do projeto, mas alguns pareceres téc-
neral Cardoso já havia declarado que a agência, "por suas características nicos sugeriram que ela fosse retirada. De acordo com o general, a idéia
intrínsecas e como órgão central do Sisbin", ficaria subordinada direta- de sistema não pretendia uma noção de verticalização com implicações
mente ao presidente da República, que receberia com exclusividade as hierárquicas; deveria ser entendida apenas como uma coordenação de flu-
informações e análises. 280 Nessa forma ela foi aprovada pela Câmara dos xos, uma convergência de informações para a Abin. O Sisbin seria uma
Deputados e pelo Senado Federal. Mas, sem justificativas aparentes, 0 sistema aberto e, de acordo com o general, recebeu esse nome apenas
presidente Fernando Henrique Cardoso, através da Medida Provisória porque não havia um termo mais apropriado para "a metodologia de pro-
nQ 1.999-4, de 13 de janeiro de 2000, retirou aAbin da assessoria imedia- dução de conhecimento para o presidente da República vindo de várias
ta da Presidência e a subordinou ao Gabinete de Segurança Institucional. fontes". 283
Outras incertezas em relação à agência já tinham vindo à tona em Para esse mecanismo funcionar de forma eficaz, haveria a necessidade
momentos anteriores. A relação da Abin com a Polícia Federal no âmbito de um órgão central que supostamente evitaria a superposição e a du-
da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), por exemplo.·O general Alberto 281
Alberto Cardoso. Audiência pública realizada na Câmara dos Deputados em 21 de maio
Cardoso afirmou que a atividade de inteligência é imprescindível para de 1996.
282
José Genoíno, Reunião da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, 3 de
279 dezembro de 1997.
O Estado de S. Paulo, 8-8-1999. 283
280 Alberto Cardoso. Reunião da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, 3 de
Oliveira, 1999:9.
dezembro de 1997.
I ll.li\.IIU "-UIIVJ ..,IUIIU'-I\,1 "11\.UII.._J

plicidade de esforços, o desperdício de tempo, de recursos humanos, de presídios e, entre outras coisas mais, ao financiamento do aparato de inte-
materiais etc. De qualquer forma, constata-se que a Lei nQ 9.883 se limi- ligência. 284
tou a regulamentar apenas parte do Sistema Brasileiro de Informações. Embora seja necessária a reformulação da política de segurança na-
Outras duas questões muito sérias relacionadas ao processo de com- cional, essa reformulação não deveria ter sido feita no âmbito do sistema
plementação da legislação da Abin dizem respeito ao seu envolvimento de inteligência. Existem incertezas quanto à eficácia e conformação da
com a atividade de segurança. Primeiro, o Poder Executivo enviou ao agência, uma vez que ainda se encontra em estágio de organização e de
Congresso em março de 2000 um projeto de lei que autorizava aos analis- formação dos primeiros analistas, e que ainda é composta por remanes-
tas da Abin o porte de armas. Mas se a função desses agentes é, principal- centes do SNI, formados dentro de um outro perfil institucional, não
mente, analisar as informações recebidas, como vem enfatizando o gene- democrático. O fato de a Abin dispor de um orçamento substancial para
ral Alberto Cardoso, não há sentido em liberar o porte de armas para os administrar informações que potencialmente podem se converter em chan-
mesmos. tagens, ameaças e corrupção é uma realidade. Pois, até que se prove o
O segundo problema é a inserção da Abin em assuntos que dizem contrário, a nova agência de inteligência continua com a suspeita de pos-
respeito à segurança pública e não à defesa nacional. Não bastasse o en- suir uma forte "herança genética do SNI".
volvimento da agência no combate ao tráfico de drogas no âmbito da
Senad, também se tornou responsável por administrar assuntos relacio-
nados à segurança pública.
O Decreto nQ 3.448, de 5 de maio de 2000, criou o Subsistema de
Inteligência de Segurança Pública no âmbito do Sisbin com a função de
coordenar e integrar as atividades de inteligência de segurança pública em
todo o país, tendo a Abin como órgão central e seu diretor-geral como
presidente do subsistema. Até então sabíamos que apenas os órgãos obri-
gados a compor o Sisbin seriam os órgãos federais subordinados à Presi-
dência da República. A participação de instituições públicas de outras
esferas dependeria de convênios que seriam estabelecidos de acordo com
o interesse de cada uma. A partir desse decreto as secretarias de segurança
pública se tornaram, compulsoriamente, componentes do sistema. Resta
saber qual será o grau de aceitação das mesmas nesse processo e a partici-
pação que elas efetivamente terão.
Mas mais do que a cooperação entre os órgãos de segurança pública,
o que preocupa é que o subsistema terá como eixo de análise problemas
relacionados à segurança das cidades, com o acompan~amento de meno-
res infratores, a reformulação do código penal e outras questões. Prevê-se
para a implementação do subsistema um orçamento significativo desti-
nado à criação de polícias comunitárias, à ampliação do número de poli-
ciais federais, ao reequipamento de polícias marítimas, à construção de 284 O Estado de S. Paulo, 11-4-2000.
Conclusões

A ATIVIDADE DE inteligência é um instrumento de poder do Estado e tem


como objetivo a busca de eficácia na condução da política de defesa na-
cional e, em última instância, da própria manutenção da ordem de um
país. É uma prioridade do Poder Executivo, que tem entre os seus atribu-
tos a responsabilidade constitucional de garantir a segurança do cidadão,
as relações externas, a integridade territorial e a execução dos objetivos da
política externa.
Inteligência, na acepção utilizada neste livro, é um conceito diferente
de informações e de espionagem. Refere-se apenas a certos tipos de infor-
mações relacionadas à defesa do Estado, às atividades desempenhadas no
sentido de obtê-las ou impedir que outros países as obtenham, e às orga-
nizações responsáveis pela realização e coordenação da atividade na esfera
estatal. Ou seja, caracteriza-se pela aquisição, processamento, análise, pro-
dução e disseminação de informações sensíveis à área de política externa,
defesa nacional e à autopreservação do Estado de direito.
Por sua vez, contra-inteligência é toda inteligência sobre as capacida-
des, intenções e operações dos serviços de inteligência estrangeiros. En-
volve a implementação de medidas ativas no estrangeiro e a elaboração de
mecanismos para a defesa de informações e materiais sensíveis à seguran-
ça do Estado. Segurança que em termos organizacionais é obtida através
de padrões e medidas de proteção para conjuntos definidos de informa-
ções, instalações, comunicações, pessoal, equipamentos e operações.
O conjunto do aparato estatal utilizado para a realização dos estágios
do ciclo descrito (demanda-coleta-análise-produção-disseminação) é co-
Priscila Carlos Brandão Antunes

~hecido po: sistema. de inteligência. Esse sistema circunscreve um


)~:to espect~co_e fimto d~ funções e missões típicas de Estado, desen~o~~ de 1964, absorvendo-lhe as estruturas e mão-de-obra. O SNI foi criado
VI as por agencias executivas, coordenadas com a isenção de prestar informações sobre sua organização, seu funcio-
dente da Rep 'bl" . por representantes do presi-
u Ica e responstvas ao Congresso N . I ' J . namento e seu efetivo. Ou seja, sem a obrigação de ser reponsivo a nin-
público nos termos da Constituição e da lei d . a~wnda, a ~sttça e ao guém, à exceção do próprio Executivo que o conduzia. O SNI não teve
0 · . e cnaçao o servtço
s sistemas de Inteligência surgiram duran .. . seu sistema organizacional e nem suas funções previamente estabelecidas;
zação estatal ocorrido após a II Guerra M d. ~e~ processo de racwnah- foi criado de uma forma flexível que o possibilitou armar um verdadeiro
turas de inteligência que emergiram do un ~. esse decurso, as estru- complexo de informações e se inserir de forma institucionalizada em todo
e foram aos poucos b d" d aparato e guerra se autonomizaram
' , su or ma as ao pod · ·1 o aparato do poder público.
militares fossem desmantelados O . er CIVdi, sem _que os aparatos
acompanh I - ~ . crescimento esses sistemas também Com o aumento das pressões da oposição no final da década de 1960,
ou a exp osao tecnologtca d · , , . houve uma rearticulação nos objetivos da segurança nacional que se
especializadas produtoras de inform:çi~e e~ugroarntgdem aslvanas agências
O B ·1 · d e esca a consubstanciaram de várias formas; entre elas, a criação do Centro de
rast ' am a que em parte tamb, . . Informações do Exército e do Núcleo do Serviço de Informações e Segu-
ve - , em se Insere neste processo Hou-
u~a PI reocupaçao com a atividade no âmbito do Conselho de D. fc rança da Aeronáutica. A Marinha, que já havia criado o seu serviço de
N acwna em 1927 fc · e esa
. ' mas OI apenas no contexto pós-II G informações em 1955, reformulou-o, criando o Cenimar, órgão militar
surgimento da Guerra Fria ue o , uerra e com o
gãos de informações/intelig!cia. pats começou a dar corpo aos seus ór- famoso por sua competência e discrição. Quanto ao SNI, teve o número
de suas agências ampliado e o seu ministro-chefe passou a ter o poder de
- A_ Guerra Fria constrangeu a maioria dos países a tomarem uma . veto, uma prerrogativa que até então era atribuída apenas aos ministros
çao dtaflnte-do novo cenário político internacional e obrigou-os post- de Estado.
nova re exao em rei - a uma
perspectiva id I , _açao a sua segu~ança. Nesse sentido, o Brasil adorou a A participação oficial das Forças Armadas contra a oposição foi ofi-
, eo ogtca norte-amencana que aprofundou sua influênci cializada através das diretrizes especiais do governo Médici e da criação do
no pats, sobretudo nos aspectos econômt"co e "I" a
N · mtttar. Sistema de Segurança Interna (Sissegint). Ao alocar a responsabilidade de
o Brast~ os serviços de informações foram criados e direcionad coordenação do combate à subversão no Ministério do Exército, o fun-
parada resoluçao de questões internas, obedecendo apenas a um d os
Pas o processa d e fcormaçao - dos Sistemas
. a as eta- cionamento do Sissegint passou a depender do relacionamento entre os
de intel" A • • • •

Não houve no país um . tgenCia mternacwnats. respectivos ministros militares das três forças e dos comandantes militares
a autonomiZação da r· 'd d d · 1. A •

relação ao "fazer a guer , M a IVI a e e mte tgencta em com os chefes dos serviços de informações de cada força. Relacionamento
ra · esmo os órgão T · , fc .
contexto ideológico da G F. d s mt Itares Ja oram cnados no que, indicam os comandos paralelos e o confuso fluxo de informações,
uerra na e se esenvol b d
aparato repressivo do Estado. veram, so retu o, como não se desenvolveu de forma consensual.
Em 1946 o governo criou o Serviço Feder I d I fc - Amparada nas diretrizes especiais, essa comunidade de informações
tra-Informações (Sfici), subordinado ao Conse~ho edenSormaçoes ~C~n- se inseriu nos vários níveis da sociedade brasileira e se tornou, no final da
nal, apenas implementado a partir de 1958 com I begur:nça act?- década de 1960, uma ampla rede de informações, que tinha como res-
1 ' · d a co a oraçao e 0 apOio ponsabilidade acompanhar os vários campos da ação governamental, so-
c~;l::~~a eot~overno norte-americano, serviço de informações cuja eficá- bretudo no que dizia respeito à segurança interna nacional.
s a para ser comprovada.
O Serviço Nacional de Informações (SNI) fot· o , - . "l b Suas formas de atuação compreendiam a violação dos vários tipos de
· · Sfi · · . orgao ctvt que su s- direitos do cidadão, tanto civis quanto humanos. A única prática apre-
tltutu o ICI Imediatamente após o golpe militar engendrado em março
sentada de forma controversa foi a tortura, pois violação de correspon-
Priscila Carlos Brandão Antunes
.11~1 ()( 1-101n

não poderem mais atuar livremente quanto pela perspectiva das sanções
~ências, gr~mpos telefônicos e prisões sem mandados de busca foram prá-
que poderiam vir a sofrer com o fim do regime militar. Como resistência
ticas assumidas como rotineiras pelos depoentes.
à saída do poder tentaram, em princípio, convencer as autoridades de que
Alguns mil~tares nega.m de forma veemente a prática da tortura, que
os conflitos sociais ainda ameaçavam a segurança interna do país e preju-
nem mesmo foi uma novidade do regime militar, pois longe de ser uma
dicavam o desenvolvimento nacional. Não alcançado esse objetivo, ape-
das distorções do sistema repressivo e investigativo brasileiro é apenas um
laram para a resistência violenta ao processo de abertura. Agências que
d~ seus componentes tradicionais. Diante das incontestáveis provas de
agiam de forma competitiva em outros momentos uniram forças no c~m­
vwlação, esses militares relativizam a tortura, subestimando aspectos rele-
bate à abertura, o que resultou em uma série de atrocidades comendas
vantes para a sociedade civil e superdimensionando valores atinentes à
pela direita no final da década de 1970 e começo da de 1980, como as
carr~i~a militar.,~ exceção do general Adyr Fiúza de Castro, aqueles que mortes do jornalista Wladimir Herzog e do operário Manoel Fiel Filho e
admmram a pratica de tortura no país não a assumiram como uma atitu-
os atentados a bomba em bancas de jornais, à OAB, ABI e Riocentro.
de corriqueira. Existe por parte dos depoentes uma insistência em admiti-
Foi a atuação desses órgãos no período militar, que confundiu ativi-
la :penas enquanto ."atitudes isoladas" praticadas por "comandos parale-
dade de informações com atividade de segurança, a responsável pela re-
l~s .. Apesar .do envio de oficiais brasileiros ao exterior para aprenderem
pulsa de parte da sociedade brasileira aos serviços de informações e inteli-
tecmcas de Interrogatório e tortura, da utilização de cobaias brasileiras
gência, demandando uma reformulação dos órgãos de informações no
nas aulas sobre tortura, ela nunca foi admitida pelos militares como prá-
processo de amadurecimento da democracia brasileira nos anos 1990.
tic~' ins.titucional, sendo sempre abordada como uma questão de "exces-
De acordo com a legislação sobre a organização das Forças Armadas
sos . Amda que houvesse uma cadeia de comando paralela aos comandos
podemos perceber que houve mudanças nessa década, pelo menos no que
hierárquicos, que ~ecorreu ao. us? da tortura e se desenvolveu principal-
se refere à nomenclatura dos antigos serviços. Mas essa manobra utilizada
mente pela necessidade de ottmizar a coleta de informações, esta cadeia
pelas três forças para retirar dos órgãos de inteligência das Forças Arma-
nã~ atu~va sem o conhecimento do comando regular. A tortura foi insti-
das o estigma que carregam ainda está longe de alcançar seu objetivo. Para
tuciOnalizada durante o regime militar, sendo utilizada, à vista dos cursos
além da alteração nominal, as mudanças empreendidas não foram tão
ministrados dentro das Forças Armadas, como um método científico de
significativas como pretenderam demonstrar os depoentes. Apesar de des-
obtenção de informações.
pidos do caráter ideológico que os moveu anteriormente, esses órgãos
~om a aniquilação ?~ oposição armada no país, acreditava-se que
ainda estão longe de se preocupar apenas com as funções típicas de uma
havena um refluxo das at1Vldades do SNI e dos órgãos de informações das
atividade de inteligência militar. Assim como a atividade ensaiada pelo
Forças Armadas. No entanto, no período de maior liberalização do regi-
Departamento de Inteligência da SAE também esteve longe de se confi-
me, o SNI teve ~ova expansão, explicada principalmente pela relação pes-
gurar como um intelligence service. Ainda há uma grande dificuldade no
soal entre o presidente da República João Batista Figueiredo e o ministro-
Brasil de perceber o adversário externo como o principal alvo de uma
chefe do SNI, Otávio Medeiros.
atividade de inteligência, o que é perfeitamente compreensível, uma vez
Acreditamos que, apesar da conduta do SNI durante o mandato do
que os órgãos de informações foram criados no país para monitorar a
p:esidente José Sarney, abord.ada no segundo capítulo, havia uma preten-
sao ~e reformular suas doutrinas, processo interrompido com a posse do segurança interna.
Desde o começo da década, os poderes Executivo e Legislativo vêm
presidente Fernando Collor e a extinção do serviço.
tentando reelaborar o órgão civil de inteligência brasileiro, mas com um
Os órgãos de informações militares se sentiram extremamente amea-
objetivo bem diferente do proposto pelos modelos ocidentais, que, em
çados com o fim da luta armada e o início do processo de distensão im-
tese, é o defendido por eles. Não há a percepção da atividade de inteligên-
posto pelo presidente Ernesto Geisel em 1974, tanto pela perspectiva de
• ,,_,..,,, ... .._ ... ,,...,.., ..,, unuuv rliiLUII"-..J

dimentos individuais. A redundância na legislação pode resultar em ten-


cia como necessária, principalmente, para subsidiar o sistema de defesa
sões dentro do próprio governo. . . ,
brasileiro, e não o de segurança. O almirante Flores, por exemplo, foi um Agir dentro de parâmetros estabelecidos pela mawna do~ patses de-
dos que declararam que a atividade de informações voltada para a área mocráticos e conquistar a confiança da soc_iedade s~rá um cammho para _a
externa era um luxo a que apenas algumas potências poderiam se dar. Abin superar sua herança genética e amemzar o esugma que carr~ga. _Pots
Houve no Poder Legislativo um crescimento de seu interesse nos as- os resultados apresentados pela Lei n2 9.883, as con_fusões concelt~ats, as
suntos relacionados à atividade de inteligência no país, ainda que singelo. definições vagas, os objetivos muito amplos, acres~tdos de um batxo en-
Mesmo os parlamentares que se envolveram nesse debate ainda não se volvimento parlamentar e a ação do Poder Execuuvo que q~~se anula _os
aprofundaram no tema, sobretudo no que diz respeito à delimitação das efeitos benéficos de um lento trabalho de sensibilização, extgtrão, mUlto
capacidades e mandatos da atividade de inteligência. mais do que palavras, ações. . . A • •

A Lei n2 9.883, que criou a Abin em 1999, é a comprovação de que Para a criação de um sistema brasileiro de ~nteltgenCl~ efi~tente e
este debate ainda é travado de forma muito superficial tanto pelo Execu- responsivo será necessário apropriá-lo para as reahdades nacwnats e para
tivo quanto pelo Legislativo. Como afirmou o próprio coronel Ariel de os desafios internacionais, tomando-se todo o cuidado ~ara que ~ão se
Cunto, em entrevista à autora, naAbin em setembro de 1999, "a natureza autorize legalmente a (re)criação de um supersistema de mformaçoes.
dos serviços de inteligência no mundo inteiro é a mesma, não dá para ser
diferente". Todavia, é predominante a visão de que a atividade de inteli-
gência é simplesmente o subsídio de informações para o processo decisório
governamental. Justificam a necessidade da Abin pelo fato de existir ser-
viço de inteligência em praticamente todas as outras democracias. No
entanto, o escopo proposto para a Agência Brasileira de Inteligência dife-
re, completamente, daquele que norteia a atividade de inteligência nessas
democracias.
É preciso dizer que a atividade é necessária no Brasil porque a expe-
riência histórica e os ordenamentos constitucionais contemporâneos re-
conhecem agressão militar, espionagem, invasão territorial e subjugação
econômica como ameaças externas plausíveis, capazes de engendrar res-
postas dos Estados ameaçados. Esta é a única acepção para a atividade de
inteligência que recebe legitimidade nas democracias.
Mas a principal crítica em relação à Abin não é elaborada pelo fato de
~la não se encaixar no padrão ocidental, divulgado como modelo. Ficou
:laro que a percepção da atividade de inteligência no Brasil passa, princi-
>almente, pelo acompanhamento de questões internas._ A crítica se faz
>ela falta de delimitação da possibilidade de atuação da nova agência.
Era necessário que as reais preocupações com a eficácia da agência e
eu controle fossem definidas de forma clara. A falta de clareza conceituai
obre suas finalidades e prioridades deixa a Abin vulnerável a empreen-
Fontes

Entrevistas realizadas pela autora

Ariel de Cunto da Rocha (Brasília, set. 1999).


Fernando Henrique Cardoso (Brasília, set. 1999).
t
José Genoíno (Brasília, 1999).

J
Entrevistas realizadas pelo Cpdoc

Publicadas

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Carlos de Meira Mattos (fev. e mar. 1992).
Cyro Guedes Etchegoyen (out. 1992 e jan. 1993).
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Gustavo Moraes Rego Reis (jul. 1992 e jul. 1994).
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José Luiz Coelho Neto (jan. 1993).
Priscila Carlos Brandão Antunes

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Siglas

ABCI Agência Brasileira de Contra-Inteligência


ABI Associação Brasileira de Imprensa
Abie Agência Brasileira de Inteligência Externa
Abii Agência Brasileira de Inteligência Interna
Abin Agência Brasileira de Inteligência
AC/SNI Agência Central do Serviço Nacional de Informações
Aerp Assessoria Especial de Relações Públicas
AS Is Assessorias de Segurança Interna
Cefarh Centro de Formação, Aperfeiçoamento e Recursos Humanos
Cenimar Centro de Informações da Marinha
CEP Centro de Estudo Pessoal do Exército
Cepesc Centro de Pesquisa de Segurança de Comunicações
CFI Centro Federal de Inteligência
CIA Central Intelligence Agency (EUA)
CIA Centro de Informações da Aeronáutica
CIE Centro de Informações do Exército/Centro de Inteligência
do Exército
CIM Centro de Informações da Marinha/Centro de Inteligência
da Marinha
CMPR Casa Militar da Presidência da República
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
C o di Centro de Operações e Defesa Interna
Contag Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura
Credena Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional
csi Conselho Superior de Inteligência SAE Secretaria de Assuntos Estratégicos
csis Canadian Security Intelligence Service SBI Sistema Brasileiro de Inteligência
CSN Conselho de Segurança Nacional Secint Secretaria de Inteligência da Aeronáutica
DI Departamento de Inteligência Senad Secretaria Nacional Antidrogas
DOI Destacamento de Operação Interna Sfici Serviço Federal de Informações e Contra-informações
Dops Delegacia de Ordem Política e Social da Polícia Federal SG/CSN Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional
DSC Documentos Sigilosos Controlados SIM Serviço de Informações da Marinha
DSI Divisão de Segurança Interna SIS Secret Intelligence Service (Inglaterra)
Eceme Escola de Comando do Estado-Maior do Exército Sisni Sistema Nacional de Informações
EM Exposição de Motivos Sissegint Sistema Nacional de Segurança Interna
Emfa Estado-Maior das Forças Armadas Sivam Sistema de Vigilância da Amazônia
ESG Escola Superior de Guerra SNI Serviço Nacional de Informações
EsiMEx Escola de Inteligência Militar do Exército SSM Serviço Secreto da Marinha
Esni Escola Nacional de Informações UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
FBI Federal Bureau oflnformation (EUA) Unicamp Universidade Estadual de Campinas
GAB/SNI Gabinete do Serviço Nacional de Informações
USP Universidade de São Paulo
GSIIPR Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da Repú-
blica
KGB Komitet Gosudarstvennoy Bezopasnosti (ex-URSS)
rEGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
[mbel Indústria de Material Bélico do Brasil
\1are Ministério da Administração e Reforma do Estado
\1emorin Memorial da Inteligência
\1ST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
'l"ato Nations Atlantic North Organization
'l"EE Núcleo de Estudos Estratégicos
)AB Ordem dos Advogados do Brasil
)ban Operação Bandeirantes
)tan Organização do Tratado do Atlântico Norte
>AI Plano Anual de Inteligência
>cB Partido Comunista Brasileiro
>NPC Plano Nacional de Proteção ao Conhecimento_
>SDB Partido Social e Democrata Brasileiro
>T Partido dos Trabalhadores
lSAS Regulamento para a Salvaguarda de Assuntos Sigilosos
aden Secretaria de Assessoramento e Defesa Nacional
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e-mail: editora@fgv.br- http://www.fgv.br/editora l>
r Otrabalho oferece uma importante
contribuição à área da ciência política, ao
analisar a atividode de inteligência como
uma política pública do Estado. Colaboro
ainda para trazer à sociedade um assunto
não resolvido: o divisão entre os otividodes
internos ou domésticos (relacionadas com o
seguranco pública- de competência do
Polícia Federal) e os externas, típicos dos
agências de inteligência, onde o Abin de-
veria aluar.

Prof dr. Ricardo Wahrendorff Caldas, PhD

Universidade de Brasília

PRISCILA ANTUNES é historiadora, formado

pelo Universidade Federal de Ouro Preto, e


mestre em ciência político pelo Universidade
Federal Fluminense. Atuolmente desenvolve
sua tese de doutorado na Unicamp, onde é
membro do Núcleo de Estudos Estratégicos e
realiza pesquisa sobre os serviços secretos
brasileiro, argentino e chileno.
Errata da autora

Na página 91, onde se lê: "Segundo o general Zenildo


Lucena, esses atentados eram de responsabilidade do general
Newton Cruz, chefe da Agência Central do SNI. A opinião
do general é a de que Newton Cruz desejava criar uma força
policial e moral, 'espelhada nos moldes da Gestapo [... ] que
seria uma forma de controle e chantagem"'.
Leia-se: "Segundo o general Zenildo Lucena, para a
obtenção de maiores esclarecimentos sobre o caso Riocentro,
seria necessário ouvir o genéral Newton Cruz, chefe da Agên-
cia Central do SNI. Na opinião do general Lucena, Newton
Cruz desejava criar uma força policial e moral para ampliar a
sua área de atuação".

Priscila Carlos Brandão Antunes

Errata da Editora

Em Fontes, p. 205, o entrevistado pela autora foi o ge-


neral Fernando Cardoso. e não Fernando Henriaue Cardoso.

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