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SUMÁRIO

1. Introdução...................................................................... 3
2. Etiopatogenia............................................................... 3
3. Epidemiologia............................................................... 5
4. Fisiopatologia............................................................... 6
5. Quadro Clínico.............................................................. 9
6. Diagnóstico.................................................................11
7. Tratamento das DII...................................................14
Referências Bibliográficas..........................................20
DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS 3

1. INTRODUÇÃO mas acredita-se que se devam a uma


incapacidade do organismo em re-
As doenças inflamatórias intestinais
gular efetivamente as respostas
(DII) são distúrbios inflamatórios crô-
imunes contra antígenos aos quais
nicos que acometem qualquer por-
o trato digestivo está constante-
ção do trato intestinal. Apesar de ter
mente sendo exposto. O tempo in-
uma definição relativamente ampla,
teiro, nosso trato digestivo é exposto
80% a 90% dos casos são classifica-
a antígenos, principalmente os que
dos como Retocolite Ulcerativa (RCU)
fazem parte da própria microbiota in-
ou Doença de Crohn (DC). Os outros
testinal. Em indivíduos saudáveis, o
10% incluem as colites linfocítica, co-
organismo consegue controlar a res-
lagênica e indeterminada.
posta imune contra esses microrga-
nismos; já em portadores de DII, essa
CONCEITO! As DII são distúrbios infla- imunorregulação não acontece e há
matórios crônicos que podem acometer uma amplificação da inflamação, com
qualquer parte do intestino.
consequente ataque imunológico às
células do sistema digestivo.
Elas representam grande importância O porque que essa imunorregulação
clínica, seja pelo quadro clínico im- está afetada ainda é motivo de estu-
portante e prolongado com grande dos, o que se sabe é que há fatores
impacto na qualidade de vida do pa- genéticos; fatores luminais, relacio-
ciente ou pelas possíveis associações nados à microbiota, seus antígenos,
com outras condições médicas que produtos metabólicos e antígenos
podem ocorrer por conta do quadro alimentares; fatores relacionados à
de base ou até mesmo do tratamento. barreira intestinal; e fatores asso-
ciados à imunorregulação, incluindo
2. ETIOPATOGENIA as imunidades inata e adaptativa.

Ainda não se conhece a etiologia exata


das doenças inflamatórias intestinais,
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FLUXOGRAMA DE ETIOPATOGENIA

ETIOPATOGENIA

Disfunção da
Barreira intestinal Fatores luminais
imunorregulação

Imunidade inata/
Microbiota
adaptativa

Genética

SE LIGA! O fator genético é evidencia-


do pela ocorrência maior de DII entre
bacteriana e que auxilia no contro-
parentes de primeiro grau e gêmeos
monozigóticos, o que não é observa- le da resposta inflamatória. Com o
do em cônjuges que vivem na mesma NOD2 defeituoso, a resposta in-
casa, por exemplo. Parentes de primei- flamatória fica mais descontro-
ro grau de indivíduos afetados têm
uma chance de 30 a 100 vezes maior
lada. Esse gene está alterado em
de também desenvolver DII, e históri- 15% a 20% dos portadores cauca-
co familiar de primeiro grau positivo é sianos. Todavia, ele não explica iso-
encontrado em 15% dos portadores. ladamente a doença: nem todos os
portadores de DII o têm defeituoso,
Tanto a doença de Crohn quanto a e nem todos os indivíduos que têm
RCU se tratam de desordens po- esse gene defeituoso terão DII.
ligênicas. Em relação à doença de Há outro defeito genético aparente-
Crohn, foi encontrado um gene rela- mente envolvido na patogênese da
cionado à patogênese da doença: o DII: um polimorfismo no gene que
NOD2. Esse gene codifica uma pro- produz o receptor da IL-23. Em con-
teína que atua como receptor intra- dições normais, essa citocina aju-
celular para um antígeno de parede da a regular a inflamação crônica, a
DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS 5

resposta contra agentes bacterianos a uma resposta imune exacerbada


e atua no Crohn. Um defeito no seu contra essa mesma microbiota, tra-
receptor, localizado em linfócitos e balham juntas no desenvolvimento
macrófagos, ocasiona amplificação dessa doença. É muito sugestivo que
da inflamação. irregularidades imunológicas tenham
Ainda sobre fatores genéticos, estu- papel importante para o seu desen-
dos envolvendo o sistema HLA têm volvimento e manutenção.
encontrado associação entre a pre-
sença de certos tipos de HLA e 3. EPIDEMIOLOGIA
maior risco de desenvolvimento
de DII, ou até mesmo à gravidade e A incidência e prevalência das DII
extensão da doença em pacientes variam com a localização geográfica.
acometidos. Além disso, as DII’s fre- São mais prevalentes na Europa se-
quentemente vêm acompanhadas de tentrional e na América do Norte, com
desordens auto-imunes, como a es- menor incidência na Europa central e
pondilite anquilosante e a colangite meridional. A prevalência é mais bai-
esclerosante primária. Essa observa- xa ainda na América do Sul, África e
ção pode elucidar uma provável ori- Ásia.
gem imunomediada/autoimune das Existe ainda uma correlação entre as
doenças inflamatórias intestinais. DII e o nível socioeconômico, ou seja:
Há também evidências de que pa- quanto mais desenvolvida a região
cientes com DII apresentam defeitos geográfica, maior a prevalência de
relacionados à barreira epitelial in- doença inflamatória intestinal. O por-
testinal, causando uma resposta imu- quê disso ainda não é bem elucidado.
nológica defeituosa contra antígenos De qualquer forma, a incidência de
da flora facilitando a colonização e o DII em regiões menos desenvolvidas
estímulo dos produtos bacterianos e está aumentando, e acredita-se que
da formação de citocinas. isso se deva à crescente urbanização
mesmo nessas regiões, expondo os
No que tange os fatores intralumi-
indivíduos a novos estilos de vida, ali-
nais, há alterações quantitativas e
mentação e exposições a antígenos.
qualitativas na flora intestinal dos por-
tadores de DII. Na DC, a concentração As DII’s possuem dois picos de idade
de gram-positivas e gram-negativas de aparecimento: entre aproximada-
está aumentada. Na RCU, foram des- mente os 15 e os 40 anos, com um
critas bactérias cujos metabólitos são menor pico entre os 55 e os 65 anos.
lesivos à mucosa intestinal. Ou seja, Contudo, podem aparecer em qual-
alterações da microbiota, associadas quer fase da vida – embora seja raro
antes dos 15 anos. Não foi observada
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diferenças significativas nas incidên- de RCU tem sido registrada como


cias e prevalências entre os sexos. cerca de 0,5 a 24 casos por 100 mil
Além disso, A RCU é mais prevalente habitantes por ano; enquanto a de
e incidente do que a DC. A incidência DC tem sido 0,1 a 20 casos por 100
mil habitantes por ano.

MAPA MENTAL DE EPIDEMIOLOGIA

Mais prevalente
em locais mais
desenvolvidos

Alta incidência na
Mais comum entre
EPIDEMIOLOGIA Europa setentrional e
os 15 e 45 anos
América do Note

RCU é mais
prevalente e incidente
do que a DC.

4. FISIOPATOLOGIA forma contínua e simétrica ao longo


da porção afetada.
A RCU e a DC, embora sejam mui-
to parecidas em sua apresentação e, Os principais sintomas são diarreia
por vezes, gerem confusão diagnós- com perda de sangue nas fezes,
tica ou não permitam a diferenciação decorrentes diretamente da inflama-
entre elas, apresentam aspectos pa- ção do reto e/ou cólon. Essa mesma
tológicos diferentes entre si. inflamação também altera a permea-
bilidade do epitélio, causando extra-
A Retocolite Ulcerativa se caracteri-
vasamento do fluido intersticial rico
za pela inflamação crônica do cólon
em proteínas. Além disso, a absorção
e reto, ficando confinada a essas re-
de água e eletrólitos está prejudicada
giões anatômicas. A inflamação se li-
e alterações da motilidade intestinal,
mita à camada mucosa e aparece de
decorrentes do processo inflamatório,
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contribuem na fisiopatologia da diar- de resposta inflamatória serão libera-


reia. As erosões da mucosa colônica, dos e podem ocasionar febre.
características da RCU, ocasiona a Já a doença de Crohn se caracteri-
perda de sangue nas fezes. za pela inflamação transmural – da
Na RCU, o limiar sensorial do reto in- mucosa à serosa – crônica do tubo
flamado é diminuído, o que faz com digestório, podendo acometer qual-
que a presença de qualquer quanti- quer porção deste – desde a boca até
dade de fluido na ampola retal desen- o ânus, embora haja predileção pelas
cadeie o reflexo da defecação – isso regiões ileal ou ileocecal. O padrão da
explica o número aumentado de inflamação é salteado – ou seja, áreas
idas ao banheiro. Essa exacerbação de inflamação alternadas com áreas
sensorial também é a responsável saudáveis – e gera reação granuloma-
pelos sintomas de tenesmo e urgên- tosa não caseificante, além de poder
cia fecal que muitos pacientes aco- ter lesões aftoides na área acometida.
metidos referem. Como as possibilidades de acometi-
As alterações de motilidade do intes- mento anatômico da DC são mais am-
tino grosso, com aumento do tônus plas, as manifestações clínicas podem
muscular e da amplitude das contra- variar conforme o local afetado. Quan-
ções, ocasionam as manifestações do confinada ao intestino delgado, a
dolorosas. Alterações sensoriais de- diarreia e a dor abdominal são as ma-
vido à inflamação também podem fa- nifestações mais comuns – sintomas
zer o paciente perceber as contrações constitucionais como perda ponderal
da musculatura do intestino grosso e anemia também podem ocorrer.
como cólicas. A diarreia pode ocorrer por má ab-
A perda de sangue nas fezes pode sorção – de nutrientes, fluidos ou ele-
resultar em anemia ferropriva, cuja trólitos – ou por exsudação de fluido
intensidade pode variar conforme o intersticial para o lúmen devido ao pro-
volume de sangue perdido. Mas fi- cesso inflamatório. No acometimento
que atento: a anemia do paciente do íleo mais distal, a má absorção de
com RCU tratado com sulfassalazina sais biliares pode ser o mecanismo
(que veremos melhor mais adiante) da diarreia, permitindo que grandes
também pode ocasionar outro tipo de quantidades destes sais cheguem ao
anemia – a megaloblástica! De qual- intestino grosso e gerem maior secre-
quer forma, a anemia desses pacien- ção de cloro e água pelo epitélio. Por
tes pode causar astenia. fim, é importante ressaltar que é no
Por fim, se o comprometimento da do- íleo que ocorre a absorção de vitami-
ença for muito extenso, mediadores na B12, e sua escassez gera anemia
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megaloblástica – ou seja, outro me- – a exemplo do TNF-alfa – acome-


canismo que gera anemia no contex- tem, com frequência, portadores de
to da DII. doença de Crohn.
Dor abdominal frequentemente faz
parte do quadro. Quando no quadran- SE LIGA! No contexto das DII, convém
te inferior direito e de duração mais pontuar sobre as manifestações ex-
traintestinais dessas doenças. A mais
constante, pode ser resultado da esti-
frequente delas é o acometimento ar-
mulação de receptores na serosa pela ticular: embora não esteja bem eluci-
inflamação. Além disso, o aumento da dado porque ocorre, supõe-se que a
contratilidade e distensão das alças deposição de imunocomplexos em pe-
quenos vasos desencadearia essa rea-
pode ocasionar cólicas. ção inflamatória. Colangite esclerosante
Anorexia e náuseas, causadas por primária e espondilite anquilosante tam-
bém são outras formas de manifestação
mediadores da inflamação no SNC extraintestinal.

MAPA MENTAL DE FISIOPATOLOGIA

RCU DC

Salteada + lesões
Continuidade Simétrica + contínua
aftoides

Fístulas Menos comuns Mais comuns

FISIOPATOLOGIA

Profundidade da lesão Mucosa e submucosa Transmural

Áreas afetadas Restrita ao cólon e reto Da boca ao ânus


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5. QUADRO CLÍNICO A complicação mais temida da


RCU é o megacólon tóxico, que, em-
Vimos a fisiopatologia dos principais
bora incomum, frequentemente leva
sintomas das DII, o que vai facilitar
a óbito. Dor abdominal intensa com
agora entender o quadro clínico des-
distensão e febre, taquicardia, hipo-
sas doenças. Ambas têm manifesta-
tensão e desidratação compõem seu
ções parecidas entre si, mas a carac-
quadro clínico.
terização dessas manifestações pode
dar pistas e favorecer um diagnóstico Dentre as manifestações extra-in-
em detrimento do outro. testinais, temos: artrite, aftas orais,
artralgia, episclerite e pioderma
Em relação à RCU, o grau e a loca-
gangrenoso estão entre as mais
lização do acometimento determi-
comuns. Há também as manifesta-
nam os achados clínicos, conforme a
ções extra-intestinais mais graves,
seguir:
tais como: espondilite anquilosante,
1. RCU distal: são geralmente qua- colangite esclerosante primária e
dros brandos a moderados. A amiloidose.
diarreia está presente em 80%
Já em relação à DC, devido à sua ca-
dos acometidos e frequentemente
racterística de poder acometer qual-
há sangue nas fezes, muco, pus
quer parte do tubo digestivo, seu
e tenesmo. A dor abdominal é
quadro clínico pode variar mais. No
em cólica e geralmente precede as
entanto, alguns padrões de acometi-
evacuações. Há urgência e incon-
mento se destacam: doença no íleo
tinência fecal eventualmente, e
e ceco (40%), doença restrita ao
manifestações extra-intestinais
intestino delgado (30%) e doença
são incomuns.
restrita ao cólon (20%).
2. RCU hemicólon esquerdo e pan-
A diarreia é o sintoma mais comum,
colite: são os casos moderados
mas o número de dejeções tende
a graves. Astenia, febre, perda
a ser menor. É menos frequente o
ponderal e anorexia são comuns.
achado de muco, pus, sangue e te-
Há diarreia com pus, muco, san-
nesmo nas fezes, exceto quando
gue e tenesmo e a dor abdomi-
há envolvimento do cólon distal. A
nal é mais intensa. Manifesta-
dor abdominal também é frequente,
ções extra-intestinais ocorrem
sendo mais frequentemente contínua,
em 20% a 30% dos pacientes.
de maior intensidade e com localiza-
O exame físico muitas vezes está
ção predominante no quadrante infe-
normal, mas pode eventualmente
rior direito. A astenia e o emagreci-
conter febre, emagrecimento, pali-
mento também podem ocorrer. Já as
dez, taquicardia e edema.
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manifestações extra-intestinais são também, em todos os pacientes com


mais frequentes na DC, e são simi- suspeita de DC, examinar as regiões
lares às manifestações extra-intesti- anal e perineal devido a uma compli-
nais da RCU. cação comum da doença: fissuras,
O exame físico na DC pode revelar fistulização e formação de abces-
emagrecimento, carência nutricio- sos nessas regiões. As fístulas pe-
nal ou desnutrição. É fundamental rianais, entre porções do intestino e
mesmo entre intestino e bexiga ou
vagina podem ocorrer.

MAPA MENTAL DE QUADRO CLÍNICO

RCU DC

Sangue nas fezes Mais frequente Menos frequente

Menos volumosa Mais volumosa e


Diarreia
e mais frequente menos frequente
QUADRO
CLÍNICO

Astenia e febre Anorexia e náuseas

Anemia
Outros achados Anemia ferropriva
megaloblástica

Tenesmo e urgência Perda ponderal + dor


fecal + cólicas abdominal contínua
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6. DIAGNÓSTICO descartar diagnósticos diferenciais. A


infecção por C. difficile deve ser in-
O diagnóstico da DII ocorre a partir de
vestigada ainda que na ausência de
dados da anamnese e história clíni-
uso recente de antibióticos.
ca, exame físico e exames comple-
mentares – laboratorial, endoscó- Marcadores sorológicos: vários mar-
pico, radiológico e histopatológico. cadores têm sido estudados para as
Não é possível estabelecer diagnósti- DII. Dentre eles, os mais destacados
co sem exames complementares de- são o p-ANCA (anticorpo perinuclear
vido à gama de diagnósticos diferen- contra estruturas citoplasmáticas do
ciais que cursam com diarreia crônica, neutrófilo), encontrado principalmen-
bem como devido à impossibilidade te na RCU inespecífica; e o ASCA
de diferenciar a RCU e a DC clinica- (anticorpo anti-Saccharomyces cere-
mente. Na verdade, cerca de 5% dos visae), mais associado à DC. Isolada-
casos acabam sem ser diferenciados mente, esses anticorpos não fecham
entre RCU e DC, sendo classificados diagnóstico ou diferenciam entre uma
como “colite indeterminada”. forma e outra, pois aparecem em ou-
tras patologias e até mesmo em indi-
Exames laboratoriais: estes se encon-
víduos saudáveis. Devem ser utiliza-
tram normais ou levemente alterados
dos como ferramenta de ajuda para o
nas DII, especialmente os casos le-
diagnóstico à luz do contexto clínico.
ves. Pode haver anemia, leucocitose
e trombocitose e, frequentemente, há Exames endoscópicos e de imagem:
elevação das provas de atividade in- são muito utilizados no diagnóstico
flamatória (como o VHS e PCR). e acompanhamento das DII, além de
ser o principal método de obtenção
A calprotectina e lactoferrina fecais
de material para análise histológica. A
são exames úteis para o diagnósti-
endoscopia digestiva alta pode en-
co das DII, pois evidenciam atividade
contrar achados compatíveis com DC
inflamatória no intestino e apresen-
no trato gastrintestinal alto. Já a colo-
tam boa correlação endoscópica e
noscopia serve tanto para diagnósti-
histológica.
co e acompanhamento da DC como
Por fim, avaliar função tireoideana da RCU. Ela identifica as alterações
também é interessante para exclusão na mucosa, determina a extensão e
de tireoidopatias, que podem cur- o grau de atividade da doença, bem
sar com diarreia – particularmente o como identifica complicações e avalia
hipertireoidismo. a resposta terapêutica.
Exames de cultura e parasitológico de
fezes podem ser empregados para
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Inflamação da mucosa do intestino grosso, com extensão proximal


Colonoscopia
homogênea e contínua e quase sempre com envolvimento retal
Edema, hiperemia, friabilidade, exsudato fibrinomucoide e
erosões superficiais. No longo prazo, o cólon pode perder suas
Macroscopicamente
RETOCOLITE haustrações e adquirir aspecto tubular, com mucosa atrófica,
ULCERTIVA pálida e com padrão vascular anormal.
Perda da arquitetura das criptas, com criptite e abcessos, e deple-
ção das células caliciformes. Existe, nas fases de ativação, infiltrado
Exame histopatológico
inflamatório com predomínio de neutrófilos polimorfonucleares; já
nas fases crônicas, infiltrado de células mononucleares prevalecem.
Os locais mais acometidos são o íleo terminal e ceco proximal, além de quase sempre poupar o reto.
Lesões salteadas, alternadas com áreas de mucosa preservada. Pode
haver ulcerações aftoides e úlceras profundas, serpiginosas e irregu-
Macroscopicamente lares na mucosa afetada, e a coexistência de edema e infiltração da
DOENÇA DE
mucosa e submucosa com úlceras lineares podem dar o aspecto de
CROHN
cobblestone (“em paralelepípedo).
a arquitetura das criptas está preservada, há infiltrado inflama-
Exame histopatológico tório com predomínio linfocitário e são encontrados granulo-
mas não caseosos, com células gigantes de Langerhans.
Tabela 1. RCU x DC

Figura 1: Imagens colonoscópicas evidenciando padrões de acometimendo das DII. Fonte: Medicina – GOLDMAN-CECIL, 23ed.

Além da colonoscopia e EDA, a en- não deram diagnóstico e há suspeita


terotomografia (TC do trânsito do in- de comprometimento do delgado. A
testino delgado) pode ser necessária enteroressonância tem acurácia diag-
para avaliar comprometimento desta nóstica similar à da enterotomografia
porção e determinar extensão da do- e ainda poupa o paciente da radiação,
ença. Já a cápsula endoscópica tem mas sua limitação se deve ao alto
utilidade quando os outros exames custo.
DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS 13

FLUXOGRAMA DE DIAGNÓSTICO

RCU inespecífica DC

Evidenciam atividade
P-ANCA ASCA
inflamatória

Calprotectina e Anemia, Leucocitose,


Marcadores sorológicos
Lactoferrina fecais elevação de VHS e PCR

DIAGNÓSTICO

Colonoscopia Histopatológico

RCU DC RCU DC

Inflamação do Perda da arquitetura


Inflamação da mucosa Preservação da
íleo terminal e ceco das criptas, criptite e
do intestino grosso arquitetura das criptas
proximal abscessos

Infiltrado inflamatório
com predomínio de Infiltrado inflamatório
polimorfonucleares com predomínio
Envolvimento retal Poupa o reto
nas fases agudas e linfocitários e
mononucleares nas granulomas caseosos
fases crônicas
DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS 14

7. TRATAMENTO DAS DII


Retocolite Ulcerativa
Aqui, usamos o Índice de Gravidade
de Truelove e Witts:
  DOENÇA LEVE DOENÇA MODERADA DOENÇA GRAVE
Nº. de evacuações 6 ou mais + um dos sintomas
<4 4-6
por dia sistêmicos marcados com *
Sangue nas fezes Pequena quantidade Quantidade moderada a grande Muito sangue visível
Febre (>37,8ºC)* Não Não Sim
FC > 90bpm* Não Não Sim
Anemia* Não Não Sim
VHS* 30 ou menos 30 ou menos >30
Tabela 2. Índice de Gravidade de Truelove e Witts

Para induzir remissão: em pacientes Pacientes com doença leve a mode-


com doença leve a moderada, limita- rada que se estende até o hemicólon
da ao reto (proctite), iniciaremos o tra- esquerdo, iniciaremos o tratamento
tamento com aminossalicilato (como com aminossalicilato tópico. Se não
a sulfassalazina) via retal (supositó- houver resposta em quatro semanas,
rio). Se não houver remissão em qua- poderemos: ou adicionar aminossali-
tro semanas, adicionaremos um ami- cilato em altas doses via oral, ou ini-
nossalicilato oral. Se ainda assim não ciar este e substituir o aminossalici-
houver resposta satisfatória, adicio- lato tópico por corticoide tópico por
naremos um curso breve de corticoi- tempo limitado.
de tópico ou oral. Caso seja necessário intensificar o
Alguns pacientes podem recusar-se tratamento, suspendemos os trata-
a usar supositórios retais. Nestes ca- mentos tópicos e fazemos aminossa-
sos, iniciaremos com aminossalicilato licilato e corticoide, ambos via oral.
via oral, e explicaremos que este tem Se estamos tratando um paciente
menor eficácia. Nos casos de intole- com doença leve a moderada, mas
rância ou sensibilidade a essa casse extensa em localização – como na
de medicamentos, partiremos para pancolite, já iniciaremos o tratamento
corticoide via oral ou tópica por um com aminossalicilato tópico e via oral
período breve. em alta dose.
DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS 15

Imunobiológicos e inibidores de Janus Para manter remissão: em pacien-


Kinase (JAK) podem ser usados para tes que entraram em remissão após
tratar doença leve a moderada em to- doença leve a moderada e de pou-
das as localizações. Mas será reser- ca extensão (proctite ou sigmoidi-
vado para casos selecionados, devido te), temos algumas opções de uso:
ao alto custo e potenciais riscos. aminossalicilato tópico contínuo ou
Já na doença grave, em todas as suas intermitente; aminossalicilato tópico
localizações, introduzimos corticoi- e oral contínuos ou intermitentes ou
de intravenoso para induzir remissão aminossalicilato oral (este tem eficá-
enquanto avaliamos necessidade de cia menor). Quando há doença mais
cirurgia. Quando o corticoide não for extensa, com acometimento de cólon
possível, a ciclosporina ou a cirurgia esquerdo e remissão após crise leve
será indicada. Caso os sintomas não a moderada, o paciente irá usar ami-
melhorem em 72 horas ou piorem, nossalicilato em dose baixa por via
adicionaremos ciclosporina intrave- oral.
nosa ao corticoide intravenoso e con- Para todas as formas de localização
sideraremos possível cirurgia. Inflixi- da doença, usamos azatioprina oral
mabe (anti-TNF) pode ser uma opção ou mercaptopurina se houver duas
apenas em casos de doença aguda e ou mais exacerbações em 12 meses
grave com impossibilidade de uso da necessitando de corticoide sistêmico
ciclosporina. ou se a remissão não for mantida com
apenas aminossalicilatos.
DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS 16

FLUXOGRAMA DE TRATAMENTO DA RCU

TRATAMENTO
RCU

Para induzir remissão Para manter remissão

Azatioprina
VO ou Remissão após Remissão após
Doença leve a Mercaptopurina doença leve a doença leve
moderada se duas ou mais moderada e de a moderada
exacerbações pouca extensão extensa
em 12 meses

Aminossalicilato
tópico;
Aminossalicilato
Limitada ao Estende até aminossalicilato
Pancolite em dose baixa
reto cólon esquerdo tópico e oral;
por via oral
aminossalicilato
oral

Aminossalicilato
Aminossalicilato Aminossalicilato
tópico e via oral Doença grave
via retal tópico
em alta dose

Sem remissão Sem remissão


Corticoide IV
em 4 semanas em 4 semanas

Adicionar Adicionar Sem efeito


Adicionar aminossalicilato
aminossalicilato ou piora após
aminossalicilato altas doses via
altas doses 72 horas
via oral oral e substituir
via oral
aminossalicilato
tópico por
corticoide Ciclosporina
Anti-TNF se doença aguda
tópico IV e considerar
Sem resposta e grave com impossibilidade
cirurgia
de uso de ciclosporina

Corticoide tópico
ou via oral
DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS 17

Doença de Crohn Os pacientes com doença modera-


da a grave devem ser tratados com
A doença de Crohn pode ser caracte-
corticoesteroides (prednisona), até
rizada em relação à sua atividade com
a redução de sintomas e cessação
um índice chamado Crohn’s Disease
da perda de peso. A partir daí, o cor-
Activity Index (CDAI ou IADC). Ele
ticoide deve ser desmamado. A aza-
utiliza dados referentes aos últimos 7
tioprina, um imunomodulador, tam-
dias e seu resultado é o somatório de
bém se mostrou eficaz em induzir a
8 componentes, que no final classifi-
remissão, mas demora mais tempo
ca a doença em: remissão, atividade
para obter resposta clínica, não sendo
leve, atividade moderada e atividade
recomendados em monoterapia. Pa-
grave. A resposta clínica também é
cientes que não respondem à azatio-
caracterizada pela redução de mais
prina podem ter um defeito genético
de 100 pontos no CDAI.
no metabolismo, com diferenças em
Temos ainda a classificação de Mon- certas atividades enzimáticas. Esses
treal, que leva em conta a localização pacientes devem associar alopurinol
e o comportamento. Inclui idade ao à azatioprina, reduzindo a dose des-
diagnóstico, localização (ileal, colô- ta. Mercaptopurina também é uma
nica, ileocólica, doença TGI superior opção no lugar da azatioprina.
isolada) e comportamento (não es-
Pacientes cuja doença recorre após
tenosante, não penetrante, esteno-
retirada do corticoide são considera-
sante, penetrante e o modificador de
dos “corticodependentes”. Nesses
doença perineal).
casos, associa-se a azatioprina e, na
Na indução da remissão da DC, po- ausência de resposta, também o alo-
demos lançar mão de aminossalici- purinol. Na impossibilidade de utilizar
latos, em especial a sulfassalazina, a azatioprina, o metotrexato é uma
na doença colônica. Esses medica- opção.
mentos são derivados do ácido ami-
Se, após esses passos, não houver
nossalicílico e têm mecanismo de
resposta clínica, parte-se para o uso
ação similar ao dos anti-inflamatórios
de medicamentos imunobiológicos
não-esteroidais. Nos casos de do-
para indução. No caso, o uso de an-
ença no intestino delgado, devem
ti-TNF: infliximabe, adalimumabe ou
ser tratados com corticoesteroide.
certolizumabepegol.
Se não houver resposta clínica signi-
ficativa após seis semanas, houver Pacientes com infecções ou absces-
contraindicação ou intolerância, de- sos devem receber antibioticotera-
vem ser tratados como doença mo- pia apropriada, além de drenagem
derada a grave. cirúrgica ou percutânea conforme
DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS 18

necessidade. A cirurgia é necessária


SE LIGA! Pacientes com doença infla-
em 50% a 80% dos pacientes em al- matória intestinal de longa duração es-
gum momento no curso da doença. tão em risco bastante aumentado para
câncer colorretal (CCR), com uma in-
Para a remissão de pacientes com cidência de 18% após 30 anos de co-
doença grave a fulminante, devem lite! A neoplasia se desenvolve a partir
ser tratados em hospitais terciários, de processos displásicos na mucosa,
que podem ser rastreadas e detectadas
com hidratação, transfusão e suporte
precocemente, evitando a sua evolução
nutricional a critério clínico. Iniciamos para uma neoplasia.
então tratamento com hidrocortisona Nesse contexto, é recomendado que
intravenosa, que é substituída pelo pacientes com DII de longa data – geral-
corticoide via oral após melhora clí- mente após 8 anos – sejam rastreados
periodicamente para CCR. A periodici-
nica e passando a tratar o paciente
dade pode variar de 1 a 5 anos, a de-
como portador de doença moderada pender de fatores individuais como ida-
a grave. de de início da doença, histórico familiar,
extensão da doença e presença de co-
Uma vez obtida a remissão, fazemos langite esclerosante primária. De qual-
tratamento de manutenção: iniciamos quer forma, é certo que esses pacientes
com azatioprina ou mercaptopurina. merecem uma vigilância maior para este
tipo de câncer.
Se o paciente entrou em remissão
com uso de metotrexato, podemos
manter esse medicamento para ten-
tar remissão. O mesmo vale para
pacientes que não toleraram a aza-
tioprina ou mercaptopurina, ou têm
contraindicações para estas.
Falha da manutenção da remissão in-
dica o uso de terapia anti-TNF. Em-
bora estudos tenham mostrado maior
eficácia em associar azatioprina com
anti-TNF, o risco deve ser ponderado
devido à maior taxa de infecções e
neoplasias com o uso da azatioprina.
DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS 19

FLUXOGRAMA DE TRATAMENTO DA DC

TRATAMENTO
DC

Para induzir remissão Para manter remissão

Doença leve Doença moderada a grave Azatioprina ou Mercaptopurina

Corticoide (Prednisona)
Doença no intestino
Doença colônica até redução de sintomas e
delgado
cessação da perda de peso

Aminossalicilatos Corticoide

Sem resposta clínica


após 6 semanas

Tratar como doença


moderada a grave
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REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
GOLDMAN L., AUSIELLO D. Cecil: Medicina. 25ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2018.
Clínica Médica, volume 4:Doenças do Aparelho Digestivo, Nutrição e Doenças Nutricionais.
– 2 ed. – Barueri, SP; Manole, 2016.
Zaterka S, Eiseig JN. Tratado de Gastroenterologia da Graduação à Pós-graduação. 2ª edição
- Editora Ateneu, 2016
Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Doença de Crohn: Ministério da Saúde, 2017.
National Institute for Health and Care Excellence (NICE). Ulcerative colitis management
(NG130). Jul. de 2019.
National Institute for Health and Care Excellence (NICE). Crohn’s disease management
(NG129). Jul. de 2019.
Colorectal cancer surveillance in inflammatory bowel disease: Practice guidelines and recent
developments. World J Gastroenterol 2019 August 14; 25(30): 4148-4157.
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