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AGAYOTIO

ISBN 8 -323·0 12·8


Dados Internacionai s de Ca talogação na Publi cação (CIP)
(Câ mara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Gayotto, Lucia Helena


Voz, partitura da ação / Lucia Helena Gayotto. - São Pau-

DftRTITU Rft
lo : Summus, 1997.

Bibliografi a.
ISBN 85-323-06 12-8

97-3245
I .Part itu ras 2. Voz I. Título .

CDD-792.028 Dft
Índices para ca tálogo sistemático:
I. Voz: Representação teatral 792 .028

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summus~ed;for;al
VOZ. PARTITURA DA AÇÃO
Copyright © 1997 by Lucia Helena Gayotto

Capa:
Raghy

Desenho da capa :
Maria Eugenia SUMÁRIO

Apresentação de Lui; Augusto de Paula Souza (Tuto) 7


Prefácio de Fernando J. Carvalhaes Duarte 11
Abertura 15
I Ação Vocal 19
Uma escuta da voz no palco 19
Ação na voz .................................................. ................................ 20
Proibida a repr odução total ou parcial
A voz dentro e fora de cena 21
deste livro, por qu alquer meio e sistema,
sem o prévio con sentimento da Editora.
A preparação da voz na cria ção...... ......... .............................. 22
O movimento da voz em movimento 24
As características cênicas na ação vocaL .................. ............ 28
Falar é agir....... ...................... .................. ............................. . 34
II Partitura Vocal.... ................ ......... 37
Recursos vocais na partitura 41
As pala vras e sua natureza no texto e na voz .. 48
Direitos desta edição
Como compor a partitura 52
reserva dos por
SUMMUS EDITORIAL LTDA. III "H am-Iet". ......................................................................... ......... 62
Rua Cardo so de Almeida, 1287 Passagem pelo Teat(r)o Oficina 62
05013-001 - São Paulo , SP Análises das partituras 66
Caixa Postal 62.505 - CEP 01214-970 Ophélia 68
Telefon e (0 11) 3872-3322 Polônio ;....................... 85
http ://www.summus.com.br Hamlet 102
e-mail:editor@ summus.com.br
IV Voz Cênica: Domínio Técnico, Dimensão Criativa 110
Posfácio de José Celso Martinez Correa 118
Bibliografi a 130
Impresso no Brasil
COLABORADORES APRESENTAÇÃO

SUELY MASTER
É com alegria que apresento este livro de Lucia Helena Gayotto.
Acompanhei de perto sua elaboração, assim como tenho estado próximo
da trajetória profissional da autora. Conheço a aguda inteligência, sensi-
bilidade e inquietação da Lucia, e as vejo intensamente investidas aqui,
seja no trato com as técnicas e os conceitos de que lançou mão, seja na
PASCOAL DA CONCEIÇÃO narrativa e na análise das experiências que, como fonoaudióloga/prepara-
dora vocal , desembocaram neste livro .
Apresso-me em dizer que o leitor encontrará neste trabalho uma com-
binação de vigor e sutileza na exposição das concepções de voz e de pre-
paração vocal com as quai s a autora opera. Combinação que permite pensar
e preparar - de maneira con sistente e inovadora - a voz para seus usos
profissionais, mais especificamente para interpretação teatral , mas podendo
ser útil também no canto, na locução, na docência etc .
São três as razões de ser do livro; as razões que se articulam e se
completam. A primeira é a afirmação de que voz é ação, sobretudo
AGRADECIMENTOS se proferida desde os afectos, da capacidade humana de afetar e ser afeta-
do pelo Outro (nossa alteridade). Quando é assim, a autora nos mostra
que a voz age (n)o mundo que engendra, tanto em quem a emite quanto
em quem a ouve.
A segunda razão diz respeito ao fato de que a voz é sempre outra, isto
Adriana da Cunha, Alleyona Cavalli, Bia Gayotto, Fabiane M. Stefani, é, uma emissão vocal - articulada ou não - pode ser repetida. mas nun-
Mura Su zana Berlau, Marc elo Drumrnond, Maria Leonor da Cunha ca de modo idêntico; ao contrário, ela traz marcas - mesmo que sutis -
Gay otto, L éslie Piccolotto Ferreira, Luis Augusto de Paula Souza (Tuto), da singularidade de cada situação ou experiência. É que uma voz com
Luis Carlos da Costa Gayotto, Sandra Madureira, Silvia Pinho, Teatro ação, para a autora, é aquela que arrasta, em seu movimento, as sensações
Oficina, Vera Lucia Ferreira Mend es , Zé Celso Martinez Correa, aos meus e os estados subjetivos inéditos, fazendo com que ganhem existência so-
alunos de voz, a todos os ateres que deliberadamente buscam ação vocal. nora e transitem até incidirem e ressoarem no seu destino.

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A terceira razão é da ordem de uma escuta, de um desejo e de uma ação vocal, toca o in acto ou a vida como processualidade, como algo sem-
invenção: construir é sistematizar uma forma de apreender a ação na voz. pre se fazendo, como um devir permanente. Desta ação a cada vez renova-
tornando comunicável sua percepção e potencializando seu uso. A autora da, ele instila a necessidade e o desejo de expressão e de escuta no encontro
desenvolve, na posteridade de Stanislavski , um operador - a partitura vo- com o Outro; o que implica ir além do senso comum e do bom senso, en-
cal- que permite traçar cartografias de emissões vocais, para que se possa trando em contato com aquilo que a autora chamou de "forças vitais" .
perceber e pensar o quanto, o como e o porquê da ação numa voz em um Diferentes sons, silêncios e sentidos nos esperam. Quando nos permi-
dado momento, bem como suas relações com a fala, com o corpo e com os timos escutá-los, eles contagiam pela música, pelos ruídos e pelos ecos de
contextos onde é produzida e efetuada . uma voz que não é apenas suporte para estruturas lingüísticas convencio-
Isto já seria o suficiente para atestar a fecundidade do livro, mas , no nais e utilitárias, antes um sopro/linguagem afectivo que, quando entra em
entanto, ainda não é tudo. O modo e as condições que incitaram sua escri- ação, tem o poder de engravidar (engendrar vida) também a língua e a fala.
ta são também fundamentais. A gestação do livro veio de um encontro,
não de um, mas de vários. Encontro com o trabalho de fonoaudióloga e Lui; Augusto de Paula Souza (Tuto)
preparadora vocal de elencos teatrais no qual Lucia vai desdobrando sua SP/outono/1997
inquietação em relação às concepções de trabalho vocal que isolam as
técnicas de preparação e de cuidado vocal dos usos afectivos e de cria -
ção de sentido pela voz. Encontro radicalmente importante com o Teat(r)o
Oficina (Companhia Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona) e, por meio deste,
com Shakespeare; o que parece ter funcionado como catalisador das
transformações que já germinavam, culminando, até aqui, no livro e no
amadurecimento de uma posição e de uma prática que põem o conheci-
mento técnico-científico da fonoaudiologia a serviço da sensibilidade,
particularmente na criação teatral, mas também em qualquer outro cam-
po onde o uso das potencialidades da voz faça diferença.
O Teat(r)o Oficina acolheu a procura e a experimentação de Lucia,
permitindo que ela mergulhasse na montagem que fazia de "Ham-let". Uma
dupla articulação : de um lado, com uma companhia de teatro aberta à di-
mensão trágica da criação teatral, do desejo e das hibridações; de outro
lado, e não por acaso, com um texto visceral de Shakespeare. no qual o
caráter problemático da existência humana é levado às últimas conseqüên-
cias, e onde o par texto/voz tem papel decisivo, como aliás é comum na
dramaturgia shakespeariana. Território mais do que propício para que a au-
tora espreitasse a ação vocal, em seus múltiplos agenciamentos com o tex-
to, com a montagem , com a direção da peça, com os atares e com o público.
É a partir daí que Lucia desenvolve sua investigação, dialogando tam-
bém com outros estudiosos da voz e do teatro, entre os quais: Cecily Berry,
Grotowski, Eugênio Barba e, sobretudo, Stanislavski. Nesta trajetória, ela
vai tomando explícito e operativo seu conceito de ação vocal e compondo
as partituras vocais: cartografias e emoções das cenas particularizadas em
"Ham-let", por meio dos modos pelos quais os recursos vocais foram utili-
zados pelos atores.
O livro corre por fluxos rápidos e insinuantes, numa narrativa densa
e apaixonada. Em última análise, o texto é arrebatador porque, através da

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PREFÁCIO

Em Voz, Partitura da Ação assistimos a um ritual de contato: uma


fonoaudióloga, consciente de seu ofício (a emissão da voz) mergulha no
teatro de Zé Celso Martinez Correa. Um ritual em que o domínio do fisio-
lógico, do trabalho com os "recursos vocais" é ultrapassado, ou melhor,
expandido. Acompanhamos no texto todo o percurso que Lucia Helena
atravessa, ao entregar-se à experiência teatral, na busca de sua atuação
profissional como preparadora vocal de atores. Os capítulos abrem-se como
fases deste ritual : ante s da emissão da voz (para a qual Lucia Helena re-
torna apenas no final) , é preciso escutar... E aqui ela segue à risca o pre-
ceito do próprio Zé Celso (para seu teatro de Relação): o texto todo
reveste-se desta entrega a uma escuta ingênua, "não envenenada".
Uma escuta, digamos, não muito fácil: a produção da voz neste teatro
é sempre mutante, é sempre parte de ações "instauradoras e disruptoras"...
Teatro de presentificação, no qual a constante mutação é essencial. Fato
para o qual Lucia Helena sempre retoma, em todos os instantes do texto, e
toma inclusive como tema de sua conclusão: a ênfase dada à transitoriedade
da voz (nunca em demasia) alerta para um paradoxo inexorável que existe
entre a variação do fluxo vocal e a tentativa de fixá-la .
Depois da escuta, a ação. No texto há sempre um espelhamento: a
vivência pessoal é sempre intercalada com a progressiva conceituação de
"a ção vocal " e "partitura vocal", um conceito central e de sua aplicação
prática. A delimitação se dá em um percurso no qual Lucia Helena se vale
de outras experiências teatrais. Neste contraponto com outros preparadores
vocais, diretores, atores, são traçadas analogias e semelhanças com sua
vivência no Oficina, e, a partir delas, a busca vai tomando corpo. O objeti-

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vo "científico", digamos, é se fazer valer desta experiência singular e cami- verte-se sobre o indivíduo, sobre a totalidade que é refletida pela voz que é
nhar para uma generalização do trabalho do preparador vocal no teatro . verdadeiramente singular (fazendo uso aqui de idéias de Edson da Cunha
Neste contraponto a "aç ão vocal" aparece primeiro como registro do Swain, o "dentista-filósofo", como quer José Miguel Wisnik). Saindo do
trabalho pessoal de Lucia Helena com os atores do Teatro Oficina e é de- ortodoxo e caminhando para o paradoxo, acompanhamos a passagem de
pois generalizada (o termo em si conjuga Stanislavski e Eugenio Barba: uma "ortofonia" em direção a uma "para-fonia". Esta sim realmente huma-
"ação física", "ação sonora"). Intervenção na dinâmica cênica, confluência na e universal. A in-vocação por último , e antes da leitura: Eureka! Evoé!
de "recursos vocais" e "forças vitais" do ator, resultante de sua interação e
contracenação, a "ação vocal" é depois utilizada como um conceito para Fernando J. Carvalhaes Duarte
que melhor se entenda /escute a voz do ator, no que ela tem de específico.
A partir dele uma interface é proposta, para o qual converge a ativida-
de da fonoaudióloga, da preparadora vocal: a "partitura vocal" . Traços so-
noros presentes em uma "ação vocal" são detectados e transcrito s. As diversas
modulações vocais tornam-se elementos de uma "géstica" vocal (na medi-
da em que o corpo, em seus gestos, se deixa transcrever...). A "partitura
vocal" surge a partir do ator (como resultado final de várias fases de trans-
crições : "partitura do papel", "partitura interior"...), e volta para ele. Misto
de registro e elaboração, ela se define como uma ferramenta de trabalho,
tanto para o preparador vocal quanto para o ator: "o desejo da ação vocal
leva à elaboração da partitura vocal e vice-versa". A linearidade da notação
(um mapeamento de gestos, univocamente transcrito) é apenas aparente: a
"partitura vocal" é o instantâneo de uma possibilidade...
Voz. Partitura da Ação é uma contribuição tanto para os profissionais
da voz, em especial para atores, quanto para fonoaudiólogos e/ou
preparadores vocais. Não há, no Brasil, uma tradição do trabalho "técni-
co" da voz do ator. Esta ausência é talvez responsável pela constante crí-
tica à emissão vocal dos atores brasileiros: há uma rejeição tanto ao modelo
de ressonância historicamente proposto (confundindo nece ssidades acús-
ticas da "voz de palco" com a dicção encasacada da "ernposta ção" ) quan-
to ao trabalho fisiológico com os recursos vocais, visando uma
"ortofonia"...
Neste ritual de aproximação entre o ofício do fonoaudiólogo à inter-
pretação teatral , Lucia Helena vai paulatinamente chegando às sedutoras
descrições de três "ações vocais" individuais . Falas cênicas de "Ham-let",
uma montagem do Teat(r)o Oficina, uma ação teatral vivenciada como pon-
to de partida e de chegada do texto. Acompanhamos as cenas, e os instantâ-
neos sonoros as tornam presentes: "Ophelia", Polônio e Hamlet. Ações,
partituras e ... a voz do ponto de vista fisiológico. Chega-se no último capí-
tulo à descrição das vozes de Alleyona Cavalli, Pascoal da Conceição e
Marcelo Drummond, atores que "presentificaram" os papéis, e às interven-
ções da preparadora vocal.
O percurso de Voz. Partitura da Ação, do teatro à terapêutica vocal,
reflete o percurso inverso daquele vivido pela autora. No final, o texto

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ABERTURA

A voz interfere nas situações da vida quando realizada como ação. Esta
pode ser uma busca deliberada para o falante e, especialmente, também um
objetivo para o profissional da voz: atar, cantor, locutor, executivo, político,
professor e advogado, entre outros. Uma voz que com ação escancare os
desejos,' conquiste as intenções no texto, e se dirija aos propósitos de cada
profissional, se realizando como movimento vivo e transformador.
Foi nesta óptica que comecei a perceber a voz, mais especificamente
a do ator. Como fonoaudióloga, era habitual , em terapias e/ou treinamen-
tos, o enfoque nas necessidades vocais básicas para se estar no palco:
aspectos como articulação e projeção; e na saúde vocal do atar. Mas, par-
ticipando de montagens de espetáculo s teatrais, como preparadora vocal
de elencos, acompanhando todo o processo criativo desde as primeiras
leitura s e ensaios até a estréia do espetáculo, ficou claro que, além de
cuidar da voz dos atores e dar conta das suas necessidades, deveria inter-
vir na construção vocal de seus personagens, acrescentando este trabalho
àquele habitualmente realizado.
Assistindo a espetáculos, notei que algumas vezes a voz estava sinto-
nizada com as características do personagem, mas a maneira de usá-la
podia ser prejudicial ao ator ; em outras , ela cumpria as necessidades bási-
cas para o palco, mas estava distante das situações vivida s pelo persona-
gem, muitas vezes incomodando o espectador que não via em cena uma
persona; e ainda, casos em que o ator poupava sua voz na tentativa de
preservar a saúde, não se permitindo experimentar novas possibilidades
de emi ssão. Por todos estes ângulos de escuta havia uma falta que me
inquietava, conduzindo-me às questões: Como trabalhar a voz colocan-

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do-a não apenas a serviço do ator mas também do personagem? Como Polônio e Hamlet - são expostas e analisadas, a partir da emissão de
concretizar as ações vocais no texto falado? E muitas outras. atores desta Companhia, na montagem da peça "Ham-let", dirigida por
Observando vozes bem trabalhadas cenicamente, notei que a emis- Zé Celso Martinez Correa. As análises são referenciais importantes para a
são se afinava com a situação da cena e com as ações do personagem; elaboração de partituras, por profissionais da voz e preparadores vocais,
eram vozes criadas a partir das exigências da peça, atuando decisivamen- pois como são feitas à luz da concepção de ação vocal, estabelecem liga-
te na trajetória do espetáculo. ções entre as características da voz e de suas situações cênicas na interpre-
O desejo de que os treinamentos de voz fossem engendrados pelo tação.
processo criativo foi, aos poucos, clareando o que era ação vocal: a voz O capítulo "Voz cênica: domínio técnico, dimensão criativa" encerra
como "arma" de primeira necessidade para o ator, devendo interagir com o livro. Nele, a preparação vocal e a interpretação do ator são (re)visitados,
as situações cênicas sugeridas pelo texto, pela encenação e na relação fazendo da técnica e da criação vocal cúmplices para a concretização do
com o público. O primeiro capítulo deste livro, ''Ação Vocal" traz a semente trabalho da arte teatral.
desta dimensão a partir de uma certa escuta da voz no palco.
Neste contexto, os enfoques do trabalho de voz - necessidades bá-
sicas para o palco, saúde dos atores e a construção dos personagens -
fundem-se, sendo viabilizados e priorizados pela noção de que a voz é
uma ação que faz diferença àquilo que está sendo encenado. O preparador
vocal participa como um facilitador na procura de caminhos para se al-
cançar e exercitar ação vocal.
Na busca de mapear e praticar ação vocal, absorvi, durante ensaios
de peças, o trabalho de interpretação. Observando as anotações que os
atores fazem no seu texto, elaborei, a partir daí, um registro da voz cênica,
o qual nomeei Partitura Vocal.
O capítulo II desenvolve este registro/mapa da ação vocal, de maneira
associada às anotações da "partitura do papel", feita pelos atores no texto
teatral, que é uma referência importante de trabalho interpretativo no texto.
Este capítulo apresenta ainda os recursos vocais escolhidos para análise das
partituras e como trabalhá-los em qualquer fala, texto, discurso.
Esta partitura da voz falada é mais uma contribuição a um tema que
tem sido objeto de interesse de autores nacionais e internacionais. Definir
ação vocal e mostrar como ela se dá na voz dos atores, por meio da análi-
se de partituras, abre um campo de intervenção e de compreensão da voz,
trazendo subsídios ao trabalho de preparação vocal, assim como instru-
mentaliza o ator na criação de seus personagens.
A prática da ação vocal e a utilização da partitura não se limitam ao
ator e ao texto teatral, podendo ser aplicadas a qualquer profissional, em
sua criação expressiva, ampliando também o campo de atuação do
preparador vocal, seja ele fonoaudiólogo, diretor, ator, professor de orató-
ria ou cantor.
O terceiro capítulo, "Ham-let", é iniciado por minha trajetória no
Teat(r)o Oficina, pois a concepção de partitura vocal foi retrabalhada quan-
do fazia preparação vocal com o elenco da Companhia Teat(r)o Oficina
Uzyna Uzona. Aqui, partituras vocais de três personagens - Ophélia,

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I
AÇÃOVOCAL

UMA ESCUTA DA VOZ NO PALCO

Ouvi muitas vozes em cena. Absorvi, atenta, as substâncias da voz,


seus movimentos e diversidades. Fui percebendo que ouvir os recursos
vocais isoladamente não dava conta daquilo que atravessou meus senti-
dos, que era, com certeza, misto destes recursos com outros elementos da
interpretação e das sensações que estes provocavam. Esta escuta permitiu
um refinamento no qual a audição reconhece, ao mesmo tempo, as carac-
terísticas da voz e sua relação no plano das afecções. Neste estado de
escuta, o tom e a intenção, as pausas e o subtexto, o volume e a situação,
convergem num fluxo necessário de ação na voz.
Sinto que nos momentos em que ouço uma emissão vocal de qualida-
de, sou arrebatada por uma espécie de "esquecimento" de mim, como se
fosse envolvida por uma trama invisível, e só depois é que me dou conta
de aquela ter sido uma boa interpretação vocal. Importa não haver "ruí-
dos" interferindo nesta situação. Esses instantes têm algo de pleno em si.
Estamos, na verdade, mergulhando no universo da criação artística, onde
a consciência entrega-se complacentemente a um prazer estético e se religa
a algo vital. Esta voz faz parte do personagem interpretado, acolhe meus
sentidos, me abre para devires em cena. Sua tensão, seu "silêncio", seu
desejo são apropriados pelo ator e por quem o ouve já como criação,
como algo que está nascendo. Uma voz em movimento que não é igual ao
que foi ontem; está presente há pouco, agora, e cria o novo a cada minuto;
já é um depois. É do "eco" desta situação que brota a elaboração do meu
trabalho de preparação vocal.

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A voz que comecei a ouvir, reparo, é a voz que me afeta, me trans- expressam as intenções e/ou os sentidos vocais na emi ssão. Forças vitais,
porta, me transform a. Age sobre mim. Eu j á sabia disso, mas quanto mais expressã o empregada por Nietzsche, são aquelas por meio das quai s se
assistia, com esta esc uta aberta para a dimensão criadora, mais sentia, por opera a relação sensível com o mundo, fundamentalmente no que permite
assim dizer, todo meu corpo escutar. Minh a gargalhada, minh a lágrima, a expansão da vida em seus vários plano s. Dizem respeito, por exemplo,
minha revolta, meu desejo , minha indig nação, minha surpresa, eram vi- ao que rer, ao imagin ar. ao conceber, ao atentar, ao percebe r... No caso da
brações produzida s tamb ém por um cantata físico invisíve l, que ocorria voz, tais forças sustentam e fazem com que esta venha à tona instigada
quando havia ação na fala do atar. pelas sensações, afetos, vontades, desejo s.

A çÃO NA VOZ A voz DENTRO E FORA DE CENA

o f ato de não ha ver sintonia entre pala vras, atas e sentimentos. Me lembro do eco como uma das primeiras coisas da minha me-
torna o hom em não só "escravo das palavras ", mas também mória mágica. Como era possível aquela voz que retomava e que
escravo das convençõ es que as criam, e, p or isso mesmo, "es cra- se parecia com a minha ? Ficava pensando num interlocutor dis-
vo do sentir injusto ", mio conseg uindo exp ressar seus p róp rios tante que me sacaneava repetindo tudo que eu fa lava e passava
sentimentos. horas divertida s me reouvindo. Hoje, quando vejo ecoar no outro
Rosa Maria Dias ' aquilo que fal o. não deixo de pensar no quanto mágico isto é.
Acho quefoi daí que veio essa minha vontade de ser ato r. O dese-
No trabalho de preparação vocal pode haver abertura para o ata r in- jo de que o eco f osse uma companhia. A troca do que se f ala com
ventar existências na construção da voz do personagem, quando (re)pensa/ o que se ouve. O atorfala e ouve o que o público ouviu.
(re)vive pela voz a sua nature za. Porém , nem sempre a voz do ata r se Pascoal da Conceição
atualiza, no sentido de ocorrer renovada a cada momento , em cada novo
espetáculo. Algumas vezes é somente a reprodu ção de uma padronização A voz do atar ganha em cena aj ustes que estão ligados a mudan ças
ou estereotipia de voz, uma voz anestesiada pela rotina ou reific ada numa no uso dos recursos vocais integrados às situações do personagem , em
couraça, e não uma voz "viva" , isto é, (re)criada diariamente nas suas rela- sua trajetória no espetáculo. Como, então, compree nder e treinar os re-
ções cênicas. cursos vocais em cena?
Trata-se, então, de interferir nesse padrão de voz, que tantas vezes é É comum tais questões surgirem durante a prep aração vocal no tea-
somente a reprodução mecânica de um mesmo tipo voca l para persona- tro, na elaboração junto ao ator de uma ou várias vozes cênicas. Na cons-
gens e situações diferentes, e possibilitar a elaboração de novos modos de trução vocal do personagem muitas vozes são possíveis, até as consideradas
emissão no trabalho de preparação vocal. Ao atar cabe manter o fresco r esteticamente desagradáveis ou mesmo com carac terísticas semelhantes
de sua criação nos ensaios e nos espetáculos, que podem ocorrer dezenas, à voz disfônica. ' O atar, por sua vez, precisa estar disponível durante seu
ce ntenas de vezes. processo criati vo, desde as primeiras leituras da peça até a estréia, a inves-
Ouvir a dimensão criadora da voz do ator é um deixar-se afetar por tigar várias maneiras de expressar vocalmente o personagem na monta-
uma ação vocal que se co nstitui, a um só tempo, de recursos vocais e de ge m do texto teatral.
forças vitais. Na busca da voz do personagem seria desej ável que nenhuma restri-
Recursos vocais , entendido como tudo o que se dispõe para falar, ção fosse imposta, possibilitand o o máximo de experime ntações pelo atar.
compreendem: os recursos p rimários da voz - respiração, intensidade ,
freqüência, ressonância, articula ção; os recursos resultantes, que são di- 2. "Qualquer dificuld ade na em issão vocal que impeça a produ ção natur al da voz conti gura
nâm icas da voz - projeção, vo lume , ritmo, velocidade, cadê nci a, uma disfonia. Essa dificuld ade pode ser expressa através de uma série ampla de alterações. como
entonação, fluência, duração, pausa e ênfase. Estes recursos co mbinados esforço à emissão. diticuldade em manter a voz. cansaço ao falar. variações no tom habitual.
rouquidão. falta de projc ção adequad a. etc."
Behlau, M. ; Pont es. PA. L. Avuliução global da voz. São Paulo: Paulista Publicações Mé-
1. Dias. R.M. Nietzsc he e a música. Rio de Jane iro: Imago. 1994. dicas. 1992. p.17.

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Teoricamente, pode-se até idealizar estados propícios à manifestação vocal, de preparar a voz, desde o início, articulando a saúde vocal do ator com a
porém na prática o que se vê é que os recursos vocais apropriados para o realidade e a necessidade de seus usos cênicos e, mais do que isso, trata-se de
palco, os possíveis distúrbios vocais decorrentes do seu ofício e a construção trabalhar os recursos vocais implicados na criação.
vocal do personagem estão mesclados, num momento ou noutro, na prepara- Este caminho vem fazendo com que minha atuação como preparado-
ção vocal - nos treinamentos com elencos teatrais ou em fonoterapia. ra vocal situe-se na intersecção de dois campos: o técnico-científico e o
Neste trab alho é nece ssária a procura de "entradas" que permitam teatral, colo cando o primeiro a serviço das exigências éticas e estéticas do
conj ugar a intervenção na voz do ator e na do person agem , percebendo teatro, especialmente na criação vocal dos person agen s e na pre servação
suas especifi cid ades e penetrando na zona que funde os recursos fisioló- e promoção da saúde dos atares.
gicos com as f orças vitais na produção vocal. Trabalhar a voz cênica envolve, muitas vezes e ao mesmo tempo, o
Este encontro, evidentem ente, pode se dar, sob ce rtas circ unstâncias , trein amento de atares que fazem abuso ou mau uso vocal, o trab alho com
na voz de qu alquer pessoa e, por isso mesmo, ocorre tant o na voz cênica as necessid ade s vocais para o palco e a construção vocal do personagem;
quanto na voz não-cênica do ata r. A diferença na produção de voz no e isto pre ssupõe o conhecime nto da voz nas circunstâncias cên icas e nos
teatro é que neste há a busca deliberada, intensificada e sistemática de entrechos emocionais específicos às suas cenas.
promover, o mai s pos sível, este encontro na construç ão dos person agen s. O conhecimento nece ssário a essa preparação seria similar ao da voz
Quando na emi ssão da voz cên ica se fundem as forças vitais e os do ser hum ano em diferentes circun stâncias da vida cotidiana fora do
recursos vocais, tem- se o que será chamado de ação vocal : a voz interfe- palco? Ou seja, este conhecimento seria equivalente ao da voz não-cênica
rindo decisivamente na situação cênic a e, conseqüentemente, afetando os do ator? Há, obviamente, semelhanças entre as du as vozes, mas também
rumo s do espetáculo e atando o esp ectador. diferenças básica s entre a produ ção da voz não-cênica e da voz cênica do
ator. As exigências fundamentais de projeção no espaço e articulação na
emissão da voz cên ica diferem da não-cênica , na qual , por exemplo, as
A PREPARAÇÃO DA VOZ NA CRIAÇÃO condições de espaço são outras. E tamb ém , por outro lado, a exibição de
uma variação emocional constante exige ajustes vocais cênicos que "tra ns-
É inevitável todo atar passar pelo momento em que ele perde a grid am" a voz habitual, do dia-a-dia, e isto está diretamente ligado à
voz várias vezes, mas se ele tem conj ugado com isso, todo um vivência que o ator terá de seu per sonagem .
trabalho científico e poético, ele novamente aprende a fa lar, a A trajetória da construção vocal do personagem vai se delimitando por
balbuciar de novo... Eu acho que a voz é uma coisa que cada intermédio de um estudo aprofundado feito pelo atar. Este estudo se dá em
peça inventa, cada peça talvez derrube as vozes que existem, cons- vários níveis, em práticas corporais e vocais e na investigação das emoç ões
truindo outras, sendo necessário aprender a fala r tudo de novo. e intenções do personagem que o ator quer encarnar. Quanto mais instru-
Zé Celso Martinez Correa' ment alizado o atar estiver para revelá-las por meio da voz, mais poten-
cializado estará para manife stá-las naquele persona gem específico.
Na perspectiva fonoaudiológica, o trato com a saúde vocal do ator e com Há um movim ento do atar buscando expr essar- se vocalmente na
a construção vocal de seu personagem às vezes é realizado separadamente, pre sentificação de seu personagem , que vem estruturado pela escrit a de
como se fossem universos distintos: o trabalho restrito ao aprimoramento dos um autor; pelo texto atravessado por conjunções de situações diversas;
recursos vocais - atuação mais tradicional da fonoaudiolog ia - funciona por um per sonagem que realiza um caminho próprio dentro dessa histó-
apenas como um suporte à construção criativa dos personagens - trabalho ria ; pela direção e pela interpretação do ator em sua épo ca.
do diretor e dos atores. Na verdade, pude perceber que não se trata nem de se Desta maneira, cad a som, cada palavra de ste per sonagem é - ou
limitar ao aperfeiçoamento dos recursos vocais e nem de tomá-los exclusiva- poderia ser - emb ebida por sua singularidade, situada na contracenação
mente como suporte fisiológico à atividade teatral propriamente dita.Trata-se com os out ros atore s e com o público ouvinte/atuante.
Ao atar não é dado o direito de repetidamente todas as noites "reci-
3. Este trecho faz parte da ent revista que me foi conced ida pelo d iretor teatral Zé Celso tar" uma melodia petrifi cada, entoada por uma curva de estereotipia cêni-
Martinez Correa da Companhia Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona , em 1994 , durante a temporada da
peça " Ham-let ", dirigida por ele.
ca. Em movimento permanente deve manter sua voz "viva" , em harmonia

22 23
com o espetáculo e com o público. "Ele não ouve apenas a sua voz, mas O ator fala. Todos nós falamos. Muitas vezes nos repetindo, não nos
ouve agora a voz do público."! arriscando em novas possibilidades de movimento vocal. Quando traba-
Nesta perspectiva, vai se definindo uma voz cênica ativa, uma ação lhei, em dança, as dinâmicas de movimento descritas por Laban,? percebi
vocal plugada no contexto cênico. Ela se constitui com atitude, porque que conhecer e experimentar o movimento de sacudir, flutuar os braços,
não representa meramente o personagem ou a história da qual faz parte, pontuar partes diferentes do corpo e outras dinâmicas era fundamental
mas faz (a) história em seu movimento vivo: recria quando interpreta, para minha dança e, mais do que isto, importante para a relação do meu
multiplicando, ao mesmo tempo, as possibilidades vocais quando diaria- corpo em seus movimentos, na descoberta de suas potencialidades. Mais
mente revive sua trajetória. tarde, trabalhando a voz dos atores e a minha também, reparei que podia
brincar com as dinâmicas e ritmos da voz, o que se afinava ao conheci-
O trabalho de treinamento vocal do ator deve ser referenciado por açõe s
mento e ao experimento dos recursos vocais. Nesta vivência, elaborando
vocais, nas quais o uso atualizado da voz está mais presente e fala da neces- palavras, sons, textos, percebi que a emissão era em si movimento, ou
sidade de sintonia entre evocação, atos e sentimentos e, portanto, de uma potência de movimento. Mas, em qualquer situação de fala, os movimen-
linguagem veraz. Pressupõe um adentrar do ator na voz do personagem, tos dos recursos vocais não podem ficar fechados em si, ou seja, a mobi-
que é, assim, vivenciada por ele e presentificada - aos vivos - e não mera lidade pela mobilidade; precisam ser objetivados.
representação de um tipo vocal. É um pensar sobre si, numa constante Então, nos treinamentos vocais com atores, este pressuposto ficou
transmutação vocal. "Neste estado é ele, misteriosamente, idêntico àquela transparente, pois a voz em cena não pode ser simplesmente o mover-se,
imagem do conto de fadas que pode revirar os olhos e ver a si mesma; é ele o virtuosismo vocal. Não é suficiente para o ator ter um "vozeirão". No
agora, ao mesmo tempo, sujeito e objeto, poeta, ator e espectador." palco, a voz tem de ter força para fazer a cena, estar em situação. Daí que
todo o leque de possibilidades de movimento da voz, no uso de seus re-
cursos, deve ser vivido por quem trabalha a voz profissionalmente e, para
o MOVIMENTO DA VOZ EM MOVIMENTO além disso, experenciado como ação vocal.
Quando o ator fala no palco assume uma outra postura, tomada por uma
É difícil achar uma extravagância na linguagem, uma música que energia intensificada, diferente da vida cotidiana, passando a um outro "esta-
vá além de seu uso cotidiano, e acho que a saída tem de ser atra- do". Revela, aí, o que já era a priori visível- seu corpo e sua voz - , mas
que pela acentuação de diversas dinâmicas é (re)conhecido em sua nova dis-
vés de uma forma de liberação física: eu não estou falando de
posição cênica.
movimentos amplos, mas simplesmente da consciência de que as
Nesta outra postura, a voz deve ser
palavras são em si mesmas movimento - e isto é bastante sutil.
Parece-me mais apropriado expressar grandes emoções através (oo.) tanto na sua componente semântica e lógica quanto na sua componente sono-
da dança e do canto, do que por meio das palavras e inflexões ra, uma força material, um verdadeiro ato que põe em movimento, dirige, dá
que usamos no cotidiano; então, temos que ficar atentos às nossas forma, pára. Na verdade, pode-se falar em ações sonoras que provocam uma rea-
atitudes no trabalho prático que nos ajudarão a conquistar esta ção imediata naquele que é atingido. Como uma mão invisível, a voz parte do
liberdade. nosso corpo e age, e todo o nosso corpo vive e participa desta ação. O corpo é a
parte visível da voz (oo.) A voz é o corpo invisível que opera no espaço. Não
Cicely Berry" existem dualidades, subdivisões: voz e corpo. Existem apenas ações e reações
que envolvem o nosso organismo em sua totalidade."
4. Chacra, S. Natureza e sentido da improvisacão teatral. São Paulo: Perspectiva, 1983, p.62
5. Nietzsche, apud Dias, op. cit., p.43. Por meio de seus ensaios, o diretor teatral Eugênio Barba começou a
6. Berry C. The actor and the texto Nova York: Aplause Theatre Books, 1992, p.23. usar o termo ação sonora e observou a relação entre a dimensão física e as
"It is difficult to find an extravagance in language, a music wich is perhaps beyond our
everyday usage, and I think the answer has always to be through some form of phsysical release:
forças vitais:
Iam not talking about large movements, but simply an awareness that the words are themselves a
movement - and this is quite subtle. It would seem more appropriate to express large emotions 7. Laban, R. Domínio do movimento. Trad. Anna M.B. de Vecchi, Maria S.M. Netto. 2. ed.
through dance and song than through the words and inflections that we use every day, so we must São Paulo: Summus, 1978.
now look at our attitudes to the praticaI work that will help us through to this freedorn," 8. Barba, E. Além das ilhas flutuantes. Trad. Luis Otávio Burnier. São Paulo/Campinas:
As citações diretas de livros em inglês, usadas neste livro, foram traduzidas livremente por mim. Hucitec/Editora da Unicamp, 1991, p.56.

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Aquilo que para nós, anteriorme nte, tinh a sido um postul ado: a voz ·é um pro- quando perguntaram a Tommaso Sa lvini co mo é que ele, com sua idade avança -
cesso fisiológico - tomou- se, então, realidade palp ável que engajava o orga nismo da, enc ont rava for ças para gritar com tant o vigor em certo pap el , ele retru cou -
inteiro e projetava no espaço. A voz era um prol ongam ento do corpo, qu e através "Eu não grito, vocês é que gr itam em meu lugar. Eu somente abro a boca. A
do espaço go lpeava, tocava, ac ariciava, ce rcava, empurrava ou sondava à distân- minha função é levar gradualmen te meu papel até o seu pont o culmi nante e de-
cia ou a poucos centímet ros". pois disso feito. o público que gr ite, se sen tir que é preciso." "

Isto significa perceber a voz como uma força cêni ca capaz de modi- Falar em intensidade fort e no palc o, então, não deve ser somente
ficar a situação, os atores e o públi co. Cicel y Berry,' " no seu trabalho de necessidade do atar, mas prin cipalmente, e ao mesmo tempo, dirigido aos
preparação voca l, fala : "Depois que as pala vras são dit as, nada permane- propósitos do per son agem , poi s as pala vras devem vir esposadas pelo s
ce exatamente igu al". E pro ssegu e afirmando que , em tre inamentos com a cont extos.
companhia do diretor Pete r Brook, repentinam ente apercebeu-se de como Neste sentido, na voz do ator há uma necessidade de aç ão, de uma fala
era importante pen sar sobre as palavras desta maneira, visto que elas se penetrante, na qual os recursos vocais são elaborado s de manei ra abrangente.
tomam uma força ativa, não somente para o atar, ma s também para os Ela deve resultar na criação ou modificação da realidade, como gerador de
vários personagen s interpretados. impa cto sobre alguém ou algum a coisa, que toma atitude, faz acontecer.
O diretor teatral Zé Celso Martinez Correa.!' referindo-se a Stani s- Comunicar-se em cena pressupõe agir sobre o outro por meio de uma
lavski, diz: linguagem que "além de repr esentacional, comunicativa e expressiva, é
co mponente na criaç ão do real , na produção de sentido (.,,)".14
o desejo sa i pelo sopro , o sopro passa pel a co rda e a co rda toca a fala, " phala"
inclusive co m ph, a fala fá lica . Stan islavski também falava bonito isso , que era O conceito de ação vocal pretende uma emi ssão em acordo com a
necessário você soprar no sopro a ação, para a açã o acontecer na ação da fala, ação cênic a e não uma voz apenas dramatizada, distante da realidade do
para a fala agir também, para fala cami nhar, pa ra fala interfer ir, para fala ter vid a, texto . Ela deve ser con struída em harmonia com a cena, para que se efetue
ter tanta vida que ela vai vira ndo ritm o, qu e ela vai vira ndo música. como acontecimento expressivo concreto, vivo , que fuja dos clichês vo-
cais vazios de sentido, contendo em si me sma todo s os elementos do per-
A voz ganha uma qualidade de moviment o, pois age no acontecimento sonagem : psíquicos, culturais, situacionais, corporais.
cênico. A fala vem acompanhada pel o percurso do personagem , no qual , Quando ocorre de fato , o ouvido do ator, atent o à expressão, se reco-
por exemplo, o ápice de uma proje ção de voz é tamb ém um momento nhece na voz , em seu desenho melódico . A audição satisfeita reforça o ato
emotivo culminante do personagem.
da fonação em acordo com o personagem. Mas se, ao contrário, hou ver
uma disson ância entre a produção vocal e o personagem, isto leva habitual-
Norm alm ent e aumenta mos a energia do so m, o volume, se m estar em equi líb rio
com a e ne rgia ve rba l do per son agem . Ago ra , a e ne rgia requerid a par a co m- mente a um padr ão estereo tipado de em issão. Assim , a ima gem do perso-
part ilh ar a voz co m um gra nde núm ero de pessoas some nte em part e tem a ver nagem apresenta-se aos olho s do público tecida, também, pelo s recursos
com vo lume , mas tem tud o a ver co m co mo nós pre en ch em os as pal avras de vocais que revêem e co mpletam sua natureza.
sentido." A ação vocal se dá tamb ém num plano invisível, mobilizando sensa-
ções, impressões. Desloca-se não apena s fisicamente, através de ondas sono-
Assim, os recursos vocais podem ganhar uma amplitude que, quan-
ras, mas pelos sentidos e afetos que provoca no encontro entre os personagen s,
do acontece, corporifica o personagem e ata o público. O ator, neste esta-
e destes com o público. Deve comunicar as nuanças mais impalpáveis do
do, é capaz de perceber plenamente esta atm osfera. Por exemplo,
pensamento e do s sentidos.
As palavras de um texto possuem ilimitadas possibilidades de mo vi-
9. Op. cit., p.62. mento, assim como o mover-se corporalmente. Um enunciado, um texto
10. Berry, op. cit. , p.20.
"After words are spoken, nothing is quite the sarne again,"
11. Op, cit. 13. Stanislavski, C. A construção da personagem . Trad. Pontes de Paula Lima. 4. ed. Rio de
12. Berry, op. cit., p.21. Janeiro: Civilização Brasileira, 1986, p.17 1.
"ln fact we increase the sound energy, the volume, but do not increase lhe verbal energy to 14. Souza, L.A .P. "Li nguagem, represe ntação e alteridade". Cadernos de Subje tividade.
balance with it. Now lhe energy requ ired lo share with a large number of people is only partly to São Paulo. Núcleo de Estudos e Pesquisas da Subje tividade, Programa de Estudos Pós-Graduados
do with volume. but it is ali lo do with how we fill the words themse lves." em Psicologia Clínica da PUC-SP, v.2, n.1 e 2, p.79-86, mar.lago. - set.zfev, p.80.12.

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inteiro , pod em e devem ser elabo rados co mo ação vocal, pois a pal avra e árduo trabalh o de criação. Nos muitos livros que escreveu so bre a Arte,
destitu ída de situação perde vigo r. Stanislavski várias vezes deparou co m esta questão .
Realizar ação vocal amplia o uso dos recursos vocais na cr iação, ou Ser ão a q ui de sc rit a s a lg u mas d a s expre ssõ e s c u nhadas por
seja , abre as co mbinações e possib ilidades de mo vimento da voz em cena , Stani slavski , que compõem uma espécie de glossário das características
prática essencial para o ator e para o preparador vocal. cênicas: açã o física, superobjetivo, objetivos, situação, intenção e subtexto
dentre outras. E também a maneira pela qual a manifestação da ação vo-
cal, nessas características, interfer e e co mpleme nta o trabalho de cr iação
As CARACTERíSTICAS Ct NICAS NA AÇÃO VOCAL artí stica do int érprete.

(...) é necessário fa lar de ações sonoras exatamente CO IlIO se fa la Ação Física


de ações fisicas. (...) Este tecido das ações sonoras - em conflito
mútuo. complementaridade e contraponto - se entrelaça com o Qualquer coisa que ocorra no palco, mais especificamente ligada ao
tecido das açõesfisicas, das situações (...). corpo e à voz, deve acontecer com algum propósito. Uma in~ic açã? de
Eugenio Barba i; movim ent o. co mo and ar, vem objetivada por um co meço e um fim . sair de
um lu crar a outro. Andar, efetivando -se co mo ação fís ica, é preenchido de
No começo de ste séc ulo, fez muito sucess o em Moscou a montagem um CO~lO e um por qu e, de uma intenção obje tivada . Porém , a ação física
do espetácul o "As três irmãs", texto de Tchecov, co m direção de Stanislavski. não está es trita me nte ligada ao movimento co mo forma de deslocamento,
Sucesso que fez com que a peça se mantivesse em carta z durante muit o e pode ser a própria imob ilidade, o estar parado, plen o de ativida~e inten-
tempo. Assim, muitos espectadores viram o espetáculo bem mais de um a cional do atar. Somente quando a ação é obj etivada tendo, con sciente ou
vez. Ficou fam osa um a "brincade ira" feita pelo públi co que, a um fim de inco nsc ienteme nte, uma justifi cação, um motivo par a ser, é que ela se
co nversa, um fim de assunt o, um silêncio, um vazio, alguém interrompia efe tua em aco nteci mento interpretativo: não se trata de representar o an-
propondo: " Vamos ao teatro ver co mo estão passando as três irmãs?" dar pelo mo vim ento em si e, sim, andar co mo ação física. O mesmo pode-
Como é que isso pode acontecer? Como é possível um espetáculo se renovar se dizer do ato da fala em ce na.
de maneira a apresentar-se sempre como sendo a primeira e única vez? Só um A ação físi ca, tal qu al defin ida por Stan islavski , é até hoje ampla-
espctáculo carregado de algo muito vivo e novo poderia sugerir um interesse ment e usada por atores e diretores no pro ce sso de co nstrução dos perso-
assim no público. nagen s. O ator se pergunta: O qu e eu faço para sati sfazer minha intenção,
Stanislavski no teatro é uma referência com quem todos continuam apren- os obje tivos do per son agem? Stani sla vski dizia aos ata res : Não pergun-
dendo muito, seja pelos livros que escreveu, seja por aqueles que de muitas for- tem o qu e o personagem se nte, mas o qu e e le faz. (...) " Em cena, vocês
ma" deram continuidade a seu trabalho. Ele não se achava criador de um "método" têm se mpre de pôr alguma coisa em ação. A ação , o movimento. é a base
para atores, por acreditar que a Arte. com A maiúsculo, como ele chamava a arte da arte que o ato r persegue (...) não atue m de um modo ge ra l, pela ação
do teatro, era possuidom de uma amplitude na qual não caberia a couraça de uma simples me nte, atuem se mpre co m um objetivo," !" A ação física é defin i-
concepção, de um modo prático, um exercício, um "manual de como ser ator". da, por Stani slavski, tanto em rel ação ao co rpo qu ant o à voz do atar, po-
Mas, embora reconhecido como um dos grandes teóricos do teatro, rém foi de senvolvida mais det alh adamente em rela ção ao corpo. Ape sar
Stanislavski foi também um homem da cena, exercendo numerosas funções na de dedicar vários capítulos aos recursos vocais, Stanisla vski não desen-
produção dos espetáculos, o que lhe deu a oportunidade de escrever pela óptica volveu es pecificame nte a ação vocal. Por isso, no presente livro , a descr i-
daqueles que sofrem a" angústia" do fazer teatral. ção de ação física es tará se referindo ao corp o, mesm o co nsiderando corpo
Em qualquer tentativa qu e se faça para co mpree nde r o teat ro. se esta- e voz, juntos, em ação.
rá, sempre, tan genciando se u se ntido ma is pro fund o, pois sua natureza A noção do que é ação física serviu de ba se par a (re)e labo ração do
abarca mai s mistérios c, ... do qu e possa sonh ar noss a vã filosofi a." Isto não con ceito de ação vocal. Stanislavski diz: "O corpo é co nvocáve l. Os sen-
imp ede a refl exão sobre os aspectos que fazem do teatro um ofício práti co
16. Sta nislavski , C. A preparação do ator. Trad. Pontes de Pau la Lima. 10. cd . Rio de
15. Barb a, op. c it., pp.80 e 83 . Jane iro: Civilização Brasileira. 199 1. pp.64 -7.

28 29
timentos são caprichosos. Portanto, se vocês não puderem criar esponta- Esses acontecimentos são conhecidos pelo ator e, de certo modo , até
neamente um espírito humano em seus papéis, criem a entidade física do pelo pe~onagem, porém aquilo que se sabe desde o início não o impede,
papel ". 17 A necessidade de um trabalho de preparação vocal mais ligado como a Edipo, de ir até o fim na expectativa de que em algum momento seja
ao processo criativo do ator conduziu-me a este estudo. Na ação física, os dada a vitória sobre o imponderável. Cabe ao ator correr esse risco e fazer de
objetivos e as intenções do personagem deveriam ficar expostos; da mes- cada um desses momentos um salto entusiasmado do trajeto, que arremessa o
ma maneira, a vida verbal do personagem deve ganhar materialidade e ser personagem ao seu superobjetivo, na sua instigante e intrincada trajetória.
trabalhada em forma de ação. Como afirma Berry," a conexão entre a A fala do ator é também uma ação que se dirige a um superobjetivo,
vida física e a verbal do personagem deve ficar aparente e palp ável , não por intermédio de um fio de ten são invisível que liga todas as cenas e cria
só para o ator, mas também para o espectador. sentidos a cada recurso de voz que brota na açã o vocal. O texto falado é
Deste modo, a açã o física e a ação vocal ocorrem em comunhão movimento que não está separado de nenhuma outra ação da peça; depois
fazendo a história acontecer. O texto requer ação, a ação pede o texto para que é dito mais um degrau terá sido ultrapassado . Será definitivo e
manifestar-se. Assim, a interpretação do ator tem na fala um movimento modificador de todos os acontecimentos que o antecederam, projetando o
de atitude que traduz a própria ação cênica. personagem ao devir.

o Superobjetivo e oObjetivo Situação

Quando se tem pela frente um papel a cumprir, tem-se desenhado, a partir Na vida estamos sempre em situação. Ontem, há poucas horas , agora,
do texto, um percurso com começo, meio e fim. Essa trajetória é feita de inú- estamos em situação. Em cena é necessário reaprender a estar nos lugares
meros acontecimentos que, como uma escada, vão se fazendo pouco a pouco. com esta propriedade. O recurso vocal de velocidade rápida, por exemplo,
Visto assim, cada lance da escada compreenderá, então, um acontecimento co- num dado momento, flui e conduz uma cena de urgência. O ator utiliza este
berto de sentidos e dimensões, que deixam ver a humanidade do personagem. recurso quando naturalmente se percebe em situação . Outros recursos ob-
Se cada degrau, imaginado um a um como uma seqüência de lances fulminan- viamente são usado s, mas, neste exemplo, a velocidade rápida é o que mais
tes, fosse considerado como a conquista de um objetivo, o último lance da aproxima o ator da situação do personagem, e, portanto, se sobressai. A
escada, o local da chegada, seria o superobjetivo do personagem. prontidão de estar em situação traz uma agilidade, quase pontual, em que o
Édipo, per sonagem da tragédia de Sófocles, sabe por um oráculo que ator parece não "perder" nenhuma fala, está sempre "afiado" com seu texto.
seu destino será casar-se com a mãe e matar o pai. Foge então daqueles Estar em situação é localizar-se geográfica e afetivamente em cena.
que ele acredita serem seus pai s, na verdade pais adotivos, com o intuito O personagem está sempre fazendo parte de algo que acontece num lugar,
de protegê-los do de stino previsto pelos deuses. Durante sua viagem de com alguém ou sem alguém, num momento articulado a outros momen-
fuga , mata um viajante que se põe em seu caminho. Continua em direção a tos, do s mai s variados modos . Localizar-se geograficamente é atuar com
Tebas, cidade que sofre o flagelo do enigma imposto pela esfinge , devoradora a atenção em tudo que nos cerca quando estamos em cena: pessoas, coi -
de todos que não o dec ifram. Édipo decifra e derrota a esfinge e como sas, lugares, temperaturas, son s, luzes etc . Da mesma forma, uma " locali-
prêmio casa-se com a rainha de Tebas, ocupando o trono vago em virtude zação afetiva" é a que leva o ator a se orientar no plano das afecções:
da morte do rei. Em Tebas um novo desafio: encontrar e punir aquele que emoções, memórias, perspectivas, desejos, dores, pressas etc .
matou o anti go rei . Édipo incita toda cidade a procurar o criminoso, para o Há um monólogo de Tchecov chamado "Os malefícios do tabaco"
qual prevê o maior dos castigo s. Ma s o assassino de Laio , rei de Tebas, que em que Cheirão, o personagem, por obra de sua mulher, se apresenta à
se casou com a rainha Jocasta, é Édipo. Ele cumpre, assim , o destino profe- platéia para uma conferência sobre os male s que o tabaco traz a saúde. A
rido pelo oráculo de Delfos. Desesperado com a de scoberta, arranca os pró- mulher de Cheirão, que aliás não está presente à conferência, é uma matrona
prios olhos e tem fim esta primeira parte da tragédia. ditatorial, dona de uma escola para moças, onde ele trab alh a como um
asno sob os maus-tratos desta criatura. A conferência que ela mesma arran-
17. St ani s1avski, C. A criação de um pap el. Trad. Pontes de Paul a Lima. 3. ed. Rio de
jou para que ele proferisse não é o que ele gostari a de estar fazendo ali,
Jane iro: Civi lização Brasileira, 1987 , p.169. naquele momento, com aqueles que lá estão . Assim, vai contando sua vida,
18. Berry , op. cit. seus sonhos de juventude, sua amargura , seus arrependimentos e seu de sejo

30 31
I
d
mais inconfessável que é o de correr, correr, e ficar como um espantalho, gradas à ação geral, criam no ouvinte um corpo imaginário para investi-
olhando as estrelas, no meio do campo. Tudo isso, interrompido abrupta- gação dos muitos sentidos que compõem uma obra de arte. E esse é o seu
mente algumas vezes pela possibilidade iminente da chegada da mulher. movimento, sua tempestade que sacode o campo das idéias preconcebi-
Por fim, dado o adiantado da hora, encerra a conferência, sem, no entanto, das sobre os significados das coisas.
antes se dirigir suplicante à assistência pedindo a todos que não contem à A intenção, portanto, regida pelo querer, instigada por uma necessida-
sua mulher o que aconteceu ali, naquela noite . "Se ela perguntar, digam que de e conectada ao texto, ao autor e, por conseguinte, ao personagem -
foi feita a conferência, como estava combinado." E estando todos de acor- por meio dele ao ator, ao diretor e ao público - , gera movimentos que se
do, dá por encerrada a sessão, agradece e sai. efetuam pela voz e pelo corpo, determinando ação.
O lugar onde está, o público da conferência, o dia de hoje, a hora, suas
emoções. É essa situação vivida por Cheirão que trará, tanto para o perso- Subtexto
nagem quanto para o ator, informações das quais seu trabalho tirará provei- I
to para tornar mais clara e sensível sua atuação. .iI Quando pela primeira vez alguns atares encontram pela frente um tex-
'~

A atuação não é uma abstração, uma ausência; ao contrário, ela se to de Shakespeare, com falas imensas, páginas de monólogos, têm como
determina pela presença, daí a importância de trazer para os sentidos esse primeiro impulso o desejo de reduzir todas aquelas falas à metade, senão a
reconhecimento geográfico e afetivo que, mesmo se não for aplicado à in- um quarto ou menos. A impressão é de que tanto texto é desnecessário e
terpretação, não poderá nunca ser ignorado. Uma interpretação viva enten- com poucas palavras se poderia transmitir plenamente todo o univer so to-
derá sempre que não é a mesma coisa interpretar em lugares, dias, horas, cado pelo autor. Mas a leitura aprofundada do texto, o conhecimento mais
situações diferentes, e tirará proveito dessas possibilidades. Este será um amplo da situação, dos desejos que ali estão, objetivos, superobjetivos, aca-
reconhecimento provocativo para uma disposição prática a mais viva possí- bam colocando-nos frente à seguinte conclusão: o texto é pequeno para
vel. Porque isso é importante: o personagem conduzindo o ator a atuar verda- tudo o que se quer dizer, e mesmo depois de tantas vezes representado fica
deiramente frente ao caráter singular da situação em que se encontra. a sensação de não ter dito tudo, de faltarem palavras para trazer à tona a
fúria de um rei Lear, o horror de Macbeth, a questão de Hamlet, o ciúme de
Intenção Othelo, e um caldo imenso de sentimentos inominados que passam pela
obra do grande autor que é William Shakespeare. Por ele é possível com-
Em "Esperando Godot", texto de Samuel Beckett, dois mendigos es- provar que o texto é uma pele, um tecido a cobrir a carne, os ossos, o san-
peram ao pé de uma árvore aquele que é motivo de toda sua caminhada até gue , as vísceras de uma humanidade inaudita, oculta, impronunciável,
a cena: o senhor Godot. Haverá um encontro e, como ele disse, seria numa profunda, milenar, que cada palavra exige para ser manifesta.
estrada, próximo a uma árvore. Então, sentam e esperam. Pausa. Todas as A compreensão dessa dimensão da fala é que faz com que tenhamos a
ações foram cumpridas, localizadas geograficamente, objetivo realizado, emissão vocal cênica como algo que não pode se dar numa enunciação
tudo agora é esperar o senhor Godot. Pausa. Godot não vem? Será que impensada, como mera tagarelice ou fala decorada. O ator se apropriará
estamos no lugar certo? Quem é Godot? Por que esperamos Godot? daquilo que diz, se dando como terra para as palavras e fará suas as raízes
As intenções do ator e do personagem estão vinculadas à vontade, ao dessas palavras, o que será o seu subtexto. A formação dessas raízes se dará
desejo, ao pensamento. Elas podem referir desde o conjunto dos motivos do por intermédio da compreensão e elaboração dramática, com o ato r atento a
autor ao escrever uma obra até a sua manifestação na voz do ator. Está todas as sugestõe s e situações trazidas pela peça. O texto escrito será recria-
ligada a um vir a ser que pode se atualizar com a chegada do senhor Godot. do na encenação sob o qual será escrito um outro texto de desejos, objeti-
As perguntas dos personagens e suas ações no texto de Beckett vão vos, intenções: o subtexto. O diretor e os atares produzirão esses fluxos
determinar no campo das intenções as mais variadas possibilidades, tanto subtextuais a partir das interpretações que fazem , dos elementos que acres-
para quem pergunta quanto para quem ouve a pergunta. O ponto de inter- centam e retiram do texto e dos modos como os transformam em realidade
rogação, como um anzol, mergulha no desconhecido e sempre traz de lá cênica. Eles criam uma história singular, uma corrente subtextual, conectada
uma surpresa. O jogo da cena se apropria sobretudo desta aventura, em ao enredo do texto teatral. Esta corrente subtextual age como um impulso
que a intenção pincela cores e desenhos inimaginados. Recursos vocais, que impele à emissão. Este subtexto se deixará ver impresso na voz, no
como a entonação, trazem em suas curvas melódicas intenções que, inte- corpo do atar e se manifestará por meio. também, de suas intenções.

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A idéia do subtexto, um outro texto não dito mas tecido no seu mais elaborada será sua voz. Isto quer dizer que o treinamento vocal do
subsolo, abre para a criação um imenso campo de possibilidades. O ator fica impregnado, incorporado nele como uma espécie de memória,
subtexto permite ao atar emitir recados, num texto não visível mas que pronta para realizar-se como ação vocal na interpretação.
está sendo ouvido de diferentes maneiras, percebido pelos sentidos dos A ação vocal, então, mobiliza no ator impulsos ligados aos superobjetivos
presentes. O autor, ao escrever o texto, deu a ele a dimensão de seu tempo. e objetivos, às situações, às ações físicas e ao subtexto . Imbricada nos recur-
dentro do contexto e objetivos que ele pretendia atingir. Mas por meio do sos vocais, ela reflete e recria as intenções do personagem; e se dá não só no
subtexto é possível criar e até ampliar perspectivas sugeridas pelo autor, plano consciente, pois não se pode controlar todas as matizes de uma expres-
que vão dar contemporaneidade ao texto. são conscientemente. Muitas vezes, quando a voz é produzida, o ator a perce-
A interpretação é sempre uma associação livre de idéias, sensações, be como uma sensação geral sintonizada na situação do personagem.
percepções, com a ambição de tocar o homem nos terrenos mais diferen- Pode-se dizer que a ação vocal faz o atar rever sua voz e a do perso-
tes e desconhecidos. Quando o intérprete entra em cena, ouve e está sen- nagem, (re)atualizando os recursos vocais em sua manifestação. Por isso,
do ouvido, reage a incontáveis estímulos do espetáculo. Esses estímulos já aconteceu de atores relatarem o medo de trabalhar a voz , com receio de
estarão sempre à disposição do ator para invenção de novos sentidos desestabilizar a interpretação conquistada para o personagem. Como se
subtextuais ao texto que ele terá de dizer. esta conquista fosse estanque e não contínua! Porém, em várias compa-
nhias há um trabalho constante de direção e (re)elaboração do texto na
boca do atar. Desde as primeiras leituras, e também no momento de deco-
FALAR É AGIR rar o texto, é importante ficar atento para não congelar formas de emissão,
investigando partituras, interpretações vocais.
Pode-se dizer que aação vocal começa a realizar-se mais freqüentemente Esta voz capaz de metamorfose pode se materializar nas nuanças dos
em estádios mais avançados do processo criativo. Nesta fase, a aspiração do recursos vocais trabalhados para aquele personagem. As palavras na ação
atar em executar ações físicas e vocais, como derivação das vontades criado- vocal são como estratégias para se alcançar um determinado objetivo,
ras, é muito forte, como se não fosse possível conter seu corpo e sua voz. uma intenção, para transmitir um subtexto, para estar em situação.
Neste momento as palavras do texto são como "armas para entrar em Este processo de transmutação é auxiliado, também, pelo pensamen-
ação", e é bom que se espere até que estas se tornem de primeira necessi- to e pela imaginação. que são trabalhados na voz pondo em relevo signi-
dade para a execução de seus objetivos. ficados e permitindo aos atores e ao público "ver com o ouvido". O
pensamento do ato r no caminho do texto deve seguir o fluxo do pensa-
Vocês logo compreenderão, assim que tenham se identificado com os verdadeiros mento do personagem. Berry" afirma que a fala sendo ativa aclara o pen-
objetivos de seus papéis, que não há melhor meio de atingi-los senão através das samento do personagem; ao contrário, é passiva quando o ator, na busca
palavras escritas com a genialidade de Shakespeare . Então , vocês se agarrarão a elas
das intenções, acaba pensando muito antes de falar e, portanto, não vive o
com entusiasmo , elas virão ao seu espírito cheias de viço, e não manchad as e gastas
por terem sido arrastada s por aí durante todo o rude trabalho de preparação. 10 pensamento quando este ocorre na fala. fazendo desta somente a repre-
sentação do pensamento e não ele mesmo. Isto se se entender por pensa-
As ações físicas e vocais são referências concretas que, conectadas mento não apenas uma faculdade racional/intelectual . mas também
às características céni cas, orientam o trabalho do ator. As palavras do disponibilidade ao plano das sensações, percepções e afectos", abertura ao
texto são guias aos quais o ator deve se apegar para a con strução vocal. jogo, ao aca so, ao destino. O pensamento, assim concebido. é da ordem da
Ele tem nas ações um "start" que o incita ao personagem e a um reviver criação de sentidos e expressões, advindas do contato com as forças vitais,
constante deste. "O espírito não pode deixar de reagir às ações do corpo, sendo a razão um importante meio de que se dispõe para a elaboração
desde que, evidentemente, estas sejam autênticas, tenham um propósito e
sejam produtivas,'?" Quanto mais conectada estiver a a ção vocal em suas
características cénicas e imantada pela criatividade do ator, mais bela, 21. Berry, op. cito
22. Optou-se por usar o termo afecto (no sentido de afecção), para diferen ciar do significado
corriqueiro do termo afeto , que quer dizer carinho. afeição. Aqui. afecção significa capacidade de
19. Stani slavski , op. c it., p.ISS. afetar e ser afetado pelo outro, o que provoca transform ações irreversíveis na subjet ividade. ou seja,
20. Stani slavski, op. cit. , p.16 2. afetamos ou somos afetados todas as vezes que produ zimos um diferen cial em nós e/ou nos outro s.

34 35
formal e repre sentacional do pensamento ." No trabalho de interpreta-
ção, o ator pode mobilizar imagen s-sen sações que reavivam suas pal a-
vras e criam um subtexto imaginário. A imaginação excita a atuação. A
brin cadeira de imaginar pode também ser a de criar realidades, discuti-
las, recriá-las e, por fim, interferir nelas. A imaginação é uma das armas da
qual se vale a vontade desejosa e provocadora. Imaginamos longe daqui, aqui
mesmo e, nesse sentido, a imaginação não é um processo alienatório, mas
sim um meio ativo de se contracenar com a realidade. Falando o texto o ator II
destaca imagens, faz as palavras vibrarem. Estas imagens-sensações deve-
riam estar a serviço do ator/personagem em seu superobjetivo na peça.
PARTITURA VOCAL
O ator não pode expl icar ou comentar seu texto enqu anto fala, como
se mostrasse para o públi co a razão dessas palavras; ao contrário, tem de
liberá-las, como se estivesse descobrindo-as por meio dos pensament os
do personagem e de sua própria imagin ação no momento da emissão. Na
ação vocal é preciso que a voz seja fluxo das f orças vitais exprimindo
sensações, idéias, emoções, imagens. Ação vocal é fluxo, escoamento e
mobilidade, processo dinâmico; pode ser no silêncio, na pausa, pois não
é, neste estado, somente ausência de som , é ação. Quando o ator; em sua criatividade, se mostra à altura de um
O ator tem de "tocar" o personagem pelo texto, e permitir que este texto notáv el, as palavras de seu papel revelam-se como a me-
conduza suas próprias experiências, de maneira que o encontro entre eles lhor, a mais indispensável e a maisfácil dasformas de encarnação
verbal com que ele pode manifestar suas próprias emoções cria-
se torne r~al , catalisador ,das forças que vão sustentar a voz, ampliando
tivas por meio de sua partitu ra interior. Então. as palavras de um
sua capacidade de ação . E certo que quant o mais depu rada e eficaz for a
outro. o autor, tornam -se a melhor partitu ra para o próprio ator.
voz do ator, mais refinad as as relações com suas intenções; quando a voz
Então as f ormas e ritmos incomuns dos versos (...) se tornarão
é ação, já corporificou o próprio personagem . necessários, mio só para o prazer do ouvido, mas também por
A ação vocal, em sua abrangência, efetua-se nas várias concepções causa da acuidade e do acabamento na transmiss ãodas emoções
de atuação teatral, em qualquer teatro. Na qualidade de movimento , a voz e de tudo que há na partitu ra do ator:
em ação não se limita a um tipo específico de interpretação, mas, certa- Stan islavski I
mente , se potencializa naquelas que vicejam, que fazem diferença para
quem fala e para quem ouve. São as força s vitais emergindo na voz. O texto teatral é uma composição dramática feita para ser encenada. A
Da necessidade no teatro de vínculo entre a emissão das palavras , de interpretação dos atores, entre outras coisas, produz variações no texto, e
outros sons e seu contexto vivo, emergiu esta (re)conceituação de açã o estas podem ser registradas na partitu ra vocal. A passagem do texto escrito
pa~a ação cênica reestrutura sua concepção inicial. "Talma afirma que a
vocal e a elaboração/análise das partituras vocais, pois estas permit em
paixão não caminha como a gramática, não pára sempre nos pontos e nas
captar as características da voz cênica em momentos diversos do processo vírgulas, que ela os desloca ao sabor dos seus arroubos,'? A partitura vocal
criativo do ator, em ensaios e espetáculos. descreve graficamente a voz cênica do ator em determinado s momentos.
Nesta prática de prepa rar a voz, o domín io técnico e o trabalho esté - Laurence Olivier, ator, referindo-se a outro atar, Edmund Kean, relata:
tico de criação vocal podem e devem se esposar, ambo s a serviço do tra-
No Museu Britânico há um exe mplar de Ricardo III usado pelo ponto, onde um
balho de criação e reflex ão do ator. Este cruzamento define uma maneira
providencial assistente de dire ção anotou as inflexões do mestre Kean. Assim, pode-
de trabalhar a voz do ator em suas aç ões vocais, registradas nas partituras
vocais, como será visto nos capítulos seguintes.
I. Stanis lavski, C. A criação de um pap el. Trad, Pontes de Paula Lima . 3. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1987, 1'.108.
23. Souza. L.A.P. Entre -corpos. .subje tivaç ão e processos urbanos . São Paulo, 1997. Tese 2. Aslan. O. O alar no século xx. Trad. Rachel A.B. Fuser, Fausto Fuser e J. Gui nsburg.
de Doutorado em Psicologia Clínica, PUC/SP. São Paulo: Editora Perspectiva, 1994, 1'. 19.

36 37
se ter uma idéia ainda que vaga de co mo ele desempenhava ritmicamente. onde fazia
as pausas e, talvez, como deve ter soado aos ouvidos de seus co ntemporâ neos .'

Conta-se também que, no início do século XX , o atar chamado Talma HAMLET


pensou em esconder-se na caixa do ponto para descobrir os segredos da
respiração de Mon vel, outro ator da época.'
Participando de ensaios em montagens teatrais, minha escuta como pre-
paradora vocal sempre esteve aguçada aos desenhos que a voz do ator fazia.
Percebia que, dia após dia, ia se configurando uma composição dada por sua "DI1V\I'e q'l~ p-' ·,trp.I,." '.p)~m tnyu,
interpretação do texto. O trabalho vocal deveria conjugar as implicações téc- fJllv I de qu('~ o So 1 ~;~' rr.r.v a ,
nicas da voz dos atores e as demandas vocais do texto em suas situações rhlvlde que verdade S~?J~ mentira ,
cênicas. Observava, nos ensaios, o tratamento que o ator dava aquele texto e Ma I ~ nunci.l duv I de qUP amc I
como o diretor o conduzia nos objetivos e intenções de seu personagem. De Oh quer Ida OptlE'lld, eu f ICl, duentE" c om pssa
certa forma, é como se eu ficasse "escondida", ouvindo da caixa do ponto os d,étr Ir' i< Nao tenho ii arte
"segredos" das interpretações vocais. A proximidade com o texto e sua mon- de contar meus C;USPlrO', Ma ',; eu t. amo, ac i rna
tagem catalisou minha compreen são da voz no teatro. Com isso, em ensaios e de t u o o , acredita em mi m
leituras de peças, absorvi o trabalho no texto - as decupagens da'> situações
A(lf~U~.
dos personagen s, as análises dos seus objetivos, suas pautas de ações - e a Teu , pra ' ·.pmp rp, mlnl 'liI dam a mais ql lPrlcJit, en
concepção teatral específica de cada companhia. E-n~úan t D E·ssa
Na trajetória de construção dos personagens, o texto escrito vai sen-
(\ M.'Jqutnd. de llamlet fun cl onar', Hamlet"
do singularizado, os atores anotam e fazem indicações nele , refletindo o
J f,< .o , IfII ntlCi i 1 I tI 1fI1' mCJ ~~ t r ClU por (ltj~lll pn! I il ,
processo de (re)criação do texto na montagem, partindo de suas compre-
OlJrlnt.o ao rl~<; d 'c, ' ·, () I IC l t ~ r.. Õ (~ '~ del e,
en sõe s e impressõe s, da direç ão da peça, do s treinamentos vocais e cor- CClm(J ac.c,nt . e r a m, em t,pm!-'cJ, lugar P frIC,dCl ,
porai s. Na primeira leitura, o texto mostra-se como um universo do autor, lurro o 1S e I ii e D il f t OIJ ao':> meus OUV lua,:>
a ser descoberto na voz do ator. Está ainda " nu" . Aos poucos, o ator vai se
apropriando do texto, mai s especificamente de seu personagem, e "ve s-
tindo-o" com anotações interpretativas que recolhe no s en saios com o O segundo é uma cópia tirada do texto do ator Marcelo Drummond,
au xílio da dire ção . O ator, assim , inventa o seu registro no texto teatral. que interpretava Hamlet. com algumas anotações interpretativas:
Por meio de um longo percurso de tre inamentos, leituras e ensaios,
adicionávamos referências interpretativas ao texto que, desta maneira, ia
se estruturando, passando da escrita a uma fala em cena, deixando marcas
de anotações no texto. Em decorrência deste processo, tem-se três dese-
nhos de um mesmo texto, que será desdobrado na construção do persona-
gem , ganhando consistência na voz do ator: o primeiro, o texto teatral que
é recebido para a primeira leitura; o segundo, a partitura do papel 5 - P (' 1.0 NI O
~oa L ~~.Rr c~p~r c U fil pouc o . El\ s~ re i
referências interpretati vas que os atores marcam ou acrescentam ao texto
escrito; e o terceiro, a partitura vocal, mapeamento da aç ão vocal do ator. ~DU~ idelq~es trcl ü s s~~ am 1 0 90'{
c.l.\~l d er ~ o So l cc m ~ v "\ r I .
Para melhor entendimento do que nomeei pa rtitura voca l é necessário I )u v jd el~ v erd D d ~ SG J t ~ Er ) ll rar
't1~ UI't6 i!. Q L\ .... ió (?I~., ar.'o- • . <.~
conhecer os doi s primeiros desenhos referidos. O texto que se segue é do Otl , C f· e ] i ~ . I ~ ~ ~ico d o e n l E c o ~ . Qs sa ~ c t ~ . c a. N'o •
personagem Hamlet, da peça "Ham-let" de William Shakespeare (ato II, ............ c "rl l ê1.l~ h'~U S f:i.l\!i Pi t -o :s .f Ma s E U l 7:\1lI0.I .,U ':lm ;:'4 rJc"LltdO , '
~c ...e . i\ em m im.'............
cena 2), conforme recebido para primeira leitura: " e U' 1 p,-a . G e I"J P r- é . L m i r' ~I t'. cí a ma m -f i ~ ~ lt E' :, i d a. l e' n q u i\ n l o es !".a
~~qUil) a d Hanll el ~Ync ln n ~r. H a ~.l @ t . ~ _.
~ ' ~iiSO. ml n r l <:\ i::' i l h a rase l o "",t r ou po r u h e d" -",rll.-I;l':.
Quanl o ao rEslo. s D l ic i l a ç D~ S d e l ~ .
3. Olivier, L. Ser ator. Trad . Beth Vieira. 2. ed. Rio de Janeiro: Glob o, 1987, p.33. Corno a c cl n l e c e r r em t e mpo, lug ar E mo d o ,
Tudo o ma is .a con~ lou aos mel\ S o uv j (l o s .
4. Brémont, apud Aslan, op. c it., pA .
5. Stani sla vski , op. cito
6. Este texto foi ada ptado por Zé Ce lso Martinez Co rrea, Nelson de Sá e Marcelo Drummond.
O título original da peça é Hamlet , sem o hífen no meio da palavra, mas nesta montagem a di visão

38 39
No texto trabalhado pelo ator, alguns dados importantes da cen a ap a- pontos de referências, com os quais o atol' se posiciona e se desloca, esta-
recem escritos ao lado da fala, dando corpo e possibilidades às intenções belecendo objetivos cênicos. Estes dão propósitos às ações fí sicas, orien-
do person ag em . tam as intenções, incitando de sejos.
A elaboração da partitura vocal, na con strução dos personagens, se de- Por meio dacontribuição de Staníslavski, o atol' ganhou instrumentos que
senvolveu também nos ensaios, mas foi registrada, mais detalhadamente, pe- o ajudam na manifestação das emoções do personagem. As características da
los atore s e por mim nos treinamentos vocais. Ela não é categórica, no sentido partitura do papel e sua efetuação nas ações do atol' em cena trouxeram urna
de fechar- se numa única form a ou marcação; ao contrário, é mutável, multi- percepção ao meu trabalho de preparação vocal; pude ver que aí já estava em-
plicando- se e transformando-se ao longo do proce sso criativo. A fala partitu- butido um esboço inicial da partitura vocal. Assim como o corpo carrega as
rizada revela uma linguagem que não só explicita os recursos vocais, mas os características cénicas na ação física, a voz, também, na ação vocal, conduz
liga à situação cênica como um todo. A voz muitas vezes realiza- se também intençõe s, objetivos e situações, Ela arrasta, quando de fato age, o corpo e suas
como cena e com atitude objetivada pela processualidade do personagem em ações, fazendo com que se tomem indiscerníveis; o que, aliás, provavelmente,
sintonia com o atol', ou seja, nestas circunstâncias ela é ação vocal. A partitu- °
seria mais perceptível não fosse predomínio, em nossa cultura, de uma certa
ra vocal é o meio pelo qual a ação vocal poderá ser (re)visitada, permitindo tradição racionalista, que dicotomizou corpo e mente , razão e emoção, operan-
que ela e também outras açõe s cênicas sejam (re)elaboradas. do a separação entre o real visível e o real impalpável. O registro gráfico dos
A partitura vocal é singular a cada interpretação; o me smo persona- desdobramentos da ação vocal, sem tais dicotomias, constitui a partitura vocal.
gem ganha partituras diversa s na voz de diferentes atores. O texto dramá- Da mesma forma que Stanislavski propôs a partitura do papel, o
tico recebe, portanto, um desenho pe ssoal que se transmuta me smo depois preparador vocal cria seu registro, a partitura vocal, onde os movimentos
da estréia, e até de espetáculo para espetáculo, quando novas referências da voz cênica do ator para aquele personagem estão desenhados. A sua
interpretativas e vocais vão modificando-o. A fala, sendo in stável, não análise oferece, portanto, subsídios para o trabalho de voz no teatro, tanto
estabiliza melodias ou ritmos como a música faz e, portanto, a partitura para o atol' e para o diretor quanto para o preparador vocal.
vocal não é regular, com notas e andamentos definidos. Ela tem outra A capacidade de esculpir sonoramente as vontades e necessidades do
trama, determinada pelos usos do s recursos vocais nas situações do per- personagem é vital para o atol'. A anotação da partitura vocal, retrato do per-
sonage m e do atol', em cada peça e em seus espetáculos. curso de construção vocal do personagem e de sua encarnação na voz do ator,
Na primeira leitura do texto feit a pelos atores e pelo diretor, diversas reflete esta ação num dado momento expressivo. Por intermédio dessas nota-
po ssibilidades de interpretação se de sdobram. Neste momento e no de- çõe s tem-se referências das características do personagem e vice-versa, as
se nro la r do processo criativo, as notaçõe s no texto feitas pelo atol' vão características cénicas sugerem recursos vocais, como será visto adiante.
desde de senhos e expressões que refletem a cena, situações do texto, do
person agem, seus objetivos etc., até as marcações específicas da fala do
ator. Este conjunto de elementos define a partitura do papel , vista na fala RECURSOS VOCAIS NA PARTITURA
de Hamlet, e engloba referências voc ais.
Cada diretor tem modos característicos de criação e montagem tea- ...que os trágicos gregos sabiam alternadamente acelerar ou ralentar
tral, com variações de peça para peça, o me smo ocorrendo na construção a elocução . aumentar ou diminuir o volume da voz. entrecortar as
do per sonagem pelo ator: o pro ce sso criativo não comporta regras fixas . pala vras, amenizar a expressão, tecer longamente a fra se. numa
A partitura do papel, escrita sobre o texto ou fora dele, é uma anota- respiração. Sua pala vra traduzia sobressaltos, até mesmo signos,
ção repleta de dados e marcos de ste processo. As circunstân cias dadas ela consentia, imitava. ria. caçoava , insultava. Depois, como dois
pelo autor, tipo de proposta teatral , lugar e época da montagem e as rela- cantores que se respondem, as vozes iam de um a outro interlocutor:
ções entre o elenco e a direção afetam o ator e certamente ressoam em sua até uma palavra foi inventada para exprimir esse diálogo dos
partitura . Nela, uma espécie de pl ano, de mapa da peça, é traçado, como jambos, é esticomitia (...) a conversa das linhas, dos versos. Além
disso o atar era conhecído como gravissonante, ressonante,
círcussonante, encorpando sua voz, falando com curiosidade.fo rte
da palavra qui s dar o sentido de soltar o canastrão : ler - soltar. e Ham - cana strão (apesar da
tradução literal ser outra, foi utilizado o em prego deste termo para o teatro). O hífen funciona
ou docemente, feminino ou masculíno.
também como "ponte" de ligação entre essas duas noções. Portanto, será usado aqui "Ham-let" René Cl ément?
quand o referido a esta montagem da peça. e Hamlet (sem o hífen) para o person agem. Esta fala
originalmente é de Polõnio , porém na montagem passou a ser de Hamlet.
7. Clément, R., apud Aslan , p.I O.

40 41
As opções de recursos vocais usados na partitura vocal ficarão mais claras unindo as palavras em grupos conforme o entendimento lógico do texto. O
a partir da observação dapartitura do papel de outro ator, Pascoal da Conceição, segundo, os dois traços, representa a pausa psicológica, mais longa, que dá
que interpretou o personagem Polônio na peça "Ham-let' (ato I, cena 3): vida aos pensamentos e ajuda a transmitir o conteúdo subtextual das palavras,"
Desta maneira, os prim eiro s elementos esc olhidos para notaç ão da
... - / partitura vocal foram as palavras-chave, chamadas aqui de ênfases, e as
Já da_orei deMais.

]Enlra polonlo~ 1Jfttw 1AfJv1f:/:~go~ pausas, dad a a freqü ência e imp ortância destes na partitura do papel e,
portanto, na interpretação do ator. Este foi o enfoque inicial priorizado
Ma. aí Ralá .. RU pai chegando. ~ it';;L.4e'c"Te5
_ _ dupla b.nç~D li dupla graça .. ,x _ . nos treinamentos voca is e, por meio de nota çõe s das interpretações no
A sorle esla do ....u 1.d~ .. n . . . . . . ti.gunda dCIiPedidil' él'i1't) oeiL..c:aI'V1 0
texto, a partitura com seus recursos vocais foi se con stituindo.
POLONIO
Ainda aí L••rl •• ? Va i Rm arcar .. J á embarcar .. q vergonha' Nos exemplos expostos, de pa rtituras do papel, pela s divi sõe s das
O venlo Já curva O;;;5~o~m~r~o.;?~~~~~~~~~~=P;:=-:;:---
E .6 ••lio le .sp;~ando. ama aqu • enç o .. va i com ~la, falas, percebe-se a compreensão lógica e emotiva do texto pelo ator. Há
<ca.. a5 m1>.os nos ombro d La.. rl ... l Oi'-flS: .Dfz me::t= doi s momentos: um, no qual, por intermédio da leitura e do conhecimento
do texto , ele toma contato com a divisão versificada da peça, no cas o
Sh akespeare, ou , mais precisamente, com aquela oriunda da tradu çãol
adaptação efetuada para esta montagem. O outro, quando expressa sua
relação com o per son agem , por intermédi o, tamb ém , da fala cê nica. Este
é o movimento que se produz entre a busca da respiração e a encarnação
do pensamento do per sonagem pelo ator, ? Logo, as pausas possibilitam a
divi são interpretativa do texto e determinam um andamento vocal ao fa-
lant e. Para se entender melh or esta afirmaç ão, evoco aqu i a históri a
reveladora do ator Jou vet:
deI os.

Um texto é antes de mais nada uma respiração. A arte do comediante con-


'::1
siste em querer igualar-se ao poeta por um sim ulacro respiratório que, por alguns
momentos, se identifica com o sopro criador. Logrei uma certez a maravilhada da
importância respir atória de um texto quand o chegamos ao Marrocos e obtive a
voce. permissão de ver as primeiras cópias do Corão da época da Hégira. Perguntei o
que significavam, no meio das páginas cobertas de uma escrita em fonna de aletria.
de grandes e pequenas manchas amarelas semelhantes a girassóis que se repro-
Basicam ente, as notações vocais de maior ocorrê ncia na sua partitu- duziam ao longo do manuscrito: "as manchas grandes" . explicou o bibliote cário.
ra do papel são algumas palavras sublinhadas co mo palavras-ch ave da "são a marca dos versículos, as pequen as são a marca das respirações. Logo que
fala e, ainda, os blocos de palavras ou frases que são agrupados pelo sen- o senhor aprender isso, acrescentou ele, um texto não terá o mesmo significado
tido e entendime nto que se dá ao texto. As pal avras-chave são chamadas nem a mesma eficácia se não for respirado como foi escrito". lO .

também de "palavras-sensações", "palavra expressiva", "palavra de va-


lor" , "pa lavras com libido", "palavra viva", dad a a nece ssidade de realizá- O que há é uma co munhão e ntre a estrutura do texto escrito, a fala do
las co m vitalidade e contextualizadas ao vivo, no instante da sua produ ção ator e sua atuaçã o na peça.
cênica . Graficamente, neste text o, as pal avras-chave são sublinhadas, A divisão do texto, na partitura voca l, deve ser feita respeitando-se
circundadas ou até coloridas, e os blocos e fra ses são separa dos por tra ços as pausas dos atores. Basicamente , três tipo s de pausas interpretativas
ou englob ados. Algumas palavras, escritas pelo ator, aparecem co m fre-
qüên cia ao lado do texto , como exp ressões que substantivam, adjetivam,
ilustram o personagem e suas cara cterísticas cênicas.
São muito usados os traços de pausas, tanto o simples I quanto o duplo
f
~i
8. Stani slavski, C. A construção da personagem . Trad. Ponte s de Paula Li ma. 4. ed. Rio de
Ja neiro : C ivilização Bra sile ira. 1986. pp. 133-72.
9. Berry, The ac tor and the texto Nova York: Aplause Theatre Books , 1992.
II, sendo o prim eiro chamado de pausa lógica, que divide a frase em período s, ii 10. Jouvet, L.. apud Aslan , 1994. p.20.

42 43
~à() usadas. na notação: a lógica, a psicológica e a "luftpause" .!' As pausas mo tempo, uma flexão do ator e do personagem sobre si e o envolvimento
mterpr~tatlvas representam a divisão das falas na partitura. Elas podem do/com o outro - texto , espectador. A ação vocal se processualiza nas
ser lógica, quando possui um breve intervalo, ou psicológica, como um ênfa ses que o atar destaca. "Deixe que seja uma palavra, uma idéia, um
repouso maior que cria um "suspense", uma tensão no ar. Sempre que há sentido. Que a composição de son s, letras, sílabas seja uma única curva
uma pausa é necessário "ouvir" o retomo do que foi falado , as reaçõe s à melódica e então poderá elevá-la, baixá-la ou torcê-la,"!'
ação vocal no público e nos outros atores. Na pausa psicológica este tem - Na investigação da incidência de ênfa ses nas partituras, pode- se ob-
po é maior. As pausas lógicas e psicológicas podem ser respiratórias ou servar que por intermédio dela s outros recursos vocais emergem. Nor-
n.ão'. A outra pausa interpretativa é a "luftpause", expressão alemã que malmente o aumento de intensidade é usado ao enfatizarmos uma palavra.
s lgn~fi c ~: .pausa para retomada de ar ou fôlego . Portanto, ela é sempre A intensidade é o grau da força expiratória com que o som é produzido,
res~lratona e ocorre como o menor dos repousos, como uma rápida inspi- força que se manifesta acu sticament e na menor ou maior amplitude de
raçao de ar. A "luftpause" é fisiológica, e se dá, principalmente, no meio vibração da s prega s vocais. Quando a pre ssão subglótica - abaixo das
das falas di~ididas pela s paus as lógic as ou psicológicas; ou seja, ela pode pregas - é maior, o som é considerado forte e, ao contrário, fraco. Habi-
ser predominantemente uma necessidade do ator de respirar - e mesmo tualmente, relaciona-se intensidade a volume, chamando um som forte de
neste caso deve ser usada para os propósitos do personagem - e em mui- alto e um fraco , de baixo. Mas o volume engloba a inten sidade e a resso-
tos momentos uma neces sidade interpretativa do personagem. Das três nânci a. Em cena, a voz tem de ser elaborada com volume e mai s, com boa
p~~sas em ordem de duração, a "luftpause" é a mais breve, seguida da
projeção em todo espaço para alcançar seus prop ósitos. Qualquer varia-
l ógica- pausa médi a - e da psicológica, a mais longa . ção de inten sidade de voz deve estar ligada ao desejo de revelar o perso-
A pausa não deve ser em momento algum um silêncio morto' ao nagem e, conjuntamente, às nece ssidades vocais do ator.
co~trário, é um intervalo vivo, cheio de sentido, "um silêncio eloq üente", Na composição vocal da partitura, o que se vê é que todos os recur-
sos vocais se mesclam, relacionando-se, no geral, ao superobjetivo da
Cna uma tensão e uma liga entre o que foi dito e a fala que virá. Tran smite
peça , desde seu início até a última cena. Alguns recursos estão atrelados a
subtextos, recados. A pausa, quando usada no cur so da ação vocal, pode
gerar uma suspensão de sentidos. uma cena determinada , a sua situação, outro s a algumas falas em seus
objetivos, ou, ainda, bem especificamente, relacionados a uma palavra, a
? recurso vocal de ênfase é denominado acentuação por Stani slavski ,
uma ênfase e suas intenções. Mesmo assim cada palavra enfatizada deve
que diz: "A acentuação é um dedo que aponta. Elege a palavra fund amen-
ter exposta em si a linha da aç ão geral da peça, que vai desde o
taI de uma frase ou oração. Na palavra assim sublinhada, encontraremos a
superobjetivo até a inten ção de uma fala . Pode- se ter, portanto, recursos
alma, a essên cia interior, o ponto culminante do subtexto (...) Um acento
vocais de base, ou sej a, aqueles fundam entalmente relacionados à cena
pode indicar afeição ou maldade , respeito ou desprezo, franqueza ou es-
toda ou a agrupamentos de falas nas cenas.
perteza; pode ser ambíguo, sarcástico". 12
Outra associação comum é da ênfase em relação às pausas: algumas
A palavra língua, por exemplo, é sublinhada no texto pelo ator Pascoal
vezes a palavra é enfatizada também pelo recurso vocal de pau sa, outras
da C?nceição desde a elaboração da partitura do papel de Pol ônio, e vezes as pausas determinam a divi são interpretativa do texto, sem estarem
enfatizada durante o tempo em que a peça ficou em cart az. Ele realça a diretamente associadas às ênfases.
palavra, mantendo seu destaque na partitura vocal (como será visto na
análi se de sua partitura - capítulo III). (...) as pau sas respirat órias na poesia e na pro sa falad as têm enorme importância
A ~nfas~ é a proeminência que se vai dar na fala, com a utilização não só como partes componentes da linha rítmica mas também porque representam
d~~ mat~ variados recur~os vocais, na qual so ns, palavras , "palavras-fra- um papel significativo e impo rtante na própri a técnic a de criar e co ntrolar o ritm o."
se ou smtagrnas - conjunto de palavras com núcleo e modificadores _
e orações, são salientados em relação aos outros elementos desta fala O ator se utiliza, na con strução vocal de seu personagem, de tempo s
sempre associados ao seu contexto interpretativo. A ênfa se dá vitali dade diversos que o conduzem a andamentos de fala e estabelecem ritmos dife-
às palavras faladas, está ligada à intenção da fala, o que implica, ao mes- rente s. Mesmo um texto partiturizado e interpretado num idioma desco-

II . Stanislavski. op. c it., pp.133-72. 13. Op. cit.. p.174.


12. Op. cit., pp.173-4. 14. Op. cit., p.254 .

44 45
nhecido pode, em suas opções de pausas, ênfases e em sua "musicalidade", Então, se evidenciará uma lógica sonora que se manifesta através do ritmo, isto é,
através de mudanças de tom, intervalos e intensidade da voz, volume que muda,
dar uma impressão emotiva e rítmica muito fortes, afetando o ouvinte em acentos tônicos em determinadas partes da frase, micropausas diante de certas
suas sensações. Num certo sentido, a partitura é o canto/falado do ator, palavras, todas as pausas diante de inspirações, que, ao invés de fazerem buracos
pois os materiais sonoros da fala, sendo baseados nos mesmos parâmetros no nosso discurso, aguçam o sentido, aguçam o nervo.'?
que a música, dão à partitura um desenho da musicalidade da fala. A
música difere da fala por organizar os sons, dando estabilidade para altu- São várias as composições de ênfases, pausas e outros recursos vocais
ras e durações, sendo que na fala estes atributos são instáveis, não estabe- na partitura. A diversidade de tons determina desenhos de curvas melódicas
lecendo uma periodicidade. Portanto, a partitura capta, parcial e diferentes. A altura melódica pode ser correlacionada à freqüência de vibra-
provisoriamente, o fluxo processual da fala e organiza, num tempo dado, ção das pregas vocais. Quanto maior for o número de ciclos por segundo,
sua natureza difusa. maior a freqüência fundamental" do som. Um tom agudo tem uma freqüên-
As divisões de fala na partitura, em seus ciclos, são normalmente cia fundamental alta, e um grave, uma freqüência baixa. A inflexão de vários
associados às ações físicas e vocais sugeridas no texto. Muitas vezes o mapa tons, como uma ginástica vocal, pode criar uma entonação, que na voz falada
das ações ffsicas" (como um roteiro das ações do personagem na peça) estabelece curvas melódicas: ascendentes-agudizando, descendentes-agravan-
impõe um ritmo mais veloz à cena, sendo que o tempo da fala fica mais do, mistas, de dois tipos: começando de um tom, ascendendo e descendendo,
e o contrário, começando de um tom descendendo e ascendendo novamente;
acelerado, enquanto outras partituras podem requerer um fluxo mais
há, também, a monotonal, na qual o mesmo tom é mantido na emissão -
entrecortado por pausas, podendo coincidir ou não as velocidades físicas e
como numa "fala robotizada". Dependendo da curva, o tipo de resultante
vocais. Há uma interação entre os tempos emotivos, vocais e físicos do
sonora define intenções e sentidos bem diversos, para quem fala e para quem
personagem. O que ocorre, muitas vezes, é que a manifestação interpretativa
ouve. "A melodia é, então, o elemento primeiro e universal, que, por isso,
do ator faz com que os tempos interajam, mas não necessariamente de for- pode receber várias objetivações e diferentes textos."?
ma homogênea ou linear; ao contrário, comportam divergências, contradi- Há outros meios vocais de realçar a fala utilizando, por exemplo, força ou
ções, dissonâncias e podem produzir disjunções nas ações, porém mantendo abrandamento na articulação. Ambos devem ser emitidos com precisãoe tônus
coesas as intenções do personagem/ator. bem definidos para o palco, para que o texto seja inteligível. A articulação é a
Nesta perspectiva, vários são os exemplos de relação não-mecânica mecânica, o movimento dos órgãos fonoarticulatórios - língua, boca, lábios,
entre o texto e o subtexto. Tomemos hipoteticamente a fala eu te amo," dentes, palato, bochechas - na emissão de sons, que são encadeados na fala.
proferida com o subtexto eu te odeio. Os recursos vocais, em consonân- Os variados tempos envolvidos na articulação fazem alongar ou en-
cia à intenção, produzem delineamentos de curva melódica, intensidade, curtar as emissões. O alongamento é uma duração maior de um segmen-
articulação, velocidade, duração, cadências e pausas, vinculadas ao to da fala e pode ser feito tanto nas vogais quanto em algumas consoantes.
subtexto. Quando, por outro lado, o texto e o subtexto coincidem em in- Este recurso está relacionado também, entre outras coisas, às modifica-
tenção e significado, outros ajustes vocais são utilizados. ções de curvas melódicas, ênfases e à fluência do discurso.
Stanislavski, frisando a importância de se pesquisar a articulação em
IS. Stanislavski, 1987, op. cit. cena, diz: "O ator deve sublinhar, parodiar e exteriorizar os motivos inte-
16. "Eu-te-amo não tem empregos. Essa palavra, tanto quanto a de uma criança, não está riores e as fases físicas do personagem que está interpretando, através da
submetida a nenhuma imposição social; pode ser uma palavra sublime, solene, frívola; pode ser modificação da pronúncia ou usando um novo tipo de dicção. Isto tam-
uma palavra erótica, pornográfica. É uma palavra que se desloca socialmente.
Eu te amo não tem nuances. Dispensa as explicações, as organizações, os graus, os escrúpu- bém condiciona as modificações de ritmos de respiração"."
los. De uma certa forma - paradoxo exorbitante da linguagem - , dizer eu te amo é fazer como
se não existisse nenhum teatro da fala, e é uma palavra sempre verdadeira (não tem outro referen-
te a não ser seu proferimento: é um performativo)," 17. Barba, E. Além das ilhasflutuantes. Trad. Luis Otávio Burnier. São Paulo/Campinas:
"Passada a primeira confissão, 'eu te amo' não quer dizer mais nada; apenas retoma de um Hucitec/Editora da Unicamp, 1991, p.58.
modo enigmático, de tanto que ela parece vazia, a antiga mensagem (que talvez não tenha passa- 18. Maia. E.M. No reino dafala: a linguagem e seus sons. São Paulo: Ática, 1985.
do por essas palavras). Eu o repito fora de toda pertinência; ele sai da linguagem, divaga, onde?" 19. Nietzsche, apud Dias, R.M. Nietzsche e a música. Rio de Janeiro: Imago, 1994, p.46.
Barthes, R. Fragmentos de um discurso amoroso. Trad. Hortência dos Santos. 2. ed. Rio de 20. Grotowski, J. Em busca de um teatro pobre. Trad. Aldomar Conrado. 3. ed. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1977, pp.98-7. Janeiro: Civilização Brasileira, 1987, p.140.

46 47
A respiração, embora seja uma atividade freqüencial, não se efetua lidades de torcer os significados literais da s palavras, potencializando-as.
num padrão fixo ; ao contrário, por estar vinculada a disposições psicoló- Como "ovos", as palavra s carregam virtualidades que podem vir a se atu a-
gicas e a outras físicas (fluxo sangüíneo, batimento cardíaco etc.), sofre lizar. As composições de sons, oriundas da interpretação, geram sentidos
alterações de "pulso", estabelecendo diferentes andamentos." Por inter- passíveis de serem detectados pela partitura vocal, na sua feitura e análi-
médio do s tempos criados na fala, tem-se andamentos diversos e veloci- se. Estas composições moldam a ação vocal que , por sua vez, vitaliza e
dades, rápidas ou lentas, determinando ritmos variados. corporifica a palavra, recriando-a e não somente repetindo-a na boca do
O ritmo está ligado, também, à tonicidade das palavras, em seu s acen- ator: "e o verbo fez- se carne". A voz é ação para o ator.
tos na prosódia. Nas palavras de duas ou mais sílabas, a sílaba tônica A discussão sobre a origem do s sons e os significados destes na fala
sempre se destaca por ser normalmente mai s intensa do que as outras estava presente no s gregos. Platão descreve-a no "Cr átilo"," durante o
átonas ou subtônicas. Por outro lado, há os vocábulos sem acento que são diálogo entre Sócrates e Hermógenes:
proferidos fracamente e se apóiam no acento tônico de um outro vocábulo
na frase. Estas combinações de pesos geram cadências nas palavras e na Diz Sócrates: ..... a letra 'r' pareceu a quem estabeleceu os nomes um belo instru-
fala. A cadência silabada é usada, como um recurso interpretativo, quan- mento para o movimento , capaz de represent ar a mobilidade . (...) percebeu, segun-
do penso, que nessa letra a língua se detinha menos e vibrava mais; daí, parecer-me
do todas as sílabas da palavra são "divididas" e emitidas colocando em
que se serviu dela para exprimir o moviment o. A letra 'i' valeu para tudo o que é
relevo suas tonicidades, com durações semelhantes. sutil e em tudo penetra. Por isso mesmo imita com ela os movimento s de ir (iénai)
Na partitura vocal só é anotado o recurso de cadência silabada, pois a e avançar (íesthai), da mesma forma que empregou 'ph, ps, s, z' letra s aspiradas
cadência acentual é a produtivamente usada na língua portuguesa, não sendo todas ela s, na imitação de noções como ' psychrón' (frio) ' z éon' (fervente) ,
necessário fazer esta marcação. O acento nas palavras relaciona-se à conjuga- 'sé iesthai'( agitado) e os abalos em geral (siemós). E quando imita alguma coisa da
ção de alguns recursos vocais como: intensidade, freqüência, timbre - aber- natureza do vento, na maioria das vezes é a letras desse tipo que o instituidor dos
to ou fechado - e duração. Por isso, muitas vezes, nas partituras as sílabas nomes parece recorrer. Parece tamb ém ter compreendido que a pronún cia do ' t ' e
do 'd' , letras que comprimem a língua e nela se apoiam, era apropriada para expri-
tônicas vêm acompanhadas de um alongamento (duração maior ) ou de cur-
mir a imitação de encad eamento e de parad a (desm6s e stásis). Por outro lado,
vas melódicas, indicando qualidades da prosódia e da interpretação do ator. tendo observado que a língua escorrega particularm ente na pronúncia do T , for-
Isto pode ser dito em relação a todas as marcações das partituras: elas apon- mou por imitação as palavras que designam o que é liso (leion), escorreg adio
tam características que são intrinsecamente relativas à sintaxe, à semântica, à (olísthanos), gorduroso (Iiparón), grudento (koIlôdes) e tudo o mais do mesmo gê-
prosódia, singularizadas nas ações vocais dos atores . nero. E como o 's' tem a propriedade de deter o escorregamento da língua causado
"Se a fala é marcada por monotonia, sem variação de altura vocal , pelo T , com a jun ção das duas letras repre sentou as noções de viscoso (glischron),
velocidade regular e ênfase invariável, não oferece diversão alguma para o doce (glykys) e lutulento (gloiôdes). Da observação de que o 'n' detém o som
dentro da boca, criou as expre ssõe s 'é ndon' (dentro) e 'entós' (interior), para repre-
ouvinte"," diz Machlin. Estudando as variações de recursos vocais na fala
sentar os fatos por meio das letras. Ao 'a' atribui o sentido de tamanho (melagê) e
para o palco, ele afirma que a altura vocal, a velocidade e a ênfase são os ao 'e' o do comprimento (mêkos) , por tratar-se de letras longas . Tendo necessid ade
três elementos que podem proporcionar infinita flexibilidade à voz falada, do 'o' para exprimir a idéia de redondo (gongylon), empre gou-o com mão larga
correspondendo, num certo sentido, à melodia, tempo e acento na mú sica. neste vocábulo. E assim procedeu o legislador em tudo mais, reduzind o todas as
coisas a letras e a sílabas e criando para cada ser um sinal e nome s apropriados,
para form ar por imitação de mais nome s a partir desses ele mentos primordiais."
As PALAVRAS E SUA NATUREZA NO TEXTO E NA VOZ
Como acima descrito, numa perspectiva fun cional, os significados
do s sons da fala são reforçados pelas próprias características emissivas
A percepção das combinações de vogais e consoantes e suas caracte-
da s vogais e das con soantes,
rísticas fônicas, são de extrema importância para o ator no exercício da
O ator pode brincar com as sonoridades na produção de suas fala s,
voz cênica. A criação, no trabalho com o texto e no subtexto, dá po ssibi-
fazendo com que a intenção seja carregada nas vibrações das vogais e das
21 . Wisnik , 1.M. O som e o sentido: uma outra história das músicas. São Paulo : Comp anhia
das Letr as/Cír culo do Livro, 1989. 23. Platão. Diálogos de Platão: Tccteto e Crátilo. Trad. Car los Alberto Nunes. v. IX, Uni-
22. Machlin, E. Speech fo r the stage. Nova YorklLondrcs: A Thcatre Arts Book. 1992, p.133. versidade Federa l do Pará (Coleção Amazônica. Série Farias Brito). 1973. pp.175-6.

48 49
consoantes, numa consciên cia dos mo vimentos fisiológico s da s palavras As consoantes vibrantes, de obstrução intermitente da língua, podem ser
e de seu s propósitos. múltiplas Irl e simples (ou flapes) I ri, quando a vibração de língu a é momen-
As palavras em ação vocal ganham corpo e devem ser exploradas nas tânea e só ocorre uma vez. Suscitam , mai s fortemente, dinâmicas como sacudir,
possibilidades de dinâmicas de movimento. Laban" pesquisou as dinâmicas talhar, torcer, por terem correlação com mo vimentos mais flexíveis. As laterais
do movimento no corpo, na certeza de que qualquer pessoa pode ampliar seu e as nasais são também ressonantes, caracterizadas pela subdivisão do trato
repertório de movimentos. Tem, em seu trabalho, como açõe s primárias, as vocal: se a corrente de ar é interrompida oralmente, mas escapa pelas fossas
seguintes: deslizar - movimento leve, lento e direto; flutu ar - leve, lento e nasai s, tem-se uma nasal tal como Im/, /n/, IP. I; se ela só pode escap ar pelo s
flexível; sacudir - leve, rápido e flexível ; pontuar - leve, rápido e direto; lados do canal bucal, devido à interposição da língua no centro da passagem,
pressionar - forte, lento e direto; socar - forte, rápido e direto; torcer - tem-se uma lateral, tal como /li, lÁ I. Tanto as consoantes vibrantes quanto as
forte, lento e flexível; talhar - movimento forte, rápido e flexível. nasai s e as laterais são sonoras e prolongáveis arranjando variações melódicas.
É po ssível perceber que a emi ssão , em se us mo vimentos, traz se nsa- As diferentes durações e movimentos emissi vos das vogais e das con-
ções semelhantes. As composições da s palavras, das fra ses, da s fala s vão soantes sugerem pesos e dinâmicas às palavras faladas. O texto escrito , com
gerando din âmicas que expressam se ntidos e ampliam, também na voz, suas composições de segmentos vocálicas e consonantais, é combinado com
suas potencialidades. o texto falado nos recursos vocais usados pelo ator. Os sons nasai s tend em a
A fal a, com suas mel odias e recortes, tem na s vogais - fon emas ter uma duração maior do que , por exemplo, os plosivos. Nos textos que são
puramente sonoros que se produzem pel a livre passagem do ar pel a bo ca analisados de "Ham-let" (capítulo 3), as sílabas tônicas das palavras estão,
- características de extensão e prolongamento. Curvas ascendentes de pensando (Polônio), doente e sempre (Hamlet), profunda e a palavra fim
vogais sugerem, principalmente, movimentos leves, para cima. É mai s (Ophélia) são mais longas do que as sílabas tônicas das palavras cabeça,
fácil executar movimentos fortes para baixo, como numa curva melódica braço (Oph élia), a!ll!i, amigo (Polônio), dama e máquina (Hamlet). Mas é
descendente . Fundamentalmente, são as vogai s que dão o tom à fala, sen- a interpretação dos atore s que determinará as durações das palavras assim
do assim mai s melodiosas do que as co nsoantes, que, com seu aspecto enfatizadas. Isto será visto nas análi ses das partitura s, nas quai s, no exemplo
cortante, ritmado e percussivo, oferecem ob stáculos à passagem do ar. citado, ju stamente a palavra cab~a - em Ophélia - , que aparece dua s
A s consoantes, tanto no modo como no ponto de articulação," susci - vezes no texto, é enfatizada pela atriz com alongamento da sílaba tônica (maior
tam din âmi cas de mo vimentos na emi ssão . que estã o vinculados à sua dura ção), na primeira vez, e é falada na segunda vez sem este recurso. A
propriocepção e duração. Para citar apenas algumas tem-se que: qu anto palavra fim (em dois momentos no texto), que tem um som nasal, é enfatizada
ao modo , as consoantes plosivas Ipl, Ibl, lU, Id!, IkI e Ig/ caracteriza m-se um a vez rapidamente sem alongamento, e na segunda vez em que apare ce na
por uma aproximação estreita dos articuladores, seguida de um estouro, partitura , com duração maior, alongada,
ou seja, uma soltur a repentina; sugerindo dinâmicas de qualidade direta, A duração das con soantes varia se estas são surdas ou sonoras; plosivas,
cortante, pontuada. rápida. Tal característica dá às palavras, composta s fricativa s, líquidas, vibr antes ou nasai s, em grupos con sonantais ou isoladas.
por tais son s. qualidade diferente das fricativas If/. tvt, Is/. Iz/.UI e /31, - Por exemplo, as palavras grudou (Oph élia), dentro (Polónio) e sem p re
com aproximação incompleta dos órg ãos da bo ca. Est as têm natureza de (Hamlet) têm combinações de consoantes plosivas e grupo consonantal, ten-
fricção ou sibilo, com um som con stante , e são mais alongáveis, flexíveis, dendo a ser mais longas na emissão do qu e as pal avras pegou (Oph élia),
sinuosas, contínuas. Mesmo nestas duas categorias de modo de articulação, dicas (Polônio) e minha (Hamlet).
plosivas e fricativas, as con soante s sonoras Ibl, Id!, Ig/, Ivl, Iz/ e /31- mais A interação entre vogais e consoantes é ilimitad a, até porque a dur a-
resonantes - se diferenciam das surdas, Ipl, ItI, 1kI, If/ . Isl e IJ/ - mais ção da co nsoante altera a da vogal e vice- versa. A percepção de stas co mbi-
secas, aba fadas - , pela vibração laríngea das primeira s. naçõ es para o exercício da voz cê nica do atar é de extrema import ân cia,
poi s po ssibil ita reavi var se us recursos, sua co nsc iênc ia e as po ssíveis in-
tenções dadas a cada palavra .
24. Laban, R. Domínio do movimento. Trad. Anna M.S. de Vecchi, Maria S.M. Netto. 2. ed. Assim, aliado às ca racterísticas intrínsecas das composições fonéti-
São Paulo : Summus, 1978.
25. Os modos de articul ação dizem respeito à maneira como a corrente de ar passa pelos cas, somam-se os recursos vocais usados pelo ator na partitura vocal . Ele
canais acima da laringe. Os pontos de articulação designam os lugares onde ocorre a aproximação multiplica as pos sibilidad es de combin ações de vogais e de conso ant es
ou encontro dos articuladores. nas síla bas e nas palavras, nas falas e no texto. podendo compo r, por exem -

50 51
pio, alongamentos e encurtamentos de vogais, con soante s. e muit as quali- anotado no seu texto teatral. Os três de senhos do texto - o primeiro como
dade s de movim ento co nfor me suas intençõe s, aumentand o seu rep ertó- receb ido para leitura, a partitu ra do papel e a partitura vocal - resultam
rio voc al. "Conhecer foneticamente os elementos que constituem a sílaba em um só, detalhado com todas as referências interpretativas. As sim, a cada
dá à pal avra a realizaçã o viva do que ela representa, porque exi ste uma dia, ao longo do processo criativo, o ator pode reler suas falas já "acorda-
afi nidade mister iosa entre o pen sam ento e a sua expressão sonora.''" das" por imagen s, intenções, que anota no texto. e pelos recursos vocais
Isto pode ser visto e sentido claram ente por qualquer pessoa que , com que impul sionam a criação. Nest e decurso ocorre de algun s atores reescre-
olhos e ouvidos atentos, assiste a um espetáculo teatral e é afetado por ele. vere m suas falas fora do texto, divididas pelas pausas, ênfases e outros re-
Todas as pessoas que já viram teatro devem ter experimentado isso. Nas aná- cursos indi cados, mas isto faz parte dos modos como cada um elabora seu
lises das partituras vocais esta dimen são será desdobrada nas ações vocais . trabalho e não é regra geral. Alguns recursos o ator marc a quando se perce-
A partitura colabora na busca do personagem , co mo tamb ém o traba- be em ação vocal, mas, para arranjar vários, muitas vezes ele precisa de
lho de elaboração do personagem auxilia na concepção da pa rtitura e con- treinamentos vocais, ou que o prep arador vocal esteja presente nos ensaios.
seqüente aç ão vocal. A voz revela as se nsações e intenções de quem fala, ou que o diretor aponte-os, poi s pode não ficar claro quais recu rsos estão
mas cert ament e se colocar em atitude de ação vocal , com o na prática do emergindo. Em contrapart ida, com o a partitura é intrínseca à interpretação
ator, incita a descoberta de forças vitai s no falar, na interpretação. "Uma da fala, tem de ser feita sempre em parceria com o ator.
lingua gem falada com ritmo bem delin eado faci lita a sensibilidade rítmica Na partitura os recursos vocais são marcad os na medida em que pul-
e o oposto é tamb ém verdade: o ritmo das sensações experime ntadas ajuda sam na interpretação. É mais freqü ente as pausas interpretativas e as ênfa-
a falar co m clareza.'?' O aprimoramento dos recursos voca is está direta - ses aparecerem primei ro, nesta abso rção do texto, referente ao entendimento
mente ligado à criação vocal. Quando o ator fala bem significa que o perso- que se tem desta etapa criativa.As pausas interpretativas lógicas são marcadas
nagem está pre sente, existe vocalmente. com um traço I e as psicológicas com dois II. não importando, na marcaç ão,
A partitura vocal é um instrument o para o ator, registrando, na fluidez se estas são respiratória s ou não. A " luftpause", respiratória. é anotada co m
da fala, um princípio de estabilização. Ele nunca falará exatament e com as este marcad or - v - Ela aparece muito no meio das falas, seguida, às ve-
mesmas curvas, com o mesmo andamento, mas terá referências de suas inter- zes, de uma palavra enfática, ou só como uma rápida pausa para tomar ar.
pretações vocais para elaboração da voz do personagem. É uma ferrament a Em outros momentos isola uma ênfase ou um grupo da palavras enfáticas ,
auxiliar para desenvolver a técnica e a sensibilidade para fala no teatro. mas difere das outras pausas por ser mais rápida e emitida como uma golfa-
da de ar, algumas vezes numa inspiração audível. Pode haver uma combi-
nação de tipo s de pausa, na qual a " luftpa use", pode preceder uma pausa
COMO COM POR A PARTITURA
psicológica . Por exe mplo, no fluxo da fala o atar inspira e mantém o silên-
Eu sempre sou um instrumento musical. Eu não sei uma nota . mas a cio com uma pausa mais longa. A marcação ficaria assim: v II
emissão de uma pala vra tem que ter a força de um som que movi- Simultaneamente, as ênfases vão aflorando, pois algumas palavras
mente o seu corpo numa dan ça. Não é à toa que o sopro divino criou "pedem" realce , e prontamente as intenções, o subtexto co meçam a ga -
a humanidade. Mesmo quando eu faço teatro em que. às vezes, não nhar fo rça qu and o estas são encontradas. Achar as palavras vivas ajud a
predom ina a pa lavra, eu crio UI/UI história. uma zona de diálogo ou tamb ém a quebrar o padr ão ritmado pela leitura. As palavras enfatizada s
de emissão sonora que possa imantar minha interpretação. são sublinhadas no texto . Por vezes a for ça recai em uma palavra, j á num a
Fern anda Montenegro" outra fala a ênfase pode ser dada a um grupo grande ou pequeno de pal a-
vras, ou seja, um sintag ma. Algumas falas podem não ter ênfases, com o
Desde as primeiras leituras de mesa, na montagem de uma peça tea-
numa passagem curta de sentidos; isto não quer dizer que não há recu rsos
tral, é possível ir esboçando a partitura voca l. Nestes ensaios o ator vai
voca is. A voz é se mpre feita de recursos . Nes te caso, de falas sem ênfases,
estruturando-a co mo uma mesma co mpos ição da part itura do papel, tudo é
alguns recursos podem ser ma rcado s ao lado da linh a, qu and o forem
determinantes na interpretação. Aliás, obviamente, nem todos os recursos
26. Lerichomme, apu d Aslan, op. cit. , p.8.
27. Stanislavsk i. 1986. op. cit., p.25!. usados na fala são anotados, só aqueles que estão fundamentalmente liga-
28. Fernanda Mon tenegro . Entrevista ao caderno Fo lha Ilustrada. Folha de S. Paulo. São dos à aç ão vocal naquela situação e, portanto , necessários ao exercício
Paulo. 1993. interpretativo do atar.

52 53
A passagem do texto escrito, falado ainda timidamente, para uma emis- Guia de marcas
são com vitalidade, com apropriação, está relacionada a estas descobertas: da
divisão do texto (pausas) e das palavras vivas (ênfases) que darão novos rit- Recursos vocais Exemplos de marcações
mos com cadências e fluências. a atar, quando entra em cantata com seu PAUSAS INTERPRETATIVAS
personagem, experimenta as dinâmicas do texto, nos movimentos que emer-
lógica quero /
gem das palavras e nos novos sentidos que isto faz gerar.
a que há, na partitura, é uma ligação intensa entre ênfases e pausas, no psicológica quero //
"luftpause" ou pausa para retomada de ar v quero
momento em que os ensaios são constantes e a repetição das falas, já com
algumas anotações iniciais, vai proporcionando tempos e andamentos ao tex-
ÊNFASE
to. É comum, de ensaio para ensaio, com novas compressões da peça, que as
marcas mudem alterando a partitura - por isso é bom que seja feita a lápis. CURVA MELÓDICA
Nesta fase inicial, poucos são os recursos vocais anotados na partitura; .i->
estes vêm, dia após dia, a cada descoberta. a atar pode ir anotando alguns que ascendente (agudizando) quero
ficam bem definidos pelas situações do personagem e seus objetivos. Com
algumas perguntas básicas vinculadas ao superobjetivo, aos objetivos da cena descendente (agravando)
----....
quero
~
e às intenções, o atar vai clareando, e mais, vai precisando de recursos para ascendente/descendente quero
expor seus desejos. Ele se pergunta: a que eu quero dizer? a que fazer? e age, -----.....-
respondendo através da ação vocal. Então ênfases com curvas melódicas, descendente/ascendente quero
variações de intensidade etc. aparecem e podem ser anotadas. A cada palavra
emitida, muitos recursos vocais são combinados, mas, na partitura, o que monotonal
importa são os que estão diretamente vinculados às características cênicas e,
INTENSIDADE
na situação, fazem diferença aos ouvidos quando se tem ação vocal.
Uma partitura decupada em seus recursos vocais é difícil de ser feita forte
nos ensaios pelo atar. a que ele percebe mais claramente, muitas vezes, é a
relação entre o recurso e as características cênicas do personagem de forma fraco
abrangente. Algumas cenas fazem emergir uma necessidade vocal: por exem-
plo, a cena de Polónio, que é analisada no capítulo III, é de pressa, de embar- ARTICULAÇÃO
que - a velocidade rápida está presente em toda fala, como um recurso de
força
base que flui pelo texto. Num caso como este, o atar deve assinalar a marca
deste recurso na cena, como condutor da linha da ação vocal. abrandamento
A partitura vai se estruturando pela marcação dos recursos vocais no tex-
to. Para tal foi elaborado um guia de marcas dos recursos, mostrado a seguir. DURAÇÃO
Nele todas as marcas são assinaladas como ênfases - sublinhadas - , •
pois sendo o ponto culminante do subtexto é onde recaem, mais fortemente, alongamento quero
as intenções, objetivos, e, portanto, maior número de desenhos vocais. As VELOCIDADE
partituras vocais são analisadas, no capítulo III, sob este ponto de vista. Já
tinham uma estrutura bem definida, porque foram recolhidas de um mo- rápida
mento adiantado do processo criativo - dois anos após o início dos
lenta quero
ensaios e um ano após a estréia.

CADÊNCIA
-----
silabada
54
Nas partituras anali sadas neste livro , a con cepção criativa estava avan-
çada e as ações vocais altamente praticada s; ape sar de este momento ser
delicado também, poi s as inúmeras repetições poderiam ter "congelado "
formas de emissão sem nenhuma ação vocal.
O cuidado com a padroni zação da voz no teatro é essencial ! A voz em-
polada, a repre sentação vocal, traz numerosas vezes uma entonação monóto-
na para o palco , como a repetição de curvas ascendentes e descendentes:

OPHELIA .- - - -
1\ / \ / \ / \ / \ / \ / \ Mo pegou pelo pulso e me ap~ rtou com forc;ü
DepOIS se afastou na distância do bra~o
[Inteiro
ou ainda outras emissões, com uma curva ascendente cont ínua que nunca f: o s. dedos Ú.:l S UCi out r a mão pousou na sua
pontua: [próprIa testa
Me('~ulhou nurna leitura tão (jemor ,lda 110 meu
[rosto
Como se qUises se I1f.'serlt,ar FICOU um tempo
[f>norme assim
Nu fim, uma ",acudida rur t a ru: mt-~ll trr ac o
E, também , outra freqüente padronização que é o vício de ataque vocal f três veze~ iazl.'ndo ", l r' ü l com ~,lId cdhpc;a,
intensificado no início de toda emissão, definindo partituras de falas com ênfa- [d~slm de cIma pra baIXO
ses sempre nas primeiras palavras e um fluxo monocórdio de fala. Para que- Soltou um susPiro tão sentido e proflJnrjo.
brar esta s fórmulas, um bom co meço é agir voca lmente, de scobrindo novas Que parecia que seu corpo se desiazla em
partituras para a voz cênica. [ fJedac;os
Na s etapas iniciai s do percurso cri ativo, o ator pode montar sua par- Ic-: '';Ud Vida morrld
titura, definindo, além das pau sas e das ênfases, os outros recursos vocais -
marcados diretam ente nas ênfases, ou ligado s a tod a cena, a algum as falas • ( Opt,E' 1 J a e Ham J et or gasmam) _______
(um bloco ), seg undo o entendimento que ele cria. Ent ão , ele mar ca estes
recurso s de base ao lado destas linhas ou da fala tod a. Aos poucos pode ir
esmiuçando outras qualidades e acre scentando recursos vocais. Feito ISSO, me delHou.
Por exemplo, pegando-se os texto s dos trê s person agens da peç a E, com a cabe~a vlrad~ pra mIm por cima do
"Ham-let" - Ophélia, Polônio e Hamlet - , pode-se estabelecer os prin- [ombro,
cipais recursos vocais de base usados na interp retação dos atores nas ce - Parecia encontrar seu camInho sem os olhos,
nas, segundo sua s partituras analisadas no capítulo III. Na fala de Ophélia POIS atravessou a porta sem sua ajuda, •
(ato II, cena 1), ela descreve, ainda perplexa, para se u pai Polônio, o que E até o f1l11 qrudou o o r r Lh o (jeles em mim .
acontec eu entre ela e o príncipe Hamlet. Um a cena arrebatadora e amoro-
sa na qu al, segundo a interpretação da atriz, as curvas melódicas, o alonga-
------.-
mento e a velocidade lenta delineiam sua criação . No texto, estes recursos
de base apareceriam ao lado da fala como a seguir:

56 57
A segunda fala, de Polônio (ato I, cena 3), se dá no porto - na despe- E, por fim, a fala de Hamlet (ato II, cena 2), quando ele confessa seu
dida de seu filho Laertes que vai para a França. Quando Polônio chega amor a Ophélia por meio de um bilhete lido na presença do rei Cláudio,
para se despedir, Laertes está atrasado e, assim, o pai lhe dá, apressada- da rainha Gertrudes e de Polônio (este começa lendo-o e depois "dá a
mente, antes do embarque, as últimas dicas para viagem. São conselhos deixa" para Hamlet, ele mesmo, falar o conteúdo do bilhete). As opções
bem marcados na fala do ator com força na articulação, intensidade forte melódicas do ator, na fala de Hamlet, aliadas à suavidade do discurso,
e velocidade rápida. Somando-se estes recursos de base da cena às nume- traduzem a declaração de amor dos versos escritos, agora ditos ao vivo,
rosas ênfases e pausas da sua partitura do papel, tem-se o seguinte dese- para Ophélia. Então, o ator pode anotar, ao lado das linhas, os recursos de
nho vocal: base (curvas melódicas, intensidade fraca e alongamentos) mais atrelados
a este momento, à situação:

Já d .... o .... ! d .. ",al ... t . .;. ~'O em{


entra polonlo] \ 1J~t(() 11ttt1t:- f't\NOO
Ha .. aí ... tá ",eu pai chellando. ~it';;Ll4e...;res
_ dupla b .. n .. ~o R .... dupla lI .. a .. a • ," . 1l .
Ai sorle ...la do .... u l.do r nasila, segunda desped i da I éPilb oe 1DL.otVI O P(lLONIO
Boa ~~ep espere um pouco. Eu serei

~D~Videtq~est~€)~~ 5eJam ~OgOpl


DU~I deI o Sol 'su m~VL\ r I •
-'l"'--
.. la, "l .Óz

DuYide,l~ verdade S€J~ ~enll~ar


~l-"" ...L_L< e uc- j dei '0."1.1:10. ~~.
O~ ''''íU Ot'gliaple~ f'ic.o doente:
:':=:.-:c:.nla.i~ sl.t!;,pit-os, Mas
ll1e!us
cano
EU l
essa mél~ica. N~o
alllo.laClm?: dc--r-r.tdo./

nc r- e d.I a Em mim. 1.-..-..
cu"l pt-a .5efllPFe·,~mjr.h~ dam~ mfí~,qUe:ridaplenql.1anlO essa
M&qu i n~\ d Haml et TlJnC I onD.r', Hall.1 e t /i..
~.~S50,. minha +"ilha me ic et r ou por obe-di&ncia" • /"
Guanto ao ~eslo,. soli~itaçoes dele,
Como aconlecel~
Tudo o mais
,. em tEmpo, lugar ~ modo,.
.a con~jou aos meus ouviclos.
\ /

Quando a peça está em cartaz, normalmente, a partitura vocal já está


,," .1'9 feita e, na necessidade de reatualizar o texto, novamente o ator irá mexer
dela•• nos recursos vocais que usa, alterando os seus desenhos. O que acontece,
inúmeras vezes, é que o preparador vocal só é chamado quando a peça já
estreou e o ator está com dificuldades, sejam estas na construção vocal de
e o amigo
seu personagem, ou com sua saúde vocal - o que muitas vezes, ocorren-
do conjuntamente, significam a mesma coisa. Neste caso, será fundamen-
() Nlo talo exercício da ação vocal e sua prática por meio da partitura.
ben .. lo voce.
A partitura vocal não paralisa, nem fixa o texto em seus recortes; ao
contrário, espelha a ação da voz, seus recursos vocais em movimento. É
essencial que a partitura seja reatualizada pelo ator, que ele "bata" o texto
partiturizado adquirindo fluência na fala, e que cada nova conquista vocal
seja acrescentada ao texto. Isto funciona como uma espécie de sistematiza-
ção da criação, para depois poder fluir em cena. Este exercício deve ser

58 59
feito, também, com o preparador vocal aliado aos vários treinos necessários: A realização da partitura pode ser feita durante o processo criativo o
ele pode selecionar, por exemplo, os recursos vocais de base que foram q~e a toma muito mais completa, em suas diversas marcações e na constru-
percebidos nas falas do personagem e exercitá-los para melhorar a perfor- çao vocal do personagem; feita em treinamentos vocais individuais ou em
mance do ator. Portanto, a partitura serve, também, como um guia para os fonoterapias, ou ainda estruturada a partir da escuta da fala em um momen-
treinamentos, no qual o preparador vocal revisita seu trabalho, pode con- to d? e~pe~áculo, ~m vídeo ou em áudio. Quando ela é feita pela gravação
sultar o que foi feito - nas repetições das falas, nos ensaios - e pode em áudio e essencial que o preparador vocal conheça a peça, o personagem
projetar novas etapas. e a cepa para melhor análise em relação à interpretação do ator.
Nas análises que são expostas no capítulo seguinte, numerosos recursos E ? desejo de ação vocal que leva à elaboração da partitura e vice-
estão anotados, especificados em suas relações com as características cêni- versa. E um treino de recortes múltiplos vinculados à criação, às análises
caso É importante ressaltar que estas partituras foram feitas e analisadas por
do texto, à concepção de cada diretor, às possibilidades e descobertas de
r:cursos v~~ais do atar em seu personagem. Por isso, na prática, a execu-
uma preparadora vocal, já num momento bem avançado das interpretações
çao e a análise da partitura são a mesma coisa.
vocais dos atores. Fica como um registro completo de como se fazer partitu-
A partitura traz a possibilidade de o ator "tatear" os recursos vocais em
ra, bom para quem toma contato pela primeira vez com estas conceituações;
ação; qu~ndo ele reconhece seu mapa de ação vocal, "remodela" seu perso-
por intermédio do seu detalhamento pode-se conhecer exatamente os recur-
nagem, Impregna-se de suas substâncias vocais, transforma-se nelas. Este
sos que mais se repetem na cena e os que, em seu conjunto, ressaltaram as
ações vocais dos atores.
podAer ~e se met~morfo~ear é intrínseco ao processo do ator. Ampliando esta
potencia ele esta se abnndo para o plano das forças vitais.
Não se trata de partiturizar todo o texto a ser falado! Normalmente,
na prática, somente alguns recursos, os mais fundamentais à ação vocal Expor os recursos vocais na partitura só ganha sentido se é realizado
em relação às características cênicas, serão anotados/analisados pelos ato- no curso da ação vocal. Não é exemplo de como falar num determinado
res, pelo diretor e pelo preparador vocal. Eles podem escolher, para papel! ,A partitura em si fica como um registro vocal de interpretação da
partiturizar, uma fala em que o atar encontra maior dificuldade, ou uma nossa epoca, que, mesmo sendo um esboço, dá uma noção de como soou
aos nossos ouvidos.
cena específica que ajude a conhecer e explicitar a natureza do persona-
gem, por exemplo, em uma situação-chave do texto. O preparador vocal
pode selecionar algumas falas que considere nucleares à prática da ação
vocal, ou ainda algumas cenas nas quais seja bom pontuar somente os re-
cursos vocais mais freqüentes, os de base. Em outros casos, o ator pode não
estar conseguindo falar bem um texto: a partitura o faz exercitar sua voz,
descobrir caminhos para expressar melhor o personagem e para agir na
situação. Depois que a peça está muito tempo em cartaz se faz necessário,
para reatualizar o texto falado, revisitar a partitura; o ator pode querer re-
pensar, retrabalhar sua voz. Num certo sentido, a partitura é efêmera e fu-
gaz como a arte do fazer teatral, os desenhos vocais realizados na
interpretação hoje podem ganhar recortes e se modificar amanhã; mesmo
assim, a partitura mantém seu substrato, será sempre uma referência, um
guia do fluxo das ações vocais em cena.
O registro da partitura é gráfico, mas muitos atares tem uma partitura
interna, memorizada. Este esboço mental constitui também possibilidades de
partituras que não são grafadas. Mesmo não registrada, a partitura dessa for-
ma é como um som "escrito no espaço". Durante um treinamento, um atar
afirmou que o registro da partitura vocal "abriu sua cabeça" para falar em cena.
Ficou intemalizado, pronto para se realizar como ação vocal. Isto também
fez com que ele ampliasse seu leque de recursos vocais para o personagem.

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naquele momento com a força da paixão que o espírito de seu persona-
gem, Hamlet, torturado e inquieto por estar no "olho do furacão" dos
acontecimentos da peça, expunha acentuadamente pela voz . Imediata-
mente comecei a recuperar o pouco de sonoridade que a voz do ator ainda
tinha, pois o premente era que ele tivesse voz para o espetáculo.
Passado esse momento emergencial, em que o protagonista reconquis-
tou sua voz, a continuidade do trabalho pressupôs a conjugação da inter-
venção na voz do ator/personagem. A relação de trabalho foi se estreitando,
III abrindo os treinamentos para todos os atores, enquanto fui me apropriando
da concepção criativa do Teat(r)o Oficina: "Te-ato' - nome com múltiplas
IfHAM-LET' significações que vão desde te uno a mim, até... ' te obrigo a unir-se a mirn'".'
Compreender esta vivência de te-ato foi essencial para participar
desta Companhia. Tão intenso o vínculo que, na absorção deste processo,
fui para a cena como atriz e, então, pude perceber fortemente a voz cor-
porificada nas minhas próprias necessidades. Não que isto seja uma regra
geral para o preparador vocal que trabalha numa Companhia, mas neste
caso foi inevitável.
A companhia do Teat(r)o Oficina sempre buscou uma interpretação
PASSAGEM PEWTEAT(R)o OFICINA plugada nas coisas de seu tempo, tanto na sua dimensão coletiva quanto
nos desejos de cada um de seus membros. Isto faz com que cada texto
A gente teve uma sorte enorme, que foi a de encontrar pess.oas montado seja produzido e vivido como um processo singular de criação.
que vieram trabalhar com um grande carinho, como eu VI no Na trama da peça, o pai de Hamlet é assassinado por seu irmão Cláudio,
Sesc Pompéia quando Hamlet perdeu a voz. Toda uma outra que instila um poderoso veneno no ouvido do rei enquanto ele dorme. Morto
maneira super silenciosa de trabalhar a voz contrastava com a o rei, Cláudio ocupa o trono da Dinamarca e casa-se com a rainha Gertrudes,
violência da voz de Hamlet, como ela tinha que existir para mãe de Hamlet. Numa aparição, o fantasma do pai assassinado conta a
conseguirfazer o que queria: a ação de Hamlet. Era necessário Hamlet as circunstâncias de sua morte e confia-lhe sua vingança.
escutar coisas muito sutis, detalhar coisas de sotaque, de Zé Celso chamava a atenção dos atores para o ouvir, para o ouvido
pequenas partículas. de retrqbalhar tudo, de reinv~?ntar tudo. envenenado, que já não escuta. Insistia sempre na necessidade de todos
Zé Celso Martinez Correa' estarem atentos não só às suas próprias falas, exigindo a ligação de todos
na peça. Havia, na preocupação do diretor, o claro objetivo de valorizar a
A minha entrada na Companhia Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, dirigi- palavra como provocação para a atuação de um ator com o outro. Era pre-
da por Zé Celso Martinez Corr~a, deu-se num pronto-socon:? de um ,?OS ciso "excitar" a escuta e torná-la fértil na ação dos personagens/atores.
atores Marcelo Drummond. Ele ínterpretava Hamlet, na peça Ham-let de Prática que fertilizou também a ação vocal.
William Shakespeare, e estava disfônico no dia do espetáculo. Quando fui A montagem de "Ham-let" foi feita nesta perspectiva e, também,
chamada, quatro horas antes do espetáculo - que tinha na época sete ~or~s marcada por um momento muito especial com a (re)abertura do teatro, na
e meia de duração - , era imprescindível avaliar a sua voz em relação as estréia da peça em São Paulo em outubro de 1993 .'
suas próprias necessidades e características. Além disso, era preciso tam-
2. Silva , A.S. Oficina : do teatro ao te-ato. São Paulo: Perspe cti va, 19SI. p.203.
bém avaliá-la em função do que era exigido pela voz do personagem. 3. O Grupo Oficina estabeleceu- se no prédio da rua Jaceguai, 520 , no Bexiga, em 1961.
A condição da voz do ator, debilitada e enfraquecida, contrastava Nesse período o espaço teve três teatros: o primeiro em forma de "sandu íche" (o palco no meio,
a platéia de um lado e do outro) , idealiz ado pelo arquiteto Joaquim Guedes . O segundo, por
Flávio Império, de 1967, com um palco giratório inaugurado como cenário do cspet áculo "O Rei
1. Este trecho faz parte da entrev ista que me foi concedida pelo diretor teatral Zé Celso da Vela", de Oswald de Andrade; e finalmen te seu terceiro teatro, o "Terreiro Eletr ônico", em
Mart inez Correa da Companhia Teat(r)o Oficin a Uzyna Uzona, em 1994. durante a temporada forma de rua com arquibancadas laterais, pista de terra, jardim, cachoeira, teto móvel etc., dos
da peça "Ham-let", dirigida por ele. arquitetos Lina Bo Bardi e Edson Elito, inaugurado em 1993 com a peça "Ham-let",

62 63
Na época em que fui chamada, a peça estava sendo encenada no inflexão mecânica, constituindo detalhadamente partituras "a o vivo" e
Teatro Sesc Pompéia, que possui uma estrutura "sanduíche" : o palco no em constante transformação.
centro entre duas arquibancadas, onde fica o público. De acordo com a A direção de Zé Celso encontrou uma parceria em Shakespeare. Zé
concepção de encenaç ão de Zé Celso, os atores atuam em todo o teatro - Celso era particularmente rigoroso na atenção que mantinha, e fazia cada
palco, platéia e outros pontos do teatro - , o que faz com que a voz tenha um dos atores manter, nas palavras do texto. Os longos monólogos de
de ser direcionada para todos os seus cantos em relaç ão aos diver sos pon- Hamlet, por exemplo, de três páginas às vezes, mereceram dele uma
tos por onde os atores passam . Normalmente no teatro de palco italiano - obcecada direção, milímetro a milímetro, na busca sem tréguas do que hou-
o palco de frente para a platéia - em que os atores representam ~ent~o de vesse de revelador em cada frase, cada palavra. E o texto sempre tinha uma
uma área limitad a, a relação entre a ocupação sonora e seus direciona - riqueza incontável de descobertas, como se respondesse com uma grata ale-
mentos é outra: o ator se localiza cenicamente, estando de um lado ou de gria a esta busca. Dirigindo a Hamlet, era a todos que Zé Celso dirigia.
outro, de costas ou de frente para o público . Já no Teat(r)o Oficina, para
Creio que um trabalho sobre Shakespeare é a maneira certa de se aprender
onde o espetáculo se transferiu posteriormente, as referências são ma~s sobre texto , pelas seguin tes razõe s: porque demanda um completo investi-
numero sas. Na concepç ão arquitetônica, este teatro é uma rua de aproxl: mento de nós mesmos nas palavras; porque é tão rico e extraordinário que
madamente cinqüenta metros, sem coxias, ladeado por arquibancada s. E somos forçados a ser corajosos e até extravagantes e, assim, talvez desco-
brirmos mais possibilidades na nossa própria voz do que podería mos supor;
clara sua perspectiva de estrada, de ligação entre ruas, mundos, tempo s, (oo .) e finalme nte, e isto é particularmente importa nte para o ator moderno,
sentidos, mão-dupla de direção. Os deslocamentos dos personagens porque a estrutura do pensamento demanda co ragem e disciplin a:
amplificam-se devido às características espaciais do Oficina . E um "teatro
urbano", invadido e mixado inclu sive com o som da rua, pois em algun s O trabalho no Teat(r)o Oficina, realizando na voz uma atuação em
momentos seu teto se abre para o som do mundo, de fora. O atores estão ressonância com a prática de fazer te-ato, conduziu-me a escolher "Ham-let"
cercados, podendo estar de costas para uma parte do público mas, ao como solo a partir do qual sistematizaria e objetivaria uma proposta de tra-
mesmo tempo , de lado e de frente para duas outra s; eles são vistos por balho vocal, uma vez que foi aí que aflorou, com maior clareza para mim, a
cima, por baixo, pelos lados, sempre de passagem. concepção de preparação de voz engendrada e modalizada pela ação vocal.
Em cada teatro, de acordo com as dimensões acústicas do espaço e do Assim como a voz, a linguagem do texto teatral é (re)atualizável na
"feedback" auditivo, a percepç ão da fala pelos atores influi decisivamente montagem por intermédio da concepção teatral no trabalh o do diretor, dos
na produção de suas vozes cênicas. O ator estabelece direções para proje- atores e do preparador vocal. As análises das partituras vocais mostra
tar sua voz. No Teat(r)o Oficina, o ator está, simultaneamente, ao lado de como a direção realizada por Zé Celso Martinez Correa , bem como o tra-
uma parte do público e muito distante de várias outras. A ocupação sonora balho dos atores da Companhia, com a co laboração da preparação de voz,
deve ser agradável para quem está ao seu lado e também eficaz para o considera e reflete a penetração das características dos personagens em
público distante. Em todo teatro, seja ele de palco italiano, de arena, ou suas falas/vphall ós" . Além disso. é preciso ressaltar que a obra de
"sa nduíche", o ator terá de alcançar um envolvimento sonoro do espaço, e Shakespeare se projet a no tempo, porque absorve o que é vital, fazendo
mais, construir seus personagen s naquela geografi a, naquela situação. acontecer enquanto se fala.
Quando trabalhada, a ação vocal deverá ser situada em cada contexto O Hamlet de Shakespeare , recriado em "Ham -let", é um bom exem-
teatral, sugerindo uma abordagem de trabalho; sua elaboração integra o plo do poder de se manter atual. As part ituras dos personagens analisadas
ator/personagem e seu corpo no espaço que se desdobra a sua frente . por meio de suas aç ões vocais demon stram isso.
A escrita de Shake speare colaborou para o uso e desdobramentos que
faço destes conceitos, pois nela a fala é condutora da ação dramática e, 4. Berry. C. The actor and the text. Nova York: Aplause Thcatre Books. 1~92. p .~ .
portanto, pede ação na voz. Na estrutura versificad a do texto de Shakes- '" do believ e that work on Shakespeare is lhe suresl way 01' learning abo ut te xtound for
peare nenhuma palavra "sobra", e a ação vocal fica conden sada nos ver- these reasons: beca use it dc mands such a com plete inveslment 01' ourse lves in the word s; bccuusc
it is so rich and extraordina ry wc are force d to be bold and even extravagant and so perhaps dis-
sos; isto induz ritmos e partituras. De acordo com o texto de Shakespeare, cover more possibilities withi n our own voice tha n we are awar e 01'; (...) and lastly, and that is
a concepção interpretativa dada pelo diretor Zé Celso Martinez Corre a, partic ularly importan t for the modem actor, lhe structure 01' lhe thought dem ands both courage
em "Ham-let", valoriza a "palavra viva", o aqui e agora vocal, contrário à and discipline."

65
64
l II Ires, de coxias, tramas e dramas: o homem de profissão dedicada à carreira
ANALISE DAS PARTITURAS publica, à fanu1ia, a seus ideais, sua honestidade e fidelidade aos princípios
do Estado . Polônio é o teatro da corte: o teatro policial, cômico, de cortinas
Na investigação sobre a ação vocal, partituras vocais de três atores
(sua morte ocorre atrás de uma cortina), dramático, psicológico, racionalista,
foram detalhadas e registradas a partir de uma gravação em vídeo de uma
embevecido de análises, sacana, ingênuo, duplo de sentidos. Nesta perspec-
apresentação do espetáculo. A princípio, nos treinamentos, tínhamos feito
tiva. são curtos os parâmetros para definir aquela investida bestial e avassala-
algumas anotações na partitura, que ganhou sua forma atual ao longo do
dora sobre seus cânones, que é a presença de Hamlet na sociedade da corte.
tempo em que o espetáculo ficou em cartaz.
Louco é o adjetivo que vê no outro, mas é o espelho de si me smo que ele vê.
Os atores do Teat(r)o Oficina, Alleyona Cavalli, Pascoal da Conceição
I ~ sua loucura que está solta e para a qual ele pede a camisa-de-força. Até
e Marcelo Drummond, foram escolhidos porque vivenciaram um longo
onde pode - o início do terceiro ato, quando observa, por trás das cortinas,
processo de descobertas vocais, em treinamentos, fonoterapias e ensaios. A
Ilamlet no quarto da mãe, "in loco " - Polônio conduz a trama conforme sua
con stante reelaboração de suas partituras possibilitou um conhecimento
umilise, porém esta sucumbe na ponta da espada de Hamlet.
mais apurado da concepção de suas características cênicas nas ações vocais.
Hamlet é o vértice que costura este triângulo amoroso, é o teatro do
Ao mesmo tempo, ele s interpretavam em "Ham-let" três personagens
.lirctor, porque dá o tom e põe em cena as ações da peça; o teatro do te-
centrais à estrutura da peça - Ophélia, Polônio e Hamlet. O triângulo
alo. ao mesmo tempo instaurador e disruptor. A espada de Hamlet, reden-
vivido por esses três personagens revela, entre outras coisas, o conflito de
tora, sangüinária, lutadora, é a lâmina que faz jorrar o sanzue das veias
teatros que não se "bicam" mas , também, não conseguem viver separados.
enfartadas da Dinamarca. Provocar Hamlet é pedir ação, movimento; é o
Como num "vaudeville" francês , numa tragédia grega, numa "play"
inglesa, num forrobodó brasileiro, eles se amam, se odeiam, brigam, mor- mctateatro, que faz acontecer ao vivo. Sua presença é garantia de tragé-
rem, traem, injuriam, rejeitam e se aceitam. dia . muito além do drama. Alguns dizem que Hamlet é o personagem em
Ophélia: o "phallós" feminino, Oxum, mulher dos fluxos aquosos. A crise, entre a não-ação e a ação, o ser ou não ser, o vingar ou não o fan-
água do espetáculo, reflexo do mergulho no inconsciente das situações lasma do pai, paralisado porque vê demais. Mas o toque dado em "Ham-
gerais da peça. Ophélia é musa que vem do longínquo reino das coisas 11'1", no entanto, é ativo. Hamlet é o agente desencadeador do fogo. Sua
!lI'l~sença em todas as cenas é sempre transformadora. Ele é a própria
esquecidas, o passado/futuro presentificado. Dizem os gregos que há uma
região que possui as coisas que não existem: uma escura região à qual o Imagem do ambíguo, do intempestivo, que traz em si criação e destruição.
ace sso é negado aos não-iniciados. De lá, as musas às vezes nos trazem I~Ie é o tesão que enlouquece, procria, desestabiliza, o homem tocado pela
notícias e aí sentimos a diferença, aquela entrada de uma sensação de cria- chama da idéia, da men sagem que lhe veio não se sabe de que região
ção que arrepia, como se o coração fos se um útero. Bem, es sa semente não abissal. Vê-lo é mergulhar nas regiões trágicas, as quais o drama já não
se fecundaria sem a presença úmida de Ophélia; se chamarmos sua pre- alcança. Hamlet é o homem-novo-guerreiro, grego-negro, mensageiro-
sença de loucura, então loucura é também o húmus da terra, o esterco, a inventor, marinheiro com notícias de outros portos.
merda, o petróleo, a vida subterrânea, o outro lado do espelho, os arrepios, Situar os três personagens na peça "Ham-let" é vital à análise e
e ~ssim por diant~. A todos Ophélia recebe e ama: o pai, o irmão, o rei , a absorção das partituras a seguir. Todas as análises são feitas tendo-se. na
rainha, Hamlet. E a fresca anunciação da nova onda, do que está para partitura vocal, as anotações de pausas, ênfases e seus recursos vocais
chegar. Um teatro de renascente beleza: arrebatadora porque o que está resultantes, todos grafados. São expostas também as relações entre os recur-
,WI.\' vocais e as características c ênicas dos personagens na ação vocal. A
para nascer nasce sem pedir licença, respira o nosso ar sem maior cerimô-
nia , e é tão bonito quanto desesperadamente cruel. Este teatro prenuncia, análise das partituras é também a análise das sensações da ação vocal .
nos seus delírios, toda a sua tragédia. Sua sonda de emoções percorre cami- Cada análise (de Ophélia, Polônio e Hamlet) terá uma perspectiva
nhos nunca antes navegados: são aquáticos, lamacentos, placentários, própria, embora as três se complementem. O conjunto delas dá uma idéia
uterinos, aguados. Entra sem pedir licença pelos buracos dos nossos senti- geral de como fazer/analisar partituras vocais.
dos . Se fôssemos julgar pelo modo como se apresenta nos últimos atos, Normalmente a partitura vocal deverá ser feita no próprio texto con-
poderíamos dizê-la louca. Mas quantas não foram as mulheres julgadas forme recebido para primeira leitura. Mas, para melhor entendimento das
loucas e até bruxas porque eram incompreensíveis na sua fúria? anotações e uma imagem gráfica bem definida, o texto partiturizado foi
Em "Ham-let" , Polônio enxerga o drama burguês, seu teatro de basti- reescrito neste livro. Ele foi refeito sem os sinais gráficos de pontuação.

66 67
Todas as pau sas interpretativas lógic as e psicológicas são representadas II - Feito isso, me deixou,
pelo término da linha - pelo traço único ou pelo duplo - e as "luft- 12 - E com a cabeça virada pra mim por cima do ombro,
pau ses" (pausa para retomada de ar) marcadas no meio, no começo ou no 13 - Parecia encontrar seu caminho sem os olhos,
fim das linhas. Toda s as ênfases são sublinhadas e seu s recursos vocais 14 - Pois atra vessou a porta sem a sua ajuda,
diferenciados com marca çõe s di versas, como exposto no guia de marcas 15 - E até o fim grudou o brilho dele em mim .
- capítulo II. Cada fala , corres pondente às linhas, foi enumerada para
facilitar a análi se das partituras vocais. Sua resposta traz à tona a situação há pouco acontecida entre ela e
Haml et, e é ao mesmo tempo dita e revi vida. O texto po ssui um mo vi-
mento que impele uma palavra à outra, uma linha à outra, um pen samen-
OPHÉLIA to a outro, requerendo ação. Quando finda, Polônio transtornado pelo que
ouviu e viu resolve procurar o rei . A fala de Ophélia é ativa, afectando,
A fala partiturizada e anali sada ocorre quando Ophélia entra corren- modificando a cena que agora nece ssita de uma outra ação.
do em cena, gritando por seu pai Polônio. A ação do s per sonagens Oph élia Este texto escrito po ssui quinze linhas e diferentes combinações de
e Polônio inicia-se um pouco ante s da fala de Oph élia. Transtornada, entra vogais e con soantes nas palavras, dando diferentes pe sos a cada uma da s
trazendo a expressão de ter vivido um acontecimento forte e inusitado. linhas. As linhas I, 2 e 3 trazem, na associação entre palavras e sílabas,
Polônio e o público ficam então sabendo que Ophélia bordava no quarto, uma din âmi ca de emi ssão mai s pontuada, com vá rias consoantes plo sivas
docemente, qu ando sua tranqüilidade foi invadida pela força da imagem no início de palavras que definem ação, localização e tempo, como:
de um Hamlet que, como ela diz , parecia ter saído do inferno. Esse preâm- pegou, pulso, depois, braço, dedos, própria, testa. As linhas 4 e 5, intro-
bulo de descrição pressupõe tanta coisa que o pai , que havia alertado a duzidas pela vogal E, neste caso, de ligação para uma outra qualidade,
filha para o risco da proximidade com Hamlet, pede a ela que , em nome
mais líquida, possuem vogais mai s longas nas sílabas tônicas, como em:
de Deus, fale o que aconteceu, como se ela tives se de jurar, num tribunal
mergulhou, profunda, enorme. No vamente, as linh as 6 e 7 tra zem nas
e perante a Bíblia, dizer toda a verdade e somente a verdade. Ophélia se
suas palavras uma carac terística mai s pontual: curta, três, pra cima, pra
sente, a um só tempo, impedida e impelida a contar exatamente tudo o que
baixo. A linha S traz, nas sua s várias consoantes fricativas , soltou, sus-
aconteceu, até para ela mesma tomar consciência do que aquilo significou.
piro, sentido, um elemento de continuidade e fluência que segue até a
Na escrita, o texto teatral da fala de Ophélia (ato II , cena I) apre sen-
palavra morria, coincidindo com o término da ação, onde a rubrica indi-
ta-se da seg uinte form a:
ca: Ophélia e Hamlet orgasmam. Apó s o suspiro do gozo, num sopro ,
Ophélia fala na linha 11: feito isso e continua na s linhas de 11 a 15, numa
Ophélia
I- Me pegou pelo pulso e me apertou com força , mistura de qualidade e pesos de vogais e con soantes tanto pontuadas
2- Depois se afa stou à distância de um bra ço inteiro, quanto contínuas - deixou , cabeça, parecia, porta, grudou , brilho,
3- E os dedos de sua outra mão pou sou na própria testa , dele, mai s pontuadas, dir etas, e, feito, isso , virada, cima, seu, sem,
4- E mergulhou numa leitura tão demorada e profunda do meu rosto, ajuda, fim, todas com consoantes fricativas, de características mais flu-
5- Como se quisesse de senhar. Ficou um tempo enorme assim, entes e sinuos as - concordando aí com o término da fala e da ação e, de
6- No fim, uma sacudida curta no meu braço, certa forma, reafirmando para Ophélia o que aconteceu .
7- E trê s vez es com a cabeça, pra cima, pra baixo, pra cima, pra baixo, O texto esc rito e a an áli se de sua estrutura - a linguagem usada, os
pra cima, pra baixo, versos, os ritmos e as combinações de vogais e con soantes - revelam
S - E soltou um suspiro tão sentido e alivi ado, também a natureza do personagem em rel ação à situação e a sua atitude
9 - Qu e parecia que seu corpo se desfazia, frente a ela. As va riações de tempo estão implícitas nesta estrutura e,
10 - E sua vid a morria. de sta maneira, o estudo do andamento da fala de Ophélia deve ser el a-
borado pela atriz, sintonizado à composição do texto de Shakespeare,
(Ophélia e Hamlet orgasmam ) para que o máximo de sentido sej a alcança do. A combinação entre ênfa-
ses e recursos vocais é ilimitada e determina um tipo de interpretação na
fala, como será visto agora na partitura vocal de Oph élia:

68 69
PARTITURA VOCAL DE OPHÉLIA
--
---
me pegou I

o
13

14
com a cabeça /

I --:- ~b. ' --:--


' t p~~ CI~~ , pra alxo ' pra CIma ~b·
pra ~t·
aixo " pra CIma v

2 pelo pulso /
t~ ,
3 -- ~/
' e me apertou com força
pra

15 E soltou um suspiro tão sentido e t ~• I


4
t desfazia I
~
16 que parecia que seu corpo se

5 se afastou à distância t ~
de um braço inteIro / --:'
t
6 e os t /"-...
dedos ' de sua outra mão /
17 e sua vida morria II
-
18 feito isso /

7
~--/
pou sou na propna testa
19 v
--------.-
me deixou

.---:- ~ ~
8 e mergulhou numa leitura tão demorada e profunda do meu rosto I
- ------.- 20 e com ª• v cabeça v virada pra mim por cima do ombro I

9
-s->:
como se quisesse desenhar I 21 parecia encontrar seu caminho sem os olhos / -
--
~

»->
10 ficou um tempo enorme assim I 22 pois .atravessou a porta sem a sua ajüda I

11 ,t~ , uma sacudida ~ no meu ~/


-- 23 -•
e até o fim I

12 --
e três vezes I 24 t grudou o -brilho -dele I

25 +e~/
Nesta partitura, a fala atua como reali zadora da ação. Não que a ação melódica ascendente e de scendente, que conclui a ação definindo o lugar
física represent e a aç ão vocal e vice-versa; o que há é um agenciamento onde Hamlet a pega:
inelutável entre esta s du as dimensões. Na fala da atri z/person agem
Alleyona/Ophélia exi ste um a coincidência de tempos de açõe s físicas e
vocais; quand o ela narra e demonstra det alh adamente a ação de Hamlet
entrando em seu quarto, sua fala adqui re uma veloc idade mai s lent a,
entremeada por pausas. M ais adiante, quando chega ao gozo de amor co m
Hamlet, acelera a fala e a açã o física até o ápice; depois, cai no chão, cessa 2
--
me pegou /

~
pelo pulso /
o movimento e, ao mesmo tempo, faz pau sa, silêncio.
As pau sas que a atri z realizou em sua interpretação definem a divi são Os recursos vocais percebidos nas ênfases da s palavras nas linhas 3,
do texto (na partitura vocal) em 25 linh as (enq uanto o texto escrito pos- 4 e 5 for am:
suía quinze linhas). As linh as de I a 7 aco ntece m cenica mente, estabele-
cendo integração e sincro nia entre a ação vocal e a ação física.
ênfase recursos vocais
A configuração da par titura vocal vai se formando, impelindo a atriz
par a a ação física e, reciprocamente, do movimento físico à ação vocal.
Para cada ação física a fala reali za-se como ação vocal:

ênfase recursos vocais


3 -
apertou - curva melódica ascendente na sílaba tônica da palavra

-r--
força - curva melódica ascendente e descendente na palavra
- força na articulação da sílaba tônica
- curv a melódica ascendente na pala vra - alongamento da sílaba tônica
- força na articul ação da sílaba tôni ca
4
---.-
dep ois - alongamento da sílaba tônica
- alonga mento da síla ba tônica - curva melódica ascendente na pala vra
- c urva melódica ascendente e descendente na

t~
pala vra
- força na articulação da sílaba tônica 5 de um braço inteiro - forte
- curva melódica ascendente e descen-
Na cen a, quando Oph élia começa sua fala, o ator que interpreta dente no sintagma
Hamlet está presente na sua frente (como que no seu imaginário). As duas - alongamento das sílabas tônicas das pa-
pala vra s enfática s têm no pri meiro fonema o me smo ponto de articulação, lavras braço e inteiro
um a co risoante bilabial p , que em sua qualidade articulat ória pontua,
define bem seu obstácul o na emi ssão , de lábio com lábio, ao me sm o
tempo em que o movimento é preci sament e definido na ação físic a de A curva melódica ascendente em apertou coincide com a sílaba tôni-
pegar o pul so: Ophélia pega na sua própri a mão , simulando o que há ca que começa com o fonema t, comprimindo a língua atrás do s dentes e
pouco tinh a ocorrido entre ela e Hamlet. O recurso vocal observado na destacando a ação de apertar, numa dinâmica de movimento de pre ssio-
esc uta da palavra pegou, tem na força articulatória da sílaba tôni ca a nar. A palavra força, enfatizada com alongamento, força na articulação e
marca de um reforço do ca ráter pontual de localização , efetuando a ação curva mel ódica que ascende na sílaba tônica, traz a sensação da intensi-
vocal em sintonia com a ação física. Na sua curva melódica ascendente há dade dest a força para, a seguir, finali zar a seqüência de ações com curva
um atributo de duração da a ção, que se prolonga na ênfase seguinte da
linha 2, pulso, quando o alonga mento da sílaba tônica traz a intenção de
mant er a ca rícia que Oph él ia quer fazer du rar. Soma-se aí uma curva 3
--
melódica descendente na sílaba pós-t ônica ça.

~
' e me apertou com fõrça /

72 73
No início da linha 3 há uma "luftpause" antes da palavra e, que é um A linha 8 possui três palavras de ênfase com alongamentos ligados a
suspiro anterior ao aperto recebido de Hamlet. suas ações e significados: em mergulhou, com alongamento e curva
Olhando para Hamlet, que está em cena, agudiza e along a a sílaba melódica ascendente, o movimento que penetra para baixo; numa leitura
tônica da palavra depois (linha 4) sem sair do lugar, dando um sentido de que demora e é intensa na palavra tão ; e em profunda, vai ao fundo -
duração, para em seguida se afastar à distância de um braço inteiro. reforçado pela força articulatória na sílaba tônica, lentamente - com
Direciona seu braço para Hamlet, dando a distância entre os dois; usa recurso vocal de velocidade lenta.
na ênfase, de um braço inteiro, os recursos vocais para marcar o grande
espaço que os separa (com inten sidade vocal forte em todo o sintagma),
tanto na situação há pouco ocorrida quanto agora, nesta cena, onde os ênfase recursos vocais
dois se encontram afastados.
-----;-
8 mergulhou - alongamento da sílaba tônica
4 - curva melódica ascendente na palavra

5 se afastou à distância t ~
de um braço inteiro /
-
-
alongamento
curva melódica ascendente e descendente na
palavra
Ophélia, nas linha s 6 e 7, utiliza o outro braço para apoiar os dedo s
na própria testa, realizando as ações físic as de Hamlet. A força articu- ~
profunda - alongamento da sílaba tônica
latória na sílaba tônica da palavra dedos (com consoantes plosiva s), pon- -- - --- ..... - velocidade lenta
tua a parte do corpo na ação : - curva melódica ascendente e descendente na
palavra
~ - força na articulação da sílaba tônica
6 e os t dedo s v de sua outra mão /

~ ~
pousou na ~­
própria testa /
,/.\
7 8 e mergulhou numa leitura tão demorada e pro~da do meu rosto /
------ ...
Própria e testa têm curvas melódi cas variada s, referenciando a
intenção do toque afetivo de Ophélia por Hamlet. A última palavra enfa-
tizada da linha 7, testa, com curva melódica ascendente, prepara a ação
seguinte da cena, de envolvimento entre Hamlet e Ophélia, linhas 8, 9 e Estas características se mantêm nas ênfases das linhas 9 e 10 com os
10, nas quais a curva melódica é o recurso vocal mais usado em todas as seguintes recursos vocais:
ênfases.
Estas linhas são mai s longas, pelo maior número de palavras e tam-
bém porque são mais lentas. A interpretação da atriz sugere um andamen-
to lento para o trecho inicial desta fala, dividido por várias pausas, na sua
narrativa flutuante, somado à introdução, nestas linhas, de combinações
de consoantes e vogai s trabalhadas com qualidades mais contínuas e
redondas, de torção, integradas à ação física e inten ção de envolvimento
e carícias entre Hamlet e Ophéli a.

74 75
A ação física de sacudir, em sua din âmica de mo vimento, é favoreci-
ênfase recursos vocais da pela composição das consoantes nas ênfases seguintes, curta e braço,
com con soantes plo sivas no início das palavras, sílabas com mais de uma
consoante e força articulatória nas sílabas tónicas (ambas iniciais), veloci-
-----: dade rápida, e curva melódica ascendente e descendente, recursos vocais
9 desenhar
... -
-
alongamento da sílaba tóni ca
curva melódica ascendente na palavra que se repetindo em palavras enfatizadas, próximas e dissílabas, intensi-

--
ficam , no cas o, o movimento de sacudir.
- velocidade lenta
As dua s ênfases são proferidas com os me smos recurso s vocais na
• ação de sacudir, definindo o tempo (cu r ta) e o lugar (b r a ço), articulando
10 enorme - alongamento da sílaba tónica
---- - .... - curva melódica ascendente na palavra
ações vocais e físicas.
Assim, na linha 11, faz- se uma pas sagem para uma nova sensação do
- força na articulação da sílaba tónica personagem nesta situação que , nas linhas 12 e 13, preparam a seqüência
- velocidade lenta de êxtases de amor da linha 14.

A ação vocal e física se entrelaçam quando Oph éli a, mo vendo-se em


..-o;
círculo, fala da ação de Hamlet e, ao mesmo tempo, traça um desenho 12 e três veze s I
próprio pela mo vimentação no espaço. A velocidade das ênfases e do ..--r
mo vimento é lenta, com alongamentos e também prol ongamento da ação: 13 com a cabeça I
as curvas melódicas são ascendentes e, concomitantemente, seu braço
move-se para cima, ligado ao movimento circular do corpo. Nestas duas linhas, as sílabas tónicas das ênfases são alongadas e
Na palavra enorme, há uma força articulatória na sílaba tónica, com agudizadas, tendo a mesma vogal realçada (e). A quantidade de mo vi-
prolongamento da sua con soante inicial n , acompanhada por uma mo vi- mentos (tr ês) e o lugar da ação (ca beça) são definidos:
mentação corporal lenta e contínua , que denotam juntas atributos de
duração (enor m e) . ênfase recursos vocais
Logo em seguida há uma quebra destas qualidade s com uma rápida
"luftpause", uma quebra da ação física e uma ação vocal, que em sua
- alongamento da sílaba tônica
ênfase, no fim, acompanha estas alterações, introduzindo outra combi-
- curva melódica ascendente na sílaba tônica da palavra
nação de recursos vocais:

ênfase r ecursos vocais - alongamento da sílaba tônica


- curva melódica ascendente na sílaba tônica da palavra
11 v t no.i->
fim v - forte
- força na articulação da sílaba tônica
- abrandamento na articulação da sílaba p ós-tônica ça
- velocidade rápid a
- entre pausas para retomada de ar Na ênfase cabeça, os recursos vocais de força articulatória na sílaba
- curva melódica ascendente na palavra tônica e abrandamento articulatório na sílaba p ós-tônica se contrapõem - os
- força na articulação das pala vras recursos reforçam a tonicidade inerente à palavra, mais forte na tônica be e
menos na p ós-t ônica ça. Na sílaba tônica reforçando o lugar, cabeça, e na
Esta quebra da ação está associada ao significado da fala, no fim, tér- p ós-t ônica, ça, com o início do recurso vocal de abrandamento articulatório
mino , e início de uma nova ação . com sussurro, que também compõe a primeira ênfase da fala seguinte, linha
14, feita pela repetição de ênfases de sintagmas , que se relacionam com a
---
,t no A no meu braço I~
11

76
fim v

--
uma sacudida curta intenção de êxtases de amor seqüenciais na ação

77
As ações, vocal e física, começam simultaneamente na prime ira ên-
ênfase recursos vocais fase , na qual o abrandamento articulatório, a curva melódica ascendente

-----
e a inten sidade fraca são usados em todo o sintagma, acompanhados pela
14 v. pra cima v - curva melódica ascendente no sintagma ação física de Ophélia de mover a cabeça para cima suavemente e iniciar
--------- - abrandamento articulatório no sintagma a seqüên cia de êxta ses. As pausas para retomada de ar ("luftpause"), no
- entrepausas para retomada de ar início e no final de todas as ênfases, são na linha 14 um marco da intenção
- fraco e da situação de relação sexual entre Ophélia e Hamlet, como êxtases com
rápidas golfadas de ar entre as palavra s. Neste momento a "luftpause" é
v
~b·
·
pra alXO v - curva melódica ascendente e descendente
marcadamente um reforço interpretativo ligado à situação cênica.
O segundo e o quarto sintagm as, ambos pra baixo, apresentam
no sintagma curva melód ica ascendente e descendente, com ação física simultânea da
- entrepausas para retomada de ar cabeça se movendo para baixo, que refletem uma emissão indo de cima
- alongamento da sílaba tônica da palavra baixo - do agudo , para baixo - ao grave.
- força na articulação da sílaba tônica da palavra
baixo ênfase recursos vocais
- abrandamento na articul ação da sílaba pós
~
--
tônica xo
pra ~~_~ v - curva melódica ascendente e descendente no
v pra cima v - entrepausas para retomada de ar sintagma
- curva melódica ascendente na palavra cima - entrepausas para retomada de ar
- alongamento da sílaba tônica da palavra baixo
- abrandamento na articulação da palavra cim
- abrandamento na articulação da sílaba pós-
tônica xo
v
~
pra baixo v - entrepausas para retomada de ar
- força na articulação da sílaba tônica da palavra
baixo
- curva melódica ascendente e descendente no
sintagma v
~
pra baixo v - entrepausas para retomada de ar
.i-> - curva melódica ascendente e descendente no
pra teima - entrepausas para retomada de ar sintagma
- curva melódica ascendente no sintagma
- intensidade forte na palavra cima
- força na articulação da sílaba tônica da Na linha 14, há uma concord ância das curvas melódicas com o movi-
palavra cima mento, na qual as palavras cima têm recurso vocal de curva melódica

v ---
pra tbaixo v _

-
entrepausas para retomada de ar
intensidade forte na palavra baixo
ascendente. com movimento ascendente de cabeça, e as palavras baixo têm
curva melódica ascendente e descendente, movendo a cabeça de cima para
baixo (exceto a última palavra baixo, que tem curva melódica ascendente) .
O segundo sintagma é acompanhado também, na palavra baixo, de alonga-
- curva melódica ascendente na palavra baixo mento da sílaba tônica, dando noção de um tempo prolongado da ação de
- força na articulação da sílaba tônica da Hamlet: força articulatória na sílaba tônica e abrandamento articulatório na
palavra baixo sílaba pós-tônica, marcando o impulso de movimento de Hamlet com força
e abrandamento (pulso e subpulso).

78 79
A terceira ênfase, pra cima, tem novamente curva melódica ascen-
dente e abrandamento, só que desta vez concentrados na palavra cima. A par- ênfase recursos vocais
tir da próxima ênfase, pra baixo, há um crescente do movimento circular de
Ophélia e de sua voz, quando então as últimas ênfases têm, nas palavras cima ----::-
e baixo, intensidade forte, reforçadas por curva melódica ascendente e 15 t aliviado - forte
firmeza marcada na força articulatória das sílabas tônicas destas palavras, - alongamento da sílaba tônica
numa aceleração crescente, introduzido as linhas seguintes: - velocidade rápida
- curva melódica ascendente na palavra

1------ ~ ~ pra
~b· alXO ~t

--
14 v t pr~ C!~~ v pra baIXO v pra CIma v pra cima
v v ---:-
16 desfazia
. -
-
forte
alongamento da sílaba tônica
pra tbaixo - velocidade rápida

---
v

- curva melódica ascendente na palavra

15 E soltou um suspiro tão sentido e t aliviado /


. 17 - forte
.>: - alongamento da sílaba tônica
16 que parecia que seu corpo se desfazia /

t - velocidade rápida
- curva melódica ascendente na palavra
------:
t morria II
17 e sua vida
-
Estas linhas foram agrupadas para análise , pois ao longo de suas
A linha 15 tem várias consoantes fricativas (como em : soltou, sus-
piro, sentido, aliviado) que, em sua característica ininterrupta, dá à emis-
são uma fluidez em sua dinâmica flutuante , ascendente. O alongamento da
falas há um recurso vocal de base, que se inicia na linha 14 e culmina na sílaba tônica da palavra desfazia inicia o grito do gozo de amor, que ex-
linha 17, de velocidade que vai acelerando e de uma curva melódica plode no demorado alongamento da sílaba tônica da palavra morria, alia-
ascendente (as cinco últimas ênfases têm, todas, este recurso) , que vai do aos recursos vocais de intensidade forte, velocidade rápida e curva
agudizando até o ápice, coincidindo com o gozo de amor e com a palavra melódica ascendente. É o cume da ação e, após isso, Ophélia cai no chão.
morria, numa espécie de alusão a Eros e Tanatos. Nas três linha s 15,.16 Pausa psicológica, silêncio, suspensão de sentidos.
e 17, as ênfases aparecem no final das falas. Estas são de velocidade rá- Reinicia na linha 18 - feito isso - , pós-gozo, sem ênfase s. A partir
pida , um recurso de base destas linhas, e têm na última palavra enfatiza- daí, continua contando, mas agora olhando para Polônio, como se saísse
da um êxtase de amor, em concordância aos recursos vocais nas linhas 15 do sonho, da "embriaguez" e voltasse para (re)conectar seus sentidos , se
e 16 e um gozo de amor na 17: recompor. É como uma ruptura do que ela acabou de (re)viver para, depois
de ter caído no chão, "acordar", dizendo para o pai que foi deixada. Como
Hamlet, presente na cena, arruma-se, cansada. Inspira e fala:

~
19 v me deixou v

80 81
Na linha 19, usa força articulatória na palavra me e na sílaba tônica Suas ações vocais têm intenção carinhosa, agudizando e alongando.
da palavra deixou: na primeira, me, reafirmando para si própria a ação Mesmo longe, Hamlet distanciava-se com seus olhos em Ophélia, e:
de ter sido deixada; na segunda, deixou, utilizando também alongamen-
to da sílaba tônica, curva melódica descendente (após ascender), suspi-
rando, com "luftpause", dando o sentido da situação de distanciamento 23
-•
e até o fim I
que Hamlet vai tendo dela ao ir embora.
Ophélia está ofegante, inspirando no início e no final da fala, voltan-
do a fazer pausas para retomada de ar na linha seguinte: 24
--
t grudou o brilho dele I

20 e com ª 'cabeça' virada pra mim por cima do ombro I 25

Começa a ação física de deslocar-se, como Hamlet, indo embora,


olhando para o pai. Delicadamente alonga o a, mostrando a sua cabeça A ênfase fim é dita afetuosamente. Para tal, a atriz utiliza de alonga-
virada por cima do ombro. Andando na direção oposta a Polônio aproxi- mento da vogal i e também da consoante fricativa f (em fim), agudizan-
ma-se da porta; a ação física é constante, acompanhada por falas de anda- do. Ao mesmo tempo move delicadamente a sua cabeça. É oportuno fri-
mento lento, contínuo e pouco enfatizadas: sar que as linhas de maior incidência de consoantes fricativas são aque-
las nas quais a ação amorosa tem o seu ponto culminante. A atriz utiliza-
~
se de alongamentos das consoantes em acordo as suas intenções.
21 parecia encontrar seu caminho sem os olhos I

22 --
pois atravessou a porta sem a sua aj~da I
ênfase

-•
fim
recursos vocais

- curva melódica ascendente na palavra


As duas palavras enfáticas têm os mesmos recursos vocais e intenções: - alongamento
- força na articulação da palavra
ênfase recursos vocais
Em contraponto vem a linha 24, toda em intensidade forte, com grupos
consonantais de consoantes mais cortantes, e força articulatória nas sílabas
21 - alongamento da sílaba tônica tônicas (menos no artigo o). Estes recursos vocais fortes avivam a intenção
- curva melódica ascendente na sílaba tônica da fixação de Hamlet em Ophélia e do desejo dela que esta situação per-
da palavra manecesse:

22 - curva melódica ascendente na palavra ênfase recursos vocais


- alongamento da sílaba tônica

24
---------
t grudou o brilho dele - forte
- curva melódica ascendente no sintagma
- força na articulação das sílabas tônicas
das palavras grudou, brilho e dele

82 83
Depois de falar forte, rapidamente vira-se de costas para Polónio, e
POLóNIO
em intensidade fraca e curva melódica descendente, finaliza sua fala:
A cena começa com o último apito do navio antes de partir. A situa-
ênfase recursos vocais
ção é de urgência do embarque. Quando Polónio chega, encontra seu filho
Laertes ainda conversando com Ophélia. O texto é falado numa linguagem
I ---------.,.... acelerada. O recurso de base, de velocidade rápida, está presente em toda a
25 t em mIm - fraco
- curva melódica descendente no cena, em função da situação e do objetivo de Polónio: dizer muito em tão
sintagma pouco tempo. Na fala inteira há somente uma quebra da ação contínua, na
qual a pausa psicológica, na linha 20 com a ênfase cuidado, gera silêncio e
Novamente a intenção é de afetividade, falada docemente com parada do movimento. Polónio alerta seu filho. Daí para a frente a fluência
intensidade vocal fraca, agora com tristeza, por separar-se de Hamlet. da fala é acelerada, numa constante, até a última palavra enfatizada: Adeus!
Como foi visto, o relato de Ophélia ao pai começa com a presença As ações físicas, como as vocais, são urgentes, rápidas. O mapa das ações
de Hamlet, que a pega pelo pulso e com um puxão a traz para fora de si físicas é composto de numerosas ações: o pai entra em cena a caminho do
mesma. Toma fôlego para contar o que aconteceu (falas de ciclos curtos). cais do porto para se despedir do filho. Sua demora ou displicência tem de
Recria então os toques que a levaram ao êxtase, começando pela cabeça. ser quebrada, tudo tem de ser colocado em ritmo de partida. Os conselhos
A ação sugere uma união muito mais que carnal, uma união profunda de têm de ser dados num tempo bem pequeno, o que impõe exatidão - outro
cumplicidade num território desconhecido por Ophélia, onde ela se deixa recurso de base usado pelo ator é a força articulatória com precisão. A inten-
entrar, como se sua paixão compreendesse o obscuro universo da febre sidade forte flui como outra característica necessária à situação cênica, na
por que passa Hamlet. qual os atores encontram-se afastados ou se distanciando.
Mergulha no terreno aguado das emoções, se aprofunda, e o tempo
agora é longo, permitindo observações demoradas, pausadas. Ela gira nesse É uma situação de partida, evidentemente difícil e emotiva pois
redemoinho de delírios. O fim, quase uma confissão de saudades pelo que será a última vez que eles se encontrarão. Os conselhos são
recomendações de pai para filho. Ao mesmo tempo que eu fala-
acabou de acontecer, foi precedido de sacudidelas que a levavam para uma
va pro meu filho, eu também ouvia dentro de mim a voz de meu
transição em forma de gozo, anunciando a morte de uma Ophélia e um pai falando aos meus ouvidos as mesmas palavras, torcia para
Hamlet. Agora é uma Ophélia diferente a que vem à tona, de volta daquilo não esquecer nada, me via jovem ouvindo meu pai e entendia o
que ela contou como uma viagem ao território da paixão. O subtexto é o sub- modo emotivo e descarado daquelas recomendações, assim, na
terrâneo invisível que as ações trazem para fora. O relato de Ophélia é o rela- frente de estranhos, porque a despedida é feita no porto e o pai
to do subtexto de seu encontro com Hamlet. Fugidio como o gozo e concreto fala publicamente, como aquelas mães que do portão gritam
como os empurrões, puxões e sacudidelas. Polónio, na fala seguinte, tenta para a gente pegar o guarda-chuva, não tomar gelado etc. etc.
desesperadamente se apropriar do entendimento da cena e traça um diagnós- Pascoal da Conceição
tico: "O que aconteceu aqui foi exatamente um gozo de amor", e na mesma
frase completa: "que arrasta o desejo para ações desesperadas e como qual- A aceleração vem também da ambigüidade, resultante da forte emoção
quer paixão, aqui embaixo do céu, atormenta nossa natureza". do momento de Polónio, dividido entre seus deveres de pai e homem públi-
co. O destino do filho, do qual ele se separa pela primeira vez, e o destino
da Dinamarca para a qual ele tem agora a preocupação de primeiro-ministro.
Na partitura do papel, feita pelo ato r Pascoal da Conceição, reprodu-
zida na página 90, as notações interpretativas são referências fundamen-
tais para análise da sua partitura vocal, mostrada a seguir.
As notações do ator foram feitas durante as leituras e os ensaios da
peça. A partitura vocal, por sua vez, foi elaborada e analisada quando a
peça estava há um ano em cartaz.

84 85
PARTITURA VOCAL DE POLÔNIO
12 t ação nenhuma I

t----
ainda aí Laerte s I

--;-
13 t~
seja familiar I

2 t
vai embarcar I
14 o que não quer dizer ser t~
promíscuo I

Â
3 t t
o vento já curva os ombros da tua vela I ~
15 uma vez adotado

so estao te t~
,t - ~
4
- esperando I e aprovado '

5 toma t~1 16 amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves v t dentro
~

~
6 minha benção I do coração I

7 17 t • /;,...
mas não caleja a mão I

8 t- - t~
guarda na me~ria estas ~cas dicas I 18
~t~0
abrindo a palma à-toa I

~ /i--...
9 cuida da +imâgem I 19 pra qualquer fran~te v ou mau elemento que aparecer I

~
10 não dê t língua pro que estiver pens~ndo I 20 t cui/da/do /I

ti
~~
t ª um pensamento
irref1etido I 21 -
+ pra não comprar briga I
22 mas se comprar segura / 32
~ ----..
o dinheiro e o amigo /

23 t
de tal modo que o adversário é que passe a temer você /
33 t
pedir emprestado arrisa a confiança' e t liquida com a

24 dê ~ ---------------
t ouvidos alto/do/munido /

---
t t~do /

----- .,
34 acima de

25
I~
t voz a poucos /
35 t
seja fiel consigo mesmo /

26 t ;;;a as opiniÕes de t cada um / 36


-------..
e em conseqüência como a nOlte segue o dia /

27 mas guarda para + ri o + julgamento / 37 nãovaiser+~/

28
. ~,
e que tuas roupas custem o
--
t qu~nto você puder pagar '
38

t
~
~
não inventa moda /
39 e que a minha bênção /

t- t----;
-- -
40 frutifique tudo isto em você /
~
t ricas' mas sem ostentação porque a roupa
-
29 v

--------
• •
sempre faz o homem /
41

42
--- .....

30 t -----;- t-r:
não empresta ' nem pede emprestado /

31 empres~ faz perder' ao t m~smo t~mpo I


Já d.~or.' deMais.

~nlra potonio\l

Comp arando- se as partituras de Polônio, várias referências inter-


pretativas da partitura do papel estão presente s nas opções de recursos
vocais usados pelo ator na partitura vocal. Na partitura do pap el, a
notação interpretativa refere que as dica s do pai são como os dez manda-
mentos dados por Deus a Moisés na Bíblia. São os número s de 1 a 10,
anotados ao lado das falas. Por estes mandamentos o filho deveria cons-
tituir sua conduta na França.
A fala apresenta uma repetição alternada de recursos vocais, mais
fortes e mais brandos, coincidentes com as intenções, que em alguns
momento s são públic as, abertas (fortes) e, em outros, mais privadas (fra-
cas). A priori, O sentimento da sua vida privada deveria estar submetido
a sua vida públic a, por sua ocupação no reino da Dinamarca. Esta fala é
um bom exemplo da ambivalência do personagem. A maioria das ênfases
vem acompanhada de, por um lado: curva melódica ascendente, intensi-
mi'· ,l&e
dade forte, força articulatória nas sílab as ou nas palavras, e velocidade
rápida - recurso s vocais de base, neste caso, associados à situação de
pressa; a distância que o pai e o filho vão tomand o na cena; ao lugar baru-
amigo
IP O
lhento (o cais do porto), com os marinheiros chamando para o embarque
e o navio apitando; e ao objetivo de marcar firmemente os conselhos ao
VOC &,.
filho. Por exemplo:

90
91
Por outro lado, as ênfases com recursos vocais de intensidade fraca,
ênfase recursos vocais abrandamento articulatório nas sílabas ou nas palavras e curva melódica
ascendente e descendente são o contraponto ao homem de Estado, pois
ele é também pai e conselheiro e, nesta condição, "em particular", enfa-
-------
t aí Laertes - forte
- curva melódica ascendente no sintagma
tiza palavras com recursos vocais, tais como:

ênfase recursos vocais

- forte I~
t Imagem - fraco
- força na articulação da sílaba tônica - alongamento da sílaba tônica
- curva melódica ascendente e descendente
na palavra
t tua vela• - forte
- abrandamento na articulação da sílaba tônica
- velocidade rápida
da palavra

-
t estão -
-
forte
velocidade rápida
-
-
fraco
curva melódica ascendente e descendente
na palavra
- abrandamento na articulação da sílaba tônica
da palavra
- forte
I~
t nao esquece - fraco
- força na articulação da sílaba tônica v v

- curva melódica ascendente na palavra - curva melódica ascendente e descendente no


sintagma
- entrepausas para retomada de ar
- forte - abrandamento na articulação da palavra esquece
- curva melódica ascendente na palavra
- força na articulação da palavra I~
t voz a poucos - fraco
- curva melódica ascendente e descendente no
sintagma
t memórI; - forte
- alongamento da palavra voz
- velocidade rápida
- força na articulação da sílaba tônica
- alongamento
- curva melódica ascendente na palavra
- fraco

- forte + julgamento - fraco


- força na articulação da sílaba pré-tônica - abrandamento na articulação da sílaba tônica
da palavra

92 93
t~
A relação entre as ênfases, mais fortes e mais fracas, anteriormente
destacadas, dá ao longo do texto pesos vocais diferentes, resultando em 13 seja familiar /
combinações de falas, como:

14 - quer diizer ser t---=---/


o que nao promiscuo
8 t t
guarda na memórl; estas poucas dic: /
As duas palavras enfatizadas estão no final das falas, e, por terem a
mesma curva, formam um desenho melódico similar, com intenção, neste
I~ caso, de distinguir que apesar de parecido, ser famili ar não quer dizer ser
9 cuida da t imagem /
promí scuo. Esta última ênfase é intensificada pela força articulatóri a em
toda a palavra:
A única ênfase nas oito primeiras linhas sem intensidade forte e/ou
velocidade rápida (natural na situação) é a palavra bênção (linha 6), pro-
~
t promiscuo
ferida em tom afetivo.
A linha 9 introduz o primeiro dos dez mandamentos, que é: O terceiro mandamento diz:

9 cuiida da tI~/
Imagem
............... I -----------. ~
15 o amigo que tiver t conseguido ' uma vez adotado

10 não dê t~
língua pro que estiver pens~ndo /
~
e aprovado +~
------ - -
,
~~
tª um pensamento irrefletido /
t~
11
16 amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves ' dentro

12 t a~ão nenhuma / do coração /

Novamente há, na interpretação vocal, a repetiç ão de curva s melódi-


Este mandamento é iniciado com uma ênfase de característica suave, cas similares, como em :
imagem, dirigida em particular ao filho, seguida de ênfases, todas com
força articulatória que, por sua precisão, reforça as palavras e marca a
intenção de aconselhar, como em: língua, pensando, a, pensamento, irre-
Detido, ação. O atar usa articulação exagerada, brincando na emissão das
palavras, resultando em dinâmicas emissivas variadas, como nas ênfases
acima. ~
adotado
O mandamento seguinte possui duas ênfases com intensidade forte
e mesmo tipo de curva melódica (ascendente e descendente ):
~
aprovad o

94 95
Estas falas têm nas palavras amigo, adotado e aprovado, curva melódi- Realiza a intenção de alerta ao filho do possível mau elemento que
ca ascendente e descendente, força articulatórianas sílabas tônicas e, nas duas aparecer, do próprio Hamlet - "prevendo" o duelo que eles teriam - e, pra
últimas palavras, alongamento das sílabas tônicas. Além do que, estas são não comprar briga, introduzindo, após a pausa, o quinto mandamento:
intercaladas pelo contraponto das ênfases, conseguido e não esquece, com a
mesma curva melódica, intensidade fraca e abrandamento articulatório, que
suavizam a emissão, caracterizando o tom mais afetivo dado pelo conteúdo
deste mandamento. O mesmo tipo de curva aparece nesta linha (15) e na
21 ~ ---
pra não comprar briga /

seguinte (16), que culmina com a palavra dentro, reforçada por intensidade
forte, alongamento e força articulatória na sílaba tônica, denotando a profun- 22 mas se comprar segura /
didade do lugar ocupado pelo amigo: dentro do coração. A repetição de
recursos vocais semelhantes numa mesma fala, ou no mesmo mandamento,
salienta a relação entre as suas palavras-chave, casadas com a intenção do 23 t
de tal modo que o adver sário é que passe a temer você /
discurso. Isto ocorre também no quarto mandamento:

~/
Na partitura do papel do ator Pascoal da Conceição há no 3°, no 4°,
17 mas não • a mão
t caleja no 5° e no 7° mandamentos pausas psicológicas representadas pelas duas
barras II: uma depois da palavra coração, a segunda ante s da palavra
~t~0
abrindo a
palma à-toa /
cuidado, a terceira depois da palavra você e a última no final do 7° man-
18 damento, depois da palavra julgamento. Assim, cada um desses conse-
lhos é bem assinalado, tanto na' concepção criativa inici al quanto na
~ emi ssão cênica da partitura vocal, apesar de não terem sido mantidas
19 pra qualquer fran~te v ou mau elemento que aparecer / toda s as pausas psicológicas anotadas na partitura do papel. É interes-
sante observar que na ruptura feita em cuidado, o andamento do discurso
se modifica , contaminando a fala que vem depois - pra não comprar
20 t cui/daldo II briga - dita inteira com ênfase de intensidade fraca, acompanhada por
uma intenção de um pequeno suspense (começado na ênfase cuidado),
Todas as ênfases contêm ou alongamento, ou intensidade forte, ou que acarretará em ênfases num crescente de intensidade vocal: briga, se,
curva melódica ascendente e descendente, ou força articulatória, com- segura e adversário.
pondo a intenção de Polônio de preservar Laertes do desgosto das más O sexto mandamento revela três ênfases com um mesmo recurso
amizades. Na linha 19, depois da "luftpause", a fala segue sem ênfases, vocal de base, a curva melódica ascendente e descendente, e outras
como que preparando a ênfase seguinte (cuidado), isolada por duas específicas a cada intenção, imbricadas nas palavras-chave:
pausas interpretativas, o único caso em toda a partitura - o fato de uma

---------
palavra vir separada por duas pausas dá a ela, comumente, uma qualidade
enfática, sendo composta de recursos vocais diversos, dependendo das 24 dê t~
ouvidos altoldolmunldo /
intenções, objetivos e situações do personagem. Nesta ênfase, cuidado,
o reforço vem também pela intensidade forte, pela força articulatória em
cada sílaba e pela cadência silabada. Esta ação vocal é ligada a uma ação 25
I~ I
t voz a poucos
física forte, quando o ator corre de um lado para o outro do palco e pára
fazendo silêncio com pausa psicológica (mais longa).

96 97
o tipo de curva melódica, igual em todas as ênfases, cria uma musi-
calidade parecida, mas que na palavra ouvido é entoada com intensidade
28 e que tuas ~
r~upas c~stem v o --
t qu~nto você puder pagar v

~
forte, alongamento da sílaba tônica e força articulatória em toda a
palavra, firmando a intenção e significação de onipresença, de "radar" -
não inventa moda I
reforçado pela ação física do ator, com as mãos em concha atrás das ore-
lhas, quase como uma antena parabólica. Esta fala se sobrepõe à ênfase
~,

-----
seguinte, a todo mundo, toda silabada - com a voracidade de quem não
quer perder nada - e com força articulatória em cada sílaba, dirigida a
29 t ricas v mas sem ostentação porque a roupa
todos (público e atores). Depois suaviza: a melodia amenizada na ênfase,
voz a poucos, emitida com intensidade fraca e dirigida confidencial- • •
sempre faz o homem I
mente a Laertes, sugere um ouvido apurado que, embora ouça todo mun-
do, tem de ter o discernimento para ouvir a voz que é cúmplice. Uma das
linhas mestras da peça sugere o ouvido como um ponto importante da Laertes está prestes a embarcar, cada vez mais se distanciando do
tragédia do reinado da Dinamarca. "Tem alguma coisa podre no estado pai, que com recurso vocal de intensidade forte e agudizando, "fisga" a
da Dinamarca...", como diz o personagem Marcelo (ato I, cenal), e a si- atenção do filho nas palavras-chave do nono mandamento:
tuação, por cautela, pressupõe mais ouvir do que falar. O rei Hamlet, pai
de Hamlet, foi envenenado pelo ouvido.
O mesmo contraponto, de uma linha com qualidades mais fortes e a
outra com recursos vocais mais fracos, ocorre nas linhas 26 e 27, sétimo
30 t ---.- t--
não empresta' nem pede emprestado I

mandamento:
31 emprestar faz perder v ao t m~smo t~mpo I
26 t~ as opiniÕes de t cada um I
32 ~---.
o dinheiro e o amigo I

27 mas guarda para + ti o + julgamento I


33 t
pedir emprestado arr~sa a confiança' e t liquida com a poup~nça I
Novamente, uma fala é dita abertamente, para todos, e a outra em As duas primeiras ênfases, empresta e pede, quebram o andamento
especial para Laertes. Publicamente Laertes tem de ser político, aceitan- das falas do oitavo mandamento, inserindo com maior intensidade (inten-
do as opiniões de cada um, mas guardando para si o julgamento. sidade forte) a questão monetária, introduzida pela fala anterior (linha
No oitavo mandamento Polônio começa a considerar os últimos ins- 29). Usa os mesmos recursos vocais, colocando assim as duas atitudes
tantes da partida, utilizando recurso vocal de velocidade rápida na em igualdade (emprestar e pedir emprestado). As linhas 31 e 32 se com-
palavra porque, concluindo o mandamento, na lógica de um raciocínio põem de uma dupla de ênfases, emprestar - perder e dinheiro -
que se completa com o reconhecimento da melodia do dito popular: a amigo, unidas pela ênfase mesmo tempo, esta última como o ponteiro de
roupa sempre faz o homem - reforçada pelo aparecimento da curva uma balança que tem nos pratos em equilíbrio os conceitos: emprestar o
melódica descendente, afirmativa: dinheiro, de um lado, significando perder o amigo, no outro. Polônio faz
do mandamento um senso comum ao propô-lo de modo categórico, como
na ênfase amigo, que é pontuada pelos recursos vocais de curva melódi-
ca descendente (afirmativa) e velocidade rápida e, ao finalizar, na linha
33, nas ênfases arrasa e liquida, ambas com intensidade forte.

98 99
o décimo mandamento é dado com Laertes a distância e dentro do Nestas linhas, o ator usa em todas as ênfases intensidade forte (menos
navio. Polônio fala então suas últimas palavras carregadas do amor de pai na palavra minha), particularmente em isto e você, que encerram o con-
e as entrega à confiança do filho , que agora será senhor das suas atitudes: teúdo da fala , proferidos em especial a Laertes. A expressão é auxiliada

34 acima de -
t t~do I
pela curva melódica ascendente, intensivamente emotiva. A palavra
bênção é perceptivelmente ouvida como um lamento de pai se despedin-
do do filho - reforçado também por uma quebra de sonoridade na emis-

35 sej a
-
t fiel consigo mesm""""'õ I
são das ênfases das linhas 39 e 40 , ditas com um "nó na garganta".
Depois diz, pela primeira vez lentam ente, um alongado ADEUS!
Nesta cena, Polônio manda o filho para a França, despede-se dele e
faz-lhe, num curto espaço de tempo, recomendações que, a seu ver, lhe
~ serão úteis durante sua estada em Pari s. Portanto usa muita precisão, prio-
36 e em conseqüência como a nôite segue o dia I

-------
rizando recursos vocais tais como: força e abrandamento articulatório em
sintagmas, sílabas e palavras, pontuando-as por meio da articulação;
cadência silabada, reforçando a intenção em cada sílaba; velocidade rá-
37 não vai ser +falso com ninguém I pida, não esquecendo de dizer nada .
Polônio tenta ser o mais exato possível na intenção de alertar o
filho. Assim, o ator esculpe minuciosamente os recursos de voz nas
Este é mais um princípio básico que Lae rtes deve seguir, sendo
ações vocais . Fala com firmeza, como um a pessoa (político) que quer
aci ma de tudo fiel consigo mesmo. Mais uma vez os recursos vocais usa -
transmitir um conhecimento de ca usa, expresso na utilização de bastante
dos pelo ator o fazem concluir, na linha 37, com a curva melódica descen-
intensidade vocal forte e várias curvas melódicas descendentes, afirma-
dente: mesmo à distância o pai aconselha carinhosamente o filho, com
tivas . Curiosamente, a cena ocorre no mesmo dia em que Polônio ascen-
intensidade vocal branda, mantendo o forte contato emotivo.
de a primeiro-ministro da corte da Dinamarca, uma prova do sucesso de
Suas últimas palavras são:
sua conduta, na reta de seu superobjetivo: manter a ordem do reino da
Dinamarca. Assim, o texto vem dividido com inúmeras pau sas lógicas,
38 t ~I também associadas ao político, "lógico" em seu discurso. A fala é ace -
lerada, mas extremamente dividida com pausas interpretativas e muito
enfatizada. O tipo de interpretação realizada no Teat (r)o Oficina reforça
39 e que a minha t~
bênção I a "palavra viva", acarretando muitas ênfases e pau sas.
A situação da cena não deixa de carregar no dramalhão do superpai-
mãe protegendo o filho , refletido vocalmente nas inúmeras variações me-
40 frutifique tudo trs; em t~
você I lódicas, sobrearticulaçõe s e ênfases realizadas na partitura vocal.

41 t~
adeus I

42 t~
adeus I
--- .....

100 101
Por fim, isso me deixava extremamente furio so e já que por per-
HAMLET suasão não conseguia, nem por análise, eu partia para violência,
colocando Hamlet numa camisa-de-força. Do seu lado, Hamlet
invocava a máqu ina de "Ham-let" para demon strar o amor que ele
Na cena de Hamlet, estão presentes os três personagens escolhidos sentia por Ophélia: 'T e amo acima de tudo... enquanto esta máquina
para análise das partituras vocais . No texto original a fala é de Polônio, de Ham-Iet funcionar...". O amor era a base de tudo o que era HAM-
que lê para o rei Claudio e para a rainha Gertrude s o bilhete de amor es- LET, tudo era uma prova de amor : a peça, os atores, a cena.
crito por Hamlet para Ophélia. Nesta montagem o próprio Hamlet, pre- Shakespeare escreveu "Hamlet" por amor, o rei matou, a rainha
sente na cena, dá a fala, olhando nos olhos de Ophélia, atravessado por casou, nós vivemos e morremos, escrevemo s livros, por amor.
tantos outros olhares. Podemos, como Hamlet diz a Ophélia , duvidar de tudo , meno s de
O depoimento que segue é de Pascoal da Concei ção (que interpreta que o amor está por dentro de toda máquin a da existência hum ana.
Polônio), quando conversáva mos sobre esta cena, na análise desta parti-
tura vocal. Sua leitura, um olhar de quem viveu a cena por dentro ,
enriquece muito a análise da ação vocal nesta partitura, que pressupõe Na geografia da cena, os dois extremos do palco são ocupados por
uma escuta que brota de dentro da situação cênica : Hamlet e Ophél ia, permeados ao centro por Polônio, pelo rei Cláudio (tio
de Hamlet ) e pela rainha Gertrudes (mãe de Hamlet). Polônio introduz o
assunto, começando a ler a carta. "Dá a deixa" para Hamlet revelar seu
Era todo um exercício orgânico: de como o diretor me introduziu amor, que ele começa cantando no seguinte trecho:
emocionalmente na situação, a geografia dos atores, o gancho da fala
que puxava minha fala, a transformação de minhas emoções daquele
momento nas emoções da peça... A cena começava com o rei queren- I- Duvide que as estrelas sejam fogo,
do saber o que Polônio tinha para lhe contar. Ele diz que "desco briu 2- Duvide que o Sol se mova,
a causa verdadeira do Hamlet lunático". Nos ensaios, o Zé pediu para 3- Duvide que verdade seja mentira ,
eu chegar em cena como se tivesse descoberto, como Galileu Galilei, 4- Mas não duvide que eu te amo.
que a Terra girava em tom o do Sol. Uma descoberta imensa. E eu
falava olhando para todos, como se dissesse: descobri a mensagem da
peça, o que quer dizer esse hífen em Ham-let, porque é o Marcelo o canto é suave, com pausas longas a cada términ o de frase e com
Drummond que o faz, porque estamos aqui agora , e por aí afora. E ia pequenas variações de volume, quase numa curva melódica falada. Ele é
com tudo concluir que Hamlet estava biruta , não havia o que enten- desenhado como que preparando a fala seguinte, de recursos vocais simi-
der de Hamlet, o que pensar de Hamlet, tudo se resumia ao fato de lares. Apesar da distância - dos extremos - que os separa, a fala é dita
que ele estava maluco e a sua maluquice, a "verdadeira maluqui ce", como uma declaraç ão de amor ao pé do ouvido:
explicava tudo o que estava acontecendo. A mensagem era que não
havia mensagem nenhuma, pois Hamlet estava maluco. Então lia o
bilhete, a prova, encontrado com Ophélia, cortando o que não inte-
ressava a minha análise. O fato de o Zé colocar o Hamlet defe nden-
do seu poema em cena mudou muito as coisas, porque se Polônio
fala o poema ia esculh amb ar com ele, defendendo seu lado, mas com
a presença de Hamlet , ele tem que suportar o fato de que Ophélia
deixa transparecer que ainda está apaixonada por aquele homem (a
Alleyona/Ophélia ficav a olhando para o Hamlet/Marcelo toda apai-
xonada e crédula durante o poema). Hamlet/Marcelo falava como
Cazuza, empenhado, sem o deboche com que eu começava a cena.

102 103
PARTITURA VOCAL DE HAMLET Das ênfases, ou "palavras vivas", realçadas nesta fala, quase a me-
tade delas (oito de dezoito) têm o alongamento como um dos recursos
vocais percebidos. Das treze linhas, apenas cinco não têm em nenhuma
~

---
I ênfase esta qualidade. Em sua repetição, algumas características da situa-
1
.
t Ophélia essa métrica me põe doente /
ção afloram: o caráter afetivo da fala, que em seu alongamento prolonga
o som até onde Ophélia está, como uma carícia a distância, usando vocal-
--:- mente para isso de qualidades mais brandas.
2 eu não sei cantar /
Hamlet, localizado cenicamente distante de Ophélia, terá, para com-
~ por a situação, de usar palavras com ênfases "doces", ao mesmo tempo
cumprindo a necessidade básica de envolvimento sonoro (ressonância no
3 os meus suspiros /
espaço) dos outros atores presentes na cena, de Ophélia - a destinatária
/\ de seus versos - e do público, distribuído ao seu redor.
4 mas eu te amo / O alongamento foi um traço muito repetido em todas as partituras
(quando este traço é usado a sílaba tônica tende a ser a mais alongada da
palavra). Em Hamlet, por exemplo, o alongamento da vogal "contamina"
5 acima de tu/do / as consoantes, que são também reforçadas nas plosivas, de emissão mais
---- ..... direta, e alongadas nas fricativas, mais contínuas, como neste exemplo:

6 acredita em ~ mim /
7 teu /

7 t~u / 1-;--
8 pra t sempre /
I~
8 pra t sempre /
No primeiro caso, teu, o alongamento se espalha intencionalmente por
toda a ênfase - precisando a consoante t e alongando a vogal e e a semi-
vogal u; Hamlet se "alonga" corporalmente em direção a Ophélia e se le-

---
9
vanta com os braços abertos, entregue. Fala: teu - com força articulatória
na palavra, que é assim bem marcada e pontuada na letra t - plosiva surda,
10 mais querida / emitida aqui com um pouco de sopro e uma certa projeção de língua para
a frente. A característica de continuidade, inata às consoantes fricativas, é
realçada na letra s em sempre que, desdobrada na vogal e, ganha o senti-
11 enquanto essa máquina de Ham-/let / do afirmativo de infinitude - reforçado pela curva melódica descendente.
A recorrência de alongamentos e intensidade vocal branda na fala de
Hamlet produzem no ambiente uma musicalidade falada.
12 funcionar / As posturas que o ator vai tomando ao longo da fala, com pequenas
variações de dinâmica de movimento flutuante, são leves como a fala,
suavemente entoada. Todos escutam, estáticos. A música tocada na cena
13 Ham-/let / cria uma base para a fala melodiosa, desde a primeira linha:

105
I ~ ênfase recursos vocais
t Ophélia essa métrica me põe doente I
. - 4 - força na articulação
Inicia com ênfase de intensidade fraca, clamando por Ophélia rapi-
damente e olhando nos seus olhos. A linh a I é inteira suave e rápida , cul-
minando com a palavra doente, que com sílaba tônica alongada e curva - curva melódica ascendente e descendente na
melódica ascendente e descendente cria uma inflexão "em espiral", fle- palavra
xível, talvez enjoativa ou doente, quando Hamlet reclama da métrica - alongamento na sílaba tônica da palavra
após cantar com voz rouca os primeiros versos desta fala .
Em seguida, abre os braços num movimento brando - Ophélia A linha 5 tem ênfase na palavra tudo, silabada e lenta; ela pre cisa a
igualmente de braços abertos no outro extremo do palco - e, com voz quantidade e o tamanho: é grande, é muito, é acima de tudo.
do ce, continua nas linhas 2 e 3: E , acima de tudo••. acredita em mim (Hamlet). Este mim, com
inten sidade fraca e abrandamento articulatório, como contraponto ao

2
--:
eu não sei cantar I
grande da ênfase anterior, é pequeno, pessoal, moderado e...

3
-------.. •
os meus suspiros I
7

I ---.----
8 pra t sempre I

Reconhece a falta de potência para ca ntar seu s suspiro s, mas com-


põe na voz falada, de stas duas linhas, uma curva melódica de subida e Pronuncia à Ophélia:
de scida, ascendente na ênfas e cantar e de scendente no sintagma meus
suspiros, combinada com o alongamento, que corrobora a musicalidade.
Decl ara nas linhas seguintes: 9 --
minha dama I

4
A
ma s eu te amo I 10
-----
mais querida I

Todos os elogios têm, nas ênfases, os recursos vocais de : ou força


5 acima de tu/do I
arti cul atória, ou curva melódica ascendente, que aqui estão ligadas à
situação de fala amorosa. Hamlet marca as três primeiras ênfases , minha,
6 acredita em ~ mim I dama e mais (todas palavras compostas com som nasal m - con soante
bilabial sonora, de contato de lábio com lábio - que várias vezes está
ligado a palavras de afeto), utilizando: força articulatória na sílaba tôni-
Eu, dita com exatidão pela força articulatória, ma s em intensidade
ca das palavras minha e dama, coincidindo de ambas serem paroxítonas,
branda, com afeição. Amo, palavra melodiosa na sua composição - toda
seguidas pela ênfase mais, também com força na articulação, resultando
sonorizada, tanto na consoante nasal m qu anto nas dua s vogais a e o -
em uma fala ritmada. As três últimas ênfases, dama, mais, querida, são
e na sua emi ssão: alongada e com curva melódica ascendente e de scen-
todas com curva melódica ascendente, agudizadas sem muita força de
dente, "contaminando" toda a palavra:
voz , quando Hamlet se dirige a Ophélia com intenção amorosa.

106
107
Esta fala põe em evidência uma tendência de as ênfases aparecerem
ênfase recursos vocais
nos finai s das frases. Em todas as linhas desta partitura de Hamlet a últi-
ma palavra é enfatizada (nas partituras dos personagens Ophélia e
Polônio, muitas são as linhas nas quais isto ocorre). Esta relação se dá
11 Ham-/let - força na articulação da palavra
pelo fato de a ênfase ser comumente mais intensa e, por isso , gastar mais
- cadência silabada
ar, coincidindo com o final da expiração.

ênfase recursos vocais 13 t Ham-/let - força na articulação da palavra


- cadência silabada

9 ---
dama - curva melódica ascendente
-
-
intensidade forte
velocidade rápida

-
- força na articulação da sílaba tônica
O tônu s é outro quando, na ênfa se funcionar (linha 12), o ator fala ,
- curva melódica ascendente na palavra alongando a sílaba tônica e dando força articulatória, acompanhada pelas
10 mais
- força na articulação ações física s: prolonga os braços mais inten samente para cima e, depois,
num movimento abrupto, com força, diz rapidamente:
10
-----
querida - curva melódica ascendente na palavra

Ainda de braços abertos, volta-se para o público enquanto fala da


máquina de "Ham-let"; ela é o próprio grupo do Oficina, seus atores no 13 t Ham-Ilet I
palco em comunhão com o público, tomando o fazer teatro, historicamente,
como reflexão de seu momento . Não é apenas um texto do século XVII
chamado "Hamlet", mas este é intensificado pelo diálogo e problematiza- Depois disso, vira-se de costas para todos, rapidamente, como que
ção que faz da nossa atualidade. Em "Ham-let" a força de Shakespeare não tomado por um impulso que precede o que irá acontecer na seqüência:
foi usurpada: a máquina funciona e é, também, o próprio Hamlet. colocarão a camisa-de-força nele por con siderá-lo louco .

11 enquanto essa máquina de Ham-/let /

12 funcionãr /

A máquina de "Ham-let": seu nome, ele - o personagem e o ator - ,


o espetáculo , os atores, o Teat(r)o Oficina, tudo enfatizado em Ham-let (li-
nhas II e 13): ênfases com cadência silabada, força articulatória em ambas
as sílabas - bem marcadas e articuladas - ; e em Ham-let , linha 13, mais
dois outros recursos vocais encerram, também, esta fala: intensidade forte
- única palavra desta partitura com este recurso - , e velocidade rápida.
Estas duas ênfases são duplamente silabadas: pela cadência silabada e pelo
reforço tônico nas sílabas que a divisão das palavras com hífen traz.

109
108
dência silabada ou com articulação precisa, a ação vocal do ator deixa
ver, com clareza, a importância que o pai Polônio dá a cada um dos man-
damentos transmitidos para o filho.
No personagem Hamlet o clima amoroso, derramado nos versos es-
critos para Ophélia, aponta, na partitura, a utilização de recursos de in-
IV tensidade vocal mais branda - apenas uma palavra com intensidade forte
- , vários alongamentos associados a curvas melódicas ascendentes. Es-
VOZCÊNICA: tas curvas, em ciclos de fala curtos, dão à voz entonações melodiosas e
temas, mas não deixam de objetivar, em seus versos, uma ação vocal que
DOMÍNIO TÉCNICO, dirige a todos, com recados de Hamlet para a máquina de "Ham-let" e do
DIMENSÃO CRIATIVA próprio ator para o personagem.
As análises das partituras definem vozes de personagens corpo-
rificadas nos atores. Cada ator, na construção de seu personagem, foi ga-
nhando um corpo vocal, fusão das características timbrísticas de sua própria
voz e dos recursos que (re)elaborou para o personagem. É como se o ator,
com suas dificuldades, capacidades e percebendo/transcendendo seus li-
mites, emprestasse e tomasse emprestado do personagem outras tantas
Belavoz é a mais importante das musas, porque ela é que acom- possibilidades, que vão compondo uma voz, fruto da combinação dos
panha os reis venerandos. A voz é bela não porque seja agra-
recursos vocais do ator e do personagem.
dável e requintada, não é bela por características que
A escuta destas partituras vocais e a avaliação da voz dos atores
consideraríamos formais - mas por este poder, compartilhado
evidenciou recursos dos atores nos personagens e vice-versa. Começan-
por reis e poetas, de configurar e assegurar a ordem, por este
poder de manutenção da vida e de custódia do ser. (...) - Bela, do pelas características vocais da atriz Alleyona em seu personagem
pelo poder de influir decisivamente nas fontes do ser e da vida, Ophélia, nos seus recursos vocais primários:
pela sua pertinência às dimensões do mundo e ao sentido e
totalidade da vida. 1. voz de freqüência mais grave - em Ophélia, o personagem que traz
Torrano' mais fortemente o feminino da peça, o reforço dos tons agudos foi ne-
cessário e inerente às suas situações;
Em cada análise do capítulo anterior, a incidência maior de alguns 2. articulação precisa, auxiliada também pelo sotaque gaúcho da atriz,
recursos vocais mostrou-se afinada com as cenas, com as características que pronuncia bem as palavras - na cena analisada a articulação de
da personagem e com a voz do ator em suas interpretações. Ophélia é clara, com algumas sílabas reforçadas e muitas palavras pre-
A partitura da fala de Ophélia, com inúmeros alongamentos e curvas cisamente enfatizadas no detalhamento de sua narrativa;
melódicas, deixa transparecer na ação vocal da atriz, por meio dos dese- 3. a atriz realiza, com facilidade, variações de intensidade, mas normal-
nhos realizados por vogais estendidas em subidas e descidas, rápidas pau- mente se mantém suave no discurso - a diversidade de intensidades,
sas para retomar o fôlego, tanto o prazer gozoso do encontro com Hamlet nesta fala de Ophélia, é dada inicialmente por um nível mais fraco em
quanto os medos e as angústias dos desencontros da própria peça. suas primeiras ações, depois, num crescente, alcança o forte e, no final,
. N.a fala de Polônio, as qualidades freqüentes de força articulatória, um nível de intensidade bem suave. Na trajetória do espetáculo sua
intensidade forte, velocidade rápida, cadência silabada e algumas frases intensidade e freqüência de voz se elevam, num misto de voz cantada e
com ciclos emissivos mais longos, sugerem uma situação de fala acelera- falada, principalmente em suas últimas cenas, quando é considerada
da, mas imprescindivelmente pontuada e rigorosa. Numa ênfase com ca- louca. Foi necessário, nos treinamentos vocais, um aprimoramento da
percepção auditiva da atriz para discriminação de tons;
1. Torrano, J. Hestodo/Teogonia: origem dos deuses. São Paulo: Massao Ohnol Roswitha
4. a ressonância da atriz é alta, de cabeça, às vezes com um pouco de
Kempf Editores, 1981. nasalidade - em Ophélia os recursos vocais de curvas melódicas e

110 111
alongamentos foi muito trabalhado pela atriz, originando quase um canto 1. voz de freqüência habitualmente grave, também em decorrência de sua
falado, com uma qualidade brilhante, um timbre cristalino, de "cascata". alteração vocal - em momentos diferentes o personagem tem de variar
o tom de voz entre o grave e o agudo , o que levou o ator a exercitar, nos
o cruzamento dos recursos vocais do ator Pascoal da Conceição e de treinamentos, a exten são de sua voz para adaptação ao personagem;
sua criação de Polônio demonstra que também o ator se apropriou dos 2. articulação imprecisa com distúrbio articulatório. Pronúncia com so-
recursos que seu personagem sugeriu e vice-versa: taque carioca do ator - o Hamlet criado por Marcelo incorporava estas
1. voz de freqüência grave - não houve exatamente a escolha do reforço particularidades, exibindo na ação vocal os conflitos do personagem e
desta qualidade para o personagem, mas certamente em Polônio a voz a nece ssidade de articulá-los em sua fala;
grave compõe sua natureza; 3. a intensidade vocal do ator é forte e, várias vezes, a de seu personagem
2. articulação precisa - foi reforçada no personagem, sendo às vezes também. Quando disfônico, inicialmente forçava sua voz. O fato de o
sobrearticulada (exageradamente emitida), dada a necessidade de emis- ator, quando estava disfônico, usar intensidade forte com freqüência
são clara de Polônio em toda a peça, ao desejo de ser polido. Além grave gerav a maior esforço à fala e, desta maneira, o treino e os cuida-
disso, a duração maior dada pelos alongamentos é uma característica dos vocais foram fundamentai s. O HamletlMarcelo foi um personagem
marcante do ator, muito usada em Polônio; que teve de conquistar sua voz, muitas vezes em cena, numa espécie de
3. intensidade variável de voz, com tendência para o forte - Polônio é "ter ou não ter a voz", "ser ou não ser" . Como fala Hamlet: "Ophélia,
inventado com intensidade forte de voz, principalmente pelo tipo de essa métrica me põe doente. Eu não sei cantar os meu s suspiros". Com
relação que estabelece com os outros personagens e com o público, na o treino e a adaptação desta voz para seu personagem, começou a des-
qual a aparente franqueza, a vitalidade do político e sua energia são cobrir a suavidade, saudável para si e possível na composição de seu
verbalizadas e intensificadas; Hamlet. A intensidade vocal pode ser diminuída, mesmo em situações
4. ressonância mista (de cabeça, mediana e de peito) - a facilidade do de tensão e agressividade, e a intenção reforçada em outros recursos
ator em englobar várias ressonâncias, demonstrando sua versatilidade vocais , por exemplo, como articulação precisa e ênfase nas palavras,
vocal, permitiu que a partitura de Polônio fosse estruturada também com diversificação de outros recursos;
com curvas melódicas variadas. A boa colocação de voz do ator, com 4. predomínio do foco de ressonância na região da laringe e da faringe
intensidade forte, ampla ressonância e articulação exagerada, era dirigida (laringo-faríngica), misturando- se à ressonância nasal. Com os treino s, o
para que seu personagem se relacionasse com tudo e com todos. O tra- ator passou a usar a voz na máscara: o uso das caixas de ressonância do
balho de colocação de voz no Teat(r)o Oficina pressupôs também o nariz, da boca, das maxilas e da testa; uma das suas primeiras conqui stas
reforço do treino na articulação e na inten sidade vocal, e isto certamen- na projeção da voz - na cena analisada, as escolhas de recursos vocais
te influiu nas vozes dos personagens. Em Polônio, especialmente estes levam a uma fala melodiosa, contaminadas pelo clima da situação e pe-
dois recurso s vocais foram potencializados para o personagem que, los primeiros versos que são cantados por Hamlet, fazendo o uso da res-
sendo um homem público, diz algumas de suas falas intencionalmente sonância ser variado nas subidas e descidas das curvas entoacionais.
dirigidas para os espectadores - que no Oficina ficam espalhados em
três níveis na platéia. Como foi visto, o timbre da voz dos atore s se amolda ao personagem
e vice-versa, o que reforça a importância de se trabalhar os recursos vo-
A "maratona" vocal por que passava o ator Marcelo Drummond em cais do ator também para superar distúrbios e dificuldades. Sendo assim,
cada espetáculo fazia com que ele tivesse , muitas vezes , de lidar com o a cada nova peça é preciso que o ator cuide, treine e renove sua voz.
cansaço vocal e rouquidão na ação de seu personagem. O espetáculo ti- O treinamento da voz no teatro traz a reflex ão sobre as abordagens
nha quatro horas e meia de duração, e o ator, interpretando Hamlet, estava fundamentais a este trabalho, que sempre será uma mescla das exigências
presente em quase todas as cenas, com muitos monólogos e diálogos. Foi do personagem na peça, do ator em seu personagem e do ator consigo
um longo processo, entre gritos, rouquidões e descobertas vocai s que mesmo, sua manutenção e saúde vocal.
viabilizassem a ação vocal do ator em seu personagem Hamlet. A parti-
tura vocal e a análise de sua voz expõem seus recursos vocais, sendo É preci so reconhecer que (...) certas falhas técnica s podem . eventualmente. adqui-
algun s descritos a seguir: rir uma indiscutí vel eficácia dramática. Seria absurdo excluir dogmaticamente UM

112 II ~
falas que se aceleram sob o efeito da emoção, as forças vocais momentaneamente ção de um gráfico à voz falada. Ao contrário disso, a descoberta dos recur-
quebradas pela tensão ... A dicção, a priori defeituosa - sincopada, seca, monóto- sos na ação vocal e a feitura/análise da partitura são possibilidades de se
na - , de Jouvet tornou-se, como sabemos, uma das características principais de compreender e liberar forças contidas na peça, no personagem e no ator.
sua personalidade de ator e talvez da modernidade das suas interpretações. E os Para que a ação vocal se efetue mais plenamente é desejável que a saúde
puristas não deixavam de recriminar Vilar por "despejar" seu texto, isto é, dizê-lo
de maneira corrida e inexpressiva, quando ele estava cansado. Acontece que, em-
vocal do ator esteja em boas condições. Inclusive a prática da ação vocal
bora se tratando de um defeito, do ponto de vista acadêmico, o público despreveni- pode trazer saúde à voz porque a vitaliza e, com isso, a distende, flexibiliza e
do e pouco atento a essas questões de técnica ortodoxa não deixava de perceber a fortalece. Estando fortalecida, tem menor propensão a alterações. O treina-
força e a beleza da declamação estilizada que Vilar extraía do seu "defeito". Valeria mento dos recursos vocais aperfeiçoa a ação vocal, ajuda a promover a saúde
lembrar que Moliêre, o "patrono" dos atares, sofria de uma "volubilidade da lín- da voz e toma a voz do ator mais apta para o desempenho no palco. Porém, é
gua que acelerava por demais a sua declamação" (segundo Mlle. Poisson,jilha de imprescindível lembrar que pode existir ação vocal mesmo na disfonia. Foi
um dos atares de sua troupe) e de um "soluço" (ou sibilo) talvez resultante das
dificuldades respiratórias provocadas pela tuberculose que iria matá-lo. E que ele
neste sentido que, percebendo o potencial do ator Marcelo Drummond em
soube transformar tais "defeitos" em eminentes virtudes cômicas? realizar ação vocal e, ao mesmo tempo, suas dificuldades, trabalhamos nos
treinamentos a conjugação da saúde de sua voz e a necessidade de uma outra
Obviamente não se trata, aqui, de justificar possíveis alterações vo- possibilidade vocal para a realização de seu personagem. Sobre este proces-
cais, mas, sim, de trabalhá-las a favor do ator e da sua interpretação na so, o diretor Zé Celso Martinez Correa escreveu:
voz dos personagens.
A análise da partitura vocal traz um registro o mais vivo possível, Foi preciso este eclipse da terceira lua cheia de "Ham-let", no dia 29, para eu enten-
der. Neste espetáculo do último domingo, a conjunção desfavorável da voz agoni-
como uma "fotografia" do movimento da cena: como se cada recurso vocal zante do bode Marcelo exigia uma outra voz - ou a condenação à morte, ao não
desse uma dica, um detalhe do personagem, do seu momento emotivo, da ser. Lucia Helena Gayotto, fonoaudióloga, velou até revelar-se esta nova voz. Ela
contracenação e da situação por ele vivida. Penetrando na compreensão da sabia que a concepção do "Ham-let" inicial de Marcelo, gritando como um bebê
partitura, a ação vocal aflora, é a cena (re)visitada, o que permite uma para existir contra tudo e contra todos, teria um limite físico nas suas cordas vocais
aproximação em relação às características cénicas, ao estilo e aos sentidos e precisava dar um salto interpretativo de qualidade. Aconteceu esta noite. (...) nes-
ta noite no Oficina, que espelha toda relação social dentro e fora, abriu-se espaço
empregados pelo ator no personagem por meio da voz.
para o "Ham-let" de Marcelo chegar, ser compreendido, e ele veio.'
No trabalho de preparação vocal aqui sugerido, a partitura é elabo-
rada pelos atores, pelo diretor e pelo preparador vocal em etapas, acompa-
No processo deste ator, e especialmente neste dia, a ação vocal em
nhando o processo criativo e dando contribuições técnicas e interpretativas
Hamlet foi uma busca deliberada, assim como é comum aos atores na
à voz dos atores. Atua também como uma espécie de direção vocal do
criação de seus personagens. Ao ator, conhecer e treinar sua capacidade
espetáculo: trabalha as necessidades vocais básicas para o palco, a constru-
vocal na ação é permitir, a um só tempo, a prática técnica e interpretativa.
ção vocal do personagem e a saúde vocal do ator.
Referindo-se a isto o ator Pascoal da Conceição diz: "Se eu pegar minha
O preparador vocal pode fazer predominar uma ou mais de uma
partitura vocal vou sentir a ginástica vocal da minha emoção num certo
dessas dimensões do trabalho, de acordo com o momento e as deman-
momento, vou sentir o ar, o caminho do ar na cena". Então, o "pulo" vocal,
das da montagem e dos atores. Com isso, fica explícito que há ativida-
a voz que salta com as forças vitais do espetáculo, produz o prazer da
des de treino vocal mais especificamente técnicas. No entanto, é
técnica implicada na criação.
importante que fique claro também que este trabalho não se dá em sepa-
A técnica dá forma às potencialidades da expressão vocal e, em seu
rado das exigências da peça, mas que se estabelece numa relação de
exercício, vai impregnando no ator uma espécie de memória, ou seja, o
reciprocidade com os vários planos de trabalho do ator.
treinamento vocal vai deixando marcas que, voluntária ou invo-
Nessa óptica, o preparador vocal deve trabalhar os recursos vocais
luntariamente, vêm à tona no momento da emissão. O ator Rubens Corrêa
dos atores aplicados ao texto e à montagem teatral, não separando um
aborda este tema contando:
aspecto do outro, como se fazer a partitura fosse simplesmente a aplica-

2. Roubine, J.J. A arte do ator. Trad. Yan Michalski e Rosyane Trotta. Rio de Janeiro: Jorge 3. Zé Celso Martinez Correa. O bode se coroa com o eclipse. Folha de S. Paulo, São Paulo:
Zahar, 1987, p.24. Caderno Mais!, 5 de dez. 1993, p.9.

114 115
No Rio, a gente tem muito uma transação de umbanda que eu sempre gostei muito inspiração não se tran smut a, nem se transmite. Uma dor escancarada e alegre
de assistir. Por deslumbr amento mesmo, porque eu acho uma coisa tão bonita, uma com o a dor do part o. Assim é a criação e a técnica.
coisa tão brasileira, aquelas músicas são incríveis. E tem a transação do cavalo que
é a própria imagem do ator. Quer dizer, o cavalo pra receber o espírito tem que A ação vocal ocorre no corpo do atar como se uma única pele alinhas-
treinar, ele tem que saber que gesto de Iansã é um raio , então ele tem que treinar,
então sai assim (imita ). Tem que sair um raio assim. Eles treinam muito tempo .
se sua carne (as cavidades, os músculos, as membranas, as cartilagens) e
Cada deus tem a sua manifestação física. Então pra mim ator é um pouc o isso.Você sua interpretação." A voz vai se tomando melodia, em sua voluptuosidade
tem que estar pronto pra esse tipo de transação que é no teu corpo, na tua voz, nos traz algo que vai além do entendimento estritamente intelectual.
teus sons. Em tudo, você tem que estar apto pra traduzir este mundo de inconscien- A absorção da partitura vocal pode facilitar o acesso a "esta coisa"
te. Eu acho que a técnica é muit o isso. Quanto mais você tiver melhor! indizível. Não é uma fórmula de interpretação vocal, mas uma ponte que
nos permite, ainda que parcialmente, transitar entre a reflexão e a manifes-
A técnica entranhada na voz do atar deve estar a seu serviço, ela não tação da voz em cena. Quando o atar atua, a interpretação passa através
é exatamente exercitada no espetáculo, mas ele a percebe presente . Marília dele, pelo seu corpo todo, "eroticamente" ; não é simplesmente a ex-
Pera, atriz de um excelente preparo técnico, diz: pressividade emocional de sua voz que ouvimos ; é, para além disso, um
artista que se deixa possuir, que é um canal por meio do qual a arte passa e
Pra você soltar a poesia e a loucura, você tem que ter uma técnica te apoiando,
inunda a quem assiste.
senão não tem interesse a tua poesia e a tua loucura , se você tem péssima dicção , se
a tua barri ga está solta, se você não sabe andar, se você não sabe sentar, se você não É necessário que o atar interfira na ação cênica: ele pode falar horas
tem o mínimo. Pra contar a história de um personagem , você tem que preparar o teu e ninguém escutar, pode falar um só minuto e fisgar a atenção dos espec-
instrumento. Você pega um instrumento desafinado, solta lá a poesia e a loucur a, e tadores. Com ação vocal o personagem percorre o curso da peça , e o
fica tudo meio desagrad ável de ouv ir. Podem sair notas lindas, mas pode ser desa- público vê, ouve, (re)conhece sua existência. Ela vitaliza a palavra emiti-
gradável. (...) Então, eu estando em cena, pude mostrar para as pessoa s o que era, da e pode ser um trampolim para descobertas cênicas .
por exemplo. a forma, o moviment o, a coreografia, sem perde r a emoção . Pelo Há uma cena de "Ham-let", no início do último ato, num cemitério,
contrário, a forma e o moviment o abrem portas para a emoção (...)5
quando os coveiros discutem e analisam os derradeiro s acontecimentos
da peça. É como se ficasse para nós, coveiro s de tudo o que morre, discu-
A insegurança causada pela falta de preparo técnico pode truncar a
tirmos se é, se não é, se pode , se não pode. Enquanto discutem fazem a
emoção emergente ; não encontrando o corpo do atar preparad o ela pode
cova, a vala sagrada , como um ventre de onde tudo veio, se transformou,
interromper seu fluxo. Não há portanto dicotomia entre técnica e arte. No
e agora retoma para outro ciclo de transformações. É este diálogo com o
caso da voz, a ação vocal favorece a fusão entre este s planos.
provisório, com o que morre - valores, verdades, modos de existir -
O atar Pascoal da Conceição, num depoimento visceral, expõe seu
que anuncia e traz a vida que se (re)cria. Talvez seja este diálogo também,
processo de atuação. Ele diz:
em última análise, o motor da ação vocal.
Quando entr o em cena é quand o estou mais frágil. Tud o o qu e preciso fazer re-
que r sempre uma coragem que está além das minh as forças. Então evoco todo o
invisível mundo de forças que me inspiram. Sei que será um tormento eu não me
perder, eu não me esqu ecer. Se eu ficar cuid ando de mim tudo será excessiva-
mente rid ícul o. Tenho sempre a cert eza que todo mundo sabe o que estou pensan-
do, então caminho pra ser o mais sincero possível. E me ataca a obsessão de
revelar tudo o que está me acontece ndo ... O mito de Prom eteu vem bem a calhar:
a exposição às aves que bicam o seu fígado, a dor horrível que é dar as entranhas
para alimento, a prisão nas correntes do rochedo e o reconhecimento trágico de
que aquela purgação é nece ssár ia pro homem que passa o fogo ao outr o homem.
Há um sofrimento, uma dor, um a perda, da qual não dá pra fugir e sem a qual a

4. Apud Meiches, M.; Fernandes, S. Sobre o trabalho do ator. São Paulo: Perspectiva. 1988, p.37. 6. Banhes, R. The grain of the voice. ln: - Image - Music - Text. Trad. Stephen Heath,
5. Op. cit., pp.48 e 56. Grã-Bretanha: Communications Series, 1979.

116 117
DEDOS E OLHOS ENSAIAVAM
PRIMEIROS SINAIS DE UM CONTACTO
PARA O QUE IA SER TRANSPLANT~ DE RESTOS AINDA VIVOS
PARA A ANATOMIA NOVA NA HISTORIA DE UMA VOZ
RECÉM-DESCABAÇADA, MORTA
E PRONTA
PARA SER RESSUSCITADA.
POSFÁCIO O OUVIDO, O SOPRO, AS EXTREMIDADES DOS DEDOS
E DOS OLHOS OLHANDO PARA DENTRO
DO CORAÇÃO DAS VOZES,
AGIAM, AGIAM NA AÇÃO DE "HAM-LET '
TENDO DE BUSCAR OUTRO JEITO PARA VINGAR O ASSASSINATO
DO PAI SEM VINGANÇA, SEM MÁGOA OU RESSENTIMENTO,
DE OUTRO JEITO
COM OUTRA VOZ,
À ESCUTA INICIAL
COM A DO SILÊNCIO,
DOS ÚLTIMOS RECURSOS
DE OUTRO JEITO.
OS PRIMEIROS
DA AÇÃO VOCAL. O OUVIDO OS LÁBIOS SOPRANTES, OS DEDOS,
OS OLHOS 'DA FaNO AUDIÓLOGA ,
OUVIAM , TOCAVAM, AGIAM,
UMA VOZ DE UM BODE NOVO, BERROU
AGITAVAM-SE
MILÊNIOS DE MINUTOS COM OUTRO RENASCIMENTO: _
NAS POEIRAS EMBAÇADAS A DESCOBERTA DO BRASIL NA VOZ ASSASSINADA PELA AÇAO
DE UM RENASCIMENTO DE TEATRO, DA MÁQUINA DE DESEJO E~CESSIVO pE SHAKESPEARE,
ATÉ VIRAR VOZ SEM VOZ, ESTRAÇALHADA, A REVELAÇÃO DA REVULSAO DA AÇAO VOCAL NOVA,
ARREMESSADA EM FIOS DE FIAPOS QUE VINHA VINDO
PRA MORRER NO FUNDO DO PEITO COMO DE UM POÇO DE PETROLEO ,
NO TERREIRO INTERIOR ENSA NGÜENTADO NA POSSIBILIDADE DANÇA LOUCA DAS PALAVRAS
DO CORAÇÃO DE UM ATaR. E DOS SONS DESDOMINADOS,
DO GOZO LOUCO PHALADO
MAS NUM RARO FORA DE CENA, CANTADO E CHORINHADO ASPIRADO
DE UMA PRESENTAÇÃO DE OFÉLYONA CAVALLI,
QUASE MUDA DO PRÍNCIPE DO ESTADO PODRE DA DINAMARCA, DO DISCURSO APAIXONADO
UMA AÇÃO DE TEATO COMEÇOU À ATUAR: ÁRIA CÍVICO BRIZOLISTA
DE POLONIOPASCOAL,
UM OUVIDO, COLADO AO PEITO DE HAM-LET E COMO PRÊMIO DA BUSCA,
ENTRAVA EM CONTACTO COM OS CHIADOS A MEIA VOZ MARINA CANTANDO SEUS SUSPIROS
QUASE SILÊNCIO FORA DA MÉTRICA,
DE ÚLTIMOS RESTOS, DE MAR-CELa
BALBUCIANDO SUA JURA
UMA BOCA SOPRAVA MUITO BAIXO, DE AMOR ETHERNO
SILÊNCIOS ... À MAQUINA DE HAM-LET .
11 8 119
LUCIA HELENA OUVIU, VIU, OUVIU, A VOZ SEDIADA SOMENTE NO APARELHO VOCAL
E VIU QUE TINHA QUE ENTRAR DENTRO DAQUELES PEITOS, QUE FAZIMAGINAR O CORPO DE UMA FaNO AUDIÓLOGA CLÁSSICA
DAQUELAS CAVIDADES E PROTUBERÂNCIAS, COMO UM SER só GARGANTA,
SER AQUELES PULMÕES GALINHA PAPUDA,
PARASABER DE ONDE VINHA A MORTE E O RENASCIMENTO DA VOZ DISSOLVEU-SE PELAS NÁDEGAS, PÉS, E PELO AR,
QUE ELA JÁ ANTEVIA, E OUVIU-SE O SOM EM AÇÃO DE TUDO.
SER A VOZ DO CORPO TODO DA VOZ,
NA AÇÃO DE TUDO COM TUDO NO TE-ATO, AARTICULAÇÃOTEÇNICAMENTE PREOCUPADACOM A SALIVAÇÃO
DANDO A IMPRESSAO
NÃO O QUE DE UM MASTIGAR ETERNO DE CHICLETE,
"TE UNO A MIM, TE OBRIGO A UNIR-SE A MIM", SE ESCORREGOU POR TODOS OS TUBOS DO CORPO INTERNO
COMO TRADUZIU ARMANDO SERGIO DA SILVA, PENETRADO PELA PARTITURA DA AÇÃO
NO SEU LIVRO "OFICINA: DO TEATRO AO TEATO", QUE LUCIA CITA, MAIS QUE DO PERSONAGEM DA PEÇA,
MAS O DE ATO, MAIS QUE DA PEÇA,
O OPOSTO DE ATAR, PRENDER: DO RITUAL ATIVO DE ESTAR VIVO.
O DE SOLTAR, ATUAR, AGIR...
ESTAS DESCOBER.TAS E OUTRAS QUE DESCONHEÇO,
TEÁTO, TE LIGO, POR QUE SOU AÇÃO, DO MUNDO QUE E UMA ORELHA,
SOU ATaR, SOU ATUADO, VIRARAM UM LIVRO.
AGIDO E FAÇO ATUAR. NELE, OS "RECURSOS VOCAIS",
TATEIO. TATO. A CIÊNCIA DA CURA DA VOZ
TEAT(R)O BRAZYLEIRO, TAL QUAL O OCIDENTE ANALISA, ESTUDA, ENSINA E CURA
"TIATO" BRASILEIRO, ENCONTRA-SE COM A AÇÃO VOCAL DO TEATRO,
ASSIM COMO SE FALA: "VOU NO TIATO". DO PERSONAGEM,
ASSIM SE FALA, ASSIM SE OUVE. DO TEATRO, DO TEATO,
E NOSSOS TRABALHOS E O DE LUCIA, DA DANÇA,
QUEREM DIZER MAIS QUE NO RITO TUPY DO ÍNDIO CURANDEIRO DE HAM-LET.
- VOU VER OU VOU OUVIR, COMO QUEM OUVE UM CD,
QUEREM MAIS: NA PEÇA CÂNONE DO OCIDENTE,
- VOU VEROUVIRSERVISTO E OUVIDO, E VOU DANÇAR NO VACILO DO "TO BE on NOT TO BE"
SER, SENDO, "TEATO". HAMLET DEU UMA ESCORREGADELA
E CAIU NUMA CIRANDA DE SURUBIM,
A AÇÃO VOCAL SACUDIU LUCIA PRaS ENSAIOS DE BACANTES FELICIANO DA PAIXÃO,
LUCIA PROCUROU TRAZER O CORO DAS BACAS, UM PICASSO TARAHUMARA DO NORDESTE
PRAS VOZES DOS VAZIOS DAS TRIPAS, INTESTINOS, ÂNUS, PÉS QUE CANTOU A RESPOSTA QUE OSWALD BUSCAVA PRO
DE DAR PÉ, "TUPY oa NOT TUPY":
NA PIERIA, O SER "TUPY",
NO SOPRO PRaS BAIXOS, só.
ATÉ TUDO TRANSAR COM TUDO. SIM ,YES, TUPY, THAT IS THE ANSWER.
A AÇÃO DA VOZ DANÇOU NO CORPO TODO, A MESMA RESPOSTA AFIRMATIVA
NO ESPAÇO TODO, DO EMBAIXADOR BRASILEIRO NU E PINTADO
NO CORPO SEM ÓRGÃO DE TODOS OS PRESENTES E AUSENTES. QUE ATaR CABOCLO PASCOAL DA CONCEIÇÃO
OS GEMIDOS HISTÉRICOS DE BACANTES GANHARAM, DEU EM HAM-LET, NA ARTE, NA VIDA
O TERRENO DO CORPO TODO. E COMO MUSA YOKO aNO DESTE LIVRO.
YES, TUPY.

120 121
ARTAUD COMEÇOU A ESCREVER O QUE OU-VIA
TACARAM FOGO NO ÍNDIO PRA DEIXAR A CIDADE LIMPA
E FOI SE DANDO CONTA QUE NÃO CONSEGUIA,
E A TRIBO DELE DE VINGANÇA SEM RESSENTIMENTO
E AÍ SÓ SE INTERESSAVA CADA VEZ MAIS
REOCUPOU AS TERRAS E MAIS TERRAS DELES ROUBADAS,
EXATAMENTE PELO QUE NÃO CONSEGUIA.
COM SAIAS DE PALHA, TUPY, YES, HAM-LET,
IA INDO,
FAZENDO RODAS, VOZEANDO CANTOS MILENARES.
MUITO MAIS
PELAS PONTUAÇÕES, PELAS VÍRGULAS,
A CULTURA DOS ANTROPÓFAGOS PONTO E VÍRGULAS;
É A DA AÇÃO ALIMENTAR PERMANENTE. PELOS VAZIOS DAS PÁGINAS
RENASCE FORTE AGORA COMO A NEGRA, DOS DESENHOS,
COMENDO TUDO PELO SOPRO
NA RODA DE ÍNDIO DO QUE PELA COISA SOPRADA.
QUE NÃO PÁRA. APALAVRA
COMO UMA FASE DA MATÉRIA,
A PARTITURA DA AÇÃO SÓ
VIRANDO VOZ, SOM, DANÇA, BRUXARIA, ZUM, ZUM, VOZERIO UM INSTANTE,
ATIVO. FRAÇÃO MÍNIMA DE TEMPO DO CORPO TODO MANTRANDO-SE
É SEMPRE REDONDA, NO PESO DOS NERVOS,
MESMO QUE ANTES TENHA QUE PASSAR POR DECLIVES DOS SONS DA DANÇAS DO PLENO DOS VAZIOS
GALGANDO OU DESCENDO CUMES, SENTIDOS
RETAS, DESVIOS E LABIRINTOS. DO NÃO DITO.
ELA, A PARTITURA DA AÇÃO É SEMPRE UMA RODA.
PAULE THÉVENIN OUVIU O CORAÇÃO DE ARTAUD
NESTE LIVRO HÁ O ENCONTRO DE DOIS HEMISFÉRIOS E VIROU A EDITORA DOS FLUXOS DE ELETROS DA AÇÃO ORAL
NUM SÓ CORPO: SEM FIM,
ODELUCIA. DO ETERNAMENTE MOMO
A UNIVERSIDADE, A CIÊNCIA OCIDENTAL, QUE ARTAUDDEIXOU POR ESCRITO NA RESPIRAÇÃO NÃO ESCRITA
A TESE, COMO UMA PEÇA INTERMINÁVEL DE TEATRO.
OS "RECURSOS VOCAIS "NO CORPO DA CIDADÃ COM PALAVRAS ESCRITAS COMO SINAISINHOS
FORAM UMA NOITE ATENDER UM CORAÇÃO QUASE SEM VOZ DE UM FÔLEGO CÓSMICO ETERNO MAIOR SEMPRE VIVO,
E NA AÇÃO VOCAL UM CANAL INTESTINAL INTERNÉTCO CÓSMICO
ESTE CORPO DE MULHER DO VIVO ETERNAMENTE VIVO AGORA E SEMPRE.
PENETROU NA GLOSSOLALIA MULATA DA PRÁTICA DO TEATRO,
DOTEATO A MESMA ELUCIDAÇÃO DA SABEDORIA DA IGNORÂNCIA,
DA BRUXARIA, DA CIÊNCIA E DA ARTE DA LOUCURA
DA AÇÃO SOPRADA PELO TESÃO DA ORGYA. MESTRA DE VOZES MESTIÇAS
QUE TEMOS DENTRO E POMOS PRA FORA DE NÓS,
A CIENTISTA SE ENCONTROU DE NOVO COMEÇA AGORA
DEPOIS DE SÉCULOS NESTA AVENTURA DE ESTUDAR A AÇÃO DO FALAR-OUVIR NO
COM A BRUXA. BRASIL.
GRAVAÇÕES DE VÍDEO, AUDIÇÕES, GRÁFICOS, CURVAS, UMA AVENTURA COLETIVA
SINAIS ESCRITOS, CALIGRAFIAS RUPESTRES, SONS AGIDOS QUE QUE NENHUM DE NÓS PODERÁ FAZER SOZINHO:
AS LETRAS E OS SINAIS AINDA NÃO CAPTAM A DE ILUMINAR A CRIAÇÃO DAS VOZES,
QUE ASSIM COMEÇAM A SER IMPRESSOS NA PÁGINA DA PHALA CANTO, SOLO E CORAL DO T(H)EAT(R)O BRAZYLEIRO
COMO TAPUMES DE PARTITURA, QUE ESTÁ AGORA COMEÇANDO A REVULSAR.
FUTURAS PEMBAS.

122 123
LUCIA DÁ UM PONTO DE PARTIDA
NOSSO TIME, OCTILHA, TIAZO, COMPANHIA, TRIBO, AJUNTAMENTO,
EXATAMENTE NA PEÇA CÂNONE DO OCIDENTE:
SEI LÁ,
"HAMLET".
AINDA NÃO FALA MUITO BEM ,
OS DENTES DA ANTROPOFAGIA DOS CANIBAIS,
OU MENOS MODESTAMENTE,
DOS CALIBÃS
ESTAMOS BALBUCIANDO O QUE QUEREMOS BREVEMENTE
COMEÇAM A COMER AFONO AUDIÓLOGIA OCIDENTAL.
PHALAR.
PERDEMOS A VOZ COMO HAM-LET.
STANISLAVSKI COMEÇOU NO INÍCIO DO SÉCULO
MAS NOSSO DESEJO DE PHALAR CANTATANDO
A SE LEMBRAR DA MEMÓRIA EMOTIVA DO ÍNDIO ESLAVO,
TEM
DO ANIMISMO RUSSO,
NOS OUVIDOS, DEDOS, OLHOS, SOPROS DE LUCIA
FOI ROUBADO PELOS EDIPIANOS DA AMÉRICA DO DRAMA
A MAJESTADE DE UMA CUMPLICIDADE.
PURITANO,
ALGUÉM NOS ESCUTOU, ESSES ANOS TODOS,
E SUAS PERSONAGENS,
ESCREVEU SOBRE O QUE ESCUTOU,
PELAS MÁFIAS DAS FAMÍLHAS.
FEZ GRÁFICOS E PUBLICOU.
MAS ARTAUD NESTE SÉCULO,
AGORA O DESEJO DE PHALAR, NÃO DIGO BEM,
FEZ A TRAIÇÃO:
PORQUE O BEM NÃO EXISTE" ,
VEIO PRO MÉXICO, COMUNGOU O PEYOTE
MAS PHALAR GOSTOSO, FORTE, HUMIDO, LUCIDO,
E ACELEROU A FUGA DA AÇÃO DA VOZ
DE PRODUZIR MATÉRIA SONORA DE NOSSA TREMEDEIRA
DO PAPAI, DA MAMÃE E DO PEDERASTA INATO
APAIXONADA, AUMENTA.
E TROUXE A AÇÃO DA VOZ NO TEATRO DE NOVO
PARA A VOZ DO POVO,
O TEATRO BRASILEIRO ATUAL FALA AINDA NA SUA MAIORIA,
A VOZ DO TODO MUNDO,
COM A POMPA DO TEATRO INFANTIL.
A VOZ DO CORPO SEM ÓRGÃO,
VOZES VIVAS DE VERDADEIRAS PRINCESAS, PRÍNCIPES E REIS
A VOZ DO RITUAL DO ÍNDIO.
SÃO SUBMETIDAS,
"SUCUMBADAS"
O TEATRO OFICINA VEM SE ATIRANDO NESTE CAMINHO.
PARA FALAR UMA ESTRANHA LÍNGUA DE ESCRAVOS,
TEM TODA UMA HISTÓRIA VOCAL DE ATORES
"IDÉIAS" DE REALEZA DE TEATRO INFANTIL.
QUE QUISERAM SER CANTORES
A VOZ VIVA DO ATaR ATRIZ, QUE É A VOZ DO SEU CORPO
MAS QUE ENCONTRAVAM UM APARELHAMENTO TEATRAL
E DO CORPO DO MUNDO,
OCIDENTAL POUCO CANTÁVEL E DANÇÁVEL
É SUBSTITUÍDA POR UM ESTRANHO CLONE VOCAL GLOBAL,
FORAM ESTRAÇALHADOS E ESTRAÇALHARAM
QUE IMPÕE A HUMILHAÇÃO DO NÃO TER VOZ PRÓPRIA,
AQUELA MÁQUINA SEM DESEJO.
DE SER A VOZ PARA A LINHA GLOBAL DE MONTAGEM
QUE O MAJORITÁRIO MERCADO SEM RAZÃO CHAMA:
A MORTE E A RESSURREIÇÃO DA VOZ DE HAM-LET,
VOZPADRÃO .
O TRABALHO DE SUA CURANDEIRA
AGORA É UM LIVRO NA "PRAÇA"
O XAMAR A ATENÇÃO PARA O LUXO DA AÇÃO VOCAL,
QUE SAI JUNTO COM MUITOS OUTROS,
O FATO DE ALGUÉM ESTAR ESCREVENDO,
DE OUTRAS ESPECIALIDADES
OUVINDO A VOZ DE QUEM ESTÁ EM CENA
SOBRE A TRILHA ATUAL DA BUSCA VIVA DO OFICINA UZYNA
É O SINTOMA DESTE LUXO NOVO.
UZONA , CACILDA, RAJADA, SERTÕES, ELA, SEI LÁ ...
A BRUTALIDADE ECONÓMICA DA ORDEM LIBERAL
ESTE LIVRO SINTONIZA O X DO PROBLEMA:
QUE PREGA A EXCLUSÃO DO TEATRO,
O FALAR, O PHALAR, A VOZ SENTIDA, AGIDA AO VIVO
OBRIGA UMA PRESSA NA REALIZAÇÃO DOS TRABALHOS ,
NO PAÍS QUE FALA DENGOSO COMO DORIVAL CAYMMI.
QUE VEM DAS PRESSÕES DE DINHEIRO E DE CENSURA EXPLICITA.
124
125
A REVULSÃO ESTÁ VINDO DE UM MOVIMENTO DE TORNAR
PRECARIEDADE RADICAL!
PÚBLICO,
ASSIM MESMO CONSEGUIMOS DRIBLAR
DE PUBLICAÇÃO,
SER MAIS RÁPIDOS E ÀS VEZES VENCER'
DE TORNAR EXPLÍCITA A CRIAÇÃO DESTA LÍNGUA FALADA.
FALANDO, E FAZENDO, '
SENTIDA QUANDO FALAMOS COM SENTIDOS,
COM O PODE!< DE CAUTERIZAÇÃO DE NOSSA VOZ
OS DA VIDA, DA NOVELA, DO TEATRO
DAS PODRIDOES DESTAS ATMOSFERAS.
DESTE PRA LÁ DE PORTUGUÊS, ,
DESTE BRAZYLEIRO QUE VEM COMENDO O PORTUGUÊS
MAS O SONHO DE TER UMA FASE DE PAZ
DESDE GREGÓRIO DE MATOS.
DE UMA TRANQÜILIDADE '
VEM PARTITURAS DE AÇÕES NOVAS
QUE PERMITA UM TRABALHO DE QUALIDADE,
QUE ENVOLVEM TUDO DE NOVO
EM QUE SE POSSA TER O RETORNO DA VOZ QUE SE LANÇA NO
ALÉM DO NOSSO INDIVÍDUO,
ESPAÇO PRA SER REFINADO
AINDA QUE O COROE,
COMO FAZ JOÃO GILBERTO,
MAS QUE ATRAVESSA O PAÍS DA GRAMÁTICA,
OU COMO UMA TRIBO QUANDO NOS RITUAIS MATERIALIZA
O DA ANESTESIA,
A VOZ DO SEU ESTAR NO MUNDO
NUMA ATIVIDADE CONSTANTE
É UMA POSSIBILIDADE '
DE AÇÃO VOCAL DAS VOZES DE TODOS OS BRAZIS,
QUE O ESTUDO DE LUCIA GAYOTTO
PRINCIPALMENTE OS DAS BELAS AÇÕES FORA DA ORDEM
PROFETICAMENTE OUVE
DESDE JÁ. ' DAS PALAVRAS DE DESORDEM
QUE ESTAS AÇÕES BANDIDAS, DROGADAS, ERRADAS, INVENTAM.
A ÊNFASE NA AÇÃO,
HÁ, PRA QUEM GOSTA DE SE COMUNICAR,
E ~ ESCU'~A NO SOM QUE ELA FAZ,
UM COMBATE TEATRAL À TODAS AS LÍNGUAS MORTAS:
NAO VIRA DE UM "DOMÍNIO" DE UMA TÉCNICA
QUE ELAS SEJAM IMITADAS, MUITO IMITADAS PARA SEREM PER-
MAS AO CO,NTRÁRIO DE UMA ABOLIÇÃO TOTAL DO DOMÍNIO,
CEBIDAS,
DE UMA TECNICA VOCAL DA LIBERTAÇÃO,
PRA PODERMOS ENFIM,
DE SOLTURA DE TODO O DESCONHECIDO
OUVIR-FALAR AS VOZES QUE TODAS TEMOS
QUE ESTE SÉCULO AINDA NÃO ESTÁ SABENDO FALAR NEM OUVIR.
QUANDO AGIMOS NO QUEREMOS PORQUE QUEREMOS,
EM ESTADO PURO DE VIVO TESÃO
AS VANGUARDAS VOCAIS
COMO JOANA D' ARC,
CC?M SEUS VIRTUOSES E MALABARISMOS CULTUROSOS
LOUCA PELA FOGUEIRA,
NAO DIFEREM MUITO DA EMPOLAÇÃO DE CLOWN SÉRIO
AÍ TRAZEMOS NOSSq"S TES9UROS ARCAICOS À TONA,
E DO TEATRO INFANTIL.
EM FOGUEIRAS DE SAO JOAO.
EM REVULSÃO.
O CANTO DA MÚSICA BRASILEIRA
DA MÚSICA NEGRO-ÍNDIA DOS SUBÚRBIOS DO MUNDO
TENDO LIDO ESTE LIVRO
TEM A DELÍCIA DE UMA SONORIDADE
ME SINTO COMO LUCIA
QUE O TEATRO AINDA NÃO TORNOU ALIADA TRIUNFAL.
OUVINDO HAM-LET NOS OUVINDO A TODOS NÓS,
FALA-SE AINDA COMO CATECISMO, O DE ANCHIETA, PROS ÍNDIOS.
AINDA
VEM UMA CACILDA, ESTREMECE TUDO,
NO MEIO DO DISCURSO
AI ELA MORRE,
AINDA
VOLTA TUDO DE NOVO AO LATIM
E À DESCONCENTRAÇÃO. . NÃO AMESTIÇADO,
AINDA
ENTRE CIÊNCIA-ARTE E VIDA,
AINDA

127
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NÃO ESTRAÇALHADO, ALÉM DO ALÉM DE NÓS,
AINDA AQUI
NA UNIVERSIDADE. EM NÓS
MAS UM CANTO
JÁ SENTINDO AGE, CANTA E CURA
FIOS, FIAPOS ELÉTRICOS QUE CORREM
QUANTO MAIS A PALAVRA VAI NA AÇÃO OUÇOTEATO
DO QUE CHAMA-SE PERSONAGEM TEOUÇO
E MUITO MAIS AINDA QUANDO VAI NA DO QUE CHAMA-SE FALO,
"HAM-LET", CORAÇÃO,
NÃO DA PEÇA PROPRIAMENTE, FOGUEIRA.
MAS DESTA MÁQUINA DE DESEJO
QUE TODOS OS VIVOS MORTAIS FAZEMOS PARTE
NO SEMPRE QUERENDO MAIS E MAIS. PARAÍSO, 28 DE ABRIL DE 1997

LUCIA CIENTIFICA-SE, JOSÉ CELSO MARTINEZ CORREA


OUVE, COME, O QUE O MUNDO TEATRAL MUNDIAL FALA,
DA AFONIA DO BEBE HAM-LET,
GOZA COM OFÉLIA,
APAIXONA-SE PELO PODER POLÍTICO VOCAL DE POLÔNIO,
RENDE-SE AO CANTO DOCE DA MÁQUINA DE HAM-LET
RECANTADO
E NOS POSSUI NA MÁGICA DE UM DESEJO DE TUDO
EM QUE A VOZ PAQUERA, CANTA, JORRA
POR TODOS OS NOSSOS BURACOS
AOS DE ALGUM NINGUÉM OU DE ALGUMA COISA.

CIENTISTAS DA FONOAUDIOLOGIA VÃO ENCONTRAR


MATERIAL DE PESQUISA VIVA,
MAS ELES MESMOS,
ATORES, NÃO IMPORTA QUEM LER,
VÃO CAIR NA ARMADILHA DA AÇÃO E NA TENTAÇÃO DE OUVIR
O SEM FIM DO VOZERIO DA AÇÃO DA VIDA E DA MORTE.

DAQUI, DO PÓS-I-'-'ACIO,
PÓS-MORTE REVIDA DE UM LIVRO
A CENA DOS COVEIROS DE HAM-LET ECOA
A VISÃO DESTA CENA QUE LUCIA ,
GAIATAMENTE ECOA
TRANSANDO COM A VIDA E A MORTE,
MOSTRANDO BEM QUE
"VIVER E MORRER NÃO É AINDA O BASTANTE".
POIS TUDO AINDA FALA, SOA E ESTÁ SOANDO
AGORA,
HÁ CANTO CANTANDO

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Formada em fonoaudiologia pela PUC-SP em 1985 , com especiali-
zação em voz profissional e mestrado em Distúrbios da Comunicação
pela PUC-SP. Fonoaudióloga e supervisora clínica, preparadora vocal de
teatro profissional e atriz. Participou de cursos com o prof. Andreas Sippel
- preparador vocal de teatro em Munique - e com a fonoaudióloga e
atriz russa lrina Promptova, no curso "A voz do ator e a ação cênica" em
Lectoure - França. Trabalha em diversas áreas que envolvam preparação
vocal, ministra cursos e atende em consultório particular. Foi professora
da Faculdade Camilo Castelo Branco, na disciplina "Fono e Arte".
Em teatro, foi responsável pela preparação vocal de atores junto aos
diretores Francisco Medeiros, Roberto Lage, Gerald Thomas, José Rubens
Siqueira, Jo sé Cel so Martinez Correa, Renato Borghi, Cibele Forjaz e
Creusa Borges; em televisão, realizou preparação vocal de repórteres da
TV Gazeta SP; em rádio, ministrou curso de formação de locutores na
"Rádio Oficina" ; em escolas de teatro, ministrou cursos de expressão vo-
cal no Teatro Escola Macunaíma e no Teatro Escola Célia Helena.
Como atriz , atuou nos espet áculos "Mistérios Gozozos" de Oswald
de Andrade, e "Bacantes" de Eurípedes, ambas sob a direção de Zé Celso
Martinez Correa, no teatro Oficina; e em leituras da peça "Cacilda", de
José Celso Martinez Correa. Participou da novela "Éramos Seis" do SBT.

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