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Fundamentos e Adequações
Metodológicas e Curriculares
Artigo científico
DEFICIÊNCIA AUDITIVA/SURDEZ: Fundamentos e Adequações Metodológicas e
Curriculares
RESUMO
INTRODUÇÃO
1*
Professora Mestra em Ciências Humanas pela Universidade de São Paulo e autora junto à equipe
Tele Sapiens. E-mail: professora.cibele@gmail.com
adequações necessárias, tendo conhecimento de alguns procedimentos
metodológicos.
2
Decreto 5626/05.
sugeridas por Capovilla e Rafhael (2005) é aquele que adquiriu a deficiência
posteriormente, tipicamente severa e moderada.
3
CARVALHO, J. M.; REDONDO, M. C. F. Deficiência Auditiva. Brasília: MEC. Secretaria de Educação
a Distância, 2000. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/deficienciaauditiva.pdf.
Acesso em: 05 jul. 2020.
1.2 As teorias acerca das relações entre linguagem e pensamento
Vygotsky (1896-1934), em 1934, pontuava que o treino de fala para surdos produzia
uma fala mecânica, o que claramente sugere uma crítica às práticas da época oralista.
Ele argumentou sobre a atenção tem se concentrado inteiramente na produção de
letras em particular, e na sua articulação distinta. Nesse caso, “os professores de
surdos-mudos não distinguem, por trás dessas técnicas de pronúncia, a linguagem
falada, e o resultado é a produção de uma fala morta” (VYGOTSKY, 1998a, p. 139).
Sabe-se que a linguagem é um traço que diferencia os seres humanos dos demais
animais e outros seres vivos. Do ponto de vista do senso comum, utilizar da fala oral e
da audição ainda é, por vezes, considerado o aspecto imprescindível para a
comunicação humana em termos de língua. Acredita-se geralmente que essa é a
forma privilegiada de se comunicar pensamentos, mito que já foi derrubado à medida
que as línguas de sinais passaram a ser reconhecidas. Posto isso, então, no caso da
deficiência auditiva e da surdez, como compreender as relações entre linguagem e
pensamento? Como proceder para garantir um adequado desenvolvimento? Estas são
questões imprescindíveis quando se trata de compreender a surdez e a deficiência
auditiva, o que envolve necessariamente considerar os desdobramentos relacionados
ao diagnóstico e as concepções nele envolvidas.
Em primeiro lugar, é fundamental elucidar preconceitos que historicamente se
colocaram como prejudiciais para a aquisição de linguagem de maneira ideal no
âmbito da surdez e da deficiência auditiva. A norma da fala e o mito da leitura da
palavra historicamente legitimaram práticas chamadas oralistas entre estudantes
surdos (WITKOSKI, 2009). Além disso, a leitura labial foi comumente apontada como
a possibilidade de o surdo “compensar” o sentido da audição para ter acesso às
informações via palavras faladas [oralmente] (WITKOSKI, 2009, p.568). Por trás
dessas práticas reside a suposição de que linguagem estaria vinculada à acústica
(apud WRIGLEY, 1996, p.11), o que não é verdade. Enquanto por vezes a
preocupação foi “compensar” de alguma maneira a audição, considerada uma falta, na
realidade trazer para o primeiro plano de análise a questão das relações entre
linguagem é pensamento deve ser a preocupação fundamental, para que com as
adequações necessárias, as crianças possam de fato se desenvolver.
Sobre as relações entre linguagem e pensamento, alguns estudiosos elaboraram
teorias bastante úteis, as quais têm sido consideradas relevantes também para a
proposição de adequações curriculares e metodológicas aqui discutidas. Enquanto no
caso de Piaget o enfoque está sob a questão do egocentrismo de seu pensamento
(BRITES e CASSIA, 2012), ou seja, centrando-se na sua ação, para o teórico
Vygotsky a interação social constitui função primordial da fala (seja ela oral ou através
das línguas de sinais, no nosso caso). O mais importante de se depreender é que
pensamento e fala não seriam funções isoladas já que para comunicar-se o ser
humano cria e utiliza os sistemas de linguagem. No caso, para Vygotsky, é a
necessidade de comunicar que impulsiona o seu desenvolvimento (BRITES e
CASSIA, 2012, p.179).
Mas se as relações entre pensamento e linguagem são tão constitutivas das formas de
comunicação, cabe examinar a situação específica de pessoas que nascem em um
contexto onde dificilmente terão acesso a certas formas de linguagem ao seu redor.
Mais especificamente, trata-se de compreender os problemas relacionados ao
desenvolvimento de uma língua, no caso de crianças surdas.
Sem dúvida, o fato de não ouvir, em um mundo que privilegia a audição, pode
caracterizar um possível impasse para esse desenvolvimento. Vamos a seguir
caracterizar esse impasse e apresentar as soluções - que, são possíveis e plausíveis -
de se resolver.
Sabe-se que mais de 90% das crianças surdas nascem em famílias ouvintes (LANE,
1992). É inegável que, com a falta de conscientização que ainda temos acerca do tema,
esse fato tem consequências importantes para os processos de aquisição de
linguagem. Pelo fato de não ouvirem, as crianças surdas não apreendem a
modalidade oral-auditiva de modo que comecem a falar oralmente como outras
crianças.
Sacks (1998), pontua que “75% da leitura labial seria uma espécie de adivinhação
inspirada ou conclusão por hipótese, dependendo do uso de pistas encontradas
no contexto”. É inegável que isto implicaria uma precariedade na aquisição da
linguagem. Dado isto, entre famílias ouvintes com filhos surdos ainda são bem
comuns certas dúvidas: qual deve ser a língua primeira dessas crianças? A língua oral
deve ser ensinada a esses filhos? Como poderia a primeira língua da criança surda
ser oral quando ela se comunica pouco ou nada através do canal auditivo? Quais
implicações tudo isso poderia ter para o desenvolvimento da criança? Comumente,
constitui-se uma barreira linguística entre crianças surdas e seus familiares, o que pode
prejudicar o desenvolvimento das primeiras, bem como das relações familiares. Se é no
significado da palavra que pensamento e fala se unem (autor), o processo de
socialização envolvendo a comunicação (ou a falta dela) em relação à internalização
sobre os significados das palavras também pode comprometer o aprendizado das
crianças. E é o que muitas vezes acontece. Conforme argumenta Botelho (2015),
não dispor de nenhuma língua
compromete processos de abstração e generalização.
De acordo com Aquino (2005), pode-se afirmar que essas observações vygotskianas
acerca da prerrogativa sociointeracionista para o desenvolvimento adequado de
linguagem não são, por si só, suficientes para uma proposta acabada sobre o que
deve ser a educação de surdos (AQUINO, 2005), mas as conceituações do teórico
mencionado indicam um grande avanço sobre as concepções acerca das maneiras de
manifestar a linguagem. Considerando que, no significado da palavra que o
pensamento e a fala se unem (VYGOTSKI, 2009), a comunicação da maneira mais
adequada por meio de interações com outras pessoas se faz extremamente
necessária. Nesse sentido, a presença de pares sinalizantes pode ser um fator
essencial um bom desenvolvimento.
Uma família pode se adaptar à realidade das crianças surdas e/ou com deficiência
auditiva, mas alguns exemplos demonstram que tais crianças por vezes entram em
período escolar sem terem desenvolvido adequada linguagem e comunicação plena
em alguma língua, seja ela modalidade oral-auditiva (no caso brasileiro, língua
portuguesa) ou seja ela modalidade viso-manual (no caso, da Língua Brasileira de
Sinais - Libras). Para conhecer as adequações curriculares e metodológicas
necessárias em relação à deficiência auditiva e a surdez também é necessário saber
das dificuldades já conformadas no âmbito da família.
Entretanto, conforme argumentam pesquisadores da área da surdez, devido ao peso
do saber biomédico, famílias tendem a, (quando possuem condição para tal), adotar
procedimentos corretivos que busquem aproveitar os resíduos auditivos para o
desenvolvimento da linguagem oral. Intervenções clínicas e outros recursos que por
vezes podem não ser suficientes para o acesso à linguagem
oral. São comuns as práticas da oralização desenvolvidas com treinamento
fonoaudiológico e também a prática da leitura labial, que, apesar de ser uma
possibilidade não garante a aquisição de uma língua materna. A questão está muito
mais ligada aos possíveis preconceitos em relação à deficiência auditiva e a surdez do
que às supostas impossibilidades de os sujeitos diagnosticados terem um bom
desenvolvimento em termos de linguagem.
Para o desfazer de pré-julgamentos, é importante lembrar, como argumenta Diniz
(2003) que nem sempre o resultado positivo é o menos desejado. Atualmente, são
conhecidos diversos casos de famílias compostas por mães e pais e familiares surdos
que esperam que seus filhos nasçam surdos. Assim, no caso de famílias compostas
por surdos a chegada de um membro ouvinte é o que gera quebra de expectativa. A
autora menciona um caso descrito por Lane (1997), no qual uma mulher grávida,
participante de um programa de televisão afirma: “eu gostaria que minha filha fosse
como eu, que ela fosse surda”.
Carlos Skliar, em suas pesquisas acerca da vivência de alunos surdos e seus
ambientes pedagógicos observou a insuficiência da leitura labial. A atribuição em
termos de uma incapacidade em termos de linguagem não seria causa, mas efeito
sobre a atribuição de incapacidade sobretudo ao deficiente auditivo profundo tal como
ele se refere - aquele aluno cujo resíduo auditivo é mais difícil de ser aproveitado e por
isso é excluído e julgado como incapaz de aprendizado, o que geral um círculo vicioso
de interpretação como destinado ao “fracasso”. Prova disso foi sua demonstração de
que crianças surdas que por terem familiares surdos já haviam adquirido
adequadamente uma língua materna, obtinham melhor desempenho escolar. Por
terem, desde cedo, adquirido adequadamente linguagem.
Enfim, tratando especificamente das relações entre pensamento e linguagem o teórico
Vygotsky é frequentemente lembrado pelo seu pioneirismo ao propor , pois além de ter
criticado o treino de repetição na alfabetização, por este operar apenas como um meio
de decorar palavras, o autor propôs também dissociar letra e som como meio de iniciar
o aprendizado da leitura e da escrita. Considerando que, para ele “a escrita é uma
função linguística distinta, que difere da fala oral tanto na estrutura como no
funcionamento” (1991, p. 85).
O central é depreender daqui que as relações com o ambiente, seja com os outros
seres ou relações a partir da ação das próprias crianças, são impactantes sobre a
aquisição de linguagem, algo a ser olhado de maneira cuidadosa. Focando no ponto
de vista sociointeracionista de Vygotsky é notável a necessidade de estímulos
adequados, metodologias que realmente contemplem a diferença que está em jogo
para a aquisição da linguagem; e do ponto de vista da psicologia do desenvolvimento,
dentre outros aspectos, é possível notar a extrema necessidade de respeitar as etapas
de desenvolvimento com adequações necessárias, para garantir um pleno
desenvolvimento em termos de linguagem. Quando lidamos com um tema que
infelizmente ainda tem considerável desconhecimento - a surdez e a deficiência
auditiva.
Com base nessas informações, é possível observar que até a década de 1980 ainda
se fazia presente a perspectiva da integração no escopo das normatizações acerca
das adequações curriculares organizadas no Estado brasileiro. Contudo, é marcante
no contexto internacional da década de 1990 uma modificação de orientação cujo
marco se traduz no documento denominado Declaração de Salamanca.
5
Resolução nº 4, de 2 de outubro de 2009, disponível em
http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb004_09.pdf
Assistiva; Desenvolvimento de processos mentais; Adequação e produção de
materiais didáticos e pedagógicos e outros (MEC, 2008).
Cabe ressaltar que tais profissionais também estão incumbidos das funções
de orientação as famílias e professores quanto ao recurso utilizado pelo aluno
Orienta, ensino do uso e aplicação dos recursos em questão, suporte para o uso
de materiais e equipamentos aos alunos, pais e professores nas turmas do ensino
regular. Também devem-se atentar à formação continuada, necessária para todos
os profissionais envolvidos com o, considerando também professores do ensino
comum, o que possibilitaria o entendimento das diferenças e para a comunidade
escolar em geral.
São diversas e desafiadoras as proposições e as orientações para garantir
um Atendimento Educacional Especializado, também porque a própria inclusão
educacional é um imenso desafio. Apesar de as resoluções acima se referirem
prioritariamente a regulamentações existentes desde a década de 1990, ainda
pode se considerar um imenso desafio a promoção da inclusão, seja ela por meio
do AEE ou de outra maneira.
É necessário sobre esse ponto destacar que no universo específico da
educação de estudantes surdos, o Atendimento Educacional Especializado é
muitas vezes criticado, tanto por não se concretizar em suas proposições formais
como pela própria essência da proposta, já que para muitos profissionais da área
da surdez a sala de recursos multifuncionais não é suficiente para a aquisição de
linguagem, cujo processo é complexo especialmente entre estudantes surdos
cujos familiares são ouvintes.
A seguir, trataremos especificamente da questão da educação bilíngue no
âmbito dessas adequações metodológicas e curriculares que se desenham nos
últimos anos.
6
Lei Federal nº10436/02.
principalmente fomentar a existência de uma língua partilhada, algo que é
responsabilidade dos profissionais e também das instituições, do Estado e da
sociedade como um todo.
Especialmente no caso de estudantes que não tem acesso à comunicação oral
auditiva, o uso simultâneo das duas línguas, pode reforçar uma relação hierárquica a
priori que coloca a língua da modalidade oral-auditiva acima da língua de modalidade
gestual-visual. Nesse caso, em vez de eliminar barreira acaba-se por reproduzir
preconceitos.
Pode-se argumentar ainda que a variedade de repertório seja empreendida como um
esforço em promover programas individualizados para satisfazer as diferentes
necessidades, habilidades e interesses do surdo, permitindo que ele mesmo “escolha”
qual comunicação usar, mas devemos considerar, por outro lado, que há um estigma
historicamente consolidado, tende a colocar a língua de sinais em posição de
subalternidade. Tensões, históricas e conflitos entre as línguas, rechaço e violência
linguística alimentada pela difícil aceitação da diferença no contexto de uso da língua
de sinais como recurso pedagógico (AQUINO, 2005, p. 78) são elementos a se
considerar na necessidade de enfrentá-los enquanto se fazem as adequações.
Nesse sentido, Botelho (2005) se posiciona críticamente em relação ao Bimodalismo,
argumentando sobre a impossibilidade de utilizar simultaneamente as duas línguas,
justamente por razões linguísticas. Há uma diferença abissal entre dizer “eu venho
trabalhando como professora de surdos há muitos anos” em Libras e o chamado
Português sinalizado (bimodalismo), o que poderia limitar as potencialidades
linguísticas da língua de sinais e o ensino- aprendizagem de crianças surdas.
Conforme também argumenta Goldfeld (2002), o cérebro não possui capacidade para
processar duas línguas simultaneamente. Por outro lado, observar a riqueza da língua
de sinais utilizada entre surdos e aprendê-la pode ajudar na conscientização desse
fato.
Ainda que adotemos outras perspectivas pedagógicas, conforme argumenta Capovila
e Rafhael (2005), estratégias como esta podem propiciar o estacionamento na etapa
logográfica ou ideovisual (fase padrão de leitura específica, na qual a criança faz
reconhecimento visual direto de certas propriedades gerais da palavra escrita com base
no contexto, na forma e na cor) se considerada uma abordagem da aquisição
ontogenética de leitura e escrita (apud CAPOVILLA e RAFHAEL, 2005).
Evidente que diferentes teóricos oferecem caminhos diversificados para o
favorecimento do letramento de crianças surdas. Contudo, independente da maneira
como a criança adquiriu linguagem em seu lar ou em outros espaços, oportunizar uma
comunicação plena é uma importante tarefa relacionada às adequações
metodológicas e curriculares.
Este debate feito na seção anterior nos leva a outra consideração, válida para
estudantes com deficiência auditiva em geral, e foi feita na crítica em relação a
Filosofias de Comunicação Total e Oralismo, quando estudantes poderiam perder
horas repetindo palavras. Desde a crítica feita Por Vygotsky a esse tipo de prática para
aquisição de linguagem já se sabia que repetir palavras, apenas ler lábios e copiar
palavras escritas não significaria um desenvolvimento real em termos de aprendizado
e aquisição de linguagem, considerando que no significado da palavra
que o pensamento e a fala se unem. O mais importante é, compreender que nenhum
aprendizado é possível se não houver uma via de mão dupla garantida na
comunicação.
Para retomar um pouco do que é o AEE na prática, vale relembrar alguns pontos
previstos nas suas definições formais. Conforme Lei Federal 10845/04 o AEE é em
sua concepção um Programa de Complementação ao Atendimento Educacional
Especializado “às Pessoas Portadoras de Deficiência” (BRASIL, 2004). Ou nos termos
mais recentes e detalhados “um serviço da Educação Especial que identifica, elabora e
organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a
plena participação dos alunos, considerando as suas necessidades específicas”
(BRASIL, 2008), articulada com a proposta comum e preferencialmente em período
inverso da frequência de aulas.
Com o propósito de garantir a universalização de Atendimento Especializado, já nas
denominadas Escolas Especiais, por vezes filantrópicas historicamente já aconteceu
de diferentes maneiras, foi definido direcionamento de recursos para que tais
estudantes, em escolares regulares, pudessem ser atendidos em classes, escolas ou
serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos
alunos, não for possível a sua ‘integração’ nas escolas comuns do ensino regular”
conforme art. 59, parág. 2o da LDBEN (BRASIL, 2008). Ou seja, ele é visto, segundo
esse texto, como uma complementação ao atendimento feito regularmente em sala de
aula. Contudo, cabe perguntar: em uma sala de aula comum, como aconteceria a
comunicação?
Abordando especificamente da supressão da barreira linguística que caracteriza a
surdez (diagnóstico das chamadas pessoas surdas) no contexto de uma escola onde a
comunicação acontece via oral-auditiva e com tarefas em língua portuguesa na
modalidade escrita, a presença do intérprete de Libras se faz absolutamente
necessária. No caso, mais do que uma simples tarefa de interpretação trata-se de
interlocutores que mais do que traduzirem o conteúdo devem favorecer o aprendizado
construindo junto com os alunos cada um dos conceitos a serem aprendidos. Em
algumas escolas da rede privada é comum que isso ocorra com mais frequência em
nível de Fundamental II e Ensino Médio, quando se supõe um prévio aprendizado e
aquisição de linguagem por parte dos alunos. Contudo, cabe observar a realidade de
cada um dos Estados e Municípios em suas políticas educacionais específicas.
Importante destacar que enquanto educadores, a fronteira entre língua portuguesa e
língua de sinais deve estar bem delimitada. O bimodalismo não substitui de maneira
nenhuma o intérprete e não pode ser considerada um bom recurso para ser usado
durante o ensino constante na sala de aula, para evitar que a diversidade lexical e
sintática da língua de sinais, comparativamente à língua oral, dê margem a afirmações
sobre a inadequação de sua estrutura linguística e legitimado supostos acréscimos e
consertos (BOTELHO, 2002), embaralhando o que na verdade são duas línguas
diferentes.
Mais adiante especificaremos as questões relativas propriamente a escrita, que, no
caso, é a Segunda Língua (L2) das pessoas surdas. Na próxima seção,
aprofundaremos as questões do letramento em relação ao bilinguismo e às escolas
bilíngues para surdos.
Para quaisquer um dos conteúdos ministrados, devemos nos livrar de certos mitos,
tais como o mito da dificuldade de abstração (BOTELHO, 2002), entre outros. É
central, para qualquer metodologia assumida, substituir o mero “ensino de palavras,
pensando a linguagem como um aglomerado de vocábulos” (BOTELHO, 2002, p.52).
Fazendo referência a Geertz (1978, p.57) e ao pensar como o ato de recorrer a um
montante de símbolos disponíveis em uma espécie de tráfego, Botelho (2002) afirma
que se há disponível na língua de sinais o tráfego usual de símbolos (sons, imagens
visuais, olfativas, táteis, cinestésicas, gustativas, proprioceptivas, palavras faladas,
palavras escritas, se há disponível a língua de sinais, este será disposto como novo
signo linguístico, o do sinal). Nessa trama linguística, então, se constroem raciocínio
através de modos diversos.
Atendo-se especificamente à questão da leitura e letramento, cabe favorecer o ato de
ultrapassar signos linguísticos na sua capacidade de codificação e decodificação,
sugere-se de maneira enfática que sempre estejam disponíveis muitos materiais de
leitura e que desperte o interesse da leitura por diferentes meios (SOARES, 1998;
FERNANDES, 2006).
Em primeiro lugar, alguns autores tecem observações sobre o risco de simplificação
ou acomodação a elementos como imagens, uso de quadrinhos e produção de
desenhos em substituição ao desenvolvimento de leitura e escrita, já que “Quando
falamos de letramento de surdos, [portanto], estamos nos referindo a um processo de
constituição dos sentidos na leitura e na escrita dos surdos que decorrerá de processos
simbólicos visuais e não auditivos” (PINHEIRO, 2010, p.24)
Por isso, é necessário lembrar-se da necessidade de disponibilizar e estimular o uso
de materiais variados de leitura, principalmente porque nem todas as famílias têm a
possibilidade de cumprir o papel de estimulação por meio de diferentes tipos de textos.
De modo análogo cabe ressaltar também que nem todas as culturas atribuem o
mesmo valor à escrita “Existem culturas que dão significados distintos para o uso da
escrita, ou seja, não se trata de concepções estanques; haja vista que “as práticas de
letramento resultam de decisões humanas baseadas nos valores das pessoas”
(SILVA, 2007, p. 42)
Em segundo lugar, é necessário destacar o caráter processual do letramento. Mesmo
para pessoas, surdas ou ouvintes, que já passaram pelo processo formal de
alfabetização, há diversas formas de explorar um texto que podem ou não ficar de fora
no processo de aprendizagem. Há diferentes níveis da linguagem que são trabalhados
nas práticas da leitura e escrita.
Um caminho importante reside na construção de nesse sentido, Perlin (1998) ressalta a
importância do encontro
- entre sujeitos surdos que se comunicam fluentemente em Libras. De acordo com a
autora, a identidade surda “é uma identidade subordinada surdo-surdo, essencial para
a construção identitária” (Perlin,1998, p. 54). Skliar e Lunardi (2000) acreditam ainda
que há um papel relacionado ao professor surdo
enquanto referência, que vai muito além de apenas uma identificação linguística, trata-
se de um “interlocutor privilegiado” da criança surda.
Além dessas recomendações de trabalho para aqueles que se propõem a construir
uma educação de surdos verdadeiramente bilíngue, algumas abordagens recentes se
colocam como fonte de enriquecimento ao trabalho do professor/educador.
Por fim, em fases mais iniciais Escrita em Sinais (Sign Writing) tem se colocado como
uma possibilidade recente, elemento especificamente para aquisição de linguagem,
bastante promissora no processo de letramento de alunos surdos. No caso específico
do SW, o processo de alfabetização é apresentado em três etapas. O aprendizado
dessa maneira é que possibilitaria aquisição de linguagem para, assim apreensão de
conteúdos subsequentes e construção de conceitos.
Enfim, essas propostas, situadas neste artigo pretendem apresentar algumas soluções
ou possibilidades para as questões anteriormente colocadas. Fazem parte do
desdobramento prático da busca por meios acessíveis de ensino e aprendizagem para
professores e estudantes surdos e deficientes auditivos, que muito nos desafiam.
Isso, porque, se para crianças ouvintes em contexto brasileiro tudo pode parecer mais
ou menos intuitivo ou “natural”, o mesmo não acontece no caso de crianças surdas.
Sem deixar de destacar que a problemática do letramento também é plausível para
crianças com deficiência auditiva, mas que por terem se adaptado a algum tipo de
tecnologia assistiva, ou submetidas a cirurgia de implante coclear e com isso possam
ter desenvolido bem a linguagem através de acompanhamento fonoaudiológico, elas
também são caracterizadas por impedimentos relacionados à comunicação, ao qual é
necessário compreendermos e nos adequarmos.
A educação por meio da língua portuguesa pode se dar através de caminhos
diferentes, dependendo das vivências anteriores, dos graus de perda auditiva, das
escolhas feitas anteriormente pelo estudante e por sua família em idade mais
prematura ou devido a uma caracterização cuidadosa das especificidades no interior
do amplo espectro que compõe a deficiência auditiva e a surdez. A distinção entre
surdez pré lingual e surdez pós lingual é útil para compreensão. Estudos apontam que,
para diversos casos de deficiência auditiva (usando a classificação maneira mais geral
conforme Decreto 5626/05 já especificado) a aquisição da linguagem se dará de
maneira mais adequada através da língua de sinais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
BIBLIOGRAFIA
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Sinais - Libras e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 abr.
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DINIZ, Debora. Modelo social da deficiência: a crítica feminista. Série Anis, Brasília,
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MOURA, Maria Cecília de. O surdo: caminhos para uma nova identidade. Rio de
Janeiro, São Paulo: Revinter, FAPESP, 2000.
SACKS, Oliver. Vendo Vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998.