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passado de 2% para 29% o que, por si só, já indica um giro no padrão de intervenção do BM.
4 Por exemplo, a “reforma” do Estado brasileiro, posta em prática com consultoria e financiamento do
BM, se torna uma imposição pois sua realização passa a ser condição para a negociação com o FMI e
com outras instituições credoras multilaterais ou privadas, embora estas instituições neguem este
cruzamento de condicionalidades (SOARES, op. cit., p. 21).
organizados e da família no processo de gestão das políticas
educacionais e da escola.
Nova Delhi vai mais longe: agrega à ideias da gestão compartilhada por todos, a
emersão da ideias de bem comum, expressa no apelo a que a aliança sugerida
“transcenda as opiniões e posições políticas”. Explicita, portanto, a natureza corporativa
da gestão democrática e da participação, onde desaparecem os interesses exclusivos de
cada classe e, por essa via, se pode deduzir, numa situação limite, a própria dissolução
das organizações construídas na luta de classe, no interesse da aplicação em comum das
diretrizes das agências multilaterais e dos governos.
No crepúsculo do milênio, em abril do ano 2000, ao cabo de várias conferências
temáticas havidas ao longos da década que terminava, e antecedida de uma Conferência
Regional de Educação para Todos nas Américas, celebrada em fevereiro do mesmo ano,
em Santo Domingo, República Dominicana, se reuniu em Dakar o Fórum Mundial de
Educação, mais uma vez no marco da governança mundial estabelecido pelas
organizações da ONU e pelas agências financiadoras multilaterais.
Depois de constatar um certo progresso na universalização da educação
fundamental no mundo, o Fórum diagnostica que os compromisso centrais assumidos
desde Jomtien não foram cumpridos nos patamares então estabelecidos. A estratégia,
todavia, não muda, trata-se de dissolver as fronteiras entre Estado e sociedade civil,
entendida no sentido que lhe dá a Terceira Via, como vimos anteriormente, de forma a
deslocar a responsabilização – e o financiamento - para um terreno público não-estatal.
Ao fixar objetivos para cumprir aqueles que malograram ao longo da década de
1990, o documento reintroduz a ladainha do deslocamento da gestão para a ponta do
serviço, da diversificação no financiamento, do controle social dos serviços, entendidos
como gestão não-estatal, isto é, participativa da educação pública. Afirma a Declaração
de Dakar no item “Cumprindo nossos Compromissos Coletivos”, ponto 8, alínea III
(UNESCO/CONSED, 2001, p. 9):
III. Assegurar o engajamento e a participação da sociedade civil na
formulação, implementação e monitoramento de estratégias para o
desenvolvimento da educação;
Esta queda nos gastos educativos nos países latino-americanos, brusca para um
período pequeno na escala histórica, cerca de 30 anos, espelhava uma curva descendente
nos gastos oficiais com educação em todo o mundo. Este decréscimo começa nos anos
de 1960, ainda dentro dos Trinta Gloriosos, e segue se aprofundando pelas três décadas
seguintes, atingindo os patamares mais baixos no momento em que se impõe as
“reformas” educativas da década de 1990, cujo paradigma segue dominando as políticas
educacionais deste início de século (BEZERRA, 2009, p. 230-231). De fato, a marca da
“reformas” do aparelho de Estado, incluindo a educacional, será um permanente arrocho
fiscal que prosseguiu para além do Governo Cardoso, no Governo Lula da Silva, a partir
de 2003, conforme podemos ver a seguir.
Com efeito, em 1965, os gastos mundiais com educação estiveram em torno de
345 bilhões de dólares, ou 4,9% do PNB mundial. Esse percentual sofre uma
desaceleração, mas evolui modestamente, numa alta de cerca de 1% em 10 anos, até
1975, quando atingiu 5,9% do PNB mundial. Desde então, coincidindo com a crise
internacional que marcou o fim do período conhecido como os Trinta Gloriosos, a
participação dos gastos educacionais no PNB mundial tem diminuído sistematicamente,
até chegar a 5% em 1990, conforme dados de Castro (Apud RAMOS, 2003, p. 206).
Quer dizer, a participação dos gastos educacionais no PNB mundial recuou ao patamar
de 1965, no que pese o crescimento da população mundial, o deslanche da urbanização,
com a explosão demográfica nas cidades, ou seja, apesar de um presumível aumento da
demanda por educação.
No Brasil, a decadência dos gastos mundiais com educação, que atinge o
patamar mais baixo, em 30 anos, na década de 1990, teve seu reflexo. Ao longo do
Governo Cardoso, se registrou uma diminuição regular dos gastos com as políticas
sociais e com a educação, em especial.
Detendo-nos apenas nas despesas autorizadas5, visto que as previsões
orçamentárias num país em que o orçamento não é imperativo guardam um traço
5 Os gastos previstos no orçamento efetivamente empenhados pelo Governo.
enganoso, veremos que o montante autorizado, por exemplo, para a saúde decaíram de
R$ 19,9 bilhões para R$ 19,1 bilhões, em 1999. Os gastos autorizados para a educação
chegava a R$ 14 bilhões em 1995, caindo para R$ 12 bilhões em 1996, e se mantendo
nesse patamar em 1997 (NETTO apud RAMOS, op. cit., p. 185). Entre 1995 e 1998,
assiste-se um despencar dos gastos autorizados com educação e cultura da ordem de
19,57%, o que retem os gastos brasileiros nessa área na esfera de 3,7% do PIB, no
período (FOLHA DE S. PAULO, Caderno 1, p. 3 apud ROSAR, 2003, p. 71).
Já durante o governo Lula da Silva, Pochmann (2005) aponta para um recuo no
chamado orçamento social entre 2001 e 2004, ainda que seja necessário ressalvar que
Lula operava em 2003 ainda com o orçamento adotado em 2002, último ano da
Administração Cardoso.
Entre 2001 e 2004, por exemplo, houve uma involução do
orçamento social do Governo Federal, quando considerado seu
valor em termos reais (deflacionado pelo IGP-DI/FGV) e o
comportamento populacional. Para o mesmo período de tempo, o
orçamento social do Governo Federal acumulou uma redução real
por habitante de quase 8,5% (Idem, ibidem).
No marco dessa involução dos gastos sociais, nos dois primeiros anos do
Governo Lula, 2003 e 2004, os investimentos diretos 6 em educação, calculados em
relação ao PIB, se mantiveram em 3,9%, abaixo dos gastos de 2002, que ficaram no
patamar dos 4,1%. Em 2005, depois de 2 anos de mandato de Lula da Silva, a Lei
Orçamentária previa um investimento de R$ 79,92 bilhões, o que elevaria o gasto em
relação ao PIB para 4,32%, mas, a execução orçamentária correspondeu aos mesmos
3,9% de 2002. Entre 2006 e 2008 experimentou-se, em dois anos, um aumento discreto
de cerca de 0,4% dos gastos, em relação ao PIB, indo de 4,3% em 2006 e chegando, em
2008, ao patamar dos 4,7%, o melhor resultado em 6 anos de governo (BRASIL, MEC-
INEP, 2009).
Este indícios apontam para a manutenção de um padrão descendente nos gastos
sociais e educacionais, mesmo depois do período mais ostensivo da “reforma” do
aparelho de Estado, o que indica uma continuidade do viés de redução do Estado aos
seus traços essenciais.
6 Entende-se por investimentos diretos aqueles que excluem despesas que não se dirigem às instituições
de ensino, tais como aposentadorias, bolsas de estudos e financiamento estudantil, amortizações e
encargos da dívida publica..
O ajuste administrativo – a “reforma” do Estado – respondia à situação
sumariada acima, marcada pela “disciplina” orçamentária estrita. Ele deve ser, portanto,
entendido como aspecto de um ajuste fiscal sem precedentes, na América Latina e no
Brasil das décadas de 1990 e 2000, realizado conforme diretrizes internacionais, na
forma de enxugamento do aparelho de Estado, racionalização de meios, ênfase na
eficiência, na equidade, mas também como “transferência de poder” - deslocamento da
responsabilização - para os entes da sociedade civil, numa articulação entre
descentralização, democratização e participação, no âmbito de uma gestão
compartilhada por todos, e de um consenso assentado na aceitação tácita e prévia dos
limites orçamentários e do modelo administrativo estabelecido.
Para dar vida a esse programa, se abre um processo de descentralização nos
países latino-americanos, como resposta ao colapso da política de endividamento que
expressa um movimento de conjunto das agências multilaterais para o continente pois
funciona como um elemento de “coesão do conjunto das políticas educacionais nas
últimas duas décadas”(KRAWCZYK, 2002, p. 59). Assim a descentralização da gestão
educacional, vertebrará o conjunto de medidas “reformistas” aplicadas nos países do
continente neste período. Vejamos alguns exemplos no campo das “reformas”
educativas.
Os processos de descentralização se expandiram pelo continente num passo
desigual, mas concentrados no interregno histórico entre os anos de 1970 e 1990. O
Brasil, onde já havia uma tradição descentralizadora no que diz respeito à oferta,
incrementou essa tendência nos anos de 1970, com o PROMUNICÍPIO, e o encaixou,
como veremos mais tarde, no pacote “reformista” do fim do século, através da
instituição do FUNDEF, em 1996.
Já o México, iniciou a descentralização do ensino público nos anos de 1970, mas
só no início da década de 1980 o Governo central firmou acordos com os 31 estados da
Federação com vistas a desconcentrar a responsabilidade educacional, por meio da
constituição dos Comitês Municipais de Educação. O processo, todavia, só se firmou
quando assumiu o caráter de instrumento de transferência das funções estatais para os
entes menores da Federação e para a sociedade civil, como parte da “reforma” do
aparelho de Estado mexicano, no começo da década de 1990, movimento consagrado na
Ley General de la Educación, que adotou como um de seus fundamentos a transferência
de responsabilidade do vértice para a base municipal do Estado mexicano, criando um
modelo semelhante ao regime de colaboração da Constituição brasileira de 1988. Com
isso, o processo descentralizador engendrou o quadro subsidiarista e corporativista com
a criação dos Conselho de Participação Social, no âmbito municipal. (RODRIGUEZ,
2004, p. 21-27).
Enquanto, na Argentina, a adaptação da política nacional de educação ao Projeto
Principal levou a uma provincialização da escola fundamental, acompanhado de uma
estrutura semelhante à brasileira de integração das organizações de classe na gestão do
sistema por meio do Congresso Nacional Pedagógico, seccionado nos anos de 1990 para
abarcar um maior número de segmentos sociais, no Chile a descentralização foi mais
violenta e abertamente privatista. Neste país, o processo foi encaminhado pela Ditadura
Militar do General Pinochet, na virada da década de 1970 para a de 1980, sob a batuta
dos economistas da “Escola de Chicago”, discípulos de Milton Friedman. Assim, o
processo descentralizador se deu, não só pela transferência da responsabilização para a
esfera municipal, mas pela transferência das escolas públicas diretamente para os
“usuários”, isto é, para a iniciativa privada. Em 10 anos, entre 1980 e 1990, o
atendimento público-estatal em educação caiu de 78% do total de matrículas para 58%.
De outra parte, a municipalização quebrou o estatuto profissional nacional dos docentes
chilenos, fragmentando a carreira num sem número de dependências administrativas e
liquidando o sindicato nacional (Idem, ibidem, p. 26-30).
O Chile em vários sentidos, graças ao regime ditatorial que bloqueava qualquer
reação, prefigurou em vários anos as diretrizes do Banco Mundial.
Para KRAWCZYK (Op. cit., p. 60) se recoloca aqui a relação
globalização/comunitarismo. Para a autora, esta relação se consolida como uma
substituição do que ela chama de Estado social por um Estado fiscalizador. Trata-se,
como se pode notar, de um arranjo onde o comunitarismo é a forma de integração das
comunidades nos pressupostos da globalização, sob monitoramento do “Estado
avaliador”. Eis como, com propriedade, nossa autora sintetiza a questão
(...) o processo de globalização , ao mesmo tempo que invalida a
necessidade de uma base territorial e de estratégias nacionais frente
às regras do mercado internacional, (...) apresenta a gestão local
como a forma mais adequada para veicular os custos e vantagens
de seus serviços públicos e privados, (...) impondo a
descentralização e privatização da gestão pública como condição
sine qua non na conjuntura atual (Idem, ibidem, p. 61)..
Para a autora, este movimento provoca, ademais, uma perda do “sentido
político” da vinculação dos serviços ao Estado nacional em favor de uma ideologia da
eficiência a ser alcançada pelos meios disponíveis localmente, o que, adendamos nós,
sublinha os aspectos de desresponsabilização do Estado.
A autora enxerga dois movimentos de descentralização, um das instâncias
superiores para as instâncias inferiores do aparelho de Estado, outro, do Estado
propriamente dito para a unidade escolar, como nas experiências chilena, argentina e,
desde o fim da década de 1990, brasileira. Em ambas as modalidades, ao lado da ênfase
no controle dos serviços pelos usuários, despontam as diretrizes de racionalização dos
gastos e das “possibilidades de interação, no nível local, dos recursos públicos, dos não-
governamentais e dos privados (...)” (Idem, ibidem, p. 64). Krawczyk percebe uma
mudança de significado entre a idéia de gestão democrática ou colegiada, tal como
surgiu nos movimentos docentes da década de 1980 e a forma como ela reaparece, no
marco da “reforma”, visto que, anteriormente, esta noção não prescindia do papel do
“Estado social”, enquanto na versão emersa na década de 1990, ela expressa uma
“preocupação dos órgãos centrais por redefinir quem deve assumir a responsabilidade
pela educação pública (...)”, inclusive no que diz respeito ao seu financiamento (Idem,
ibidem, p. 65).
Em toda a América Latina, então, como parte de um programa comum, ditado
pelas agências internacionais, o deslocamento da administração para a gestão local se
reveste de um caráter de “liberalização”, que visa a elevar a responsabilização das
comunidades locais pela oferta do serviço e desregulamentar os mecanismos de
funcionamento e financiamento, isto é, trata-se de uma marcha à autonomia das
unidades que corresponde à supressão das ações governamentais. Não é estranho, nessa
lógica, que se introduzam mecanismos de recompensa e premiação para as gestões mais
eficazes em viabilizar a desresponsabilização do Estado que, “de quebra”, ameaçam os
sistemas de remuneração baseados nas lutas e contratos coletivos firmados pelos
sindicatos, introduzindo um sistema de competição entre as unidades escolares e entre
os trabalhadores em educação.