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EFEITOS DE
LEITURA,
SUJEITOS E SENTIDOS
EM MOVIMENTO
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ALPHABETO
IDlrolA
2010
"U m pouco de possível senão eu sufoco ...••
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"0 objeto' do marxismo é a sociedade: porem, a 'luta de classes na teo-
ria' significa que o tema fundamental do m3.rxlsmo é a 'força material
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Outro momento, do mesmo filme, é aquele em que Carlitos a-
panha uma bandeira vermelha que cai de um caminhão. Ele a apa-
nha e começa a correr, balançando-a para chamar a atenção do mo-
torista do caminhão. Em seguida, uma manifestação de operários vira
uma esquina e se põe logo atrás de Carlitos que, evidentemente, é
confundido com o lider da passeata e é preso. Primeiro, o manicômio,
depOIS,a prisão.
E, na cadela, não demora para que tudo se resolva em confu-
são novamente: inadvertidamente, Carlitos consome a cocaína deixa-
da num saleiro por um dos criminosos presos e, devidamente turbina-
do, impede uma fuga. o que lhe rende uma carta de recomendação
do diretor da prisão. Não é preciso dizer que a carta de recomenda-
ção não lhe será de muita valia. pois ele insiste em não fazer o que
se espera dele, nas mais diversas ocasiões.
Por fim, o último momento desta obra que quero ressaltar tem a
ver com o fato de que, no momento de seu lançamento, o cinema
falado já se institui. Há toda uma expectativa sobre quando o vaga-
bundo Irá, finalmente, falar. Por todo o filme, Carlitos fala á maneira
dos filmes mudos: mexe os lábios e, em seguida, surge um letreiro
indicando sua fala. No final, no entanto, Carlitos irá falar: contratado
como garçom, em certo momento deverá cantar uma música (trata-se
de um restaurante de "garçons cantores"). Ele escreve a letra da mú-
sica nas mangas de sua camisa e, como era de se esperar, ao dançar
Joga longe eSSaSmesmas mangas, ficando numa posição incômoda:
deve cantar, mas perdeu a letra da música. Mas ele se sai bem, já
que simplesmente o que faz é cantar uma música.. sem sentido. A
expectativa dos fãs do vagabundo Carlitos não se consuma: ele não
fala, canta; mais ainda, canta algo que não se pode entender.
Esses momentos descritos não podem ser vistos como momen-
tos de resistência? Essa incapacidade do vagabundo de estar onde
deveria, de agir como se esperaria, não configuram um modo de re-
sistir ao aprisionamento de um certo sentido ou á falta de sentido? No
entanto, tais atos de resistência não poderiam ser atribuidos á vonta-
de de Carlitos, já que se trata mais de algo que resiste nele do que de
uma resistência conscientemente pensada.
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Tais momentos têm similaridade com outro, este descrito numa
nota de rodapé de Pêcheux:
"E se a gente se dissesse que nada tem muita importância. que basta
'escoamento', a tática do posto: tudo o que faz com que, nesse irrisório
essa mão que retoma a vida que se liga. Tudo o que, em cada um dos
homens da cadeia. urra silenciosamente: 'Eu não sou uma máquina'I".
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mos nossas rodas, por exemplo, as esteiras. Em geral, ou ficam a-
bandonadas em um cômodo, a servir de decoração, ou as pessoas
de fato as usam, mas precisam se cercar de cuidados, ouvir música,
conversar, marcar cuidadosamente as calorias queimadas ou a dis-
tãncia percorrida, para se certificar de que não são ratinhos andando
sem chegar a nenhum lugar.
Ora, talvez tenhamos ai uma idéia da separação entre corpo e
organismo, na medida em que as funçôes corporais, por assim dizer,
precisam estar ancoradas num sentido, mas num sentido que não se
feche demasiado, guardando "um pouco de possivel". Então, nos
exemplos de Carlitos e do intelectual, não é o organismo que resiste,
mas o corpo, na sua busca de sentido, na sua resisténcia á mortifica-
ção do nada. Por outro lado, o excesso de sentido também leva a
esse mesmo nada, o que faz com que o corpo se rebele contra o
quadrado do sentido fechado. Do ritmo marcado e regular do trabalho
Carlitos faz surgir o balé, por exemplo.
Vemos, dessa maneira, que falar em corpo é falar em lingua-
gem, Já que é justamente por sermos seres de linguagem que temos
corpos em vez de organismos. É Justamente, como diz Henry
(1977:188), retomando o pensamento de Lacan, por sermos atraves-
sados pela linguagem antes de qualquer cogitação, que nos separa-
mos do organismo e da necessidade para o campo do corpo e do
desejo.
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evidência de fechamento, apagando, nesse processo, sua própria
constituição, Como diria Foucault (1971 :9), 'em toda sociedade a
produção do discurso ê ao mesmo tempo controlada, selecionada,
organizada e redistribuida por certo número de procedimentos que
têm por função conjurar seus perigos, dominar seu acontecimento
aleatório, esquivar sua pesada e temivel materialidade'. Pêcheux
(1982a:302) deixa bem claro que, para diferenciar tais procedimentos
de controle de discurso de uma pura determinação direta semelhante
a uma domesticação de animaiS (nas suas palavras, ê preciso retificar
o biologismo larvado de Foucault) ê precIso considerar que estão
sempre presentes o Inconsciente e a Ideologia, estruturas que têm
como traço comum '( ..,) o fato de elas operarem ocultando sua pró-
pria existência, produzindo uma rede de verdades 'subjetivas' eviden-
tes, com o 'subjetivas' significando aquI não que afetam o sujeito, mas
'em que o sujeito se constituI'" (PÊCHEUX,1982b:148), E, ainda é
Pêcheux quem afirma, esse processo nunca é exitoso, algo sempre
falha, um 'assuJ8itamento perfeito' é impossivel.
No caso do corpus, como nos ,ndica Orlandl (2001), não se tra-
ta de justapor uma teoria a um material que se dá a ver, mas em con-
Siderar que no próprio movimento de constituição do corpus já se está
teorizando, o que coloca o analista de discurso numa posição ética de
ter que, desde sempre, indicar o lugar de onde constrói o corpus, 'StO
é, expor seu olhar, marcar sua posição, ou para usar uma expressão
antiga, tomar partido, Nesse sentido, a Análise de Discurso é uma
prática, o que nos impede de vê-Ia como uma teoria que tentaria se
apropriar de um dado objeto.
Quanto ao corpo, não é ele justamente o lugar em que tais o-
pacidades se mostram como a mais pura transparência? Não é um
fato subjetiVO comum o sentimento de que temos um corpo, com O
acento no ter? De maneira geral, não sentimos todos que estamos
dentro de nossos corpos? E com estranheza que, em certos momen-
tos, sentimos que algo vai mal com nosso corpo, como se aquela
unidade que ele nos dá subitamente se desfizesse e ele se mostrasse
em sua materialidade de carne atravessada pelo Significante? Lacan,
em sua conceituação do "estádio do espelho', irá falar Justamente
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desse momento de captura do sujeito por uma imagem que lhe pre-
sentifica uma totalização e uma unidade:
dem desde uma imagem despedaçada do corpo até uma forma de sua
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Não há corpo no real?
Epílogo
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minar com uma ressalva: a de que o sentido na justa na medida é
Impossivel. Isso faz dos corpos, corpos sempre frágeis (pois ancora-
dos numa estabilidade precária e movediça) e maciços (pois uma vez
engendrado o sentido não se pode desfazê-lo sem percalços).
O nome desse movimento entre o sentido estabelecido e a
possibilidade de um novo sentido é política. E é ISSOque configura de
maneira especifica justamente o campo da Análise de Discurso, sa-
ber que "o sentido sempre pode ser outro", como afirma Orlandi
(199664).
Referências
1995
ZIZEK, S, (1990) Eles nao sabem o que fazem - o sublime objeto da ideologia. Rio
65
__ ~_. (1994a) "O espectro da ideologia. In: ZIZEK, S. (arg_) Um mapa da ideologia
Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
____ o (1994b) Las metástasis dei goce Buenos Aires: Paid6s, 2003.
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