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O sentido da ação direta

Eduardo Colombo

A greve ou é uma revolta ou uma enganação.


La Revolté, 1887

A ação direta está enraizada profundamente no solo da ajuda mútua.


A solidariedade é a base da organização operária; é coletivamente
que os explorados podem se libertar e, ao unir suas forças, acabam por impor aos
poderosos suas reivindicações: uma sociedade livre e justa, a abolição do salário, o
nivelamento das hierarquias e das fortunas.
Entre a realidade da exploração cotidiana e a aspiração a uma transformação
radical da sociedade, há muito espaço para a organização e a luta. O último século,
apesar de revoltas e revoluções, viu surgir, em sua segunda metade, até se tornar
hegemônico, um sindicalismo reformista de colaboração entre classes, que exige
o arbítrio do Estado e a intervenção da representação parlamentar, sempre pronta
para estabelecer ou não cumprir uma lei; um sindicalismo integrado ao regime
estabelecido.
Ao se esquecer da ação direta, o movimento operário de hoje se encontra tra-
vado pelos ferros do legalismo, impotente após deixar nas mãos de uma burocracia
de representações sindicais a direção da luta, condenado a greves corporativas e
manifestações simbólicas, oferecendo um medíocre contraponto à classe domi-
nante. Esse sindicalismo rejeita e até mesmo reprime o sentido profundo implícito

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à reivindicação ou à revolta dos explo- nal desde sua fundação, na reunião de


rados: a transformação radical da so- St. Martin’s Hall, em setembro de 1864,
ciedade. até a Conferência de Londres, de se-
Outras modalidades de ação social, tembro de 1871.
econômica e política começaram a sur- Quando Karl Marx redige os Es-
gir desde os primeiros passos do pro- tatutos Provisórios (Provisional Rules)
letariado militante, modalidades que no fim de outubro de 1864, a ques-
priorizavam o federalismo e a autono- tão conflitante passou desapercebida,
mia das organizações de classe funda- mas ela estava destinada a se ampliar
das sob a consciência que “a emanci- até produzir a cisão da Internacional.
pação dos trabalhadores deve ser obra Marx estava bastante satisfeito com sua
dos próprios trabalhadores”1. A ação intervenção naquele outono londrino,
direta, assim, se tornou logo a alma do e, em 4 de novembro, ele escreve uma
ramo antiautoritário da Primeira In- longa carta a Engels dizendo que todas
ternacional, para depois se consolidar suas proposições foram aceitas pelo
no sindicalismo revolucionário e no subcomitê encarregado de redigir os
anarquismo. estatutos, mas que se sentiu obrigado
Ainda e sempre permanece aberto a incluir somente algumas frases sobre
um caminho para os explorados – se- “direitos” e “deveres” e também sobre
gundo Bakunin –, “o de (sua) eman- “moral e justiça” a pedido dos france-
cipação pela prática. O que pode e ses. De qualquer modo, ele afirma, elas
deve ser essa prática? Somente uma: a foram colocadas de tal maneira que
luta solidária dos operários contra os não possam prejudicar o conteúdo do
patrões”2. texto3.
A ideia e a prática da ação direta O verdadeiro motor operário, no
foram elaboradas no conflito que per- entanto, que fez arrancar a Internacio-
nal se encontrava nas oficinas de Paris,
correu sub-repticiamente à Internacio-
e os companheiros que vão à reunião
1 Primeiro princípio do Preâmbulo aos es-
tatutos da Internacional, adotado pelo primeiro
de St. Martin’s Hall, Henri Toulain, fer-
Congresso Geral da AIT (Genebra, 1866). reiro, Perrachon e A. Limousin, tece-
2 L’Égalité, n. 30, 14 de agosto de 1869. Ver lão, já tinham em mente seu projeto de
os artigos de Mikhail Bakunin sobre “a política associação internacional.
da Internacional”, em Le socialisme libertaire,
textos organizados por Fernand Rude (Paris: 3 Carta a Engels, 4 de novembro de 1864.
Denoël, 1973). (N.T.: No Brasil, esse artigo pode Essa carta termina com um elogio a Bakunin,
ser lido no seguinte volume: Os Enganadores; A que, de passagem em Londres, na véspera, visi-
Política da Internacional; Aonde Ir e o que fazer, tou Marx antes de partir para a Itália para com-
Editora Imaginário, 2008.) bater Mazzini.

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A pena de Marx firmará no Preâm- de maneira confusa, que a organização


bulo as grandes ideias que Toulain ha- operária exercia ela mesmo a ação po-
via desenvolvido em seu discurso4. lítica sem delegá-la a um partido polí-
Lê-se nos princípios desse Preâm- tico, sempre acessível aos burgueses, a
bulo aos Estatutos Provisórios5: uma tomada prévia do poder. Essa po-
sição sobre a política da Internacional
Que a submissão econômica do tra- que será defendida por Bakunin nas
balhador aos detentores dos meios de páginas de L’Égalité, em 1869.
produção, ou seja, as fontes da vida, é a Sem dúvida, Marx a interpretou
causa primeira de sua servidão política, como uma afirmação da indispensá-
moral, material (of servitude in all its for- vel organização da classe operária em
ms, of all social misery, mental degrada- partido político como meio necessário
tion, and political dependence);
para a conquista do poder político.
Que a emancipação econômica dos tra-
A tradução francesa ajudará na
confusão, afinal – provavelmente sem
balhadores é consequentemente o gran-
intenção política precisa ou em função
de fim ao qual todo movimento político
do clima ideológico que reinava em Pa-
deve estar subordinado como meio (as
ris – o texto, mais conciso, modifica ou
a means).
suprime algumas palavras, o que leva à
seguinte formulação:
O texto original inglês foi traduzi-
do rapidamente para o francês em Paris
Que a submissão do trabalhador ao ca-
“por um amigo de confiança” (janeiro
pital é a fonte de toda servidão: política,
de 1865). Mas a frase sobre a ação po-
moral e material;
lítica abriu espaço para diferentes in- Que, por essa razão, a emancipação eco-
terpretações: para militantes operários nômica dos trabalhadores é o grande
ingleses e sobretudo franceses e suíços, fim ao qual deve estar subordinado todo
a subordinação da política à emancipa- movimento político.
ção econômica significava, talvez ainda
4 Ver Edouard Dolléans, Histoire du A expressão “como meio” desapa-
mouvement ouvrier, em três tomos (1836 a 1953).
receu. Sem dúvidas, a versão francesa
Tomo I: 1830 a 1871, sexta parte: La première
Internacional. Paris: Armand Colin, 1948. dá ênfase sobre a natureza dependen-
5 Ver James Guillaume, L’Internationale, te de todo movimento especificamente
vol. I. Genève: Grounaer, 1980, p. 9-13. (N.T.: No político em relação à emancipação da
Brasil, há tradução desse livro sob o título de A
Internacional, lançada pela Editora Imaginário, classe explorada.
em 2009.) Devido a essa leitura, Marx ficou

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contrariado, provavelmente até irrita- (1869) em relação a duas minorias,


do, e, como diz G.D.H. Cole em sua proudhoniana e marxista –, a resolu-
história do pensamento socialista6, vai ção que impunha a todos a opinião de
acusar os “anarquistas” de tê-lo feito Marx e Engels, os quais afirmavam que
de propósito com a intenção de des- os estatutos de 1864 implicavam na ne-
viar a Internacional de sua finalidade. cessidade da ação política e da adoção
Mas, quando os Estatutos Provisórios do princípio da conquista prévia do
foram modificados e aprovados pelo poder, foi encarada como um verda-
Congresso de Genebra, em 1866, os deiro golpe de Estado. O que não esta-
Considerações foram votadas também va muito longe do espírito do próprio
em sua versão francesa. James Guillau- Marx: ele “escreve em Bolte, em 22 de
me escreveu sobre essa questão: “devo novembro de 1871, que o Conselho ge-
dizer que, quanto a meus amigos das ral tinha ‘finalmente aplicado o golpe
Seções suíças e eu mesmo, nós não sa- preparado há tempos’”9.
bíamos até 1870 ou 1871 que a versão A resolução IX sobre “a ação políti-
inglesa das Considerações diferia, em ca da classe operária” diz em sua parte
alguns pontos, da versão francesa”7. central10:
As resoluções da Conferência de
Londres, que aconteceu nos dias se- Considerando além disso:
Que, contra o poder coletivo das classes
guintes à Comuna, não deixam qual-
dominantes, o proletariado não pode
quer espaço para concepções diver-
agir como classe se não se constituir
gentes sobre a forma da ação política e,
como partido político distinto, oposto a
além disso, menosprezam a autonomia
todos os antigos partidos formados pe-
das federações8. Para muitos daqueles
las classes dominantes...
que pertenciam à tendência federa-
lista e antiautoritária – e que tinham
Cerca de um ano depois, quando
sido maioria no congresso de Basileia
se reúne o quinto congresso da Inter-
6 G.D.H. Cole, Historia del pensamento
socialista. Vol. II: Marxismo y anarquismo.
nacional em Haia (2-7 setembro de
México: 1958, p. 102. 1872), o conflito entre as duas tendên-
7 James Guillaume, op. cit., p. 11. cias é aberto. Marx não tolera mais a
8 Sobre a falta de representatividade e a influência crescente de Bakunin e a
composição da Conferência de Londres, ver
9 Citado por Arthur Lehning, De Buonar-
Mémoire de la Fédération Jurassienne, in: James
roti à Bakounine. Paris: 1977, p. 280.
Guillaume, L’Internationale, op. cit., vol. I, p.
192, e o discurso de Anselmo Lorenzo em El 10 Ver James Guillaume, op. cit., vol. I, p.
Proletariado Militante. 202-203

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importância que adquirem as ideias Na sessão de 6 de setembro, foi


federalistas e antiestatistas no seio da proposto, como estava na ordem do
organização internacional dos traba- dia, inserir “a resolução IX” nos Esta-
lhadores11. Assim, esse quinto con- tutos Gerais. A maioria circunstancial
gresso, inteiramente manipulado pelo do congresso aprovou a moção modifi-
cando a parte final como se segue13:
Conselho Geral, terá a tarefa de impor
à Internacional as resoluções da Con-
Os senhores da terra e do capital se ser-
ferência de Londres12.
vem sempre de seus privilégios políticos
11 Carta de Bakunin a Anselmo Lorenzo para defender e perpetuar seus mono-
(maio de 1872): “Desde 1868, época de minha
entrada na Internacional, eu iniciei em Genebra pólios econômicos e sujeitar o trabalho;
uma cruzada contra o princípio da autoridade e a conquista do poder político se torna,
preguei a abolição dos Estados, envolvendo na
mesma maldição essa autoproclamada ditadura
então, o grande dever do proletariado.
revolucionária que os jacobinos da Internacional,
os discípulos de Marx, nos recomendam como Os internacionalistas antiauto-
um meio provisório, absolutamente necessário,
afirmam eles, para a consolidação e a organização ritários, chamados de anarquistas,
da vitória do povo. Sempre pensei e penso que tal considerando-se os continuadores do
ditadura, ressurreição inesperada do Estado, não
pode ter outro efeito que não seja o de matar a espírito fundador da Internacional, se
vitalidade e o poder realmente populares da rev- reúnem imediatamente em Zurique
olução. Estes são os princípios que propaguei. No
e se dirigem a Saint-Imier, onde, em
Congresso de Basileia, tivemos uma vitória que
poderia se dizer completa, não somente sobre os 15 de setembro, se reúne o Congresso
proudhonianos doutrinários e pacíficos, os indi- Internacional por iniciativa dos italia-
vidualistas ou os socialistas-burgueses de Paris,
mas também sobre os comunistas autoritários nos. Os delegados que se encontram
da escola de Marx. Isso que Marx nunca pode no Congresso de Saint-Imier (15-16
nos perdoar, porque, logo após o Congresso, ele
de setembro de 1872) são da Federa-
e os seus começaram uma guerra contra nós que
tende a nada além de nossa destruição completa.” ção Espanhola, vindos de Haia: Farga
In: A. Lehning, op. cit., p. 277. (N.T.: Essa carta, Pellicer, Alerini, Morago e Marselau;
junto com outros textos de autoria de Bakunin,
está presente na edição dos Escritos contra Marx, os membros da Federação Italiana: Ca-
publicada pela Editora Imaginário, 2014.) fiero, que estava em Haia como indiví-
12 O congresso vota também pela expulsão duo, e outros que se encontravam em
de Bakunin e Guillaume. A minoria subscreve
uma declaração de defesa da autonomia das fed-
Zurique: Malatesta, Bakunin, Costa,
erações. As federações jurassiana e espanhola, Nabruzzi e Fanelli; aqueles nomeados
bem como outros delegados faziam parte da mi-
para a declaração da minoria, que se torna, as-
noria. A federação italiana se recusa a enviar del-
sim, maioria da Associação Internacional dos
egados. Nos meses seguintes, em seus congressos
Trabalhadores.
nacionais, as seções inglesa, belga e holandesa
rejeitam as conclusões de La Haye e se voltam 13 James Guillaume, op. cit., vol. I, p. 540.

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O sentido da ação direta

pela Federação Jurassiana: Guillaume vernos existentes de hoje;


e Schwitzguébel, mais dois delegados 3o – Que, retomando todo compromis-
de outros seções proibidas de existir na so para chegar à realização da Revolução
França, além de uma delegação das se- Social, os proletários de todos os países
ções norte-americanas14. devem estabelecer, fora de toda política
A primeira resolução do Congres- burguesa, a solidariedade da ação revo-
so foi a defesa da autonomia das Fede- lucionária.
rações e das seções, adotada por una-
nimidade. Autonomia que se exprime Essa declaração é que funda, ou que
diante das pretensões autoritários e ja- institui, o ramo antiautoritário da Pri-
cobinas de não se sabe qual Conselho meira Internacional, e é sobre ele que
Geral e que deve ser reconhecida tam- se desenvolverá internacionalmente o
bém em relação aos Congressos des- anarquismo social e revolucionário.
tinados a trocar e harmonizar, se pos- Os argumentos contrários àqueles
sível, as posições, “mas sob qualquer acusados de “abstencionistas” na polí-
hipótese a maioria de um Congresso tica repousam sobre um mal entendi-
qualquer não poderá impor suas reso- do ou má fé, porque os antiautoritários
luções sobre uma minoria”. nunca negaram a capacidade política
A terceira resolução, “Natureza da ação operária ou de classe, mas sim
da ação política do proletariado”, indo combateram a delegação da luta polí-
contra a resolução de Haia: tica a uma organização que não seja a
organização de classe. Eles se opõem à
O Congresso reunido em Saint-Imier representação parlamentar e ao com-
declara: promisso eleitoralista, que estão na na-
1o – Que a destruição de todo poder po- tureza de todo partido que ambiciona
lítico é o primeiro dever do proletariado; o “poder político” entendido como um
2o – Que a organização de um poder órgão central de governo, ou seja, um
político que se diga provisório e revolu- Estado. A conquista prévia do poder
cionário para acelerar tal destruição não central enquanto condição necessária
passa de um engano e será tão perigoso para a mudança revolucionária da so-
para o proletariado quanto todos os go- ciedade e a organização subsequente
de um “poder político autoproclamado
14 O congresso seguinte ao ramo antiauto-
ritário (o VI na cronologia da Primeira Interna- provisório e revolucionário” são o meio
cional) se reunirá em Genebra, em setembro de mais certo de se estabelecer uma nova
1873, com a presença das federações da Espanha,
Holanda, Inglaterra, Bélgica, Suíça, França e elite, parar a revolução e permanecer
Itália. no velho mundo. Assim compreende-

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ram os anarquistas uma verdade que a cional, virá o reconhecimento da força


história mostrou sem qualquer pudor. potencial que se encerra na greve se ela
Sobre esses dois pilares – a inquie- se torna uma ação conjunta e solidá-
tante autonomia de decisões tomadas ria da classe explorada, que será justa-
na base, sem chefes nem dirigentes, e mente a concretização da ação direta: a
sua consequência, a não-delegação da greve geral16. Adhémar Schwitzguébel,
vontade operária a representantes po- “precursor do sindicalismo revolucio-
líticos -, constrói-se a noção de ação nário”, como o nomeou Guillaume, es-
direta. creveu em 1874: “A ideia de uma greve
Além disso, a ação direta não se geral dos trabalhadores, que acabará
limita a essas duas proposições, como com as misérias que lhes ocorrem, co-
um método: há alguma coisa em sua meça a ser seriamente discutida pelas
ideia, um sopro profundo que a carre- associações operárias”17. Na França,
ga e que é essa consciência espontânea quando o movimento operário começa
que, por natureza, não concerne à le- a se reorganizar depois da feroz repres-
galidade; há em seu horizonte as luzes são que se segue à Comuna, diversos
da emancipação, a mudança radical da congressos votaram pelo princípio da
sociedade, a revolução social. greve geral, às vezes ao mesmo tempo
Os internacionalistas de Saint- que o recurso ao parlamento, sem che-
-Imier já tinham dito15: “A greve é para gar a tirá-la de seus mentores políticos.
nós um meio precioso de luta, mas Em 1884, uma lei outorga aos tra-
não temos qualquer ilusão sobre seus balhadores o direito de se organizar em
resultados econômicos. Nós a vemos sindicatos e cria também a obrigação
como um produto do antagonismo de declarar isso à polícia, o que não é
entre o trabalho e o capital, [e porque 16 A ideia de greve geral encontra seus an-
ela permite] preparar, por simples lu- tecedentes nas primeiras organizações corpora-
tivas do proletariado industrial inglês, que, em
tas econômicas, o proletariado para a 1834, tenta por esse meio, sem qualquer inter-
grande luta revolucionária e definitiva venção parlamentar, impor as 8 horas de trab-
alho nas usinas. Os cartistas defenderão o social-
que, destruindo todo privilégio e toda ismo operário, o internacionalismo de classe e a
distinção de classe, dará ao operário o greve geral. Ver Édouard Dolléans, op. cit., tomo
I: 1830 a 1871.
direito de gozar do produto integral de
17 Relato do V Congresso da Federação dos
seu trabalho...”. Operários Gravuristas e Guillocheurs, ocorrido
Nessa linha traçada pelas seções em La Chaux-de-Fonds, em 17, 18 e 19 de maio
antiautoritárias da Primeira Interna- (1874). Jean Maitron, Le mouvement anarchiste
en France. Des origines à 1914. Paris: F. Maspero,
15 James Guillaume, op. cit., vol. II, p. 9. 1975, vol. 1, p. 281-282.

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O sentido da ação direta

bem aceito por todos18. Os socialistas, do Primeiro de Maio um símbolo do


partidários da organização política, se confronto sem concessões com a bur-
esforçam para federar os grupos cor- guesia. A agitação e as greves pelas 8
porativos sob dependência do partido. horas darão um impulso crescente a
Assim, a partir do congresso de Lyon, todos que defendem a ação direta. A
em 1886, a Federação dos Sindicatos partir de 1886, Joseph Tortelier, do sin-
Operários da França estará estreita- dicato dos carpinteiros, se esforça sem
mente ligada ao Partido Operário de repouso para fazer os trabalhadores
Jules Guesde, mesmo que se expressem entenderem a necessidade de recorrer
tendências libertárias e antiparlamen- à greve simultânea de todos e de todos
tares, como no congresso de Bordeaux- os ofícios, e Fernand Pelloutier, pegan-
-Le Bouscat (1888), no qual se vota a do o bastão, dará toda uma amplidão à
seguinte resolução: “Considerando que questão da greve geral. Em fevereiro de
a greve parcial só pode ser um meio de 1892, quatorze Bolsas de Trabalho se
reúnem em Saint-Étienne, com a finali-
agitação e organização, o Congresso
dade de se federar, e declaram de início
declara: Que somente a greve geral, ou
sua independência ao afirmar que os
seja, a cessação completa do trabalho,
trabalhadores devem “rejeitar de modo
ou a Revolução podem levar os traba-
absoluto toda influência dos poderes
lhadores para sua emancipação”.
administrativos e governamentais”. No
O Congresso de Marselha, em
Congresso de Paris de 1893, que agru-
1892, ainda vê a maioria dos delegados
pa os delegados das Bolsas de Trabalho
permanecer fiel à concepção marxista
e das câmaras sindicais, o princípio da
da tomada do poder do Estado, como
greve geral foi adotado por unanimi-
afirma Maitron19. dade menos um voto.
Entretanto, acontecem as greves Jules Guesde, que tinha sido anar-
pelas 8 horas de trabalho nos Estados quista à época do congresso de Haia,
Unidos, e os anarquistas do mundo in- não ignora a gravidade do problema
teiro farão dos Mártires de Chicago e colocado pela “greve geral” ao socialis-
18 Dois anos mais tarde, o Congresso mo parlamentar e aos marxistas, sendo
Operário de Lyon, com a aprovação do próprio
que ela tira da representação política
Guesde, apesar da atração guedista pela lei (Jules
Guesde apresenta na Câmara do Deputados, em qualquer função e implica a renúncia
1894, um projeto de lei para organizar o direito da luta pela conquista prévia do poder
de greve), condena a lei de 1884 por 74 votos
contra 29 e 7 abstenções. Ver Édouard Dolléans, central.
op. cit., tomo II, 1871-1920. O sexto congresso da Federação
19 Jean Maitron, op. cit., p. 286. Nacional dos Sindicatos se reúne em

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Nantes (dezembro de 1894). Pelloutier Mais uma vez, como em 1872, a


participa como secretário adjunto da exclusão ou, ainda, a cesura entre so-
Federação das Bolsas de Trabalho. Os cialistas autoritários e anarquistas não
militantes sindicalistas estão resolutos foi negativa para os antiautoritários. Os
a reivindicar sua autonomia e romper anos que se seguem serão o período da
os laços de dependência com os par- formação e da consolidação, em dife-
tidos. Vota-se uma moção que diz: rentes países, das associações de traba-
“(Considerando) que o último meio lhadores centradas na ação direta e na
revolucionário é a greve geral”, o Con- autonomia das federações21. A luta co-
gresso “decide: há de se providenciar tidiana dos trabalhadores para se des-
imediatamente a organização da greve fazer da exploração e da miséria será
geral”. O resultado da votação é de 65 feita pela dicotomia entre o recurso à
para 37 contra e 9 abstenções. A ruptu- greve parcial, a petição às autoridades,
ra é consagrada, e os guesdistas aban- a ação legislativa e a prática parlamen-
donam o local. O caminho está aberto
tar de um lado, e de outro a ação direta,
para a ação dos anarquistas para o sin-
a força da organização coletiva, a sabo-
dicalismo revolucionário.
tagem, a “ginástica revolucionária”.
No nível internacional, o Congres-
21 A CGT francesa se torna uma força, e os
so de Londres (1896) da Internacional anarquistas darão sua contribuição à Carta de
socialista (Segunda Internacional), se- Amiens (1906) e à formulação do sindicalismo
guindo discussões ocorridas nos pri- revolucionário. Na Argentina, a FORA adotará
sua posição “definitiva” em 1905; no mesmo ano,
meiros congressos de Paris e Bruxelas, nasce a IWW (Industrial Workers of the World)
num clima muito tenso, decide que so- nos Estados Unidos, e o movimento renasce na
Espanha com a Solidaridad Obrera, em 1907.
mente seriam convidadas no futuro as Na Alemanha, a FVDG (Associação Livre dos
“organizações puramente corporativas Sindicatos Alemães) se situa na origem do
que, mesmo sem uma política militan- sindicalismo revolucionário antes da guerra de
14, e depois, em 1919, se assumirá como FAUD
te, declarem reconhecer a necessidade (Freie Arbeiter Union Deutschland). Na Itália,
da ação legislativa e parlamentar”. E é o Comitato di Azione Diretta, antecedente da
USI, é criado em 1907. Uma história especial
acrescentado de modo explícito: “Por será necessária para falar das federações
consequência, os anarquistas serão antiautoritárias em cada região do globo: Peru,
excluídos”20. México, Chile, Uruguai, Japão, Rússia em 1905, e
em 1917-1922, Suécia, Países Baixos, etc. Ver De
20 Do lado anarquista, estavam presentes: l’histoire du mouvement ouvrier révolutionnaire.
Élisée Reclus, Piotr Kropotkin, Errico Malatesta, Paris: ed. CNT-RP/Nautilus, 2001. (N.T.: O livro
Pietro Gori, Louise Michel, Domela Nieuwen- foi traduzido para o português e publicado, com
huis, Gustav Landauer, Joseph Tortelier, Chris- uma versão ampliada, sob o título de História
tian Cornelissen, Fernand Pelloutier, Paul Dele- do movimento operário revolucionário, Editora
salle, etc. Imaginário, 2004.)

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O sentido da ação direta

Duas atitudes, duas mentalidades, em meio à classe operária. Em 1901,


pode-se dizer, nascem dessa dicoto- depois de longos esforços para aca-
mia. Assim, se se confronta os podero- bar com as atribulações do diálogo, o
sos, o tom será duro e vitorioso, mas congresso de fundação da Federação
se se pede aos poderes públicos uma Operária Argentina (FOA) ocorre em
melhora das condições de trabalho ou Buenos Aires. A primeira resolução
salário, isso se fará sob as formas e as tomada por unanimidade afirma que
convenções que as normas exigem. A a Federação “não tem ligação de qual-
título de exemplo dentre os milhares, quer tipo nem com o partido socialis-
na Espanha, durante as greves do 1º de ta, nem com o anarquista, bem com
maio de 1890, o manifesto anarquista qualquer outro partido político, e que
do grupo Los Desheredados acentua: sua organização, seu desenvolvimento
“A liberdade não se pede, se toma... A e seu campo de atuação são totalmente
jornada de oito horas, não a teremos independentes e autônomos”.
por manifestações pacíficas e inúteis e Depois dessa declaração de prin-
servis petições; nós a teremos ao nos cípios, as divergências entre as vias le-
impor, e a imposição está na greve.” galista e revolucionária surgem apesar
Em resposta, o jornal socialista El eco das concessões mútuas entre os dois
de los obreros toneleros (1890) expres- campos. A primeira discussão séria tra-
sa o desejo dos operários toneleiros ao ta da arbitragem. A ação direta era, po-
escrever22: “Tendo fielmente a palavra de-se dizer, uma “profissão de fé” para
engajada diante das autoridades mui- os anarquistas, como a arbitragem era
to dignas, diante do público e da nossa para os socialistas. O relator da moção
humilde classe, de não nos misturar à foi Inglan Lafarga23, um anarquista que
greve geral, o fato de que nenhum de deu ao congresso um voto desfavorá-
nossos camaradas de trabalho tenha vel. Mas a intervenção de Pietro Gori24,
sofrido ao menos repressão da parte
23 Gregorio Inglan Lafarga (?-1929), car-
dos responsáveis da ordem pública dá pinteiro e jornalista anarquista. Nascido na Cata-
uma ideia de nossa sagacidade...”. lunha, emigra para a Argentina. Em 1897, tor-
na-se o primeiro diretor de La Protesta Humana
Em outros lugares do mundo, a (jornal que tomará o nome de La Protesta e se
mesma diferença de tática e atitude tornará diário a partir de 1904). É delegado pelos
correspondente mantém a querela in- ferroviários de Rosario no congresso de funda-
ção da FOA.
fecciosa entre anarquistas e socialistas
24 Pietro Gori, anarquista muito ativo, era
22 Ver Juan Alvarez Junco, La ideologia advogado. Nascido em Messina (Itália), em 14 de
política del anarquismo español (1868-1910). Ma- agosto de 1865, ele se exila, em 1894, para escapar
drid: Siglo XXI, p. 552-553. da repressão, mas retorna à Itália, em 1898, para

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Revista da Biblioteca Terra Livre - ano II, nº 3

seu prestígio internacional e seus ta- ta ainda um pequeno bemol: é preciso


lentos de orador permitem a adoção de que essa arma seja utilizada “quando a
uma moção de compromisso: a FOA oportunidade de a promover com pro-
“permite em certos casos a resolução babilidade de vencer seja demonstra-
de conflitos econômicos entre o capital da”. É um complemento pedido pelos
e o trabalho pelo julgamento arbitral, socialistas e que os anarquistas consi-
aceitando como árbitros apenas pesso- deraram como uma simples declaração
as que apresentem garantias de respeito de bom senso. A imprensa socialista
para o interesse dos trabalhadores” (21 combaterá com vigor as razões que le-
votos a favor, 17 contra e 4 abstenções). varam os delegados socialistas a aceitar
Os jornais anarquistas El Rebelde e La essa concessão às posições anarquistas.
Protesta Humana enchem suas colunas No mesmo espírito, o Congresso
de artigos rejeitando a intervenção de aprova como tática de luta o boicote,
Gori, que se viu obrigado a se explicar proposição defendida pelo socialista
e esclarecer sua posição. Francisco Cuneo, e a sabotagem, apoia-
da pelo anarquista Inglan.
É então a vez dos socialistas mostra-
O frágil entendimento desse cur-
rem compreensão e limitar suas críticas
to período não é duradouro. No ano
à greve geral. A resolução do congresso
seguinte, o segundo congresso da Fe-
“reconhece que a greve geral deve ser a
deração Operária (junho de 1902) pre-
arma suprema na luta econômica en-
senciará a saída da minoria socialista,
tre o capital e o trabalho”, satisfazendo
abrindo espaço para uma forte maioria
assim os anarquistas, mas ela acrescen-
anarquista que, nos congressos seguin-
defender Malatesta e outros processados após a tes, firmará na organização operária a
greve geral de janeiro, em Ancona, seguindo-se
aos levantes de Milão, nos quais a armada atira prática exclusiva da ação direta e a de-
na multidão. A repressão foi feroz. Pietro Gori fesa selvagem desse método ao longo
é condenado a 21 anos de prisão. Ele se exila,
então, em Buenos Aires, onde ele continua sua
de toda sua existência25.
atividade militante e se afirma como delegado Nessa mesma época, consolida-se
dos ferroviários de Rosario, com G. Inglan, no na França a tendência a uma síntese
congresso formador da Federação Operária Ar-
gentina (FOA), que dará lugar em 1904 à FORA ideológica elaborada essencialmen-
(Federação Operária Regional Argentina). Du- te, como diz Maitron, dentro do Co-
rante sua estada, ele dirige a revista Criminología
moderna. Em 1902, Gori volta à Europa e cria
mitê Confederal da CGT, e que reúne
em Roma, em 1903, com Luigi Fabbri, a revista anarquistas, allemanistas26, marxistas e
anarquista Il Pensiero. Escreve poesia, peças de
25 De l’histoire du mouvement ouvrier révo-
teatro, etc., e é autor da conhecida canção “Ad-
lutionnaire, op. cit., p. 91-94.
dio Lugano bella”. Morre com 46 anos, em 8 de
janeiro de 1911. 26 Seguidores de Jean Allemane (1843-

82
O sentido da ação direta

blanquistas sob relativo compromisso formas do agir dos revoltados em si-


representado pela doutrina do sindi- tuações diversas foram assimiladas à
calismo revolucionário. O Congresso ação direta.
Anarquista de Amsterdam, em 1907, Ainda em 1876, logo após o
um ano após a Carta de Amiens, deixa congresso de Berna28, os delegados
claras as diferenças entre o anarquismo federais Errico Malatesta e Carlo
e o sindicalismo revolucionário, mas, Cafiero enviam uma carta ao Boletim da
“durante o período de 1894-1902”27, Federação Jurassiana declarando que “a
muitos militantes operários na França federação italiana acredita que o feito
identificam os dois “rótulos”, conside- insurrecional, destinado a afirmar por
rando que a ação anarquista nos sindi- atos os princípios socialistas, é o meio
catos tinha insuflado no sindicalismo de propaganda mais eficaz”29. Juntando
revolucionário a ideia que a luta contra o feito à palavra, movidos pelos mesmos
o capital e o Estado era o foco, que ela alertas de Pisacane30 em relação aos
deveria levar à abolição dos salários e doutrinários, os internacionalistas
à mudança radical da sociedade. E o buscam incitar a insurreição popular
anarquismo tinha também firmado a nas vilas do Benevento, na Itália
convicção que o caminho da revolução (Banda del Matese, março de 1877).
passava pelo combate da classe operá- Assim nasce uma concepção da ação
ria organizada: a ação direta e a greve chamada “propaganda pelo feito”
geral. Um verdadeiro manifesto dessa que, derivando uma quinzena de
posição é o texto publicado por Émi- anos depois o ato individual, deixará
le Pouget, em 1904, L’action directe (“A uma marca persistente no imaginário
ação direta”), ação que ele define como coletivo ao relacionar, com o pathos
“a expressão simbólica da revolta ope- do sangue despejado e do sacrifício
rária. A ação direta é a força operária assumido, “o anarquista e a bomba”.
em trabalho criador”. Transformada em clichê, essa imagem
28 Oitavo Congresso Geral da Internacio-
Outras figuras da ação direta nal, ocorrido em Berna (26-29 de outubro de
1876).
29 Bulletin de la Fédération jurassienne,
Em paralelo do sentido primário, núm. 3 de dezembro de 1876.
construído sobre a experiência histó- 30 Carlo Pisacane (1818-1857) reivindica
rica do proletariado militante, outras em seu Testamento, muito conhecido pelos in-
ternacionalistas, os atos que fazem “uma propa-
1935), sindicalista e político socialista francês. ganda mais eficaz que mil volumes escritos pelos
(N.T.) doutrinários”. Ver Pier Carlo Masini, Storia degli
27 Jean Maitron, op. cit., p. 322. anarchici italiani. Milano: Rizzoli, 1968, p. 109.

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Revista da Biblioteca Terra Livre - ano II, nº 3

será constantemente repetida e Sofia Perovskaia, antiga companheira


estimulada pela imprensa burguesa, de Kropotkin. A notícia chega
deixando sob a sombra as profundas rapidamente a Genebra, onde este
diferenças que existem entre uma ação vivia, causando-lhe uma grande dor e
destinada a suscitar a insurreição, o uma indignação extrema. Kropotkin e
tiranicídio e o atentado às cegas. sua companheira Sophie se declaram
Quando, em 14 de julho de 1881, prontos à disposição da Narodnaïa
se reúne em Londres o Congresso So- Volia para trabalhar na Rússia, mas os
cialista Revolucionário Internacional amigos russos, Stepniak e Tcherkessof,
nos salões do cabaré de Euston Road, a os dissuadem disso ao insistir sobre a
política estava sob alerta. O diretor da importância da presença de Kropotkin
polícia de Paris, Andrieux, conseguiu em Londres como delegado dos grupos
introduzir seu agente secreto, Serre- de Lyon no congresso de julho, em
aux ou Spilleux, na delegação francesa especial porque o congresso deveria
composta, entre outros, de Louise Mi- decidir a refundação da Internacional31.
chel e Kropotkin. O governo de São Pe- Apesar da situação emocional tensa
tersburgo estava especialmente avisado que reinava, o congresso reafirma a
e, após o congresso, realmente apavo- autonomia das federações e vota pela
rado pelas “propostas desses descren- criação de um escritório internacional
tes”, propostas que os agentes do czar, que não terá uma existência real, mas o
em seus relatos, tinham evidentemente Congresso de Londres permanecerá na
“apimentado” no nível das declarações memória por ter aprovado a seguinte
inflamadas do provocador Serreaux, resolução:
que falava de incêndios, assassinatos e
bombas de dinamite. “Considerando que a AIT reconheceu
A atmosfera política da época necessário juntar à propaganda verbal
facilitava os transbordamentos e escrita a propaganda pelo feito (...)”,
verbais. Quatro meses antes, depois o congresso declara o voto para que as
de sete tentativas fracassadas ou organizações participantes propaguem
desmanteladas, Alexandre II caiu sob as pelos atos as ideias revolucionárias “ao
bombas da Narodnaïa Volia (a Vontade sair do terreno legal (...) para dispor
do Povo), no 1 de março de 1881, em nossa ação ao terreno do ilegalismo, que
São Petersburgo. Os revolucionários é o único meio que leva à revolução”. É
detidos como responsáveis do
31 Ver G. Woodcock e I. Avakoumovitch.
atentado são enforcados em 14 de
Pierre Kropotkine. Le prince anarchiste. Paris:
abril. Entre as vítimas, encontrava-se Calmann-Lévy, 1853, p. 127-130.

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O sentido da ação direta

necessário, então, “ter recursos para os Com a passagem do tempo, novas


meios que estejam em conformidade condições para a luta social surgiram, e
com essa meta.” E, por consequência, a relação das forças também se modi-
“as ciências técnicas e químicas, tendo ficou. A partir daí, cada vez mais dis-
já rendido resultados à causa revolu- tante do campo sindical como conse-
cionária, estão convocadas a dar outros quência de sua legalização e da então
maiores ainda”, devem ser estudadas e regulamentação crescente do direito
aplicadas32. de greve, a ação direta foi entendida
mais num sentido amplo, como o feito
Talvez seja a caça aberta pelos nii- “de agir por si mesmo”, de não delegar,
listas russos contra o czar que estimula- como um modo de se lutar sem solici-
rá os espíritos ao carregar consigo essa tar nada a uma autoridade tutelar.
fascinação pela violência individual, Assim Voltairine de Cleyre, em
pela química e pela dinamite, que inva- uma conferência feita em Chicago, em
de as colunas dos jornais e produz efei- 1912, ao defender a organização ope-
tos sociais durante o curto período dos rária e a greve geral, afirma que “assim
atentados anarquistas na França33. O que a classe operária internacional não
ato ilegal ou violento desconectado da se despertar, a guerra social se seguirá”,
ação coletiva, do movimento operário e ela justifica todas as formas de “ação
ou de um viés insurrecional, encontra direta”: a greve, o boicote, o ato indi-
rapidamente seus limites. As correntes vidual bem como a bomba de Hayma-
que nos prendem atravessam o tecido rket. Voltairine de Cleyre iniciou uma
crítica do amálgama intencional entre
social. Pode-se arrasar a vontade do au-
a “ação direta” e os “ataques violentos
tocrata, mas não é com bombas que se
contra a vida e a propriedade” das pes-
dinamita uma relação de dominação.
soas. Não, diz ela, “toda pessoa que rei-
No entanto, a “propaganda pelo feito”,
vindicou um direito, sozinha ou com
denotando uma vontade selvagem de
outros, praticou ação direta”. Os IWW
intervir, de mudar o curso das coisas,
utilizam a tática da ação direta, mas to-
ligada à insurreição por suas origens,
dos podem a praticar ao “se recusar a
será facilmente identificada com a ação
dar recursos para a ação política”34. A
direta.
ação política é a ação indireta, aquela
32 Jean Maitron, op. cit., p. 114. que apela aos representantes.
33 Jean Maitron, op. cit., vol. I: “A era dos at- É o recurso à ação indireta – mé-
entados (1892-1894)”. Na categoria das ações in-
dividuais, é preciso deixar de lado o tiranicídio, 34 Voltairine de Cleyre. D’espoir et de raison.
que exige outra análise. Écrits d’une insoumise. Québec: Lux, 2008, p. 138.

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Revista da Biblioteca Terra Livre - ano II, nº 3

todo impotente para acabar com o em- liares, etc. Após a Libertação de Paris,
pecilho da exploração capitalista e da o essencial do sistema chamado “Segu-
dominação política – que, lentamente rança Social” estará bem estabelecido
mas com certeza, domestica a greve, na França35.
integra a organização operária ao sis- O movimento operário se encon-
tema estabelecido, impõe a colabora- tra, então, prisioneiro na rede de um
ção de classes e consolida a submissão dilema. Ele condena a princípio, com
tradicional do operário ao patrão, da a potência da corrente revolucionária,
maioria à elite. a tomada de ação pelo Estado sobre a
vida cotidiana de cada trabalhador, ho-
A greve selvagem mem ou mulher, e de seus filhos. Mas,
apanhado pela garganta, corroído pe-
Em 25 de agosto de 1884, na França, las longas jornadas de trabalho, pelo
tendo no mesmo ano sido promulgada desemprego e pela miséria, o prole-
a lei que legalizava as organizações sin- tário não pode recusar a melhoria de
dicais, o ministro do interior Waldeck- sua condição não importando de onde
-Rousseau recomenda aos prefeitos venha. Ele deve pagar o preço e trocar
a oferecer auxílio na organização das o orgulho da revolta pela submissão à
associações profissionais. Na Alema- mendicância.
nha, no ano anterior, Bismarck havia No congresso de Amiens, Mer-
elaborado o primeiro dos grandes sis- rheim36 faz uma intervenção para criti-
temas de segurança social obrigatórios. car as leis operárias, denunciadas como
Desde os últimos anos do século XIX formas de arregimentação do sindica-
e do começo do século XX, os Estados lismo. Em 1912, a CGT luta ainda de
europeus tomam em conta a condição modo antiparlamentar contra a legis-
operária ao estabelecer progressiva- lação sobre a segurança social, para a
mente leis de proteção e controle. As- qual ela organizava o boicote. Mas, de-
sim serão aprovadas pelos parlamentos pois da criação da Internacional Ver-
leis capitais relativas aos acidentes de melha, a CGT, submissa a Moscou, es-
trabalho, à velhice, à doença, à invali- quece suas origens e a autonomia das
dez e ao desemprego. A lei de 1910 so-
35 Henri Hatzfeld. Du paupérisme à la Sé-
bre a aposentadoria operária e agrícola curité Sociale, 1850-1940. Paris: Armand Colin,
é votada ao mesmo tempo que come- 1971.
ça a redação do Código do Trabalho e 36 Alphonse Merrheim (1871-1925), fer-
reiro, sindicalista revolucionário, secretário da
Previdência Social; em 1932, será pro-
Federação do Cobre, membro do Comitê Con-
mulgada a lei sobre as alocações fami- federal da CGT.

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O sentido da ação direta

federações até riscar de seus estatutos, Os internacionalistas sabiam que “a


depois de 1968, a abolição dos salários, greve é (...) um meio precioso de luta”,
que lá ainda aparecia. O caminho da mas eles não levavam em conta “seus
lei promovido pela social-democracia resultados econômicos”. A ação direta
leva vantagem, e a luta operária, atola- deveria ultrapassar o nível corporati-
da no pântano da colaboração de clas- vo, suscitar a greve solidária e ir em di-
ses, perdeu sua finalidade revolucioná- reção à greve geral. Não se imaginava
ria. A via parlamentar toma a dianteira uma greve geral de 24 ou 48 horas; ela
em relação à ação direta. visava a insurreição ou a revolução. O
A contradição constitutiva da or- que permitia dizer: “Uma greve é uma
ganização operária revolucionária, revolta ou uma enganação”.
imediatista e finalista ao mesmo tem- A greve legalizada, regulamenta-
po, manteve a tensão interna que fazia da, domesticada, obriga a ação direta
sua força, e essa tensão foi rompida a se refugiar na greve selvagem, nas
em prol apenas da reivindicação ime- ocupações de fábricas, no sequestro de
diata, apenas da “melhoria possível”, patrões, na sabotagem. Por um desses
do aumento do “poder de compra” – retornos que a história conhece, vol-
nada que o capitalismo não permita – tamos aos métodos de origem. Nesses
ao abandonar a busca da abolição do métodos, centrados sobre a ação di-
regime de salários, ao desistir da espe- reta, a esperança de um novo começo
rança da libertação. pode encontrar resultados.

Eduardo Colombo é filósofo anarquista e faz parte do comitê redator da revista


Refráctions. Texto originalmente publicado em Refráctions, núm. 25 (segundo
semestre de 2010), traduzido para o português por Daniel Falkemback.

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