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Resumo
Introdução
Ciranda Viciada
Quando um corpo chega ao IML com marcas de violência, o atestado de óbito não
pode ser feito, presume-se crime. E, por conseqüência abertura de
inquérito.Sendo assim, a saída imaginada por entidades assistenciais é encontrar
um “pai adotivo” o menino é adotado, e pode ter um enterro e passa a ter um
sobrenome.
Para os grupos de extermínio a solução encontrada são os cemitérios
clandestinos, daí a dificuldade saber a extensão precisa dos assassinatos dos
menores e se obter uma estatística rigorosamente confiável. Não há estímulos
para as investigações e muitos sofrem ameaças ou ataques diretos. Quando se
inicia os trabalhos testemunhas desaparecem muitas vezes os principais
envolvidos.
Quem cala, vive
A lei do silêncio faz parte da rotina da maioria das pessoas que protegem
infratores exige apuração ou apontam nomes de envolvidos nos assassinatos.
Em alguns locais do Brasil os grupos de extermínios patrocinados ou amparados
por policiais são muito ousados. Lá ,segundo trabalhos do Ibase, 57%dos
homicídios são praticados por eles. Preocupadas com essas mortes mulheres
organizaram o chamado S.O.S criança. E além de encaminharem as denúncias
também passaram o cuidar exclusivamente do problema. Entra cena o famoso
“Esquerdinha” que aterrorizava os favelados. Para sobreviver a melhor forma era
fingir que não sabia de nada.
O arquivo do silêncio
Contos da carrocinha
A vereadora Nely Almeida (PSDB) emocionou-se tanto ao assistir "A Guerra dos
Meninos", que na sexta-feira, 6, telefonou a sua realizadora, Sandra Werneck,
consultando sobre a possibilidade de ser feita uma exibição deste documentário
no plenário da Câmara de Curitiba em outubro próximo, quando das discussões
em torno do problema do menor - e já estiver definido o Conselho Municipal de
Defesa da Criança e do Adolescente. O vereador Horácio Rodrigues (PL),
presidente da casa - que também viu uma parte do vídeo - apoiou a idéia,
entendendo a importância deste documentário de 52 minutos que já tem exibições
asseguradas em mais de 10 países - e que concorrendo no 19º Festival de
Gramado do Cinema Brasileiro (5 a 10 de agosto) recebeu os Kikitos de melhor
curta e melhor direção. xxx A primeira cena mostra um garoto de 12 anos
fabricando caixões em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. A última seqüência
focaliza um grupo de meninos de rua representando uma execução em que as
armas se transformam magicamente em sorvete. Entre estes dois pontos, Sandra
Werneck, uma carioca de 40 anos completados no último dia 5 de maio, realizou
um dos mais profundos, sinceros e corajosos documentários brasileiros. Com toda
razão, na sessão em que "A Guerra dos Meninos" foi projetada no auditório
Lupiscinio Rodrigues no Serrano Centro de Convenções, em Gramado, muitos
espectadores saíram com lágrimas nos olhos. A emoção atingiu também aos
membros do júri (do qual fizemos parte), que mesmo considerando a importância
de outros média-metragens em competição (*), foram unânimes: pela sua
atualidade e importância, "A Guerra dos Meninos" merecia os dois prêmios na
categoria de média-metragem. Para falar neste documentário que só foi possível
ser realizado graças a ajuda da Unicef, e, especialmente, da Kinderpostegels, uma
fundação holandesa de proteção à criança (que se uniram e doaram US$ 35 mil
para a produção, cerca de 30% do orçamento do filme), temos que repetir aquela
definição, que já utilizamos algumas vezes: CINEMA DE UTILIDADE PÚBLICA.
Realmente, uma cineasta que vem construindo uma obra da maior consciência
político-estética como Sandra Werneck, não poderia ter escolhido um assunto
mais atual e necessário de ser discutido com todas as letras e imagens.
Coincidentemente, no domingo, 4 de agosto, que aconteceu a abertura do Festival
de Gramado, "O Estado de São Paulo" dedicou duas páginas a uma belíssima
reportagem de Roldão Arruda, jornalista londrinense, com a manchete "Violência
liquidou em julho 30 menores nas ruas de São Paulo". A realidade terrível, da
verdadeira guerra que diariamente acontece em dezenas de cidades brasileiras
contra a infância e adolescência desprotegida, fez com que o livro-reportagem de
Gilberto Dimenstein, 33 anos, da sucursal da "Folha de São Paulo" em Brasília,
publicado há três anos pela Brasiliense (Cr$ 2.500,00), se transformasse numa
obra de maior impacto. Quando Sandra leu o livro, imediatamente decidiu que a
denúncia ali feita merecia ganhar uma forma ainda mais ampla de ser levada "ao
maior número possível de pessoas", conforme nos disse em Gramado. - "Mesmo
com o livro de Dimenstein alcançando os primeiros lugares nas listas dos mais
vendidos, sabemos que é ainda uma minoria que lê no Brasil. A televisão, mesmo
quando denuncia a violência contra os menores, o faz de forma sintética, sem
aprofundar. Portanto, senti que tinha a obrigação de fazer este filme". Cineasta
que sempre trabalhou com temas sociais - em "Bom Dia, Brasil", 1976, em sua
estréia, acompanhava a trajetória de um nordestino na grande cidade, seguindo-
se "Rito de Passagem" (1980), para, em 1984, realizar um contundente estudo
sobre as internas do Instituto Penal Talavera Bruce, em "Pena Prisão". Em 1987,
após um média em que discutiu a indústria e consumismo cultural ("Geléia Geral",
1986), Sandra abordava a prostituição infantil em "Damas da Noite". Portanto, o
livro de Gilberto Dimenstein não poderia encontrar uma realizadora mais
identificada às suas preocupações. Relata Sandra: - "Em setembro e outubro do
ano passado, com uma equipe de 12 pessoas, percorri favelas e comunidades da
Baixada Fluminense e da Zona Sul, e a Cinelândia, além de comunidades pobres
de Recife e São Paulo". Na roteirização, Sandra teve ajuda de Maria Clara Morais
e posteriormente uma de suas consultoras foi Ana Filgueiras, coordenadora do
Centro Brasileiro de Defesa da Criança e do Adolescente. ///Corajosamente,
Sandra enfrentou barras pesadíssimas para dar o máximo de realismo ao seu
filme. Em Nova Iguaçu, visitou uma fábrica de caixões e um cemitério de
indigentes. Em Duque de Caxias, entrevistou o coordenador regional do
Movimento Nacional de Meninos de Rua, Valmor Nascimento, que sofreu diversas
ameaças de morte e um seqüestro para tentar desmoralizá-lo. Em Caxias,
entrevistou também a promotora Maria Salles Moreira e ali conheceu uma menina
de 15 anos que estava jurada de morte por ter presenciado o assassinato do
namorado e um garoto de 16 anos, gerente de uma boca de fumo. Em São Paulo,
onde a produção executiva teve o apoio da experiente Assunção Hernandez,
Sandra conseguiu entrevistar um matador profissional que está preso em Taubaté
acusado de mais de 70 homicídios. Em Diadema, ouviu uma mãe contar o
assassinato de seus três filhos, em maio de 1990. - "Em muitos momentos, fui
filmar somente com o fotógrafo Guy Gonçalves, sendo levada vendada e sob
pistolas e metralhadoras. Não poderia haver maior realismo". Deste material -
quase 8 horas de filmagens em 50 latas de 10 minutos cada - Sandra montou um
documentário enxuto, perfeito e emocionante de 52 minutos, que lançado em
junho no Cineclube Estação Botafogo (Rua Voluntários da Pátria, Rio de Janeiro),
ficou quatro semanas em cartaz, com sessões franqueadas aos próprios meninos
de rua - muitos dos quais apareciam na tela. Levado em abril ao Mercado
Internacional de Programas para Televisão (MIP), em Cannes, foi comprado por
vários países - incluindo a Inglaterra, Holanda, Canadá, Japão, EUA e Noruega.
Dois dias antes de chegar a Gramado, Sandra teve confirmação de que seu filme
foi aceito para participar dos festivais de San Sebastian (Espanha, setembro) e
Chicago. - "Fiquei feliz mas não sei se poderei ir. Afinal, até hoje não tive o menor
auxílio do Governo. Antes, pelo contrário..." - diz, lamentando que no XXIV
Festival do Cinema Brasileiro de Brasília (3 a 10 de julho), seu filme foi
misteriosamente vetado pela comissão de seleção. As mais diferentes instituições
ligadas ao problema social - especialmente das questões das crianças - tem
procurado Sandra para promover sessões deste filme, que em circuito comercial
dificilmente será exibido. Ligada familiarmente ao Paraná - aqui reside uma das
suas tias, Sandra mostra-se disposta a vir especialmente para algumas sessões
em que seu filme seja debatido, prometendo, inclusive, empenhar-se para que o
jornalista Gilberto Dimenstein - "uma pessoa admirável, que abriu mão de
qualquer exigência autoral e tem dado a maior força" - a acompanhe. Para isto,
basta que a Câmara de Curitiba (e por que não a Secretaria da Criança, que Fani
Lerner dirige com tanta dedicação?) ofereçam as mínimas condições. A visão das
imagens de "A Guerra dos Meninos" vale por mil discursos e não há quem não se
conscientize em torno desta questão, ao ver o problema - com visão jornalística e
imparcial que Sandra faz deste que é um dos mais terríveis e angustiantes dramas
de nossos dias. Nota (*) "Isto é Noel", média-metragem de Roberto Sganzerla
sobre Noel Rosa (1910-1937), "O Vôo Solitário" (Der Einsanme Flug), de Ewerson
Foganello e "Nosso Amigo Radamés Gnatalli", de Moisés Kendler e Aluísio Didier
(RJ) foram os outros concorrentes. O documentário sobre Gnatalli, a exemplo do
que ocorreu no Festival de Brasília, mereceu o prêmio especial do júri. LEGENDA
FOTO 1 - Sandra Werneck, no encerramento do 19º Festival de Gramado do
Cinema Brasileiro, recebendo os dois merecidos Kikitos pelo seu atualíssimo
documentário "A Guerra dos Meninos" (foto Tiomkim). LEGENDA FOTO 2 -
Filmado no Recife, São Paulo e Rio de Janeiro, "A Guerra dos Meninos" é o mais
contundente documentário sobre a violência praticada diariamente contra as
crianças e adolescentes.