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ÍNDICE:
Lenda do Mosteiro de Ermelo 2
O Campo da Fome 6
Leonor 1
Lendas e contos do Alto Minho
Lenda do Mosteiro de
Ermelo
Com o consentimento real, acompanhada das suas aias e alguns soldados protetores,
meteu pés a caminho, por montes e vales do seu reino.
Chegada à Serra da Peneda, que lhe prometia larga vista sobre uma paisagem pacífica e
alegre, o silêncio e a oração, começou a subi-la, com entusiasmo, parando, ora aqui, ora ali,
para ganhar forças e melhor contemplar quanto a rodeava. Uma dessas paragens chama-se,
ainda, Bouças das Donas, lembrando o arvoredo onde D. Urraca e as suas aias repousaram,
abrigadas do Sol ardente.
Junto à vila do Soajo, onde se aconchegavam algumas casas de pedra e colmo, achou lugar
apropriado para edificação do Mosteiro e logo contratou pedreiros para lhe abrir os
alicerces.
Contente com o lugar que obedecia às condições desejadas, D. Urraca correu à Corte de seu
pai, a participar a D. Ordonho a feliz decisão.
Leonor 2
Lendas e contos do Alto Minho
Respondeu-lhe a princesa:
D. Ordonho manteve-se por uns momentos calado, com uma ruga na testa, como quem
segue a seriedade de um pensamento.
Era uma vez uma veiga a que chamam a Veiga da Matança, em terras de beleza e viço dos
Arcos de Valdevez.
O seu nome nasce da convicção popular de que, em 1143, aí se travou uma batalha
sanguinária entre as hostes de D. Afonso Henriques e as de seu primo, o Imperador e rei D.
Afonso VII, de Leão.
O motivo da contenda residia na quebra do tratado de Tuy, em que o primeiro rei de Portugal
prometia vassalagem ao soberano vizinho.
Mas D. Afonso Henriques era um espírito rebelde, valente e determinado, disposto a fazer do
Condado Portucalense que exigira, pelas armas, a sua mãe D. Teresa, um país independente
Leonor 3
Lendas e contos do Alto Minho
Tivera, já, sob a proteção divina, uma batalha decisiva, nos Campos de Ourique, além-Tejo,
contra cinco reis moiros.
Como memória desta vitória e da milagrosa presença de Cristo, pois a lenda afirma o seu
aparecimento ao rei, encorajando-o à luta contra os infiéis, a bandeira de D. Afonso
Henriques passou a ostentar, em cinco quinas, as cinco chagas do Crucificado.
Sabendo da entrada do imperador pelo norte do país que estava a construir, com
entusiasmo, o rei português sobe aos Arcos, disposto a terçar armas pelos direitos do seu
sonho patriótico. E foi ocupar logo, para dar batalha, um lugar privilegiado, o alto Castelo de
Santa Cruz, onde os seus cavaleiros aguardaram, impacientes, o inimigo leonês.
Assim, cada cavaleiro português desafiava um cavaleiro leonês, para um confronto singular.
Pouco tardou que D. Afonso VII não assinasse um armistício com o primo português,
aceitando-lhe, diante de um alto dignitário da Igreja, o título de rei.
Graças ao acordo entre dois monarcas, a veiga arcuense assistiu, assim, não a uma
carnificina, mas quase a um espetáculo palaciano, embora temerário, que, noutras
circunstâncias, poderia, até, ser admirado por damas e donzéis, entre guiões de seda e
ornamentos de festa. Mas a lenda sobrepõe-se à História.
E, séculos atrás de séculos, o povo olha a pujança pacífica daquela extensa veiga cultivada,
como local fatídico de uma horrenda batalha, com a terra empapada em sangue, cavalos
desventrados, guerreiros agonizantes, segurando, ainda, na mão exangue, lanças, escudos,
espadas, gemendo de dor, suspirando de morte. Incólume, no meio desta hecatombe,
empunhado a branca bandeira das quinas, montando um cavalo banhado de espuma, mas
de crinas agitadas ao vento da glória, qualquer pode imaginar o vulto espesso e nobre de D.
Afonso Henriques, o rei-herói, anunciando, naquela veiga, naquela matança, o Dia Primeiro
de Portugal!
Leonor 4
Lendas e contos do Alto Minho
Era uma vez um fidalgo, dos mais nobres das terras que se estendem, num vale fértil, entre
altas montanhas, banhadas por um rio, o Vez, pequeno no caudal, é certo, mas de margens
graciosas e elegante no percurso até às águas do Lima.
Leonor 5
Lendas e contos do Alto Minho
O Campo da Fome
Leonor 6
Lendas e contos do Alto Minho
Conta-se que, há muitos anos, num mês de Maio, aconteceu algo muito estranho lá para os
lados de Formariz. Como acontece frequentemente, aquando das lavradas onde participam
muitas pessoas, na hora do almoço, as mulheres da casa transportam para o campo em que se
está a trabalhar o repasto para todos. É costume estender as toalhas de linho numa sombra
mais agradável, e aí sentarem-se os trabalhadores à volta do que sai dos generosos cestos:
boroa de milho e de centeio, uns nacos de carne de porco e um caldo de feijões e couves. Tudo
isto regado por umas malgas de vinho.
O cão não teve outro remédio senão fugir dali. Mas uns passos à frente, voltou-se para trás e,
fixando os olhos naqueles que o escorraçaram, caíram-lhe os olhos ao chão! Toda a gente que
assistiu ao sucedido ficou perplexa. Nunca tinham visto coisa semelhante antes daquele dia! O
cão entretanto desapareceu, mas o último olhar que tivera para com os presentes permaneceu
marcado no seu pensamento, de tal maneira que adivinharam logo ali um mau presságio!
Passaram-se os anos e ainda hoje, diz-se, o campo onde aquelas pessoas estavam a trabalhar
nunca mais foi o mesmo na produção. O acontecimento marcou tanto as pessoas, que ao
campo, quase infértil a partir daquele dia - sendo hoje uma bouça -, deram o nome de «Campo da
Fome».
Leonor 7
Lendas e contos do Alto Minho
Lenda da Fundação do
Convento do Lugar de S.
Bento
O dono de uma quinta, chamada S. José, recebeu um dia dois frades que lhe foram pedir
esmola. Condoeu-se deles e ofereceu-lhes agasalho na quinta. No dia seguinte, muito comovido
pela desgraça dos frades, que não tinham casa nem dinheiro, perguntou para onde iam;
responderam que ficariam por ali se houvesse quem lhes desse um bocadinho de terra do
tamanho de um couro de boi. O dono da quinta disse que lhes dava ainda mais, o que eles
recusaram; só queriam o que pediam, mas dado com todas as seguranças que a lei oferece para
não lhes ser tirado mais tarde. O dono da quinta fez-lhes doação por escritura do terreno que
desejavam, isto é: o tamanho do couro de boi. Os frades, arranjaram um couro de boi,
cortaram-no em tiras muito finas e fizeram com elas o formato de um boi enormíssimo. O dono
da quinta vendo o roubo ficou louco. Os frades fizeram nesse terreno o convento, que ainda hoje
existe, assim como a capela de Santo António, hoje chamada de São Bento. A quinta do
convento, vista de um alto, que a domina, mostra perfeitamente o formato de um boi. Esta
história está descrita com as datas nas matrizes da repartição de finanças dos Arcos de
Valdevez, terra onde isto se deu. A quinta chama-se Quinta do Convento, sita no lugar de S.
Bento.
Leonor 8
Lendas e contos do Alto Minho
Era vez um rei chamado Evígio, forte e severo, que ocupava o trono visigótico da Península
Ibérica, parte do qual se estendia pelas terras férteis que, séculos mais tarde, iriam constituir
Portugal.
Evígio tinha uma filha única, de nome Eulália, muito bela, luz dos seus olhos, prometida por ele
em casamento ao valente guerreiro Remismundo, que desejava como seu sucessor. Mas Eulália
amava outro. Amava o jovem Egica, de nobre sangue real, também ele valoroso, é certo, mas
cujos amores com Eulália o rei Evígio contrariava, preso ao compromisso tomado com
Remismundo. Porque o coração se lhe negasse a aceitar a decisão paterna, Eulália resolveu
fugir com Egica para longe do seu reino, onde encontrassem, juntos, a felicidade desejada. E,
numa certa noite escura, ambos, escapando à vigilância de servos e soldados, cavalgaram livres,
para outros lugares mais amáveis.
Ao saber da fuga dos jovens namorados, logo o rei enviou um poderoso exército em sua
perseguição. Conscientes dos perigos que corriam, Eulália e Egica procuraram ocultar-se o
melhor e o mais breve possível da ira de Evígio.
Leonor 9
Lendas e contos do Alto Minho
E, debaixo de uma violenta tempestade, chegaram à vista de uma alta serra, chamada Medúlio,
próximo da Galiza, onde fora construído o Mosteiro Máximo, conhecido de Egica, pois ali residia
um velho amigo seu, Frei Gondemaro, decerto pronto a acolher, com satisfação e carinho, o par
de fugitivos.
Vencendo as fúrias do vento rude e da chuva insistente, não tardaram a bater às portas do
Mosteiro e a cingir os braços generosos do monge, que prontamente lhes ofereceu uma mesa
abundante e o repouso dos leitos.
A manhã seguinte, trazendo consigo um Sol radioso, desvendou, aos olhos da princesa e do
cavaleiro, um panorama deslumbrante de campos semeados, densos e verdes arvoredos, águas
rumorejantes de riachos, rebanhos brancos de ovelhas, o mugido melancólico dos bois, um
pulsar de vida selvagem entre as brenhas, uma festa de pássaros nos ares.
- Porquê, chamar Medúlio ao esplendor e prosperidade desta serra, e não Agro, como merece?
- Razão tendes. Pois toda esta riqueza se deve ao trabalho agrícola, de Sol a Sol, dos nossos
bons monges que a cultivam sem fadiga e com muito amor.
Rogou-lhe, então, o par enamorado que, nesse dia magnífico, Gondemaro o casasse, antes que
os homens de Evígio o descobrissem e levassem prisioneiro.
Fez-lhe o frade a vontade, no segredo do altar florido, ante a bênção da cruz sagrada. Depois,
Eulália e Egica partiram para novo reino, ainda mais distante do poder do rei ofendido.
Mas Eulália, ainda que junto do seu amado, sofria de saudade do pai e da sua pátria, e levava os
dias em lágrimas.
Até que chegou, por fim, ao castelo onde o casal morava, o velho monge do Mosteiro Máximo.
Vinha exausto da viagem penosa, tão demorada e tão cheia de perigos. Mas trazia boas notícias!
O rei Evígio, também saudoso da filha querida, estava pronto a perdoar a desobediência e a fuga,
se Eulália lhe desse um neto varão, que viesse alegrar-lhe a velhice e herdar-lhe a pesada coroa.
Leonor 10
Lendas e contos do Alto Minho
Não tardou muito que a princesa embalasse nos braços um filho, para o perdão do rei e o
regresso feliz dos exilados.
E assim a Serra ficou chamada até aos nossos dias, com a beleza da sua paisagem doce e
agreste, cada vez mais fecunda e arroteada, com o bulício da sua fauna e pujança da sua flora,
recebendo os louvores entusiásticos de quem lhe sobe aos altos e lhe desce aos vales, na
devoção das romarias, escutando o balir manso dos rebanhos, o reboar dos sinos, o estrondo
dos foguetes na lisura dos céus.
Leonor 11
Lendas e contos do Alto Minho
Foi em Venade que tudo isto aconteceu. Lá, existe um alto penedo de estranha configuração,
Leonor 12
Lendas e contos do Alto Minho
que logo atrai o olhar de quem por ali passa descuidado. Porém a gente da terra, ao senti-lo
debruçado sobre o seu caminho, volta logo a cabeça, com receio de o encarar. O motivo que deu
origem a esse estado de alma (o medo não é mais do que um estado de alma) foi esta lenda que
vou contar, tal como me foi contada.
É linda, a Primavera no Minho. Os campos ficam mais verdes, mais viçosos. As flores
desabrocham pelos montes, à beira das estradas, junto aos balcões das casas garridas. E foi em
plena Primavera que isto aconteceu.
Maria Clara saíra com o gado para o campo. Mas não se demorara tanto como era seu costume.
Voltara mais cedo. A mãe estranhou o facto, ao vê-la entrar em casa. E indagou:
— Já de volta?
A rapariga respondeu, desembaraçada:
— É verdade, minha mãe. Também… o Sol já lá vai.
— E o gado?
— Está acomodado. É sempre a primeira coisa que faço antes de entrar em casa.
E tentando dar um tom indiferente à pergunta:
— Viu o Zé?
A mãe de Maria Clara parou de lidar. Olhou a filha de frente. Parecia zangada.
— O Zé... O Zé... Então foi por causa dele que voltaste mais cedo?... Pois não me fales nele!
Maria Clara assustou-se.
— Porquê?
Veio pronta, a resposta:
— Porque essa velha bruxa qu’inda é parente dele anda p’raí a espalhar que ele vai ser um
desgraçado contigo!
Maria Clara embespinhou-se.
— Desgraçado comigo? Pois tomara muitos o lugar dele!
— Talvez. Mas o que é certo é que as bocas danadas já têm que fazer!
— E porquê?
— Olha, filha, porque somos muito pobres e não temos um braço de homem para nos defender.
Essa é que é essa!
Maria Clara estava corada de indignação. Mas quis fingir indiferença.
— Ora, mãe, deixe-as lá falar! O que lhes rói é ele ter alguma coisinha de seu e eu só ter as
pobres ovelhas! Que se amofinem, porque eu bem me importo com elas! Gosto do Zé, e pronto!
Queira ele... e havemos de casar!
Do lado de fora soou uma gargalhada. E uma voz bem timbrada fez-se ouvir:
— Com que então, andas para aí a falar do Zé, alto e bom som...
Maria Clara, apanhada de surpresa pelo namorado, resolveu levar o caso para a brincadeira.
— Eu falo alto... e tu escutas às portas! Com que então... ouviste tudo?
— Ouvi que gostavas de mim e isso soou-me como música na igreja!
Maria Clara voltou a corar de alegria. Gracejou:
— Vê, mãe, como ele fala? É assim, com estas palavrinhas bonitas, que ele me apanha!
O rapaz olhou-a, prazenteiro:
— Também tu és bonita, cachopa! Bem bonita!
Ela encarou-o, quase séria. Indagou:
— Olha lá, Zé... O que vale mais? Uma cara bonita, ou dinheiro na arca?...
O jovem enamorado riu, antes de responder:
Leonor 13
Lendas e contos do Alto Minho
— Conforme, rapariga. Para mim prefiro uma cara bonita e um bom coração, à arca mais
recheada. Mas olha que nem todos pensam assim...
Maria Clara atalhou logo, furiosa:
— Por exemplo: a velha bruxa qu’inda é tua tia... diz que és mal empregado em mim!
Ele pegou-lhe na mão, tentando acalmá-la. Sorria para temperar a borrasca que se anunciava.
— Não te zangues, cachopa! É natural que a minha tia pense assim! É de outros tempos. Gosta
de mim...
— E eu, não gosto?
— Sim... mas de outra maneira!
— E que pretende que faças?
— Só farei aquilo que entender...
— Mas entretanto ela continua a falar… e as outras a seguirem-lhe o exemplo!
Ele encolheu os ombros.
— Olha! Qualquer dia iremos os dois à igreja, e toda a má língua acabará.
Maria Clara ficou suspensa. Quase a medo, perguntou:
— Qualquer... dia?
Ele sorriu-lhe.
— Sim. E muito breve! Ainda antes do dia do Senhor! Iremos os dois à sacristia e falaremos ao
senhor Prior.
Maria Clara voltou a corar.
— Que lhe vais dizer? Tenho tanta vergonha dele...
O rapaz olhou a sua bem-amada bem nos olhos, como a buscar inspiração. E respondeu,
fitando-a sempre:
— Direi assim: Senhor Prior! Quero arreceber-me com esta cachopa, que é mesmo uma flor dos
montes!
Maria Clara não sorriu. Estava quase a chorar de alegria. Voltou-se para a mãe, com voz trémula
pela emoção.
— Vossemecê ouviu?... Como o Zé sabe falar bem!
A mãe de Maria Clara sorriu, enleada. Lá longe, na torre da igreja, soaram as ave-marias. A tarde
declinava, num manto de luz suave...
Dias depois, mais feliz do que nunca, Flor dos Montes — como os rapazes já chamavam a Maria
Clara — subiu a serra com o gado.
Era uma tarefa diária. Estava só. A água da fonte corria de mansinho, como em segredo de
amor. E a jovem sonhava, olhando, lá em cima, o penedo — esquecida até das histórias que dele
se contavam.
De súbito pareceu a Maria Clara que o penedo se cobria de uma luz doirada. Levantou-se, então,
num sobressalto, acordadas em si as histórias de antanho. E foi precisamente nesse instante
que uma jovem esplendorosamente bela começou a surgir desse penedo, que se abria
vagarosamente!
Quase sem voz, tão grande era a emoção, Maria Clara murmurou:
— Valha-me Nossa Senhora! Tanto oiro!
Deu alguns passos em frente, mas estacou, receosa.
Uma voz bonita falou-lhe então:
— Não temas... Aproxima-te.
Clara tartamudeou:
— Quem... sois?...
Leonor 14
Lendas e contos do Alto Minho
Leonor 15
Lendas e contos do Alto Minho
Leonor 16
Lendas e contos do Alto Minho
Zé Quintão puxou a moça de encontro ao seu peito forte. Tinha lágrimas nos olhos, que tentava
encobrir.
Espreitando do alto, o crepúsculo fez sinal à noite para que descesse depressa.
E a noite encontrou já os dois namorados abraçados e felizes!
Leonor 17
Lendas e contos do Alto Minho
ali o sossego? Ausente a vozoaria humana, como silenciar a dos elementos da natureza? E
como se podia ali viver em qualquer fonte de água doce?
Frei Diogo pressentia a descrença dos irmãos, mas não via neles qualquer desânimo, O
entusiasmo com que levava por diante as obras e a fé que transmitia, iam contagiando,
lentamente, todos os frades. — Valha-nos Deus e a Virgem! Era o crédito para todas as dúvidas.
Ao longe passavam os marinheiros e pescadores, os quais, atónitos, iam registando os
progressos das obras. Grande coragem e fé teriam que ter aqueles frades, para desejarem viver
tão pobremente, sem comodidade e sem água doce, pensavam os homens do mar.
Acabadas as obras e celebrada a inauguração e dedicação da capela, foram, logo desde os
primeiros dias, surpreendidos os frades por tão doce quietude do mar. Mas a surpresa aumentou
quando, por mais alterado que fosse o mar, e a tormenta afastasse qualquer navegador, dentro
do convento, principalmente na capela, não se ouvia qualquer barulho! Era o silêncio um convite
à oração, que assim lhes permitia elevar o espírito para as coisas celestes! Aquele era na
verdade um lugar protegido e abençoado pela Virgem Senhora da Conceição, que frei Diogo
Arias havia colocado no altar da capela, e que agora recebia o nome do local: Senhora da Ínsua!
E se a alegria e a fé cresciam a cada dia nos corações dos irmãos, ela ficou para sempre
fortalecida quando Frei Diogo lhes indicou, a mando da Senhora que lhe havia aparecido em
sonhos, um local para escavar. Assim fizeram. Ainda a escavação estava no início, e logo um
jorro de água doce a todos maravilhou! Milagre! Foi este o grito entusiasmado e fervoroso de
todos, pelo inusitado do local e pela qualidade da água que aí brotava.
Pelas redondezas passou o relato de tal feito milagroso. Todos acorriam para ver e beber de tão
ditosa fonte, vindo esta a ser conhecida como “Fonte Milagrosa”, e as suas águas pretendidas
para todas as curas.
Junto à imagem, Senhora da Conceição, Frei Diogo Arias agradecia as graças concedidas pela
Virgem que, daí em diante, seria sempre a Estrela-do-mar para os mareantes e pescadores, e o
último remédio para a saúde de todos.
Leonor 18
Lendas e contos do Alto Minho
Há muitos solteiros que não desperdiçam a oportunidade de irem até ao "penedo do casamento",
situado no alto da Serra d’Arga e que, segundo a lenda, consegue "arranjar testo para qualquer
panela", tudo dependendo da perícia de quem quer casar.
Os solteiros atiram uma pedra para o penedo para que esta fique em cima dele. Se ela ficar em
cima à primeira, é sinal que casa no prazo de um ano. Se for à segunda, tem que esperar dois
anos. E por aí fora.
Porém, quando os tempos estão difíceis, e o desespero de quem recorre ao penedo aumenta,
ouvem-se com frequência cantar os seguintes versos:
Lenda do Lagarto de
Lamas de Mouro
Leonor 19
Lendas e contos do Alto Minho
Em tempos que lá vão, nas imediações da chã de Lamas de Mouro, existia um monstruoso
lagarto que afligia toda a população. O enorme réptil postava-se sobranceiro ao caminho que
levava à Senhora da Peneda, e todos os que ali passavam eram engolidos pelo seu apetite voraz.
Todos os anos, alguns pastores, perdigueiros, e romeiros, que por ali passavam com destino ao
Santuário da Senhora, eram vítimas do feroz lagarto.
Ora ali perto, no coto da meadinha, morava uma mulher que passava o tempo a fiar na roca e a
assoalhar as suas meadas, aproveitando tão arrumado lugar ao sol. Acontece que um dia esta
mulher, em andanças de devota ou de pegureira, passou por perto do lagarto. Ao ver a figura que
se aproximava, o terrível sáurio acometeu-a para a devorar. Num supremo e insuspeito esforço a
mulher arrancou da cintura uma arma de defesa, que não era outra coisa senão a sua roca! Com
extraordinária habilidade desferiu um poderoso golpe no até então invencível réptil,
transformando-o em pedra!
Crê-se que a mulher era Nossa Senhora, e a prova do seu feito pode-se ainda hoje ver no lugar
dito de Portela do lagarto, nome que advém da forma rochosa que encima o penhasco, pois se
assemelha ao repugnante réptil.
Leonor 20