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PROJETO DE PESQUISA

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq


Pós-Doutorado Júnior – PDJ2022

A MÁQUINA DO MUNDO E O JUS PUBLICUM EUROPÆUM:


NUNO RAMOS, DRUMMOND E ALÉM

Candidato: João Guilherme Dayrell de Magalhães Santos


Supervisor pretendido: Professor Doutor Antônio Sanseverino
Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Sul

RESUMO

Este projeto traça as origens do tópico da “Máquina do mundo” a partir da menção feita
por Nuno Ramos em Junco (2011) ao poema homônimo de Carlos Drummond de
Andrade, de Claro enigma (1951). Destas referências passaremos pela recorrência da
temática em De Re publica, de Cícero, na Commedia, de Dante Alighiere e em Luís de
Camões, seguindo os passos João Adolfo Hansen no estudo “Máquina do mundo” (2018).
Diferentemente deste, no entanto, iremos propor a colossal Máquina exibida por Tétis a
Vasco da Gama no canto X d’Os lusíadas como uma das primeiras materializações na
cultura do que o jurista Carl Schimitt conceituou como jus publicum europaeum, uma vez
que às orbes metafísicas dantescas se soma o Globo terrestre enquanto dado geográfico.
Este novo nomos da Terra, cujo advento se deve à conquista do mar, possibilita,
posteriormente, a Revolução Industrial que marca, por sua vez e como observamos, o
início do Antropoceno, isto é: o momento no qual as ações humanas passam a interferir
nos ciclos geológicos do planeta Terra (Cf. LUCIANO, 2015; CRUTZEN, 2000; LEWIS,
2015). Isto produz uma mudança no projeto teológico-político europeu sedimentada, por
sua vez, nas resoluções do Concílio de Trento, segundo as quais não mais se guerrearia
aos nãos cristãos, como se fazia antes das navegações, mas, como mostrou Hansen
(2003a; 2003b; 2006a) e Alcir Pécora (2008; 2014; 2019), produzir-se-ia uma inclusão
da Lei natural pela Lei positiva. Assim, a língua do gentio, caracterizada como balbucio
animal, passa a ser dicionarizada para efeito de contraste com a língua portuguesa ideal.
Finalmente, mostraremos como em Nuno Ramos, ao seguir o eu lírico de Drummond que
ignora o apelo da máquina, propõe-se um outro modo de intercessão entre história
humana e geológica, cultura e natureza, isto é, um outro Antropoceno.
Palavras-chave: máquina do mundo; jus publicum europaeum; Antropoceno; Nuno
Ramos, Carlos Drummond de Andrade.

1
RESEARCH PROJECT
Postdoctoral Fellowship PD|

THE MACHINE OF THE WORLD AND THE JUS PUBLICUM EUROPÆUM:


NUNO RAMOS, DRUMMON AND BEYOND

Candidato: João Guilherme Dayrell de Magalhães Santos


Supervisor pretendido: Professor Doutor Antônio Sanseverino
Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Sul

ABSTRACT

This project traces the origins of the topic of the “Machine of the world” from the mention
made by Nuno Ramos in Junco (2011) to the homonymous poem by Carlos Drummond
de Andrade, from Claro enigma (1951). From these references, we will go through the
recurrence of the theme in De Re publica, by Cícero, in Commedia, by Dante Alighiere
and in Luís de Camões, following the steps of João Adolfo Hansen in the study “Máquina
do mundo” (2018). Unlike this one, however, we will propose the colossal Machine
exhibited by Tethys to Vasco da Gama in canto X of Os lusíadas as one of the first
materializations in culture of what the jurist Carl Schimitt conceptualized as jus publicum
europaeum, since the metaphysical orbs Dantesques, the terrestrial Globe is added as a
geographic data. This new nomos of the Earth, whose advent is due to the conquest of the
sea, later makes possible the Industrial Revolution that marks, in turn, and as we have
seen, the beginning of the Anthropocene, that is: the moment in which human actions
begin to interfere in the geological cycles of planet Earth (Cf. LUCIANO, 2015;
CRUTZEN, 2000; LEWIS, 2015). This produces a change in the European theological-
political project based, in turn, on the resolutions of the Council of Trent, according to
which there would no longer be wars against non-Christians, as was done before the
navigations, but, as shown by Hansen (2003a; 2003b; 2006a) and Alcir Pécora (2008;
2014; 2019), there would be an inclusion of the natural law by the positive law. Thus, the
language of the gentiles, characterized as animal babbling, is now used in a dictionary for
the purpose of contrasting with the ideal Portuguese language. Finally, we will show how
in Nuno Ramos, following Drummond's lyrical self that ignores the appeal of the
machine, another mode of intercession between human and geological history, culture
and nature is proposed, that is, another Anthropocene.

Keywords: world’s machine; jus publicum europaeum; Antropoceno; Nuno Ramos,


Carlos Drummond de Andrade.

CNPq - 2022

2
ÍNDICE

I. EUNCIADO DO PROBLEMA.......................................................................4

II. OBJETIVOS GERAIS E ESPECÍFICOS......................................................27

III. CRONOGRAMA..........................................................................................28

IV. BIBLIOGRAFIA...........................................................................................29

3
I) Enunciado do problema

1. A certa altura do livro Junco, obra publicada pelo escritor e artista paulista
Nuno Ramos em 2011 e na qual sorte de poemas em versos livres dividem o espaço com
fotografias matizando, finalmente, uma perambulação por uma praia, lemos:

um apito, sim
um apito soou na imensa foice
ou praia.

Basta, dizia
Como o de um guarda num campo
de prisioneiros

ou o martelo de um juiz
infeliz
o soco de um idiota

na mesa ou a mijada de um lobo


humano.
Fora daqui, dizia

como se falsse em meu ouvido


aos som de uma lixa
tragada na garganta

A carne
Meiga, a grande boceta
a palavra manteiga

o dado transparente
suspenso, ainda em movimento
sem resultado ou sentença

olha
repara
ausculta

essa riqueza sobrante a toda pérola


essa ciência sublime e formidável
mas hermética

essa total explicação da vida


– tudo se perdeu, bateu
na trave
(RAMOS, 2011, p. 109-110)

Na cena, o eco do apito na praia parece denotar a advertência proferida por uma
autoridade, espécie de voz da justiça proferindo uma interdição como comprovariam os

4
termos “basta” ou o “fora daqui”. A impressão é a de que ela se direcionaria ao lobisomem
que estava fazendo xixi e sua origem é remetida tanto a um guarda num campo de
prisioneiros quanto ao gesto do um juiz de direito ordenando silêncio em um júri.
Posteriormente, o texto adquiri, por meio de uma mudança tipográfica introduzida pela
adoção do itálico, uma voz distinta, através da qual temos notícia de uma “palavra
manteiga” que suspende o “dado transparente”, deixando-o sem resultado ou sentença,
isto é, sem síntese e juízo, respectivamente. E, em seguida, há a citação do narrador à
décima quarta estrofe do poema de Carlos Drummond de Andrade – que é composto, por
sua vez, como relembra José Miguel Wisnik, em “estrofes de três versos decassílabos que
ressoam as cadências da terza rima, tal como se vê n’A divina comédia de Dante Alighieri,
embora, aqui, não rimadas e incorporadas ao verso branco modernista” 1: se neste a
Máquina se retrai ao ser recusada pelo eu-lírico após espetacularmente a ele se revelar
quando prosaicamente caminhava pela pedregosa estada de Minas; em Ramos é
identificado, diferentemente, uma espécie de fracasso do projeto avultado, por
Drummond, como insígnia do imenso artifício, a saber, o da “total explicação da vida”.
Lemos em Claro enigma, publicado por Drummond em 1951:

olha, repara, ausculta: essa riqueza


sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,

essa total explicação da vida,


esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo

se revelou ante a pesquisa ardente


em que te consumiste... vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.”

As mais soberbas pontes e edifícios,


o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge

distância superior ao pensamento,


os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos

e tudo que define o ser terrestre


ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber

1
WISNIK, p. 194.

5
no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar
na estranha ordem geométrica de tudo,

e o absurdo original e seus enigmas,


suas verdades altas mais que tantos
monumentos erguidos à verdade;

e a memória dos deuses, e o solene


sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,

tudo se apresentou nesse relance


e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.
(…)

baixei os olhos, incurioso, lasso,


desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.

A treva mais estrita já pousara


sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,

se foi miudamente recompondo,


enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.

Todavia, tal proeza é menos combatida que colocada num espaço intermediário
matizado pelo “bateu na trave”, que reforça o caráter futebolístico da metáfora já
identificável, por sua vez, no apito do juiz e a partir da qual ela pode ser lida como uma
zona limítrofe – corroborando, com isto, o emprego da praia, pela qual caminha eu lírico,
como espaço limiar entre nomos e physis2 no qual tudo se passa, além da figura do
lobisomem como elo entre homem e animal – caracterizada pela imensa força de uma
potência que se torna muito próxima de se atualizar porém, malogrando, assevera o jogo
no empate, por conseguinte, nem fracasso nem vitória, nem gol nem bola fora. A lição de
Ramos é, neste sentido, de inspiração drummondiana, ao passo que o eu-lírico deste, ao
seguir de “mãos pensas” avaliando “o que perdera” – em Ramos, a afirmação de que tudo
se perdeu é antecedida por um travessão, indicando uma cisão com a voz narrativa que
lhe antecede, como se alguém tivesse interrompido um determinado fluxo de
elucubrações para indicar a impossibilidade de tal projeto.

2
Vale menção ao texto de Lacan.

6
A caminhada do “eu-lírico” pela na praia em Junco revela, como se depreende
dos versos, uma relação entre o narrador e o mundo circundante na qual é sublinhada a
imanência da matéria, como se ela fosse indiferente a nós. Aspecto que coexiste, no
entanto, quando, diante do cadáver de um cachorro atropelado por um carro na beira da
estrada, desperta-se, no narrador, sorte de compaixão que, conforme lemos, parece advir
da consciência deste homem de que um dia também será reduzido à imanência total, à
indiferenciação em relação aos outros seres, finalmente, à morte. Não obstante, entre a
citada frieza da matéria sublinhada pelos termos poéticos e o pathos despertado pelo
animal morto pelo automóvel, do qual temos notícias, diferentemente, por meio de
fotografias que dividem o espaço da obra com os versos, o narrador toma por objeto de
sua práxis artística também um junco, isto é, um mero pedaço de madeira abandonado na
praia. Finalmente, entre o cão, o junco e a restante profusão de objetos, temos:

Cachorro morto num saco de lixo


areia, sargaço, cacos de vidro
mar dos afogados, mas também dos vivos
escuta meu murmúrio no que eu digo

Nunca houve outro sal, e nunca um dia


matou o seu poente, nem a pedra
feita de outra pedra, partiu o mar ao meio.
Assim é a matéria, tem seu frio

e nunca vi um animal mais feio


nem pude ouvir o seu latido.
Por isso durmo e não pergunto
junto aos juncos. (RAMOS, 2011, p. 11)

Na imagem gerada pelos versos, o animal e a madeira são vinculados por conta
daquilo que possuem de silencioso e de impenetrável – e, exatamente neste ponto, o texto
os associa aos outros objetos como o caco de vidro, a areia e o sargaço. Mais a frente,
exemplificando o que havíamos apontado, o cão desperta no eu-lírico uma identificação
tecida pelo caráter perecível de seus corpos que o animal, por estar morto, suscita no
narrador. O cadáver do bicho serve como insígnia do tempo e avisa o narrador de que este
também será seu futuro o que, por outro lado, rompe como a ausência de relação entre
homem e animal, cultura e natureza que até então caracterizava sua abordagem:

O cão, velho cão


é tempo

7
intervalo
entre duas chuvas.

Espatifado
É como sou, serei:
Pedaço
De sono

Pronto pro assalto. (RAMOS, 2011, p. 73)

De onde, por fim, teríamos a compaixão, que se instaura por meio de um no qual
o homem sai de si para se colocar no lugar de outrem:

para causar
ganidos ou mexer
o rabo –
cuidado

com carros
matamos
e deixamos
no asfalto. (RAMOS, p. 110)

Como Ramos explicou numa entrevista, os poemas e fotografias que compõe


Junco foram produzidos ao longo de 14 anos, tanto que a temática do cão atropelado já
havia sido colocada em Monólogo para um cachorro morto, obra volumétrica montada
em 2005 no MAM. Sobre esta, o artista conta que “no caso do cachorro morto, filmamos
na rodovia Raposo Tavares (...) Eu desço do carro, vou até o guardarail onde encontrei
um cachorro morto, coloco uma pequena base de mármore branco sob o cachorro e, na
outra extremidade, o CD-player, com os falantes voltados para o animal” e conclui: “ligo
o aparelho, entro no carro e vou embora. Tomadas do aparelho tocando o monólogo para
o cachorro, enquanto os carros passam.” 3 Na exposição, o vídeo, junto a um texto
impresso, é colocado ao lado de imensos blocos de pedra. Um procedimento próximo o
artista faz com um junco em uma praia, como diz: “No caso do tronco podre, vou até uma
praia, onde há um tronco caído sobre a areia. Amarro numa base de granito preto ao tronco
e o aparelho de som à base. Ligo o aparelho e vou embora. A maré sobre e inunda o tronco
e o aparelho de som”, finaliza, “enquanto a leitura do monólogo é tocada.” 4

3
RAMOS, 2007, p. 359.
4
Ibidem, p. 359.

8
Assim como a compaixão pela vida do animal, a matéria enquanto algo silencioso,
frio e incomunicável também é recorrente em outras obras do escritor. Lembramos
rapidamente que, como infere, Tassinari, Ramos inicia sua carreira em parceria com
outros artistas na Casa 7 pelos idos de 1984, quando pintavam “sob a influência do que
então se chamou de ‘volta à pintura” 5 e, como diz Julia Studart, do Expressionismo que
lhe era contemporâneo, o que se manifesta pelo uso de materiais de “baixa qualidade” 6 –
e industriais, acrescentamos –, além do esmalte sintético e papel kraft7. A estreia de Cujo,
obra na qual ele revelava espécie de projeto, a saber, “inventar uma pele para tudo” 8, foi
precedida, todavia, justamente por uma série de instalações realizadas no fim da década
de 80 intituladas Pele I (homenagem a Carlos Parana), montada em 1988, Pele II (para
Frida), em 1989, por último, Pele III. Abre Cujo a descrição de um fazer: “Pus todos
juntos: água, alga, lama, numa poça vertical como uma escultura, costurada por seu
próprio peso. Pedaços do mundo (palavras principalmente) refletiam-se ali e a cor
dourada desses reflexos dava uma impressão intocada de realidade”, ao que completa, “o
som horrível de uma serra saía de dentro da poça e completava o ritual, como uma
promessa (pela qual eu esperava, atento) que fosse conhecimento e revelação.” 9 Difícil
visualizar o resultado de tal ação, mas seu objetivo o narrador deixa entrevisto quanto
disserta sobre a matéria: “A matéria deve caminhar disforme, dispersa, irrepetível,
portanto moralmente insubstituível, individuada, indiferente a nós, inclusive. No limite,
não poderia ser vista, sem sentida, nem ouvida, nem provada” 10.
Após Cujo – termo que, devemos lembrar, indica também o demônio – a figuração
redentora do animal, no que tange à literatura de Ramos, aparece no livro subsequente, a
saber, Pão do corvo, de 2001, depois do qual seria publicado Ensaio geral, em 2007, e,
finalmente, Ó (2008). Trata-se de uma passagem intitulada “Eu cuido deles”, no qual se
lê: “Desde que a estrada chegou eu cuido deles. Só preciso de uma pá, um pouco de cal e
uma bicicleta”, diz o narrador, ao que completa, “toda manhã tem um cachorro novo. Pelo
menos um. Eu olho bem pra ele. Às vezes vem uns pedaços de asfalto juntos, pedregulhos
de piche grudados no pelo. Procuro me lembrar de onde ele era. Anoto o tamanho, o
desenho das manchas, o lugar onde o carro pegou e data”, finalizando: “preciso

5
TASSINARI, 1997, p. 19.
6
STUDART, 2014.
7
TASSINARI, 1997, p. 19.
8
RAMOS, 1993, p. 19. Este é, aliás, o mote da tese de Eduardo Jorge de Olivera.
9
Ibidem, p. 9.
10
Ibidem, p. 15.

9
desenterrar os mais antigos e abrir lugar para os novos. Queria saber o nome deles.
Quando conheço o dono eu pergunto.” 11 Se, um pouco mais adiante, o narrador infere
que a “leoa faz luto e uiva pela morte de um amigo leão na estepe” 12, sua tarefa aqui é
muito clara: elaborar o luto. Assim, presume-se o enredo: um homem mora no campo e,
de repente, chegam as empreiteiras, ou seja, o capital em sua articulação com o Estado e
constrói uma rodovia. A partir daí, multiplica-se o número de animais mortos,
especialmente os cães que, então, são recolhidos pelo narrador que realiza, finalmente,
uma cerimonia fúnebre, ritualizando a passagem de cada um deles.
Todas estas temáticas parecem se condensar em Junco e concedem, no fim, uma
importância imponente, heterogênea e, por muitas vezes, paradoxal do mundo material
em sua poética. Entre os materiais industriais, um junco perdido na praia, um cão
atropelado, cultura e natureza oscilam entre relação e não relação, num contato
intermitente caracterizado pela compaixão, pela comunhão, pelo apartamento sendo
irredutível, por fim, a todas essas figurações. Como diz Gabriel Giorgi ao usar uma
expressão de Ramos, tudo parece convergir para um “grande chão”, esboçando uma
geologia: “Ramos’s work, which shuttles between writing and installation, is structurally
constructed around that “chamado do chão” in which everything that falls – bodies, tree-
trunks, remains – becomes an indicator”, continua, “of heterogeneous temporalities, of
interruptions of every present, in a sort of geology or stratumography of the living, right
in that place where it appears as a fossil and at the limit of the non-living.”13
Mas, em Junco há uma diferença em relação ao restante de sua obra e que deve
ser sublinhada, qual seja: o advento, por meio de uma citação, da imensa Máquina do
mundo. O que, perguntaríamos, ela poderia significar neste contexto? Porque, justamente
no espaço no qual se engendra esta singular geologia, seu projeto “bate na trave” – assim
como, no caso de Drummond, o poeta recusava seu chamado? Para tanto, é necessária
uma breve incursão deste tópico ao longo da tradição literária.

11
RAMOS, 2001, p. 37.
12
Ibidem, p. 40.
13
GIORGI, p. 88-89. Em tradução livre: “A obra de Ramos, que transita entre a escrita e a instalação,
constrói-se estruturalmente em torno daquele “chamado do chão” em que tudo o que cai – corpos, troncos,
restos – se torna indicador de temporalidades heterogêneas, de interrupções de cada presente, numa espécie
de geologia ou estratumografia dos vivos, exatamente naquele lugar onde aparece como fóssil e no limite
do não-vivo.”

10
2. Uma das mais notáveis aparições da “Máquina do mundo” se dá em 1572 na
obra Os lusíadas, de Luís de Camões. Todavia, essa cosmografia tem uma das suas
primeiras referências realizadas por Cícero no Livro VI, capítulo XVII do livro De Res
Publica, escrito entre 54 e 51 a.C., e que Camões, por sua vez, retoma no canto X da sua
referida obra, mas que, também, servia de base para o esquema da viagem de Dante
Alighieri pelos círculos do “Paraíso”, como se lê em sua Commedia, escrita no século
XVI. João Adolfo Hansen nos oferece uma descrição da sua composição:

O conjunto do Universo se compõe de nove círculos ou antes de nove


esferas, das quais uma, a última, a que compreende todas as outras, é
um ser celeste, o Deus supremo, mantendo em exatos limites e contendo
todas as outras. É nessa esfera que estão presas as estrelas fixas que
evoluem eternamente. Abaixo estão sete esferas cujo movimento é
retrógrado, em sentido contrário ao do céu. Uma dessas esferas é
ocupada pelo planeta que na Terra se chama Saturno. Depois vem esse
astro brilhante que traz saúde e prosperidade para o gênero humano e
que se chama Júpiter. Abaixo de Júpiter se vê um clarão vermelho e
terrível, que na vossa linguagem chamais de Marte. Mais abaixo ainda
e quase no meio, o Sol tem sua esfera, o Sol, chefe, príncipe e regulador
dos outros corpos luminosos, alma ordenadora do mundo, tão grande
que a tudo ilumina com seus raios. Vênus e Mercúrio formam seu
cortejo e, na esfera imediatamente inferior, a Lua, iluminada pelos raios
do Sol, realiza sua revolução. Abaixo dela não há nada que não seja
mortal e perecível, com exceção das almas que os deuses deram de
presente aos homens. Acima da Lua tudo é eterno. Quanto à Terra, que
forma a nona esfera no centro do Universo, está imóvel no mais baixo;
e o peso faz com que para ela tendam todos os corpos pesados.
(CÍCERO apud HANSEN, 2018, p. 296)

É notável como o desenho de Cícero se encerra na Terra, apenas especificando


que, nela, ao contrário do que se passa acima da Lua, tudo é mortal, com a exceção das
almas que os deuses emprestam aos homens. Em Dante, o poema escrito na terza rima
herda tal estrutura, a ela somando a cosmologia de Aristóteles e Ptolomeu “adaptada pela
escolástica às Escrituras”14 a partir da qual se entendia que a Terra era constituída por um
“hemisfério superior (setentrional) de superfície predominantemente sólida, o único
habitado, e que o inferior (austral) seria quase todo marinho, tendo unicamente em seu
centro a montanha do Purgatório”15. Da foz do rio Ganges, na “Índia (ao Oriente), até a
nascente do rio Ebro, na Espanha (ao Ocidente)”, completa-se uma trajetória

14
MAURO, 2011, p. 25
15
Ibidem.

11
correspondente ao arco descrito pelo Sol em cujo centro se encontra “a cidade de
Jerusalém, à qual correspondia, no polo oposto, a montanha do Purgatório” 16.
O “Inferno”, pelo qual o poeta Virgílio, a pedido da beata Beatriz, conduz Dante
após encontrá-lo perdido na alegórica Selva escura – onde se depara com a loba e a onça
–, é antecedido pelo vestíbulo, espaço destinado aos nascidos antes de Cristo, e sua forma
é a de uma cratera resultante da queda de Lúcifer, o anjo rebelde que habita o centro da
Terra. São quatro grandes seções que correspondem às penas aplicadas às transgressões
previstas na doutrina aristotélica, quais sejam, “incontinência, violência, fraude e
traição”17. O Purgatório, por sua vez, consiste-se numa montanha alta que segue até a
Porta de São Pedro, a partir da qual, se admitidas, as almas seguirão pelos sete círculos
correspondentes aos pecados capitais “orgulho, invena, ira, preguiça, avareza, gula e
luxúria”, os quais serão purgados “para depois serem admitidos no Paraíso” 18. Daí em
diante, temos exatamente o mesmo sistema explicado por Cícero, com o Empíreo, no qual
há a Rosa Mística, que glorifica os beatos, seguido pelo céu de estrelas fixas. A diferença,
talvez, seja que, em Dante, há, além da Rosa, o “Primum Mobile”, um céu concêntrico às
estrelas fixas “também chamado céu cristalino por não conter matéria alguma”, sendo a
partir dele que se “comanda os oito céus inferiores” 19.

No nono céu, o da divina paz,


Um corpo gira, no poder de Quem
o ser de tudo que ele abrange jaz.
(…)

assim a Inteligência a sua bondade


por todas as estrelas multiplica,
enquanto gira sobre a sua Unidade. (DANTE, 2011, p. 505 -506)

O movimento retilíneo e progressivo rumo à pura espiritualidade – afinal, para


entrar nos círculos divinos Dante se desmaterializa por completo – confirma, por outro
lado, a natureza decaída do ser-humano e/ou inferior do telúrico, oriunda, como escreve
o protagonista narrador, da falta de comedimento de Eva, como quer a cosmogonia cristã:
“Crês que no peito que cedeu a costela/ para a bela formar que a intemperança/ danou,
que o vosso mundo ainda flagela” 20. A mescla entre antiguidade e os Evangelhos atinge

16
Ibidem.
17
MAURO, 2011, p. 30.
18
Ibidem, p. 257.
19
Ibidem, p. 488.
20
DANTE, 2011, p. 580.

12
ponto alto na figura de Deus, uma vez que, quando se encontra no Empíreo e percebe seu
Fulgor refletido num círculo, pergunta-se o protagonista, pensando em Pitágoras, acerca
de uma representação, segundo explica Ítalo Mauro, “por um número racional (d)a
relação entre a circunferência e o diâmetro do círculo”21, ou seja, o π (Pi): como lemos
no poema, “buscava a imagem sua corresponder/ o círculo, e lhe achar sua posição.” 22,
isto é, a resolução da equação. Pois a reposta do problema matemático, que resta aos dias
atuais como um número “irracional”, corresponderia ao conhecimento de Deus, o que
significa que a presença da paixão não torna a divindade católica menos geômetra,
racional. Logo, como diz João Adolfo Hansen, se Dante “não consegue ver como a
imagem se une com o círculo”, ele evoca “a antiga definição de Deus como círculo que
tem a circunferência em toda parte e o centro em nenhuma” 23. Deus é, para Dante, algo
inalcançável, invisível, indizível, e, quando Dele se aproxima, o protagonista é atingido
por um fulgor, uma luz intensa, que o expulsa de tal saber:

Mas não tinha o meu voo um tal poder;


até que minha mente foi ferida
por um fulgor que cumpriu Seu querer.

À fantasia foi-me a intenção vencida;


mas já a minha ânsia, e a vontade, volvê-las
fazia, qual roda igualmente movida,

o Amor que move o Sol e as mais estrelas. (DANTE, 2011, p. 731)

De maneira muito semelhante escreve, 250 anos depois, Camões. Ao invés de


Virgílio, a deusa Tétis, logo ao início do canto X, guia Vasco da Gama pedindo que seja
prudente, afinal, estão atravessando “monte espesso, coberto de mato (...) árduo, difícil,
duro a humano trato” que corresponderia, conforme João Adolfo Hansen, à “selva escura
ou selva selvaggia”24 de Dante, uma vez que ambas são, seguindo exemplo da onça e da
loba vista pelo florentino, alegorias da “vida sensível, que vai ficando para trás com o
esforço firme e forte da escalada do alto do monte pela alma” 25 – imagem que era muito
comum, em acordo com o estudioso, em textos platônicos “dos séculos XV e XVI” como,

21
MAURO, 2011, p. 703.
22
DANTE, 2011,
23
HANSEN, 2018, p. 306. Aqui vale a nota ao sermão “Nossa Senhora do O”, de Padre Antônio Vieira,
no qual a Máquina também é citada.
24
Ibidem, p. 297
25
Ibidem, p. 297

13
por exemplo, “no romance alegórico Hypnerotomachia Poliphili, O sonho de Polifilo,
publicado em 1468 por Francesco Colonna” 26. Tétis está na companhia da “Sapiência
Suprema”, ou seja, Deus, que “faz a mercê do que vai ocorrer”, avisando o poema que o
navegador português possui, como os demais “míseros mortais”, “olhos corporais”,
portanto, incapazes de alcançar a Forma perfeita da “substância metafísica do Universo”,
para falar com Hansen, exatamente como o Fulgor divino avisava Dante, mesmo que este
já não estivesse na condição de matéria. E, sem mais, exibe a Vasco da Gama a etérea e
elemental Máquina do Mundo, fabricada pelo saber absoluto – e por isso o termo
“máquina”, pois é, na expressão de Hansen, “Universo artificiosamente fabricado pelo
engenho de Deus, autor máximo”27 – e cuja forma de Globo condiz com sua natureza
“sem princípio e meta limitada”, isto é, infinita. Escrevendo sob o Santo Ofício da
Inquisição, Camões faz questão de colocar nas falas de Tétis uma ressalva quanto sua
condição divina que, mais especificamente, no verso 82, leva-a a declarar que somente
no Empíreo se encontram “os verdadeiros seres divinos e que ela mesma e os demais
deuses antigos são fábulas falsas, que só servem para fazer versos agradáveis.”28
Igualmente, a descrição das orbes segue a cosmografia ptolomaica, assim como
“o uso da figura do circulo para figurá-lo não é arbitrário e corresponde à definição antiga
de Deus que se lê em Nicolau de Cusa ou no tratado sobre as hierarquias angélicas de
Dionísio, o Pseudo-Areopagita”29. A descrição de Tétis segue em esquema descendente,
começando pelo Empíreo, do qual, como se dava no florentino, irradia uma luz tão clara
que sobrepuja a capacidade sensível das vistas humanas. Do Primeiro Móvel, passando
do céu das estrelas fixas até à Lua, chega-se à Terra e, aqui, há uma diferença com relação
às versões antigas da grande Máquina da qual não se pode passar incólume. Tétis descreve
a Vasco da Gama a Europa qualificada como “cristã”, “mais alta e clara/ Que as outras
em polícia e fortaleza” passando, logo, à África, por sua vez, “avara/ inculta e toda cheia
de bruteza”, na qual há, finalmente, uma gente “sem lei”. Doravante, descreve-se o sul da
Ásia e seus diversos povos, que “Humana carne comem” em suas selvagens vidas, além
de pintar a própria pele com ferro ardente. Com isto, segundo a leitura de Hansen,
alegoriza-se o “contato extático” dos portugueses com “o princípio metafísico, o Bem

26
Ibidem.
27
HANSEN, 2018, p. 296.
28
Ibidem, p. 300.
29
Ibidem. A mesma imagem de eternidade se encontra na figura circular da cobra que morde o rabo no
Hieroglyphica, o livro de emblemas editado por Aldo Manúcio em Veneza, no final do século XV, atribuído
a Horapolo, sacerdote egípcio do século IV d.C.

14
para além do movimento aparente das esferas” assim como se “fundamenta o domínio
físico do mar e das novas terras da África, Ásia e América como domínio teológico
político da monarquia católica portuguesa sobre regiões e religiões gentias e infiéis,
divinizando a história de Portugal.”30 Logo, se em Cícero a Terra, a partir da perspectiva
da grande Máquina, figurava apenas como espaço no qual se divisava, entre mortais,
aqueles que poderiam ter almas perenes cedidas pelos que habitavam as orbes superiores,
ou seja, entre homens e animais; e, se em Dante, o telúrico estava subdividido em os graus
de intemperança e, logo, de animalidade – o que dá à onça e à loba uma dimensão concreta
e não somente alegórico, afinal a vida sensível é a vida animal –, que graduava e distribuía
os viventes conforme se caminha do centro da Terra até o topo da montanha, antes de se
adentrar o espaço divino: em Camões a estrutura metafísica (que, devemos observar,
sempre está em uma determinada articulação com o físico, nunca sendo pura, como se
quer as exibidas idealidades), incorpora o Globo terrestre a partir de uma dimensão na
qual o percurso do mortal ao imortal, do bruto à beatitude, do impuro ao puro, do físico
ao metafísico, da voz à linguagem, do feminino ao masculino, ou, finalmente, da natureza
à cultura, passa a corresponder, geográfica e globalmente, à sul e norte, pagão e cristão e,
especialmente, do africano ou selvagem ao europeu, logo, do negro ao branco. O que, por
outro lado, não apenas concede ao espaço físico das formas passageiras uma presença no
poema consideravelmente maior do que se via em Dante, mas, sobretudo, eleva-o
enquanto tópico a ser tratado com seriedade:

“Vês aqui a grande máquina do Mundo,


Etérea e elemental, que fabricada
Assi foi do Saber alto e profundo,
Que é sem princípio e meta limitada.
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo e sua superfície tão limada,
É Deus; mas o que é Deus, ninguém o entende,
Que a tanto o engenho humano não se estende.

Este orbe que primeiro vai cercando


Os outros mais pequenos que em si tem,
Que está com luz tão clara radiando
Que a vista cega e a mente vil também,
Empíreo se nomeia, onde logrando
Puras almas estão daquele Bem
Tamanho, que ele só se entende e alcança.
De quem não há no mundo semelhança.
(...)

30
HANSEN, 2018, p. 300.

15
“Vês Europa cristã, mais alta e clara
Que as outras em polícia e fortaleza;
Vês África, dos bens do mundo avara,
Inculta e toda cheia de bruteza,
Co’o cabo que até’qui se vos negara,
Que assentou para o Austro a Natureza;
Olha essa terra toda, que se habita
Dessa gente sem lei, quase infinita
(...)

“Vês neste grão terreno os diferentes


Nomes de mil nações nunca sabidas:
Os Laos, em terra e número potentes;
Avás, Bramás, por serras tão compridas.
Vê nos remotos montes outras gentes,
Que Gueos se chamam, de selvagens vidas;
Humana carne comem, mas a sua
Pintam com ferro ardente (usança crua!)”

Luís de Camões, Os lusíadas, canto X, 1572.

Para Hansen isto se dá tanto no plano do texto quanto do contexto. Neste, porque,
como dito, explica a empreitada colonial enquanto fundamento e predestinação teológico-
política. Naquele, porque o maneirismo ou a suposta presença do sensível que animaram
as leituras contemporâneas do barroco também foram imputadas à Camões 31, o que se
justifica, especialmente, pelo episódio da Ilha dos Amores, no qual há alegoria da Vênus
celeste e terrestre “que várias edições padrescas de Os Lusíadas censuram justamente
porque odeiam o sensível e o intelectual.” 32 Todavia, Hansen pondera que a
“extraordinária alegria das formas sensíveis” é onde “transluz a beleza graciosa do Amor
universal” que, por sua vez, move a grande máquina e, por consequência, segundo a
teologia política, a empreitada mercante e monárquica portuguesa movida pela caritas
cristã. Afinal, conclui o estudioso, “Camões é um platônico, mas sem nenhum ódio da
empiria”, pois “acredita poeticamente, com Aristóteles, que a arte corrige a natureza”, o
que o leva, por outro lado, a justamente não se contentar “com as coisas empíricas, mesmo
quando belas, pois sabe que são tempo, imperfeitas, e passam, efêmeras. Em sua poesia”,
conclui o estudioso, finalmente, “todas as figurações da beleza sensível são metáforas da

31
O “maneirismo camoniano” seria “estilisticamente influente em Góngora” (CAMPOS, 2010, p. 240) e,
juntos, comporiam o “código retórico barroco”, isto é, um “dizer alternativo” ao logocentrismo da Europa
renascentista que encontrava nas Américas um lugar ideal para o seu florescimento, como argumentou
Haroldo de Campos em “Da razão antropofágica”.
32
HANSEN, 2005, p. 18

16
beleza do ato intelectual que reproduz o ato da Criação.33 Porque Camões escrevia sobre
e em louvor à glória do “capitalismo monárquico da dinastia de Avis”, a decadente
“máquina mercante”34 que Gregório de Matos lamentava tocar a “triste Bahia” e que,
posteriormente, seria sobrepujada em poderio pela burguesia inglesa.
Ora, na obra O nomos da terra, o jurista Carl Schmitt argumenta “em um livro da
nossa fé cristã, o ‘Apocalipse’ de São João, lemos, a respeito da nova Terra purificada de
pecado, que nela não haverá mais um mar” 35. O que significa que, antes das navegações,
era majoritária uma concepção de mundo “originariamente terrestre” – sendo o mar, logo,
uma zona de pilhagem, puramente exterior – e, com os “descobrimentos”, surge “pela
primeira vez a consciência global dos povos europeus aprendeu e mediu a Terra.” 36 Daí
advém “o primeiro nomos da Terra, que consistia em uma determinada relação entre a
ordem espacial da terra firme e a ordem espacial do mar livre, e foi, durante quatrocentos
anos, portador de um direito das gentes eurocêntrico, o jus publicum europæum”37,
iniciado pelos portugueses mas levado a cabo, segundo a perspectiva do jurista, pela
Inglaterra – o que a permitiu, séculos depois, realizar a Revolução Industrial. Isto quer
dizer que, “durante milênios, a humanidade possuiu uma imagem mítica, mas nenhuma
experiência cietífica da Terra como um todo” e tampouco, continua Schimitt, “podia
haver um jus gentium (direito das gentes) que abarcasse a Terra e a humanidade.” 38
O que nos leva a supor que Os lusíadas e, especialmente, sua reformulação
bastante empírica da “Máquina do mundo” no décimo canto, seja uma das primeiras
grandes cristalizações desta nova consciência, sobretudo ao atualizar a cosmografia
antiga com os avanços “da geografia” e “medição científica” a partir dos quais não apenas
se retrata o mundo como globo – Schimitt nota que orbis é uma palavra polissêmica e
pode significar tanto disco quanto globo, sendo esta acepção a adotada após dos
“descobrimentos”39– mas que, a partir disso, começa a propor um conceito um tanto mais
geral de humanidade. Schimitt ressalta que o humanista Juan Gines Sepulveda usava o
argumento de Aristóteles segundo o qual o bárbaro é “escravo por natureza” para
condenar os ameríndios à não humanidade, isto é, “seres sem direito”40, e relembra que

33
HANSEN, 2005, p. 18.
34
MATOS,
35
SCHMITT, 2014, p. 39.
36
Ibidem, p. 39.
37
Ibidem, p. 47
38
Ibidem.
39
SCHMITT, 2014, p. 49.
40
Ibidem, p. 105.

17
no século XVI juristas atualizaram “argumentações teológico-morais dos escolásticos ao
convertê-las em uma filosofia ‘natural’ e em um direito ‘natural’ da razão humana em
geral”, fazendo surgir um conceito de Estado que converte a Igreja em “polícia e politica
estatais”41. Com efeito, é no barroco do século XVII, finaliza, que a “pessoa soberana
representativa do Estado se impõe totalmente”, passando a ser concebida como um
“elemento de uma nova ordem espacial, como o novo sujeito de direito de um novo direito
das gentes (...)42. O direito global e no qual está implicado a ideia de humanidade.
Para a formulação de tal ideia, então, foi fundamental uma operação jurídica, qual
seja, a inclusão do direito natural pelo direito positivo. Segundo João Adolfo Hansen, este
procedimento ganha sua formulação crucial nas resoluções da “IV sessão do Concílio de
Trento” de 1563, nas quais não apenas “declarava heréticas” as teses reformistas,
possibilitando, então, a transmissão oral 43 da Palavra; como confronta as teses tais quais
a de Sepulveda, passando a considerar que “o pecado não corrompe totalmente a natureza
humana e que a luz natural da Graça inata deve ser universalmente apregoada como o
critério definidor da legitimidade dos códigos legais positivos inventados”, por sua vez,
“pelas comunidades humanas para governar-se”44. Um argumento muito similar
levantaria Alcir Pécora ao lembrar que, ao contrário das posições de Quevedo e
Sepúlveda, os Escolásticos, dominicanos e jesuítas, retiravam o índio da condição
aristotélica de “servos por natureza”, pois ele estava, então, compreendido pela “lei
natural que postula uma analogia proporcional entre o homem e Deus, entre o efeito e a
Causa que o produz”, independente do seu grau de “polícia, civilização ou
racionalidade”45. Todavia, que o gentio ocupe um lugar na “hierarquia do corpo místico
e institucional da Igreja e do Estado não lhe oferece a contrapartida das cores mais
amáveis que pintaram o ‘bom selvagem” romântico, uma vez que, para o jesuíta, ele
permanece “boçal’, ‘bárbaro’, ‘vil’, ‘preguiça’ e, enfim, ‘negro’, termo que, tornando-o
indistinto do africano, evidencia a suposição de suas carências idênticas.” 46
Portanto, o que a Lei natural, ao conferir inteligência e humanidade ao gentio
produz serve, antes, para reforçar “o papel mediador da Igreja, segundo o modelo

41
Ibidem, p. 132-133.
42
Ibidem, p. 154.
43
HANSEN, 2003, p. 20. Escreve Hansen em outra oportunidade: “O Concílio de Trento fio encerrado m
4 de dezembro de 1563, tendo seus decretos confirmados em maio de 1564. Em Portugal, a Coroa deu-lhes
apoio total e, em setembro de 1564, os decretos foram publicados solenemente pelo rei D. Sebastião, que
cinco dias depois os declarou lei do Reino.” (HANSEN, 2006, p. 12)
44
Ibidem, p. 21.
45
PÉCORA, 2008, p. 67.
46
Ibidem, p. 68.

18
missionário da Companhia, cuja ação se entendia fundamenta para a reorganização da
Monarquia Católica e a sustentação do frágil Império português da Restauração.” 47
Mediação que deve ser realizada considerando a boçalidade do gentio, conforme sinaliza
Hansen, ou seja, usando dos “efeitos como eficácia didática, prazer engenhoso e
envolvimento persuasivo”48, que entendem, por sua vez, a consciência humana como foro
interno, isto é, lugar no qual se executa o juízo, de Deus. Assim, Hansen conclui que
“tudo quanto o Estado solicita ou concede deve ser examinado à luz da razão desse foro,
que contém como permanentemente escrita a lei natural de Deus” e, “se o juízo conclui
que o Estado está de acordo com a luz natural e tem validade em sua consciência ou foro
de Deus, acata o que é solicitado ou concedido como se o próprio Deus mandasse”,
todavia, “se a diretiva do Estado discrepa da lei natural ou se opõe a ela, conclui que é
injusto e que tem de fazer tudo o quanto for necessário para corrigi-lo.”49
Como explicou Andrea Daher a partir dos estudos de João Adolfo Hansen,
enquanto natureza, o som seria “efeito da causa primeira” que se dispersa pelo mundo
após Babel perdendo, logo, a “semelhança da Letra, mantendo-se a imagem distante, nele,
da língua adâmica.”50: como o índio está excluído da lei de Deus – desconhecendo os
Mistério – mas incluso na lei natural, “é humano, ainda que num grau distantíssimo da
boa humanidade católica” e, assim “também, a língua do índio, a que faltam categorias,
distante, portanto, analogicamente, da boa proporção do Verbo divino.” 51 Como diz
Hansen, “com suplemento de alma católica conferida ao tero ‘Tupã’ e a outros, o padre
produz a alma selvagem enquanto lhe fornece a memória católica do Bem em sua própria
língua”, além de que se “pressupõe que a quase-cegueira da Luz e a quase-mudez do
Verbo também se revelam na nudez do corpo,”, ou seja, “a descontextualização da
oralidade pela escrita é homóloga da repressão da nudez pela roupa”. Desta forma, “assim
como a roupa produz senso de vergonha das ‘vergonhas’ onde Adão e Eva sentiram
orgulho do pecado, a escrita se apropria da oralidade tupi para constituir a memória
indígena como lembranças de uma culpa vivida por pessoa cristã”, isto é: “o corpo nu do
indígena é um texto que é lido pelo padre como vazio, no qual o Anhangá-Diabo tatua
simulacros.”52 Por isso, como também argumenta Pécora, Vieira “se contrapõe a guerra

47
Ibidem.
48
HANSEN, 2003, p. 22.
49
Ibidem, p. 22.
50
HANSEN apud DAHER, 2012, p. 75.
51
DAHER, 2012, p. 75.
52
HANSEN, 2006, p. 17

19
justa pela poligamia e canibalismo consequências não da má disposição indígena
desumana e irracional, mas antes de costumes vicioso que poderiam ser corrigios pela
conversão”53. Afinal, conclui Hansen, “o indígena não é entendido como Outro, segundo
a diferença cultural de uma definição ‘antropológica’ que então obviamente não existe,
mas como Mesmo, natureza humana pecadora definida teologicamente, só que muito
disforme, tal uma figura já conhecida e refletida num espelho deformante e embaçado.” 54
É desta maneira que se constitui a deia de humanidade a partir de uma consciência
da totalidade do globo: enquanto racismo, isto é, uma compressão segundo a qual no
caminho ascendente da natureza à cultura, da voz à linguagem, da animalidade à
beatitude, do corpo ao espírito, do sensível às orbes inteligíveis, do gentio ao mundo da
lei, do canibalismo à polícia, do negro ao branco, progredir-se-ia, igualmente, do sul ao
norte global, à Europa. E é exatamente isto o que se passa na “Máquina do mundo” de
Camões: as orbes deixam de ser simplesmente metafísicas e se tornam um dado
geográfico e a Terra, finalmente, é apreendida como objeto em sua totalidade.

3. Neste sentido, o poema de Camões não seria, portanto, uma mera abstração
mítica, como é a cosmologia ptolomaica em sua apropriação cristã por Dante, mas traz
em seu bojo uma profunda marca da modernidade, qual seja: a consciência geográfica do
globo, responsável, inclusive, por gerar uma assombrosa intercessão entre história
humana e história geológica. Este cruzamento é o que cientistas contemporâneos tem
chamado de Antropoceno, isto é, uma era geológica cuja marca é a própria ação humana
que tornaria, por sua vez, o planeta inabitável ao modo de vida da civilização e de outras
forma de vida que atualmente compartilha conosco o planeta. Lembramos rapidamente
que, no debate acerca de sua origem estão dadas duas possibilidades, quais sejam, a de
que ele teria se iniciado com a Revolução Industrial inglesa e a segunda, mais radical, de
que fora a chegada dos europeus no Novo Mundo que teria começado uma interferência
no modo de funcionamento de Gaia devido a atividade humana 55.
O interessante é que, na perspectiva de Carl Schimitt, a Revolução é um produto
direto das navegações, da qual não pode ser dissociada. Escreveu o jurista nazista:
“Naquela época, no século XVI, a Inglaterra, ousou dar o passo de uma existência
terrestre para uma existência marítima. A revolução propiciou um passo adicional, em

53
PÉCORA, p. 7.
54
HANSEN, 2006, p. 17.
55
Cf. LUCIANO, 2015; CRUTZEN, 2000; LEWIS, 2015

20
cujo transcurso”, completa, “a Terra foi de novo apreendida e medida. É essencial que a
Revolução Industrial tenha começado no país que havia consumado o passo para uma
existência marítima. Eis aqui o ponto que nos aproxima do segredo do novo nomos da
Terra. Até hoje”, continua o jurista, “um único autor se avizinhou do arcano – Hegel –,
cujas palavras citamos como conclusão deste corolário”, finaliza: “Assim como, para o
princípio da vida familiar, são condições a terra, o chão e o solo firmes, o mar é, para a
indústria, o elemento natural que a vivifica, impulsionando-a para o exterior.”56
Em seu comentário às citadas Máquinas do mundo, João Adolfo Hansen, por sua
vez, conclui que Drummond faz figurar “impossibilidade de existência de transcendência
no capitalismo”57, materializada, por sua vez, na recusa do eu lírico à máquina. Poder-se-
ia, todavia, objetar que a recusa de Drummond é melancólica também porque, na “Elegia
1938” contida em o Sentimento do mundo, avisava-se ao leitor que seu terrível despertar,
ao prová-lo a existência da “Grande Máquina”, conformava-o, isto é, tornava-o
impotente: “Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição/ porque não
podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan” 58. Repele-se a Máquina do mundo na
estrada pedregosa igualmente porque não se pode dinamitá-la, explodindo-a? Por outro
lado, no poema sobre o “Elefante”, este animal ou máscara, na qual se transfigura o eu
lírico, saía “à procura de amigos” e em busca de “um mundo mais poético/ onde o amor
reagrupa/ as formas naturais”59 – precisamente as formas que seriam engolfadas pelas
formas ideais, como a geométrica, próprias da Máquina –, mesmo consciente de que se
dirigia a um mundo “enfastiado/ que já não crê em bichos/ e duvida das coisas” 60 – que
são consideradas, como se lia em “A flor a náusea”, “sem ênfase” –.
A Máquina poderia perfeitamente ser a causa ou mesmo a materialização deste
enfastio, as mãos pensas que avaliam o que perdeu a consciência de sua existência e o
prosseguimento da caminhada uma busca pelo mundo mais poético que reagrupa as
formas naturais ao passo que se mantém, de maneira distraída, irredutível ao
engolfamento pela Máquina e que permite ao poeta não ser controlado. Assim, o rechaço
do eu-lírico de Drummond é, antes, uma anedota de um encontro numa estrada de Minas.
E nisto reside uma distinção entre seu caminho e o de Dante na sua Commedia ao longo
das orbes até a chegada ao Empíreo, pois este seria o ponto máximo no qual culminaria a

56
HEGEL apud SCHIMITT, 2014, p. 47)
57
HANSEN, 2018, p. 310.
58
ANDRADE, 1973, p. 115.
59
Ibidem, p. 115.
60
Ibidem, p. 168.

21
totalidade de sua empreitada como a “pedra no meio do caminho”. Decerto que a
trivialidade da caminhada fora também interrompida pelo evento, e as fatigadas retinas
jamais se esquecerão que no meio do caminho tinha, igualmente, uma colossal Máquina
do mundo, cuja onisciência, tendo outrora expulsado Dante do seu campo de visibilidade
por ser inalcançável ao homem agora, ao contrário, recebe a rejeição do humano: repele-
se uma hermética e sublime ciência que daria a “total explicação da vida” ou o nexo
“primeiro e singular de tudo” mas que também tem seu modo de atualização, qual seja,
uma engenharia que ergue “soberbas pontes e edifícios”, dominando “os recursos da
terra” da mesma maneira que procede com “as paixões e os impulsos”, estendendo-se,
finalmente, a “tudo o que define o ser terrestre/ ou se prolonga até nos animais/ e chega
às plantas”. Tudo isso, ou seja, a totalidade do mundo sensível, portanto, acaba engolfada
“na estranha ordem geométrica de tudo”, que a coloca como “monumentos erguidos à
verdade”. Portanto, subjetivo e objetivo, temperança e redução do mundo à geometria
aparecem como lado de uma mesma moeda, qual seja, um ordenamento que se estende
pelo Globo, dominando-o, reduzindo-o ao novo nomos da terra, o jus publicum eupaeum.
Ora, se Drummond, segundo o estudioso, constata que “em um mundo rebaixado,
banal e restrito aos limites da mercadoria, como o nosso, não há mais lugar para nenhuma
forma de sublime, ainda que”, continua, “seja o sublime do simples conhecimento, e que
só existe o sentimento daquilo que se perdeu definitivamente”, pode-se, seguindo referido
o exemplo da análise de Camões, inferir, diferentemente, ser o caso, sobretudo, de uma
reação à contrapartida concreta daquilo que se quer enquanto pura abstração, isto é, que
sua recusa seja antes aos modos de atualização da infinita potência que é a Máquina do
mundo, sobre as quais o poema é bastante claro – o que permitiu, aliás, leituras muito
particular e historicamente localizadas como, por exemplo, a de José Miguel Wisnik, que
correlaciona a Máquina à atividade mineradora no estado de Minas Gerais61 coeva à
escrita do poema. Portanto, o poeta, se é ele quem vaga pela estrada de Minas, preferiria
não ser engolfado na estranha ordem geométrica de tudo a partir do controle de suas
paixões, insubordinando-se, logo, à dominação que se estende, por sua vez, ao mundo
animal, vegetal e mineral. Dizendo de outro modo: tratar-se-ia menos da frustração frente
à impossibilidade do sublime em meio ao capitalismo que uma recusa ao próprio
capitalismo enquanto uma das variadas cristalizações da sublime ideia de transcendência.

61
Cf. WISNIK, 2018.

22
Ora, e aqui, talvez, esteja a chave para ler a citação de Nuno Ramos ao poema de
Drummond. Pois, ao passo que engendra uma geologia particular, o projeto da Maquina
do mundo, o “dado transparente”, a codificação e exploração do mineral, vegetal e
animal, isto é, do planeta Terra, “bate na trave”, é suspenso pela “palavra manteiga”. E,
com a Máquina transcendente emperrada, emerge a própria terra, os bichos, juncos, os
objetos manufaturados pelo homem, por meio de um contato no qual um não domina o
outro. Ao contrário, apartam-se o tempo todo, embora permaneçam sempre em fricção.
Ou, como dizia Gabriel Giorgi, vem à tona “the figure of the “geological agent, then, is a
trigger of temporalities that do not fit in the inherited distribution between “History”
(social, civilizational, human) and “Nature” (or “natural history”)”, ou seja: “that
distribution— which reproduces the “great divide” between nature and culture— can no
longer accommodate the historical temporalities that would be proper to “geological
man.”62 Se o Antropoceno é uma espécie de metástase, na qual o empresa colonial e o
modo de produção capitalista sugam a Terra indefinidamente até sua autodestruição – e
sua insígnia aqui é a grande Máquina – Ramos, ao considerar com ênfase, como dizia
Drummond, um junco ou um cachorro morto, ensaia não uma Terra livre e idílica, uma
natureza adâmica, mas um outro antropoceno, como diz Giorgi sobre seu trabalho:

At the same time, the moment in which human beings are thought of as
geological agents does not only speak to the impact of human activity
on the planet; it also implies a profound and systematic decentering of
the human, to the extent that the times, scales, and forces of this altered
cosmos – which during at least two centuries were contained in the
modern notion of “Nature”– emerge in the “interior” of what is properly
human: in the domain of the body, of its relations with other bodies, of
the materiality that constitutes us as living beings. Thinking of
ourselves as geological agents implies seeing ourselves reflected in
temporalities that are mineral, material, and biological and that do not
fit into – or let themselves be absorbed by – the chronologies, calendars,
or modulations of the narration that made of the human subject its
unshakeable supposition and the primary framework for intelligibility
– that is, the humanism that for centuries defined the very form of time.
(GIORGI, 2017, p. 87)63

62
Em tradução livre: “A figura do “agente geológico” é, então, um gatilho de temporalidades que não
cabem na divisão comum entre “História” (social, civilizacional, humana) e “Natureza” (ou “história
natural”): essa distribuição – que reproduz a “grande divisão” entre natureza e cultura – não pode mais
acomodar as temporalidades históricas que seriam próprias do “homem geológico”.
63
Em tradução livre: “Ao mesmo tempo, o momento em que os seres humanos são pensados como agentes
geológicos não diz respeito apenas ao impacto da atividade humana no planeta; implica também um
descentramento profundo e sistemático do humano, na medida em que os tempos, as escalas e as forças
desse cosmos alterado – que durante pelo menos dois séculos estiveram contidos na noção moderna de
“Natureza” – emergem no “interior” do que é propriamente humano: no domínio do corpo, de suas relações
com outros corpos, da materialidade que nos constitui como seres vivos. Pensar-nos como agentes

23
I) OBJETIVOS GERAIS E ESPECÍFICOS

OBJETIVO GERAL:

– Pesquisar o livro Junco, de Nuno Ramos, a partir da temática da “Máquina do mundo”


em sua relação com a poesia de Carlos Drummond de Andrade e a tradição literária
ocidental.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

– Analisar a obra Junco, de Nuno Ramos, com destaque a sua referência à “Máquina do
mundo”.
– Analisar a “Máquina do Mundo” na poesia de Carlos Drummond de Andrade.
– Analisar a recorrência do tópico da “Máquina do mundo” em Cícero, Dante e Camões.
– Dissecar a hipótese da “Máquina do mundo” de Camões como efetuação do que o jurista
Carl Schimitt chamou de jus publicum europaeum.
– Analisar a hipótese do Antropoceno delimitando e a literatura de Ramos como projeto
alternativo de antropoceno.

II) RESULTADOS ESPERADOS

A execução do projeto será dividida em duas etapas, constituídas, cada uma, por
um ciclo de um semestre, que se somarão formando um ano de trabalho. A primeira etapa
se consistirá na abordagem de Junco, de Nuno Ramos, e na leitura de sua fortuna crítica.
A partir de então analisaremos sua menção à “Máquina do mundo” de Carlos Drummond
de Andrade, o que colocará a necessidade de uma exame da poética drummondiana a
partir deste recorte. A partir disso analisaremos a recorrência do tópico da “Máquina do
mundo” na tradição literária, mis especificamente em Cícero, Dante e Camões.
No segundo momento, de abordagem mais teórica, pesquisaremos como a
“Máquina do mundo” de Camões pode ser lida como efetuação daquilo que o jurista

geológicos implica nos ver refletidos em temporalidades que são minerais, materiais e biológicas e que não
cabem – ou se deixam absorver – pelas cronologias, calendários ou modulações da narração que fez do
sujeito humano sua suposição inabalável e a estrutura primária da inteligibilidade – isto é, o humanismo
que durante séculos definiu a própria forma do tempo”.

24
nazista Carl Schimitt chamou de jus publicum europaeum. Além disso, finalmente,
analisaremos a hipótese do Antropoceno como consequência desse novo nomos da terra.
Finalmente, concluiremos destacando como a poética de Nuno Ramos, por meio de uma
crítica à “Máquina do mundo”, pode configurar um antropoceno alternativo.
Ao longo destes um ano de trabalho publicaremos diversos artigos que se
relacionam com a pesquisa em revistas acadêmicas com qualificação superior a B2. Ao
final, será redigido e entregue um trabalho conclusivo que dê conta de todo o material
estudado apresentando as conclusões sobre a pesquisa. O autor deste projeto realizará a
sistemática participação em congressos e demais eventos acadêmicos no Brasil, e, além
disso, ministrará cursos e desenvolverá atividades docentes na Universidade que sediará
a pesquisa.

IV) Cronograma

Segue uma proposta de cronograma para o trabalho em conjunto com o


supervisor:

a) Debater com o supervisor maneiras de abordas o objeto e possíveis percursos


para a pesquisa.
b) Produzir ininterruptamente artigos científicos, participar de Eventos
acadêmicos e exercer a atividade docente durante todos os períodos que o autor do projeto
estiver no Brasil. .
c) Redigir e apresentar um trabalho final com o resultado de toda pesquisa.

Período I Período II
[junho 2021 [janeiro 2021 –
Janeiro 2022] junho 2022]

Início das atividades pós-doutorais /


Direcionamento das atividades X

Pesquisa bibliográfica e leituras específicas X X

Desenvolvimento e escrita de artigos


científicos para publicação X X
Desenvolvimento de trabalhos para
apresentação em seminários e colóquios X X

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Período I Período II
[junho 2021 [janeiro 2021 –
Janeiro 2022] junho 2022]

Assistir a cursos, seminários e colóquios que


abordem o universo ampliado da pesquisa X X

Atuação em grupos de pesquisa X X

Organização do material escrito ao longo do x


pós-doutorado para produção de um trabalho x
final

Atividade docente: curso ministrado. x x

Redação do trabalho final conclusivo X

V) Bibliografia da pesquisa

ANDRADE, Carlos Drummond de. Carlos Drummond de Andrade. Poesia completa e


prosa. Volume único. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1973.
CRUTZEN, Paul J.; Stoermer, Eugene F. The Anthropocene. IGBP Newsletter, 41, 2000.
DANTE, Alighieri. A divina comédia. Tradução, comentários e notas de Italo Eugenio
Mauro. São Paulo: Editora 34, 2009.
DAHER, Andrea. A oralidade perdida. Ensaio de história das práticas letradas. Rio de
Janeiro: Civilização brasileira, 2012.
CAMÕES, Luís de. Os lusíadas. Prefácio e notas: Hernâni Cidade. São Paulo: Editora
Abril, 1982.
HANSEN, João Adolfo. “A civilização pela palavra.” In: LOPES, Eliane Marta Teixeira;
FILHO, Luciano Mendes Faria; VEIGA, Cynthia Greive. (Org.). 500 Anos de Educação
no Brasil. 3 edição. Belo Horizonte: Autêntica, 2003a.
_____. “Anchieta: poesia em tupi e produção da alma.” In: Abdala Jr., Benjamin; Cara,
Salete de Almeida. (Org.). Moderno de nascença: figurações críticas do Brasil. 1ed.São
Paulo: Boitempo, 2006a, v. 1, p. 11-26.
_____. “Esquema para Vieira”. In: ROCHA, João Cezar de Castro (org). Nenhum Brasil
existe. Pequena enciclopédia. Rio de Janeiro: UniverCidade Editora, 2003b.
_____. “Máquina do mundo”. In: Teresa. Revista de Literatura Brasileira, n. 19; p. 295-
314. São Paulo, 2018.

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LUCIANO, Dana. “The inhuman anthropocene”. Publicado no blog Avidly, em
22/03/2015. Disponível em: < http://avidly.lareviewofbooks.org/2015/03/22/the-
inhuman-anthropocene/ >

ANDRADE, Carlos Drummond de. Carlos Drummond de Andrade. Poesia completa e


prosa. Volume único. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1973.
CRUTZEN, Paul J.; Stoermer, Eugene F. The Anthropocene. IGBP Newsletter, 41, 2000.
DANTE, Alighieri. A divina comédia. Tradução, comentários e notas de Italo Eugenio
Mauro. São Paulo: Editora 34, 2009.
DAHER, Andrea. A oralidade perdida. Ensaio de história das práticas letradas. Rio de
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Abril, 1982.
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FILHO, Luciano Mendes Faria; VEIGA, Cynthia Greive. (Org.). 500 Anos de Educação
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PÉCORA, Alcir. “O bom selvagem e o boçal (argumentos de Vieira em torno à imagem
do 'índio boçal')”. Revista Lusófona de Ciência das Religiões, v. 13/14, p. 65-76, 2008.

_____. Teatro do sacramento. A unidade teológico-retórico-política dos Sermões de


Antônio Vieira. São Paulo; Campinas: Editora da Universidade de São Paulo; Editora
da Universidade de Campinas, 1994.

27
_____. “Sermões: o modelo sacramental”. In: VIEIRA, Antonio. Sermões. Tomo I.
PÉCORA, Alcir. (Org.). São Paulo: Hedra, 2014.

_____. “Vieira, o índio e o corpo místico”. Acessado em Blog do MIS.


https://artepensamento.com.br/item/vieira-o-indio-e-o-corpo-mistico/ Acessado em
2019.

RAMOS, Nuno. Ó. 3º reimpressão. São Paulo: Iluminuras, 2008.


_____. Junco. São Paulo: Iluminuras, 2011.
SCHMITT, Carl. O nomos da Terra no direito das gentes do jus publicum europaeum.
Tradução: Alexandre Franco de Sá; Bernardo Ferreira; José Maria Arruda; Pedro
Hermílio Villas Bôas Castelo Branco. Rio de Janeiro: Contraponto; Editora PUC Rio,
2014.
VIEIRA, Padre Antônio. Sermões. Tomo 1. Organização: Álcir Pécora. São Paulo: Hedra,
2014.
_____. Sermões. Tomo 2. Organização: Álcir Pécora. São Paulo: Hedra, 2001.

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