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JOÃO DE FREITAS

•,

Xangô Djacutá

,1

EDIÇÕES
CULTURA AFRO-ABORÍGENE
RIO DE JANEIRO

~- ">- ,
JOÃO DE FREITAS

Xangô Djacutá
HIST6RIA - MITOLOGIA - RIWAL - LITÚRGIA ,'"I
CULIN AR IA - CURANDEIRISMO - MAGIA~
DOUTRINA - ESPIRITISMO
ETC.

2~ EDIÇÃO

EDIÇOES
CULTURA AFRO-ABORíGENE
aro DE JANEIRO
PREFÁCIO

Um livro que faltava!

Em meio a uma literatura tumultuada) dentro da


especialização espiritual) que encerra XANGO
DJACUTÁ) em verdade) é o livro que faltava aos pra-
ticantes da Umbanda.
Despretensioso) simples e objetivo) o autor procurou
concentrar-se nas minúcias mais rigorosas do ritual oiro-
aborígene do culto a Xançô, tornando seu estudo algo
agradável) instrutivo e) 'sobretudo, pedagógico ..
A metodologia usada por João de Freitas, indiscuti-
velmente) muito irá ~ervir aos' seguidores da seita} já
agora tão difundida em nosso país.
As confusões e mal-entendidos em redor do conteú-
do e prática doutrinária» se esbaterão contra os claros
ensinamentos) oferecidos nas páginas dêste livro) sem
os requintes e pretensões absolutistas de um dono do
a sumio.
Ressalta) em todo curso da amena leitura desta obra)
entimento de sincera humildade do autor que parece
6 JOÃO DE FREI TAS XANGÔ DJACUTÁ 7

querer se desculpar de conhecer tanto a matéria e só IttUrr, considerando-se o número de seus adeptos da hierar-
versá-la no meio têrmo de bôa reportagem. IlUia social e, portanto, não pode ser acoimado de seita
É obra informativa, substancial e modesta, vendo-se 1Jara ignorantes e analfabetos.
que o autor procura, apenas, contar uma história, con- Impressuma, por outro lado, a insensata perseguição
tendo-se, todavia, dentro dos cânones espiritualísticos (lU lhe movem outras formas de religião, esquecidos to-
dessa religião. aoe de que acuar .o crente é estimulá-lo a prosseguir.
Dá, mesmo, a impressão de um prêto velho aconse- Um sábio francês afirmou, após estudar as nascen-
lhando seus crentes, baixado em seu terreiro, distinguin- t do cristianismo, que o sangue dos cristãos, derrama-
do-se tão sõmente pela linguagem escorreita e tiesauunada. á nas perseguições e nos massacres indiscriminados , era
li menteira de cristãos.
Fica bem, outrossim, a sua reiterada recomendação
.aos leitores de que a ritualística ou a liturgüi. da religião Tudo o que fôr guerreado e proibido, atrai a huma-
esperam ainda o seu estudioso ... êle é, apenas, o cronis- nidade sedenta de curiosidade e sensação. E isto nasceu
ta a desfiar um rosário de notícias mais ou menos fidedig- om Adão ...
nas ... Outros virão, a trilhar a mesma senda, com mais A prática urnbandisui, pelo que se pode apreciar
conhecimentos e seçuromça, para mergulhar nos arconos n te livro, é uma extensão do cristianismo, mesclado
dos fenômenos postos em equação! (J compensado pelos rituais e superstições africanas.
A configuração orgânica da obra em tela, é prova Esta mescla tornou o culto mais acessível às mul-
suficiente do grande tirocínio do autor, o qual não per- t:iélões e lhes permitiu aproximar-se mais ~ntimamente de
mite um só instante a suposição de se estar lendo algum H1,/,aentidades protetoras, consentindo a todos alimentar
trabalho sem objetivo. u misticismo de forma mais natural e objetiva.
Traz, em si, éste XANGô DJACUTA brilhante âes- A consolidação do umbandismo como religião reco-
.tino: - o de esclarecer milhares de praticantes do culto nh cida caminha a longos passos, vez que o movimento
IÚ' eus adeptos C1'escedia a dia, fundamentado nos prin-
afro-aborígene que se exercitam nos terreiros sem os ri-
( ~1)io do misticismo coletivo.
gores do sistema religioso adotado, pode-se dizer, apenas
por instinto. O misticismo, por outro lado, é o fruto de uma épo-
As falhas apontadas, os descuidos no cumprimento (/(, d angústia e depressão econômica, impulsionando 08
das "obrutações", a falta de observação, no expôr do sen- 11,1 vaZidos da fortuna para os cultos onde possam en-
tido místico e na escolha dos locais apropriados às suas «(m,trar, de imediato, uma palavra de fé e de consôlo, es-
práticas é que redundam em desprestígios e achincalhe do 111 ?'Ilnça com que se resiste ao infortúnio e ao mêdo do
culto. Culto este, aliás, tão res1beitável como outro qual- Il (. él amanhã!
8 JoÃo DE FRÊ:ITAS

As religiões reconhecidas· e assentadas em sólidas


bases, tradicionais, em virtude mesmo de sua grandeza
e organização, perdem o contato com a alma simples das
multidões, encastelando-se nos seus princípios e intran-
sigências.
Cumpre, pois, o livro de João de Freüae sério de-
siderato: .- corporijicar, singelamente, um grupamento APRESENTAÇÃO
de cultos tumultuados pela prática arbitrária e eivada de
improvisações perniciosas, oferecendo seguro roteiro a
Não pretendemos, com o presente trabalho, forçar situa-
quantos adotem seus princvpio« religiosos.
ções nem fomentar a luta religiosa que sempre existiu em con-
É outro passo dado no caminho da consolidação
seqüência da exaltação mórbida dos fanáticos e facciosistas de
ética e um catecismo de religião em curso para seu re-
todos os matizes Queremos ver, apenas, de acôrdo com o re-
conhecimento social.
gime em que vivemos, resplandecer o respeito mútuo em tôda
O desenvolvimento da obra agrada) porque documen-
sua plenitude e o fiel acatamento à Constituição brasileira no
tada e baseada no bom senso e na lógica peregrina .g âesa-
que tange à liberdade de culto. E para que a ignorância, a in-
taviada de um estilo meão e corriqueiro de quem quer
transigência, o despotismo e as vociferações apaixonadas tenham
ser entendido pelo maior número de pessôas possível.
têrmo, julgamos oportuno escrever XANGô DJACUTÃ com
Instrutivo e pedagógico, oferece, ainda, extensa con-
o propósito de colaborar com os que pleiteam o reconheci-
tribuição ao "[olclore" lingüístico e uma impressionante
mento da Umbanda como religião de fato.
referência à culinária nacional e, muito especialmente, à
baiana - onde, desde os nossos primórdios) se desenvol- A liturgia e o ritual, destas seitas afro-aborígenes que pos-
veu a típica brasileira. suem mais de oito milhões de adeptos no Brasil, estão nas pá-
Cervo açradarâ a todos, quer adeptos do umbandis- ginas dêste livro como forte documentário, sem omissão, para
mo) quer aos estudiosos de usos 6 costumes afro-brasíli- que os sonegadores contumazes da justiça não encontrem pre-
cós) etnólogos, historiadores e exeqetas, artistas e escri- textos para chicanas e protelações como é notoriamente conhe-
- . ,
tores, porque todos encontrarão nas páginas de XANGô cido.
DJACUT A algo de interêsse e bôa informação. o culto a Xangô mostra aos leigos o que é realmente esta
religião primitiva, tão digna e respeitável como as demais e
AYDANO BOTELHO que, no desespêro de causa, seus opositores desleais acoimam-
na de «baixo espiritismo».
10 JOÃO DE FREITAS

Sendo ela, afinal, representada por vários cultos dos nossos


índios, mesclados de maneira prodigiosa com as seitas arrica-
nas, o ritual e a liturgia são os mesmos, variando, como é evi-
dente, as côres simbólicas e os pontos cantados ou riscados que
caracterizam suas origens.
Portanto, o que se escrever sôbre Xangô ou Caramuru,
Ogum ou Urubatã, Oxossi ou Aimoré, será tômo da mesma obra
que se avoluma e adquire, cada vez, maior expressão pelo colo-
rido das imagens e elevação dos propósitos que animam seus
colaboradores.
De modo que, se a Umbanda não quer e não precisa de
viver à sombra de outras religiões, suas falhas e lacunas somente
aos umbandistas cabe o direito de corrigir.
Quanto às interpretações metafísicas, e ousadas asserções dos
«iluminados», continuarão, como sempre, no monturo das opi-
niões isoladas;

o autor

Alafim-Echê (São Jerônimo)


r

HISTORIA
N o período colonizador, em virtude do comércio de
escravos, o Brasil recebeu grande número de negros
provindos de Angola, de Luanda e do Congo. De Cuban- ,
go, Lunda e Matadi, bem como de Benguela, eram mais
raros, muito embora fôssem todos de origem angolêsa.
Da Costa do Ouro, isto é, os sudanêses, "menos ferozes",
porém, refratários à catequése cristã pelo apêgo aos seus
costumes primitivistas, o contingente foi bem menor. A
parte oriental de África, ocupando, papel menos saliente
nêsse tráfico, nos forneceu nativos de várias procedências.
Para cá vieram os nhabanêses, os quelimanes e os quíon-
guenses, todos êsses negros do litoral de Moçambíque,
Caracterizavam-se, ditos escravos, pela influência dos cos-
tumes orientais de que a civilização árabe deixou vestí-
gios até nos próprios vocábulos como é fácil se constatar.
E assim, negros da Guiné, cabindas, quilengues e
tantos outros, por volta do ano 1585, constituiam a pri-
meira fôrça, embora dispersa, de quatorze mil africanos
no Brasil.

Alguns historiadores afirmam que a comunidade ne-


gra em nosso país, em 1731, falando diferentes dialétos,
andava pela casa dos dois milhões de almas com seus
usos, costumes e cultos dos mais estranhos e "exóticos"
rituais.
Nesta altura estavam no apogeu, embora clandesti-
namente, as religiões dos l1eer9~' 9rj~ptais e ocídentaís
16 JOÃO DE FREITAS
XANGÔ DJACUTÁ 17
que se mesclaram ainda com os nossos índios de maneira
Impres~lOnante para c~nst!tuir, como constituiram, fôrça veís à bisbilhotice dos alcoviteiros dos senhores de en-
ponderavel na formação etnica do nosso povo. genho.
Contudo o candomblé estava no período áureo e a
. Se o~ Mallet, os Bantu e os Vodu, assim como os
Míssurumí, com o correr dos tempos, ligados aos íuruba- macumba em todo seu esplendor!
no~, fundiram os cultos e rituais de suas seitas os temi- As conversões se verificavam em massa e os filhos
veis Kábylas, .n?tá~eis feitíceiros, influiram na 'parte dos dos cativos seguiam a religião dos pais. Os mestiços,
trabalhos espírituals mais pesados, pois eram mestres. atraídos pela exuberância de provas espirituais, ávidos
de luz, e sabendo que viviam um mundo de civilização en-
. Os deuses, dês se lendário e misterioso Continente ganadora, mentirosa e cheia de malquerenças, convertiam-
a!r~~ano desfrutavam, como até hoje se observa nos meios se e aceitavam, em tôda plenitude, os sacrifícios da ini-
cívilízados, de grande veneração e até mesmo de idolatria.
ciação.
As danças, em ritmos dolentes e por vezes frenéticos Era o prenúncio de novo sol para iluminar as terras
e,,:o~ando os zombies ou c:s manes das selvas, ao som hip~ de Santa Cruz!
notíco de tambores, atabáques, agôgôs e cânticos clango-
rosos. e ~helOs de angusüa, se confundiam com os fetiches Continuavam os navios negreiros na sua faina nefan-
constituídos de pedra de raio, esqueletos de animais ar- da de conduzir, acorrentados como animais ferozes, para
mas de guerra, instrumentos de sacrifício e boneco~ de as Américas, gente cujo único crime consistia em ter a
madeira ou barro, tidos pelos profanos como coisas estram- alma pura e nobreza de sentimentos muito superior à da
bóticas e próprias de selvagens ... raça branca.
E longe, distantes das senzalas, no sopé dos arbustos Por paradoxal que sejam ti das tais asserções, pode-
nas margens dos rios, nas praias afastadas, nas cachoeira~ mos garantir que, em cada élo das correntes malditas que
ou na mata- virgem, ou à beira de túmulos os alufás os cingiam os negros nos porões das amaldiçoadas galeras,
babalaôs e os lemanos realizavam essas co~tagiantes ~a- refulgiam, em divinais mensagens, as sementes da humil-
cumbas para gaúdío de seus adeptos. Dêsse modo eram- dade sublime que germinaram e deram sazonados frutos
lhes transmitidos, d~ geração em geração, pelos emban- em nossa formação espiritual através da excelsa bondade
das, os segredos das seitas. Os sagrados rituais eram mí- da nossa Mâe-prêta.
nistr~d?s aos iniciados e explicadas a liturgia, a divindade
dos fetiches bem como a necessidade da manutenção dês- Estremeciam-se, pois, os alicerces da religião oficial
ses cultos. e urgia um ataque frontal à "perigosa seita" que avassa-
lava e adquiria, cada vez, maior incremento.
Nã~ possuiam templos, e as suas reuniões, a rigor,
eram feitas sob o maior sigilo e vigiadas pelos camanás Quem sabe se, como pensavam, com o correr do tem-
que se ocultavam estrategicamente em pontos ínaccessí- 0, não viria tal religião constituir séria ameaça à civi-
ligevç&Q pra;nç?:? 9 certo ~ que que 9 pa,Y9f domínava 9
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espírito de muitos escravistas que se sentiam temerosos dícaríam de sua fé, dos princípios relígíosos e das con-
e impotentes. Temiam uma reação negra, tal como aque- vicções herdadas de seus antepassados.
la que se verificou, mais tarde, orientada pelo audaz e res- Ninguém muda de religião da noite para o dia. Quem
peitável chefe Zumbi. o fizer não é merecedor de acatamento. A consciência
As lágrimas derramadas no eito pelos escravos, o religiosa e o atavismo são barreiras intransponíveis nu-
chicote a lhes estalar no lombo, o grito de horror das vir- ma raça pura como a dos negros.
gens estupradas pelos desalmados feitores e capatazes, Mudando de tática, mas sempre de chanfalho à mão,
ainda hoje a palpitar nas veias dos negros de tôdas as clero e polícia ofereceram garantia de liberdade de culto
Américas, representam algo digno de ser meditado pela aos negros sob a condição de substituirem os "grotescos
pseuda raça superior. É que, embora tenham vindo as li- bonecos" por imagens católicas.
berdades, todavia, não foram amainadas as dores daque-
les infelizes, como não foi dominada a cólera dos deuses ... Estabelecido o armistício, paz fictícia, para facilitar
a tarefa de evangelizaçâo, os catequistas afastaram os mais
O problema do negro, mesmo em futuro remoto, será rebeldes para destinos incertos e ignorados e iniciaram a
equacionado pelo próprio negro. Há grandes líderes em doutrinação suave ...
formação para os séculos vindouros.
O batismo de crianças, o casamento, a distribuição
A flexa e a lança, substituídas pelo livro, garantirão de santinhos, a interferência dos padres para a suaviza-
a reconquista do Continente africano pelos seus legíti- ção dos castigos corporais inflingidos aos negros, as mis-
mos donos. sas, as procissões aparatosas e as festas religiosas com
tentadoras oferendas lograram êxito absoluto.
Não é lícito subestimar tal profecia nem considerá-
Ia como utópico sonho ou devaneios de uma raça tida como A prova da gigantesca obra dos catequizadores cris-
inferior. tãos têmo-la aí, diante de nossos olhos, com o esmaga-
mento quase total dessa milenar religião africana a que
Iniciada, pois, a luta religiosa sob o beneplácito das brancos, negros e mulatos, nacionais e estrangeiros, im-
autoridades policiais, os senhores de engenho por ardilo- buídos dos mais sinceros propósitos tentam, desespe-
sidade ou covardia encolheram os ombros. Deixaram nas i adamente, soerguê-la como imperativo mandato dos gran-
mãos dos sacerdotes e dos beleguins a pusilânime vindita. des e imortais orixás que em suas mensagens anunciam
Não havendo, naquela época, liberdade de culto, fácil que os tempos são chegados.
é avaliar como os golpes foram planejados e desferidos Ao que parece os tempos chegaram mesmo. Os ne-
contra o candomblé e a macumba! gros, hoje, desfrutam, como os brancos, dos mesmos di-
A Igreja, porém, logo aos primeiros embates reco- itos de viver como pessoa humana. Agora todos são
nheceu a impraticabilidade do "crê ou morre". A resis- iguais. Além da liberdade de culto, assegurada pela
tência fôra maior que esperavam. Os negros jamais ab- onstituição, novas conquistas surgiram como podere-
1

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~;;;:;;;; ~ ~~7,~':?:·
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sas armas com que punirão quem lhes negar ingresso na sopé da umbamba, frondosa árvore semelhante à palmei-
sociedade. ra, ao sabor do poracê sagrado, isto é, do aruanã. Seus
cânticos invocativos, acompanhados de instrumentos de
Não há mais, no Brasil, o preconceito de cõr, essa sons lúgubres tais como o membi e o timbatu, atraíam os
mancha que ainda perdura em certos paises considerados manes das selvas e seus antepassados para as libações li-
como padrões de civilização! túrgícas . Para êstes cerimoniais o pagé oferecia caças
E assim a enfrentar galhardamente dentro de várias frescas, tiquira ou cachirí em honra dos mortos tal como
gerações as 'guerras de morte que lh~ moveram cléro .e se observa no ritual sagrado dos africanos. Depois, can-
polícia a religião afro-aborígene te!lé: que luy~.r, mais tando sempre, retornavam ao tujupar e prosseguiam as
tarde com outras seitas de fundo cristão. Surgir-ia, como danças até cairem 'em êxtase. Pois foi por tais semelhan-
surgi~, o espiritismo de Alan Kardec agitando séria cam- ças panteistas que se verificou a mescla e com o decorrer
panha contra o ritual "bárbaro" dos negros. Nova fase dos tempos surgiu a Umbanda, corruptela de umbamba
de luta, novo período de guerra fri~ através de ,?oatos, religião afro-aborígene praticada pelos caboclos e mame~
novo processo de infiltração sorrateira de símpatízantes lucos.
com o objetivo de liquidar com a liturgia marcaram sul-
cos profundos na história umbandista. A, l~itura e ~omen- Se êsse sincretismo não foi aceito in totum pelos
tários do Evangelho, em doses homeopáticas, pari-paseu. nossos índios e caboclos é porque os alufás africanos or-
com as ....
longas e exaustivas preces, pareciam dominar os clinàriamente exerciam preponderância nas práticas re-
menos rebeldes. A Umbanda, porém, nas mãos de chefes ligiosas sôbre os pagés por serem êstes mais tímidos. De
de comprovada capacidade e fõrça aspiritual cont!nuou sorte que, enquanto o Candomblé se fortalecia nos Esta-
na sua resistência heróica. Tôdas as tentatIvas, mves- dos da Bahia, Alagoas, Pernambuco e Sergípe a Umban-
da tomava corpo nos Estados do Rio, Minas Gerais Es-
tidas contra ela, foram infrutíferas!
pírito Santo, Mato Grosso, Goiás, Distrito Federal ~ ou-
Vitoriosa, assaz respeitada em virtude do espírito tros da Federação.
de autêntica fraternidade que anima seus adeptos, vem
a Umbanda entretanto passando por várias crises de cres- Atualmente, com raríssimas excepções, todos os ter-
cimento em conseqüência de fatôres de ordem psíquica reiros praticam o ritual aborígene de permeio com o do
oriundos do desequilíbrio social. E essa conjuntura, ine- africano. Somente no Estado da Bahia é que o Candom-
vitável trouxe-lhe sério problema que precisa de ser so- blé se mantém incólume à influência de outras seitas e
lucion~do. É que por falta de um organismo orientador, doutrinas religiosas.
com bases sólidas, à altura de sua evolução e transfor- Eis, pois, a história da Umbanda através da síntese.
mações progressivas, geram-se incompatibilidades e con- uma simples recopilação de trechos para essa fôrça em
flitos de pontos de vista que acabam, como é óbvio, crian- archa que se não interrompe pelos nobres objetivos que
do clima propício para a insubordinação. m em mira. É, enfim, ligeiro subsídio para os néo-umban-
Os nossos índios, panteistas como os negros, adoran- lsta~ que deseja~ c..?nhec~r esta religião desde os pri-
do tõdas as tôrças da natureza, cultuavam seus deuses ao 1 órdios da colonização africana em nosso país.
22 JOÃO DE FREITAS

Não sendo estudo de etnologia nem tratado antropo-


lógico para definir origens raciais, nem demonstração teó-
rica de crendices € superstições, contudo reputamos útil
para os iniciados terem noção aproximada dos ínvios ca-
minhos palmilhados pelos nossos ancestrais umbandistas
até à presente época.

MITOLOGIA
As junto
poéticas e encantadoras lendas africanas, cujo con-
forma essa portentosa mitologia, inspiradas
em princípios místicos e enigmáticos, são de um lirismo
enternecedor.
A tradicional história do dilúvio que o Velho Testa-
mento e livros religiosos, de povos antigos, afirmam ser
verdadeira, parece ter alguma relação com a mitologia
do grande e misterioso Continente negro.
A analogia existente entre os mitos helênicos e ro-
manos, tal como se observa com os eslavos, os celtas e os
germanos, leva-nos, pela procura de subsídios, à conclu-
são de que tôdas as mitologias emanam da mesma fonte.
O politeismo dos homens primitivos, cujos sistemas
consistiam na adoração às principais fôrças da natureza,
foi, pela erudição dos clássicos, transformado em mito-
logia com vários deuses personificados e até mesmo ido-
latrados pelos facciosos e apaixonados.
-Tomando como pontos iniciáticos para o estudo des-
sas semelhanças o "Paraíso Terreal", bem como o "Pa-
raíso Perdido" e o "Primeiro Crime", desaparecem as dú-
vidas e seria ocioso afirmar que, se não há plágio, tudo
é decalque.
Diz a Bíblia que Deus, irritado com a corrupção dos
homens, soltou as águas do Céu durante quarenta dias e
quarenta noites e todos os sêres vivos pereceram, à ex-
ceção de Noé, da sua família e de alguns animais refu-
giados na Arca.
26 JOÃO DE FREITAS XANGÔ DJACUTÁ 27

Agênese das divindades da teogonia africana que registro pelas fontes que promanam e pelo cunho de ver-
concorreu p;ra formar o grande Panteão, apresenta Oru- dade com que são narradas. Mesmo na época atual com
gam como filho unigênito de Iemanjá e Aganju. E .a lenda histórias sôbre milagres, testemunhados por pessoas idô-
diz que, na ausência do pai, Orugam tentara violentar neas, bem como fenômenos verificados sem sombras de
aquela que lhe dera o sêr perseguindo-a tena.zmente. fraude, há que considerá-Ias dignas de figurar na mitolo-
Ante a recusa formal, e natural resistência oferecida con- gia umbandista.
tra a sanha demoníaca do desalmado filho, a luta assume
proporções indescritíveis. Nêsse interim Aganju fazia p~e- Enquanto a ciência não definir o que é "indefinível"
ces a Obatalá (o Céu) e a Odum (a Terra) seus pais, o homem terá que se valer da fé para excluir a dúvida. O
para que lhe dessem fôrças a fim de dominar a fúria do milagre existe e os cientistas se curvam porque sabem ser
alucinado rapaz. impossível penetrar numa seára que êles ignoram. Os
mais incrédulos procuram tumultuar os debates estabele-
Conseguindo desvencilhar-se do infam~ perse~,idor! cendo conflitos entre a fé e a razão para negar-o milagre.
para evitar a transgressão da Suprema. LeI, Iernanjá cal Os sábios, porém, confessam-se ignorantes e se declaram,
desfalecida e o seu corpo começa a se dilatar. Orugam se nobremente, incapazes de o explicar. O milagre se repete,
desmaterializa e de ambos os corpos se desprendem águas a verdade se sucede mas se transforma, pela maledicên-
em catadupas para formar enorme lago. Re~u~ no céu, cia humana em história inverossimil ou lenda criada pela
rápido, imenso clarão e as chuvas, torr~nClaIS, acom- imaginação dos fracos de espírito.
panhadas de granizo, desencandeam-se seguidas de ~st~on-
dos horripilantes a ecoar pelo espaço. A~ fmscas. elétricas Alafim-Echê, semi-deus africano, sacerdote e notá-
cortam os ares e os ventos sopram, em VIOlentas iras, pro- vel místico de contestada existência pelos negativistas, o
duzindo silvos agudos para emprestar ao ato fantasma- velho Zambará dos quimbundas, é sempre invocado pelos
górico espetáculo. E o negror das trevas, com o ribom- fiéis nas horas cruciantes do pavor imposto pelas pertur-
bar íninterrupto das trovoadas e o barulho ens,urde- bações atmosféricas.
cedor das ondas revoltas que se chocavam entre SI, em
desvairados embates, produziram o maior cataclismo ocor- Conta-se, em favor de tantos milagres comprovados
rido no plano universal. que certa vez, em pequena aldeia de possessão portuguê-
sa, em Africa, uma senhora mandara seu filho às com-
Após essa horrorosa tormenta ~que.dur~ra quarenta
pras, numa tarde chuvosa, e o mesmo não regressara em
dias e quarenta noites, surge Xango Djacutá, o deus do
virtude de forte temporal que se desencadeara detendo-o
trovão e senhor absoluto das fôrças poderosas do espaço
no caminho. A chuva, cada vez mais violenta, enchia de
sideral. aflições a pobre senhora que costurava noite e dia para o
Esta é, pois, a lenda africana sôbre a. origem dêsses seu sustento e educação do desventurado filho órfão de
deuses cujas teogonias variam muito em VIrtude das sub- pai. Os relâmpagos e as descargas elétricas não cessavam.
divisões e diversidades de dialétos. Os estrondos, cada vez mais fortes, contudo não quebra-
Do grande Alafim-Echê, semi-deus ~a mitologia dos ram a sua fé. Pegando de uma vela acendeu-a e se pôs a
negros, há lendas que, embora curtas e SImples, merecem orar. E na irradiação de fervorosa préce, com o pensa-
"

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-nento firme no filho, ouve o ruído surdo e tenebroso de Desprovido de suas armas de guerra e caça, proposi-
velha casa das redondezas que se desmoronara em conse- tadamente escondidas pela espôsa vil, o desterneroso ne-
qüência de um raio que a atingira. Subitamente, porém, gro embarafusta-se mata a dentro, como louco, a procura
a porta se abre e o menino entra, espavorido, todo mo- do filho seqüestrado. E após longa e exaustiva marcha
lhado, com o bornal de mantimentos. Explica, ofegante, através das selvas ouve o chôro convulsivo do recém-
ter se homisiado, naquele pardieiro que acabava de ruir, nascido. Espumando como fera bravia, com o dorso relu-
com mêdodos trovões, dos relâmpagos e das faíscas elé- zente pelas bagas de suor que lhe brotavam incessante-
tricas que cortavam o céu a todo momento. Sentia-se, en- mente, o jovem e guapo guerreiro estanca, atônito, diante
tretanto, triste porque o velho que o convidara a aban- do quadro aterrador: o menino fôra colocado à beira do
donar o local em que se abrigara desaparecera como por abismo e estava prestes a cair! Em baixo, à entrada de
encanto. E, descrevendo o tipo do velhinho, afirmava exal- enorme gruta, rugiam as féras como antegôso ao pasto
tado: que seria em breve. Lambiam-se, mutuamente, como ro-
- Mãe, êle era caréca! Estava nú da cintura para lavam pelo chão em infernal festim.
cima e suas barbas eram brancas. Nada me disse, mãe- Dos olhos do negro, atravessando as ramagens dos
sinha. Apenas segurou-me pelo braço e saimos a correr. arbustos e dos cipós, saiam lâminas de fogo como, de
Se a tradição deturpa a história, transformando-a em sua bôca, em sucessivos filamentos, pendiam babas de
simples lenda, subsiste, entretanto, o fato cujo fundo ver- ódio e de rancor.
dadeiro os séculos respeitam.
Nunca seu peito arfara tanto! Como guerreiros, nas
Entre as muitas "histórias", contadas pelos Cáfres, mais duras pelejas, jamais experimentára tais arroubos.
logo após a prédica do Muambo, destaca-se o "O Milagre Nada lhe restava fazer. Um passo à frente seria percebido
da Gruta e do Despenhadeiro" que as mulheres Matabeles e aquelas sentinelas só deixariam o pôsto por verdadeiro
e Basutas, em virtude da vida sedentária que levam, cos- milagre dos céus.
tumam, em verdadeiros torneios, contar para os foras-
teiros. Diz a lenda que uma formosa Bechuana contraira Diante do terrível dilema o Makololo, em vibrante
núpcias com jovem Makololo, de fôrça hercúlea e de invocação a Xangô, enteza os músculos de aço e avança,
admirável destresa no manejo das armas de guerra e corajosamente, em direção ao despenhadeiro. O céu es-
caça. As virgens o cortejavam em virtude da garbosidade curece, sopram ventos em remoinho e forte chuva de gra-
do seu porte, pelos seus feitos heróicos nas lutas contra nizo obriga os ferozes animais a se refugiarem na gruta.
animais ferozes e por suas constantes vitórias nas compe- O jovem pai galga em assoberbados saltos o precipício e
tições esportivas. O despeito e a inveja, por parte dos consegue salvar o filho.
concorrentes, tomavam curso e as mais nefandas intrigas
chegavam aos ouvidos de sua companheira. Esta, premi- De retôrno à aldeia, com a criança nos braços, o vi-
da pelo ciúme, arma-lhe perigosa cilada dizendo que seu goroso guerreiro assiste, patético, as danças fúnebres
filho, recém-nascido, fôra levado por mãos inimigas para e ouve o clangoroso cântico anunciando a morte de sll'3
o despenhadeiro de Monomotapa. companheira
~ que fôra vítima de faíscas elétricas. ,
30 JOÃO DE FREITAS

São tradicionais essas lendas e histórias que os po-


vos conservam mas que se deturpam, muitas vezes, pela
maneira com que são narradas. Contudo, percebe-se o
fundo moral, o objetivo de incutir no espírito das cria-
turas os princípios da religião, o sentímento de crença e a
fé no poder incomensurável do Criador.

TEOGONIA
O natureza
deuses, do panteão africano, representam fôrças da
S
como acontece com os do helênico, do ro-
mano, do egípcio, do persa, e outros, tal como se vê no
panteão brasileiro cuja entidade suprema é Tupã e o deus
do trovão é Caramurú.
Cheios do mais puro encanto, cada qual com sua
lenda, os deuses da mitologia africana unem-se ao plano
material por intermédio dos sacerdotes que atingiram as
alturas da espiritualização. São êstes os grandes místi-
cos, os sumo-sacerdotes, os eremitas, os médiuns e os
profetas perfeitos cujos milagres realizados os diviniza-
ram. São os semi-deuses, os santos da religião dos ne-
gros, por intermédio dos quais os fiéis nas suas liturgias
anseiam se avisinhar do Poder Supremo, isto é, de Olorum,
o criador de Obatalá e de Odum.
Eis, segundo a mitologia conhecida, por tradição oral,
os deuses que formam um dos quadros teogônicos das re-
ligiões africanas praticadas no Brasil:
IEMANJÁ, deusa das águas; XANGô DJACUTÁ, deus
do trovão; OGUM, deus da guerra; UNLAIô, deus das
matas; OXOSSI, deus dos caçadores; OXUM, deusa dos
rios; NHA-SÃ, deusa dos ventos; IBEJI, deus das crian-
ças; XAPANÃ, deus da peste; OMULú, deus dos mor-
tos; OBÁ, deusa do amor; XALUNGA, deus da riquesa;
OLOBÁ, deusa dos lagos; ELÊBA, deus do mal; NANÃ-
BURUQUÊ, deusa das cachoeiras; OKô, deusa dos ve-
getais; OKÊ, deus dos montes; DADÁ, deusa das matas;
OLOKUM, deus do mar.
> •

34 JO,Ão DE FREITAS

Dêsses deuses, porém, os mais cultuados e cujos fétí-


ches, foram substituídos por imagens católicas, estabele-
cendo-se daí por diante a símílitude e conseqüentemente
o sincretismo, são os seguintes:
IEMANJÁ, na irradiação de Na. Sa. Sant'Anna, fes-
tejada no dia 26 de julho; NHA-SÃ, como Santa Bárbara,
festejada no dia 4 de dezembro; NANÁBURUQUÊ,
como Na: Sa. da Glória, festejada no dia 15 de agôsto;
OXUM, como Na. Sa. da Conceição, festejada no dia 8
de dezembro; XANGô, como São Jerônimo, festejado no
dia 30 de setembro; OGUM, como São Jorge, festejado
no dia 23 de abril; OXOSSI, como São Sebastião, feste-
jado no dia 20 de janeiro; IBEJI, como São Cosme e São
Damião, festejado no dia 27 de setembro e OMULú como
São Lázaro, no dia 17 de dezembro. Os demais, por falta .
de culto próprio, são homenageados com oferendas e be-
líssimas solenidades nos cerimoniais religiosos dos cita-
,
dos oríxás.. SIMILITUDES
A SÍMILE é parte interessante para os estudiosos por-
que ventila o assunto dando margem aos leigos, como
aos iniciados, de dissiparem dúvidas e afastar controvér-
sias. Embora seja restrito o número de adeptos que ad-
mite a perenidade da influência católica na Umbanda,
contudo devemos abordar, até mesmo por continência à
história, êste capítulo referente às semelhanças das ima-
gens, suas datas festivas, suas influências espirituais, bem
como ritos e liturgias.
A falta de documentário deu ensejo ao empirismo e,
conseqüentemente, às deturpações que ainda se observa.
nos meios umbandistas. Ainda há; infelizmente, criatu-
ras conhecedoras da matéria que confundem os santos da
igreja com os orixás por falta de uma literatura honesta,
estribada em pesquizas, capaz de orientá-Ias e jamais con-
fundí-las,
No culto de Xangô Djacutá, deus da mitologia afri-
cana, os orixás são venerados e festejados de acôrdo com
a seguinte similitude:
XANGô ALAFIM-ECHÊ, sumo sacerdote, chefe es-
piritual das religiões e seitas africanas, semi-deus da mi-
tologia gêge-nagô, é cultuado no dia 30 de setembro e in-
vocado sob a irradiação da imagem de São Jerônímo,
Seus milagres residem em fazer cessar trovoadas, amai-
nar tempestades e auxiliar os oradores e intelectuais.
XANGO ALUF AM, sacerdote e notável místico, se-
mí-deus da mitologia africana, é cultuado no dia 29 de
38 J oÁ o D E F R E ITAS XANGÓ DJACUTÁ 39

junho e invocado sob a irradiação da imagem de São Os milagres dos santos, de tôdas as religiões, são co-
Pedro. Chefe de falange protetora dos pescadores e res- mo águas da mesma fonte. Magnificentes de energia, ir-
ponsável pelo encaminhamento dos desencarnados. Pos- radiando fulgurosamente e numa vibração intensa, trans-
sui as chaves do céu. formam-se em incomensuráveis dínamos de ilimitada po-
XANGô AGODô, sacerdote e grande eremita, semí- tência para alimentar a corrente continua da fé e da
deus da mitologia africana, é cultuado no dia 24 de junho esperança.
e invocado sob a irradiação da imagem de SãoJoão Ba- A símile, do presente capítulo, é, apenas, o efeito
tista. Protetor dos iniciados, é invocado para fortalecer de uma causa que ignoramos. Nestas similitudes, porém,
a fé, preside os cerimoniais de batismo e auxilia as intui- encontramos elementos com os quaís nos aproximamos
ções. de novas e interessantes descobertas. Aceitá-Ias ou não
XANGô AGANJú, sacerdote e famoso ermitão, gran- é questão eminentemente pessoal.
de embanda e serni-deus da mitologia africana, é cultua- Os umbandistas, arraigadamente panteístas, são vi-
do no dia 19 de março e invocado sob a irradiação da ceralmente contrários a qualquer espécie de acomodação
imagem de São José. Protege os lares e combate a desar- que lhes venha alterar os princípios fundamentais da sua
monia em família. religião. Justificam, sem eutemismo, que a imagem deve
XANGô ABOMI, sacerdote missionário de grande ser própria e revestída das características de sua origem.
fôrça catequizadora, semí-deus da mitologia africana, é Os mconoclastas, em minoria, julgam desnecessário o uso
cultuado no dia 13 de junho e invocado sob a irradiação das imagens para evitar a íconotatria, A opinião, dêstes,
da imagem de Santo Antônio. Suplicado nas horas de afli- baseia-se em que as entidades dispõem dos pontos risca-
ção êste poderoso orixá ajuda a achar as coisas perdidas. dos para concentração e írradíação nos cerimoniais Iitúr-
Preside os cerimoniais de casamento e seus milagres são gtcos, não necessitando, pois, dessas alegorias.
célebres.
Os reformistas que lideram o movimento renovador
Grandes, aliás poderosas, são as falanges de Xangô da Umbanda, constituídos de evangelistas renitentes, teo-
Djacutá. Os embandas e alufás, babalaôs e fanáticos de sofistas e cardecistas sectaristas, vão mais além. Lutam,
encarnações que se sucedem, aumentando cada vez mais a todo o transe, pela simplificação da liturgia e extinção
os élos dessa indestrutível corrente no plano espiritual do ritual. Não lograrão êxito, acreditamos, visto os pan-
constituiram essa fôrça e segurança absoluta onde se teistas representarem, esmagadoramente, absoluta maio-
apoiam os místicos para enfrentar os opressores das li- ria.
berdades religiosas. A analogia indiscutível verificada
entre os santos da igreja católica e os orixás da Umbanda, A semelhança, das imagens católicas com os fétiches
vista através da lei das afinidades, leva-nos a fazer côro africanos, no ponto de vista material, é absurdo e seria ri-·
com aqueles que afirmam ser a Umbanda a religião do diculo tal afirmativa. Enquanto aquelas foram esculpidas
passado, a religião do presente e a religião do futuro. por artistas de consagrada fama, êstes, na rudeza dos re-
· : ~ •. -

.ro I.o DÊ FREITAS

cursos primitivistas foram talhados em madeira ou mo-.


delados em barro pelos selvagens que desejavam imorta-
lizar, como imortalizaram, seus chefes espirituais. O que
há, realmente de semelhante, é o cerimonial Iitúrgico ou o
ponto de irradiação ou invocação das fôrças espirituais.

SINCRETISIVIO
r:"

D tado
substituição dos fétiches, dentro do critério ado-
A
pelos catequizadores, resultou o sincretismo, ve-
rificando-se daí por diante certa confusão que tentaremos
explicar.
Segundo a mitologia africana, na teogonia gêge-na-"
gô, o oríxá Xangô Djacutá é o deus do trovão e das po-
derosas fôrças cósmicas. Os relâmpagos, as faíscas elé-
tricas, os meteoros que cortam velozes o firmamento Io-
. ram divinízados e tiveram cultos especiais. Assim é que
a pedra de raio é o fétiche junto ao qual se postam os
crentes para as súplicas e preces de agradecimento pelas
graças alcançadas.
Êsse orixá, poderosíssimo, o mais cultuado nas Amé-
ricas é também conhecido como o lançador de pedras de
raio, de coriscos e responsável pelas chuvas de granizo, re-
lâmpagos e trovoadas. Comunica-se com os crentes so-
mente através de seus grandes e imediatos auxiliares, jus-
tamente Alafim Echê, Agodô, Alufam, Aganju e Abomí.
As penitências e os amalás, oferecidos pelos inicia-
dos, eram feitos, como até hoje, nas pedreiras ou nas ca-
choeiras mas sempre sôbre pedras virgens.
Os deuses da mitologia africana não têm forma hu-
mana. São forças da natureza divinizadas. Eis a razão
pela qual os negros faziam seus pontos de irradiação sô-
bre tais fétiches.
Os semi-deuses, isto é, aqueles sacerdotes que ti-
veram vida material e deram provas de suas divindades
1,', ,,o

44 JoÃo DE FREITA~ 45

é. que são representados por bonecos, ou imagens, escul- Quantas coisas, tídas por impossíveis, são realizadas
pidos em barro ou madeira e com suas características por meio das nossas vibrações mentais!
próprias segundo as lendas que os envolvem. Fizeram
milagres e foram, por isso, santificados pelos negros. Pois foi Jerônimo, - vejam bem! - o escolhido
pelos padres para substituir Alafim-Echê. É que o pen-
Alafim-Echê, êsse extraordinário orixá, a quem ne- samento firme de milhões de negros, clamando justiça,
gros da tribo quimbunda, em dialéto bunda, chamam-no ecoando pelos céus .seus gemidos estertorosos nas vozes
Zambará Sem Camisa, semi-deus da mitologia africana, tristes de mágicos instrumentos, transmitiu aos chefes
sumo-sacerdote de uma religião que permanece viva den- catequistas o nome aureolado de luz daquele espírito
tro do íntimo da raça negra através de milênios soli- que continúa orientando milhares de crentes que o in-
dificou sua portentosa obra construindo os alicerc~s nos vocam nas horas de angústia e de sofrimento.
espíritos altamente esclarecidos de seus sucessores.
Dizem os historiadores que, precisamente quando
Se não há religião pura e sem mescla, como afirmam
Jerônimo estava no apogeu tribunicio, pelo vigor e de-
estudiosos da matéria, entretanto a religião dos negros pa-
rece resistir às tentativas soezes das adaptações crimino- sassombro revelados na defesa da castidade, em que
sas com a finalidade de deturpá-Ia. Haja vista a fusão do foi a viga-mestra, seus admiradores o apelidaram de "O
ritual negro com o dos nossos índios e que agora com • Trovão". É que 'O maior orador sacro daquele tempo,
as instalações de tendas e terreiros, onde predomina a notável argumentador e polemista, quando pregava, tal
chamada linha de caboclos, verifica-se a acentuada ten- era sua ínvulgar cultura e poder de persuasão que sua
dência de libertação. .voz parecia acompanhada de fortes clarões para ilumi-
nar os céus como se fôssem relâmpagos em festa.
É que a moradia em comum é interessante somente
quando na base da conveniência econômica. Quando po- Protetor das virgens e defensor intransigente da
rém, as finanças melhoram de uma parte ou de outr~ al- pureza moral, sempre velando pela prática dos bons cos-
guém anseia possuir a sua residência, o seu lar o seu tumes, J erônimo pugnava em praça pública, contrarian-
cantinho. ' do os próprios bispos romanos, pela reforma das santas
escrituras.
A liberdade é uma conquista difícil, por isso, é demo-
rada e lenta ... Puro, sem máculas, 'O vigoroso tribuno destruía es-
E para que a civilização contemporânea possa se petacularmente seus opositores, irônicos ou sarcásticos,
aquilatar do poder incomensurável de Alafim-Echê bas- com argumentos irrespondíveis. E foi êle, Jerônimo, o
ta tão somente volver os olhos para aquele passad~, não grande literato e poliglota que estabeleceu a paz entre
muito remoto, quando se verificou a substituição dos fé- bispos romanos e orientais interpretando e traduzindo a
tiches e deu causa à essa mistura de religiões e de rituais. Bíblia do hebraico antigo para o latim.
Como é caprichosa e irônica, até mesmo atrevida, a O brilho da luz do seu espírito escapa às possibili-
fôrça irradiadora do pensamento humano! dades descritivas de. qualquer mortal.
:46 JOÃO DE FREITAS
XANGO DJACUTÁ 47

Ao embrenhar-se no deserto, no maior recolhimento terá que se curvar aos negros para, junto ao peji, pedir
espiritual de todos os tempos, o grande santo findou seus paz para o seu espírito e harmonia para o seu lar.
dias materiais a 30 de setembro de 420. E os fatos se consumam! Em pleno século XX, quase
no limiar do ano 2000, homens e mulheres de várias con-
Pois essa imagem que fulgura em todos os pejis da dições sociais, intelectuais de todos os matizes, milita-
Umbanda, artística e envolvente, do grande eremita e res e civis de variegadas concepções filosóficas, procla-
exegeta, numa gruta, em pleno deserto, tendo ao lado mam, sem constrangimentos, os benefícios espirituais e
como inseparável amigo um leão, e ainda ostentando de materiais colhidos dentro dêsses oasis maravilhosos de
modo impressionante sua famosa Vulgata, foi aceita sem autêntica fraternidade.
mais delongas pelos negros como fiel intérprete das ir-
radiações primorosas de Alafim-Echê. Aceita e cultuada por tantas gerações, a imagem
de São Jerônimo como Alafim-Echê, difícil será a sua
Aí está, em todo seu esplendor, a lei das afinidades substituição. Ao que parece tal consagração é definitiva
demonstrando que quando projetamos para determina- e qualquer movimento que se esboce, com a finalidade
do alvo os nossos pensamentos atraímos os mesmos ele- de proibir a sua veneração pelos umbandistas, redundará
mentos para realizar o que almejamos. em lamentável fracasso. Se, porém, tomarem corpo as
Aqueles negros selvagens, cativos, provindos de re- ameaças que pairam sôbre a Umbanda, no sentido de
apreensão judicial dêsses símbolos sagrados, os panteístas
giões longínquas do continente africano, parece que tra-
ziam na mente noções de leis transcendentais. O univer- responderão com o grito de independência e libertação
so, para êles, era um conjunto de fôrças indestrutíveis total esculpindo as imagens de acôrdo com os anseios da
comandadas por Zambe. Sabiam, por intuição, que o car- maioria que se traduzem na simbolização das fôrças da
vão tem grandes afinidades com o oxigênio e que as natureza.
côres e os sons se combinam fàcilmente. A Umbanda, hoje, não é mais aquela fôrça dispersa.
Sim; êles sabiam que tempos viriam em que os Há muitos intelectuais, estudiosos, com cabedal forte de
fiéis de outras seitas e religiões, até então inflamados conhecimentos e capazes de assumir posição de liderança
por ódios injustificados, compenetrar-se-íam da inutili- em qualquer movimento.
dade de tais propósitos e tudo fariam para terminar, de A restauração da Umbanda, pura e panteista, com o
uma vez para sempre, com essas rivalidades que nada seu ritual e liturgía, já está se fazendo sentir com a cria-
constroem. ção de entidades representativas com base jurídica. Liga
No livro de Alafim-Echê estava gravada, em rubras Umbandista, União de Umbanda, Federação da Umbanda
letras, aquela chama acrisolada das almas que sofreram do Brasil, União Terreiros de Umbanda da Bahia e outras
resignadamente, vítimas da ambição desmedida dos pseu- associações congêneres, espalhadas por vários Estados,
do-civilizados. Na Vulgata de Jerônimo, no rugido do estudam os problemas e preparam teses para os Con-
leão, nos estrondos das descargas elétricas, - feliz e gressos. As grandes Tendas Espíritas que aboliram o
paradoxal sentença! - constam que o homem branco ritual, temporàriamente por fôrça das perseguições no
48 JOÃO DE F n. E I T .AS
período da suspensão das garantias constitucionais, re-
tomam com mais entusiasmo às práticas ritualísticas.
O sincretismo de hoje é, portanto, uma conseqüência
natural da lei dos mais fortes naquelas épocas. Tempos
em que a justiça pendia para o lado onde dominava o
ouro ...

LITURGIA
A s cerimônias religiosas, em tôdas as épocas, sempre
constituiram motivo de exaltaçâo espiritual de seus
fiéis. Vêm de tempos remotos as pompas 'e os faustos
quando da organização dos espetáculos de cunho reli-
gioso.
Em tôdas as seitas africanas havia o chefe do ceri-
monial que, por seu turno, delegava poderes aos seus
subordinados imediatos. Eram os ogans. Êstes recebiam
do alufá ou babalaô a chefia do cerimonial e distribuiam
as tarefas aos cambonos e sambas.

Portanto, conforme o grau evolutivo do ogam, seus


sentimentos artísticos e tendências para a arte decorati-
va, mais faustosos serão os atos litúrgicos.
O peji, onde as imagens e fétiches merecem espe-
Ial critério na sua disposição, é ornamentado. segundo
IlS possibilidades econômicas do grupo que sustenta o
templo. Dessa irmandade, dêsse conjunto de crentes e
rt i como sucede com as outras religiões é que depende
li maior ou menor brilho das liturgías.

A indumentária do sacerdote, bem como a dos cam-


hon s e das sambas, e que genericamente chamam-na
,wiYtemga) sempre adquirida ou preparada pelo próprio,
hnpl s e branca. Para os dias de festas, porém, obe-
I oon os rigores ritualístícos, essas peças são coníec-
XANGÔ DJACUTÁ 53
52 JOÃO DE FREITAS
êle, mas ao culto, tal como os fétiches, imagens e outros
cionadas em cetim laquê e com as côres e bordados sim- objetos sagrados.
bólicos dos pontos das entidades. A côr oficial, no culto de Xangô Djacutá, é a roxa.
Eis por que na ornamentação do templo usa-se de prefe-
A poltrona do babalaô ou do alufá, ladeada por duas rência a saudade, a violeta ou flores silvestres dessa mes-
outras menores e que são destinadas ao ogam e à mãe- ma tonalidade.
pequena, desfruta de certa suntuosidade pela posição do As jóias, perfumes e objetos de adôrno seguem a mes-
ocupante. O chefe do culto é um sacerdote da seita, ele- ma orientação. A essência de violeta, a pedra ametista,
mento intermediário entre o profano e o divino, criatura bem como os tecidos usados pelos adeptos na vida social
eminentemente espiritualizada mas que deve e precisa de revelam que o crente está inteiramente afim com a cor-
ser destacada. rente espiritual.
O ponto de Xangô Djacutá é um só e é sagrado. Não O uso, na vida profana, de tais objetos serve de senha
podem usá-Ia os filhos de fé. Ninguém o pode tocar sem para o filho de fé se identificar. É uma espécie de chave
se submeter a uma série de penitências e provas exube- com a qual as portas das dificuldades se abrirão pelos
rantes de elevação espiritual. Os pontos de Alafim Echê, irmãos de seita.
de Aganjú, de Agodô, de Alufam e de Abomí, com suas Por mais ardorosas que sejam as paixões políticas
características próprias, se assemelham e se aproximam nada poderá toldar a união entre os filhos de Xangô. Os
muito do ponto do orixá maior porque são, naturalmente, élos da corrente, que os unem, se solidificam pelo com-
da mesma corrente vibratória. São êstes, pois, os usa- portamento de cada um. Para isso os filhos de fé se
dos pelos filhos de fé. submetem aos rigores das penitências e amalás que nada
O anel do alufá, ou babalaô, é jóia sagrada. É cons- mais representam se não o amoldamento do caráter, a
tituído de uma ametista de tamanho regular, de forma lapídaçâo dos instintos, o aperfeiçoamento espiritual.
oval, e circundada de pequenos diamantes. Em ambos A bebida sagrada é o vinho tinto de baixa dosagem
os lados do argolão estão gravados os pontos de Xangô alcoólica. Êle é sorvido em demorados e delicados haus-
Djacutá e do seu guia. O seu uso é estritamente reserva- tos pelo alufá antes do início das solenidades. Com o
do às cerimônias religiosas ou festas de caráter sagrado. joelho direito postado no chão, de frente para o peji, o
É guardado pela mãe-pequena ou pelo ogam dentro de sacerdote ergue a vasilha com ambas as mãos e saúda
um relicário e somente é entregue ao alufá na abertura s orixás. Levanta-se, volta para a assistência; saúda-a
dos trabalhos. Depois de saudar o recipiente o anel é om o mesmo gesto e ingere o conteúdo vagarosamente.
colocado sôbre pequena almofada de cetim laquê roxo. em seguida ao ogam que o imita e que por seu turno
Para chegar às mãos do sacerdote, o ogam e a samba f z chegar às mãos da mãe-pequena para o mesmo ato.
fazem uma vênia com o joelho pousado no chão. A mes- A cuia onde é servido o vinho litúrgico fica no peji,
ma cerimônia se verifica ao terminar a solenidade. p r m, de bôca para baixo, ao lado das guias. e outros
É no dedo indicador da mão direita que o alufá, ou obj tos.
babalaô, ostenta, essa preciosa jóia que pertence, não a
JOÃO DE FREITAS XANGÔ DJACUTÁ 55
54

As composições de ervas e raízes para as defuma- Se grande é o número de Tendas, cujas diretorias
são contra a Iiturgía e o ritual, maior é dos Terreiros
ções variam de acôrdo com as finalidades. Os alufás e os
onde os alufás, babalaôs e babás, no período iniciático
babalaôs, as sambas, o ogam, a mãe-pequena e os cam- dos filhos de fé, revelam-se intransigentes até ao mínimo
bonos conhecem, pela constãncia de uso, qual a combí- detalhe. A tradição ritualística da Umbanda é mantida
nação indicada para cada caso. Assim sendo, em local com todo o rigor para que a religião não pereça nas mãos
especial da camarinha, em armário próprio ou prateleira, de criaturas ousadas que se arrogam direitos de modificá-
dentro de vasos de barro, vidro, fôlha ou madeira, são
Ia a seu talante.
conservadas essas raizes e plantas bem como substân-
cias minerais que entram nessas combinações. A liturgia, do culto de Xangô, é idêntica à de Oxossi,
de Ogum e demais orixás. As bebidas e os exês é que
Os defumadores, aparelhos de barro, rústicos, são variam como acontece com as côres simbólicas.
as peças usadas para o cruzamento do terreiro, descar-
gas fluídicas, descenso das entidades ou para aro matiza- A campainha de mão, (idá) instrumento clássico
ção nos dias de festas. Esta incumbência é entregue a para advertir os fiéis da necessidade de maior recolhi-
uma samba ou cambono, durante longo período, para que mento espiritual na hora da entidade saudar o peji ou o
se identifique ao máximo com o ritual. Todos passam congá, é feito soar pelo cambono ou samba-especial desig-
por êste aprendizado, nados pelo chefe do terreiro. A toalha, usada pelas sam-
bas e cambonos, com a qual êstes muitas vezes enxugam
A pemba, os ponteiros, as guias dos orixás, os va- o suor dos médiuns em transe, tem por finalidade cobrir
sílhzmes das bebidas, o material empregado para o sacri- o chão para o cerimonial de saudação. Enquanto a cam-
fício de animais, as vestes sacerdotais e tudo que se re- painha é objeto de caráter litúrglco a toalha é rrtualís-
lacione com o culto, bem como banquinhos dás entidades tico.
cachimbos, fumo, velas, etc., são cuidadosamente guar~
dados na camarinha e velados por sambas e cambonos de- Sendo a líturgía um cerimonial sagrado, interligado,
signados para essas tarefas. pràtícamente, ao ritual, é mistér não confundir uma
coisa com outra. Há distinção entre os defumadores li-
Como tais objetos e materiais, para as cerimônias túrgicos e os ritualísticos, os banhos de descarga comuns
do culto, são sagrados, ninguém os toca sem o devido com os aconselhados pelos guias e as bebidas e comidas
pedido de licença (agô) acompanhado de três pancadas de santo com as comumente servidas aos filhos de fé e
no local com as costas dos dedos. convidados.

A liturgia e o ritual são para as seitas e religiões o Tal exposição não tem visos da advertência porque
mesmo que os ponteiros representam para o relógio. O sabemos que os filhos de pemba, autênticos, sabem dis-
tíngüír perfeitamente as coisas tal como lhes instruíram
que é necessário é a sua uniformidade, coerência dos
, us chefes. Nem visa, tampouco, a improvisação de
que os praticam e respeito dos que os assistam.
,JOÃO DE FREITAS

"babás" e "babalaôs" porque sabemos, também,que êstes


não se fazem por correspondência nem através de pales-
tras e de debates em mezas redondas.
O ritual e a liturgía umbandistas são simples e acces-
síveis. Para conhecê-Ios, bem, é questão de tempo e, so-
bretudo, de boa vontade.

PROCISSÃO

/
A procissao é um cortejo litúrgíco-ritualístlco. Sua
solenidade, pelo caráter religioso, toma o aspecto
aparatoso compatível com o prestígio do culto e o sen-
timento de fé de seus organizadores.
Tradição de antigas religiões, ainda figura a pro-
cissão como forte veículo impressionista para atrair pro-
sélitos. Sua finalidade varia segundo o ângulo em que
se colocam seus observadores. Para os incrédulos é uma
pantomima que se não coaduna com o progresso e a ci-
vilização, mas, para os bem-aventurados, para os ditosos
e felizes que crêm na onipotência divina a procissão é um
séquito de fiéis em eloqüente demonstração pública de
religiosidade.
As peregrinações dos devotos, em romarias aos lu-
gares santificados, com as suas bandeiras e estandartes
simbolizando os cultos a que estão ligados, e, muitas
vezes, com indumentárias caracterizando certas épocas,
são espetáculos maravilhosos que convidam à meditação
e ao recolhimento espiritual.
As nações mais cultas do universo, as que atingi-
ram o mais alto grau de progresso e de civilização, não
abominam essas manifestações públicas de crença. Em-
bora leigo o Estado, os governos não negam a sua cola-
boração para o maior brilhantismo dessas ostentosas ce-
rimônias religiosas.
As religiões panteistas sempre mantiveram essas ex-
teríorizações, com esplendorosas pompas, para testemu-
60 .r o r o DE FRl!;ITAS
XANGÔ DJACUTÁ 61
nhar as graças recebidas dos deuses como também para
invocá-los a fim de debelarem as calamidades e infortú- Em absoluta ordem hierárquica, isto é, desde o no-
nios do povo. viço ao mais graduado cambono, bem como da mais no-
A procissão da Umbanda, com as mesmas finalida- vata à mais confirmada samba, em filas laterais, mar-
des e idênticos objetivos, dentro do mais puro sentimen- cham também todos os filhos de fé, vagarosamente, can-
to de religiosidade, também é uma tradição que não pode tando os pontos à meia voz, tirados pelo ogam.
ser destruída pela íntransígêncía descabida de meia dúzia Ligeiramente afastada do estandarte do culto, em
de apóstatas e colaboracionistas dos opositores. colunas de frente, caminha a juventude umbandista com
A ímponência, dêsses préstitos religiosos, é bastante as suas nunangas características. Segue-se-lhe o mão de
importante para o culto. Quem os organiza, em geral, orá com o fume ira sagrado, auxiliado por dois cambonos
faz com antecedência o esquema por onde passará o sé- oue o assistem fazendo chegar, às suas mãos, as subs-
quito. Dispõe, em ordem, todos os acompanhamentos. t-âncias necessárias para a aromatízação do cortejo li-
Rigorosamente paramentados os filhos de fé os coadju- túrgico.
vantes de cerimonial estabelecem o cordão de isolamen- No plano seguinte, na dianteira, uma samba ladeada
to para evitar a intromissão de leigos cuja presença al- de mais duas, conduz a bandeja ritualístíca. Na retaguar-
tera a harmonia coral e de indumentárias. da, acompanhada de duas sambas especiais, segue a [a-
. À frente do cortejo, bem distanciados; os buzineiros bonam ou mãe-pequena, com a campainha na mão e a pal-
tocam fortemente suas trombetas para convidar os mo- matóriado ritual pendurada à cintura.
radores das adjacências a compartilhar espiritualmente A seguir, em outro plano, sustentado por quatro fi-
do ato religioso. A seguir, os fogueteiros fazem, de es- lhas de santo, vem o pálio sagrado, protegendo o alufá.
paço a espaço, a queima de foguetões. Êste, todo paramentado, com o anel simbólico no dedo
A trombeta, dos cultos africanos, é de chifre ou de indicador da mão direita, conduz o fetiche sôbre o qual
grande búzio, cujos sons atingem léguas de distância. invoca do orixá, com o máximo fervor desde a saída da
A dos nossos caboclos é o membi, instrumento feito com procissão até retomar ao terreiro, a realização das gra-
taquari, espécie de bambu de cana longa e grossa. O ças almejadas.
som, dêsse aparelho instrumental de sôpro, também al- Se algu.m filho de fé de outro culto, à passagem do
cança considerável raio de ação.
fétiche, se postar de joelho como prova de veneração e
Os terreiros organizados, que mantêm o ritual de respeito, bem como qualquer dístico ou símbolo colocado
acôrdo com as suas tradições, não prescindem dêsse apa- nas fachadas residenciais em homenagem prestada à pro-
relhamento. cissão, a mãe-pequena faz soar a campainha como sinal
Alguns metros, distanciados dos fogueteiros, empu- de reconhecimento.
nhando a bandeira ou o estandarte do culto, caminham, Depois do pálio segue-se o peji móvel, comumente
a passos lentos, o embanda e dois cambonos que o la- hamado de andar, todo ornamentado de flores naturais,
deiam. ou artificiais, com as imagens do culto. A seguir, vem a
corpo COfª11 com o ogam .
à frente
.~_.~ ., - -
.' -...
ela, cv.rtmba,
." .. ..
.
e, final-
62 JOÃO DE FREITAS

mente, pessoas amigas, parentes dos filhos de fé e ele-


mentos de outros terreiros que desejam colaborar para
que a procissão alcance o merecido esplendor litúrgico e
ritualístico. I
Como dissemos, a procissão da Umbanda tem por fi-
nalidade demonstrar, publicamente, o sentimento de re-
ligiosidade de seus filhos que se valem da fé para supor-
tar, com resignação, as injustiças terrenas. É uma pe-
nitência coletiva que traduz a confiança no poder infi-
nito do Criador.
De retôrno ao terreiro o cortejo se desfaz em abso-
luta ordem e todos tomam suas posições para reinício dos
trabalhos espirituais.
Eis, pois, em poucas palavras, o que é o préstito re-
ligioso dos umbandistas.
RITUAL
.0 rito no~ acompanha do berço ao ~úmul0.. Desde a
formaçao do mundo que o forrnalismo existe para
diferençar-nos dos irracionais. E aqueles que o condenam
ficam à margem como desajustados,
O ritual é uma formalidade indispensável na nossa
vida social. .
A etiqueta e o protocolo jamais serão bantdos da terno
Onde houver um grupo de homens aí estará refulgiNdo 'o
conjunto de cerimônias.
Por mais modesta que seja a reunião, por mais hu-
milde o local onde se realize festa de caráter sacro ou
cunho profano, a troca de gentileza e os cumprimentos re-
cebem o colorido que as circunstâncias inspiram.
As religiões não dispensam êsses cerimoniais e nem
poderiam subsistir sem a uniformidade dos atos que se
pratica e têm por escopo perpetuá-Ias através do respeito,
da ordem e da disciplina.
A obediência às horas aprazadas para uma sessão, a
investídura do corpo dirigente, o encerramento dos tra-
balhos e a despedida com os clássicos apertos de mão re-.
velam a etiqueta, o protocolo, o ritual.
Os selvagens, os homens primitivos, apesar de 'rrâo
civilizados,sempre cultivaram, corno ainda cultivam, as
regras cerimoniais.
66 JOÃO DE FREITAS XANGO DJACUTÁ 67

o progresso e a civilização não destruiram o rito, pelo Esta manifestação de respeito, pedindo licença para
contrário, deram-lhe mais realce com sistemas filosóficos ntsar no recinto dos trabalhos religiosos, tal como se faz
e cátedras universitárias. quando vamos à casa de pessoa amiga e batemos à sua
porta, é uma cerimônia, é prova de educação, porém, num
o ritual da Umbanda não é complicado como muita cunho mais elevado porque o terreiro, ou a tenda espí-
gente supõe. Êle é simples, e belo, porque possui a inge- ,'It , é casa de oração, é casa de Deus.
nuidade divina dos índios e a pureza espiritual dos selva-
gens africanos. Nêle sentimos a fragrância das flores sil- Na hora da defumação todos devem estar com o pen-
nmento firme nos guias e chefes espirituais. O ponto de
vestres, o chilrear incessante dos pássaros multicores, o 110 umar é entoado por todos os presentes para desviar
uivo das féras, o rugir das águas das cachoeiras, o bramir (106 filhos de fé qualquer partícula de sentimento profano.
das ondas nas orlas continentais. () aciente coloca as palmas das mãos sôbre a fumaça que
No envolventeritual da Umbanda, dessa imortal re- desprende do defumador e leva-as às frontes. Depois,
ligião afro-aborígene, há luzes que manam de sóis desco- com os braços abertos, dá o peito e as costas para, com
fumaça sagrada, serem deslocados os fluídos maléficos
nhecidos, de luas e de estrêlas que cantam e que falam às
C/H por ventura o obsidiem.
nossas almas. Na liturgia e no rito umbandísta há'flexas
de ouro cortando os ares, há lanças de prata ligando os Inteiramente pronto o ambiente para início do ritual,
céus afro-brasileiros em magestosas porfias. b balaô, a mãe-pequena e o ogam deixam suas poltro-
r R e se postam ao lado do peji. As sambas e os cambo-
O ritual da Umbanda ainda será eS~2, um dia, por UOI'! OS imita~/ormando duas alas ao longo do terreiro. ,
um poeta ritualista, por um místico, por~fiel intérprete
das mensagens de Olorum, de Tupã ou de Zambe. Feita a defumação, do local dos trabalhos espirituais,
1 forma de cruz, o defumado r vai pela mão da samba,
Todoumbandísta sincero, convicto, filho de fé no lato \1 do cambono, aos quatro cantos do terreiro sob os acor-
sentido do vocábulo, não deve nem pode ignorar o seu ri- 11 da curimba e do ponto cantado. Entre os muitos exis-
tual. É com êle que os manos se cruzam, se cumprímen- ." t.I nc apresentamos êste como exemplo:
tam em público, se identificam e se auxiliam mutuamente .•.
Seus gestos e suas palavras ritualístícas revelarão o grau Tem arruda, tem guiné ...
alcançado e o ciclo espiritual que atingiram na Ulrnbanda. Xangô, Xangô, Xangô!
Estritamente dentro do ritual nenhum filho de fé po- Tem obi, tem orobô ...
derá transpor a porteira sem saudar o ponto de segurança. Cheirou, cheirou, cheirou!
Esta saudação é feita com o joelho direito pousado no chão.
Bate-se com as costas da mão por três vezes no local onde T rmínada a defumação, a samba, ou o cambono, dei-
está o ponto':e leva-se a mão ao coração com estas pala- , Junt do ponto de segurança o recipierite com o bra-
vras: "Odê, Xangô!" .' , h'o v m para sua ala. .
68 .JOÃO DE FREITAS XANGÔ DJACUTÂ 69

Em seguida o ogam canta o ponto de abertura ,em Terminada a cerimônia o alufá declara abertos os tra-
nome de Deus, de Olorum ou de Zambe. Eis aqui um dos balhos espirituais.
mais usados em vários cultos da Umbanda:
O ogam canta o ponto' do guia-chefe do terreiro até
que se verifique a incorporação no alufá. Isto feito a
ó minha Zambê! mãe-pequena atira-se ao chão com os braços abertos e
Ó minha Zambê! com o dorso para cima, encosta a fronte direita e depois
Me fecha esta porta a esquerda junto aos pés do chefe como prova de submissão.
Me abre o terreiro. ~ste cruza-lhe as costas com a mão direita, agradece a
Minha Zambê! saudação, levanta-a com as mãos juntas às frontes da filha
Minha Zambê! de fé e dá-lhe o abraço duplo. A seguir vem o ogam que
Me fecha esta porta a imita, e, depois, em fila, tôdas as sambas e cambonos fa-
Me abre o terreiro. zem: 0 mesmo.
Em nenhum terreiro de Urnbanda é dispensada esta
Após o de abertura é entoado outro de saudação a formalidade porque faz parte integrante do seu ritual.
todos os orixás da Umbanda. Nos dias de festa êsses pon- Jamais- um filho desta religião, iniciado dentro de qual-
tos são nominais. É cantado, cada um, de per sie as ho- quer culto, se insurgirá contra a tradição desta encanta-
menagens se revestem do maior brilho possível. Para cada dora pragmática.
orixá solta-se fogos de artifícios, oferta-se a bebida litúr- Enquanto não terminar as saudações ao babalaô, OLI
gica e ornamenta-se o fétiche, ou a imagem 'do santo, com melhor, ao gufa-chefe, incorporado, não cessa a curimba.
flores naturais. epois dos filhos de fé então é franqueado ao' público
No culto de Xangô, logo depois do ponto de abertura, umprímentar o guia.
é cantado o do orixá maior, o deus do trovão, o poderoso Finda a cerimônia de cumprimentos dos assistentes
Xangô Djacutá. A seguir vem os de Alafim-Echê, de Alu- o lufá, ainda incorporado, atravessa o terreiro e saúda a
fam, de Agodô, de Aganjú e de Abomí. p rteira, o ponto central, a curimba e por último o peji.
À proporção das saudações, sambas e cambonos se A seguir o ogam inicia os pontos de descenso das en-
ajoelham, batem a cabeça no chão como prova da mais t Idades que se incorporarão nos cambonos e nas sambas
eloqüente manifestação de humildade e de fé, levantam os ( p iais. Logo que isto se verifica começam novamente
braços e volvem o rosto para o peji. 1\ S udações entre os guias que se cumprimentam com o
I VI!;i o abraço duplo e, depois, é franqueado aos assís-
Nesta altura o alufá, rodeado da mãe-pequena e do nt consultá-Ias sôbre problemas atinentes à vida ma-
-ógam, nas mesmas atitudes, de costas para a assistência e rla! ou espiritual. É nesta hora que oscambonos ou sam-
com os braços abertos, invoca a fõrça írradiadora de
to- tr zem. o coíté com o vinho lítúrgico e lhes dão a be:-
dos os xangôs. . Aoendem charutos e lhes ofereçena, com as-mãos [un-
JoÃO DE FREÍTAS 71
tas, após a devida mesura que é feita com o joelho direito d itamente, determina que se faça a recepção dentro
quase pousado no chão. ItlOJisrigorosas formalidades protocolares.
Enquanto as entidades estiverem incorporadas os cam- N sta hora todos se mantêm de pé em absoluto silên-
banas não abandonam os médiuns por forma nenhuma. 111( a curimba ressoa em surdina. A samba especial con-
Mantem-se ao seu lado, com a toalha nos ombros para dll~ n b ndeja com o sal, a pemba em pó, o coité coma
enxugar-lhes o suor, traduzir algumas palavras para os pa- 11111(In do culto e um obí. Ladeiam-na uma samba e um
Cientes e anotar qualquer recomendação. ('111111>0
O empunhando, cada qual, uma vela acêsa. Em
I uudo plano vão a mãe-pequena e o ogam que servirão
Ninguém, conhecedor do ritual, ingere bebidas de
h Ilt -odutores dos visitantes no terreiro.
frente para o peji ou para os médiuns incorporados. Isto
significa acinte, desrespeito, ou falta de educação rítualís- ]1:l1Quanto o recém-vindo apaga as velas com os dedos
tica. Quando o filho de fé recebe da entidade o coité, fa-lo uúdu o oríxá maior do terreiro com a pemba em pó
com as mãos juntas, pede licença, dá as costas e leva à 1I1I1'Il1ldo-apara os lados, e o mesmo fazendo com o sal
bôca a bebida. 11 1)(blda do culto, quatro sambas suspendem o pálio sob
I pl'Ol icão do qual êk irá, a passos lentos, à presença do
Seja babá, alufá ou babalaô, bem como ministro,
chefe de Estado ou embaixador estrangeiro, em visita a luhllln . Durante o trajeto o visitante saúda o ponto cen-
uma tenda ou terreiro, o ogam canta o ponto de sauda- 11'111, o peji, a curimba e, por último, o chefe do culto que
ção, oferece-lhe as poltronas e tôdas as sambas e cambo- 1111"1(I e lhe oferece a sua poltrona. Em seguida, em
nos o vão saudar. Esta cerimônia restringe-se, apenas, a 111'1 VI o 'ação, o ernbanda explica aos presentes a razão
uma vênia acompanhada de ligeira curvatura de dorso. hlljll('lns homenagens e dá, ao recepcionado, os votos de
111m vindas,
Quando alguém do culto, ou estranho ao mesmo, con-
tribui com elevada soma em dinheiro para melhorar o A pôs a palavra do embanda o ogam canta o ponto de
fundo econômico da irmandade, o feito é destacado com l e todos os filhos de fé o vão saudar.
111111111'
homenagens especiais. . I (' ti. ôrdo com o ritual e a praxe nenhum alufá, ou
Constitui motivos de exaltação festiva, para os fi- IIIIIlIlIll I visita tendas ou terreiros de mãos vazias. Leva
lhos de fé e chefes espirituais umbandistas a visita aos ter- IIIIPI'( um presente como recordação ou lembrança para
reiros feitas por personalidades de destaque social, auto- 11 11lto11ílUl.' O sentimento de fraternidade.
ridades governamentais ou sacerdotes de outros cultos.
Nu ontr ga do objeto ofertado a curimba soa forte-
A visita do alufá, ou babalaô, com a sua comitiva em Idl' !' todos batem palmas para coroar o ato. A seguir é
caráter oficial, deve ser avisada com a devida antecedên- 1'1 ('Idl l\ b bida litúrgica, entoado o ponto de curiar e
ela. Entretanto, se imprevista e o pedido fôr solicitado 1 It /l1I!, i'I cantam suas curimbas saudando o orixá
na porteira com o ponto cantado, próprio para tal fim, 101', () nlu:.l' , o embanda, o ogam, as sambas, os cam-
'0 chefe do culto autoriza o ogam a conceder licença. f:ste, ussísten teso
E'indr» 0 cerimonial de recepção os atos religiosos con-
tinuam e o alufá, com. a autorização. elo guia, permite- a
colaboração dos visitantes.
(í). eneenramento dos trabalhos nas tendas e nos, ter-
reifQs~obedece aos mesmos rigores nitualisticos,

INICIAÇÃO
A . carreira sacerdotal, em tôdas as religiões, tem
como base, a vocação natural e instintiva. Sem ten-
dência e sem pendores para determinada missão, o ho-
mem por mais esforços que despenda estará fadado ao
fracasso. E impor faculdades às criaturas destituídas dos
atributos necessários à prática de conduzir seus semelhan-
tes pelo caminho da renúncia, do aprimoramento espirí-
tual e da humildade sadía, é crime de lesa-bom senso.
Os maus sacerdotes são frutos da ingenuidade de seus
responsáveis nos períodos iniciáticos.
Na maioria dos casos são os próprios candidatos ao
sacerdócio vítimas da auto-sugestão. Empolgados com os
cerimoniais litúrgicos ou embevecidos com a aureola de
prestígio e respeito que envolve os grandes místicos, atí-
ram-se aos estudos superficiais das religiões para compro-
meterem, inconscientemente, pelos erros cometidos, as
ordens religiosas ou seitas a que pertencem.
:Êsse fenômeno se verifica desde priscas eras. Eis por-
que os grandes seminários, atualmente, cuidam, através
de testes freqüentes, de estudar os candidatos em suas
múltiplas manifestações.
É grande a distância entre o crente fervoroso e o mís-
tico tangido pela fôrça divina.
Não se deve, pois, estranhar, pelo exposto, as razões
dcterminantes das dejeções de elementos pertencentes a
alguma seita ou religião e que sé tornam, depois, ínvetera-
XANGÔ DJACUTÁ 77
76 JOÃO DE FREITAS

dos maldizentes das cousas religiosas. Os mais fracos


o amací, elemento de ligação do homem com os cor-
pos celestes, é preparada na camarinha, exposto em duas
como refúgio ou justificativa abominável, procuram desa~
bacias ou alguidares novos, aos raios solares e influências
creditar os cultos e as irmandades denunciando falhas e
lunares, segundo, é claro, as plantas que o compõem. A
particularidades ou tornando públicas as deficiências ne- -
água é colhida diretamente do manancial e despejado no
Ias encontradas. Êsse espírito de vingança, porém, retra-
ta-lhes o estofo moral numa confissão inconsciente de fra- alguidar com as ervas determinadas pelo alufá. .
cassados e sabujos, O santo sacrifício, segundo a 'liturgía, ou melhor, a
matança sagrada, se verifica justamente na véspera do
O.:'alufás ou babalaôs não são sacerdotes improviza- iniciado deixar a camarinha. O sangue, do animal sacri-
dos. Eles seguem o curso que vai da iniciação ao cruza- ficado, é derramado na parte alta da cabeça, no lugar onde
mento e da confirmação à coroação numa trajetória brí- . foi feita a tonsura, depois a bebida e, por fim, o amací.
lhante de despreendimento, de fé e de renúncia.
A carne, quer seja de boi, vitela, cabrito, carneiro,
A vida privada do sacerdote é controlada por cente- pombo ou galo, é aproveitada para preparo dos acepipes
nas de pessoas que o rodeiam e por milhares de olhos que que serão regalados aos convivas na festa de confirmação.
o observam.
As víceras e partes inaproveitáveis são cuidadosa-
Quando termina o tempo necessário de provas por mente enroladas em toalha nova e despachadas numa en-
que passa ,o.ca~dlctato à carreira sacerdotal, onde uma- sé- cruzilhada, no sopé de uma árvore, à beira de rios ou em
rre ~e penitências e obrigações lhe foi imposta na fase ex- praias distantes. Depende da orientação dos guias.
perimental, o alufá, de acordo com o guia do médium- e
os períodos lunares, marca a data de recolhimento à ca- No culto de Xangô, como nos demais cultos umban-
ma~'inha e e~colh~ o~ assistentes que ficarão de vigília até distas, há sempre uma pessoa especializada para colher
o día do cerimonial ae confirmação. as ervas destinadas ao amací. É o "mão de ofá", em geral
o curandeiro, conhecedor profundo dessa difícil arte de
Du!ante ~ permanência na camarinha, os assistentes olher as plantas e raizes e mantê-Ias viçosas até a hora da
que serao no fmal os padrinhos do iniciado, o alufá, a mãe- infusão.
p.eque~a e. o ,ogam, instruem-no convenientemente na prá-
Embora a ciência afirme ser pura superstição a in-
tíca ritualística e cerimônias Iítúrgícas. A moral religiosa
fluência da lua sôbre os vegetais, e até mesmo na vida
é ministrada diàríamente como lhe é transmitido o se- I I lmal, de qualquer modo as quatro fases lunares exer-
grêdo do da:rrum. . m papeis importantes no preparo do amací. O "mão
d ofá" colhe na lua nova, expõe a infusão ao sereno no
A tonsura é feita pelo alufá e o arnací é. derramado
p dado do crescente à lua cheia, e retira no minguante,
sôbre a abóbada craneana, bem no centro elétro-magnétíco
pn a o cerimonial de ligação do filho de fé com as fôrças
do ínlcíado, em ritual oculto, sob assistência apenas do
combínadas de todos os planetas.
ogam, da pãe-pequena e' dos padrinhos.
78 JOÃO DE FREITAS

o efô, geralmente, é entregue na pedreira, ou sô-


bre pedra virgem, e quem o prepara é a mãe-pequena sob
as vistas do babalaô. Esta obrigação, vulgarmente chama-
da de "comida de santo" é oferecida slmultãneamente com
a comida ritualística oferecida pelo iniciado. Enquanto
os filhos de fé e convidados libam em honra do novo sa-
cerdote êste se dirige, acompanhado de seus padrinhos, ao
local de entrega do amalá. Terminada a oferenda reter-
nam ao terreiro para tomarem parte no àgape,

CONFIRMAÇÃO
'o EPOIS que o iniciado termina o seu retiro e passa por
todos os atos litúrgicos e exigências de conhecimen-
tos ritualísticos, provando destarte estar em condições de
assumir o comando da nave religiosa, segue-se o de confir-
mação cujo cerimonial vem provar, publicamente, a sua
habilitação. É como se fôra a entrega do diploma à prova
de fogo. É a primeira missa do recém-ordenado ou a estréia,
na tribuna, de novo causídico. .
Nos terreiros é assim. Todos querem ver o novo pai
de santo. Se êle é muito relacionado as listas correm de
mão em mão e chovem presentes de todos os lados. O anel
simbólico, ..por exemplo, é sempre adquirido por meio de
rateios e subscrições.
Neste dia todos os olhares se convergem para êle. Um
passo em falso póde acarretar ridículo para o babalaô, ou
alufá, que o preparou e considera-o em condições de me-
recer o título de sacerdote. Dai a presença do mestre, ao
lado, chefiando a cerimônia.
O anel sagrado, nesta altura já se encontra no peji
ôbre pequena almofada de cetim. As guias, as nunangas,
s paramentos do novo chefe de terreiro estão sob a guar-
da de seus padrinhos que, daquela data em diante, assistí-
le-ão corno mãe-pequena e ogarn.
Inicia-se, pois, a defumaçâo do terreiro. Êste cerl-
oni~~ ~.'imPl~e.scindív~l a!ltes de ~~r F~~~i~f\goqualquer
0. muace re l~lO:S~: .
XANGÓ DJACUTÁ 83
82 JOÃO DE FREITAS

Nos fumos litúrgicos que se desprendem dos deftlma-


o ponto de segurança é constituído do desenho sim-
bólico de Xangô Djacutá riscado com pemba roxa, um
dores sagrados, formando magestosas silhuetas, evolam, copo ou cuia com vinho tinto, uma vela acêsa, uma pe-
como ondas de alvíssimas espumas, as mensagens em pau- quena pedra virgem e a imagem de Alafim-Echê.
tas olorosas, à procura dos deuses.
. Terminada a defumação é entoado com a maior vibra-
A queima de ervas e raízes ou substâncias minerais ção possível o ponto de Xangô. A seguir são cantados os
paraaromatizar agrupamento de gente, seja religiosO ou de saudação a todos os orixás que representam as divin-
profano, vem de longas e remotas eras. E os negros. na dades do panteão africano. Isto feito o ogam canta o de
exuberância de suas selvas, pelas mãos dos curandeIros abertura do terreiro, as sambas e os cambonos em fila
criaram felizes combinações cujos resultados seria ocioso vão ao ponto de segurança, saúdam-no atirando-se ao
. enumerá-los, chão, batem com a testa três vezes sôbre êle dizendo:
Uma composição de plantas de cheiro nau seativo afu- "oquê bambocrim, saravá Xangô!"
genta os fluídos que nos obsidiam, modificam os pensa- Aberta a gira o ogam canta a curimba do guia do novo
mentos malévolos, afasta a onda de vacilações que nos en- pai de santo. Tôdas as sambas e cambonos, em passos
volve e apaga as idéias sinistras que nos assaltam. Depois, de dança, vão ao seu encontro e o saúdam atirando-se ao
um defumador odorífero, manipulado com substâncias aro- chão em decúbito dorsal e com os braços abertos. O novo
máticas, conduz o nosso pensamento para as regiões su- babalaô agradece fazendo com a mão uma cruz nas costas
blimes da meditação. É o milagre do cheiro! do filho de fé, segura-o pelas frontes com ambas as mãos
em palma e o levanta. Esta saudação é completada com o
Um ambiente defumado com arruda, guiné, alho sel- abraço duplo, isto é, o ombro direito de um toca no ombro
vagem e raspas de chifre, produz, naturalmente, certa re- esquerdo do outro e více-versa.
pulsa pelo fétido que exala. Com isso os obsessores se
afastam ... Enquanto isto se passa a mãe-pequena vai ao peji,
apanha a almofada de cetim que ostenta o anel ·sa-
Se o defumador é preparado com alfazema, mirra, grado, o ogam a cuia em cujo interior se acha a guia
benjoim e incenso, uma névoa de bem estar nos envolve e do novo sacerdote e se postam, ambos, ao lado do velho
nos ajuda, pela fragrância, a galgar suavemente a :rJ10n- alufá.
tanha do Eden.
Terminadas as saudações, a um sinal do ogam o
Enquanto o cambono e a samba defumam o terreiro onjunto instrumental faz soar em surdina, vagarosa-
em forma de cruz, isto é, de um canto para outro oposto, m nte, todos os seus instrumentos de percussão. O an-
saudando sempre o centro tôda vez que é cruzado, o ogam 1:1 o babalaô coloca no pescoço do novo chefe de ter-
determina que seja entoada a curimba de defumaçâo, iro a guia e, em seguida, o anel sacerdotal no dedo
ndicador da mão direita. Os instrumentos aumentam
A esta altura já está firmado, na porteira, o ponto de díapasão e todos coroam aquele ato. com prolonga-
segurança e nenhum filho de fé a transporá sem o satldar d s saívas de palmas.
com as seguintes palavras: "caô cabê em si!"
84 JOÃO DE FREITAS
XANGÔ DJACUTÁ 85
Fóra do terreiro, designados pelo ogam, dois cam-
banas fazem estourar no ar foguetes e acendem fogos grandes e se tornam infinitamente pequenos. É nesta
de artifício. Morteiros e mosquestões, girandolas etc. hora de contemplativismo que o maior poema fala no
anunciam, em estampidos sucessivos, mais um digni- silêncio divino das matas e na garrulice dos pássaros.
tário terreno da côrte de Olorum. Prosseguindo no cerimonial de confirmação é ofe-
recido a todos os filhos de fé, convidados e pessoas pre-
O velho alufá entrega-lhe o terreiro e, acompanha- sentes à festa, os acepipes preparados com esmêro pelas
do da mãe-pequena e do seu ogam, dirige-se para a sambas e orientados pela mãe-pequena.
poltrona e ali fica até o final dos trabalhos como méro
assistente. Rodeiam-no convidados ilustres que o cum- E sob o rufar de tambores, em descargas frementes,
primentam pela extremosa dedicação dispensada ao novo sambas e cambonos, em fila de um por um, deixam o ter-
sacerdote durante o longo curso de aprendizagem. reiro e se dirigem à cosinha onde colossais panelas de
barro escondem, em seu bojo, apetitosas iguarias condi-
Soam vigorosamente os instrumentos em conjunto mentadas a capricho e cujas receitas constituem orgu-
e os mais belos pontos são cantados por exímios curim- lho da culinária afro-brasíleíra,
beiras que se apresentam para compartilhar da festa.
Dois cambonos, empunhando cada qual uma pilha
Os cambonos e as sambas com suas indumentárias de pratos pedem licença e procedem a distribuição aos
de cetim roxo e bordadas com arte e capricho dançam, comensais que se sentam no chão, de pernas cruzadas.
no centro do terreiro, até aos primeiros albores da ma- Dois outros, cambonos também, colocam ao longo do
drugada. terreiro compridas tábuas onde ficarão aquelas panelas.
Face-à magnitude do evento, onde todos os conhe- Enquanto vibram os pontos cantados, ao sabor do
cimentos do novo alufá são postos à prova, mesmo por- rufar de tambores, as sambas caminham a passos len-
que velhos e famosos babalaôs são convidados, forman- tos conduzindo à cabeça os panelões com os saborosos
do pequeno tribunal, e por pequena que seja a omissão quitutes que aguçam o apetite dos mais indiferentes gas-
redunda em desprestígio do mestre alí presente, to"~o trônomos.
o ritual é cumprido em seus mínimos detalhes. Eis uma Colocadas tôdas as panelas sôbre as tábuas, as sam-
das razões dessas festas se prolongarem por muitas noi- bas iniciam a distribuição da comida. Os pratos cor-
tes e dias consecutivos. rem de mão em mão e nêles são depositados, em pe-
Os atabáques gritam estridulosamente e os agogôs quenas porções o cabrito frito em a~eite, .o galo. ?om
se extertoram por entre palmas nevróticas e melodias feijão branco, o caruru ou o vatapa com acaraje, a
contagiantes. muquéca, etc.
Poucos são os que percebem as mensagens lângui- Enquanto é saboreada a comida, por todos os filhos
das das estrêlas quando o sol refulge, docemente, no de fé e pessoas gradas, o novo alufá se afasta do terrei-
horízonte . t o momento em que 9~ poetas se sentem ro e vai, acompanhado do ogam e da mãe-pequena, le-
var o seu efô aos orixás. De volta desta obrigação, êle
XANCÔ DJACUTÂ 87.
8ü .r o x o DE F"REITAS
de cordialidade. O próprio ritual determina que tais
e seus auxiliares sentam-se, também como os demais, e representações sejam acompanhadas de uma lembrança
comem da mesma comida. ou de um mimo que perpetui a graça e a satisfação do
Findo o àgape, de acôrdo com o ritual, visto não acontecimento nos anais da religião. Aliás, quem não
usarem talheres, todos chupam os dedos e os levam à proceder desta maneira revela desconhecer os mais co-
cabeça a fim de enxugá-los convenientemente nos ca- mesínhos princípios da verdadeira doutrina umbandísta.
belos. Esta prática é tradição ritualística.
Até mesmo uma simples flor silvestre, colhida à
Todos de pé, procede-se o recolhimento dos pratos, beira da estrada, será ensejo para o filho de fé não
das panelas e das tábuas com pontos cantados em sinal ntrar no terreiro de mãos vazias.
de agradecimento. I;
Não têm cunho individual os presentes ofertados ao
Prosseguem as danças em honra do novo sacerdo- chefe do terreiro. Tais objetos são destinados às ceri-
te e continuam as saudações aos orixás e guias espiri- mônias litúrgicas ou ritualísticas. Os ofertantes, em ge-
tuais de outros cultos. ral, procuram conhecer as deficiências para suprí-las ou
Ê franqueado aos filhos de fê, pertencentes a ou- melhorá-Ias.
tras seitas cantar seus pontos prediletos. A festa con- Quando, por exemplo, um rico e luxuoso pálio subs-
tinua e vai de estrêla a estrêla, de sol a sol numa se- titui um mais modesto, êste é oferecido a outro terreiro
qüência infinda de belíssimos versos e envolventes me- que se ressinta de sua falta. Nesta base, seja campai-
lodias. nha, taças, copos, bandeja ritualística, fumeiro ou outro
Além de inesgotável o repertório muitos são ímpro- material em desuso, o chefe de terreiro os oferece aos
vizados sem quebra de ritmo. Há curimbeiros notáveis que se iniciam, dentro do mais perfeito espírito de cola-
que se inspiram no estralejar dos fógos, no bruxolear boração.
dos raios lunares, na brisa cantante ou nos beijos quen-
A Umbanda de bem-querença, essa magnífica cadeia
tes das tardes ensolaradas.
d élos de pureza e de bondade, de amor e de humildade,
As festas de confirmação, e de coroação, adquirem verdadeira, legada pelos nossos antepassados, é assim.
certo brilho e esplendor em virtude dos proclamas dis- odos se estimam e se respeitam mutuamente. E essa
tribuídos e divulgados com grande antecedência entre r· ternidade, real, é transmitida, de geração em geração,
todos os terreiros. Tais festividades, muitas vezes de través de constantes recomendações.pelos alufás, babás
inusitado entusiasmo, têm a virtude não só de anunciar babalaôs.
no meio umbandista o novo dignitário como também o
de congraçar velhos amigos e solidificar o espírito de Cada terreiro que se inaugura é uma fonte de ca-
fraternidade entre os filhos de fé. rld de que surge para saciar os espíritos sofredores ca-
, ntes de paz. Daí o auxílio, prestado, solidàriamente,
Ê falta de ética deixar de comparecer ou de se fazer 1 a construção do terreiro até ao seu equipamento
representar nessas solenidades. Há mesmo um convê- t t 1.
nio entre os chefes para a troca dessas manifestações
88 JOÃO DE FREITAS

As listas de contribuição, as tômbolas, os leilões de


prendas e alguns donativos fazem parte da campanha fi:"
nanceira que, com o produto, é mantido o culto e são
atendidos os necessitados.
Quando, pois, o novo sacerdote é confirmado está
êle aparelhado para assumir a direção material e espi-
ritual de um terreiro. O ogam e a mãe-pequena, seus au-
xiliares diretos, o acompanham e cooperam para maior
o êxito da sua grande e espinhosa missão.

BATISMO
,
R simples o cerimonial de batismo de crianças.
1-J Após a defumação do ambiente com o defumador
adequado, composto de alecrim, mirra, canela e açúcar,
é entoado alguns pontos de Ibeji. Frente ao peji, em
duas alas distintas, postam-se todos os cambonos e sam-
bas devidamente paramentados com suas nunangas bran-
cas.
Para êste cerimonial não é permitido incorporações
de entidades.
Terminada a curimba das falanges de crianças a
samba especial vai à camarinha, apanha a grande almo-
fada de cetim roxo bordada com os pontos de Ibeji e
guarnecida de rendas, faz a vênia com o joelho direito
tocando o chão e entrega à mãe-pequena. Esta vai ao en-
contro dos padrinhos e coloca a criança sôbre a almofada.
Enquanto isto se passa é cantado o ponto de Xangô
Agodô.
Caminhando por entre as alas de sambas e cam-
banas a mãe-pequena conduz a criança ao alufá para a
cerimônia do batismo. Nesta altura a samba especial
pega de uma grande toalha de filó branco, própria do
cerimonial, dobra-a em fórma triangular, faz a sauda-
ção e cobre os ombros do sacerdote.
Em segundo plano, ladeando o babalaô, duas sam-
bas empunhando cada qual uma vela de cêra com laços
de fita roxa, se mantêm de pé.
XANGÔ DJACUTÁ 93
92 JOÃO DE FREITAS

suas obrigações e deveres para com o mesmo nas t~a-


A samba especial chega às mãos do alufá a ban- jetórias da vida, amparando-o quando lhe faltar a aSSIS-
deja contendo o copo de vinho tinto, o pires de sal fino tência paterna.
e a pemba roxa. É então entoado o ponto do orixá maior. Ao fim da oração do embanda são entoados os pon-
O alufá prova do vinho, faz o sinal na testa e nas pal- tos da falange das crianças, saudações ao orixá lbej~,
mas da mão da criança com a pemba, chega-lhe o sal aos os médiuns dão passagem às entidades e todos comparti-
lábios, ergue a mão esquerda com a palma voltada para lham da festa saboreando doces e refrescos.
o peji e a direita coloca no plexo solar do batizando. Pomposo, simples, ou singelo mesmo, o batismo é
Concentradíssimo, mas com O olhar firme no peji, o um ato sacramental que deve e precisa de se generalizar
alufá transmite, como veículo que é, a irradiação de em todos os cultos. É por meio dêle que o sêr humano
Xangô Agodô para o pequenino sêr que daquele momen- se liberta do pecado original e se inicia na religião.
to em diante deixa de ser pagão. Um homem sem Deus, sem fé e sem submissão às
E assim, em nome de Zambe ou Olorum, é batiza- coisas divinas jamais terá a resignação necessária para
da a criança. enfrentar as vicissitudes da vida material.
No momento da irradiação a concentração é feita O batismo de adulto sofre ligeira alteração no rito
com o ponto de Agodô. e na liturgia. É necessário preparar o candidato espiri~
Se os padrinhos são de boa situação econômica e tualmente para merecer, do orixá maior, esta graça. Tera
desejam pompas especiais, bem como datas prefixadas, que fazer o recolhimento espiritual de vinte e quatro
tal como sucede com outras religiões, arcam com tôdas horas dentro do terreiro. Tomará banhos de descargas
as despesas do cerimonial. fluídicas indicados pelo babalaô e será defumado de seis
em seis horas por cambonos ou sambas designados pelo
O conjunto instrumental se apresenta todo para- chefe do terreiro. Sua alimentação será bastante frugal
mentado, o peji é enfeitado com flores naturais e abun- e durante êsse período não poderá manter palestras que
dante é a sua iluminação. As sambas e os cambonos possam desvirtuar sua mentalização.
envergam suas nunangas dos dias de festas e são ofe-
Manter-se-à descalço até o final da cerimônia e evi-
recidos aos filhos de fé e assistentes, saborosos doces.
O manjar, a canjica de milho branco ao côco ralado, tará cumprimentos e apertos de mão.
Logo após a abertura do terreiro,. com amba~ as
canjiquinha de milho verde, amóda, e outras guluzeí-
mãos em palma, junto ao peito, o candidato ao batismo
mas manipuladas pelas mãos hábeis das doce iras atro-
caminha de cabeça baixa por entre as alas de sam-
brasileiras são acompanhados de deliciosos refrigerantes. bas e cambonos e saúda o alufá que o aguarda para o
Terminada a cerimônia religiosa o ogam dá o sinal cerimonial.
convencionado e o cambono abre a garrafa de cham- Para o batismo de adulto não é cantada a curimba
panha e todos provarão dela como homenagem ao fu- de lbeji. A concentração e invocação serão feitas com
turo da criança. pontos de Xangô Agodô e t9911 a assistência acompan~~
O embanda faz uso da palavra para mostrar aos çom Q, m~~IT1ª vibração. c. ". , ..•• . ...

padrinhos a dedicação que devem dispensar ao afilhado,


94 JOÃO DE FREITAS

Os padrinhos se mantêm de pé, lado a lado do ba-


tizando, cada qual empunhando uma vela acêsa, e o sa-
cerdote o batiza com a irradiação de Xangô Agodô.
Finda a cerimônia litúrgica o embanda usa da pa-
lavra para saudar o novo filho de fé e faz ligeira prele-
ção em tôrno das conversões e iniciações religiosas:
Mostra aos assistentes que o batismo de adultos não é
cerimônia de efeito transitório ou simples convenciona-
lismo religioso. O batismo é uma celebração eloqüente e
cabal de convicção.
Terminada a oração seguem-se os cumprimentos e
as libações oferecidas pelo sacramentado. As bebidas ritua-
lísticas e as danças completam o ato religioso.

CASAMENTO
O
.
ofício religioso que consagra os nubentes como duas
partes que formarão um todo espiritual, numa união
legítima, em nome de Deus, sejam quais forem as seitas
ou religião, é ato tão solene que toca aos corações e acom-
panha o perpassar dos séculos.
Sejam simples ou luxuosas as cerimônias nupciais,
até mesmo as realizadas somente por autoridades civis,
'ficam na memória dos conjuges como símbolo da Su-
prema Lei: "Cresce i e multiplicai-vos".
E é dessa etapa na vida dos homens que depende
o radioso porvir da humanidade. Ser filho e ser pai é
a lei. O casamento é, pois, a porta que se abre para o
homem desempenhar a grande missão ditada pelo Cria-
dor.
Com estas razões muita gente se sacrifica para em-
'prestar ao ato mais empolgante de sua vida um cunho
festivo e muitas vezes pomposo.
No terreiro de Xangô, para evitar a hipótese de
enlaces duvidosos, o embanda lê, em voz alta e compas-
sada, o registro de casamento dos nubentes pelas auto-
ridades civis.
É defumado o terreiro com plantas e substâncias
aromáticas e algumas fôlhas de mangueira espalhadas
pelo chão contribuem para melhor aromatização am-
biente,
98 JOÃO DE FREITAS XANGO DJACUTÁ 99

Após o ponto de Xangô Djacutá são entoaQ:lS o~- Terminada a missão do sacerdote o embanda faz
tros tantos da portentosa falange do grande deus aírí- Uso da palavra saudando os nubentes. Em oração curta
cano. é-Ihes mostrada a jornada que ambos vão enfrentar e a
No peji, todo ornamentado de flores naturais e farta, necessidade da fé como refúgio para as horas das dúvi-
iluminação, estão as alianças dos noivos sôbre peque, das e incertezas que o mundo profano prodigaliza aos de-
savizados.
nina almofada de cetim.
Abertos os trabalhos, rigorosamente dentro d~ ri, Isto feito os noivos vão ao peji, agradecem e dei-
tual, com as sambas e os cambonos em filas lateraIS, ~ xam o recinto da cerimônia religiosa sob palmas e péta-
mãe-pequena faz a vênia e entrega o anel sacerdotal a~ las de flores que lhes são atiradas em profusão pelos
alufá. ~ste saúda o peji, volta-se para os filhos de fe, parentes e amigos presentes.
para o conjunto instrumental, para a assistência e repete Fóra do terreiro estralejam fogos, gírândolas e fo-
a saudação. guetões.
Os tambores rufam em descargas surdas e C0111passa .... Os atabáques e os agôgôs, manejados por hábeis
das como agradecimento. curimbeiros, em notas altissonantes, transmitem as ân-
É cantado o ponto alusivo ao ato e a mãe-pequem\ sias e os desejos represados dos jovens sonhadores. Em
e o ogam vão ao encontro dos noivos e dos padrinhos ~ Suas mensagens, pelo éter, os instrumentos traduzem as
os conduzem, por entre as alas das sambas e calJ1bono~, aspirações das moças e rapazes que invocam do grande
à presença do alufá. orlxá Abomi o cobiçado milagre.
A samba especial coloca sôbre os ombros do s~cer_ Neste dia os solteiros fazem as suas oferendas. Uns
dote a grande toalha de filó branco dobrada em .forma discretamente, outros, mais afoitos, inteiramente alheios
triangular, vai ao peji, saúda-o e apanha a pequerllna al- à perspicácia dos circunstantes, pedem ao casamenteiro
mofada de cetim com as alianças e se posta à eSquerda, orixá que lhes proporcione a felicidade sonhada.
do chefe espiritual. O casamento na Umbanda é um espetáculo gran-
Pousando a mão direita, em cujo dedo rebrilha o dioso. É belo e empolgante porque todos os filhos de
anel sagrado, sôbre as mãos entrelaçadas dos noi~Os e a fé se associam, espiritualmente, ao acontecimento maior
esquerda erguída com a palma voltada para o pejl,. o sa, na vida dos homens.
cerdote invoca a fôrça irradiadora de Xangô AbOl!lI para
Dêsse dia em diante, cumprindo a sábia lei de Zam-
consolidar aquela união. be, novo lar se constrói. Velará por êle um Xangô Agan-
Neste momento é entoado o ponto dês se ori,cá COm [ú, protetor dos lares bem formados. Os recém-casados,
a maior vibração possível. para desfrutarem lua de mel permanente não o esquecem
O sacerdote coloca as alianças nos noivos e e"clama.: nunca. Os mal-entendidos, as desavenças triviais, as de-
"Em nome de Olorum, em nome de Xangô, em nome sarmonias domésticas desaparecem desde que os alicer-
de tôdas as falanges trabalhadoras do bem, procl(;l.mO-vQs ces da família sejam construídos com as pedras da fé in-
marido e mulher". quebrantável. Nos lares umbandistas, sejam quais fo-
100 JOÃO DE FREITAS

rem as condições econômicas de seus membros, predo-


minam a harmonia, a paz, a felicidade.
Xangô Aganjú será sempre, para os filhos de fé,
a bússola divina que orientará o barco para longe das
procelas. Tôda família umbandista, da corrente de Xangô
Djacutá, tem-no em lugar de destaque.

A
,
CERIMONIL\ FUNEBRE
/

N'deixa deporsentirmaiso desenlace


INGUÉM, empedernido tenha o coração,
de seus entes queridos.
Sejam parentes próximos, amigos comuns, e até mesmo
homens públicos de altas virtudes, quando desencarnam,
produzem no nosso íntimo um sentimento de dor que
só se ameniza com o correr dos tempos. As orações e as
préces para o descanso dessas almas ou para o esclare-
cimento dos espíritos desencarnados confortam-nos e nos
animam a continuar a vida tal qual nos foi legada pela
Suprema Lei.
Poucos são os que se conformam ràpidamente. Os
mais fracos espiritualmente julgam encontrar lenitivo
nos vícios materiais e, até mesmo, no auto-extermínio. É
que na hora cruciante da dor, no auge do desespêro, mui-
ta gente blasfema e nega a existência de Deus.
As liturgías fúnebres, os cerimoniais necrológicos,
entretanto, realizados por tôdas as seitas e religiões
desde a formação do mundo, amainam essas tempestades
de alma e conduzem a espécie humana para o terreno
da meditação e da verdadeira espiritualidade.
No espiritismo de terreiro as irradiações e as pre-
ces para os desencarnados são feitas pelas falanges po-
derosas de seus orixás através de pontos cantados.
O coníôrto espiritual para os aflitos e desesperan-
çados é dado pelos guias que se apresentam como pre-
tos velhos ou caboclos. Se, porém, a família do morto
solicita a presença do sacerdote, êste se faz acompa-
/

104 .r o t o DE FREITAS

nhar de um cambono e de uma samba a fim de cruzar


o corpo do filho de fé antes de baixar à sepultura.
Aberto o caixão fúnebre a samba põe nos ombros
do sacerdote a toalha de filó prêto, dobrada em fórma
tringular, tira da caixínha o anel simbólico e lhe coloca
no dedo indicador da mão direita. Após ligeira concen-
tração cantam, à meia voz, o ponto de Xangô Alufam
e outro para Ornulú.
Enquanto o alufá cruza com pemba a testa, as mãos
e os pés do morto, a samba e o cambono se mantêm com.
o joelho direito pousado no chão e segurando, ambos,
uma vela de cêra.
Terminada esta rápida cerimônia de cruzamento do
cadáver, as velas são apagadas e colocadas dentro do
caixão mortuário. Em seguida o sacerdote diz algumas
palavras de confôrto aos parentes e amigos do extinto e
se retira para o cruzeiro do cemitério. Lá chegando DOUTRINA
acende três velas, saúda a Omulu, a falange da linha de
santê e pede às almas que ajudem o espírito daquele que
deixára a vida terrena.
Ainda dentro do ritual, legado pelos negros,· ao fim
do sétimo dia, é feito o cerimonial de queima de objetos
de uso em oferenda aos deuses bem como a entrega do
exê ao santo a que pertencia o morto ..
Eis, singelamente descrita, a cerimônia fúnebre se~
gundo o que preceitua a Umbanda.
A
-
filosofia da moral doutrinária umbandista é igual
às demais difundidas por tôdas as religiões.
Dentro dos conselhos dos guias espirituais resplande-
cem os ensinamentos para a prática do bem e do amor ao
próximo baseados na lei de causa e efeito.
Os métodos usados, nas tendas e terreiros, para a es-
piritualização dos homens são mais seguros e eficientes.
Os doutrinadores da Umbanda, em geral alufás ou
embandas, preconizam a doutrina através de exemplos con-
vidando os filhos de fé à reflexão constante sôbre as van-
tagens das boas ações.
A interpretação da moral pregada pelos guias, sem-
pre vasada em conceitos axiomáticos, às vezes é confiada
a alguns moralistas que passam, antes, pelo crivo das en-
tidades a fim de evitar a deturpação do sentido e das con-
clusões na consciência dos filhos de fé. É que a intangi-
bilidade da moral ditada pelos caboclos e pretos velhos é
uma verdade positiva, insofismável e concreta.
Quando há falhas, nas prédicas, é porque falho é o
veículo que as captou.
A linguagem usada nos terreiros, para a transmissão
dêsses ensinamentos, é simples e destituída de círcunló-
quios. E é dêsse par-ticular que resulta melhor aproveita-
mento para a espiritualízaçâo dos homens.
Várias confissões, de iniciados egressos de outras sei-
tas e religiões, nos autorizam a proclamar a superioridade
da metodologia espiritualística da Umbanda.
XANGÔ DJACUTÁ 109
108 JoÃo DE FREI'rAS

o contacto com os guias, nas sessões, desperta maior um dever, uma necessidade porque é dêle que depende a
interêsse para o aprimoramento espiritual e inspira mais evolução espiritual das criaturas.
confiança porque exalta virtudes ocultas e acorda as qua- A prática dêsse item sagrado, na Umbanda, não ~e
lidades morais adormecidas dos filhos de fé. traduz em manifestações materiais para efeito demagó-
Os analfabetos da Umbanda, na sua maioria, revelam gico. É que ao verdadeiro umbandistarepugna .... essas ex-
mais aptidões na vida material do que os incultos de ou- tsríorizações criminosas que retardam, e mUllas. vezes
tras seitas e religiões. São menos susceptíveis ao fana- impedem, o trabalho paciente e de~orado das entidades
tismo porque raciocinam melhor. Sua inteligência é mais no sentido de reabilitar os homens ajustando-os nos meIOS
lúcida porque são bem orientados. E quem duvidar desta sociais em que vivem.
afirmação é só confrontá-los. O umbandista aprende com os espíritos de cabo-
Nenhum umbandísta é destituído de personalidade por- clos e pretos velhos a admirar as tôrças da ~atureza, a
que a doutrina infunde, no espírito dos iniciados, as be- venerar os seus deuses e a idolatrar o seu Criador.
lezas da humildade sadia, elevada e nobre, mas condena, Com êsse ternário maravilhoso o filho de fé ama a
com veemência, a subserviência, o servilismo, o excesso Deus sôbre. tôdas as coisas e confia no Seu poder incomen-
de condescendência que avilta e macúla a dignidade hu-
mana .. surável.
A doutrina da Umbanda não é sofismática porque
. O soerguimento do moral abatido, de muitas criatu- não prega a grandeza divina através d~ inverossi:nilhan-
ras que apartam aos terreiros em busca de caridade tido ças. Não incute nos seus adept~s a perigosa ~~ntlra con-
como milagre prova exuberantemente a eficiência da. dou- vencional, responsável pelas hIpOCrISIaS raligiosas, por-
trina. . que nela resplandece e fulgura, em tô?a s~a gr~ndeza, a
Só . os oposicionistas, renitentes, escondem ou ne- verdade perfeita quando afirma que nmguem colne o que
gam estas verdades apontando as misérias verificadas entre não plantou.
os elementos marginais. Incidem, conscientemente, no A linguagem doutrinária nas te~das ~ n~s. terreiros
êrro de julgar as grandezas do espiritualismo umbandista é simples, porém, profunda em conceitos rííosóücos.
apontando-lhes os insucessos momentâneos . Esquecem-se,
por conveniência, que há pedras que se partem com a pri- Quando o filho de fé ignora, ou finge ignorar, as
meira marretada como há outras, mais resistentes, que exi- causas da provação moral ou material por que I:assa, e-lhe
gemo .emprêgo de técnica mais demorada. mostrado o motivo dentro da lei de causa e efeIto.
A doutrina umbandista se apoia e se funda no verda- A teratogenia, ou melhor, o nascimento de cr~~tu~as
deiro princípio de fraternidade humana .. deformadas fisicamente, .ou portadoras de deseqUllIbnos
O amor ao próximo não é simples convenção terrena mentais, fenômenos êsses verificados em virtude dEI;falta
ou lei efêmera, sujeita à oscilações, obediente às conve- de exames pré-nupciais, assistência à gestante e ~Uldados
niências do momento. É, acima de tudo, uma obrigação, ao nascíturo, tida como castigo de Deus? e .exphcada de
110 JOÃO DE FRBITAS
XANGO DJACUTÁ 111
modo racional para que o filho de fé se precavenha e não
pondere conceitos errôneos do Mestre Supremo. por espíritos maléficos a pedido de criaturas vis, enc0!1tram
solução adequada nas palavras confortadoras dos guias es-
. Os acidentes dolorosos, frutos da imprevidência, atrí- pirituais .
buídos ao poder e arte demoníacos, hàbilmente explorados A doutrina umbandista tem uma concepção clara é
p.or determinados chefes de religiões e seitas espfritualís- inequívoca sôbre todos os problemas domésticos, por isso
tícas, encontram na doutrina urnbandísta a palavra escla- repele, com severidade, as afírmaçêes exageradas segundo
recedora com as necessárias explicações para evitá-Ias. as quais todos os conflitos nos lares sao consequencias das
. Os incide~!es.e conflitos entre os homens, conseqüên- lutas de obsessores em busca de caridáde.
CIa de deseqmhbno educacional, onde o choque elas vai-
dades se transforma em verdadeiras hecatombes produ- Os doutrínadores da Umbanda não desconheeem que
zindo a desarmonia nos lares e comprometendo 'a felici- as questões econômicas, mal solucionadas, produzem êsses
dade terrena, encontram na palavra iluminada das enti- conflitos de imprevisíveis resultados.
dades e guias espirituais o convite ao exame de consciên- Somente depois de altamente esclareci~o em ~ace das
cia,. à autocrítica desapaixonada até que o paciente se ca- coisas terrenas, isto é, devidamente doutrmado, e que o
p~cIte de que a hierarquia existe em todos os setores da filho de fé poderá penetrar nos arcanos da espíritualí-
vida terrena tal como se verifica no plano espiritual. zação.
A .~out~in~ umbandista é mais eficiente porque emana, O primeiro degrau da escada iluminada, galgada pelo
como ja fOI dito, de fontes ultra-iluminadas. umbandista, que O conduzirá aos planos evolutivos do nosso
Os maus hábitos e os vícios degradantes, bem como planeta, é o conhecimento de tôdas as leis que regem o
as manifestações desordenadas do instinto são combati- universo.
dos e buril~dos através de conselhos e exe~plificações pe- Sem estudar química e física o iniciado não poderá ter
~etrantes sobre as desvantagens de tais aniquilamentos que noção exata das poderosas fôrças da natureza.
Impedem o aperfeiçoamento da espécie humana.
O conhecimento das funções orgânicas e os meios pe-
Os que .se consideram injustiçados, pelas graças não los quais se manifesta a vida nos sêres é o estudo básico
alcançadas, e se dizem portadores de terríveis "provações" de quem pretende devassar o mundo psíquico.
decantando virtudes e qualidades que julgam possuir e es-
O estudo filosófico de tôdas as manifestações da alma
quecidos, pela cegueira, que a bondade mal aplicada' r~sul-
humana, sem desprezar os distúrbios orgânicos, responsá-
ta em malefícios para si próprio e até mesmo para os
veis pelos fenômenos anímicos, é o alicerce dos espírítua-
seus semelhantes, são conduzidos pela doutrina ao racio-
cínio, à reflexão, à auto-análise. listas evoltúdos da Umbanda.
Conhecer, pois, as leis macrocosmicas até alcançar
As incompatibilidades conjugais, torpemente explo- o ciclo superior da metafísica é vencer o último degrau da
radas pelos aproveitadores inescrupulosos e falsos moralis-
escada dos conhecimentos terrenos. Conquistada esta etapa
tas, atribuídas a trabalhos de encantamento produzidos
o umbandísta transpõe os humbrais do grande templo da
112 JOÃO DE. FREI.TAS XANGÔ DJACUTÃ 113

. perfeição espiritual. 'Nesta altura sua palavra é 'luz 'e é Sem ferir suas tradições panteistas, mitológicas, li-
verdade. túrgicas e ritualísticas, a Umbanda acompanha a evolu-
, . .. . Esta, é a escada umbandísta e os lances ~ vencer pelos ção das épocas no terreno das conquistas sociais. Sua dou-
ínícíados. '. trina está sempre atualizada porque seus princípios são
indestrutíveis.
Sema!llar aopróximo.ccorno a.sí mesmo, o-sentimento
de frat~rm~ade humana será eternamente um mito. E, As doutrinas e filosofias, criadas e organizadas pelos
como nmguem pode dar o que, não possui, necessàriamen- homens, de acôrdo com o intelecto de cada um, esboroam-
,te tera.. que acumular energias; terá que dispensar me- se e se convertem em nada diante da grandeza ilimitada
.l~o:es 'cuidados à n:a~éÍ'ia>~tr:avés da bO€l alimeritação, da dos conselhos que manam dos espíritos de luz. Jamais as
higiene e dos exerCICl?S flS1COSe rnentaís. . entidades se revelam anti-progressístas condenando os
novos métodos, ou processos, que proporcionem ao homem
, A educação daparte material constitui condição pre-
Clpua do desenvolvimento espiritual. E quando educa se vida material mais confortável. Apenas o progresso espi-
ritual dos filhos de fé é o que unicamente lhes interessa.
o corpo para desfrutarmos de saúde perfeita caminhamos
para o aprimoramento mental. ' Todos os guias, pretos velhos ou caboclos, sejam quaís
. A doutrina da. :Umbanda, em tôda sua plenitude huma- forem os cultos a que estejam ligados, doutrinam os filhos
msta acautela os filhos de fé contra os desregramentos e de fé baseados na lei de causa e efeito, daí a identidade de
apetites insaciáveis. Defende o corpo e _o espírito contra concepções em tôrno dos conselhos e orientações para o
os excessos dos sentidos e dos instintos. Ela esclarece acêr- aperfeiçoamento espiritual dos consulentes.
c~ dos dever~s. conjugais e ensina a supremacia dó espírito
sobre a matéria, ' . . . .. '.. O médium, cuja conduta contraste com os princípios
de moral pregada pelos guias, de acôrdo com a lei das afi-
O umbandista,âevidamente doutrinado esclarecido nidades, terá que se preparar para servir de intermediário
•~oma razão forte' e 'iluminàda, sente o impérfo'so dever d~ entre os elementos terrenos e as entidades. É que uma
Ir ar;>encontro de seu semelhante imbuído' dos mais altos criatura desleal, mentirosa, despeitada, e ainda sob o do-
sentimentos de fraternídade , Isto, porém, superiormente, mínio da vaidade de cargos ou posições que desfruta na
de modo a colaborar para a sua ascenção. e nunca para o sociedade, não poderá servir de padrão em instituições re-
abastardar. ligiosas que têm por base a humildade, a renúncia e o des-
. Indicar e facilitar meios pára :o pobre obter pão é prendimento. Dentro dêste critério é que se aquilata e se
mais nobre do que lhe chegar às mãos uma esmola. avalia a bondade dos espíritos e a perversidade sem limite
dos homens.
. A caridadee~piritualcOrisiste, justamente, no enca-
mmhamento da criatura para as fontes de soerguimsnto do A doutrina umbandista, tendo por alicerce a lei de
~o:al adormecido e, jamais, para alimentá-Ia no sono do causa e efeito, e por coluna a lei das afinidades, não po-
.índírerentísmo,e da ocíosidads ineonçlentçs, . gerá de forma
, . .-.~
';'" ,"
alguma transigir com
'.. , .;,~ .'
9S díssímuladores,
".' -;.. .
114 JOÃO DE FREITAS

Eis aí os motivos da efemeridade da glória dos que misti-


ficam. Cêdo ou tarde êles colhem o que plantaram.
Tanto na Terra, como no Espaço, essas leis são indes-
trutiveis, por isso a doutrina da Umbanda continuará,
através dos séculos e gerações, na sua trajetória esplen-
dente de espiritualizar os homens para aproximá-Ias do
Criador.

ESPI RITISMO
A NTES do período bíblico já se praticava a evocação
dos espíritos, para equacionar problemas difíceis,
u reputados insolúveis, por homens de alta sabedoria.
Essa prática, que os gregos deram o nome de necro-
ãncía, apesar das leis proibitivas e dos esforços des-
p ndidos por grandes expressões de cultura e abaliza-
U s legisladores, em virtude das inúmeras chantagens
que se faziam em nome dos mortos, continuou desafian-
d séculos E? dominando povos de tôdas as raças.
. Roma foi célebre pela quantidade de sacerdotízas
chegou a suplantar, pelo número de pagãos que se
dava à prática de ouvir conselhos das divindades, a
I rópria Grécia. Foi Moisés, o grande legislador dos
h breus, o maior inimigo das pitonizas .
. Possuir o dom de profetizar é desejo de todos os
mortais. Todos os místicos, sejam quais forem as reli-
I'lões, animados de fazer o bem aos seus semelhantes,
unseíam essa graça divina de receber espíritos de luz.
Até nas reuniões particulares, ambientes de moral com-
rovada, sob preces exaustivas e após jejuns e absti-
11 ncias severíssimas, invocam-se espíritos de amigos e
V rentes próximos comas mais diversas finalidades.
Os nossos índios, como os negros africanos, invoca-
m os espíritos com· danças e cânticos sacros. Seus
ns .rumentos musicais, a queima de erva e raizes, as
I licas tristonhas e lúgubres lamentações atraíam os
d ' ncarnados que, com êles, participavam das danças
XANGÔ DJACUTÁ 119
118 JOÃO DE FREITAS
t insatisfação, após servirem de int~rmediários e?tre
e tomavam parte nos cerimoniais litúrgicos incorporados spíritos e o plano material, por força da humilda-
nos "mediuns" devidamente preparados pelos pajés ou de recomendada constantemente pelos pretos velh,os. e
alufás. enboclos que baixam nos terreiros, tornam-se dóceis,
As histórias cristã e judaica, muito próximas e mes- mais pacientes e tolerantes.
mo ligadas em certos capítulos, bases da nossa civiliza- É infindável o número de beneficiados .que . logra-
ção, não ocultam os fatos referentes às manifestações de 'nm êxito nas suas pretensões na vida material em VIr-
espíritos. Os milagres e as curas foram abundantes. To- tude dessas metamorfoses.
davia, ambas terminaram por combater a invocação dos A rebeldia espiritual, nos terreiros da Umbanda, é
espíritos pelas classes populares para evitar os desequili-
quebrada na base de penitências e obrigações co~stan!es e
brios mentais e que outra coisa não era se não a con- d nominadas "amalá" e que outra COIsa nao e senao o
corrência que sofriam com o afastamento gradativo de imprescindível teste com que o alufá, ou babalaô, acom-
suas ovelhas. panha o testemunho de fé dos iniciados. Tai:, amalás, no
Religiões houve, como há ainda, que afirmam ser inicio são determinados pelo sacerdote, mais tarde, po-
tais espíritos demônios em travesti de anjos para des- rém 'são as entidades que os exigem para firmar a ca-
viar as criaturas do caminho do bem ... beç~ do "cavalo". São muito variáveis essas obrigações,
Nos cultos da Umbanda, como sóe acontecer nos Dependem dos guias e, sobretudo, do estado ~volubvo d?s
médiuns. Até os próprios babalaôs, ou alufas, para fír-
terreiros de Xangô-Djacutá, não se invoca espíritos para
marem as suas giras, isto é, a corrente espiritual do s~u
essa ingênua e ridícula pretensão de falar com parentes e
terreiro, determinado pelo guia-chefe, fazem seus amalas.
amigos desencarnados e entabolar com êles as mais fúteis
e puerís palestras de alcova. Não se invoca, repetimos, O rigoroso cumprimento. dessas p~nitências é que
espíritos de generais, de imperadores, de sacerdotes me- mantém a disciplina entre os filhos de fe e prova o devo-
dievais ou serafins e querubins do Velho Testamento. As tamento à religião que professam.
entidades que se aproximam, incorporam-se e se apresen- Os preceitos da Umbanda proíbem os médi~ns de
tam como crianças, pretos velhos ou caboclos. São ele- invocar espíritos, fóra dos atos relIgIOSOS,para fms de
mentos desencarnados que ainda permanecem nos pri- uriosidade bem como pune os que se aproveítam da me-
meiros ciclos evolutivos da vida espiritual. Há como que diunidade para usufruir vantagens com consultóríos clan-
uma espécie de troca de compensações, entre êsses espí- destinos.
ritos e os médiuns e que consiste em esclarecimentos re- Os médiuns prevaricadores são expulsos d? culto e
cíprocos. E é daí de onde vem a célebre frase usada no as entidades que os assistiam se afastam deixando-os
espíri tismo : "prestar caridade" . mercê das contingências e dos riscos das responsabílí-
As criaturas de gênio irascível, incontroláveis, por dades pessoais.
ausência de educação na infância e falta de assistên- Em nenhum culto da Umbanda é permitido a inv~-
cia espiritual na adolescência, insuportáveis no lar e ção de espíritos para consultas particulares. As entí-
na vida soeíal pelas manifestações de descontentamen-
,/

JOÃO DE FREITAS XANGÔ DJACUTÁ 1'21


120
/
dades baixam nas horas dos atos religiosos e atendem hábito de receber presentes é porta aberta à cor-
"os angustiados, os aflitos e desolados dando-Ihes confôrto , )' o.
espiritual. Nunca, porém, invocados especialmente para vida privada do médium umbandísta, ~e absti-
resolver questões triviais ou assunto político, comercial 11 n ia e de renúncia, precisa de estar em perfeito equi-
ou de ordem amorosa. I 1J1'O com a missão que lhe é dada pelo guia espiritual.
A invocação de espíritos, para tais casos é a necro- Quanto maior fôr a obediência a êsses pr~ncíplos que
mância, sem fundo religioso, portanto condenada pela I rt iam o médium de terreiro melhores serao os resul-
Umbanda. u ti s espirituais dos guias que o assistem.
O médium de todos os cultos umbandistas, como A boa tenda, ou o bom terreiro, não é o que maior
religioso, sabe respeitar a liturgia, seguir o ritual e obe- uúm ro de médiuns apresenta e sim aquele que reune os
decer dentro da hierarquia as ordens superiores. um s sinceros e leais trabalhadores.
Tudo isto é exposto às criaturas que querem ou Não está na suntuosidadé do prédio, .nem na garbo-
precisam de desenvolver a mediunidade para a prática Idade da diretoria da tenda, ou do terreiro, a luz radiosa
da caridade. Até mesmo é ensinado o meio pelo qual !lI humildade. Um terreiro simples, modesto, despido de
os médiuns ingênuos devem escapar à ardil osidade dos I aratosas instalações de assistência social, e s.em figu-
espertalhões que os atraem através de promessas ten- "( jatanciosos à frente, muitas vezes poSSUI melhor
tadoras para a prática da necromância. orrente espiritual.
A mediunidade é graça divina e não póde ser ma- O espiritismo na Umbanda tem por norma fixa es-
culada com propósitos profanos. plrltualízar os homens a fil? de lhes ~a:primora~ ?s sen-
I.m ntos de fraternidade. E sempre este o objetivo re-
O verdadeiro médium umbandista jamais se van- 1 do por todos os guias e chefes espirituais.
gloria dos sucessos obtidos pelos guias através de sua
mediunidade. Qualquer elogio que se lhe faça é· en- Quem não amar ao próximo, como a si mesmo, não
carado com reserva. Não se deixa dominar pelos lou- ( t rã em condições de servir de intermediário entre
Il lá rima do sofredor e a palavra confortadora dos ca-
vores para não ser arrastado pelo caminho nefasto da vai-
dade. Evita manter relações íntimas ou sociais com os I! .íos e pretos velhos.
beneficiados a fim de não ser colhido pela malha trai- A finalidade do espiritismo umbandista não é levar
çoeira da prevaricação. É expansivo com seus amigos, () ·ro à convicção de falar com o espírito daquele que
alegre com todos, porém, reservadíssimo para com aque- I\I~vida terrena fôra seu pai nem à viúva desolada OUVIr
les que o procuram na base da caridade espiritual. Não pnlnv as candentes de seu defunto marido. No. e,spiritismo
mantém negócio nem relações comerciais para evitar a (I( mbanda não se incute no estudante preguiçoso a pos-
paga ou o subôrno indireto. Ih I de de se comunicar com os mestres falecidos para
É um código rigorosíssimo, bem sabemos, mas é o ti II r c ber soluções de problemas confusos e compli-
único meio de manter intangível a moral do médium. id •
122 JOÃO DE FREITAS

o espiritismo na Umbanda é algo mais serro do que


muita gente supõe. As entidades que se apresentam nos
terreiros, como pretos velhos ou caboclos, são espíritos
portadores de missões as mais diversas e que escapam às
possibilidades interpretativas de qualquer elemento terreno.
O umbandista esclarecido jamais se deixa embair
pelas asserções falsas e interpretações sofismáticas dês-
ses pseudo-conhecedores que, à guiza de "bem assistidos",
. em desrespeito à inteligência alheia, sem noção de auto-
crítica, pretendem definir o indefinível.
O espiritismo umbandista tem a grande virtude de,
através das entidades que se apresentam como espíritos
de caboclos e pretos velhos, quebrar a vaidade mórbida
dos medíocres que não se convencem que o homem quanto
mais sabe precisa de reconhecer o quanto ignora.
O espiritismo na Umbanda, cuida, em suma, de apri-
morar o sentimento dos homens para aproximá-los da MAGIA
verdadeira felicidade terrena.
A magia éo têma menos transcedente e o mais em-
polgante que vamos abordar. Fora de época, segun-
elo a concepção dos espíritos modernos, todavia, o interêsse
I' velado pelas criaturas de mais de quarenta anos, sem
distinção de intelectualidade, por paradoxal que pareça
prova que ela ainda desfruta do mesmo prestígio da Idade
1\1 dia ...
Quando falham os prognósticos o mago é o tipo ex-
.rável que pretendeu convencer com a burla mal urdida,
O chantagista desclassificado, é o charlatão desavergo-
nhado que ilude os papalvos com sortilégios e malefícios.
~ 1 I porém, acerta nas predições, determina datas para a
ionsumação dos fatos e êstes se apresentam cronometrica-
t nte, sua fama se solidifica e se alastra, de bôca em bôca,
11 todos os quadrantes da Terra.
Foram os antigos sacerdotes persas os cultores prin-
!llt1 i da magia. E foi Zaratustra,
a personagem mais dís-
(~Itld entre os clássicos, o fundador da religião dos ma-
H li. Os membros dessa temível seita eram astrônomos
IH t v ís, grandes astrólogos e profundos conhecedores de
()(ulti mo. /
volucionando o mundo naquela época os magos
curas rápidas e miraculosas. Resolviam pro-
!tIl 1111 lntrincados de Estado baseados nas influências
dI I I H tr s, hàbílmente explorados, para exercerem, como
l 1'('1 ]'(\. I rande ascendência sôbre os soberanos incultos,
126 JOÃO DE FREITAS XANGÔ DJACUTÁ 127

Esta é, em síntese, a origem da magia. Seita afinal :f:sses fenômenos, quando realizados pelo espiritismo
?e homens de alta cultura dominando povos extrer~ament~ mesa, são concebidos pelos tartufados como "magia
Ignorantes. - branca. Quando, porém, produzidos "nos terreiros de Um-
l!0je, em sentido figurado, magia quer dizer fascínio h nda e muitas vezes pelas mesmas entidades, são ta-
sedução, e~~antamento, domínio exercido pelo deslumbra~ dos pelos antilitúrgicos e antí-ritualístas de "magia ne-
:n:ento espírltual d.e uma criatura. Ainda no mesmo sen- J!,r ". De onde se conclui lógicamente que a côr é con-
tido ma~la quer dizer qualquer coisa de sobrenatural que qüência da mentalidade de quem a classifica.
~ausa medo ou pavor a pesso~~ fracas de espírito. Magia A exemplo temos a igreja com a água benta e as
e o que o vulgo ~hama de feitiço para atrair ou afastar p quenínas imagens como pontos de concentração de
elementos símpátícos ou antipáticos com sortilégios amu- l' , as penitências como provas de devoção absoluta, os
letos ou benzeduras. ' j juns e abstinências em determinados dias como obe-
Os supersticiosos são prêsas fáceis aos processos usa- (11 ncia aos preceitos da religião, as velas de cêra e par-
dos pelos charlatães que pouco ou nada conhecem sôbre I, S do organismo humano fabricados com êsse material
magia, ( mo pagas de promessas, os responsos a determinados
lU tos para reaver objetos extraviados, e não se chama
. . !:lá índividuos que classificam, por ignorância, o es- n isto magia. Entretanto, na Umbanda, quando as entí-
piritísmo p~atIcado nos terreiros, pelos amalás colocados (\ltM pedem qualquer coisa de uso a fim de encantá-Ia
nas encruzilhadas, de "magia negra". Seria admissível (11m os fluídos dos orixás para nela centralizar tôda sua
t~l c~assificação se desconhecessemos a sua origem, suas 11'1'1 (U ção, com o divino intuito de melhorar o estado de
finalidades e seus efeitos. Mais certos estariam se dísses- ,,11I1It do paciente, é feitiço, é patuá, é magia negra.
s~m "magia dos negros" porque, de fato, ela é inteiramente 'f ís considerações são tecidas apenas para demons-
diferente daquela que os astrólogos criaram. Enquanto os 11'/1 I' (lU não há coloração na magia. Ela é uma só e con-
sacerd?tes persas curavam doenças e resolviam problemas I'IIIHI.tr. com espiritismo é revelar ignorância.
peSSOaISna 1;>aseda influência dos astros os negros procu-
O qu se pratica nos cultos da Umbanda não é magia.
ravam solucionar seus casos ouvindo os espíritos.
11« plt'ltismo dentro de uma religião com seus atos litúr-
Os médiuns, nos terreiros da Umbanda, vulgarmente ulc'l) ( itualísticos.
chamados de "cavalos", agem de acôrdo com as entida- malá pôsto na encruzilhada ou em outra parte
des que nêles incorporam. Se bem que em estado de ab- 1', vulgarmente conhecido como despacho, não é
soluta conciência, êles não podem penetrar na parte ocul- ra. É penitência. Quem a cumpre revela fé,
ta em que se ocupam os espíritos para solucionar os ca- bediência no mais alto grau.
sos apresentados pelos pacientes. É que os médiuns ou
cavalos, são apenas aparelhos e não magos. ' nto riscado com pemba, pelos espíritos de ea-
11111III o de preto velho, para cujos fins nossa capaci-
Mago, poderá ser, na hipótese, o espírito que, ocu- IIl1dl 1111) rpretativa é nula, como é evidente, é trabalho
pando as faculdades do médium, produz fenômenos basea- 11 1'1111I I, oculto aos nossos olhos m?,t~ria,is, portanto ~
dos na astrologia. - -. - - --- -.--", -- . -- --
IJt /11 nunca magia,
128 JOÃO DE FREITAS
X AN GÔ ·DJ A C U T Á 129
Diante do exposto cabe aos médiuns e a todos os
filhos de fé, sejam quais forem os cultos a que perten- gundo as intenções e a finalidade para que foi manipu-
çam, repelir com vigorosa energia, mas dentro da argu- lado.
mentação sensata, o apôdo ridículo dos opositores ao Se o pensamento do paciente está voltado para a
cognominarem os cerimoniais Iitúrgícos da Umbanda de conquista de algo que o fará feliz, e se êsse mesmo desejo
magia negra. anima terceiros que lutam desesperadamente com a mes-
Não menos enérgica deve ser a atitude assumida pe- ma· convicção de merecimento, todos, afinal, portadores
los babalaôs e alufás, bem como sambas e cambonos, dos melhores sentimentos, o amalá pôsto numa encruzi-
contra a colocação de amalás em local inadequado. lhada pelo primeiro é visto como magia negra, tal como
a amalá colocado em bairros residenciais ou praias é interpretado, por êle, o colocado pelos seus concorren-
movimentadas acarreta desprestígioda religião e provo- tes e adversários.
ca dos leigos o deboche e a zombaria. A vulgarização do vocábulo chegou a tal ponto que'
É, pois, dessas falhas e lacunas observadas nos meios se deturpou o sentido e difícil será reconduzi-lo à sua
umbandistas que geram muitas vezes o desrespeito e o origem. Hoje, magia é sinônimo de tudo ? que enca?ta
acinte nos adeptos de outras religiões. os nossos sentidos e foge à nossa capacidade mterpretatIva.
Há criaturas que desconhecendo, por falta de instru- Se o fenômeno nos agrada é maaia branca; se, po-
ções e esclarecimento, o sagrado ato que vão praticar, rém. entra em choque com o nosso gôsto e a nossa sen-
fazem-no à base do divertimento. Por isso é indispensável sibilidade é magia negra!
sempre, a presença de um cambono, ou samba, para que a esniritista de convicção religiosa. repele com ener-
não esteja ausente o sentimento de religiosidade. gia o epíteto de' mago. a vo~á~ulo médium def!ne com
Ainda como libelo contra o emprêgo constante do mais pronríedade a sua condícâo de elemento ínterme-
vocábulo magia, como designação de tudo o que se nos diário entre ós espíritos e os homens.
apresenta contrário às leis naturais, e muitas vezes em Ém tôrno do magismo há que considerar, ain~a, que
evidentes conflitos interpretativos, temos os fenômenos sua prática é condenada porque fomenta, ~o.s..cerebros
do sono provocado pelo hipnotismo, a captação das idéias 'f acos, a superstição. Afasta o homem da religíão e o faz
de outrem, a transmissão dos nossos desejos por via do
pensamento e que, em última análise, nada mais repre- vitima de temor.
sentam se não o magnetismo animal que nada tem a ver a espiritismo não se coaduna com a magia porque
com magia e muito menos com espiritismo. é uma verdade concreta, e ela, apenas, charlatanismo.
Um defumador aromático, em cuía composição haja Enquanto o médium pelo seu esp~rito de religi~sidade
substâncias químicas capazes de produzir sono artifi- r be a luz de seus guias, para aprimorar o sentimento
cial no paciente, tal como perfumes excitantes usados dp u semelhante, o mago seduz a prêsa pelo caminho da
por criaturas de desejosescusos, transformado pela ig- ( t' 1 a em coisas vãs.
norãneía dos hipnot!gg9s em magia,. adquire a côr se- O mago é um fantazista, em~usteiro, cujo pod~r. de
dominio é etêmero porque não resiste ao teste de lógíca.
A medicina é a arte de curar os enfêrmos com a pres-
crição de drogas extraidas de sementes, de raízes,
de plantas ou de substâncias minerais. Talvez, há uns
quatro mil anos, teria sido ela codificada, graças a algum
curandeiro esclarecido, para atravessar os tempos e che-
gar aos laboratórios ultra-modernos da atualidade.
Tomou novas feições, adquiriu títulos de nobreza, mas,
continúa, como não poderia deixar de ser, o curandeírís-
mono lato expressar do vocábulo.
A terapêutica ensina como tratar o doente através
das drogas medícamentosas manipuladas nos laborató-
fios de modo cientifico, para que as substâncias minerais
m combinação com as essências e sucos das raízes ou se-
mentes, não venham piorar os males do doente ou oca-
íonar a sua morte.
O curandeírismo, nas tribos africanas, era praticado
por missionários bafejados pela graça divina. O negro,
elvagem, conhecia o efeito das raizes e das plantas, ou se-
mentes, bem como a época de serem colhidas para melho-
s resultados em suas aplicações. Era, o curandeiro, o
d utor da tribo. Êle conhecia o efeíto laxativo de certas
r míneas como sabia indicar sementes ou raízes de ação
t d tringente para o portador do mal.
Na sua vertiginosa carreira evolucionista a terapêu-
ti sintetizou -os. sistemas tornando mais rápido o tra-
mento. __ , .
1{ANOÓ DSACUTÁ
134 JOÃO o s FREITAS
vias urinárías. Concordam plenamente que o limão com
.nas infusõ.~s de ervas e cozimentos de raízes para as paratí e açúcar queimado é ótima combinação para com-
pastilhas e unguentos, e destas para as injeções diretas nas bater resfriados. Não negam que o chá de tôlhas de goia-
velas dos d?ente.s, exigiram séculos de estudos e pesquizas beira é magnífico para intestinos soltos. Sabem que nin-
de curandeiros inspirados por fôrças ocultas. guém poderá contestar o efeito do chá de sabugueiro e
de pitanga como poderosíssímo sudorínco como não ocul-
. ~omo dissemos ~ arte de curar é a mesma. O prín-
tam a açao do mel de abelhas, do guaco e do cambará para
cípal ~ que o cu~andelro de hoje, diplomado por escolas es-
limpar os brônquíos. Aprovam também quando há pronto
pecialízadas, seja autêntico missionário. Possua tôdas as
uma xícara do imguaiavel chá de rõihas de -Iaranja da
ca~'<l:cterísticas de predestinado a curar ou amenizar o
terra, de dllIClOSO aroma e romântico paladar, ínaicado
sofrimento do seu semelhante. Seja afinal um médium
. . - . - " , como calmante.
cuja missao, a Igual do sacerdócio, cumprida com abne-
gaçáo e renúncia. O diploma da faculdade não o isenta Êsses médicos não taxam tais receituários como bru-
dO mesmo Crime de chariatanísmo que a lei pune aos que xaria ou COIsas proprias de macumbeiros. E que êles sa-
receitam beberagens empiricamente.
bem, perreitamente, que a nora é como o céu. Inríníta-
Acompanhando, pois, a. evolução da arte de curar mente grande, densa e misteriosa, é dela que vem a cura
para os '10SS0S males materiais ou aspn-ítuaís como é por
o espiritismo condena, como não poderia deixar de o fa-
seu intermeuio que OUVImos as mensagens de 'I'upã ou
ze~, .a prática de processos obsoletos. Mesmo porque há
de Oiorum . Através da voz dOS"bruxos" e dos "reítíceiros",
médicos espíritas dando assistência nas tendas e terreiros
na base. de re.munerações modestas. São os verdadeiros as piantas e raizes vao operando muagres ...
c.urandelr?S, diplomados segundo as exigências da lei, rea- A Umbanda não é indiferente às conquistas da ciência
l~ando milagres na cura de moléstias rebeldes que os mé- porque dela muitos pesquizadores se têm valido para a
dICOS materialistas se curvam e muitas vezes se estar- "descoberta cíentinca" de sôros contra mordeduras de
recem. obras, anti-tóxicos vegetais, seivas rejuvenescedoras e
No culto de Xangô-Djacutá há sempre um médico sudoríreros milagrosos já usados mílenarmente pelos sel-
que os guias indicam para o filho de fé portador de doen- vagens afro-aborigenes. A Umbanda acompanha e cola-
ças materiais. bora com a cíência quando esta é verdadeira e jamais
om o charlatanismo oficializado.
Na maioria, tais doutores de fato, pelo conhecimento
e tendência, e nunca pelo interêsse e ganância, aprovam o Os homens de ciência, os autênticos estudiosos da
uso da terapêutica trivial ou caseira que todos nós conhe- v rdade, respeitam a Umbanda porque sabem que ela é
cem os. Jamais condenam o uso da clássica combinação u na fonte maravilhosa de material que vai desde os ele-
de "s. e~a-mana-rosa
'. " como suave e poderoso laxante. Não n ntaís aos transcendentes ajudá-los a modificar leis e
recrmunam quem usa fôlhas de abacateíro ou quebra- 1 t mas em benefício do progresso e da civilização.
pedra para limpar os rins e facilitar o funcionamento das
136 .r o xo DE FttEIT.!S

Os médiuns da Umbanda, incorporados ou não, ja-


mais exercem o curandeirismo porque sabem que o Código
Penal brasileiro pune QS infratores com penas de deten-
ção e multas em dinheiro. Nenhum umbandista terá ne-
cessídade de transgredir a lei porque há, em cada tenda
ou terreiro, um médico assistente para fazer os diagnós-
ticos e prescrever o medicamento indicado.

~
CULINARIA
A arte de cosinhar exige métodos certos com apli-
, cação de princípios e conhecimentos adequados. A
habilidade e a tendência são as bases para a perícia dos
manipuladores de condimentos.
- a mestre de cosinha é tão grande quanto o pintor,
impressionante como o músico e envolvente como o es-
critor. É um poeta, é um psicanalista, é um matemático
e é um místico.,.
a nutrólogo estuda nos laboratórios o valor nutritivo
dos alimentos e deita as regras científicas tal como o
gramático impiedoso que castiga a idéia e cerceia o pen-
samento dos poetas e dos escritores.
A cosinha empíríca, porém, ainda é dominante por-
que o paladar é refratário à geometria.
A culinária afro-aborígene, desconhecendo a técnica
dos laboratórios, segue a sua trajetória esplendente ao
som harmonioso de cânticos tropicais. Ela não procura
tratados. Quem quiser conhecê-Ia que venha ao seu en-
contro.
No ritual da Umbanda a culinária tem o seu papel
de destaque. As sambas aprendem a preparar deliciosos
acepipes e saborosíssimos doces inspiradas nas melopéias
contagíantes das duas raças eleitas pelo Criador.
a vatapá, originário da Bahia, é desconhecido em
Africa como desconhecidos são inúmeros pratos baianos,
.;,;

140 .1 o A O DE FR E I TAS
XANGÔDJ ACUTÁ- 141.
genuinamente nossos, embora criados pela imaginação fe-
cunda dos negros. época, fizeram os negros delicioso quítute que é ~m ver-
dadeiro regalo. Do fígado e do coraçao, das tripas, do
Do caldeamento de raças, do sincretismo religioso e bofe e do sangue coagulado dos animais sacrificados, de-
da mescla com os nossos índios há tudo para a pena do vidamente triturados e cozidos em môlho picante, o sara-
escritor, para o pincel do artista, para a lira do poeta e patel tem como acomoanhante a farinha de pau mistu-
para a alma do músico. Há, para os mestres de casinha rada com torresmo. No sarapatel não pode faltar a pi-
e patisseiros, qualquer coisa que suplanta tudo isto, e menta combarim.
que vai, em ondas sonoras, de um planeta a outro. É tal-
vez aquilo a que chamam os vates de inspiração ... -No culto de Xangô Diacutá, invariàvelmente, é usado
o cabrito como o animal indicado para os amalás dos
O vatapá é grito de angústia dos negros cativos, é a
justa revolta do escravo fammto, é a voz do em banda que filhos de fé.
canta e que chora também! Logo após o cerimonial, do sacrifício sagrado. é re-
tirado das partes orgânicas do cabrito o "breve" para
Tangidos p-ela deficiência de uma alimentação com- firmar a cabeça do iniciado e denominado "Exê". Em se-
patível com o esfôrço e dispêndio de energias cotidianas, guida o "mão de faca" encarregado de?sa. !arefa li~pa
os cativos cosinhavam a mandioca, deitavam-lhe o azeite o animal separando as partes que constítuírão a comida
de dendê extraído da palmeira nativa formando grosso litúrgica, isto é, o efô do orixá. Do res~ar:te ,as sam~as
mingau temperado com combarim, condimento êste co- preparam os deliciosos pratos cujo cardápio e escolhIdo
nhecido por pimentinha. A essa grosseira papa acompa- p-elo ofertante.
nhavao peixe cozido ou carne. Depois, com o correr dos
tempos, o vatapá melhorou em virtude do adicionamento O cabrito ensopado com quimbombô, em -~eral, ~em
de outros ingredientes tais como o leite de côco com amen- como acompanhante o clássico acassá. O cabrito COZIdo,
doim torrado e moído, camarão sêco, cebolinha e salsa. Para e depois frito no azeite de dendê, tem como complemento
completar essa famosa iguaria nacional ainda faz parte o amendoim inteiro bem cozido ou feijão branco. Outro
o bôlo de farinha de milho branco ou fubá de arroz cosido prato também saboroso é o cabrito assa?o com bôl~ duro
com leite de côco e denominado acassá. de milho verde ao môlho ralo de mandioca com leite de
cõco,
Tal como o vatapá outros pratos se improvisaram,
através dessas combinações espirituais afro-aborígenes, Como dissemos, na culinária ritualística, dêsse con-
para conquistarem a posição de relêvo que desfrutam na junto de cultos de negros, e de índi.os, den.ominado. l!m-
arte culinária. banda, há muita coisa envolvente, ínvocatíva e místíca.

O sarapatel é outro prato cuia origem nada fica a Para as festas os doces encantam e seduzem as cr.ia-
'dever ao vatapá. Das víceras dos animais, reputados pelos turas indiferentes, aguçam-Ihes o palada.r eI??rutecIdo
lhes dão meios para se avisinharem da símplícídade, da
homens brancos como elemeríto inaproveitáveis naquela
íngelesa e do natural.
142 JQÃODE FREI'rÃS XANOO PJACUTÁ 143
r--'---'~ ,~, --

À guíza de "folclore", - transpondo fronteiras, diver- adiciona-se algumasbatatinhas de gengibre e deixa-se em


sos pratos e doces da culinária ritualística já figuram nos maceração dentro da ígaçaba, talha ou boião de ba~r?, na
compêndios internacionais. sombra e sempre exposta ao sereno. Cobre-se o recipiente
Os bolos e os manjares, as cocadas e os doces em com esteirinha de palha.
calda ou em pastas, de frutas tropicais, manipulados pelos Para as noites quentes, êsse refrigerante retempera
métodos primitivos, ainda constituem os marcos de ouro as energias e convida a espécie humana, ~ olha~.com m-
fincados nas nossas tradições. diferença tôdas as beberagens de laboratórlos Criadas pela
A famosa papa de milho branco com leite de côco civilização.
e .amendoím torrado e moído, conhecida por canjica; o A [urema, saborosíssima e ínígualável mi~tur~, é outra
[Irímum ao côco ralado; o cuscús de tapioca ou de fubá fórmula dos nossos índios que os torreíros nao dIspe~san:
de milho socado, tal como o manauê, delicioso bôlo de por que faz parte da tradição ritualísti<:a. Essa ~ebIda e
milho verde com mel de abelhas, verdadeiros encantos da feita de vinho de jurubeba em maceraçao co.m folha~ ?e
confeitaria afro-aborígene, são as gulozeimas usadas nas jurema, mel de abelhas e batatin~as de gen~Ibre. AdICIO-
festas ritualísticas dós cultos da Umbanda. na-se, após a maceraçâo, no peno?o de. vm~e e quatro
Além da variedade infinita de deliciosos pratos e sa- horas um têrço de aguardente de milho. Este licoroso n~~-
. borosíssimos doces há as bebidas e refrigerantes inspira- tar é' servido em pequeninos coités ou em taças aos VISI-
dos nas ramarias das árvores seculares e nos cânticos de tantes ilustres.
pássaros multícores. O chachirí é a bebida predileta dos ~aboclos. É ~n:a
O cachirí, aguardente de milho com tingoassi-uba, aguardente extraída do milho maduro tríturado em pilão
após meses de maceração, suplanta qualquer bebida do gê- e fermentado com raízes de tingoassi-uba.
nero. É um verdadeiro néctar.
, A tíquíra também é outra aguardente P!~ferida ~os
O vinho de [urubeba, o licor de jenipapo, o pequiá dias frios ou chuvosos pelo seu alto teor alcoólíco. É feita
e outras tantas frutas em fusão com aguardente de milho de mandioca socada no pilão e posta a fermentar dentr~
e mel, também são concepções dos negros e dos indios e da cauaba. Depois de se adicionar. o melaço a massa e
que as indústrias dos civilizados deturpam criminosamente. conduzida ao alambique para a destIlaçao.
Nos terreiros, de qualquer culto da Umbanda, não Um gostoso refrigerante, preferido ~los noss,?s.ín-
faltam nunca o gostosíssimo aluá e a saborosa [urema, dios, embora de pouco uso nos terreiros, ~ o famosI~sImo
:Êsses refrigerantes fazem parte do rito umbandista. De- cauim. Não é bebida alcoólica como muita gente Julga.
vem estar sempre à mão para as recepções de pessôas Não leva mistura de espécie alguma no seu pr.:epa~o.Sua
ilustres. manipulação é simples e rudimentar. Basta. tao son;ente
O aluá, essa deliciosa bebida milenar dos nossos ozínhar a mandioca, socá-Ia em pilã,? .e de~tar-lhe agua.
índios, é feito de milho verde socado no pilão. Depois 'xposta ao sol e ao sereno durante varios ,dias, dentro de
de fermentado na guarapa coa-se em fina peneira de palha, rande cauaba, após entrar no segundo período de fermen-
14.4; J."O Ã O D E ~FR EI T A S~

tação, é coada em fina esteira de palha e depois transfe-


rida para a ígaçaba que permanece em lugar fresco. Serve-
se a vontade.
Eis, em resumo, algumas comidas e doces, bem como
bebidas ritualísticas, imprescindíveis em todos os terrei-
ros para quando as solenidades os exigirem.

PONTOS RISCADOS
O .ponto riscado é a insígnia das entidades espirituais.
Nêle se encontra o distintivo da corrente vibratóría
d espírito, as armas simbólicas dos cultos a que perten-
. , os sinais característicos das falanges que o acom-
p nham.
Os pontos dos deuses do grande panteão da Umban-
tA são emblemas vivos da onipotência de Zambe e que os
caboclos e pretos velhos riscam para os filhos de fé.
Cada dístico, gravado nos distintivos, formando por
V zes belíssimas combinações, é uma oração perpétua que
séculos respeitam.
No simbolismo do ponto há expressões espirituais, há
h leza, arte e emoção, sem fantasmagorias, sem ficções
absurdas e próprias de imaginações doentias. '
Nos pontos riscados da Umbanda não há fantasia.
't'udo que fôr grafado pelas entidades somente por elas
'r lido e explicados os seus fundamentos.
O ponto principal do culto é como se fôra o brasão
( uma dinastia. É eterno e é sagrado. É tabu.
Nenhum filho de fé, devidamente iniciado, apagará
11tH ponto feito à pemba sem solicitar licença da entidade
!lI (( O graf'ou, e, rigorosamente dentro dos cânones um-
huu istas terá que o saudar primeiro.
ara cada: orixá há uma disposição própria na. co-
e O' das W~S. Umas ~o verticais, outras- horí-
XANGÔ DJACUTÁ
148 JOÃO DE FREITAS

zontais e algumas que se cruzam, mas, sempre ostentando tos uniformes e permanentes para que os filhos de fé
assam dístíngüír as correntes do plano material.
algo particular que revela a sua origem.
Quanto aos grafados pelas entidades espirituais, em
No sagrado brasão de Xangô Djacutá fulguram seis face do seu sentido oculto, sõmente à estas cabe o poder
raios cruzados, o sol no ângulo superior, no esquerdo uma de interpretá-Ios e definí-Ios. Nenhum filho de fé, por
estrêla e no direito a lua em quarto crescente. No ân- mais douto que seja na matéria, poderá suspender o véu
gulo inferior duas machadinhas em cruz completam, ma- que protege êsses segredos.
gistralmente, êsse maravilhoso ponto de concentração e
irradiação de todos os filhos de fé. Os raios cruzados O ponto riscado, à pemba, pelos espíritos, é mensagem
simbolizam os coriscos e as centelhas elétricas que an- oculta, sobrenatural, cuia devassa pelo homem redunda
tecedem às trovoadas e relâmpagos; o sol, no ângulo su- m fragoroso fracasso e de imprevisíveis conseqüências.
perior, é a luz esplendente da verdade que ilumina as Ninguém de bom senso ousa penetrar na semântica des-
inteligências; no ângulo esquerdo a estrêla representa o tas palavras que formam a linguagem de Zambe.
destino dos que crêem na onipotência divina' no ângulo
direito a lua em quarto crescente como símboÍo da evolu- Os que as entidades riscam, não são feitos para
ção espiritual dos homens e, no ângulo inferior as ma- serem lidos por elementos terrenos. São sinais para nor-
chadinhas em cruz, ferramentas milenárias que' acompa- tear as falanges nas missões que deverão cumprir na terra
nham o homem desde a época primitivista como instru- por ordem dos orixás.
mentos de trabalho e de luta. Se o ponto riscado, por uma entidade, tiver seme-
Todos os pontos, das falanges dos orixás dêste culto, lhança com outro, não significa que ambos tenham sido
são idênticos, por isso apresentam, invariàvelmente as r itos para a mesma finalidade. As causas são diferentes
mesmas características. bem diferentes serão os seus efeitos.
O ponto de Alafim Echê é igual, porém, em vez do Embora a lágrima vertida seja sempre a mesma subs-
sol, no ângulo superior, é o livro famoso de Jerônímo, tância, segregada das mesmas glândulas e da mesma cria-
O mesmo sucede com o de Agodô, onde pequeno coité, tura, face aos motivos que lhe deram origem, só o sen-
derramando água, simboliza a cerimônia de batismo. timento os pode explicar. São efeitos idênticos com cau-
No escudo de Aganjú também o sol é substituído por pe- s diferentes.
queno cajado, emblema de São José, protetor dos lares. O que os caboclos e pretos velhos riscam com pemba
O de Abomi ostenta no mesmo lugar um rosário, o ori- 11 terreiros, muitas vezes na presença dos consulentes
xá casamenteiro, e o de Alufam duas chaves cruzadas (tu os procuram, tidos pela ignorância de muita gente
que abrem as portas do céu. . mo trabalho de magia, são pontos de concentração de
Estas são as insígnias dos oríxás maiores do culto Apiritos trabalhadores para o cumprimento da missão
de Xangô Djacutá, São os emblemas sagrados, os pon- lU lhes é determinada .:
150 JOÃO DE FREITAit XANGÔ DJACUTÁ

. .Os médiuns desenvolvidos fora da disciplina umban- :esses marginais, divididos em vários grupos, com
dista, ignorando, portanto, a doutrina e o ritual, quando os superficiais conhecimentos, hauridos durante a curta
impelidos pelas entidades para ingressar nos terreiros, permanência nos terreiros, criaram alas e correntes que
tornam-se, geralmente, indóceis em virtude de sua vaida- muito contribuiram para a formação dos feiticeiros de
de inconsciente. A submissão é-lhes difícil, originando-se salão, babás de sociedade e babalaôs de apartamentos e
daí, uma série de conflitos que os coagem ao afastamento: de escritórios de luxo.
Apelando depois para a deficientíssima literatura um-
bandista, para as palestras e 'os debates, na ânsia de se Tais elementos, comprometedores da religião dos
ombrearem com os sacerdotes de fato, êsses médiuns pas- índios e dos negros, para melhor impressionar os nés-
sam a fazer uso do que viram, e ouviram, sem se aperce- cios e convencê-l os de que possuem poderosa fôrça es-
berem que ninguém poderá cursar o ginasial sem ter ins- piritual, não hesitam no uso da famigerada cabala. Apro-
trução primária. veitam o estado de alma da vítima para se assenhorar de
particularidades e depois explorar através de meios sór-
Os livros de sortilégios e de bruxaria, a literatura ilus- didos.
trada com desenhos fantasmagóricos e firmada por fal-
sas autoridades que apenas conhecem a Umbanda super- O cabalismo, terrível método de se destruir os alicer-
ficialmente, e, mais tarde, as bibliotecas de "alta magia", ces de um lar, de grandes ernprêsas ou de organizações
envenenam-Ihes a mente de tal sorte que os conduzem para políticas, consiste no planejamento de intrigas e boatos bem
, urdidos.
o fanatismo, para a superstição e para l mistificação.
Inconscientemente, sem noção do perigo que lhes ronda Manchar a reputação alheia através do anonimato, por
queimam pólvora, riscam arabescos, manejam reluzen- noticias sem procedência ou por meio da insinuação ca-
tes espadas como crivam de alfinetes bonecos de pano e vilosa, são os recursos usados por êsses manejadores de
encantam bentinhos e talismãs. pemba e desenhistas de pontos travestidos de umbandistas.
. Divorciados, portanto,' da religião e do puro espiri- A religião da Umbanda serve, apenas, de capa para
tismo dos nossos ancestrais, êsses charlatães e embustei- escondê-Ias da ação das autoridades. São terríveis escor-
ros se transformam em magos. Dizem-se, enfatuada- piões camuflados com asas de borboleta. .
mente, assistidos por luminares orientais. Empregam as
terminologias adequadas, para convencer os papalvos e ta- As tendas e os terreiros servem para êles de grandes
xam os pontos grafados pelas entidades de terreiro como tarrafas onde os peixes mais finos são conduzidos com
"magia negra". Seus desenhos, em guíza de pontos, eivados habilidade para os seus aquários particulares.
de invencionices mas apresentados com simetria , muitas
, Os verdadeiros umbandistas não falam em magia nem
vezes apreços altos são classificados por essas atrevi- em cabala. Repugnam-lhes tais vocábulos. Ambos são
das e audaciosas criaturas, de "magia branca". sinônimos de carlatanismo e de inferioridade espiritual.
j()~,O DE ~REI',l.'AS

Os pontos riscados pelos espíritos de caboclos, ou


de pretos velhos, no culto de Xangô Djacutá, poderoso deus
do grande panteão africano e orixá maior, não são sinais
cabalístícos de "ações fluídicas" dos astros. São lingua-
gens sagradas, são códigos divinos que a paupérrima ca-
pacidade interpretativa do homem jamais traduzirá.

PONTOS CANTADOS
ponto cantado, nos terreiros e· tendas, constituindo
a mais forte das atrações espirituais, tal como se vê
outras religiões com os psalmos e hinos sacros, vem
épocas imemoriais.
Era através dêsses cânticos que os selvagens africa-
e os nossos índios invocavam a fôrça irradiadora das
ivindades representativas da natureza. Cantando e dan-
ndo, concentradíssimos no ato que praticavam, esta-
leciam forte corrente de pensamento com a qual entra-
m em contato com os deuses de seus cultos.
Não usavam os homens primitivos essas preces lon-
s e lamuriantes, essas orações cheitas de coisas vãs para
dibriar ingênuos. Êles cantavam e dansavam para os
us deuses e recebiam as graças por intermédio dos gran-
orixás.
No culto de Xangô Djacutá, corria sóe acontecer em
t dos os terreiros e tendas da Umbanda, o ritual e a li-
L rgía são praticados, do princípio ao fim, nessa base.
de a abertura dos trabalhos, até ao encerramento, há
uitos pontos para cada vibração.
. Se analizarmos suas letras, muitas vezes julgadas
(lr cipitadamente como inexpressivas, sentiremos a pro-
íundeza de seus motivos dentro de uma síntese extraordi-
I. ria.
Mais profundos do que as máximas e provérbios lj;lí-
11os e das locuções filosóficas, e muitas vezes mal ri-
156 .r o x o DE FREITAS XANGÔ DJACUTÁ 157

mados, contudo exigem estudos e acurados meditações gulos, formando uma cruz de fumo, a curimba ressoa sob
para chegarmos aos humbrais de seus arcanos, de seus o seguinte ponto de cruzamento:
mistérios e de seus segredos.
Encruza, encruza
Os pontos cantados na Umbanda, em linguagem pro- Na fé de Alafim, encruza!
fana, são mensagens divinas que emanam dos céus e nos Encruza, encruza,
chegam ao coração pelas mãos dos mensageiros alados de Na fé de Agodô, encruza!
translúcidas roupagens. E como são pobríssimos os nos- Encruza, encruza,
sos recursos interpretativos, frutos do comodismo da vida Na fé de Aganjú, encruza!
terrena, teremos de desenvolver as nossas faculdades de Encruza, encruza,
comparar, de raciocinar, de estudar e combinar as idéias Na fé de Alufam, encruza!
dentro da lógica, únicos meios para uma aproximação ao Encruza, encruza,
I seu sentido oculto. Na fé de Abomí, encruza!
E esta verdade, cristalina, fala nêste trecho mara-
vilhoso de um dos pontos mais conhecidos na Umbanda:
Em seguida, para a defumação dos filhos de fé e
"Apanha laranja do chão quem quiser. .. Come maná lá dos assistentes, o ogam canta êste:
do Céu quem puder!".
Para corroborar com as nossas asserções poderia- Como cheira a banda!
mos citar mais êste outro, cuja análise e interpretação re- Cheirou!
presentam, sem exagêro, uma biblioteca inteira de ocul- À guiné e arruda!
tismo: "Oía preto tá trabaiando, oia branco não tá oiando!". Cheirou!
Como cheira a banda!
O nosso escopo, os nossos propósitos, os nossos ob- Cheirou!
jetivosno presente capítulo circunscrevem-se, apenas à
parte ritualística e jamais à analítica. O estudo da face
oculta dos pontos cantados é para quem já está altamente Ou êste, também muito usado no culto de Xangô,
evoluído. É para os que já galgaram os degraus ilumi- cuja melodia é bastante conhecida:
nados da escada da espiritualização e se encaminham
para os ciclos superiores.
Olha o cheiro, Xangô!
Para tôda abertura de gira, isto é, antes de iniciar os Olha o cheiro!
trabalhos espirituais, procede-se a defumaçâo do terreiro, É de guiné!
dos filhos de fé e assistentes inclusive. Enquanto a samba, Olha o cheiro, Xangô!
com o fumeiro de barro, vai à porteira e a defuma para Olha o cheiro!
retornar ao centro do terreiro e dali para os quatro ân- É de arruda!
158 JOÃO DE FREITAS XANGÔ DJACUTÁ 159

'E, quando estiver presente alguma babá, babalaô Em seguida é cantado o de abertura dos trabalhos
ou alufá de outro culto, visita sem as pragmáticas pro- espirituais em nome do orixá maior do culto:
tocolares, eis o preferido:
Abrindo a minha gira
Tem obí, tem orobô! Com Zambe e com Xangô!
Abrindo a minha gira
Cheirou, cheirou, cheirou! Com Zambe e com Xangô!
Tem arruda, tem guiné! Saravá, seu Alafim!
Cheirou, cheirou, cheirou! Saravá, seu Agodô!
Saravá, seu Alufam!
Saravá, seu Aganju!
Se entre os assistentes, na hora da defumacão es-
tiver alguém com vísos de perturbação, o babalaô ~an- Terminado êste é entoado o de invocação do guia-
da-o vir ao centro do terreiro e a' samba o defuma chefe. Nesta hora a curimba diminui o diapasão, as
da cabeça aos pés e da frente para traz com o seguinte palmas deixam de ecoar e todos os filhos do culto, ajoe-
ponto cantado por todos: lhados mas com a testa pousada no chão, cantam em
surdina:
Povo de Umbanda, Xangô,
Vem ver os irmãos teus! Delokê, eh! eh!
Defuma êste filho Xangô, de lê oh!
Na graça de Deus!
Verificada a incorporação, do guia espiritual no chefe
de terreiro, o ogam canta a curimba de Pai Xangô.
Após o cruzamento do terreiro e a defumação dos ttste ponto, de letra e melodia bastante conhecidas em
filhos de fé o ogam canta êste de abertura e que é uni- todos os cultos da Umbanda, estabelece uma corrente de
forme em todos os cultos da Umbanda: vibração tão fOIte que os filhos de fé o reputam como
o mais belo e envolvente:
6 minha Zambe!
6 minha Zambe! Quando a lua aparece
Me fecha a porta, O leão na mata roncou!
Me abre o terreiro! A passarada estremece ...
Minha Zambe! Olha a coral que piou, piou, piou!
Olha a coral piou!
Minha Zambe!
Salve o povo de ganga, eh!
Me fecha a porta, Chegou seu rei da Umbanda]
Me abre o terreiro! Saravá, nosso Pai Xangô] '.
XANGÔ DJACUTÁ 161
160 JOÃO DE FREITAS

Aquí está mais um para invocaçã~ ou para. descida


Enquanto todos os crentes saúdam o guia a curimba de entidades, também bastante conhecido, e muíto can-
ressoa sob êste vibrante ponto: tado em todos os terreiros:
Longe, bem longe ... Xangô é rei de Iuruba!
Onde o sol raiou! Xangô é da pedreira!
Saravá Umbanda! Xangô é rei dos astros!
Saravá Xangô! Xangô é rei de Umbanda!
Saravá Umbanda! Os teus filhos te chamam:
Saravá Xangô! Xangô! Xangô!
Xangô Agodô!
Em seguida o ogam determina sejam entoados os
Quando aparece no terreiro criaturas seml-obsídía-
de invocação das entidades trabalhadoras da mesma cor-
das e "corredoras de gira", dessas que dialogam com as
rente. Eis um dos mais indicados:
entidades com atitudes acintosas como se estivessem no
Estava sentado na pedra ... mesmo nível de conhecimentos, o ogam canta:
Quando Xangô me chamou! Lá no alto daquela pedreira ...
Estava sentado na pedra ... Há um , Xangô!
livro que é de
Quando Xangô me chamou! Xangô! Xangô!
Caô! Caô! Caô, cabê em si! Xangô Agodô!

Eis outro, para a mesma finalidade, e de intensíssima Para os elementos vaidosos, pertencente~ a outros
vibração: cultos, cujos guias não incorporam conveme.n!emente,
médiuns que se julgam em igualdade. de condições com
Xangô é corisco, o guia-chefe do terreiro, há esta curimba bastante ex-
Nasceu da trovoada! pressiva:
Xangô é corisco,
Eh, Xangô maior!
Nasceu da trovoada!
Xangô da lei maior!
1!;le mórana pedreira,
Na canjira de Umbanda,
Levanta de madrugada!
Inda iolô ...
1!;le móra na pedreira,
Xangõ da lei maior!
Levanta de madrugada!
162 JOÃO DE FREITAS XANGÔ DJACUTÁ 10S
Quando há ligeira quebra de corrente por falta de Se a entidade pretender influir nos trabalhos espírí-
concentração, comum na hora de consultas públicas êste rituais, em desrespeito ao· guia-chefe, conseqüência de
é um dos preferidos para firmar a gira: falhas do médium, poderá ser cantado êste:

Pedra rolou, Xangô! Pe. .. rê... rê... Xangô,


Lá na pedreira ... 6 poranga!
Segura a gira, meu pai! Toma conta do teu tamborim.
Na cachoeira! Pe. " rê... rê... Xangô,
6 poranga!
Toma conta do teu tamborim.
Quando o médium custa muito a cair em transe, e,
por fim, a entidade se incorpora, aqui está uma interes-
santíssima curimba: Para os trabalhos de descarga, e afastamento de flui-
dos que obsidiam as criaturas, aquí está êste famosíssimo
ponto e talvez o mais cantado em todos os terreiros e
Tava sentado na minha tarimba, tendas umbandistas:
Tava rezando p'ro véiu Xangô!
Bateram na porta . Guenguelê, guenguelê, Xangõ
Seu mano chamou . Êle é filho da cobra coral.
Bateram na porta . óía preto tá trabaiando ...
E o véíu chegou! óía branco não tá oiando!

Para o afastamento de entidades que permanecem Como homenagem à entidade, e ao orixá pelos re-
no terreiro, não obstante a falta de afinidade com a ultados obtidos, há êste:
corrente, eis o ponto aconselhável:
Oh! ganga, oh!
6 rei do mundo! A terra é de Jurema ...
Õ rei do mundo! O machado tem bom corte ...
Xangô mandou girar ... O leão é lá das matas .
Mandou girar ... A Pedra é tão fórte .
Mas é com fé! E o rei é Xangôl
164 JOÃO DE FREITAS XANGÔ DJACUTÁ 165

Quando o paciente está sendo vítima de calúnias, in- , porém, tais conflitos assumem proporções mais
trigas e falsidades, quiçá trabalho- de cabala, .feito por I 1'/lV s e se transformam em fortes demandas, é êste o
elementos interessados em destruir-lhe a felicidade ou Ildl do:
afastá-lo da concorrência no plano material, o babalaô o
conduz ao ponto central do terreiro. Todos os médiuns Xangô abiribou na aldeia,
formam, em seu derredor, uma corrente de magnetismo Xangô abiribou na aldeia!
~l'l:iI?al para o vitalizar, concentram-se nos seus guias e
miciam o trabalho de destruição dos fluídos maléficos.
Nêste momento o ogam canta o ponto adequado que é E o côro responde:
acompanhado por todos com a maior vibração possível:
Oh! Munhanha!
Oh! Quirombô!
Sua machada é de ouro, Oh! Munhanha!
Ê de ouro, é de ouro! Oh! Quirombô!
Sua machada é de ouro,
Ê de ouro, é de ouro! Retornada a paz, e restabelecida a corrente, eis aqui
Machadinha que córta míronga ... 1lI de Xangô cruzado com a falange de Nhã-Sã: .
Ê machadinha de Xangô!
Machadinha que córta mironga ... Todo povo de Xangô
Ê machadinha de Xangô!
Todo povo de Nhã-Sã
Chegou aqui na terra
E acabou a guerra!
"
Quando há ligeiras demandas, resultantes de con-
flitos espirituais ou em virtude de quebra de corrente, em Muito interessante também é êste outro quando can-
geral é cantado êste: ti para mostrar a analogia das efemeridades terrenas
(oro as trovoadas que amedrontam e depois. .. passam!
11'1·10 :
Lá do alto da pedreira Trovoada que vai ...
A faísca vem rolando ... E que vem!
Agüenta a mão filho 'de pemba É o brado do velho Xangô!
Que a faisca vem queimando! Agodô!
166 JOÃO DE FREITAS XANCO i:>JACUTÁ 161
Como prova eloqüente que está tudo em ordem li; para entrar no terreiro, dentro do ritual, entre as
no terreiro, e que Xangô é o oríxá maior abaixo de li \\11\ "as curímbas, apresentamos esta por ser a mais co-
Zambe, em sinal de satisfação, o ogam canta êste bas- ulu a:
tante conhecido por todos os umbandistas:

Quem róla a pedra ... Senhor dono da casa,


Na pedreira ... Me dá licença de entrar!
I É Xangô! Minha banda é de Xangô, eh!
Quem róla a pedra ... É de Zambe e Oxalá, eh!
li!
I' Na pedreira. , ,
,'i
É Xangô!
't!
Vivô, na corôa de Zambe! Senhor dono do reino, , ,
Vívô, na corôa de Zambe! Cambono, 'samba, alufá!
II'i Ogarn e tôda a curimba
i A seguir, vários pontos apoteóticos, tal como êste, Me dá licença de entrar! eh!
I'
,
, são cantados como prova de firmeza da gira:

No portão do Carirí ... Saravando a sua banda,


Eu vi Xangô sentado! Peço licença a Xangô
Mãe Oxum e Iemanjá ... Bacúros dá licença,
Ogum e Oxossi ao seu lado! Cambono e babalaô, eh!
No por-tão do Cá-ri-ri!

Para os dias de festa, ou para os casos que tradu- E êste, também, é um dos mais conhecidos e usados
zam alegria e contentamento geral, eis o mais preferido, 1\ terreiros autorisando a licença:
ou melhor, o mais cantado nos terreiros:

Hoje tem alegria! Licença oh!


II Hoje tem alegria! Licença, ah!
I
Hoje tem alegria, Licença, tem
Na fé de Xangô! Babá de Umbanda!
Hoje tem alegria! Licença, tem!

II
i68 JOÃO DE FREITAS XANGÔ DJACUTÁ 169

Licença, oh! Para o cerimonial litúrgico de batismo há, também,


Licença, ah! 111 uns pontos conhecidos. Indicamos, porém, êste de Ago-
Licença, tem (I , em virtude da similitude e aceito pelas gerações pas-
idas, na irradiação de João Batista:
Ogam de Umbanda!
Licença, tem!
Vinde, vinde mensageiros
Licença, oh! De Zambe e de Xangô!
Licença, ah! Odê, indá iolô ...
Licença, tem Batisai êste filho!
Odê, indá iolô ...
Bacuros de pemba!
Na fé, meu pai Agodô!
Licença, .tem

Licença, oh!
Licença, ah!
o ponto nupcíal, no culto de Xangô Djacutá, é um
s mais belos. Sua melodia dá especial realce à letra,
Licença, tem tadamente .quando ensaiado com antecedência, pois a
Quem vem de outro reino! suavidade de suas frases musicais é delicada como o
Licença, tem! rfume da flor de laranjeira. Quando êle é cantado, por
ro de quatro vozes, parece raios luminosos tremelu-
Para os atos fúnebres, no cruzeiro dos cemitérios zindo por entre pétalas de rosas:
ou preces nas tendas e terreiros para um irmão desen-
carnado, há diversos pontos. Pela natureza e finalidade
dos mesmos os filhos de fé não batem palmas e a curimba Chove rosas no Congá!
soa em tom muito baixo e bem monótono. Êles são en- Salve Obá!
toados em surdina e quase silabados. Eis aqui um muito Sindalilí!
antigo e cantado na linha de santê: Salve Xangô Abomí!
Salve Xangô Djacutá!
A chave do céu é de Alufam! Salve Xangô Abomi!
Salve Xangô Djacutá!
As almas não choram, não choram ...
Êle vai caminhar para o céu
As almas não choram, não choram ... Para despedida de visitantes, isto é, de umbandistas
Xangô! Xangô! outros terreiros e que entraram cumprindo o ritual,
Xangô Alufam! uí está um dos mais conhecidos e usados:
,I
110 .r o z o DE: FREITAS XANGÔ DJACUTÁ 171

Adeus Umbanda! Há entidades que pedem uma curimba e o ogam ime-


Umbanda de alegria! diatamente as atende. Espera o ponto cantado pelo guia
Fiquem com Zambe para depois formar o côro. Eis êste de despedida bastan-
E Xangô que é nosso guia! te lindo e de belíssima melodia: .
Até outro dia!

Adeus!
E enquanto os visitantes se retiram, saudando a to- Meus in fio, adeus!
dos, o ogam ordena que seja cantando êste como resposta: Segura a gira de Djacutá!
Adeus!
Véiu vai 016!
Segura a gira de Djacutá!
:ele já vai embora ...
f;le vai nos deixar!
f;le já vai embora ...
f;le vai nos deixar! Depois que as entidades sobem, isto é, logo que os
Vai na fé de Xangô, eh! médiuns não estejam mais em transe, é cantado o de
f;le vai, mas torna a voltar! ubida do guia-chefe e todos os cambonos e sambas o
Vai na fé de Xangô, eh! V o saudar. Finda a despedida nenhum guia fica no
l!:le vai, mas torna a voltar! t rreiro caso contrário o ogam canta êste de advertência:

Para o término dos trabalhos, ou melhor, para o Quando o chefe sobe .


fechamento de gira, há vários de agradecimento aos orixás. Quando vai embora .
Antes, porém, são cantados alguns para lembrar que a Ninguém fica dentro!
hora se aproxima do encerramento e que nenhum médium, Ninguém fica fóra!
portanto, deverá se concentrar ou invocar entidades. Eis
aqui um como exemplo:

Se, porém, a entidade persiste em não abandonar o


Adeus, preto véiu ... um, vai o ogam ao seu encontro e a saúda dentro do
Adeus! 1, ouve-a atenciosamente, anota as recomendações
Sua aruana lhe chama as transmite ao babalaô. Em seguida canta o pon-
l!:le vai 016! ncerramento da gira com as saudações a todos os
:ele vai 016!
II
112 .r o r o DE FREITAS XANGÔ DJACUTÁ 173

Embora todos os filhos de fé saibam que a disciplina VOVó CATARINA


é rigorosa nos terreiros, não admitindo manifestações após
a desincorporaçâo do guia-chefe, todavia há médiuns na
assistência que se entusiasmam com a corrente vibrató- Vovó Catarina o dia vem ...
ria e dão passagem às entidades. São criaturas em fase A senhora é quem sabe e mais ninguém!
de desenvolvimento ou de outras seitas espíritas e desco- Vovó Catarina, olha os seus filhos ...
nhecedoras do ritual umbandista. Para êstes casos há A senhora é quem sabe e mais ninguém!
um muito cantado em todos os terreiros e que revela o
conceito desfrutado por tais médiuns. Ei-lo:
VOVó DE GANGA
,I
Corre e ronda o Conguê .
Chega vovó, chega vovó!
Correr e ronda o Congá . Chega vovó que é de ganga maior!
Quem não pode com a mandinga Não tem saia, não tem sai!
Não carrega pa tuá! Não tem saia, mas tem paletó!

É na gira de Xangô Djacutá onde os pretos velhos VOVó LUIZA


sentem mais afinidade em virtude do sincretismo e das
combinações dos cultos africanos. Sejam cabindas ou
do Congo, quimbundas ou mesmo da Bahia, todos os guias Vovó Luiza que chora mironga ...
vibram na mesma corrente espiritual. Todos êles irra- Chora mironga de Pai Banguéla!
diam, sôbre os filhos de fé, a luz que mana da mesma Vovó luiza que chora mironga ...
fonte como canais idênticos, ou melhor, como veículos Chora S'a Luiza de Pai Banguela!
absolutamente iguais. Suas concepções filosóficas não va-
riam porque a Verdade espiritual é uma só.
MARIA REDONDA
Para êsses extraordinários guias, ou espíritos tra-
balhadores, há curimbas de primoroso lirismo e de per-
I feita síncronisação sinfônica que se transformam em sua-
Quem vem lá ...
I ves melodias. Quem combate demanda ...
Eis, pois, alguns pontos de "vovós", "tias", "pais" Filha de Congo,
I e de povo de ganga cantados nos terreiros de Xangô: É Maria Redonda!

I
I
174 JOZO DE FREITAS XANGÔ DJACUTÁ 175

MARIA CONGA TIA MARIA DE PAI BENEDITO

S'a Maria vai no terreiro ...


Abre zi terreiro! Com saia de merinô!
Abra zi Conga! No terreiro de Pai Benedito
Chegou Maria Conga Eu vai sambá, eu vai sambá!
Que veio trabaiá!

TIA ROSA DA BAIllA


TIA MARIA DE MINAS
Minha agulha. " minha didá ...
Quem não tem agulha ...
Venho de longe . Pra que qué didá?
Minha ponto é seguro ...
Venho de Minas .
Samba lê, lê!
:t no fundo do má!
Minha ponto é seguro ...
Maxicorê! Mamãe Iemanjá!
Minhas sete zi cambonos . Minha ponto é seguro ...
Minhas sete zi mucambas . no fundo do má!
Samba lê, lê! Minha ponto é seguro ...
Maxicorê! Meu pai Oxalá!

TIA MARIA DA SERRA PAI JOAQtJIM DE MINAS

N ladeira de pilá ...


Ela se chama Maria da Serra! tombadô!
Ela não desce do Céu sem Umbanda ... ta fogo ni sapê ...
'ra nascê fulô!
I Sem a sua mucamba de guerra!
Ela não desce do Céu sem Umbanda
Sem o povo de sua Quimbanda! PAI ANTÔNIO
Ela se chama Maria da Serra .
Ela é Maria em todo lugar . licença, pai Antônio ...
Ela é Maria no alto do Céu! u não vim te visitá!
Ela é Maria no fundo mar! u estou muito doente
176 JOÃO DE FREITAS XANGÔ DJACUTÁ 177

o que eu quero é me curá! PAI CAETANO


Se a doença fôr feitiço ...
Me cura em seu Congá Pai Caetano lá da Angola
Se a doença fôr de Deus ... Quando baixa no Congá
Ah! pai Antônio vai curá! Trazi flores na sacola
Coitado de pai Antônio Pra zín fios zinfeitá!
Preto velho rezadô!
Foi parar numa prisão ...
Ah! por não ter um defensô! MESTRE LUIZ
Pai Antônio na Quimbanda ...
É curadô! Mestre Luiz chegou ...
É pai de mesa é rezadô! Mestre Luiz salvou!
É pai de mesa é rezadô! Mestre Luiz baixou
Pai Antônio na Quimbanda ... ra levar todo mal ...
É curadô! suas in fio .
sua Congá .
ra o fundo do mar!
,h! Eh!
PAI JOAQUIM D'ANGOLA

PAI AGOLO
Pai Joaquim, eh! eh!
Pai Joaquim, eh! ah! 1,1 Ó catiporé ...
Pai Joaquim vem lá da Angola ... N alunga!
Pai Joaquim vem da Angola ... tiporá.
Angolá! . llr na aruana ...
Ira, gira, no Congá!

CABINDA DE GUINÉ REI CONGO

, ,I
6 Cabinda de Guiné!
Teu pai é ganga!
Teu pai é ganga!

1I
178 JOÃO DE FREITAS I li . \ XANGÔ DJACUTÁ

CONGO SANSARAV AI anga zumá!


lnda vai chegá .
Congo é gira de Congo ê! binda vai baixá .
Congo sansaravai, nda é de ganga Urubambá!
Congo é.
Gira de Congo, ê

Congo, ô sansaravai, ê!
•••
CONGO MUNJONGO

REI DE GANGA.

Gererê ...
Oh! Gererê, Gererê!
Tá de ronda oh! Gererê!
Gererê Rei de Nagô
-i Rei de Quimbanda no reino chegou!

VIRA CONGO POVO DE CONGO

Vira, Congo ... u na linha de Congo


Ó virolé! n 0, é Congo, aruê!
Teré, teré, teré, Congo! u na linha de Congo
Teré, teré, teré, Congo! que eu quero vê!

GANGA ZUMA
CONGO DO MAR
Povo de ganga, auê!
Povo de ganga, auá! ~Ijll ím, squindim, squindim ...
É ganga eu quero vê .. , ()lI nga!
O povo no Congá! ( lllu t u Congá!
Ora ganga zuê ... ( )11" tua banda, Munjongo,
II Ora ganga zuá .. ~ ( )ll1n, Munjongo, o mar!
9i~ganga, zumê i li! ~nçlSl é I114ito longe .. ,

I
I.
180 JOÃO DE FREITAS

Oh! Munjongo!
Ninguém póde ir lá!
Olha a tua banda, Munjongo,
Olha Munjongo, o mar!

Além dos mencionados pontos há outros tantos, de fa-


langes cruzadas, cujas letras revelam a finalidade da in-
vocação de tais correntes espirituais. São de orixás de
outros cultos que, por afinidade com as ondas vibrató-
rias, irmanam-se para a conquista dos mesmos ideais.

CONCÍLIO
/11

, neilio da religião dos negros sempre foi realizado


lugares incertos e em datas não prefixadas, mas,
1111111' om a presença e'e velhos alufás e presidido pelo
11111 IItle rlxà mais idoso e respeitado nas cercanias. O dos
11111 li I que consta, era chefiado pelo morubixaba cuja
I 1'1 IleI n ia sôbre os pajés lhe conferia o título de pode-
III 1/ I iritual das tribos que constituiam a sua nação.
!\, • ueessão dêsses chefes, em ambas as religiões, se
III'IU I HW na base da herança. O sacerdote escolhia o
1'11 "lIt 11'0 sucessor e o preparava para lhe substituir nos
I II « morte. Era a oligarquia religiosa com o seu cor-
"i (1 injustiças e iniquidades, com as suas vantagens e
II
ti, /11 tens, com as suas grandezas e suas misérias.
mbra das religiões, desde a formação do mundo,
rimes foram cometidos, os mais nefandos atos de
d, p"IIY o foram praticados e ninguém ousava denunciá-
"I 1\ c'l 1 ção era pecado mortal.
1\ I Intrigas, os mexericos, os sussurros maledicentes
f 1111 I In1 m, por via de regra, os caminhos mais curtos
11111' I n mbicionadas posições de mando.
lígíões dos negros e dos índios, puras na escên-
m que ser contaminadas pelo vírus dos homens
egressos de outras comunidades. Assim sen-
ilios realizados, sob métodos e sistemas anti-
virtude do desenvolvimento gigantesco da dou-
ndista, tornaram-se obsoletos. Urgia uma re-
iS4 JOÃO DE FREITAS
/ XANGÔ DJACUTÂ 185

forma de base de modo a assegurar o futuro desta religião "I I íosa dependerá, no mínimo, de dois terços de votos dos
milenar. Era imprescindível iniciar o arcabouço do órgão ( II S Iheiros.
máximo da Umbanda sem macular a sua origem.
Para preenchimento das vagas de conselheiros será
:Êste cometimento que se inicia quase ao findar o , I tado o mesmo critério de seleção entre os suplentes
presente século, sob a irradiação fulgurante de Xangô Dja- IlI. 1 antigos e possuidores dos requesitos necessários. A
eutá, determina que os conselheiros serão somente os sa-
( duta sacerdotal e os conhecimentos da religião eI?
cerdotes, isto é, os pagés, alufás ou babalaôs que mais se
distinguiram nos conhecimentos da religião. t. sua plenitude serão os fatôres básicos para o candI~
I to se inscrever como suplente.
Tal como acontece em tôdas as seitas e confrarias re-
A fim de evitar incompatibilidades e discordâncias, ca-
ligiosas, haverá uma reunião anual denominada Concílio
zes de abalar a estrutura ou afetar a harmonia do cor-
Geral para discutir assuntos atinentes aos cultos, solucio-
nar problemas surgidos no seio dos adeptos, tomar medi- dirigente nacional, nenhuma atitude será assumida
das coercivas contra os desrespeitadores do ritual e da li- Ios órgãos estaduais sem prévia consulta aos chefes re-
turgia, elaborar planos orienta dores e distribuir equítati- ionais.
vamente as tarefas entre os seus componentes. As resoluções dos conselheiros estaduais serão enca-
Reunidos os conselheiros será escolhido o Babalorixá, minhadas ao Concílio Geral para a necessária discuss~o:
ou Morubixaba, em escrutínio secreto, para presidir o Con- , após a ratificação serão referendadas pelo Babalorixá
cílio e assumir as responsabilidades inerentes à alta In- para efeito de lei. '

I vestidura de chefe supremo da comunidade umbandista.


Empossado na chefia da religião o dignitário esco-
lherá, imediatamente, seu secretariado unicamente com-
Como dirigente máximo do organismo religioso, em
seguida à sua mvestidura, o Babaloríxá, ou Morubixaba,
scolherá entre os conselheiros cinco elementos de reputa-
posto de conselheiros. do valor e capacidade administrativa para formar o seu
lil secretariado.
Em cada Estado da federação haverá uma sede com
idêntica organização, porém, autonoma. Seus chefes, su- O Secretário Geral será a segunda pessoa do chefe
:1
bordinados hieràrquicamente ao órgão central, supervisio- da comunidade religiosa da Umbanda. É quem substituirá
narão todos os cultos através de seus auxiliares para que O Morubixaba em casos eventuais. Manterá permanente
,I
não haja disparidade nas partes litúrgicas e ritualísticas contacto com tôdas as sedes estaduais e regionais através
da Umbanda. de correspondências postais, telegráficas ou telefôn~cas de
modo a assegurar plena reciprocidade de conhecimento
O mandato de um Morubixada, ou Babalorixá, esti- das providências tomadas em caráter de u~~ência. Tex:á
pulado em cinco anos, poderá ser modificado pelo Concí- plenos poderes para falar em nome do Concílio Geral so-
lio Geral. A reeleição do chefe supremo da comunidade bre assuntos religiosos ligados ao mundo leigo.
186 JOÃO DE FREITAS X"ANGÔ' DJACUTÁ 187 .-

o Secretário de Finanças desenvolverá periódicas cam- O Secretário de Justiça, no extenso campo de suas
panhas financeiras através de planos bem traçados, mas tribuições chefiará a parte jurídica com elevada e supe-
só os executará depois de aprovados pelos conselheiros e ior mentalidade de modo a defender perante as leis do
referendados pelo Babalorixá. Do produto de tais campa- ais tôdas as reivindicações da comunidade umbandista.
nhas desenvolvidas pelas sedes estaduais ou regionais será, quem solucionará os problemas internos e externos,
obrígatóríarnente, reservada uma cota destinada ao Con- dará pareceres sôbre modificações e emendas do Código
cílio Geral, visto que êste organismo, sem base econômica, pleiteadas pelos conselheiros e firmará jurisprudência nos
não poderá subsistir. Daí a necessidade da escolha de um: casos omissos. Manterá um serviço de cadastro à altura
de sua finalidade censitária de todos os líderes e chefes de
técnico, de um especialista em finanças para ocupar êste
terreiro. Chamará à responsabilidade criminal os que di-
importantíssimo cargo.
reta, ou indiretamente, ponderem conceitos depreciativos
O Secretário de Cultura e Religião será o responsável com intenção manifesta de ridicularizar os cultos da Um-
pela parte mteieccuaí da Umbanaa. Os colégios rengiosos banda. É quem redigirá o código interno para aplicação
serao pianejauos por esta secretaria. A historra das reli- de penas disciplinares.
gioes, as m.toiogras, os ritos e nturgias, as uoutrinas, as Para evitar burlas e falsificações, todos os diplomas
teoiogras e outras partes do programa para os imciauos e credenciais fornecidos aos médiuns de qualquer catego-
na carreira saceruocai precisam ae ser uerenoidos por pro- ria, pelas tendas e terreiros, terão de receber a chancela
fessores ae reais e megaveis méritos, por ISSO esta secre- e serão revistos periàdicamente por esta Secretaria. As
tarra so sera ocupaua por um peuagogo, por um mestre confraternizações de tendas e terreiros, as realizações de
de ensino ou homem ae ietras. r-este setor passarao toaas Congressos, as conferências públicas sôbre Umbanda e en-
as coras nterarias sobre umoanaa a nm ae serem crrte- trevistas concedidas à imprensa profana só serão levadas
riosamente seiecionacas. Por rõrça de sua tínandane os a efeito sob a orientação desta e da Secretaria de Cultura
e Religião.
intelectuais e artistas umbandistas, sejam músicos, coreó-
gratos, escultores, poetas, pintores ou modistas, serão por O Secretário de Administração é quem velará pelo
esta secretaria convidados a colaborar de modo que a re- patrimônio material da Umbanda. Sua ação, nêsse impor-
ligião desfrute do devido prestígio na sociedade. A biblio- tantíssimo setor, será bastante ampla. A manutenção da
sede do Concílio Geral, o contrôle de todos os bens, os le-
teca, o boletim, os jornais e revistas só poderão ser diri-
gados e subvenções particulares ou oficiais, os móveis e
gidos por elementos bem identificados com os cargos e fun- imóveis, a compra de materiais e objetos para usos de
ções para que o serviço de consultas e divulgações alcance tôdas as secretarias serão da alçada exclusiva do admi-
o seu objetivo de bem informar as tendas e terreiros da nistrador.
Umbanda. Esta secretaria criará uma comissão de con-
O Concílio Geral terá a sua sede na Capital da repú-
trôle e fiscalização dos 'elementos' refratários à disciplina, blica, o Concílio Estadual nas capitais dos Estados e o Con-
dos marginais,dos indiferentes e dos prevaricadores. cílio Regional nas vilas ou cidades.
188 JOÃO DE FREITAS

Com tal organização, ansêio de todos os umbandistas


esclarecidos, estará certamente resolvido o problema mag-
no da coleção de leis, de métodos e de disposições para a
almejada codificação.

VOCABULÁRIO
presente capítulo, embora saibamos que a tendên-
ia justa e natural é usar o idioma pátrio como veí-
ais indicado para exprimir as idéias e melhor trans-
de pensamento, terá sua utilidade pelo menos entre
11 -umbandistas desejosos de avançar alguns passos
11111 n estrada que palmilham. Será, para o futuro, mais
11111 I muitos alfarrábios manuzeados pelos pesquízado-
I" (1 noites de elocubrações e de polêmicas com os eru-
dllll .
M mo não o parecendo, o VOCABULARIO UM-
1ST A é complicado, e até confuso, em virtude de
Iatôres difíceis de serem removidos.
dialétos de diversas tribos africanas, mesclando-se
I 111li variedades lingüísticas do idioma tupi e com as
t 1I1'1'upt Ias do vernáculo, introduzidas pelos mamelucos,
I "I gíria em função natural de sua capacidade envol-
'I 11I nos meios subletrados, criaram um amálgama idio-
111 I ( de tal natureza que urgia o expurgo dos têrmos
11111 t' príos bem como a recondução às suas origens dos
(I' ulos mais conhecidos e usados nos terreiros.
A tarefa foi muito mais árdua do que supunhamos.
l'lv( mos que lutar para conhecer a semântica das palavras
1111'1 v s da etimologia. E dêsse esfôrço titânico, a consul-
1/11 1 i os da língua dos cabindas, dos cáfres, dos ango-
I I( dos quimbundas verificámos a procedência de cer-
I( ábulos do dialeto nhengatu da língua tupí e que
rum alterados na grafía e no sentido taís corno UMBAN~
192 JOÃO DE FREITAS XANGÔ DJACUTÁ 193

DA de Umbamba, ARUANDA de Aruanã, IMBUIA de A


Umbuia, ANDARAí de Andiraí, como também na língua
africana QUIMBANDA de Quimbunda, MIRONGA de Mi- BABA , . Alguidar. Bacia de barro.
longas, DUMBA de Dzumba, DJACUTÁ de Dzakutá, etc. 13ARA ,. " .,. Massa de feijão com pimenta e pijerecum.
Não lamentamos tal dispêndio de energias. Sabíamos ADEREM . Milho verde socado.
que não estaria completo o nosso trabalho se omitíssimos AOANCAR , . Correr. Fugir, azular.
o glossário da Umbanda ainda que eivado, como está, de 1-.13 MBADO , . Cansado. Fatigado, exausto.
pecados etímológicos e ortográficos e que também não A ASsA .,.".,., .. , .. , Massa de milho branco com pijerecum.
atenderíamos aos reclamos dos incipientes que precisam I-. . Milho maduro em grão. .
de um compêndio para lhes facilitar na jornada. De qual- AI~ Dança litúrgica. O mesmo 'que Aruanã.
quer modo, porém, o apresentamos em XANGÔ DJACUTÁ AP Bôlo de arroz com mel de abelha.
certos de que, com o correr dos tempos" vozes mais auto- A Licença. Pedido de autorização.
rizadas e penas mais seguras se incumbirão de vestí-Io com A Concessão da licença. Autorização.
a merecida roupagem lexicográfica dando-lhe forma e es- AI. Refrigerante de milho verde.
tilo compatíveis com a sua finalidade. AI. A. , , . Sacerdote africano. Babalaô, pagé.
AM C1 ,., . Infus. de ervas. Confirmação litúrgica.
AMALA . Oferenda, penitência, obrigação.
AMnROz6 , . Delícia, gulozeima, coisa gostosa.
ANI A . Rêde de dormir, maca.
IIN I NA. " , . Dona de casa. Mãe de família. Senhora.
li UM1 . Jejum. Abstinência antes do amacio
1 AI11 . Pimenta da Costa. Condimento, tempêro.

Nhengatu:

Homem forte, bravo, valente.


Aí, nêste local, nêste sítio.
Peixe de rio.
Cabeça. Alto da ~beça.
Desprêzo. Indiferença. Pouco caso.
Cajú. Fruto do cajueiro.
Calhau. Qualquer coisa.
Capa de penas, ou de pele de animais,
Ele ou Ela (pronome)
., ..... to········· Eles ou Elas (plural)
1M JOÃO DE FREITAS XANGÔ. DJACUT! 195

AIEPE ••............... Estu pendo, extraordinário, maravilhoso. 1\ Sumo-sacerdote. Chefe da religião.


AIUCARA . Colar de dentes de animais. 1\ Procurar. Andar à cata de alguma coisa.
AIMORli . Grande tribo guerreira. Deus da Caça. 1I Filho.
A]URU . Papagaio. Ave que fala. 1\ Valente. Temível. Facínora.
AGUAPli . Planta aquática. 1\ Briga, barulho, luta corporal.
AMOIRE . Outra vez, novamente, repetição. Balançar, fraquejar. Pernas fracas.
AMBURA . Morto. Defunto. Cadáver. Aparentar o que. não é. Fazer constar.
AMANA . Chuva. Água caída do céu. Dinheiro.
AN . Oh!, O quê! Como! LAR . Andar à sôlta. Vagar sem rumo.
APEGAUA . Homem. Que não é mais criança. ELA . Desdentado. Bôca de velho.
APEICUTÁ . Remo. Cerimonial religioso africano.
ANGÁ ......•••....... Alma. Espírito. Sapateado. Dança negra.
APECATlJ . Longe, distante, bem afastado. Coxa. Parte superior da perna.
APONA . Forno. Local de assados. Coité de chifre.
APOTI •............... Alto, firme, seguro. Espreitar. Bisbilhotar.
APIÁ ........•••...••.• Macho, viril. Cheio de vigor. Catar piolho. Examinar o cabelo.
ANDIRÁ " .........••. Morcêgo. Paciência. Calma.
ARACI •............... Aurora, clarão da madrugada. Mistura de legumes. Iguaria africana.
ARAÇOIA ...........•• Faixa de penas. O mesmo que enduape, Dialéto angolês. Nádegas. Fim da espinha.
ARAM!! . Ocasião. Oportunidade. Apoquentar. Assediar. Amolar.
ARAÃ ...............•• Saudade. Muita lembrança. Recordação. Quinquilharia. Miudezas. Coisinhas.
ARERI ...••..•••..••.•• Mas, porém, contudo. Caracóis. Pequenas conchinhas.
ARIRI ............•••.. Depois.
ARAPUCUSSAUA ...•. " Sempre. Constante. Permanente. Nhengatu:
ARPE ...•....•••.••••• Além. Acima. Muito depois.
ARUANÃ ...•..•••••••• Dança litúrgica. Dança totêmica. Atalho. Caminho entre barranco.
ASSU HI •..•..••.••••• Conclusão. Final da coisa iniciada. Palmeira nativa.
ATI1i .......•••.••••••• Desagrado. Reprovação de um caso. Fruto silvestre. Bebida dêsse fruto.
ATINU UCA ...••.•••• , Miséria. Horroroso. Sofrível. Iguaria feita com êsse fruto.
ATIMBÓ ......••.•••••• Enfado. Enojado. Repugnância. Delicioso fruto nativo.
AUÁ ...............••• Quem? Onde? Planta medicamentosa e alimentícia.
AXI HI •........••. '" Daquele lado. Da outra parte. Barco de pesca.
Planta leguminosa.
B
Batata.
BABÁ . Sacerdotisa. Mãe de santo. Sapateado.
BABALAO •.•.......... Sacerdote. Pai de santo. Chefe de terreiro. Palmeira nativa.
XANGÓ DJACUTÁ 197
196 JOÃO DE FREITAS
AFUNGUEAR . Procurar.
Garoto travêvesso.
BEIJUPlRÁ Peixe. Nome de alguns peixes de rio. AFUNGE . Moleque.
BEILHÓ Bôlo de farinha, açúcar e abóbora. AIALO . Descrente. Impio.
BIARIBU Cova na terra para assar carne. CALANGO . Víbora.
BICulBA Fruto nativo. Óleo extraído dessa planta. CALUNDA . Caprico.
BIGUA Ave nativa. Espécie de ganso. CALUNDÓ . Parteiro.
BIRIBAZEIRO ' Arvore do fruto nativo biribá. CAMANA . Noviço. Fanático.
BOCAIÚV A Coquinho silvestre. Palmeira. CAMBAR . Ajuntar. Reunir objetos.
BOICININGA Cobra venenosa. CAMBARERt . Afastamento.
BOICUABA Serpente (alimento de algo tribos). Auxiliar de médium. Filho de santo.
CAMBONO .
BORl'l . . . . . . . . . . . . . . . . .. Trombeta de madeira. CAMISU . Blusa fechada. Nunanga.
BOROR:S Veneno para pôr nas flexas. Embriagado. A1coolizado.
CAMINHA ····· .
BRAUNA Legume nativo. Planta escura. CAMUCITE . . Petrechos religiosos.
BORDUNA Massa. Tacape. Arma de guerra. CAMUTUt . Cabeça.
BURIQUI Mico. Macaquinho. CAMUMli\EMBE . Pessoa vil. Pulha. Indigna.
BUBUIAR . . . . . . . . . . . . .. Boiar na água. Flutuar. CAMUNHENQUE . Mal incurável.
BURAREMA Arvore de cheiro desagradável.
CANDARÚ . Brasa.
BURITIZADA Doce ou refresco de burití.
CANDOGUEIRO . Falso. Fingido. Ipócrita.
BUTIA Arvore do tipo da palmeira.
CANDOMBLli . Dansa africana.
CAN]IRA . Dansa sagrada. Afochê. Aruanã.
c CAPANGA · .. Valentão. Guarda-costas.
CAPANGUEIRO . Companheiro. Amigo.
CABA Abelha. CAPIANGO . Ladrão. Gatuno.
CABALA Intriga. Traição. Falsidade. CATUZADO . Imprestável.
CABUNGA . . . . . . . . . . . .. Tribo africana da Argélia. CAQUIÇAR . Pretextar.
CABYLA . . . . . . . . . . . . . .. Sujeira, imundície, porcaria. CAURI . Concha.
CACÓRIO Esperto, malandro, finório. CASSUTO . Protetor dos doentes.
CACIMBA Reservatório de água. Cova para água. CAVALO . Médium de terreiro.
Tambor. Instrumento de percussão.
CACUNDE Enfeites e ornamentos de vestidos. CAXAMBU .
CACURUQUE Velho. Homem idoso. ONGA . Local sagrado dos fétiches.
CACURUCAIA Velha. Mulher idosa. ONGUICE . Impertinência. Mau humor.
CAFIOTO Criança. Menino. OVUGAR . Cavar. Abrir covas. Fazer buraco.
CAFIFADO Sem sorte. Azarento. U A . Velha feia. Megéra.
CAFUMANGO Vagabundo. Ordinário. UFAR . Morrer. Sucumbir.
CAFUNDliO Lugar muito longe. Distante. UMBA . Bruxa. Feiticeira.
CAFUNGA . . . . . . . . . . . .. Triste. Macambuzio.
XANGÓ DJACUTÁ 190
198 .r o x o DÉ FREITAS
Pote de barro. Igaçaba.
AMUTÍ .
CURIMBA . Pontos cantados. Conjunto de músicos. Casa de branco.
ARI óCA .
CURIAR . Beber. Ingerir. Sorver. ARAPANÁ . Mosquito.
CURIAU . Despacho. Comida de santo. CATU . Bom.
CUTUBA . Bom. 6timo. Magnífico. Péssimo. Sofrível.
CATUENTE .
CHA . Eu (Pronome).
CHOR6 . Impetuoso. Enervado.
Nhengatu: Calça. Vestimenta de branco.
CHIRUBA .
CHUIRERI . Pássaro.
CAAETjj . 'Mato forte.
COlTg . Então? Hein? Como?
CAA AMBIQUIRA . Mata nova. Brotos novos de árvores. Madrugada. Manhã cêdo.
CUITÉ ; .
CAACANGABE . Matinho. Relva.
COMANDÁ . Fava.
CAAÇAPAVA . Mata clara. Feijão. Fava pequena.
COMANDAI .
CAAIRU . Entrada da mata.
COMB,\RIM . Pimenta.
CAAIRUAÇU . Grande entrada da mata. Surprêsa. Novidade.
CUERA .
CAAPOCHI . Mato feio.
CUIABÁ . Gente forte.
CAAEMA . Mato fétido. Clava. O mesmo que tacape.
CUIDARU .
CAATINGA . Mata baixa. Mata rasteira.
CUIU """ . Papagaio .
CAAPIVAR . .Porco da mata. Capivara. Tigela de barro.
CUIA .
CAAPANEMA . Mata' ruim. Galinha do mato.
CUJUBIM .
CAAPOIM. . Deus dos animais.
CUMANATl . Feijão branco.
CAAPUERA : . Mata extinta. Cabeção. Cabeça enorme. Muito grande.
CUMBl .
CAATANDIBA : . Matagal. Floresta. Mulher. Moça.
CUNHÁ ········ .,
CAATUMBl . Beira da mata. Menina. Rapariga. Mocinha.
CUNHÁ TAEM .
CABAUÇU " , . Marimbondo. Agora. Nêste momento. Já.
CUORE .
CACHIRÍ . Aguardente de milho. Veneno vegetal.
CURARE ······· .,
CAI . Queimar. Tocar fogo. O sol. O astro rei.
CURACll .
CARAMBURU . Refrigerante de guarapa e milho verde. Certa vez. Alguma vez.
CURt .
CARAMURU . Deus do trovão.
CURIMATÁ . Peixe de rio.
CANITAR . Cocar de penas. Capacete de plumas. Pinheiro pequenino.
CURIMERÍ .
CANDjj . Arara. Pinheiral. Muitos pinheiros.
CURITIBA .
CAlÇARA . Cêrca. Cercado de taquara. Pedras pequenas e sôltas.
CURUB .
CAIRANA . Aborrecido. Zangado. URUÇÁ . Cruz.
CARÍ . Chefe. Encarregado. Mandão. Rapaz. Jovem. Mocinho.
URUMl .
CARAfi . Arranhar. CURUMO ,. A fim de ...
CARARÁ . Mergulhão. Ligeiro. Depressa. Rápido.
CURUTE .
CARIUA . Branco. Pele clara. Pessoa branca.
2ÓÔ
XANd6 DJACUTÁ 20i
CAMURAPIM ......... .
Peixe de rio .
CANAMBAIA CURIÓ ,...... Pássaro. O mesmo que Avinhado.
CANDOMBE . Fruto do cáto.
CURUPIRA Deus dos campos.
CANEMA . Rêde de pescar camarões.
CANHEMB'ÓRA' . Arvore gigantescas,
Fugitivo. Fujão,
CANZA . D
Instrumento musical.
CARA . Inhame.
CARA CARA DARRUM . Segrêdo sacerdotal Iit, africana.
CARACACHÁ·········· . Ave de rapina.
CARACU , . Chocalho, DEMANDA. Questão. Briga.
Medula. Osso do boi. DEND:B . Óleo de palmeira.
CARU]U • ...• ..: • : • : .. DENGO . Excesso de carinho.
Batata.
CARAPIA . ............ . Planta DENGUE . Milho branco .
medicinal.
CARIBE . Creme de abacare, DIAMBA . Maconha. Fumo dessa erva.
CARIBOCA ........... . Mestiço. DIMBO . Duvidoso .
CAROBA . Planta medicinal. DUNGA . Capoeira. Valentão.
CATAIA , . Erva venenosa. DUMBA .. , . De dzumba. Mulher, concubina, amante.
CATANDURA
CAUIM .. . Mato sepinhoso. D]ACUTA . De dzakutá. Granizo.
Bebida feita de mandioca.
CAUABA .. .
,
Vaso de barro .
CAUA . Gavião. E
CHARAPA
CHOBE . Tartaruga.
COANDÚ'" '" . Bôlo de farinha de mandioca, EBÓ . Farofa de milho branco com dendê.
COROA . Roedores. Espécie de gambá. EB6 . Comida de santo.
CORRA ,. Planta aromática. ECURO . Farofinha de mandioca.
CHAMURf····· . Fruta nativa, saborosa e medicinal. EFUM OGUEDE . Farinha de banana.
....... . Fruto silvestre .
CRUMATA ELEBA . Demônio. Deus do mal.
CtJRURUCU' ., , . Peixe de rio. ELEBAA . Anjo de guarda. Protetor espiritual.
......... .
Serpente venenosa .
EMBANDA . Arauto. Porta voz. Orador religioso.
CATUABA .......... .. Planta medicinal revigorante .
CUIDARU ............ EMBONDO . Dificuldade. Atrapalhação.
. Clava. Espécie de tacape .
CUIU ENCARACADO Prêso. Privado de liberdade.
CtT]UMARl··········,· . O mesmo que papagaio. ENCARRAGAR . Tolher. Dificultar.
.......... Canela ativa .
"

ClTPUAÇU . Fruto nativo. NGOIADO . Enraivecido. Colérico.


CURAGIRU MPALAMADO . Pálido. Amarelão, sem côr.
•• 'o ••••••••
Arvore tintorial. Tinta vermelha .
CURIMA PÓ ., . Azeite bruto. Bôrra de azeite.
CDRIMAT········· .... Ig~aria de peixe. Peixe de rio.
P6 . Batata selvagem.
•••••••••
Peixe nativo do tipo salmão .
0'0

ERA PATERE . Carne fresca.


202 JOÃO DE FREITAS XANGÔ DJACUTÁ 203

ESCARAMBAR . . . . . . . . .. Secar a terra. FUNFIA Mulher ordinária .. Debochada.


ESTÁDIO O mesmo queCongá. FUNGAR Farejar. Esmiuçar.
EXOU Espírito das trevas. FUNGUEIRO Bisbilhoteiro.
EX,g . . . . . . . . . . . . . . . . . .. Breve. Talismã, FUXICA Intriga. O mesmo que milongas.

G
Nhengatu:
GAMBELAR . Enganar. Iludir.
EMBEAXIô . Gaita. Instrumento feito de taboca. GANGA . Roupa de uso. Vestimenta de pano.
EMBEGUACÁ . Plantas silvestres variadas. GANGENTO . Orgulhoso. Vaidoso.
EMBIARA . Prêsa de guerra ou caça. GANGONA . Dama. Senhora respeitável.
EMBIRA . Corda de cipó. GAPUIA . Pescador.
EMBIRI . Planta medicinal. GATAFUNDO . Rabiscos. Arebescos.
EMBUÁ . Massa cáustica feita de insetos. GEMITAR . Chorar. Choramingar.
EMBUÍ . Árvores silvestres brancas e amarelas. GIRAR · . Ir embora. Partir.
EMBURÍ . Palmeira nativa. GRONGA . Bebida inferior. Coisa sem valor.
ENAPUpB . Perdiz grande. O mesmo que nhapopê. GUIA . Colar litúrgico. Espécie de rosário.
ENDUAPE . Cinto de penas. GURITA . Égua velha, )
ETÁ . O mesmo que oití. GURUMBUMBA . Cacete,--"tfete.
EUÁ-UAÇU . Espécie de sapê, GUZO . Fôrça.
E-UU . Terra.
EXU . Abelha preta. Abelha selvagem. Nhengatu:

GAMBOA . Fruto silvestre.


GARFUANA . Planta tintorial.
GIQUI : . Armadilha de pesca.
GOIAZ : . Carangueijo grande. Espécie de guaimu.
FALANGE . Grupo. Muitos espíritos.
FARRAMBANDA Gabolice. Autoelogio. GOPIARA . Mina de diamantes.
FUÁ . Desconfiado. GORU]UBA . Peixe de água doce.
FUBECA . Surra. Sóva. Dar pancadaria. GORUMIXAMA . O mesmo que jaboticaba.
Ralé. Gente baixa. GUACUMÃ . Palmeira de casca combustível.
FUFIO .
FULA . Raiva. Ódio. Irritação. GUADIMÁ . Touro bravo.
FULADO ...•.......... Escurecido. GUAMPA . Chifre do boi.
FUNCA . Fútil. Sem valor. Nulo. GUANANDIRANA Árvores silvestres.
FUNDANGA . Feitiçaria. Encantamento. Bruxaria. GUABIRU . Rato grande.
204 JoÃo DÊ FRiuTÁS X.ÁNGÔ DJACUTÁ 205

GUAPARAIBA . Mangue.
IAQUE~ , Verde. Esverdeado.
GUARA . Garça.
IAURA Pescoço.
GUARAEMA . Garça fétida.
GUARAPIRANGA . Garça vermelha. IAPUMI ,......... Mergulhar.
GUARARA . Peixe voador. IBIAPABA Fim da Serra.
GUARAPA . Caldo de cana. IBIAPINO Serra calva.
GUARATINGA . Garça baixa. Miuda. Pequena. IBITURUNA Serra negra.
GUAIBE . Espécie de enseada. Golfo. IçA Formiga.
GUANAPARA . Semelhante ao mar, ICARAl Lago dos peixes.
GUANHA '" . Ocorrência. ICATU Agua boa.
GUIRAPUABA . Rumor de pássaros. IEMB~ , ,....... Praia. Margem arenosa.
GUARANf . Grande nação indígena. IGARA Canoa. Embarcação pequena.
GUARAUNA . Garça preta. Grande árvore. IGARATA Barco grande.
GUARAXIM . Espécie de cão. Animal feroz. IGAÇABA Grande pote de barro.
GUARUBA . Pássaro do tipo assanhaçu. IGUAÇU Grande caminho das água6.
GUAXINIM ,' .. Espécie de raposa. IGUAPE _ . . . . . . . . .. Caminho. das águas.
GUIRARU . Melro nativo. INDAIA Palmeira.
GURI . Criança (do guaraní). INUBIA Buzina.
GUARACÍ . O sol. IPECACUANHA Raiz medicinal.
I

IP ANEMA / Agua parada e fétida.


I IPAUAÇU .:.J"-J Ilha grande.
IPAUMERI " _ .. : .. , . .. Ilha pequena.
IALÕ . Filha de santo. IPIRANGA , . . . .. Rio vermelho.
IBE]I . Orixá das crianças. Deus dos gêmeos. IPORANGA . . . . . . . . . . .. Rio bonito.
IDA . Campainha. IPOERA , ". Õlho de água. Nascente pequena.
IEMAN]A . Deusa das Aguas,
IRACEMA .,........... Cêra fétida.
IFA . Protetora dos partos. IRAPIRANGA , " Cêra vermelha.
IMBOANÇA . Encrença. Atrapalhação.
INTANHA Sapo gigante.
INFUNICAR . Deformar. Escangalhar. ITI ,., ," Rio das pedras. Cachoeira.
IT AIAI Rio pedregoso. _
Nhengatu: IT AITIBA ,....... Rio cheio de pedras grandes.
ITABIR , ., Pedra levantada.
IA . Nós (pronome)
IT ABERABA ,..... Pedra brilhante.
IARA . Senhora das Aguas.
ITACURUÇA Cruz de pedra.
IACUMA . Leme.
ITAIUBA ....•......... Pedra amarela (mina de ouro).
IAUARA , . Cão. Cachorro.
ITAMAGA ... . . . . . . Rêde com pedras.
III

206 JOÃO DE FREIT.AS XANGÔ DJACUTÁ 207


IT AMÃ •........•..... Chão com. pedras.
Nhengatu:
ITAMERI Pedrinhas.
ITAMOROTE Pedras alvas.
ITAÓCA ". Casa de pedras. (A pronúncia correta é com um «i» longo e naial)
ITAPARI Cercado de pedras.
ITAPEBA Pedras largas.
ITAPECERICA Pedra que escorrega. ]AARABOA . Raizes de feijão.
ITAPERUNA Caminho da pedra preta. ]AABORANDi . Planta sudorífica. Remédio. Medicamento.
ITAPORANGA Pedra bonita. ]AABUTI . Espécie de tartaruga.
ITAPEV A Pedra da sorte (talismã). ]AABUTICABA . J aboticaba. Fruto da jaboticabeira.
ITARAR~ ......•....... Pedra escavada. ]AACA . Fruto da jaqueira.
ITAPUCU . . . . . . . . . . . Pedra comprida. ]AÇAPE . Capim cheiroso.
ITAUNA Pedra negra. ]ACAR:g . Caimão. Aligator.
ITE Sem gôsto. Sem paladar. ]ACAREQUARA . Refúgio de jacarés.
IUCAUARA Morto. Defunto. Cadáver. ]ACARINI . Pardal.
IURUPARI Gênio do mal. Demônio. ]ACU , . Galinha selvagem.
IURARA Tartaruga. ]ACUACANGA . Serpente.
IURU Pescoço. ]ACUBA .....••........ Bebida feita de farinha e açúcar.
]ACUPEMBA . Galinha selvagem.
]ACURU . Cobra.
J ]ACURUTU . Coruja.
]ACUTINGA . Galinha preta com crista branca.
]AGUAR . Leopardo do Brasil.
]ABA " Carne sêca. Xarque. ]AGUAREMA . Onça fétida.
]ACA Samburá. Cesto grande. ]AGUARUNA . Onça preta.
]ACA Capataz. Chefe africanos. ]AMBU . Agrião.
]ACUBA Mist. de farinha, água e açúcar. ]AMUNDÁ . Ladrão. Gatuno.
]ABONÃ O mesmo que mãe·pequena. Aux. da sacer- ]AHU . Peixe de água doce.
dotiza. ]ANGADA . Balsa de paus.
]AMBE Comida africana. ]ANGURUÇU . Enxame de abelhas.
]EMBE Carne de porco salgada. ]APA . Esteira.
]ERERE . . . . .. Rêde de pescar. ]APi . Cabeceira. Nascente de rio.
]IMBO O mesmo que bango. Dinheiro. ]APIAÇU . Grande nascente.
]IQUITAIA Pimenta em pó. ]APUANGA . Cipó medicinal.
]OLOFO Idiota. Palerma. ]AQUIRANABOIA . Borboleta selvagem e venenosa.
JONGO ..........•.... Dança fúnebre. ]ARARACUÇU •........ Grande. serpente venenosa.
I

208 JOÃO DE FREtT.4$ XANGÔ DJACUTÁ 209

JARER:a . Rêde de pescar. L


JARAGOA . Vale. Verzea.
]ATIAÇU . Abelha gigante. LAMBA ......•...•..••. Desgraça.
]ATIMERI . Abelha miúda. LIBATA Aldeia pequena.
JENIPAPO . Fruto do jenipapeiro. LIBAMBO Cadeia de ferro.
]EQUI~ ......•......... Onça pintada. LUNDUM Cantigas brejeiras. Modinhas.
]EQUIETINHONG . Rufúgio de onças. LIAMBA Corruptela de Diamba.
]EQUIRI . Planta venenosa. Erva mortífera.
]IRIMU . Abóbora amarela. M
]Ú . Espinho.
]UCUBAUBA . MACAIA Fumo ordinário. Mato.
O que conduz a canoa.
]UPIA . MACUMA Escrava, criada, serviçal.
Remoinho de água. Voragem no rio.
MACUMBA " Dança do Candomblé. Rito afro,
]UREMA . Espinho fétido.
]UREMA . MACURO Berço.
Deusa das matas.
MALBME Perdão, misericórdia.
]URU . Pescoço.
MANDINGA _.......... Sortilégio, feitiçaria.
]URU]UBA . Pescoço amarelo.
MANO Irmão, confrade.
]UQUIA . Funil. Canudo.
MARAFA Paratí, cachaça.
]URARA . Cágado.
MA RUFO Paratí com ervas.
]URITÍ . Pombinha. Rôla.
MARIMBA Instrumento musical.
]URU . Papagaio.
MATACA. .. .. .. .. .. Nádegas.
]URTJCUA . Tartaruga.
MATUNGO Espôso.
]UREMA . Macaco.
MATUNGA Espôsa.
]URURU . Triste. Melancólico. MADZA Agua potável.
lUTAr . Tamarindo. Fruto do Tamarindeiro. MISSANGA Contas de vidro, fantasia.
]ACr . Lua. MINGONGO . . . .. Insetos, mosquitinhos.
MILONGA , Intriga, mexerico.
MIXE Ruim, imprestável.
K MOCAMBO C:>.<ehre_
MOLONG6 Fraco, anêmico. Doente.
MUCAMA Criada, serviçal.
KALUNGA . Espelho. MUCAMBA Petrechos de guerra.
KARUNGA '" Mar. MUCORONGO •........ Grandalhão, estúpido.
KIRIMBA . Sinál. MUNGONGO Enérgico, ativo.
KAó . Salve! Viva! MU]ONGO ........•.•• Forte, poderoso.
KAO CABB-EM-SI Viva o grande! MuAMBO ...........•. Evangelho dos Cáfres,
I1 .

210 JOÃO DE FREITAS


X AN GÔ D.J A C U T Á 211
MÃO DE FACA , Magarefe. O que escalpe1a o animal.
MÃO DE OFA O que colhe ervas litúrgicas. MARACAN.Á Periquitinhos. Periquito selvagem.
MABOULA Arvore medicinal.
MACAUBA Legume, ervas comestíveis.
Nhengatu: MACAOU Tinta vegetal.
MACAIBA Palmeira, palmito.
MARI·CA Barriga. MACANÃ Tacape, massa, clava.
MORUTO·Tó Madeira fraca. MACEGA Erva miúda, daninha.
MEU.]! Devagar, com calma. MACOMBEIRA Palmeira silvestre.
MERI Pequeno. MACUCO . . . . . . . . . . . . .. Galinha selvagem.
MITÃ Criança. MACULO .. . . . . . . . . . .. Diarréia.
MEMBf " Gaita. MACUMÃ ...••........ Palmito, condimento.
MARACA Chocalho. MACURIAPAI Fruto silvestre.
MURUCÚ Lança. MAIMBU Ervas medicinais praianas.
MALÓCA Casa. MANDIBA . . . . . . . . . . . .. Raiz comestível, esp. mandioca.
MUNDIl Armadilha.
MANEMA Pateta, palerma.
NUSSURAMA Corda.
MANGANGÀ Enorme, muito grande.
MANAUE Bôlo de milho verde com mel. MARIMBU Grama, capim rasteiro.
MUÇARAf Brinca!'.
MAQUEIRA Rêde de tucum.
MUIRA Pau.
MATAMATA Tartaruga.
MIRA Gente.
MATIRI Saco de tucum.
MOCEROCA Batisar.
MATOMBO Plantio de mandioca.
MIRUA Espelho.
MAMONA Planta purgativa.
MACA:a Macambas maduras, fruta silvestre.
MUGUAÃ l Cágado.
• • • • • ••
MAMANGUAP:a Caminho de pasto.
MUCU]]! Fruta silvestre.
MANDACARÚ Feixe de espinhos.
MUCUOCA Tapume no rio para pescar.
MERUIM Mosquito miúdo.
MU]ANGU:a Ovos de tartaruga com farinha.
MERUOCA ", . . . . . . . .. Abrigo de mosquito.
MO . .. . .. . . . . . .. . . . .. .. Fazer (verbo). MUPICAR Remar com ligeireza.
MUNDA·f Rio do furto. MURA]UBA Papagaio.
MERUTIBA Mosquiteiro, mosqueiro. MURUBIXABA Chefe, maioral, superior.
MOCOCA Plantio, fazer plantação. MURICI Fruto silvestre.
MORUPETÊCA Formigão, formiga grande. MUNITOBA Mistura de carne e legumes.
MÚ Irmão, mano. MOTU OU . . . . . . . . . . . .. Domingo. Último dia da semana.
MEMURA " Filha. MURMUR]! Instrumento mus. feito de osso.
MORUTINGA Formiga baixa, pequena. MURUPI ' Pimenta silvestre.
MURUXUBA Mulher mestiça, ordinária.
212 JOÃO DE FREITAS
XANGÔ DJACUTÁ 213
MUTUCA Mosca terrível.
MUXIBA
nI ...............••• '.' Fruto usado na liturgia afric.
Carne magra.
I! . .. . ... ... . .. .. . ... O mesmo que agô, licença.
UM A terra, o planeta.
N AIA Companheira.
AM Chefe de cerimônia, ajudo babalaô.
NANÃ . Diviridade das águas. UM Deus da guerra, São Jorge.
NAMBURUQUn Deusa dos ventos. LUBÔ Mandioca assada.
NHA-SÃ . Protetora das virgens. L6 . . . . . . . . . . . . . . . . . .. Para cima, para o espaço, para o céu.
NUNANGA . Vestimenta ritualístiea. LORUM O mesmo que Zambê (mit. nagô) ..
NHA-APOpn . Protetora das aves. MULÚ ,.. Deus dos mortos.
TI Paratí com mel.
Nhengatu: ROBÔ Fruto usado na liturgia afric.
XALÁ Queira Deus (orixá da paz, mito afríc.).
NHETEROI Enseada. ORIXÁ Divindade represo fôrça da nato
NHENGATÚ Dialeto Tupí.
!I OX-OSSI Deus das matas, da caça.
" NHAMPERÔ Panela grande. OX-tJM . . . . . . . . . . . . . . .. Divindade das águas.
NHAMBIQUARA . . . . . .. Tribo Tupí. OX-Ú Espírito de demanda.
I
NHn '. . . . . . . . . . . . .. Abrigar, esconder.
NU Campo.
Nhengatu:
NUPIRANGA Campo vermelho.
NUPORANGA Campo belo.
I NAJÃ Palmeirinha silvestre. OANAÇU
OCA
.. Palmeira gigante.
Palhoça.
NAMBl Orelha, ouvido.
NAMBÚ Inhame, batata. OIACÁ ,..... Tribo nhengatú,
II NANACURU . . . .. Cáto. O mesmo que mandacarú. OITICICA Fruto silvestre.
NAUn Saudação (o mesmo que Saravá!) OITAR Nadar.
NHAMBÚ Perdiz, ave selvagem. ORAU Desmanchar.
J NHAMDIROBA Erva medicinal.
NHANDAPOA Cegonha. p
NHANDÚ Avestruz, ave selvagem.
NHINGURUNGA Terreno acidentado, intransitável. PAGANCU . . . . . . . . . . . .. Pilhéria, brincadeira.
PAMONHA Doce de farinha de arroz.
o PATUÁ Mascote, talismã, breve.
PEMBA ", .. , Giz vegetal.
OBArALÁ O céu, a abóbada celeste.
PENGO , Bobo, palerma, idiota,
OBA ... , .. , .. , .. ,.,... Deusa elo amor, divindade afrie.
PITO , ", Fumo, cachimbo.
XANGÔ DJACUTÂ 215
214 JOÃO DE FREITAS

POINTll . Mentira.
POMBEIRO Vendedor ambulante, mascate.
POROROCA . Borbotão de água.
PONCHE Charuto.
PORANGA , . Bonito, belo, beleza.
PONTEIRO Espécie de punhal.
POITERET:9 . Falsidade, fingimento.
PONTO CANTADO Cântico evocativos.
PUITA . Ficar, esperar parado.
PONTO RISCADO Emblemas, dísticos, símbolos.
PUÇA . Cesto de pescar.
PUXI . Irmão.
Nhengatu: PUXIOERA . Forçoso.
POTÍ . Camarão.
PAlA Pai, progenitor.
PABA . Lugar.
PANICÚ Cesta de palha.
PIABAI . Manchado, marcado de sujo.
PAITA . . . . .. . . . . . . . . . .. Padre.
PINDAAÇÚ . Anzol grande.
PARANA Rio.
PARAUA Papagaio. PIRANGA . Peixe vermelho.
PIRATUBA . Peixe amarelo.
PAGll Sacerdote, feiticeiro.
PIRACININGA . Ronco de peixe.
PACAETA Muitas pacas.
PARANA Rio mar, grande rio. PIRATIBA . Abundância de peixes.
PITANGA . Pitanga, fruto da pitangueira.
PARAUNA Rio preto.
PABA Lugar, sítio, local. PIXANA . Rêde de dormir.
PARACATÚ . . . .. Rio bom. PIXUNA ,. Rêde de ralar.
PAPARÍ Rio de saltos, cachoeirinhas.
PARAIBA . . . . . . . . . . . Rio rUÍlI).
Q
PARAMERÍ Rio pequeno.
PARAGUAAÇÚ Rio muito grande. QUENGA ...........•.. Gamela.
PARAOPEBA Rio de água rasa. QUIBACA . Palmito.
PATIGUA Cesta de palha grande. QUIBANDO . Peneira.
PERUDA Deusa do Amor (Aborígene). QUIBEBE . Iguaria feita de abóbora.
P.E Vós (pronome). QUIÇAMA . Pequeno jacá.
PERÍ Esteira, esteirinha. QUICONGO . Planta medicinal.
PERIAçu Esteira grande. Antipatia.
QUIJILA .
PETUM . . . . . . . . . . . . . . .. Fumo. Refúgio dos escravos.
QUILOMBO .
PECAAÇU Pomba grande. Espírito mal.
QUILULO SANDI .
PETUÇARA Soprador, pessoa que sobra. Cabeça.
QUI MANGA .
PIROGA Canoa grande. Bruxo, feiticeiro.
QUIMBANGO .
PIRAITA Peixe que vive nas pedras. Casebre, casa. tosca.
QUIMBEMBE .
PINDA Anzol.
QUIMBUNDA . Tribo angoleza.
PANGO . . . . . . . . . . . . . . .. Erva mirtácea. Maconha.
216 JOÃO DÊ FR~I'rAS XANGÔ DJACUTÁ 217

QUINGUINÇU ........• Trabalho extra, serão. ilJ\Nl n Ainda, outra vez.


QUIPONGU.t Comida litúrgica. 1\ . .. .. . . . . .. . . .. . . Tu (pronome).
QUITUNGO Pequeno cesto. I IlNDERA Irmã.
QUIUMBA Obsessor. I . . . . . . . . . . . . . . . .. Pulseira.
J PITA............... Atrás.
, II O Pano de cabeça.
Nhengatu:
t 'NDENGUE Ventre.
UlNGUEAR . . . . . . . . . . .. Coxear, claudicar a perna.
QUARAI Buraquinho, pequeno buraco.
RUBAGO Peixe de água doce.
QUI PAPA Espinheiro.
QUEURA Feio, perverso, mau.
QUIRIMAO Gato. s
QUIÇABA Preto, muito escuro, negro
QUÊTECA Côr de sangue, vermelho. SABUN Protetor das crianças.
QUACACUJA Peixe de rio. SALUA Falsidade, hipocrisia.
QUAPOIA Trepadeira, cipó. SALAN Oração, prece.
QUATA Macaco grande. SANGUÊ Vinho.
QUERA Valente. SAMBA . . . . . . . .. Filha de santo, médium, cavalo.
QUIA Ave selvagem, esp. de nhambú. SAMANGO Preguiçoso, mole, desanimado.
QUIMAMA Mistura de farinha, gergelim e sal. SARAPATEL Espécie de sarrabulho.
QUIMANGA Cabaça. SARAPANTAR Espantar, enxotar.
QUIPOQU.t . . . . .. Feijão partido. SARAVA Saudação. Viva!
QUI QUI Animal de pêlo, esp. de marta. SENGAR Barulho. Arruaça.
QUIRANA Lêndia, ovos de piôlho. SOJE Amigo de crianças.
QUIRIRI . . . . .. Silêncio absoluto, noite escura.
Nhengatu:
R
SACATEIMA Ambicioso.
RAMBEMBE Imprestável, estragado. SAPO APARA , .. Cipó muito grande.
RIZUNGAR Muxoxo. SANTAMUCA Direito.
RUZAV A Doce dessa raiz (Ruibarbo), SABACU . . . . . . .. .. .. Ave selvagem.
SABIA Pássaro.
SACUPEMA Galinha do mato.
Nhengatu:
SAJU Macaco.
RAURA Filho. SAMBACAETB Alfazema do mato.
RANHA Dente. SAMBAQUI :.... Sepultura.
218 .r o o DE FREITAS
ã
XANGÔ DJACUTÁ 219
SAMAUMA ...........• Algodão ordinário (planta). Nhengatu:
SANHAAÇÚ Pássaro.
SANHARá Abelha do mato.
SAPE Capim de fibra dura. 'J'A A ...........•••.•• Casa.
SARAPO Beijú. Assado de mandioca. 'l'ABAMER1 Pequena casa.
SARÚ Lago de água parada. 'l'ABAIARA Senhor da Aldeia.
SEBIPIRA Erva. Legume comestível. 'l'ABAETB . . . . . . . . . . . . .. Aldeia grande.
SEQU:E Viver. TABOCA Cana brava.
SINCORÁ . . . . . . . . . . . . .. Fome. Estar esfaimado. TACACÁ Caldo grosso de mandioca com pijerecum.
SERUTINGA Mangue. TACAPE Clava. Massa. Borduna.
SIMARUBACEA Planta medicinal. TACUAR:S Castanheiro.
SIRI Carangueijo. TACURUBA . . . . . . . . . . .. Fogão de pedras sôltas.
SOCá Ave pernalta e escura. T ACURU Pequeno monte de terra.
SOCOIUMA Ave fétida. TAGATB .............• Carinho. Afagar com as mãos.
SOROCABA Rasgão. T AIOCA Casa de formiga negra.
SUMUCA Roxo. TA]ABEMBA Planta medicinal.
SUPIRIT:!j Verdadeiramente. T A]URÁ , Batata de tinhorão.
SUAAÇÚ . . . . . . . .. . . . . .. Veado grande. TAUÁ Barro.
SUIQUIRE Azul, côr azulada. T AMBA Concha.
SUÇUARANA Gato do mato. Onça. TAQUARA Bambú,
SUINDARA Coruja. TATUI Tatusinho. Filhote' de tatú.
SURURUCA Peneira grossa. TATUOCA Casa de tatú.
SURURINA Galinha silvestre. TAUAPB . . . . . . . .. . . . . .. Caminho barrento.
SURURUCUTINGA Serpente. Cobra esbranquiçada. TAPACUNÃ Tecido de algodão.
TAMARANA Espada de pau-ferro.
-T TEIT.e Coitado. Digno de pena.
TANGR:tl Estrêla.
TACARAR Cobrir com tábuas. TAMIUA Mosca brava, selvagem.
TAMINA Ração de farinha. TANTAGUE Brinquedo de criança.
TANGA Espécie de avental. Tapa ventre. T APERÁ Andorinha.
TATI Irmãosinho. TIBI Cova.
TU FADA Chuva forte. Temporal. TIBICOERA Cemitério.
TUNGAR . . . .. Pancadaria. Dar uma surra. TOR.e Gaita de bambú.
TUIA Pólvora. TROCANO Tambor.
TU TEME Irmão gêmeo. TUPIXAUA Rei. Senhor absoluto. O maior.
TUTU Espírito de medroso. TUHI Sangue.
220 J OÃ O D E F R E I TAS XANGO DJACUTÁ 1

TAPERIBA ..........•• Planta medicinal. U Galinha .do mato.


TAPIClJRÍ Vinho de mandioca. ltUPEMBA Peneira de palha de cana.
TAPINAMBABA Pesca com muitos anzois. nURAU Lagarto.
TAPIOCA Fécula de mandioca. lAUA Vagalume.
TAPUIRANA Tecido de fibra para rêdes. NA Preto.
TAPUIA Tribo feroz (guerreiros). I Flexa.
TINGOASSIUBA Rutácea amarela. RUBUQUARA Refúgio de urubús.
TARACA]A Tartaruga. UBATÁ Deus da guerra. Gênio de demanda.
TARAMÁ Planta medicinal. MBANDA Corrupto de umbamba.
TARUBA Vinho de mandioca ralada. UM BUlA O mesmo que irnbuia.
TARÍ Tônico feito de coqueiro e palmeira.
TATURANA Larva.
TAUAÇÚ Pedra que segura a embarcação.
TI]UCA Larneiro, aguada, Iarnaçada. v
TU]UPAR Terreiro coberto.
TINGUI]ADA Pescar com tinguí, com veneno.
VAVA Falar.
TIPUCA Fim do leite. A última gôta.
VINCHOSO Guardar, esconder.
TUMBANSA Doce de castanha, suco de cajú e açúcar.
VISGOSO Mole, pastoso, derretido.
TUP Á Deus. Entidade suprema.
TUPI Deus do iogo, VUNGE Esperto, atilado.
VUNVUNADO Achado.

u
x
Nhengatu:
XACOCO Língua mal falada.
UROCAIA Veneno.
XANGÕ D]ACUTÁ Deus do trovão.
URUCAI-I Prece, oração.
XANGÕ ALAFIM ECH)j São Jerônimo.
UARUBÉ Caldo da massa de mandioca.
XANGÕ AGODÔ São João Batista.
UATAPÚ _. . .. . . . .. Buzina de atrair peixes.
XANGÕ AGAN]Ú São José.
UçÁ ..........•....... Formiga.
XANGÕ ABOMI Santo Antônio.
UARIÁ Espécie de batata doce.
XANGÔ ALUFAM São Pedro.
UNAU Preguiça. A pele dêsse animal.
XERERn . . . . .. Instrumento musical.
UJlUAUA~A Onça.
XU.ATn ....•........•.• Moleirão, apalermado.
ususu .... .. . . .. . . . . .. Semente tintorial. Condimento culinárie.
~:
222 JOÃO DE FREITAS

z
ZAMBE "" .. , .. , .. , .. , Deus. O mesmo que Olorum.
ZAMBEMBE . _, , , Ordinário, mambembe. -
LAMBO Mestiço.
ZER] Estrábico, vêsgo.
ZOMBIE Aparição, alma de mortos.
ZUMBI ', . . . .. Poderoso, chefe forte.
ZONZO ,.............. Desorientado.

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