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Para além das charqueadas: estudo do padrão de posse de escravos no Rio Grande

do Sul, segunda metade do século XVIII

Helen Osório (UFRGS)

A estrutura de posse de escravos parece-nos uma variável fundamental para o


estudo comparado da escravidão nas diferentes regiões da América portuguesa e,
posteriormente, da sociedade escravista brasileira. Infelizmente não contamos, para o
estudo da escravidão no Rio Grande de São Pedro, com a principal fonte para este tipo
de análise, as listas nominativas. A inexistência desta rica fonte não deve servir de
empecilho para que não tentemos, com fontes alternativas, estudarmos o tamanho das
escravarias, as tarefas produtivas a que os cativos estavam submetidos e de que forma
sua propriedade estava distribuída entre a população livre.
Assim, substitutivamente, abordaremos a questão através uma amostra de
inventários post-mortem e de quatro relações de ocupantes de terras em distritos
próximos a Porto Alegre, de 1797, que listam estes ocupantes (proprietários e não
proprietários), especificando o número de escravos possuídos por cada um, bem como
os rebanhos, com o número de cabeças de cada tipo de animal.
Esta comunicação na verdade constitui-se em notas de uma pesquisa em
andamento, na qual adiantamos algumas conclusões parciais.
Em trabalho anterior1 realizamos uma análise das principais características da
estrutura agrária da capitania do Rio Grande do Sul no período de 1765-1825. Tal

1
OSÓRIO, Helen. Estancieiros, lavradores e comerciantes na constituição da estremadura portuguesa na
América. Rio Grande de São Pedro, 1737-1822. Niterói, Curso Pós-graduação em História, Universidade
Federal Fluminense. (tese de doutoramento). 1999.
estudo esteve muito baseado nas sugestivas e originais hipóteses de trabalho e
resultados da renovada historiografia argentina dos últimos anos2 especialmente para a
campanha de Buenos Aires, que em boa medida tiveram vigência e foram verificadas
em nosso trabalho. Entre as principais conclusões, que contrariam a visão tradicional de
uma paisagem agrária conformada apenas por grandes latifúndios pecuários manejados
por poucos e indômitos peões livres, indicamos uma presença majoritária de lavradores
dentre os produtores rurais; a existência de uma variada gama de criadores de animais,
que se iniciava com poucas dezenas de cabeças e alcançava rebanhos vacuns de
algumas milhares de cabeças (ainda que 68% dos proprietários possuíssem até 500
animais); o fato de que mais da metade das “estâncias” (definidas por nós como as
unidades produtivas com mais de cem cabeças vacuns), eram na verdade
estabelecimentos mistos, dedicados simultaneamente à pecuária e à agricultura
(especialmente do trigo e da mandioca); uma forte presença de mão-de-obra escrava,
não só na agricultura mas também na pecuária e, finalmente, que grande parte dos
denominados “lavradores” eram, também, pastores, criadores de pequenos rebanhos de
gado. Naquele trabalho abordamos a capitania como um todo, a partir de uma amostra
de 541 inventários, tomados de cinco em cinco anos. Aqui utilizaremos a mesma
amostragem.

Uma primeira aproximação comparativa com outras capitanias da América


portuguesa pode ser feita examinando-se o contingente da população escrava no Rio
Grande em relação às demais. Percebe-se que sua importância é similar a de muitas
consideradas predominantemente escravistas, como Bahia, Pernambuco e Rio de
Janeiro (quadro 1).

Quadro 1

População do Brasil, 1819


capitanias livres Escravos total % escravos
Pernambuco 270.832 97.633 368.465 26,5
Bahia 330.649 147.263 477.912 30,8

2
GARAVAGLIA, J.C. Pastores y labradores de Buenos Aires. Una historia agraria de la campaña
bonaerense 1700-1830. Buenos Aires, Ediciones de la Flor, 1999. GELMAN, J. Campesinos y
estancieros. Una región del Rio de la Plata a fines de la época colonial. Buenos Aires, Libros del Riel,
1998. MAYO, Carlos. Estancia y sociedad en la pampa 1740-1820. Buenos Aires, Biblos, 1995.

2
Rio de Janeiro e Corte 363.940 146.060 510.000 28,6
Minas Gerais 463.342 168.543 631.885 26,7
São Paulo 160.656 77.667 238.323 32,6
Rio Grande Sul 63.927 28.253 92.180 30,6
Brasil 2.488.743 1.107.389 3.596.132 30,8

Fonte: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatísticas Históricas, Rio de


Janeiro, IBGE, 1986, vol. 3, p. 30

Quadro 2
% da população escrava sobre a população total do Rio Grande do Sul, 1780-1807

ano % população escrava


1780 28,5
1791 28,0
1798 35,9
1802 35,3
1805 33,7
1807 30,4
Fonte: Mapas de população, Documentos manuscritos avulsos do Rio Grande do Sul, Arquivo
Histórico Ultramarino (AHU), Lisboa.

Entre 1780 e 1807, segundo os “mapas de população” disponíveis, o percentual


da população escrava oscilou entre 28 e 36%, como se observa no quadro 2, mantendo-
se numa faixa comum às capitanias com maior população escrava. Nenhuma
discrepância significativa, portanto, com o restante da América portuguesa. O confronto
com outras áreas meridionais das possessões lusitanas, como o Paraná, ressalta a
escravidão como uma característica estrutural da sociedade rio-grandense. Segundo
Gutiérrez3, em 1798 os escravos correspondiam a 20,3% da população paranaense. Na
região litorânea ela alcançava 23% e no planalto diminuía para 18,8%. Neste mesmo
ano, no Rio Grande de São Pedro, os cativos correspondiam a 35,9% da população, 15
pontos percentuais a mais. Estes percentuais oscilavam de 32,7% na “fronteira do Rio
Grande”, a 35,2% na região de Porto Alegre, chegando a 42,2% na “fronteira do Rio
Pardo”.

Iniciando a análise da estrutura de posse de escravos através dos inventários post

3
GUTIÉRREZ, Horacio. Crioulos e africanos no Paraná 1798-1830. Revista Brasileira de História. São
Paulo, v. 8 n° 16, pp. 161-188, mar-ago 1988. p. 163

3
mortem 4, temos que 87% dos inventariados eram proprietários de escravos. Como bem
observou Garavaglia5, os inventários são uma fonte socialmente determinada e sobre-
representam os setores mais ricos da sociedade, aqueles que tem algum bem a declarar.
Mas, certamente, os escravos estavam entre os bens relevantes que justificavam a
abertura de inventário. João Fragoso6, utilizando-se também de uma amostra de
inventários para o período de 1810 a 1830 para o Rio de Janeiro, importante área de
plantation produtora de açúcar, encontrou que 90% dos inventariados eram
proprietários de escravos, percentual muito semelhante ao do Rio Grande (87%). Este
percentual, por si só, elide a idéia de que os escravos, nesta capitania, alocavam-se
apenas na produção mais remuneradora e mais capitalizada, a do charque. Já
Garavaglia7 para a campanhha de Buenos Aires, também utilizando-se de inventários
(1750-1815) encontrou que 51% dos produtores rurais possuíam escravos.
Através do quadro 3 , que estabelece o tamanho dos plantéis e sua frequência no
meio rural8, pode-se observar que a grande maioria - 75% - dos proprietários de
escravos do Rio Grande possuía no máximo 9 cativos. Quase a metade dos proprietários
detinha até 4 escravos e os proprietários de até 9 escravos compunham três quartos de
todos os senhores, mas detinham apenas 35% dos cativos.
Quadro 3
Distribuição dos proprietários e escravos, por faixa de tamanho do plantel
meio rural, (1765-1825)

faixa de n° de % do total n° de escravos % do total de


tamanho do proprietários de escravos
plantel proprietários
1a4 176 48 430 14
5a9 99 27 640 21

4
A amostra constitui-se de 541 inventários, tomados de 5 em 5 anos e para todos os distritos do Rio
Grande, para o período de 1765-1825. Os inventários post-mortem encontram-se depositados no Arquivo
Público do Estadodo Rio Grande do Sul, Porto Alegre (APERGS) e a metodologia para a elaboração da
amostra encontra-se em OSÓRIO, Helen. Estancieiros, lavradores..., op. cit.
5
GARAVAGLIA, Juan Carlos. “Las “estancias” en la campaña de Buenos Aires. Los medios de
producción (1750-1815).” In: FRADKIN, Raúl O. (org.) La historia agraria del Río de la Plata colonial.
Los establecimientos productivos (II). Buenos Aires: Centro Editor de América Latina, 1993, p. 125.
6
FRAGOSO, João Luís Ribeiro. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça
mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1992. p. 76.
7
GARAVAGLIA, Juan Carlos. “Las “estancias” en la campaña de Buenos Aires. Los medios de
producción (1750-1815).” In: FRADKIN, Raúl O. (org.) La historia agraria del Río de la Plata colonial.
Los establecimientos productivos (II). Buenos Aires: Centro Editor de América Latina, 1993.
8
Excluiu-se da amostra aqueles inventários exclusivamente urbano, ou seja, que não referiam nenhum
bem relacionado à produção agrícola ou pecuária, como terras, animais e instrumentos de trabalho.

4
10 a 19 60 16 821 27
20 a 49 25 7 703 23
50 ou mais 7 2 416 14
Total 367 100 3010 100

Fonte: 367 inventários post-mortem, 1765-1825, Arquivo Público do Estado do Rio Grande do
Sul

No Rio Grande, predominaram os plantéis de até 4 escravos (48%); na verdade


75% dos proprietários detinham no máximo nove escravos, o que para o restante da
América portuguesa os classificaria como pequenos proprietários escravistas. Esta
distribuição difere muito da existente no Rio de Janeiro, estudada por Fragoso. Os
plantéis de 1 a 4 escravos oscilaram, no período de 1790-1830, entre apenas 10 e 20%
dos proprietários, enquanto a faixa de 20 a 49 oscilou entre 14 e 27% das posses. A
maior parte dos senhores de cativos no Rio possuía entre 10 e 19 escravos (esta faixa
concentrou entre 21 e 39% dos proprietários)9. Se a proporção de proprietários de
escravos foi muito semelhante entre o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul, a situação
modifica-se bastante quando se observa a distribuição dos cativos entre seus
proprietários. O padrão rio-grandense foi o dos pequenos plantéis.
Outro aspecto a ressaltar é que os escravos vivenciavam o cativeiro em pequenos
plantéis: 35% deles viveram em plantéis de até 9 escravos e 67% em plantéis de até 19
escravos. Apenas 14% dos cativos conviveram em grupos de mais de 50 escravos.
Como relacionar este padrão às atividades produtivas dirigidas pelos
proprietários e desenvolvidas pelos escravos? Já mencionamos que no estudo anterior
foi determinado que pelo menos dois terços dos produtores de gado que posssuíam mais
de cem cabeças praticavam também a agricultura: possuíam unidades produtivas mistas.
Como, através desta fonte, é muto difícil avaliar a extensão da prática da agricultura
(espécies e extensão dos cultivos), a hierarquização possível desses produtores foi feita
pelo número de cabeças de gado. Encontramos, então, que os criadores de mais de cem
cabeças de gado vacum possuíam em média onze escravos. O grupo que possuía entre
100 e 1.000 cabeças detinha uma média de 7 escravos, e os que tinham rebanhos de
mais de mil reses detinham 22 escravos em média. Estes plantéis médios são bem

9
FRAGOSO, João Luís Ribeiro. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça
mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1992. p. 80.

5
superiores ao que tradicionalmente supôs-se necessário para o tipo de agricultura e
pecuária praticadas nos campos sulinos. Já os detentores de menos de 100 cabeças de
gado vacum, que denominamos de lavradores-pastores, possuíam a média de 3
escravos. Tanto os “estancieiros” (criadores de mais de cem animais vacuns) quanto os
pastores-lavradores praticava basicamente o cultivo de trigo e mandioca e criavam
equinos. Apenas os mais ricos estancieiros dedicavam-se também à produção de muares
e a cria de ovinos.
Os grandes proprietários de escravos do Rio Grande presentes na amostra são os
charqueadores, que detém em média 40 escravos, variando suas posses entre 15 e 68
cativos. Na Bahia, os senhores de engenho tinham, em média, 66 escravos10, número
bem superior ao dos charqueadores. Já nos distritos baianos do Recôncavo dedicados ao
cultivo da mandioca, o número médio de escravos por proprietário era de 4,5 -
quantidade também significativamente superior aos 3,3 escravos dos pastores-
lavradores sulinos.
A análise dos inventários indicou, portanto uma alta freqüência da propriedade
escrava entre os inventariados, mas em pequenos plantéis. Schwartz conclui seu
trabalho sobre a propriedade de escravos na Bahia afirmando: “a escravidão no Brasil
distribuía-se largamente entre a população livre, constituindo-se na base econômica da
sociedade como um todo e em uma forma de investimento extremamente comum e
acessível”. Mais, que a aquisição de cativos por pessoas de poucos recursos indicam
que a mão-de-obra escrava “era barata, relativamente abundante, fácil de obter e, mais
importante, fácil de repor”. Por isso a “ubiquidade” da propriedade de escravos mesmo
entre ex-escravos, os forros11. Nesses aspectos, o Rio Grande de São Pedro não se
apresenta como exceção; pelo contrário, confirma as conclusões de Schwartz.
Utilizando uma fonte mais próxima das listas nominativas, os róis de
confessados, Kuhn analisou a população de Viamão em 1751, quando a capela tinha
apenas pouco mais de 700 habitantes e 136 fogos. Encontrou uma população escrava de
origem africana que correspondia a 45% do total, além de 3,2% de índios
administrados. Os campos de Viamão, quatorze anos após a fundação do presídio de
Rio Grande (1737), possuíam uma proporção de escravos semelhante a das zonas

10
SCHWARTZ, S. Segredos internos. São Paulo: Cia. das Letras, 1988, p. 361

6
mineradoras ou de plantation! Naquele momento estavam estabelecendo-se as primeiras
estâncias de criação. Após a invasão espanhola de 1763, sua população será reforçada
por parte dos habitantes de Rio Grande que aí se refugiaram. Em 1778, a população
escrava diminuiu para 40,5% do total, estando presente em 65% dos fogos, ou unidades
censais12. A escravidão aparece, portanto, como uma característica estrutural da região,
ainda no que poderíamos chamar de período formativo.
Passemos agora à análise das “relações de moradores e seus estabelecimentos”,
elaboradas em 1797, existentes apenas para quatro distritos e freguesias: Viamão, Caí,
Nossa Senhora dos Anjos e Porto Alegre. Trata-se de um levantamento das áreas rurais,
excluindo as urbanas, que lista todos os proprietários ou ocupantes de terras (há muitos
chefes de domicílio que “vivem a favor” de outros proprietários), os tipos de rebanhos
possuídos e sua quantidade e o número de escravos. Além de uma parte da área rural de
Porto Alegre, todos os outros distritos/freguesias situam-se no seu entorno, nos
arredores da capital, nos quais predominavam a agricultura e a criação de animais de
médio porte, se comparado com outras freguesias da capitania. Em nenhuma delas
houve registro de charqueadas.

Quadro 4 - Distribuição dos proprietários e escravos, por faixa de tamanho do


plantel
Viamão, 1797

faixa de n° de % do total n° de escravos % do total de


tamanho do proprietários de escravos
plantel proprietários
1a4 97 63,4 199 29,7
5a9 39 25,5 237 35,4
10 a 19 15 9,8 180 26,9

11
SCHWARTZ, S. Segredos internos. São Paulo: Cia. das Letras, 1988, p. 368-370.
12
KUNH, Fábio. “Gente da fronteira: sociedade e família no sul da América portuguesa – século XVIII”.
In: GRIJÓ, KUHN, GUAZZELLI e NEUMANN (org.). Capítulos de história do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre, Editora da UFRGS, 2004. p. 47-74.; p. 50-55.

7
20 a 49 2 1,3 54 8,0
Total 153 100,0 670 100,0
Fonte: Viamão: "Relação de estancieiros e mais moradores que possuem terras nesta freguesia
da Conceição de Viamão em 30 de junho de 1797." Códice 1198-A, AHRS
Viamão tinha 202 estabelecimentos rurais, dos quais 75,7% contavam com
escravos (proporção mais alta do que a encontrada por Kuhn com os róis de confessados
para o ano de 1778). Em quase todos as unidades refere-se a prática da agricultura, com
a expressão “usa de toda a planta”. Quando os cultivos são especificamente
mencionados, os mais comuns são o trigo e a mandioca, seguidos pelo milho, feijão e o
algodão. Os grandes proprietários de rebanhos, com mais de mil reses, são apenas sete e
todos eles possuem, no mínimo, 10 escravos cada um. Dentre eles situam-se os dois
maiores plantéis e rebanhos: 32 escravos e 9 mil reses, e 22 escravos e seis mil reses.
No entanto, estes grandes estancieiros estavam rodeados de pequenos produtores
escravistas. 89% dos proprietários detinham até 9 escravos e 28% do total tinham um
único escravo. Estes 89% dos proprietários detinham 65% do total de escravos (670). O
número médio de escravos nesta freguesia era de 4,4 e a moda 1.

O distrito de Caí diferencia-se da freguesia de Viamão por ter


proporcionalmente mais escravos – o tamanho médio do plantel sobe para 6,8 – e por
uma maior concentração da propriedade escrava. Do conjunto de 89 produtores, 76,4%
possuíam escravos. Esta é a única localidade em que os proprietários da faixa de mais
de 20 cativos ultrapassa 2,4% dos proprietários, sendo de 7,4%. A faixa de 1 a 9
escravos concentra em Caí apenas 36,3% da escravaria, enquanto em Viamão concentra
65%, em Anjos 54% e em Porto Alegre chega a 75%. Os grandes estancieiros, com
mais de mil reses, são os maiores proprietários de escravos também: eles possuem em
média 21 cativos. Destaca-se, depois deles, os proprietários de olarias, em número de
sete, e que controlavam 20% do total da escravaria e tinham o número médio de 13
escravos. Já os pastores-lavradores tinham em média 6 escravos neste distrito.

Quadro 5 - Distribuição dos proprietários e escravos, por faixa de tamanho do


plantel
Caí, 1797

8
faixa de n° de % do total n° de escravos % do total de
tamanho do proprietários de escravos
plantel proprietários
1a4 41 60,3 89 19,2
5a9 10 14,7 79 17,1
10 a 19 12 17,6 165 35,6
20 a 49 5 7,4 130 28,1
Total 68 100,0 463 100,0
Fonte: “Relação de moradores do distrito do Caí e de seus estabelecimentos. 3 de Agosto de
1797, tenente José de Azevedo e Sousa.” Códice 1198-A, AHRS

A freguesia de Nossa Senhora dos Anjos possui o menor percentual de


produtores rurais com propriedade de escravos: 65,2%, enquanto as outras andavam na
faixa dos 76%. O fato de nesta freguesia haver uma “aldeia de índios”, ainda que
decadente, provavelmente explique esta diminuição de proprietários escravistas, por um
maior acesso a uma mão-de-obra livre. Contrastando com esta situação, esta é a única
freguesia em que há um morador com um plantel de mais de 50 escravos: João Pereira
Chaves era proprietário de 83 escravos (17,5% dos escravos da freguesia), e possuía
além de mil reses, criação de equinos, ovinos e mulares.13 No entanto, 88,3% dos
proprietários detinham até 9 cativos, representando 54,1% de todos os escravos. O
tamanho médio dos plantéis era de 5,5 escravos e se desconsiderarmos o grande
escravista esta média baixa para 4,5.

Quadro 6 - Distribuição dos proprietários e escravos, por faixa de tamanho do


plantel
Nossa Senhora dos Anjos, 1797

faixa de n° de % do total n° de escravos % do total de


tamanho do proprietários de escravos
plantel proprietários
1a4 52 60,5 99 20,9
5a9 24 27,8 157 33,2
10 a 19 8 9,3 106 22,4
20 a 49 1 1,2 28 6,0
13
O inventário deste proprietário foi aberto um ano depois, em 1798. Aí constam apenas 61 escravos,
mas seu rebanho vacum aparece como sendo de 2.700 reses. Pelo inventário ficamos sabendo que em
suas terras havia produção de trigo, mandioca e possuía os equipamentos para seu beneficiamento.
Constava, ainda 20 foices de trigo, 4 arados e 40 bois lavradores, o que pode dar uma idéia do número de
escravos envolvidos no seu cultivo. Invnetário de João Pereira Chaves, 1798, !° cartório órfãos Porto
Alegre, AHRS.

9
50 ou mais 1 1,2 83 17,5
Total 86 100,0 473 100,0
Fonte: "Moradores da freguesia de Nossa Senhora dos Anjos que possuem estâncias ou outros
quaisquer estabelecimentos por sesmaria, escrituras ou títulos legítimos e ainda sem eles, em 12
de julho de 1797 anos." Códice 1198-A, AHRS

Por fim temos uma relação de Porto Alegre, muito parcial, que abarca apenas
130 produtores, dos quais 99 possuíam escravos. Confrontando o total de escravos
listados, 339, com um mapa de população de 1798, temos que aí estão representados
apenas 25% dos escravos da capital da capitania. Não há maiores detalhes na relação,
mas é de se supor que ela seja de um dos distritos rurais da capital. Feita esta ressalva,
temos que 76% dos produtores possuíam escravos, com um plantel médio de 3,4
cativos. Os proprietários de apenas um escravo são 32% dos senhores, e aqueles que
detém até 9 escravos são nada menos que 93% do total de proprietários, controlando
74,7% da escravaria. Neste distrito de Porto Alegre não existia plantel de mais de 20
escravos, sendo o maior de apenas 15 cativos. Das quatro localidades analisadas, esta é
a que apresenta os menores plantéis, ainda que a propriedade de cativos estivesse
bastante disseminada (76%), tanto quanto em Viamão e Caí. Como especialização
produtiva, destaca-se a presença de atafonas, em 3 propriedades; estes estabelecimentos
possuíam em média 7 cativos, enquanto os detentores de rebanhos de menos de cem
cabeças tinham plantéis médios de 3,4 cativos (a mesma média do distrito). De 130
produtores, apenas cinco tem mais de cem reses. O distrito é tipicamente conformado
pelos pastores-lavradores: praticamente todos dedicavam-se às lavouras, sendo
freqüentes as referências, também, às casas, currais e “árvores de espinho”. A área de
Porto Alegre foi sempre identificada como uma região de predomínio de mão-de-bra
familiar, devido à presença dos casais açorianos. O estudo da estrutura da posse de
escravos traz fortes indicativos de que, no mínimo, a mão-de-obra escrava era
complementar à mão-de-obra familiar.

Quadro 7 - Distribuição dos proprietários e escravos, por faixa de tamanho do


plantel
Porto Alegre, 1797

faixa de n° de % do total n° de escravos % do total de

10
tamanho do proprietários de escravos
plantel proprietários
1a4 76 76,8 147 43,4
5a9 16 16,2 106 31,3
10 a 19 7 7,0 86 25,3
Total 99 100,0 339 100,0
Fonte: Códice 1198-A, fls. 9 a 17. AHRS
Como observações finais, podemos afirmar que a análise da estrutura de posse
de escravos através das quatro “relações de moradores” corrobora os resultados antes
obtidos com a amostra de inventários. A capitania do Rio Grande de São Pedro,
excluídas suas áreas urbanas, que não foram objeto de análise, apresentou um alto
índice de disseminação da propriedade de escravos entre a população livre: de 87%
(amostra de inventários para toda a capitania, no período 1765-1825) a 76% ( Viamão,
Caí, Porto Alegre em 1797) e 65% (Nossa Senhora dos Anjos, 1797). Se na amostra os
pastores-lavradores (aqueles com menos de 100 cabeças de gado vacum) detinham um
plantel médio de 3,3 escravos, uma média bastante abstrata por abarcar um período de
60 anos e todas as localidades do Rio Grande, as “relações” fornecem dados mais
concretos, expressando a diversidade da estrutura agrária entre as áreas: 2,7 cativos em
Viamão, 6,1 em Caí, 3,4 em Porto Alegre e 3,2 em Nossa Senhora dos Anjos. Com a
exceção de Caí, as outras médias aproximam-se bastante daquela obtida com os
inventários.
Confrontando estes resultados com outras áreas do sul da América portuguesa, o
Rio Grande destaca-se com um peso da escravidão bem superior. No estudo de Luna
para 25 localidades paulistas, tem-se que para 1777 e 1804 o percentual de fogos com
escravos era de apenas 24%, uma proporção muito distante da que encontramos para as
freguesias rio-grandenses, mesmo considerando que no estudo de Luna estão
englobados os aglomerados urbanos, que não estão contemplados em nossa análise. O
número médio de escravos por fogo no oeste paulista foi de 1,93, no vale do Paraíba
1,43, atingindo 2,3 cativos no litora, no ano de 180414, também bastante modestos. Para
Sorocaba, Bacellar determinou que em 1772 apenas 22,5% dos domicílios de lavradores
possuíam escravos. Na mesma localidade, em 1810, o percentual total de domicílios que

14
LUNA, Francisco Vida. São Paulo: população, atividades e posse de escravos em vinte e cinco
localidades (1777-1829). Estudos Econômicos, São Paulo, 28(1): 99-169, jan-mar 1998. p. 104

11
abrigavam escravos (e não apenas de lavradores) ficou em 20,4%, com um plantel
médio de 5,4 cativos.15
Já em Guarapuava, Paraná, na primeira metade do século XIX a presença
escrava é também modesta: em 1828 apenas 29,1% dos domicílios tem escravos e em
1835 o percentual desce para 20,3%, com um tamanho médio de plantel de 2,7
escravos, para os dois anos. Somente em 1840 a escravaria média será de 3,6 cativos 16.
Nas freguesias e distritos analisados do Rio Grande em 1797, o plantel médio foi
de 4,8 escravos, variando entre 3,4 (Porto Alegre) a 6,8 cativos (Caí). Tal número
médio em geral foi semelhante ou superior a de outras áreas produtoras de alimentos da
América portuguesa, em especial as meridionais.
Para além das charqueadas, pois elas não estão presentes nas áreas estudadas
com as “relações de moradores”, a escravidão esteve amplamente difundida no campo
rio-grandense, fosse na agricultura, fosse na pecuária, marcando sua estrutura agrária e
moldando sua sociedade, numa magnitude até agora insuspeitada.

15
BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. Viver e sobreviver em uma vila colonial. Socorocaba, séculos
XVIII e XIX. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2001. Respectivamente, pp. 129 e 144.
16
FRANCO NETTO, Fernando. População, escravidão e família e Guarapuava no século XIX. Curitiba:

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