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RAFAEL MONEO1
Marcos de S. Q. Bittencourt2
RESUMO
1
O presente trabalho foi elaborado para o curso de Arquitetura Contemporânea em Sítios Históricos,
ministrado pela Prof. Dra. Fabiola Zonno, no Mestrado Profissional em Projeto e Patrimônio –
PROARQ/FAU/UFRJ em maio de 2017.
2
Arquiteto formado pela FAU/UFRJ, cursando o Mestrado Profissional em Projeto e Patrimônio –
PROARQ/FAU/UFRJ.
INTRODUÇÃO
A vasta literatura que hoje existe e que trata do valor cultural das cidades é
coisa relativamente recente. Em seu livro A Alegoria do Patrimônio, a historiadora
Françoise Choay faz uma análise, no capítulo denominado A Invenção do Patrimônio
Urbano, do início dos estudos sobre as cidades, que somente vai ocorrer no século xx,
até à formação de uma consciência sobre o valor das antigas cidades e, seu aspecto
mais particular, como patrimônio cultural urbano, que é o assunto que nos interessa.
O século xx será palco de diversos embates sobre a construção das e nas
cidades produzindo um rico pensamento sobre o tema, que terá nas questões
relacionadas às antigas cidades um desdobramento mais recente, e cada vez mais
sofisticado, sobre o tema da inserção de novas edificações e a preocupação com a
pré-existência.
O presente trabalho propõe analisar as relações entre antigas e novas
edificações através de duas obras do arquiteto espanhol Rafael Moneo. O arquiteto
tem vasta experiência profissional iniciada na década de 1960 e, através de um olhar
atento à questão do lugar, desenvolveu uma rica estratégia projetual associada à
presença de novas edificações inseridas em estruturas urbanas de valor histórico.
Como descreve o professor Josep Maria Montaner,“(...) em Rossi, Moneo, Stirling,
Hollein, a história está presente como método de análise antes do projeto e como
referência formal, porém não aflora de maneira literal e global”. (MONTANER, 1999,
p.181)
Pretende-se analisar as obras do Museu de Arte Moderna e de Arquitetura de
Estocolmo, na Suécia, e da Prefeitura da cidade de Murcia, na Espanha, que oferecem
duas abordagens distintas de intervir no lugar. O próprio Moneo contribui para
enriquecer o texto apresentado através da análise de seus próprios projetos. Ele se
refere aos seus trabalhos como “respostas apropriadas às condições dos tecidos
urbanos onde se inserem (...), respeitosos ao lugar e pretendendo formar parte dele,
ainda que criem uma nova percepção do que eram as condições prévias”. (MONEO,
2010, p.377)
Vista aérea do conjunto. Fonte: MONEO, Rafael. Apuntes sobre 21 obras. Gustavo Gili.
Barcelona: 2010.
É oportuno observar no caso desse projeto as considerações iniciais do
arquiteto, uma vez que elas vão orientar as decisões projetuais tomadas, indicando
uma coerência ao longo do desenvolvimento do projeto. A escolha do local para a
construção dos museus a serem projetados na Ilha de skeppsholmen ficava a cargo
do arquiteto. Moneo pondera em seu memorial do projeto sobre a tentação quase
natural de buscar um sítio na borda da ilha que contribuísse para destacar os museus
como objetos, a exemplo da Ópera de Sidney3. Em contrapartida, sua escolha do local
obedeceu a uma determinação de integração e incorporação à estrutura urbana da
ilha, implantando o novo edifício mais na área central, fugindo da borda da ilha e
evitando propositalmente seu protagonismo, “como alternativa estratégica se
estabeleceu que o volume que o programa do museu demandava deveria ficar
incorporado, acolhido, incluído na cidade sem exigir muita atenção” (MONEO, p. 413).
Nessa mesma direção, o arquiteto espanhol opta por não seguir o que
considera uma tendência global de transformar os grandes espaços destinados à
cultural em “arquiteturas espetaculares”, propondo como atitude de projeto “a opção
de construir na e a partir da cidade” (MONEO, 2010, p.413). E, de fato, a partir dessas
premissas e através de suas opções ao longo do desenvolvimento do projeto, ele vai
construindo o seu discurso arquitetônico. O relacionamento da nova edificação vai
ocorrer não com uma edificação histórica específica, mas com o sítio, a estrutura
urbana. Longe das soluções do “moderno ambientado” e suas “construções
domesticadas”, criticadas por Bruno Zevi, Moneo adota para o projeto dos museus de
Estocolmo um entendimento mais próximo da coexistência entre o antigo e o novo
pensado em termos de “obra coletiva”, isto é, integrado ao ambiente, como proposto
por Roberto Pane, conforme esclarece Kühl, “Pane invoca então o uso da criatividade,
não a serviço de um contraste puro e simples, ou alienado do tecido histórico da
cidade, mas como parte integrante desse tecido historicizado”. (KÜHL, 2009, p.162)
Dessa maneira, ele implanta a nova edificação em uma área em declive,
trabalhando com a topografia ao projetar à meia encosta minimizando, assim, a
visibilidade do grande volume da nova edificação através da solução de espaços semi-
enterrados, buscando preservar a escala local (Figura 1). Mais uma demonstração do
arquiteto pela integração à estrutura urbana é dada pela decisão de incorporar no
projeto uma construção pré-existente (Figura 2). Esse desejo de integração não
impede Moneo de desenvolver um projeto contemporâneo, articulado às demandas do
programa. As soluções espaciais e a volumetria da nova edificação agrega qualidade
à paisagem construída ao mesmo tempo em que evidencia a sua autonomia (Figura
3). As coberturas com lanternins em chaminé, de diferentes dimensões, são elementos
centrais tanto do ponto de vista do perfil exterior, marcantes na solução plástica do
edifício, como também como fonte de iluminação para as salas de exposições. Não há
qualquer intenção em reproduzir através da nova edificação a linguagem formal das
construções do entorno. Sob essa ótica, o projeto do Museu de Arte Moderna e Museu
de Arquitetura de Estocolmo vem ao encontro do entendimento desenvolvido por
Zonno sobre o tema das intervenções artísticas e arquitetônicas em lugares de
memória,
(...) o que se coloca em questão é a possibilidade de uma arquitetura
contextual capaz de dialogar com o sítio onde se insere, valorizando-
o e, ainda, valorizar a si como proposição contemporânea, histórica e
artística - sem cair seja em uma nostalgia do passado ou em uma
solução simplista e sem valor próprio. (ZONNO, 2016, p.47)
3
O mesmo se poderia dizer do MAC em Niterói/RJ, que usou dessa estratégia de implantação com muito
sucesso.
É certo que na ilha onde se localizam os museus não há arquiteturas de caráter
monumental, à exceção da grande capela de planta octogonal e cobertura em cúpula,
e é justamente isso o que torna mais significativa a decisão de Moneo em buscar uma
contextualidade com esses “edifícios menores”4, na terminologia criada por
Giovannoni, valorizando o sítio, independentemente de sua excepcionalidade. Essa
arquitetura contextual é entendida por De Gracia como “(...) aquela que, sem utilizar os
recursos da mimese superficial nem a analogia direta, estabelece uma rara simbiose
com o contexto; prolongando-o e revalorizando-o mediante um esforço de indagação
formal orientado a partir do próprio contexto.” (DE GRACIA, 2001, p.309-310)
Grande Capela
Integração de
edificação existente
Museu
4
O tecido articulado pelos edifícios menores (os quais Giovannoni não deixa de ressaltar o interesse
histórico, muitas vezes superior ao dos edifícios maiores), constitui o contexto (ambiente) do edifício
maior, cada um estando inteiramente solidário ao outro, não tendo sentido histórico e valor estético que
pelo outro. (CHOAY, 2006, p.5)
Figura 3- Vista do conjunto. Desenho do autor, agosto 2017
Vista da edificação no contexto da praça. Fonte: MONEO, Rafael. Apuntes sobre 21 obras.
Gustavo Gili. Barcelona: 2010.
Palácio
Referências Bibliográficas