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ISSN: 1677-9797

A CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS E O ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS NA


EDUCAÇÃO INFANTIL

Taís Nunes Garcia Semaan


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Resumo: Neste artigo apresentamos aspectos da didática do ensino de uma língua estrangeira para
crianças de 2 a 5 anos e a importância da contação de histórias para o aprendizado de uma segunda
língua na Educação Infantil. A partir do trabalho com narrativas orais, os professores despertam
pequenos leitores e estimulam o mundo da imaginação. Nosso trabalho é enriquecido por perspectivas
teóricas de Lev Vygotsky (1987) e Nelly Coelho (1991).

Palavras-chave: Educação infantil; Contação de histórias; Línguas estrangeiras.

Abstract: In this article, we present aspects of the didacticism in teaching a foreign language for
children from 2 to 5 years old and the importance of storytelling when learning a second language in
preschool teaching. Working with oral narratives, teachers can stimulate young readers and their
imagination. Theoretical perspectives written by Lev Vygotsky (1987) and Nelly Coelho (1991) enrich
our text.

Keywords: Preschool teaching; Storytelling; Foreign languages.

Introdução

As narrativas orais surgiram em decorrência da capacidade humana de memorizar e


recontar o que se enuncia na voz e, por isso, tornaram-se uma ferramenta de preservação da
cultura e a única fonte de aquisição e transmissão de conhecimento para as civilizações que
ainda desconheciam a escrita.
Segundo o antropólogo e jornalista Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), “tradução,
traditio, tradere”, pode ser entendida como “entregar, transmitir, passar adiante, em um
processo de divulgação do conhecimento popular ágrafo” (1978, p. 27). Seria como uma
notícia passada sucessivamente entre indivíduos, conservada em memória ou por escrito.

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GARCIA SEMAAN, T.N. A contação de histórias e o ensino de línguas estrangeiras na educação
infantil. Revista Desempenho, n.25, v.1, 2016.
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A narração de histórias sempre reuniu contadores e ouvintes pela arte da palavra. O
linguista suíço Paul Zumthor (1915-1997) entende que a tradição oral de um grupo social é
formada por um conjunto de intercâmbios orais ligados a comportamentos mais ou menos
codificados, cuja finalidade básica seria manter a continuidade de determinada concepção de
vida e de uma experiência coletiva. O contar oralmente é, assim, a base da tradição de valores
para a sociedade.

O texto oral, devido ao seu modo de conservação, é menos apropriável que o escrito;
ele constitui um bem comum no grupo social em que é produzido. Nesse sentido, ele
é mais concreto do que o escrito: os fragmentos discursivos pré-fabricados que ele
veicula são, ao mesmo tempo, mais numerosos e semanticamente mais estáveis.
(ZUMTHOR, 1997, p. 258).

Para o sociólogo Oswaldo Xidieh (1915), inclusive, a literatura oral sempre possui
uma função:

A literatura oral nunca é gratuita como pode ser a literatura culta. Ela tem uma
função, ou mais de uma: preserva as crenças, os valores, os comportamentos dos
grupos rústicos que as produziram. [...] esta funcionalidade ou relação constante
entre a história contada e as normas sociais de quem as conta e do seu auditório põe
em relevo o significado presente e atuante dos causos, estórias e lendas, deixando na
sombra, ou em segundo plano, os problemas de origem histórico-geográfica dessas
formas simbólicas. Enquanto há e enquanto houver um cotidiano popular e rústico, a
tradição se reapresenta e se reelabora, não como reprodução compulsiva do passado,
mas como resposta às carências sofridas pelas comunidades. (1993, p. 19).

A voz poética, portanto, desempenha um papel fundamental de coesão social. Fica


clara a força da experiência coletiva quando da prática da oralidade.
A contação de histórias para crianças de 2 a 5 anos está ligada diretamente ao
imaginário infantil. O uso dessa ferramenta em sala de aula incentiva não somente a
imaginação, mas também o gosto e o hábito da leitura, a ampliação do vocabulário, da
narrativa e de sua cultura, o conjunto de elementos referenciais que proporcionarão o
desenvolvimento consciente e subconsciente infantil, a relação entre o espaço íntimo do
indivíduo (mundo interno) com o mundo social (mundo externo), resultando na formação de
sua personalidade, seus valores e crenças.

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A oralidade possui uma ampla margem para a invenção. Mesmo havendo o desejo de
se conservar uma voz original, há a tendência inevitável de desdobrá-la.
Segundo o psicólogo austríaco Bruno Bettelheim (2002, p. 197), a contação de
histórias é a cartilha com a qual a criança aprende a ler sua mente na linguagem das imagens,
a única linguagem que permite a compreensão antes de se conseguir maturidade intelectual. O
conteúdo pré-consciente das imagens é muito rico porque estimula a criança a desenvolver
seu intelecto.
O cientista bielorrusso Lev Vygotsky (1896-1934) entende que o processo de
aprendizagem acontece enquanto a criança brinca, canta e age entusiasticamente. Assim, ele
entende que:

[...] a criança em idade pré-escolar envolve-se num mundo ilusório e imaginário


onde os desejos não realizáveis podem ser realizados, e esse mundo é o que
chamados de brinquedo. [...] no brinquedo a criança é livre para determinar suas
próprias ações. A essência do brinquedo é a criação de uma nova relação entre o
campo do significado e o campo da percepção visual – ou seja, entre situações no
pensamento e situações reais (2007, p. 108).

Segundo Vygotsky (1930, p. 107), “no brinquedo, a criança sempre se comporta além
do comportamento habitual de sua idade, além de seu comportamento diário; no brinquedo é
como se ela fosse maior do que é sua realidade”. Isso ocorre porque, “no brinquedo, a criança
projeta-se nas atividades adultas de sua cultura e ensaia seus futuros papéis e valores”. Assim,
as brincadeiras desenvolvidas em sala de aula antecipam o desenvolvimento; com o brinquedo
a criança começa a adquirir motivação, habilidades e atitudes necessárias à sua participação
social, que só pode ser completamente atingida com a assistência de seus companheiros da
mesma idade ou mais velhos.
Considerando que as crianças necessitam de situações reais para que ocorra a
aprendizagem, contos infantis podem ser levados para a sala de aula, pois se encaixam em
uma situação real – simulativa com dinâmica de situação real. Os contos fazem parte da vida
de algumas crianças, de seu conhecimento anterior e de sua vivência. O processo de contação
de histórias, portanto, deve ser abordado como significativo pela criança, é visto por ela com

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interesse e estimula sua fantasia e criatividade. Esse processo significativo e interessante pode
contribuir para aumentar a motivação da aprendizagem de uma língua estrangeira na escola.
Trabalhar com uma forma diferente de linguagem com alunos de Educação Infantil,
mais precisamente com uma língua estrangeira, leva a criança a se desenvolver em diversas
áreas, como a cognitiva e as capacidades relacionais e afetivas, o que pode levá-lo ao
desenvolvimento integral, no qual ele passa a dominar a linguagem, que se mostrará
fundamental para ele, respeitando os eixos da Educação Infantil como o conhecimento de
mundo buscando o conhecimento de si mesmo.
O aprendizado de uma língua estrangeira contribui para o aperfeiçoamento das
relações pessoais e sociais, pois age como um elemento de promoção do autoconhecimento e
do conhecimento do outro, abrangendo a interação cultural que passa a ser importante para a
formação da criança.
Outro fator positivo para o uso da literatura no ensino de uma língua estrangeira é o
fato do professor poder fazer uso de figuras enquanto conta uma história. Assim, a partir desta
prática, a criança pode assimilar mais facilmente o que está sendo dito, pois pode interligar
significado e significante. Ao ligar o que está ouvindo ao que está vendo, o aluno é capaz de
compreender, de maneira mais ampla e satisfatória, o que está sendo estudado.
Ao ensinar para crianças utilizando-se dos recursos que os textos literários oferecem
possibilita também ensinar um pouco da cultura da língua que está sendo trabalhada.

O ensino de língua estrangeira para crianças

O trabalho de ensino de uma língua estrangeira para crianças de 2 a 5 anos deve levar
em conta aspectos como a maturidade cognitiva dos alunos, a bagagem cultural em língua
materna – que facilita o processo de aprendizagem de uma nova língua – e suas relações
sociais. Desta maneira, o direcionamento pedagógico deve corresponder às características da
Educação Infantil, que prioriza a aquisição da linguagem oral e escrita, assim como o
desenvolvimento global dos participantes. Além disso, as atividades de contação de histórias
devem levar em conta as experiências das crianças e seus interesses.

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Nessa fase do ensino, a elaboração de atividades lúdicas para se trabalhar com os
alunos é indispensável para a promoção do aprendizado, quando se deseja promover o
aprendizado de uma língua estrangeira. O profissional mediador desse processo deve estar
plenamente motivado em cumprir sua missão de ensinar e precisa perceber a funcionalidade
da língua estrangeira a ser trabalhada em sala de aula.
Sempre deve-se ter em mente que cada criança possui seu próprio ritmo de
amadurecimento e de desenvolvimento, e que cada passo dado pelo aluno em qualquer área
do conhecimento possibilita a construção de sequências linguísticas. O trabalho com a língua,
seja esta materna ou não, faz referência direta com as teorias de aquisição de linguagem e com
a análise psicológica do comportamento verbal, pois ao tratarmos de língua como objeto de
estudo, temos que considerar a habilidade e os estilos de aprendizagem da expressão
linguística pelo aluno, respeitando seu tempo e seu processo de construção.
Considerando que a linguagem se constrói como resultado da interação do indivíduo
com o meio e suas relações funcionais, observamos que linguagem e psicologia estão
diretamente ligadas. Por conseguinte, devemos recorrer à psicolinguística para ampliar nosso
estudo.
O ensino de uma segunda língua revela um panorama complexo de questões que ainda
não puderam ser plenamente solucionadas quando relacionados à aquisição de uma segunda
língua. Uma delas refere-se ao tempo necessário da apreensão dos elementos de uma segunda
língua e a relação destes com o concreto. Em língua materna relacionamos cada palavra com
um objeto concreto existente, ou muito conhecido pela memória auditiva do falante. Já em
uma segunda língua, estabelecem-se ligações com a tradução, o que impossibilita a
organização mental desta linguagem e favorece somente a estrutura fonética entre os
elementos das duas línguas – o que muitas vezes dificulta a compreensão geral da segunda
língua, inibindo que o aluno se expresse nesse segundo idioma.
A psicolinguística questiona a relação entre o aprendizado visual, que ocorre na
primeira língua, e o auditivo, que geralmente acontece na segunda, e até que ponto essa
diferença pode interferir no processo de aprendizagem. A relação distinta estabelecida na
segunda língua entre o significante e o significado, faz com que a criança constantemente
questione a funcionalidade da segunda língua que aprende.

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O desenvolvimento cognitivo da criança de Educação Infantil, especificamente de 2 a
5 anos, necessita, portanto, de um processo concreto que viabilize o processo de assimilação e
acomodação da informação. A construção da linguagem em outra língua torna-se abstrata por
não se relacionar com o significado e sim com o significante da língua materna.
Exemplificando este conceito, é possível perceber que as crianças não têm noção da
existência de milhares de línguas espalhadas pelo mundo. Para elas, quando alguém atribui
outro nome para algo que já está nomeado em seu universo, seria como se estivesse negando
seu conhecimento prévio e refutando o antigo nome.
O entendimento de que em cada lugar se fala de maneira diferente, requer forte noção
de tempo e espaço. Para uma criança, o mundo se resume à escola, à família, ao lar, à casa de
alguns amigos e a algumas partes da cidade que a marcaram por algum motivo específico.
Esta breve análise demonstra o grau de complexidade relacionado ao ensino de uma
língua estrangeira na Educação Infantil. O professor deve ter em mente que as atividades
propostas devem promover a inserção de novos valores de verdade, sem anular os que já
acompanham a criança, recebidos pelo contato direto com sua língua materna.
Quando língua é conceituada como uma habilidade, ou um hábito automático referente
à comunicação, a língua materna é tida como algo mecânico, diferente do processo de
construção do conhecimento da segunda língua. Por isso, trata-se de um processo demorado,
sistemático, sequencial e que deve considerara a etapa do desenvolvimento cognitivo do
aluno, para que esta construção seja funcional. O aluno deve se sentir à vontade com novas
expressões e entender que uma língua não restringe a outra, mas a complementa.
Para o psicólogo e pedagogista italiano Renzo Titone (1925-2013), o tipo de
aprendizagem influencia também a aptidão linguística (1983, p. 27). Essa aptidão está
presente em todos os grupos que estabelecem relações com línguas estrangeiras. A esse
respeito, o psicólogo americano John B. Carroll (1916-2003), por sua vez, afirma:

Extensos estudos por mim realizados evidenciaram diferenças notáveis na aptidão


para o estudo das línguas estrangeiras. Isto é verdadeiro no que se refere tanto a
crianças, quanto a adolescentes e a adultos. Mesmo que ficasse provado que as
crianças aprendem as línguas mais rapidamente do que os adolescentes, permanece
de qualquer modo o fato de que muitas entre elas encontram uma grande dificuldade
(CARROLL, 1960, p. 14, tradução nossa).

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Os neurocientistas Wilder Penfield e Lamar Roberts (2014, p. 235) afirmam que, em


relação à aprendizagem de um segundo idioma, crianças são aprendizes mais eficientes que
adultos. Segundo eles, o cérebro das crianças possui uma capacidade especializada para a
aprendizagem de língua, e essa capacidade é evidenciada até a idade limite de 9 anos. A idade
limite está relacionada à flexibilidade (ou plasticidade) cerebral, que permite a aprendizagem
direta, a partir do estímulo recebido.
Penfield e Roberts (2014) acreditam que há uma diferença fisiológica entre as
aprendizagens direta e indireta de uma língua. A aprendizagem direta, considerada por eles a
única e efetiva, diz respeito a como a criança aprende a primeira língua em casa; a indireta diz
respeito às atividades desenvolvidas em sala de aula. Segundo os pesquisadores, após os 9
anos, as crianças se tornam mais analíticas e aprendem indiretamente, por exemplo, via
unidades da sua língua materna, devido à redução da flexibilidade cerebral.
Assim, podemos até preestabelecer que as crianças em Educação Infantil tenham
maior facilidade para apreensão da língua. Todavia, isto não é regra, e os professores
precisam estar preparados para lidar com eventuais dificuldades.
A aptidão linguística está provavelmente associada a habilidades áudio-orais, como
imitar as séries de sons da língua diferente e poder construir uma memória mecânica e
auditiva para com esta língua discriminarem os sons além de reproduzi-los.
A metodologia adequada para o ensino de uma língua estrangeira mostra-se
claramente diferente das metodologias para o ensino da língua materna. Segundo (VEIGA,
1991, p. 93): “a metodologia do ensino passa a se preocupar com a atividade teórico-prática
da ação didática a partir de uma concepção histórico-dialética do mundo para a compreensão
e a intervenção no processo educativo”. Sendo assim, faz-se necessária a compreensão do
contexto e da valorização dos fatos históricos para que haja a construção de diferentes
conceitos, utilizando-se de métodos variados que venham a atender à realidade.
A Abordagem da Gramática e da Tradução (AGT), por exemplo, consiste no ensino da
segunda língua tendo como referência a língua materna. São essenciais, neste caso, três
procedimentos: memorização, conhecimento das regras necessárias para a utilização da língua

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e exercícios de tradução e versão. O objetivo desta abordagem é fazer com que o aluno
domine a gramática da língua estrangeira e aprimore a escrita nessa língua.
Em oposição a essa metodologia surge no século XVI – a Abordagem Direta (AD),
que valoriza a linguagem oral, estimulando o processo cognitivo para a utilização da língua.
Nesta abordagem, a linguagem escrita passa a ser complemento do processo de aprendizagem,
que está fundamentado em ouvir, falar, ler e escrever. Segundo a Abordagem Direta, o aluno
deve pensar na língua estrangeira e, portanto, tradução e versão não são utilizadas como
recurso didático. A construção da língua se dá pela prática ou pelo contexto.
Na Educação Infantil, o desenvolvimento da linguagem está atrelado ao do
pensamento. Logo, o processo de aprendizagem de uma língua estrangeira necessita de
encaminhamento didático pedagógico que atenda à especificidade desta fase do ensino.
A língua estrangeira estabelece uma relação de abstração com o aluno e muitas vezes
se apresenta fora de sua realidade. Desta maneira, deve-se ter cuidado na escolha dos eixos
temáticos abordados na Educação Infantil. É necessário verificar os elementos que estão
presentes no contexto. É possível e recomendável que se insira aspectos da cultura estrangeira
como fator motivador para a construção de diferentes conceitos, mas deve-se ter em mente
que as crianças de Educação Infantil possuem de 2 a 5 anos e os encaminhamentos didáticos
devem atender às diretrizes nacionais, priorizando o brincar e o conhecimento de mundo para
a formação integral da criança.

Contação de histórias e o aprendizado de LE

Crianças são seres histórico sociais e desenvolvem o processo de construção de


conhecimento utilizando diferentes linguagens. Elas exercem a capacidade de levantar ideias
e hipóteses tendo como referência seu contexto e suas experiências. O conhecimento deve ser
entendido não como cópia da realidade, mas sim como resultado de interação, significação e
ressignificação da vivência com a individualidade. Este pensamento tem como fundamento as
abordagens de Piaget, Vygotsky e Wallon.

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Considerando a natureza multissemiótica da linguagem, o ensino de língua estrangeira
deve promover o desenvolvimento da interculturalidade, embasado em cantar (atividades
musicais), brincar (jogos) e contar (atividades narrativas).
Música é um recurso didático que está diretamente relacionado à contação de histórias
e que possibilita aos alunos o desenvolvimento de várias habilidades tidas como pré-requisitos
necessários para a construção da linguagem oral e escrita da criança durante e após a
Educação Infantil.
As canções infantis são também uma forma de linguagem. Portanto, auxiliam na
expressão e na comunicação de sentimentos, sensações e pensamentos. Além disso, por meio
da música, de forma inconsciente, os alunos aperfeiçoam a pronúncia da língua estrangeira.
Em sala de aula, o professor pode trabalhar com movimentos de expressão, atividades
cênicas ou artes visuais, promovendo a expansão do vocabulário, podendo elevar a música a
instrumento auditivo e visual no conhecimento de uma nova linguagem.
Para as crianças, a capacidade de guardar nomes na memória curta mostra-se ainda em
desenvolvimento. Assim, é muito comum um aluno não se lembrar do que foi dito na aula
anterior. Talvez ele possa se lembrar e relatar algo em sua língua materna, mas é incomum
lembrar-se dos termos aprendidos em língua estrangeira. Por isso, é bastante necessário
repetir sempre os termos já ensinados. E grandes recursos para incentivar a repetição são
justamente atividades com músicas e a contação de histórias.
Os termos ensinados devem ser repetidos para que haja compreensão do vocabulário
no contexto.
Um recurso interessante a ser utilizado no ensino da segunda língua é a abordagem
desenvolvida por Maria Montessori (1965), a partir da qual deve-se planejar o ato de aprender
e compreender em três tempos: a apresentação, na qual o professor apresenta o item ao aluno
e pode fazê-lo repetir seu nome algumas vezes; em seguida, é feito o movimento do
reconhecimento, no qual cabe ao aluno reconhecer e mostrar o item nomeado pelo professor;
e, por fim, cabe ao aluno nomear o item apresentado pelo professor.
A pesquisadora Nelly Coelho (1990) defende que a história contada permanece na
mente da criança após o término da leitura e é incorpora ao pensamento como alimento de sua
imaginação criadora. Por isso, a autora propõe a elaboração de atividades subsequentes, que

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ajudem a digerir esse alimento, associado a outras atividades. A história funciona como
agente desencadeador de criatividade, inspirando cada pessoa a manifestar-se
expressivamente. Dentre as atividades propostas pela autora, estão: dramatização, desenhos,
recortes, brincadeiras, criação de textos orais ou escritos, entre outras.
Do ponto de vista pedagógico, tais atividades, além de dialogarem com as
necessidades e interesses dos pequenos alunos, contribuem para o desenvolvimento do
indivíduo, pois propiciam o desenvolvimento de operações de pensamento e de linguagem;
oferecem oportunidade de expressão de sentimentos e emoções; e favorecem a socialização
do aluno, mediante a realização de atividades cooperativas.
Entendemos que nas histórias infantis é possível encontrarmos elementos ligados a
valores éticos, de incentivo à autodescoberta, confiança e autoestima. Portanto, ao realizarmos
as atividades propostas a partir dos temas abordados durante a leitura, as crianças
desenvolvem não apenas os aspectos intelectuais de sua formação, mas também questões
emocionais e afetivas.
Ao aplicar a proposta de trabalho lúdico após a leitura dos textos ao ensino de língua
estrangeira, compreendemos que a aprendizagem de um idioma é o resultado do contato do
aluno com ela e de sua prática. Neste sentido, observamos que as atividades práticas
estimulam a familiarização do aluno com as estruturas linguísticas, e aspectos gramáticos e
lexicais que contribuem para o aprendizado do idioma.
A contação de histórias pode ser considerada uma atividade eficiente a ser utilizada
como instrumento no ensino de uma língua estrangeira para crianças, pois consegue envolver
o aluno em suas necessidades emocionais, psicológicas e cognitivas.
Ao abordarmos o ensino de uma língua estrangeira para crianças, a concepção mais
recorrente é a de ensino de vocabulário. Tal avaliação advém em grande parte da falsa crença
de que, por serem ainda pequenos e por não conviverem com a língua estrangeira fora dos
muros da escola, os alunos terão dificuldade na aprendizagem – daí a restrição ao ensino
lexical. Entretanto, a prática pedagógica de ensino de língua estrangeira com a contação de
histórias para crianças mostra o quanto elas são capazes de ir além do léxico, das estruturas
gramaticais, e além do próprio texto.

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Crianças aprendem palavras rapidamente, mas o aprendizado de estruturas cujo uso é
menos óbvio ocorre, de fato, mais lentamente. A pesquisadora britânica Lynne Cameron
(2001) considera o desenvolvimento de vocabulário e gramática indissociável, sendo o
primeiro imprescindível para o aprendizado e uso da segunda. Ela explica que o vocabulário
útil é a aprendizagem de língua estrangeira no nível primário e que informações gramaticais
são veiculadas por meio dele, embora a aquisição seja primeiramente no âmbito oral, haja
vista a perceptível demora para a aquisição de seu significado. A mesma estrutura pode ser
repetida várias vezes, não como mera repetição, mas com a exploração de diferentes contextos
significativos e com o uso de vocabulário diverso.
O benefício da contação de histórias para o ensino de língua estrangeira para crianças
está, também, no fato das narrativas serem, em geral, divertidas, e poderem, assim, auxiliarem
no desenvolvimento de atitudes positivas em relação à aprendizagem. Inclusive, ao ouvirem e
se envolverem com as histórias, os alunos utilizam a imaginação – poderoso instrumento de
conexão da fantasia com o mundo real.
Neste contexto, Vygotsky (2003, p. 153) define fantasia como “uma experiência
oposta à realidade, porém com raízes nas experiências reais do ser humano, pois, por mais que
imaginemos uma criatura, uma situação, um mundo, determinadas características destes terão
algo em comum com o mundo real”. Esta seria a primeira fonte da realidade da fantasia. A
segunda fonte considerada pelo autor seria o sistema de nossas vivências internas, sobretudo
desejos e emoções. No entanto, “as causas que condicionam seu trabalho se encontram
profundas dentro do ser humano e muitas vezes permanecem ocultas para a consciência”.
Vygotsky (2003) também estabelece a diferença entre a função da imaginação e da
memória. Enquanto a primeira é a organização de formas de comportamento que ainda não
ocorreram na existência do ser humano, a função da segunda consiste em organizar a
experiência de forma que repita aproximadamente o que já aconteceu. Para o autor, acreditar
que o funcionamento da imaginação seja algo espontâneo e sem motivo é uma ilusão.
Quanto à contação de histórias, Vygotsky (2003) postula que as crianças encontram
nas narrativas uma fonte inesgotável de vivências e, dessa forma, a fantasia abre novas portas
para que necessidades e aspirações adquiram vida. Outro aspecto considerado por ele é a
necessidade que as crianças apresentam de repetição das histórias. Gostam de escutar a

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mesma história diversas fezes e a frequente repetição, por sua vez, contribui para que
determinados aspectos linguísticos sejam adquiridos enquanto outros são reforçados.
Diversas histórias contêm repetição natural do vocabulário principal e de estruturas
linguísticas importantes, o que auxilia os alunos a se lembrarem de cada detalhe. Isso também
faz com que eles aprendam a gradualmente anteciparem o que acontecerá na sequência
narrativa.
De acordo com Ellis e Brewster (1991, p. 2), acompanhar o significado da história e
antecipar a linguagem a ser utilizada são habilidades importantes na aprendizagem de línguas,
pois desenvolvem no aluno a noção geral do texto e a segurança de que eles são capazes de
compreender o enredo, ainda que não dominem o significado de todas as palavras em língua
estrangeira. Os autores apontam, também, para a oportunidade de o professor, a partir do
trabalho de contação de história, introduzir ou revisar a língua em contextos variados e
familiares, para enriquecer o vocabulário do aluno.
Assim, quando a criança ouve uma palavra desconhecida em uma frase, de resto
compreensível, e a escuta novamente em outra frase, começa a ter uma ideia do novo conceito
e, mais tarde, se sentirá à vontade para usar tal palavra. Uma vez que a tenha usado, a palavra
ou conceito já passa a lhe pertencer.
O significado é um traço constitutivo indispensável da palavra. Na contação de
histórias, as palavras em língua estrangeira podem assumir um significado claro, por estarem
dentro de um contexto significativo para as crianças.

Considerações finais

O ensino de uma língua estrangeira possibilita reflexões quando utilizada como área
do conhecimento na Educação Infantil, influenciando o desenvolvimento cognitivo, relacional
e acadêmico das crianças de 2 a 5 anos, além de expandir o conhecimento cultural dos alunos.
Neste trabalho discutimos a importância de atividades de contação de história para o
estímulo do aprendizado de uma língua estrangeira em sala de aula.

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