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2016
1
ANAIS
PPGMUS UFRGS
2016
2
Organizador
Arte de capa
(baseada na obra América invertida, 1943, do artista uruguaio Joaquín Torres Garcia)
Mandi Moreira
Realização
E-mail: etnomus@ufrgs.br
3
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ........................................................................................................ 6
Ernesto Donas
COMUNICAÇÕES
4
Fuelles en la frontera: narrativas de acordeonistas y bandoneonistas del interior de
Uruguay ......................................................................................................................... 67
José A. Curbelo
Um estudo etnomusicológico sobre “Identidade Gaúcha” e Indústria Cultural: aportes
teórico-metodológicos para a pesquisa .......................................................................... 78
Clarissa Figueiró Ferreira
Irmãos Bertussi e o baile gaúcho: (re)criações e agenciamentos na música regional de
baile no Rio Grande do Sul ............................................................................................ 87
Fernando Henrique Machado Ávila
5
APRESENTAÇÃO
Para uma real troca de saberes contra-hegemônicos, tal como preconizada por
Boaventura Santos com as “epistemologias do sul”, inspirou-nos nos momentos de
planejamento, realização e avaliação do evento, como norte invertido ou, melhor, como
sul possível a obra América invertida (1943) do artista uruguaio Joaquín Torres Garcia,
slogan do Colóquio e obra base para a arte da capa destes Anais. É nosso desejo que
este Colóquio tenha sido o primeiro de muitos que ainda virão em diferentes formatos e
entrosamentos entre o Brasil e a América Latina.
6
PROGRAMAÇÃO GERAL
13:30: Abertura
2. Irmãos Bertussi e o baile gaúcho: (re)criações e agenciamentos na música regional de baile no Rio Grande
do Sul
Fernando Henrique Machado Ávila, UFRGS
3. Etnomusicologia aplicada e pesquisa-ação: Tocando para o Acervo Plauto Cruz, Regional Plauto Cruz e
Ação Musical
Paulo F. Parada, UFRGS
15:30 – 16:00 INTERVALO
1. Por que estudar imigração, migração e música? Lacunas, problemas e perspectivas do estudo
etnomusicológico
Suelen Scholl Matter, UCS RS
2. Um estudo etnomusicológico sobre “Identidade Gaúcha” e Indústria Cultural: aportes teórico-
metodológicos para a pesquisa
Clarissa Figueiró Ferreira, UNIRIO
3. Alupandê o povo da rua: Performance, identidade e novas escutas na Quimbanda de Porto Alegre e Conesul
Felipe Cemim, UFRGS
1. Trampos, montagens e patifagens: uma etnografia musical no Campo da Tuca, Porto Alegre
7
2 Percorrendo nexos entre política e memória em um fazer musical no sul do Brasil: os Tápes (1970/1980) e
outros atores sociais na canção popular/regional politizada
Daniel Stringini, UFRGS
3. Fuelles en la frontera: Narrativas de acordeonistas y bandoneonistas del interior de Uruguay
José A. Curbelo, UFPel
15:30 INTERVALO
16:00 – 17:30: Comunicações, sessão 4 (via Skype)
2. “Quédate con mi voz": una reflexión metaperformática sobre personajes musicales de una cantante cubana
en la escena urbana de trova y canción de autor mexicana.
3. Ritual a la venta: la capitalización de lo inmaterial en el rito de los voladores o del palo volador de
Veracruz, México
17:45 ENCERRAMENTO
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MESA REDONDA
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Resumo
Este trabalho parte do pressuposto de que a etnomusicologia é uma disciplina marginal.
A partir de um conceito de marginalidade como espaço de encontros, liberdade de
expressão e hibridismo, busca-se mostrar como a etnomusicologia tem adotado
perspectivas teóricas diversas no avanço de seu objetivos acadêmicos de forma criativa.
Nas margens dos centros etnomusicológicos estes processos são ainda mais visíveis.
Assim, volta-se para a etnomusicologia no Brasil a fim de identificar como as condições
de marginalidade têm impactado o desenvolvimento da pesquisa no país, gerando
orientações que fundem abordagens transnacionais diversas com as preocupações
situadas dos investigadores.
Palavras chave: etnomusicologia, marginalidade, hibridismo
Summary
This paper is premised on the assumption that ethnomusicology is a marginal discipline.
Conceptualizing marginality as a space of encounters, freedom of expression and
hybridity, it aims to show how ethnomusicology has creatively adopted diverse
theoretical perspectives to advance its aims. At the margins of ethnomusicological
centres these processes are even more visible. Thus, I turn to ethnomusicology in Brazil
to identify how the conditions of marginality have impacted research development in
the country, generating perspectives that fuse diverse transnational approaches to the
situated preoccupations of the researchers.
Key words: ethnomusicology, marginality, hybridity
10
essência; ela invoca a relação entre domínios. As relações entre centros e margens estão
predicadas a momentos históricos, estando, portanto, em constante transformação,
sendo redefinidas conforme o fluxo das circunstâncias que permeia as dinâmicas
sociais.
12
pesquisa musical no país muito antes de haver uma disciplina chamada
“etnomusicologia”: um interesse comum entre os intelectuais na construção da nação, o
que também estabeleceu fluidez entre as barreiras disciplinares. Enfim, parece que, no
Brasil, nós somos literalmente “todos etnomusicólogos” hoje, embora, paradoxalmente,
a disciplina esteja numa posição institucional marginal.
Com efeito, a pesquisa voltada para a música brasileira no Brasil tem mobilizado
duas esferas complementares: por um lado, pesquisadores engajados na coleta extensiva
de repertórios locais como meio de identificar suas particularidades estéticas – aquelas
preciosidades que inclusive poderiam ser integradas a uma arte nacional (ou regional) e,
quiçá contribuir para a inserção da música brasileira (marginal) no cenário internacional
(ou central); por outro, move-se pelo desejo de conhecer o país e identificar o que o
mantém na marginalidade, para que se possa contribuir de alguma forma à superação
dos problemas nacionais. A pesquisa no Brasil, portanto, tem sido sempre uma atividade
engajada – um domínio de “etnomusicologia aplicada”.
13
Mário, então, apropriou-se do discurso já desenvolvido no Brasil, que propunha
que, no Brasil, estaria se formando um povo mestiço, resultado da miscigenação de
europeus, africanos e indígenas. Se a geração anterior a Mário via esta situação como
algo que o Brasil precisaria superar com políticas de branqueamento, Mário redefiniu a
mestiçagem como algo que estabeleceria a unidade “étnica” do brasileiro. Assim, seu
interesse na pesquisa musical não se limitava à coleta de repertórios pelo país para
proporcionar matéria prima aos artistas “verdadeiros”, os artistas “desinteressados”;
também se engajou na análise do material para qualificar a “psique” desta etnia mestiça,
que se revelaria na música. Apesar das diferenças formais nos repertórios de uma
localidade a outra na imensidão do território brasileiro, encontrou um elemento de
unidade que viu como base da psique brasileira. Em suas palavras: “A mesma doçura
molenga, a mesma garganta, a mesma malinconia, a mesma ferócia, a mesma
sexualidade peguenta, o mesmo choro de amor rege a criação da música nacional de
norte a sul” (1972 [1928], p. 65).
Seu livro Ensaio sobre a música brasileira (1972 [1928]) foi, acima de tudo, um
manifesto convidando os compositores brasileiros a se apropriarem do repertório
popular do país na construção de uma arte nacional. Ele mesmo não se via como
compositor, mas demonstrou seu projeto através de seu romance Macuníma: o herói
sem nenhum caráter, uma obra de bricolage monumental! E este herói, como o próprio
Mário, sai à procura do “muiraquitã” – seu caráter, tornando-se brasileiro.
Vale notar que a orientação proposta por Mário continua influenciando o mundo
artístico brasileiro. Ariano Suassuna, por exemplo, foi transparente em atribuir a Mário
sua inspiração no estabelecimento do Movimento Armorial, que visava realizar “uma
Arte [erudite nacional], com base em suas raízes populares” (SUASSUNA, 1974, p. 5),
seu projeto também uma grande bricolage.
14
estandartes. Se, por um lado, o termo deveria sugerir as “bandeiras” e a “heráldica”
popular (VENTURA, 2007, p. 32), por outro remete às reminiscências de um legado
longínquo, retido nas tradições sertanejas: um medievalismo, um renascentismo e um
barroco rústicos, evidenciados na literatura de cordel, nos repentes, nas bandas de
pífanos (AMARAL, 2013). Assim, Suassuna encontrava no isolamento do nordeste a
alma de toda a cultura brasileira. Ali teriam ficado retidas as estruturas básicas que
poderiam formar o arcabouço para a genuína arte da nação como um todo. Em vez de
uma arte erudita com traços populares, contudo, poder-se-ia dizer que o Movimento
Armorial gerou uma arte popular com traços eruditos (WOITOWICZ, 2008), matizada
na cultura sertaneja.
15
registro do patrimônio imaterial e do saber popular (LÜHNING, 2011; TUGNY e
QUEIROZ, 2006). pesquisa participativa, colaborativa
Palavras finais
16
O principal objetivo de Mário de Andrade foi a construção de uma sensibilidade
estética nacional que representasse o caráter nacional, sendo que sua obra,
particularmente Macunaíma, beneficiou-se de seus vastos arquivos de material popular,
permitindo-lhe “viajar” livremente, nos escritos, por todo o território nacional, viagens
que também emergem no trabalho de alguns compositores, talvez de forma mais audível
em Villa-Lobos. Ariano Suassuna, por sua vez, também desenvolveu um projeto de
pesquisa “marginal”, construindo um discurso particular referente à cultura brasileira
que traduziu em projeto artístico no Movimento Armorial. Ao disseminar este discurso
por meio de peças, como “O Auto da Compadecida”, e musicais com os grupos
armoriais, disseminou um conceito mágico-arcaico do sertão nordestino de considerável
força estética.
Referências
17
presente das políticas públicas. In: XI Congresso Internacional da ABRALIC:
Tessituras, Interações, Convergências, USP, 2008.
SUASSUNA, Ariano. O Movimento Armorial. Recife: UFPe, Editora Universitária,
1974.
TRAVASSOS, Elizabeth. Música folclórica e movimentos culturais. Debates, v. 6, p.
89-113, 2014
TUGNY, Rosângela Pereira de; QUEIROZ, Ruben Caixeta de, orgs., Músicas africanas
e indígenas no Brasil, Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.
TURINO, Thomas, Music in Social Life: the politics of participation. Chicago: The
University of Chicago Press, 2008.
VENTURA, Leonardo Carneiro, Música dos espaços: paisagem sonora do nordeste no
movimento armorial, dissertação de mestrado, UFRGN, 2007.
WOITOWICZ, Karina Janz O som popular e erudito do Quarteto Romançal. Revista
Internacional de Folkcomunicação, v. 1, 2006
1
Este texto foi concebido originalmente em espanhol, e apresentado no I Coloquio de Investigación
Musical – Ibermúsicas, na Cidade do México, em 2015. Esta versão, além de estar em língua portuguesa
por ocasião do I Colóquio em Música do Brasil e América Latina, fruto da especificidade da
18
Ernesto Donas2
etnomusicologia em relação à versão original, mais generalista, adapta e/ou acrescenta algumas ideias e
bibliografia. Agradeço os comentários, ideias e sugestões oferecidas (em ordem alfabética) por: Coriún
Aharonián, Leandro Delgado, Gustavo Goldman, Leonardo Manzino, e ao grupo de expositores do
Colóquio no México. Agradeço também ao Prof. Reginaldo Gil Braga e ao Etnomus UFRGS pela
oportunidade de compartilhar e debater estas ideias e questionamentos no âmbito da etnomusicologia e
entre universidades e pesquisadores dentro do cone sul, em nível regional.
2
Professor da Escuela Universitaria de Música –UdelaR/ Montevidéu e músico da Orquesta Filarmónica
de Montevidéu.
19
usar como metáfora – não sem ironia se incluímos a relação entre texto e música - dos
desafios consequentes de construir e visualizar um campo de conhecimento:
Diseño de interiores
Considero que pesquisa sobre e a partir da música significa não apenas relevar e
desenhar realidades, mas também se posicionar frente a elas. E, como metáfora,
desenhar interiores e exteriores do conhecimento, e espaços de reflexão acerca das
realidades sonoras.
Contudo, não é a minha intenção brindar uma abordagem integral sobre pesquisa
musical no Uruguai –seja sincrônica ou diacrônica-, como não é comparar pesquisas ou
“estados de coisas” em termos regionais. Em primeiro lugar, a minha proposta visa
revisitar o conceito de pesquisa musical em si e a sua relação com as práticas musicais
3
Fernando Cabrera (Montevideo, 1956) é violonista, cantautor, compositor e produtor, um dos mais
ecléticos, prolíficos e importantes da sua geração na música popular uruguaia.
4
“Diseño de interiores”. Em Fernando Cabrera, Bardo. Ayui A/E 300CD. 2006. Pode se acessar online em
https://www.youtube.com/watch?v=a_bJLtMkd2Q .
20
para, em segundo lugar, traçar uma trajetória geral da pesquisa musical e alguns fatos
institucionais.
5
No original, en inglês: “The desire to arrive finally at logically connected concepts is the emotional
basis of a vague play with basic ideas. This combinatory or associative play seems to be the essential
feature in productive thought”. Acessível na internet, http://quoteinvestigator.com/2014/08/21/play-
research/#note-9611-2 (acesso, 15 de outubro de 2016). A tradução é minha.
6
Recomendo ler também Borgdorff, Henk, 2006, “The debate on research in the arts”, disponível na
internet.
21
Ao relacionarmos isto com a música, partimos de um jogo associativo para
pensar produtivamente a partir do material sonoro, material existente em fontes de
natureza diversa, que Juan Pablo González (2013, p.14) sintetiza em três eixos que às
vezes dialogam ou às vezes colidem: os eixos da escritura, da midialidade e da
oralidade.
Cabe perguntar então o que é que motiva as pessoas que pesquisam a procurar e
buscar pensamento produtivo a partir das práticas musicais. E, continuando, uma série
de perguntas possíveis: Quem pesquisa os fenômenos sonoros? O que é escolhido para
pesquisar? Para quem? Por quê? Que visões de mundo pretende brindar e de fato
7
Existe abundante bibliografia sobre o assunto, citada y abordada, por exemplo, em Aharonián, Hacer
música en América Latina, Montevideo: Tacuabé, 2012; e Juan Pablo González, Op. Cit.
8
Cabe lembrar que o multiculturalismo, como ideia, reconhece a juxtaposição e diversidade de culturas
ou características culturais, enquanto que o interculturalismo vai além e trabalha as diferenças,
desigualdades, relações de poder, históricas, econômicas, etc.
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consegue oferecer? Qual a relação entre quem produz os fenômenos sonoro-musicais e
as elaborações (sincrônica ou posterior) sobre eles? Como se materializa a pesquisa
musical? e, finalmente, o mais delicado e difícil a meu ver, e que gostaria de enfatizar:
Como se expõem, visualizam, e –acima de tudo- se valorizam e utilizam os resultados
dessas pesquisas em pleno século XXI, e nas condições políticas, sociais, culturais e
artísticas que vivemos?9 Voltarei a estas questões mais a frente no texto.
23
teses (mestrado e doutorado), monografias, “trabalhos de fim de curso”, comunicações
(colóquios, eventos, congressos, etc), livros, textos com formato acadêmico na internet,
verbetes em enciclopédias, edições críticas de partituras, etc. Em outros casos – em que
se consiga identificar rigorosidade no processo e no resultado - se chega a reconhecer
elementos de pesquisa, mas talvez não se reconheça necessariamente como centrais ou
como “pesquisa materializada”, como acontece eventualmente em parte da produção
audiovisual, resenhas de livros e edições fonográficas, encartes de fonogramas, algumas
propostas de programas de rádio, livros ou artigos de perfil jornalístico, relatórios
técnicos11, preparação de avaliação de mérito e propostas de trabalho, performances,
improvisações, gestão cultural, e outros.
11
Por exemplo, em caso de precisar demonstrar a “origem” de uma canção por razões de direitos autorais.
24
tempo já vem sendo questionado e ampliado através da própria etnomusicologia e dos
Sounds Studies.12
12
No universo anglo-saxão, o pioneiro R. Murray Schafer e outros, como Steven Feld, Veit Erlmann,
Jonathan Sterne, entre muitos; na América Latina podemos citar o trabalho de Ana María Ochoa e de
Miguel Ángel García, embora Lauro Ayestarán já propunha pesquisar, muitas décadas atrás, abordando
apenas o material sonoro em vez de considera-lo apenas “música”.
13
Disponível em: http://www.bibliotecadelbicentenario.gub.uy/innovaportal/file/62959/1/nuestro-
tiempo-05.pdf
25
Ayestarán participa da gestação da Sección Musicología del Museo Histórico
Nacional em 1946, integrando o grupo de recursos humanos daquele momento junto ao
compositor Carlos Giucci e ao professor Antonio Álvarez Varela, no mesmo ano que
assume a cátedra de Musicologia no Instituto de Musicología de la Facultad de
Humanidades y Ciencias de la Universidad de la República (UdelaR). Se por um lado
Ayestarán estudou a música erudita (uruguaia e latino-americana), trabalhou as músicas
em termos mais abrangentes, reconhecendo e documentando uma importante
diversidade musical. A contribuição de Ayestarán é um extenso e metódico (ainda que
não completo) estudo de fontes e investigações em campo de práticas musicais
tradicionais, com métodos próprios da etnomusicologia,14 propondo ainda em meados
do século XX a ideia de um “mapa musical” do Uruguai (que foi pensado em termos
regionais e não em função das fronteiras políticas). As músicas identificadas foram
estudadas de forma parcial e até os dias de hoje, permanecem pouco revisitadas
sistemática e criticamente.
14
Ayestarán não se limitou a isto; documentou e refletiu sobre folclore, mesomúsica, e música erudita,
além de fazer levantamentos de arcquivos, escrever sobre cinema e até trabalhar com fotografia.
26
amplos e inclusivos, mas problematizando também as formas de reconhecer a
rigorosidade nas abordagens: é certo também que nem tudo é pesquisa musical.
Considerações finais
27
No Uruguai, desde os anos 1920, promoveu-se o estudo e levantamento de
diferentes manifestações musicais. Por volta de meados do século passado eram
consideradas como objeto de estudo a maior parte das práticas musicais passadas e
presentes até então. Apesar da possibilidade de situar-se dentro de instituições, a ação
de indivíduos, muitas vezes por vontade, decisão e até recursos econômicos próprios,
tem sido e segue sendo fundamental para o desenvolvimento da pesquisa musical no
país.
Por que estamos colocando tudo isso? Como sair do âmbito e da “cultura do
conforto acadêmico” (como indivíduos, como etnomusicólogos, e em diálogo com
outras disciplinas e posicionamentos)? Como podemos ampliar o cânone, as formas e
processos de produção de sentido com esta ideia de abrangência?
Alejo Carpentier dizia que a música na América Latina tem que ser considerada
como um todo, prevendo que a originalidade surge ou pode surgir a partir de qualquer
setor da sociedade ou área de conhecimento. De forma análoga, desde e através da
pesquisa musical, pode-se refletir em relação à música (nos mais variados formatos)
“como um todo”, o que também pode ser identificado na própria criação ou prática
musical. O desafio encontra-se então em visualizar a pesquisa musical como um âmbito
de reflexão e questionamento nas mais variadas possibilidades de materialização da
mesma, sempre que seja rigorosa, sistemática e reconhecível. Indivíduos, coletivos e
instituições estarão, nesse contexto, percorrendo lentamente a busca de um ouvido
28
pensante, sensível, conhecedor, que já colocava ao seu modo como necessidade Lauro
Ayestarán, e que nos compete ampliar como seres humanos etnomusicólogos.
Referências
GONZÁLEZ, Juan Pablo. Pensar la Música desde América Latina. Buenos Aires:
Gourmet Musical, 2013.
29
COMUNICAÇÕES
Funk
30
Trampos, montagens e patifagens: uma etnografia musical no Campo da Tuca,
Porto Alegre15
Resumo
O presente artigo visa, de maneira resumida, mostrar um pouco da etnografia musical realizada na
Comunidade do Campo da Tuca, zona leste de Porto Alegre, entre julho de 2014 e dezembro de 2015. A
tentativa é de compreender os processos e os procedimentos estéticos e sonoro-musicais envolvidos nas
musicalidades Funk no Sul do país e sua relação com a luta da diáspora Negra no combate ao racismo.
Para tal, baseio-me nas noções de espaço banal (Milton Santos), diáspora (Stuart Hall), evento musical
(Anthony Seeger) e quilombismo (Abdias Nascimento).
Palavras-chave: Funk, Porto Alegre; Etnomusicologia; Performance e Identidade.
Aquecimento
15
Este texto trata-se de uma versão da dissertação de mestrado Bailes, festas, reuniões dançantes,
trampos, montagens e patifagens: uma etnografia musical no Campo da Tuca, “a apital do Funk no sul
do país”, PPGMUS UFRGS, 2016.
31
racismo, sem ter, em razão das condições impostas pelo racismo, sexismo e pelas
condições materiais e educacionais, força para enfrentá-lo e para atuar politicamente
dentro das organizações formais de luta, como os sindicatos, as universidades e os
diferentes movimentos sociais.
32
como às lideranças dos movimentos sociais negros, aos estudantes de graduação e
negros e não negros inconformados, revoltados com as desigualdades sociais e que se
enquadram na agenda de luta antirracista como parte de um movimento da diáspora
negra. A experiência do trabalho etnográfico no campo da Tuca talvez possa nos ajudar
a pensar novas estratégias que partem dos de baixo, dos excluídos, dos sem voz, mas
que, nas brechas do sistema, negociam, articulam e atuam politicamente, realizam sua
agencia e vão à luta, e atuam de maneira silenciosa a partir do não lugar que ocupam na
música e na cultura dita gaúcha, e de seus modos de ver o mundo.
Começa o jogo
33
global e como o futebol pode nos ajudar a entender melhor esse “campo de forças e de
lutas” (BOURDIEU, 1996).
[…] nos espaços banais se recria a ideia e o fato da Política, cujo exercício se
torna indispensável, para providenciar os ajustamentos necessários ao
funcionamento do conjunto, dentro de uma área específica. Por meio de
encontros e desencontros e do exercício do debate e dos acordos, busca-se
explícita ou tacitamente a readaptação às novas formas de existência (Ibidem,
p. 54).
34
(ACCAT) desenvolveu, tais como a Escola Infantil, programas no turno inverso ao da
escola e, quando adolescente, dos projetos em parcerias com a prefeitura. Tornei-me
educador social neste espaço, oficineiro de música e pesquisador, sempre tendo a
música e a cultura popular negra como ferramenta de intervenção social. Para Stuart
Hall:
35
[...] Muitas vezes, a música é também parte de um processo político, de censura ou
promoção do Estado” (p. 26). Por conta desta tradição de bailes, este encontro culminou
no surgimento de uma nova cena musical na Vila: o Funk.
36
Malvados, que improvisavam suas canções batendo na palma da mão. MC Eloy e MC
Ding ensinaram MC Filipinho a cantar e este é hoje um dos principais artistas de Funk
reconhecido nacionalmente. Enfim, o Funk elevou o capital simbólico da comunidade
do Campo da Tuca.
No entanto, mesmo com essa força, mesmo com toda essa expectativa, alguns
funkeiros que chegavam à Escola de MC tentavam obter espaço para tocar no baile da
Tuka e para fazer parte do Sindicato MC. Outros artistas mais experientes, como MC
Ding - principal compositor de Funk no Campo da Tuca -, percebiam, entretanto, uma
desvalorização da sua música em relação aos MCs do Rio de Janeiro e de São Paulo no
que diz respeito aos cachês, mesmo sendo influenciados por eles. MC Kinho mostra
essa constante atualização do Funk do sul, ao acompanhar as mudanças no Rio de
Janeiro, terra do Funk Carioca.
37
Além disso, no âmbito da Escola de MCs, alguns funkeiros não concordavam
com o fato de ter que frequentar a escola formal como um pré-requisito para fazer parte
do projeto. Alguns, porém, afirmavam que essa exigência deveria permanecer, e que a
educação era uma dimensão importante que precisava ser cobrada.
Outra discussão foi a respeito de como selecionar quem era e quem não era
bom em Funk a partir das performances. A maneira encontrada foi testar a versatilidade
ao cantar não só Funk putaria, principal referência do momento, mas também outros
tipos de Funk, como o Funk Consciente, Funk do Bem e o Funk Ostentação.
Terceiro tempo
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Na perspectiva dos estudos da diáspora, esta etnografia musical contribui para
a história musical dos funkeiros da capital do funk sul-brasileiro em seis pontos.
Primeiro, demonstra o quanto a política faz parte da luta por reconhecimento e
por melhores condições de vida, e o quanto ela afeta, principalmente, a população negra
no curso da história do Brasil. Entender seu funcionamento é muito importante.
Segundo, o aspecto social que possibilitou o encontro entre pessoas de estratos sociais
diferentes a partir do funk e da tradição dos bailes, festas e reuniões dançantes em Porto
Alegre desde os anos 70. Terceiro, que a cultura expressada aqui através do Funk
demonstra a centralidade da música ao lado do futebol, elementos importantes no
aumento do capital simbólico da comunidade. Quarto, pensar a partir das categorias
nativas: trampo, montagens e patifagens, entendendo não apenas o Funk no Sul do país,
mas o Funk nacional e os trânsitos transnacionais. Quinto, que através da reflexividade
que apresento, os próprios agentes possam repensar as suas práticas no passado, no
presente e projetar o futuro do Funk. Sexto, repensar a responsabilidade social que os
acadêmicos devem ter com as comunidades nas quais pesquisam.
Este trabalho foi pensado como uma metáfora futebolística para compreender e
entender melhor a música Funk. Pensar nos tempos - treino, aquecimento, primeiro
tempo, intervalo, segundo tempo, prorrogação, pênaltis e terceiro tempo - é dar sentido
ao jogo, à disputa e à relação da música com o futebol, pois, como diz o Antropólogo
Roberto Da Matta (2013), a vida é uma bola que corre mais que nós, e assim também é
o Funk: quanto mais corremos para tentar entendê-lo, mais percebemos que ele corre
mais que nós, em razão de ser um fenômeno musical dinâmico, múltiplo e heterogêneo.
Referências
39
HALL, Stuart. Pensando a Diáspora (Reflexões Sobre a Terra no Exterior). In: Da
Diáspora: Identidades e Mediações Culturais. Liv Sovik (org.); Trad. Adelaine La
Guardia Resende. Belo Horizonte: Editora UFMG; Brasília: Representação da Unesco
no Brasil, 2003.
MC Kinho. Entrevista sobre sua trajetória musical no Funk. Porto Alegre. 07 Mai.
2015. Entrevista concedida a Pedro Fernando Acosta da Rosa.
MOORE, Carlos. Racismo e Sociedade: Novas bases epistemológicas para entender o
racismo. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2007.
NASCIMENTO, Abdias. Quilombismo um conceito emergente do processo histórico-
cultural da população afro-brasileira: Uma proposta do autor aos seus irmãos e irmãs
afrodescendentes no Brasil e nas Américas. In: II CONGRESSO DE CULTURAS
NEGRAS DAS AMÉRICAS, Panamá, 1980.
_______. O Genocídio do Negro Brasileiro. Petrópolis/RJ: Editora Paz e Terra, 1977.
ROBERTO DAMATTA (São Paulo). O Estadão. O Futebol como filosofia. 2013.
Disponível em: <http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,o-futebol-como-filosofia-
imp-,1039014>. Acesso em: 12 dez. 2015.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. Do pensamento único a consciência
universal. Editora Record, São Paulo, 2001.
SEEGER, Anthony. Etnografia da música. In: MYERS, Helen. Ethnomusicology: an
introduction. Londres: The MacMillan Press, 1992.
40
O Semba Angolano e o “paradigma do Ngola ritmos” 17
Resumo
17
Texto baseado na tese de doutorado Kotas, Mamás, Mais Velhos, Pais Grandes do Semba: a música
angolana nas ondas sonoras do atlântico negro, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em
Artes – Música da UNICAMP, 2016.
18
Doutor em Música, UNICAMP, 2016 e Mestre em Musicologia/ Etnomusicologia com a dissertação
Suingueiros do Sul do Brasil: uma etnografia musi al nos “be os, guetos, bibo as” e bares de dondo as
de Porto Alegre, PPGMUS UFRGS, 2011, publicada em livro como Suingue, Samba-rock e Balanço:
músicos, desafios e cenários (Porto Alegre, Medianiz, 2013).
41
estamos capacitados a ver nos outros depende em boa medida daquilo que está em nós
mesmos” (GUBER, 2001, p.121). Um exercício constante de alteridade para que o
conhecimento se construa dialogicamente, em permanente negociação e pluralidade de
vozes, como defende James Clifford (1986), reconhecendo ‘cultura’ como resultante de
um processo intersubjetivo, convergente, divergente e paralelo, e não como um fato
dado e exterior.
42
e depoimentos define o ano de fundação do grupo Ngola Ritmos, 1947, como marco do
surgimento do gênero musical semba, da maneira como o conhecemos pelos
fonogramas e vídeos acessados. A formação do Ngola Ritmos que ficou mais
conhecida, vigente até 1959, teve ‘Liceu’19 (voz, violão-ritmo e piano), tido como o
principal mentor do projeto musical-estético do grupo, Nino Ndongo20 (ngomas21 e
voz), Amadeu Amorim22 (ngomas e voz), Zé Maria (violão-solo e voz), Euclides de
Fontes Pereira23, o Fontinhas (dikanza24 e voz), Belita Palma25 (voz) e Lourdes Van
Dunem26 (voz).
Figura 8 – Da esq. para a dir.: Liceu Vieira Dias, Nino Ndongo, Belita Palma, Amadeu Amorim, Lourdes
Van Dunem e Zé Maria. Para completar a formação clássica do grupo falta o percussionista Fontinhas.
Fonte: Coleção música de Angola – FENACULT, 2014, p.21.
o semba tem suas raízes nas músicas tradicionais da região kimbundu 27, da
cidade de Luanda e da ilha de Luanda e [...] não tem uma definição clara,
19
Carlos do Aniceto ‘Liceu’ Vieira ias (1919-1994).
20
Manuel Antonio Rodrigues Junior – Nino Ndongo (____-2005)
21
“Ngoma” são tambores com peles dos dois lados, tocados com as mãos. Redinha assim define:
“designação em kimbundu para tambor: quando cilíndrico tem dois tímpanos; quando cônico, um só”
(REDINHA, 1972, p.164).
22
Nascido em Luanda a 03.08.1937.
23
Luanda, (1925-2013).
24
Dikanza é um instrumento de percussão semelhante ao reco-reco do Brasil, ao guero da América
Central e Caribe. Da família dos ideofones (instrumento percussivo cujo som é produzido por raspagem
sobre o corpo do instrumento), feito com bambu, no qual é friccionada ou percutida uma baqueta de
espessura fina sobre talhos transversais. A dikanza é mais comprida que seus equivalentes nas Américas
e tem características peculiares de interpretação, muito presente em estilos de música angolana, como o
semba.
25
Isabel Salomé Benedito de Palma (1932-1988).
26
Maria de Lourdes Pereira dos Santos Van-Dunem (1935-2006).
27
Segundo Menezes, “Angola tem população predominantemente de origem bantu, que abrange o grupo
de povos em cujas línguas a desinência ‘-ntu’ significa homem” (2000, p.101). A população de Angola
43
única, unívoca: é um movimento e uma estrutura musical que começa a
desenhar-se nos anos 1960, tem tido muitas formas, e tem muitos sembas
diversos. Até hoje parece que designa quase todas as músicas de Luanda, e
nem todas são sembas (BIGAULT, depoimento via e-mail, 15.12.2014).
Figura 1 – Em destaque, a região do país em que predominou a produção e práticas musicais associadas
ao semba. O idioma local nessa região é o kimbundu. Fonte: www.movv.org. Acesso em 20.02.2015.
compreende cerca de 100 grupos etnolinguísticos de origem bantu, que podem ser divididos em nove
grandes grupos. Os principais são: Ambundu (+/- 20% da população) – falam kimbundu; Ovimbundu
(+/- 36% da população) – falam umbundu; Bakongos (+/- 15% da população) – falam kikongo.
44
apoiados em uma interpretação às teses de Gilberto Freyre. Ou, como consta nas Bases
Gerais para a Ação Psicossocial, programa do governo português, “era preciso distraí-
los” (ALVES, 2015, p.99).
28
Sabemos que não atingimos, com este estudo, a totalidade de interações com outras manifestações
expressivas que o semba estabelece(u) ao longo do tempo.
45
depoimentos dos músicos entrevistados e da escuta dos fonogramas. No caso específico
e paradigmático do Ngola Ritmos é muito presente a relação direta com ritmos do
carnaval angolano, como a kazukuta, a kabetula e a rebita: a kazukuta e a kabetula
o semba que se tocava naquela altura foi uma mistura de ritmos da kazukuta,
aquela música tocada com os instrumentos tradicionais, e em tons maiores.
Então, o meu pai agarrou nesses ritmos, passou pra guitarra [violão] as
batidas, mas tocando em tons menores. E é a isso que se chamou já o semba
urbano. Porque o semba não é mais do que o kazukuta tocado em menor,
com violão (Depoimento em 16.10.2015).
o meu pai, pra além do Ngola Ritmos, criou o Grupo dos Sambas, e ele
compunha uns sambas à moda angolana. [...] Porque aqueles anos do tempo
do meu pai eles tocavam muitos sambas; o samba era uma música muito
ouvida aqui. Sobretudo na classe urbana de Luanda.
M - chegava através de discos?
CVD - Sim. Vinham muitos barcos comerciais pra cá; então nós ouvíamos
aqui o Ataulfo Alves, a Carmélia Alves e seus Cangaceiros – estiveram cá!
Vieram cantar cá! O Noite Ilustrada, o Jackson do Pandeiro! A malta aqui
gostava do Jackson. Depois começamos a ouvir o Ivon Cury, que também
chegou a cantar aqui; mandava um vozeirão incrível. (Depoimento em
16.10.2015).
29
Kota é uma gíria angolana para se referir, com respeito e reverência, a alguma pessoa de mais idade.
46
Outro músico com quem tivemos contato foi Marito Furtado, baterista da Banda
Maravilha, agrupamento fundado em 1992 auto-denominado como Os Embaixadores do
Semba. Marito mencionou as ligações do Ngola Ritmos com a música afro-latina em
função de uma canção específica, Muxima, canção de tradição popular, rearranjada e
interpretada pelo Ngola Ritmos, considerada um hino informal de Angola. Diz Marito:
MF - A leitura que eu faço é que o Ngola Ritmos era muito influenciado pela
música latina – porque, o que o kota Liceu fez? Ele juntou a harmonia
àqueles tambores, das turmas. Foi o primeiro a juntar instrumentos
harmônicos aos batuques. E essas cordas ele foi buscar aonde? Na música
brasileira, que ele ouvia muito, na época. Ele próprio assumiu isso. [...] Eles
ouviam muita música latina. Isto que eles estão a tocar aqui, para mim é
BOLERO. Aquele bolero tocado com bongôs...
M - Eu já vi chamarem de LAMENTO... BALADAS... a coletânea Angola
60´s coloca essa definição. A Marissa Moorman também.
MF - Mas lamento o que é? Lamento é o que ele está a cantar. Ele tá a cantar
um lamento, tá a falar de muxima, que é coração... deus... isso é um lamento.
Agora, ritmicamente, não há nenhum ritmo chamado lamento. Se formos
falar de ritmo, isto é um bolero. Aquilo que fazem os bongôs nos boleros, o
Fontinhas fez na dikanza. E é engraçado ver como ele tocava, ele tocava a
dikanza com aquelas dedeiras; ele nem riscava aqui [nas ranhuras]. No bolero
só fazia isso. Mas isso é tirado tudo da música latina: Brasil, Cuba, das
Caraíbas... (Depoimento em 28.10.2015).
A partir desse paradigma proposto pelo Ngola Ritmos para o semba angolano,
alguns aspectos foram ao longo de décadas se consolidando através do processo criativo
de dezenas ou centenas de artistas envolvidos com o semba em Angola, e que podemos
agora enfatizar:
- O idioma kimbundu predominante nas canções é outra marca inegável dos sembas,
principalmente, dos 1960’s aos 1980’s.
- Outros temas presentes nas letras de sembas são a exaltação ao país, a esperança, a
saudade, situações de feitiçaria, de relações pessoais.
- O bpm (batidas por minuto) do semba, registra oscilação entre 108 e 145bpm, sendo
128bpm a média.
Referências
48
CLIFFORD, James & GEORGE E. Marcus. Writing Culture: the Poetics and Politics of
Ethnography. Berkeley: University of California Press, 1986
GUBER, Rosana. La Etnografia: método, campo y reflexividad. Bogotá: Norma, 2001.
KUSCHICK, Mateus Berger. Kotas, Mamás, Mais Velhos, Pais Grandes do Semba: a
música angolana nas ondas sonoras do Atlântico negro. Campinas: UNICAMP, 2016.
Tese (Doutorado em Música), Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas,
2016.
MACEDO, Jorge. A Dimensão Africana da Cultura Angolana. Luanda: INIC, 2006.
(1989).
MARTIN-BARBERO, Jesus. Dos Meios às Mediações: comunicação, cultura e
hegemonia. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2001.
MENEZES, Solival. Mamma Angola: sociedade e economia de um país nascente. São
Paulo: FAPESP, 2000.
REDINHA, José. Instrumentos Musicais de Angola. Coimbra: Editora da Universidade
de Coimbra, 1972.
SETAS, Antonio. História do Reino do Kongo. Luanda: Ed.Mayamba, 2007/2011.
49
Alupandê o povo da rua: performance, identidade e novas escutas na Quimbanda
de Porto Alegre e Conesul
Felipe Cemim30
Resumo
O presente trabalho propôs-se entender a partir da observação participante, da etnografia musical e do
estudo de trajetórias, os processos e procedimentos técnico-estéticos que fundamentam a construção da
performance das musicalidades e liturgias performatizadas nas sessões e festividades da Quimbanda do
Sr. Exu Rei das Sete Encruzilhadas, através da médium e mãe de Santo Ieda Viana da Silva, conhecida
como Mãe Ieda do Ogum, residente na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Este ser espiritual
apresenta-se nos ritos da modalidade religiosa denominada Quimbanda ou Linha Cruzada, que faz parte
do campo religioso afro-gaúcho.
Palavras-chave: Quimbanda; Porto Alegre e Conesul; Etnografia musical
Introdução
Este artigo tem como objetivo expor algumas reflexões que são resultado da
produção de minha dissertação de mestrado desenvolvida no Programa de Pós-
Graduação em Música da UFRGS, defendida no ano de 2013 e intitulada Alupandê o
povo da rua: performances e identidades músico-religiosas entre os quimbandeiros do
Sr. Exu Rei das Sete Encruzilhadas em Porto Alegre, desenvolvida através do trabalho
etnomusicológico realizado no Ilê Nação Oyó, centro afro-religioso liderado por Mãe
Ieda do Ogum, localizado no bairro Cidade Baixa em Porto Alegre. No espaço
mencionado são praticadas em diferentes momentos, três modalidades religiosas
distintas: a Umbanda, o Batuque (também conhecido como culto de Nação) e a
Quimbanda, cujas práticas músico-religiosas são o enfoque deste trabalho. Durante
meados de 2011 e todo o ano de 2012 acompanhei as chamadas sessões de Exu no
terreiro de Mãe Ieda, nome dado ao ritual religioso semanal relacionado à Quimbanda.
Durante as sessões pude obter alguns esclarecimentos pertinentes às interações musicais
entre tamboreiros (categoria êmica de músicos rituais), assistência (nome dado aos
consulentes que buscam atendimento espiritual) e Exus e Pombagiras (entidades
cultuadas nesta prática religiosa).
Através dos chamados pontos cantados, os Exus e Pomba-Giras realizam as
curas e negociam com os consulentes a resolução de problemas de ordem material,
30
Mestre em Musicologia/ Etnomusicologia, UFRGS.
50
espiritual e afetiva. No decorrer das sessões é entoada uma variada gama de cantigas
rituais que visam narrar passagens dos tempos em que as entidades viviam na Terra
como seres humanos encarnados ou para exaltar os talentos e eficácia mística desses
espíritos para vencer os mencionados problemas, também chamados de demanda.
Considerando esse dado, o objetivo deste artigo foi entender os processos de
fundamentação e criação de um repertório musical pertinente a essas novas práticas
religiosas e suas relações com processos identitários e de territorialização. Também foi
objetivo do presente trabalho entender como a Quimbanda ou Linha Cruzada atua como
agente de resistência da comunidade afrodescendente de Porto Alegre.
.
Quimbanda, performance e os territórios de Exu
51
temporalidades culturais na invenção da tradição.
Este processo torna estranho qualquer acesso
imediato a uma identidade original ou tradição
‘Recebida’.
52
higienização, na realidade escondia interesses imobiliários, vinculados a uma política de
branqueamento da população:
53
religioso, a música carnavalesca, seja através das pancadas do tambor, ou com a
entoação de suas melodias do povo da rua que remetem às marchinhas, ou a sambas de
partido alto. O cruzeiro, entre a Rua Luís Afonso e João Alfredo torna-se um espaço de
boemia na cidade. Prass (2006, p. 284), citando Anjos (2004, p. 115), afirma que cantar
repetidamente é se territorializar, no caso de Seu Sete, trazendo o axé da boemia pra
dentro do terreiro, e com o passar dos anos para o seu bairro. Como diz o ponto de
subida do referido Exu: “Quem samba fica, quem não samba vai embora”. No caso de
Seu Sete e o terreiro de Mãe Ieda, sambaram e ficaram. A territorialização de Seu Sete
passa por suas múltiplas identidades, construídas por passagens da sua vida como rei na
Terra, da sua presença atual como Exu e padroeiro dos músicos, mediada pela relação
estreita de Mãe Ieda com a comunidade artística. O que faz da prática musical da
Quimbanda de Seu Sete uma encruzilhada de sons, épocas e espaços.
Este processo de territorialização mediado pelas práticas musicais diversas pode
ser analisado com o que Gilroy (1993, p. 35) categoriza como “formas culturais
estereofônicas, bilíngues ou bifocais” dos “negros dispersos nas estruturas de
sentimento, produção, comunicação e memória” que heuristicamente chama “mundo
atlântico negro”. Estas configurações levam o autor sempre a pensar a diáspora como
um fenômeno continental, o que de certa forma poderia esclarecer algumas
performances musicais, como a da Quimbanda de Seu Sete. É preciso entender a
questão de identidade e território sempre relacionada aos contextos culturais, nacionais
e étnicos. A questão de etnicidade transcende o fator biológico apontando para a questão
de raça, assim como de identidade em uma construção sociocultural. Podemos pensar
neste contexto de diáspora conforme a metáfora de Gilroy, de imaginar o Atlântico
negro como um navio em movimento, pensando a cultura como um fenômeno
descentralizado e plural. Pluralidade esta que pode servir como ponto de vista para os
diversos fenômenos de interações transnacionais nos mais distintos lugares. Essa
encruzilhada identitária entre monarquia, fundamento e cultura musical afro-religiosa
recategoriza e reinscreve Exu no campo religioso afro-gaúcho, em um momento
histórico em que a comunidade negra necessitava de novos recursos para enfrentar as
novas demandas apresentadas pelo cotidiano.
54
– a quebra temporal na representação – emerge o
processo da agência. (Bhabha,1994 p. 191)
O Exu, que antes era um escurecido, torna-se um rei. Ao invés de comer a vela,
passa a usá-la para iluminar os cruzeiros, a cachaça, que antes era bebida no chão, agora
é servida em taças, e a magia de Exu ganha novas funcionalidades. O que antes era pura
descarga de energia torna-se abertura de caminhos, defesa de demandas e prosperidade
material aos consulentes com a coroação da entidade: “A coroa de Exu não se compra,
se tem. A coroa de Exu lá na encruzilhada”. A partir da magia de Seu Sete, o terreiro
recebe um novo axé, nova proteção e novo trato com a linha de Exu através da sua
gradual evolução, no plano espiritual, material e musical que os mundos do rei, da
entidade e do espaço terreiro convergem:
Discussão Final
55
novos repertórios, que transitam entre casas do Conesul e popularizam-se também nas
casas brasileiras. De certa forma essa contribuição na produção de novos territórios à
Quimbanda brasileira, legitima as práticas religiosas de músicos, sacerdotes, e de
sacerdotisas afro-religiosos dos países do Prata. Ao contrário do Batuque, onde o
trânsito ocorre apenas através da transmissão dos conhecimentos e fundamentos
músico-religiosos a partir de um agente brasileiro para os iniciados de língua espanhola
(conforme Braga, 2013), a Quimbanda não somente permite, como propõe uma
autonomia criativa de seus músicos, o que contribui para a transnacionalização de
repertórios a partir de práticas e musicalidades propostas por ambas as partes.
De certa forma a territorialização de Exu discutida no presente texto inclui
diferentes sons, agentes e espaços. A flexibilidade performática da Linha Cruzada
propõe configurações sonoras e litúrgicas híbridas, o que contribui para a interação de
diferentes agentes, práticas e saberes musicais durante os seus ritos e festividades.
Referências
ANJOS, José Carlos Gomes dos. No territ rio da lin a ru ada: A osmopolíti a afro-
brasileira. Porto Alegre: UFRGS, 2006.
CORR A, N. F. Sob o signo da amea a: onflito, poder e feiti o nas religi es afro-
brasileiras. São Paulo, Tese de Doutoramento em Antropologia, PUC/SP, 1998.
56
transnacionalização afro-religiosa nos países do Cone Sul. Tese de Doutoramento,PPGAS –
UFRGS. Porto Alegre, 2012.
GILROY, Paul. O Atl nti o negro: odernidade e dupla ons i n ia. São Paulo: Ed.
34, 2001.
57
Percorrendo nexos entre política e memória em um fazer musical no sul do Brasil:
os Tápes (1970/1980) e outros agentes na canção popular/regional politizada31
Daniel Stringini32
A partir de etnografia realizada entre músicos populares/ regionais no estado do Rio Grande do Sul,
problematizo determinado fazer musical como indicando nexos entre memória e política. Tendo como
interlocutores os agentes em torno do grupo Os Tápes - que no passado performatizaram uma
música/sonoridade que se pretendia política, tendo como background o período de ditadura civil militar
no Brasil – e atores sociais que, posteriormente, construíram/constroem suas performances musicais em
torno de narrativas que recuperam aquele passado e atualizam posicionamentos estéticos, sonoros e
sociais, teço interpretações desses nexos entre memória e política nessas práticas sonoro-musicais,
escutas, memórias.
Palavras-chave: Etnografia da música popular; etnomusicologia; memória e política
31
Este artigo trata-se de uma versão da dissertação de mestrado em Etnomusicologia, Do Canto da Gente
(os Tápes, 1971) ao atual canto politizado: memória e política na constituição de uma música popular do
Sul, PPGMUS, UFRGS, 2016.
32
Mestre em Etnomusicologia/Musicologia – UFRGS.
58
uma sonoridade que se pretendia política, e tendo como background o período de
ditadura civil militar no Brasil - e atores sociais que, posteriormente,
construíram/constroem suas trajetórias musicais em discursos que recuperam aquele
passado e atualizam posições estéticas, sonoras, sociais. Entre estes músicos posteriores
à trajetória dos Tápes, mantive interlocuções, principalmente, com Pedro Munhoz e
Giancarlo Borba. Ambos os músicos vivem nos interior do Estado (respectivamente nas
cidades de Barra do Ribeiro e Terra de Areia) e durante o trabalho de campo
apresentaram-se em uma série de lugares do Brasil e de outros países da América
Latina.
Discuto as narrativas musicais e os discursos sobre o sonoro na constituição
de uma qualidade de música popular no sul, e situo tais práticas enquanto espaços de
negociações e agenciamentos. Problematizo como as narrativas politizadas são
acionadas nas performances dessa música local, especificamente, ou na rememoração de
tais performances (memórias politizadas). Nesse sentido, inspiro-me em Eileen Heyes
(2010, p.2) quando, ao abordar a presença de mulheres negras e lésbicas na chamada
women's music, afirma que essa categoria, como observada pela autora em campo, se
configurava menos como um tipo de música do que um lugar de pensamento (no caso,
feminista) sobre o sonoro. Procuro, assim, pensar em que medida as práticas sonoras
aqui focalizadas apontam (ou estabelecem nexos) para questões em torno de memória e
agências políticas.
Em uma das interlocuções com Claudio Garcia, compositor e instrumentista
dos Tápes, o músico me disse que o grupo foi criado com a intenção de propor um
“blefe contra o sistema”, em um momento posterior à sua prisão política. O ano era
1971 e a cidade de Tapes, localizada a cerca de cem quilômetros de Porto Alegre,
naquele momento era composta por menos de 10 mil habitantes. O estudo da trajetória
dos Tápes, enquanto ferramenta metodológica possibilitou complexificar o objeto de
estudo, melhor compreender aquele passado e o impacto, no presente, desse modo de
fazer música, e problematizar a construção de um fazer musical local sob o signo da
politização. Através da recomposição de tal trajetória, e desse passado sonoro, foi
possível desvendar os processos de constituição de uma música popular no sul e
percorrer redes de sociabilidades e significados em torno desses fazeres musicais
(BOURDIEU, 1998)
Dos diálogos em campo, sublinho os acervos pessoais como um espaço
significativo na narração desse tempo histórico. Uma vez que foi sendo possível
59
estabelecer relações de proximidade com os interlocutores, fui tendo acesso à periódicos
da época, gravações de ensaios e de shows em fitas K7 (tais registros sugeriram
digitalizações junto a alguns músicos), cartas, fotografias, cartazes de espetáculos,
instrumentos musicais e vestimentas das performances, e uma série de objetos com os
quais me mostraram relações de afetividade e que se tornaram relevantes na
rememoração desse passado. No que se refere às gravações acessadas nesse percurso,
sigo Mark Clague (2014) na proposta de entender o músico enquanto crítico social,
enfatizando a agência dos atores frente sua trajetória.
Tendo, assim, o período de ditadura civil militar, entre 1964 e 1985, como
um dos sinalizadores históricos, e na intenção de explorar os nexos entre os projetos
artísticos/ musicais nesse período situo, como emblemática, a figura do produtor
paulista Marcus Pereira, responsável pela projeção dos Tápes no cenário nacional33.
José Miguel Sautchuk (2005, p.23), em estudo antropológico com a gravadora Marcus
Pereira Discos, atuante entre 1974 e 1981, aponta o interesse nos chamados discos
culturais: “essa opção era motivada por um ideal [...] de colocar no mercado discos de
música ‘autenticamente’ brasileira [...] para fazer frente aos modismos fabricados pela
indústria do entretenimento, que ele [Marcus Pereira] considerava de mau gosto e
perigosos para a sobrevivência da cultura nacional”. Na busca por adensar tais relações
interpretativas, aponto, portanto, a junção não fortuita entre o projeto Marcus Pereira,
Tápes, outros músicos locais e agentes atuantes em um cenário nacional e latino
americano. Entre os músicos do presente (como denominei os músicos em atuação
hoje), observei também o alinhamento à determinada música latino-americana
(combativa, de resistência, desde uma perspectiva insider) e um diálogo com artistas de
outras regiões do país: Pedro Munhoz apresenta-se com frequência ao lado de músicos
das regiões Norte, Nordeste, Centro Oeste, e tanto Pedro quanto Giancarlo Borba,
movimentam-se em um circuito Latino Americano, tocando em países como Colômbia,
Bolívia, Argentina e Uruguai.
Um dos momentos significativos de meu trabalho de campo, foi como,
através de tais músicos do presente, aproximei-me daqueles músicos do passado. Ao
buscar referências aos Tápes, cheguei até um texto de Pedro que apontava articulações
entre seu trabalho e o daquele grupo. Em retrospecto, é como se a partir de minha leitura
33
O primeiro e o segundo disco dos Tápes, de 1975 e 1980, são lançados pela Marcus Pereira Discos. O
grupo também está presente nos quatro volumes da coleção Música Popular do Sul, também de 1975 e
parte de um projeto maior (Música Popular do Brasil) idealizado por Marcus Pereira.
60
desse texto de Pedro, incluísse-o enquanto agente/colaborador na construção do objeto
de pesquisa e como sujeito do trabalho de campo. Através dele pude acessar aqueles
músicos do passado (Pedro, na ocasião, me passou uma série de contatos telefônicos de
músicos que estavam morando em Tapes e Porto Alegre) e uma rede de músicos
gaúchos em atuação hoje.
A partir disso, passei a reconfigurar o objeto de estudo e a reconstruir o
campo, procurando uma perspectiva que cruzasse passado e presente. Não somente por
explorar um objeto de pesquisa localizado no passado (narrativas históricas/memória
social dos agentes em torno dessa música politizada), mas por dialogar com atores que
constroem seus trabalhos artísticos, no presente, também em torno de um passado
sonoro, procurei ficar atento às formas de escutar os passados etnomusicológicos
apontados por Philip Bohlman (2008).
Enfatizo a prática de uma memória contextual em que as rememorações
individuais, como observadas em campo, transformavam-se em memórias históricas.
Suzel Reily relaciona a memória social a uma consciência histórica: “há quem defenda
a visão de que toda forma de consciência histórica pode ser entendida como memória
social, posto que, mesmo em relatos de fatos históricos comprováveis, os aspectos
realçados derivam dos interesses do relator e da época em que a narração é feita”
(REILY, 2014, p.13). Situo, portanto, esse fazer musical (e sua rememoração) como um
dispositivo através do qual esse passado é (re) construído e ouvido com significado
(BITHELL, 2006).
Parafraseando Kay Shelemay (2006), reflito em que medida a performance
de uma canção dos Tápes ou a “lembrança de uma escuta”, no meu diálogo com os
músicos do passado e do presente, configuram-se como memória musical (memória
político-musical) que se transforma em memória histórica. Em Music, Memory and
History, Shelemay (2006) afirma que os etnomusicólogos poderiam explorar em que
medida o sonoro é concebido como depósito de memórias. No contexto de seu trabalho
de campo, a autora afirma: “in the diasporic settings of modern Syrian Jewish life, far
from the historic homeland of Aleppo, Syria, each performance of a song – or just the
faintest recollection of a hearing – constitutes a crossroad at which the memory of music
is transformed into the scaffolding of history” (SHELEMAY, 2006, p.31).
Inspiro-me na etnografia de David McDonald (2013), realizada entre
músicos populares palestinos, na medida em que seu trabalho evidencia a emergência de
categorizações, tais como: “resistência”, articuladas a processos político-musicais. Ao
61
reconstituir a trajetória da canção popular palestina, McDonald põe em relevo as
variadas “formas de resistência” (desnaturalizando-as) e suas ressignificações e
reapropriações pelos atores sociais em diferentes temporalidades.
Interessa-me compreender como ocorriam os processos de construção
sonoro-musical e de escuta desse fazer que me era enunciado - seja através das canções,
seja através da memória sobre as canções (retomando Shelemay) - através de noções
que sugeriam uma música politicamente engajada. Interessa-me, a partir de David
McDonald, entendê-las não como algo estático, mas como algo mobilizado a partir de
determinadas posições que, transversalizadas (passado/presente), apontam tensões e
negociações. Resistências ao período de ditadura, mas também ao discurso do
Movimento Tradicionalista Gaúcho34 (MTG), ou, ainda, ao modus operandi de uma
música comercial naquele período das décadas de 1970/89 e hoje. Sugiro que a
presença de uma ideia de política nos discursos sonoros/sobre o sonoro, balizem os
entendimentos em torno desse fazer musical. Samuel Araújo e Gaspar Paz (2011)
propõem uma compreensão mais ampla do sentido de político, “tomado não apenas
como campo de disputas em torno do controle do Estado, mas também envolvendo lutas
micropolíticas que se desdobram em modalidades de ação humana, como a música e as
artes em geral (ARAUJO; PAZ, 2011, p.221)”.
Através da noção de nexo, assim, procurei problematizar, principalmente a
partir de Kay Shelemay e David McDonald, o presente fazer musical como indicando
questões em torno de memória e política. Quando Shelemay (2006) se refere à memória
acessada através de dois modos de representação, ponderei a reconstrução desse fazer
musical do passado através do que os músicos me contavam e por vezes cantavam.
Shelemay afirma que os etnomusicólogos poderiam explorar em que medida o sonoro é
concebido como depósito de memórias. Sublinho a canção Olegário35 dos Tápes
(presente no disco de 198236) que os músicos Martin Coplas (músico de uma das
formações do grupo) e Pedro Munhoz exemplificavam como uma das canções políticas:
Otacílio Meirelles (compositor também integrante dos Tápes), rememorando o processo
34
O Movimento Tradicionalista Gaúcho é responsável pela ideia de tradicionalismo enquanto forma
“oficial” de “ser gaúcho”
35
Vai Olegário, arquejando pela sombra / vem de rotas perdidas, sem forças, remos e vela / lá vai
Olegário / malhas e redes no rosto, escamas e barbatanas nas mãos / tranças e amarras no andar / fisgadas
de anzóis no coração / ondas e morte no corpo / marés de angústia abordando o leito junto […] quem há
de um dia chegar por onde esses braços pescaram? / Quem haverá de olhar o peixe que esses olhos
olharam? (trecho da letra da canção Olegário)
36
Terceiro e último disco do grupo, lançado de forma independente pelo selo gaúcho Cantares, do
músico Martin Coplas.
62
de composição de algumas músicas, disse-me que, em Olegário, sua intenção foi
“cantar a vida” de um pescador da Lagoa dos Patos, na cidade de Tapes. Na fala do
músico, percebi um cuidado em tentar “traduzir” histórias locais/individuais alinhadas à
sonoridades específicas. Otacílio se referiu a um “modo aberto” de tocar seu violão que
desse conta de “representar” aquele espaço: os movimentos das águas – arpejos no
violão são constantes do começo ao fim, e a melodia (tanto na voz quanto no violão)
que privilegia graus conjuntos ascendentes e descendentes parecem apontar para o ritmo
contínuo das marés; os silêncios – pausas entre os acordes arpejados parecem sugerir
respirações entre um movimento e outro do pescador; e uma certa vagueza daquela
paisagem (sonora) – notas que se alongam no canto. Ao mesmo tempo, é interessante
que tal canção seja enunciada como uma das canções políticas do grupo, uma vez que,
ainda que o compositor não tenha se referido a ela como tal, outros agentes,
principalmente de gerações posteriores ao grupo, estabelecem uma escuta em que a
qualidade metafórica da canção apontaria para o momento de ditadura no Brasil e no
restante da América Latina (Martin Coplas se referia a uma “estrutura sonora contra a
ditadura”).
Sugiro o papel dos instrumentos musicais na presentificação de um outro
sonoro, e os lugares da memória por eles indicados. Vozes e instrumentos musicais
como nexos da memória: como se a presença de flautas e maracás indígenas, puíta,
berimbau, quena, “cavaquinho executado como charango”, segundo os músicos,
presentificassem uma gente cantada. Faço alusão ao Canto da Gente dos Tápes
(espetáculo de 1972, disco e canção de 1975). Sugiro a dimensão acústica pensada em
termos políticos: a busca por um “soar da terra” era recorrente na fala dos
interlocutores. Observei os instrumentos imersos no que Eliot Bates (2012) define como
uma rede de relações complexas naquilo que o autor denomina a vida social dos
instrumentos musicais. Ainda, quando Regula Qreshi (2000, p.811) diz que os
instrumentos musicais são lugares privilegiados na manutenção de memórias culturais e
sociais, proponho que a escuta e rememoração, no presente, daquele grupo do passado,
seja atravessada por um instrumental (latino americano) e uma sonoridade (imaginário
indígena) que os conecta a episódios políticos, de luta, de contestação.
No que se refere a colocar o grupo em perspectiva à “MPB”,
contextualizada por Marcos Napolitano (2010), as interlocuções foram dando pistas
dessas articulações possíveis. Otacílio me disse que pensavam em um “intercâmbio
entre a música gaúcha, latino-americana, e popular brasileira... sem desprezar nenhuma
63
delas”. Cabe lembrar a comparação tecida por José Ramos Tinhorão ao descrever
algumas músicas do grupo como “toadas a la Vandré”, no periódico Folha da Manhã,
em 1975, em alusão a uma das figuras icônicas da canção popular brasileira durante o
período de ditadura militar. Situo os Tápes e os músicos do presente em uma rede mais
ampla, frente a outras experiências sonoras no contexto brasileiro. Problematizo o que
aquele grupo do passado representou/representa nesse cenário: o diálogo deles com, por
exemplo, Rogério Duprat, compositor do vanguardista Música Nova e arranjador da
Tropicália (ambos movimentos da década de 1960, no Brasil), ou com o produtor
Marcus Pereira. Reflito em que medida se poderia pensar o lugar do grupo na chamada
música política, no país, ou, então, se, como “canção engajada, em todas as suas
variantes, não apenas dialogou com o contexto autoritário e as lutas da sociedade civil,
mas ajudou, poética e musicalmente falando, a construir um sentido para a experiência
social da resistência ao regime militar” (NAPOLITANO, 2010, p.390).
Pondero o quanto esse fazer nos possibilita articular outros contextos, outras
problemáticas para além dos localismos. Creio que, em última análise, o grupo seja
protagonista nesse processo de constituição de uma música popular politizada no sul37,
processo este que observei ressoar entre alguns músicos do presente. O projeto Música
Popular do Sul, e, como um todo, o Música Popular do Brasil, foram condicionantes
para os desdobramentos da carreira dos Tápes e demais continuadores e simpatizantes
de um modo de entender a performatividade dessas músicas.
Por fim, entre sons e vozes do presente e do passado – como na fala de
Hector Rojas38 ao me dizer, após um de seus shows, que “não há como ser diferente”,
em referência a certo modo politizado de entender a performance de suas canções; ou na
fala de Claudio Garcia, músico dos Tápes que, em uma das interlocuções, disse-me que
caso houvesse outra ditadura ainda haveria outras formas de compor. Encerro
referenciando o etnomusicólogo Thomas Turino (2008, p.223, tradução nossa), quando
diz que a música continua a ser compreendida enquanto meio potente para imaginar e
realizar o possível, e que as pessoas continuam a utilizar as canções “para criar ícones
do que pode ser, e dizer coisas que seriam difíceis de serem ditas de outra maneira”.
37
Com frequência os interlocutores situavam o grupo como o primeiro no Estado a construir uma
sonoridade nestes termos políticos
38
Músico chileno em atuação no Rio Grande do Sul e integrante dessa rede atual de performers de uma
música politizada
64
Referências
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uma práxis sonora. Terceira Margem: Rio de Janeiro, n.25, jul./dez. 2011, p. 211-
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Diagonal: Journal of the Center for Iberian and Latin American Music, v.2, 2009.
65
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Ethnomusicology Forum, v.15, n.1, jun. 2006, pp.17-37.
TURINO, Thomas. Music as social life: the politics of participation. Chicago: The
University of Chicago Press, 2008.
Periódicos
66
Fuelles en la Frontera: narrativas de acordeonistas y bandoneonistas del interior
de Uruguay
José A. Curbelo39
Resumen
A través de trabajo de campo etnográfico reciente sobre música de acordeón y
bandoneón en ciudades de frontera en el Uruguay se detectaron distintos variantes de
narrativas de intérpretes de aquellos instrumentos. Primero, el concepto de "músico
fronterizo" flexible y adepto en varios géneros de la región. Segundo, la reivindicación
de una identidad musical localizada y diferenciada, tanto de los países vecinos que del
Sur de Uruguay. Tercero, una actitud de defensa de una determinada identidad músico-
cultural frente al "otro" y también frente a los cambios y transformaciones de un mundo
cada vez más globalizado.
Palabras-claves: acordeón; Argentina; bandoneón; Brasil; frontera; Uruguay.
Abstract
As a result of recent ethnographic fieldwork regarding accordion and bandoneón music
in Uruguayan border cities, three different themes were identified in the narratives of
players of those instruments. Firstly, the concept of "border musician" adept in various
regional musical genres. Secondly, the revindication of a localized musical identity
differentiated from the neighboring countries as well as the south of Uruguay. Thirdly,
the defense of a determined musical and cultural identity vis-á-vis the "other" as well as
in defiance of changes and transformations brought about by globalization.
Key words: accordion; Argentina; bandoneón; border; Brasil; Uruguay.
39
Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de
Pelotas, Maestría.
40
Etnomusicólogo uruguayo Lauro Ayestarán afirma que 1852 fue la fecha en que el acordeón de botón
fue introducido al Uruguay (1968, p.65-66). Estaba compuesto de una hilera de botones. Más tarde llegó
la versión de dos hileras de botones y ocho bajos, que se convirtió en el modelo preferido por los músicos
rurales de Uruguay. A principios del siglo XX el bandoneón empezó a difundirse y brindaba más
posibilidades armónicas y melódicas, con setenta y un botones bisonoros, que como con el acordeón de
botón, cada botón individual produce dos tonos distintos según si el músico esté cerrando o abriendo el
fuelle. Más tarde en el siglo XX se popularizó el acordeón a piano. (DUNKEL, 1993)
41
El nombre del proyecto es "La música tradicional rural de acordeón y bandoneón del norte del
Uruguay" y está siendo realizado por el autor como tesis de maestría dentro del Programa de Pós-
Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural de la Universidade Federal de Pelotas. La
orientadora del proyecto es Leticia Mazzucchi Ferreira (UFPel) y la co-orientadora es Marita Fornaro
67
Un componente clave de la investigación es intentar identificar los elementos
que distinguen a la tradición de acordeón y bandoneón del norte y litoral uruguayo y
también encontrar las maneras en que los entrevistados definen a su propia música. Una
característica importante del interior uruguayo en general es que la gran mayoría de su
densidad poblacional se concentra en una suerte de "faixa de fronteira"42 limítrofe con
los países vecinos Brasil y Argentina. Esta dinámica produce que mucha gente del norte
y litoral uruguayo, acordeonistas y bandoneonistas incluidos, están constantemente en
yuxtaposición y contacto con las sociedades y/o productos culturales de los países
vecinos.
El último trabajo de campo del autor se realizó en las siguientes ciudades de
región de frontera43: Paysandú, Quebracho, Salto, Bella Unión, Artigas, Rivera,
Tacuarembó, Aceguá, Río Branco, y San Miguel. Entre los más de 20 entrevistados
figuran intérpretes de acordeón de botón, bandoneón y acordeón a piano,
guitarristas/vocalistas, y también locutores de radio.
Analizando las diversas narrativas de los informantes sobre sus relaciones socio-
culturales con los países vecinos, se pudo identificar diversos significados del concepto
"frontera" en relación a la música de acordeón y bandoneón del interior uruguayo.
"Frontera" figura como un lugar de intercambio material y comercial, de colaboración
musical y aprendizaje, de mestizaje, de buscar "lo ajeno", de performance de
identidades, de marcar diferencia con "lo otro", y también de imponer discursos
identitarios.
La República Oriental del Uruguay comparte más de 1,100 km de frontera
terrestre, fluvial y lacustre con el estado brasileño de Rio Grande do Sul44. Su frontera
oeste está delimitada por el Río Uruguay sobre el cual comparte 500 km de frontera
(UDELAR – Uruguay). En el segundo semestre de 2015 el autor cursó la materia "Leituras Monográficas
em Musicologia/ Etnomusicologia" dictada por el Prof. Reginaldo Gil Braga, como alumno especial en el
Programa de Pós-Graduação em Música de la UFRGS. Participación en esa materia aportó
contribuciones importantes a la metodología y base teórica del proyecto actual.
42
"Faixa de fronteira" es un concepto de la legislación nacional brasileña que la define como la "faixa
interna de 150 km de largura, paralela à linha divisória terrestre do território nacional" y se considera
de interés estratégico. Fuente: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
43
En este artículo se utiliza el término "frontera" de la forma propuesta por Dominzain, et al. (2011, p.5)
quien escribe:"[…] la inclusión del término "frontera" ha sido pensada, no en el sentido estricto del límite
geográfico sino en el entendido de áreas de influencia que exceden al ámbito territorial fronterizo y cuya
incidencia atraviesa notoriamente el entramado social."
44
Servicio Geográfico Militar del Uruguay
68
fluvial con la República Argentina, más específicamente con las provincias litoraleñas
de Corrientes y Entre Ríos45.
Según la Oficina de Planeamiento y Presupuesto (OPP) de la Presidencia de la
República la nación uruguaya está dividida en siete regiones46. Las que nos interesa en
esta investigación son las regiones Norte (abarcando los departamentos de Artigas,
Tacuarembó, Rivera y Cerro Largo) y Litoral (Salto, Paysandú y también Río Negro)
que comprenden la grande mayoría del área fronterizo con Brasil y la Argentina
(AROCENA, 2011, p.31)
La Región Norte se caracteriza por su matriz productivo de latifundios
agropecuarios y la influencia histórica del Brasil. Padrón Favre (2011, p.116) escribe
que, "a lo largo del siglo XIX los brasileños obtuvieron un neto predominio sobre ese
extenso espacio norteño que consideraron parte del Imperio". Agrega que, "la influencia
de origen brasileño en la población era casi absoluta en todos los órdenes de la vida,
incluyendo los aspectos policiales, judiciales, y educativos" (Ibid. p.66).
La Región Litoral, con las ciudades ribereñas de Salto y Paysandú como sus
polos más relevantes, fue escenario de varios de los más importantes conflictos de la
época artiguista. La importancia estratégica del Río Uruguay ayudó a formar profundos
lazos con la Argentina y su gran capital Buenos Aires, y la región pudo traer:
[…] muchas de estas medidas tenían también como objetivo ejercer una
verdadera nacionalización del territorio ante la gran influencia que la
población de origen brasileño poseía sobre una vasta porción del país […]
fueron muchas las voces que durante varias décadas se levantaron para
señalar esa amenaza a la soberanía nacional. (PADRÓN FAVRE, 2011, p.66
45
Comisión Administradora del Río Uruguay
46
Uruguay está conformado por 19 departamentos: Montevideo, Canelones, Flores, Durazno, Florida,
San José, Colonia, Soriano, Salto, Paysandú, Río Negro, Artigas, Tacuarembó, Rivera, Cerro Largo,
Maldonado, Lavalleja, Rocha y Treinta y Tres.
69
Como la historia demuestra, además de las fronteras políticas compartidas con
los países vecinos, para las regiones Norte y Litoral existe una cierta "tercera frontera"
que: "[…] no […] refiere al país vecino sino a Montevideo, ciudad a la cual se la ve
distinta y distante, de la que permanentemente se tratan de diferenciar"
(RADAKOVICH, 2011, p.33). Inserido en (y producto de) este contexto histórico-
cultural está la música de acordeón y bandoneón del norte y litoral uruguayo. Las
experiencias y perspectivas de sus intérpretes en distintas localidades de la región de
frontera, lejos de ser estáticas y uniformes, son diversas y divergentes y reflejan las
realidades múltiples de la frontera uruguaya.
A través de las entrevistas con los informantes sobre su música se percataron
distintas temáticas importantes. La primera es el concepto de "músico fronterizo",
flexible y adepto en varios géneros de la región. La segunda es la reivindicación de una
identidad musical localizada y diferenciada, tanto de los países vecinos que del Sur de
Uruguay. La tercera es una actitud de defensa de una determinada identidad músico-
cultural frente al "otro" y también frente a los cambios y transformaciones de un mundo
cada vez más globalizado.
En cuanto a las relaciones músico-culturales fronterizos entre
Argentina/Uruguay o Brasil/Uruguay (o en el caso de Bella Unión y su ubicación en la
Triple Frontera: Argentina/Uruguay/Brasil) los entrevistados destacaron el papel
preponderante de los medios de comunicación, como la radio, en la mediación de esas
relaciones. Los lazos familiares transfronterizos también figuraron como factores
importantes en las narrativas. Muchos de los informantes contrastaron elocuentemente
las diferencias percibidas en los gustos y comportamiento de los públicos uruguayos,
argentinos, y brasileños. Al final, todos los entrevistados tenían reflexiones interesantes
sobre la adaptación y sobrevivencia de la música de acordeón y bandoneón en el norte y
litoral uruguayo para asegurar su transmisión a las próximas generaciones.
Dominzain et al. (2011, p.5) descubrieron en su estudio del consumo cultural en
la frontera uruguaya en 2011 que, "Especialmente se notó en las ciudades de frontera
[…] que lo local/global interactúa visiblemente en el consumo de música […] Estas
zonas fronterizas dan cuenta de peculiares entramados socioculturales donde los países
entran en contacto." La narrativa de Washington Montes de la ciudad de Artigas,
frontera con Quaraí (RS) Brasil, ilustra claramente esta dinámica. Montes toca
acordeón a piano y teclado y se autodefina como "músico fronterizo". Él cuenta que:
[…] acá no se dedica a un género sólo […] son varios géneros porque somos
músicos fronterizos […] El músico siempre tiene que adaptarse a las dos
70
cosas, tiene que ser internacional […] el músico va adquiriendo conocimiento
porque la situación te obliga […] y uno naturalmente lo va asimilando. […]
Hacemos folklore, como vivimos en la frontera hacemos música brasilera,
hacemos música argentina, chamamé, cumbia, el vanerão brasileño, el
samba, entonces podemos tocar en diferentes fiestas, por eso no hay
problema, y siempre intentar actualizándonos de lo que la gente consume.
(MONTES, 2011)
[…] lo considero un folklore esa música […] los chotis, las polcas son
foráneos pero se arraigaron acá y se transformaron acá en la región. […] Es
una música regionalista de acá porque se transformaron los ritmos. No es lo
mismo una polca del Sur, traída por los inmigrantes, que una polca de acá del
Norte del Río Negro. Los chotis son distintos a los chotis de Brasil […]
Tenemos mucha influencia de los ritmos de ahí, pero el criollo de antes, […]
vamos a decir, del principio del siglo XX o fines de XIX, ya tenía un
concepto distinto de esa música […] Él la escuchaba pero la adaptaba a su
manera de ser […] Nosotros tenemos la polca con un ritmo totalmente
distinto al que se toca en el Brasil y […] en el Sur de Uruguay están todavía
con la influencia de la polca europea. […] el Norte del Río Negro, las
regiones de Salto, parte de Paysandú, esas zonas, y Artigas, parte de Artigas
esa música, ahí se escuchaba mucho de esa forma […] porque acordeonistas
de acá de Tacuarembó, acordeonistas de Salto, recorrían toda esa zona
tocando y se tocaba de esa manera […] Escuchar una maxixa acá y escuchar
una maxixa en el Brasil no son iguales. […] la polca apuradita esa del Sur,
acá no se hace […] acá los acordeonistas tocaban de esa forma […] (la)
polca, yo digo que es un ritmo regional, no abarca todo el Uruguay. Es esta
parte. (ROLDÁN, 2016)
[…] hay mucha gente que toca hasta la cumbia en el bandoneón. Yo no,
porque yo soy tanguero de alma, yo soy Troilista47, me gusta el tango, me
gusta la música rioplatense […] hemos recorrido casi todo el Uruguay
tocando, parte de Rio Grande do Sul, siempre con la típica rioplatense, el
tango para adelante. (DUTRA, 2016)
47
Referencia al gran bandoneonista argentino Aníbal Troilo (1914-1975)
71
[…] yo pasé por todo. Toqué todo, pero yo quiero […] mantener mi cultura,
tocar el bandoneón y tocar tango. Hago folklore obligado. […] lo hago el
folklore pero trato de afirmar la música típica: el bandoneón, el tango. […]
donde quiera que estuviera yo iría a pelear por el tango. (FARIAS, 2016)
[…] eles querem essa m si a que ten a o eiro da terra, eiro da região
que ele te fala do cavalo, que fala do gauchismo, tradicionalismo, das coisas
originais, que ainda fronteira Uruguai, Brasil, Rio Grande do Sul e Uruguai,
eles vivem uma pátria antiga, a mesma pátria antiga, pouco há mudado.
[…]a maioria do pessoal é do interior. aioria do pessoal é do interior e
das fazendas, as estâncias são os que mais ligam, ligam muito. Porque é
fronteira, a fronteira ainda cultua isso aí, cultua as raízes. Temos jovens ali
que não deixam as raízes fugir do controle que foi o que aconteceu Rio
Grande para afora, muitas raízes nossas fugiram do controle, se foi para o
ga o fantasiado, bomba a estreita e aí foi. […] Os ouvintes uruguaios
aqui da fronteira […] muitas ve es me ligam mais do lado uruguaio do que o
Brasil. (RODRIGUES, 2016)
72
informantes afirman que el chamamé48, género musical proveniente del litoral
argentino49 , llegó y se popularizó en la región Litoral del Uruguay a través de la radio,
comenzando en los mediados del siglo XX.
Marcelo Fagúndez, intérprete de acordeón de botón radicado en Paysandú, relató
en 2002 que:
48
El chamamé es una expresión cultural popular de raíz tradicional rural que involucra música y danza, y
proviene del litoral argentino, con la provincia de Corrientes como su epicentro. Los orígenes del
chamamé son debatidos por varios expertos, pero se entiende que tiene cientos de años de historia y posee
elementos de cultura guaraní, española, afro-criolla, y de culturas provenientes de la ola inmigratoria que
experimentó Argentina en los siglos XIX y XX. Ya en las últimas décadas del siglo XX logró la
consolidación como una expresión cultural musical y dancística bastante difundida por toda Argentina.
Los principales instrumentos utilizados en este género musical son guitarra criolla, instrumentos de fuelle
(acordeón diatónico, bandoneón, etc.), a los cuales muchas veces se incorporan otros instrumentos como
contrabajo. Se baila en pareja enlazada y los pasos involucran zapateo por parte del hombre.
49
Conformado por las provincias argentinas de: Chaco, Corrientes, Misiones, Entre Ríos, Santa Fe, y
Formosa.
50
Más específicamente la triple frontera entre las ciudades de Bella Unión en el departamento uruguayo
de Artigas, Barra do Quaraí del estado brasileño de Rio Grande do Sul, y Monte Caseros de la provincia
argentina de Corrientes.
73
de la frontera y sostiene que el lazo familiar es, "uno de los vínculos más fuertes […] en
que la tradición folclórica continúe". Acordeonista Silvio Previale, hijo de un
inmigrante santefecino de ascendencia italiana que vino a radicarse en la ciudad de
Salto, continua la tradición heredada de su padre de dirigir una academia de enseñanza
de acordeón a piano, además de organizar uno de los más grandes festivales de
acordeón del Río de la Plata. Él relata que:
[…] las clases medias, que ya empezaron a aparecer en esa época (mediados
de siglo XX) […] acá en Salto, prefería(n) el acordeón (a piano), pero sobre
todo la búsqueda de tocar el acordeón era el entretenimiento para las fiestas
familiares. El alumno iba a estudiar para tocar en su casa. […] Porque era
justamente el nexo cultural […] el padre compraba el acordeón para que el
hijo tocara como tocaba el abuelo, […] el que había nacido allá, que venía de
Italia […] Era para que tocara las canciones que ellos habían escuchado. No
había […] mp3 […] ningún tipo de reproducción de música. La música se
tocaba […] Aprendés a tocar tu música para interpretarla, para poder
escucharla, para tenerla en tu casa, para sentirte ligado con tus raíces. […]
Era un centro de socialización muy importante, el contacto con el acordeón.
(PREVIALE, 2016)
Por más que existan lazos importantes en la frontera entre uruguayos y sus
vecinos, los informantes también ofrecieron observaciones interesantes sobre las
grandes diferencias que ellos perciben entre los públicos y sociedades de los tres países.
Era casi unánime la percepción que el Brasil y la Argentina defiende más a sus
expresiones musicales y artistas nacionales que el Uruguay, y que el público uruguayo
en general tiende a ser menos entusiasta respecto a música de acordeón y bandoneón.
Bandoneonista octogenaria Ada Mena, de San Miguel, Rocha comenta que:
Vos, acá […] entre radios FM y AM, hay como 15 emisoras de radio y vos
no escuchás una emisora que te pase un tango […] Acá cruzás el puente y ya
estamos en Entre Ríos, ahí sí. Lo que pasa es que el argentino es diferente, el
argentino ama al tango […] Ahí escuchás cualquier emisora y te pasa tango
(MEDINA, 2016)
74
Acá en Artigas no tanto, pero en Quaraí sí, por ahí ellos mantienen más la
llama porque son muy tradicionales […] y lo que predomina es el acordeón, y
ellos mantienen esa tradición. […] ellos mantienen más la cultura de ellos, la
música gaucha (MONTES et al., 2016)
Antiguamente era mejor, ahora con todo el modernismo que hay […] con la
música esta, mecánica […] está extinguido el bandoneón acá. Ya no le dan
importancia. En los bailes no se toca. […] Siempre trabajé en el taller, nací
adentro de un taller. Mi padre tenía tornería, entonces siempre me crie dentro
de la tornería, después que me vine para la frontera, sí: bandoneón y trabajo.
[…] Treinta años atrás, música y trabajo sobraba […] los arroceros ya […]
tienen mejores maquinarias que yo, tienen torno, tienen soldadura, tienen
maquinaria de agujerear […] todo cambió todo porque antiguamente en una
arrocera trabajaban treinta personas ahora trabajan cinco […] hoy se plantan
cien hectáreas por día o más, porque hay cosechadoras que en pocas horas te
hacen cien hectáreas […] Ahora son inmensas sembradoras que hay […] lo
que cambió fue el modernismo, la música electrónica, porque antiguamente
no existía y precisaban de bandoneón, un acordeón, batería para hacer un
baile. Hoy va una persona con un órgano, con un teclado, ya tiene el ritmo,
[…] canta, se acompaña, entonces eso vino a terminar con la música en vivo
(FARIAS, 2016)
75
clave a la investigación del autor que culminará en la defensa de su tesis de maestría en
marzo, 2017 en la Universidade Federal de Pelotas.
Referencias
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FARIAS, E. et al.: depoimento [mar. 2016] Entrevistador: J. Curbelo. Río Branco, Cerro Largo, Uruguai:
UFPEL, 1 arquivo digital. Entrevista concedida ao projeto Paraformal na Fronteira do Laboratório de
Urbanismo da UFPel.
MEDINA, Jorge: depoimento [jul. 2016] Entrevistador: J. Curbelo. Paysandú, Uruguai: UFPEL, 1
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MENA, Ada et al.: depoimento [mar. 2016] Entrevistador: J. Curbelo. San Miguel, Rocha, Uruguai:
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Urbanismo da UFPel.
MONTES, Washington, et al.: depoimento [mar. 2016] Entrevistador: J. Curbelo. Artigas, Uruguai:
UFPEL, 1 arquivo digital. Entrevista concedida ao projeto Paraformal na Fronteira do Laboratório de
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PADRÓN FAVRE, Oscar. El proceso de creación de los departamentos/ Historia cultural de las regiones.
In: AROCENA, F. (Org.). Regionalización Cultural del Uruguay. Montevideo: Universidad de la
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76
PREVIALE, Silvio: depoimento [jul. 2016] Entrevistador: J. Curbelo. Salto, Salto, Uruguai: UFPEL, 1
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RADAKOVICH, Rosario. Lo nuestro, lo local, en los gustos musicales de frontera. In: DOMINZAIN, S.,
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41.
RODRIGUES, Reovaldo: depoimento [mar. 2016] Entrevistador: J. Curbelo. Aceguá, Cerro Largo,
Uruguai: UFPEL, 1 arquivo digital. Entrevista concedida ao projeto Paraformal na Fronteira do
Laboratório de Urbanismo da UFPel.
ROLDÁN, Walter: depoimento [jul. 2016] Entrevistador: J. Curbelo. Tacuarembó, Tacuarembó, Uruguai:
UFPEL, 1 arquivo digital. Entrevista concedida à pesquisa para Dissertação de Mestrado do Programa de
Pós-Graduação de Memória Social y Patrimônio Cultural da UFPel.
77
Um estudo etnomusicológico sobre “identidade gaúcha” e indústria cultural:
aportes teórico-metodológicos para a pesquisa
Clarissa Figueiró Ferreira51
Resumo
Produto do processo de novas conjunturas mercadológicas, a música regional gaúcha passou por diversas
fases de transformação na indústria cultural. Para buscar a compreensão deste processo que envolve
questões ideológicas do entendimento de identidade e autenticidade, juntamente com sua relação com o
mercado de bens materiais e da chamada indústria cultural, a pesquisa em andamento objetiva
compreender em que medida a música regional gaúcha em foco no mercado musical serve para
estabelecer e sustentar a identidade nos contextos sociais em que é produzida, transmitida e recebida. Este
artigo busca refletir sobre aportes teórico-metodológicos que podem servir e ajudar a refletir sobre essas
questões, a partir dos paradigmas da Etnomusicologia contemporânea e suas reflexões sobre etnografia e
método.
Palavras-chave: indústria cultural, identidade gaúcha, música e ideologia
51
Doutoranda em Etnografia das Práticas Musicais, UNIRIO. Mestra em Etnomusicologia, UFRGS,
2015.
52
FERREIRA, Clarissa. Campeirismo musical e os festivais de música nativista do sul do Brasil: a (pós)
modernidade (re) onstruindo o “ga o de verdade. Dissertação de mestrado, Musicologia/
Etnomusicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Disponível em:
https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/101270/000930704.pdf?sequence=1. 2015.
78
máxima do público, e do resultado de transações entre as diferentes categorias de
agentes envolvidos em um campo de produção técnica e socialmente diferenciados. Para
ele, em todas as esferas da vida artística constata-se a oposição entre modos de
produção, separados tanto pela natureza das obras produzidas, pelas ideologias políticas
e pelas teorias estéticas, como pela composição social dos diversos públicos aos quais
tais obras são oferecidas.
Os motivadores do interesse por essa investigação partem primeiramente do
evidenciamento do tema na atualidade, a partir da questão da indústria cultural, e da
música como um produto de comercialização. Este é um ponto relevante, visto que,
como conclui George Yúdice (2004) atualmente o entendimento da cultura resignificou-
se e passou a ser interpretada como um recurso político e social:
79
empíricos? Como e/ ou em que medida uma pesquisa etnográfica pode contribuir ao
estudo de tais questões?
80
entre a renovação de práticas consideradas tradicionais no universo da “música gaúcha”,
e a manutenção de padrões musicais, tidos como “autênticos” a essa cultura, ou seja, o
conflituoso binômio: tradição X modernidade, expresso pelo senso comum e
reconhecido pelos agentes do meio musical gauchesco é o que esta pesquisa pretende
abordar, a partir do entendimento dos significados simbólicos assumidos pelo grupo de
pessoas atuantes como criadores e consumidores deste universo musical.
81
desvio”. Segundo Merriam (1979), o conceito de desvio tem sido desenvolvido nos
Estados Unidos principalmente por sociólogos, e duas principais abordagens têm sido
utilizadas. Ambas, no entanto, começam com a suposição básica de que membros da
sociedade estabelecem normas que são em sua maior parte, seguidas e obedecidas pelos
indivíduos na sociedade. A forma que estas “quebras das normas” operam no universo
da cultura gauchesca, relaciona-se diretamente ao espaço dado ou não dado pelos meios
de comunicação aos “desviantes” até a aceitação do público. ar atenção ao conflito
existente faz-se necessário a fim de compreender a estruturação de redes, suas
modificações e permanências, legitimações e relações de poder.
Referencial Teórico
Para Thompson (2002, p. 18) “[...] formas simbólicas servem para estabelecer e
sustentar relações de dominação nos contextos sociais em que elas são produzidas,
53
O conceito “mundos musicais”, cunhado pela antropóloga britânica Ruth Finnegan (1989), proposto a
partir do conceito “art worlds” de Howard Becker (1982) se refere às convenções sociais das atividades
de diversificados grupos musicais. Tal conceito é ainda complementado pelo termo “caminhos musicais”,
pois, para a autora, esses mundos são flexíveis “(...) se interpenetram e têm ligações externas à
localidade” (Finnegan, 1989, p. 131).
82
transmitidas e recebidas”. esta forma, partindo da compreensão dos pesquisadores que
desconstroem o mito do gaúcho como uma forma de submissão de classes, estas ideias
trazem o entendimento que as formas de representação refletem outras significações
implícitas e se relacionam diretamente com o conceito de ideologia.
Para Terry Eagleton (1997, p. 19) “estudar ideologia significa estudar os modos
pelos quais o significado contribui para manter as relações de dominação”. Trata-se
provavelmente da definição mais amplamente aceita para o conceito de ideologia,
apesar de, todavia, não ser algo consensual. Essas questões não podem, grosso modo,
serem simplesmente respondidas considerando apenas as formas de produção da
indústria cultural, nem tampouco apenas os textos midiáticos. É preciso, no dizer de
Johnson (2000), entrar no circuito da produção, dos textos (produtos), das leituras
(recepção) e das culturas vividas. Para tanto, visando esse intento johnsoniano e, de
quebra, revigorar parte do projeto crítico adorniano, recorrer-se-á sistematicamente às
contribuições sociológicas de Pierre Bourdieu objetivando uma melhor compreensão
desse chamado “circuito de capital/circuito de cultura” (JOHNSON, 2000).
Vale lembrar, nas palavras de Albuquerque Júnior (1999, p. 23), que as
linguagens (música, cinema, teatro, pintura, etc.) “não apenas representam o real, mas
instituem reais”. Procura-se, desta forma, apreender o fenômeno musical para além de
seu efeito lúdico, buscando entendê-lo também como elemento de (re) produção de
realidades sociais (conservando ou modificando-as). Muito similarmente ao estudo de
Nilda Jacks (2003) sobre a cultura regional gaúcha sob o domínio da indústria cultural,
a questão em análise não é classificar ou diagnosticar. Trata-se, pois, de um
levantamento das possibilidades desta produção simbólica estar ligada a representação
de uma realidade que oculta às contradições mais profundas de sua estruturação, ao
invés de elucidá-las. Nesse tipo de pesquisa não está em disputa a questões de gosto
musical, mas sim, segundo David Harvey (1994), a análise de uma produção cultural
que consequentemente, cria a formação de juízos estéticos mediante um sistema
organizado pela reprodução do capital.
83
sociais e culturais do nosso tempo. Dessa forma, a principal característica das teorias
pós-modernas, é assumir uma posição relativista, desafiando culturalmente as posições
etnocêntricas em nome do pluralismo e que “toda representação cognitiva do mundo se
reduz a construções linguísticas e ideológicas” (p.2).
Como observa Timothy J. Cooley (1997), passar do estudo da música como
objeto ao estudo da música como cultura, leva a praticar uma etnomusicologia reflexiva
na qual o investigador não pode situar-se fora da cultura como observador de uma
cultura objetivamente observável. Dado que a subjetividade do investigador interfere no
processo de sua experiência da cultura estudada (vivida), é necessário que explicite sua
posição epistemológica e sua relação com a cultura estudada. (COOLEY, 1997, p. 16-
17). Ao optar por pesquisar a música gauchesca, por ser frequentadora destes universos
artísticos há cerca de dez anos como instrumentista, talvez não apresente o
distanciamento necessário. Todavia, busco construir um “olhar estrangeiro” a fatos que
vivenciei rotineiramente, por mais difícil e paradoxal que seja. Para tal apliquei às
experiências o conceito de desterritorialização, o qual me apoiei nos pressupostos de
Ianni (1996, p.169): “(…) o sujeito do conhecimento não permanece no mesmo lugar,
deixando que seu olhar flutue por muitos lugares, próximos e remotos, presentes e
pretéritos, reais e imaginários”.
Para Ingold (2014), é necessário para o fazer etnográfico o que ele chama de
correspondência. Diferentemente da mera representação ou descrição, a observação
participante é a prática da correspondência, onde se responde aos acontecimentos com
intervenções, perguntas e respostas juntamente com a intersubjetividade, “são tópicos
entrelaçados em correspondência”. Pensando desta forma, objetivo fazer uso de espaço
virtual para incitar o diálogo com meus interlocutores. Para isto criei em 2014 o blog
Gauchismo Líquido, com o objetivo de trazer reflexões e fomentar discussões sobre as
construções identitárias musicais do sul do Brasil. O termo líquido faz alusão ao
sociólogo Bauman, quando refere-se ao momento em que presenciamos, no qual tudo
muda muito rapidamente, nada é feito para durar, para ser “sólido”. esta forma, neste
espaço o gauchismo é tratado em meio ao processo de globalização com o entendimento
de que há uma fragmentação nas identidades modernas, e que, o conceito de identidade
não pode ser tido como acabado e incontestável. O uso deste espaço virtual como
ferramenta metodológica serve para manter o contato com os interlocutores e o público
interessado.
84
Considerações finais
Referências
85
EAGLETON, Terry. Ideologia: uma introdução. Tradução de Luís Carlos Borges e
Silvana Vieira. São Paulo: UNESP; Boitempo, 1997.
HALL, Stuart. Quem precisa da identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu (org. e trad.).
Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. p.
103-133.
JACKS, Nilda. Mídia nativa: indústria cultural e cultura regional. 3. ed, Porto
Alegre,Ed.Universidade/UFGRS, 2003.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Mercado
Aberto, 1980.
86
Irmãos Bertussi e o baile gaúcho: (re)criações e agenciamentos na música regional
de baile no Rio Grande do Sul54
Resumo
O objetivo geral deste artigo visa apresentar os agenciamentos e (re)criações da dupla
Irmãos Bertussi no cenário da música regional de baile no Rio Grande do Sul a partir
da década de 1950, configurando-se como importantes alicerces na edificação do gênero
musical, e, bem como, a assimilação e condução deste segmento pelas novas gerações
de músicos. Aspectos referentes à discografia e a prática dos bailes; o envolvimento
deles com outros músicos, como é o caso de Tio Bilia e Virgílio Pinheiro; a relação
mútua com o Movimento Tradicionalista Gaúcho e os Centros de Tradições Gaúchas;
são temáticas abordadas neste trabalho, realizado através de uma pesquisa qualitativa de
caráter etnográfico aplicado em música. Para tanto, foram empreendidas buscas por
material referente à música de baile regional no RS em livros, jornais e revistas, além de
pesquisa de campo, valendo-se de observações de bailes e shows, além da realização de
entrevistas com Adelar Bertussi, único dos irmãos vivo, e personalidades relevantes
envolvidas com o segmento musical em questão.
Palavras-chave: Irmãos Bertussi; Música Popular do Rio Grande do Sul; Música
Regional de Baile;
Construção teórica
O presente artigo visa apresentar uma síntese do trabalho realizado como requisito
para a conclusão do curso de Bacharelado em Música Popular na Universidade Federal
do Rio Grande do Sul – UFRGS, sob a orientação do Professor Doutor Reginaldo Gil
Braga. Considerando o percurso musical da dupla Irmãos Bertussi, inserida no cenário
da música regional do RS, este trabalho pretende investigar os agenciamentos sociais e
estético-musicais dos Irmãos Bertussi no processo de construção da prática da música
regional de baile no RS a partir da segunda metade do século XX. Como construção
teórica eu tomo como diretrizes os escritos de Pierre Bourdieu (1997) nos quais analisa
as trajetórias das subjetividades individuais expressas através do trabalho empírico em
54
Este texto trata-se de versão da monografia Os irmãos Bertussi e a música regional de baile no Rio
Grande do Sul apresentada ao Departamento de Música da UFRGS para obtenção do título de Bacharel
em Música Popular, 2015.
55
Mestrando em Musicologia/ Etnomusicologia PPGMUS UFRGS.
87
materiais biográficos e autobiográficos. Para ele, as noções de trajetória e história de
vida compreendem significados diferentes:
Falar de história de vida é pelo menos pressupor, e é muito, que a vida é uma
história e que uma vida é inseparavelmente o conjunto de acontecimentos de
uma existência individual, concebida como uma história e a narrativa dessa
história (Bourdieu, 1997, p. 74).
“Vocês não sabem aquelas musiquinhas do campo, aqueles era boi... era
boi....?”
88
carioca, dono de uma grande escola de acordeon, eles conseguiram atuar em rádios e
encontraram o caminho para chegarem à indústria do disco.
56
Entrevista realizada por mim como parte do subprojeto: “Samba gaúcho” ou “Samba campeiro”:
descontinuidades entre as gravações comerciais dos Irmãos Bertussi e “espontâneas” de Luiz Heitor
Corrêa de Azevedo, em 2014; projeto de pesquisa: Memória Musical do Rio Grande do Sul: estudo das
gravações históricas da Missão de Pesquisas Folclóricas (1946) de Luiz Heitor Corrêa de Azevedo,
PROPESQ, UFRGS, coordenação Professor Reginaldo Gil Braga.
89
no ambiente musical familiar, tendo na figura paterna um mestre de banda de sopros.
Conforme Honeyde registra:
Naquela época, como papai dirigia a banda e fazia seus ensaios, eu, muito
metido a querer ser gente, me dispunha a segurar-lhe a livreta com as
partituras contendo o repertório já com os arranjos feitos. Com isto, desde
muito pequeno fui apurando o sentido auditivo para os sons musicais.
(BERTUSSI, 2014, p.29.)
Honeyde, 10 anos mais velho que Adelar iniciou o percurso na música tocando
acordeon acompanhando bandas de sopro e orquestras típicas de tango, bem como em
bailes de clubes tocando marchinhas de carnaval e boleros, e as já citadas festas de
interior. Os gaiteiros de gaita ponto foram uma grande inspiração para a música que
Honeyde viria a compor e interpretar, marcadamente pelos ritmos e fraseados
executados por eles, assim como, inspirado pela música caipira veiculada pelo rádio,
importante veículo de comunicação da época. Adelar une-se ao irmão, a dupla constitui
um repertório baseado na temática rural e permeado pelos ritmos executados pelos
gaiteiros interioranos, entoando canções como Cancioneiro das Coxilhas e
incorporando no repertório muita música instrumental, músicas estas que também
configurariam a dupla como importantes instrumentistas.
A chegada ao centro do país foi marcada pelo contato com diversos músicos que
estavam ali também buscando o seu espaço, ainda mais se tratando do centro
econômico, político e cultural que a cidade do Rio de Janeiro representava na década de
1950 e ainda representa. Perpassando o mundo do samba, do choro, do baião, os Irmãos
Bertussi adquiriram um importante diálogo com múltiplos artistas através de vários
caminhos musicais. A Churrascaria Gaúcha foi um dos primeiros espaços de atuação
dos Irmãos Bertussi no Rio de Janeiro, onde receberam remuneração para tocarem e
90
cantarem músicas de caráter regional do Rio Grande do Sul, as músicas do folclore da
serra gaúcha, as quais Honeyde aprendeu com os gaiteiros de gaita ponto, bem como as
composições próprias. Lá eles conheceram o Rei do Baião, Luiz Gonzaga. O contato
com Gonzagão não se dava somente na churrascaria, mas também através de visitas do
sanfoneiro na pensão onde Honeyde e Adelar moravam. Além dele, também recebiam a
visita de Sivuca.
Foi através da pontual contribuição dos Irmãos Bertussi que se tornou possível a
gravação de um disco intitulado Baile Gaúcho, com as participações de Tio Bilia e
Virgílio Pinheiro, dois gaiteiros de gaita ponto de distintas regiões do RS. O papel
57
Centros de Tradições Gaúchas.
91
agenciador da dupla deu-se desde a escolha dos músicos, apresentando-os para a
Copacabana, até a concepção dos arranjos, pois no caso de Tio Bilia, Honeyde e Adelar
tiveram de ajuda-lo a diminuir o tamanho das músicas, e nomeá-las interpelando-o
sobre a história da música e, assim, atribuindo um título. O disco, lançado em 1964, traz
um dos primeiros registros do gênero vanera ou vanerão com a música: Missioneiro, de
autoria de Tio Bilia. A vanera e o vanerão são, atualmente, os gêneros mais executados
nos bailes com temática regional do RS, e com grande grau de acerto, isto se deve a
implementação do gênero no repertório por parte dos Irmãos Bertussi e dos
grupos/conjuntos de baile subsequentes a eles.
O samba campeiro é uma coisa que existia, já existia pelos gaiteiros de gaita
ponto. Eles não diziam campeiro, eles diziam samba, sambinha. Os pais
chegavam e diziam: ‘Toca um sambinha pra nós’. Sambinha. Aí, nós Irmãos
Bertussi que resolvemos dar uma incrementação aí e botamos samba
campeiro. (Adelar Bertussi, 13/07/2014)
92
E eu sei que chegamos no tal programa lá, aí diz o Honeyde: ‘O quê que
fazemos?’ igo: ‘Eu canto a Égua Branca’. Tinha uma égua branca que a
malvada não cresceu, Deus o livre, a égua mais ruim do mundo. Ah, a moça
explicou: ‘Todas as quintas-feira ele traz um colégio aqui. Um colégio que, a
princípio participa de 1 hora aí’. E até era mais de 1 hora, acho que era quase
2 horas viu. E aí o Honeyde disse: ‘Tá, então tu canta essa aí, cantamos Mané
Romão...’. Eu sei que preparamos um repertório e aí o Honeyde usava a
dançar os passos do bugio. iz o Honeyde assim: ‘Quem sabe gravamos
aquele Casamento da Doralícia? Eu conto aquelas besteiras da Doralícia ali e
aí eu começo a tocar o bugio e tu firma e eu fico dançando só eu e a gaita pra
mostrar pra gurizada como é que se dança bugio’. E aí cantamos lá, a Égua
Branca foi um sucesso e Mané Romão também e de repente lá tocamos umas
outras e aí o Honeyde disse: ‘Agora nós vamos contar uma história de uma,
Doralícia, uma moça gorda que pesava 80 quilos’. E a gurizada dava risada.
‘Aí de noite, no casamento só queriam dançar bugio, sabe o quê que é bugio?
A dança do bugio, é o bugio que dança, eles copiaram lá no Rio Grande o
bugio dançando. Aí o Adelar toca um bugio que eu vou mostrar pra essa
gurizada como se dança o bugio, é 2 pulinho pra cá e 2 pulinho pra lá’. Mas
foi um sucesso que quando terminamos o programa lá, o Alvarenga disse:
‘Olha gaúchos, a semana que vem aqui, hein! Semana que vem de novo. Esse
casamento que tu falou aí não pode faltar’. A música já nasceu com sucesso,
né. Aí depois gravamos naquele ano ainda, nós tava lá no Rio de Janeiro,
naquele ano, ainda. Foi o segundo... (Adelar Bertussi, 13/07/14)
Considerações finais
93
Referências
Entrevista
Adelar Bertussi, em São Jorge da Mulada, Caxias do Sul /RS (14/07/2014);
94
Ritual a la venta: la capitalización de lo inmaterial en el rito del palo volador de
Veracruz, México58
Resumen
Este artículo se centra en la ceremonia ritual de los voladores, concretamente la
expresión del Totonacapan veracruzano de la costa, en México. Actualmente, dicho
ritual forma parte de los gestos devocionales de la sociedad indígena totonaca, no
obstante, los voladores también han otorgado nuevos usos a esta práctica. Hoy día, el
ritual transita desde el polo de la religiosidad hasta el de la capitalización económica en
algunos de sus aspectos que se incluyen en la oferta de la industria del turismo cultural.
Se esbozarán algunas de las variables que han permitido el consumo de dicha práctica
en el mercado turístico.
Palabras clave: Ceremonia ritual de los voladores, turismo cultural, políticas culturales.
58
Este artículo forma parte de una investigación doctoral en curso bajo la tutoría del Dr. Reginaldo Gil
Braga (UFRGS-Etnomus), Dra. Marina Alonso Bolaños (INAH-Fonoteca) y Mtro. Jesús Antonio
Machuca Ramírez (INAH-DEAS).
59
Doctorando en Etnomusicología, Universidad Nacional Autónoma de México, Facultad de Música.
Autor del libro Los voladores de Papantla. Una mirada desde la etnomusicología, México, D.F.:
UNAM, Coordinación de Estudios de Posgrado, 2015.
95
El ritual
96
En relación a la significación de la práctica, Jesús Jáuregui sintetiza cinco
efectos principales:
1) La colocación de los voladores en el cuadro de la cima del palo volador es
una representación de los cuatro puntos cardinales. El mismo palo volador, donde se
para el caporal, simboliza la quinta dirección, el centro de la tierra.
2) La acción de clavar un poste arbóreo en un agujero cavado en la tierra,
simboliza la cópula de un elemento masculino, "de arriba", con otro femenino, "de
abajo". Es un acto metafórico de fecundación.
3) El ritual de los voladores escenifica la unión de las fuerzas luminosas y
calientes del mundo superior con las fuerzas oscuras y frías del mundo inferior
(inframundo) a través del palo volador (axis mundi). Al mezclar estas fuerzas opuestas
se logra la fecundidad y la renovación de la vida en el mundo intermedio, donde viven
los seres humanos, las plantas y animales.
4) El rito del vuelo expresa un movimiento en sentido antihorario del
cosmograma cuadrangular (representado por el cuadro), mientras que los voladores
realizan un movimiento circular levógiro del cosmograma circular. De esta manera se
escenifica el dinamismo original y permanente del cosmos.
5) La acción del vuelo simboliza principalmente el descenso de las lluvias,
indispensables para el cultivo del maíz de temporal; aunque en una situación de sequía,
también puede representar un pedimento por las aguas, logrado por la práctica mágica
homeopática.
La mecánica del palo volador constituye una exhibición técnica que logra
transformar la gravedad en un movimiento giratorio levógiro que representa los
remolinos de aire y agua en el hemisferio norte (JÁUREGUI, MAGRIÑA, 2003. pp. 38-
47).
60
En el siguiente video se puede observar gran parte del proceso ritual y una imagen audiovisual global
de la práctica, desde la búsqueda del palo volador hasta el vuelo. Las escenas de este video y el siguiente,
son de autoría personal y forman parte del material etnográfico levantado en el trabajo de campo que
sustenta esta investigación. https://youtu.be/_xA119zuPws
97
privada, es decir, ahora se tiene que pagar entre 15 y 20 mil pesos al propietario del
predio por un árbol que durará un año en óptimas condiciones para ser utilizado en el
ritual; y por lo tanto, la paulatina sustitución de dicho árbol por un mástil metálico que
puede prolongar su durabilidad por más de diez años con los debidos cuidados.
La capitalización de lo inmaterial.
Apesar del esfuerzo del estado por integrar a las comunidades indígenas al
proyecto de estado-nación, proveyéndolos de condiciones de ciudadanía y
“modernidad”, estas regiones básicamente continúan siendo economías de subsistencia
de origen agrícola en las cuales la unidad económica principal es la familia.
Las sociedades indígenas contemporáneas se han transformado y adaptado a los
nuevos retos económicos y realidades que enfrentamos hoy en día, ahora se han
incorporado al sector de los servicios. Los danzantes también son jornaleros en campos
de cultivo particulares, albañiles, comerciantes y/o artesanos. Para las comunidades
de la región de Papantla, la actividad dancística en el contexto del turismo se ha
configurado como una actividad económica alterna relativamente reciente.
Como pudimos observar en la reconstrucción del proceso ritual en contexto
religioso, se trata de un proceso ceremonial largo y complejo. Sin embargo, la etapa que
se ha ofertado al turismo es una representación del rito del vuelo el cual ha tenido lugar
principalmente en ferias o festivales culturales, zonas turísticas, zonas arqueológicas y
museos.
En cuanto a ferias o festivales culturales tenemos el ejemplo emblemático de
Cumbre Tajín o la Feria Nacional de la Cultura Rural en México, pero también hay
eventos similares en el extranjero como el “Indian Summer Festival” en Estados Unidos
98
o el “White Nights Festival” en Rusia, en los cuales es requerida la participación de
prácticas culturales "tradicionales" para enriquecer su programación.
Estas ferias o festivales culturales son las que han dado proyección internacional
a la práctica de los voladores. De acuerdo a los datos obtenidos a través de las
entrevistas realizadas en campo, dichas actividades son realizadas a través de contratos.
Las peticiones llegan al gobierno federal, éste las envía al del estado de Veracruz y
posteriormente al del ayuntamiento de Papantla. Anteriormente, los funcionarios del
ayuntamiento tenían contacto con algunos grupos de danzantes y eran estos a quienes se
les asignaban dichos contratos. Actualmente, el gobierno de Veracruz y el
Ayuntamiento de Papantla deben canalizar estas peticiones al Consejo de Voladores,
organismo que se declara autónomo y se encargará de repartir las peticiones entre las
distintas organizaciones de danzantes que se agrupan en dicho Consejo. Tengo
conocimiento de algunos grupos de danzantes que han sido contratados directamente, ya
sea por un agente extranjero que ha conocido a determinado grupo de voladores o por
un agente nacional que ha servido de enlace con la instancia extranjera. Tal vez, ésta sea
una de las razones por la cual hay grupos de danzantes completamente independientes al
Consejo de Voladores, pues ya tienen sus propios contactos.
Dichos contratos estipulan el periodo por el cual será contratado el grupo, las
presentaciones que son requeridas durante un día regular, los horarios de las mismas y
el sueldo que será percibido. De igual manera, los danzantes especifican las
características que deberá tener el palo volador, que generalmente será de metal, o en el
caso de que el organismo contratante desee el mástil de un árbol, los danzantes
especifican las características que éste debe tener y el equipo técnico y humano que
necesitarán para realizar la ceremonia de corte, arrastre y levantamiento. El resto del
equipo de vuelo (cuadro, tecomate y lazos), generalmente es llevado por el grupo de
voladores, pues estos acostumbran tener cuando menos un equipo disponible para
dichas contrataciones.
Los contratos van desde algunos días, un par de semanas cuando se trata de
ferias o festivales culturales, hasta estancias de algunos meses cuando se trata de zonas
turísticas en el extranjero. Generalmente los gastos de transportación aérea, hospedaje y
alimentación son cubiertos por el organismo que ha ofrecido el contrato. En estos casos,
no les es permitido a los danzantes pedir propina a los espectadores.
En cuanto a las zonas turísticas en el interior de la república, sucede algo
parecido, las peticiones se hacen llegar al Consejo de Voladores quien turna la petición
99
a una organización y ésta última a uno de los grupos que congrega. En estos casos
encontramos dos situaciones: se firma un contrato que sólo estipula un sueldo sin la
oportunidad de pedir propina a los espectadores o un acuerdo en el cual la zona turística
les permite realizar la representación del rito del vuelo en un palo volador metálico y
recolectar aportaciones voluntarias, pero sin percibir un sueldo. Cabe mencionar que en
ambos casos, son los danzantes quienes deben cubrir sus gastos de transportación,
hospedaje y alimentación en sus estancias de trabajo. Dichas estancias llegan a ser de
periodos prolongados o casi permanentes, en los cuales el Consejo de Voladores o el
grupo de danzantes que ha conseguido el contrato, desarrollan un mecanismo de
rotación para regresar itinerantemente a sus comunidades y dar la oportunidad a otros
compañeros danzantes, generalmente del mismo grupo, de participar en esta actividad
económica alterna. Estos espacios son generalmente en las playas del pacífico, el golfo
y el Caribe mexicano.
En cuanto a las zonas arqueológicas y museos, prácticamente son espacios en los
que desde hace algunos años se han generado acuerdos entre autoridades y grupos que
solicitaron el espacio para realizar la representación del rito del vuelo. Estos acuerdos se
han consolidado con el tiempo y dichos grupos han ganado una “permanencia” que ha
sido respetada por los demás grupos y organizaciones de danzantes. Así por ejemplo las
plazas de volador en las zonas arqueológicas de El Tajín y Tulum, y la del Museo
Nacional de Antropología, en la Ciudad de México.61
Inicialmente, esta capitalización fue llevada a cabo por los mismos danzantes
pero con el devenir del tiempo se han adherido diversos actores sociales que persiguen
capital económico, simbólico y hasta político, complejizando así el escenario. Desde mi
punto de vista, además de esos nuevos actores, instituciones y organismos nacionales e
internacionales han favorecido dicha capitalización con la implementación de políticas
públicas en materia cultural.
Un ejemplo de ello es la inclusión de la Ceremonia ritual de los voladores en la
Lista Representativa del Patrimonio Cultural Inmaterial de la Humanidad de la
UNESCO en el año 2009. Esta declaratoria responde a las medidas de salvaguardia de
dicho patrimonio en el plano internacional, tales medidas son establecidas en la
Convención para la Salvaguardia del Patrimonio Cultural Inmaterial promulgada en
61
Representación del rito del Vuelo en contextos turísticos. https://youtu.be/Sc2V9WcS-wY
100
2003 por dicha organización, misma que a su vez forma parte del sistema de Naciones
Unidas.
Las políticas patrimoniales han traído consigo un doble efecto. Por un lado, la
dinamización y proyección de ciertas prácticas culturales, aunque esto implica una
mayor explotación por parte de terceros en comparación a la explotación que llevan a
cabo los mismos portadores de la cultura. Y por otro lado, el ensombrecimiento de las
otras prácticas culturales que no han sido patrimonializadas por aquellas que sí. Este
fenómeno ocurre incluso en la misma región de Papantla, ya que los nuevos aspirantes a
danzantes, en mayor medida prefieren aprender la danza-ritual del volador en
comparación a las otras danzas del Totonacapan.
En relación a estos aspectos, George Yúdice argumenta que el papel de la
cultura se ha expandido al ámbito político-económico y es considerada un recurso. El
autor destaca el uso de la cultura para el progreso sociopolítico y el crecimiento
económico. El sector del arte y la cultura florece dentro de una enorme red de
administradores y gestores, quienes median entre las diversas fuentes de financiamiento,
los artistas y comunidades. Cuando la Unión Europea, el Banco Mundial, el Banco
Interamericano de Desarrollo y las principales fundaciones internacionales percibieron
que la cultura constituía una esfera importante para la inversión, se le trató como
cualquier otro recurso. El arte y la cultura son un sector que tiene un alto coeficiente de
mano de obra, por lo tanto, contribuye a disminuir el desempleo (YÚDICE, 2002, p. 23-
27).
Para James . Wolfensohn, presidente del Banco Mundial, “la cultura material y
expresiva son recursos desestimados en los países en vías de desarrollo. Pero pueden
generar ingresos mediante el turismo, las artesanías y otras actividades culturales”
(WOLFENSOHN, Apud YÚDICE, 2002, p.27). Recurrir a la “creatividad económica”
favorece a la clase profesional-gerencial sacando provecho de la retórica de la inclusión
multicultural. En este esquema, los grupos subordinados ocupan un lugar en calidad de
obreros no calificados que aportan servicios y también son proveedores de “vida étnica”
y otras experiencias culturales (YÚDICE, 2002, p.35). La cultura es útil en tanto recurso
para alcanzar un fin (IBI EM, p. 45). La explotación del trabajo “inmaterial”, por
ejemplo, la vida étnica que las poblaciones subalternas aportan a la clase profesional-
gerencial y a los turistas en las ciudades globalizadas de hoy, y además, la
101
transformación de artistas e intelectuales en los gerentes de esa expropiación, es llevada
a cabo bajo el disfraz del trabajo “centrado en la comunidad” (IBIDEM, p. 51).
La administración de este recurso cultural ha generado diversas relaciones de
poder entre los actores sociales involucrados y como consecuencia se han marcado aún
más las asimetrías entre dichos actores. De acuerdo con los relatos de los danzantes,
anteriormente era habitual conseguir contratos directos con los agentes interesados en la
danza del volador, en cambio ahora, prácticamente no se consiguen contrataciones
directas, la gran mayoría son gestionadas a través de uno o más intermediarios.
En general, las políticas patrimoniales han generado nuevos espacios que ahora
se disputan no sólo los danzantes, sino también otros actores sociales tales como
gestores culturales, organizaciones no gubernamentales e incluso instituciones del
Estado. El capital cultural que es explotado no sólo se refleja en capital económico, sino
también en capital simbólico y político.
Entonces, ¿qué es lo que ofertan los grupos de voladores en los contextos
turísticos en los que se representa el rito del Vuelo? Varios elementos del saber-hacer
que sustentan la práctica: 1) los conocimientos relativos a la mecánica del vuelo; 2) los
conocimientos coreográficos y dancísticos; 3) propiamente el saber-hacer musical; y 4)
un imaginario materializado en las artesanías que ellos comercializan como es la diada
flauta y tambor que, desde mi punto de vista, condensa el imaginario que gira en torno
al rito de los voladores.
Referencias
102
YÚDICE, George. El recurso de la cultura. Usos de la cultura en la era global.
Barcelona: Gedisa, 2002.
103
Por que estudar imigração, migração e música? Lacunas, problemas e perspectivas
do estudo etnomusicológico62
Resumo
Neste artigo apresento um compêndio dos estudos sobre a prática musical de imigrantes
no Brasil e evidencio que, sob a perspectiva etnomusicológica, este tema, embora ainda
pouco abordado, tem apresentado avanços em sua perspectiva histórica. Já, a
etnomusicologia internacional tem dado um enfoque maior ao eixo dos estudos de
migração e música em sua relação com problemas sociais e com a necessidade de
readaptação que o deslocamento (i) migratório ocasiona. Através desse trabalho tenho
como objetivo apresentar ao leitor as diferentes perspectivas de estudo realizadas sobre
o tema a fim de apontar a necessidade da etnomusicologia brasileira discutir os
problemas prementes, uma vez que o Brasil é terreno de imigrantes e de migrantes.
Palavras-chave: etnomusicologia – (i) migração – música
62
Este artigo é resultado de reflexões posteriores à dissertação de mestrado intitulada A encantadora
tradição germânica: uma etnografia da m si a entre ‘ oralistas at li os’ e ‘des endentes de alemães’
na encosta da serra gaúcha, defendida no ano de 2014 no Programa de Pós-Graduação em Música da
UFRGS.
63
Professora da Universidade de Caxias do Sul/UCS, Caxias do Sul, RS.
64 No livro, o autor apresenta as crenças e os entendimentos aceitos e compartilhados por alguns
etnomusicólogos (enquanto, por outro lado, ele evidencia que há outros que não aceitam essas doutrinas).
Estas crenças são: 1) a etnomusicologia é o estudo da música na cultura; 2) a etnomusicologia é o estudo
das músicas do mundo desde uma perspectiva comparativa e relativista; 3) a etnomusicologia é o estudo
com o uso do fieldwork (trabalho de campo); 4) a etnomusicologia é o estudo de todas as manifestações
musicais de uma sociedade (Ibidem, p. 12-13).
104
para que possam ser desvelados muitos dos caminhos em que estas práticas musicais
foram e continuam sendo expressas no passado e no presente.
Os estudiosos são categóricos na afirmação da existência dessa lacuna e na
necessidade da reconstrução desse mosaico, o qual consideram que, nos últimos anos,
vem sendo preenchido65. A constatação dessa lacuna pode ser observada na tese de
Alice Lumi Satomi (2004) e na tese de Werner Ewald (2004) publicada em livro no ano
de 2011.
Alice Lumi Satomi, que em 2004 estudou a música para koto66 na cidade de São
Paulo (Brasil), com imigrantes japoneses no Brasil, elucida que a literatura brasileira
etnomusicológica sobre imigrantes e sua música é incipiente, principalmente no tocante
ao seu tema de pesquisa. Para completar a argumentação, a autora descreveu a escassez
de trabalhos apresentados no 36º Congresso Internacional de Música Tradicional
(ICTM), realizado no Rio de Janeiro no ano de 2001, com a temática da imigração.
[...] embora um dos cinco temas propostos pelo Congresso fosse “Música e
ança dos Imigrantes”, apenas três trabalhos brasileiros foram apresentados:
um sobre os judeus no Rio de Janeiro (Spitalnik, 2001), e os demais sobre os
japoneses em São Paulo (Tsuzuki 2001 e Satomi 2001). (SATOMI, 2004, p.
6-7).
105
2. O panorama histórico dos estudos sobre a história da música brasileira e
sobre etnicidade e identidade étnica no Brasil
69“[...]
has also been extended to the most varied genre of popular music, where the mega shows and
mass media stars are made the center for writing music history” (EWALD, 2011, p. 45).
70 “Native people tradition, Afro-Brazilian traditions, and European Brazilian tradition usually centering
in Luso tradition” (EWALD, 2011, p. 45).
106
de imigrantes e de práticas musicais que compõem o país não foi considerada, dentre
elas a prática musical de grupos étnicos como alemães, japoneses, italianos e outros.
Assim, tal forma de representar o Brasil acabou por ocultar uma face da diversidade
cultural interna, especialmente aquela formada por imigrantes (Ibidem, p. 47).
Essa tendência defendida pelo regime ditatorial de Vargas, no poder de 1930 até
1945, teve impacto na nascente produção acadêmica ou mesmo folclórica no Brasil,
criando uma lacuna de informação e reflexão sobre esses grupos e, consequentemente,
suas práticas musicais.
Outra questão atual, hoje, dentro dos estudos sobre as pesquisas em etnicidade e
identidade étnica e suas relações com as pesquisas sobre a música de imigrantes no
Brasil, é a alteridade. Os teuto-brasileiros, por exemplo, não representavam a
brasilidade que o projeto nacionalista de Vargas buscava para representar a cultura
musical brasileira, ou seja, não faziam parte do cânone de brasilidade (Ibidem, p. 51).
Esse projeto buscava mascarar as “tradições culturais alienígenas”, dentre elas, a
tradição de imigrantes e descendentes no país. Naquele período, os indivíduos que
portavam etnicidades e culturas diferenciadas eram considerados “alienígenas” e,
portanto, deveriam ser assimilados (SEYFERTH, 1997, p.131).
Algumas das medidas aplicadas pelos militares na condução da campanha foram
suprimir a alteridade, o pluralismo e mascarar as diferenças internas “[...] prevaleceu
uma concepção de Estado-nação que negou legitimidade a quaisquer formas de
pertencimento étnico” (Ibidem, p. 131). A campanha de nacionalização instituída
durante o Estado Novo exigiu o “abrasileiramento”71 dos diversos grupos de imigrados
e de seus descendentes no Brasil (Ibidem, p. 97), o que colidiu de forma violenta com as
diversas associações étnicas das quais os grupos musicais faziam parte.
107
musicais diferentes e seus praticantes na direção da invisibilidade (EWALD, 2011, p.
53). Segundo Ewald, tais circunstâncias contribuíram para a ausência de estudos sobre a
prática musical dos teuto-brasileiros.
72 Fronteiras/limites (boundary) foi um termo cunhado por Barth (1969) para qualificar grupo
étnico. Segundo ele, é o limite social que define o grupo e não o conteúdo cultural que ele engloba. Ele
aparece quando um grupo mantém suas identidades enquanto seus membros se relacionam com outros e
isso cria critérios para assinalar quem é e quem não é membro. Ele ainda complementa que “as fronteiras
persistem apesar do fluxo de pessoas que as atravessam”. Em outras palavras, as distinções de categorias
étnicas não dependem de uma ausência de mobilidade, contato e informação (BARTH, 2011, p. 188).
73 A noção de saliência (saliency) exprime a ideia de que a etnicidade é um modelo de
identificação em meio a possíveis outros, ela não remete à uma essência que se possua, mas a um
conjunto de recursos disponíveis para a ação social. De acordo com as situações nas quais ele se localiza e
as pessoas com quem interage, um indivíduo poderá assumir uma ou outra das identidades que lhes são
disponíveis, pois o contexto particular no qual ele se encontra determina as identidades e as fidelidades
apropriadas num dado momento (BARTH, 2011, p. 166).
108
estudos sobre migração e música apresentados aqui. Estas questões potencializam e
justificam a entrada desde esta perspectiva de estudo.
A etnomusicologia internacional tem contribuído para as discussões sobre o
tema através de etnografias musicais. Estas etnografias têm apresentado as experiências
dos (i)migrantes e a formação de identidades em contextos marcados por relações de
poder, além de confirmar a música como uma via de acesso ao estudo da experiência de
populações (i)migrantes em cidades multiculturais, são eles: Haitianos em Nova York,
McAlister (2002); migrantes de Lesotho para a África do Sul, Coplan (1994); migrantes
das montanhas do Peru para a cidade de Lima (capital), Turino (1993); gravações de
música curda e turca, Lundberg (2010); e imigrantes em Viena, Hemetek (2010).
A etnografia musical de Elizabeth McAlister (2002) intitulada Rara! Vodou,
power, and performance in Haiti and its diaspora é sobre Rara, um festival anual de rua
no Haiti, e a migração de alguns de seus integrantes, de classes sociais mais baixas, para
o contexto de Nova York, na década de 1980. Segundo a autora, houve uma migração
significante da população haitiana integrante das bandas Rara do Haiti para Nova York.
No novo contexto, o trabalho místico e os textos das músicas relacionados a um
trabalho religioso no Haiti passaram a ser utilizados em Nova York (contexto de
migração) com significados políticos: a busca pela reterritorialização de suas práticas e
de suas identidades. Assim, a prática, que no Haiti era ritual e religiosa, passa a
incorporar elementos de reivindicação e exposição das experiências dos migrantes em
Nova York.
A prática musical Rara está relacionada às negociações de poder, de espaço, ao
mesmo tempo em que revela uma realidade. Um exemplo desta realidade é descrita
quando a autora trata sobre gênero e sexualidade. Segundo ela, a prática musical
chamada “Betiz” (trabalho cultural de afirmação da existência e da vida criativa das
mulheres migrantes em Nova York) revela o trabalho cultural de afirmação da sua
existência, a falta de liberdade feminina e o controle econômico a que são submetidas
nesse novo contexto.
Ao desenvolver o estudo da formação da identidade étnica dessa comunidade
nos Estados Unidos, a autora revela questões tangentes aos problemas sociais mais
amplos relacionados ao que significa ser migrante, o que é ter uma vida de migrante e as
dificuldades que isso engloba.
Outra etnografia musical é a de David B. Coplan (1994). Ele desenvolveu sua
etnografia entre os trabalhadores que migraram de Lesotho para as minas e cidades da
109
África do Sul. Neste novo contexto, o gênero “Word Music” passa a ser experienciado
dando sentido às experiências de vida dos migrantes.
Coplan (1994) problematiza a condição histórica, as dinâmicas políticas e as
forças sociais que existem na ocasião de performance. Assim como McAlister (2002),
ele também elucida que na música desenvolvida pelos migrantes está presente a
expressão das suas dificuldades. Segundo o autor, a “Word Music” é a “música das
palavras”, ou seja, a música da experiência, onde, através das palavras, os migrantes
contam as suas experiências.
A etnografia de Thomas Turino, Moving Away From Silence (1993), tem como
tema central a prática musical dos migrantes internos do Peru, quem migraram da região
Andina para a capital do país, Lima. Na cidade de Lima “no que diz respeito aos
processos específicos, instituições e significado envolvendo a performance musical
andina em Lima, algo novo está sendo criado” (Ibidem, p. 3). Segundo o
etnomusicólogo, os migrantes aprenderam ideias e estilos de comportamento de
fontes/origens que foram desde seus pais e vizinhos nas montanhas, até Limenhos,
Norte Americanos, novelas argentinas, migrantes de outras regiões e anúncios de rádio.
Neste processo, eles adaptaram, alteraram, combinaram e criaram a sua representação
étnico-musical a partir de uma multiplicidade de fontes. Desta forma, apesar dos grupos
se utilizarem de instrumentos musicais semelhantes, como a flauta, por exemplo, as
práticas musicais e os significados das músicas em Lima são diferentes.
Esta questão da atribuição e geração de novos significados à prática musical é
comum a todos os estudos sobre (i) migração e música apresentados aqui. O
deslocamento (i) migratório ocasiona a transformação e a necessidade de readaptação às
novas necessidades (TURINO, 1993; MCALISTER, 2002; COPLAN, 1994,
SHELEMAY, 1998).
Conclusão
110
inserção e ao reconhecimento dessas novas identidades, as quais, muitas vezes, são
estigmatizadas. Precisamos completar esse mosaico histórico e avançar!
Referências
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STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade seguido de Grupos étnicos e suas
fronteiras de Fredrik Barth. Traduzido por Elcio Fernandes. São Paulo: UNESP, 2011.
COPLAN, David B. In the Time of cannibals: The Word Music of South Africa´s
Basotho Migrants. Chicago: University of Chicago Press, 1994.
EWALD, Werner. Walking and Singing and Following the Song: Musical Practice in
the Acculturation of German Brazilians in South Brazil. 2004. 294f. Tese (Doutorado
em Música), LSTC e University of Chicago. Chicago, 2004.
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Acculturation of German Brazilians in South Brazil- Etnomusicological and Historical
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Illinois Press, 2005. p. 3-15, cap. I.
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Disponível em: http://www.slideshare.net/JossueAcevedo/latin-american-music-
14655626#btnNext. Acesso: 10 jul. 2013.
POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade seguido
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São Paulo: UNESP, 2011. Tradução de: Teorie dell'etnicità.
SATOMI, Alice. Dragão confabulando: Etnicidade, ideologia e herança cultural
através da música para Koto no Brasil. 2004. Tese de doutorado, Programa de Pós-
Graduação em Música, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2004.
111
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Claudia; VASCONCELLOS, Nara. Os alemães no Sul do Brasil. Cultura- etnicidade-
história, Canoas: Editora da ULBRA, 1994.
______. A assimilação dos imigrantes como questão nacional. Mana, vol. 3, n. 1, p. 95-
131, abr. 1997. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/mana/v3n1/2457> Acesso 15
ago. 2013.
TURINO, Thomas. Moving Away from Silence: Music of the Peruvian Altiplano and
the Experience of Urban Migration, Chicago: University of Chicago Press, 1993.
112
“Quédate con mi voz": una reflexión metaperformática sobre personajes musicales
de una cantante cubana en la escena urbana de trova y canción de autor mexicana.
Resumen
En esta comunicación sugiero que el relato etnográfico de performances de músicos
populares puede ser entendido como un tipo de metaperformance, ya que este
re/presenta e instaura nuevos sentidos sobre lo que describe e interpreta. Para demostrar
mi punto, desde la perspectiva de los estudios de performance y del interaccionismo
simbólico, me centraré en la meta-performance del personaje musical construido por
Niurka Curbelo y en el uso de sus estrategias identitarias actuados en la intersección de
distintos marcos sociomusicales.
Palabras clave: performance, etnografía, trova y canción de autor
“Si muero antes de ti, permíteme, mi amor, besarte las pupilas, darte mi bendición. Quédate con mi
voz, los disco de Bosé, mis cartas mi desvelos y hasta los sueños que tejía para ti con toda
devoción” (“Quédate con mi voz”, Niurka Curbelo, 2001).
Si bien la expresión que nombra este artículo, “quédate con mi voz”, es una
referencia a una de las canciones de la cantautora Niurka Curbelo Ballester de su álbum
Todo podría cambiar (Warner Music México, 2001), esta también es parte del nombre
de una investigación que realicé con el apoyo del programa de Maestría en
Etnomusicología del posgrado de la Facultad de Música de la UNAM sobre las
estrategias de performance identitarias de la cantautora en entrevistas y conciertos
dentro de la escena urbana de trova y canción de autor contemporánea en México. En
esta balada romántica pop, el yo lírico de la canción le suplica al ser amado que, en una
posible muerte, este se quede con su voz, con sus discos del cantautor español Miguel
Bosé, con sus cartas, sus desvelos y sus sueños. Interpelado menos por el romanticismo
que por la imagen de la expresión, rescaté el título de la canción para nombrar la
investigación –y este escrito– porque me llamó la atención la súplica del yo lírico del
personaje de la canción a un interlocutor para que, en su ausencia, guarde consigo no
solo su voz, sino todos aquellos objetos que representan sus memorias: una demanda
que coincide con lo que se requiere de la labor investigativa etnomusicológica.
74
Alumno Del Programa de Maestría en Etnomusicología del Posgrado de la Facultad de Música,
Universidad Nacional Autonoma de México (UNAM ).
113
Así, en un primer momento, pretendí hacer una alusión a la idea de que el texto
etnográfico registraría la voz de Niurka Curbelo, es decir, que se quedaría con sus
actuaciones musicales tanto en el sentido performático –referente a los aspectos
escénicos e interpretativos–, como en el sentido performativo –referente a lo discursivo,
a la capacidad de instaurar significados y maneras de percibir el mundo–. No obstante,
al reflexionar posteriormente sobre el título de la etnografía, entendí que al enunciar la
expresión “quédate con mi voz”, ambiguamente le estaba diciendo al lector que se
quedara con otra voz: la mía, la del etnomusicólogo, una voz que ha estado buscando
articularse para poder, en la escritura, dialogar analíticamente tanto con los datos
registrados y recolectados durante el trabajo de campo junto a Niurka y a otros
colaboradores, como con las voces de maestros y de autores de diversas disciplinas y
áreas del conocimiento que fueron imprescindibles para diseñar los marcos de la
investigación que llevé a cabo.
Percibir la ambigüedad de las voces que surgen en el texto me llevó a sugerir que
los relatos etnográficos sobre performances de músicos populares (sus obras, conciertos,
entrevistas, etc.) también pueden ser consideradas performances etnográficas, lo que les
confiere un status de metaperformances. Como observa el musicólogo Nicholas Cook
(Cook, 2014, p. 17), la principal lección de los estudios interdisciplinarios de
performance es que el significado de la performance es emergente al ser generado
crucialmente en la propia performance, término que, más allá de significar actuación,
representación o interpretación, “(…) alude simultáneamente a proceso, práctica, acto,
episteme, evento, modo de transmisión, desempeño, realización y medio de
intervención en el mundo” (Salomón, 2014, p. 2).
En ese sentido, describir e interpretar en el relato los datos generados y
recolectados en el campo a partir de una problematización específica también significa
traducir, inaugurar y reinstaurar sentidos sobre las actuaciones. En nuestro caso, el
relato de la investigación etnográfica y etnomusicológica sobre músicas y músicos
populares se enuncia performativamente a través de una trama argumental fijada en
nuestro sistema de escritura e ilustrada con la selección de las eventos mediados en
formatos de audios, fotografías, gráficos y videos que consideramos más relevantes para
nuestra problematización, igualmente articuladas dentro de marcos teóricos-
conceptuales apropiados para contestar nuestros interrogantes. Así, no es difícil concluir
que al construir nuestro objeto de estudio y contextualizar, armamos nuestro guión y al
114
dar el resultado de la etnografía realizamos nuestras meta-performances en los
escenarios propiamente académicos.
Tomando lo anterior en consideración, en este breve espacio de meta-actuación,
conduzco a la audiencia a descubrir quién es el personaje musical Niurka Curbelo.
Procuro mostrar cómo Niurka, en fragmentos de actuaciones, afirma y desplaza o
vuelve ambiguos ciertos marcos identitarios sociomusicales que rigen la escena de trova
y canción de autor mexicana en las urbes mexicanas.
75
Disponible en <niurkacurbelo.com>. Acceso en 02/06/2016.
76
Disponible en <es.wikipedia.org/wiki/Niurka_Curbelo>. Acceso en 02/09/2016.
77
Ya que la actuación del cantautor/trovador está enmarcada por la autenticidad y la intimidad, relatos del
“yo real” también son objeto de performance en el palco escénico. El público necesita ser convencido de
que el personaje musical con el que interactúan es verdadero y cercano. Igualmente, el yo lírico de la
canción puede (y en algunos casos debe) confundirse con el personaje para que el “teatro de la canción”,
como lo nombró Joni Mitchell.
115
Su selección sobre influencias y experiencias en la formación de su personaje
está relacionada a un momento donde la artista llegaba a México y empezaba su carrera
musical fuera de Cuba. Niurka es parte de una generación de cubanos que fue educada
dentro del régimen revolucionario durante los años setenta y creció influenciada por el
Movimiento de la Nueva Trova, movimiento local que influyó y fue influido por los
movimientos de canción surgidos en los años sesenta y setenta en el mundo y en países
“latinos” e Iberoamérica.
Figura 1: Concierto en la Sala José Vasconcelos, Instituto Oaxaqueño de las Culturas, 1993.
Fuente: archivo personal de Niurka Curbelo.
78
Una cita, observando el trabajo de Butler (1997) sobre Derrida y Austin, es la invocación de
convenciones y normas a través de signos que pueden o no ser linguísticos. Trasladando la idea de que el
género (hombre, mujer) es una cita de performances previas (y no un hecho natural), es razonable
entender también el trovador como un personaje citable o iterable.
79
Silvio Rodríguez y Pablo Milanés, estos también con sus modulaciones propias de los personaje
trovadorescos que los antecedieron, como Sindo Garay, por ejemplo, han sido influyentes no solo en
Cuba, pero son referencia canónica en toda la escena transnacional de trova urbana y canción de autor,
incluida la escena mexicana. Interesante notar que Rodríguez y su generación fueron fanáticos de los
Beatles y de Bob Dylan.
Niurka comentó en nuestras entrevistas que Milanés la ha influenciado más por su estilo de canción
menos críptica y por su estilo de actuación.
116
discreto, lo que le confiere la expresión intelectual y formal, mientras el medio es
absolutamente económico: Niurka está sola, sentada en una silla sencilla frente a una
estante musical y con dos micrófonos externos captando la guitarra acústica de nailon y
la voz. Esas opciones en el escenario están inspiradas en el formato del recital de música
de conservatorio –que se encuentra en el marco de performance presentacional (Turino,
2008)- que favorecen la atención del público para una escucha más atenta al contenido
sonoro que a la gestualidad del cuerpo, que se esconde atrás de la guitarra, de los
micrófonos y de la estante musical. Niurka en ese instante interpretaba las canciones
que posteriormente agrupó en el álbum independiente Reflejos (no oficial), grabado
todo con voz y guitarra, con temáticas enunciadas desde un yo lírico que mezclaba
erotismo y romanticismo con aires de protesta.
Gradualmente su personaje trovadora cubana haría una movida lateral en su
personaje musical (Auslander, 2006), movimiento que se da cuando un performer
alterna entre dos posiciones identitarias dentro de un mismo marco de referencia, como
es el caso de la trova y de la canción de autor. Así, la trovadora se vuelve
progresivamente una cantautora pop, iterando un modelo que conocemos a través de la
colombiana Shakira (en su personaje de finales de 1990), de la canaria Rosana Arbelo y
de la española Sole Giménez80. Al firmar contratos con la editora Peer Music y con la
disquera Warner Music, Niurka empieza su producción discográfica y graba dos
álbumes oficiales en principios del siglo XXI: Quiero vivir (Warner Music, 2000),
producido por Luis Fernando Ochoa (productor y guitarrista de los primeros discos de
Shakira), el ya mencionado Todo podría cambiar (Warner Music, 2001) producido por
Ignacio “Nacho” Mañó (productor y músico de Presuntos Implicados) y Mala Manía
(2003), álbum que fue grabado pero no llegó a ser lanzado, bajo la producción de
Ramón Arias y Hal S. Batt (productor de Julio Iglesias, entre otros).
El contacto con la estética pop influye tanto en su música grabada como en su
fachada personal. El cambio hace que el periodista Rafael Molina, en una materia para
la revista Pulse!Latino en junio de 2000, le da la etiqueta de “Tracy Chapman cubana”,
expresión que ha adaptado para “Tracy Chapman latina” en sus campañas
promocionales81. Su personaje musical empieza a volverse menos una cita del personaje
80
Niurka, a través del contacto de la disquera Warner, ha compartido escenario con Sole Giménez y el
grupo pop español Presuntos Implicados -en el Auditorio Nacional de la Ciudad de México en el año
2000. La actuación puede ser vista en el canal de la artista en Youtube
(www.youtube.com/user/niurkacurbelo).
81
Disponible en <youtu.be/8HHxSsbNo_I?t=28s>. Acceso en 01/10/2016.
117
trovador forjado en La Habana y más la cita de un cantautor (singer-songwritter) dentro
de un marco cosmopolita “latino”, aunque, tanto a través de un cambio de estilo en las
canciones, arreglos y temáticas (con predominancia de baladas románticas), como en la
fachada del personaje, que lleva pelo corto y pintado de rubio, trae tatuajes en los brazos
y un atuendo marcadamente “urbano”.
Figura 2: Carátula del álbum “Todo podría cambiar” (WEA, 2001), producido por Ignacio Mañó.
82
Disponible en <www.youtube.com/watch?v=D-QTLkH_DDQ >. Acceso en 1/10/2016.
118
producido por el cantautor baladista Edgar Oceransky, con quien realizó giras por
algunas ciudades de México. Fue entre 2011 y 2014 que realicé mi trabajo de campo
con Niurka que, afincada en la capital mexicana, se reinsertó durante este periodo en el
circuito mexicano de trova urbana y canción de autor, ahora definiéndose como popera
y enmarcada en la trova-pop, una de las etiquetas que los propios fans de ese mundo
musical utilizan para identificar los músicos que se distancian del personaje
trovadoresco más cronista (como el mexicano Fernando Delgadillo, por ejemplo).
Niurka e Ivette resumirían, en una entrevista a un programa de radio en línea en 2014,
con bastante precisión, los elementos más importantes de las performances de sus
personajes musicales, bien como sus estrategias de diferenciación e identidad:
119
quienes comandaban aquél espacio y los personajes generalmente destinados a los
hombres. La afirmación e inversión de códigos coreográficos supuestamente
naturalizados también me pareció un punto saliente de las actividades del concierto.
Si el lector aún me sigue hasta acá, considere que llego al concierto intentando
enmarcarlo del punto de vista académico (“observación participante”), pero es
imposible escapar de los marcos predefinidos, aún más actuando una identidad
masculina (perceptible por como uso mi fachada personal), y por más que uno no se
identifique con los marcos que estaban siendo delimitados por las cantautoras y
públicos, estos inmediatamente son aplicados por los participantes del evento. Y aunque
intentara esconderme detrás de mi cámara de video y de la grabadora, Niurka controlaba
a todos los participantes en su mira, y llamaba la atención de los que no estaban
participando activamente.
Figura 3: Secuencia de actividades en el palco escénico (a partir de la izquierda): Niurka e Ivette; Niurka
solo; Niurka y un poeta; cantautor invitado; Niurka, Ivette, cantautores invitados y público masculino.
120
cantando coros y compartiendo el espacio escénico propio de los músicos, en un ritual
que mezclaba performance participativa con presentacional. No solo el evento fue en
parte distinto de los rituales performáticos con los que empezaba a acostumbrarme, sino
también porque desdibujaban por un lado y reforzaban por otro ciertos marcos
identitarios del mundo de la trova, incluidos marcos propiamente musicales, marcos de
identidades de género/sexo, marcos de pertenencia regional/nacional/cosmopolita y
étnica, lo que solo pude comprender después de mucho tiempo, después de un largo
camino de reflexión.
Referencias
AUSLANDER, Philip. "Musical personae". En: The Drama Review, n.50, 2006, pp.
100–119,
121
CURBELO B., Niurka; GUADARRAMA, Ivette. Aquí Entre Nos. Radio en línea.
Entrevista concedida a Mariana González y Teresita de los Ángeles. Disponible en
<www.spreaker.com/user/voicealive/aqui-entre-nos-capitulo-03>. Acceso en
15/07/2014.
DERRIDA, Jacques. "Firma, Acontecimiento, Contexto". En: Márgenes de la
filosofía, Madrid, Cátedra, 1971, pp. 347-372.
GOFFMAN, Erwing, 1971. La presentación de la persona en la vida cotidiana.
Amorrortu: Buenos Aires, 1971.
SALOMÓN, Sabrina. "La traducción como performance: lenguajes, creatividad y
construcción". En: RECIAL, n.5-6, 2014. Disponible en
TURINO, Thomas. Music as social life: the politics of participation. University of
Chicago Press: Chicago, 2008.
Discografía
CURBELO B., Niurka. Quiero Vivir (CD audio). Warner Music México: México D.F.,
2000.
CURBELO B., Niurka. Todo podría cambiar (CD audio). México D.F.: Warner Music
México: México D.F., 2001.
CURBELO B., Niurka; GUADARRAMA, Ivette. Santamorena: Abre la puerta.
Independiente: México D.F., 2001
122
Sobre vikings, donzelas, bardos e gaiteiros: alguns apontamentos sobre as relações
entre festivais "medievais" e música "celta" no Brasil83
Resumo
Este artigo tem o objetivo geral de, através da observação etnográfica, averiguar as relações entre a
globalização da música tradicional irlandesa, sua consequente transformação em música "celta" como
commodity na economia cultural global e a entrada da mesma no contexto brasileiro, focando em sua
presença nos eventos comumente classificados como festivais "medievais". Baseado em trabalho de
campo realizado no RS, RJ e PR, e em netnografia através de rede social, busco explorar de que forma
esses eventos que encenam uma concepção eclética de medievalismo e misticismo pagão constituem um
contexto de atuação frequente para músicos brasileiros especializados em música "celta".
83
Este texto trata-se de recorte temático específico a partir da pesquisa monográfica em andamento para
obtenção do grau de Bacharel em Música Popular da UFRGS e com previsão de conclusão em dezembro
de 2016.
84
Aluno do Programa de Pós-Graduação em Música da UFRGS - Mestrando; área:
Etnomusicologia/Musicologia.
85
A partir de agora abandonarei as aspas, que buscavam evidenciar a dimensão construída do termo.
123
música tradicional irlandesa ("Irish Fellas") que tem desenvolvido atividade
profissional regularmente desde então. Esse envolvimento possibilitou o encontro
(virtual e real) com um cenário nacional de aficionados e despertou curiosidade para
estudar o fenômeno, igualmente um fruto de minha formação prévia como historiador e
do ethos desconstrucionista de tal métier.
124
etnomusicólogo Scott Reiss, sugerindo uma relação quase contraditória existente entre a
música celta e a música tradicional irlandesa, argumenta que a música celta
125
real, algo que pode ser caracterizado como o "fenômeno de pessoas que se consideram
Celtas em espírito" (BOWMAN apud MCCOY, 2014, p. 183-184), independentemente
de procedência. Adensando a trama, o etnomusicólogo irlandês John O'Flynn chama
atenção para a necessidade de perceber os diversos usos do vocábulo celta junto à
distintas manifestações musicais, derivadas em maior ou menor grau da globalização e
hibridização da música tradicional irlandesa (e/ou da música galega, bretã, etc.) com
músicas populares ocidentais como o rock e o pop, e de simultaneamente avançar a
discussão para incluir a disseminação global desse movimento neo-céltico no espaço
real, virtual e imaginário (2014, p. 239):
126
FMPOA), o "III Encontro Folk & Metal - PR" (em Curitiba, doravante EFM), o
"Festival Epic!" (em Charqueadas - RS, doravante FE) onde por três anos participei
como músico contratado. Os músicos colaboradores, todos com experiência de
participação e/ou organização em tais festas, são Tales Melati (Bando Celta/POA), Luis
Felipe de la Cerda Fitzpatrick (Gaiteiros de Lume/Curitiba) e Alex Navar (Navar &
Friends/Rio de Janeiro). Passo agora a apontar semelhanças estruturais entre os eventos,
que possibilitam evidenciar uma estrutura comum à tais festas medievais.
127
de uma festa temática celta com o intuito de 'reviver antigos costumes e as famosas
feiras de Lughnasah na Irlanda', e é o evento mais imersivo que temos hoje na cena"86.
86
Disponível em: http://www.cenamedieval.com.br/2016/07/resenha-da-oenach-na-tailtiu-2016.html
(Acesso: 12/10/2016)
128
sua primeira edição um "concurso de bardos", onde os participantes podem medir seu
desempenho musical e/ou poético entre si, atividade que ocasionou o surgimento do
conjunto MoonGuard em 2015, convertido em atração oficial do evento na edição de
2016. Outro exemplo aconteceu ao chegar no EFM com Luis Fitzpatrick, quando ele foi
imediatamente convidado a tocar suas gaitas de foles por um dos organizadores, que
alegou que faltava música para alegrar a atmosfera do evento.
Conclusão
129
performatizada, negociada e vivida, e constituem um fenômeno em proliferação onde
diversos grupos de interesse mútuo e segmentos profissionais (artesãos, produtores de
bebidas, grupos de dança, conjuntos musicais) participam ativamente.
Referências
KNEAFSEY, Moya. Tourism images and the construction of celticity in Ireland and
Brittany. In: David C. Harvey, Rhys Jones, Neil McInroy and Christine Milligan (eds),
Celtic Geographies: Old Cultures, New Times. Londres (RU), Routledge, 2002, (p. 123-
137)
MCCOY, Narelle. The rise of the Celtic-cyber diaspora: the influence of the "new age"
on internet pagan communities and the dissemination of "Celtic" music. In: WESTON,
Donna; BENNETT, Andy (eds.). Pop pagans: paganism and popular music. Londres
(RU), Routledge, 2014, (p. 176-188).
130
O'FLYNN, John. Kalfou Danjere? Interpreting Irish-Celtic music. In: FITZGERALD,
Mark; O'FLYNN, John (eds.). Music and Identity in Ireland and beyond. Surrey (RU),
Ashgate, 2014, (p. 233-257).
REISS, Scott. Tradition and imaginary: irish traditional music and the celtic
phenomenon. IN: STOKES, Martin; BOHLMAN, Philip (orgs.). Celtic modern: music
at the global fringe. Maryland (EUA), The Scarecrow Press, 2003, (p. 145-166)
SLOBIN, Mark. Folk music: a very short introduction. Nova Iorque, Oxford University
Press, 2011.
SYMON, Peter. From Blas to Bothy culture: the musical re-making of Celtic culture in
a Hebridean festival. In: David C. Harvey, Rhys Jones, Neil McInroy and Christine
Milligan (eds), Celtic Geographies: Old Cultures, New Times. Londres (RU),
Routledge, 2002, (p. 192-206).
131
Etnomusicologia aplicada e pesquisa-ação: Tocando para o Acervo Plauto Cruz,
Regional Plauto Cruz e Ação Musical87
Paulo F. Parada88
Resumo:
Esse texto apresenta um relato de experiência sobre o momento após publicação de um artigo
etnomusicológico, levantando a pergunta: que fazer para estabelecer perspectivas e relações entre uma
abordagem prática e teórico-metodológica da etnomusicologia aplicada e pesquisa-ação? Após a
publicação do artigo O Universo Sonoro de Plauto Cruz, considerando minha prática musical e papel de
educador em um projeto social conhecido como Ação Musical, acredito que essa interação entre contextos
diferentes resultou em relações pedagógicas. Tenho como objetivo geral apresentar possibilidades de
ações e levantar perguntas sobre a experiência vivida após a publicação da pesquisa: é possível aproximar
um projeto social e os saberes proporcionados por uma pesquisa etnomusicológica, no contexto da música
urbana de Porto Alegre? Considerando que sim, divulgo alguns resultados dessa experiência com um
olhar crítico, atento para o papel político na atuação do pesquisador/educador/músico em ações sociais.
Introdução
87
Este texto trata-se de reflexões posteriores à conclusão da pesquisa que deu luz ao artigo científico
financiado pela Secretaria da Cultura da Prefeitura de Porto Alegre, através do edital FUMPROARTE
Décio Freitas e publicado como PARADA, Paulo; BRAGA, Reginaldo Gil. O universo sonoro de Plauto
Cruz: obra e trajetória artística em diálogo com a cidade de Porto Alegre. Revista Vortex, Curitiba, v.4,
n.1, 2016, 1-20.
88
Paulo F. Parada gravou seu primeiro disco de canções brasileiras em 2007, Minhas Águas com Plauto
Cruz. Em 2010 ingressa na graduação em música da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(bacharelado em composição) e em 2014 inicia seu trabalho de pesquisador investigando a obra e a
trajetória artística de Plauto Cruz com orientação de Reginaldo Gil Braga. Atualmente, é mestrando em
etnomusicologia pela UFRGS e realiza pesquisa sobre memória e esquecimento social em Porto Alegre,
uma etnografia sobre a “velha guarda” musical da cidade.
89
Nascido na cidade de São Jerônimo, Rio Grande do Sul em 1929, Plauto Cruz é um flautista e
compositor que atuou, principalmente, na segunda metade do século XX em Porto Alegre, gravando
diversos fonogramas e esteve presente em múltiplos meios artísticos. Compôs aproximadamente 81
músicas, muitas delas em manuscritos recuperadas através de nossa pesquisa em colaboração com sua
família. Atualmente, possui idade avançada e, devido às doenças de sua condição, está resguardado em
sua residência sob os cuidados de seus filhos.
132
Quando ocorreu a publicação da pesquisa de Plauto Cruz e, considerando que
escrevi um relato de experiência sobre etnomusicologia e processos educativos no
projeto Ação Musical90 (PARADA, 2014), me fiz as seguintes perguntas, uma vez que
no momento atual desenvolvo minha pesquisa de mestrado e pretendo etnografar outros
sujeitos que são músicos na cidade de Porto Alegre e, assim como Plauto Cruz, também
possuem idade avançada: que fazer com as experiências e relatos que ainda não
publiquei? Essas pesquisas já estavam encerradas? Acreditando que as pesquisas não
estavam encerradas, pois eu também não quero esgotar minhas relações e estudos com
esses sujeitos, como poderia relacionar essa rede de campos e mundos musicais
(FINNEGAN, 2002) tão diferentes e, ao mesmo tempo, próximos?
Através desta comunicação, reflito sobre meu papel como pesquisador, educador
e músico: tomando como pressuposto nossa disciplina/campo de estudos
(etnomusicologia), que contribuições um etnomusicólogo pode proporcionar aos
sujeitos da pesquisa por meio de ações sociais? Enquanto etnomusicólogo, como posso
relacionar essas ações sociais com minha prática de pesquisador? O que Plauto Cruz
tem a ver com minha prática musical e com o projeto social em que sou educador?
Procurando costurar essa rede complexa com que se relacionam práticas e pessoas,
tenho como objetivo geral apresentar algumas perspectivas que apontam caminhos e
possibilidades para as práticas da etnomusicologia aplicada e pesquisa-ação,
compreensões que poderão permear as relações pedagógicas entre essas pesquisas e
projetos/ações sociais, servindo como contribuição prática e teórico-metodológica para
futuras pesquisas que queiram tratar do assunto.
90
O projeto social Ação Musical começou em Porto Alegre no mês de agosto de 2014. Desde então, já
ministramos aulas para mais de 1500 alunos de diversas idades (crianças, adolescentes, adultos e idosos)
em espaços diversos: escolas públicas, praças, centros culturais, bares, etc. O projeto começou no espaço
cultural chamado Comitê Latino Americano e, até o presente momento, as aulas continuam nesse espaço
da zona central de Porto Alegre nas tardes de sábado.
133
as músicas catalogadas pela sociedade arrecadadora de direitos do flautista 91, depois de
nossa pesquisa, são 81 peças. Também fiquei curioso para ouvir a sonoridade de suas
músicas que estavam inéditas e que achamos em seus manuscritos cedidos pelos
familiares de Plauto: fui motivado para iniciar uma espécie de difusão de sua obra e
divulgação dos resultados da pesquisa.
Para isso, encontrei alguns desafios: os manuscritos de Plauto recuperados
através da pesquisa, em sua maioria, não tinham a harmonia escrita. Então, fui
procurar um grupo de músicos familiarizados com a linguagem do choro para que
pudéssemos tocar as músicas de Plauto. Foi um desafio, pois apesar dos artistas locais
considerarem Plauto um importante nome para a música local e para a flauta no choro
brasileiro, encaravam o convite como um trabalho profissional importante e desafiador
e que, por isso, deveria ser muito bem pago. De certa forma, acredito que esses
músicos tinham razão, porque o fazer musical se trata de seus trabalhos e é uma forma
de ganhar a vida e, em alguns casos, de sobreviver. Mas, também me encontrava em
um papel difícil: ao final da pesquisa apoiada pelo FUMPROARTE92, ganhei
incentivo para fazer a pesquisa e não para difundi-la através de performances musicais
ou publicações impressas. Assim, temia que esses resultados da pesquisa e as próprias
músicas inéditas de Plauto que foram recuperadas ficassem no anonimato. Então,
percebi a necessidade de recorrer às propostas colaborativas: os músicos que se
engajassem no projeto teriam que correr certo risco de não conseguir grande retorno
financeiro, pois não havia orçamento previsto. Assim, convidei os amigos e
companheiros de profissão Elias Barboza (bandolinista) e Thaís Nascimento
(violonista). Juntos, montamos um grupo com formação típica de um regional de
choro: Camila Kramer na flauta, Thayan “Vento Rítmico” no pandeiro, Ju Rosenthal
no cavaco, enquanto Elias harmonizava as músicas de Plauto e Thaís e eu tocávamos
os acompanhamentos no violão 6 cordas. Elias Barboza harmonizou as músicas de
Plauto e o professor Luiz Machado93 fez os “arranjos” para os dois violões nas
composições inéditas de Plauto.
O trabalho colaborativo consistiu em fazermos um show que tinha o título de
Tocando para o Acervo Plauto Cruz e que teve como principais propostas: 1) Iniciar a
91
Trata-se da SBACEM, Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música, fundada
em abril de 1946.
92
Fundo de Apoio Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural,
93
Luiz Machado é professor e músico que forma instrumentistas profissionais e amadores em Porto
Alegre, referenciado por ter ensinado jovens músicos virtuoses. Trabalha com choro desde 1981, nasceu
em Rio Grande e vive em Porto Alegre desde 1975.
134
arrecadação de fundos para começarmos a montagem de um acervo com as músicas e
documentos que recompunham a trajetória de Plauto. O objetivo não era somente
arrecadar verba, mas sim dialogar com o público e músicos interessados: como
poderíamos fazer esse acervo? Ele seria online no ciberespaço? Seria físico em algum
ponto cultural, bar, espaço público ou privado? Se sim, onde? Quem pagaria pela
manutenção do acervo? Uma série de shows poderia pagar os custos da manutenção?
Foram perguntas que, como veremos, não foram respondidas de forma satisfatória e,
tampouco, resolvidas (até o presente momento, o estabelecimento do acervo não foi
realizado). Não obstante, levantamos outras perspectivas que motivaram meios
alternativos de difusão da obra de Plauto. 2) Divulgar para a comunidade de Porto
Alegre as composições recuperadas de Plauto, bem como o artigo que escrevi em
coautoria com Reginaldo Gil Braga, no qual a obra de Plauto é discutida e, com ela,
parte da memória e histórias de outros sujeitos que fazem parte da vida musical de
Porto Alegre. 3) Iniciar a difusão das músicas inéditas de Plauto e da releitura de suas
obras, motivando que outros músicos também fizessem o mesmo. Por consequência,
essa ação poderia provocar uma melhor arrecadação dos direitos das músicas de
Plauto, tendo como beneficiários principalmente ele e seus familiares. Os músicos
ganhariam seus cachês de forma coerente com a venda de ingressos no local do show.
O show ocorreu numa terça-feira, dia 17 de novembro de 2015, no Centro
Cultural Lupicínio Rodrigues, Sala Álvaro Moreyra, Avenida Érico Veríssimo em Porto
Alegre às 20h. O show não teve lotação máxima de lugares como esperávamos e,
portanto, não tivemos o retorno financeiro que acreditamos que teríamos, somente
conseguimos pagar nossas despesas mínimas. No entanto, através desse fazer musical,
motivamos uma reaproximação de parte da comunidade musical de Porto Alegre com a
obra de Plauto Cruz: tocamos as músicas até então inéditas intituladas Choro prô João,
Para Sabrina, Minha São Jerônimo, Para João Vitor, São Lucas, Tema prô Altamiro,
Prô Nilton e as já gravadas ou tocadas pelo flautista para seu público: Engenho e Arte,
Nora, Choro Clássico e Força Atraente94. As músicas inéditas que tocamos foram
94
Algumas músicas foram gravadas durante um ensaio do grupo, dentre elas Choro prô João, Para João
Vitor, Para Sabrina e Tema prô Altamiro. Alguns erros de execução e gravação podem ser percebidos
durante a audição, porém temos como objetivo apresentar um pouco da sonoridade construída a partir dos
ensaios (momento em que estávamos processando e conhecendo as músicas). Para ilustrar as músicas do
ensaio, inseri as fotos feitas por Alexandre Alves do show que fizemos: é uma amostra do caráter
colaborativo de nossa parceria, uma vez que Alexandre é pai de um aluno do projeto Ação Musical e,
posteriormente, assumiu a coordenação do projeto na Vila Santa Isabel
em Viamão. O link para a playlist desse ensaio no youtube, pode ser assistido através de
135
arranjadas por Luiz Machado: aí podemos verificar outras perspectivas inesperadas na
pesquisa. Luiz Machado, por sua vez, tem diversos alunos e ministrou a Oficina de
Samba e Choro do Santander Cultural, atualmente coordenada pelo violonista Mathias
Pinto. Assim, algumas das músicas que foram arranjadas por Luiz Machado, hoje fazem
parte do repertório da Oficina de Samba e Choro do Santander Cultural e do repertório
da rede de alguns músicos da velha e da nova geração do choro em Porto Alegre.
Acredito que a difusão dessas músicas, que eu acreditava que se daria, principalmente,
por meios da performance e da divulgação da pesquisa no meio acadêmico e no cenário
musical porto-alegrense, aconteceu – pelo menos como posso verificar até o presente
momento – de forma mais intensa e eficaz por meio das relações pedagógicas, como
veremos no próximo tópico.
https://www.youtube.com/watch?v=kMrtrNhlx20&index=1&list=PLqlTHD12ZydrzC0y04XhsWra7QPh68
HBl, acessado em 10-09-2016 às 09h07.
95
Diferente do show que fiz com o outro grupo (Tocando para o Acervo Plauto Cruz), nessas
apresentações em espaços de Porto Alegre, tocamos uma valsa inédita de Plauto, uma de suas primeiras
composições: Eva. O link para um trecho dessa música na apresentação do Teatro Renascença, pode ser
assistido através do link: https://www.youtube.com/watch?v=egxmAJ30Th0, acessado em 10-09-2016 às
08h20.
96
Aqui está o registro do programa de televisão Estação Cultura (em 08-06-2016) da emissora TVE, onde
o grupo foi convidado para divulgar uma apresentação e as músicas de Plauto. Esse programa pode ser
assistido na íntegra através do link https://www.youtube.com/watch?v=iuRg4sIZcTk, acessado em 09-09-
2016 às 16h10.
136
ao conhecer Fernanda Rosmaniño97, que cantou uma canção de Plauto Cruz chamada
Força Atraente98, no Teatro Renascença, acompanhada por esse grupo que citei.
Fiquei instigado por orientar Fernanda, pois percebi seu desejo de construir uma
carreira como cantora e educadora musical em Porto Alegre. Acreditando no potencial
de Fernanda para desenvolver seus saberes (e quereres) musicais, tive a ideia de orientá-
la em algumas aulas para que ela pudesse ter uma preparação para a prova específica em
música na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Em permuta faríamos alguns
trabalhos colaborativos juntos, ela seria uma das educadoras do projeto social Ação
Musical, pois estava desenvolvendo sua formação musical já há alguns anos em outros
cursos de formação, como a Oficina de Samba e Choro do Santander Cultural e Oficina
de Teoria e Percepção da UFRGS. Assim, convidei-a para cantar uma canção de Plauto
Cruz em uma apresentação no Teatro Renascença e, relacionando sua performance às
possíveis relações pedagógicas que viriam a ser desenvolvidas, entramos em acordo
(Fernanda e eu) para que ela ministrasse aulas no Ação Musical, ensinando também para
os alunos a música de Plauto Cruz (Força Atraente), cantada por ela.
Através dessa experiência, podemos refletir sobre algumas perspectivas da
pesquisa-ação e etnomusicologia aplicada. Sobre pesquisa-ação, Michel Thiollent
afirma que (ARAÚJO; CAMBRIA; PAZ, 2008, p. 192):
97
Fernanda Rodrigues da Costa, nasceu em Porto Alegre em 19 de setembro de 1995, atualmente tem 21
anos.
98
O link para a apresentação de Força Atraente (autoria de Plauto Cruz), por Fernanda Rosmaniño, pode
ser assistido através do link https://www.youtube.com/watch?v=jJoxIIfewD4, acessado em 10-09-2016.
137
Samba e Choro do Santander Cultural (Luiz Machado, Mathias Pinto e seus alunos), a
comunidade porto-alegrense composta por ouvintes locais e agentes dos meios de
comunicação de massa (por exemplo, a apresentação que fizemos no programa de
televisão da TVE em 08 de junho de 2016, dentre outros).
E qual meu papel, enquanto etnomusicólogo, procurando aplicar esses saberes,
como pesquisador/educador, em um projeto social? Ao etnografar os participantes do
projeto Ação Musical, perguntei sobre a música de Plauto Cruz e a importância de
conhecerem esse saber e universo sonoro. Para relatar melhor essa experiência,
transcrevo um depoimento de Fernanda Rosmaniño sobre ensinar e aprender a música
do Plauto no contexto de projeto social:
Foi diferente do que eu tava acostumada... porque eu acho que pra eles
também foi diferente, porque eles estavam acostumados com músicas bem
mais populares. Enfim... estavam fazendo Que país é este? Do Legião
Urbana, Asa Branca do Luiz Gonzaga, são músicas mais populares, né?
Então acho que foi desafiador também pra eles: em aprender uma música que
eles não conheciam... (comunicação pessoal feita em 08-09-2016, no Instituto
de Artes da UFRGS)
138
Aula do projeto Ação Musical em 2016, créditos da foto: Alexandre Alves
139
Força Atraente do flautista, dentre outras canções de diversos compositores, em um
sarau aberto99.
Considerações finais
99
Trecho da apresentação de Força Atraente de Plauto Cruz no sarau do projeto social de educação
popular Ação Musical, em julho de 2016. Audiovisual através do link:
https://www.youtube.com/watch?v=_Tlt9zRdYtU&feature=youtu.be em 11-09-2016 às 20h02.
140
autopreservação física devido à idade avançada e saúde frágil – de suas atividades
profissionais e de seu público.
Referências
Audiovisuais
Ensaio para o show Tocando para o Acervo Plauto Cruz, músicas Choro prô João, Para
João Vitor, Para Sabrina e Tema prô Altamiro. CRUZ, Plauto. Porto Alegre, 2015.
Composições de Plauto Cruz.
https://www.youtube.com/watch?v=kMrtrNhlx20&index=1&list=PLqlTHD12ZydrzC0y04XhsWr
a7QPh68HBl, acessado em 10-09-2016 às 09h07.
Eva. CRUZ, Plauto. Porto Alegre: 2016. Composição de Plauto Cruz, trecho de
apresentação no Teatro Renascença. Acessado através do site:
https://www.youtube.com/watch?v=egxmAJ30Th0 em 06-09-2016 às 08h05.
141
Força Atraente. CRUZ, Plauto. Porto Alegre: 2016. Composição de Plauto Cruz,
trecho de apresentação no Teatro Renascença. Acessado através do site:
https://www.youtube.com/watch?v=jJoxIIfewD4 em 06-09-2016 às 08h15.
Força Atraente. CRUZ, Plauto. Porto Alegre: 2016. Composição de Plauto Cruz, trecho
de apresentação do projeto social de educação popular Ação Musical. Acessado através
do site: https://www.youtube.com/watch?v=_Tlt9zRdYtU&feature=youtu.be em 11-09-2016
às 19h59.
Regional Plauto Cruz. CRUZ, Plauto. Porto Alegre: 2016. Composições de Plauto Cruz,
programa estação cultura da TVE, Rio Grande do Sul.
https://www.youtube.com/watch?v=iuRg4sIZcTk, acessado em 09-09-2016 às 16h10.
Entrevistas
Alexandre Alves, Maicon Paquetá e Miguel Alves, em 3 de setembro de 2016, no
projeto Ação Musical na quadra da escola de samba da Vila (Santa) Isabel, em Viamão,
município vizinho de Porto Alegre.
Fernanda Rosmaniño, em 8 de setembro de 2016, no Instituto de Artes da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
142