Você está na página 1de 4

PRODUÇÃO DE BIODIESEL UTILIZANDO LÍQUIDO IÔNICO

COMO COSOLVENTE

TRINDADE, M. E. J.1, SIMONELLI, G.1, MATTEDI, S.1 e SANTOS, L. C. L.1


1
Universidade Federal da Bahia, Escola Politécnica, Programa de Pós-Graduação em
Engenharia Química
E-mail para contato: trindade.moniqueeva@gmail.com

RESUMO – Líquidos iônicos (LIs) são normalmente utilizados como catalisadores na


produção de biodiesel. Para esta finalidade, quantidades consideráveis desse composto
devem ser empregadas na reação, o que pode ser inviável devido ao seu alto custo.
Explorando a ação tensoativa dos LIs, concentrações menores podem ser aplicadas nesse
processo para melhorar o rendimento da reação. Dessa forma, este estudo avalia a
utilização do hexanoato de dietilenotriamônio ([BETA][Hx]), um líquido iônico, como
cosolvente na reação convencional de produção de biodiesel. A pesquisa apresentou
resultados satisfatórios, indicando que o uso de pequenas quantidades de cosolvente
favorecem o aumento de rendimento, alcançando em torno de 97 % com apenas 3 % de
[BETA][Hx] no meio reacional.

1. INTRODUÇÃO
A alta demanda mundial de combustíveis aliada às questões ambientais e à procura por
independência energética, iniciou a busca por fontes alternativas de energia limpa e renovável.
O biodiesel é um combustível renovável que surgiu como alternativa para a substituição de óleo
diesel em motores de ignição por compressão. Em 2004, o biodiesel foi introduzido na matriz
energética brasileira com o lançamento do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel
(PNPB), que definiu o aumento progressivo da sua mistura ao óleo diesel (ANP, 2018).
Estudos constataram problemas no uso direto de óleo vegetal como combustível, como a
queima incompleta e baixo rendimento de potência. Isto propiciou o surgimento de métodos
que reduzissem a viscosidade do óleo para possibilitar a sua utilização para esta finalidade. A
reação de transesterificação com álcoois de cadeia pequena é uma das melhores escolhas para
obter o biodiesel. Nesse processo, o óleo vegetal reage com um álcool em excesso, na presença
de um catalisador, produzindo uma mistura de mono alquil ésteres e glicerol (Garcia, 2006).
Líquidos iônicos (LIs) são sais orgânicos compostos por cátions e ânions líquidos à
temperatura ambiente que apresentam ponto de fusão inferior a 100 °C (Andreani & Rocha,
2012). Os LIs têm sido amplamente reconhecidos como um novo composto químico verde que
devido à suas propriedades interessantes são capazes de revolucionar diversos processos
químicos (Muhammad et al., 2014). Entre a vasta gama de propriedades, destaca-se: moderada
tensão superficial, baixa toxicidade, biodegradabilidade, boa solubilidade em orgânicos e
inorgânicos, baixa volatilidade, estabilidade térmica e química (Olivier-Borbigou et al., 2009).
Segundo Encinar et al. (2015), na produção de biodiesel o uso de cosolventes aumentam
a solubilidade entre o metanol e o óleo vegetal em baixas temperaturas, aumentam a taxa de
reação e podem ser facilmente recuperados e reutilizados. Além dos LIs poderem ser
empregados como cosolvente, eles ainda promovem uma melhor separação entre o produto e
subproduto da reação (Muhammad et al., 2014).
O presente estudo tem o objetivo de testar se a utilização do líquido iônico [BETA][Hx]
como cosolvente na melhora o rendimento em massa da produção de biodiesel por
transesterificação alcalina de óleo de soja.

2. MATERIAIS E MÉTODOS
Para este trabalho, utilizou-se óleo de soja Soya®, metanol (Synth, pureza de 99,8 %),
hidróxido de potássio (Sigma-Aldrich, pureza de 85 %) e um líquido iônico, o hexanoato de
dietilenotriamônio ([BETA][Hx]), cuja massa específica, viscosidade cinemática e tensão
superficial a 60 °C são 974,5 kg.m-3, 388,72 mm2.s-1 e 24,3 mN/m, respectivamente.
2.1. Caracterização do óleo de soja
Para a caracterização físico-química do óleo de soja foram realizados quatro ensaios. O
índice de acidez e o teor umidade são principais parâmetros que garantem a qualidade e bom
estado de conservação dos óleos vegetais, sendo determinados por titulação volumétrica e
método gravimétrico, com base nos métodos ABNT NBR 11115 e ANVISA (2008), nesta
ordem. As análises de massa específica e a viscosidade cinemática foram realizadas através do
Viscosímetro SVM 3000, baseado nos métodos ASTM D4052 e ASTM D445, respectivamente.
2.2. Síntese do [BETA][Hx]
O líquido iônico utilizado foi sintetizado no Laboratório de Termodinâmica Aplicada da
UFBA. A síntese do hexanoato de dietilenotriamônio, [BETA][Hx], consiste em uma reação de
neutralização ácido-base, onde alíquotas de ácido hexanóico foram adicionadas lentamente à
dietilenotriamina com agitação constante. A Figura 1 expressa a fórmula estrutural do
composto:

Figura 1 – Fórmula estrutural do hexanoato de dietilenotriamônio ([BETA][Hx])


2.3. Reação de transesterificação de produção de biodiesel por via metílica
As reações de transesterificação foram realizadas em escala de bancada com condensador
acoplado a banho termostático. Primeiramente, colocou-se em um balão de fundo chato 100 g
de óleo de soja. Separadamente, a mistura a ser adicionada ao óleo foi preparada. Pesou-se o
[BETA][Hx] nas proporções de 1, 2 e 3 % em relação a massa de óleo e 1,5 % (m/m) de KOH,
estres foram adicionados a 39,8 mL de metanol (razão molar MeOH/óleo de 9:1). A reação foi
realizada em 30 minutos a temperatura de 60 °C e agitação constante. Após do término da
reação, o produto foi transferido para um funil de separação, permanecendo por 24 horas. Em
seguida, separou-se o glicerol do biodiesel e foi efetuado quatro ciclos de lavagem com água
destilada a 80 °C para remover o álcool, o catalisador, o líquido iônico e o glicerol
remanescente. Em seguida, o biodiesel produzido foi colocado em estufa a 105 °C por um
período de 3 horas. Finalmente, o cálculo do rendimento foi realizado a partir da Equação 1.
%Rendimento = (Massa de biodiesel (g)/Massa de óleo (g)) x 100 (1)
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Inicialmente, o óleo de soja foi caracterizado para avaliar a qualidade da amostra. Os
dados apresentados na Tabela 1 mostram que as especificações para a comercialização do óleo
normatizadas pela ANVISA foram atendidas. O índice de acidez e o teor de umidade do óleo
utilizados na produção de biodiesel devem ser baixos para garantir uma boa estabilidade
oxidativa do produto, uma vez que a presença de ácidos graxos livres e a água são prejudiciais
ao bom desempenho da transesterificação alcalina do óleo (Garcia, 2006).
Tabela 1 – Caracterização físico-química do óleo de soja Soya®
Desvio
Ensaios Análise Método Limite Máximo Permitido
Padrão
Índice de Acidez ABNT NBR ANVISA RDC nº
0,28 0,01 0,60
(mgKOH.g-1) 11115 270/2005
ANVISA IT nº
Umidade (%) 0,09 0,03 ANVISA (2008) 0,10
49/2006
Viscosidade Cinemática
31,056 0,022 ASTM D445 - -
a 40 °C (mm2.s-1)
Massa Específica a 20 °C
0,9202 0,0013 ASTM D4052 - -
(g.cm-3)

Avaliando os resultados, notou-se que o aumento da concentração de [BETA][Hx]


proporcionou maiores rendimentos de biodiesel, conforme indicado na Figura 2. Segundo
Muhammad et al. (2014), o líquido iônico por apresentar moderadas tensões superficiais
favorece uma maior solubilidade e transferência de massa entre as fases óleo e metanol,
acelerando a taxa de reação e melhorando o rendimento de produção de biodiesel.

Figura 2 – Rendimento de biodiesel com diferentes concentrações em 30 minutos de reação

A amostra com 3 % (m/m) de cosolvente apresentou maior rendimento (97,06 %) e foi


analisada em termos de massa específica e viscosidade cinemática para verificar o atendimento
aos requisitos da Resolução ANP nº 45/2014. A Tabela 2 mostra que o biodiesel produzido está
em conformidade com os padrões especificados.
Tabela 2 – Propriedades físico-químicas para o biodiesel metílico de óleo de soja
Especificação ANP
Propriedades Biodiesel Método
45/2014
Massa Específica a 20 °C
883,4 850-900 ASTM D4052
(kg.m-3)
Viscosidade Cinemática
4,2085 3,0-6,0 ASTM D445
a 40 °C (mm2.s-1)
Límpido e sem Límpido e sem
Aspecto -
impurezas impurezas

4. CONCLUSÃO
O efeito do cosolvente na produção de biodiesel indicou que o aumento da concentração
em massa de líquido iônico no metanol favoreceu um acréscimo significativo no rendimento da
reação, alcançando 97,06 % para uma concentração de 3 % de cosolvente. Frente aos resultados
parciais obtidos foi possível avaliar que a utilização de [BETA][Hx] como cosolvente na
produção de biodiesel é uma alternativa promissora, visto que as propriedades analisadas até o
momento indicam que o biodiesel está de acordo com as normas da Resolução ANP nº45/2014.

5. REFERÊNCIAS
ABNT NBR 11115. Insumos – Substâncias Graxas – Determinação do Índice de Acidez.
Associação Brasileira de Normas Técnicas, 2014.
ANDREANI, L., ROCHA, J. D. Use of ionic liquids in biodiesel production: A Review. Braz.
J. Chem. Eng., Brasília, v. 29, n. 01, p.1-13, 2012.
ANP, Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, 2016. Disponível em:
<www.anp.gov.br>. Acesso em 13 de Abril de 2018.
ANP, Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Resolução ANP Nº 45,
de 25.8.2014 - DOU 26.8.2014 - Especificações do biodiesel. 2014.
ASTM D4052-16, Standard Test Method for Density, Relative Density, and API Gravity of
Liquids by Digital Density Meter, ASTM International, West Conshohocken, PA, 2016.
ASTM D445-17a, Standard Test Method for Kinematic Viscosity of Transparent and Opaque
Liquids (and Dynamic Viscosity), ASTM International, West Conshohocken, PA, 2017.
ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Guia de Controle de Qualidade de
Produtos Cosméticos: Uma abordagem sobre os ensaios físicos e químicos. Gerência Geral de
Cosméticos. 2. Ed, Brasília, 2008. p. 120.
ENCINAR, J. M., PARDAL, A., SÁNCHEZ, N. An improvement to the transesterification
process by the use of co-solvents to produce biodiesel. Fuel, p.51-58, 2015.
GARCIA, C. M. Transesterificação de óleos vegetais. 2006. Dissertação – Instituto de Química,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo.
MUHAMMAD, N., ELSHEIKH, Y. A., MUTALIB, M. I. A., BAZMI, A. A., KHAN, R. A.,
RAFIQ, S., MAN, Z., KHAN, I. An overview of the role of ionic liquids in biodiesel reactions.
J. Ind. Eng. Chem, p. 1-10, 2014.
OLIVIER-BOURBIGOU, H., MAGNA, L., MORVAN, D. Ionic liquids and catalysis: Recent
progress from knowledge to applications. App. Cat. A, p.1-56, 2009.

Você também pode gostar