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Serviço Social e Questão Social

Brasília-DF.
Elaboração

Rogério de Moraes Silva


Eglê Santos Fróes

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário
Apresentação................................................................................................................................... 4

Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa...................................................................... 5

Introdução...................................................................................................................................... 7

Unidade i
Surgimento de um Problema Público.............................................................................................. 9

CAPÍTULO 1
Nascimento de políticas públicas...................................................................................... 9

Capítulo 2
Agenda............................................................................................................................... 15

Capítulo 3
O papel do Estado.............................................................................................................. 30

Unidade iI
Formulação e Escolha de Alternativas de Políticas.................................................................. 34

Capítulo 1
Compreensão do problema............................................................................................. 34

Unidade iII
Questão Social: EIXO FUNDANTE DO Serviço Social..................................................................... 67

CAPÍTULO 1
A Questão Social e suas concepções............................................................................. 67

CAPÍTULO 2
Serviço Social: uma especialização da Questão Social?.............................................. 69

Unidade iV
Questão Social: cenário contemporâneo................................................................................. 74

CAPÍTULO 1
Novos significados e expressões da Questão Social na cena conjuntural............. 74

Unidade V
Questão Social E OS DESAFIOS COLOCADOS À PROFISSÃO DE Serviço Social.............................. 77

CAPÍTULO 1
Os novos e constantes desafios da Questão Social..................................................... 77

Para (não) finalizar....................................................................................................................... 83

Referências .................................................................................................................................... 85
Apresentação
Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem
necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela
atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade
de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos
a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma
competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para
vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar
sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a
como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

4
organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de
forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões
para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao
final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e
pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos
e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Praticando

Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer


o processo de aprendizagem do aluno.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

5
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Exercício de fixação

Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).

Avaliação Final

Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso,


que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única
atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber
se pode ou não receber a certificação.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
O Caderno de Estudo “Serviço Social e Questão Social” apresenta os seguintes temas relevantes:
o surgimento de um problema, o nascimento de políticas públicas, a formulação e a escolha de
alternativas de políticas públicas, e a questão social como eixo fundante do Serviço Social, o cenário
contemporâneo e os desafios colocados à profissão de Serviço Social.

Nesse contexto, a exigência dos novos tempos à profissão de Serviço Social é que ela seja de fato
pública, ou seja, que esteja a serviço da maioria da população, agindo com transparência, democracia,
na perspectiva da cidadania e da justiça de fato e de direito.

Objetivos
»» Identificar aspectos do surgimento de um problema.

»» Formular e escolher alternativas de Políticas.

»» Entender a questão social como um eixo fundante do Serviço Social.

»» Entender a questão social no cenário contemporâneo.

»» Entender a questão social e os aspectos e desafios colocados à profissão de Serviço


Social.

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Surgimento de
um Problema Unidade i
Público

CAPÍTULO 1
Nascimento de políticas públicas

O problema é sempre: que batalha queremos ganhar em primeiro lugar... O


conflito político não é um debate acadêmico no qual os contendores põem-se
de acordo previamente na definição dos problemas a discutir. Na realidade,
ao contrário, a definição das alternativas é o instrumento supremo do poder;
raramente os antagonistas podem coincidir em relação a quais são as questões
em jogo, já que na definição já se coloca a questão do poder.

Aquele que determina qual é a principal preocupação da política governa o


país, porque a definição das alternativas é a seleção dos conflitos, e a seleção
dos conflitos atribui poder.

»» Que razões e/ou condições levam uma autoridade pública a atuar ou a


não atuar?

»» De onde surgem as Políticas Públicas?

»» Como se constroem os problemas sociais?

O papel dos Analistas de Políticas Públicas é o de tomá-las como objeto de estudo e de questionamento.

Assim, a própria necessidade de uma determinada política é um fato histórico: o fato de que em
algum momento os agentes envolvidos (entre os quais as autoridades públicas) tenham concluído
por adotar determinada medida é um resultado de um processo social concreto, ocorrido em
determinada circunstância e num tempo histórico bem definido. Não podemos perder isso de vista
ao raciocinar sobre a política que daí resultou.1

Pois bem, como nasce a percepção social de um problema capaz de ensejar a


adoção de uma Política Pública?

Somente a convicção de que um problema social precisa ser dominado política


e administrativamente o transforma em um problema de policy.

Já tornou-se um clássico o termo “coronelismo” para descrever as características específicas desse tipo de clientelismo no
1

Brasil rural (a partir da obra clássica de Leal, 1975), desdobrando-se em várias outras formas decorrentes da urbanização e
industrialização tardia. As referências ao clientelismo no Brasil nesta seção estão baseadas em Nunes (1999, pp. 26-29).

9
UNIDADE I │ SURGIMENTO DE UM PROBLEMA PÚBLICO

A pergunta parece muito simples. A resposta não é bem assim. Ao discutir o assunto, temos alguns
“reflexos condicionados” que prejudicam a compreensão integral do tema.

O primeiro equívoco é o da simples descrição, a apresentação de uma lista mais ou menos desconexa
de informações genéricas: quando e onde ocorrem os acontecimentos, quem realizou tal ou qual
ato público etc. Por exemplo, dizer que “o ministro tal desenvolveu e lançou o programa tal para
atender aos pequenos agricultores na safra deste ano” significa fazer uma breve apresentação do
problema, colocar em grandes linhas o contexto histórico e os principais atores, mas não basta
para explicar a origem da ação pública, o porquê dos acontecimentos. A descrição isolada é um
trabalho admissível para um jornalista, que apenas relata fatos selecionados, mas não para quem
pretenda analisar a Política Pública sob qualquer aspecto.

Outra fragilidade é “o fascínio pela decisão”: o nascimento de uma Política Pública é assumido
como uma função exclusiva da capacidade de decisão de um determinado governante – dele nasce
a identificação de um problema e a definição precisa de suas características e soluções. Assim, a
análise da Política Pública passa a assumir a forma de um estudo do processo decisório: qual a
psicologia de quem decide, que acontecimentos ocorrem no momento em que se fixam as opções,
que raciocínios conduzem às escolhas? Sem dúvida, a decisão é um componente importante de
todo o processo de formulação da política. Ao considerá-la, porém, o único fator determinante, o
risco de erro (na verdade, a certeza do erro) consiste em ocultar os acontecimentos anteriores à
decisão, especialmente as condições em que nasce um problema (até porque a decisão pode ser uma
reação aos acontecimentos), e as percepções e opiniões de cada grupo envolvido no problema. Essa
superconcentração na decisão é uma tendência notável na descrição de uma política pela autoridade
que é responsável por ela – sempre que essa autoridade entenda essa política como bem-sucedida.
Caso os resultados dessa política não sejam percebidos como favoráveis à autoridade, essa tende a
“descobrir” todos os demais fatores que se somaram ao seu próprio processo decisório e levaram a
resultados desfavoráveis. Existe, em cada caso, uma policy network de interessados e intervenientes
em uma política: o “fascínio pela decisão” ignora essa rede de agentes e reduz o jogo de poder a uma
mera decisão interna do agente público.

Por fim, é preciso cuidar do que já se chamou de desvio “macrocontextual mecanicista” ou


“sobredeterminismo” – o analista passa a esforçar-se por explicar em que medida uma Política
Pública é resultante imediata, efeito automático e dependente de causas que provêm de uma outra
ordem de coisas: as exigências do desenvolvimento socioeconômico, ou ideologia dominante,
a economia internacional ou qualquer outro fator muito maior e mais amplo que a política
em questão.

O erro, aí, incide em que uma explicação de envergadura tão ampla perde sua capacidade para
demonstrar o porquê de tal aspecto, e não outro, de uma decisão ou de uma política foi escolhido. É
claro que não se pode perder de vista que existem fatores ou dinâmicas maiores que condicionam,
fortemente, o surgimento e a discussão dos problemas públicos. No entanto essas dinâmicas
interagem com todos os demais fatores: interesses do governo, interesses de grupos sociais,
recursos materiais disponíveis, regras institucionais, natureza concreta, dos problemas a resolver
(por exemplo, o grau de controle possível sobre fenômenos de degradação ambiental; a dinâmica
própria da evolução de uma epidemia como a gripe aviária).

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Surgimento de um Problema Público │ UNIDADE I

Mény & Thoenig apontam o surgimento das políticas de segurança nas rodovias francesas: pode-se
dizer, genericamente, que a adoção sistemática de medidas de prevenção de acidentes resultou do
custo crescente, para a coletividade, dos acidentes de trânsito e suas vítimas. Essa explicação, porém,
não será capaz de dizer por que essas políticas surgiram na década de 1970 (e não antes), ou por que
nelas se privilegiou o controle de velocidade e não a repressão ao alcoolismo no volante (ou seja,
essa análise mais fina não prescinde de uma avaliação das circunstâncias concretas da formação da
política em questão). Outro interessante exemplo da existência de fatores sociais determinantes de
algumas conjunturas setoriais, mas que não podem ser tidos como condicionantes exclusivos das
políticas para esses setores, é oferecido pelo contraste de algumas visões sobre a segurança pública
no Estado do Rio de Janeiro, problema que suscita ainda enormes polêmicas no âmbito nacional:

[...] Em 1982, a vitória de Leonel Brizola significou a suspensão da


famigerada política do “pé-na-porta”, que durante a ditadura caracterizava o
comportamento policial nos bairros pobres e favelas.

O “pé-na-porta” não foi substituído por uma política alternativa, foi


simplesmente suspenso. Houve esforços de modernização e moralização
das corporações policiais, sobretudo na Polícia Militar, graças à liderança
aberta, honesta e inteligente de seu comandante geral, coronel Carlos
Magnos Nazareth Cerqueira. No entanto, o governo do PDT acreditava que
a criminalidade e a violência eram sintomas dos males sociais e econômicos
que afligiam a sociedade brasileira. E o sintoma não merecia atenção. Muito
menos o investimento de recursos públicos. Importante era a educação, para
reverter as estruturas que provocam, direta ou indiretamente, os crimes. O
primeiro governo Brizola foi fiel a suas convicções e se concentrou na execução
do projeto de Darcy Ribeiro, os Centros Integrados de Educação Popular
(CIEPs). Destaque-se a intervenção pioneira da antropóloga Alba Zaluar, que já
criticava, na primeira metade dos anos 1980, esse reducionismo antiquado, que
as esquerdas teimavam em repetir, como se fora um atavismo: atribuir o crime
à pobreza, de forma mecânica e simplista, sem levar em conta as mediações
culturais, entre, outras, ofende os pobres e não explica por que a maioria da
população pobre não comete crimes. O que não quer dizer, evidentemente,
que não haja relação entre a exclusão da cidadania, a falta de perspectivas de
integração social e econômica, por um lado, e o crescimento da criminalidade,
sobretudo entre a juventude, por outro. (SOARES, 2000, pp. 110-111)

Primeiros passos – visões simplificadas do


nascimento de uma política pública
Algumas visões ou modelos simplificados já foram tentadas, em geral vinculadas aos paradigmas
clássicos da ciência política sobre o funcionamento do Estado moderno. Todas são válidas para
a nossa compreensão: iluminam de forma estilizada caminhos possíveis para o surgimento de
políticas. São, por assim dizer, “tipos ideais” weberianos, descrições estilizadas (ou seja, selecionando
ou enfatizando determinados traços ou aspectos da realidade) de processos históricos que de fato

11
UNIDADE I │ SURGIMENTO DE UM PROBLEMA PÚBLICO

ocorrem, porém não se encontram na realidade de forma “pura”. Assim, cada uma dessas visões
simplificadas tem o valor de uma útil sugestão, uma possibilidade a ser formulada e testada.

A primeira é a “ascensão democrática representativa”: nesse cenário, a fonte das demandas é a


base; as necessidades são percebidas e enunciadas diretamente pelo indivíduo (quer como cidadão
comum, quer como integrante de organização de interesse privado. Quando essas necessidades
enunciadas crescem, são objeto de procedimentos (manifestações, eleições), e da atenção e ação de
intermediários políticos qualificados (lideranças partidárias, parlamentares, agentes que contam
com algum grau de legitimidade de representação dos interesses parciais), que pressionam sobre
a autoridade pública para que essas demandas sejam atendidas. Como o conjunto de demandas
é certamente maior que as possibilidades materiais de intervenção, o conjunto de intermediários
engaja-se em negociações que permitam um consenso sobre a divisão da ação pública para o
atendimento parcial de um subconjunto de todas as demandas formuladas.

Numa sofisticação desse modelo, se os intermediários não bastam, a autoridade pública pode recorrer
a meios diretos de sondagem das demandas de cidadãos: pesquisas de mercado, estudos qualitativos
etc. Em qualquer caso “as necessidades sobem, e a autoridade pública está à sua escuta” (MÉNY;
THOENIG, 1992. p. 111 ). Uma apresentação bastante sugestiva desta visão é dada pela Figura 1.

Essa primeira visão é, sem dúvida, relevante, e significativamente próxima à ideia de que se faz
do funcionamento de uma democracia, conseguindo mostrar a grande massa de interações e
pressões entre grupos que movem a política. No entanto, peca por uma ingenuidade fundamental:
pressupõe que o sistema político em geral (tanto de intermediários quanto de autoridades
públicas) não tem projetos ou interesses próprios, aplica-se tão somente em captar demandas,
transmiti-las e respondê-las diretamente. A democracia, assim, seria absolutamente consensual
e transparente. Também não leva em conta, mesmo admitindo-se todos os seus pressupostos, a
possibilidade de deficiências de transmissão da informação – a população sente uma necessidade
A, que a autoridade pública interpreta como um problema de tipo B, ao que dará uma solução que
seria conveniente em uma situação C também distinta de cada uma das anteriores.

Figura 1 – Visão da “ascensão democrática representativa”

HIERARQUIAS POLÍTICAS
“AS NECESSIDADES
CONDICIONAM A OFERTA.”
AUTORIDADES PÚBLICAS

INTERMEDIÁRIOS REPRESENTAÇÃO

POPULAÇÃO CONSENSO

EXPRESSO

TEMPO

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Surgimento de um Problema Público │ UNIDADE I

Em sentido diametralmente oposto, impulsionada pelos movimentos de “reforma do Estado”,


“reinvenção do governo”, “Estado modesto” e modas similares, surge a visão da “tirania da oferta”.
Seriam, sob este ponto de vista, as autoridades públicas que modelariam as necessidades: a oferta
governamental de bens e serviços públicos estrutura e condiciona as necessidades de ação pública
que a população sente. O cidadão, assim, “quer aquilo que lhe é dado”, e “não quer aquilo que lhe é
negado”. Isso pode passar porque os administrados podem ser persuadidos, pelos agentes políticos,
em sua interpretação do que são aspirações legítimas, confundindo as suas aspirações com os
bens e serviços que os dirigentes públicos podem oferecer-lhes. Podem também ser diretamente
manipulados ou enganados pelos governantes (em particular mediante o uso intenso e inescrupuloso
dos meios de comunicação), passando a acreditar irrestritamente nas informações e juízos de valor
que as autoridades transmitam acerca dos problemas públicos (e das questões que não o sejam).
Nessa visão, não existem “intermediários”, sendo os agentes distribuídos entre aqueles com poder
político em função da inserção como autoridades, e aqueles a quem a ação pública se dirige. Em
uma quase inversão, na prática, do diagrama anterior, poderíamos representar graficamente essa
perspectiva (Figura 2):

Figura 2 – Visão da “tirania da oferta”

HIERARQUIAS POLÍTICAS

AUTORIDADES PÚBLICAS

POPULAÇÃO

“A OFERTA CONDICIONA AS
NECESSIDADES.”

TEMPO

Ainda que se choque com a visão mais disseminada do sistema democrático, alguns traços dessa
visão são bastante claros para nós, brasileiros. A história brasileira registra de forma marcante a
formação de uma modalidade de clientelismo, com fortíssimo impacto sobre a estrutura política e
presença ainda muito forte nas relações entre o Estado nacional e a socidedade2. As relações políticas
do tipo clientelista são um tipo de relação social marcada pela vinculação pessoal de lealdades e troca
de favores entre lideranças locais e um conjunto de pessoas subordinadas (“clientes”), em que esses
líderes, tendo acesso a recursos externos de poder mediante uso de verbas públicas e influência sobre
os poderes governamentais, entabulam com os clientes relações de “troca” de favores concedidos
a partir desses recursos de poder (dinheiro, facilidades nos benefícios públicos) por prestações
pessoais dos clientes (dentro das instituições de democracia formal, principalmente através do
direcionamento do voto). Ora, a característica essencial da relação clientelística é a desigualdade:

Naturalmente, o termo “clientes” aqui tem um significado específico, denotando aqueles que se relacionam de forma subordinada
2

a determinada liderança (“patron”) na troca específica do clientelismo.

13
UNIDADE I │ SURGIMENTO DE UM PROBLEMA PÚBLICO

os “termos de troca” são fixados essencialmente pelo líder, dos quais dependem os clientes. Sendo
os líderes (“coronéis” da política, latifundiários, prefeitos de pequenas cidades pauperizadas, chefes
de máquinas sindicais, e toda uma coleção de agentes típicos da sociologia política nacional) os
interlocutores em nome do Estado frente aos cidadãos3, a provisão de bens e serviços públicos
mediada pelo clientelismo termina por apresentar um forte componente de “tirania da oferta”.

Outra percepção bastante sutil é denominada a “ilusão natalista”. Dizer que uma Política Pública
“nasce” requer cuidados especiais: uma ação pública não surge necessariamente “do vazio”, por
simples efeito de ofertas e demandas do governo e dos cidadãos. São possíveis outros cenários. Uma
ação pública pode nascer porque uma Política Pública já existente, durante sua execução ou mesmo
já terminada, levanta dificuldades, encontra obstáculos, modifica situações que levam o poder
público a intervir sobre outro aspecto, de outra forma, sobre efeitos comuns ou compartilhados. As
Políticas Públicas, em grande medida, alimentam-se entre si em grande medida. Uma política de
incentivos fiscais ou doação de terrenos para industrialização, por exemplo, tem quase certamente
reflexos na política ambiental, devendo gerar a necessidade seja de uma intensificação simultânea
nos controles de licenciamento (com efeitos cruzados e à vezes opostos entre elas), seja de posterior
intervenção corretiva para recuperação de áreas degradadas. A visão dos efeitos cruzados entre
políticas, matizando e qualificando a noção de “nascimento” de uma Política Pública, gera uma
representação visual mais simplificada (Figura 3):

Figura 3 – Visão da “ilusão natalista”

POLÍTICA PÚBLICA A

POLÍTICA PÚBLICA B

POLÍTICA PÚBLICA C

TEMPO

“O patron é o ator que tem contato com o mundo exterior e tem comando sobre recursos políticos externos. O patron tem
3

recursos – internos e externos à comunidade – dos quais dependem os clientes.” (NUNES, 1999, p. 27)

14
Capítulo 2
Agenda

Conceito
Todas as visões apresentadas anteriormente são possíveis, são sugestões válidas. Cabe ao analista
de cada política identificar qual ou quais dos processos acima apresentados terá ocorrido na
circunstância concreta que está examinando.

Para isso, alguns instrumentos conceituais são muito úteis.

O primeiro conceito é o de agenda. Pode ser abordada inicialmente como: o conjunto dos problemas
que provocam um debate público, incluindo a intervenção ativa das autoridades públicas.

Repare, uma agenda não é um programa eleitoral: esse é uma lista de problemas propostos ao
debate público, organizados por uma facção ou segmento político como forma de chamar a atenção
de um público (eleitoral, parlamentar) para os temas de seu interesse. Nem mesmo é um programa
administrativo governamental – esse é um instrumento de ordenação interna de problemas ou
questões elaborado por uma autoridade pública para seu próprio uso. Portanto, a agenda não é
unilateral – seu conjunto de problemas é aquele que atrai a controvérsia pública, dependendo
portanto de múltiplos atores – governo, parlamento, mídia, partidos, organizações privadas. Os
assuntos que compõem a agenda, que variam com o tempo, são os que exigem a intervenção da
autoridade pública – o que significa também que nem todos os problemas podem estar contidos
ao mesmo tempo na agenda da mesma esfera de poder. Ao contrário, colocar na agenda um
determinado assunto aparece como um momento-chave na sociedade política.

É útil a distinção entre Agenda Institucional e Agenda Conjuntural ou Sistêmica. A primeira reúne
os problemas que dependem, fundamentalmente e por consenso, de uma autoridade pública
(podemos fazer uma analogia com o conceito jurídico-administrativo de “competência” de uma
determinada autoridade). São aqueles problemas ou assuntos que, de modo mais ou menos pacífico,
são atribuídos a uma determinada autoridade. A Constituição de um Estado nacional, ou as leis
que criam e definem uma entidade administrativa, contém uma enumeração bastante precisa
dos problemas que tais entes devem enfrentar, com frequência definindo até a forma em que tais
problemas devam ser suscitados, debatidos e enfrentados. O exemplo clássico é o orçamento de
um governo: é periódico (na quase totalidade dos casos, anual), automático, em grande medida
padronizado ano após ano. Nessa agenda, poucas surpresas ou variações existem na forma com que
os problemas são trazidos à controvérsia.

Já a Agenda Conjuntural ou Sistêmica recolhe os problemas que não se encontram na competência


costumeira ou formalizada da autoridade pública, mas que em uma determinada conjuntura
social suscitam um interesse ou uma controvérsia tal que fazem com que a intervenção pública
seja demandada. O exemplo mais tradicional desse tipo de agenda são os problemas relativos ao

15
UNIDADE I │ SURGIMENTO DE UM PROBLEMA PÚBLICO

direito à vida (controle da natalidade, reprodução assistida, interrupção da gravidez). Em princípio,


restritos à vida privada, a evolução social trouxe consigo mudanças tão grandes e tão polêmicas
que tais temas foram trazidos ao primeiro plano da discussão, exigindo-se do poder público que
se posicione ou intervenha de maneira extensa para abordá-los e regulá-los. O aparecimento dos
problemas nesse tipo de agenda, assim, é muito mais imprevisível, dependendo mais da ação de
grupos sociais externos ao Estado, e obedecendo a caminhos muito mais variados.

Em que pese as diferenças, há uma estrutura comum em todos os tipos mencionados de agenda,
que representam (da mesma forma que as visões de surgimento de problemas que vimos acima)
“tipos ideais”, frequentemente mesclando-se de forma tão intensa que a fronteira entre ambas
perde nitidez.

O que definitivamente caracteriza e individualiza a agenda é o grau de consenso ou, ao contrário, de


conflito que o problema considerado suscita. Evidentemente, nenhum assunto na agenda consegue
reunir consenso total ou unânime, nem gerar conflito total ou irredutível: o grau de consenso/
conflito de um assunto está inserido num continuum que vai de menor a maior conflitividade.
Verificado um determinado grau de controvérsia acerca de um assunto, verifica-se a oportunidade
para que a autoridade pública intervenha ou não na questão. Quando dizemos conflito, trata-se
do clássico confronto de interesses materiais, ou de privilégios sociais, ou de influência política;
no entanto, também existe o conflito de natureza normativa ou cognitiva. Esse último representa
diferenças entre as representações dos fenômenos, o sentido e o significado que se dá aos dados
brutos, aos “fatos”, variando entre grupos e ao longo do tempo.

O exemplo clássico de conflito cognitivo na formação de agenda é o do sentido dado às estatísticas


sobre desemprego: quando é que o número de desempregados é considerado insustentável e exige
uma intervenção pública? A taxa de desocupação estimada pelo IBGE para o Brasil, em janeiro
de 2007, era de 9,3%4, o que não pareceu suscitar qualquer grande controvérsia. Por outro lado,
uma taxa desta natureza chegaria a provocar escândalo em países como Irlanda (desemprego em
4,4% para o mesmo período), Coreia do Sul (3,2%), Japão (4,0%) ou Holanda (3,6%)5. Os limites
da tolerabilidade de uma situação ou o grau de conflito que suscita, são uma construção social cujo
sentido varia segundo cada conjuntura histórica de cada país.

Personagens da agenda
Diante um conflito, como os que compõem a agenda de uma determinada autoridade, ninguém é igual
aos demais. Essa afirmação poderia parecer uma banalidade, no entanto, é relevante ao nosso estudo
atentar para uma dimensão especial dessa desigualdade: a capacidade de mobilização perante cada
um dos problemas6. Nesse sentido, existem dois tipos de personagens na formação das agendas:

4
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – Pesquisa Mensal de Emprego/Quadro sintético – disponível em: <http://
www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/quadro_sintetico012007.pdf>, acesso em
11/03/2007.
5
Para todos os países, dados da OCDE, OECD Statistics, Standardized Unnemployment Rates, disponível em: <http://stats.
oecd.org/WBOS/Default.aspx?QueryName=251&QueryType=View>, acesso em 11/03/2007. De fato, a média dos países da
OCDE alcança tão somente 5,8 % como taxa de desemprego.
6
Esta diferenciação foi introduzida por Cobb, R.; Elder, C.D. Participation in American politics: the dyamics of agenda-building.
Boston, Allymand Bacon, 1972. (apud MÉNY;THOENIG, 1992. p. 126)

16
Surgimento de um Problema Público │ UNIDADE I

»» Os atores, propriamente ditos: são os que se mobilizam, social e politicamente,


fazendo uso de todos os recursos políticos – em geral, partidos, associações de
interesse em cada tema, movimentos sociais organizados, agem como atores em
relação às questões de seu interesse. A fixação do salário-mínimo, no Brasil, por
exemplo, mobiliza diretamente como atores o governo, as organizações associativas
de nível nacional dos assalariados e dos empresários, e outros com interesse direto,
como outros tipos de empregadores, como Estados e Municípios. Dentro desse
grupo, é possível ainda fazer uma distinção entre:

›› atores de identificação, aqueles que são os mais ativos e promovem diretamente


a discussão e as reivindicações sobre o tema;

›› atores de atenção, aqueles que, com menor grau de interesse e atividade, apenas
observam atentamente o desenrolar da discussão, para intervir apenas em
situações específicas em que um seu interesse pontual possa ser afetado.

»» Os atores públicos, aqueles que, por diversas razões, não apresentam mobilização
capaz de influenciar diretamente o desenvolver da discussão; um determinado
público não é um agregado indistinto de pessoas: é formado por aqueles que são
afetados pelo assunto em discussão, mas não apresentam capacidade de intervenção
imediata, no entanto podem ter reflexos mediatos ou indiretos (por exemplo, a
capacidade de mobilização imediata do conjunto de aposentados é pequena, mas
uma política previdenciária que não leve em consideração esse público numeroso
certamente terá reflexos eleitorais num futuro um pouco mais longo).

Esse esforço de diferenciação dos envolvidos, ainda que apresente naturais insuficiências, permite
romper com a divisão tradicional entre “políticos” (os que fazem política profissionalmente) e
“público” (todos os demais, que apenas emitem opiniões) – havendo muito mais envolvidos em
uma Política Pública que apenas os políticos profissionais.

Essa multiplicidade de personagens, é mostrada por meio de um estudo mais extenso de um caso
que, aparentemente, representaria uma política de alto conteúdo técnico e pequena diversificação
de agentes: a política de telecomunicações na década 1990-2000 na Espanha, período em que
aquele país saiu de um regime de monopólio estatal para um sistema de concessões privadas
completamente alinhado aos padrões liberalizantes – e uniformes – da União Europeia:

Em conjunto, durante a primeira metade dos anos 1990 o setor das


telecomunicações na Espanha produziu políticas originais de caráter
regulatório e, ao mesmo tempo, gerou a incorporação aos cenários do setor
de uma multidão de novos atores, interessados em participar de algum
modo na discussão sobre as novas opções políticas e empresariais que se
abrem. A rapidez da liberalização, assim como a intensidade de um certo
protecionismo efetivo, foram os dois eixos que, tentativamente, articularam
as posições dos atores no setor, ainda que em um contexto fluido, com
contínuos reposicionamentos, dadas as sucessivas mudanças normativas, as
novas possibilidades tecnológicas e o próprio aprendizado dos atores que se

17
UNIDADE I │ SURGIMENTO DE UM PROBLEMA PÚBLICO

iam introduzindo no setor. Empresas de serviços (transportes, elétricas etc.),


bancos, associações de profissionais, grupos de comunicação, multinacionais,
associações empresariais, Administrações locais e regionais etc., configuram boa
parte desses atores que pugnam por estar presentes no setor, ao mesmo tempo
em que desenvolvem rápidos processos de aprendizado e de reformulação de
interesses e identidades. Esse processo de entrada constante de novos atores
gerou as consequentes tensões de reconhecimento e aceitação por parte dos
atores tradicionais, já instalados nos âmbitos-chave do setor. Nesse sentido,
a existência do Conselho Assessor das Telecomunicações constituiu um dos
canais de reconhecimento – ainda que não o único – dos novos atores que
desejavam participar no setor. A função deste órgão consultivo do governo
indica uma interessante pista sobre a natureza dominante do Estado no setor,
onde os atores comparecem para conseguir informação, contatos e introduzir
seus pontos de vista, diante de tomadores de decisão que, com suas próprias
tensões internas, têm capacidade suficiente para seguir seu rumo sem realizar
negociações reais com essa variedade de novos atores.

[...]

O papel das associações de usuários também foi bastante destacado. As


associações de consumidores tiveram escassa presença, e só intervieram
muito pontualmente em temas relacionados com os aumentos de tarifas
telefônicas, mas os usuários empresariais constituíram-se em um elemento
muito destacado na ativação do setor. Constituída já, desde 1987, por
representantes de grandes empresas industriais e de serviços, a Associação
de Usuários de Telecomunicações (AUTEL) configurou-se, ao longo desses
anos, como uma ativa organização que articulava posições liberalizadoras,
em linha com a política comunitária [da Comunidade Europeia], e tinha
como objetivo conseguir melhores serviços e custos mais reduzidos nas
comunicações de suas empresas.

O perfil das políticas industriais relacionadas com as novas tecnologias


foi bastante baixo nos últimos anos, apesar de alguma insistência entre
os empresários do setor (CASTELLS, 1995). No entanto, no início dos anos
1990 voltaram a crescer as exportações, devido à utilização da Espanha como
plataforma de produção para a exportação por parte de várias importantes
multinacionais, devido ao efeito que implicavam as atividades da Telefônica7
na América Latina. Conscientes da dureza da competição industrial, e da
existência de sofisticados mecanismos de proteção, [dissimulados e] de pouca
visibilidade, a indústria produtiva implantada na Espanha tentou evitar o
dilema nacional/multinacional. Assinalando precisamente a inexistência
de uma política efetiva nos primeiros anos noventa, os empresários de
equipamentos de telecomunicações pediram insistentemente nos últimos anos

7
Compañía Telefónica de España, o antigo operador monopolista estatal que, privatizado nos anos 1990, assumiu a dianteira
no novo perfil empresarial do setor de telecomunicações, terminando a década como controlador de inúmeras concessionárias
privatizadas de telecomunicações na América Latina (inclusive no Brasil).

18
Surgimento de um Problema Público │ UNIDADE I

na política industrial articulada em torno da “maximização do valor agregado


nacional, entendido em seu sentido mais amplo: contribuição ao emprego, à
balança de pagamentos via exportações, à inovação tecnológica por meio de
investimentos em P&D...” (CANALEJO, 1994, p. 56), e criticaram as políticas
macroeconômicas orientadas a reduzir custos de fatores como os salários,
enquanto abandonavam as intervenções de caráter microeconômico que
podem influir na demanda industrial e na geração de habilidades tecnológicas.
(GOMÀ; SUBIRATS, 1998, pp. 287-289)

Naturalmente, cada incorporação de um novo tema à agenda tem uma distribuição específica de
atores e públicos, e são numerosos os exemplos que mostram os profissionais da política totalmente
ultrapassados, no protagonismo como atores, pelas organizações ou movimentos sociais organizados.
O exemplo mais recente (e mais dramático) dessa situação extrema é próximo ao Brasil: a violenta
crise social, com raízes na política econômica, que afetou a sociedade argentina nos últimos meses
de 2001. Nesse momento histórico, o processo de introdução de temas à atenção institucional e de
defesa de posições sobre problemas públicos (tais como o desemprego e o tratamento de poupanças
no âmbito do sistema financeiro) desbordaram o procedimento institucional habitual, sendo
pressionados diretamente pela ação de grupos organizados de fora do sistema político:

A desvalorização [cambial] e a pesificação8 da economia levou a classe média –


horrorizada porque perdia suas poupanças em dólares – a reunir-se de forma
inédita em assembleias de vizinhança e para mobilizar-se contra os bancos.
Destroçaram as fachadas, os caixas automáticos e atacaram as residências de
numerosos políticos, a quem culpavam de todos os males do país.

Durante os primeiros meses de 2002, milhares de cidadãos em sua maioria de


classe média, autoconvocaram-se em praças de bairro e começaram a debater
a partir da palavra de ordem “Que se vão todos”. A “assembleia” foi adotada
como forma de discussão direta para resolver todos os problemas e como
oposição aos partidos políticos tradicionais. (SILLETA, 2005. p. 93)

Essa intolerância generalizada da sociedade com seus dirigentes foi a antessala


da crise institucional, política e de representatividade que sobreveio depois
da queda de De la Rúa, e que esvaziava permanentemente de legitimidade
qualquer decisão que se tomasse desde o ponto mais alto do sistema político.
Assembleias de vizinhança autoconstituídas e o famoso grito “que se vão
todos” faziam titubear por alguns momentos a democracia argentina tal como
era conhecida até então, e aumentavam as possibilidades de uma escalada de
violência social que pudesse terminar em períodos de anarquia no melhor dos
casos, ou de manu militari no pior. (DÍEZ, 2003. p. 65)

Qual será, então, o percurso de um problema em mãos dos atores e públicos a ele vinculados, até
receber seu lugar na agenda?

8
“Pesificação” foi o nome atribuído ao processo de conversão dos ativos e passivos financeiros denominados em dólares no
sistema financeiro argentino para outros ativos e passivos denominados em pesos, inconversíveis, levada a efeito com o colapso
da paridade cambial fixa naquele país em dezembro de 2001 e janeiro de 2002.

19
UNIDADE I │ SURGIMENTO DE UM PROBLEMA PÚBLICO

Nascimento dos problemas


As necessidades de ação pública, sejam fáceis ou difíceis de enunciar em cada caso, evidentemente
existem, e vêm de várias fontes, tornando extremamente desafiadora a tarefa da autoridade pública
a identificá-las. Vejamos, de forma gráfica, algumas das possíveis origens de necessidades de ação
pública, que se manifestam desde dentro e desde fora da instituição governamental (em algumas
delas, essa localização chega a ser imprecisa):

SURGIDAS DE FORA DA INSTITUIÇÃO GOVERNAMENTAL SURGIDAS DE DENTRO DA INSTITUIÇÃO GOVERNAMENTAL

COMPROMISSOS CONTIDOS NOS PROGRAMAS ORGANISMOS INTERNACIONAIS


ELEITORAIS (EX.: AS REGRAS FIXADAS NO ÂMBITO DO MERCOSUL)

PARLAMENTARES E COMISSSÕES DO IDEIAS OU PROJETOS PRÓPRIOS DAS


PODER LEGISLATIVO AUTORIDADES

EVENTOS EXTERNOS
REVISÕES OU AVALIAÇÕES DAS
(EX.: UMA CRISE FINANCEIRA POLÍTICAS PREEXISTENTES
MUNDIAL OU UMA EPIDEMIA)

TRANSFERÊNCIA SDE COMPETÊNCIAS


AVANÇOS TECNOLÓGICOS
(EX.: A DESCENTRALIZAÇÃO
(EX.: A DISSEMINAÇÃO DA INTERNET
DE COMPETÊNCIA POR UMA
E AS OPORTUNIDADES DE OFERECER
POSSÍVEIS ORIGENS DA DETERMINADA ÁREA DE POLÍTICA A
SERVIÇOS ON-LINE
NECESSIDADE DE UMA UM GOVERNO LOCAL)
POLÍTICA
“EFEITOS CRUZADOS” DE OUTRAS
POLÍTICAS
DECISÕES JUDICIAIS
(EX.: CONSTRUÇÃO DE SANEAMENTO
(EX.: IMPONDO UMA DETERMINADA URBANO REDUZ INCIDÊNCIA DE
PRESTAÇÃO ESTATAL) PROBLEMAS DE SAÚDE

ANÁLISE DE TENDÊNCIAS DE RECEITAS


MANIFESTAÇÕES E LOBBY DE E DESEPAS
GRUPOS ORGANIZADOS (EX.: ELEVAÇÕES CONTÍNUAS DE
(EX.: ASSOCIAÇÕES DE DEFESA CUSTOS REVISÃO POR NÃO SEREM
AMBIENTAL; SINDICATOS) SUSTENTÁVEIS)

MANIFESTAÇÕES INDIVIDUAIS DE CIDADÃOS


TRATADOS INTERNACIONAIS (EX.: POLÍTICAS AMBIENTAIS
(DIRETAMENTE AO GOVERNO, AOS PARLAMENTARES OU EM FUNÇÃO DO PROTOCOLO DE KIOTO)
VEICULADAS PELA MÍDIA)
Fonte: adaptado de NAO, 2001, p. 39.

20
Surgimento de um Problema Público │ UNIDADE I

No entanto, venham de onde vierem os fatos objetivos que lhe derem origem, a existência como tal
de um problema social (no sentido que vimos utilizando, ou seja, um problema reconhecido como
tal dentro da sociedade, que legitime a intervenção pública aos olhos de segmentos relevantes dessa
sociedade), procede de duas fontes possíveis:

»» as carências objetivas dessa sociedade;

»» sobretudo, a decisão subjetiva daqueles que, em nome da sociedade, classificam um


certo fenômeno como problema social.

Fica evidente, portanto, que as necessidades nesse âmbito não se definem nem se enunciam com
clareza. Para uma empresa privada, uma necessidade social é tudo aquilo que a empresa pode
produzir, em bens e serviços, e vender no mercado com lucro. Um serviço público não tem essa
facilidade de definição. Muitos “substitutos” podem ser tentados:

»» a definição expressa ou formal por parte de terceiros (uma lei específica ou padrões
técnicos), que substituam o consumidor a partir de um ponto de vista estritamente
normativo – o caso mais típico é o dos serviços cuja provisão ou disponibilidade seja
expressa e claramente determinada por uma lei;

»» a necessidade expressa por atos concretos daqueles que seriam os potenciais


destinatários dos serviços (em um exemplo tristemente comum, quando a população
de um bairro periférico paga os serviços de transporte clandestino ou irregular,
expressa, por meio de um ato de consumo, a necessidade de uma prestação regular
do serviço público de transporte);

»» a necessidade como tal enunciada pela população mediante manifestações de


toda natureza (abaixo-assinados, manifestações de rua, pedidos individuais às
autoridades), situação que, muitas vezes, gera uma enunciação imprecisa e traz
a necessidade de que especialistas, intermediários políticos ou as autoridades
responsáveis interpretem o desejo latente por detrás da manifestação; quanto a
esse tipo de percepção, é preciso extremo cuidado: os consumidores ou o público
em geral “falam pouco”; por sua vez, muitos atores sociais, pressurosos, vêm falar
em seu nome: intermediários políticos, líderes de grupos organizados, e a própria
autoridade pública envolvida.

»» a “necessidade comparativa”, que emerge do esforço de comparação entre duas ou


mais situações sociais ou geográficas, em termos de serviços prestados.

Sintetizando esse ponto por meio da definição ilustrativa de Parsons (2001, p. 87), existem “assuntos”
(issues), que podem ou não transformar-se em “problemas” (problems): a existência de pessoas
dormindo nas ruas é um assunto, um dado social, que, em determinadas circunstâncias, pode ser
considerada um problema de desamparo social a clamar pelo acolhimento dessas pessoas. Pode-se
inclusive chegar a um alto grau de consenso sobre o assunto (existem pessoas dormindo nas ruas),
sem que isso implique concordância sobre qual é exatamente o problema (nesse exemplo, falta de
oportunidades econômicas versus falta de responsabilidade dos próprios envolvidos). É bastante

21
UNIDADE I │ SURGIMENTO DE UM PROBLEMA PÚBLICO

ingênua, portanto, a hipótese de que “os fatos falam por si mesmos” – ao contrário, são atores e
públicos que falam em nome dos fatos.

Nesse sentido, a inserção de um problema social na agenda é também uma construção cultural, um
fato que obedece a uma estrutura cognitiva e moral, na medida em que representa a consolidação,
em segmentos significativos, de crenças sobre as situações e os acontecimentos que serão vistos
como problemas. Essa dimensão cognitiva do conflito tem várias faces.

Figura 4 – Dimensão congitva do conflito

AS RESPOSTAS (“QUE FAZER DIANTE DO PROBLEMA?”)

A PRÓPRIA EXISTÊNCIA DO
PROBLEMA AS RESPONSABILIDADES
(*ESTE FATO SOCIAL É (“QUEM DEVE AGIR EM
REALMENTE UM PROBLEMA E RESPOSTA AO PROBLEMA?”)
REQUER MUDANÇAS?”)

AS CAUSAS (“O ACONTECIMENTO A É A CAUSA DO


ACONTECIMENTO B?”)

Um problema público, assim, é socialmente “assumido”: tal ou qual segmento da sociedade se


responsabiliza por ele, à medida que põe recursos para promover a intervenção pública sobre ele,
para exigir do poder público que “faça algo a respeito”. A formulação do problema pode afetar
tanto os interesses diretos desses segmentos quanto, em alguns casos, mobilizar posições de
princípios e valores.

Mény; Thoenig (1992, p. 120) mencionam um caso sui generis da realidade americana, mas que
deixa a questão bastante clara:

Gusfield toma como exemplo a este respeito o problema da homossexualidade


nos Estados Unidos.

Os psiquiatras foram seus “proprietários”, ou seja, a autoridade a que


recorriam os outros grupos para obter uma definição e soluções, com o que

22
Surgimento de um Problema Público │ UNIDADE I

a homossexualidade se viu “psiquiatrizada” como problema público. Pode


ocorrer, não obstante, que um grupo perca seu estatuto de propriedade a favor
de outras instituições ou meios. O problema público tem todas as possibilidades
de ver-se redefinido em sua estrutura cognitiva e moral. Dessa maneira, a
homossexualidade se converteu em uma iniciativa cívica em mãos de grupos
que lutavam pela igualdade de direitos para as “minorias”.

Ou seja, um mesmo fato social é entendido, em momentos históricos distintos, ora como um
problema de saúde pública, ora como um indicador de outro problema diferente (a necessidade de
ampliação do reconhecimento de direitos civis).

Dessa forma, o mesmo fato pode constar na agenda sob os mais distintos enfoques. Também, no
mesmo tempo histórico o conflito não é estático: os atores iniciais, que suscitam um determinado
problema, podem atrair a atenção (deliberadamente ou não) de outros atores e públicos à medida
que levam adiante suas estratégias.

Isso decorre, por certo, do caráter “aberto” ou insuscetível de definição inequívoca dos problemas
dessa natureza (o que fica evidente quando são comparados a problemas do mundo físico ou natural,
que permitem uma enunciação imensamente mais precisa9). Em outros termos, os problemas de
Políticas Públicas, por melhor que se lhes consiga formular, são sempre típicos daqueles que Matus
(1989, pp. 107-108) denomina de “problemas quase estruturados”: são condicionados por regras,
mas as regras não são inequívocas, nem invariáveis, nem iguais para todos, já que os homens criam
as regars e às vezes as mudam para solucionar os próprios problemas; são problemas nos quais
o homem “está dentro”, e a partir desta posição é que o conhece e explica; o sistema em que está
inserido o problema tem continuidade – a solução de um problema gera outros problemas conexos,
e a eficácia de uma solução é discutível ou relativa aos novos problemas que emergem10.

Como consequência do caráter cognitivo de boa parte dos conflitos em torno da inserção de
problemas na agenda, boa parte dele desenrola-se no terreno simbólico, ou seja, no universo dos
valores e normas emocionalmente mobilizadoras.

Os empresários sabem muito bem apelar para o interesse geral do país, o futuro da economia
nacional e a geração de empregos, quando o tema em questão é a concessão de subsídios estatais a
determinado segmento empresarial.

Inversamente, um governo desinteressado na prestação de um determinado serviço que não


interessa aos seus interesses eleitorais pode justificar a sua supressão com base na “eficiência no
uso do dinheiro do contribuinte”.

Essas estratégias, porém, não devem ser desqualificadas como simples demagogia ou mera
racionalização de interesses inconfessáveis. Tratam-se de estratégias de formação de alianças com
públicos mais amplos: quanto mais se transforme o tratamento de um problema em uma visão
emocional e simplificada, mais amplo tende a ser o interesse que suscita na cidadania – por exemplo,

9
Repare que dizemos “mais precisa”, em termos comparativos. Não se deve afirmar a “objetividade absoluta” dos problemas
das ciências naturais (qualquer cientista reagiria vigorosamente a isso), mas simplesmente a diferença significativa do grau de
precisão descritiva que podem atingir em comparação com os problemas da vida social.
10
A descrição do conceito de “quase estruturado” aqui é feita de modo apenas ilustrativo, com os traços principais desse conceito,
que é abordado em profundidade em MATUS, 1989, pp. 107-108.

23
UNIDADE I │ SURGIMENTO DE UM PROBLEMA PÚBLICO

a existência objetivamente documentada de corrupção policial e judicial, por mais graves que sejam
suas consequências, mobiliza a oposição de muito menos pessoas que as tragédias individuais
ocasionadas pela disseminação da criminalidade violenta, que é uma de suas consequências.
Naturalmente, o sucesso desse tipo de estratégia, de natureza retórica, dependerá da habilidade dos
atores que a adotem em associar o problema a valores ou emoções que encontrem forte ressonância
para os públicos que desejam influenciar. Nesse sentido, os meios de informação e comunicação
de massa desempenham um papel absolutamente essencial na associação do problema a uma
dimensão emocional relevante, na medida em que são a chave por excelência para o acesso a essa
dimensão nos segmentos majoritários da população. O convencimento pelo apelo à retórica, aliás,
não é um “desvio” da esfera público/política – nas palavras já clássicas de Arida (2003, p. 34), o
próprio debate científico sobre os temas de economia e sociedade é conduzido pelo poder de aliança
com os públicos relevantes.

Na história do pensamento econômico as controvérsias são resolvidas não


porque uma das teses foi falsificada, mas sim porque a outra comandou maior
poder de convencimento. Controvérsias se resolvem retoricamente; ganha
quem tem maior poder de convencer, quem torna suas ideias mais plausíveis,
quem é capaz de formar consenso em torno de si.

Acesso à agenda
O acesso à agenda não é livre nem neutro. O controle do acesso de um problema à agenda de
discussão pública é um recurso político decisivo para quem o detêm: num parlamento, determinadas
posições de liderança institucional (presidência ou secretarias) são particularmente disputadas,
pois permitem selecionar os projetos e proposições que serão trazidos à consideração do colegiado
parlamentar. Nem é preciso lembrar do enorme poder da imprensa de colocar qualquer tema na
ordem do dia do interesse popular, ou ao contrário silenciar qualquer tema de suas páginas ou
emissões – nesse sentido, a mídia é indiscutivelmente o maior fator de controle de acesso à agenda
pública nas sociedades ocidentais modernas.

Mas podemos perguntar:

»» Qualquer assunto pode virar tema da agenda governamental?

»» Quais os critérios ou condições que permitem que um determinado assunto faça


parte da agenda governamental?

O problema deve ser responsabilidade de


autoridade pública
Primeiro, o problema deve ser responsabilidade de alguma autoridade pública. Responsabilidade,
aqui, é entendida não no rigoroso sentido jurídico de “Competência”, atribuições privativas do ente
estatal e expressas em alguma lei, mas com um maior grau de flexibilidade que permita inclusive a
inclusão de temas na responsabilidade da autoridade considerada. Em outras palavras, a formação

24
Surgimento de um Problema Público │ UNIDADE I

da agenda é, também, um processo social permanente de atribuição (ou cassação) de tarefas ou


responsabilidades às diferentes autoridades públicas – a formalização jurídica das atribuições de
entidades não faz mais que traduzir mais ou menos adequadamente as pressões políticas. Tomemos
exemplos: a manutenção da ordem mediante a repressão à criminalidade é inegavelmente
responsabilidade (e competência jurídica) dos entes estatais – não há dúvida a esse respeito. Outros
temas são mais polêmicos, tendo suscitado historicamente muitas controvérsias: legislar em matéria
de reprodução humana (reprodução assistida, interrupção da gravidez, células-tronco) gerou – e
ainda gera – muita polêmica sobre quais são os limites entre o espaço da autonomia privada e aquele
em que deveria o Estado intervir de qualquer forma. Todas as discussões sobre desregulamentação
estatal na economia são, de uma forma ou de outra. No outro extremo, dificilmente se conceberia,
numa democracia moderna, a intervenção governamental para modificar a forma de jogo da seleção
nacional de futebol, por exemplo11.

Mas o próprio fato de ocorrer a controvérsia é significativo: a possibilidade de intervenção estatal


nesse tema específico desperta uma tal rejeição que é considerada indicador de autoritarismo
político.

Nesse ponto, é preciso cuidado com o que significa “entrar na agenda”: temos o impulso intuitivo de
associar a atenção da autoridade governamental à realização de atividades para solução concreta do
problema – nas crônicas políticas e biográficas são muito comuns as afirmações deste tipo:

Havíamos praticamente ocupado todo o espaço a que nos habilitara a lei que
criara a SUDENE.

Surgira uma nova mentalidade na região. [...] Criara-se um clima de confiança


no governo. Se um problema era entregue à SUDENE, ninguém duvidava de
que alguma solução seria encontrada.12 (FURTADO, 1986, p. 174)

Mas isso não é sempre verdade: a atenção e escuta governamental não significa que a autoridade
pública vá agir. A atenção pode desembocar em inação, e por distintas razões: o simples fato de
prestar atenção e fazer declarações à imprensa para declarar que se ocupará do problema pode ser
considerado politicamente significativo. Não faltam exemplos ilustrativos.

11
O exemplo não é casual – as discussões protagonizadas por João Saldanha como técnico da seleção brasileira de futebol em 1969
em torno da escalação do time são recordadas como exemplo quase caricato da ausência de democracia no País:
O centroavante era esse, mas o técnico era o João Saldanha. O João Saldanha era o técnico, quando, lá no estádio do Internacional,
no intervalo do primeiro para o segundo tempo, a imprensa conseguiu o milagre de chegar perto do Presidente – o que era uma
coisa impossível, mas o Médici gostava de futebol – e perguntou: “Presidente, o que o senhor acha do time? “– Está bom.” “- O
senhor faria alguma convocação diferente?” O Presidente, com certa elegância, disse: “Eu convocaria o Dadá”. Aí, os repórteres
foram ao João Saldanha, o técnico, e disseram: “João Saldanha, o Presidente terminou de dizer que, se o técnico fosse ele, ele
convocaria o Dada”. E João Saldanha respondeu: “Fiz um trato com o Presidente: eu não me meto no Ministério dele, e ele não se
mete na escalação do Brasil. Mas, logo, logo, demitiram-no.”. (SIMON, 2006, p. 216)
Sobre a existência do episódio, há controvérsias históricas:
Nela, eu repetia coisas que ouvira e lera desde que me entendia por gente, ou seja, desde a Copa de 70: João Saldanha deixara
de ser técnico do escrete por se recusar a convocar o centroavante Dario, xodó do general-presidente Médici; Zagalo (então com
apenas um éle ) assumira em seu lugar e convocara Dario; no entanto, não ousara mexer no time de feras do “João Sem Medo”.
Lembrava isso para criticar o defensivismo da seleção da qual Zagalo era o coordenador técnico. Evandro apresentava outra
história: Saldanha caíra porque a seleção não estava rendendo bem e, ainda por cima, o técnico implicava com Pelé, a quem
considerava meio cegueta. Segundo ele, Médici era até favorável à permanência de Saldanha. Contava isso com irrefutáveis
veemência e riqueza de detalhes, num retrato que não endossava a imagem do herói solitário. (DAPIEVE, 2001)
12 Perceba-se que Furtado aponta que a situação relatada é específica, resultante do intenso processo histórico de construção de
uma política regional que descreve.

25
UNIDADE I │ SURGIMENTO DE UM PROBLEMA PÚBLICO

Assim, na campanha eleitoral de 1994, quando disputou a prefeitura do Rio


pelo PFL, [César] Maia tratou de se credenciar como o representante da direita,
como “o candidato da lei e da ordem”. [...]

Apesar de segurança pública ser um tema afeito ao governo do estado, e não


à prefeitura, ao longo da campanha Maia fez sucessivas promessas ligadas ao
tema, promessas que ele próprio sabia que jamais poderia cumprir, por não
serem da alçada de um prefeito. Mas se aproveitava da ignorância de alguns e
da preocupação crescente de muitos em relação à questão.

Depois, como prefeito, já que não poderia mesmo fazer nada de significativo
pela segurança pública, usou a única forma de que dispunha para seguir
empunhando a bandeira: abriu polêmica sobre o assunto. (BENJAMIM, 1998,
pp. 79-80)

Na realidade, as respostas que pode dar a autoridade pública, ainda na etapa de formação de agenda,
são muito variadas.

Algumas são francamente negativas. Pode tentar rechaçar, recusar a entrada em discussão de
algum problema que tenha sido trazido o debate público. Pode escolher, também, atuar “contra” o
problema: bloqueá-lo, desativá-lo, transformá-lo em assunto de pilhéria – muitas vezes, a iniciativa
da oposição parlamentar de criação de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) recebe tais
respostas por parte da maioria legislativa que apóia o Executivo de turno. Mais indiretamente, a ação
governamental pode tentar atacar o problema por meio da ação direta sobre os atores envolvidos:
desacreditando-os; buscando contornar sua intermediação e dirigir-se diretamente aos públicos
relevantes; cultivando rivalidades entre eles; buscando cooptá-los por meio de vantagens diretas ou
indiretas de variada natureza (essa cooptação pode ser de natureza ilícita, mas não necessariamente
o será em todos os casos13). Todo esse leque de “não respostas”, que tendemos a associar com o
subdesenvolvimento, mostra-se de forma exemplar quando do surgimento de escândalos de
corrupção no financiamento de partidos políticos. Mostramos, aqui, um exemplo já historicamente
depurado, longe das polêmicas recentes – a Espanha nos primeiros anos da década de 1990:

As estratégias levadas a efeito pelos partidos políticos ante os escândalos de


corrupção geral endossam empiricamente as implicações teóricas do modelo
utilizado. Depois da onda de escândalos dos anos 1990 foram os partidos
da oposição os primeiros em propor medidas para fazer frente à corrupção
no debate [no Parlamento] sobre o Estado da Nação de 1992. Mais que pela
convicção de que esses mecanismos eram realmente necessários, tais medidas
foram em princípio apresentadas como parte da luta político-partidária. Ainda
que, como se expôs, todos os partidos tinham poucos incentivos para amarrar
as próprias mãos, os do partido no governo eram ainda menores. Para ele,
reconhecer a necessidade de pôr em funcionamento tais medidas pressupunha
aceitar sua responsabilidade nos escândalos e dar razão às críticas formuladas

Por exemplo, a autoridade governamental pode oferecer ao líder de um movimento contestatário radical um posto no próprio
13

governo, com o fim de mobilizar sua influência nesses meios em favor do governo (caso que se sucedeu recentemente na
Argentina, quando o governo Kirchner reduziu a forte pressão de manifestações populares, mediante a nomeação de um dos
principais líderes desse movimento para um cargo de primeiro escalão no Ministério do Trabalho (CURIA, 2006, pp. 185 e 219)

26
Surgimento de um Problema Público │ UNIDADE I

pela oposição. Quer dizer, seria aceitar ante a cidadania que sua honradez
deixava muito a desejar. Para evitar o custo eleitoral que isso lhe poderia
ocasionar, o Governo adotou uma série de estratégias voltadas a salvar sua
reputação, menos custosas sem dúvida que aquelas outras relacionadas
com o estabelecimento de controles externos sobre sua atividade. Assim, a
ocultação dos fatos, a negação da existência de corrupção institucionalizada
e a judicialização da apuração de responsabilidades serão estratégias seguidas
pelo partido no governo, apoiado em sua maioria absoluta [no Parlamento]. A
mudança de estratégia só se produziu a partir de 1993, mas, sobretudo a partir
de 1994, sua credibilidade estava tão questionada e sua força parlamentar tão
enfraquecida que não tinha outra saída que empreender medidas de controle
da corrupção. (COUSINOU, 2005, p. 74)

Mas a autoridade pode também aceitar, em maior ou menor grau, o problema suscitado. Pode
responder apenas simbolicamente, recebendo os interessados e ouvindo-os atentamente. A simples
escuta parece (e é, muitas vezes), mera evasiva, mas em determinadas situações dramáticas a
simples interlocução respeitosa é parte indispensável da ação política legítima:

Uma das depoentes sintetizou a natureza do ritual que, inadvertidamente,


realizávamos: Eu acredito nesse governo, acredito no coronel PATRÍCIO,
que tem sido muito respeitador e até amigo, nessas semanas em que está
comandando o 3º BPM. Eu acho até que podemos acreditar que a polícia vai
mudar. Mas para que a gente ouça o coronel Patrício, ouça vocês e confie em
vocês, é preciso que antes a gente conte tudo o que aconteceu aqui, tudo o que
a gente passou, todo o sofrimento desses anos.

Como sugeria Mandela, ‘verdade e reconciliação’. Os gregos, na Antiguidade


clássica, consideravam o esquecimento a pior punição, a mais grave das
maldições, o pior que se poderia desejar a um ser humano. Aprendi, no
Jacarezinho, que a superação da tragédia coletiva depende da celebração
pública da memória individual e coletiva dos grupos vitimados pela barbárie
do Estado. A reconciliação será possível apenas se aprendermos a suportar a
verdade. Eu sabia que havia violência policial. Conhecia detalhes de histórias
cruéis. Mas nada se compara ao contato direto com os depoimentos vivos dos
que carregam a dor de perdas tão trágicas, revoltantes, injustas, fúteis. Pela
força da emoção, compartilham a dor e nos transportam, com realismo, para
as cenas dos crimes. (SOARES, 2000, p. 38)

Ainda aceitando parcialmente a demanda, a autoridade pode invocar razões de força maior para
declarar que aceita a necessidade de atuar, mas algo imponderável o impede – há o argumento
bastante comum baseado na falta de recursos orçamentários, seja essa escassez real ou não. Pode
ainda postergar o atendimento real da demanda, fazendo uso dos expedientes já clássicos (e mesmo
caricatos) de formar “um grupo de trabalho” ou “uma comissão” para “estudar o assunto”.

Outra solução, aparentemente muito sólida, mas em realidade parcial, é a simples definição de um
procedimento ou regra para tratar o problema, sem nenhum compromisso com o conteúdo desse

27
UNIDADE I │ SURGIMENTO DE UM PROBLEMA PÚBLICO

tratamento – também é clássico e quase caricato o “remédio” de criar um organismo governamental


especializado para “resolver” um determinado problema, organismo esse que necessita não
só da criação formal, mas também de providências posteriores (legislação específica, recursos
orçamentários, formação de pessoal etc.).

Também parcial é tratar uma pequena parte do problema que tenha um valor simbólico, mas sem
atacar verdadeiramente o fundo do problema – distribuir ajuda ocasional aos desempregados, em
momentos de maior agitação social, em lugar de enfrentar as causas do desemprego.

Por fim, o agente governamental pode tomar em conta a totalidade da demanda, ou mesmo
antecipar-se a ela, sem esperar que se desenvolva a partir de outros agentes externos.

O problema deve ser percebido


como insatisfatório
Aparentemente, trata-se de condição óbvia, mas que nem por isso deixa de ter consequências
analíticas. Se um grupo relevante de atores consome recursos para inserir um problema na
agenda, é evidente que em sua percepção há uma diferença entre “o que é” e “o que deveria ser” em
relação a algum fato social, diferença essa de tal monta que torna a situação inaceitável para esses
agentes, fazendo-os mobilizar-se politicamente. É necessário identificar o grau de insatisfação
dos atores e públicos em relação à situação considerada, como variável importante da dinâmica
da formação da agenda.

O problema deve ser “abordável” em termos


de atenção pública
Para que um problema conste na agenda de forma sustentável, é preciso que esteja “convertido”, de
um certo modo “traduzido” em dimensões que coincidam com aquelas “tratáveis” pela autoridade
pública. Essa possibilidade de tratamento tem duas faces: uma de natureza, outra instrumental.
Primeiro, a própria natureza de um problema pode ser insuscetível de uma intervenção direta do
poder público, sendo esse inoperante (seja de imediato, seja em longo prazo). O exemplo mais
forte dessa natureza insuscetível está na questão das drogas ilícitas: é perfeitamente coerente
com a natureza da atuação estatal a repressão à oferta de entorpecentes, e mesmo a repressão
à sua demanda dos mesmos por meio da imposição de restrições à sua aquisição e o seu uso (a
mais extrema das quais é a criminalização)14. Por outro lado, um dos fatores mais poderosos e
assustadores do fenômeno das drogas é o componente subjetivo da demanda, aqueles impulsos
individuais que fazem nascer nos indivíduos o desejo de iniciar ou continuar o seu consumo – e esse
componente não é inteiramente passível de intervenção estatal: pode-se até restringir fisicamente
as oportunidades do contato de um adolescente com drogas, por exemplo, mas dificilmente se
poderá influir diretamente nas inclinações psicológicas ou emocionais que o levam a dar esse passo.
Ainda que se deva buscar meios indiretos de influenciá-lo (de acompanhamento médico preventivo,

Aqui abordamos o problema do ponto de vista da possibilidade de ação estatal sobre estes aspectos do problema, sem entrar em
14

juízo de valor sobre a eficácia relativa de cada um, uma vez que os objetivos do texto não abrangem a discussão de mérito sobre
o tema.

28
Surgimento de um Problema Público │ UNIDADE I

de discussão e informação), essa dimensão do problema irá depender profundamente da dinâmica


intrafamiliar, dos traços culturais prevalecentes na comunidade em que se insere o jovem, fatores
sobre os quais a ação estatal é muito indireta. Então, os atores que sustentam a necessidade de
ação pública sobre essa dimensão específica do problema das drogas defrontam-se com um limite
bastante fluido sobre a própria possibilidade real daquilo que sustentam15.

A dimensão instrumental da possibilidade de tratamento é mais fácil de compreender: a ação


governamental tem um código procedimental e simbólico, uma determinada linguagem. É preciso,
ao ator interessado, formular o problema que levanta nos termos da ação política e pública: saber
a que portas bater, que autoridades têm a possibilidade (legal, material) de intervir no assunto (ou
de poder converter-se em intervenientes legítimos em futuro previsível), como formular os pedidos
(linguagem, conteúdo técnico) para que seja inteligível, e em que momento. Isso explica em grande
medida a força das estruturas clientelistas16 em pequenas cidades do interior, pauperizadas, em
que os recursos externos a uma comunidade, dos quais ela depende (toda a estrutura de serviços
públicos prestada por entidades externas), são intermediados pelas lideranças locais, que são as que
detêm o know-how para formalizar a solicitação, credenciar-se como gestores locais e atuar como
interlocutores dos provedores externos.

15
O que não impede, como deixa claro o texto, a proposição de tais ações públicas, mas obriga os seus defensores e formuladores
a trabalhar nelas tendo em conta o caráter bastante indireto e as possibilidades limitadas da intervenção governamental.
16
Recorde que já apresentamos neste capítulo os traços essenciais das relações políticas clientelistas.

29
Capítulo 3
O papel do Estado

Você poderá estar-se perguntando: mas se há tanta gente envolvida, a ação pública tradicional não
conta para nada?

Estudamos durante tanto tempo Gestão Pública, técnicas de análise e formulação de cenários,
para virem nos dizer que são os atores políticos que demandam as ações do Estado? Para quê
serviriam os dirigentes políticos se apenas se limitassem a atender aleatoriamente às demandas
que lhes chegam? E para quê aperfeiçoar a instituição estatal, se não influenciaria o atendimento
às necessidades da população?

Ponderações interessantes e importantes. De fato, o papel do Estado como instituição e dos seus
dirigentes (políticos eleitos e servidores públicos profissionais) é muitíssimo importante: eles têm a
possibilidade de tomar em mão grande parte do controle da agenda, pois manejam a informação e
a capacidade de mobilizar vastíssimos recursos em favor dos problemas e ações que formulem. A
moderna teoria política das democracias desenha um processo político formal-institucional parecido,
em suas linhas gerais, ao esquematizado na “ascensão democrática representativa”: os partidos
e organizações políticas, como intermediários, captam as manifestações da demanda popular e
traduzem-nas nas respectivas ofertas eleitorais, apresentando à deliberação do povo em eleições
periódicas o conjunto de problemas que os candidatos propõem à agenda. Vencedor na contenda
eleitoral, o partido governante então traz para a prática as medidas submetidas à aprovação popular17.

Esse processo, em democracia, de fato ocorre, e não se levanta qualquer dúvida quanto a isso. Toda
a discussão deste capítulo não pretende negar essa realidade central: o que é preciso é lembrar
que esse não é o único processo nem o governo é o único ator. O governo (assim entendido como
aqueles que detém a autoridade formal e o acesso aos meios da instituição estatal) é um ator,
importantíssimo ator, mas tem necessariamente de interagir com outros muitos atores (sindicatos,
organizações empresariais, imprensa, apenas para nomear alguns de imensa importância) e com
outros muitos públicos, tanto para levar adiante a sua agenda quanto para responder às agendas
que lhe são trazidas por terceiros.

Observe esta pequena história.

Há um diálogo entre a prática e a teoria cujo tema é o verbo planejar. A


professora D. Prática pede à Senhorita Teoria Normativa: “Conjugue o verbo
planejar”. A Senhorita Normativa responde: “Eu planejo..”. “Muito bem,
continue”, diz-lhe D. Prática. “Já terminei, professora”, responde a Senhorita
Normativa. (MATUS, 1989, p. 37)

Em seu combate às concepções mecanicistas de planejamento e gestão governamental, que pressupõem


ser o Estado ator único e onisciente, Carlos Matus desenvolveu um conjunto de trabalhos essencial

17
Uma descrição simplificada e didática desse processo, sob o ângulo dos partidos políticos, pode ser encontrada em NOGUEIRA,
2006, pp. 117-119.

30
Surgimento de um Problema Público │ UNIDADE I

para todos os que se interessam pela arte e ciência de governo. Seu enfoque é o de gestão (como
resolver os problemas colocados), distinto do nosso foco principal, mas para bem analisar como gerir
o Estado, Matus tem de inserir a sua atuação precisamente no ambiente de múltiplos atores. Dessa
inserção podemos retirar conceitos extremamente úteis para aprofundar a nossa discussão sobre o
papel do Estado na formação da agenda.

Em que medida, então, a realidade afasta-se do “modelo ideal” que delineamos acima? Lembra-nos
Matus (1987, p. 162) que:

Os processos de ganhar eleições, fazer planos de desenvolvimento à maneira


tradicional e produzir medidas durante o governo respondem a dinâmicas
de distinta natureza, guiadas por distintos critérios de eficácia, em contextos
muito diversos, e protagonizadas por agentes diferenciados [...]. Na instância
eleitoral, os agentes são distintos dos que atuam no momento do plano
econômico de governo e da ação de governo. Os critérios de eficácia, as
restrições e as relações de forças que pesam são também distintas. O clima
eleitoral e as instituições eleitorais geram motivações e práticas quase opostas
às do ambiente de governo a partir do Estado, [ambiente esse] que rodeia
o cálculo do plano econômico e a administração burocrática ordinária dos
organismos públicos.

Com maior precisão, o conceito de “triângulo de governo” evidencia a força e os limites do papel
estatal em todas as etapas do ciclo de políticas (MATUS, 1987, p. 17):

Figura 5 – O “Triângulo de Governo” de Matus

PROJETO DE GOVERNO

GOVERNABILIDADE CAPACIDADE DE GOVERNO

O dirigente estatal eleito traz consigo as ideias e demandas que ofertou ao eleitorado para compor
a agenda, inclusive com propostas concretas de solução: é o seu “projeto de governo”, que será
um componente essencial no processo de formação da agenda dos problemas públicos18. Ao agir,
porém, esse dirigente defronta-se com os interesses, recursos e estratégias de todos os demais
atores em cada um dos itens de sua agenda, e nos problemas que esses próprios atores sustentam
independentemente do governo – essa é, em uma formulação simples, a “governabilidade do
sistema”19. Além disso, o agente público encontra-se limitado pelas forças e fraquezas de sua própria

18 Por “projeto de governo” não se entenda um único documento ou instrumento institucionalizado: refere-se ao conjunto de
decisões, opções e escolhas deliberada e ativamente assumidos pela autoridade pública por iniciativa própria.
19
Mais precisamente, a governabilidade do sistema é uma relação entre as variáveis que um ator controla e não controla no
processo de governo, em relação à ação do dito ator. Quanto mais variáveis decisivas controlam maior a sua liberdade de ação
e maior, para ele, a governabilidade do sistema. Quanto menos variáveis controla, menor sua liberdade de ação e menor a
governabilidade do sistema. (MATUS, 1989, p. 35).

31
UNIDADE I │ SURGIMENTO DE UM PROBLEMA PÚBLICO

capacidade gerencial e pela capacidade institucional do aparato público cuja chefia assume – a
“capacidade de governo”20.

É nesta interação complexa que atua a autoridade pública no processo de formação da agenda. Seu
papel como ator na formação de sua própria agenda é veiculado por excelência em seu projeto de
governo, porém:

[...] a eficácia da ação, em uma situação concreta, depende também, e, às vezes,


com força maior, de outras duas variáveis: a envergadura e o conteúdo do
projeto de governo, e a governabilidade que o sistema social apresenta e gera
ante a tentativa de realizar o projeto de governo.

Nessa tentativa de mudar, a equipe de governo está limitada por suas


capacidades, que serão desafiadas em medida proporcional à ambição do
projeto de governo e à dificuldade para mudar expressa pela governabilidade
do sistema, Por sua vez, a governabilidade do sistema não é indiferente a
capacidade do governo nem à profundidade das mudanças pretendidas pelo
projeto de governo.

As relações de força políticas e econômicas, internas e externas, geradas


em torno da equipe de governo e de seu projeto, explicam o balanço da
governabilidade. É um sistema triangular no qual a capacidade de governo, o
projeto de governo e a governabilidade influenciam-se mutuamente. (MATUS,
2000, pp. 16-17)

Em síntese, o atendimento das necessidades dos cidadãos depende, e muito, do acerto das ações
da autoridade pública, inclusive para que tais necessidades sejam corretamente identificadas
e priorizadas na agenda. Essa ação governamental, porém, não se faz no vácuo ou subjugando
automaticamente todos os demais agentes sociais. Pelo contrário, faz parte da melhor arte de
governar a interlocução lúcida com todos os demais atores e públicos no processo múltiplo de
formação da agenda, inclusive para maximizar a influência que sua própria dimensão e importância
tem nessa definição dos problemas a enfrentar.

Olhando para frente e para trás


Tratamos, individualmente, dos principais aspectos da etapa de identificação dos problemas,
dentro do modelo referencial de ciclo de políticas. Nesse particular, terá ficado claro que, pela sua
inafastável dimensão cognitiva, a inserção de um problema na agenda pressupõe uma definição
prévia das formas como vai ser enunciado e discutido, definição essa que influencia em grande
medida a etapa posterior de formulação de soluções.

Nossos instrumentos e conceitos também aqui estão em evidência: a formação da agenda é o


momento em que mais caracteristicamente se nota a influência da politics sobre a policy. Da mesma

Acervo de técnicas, métodos, destrezas e habilidades de um ator e sua equipe de governo para conduzir o processo social rumo
20

a objetivos declarados, dados a governabilidade do sistema e o conteúdo programático do projeto do governo. [...] A capacidade
de governo se expressa em capacidade de direção, de gerência e de administração e controle. (MATUS, 1989, p. 35).

32
Surgimento de um Problema Público │ UNIDADE I

forma, a formação de agenda é o momento em que os interesses se vão articulando em torno do


assunto, portanto um momento privilegiado para formular hipóteses sobre qual das policys arenas
melhor enquadraria a questão envolvida. Também a policy network comparece em sua dimensão
analítica: fica claro que atores e públicos são o embrião, já nessa fase tão preliminar, da rede de
políticas que se vai formar em torno do problema envolvido.

Em contrapartida, não se veem com clareza os inputs, outputs e outcomes. E isso ocorre por uma
razão bem clara: a policy que os mobiliza e gera está ainda por se formar (o que reforça o caráter
instrumental e aplicado dos referidos conceitos).

Mas, e agora? Os atores conseguiram formular seus problemas e colocá-los sob os


cuidados e o interesse ativo da autoridade governamental. Encerra-se aí o jogo de
influências e interesses?

Assumida a demanda a ele colocada, o quê e como atuará o agente público que por
ela se responsabilize?

33
Formulação
e Escolha de Unidade iI
Alternativas de
Políticas

Capítulo 1
Compreensão do problema

Antes de começar a leitura do texto, reflita sobre as observações a seguir:

»» É preciso, contudo, que as sociedades, sejam o que forem, se governem: é forçoso


que haja um Estado de qualquer espécie. E esse Estado é chamado a governar uma
coisa que não sabe ao certo o que é, a legislar para uma entidade cuja essência
desconhece, a orientar um agrupamento que segue (sem dúvida) uma orientação
vital que se ignora, derivada de leis naturais que também se ignoram, e que pode
portanto ser bem diferente daquela que o Estado pretende imprimir-lhe.

»» Assim, o mais honesto e desinteressado dos políticos e governantes nunca pode saber
com certeza se não está arruinando um país ou uma sociedade com os princípios e as
leis, que julga sãos, com que se propõe salvá-la ou conservá-la. (PESSOA, 2006, p. 41)

O grande poeta Fernando Pessoa, em uma faceta pouco conhecida de sua biografia, era um atento
observador da cena econômica de sua época, tendo trabalhado como correspondente de várias casas
comerciais em Lisboa. A partir dessa experiência, ele nos faz essa advertência em tons bastante
dramáticos: a ação do Estado se faz sobre uma realidade que ele sequer começa a conhecer, ele
ignora as relações de causa-efeito que dariam a lógica a suas intervenções. Desconhece, enfim, as
“leis naturais” que deveriam ser seguidas por qualquer ação sobre a sociedade.

Podemos então perguntar: sabendo os efeitos que queremos atingir, tendo fixado, de um modo
ou de outro, a agenda pública, como poderemos saber o quê e como fazer? Diante de tantas
indeterminações e desconhecimentos, que processos permitem ao agente público escolher quais
serão, na prática, as ações mais adequadas às finalidades que quer promover?

Vamos à leitura do texto. Nele, discutiremos o momento em que, tendo sido atingido um determinado
consenso favorável à inclusão de um problema na agenda da ação pública, o agente público decide,
concretamente, quais são as ações que virá a levar adiante. Estamos agora diante da fase estritamente
chamada de tomada de decisão (decision-making), que tem características que a individualizam
dentro do processo de formulação de Política Pública (policy formulation) (NOGUEIRA, 2006. p.

34
Formulação e Escolha de Alternativas de Políticas │ UNIDADE II

191), tanto quanto do processo mais geral de gestão de organizações. Nessa fase, estamos em meio à
tarefa de “compreender o problema” (parte dessa compreensão envolve a inserção na agenda, mas
parte fica por fazer), para depois “desenvolver as soluções” possíveis.

Introdução – a decisão como um processo


A tomada de decisão termina por ficar entre a formação da política e a
implementação... no entanto, [ambas] estão profundamente interrelacionadas,
com decisões afetando a implementação e a implementação inicial afetando
estágios posteriores de tomada de decisão que, por sua vez, afetam
implementações posteriores. A tomada de decisão não deve, portanto,
ser vista como um processo passivo ... decisões são processos e as decisões
iniciais são frequentemente apenas vagos sinais de direção, ensaios iniciais, ou
experiências-piloto para posteriores especificações e revisões.21

Quando seguimos o nosso roteiro analítico do modelo de ciclo de políticas, vemos que também
existem maneiras sistematizadas de dar as respostas às questões que, pela inclusão na agenda
pública, recebem da sociedade a legitimidade para recebê-la. Diante de um problema público aceito
como tal, é preciso primeiro estudá-lo para diagnosticar suas causas e efeitos, e possíveis soluções.
Nessa fase, começa-se por estudar e desenvolver esse leque de soluções, gerando propostas de
resposta ao problema que motivou a ação do ente público. Tal leque pode então ser apresentado
à pessoa ou colegiado que tem a autoridade legítima para, falando em nome do ente público
considerado, converter uma solução particular em Política Pública oficialmente adotada, momento
em que tipicamente se pode identificar o surgimento de políticas específicas de ação, isto é, de ações
intencionais e organizadas, originárias da autoridade pública, com o fim específico de responder a
um problema suscitado na agenda22.

Desde agora, um necessário esclarecimento: é claro que escolhas e decisões, num sentido lato, são
feitas a cada momento da gestão pública. Assim, os atores “decidem” o que vão defender na agenda
pública, ou o agente público encarregado da aplicação de uma determinada medida “decide” utilizar
tais ou quais recursos para atingir os objetivos que lhe são fixados. Porém, como bem descreve o
trecho de Etzioni que abre esta seção, existe um ponto do ciclo de políticas em que as escolhas se
referem às grandes linhas do objetivo a perseguir e dos meios a utilizar para solução dos problemas
da agenda. Ainda que mantendo fortes vinculações com as decisões posteriores que a desdobram, a
decisão básica adotada nessa etapa do ciclo de política tem um papel próprio que a torna identificável
e que permite abordá-la analiticamente.

Portanto, nosso exame neste capítulo tem por objeto a “decisão” tal como descrita nos parágrafos
antecedentes, e não a generalidade das escolhas individualmente adotadas por qualquer agente ao
longo do ciclo de políticas.
21
Etzioni, A. The active society: a theory of societal and political processes. New York: Free Press, 1968. pp. 203-204. apud
Parsons, 1989, p. 245.
22
Mény; Thoenig (1992, pp. 136-139) denomina estas duas grandes etapas de “fase de formulação” e “fase de legitimação” da
decisão. Ainda que as duas denominações tenham um sentido teórico preciso e rigoroso, e descrição do processo decisório
empregue em grande medida os conceitos apresentados pelos autores acima, não as utilizaremos aqui, por precaução a que se
confundam com outros termos constantes do texto.

35
UNIDADE II │ FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS

Naturalmente, o processo é muito mais complexo, no entanto mesmo esta descrição sintética já põe
em relevo alguns aspectos importantes que não podem escapar à nossa atenção:

»» a decisão envolve não apenas a escolha, mas a preparação das alternativas dentre as
quais se escolhe; um processo decisório sólido não pode prescindir do investimento
no estudo do diagnóstico do problema e das alternativas a desenvolver, e um bom
decisor não pode sê-lo se descuida desse investimento na preparação e suporte à
decisão;

»» dizemos soluções, no plural, para enfatizar que de uma forma geral existem várias
soluções distintas para um problema colocado à ação governamental; cada decisão
terá seus custos e benefícios, tanto materiais quanto políticos e simbólicos, e o
processo de decidir vai além do mero tecnicismo de maximizar equações – implica
um juízo de valor entre várias alocações distintas de custos e benefícios entre
agentes e grupos sociais.

Dentro desse marco, é preciso reconhecer que o encadeamento das atividades do processo decisório
está longe de ser linear, tal como se lhe descreve para fins didáticos. Durante esse processo, não
apenas entram e saem de cena numerosos atores – ministros e outros dirigentes de primeiro escalão
no Executivo, parlamentares interessados na política específica, técnicos e gerentes das agências
públicas envolvidas, e até mesmo lobistas e outros agentes privados (geralmente detentores de
sofisticados recursos de acesso dentro mesmo do governo), cada um com seus próprios recursos e
papéis de intervenção dentro do estudo e eleição de alternativas. A análise do problema também pode
sofrer atrasos, paralisações ou acelerações – são bem conhecidas, no Brasil, as situações, de impasse
e imobilização de projetos de obras públicas em função da intervenção de órgãos de fiscalização
ambiental (ausência ou denegação de licenciamento ambiental), assim como a grande – e por vezes
artificial – velocidade que adquirem as providências decisórias em projetos e programas selecionados
para comporem pacotes de medidas utilizados como “vitrine” política do governo de turno.

Sigamos, então, em maior detalhe, o processo de decisão.

Formulação e análise de alternativas


Mais importantes que o próprio processo de decisão são as premissas ou os
passos prévios à decisão.

Mediante o controle dos programas prévios à decisão se condiciona o seu


conteúdo. Nesse ponto o elemento crítico é que o ator que ostenta formalmente
a prerrogativa decisória não é o único, nem, muitas vezes, o mais importante,
que participa no processo de decisão, já que divide esse poder com os atores
que controlam e filtram os fluxos de informação prévios, e também posteriores,
à decisão. (MAS; RAMIÓ, 1997, p. 228)

Inicialmente, os responsáveis políticos, os gabinetes, os serviços e as estruturas técnicas, realizam


estudos para “digerir” o problema em questão, identificar os parâmetros que o provocam, mobilizar
o conhecimento disponível (dados brutos, fatos e teorias), e por fim estabelecer um diagnóstico.

36
Formulação e Escolha de Alternativas de Políticas │ UNIDADE II

É preciso enfatizar a importância do diagnóstico: toda Política Pública tem subjacente uma teoria
de mudança social.

Isso significa que uma relação de causa e efeito está contida nas disposições da ação pública
considerada – o agente público pretende causar determinada mudança na sociedade, então deve
mobilizar ações e recursos que, aplicados à realidade social, causem a mudança na direção desejada.
O decisor governamental comporta-se como um operador que aposta que, ao intervir de uma
determinada forma, produzirá tal ou qual consequência – é portador de uma representação das razões
pelas quais se gerará essa consequência, uma antecipação do encadeamento de acontecimentos
entre suas próprias realizações e os efeitos externos.

Tomemos um exemplo23: diante do problema da ocorrência de trabalho infantil, estabelece-se um


diagnóstico de suas causas principais, centradas na precariedade econômica das famílias que as
obrigaria a encaminhar crianças ao trabalho precoce. A partir daí, a análise governamental considera
que a mudança no comportamento das famílias será obtida com a intervenção assistencial oferecendo
renda adicional para as famílias que mantiverem crianças na escola. Portanto, a análise prevê que
um determinado efeito (a retirada das crianças do trabalho) decorrerá de uma intervenção pública
(a concessão de pagamentos mensais a famílias com crianças em situação de trabalho).

Figura 6 – Vinculação entre diagnóstico e propostas

DIAGNÓSTICO
CARÊNCIA ECONÔMICA CAUSALIDADE CRIANÇAS EM SITUAÇÃO
REALIZADO PELO
DAS FAMÍLIAS DE TRABALHO
DECISOR PÚBLICO

CARÊNCIA ECONÔMICA CAUSALIDADE CRIANÇAS EM SITUAÇÃO PROPOSTA DERIVADA


DAS FAMÍLIAS DE TRABALHO DO DIAGNÓSTICO

$$ PAGAMENTO PERIÓDICO EM
DINHEIRO ÀS FAMÍLIAS

Perceba na Figura 6 a vinculação essencial entre o diagnóstico e a solução a ser adotada: a


intervenção se faz sobre as causas identificadas, portanto, o diagnóstico dos fatores de causalidade
condiciona, em grande medida, as ações. Nesse exemplo, o diagnóstico circunscrito à situação
da família (trazendo implícito o juízo de que a penúria econômica tornaria impossível à família
adotar outra estratégia de sobrevivência que não o de promover o trabalho de seus membros
em idade infantil) faz com que a ação de erradicação do trabalho infantil não intervenha sobre
a responsabilidade civil e penal dos responsáveis por tais crianças (na medida em que permitem
e mesmo sustentam situações socialmente condenáveis, em abuso da condição de guardiães dos
menores), e tampouco sobre a mesma responsabilidade, possivelmente maior, daqueles que se

Exemplo baseado em TCU, 2003, especialmente pp. 70-71.


23

37
UNIDADE II │ FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS

beneficiam da “contratação” de crianças em suas atividades econômicas. Dessa forma, limitam-se


as intervenções públicas às causas que foram diagnosticadas (o que faz com que esse programa
específico não tenha nenhuma medida de caráter repressivo sobre os responsáveis adultos que se
beneficiam do trabalho das crianças, seja empregando-as, seja beneficiando-se diretamente do
rendimento que auferem24).

A partir daí, mapeado o problema e o conhecimento disponível, estabelecido o diagnóstico possível


à administração pública, a imaginação, mais ou menos criativa, terá que mobilizar-se para suscitar
alternativas e delinear um estado desejável ao qual a política em questão deverá conduzir o problema.
É preciso então desenhar e desdobrar as soluções, extraindo-lhes as consequências, antecipando e
descrevendo os méritos e inconvenientes de cada uma, os efeitos que induzirá (comparados com
os efeitos buscados) e a evolução estimada do problema considerado após adotada a escolha por
alguma delas.

Nesse ponto, é válido considerar a não atuação como uma das alternativas, ponderando-se os
resultados de cada uma das ações perante a alternativa de não intervir, contando com a evolução
espontânea dos fatores que originam o problema.

Aqui estamos diante idas e voltas entre a simplificação e a complexidade: os diferentes aspectos das
políticas (objetivos, soluções, efeitos) têm de ser compreendidos. Portanto, têm de ser reduzidos a
modelos cognitivos, modelos esses que, necessária e deliberadamente, reduzem a complexidade da
realidade a proporções intelectualmente tratáveis. No entanto, tal redução não pode ser excessiva,
sob pena de simplificar até a caricatura os problemas sociais (com reducionismos do tipo “bandido
bom é bandido morto” ou “quem fala em direitos humanos dificulta o trabalho policial” para
“analisar” os problemas de segurança pública e criminalidade25).

Já nesse estágio, portanto, a substância e o processo estão profundamente misturados: nem


os objetivos concretos estão definidos desde o princípio (à medida que objetivos gerais do tipo
“reduzir o analfabetismo” ou “aumentar a competitividade das empresas do país no exterior”
necessitam ser traduzidos ou desdobrados em objetivos concretos para que uma política ganhe
forma), nem os meios de ação são catalogados automaticamente de forma dedutiva. Ao contrário,
a explicitação detalhada dos objetivos e a exploração dos meios a utilizar progridem de forma
paralela, por iterações sucessivas. Aqui também se contrastam os valores ou as ideologias (o que
queremos fazer) com as considerações de viabilidade e realismo (o que conseguiremos fazer na
prática), dando a um processo que aparentemente seria de caráter exclusivamente técnico um
surpreendente elemento de cálculo político. Afinal, as alternativas que se vão apresentar ao decisor
são cálculos sociais que mesclam a viabilidade política (“O objetivo e a solução são admissíveis
para terceiros?”, “São aceitáveis para quem deve decidir?”) com a racionalidade técnica (“O
objetivo e a solução são pertinentes e compatíveis entre si?”, “A solução é factível diante dos meios
disponíveis ou a obter“).

24
Não estamos desconsiderando o fator causal da penúria, nem a validade da intervenção assistencial, que é inegável. Salienta-se,
aqui, que o trabalho infantil não tem apenas como causa a precariedade das famílias, sendo também influenciado pelos interesses
de adultos (tanto nas próprias famílias como na condição de empregadores) nesse tipo de trabalho degradante, absolutamente
relevantes diante da situação de incapacidade da criança de decisão autônoma. Na medida em que existam tais influências causais
igualmente relevantes (interesse de adultos), uma política de erradicação do trabalho infantil não poderia deixar de intervir,
também pela via repressiva, nesses interesses.
25
Exemplos de reducionismos extraídos de Soares, 2000, p. 43.

38
Formulação e Escolha de Alternativas de Políticas │ UNIDADE II

Processamento das alternativas


Já discutimos a importância e os reflexos do processamento (formulação e análise) das alternativas
de decisão. Mas você pode perguntar: num texto que estuda a elaboração das políticas, não seria
necessário tratar do “bom” assessoramento à decisão? Quais seriam os fatores que, observados, fazem
com que o trabalho de formulação e análise de alternativas gere resultados mais ricos ou úteis?

A pergunta é pertinente: ainda que não seja um “manual do gestor de políticas”, nosso curso deve
fornecer elementos para melhor exercer o processamento de políticas (ou, o que dá no mesmo neste
caso, critérios para avaliar a qualidade desse processamento). Tomamos por base, nesse caso, um
roteiro da entidade de auditoria governamental do Reino Unido (NAO, 2001) que tem por finalidade
exatamente sistematizar a experiência comparativa de todos os departamentos governamentais
e fornecer subsídios para garantir que as Políticas Públicas gerem valor em troca dos recursos
fornecidos ao Estado pelos cidadãos26.

Alguns pontos devem ser observados ao se desenhar as alternativas para uma Política Pública cuja
necessidade foi identificada pelo agente ou entidade pública. Tais passos têm por finalidade, em
conjunto, avaliar a natureza do problema a ser enfrentado, estimar como as políticas desenhadas
poderão vir a desenvolver-se na prática e, por fim, identificar e avaliar os riscos para o sucesso dos
objetivos formulados. Vejamos tais orientações individualizadamente.

Avaliar a natureza do problema a


ser enfrentado
Inicialmente, a política deve ser desenhada a partir de uma compreensão, a mais lúcida possível, do
problema a ser enfrentado. Para isso, alguns passos devem merecer a atenção dos responsáveis pela
análise das políticas.

Focar a análise nos componentes principais


do problema
Cada problema público que demanda uma política tem, provavelmente, uma multiplicidade de
causas. A eficácia da resposta depende fortemente da capacidade do formulador da política em
identificar as causas mais importantes, para focalizar a ação nessas causas, concentrando nelas os
recursos da intervenção pública (isto é, concentrando a intervenção naqueles aspectos que, quando
afetados pela política, mais provavelmente ocasionem efeitos sobre o problema final).

Além do caso que apresentamos (erradicação do trabalho infantil), o NAO exemplifica a focalização
por meio do programa de combate ao analfabetismo no Reino Unido: das muitas causas prováveis
para esse fenômeno (origem e condição social da família, relações intrafamiliares, número de alunos
por turma ou outras condições dificultadoras nas escolas, falta de materiais didáticos). Estudos
estatísticos prévios identificaram forte correlação entre menores padrões de alfabetização e baixa

NAO, 2001, especialmente pp. 37-48, publicação que serve de base para toda esta seção e está na biblioteca do curso.
26

39
UNIDADE II │ FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS

qualificação profissional dos professores; em função disso, os esforços foram concentrados no


treinamento e qualificação dos professores nas habilidades específicas relacionadas à alfabetização.

Recolher e organizar os conhecimentos e as


experiências adquiridas
Muitas situações que se apresentam a um formulador de política não são novas. Os entes
governamentais possuem uma considerável experiência acumulada (embora, muitas vezes, no caso
brasileiro na maioria delas, essa experiência não esteja sistematizada ou organizada). Investir no
estudo da experiência anterior é essencial para não “reinventar a roda” e também para não repetir
erros que foram cometidos anteriormente.

Esse ponto faz lembrar, de imediato, a crescente importância que vem assumindo o tema de “gestão
do conhecimento” nas organizações: organizar, classificar, sistematizar a informação disponível, para
que o acesso a ela posteriormente seja o mais eficiente possível. Remete-nos também à etapa final do
ciclo de Políticas Públicas, a avaliação é, entre outros objetivos, o meio por excelência de incorporar,
de forma consciente e ordenada, a experiência passada no processo decisório do presente:

[...] a ideia que há por trás da avaliação, no sentido que lhe estamos imprimindo,
é integrar dentro de um novo esquema o melhor das estruturas, das atividades
e dos recursos existentes no programa, modificando aquilo que já não resulta
útil, correto ou eficaz e aprendendo da experiência realizada. (NIRENBERG;
BRAWERMAN; RUIZ, 2003, p. 46)

A avaliação assume valioso papel para subsidiar o desenvolvimento de novas alternativas de


políticas. O alerta aqui, porém, é o de que mesmo não estando já disponíveis relatos organizados
da experiência anterior, é sempre útil investir tempo e recursos em pesquisar situações
precedentes e problemas já ocorridos.

O NAO descreve o grande investimento que uma empresa multinacional de tecnologia da


informação faz na montagem de redes internas de comunicação entre os seus funcionários para
que compartilhem sistematicamente entre si os problemas enfrentados e as soluções encontradas,
gerando grandes ganhos com a disseminação das inovações e a capacidade de tratamento rápido
dos problemas surgidos.

Outro exemplo dá conta do risco de não utilizar a experiência acumulada (COHEN; FRANCO, 1993,
pp. 291- 299):

a avaliação, em 1985, de um programa de nutrição escolar promovido na


Argentina para todas as escolas públicas mostrou que a maior parte das crianças
que compunham o público-alvo recebiam, na merenda, menos calorias que o
valor mínimo diário biologicamente necessário, ocorrendo ao mesmo tempo
uma discriminação dentro das próprias famílias, na crença de que as crianças
já “comiam na escola”, o resultado final era que os efeitos do fornecimento de
alimentação sobre o rendimento escolar eram negativos, ao contrário do que

40
Formulação e Escolha de Alternativas de Políticas │ UNIDADE II

se esperava. Portanto, prosseguir ou recomeçar o programa nas condições em


que era aplicado representava o risco de continuar prejudicando os supostos
beneficiários do esforço da Política Pública.

Consultar os interessados
Aqueles diretamente afetados pelas circunstâncias que fazem necessária a política, junto com aqueles
que sofrerão impactos significativos do tratamento da questão, geralmente têm o conhecimento
mais amplo e lúcido do assunto. São também conhecidos pelo como stakeholders, aqueles que
detêm interesses relevantes (stakes) no tema em questão.

Naturalmente, as manifestações dos stakeholders têm, na maioria das vezes, um certo viés em
função dos interesses particulares que cada um tem no resultado da política. No entanto, uma
compreensão clara do assunto a ser tratado na pode dispensar a consulta dos interessados com
maior envolvimento no assunto (por exemplo, o público-alvo, ou aqueles que terão interesses
contrariados em função de algumas alternativas escolhidas), quer seja mediante interlocução direta
– entrevistas em profundidade, grupos focais – quer seja por meio de pesquisas de opinião dirigidas
a um universo mais numeroso de interessados. Em um trabalho bastante prático disponibilizado
aos seus auditores e ao público em geral, o Tribunal de Contas da União aponta as várias vantagens
da consulta aos interessados.

A análise stakeholder pode ser utilizada para:

»» identificar pessoas ou grupos de pessoas interessados na melhoria do desempenho


de suas instituições e obter seu apoio para introduzir mudanças;

»» identificar conflito de interesses entre as partes envolvidas, possibilitando, dessa


forma, diminuir os riscos envolvidos no desenvolvimento de um programa/projeto;

»» obter grande quantidade de informações sobre um determinado programa/projeto;

»» desenvolver estratégias que permitam implementar efetivamente a melhoria do


desempenho.27

Os stakeholders atende desempenhar papel na transmissão de informação e na pressão política por


soluções que atendam aos seus interesses – também é um componente indispensável da própria
análise técnica feita para o suporte à decisão. A consulta aos interessados, portanto, está longe de
ser um simples “tráfico de influências” – ao contrário, introduzi-la abertamente como uma etapa da
análise, documentando e registrando as consultas de forma transparente, termina por ser uma força
poderosa para minimizar a assimetria de poder que uns interessados têm frente a outros para fazer
chegar a sua posição ao decisor: se parte da própria instituição pública consulta a todos os potenciais
interessados e faz publicidade de seus resultados, torna-se mais difícil para alguns deles extraírem
vantagens de um “acesso privilegiado” para transmitir informação e buscar a persuasão em defesa
27
TCU, 2001, p. 8. A publicação indicada é um guia bastante prático para operacionalizar a consulta aos interessados em um
determinado programa de governo e analisar seus resultados. Pode ser encontrada também na página Internet do Tribunal de
Contas da União (<www.tcu.gov.br>).

41
UNIDADE II │ FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS

de seus interesses particulares. É importante considerar, para isso, os meios de interlocução: uma
entidade empresarial de âmbito nacional, por exemplo, está perfeitamente equipada para responder
com fluência consultas feitas por um ofício de um órgão público, produzindo análises e argumentos
extensos em defesa de suas posições. Mas a escuta de populações de rua (potenciais beneficiários
de um programa de assistência social, para saber a sua visão ou posicionamento sobre alguma
medida de remoção que se pretenda adotar) depende de um contato pessoal, verbal e direto com
alguns de seus componentes, que pela sua própria condição não têm representação organizada nem
capacidade de diálogo formal.

Algumas objeções a essa ampla consulta são levantadas em função da possibilidade de que, ao
circular informação sobre medidas ainda em gestação (que podem ou não concretizar-se), o
agente público estaria levantando expectativas que poderiam gerar frustrações mais tarde, caso
não se confirmem as medidas discutidas com os interessados ou sejam de natureza distinta. Esse
risco é de certa forma inevitável (ainda que se deva tentar mitigá-lo por meio da transparência do
conteúdo e da natureza das consultas), e os benefícios da abertura aos interessados certamente
superam tais riscos.

O NAO relata o esforço que administrações locais britânicas em promover rodadas periódicas de
consulta (entrevistas em grupos e pesquisas quantitativas de opinião), daí resultando por exemplo
a identificação de que os moradores de uma determinada cidade desejavam que a limpeza completa
das ruas fosse feita com periodicidade maior do que a habitual, o que permitiu o direcionamento
de maiores recursos para prioridades escolhidas pelos próprios cidadãos. Levanta também o caso
crítico da “doença da vaca louca” (epizootia da Encefalopatia Bovina Espongiforme) que estalou na
Grã-Bretanha em meados de 1996. Segundo investigação oficial do governo inglês, o Ministério da
Agricultura buscou intensamente desenvolver medidas que minimizassem o risco de transmissão da
doença a seres humanos (risco esse que todos os estudos até então disponíveis não sustentavam). No
entanto, ao não comunicar ao público e aos mais diretamente interessados (inclusive os agricultores
e agentes sanitários responsáveis pelas medidas de defesa animal) a possibilidade de existência
desse risco, o governo terminou por gerar uma sensação generalizada de dissimulação e mesmo
traição quando anunciou, em março de 1996, a suspeita de transmissão da doença a seres humanos.

Já o TCU, ao analisar os stakeholders em relação às políticas de construção naval no Brasil, identificou


que os interesses do maior agente financiador (BNDES) na redução do risco de recebimento dos
empréstimos fazem com que determinados objetivos do financiamento público (disseminação
geográfica de empreendimentos navais de menor porte e rentabilidade projetada menor) sejam
menos prováveis de se atingir mediante os instrumentos até então utilizados (fundos públicos de
financiamento), ainda que os recursos globais aplicados fossem mantidos ou aumentados. (TCU,
2001, p. 14)

Compreender as necessidades e as
características do público-alvo
Consequência inexorável das observações feitas até agora, o conhecimento do público-alvo é indispensável
para o sucesso de uma determinada política. Os seus beneficiários podem ter aspectos comportamentais

42
Formulação e Escolha de Alternativas de Políticas │ UNIDADE II

que impliquem mudanças ou condicionem os resultados da política. Desconsiderá-los pode implicar


efeitos finais inferiores ou mesmo contrários àqueles que se pretende atingir.

Aparentemente banal, essa recomendação deve ser, muitas vezes, repetida porque frequentemente é
ignorada – são frequentes os casos em que o conhecimento real28 sobre as necessidades, fragilidades
e comportamentos dos supostos beneficiários de uma Política Pública é negligenciado. Ora, essa
negligência abre caminho a que todo um esforço seja posto em marcha inutilmente, quer seja por não
atacar os aspectos concretos das necessidades enunciadas na fase de formação da agenda, quer por
desconsiderar restrições ou condicionamentos oriundos do comportamento ou das característica do
grupo mais importante de stakeholders.

As políticas de promoção de igualdade de gênero por meio de incentivos à abertura de pequenos


negócios por mulheres no Reino Unido, como descreve o NAO, tiveram de sofrer várias adaptações
para atender a características das potenciais beneficiárias. Os treinamentos em habilidades gerenciais
tiveram de ser oferecidos a horários compatíveis com responsabilidades familiares, já que tais
cuidados recaíam fortemente sobre esse grupo; o foco da consultoria oferecida teve de concentrar-se
nas questões de gerenciamento do risco de negócio, uma vez que as mulheres do público-alvo tendiam
a ser mais avessas ao risco que a média dos potenciais candidatos a empreendedor.

Outro caso, este clássico, é o da avaliação promovida pelo Tribunal de Contas da União no programa
“TV Escola”. Esse programa se destinava a fornecer a escolas primárias os equipamentos de recepção
por satélite e prover canais de programação de conteúdo para utilização nas atividades escolares.
Para tanto, montou-se um banco de dados das escolas que comporiam o público-alvo do programa:

Ocorre que esse banco de dados já nasceu desatualizado. Na execução descentralizada das compras
dos Kits verificou-se que, em várias escolas com mais de cem alunos, não seria possível instalar o
Kit por falta de energia elétrica, por exemplo, sendo o equipamento remanejado para outra escola.29

Da mesma forma, pretendia-se que os recursos fossem utilizados na sala de aula. Não se observou,
porém, outra característica de um dos grupos beneficiados, os professores:

O Programa TV Escola almeja a melhoria da qualidade do ensino público, disponibilizando


ferramentas para a capacitação continuada do professor, por meio da utilização dos recursos de
TV e vídeo.

Buscando esse objetivo, equipamentos e fitas foram cedidos e instalados em escolas; uma
programação diária foi criada e transmitida por um canal exclusivo de satélite; revistas e grades
de programação foram produzidas e entregues às escolas buscando instruir o uso e mostrar o que
estará sendo exibido no bimestre, enfim, todo um aparato montado para que a escola forme sua
videoteca e a partir dela se dê efetivamente o uso por parte dos professores.

Ocorre que o principal público do Programa, os professores, ainda encontra dificuldades para
assimilação dessa tecnologia como recurso didático-pedagógico. Segundo 41% dos professores
28
Isto é, conhecimento ativamente buscado, mediante pesquisa em campo e de dados secundários relevantes, e não apenas
uma descrição “pro forma” baseada em dados desatualizados ou mesmo nas impressões pessoais dos formuladores das
políticas.
29
Brasil. Tribunal de Contas da União. Decisão 519/2001, Ata 32/2001, Plenário. Diário Oficial da União, 5/9/2001. (item 3.3.2
do Relatório).

43
UNIDADE II │ FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS

entrevistados durante as visitas realizadas pela Equipe de Auditoria em escolas do Acre, Goiás,
Minas Gerais, Paraná e Pernambuco, a falta de capacitação para utilizar o Programa foi considerada
como um fator que compromete muito a sua utilização.30

Formar um plano de trabalho sólido


Não se pode empreender qualquer ação de um mínimo de complexidade sem o apoio de um
instrumento prático de planejamento. O NAO intitula esse instrumento, na tradição do gerencialismo
britânico, de business case, fazendo uma interessante analogia com o proceder de qualquer
empresa privada ao empreender um projeto, investimento ou aquisição de relevância. Qualquer
que seja o nome, porém, é inegável a necessidade de se ter, organizadamente: o registro do leque de
possíveis opções a adotar; uma avaliação dos respectivos custos; a identificação dos responsáveis
pela implementação (e uma avaliação de sua capacidade de executar tais responsabilidades); uma
relação – a mais precisa possível – de quem se pretende beneficiar ou impactar diretamente com a
política; e quais os mecanismos de gestão a serem empregados.

Ainda que o formato e as informações que componham o plano de trabalho devam ser adaptadas
às necessidades particulares de cada entidade ou programa, existindo na tecnologia gerencial um
sem-número de modelos, recursos e ferramentas para a sua preparação. Ainda que seja necessário,
um esforço de síntese para resumir o plano de trabalho aos elementos principais, esses elementos
básicos de planejamento têm de ser preparados solidamente na fase de análise de alternativas,
sendo o veículo principal de transmissão organizada (e acessível) de informação ao tomador de
decisão – veremos logo adiante como é imprescindível que a massa de informação processada na
fase de análise seja estruturada e apresentada de forma sistematizada e coerente ao responsável
pela eleição de alguma entre as alternativas.

A implantação na Petrobras de um sistema de gestão integrada de informações corporativas


(ERP) representa um investimento de grande porte, dada a dimensão da empresa, comparável
em valor, tamanho e complexidade com boa parte dos programas e das políticas governamentais.
Este projeto contou com a elaboração de um estudo onde se sintetizassem os custos e benefícios
do projeto:

15.2 Analisemos o processo que culminou na escolha do SAP R/3. O Relatório


de Seleção de Parceiros (fls. 168/184, Vol. Principal) traz o processo que
originou a escolha do SAP R/3 e, como integrador, a consultoria Ernst &
Young. Foi realizado um longo estudo, sendo iniciado em meados de 1997.
Nesse ano, foram realizadas visitas a diversas empresas, foi autorizada a
realização de um “Business Case” (Estudo de Retorno de Investimento) e
em setembro, foi constituído um Grupo de Trabalho, com a assessoria da
empresa Symnetics31.

30
Brasil. Tribunal de Contas da União. Decisão 519/2001, Ata 32/2001, Plenário. Diário Oficial da União, 5/9/2001. (item 3.3.2
do Relatório).
31
Brasil. Tribunal de Contas da União. Acórdão 279/2001, Ata 49/2001, Plenário. Diário Oficial da União, 19/11/2001. (item 15.2
do Relatório).

44
Formulação e Escolha de Alternativas de Políticas │ UNIDADE II

Estimar como as políticas desenhadas


poderão vir a desenvolver-se na prática
Formulada e desenvolvida uma opção qualquer, é essencial tentar antecipar, com a precisão possível,
como a política sugerida virá a ser posta em prática: é preciso identificar as restrições concretas que
terão de ser superadas para o sucesso da alternativa pretendida; é necessário refinar e dar maior
consistência às estimativas de custos e impactos; essa é também a oportunidade de minimizar a
possibilidade de que alguma parte dos potenciais beneficiários seja involuntariamente excluída dos
efeitos da política pretendida. Por fim, essa avaliação inicial é um momento valioso para estabelecer
as primeiras abordagens de avaliação da política (discutindo a relação entre custos, benefícios e
efetividade) e de sua sustentabilidade ao longo do tempo. Para tanto, alguns dos pontos abaixo
podem ser úteis à consideração do analista.

Desenvolver experiências-piloto
Uma experiência-piloto é uma boa maneira de obter uma avaliação confiável dos possíveis obstáculos
e resultados de uma determinada ação. A um custo relativamente pequeno, as hipóteses adotadas
podem ser postas à prova, as respostas dos beneficiários podem ser observadas, e os custos podem
ter um primeiro orçamento elaborado com dados reais.

Também aí podem ser observados potenciais obstáculos que não foram previstos no desenho original
do programa. A realização de pilotos é particularmente importante em programas ou políticas que
sejam muito grandes, permitindo que o comprometimento de uma elevada soma de recursos seja
precedido de um teste real que ajude a levantar todas essas respostas. Infelizmente, não é uma
cultura muito disseminada no Brasil.

Alguns cuidados, no entanto, são necessários. Da mesma forma que ao fazer um levantamento
amostral (probabilístico ou não) são precisos cuidados intensos para garantir a representatividade
da amostra. A seleção de qual ou quais ações comporão experiências-piloto é muito importante: o
público-alvo beneficiado, as condições iniciais, os recursos empregados, devem ser na maior proporção
possível representativos do universo geral da política. Não se pode dar, nesse caso, definições
absolutamente precisas do que seja “representativo”, na medida em que na maioria das situações
uma experiência-piloto não é uma pesquisa amostral (portanto, não se definem quantitativamente
variáveis e parâmetros). Ao contrário, sua lógica assemelha-se muito mais a um “estudo de caso”,
onde a situação observada pode, e deve, sugerir muito mais conclusões que aquelas que estariam
previamente modeladas num experimento estatístico. No entanto, a representatividade, definida
nos termos qualitativos e, de uma certa forma, imprecisos em que aqui a colocamos, deve ser ao
menos uma preocupação que norteie a formação do piloto. Por representativas, podemos entender
condições (da população-alvo, dos agentes públicos envolvidos, da gravidade do problema original)
que não sejam atípicas, que correspondam às condições que possivelmente apresentem a maioria
das situações a serem cobertas pelo programa32.

32
Em muitos casos, é aceitável uma situação de “caso extremo” em que se aplique uma determinada ação em condições mais
difíceis do que seria normalmente previsível, para verificar a sensibilidade dos resultados a situações iniciais mais precárias
ou difíceis.

45
UNIDADE II │ FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS

Assim, não se deve procurar experiências-piloto onde seja “mais fácil” ou “mais barato” iniciar,
ou onde a população esteja mais propensa a aceitar e colaborar com determinadas medidas,
exatamente porque a “facilidade” buscada no experimento inicial não será repetida na ação
em escala integral. O NAO menciona a tendência de montar as experiências-piloto de novas
políticas a partir dos grupos de agentes mais qualificados ou entusiasmados, o que faria com
que essa qualificação, acima da média dos agentes, superasse eventuais dificuldades, que não
seriam superáveis pelas equipes habituais que implementariam o programa. Por exemplo, testar
uma tecnologia educacional inovadora, a partir de um grupo de professores que fosse aberto à
inovação e fortemente interessado na melhoria dos resultados tornaria o piloto mais fácil e
mais bem-sucedido. No entanto, pouco se aprenderia sobre as possibilidades dessa inovação
no conjunto das escolas, com professores menos motivados e menos qualificados para lidar
com mudanças. Ou seja, a realização de experiências-piloto é um recurso valioso para avaliação
das possibilidades de uma determinada política, mas como tal deve ser tratada com o cuidado
devido a uma aplicação prática da mesma política que se quer implantar.

O TCU relata o caso da Agência Nacional de Vigilância Sanitária que, para implementação de uma
determinada medida, beneficiou-se em grande medida da aplicação de uma experiência-piloto.

42. A extinta SVS/MS editou a Portaria no 801, de 7/10/1998, obrigando o


cadastramento de todos os medicamentos registrados no País por parte das
indústrias farmacêuticas e demais estabelecimentos da cadeia farmacêutica,
no intuito de verificar as informações do registro. Medida similar havia sido
adotada pelo Centro de Vigilância Sanitária da Secretaria de Estado da
Saúde de São Paulo – CVS/SP, que, ainda, desenvolveu um aplicativo
computacional para o cadastro das informações.

43. Conforme informações à fl. 7 – vol. 1, em setembro de 1999, o CVS/SP, com


a colaboração da Anvisa, tornou disponível na Internet o Cadastro Nacional
de Empresas e Medicamentos, um banco de dados estruturado a partir do
cadastro determinado pela Portaria SVS/MS no 801.

44. Participaram do cadastro 305 laboratórios, que informaram a existência do


registro de 9.029 produtos, que totalizam 23.558 apresentações registradas,
estando 58% delas não comercializadas naquele momento. Entretanto, as
informações precisavam ser validadas integralmente pela Agência para terem
efeitos legais.

45. A Agência, preocupada com a qualidade e veracidade das informações


prestadas pelos produtores de medicamentos sobre seus produtos,
desenvolveu um projeto conhecido como Programa Z, destinado a confrontar
as informações dos registros com a “realidade do mercado”, constantes do
Cadastro de Empresas e Medicamentos da CSV/SP, no intuito de validar
tais informações.

46. Uma experiência-piloto de validação integral das informações constantes


no cadastro de registros realizada no final de 1999, com os produtos do
Laboratório MERCK (posteriormente foram incluídos os produtos registrados

46
Formulação e Escolha de Alternativas de Políticas │ UNIDADE II

dos laboratórios ACHE e NOVARTIS), demonstrou a necessidade de uma


revisão crítica dos procedimentos operacionais técnicos herdados da SVS e
adotados, até então, pela Anvisa, em todas as etapas de análise dos processos
de registro de medicamentos e autorização de funcionamento de empresas.
Desde então, a Agência tem editado diversas Resoluções para atualizar
os procedimentos.33

Discutir o desenho proposto com os


responsáveis pela implementação e avaliação
Envolver os responsáveis pela implementação e avaliação de uma política, na sua concepção, é
um ponto-chave para avaliar as suas possibilidades práticas, não obstante esses atores serem
consultados, quando o são, geralmente num estágio muito avançado na concepção das medidas.
Isso pode ocorrer porque os responsáveis por colocá-las em prática terão menos comprometimento
se não participaram da sua definição.

Mais frequentemente, porém, a ausência dos implementadores na fase de definição põe em xeque o
próprio mérito da política: é bem conhecida a enorme lacuna de informação e experiência entre um
burocrata desenhando uma coleção de medidas em um confortável gabinete refrigerado de uma capital
nacional e aquele profissional (médico, professor, policial) que vai efetivamente torná-las realidade no
meio da selva, ou na periferia violenta de uma grande metrópole. Por mais que tenha buscado reunir
o conhecimento e a experiência disponíveis, falta ao analista nos órgãos centrais a visão prática,
“hands-on”, dos problemas reais da produção nas pontas. Os exemplos são infinitos: um livro
didático para crianças da escola primária produzido por um professor em São Paulo dificilmente
poderá contemplar o contexto de vida de alunos que estudam no meio da selva amazônica; quem
desenha estratégias de abordagem da criminalidade para o centro de Brasília não conhecerá as
necessidades de aplicação para áreas do Rio de Janeiro de urbanização densa e precária, topografia
acidentada e domínio territorial do crime organizado; políticas de profilaxia de doenças infecciosas
desenvolvidas nos centros urbanos deixam de levar em consideração as condições mais precárias
de saneamento e de nutrição de determinados bolsões regionais de pobreza. Nesse sentido, a
experiência de quem “faz” é absolutamente indispensável à viabilidade das propostas de quem
formula. Os avaliadores, por sua vez, poderão indicar pontos de verificação que possibilitem ou
otimizem a avaliação posterior, bem como trazer as experiências observadas na avaliação anterior
de políticas semelhantes.

Existem, é verdade, riscos: muitas vezes os implementadores conhecem apenas um aspecto da


política (os problemas de sua região, ou de um determinado tipo de serviço que compõe o conjunto
das medidas formuladas), ou têm interesses particulares (por exemplo, aumentar a importância
de sua própria atuação, ou diminuir os riscos ou esforços que lhes caberão). Portanto, a arte do
formulador da política consiste em dar voz ativa aos implementadores e avaliadores, considerando-
lhes as ponderações sem perder a perspectiva de qual é o ponto de vista de cada um.

Brasil. Tribunal de Contas da União. Decisão 1641/2002, Ata 46/2002, Plenário. Diário Oficial da União, 8/1/2003.
33

47
UNIDADE II │ FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS

Identificar e avaliar os riscos para o sucesso


dos objetivos formulados
Para uma Política Pública, os “riscos” essenciais são a incapacidade de atingir seus objetivos e a
existência de efeitos negativos imprevistos. Ainda que previsivelmente exista uma atitude de
atenção dos formuladores de política para tais possibilidades, os riscos dessa importância exigem
um esforço mais sistemático de gerenciamento e mitigação, para reduzir as possibilidade de que
alguns de seus determinantes sejam desconsiderados, ou de que eventos imprevistos venham a
reduzir os serviços pretendidos.

O gerenciamento de riscos no setor público pode assumir um perfil bastante sofisticado, comparável
ao grau de desenvolvimento atingido pelas grandes corporações privadas nesse tema34. O
aprofundamento em sistemas formalizados de gestão de riscos não cabe nos propósitos do nosso
curso35; porém, alguns fatores básicos de risco devem ser observados com atenção.

Risco derivado da capacidade institucional


e operacional dos que têm a seu cargo a
implementação da política analisada
Uma das primeiras e mais importantes fontes de risco de insucesso de uma política é a incapacidade
(técnica, organizativa, operacional) daqueles que deverão levá-la a campo, tanto um ministério inteiro
quanto uma agência autônoma, um governo local ou mesmo um agente privado conveniado. Para
avaliar esse risco, é preciso estudar o conhecimento, habilidades e recursos técnicos e materiais de que
dispõem os responsáveis pela implementação, e o tempo e o custo necessários para que os adquiram.

Essa necessidade é agravada pela característica de execução descentralizada assumida pela maior
parte das políticas traçadas pelos governos nacionais: em grande proporção, as medidas pretendidas
pelos governos centrais são da esfera da execução regional ou local, ou mesmo dependem da
colaboração de terceiros do âmbito privado. Uma das gestões mais complexas no Brasil, por
exemplo, é a do Sistema Único de Saúde: a política traçada pelo Ministério da Saúde terá de ser posta
em prática necessariamente pelos governos estaduais e municipais, aos quais pertence a gestão
operacional do SUS nos respectivos territórios; mais ainda, a execução direta das ações de saúde
junto ao público pertence não apenas a esses entes, mas a um número ainda maior de prestadores
de serviços privados contratados. Nesse contexto, para qualquer medida ou ação que pretenda
introduzir (por exemplo, a distribuição gratuita de determinados medicamentos), o Ministério da
Saúde terá de examinar, previamente, se os hospitais e estabelecimentos estaduais, municipais e
privados conveniados terão a capacidade e os meios para executá-la (no exemplo dos medicamentos,
se os orçamentos descentralizados para estados e municípios comportam a nova despesa; se os
mecanismos de controle e auditoria têm capacidade de inibir abusos e fraudes na distribuição; se
os pontos de atendimento em saúde têm capacidade física e técnica para realizar a armazenagem,
conservação, distribuição adequada e acompanhamento farmacêutico dos medicamentos).

34
14 É bom lembrar que os procedimentos de avaliação de riscos são um dos componentes básicos do modelo de controle
interno quase universalmente adotado pelas grandes corporações privadas (“Modelo COSO” – PETERS, 2004, pp. 33-41;
DELOITTE, 2003).
35
Para um aprofundamento do estudo do tema especificamente na área de gestão pública, confira STANTON, 2005; BUTTIMER,
2001 e NAO, 2004.

48
Formulação e Escolha de Alternativas de Políticas │ UNIDADE II

Risco derivado da incapacidade da política de


alcançar o público-alvo que pretende beneficiar
Muitos fatores adversos podem afetar a capacidade da política de alcançar aqueles que pretende
sejam os seus beneficiários. Ao desenhar as alternativas que propõe, o analista deve cuidar
especialmente para que o serviço ou produto oferecido seja tornado acessível, na sua operação
cotidiana, ao público-alvo. Por exemplo, uma entidade de promoção de pequenos negócios deve, ao
ofertar serviços de consultoria aos pequenos empresários, assegurar-se de que esses empresários
podem ter acesso real aos consultores (por exemplo, localizando os consultores fisicamente junto a
sindicatos ou associações dos próprios empresários, ou em centros comunitários, feiras e mercados;
mantendo mecanismos confiáveis de comunicação via Internet, para que qualquer informação ou
serviço desejado possa ser solicitada on-line pelo empresário).

Também se deve levar em consideração a eventual necessidade de incentivos para que ocorra a
adesão dos beneficiários ao serviço: a introdução da apresentação de declarações de imposto pela
via da Internet por parte dos contribuintes, em seus primeiros anos36, não prescinde da oferta de
facilidades para induzir o contribuinte a mudar tão radicalmente seus hábitos de relacionamento com
o fisco (ex.: menores prazos de tramitação do processo tributário e de restituição do imposto pago a
maior). Se atualmente consideramos corriqueiro esse relacionamento com as agências tributárias,
a introdução no Brasil de meios de comunicação eletrônica em processos judiciais, já prevista em
leis processuais, tende a exigir também maiores facilidades frente ao procedimento tradicional, para
romper significativamente o conservadorismo desse tipo de interação com o poder público.

Ainda nesse ponto, o acesso dos potenciais beneficiários a uma determinada política depende
também de algo aparentemente óbvio, mas nem sempre assegurado: que conheçam a sua existência.
Isso implica um cuidadoso esforço de comunicação e divulgação, centrado nos meios capazes de
atingir a população-alvo. No já citado exemplo da população de rua, dificilmente uma divulgação
baseada em veículos de imprensa (eletrônica ou escrita) teria sucesso em dar-lhes a conhecer
alguma medida que pudesse beneficiá-los, pelo simples fato de que não têm acesso regular aos
meios de comunicação.

Risco derivado da ausência de estimativa de custos


Sem dúvida, estimar os custos de uma determinada política é uma tarefa difícil: ela pode não ter um
período definido de execução, prolongando-se por vários exercícios; pode também mobilizar uma
grande quantidade de recursos diferentes, financeiros e recursos materiais e humanos aplicados
diretamente pelo ente promotor.

No entanto, o cuidado de estimar os custos na precisão possível, mesmo que numa projeção limitada
a dois ou três anos, é providência indispensável ao desenvolvimento de alternativas de política.
Somente com um estudo (por mais estimativo que seja) dos custos relativos poderá a escolha recair
sobre uma alternativa materialmente viável, e que represente melhor relação custo-benefício frente
às demais.
36
Ou pelo menos até a ampla consolidação desse mecanismo de interação, o que ocorreu com o Imposto de Renda federal
no Brasil.

49
UNIDADE II │ FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS

Alguns custos são mais fáceis de estimar que outros (por exemplo, o orçamento de uma obra ou
da compra de equipamentos, frente ao custo de utilização da infraestrutura já existente); outros
dependerão em grande medida da demanda pelo serviço (por exemplo, o número de pacientes que
buscarem os hospitais públicos para um novo tipo de tratamento); muitos tipos de custos dependem
também do próprio sucesso na implementação do programa – atrasos na realização de obras ou
investimentos acarretam quase inevitavelmente aumento dos custos unitários, enquanto uma
qualidade de serviços muito precária pode causar a perda de interesse por parte dos potenciais
beneficiários, reduzindo a demanda pelos serviços e, assim, paradoxalmente, reduzindo o custo
total aplicado.

Alega-se, por vezes, que os resultados dos programas não podem ser monetizados, e, portanto, não
podem ser confrontados com os custos. De fato, converter os resultados de um programa assistencial
em valores monetários nem sempre é fácil, dependendo de muitas hipóteses simplificadoras. Cohen;
Franco (1993, pp. 193-196) cita o exemplo de um programa de nutrição suplementar a gestantes e
crianças até seis anos no Chile: entendido como investimento em capital humano, foi necessário
fazer sucessivas associações entre: as melhoras nutricionais das crianças atendidas e um melhor
rendimento escolar; a melhor escolarização e uma maior produtividade no trabalho da população
que a recebeu; por conseguinte, uma maior criação de valor dessa mão de obra melhor escolarizada,
correspondida com um aumento provável da renda por ela gerada. Essa longa cadeia de associações
gerou uma estimativa de resultado monetário final para o programa.

No entanto, esta monetização não é necessária em todos os casos: basta alinhar os custos com
definições precisas e quantificáveis dos resultados (por exemplo, “vidas salvas” para uma política
de redução de acidentes de trânsito; “pacientes recuperados” para um programa de tratamento
de drogodependentes). Na prática, o reconhecimento da inviabilidade de tradução monetária dos
resultados de alguns programas pode mesmo fortalecer o esforço de estimativas e avaliações de
custos, na medida em que permite ao formulador das alternativas concentrar-se em estimar custos
em função de parâmetros mais precisos gerados pela quantificação de resultados não monetários.

Em todos estes casos, portanto, alguma estimativa é possível e necessária, sob pena de comprometer
a ação pública em verdadeiro “voo cego” ao iniciar ações que não sabe se poderá custear, nem quanto
terá de retirar de outras finalidades de Política Pública também legítimas.

Escolha de uma alternativa


O que tiver de ser, será. Conheço essa filosofia, costumam chamar-lhe
predestinação, fatalismo, fado, mas o que realmente significa é que farás o que
te der na real gana, como sempre. Significa que farei aquilo que tiver de fazer,
nada menos. Há pessoas para quem é o mesmo aquilo que fizeram e aquilo que
pensaram que teriam de fazer. Ao contrário do que julga o senso comum, as
coisas da vontade nunca são simples, o que é simples é a indecisão, a incerteza,
a irresolução. Quem tal diria, não te admires, vamos sempre aprendendo. A
minha missão acabou, tu farás o que entenderes. Assim é.
(SARAMAGO, 2005, p. 32)

50
Formulação e Escolha de Alternativas de Políticas │ UNIDADE II

Desenvolvidas as alternativas, elencados os prováveis custos, benefícios e riscos, tais alternativas


devem reduzir-se a apenas uma, que será o curso de ação adotado. Um único curso de ação, é claro,
pode, e muitas vezes deve, assumir a forma de uma combinação de várias medidas, ou mesmo
um leque de opções que preveja um curso principal e medidas alternativas em contingências que
afetem o curso principal. Todas essas formas são, no entanto, um único curso de ação definido pela
autoridade, ainda que complexo ou com previsão de contingências.

Autonomia relativa do decisor


Essa é uma fase do processo decisório em que são mais claramente visíveis as considerações de
caráter político que dão forma à decisão pública. É possível entender aí que, num certo sentido muito
específico, a autoridade regularmente investida do poder decisório vai legitimar a opção escolhida,
na medida em que as normas jurídicas (formais ou mesmo, costumeiras) conferem-lhe o poder
de decidir em nome da coletividade envolvida. Na maioria dos casos, as regras de procedimento
permitem ao decisor a discricionariedade de escolher qualquer solução, mesmo alguma ainda
não suscitada ou preparada ao longo do processo de análise e desenvolvimento de soluções. Essa
liberdade, no entanto, é menos frequente do que pode fazer crer a leitura direta das normas: em
geral, quem decide ratifica simplesmente as opções adrede preparadas, ou modifica-lhes apenas em
detalhe. Isso se dá por vários motivos.

Primeiro, porque a concepção, especialmente jurídica, de discricionariedade envolve a sua


diferenciação da arbitrariedade.

Discricionário é aquele espaço de decisão que pode o administrador público ocupar para, colhendo
os fatos, obter a melhor solução do ponto de vista do interesse público (e não do ponto de vista de sua
preferência individual): a depender da natureza da questão, resta pouco espaço ao agente público
para sustentar, frente aos demais atores sociais, determinadas escolhas (por exemplo, deixar de
aplicar um programa de vacinação contra doenças erradicáveis, como a poliomielite) quando não
disponha de argumentos suficientemente persuasivos para tanto. Na realidade, o próprio discurso
jurídico, com suas tão frequentes ambiguidades, já chega a admitir que o poder discricionário
encontra limites estreitos, e tem natureza totalmente instrumental (a liberdade de decidir é tão
somente um recurso do administrador público para atingir a situação mais adequada no plano dos
fatos, e essa solução é passível de confronto por qualquer parte interessada):

É exatamente porque a norma legal só quer a solução ótima, perfeita, adequada


às circunstâncias concretas, que, ante o caráter polifacético, multifário, dos
fatos da vida, se vê compelida a outorgar ao administrador – que é quem se
confronta com a realidade dos fatos segundo seu colorido próprio – certa
margem de liberdade para que ele, sopesando as circunstâncias, possa dar
verdadeira satisfação à finalidade lega.

Então, a discrição nasce precisamente do propósito normativo de que só se


tome a providência excelente, e não a providência sofrível e eventualmente
ruim, porque, se não fosse por isso, ela teria sido redigida vinculadamente.
(BANDEIRA DE MELLO, 1998, p. 35)

51
UNIDADE II │ FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS

Por outro lado, o próprio ato gerencial de decidir não é de todo livre. Quem decide não tem tempo
para atuar em todas as etapas do processo. Faltam-lhe, às vezes, influências para poder romper os
compromissos que neutralizam ou mobilizam a outros atores que contam (o “cálculo de viabilidade
política” a que aludimos antes).

Faltam-lhe, quase sempre, o conhecimento e a informação sobre o conteúdo técnico das iniciativas
e das opções possíveis.

Tomemos o exemplo do ministro da área de transportes ao assinar um contrato com determinada


empresa para construir um trecho de rodovia. O ministro pode conferir algumas grandes
dimensões ou características do contrato, mas não tem fisicamente o tempo37 de examinar
cada opção e cálculo do projeto de engenharia, ou de conferir cada procedimento da licitação
ou a razoabilidade do preço de cada item contido na oferta da empresa contratada. Portanto, a
capacidade de intervenção na decisão por parte do ministro fica profundamente limitada diante
das opções técnicas que lhe são apresentadas. E ao examinarmos o extremo oposto é que vemos
que esta aparente “limitação” é na realidade um cuidado básico para preservar a qualidade da
política. Carlos Matus (2000, p. 36) explora o que seria (ou, infelizmente, o que é) uma tomada de
decisão sem o adequado processamento técnico:

O governante habitua-se a tomar decisões mal processadas, ancoradas em uma


solução preferida, sem considerar o amplo leque de opções mediante a analise
das vantagens e desvantagens políticas, econômicas, técnicas e organizativas.
Em muitos casos, as decisões recaem sobre mal-estares, quer dizer, sobre
problemas crus, nem bem formulados nem bem descritos e sem propostas
alternativas de enfrentamento. Em outros casos, o processamento é deficiente e
incide sobre aspectos técnicos, sem considerar a viabilidade política e jurídica.
Ou, ao contrário, o processamento é estritamente político, em detrimento das
considerações técnicas.

Também pode ocorrer a situação em que o tomador de decisão está pessoalmente convencido de
que seus conselheiros ou colaboradores anteciparam seus interesses, valores ou preferências.

Racionalidade (e racionalidades) do decisor


Já vimos que o decisor tem uma “autonomia relativa”, podendo decidir dentro de certos limites
colocados pelas circunstâncias de cada processo decisório em particular. Limitada ou não, porém,
cabe-lhe individualmente38 a prerrogativa de uma decisão. Qual seria, então, a lógica que preside a
autoridade no momento de optar entre as alternativas desenvolvidas?

É neste momento que devemos começar a estudar os diferentes matizes da racionalidade da decisão.
“Racionalidade”, é preciso dizer, não é um valor absoluto, mas um conceito relativo à situação de

37
Mesmo que, por hipótese, tivesse pessoalmente a qualificação técnica necessária.
38
“Individualmente” não obriga a que o decisor seja uma pessoa física apenas, mas sim que seja uma única instância de decisão, que
pode ser unipessoal (caso mais comum) ou colegiada (por exemplo, a decisão de um tribunal ou de uma assembleia deliberativa).
Nesse último caso, pressupõe-se que as regras de procedimento interno do grupo colegiado ensejem a formação de uma vontade
final única que prevaleça como a decisão daquela instância deliberativa (ainda que possam existir posições divergentes no interior
do colegiado que, não obstante, assumem a posição de vencidas, prevalecendo a posição vencedora para todos os efeitos).

52
Formulação e Escolha de Alternativas de Políticas │ UNIDADE II

cada indivíduo ou grupo. Portanto, a afirmação de que uma decisão é “racional” é muito frequente
na discussão cotidiana da política, mas em geral embute uma hipótese implícita de qual é a posição
ou situação em relação à qual a racionalidade é pronunciada.

A possibilidade de se tratar uma decisão ou política em termos de eficácia


ou racionalidade requer a adoção do ponto de vista de determinado ator, de
maneira que se possam estabelecer com clareza os objetivos da política em
questão para se discutirem, em seguida, os problemas relativos às condições
de sua adequada realização num ambiente dado. A perspectiva característica
dos estudos de Políticas Públicas tende inevitavelmente a dar ênfase à eficácia
global das políticas ou decisões, mesmo quando se tem em mente a diversidade
de categorias sociais ou de focos de interesses para os quais tais decisões podem
ser relevantes. Assim, se se tem de considerar problemas de racionalidade do
ponto de vista da sociedade como um todo, tende-se naturalmente a salientar
aqueles fatores que permitem ver as relações entre as diferentes categorias ou
focos de interesses como sendo relações do tipo soma variável, em que todos
têm a possibilidade de realizar ganhos simultâneos, bastando para isso que se
tomem as decisões corretas (racionais). É-se levado, portanto, a eleger o ponto
de vista daquele ator que pode ser considerado como expressando o objetivo
comum de maximização geral.

O estado, ou alguma agência particular do mesmo em dados casos, surge como


candidato óbvio, manifestando-se a propensão a favorecer aquelas dimensões
da estrutura e do comportamento do estado que permitem vê-lo como o
instrumento de objetivos compartilhados, em detrimento dos traços mediante
os quais ele se mostra antes como o resultado ou a expressão da luta entre
interesses opostos. (REIS, 2000, pp. 98-99)

Racionalidade política e racionalidade técnica


Com tal advertência em mente, sigamos a explorar o vasto universo das “racionalidades”. A primeira,
presente em toda a experiência cotidiana da política, é a dualidade “racionalidade técnica” versus
“racionalidade política”39. Nas atividades governamentais convivem atores sociais diferentes com
papéis diferentes – essa aparente tautologia foi tematizada originalmente por Max Weber, que deu
margem ao modelo clássico de administração pública burocrática que até hoje tem o protagonismo
nesse campo do saber. Convivem, lado a lado, o “político”, o “técnico” e o “burocrata”40. Essas figuras,
naturalmente, estão representados como “tipos ideais” weberianos (categorias abstratas, baseadas
no desenvolvimento racional unilateral de determinadas características41), indicando apenas os

39
A apresentação deste conceito de racionalidades técnica e política está baseada em Cohen; Franco, 1993, pp. 64-69, que utilizam
os conceitos elaborados por José Medina Echavarría.
40
Veremos que, ao final, incluiremos o “técnico” e o “burocrata”, cada um a seu modo, na racionalidade técnica.
41
Um “tipo ideal” decorre do desenvolvimento pela razão aplicada pelo observador, de determinadas características fundamentais ao
objeto que pretende representar. Nesse ponto, perde contato com o objeto real e suas outras inumeráveis características individuais
(que não foram escolhidas), tornando-se assim, uma categoria artificial, por deliberadamente diferir da manifestação no mundo
dos fatos a partir do qual foi concebida. Sua utilidade metodológica, inclusive, reside exatamente na possibilidade de comparação
com seu objeto real correspondente, sublinhando aquilo no qual o objeto real afasta-se ou aproxima-se do respectivo tipo ideal.
Para maior aprofundamento na abordagem metodológica dos “tipos ideais”, ver Freund, 1975 e Gusmão, 1962.

53
UNIDADE II │ FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS

traços fundamentais de sua inserção no jogo decisório – o que não quer dizer que todo indivíduo em
posição denominada de “político” ou “técnica” aja segundo sugere o desenvolvimento do tipo ideal.

O político, idealmente, toma decisões em função da solução dos problemas “da conjuntura
histórica”, do ponto de vista do subconjunto da sociedade que representa. Ao mesmo tempo, tem
de organizar e manter continuamente abertos os canais para tomar essas decisões. Deve então
buscar com suas decisões, simultaneamente, atingir situações globais supostamente melhores que
as atuais, ao mesmo tempo em que tem de considerar como as decisões realimentam o próprio jogo
do poder (influenciando, por exemplo, os futuros resultados eleitorais e, em determinados casos,
a estabilidade das regras do jogo do poder, tais como o respeito às instituições e à lei). Esta será a
“racionalidade política”, que leva em conta valorativamente os efeitos das políticas no conjunto da
sociedade e nos diferentes interesses que a compõem.

O cálculo político, portanto, deverá levar em conta os comportamentos atuais e futuros dos diferentes
interessados, e em última instância fazer escolhas privilegiando uns interesses em favor de outros.

Já o personagem “técnico” encontra-se mais voltado à racionalidade de meios: não lhe pertence
fixar os fins e os condicionantes, “a imagem ideal da sociedade pretendida”, que são definidos
pelo político (ainda que o possam ser em grau muito alto de generalidade). Pode então construir
sua lógica e seu discurso a partir das realidades factuais inerentes ao programa ou política
considerados, discutir-lhe custos e benefícios com base em padrões e critérios centrados no
conhecimento técnico-científico previamente estabelecido.

O “burocrata”, por sua vez, é aquele agente direcionado pelo estrito cumprimento das normas
procedimentais formais (leis, regulamentos, precedentes), cuja participação no processo decisório
e de implementação se concentra na observância de todos os controles e as garantias formais do
moderno proceder administrativo (não por outra razão denominado, desde Weber, procedimento
“burocrático”). Para nossas finalidades, porém, é fácil ver que a racionalidade burocrática também
é de natureza estritamente instrumental, utilizando critérios também de natureza técnica, só que
mais restritos a esse segmento do conhecimento sobre os procedimentos válidos do ponto de vista
formal. Dessa forma, a “racionalidade técnica” tem a participação conjunta (não de todo sem
conflitos, é claro) do interveniente “técnico” e de seu colega “burocrata”.

Ainda que em “tipos ideais”, é preciso entender a existência (e o mérito da existência) dessas duas
racionalidades superpondo-se no processo decisório: o caráter democrático da sociedade exige
que a lógica política dê a última palavra; a eficácia concreta das decisões exige que a racionalidade
técnica seja considerada com peso. Em síntese, “as decisões últimas da sociedade são de caráter
político. Mas a preparação de qualquer decisão tem que ser técnica”42.

De fato, a estrutura do processo decisório que utilizamos para apresentar a etapa de tomada de
decisão é exatamente baseada nesta dicotomia de racionalidades, permitindo um momento de
intervenção a cada um. Mas isto não se dá, na prática, sem conflitos:

Existem âmbitos que são próprios dos políticos, e outros que correspondem
aos técnicos. Como não é fácil definir os limites entre eles, chega-se inclusive a

Arida, Pérsio. “Déficit de cabeças”, In: Solnik, A. Os pais do cruzado contam porque não deu certo. São Paulo, L&PM, 1987. p.
42

128. apud COHEN; FRANCO, 1993, p. 67.

54
Formulação e Escolha de Alternativas de Políticas │ UNIDADE II

negar a necessidade de respeitar a existência de um ou de outro. Em algumas


ocasiões, falta o substrato técnico e as decisões são tomadas sem base suficiente
para que possam alcançar resultados eficazes. Em outras situações, se tende a
supervalorizar o papel dos técnicos, afirmando que as decisões apenas devem
se inspirar em suas recomendações e considerando os políticos como fatores
que tendem a prejudicar o bom traçado das políticas. (COHEN; FRANCO,
1993, p. 67)

Existem, naturalmente, casos de distorção radical desses papéis: políticos interessados apenas em
sedimentar coalizões de interesses, independentemente dos benefícios trazidos à população no uso
dos escassos recursos públicos; técnicos que não consideram senão a lógica parcial que utilizam,
pretendendo impô-la como a única legítima para as escolhas sociais. Em todos esses casos, é preciso
dizer: os que sustentam tais posições tendem a perseguir antes os próprios interesses pessoais que
os interesses sociais confiados ao seu cuidado.

Assim, nem planejadores têm todas as respostas “técnicas” (sem o que o mecanismo da
democracia formal seria incapaz de permitir aos cidadãos titularizarem as escolhas no tocante
aos assuntos públicos), nem os políticos têm o condão de fazerem o que desejarem sem levar em
conta a realidade concreta exposta pelo estudo técnico. Na realidade, a fluidez da fronteira entre
as duas racionalidades abre amplo espaço para uma interpenetração da atuação dos dois grupos:
ao técnico, cabe detectar os momentos em que a flexibilidade relativa do sistema social aumenta
o leque de alternativas variáveis que pode desenvolver, a partir de proposições que alterem
em alguma medida os pressupostos ou os projetos políticos que lhe foram apresentados. Ao
político, por sua vez, a lógica técnica confere-lhe poderosos argumentos no seu próprio âmbito de
intervenção (por exemplo, quando o raciocínio técnico sugere a necessidade de revisão de custos
de um certo projeto, servirá de forte instrumento político para lidar com pressões de interesses).
Ambos os grupos necessitam compreender a existência do outro e a respeitar-se mutuamente a
participação, dado que são igualmente indispensáveis para o processo decisório no âmbito da
democracia moderna.

Racionalidade absoluta e
racionalidade limitada
Outra importante distinção conceitual sobre o processo decisório, que terá as mais profundas
repercussões analíticas (especialmente no campo das ciências sociais aplicadas à análise dos
problemas públicos) é sobre os limites de possibilidade do que pode ser uma decisão “racional”43.
Quase espontaneamente, vem à mente de todos os observadores um modelo preciso, o do
“decisor racional”. Essa “espontaneidade”, ressalvemos, não é gratuita: este “decisor racional”
(ou “maximizador interessado”, ou “homo oeconomicus”) é o pressuposto fundamental sobre o
qual foi erguido o edifício teórico da microeconomia e da macroeconomia convencionais, cuja
abordagem teórica se expandiu para as demais ciências sociais, e que se incorporou profundamente
no discurso social.

Estes conceitos estão amplamente baseados em Mény & Thoenig, 1992, pp. 139-144.
43

55
UNIDADE II │ FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS

Pois bem, esse famoso decisor (novamente, um suposto teórico, um instrumento analítico, tão
distinto de pessoas reais quanto dos “tipos ideais” que já discutimos), o que faz ele? Ele é o detentor
da alegada “racionalidade absoluta”: sendo um ator frente a um problema, deve adotar uma situação
de escolha:

Escolhe suas preferências, propõe-se objetivos, fixa seus valores, seleciona


suas vantagens. Logo, busca as alternativas disponíveis para responder ao
problema. Faz um inventário exaustivo delas e identifica seus efeitos e seus
méritos específicos. Em seguida, adota um critério de escolha tão objetivo
como seja possível; quer dizer, que permita determinar a melhor relação
entre as vantagens e os inconvenientes de cada alternativa. A quantidade de
alternativas disponíveis será explorada finalmente com a ajuda desse critério,
e daí sairá a solução. (MÉNY; THOENIG, 1992, p. 139)

Decidir em Políticas Públicas, então, é maximizar os resultados em relação aos custos, e as vantagens
em relação com os inconvenientes, sob o ponto de vista da coletividade. Belo modelo, sem dúvida. Na
verdade, em suas linhas gerais, é isso que vimos descrevendo ao longo da nossa análise do processo
decisório. Podemos compreendê-lo melhor desdobrado no esquema a seguir.

Figura – Racionalidade absoluta

IDENTIFICAÇÃO DAS PREFERÊNCIAS

BUSCA DE TODAS AS ALTERATIVAS


POSSÍVEIS E SEUS EFEITOS

IDENTIFIICAÇÃO E ADOÇÃO DE UM
CRITÉRIO OBJETIVO

ESCOLHA DE UMA SOLUÇÃO

Mas é preciso perguntar: qualquer um pode agir com a “racionalidade absoluta” sempre que desejar
conduzir bem uma Política Pública? A resposta rigorosa é: “depende”. Depende da ocorrência prévia
de certas condições ou postulados:

»» em qualquer circunstância da decisão considerada, existe um critério de escolha


objetivo, acessível a quem deve decidir e cujo valor é compartilhado por todos os
stakeholders relevantes;

»» as preferências do decisor e desses stakeholders relevantes não são ambíguas, mas


estáveis e explícitas;

»» o tomador de decisão conhece (ou pode conhecer) todas as alternativas possíveis (“o
mundo é uma casa transparente”);

»» por fim, esse decisor é puro intelecto – nada o mobiliza ou importa, salvo o problema
que está gerindo.

56
Formulação e Escolha de Alternativas de Políticas │ UNIDADE II

Existirão tais condições na realidade concreta? De sua simples leitura, salta aos olhos a impressão
de que não. E a grande contribuição de Herbert Simon às ciências sociais44 consiste em haver
demonstrado o irrealismo desses pressupostos.

Em primeiro lugar, a informação é escassa e tem custos. Quem decide tem que pagar um preço
por obtê-la, seja no tempo que dispende, seja no custo monetário direto, seja sob a forma de
dependência de terceiros que possuam a informação (ou possam confirmá-la) e aos quais
se deverá retribuir de alguma maneira. Repare que esse custo incide, tanto individualmente
para o responsável pela escolha das alternativas, quanto para o conjunto dos agentes públicos
responsáveis pela decisão (ou seja, pelo processo decisório que envolve o estudo/desenvolvimento
de alternativas e a escolha). Por outro lado, uma informação pode por em questão a própria visão
de mundo ou valores do responsável pela decisão, e esse, diante da divergência entre seus valores
subjetivos e alguma informação objetiva pode preferir deixar de lado a informação e salvaguardar
sua visão de mundo.

Além disso, os critérios de escolha são escassos e pouco discerníveis. Os métodos disponíveis para
“definir o ótimo”, arbitrar ou estimar vantagens e inconvenientes, são muito raros e difíceis de
encontrar, se chegarem a existir. Ao falar em métodos de escolha entre alternativas, a literatura
habitualmente recorre aos exemplos de projetos sofisticados com metodologias bastante formalizadas
e quantitativamente definidas (exemplo típico: grandes projetos de engenharia de infraestruturas).
Mas a realidade só é modelável com esse grau de precisão em determinados (e limitados) âmbitos
do conhecimento: a maioria das decisões cotidianas tangencia aspectos inquantificáveis, geralmente
envolvendo o comportamento humano (ex.: quanto variará a disposição das pessoas em vacinar-se
contra uma doença infecciosa em função de um maior investimento em publicidade). Mais escasso
ainda será o consenso social e político sobre qual o critério a utilizar (mesmo que tal critério seja
desenvolvido e explicitado com objetividade suficiente para um tal debate).

Tampouco o agente de decisão tem capacidade cognitiva de gerar e trabalhar um inventário


exaustivo das alternativas possíveis. Os indivíduos variam em suas capacidades de administrar
a complexidade, alguns não podem passar à ação sem reunir uma grande massa de dados,
outros não são capazes de decidir se as alternativas não são reduzidas a um mínimo45. Matus
(2000, p. 43) lembra que “o conhecimento que os líderes, de modo geral, têm limita-se, quase
sempre, a poucas opções, as quais, muitas vezes, circunscrevem-se aos limites da vigência de
seus mandatos.” Em função de tal predisposição, “gera-se um processo de autoconvencimento
que leva ao comprometimento prematuro com uma proposta, e a adesão à mesma confunde-se
com lealdade.”

Outro condicionante grave: a necessidade de escolher desencadeia uma tensão psicológica, trazendo
momentos de incerteza, pressão e tensão. Em jogo estão interesses, futuro – há fortes razões para
desestabilização das personalidades46.

44
24 Simon, H. Administrative Behavior. New York, Free Press, 1957 (apud Mény; Thoenig, 1992, p. 157). Essa é a obra seminal
da teoria da racionalidade limitada, posteriormente refletida em um sem-número de desenvolvimentos teóricos posteriores.
45
Qual o técnico do setor público que não se terá deparado, após um complexo processo de síntese e exposição analítica dos
aspectos essenciais de um problema, com a irritada demanda de um gabinete de autoridade (ou da autoridade mesma) para
“resumir” o assunto (às vezes, fixando a priori um número mínimo de páginas para o documento a ser preparado)?
46
Mény; Thoenig (1992, p. 142) menciona, como exemplo, que o presidente norte-americano Lyndon Johnson, político
extremamente calejado, era conhecido por levantar-se angustiado à noite, para passear diante dos retratos de seus antecessoers.

57
UNIDADE II │ FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS

Alguns dirigentes protelarão ao máximo as decisões; outros decidirão a qualquer preço somente
para verem-se livres da pressão por decidir. É ainda Matus que descreve:

A repetição de condições angustiantes relativas a responsabilidade e tensão


torna perigosamente possível o erro no manejo de decisões em situações de
crise, nas quais inevitavelmente, as decisões devem ser tomadas no ato no calor
da ora, sob condições extremas de tensão, de desequilíbrio emocional, perigo,
confusão, angústia e, às vezes, sem que seja possível controlar o tempo. O
dirigente expõe-se a decisões de pânico, como tomar a frente (tipo de extremismo
perigoso), retroceder em meio ao caos, abandonar desnecessariamente os
objetivos, refugiar-se na indecisão paralisante, subutilizar o poder acumulado,
abandonar-se às circunstâncias, adotar trajetórias caóticas de ação, refugiar-
se na passividade, [...] espera de que os problemas se resolvam por si
mesmos, tornar-se vítima do complexo de incompreensão, que aumenta sua
irritabilidade ante as críticas etc.

Em síntese: a racionalidade absoluta não tem sentido real. Os compromissos, o subjetivo, o setorial,
o não consensual, o não reprodutível por terceiros, constituem um dado essencial do ato decisório.
É certo que existe racionalidade, mas trata-se de uma racionalidade limitada47. A decisão torna-se
um compromisso entre um problema e as condicionantes da situação enfrentada pelo decisor; esse
faz o melhor que pode na situação em que se encontra.

A atividade do decisor, nesse contexto, é recordar e explora o pequeno número de alternativas


possíveis: aquelas de que ele dispõe, que conhece ou parecem aceitáveis a si e a terceiros. Com isso,
minimiza a busca e a análise das alternativas.

A partir daí, procura um critério de escolha “razoável”, mescla de racionalidade e intuição. Com
tal critério em mão, detêm-se na primeira solução que parece satisfatória a si mesmo e aos demais
interlocutores relevantes. Não busca “o melhor” ou “o ótimo”: contenta-se em evitar o pior ou o
menos razoável. O processo da racionalidade limitada pode ser visualizado no esquema a seguir.

Figura 8 – Racionalidade limitada

PROBLEMA CONTEXTO

PREFERÊNCIAS DO DECISOR OBRIGAÇÕES DO DECISOR

BUSCA DE UMA VARIEDADE RECURSO A CRITÉRIOS


RESTRITA DE ALTERNATIVAS “RAZOÁVEIS” DE ESCOLHA

SELEÇÃO DE UMA OPÇÃO “SATISFATÓRIA”

47
O termo em inglês, também bastante utilizado, é bounded rationality.

58
Formulação e Escolha de Alternativas de Políticas │ UNIDADE II

Concretamente, várias heurísticas podem ser utilizadas, preferencialmente, em função da


personalidade, da história de vida e das pressões incidentes sobre a autoridade envolvida:

»» adotar, de saída, uma alternativa privilegiada, que o decisor prefere e que confronta
individualmente com quaisquer outras possíveis;

»» recorrer aos antecedentes, à experiência: buscar repetir alternativas já utilizadas


antes por ele ou por outros, recorrer à “jurisprudência” das decisões;

»» lançar mão de critérios com aparência de normas, com bases mais ou menos
bem-formuladas retoricamente, mas de escassa ou nula fundamentação objetiva,
chamadas de “regras da experiência” (o termo inglês é mais sugestivo: rules of thumb)48.

Qualquer que seja a solução individual que o decisor adote em cada caso concreto, é preciso admitir
a forte probabilidade da decisão vir condicionada pelas restrições bastante severas (mas reais) da
racionalidade limitada, cuja consideração permite uma abordagem mais verossímil e objetiva dessa
etapa do ciclo de políticas.

Um aviso – a decisão não é tudo


Puro engano de inocentes e desprevenidos, o princípio nunca foi a ponta nítida
e precisa de uma linha, o princípio é um processo lentíssimo, demorado, que
exige tempo e paciência para se perceber em que direção quer ir, que tenteia
o caminho como um cego, o princípio é só o princípio, o que fez vale tanto
como nada.
(SARAMAGO, 2000, p. 76)

No imaginário da Gestão Pública, tanto em sua versão formalizada no ordenamento jurídico


quanto na mídia, na cultura organizacional das agências públicas e na vox populi, tudo converge
para a valorização, quando não para a sacralização, da tomada de decisões. As Constituições,
as leis administrativas, os organogramas, esmeram-se em detalhar as regras de procedimento e
competência que definem quem tem direito a assinar o quê, em que circunstâncias, ao fim de quais
trâmites. O decisor final é a pessoa que conta, aquela cujos humores, interesses e gestos se observam.
Todo o conteúdo da ação pública repousaria sobre seus ombros, sua responsabilidade. Conselheiros,
assessores e especialistas seriam então figuras auxiliares, meros fornecedores de informação.

No entanto, o rigor metodológico aconselha fortemente tomar essa primazia do ato decisório
como uma hipótese a ser confrontada com as observações reais. Desde os primórdios do estudo de
Políticas Públicas, esse papel central do agente no papel e momento de decidir suscita polêmicas
profundas.49 Dahl e Hunter, por exemplo, divergem radicalmente sobre qual é o verdadeiro titular das
decisões relevantes nas administrações locais norte-americanas: o primeiro sustenta ser o processo
decisório diluído entre muitos atores relevantes, em muitos momentos no tempo; a análise do

48
Mény; Thoenig (1992, p. 143) exemplificam com a “ideia” mais ou menos corrente em Política Pública de que uma população
imigrante superior a 15 % da população de um território desencadeia surtos racistas na sua coletividade. Apesar do evidente
despropósito desta afirmação, este é, segundo os autores citados, um critério levado em consideração em algumas situações.
49
Mény; Thoenig (1992, pp. 129-135) descreve as mais importantes destas polêmicas, que aqui utilizamos para exemplificar o
argumento desenvolvido.

59
UNIDADE II │ FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS

segundo concentra o poder de decidir em pequenos grupos de representantes de grandes interesses


empresariais, numa estrutura quase piramidal que concentra poder nas mãos de uma reduzida
oligarquia “que move todos os fios para ampliar seu interesse”. Não há, a rigor, uma resposta “certa”
a essa divergência interpretativa. De fato, se ampliarmos a busca para outros estudos de políticas,
podemos encontrar descrições de processos decisórios em ambas as linhas de visão. Alguns casos
descrevem ambientes de decisão bastante fragmentados e pluralistas:

No âmbito do ensino, em contrapartida, aparecem com mais força os movimentos educativos, como
instrumentos de ação coletiva setorial, junto a sindicatos implicados em negociações de modelo,
substantivas e de gestão, mais além das estritamente trabalhistas. Em consequência, o eixo básico de
interação (governo/partidos [no âmbito da política de] saúde) desloca-se na direção de um padrão
de interações muito mais fragmentado e menos institucional. Em ambos os setores, as relações
de poder apresentam elementos de simetria com importantes eixos de conflito, mas também com
comunidades de interesses e grandes coalizões estáveis, com certo grau de institucionalidade.

Outras abordagens relatam traços de um processo decisório tão concentrado que chegam a parecer
caricaturais, embora rigorosos:

[...] O isolacionismo político, o macartismo, a indiferença em relação ao crime,


o desinteresse pelos problemas sociais, a negligência com os serviços públicos
– em Austin o lixo é recolhido uma única vez por semana, e as ruas residenciais
não possuem iluminação pública –, a crença fanática nos direitos do Estado
[do Texas, frente ao governo federal] , o controle total das cidades e do Estado
pelos homens de negócios, por meio dos conselhos dos cidadãos, tudo isso dá a
Dallas, como ao Texas, uma situação específica que deve ser considerada.

[...]

Esta visão não é uma utopia, ela existe, ela causa inveja a muitos homens de
negócios e a alguns militares ditatoriais, seus aliados; ela é Dallas, praticamente
governada por um Conselho de Cidadãos composto de 234 homens de negócios,
escolhidos, segundo seus estatutos, entre os milionários, os presidentes e
diretores-gerais das grandes companhias50.

Muitos outros estudos51 de processos decisórios ao longo de varias décadas nos países desenvolvidos
convergem para a confirmação do que apresentamos neste capítulo: a fase de decisão é um momento da
dinâmica de uma Política Pública, tão complexo e inter-relacionado com os demais quanto qualquer
outro. Já advertimos, anteriormente, para o perigo do “fascínio pela decisão”: o nascimento de uma
Política Pública não deve ser assumido como uma função exclusiva da capacidade de decisão de um
determinado governante. O processo decisório (a psicologia de quem decide, os acontecimentos
que ocorrem no momento em que se fixam as opções, os raciocínios que conduzem às escolhas)
são elementos importantíssimos para o resultado final da ação pública, e o decisor legitimado
politicamente é, na maioria dos casos, aquele que põe em marcha as atividades internas do processo
decisório. No entanto, ainda que seja ele quem assina e resolve, em última instância, tem de apoiar-
50
Rodrigues, 1982, pp. 129-130, as agudas observações de um intelectual brasileiro no Texas dos anos 60, em plena luta pelos
direitos civis e pela ampliação dos direitos sociais no contexto da “Nova Fronteira” do governo Kennedy.
51
Resenhados em Mény & Thoenig.

60
Formulação e Escolha de Alternativas de Políticas │ UNIDADE II

se em opções de soluções concretas cuja formulação detalhada, tecnicamente constituída, é feita


por terceiros (que reforçam, assim, pela via do conhecimento aplicado à decisão, a sua própria
legitimidade, agora sob a ótica do conteúdo). Além disso, o processo decisório não existe de per si:
não tem sentido sem os acontecimentos anteriores às atividades de decisão (as condições em que
nasce o problema considerado), as percepções e opiniões de cada grupo envolvido no problema,
e por outro lado não pode ser visto em sua relação com a Política Pública sem considerar seus
desdobramentos na implementação.

Aproximação ao caso brasileiro


Levando em conta a instabilidade e fluidez das estruturas institucionais e dos
padrões político-administrativos de países em desenvolvimento, caracterizados
por democracias do tipo “delegativo”, como é o caso do Brasil, podemos concluir
que nesses países, mais ainda do que em democracias consolidadas, a policy
analysis deve enfocar os fatores condicionantes das Políticas Públicas – polity
e politics – dando ênfase na sua dimensão processual, a fim de poder fazer
justiça à realidade empírica bastante complexa e em constante transformação.
(FREY, 2001, p. 251)

O enfoque da nossa disciplina é essencialmente metodológico, voltado ao estudo dos conceitos e


instrumentos de análise do processo de Políticas Públicas. Por isso mesmo, buscamos apoio nos
conceitos teóricos disponibilizados em nível 30 Gomà; Subirats, 1998, pp. 401-402, descrevendo as
políticas de educação e saúde levadas a cabo na Espanha da última década do século XX.

Não podemos, no entanto, deixar de oferecer uma pequena janela sobre a realidade latino-americana
e brasileira, para ilustrar a circunstância inescapável de que, como lembra o breve trecho que abre
essa seção, a análise de qualquer Política Pública não poderá deixar de considerar as relações entre o
conteúdo da política, as regras e mecanismos institucionais, e suas fragilidades, e o comportamento
real dos atores (ou, nos termos em que colocamos anteriormente, a policy somente se compreende
integralmente se vista em conjunto com a politics e a polity).

Iniciando com uma visão mais geral, uma síntese interessante do funcionamento do mecanismo
governamental brasileiro pode ser encontrada no conceito de “regime de obediência débil”, à
semelhança de todos os países latino-americanos52.

Esse tipo de “regime” caracteriza países cujas estruturas e práticas institucionais de poder político
e ação estatal dependem fundamentalmente da sua interação com interesses privados. Isso decorre
do “caráter incompleto do pacto que sustenta a organização política e institucional” que revela a
fragmentação social; do “uso recorrente dos mecanismos de exceção para governar”, fator dominante
de precariedade política; e da “cultura do atalho como mecanismo de sobrevivência social”, que
submerge os procedimentos públicos no rastro da informalidade. Tratemos cada um desses fatores
com mais vagar.

Torres, pp. 114-120. De especial importância o fato de que o modelo de “obediências débeis” é uma tentativa de buscar traços
52

comuns a muitas experiências históricas latinoamericanas, o que permite uma interessante síntese dos aspectos principais do
problema que ressaltamos.

61
UNIDADE II │ FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS

A informalidade, no âmbito da Política Pública, caracteriza a instrumentalização quase permanente


das instituições por lógicas privadas (individuais, grupais ou de facções políticas), ou a forma
como os interesses privados dominam os âmbitos estatais, utilizando-os em busca de um benefício
determinado. Não se trata da luta política aberta, que representa exatamente a defesa de posições
parciais para obter a sua implantação pelo Estado, mas, sim, o controle direto desse mesmo
Estado (ou frações dele), não para que execute o papel de promotor de uma lógica “comum” ou
compatibilizadora dos interesses parciais, mas para que adote, como seus, os fins do grupo privado
que nele penetrou.

As instituições governamentais veem-se assim oscilando entre dois extremos: a manutenção (e


mesmo ampliação) da mais precisa e extrema formalidade jurídica – que chega a ser entendida
como “desenvolvimento institucional” – e a mais vigorosa informalidade dos particularismos que
internamente as dominam. “Assim, as lógicas privadas e as facções políticas capturam e definem cada
sentença judicial, cada lei e cada tarefa de governo. As instituições e as ações estatais são mobilizadas
porque há um interesse particular que as impele a fazê-lo; porque há alguém que as converte em
instrumento.” (TORRES, 2006, p. 117)

Por sua vez, os mecanismos clássicos de organização e participação política nas democracias de tipo
ocidental servem precariamente a essa função nos regimes de obediência débil – os partidos políticos
não conseguiram constituir-se em instâncias de cristalização e explicitação dos interesses e tensões
latentes na sociedade; a ação política dos grupos de interesse faz-se diretamente, privadamente,
e a participação dos partidos termina por ser tão instrumentalizada quanto o domínio do Estado
acima referido. Na micropolítica das decisões, o intercâmbio de favores e pressões sobre os agentes
políticos individuais termina por impor-se sobre quaisquer considerações de discussão institucional
ou programática.

Por fim, a fragmentação social implica a indisponibilidade da vontade coletiva de aderir a regras
comuns e impessoais, e menos ainda de sustentá-las ou de agir organizadamente em defesa explícita
e aberta de interesses particulares na arena política: “[...] os cidadãos não costumam se organizar em
torno de interesses específicos – desde Tocqueville um dos elementos fundamentais para preservar
a liberdade política na democracia de massa, mas que eles deixam se levar pelas paixões e emoções
instantâneas.” (FREY, 2001, p. 245)

Sob tais condições, a prática das decisões em Política Pública afasta-se significativamente das
condições da moderna democracia institucional, aquelas vistas como o “estado da arte”; ainda
assim, esse afastamento não pode ser assumido ostensivamente, na medida em que se choca com
todo o ideário político de democratização e modernização, homologando-se aos principais países
ocidentais. Sintetiza Frey (2001, p. 249), adequadamente, esse dilema:

Porém, em face da disseminação “irresistível” do ideário democrático, por um


lado, e à fragilidade e precariedade das novas instituições democráticas, por
outro, encontramos várias instituições não formalizadas que desempenham
a função de sustentáculos do poder oligárquico e exercem influência decisiva
nos processos político-administrativos; O´Donnell menciona sobretudo o
clientelismo, o patrimonialismo e a corrupção [O´Donnell, 1991, p. 30]. O

62
Formulação e Escolha de Alternativas de Políticas │ UNIDADE II

agir estatal e administrativo se baseia em formas clientelistas de interação,


visa mais ao caso individual e não a soluções coletivas. A política efetiva não
vem sendo produzida e implementada, ou só em proporções limitadas, dentro
das instituições e de acordo com os procedimentos formalmente previstos na
Constituição ou nas leis orgânicas dos municípios, e segue só de forma restrita
os padrões de política aspirados teoricamente com os respectivos arranjos
institucionais e procedimentais.

Sob estas tensões, a “linearidade” dos modelos de processo decisório é claramente ultrapassada,
passando a coexistir, no miolo mesmo da decisão, “agentes, agências e discursos cujos interesses
evoluem sempre de maneira incerta”.

A invocação do interesse público, nesses casos, estará sempre sob a suspeita de encobrir diretamente
um interesse privado; as limitações (universais) da racionalidade limitada podem ser utilizadas
como mero pretexto para a conversão da racionalidade do Estado (enquanto um ponto distinto das
racionalidades individuais ou grupais) em racionalidade de um único interesse particular.

Nesse sentido, o processo decisório não apenas é capturado diretamente pelo conflito de interesses
particulares, mas prossegue ao longo da execução. Não apenas se alimenta o conflito (nos termos
distorcidos já apresentados) no âmbito da definição dos fins das Políticas Públicas, mas a disputa
pela apropriação da ação pública prossegue na medida em que as políticas avançam da decisão para
a implementação. A estruturação das Políticas Públicas é percebida como um processo que pode
modificar sentido e conteúdo à medida que os enunciados tenham de “ajustar-se aos contextos” em
que devam ser levados à prática. “Os objetivos iniciais podem ser subestimados pelos novos objetivos
operacionais, sua hierarquia pode-se ver invertida e os meios utilizados de facto podem ter origem
num compromisso (político, econômico ou institucional) e, assim, diferir dos meios previstos in
abstracto (MONNIER, 1991, p. 136).” Operacionalmente, os enunciados de política formalizados
pelo decisor e levados às instâncias de implementação passam a ser objeto da negociação sobre
os meios. Esse confronto envolve por igual os agentes políticos e aqueles de inserção formalmente
burocrática (servidores de carreira), ambos impactados pela dinâmica da negociação e fazendo
com que as relações hierárquicas e funcionais no âmbito do setor público fiquem condicionadas
fortemente pela dinâmica das relações políticas.

A alguns parecerá talvez uma descrição um pouco “carregada nas tintas”. De fato, são tendências
entrevistas no funcionamento real das nossas sociedades. É preciso oferecer ao leitor um contraste,
também teórico, ao modelo tradicional.

A resposta corroborativa dessa “nova” teoria exigiria uma revisão exaustiva dos casos históricos;
afinal, “os estudos de Políticas Públicas enfocam basicamente casos empíricos e seus resultados
têm, portanto, pelo menos em um primeiro momento, apenas validade situacional.” No entanto,
existem amplos precedentes, e graves, de políticas implantadas no Brasil em maior ou menor grau
sob os parâmetros aqui levantados. Veremos um caso paradigmático: a definição pelo Congresso
Nacional do orçamento federal. Diante da essencial função legislativa de autorização da despesa
pública, como se comportam os deputados e os senadores na condição de titulares dessa decisão?
A pesquisa em profundidade de Marcos Otávio Bezerra sobre tais processos decisórios oferece um
quadro bastante grave.

63
UNIDADE II │ FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS

Os recursos remanejados pelos parlamentares durante a fase legislativa de


elaboração do projeto de Lei Orçamentária, isto é, aqueles utilizados para a
elaboração das emendas parlamentares, incidem somente sobre uma parcela
do recurso total do orçamento da União. Ter uma ideia mais precisa do que
significa essa parcela é um passo importante para se compreender a atuação
dos parlamentares na elaboração do orçamento. Como tem sido divulgado,
entre outros, pelos próprios parlamentares, o valor remanejado por meio da
apresentação das emendas individuais e coletivas tem correspondido, nos
últimos anos, a menos de 2 % do total do orçamento.

Essas emendas incidem sobre os recursos destinados a investimentos.

[...]

Ao interesse dos parlamentares em aprovar recursos para suas bases eleitorais


se opõe a concepção de que a discussão do orçamento em sua fase legislativa
deve priorizar a análise das grandes questões nacionais.

Apesar dessa posição ser defendida por alguns deputados, senadores e técnicos
das assessorias de orçamento, as evidências apontam para o fato de que são
as discussões a respeito das emendas para as bases o que realmente mobiliza
os parlamentares. Alguns meses antes do início das investigações da CPMI
do Orçamento, em um aparte, o senador Jutahy Magalhães chamava atenção
para esta questão: (...) “Nós nos preocupamos com a divisão de recursos pelos
parlamentares, mas não nos preocupamos com a política global voltada para o
interesse nacional.” (Aluísio Bezerra, Críticas ao Orçamento da União, discurso
pronunciado em 26/3/93, p. 5).

As emendas que têm por objetivo o desenvolvimento de programas nos estados


e municípios aos quais os parlamentares estão politicamente vinculados são
designadas comumente como emendas paroquiais. O termo tem um sentido
pejorativo, é utilizado em comparação com as emendas voltadas para as
questões tidas como mais amplas e remete à preocupação dos parlamentares
com a destinação de recursos para suas bases eleitorais. Se esse tipo de emenda
é tida como paroquial, os parlamentares que as elaboram não raras vezes são
rotulados como vereadores federais e o orçamento da União, por conseguinte,
devido à natureza dos projetos aprovados (“pequenos projetos”), é comparado
com os orçamentos Municipais. A aproximação do poder federal do poder
municipal é fundada na constatação de uma certa continuidade nas práticas
políticas relacionadas à elaboração do orçamento nessas duas dimensões do
poder público. A obtenção de recursos (federal, estadual ou municipal) para
o atendimento de demandas particularísticas, ou seja, de recursos que são
dirigidos para as localidades às quais os políticos são vinculados parece ser
uma preocupação presente em distintas instâncias políticas e, nesse sentido,
um elemento significativo da atividade política. A prioridade dada pelos
parlamentares à aprovação de emendas que atendam aos interesses de suas

64
Formulação e Escolha de Alternativas de Políticas │ UNIDADE II

bases eleitorais manifesta-se, por exemplo, no tempo gasto nas discussões sobre
essas emendas e aquelas relativas às “macroalocações”. Técnicos das Assessorias
de Orçamento do Congresso indicam onde se concentram os interesses dos
parlamentares, cujas energias são mobilizadas em torno da parcela de recursos
que podem ser realocados para a implementação de projetos locais. Observe-se
o que diz Orestes, um dos informantes: “O Congresso gasta 99% de tempo de
discussão do orçamento discutindo isso, que representa 1,5 a 3% do orçamento.
E não discute o resto das macroalocações do orçamento”. Mas esse diagnóstico
contém também um julgamento a respeito da atuação dos parlamentares no
que concerne à elaboração do orçamento. Isto fica mais claro no comentário
efetuado por outro técnico, Garcia: “Lamentavelmente o que predomina ainda
nas reuniões da Comissão ou das Subcomissões é a discussão em torno dessa
porcaria [emendas paroquiais]. O relator setorial numa área qualquer, perde
90% do seu tempo discutindo com cada parlamentar as emendinhas de caráter
paroquial e nos outros 10% é que ele vai cuidar realmente das emendas de
interesse coletivo”. Aos olhos dos técnicos (essa é uma posição frequente nas
Assessorias) e de alguns parlamentares, as emendas paroquiais são valoradas
negativamente e consideradas como de menor importância na discussão do
projeto de lei orçamentária. Esse julgamento está assentado na concepção,
reforçada pelas assessorias técnicas, de que os parlamentares devem concentrar
seus interessas na discussão das grandes questões e prioridades nacionais.
Nesse sentido, eles tendem a incentivar e valorizar os debates a respeito das
emendas coletivas (bancadas e comissões).

Não podemos excursionar muito sobre essa realidade, sob pena de abrir uma nova frente de estudo
tão ou mais ampla que a totalidade da nossa disciplina. Essas últimas observações são uma matização
do processo teórico, um alerta no sentido de que a teoria é um instrumento para compreender
a realidade, e a arte da análise de políticas (como, aliás, a análise de todo o universo da Gestão
Pública) está em combinar o rigor da teoria com a força da realidade dos fatos históricos, utilizando
a análise teórica como bússola para discernir os grandes movimentos da história.

Ao final de toda a discussão sobre o processo de decisão, reflita sobre mais algumas questões
importantes.

Uma Política Pública estará inteiramente definida quando se fixam seus enunciados, ou seja, a
decisão formal por adotar tal ou qual medida?

As condições em que é levada à prática uma Política Pública afetam os seus resultados diante de
objetivos formulados no processo político?

Apesar das críticas à prioridade concedida pelos parlamentares às emendas individuais, do ponto de
vista de seu significado político, há técnicos das Assessorias que consideram a sua aprovação como
um “direito”.

Como informa Garcia: “Os vereadores federais têm todo direito de pleitear ‘obrinhas de menor porte’
para os municípios, porque, seguramente, eles também estão sendo pressionados pelos prefeitos e
vereadores locais”.

65
UNIDADE II │ FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS

Essas emendas são julgadas como um “direito” quando considerada da perspectiva da lógica das
relações que vinculam os parlamentares às lideranças políticas estaduais e municipais. No entanto,
se o referencial é o papel do Congresso na elaboração do orçamento, esse interesse dos parlamentares
passa a ser questionado quando é predominante e exclusivo, ou seja, sobrepõe-se à discussão sobre
as obras e programas de abrangência nacional. A atuação dos parlamentares é vista como crítica
quando eles cuidam exclusivamente de seus interesses. (BEZERRA, 1999, pp. 66-71)

66
Questão Social:
EIXO FUNDANTE DO Unidade iII
Serviço Social

CAPÍTULO 1
A Questão Social e suas concepções

Após entender minimamente o papel do Estado e a formulação de políticas públicas se faz entender
como a Questão Social se expressa e que impactos produz na gestão pública.

A Questão Social está na base dos movimentos sociais da sociedade e remete à luta em torno do
acesso à riqueza socialmente produzida. São essas lutas que se encontram na origem da constituição
das políticas públicas e que mobilizam o Estado na produção de respostas às demandas de saúde,
trabalho, educação, habitação, como também são elas que impulsionam o movimento político das
classes populares pela conquista da cidadania na esfera pública.

Torna-se fundamental, portanto, maior compreensão da dinâmica da Questão Social no movimento


da realidade. Necessário se faz destacar que a Questão Social representa uma perspectiva de análise
da sociedade. Essa concepção comporta interpretações e atributos divergentes. Não há consenso de
pensamento no fundamento básico que constitui a Questão Social. Em outros termos, nem todos
analisam a existência de uma contradição entre capital e trabalho.

Originalmente, a chamada Questão Social, segundo Pereira (1999), constituiu-se em torno das
grandes transformações econômicas, sociais e políticas, ocorridas na Europa do século XIX,
desencadeadas pelo processo de industrialização, e que reside não só na complexidade dos desafios
que colocam em cheque a ordem instituída, mas no surgimento de novos atores e conflitos.

PARA OS OBSERVADORES DE MATRIZ CRÍTICA... PARA OS OBSERVADORES DE MATRIZ CONSERVADORA...

... a Questão Social se instala a partir da tomada de consciência, pelos ... o pauperismo, mesmo não ignorado, será compreendido como
trabalhadores (ocupados ou não pelo sistema), de que esse processo um fenômeno inalienável de toda e qualquer sociedade, uma vez que,
de miserabilização em massa não é obra do acaso, desígnio de Deus, nessa perspectiva, sempre existiram pessoas limitadas, incapazes,
ou demérito da própria pessoa, mas sim produto sócio-histórico e dependentes. Com essa defesa, buscavam naturalizar as desigualdades,
político a ser enfrentado através de protestos, greves e diversas outras em franco contraponto aos argumentos e teses críticas.
formas de reivindicações.

Diante desses argumentos é possível identificar duas perspectivas contrárias e divergentes: uma
que advoga ser a Questão Social uma disfunção frente ao processo de desenvolvimento capitalista; e
outra que a relaciona com o desenvolvimento da consciência crítica, pelos oprimidos e explorados.

67
UNIDADE III │ QUESTÃO SOCIAL: EIXO FUNDANTE DO SERVIÇO SOCIAL

Na década de 1930, para os observadores de matriz crítica, o termo surge para designar um
fenômeno produzido pelo que se denominou de primeira onda industrializante da Europa Ocidental:
o pauperismo. Do ponto de vista histórico, podemos localizar esse fenômeno em uma conjuntura
de crise marcada pela transição do capitalismo concorrencial para o monopolista, que trouxe uma
amarga conta aos trabalhadores, o aviltamento dos salários e a expansão da miséria entre as classes
trabalhadoras, ocupadas ou não.

No entanto, mais do que evidenciar as desigualdades o pauperismo expressava uma dinâmica de


produção da pobreza radicalmente nova.

Pela primeira vez na história registrada, a pobreza crescia na razão mesma


em que aumentava a capacidade social de produzir riquezas. Tanto mais a
sociedade se revelava capaz de progressivamente produzir mais bens e serviços,
tanto mais aumentava o contingente de seus membros que, além de não terem
acessos efetivos a tais bens e serviços, viam-se despossuídos das condições
materiais de vida de que dispunham anteriormente. (NETTO, 2005, p. 153)

68
CAPÍTULO 2
Serviço Social: uma especialização da
Questão Social?

Desde 1930 o Serviço Social no Brasil se insere como uma especialização da Questão Social. Dessa
forma, a profissão sofre as influências das mutações dessa questão, enquanto expressão constituída
e constituinte dos processos de alienação, antagonismo, desigualdade, discriminação e injustiça
social presentes nos modos de ser e aparecer do capitalismo na sociedade brasileira.

A Questão Social para o Serviço Social é citada em importante documento da categoria, que consiste
na proposta de reforma curricular da ABESS/CEDEPSS (1996, p. 154-5), em que está colocado que:
“a formação profissional tem na Questão Social sua base de fundação sócio-histórica, o que lhe
confere um estatuto de elemento central e constitutivo da relação entre profissão e realidade social”.

A concepção de Questão Social mais difundida no Serviço Social é a de Carvalho e Iamamoto,


(1983, p. 77):

A Questão Social não é senão as expressões do processo de formação e


desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da
sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado
e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre
o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção
mais além da caridade e repressão.

Não contraditória à essa concepção, encontra-se a de Teles, (1996, p. 85):

[...] a Questão Social é a aporia das sociedades modernas que põe em foco a
disjunção, sempre renovada, entre a lógica do mercado e a dinâmica societária,
entre a exigência ética dos direitos e os imperativos de eficácia da economia,
entre a ordem legal que promete igualdade e a realidade das desigualdades e
exclusões tramada na dinâmica das relações de poder e dominação.

A Questão Social está enraizada na contradição capital x trabalho, em outros termos, é uma
categoria que tem sua especificidade definida no âmbito do modo capitalista de produção. Ou
seja, expressa a contradição fundada na produção e apropriação da riqueza gerada socialmente:
os trabalhadores produzem a riqueza, os capitalistas se apropriam dela. É assim que o trabalhador
não usufrui das riquezas por ele produzidas.

Importa ressaltar que a Questão Social é uma categoria explicativa da totalidade social, da forma
como os homens vivenciam a contradição capital – trabalho. Ela desvenda as desigualdades sociais,
políticas, econômicas, culturais, bem como coloca a luta pelos direitos da maioria da população, ou,
como os homens resistem à subalternização, à exclusão, e à dominação política e econômica.

Ao utilizarmos, na análise da sociedade, a categoria Questão Social, estamos realizando uma análise
que ressalta as diferenças entre trabalhadores e capitalistas, no acesso a direitos, nas condições de

69
UNIDADE III │ QUESTÃO SOCIAL: EIXO FUNDANTE DO SERVIÇO SOCIAL

vida; uma análise das desigualdades e a busca da forma de superá-las: é entendimento das causas das
desigualdades, e do que essas desigualdades produzem, na sociedade e na subjetividade dos homens.

Como toda categoria arrancada do real, nós não vemos a Questão Social, vemos suas expressões:

ANALFABETISMO

VIOLÊNCIA INADIMPLÊNCIA DESEMPREGO

FOME FAVELA

FALTA DE SANEAMENTO ENTRE OUTRAS EXPRESSÕES

“O assistente social convive cotidianamente com as mais amplas expressões


da Questão Social, matéria-prima de seu trabalho. Confronta-se com as
manifestações mais dramáticas dos processos da Questão Social no nível dos
indivíduos sociais, seja em sua vida individual ou coletiva” (ABESS/CEDEPSS,
1996, p. 154-5).

Assim é que, a Questão Social só se nos apresenta nas suas objetivações, em concretos que sintetizam
as determinações prioritárias do capital sobre o trabalho, onde o objetivo é acumular capital e não
garantir condições de vida para toda a população.

Os assistentes sociais, por meio da prestação de serviços sócio-assistenciais nas organizações


públicas privadas, interferem nas relações sociais cotidianas no atendimento às mais variadas
expressões da “Questão Social” vividas pelos indivíduos sociais no trabalho, na família, na luta pela
moradia e pela terra, na saúde, na assistência social pública etc.

A Questão Social sendo desigualdade é, também, rebeldia, pois os sujeitos sociais, ao vivenciarem
as desigualdades, a elas também resistem e expressam seu inconformismo. É nessa tensão entre
produção da desigualdade, da rebeldia e da resistência que trabalham os assistentes sociais, situados
nesse terreno movido por interesses sociais distintos, dos quais não é possível abstrair- ou deles
fugir- porque tecem a trama da vida em sociedade.

A Questão Social tem sido colocada, na nova proposta de reformulação


curricular, como objeto do Serviço Social.

Ter como objeto de análise o objeto do Serviço Social é sempre um desafio. O Serviço Social é uma
profissão legitimada socialmente, o que significa que ele tem uma função social.

As profissões são criadas para responderem às necessidades dos homens. O desenvolvimento


das forças produtivas colocam as necessidades de novas profissões, assim como considera outras
desnecessárias. Mas, mesmo respondendo a uma necessidade social, o que pode ser corroborado pelo
número de assistentes sociais inseridos no mercado de trabalho; pelo fato de que eles, efetivamente,
trabalham desenvolvendo ações que tem um produto, produto social com dimensões econômicas
e políticas; ainda assim, o Serviço Social mantém, historicamente, o dilema da especificidade

70
Questão Social: EIXO FUNDANTE DO Serviço Social │ UNIDADE III

profissional, especificidade, essa, que é dada pelo objeto profissional. Em termos bastante simples,
a questão é: sobre o que trabalha o Serviço Social? A resposta a essa questão responde, também,
com qual objetivo trabalha o Serviço Social.

O objeto do Serviço Social, nesse sentido, está, intimamente, vinculado a uma visão de homem e
mundo; fundamentado numa perspectiva teórica que, no modo capitalista de produção, implica
em uma opção política – a teoria norteadora da ação, a ação que reconstrói a teoria, demonstram
de que lado está o Serviço Social. E, desde o Movimento de Reconceituação, o Serviço Social tem
construído uma ação voltada para a maioria da população. Mas essa não foi sempre sua história.

É indiscutível a inserção da intervenção do Serviço Social no âmbito das desigualdades sociais, ou,
mais amplamente, da Questão Social. Entretanto, considerando a concepção de Questão Social, é
de se perguntar se ela, ou suas expressões, podem se constituir em objeto de uma única profissão.

Estamos partindo da concepção de que o objeto é o que demonstra, coloca, a especificidade


profissional. Ora, entender a Questão Social como objeto específico do Serviço Social, das duas
uma: ou se destitui a Questão Social de toda a abrangência conceitual, ou se retoma a uma visão do
Serviço Social como o único capaz de atuar nas mudanças/transformações da sociedade.

Se pensarmos na abrangência da concepção de Questão Social, concluiremos que as mais diversas


profissões têm suas atuações determinadas por ela: o médico que atende problemas de saúde
causados por fome, insegurança, acidentes de trabalho etc.; o engenheiro que projeta habitações a
baixo custo; o advogado que atende as pessoas sem recursos para defender seus direitos; enfim, os
mais diferentes profissionais que, também, atuam nas expressões da Questão Social.

Segundo Faleiros, (1997, P. 37):

[...] a expressão Questão Social é tomada de forma muito genérica, embora seja
usada para definir uma particularidade profissional. Se for entendida como
sendo as contradições do processo de acumulação capitalista, seria, por sua vez,
contraditório colocá-la como objeto particular de uma profissão determinada,
já que se refere a relações impossíveis de serem tratadas profissionalmente,
através de estratégias institucionais/relacionais próprias do próprio
desenvolvimento das práticas do Serviço Social. Se forem as manifestações
dessas contradições o objeto profissional, é preciso também qualificá-las para
não colocar em pauta toda a heterogeneidade de situações que, segundo Netto,
caracteriza, justamente, o Serviço Social.

Faleiros, (2001), por sua vez, analisa que a Questão Social é tomada no Serviço Social de forma
muito genérica, e coloca que atualmente os enfrentamentos de interesses, grupos, projetos, estão
sendo vistos num processo complexo de relações de classe, gênero, geração... trazendo à discussão
as mediações da subjetividade e que não se resumem na noção de Questão Social.

Aliás, Faleiros (2001, p. 37 ), se contrapõe a afirmativa de que a Questão Social seja o objeto de
intervenção do Serviço Social, apregoada pela proposta da ABESS/CEDEPSS (1996). Em sua análise
o autor trata da construção/desconstrução do objeto de intervenção, e enfatiza que a Questão

71
UNIDADE III │ QUESTÃO SOCIAL: EIXO FUNDANTE DO SERVIÇO SOCIAL

Social é tomada de forma muito genérica, e mesmo assim é usada para definir uma particularidade
profissional.

Se for entendida como sendo as contradições do processo de acumulação


capitalista, seria, por sua vez, contraditório colocá-la (a Questão Social) como
objeto particular de uma profissão determinada, já que se refere às relações
impossíveis de serem tratadas profissionalmente, através de estratégias
institucionais/relacionais próprias do próprio desenvolvimento das práticas
do Serviço Social. Se forem as manifestações dessas contradições o objeto
profissional, é preciso também qualificá-las para não colocar em pauta toda a
heterogeneidade de situações, que, segundo Netto, caracteriza, justamente o
Serviço Social.

Machado, (1999, p. 6), compartilha com Faleiros o dilema da especificidade profissional do Serviço
Social e analisa que:

[...] considerando a concepção de Questão Social, é de se perguntar se a mesma,


ou suas expressões, podem se constituir em objeto de uma única profissão.
Estamos partindo da concepção de que o objeto é o que demonstra, coloca,
a especificidade profissional. Ora, entender a Questão Social como objeto
específico do Serviço Social, de duas uma: ou se destitui a Questão Social de
toda a abrangência conceitual, ou se retorna a uma visão do Serviço Social
como o único capaz de atuar nas mudanças/transformações da sociedade.

Entretanto, de certa forma, nesses autores, há concordância de que a Questão Social é uma categoria
que expressa a contradição fundamental no modo capitalista de produção: entre o trabalho coletivo
e a apropriação privada dos frutos (riqueza) desse trabalho.

A Questão Social é apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade
capitalista. Desigualdade resultante do crescimento da distância entre a concentração/acumulação
de capital e a produção crescente da miséria para a maioria da população.

Todavia, como se pode perceber, a discussão se a Questão Social é, ou não, objeto de intervenção do
Serviço Social, é muito rica e merece atenção em sua análise.

Portanto, definir como objeto profissional a Questão Social, não estabelece a especificidade
profissional. Podemos entender, na sugestão de Faleiros, que qualificar a Questão Social significa
apreender o que compete ao Serviço Social no âmbito da Questão Social.

Entendemos que, a cada situação, temos que reconstruir o objeto Profissional. Entretanto, ele tem
determinações mais amplas, e essa reconstrução tem por finalidade, apenas, garantir, no processo de
intervenção, as particularidades de cada situação, inserida no contexto específico de onde atuamos.

A profissão é tanto um dado histórico, indissociável das particularidades assumidas pela formação
e desenvolvimento da sociedade brasileira quanto resultante dos sujeitos sociais que constroem
sua trajetória e redirecionam seus rumos. Considerando a historicidade da profissão – seu caráter
transitório e socialmente condicionado – ela se configura e se recria no âmbito das relações

72
Questão Social: EIXO FUNDANTE DO Serviço Social │ UNIDADE III

entre o Estado e a sociedade, fruto de determinantes macro-sociais que estabelecem limites e


possibilidades ao exercício profissional inscrito na divisão social e técnica do trabalho e apoiado
nas relações de propriedade que a sustentam.

Pensar o projeto profissional supõe articular essa dupla dimensão:

a. de um lado, as condições macrossocietárias que tecem o terreno sócio-histórico em


que se exerce a profissão, seus limites e possibilidades que vão além da vontade do
sujeito individual;

b. e, de outro lado, as respostas de caráter ético-político e técnico-operativo- apoiadas


em fundamentos teóricos e metodológicos – de parte dos agentes profissionais
nesse contexto. Elas traduzem como esses limites e possibilidades são apropriados,
analisados e projetados pelos assistentes sociais.

O exercício da profissão exige, portanto, um sujeito profissional que tem competência para propor,
para negociar com a instituição os seus projetos, para defender o seu campo de trabalho, suas
qualificações e atribuições profissionais.

Requer, ir além das rotinas institucionais, para buscar apreender, no movimento da realidade,
as tendências e possibilidades, ali presentes, passíveis de serem apropriadas pelo profissional,
desenvolvidas e transformadas em projetos de trabalho.

Em síntese, o Serviço Social situa-se no processo de reprodução das relações sociais como uma
atividade auxiliar e subsidiária no exercício do controle social e da ideologia, isto é, na criação de
bases políticas para a hegemonia das classes fundamentais.

Intervém, ainda, através dos serviços sociais, na criação de condições favorecedoras da reprodução
da força de trabalho. Por outro lado, se essas relações são antagônicas; se, apesar das iniciativas do
Estado visando o controle e à atenuação dos conflitos, eles se reproduzem, o Serviço Social contribui,
também, para a reprodução dessas mesmas contradições que caracterizam a sociedade capitalista.

73
Questão Social:
cenário Unidade iV
contemporâneo

CAPÍTULO 1
Novos significados e expressões da
Questão Social na cena conjuntural

Decifrar as novas mediações através das quais se expressa a Questão Social na cena contemporânea
é de fundamental importância para o Serviço Social em uma dupla perspectiva:

»» Para que se possa apreender as várias expressões que as desigualdades sociais


assumem na atualidade e os processos de sua produção e reprodução ampliada.

»» Para projetar e forjar formas de resistência e de defesa da vida; formas de


resistência já presentes, por vezes de forma parcialmente ocultas, no cotidiano
dos segmentos majoritários da população que dependem do trabalho para a sua
sobrevivência.

Para apreender a Questão Social, faz-se necessário:

»» melhor compreender o cenário conjuntural atual, seu contexto econômico e político,


que é marcado por muitas mudanças, fruto de um modo de acumulação, fundado
no capital financeiro, com profundas consequências nas relações de trabalho e
emprego e na gestão do social;

»» captar as múltiplas formas de pressão social, de invenção e de reinvenção da vida,


construídas no cotidiano.

Na atualidade, a Questão Social diz respeito ao conjunto multifacetado das expressões das desigualdades
sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado.

A Questão Social expressa desigualdades econômicas, políticas e culturais das classes sociais,
mediadas por disparidades nas relações de gênero, características étnico-raciais e formações
regionais, colocando em causa amplos segmentos da sociedade civil no acesso aos bens da civilização.

Atualmente, a Questão Social passa a ser objeto de um violento processo de criminalização que
atinge as classes subalternas (IANNI:1992; GUIMARÃES:1979). Recicla-se a noção de classes
perigosas” – não mais laboriosas -, sujeitas à repressão e extinção.

74
Questão Social: cenário contemporâneo │ UNIDADE IV

A tendência de naturalizar a Questão Social é acompanhada da transformação de suas manifestações


em objeto de programas assistenciais focalizados de “combate à pobreza” ou em expressões da
violência dos pobres, cuja resposta é a segurança e a repressão oficiais. Evoca o passado, quando
era concebida como “caso de polícia”, ao invés de ser objeto de uma ação sistemática do Estado no
atendimento às necessidades básicas da classe operária e outros segmentos trabalhadores.

Na atualidade, as propostas imediatas para enfrentar a Questão Social, no Brasil, atualizam a articulação
assistência focalizada/repressão, com o reforço do braço coercitivo do Estado em detrimento da
construção do consenso necessário ao regime democrático, o que é motivo de inquietação.

As novas bases de produção da Questão Social são originárias de transformações mundiais profundas
vividas, onde entre outras transformações, há forte processo de terceirização e precarização do
trabalho.

Segundo Netto (1996, p. 90):

é para responder a esse novo quadro que o capital monopolista se empenha,


estrategicamente, numa complicada série de reajustes e reconversões que,
deflagrando novas tensões e colisões, constrói a contextualidade em que
surgem (e/ou se desenvolvem) autênticas transformações societárias.

A nova ordem mundial tem se estruturado num processo de aprofundamento da desigualdade


com a ampliação da competição e com a redução, ou eliminação, de regulamentações e do papel
do Estado.

É esse o cenário atual da Questão Social, no qual são registradas as suas diversas formas de expressão
que, numa amplitude global, produz efeitos comuns, tais como:

Figura 9 – Formas de Expressão da Questão Social

SAÚDE PÚBLICA PREZARIZAÇÃO


AUMENTO DA
PRATICAMENTE E CASUALIZAÇÃO
POBLEZA
INEXISTENTE DO TRABALHO

DESEMPREGO ALIMENTAÇÃO
VIOLÊNCIA DROGAS
ESTRUTURAL INSUFICIENTE

...
MORADIA NA O QUE
RUA OU CASA EVELHECIMENTO IMPLICA EM
PRECÁRIA E SEM RECURSOS AUMENTO DA
INSALUBRE EXCLUSÃO
SOCIAL.

Nessa perspectiva, Castel, (1998, p. 593), analisa que a Questão Social se manifesta hoje a partir do
enfraquecimento salarial, e, ao invés de excluídos sociais, refere-se a desfiliados, ressaltando que:

75
UNIDADE IV │ QUESTÃO SOCIAL: CENÁRIO CONTEMPORÂNEO

O núcleo da Questão Social hoje, seria pois, novamente, a existência de ‘inúteis


para o mundo’, de supranumerários e, em torno deles, de uma nebulosa de
situações marcadas pela instabilidade e pela incerteza do amanhã que atestam
o crescimento de uma vulnerabilidade de massa.

A globalização do mundo, segundo Ianni (1992, p. 11), “expressa um novo ciclo de expansão do
capitalismo, como modo de produção e processo civilizatório de alcance mundial”. Envolve nações,
nacionalidades, regimes políticos, projetos nacionais, indivíduos, grupos, classes sociais, economias,
sociedades, culturas e civilizações.

Nesse processo o capitalismo globaliza não só a produção, a distribuição, a troca e o consumo,


mas também as coisas, gentes, ideias, cultura, Estado, as instituições, desterritorializando-os e/ou
reterritorializando-os conforme seus objetivos e estratégias fundamentais.

Como parte desse contexto, a Questão Social mundializa-se, passa a ter novos significados e
características, ganha dimensões globais expressas, por exemplo, no aumento do desemprego em
todo o mundo, nos crescentes processos migratórios envolvendo diferentes países e na assunção,
cada vez maior, de processos de trabalho flexíveis, precários e sem garantia de proteção social.

Esse é o quadro geral da Questão Social no Brasil de hoje, globalizado, inserido em contextos e
problemáticas econômicas, políticas, culturais e sociais de dimensões, internas e externas, ao
mesmo tempo locais e globais, regionais e intercontinentais, de raízes seculares e contemporâneas,
de questões não resolvidas ou resolvidas em benefício de minorias privilegiadas.

Um país em que concentração de terra, de riqueza e de bens, nas mãos de poucos, associam-se às
práticas históricas de clientelismo, de favor e outras práticas autoritárias e conservadoras ao lado de
outras mais modernas, sintonizadas ao mundo globalizado e de revolução tecnológica sem precedentes,
conferindo a esse país um grau de desigualdade e injustiça desumanas, pois, como afirma Ianni (1992,
p. 92): “vista assim, em perspectiva ampla, a sociedade em movimento apresenta-se como uma vasta
fábrica de desigualdades e antagonismos que constituem a Questão Social”.

76
Questão Social E OS
DESAFIOS COLOCADOS Unidade V
À PROFISSÃO DE
Serviço Social

CAPÍTULO 1
Os novos e constantes desafios da
Questão Social

Na estrutura do Serviço Social brasileiro como profissão, sempre esteve presente o desafio do
enfrentamento das expressões da Questão Social gestadas pelo capitalismo, o que fez com que seus
profissionais parametrassem suas intervenções na relação capital-trabalho.

A Questão Social é a principal base material instituinte e instituída das práticas profissionais do
assistente social. Historicamente o profissional é requisitado a compreender e dar resposta às
problemáticas, situações, necessidades e demandas postas e repostas pela Questão Social.

Os caminhos e rumos adotados na busca desses propósitos são múltiplos e variados. Parte dos
profissionais, implícita ou explicitamente, consciente ou inconscientemente, não consegue
ultrapassar uma visão estreita e estrita da Questão Social no país e em seus cotidianos profissionais,
voltando suas práticas, no geral, por caminhos e rumos burocráticos, rotineiros, que não ultrapassam
o status quo da sociedade, do Estado, dos campos e áreas de atuação, enfim, dos modos históricos
e predominantes de conceber a Questão Social: como caso de polícia, de política, de repressão, de
assistência (enquanto assistencialismo e não direito), de cidadania regulada e tutelada.

Mas outros assistentes sociais, no limite dos vários campos e áreas de atuação profissional,
procuram estar consoantes às exigências propaladas durante a formação e pelo Código de Ética,
comprometendo-se com a necessidade de contribuir para a instituição de uma nova sociedade,
constituída de fraternidade, igualdade e justiça social para todos.

Nesse processo os limites são muitos, os desafios são constantes. Para tanto, necessário se faz que
o assistente social seja cada vez mais ousado, tenha coragem de resistir e vencer os desafios, seja
portador de esperanças e sonhos, tenha coragem de lutar contra os imobilismos reinantes nas
várias esferas da sociedade, seja integrado e participante de novas formas de sociabilidade e de
práticas sociais.

Enquanto expressão das desigualdades e antagonismos sociais, a Questão Social envolve interesses
conflitantes, movimentos, resistências e rebeldias. É na “tensão entre produção da desigualdade e
produção da resistência e rebeldia que trabalham os assistentes sociais” (IAMAMOTO, 1988, p. 28).

77
UNIDADE V │ QUESTÃO SOCIAL E OS DESAFIOS COLOCADOS À PROFISSÃO DE SERVIÇO SOCIAL

O que a sociedade espera e exige da profissão e do profissional (o que não é exclusividade dessa
profissão) é: ousadia.

Como diz Iamamoto (1998), mais do que uma profissão interventiva, executiva, o Serviço Social tem
que ser propositivo. Isso significa dizer, entre outras coisas, que tratar a Questão Social hoje exige
que o profissional:

»» compreenda as múltiplas faces e expressões dessa realidade;

»» tenha capacidade de conhecer, investigar, antecipar, propor e executar alternativas


de enfrentamento dessa questão na ótica dos interesses da coletividade, da maioria
das populações pobres, oprimidas, excluídas e discriminadas.

Sendo um profissional que mantém relações sociais e contratuais históricas entre Estado e sociedade
civil, cabe ao Assistente Social um papel fundamental ao formular, implementar, executar, gerir
e avaliar Políticas Sociais voltadas para a cidadania, para o combate à exclusão e à miséria, e à
eliminação de processos e movimentos de discriminação, preconceito, alienação e injustiças sociais.

O assistente social pode contribuir para que os serviços sociais, sob sua responsabilidade direta
ou indireta, sejam de fato direitos sociais, que devem ser descentralizados, desburocratizados,
transparentes, democratizados, universalizados, com qualidade e controle social da sociedade, portanto
de natureza pública (seja estatal ou não estatal), voltados para os interesses reais da maioria população.

Por fim, o Serviço Social na contemporaneidade, frente aos novos desafios da Questão Social e dos
problemas sociais, requer, no nosso entendimento, conduzir a profissão a partir, pelo menos, de
cinco radicalidades, a saber:

DEMOCRACIA ÉTICA

CIDADANIA

COMPETÊNCIA
POLÍTICA TEÓRICA E
TÉCNICA

A radicalidade democrática deve ser entendida na perspectiva de que a profissão lute pela ampliação
da democracia como valor estratégico, instrumental, constituinte e constitutiva de todas as relações
existentes na sociedade, no Estado, na política, na cultura, na família, entre os indivíduos, grupos e
classes sociais.

78
Questão Social E OS DESAFIOS COLOCADOS À PROFISSÃO DE Serviço Social │ UNIDADE V

Que a prática profissional seja democrática, contribua com o processo de democratização das
instituições, das políticas públicas, que seja transparente, aberta, plural, pública e com controle
popular.

A radicalidade ética é uma exigência permanente. Enquanto expressão do dever-ser de uma


sociedade, a ética indaga e toma partido sobre os rumos e sobre os dilemas de uma dada realidade,
dadas relações e projetos existentes numa sociedade.

A ética não deve ser entendida como um código de castração (OLIVEIRA, 1998, p. 29), mas como
“parte da própria condição humana, do fato de que o ser humano não é um ser pronto em sua vida”,
de que está sempre em busca de si mesmo e da “humanização da vida humana”.

Assim sendo, a ética diz respeito à busca radical da realização do homem como ser ontocriativo,
capaz de criar o seu próprio ser tanto na dimensão individual quanto coletiva.

Nesse contexto o Código de Ética do Assistente Social deve ser entendido não como mero instrumento
normalizador da profissão e dos profissionais na sociedade, mas como instrumento que conduz a
profissão nos caminhos da justiça social, da equidade, da democracia e contra todas as formas de
exclusão, exploração, dominação e alienação.

A radicalidade política, significa entender que o ser humano é um “animal” social e político. A
política enquanto dimensão constitutiva do ser humano perpassa a vida, a sociedade, as relações
homem-homem, homem-natureza, homem-sociedade.

Perpassa, portanto, as profissões, os profissionais. O cotidiano profissional é político. Os processos


de pensar e agir da profissão são também políticos. As relações sociais estabelecidas pelo profissional
com indivíduos, grupos e classes sociais são políticas.

Dimensionar essa política no horizonte dos interesses maiores da população é uma questão que se
coloca para a profissão. A radicalidade da cidadania é parte constituinte e constitutiva do projeto
ético político do profissional na contemporaneidade. Considerada sob esse ponto de vista, a defesa
da cidadania deve ser encarada como valor estratégico e instrumental fundamental da profissão de
Serviço Social.

Nesses termos, a cidadania refere-se aos direitos, aos deveres, à democracia, à representação, à
conquista, à luta, ao conflito, à participação política e ativa da população, definindo os rumos principais
do país.

Um outro importante ponto se refere à radicalidade da competência teórica e técnica. Cada vez
mais se exige do profissional competência teórica e técnica para conhecer, decifrar, analisar,
propor, planejar, intervir, executar, avaliar, assessorar e exercer múltiplas atividades no sentido de
contribuir com propostas capazes de preservar e efetivar direitos e transformar o mundo cotidiano
em novas possibilidades. “Enfim, ser um profissional propositivo e não só executivo”. (IAMAMOTO,
1998, p. 20)

Para atender às novas exigências da realidade atual, o profissional deve romper com o burocratismo
das suas atividades profissionais e ir além das rotinas institucionais que impedem o pleno exercício

79
UNIDADE V │ QUESTÃO SOCIAL E OS DESAFIOS COLOCADOS À PROFISSÃO DE SERVIÇO SOCIAL

profissional na perspectiva da justiça, da cidadania, do direito e da luta contra todas as formas de


opressão, injustiça e discriminação.

Cabe ao Serviço Social, usando dos espaços políticos de discussões coletivas, dos diversos meios
de divulgação de suas produções e das estratégias de fortalecimento discutidas e apontadas pelas
entidades representativas da categoria ampliar as bases que foram possíveis de construir a partir do
arcabouço legal que lhe orienta para lidar de maneira crítica com a Questão Social e suas expressões.

Hoje, é importante também trazê-las não só para o campo do exercício profissional nas instituições,
organizações (governamentais ou não), movimentos e outros espaços em que atuam, mas também
para os espaços de formação profissional (faculdades, universidades, cursos de especialização das
outras modalidades de ensino), bem como enfatizando o tratamento no campo das dimensões ética
e política da profissão, na sua relação com a Questão Social.

Nesses termos, estando a Questão Social atrelada ao modo desigual de como se dão as relações
na sociedade e ainda ganhando aspectos particulares de aprofundamento no contexto do capital
contemporâneo, o que traz para o Serviço Social novas demandas, bem como o compromisso de se
repensar nesse contexto e defender o aprofundamento da defesa de seus valores.

Se há limites concretos enfrentados no capitalismo para o exercício da igualdade, isso significa


que a Questão Social da qual tratamos será tanto mais intensa, quanto perdurar esse sistema e se
aprofundarem os elementos para a sua permanência, o que implicará numa contínua reflexão por
parte do Serviço Social sobre estes aspectos e, mais ainda, que a superação da Questão Social como
fundada nas relações desiguais só se dará no âmbito de uma outra ordem social.

Apreender o movimento do real em suas contradições, possibilidades e limites para daí formular e
executar propostas, projetos e práticas é um desafio que se impõe ao profissional.

Segundo essa análise, que reforça a dimensão contraditória do exercício profissional, a particularidade
do Serviço Social no âmbito da divisão social e técnica do trabalho coletivo é “organicamente
vinculada às configurações estruturais e conjunturais da ‘Questão Social’ e às formas históricas
de seu enfrentamento, que são permeadas pela ação dos trabalhadores, do capital e do Estado”.
(ABESS/CEDEPSS, 1996, p. 154)

Esse ângulo de abordagem implica decifrar as multifacetadas refrações da “Questão Social” no


cotidiano da vida social, que são “matéria” do trabalho do assistente social, ao se confrontar com
as manifestações mais dramáticas dos processos sociais ao nível dos indivíduos sociais, seja em sua
vida individual, seja em sua vida coletiva (ABESS/CEDEPSS, 1996, pp. 154-155).

A “Questão Social” é indissociável da sociabilidade capitalista fundada na exploração do trabalho,


que a reproduz ampliadamente. Ela envolve uma arena de lutas políticas e culturais contra as
desigualdades socialmente produzidas. Suas expressões condensam múltiplas desigualdades,
mediadas por disparidades nas relações de gênero, características étnico-raciais e formações
regionais, colocando em causa amplos segmentos da sociedade civil no acesso aos bens da civilização.

Dispondo de uma dimensão estrutural – enraizada na produção social contraposta à apropriação


privada do trabalho –, a “Questão Social” atinge visceralmente a vida dos sujeitos numa luta aberta

80
Questão Social E OS DESAFIOS COLOCADOS À PROFISSÃO DE Serviço Social │ UNIDADE V

e surda pela cidadania (IANNI, 1992), no embate pelo respeito dos direitos civis, sociais e políticos
e aos direitos humanos.

Esse processo é denso de conformismos e rebeldias, expressando a consciência e luta que acumule
forças para o reconhecimento das necessidades de cada um e de todos os indivíduos sociais. É na
tensão entre produção da desigualdade, da rebeldia e do conformismo que trabalham os assistentes
sociais, situados nesse terreno movido por interesses sociais distintos, dos quais não é possível
abstrair – ou deles fugir – porque tecem a trama da vida em sociedade.

Foram as lutas sociais que, rompendo o domínio privado nas relações entre capital e trabalho,
extrapolaram a “Questão Social” para a esfera pública. Elas passam a exigir a interferência do Estado no
reconhecimento e na legalização de direitos e deveres dos sujeitos sociais envolvidos, consubstanciados
nas políticas e serviços sociais, mediações fundamentais para o trabalho do assistente social.

Pensar a “Questão Social” nas particularidades brasileiras supõe reconhecer que a transição do
capitalismo competitivo ao monopolista no Brasil não foi presidida por uma burguesia com forte
orientação democrática e nacionalista, voltada à construção de um desenvolvimento capitalista
interno autônomo. Ao contrário, essa transição foi e é marcada por uma forma de dominação
burguesa que Fernandes qualifica de “democracia restrita” – da “democracia dos oligarcas” à
“democracia do grande capital”, com clara dissociação entre desenvolvimento capitalista e regime
político democrático (FERNANDES,1975).

Foi decisivo o papel do Estado nos caminhos trilhados pela modernização “pelo alto”, em que as
classes dominantes se antecipam às pressões populares, realizando mudanças para preservar a
ordem. Evita-se qualquer ruptura radical com o passado, conservando traços essenciais das relações
sociais e a dependência ampliada do capital internacional, que assume novas características na
América Latina.

Os traços elitistas e antipopulares da transformação política e da modernização econômica no país


se expressam na conciliação entre as frações das classes dominantes com a exclusão das forças
populares, no recurso frequente dos aparelhos repressivos e da intervenção econômica do Estado a
favor dos interesses dominantes (COUTINHO, 1989, p. 122). Elas hoje se atualizam na criminalização
da “Questão Social” e das lutas dos trabalhadores (IANNI, 1992), na assistencialização das políticas
sociais e no reforço do Estado Penal (WACQUANT, 2001).

Qual o sentido da “Questão Social” hoje? O que se encontra na base de sua radicalização? Como
lembra Husson (1999, p. 99), o processo de financeirização indica um modo de estruturação
da economia mundial. Não se reduz a mera preferência do capital por aplicações financeiras
especulativas em detrimento de aplicações produtivas. O discurso da “economia de cassino” é
prisioneiro do fetiche das finanças, como se fosse possível frutificar uma massa de rendimentos
independente da produção direta.

O fetichismo dos mercados apresenta as finanças como potências autônomas ante às sociedades
nacionais e esconde o funcionamento e a dominação operada pelo capital transnacional e
investidores financeiros, que contam com o efetivo respaldo dos Estados nacionais e das grandes
potências internacionais.

81
UNIDADE V │ QUESTÃO SOCIAL E OS DESAFIOS COLOCADOS À PROFISSÃO DE SERVIÇO SOCIAL

A esfera estrita das finanças, por si mesma, nada cria. Nutre-se da riqueza criada pelo investimento
capitalista produtivo e pela mobilização da força de trabalho no seu âmbito. Nessa esfera, o
capital aparece como se fosse capaz de criar “ovos de ouro”, isto é, como se o capital-dinheiro
tivesse o poder de gerar dinheiro no circuito fechado das finanças, independente da retenção
que faz dos lucros e dos salários criados na produção. O fetichismo das finanças só é operante
se existe produção de riquezas, ainda que as finanças minem seus alicerces ao absorverem parte
substancial do valor produzido.

Os princípios éticos norteadores do projeto profissional estão fundados no ideário da modernidade


que apresenta a questão central da liberdade do ser social no coração de reflexão ética; ser social
que se constitui pelo trabalho e dispõe de capacidade teleológica consciente, afirmando-se como
produto e sujeito da história.

Mas é preciso considerar que a ordem burguesa é em seu cerne contraditória: ao mesmo tempo
em que fornece as bases históricas para o desenvolvimento de demandas vinculadas à liberdade
(direitos, garantias sociais e individuais, autonomia, autogestão), simultaneamente bloqueia e
impede sua realização.

Como se pode ver aqui, muitos elementos inerentes à constituição histórica do Serviço Social, da
Questão Social como objeto específico de intervenção dessa profissão e de várias de suas expressões,
no contexto atual, justificam a necessidade de não perder de vista o caráter de construção e
reconstrução do real a partir de seu desenvolvimento no tempo, o que sugere ainda, não tomar
os fatores isoladamente, mas compreendê-los como parte de uma realidade complexa que, na sua
totalidade, coloca esses fatores em condições determinadas pelo conjunto das relações sociais, sob
as quais são construídos.

Outro aspecto importante que deve ser destacado nesse sentido é não perder de vista as particularidades
do exercício profissional, considerando que, dentro desse conjunto de transformações societárias,
é imprescindível a contínua busca por entender qual o seu lugar dentro das determinações mais
gerais e, assim, discutir que desafios se apresentam em cada época, quais possibilidades há
de materializar os valores que orientam suas ações no campo ideológico e de valores. Isso exige
visitações e revisitações contínuas a esse arsenal de princípios, numa interlocução constante com a
atuação nos diversos espaços em que se insere.

Em suma, pode-se concluir que um dos novos compromissos do profissional de Serviço Social na
contemporaneidade, é ser vigilante implacável da cidadania, da equidade, da justiça e da democracia
amplas como forma de combate à miséria, a pobreza, as desigualdades, as injustiças, os preconceitos
e as discriminações reinantes, que se expressam na Questão Social e afligem a população brasileira,
mas, particularmente, aqueles com os quais o assistente social convive profissionalmente.

É ser um profissional, trabalhador e cidadão que luta e aspira por mudanças substanciais para
o país.

82
Para (não) finalizar

FICAR VELHO É OBRIGATÓRIO, CRESCER É OPCIONAL

No primeiro dia de aula, nosso professor se apresentou aos alunos e nos desafiou a que nos
apresentássemos a alguém que não conhecêssemos ainda. Eu fiquei em pé para olhar ao redor
quando uma mão suave tocou meu ombro. Olhei para trás e vi uma pequena senhora, velhinha
e enrugada, sorrindo radiante para mim, com um sorriso que iluminava todo o seu ser. Ela disse:
Hei, bonitão! Meu nome é Rosa. Tenho oitenta e sete anos de idade. Posso te dar um abraço? Eu ri e
respondi entusiasticamente: – É claro que pode! – Ela me deu um gigantesco apertão. Por que você
está na faculdade em tão tenra e inocente idade? – perguntei. Ela respondeu brincalhona: – Estou
aqui para encontrar um marido rico, casar, ter casal de filhos e então me aposentar e viajar. – Está
brincando – eu disse. Eu estava curioso em saber o que havia motivado a entrar nesse desafio com
a sua idade e ela disse: – Eu sempre sonhei em ter estudo universitário e agora estou tendo um!
Após a aula nós caminhamos para o prédio da União dos Estudantes e dividimos um “milkshake”
de chocolate. Nos tornamos amigos instantaneamente. Todos os dias, nos próximos três meses, nós
teríamos aula juntos e falaríamos sem parar. Eu ficava sempre extasiado ouvindo aquela “máquina
do tempo” compartilhar sua experiência e sabedoria comigo. No decurso de um ano, Rosa tornou-se
um ícone no Campus Universitário e fazia amigos facilmente, onde quer que fosse. Ela adorava vestir-se
bem e revelava-se na atenção que lhe davam os outros estudantes. Ela estava curtindo a vida! No fim
do semestre, nós convidamos Rosa para falar no banquete do futebol. Jamais esquecerei do que ela nos
ensinou. Ela foi apresentada e se aproximou do pódio. Quando ela começou a ler a sua fala preparada,
deixou cair três das cinco folhas no chão. Frustrada e um pouco embaraçada, ela pegou o microfone
e disse simplesmente: – Desculpa-me, estou tão nervosa! Eu nunca conseguirei colocar meus papéis
em ordem de novo, então me deixe apenas falar para vocês sobre aquilo que eu sei. Enquanto nós
ríamos, ela limpou sua garganta e começou: – Nós não paramos de amar porque ficamos velhos; nós
nos tornamos velhos porque paramos de amar. Existem somente quatro segredos para continuarmos
jovens, felizes e conseguindo sucesso. Você precisa rir e encontrar humor em cada dia. Você precisa
ter um sonho. Quando você perde seus sonhos, você morre. Nós temos tantas pessoas caminhando
por aí que estão mortas e nem desconfiam! Há uma enorme diferença entre ficar velho e crescer.
Se você tem dezenove anos de idade e ficar deitado na cama por um ano inteiro, sem fazer nada de
produtivo, você ficará com vinte anos de idade. Se eu tenho oitenta e sete anos e ficar na cama e não
fizer coisa alguma, eu ficarei com oitenta e oito anos. Qualquer um consegue ficar mais velho.

Isto não precisa nenhum talento ou habilidade. A ideia é crescer sempre encontrando a oportunidade
de mudar. Não tenha remorsos. Os velhos geralmente não se arrependem daquilo que fizeram, mas
sim por aquelas coisas que deixaram de fazer. As únicas pessoas que têm medo da morte são aquelas
que têm remorsos. Ela concluiu seu discurso cantando corajosamente “A Rosa”.

Ela desafiou a cada um de nós a estudar poesia e vivê-la em nossa vida diária. No fim do ano, Rosa
terminou o último ano da faculdade que começou todos aqueles anos atrás. Uma semana depois da

83
Para (Não) Finalizar

formatura, Rosa morreu tranquilamente em seu sono. Mais de dois mil alunos da faculdade foram
ao seu funeral, em tributo à maravilhosa mulher que ensinou, através do exemplo, que nunca é
tarde demais para ser tudo aquilo que você pode ser.

(autor desconhecido)

84
Referências
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