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Brasília-DF.
Elaboração
Produção
APRESENTAÇÃO................................................................................................................................... 4
ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA...................................................................... 5
INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 7
UNIDADE I
FINALIDADES DA TEORIA DA AUDITORIA.................................................................................................. 9
CAPÍTULO 1
PARA QUE UMA “TEORIA DA AUDITORIA”?.................................................................................. 9
UNIDADE II
RELEVÂNCIA SOCIAL DA AUDITORIA..................................................................................................... 12
CAPÍTULO 1
AUDITORIA COMO DEMANDA E COMO TECNOLOGIA............................................................ 12
UNIDADE III
O PROCESSO DE AUDITORIA............................................................................................................... 18
CAPÍTULO 1
EXISTIRÁ UM “PROCESSO DE AUDITORIA”?................................................................................ 18
UNIDADE IV
AUDITORIA E SEU PLANEJAMENTO........................................................................................................ 25
CAPÍTULO 1
PLANEJAMENTO DA AUDITORIA............................................................................................... 25
UNIDADE V
AUDITORIA E SUA EXECUÇÃO.............................................................................................................. 34
CAPÍTULO 1
EXECUÇÃO DA AUDITORIA..................................................................................................... 34
UNIDADE VI
A IMPORTÂNCIA DO RELATÓRIO.......................................................................................................... 45
CAPÍTULO 1
RELATÓRIO DE AUDITORIA...................................................................................................... 45
UNIDADE VII
O CICLO ORGANIZACIONAL............................................................................................................... 54
CAPÍTULO 1
O CICLO COMPLETO DA ORGANIZAÇÃO DE AUDITORIA......................................................... 54
REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 61
Apresentação
Caro aluno
A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem
necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela
atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade
de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD.
Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos
a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma
competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para
vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.
Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar
sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a
como instrumento para seu sucesso na carreira.
Conselho Editorial
4
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de
forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões
para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao
final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e
pesquisas complementares.
A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos
e Pesquisa.
Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.
Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.
Praticando
Atenção
5
Saiba mais
Sintetizando
Exercício de fixação
Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).
Avaliação Final
6
Introdução
Estamos em um curso de Auditoria Governamental. Aqueles que se interessam por esta especialidade
costumam ser pessoas mais voltadas à prática. Qual a necessidade de desenvolver teorias, talvez
abstratas ou muito abrangentes, sobre a auditoria?
Você possivelmente estará um pouco intrigado com a proposta desta disciplina. Não estamos em
um curso voltado à formação de pesquisadores acadêmicos: o aprofundamento de estudos que a
especialização permite tem o seu foco principalmente no aumento da capacidade de pesquisa e
resolução de problemas aplicados, na prática profissional do aluno. Isso é particularmente relevante
nas especialidades ligadas à administração, à auditoria e ao controle.
Por outro lado, várias disciplinas do curso têm natureza instrumental. Ensinam técnicas e métodos
de auditoria, oferecem práticas de diferentes assuntos. Não estariam repetindo informações, ou
oferecendo informações até mesmo contraditórias?
Não se preocupe. Uma teoria da auditoria faz sentido como uma disciplina no nosso curso.
Objetivos
»» Identificar as finalidades da Teoria da Auditoria para uma atuação consciente e
competente.
7
FINALIDADES
DA TEORIA DA UNIDADE I
AUDITORIA
CAPÍTULO 1
Para que uma “teoria da auditoria”?
Pode-se argumentar que o problema das relações políticas entre o poder local e o
poder nacional não será resolvido por meio de discussões conceituais. O que seria
necessário é mais pesquisa de campo. Historiadores, sem dúvida, tenderiam a apoiar
esse ponto de vista. Há momentos, no entanto, em que o acúmulo de pesquisas
passa a ter rendimento decrescente porque as ideias começam a girar em roda,
sem conseguir avançar devido a confusões ou imprecisões conceituais. Nesses
momentos, convém parar para revisão e tentar esclarecer conceitos e teorias.
»» As diversas técnicas e modalidades de prática que você já estudou e que ainda vai
conhecer são, cada uma, formas de realizar uma auditoria. Mas existem traços
comuns, aspectos que individualizam e diferenciam uma determinada prática como
uma auditoria, e que a diferenciam de qualquer outra prática humana?
É preciso que aquele que “mergulha” na auditoria como prática tenha um sentido de qual é o seu
“lugar no mundo” no que diz respeito a essa prática. Nessa perspectiva, existe um motivo até mais
importante para esse estudo. Se existem traços comuns em todas as modalidades e atividades
de auditoria, é provável que exista também uma lógica comum a todas elas, um conjunto de
fundamentos que preside a organização de todas. Ora, descobrir essa lógica compartilhada por
todas as práticas de auditoria é um recurso extremamente útil para compreender qualquer uma; é
uma ferramenta de aprendizado muito poderosa. Conhecer a estrutura de um trabalho de auditoria,
em suas bases conceituais, permitirá ao aluno apreender com mais facilidade, e com mais espírito
crítico, as propostas e os métodos de qualquer prática de auditoria que lhe seja apresentada.
Então, enfatizamos no nosso curso aquele núcleo básico de ideias relativas à auditoria, o papel que
representa na sociedade e a forma como nela se organizam o raciocínio e o trabalho. As diferentes
variedades do trabalho de auditoria, que você verá ao longo do curso e que já exercita no seu cotidiano
profissional, poderão ser compreendidas de uma forma mais clara a partir desse núcleo de ideias.
9
UNIDADE I │ FINALIDADES DA TEORIA DA AUDITORIA
Não trazemos aqui uma “receita de bolo” que pretende enquadrar todas as demais. Ao contrário,
procuramos mostrar-lhe um conjunto de “ingredientes” básicos que irá auxiliá-lo a construir as
várias receitas que você será chamado a recriar criativamente nesse campo fascinante da prática
social.
Para compreender as razões dessa estrutura lógica, começaremos por uma visão sintética da
auditoria como instituição social: o que se espera da auditoria? Em que pensa a sociedade quando se
refere à auditoria ou ao auditor? Qual a inserção da auditoria no funcionamento das organizações?
Tendo claro o que deve fazer o auditor, poderemos então pensar essa “estrutura lógica” de seu
trabalho, na forma de uma sequência ordenada de etapas de trabalho lógica e materialmente inter-
relacionadas, que se denomina o processo de auditoria.
Num sentido estrito, esse processo abrange uma auditoria individual, na qual a equipe de auditores
planeja, inicialmente, a identificação das questões de auditoria a responder, em decorrência das quais
deduz as estratégias metodológicas que vai empregar e os critérios de auditoria em relação aos quais
vai contrastar os fatos que levantar. A estratégia metodológica enfeixa uma série de procedimentos
de auditoria, que são atuações destinadas a coletar e analisar dados sobre a realidade auditada.
Pensando em uma organização de auditoria como um todo, são necessários, ainda, outros
procedimentos de sistematização do uso dos recursos (ampliando o processo para um verdadeiro
“processo organizacional de auditoria”). Primeiro, há que selecionar, entre o universo praticamente
infinito de temas a auditar, aqueles que serão objeto da atenção dos auditores num determinado
período. A esses temas aplica-se, então, o processo de auditoria individual como descrevemos acima.
Posteriormente à conclusão das auditorias individuais, a organização deve promover também de
forma ordenada o acompanhamento ou monitoramento dos resultados obtidos com sua ação em
cada caso.
10
FINALIDADES DA TEORIA DA AUDITORIA │ UNIDADE I
Este texto tem finalidades didáticas, portanto, tem uma apresentação de algum
modo simplificada. Muitas das informações técnicas e metodologias mencionadas
nas Unidades III a VII são apenas indicadas. Para obter maiores informações para
aprofundamento e referências bibliográficas completas, que não constarem deste
texto, você pode recorrer ao seguinte texto de aprofundamento, que está incluido
na biblioteca do nosso curso:
11
RELEVÂNCIA
SOCIAL DA UNIDADE II
AUDITORIA
CAPÍTULO 1
Auditoria como demanda e como
tecnologia1
[...] analisar com as pinças de um senso suficientemente comum para ficar ao alcance
de toda a gente a questão da natureza do poder e do seu exercício, identificar quem
efectivamente o detém, averiguar como foi que a ele chegou, verificar o uso que
dele faz, os meios de que se serve e os fins a que aponta.
»» Essa afirmação é parte de um texto literário, mas formula uma reflexão sobre a
vida social que pode ser útil em nosso estudo da auditoria e do controle. Saber
quem exerce o poder de decisão em um grupo ou coletividade, que uso faz dele,
que objetivos persegue com tal poder, de que meios lança mão para exercê-lo, são
tarefas cívicas importantes, mas, certamente, muito difíceis. Que meios você acha
que podem ser utilizados para atingir essas respostas?
»» Qual é a ideia que você tem sobre a natureza da auditoria? Qual lhe parece ser a
missão do auditor?
Todo este capítulo, assim como os seguintes, está amplamente baseado em Bittencourt, 2007.
1
12
RELEVÂNCIA SOCIAL DA AUDITORIA │ UNIDADE II
De fato, a denominação e os primeiros passos das atividades que hoje se conhecem por auditoria
no Mundo Ocidental tiveram origem nas verificações de contas financeiras devidas a proprietários
privados e aos tesouros reais. Não trataremos da evolução histórica dessa atividade, que já tem
bibliografia extensa e satisfatória. É suficiente lembrar que essa trajetória da auditoria levou-a, nos
dias de hoje, a alcançar espaços muito mais amplos que a mera revisão de documentos contábeis.
Os auditores hoje verificam coisas tão diferentes entre si, como, por exemplo, quanto à qualidade
da prestação de serviços públicos, à existência de fraudes nas declarações tributárias, à segurança
no controle de tráfego aéreo, à correção de contas médicas apresentadas a uma empresa de seguro-
saúde ou ao cumprimento da legislação por parte de um setor administrativo. Por agora, para nossas
finalidades nesta disciplina, basta, simplesmente, constatar que a visão convencional da auditoria
(tanto no senso comum quanto no jargão habitual dos negócios) tornou-se incapaz de oferecer um
sentido comum para usuários, profissionais e governo.
Para empreender o nosso estudo de Teoria da Auditoria, portanto, é preciso ter em mente, ainda
que de forma breve, o contexto da demanda social pela auditoria: o que se vem pedindo à auditoria?
Somente a partir daí, podemos começar a entender as práticas daqueles que se têm como auditores,
em geral, e que assim são considerados.
Quanto à demanda social, constatamos que a moderna sociedade ocidental tem vivido, na opinião
de alguns autores2, uma “explosão da auditoria”:
No fim dos anos 1980 e começos dos anos 1990, a palavra “auditoria”
começou a ser usada na Inglaterra com frequência crescente numa ampla
variedade de contextos. Além da regulação da contabilidade da empresa
privada pela auditoria financeira, práticas de auditoria ambiental, auditoria de
desempenho, auditoria de gestão, auditoria forense, auditoria de sistemas de
informação, auditorias de propriedade intelectual, auditoria médica e auditoria
da tecnologia emergiram e, em graus variados, adquiriram um certo patamar
de aceitação e estabilidade institucional. Um número crescente de indivíduos
encontrou-se sujeito a novas ou mais intensas exigências de contabilidade e
auditoria. Em resumo, uma crescente população de “auditados” começou a
experimentar uma onda de verificações formalizadas e detalhadas sobre o que
eles fazem. (POWER, 1999, p. 3)
Power, 1999, p. 3-9 (a obra de Michael Power é seminal para essa vertente do estudo da auditoria); Pentland, 2000, p. 307-309.
2
13
UNIDADE II │ RELEVÂNCIA SOCIAL DA AUDITORIA
Essa é a primeira das concepções de auditoria com que nos deparamos no cotidiano: a “auditoria
como programa”.
Nesse ponto, tenhamos claro que esta é apenas uma das duas possíveis formas de encarar a auditoria.
Como toda prática social, ela pode ser caracterizada por aspectos programáticos (normativos) e
tecnológicos (operacionais). Os elementos programáticos são as ideias a respeito da missão ou
finalidade daquela prática, ideias que têm o papel – importantíssimo – de vincular essa prática aos
objetivos sociais mais amplos que circulam na esfera política. Na visão “programática” da auditoria,
são formuladas demandas amplas aos auditores em geral e, de alguma maneira, presume-se que
a prática deles é capaz de atender a tais demandas. Já a “tecnologia” da auditoria compõe-se das
tarefas e rotinas mais ou menos concretas que são levadas a cabo pelos praticantes – amostragens,
checklists, revisões analíticas etc.3 e da forma como se estruturam.
Mas, seria possível e útil uma definição um pouco mais precisa dessa atividade no sentido de “o que
caracteriza a função de um trabalho de auditoria”?
Sem dúvida. As entidades internacionais que congregam os auditores financeiros e contábeis tiveram
que encarar, nas últimas décadas, a constatação de que os clientes demandam a esse segmento cada
vez mais serviços distintos da tradicional verificação da contabilidade anual. Em um longo processo
de discussão e consolidação, essas organizações tiveram que desenhar um marco conceitual que
orientasse essas práticas tão distintas entre si e tão diferenciadas da auditoria contábil tradicional.
O desafio incluía a necessidade de elaborar um conceito que fosse ao mesmo tempo genérico (para
abarcar toda a variedade de demandas advindas da “explosão da auditoria”) e realista (de modo
a ser útil para aplicação e orientação dos auditores em campo). Esse duplo objetivo foi alcançado
mediante a observação do processo de trabalho das auditorias em suas inúmeras variações, e a
identificação dos seus traços ou elementos comuns.4
3
Power, 1999, p. 6. Observe-se que a distinção entre “programa” e “tecnologia” foi formulada em caráter geral para qualquer
prática social (ROSE & MILLER, 1992), e é utilizada nos mesmos termos por Pentland (2000, p. 309).
4
Estes conceitos foram gerados e sistematizados por várias entidades de auditores: a International Federation of Accountants –
IFAC (IFAC, 2000) e o American Institute of Certified Public Accountants – AICPA (SILVA, 2000), ambos sob a denominação
de Assurance Services, bem como a American Accounting Association (PÉREZ, 1996), esta já denominando precisamente
auditoria. Uma versão com um grau maior de generalidade, utilizando-se da teoria geral de sistemas, também é apresentada em
obras técnicas doutrinárias (NEWTON, 2001). Utilizaremos, por seu maior poder descritivo, a definição do IFAC, adaptando
sua redação para os objetivos deste trabalho IFAC, 2000, p. 116-121. Para efeitos comparativos, as outras definições são:
Auditoria: “Es el proceso sistemático de obtener y evaluar objetivamente la evidencia acerca de las afirmaciones relacionadas
con actos y acontecimientos económicos, a fin de evaluar tales declaraciones a la luz de los criterios establecidos y comunicar el
resultado a las partes interesadas.” (PÉREZ, 1996, p. 21)
Assurance services são “os serviços profissionais independentes que aperfeiçoam a qualidade das informações e/ou seu contexto
para os usuários”. (SILVA, 2000, p. 40)
Auditoria “es la función independiente al sistema de comparar (o sea, el auditor sería el grupo de controle) las características o
condiciones controladas, a través del uso de pautas, normas o elementos para medirlas (sensor), determinar las desviaciones e
informar al organismo o sector del cual la auditoría depende (grupo activante) el que está jerárquicamente ubicado por encima
del sistema auditado. (NEWTON, 2001, p. 5).
14
RELEVÂNCIA SOCIAL DA AUDITORIA │ UNIDADE II
Temos então a seguinte diretriz acerca do que pode ser entendido como um serviço de auditoria:
Podemos ilustrar essa definição por meio de um diagrama simples que enfatiza os seus componentes
e as inter-relações entre eles:
Vamos entender um pouco melhor esse conceito, utilizando o diagrama como auxiliar na visualização
de cada um dos seus componentes. Segundo a definição exposta, são elementos imprescindíveis de
um serviço ou encargo de auditoria:
I. um auditor profissional;
II. uma parte responsável pelo assunto determinado ou pela informação prestada;
b. um assunto determinado que será objeto da auditoria, sobre o qual o auditor emitirá
conclusões – esse assunto pode ter as mais variadas formas: dados financeiros ou
não financeiros (Ex.: demonstrativos contábeis, indicadores de gestão, relatórios
estatísticos), sistemas e processos (Ex.: mecanismos de controle interno ou
governança corporativa), ou condutas (Ex.: cumprimento de leis e regulamentos);
15
UNIDADE II │ RELEVÂNCIA SOCIAL DA AUDITORIA
e. uma conclusão obtida pelo auditor e transmitida às pessoas definidas nos termos
de sua contratação ou encargo. Essa conclusão pode referir-se ao assunto objeto
da auditoria em geral (por exemplo, uma opinião sobre a prática de gestão em
uma empresa) ou a afirmações feitas pela parte responsável acerca do assunto (por
exemplo, uma opinião sobre o relatório de gestão apresentado pelos administradores
de uma empresa)7;
Segundo Valderrama (1997), para que a avaliação do auditor tenha efeitos significativos na
credibilidade da informação que examina, é necessário ainda que o auditor seja independente da
parte responsável pelo assunto determinado, no sentido de que não tenha interesses pessoais (não
seja parte interessada) no resultado das verificações, o que permitirá emitir sua opinião de forma
inteiramente imparcial. Essa independência significa a inexistência de quaisquer impedimentos
pessoais, externos ou organizacionais para opinar imparcialmente em relação à matéria objeto da
auditoria e em relação à parte responsável por ela. De acordo com o GAO (1997), pelas mesmas
razões, a independência aqui estabelecida é de caráter objetivo, o que implica que também seja
considerado um impedimento qualquer fato ou condição que possa levar razoavelmente um terceiro
interessado a questionar a sua independência (atitude e aparência independentes). É necessário
atentar, porém, que a independência não é obrigatória perante o destinatário da opinião do auditor:
como é esse destinatário que demanda a verificação da informação, poderá achar conveniente realizar
os exames diretamente por seus empregados ou contratados. Nesse caso, o valor da credibilidade da
informação ficará restrito a esse interessado que providenciou a execução do encargo de auditoria,
não sendo o mesmo frente a terceiros não envolvidos (Ex.: uma empresa, com uma participação
acionária significativa em outra, que envie seus próprios funcionários para uma revisão de contas
da participada).
De fato, a natureza do serviço ou encargo de auditoria indica que sua finalidade é aumentar a
credibilidade da informação acerca de um assunto determinado, mediante a avaliação sobre se
esse assunto guarda conformidade, em todos os seus aspectos mais significativos, com critérios
adequados, melhorando assim a probabilidade de que a informação venha a atender às necessidades
de seu usuário ou destinatário.
Por fim, precisamos esclarecer uma dúvida que costuma surgir principalmente entre aqueles que
já exercem, de alguma forma, tarefas de auditoria. Fala-se aqui de examinar, comparar e informar.
7
Essa diferenciação entre as conclusões faz com que surjam duas diferentes classificações dos encargos de auditoria,
respectivamente os “encargos de informação direta” e os “encargos de autenticação” (IFAC, 2000, p. 120-121). No entanto, em
qualquer dos casos, o tratamento é o mesmo, tanto na definição conceitual quanto na operação prática.
16
RELEVÂNCIA SOCIAL DA AUDITORIA │ UNIDADE II
Nada se diz sobre recomendar ou corrigir. Dificilmente um auditor experiente deixará de incluir
em suas responsabilidades o trabalho de recomendar as soluções que se lhe apresentem para os
problemas identificados no ente auditado. Dificilmente deixará de considerar que seu trabalho não
agregará valor se não se aventurar pelo caminho da proposta de aperfeiçoamento (trilha muito mais
arriscada que a simples constatação da coincidência ou não com os critérios).
É verdade. Compartilhamos essa posição. Mas precisamos lembrar que o esforço que se faz aqui
é no sentido estritamente analítico, de identificar traços comuns das diferentes atividades de
auditoria. Pretendemos inicialmente entender a auditoria como forma de produção e organização
do conhecimento sobre a realidade e potencializar nossa capacidade de exercê-la. O uso posterior
desse conhecimento, que pode ocorrer sob diversas formas que adiante veremos (simples divulgação
pública; recomendações; negociações com o ente auditado; fixação de sanções), está, no momento,
fora do nosso campo de visão. A “lente” analítica está focalizada, neste momento, sobre a função
de auditoria, não sobre o profissional. É evidente que aquele auditor que levanta as informações,
que estabelece e confirma critérios, pode e deve reivindicar um papel relevante na aplicação do
conhecimento por ele gerado. A limitação de objeto que aqui estabelecemos não pretende sustentar
qualquer restrição do campo de atuação do profissional auditor, mas decorre simplesmente da
organização sequencial deste estudo ao longo do curso. Reconhecemos que o auditor tem várias
missões relevantes, mas neste momento vamos percorrer com ele uma delas, a de produzir
conhecimento.
Entendemos neste capítulo, em linhas gerais, o que se espera da auditoria, e como se pode descrever
o seu papel social. No entanto, isto diz pouco acerca do “como” fazer auditoria. Nesse mundo
tão variado de tarefas, existem traços comuns que me ajudam, como auditor, a atender a essas
demandas? Existirá uma forma padronizada ou comum a todo trabalho de auditoria? Ou cada um
é radicalmente diferente dos demais? São inquietações muito importantes, e que vão ser abordadas
nos próximos capítulos deste nosso curso.
17
O PROCESSO DE UNIDADE III
AUDITORIA
CAPÍTULO 1
Existirá um “Processo de Auditoria”?8
[..] este nível de atração programática pela ideia de auditoria e o nível da tecnologia
de auditoria estão vinculados de uma forma apenas precária. O campo da auditoria
é caracterizado por uma defasagem entre a explosão de demandas e expectativas
programáticas quanto à auditoria e as estórias mais “paroquiais” que nos são
contadas sobre sua capacidade operacional subjacente.
(POWER, 1999, p. 7)
»» Para que um estudo teórico da prática da auditoria? Auditoria não é só “pôr as mãos
na massa”?
18
O PROCESSO DE AUDITORIA │ UNIDADE III
pela qual os resultados do mesmo devem ser interpretados”, quanto na vertente de “conteúdo”,
buscando “soluções construtivas que tratem de satisfazer às expectativas de seus usuários, sempre
que sejam razoáveis”. (GARCÍA, 2000, p. 35)
Traduzir-se
pesa, pondera,
[..]
é permanente
de repente.
[..]
na outra parte
de vida ou morte –
será arte?”
Ferreira Gullar
Como porém passar das demandas às possibilidades práticas? O dilema que o poeta Ferreira Gullar
transmite não é dos menores: como passar de um lado a outro do problema? Temos intenções a
atender, mas como vamos trazê-las à prática?
A partir de agora, abordamos os aspectos principais dessa prática real, da “auditoria como
tecnologia”, sempre vinculados ao modelo conceitual da vertente programática da auditoria. Num
esforço deliberado de resumo e simplificação, apresentamos as linhas principais do fenômeno
estudado, recorrendo à bibliografia citada para indicar ao leitor o aprofundamento naquele tópico
específico. Com isso, o aluno recebe a visão de conjunto indispensável para compreender o raciocínio
básico aplicado pelo auditor, bem como uma ferramenta útil para o desenvolvimento posterior dos
detalhes de cada tipo de auditoria segundo seu próprio ritmo e suas demandas.
19
UNIDADE III │ O PROCESSO DE AUDITORIA
O reconhecimento da existência de um
“processo de auditoria”
O primeiro ponto fundamental a observar é que o trabalho de auditoria não é mera justaposição de
métodos e ferramentas (tais como amostras, checklist, métodos analíticos e outros). A aproximação
do auditor em relação ao objeto auditado e o uso que faz de técnicas e instrumentos é hoje “[...] um
corpo de conhecimentos que ao longo dos anos tem sido codificado e formalizado, permitindo assim
que o processo de auditoria seja anotado e registrado de uma determinada maneira”. (POWER,
1999, p. 6-7)
A observação dos relatos da prática e da doutrina técnica faz concluir que sim. Mesmo considerando
as diferenças entre autores e entre práticas organizacionais (de que trataremos exaustivamente
adiante), parece evidente que cada um, à sua maneira, sustenta que existe um proceder sistematizado
que conduz o auditor, e a organização que faz auditoria, à produção de resultados de auditoria tal
como demandados pelas partes interessadas. Como entusiasticamente defende um autor clássico
da auditoria financeira:
Há polêmica, sem dúvida, quanto à validade intrínseca dos diferentes “processos de auditoria”.
Valderrama (tipicamente abordando a auditoria externa contábil) é enfático em afirmar a estrita
correlação entre uma determinada estruturação do trabalho e o resultado final:
Ante esta situação de fato o auditor deve pensar seu trabalho conforme uma
metodologia que não deixe nenhum ponto ao acaso. Metodologia que constitui
por sua vez uma garantia para o próprio auditor que adquire um certo grau de
certeza de que, cumprindo-a, vão aumentar as probabilidades de que o juízo
emitido conforma-se con os critérios de objetividade e razoabilidade que quer
conseguir. (VALDERRAMA, 1997, p. 141)
Outros autores, como Power, veem com profundo ceticismo a hipótese de que o seguimento de
normas proporcione maior valor intrínseco às conclusões:
20
O PROCESSO DE AUDITORIA │ UNIDADE III
Não vamos “bater o martelo” nessa polêmica: o fato que nos interessa aqui é que qualquer
apresentação das atividades de auditoria, seja com fins didático-científicos (doutrina técnica),
seja de natureza normativo-instrumental (manuais e roteiros institucionais das mais variadas
origens), não prescinde da enumeração ordenada de um determinado número de fases de trabalho
e suas inter-relações. Portanto, se quisermos iniciar o estudo da prática da auditoria tal como se
nos apresenta na realidade, não podemos ignorar essa constatação fundamental: os processos de
trabalho prescritos têm, sistematicamente, uma natureza ordenada e determinadas características
comuns. Razões suficientes para que iniciemos nossa aproximação à “auditoria como tecnologia”
através da noção do processo de auditoria.
Motivos existem para que a auditoria seja concebida como um processo estruturado. Em primeiro
lugar, de um ponto de vista prático, é razoável supor que toda forma de produção de conhecimentos
complexos sobre a realidade, com finalidades utilitárias e fundamentos racionais, tem uma natureza
ordenada e sistemática:
21
UNIDADE III │ O PROCESSO DE AUDITORIA
Por outro lado, a própria expansão da “auditoria como demanda” já implica que o produto do
trabalho do auditor virá a ser utilizado e a provocar efeitos junto a terceiros. Trata-se de severa
responsabilidade sobre a comunidade de praticantes9. E precisamente um dos mecanismos básicos
para ressalvar e resguardar a responsabilidade do auditor é a construção de normas ou padrões
oficiais de procedimento que incorporariam as “melhores práticas” ou o zelo profissional exigível a
esse profissional:
Vamos então a uma tentativa de generalização sistemática das orientações e práticas de distribuição
e sequenciamento do trabalho de auditoria. Todos aqueles que já militaram em algum ramo da
auditoria conhecem a tradicional (e muitas vezes burocrática) periodização em “planejamento”,
“execução” e “relatório” que já se incorporou ao senso comum. A mera ritualização, porém, é
inútil ao auditor que desejar exercer sua missão com profissionalismo. O que compõe cada fase?
No planejamento, deve-se apenas ficar no escritório, sem ir a campo? Durante a execução, deve-
se apenas coletar dados? São muitas as questões legítimas que surgem, e que a simples repetição
acrítica de rotinas e rituais nada resolve.
É necessário que o auditor (e em especial que um texto de natureza analítica como este) procure
enxergar além da simples repetição de práticas, verificando o sentido intrínseco daquilo que observa.
É preciso isolar pelo pensamento os elementos essenciais do processo e as relações entre eles,
vinculando fenômenos e causas. Nesse caso concreto, não poderíamos deixar de associar as etapas
do trabalho de auditoria à sua própria definição conceitual, tratada no capítulo anterior, conferindo
em cada etapa do trabalho qual ou quais elementos essenciais da auditoria a referida etapa procura
produzir ou aperfeiçoar. Devemos lembrar sempre que um modelo conceitual é “uma referência
que nos permitirá apreender as diferentes dimensões da organização de uma maneira estruturada.
Ordenará a informação com critérios que facilitarão o diagnóstico e as recomendações posteriores”
(MÁS e RAMIÓ, 1997, p. 53). Numa tentativa de ir além da simples enumeração de prescrições
de terceiros, é preciso tentar “modelizar”, ainda que de modo tentativo, já que: “sem um modelo
prévio, sem uma teoria, a numerosa informação que gera uma organização carece de coerência e
apresenta-se só como uma vasta coleção de dados sem relação entre si”.(Idem, ibidem, p. 53)
É claro que, mesmo no modelo mais bem estruturado, as divisões e periodizações estanques são
sempre convencionais. O romancista José Saramago já nos dizia sobre a vida:
9 Discussão extensa sobre o tema da responsabilidade do auditor: FRANCO & MARRA, 1991, p. 86-92; VALDERRAMA, 1997, p.
41-43; JUND, 2002, p. 49-50.
22
O PROCESSO DE AUDITORIA │ UNIDADE III
O importante para nossos fins é identificar uma sequência de atividades, sua ordenação e inter-relação.
A forma como se lhes nomeie, ou as etapas em que se lhes agrupe, são meramente convenções – aqui
adotaremos aquelas que nos pareçam mais práticas, mas autores, organizações e leitores variam a
nomenclatura sem que a análise conceitual seja afetada.
Aqui também se trata de uma divisão essencialmente analítica, em função da tarefa concreta de
auditoria que se está examinando. Não se entenda por “auditoria individual” o trabalho de uma
única pessoa (existem missões de auditoria que envolvem, cada uma, dezenas de profissionais);
tampouco as etapas complementares devem ser vistas como privilégio de grandes organizações (um
único profissional que exerça o cargo de auditor interno de um pequeno hospital tem que gerenciar
a seleção de auditorias e o follow-up da mesma forma que uma grande controladoria nacional).
Como já dissemos neste capítulo, o processo que vamos estudar associa as etapas do trabalho de
auditoria aos componentes da definição conceitual dessa atividade, tal como vimos no capítulo
anterior; cada etapa do trabalho tem por finalidade produzir ou aperfeiçoar algum dos elementos
essenciais da auditoria.
23
UNIDADE III │ O PROCESSO DE AUDITORIA
Examine agora o diagrama, para ter uma primeira ideia de conjunto do processo de auditoria.
Procure verificar quais são as etapas e como se encadeiam; não se preocupe com o detalhamento de
cada uma, pois é isto que veremos em cada um dos próximos capítulos.
24
AUDITORIA E SEU UNIDADE IV
PLANEJAMENTO
CAPÍTULO 1
Planejamento da Auditoria
»» O que você acredita que deva ser pensado antes da realização de uma auditoria?
A etapa do planejamento
O planejamento de um encargo de auditoria destina-se, genericamente, à “compreensão geral
do trabalho a ser feito, ou seja, definem-se as finalidades da ação a ser realizada e identificam-se
as questões que deverão ser respondidas.” (ARAÚJO, 2001, p. 66). Em outras palavras, o
planejamento deve identificar, com a precisão necessária, o assunto determinado sobre o qual a
auditoria deve se pronunciar, e os critérios adequados em função dos quais a opinião será emitida.
Na análise deste capítulo, já estamos considerando que o encargo de auditoria já foi atribuído à
equipe responsável, ao menos em seus termos fundamentais.10 Existirá, possivelmente, alguma
superposição na prática entre as etapas finais da escolha de um tema para auditar e o início do
planejamento da auditoria propriamente dita. No entanto, isso não é obstáculo para o modelo que
apresentamos, visto que a segregação em fases ou etapas é um instrumento analítico destinado a
ordenar o continuum de atividades de uma auditoria (e não uma compartimentação rígida e formal).
Essa interpenetração das etapas de seleção e do planejamento será mais detalhada adiante.
“Já foram especificados temas que, a priori, têm valor [para os interessados], são coerentes e inserem-se dentro da esfera de
10
atribuições de quem vai auditar [“Issues that are [..] intra vires]. E que são suficientemente precisos para permitir análises de
suas implicações.” NAO, 1993, p. 2, section 1.1.
25
UNIDADE IV │ AUDITORIA E SEU PLANEJAMENTO
Questões de auditoria
Para compreender e planejar seu trabalho, o auditor identifica e prepara, inicialmente o seguinte.
Para uma ideia mais concreta da imensa variedade de questões de auditoria que podem surgir, e
portanto da necessidade de que sejam atentamente formuladas, algumas dessas questões propostas
na literatura técnica e na prática são apresentadas a seguir.
Questões de Auditoria
1a – Com que segurança se pode afirmar que as técnicas utilizadas serão aceitas pelos organismos internacionais?
2a – Até que ponto se pode dizer que a utilização das técnicas adotadas permitirá a conclusão do levantamento no prazo estipulado?
(TCU, 2000, p. 52)
26
AUDITORIA E SEU PLANEJAMENTO │ UNIDADE IV
Critérios de auditoria
Sabendo então o que examinar, o auditor pode então buscar os critérios segundo os quais emitirá
opinião11. Uma questão de auditoria será então tratada mediante a formulação de um ou mais
critérios de auditoria12.
A própria definição da auditoria já explica sua natureza: critérios são, portanto, padrões em relação
aos quais se poderá contrastar a adequação do desempenho do ente auditado ou, o que é o mesmo,
parâmetros em relação aos quais os achados são medidos para obtenção de uma opinião sobre o
desempenho atingido. Na prática, devem ser padrões razoáveis e alcançáveis de desempenho e
controle em relação aos quais a conformidade com leis e regulamentos, a adequação dos sistemas
e procedimentos, a economia, a eficiência e a efetividade das operações podem ser abordadas e
avaliadas.
Podem ser selecionados de várias fontes, de acordo com o juízo profissional do auditor. Na área
pública, pela sua própria natureza, sua fonte primária é o ordenamento legal e regulamentar. Podem
também ser buscados nos padrões técnicos da área profissional auditada, no desempenho histórico
do ente auditado, no desempenho de entidades semelhantes, em práticas gerenciais ou operacionais
aceitas pelo auditado como aplicáveis, nos objetivos fixados ao ente auditado por ele próprio ou pelo
poder público correspondente e nos termos de contratos que vinculem o auditado.
11
O tema dos critérios de auditoria foi detalhadamente examinado no artigo “Os critérios de auditoria e a auditoria operacional”
(BITTENCOURT, 2000), que consta da biblioteca de nosso curso e ao qual remetemos os interessados em aprofundar esta
análise. A presente seção contém, em sua maior parte, uma síntese e atualização do mencionado artigo.
12
Portanto, tenha em mente que uma questão pode ser atendida por um critério, ou por mais de um, cabendo ao auditor a
prerrogativa de escolher o número de critérios em função de suas próprias necessidades de responder à questão proposta.
27
UNIDADE IV │ AUDITORIA E SEU PLANEJAMENTO
É importante identificar a dualidade que essa noção de critério de auditoria pode assumir, como
“critério-princípio” e “critério-padrão”. A primeira natureza é a especificação de uma parte da
realidade auditada, seus contornos lógicos. Nesse sentido, os critérios são especificações mais
precisas e concretas dos aspectos da realidade, abordados pelas questões de auditoria. A segunda
natureza representa a definição de um valor, que contém a posição normativa oriunda da equipe
auditora, ou de outra fonte com autoridade para defini-la, acerca do que seria desejável ou esperado
para os resultados da ação auditada. É a verificação da conformidade ou não da situação observada
que irá resultar nos “achados de auditoria”, de que trataremos mais adiante.
Um outro ponto importante: é na construção dos critérios que residirá o conhecimento sobre o
assunto auditado. A multiplicidade de temas colocados a uma equipe de auditoria faz com que
seja praticamente impossível que o auditor conheça antecipadamente quais os padrões ideais ou
desejáveis para um determinado assunto. Nessa etapa do planejamento, ele pode estudar o assunto
e buscar a informação publicada – e mesmo o assessoramento de especialistas no tema auditado –
para construir e explicitar critérios que contenham, em seu conteúdo, uma posição sobre o “estado
da arte” do objeto auditado. São os critérios, também, que conterão a explicitação das demandas
que faz aquele que encarregou a auditoria (a parte que tem direito a exigir a prestação de contas
na relação da accountability): que características da realidade ele considera adequadas, o que ele
pretende que seja conferido?
Os critérios de auditoria são fixados, então, como parte indissociável do planejamento dos trabalhos
auditoriais, ao final do qual devem estar suficientemente precisos e detalhados para que possam
desempenhar os papéis de (TCU, 1999, p. 22).
28
AUDITORIA E SEU PLANEJAMENTO │ UNIDADE IV
29
UNIDADE IV │ AUDITORIA E SEU PLANEJAMENTO
Os critérios são, por um lado, a própria tradução daquilo que a auditoria é solicitada
a verificar, e, por outro, o “pulo do gato” do desenho de uma auditoria bem-sucedida.
TCU, 2000, p. 62-64, onde se traduz survey por “pesquisa”, o que nos parece uma literalidade inadequada ao contexto em que
14
a palavra é usada. Para uma excelente apresentação em português desta estratégia metodológica, vide Babbie, 1999.
30
AUDITORIA E SEU PLANEJAMENTO │ UNIDADE IV
»» por fim16, a auditoria também faz uso do estudo de caso, ou uma análise em profundidade
de uma situação específica (usualmente combinando dados quantitativos e qualitativos),
considerando com igual atenção o conteúdo da atividade examinada e o seu contexto
de vida real (especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão
definidos).
As estratégias, como se vê, são muitas. Nas metodologias, encaixam-se em momentos e condições
apropriadas técnicas e ferramentas de coleta e análise de dados, das mais simples (inspeção física,
exame de documentos) às mais complexas (observação participante, revisão analítica, inferência
estatística). Essa coleção de instrumentos transcende os limites deste nosso estudo conceitual
introdutório, estando disponível, ao leitor interessado na literatura específica de cada área de
auditoria (contábil, operacional, informática etc.), os métodos e as ferramentas que lhes são
próprios, uma vez que os recursos técnicos são especificamente destinados a cada tipo de dado ou
informação tratada. Adiante, falaremos um pouco mais sobre os diferentes métodos e ferramentas.
A Auditoria Geral da Suécia apresenta esse processo de refinamentos sucessivos por meio da
interessante metáfora de um funil (vide figura abaixo): a larga coleção de problemas da realidade é
inicialmente reduzida a termos mais simples na formulação das questões de auditoria. Essas então
são refinadas e levadas a termos necessariamente limitados e objetivos quando se lhes associa os
critérios de auditoria. A definição da metodologia especifica mais os termos e as condições em que a
15
Na área governamental, em particular, a “conformidade (compliance) com as exigências aplicáveis das leis e regulamentos” é
levada ao patamar de objeto central de praticamente qualquer auditoria, de qualquer modalidade (GAO, 1992, p. 4-2 e 6-9).
16
O NAO inglês apresenta ainda como metodologia o secondary data analysis, uso de estudos preexistentes para a realização de
análises posteriores de natureza distinta (NAO, 1993, p. 9-10). Não incluímos este tipo de trabalho como uma metodologia de
per si, uma vez que o foco de todas as diferenças entre metodologias é bastante amplo que a simples origem dos dados (ou seja,
com dados secundários, pode-se fazer surveys, estudos de caso, revisão de sistemas etc.)
31
UNIDADE IV │ AUDITORIA E SEU PLANEJAMENTO
auditoria vai ser levada a efeito (estreitando o funil até sua parte cilíndrica). A partir daí, a execução
(coleta e análise dos dados) e a elaboração dos relatórios têm contorno e rumos absolutamente
definidos, restando pouco espaço para imprecisões ou mudanças intempestivas.
É nesse momento que se pode, então, preparar um documento de trabalho que contenha o roteiro
fundamental para todo o trabalho posterior da equipe de auditoria. Tradicionalmente conhecido
como “programa de auditoria”17, este roteiro escrito recolhe:
32
AUDITORIA E SEU PLANEJAMENTO │ UNIDADE IV
»» cronograma de execução;
Mas como levá-lo à prática? Como traduzir o planejamento em ações concretas. É o que veremos no
próximo capítulo.
Casos do “Projeto de auditoria” (TCU, 2000, p. 43) e do “Plano de auditoria” (ARAÚJO, 2001, p. 74 et seqs.)
19
33
AUDITORIA E SUA UNIDADE V
EXECUÇÃO
CAPÍTULO 1
Execução da Auditoria
»» Uma vez decididas as grandes linhas e objetivos, você acha que “o jogo está
decidido”? Seria possível considerar concluída a auditoria?
Em algumas fontes, a execução é definida como uma etapa única, de simples aplicação de
procedimentos. Essa nos parece uma simplificação indevida: o que se convenciona chamar, no
34
AUDITORIA E SUA EXECUÇÃO │ UNIDADE V
A coleta de dados
Na coleta, os auditores aplicam sistematicamente todo um vasto leque de técnicas e instrumentos
(previamente definidos no programa de auditoria, nunca é demais lembrar) com a finalidade de
formar um quadro claro sobre os fatos que interessam à formação de sua opinião. A coleta de dados
pode abranger todo o universo de situações de auditoria (exame populacional ou exaustivo) ou o
exame de apenas alguns componentes de uma determinada coleção de eventos para formação de
juízo sobre toda a população, o que implica na utilização de amostragem, que pode ser baseada
em critérios de inferência estatística (amostragem estatística) ou baseada apenas no julgamento
pessoal do auditor (amostragem por julgamento).
Sobre o universo populacional então (ou sobre a amostra), são aplicados procedimentos de várias
naturezas, cada um deles previamente incluído no programa de auditoria e destinado à identificação,
comprovação ou simples exploração de um determinado aspecto da realidade auditada. Não é
possível, evidentemente, discriminá-los em detalhe neste breve ensaio conceitual. Ficam aqui
listados, com a indicação das fontes para o acesso dos leitores, os principais procedimentos e técnicas,
usualmente aplicados na coleta de dados para auditoria. Inicialmente, há os procedimentos mais
tradicionais, com origem histórica na auditoria contábil:
»» Entrevistas
»» Inspeção física direta de bens e instalações (inclui a contagem física de itens como
numerário, estoques etc.)
RRV, 1997, p. 93-102; RIKSREVISJONEN, 2003, Chapter 5, Section 5.4.4; MÁS & RAMIÓ, 1997, p. 344-348 (chamando a etapa
20
de tratamiento de la información).
35
UNIDADE V │ AUDITORIA E SUA EXECUÇÃO
»» Questionários
›› “Diamante competitivo”
›› Análise SWOT
›› Análise Stakeholder
›› Análise RECI
21
MÁS & RAMIÓ, 1997, p. 350 oferecem uma tabela de indicações de técnicas apropriadas para coletar dados relativos a cada
variável organizacional que se estude.
22
A técnica “Mapa de Processos”, mencionada na seção anterior junto à elaboração de fluxogramas, também pode ser entendida
evidentemente como uma técnica de análise de processos. Pela sua similaridade com o conhecido instrumento do fluxograma,
porém, preferimos listá-la entre as técnicas tradicionais.
36
AUDITORIA E SUA EXECUÇÃO │ UNIDADE V
›› Mapa de produtos
Em qualquer dos casos, é sempre aconselhável considerar o uso de dados já existentes (uma vez
que a coleta é por vezes cara e demorada). Com cautelas semelhantes àquelas aplicadas aos dados
gerados diretamente pela equipe de auditoria, o uso de dados secundários pode servir de insumo
à aplicação das técnicas acima listadas ou fornecer a informação, já ordenada, diretamente para a
etapa de análise.
Ao coletar dados, em qualquer circunstância (tanto para os dados produzidos diretamente pela
equipe quanto para os dados gerados por outras fontes e já existentes quando da realização da
auditoria), deve o auditor certificar-se de sua qualidade, uma vez que apenas dados confiáveis e
válidos podem compor evidências de auditoria. É preciso assim atentar, desde o desenho da coleta
até a crítica dos seus resultados, para dois atributos dos dados gerados: a confiabilidade e a validade.
Essas denominações encontram-se aqui fora do sentido dicionarizado, de senso comum, dos dois
termos23, e têm um conteúdo muito preciso.
Confiável, nesse contexto, significa que diferentes medições de uma mesma realidade fornecem as
mesmas respostas. Ou seja, dois auditores coletando os mesmos dados independentemente devem
chegar aos mesmos resultados produzidos (ou um mesmo entrevistado deve dar essencialmente a
mesma resposta à mesma pergunta formulada em duas ocasiões diferentes) – levando em conta um
certo grau de tolerância para resultados aproximadamente iguais.
Ainda que tenhamos utilizado a tradução literal comum dos termos originais, reliability e validity.
23
37
UNIDADE V │ AUDITORIA E SUA EXECUÇÃO
Já a validade do dado significa a sua pertinência semântica e prática à questão de auditoria e ao critério
de auditoria adotados, ou mais simplesmente se os dados tratam dos problemas examinados e das
questões formuladas. Ao examinar, por exemplo, o perfil de custos de tratamento em um hospital
de referência (especializado em procedimentos de alta complexidade), não seriam dados válidos
as taxas de adoecimento, mortalidade ou outras variáveis epidemiológicas totais do conjunto do
sistema de saúde municipal (já que se referem a um perfil de pacientes distinto daquele do hospital
examinado).
Procedimentos para reforçar a validade dos dados são mais difíceis de projetar, e têm natureza
mais qualitativa. Também aqui se pode comparar os resultados de diferentes fontes e métodos de
coleta (com eventuais discrepâncias significativas, indicando um possível problema de validade),
bem como levar os dados à crítica dos entrevistados ou outros agentes envolvidos na auditoria,
para que possam confirmar o seu sentido ou levantar possíveis diferenças de entendimento.
Para uma discussão em profundidade da teoria da evidência, ver a Seção 4 de BITTENCOURT, 2007, que está na biblioteca do
24
nosso curso.
38
AUDITORIA E SUA EXECUÇÃO │ UNIDADE V
Será útil estender-nos um pouco mais na noção de “achado”25, que mostra em pequena escala todo
o sentido lógico do processo da auditoria. As constatações que o auditor obtém consistem, em sua
natureza, de uma estrutura de pensamento da forma critério-condição-causa-efeito, ilustrada na
figura a seguir.
ACHADO DE AUDITORIA
ESTRUTURA LÓGICA
»» Critério (situação esperada, que corresponde aos padrões relevantes para o cliente – legais,
corporativos etc.)
»» Condição (situação existente)
»» Causa (razões prováveis para a diferença constatada pela auditoria entre condição e critério)
»» Efeito (consequências prováveis desta diferença)
»» uma condição, verificada no mundo real por meio da coleta e análise de dados, da
dimensão definida pelo critério;
“descoberta”. Optamos em nossa produção teórica por manter a expressão “achado” por ser de uso corrente na comunidade dos
praticantes da auditoria. No entanto, a expressão “descoberta” tem um sentido cognitivo mais próximo do conceito tal como ele
é desenvolvido.
39
UNIDADE V │ AUDITORIA E SUA EXECUÇÃO
É neste ponto crucial que podemos perceber toda a construção lógica do processo de auditoria.
Aqui vemos o percurso lógico que faz o auditor para construir suas conclusões. Primeiro, levanta,
fundamenta e explicita os critérios que vai adotar para avaliar uma situação real. Em seguida,
“mergulha” nessa realidade para produzir um conjunto ordenado de dados que evidenciem a
condição da realidade relativa à dimensão do critério selecionado. Qualquer discrepância entre o
critério e a condição resultará num achado, que tem de ser desenvolvido.
Como se desenvolve o achado? Em primeiro lugar, pela sua evidenciação (ou seja, a simples
demonstração dessa discrepância entre critério e condição já é uma significativa contribuição do
auditor em muitos casos). Porém, pela sua posição nesse trabalho, o auditor pode fazer mais. Pode
procurar, na maior extensão que lhe seja possível, examinar causas prováveis dessa discrepância,
bem como os seus efeitos previsíveis. Ainda que em muitos encargos de auditoria essa análise só seja
possível com alguma superficialidade (porque envolveria estudos muito mais longos e custosos), não
devemos nos esquecer que quem achou a situação examinada foi o auditor: portanto, ele se encontra
em posição privilegiada em termos de conhecimento e informação sobre aquela realidade26; isto faz
com que a sua contribuição nesse sentido seja útil mesmo se não for exaustiva.
Em seguida, o auditor utiliza todas as informações e análises obtidas até agora para sintetizar as
suas conclusões, formulando inclusive recomendações para a solução da eventual discrepância se
o contexto da auditoria assim o permitir (discutiremos ao final deste capítulo, em maior detalhe,
a questão das eventuais recomendações de solução que possa formular o auditor); se formular
recomendações, é bastante valioso que sejam acompanhadas de uma estimativa do benefício que
pode trazer, como forma de orientar o destinatário da opinião de auditoria sobre a relevância das
recomendações recebidas e os caminhos a seguir para considerar sua adoção.
Técnicas e ferramentas
Para o cumprimento desse percurso lógico, é claro que o auditor tem que lançar mão de todos
os recursos que o pensamento humano oferece para o tratamento de informações e ideias. São as
técnicas e ferramentas, de que vamos tratar nesta seção.
Ainda que o próprio auditado possa ter conhecimento mais próximo da realidade, em relação ao destinatário da opinião de
26
auditoria, que está muito mais distante desse conhecimento e que é o usuário final do trabalho do auditor, a posição do auditor
é de fato privilegiada. A experiência mostra, por outro lado, que em muitos casos a própria condição do auditor como um agente
externo, não comprometido com os conflitos internos das organizações, e com experiência em outros casos e realidades que não
aqueles que está auditando em um dado momento, faz com que a sua análise seja muito útil e mais profunda que a do próprio
auditado, e portanto tenha também grande utilidade para aquele.
40
AUDITORIA E SUA EXECUÇÃO │ UNIDADE V
Se a metodologia adotada enfatiza a análise quantitativa, existe amplo espaço para a adoção de toda
a variedade de inferências estatísticas, assim como para o uso de métodos descritivos mais simples
(como a simples análise mediante gráficos ou a geração de estatísticas descritivas)27. Qualquer que
seja o ferramental adotado, no entanto, a análise quantitativa pretende em geral abranger, da forma
mais representativa possível, as características gerais de um grande número de objetos ou entidades
(geralmente concentrando-se em um número limitado de propriedades ou aspectos desses objetos
ou entidades). Estudos quantitativos são particularmente adequados para indicar relações causais
entre variáveis que possam ser quantificadas e para inferir conclusões para um universo maior que
o efetivamente examinado.
Não se pode deixar de reafirmar, neste ponto, que não existe uma oposição entre métodos
quantitativos e qualitativos. “São, sim, alternativas metodológicas para a pesquisa, e a denominação
qualitativa ou quantitativa não delimita para uma e outra objetos qualitativos e quantitativos, nem
tampouco paradigmas científicos distintos” (PEREIRA, 2001, p. 22-41). Trata-se de uma escolha
entre métodos, para buscar os mais adequados em cada circunstância concreta. Os métodos
quantitativos podem ser apropriados para o estudo de uma população de objetos de observação
comparáveis entre si, quando a geração de informações agregadas seja materialmente possível.
Já os qualitativos são indicados em fenômenos nos quais o aspecto subjetivo da ação social seja
relativamente mais relevante que as estruturas societais ou, em geral, quando se quer enfatizar as
especificidades de um fenômeno em termos de suas origens e razão de ser.
»» Revisão analítica
27
Para uma descrição dos métodos quantitativos aplicados à análise dos dados em auditoria, além das fontes já citadas ao
tratarmos de amostragem, cf. GAO, 1992B; RRV, 1997, p. 94-98; Riksrevisjonen, Chapter 5.4, section 5.4.4.2; para uma
abordagem simples, de caráter geral, dos métodos de análise estatística, cl. MAGALHÃES & LIMA, 2002, p. 1-23 e 93-115
(estatística descritiva) e p. 125-341(inferência estatística); CORRAR & THEÓPHILO, 2004, p. 75-241 (inferência estatística).
41
UNIDADE V │ AUDITORIA E SUA EXECUÇÃO
»» Indicadores de desempenho
Da mesma forma, a apresentação sequencial das etapas de execução não exclui a possibilidade
de que ocorram interpolações ou paralelismos entre elas, nomeadamente entre coleta e análise
de dados (ressaltado mais uma vez que um eventual paralelismo entre planejamento e execução
não está incluído nessa afirmação, sendo sempre uma ocorrência absolutamente excepcional). Isso
ocorre em particular quando se usam métodos qualitativos, pois:
42
AUDITORIA E SUA EXECUÇÃO │ UNIDADE V
para ele próprio formular sua visão de solução; ainda, a maioria dos problemas identificados em
auditorias tem diferentes atores envolvidos dentro das organizações, e a existência de múltiplas
propostas favorece as negociações internas e a formação de consensos. Como esclarecem de forma
bastante eloquente Más e Ramió (1997, p.366):
[...] em uma auditoria no sentido mais clássico da palavra não se tem que ir
além de dizer que problemas se detectam e que se deve fazer em um sentido
geral, mas sem discorrer sobre como se deve fazê-lo, posto que isto é tarefa
do gestor. Dependendo do tipo de auditoria, e sobretudo das demandas do
cliente, a auditoria deve ir além e, inclusive, propor como se deve fazer para
resolver os problemas: é o plano de ação. Não obstante, ainda que o auditor
tenha a oportunidade de desempenhar o papel de assessor de gestão, tem de
ter presente que só se trata de propostas e assim devem constar na redação do
relatório. Trata-se de dar um enfoque eminentemente utilitarista ao relatório
de auditoria, não o limitando a um mero inventário de problemas, mas também
convertendo-o em um pequeno manual de soluções.
Essa extensão da atividade do auditor (sem dúvida, um considerável valor agregado pelo seu
trabalho) não está analiticamente abrangida pela definição original de auditoria que utilizamos,
mas – como já explicamos no segundo capítulo – essa não inclusão é apenas um recurso teórico, não
implicando de forma alguma que o profissional que detecta a não conformidade não deva estender
recomendações de melhora. Ao enveredar por esse caminho, esse profissional avança no campo
que, para fins analíticos, costuma-se denominar consultoria:
É claro que esse valioso aporte gerado pelas constatações de auditoria depende de uma íntima
vinculação do processo de produção das recomendações com o processo analítico de geração
das constatações – em outros termos, dificilmente seria possível dissociar a análise dos dados
necessária à emissão de uma opinião de auditoria (não conformidade entre condição encontrada
e critério especificado) da análise necessária à identificação de causalidades e à apresentação de
recomendações de solução. Dificilmente poder-se-ia partir de simples constatações registradas em
relatório para gerar, ex post, recomendações e propostas relevantes. Por conseguinte, a etapa de
análise dos dados deve incorporar todo o trabalho concernente à emissão de opinião e à proposição
de recomendações que advierem do trabalho de auditoria.
43
UNIDADE V │ AUDITORIA E SUA EXECUÇÃO
Seu trabalho, porém, não terminou. Permanece a dificuldade de sintetizar todo o seu trabalho, toda
a quantidade de informação com que lida o auditor, em uma forma capaz de atender às necessidades
do destinatário do trabalho de auditoria.
Como vou comunicar ao meu cliente aquilo que verifiquei, de forma que lhe seja útil?
44
A IMPORTÂNCIA UNIDADE VI
DO RELATÓRIO
CAPÍTULO 1
Relatório de Auditoria
O escritor, esse, tudo quanto escrever, desde a primeira palavra, desde a primeira
linha, será em obediência a uma intenção, às vezes clara, às vezes obscura – porém,
de certo modo, sempre discernível e mais ou menos óbvia, no sentido de que está
obrigado, em todos os casos, a facultar ao leitor, passo a passo, dados cognitivos
comuns a ambos, para que ele possa, sem excessivas dificuldades, entender o que,
pretendendo parecer novo, diferente, talvez mesmo original, já é afinal conhecido
porque, sucessivamente, vai sendo reconhecido.
»» Depois de realizar todo o trabalho de auditoria, qual deve ser o produto oferecido
pelo auditor ao seu cliente?
»» Que requisitos básicos deve ter a comunicação, pelo auditor ao cliente, dos resultados
dos exames realizados? É possível fixar características ou padrões comuns dentro
da imensa variedade de auditorias possíveis?
45
UNIDADE VI │ A IMPORTÂNCIA DO RELATÓRIO
A necessidade da apresentação em forma escrita, por sua vez, vem da posição do auditor na relação
de accountability como validador formal de alguma informação (ou seja, a sua opinião produz
efeitos perante o destinatário e – no caso de ser publicada – perante terceiros). Isto implica em
que a opinião do auditor tenha uma natureza também formal, o que torna imprescindível a sua
transmissão em um documento estruturado. Nada disso impede, de forma alguma, o uso de recursos
adicionais para comunicação dos resultados de auditoria: reuniões de encerramento, apresentações
verbais, edição de resumos e press releases, sempre que não haja restrições legais ou contratuais
(questões de propriedade intelectual etc.) para a ampla divulgação da informação.
46
A IMPORTÂNCIA DO RELATÓRIO │ UNIDADE VI
Dessa forma, não pretendemos aqui substituir qualquer desses modelos predeterminados: ao
contrário, a primeira regra básica de construção de um relatório de auditoria é a aderência estrita às
regras estabelecidas pelo cliente (ou pela legislação, conforme o caso) para esse tipo de comunicação.
Existe no entanto, na maioria dos casos, algum grau maior ou menor de liberdade para a elaboração
do texto dos relatórios, mesmo dentro de contextos regulados de comunicação28. Em algumas
situações (que cremos serem mais raras), o cliente ou a legislação não fixam uma pauta rígida para
o conteúdo ou o formato do relatório, ou ainda pedem ao auditor que proponha qual o formato
mais adequado para o atendimento das finalidades do encargo de auditoria. Para todos estes casos,
lançamos aqui a proposta de alguns critérios de orientação.
Escrever é um processo. Isto significa que várias minutas devem ser escritas,
comentadas e revisadas. Ao mesmo tempo, escrever é também parte do
trabalho analítico. Alguns dos problemas analíticos enfrentados pelo autor não
chegam a ser resolvidos até que ele ou ela comece a escrever o relatório. (RRV,
1997, p.111)
Outro requisito importante, também imposto pela inserção do exame de auditoria em uma relação
de prestação de contas acerca de uma realidade concreta, é a distinção clara e explícita no texto do
relatório entre fatos, critérios de auditoria e conclusões/opiniões do auditor (o que traduz de forma
O mencionado caso dos pareceres da auditoria independente é uma notável exceção a esta regra, tendo a maior parte do
28
seu conteúdo rigidamente fixada (inclusive com as palavras a utilizar obrigatoriamente), o que nos parece ser causado pela
necessidade de uniformização de um produto que tem inúmeros produtores (auditores independentes comerciais) e inúmeros
usuários (empresas auditadas, investidores) e que, de não apresentar uma forte homogeneidade no seu conteúdo informativo,
causaria uma enorme distorção de informação entre os agentes do mercado de capitais.
47
UNIDADE VI │ A IMPORTÂNCIA DO RELATÓRIO
simples e direta, a nosso ver, a objetividade do trabalho). Quando afirmações dessas três naturezas
chegam a confundir-se, é preciso primeiro questionar se a causa não seria a forma de apresentação
ou redação por parte do auditor, que deve sempre ter em mente a estrita individualização do que
é fato, do que é critério ou afirmação normativa e do que é a sua apreciação (judgement) sobre os
fatos a partir da norma.
Em alguns casos, porém, é possível que haja divergências na caracterização de situações complexas,
especialmente se houver discordância dos responsáveis pela realidade auditada, discrepâncias estas
que – por se situarem legitimamente no domínio interpretativo – não podem ser creditadas apenas
a insuficiências na redação do analista. Neste caso, é necessário deixar claro no texto a condição
polêmica dessas afirmações. A prevenção dessas situações pode ser alcançada mediante o diálogo
aberto com os responsáveis pela atividade auditada e, se de todo impossível, a objetividade do
auditor requer que as posições divergentes desses responsáveis sejam transparentemente descritas
no relatório (o GAO norte-americano tem por política, inclusive, anexar aos seus relatórios o
fac-símile das respostas e comentários).
Isso levanta, ainda, a questão mais ampla da manifestação do agente que é auditado dentro do
relatório de auditoria, sob a forma de comentários ou alegações. Esta abertura do relatório (apesar
de despertar reações em algumas organizações públicas de fiscalização) é requisito básico na
grande maioria das recomendações técnicas e normativas em todo o mundo (tanto na auditoria de
desempenho ou operacional quanto na auditoria de regularidade ou legalidade29) que o auditado
tenha acesso a uma versão preliminar do relatório e possa elaborar os seus comentários, podendo
posteriormente a equipe de auditoria incorporar a suas conclusões as alegações formuladas ou delas
divergir, transcrevendo o posicionamento discrepante do gestor. Pensamos que esta providência é
indissociável da objetividade e transparência que se pretende conferir ao trabalho de auditoria, e
só deveria ser descartada em casos excepcionalíssimos quando houvesse razões extraordinárias que
obrigassem à manutenção de sigilo sobre os trabalhos.
Algumas outras orientações simples devem ser consideradas quando da redação de qualquer informe
técnico, e aplicam-se também aos relatórios de auditoria: não incluir informações ou discussões sem
relação direta com os assuntos abordados; evitar o uso excessivo de vocabulário técnico ou restrito
a um determinado campo de conhecimento (incorporando como anexo um glossário dos termos
técnicos indispensáveis); incluir um índice do conteúdo do relatório; usar cabeçalhos e títulos
que tenham conteúdo informativo (em lugar de “Observação sobre a gestão de estoques”, utilizar
algo como “A rotação dos estoques está baixa devido ao atraso na identificação das demandas de
ressuprimento”); ilustrar pontos difíceis com tabelas ou diagramas.
Várias são as estruturas recomendadas para a elaboração de um relatório de auditoria (TCU, 2003,
p. 8-12). A formatação precisa de um relatório (mesmo que apresentada em um nível teórico ou
genérico) dependerá evidentemente da natureza da informação examinada e das demandas de
informação do destinatário. Tentaremos apresentar aqui um projeto simples de relatório de
finalidade generalista, contendo a disposição dos elementos básicos abordados no processo de
auditoria descrito neste trabalho, com a finalidade de permitir a sua adaptação por cada usuário
para as necessidades de sua auditoria em especial.
Ferreira, 2004, p. 285-286 (descrevendo o procedimento no Poder Executivo Federal brasileiro); GAO, 2001, § 580.81, p.
29
580.26, para as auditorias financeiras e de regularidade no setor público norte-americano; IGAE, 2001, p. 256 e 264-265, para
o setor público espanhol.
48
A IMPORTÂNCIA DO RELATÓRIO │ UNIDADE VI
ITEM DA ESTRUTURA DO
OBSERVAÇÕES
RELATÓRIO
Em textos brasileiros, esta seção é por vezes nomeada “Sumário” em razão da nomenclatura específica da
Índice
Associação Brasileira de Normas Técnicas
Pequeno resumo de não mais que duas páginas contendo os resultados essenciais da auditoria. Tem especial
relevância na divulgação do resultado, uma vez que a maior parte dos usuários vai, inicialmente, dirigir sua
Sumário executivo, resumo ou
atenção ao resumo, e a elaboração de instrumentos de disseminação como comunicados e press releases
abstract
vai ser feita com base neles (o que permite aos auditores influenciarem diretamente o conteúdo da divulgação
massiva, ainda que não estejam diretamente envolvidos com a mesma)
Introdução
»» Metodologia
»» Limitações encontradas
»» Critério “Achados” podem ser não conformidades negativas ou constatações positivas que evidenciam práticas
vantajosas e merecedoras de divulgação. Esses achados positivos podem ser denominados especificamente
»» Evidências de “Boas práticas”, ficando agrupados sequencialmente após os achados convencionais, para facilidade de
visualização.
»» Causas prováveis do achado
A seção “Evidências” consiste na indicação sucinta dos elementos fáticos (documentos, verificações diretas)
»» Efeitos e riscos prováveis gerados que permitiram aos auditores a afirmação sobre a situação encontrada.
pelo achado
A análise das causas e efeitos, bem como as recomendações, será apresentada se este tipo de análise estiver
»» Comentários do responsável pela incluído no escopo da auditoria. As recomendações podem ser acompanhadas de estimativas dos prováveis
ação auditada ganhos ou benefícios de sua adoção, quando tais estimativas forem possíveis.
»» Comentários e discussões A seção “Comentários e discussões adicionais” é o espaço destinado a toda e qualquer consideração que
adicionais do auditor a equipe de auditoria desejar fazer para ampliar a informação apresentada, aprofundar os argumentos
elaborados ou extrair quaisquer outras consequências do achado. É a forma encontrada de ter os benefícios
»» Causas prováveis do achado de um relatório altamente estruturado sem tolher a liberdade de manifestação, aprofundamento e criatividade
do auditor.
»» Recomendações
Destina-se a apresentar fatos não previstos nas questões de auditoria mas que foram detectados ao longo
dos trabalhos e mereceram a atenção da equipe (p. ex.: eventuais atos contrários à lei ou aos regulamentos
Outros fatores relevantes aplicáveis). Esses fatos poderão ser plenamente desenvolvidos na própria auditoria (sendo apresentados
então no mesmo formato que nos achados) ou tratados de forma resumida (com a possível indicação da
necessidade de outro trabalho específico).
O conteúdo da conclusão deve atender aos requisitos formais que o destinatário da auditoria estabelecer. De
toda forma, o resultado da auditoria já estará registrado no corpo do relatório. Em qualquer circunstância, é
Conclusão
aconselhável colocar na conclusão uma síntese dos principais achados (a partir dos respectivos parágrafos de
lead, para facilidade de redação) e uma resposta explícita às questões de auditoria formuladas na Introdução.
49
UNIDADE VI │ A IMPORTÂNCIA DO RELATÓRIO
[...] foi só por desejar que o trabalho que vos espera seja executado com o espírito
de quem se sente a edificar algo e não com o alheamento burocrático de quem foi
mandado juntar papéis a papéis.
O produto principal do trabalho de auditoria, como vimos neste capítulo, é o relatório. É ele que
contém a opinião do auditor. Por sua vez, o relatório é o produto final de um longo processo de
50
A IMPORTÂNCIA DO RELATÓRIO │ UNIDADE VI
trabalho e de interação entre o auditor e a realidade social. Sendo o processo de auditoria uma
intervenção em uma relação de accountability entre terceiros, de vastos efeitos e responsabilidades
graves, é razoável que exija registros escritos para resguardo das partes envolvidas e especialmente do
próprio auditor. Assim, a documentação e o arquivo de todas as informações e trabalhos realizados,
conhecidos em sentido lato como “papéis de trabalho”, é imprescindível para o cumprimento da
missão do auditor.
Você deve estar-se perguntando agora: Quanta papelada. Para que este esforço de documenta e
formalizar. Para que registra não só o produto final, mas todo o processo?
Não, se trata de “juntar papéis a papéis”. Os papéis de trabalho cumprem um duplo papel de recurso
formal e prático em benefício do auditor. De um ponto de vista formal, garante-se o trabalho perante
terceiros e garante-se uma prova clara do trabalho realizado. Mas também, num sentido prático,
o recurso à sistematização escrita do trabalho evita ao auditor condutas subjetivas ou erráticas,
ordenando os passos a seguir desde a etapa inicial do planejamento até a conclusão do trabalho,
dando suporte físico à coleta e à organização de dados e oferecendo, também, a base concreta de
evidências que será apreciada pelo raciocínio do auditor. Com efeito, os papéis de trabalho são
o nexo concreto de união entre o trabalho de campo e o relatório (mais ainda, são o único meio
de conexão entre as situações que se comprovam e o relatório de auditoria, já que as realidades
físicas e documentais originais permanecem em poder da organização auditada). É nos papéis
de trabalho que se manterá, para uso do auditor e de terceiros, a evidência de auditoria. Além
disso, o registro nos papéis de trabalho facilita a revisão e o controle de qualidade do trabalho de
qualquer profissional por um supervisor (de sua própria organização ou de um órgão de fiscalização
profissional), e ao conservar informações detalhadas sobre o objeto da auditoria facilita também
a realização de trabalhos posteriores pelo mesmo auditor ou, em situações especiais no setor
público, por outra organização com mandato legal para utilização de papéis de trabalho com essas
finalidades30.
Daí percebemos também que a utilização e organização de papéis de trabalho não é uma “etapa” ou
“fase” específica, nem tem um momento fixo no tempo; ao contrário, todos os passos da auditoria
devem ser sistematicamente documentados em papéis de trabalho – até porque são os papéis de
uma etapa que servirão de base para a realização das etapas posteriores.
JUND, 2002, p. 243, IGAE, 2001, p. 251 (com a normatização da utilização de papéis de trabalho de auditorias interna e
30
51
UNIDADE VI │ A IMPORTÂNCIA DO RELATÓRIO
Não existem regras universais para a forma dos papéis de trabalho, embora as organizações tendam
a padronizar o mais possível aqueles de seu uso, o que aumenta a eficácia de sua preparação e
revisão. Entre os papéis estão documentos de origem externa (contratos, relatórios, extratos, atas,
31
FERREIRA, 2004, p. 53; VALDERRAMA, 1997, p. 257-258. Neste aspecto, temos uma discordância com essa postura
tradicional: auditorias cujas conclusões devem ser de domínio público (ex.: uma auditoria de natureza operacional numa
repartição de atendimento à população ou num programa público de assistência social) poderiam, a nosso ver, ter os seus papéis
de trabalho disponíveis para consulta por qualquer pessoa, ressalvados apenas aqueles em que conste informação que tenha
natureza confidencial (como dados comerciais de empresas, dados individuais pessoais ou outras matérias cuja divulgação
venha a prejudicar legítimos interesses de terceiros).
32
Resolução CFC no 828/1998, apud Ferreira, 2004, p. 53; Jund, 2002, p. 347. Convém lembrar que esse prazo pode ser bastante
mais elástico, como no que se refere à documentação trabalhista e previdenciária, que praticamente não tem prazo para descarte.
52
A IMPORTÂNCIA DO RELATÓRIO │ UNIDADE VI
regulamentos etc.), geralmente não suscetíveis de modificação pelo auditor, e aqueles preparados
por ele. Fique claro, aliás, que ao denominar esse conjunto de documentos e registros de “papéis”,
não se está exigindo que todos tenham o suporte físico em papel – ao contrário, a tendência
crescente das organizações em qualquer setor de atividade é manter o máximo de informação
possível em suporte digital. Assim, mantidos os cuidados necessários à garantia de sua integridade
e recuperação, boa parte dos papéis pode ser conservada em meio digital, especialmente aqueles
produzidos pelo próprio auditor.
A organização dos papéis externos a arquivar (e especialmente a definição dos papéis de trabalho
que o próprio auditor vai produzir) dependem da natureza e circunstâncias de cada auditoria
individual, sem prejuízo do desenvolvimento de modelos padronizados de papéis de trabalho
a serem utilizados quando da aplicação de procedimentos e análises de mesma natureza por
diferentes auditores em diferentes momentos. Existem diferentes propostas de modelos e de papéis
de trabalho na literatura técnica, tanto nas auditorias contábeis tradicionais33 quanto na auditoria
operacional ou de desempenho. Naturalmente, sendo os papéis de trabalho elaborados em função
de cada circunstância individual, não cabe a um texto geral como este apresentar qualquer caso
concreto, remetendo-se o leitor à bibliografia indicada segundo a finalidade específica de cada
auditoria que empreender.
Planejar adequadamente, ir a campo com método e atenção, redigir o relatório com cuidados
especiais para com as necessidades de informação do destinatário. Concluir uma missão de auditoria
é uma grande conquista.
Um auditor, ou uma instituição de auditoria, não faz uma auditoria somente. Como
profissionais, têm uma prática contínua, uma sequência de trabalhos de auditoria
que poderá até ser aleatória, mas previsivelmente terá algum sentido de conjunto.
JUND, 2002, p. 348-351; VALDERRAMA, 1997, p. 259-265 e 271-284; ademais, praticamente todo livro de auditoria contábil
33
traz seus próprios modelos de papéis de trabalho, descendo a detalhes tais como os sistemas de referência cruzada entre papéis,
o significado das marcas ou ´tics´ empregados no preenchimento etc.
53
O CICLO UNIDADE VII
ORGANIZACIONAL
CAPÍTULO 1
O Ciclo completo da organização de
Auditoria
A necessidade de realizar uma auditoria operacional pode surgir tanto por impulsos
internos como externos à organização. Mas em qualquer caso, essa necessidade é
mais peremptória quanto mais instável e cambiante seja o ambiente em que está
imersa a organização, já que esta necessitará redefinir com maior frequência sua
posição com respeito a esse ambiente.
»» Por outro lado, quando termina uma missão de auditoria, deve o auditor
“esquecer” o assunto? O cumprimento de função social da auditoria encerra-se em
qualquer caso com a entrega do relatório? Existiriam outros serviços posteriores
ao encerramento de cada auditoria que representem valor agregado pelo auditor
ao cliente?
54
O CICLO ORGANIZACIONAL │ UNIDADE VII
55
UNIDADE VII │ O CICLO ORGANIZACIONAL
do auditor. Para o caso frequente de uma situação não contratual (um órgão público de controle
externo, ou uma unidade de auditoria interna em frente à sua própria organização), é necessário
que o auditor desenvolva critérios e metodologias para seleção dos problemas a auditar, elaborando
um plano periódico de auditorias, geralmente anual.
Alguns critérios gerais podem ser considerados nessa empreitada como indicativos da conveniência
de se selecionar determinado assunto ou problema para auditar: a percepção da existência
de problemas por parte de interlocutores relevantes (no caso da auditoria governamental, o
Parlamento é por excelência um stakeholder principal34); a prioridade conferida a determinada área
pela administração ou liderança da entidade a ser auditada (caso típico da auditoria interna em
qualquer nível organizativo); o volume de recursos envolvidos e os reflexos do objeto a auditar em
outras áreas, dentro e fora da organização; ou ainda, a existência de prioridades fixadas na lei ou em
regulamentos aplicáveis.
Tais critérios são operacionalizados mediante uma sequência ordenada de procedimentos de seleção
de auditorias.35
Em seguida, procede à caracterização mais detalhada possível de cada uma dessas agrupações
(objetivos, base legal, público-alvo, recursos envolvidos, mecanismos de controle). Sobre essas
unidades assim classificadas, o auditor pode então aplicar os critérios de priorização que julgar
aplicáveis, para ordenar os objetos segundo a importância que mereçam.
34
“Stakeholder”, na origem inglesa do termo, é quem tem um interesse legítimo (stake) em algo. Trata-se de expressão bastante
comum exatamente na literatura técnica de auditoria (assim como nas áreas de ciência política e administração, em que tem
basicamente o mesmo significado). O stakeholder em relação a uma organização de auditoria é aquele que tem interesses
legítimos e relevantes como destinatário do produto do trabalho de auditoria dessa organização.
35
Que podem ser chamados de selecting the audit problem (RRV, 1997, p. 61), study selection (NÃO, 1993A, p. 1); planificación
a largo y a medio plazo, MÁS & RAMIÓ, 1997. p. 381). É preciso deixar registrado que a metodologia de seleção de auditorias
aqui apresentada é fortemente influenciada pela prática observada pelo autor no Tribunal de Contas da União. No entanto,
por não dispor de material publicado sobre a metodologia dessa instituição, as referências são mais esparsas, resultando de
observações diretas e treinamentos na matéria específica. Fique no entanto constância de que, salvo quando especificamente
mencionada outra fonte, toda esta seção é baseada nos métodos e procedimentos aplicados pelo TCU.
56
O CICLO ORGANIZACIONAL │ UNIDADE VII
Mas quais critérios de seleção são esses? Ainda que os determinantes sejam – é claro – função das
circunstâncias com que se defronte a cada momento a própria organização é possível sintetizar em
um modelo básico de três variáveis os critérios gerais que incidem na maioria dos casos sobre a
atividade de auditoria. Cada objeto de auditoria (programa de governo; contribuinte; contrato; área
funcional etc.) pode ser descrito em três atributos36:
RELEVÂNCIA
Grau de importância avaliado subjetivamente, expresso nos possíveis impactos esperados dos resultados das ações auditadas,
bem como nas manifestações dos interlocutores/stakeholders relevantes (aí incluídas as priorizações estabelecidas diretamente
pela legislação ou por normas internas ou externas de observância obrigatória, tais como os planos de ação de governo ou o
planejamento estratégico da organização)
RISCO
Suscetibilidade do objeto de auditoria a eventos indesejáveis (prejuízos decorrentes de erros e fraudes, bem como, a própria
possibilidade de fracasso no atingimento dos resultados esperados). Este componente pode ser sofisticado com a utilização dos
variados modelos de riscos de auditoria, e depende principalmente da natureza da atividade desempenhada e do funcionamento dos
mecanismos de controle disponíveis à entidade ou ação.
MATERIALIDADE
Importância relativa ou representatividade dos recursos envolvidos (habitualmente em termos monetários,
mas em algumas situações podem ser ponderados valores como número de pessoas a serem atendidas por
uma determinada ação pública, recursos naturais específicos mobilizados em determinado empreendimento
etc.). Sendo relativa, a materialidade de um objeto depende de suas dimensões próprias tomadas em
comparação com os valores dos demais candidatos à seleção.
RRV, 1997, p. 61. O desenvolvimento mais amplo deste modelo é trazido porém da prática do TCU, conforme descrito acima.
36
57
UNIDADE VII │ O CICLO ORGANIZACIONAL
Tomando em conta os pesos que a missão institucional de sua organização ou unidade atribua às
diferentes variáveis representativas de relevância, risco e materialidade, o auditor pondera então os
dados de cada objeto de estudo, chegando a uma lista preliminar ordenada de candidatos à auditoria.
Sobre essa lista preliminar, é necessário então efetuar o estudo de viabilidade. Iniciando pelo topo
da lista prévia, o estudo de viabilidade de um “candidato” à auditoria é um levantamento preliminar
de informações37 sobre a ação ou entidade, com vistas a identificar:
c. quando possível, uma estimativa mais fina dos benefícios e impactos da auditoria
sobre os resultados do ponto específico a ser examinado e da organização cliente.
As conclusões sobre “a” e “b” podem levar ao descarte ou despriorização de uma determinada
auditoria que se revele impraticável ou excessivamente cara38, enquanto um valor significativo
estimado para “c” pode elevar os benefícios potenciais percebidos da realização da auditoria,
melhorando a sua classificação na lista de candidatos39. Estes estudos de viabilidade podem ser
realizados até a validação da escolha de auditorias suficientes para ocupar todos os recursos
disponíveis à organização de auditoria durante o horizonte temporal para o qual se planeja.
37
Apesar de preliminar, pode exigir um respeitável volume de trabalho, no caso de objetos de grande porte como grandes
programas de governo ou em áreas novas sobre as quais se tem pouco conhecimento acumulado.
38
O critério de “possibility of carrying out an audit”, RRV, 1997, p. 61.
39
O critério de “potential for change”, RRV, 1997, p. 61.
58
O CICLO ORGANIZACIONAL │ UNIDADE VII
sem promover uma preparação sistemática dos seus planos de ação a partir de uma sólida base de
informação e análise sobre os objetivos da organização e as realidades de seu entorno40.
Alguns autores defendem para o auditor (em auditorias operacionais) um papel profundamente
proativo na formulação de suas recomendações – não apenas deve recomendar mas
também negociar a implementação de suas propostas para alcançar um compromisso de
implementação das mesmas por parte do auditado (sob a forma prática de um plano de ação).
O grau em que cada auditor virá a engajar-se numa “negociação” de suas propostas e recomendações
variará em função de sua inserção na relação de accountability entre a organização auditada e o
destinatário da informação de auditoria. “Negociar propostas” vai nos limites mesmos da função não
já de auditoria, mas de consultoria, “Se o gerente do cliente lê o seu relatório e decida não fazer nada,
é direito dele” (BLOCK, 2001, p. 36), e não costuma ser uma obrigação da maioria dos auditores.
Para os trabalhos privados de auditoria dirigidos por relações contratuais, o raciocínio aqui apresentado pode ser a base de uma
40
estratégia proativa de oferta, para tentar identificar as demandas potenciais dos clientes e estruturar os produtos da empresa
em antecipação a estas demandas.
59
UNIDADE VII │ O CICLO ORGANIZACIONAL
Existe, porém, um procedimento mais frequente e perfeitamente compatível com a função de auditoria
(mesmo na estrita definição conceitual com que trabalhamos): é o que o TCU define em termos
gerais como “monitoramento” – a verificação ao longo do tempo, após a conclusão da auditoria,
da situação dos achados e da implantação de eventuais recomendações. Aí trata-se de observar e
informar (o que pode ser acrescido de orientação e interação voltadas a maximizar a probabilidade
de acatamento das recomendações). O destinatário dessas observações de seguimento poderá
fazer diferentes usos (o caso típico é o relato ao Parlamento, por parte de uma entidade pública de
controladoria, do andamento das medidas para solucionar os problemas detectados em auditorias
anteriores). E o próprio auditor precisa das informações de seguimento para retroalimentar seu
trabalho, avaliando os resultados de sua ação e detectando ocasionais insuficiências no produto que
oferta.
41
TCU, 2002A, p. 12, sugerindo o encaminhamento de relatórios em seis, doze e 2 meses do recebimento das recomendações pelo
auditado.
42
Ferreira, 2004, p. 286; TCU, 2002A, p. 15-17, sugerindo esta nova verificação simplificada 24 meses após a emissão de relatório
de auditoria; RRV, 1997, p. 113-114, relatando uma auditoria única para acompanhamento das recomendações formuladas nos
três anos anteriores.
60
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