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EU, PADRE, CASADO ME CONFESSO…

Anda por aí um burburinho dos diabos, à conta de uma declaração de uma


centena e meia de teólogos alemães que, há falta de um tema mais original, decidiram
questionar o celibato sacerdotal. É, juntamente com o famigerado sacerdócio feminino,
uma insistente proposta de alguns grupos de católicos pouco ortodoxos que, se me
permitem a charada ecuménica, de tão reivindicativos dir-se-ia que são protestantes.

Não obstante alguns contornos mais caricatos, a questão é séria e merece


alguma reflexão. Depois de uma etapa fundacional em que, à imagem de Cristo, os
apóstolos e outros, como São Paulo, se mantiveram célibes “pelo reino dos Céus”,
vieram tempos em que os presbíteros podiam ser casados. Contudo, tendo em conta os
resultados dessa primitiva experiência, entendeu-se preferível retomar a tradição
evangélica, repondo o celibato sacerdotal na Igreja Católica latina. Portanto, um
eventual regresso à anterior situação representaria, em termos históricos, um retrocesso,
ainda que disfarçado de revolucionária novidade e, o que é pior, um afastamento em
relação ao exemplo de Cristo, que é o modelo e a razão do sacerdócio eclesial.

Há, sobre esta matéria, um duplo equívoco, que importa esclarecer.

O primeiro decorre da suposição de que só há amor quando há uma vida sexual


activa e, portanto, a imposição do celibato implica a frustração emocional do padre que,
entregue à sua própria solidão, fica assim mais exposto às fraquezas da humana
condição. Já São Paulo advertira: mais vale casar-se do que abrasar-se. É certo. Porém,
o sacerdote não é um homem sem amor, muito embora a sua realização afectiva não
tenha expressão sexual. Um presbítero que não ame, que não esteja apaixonado, é
certamente um ser vulnerável e fragilizado, não por ser padre, mas precisamente por o
não saber ser.

Com efeito, o ministério sacerdotal não se reduz a uma função burocrática, em


cujo caso o celibato não faria sentido, mas antes se realiza naquele “amor maior” de que
Jesus Cristo é o perfeito exemplo. E é bom recordar que o Verbo encarnado não é
apenas Deus perfeito, mas também perfeito homem, pelo que a sua circunstância
celibatária não só não foi óbice como condição para essa plena realização da sua
natureza humana.
Outro lapso é supor que os padres da Igreja Católica são solteiros, o que
manifestamente não corresponde à realidade. Saulo de Tarso, quando disserta sobre a
grandeza do sacramento do matrimónio, refere-o a Cristo e à sua Igreja, por entender
que esta aliança é de natureza nupcial. Por isso, o sacerdote católico, configurado com
Cristo pela graça da sua ordenação, “casa” com a Igreja, que é a sua esposa, não apenas
mística mas também real e existencial, na medida em que lhe exige uma entrega
exclusiva e total.

Há tempos ouvi na rádio uma conhecida balada, em que se repetia um refrão


que é aplicável ao celibato sacerdotal: “eu não sou de ninguém, eu sou de todo o mundo
e todo o mundo me quer bem”. Nem mais: para ser de todos e para todos é preciso não
ser de ninguém em particular. É o que também me dizia um amigo quando, dando-me as
Boas Festas, desejava felicidades para a minha família que, acrescentava com inspirada
eloquência, “somos todos nós”.

Mas há mais. Os inimigos do celibato sacerdotal obrigatório são muito mais


generosos do que se pensa pois, não satisfeitos com dar uma mulher aos padres, querem
dar-lhes duas: a esposa e … a sogra!

P. Gonçalo Portocarrero de Almada

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