Você está na página 1de 24

Fausto

Carta Branca a
Bordalo Dias
Trilogia
No seguimento da Carta Branca a Jorge Palma, em 2008, e a Camané em 2009,
nesta temporada o CCB optou por dar Carta Branca a Fausto Bordalo Dias.
Num concerto único e irrepetível, Fausto Bordalo Dias apresenta sete canções
de cada um dos discos que compõem a sua trilogia sobre a diáspora lusitana,
cujos primeiros dois discos, Por este rio acima e Crónicas da terra ardente, são
uma referência da música popular portuguesa.
Nas vésperas do lançamento do tão aguardado terceiro quadro deste tríptico,
Fausto propõe-se levantar a ponta do véu, dando-nos a conhecer, em antecipa-
ção, sete canções do novo disco e, em revisitação, sete canções de Por este rio
acima e de Crónicas da terra ardente.
Fausto Bordalo Dias, apologista da música e da cultura em português, compõe
cada álbum de originais como quem conta uma história, da primeira à última
canção. Dizem os seus admiradores que cada um dos seus discos devia ser es-
cutado “de guião em punho”, como quem vai à ópera.

“Por favor, leiam estes discos!”, diz o jornalista e crítico Viriato Teles.

Por este rio acima, o sexto álbum de originais de Fausto, publicado em 1982, é
inspirado nas viagens de Fernão Mendes Pinto, relatadas na sua Peregrinação.
Doze anos depois, em Crónicas da terra ardente, Fausto retoma a temática dos
descobrimentos, tendo como fonte a História Trágico-Marítima de Bernardo
Gomes de Brito. Com título ainda a anunciar, este terceiro disco versa sobre as
viagens dos portugueses por terras de África.
Trilogia
Carta Branca a Fausto Bordalo Dias
19 Junho 2010 \ Grande Auditório \ 21h \ M/12

DIRECÇÃO MUSICAL José Mário Branco

FICHA ARTÍSTICA
Fausto VOZ E GUITARRA
João Maló GUITARRA
Miguel Fevereiro GUITARRA
Filipe Raposo PIANO
Enzo d’Aversa TECLADOS E ACORDEÃO
João Ferreira PERCUSSÕES
Vítor Milhanas BAIXO
Mário João Santos BATERIA

ALINHAMENTO

FUTURO ÁLBUM
E FOMOS PELA ÁGUA DO RIO
VELAS E NAVIOS SOBRE AS ÁGUAS
E VIEMOS NASCIDOS DO MAR
NOS PALMARES DAS BAÍAS
FASCÍNIO E SEDUÇÃO
À LUZ MAIS FRÁGIL DAS AURORAS
À SOMBRA DAS CILADAS
POR ALTAS SERRAS DE MONTANHAS

CRÓNICAS DA TERRA ARDENTE POR ESTE RIO ACIMA


A HISTÓRIA TRÁGICO-MARÍTIMA PEREGRINAÇÃO DE FERNÃO MENDES PINTO

AO SOM DO MAR E DO VENTO POR ESTE RIO ACIMA


À DERIVA PORTO RICO PORQUE NÃO ME VÊS
TODO ESTE CÉU COMO UM SONHO ACORDADO
NA PONTA DO CABO LEMBRA-ME UM SONHO LINDO
O MAR OLHA O FADO
A CHUSMA SALVA-SE ASSIM A GUERRA É A GUERRA
OS NAVEGADOS O BARCO VAI DE SAÍDA
Reza a enciclopédia, austera e definitiva:
“Na astronomia, solstício é o momento em que o Sol, durante o seu movimento aparente
na esfera celeste, atinge a maior declinação em latitude, medida a partir da linha do
Equador. Os solstícios ocorrem duas vezes por ano. O dia e hora exactos variam de um
ano para o outro. Quando ocorre no Verão, significa que a duração do dia é a mais
longa do ano.” É em vésperas de solstício que Fausto Bordalo Dias volta a tomar assento
numa sala que fez sua já noutro século. Era Abril – sem acaso – quando aqui mesmo
mostrou como era enorme a Viagem que nos propunha. Agora é Junho (não é coin-
cidência), luminoso e cálido, bênção da Natureza, mês que resiste aos frios interiores
que as nossas vidas foram assimilando, doentes e descrentes por culpa das promessas
que o porvir se esqueceu, até agora, de cumprir. Valha-nos Junho. Valha-nos Fausto,
cuja memória talentosa, cujo talento memorável nos relembra que, mesmo em tem-
pos de esplendores e domínios longínquos, nós fomos sempre fonte de contradições,
de improvisos, de ganâncias, mas também de sonhos e de cumplicidades, de ingenui-
dades e de inquietação. É isso mesmo: valha-nos este homem que nos vê e fixa, tão
iguais ontem como agora. Que nos canta contos que são nossos, mas que só ele parece
saber de cor.

Em dois capítulos, escritos a sangue e ambição, épicos mas redimensionados para que o
homem comum não se sinta esconjurado por grandezas que lhe escapam, Fausto assumiu
o papel de cantor da Diáspora. Se fosse apenas Poesia, rimaria com “metáfora”.
Se fosse linearmente geométrica, montaria verso com “facínora” ou com “espora”.
Se fosse somente o passado de Nação a que Deus ou os donos nos conduziram – ou nos
seduziram? –, tornaria legítimo o uso concordante de “outrora”. Nada disso: a Diáspora
de Fausto é a que ainda vivemos “agora”, por mais cambiantes que se vislumbrem
no guarda-roupa, por mais febril que seja o actual mergulho nos efeitos especiais,
por mais avassaladoras se sintam as trucagens, por mais empolgante e enganadora
4 se pressinta a propaganda. Aos poucos, com arquitectura rendilhada mas honesta,
transversal ao tempo mas bem fundada nos modelos musicais desta terra que parece
servir-nos de emblema e maldição, de orgulho e asfixia, a sua casa ganha forma na
justa medida em que distribui conteúdo. Esta peregrinação particular começou há 28
anos – foi “Por Este Rio Acima”, quando a Europa ainda não tinha tomado posse. Con-
tinuou uma dúzia de anos depois, desenhando “Crónicas da Terra Ardente”, marcadas
a ferro e a Fé na nossa pele. Chegou a hora de seguir Viagem.

Quem estiver a ler estas notas já saberá, com grande probabilidade, que faz parte de
um núcleo de privilegiados. Afinal, que outra designação poderá oferecer-se aos que
se sentiram convocados para serem testemunhas, oculares e auditivas, da estreia de
nada menos de oito canções inéditas de Fausto Bordalo Dias, parte integrante do disco
que completa a trilogia da Diáspora e que não tem ainda existência física, embora já
tenha lugar reservado no cume das nossas expectativas e necessidades? Homem de
palavra e também homem da Palavra, Fausto cumpre o que prometeu, sabendo que
o seu ritmo de respiração não se compadece com contratos a prazo, mas tão-só com o
trabalho, a inspiração, o esculpir de cada canção. Sempre um valor acrescentado em si
mesmo, mas também peça fundamental para que a história corra sem outros sobressaltos
que não os do próprio enredo. Há-de levar-nos aos perfumes, à paleta e à imensidão
de África, onde tantas vezes quisemos adivinhar lezírias ou socalcos. Fixemo-nos nos
títulos que aqui vão ser desvendados: “E Fomos pela Água do Rio”, “Velas e Navios
sobre as Águas”, “E Viemos Nascidos do Mar”, “Nos Palmares das Baías”, “Fascínio e
Sedução”, “À Luz Mais Frágil das Auroras”, “À Sombra das Ciladas”, “Por Altas Serras
de Montanhas”. É todo um programa.

Para que o roteiro fique completo, estão garantidas as escalas necessárias nos episó-
dios anteriores. Todos juntos, vão mostrar-nos, de novo, como as nossas travessias não
acabam nunca, enquanto houver memória, sentimento e juízo crítico. Por este rio
acima e Crónicas da terra ardente respondem à chamada do criador que quer reunir
o individual ao colectivo, a aventura à desgraça, a conquista ao desleixo, o altivo ao
mesquinho, o sagrado ao profano, o sublime ao vergonhoso. De tudo isto se faz uma
história tão única como único é o nosso cicerone deste serão: conhecedor, sensível,
atento, capaz do realismo como da fantasia. Fausto Bordalo Dias é o melhor dos guias
que podíamos seguir – porque é tudo menos “turístico”, leviano ou efémero. Já se
adivinhava o desfecho: se o Centro Cultural de Belém quis dar-lhe “carta branca”,
Fausto encarregou-se de preencher o vazio com canções que valem como espelhos,
telescópios virados ao céu eterno, microscópios que não deixam passar despercebido
o mais ínfimo dos pormenores. Da “carta branca” fez uma “carta de marear”, onde
cabem Portugal inteiro e mais todos os portos onde pusemos pé. Talvez por isso apetece
dizer que o solstício é mesmo hoje. É mesmo agora. Porque este dia vai ficar, longo e
brilhante. Único. Boa Viagem, outra vez.

JOÃO GOBERN \ Junho 2010


Futuro Álbum
“Na terra de Guiné, e pela grandeza, logo pensámos que aquele rio era o
Gambia, e assim era. E subimos quanto pudemos por causa da espessura dos arvoredos
que estão de uma e outra parte. E aquella terra meridional está cheia de arvores e
fructos; mas outras espécies de fructos, e as arvores são tão grossas e de tamanha al-
tura que só vendo se pode crer. E eu digo com verdade que vi grande parte do mundo,
mas nunca vi coisa parecida. E disseram que aquella terra era povoada de gente
admirável, como que os homens teem cabeça de cão e grande cauda. Alli teem muitos
abestruzes e gazellas, chamados Gatos de Algallia, e as aves esperavam-nos sem fugir, e
assim as matávamos com paus. Porém, no outro dia, além da cabeça do rio, vimos gentes
à parte direita e chegámos até proximo, e alguns eram avermelhados e outros pretos,
e as mulheres são lindas e de grande vergonha. E os que habitam a terra se chamam
Cenegios ou Arabes, e vivem vida bestial.”
DIOGO GOMES
“AS RELAÇÕES DO DESCOBRIMENTO DA GUINÉ E DAS ILHAS DOS AÇORES,
M A D E I R A E C A B O V E R D E ” ( V E R S Ã O D O L AT I M , P O R G A B R I E L P E R E I R A )

“E correram tanto avante que passaram aquela terra e viram outra mui
desassemelhada daquesta primeira, porque esta era areosa e maninha, desacompanhada
de arvores, como cousa em que faleciam as águas, e a outra viram acompanhada de
muitas palmeiras e outras arvores verdes e formosas. Tendo já passado estas caravelas
a terra de Zaara, como é dito, viram as duas palmeiras pelas quaes conheceram que alli
se começava a terra dos Negros, com cuja vista folgaram assaz. Disseram depois alguns
daqueles que ali eram, que bem mostrava o cheiro que vinha da terra a bondade do seu
fruito, estando eles no mar, lhes parecia que estavam em algum gracioso pomar, or-
denado a fim de sua deleitação. No outro dia fizeram seu caminho, e viram uma ilha,
e bem é que os Mouros pouco havia que aí estiveram, segundo pareceu pelas redes e
outros aparelhos de pescar que lhe acharam, especialmente grande multidão de tar-
tarugas. E porque será que todos não haverão conhecimento deste pescado, saiba que
não são outra cousa tartarugas, senão cágados de mar, cujas conchas são tamanhas
como escudos.”
GOMES EANES DE ZURARA “CRÓNICA DE GUINÉ”

PÁG. 14
E FOMOS PELA ÁGUA DO RIO

“E depois que navegámos contra as partes do Meio-Dia, nas terras dos ne-
gros da Baixa Etiópia (Guiné), este rio separa a geração que se chama Azenegues, que
6
são mais depressa homens baços do que pardos, do primeiro reino dos negros.
E maravilhosa coisa me parece que para cá do rio a terra é árida e seca e todos sejam
negríssimos, grandes e gordos, e para lá, seja abundante de enormes árvores e diversas
espécies de fruta e todos sejam pardos e enxutos e de pequena estatura. E quando
avistaram pela primeira vez velas ou navios, acreditaram que eles fossem grandes aves
com asas brancas que voassem de algum estranho lugar, e não vendo senão os cascos
dos navios, alguns deles julgavam fossem peixes, vendo-os assim de longe. E diziam
entre si: se estas fossem criaturas humanas, como nós, como poderiam percorrer numa
noite um caminho que qualquer um de nós não percorreria em três dias? não conhecendo
o artifício do navio.
LUÍS DE CADAMOSTO “VIAGENS DE LUÍS CADAMOSTO E DE PEDRO DE SINTRA”

PÁG. 14
VELAS E NAVIOS SOBRE AS ÁGUAS
“Estes negros, tanto machos como fêmeas, vinham ver-me como uma mara-
vilha, e parecia-lhes coisa extraordinária ver um cristão em tal lugar, nunca dantes
visto: e não menos se espantavam do meu trajo e da minha brancura. Reparavam para
o pano de lã, reparavam para o jubão, e muito pasmavam. Têm um estranho costume
que é continuamente trazerem um lenço em torno da cabeça com uma ponta que
lhes passa de través na cara, e assim cobrem a boca e a parte do nariz: e dizem que a
boca é uma feia coisa pois continuamente deita umas ventosidades e mau fedor; que
portanto se quer coberta. E não a querem mostrar. Quase a querem, salvo o devido
respeito, comparar ao cu; e, por isso, estas duas partes devem-se cobrir.”
LUÍS DE CADAMOSTO “VIAGENS DE LUÍS CADAMOSTO E DE PEDRO DE SINTRA”

PÁG. 14
E VIEMOS NASCIDOS DO MAR

“E vimos os berberes e os pardos que compram, vendem e tratam com os


árabes que vêm ao litoral mercadejando diversas coisas, como sejam panos, e tecidos
de linho e pratas, alquicés, tapetes, saiotes e outras coisas, e sobretudo trigo; e dão em
troca escravos pardos que trazem os ditos árabes da terra dos negros. Esses tais árabes
têm também muitos cavalos berberescos, com os quais fazem comércio; e levam-nos
às terras dos negros, vendendo aqueles cavalos aos senhores os quais dão, em troca,
escravos: e aqueles cavalos por 10, 12 e 15 escravos cada um, conforme forem os ditos
cavalos. Destes escravos eles se servem de muitos modos; muitos deles vendem-nos
aos mercadores azenegues, e também os vendem aos cristãos, desde que começaram,
os ditos cristãos, a mercadejar nestas terras.
LUÍS DE CADAMOSTO “VIAGENS DE LUÍS DE CADAMOSTO E DE PEDRO DE SINTRA”

“Estes negros Beafares são grandes ladrões; furtam e vendem muitos escra-
vos, vacas, e tudo o mais que acham. É gente vadia o mais do tempo que lhes não dá
mais que furtarem e folgarem. E acodem a este rio que é de grande trato, com muitos
escravos da própria terra. E nesta terra de Guinala se faz a maior feira que há em toda
a terra, chamada Bijorrei, na qual se juntam mais de 12 000 negros e negras, os mais
formosos que há em toda a Guiné. E vendem tudo o que naquela terra há e das cir-
cunstantes, a saber: escravos, roupa, mantimentos, vacas e ouro, que há algum e fino.
Viu-se na Guiné trazerem a vender alguns escravos destes aos nossos, e eles por res-
peito de os defenderem os não compraram; e os que os traziam e vinham vender, por
não serem descobertos, os mataram em terra. Não sei se fora bom comprá-los, porque
resultava disso receberem o baptismo e serem cristãos. Não me meto mais largo nesta
matéria, porque são casos que eu não sei determinar.”
A N D R É Á LVA R E S D E A L M A D A “ T R ATA D O D O S R I O S D E G U I N É D O C A B O V E R D E ”

PÁG. 15
NOS PALMARES DAS BAÍAS

“Como ali acerca estava um cavaleiro que se chamava Ahude Meiman e que
queria fazer com eles alguma mercadoria de guineus que trazia cativos, dous homens
dos nossos foram levados como arreféns às tendas dos Mouros, onde eram de Mouras
mui grande parte, e das melhores daquela terra. E aconteceu, assim que os mouros
levantaram arruido uns com os outros, por cuja causa se foram das tendas, afastados
pelo campo uma grande peça, que as Mouras, esguardando naqueles dous arrefens,
pensaram de os cometer, mostrando mui grande desejo de jazerem com eles; e aque-
las que em si mais avantagem sentiam, de boamente se mostravam quejandas primei-
ramente saíram dos ventres de suas madres, e assim lhes faziam outros muitos acenos
assaz deshonestos. E vendo que os outros tinham maior sentido no temor que haviam,
pensando que o arruido daqueles Mouros era cautelosamente levantado a fim de lhes
fazer dano, elas todavia, aporfiando em sua deshonesta tenção, faziam-lhes sinaes de
grande segurança, rogando-os, que chegassem à fim do que elas queriam. Mas se isto
era enganosamente cometido ou se a natureza maliciosa de si mesma o constrangia,
fique no encargo de cada um de o determinar como lhe bem pareça.”
GOMES EANES DA AZURARA “CRÓNICA DE GUINÉ”

PÁG. 15
FASCÍNIO E SEDUÇÃO

E Antão Gonçalves falou-lhes em esta guisa:


“Nós que viemos a esta terra por levar carga de tão fraca mercadoria, acertarmos
agora em nossa dita de levar os primeiros cativos ante a presença do nosso principe!
E quero vos dizer o que tenho considerado para receber vosso avisamento; e isto é,
que em esta noite seguinte, eu com nove de vós outros, aqueles que mais dispostos
estiverdes para o trabalho, quero ir tentar alguma parte desta terra, ao longo deste
rio, para ver se sinto alguma gente. E encontrando-nos Deus com eles, a mais pequena
vitória será filharmos algum, para cobrar conhecimentos por ele de quaes e quejandos
são os outros moradores desta terra.” E tanto que a noite sobreveio, fizeram sua via-
gem e acharam ali um caminho, o qual guardaram, presumindo que poderia por ali
acudir algum homem ou mulher que eles pudessem filhar.
GOMES EANES DA AZURARA “CRÓNICA DE GUINÉ”

PÁG. 16
À LUZ MAIS FRÁGIL DAS AURORAS

“E seguindo assim sua via, caminho de terra, disse um daqueles dos batéis
contra o capitão: — ”Não sei se vedes o que eu vejo”.
— ”E o que é que tu vês — disse o capitão — que nós não vejamos”?
— ”Vejo — disse ele — que aqueles pretos que estão naqueles medões de são cabeças
de homens, nos quaes quanto mais esguardo, tanto mo mais parecem; e se bem
esguardardes, vereis que estão bulindo.” E descobertos assim todos, de que os Mouros
mostravam grande prazer, metendo-se na água, deles até aos pescoços e outros mais
baixos, todavia desejosos de chegar aos Cristãos, como se nos tivessem em cerco, sem
esperança de socorro, acenando contra nós como homens seguros sobre coisas vencidas.
E em isto, o capitão, fez vogar os bateis o mais rijamente que ser pudesse, e que fossem
8 dar de proa entre os Mouros e saltamos entre eles, como homens que temiam pouco a
braveza de seus contrários. E como quer que a sua multidão fosse grande, em compa-
ração da pouquidade dos nossos, não voltaram porem atras, como homens em que o
medo não cobrava senhorio, tendo-se com os seus contrarios um mui grande pedaço,
no qual os Mouros receberam grande dano. Porem a fim, vendo a nossa gente a grandeza
do perigo, viram vir contra eles muitos Guineus, uns com dargas e azagaias, outros
com arcos; e tanto que foram acerca da água começaram de tanger e bailar, como
homens afastados de toda a tristeza; e nós, os do batel, querendo escusar o convite
daquela festa, nos tornamos para o nosso navio.”
GOMES EANES DA AZURARA “CRÓNICA DE GUINÉ”

PÁG. 16
À SOMBRA DAS CILADAS
“As encostas desta aresta, viradas a Leste, levantam-se abruptamente e em
pendores súbitos de zona baixa e litoral do Mar Vermelho, atingindo rapidamente
altitudes de 2200 a 2700 metros. Ao subir esta encosta pelos secos das torrentes, con-
vertidos em caminhos na época da estiagem, encontra-se em cima o grande planalto
da Etiópia. O nome é talvez mal aplicado, porque o planalto está bem longe de ser
plano. De outro lado, todo o planalto é rasgado por fundos valeiros, de margens
abruptas e profundíssimas. Um pouco para o interior, chegando às partes mais altas
da “daga” ou terra fria, vêem-se ao claro sol dos trópicos as montanhas raiadas pelas
manchas resplandecentes da neve, que em partes pode persistir durante todo o ano.
É certo, que nas depressões fundas dos rios, na chamada “Kuala”, se volta a experi-
mentar o mais intenso e abafado calor.
CONDE DE FICALHO “VIAGENS DE PÊRO DA COVILHÔ

“E indo nós por mui boa estrada larga e chã, por onde caminhava toda a
gente que na folga connosco folgara e outra muita que detrás caminhava, deixamos
esta estrada e metemo-nos por uns matos e serras sem caminho nenhum e por aí fize-
mos ir os camelos e a nós outros todos com eles; e deixando os caminhos reais, vamos
por onde andam os lobos, porque não caminham senão cáfilas com medo dos ladrões;
e para a parte do levante, onde começam as mais bravas serras e fossas fundas descen-
dentes aos abismos, as mais que homens nunca viram nem se pode crer sua fundura.
E fomos sempre por ribeiras secas, e, de uma parte e da outra, serranias mui altas e de
grandes arvoredos de diversas nações e sem frutos as demais, e onde não havia senão
chamar por Deus, que os pecados andariam naqueles bosques ao meio-dia. E para que
nos quisesse bem encaminhar, com devoção fizemos petição a Nosso Senhor que, assim
como a Santa Helena abrira caminho para a achar, assim abrisse a nós caminho de
nossa salvação, que tão cerrado o víamos.”
P. F R A N C I S C O Á LVA R E S
“VERDADEIRA INFORMAÇÃO SOBRE A TERRA DO PRESTE JOÃO DAS ÍNDIAS”

PÁG. 16
POR ALTAS SERRAS DE MONTANHAS

Crónicas da Terra Ardente


L E T R A S E M Ú S I C A S D E FA U S T O B O R D A L O D I A S
B a s e a d a s e i n s p i r a d a s n o s r e l a t o s d e A “ H i s t ó r i a Tr á g i c o - M a r í t i m a ”
reunidos por Bernardo Gomes de Brito

“Dando todas as naus à vela aquele dia com muito contentamento, era o mar
como um rio fazendo mil maneiras de ondas e águas, os céus formosos e adamascados,
muito para ver e maravilhar. Mas também houve prenúncio de ruim viagem, que fazía-
mos às partes da Índia, porque aqui demos com um peixe fusco e mal encarado que vía-
mos ir diante da embarcação lançando grandes refolhos de água. E numa quarta-feira
de trevas deram-nos uns mares tão grossos, com algumas bafugens que da trovoada nos
ficavam, que se rendeu o navio, dando tão secreta entrada ao mar que nunca jamais
se soube por onde. Abordados com as ilhas Terceiras, ali não pudemos chegar nem nos
atrevemos a demandar Cabo Verde, senão deixá-lo ir a seu gosto. E deixando-o ir assim
para onde os ventos queriam, nos pôs a 25 de Março em Porto Rico.”

PÁG. 17
AO SOM DO MAR E DO VENTO
“Chegando aquela tarde a reconhecer o porto, encontramos esta ilha muito
rica com montes e bosques cheios de laranjas, limões, cidras, goiabas, papaias, mamões,
bananas e o auge de todas as frutas que são os ananases. Vinho não o dá esta terra e
em lugar deste lhes serve o tabaco de Santo Domingo a que nós chamamos erva-santa.
E não há quem o tire nunca da boca, ou dos narizes, e infinitos há que nem de ambas
as maneiras se fartam dele. Só os poderia fartar quem lhes descobrisse invenção para,
assim como o metem dentro de si por estes dois sentidos, o poderem também meter
pelos outros três, que lhe ficam privados de tanto gosto. A estes canudinhos (como
eles lhe chamam), acesos por uma ponta e metidos na boca pela outra, estão chu-
pando o fumo reprimindo o fôlego quanto podem, para que tenha tempo de andar
visitando, consolando e amezinhando todas as partes interiores. E tanta é a doçura
deste veneno que, nesta forma, tomado pelos narizes, experimentou o Padre Gaspar
Afonso também sua virtude.”

PÁG. 17
À DERIVA PORTO RICO

“Partimos destas ilhas em demanda da Baía de Todos os Santos onde chegá-


mos a salvamento. E depois que saímos do Brasil, rumo ao Cabo da Boa Esperança,
começou o novo leme, que ali fizemos, a mostrar que, assim como o seu antecessor
não quisera levar este navio à Índia, assim nem ele o queria, dando muitas pancadas
que parecia de todo se despedaçava. Olhando para a água, vimos que era muito verde
e amassada, o que não era bom sinal por não haver suposição de água daquela cor
nestas paragens. Passou assim aquela tarde, onde nos acudiram tantos pássaros que
cobriam o céu. E vendo que era noite, e eram mais os pássaros que nos seguiam, e que
o piloto, por desvario, não virava em outro bordo nem amainava, começou na nau
a haver muitas murmurações e clamores. Assim nos deixávamos ir com grande risco
sobre baixos e arrecifes de que já estávamos tão perto. E os pássaros eram cada vez
mais...”

PÁG. 18
TODO ESTE CÉU

“Mas a causa do que nos haveria de acontecer era terem-se ausentado dali
todos os ventos para maior descuido nosso, e irem-nos esperar todos juntos e muito
calados, como em cilada, e aí, em desembocando, se arremassaram todos a nós. O céu
conjurado contra todos, encobriu-se com a maior cerração e escuridade que se viu,
e a fúria do temporal fez sofrer o navio tão mal ao pairo que, ficando muitas vezes
afogado dos mares o trazia de todo vencido e muito apalpado daquele trabalho.
10 E neste tempo veio um homem debaixo dizendo que já lá andava no porão uma cam-
painha tangendo como quando vai com defunto. Todos juntos de joelhos, chamando
por Nossa Senhora, não pediam outra coisa mais que remédio para as almas que da
salvação dos corpos estavam todos desconfiados. E de súbito deu o navio de meio
através nos baixos uma pancada temerosíssima.”

PÁG. 18
NA PONTA DO CABO
“Ao outro dia, e depois que amanheceu, estava toda a praia cheia de coisas
preciosas numa confusa ordem com que a desaventura tinha tudo aquilo ordenado.
E havia gente na fralda do mar com vista espalhada pelas praias e arrecifes porque em
saindo o sol, o abrandou de sua fúria e braveza.”

O MAR PÁG. 19

“Carregada a nau no fundo do mar por cobiça e cuidando então que fosse
ao fundo por quão rota e aberta ia, começaram por confessar-se sumariamente a alguns
clérigos, sem tino e sem ordem, que o confessor chega a tapar a boca ao alienado
que vai gritando alto os seus pecados. E a gente do mar, por natureza inumana e mal
inclinada, embarcava em jangadas que construíam, roubando e destruindo tudo, e
defendendo as embarcações dos quais que as vinham demandar, à força das espadas
e de safanões. Foi o espectáculo deste dia o mais triste e lastimoso que se podia ver.
E aquela gente toda aos arrecifes agarrada, e que a maré enchendo os afogava, bra-
davam pelos do batel e das jangadas nomeando muitos por seus nomes, toda a noite
num perpétuo grito tamanho que penetrava os céus.”

PÁG. 19
A CHUSMA SALVA-SE ASSIM

“E por gestos nos convidaram a segui-los, e pondo-se diante da avanguarda


iam cantando a seu modo ao longo daquele arvoredo. No próprio dia à tarde chegá-
mos à sua povoação, e ao sol posto se assentou o arraial, onde nos apresentaram
algumas almadias com galinhas, arroz, figos, cocos e mel de abelhas. E nos ofereceram
grandes cabaças de vinho feito de milho, e cheio de baratas, que eles bebem com
grande sabor, de que nos deram a beber e que todos o gostaram por lhes fazer mimo
e cortesia. Aquele tempo o passámos com grande festa e alegria, recordando ainda os
penosos sofrimentos que havíamos experimentado.”

PÁG. 20
OS NAVEGADOS
Por Este Rio Acima
L E T R A S E M Ú S I C A S D E FA U S T O B O R D A L O D I A S
Baseadas e inspiradas na “Peregrinação”
de Fernão Mendes Pinto

“Continuando nosso caminho por este rio acima, tudo quanto a vista alcançava
era embarcações com toldos de seda e muitos estandartes, guiões e bandeiras e varan-
das pintadas de diversas pinturas. Ali se trocam e oferecem todas as sortes de caças e
carnes quantas se criam na terra, que nós andávamos como pasmados como requeria
tão espantosa e quase incrível maravilha. Noutras embarcações vêm grande soma de
amas para crianças enjeitadas e outras, pelo tempo que cada um quiser, mulheres
velhas que servem de parteiras dando mezinhas para botarem crianças, e fazerem
parir ou não parir. Noutros barcos há homens honrados que servem de correctores de
casamentos e consolam mulheres enlutadas por morte de maridos e filhos e outras
coisas desta maneira. Em barcaças de muitas cores, com invenções de muitos perfumes
e cheiros muito suaves, vêm homens e mulheres tangendo em vários instrumentos
para darem música a quem os quiser ouvir. Na terra do labirinto das trinta e duas leis,
nesta terra toda lavrada de rios, a China, há uma tamanha observância da justiça e um
governo tão igual e tão excelente, que todas as outras, por mais grandiosas que sejam,
ficam escuras e sem lustro.”

PÁG. 21
POR ESTE RIO ACIMA

“O meu desejo seria sair desta viagem muito rico em pouco tempo sem pen-
sar quão arriscada eu então levaria a vida, confiado nesta promessa e enganado nesta
esperança. Na cidade de Diu, preparava-se então a guerra por suspeita que se tinha
da vinda da armada do turco. Parti de Portugal na Primavera e, navegando todos os
barcos pela sua rota, cheguei ao mar da outra banda do oceano. A Índia.”

PÁG. 22
PORQUE NÃO ME VÊS

“Embarcado num jurupango, com o Mouro Coja Ale, feitor do capitão de


Malaca, fomos surgir no rio de Parles no Reino de Quedá. Nesse tempo, estava o rei
celebrando com grande aparato e pompa fúnebre as exéquias da morte de seu pai,
que ele matara às punhaladas para casar com sua mãe que estava prenhe dele. Para
12
evitar murmurações mandou lançar pregão que sob gravíssimas mortes ninguém
falasse no que já era feito. Mas Coja Ale era de sua natureza solto de língua e muito
atrevido em falar o que lhe vinha à sua vontade. E foi assim que preso por soldados
fui chamado ao rei e olhando para onde ele me acenava, vi jazer de bruços no chão
muitos corpos mortos todos metidos num charco de sangue. Entre eles o Mouro Coja
Ale. Por mais de uma grande hora estive como pasmado, debaixo de abano, sem poder
falar, arremessado aos pés do elefante em que el-rei estava. Depois de perdoado pelas
lamentações e desculpas toscas, mas que vinham ao momento muito a propósito, me
fiz à vela muito depressa pelo grande medo e risco da morte em que me vira.”

PÁG. 22
COMO UM SONHO ACORDADO
“Embarquei para Portugal, assim como parti, sem nada de meu, confiado
nesta esperança de que a minha Pátria me não negasse o que por meus serviços eu
cuidei que me era devido. Cheguei a salvamento à cidade de Lisboa.”

PÁG. 22
LEMBRA-ME UM SONHO LINDO

“Por conversa do pirata Similau e convencimento de António de Faria parti-


mos em busca da ilha de Calempluy, também chamada a ilha do ouro, onde se en-
contravam os jazigos dos reis da China trasbordando de prata e outras fortunas. Esta
temerária empresa trazia-nos a todos muito receosos, mas lá fomos levando o nome
de Jesus na boca e no coração. Como ministros da noite, os soldados saquearam este
lugar sagrado depois de dominado o ermitão. À vista das minas de Conxinacau deu-nos
um tempo de Sul chamado tufão que era coisa medonha de ver. E foi nesta tempestade
que morreu António de Faria aos cinco do mês de Agosto pelo qual nosso senhor seja
louvado para sempre. Os nove que escapámos por misericórdia, procurámos chegar
por terra a Cantão para regressar a Malaca. Mas assim tão desamparados logo as gentes
nos tomavam por ladrões e vadios, e fomos feitos prisioneiros e levados a Pequim por
apelação, viagem que a seguir darei parte. Nesta adversidade semeou-se, apesar disto,
uma violenta contenda entre nós, nascida de uma certa vaidade que a nossa nação
portuguesa tem consigo.”

PÁG. 23
OLHA O FADO

“De Diu embarquei para o estreito de Meca, daqui fomos a Maçuá e daí,
por terra, ao Reino do Preste João. Passei ao Reino dos Batas e de fugida pelo Reino
de Quedá como adiante darei parte. Em Patane conheci António de Faria, capitão a
quem servi na venda da mercadoria. Fomos atacados e roubados pelo perro do Coja
Acém, temido pirata depois que Heitor da Silveira lhe matara seu pai e dois irmãos.
Por isso, Coja Acém havia prometido a Mafamede matar todos da geração de Malaca.
Em pequenas fustas, enfrentei também a grande armada do turco que bordejava na
nossa esteira com as velas quarteadas de cores e muitas bandeiras de seda.”

PÁG. 23
A GUERRA É A GUERRA

“Ainda muito jovem vim para Lisboa onde um tio meu me pôs ao serviço
de uma senhora de geração nobre e de parentes ilustres. Sucedeu-me então um caso
que me pôs a vida em tanto risco que para a poder salvar me vi forçado a sair naquela
mesma hora de casa, fugindo com a maior pressa que pude. Indo assim tão desatina-
do, entre outros medos, e sem trabalho que bastasse para minha sustentação, decidi
embarcar-me para a Índia, ainda que com poucas ilusões, já disposto a toda a ventura,
ou má ou boa, que me sucedesse.”

PÁG. 24
O BARCO VAI DE SAÍDA
FUTURO ÁLBUM DE ESTRANHOS LUGARES
ASSIM LEVANTADAS
E FOMOS PELA ÁGUA DO RIO
MUITO MAIS ALADAS
E FOMOS PELA ÁGUA DO RIO
PELAS ENTRANHAS DAS CAFRARIAS
EM BUSCA DAQUELA TERRA
E NASCIDAS DE OUTROS MARES
E A MARÉ FOI DE ROSAS
DE OUTROS ARES
PELA BOCA
NA CALMARIA TÃO GRANDE
E QUANDO ARREÁMOS VELAS
E ASSIM COMO FOSSE CANSADO
LANÇÁMOS FERRO
A ÁGUA VAI MUITO MANSA
E VENDO APENAS CASCOS
E O MEU CORPO SUADO
DE FEITIO
EMBALADO
CUIDARAM ENTÃO
FLUTUA E DESCANSA
QUE FOSSEM PEIXES
NUNCA ANTES TINHAM VISTO
E VIMOS COM OS NOSSOS OLHOS
QUALQUER OBRA DE NAVIO
QUE EM MARAVILHA SE
VÃO REMOS AO ALTO
OLHARAM
PÁRA DE VOGAR
UMA COR NA ÁGUA DO RIO
E OLHAM-NOS DE ESPANTO
DESVAIRADA DA OUTRA
E NÓS NESTE QUEBRANTO
DESVAIRADA PELO TOM
ACORDÁMOS EM SOBRESSALTO
ALUCINADA
SE ANDAM CAFRES PELO AR
PELO DESVAIRO DA COR
A RONDAR A RONDAR
SE UMA ERA DOCE
E A OUTRA SALGADA
TAMBÉM JULGAVAM QUE
EM ONDULANTE SABOR
OS OLHOS PINTADOS
E PINTADOS MESMO À PROA
E A COR DO OURO REPOUSA
DO NAVIO
DERRAMADO NA AREIA
ERAM VERDADEIROS OLHOS
E SABOROSA E TÃO QUIETA
E POR ESSES OLHOS
ERA A VISTA
VIA E ANDAVA
POUCO LAVADA DOS VENTOS
O NAVIO PELO RIO
SÃO INFINDAS AS GARÇAS REAIS
PAIRANDO NO ESCURO
EM VOOS MUITO ARABESCOS
ERA APARIÇÃO
QUE SÓ DO OLHAR TIVEMOS
ESTRANHA CRIATURA
UM DOCE E GRANDE REFRESCO
NA NEGRA MOLDURA
E NA AFLIÇÃO DO ESCONJURO
E EM TODO AQUELE RIO
ATROPELAM ÁGUA
ERA GRANDE
CÉU E CHÃO
A CÓPIA DE PESCARIAS
OS PAGÃOS OS PAGÃOS
DE MULTIDÃO DE
GATOS-DE-ALGÁLIA
E COBREM O AR GAFANHOTOS
PAPAGAIOS E BUGIAS
MOSQUITOS E MOSCOS
E SURGEM DO DENSO ARVOREDO
PAVÕES E PATOLAS
INCONTÁVEIS GENTES PRETAS
LIBELINHAS
DE TÃO LINDAS MULHERES
ZANGÕES
E DE GRANDE VERGONHA
BORBOLETAS
TÃO LEDAS
TABÕES
ABELHINHAS
E O PERFUME DESTA TERRA
GRALHAS
É A DOÇURA DO SEU FRUTO
GALINHOLAS
O MISTÉRIO DO SEU VULTO
14 E NO CHÃO
EM SELVA DE ARVOREDOS
ABERTOS OS GORGOMILOS
DE PALMARES
HÁ BICHAS E CROCODILOS
LARANJEIRAS
MUITO ABUNDANTES
LIMOEIROS E CIDREIRAS
DE BEIÇA LARGA
CRISTALINAS PELOS ARES
E PAPOS GRANDES
BRILHAM AS CORES DO ARCO
CELESTE DE INFINITAS MANEIRAS
E NA TAPADA
DE INFINITAS MANEIRAS
ANDAM LEÕES E LEOPARDOS
ENTRE MUITOS RUMINANTES
VELAS E NAVIOS SOBRE AS ÁGUAS
MIRABOLANTES
QUANDO AVISTARAM PELA PRIMEIRA VEZ
LONGOS FOCINHOS
VELAS E NAVIOS SOBRE AS ÁGUAS
DE “ALIFANTES”
POR MARAVILHA IMAGINARAM
QUE ERAM BRANDAS
E VIEMOS NASCIDOS DO MAR
ASAS BRANCAS
E MUITO SE ESPANTAM DA NOSSA BRANCURA
QUE VOAVAM PELAS FRÁGUAS
ENTRETANTO
VINDAS POR MAGIA
E MUITO PASMAVAM DE OLHAR COMPRAM TECIDOS DE LINHO
OLHOS CLAROS ASSIM E SAIOTES DE ODALISCAS
PALPAVAM AS MÃOS E OS BRAÇOS
E OUTRAS PARTES DEMOS OFERTAS DE BISCOITO
PORTANTO E VINHO NOSSO
ESFREGAVAM DE CUSPO MINHA PELE QUE O DELES É DE PALMEIRA
PARA VER SE ERA PROMETEM SETE ACORRENTADOS
ENFIM E UMA NEGRA
UMA TINTA P´RA MEU CONSOLO DE ESTEIRA
OU SE ERA DE ESTAMPA TÃO REQUEBRADA
UMA CARNE TÃO BRANCA LEVA A BAILA NO ANDAR
VENDO ASSIM QUE ERA BRANCO EM PERNAS DE JEITOS FELINOS
O MEU CORPO E A BRANCURA DE ENTÃO MUITO CHEIROSA
EXTASIAM ALMISCARADO ERA O SEU CORPO
E MUITO SE MARAVILHAM DE ALINHAMENTOS DIVINOS
DE TODO EM ADMIRAÇÃO LADINOS

E UNS ESCONDEM AS SUAS VERGONHAS TÃO ESQUECIDO


COBERTAS DE ESTOPAS DESTES REGALOS HUMANOS
E ERAM GRANDES E GORDOS EU VOU MUDAR DE REPASTO
E BAÇOS COM TODA A LUXÚRIA
E ENXUTOS E TODA A DELÍCIA
OS PRETOS COM TODA A VOLÚPIA
PELAS VENTOSIDADES E TODA A CARÍCIA
CONFUNDEM TRASEIROS E BOCAS NA BAILA DA DANÇA
E TAPAM AQUELES E ESTAS DAS PERNAS MOURISCAS
DOBRAM CALAFETOS
E OS MAIS PARDOS COM MUITA MALÍCIA
LÁ VÃO QUASE NUS
VÃO AO LÉU GABIRUS FASCÍNIO E SEDUÇÃO
E DE TETAS ATÉ À CINTURA E ELAS SÃO MUITO LUXURIOSAS
HÁ MULHERES CREPITANTES NA SUA LASCÍVIA
TÃO DESNUDAS E MUITO SE ANIMAM EM GESTOS
MENEIAM NA DANÇA POR LUXURIAR
O SEU CORPO DANÇANTE E TRANSLUZEM
NA DANÇA DAS PERNAS
E ÉRAMOS BRANCOS DE PELA ARTE DAS MÃOS
ASSOMBRO OS OLHOS QUE BRILHAM E FITAM
E NASCIDOS DO MAR DE ALTO A BAIXO
PELAS NAVES A QUESTÃO
GUIADOS PELOS VENTOS DO CÉU E DESLIZAM NO VENTRE
E PELO VOO DAS AVES DOS CORPOS SUADOS
OS DEDOS
NOS PALMARES DAS BAÍAS SE NO DELEITE
E ESTE IMENSO GENTIO ERA MUITO MAIS DOCE
ROUBA ESSA CONSOLAÇÃO
COMPRA QUE DESENHA
E TROCA ASSIM MUITOS ESCRAVOS PELA CURVA DA COXA
NO MAIS DO TEMPO SÃO VADIOS A SOMBREADA ELEGÂNCIA
A GOZAR E A FOLGAR E A COR DO MEU E DO SEU
15 NOS DESCONCHAVOS À MAIS CURTA DISTÂNCIA
VÊM A PREÇO
EM GRANDES FEIRAS LEVE COMO UM BEIJO
OS QUE MORAM NA AREIA DA BERBERIA LEVE O SEU BAILAR
E FICAM OS PRETOS À VENDA QUENTE O SEU DESEJO
DOS QUE VIVEM NOS PALMARES DAS BAÍAS QUENTE
QUENTE COMO O AR
E VÊM BAÇOS RODA
E OUTROS PARDOS VIRA
ANDAM MAIS A TRATO DE MERCADORIA E MEXE O SEU COLO
E VENDEM ESTES E OUTROS TANTOS GIRA GIRA
VENDEM CAFRES COMO UM PIÃO
E DA PRÓPRIA CAFRARIA TREME COMO A SEDA
E TROCAM GENTES POR CAVALOS PELA PALMA DA MÃO
OURO E PRATA SERPENTEIA O SEU VENTRE
ARTES DE SEDA MOURISCA E GEME COMO O VENTO SUÃO
PELOS ESCRAVOS
À LUZ MAIS FRÁGIL DAS AURORAS BRUTA
Ó QUE BENDITO CONTENTAMENTO SERIA A ESCARAMUÇA
LEVARMOS AMOSTRA AFLIGE O PEITO
DESTES NATIVOS BRAVIOS E JÁ SOLUÇA
VELANDO A NOITE ESTILHAÇAM OSSOS
E ANDANDO NO PÉ DAS ESPIAS CUSPINDO SANGUE
DE PASSO AGACHADO E VOMITAM AS ALMAS PENADAS
NO SUSSURRO DOS CICIOS
POR TERRA BOÉMIA MAS HÁ GENTE ENCOBERTA
A SABER À SOMBRA DAS CILADAS
SE SENTÍAMOS GENTE PELA NOSSA PERDIÇÃO
E NO CHEIRO DO RASTO DE ALGUÉM POR SOMBRAS PERSEGUIDOS
DO LEVANTE AO POENTE E LANÇAM-NOS PEÇONHAS
SEM HAVER SENTIDO DE NÓS RASGAM-NOS AS CHAGAS
ARREBATARMOS TALHAM-NOS DO ROSTO
CATIVA ACERCA
UMA ALMA TODA ESTA QUEIXADA
ENCONTRADA QUE FOSSE SANGRADOS E PURGADOS
VINDA ASSIM DE VENCIDA INOCENTAM-SE OS FERIDOS
NO SOCORRO TARDINHEIRO
PELA CALMARIA DA NOITE NA TORMENTA DOS CAÍDOS
A ESPERA SALTA
DESENHA A CILADA DO CERCO E FOGE
DA FERA NA LIGEIRICE
JÁ SE SENTE ALGUÉM POR PERTO ESCAPA
VULTO DÉBIL INSANO
PASSO INCERTO DA IMUNDICE
E CATAPULTAM NO ASSALTO REVOLVIDOS VAMOS
CORPOS LANÇADOS DOS NEGRUMES UNS COM OS OUTROS
E OUTRO AMARRADO E SOFREMOS TRABALHADA MORTE
MAIS SE AQUIETA
DE UM SOBRESSALTO DE QUEIXUMES PELOS CÉUS
PELOS RIOS
Ó QUE NEGRA MAIS LINDA PELOS FOGOS
CINGIMOS AGORA PELOS MATOS
SUAVEMENTE LEVADA MAIS SOMBRIOS
À LUZ MAIS FRÁGIL DAS AURORAS
PELOS ARES
À SOMBRA DAS CILADAS FLUTUANTES
CORPO A CORPO PELAS ÁGUAS
GOLPE A GOLPE LATEJANTES
MATA PELAS SERRAS
OFEGANTES
PASSO A PASSO PELAS CHAMAS
SALTO A SALTO SUPLICANTES
NADA ESCAPA
DESAVISADOS PELA SORTE VÃO
DECEPADOS EM LENTOS PASSOS DE MORTE
OS CORPOS À SORTE POR SUA DOCE PIEDADE E PAIXÃO
CORTA DEUS RECEBA AS SUAS ALMAS
16 SE RECEBEM E NO LUGAR DOS SANTOS
TRABALHADA MORTE ALÉM
MORTA IMACULADOS SEJAM
TAMBÉM
E ACODEM MESMO ASSIM E REPOUSEM EM SANTA PAZ
ENTÃO MUITOS GUINÉUS AMÉN
VINDOS DE ATROPELO
E DE TERRAS DESVAIRADAS POR ALTAS SERRAS DE MONTANHAS
MAS VIRAM COSTAS AOS CONTRÁRIOS PELO NOSSO ANDAMENTO AVANTE
INDO À OUTRA PARTE POR ALTAS SERRAS DE MONTANHAS
AO VER A NOSSA TURBA POR MUITAS ESCARPADAS TERRAS
TÃO APARELHADA SE AVISTAM DO MUNDO AS ENTRANHAS
SE RECEBE TEMORES CORTADA A ROCHA A PIQUE CAI
A CORJA ACOMETIDA A LUZ MAIS ALTA DO ETERNO
SE ARROJA ARMAS AO CHÃO POR TODA A PARTE DELA OLHANDO
COMO COISA JÁ VENCIDA AS PROFUNDEZAS DO INFERNO
ESTALA
NO TRÓPICO ARDENTE DO SOL FRUSCOS E MAL ENCARADOS
SE AFUNDAM RIOS NO DESERTO MAS TUDO SÃO FOLIAS
QUE OS MARES ARENOSOS BEBEM PANDEIROS E ZOMBARIAS
ANTES DO MAR DA ÁGUA IMERSO CONTEMPLANDO DOS CHAPITÉUS
POR MAIS ALTOS E FUNDOS MORROS O MOVIMENTO DOS CÉUS
E POR CERROS ENDIABRADOS O CARTEANDO O SOL TÃO BEM
BRADAVAM CÁFILAS PARECIA MEU BEM
QUE EM CULPA AS TOMAVA O PECADO EU CIRCUNDO
NAS DERRADEIRAS PARTES DO MUNDO
QUASE MORTA POR FRAGOSOS CAMINHOS SÓ P’RA TE ABRAÇAR E BEIJAR
VAI A CORJA POR CAMINHO NENHUM COM TODO ESTE SENTIMENTO
E VAMOS NÓS OUTROS TODOS COM ELA AO SOM DO MAR E DO VENTO
RENTE À MORTE E A LUGAR ALGUM AO SOM DO VENTO E DO MAR
EM SUBIDAS E PELAS CALMARIAS
NAS DESCIDAS DA CALMA QUE FAZIA AGUENTA O BARCO ALTOS MARES
ENTRE ALIMÁRIAS DE VÁRIAS NAÇÕES CONVOCADOS PELOS VENTOS
PELAS SERRANIAS DE ALTURA E FUNDURA COM QUE ARFAVA E METIA
E NO MURMÚRIO DAS ORAÇÕES MUITO PELO BARLAVENTO
SENÃO QUANDO UM MARINHEIRO
ENTRE A “KUALA” ARDENTE AOS SALTOS PELO DESCONJUNTO
E AQUELA “DAGA” FRIA GRITOU QUE SE DAVA JÁ
LUZ A SERRA INCANDESCENTE ANTES DE MAIS
QUE DA BRANCA NEVE ARDIA COMO DEFUNTO
E APONTA A ONDA
CAMINHÁMOS CAMINHO AVANTE QUE DE MUITO LONGE
POR ALTAS SERRAS DE MONTANHAS CHEGA LEVANTADA
SOBRE ELA VINHAM FOLIANDO
VULTOS NEGROS EM MANADA
CRÓNICAS DA TERRA ARDENTE MAS PASSA O MAU E O DESDITOSO
AO SOM DO MAR E DO VENTO TUDO SE ESQUECE
CARREGADOS DE UMA BANDA ACABOU-SE
E TÃO POUCO DA OUTRA O QUE FOI PASSADO
TÃO BOIANTES DAQUELA PASSOU-SE
DESENGONÇADOS NA ROTA E TUDO SÃO FOLIAS
PENETRANDO A GRANDEZA PANDEIROS E ZOMBARIAS
DOS OCEANOS DAS ILHAS
SERVIA A QUILHA DE COSTADO À DERIVA PORTO RICO
E O COSTADO DE QUILHA NAQUELE LUGAR
VENTOU-NOS O VENTO SERVEM-NOS TABACO
VENTOU EM LUGAR
POR MIL INVENÇÕES E MANEIRAS DE VINHO
ONDAS E ÁGUAS PELO AR EM PORTO RICO
EM BORRISCADAS E CHUVEIROS CHEIRA A ERVA SANTA
E NO CORPO DA NAU DE SANTO DOMINGO
DE RASTOS TÃO DOCE E SENTIDA
NA TOLDA CHUPADA E CONTIDA
NOS MASTARÉUS NO PEITO
E ATÉ POR FORA DO CASCO TÃO SÓ
JÁ TUDO SÃO FOLIAS SORVEM COMO SUMOS
PANDEIROS E ZOMBARIAS P’LAS BOCAS EM FUMOS
17 PELOS NARIZES
VÃO EM NOSSA COMPANHIA EM PÓ
EM GRANDES FESTAS MULTICORES DEBAIXO DAS LINHAS
MUITAS AVES MARISCANDO QUENTES
E MUITOS PEIXES VOADORES TROPICAIS
UMA TURBA DE BALEIAS SOAM MAIS
EM BAILES CRISTALINAS
BORRIFOS MÚSICA DE BÚZIOS
SÃO ELAS DOS ATABALINHOS
ROMPENDO NESTE MAR DE ROSAS DE CAMPAINHAS
MANCHAS DE OVAS DE AGUARELAS E BUZINAS
VÊM ATÉ NÓS DAQUELES CÉUS TRANSMARINAS
INFINITAS ANDORINHAS ESGARABULHA SALTA PULA PINCHA
QUE NO SABOR NINGUÉM SABIA FAZEM MUITAS MIL DOIDICES
SE ERAM CARNES OU SARDINHAS QUEM O DISSE
SEM STº. ANTÓNIO QUE OS DOUTRINE DE TAL MANEIRA A MARINHAR
HÁ PEIXES FEROS TÃO DANADOS P’RA NÃO SE ATIRAREM AO MAR
OS ATÁVAMOS UNS AOS OUTROS SOBRE RESTINGAS E ILHÉUS
PELAS GÂMBIAS PELOS COTOS MIL SOMBRAS DE ASAS
ESVOAÇA AVOA ADEJA ALA LEMBRAM A AUSÊNCIA
PELAS VENTAS EXTASIA DE UM DEUS
QUEM DIRIA NUM ÚLTIMO ADEUS
IMITAM AVES POIS SÓ TEU AFAGO
O QUE É RARO ME ESPERA LANÇADO À TERRA
P’LA FORÇA OU FUROR DO FARO
UM VAI TONTO E OUTRO TOLO E QUALQUER COISA ACONTECE
POIS TANTO ACOMETE AO MIOLO NO MAIS ALTO DOS CÉUS
QUALQUER COISA NO FUNDO
A CHUSMA DE GULOSOS DO MEU CORAÇÃO
DEDILHA FOLHAS SECAS MAS NÃO SEI DAS TREVAS
VICIOSOS NEM DA LUZ
CANUDINHOS POIS SEM TI NÃO HÁ
EM ÊXTASES CONTÍNUOS NEM CÉU
DE TODO AREOU NEM CHÃO
PERDEU O TINO E SE A NOITE JÁ RONDA
P’LOS CAMINHOS MINHA CRUZ
E ANDÁMOS AO PAIRO LUZ NAS TREVAS
SEM NORTE NEM SOL MINHA PAIXÃO
NO DESVAIRO
DAS FOLIAS NA PONTA DO CABO
SE O PILOTO TRAZ AMANHECEMOS
DOIS NORTES NA PONTA DO CABO
P’LO SEU SOL DOBRÁMOS LEVANDO
OUTRO EM SUA FANTASIA NOSSA VIAGEM EMBORA
E AS ILHAS DESTE MUNDO AGARRUNCHADOS
SEM RAIZ QUE AS PRENDA COSIDOS
LÁ NO FUNDO COM OS PENEDOS E OS CALHAUS
DESTE MAR DO CABO DO CABO DO CABO DO CABO
ANDAM SOBRE AS ÁGUAS AQUELE CASCO VAI
BAILAM PELAS FRÁGUAS COM O BORDO DEBAIXO DE ÁGUA
COMO BÓIAS METE DE POPA E DE PROA
A BAILAR LÁ VAI EM PULOS E SALTOS
A BOIAR COM AS TILHAS EM BAIXO
ACODE À VELA
TODO ESTE CÉU À BOMBA
ABRAÇA-ME BEM AO LEME
E COBRE O MEU CORPO AO REMO
ENFIM AO BOTE AO BOTE AO BOTE
NESSE AGASALHO
SÃO OS TEUS BRAÇOS ABRIU ENTÃO PELAS PICAS
SIM ATIROU FORA A ESTOPA
CUIDA DE MIM DO CALAFETO CUSPINDO
BASTA-ME UM GESTO OS CINCO MARES QUE NOS DERAM
PORÉM COMIAM COMIAM COMIAM COMIAM
ABRAÇA-ME BEM E O VENTO FORTE
BEM NO TEU COLO E O VENTO FORTE TRAVESSÃO
CHEGA-ME MAIS A TI DEU-NOS UM GRANDE CHUVEIRO
18 UM POUCO MAIS CHAMADO OLHO DE BOI
SUAVEMENTE OLHA O BOI
ASSIM CORRE A NAU PELA BOLINA
TUDO POR FIM AGUÇANDO DE LÓ
SÃO MÁGOAS DEU UMA GRANDE CABEÇADA
QUE EU CONSOLO QUE PARTIU O GALINDRÉU
BEM NO TEU COLO O GURUPÉS
TODO ESTE CÉU O MASTARÉU A MONETA
DE PÁSSAROS E TONS A ESCOTA
MUITO ASSOMBRADO A CARLINGA O PAPA-FIGO
TRAZ O TEU SER O TAMBORETE
TÃO BOM SEM MONETA NEM MASTRO NEM NADA
TODO ESTE SOM ACODE À VELA
DESCE A NÓS À BOMBA
COM UM VÉU AO LEME
TODO ESTE CÉU AO REMO
LANÇADO À TERRA AO BOTE AO BOTE AO BOTE
E FOI UM MAR QUE LHE DEU SÃO SUSPIROS E PRANTOS
FOI-SE AO LEME E REZANDO DEMAIS
VÃO OS MACHOS ALIJANDO DE MENOS
METIDOS NAS FÊMEAS VAI O BOM E O MAU
TU ARRASADO DE ÁGUA ESTE E AQUELE MUNDO
METIDA A VELA NA VERGA VAI O BARCO E A NAU
METIDA METIDA METIDA METIDA VAI A PIQUE E AO FUNDO
E PELA PROA
SUBITAMENTE PELA PROA SALVA
HÁ UM PONENTE TÃO RIJO SALVA O CORPO
QUE NOS DEIXOU A VERGA EM BAIXO Ò CORPO SANTO
OLHA O BAIXO SALVA
E PAIRAVA SOBRE NÓS
UM OLHO DE FOGO O MAR
CHEIRAVA A ENXOFRE E PARECIA E TODO O MAR SE COBRIU DE INFINITAS RIQUEZAS
QUE SE DERRETIA O MUNDO DE ANIL E SEDAS E JÓIAS E DE ODORÍFERAS DROGAS
OS CALDEIRÕES DE SI DEITAVA NAS PRAIAS MOSCATÉIS E LICORES
A ESCOTILHA A ESTRINCA ADOÇANDO DE SUA BRAVURA
O POSTARÉU A CEVADEIRA O MAR
A CONJURA DO TEMPO NAS MARGENS ADAMASCADAS ANDAM NÁUFRAGOS DISPERSOS
E NO BATEL E NO BATEL MARISCANDO LAGOSTAS OSTRAS CHOUPAS TAÍNHAS
QUE NEM MOVER SE PODIAM E BEBEM VINHOS DISTINTOS DE SINGULARES AROMAS
UNS POR CIMA DOS OUTROS SE ANDA AO LONGO DA COSTA EM OFERTAS
ACODE À VELA O MAR
À BOMBA
AO LEME E ENTREGOU LEONOR
AO REMO SEUS CABELOS AOS VENTOS
AO BOTE AO BOTE AO BOTE NA QUIETUDE TÃO SÓ
PELA BANDA DE BORDO TÃO AUSENTE DE TUDO
FAZ UM MEDO DE VER E MAIS QUIETA ERA A LUZ
SÓ MAIS UM PÉ-DE-VENTO NO SOSSEGO DAS ÁGUAS
ERA NOITE ERA NOITE E UMA MÚSICA ESCORRE DOS CÉUS
ERA O FIM PELOS VISTOS DEVAGAR
E SOAVAM SOAVAM
ALTOS GRITOS NOS BAIXOS E FAZEM TENDAS DE ADUELAS DE ALCATIFAS MAJESTOSAS
SÃO GEMIDOS E MEDOS DE OUTRAS PEÇAS DE OURO E PRATA DE CAMBRAIAS E CETINS
E REZANDO DEMAIS COBERTAS DE COLCHAS VERMELHAS DE ROSÁRIOS DE CRISTAL
VAI O BOM E O MAU MAS MAIS GARRIDO DO QUE TODA AQUELA PRAIA
VAI O BARCO E A NAU O MAR
E FAZEM VELAS DAS CAMISAS E OUTRAS DE DAMASCO VERDE
A SAFAR O MESAME AS AMARRAS DE OUTROS PANOS DE VELUDO CARMESIM
LEVANTAVA LEVANTE DE UM REMO FIZERAM O MASTRO
E VENTAVA POENTE E A ENXÁRCIA DE UMA LINHA
ERA MAIS DO QUE TUDO E TÃO DOCEMENTE EMBALA ESTE BATEL
PELO QUARTO DA PRIMA O MAR
TROVÕES ALTOS GRITOS
ARRECIFES E MAIS SE TODO O MAR SE COBRIU DE INFINITAS RIQUEZAS
SÃO SUSPIROS E PRANTOS
ALIJANDO DE MENOS A CHUSMA SALVA-SE ASSIM
ESTE E AQUELE MUNDO JÁ ANDA A GENTE DO MAR
19 VAI A PIQUE E AO FUNDO A FAZER FARDOS E TROUXAS
ARROMBANDO PORÕES
PELA BANDA DE BORDO A ROUBAR ARCAS E CAIXÕES
A SAFAR O MESAME E ABANDONAM AS MULHERES
FAZ UM MEDO DE VER OS FILHOS DESAMPARADOS
LEVANTAVA LEVANTE QUE CHORAM MUITO ASSUSTADOS
SÓ MAIS UM PÉ-DE-VENTO SEM OUTRA CONSOLAÇÃO
E VENTAVA POENTE QUE UNS ABRAÇADOS COM OUTROS
ERA NOITE ERA NOITE INCHAM DAS ÁGUAS AOS POUCOS
ERA MAIS DO QUE TUDO DOS TRAGOS SALGADOS DA MORTE
ERA O FIM PELOS VISTOS IMPLORAM A DEUS OUTRA SORTE
PELO QUARTO DA PRIMA ÀS ARFADAS
E SOAVAM SOAVAM AOS ARRANCOS
TROVÕES ALTOS GRITOS EM PRANTOS
ALTOS GRITOS NOS BAIXOS E ÀS GOLFADAS
ARRECIFES E MAIS E UNS SE AFOGAM DE VEZ
SÃO GEMIDOS E MEDOS DEIXANDO-SE IR AO FUNDO
E SE ENTREGAM ASSIM CALADO
AO SONO MAIS PROFUNDO NÃO CHORES ALTO
OUTROS GRITAM AOS CÉUS CUIDADO
PELA ABSOLVIÇÃO TU CHORA SÓ NO CORAÇÃO
E SE ENFORCAM DEPOIS OU TAMBÉM VAIS COMO O TEU IRMÃO
COM SUAS PRÓPRIAS MÃOS ÀS ARFADAS
PERNEANDO COM A MORTE AOS ARRANCOS
AS PERNAS DESCARNADAS EM PRANTOS
FEITAS EM RACHAS EM LANHOS E ÀS GOLFADAS
E TÃO ESTILHAÇADAS PASSAM DIAS A FIO
QUE POR ESTA PARTE EM DESTROÇOS À PURA FOME E SEDE
LHES VÃO CAINDO OS TUTANOS DOS OSSOS
E SEM SABEREM NADAR E HÁ QUEM VÁ TRAGANDO URINA
SEM A NAU E MORRA DO QUE BEBE
SEM TÁBUA NEM PAU OUTROS DA ÁGUA SALGADA
VAI O MUNDO ADORNAR FALECEM DOS SENTIDOS
CAI AO MAR GRITANDO SEMPRE POR ÁGUA
CAI AO MAR LANÇAM-SE AO MAR RESSEQUIDOS
VAI-SE O SOLDADO E O CHINA
DAQUELA ASSADA DO BARCO NÃO FICA DOR NEM MÁGOA
CONSTROEM SEU SALVAMENTO BOTOU-SE ESTÊVÃO MULATO
AMARROU-SE A GENTE AO TROÇO COM A MESMA SEDE DE ÁGUA
P´LA CINTURA P´LO PESCOÇO E NA TARDE DAQUELA ARIDEZ
INDO ASSIM TÃO CARREGADA ATIROU-SE O PADRE
FEREM COM FACAS E LANÇAS E O PILOTO OUTRA VEZ
AS MULHERES AS CRIANÇAS E SEM SABEREM NADAR
QUE SE AFERRAM À JANGADA SEM A NAU
MAS REZAM AVÉ-MARIAS SEM TÁBUA NEM PAU
PADRE-NOSSOS LITANIAS VAI O MUNDO A ADORNAR
P´LAS ALMAS DOS MUTILADOS CAI AO MAR
QUE P´RA ALI SÃO ABANDONADOS CAI AO MAR
ÀS ARFADAS
EM ARRANCOS OS NAVEGADOS
EM PRANTOS A GRANDE PARTE DOS QUE ÉRAMOS
E ÀS GOLFADAS VIEMOS MALTRATADOS
CHEIO VAI O BATEL DO MIOLO
E QUASE A AFUNDAR MANETAS
P´RA ALIJAREM A CARGA E AO LONGO DESTA COSTA
BOTAM GENTE AO MAR SÓ SE VIAM CAMINHAR
ENGOLE UMA VEZ DE VINHO OS BORDÕES
E DA MARMELADA UM BOCADO AS MULETAS
O POBRE DE UM MARINHEIRO E A CADA PASSO
MESMO ANTES DE SER LANÇADO AOS POUQUINHOS
DEIXOU-SE ENTÃO ATIRAR CAÍAMOS NO CHÃO
COM OS BRAÇOS CRUZADOS DE FOCINHOS
E SE OFERECEU TODO À MORTE LOGO CALHÁMOS DE ROMPER
TÃO QUIETO E CALADO NO MAIS ESPESSO DESSES MATOS
E O PILOTO LOGO ABENÇOOU TÃO ESCURA ERA A NOITE
OS SEUS DOIS FILHOS QUE LÁ VIEMOS DE GATINHAS
QUE ELE PRÓPRIO LANÇOU TAMBÉM ÀS APALPADELAS
20 E SEM SABEREM NADAR AMIMADOS DE AÇOITES
SEM A NAU E UNS AOS OUTROS NOS SEGUIMOS
SEM A TÁBUA NEM PAU PELO SOM DOS NOSSOS AIS
VAI O MUNDO A ADORNAR DE OUTRAS TANTAS MARRADAS
CAI AO MAR ARREMETIDOS
CAI AO MAR PERSEGUIDOS
PELOS CAVALOS MARINHOS
PEQUENA ERA A TUA FILHA POR LAGARTOS AQUÁTICOS
E NÃO A QUISERAM SALVAR E MAIS DE OUTROS BICHINHOS
FICOU AO COLO DA AMA
NO BARCO GRANDE A AFUNDAR P’RA FORA DO BARCO
SUPLICAS DA JANGADA ESTANDO NA PONTA DA VERGA
ENFIM FOI LEVADO PELO AR
ERGUES TEUS BRAÇOS DE MÃE ESCARRANCHADO
MAS NÃO TE ESCUTA NINGUÉM MAS COM TANTA SORTE
A CHUSMA SALVA-SE ASSIM VAI E FOI
GASPAR XIMENES SOBRE UM CABO DE OUTRA VELA
E LÁ FICOU CAVALGADO ESCORRE O GENGIBRE E O MEL
E POR MILAGRE SEDAS PORCELANAS
CAI ENTÃO PIMENTA E CANELA
NO MEIO DO CONVÉS RECEBENDO OFERTAS
DE CHAPÃO DE MÚSICAS SUAVES
SE TEVE A MORTE POR UM CABO EM NOSSAS ORELHAS
OUTRO CABO LHE DEU A VIDA LEVE COMO O AR
A VIDA À MORTE SUCEDE A TERRA A NAVEGAR
E FOI À VIDA E NÃO À MORTE MEU BEM COMO EU VOU
DESTA ASSIM POIS SE LIVROU POR ESTE RIO ACIMA
D’OUTRA MANEIRA ACTUM ERAT
MAS AO CAIR ROÇOU NA PEÇA POR ESTE RIO ACIMA
E LHE LEVOU TÃO ARRANCADA OS BARCOS VÃO PINTADOS
TODA A PELE DA CABEÇA DE MUITAS PINTURAS
QUE LÁ FICOU PROPRIAMENTE DESCREVEM VARANDAS
C’O CABELO E OS CABELOS DE INÊS
ALIÁS DESENHAM MEMÓRIAS
PENDURADO DE OUTRA BANDA AO LONGO DA ÁGUA
DO TOUTIÇO BOSQUES ENFEITIÇADOS
POR DETRÁS SOUTOS LARANJEIRAS
VAMOS ASSIM LANÇADOS CAMPINAS DE TRIGO
SOMOS OS NAVEGADOS AMORES REPARTIDOS
OS MAIS AFORTUNADOS AFAGAM AS DORES
LÁ VÃO INDO JÁ DESFEITOS QUANDO SÃO SENTIDOS
RETORCIDOS EM TORCIDELAS E JEITOS MONSTROS ADORMECIDOS
NA ESFERA DO FOGO
DESTA BRUTA SEDE COMO NASCE A PAZ
MORRO C’OS CANOS TAPADOS POR ESTE RIO ACIMA
NOSSA SENHORA BENDITA
VIRGEM SANTA MEU SONHO
SE O VINHO MISTURADO QUANTO EU TE QUERO
COM AQUELA ÁGUA SALGADA EU NEM SEI
SECA-ME OS BOFES TAMBÉM EU NEM SEI
NA GARGANTA FICA UM BOCADINHO MAIS
P’LA FOME DEVORADOS QUE EU TAMBÉM
SEM TEMPEROS QUE EU TAMBÉM
DA MALDADE DAS ÁGUAS MEU BEM
SÓ VENENOS
NÃO PERDOÁMOS NEM A COBRA POR ESTE RIO ACIMA
NEM LAGARTO OU LAGARTIXA ISTO QUE É DE UNS
GAFANHOTOS BESOUROS TAMBÉM É DE OUTROS
QUE NOS MANDOU NOSSO SENHOR NÃO É MAIS NEM MENOS
UMA DOENÇA GERAL NASCIDOS FORAM TODOS
DE BEXIGAS E CHOROS DO SUOR DA FÊMEA
E OS ATAQUES ERAM TAIS DO CALOR DO MACHO
QUE UM PADRE VOMITAVA BICHOS AQUILO QUE UNS TRATAM
FAÇANHUDOS E MAIS NÃO HÃO-DE TRATAR
COM O SALMO DO MISERERE OUTROS DE OUTRA COISA
NA BOCA E EM CONCLUSÃO POIS O QUE VENDE O FRESCO
MAS NÃO SÓ E JÁ AGORA NÃO VENDE O SALGADO
21 PENSO QUE NO CORAÇÃO NEM TAMBÉM O SECO
VAMOS ASSIM LANÇADOS NA TERRA EM HARMONIA
SOMOS OS NAVEGADOS PERFEITA E SUAVE
OS MAIS AFORTUNADOS DAS MARGENS DO RIO
LÁ VÃO INDO JÁ DESFEITOS POR ESTE RIO ACIMA
RETORCIDOS EM TORCIDELAS E JEITOS
MEU SONHO
QUANTO EU TE QUERO
POR ESTE RIO ACIMA EU NEM SEI
POR ESTE RIO ACIMA EU NEM SEI
POR ESTE RIO ACIMA FICA UM BOCADINHO MAIS
DEIXANDO PARA TRÁS QUE EU TAMBÉM
A CÔNCAVA FUNDA QUE EU TAMBÉM
DA CASA DO FUMO MEU BEM
CHEGUEI PERTO DO SONHO
FLUTUANDO NAS ÁGUAS POR ESTE RIO ACIMA
DOS RIOS DOS CÉUS DEIXANDO PARA TRÁS
A CÔNCAVA FUNDA PELOS MEUS AIS
DA CASA DO FUMO ELE PENETRA-ME NOS OSSOS
CHEGUEI PERTO DO SONHO AO DERRAMAR-SE SEDENTO
FLUTUANDO NAS ÁGUAS NAS ENTRANHAS SINUOSAS
DOS RIOS DOS CÉUS ENTRE AS VÍSCERAS MORDENDO
ESCORRE O GENGIBRE E O MEL SALTA E ESPALHA-SE NO AR
SEDAS PORCELANAS VAI E VOLTA
PIMENTA E CANELA DELIRANTE
RECEBENDO OFERTAS TÃO DELIRANTE
DE MÚSICAS SUAVES É COMO UM SONHO ACORDADO
EM NOSSAS ORELHAS ESSE VULTO BESUNTADO
LEVE COMO O AR A REVOLVER-SE NO LODO
A TERRA A NAVEGAR A DESLIZAR DE UMA LARVA
MEU BEM COMO EU VOU EMERGINDO LÁ NO FUNDO
POR ESTE RIO ACIMA TENHO MEDO Ó MEDO
LEVA TUDO É TEU
PORQUE NÃO ME VÊS MAS DEIXA-ME IR
MEU AMOR ADEUS
TEM CUIDADO ARRASTA-ME À CÔNCAVA DO FUNDO
SE A DOR É UM ESPINHO DO GRANDE LAGO DA NOITE
QUE ESPETA SOZINHO CRUZANDO AS GRADES DE FOGO
DO OUTRO LADO ENTRE O CÉU E O INFERNO
MEU BEM DESVAIRADO ATÉ À BOCA ESCANCARADA
TÃO AFLITO ESFAIMADA
SE A DOR É UM DÓ ATRÁS DE MIM
QUE DESFAZ O NÓ ATRÁS DE MIM
E DESATA UM GRITO É COMO UM SONHO ACORDADO
UM MAU OLHADO ESSES OLHOS NO ESCURO
UM MAL PECADO DAS CARPIDEIRAS VIÚVAS
E A SAUDADE É UMA ESPERA PELO PAI ASSASSINADO
É UMA AFLIÇÃO DESVENTRADO POR SEU FILHO
SE É PRIMAVERA QUE POSSUIU LASCIVO
É UM FIM DE OUTONO A SUA PRÓPRIA MÃE
UM TEMPO MORNO E SUA AMANTE
É QUASE VERÃO
EM PLENO INVERNO MEU AMOR QUANDO EU MORRER
É UM ABANDONO Ó LINDA
PORQUE NÃO ME VÊS VESTE A MAIS GARRIDA SAIA
MARESIA SE EU VOU MORRER NO MAR ALTO
SE A DOR É UM CIÚME Ó LINDA
QUE ESPALHA UM PERFUME E EU QUERO VER-TE NA PRAIA
QUE ME AGONIA MAS AFASTA-ME ESSAS VOZES
VEM ME VER AMOR LINDA
DE MANSINHO
SE A DOR É UM MAR TENS MEDO DOS VIVOS
LOUCO A TRANSBORDAR E DOS MORTOS DECEPADOS
NOUTRO CAMINHO PELOS PÉS E PELAS MÃOS
QUASE A ESPRAIAR E P´LO PESCOÇO E PELOS PEITOS
QUASE A AFUNDAR ATÉ AO FIO DO LOMBO
E A SAUDADE É UMA ESPERA COMO TE TREMEM AS CARNES
22 É UMA AFLIÇÃO FERNÃO MENDES
SE É PRIMAVERA
É UM FIM DE OUTONO LEMBRA-ME UM SONHO LINDO
UM TEMPO MORNO LEMBRA-ME UM SONHO LINDO
É QUASE VERÃO QUASE ACABADO
EM PLENO INVERNO LEMBRA-ME UM CÉU ABERTO
É UM ABANDONO OUTRO FECHADO
ESTALA-ME A VEIA EM SANGUE
COMO UM SONHO ACORDADO ESTRANGULADA
COMO SE A TERRA CORRESSE ESTOIRA NO PEITO UM GRITO
INTEIRINHA ATRÁS DE MIM À DESFILADA
O MEDO RONDA-ME OS SENTIDOS
POR ABAIXO DA MINHA PELE CANTA ROUXINOL CANTA
AO ESGUEIRAR-SE VISCOSO NÃO ME DÊS PENAS
ESCORRE PEGAJOSO CRESCE GIRASSOL CRESCE
E SAI ENTRE AÇUCENAS
PELOS MEUS POROS AFOGA-ME O CORPO TODO
SE TE PERTENÇO Ó ANA VEM VER
RASGA-ME O VENTO ARDENDO Ó ANA VEM VER
EM FUMOS DE INCENSO Ó ANA VEM VER
VOANDO EM ARCO
AI COMO EU TE QUERO ESGUEIRO O CORPO NUM BALANÇO
AI DE MADRUGADA COMO UM PILOTO DO INFERNO
AI ALMA DA TERRA ASSALTO
AI LINDA NAS ASAS GUERREIRAS DE UM ANJO
ASSIM DEITADA SEJA LOUVADO
AI COMO EU TE AMO ATACAMOS MUI BARALHADOS
AI TÃO SOSSEGADA COMO UM BANDO ENDIABRADO
AI BEIJO-TE O CORPO POR JESUS NA SUA CRUZ
AI SEARA CHORA POR MIM Ó MINHA INFANTA
TÃO DESEJADA ESCORRE SANGUE O CÉU E A TERRA
AH POIS POR MAIS QUE SEJA SANTA
OLHA O FADO A GUERRA É A GUERRA
EU CÁ SOU DOS FONSECAS
EU CÁ SOU DOS MADUREIRAS CORO I
DE FERRO O PURO SANGUE MALACA MALACA
O QUE ME CORRE NAS VEIAS A GUERRA É A GUERRA
NASCI DA PAIXÃO TEMPORAL NO CÉU E NA TERRA
DO PORTO DOS VENDAVAIS NOS DENTES A FACA
CRESÇO NO FRAGOR DA LUTA CORO II
NUMA FORÇA BRUTA AVANÇO AVANÇO
P’RA ALÉM DOS MORTAIS A GUERRA É A GUERRA
MAS TENHO MUITAS SAUDADES NO CÉU E NA TERRA
CERTAS PENAS E DESEJOS BALANÇO BALANÇO
E AQUELA LOUCA ANSIEDADE
COMO UM PECADO CORO III
MEU AMOR SE TE NÃO VEJO CRUZADO CRUZADO
A GUERRA É A GUERRA
OLHA O FADO NO CÉU E NA TERRA
O MAIS ENFEITADO
ORA É TÃO VINGATIVO LARGAR LARGAR
ORA É TÃO PACIENTE O FOGO NO MAR
AMANHÃ É COMEDOR
II.
HOJE ABSTINENTE
SEJA BENDITO
MENTIROSO ALCOVITEIRO
DE TODOS O MAIS ENFEITADO
DOCE E VERDADEIRO
OLHA P’RA MIM O MAIS GUERREIRO
UMA VEZ CONQUISTADOR
AO VIVO
OUTRA VEZ VENCIDO
OLHA P’RA MIM O TEU AMADO
AMANHÃ É NAVEGANTE
E O CÉU A ARDER
HOJE É DESVALIDO
Ó ANA VEM VER
SENSUAL AVENTUREIRO
Ó ANA VEM VER
DOIDO E BANDOLEIRO
Ó ANA VEM VER
SOMOS CAPITÃES
BARCOS EM CHAMAS
SOMOS ALBUQUERQUES
ERGUIDAS
NÓS SOMOS LEÕES
PARECIA COISA SONHADA
OS LOBOS DO MAR
QUEIMADOS
DE OLHOS PREGADOS NOS CÉUS
OS GRITOS HORRENDOS DA BESTA
23 DE CIMA DOS CHAPITÉUS
FERIDA
E LÁ DENTRO ARDIAM HOMENS
SOMOS CAPITÃES
ENCURRALADOS
SOMOS ALBUQUERQUES
E CÁ FORA À CUTILADA
NÓS SOMOS LEÕES
DECEPADOS
OS LOBOS DO MAR
P’LA CALADA
E NA VERDADE O QUE VOS DÓI
PELOS PEITOS JÁ DESFEITOS
É QUE NÃO QUEREMOS SER HERÓIS
CHORA POR MIM Ó MINHA INFANTA
ESCORRE SANGUE O CÉU E A TERRA
A GUERRA É A GUERRA
AH POIS POR MAIS QUE SEJA SANTA
I.
A GUERRA É A GUERRA
SALTO NO ESCURO
ENTRE DENTES TRAGO A FACA (CORO)
E NOS MEUS OLHOS COLORIDOS
JURO FOGE SALOIO
VEM VER O FOGO NO MAR EH PAROLO
OS PEIXES A ARDER AGUENTA ANTÓNIO DE FARIA
E a fidalguia Em terras de pimenta e maravilha
Todo o massacre Com sonhos de prata e fantasia
E todo o desconsolo Com sonhos da cor do arco-íris
Que já lá vem o Coja Acém Desvairas se os vires
E o mar a arder Desvairas magia
Ó Ana vem ver
Ó Ana vem ver Já tenho a vela enfunada
Ó Ana vem ver Marrano sem vergonha
Diz-nos adeus o pirata Judeu sem coisa sem fronha
O labrego Vou de viagem ai que largada
De cima daquele mastro Só vejo cores ai que alegria
Trocista e airoso Só vejo piratas e tesouros
Mostrando o traseiro cafre São pratas são ouros
Preto escuro de um negro São noites são dias
Levando-nos coiro e tesouro
Rindo de gozo Vou no espantoso trono das águas
Perdeu-se o resto na molhada Vou no tremendo assopro dos ventos
Pelo estrondo Vou por cima dos meus pensamentos
Na quebrada Arrepia
No edema da gangrena Arrepia
Chora por mim ó minha infanta E arrepia sim senhor
Escorre sangue o céu e a terra Que vida boa era a de Lisboa
Ah pois por mais que seja santa
A guerra é a guerra O mar das águas ardendo
O delírio dos céus
O barco vai de saída A fúria do barlavento
O barco vai de saída Arreia a vela e vai marujo ao leme
Adeus ó cais de alfama Vira o barco e cai marujo ao mar
Se agora vou de partida Vira o barco na curva da morte
Levo-te comigo ó cana verde Olha a minha sorte
Lembra-te de mim ó meu amor Olha o meu azar
Lembra-te de mim nesta aventura
P´ra lá da loucura E depois do barco virado
P´ra lá do Equador Grandes urros e gritos
Na salvação dos aflitos
Ah mas que ingrata ventura Esfola
Bem me posso queixar Mata
Da pátria a pouca fartura Agarra ai quem me ajuda
Cheia de mágoas ai quebra-mar Reza
Com tantos perigos ai minha vida Implora
Com tantos medos e sobressaltos Escapa ai que pagode
Que eu já vou aos saltos Reza
Que eu vou de fugida Tremem heróis e eunucos
Sem contar essa história escondida São mouros são turcos
Por servir de criado a essa senhora São mouros acode
Serviu-se ela também tão sedutora Aquilo é uma tempestade medonha
Foi pecado Aquilo vai p´ra lá do que é eterno
Foi pecado Aquilo era o retrato do inferno
E foi pecado sim senhor Vai ao fundo
Que vida boa era a de Lisboa Vou ao fundo
E vai ao fundo sim senhor
Gingão de roda batida Que vida boa era a de Lisboa.
Corsário sem cruzado
Ao som do baile mandado

CCB / CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO


ANTÓNIO MEGA FERREIRA [PRESIDENTE] | ANA ISABEL TRIGO MORAIS [VOGAL] | MARGARIDA VEIGA [VOGAL]
ASSESSORA PARA A PROGRAMAÇÃO GABRIELA CERQUEIRA
consultor para a programação literária joão paulo cotrim
CENTRO DE ESPECTÁCULOS DIRECÇÃO DO CENTRO DE ESPECTÁCULOS MIGUEL LEAL COELHO ADJUNTA PARA A PROGRAMAÇÃO LUÍSA TAVEIRA ADJUNTA
PARA O PLANEAMENTO CLÁUDIA BELCHIOR ASSESSORES PARA PROGRAMAÇÃO MUSICAL JOÃO GODINHO | FRANCISCO SASSETTI ASSISTENTE DE PROGRA-
MAÇÃO RITA BAGORRO SECRETARIADO DE DIRECÇÃO LUISA INÊS PRODUÇÃO CARLA RUIZ | INÊS CORREIA | PATRÍCIA SILVA| HUGO CORTEZ | INÊS LOPES | VERA
ROSA DIRECTOR DE CENA COORDENADOR JONAS OMBERG DIRECTORES DE CENA PEDRO RODRIGUES | PATRÍCIA COSTA | PAULA FONSECA | JOSÉ VALÉRIO SECRETARI-
ADO DE DIRECÇÃO DE CENA YOLANDA SEARA DIRECTOR TÉCNICO PAULO GRAÇA | CHEFE TÉCNICO DE PALCO RUI MARCELINO | SECRETARIADO DE DIRECÇÃO
TÉCNICA SOFIA MATOS | TÉCNICO PRINCIPAL PEDRO CAMPOS | LUÍS SANTOS | RAUL SEGURO | TÉCNICO EXECUTIVO ARTUR BRANDÃO | F. CÂNDIDO SANTOS |
VÍTOR PINTO | CÉSAR NUNES | JOSÉ CARLOS ALVES | HUGO CAMPOS | MÁRIO SILVA | RICARDO MELO | RUI CROCA | CHEFE TÉCNICO DE AUDIOVISUAIS NUNO
GRÁCIO TÉCNICO DE AUDIOVISUAIS RUI LEITÃO | EDUARDO NASCIMENTO | LUIS GARCIA SANTOS | NUNO BIZARRO | PAULO CACHEIRO | NUNO RAMOS | CHEFE
TÉCNICO DE GESTÃO E MANUTENÇÃO SIAMANTO ISMAILY TÉCNICO DE MANUTENÇÃO JOÃO SANTANA | LUÍS TEIXEIRA | VÍTOR HORTA  

Você também pode gostar